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3ª EDIÇÃO

REVISTA DIMENSÃO EDIÇÕES


UBERABA - AGOSTO 2020
2

JORGE ALBERTO NABUT


Nabut, Jorge Alberto
N115f Fragmentos árabes: Dores de Santa Juliana e
Uberaba: memórias do século XX/ Jorge Alberto
Nabut. – 3. ed. – Uberaba, MG: Revista Dimensão
Edições, 2020.
451 p.: il

1. Imigração Libanesa – Triângulo Mineiro. I. Título.

CDD 325.2569209851
Ficha catalográfica elaborada por:
Sônia Maria Resende Paolineli – Bibliotecária CRB-6/1191

FRAGMENTOS ÁRABES
Jorge Alberto Nabut
3ª Edição - Agosto 2020
Planejamento Editorial
Guido Bilharinho
(guidobilharinho@yahoo.com.br)

Capa
Educardo Assis

Edição
Revista Dimensão Edições
Av. Leopoldino de Oliveira, 4464 - Sala 301
38065-165 Uberaba/Brasil

Edições Anteriores
1ª edição
Instituto Triangulino de Cultura, 2001
2ª edição
Instituto Triangulino de Cultura, 2007

Editoração Eletrônica
Gabriela Resende Freire

3
SUMÁRIO
NOTA EDITORIAL
FRAGMENTOS ÁRABES............................................................13

PREÂMBULO
APRESENTAÇÃO........................................................................17
AGRADECIMENTOS.................................................................24
INTRODUÇÃO...........................................................................26
POEMA DO SOBRINHO SÓ......................................................32

ESCAVADEIRA DO TEMPO
OS CHAPADÕES E A URBE..............................................................35
O OLHAR ANTROPOLÓGICO..........................................................39
CARTA DE SESMARIA NO TRIÂNGULO GOIANO.........................41
VÁRZEA DOS CRIOULOS - QUILOMBO.........................................43
DORES DE SANTA JULIANA...........................................................46
Pé na Estrada.......................................................................49
Transporte Rodoviário na Década de 50............................50
O Primeiro Automóvel.........................................................52
Luzes da Cidade...................................................................53
A Faca dos Políticos.............................................................56
Vastas Vistas........................................................................57

VIAGEM À PALESTINA
OS TRILHOS DE ACESSO.................................................................59
PALESTINA........................................................................................61
PALESTINOS EM PALESTINA.........................................................63
ASSIM SÃO AS CAÇADAS.................................................................68

4
AS IMAGENS QUE VÊM DO LÍBANO
SONS ET LUMIÈRES.........................................................................73
ESTRELAS ARDENTES.....................................................................78

TERRA - A JUSTIFICATIVA
ROTA DE IMIGRANTES...................................................................83
Por Que Dores?....................................................................83
Por Que Aqui?......................................................................84
1905.....................................................................................86
Rastros da Saudade.............................................................87
Idas e Vindas........................................................................87
Saudades Sem Banzo...........................................................88
Saudade...............................................................................89
A Másbaha...........................................................................90
Dos Nomes...........................................................................92

VIDA DE MASCATE
O COMÉRCIO AMPLIA OS BENS E AS RELAÇÕES.......................94
Pioneiro................................................................................94
Patriarca...............................................................................97
Gentleman...........................................................................98
As Contas e os Livros...........................................................99
Negocinho..........................................................................100
Entrosamento....................................................................100
Visão de Empresário..........................................................100
Consignatária.....................................................................102
Botinas e Tecidos...............................................................104
Adaptação..........................................................................104

5
Patrimônio.........................................................................105
Medo do Mascate...............................................................107
Mascate e Amigo................................................................107
Contas de Cabeça...............................................................108
Compras Por Caderneta.....................................................109
Compra de Caderneta (poema)..........................................110
Cigarro de Palha (poema)..................................................112
Visita na Sala......................................................................114
Homem-Relâmpago...........................................................114
Irmandade..........................................................................116
Botinas Mateiras.................................................................117
Novos Imigrantes...............................................................120
Emprego nas Safras...........................................................120
Correspondência.................................................................121
Chaffic Ferreira...................................................................121
Nomes Registrados.............................................................121
Destino...............................................................................122
Primos nos Pampas............................................................122

A LIDA DA VIDA
MURO DE TAIPA (O COTIDIANO).................................................127
Amanhecer.........................................................................127
Meias de Seda.....................................................................127
Água do Rego.....................................................................128
Pilão de Pedra....................................................................129
Café Torrado......................................................................129
Privação!............................................................................130
O Negro..............................................................................130
6
Portinari..............................................................................131
Laranja Madura.................................................................132
Mudança de Nome.............................................................132
Dia de Matança..................................................................132
Arixe Maduro.....................................................................133
Metro de Lenha..................................................................134
Sobre o Muro......................................................................134
Bondinho............................................................................134
Apolinária Parteira.............................................................135
Quarentena.........................................................................135
Vaso Noturno.....................................................................136
EXTRAMUROS (USOS E COSTUMES)...........................................137
A Consciência Como Radar................................................137
Algentar..............................................................................138
Sara Visita Sua Prima Hanne Rassi...................................138
Fundão...............................................................................139
Nos Boticários....................................................................139
Os Doutores.......................................................................140
Amarelão............................................................................140
Os Mestres de Lá................................................................142
Os Mestres de Cá................................................................142
Mestras da Palmatória.......................................................144
Um Mal Bíblico..................................................................145
Lendas das “Balinhas de Saliva”........................................146
A Força do Tabanja............................................................147
Dies Irae.............................................................................147
Turquinho!!!......................................................................148

7
Os Viajantes.......................................................................148
O Cargueiro e os Mostruários.............................................151
Valsa da Chegada................................................................151
CHEIRO DA ROÇA...........................................................................153
O Campo Movimentado.....................................................153
O Português Retorcido dos Roceiros.................................153
Capa Ideal...........................................................................154
Fazendeiros e Amizades.....................................................155
Terras Cansadas.................................................................156

DILÚVIO DE FALENAS
POEMAS VISUAIS...........................................................................158
VIDA CULTURAL............................................................................160
Jogo de Damas...................................................................161
Bássara, Gama e Têole.......................................................162
Escritor...............................................................................162
Al Jarida............................................................................163
Texto Vivo..........................................................................163
Ritual de Passagem............................................................165
Dilúvio de Falenas..............................................................166
A Minha Direita Está Vaga.................................................167
A Canção de Juliana...........................................................168
Baladia – A Canção da Terra............................................170
As Painas de Abril...............................................................171
Rua de Capim.....................................................................172
Cinematographo.................................................................173
Benjamin Abraão...............................................................176
Teatro.................................................................................179

8
Banda de Música................................................................180
Os Jardins Geométricos.....................................................181

SINOS E CRISTAIS
RELIGIOSIDADE.............................................................................185
Missa Sem Comunhão.......................................................187
Os Sons de Maio.................................................................189
Coração Santo....................................................................190
Abadia................................................................................190

O PÊ PARADO NAS ESTAÇÕES


ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA................................................................193
APOGEU E DECADÊNCIA..............................................................196
ESTAÇÃO DE ALPERCATAS..........................................................202
NOVA IMIGRAÇÃO.........................................................................203

MEMÓRIA DO MICROCOSMO
(UBERABA)
GAMELEIRA COSMOPOLITA........................................................206
A GAMELEIRA E O CEDRO............................................................210

BARULHEIRA EM UBERABA
UBERABA ABA ABA........................................................................214
JÓIAS DO LÍBANO..........................................................................219
OS SONS QUE VÊM DE UBERABA................................................221
Melodias Portenhas...........................................................222
O Cantor Romeu Féres......................................................225
Os Dançarinos....................................................................227
DOS COSTUMES.............................................................................228
Cigarro de Palha e Cachaça...............................................228
9
Das Carpideiras.................................................................229
Chouf Heda e Majnun........................................................231
DO CONHECIMENTO.....................................................................233
Herança..............................................................................233
Desemboque e Melancias..................................................235
Cultura...............................................................................236
A Ligação dos Libaneses Com as Artes.............................237
Ciências Exatas..................................................................239
Comunicação.....................................................................240
DAS ENTIDADES............................................................................242
Clube Sírio-Libanês...........................................................242
ACIU – Associação Comercial e Industrial de Uberaba...244
SMCU – Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba..244
DA POLÍTICA..................................................................................246
Rua República do Líbano? ...............................................250
Avenida República do Líbano? .........................................252

O REDEMOINHO
BRINCAR DE VIVER.......................................................................256
ESTRELA DA TARDE......................................................................257
O NAVIO NA PRAÇA.......................................................................258
LEMBRANÇAS.................................................................................259
SUMIÇO...........................................................................................260

VASTA COZINHA
UNIVERSO FEMININO..................................................................265
RECEITAS SELECIONADAS..........................................................268
Pão Libanês......................................................................268
Berinjela Assada..............................................................269
10
Quibe.................................................................................271
Esfiha................................................................................272
Malfufe.............................................................................275
Hrisse ou Amrie...............................................................278
Abobrinhas Recheadas....................................................280
Hamsie.............................................................................282
Tabule..............................................................................285
Mahmul............................................................................287
Arroz com Carré de Carneiro..........................................290

OS IMIGRANTES I
(Santa Juliana)
FAMÍLIAS LIBANESAS RESIDENTES EM SANTA
JULIANA......................................................................................292
CIDADES DE ORIGEM E DE ADOÇÃO.........................................295
ABDANUR.......................................................................................296
ABUD................................................................................................301
ÁRABE.............................................................................................304
AZÔR................................................................................................307
CECIN/CECÍLIO…..........................................................................309
DIB….................................................................................................317
ELIAS….............................................................................................321
ESTEPHAN…...................................................................................323
FACURI….........................................................................................324
ISAAC………………………………………………………………………….……….343
KHAULE………………………………………………………………..……………..345
MOISÉS………………………………………………………………….….............348
NABUT……………………………………………………………........................354
NADER……………………………………………………………….....................357
11
PRESENÇA DOS PRIMOS..............................................................358
OUTROS IMIGRANTES..................................................................359

OS IMIGRANTES II
(Estação de Zelândia)
FACURI.............................................................................................361
JORGE..............................................................................................362
TANUS..............................................................................................365

ÁRVORE GENEALÓGICA
FACURI............................................................................................372
ABDANUR........................................................................................373
NABUT.............................................................................................374
KALIL CECIN – CALIXTO CECÍLIO...............................................375
CALIXTO CECÍLIO:UM PATRIARCA À FRENTE DE SEU
TEMPO.......................................................................................398

APENSO
UM TANGO PARA LINEU..............................................................422
OLHAR ÁRABE...............................................................................426
FAMÍLIA DAHER............................................................................428
QUEM É ÁRABE?............................................................................430
NOMES FEMININOS LIBANESES.................................................441
MEMORIAL.....................................................................................443

BIBLIOGRAFIA
Bibliografia...............................................................................444

CURRÍCULO DO AUTOR
Jorge Albert Nabut...................................................................448
12
NOTA EDITORIAL

FRAGMENTOS ÁRABES

São fragmentos (partes, parcelas, vestígios) e são árabes


(no caso, libaneses). O livro de Jorge Alberto Nabut constitui
levantamento de dados, fatos, acontecimentos, pessoas e
famílias libanesas. Porém, não apenas. Além disso, constrói e
compõe criação, mais do que reconstituição, de contexto
humano peculiar, histórico-espacial e especial de confluência
imigratória. Construção e criação não apenas dos fatos,
pessoas e ambientes. Porém, artístico-literária, social e
histórica, aureolada de acentuado e requintado halo poético,
porque Nabut não é só pesquisador, historiador e analista de
seres humanos espacial e socialmente situados, mas, também
– superiormente – poeta. Como o lendário Midas, em que tudo
que tocava virava ouro, Nabut, tudo o que escreve vira poesia,
é poesia.
Há em Fragmentos Árabes, – mais do que arrolamento e
encadeamento de fatos e atos – percepção poético-humana
que, ao mesmo tempo que extrai da realidade vivida e
convivida a essência mais profunda de seu ethos, infunde-lhe
sentido e significado para além do visualizado e do aparente,
fatores que só essa percepção, aliada à inteligência e
sensibilidade, pode criar, construir, fazer.

13
Livro de criação e construção de arquitetura humana e
social, de vidas, movimentos, labores, vivências e convivências,
tradições, lembranças e saudades, solidariedade e amizades,
compõe argamassa que une, solda e solidifica vidas humanas
desligadas de sua origem comum, lançadas para longe da
pátria, dos lares, das famílias, dos espaços memoráveis e
inesquecíveis da infância e da juventude – imperecíveis e
imperiosos. Porém, nunca olvidados, jamais esquecidos, mas,
acrescidos e articulados em novos espaços, povos, idiomas,
costumes, hábitos, lutas, dificuldades, adaptações e, sobretudo,
trabalho, porfia.
Esse, o universo humano coeso, sólido e íntegro erguido,
no livro, com o livro e pelo livro, como escultura e arquitetura
humanas de transplantação, assimilação, integração e
contribuição civilizacional numa simbiótica, harmônica e
enriquecedora junção e conjunção.
Nisso, a cidade de Santa Juliana se alteia, resume e
sintetiza os destinos dos novos fenícios na confluência e
plenitude de vidas, vivências, espaços, povos. Que se integram
para, juntos, partilharem os benefícios, os ônus, labores,
hábitos e costumes do viver, conviver e sobreviver.
Santa Juliana, Zelândia, Palestina, Alpercatas,
transformadas, incorporadas, mitificadas.
Fragmentos Árabes, por reconstruí-las na memória e
construí-las na arte, perenizando-as e eternizando-as poética e
humanamente, consubstancia-se em hino, brasão e símbolo
perenes, eternos.

14
Tudo poderá acontecer com essas localidades no porvir e
já vem acontecendo. Todas as transformações e alterações
ocorridas, ocorrentes e que deverão ocorrer no futuro
incessantemente, após Fragmentos Árabes não terão força de
derrogá-las, olvidando-as, porque, no livro, mercê da
inteligência, da sensibilidade e da arte, tornaram-se
intocáveis, imperecíveis. Para sempre. Como “numa silenciosa
tarde lilás de maio [....] cada som [....] é precioso, por causa do
silêncio acaba se incorporando a cada lugar, como se nada, na
natureza e na humanidade, aluísse, deixando vaga apenas para
o tirocínio, abstração das contas, dos cálculos, dos teoremas da
existência [....] os santos revoam, mulheres colhem rosas”
(Fragmentos Árabes, subcapítulo “Os Sons de Maio” do
capítulo “Sinos e Cristais”).

O Editor

15
JORGE ALBERTO NABUT

FRAGMENTOS
ÁRABES

DORES DE SANTA JULIANA


E UBERABA
(1905-2005)

MEMÓRIAS DO SÉCULO XX

3ª EDIÇÃO
REVISTA DIMENSÃO EDIÇÕES
UBERABA / AGOSTO – 2020

16
PREÂMBULO

APRESENTAÇÃO

O LIVRO DE JORGE ALBERTO

Lineu José Miziara

Em Fragmentos Árabes Jorge Alberto escreveu:

“Quanto à nomenclatura de nomes próprios, bem


diversificados na escrita de cada família, dá-se preferência à
grafia aportuguesada, na medida do possível, evitando
excessos de h, y e k, que tentam dar ao português uma
impossível correspondência com a fonética árabe. Assim, as
diversas maneiras com que se escreve um sobrenome – Facuri,
por exemplo – a opção, nesta obra, é pela forma mais
aportuguesada, evitando variações como Facure, Fakhouri,
Fakhoury.”

Imagino algo parecido com o diálogo abaixo quando meu


avô chegou com a família ao Brasil, em 1914, desembarcando
em Santos:

- “Xu ísmac?”
- “Salim Dalel Shaghuri”

17
- “Uén sakin?”
- “Miziôra. Bas halla ana ma sakin...”
- “Como é seu nome?”
- “Salim (Felipe) Dalel (Elias) Shaghuri (Sem tradução e
sem correspondente fonético para o ghu). A tradução do
nome era obrigatória, mas como aportuguesar Shaghuri?
- “Onde é a sua casa, ou de onde vem?”
- Miziara. Mas agora eu não tenho casa...”

E, com a angústia de toda uma guerra atrás de si, meu avô


Salim Dalel Shaghuri, libanês de Miziara, se transformou em
Felipe Elias Miziara, com pretensão a ter casa no Brasil. De
Santos ao Patrimônio do Rio do Peixe, daí para Veríssimo e, em
1930, a mudança para Uberaba. E, assim, nasci Miziara de
sobrenome.
Hoje, os junguianos teriam em mim um incomparável
objeto de estudos arquetípicos. O inconsciente coletivo e os
cromossomos se juntam nesta emoção de ler o irretocável livro
de Jorge Alberto Nabut.
Alço voo em direção à Corona Borealis, árabes estrelas que
formam a “Kasat al Masakin” ou “Caçarola dos Pobres”, sendo
“Pobres” imprópria tradução para “Masakin”, que significa
efetivamente “Sem Casa”, atualizando, em incontido fluxo de
ideias, o tempo presente dos “Sem Teto” ou “Desabrigados”. A
afetividade árabe vem daí. Desse sofrer de céu aberto, sofrer
desértico, sofrer arenoso e conducente à endogamia. Tios que
não são tios procedem da necessidade de fraternidade, condição

18
essencial para os que querem vencer o inóspito. “Iá áme”,
infância voltada para todos os aduncos narizes, para todas as
espessas sobrancelhas, para todos os salientes malares e para
todos os escolhidos olhos que se tornaram inconfundivelmente
árabes.

Jorge Alberto escreveu:

“A vó Sara, de sapato preto, meias pretas, vestido preto,


lenço preto na cabeça, já está na porta de casa, bolsos do
avental cheios de bala para os pedintes meninos de rua,
carentes de doce, e para os meninos-netos, carentes de
carinho.”

A vó Sara de Jorge Alberto é parâmetro. O preto das vestes


das avós árabes não reflete necessariamente luto, nem tristeza,
nem mesmo capitulação diante da idade. Esse negro, ao
contrário, desveste a mulher árabe de sua vaidade femina,
caracterizando-a, nessa fase de avó, como a sábia guardiã dos
mais novos a quem agrada com tudo que é feito de súcar...
Inspirada percepção do autor! Todo o livro se desfolha aí em
inconstestável demonstração de sensibilidade e de memória.
Abre-se, com o citado parágrafo, o sistema límbico de Jorge
Alberto que, adiante, escreveu:

“Azlol awazili haula qabbil tayhi


Wahawal ahibbati minhu fi saudauhi”.

19
(A censura dos censores anda à roda do meu coração
desvairado. Mas a viva paixão dos que eu amo está na saudá
(isto é, no fundo do coração).
O autor busca a saudade no árabe. E encontra lá o que há
dentro de si. “Saudauhi” no verso citado pode ter acabado com
o mistério etimológico da palavra. Não teriam sido esses
imigrantes de quem o autor conta a história os donos da
saudade? Momento inarredável da guarânia de Mário Palmério
que canta explicações. Jung e Lacan se juntam em bocas de
mastigação forte pelo essencial trigo misturado à carne:
“burghol u láhme”. Lamentavelmente o trigo pode não ter a
doce sonoridade do gh em búrgol.
Jorge Alberto escreveu:
MÁSBARRA
“Aparentemente tranquilos, no final da tarde, sentados
nas cadeiras colocadas na calçada e com o espaldar encostado
nas fachadas de suas casas, cantando músicas que falam da
guerra, da paixão, ou suspirando – Orrr, iá báie! – os libaneses
controlam as emoções, passando, uma a uma, as grossas
contas de nácar do seu másbaha, o terço da paciência.”

A sábia ponderação do autor torna-se evidente. Ele começa


a descrição com o advérbio “aparentemente”. Que árabe se
encontra totalmente tranquilo desde que nasce? Fervilhantes
gens de Ismael no colo de Agar, expulsa de Canaã para cruzar
desertos!

20
GÊNESIS (16)
(3 ASSIM SARA, MULHER DE ABRAÃO, TOMOU
A AGAR A EGÍPCIA, SUA SERVA, E A DEU POR
MULHER A ABRAÃO, O SEU MARIDO, DEPOIS DE
ABRAÃO TER HABITADO DEZ ANOS NA TERRA DE
CANAÃ.
15 E AGAR DEU UM FILHO A ABRAÃO; E
ABRAÃO PÔS O NOME DE ISMAEL NO SEU FILHO
QUE TIVERA DE AGAR.)
Mas por causa da beleza de Ismael, algum anjo invejoso
solicitou a Deus que Sara também tivesse um filho de Abraão. E
assim, nasceu Isaac, causa da expulsão de Agar e Ismael das
terras de Canaã. Fervilhantes gens nos descendentes de Ismael!
O másbaha é tempo que se conta em contas enquanto a língua
circunda o céu da boca por sete vezes... sete vezes antes de se
passar à próxima conta. Másbaha, o rosário da paciência e da
contenção. Másbaha, a história de Ismael e Isaac...

Keterhérac.
Obrigado, Jorge Alberto, por ter escrito Fragmentos
Árabes.

*Lineu José Miziara (Uberaba 05.05.1942-24.09.2005 Uberaba)


Ver crônica do autor sobre Lineu no final do livro.

21
TRÊS GERAÇÕES DE IMIGRANTES.
FAMÍLIA DE ANTÔNIO (ILIÊS) ABDANUR, DE CHAPÉU, TENDO À FRENTE
O FILHO MIGUEL ABDANUR E SUA ESPOSA, SARA RASSI ABDANUR, E SEUS
NETOS JOSÉ (ZECA), AMÉRICO, SALOMÃO, NAGIB, ABRÃO E MARIANA.
DORES DE SANTA JULIANA, 1922. COLEÇÃO DO AUTOR.

- “MEU FILHO, DÊ CÁ MEU NETO”.

22
Nas dobras do novo milênio,
Recontar a própria história
Tem perfil de um prêmio:
Não nos banirmos da memória.

23
AGRADECIMENTOS

Agradecimento especial a José Rassi Abdanur (1906-


1997), registrado com o nome de José Abdanur Rassi (com os
sobrenomes invertidos) sob cuja memória este documento se
fundamenta. Homem de respeitável memória, manteve viva a
consciência e o interesse pela vasta malha familiar.

Agradecimento a Michel Facuri (1898-1974), por ter


preservado na memória o poema com o qual meu avô Miguel
Abdanur saudou seu tio João José Facuri, ao chegar ao Brasil.

Agradecimento a minha mãe, Mariana Abdanur Nabut


(1914-2002), pelo permanente manuseio da memória e da
querência pela família como elo de sobrevivência em situações
difíceis, como é a adaptação dos árabes em solo tropical.

Agradecimento à historiadora Eliane Mendonça Marquês


Resende, à filósofa Elisa Angotti Kosovitch, aos escritores
Guido Bilharinho, da revista internacional de poesia
Dimensão, Lincoln Borges de Carvalho, Pe. Tomás de Aquino
Prata e Lineu José Miziara, todos da Academia de Letras do
Triângulo Mineiro, pelas leituras do texto e pelo apoio dado à
obra.

Agradecimento mui especial ao dinâmico deputado


federal Nárcio Rodrigues, diferenciado político que visualiza

24
em angulação panorâmica as ricas vertentes culturais das
regiões do Triângulo Mineiro e a elas verte seu interesse de
apoiá-las e projetá-las além das fronteiras regionalistas. Ele é
o padrinho e o patrocinador desta obra, que acaba de ser
reeditada. Seu interesse foi decisivo para que isto se fizesse
assim. A ele sou imensamente grato.

E a todos os demais informantes e colaboradores que, de


uma maneira ou de outra, contribuem para que a tradição das
famílias libanesas possa convergir para este trabalho, que
quer ser, de maneira simbólica, uma referência portuária de
todos aqueles que deixaram pátria e família para adubarem,
com o mesmo suor milenar, uma nova terra que os acolhe.

O Autor

25
INTRODUÇÃO

A saga dos libaneses que se aventuram a sair do Líbano,


às vezes fugidos da violência da I Grande Guerra, da repressão
e domínio do Império Otomano, da miséria local e da absoluta
falta de perspectivas, é extremamente significativa. Ela é
recontada nos sertões brasileiros pelos imigrantes que para cá
se dirigem no início do século XX. São os recordadores de
história, recordadores de feridas ainda abertas no sentimento.
Feridas-verdades. Atravessando o Atlântico, as serras e
planaltos brasileiros até Uberaba, no Triângulo Mineiro, os
imigrantes vencem distâncias continentais. A ferrovia é seu
trilho normal para se inteirarem do território brasileiro.
Porém, na ausência do trem de ferro, vencem longas
distâncias, a pé, com a mala de mercadorias às costas,
mascateando. Essa situação se insere diante de indagações das
possibilidades de remanejo do ser humano sobre as mais
distantes e diferenciadas regiões da face da Terra, em busca de
oportunidades em mundos desconhecidos.
A importância de Uberaba, no centro do imenso eixo de
mil quilômetros, Santos – São Paulo – Uberaba – Goiânia –
Brasília, é providencial para compreender-se um pouco a
global aventura dos imigrantes oriundos da Europa, Oriente
Médio e Ásia, pelo Interior brasileiro, no Centro-Sul e no
Sudeste.
Em meados dos Oitocentos, Uberaba se caracteriza como
cidade de boca de sertão, para a qual convergem comerciantes

26
de regiões distantes, em busca de gêneros de primeira
necessidade. A cidade logo se diferencia, antes da virada do
século XIX, quando a ela aportam os trilhos da Companhia
Mojiana de Estradas de Ferro, em 1889, por cujos carros
transitam as últimas novidades do centro político que é a
Corte, o Rio de Janeiro. O trem de ferro traz tantos benefícios
que em nenhuma outra época a cidade será gratificada por
uma transformação de efeito semelhante. A ferrovia é ponto de
convergência e distribuição da capacidade operacional do
imigrante italiano, espanhol, japonês e português e da mão-
de-obra livre, embora não menos árdua, do imigrante libanês.
Na contramão dos acessos, praticamente ilhada, está a
localidade de Dores de Santa Juliana, a 83 km de Uberaba. O
cenário fertilizado pelos rios Araguari e Quebra-Anzol permite
uma produção agropecuária que irá atrair os imigrantes e
servir de pano de fundo para adaptação dos libaneses ao solo
brasileiro. A sociedade local, também arcaica, irá se divergir
quanto à receptividade ao mascate imigrante. O mercador
árabe é, ao mesmo tempo, o distribuidor de informações e
mercadorias a locais inatingíveis, como também, no futuro, o
exportador de produtos agrícolas locais. Toda a rica região,
privada de comunicação, é palmilhada pelo comerciante
árabe.
O foco desta publicação recai sobre a grande colônia
libanesa em Dores de Santa Juliana. Mas a referência a
Uberaba é obrigatória, pois que a cidade, conhecida como
Princesa do Sertão, funciona como estação de chegada,

27
partida, - e morada definitiva – para as famílias libanesas que
trafegam por Santa Juliana, ou dela se afastam,
definitivamente, quando rumam em direção a Uberaba, Pires
do Rio, Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte...
Uberaba é visualizada como referência das famílias que
se instalam em Dores e o melhor reduto de compras para as
casas de comércio – quando não São Paulo – e paradeiro dos
parentes que as ajudam a matar saudades do país de origem.
O parentesco entre as famílias libanesas de Dores amplia
os elos de união entre as duas cidades e faz perceber uma
malha consanguínea que vai se espalhando pelos Estados
vizinhos.
O autor procura reconstituir o cenário e a importância de
Santa Juliana baseando-se na tradição oral, sendo básico,
para isso, o depoimento de José Rassi Abdanur, Zeca e da mãe
Mariana Abdanur Nabut, responsáveis pela maior fatia dos
fatos aqui narrados. Sobre seus preciosos testemunhos, parte o
pesquisador para ampliar a área de ação, recorrendo ao
mesmo método de entrevistas feitas com habitantes de Santa
Juliana, das estações de Palestina e de Santa Juliana
(Zelândia), recorrências obrigatórias de embarque e
desembarque dos imigrantes e de mercadorias para nossas
cidades sertanejas. Porém, os depoimentos são sempre
reescritos, de forma literária ou para-literária, pelo autor da
obra.
É usual, neste trabalho, os tratamentos tio e tia, o que
revela uma intimidade familiar do autor com seus

28
personagens.
A pesquisa incide sobre três gerações: a dos imigrantes,
seus filhos, seus netos. A exclusão da quarta geração se faz
pela quase impossibilidade de mapear os bisnetos, dispersos
por diversos Estados brasileiros.

Líbano-Brasil

Até a data de sua independência política, 1944, o Líbano


faz parte do que se denominara A Grande Síria. Do Líbano e
da Síria saem numerosas famílias em direção à América, daí a
denominação sírio-libanesa às famílias vindas da Síria e do
Líbano. Para a região pesquisada, grande parte das famílias é
de origem libanesa. Por isso, a generalização para libanesa
da massa de imigrantes de origens tão próximas e de culturas
idênticas.
A longa presença do Império Otomano, as intervenções
da França e da Inglaterra, no início do século XX, deixam
marcas profundas na alma libanesa e aqui refletidas.
A quase totalidade deste trabalho havia sido publicada na
imprensa uberabense, no Jornal da Manhã, em 1991, o que
identifica seu perfil evidentemente jornalístico e do qual o
autor não pretende se distanciar.
Quanto à nomenclatura de nomes próprios, bem
diversificados na escrita de cada família, dá-se preferência à
grafia aportuguesada, na medida do possível, evitando
excessos de h, y, k, que tentam dar ao português uma

29
impossível correspondência com a fonética árabe. Assim, as
diversas maneiras de se escrever um sobrenome – Facuri, por
exemplo – a opção, nesta obra, é pela forma mais
aportuguesada, evitando variações como Facury, Fakhouri,
Fakhoury.
Enfim, aqui está uma pesquisa que pela primeira vez se
faz, resultando em material absolutamente inédito. A presente
edição é também um abrir de portas para o conhecimento do
sertão do Triângulo Mineiro e da significativa presença
libanesa nele registrada. O acervo antropológico, o quilombo
Várzea dos Crioulos, a sesmaria, a viagem dos imigrantes, a
aventura dos mascates, a assimilação da cultura brasileira, o
sentimento libanês, cada um destes temas aqui levantados são
focos para novas investidas dos pesquisadores e antropólogos.

Tempo presente

Ouvindo a história dos avós, vendo a trajetória dos pais e


assumindo a sequência dos fatos, compreendemos que as três
gerações – avós, pais e filhos – não significam passado,
presente, futuro. São três facções de uma mesma história que
está sendo narrada e vivida, ao longo de um século, mas
inteiramente ao nosso alcance, no âmbito de nossa existência.
As três gerações podem estar juntas, numa mesma mesa de
almoço ou sentada sob uma mesma parreira, a conversar, e
dessa conversa constar nada menos que um século de vidas.
Daí os acontecimentos aqui narrados desenrolarem-se no

30
tempo presente.
A dificuldade de obter datas de nascimento e morte dos
imigrantes deixa um vazio de informações que, infelizmente,
não foi possível sanar, nesta primeira edição.
De qualquer forma, o desejo de que exista uma parreira
sob a qual você poderá sentar-se e ler este livro é vontade
expressa do autor. Outros desejos se manifestam ao longo da
pesquisa. Sendo assim, faça bom uso dele...

O Autor

31
POEMA DO SOBRINHO SÓ
tio tio meu tio tio
tio tio meu tio tio

assim como
os cavalos alados voam felizardos
sobre o paraíso
e suas rédeas suspensas no ar
im-preciso

assim como
Zam Zam
obedece à mitra de Teba(s)
- reduto sagrado –
nada em mim fenece
o sentimento floresce

assim como assim


nem na China, em Beijim
nem nas Índias, em Cochim
encontrei bondade similar
à sua bondade

meu tio tio meu tio Hanna


venho por parte arte
da senhora minha mãe
Saada – saudades
- saudações e saúde!
Pedir-lhe a bênção
e beijar-lhe a mão e o pão

tio meu tio tio


tio meu tio tio

32
Tradução indireta de um poema composto
em árabe, no início do século XX, na cidade
francesa de Marselha, por meu avô materno,
Miguel Abdanur, para ser declamado frente a
seu tio João José Facuri, com o qual haveria de
se encontrar mais tarde, como de fato se
encontrou, no Brasil, na urbe de Santa Juliana.
O poema foi conservado na família, por tradição
oral e declamado para mim pelo memorialista
Michel Facuri nos anos de 1970. Quanto ao
mote tio meu tio, trata-se de liberdade de
criação do autor.
Este método indireto e livre de traduzir é
criação do poeta russo Evtuchenco e requer um
poeta e alguém que saiba as duas línguas com
as quais se trabalha.

O Autor

33
ESCAVADEIRA DO TEMPO

 OS CHAPADÕES E A URBE
 O OLHAR ANTROPOLÓGICO
 CARTA DE SESMARIA NO TRIÂNGULO GOIANO
 VÁRZEA DOS CRIOULOS – QUILOMBO
 DORES DE SANTA JULIANA

CHAPADÃO. ONDE OS SENTIDOS SE PERDEM.


FOTO DO AUTOR, 1999.
- MESMO FORRADOS DE SOJA, OS CHAPADÕES DEIXAM VER
SEUS VASTOS VAZIOS EVOCATIVOS DA PRESENÇA DOS LIBANESES,
PERCORRENDO-OS A PÉ, COM A MALA ÀS COSTAS OU A CAVALO,
EM NOITES DE TEMPESTADE, SEM CAMINHOS DIVISÍVEIS OU
POUSO PRÓXIMO.

“Eis por que, recuperando a figura do cronista contra a do


cientista da história, Benjamin afirma que o segundo é uma voz
despencando no vazio, enquanto o primeiro crê que tudo é
importante, conta e merece ser contado, pois todo dia é o último
dia. E o último dia é hoje.”
(Ecléa Bosi. Memória e Sociedade – Lembrança de Velhos. 3ª edição. São Paulo, Companhia
das Letras, 1994)

34
OS CHAPADÕES E A URBE

1958 – O carro do tio trepida sobre as costelas-de-vaca da


estrada de terra. Uberaba vai ficando pra trás, embaçada nas
nuvens de poeira alvoroçadas pelas rodas do carro arredondado
e preto, ainda importado. Nesta época do ano os caminhões
lotados de sacaria de arroz, milho e feijão não atolam nas
estradas, mas enfrentam as bacadas provocadas pela
buraqueira. A seca toma conta do mundo e espanta uma poeira
que cobre a paisagem, seca a garganta e colore o cuspe da gente
de vermelho.
Passagem pelo lugarejo de Santa Rosa tem revoada de
pássaro-preto sobre a capela e máquina de arroz soprando
palha levinha sobre o terreiro.
Estação de Almeida Campos descampa sua paisagem
horizontal. Só uma ave pode teimar esse destino de régua ou
esse compasso teimando em delimitar as fronteiras do chão com
o céu. Guaraná e pão com salame na venda à beira de estrada,
onde somos atendidos por William Pális, libanês que lê autores
franceses nesses sertões desgarrados enquanto prepara
mudança para São Paulo, onde vai editar, em gráfica da Rua 25
de Março, jornal que defende a criação da Grande Síria,
segundo a ideologia do líder Zaim (Autun Saad), que sonha
construir um grande Estado árabe e acaba fuzilado no Líbano.
Os usca lida da estação de trem de ferro armam paredes
verdes que se movimentam com ventanias frente aos
chapadões.

35
A Usina Pai Joaquim demorando a chegar. Antes que
chegue, a temperatura vai esfriando no sombreado das grandes
árvores que começam a cobrir a rodovia. Um barulho distante
faz trepidar o chão e na curva a estrada traz, de surpresa, a
ponte de concreto com seus globos de vidro leitoso de
iluminação. À esquerda, a cachoeira desaba, branquinha, no ar,
funda e afunda no Rio das Velhas, sujo de barro, peixes, linhas
de anzóis, ramas sem rumos... Debaixo da ponte, nas pedras
altas que a água trivial não alcança, o piquenique diverte a
família, que conversa com pescadores.
Visto de cima, o carro parece um besouro perdido no chão.
A estrada segue silente. Vamos viajando para o passado.
Apertada, na condução calorenta, a família reza o terço tirado
por tia Labibe, cantando os mistérios gozosos entre cada
dezena. Tio Jorge, sem chapéu, por causa da reza. Acabou o
terço, vêm os agradecimentos:

Infinitas graças Vos damos


Ó soberana Rainha
Pelos benefícios que todos os dias
Recebemos de Vossas mãos liberais.
Dignai-Vos agora e para sempre
Tomar-nos debaixo de Vosso poderoso amparo
E, para mais Vos agradar,
Vos saudamos com uma “Salve Rainha”:
Salva Rainha, Mãe de misericórdia!
Vida, douçura, esperança nossa, salve!

36
A Vós bradamos, degredados filhos de Eva...
A estrada sacoleja a gente e o chapadão. Agora, é ficar
atento. Vista presa no horizonte. Lá na frente. Vamos ver quem
logo vê a cruz no teto da Matriz. Aponta quem ver primeiro.
Vamos ver!, vamos ver!... Alá! Alá! É a cumeeira da Igreja Nossa
Senhora das Dores que, da estrada, é a construção que primeiro
se avista da cidade de Dores de Santa Juliana, onde o calor
parece desabafar. Mais na frente, uma casa, bananeiras, outra
casa entre mangueiras parrudas e vai-se avistando um muro de
taipa, bambuzais e aos poucos, foto por foto, o pequeno burgo
se revela como um álbum de recordação.
Já perto da cidade, o tio buzina três vezes. O suficiente
para as perdizes dançarem um trajeto incerto e confuso de
quem acaba de ser espantado do ninho. Costume certo de
buzinar para avisar nossa chegada a moradores e parentes que
começam a abrir janelas, as panelas e os corações para a gente
passar... para a gente chegar. Crianças e cães se movimentam,
entre gritos e latidos, tirando as ruas do sono e acionam a
sonoplastia do lugar. Nossa chegada é barulhenta para o
silêncio que permeia a paisagem de ruas e árvores e que faz
parecer pintura a pastel o que se avista.
A vó Sara – ansiedade e ternura – de sapatos pretos, meias
pretas, vestido preto, lenço preto na cabeça, já está na porta de
casa, bolsos do avental cheios de bala para os pedintes meninos
de rua, carentes de doce, e para os meninos-netos, carentes de
carinho.
O carro se aproxima dela e faço uma fotografia, de

37
memória.
Antes de entrar na casa de minha avó, com a câmera
cinematográfica da memória, vou filmando a história desta
cidade, ainda sentindo o cheiro de BHC que antecipa as portas
sempre abertas de nossas antigas residências. O BHC mata e
espanta escorpiões, cobras, aranhas, ratos, barbeiros.
Os pães franceses são o agrado que levamos à avó Sara,
enquanto reconhecemos a sala de visitas, o mobiliário art-déco,
os grandes retratos inclinados nas paredes, a gravura italiana do
Sagrado Coração de Jesus, o volumoso rádio, que insiste em
pegar emissoras da Alemanha e da Inglaterra, a cozinha
enfeitada de alumínios. As vistas para o quintal são fotogramas
do Cinema Novo, sol deixando a visão esbranquiçada. O cheiro
forte das mercadorias que se empilham no armazém de meu avô
Miguel, ao lado, o arame farpado, a cachaça, o feijão ensacado, o
fumo de corda, fazem da casa de meus avós uma referência da
vida solidária, e do comércio, na praça principal da cidade.

38
O OLHAR ANTROPOLÓGICO
Olhar para a praça é sentir a poeira do tempo baixar sobre
a cidade...
A pré-história, em Santa Juliana, é visualizada no acervo
precioso do informado Sr. José Augusto de Oliveira, mais
conhecido como José Augusto Terêncio. Filho do fazendeiro
Augusto Terêncio (cujo nome correto é Augusto Carneiro de
Oliveira) e neto de José Terêncio Carneiro de Mendonça, vindos
de Paracatu e aqui proprietários do belo engenho produtor de
famosa pinga Terenciana. O Sr. José Augusto Terêncio é
diplomado no Rio de Janeiro nos anos 1940. Em criança, dá
início à formação, em sua residência, de um acervo de peças
arqueológicas em pedra polida – pênis, raros em qualquer
coleção, almofarizes, mãos de pilão, lâminas de madeira,
bordunas, etc. – testemunhos das sociedades indígenas, ativas
no vale do Paranaíba, no período pré-histórico.
Desta forma, “Terêncio inova o olhar dos grandes
proprietários de terra no Triângulo Mineiro, com atitude
cultural”, como vê a antropóloga Márcia Angelina Alves
[Depoimento de Márcia Angelina Alves ao autor. Uberaba,
1990], doutora em Antropologia Social pela USP, cujas teses de
mestrado e doutorado são análises dos sítios arqueológicos de
Perdizes, Centralina e Guimarânia, próximos a Santa Juliana.
“A sensibilidade do Sr. Terêncio”, afirma Márcia Angelina,
“diante dos artefatos e a sua visão ao formar a coleção
colocam-no como figura de vanguarda, diante de nosso
passado remoto. Cria um espaço museológico e pedagógico em
39
sua residência, que permite um conhecimento do passado pré-
histórico, formado por populações sem escrita e extintas em
processos de sedentarização, com horticultura, domínio do
fogo, produção de peças cerâmicas – utilitárias e funerárias –
construções de habitações circulares – cabanas – sustentadas
por troncos de árvores e cobertas com materiais vegetais.
Assim, a ação do Sr. Terêncio ultrapassa os limites de um
colecionador (ele tem o hábito da leitura e possui uma
biblioteca), proporcionando aos triangulinos e demais
brasileiros a preservação da memória histórica de nossa
região e o resgate de nossa ancestralidade indígena”, conclui a
Dra. Márcia Angelina Alves.

JOSÉ AUGUSTO TERÊNCIO E SUA


COLEÇÃO DE PEDRAS INDÍGENAS POLIDAS:
MACHADINHAS, PILÕES, MÃOS DE PILÃO,
FALOS, MIRUANAS, QUE SÃO PEDRAS DE
SACRIFÍCIO, PONTAS DE FLECHA, MACETES,
PEDRA PARA MOLDAR PANELAS DE BARRO.
SANTA JULIANA, 1999. FOTO DO AUTOR.
40
CARTA DE SESMARIA NO
TRIÂNGULO GOIANO

As primeiras notícias que chegam de Santa Juliana


remontam ao século XVIII, quando Davi Teixeira Godinho
recebe do Governador de Goiás sua sesmaria no Julgado do Rio
das Velhas (Rio Araguari), no sertão da Farinha Podre, região
da Província de Goiás. Até 1748, o Triângulo é parte integrante
da Província de São Paulo, quando passa a integrar-se a Goiás.
Por decreto de Dom João VI, em 1816, deixa de pertencer a
Goiás para se integrar a Minas Gerais. Em 1884, a região entre-
rios passa a se denominar Triângulo Mineiro.

Um trecho da carta de sesmaria, aqui transcrito, dá idéia


da vastidão das fazendas antigas, dimensionadas em léguas
(légua de sesmaria, 6.600 metros), do procedimento para
ocupação da terra e período em que esta ocupação se inicia.
“Tristão da Cunha Menezes do Conselho de Sua
Magestade Fidelicima Governador e Capitão General desta
Capitania e Minas de sua Repartição Va. Faço saber aos que
usca lid minha Carta de Sesmaria virem que tendo
consideração amereprezentar porçeu Requerimento David
Teixeira Godinho morador no Julgado do Rio das Velhas desta
Capitania que nos Sertoins usca l Continente Seacha vao
terras devolutas e Incultas aonde e lhe pertende situarce e
estabeçer Sua fazenda de gado vacul e cavalar e porque a não
podia peçuir sem legitimi Titullo de Sesmaria emepedia que na
41
forma das ordens de Sua Magestade lhe usca lida
naparagem denominada Ribeirao(e) de Santa Julianna
confrontando com a Sesmaria de Manuel Fraçisco Barros o
moso usc rumo que Seachar usc legoas de terras de
comprido ehuma-de largo de bayxo das confrontaçoins que
sitio da usca l(e) seachar fazendo peam aonde mais armas
SeComprira Inteyramente Como nella Se contam Regystado se
na Secretaria deste Governo eaonde com vinente lhe usca
(...) lhemandei paçar usca lid que por mim a Sinada
eSelada como Sello de minhas mais tocar dada emvilla Boa de
Goyas aos oyto du Novembro de mil eSete sentos enoventa
edous Ignacio Joze Alvares de Oliveyra Secretario do Governo
(...)”.[Departamento de Documentos Raros da Fundação
Calmon Barreto, Araxá]

MAPA CONCEBIDO PARA O ESTADO DO TRIÂNGULO.


SPPC. SANTA JULIANA, SITUADA ENTRE OS MUNICÍPIOS DE NOVA
PONTE, PEDRINÓPOLIS, PERDIZES E SACRAMENTO.

42
VÁRZEA DOS CRIOULOS – QUILOMBO

Ainda fora do mapeamento dos antropólogos e


historiadores, o quilombo Várzea dos Crioulos, no entanto, se
mantém vivo na memória de moradores da antiga Crioulos,
cidade de Pedrinópolis, no Triângulo. É improvável que tenha
sido ramificação do vasto Quilombo Campo Grande, que se
expandiu pelas vertentes do Rio Grande, no século XVIII, mas é
possível que tenha se formado a partir dos desmembramentos
do Quilombo do Ambrósio, chamado de Tengo Tengo [opinião
de Maria Aparecida Rodrigues Manzan, então diretora do
Arquivo Público de Uberaba], que ocupa vasta área do
Triângulo Mineiro, no século XIX, quilombos estes fartamente
registrados por Tarcísio José Martins [Tarcísio José Martins,
Quilombo do Campo Grande. A História de Minas Roubada do
Povo, Editora Gazeta Maçônica, São Paulo, 1995] e Carlos
Magno Guimarães [Carlos Magno Guimarães, A Negação da
Ordem Escravista, Editora Ícone, São Paulo, 1988] inscritos
entre os maiores quilombos do país. Mais uma vez, a tradição
oral nos ajuda a recompor fatos históricos. O Sr. José Severino
Carneiro [depoimento de José Severino Carneiro, Nenê, ao
autor. Uberaba, novembro de 1999, (1907 -)], prefeito de Santa
Juliana (1950–1954) e de Pedrinópolis (1967-1970), na infância,
interrogava seu avô Severino José Carneiro, natural de
Formiga/MG, sobre a origem da denominação Crioulos.
O avô, que adquire uma sesmaria na região de Santa

43
Juliana, em outubro de 1836, de um senhor de Franca/SP, lhe
responde que, na época da escravatura, os maus-tratos dados
aos negros resultam na fuga de vários deles para uma várzea,
cheia de matas, localizada a 16 km de Santa Juliana, onde
podem construir seus ranchos com segurança. Ali eles sentem-
se protegidos de seus donos e dos feitores. O local fica
conhecido como Várzea dos Crioulos. Não há notícias de
violência para liquidar o reduto dos negros foragidos, mas o
lugar parece poder se caracterizar como quilombo, sendo ainda
evidente a mistura de raças entre vários segmentos da sociedade
daqui que ali se formaria, deixada como herança genética.
Quanto à denominação Pedrinópolis, trata-se de
homenagem a Pedro Rodrigues da Costa, um dos primeiros a
ocupar a região.
Os imigrantes libaneses também habitam em Pedrinópolis
no início do século XX, onde reside a família de Marta e Elias
Ferreira (Facuri), entre outras.

44
FROND, VICTOR, ESCRAVOS (RJ), 1858.
ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL,
COLEÇÃO ANTOLOGIA FOTOGRÁFICA, DAZIBAO.
NA GRAVURA, AS ESCRAVAS DESCANSAM DA FAINA CATANDO
PIOLHO UMAS NAS OUTRAS. FAZEM LEMBRAR AS NEGRAS NO QUINTAL
DA CASA DE MEU AVÔ, MIGUEL ABDANUR, ESTENDIDAS SOBRE UM
ENCERADO, A DESCASCAR E DEBULHAR ESPIGAS DE MILHO, SOB SOL
INTENSO. “REMEMORAM” ATIVIDADES DO QUILOMBO NOS DIAS
ARCAICOS DE SANTA JULIANA

45
DORES DE SANTA JULIANA

Em meados do século XIX, Dores de Santa Juliana é lugar


típico mineiro, com gente que planta arroz, milho, feijão,
mandioca, seus principais produtos, mais cana (para a pinga de
engenho e açúcar mascavo), e produz leite, queijo, farinha, fubá,
polvilho. Em 10 de outubro de 1851, Dores é distrito de São
Miguel do Araxá. A Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores é
construída em 1863, dispensando as torres. Em frente da
Matriz, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, mais antiga, um
centro de devoção, dança, cantoria, religiosidade e algaravia dos
escravos e filhos dos escravos.
O povo habitando e se habituando ao derredor destas
igrejas brancas. Vida vivida em torno dos santos, dos sinos, dos
frades. Em 15 de novembro de 1874, o lugar é considerado
Paróquia. Em 17 de dezembro de 1938 é criado o município de
Santa Juliana, desmembrado do de Araxá, e sua instalação se dá
em primeiro de janeiro de 1939. Situado no Alto Paranaíba,
região de Minas Gerais, encostado no Triângulo Mineiro e dele
apenas burocraticamente desvinculada para enfraquecer
movimentos separatistas triangulinos, que sempre vêm à tona
desde os fins do século XIX, o município de Santa Juliana tem
1.063 km quadrados de área, em 1950. Na divisão territorial do
Estado, decretada pela lei número 336, de 27 de dezembro de
1948, são criados os distritos Zelândia e Pedrinópolis, elevado a
cidade em 30 de dezembro de 1962 e efetivado em março de
1963, que lhe subtrai 341 km2, ficando Santa Juliana com 722

46
km2. A sede municipal está situada a 972 metros de altitude e
tem como coordenadas geográficas 19º 18´ 33´´ de latitude sul
e 47º 31´39´´ de longitude W. Gr.. Dista de Belo Horizonte,
capital do Estado, em linha reta, 385 quilômetros, na direção
O.N.O. Santa Juliana apresenta, em graus centígrados, as
seguintes médias de temperatura: das máximas – 26º; das
mínimas, 7º centígrados. Ao norte, o município de Santa
Juliana divisa com Nova Ponte e Monte Carmelo; a leste com
Pedrinópolis e Perdizes; ao sul com Perdizes e Sacramento; a
oeste com Nova Ponte. [Enciclopédia dos Municípios Mineiros,
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 1959].
Os dados do recenseamento de 1950, ainda com
contingente árabe, revelam a população do município com
9.820 habitantes. Estimativas do Departamento Estadual de
Estatística de Minas Gerais dão 10.421 habitantes, como sua
população provável em 31 de dezembro de 1955, quando a
densidade demográfica seria de 10 habitantes por quilômetro
quadrado. A sede do município tem então 1.187 habitantes (563
homens, 624 mulheres), a vila de Pedrinópolis 592 habitantes
(290 homens, 302 mulheres), ficando 8.041 pessoas na zona
rural. Em 1999, a população é de 11 mil habitantes, a grande
maioria residindo na cidade. [Idem, idem].

47
DORES DE SANTA JULIANA. PRAÇA DA MATRIZ, OU PRAÇA
FLORIANO PEIXOTO. AO FUNDO, MATRIZ DE N. SRA. DAS DORES.
DÉCADA DE 1930. POESIA PEGA NO AR. FOTO – JAIR.
COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE.
A ÚNICA PRAÇA DA CIDADE É CENTRO DE TODOS OS
ACONTECIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICOS E RELIGIOSOS, MAS É
SOBRETUDO DO COMÉRCIO QUE LHE EMPRESTA A ATIVIDADE MAIS
IMPORTANTE, POIS QUE É SOBREVIVÊNCIA.

RUA DO COMÉRCIO, VENDO-SE AO FUNDO A PREFEITURA E À


ESQUERDA A CASA DE MEU AVÔ, ANTES DA REFORMA. RUA CHEIA DE
CRIANÇAS. INFÂNCIA MULTIPLICADA. DORES DE SANTA JULIANA,
DÉCADA DE 1930. COLEÇÃO ÉZIO BORGES DE SOUSA.
- AS BOAS CHANCES DE COMÉRCIO É QUE TROUXERAM OS ÁRABES
À CIDADE DISTANTE DA FERROVIA.

48
PÉ NA ESTRADA

Nos primeiros tempos, para se viajar daqui de Dores, para


Uberaba, tem-se de ir, primeiro, para Araxá, pela estrada de
terra, de Tiel Botelho, que liga Uberaba a Araxá. Estrada
particular que, para ser utilizada, deve ter pedágio pago, mais a
taxa de travessia na balsa do Rio das Velhas, que mais tarde se
chamará Rio Araguari. Controla a saída da cidade um
funcionário instalado próximo à porteira fechada a cadeado.
[Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor. Uberaba, 1980]
João Severino Gonçalves busca atalho e abre uma estrada,
dele, de Dores até o Ranchinho, passando por Salto e Bom
Jardim, até a estrada de Tiel Botelho. Construção feita à base de
enxada, enxadão, picareta e alavanca para retirar as pedras do
caminho, numa época em que o trator é impensável e os
primeiros carros começam a trafegar por aqui. É João Severino,
o segundo cidadão a possuir uma condução, um Ford-de-
bigode, e é ele quem influencia na construção da estação da
Estrada de Ferro de Santa Juliana, mais tarde estação de
Zelândia, em 1926, em local mais próximo da cidade, isto é, a 30
km, onde havia apenas uma chave da ferrovia. [Idem, idem]
Mais tarde, Tiel Botelho e João Severino vendem suas
estradas ao governo. Salomão Abdanur lembra-se bem de sua
ida a Araxá com um grupo de cidadãos para solicitar do prefeito
que indenize a viúva de João Severino, Sra. Maria Augusta
Gonçalves, pela cessão de uma das estradas. Essas estradas, a
partir da década de 1920, dão também acesso aos libaneses para

49
chegarem, de caminhão e de trem, a Dores de Santa Juliana.
[Depoimento de Salomão Abdanur ao autor. Uberaba, 1998]

TRANSPORTE RODOVIÁRIO
NA DÉCADA DE 50

“- 1951 – Transportes Rodoviários – A cidade é servida


por duas linhas de ônibus que a põem em comunicação com
Uberaba (84 km). Vindo desta cidade nas segundas, quartas e
sextas-feiras passando por Almeida Campos (32 km), e
chegando a Santa Juliana às 17 h, segue até Araxá, de onde
volta a Uberaba, nos dias seguintes – terças, quintas e
sábados, às 7 h da manhã. As passagens custam C$ 15,00 para
Almeida Campos (estação ferroviária da RMV – Rede Mineira
de Viação) e C$ 35,00 para Uberaba.

- Em dias alternados há outra linha de jardineiras para


Perdizes e Patrocínio, respectivamente 32 e 104 quilômetros,
custando as passagens C$ 20,00 e C$ 50,00. Para Araxá, C$
35,00.

Automóveis e Caminhões – Neste período, estão


registrados no município: 43 veículos motorizados, a saber: 17
automóveis, 20 caminhões, 3 caminhonetes, 3 motocicletas. Há
80 carroças matriculadas.” – [Livro Azul do Triângulo
Mineiro, Suplemento anual da revista Zebu, Uberaba, 1951]

50
O Expresso São Luís Automóveis, da cidade de
Sacramento, faz várias conexões de Santa Juliana com
municípios vizinhos. Para abastecerem os veículos, os
motoristas recorrem à bomba de gasolina instalada na praça
principal, Floriano Peixoto, de propriedade do empresário José
Miguel Árabe.

OS RAROS CAMINHÕES, AINDA IMPORTADOS, TRANSPORTAM A


SAFRA, O GADO, AS MERCADORIAS E CONDUZEM AS PESSOAS.
SACOLEJO. DIFICULDADES. LENTIDÃO. SANTA JULIANA, DÉCADA
DE 1940. COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE.

51
O PRIMEIRO AUTOMÓVEL

O primeiro automóvel a entrar em Santa Juliana, é um


Fiat, do Dr. Virgílio Horácio de Abreu. Parece um carro de dois
andares, de tão alto. Embreagem e mudança de marchas do lado
de fora. A direção do lado direito: um veículo importado da
Inglaterra. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor.
Uberaba, 1980]
Para se transitar pelo município tem-se 230 quilômetros
de estrada de rodagem, dos quais 20 quilômetros se acham sob
administração estadual, 93 quilômetros sob a municipal e os
restantes são particulares. Em 1955, são resgistrados pela
prefeitura os seguintes veículos: 26 automóveis, 10 camionetes,
30 caminhões. [Livro Azul do Triângulo Mineiro, suplemento
da revista Zebu, Uberaba, p. 33]

OS CARROS PASSEIAM FRENTE AO CASARIO COLONIAL,


FUNDINDO TEMPOS TÃO DÍSPARES.
SANTA JULIANA, DÉCADA DE 1940.
COLEÇÃO ÉZIO BORGES DE SOUSA.

52
LUZES DA CIDADE

Primeiro, a energia elétrica chegou aqui em 1926, vinda da


Usina do Coelho, em trabalho pioneiro de Natinho Cordeiro –
Cicinato Cordeiro Tupinambá, natural de Conquista, Triângulo
Mineiro – que traz de sua cidade natal uma máquina alemã, de
segunda-mão e a instala em uma das cachoeiras do Ribeirão de
Santa Juliana, na fazenda do José Coelho. O interesse de
Natinho pelas inovações o faz também pioneiro no incentivo de
plantio das grandes lavouras de arroz na região nos anos de
1930. Em seguida, a Usina do Coelho passa para as mãos de
Pedro José de Oliveira, chamado Pedro Marçal, e entra, tempos
depois, em decadência.
Em 1959, a energia passa a vir da Usina do Pião, também
de particular, obra de Jarbas de Oliveira Carneiro, na fazenda
do Pião, de Severino Carneiro. [Depoimento de José Rassi
Abdanur ao autor. Uberaba, 1980]
Por volta de 1926, os moradores de Dores recebem luz
elétrica. Natinho Cordeiro é o primeiro a comprar um rádio.
Espanto e encanto com a novidade. Ficam os moradores se
perguntando onde é que se esconde o locutor, o artista que está
ali dentro, cantando. Olham atrás do rádio, dentro do rádio... e
nada! [Idem, idem]
Graças à energia elétrica, a indústria vigente no município
é a da transformação e beneficiamento de produtos agrícolas, o
que tem a ver com a presença dos imigrantes libaneses, tanto na
cidade quanto na estação de Zelândia, com suas máquinas de

53
beneficiar arroz. Nos anos de 1950, a cultura mais importante
do município é a do arroz, que representa 43,86% do valor total
da produção agrícola, vindo em segundo plano a do milho.
Nesse mesmo período, 37,61% da população, acima de 10 anos,
está diretamente envolvida com a agricultura e a pecuária.
A cidade tem então 244 edificações, 151 delas servidas de
luz elétrica; 26 logradouros públicos, sendo 15 deles iluminados
com energia elétrica. [Enciclopédia dos Municípios Mineiros,
op. cit., p. 31]
Em 1999, às vésperas da Festa de Nossa Senhora
d´Abadia, 14 de agosto, Santa Juliana tem ruas planas e
asfaltadas com movimento de ciclistas de todas as idades,
principalmente jovens.
O supermercado, o “sacolão” de verduras e legumes, a
agência do Banco do Brasil, mas quase nada nos remete à
cidade histórica dos tempos da imigração. Edificações
demolidas e descaracterizadas deixam-nos sem referências
históricas. O crescimento da urbe nos deixa perplexo. À
mutação urbanística corresponde à debandada dos imigrantes.
Agora são os migrantes paranaenses e gaúchos que
movimentam a economia da cidade, cobrindo de soja as
fazendas praticamente improdutivas e os chapadões
abandonados.

54
AS TARDES SÃO LONGAS SUFICIENTEMENTE PARA DILATAR O
MOVIMENTO DA RUA DO COMÉRCIO. AO CENTRO, TIO ZECA.
- OS POSTES DE ILUMINAÇÃO, DE AROEIRA, SALPICAM LUZES DE
AÇAFRÃO PELAS MELHORES RUAS DE SANTA JULIANA.
DE DIA, AMPLIDÃO E ACONCHEGO.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA JULIANA.


OFICIALIDADE CASEIRA. DÉCADA DE 1940.
COLEÇÃO ÉZIO BORGES DE SOUSA.
DURANTE MUITO TEMPO, O ÚNICO SOBRADO DA CIDADE,
APÓS A DEMOLIÇÃO DOS DOIS OUTROS COLONIAIS.

55
A FACA DOS POLÍTICOS

Época dos coronéis. Jacquistas X Ferreiristas. Esses dois


partidos dividem os eleitores, dividem a cidade, dividem as
famílias, dividem as amizades, dividem o progresso, dividem as
opiniões, dividem, quando não subtraem sangue de um
indivíduo numa discussão sobre política. Jacques Montandon
(UDN) é o chefe político dos jacquistas, e o Cel. José Adolfo
Portela de Aguiar (PSD e os simpatizantes do PTB), é o homem
forte dos ferreiristas. São os dominadores da política em Araxá,
onde dividem os votos, tanto lá quanto cá, como em qualquer
outra cidade brasileira que escreve com sangue, através de
jagunços, a história do poder. A cada pleito os versinhos
populares animam as rodas e correm de boca em boca.
[Depoimento de Vera Júlia Alzira Abud ao autor. Santa Juliana,
outubro de 1991]

Tango, tango, tango, olelê,


É de rapadura.
Quem ganhou a eleição, olelê,
Foi o Perna-Dura. (Jacquista)
Tango, tango, tango, olelê,
É de abacate.
Quem ganhou a eleição, olelê,
Foi o Zé Goulart. (Ferreirista)

[Depoimento de Maria Árabe Boaventura ao autor.


Uberaba, 1990]

56
VASTAS VISTAS

O final do século XX oferece mudanças radicais na zona


rural de Santa Juliana. Os fazendeiros tradicionais arrendam
suas terras para os agricultores sulinos, paranaenses e gaúchos
principalmente, que investem no plantio de grande quantidade
de soja – lavouras que se tornam economicamente viáveis, pelo
volume de insumos aplicados, ocupando um solo plano, que
permite aproveitamento total da área plantada.

57
VIAGEM À PALESTINA

 OS TRILHOS DE ACESSO
 PALESTINA
 PALESTINOS EM PALESTINA
 ASSIM SÃO AS CAÇADAS

ESTAÇÃO DE PALESTINA, FINS DO SÉCULO XIX.


ACERVO DO MUSEU FERROVIÁRIO DE JUNDIAÍ, SP.
DESDE A CONSTRUÇÃO DO TECHO DA MOJIANA ENTRE UBERABA
E UBERLÂNDIA (1895) ATÉ A CHEGADA DA FERROVIA OESTE DE MINAS
(1926), FOI O ACESSO MAIS PRÓXIMO DE SANTA JULIANA.
GENTILEZA MÁRI DE LUNA

58
OS TRILHOS DE ACESSO

Na divisa de São Paulo com Minas Gerais, na barriga do


Triângulo Mineiro, desenhada pelo Rio Grande, a estação de
Jaguara, toda bonitona, imponente senhora inglesa, expõe sua
alvenaria vermelhona, as vergas potentes da ferragem a criarem
na fachada da gare a alpendrada que se sustenta no ar. A
locomotiva bufa e assopra com força a fumaça negra que obriga
aos homens o uso do guarda-pó. Lavouras, matas e colônias de
imigrantes se sucedem, cobrindo a terra considerada de cultura,
da melhor qualidade. Daí, vêm as estações de Engenheiro
Lisboa, que mais parece pintura de Djanira, Guaxima,
Conquista – a cidade filha da ferrovia – Cipó, que é pra onde
vem o bonde de Sacramento, Erial, depois Tancredo França
(daqui dá pra ver o café secando nos terreiros calçados de
pedra), Paineiras, que depois se chamaria Peirópolis – os
dinossauros guardados nas caieiras – Uberaba, edificada entre
córregos, mangueiras, lichias. Ainda há quem se lembre do
Conde d´Eu, vindo para a inauguração desse trecho tronco da
Mojiana, no último ano do Império.
Mas, o que se percebe com o levante do século da
computação são os italianos vindos, de compromisso assinado,
contratados pelos fazendeiros para as lavouras de café, depois
que os negros são alforriados. Só aos poucos eles vão se
liberando dos contratos assumidos, passando a trabalhar por
conta própria, reurbanizando as cidades, onde executam uma
arquitetura enfeitada que só se via nos livros. Se os italianos
dominam as plantações de café, os japoneses são vistos, às

59
dezenas, plantando arroz. Vem até o vice-cônsul do Japão
hospedar-se no chalé do Cel. Tancredo França, em Erial, a ver
como seus patrícios estão sendo tratados. Os espanhóis fincam
pé em Peirópolis, na industrialização da cal.
Livres, mesmo, vêm os libaneses, com o sangue solto dos
fenícios nas veias. Fazem da liberdade a bandeira de resistência,
uma razão especial de trabalhar aqui. Há milhares de anos
mercadores, aportam ao Brasil sem passagem obrigatória na
Hospedaria dos Imigrantes, em Santos. Chegam por conta
própria e apenas pagam uma taxa para fazer o que sabem:
vender, mascatear, negociar, comunicar informações e
novidades pelos lugarejos e pelos campos. Esses novos fenícios
criam uma malha de mascates pelos sertões brasileiros e
triangulinos, dão acesso ao que não tem, aproximam as
novidades da ferrovia às gentes rudes, reservadas, escondidas,
bravas no tratamento e medrosas nos contatos. Mesmo falando
uma língua impossível de ser entendida no Brasil, os mascates
comunicam-se com os fazendeiros, sem reservas. Palmilham o
Triângulo a pé, a cavalo, de carroça, de carro de boi, na
carroceria de caminhão, de “beira”, de trem, sob sol escaldante,
chuvarada, nada impede que eles se aproximem dos lugarejos
escondidos e abandonados no fundamentalmente livre trabalho
do comércio. Essa liberdade os fortalece e os faz amantes da
pátria que adotam, ao contrário de tantos outros imigrantes que
para cá vêm fazer pé-de-meia ou fortuna e, não fazendo,
retornam a seus países de origem. Da extenuante profissão, os
tostões que ajuntam são aplicados naquilo que para eles é sua
moeda mais preciosa: o imóvel, a terra adquirida.

60
PALESTINA

“... Três dias depois de nossa chegada a Uberaba, viajei


até à aldeia de Santa Maria, que pertencia ao município de
Uberlândia.
Lá, aluguei uma casa, dando um sinal de 100 réis como
garantia.
Voltei para buscar a família e a mercadoria. Ao chegar a
uma estação, chamada Palestina, encontrei alguns parentes
que vinham de Santa Juliana, com os quais continuei viagem
até Uberaba.
Esses parentes convidaram-me para conhecer aquele
lugarejo (Santa Juliana) e lá trabalhar. Convenceram-me a
deixar o pensamento inicial de me estabelecer em Santa Maria
– e fincar pé em Santa Juliana.
Depois de adquirir um pouco de mercadorias para dar
início ao negócio, viajamos de trem até Palestina e, daí, a
cavalo, até Santa Juliana, onde chegamos no início da noite”,
registra Calixto Cecílio em sua autobiografia. [Reminiscências
de Khalil Ibrahim Cecin (Calixto Cecílio), edição efetuada pelos
familiares do autor, tradução de Elia Chafic Rassi e Hamid
Alexandre Cecin. Uberaba, 1995]. A passagem de Calixto
Cecílio, tentando acertar seu usca no Brasil e no Triângulo
Mineiro, revela a importância da Estação de Palestina para os
moradores de Dores.
Distante 40 km de Uberaba, Palestina é o principal acesso
dos moradores de Santa Juliana. Sendo ruins as estradas de

61
terra, o mais lógico é ir a cavalo até Palestina e, lá, tomar o Pê
até Uberaba. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor.
Uberaba, 1985]

62
PALESTINOS EM PALESTINA

Será coincidência o nome Palestina em uma estação que é


referência – encontro, proximidade, aproximação – dos
libaneses em busca de sorte, dispersos no espaçado e vazio
Sertão da Farinha Podre?
Instalada na linha tronco de Campinas, da Companhia
Mojiana de Estradas de Ferro, Palestina dá acesso a vilas,
arraiais e cidades como Nova Ponte, Santa Juliana,
Pedrinópolis, Água Suja (Romaria), Tapuirama nos primeiros
anos do século XX. Até de Patrocínio vem gente a cavalo tomar
o trem em Palestina, onde se vê o tênder da água e o tênder de
carvão engatados à frente e atrás da locomotiva. É aqui que o
chefe de estação controla todo o movimento de chegada e saída
dos trens, dos passageiros, das mercadorias a embarcar,
informações pelo telégrafo, o abastecimento de lenha.
Em Palestina, fica o grande depósito de lenha utilizado
pelos vagões da Mojiana e por particulares e também um
depósito de madeira de lei, merecedor de um carregador
próprio no trem. Toda a região tem boa madeira de lei, mas as
melhores vêm de Guaribas e Boa Esperança. Aqui, a Mojiana
tem 9 mil metros quadrados de lenha. O espanhol Cassiano
Fernandez e os portugueses Manuel Marques e Francisco Silva
são os principais fornecedores de lenha que, de primeiro, vêm
em carros de bois e, depois, em caminhões de 1.500 kg, com
média de 18 caminhões diários de madeira para ser queimada.
[Depoimento de José Iglesias ao autor. Uberaba, 1998]

63
Uma escola, uma capela, umas doze casas onde residem os
árabes Jorge Correia e Elias Correia, os italianos da família
Trezzi, o espanhol Cassiano Fernandez, o português Antônio
Ferreira, outro imigrante espanhol, Manuel Iglesias, e sua
esposa, Maria Rita Gomes Iglesias e o sócio e imigrante
português Manuel Gomes na casa comercial que ajuda a
movimentar Palestina, vendendo secos e molhados, ferragens –
de tudo. Os sócios recebem mercadorias vindas de São Paulo e
cobram porcentagem dos fretes e o armazenamento dos
produtos em seu empório. Essa casa comercial fornece pasto
para os animais dos viajantes que aqui vêm pegar o Pê e
acomodação para os carreiros. [Idem, idem]
Manuel Iglesias instala uma máquina de beneficiar arroz e
tem, nascidos aqui, seus filhos. Entre eles, José Iglesias Gomes
(em espanhol, o sobrenome paterno vem em primeiro lugar),
funcionário da Mojiana e chefe da estação de Palestina.

AVENIDAS DE LENHA NO DEPÓSITO QUE ABASTECE OS VAGÕES DA


MOJIANA. ESTAÇÃO DE PALESTINA, DÉCADA DE 1940.
DESMATAMENTO ACELERADO DOS CERRADOS.
COLEÇÃO JOSÉ IGLESIAS GOMES.

64
Os comerciantes vêm até Palestina, tomam o trem para
Uberaba ou São Paulo, endereços de suas compras. Para a
economia da região, Palestina é das estações mais importantes.
Um verdadeiro porto de chegada e saída de mercadorias. A
estação mais avançada no sertão triangulino em direção a Santa
Juliana. Daqui também saem os produtos da região: fumo,
vindo das fábricas de Nova Ponte, café de Sacramento,
embarcado para Goiandira, Goiás, e depois mandado de volta
para cá e daqui para Santos (há épocas em que o café goiano
tem preferência no mercado exportador santista), açúcar
mascavo, que vai para Uberaba, arroz para Araguari, São Paulo,
Belo Horizonte, capados, gado de criação, quirera para
fermentação nas cervejarias de Ribeirão Preto. [Idem, idem]

Estação de Campinas, km 0
Estação de Uberaba, km 514
Estação de Mangabeira
Estação de Tiê
Estação de Palestina, km 554
Estação de Buriti
Estação de Irara
Estação de Pequi
Estação de Cachoeira
Estação de Sucupira
Estação de Ômega
Estação de Uberlândia, km 644
Estação de Sobradinho

65
Estação de Stevenson
Estação de Araguari
[Livro Azul do Triângulo Mineiro, suplemento da revista
Zebu, Uberaba, p. 35]

A ferrovia traz e leva os imigrantes pela linha-tronco da


Mojiana, vindos de Campinas, passando por Casa Branca,
Franca, Conquista, Uberaba, Uberlândia, Araguari, onde a
Mojiana para e repassa os trilhos para a Estrada de Ferro Goiás,
que seguem em direção à estação de Ipameri – estação de Pires
do Rio... O trem de ferro é o veículo natural do imigrante.

66
HORÁRIOS DE TRENS DA COMPANHIA MOJIANA.
SUPLEMENTO DA REVISTA ZEBU, P. 193. UBERABA, 1951.
- LIGAÇÃO ENTRE LIMITES OPOSTOS.

67
ASSIM SÃO AS CAÇADAS

A região de Palestina tem preferência no roteiro de caça


de tio Salomão Abdanur.
São 4 da madrugada, Iameme se levanta para preparar a
matula. Vai para o fogão à lenha, onde faz arroz, farofa com
frango caipira, linguiça; tudo colocado, com cuidado, num
caldeirão vermelho, esmaltado, que vai dentro do embornal. Sem
se esquecer dos 20 pães libaneses assados na véspera, mais
pratos, talheres. Antes do sol raiar, dá adeus ao marido entre os
vasos de samambaia-chorona do alpendre.
O Pêzinho apita e parte, às 6 da manhã, da estação de
Uberaba, levando consigo os caçadores: Messias Ramos, Antônio
Bordini e Geraldão Facuri, em uma viagem; Said Facuri e
Sebastião Pitanga em outra; Geraldo Calhau e Dieb Facuri em
mais outra. E Silvério Cartafina, quando vão caçar de caminhão.
Lá vai o Salomão Abdanur, de chapéu de lebre, botina mateira e
polainas, calça folgada, cartucheira, espingarda, cinto com a
penca na qual pendurará as aves abatidas. Na gaiola do Pê, a
cadela perdigueira Diana. Companheirona de caça!
As estações e os campos se sucedem até Palestina, um
tempo de 40 minutos, onde todos apeiam. Daí, é sair a pé, a torto
e a direito, seguindo o faro da cadela, que se retesa toda quando
espreita uma caça, olha para o dono e aguarda dele o tiro certeiro
que joga a ave ao chão. Num átimo, a cachorra abocanha a ave e
a traz, feliz, para o caçador.
Onze horas, sol a pino, hora do banho no córrego, uma

68
cachaça, esquentar o almoço, uma soneca até o sol virar de
posição, aliviar um pouco a luz forte sobre a paisagem seca,
retornar à caça e, ao final do dia, à estação de Palestina, não sem
antes depenar as aves abatidas e tirar-lhes o fato para a carne
não estragar. O resultado da caça: de seis a dez codornas, que se
comem fritas, duas ou três perdizes, que se cozinham ao leite –
para cada caçador. Há casos de se matarem sessenta codornas,
mas isso é raridade.
Há os caçadores de aves grandes e animais, entre eles, o
veado, mas que criam confusão na hora de arrastá-los e usc-los
ao trem ou à condução. Salomão prefere as aves.
Na região do Rio Tijuco, em direção a Uberlândia, as
caçadas são mais demoradas, dois ou três dias, quando é
necessário, além de retirar as vísceras, salgar as aves mortas e
enchê-las de fubá. Caçadas no Tijuco em tempos mais recentes,
de caminhão. É preciso então preparar mais coisas, forrar o
lastro da carroceria com palha de arroz e, sobre ela, um
encerado, que serve de colchão; acima da carroceria, a cobertura
de lona que barra o sereno, as chuvas, raras, nos tempos da seca,
que é época de caça, entre abril e julho, para não se abaterem
aves no período da postura e da reprodução e nem com
filhotinhos. [Depoimento de Salomão Abdanur ao autor.
Uberaba, 1995]

69
A EQUIPE DE CAÇADORES ATRAVESSA
A PONTE PÊNSIL AFONSO PENA SOBRE O RIO PARANAÍBA.

O LUCRO DA CAÇADA.
ESPORTE E DIVERTIMENTO DE UMA ÉPOCA.
DÉCADA DE 1950.

70
CAÇADORES ARRANCHADOS
O SERTÃO CONTINUA ATRAINDO OS CIDADÃOS
FOTOS – SALOMÃO ABDANUR. COLEÇÃO DO AUTOR.

71
AS IMAGENS QUE VÊM DO LÍBANO

 SONS ET LUMIÈRES
 ESTRELAS ARDENTES

MAPA DO LÍBANO. GEO PROJECTS (UK) LTD., ENGLAND.


REGIÃO DE AKAR, ONDE SE SITUAM CIDADES COMO SHEIK-TABA,
MINIARA, ZUERIB, ZHARTA, KEFERHAB, EDBIL, HALBA, JIBRAIL,
CIDADES DE ORIGEM DOS IMIGRANTES DE SANTA JULIANA.
O LÍBANO, COM 10.500 QUILÔMETROS QUADRADOS, TEM ÁREA
DEZ VEZES MENOR DO QUE A DO TRIÂNGULO MINEIRO,
133.000 QUILÔMETROS QUADRADOS.

72
SONS ET LUMIÈRES

As ruínas clássicas de Baalbeck movem o espetáculo


dantesco de sons et lumières entre as colunas-culturas
sobreviventes de um enredo que se anuncia crepitante, com sete
mil anos de entrecho.

Mesdames et Monsieurs – Attention ! Sentai. Escutai.


Vede o cortejo surrealista que se anuncia no palco da História.
Luzes, ação! Anima mundi!
Biblos, fundada há sete mil anos, remonta aos tempos pré-
semíticos; é o mais importante porto e estaleiro da antiga
Fenícia, até 1.100 a.C. Em Serapta, Sidon, Ajlun, Biblos,
Pitchard, vêem-se os primeiros artesãos da História a tecer, fiar,
curtir couro e fazer potes cerâmicos.
Em 2.800 a.C., a Fenícia fornece ao Egito, com o qual
mantém estreitos laços comerciais, madeira de construção e o
óleo da mumificação. O perfil de comerciante define o povo
fenício. Aqui se desenha o libanês. A Fenícia força o nascimento
de uma raça e do alfabeto ocidental. Os gregos usam a palavra
biblos para designar a principal mercadoria fenícia: o papiro do
Egito. Mais tarde, usam a palavra bíblia para significar livros. A
palavra portuguesa bíblia se origina de usca . As bibliotecas
se constroem com palavras e obras. Baal é deus merecedor do
maior templo, em Baalbek.
“No curso do terceiro milênio a.C., os fenícios fundam
numerosos núcleos urbanos na costa do Mediterrâneo, entre os

73
quais Tarãmbulus (Trípoli), Beirute, Saidã (Sídon) e Sur
(Tiro). A educação se parece com uma universidade. Muito
antes do monoteísta faraó Akhenaton, eles proclamam El (Eloi,
Allah) o único Deus, criador do mundo e pai de todos os
homens. Acreditam que os demais deuses são acessórios e
dispensáveis.” (1)
Ei-los entregando aos gregos e aos romanos e, deles ao
mundo, “seu alfabeto de 22 letras, lógico, técnico e racional,
que substitui 400 a 500 sinais e figuras dos alfabetos sumérios
e egípcios e permite a facilidade de divulgação do
conhecimento, instrumento primordial do desenvolvimento da
humanidade e de suas civilizações”. (1) Já estamos por volta do
VII século a.C. O território libanês vai sofrer numerosas
invasões – cabiras, hititas, egípcias, assírias, persas – até que
Alexandre, o Grande, da Macedônia, em 332 a.C., após derrotar
os persas, submete o Líbano ao domínio grego. Roma ocupa o
lugar sob as ordens de Pompeu e os templos se erguem com a
sapiência dos arquitetos. Aqui, Ulpiano e Papiniano, mestres de
sua Escola de Direito, no séc. VI, elaboram e oferecem ao
mundo o monumental Código de Leis que os bacharéis
conhecem como “Código Justiniano”. Beirute é denominada
pelos romanos de “Mãe das Letras e das Ciências” [Folha de S.
Paulo, 17 de janeiro de 2000, Caderno Turismo, pág. 8]. Jesus
caminha de sandálias pelas estradas de pedras libanesas e, aqui,
realiza o seu primeiro milagre, a conversão da água em vinho,
em Caná. Bizâncio envia suas leis, suas lanças de ferro. Com a
queda definitiva de Trípoli, último baluarte bizantino, o Líbano

74
é incorporado ao mundo árabe. Vem a invasão das Cruzadas, no
século XI, com seus castelos de pedra à margem das águas, em
busca dos lugares sagrados para desfraldar as bandeiras do
Vaticano. A fé é um escudo. Em terras libanesas, os mamelucos
mantêm sob severa vigilância as populações cristãs e recém-
convertidas ao islamismo. A fé é uma espada côncava. O
domínio otomano – a violência turca – instala-se em 1560 e
crepita até a I Guerra Mundial; as mães desesperadas com a
fuga dos filhos que rasgam, à navalha, o ventre da fuga-
liberdade,

- A América é uma nuvem que se esgarça nos céus do


Líbano –

o pânico para alcançar um navio – impõe-se o Mandato


Francês, a violência é visgo que vinga, e o Líbano é militarmente
ocupado pelos franceses e ingleses

- De que matéria será feita essa América? –

o caminho da independência é feito sobre a areia movediça


de desertos

- O sonho desesperado de navegar e ir fazer a


América-oásis –

em 1943 é constituído um governo provisório e

75
convocadas eleições que elegem um presidente que nomeia um
primeiro-ministro.

- Que coisa será essa América?! –

Em 1943 é proclamada a Independência do Líbano.

- Quando retornam meus filhos da América? –

Em 1947 as tropas francesas se retiram definitivamente do


Líbano, que define, enfim, sua autonomia política e sua
Independência. Sua dependência. São 170 mil refugiados
palestinos que ocupam seus campos, que já tiveram paz e
turistas, as cidades que já edificaram sua arquitetura, o país que
se comparou à Suíça. Agora são os bombardeios de Israel, a
ocupação armada síria, a guerrilha civil sitiando Beirute

- América, América, onde estará essa América? –

Presidentes assassinados, cristãos maronitas e


mulçumanos recuperam os sabres ensanguentados e anseiam
por mais cargos no poder, as metralhadoras escrevem à bala
seus textos sanguíneos nas paredes da capital, carros-bombas
explodem nos mercados,

- Bendita América brasileira, com sete milhões de


descendentes de libaneses, duplicada a população do
Líbano –

76
O massacre dos inocentes, diante dos quais as bíblias não
falam e os alcorões se calam, a retirada das tropas americanas, o
acordo para que as milícias cedam suas posições e abandonem
Beirute, a recuperação do tráfego aéreo civil, de cujos voos
rasantes já se pode perceber a rebrota dos parreirais cujas
ramas verdolengas insistem em simbolizar a paz que entrelaça
suas galhas pelos alpendres e sob cuja sombra já é possível
ouvir os “causos” dessas desesperadas e encantadas 1.001
noites...
Mesdames et Mensieurs! O espetáculo chega ao fim. Os
spots apagam-se sobre a História, mas acende dentro de vós a
luz que funde razão e coração e que vos permite ver a terra de
origem com olhares novidadeiros. Ide em paz e que o Líbano
vos acompanhe. Ele vos acompanhará!”
(1) – Folha de S. Paulo

77
ESTRELAS ARDENTES

O Líbano é pontilhado de milhares de vilas – à noite, um


céu de aldeias ou um chão de estrelas? – de uma vila se avista
outra, à esquerda, mais uma, à direita, mais outra, e assim se
percorre o país, com tempo para descansar à sombra das
oliveiras seculares. A cidade importante na província de Akar,
ao norte, é Halba, com cartório de registro de imóveis e de
registro civil, delegacia. Aqui se resolve o comportamento legal
do cidadão que reside ou trabalha em Sheik-Taba (Em alguns
livros, escritos por descendentes de imigrantes, vê-se a grafia
Cheik-Taba, mas, como se lê no Aurélio, Sheik-Taba, derivativo
da palavra sheik, deve ser escrito em ´sh`.), em Edbil, Zahle,
Miniara, Zharta (ou Zgarta), Zuerib, Keferhabu, Jidid, Jibrail,
Jebrayel... É para Halba [Depoimento de Ibrahim Khalil
Estephan ao autor. Uberaba, 1999] que se dirigem, oprimidos,
fugidios, esperançosos, os moradores destas vilas, em direção a
Trípoli e, mais tarde, Beirute, quando os navios são maiores.
Em Trípoli e em Beirute, o porto os conduz ao abismo vertical
da longa viagem para Marselha, cidade portuária do sul da
França – onde os dias são relógios sem ponteiros – até que
outro navio apite a partida, para o vazio sem medidas do
Atlântico, meses de monotonia, nesse navio italiano, vagas,
ansiedade, enjôo de comer macarronada todos os dias, rebelião
em alto mar para mudança de cardápio, perspectiva, náusea,
infindável viagem rumo ao Desconhecido. A travessia das águas
distancia tudo, desata os atos da tragédia da vida, distorce o

78
entendimento, dilata as distâncias e a compreensão do mundo,
esvazia o coração que vai se tornando seco em 120 dias de
expectativa sobre as mediterrâneas e atlânticas águas salgadas...
Luas e sóis se fundem sobre as vagas em alto mar. A inundada
visão da cidade de Santos, com o sol vermelho no final de tarde,
descendo às águas do mar para apagar sua brasa... o porto de
atracagem, chegada em terra firme, ajoelhar e beijar o solo
[Beijar o solo brasileiro. Atitude de um dos libaneses que vêm
para Santa Juliana, ao aportar em Santos. [Depoimento de
Mariana Abdanur Nabut ao auto, 1980] que se quer promissor.
Reparar a paisagem ignorada, a língua diferente demais,
costumes tão estranhos; quem vem me buscar? A noite joga seu
lençol negro de seda e susto. O trem para São Paulo, a estação
da Luz, depois Campinas, mais logo Ribeirão, Uberaba. Um
tempão parado na estação de onde se avista o corredor de lojas
da Rua do Comércio, uma casa pegada na outra, encastoadas
pela Matriz, lá no fim, tímida e triste. Um parente que vem me
ver, em lágrimas. Um tempão parado na estação. Tenho ânsia e
fome. Outro trem para Palestina. Um tempão parado na
estação, de onde se vêem casas, desgarradas e caladas, lenha e
paisagens planas. Está na hora de saltar. O cavalo que marcha
para Dores. E, que dores! Um tempão advertido – o coração
parado em Dores.

79
RUÍNAS DO MERCADO ROMANO DE BAALBEK,
PALCO DE FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA,
REFERÊNCIA CULTURAL E DE OCUPAÇÕES DO LÍBANO.
CARTÃO-POSTAL TELKO-SPORT, BEIRUT, LEBANON

INSTITUTO DO MUNDO ÁRABE – PARIS, FRANÇA


COLEÇÃO DO AUTOR

80
A CULTURA ÁRABE SOB PRISMA OCIDENTAL
POSTAIS 1998
COLEÇÃO DO AUTOR

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TERRA – A JUSTIFICATIVA

 ROTA DE IMIGRANTES

SÃO JORGE, SANTO DE FÉ DO POVO LIBANÊS


BICO-DE-PENA DE OVÍDIO FERNANDES, 1989
CERTAMENTE INSPIRADO EM HAROLD FOSTER
(PRÍNCIPE VALENTE)
COLEÇÃO DO AUTOR

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ROTA DE IMIGRANTES

Nos primeiros anos do século XX, Dores de Santa Juliana


vê chegar os primeiros imigrantes libaneses. Eis a questão:
Por que tanto viajar e vir parar aqui? Por que aqui? Fazer o
que aqui? Neste fim de mundo! Meses, léguas, países, mares,
distâncias... Do Oriente Médio até o sertão sem porteiras?! O
desespero causa tristezas, fundas como o estômago faminto.
Enquanto o chapadão se desfigura, preguiçoso, sem relevo, sem
ação aparente ou movimentação, melhor é tirar do bolso o
masbaha, conta a conta, buscar nas imagens do Líbano o
desafogo para o desespero que a paisagem vazia denuncia.

POR QUE DORES?

A versão contemporânea da origem do nome Santa


Juliana é terem vivido aqui, nos primeiros tempos, duas moças,
cheias de santidade, benzedeiras com poder de cura, uma
chamada Juliana e outra, Santa, residentes na periferia do
lugar, ganhando a vida, servindo repasto aos tropeiros. A junção
dos dois nomes resulta em Santa Juliana, mas sempre visto sob
aspecto religioso.
O pesquisador Calixto Cecílio dá sua versão sobre o
surgimento do nome da cidade. “Santa Juliana na época era
um lugarejo de 80 habitações, entre choupanas e casas de
alvenaria, possuindo também duas igrejas situadas na praça
da cidade. Uma delas foi destruída (desabou) e a outra

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continuava recebendo fiéis. A aldeia acima referida situava-se
à beira de um riacho, sobre o qual existia uma ponte de
madeira que ligava o lugarejo às fazendas vizinhas,
localizadas a leste do povoado. Um escrivão designado pela
comarca de Araxá cuidava da burocracia local. Este nome, que
serviu para denominação do local, foi em razão de ter vivido
na beira do riacho uma moça santa com poderes
sobrenaturais e que se chamava Juliana...” [Reminiscências de
Khalil Ibrahim Cecin, op. cit., p. 45]
Quanto à denominação Dores de Santa Juliana, o termo
Dores tem origem na referência que se faz ao orago da Matriz da
cidade, no caso, Nossa Senhora das Dores, no que resulta em
Nossa Senhora das Dores de Santa Juliana. Simplificando,
Dores de Santa Juliana. Ou, Santa Juliana, como mais tarde se
oficializa. Caso semelhante acontece com outras cidades
mineiras: Dores do Indaiá, Dores de Campo Formoso, Dores de
Campo Florido, Dores de Campos, Dores do Turvo.

POR QUE AQUI?

De certa forma, a respeitável massa de imigrantes que vem


para Santa Juliana, saída do norte do Líbano, uma das regiões
socialmente atrasadas do país e quase toda ela analfabeta, não
tem “estrutura social” para residir nas cidades brasileiras mais
avançadas. Este, certamente, é um dos motivos que os faz
procurar localidades recônditas, como Santa Juliana, apesar de
todas as dificuldades de acesso – sem linha de trem e mesmo

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sem estrada de terra – e de sobrevivência em local tão isolado
dos centros de informação e de recursos. Os libaneses aqui
aportam, tantos, mais ainda por causa da fertilidade incomum
do solo embora isolado do mundo, para o qual eles abrem
caminho através do comércio que permite escoar roças
produtivas, fartura de arroz, feijão, milho, batata, cana e até
trigo, que, uma vez plantado, produz as melhores espigas,
produtos que revertem na usca lidade de um comércio ativo
com os árabes. Trabalhando e vendendo os produtos das safras,
os roceiros podem, então, rumar para a cidade, divertir-se um
pouco, fazer suas compras. É para eles que os imigrantes abrem
as janelas de suas casas, para arejar, para cumprimentar,
convidar para um café na cozinha – são nossos amigos – e
escancaram as portas das lojas, onde são recebidos como ótimos
clientes. É quando a cidade perde o ar severo provocado pelos
guarda-chuvas pretos e chapéus de feltro masculinos (como se
os homens carregassem consigo a sombra que os anula ou os
disfarça), a cidade floresce com a dança das sombrinhas de sol,
vermelhas, azuis e amarelas, das mulheres roceiras, vestidas de
chita, que chegam encantadas com as novidades da cidade e
sungam as saias para entrar nas lojas, especulando com os
olhos, com receio de perguntar ao vendedor o preço, o tamanho
ou a serventia das mercadorias desconhecidas. Nos carros de
boi, nas carroças, na garupa das bicicletas, o ritmo das
mulheres, na cidade, vai aumentando; é bom vê-las, entrando e
saindo das vendas, ralhando com os filhos, rodopiando as
sombrinhas, na fuzarca, sem vergonha de colorir o quadro sépia

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da cidade, enquanto os réis vão tilintando, sonoros, nos caixas
dos lojistas libaneses...

1905

Sabe-se que o pioneiro da imigração árabe em Santa


Juliana é Antônio (Iliês) Abdanur, aqui residindo em 1905.
Logo em seguida ele retorna ao Líbano, para voltar novamente a
Dores nos anos 20, quando aqui já reside seu filho Miguel
Abdanur e tantos outros “batrícios”. Miguel Abdanur e Sara
Rassi Abdanur, na companhia dos dois filhos mais velhos: José,
nascido em 1906, Américo, nascido em 1908 (natos no Líbano,
mas aqui registrados), por volta de 1909, pois em 1910 aqui
nasce o terceiro filho casal, Jorge, falecido criança. Em 1912,
nasce o terceiro filho, ou o quarto, considerando o falecido,
também batizado com o nome de Jorge. É tradição na família
que vovó Sara tem um filho a cada dois anos. Em 1912, dá-se a
mudança da família de João José Facuri, da vizinha Nova Ponte,
para Santa Juliana, logo após o nascimento da filha Nazira,
dado em outubro de 1911. Miguel Abdanur saúda seu tio Hanna
Yussef Facuri – assim o chamam, em árabe – com os versos que
abrem este livro, “Poema do Sobrinho Só”, preservados na
memória da família.
Fica então, o ano de 1905, como a data de chegada dos
libaneses a Santa Juliana, até que se descubram novas fontes e
documentos inovadores.

86
RASTROS DA SAUDADE

O carro de bois vai zunindo sua musicalidade minimalista,


repisando os mesmos sons que agulham a quietude sertaneja.
Já distante de Palestina, o imigrante pressente as lonjuras que
jamais se recuperarão do seu passado, de sua família
distanciada. Será logo a maleita o temor que o assusta? O céu
parece tremer, com a revoada barulhenta de pássaros que,
percebe-se, temem a noite e, após voos destrambelhados, se
encolhem intimidados nos galhos, nos ninhos socados no chão.
Para o libanês instalado nesse carro de bois, nada parece ter
sentido, a estrada, a paisagem escura, a vida. Quando acampa
no negrume da noite, ele se sente no vácuo ao ver os sertanejos
acocorados ao chão. No céu, uma risca de giz aponta a lua nova,
restrita. Uma lua islâmica. A saudade da família parece duas
mãos poderosas a esganarem o imigrante, querendo lhe tirar a
respiração. Feito bicho desgarrado, no desespero de se sentir
solto e só – silábico – sem Deus e sem diabo, o imigrante,
lentamente, molda nas invisíveis dobras da noite, que consegue
juntar com as mãos, o rosto de seus pais...

IDAS E VINDAS

O início do século XX mostra o interior brasileiro


palmeado pelos libaneses, mascateando ou fixando residência
nos recônditos mais isolados do país.
“No início de 1914, fechamos o armazém e, com uma

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parte do estoque que colocamos no lombo de burros, comecei a
mascatear nas fazendas, depois de obter um alvará da
prefeitura de Araxá.
Naquela época Santa Juliana pertencia ao município de
Araxá.
Abri uma lojinha na casa anteriormente descrita. E como
correntemente se fala, começamos uma nova vida. Começamos
a negociar com nossos antigos fregueses, que havíamos
conhecido nas fazendas” [Reminiscência de Khalil Ibrahim
Cecin, op. cit., p. 45], relata o pesquisador imigrante Calixto
Cecílio, em seus primeiros tempos vividos em Santa Juliana.

SAUDADES SEM BANZO

Longe do banzo que deixara apáticos escravos africanos,


de tanta saudade da África nativa, os libaneses têm facilidade de
adaptação à realidade social e cultural em país tão distante e
avesso aos seus costumes. A causa principal desta aceitação da
nova pátria é a imigração espontânea. Vêem o Brasil como
pátria salvadora e vêm para o Brasil por livre e espontânea
vontade. Aqui, nada os prende a local algum. Nenhum contrato
os obriga a permanecer em alguma localidade, em determinada
fazenda para cumprir deveres e obrigações. A liberdade é o
mapa que os guia pelas regiões mais desertas, muito
ensolaradas, que os conduz ao inatingível. Por isso, dos povos
que aqui aportam, são os libaneses os primeiros a amar a Terra!
Muito embora se emocionem de saudades da Pátria e de

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familiares, se encantam e se mesclam com as manifestações
culturais locais, influenciando-as com seu saber milenar e
deixando-se facilmente influenciar, coração aberto, pela
brasilidade. Os filhos dos imigrantes se revelam verdadeiros
brasileiros, amantes da Pátria, e a defendem com ardor. O canto
dos pássaros brasileiros, as cores da Pátria, os valores da gente
brasileira são defendidos por eles de geração a geração. Mesmo
assim, não deixam de preservar certos hábitos ancestrais,
quando se trata de comportamento e investimento financeiro e
dos hábitos culturais, principalmente a música e a culinária.

SAUDADE

A palavra “mágica” de nossa língua é saudade, cujas raízes


parecem fincadas na locução portuguesa ou perdidas no tempo.
Mas o vasculhar em livros e obras, remete a Alpheu Tersariol
[Alpheu Tersoriol, Origem da Língua Portuguesa, Biblioteca da
Língua Portuguesa, LISA – Livros Irradiantes S.A., São Paulo.
1966], que aponta o professor Raggy Basile como autor da
descoberta: o termo saudade tem origem na língua árabe. Basile
afirma “ter a língua árabe três expressões que lembram a
palavra saudade: suad, saudá, suaidá. Tem a palavra sentido
moral de profunda tristeza e literalmente, de sangue pisado e
preto, por dentro do coração. Na medicina as suaidá é uma
doença do fígado que se revela pela tristeza amarga e
melancolia. Os árabes dizem Qualatmi as-suaida – Matou-me a
saudade. E isso quando a pessoa se entristece pela perda de

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um ente querido. E dizem igualmente Al-muis – suaddat – Os
dias pesados e de tristeza.
São característicos os dois hemistíquios do grande poeta
Al – Mitanabbi,

Azlol awazili haula qabbil tayhi


Wahawal ahibbati minhu fi saudauhi

(A censura dos censores anda à roda do meu


coração desvairado
Mas a viva paixão dos que eu amo está na sua
saudá (isto é, no fundo do coração).
Em árabe vulgar, saudaua é entristecer alguém, e
tasaudana significa ficou triste, angustiado. Um derivado desse
verbo é musauden, melancólico, triste, dolorido, cheio de
desgosto.”
Essas reflexões do prof. Ragy parece que dão a chave da
dificuldade fonética que se encontra na sílaba inicial da palavra
saudade que realmente pode provir de saudá.

A MÁSBAHA

Aparentemente tranquilos – sobre suas cabeças, os balões


de histórias em quadrinhos, dentro dos quais espirram
granadas e morteiros... – no final da tarde, sentados nas
cadeiras colocadas na calçada e com o espaldar encostado nas
fachadas de suas casas, cantando músicas que falam da guerra,

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da paixão ou suspirando profundamente – Orrr, iá baie! – os
libaneses controlam as emoções passando, uma a uma, as
grossas contas de nácar de sua másbaha, o terço da paciência.

MÁSBAHA, O CONTADOR DO TEMPO


FOTO – RAMON MAGELA
UBERABA 2000
COLEÇÃO FÁDUA HEUB E JORGE ALBERTO NABUT
MODELO – TIAGO VIEIRA

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DOS NOMES

Os brasileiros especulam os árabes sobre seus


sobrenomes. O que significam.

Abdanur Dib
Servo da Luz. Lobo.

Absaber
Servo do Paciencioso. Estephan
Nome próprio de origem
Abdala
provavelmente grega.
Servo de Deus.

Abud Jreige
Nome próprio. Nome próprio.

Achcar
Ruivo. Hueb (Wehb)
Dom de Deus.
Azôr
Nome próprio.
Mussi (Mucy)
Pális (Bahlis) Nome originário de Moisés.
Nome próprio.

Nabut
Cecin
Bastão; rebento
Nome próprio.
(dos vegetais)

Curi (Kouri)
Rassi
Padre.
Cabeça; Originários do
Monte Ras-Baalbek
Facuri (Fekhoury)
Oleiro.
Sallum
De ‘boa’ paz.

[Depoimento de Elias Chafic Rassi e Nayef Habib Facuri ao autor. 92


Uberaba, 1999]
VIDA DE MASCATE

 O COMÉRCIO AMPLIA OS BENS E AS RELAÇÕES

“Poderia ter sido menos modesto e ter dito que não


apenas colheu mas deu existência a essas memórias.”
[Éclea Bosi, op. cit., p. 19]

LIBANÊS EM SUA LOJA, TENDO AO FUNDO QUADRO DE SÃO


JORGE GUERREIRO. OVÍDIO FERNANDES, BICO-DE-PENA, UBERABA,
1989. COLEÇÃO DO AUTOR. MEMÓRIA SENTIMENTAL.
- COM SENSIBILIDADE, OVÍDIO APREENDE, NO DESENHO,
A MODORRA DAS TARDES PASSADAS NAS LOJAS DE TECIDOS,
À ESPERA DE PROVÁVEIS FREGUESES.

93
O COMÉRCIO AMPLIA OS
BENS E AS RELAÇÕES

PIONEIRO

Antônio (Iliês) Abdanur, tio Antônio, nosso bisavô, é o


primeiro libanês a aportar em Santa Juliana. É ativo em
Sacramento no final do século XIX. Dele partem informações
aos parentes no Líbano sobre as boas chances de comércio na
região. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor. Uberaba,
1990]. É daí em diante que começam a vir os libaneses, entre
eles tio João José Facuri, que aqui se estabelece e, mais tarde,
manda vir a família, transformando-se em referência dos
demais libaneses que se dirigem para a região, desistidos de
Nova York, Buenos Aires, Santiago, Rio de Janeiro, São Paulo,
Campinas, Ribeirão Preto, locais onde a concorrência no
comércio, já se mostra bruta e a sobrevivência dificultosa.
Atirador notável, tio Antônio (Iliês) Abdanur mascateia no
município de Sacramento e reside, por algum tempo, na
avançada fazenda Jaguara, de Brasilino de Carvalho,
defendendo-a dos jagunços.
Na década de 1920, Brasilino de Carvalho é um dos
introdutores da lavoura mecânica no Triângulo Mineiro,
produzindo arroz, algodão, milho e feijão de maneira inovadora
e diferenciando na criação de porcos em mangueiros com cerca
elétrica. Dinâmico, introduz em sua propriedade uma bem
sucedida olaria, produzindo telhas e manilhas. A movimentação

94
da fazenda Jaguara faz Brasilino sonhar com o nascimento de
uma cidade, cujo projeto principia a esboçar. É dessa fazenda
que se preserva, na memória de tantos, a inesquecível cena do
enfrentamento de tio Antônio com Bernardino Prata, jagunço
arruaceiro que acaba com os bailes, entrando nos salões de
festas, montado a cavalo, disparando tiros, apavorando a todos.
Dizem que ele é quem dorme com as noivas quando termina a
cerimônia de casamento. E os noivos não podem nem piar... A
disputa de tio Antônio Abdanur com Bernardino Prata resulta
em apaziguamento deste, que não mais volta a perturbar a
ordem do lugar. Essa disputa de bravos vale a tio Antônio a
fama de herói numa publicação narrada em versos rimados e
editada em gráfica da cidade de Franca, São Paulo. [Idem,
idem]. Tio Antônio volta ao Líbano, levando consigo o filho
Abílio (Habib) Abdanur, que com ele viera tentar a sorte na
América. Mais uma vez retorna ao Brasil, deixando no Líbano
sua esposa Saada Facuri Abdanur, radicando-se novamente em
Santa Juliana por alguns anos, quando aqui se instalam dois
outros filhos seus, Miguel e Helena. [Idem, idem]

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ANTÔNIO (ILIÊS) ABDANUR
DORES DE SANTA JULIANA, 1920
COLEÇÃO DO AUTOR
ENVERGADURA, PIONEIRISMO E CORAGEM

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PATRIARCA

A influência de tio João José Facuri é definitiva para a


instalação da colônia libanesa em Santa Juliana, embora ele e
sua esposa, Zarifa, tenham se estabelecido, primeiramente, em
Nova Ponte, também no Triângulo Mineiro. João José Facuri é
o comerciante próspero dos primeiros tempos da imigração. É
ele o patriarca da colônia, a primeira referência frente a
qualquer problema ou situação que se deve enfrentar. Tio João
sai, a pé, de Uberaba até o Rio das Velhas, com seu sobrinho
Elias Ferreira, mascateando, por períodos seguidos de um a dois
meses, até atingir o Rio Quebra-Anzol, próximo do qual fica a
fazenda de José Terêncio, depois de Neca Terêncio, a quem tio
João confia a pecúnia que ganha no trabalho. É notável
comerciante em Nova Ponte e em Santa Juliana, onde tem a
“Casa João José Ferreira”. O sucesso do empresário faz com que
dê emprego a vários patrícios que se iniciam na profissão de
mascate, entre eles, Miguel Facuri, Domingos Moisés, Bechara
Facuri. Todos eles tornam-se prósperos comerciantes,
instalados na praça de Santa Juliana. [Idem, idem]
Tio João José Facuri tem, em Uberaba, o irmão José
Facuri, casado com Márian Facuri, comerciante bem sucedido,
instalado na Rua Caçu (Av. Alexandre Barbosa) e cujas
propriedades se estendem por várias quadras do logradouro
conhecido como secular saída de Uberaba em direção a Mato
Grosso. [Depoimento de Mariana Abdanur Nabut ao autor.
Uberaba, 1990]

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GENTLEMAN

Michel Facuri (Zuerib, Líbano, 1898–1974, São Paulo,


Brasil), filho de Zarifa e João José Facuri, preservador da
memória cultural e dos valores da colônia libanesa, é dos
homens mais notáveis de Santa Juliana e de Uberaba. Ele é o
gentleman perfeito, aprende muito viajando para os Estados
Unidos da América do Norte, fala bem árabe, português,
francês, espanhol, inglês. De todos os imigrantes é ele o mais
consciente da importância da preservação da memória e dos
valores culturais libaneses e usa todo o seu charme para incutir
nas novas gerações essa mesma consciência.

JOÃO JOSÉ FACURI E ZARIFA NADER FACURI


PERFIL PATRIARCAL. UBERABA, 1910.
- FORTE E DESTEMIDO, JOÃO JOSÉ FACURI É FIGURA
CENTRAL DO MAIOR RAMO DE IMIGRANTES ÁRABES
VINDOS PARA SANTA JULIANA E UBERABA.

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AS CONTAS E OS LIVROS

Um dos expoentes da cultura árabe no Triângulo Mineiro,


Abrão Tanus – Ibrahim Habib Tanus, no original – mascateia
pelas fazendas de Sacramento. Mais tarde fixa-se na estação de
Santa Juliana, com a esposa, Rafa Rage Tanus, tornando-se um
dos primeiros imigrantes árabes a instalar comércio no local.
Nesse período, nascem alguns de seus filhos. Com os recursos
adquiridos ali, instala-se, definitivamente, em Araxá. É no
famoso balneário que nascem seus demais filhos.
Nascido em Dair Dalum, Síria, Abrão Tanus cursa o
correspondente ao segundo grau, cujo diploma lhe permite
ministrar aulas para as crianças de sua cidade. Imigra para o
Brasil em 1927, influenciado pelo pai e por conterrâneos que
haviam passado algum tempo no país, mais especificamente em
São Paulo. “A opressão em meu país, o regime feudal vigente
que cerceava a liberdade do cidadão”, segundo suas palavras, o
fez trocar a pátria. No Brasil, instala-se em São Paulo, de onde
segue para Sacramento, Santa Juliana, Zelândia e Araxá, em
1942. Amante da boa leitura, Abrão devora os clássicos da
literatura universal. A todo momento ele é encontrado lendo na
loja, durante as refeições e em todas as folgas disponíveis.
“Araxá, na época, era cidade de 4.500 a 5 000 habitantes,
arejada, de povo traquejado e semi-cosmopolita, devido à
convivência com turistas e visitantes. A atividade agrícola é
fraca, mas sua pecuária sempre vigorosa. Quanto à vida
política, não difere de outras. A maioria dos habitantes é
dividida entre jacquistas e ferreiristas. O regime, tanto nas
99
pequenas como nas grandes cidades, é dominado pelos
potentados agro-pecuaristas até 1930 (Revolução de Getúlio
Vargas)” [Departamento de Documentos Raros da Fundação
Calmon Barreto. Araxá, MG]

NEGOCINHO

Praticamente, 100% dos imigrantes libaneses que vêm


para cá são mascates e, mais tarde, comerciantes estabelecidos
na cidade. Percebem, desde logo, que o comércio é a lida mais
rápida para ampliar os bens e as relações sociais.

ENTROSAMENTO

Com resistência por parte de poucas famílias, os libaneses


se entrosam com espantosa facilidade com os brasileiros, como
se a língua, os usos e costumes entre uns e outros fossem
semelhantes. No caso, o que é bem semelhante, é o ser humano.
Esta facilidade de convivência não seria a mesma entre outros
povos.

VISÃO DE EMPRESÁRIO

A necessidade de dispersar as carências e as dificuldades


da família e de parentes faz de José Miguel Árabe (Zezé) um dos
homens diferenciados na grande colônia libanesa de Santa
Juliana. Dar emprego aos jovens da colônia libanesa é uma de
suas preocupações. Com visão dilatada abre uma cunha no
comércio regionalista e passa a vender cereais, direto, de Santa

100
Juliana para Belo Horizonte, cujo acesso se torna facilitado com
a inauguração da Rede Mineira de Viação. Na estação de Santa
Juliana (Zelândia), Zezé adquire uma máquina de beneficiar
arroz. Com capital inicial fornecido pelo pai Miguel Árabe, Zezé
faz sociedade com os irmãos Elias, Geraldo e Abrão. A abertura
das rodovias para São Paulo, que vai se tornando o maior centro
consumidor do país, é promessa de novas e grandes investidas
na exportação de cereais. É o período em que os caminhões
principiam a trafegar com maior intensidade pelo interior,
através de péssimas rodovias, quando uma viagem de Dores até
a capital paulista, de caminhão, não dura menos de quatro dias.
Evitando o intermediário, Zezé passa a ser o principal
empresário de Santa Juliana e, na sequência, um dos de maior
projeção de Uberaba. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1990]. Industriais no ramo de transformação de
cereais, empresários e comerciantes, sócios-proprietários nos
empreendimentos que implantam em Uberaba, quando Santa
Juliana já não mais comporta novos investimentos, os irmãos
Árabe assumem, na Capital do Zebu, a loja de eletro-domésticos
Eletro Central e também adquirem uma máquina de beneficiar
arroz de Reinaldo Miguel. José Miguel Árabe chega à
presidência da Associação Comercial e Industrial de Uberaba,
no período de 1970-1971, projeção de sua sagacidade
empresarial. Esse destaque tem origem no trabalho do pai,
Miguel Árabe, base do patrimônio da família. [Idem, idem]

101
MIGUEL ÁRABE E SATUT FACURI ÁRABE LADEADOS PELOS
FILHOS ELIAS, GERALDO, ZEZÉ, ABRÃO, GEORGINA,
MARIINHA, LABIBE. DORES DE SANTA JULIANA, 1927.
COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE.
A FOTOGRAFIA FUNDE TEMPOS DÍSPARES.
- CERTAMENTE A FAMÍLIA DE IMIGRANTES QUE MARCA A MAIOR
PRESENÇA EM SANTA JULIANA, PELA LONGA PERMANÊNCIA E PELA
RICA ATUAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL.

CONSIGNATÁRIA

A mercadoria encomendada para a loja vem até a estação


de Palestina ou para em Uberaba, na casa consignatária de
Antônio Cunha Campos Sobrinho, instalada na Rua Pe.
Zeferino, esquina com Rua Pires de Campos. A casa cobra o
armazenamento das encomendas e, através do estafeta,
comunica sua chegada ao comerciante que a encomendou.
Recebendo aviso da chegada das mercadorias, o comerciante
freta um carro de bois, arreia o cavalo ou, pegando carona de

102
caminhão, vai em busca dos produtos. O viajante gasta um dia
até a pousada do Rio das Velhas (atual Rio Araguari), onde os
animais atravessam a nado e o carro de bois, mais as pessoas,
na balsa. [Jorge Alberto Nabut “Memórias da Ferrovia no
Triângulo Mineiro – Centenário da Mojiana: 1889 – 1989”,
Jornal da Manhã, 9 de novembro de 1986 a 2 de outubro de
1988].

CASAMENTO DE ABRÃO MIGUEL ÁRABE E TERESINHA GOULART. SÃO


VISTOS SATUT E MIGUEL ÁRABE, MARIINHA E GERALDO BOAVENTURA,
LÍGIA E NAGIB ABDANUR, CECI E JORGE ABRAÃO AZÔR, NANÁ E HÉLIO
ANGOTTI, MARIINHA E GERALDO MIGUEL ÁRABE, CECÍLIA ABDANUR,
NAZIRA MOISÉS, JANDIRA MOISÉS, CHIQUITA FACURI, LUZIA MOISÉS,
EDITH GONÇALVES, CUSTÓDIA CARNEIRO (SINHÁ), TIO ABRÃO
FERREIRA; AGACHADOS: MÁRIO FLORIANO (PINTA ROXA), ASSIS SALTI
JAMAL, JORGE ABDANUR, ZEZÉ ÁRABE, JOSÉ CRISPINIANO
FELICÍSSIMO (BACURI), CLEÔNCIO BORGES, MIGUEL JORGE DIB E
QUATRO FILHOS, RAMIRO MATTAR, ANTÔNIO ELIAS FACURI. SANTA
JULIANA, 1951. FOTO – COLEÇÃO DO AUTOR.

103
BOTINAS E TECIDOS

Em Uberaba, Calixto Cecílio mantém, na Rua Tristão de


Castro, uma fabriqueta de botinas mateiras que seus filhos
vendem pelas pequenas cidades triangulinas e goianas. Nos
momentos possíveis, Calixto dedica-se aos livros, às pesquisas,
às obras que escreve em árabe. O filho José dá continuidade a
seu trabalho com calçados, enquanto os filhos Nagib, Nege e
Fuad instalam loja em Patrimônio dos Poncianos, município de
Conceição das Alagoas, e com os recursos ali adquiridos
montam, em Uberaba, a Loja 3 Irmãos, de longa duração. As
idas e vindas dos filhos ampliam as relações e os negócios da
família. [Depoimento de Nagib Cecílio ao autor. Uberaba, 1999].
Na década de 1990, os filhos de Munir Cecílio e Ivany
D´Assunção Cecílio, Mauro e Márcio, instalam a fábrica de
móveis tubulares, Mac Alumínios.

ADAPTAÇÃO

Viver do comércio local, sem possuir nenhuma experiência


no ramo, tendo sido, por exemplo, carvoeiro no Líbano, pode
ser uma experiência desastrosa para o imigrante. Mas logo vêm
os filhos, adaptados à nova realidade, e dão a dinâmica
necessária às novas investidas da família, quase sempre no
comércio.

104
DOMINGOS MOISÉS E PLACIDINA MARIA DE JESUS (LICA),
ABRÃO MOISÉS E BANUT NABUT MOISÉS
LADEADOS POR MARIA FILIPE, EM PÉ, À ESQUERDA,
COM OS FILHOS ABADIA E MÚCIO, DO PRIMEIRO CASAL,
JÚLIA, BENEDITO E NAZIRA, DO SEGUNDO CASAL.
- NOVAS FEIÇÕES NO QUADRO SOCIAL DE
DORES DE SANTA JULIANA NA DÉCADA DE 1910.

PATRIMÔNIO

Jorge Dib inicia suas atividades como mascate na divisa de


Minas Gerais com São Paulo, quando ainda não sabe falar
105
praticamente nada de português. Dão-lhe, então, uma mala
para colocar nas costas e ele sai a pé pelas fazendas da região de
Muzambinho. À primeira fazenda a que chega, o proprietário
proíbe a entrada de “turco”, sendo Jorge obrigado a caminhar
até outros paradeiros. Não desistindo da primeira, cada vez que
passa por ela distribui saquinhos de bala às crianças, ganhando,
por fim, a simpatia dos proprietários, que principiam a comprar
dele. Os moradores do lugar assim diminuem as custosas
viagens que têm de fazer à cidade. São negócios feitos “a prazo
de égua”, isto é, 10 meses, período de gestação de um
“podrinho”. Os fazendeiros só têm dinheiro nas vendas das
safras, período em que podem pagar suas compras feitas a
prazo. [Depoimento de Miguel Jorge Dib ao autor. Uberaba,
1999]
Em 1927, Jorge Dib separa a sociedade que tivera com
José Pális, Zequinha (que vai residir na estação de Buriti, linha
Mojiana, com as filhas), e de Santa Juliana se transfere com a
família para Uberaba, com um capital de 85 contos de réis,
recurso com que abre a sempre lembrada Loja São Geraldo, que
faz convergir para a Capital do Zebu compradores de todo o
Triângulo Mineiro, Goiás, São Paulo, atingindo o auge sob a
direção dos filhos. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1990]
No seu pico, a Loja São Geraldo, na Rua Pe. Zeferino,
chega a contratar 23 balconistas e atinge uma clientela de 500
pessoas/dia, já sob administração dos filhos Miguel Jorge,
Jamil Jorge, Emílio (Armindo) Jorge.

106
Embora especializada em tecidos, brim Rox Müller,
casimira, linho S-120, etc., a loja vende produtos como carda
para algodão e lã, enxada e enxadão marca Duas Caras – tudo
importado da Inglaterra. Só de enxadas, chega a comprar, de
uma só vez, 20 caixas, com 24 peças em cada embalagem.
[Depoimento de Miguel Jorge Dib ao autor. Uberaba, 1999]

MEDO DO MASCATE

Em 1999, Maria Aparecida Rodrigues Manzan, diretora do


Arquivo Público de Uberaba, recorda a figura do mascate que
chega à fazenda do Pontal, de seu avô Zé Carola, na região do
Rio Quebra-Anzol. É uma recordação de uma imagem que mete
medo, resgatada de seus oito anos de idade, quando se escondia
no paiol com os primos, receosos daquela figura estranha,
montada a cavalo, trocando os rolos de fumo de corda de seu
avô por produtos que encantam as mulheres: tecidos,
armarinhos, colônias. Até a máquina de costura da fazenda foi
encomendada a um mascate, que a envia pelo caminhão de
leite. [Depoimento de Maria Aparecida Rodrigues Manzan ao
autor. Uberaba, dezembro de 1999]

MASCATE E AMIGO

A Sra. Maria Carneiro de Sousa (Santa Juliana 17.10.1905


– 03.12.2004 Uberaba) rememora, com facilidade, as idas do
mascate Elias Nabut, montado em mula, às fazendas de seu avô

107
Severino José Carneiro, na fazenda do Moinho e de seu pai,
Severino Carneiro de Oliveira, na fazenda da Lagoinha, onde o
comerciante costumava passar uma semana, vendendo tecidos e
toda espécie de armarinhos – dedal de costura, grampo de
cabelo, tesoura, agulha e até tamancos. Os canaviais
empregavam muita gente que também se torna cliente do
“turco”. [Depoimento da Sra. Maria Carneiro de Sousa ao autor.
Uberaba, dezembro de 1999]

CONTAS DE CABEÇA

Como pode um imigrante, analfabeto, controlar as


compras de cada freguês, anotando-as numa caderneta? Saber
quantos quilos de arroz, de feijão e de açúcar ou quantas latas
de azeitona ou de palmito fulano ou sicrano levou? É então
preciso, longe da inflação, saber de cor o valor de cada
mercadoria, que é multiplicado pela quantidade de quilos ou
peças levadas. Nas cadernetas da venda de Elias Nabut são os
clientes que anotam suas compras. Caso também não saibam
escrever, são apenas valores anotados e a exercitada memória
para saber a que se relacionam.
Mas nem tudo são números nessa venda. Sufocados pela
falta de pagamento da empresa, mês após mês, os funcionários
da Mojiana encontram no “turco” a espantosa generosidade que
os redime das dívidas. Elias simplesmente rasga as cadernetas
dos ferroviários, perdoando seus débitos de vários meses...

108
ELIAS NABUT

COMPRAS POR CADERNETA

Quando Elias Nabut chega ao Brasil, ele vem de carro pela


estrada Uberaba – Araxá e desce em um ponto da estrada
chamado Ranchinho, que fica a 25 km de Dores. É lá que vão
usca-lo, a cavalo.
Elias Nabut inicia-se no comércio como mascate, inclusive
da Loja São Geraldo, de Uberaba, onde pega as mercadorias –
tecidos e armarinhos – e sai a pé, pelas fazendas que margeiam

109
a estrada até Santa Juliana. No período das águas, só os
relâmpagos noturnos permitem visualizar o imigrante, como
aparição, montado em mula forte e usando capa Ideal, sob
pesadas mangas de chuva, buscando o inacessível pouso. Na
seca, os ventos de agosto aceleram os redemoinhos e são os
mantos de pó que quase apagam da paisagem a figura do
mascate. Destes tempos de mascate, além dos amigos que
habitam as margens do Rio das Velhas, Elias Nabut jamais se
esquece da simpatia e fartura com que o político e fazendeiro
José Adolfo de Aguiar, de Araxá, recebe os imigrantes em suas
ricas fazendas.
Com o trabalho, Elias consegue fundos para instalar loja
em Santa Juliana, transferindo-se, em seguida, para Uberaba,
onde sua vida de comerciante é marcada pelo hábito de vender
por caderneta. Há, na venda de Elias, dezenas delas, uma para
cada freguês, ensebadas de manuseio, e, em grande parte, de
empregados da Mojiana, então instalada ao término do morro
da Rua do Comércio.

COMPRA DE CADERNETA

invenção do livro
deu também em caderno e caderneta
apontamento a lápis ou caneta:
talha, vassoura, urinol
gramas ou quilos de mantimentos
tirados a conchas dos sacos de linhagem
feijão, arroz, batata, cebola
pesados no fiel da balança Filizolla
110
para um libanês analfabeta
de alfa, gama e beta
somente a matemática dos números
somada à memória dos preços
pode ajudar

vajamos

pelo valor somado


à cada linha da caderneta (sem mutreta)
é que se refere à quantia
desta ou daquela mercadoria vendida

ok?

Nunca se soube de um vacilo


daquilo que foi levado
ao fechar as compras do mês
e apresentar as contas ao freguês

que pagava como podia


à vista ou à prazo
conforme pontualidade, atraso
dos correios, coletoria, ferrovia

de certa vez a Mojiana


atrasada nos pagamentos
meu pai pegou as cadernetas
e rasgou todas de uma vez

as dívidas perdoadas
se pagaram com agradecimento

111
se apagaram no esquecimento
de tal maneira que o contador
Eugênio Maria Diniz
nunca soube explicar ao fisco
lhe diziam: Vira o disco!
(Inédito)
CIGARRO DE PALHA

o libanês da loja lambe


a palha de milho
(arrepio)
macia e resistente
escolhida na espiga
farta delas

amolecida à saliva
a palha se presta ao corte
aparo das pontas
feitas as contas
de quantas vezes a lâmina do canivete
alisa as arestas ásperas

o legítimo fumo goiano


umedecido a conservantes
lambuza a venda
de cheiro acre
ardido para uns
adocicado para fumantes

na mão destra
o canivete largo
em pedra afiado
o corte rente
112
(dente de pente)
resulta em fumo fatiado
no covo da mão canhota

dobrada em cocho
a palha serve d eleito
ao chumaço de fumo dechavado

enrolada, a palha toma


formato de cigarro
(pigarro)
lacrado à ultima lambida

preso aos dentes


o cigarro espreita
à réstia de paciência
o riscar da binga

insistente polegar
raspando a pedra de fogo
incendeia o pavio
cheirando a querosene

apagado
mais uma tentativa
de acender o cigarro
que (para o fumante)
vale um carro
e a primeira cuspida

se a binga falha
(encalha)
fósforos Argos

113
riscam fogo no palito

tragar a fumaça
verde baforada
na diagonal ascendente
- esse é o prazer

atrás do balcão
palco de observar a vida
pai Elias queima um maço
de sua existência
no cigarro de palha

(de Geografia da Palavra)

VISITA NA SALA

As visitas, que os irmãos fazem uns aos outros com seus


familiares, ajudam a enriquecer o quadro de imigrantes
libaneses em Santa Juliana e Uberaba, intensificando os
sentimentos e o comércio entre as cidades.

HOMEM-RELÂMPAGO

O filho de Jorge Dib, Miguelzinho, já casado aos 19 anos,


também mascateia em Uberaba, a pé, vendendo mercadorias de
loja em loja. Mercadorias compradas em São Paulo, para onde
ele se dirige em trens de segunda classe, com todas as
dificuldades de sua posição social, comprando dúzia de bananas

114
a duzentos réis, para substituir o inacessível almoço. Já
administrador da Loja São Geraldo, que deveria chamar-se Loja
São Jorge, vai mensalmente a São Paulo fazer as compras,
levando consigo a “lista de faltas”, praticamente dispensável,
pois ele jamais se esquece de nenhum dos 50 ítens de que a loja
necessita. Uma de suas ousadias é a compra de 500 dúzias de
copos norte-americanos, o suficiente para encher carroceria de
um caminhão FNM. Os copos, prensados por método inovador,
produzidos em série e com rapidez fantástica, permitem ótimos
preços no mercado e a novidade resulta no maior sucesso de
vendas.
Miguel Jorge Dib é conhecido na Rua 25 de Março como
“homem relâmpago”. Ele sempre viaja para São Paulo na
segunda-feira, despende três dias em compras. Na quinta-feira
à tarde volta para Uberaba, a bordo de um dos dois caminhões
carregados com 10 toneladas de mercadorias adquiridas de 20
firmas paulistanas, chegando na manhã de sexta-feira. Grão-
mestre da Loja Maçônica Estrela Uberabense, diretor do Clube
Sírio-Libanês e da Associação Comercial e Industrial de
Uberaba, Miguelzinho é também um recordador dos casos de
sobrevivência do povo libanês. [Idem, idem]

115
JORGE DIB E NUR SAUD DIB.
INÍCIO DO SÉCULO XX

IRMANDADE

Casada com José Abrão Facuri, Amélia Jacob Facuri tem


em Uberaba duas irmãs, Sara Saud Facuri e Augusta Jacob
Facuri, o que ajuda a ampliar as permanentes relações entre
imigrantes na região, as idas e vindas entre Uberaba e Santa
Juliana.
Augusta Jacob Facuri é casada com Wid Antônio Facuri,

116
com quem se transfere para a estação de Tangará, da
Companhia Mojiana de Estradas de Ferro, onde nascem seis dos
seus oito filhos. Em Tangará, Wid monta um armazém de secos
e molhados. Do lado oposto à linha do trem, outro imigrante
libanês lhe faz concorrência, Elias Abdala. As movimentadas
estações das ferrovias são destino de dezenas de famílias de
imigrantes italianos, portugueses, libaneses e espanhóis no
período da República Velha.

BOTINAS MATEIRAS

A fabriqueta de botinas mateiras deixa Miguel Abdanur


em trânsito entre Santa Juliana e Uberaba, onde frequenta a
Casa de Couros Salvador Bruno, que vende os melhores artigos
para fabrico de calçados e selaria, instalada no térreo de belo
sobrado na Rua do Comércio, próxima à Av. Leopoldino de
Oliveira, centro movimentado da cidade, conhecido por Esquina
do Enjeitei. É ali, na Esquina do Enjeitei, onde os fazendeiros
passam as manhãs de sol, conversando entre eles sobre valores
reais e hipotéticos dos exemplares zebuínos que negociam ou
sonham negociar em suas propriedades rurais. São as décadas
de 1930, 1940, período em que eles vão abandonando suas
moradas nas fazendas, adaptando-se, definitivamente, à urbe e
seus modismos. Os mais abastados, fazendeiros e coronéis,
usam ternos brancos de linho, formam animadas rodas nas
esquinas da cidade e na histórica Casa Caldeira, no Largo da
Matriz, agora chamada de Praça Rui Barbosa. [Idem, idem]

117
De volta a Santa Juliana, vovô Miguel monta armazém na
praça principal e tem seus dois burros para fazer cobranças nas
roças. Os roceiros – diferentes dos criadores de zebu de
Uberaba - não saem da roça e são clientes constantes dele; mas,
como vêm pouco à cidade, é preciso ir às fazendas receber as
prestações ou quitar as contas antigas. Sempre que sai para
cobranças, Miguel Abdanur faz parada na fazenda de Zé Sabiá,
em Bom Jardim. É dali que ele vai e vem pelas propriedades
vizinhas. Durante um ou dois dias. Ali em Bom Jardim, famosa
é a viúva Nhá Zica, mulher brava, sempre de carabina pronta
para atirar, controlando quem queira chegar à sede de sua
fazenda. Se não for amigo, não chega mesmo! Compadre de Nhá
Zica, ali vovô é sempre bem recebido. [Idem, idem]

118
MIGUEL ABDANUR E SARA RASSI ABDANUR, SENTADOS,
LADEADOS PELAS FILHAS MARIANA ABDANUR NABUT (À ESQUERDA)
E CECÍLIA ABDANUR ESTEPHAN (À DIREITA).
EM PÉ, DA ESQUERDA PARA A DIREITA, OS FILHOS FUED,
RUBENS MIGUEL, NAGIB MIGUEL, ABRÃO MIGUEL,
SALOMÃO, JORGE, AMÉRICO E JOSÉ (ZECA).
UBERABA, 1949. FOTO - JOÃO SCHORDEN JR.
- EQUILÍBRIO NA DISTRIBUIÇÃO DOS VOLUMES, DAS CORES E NO
PORTE FÍSICO DA FAMÍLIA. PARA GRANDES OCASIÕES, COMO O
CASAMENTO DE RUBENS, HÁ O HÁBITO DE IR AO ESTÚDIO DO
IMIGRANTE ALEMÃO PARA UMA FOTO DEFINITIVA.

119
NOVOS IMIGRANTES

Ibrahim Khalil Estephan (Abrão Khalil, em português),


chega ao Brasil a 9 de setembro de 1951, com 24 anos. No
Líbano teve de preencher formulário sobre compromisso de
trabalhar na lavoura, no Brasil, o que nunca chega a fazer, pois
logo se dirige para São José do Pinhal, São Paulo, onde é
hóspede de sua tia Aziza Hanne Estephan e tio Abdala Sidu,
com quem passa a mascatear na companhia de seu filho Ismael
Abdala. Com mil cruzeiros no bolso, Abrão compra um cavalo
por 500 cruzeiros. No primeiro mês fatura 300 cruzeiros. Já
havia tentado a sorte trabalhando na Guiné Espanhola (Serra
Leoa), onde residiu em casa de parentes, mas nada dera certo. O
Brasil se mostra a terra prometida, apesar de todas as
dificuldades de varar noites sob tempestades e raios e dias
escaldantes. A região de Pinhal, habitada por sitiantes italianos,
lhe parece mais afável e favorável. Os italianos o acolhem com
simpatia, abrindo a ele a sede de seus aconchegantes sítios, ao
contrário de fazendeiros de outras regiões, que indicam os
paióis da fazenda para dormitório dos mascates... Abrão instala-
se definitivamente em Uberaba, em 1955. [Depoimento de
Ibrahim Khalil Estephan ao autor. Uberaba, 1997]

EMPREGO NAS SAFRAS

Até o ano de 1929, antes do crack da Bolsa de Nova York,


as lavouras do município de Conquista são as que atraem mais
imigrantes para a região. Os japoneses dominam o plantio do

120
arroz, enquanto os italianos o do café. No período de capina e
colheita, as estradas de Santa Juliana, Nova Ponte e Iraí de
Minas são pontos de partida de milhares de trabalhadores em
busca de carona para as lavouras de Conquista. Centenas de
trabalhadores vão a pé em busca de frente de trabalho no novo e
rico município triangulino.

CORRESPONDÊNCIA

As cartas que se escrevem e os postais que se enviam a São


Paulo, ao Rio, ao Líbano demoram meses para chegar e terem
resposta. Toda a correspondência desses primeiros tempos vai
para Palestina, onde Avelino Pedro Borges vai buscá-la a cavalo.
Quando fica pronta a estação de Santa Juliana, é Zenon quem
busca essa correspondência mais próxima.

CHAFFIC FERREIRA

Chaffic Ferreira, filho de Elias (Facuri) Ferreira e Marta


(Facuri) Ferreira (ver Genealogia, no final deste livro), é
apontado como uma das dez maiores fortunas do Estado de
Minas Gerais na década de 1960. Certamente o empresário mais
bem sucedido, financeiramente, de todos os descendentes
libaneses de Santa Juliana.

NOMES REGISTRADOS

Em Dores de Santa Juliana, além das famílias


enumeradas, muitos nomes são lembrados, residindo aqui,

121
entre eles, os do garimpeiro Filipe Maluf, de Ibrahim Jreig,
ambos tendo dela transferido suas residências.

DESTINO

Havana, Buenos Aires, Nova York, Porto Rico, Santos, São


Paulo e Rio de Janeiro estão entre as principais cidades onde
aportam grandes levas de imigrantes europeus e orientais.
Várias famílias se perdem ao se direcionarem a esses destinos e
às vezes nunca mais se encontram, vindo membros delas para o
Brasil, outros para os Estados Unidos, alguns para a Argentina.
É o caso da família Nabut. Radicados em Santa Juliana e
Uberaba, os irmãos Banut Nabut Moisés e Elias Nabut deixam
um irmão no Líbano, Espir Nabut, e, em Buenos Aires, a irmã
Marta Nabut Khaule.

PRIMOS NOS PAMPAS

Direto de Buenos Aires, Abraham escreve: “Tanus Elias


Khaule e Marta Nabut Khaule chegam à Argentina em 1918, a
bordo do vapor italiano “Conte Viacamano”, com três filhos”,
registrando venturas e desventuras da vida de seus pais na
capital portenha.
“En la casa de Caseros, Provincia de Buenos Aires, está la
casa que ellos edificáron. Recuerdo la última habitación
construída en el año de 1949, por mi madre y la ayuda de los
patricios. Mi madre cocinaba para todos, los atendia, cuidaba
de nosotros, daba de comer y beber a los caballos, atendia la
Quinta de verduras y legumbres, ayudaba a los vecinos mas
122
necesitados y al final mi padre cantaba para ella una canción
de amor, y otras, nostálgicas de la lejana tierra libanesa.
Esa casa era el punto de reunión de los paisanos, en un
patio grande, contában historias, tocaban el “berbebe”, un
instrumento árabe, fumában el “narguilé” y algún paisano que
sabia leer les relataba las Hazañas de Antar, una especie de
bandolero que robaba a los ricos y distribuía entre los pobres,
todo poderoso, les inspirando el culto a la justicia y al valor.
Quando mi padre quedaba satisfecho por alguna comida
saborosa que mi madre le hacia, el la elogiaba diciéndole “Alá
y salem daieta, jabibe!”
Recuerdo una historia que me conto mi hermana Futín,
pocos dias antes de fallecer, cuando yo le pedia que me contara
algo de sua aldea.
...Recuerdo, me decía, que habia viviendas muy precarias
y la única calle empedrada era la del jefe y su casa era de
piedra, muy grande, y a pocos metros se había construído una
horca, ahi colgavam a los llamados bandoleros, recuerdo que
la policía arrastraba a dos hombres jovenes hacia ahi, cuando
estaban por llegar, uno de ellos levantó el puño y gritó “Viva el
Líbano libre! Muera la Francia!”; luego lo colgaron por
bandolerismo.
Ese es un trágico y heroico conto de Futín”, completa
Abraham Khaule – Buenos Aires, 22/01/1934. [Carta-
depoimento de Abraham Khaule ao autor. Buenos Aires, 1999]

123
ABRAHAM KHAULE LADEADO PELA
PRIMEIRA ESPOSA, DORA.
BUENOS AIRES, DÉCADA DE 1960
- TANGOS DISTANTES...

124
DECLARAÇÃO
IMPRESSA, BILÍNGUE.
INTEGRA A SÉRIE DE
DOCUMENTOS
NECESSÁRIOS A FIM
DE EMIGRAR PARA O
BRASIL. (ASSINATURA
DE ABRÃO
ESTEPHAN)

PASSAPORTE DE
IBRAHIM KHALIL
ESTEPHAN.
BEIRUTE, 1951 –
MEMÓRIA
PRESERVADA
ENTRE ARABESCOS

125
A LIDA DA VIDA

 MURO DE TAIPA (O COTIDIANO)


 EXTRAMUROS (USOS E COSTUMES)
 CHEIRO DA ROÇA

126
MURO DE TAIPA (O COTIDIANO)

AMANHECER

O dia amanhece com canários-da-terra, os encantados


canarinhos-cabeça-de-fogo, e os pássaros-pretos trinando,
pousados nos fios da iluminação pública, o que faz lembrar
partituras com as notas musicais. Dentro de casa, a manhã se
impõe com afazeres. Depois de tomar a bênção dos pais e beijar-
lhes a mão, é preciso tirar o lençol da cama para refazer o
colchão de palha, ainda quente e fundo, com a marca do corpo.
As jovens da casa, elas próprias ajudam a confecção desses
colchões, desfiando a palha de milho com garfos. Mais tarde,
muda-se a técnica e os colchões são de capim, feitos por artesão,
mais duros e mais poeirentos. Também é preciso sungar os
colchões, para ver se não há percevejos neles... Gente
sistemática é assim mesmo. [Depoimento de José Rassi
Abdanur e Mariana Abdanur Nabut ao autor. Uberaba, 1980]

MEIAS DE SEDA

Diferenciando das demais famílias locais, os filhos de tio


João José Facuri têm padrão de vida inusitado. As filhas
mandam vir de São Paulo os vestidos que constantemente
chegam de encomenda e trocam frequentemente as finas meias
de seda para espanto das moças da cidade, que raramente as
têm. Há filhos viajando para o Exterior e esse padrão de vida
assusta os “primos” que vão chegando do Líbano. [Idem, idem]
127
MARIANA ABDANUR NABUT

ÁGUA DO REGO

A água que se bebe, com que se banha, o líquido sagrado


com que se cozinha, nasce no alto da cidade, em forma de rego e
vem pela Rua de Capim, descendo, de quarteirão em quarteirão,
ágil, de casa em casa, por toda a Rua do Comércio, a principal e
mais longa da cidade, o que não impede que crianças façam xixi
nela, animais obrem dentro dela. Mas ela vem, ligeira, e então é
preciso madrugar para colher, em bacias ou em latas, o líquido,
128
ainda límpido, que corre de porta em porta, milagreiro,
buscando, aflito, a primeira descida em direção ao ribeirão,
onde tão depressa o rego se desfaz. [Idem, idem]

PILÃO DE PEDRA

Os dias não amanhecem com facilidade. As filhas vão ao


terreiro socar carne no pilão de pedra, uns de granito, outros de
arenito, outros de mármore, conforme o poder aquisitivo da
família. No pilão, tritura-se a carne para fazer o quibe. Carne de
carneiro, caso ganhe alguns quilos do bom animal, ou carne de
vaca, que, raramente, se mata por aqui, uma vez em cada dois
meses. Mas não é somente a cozinha que exige tarefa feminina.
Bordar o enxoval ocupa horas do dia, ou da noite, mesmo sob
luz de candeeiro, lamparina ou lampião. [Idem, idem]

CAFÉ TORRADO

Como para os turcos e os brasileiros, o café integra o hábito


desses libaneses que, quase na totalidade, têm belos espécimes
plantados no quintal, quando não são castigados pelas geadas,
constantes por aqui, nesses tempos. Mas é preciso colher o café,
descascar, torrar na torradeira que se coloca sobre uma das
trempes do fogão à lenha e ir rodando a manivela, rodando,
horas sem parar... de quando em quando, abrir a torradeira, ver
se os grãos já estão pretinhos. Torrado o café, é preciso moê-lo na
máquina de ferro, inglesa. Há os que preferem o café fininho,

129
outros mais grosso, espessura que se consegue apertando e
afrouxando o “munho”. Agora, sim, o pó enche a lata e pode-se
coar a bebida, em coador de pano, e o café inunda a casa de
cheiro bom - e gosto nem tanto.

PRIVAÇÃO!

Esta palavra parece calcada na memória de todos os


imigrantes. Privação de tudo, numa época em que as
dificuldades se multiplicam, com a divergência do idioma, dos
costumes, dos hábitos, o distanciamento de qualquer recurso,
pois o que se consegue é às duras penas e tão aos poucos – e
pouco - tudo custa tanto, a comida, a casa, o mobiliário, a
informação, tudo distante, a farinha, o trigo, a maçã, que a
situação parece mais que desconfortável - sem saída. Então é
preciso fazer as malas e migrar para Pires do Rio, para Goiás,
para Uberaba, novamente e eternamente Uberaba, para o Rio
de Janeiro e seu centro tumultuado, a zona norte, abafada,
quase um caminho de volta, rever e encarar São Paulo e seu
amontoado de árabes, judeus, italianos, a 25 de Março, o Brás,
um barril de pólvora prestes a estourar, de tanta gente,
construções, bondes, bagunça - cidades onde, certamente,
poderão ser mais felizes. [Idem, idem]

O NEGRO

No quintal, um negro cuida da horta. O cultivo da “horta de

130
couve” é um prazer especial dos imigrantes, que abastecem de
verdura a mesa diária. Os brasileiros, acostumados ao arroz,
feijão, farinha, ovos e carne, assustam-se com a variedade de
verde na cozinha dos libaneses. A parreira, com a folha de uva
para o malfufe, a couve, a chicória, o quiabo - que pinica a mão
da gente – que se faz cozido, com carne moída ou picadinha; as
sementes de tomate, vindas do Líbano, dentro das cartas,
plantadas no período da seca, e cujos frutos são tratados com
carinho de filho; o rabanete, vermelho-vivo, estralando a cada
mordida e cujas folhas são aproveitadas para um delicioso e
temperadinho sly; a hortelã para o quibe, a alface, a salsinha e a
cebolinha para temperar pratos tão saborosos; enfim, as
verduras e os legumes, imprescindíveis para a subsistência do
imigrante. [Idem, idem]

PORTINARI

O quintal de meu avô, com grande portão de madeira nos


fundos, dá para a rua de baixo, da Mandurica, por onde entram
os carros de bois, abarrotados de milho que vem da roça. A carga
é despejada sobre o encerado estendido ao sol de fevereiro.
Vêem-se, então, as negras, sentadas em tocos, umas a descascar
as espigas maduras, outras a debulhar o milho, esfregando uma
espiga em outra espiga, fazendo saltar os grãos dourados, que se
amontoam entre suas grossas pernas e os grandes pés descalços,
como nas telas de Portinari. É um ritmo que elas, tão hábeis,
sabem tirar do trabalho, muitas vezes acompanhado de baixa

131
cantoria e, quando findo, é repassado aos homens que,
levantando o encerado cor de açafrão, podem ensacar o cereal,
empilhá-lo no armazém do avô, contente com as possibilidades
comerciais da mercadoria.

LARANJA MADURA

Laranjas, aqui, só podem ser chupadas até o mês de junho.


Depois do dia de São João, dia 24, de jeito nenhum – dá bicho.
Melancia, pepino e milho verde, só em dezembro, janeiro e
fevereiro. Fora dessa época, fazem mal. (sic) [Idem, idem]

MUDANÇA DE NOME

Interessante notar que, muitos da família Facuri, adotam o


sobrenome Ferreira, tendo em vista o alto poder aquisitivo, para
a localidade, dessa família brasileira. A troca de sobrenomes faz
com que se perca a referência étnica para gerações futuras
daquela família. [Idem, idem]

DIA DE MATANÇA

Na falta de carne de vaca, no chiqueiro cercado de achas de


aroeira, há sempre bons capados, prontos para o abate. Os filhos
homens cuidam de pegar e sangrar um porco. As filhas mulheres
tratam de sapecá-lo com palhas e sabugos de milho. Em seguida,
é preciso abrir o bicho, tirar as entranhas, limpar, lavar as tripas

132
para a linguiça, separar as partes, o toucinho que se frita para
fazer o torresmo, as postas de carne que são cozidas em tacho de
cobre, apertadas e guardadas em latas de 18 litros, mergulhadas
na banha que as conserva por longos meses.

ARIXE MADURO

A mãe conta que é preciso ter bons braços e boa coluna para
fazer a manteiga de leite e os arixes que se comem fora de hora.
O láben, que os brasileiros chamam coalhada, é misturado a um
pouco d´água e despejado em um pote de barro, coberto com
tecido branco e barreado por fora. O pote é então deitado sobre
estopas e a mulher começa a batê-lo, rolando-o pra lá e pra cá,
num vaivém rápido e curto, de descer o suor da testa. Por um
orifício feito no pote e tampado com uma rolha, enfia-se uma
vara até atingir a massa e confere-se, então, se a manteiga já está
pronta. Da manteiga, que será conservada em água fresca, sobra
o iron, líquido nutriente, às vezes bebido ou dado aos porcos. O
láben é também aquecido, mexido e pendurado em pequeno saco
branco e limpo que, ficando a escorrer, resulta na massa de um
queijinho que, temperado com sal e pimenta, torna-se o delicioso
arixe. Caso queira maturá-los, é preciso introduzi-los, em
número de uns trinta, em um pote que se fecha com tecido
vedado por barro do lado de fora. Ali adormecem os arixes um
sono de 180 dias, quando são retirados, mofados, e daí, quando
lavados, se revelam curados e vermelhos, postos a servir, regados
a azeite de oliva e acompanhados de cebola picadinha, pão e

133
fome voraz que os devore... comidos “de capitão”. [Idem, idem]

METRO DE LENHA

De primeiro, o carro de boi chega ameaçador. Bois pesados,


o canto de lamento e imensos galhos de árvores jogados no
quintal para lenha. Ou as mães ou os filhos têm de rachar os
galhos para fazer-se lenha e manter aceso, dia e noite, o fogão.
De tempos para cá, os carros são carregados de lenha cortada,
que se compra aos metros cúbicos, facilitada para o uso.

SOBRE O MURO

A cada prato especial que minha avó elabora, na cozinha,


corresponde, certamente, uma boa mostra da iguaria que é
colocada sobre o muro da vizinha, que cuida de retribuir da
mesma forma. Exagerada, minha avó não se contenta em agradar
a vizinha mais próxima e dana a distribuir pratos para a
parentada toda, como se houvesse recursos financeiros para
tanto, além da obrigação de cozinhar para si, o marido e dez
filhos. Sua generosidade atinge também os pobres e os
deserdados, que só se consideram realmente desamparados,
quando ela se muda, definitivamente, para Uberaba.

BONDINHO

Em 1922, quando o bisavô tio Antônio (Iliês) Abdanur vai,

134
definitivamente, de volta para o Líbano, viaja acompanhado de
um guia, os dois a cavalo, até Sacramento, onde o imigrante
toma o bondinho para a estação de Cipó e, de lá, até Campinas.
Leva consigo ovos e arixes, matula da viagem. Essa partida
deixa os primeiros netos em choro e a cena gravada na
memória.

APOLINÁRIA PARTEIRA

A noite baixa sobre a mulher que se contorce sob fortes


dores, em fins de gravidez. As tias vizinhas dão assistência,
como podem. Relembram casos milenares, mas as dores da
grávida não cessam. Multiplicam-se. Até que Apolinária, a
parteira mais famosa, chega, se instala e, com devidos cuidados,
puxa do ventre os gritos de uma criança. Após o parto, a paz. O
cigarro do marido que desenha com fumaça, no ar, o futuro do
filho. A negra Apolinária retorna ao despojado lar, passando,
alegre, pelas lojas dos patrícios, informando o nascimento de
mais um menino ou uma menina da colônia libanesa.

QUARENTENA

Como as brasileiras, as libanesas tomam cuidados


idênticos quando se casam e ficam quinze dias sem sair de casa
para receber as visitas e, quando dão à luz, ficam de quarentena.
São mesmo quarenta dias, presas ao lar, com pouco movimento,
lenço amarrado à cabeça “para não se resfriarem”, pedaços de

135
pano nas frestas das janelas, evitando que o vento resfrie o
recém-nascido. O avô da criança compra então 40 galinhas,
uma para cada dia, para a canja, que a filha, de resguardo, sorve
e, lentamente, se reabilita. O pai, feliz, se o nascimento é de
filho macho, recebe o abraço de todos. Logo, ele toma a
providência de forrar o teto do quarto do menino com tecido
americano cru – essas casas coloniais, simples, nunca são
forradas – protegendo a família da friagem, da fuligem do fogão
à lenha, dos picumãs que se balançam no teto, assim como os
morcegos, que só aguardam o escurecer para investir, em vôos
noturnos, pelos cômodos da casa. Sendo menina, a criança
recém-nascida, o pai passa dias sem falar com a esposa, de cara
emburrada ou, até mesmo, retirar-se de casa. [Idem, idem]

VASO NOTURNO

O dia-a-dia requer a participação de muitos da casa. Ao


amanhecer, um filho recolhe os urinóis de folha esmaltada,
chamados também de penicos, ou vasos noturnos, e de ardie
pelos árabes, e os esvazia na fossa, lá no quintal. Os roceiros às
vezes se assustam com o utensílio dependurado na prateleira da
venda: “Uai, sô! Pra quê isso?” [Idem, idem]

136
EXTRAMUROS (USOS E COSTUMES)

A CONSCIÊNCIA COMO RADAR

É preciso ser atento. É preciso estar atento. O sarampo


deixa marcas para sempre. Prestar atenção às coisas. Pés
descalços, bicho-de-pé, escorpião sob o amontoado de telhas.
Você cai no quintal e corta-se no caco de vidro, em arame
farpado. Vacina contra tétano. Apontando o lápis, a gilete rasga
o dedo. Notas vermelhas no boletim, fazer 500 linhas depois da
aula, castigo, de castigo. Medo. A mortalha dos padres. O terço
feito um chicote deixa marcas no braço da gente. Contas de
sangue. Sangue de menino ou sangue de Cristo? Atentar.
Estudar, só no Diocesano, cuidado com as más companhias, a
distração no vestibular, a correria no trabalho, alimentar-se
direito, mastigar 32 vezes. Cuidar para não chegar atrasado, não
ficar distraído para não ser traído, receber aluguel do inquilino,
sempre atrasado, estudar para o vestibular, não comprar a
prestação, fique longe das cartas, não tocar no baralho, não
abonar ninguém, fulano era o mais rico da região e ficou pobre
de tudo por causa disso, alguém pode delatar (outro vai e se
aproveita da sua bebedeira, lhe toma o dinheiro), cuidado com a
coluna, a dor nas costas, precisa comprar uma casa para você,
um terreno, dirigir para a gente e para os outros, cuidado,
atenção, preste atenção, você é muito distraído. A consciência é
um radar que gira a vida toda e não para.

137
ALGENTAR

Uma das figuras queridas dos adolescentes, o negro


Algentar, que ensina várias gerações a nadar no Ribeirão de
Santa Juliana, onde o “toucinheiro” é perigo do qual não se
aproxima; um redemoinho perigoso, perto do pé de óleo, que
traga menino para o fundo das águas...

SARA VISITA SUA PRIMA HANNE RASSI

Sempre distante de seus parentes, não há quase ninguém


da família Rassi por aqui. Por isso, é memorável a visita que
Sara Rassi Abdanur faz à sua prima Hanne, em Uberaba, na
casa de tio Calixto Cecílio. Hanne vem de Goiás, senta-se na sala
e com Sara relembra a afetividade dos lares e dos afetos tão
próximos, no Líbano. As feições parecidas dos primos, os pais,
as dificuldades da travessia do Atlântico, a passagem por
Uberaba, as estradas separando os projetos, as vidas; Hanne
tomando a direção de Goiás, ela e seu marido, Tufi Abdala
Hanna Rassi e é lá que eles têm seus filhos: Afifa, casada com
Chafi Issa Iliês Rassi; Afife, solteiro; Latifa, casada com Miguel
Miguel; Neige, casado com Angélica Nasser Rassi; Calixto,
casado com Geni Petraglia Rassi; Miguel Tufi, casado com
Idalina Donadio Rassi; Olga Tufi, casada com Alberto Halabi;
Naim Tufi, casado com Vitória Figueiredo Rassi; Júlia, casada
com Latif Ibrahim Khalil Rassi; Atie, casado com Mariana
Rassi; e Nahima, solteira. [Depoimento de Mariana Abdanur

138
Nabut e da pesquisadora Lígia de Moura Rassi ao autor.
Uberaba, 1999]

FUNDÃO

Onde, dizem, se faz café com pó preto e garapa, no lugar


da água. A água de lá também não é grande coisa, pois se vê
tanta gente com papo. Umas escondem o papo, com vergonha,
outras o exibem com orgulho. [Depoimento de Lázaro Ferreira
da Silva ao autor. Uberaba, dezembro, 1999]

NOS BOTICÁRIOS

Os farmacêuticos, na maioria práticos, marcam época na


sociedade de Santa Juliana. Dos mais antigos, José Goulart da
Costa, lembrado pela competência. Homem que clinica e é
amigo da colônia libanesa. Seu filho, Elmar Goulart de Andrade,
dá continuidade ao trabalho do pai e, nestes anos de 1959, é o
primeiro a ser procurado pelos imigrantes. Há a farmácia da
família Montandon, a farmácia do Mesquita, do Venerando, do
Alexandre. Há também a farmácia do Gerson Boaventura, do
José Lira, do Geraldo Afonso, do Tonico; uma ou duas,
conforme o tempo que a gente vai contando. [Depoimento de
José Rassi Abdanur ao autor. Uberaba, 1980]

139
OS DOUTORES

Nem só as parteiras trazem os filhos de brasileiros e


libaneses ao mundo de Santa Juliana. Os médicos formados
passam ou vivem aqui. Dos lembrados, o mais antigo deles é um
dr. Sebastião. Depois dele, dr. Rocha Pita, dr. Catunda, dr.
Adolfo Portela, que chega a deputado estadual, dr. José
Valadares e dr. Helvécio Torres Cunha (1911-1970), já nos anos
de 1950. Pedrinho Cortes é dentista prático e amigo da grande
família de imigrantes libaneses. [Idem, idem]

AMARELÃO

Sintomas – Você vê um sujeito inchado, com fôlego curto,


generalizadamente pálido e arroxeado nos lábios - vai ver, ele
está com a doença de Chagas. Um mal que vinga aqui no século
XIX e prolifera, feito o passarinho pardal, no século XX. O
professor de doenças parasitárias e infecciosas da FMTM –
Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, dr. Aluísio Prata,
explica esse drama.
“O inseto “barbeiro” existe há pelo menos dois mil anos
aqui na América do Sul. Ele é detectado em múmias andinas
da época de Cristo. Nos primórdios, a doença de Chagas se
revela como uma doença de animais. Com o surgimento de
aglomerados urbanos, o barbeiro se domestica. Na região, que
seria conhecida como Brasil, ele é um inseto da mata, pois
nossos índios, tendo hábitos nômades, têm por hábito queimar

140
as tabas quando se transferem de lugar, não carregando o
barbeiro consigo em suas mudanças. Os índios, do período da
Descoberta, não dão nome a este inseto, sinal de que ele não
faz parte de seu cotidiano; enquanto na floresta do que viria a
ser a futura Bolívia, nos anos que se seguem à chegada de
Colombo à América, os jesuítas já registram sua presença.
Naturalistas estrangeiros que visitam o Triângulo Mineiro no
século XIX, entre eles Auguste de Saint-Hilaire, citam vários
insetos nocivos à saúde, mas não fazem referência ao barbeiro.
A chegada do barbeiro infectado ao centro-sul brasileiro dá-se
pelo sul do Brasil, vindo do Uruguai e Argentina, entrando
pelo Rio Grande do Sul.” [Depoimento de dr. Aluísio Prata ao
autor. Uberaba, 1999]
O barbeiro sugador e transmissor da doença de Chagas é o
Triatoma Infestans que existe nos Andes. A descoberta do
cientista Carlos Chagas força que se façam campanhas nacionais
de combate ao barbeiro, que passa a ser combatido com
inseticidas, tais como o BHC, o Aldrin, o Diedrin.
O êxodo da zona rural faz com que o homem do campo
leve para a cidade o inseto. A própria ferrovia, que é símbolo
absoluto de progresso, retorna das distantes regiões
interioranas com o barbeiro escondido na lenha dos vagões.
Conta o pesquisador Aluísio Prata que em 1940 são recolhidos
nos ranchos de pau-a-pique centenas de latas de insetos
infectados. Nesse período, 75 mil novos casos de incidência da
doença de Chagas são registrados a cada ano. Em 1975, 4% da
população brasileira é contaminada pelo barbeiro infectado.

141
Minas Gerais e Rio Grande do Sul registram incidências
maiores: 8%, uma incidência muito alta e tida como a principal
endemia do país, tão grave como a esquistossomose. Os
municípios de Iguatama, Bambuí, Santa Juliana e Pains se
revelam como locais de grande incidência do barbeiro
contaminado. Em 1983 o país é praticamente borrifado com
inseticida.
As novas e melhores condições de vida permitem
visualizar o Brasil com decréscimo total do barbeiro infectado.
[Idem, idem]

OS MESTRES DE LÁ

No Líbano e na Síria, o analfabetismo é, em parte,


combatido pelas religiões dominantes. Os turcos às vezes
instituem o ensino básico para os filhos dos mulçumanos,
enquanto os russos dão instruções básicas para os filhos de
ortodoxos e maronitas. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1980]

OS MESTRES DE CÁ

No início do século XX, alguns professores simbolizam


uma época aqui em Dores, como Manuel José Borges e aulas
particulares, em sua casa, na Praça Floriano Peixoto. E José
Gualberto de Aguiar, na Rua do Comércio. José Cândido de
Meneses, Prof. Meneses, é um dos que marcam gerações com

142
seus ensinamentos. Homem de conhecimentos abrangentes,
dos anos 30 até os anos 60, é ele quem prepara alunos para a
Admissão (segundo grau). Por toda a década de 1930, o colégio
particular do professor Artêmio Magalhães, irmão dos pintores
uberabenses Anatólio e Arnold Magalhães, ajuda a melhorar o
nível do ensino local. [Idem, idem]
Outro mestre que se notabiliza no ensino e na convivência
é o professor Orestes da Cunha Resende, neto de D. Ana,
mulher famosa por aqui. Autodidata, o Prof. Orestes é dos mais
ligados à colônia libanesa. Com o engenheiro J.C. Pedro Grande
assina o opúsculo Esboço Corográfico e Aspecto Econômico do
Distrito de Santa Juliana, de 1938, utilizado como
embasamento para defesa da criação do município. Em sua
homenagem, a Rua do Comércio passa a se chamar Rua Prof.
Orestes. Em 1983, merece uma separata da revista
Convergência 13. [Revista da Academia de Letras do Triângulo
Mineiro. Uberaba, 1983] da Academia de Letras do Triângulo
Mineiro, de autoria de seu irmão, o médico Sebastião Teotônio
Resende.
Com esses mestres, sempre ricos em cultura humanista, a
segunda geração de imigrantes aprende o que permitem as
possibilidades da educação em Santa Juliana.
Enquanto aprendem língua-pátria nas escolas primárias,
com requintes de valorização da pronúncia da letra ele, bem
palatal, os filhos dos imigrantes, como a maioria de seus pais,
não sabem rascunhar nada na escrita árabe. Mas, “falam alguma
coisa” e entendem quase tudo da língua dos pais. Em casa, a

143
língua árabe consegue se manter viva. No lar, os filhos sentem-
se na obrigação de entender a fala paterna. No futuro, a terceira
geração já não entenderá mais nada da linguagem dos avós.

MESTRAS DA PALMATÓRIA

Muita gente se lembra de D. Ana, Ana Ambrosina do


Carmo, à frente da Escola Pública Estadual desde o século
passado, o XIX, e início do século XX. Depois, mais agora,
ensinando do be-a-bá até raiz quadrada, civismo e história, eis
Dona Maria Teixeira, que acaba dividindo com Dona Bita os
alunos: meninos, para esta; meninas, para aquela. Menino não
se mistura com menina! [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1980]
Para marcar a vida das duas gerações de imigrantes e a
própria história da cidade, Dona Ambrosina Rodrigues do
Carmo é quem puxa, diariamente, o terço das 18h na igreja e dá
aulas a várias gerações, projetando-se como uma das cidadãs
notáveis da história da cidade.
Vai dar seu nome, em 1994, à Fundação Ambrosina do
Carmo, de caráter histórico e cultural que se institui na cidade.
São as mestras da palmatória e do castigo de ficar
ajoelhado sobre grãos de milho. Os jovens almoçam às nove e
meia, um deles toca o sino da igreja do Rosário e, às dez horas,
começam as aulas. Formação básica inabalável, um curso
primário que é a formação para o resto da vida. Nos anos de
1940, a escola pública da cidade passa a se denominar Escola

144
Campos Sales. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor.
Uberaba, 1980]

AMBROSINA RODRIGUES DO CARMO (TERCEIRA DA ESQUERDA


PARA DIREITA), MESTRA REFERENCIADA PELA COLÔNIA
LIBANESA DE SANTA JULIANA
COLEÇÃO SEBASTIÃO TEOTÔNIO RESENDE

UM MAL BÍBLICO

O sol bíblico é uma bola de fogo que gira ensandecida no


ar e regurgita suas labaredas sem destino, estorrica a vegetação,
seca os chapadões vazios. Do capinzal, as aves se espantam e se
desesperam. O cincerro vem batendo um som que mete medo.

145
Uma carroça rola suas rodas ranzinzas pelos caminhos de terra,
imprimindo um som angustiante ao deserto. Quem a vê se
contorce para trás e se afasta em sinais da cruz, puxando a
camisa para o nariz, evitando o possível mau cheiro dela
exalado, e cospe de nojo. Saídos do Apocalípse, quatro
cavaleiros trazem mãos, braços, pernas e as caras com ataduras
conspurcadas e se dirigem para a cidade, com uma intenção
quase vingativa. A chegada deles às primeiras ruas, abaixa o
tom das conversas e alastra entre as pessoas um medo que mela
e morde... São os macutenas que se anunciam com cincerros
sinistros. São os Lázaros, sem o alarde do milagre da cura.

LENDA DAS “BALINHAS DE SALIVA”

As crianças brincam nos quintais. As mães, em casa,


espiam-nas o quanto podem, pela janela aberta dos fundos. As
crianças brincam nos quintais, mas também nas ruas. As mães,
atarefadas na cozinha, procuram vê-las (mãe é assim) refletidas
no fundo das panelas de alumínio, que areiam com precisão e,
assim, vigiam-nas à distância. Mas o leite ferve, a massa passa
do ponto, a visita chega, o marido bebe, um gato sai do
esconderijo; cinco minutos de descuido, elas perdem a noção de
onde os filhos se encontram; o que desorienta essas criaturas.
As crianças adoram doces, principalmente balas – e aí mora o
perigo – bala chita, bala de canela, azedinha, qualquer bala.
Sabendo disso, um macutena, de má-fé, pode dar às crianças as
balinhas molhadas com sua saliva leprosa!... e, por aí, se vingar

146
da gente sã que nunca toca naquilo que eles manuseiam, nunca
deles se aproxima... Essa história das balas de saliva deixa as
mães loucas de preocupação - justo agora que os meninos vêm
sozinhos da escola... e são loucos por bala!

A FORÇA DO TABANJA

Por Uberaba e Santa Juliana transita o Sansão dos novos


tempos. Troncudo, corpulento, forte, gordo, vermelho, grande,
o árabe Tabanja é invocado nos momentos de força e poder.
Amigo de todos, levam-no ao circo, como atração, pois ele é
capaz de deixar pendurar doze homens de cada lado de um
trilho de ferro que sustenta às costas. Seu muque é posto à
prova no picadeiro do circo de cavalinhos, segurando em cada
braço um cabo de aço, puxado nos extremos por dois
caminhões... Quando você é tomado de ódio, quando a raiva lhe
sobe à cabeça ou é necessário força para vencer um agressor,
evoca-se o nome de Tabanja, onipresença nos casos que
encantam as crianças, motivando-as nas brincadeiras nas quais
os músculos são atração principal.

DIES IRAE

Nos primeiros tempos da imigração, apesar de


culturalmente mesclados à sociedade local, os libaneses não são
aceitos pela totalidade das famílias locais. Permanecem na
memória de todos os casos de um delegado, Zacarias, pouco

147
simpático à presença dos libaneses na localidade. Em uma
discussão com imigrante da família Facuri, em uma loja de
tecidos, o delegado é baleado pelo libanês, o que resulta em
revolta armada de grande parte da população. Temerosos, os
libaneses trancam casas e estabelecimentos e se armam da
maneira como podem. São em número menor, mas têm certa
vantagem por causa da posição que ocupam, dentro das lojas.
Vantagem, no primeiro embate, porque o confronto pode
resultar em encurralamento em suas propriedades. Frente à
virtual carnificina, é o próprio Zacarias quem consegue demover
os brasileiros do ataque, assustado com a possibilidade de
vitória dos imigrantes. [Depoimento de Miguel Jorge Dib ao
autor. Uberaba, novembro de 1999]

TURQUINHO!!!

Não há palmatória ou castigo pior do que chamar uma


criança fenícia de “turquinho”, como tantos brasileiros naturais
gostam de fazer para provocar reação. Turco, para os libaneses,
é o agressor, é o dominador, é o explorador, é quem leva seus
filhos para as frentes de batalha. É o turco quem carimba
Turkia no passaporte dos libaneses, no período em que a
Turquia ocupa o Líbano.

OS VIAJANTES

A distância dos centros produtores e distribuidores de

148
mercadorias faz com que os viajantes e representantes de
importantes casas comerciais e importadoras mapeiem o Brasil,
oferecendo produtos, cobrando, acertando prazos de
pagamentos.
Nomes de imigrantes ou descendentes de imigrantes que
viajam pela região ficam na memória: Bechara Salomão, de São
Paulo, representante de chapéus e tecidos; Cecílio Salomão, de
Araxá; Chebe Aidar, de Franca; Michel Facuri, Zeca Abdanur,
Edésio Facuri, de Santa Juliana...
Em São Paulo, os portugueses dominam as casas Barros &
Cia., Martins Costa, estabelecidas na Rua Florêncio de Abreu.
Vendem mercadorias, no atacado, para se pagarem em seis
meses, quando o viajante retorna ao interior para novas
negociações. Nicolau Miguel fabrica em Mococa, Estado de São
Paulo, o chapéu masculino marca Ideal, para quem Michel
Facuri trabalha durante muitos anos. Há viajantes de armas, de
ferragens, de borzeguins - de tudo.
Os viajantes são muito bem tratados em Santa Juliana,
onde ficam durante uma semana, a cada viagem, e o auge deles,
aqui, vai de 1912 a 1930, quando vem o automóvel e muita coisa
muda. Vestidos, com elegância, trajam ternos de linho 120 ou
de casimira inglesa, são recebidos com festa pelas moças do
lugar, que sonham, com eles, um casamento feliz com futuro
nas capitais, onde poderão ter e educar os filhos em boas escolas
e vê-los formados nas faculdades, que lhes renderão títulos de
doutor... Mas, o projeto de romper com a vida provinciana
quase sempre se desfaz, com o retorno dos viajantes às capitais,

149
a volta inconsequente dos flertes e namoricos, o casamento com
os moços do lugar, quando não com os primos e tudo se resume
à mesmice. Aos prejuízos dos sentimentos femininos
correspondem os lucros dos viajantes, que retornam com os
pagamentos – oito a dez mil contos de réis - até às cidades, onde
há agência do Banco do Brasil ou do Crédito Real para os
vultosos depósitos.
As casas atacadistas têm tropas de animais pelo Interior
brasileiro, a serviço dos viajantes, quando já não mais podem
recorrer ao trem de ferro para atingirem as cidades distantes
das ferrovias. É uma tropa de onze a quatorze burros,
integrando comitiva formada por dois ou três homens, dentre
eles, um cozinheiro. Prevenindo perigos – humanos ou animais
- uma carabina Smith, mas ninguém parece querer agredi-los.
Sobre os burros, as canastras, com os mostruários, as cartelas
com cores e gênero de tecidos – o brim cáqui, o arranca-toco, o
zefir, as chitas, o riscado, a casimira Aurora, que é fabricada no
Rio Grande do Sul e de muito boa qualidade. Sempre
mercadoria de primeira qualidade – chapéus Cury, Ramenzoni
– grande parte dela importada. Em Santa Juliana, os viajantes
hospedam-se na pensão do Zé Dutra. Seus auxiliares cuidam de
alugar um pasto e tratar dos animais. Comerciantes, mais
interesseiros na amizade, convidam os viajantes para fartos
jantares em suas residências.
Michel Facuri e Zeca Abdanur viajam pelo Triângulo
Mineiro e pelas cidades da linha da Estrada de Ferro
Araraquarense, no Estado de São Paulo, passando por Mococa,

150
Ribeirão Preto, Rincão, Araraquara, Pindorama, Rio Preto, Alta
Paulista; depois, vêm para Uberaba, Uberlândia e Araguari,
Goiás, Pires do Rio, Vianópolis, Ipameri, Anápolis, com
volumosa presença de árabes. Isso, por volta de 1927, ´28, 1935,
´36, viajando de trem de ferro, alugando carroça e, mais tarde,
alugando carro para fazer a praça. [Depoimento de José Rassi
Abdanur ao autor. Uberaba – 1985]

O CARGUEIRO E OS MOSTRUÁRIOS

Os viajantes vêm do Rio de Janeiro e São Paulo. Viajam de


trem até a estação de Palestina e Zelândia, de onde se dirigem
para Santa Juliana em cargueiros. As canastras sobre os burros;
dentro delas, os mostruários de todos os modelos de tecidos e
armarinhos, secos e molhados, tudo de que necessitam os
comerciantes de todo este interiorzão brasileiro.
Mais tarde, quando chegam as mercadorias
encomendadas, prazo de entrega de quatro meses, os pacotes
enchem a gare de Palestina, até que são transportados para os
carros de bois, que levam quatro dias, chiando e cantando, até
Dores, onde são recebidos com festa pelos comerciantes. [Idem,
idem]

VALSA DA CHEGADA

Uma das últimas famílias libanesas a se retirarem de Santa


Juliana, indo se radicar em São Paulo em 1967, é a de Miguel

151
Abud e Alzira Melek Abud. No entanto, a filha Vera Júlia Alzira
Abud, em 1977, retorna a Dores, sem mais abandoná-la,
tornando-se a última descendente de libanês a permanecer
aqui. Uma forma de reconciliar o que a cidade deu aos
imigrantes e estes ao município de Santa Juliana.

152
CHEIRO DA ROÇA

O CAMPO MOVIMENTADO

Por volta de 1929, as lavouras do município de Conquista


são as que atraem mais imigrantes para a região. Os japoneses
dominam o plantio do arroz enquanto os italianos o do café. No
período de capina e colheita as estradas de Santa Juliana, Nova
Ponte e Iraí de Minas são ponto de partida de milhares de
trabalhadores em busca de carona para as lavouras do
município de Conquista. Centenas deles vão, a pé, em busca das
frentes de trabalho no novo e rico município triangulino. [Idem,
idem]

O PORTUGUÊS RETORCIDO DOS ROCEIROS

O sossego provincial, em Dores, é animado, nas primeiras


décadas do século XX, pelos libaneses vindos da vida rural,
como pelos brasileiros daqui. No Líbano, têm o costume de
plantar e colher azeitonas, uvas, trigo, fazer arixe com leite de
cabras pastoreadas nas montanhas. Mas aqui, ao invés de
enxada e do pastoreio, ativam o comércio, recurso mais ligeiro
para chegar ao pão, à comida, ao rendimento, à estabilidade.
Então, o local se anima com tantas portas comerciais. Os
roceiros vão chegando às lojas dos “turcos”, amarram seus
cavalos nas argolas de ferro cravadas no meio-fio ou nos postes
de aroeira, da fraca iluminação pública.

153
- Dia, seu Miguel!
- Bom dia, brimo! Bom dia, brima! Tem uns coisinhas aqui que
é um bileza, bros´cês.

Nessas lojas, os roceiros encontram de tudo o que


necessitam: sal, chinelos, querosene, pano de chita, guarda-
chuva, rouge e batom, fumo de corda goiano, enxadão, linha de
carretel e espelho, cartucho, botinas mateiras. A cidade é um
vaivém de cavalos arreados, carroças, carros de bois chiando. A
fala retorcida dos roceiros, forçando o erre, se mistura à
línguagem gutural dos árabes que precisam aprender português,
em vinte, quarenta dias, para trabalhar, fazer negocinhos. Falar
logo a língua dos “brosilie”, mesmo com aquela trava da língua
árabe que não conhece o pê. E onde é “pê” eles põem “bê”. Coisa
de “batrício”, de “cumbadre”. A amizade fácil, que os diferencia
de tantos outros imigrantes, no Brasil e em todas as Américas,
logo faz, dos libaneses, padrinhos de tantos filhos de comadres e
compadres brasileiros.

CAPA IDEAL

Um viajante vem de São Paulo, de trem de ferro, apeia em


Cipó, onde pega o bondinho para Sacramento, faz as praças de
Sacramento, Araxá, Perdizes, Nova Ponte, Santa Juliana, Iraí de
Minas. Viaja seis meses, a cavalo, vendendo. Ele anota os
pedidos e os envia a São Paulo, pelo correio, sem que o
comerciante tenha de assinar documento algum. Em época das

154
águas, o chapéu e a capa Ideal são indumentária e acessório
indispensáveis para as viagens a cavalo. Soltos no campo, os
usuários da capa fazem lembrar cavaleiros medievais.

FAZENDEIROS E AMIZADES

Numa cidade dominada pela economia rural, é normal (a


descontração dos libaneses o permite) o bom relacionamento
dos imigrantes com os fazendeiros que serão sempre bons
fregueses e grandes amigos, como serão sempre lembrados:
José Terêncio, da fazenda do Pontal, e seu filho Augusto
Terêncio, da fazenda dos Veados; Zeca do Zezinho e sua esposa
Sinhá; José Pedro Borges, Pedro Rodrigues da Costa, em
Crioulos; Azarias Severino Carneiro (Tio Zá), Severino Carneiro
de Oliveira, na fazenda do Pião, e seu filho Severino José
Carneiro, com fazendas às margens do Rio Quebra-Anzol; José
Adolfo de Aguiar, o lendário Cel. José Adolfo Portela de Aguiar,
na sua fazenda da Mata, beirando o Quebra-Anzol; Cel. José
Ferreira, Joaquim Inácio, na fazenda da Mata; Chico Pereira,
Maria Rita Portela, mãe do deputado Adolfo Portela, em sua
fazenda à margem do Rio das Velhas; os Avelar, margeando o
Rio das Velhas, o agrimensor Dr. Virgílio Horácio de Abreu, na
Lagoinha, proprietário de uma diligência com três parelhas de
cavalos para ir à missa com a família na cidade. [Idem, idem]

155
TERRAS CANSADAS

De tanto explorar a terra e ainda sem os métodos


inovadores que só surgirão nas três últimas décadas do século
XX, a queda de produção é iminente. Antes disso, ainda na
década de 1920, muitas famílias de libaneses começam a sair
daqui, indo para Uberaba, São Paulo, Rio de Janeiro. Nos anos
de 1940 e 1950 dá-se o grande vazio da colônia libanesa em
Santa Juliana. E, a partir 1960, até os brasileiros vão se
mudando, junto aos últimos libaneses. A cidade se esvazia.
[Depoimento de Mariana Abdanur Nabut, ao autor. Uberaba,
1990]. Também os filhos vão crescendo, precisando de escola,
de trabalho, a cidade sem oferecer condições. Muitas casas
ficam vazias.
Os últimos a se mudarem são os Abud, os Abdanur e os
Árabe, que fazem de tudo para uma permanência mais
prolongada, mantendo uma loja de tecidos na praça, com
gerente. De todos os imigrantes que abraçaram a praça inteira,
casa por casa, com suas famílias, ficará apenas um filho, José
Rassi Abdanur, Zeca, que, por fim, em 1967, dá o último adeus
dos libaneses à cidade.
Sintoma de finalização da aventura de um povo de
civilização milenar, que atravessara continentes, mares e
oceano, para “vir fazer a América”, em um de seus mais
recônditos povoados.

156
DILÚVIO DE FALENAS

 POEMAS VISUAIS
 VIDA CULTURAL

PÁGINA DE ROSTO DO LIVRO OS PRÍNCIPES DO DESERTO,


PERTENCENTE A MEU AVÔ MIGUEL ABDANUR.
SANTA JULIANA/UBERABA, 1950. COLEÇÃO DO AUTOR.
- MIGUEL É DOS POUCOS A LER E ESCREVER ÁRABE NA COLÔNIA. A ELE
CABE A FUNÇÃO DE LER AS CARTAS QUE VÊM DO LÍBANO
E DA SÍRIA E RESPONDÊ-LAS TODAS.

157
POEMAS VISUAIS

AINDA INÉDITO, O POEMA VISUAL (SOLILÓQUIO DE EXALTAÇÃO À


SÍRIA, NO DIZER DE HAMID CECIN), DE AUTORIA DE NAME
ALLAHBACH, NOS FAZ RETROAGIR NO TEMPO AO ENCONTRO DE
INUSITADAS FORMATAÇÕES DA ESCRITA.
COLEÇÃO FAMÍLIA CECÍLIO

158
OS POEMAS VISUAIS DE CALIXTO CECÍLIO TERIAM
CERTAMENTE INFLUENCIADO OS POETAS CONCRETISTAS
UBERABENSES, CASO FOSSEM PUBLICADOS NA DATA DE SUA
CRIAÇÃO: DÉCADA DE 1940. DO ORIGINAL MANUSCRITO
REMINISCÊNCIAS DE KHALIL IBRAHIM CECIN

159
VIDA CULTURAL

Santa Juliana tem uma vida cultural típica nas quatro


primeiras décadas do século XX. Ainda na ausência do rádio ou
após a sua penetração pelo Interior brasileiro, antigas tradições
se mantêm. Como a de se reunir à noite para contar casos,
concentrando libaneses em algumas de suas residências.
Nas folgas do trabalho, Miguel Abdanur lê, no original
árabe, e traduz para os filhos, as histórias que narram aventuras
das tribos, nos desertos da Arábia, as lutas entre os Ântar e os
Vizir, como se vêm no livro Os Príncipes do Deserto, ou canta,
em versos, as batalhas dos beduínos. [Depoimento de José
Rassi Abdanur ao autor. Uberaba, 1985]

PÁGINA DO ORIGINAL DO LIVRO REMINISCÊNCIAS DE KHALIL


IBRAHIM CECIN (CALIXTO CECÍLIO), NO QUAL O AUTOR DESCREVE
SUA VIDA DE IMIGRANTE NO BRASIL, INCLUINDO PASSAGENS
POR CRIOULOS E DORES DE SANTA JULIANA, ONDE RESIDIU
NA DÉCADA DE 1910 E ONDE TEVE ALGUNS FILHOS.
COLEÇÃO SAMIR CECÍLIO

160
JOGO DE DAMAS

Enquanto os filhos ingressam nos escretes de futebol,


disputando matches com times de localidades vizinhas -
Crioulos, Perdizes, Nova Ponte, Pai Joaquim - os imigrantes,
falando alto e alegre a gutural língua de origem, concentram-se
à frente da casa comercial de José Abrão Facuri para jogar
damas e baralho. Esses libaneses adoram o carteado que
permite, claro, a presença de brasileiros. Entre estes, os mais
constantes são Urbano Hipólito Rodrigues, que “papa” todas as
jogadas. Dos libaneses, os melhores são o José Abrão e o
Manuel Facuri. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor.
Uberaba, 1985]

ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA SANTA-JULIANENSE.


EM PÉ, DA ESQUERDA PARA A DIREITA: ZECA ABDANUR (TÉCNICO),
ELMAR BORGES, (NÃO IDENTIFICADO), SALOMÃO ABDANUR, ABRÃO
ABDANUR, EUCLIDES MARÇAL, GERALDO CARNEIRO (PÃOZINHO);
AJOELHADOS: ZEZINHO DA FIA, (NÃO IDENTIFICADO), NICANOR
BORGES, JOÃO DO BARTO, GERALDO MIGUEL ÁRABE. SANTA JULIANA.
- JÁ INSPIRADOS NO CORINTHIANS, TIME DOS IMIGRANTES LIBANESES,
EM SÃO PAULO, CUJO SANTO PROTETOR É SÃO JORGE. DORES DE
SANTA JULIANA, 1939. COLEÇÃO DO AUTOR.

161
BÁSSARA, GAMA E TÊOLE

À noite, os libaneses descansam do trabalho jogando


“bássara” – denominação referente à Basra, cidade persa, hoje
iraquiana - uma espécie de escopa. E mais, dobradinha,
dobradão, truque. E o tão oriental gamão, chamado aqui de
“têole”. Ao vencerem uma rodada, ouve-se, ao longe, o grito,
“Xis bárak!”. Os irmãos Abrão e Domingos Moisés estão sempre
entre os melhores jogadores dessas diversões aqui, em Dores.
[Idem, idem]

ESCRITOR

Alguns dos filhos de Rafa e Calixto Cecílio são nascidos em


Santa Juliana, Iraí de Minas e outros em Uberaba. No período
em que permanece em Santa Juliana, o escritor Calixto Cecílio
redige, em original árabe, suas impressões sobre as cidades em
que vive, constituindo-se no único documento, que se saiba, de
observação do interior triangulino feita por imigrante árabe.
Esse texto integra a obra Reminiscências de Khalil Ibrahim
Cecin [op. cit., p. 45] publicada em 1995 por seus descendentes,
numa tradução de Hamid Alexandre Cecin e Elia Chafic Rassi.
Pragmático, ele se diferencia dos intelectuais da colônica
libanesa absorvidos no consumo da cultura importada. Redige
de punho próprio os documentos que são hoje patrimônio de
sua colônia.

162
AL JARIDA

Com a retirada de Calixto Cecílio para Uberaba, é Miguel


Abdanur quem lê para os patrícios as cartas que chegam do
Líbano e para eles redige a lacrimosa correspondência de volta.
Vovô, eventualmente, colabora no jornal Jirid, que quer dizer
“O Jornal” em português, editado em São Paulo, em árabe, com
colaboração dos libaneses letrados de todo o país. É dele um
emocionado epitáfio que se manda cunhar sobre a lápide do
jovem Genésio Facuri, morto em 1925, no cemitério de Santa
Juliana, entre outras manifestações suas de sensibilidade
poética e literária. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1985]

TEXTO VIVO

De 1928 a 1930, o filho mais velho de Miguel Abdanur,


Zeca, é ouvido, no maior silêncio e atenção absoluta, nos saraus
noturnos realizados, principalmente, na casa de Banut e Abrão
Moisés, onde narra, com encenação dramática e, de memória,
capítulos de romances europeus e nacionais que dominam o
gosto da época. Faz parte desse repertório seu escritor
preferido, o espanhol Enrique Pérez Escrich. Dele, Zeca conta as
venturas e aventuras passadas nos romances O Cura da Aldeia,
O Piano de Clara, Os que Riem e os que Choram, Manuscrito
Materno. Outro autor, que tem preferência nas rodas literárias
noturnas, é o francês Alexandre Dumas, com seus hipnóticos Os
Três Mosqueteiros e O Conde de Montecristo. De Alexandre
Dumas Filho, o “envolvente” A Dama das Camélias, A Mão do
163
Finado, Vinte Anos Depois. Dos romancistas portugueses,
Alexandre Herculano com Eurico, o Presbítero. Dentre os
romancistas brasileiros, a preferência recai sobre José de
Alencar. Capítulos inteiros de O Guarani são narrados, de cor,
por José Rassi Abdanur, que tem, entre suas interpretações
favoritas, o romance Iracema, a virgem dos lábios de mel.
Durante o dia, no armazém de seu pai ou sob uma árvore
frondosa, no quintal, Zeca lê as sequências que narrará à noite.
Às vezes, tem a proteção especial de um tio, para não ser
molestado, na leitura diurna, e a apresentação, à noite, seja
impecável.
O padre e o farmacêutico do lugar engrossam a roda dos
libaneses, absorvendo os capítulos dessa versão de novela da
época.
A tudo isso a plateia assiste, aplaude, atenta, sentada no
tázor, colchonete de chitão recheado de capim ou palha de
milho. Em seguida, pode-se fumar o narguilé, tendo ao fundo
Abdão tocando o arraie, um flautim de cana-do-reino e, se a
roda for animada, pode-se dançar a rahda, com os braços para
o alto, galeando o corpo, tirando sons dos dedos ao estralar os
médios nos polegares, assim, no ar, como em busca de uma
linha imaginária, com delicadeza rítmica. Por uma animação ou
saudade a mais, pode-se dançar o dabke, vigorosa dança
circular, quase sempre para homens, de mãos dadas, marcando
compasso com os pés, acordando o chão e, às vezes, com tanta
força, que acabam por quebrar tábuas do soalho envelhecido.
[Idem, idem]

164
TIO ZECA, O DECLAMADOR QUE
DÁ VIDA A TEXTOS CLÁSSICOS.
DÉCADA DE 1940. COLEÇÃO DO AUTOR.

RITUAL DE PASSAGEM

Finda a narrativa literária ou a dança, tia Banut serve broa,


pipoca com café, e todos vão para suas casas, atravessando a
praça nacarada pela lua cheia – o luar, intenso, quase palpável -
que deixa o adolescente Abrãozinho pressentir um mistério
especial, vindo dos fundos negros e medrosos da Matriz,
saltando muros e correndo, sem saber como, pelos buxos dos
jardins públicos, onde se espalha um frio esquisito, que sobe
pelas pernas do rapazola, arrepia a coluna dorsal e, frente a um
Creio em Deus Pai, sai correndo, feito o tinhoso, em direção à
Rua da Saudade, que se precipita, sozinha, na escuridão eterna
165
do cemitério, cheio de almas deste mundo. Curioso, Abrãozinho
segue o vulto – ou a vontade? – apaga sua visão de olhos claros
no escuro ao ouvir um chamado doce, um riso, ao pressentir um
toque de mão que lhe alcança as calças, a forquilha das coxas e
lhe anima, parceira, as esculturas do sexo... Ressurge mais
tarde, arrumando a roupa, o cabelo esbandalhado, com uma
sensação de que, agora, sim, ele é um homem!

DILÚVIO DE FALENAS

Nas noites de Dores, só a modinha Noite Cheia de


Estrelas, de Eduardo das Neves, na imitação da voz operística
de Vicente Celestino, é capaz de nos livrar de maus presságios e
atrair tios-rapazes seresteiros, em busca de sorrisos e
venezianas iluminadas:

As estrelas tão serenas


Qual dilúvio de falenas
Cantam todas ao luar...

Todo o astral ficou silente


Para escutar
O teu nome entre as endechas
E as dolorosas queixas
Ao luar.

166
A MINHA DIREITA ESTÁ VAGA

Se as noites estão vazias, as brincadeiras de salão alegram


a sociedade. Em uma delas, as pessoas são flores, na brincadeira
A minha direita está vaga. Todos assentados em uma roda
formada de cadeiras, alguém que tenha a vaga a sua direita,
pede que ali se assente “uma flor”. Mariana é flor-de-lis, Nazira
é perpétua, outra Nazira é saudade, Adélia é margarida. E
assim, vão se revezando as cadeiras vagas à direita, convidando
para nela se sentar a flor de sua predileção. Outro divertimento
de salão é a brincadeira de passar anel, na qual tenta-se
adivinhar nas mãos de quem está o anel. Não acertando, o
cidadão que se encontra de pé, no centro da roda, é satirizado
com a cantoria:

O bobão que está na roda,


Ó bobão,
É um grande toleirão,
Ó bobão.
Está vendo o anel passar,
Ó bobão,
E não sabe onde põe a mão.

Ele vai, ele vem;


Por aqui ele já passou.
[Depoimento de Mariana Abdanur Nabut ao
autor. Uberaba, 1985]

167
Nas brincadeiras de salão, quem perde deve “pagar uma
prenda”, que pode ser recitar uma poesia de Salomão Jorge,
como A Bailarina:

Beduína de olhos negros e rasgados,


De formas leves e linhas puras,
Quero beijar teus lábios machucados
Mais doces que tâmaras maduras.

Vem bailar, vem bailar os bailados!


Quanto mais bailas, tanto mais te apuras.
Vem expulsar as minhas desventuras
Com a tua caravana de pecados!
[Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor. Uberaba,
1985]

A CANÇÃO DE JULIANA

A assimilação da cultura local pelos filhos dos libaneses


dá-se de tal forma, que eles próprios passam a ser guardiães de
antigas tradições portuguesas perdidas no Interior brasileiro,
como é o caso do Romanceiro de Juliana, exemplo de romance
medieval cantado, que os filhos dos libaneses apreciam cantar
em casa:

- Que tu tens, ó minha filha,


Que estás triste a chorar?
- Ó mamãe, eu soube a notícia,
168
Que D. Jorge vai se casar...

- Bem te disse, ó minha filha.


Não quisestes me acreditar
Que D. Jorge amava outra
E vivia a te enganar.

- Ó mamãe, não faz mal.


De D. Jorge hei de me vingar:
Se ele não casar comigo,
Nem com outra ele há de casar!...

- Ó Juliana, lá evém D. Jorge


Amontado em seu cavalo,
Trazendo uma fitinha preta
Apertando sua cinturinha.

- Que tu tens, ó Juliana,


Que estás triste a chorar?
- Ó D. Jorge, eu soube a notícia
Que tu vais te casar.

- É verdade, ó Juliana.
Vim aqui pra te convidar

- Ó D. Jorge, espera um pouco:


Eu vou subir ao meu sobrado,

169
Vou trazer um copo de vinho
Para celebrar o teu noivado.

- Que puseste neste vinho, ó Juliana,


Que minha vista escureceu?
Não enxergo o meu caminho
E nem o meu cavalo.

- Foi veneno, ó D. Jorge,


Que eu pus para te matar!
Tu não casaste comigo
E nem com outra hás de casar!

- Ó Juliana, lá vem o sargento


Com dois soldados ao lado.
Vem prender a Juliana,
Que matou o seu namorado.

[Depoimento de Mariana Abdanur Nabut ao autor. Uberaba,


1985]

BALADIA - A CANÇÃO DA TERRA

Filhos e netos de imigrantes aprendem a onipresente


canção Baladia, que tanto evoca a pátria dos antepassados, no
além-mar, quanto a morada dos pais, aqui em Dores.
[Depoimento de Salomão Abdanur ao autor. Uberaba, 1985]

170
BALADIA MINHA TERRA

Baladia, baladia! Minha Terra, minha Terra!


França ahred A França tomou
Baladia! A minha Terra.

Tornada canção quase de ninar, no Brasil, a famosa


melodia Baladia, fala, na verdade, sobre as dificuldades por que
passa o Líbano nas diversas ocupações de que é vítima; no caso,
deplora a ocupação francesa.

AS PAINAS DE ABRIL

No início das secas, a floração não se restringe aos


canteiros; vai dos jardins às matas, ainda não derrubadas, até se
manifestar, de maneira explícita, no fundo do quintal do meu
avô, onde imensa paineira é a edificação mais vertical da cidade.
Em abril, vêm das roças as pesadas boiadas, abanando no chão
das ruas uma poeira que engasga e que faz as casas
desaparecerem em nuvens vermelhas de pó. Cruzando a cidade,
por uma besteira qualquer, um galho que se rompe, um
estampido sem sentido, o gado pode disparar. Vem daí o
desespero de pensar em uma criança pisoteada pelos cascos –
Jesus! Acode! Os peões, como raios, galopam para a dianteira,
tentando frear e recuar a boiada, que, na disparada, trepida o
chão, abala a terra e os muros de taipa e, num milagre, acorda
as grossas e profundas raízes, acabando por despertar, na copa

171
da frondosa paineira do fundo do quintal do meu avô, um
dilúvio rosado de florações, que toda ela não é senão um grande
jardim erguido pro céu.

TIA BANUT NABUT MOISÉS E O FILHO JAIME.


SOLIDARIEDADE E ANGULAÇÃO DA VIDA. UBERABA,
FINAL DA DÉCADA DE 1940. COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE.

RUA DE CAPIM

Com a alforria dos escravos, em 1888, os libertos se


agrupam na periferia da cidade, num conjunto de pequenas
casas, a que se denomina Rua de Capim. Por causa das
choupanas, que eles mesmos constroem, umas redondas, outras

172
quadradas, de paredes de terra socada, sem reboco e cobertura
de capim, dois ou três cômodos, chão varrido - algumas
gostosas, limpinhas - reprisando uma arquitetura semelhante à
que praticaram seus ancestrais na África.
Na Rua de Capim ajuntam-se os negros de ganho, os faz-
tudo nas casas dos brancos, as parteiras, lavadeiras famosas e as
empregadas domésticas. Para os filhos dos libaneses, ir à Rua
de Capim é uma aventura, pela liberdade de espaço e de
comportamento e por encontrar tantas crianças livres para
brincarem.

CINEMATOGRAPHO

A energia elétrica permite o surgimento do cinematógrafo


na década de 1920. Em 1927, o primeiro a projetar as imagens
trêmulas do invento dos irmãos Lumière, é, mais uma vez,
Natinho Cordeiro. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1985]
O cinematógrafo de Natinho é adquirido pelo imigrante
libanês Virgílio José Facuri, que o instala em um galpão
pertencente a seu pai, João José Facuri, na Rua da Saudade,
esquina com a Rua São Vicente de Paula. Tempo em que a tela,
um pano branco esticado, tem de ser molhada antes da exibição
para que o calor da projeção não a deixe em chamas. Este
mesmo barracão é, às vezes, utilizado para bailes: sempre raros
por aqui. Baile é coisa que padre também não aprecia! [Idem,
idem]

173
Início de 1940. Inovações urbanas, sociais, culturais. O
Cine Vitória é inaugurado e, com ele, muita coisa muda. O
mundo imaginário projetado na tela vai ganhando a realidade,
virando verdade, quando aqui se copiam os artistas. Na porta do
cinema, o footing. Para cima, em direção do Grupo Escolar,
caminham as moças, para baixo, em direção à Praça, os moços.
No vaivém, os olhares oblíquos do flerte sob o penteado
feminino ondulado com ramonas se cruzam com os sorrisos
sorrateiros, sob o bigode dos rapazes. [Depoimento de Mariana
Abdanur Nabut ao autor. Uberaba, 1985]. Um alto-falante
projeta nas ruas os sucessos de Sarita Montiel ou Miguel Aceves
Mejia, sonoplastia dos sucessos, e o cinema continua romântico,
cá fora, no sereno sertanejo...
A ausência de uma casa de festas, um salão de dança, uma
boate, em Santa Juliana, faz com que os cidadãos de lá
brinquem Carnaval no cinema, formando imensos cordões de
foliões em torno das fileiras de cadeiras. [Idem, idem]

174
O CINE VITÓRIA EXIBE FILMES NORTE-AMERICANOS,
MEXICANOS, ARGENTINOS. NA PORTA, O FOOTING
PROMETE BISAR O CHARME DAS CENAS VISTAS NAS TELAS

AZIZA FACURI
– MODERNIDADE E NOSTALGIA
COLEÇÃO DO AUTOR

175
BENJAMIN ABRAÃO

É mais ou menos por esta época, 1934, que o libanês


Benjamin Abraão (Benjamin Abraão Calil Butto), o Turco, filma,
no Nordeste brasileiro, em plena caatinga, as antológicas cenas
do bando de Lampião. São tomadas únicas e definitivas dos
cangaceiros - documento que perpetua e define o perfil da
história e da estética do cangaço, gênero cinematográfico
legitimamente brasileiro - utilizadas em vários filmes,
registrando, ainda, de forma incontestável, a facilidade de
simbiose dos imigrantes árabes com os povos e as regiões dos
diversos Brasis.
“De origem e vida obscuras, mascate de profissão, realiza
registro único sobre fenômeno do cangaço e a figura de
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Nascido em Zahle,
Líbano – ou Belém, na Jordânia – deixa, durante a Primeira
Guerra Mundial, essa cidade, onde se fala português e de onde
provém a maior parte dos imigrantes libaneses chegados ao
Brasil. Aporta em Recife, passando a comerciar tecidos e
outros produtos interior adentro. Estabelece-se em Juazeiro do
Norte, tornando-se secretário de Cícero Romão Batista, o
Padre Cícero. Interessa-se por Lampião e seu bando, decidindo
realizar um filme sobre o grupo. Com a ajuda do religioso, que
facilita o contato, e de Ademar Bezerra de Albuquerque, que
fornece equipamento e filme virgem, acompanha os
cangaceiros por alguns meses, documentando o cotidiano dos
acampamentos e os atritos com a polícia. O material montado

176
é apreendido e encostado num depósito público. Resgatado
parcialmente, anos mais tarde, por Alexandre Wulfes e Al
Ghiu, é utilizado ainda no documentário Memória do Cangaço,
de Paulo Gil Soares, e no longa de ficção Baile Perfumado
(1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, em verdade e
cinebiografia de Abraão”. (Enciclopédia do Cinema Brasileiro,
organizada por Fernão Ramos e Luís Filipe Miranda. SP,
Editora Senac, 2000).
Cena de Baile Perfumado é a escolhida pelo editor,
pesquisador e escritor Guido Bilharinho para capa de seu livro
O Cinema Brasileiro nos Anos 90 (Edição Instituto Triangulino
de Cultura. Uberaba/Brasil – 2000), no qual relaciona melhor
os filmes que recorrem à película de Abraão para se
sustentarem. “Não é por outro motivo que imagens de Abraão
são utilizadas em pelo menos quatro outros filmes: Memória
do Cangaço (1965), documentário de Paulo Gil Soares; Os
Sermões do Padre Vieira (1989), de Júlio Bressane; Corisco e
Dadá (1996), de Rosemberg Cariri, e, naturalmente, também
em Baile Perfumado (1996)”, e argumenta: “Enfim, não é todo
dia que se vê reproduzida num filme personalidade tão forte
como a de Lampião tal qual conforme captada pela lente
sensível e inteligente de Abraão, considerado, por seu filme,
um dos maiores cineastas brasileiros”.
Frederico Pernambucano de Melo, consultor histórico de
Baile Perfumado e curador da mostra sobre o cangaço na
mostra Brasil + 500 Anos, compara Benjamin Abraão aos
fotógrafos Roger Sonton, que registrou a Guerra da Crimeia, a

177
Mattew Brady, que registrou da Guerra da Secessão e ao
húngaro Robert Capa, que documentou a Guerra Civil
Espanhola, e ainda o alinha aos cineastas Major Luís Tomás
Reis, da equipe do Marechal Rondon, e Silvino Santos,
cinegrafista da saga da Amazônia, um dos primeiros
documentaristas do país. Sobre o filme de Abraão, discerne o
cineasta e intelectual Júlio Bressane: “São imagens
perturbadoras. Com uma luz solarizada, estourada, sem rígido
controle, com uma câmera de corda nas mãos, brutalista,
criou uma poderosa imagem-desejo, bárbara, paradigmática
em nosso cinema e em nossa cultura. Uma Imagem-Canudos
[...] Deus e o Diabo na Terra do Sol foi extraído destas cenas
gravadas pelo mascate libanês”; e conclui: “o Major Reis e
Benjamin Abraão formam um eixo de onde sai e por onde
passa tudo que presta no nosso cinema.” (Guido Bilharinho,
op.cit.).
Nascido em Zahle, norte do Líbano, região de onde
provém a grande massa de imigrantes libaneses para as três
Américas, Benjamin Abraão é a referência libanesa do cinema
brasileiro, quer como cineasta e quer como personagem, através
do filme Baile Perfumado. De certa forma, sua contribuição
para a cinematografia brasileira tem a ver com a história dos
libaneses no Brasil, sempre carente de um processo de
restauração e de revelação.

178
TEATRO

A presença musical e falante do rádio em nada impede um


teatro ativo aqui em Dores, em salas improvisadas nos fundos
dos quintais e palcos cobertos com folhas de coqueiro. Com a
construção do cinema, o palco divide com a tela os direitos de se
manifestar através dos gestos e das palavras. Autos religiosos
como O Milagre de Lourdes se mesclam às encenações de
dramas e comédias em esquetes diversos.
Elmar Goulart é um dos intérpretes da peça Órfã de Goiás.
Moralinda Absaber está no elenco de O Cego e a Leprosa.
Fabiano Goulart de Castro em A Ditadora. Jorge Abdanur e
João Aiub em Os Dois Sargentos. O Louco da Aldeia deixa
cenas retidas na retina de vários espectadores. [Idem, idem]

IRMÃS YESMIN E JANDIRA MOISÉS


ENCENAM DANÇA DAS ODALISCAS EM TEATRO
ARMADO AO AR LIVRE. SANTA JULIANA, DÉCADA DE 1940.

179
BANDA DE MÚSICA

A banda de música que primeiro movimenta a cidade é a


do Salatiel. Depois, com a vinda do casal D. Maria Teixeira e
João Teixeira, o cenário musical daqui se modifica, se enriquece
e vive seu período mais sonoro. João Teixeira rege o coro da
igreja Nossa Senhora das Dores e a banda de música da cidade.
Maria Teixeira mantém hábitos monárquicos, lembrando
serviços que prestara à nobreza na época do Império. Seu
violino domina a música que se executa no coro da Matriz e de
lá se expande pela cidade. Musicista e professora, é a primeira
mestra a ensinar todas as matérias na cidade.
Com a saída de cena do casal, é José Claves de Faria quem
assume a banda de música de Santa Juliana, intercalando com
seu som alegre os melhores lances dos leilões que animam o
coreto da praça nos festejos religiosos. [Idem, idem]

BANDA DE MÚSICA. NA QUERMESSE, NAS ELEIÇÕES,


NAS PROCISSÕES, ELA IMPÕE SEUS RITMOS.
JOSÉ BORGES, IDENTIFICADO AO CENTRO.
INÍCIO DO SÉC. XX. COLEÇÃO ÉZIO BORGES DE SOUSA
SONS DA ANCESTRALIDADE

180
OS JARDINS GEOMÉTRICOS

Década de 1940 - Na praça, já sem a igreja do Rosário, um


imigrante alemão desenha geometricamente, com os bem
podados buxinhos, os jardins franceses, recheados de
hortênsias, lírios, saudades, rosas. Nas calçadas, as magnólias
crescem sua sombra e explodem suas flores de leite. Em noites
de serestas, as luas altas, uma para cada romance, ejaculam
sensualidade sobre os jardins. No desenho animado do namoro,
a cada carinho que se rouba, as hortênsias abrem seus azuis,
lírios movimentam suas línguas brancas, roseiras empinam seus
esqueletos para derramarem rosas sobre o banco dos
namorados, onde brasileiros e libaneses se beijam e se
prometem.
De dia, o grande jardim público, rabiscado segundo
matemáticas, trabalhado com régua e compasso, vai se
replicando, em ponto menor, em frente às novas residências e
acaba ficando riscado na tradição e no gosto do cidadão.
Num dos canteiros da praça – ou do coração? - pertinho
do coreto, o jardineiro traça, com buxinhos, precisão e podão, o
monograma da cidade:

181
CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PAISAGISTA ALEMÃO JULIO R.
STEINMETZ PROPONDO EXECUÇÃO DOS JARDINS PÚBLICOS
DE SANTA JULIANA, ASSINADA POR VASCO GIFFONI,
PREFEITO, UBERLÂNDIA, 4 DE OUTUBRO DE 1941.
COLEÇÃO DO AUTOR

182
SINOS E CRISTAIS

 RELIGIOSIDADE

CRIANÇAS POSAM PARA FOTOGRAFIA NA SAÍDA DA MISSA DA PRIMEIRA


COMUNHÃO. LARGO DA MATRIZ. SANTA JULIANA. DÉCADA DE 1920.
COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE

183
CASAMENTO DE JOSÉ MIGUEL JORGE MIGUEL JACOB E
ÁRABE E TERESINHA FELÍCIA (SAADA) JORGE FERES
CARNEIRO NA MATRIZ DE MIGUEL. RESIDEM MUITOS
SANTA JULIANA. ANOS NA ESTAÇÃO SANTA
DÉCADA DE 50. JULIANA (ZELÂNDIA)
FOTO - PRIETO COLEÇÃO – ODETE JORGE
FACURI

ELIAS (FACURI) FERREIRA E MARTA COM TODOS OS FILHOS


(TIRADA POR VOLTA DE 1915 EM UBERABA)
184
RELIGIOSIDADE

Os padres fazem parte das rodas dos libaneses, cujos


filhos, deles não se esquecerão. O mais antigo, do tempo da
fundação da cidade, é o Pe. Manuel Dantas Barbosa - contam
antigos moradores daqui. Depois dele, Frei Ângelo do Rosário,
Frei Sandalio Majuelo. Aquele que marca a comunidade
libanesa é o Padre Albino Miranda, de 1910 a 1925. Há um
sacerdote que faz sonetos: é o Padre Miguel Diego. Padre
Miguel Soler é nome de rua. Parece que é o Padre José Pardini,
1933, quem vende os dois grandes lustres de cristal importados
e cujo som puro soprado pelo vento contra as placas e pingentes
Baccarat, deixa na memória de todos refinada sonoridade tal,
que jamais se apaga. Os lustres são presentes de Dona Irineia,
mãe de Dona Fifina – mulher que inunda a igreja de hortênsias
e copos-de-leite - esposa do médico Dr. Virgílio Horácio de
Abreu. São tempos em que os fazendeiros são os grandes
amigos da Igreja, enviam aos padres tudo o que eles precisam
para construir, reformar, manter as igrejas e viver. Por fim,
Padre João Balke, Padre Lázaro Meneses e o Padre Lazinho
(Lázaro Noel Camargo), que tanto tempo vai ficar aqui, mesmo
aposentado. Na sequência dele, Padre Paulo Porta, Padre Luís
Cláudio da Silva Santos, Padre José dos Reis Naves, Padre
Elcimar Benedito da Silva, todos diocesanos. Em qualquer tipo
de celebração e acontecimento que há na igreja, os filhos dos
libaneses estão lá. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1985]

185
É uma filha de imigrante, Luzia Moisés, quem faz a
Verônica na procissão do Senhor Morto [Depoimento de Cecília
Abdanur Estephan ao autor. Uberaba, 1985], interpretando,
dramaticamente, a passagem bíblica, tirada do Responsorium:

O vos omnes Ó todos vós


Quit transitis per viam, Que passais pelo caminho,
Attendite et videte Olhai e vede
Si est dolor similis Se há dor semelhante
Sicut dolor meus. À minha dor.

[Responsorium. Jeremias – Lamentações, 1:12 – 2ª


Noturno do Ofício de Trevas, do Sábado Santo]

à qual as três acompanhantes, também de véu negro cobrindo a


face, respondem, entoando o lamento heus

Heu, heu Domine! Ai, ai, Senhor!


Heu, heu, Salvator noster! Ai, ai, Salvador nosso!

Na tradição popular, essas três mulheres são chamadas,


erroneamente, de Beúas.

186
NOSSO SENHOR DOS PASSOS. IMAGEM DE ROCA E
DE VESTIR. MADEIRA ENTALHADA E POLICROMADA, SÉC. XIX.
ENCONTRADA EM UM CAFEZAL. É TIDA COMO PATRIMÔNIO PRIMEIRO
DE SANTA JULIANA. IMPACTO REALISTA. COLEÇÃO DO AUTOR.

MISSA SEM COMUNHÃO

Difícil cruzar por um destes libaneses que não seja


católico, apostólico ortodoxo. Na igreja – os brasileiros ficam
reparando – eles fazem o sinal-da-cruz da direita para a
esquerda. Da mesma maneira como escrevem. Sempre que se
persignam, o fazem três vezes seguidas, juntando os dedos
polegar, indicador e anular. Na igreja de Dores, os libaneses têm
problema sério. De certa feita, na mesa do altar, o padre salta os
imigrantes na hora da comunhão. Só dá “o corpo de Cristo” aos
brasileiros. “Absurdo!”, ficam indignados os patrícios. Além do
mais, a comunhão daqui não é um pedaço de pão que se molha
no vinho, como no Líbano. Ofendidos com o comportamento do
padre que lhes nega a comunhão, por serem eles católicos

187
ortodoxos e não católicos romanos, os libaneses tomam atitude.
O compadre Virgílio Facuri escreve ao bispo de Uberaba, D.
Antônio de Almeida Lustosa, reclamando, pedindo providência.
A resposta do bispo é tão incompreensível quanto o
comportamento do padre. Distantes do patriarca, os libaneses
não entendem o comportamento dos religiosos que obedecem
ao papa. Daí em diante começam a se afastar da Igreja, não a
frequentando mais, porém sem perder a fé, ao contrário dos
filhos, que não saem das rezas, terços, ladainhas, missas,
procissões. É só o sacristão, Zenon Mariano, vibrar o sino, para
que todos eles, mulheres principalmente, se abalem até a igreja.
Domingos e dias santos de guarda, os filhos vestem a “roupa de
ver Deus”, para ir à missa; as melhores peças do vestuário,
calças e saias escuras, blusas e camisas sempre claras.
[Depoimento de Mariana Abdanur Nabut ao autor. Uberaba,
1985]

PELA MANHÃ, AS CERIMÔNIAS RELIGIOSAS MOVIMENTAM A


CIDADE. A DAMA DE HONRA SEGUE À FRENTE DO CORTEJO,
CONDUZINDO A ALMOFADA DOS NOIVOS. CASAMENTO DE
EDITH E ELIAS MIGUEL ÁRABE. SANTA JULIANA, 1943
COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE 188
OS SONS DE MAIO

Numa silenciosa tarde lilás de maio, pode-se sair para o


jardim da praça e ocupar-se com sons peculiares. Aqui, cada
som é preciso. E, mesmo à ausência de ruídos, em pleno meio
da praça, numa Sexta-Feira Santa, quando todos parece terem
se mudado da cidade, pode-se permitir um momento de
raciocínio, matemática pura, ou perceber ruídos emitidos a
quilômetros de distância e qualificá-los com precisão. São
captados pela memória, pela imaginação, pela percepção de
uma mente atenta.
Cada som, aqui, é precioso, por causa do silêncio
abundante, que acaba se incorporando a cada lugar, como se
nada, na natureza e na humanidade, aluísse, deixando vaga
apenas para o tirocínio, abstração das contas, dos cálculos, dos
teoremas da existência - sem imagens.
Mas é maio e o silêncio vai-se trincando quando os santos
revoam, mulheres colhem rosas, o coro se anima sobre
partituras, o altar da Matriz se colore sob toalha de linho branco
bordada e a procissão de anjinhos libaneses e brasileiros sobe a
escadaria para coroar Nossa Senhora que abre um leve sorriso
logo acima de suas mãos postas. Devassando a janela da alma
você retorna sempre ao lugar, ouvindo este hino:

Este é o mês de Maria,


Tão lindo mês de flores!
Queremos de Maria
Celebrar os louvores.
189
CORAÇÃO SANTO

Por ser o mês do Coração de Jesus, junho é próprio para


flores vermelhas no altar da igreja, onde a banda de música toca
a melodia cuja letra todos nós conhecemos de cor:

Coração santo, Tu reinarás!


Tu, nosso encanto,
sempre serás.
Jesus amado, Jesus piedoso,
Pai amoroso, frágua de amor.

A teus pés venho,


Se tu me deixas
Humildes queixas
Sentido expor.

É quando a geada sapeca o cafezal e as bananeiras, os


ventos sopram uma friagem que arde e uma neblina que torna
as manhãs míopes, o sol espesso, a família desperta para se
esquentar junto ao fogão a lenha, sempre aceso.

ABADIA

Uma das maiores festas do Triângulo Mineiro é religiosa.


Tem como motivo a quinzena ou novena de Nossa Senhora

190
d´Abadia, que se celebra em agosto. Minha mãe conta a fartura
da chegança dos fazendeiros, com latas de 18 litros cheias de
doce de leite, doce de cidra em pedaço, carne guardada na
banha. Na falta de hospedarias suficientes, eles se hospedam em
casas. A sala fica para eles e, pela manhã, uma confusão alegre
se instala na cozinha.
A festa aqui, em Dores, é a melhor do calendário, mas a
mais famosa é a de Água Suja (Romaria), para onde vão
romeiros a pé e fiéis lotando carrocerias de caminhões.
- Se em casa a vida é conturbada, a paz pode estar diante
da imagem, de onde se foge deste mundo...
À janela e à distância, os tios mais velhos e cultos
observam o espetáculo de fé que lhes apresentam na praça.
Vêem em cada ato um motivo de domínio da sociedade, de
faturamento e de idolatria, mas, discretos, nada comentam.

NOSSA SENHORA
D’ABADIA. MATRIZ DE
SANTA JULIANA, SÉC.
XX, CASA AÇUCENA,
RIO DE JANEIRO,
MADEIRA ENTALHADA
E POLICROMADA.
FOTO – RENATA
MIZIARA, 1999

191
O PÊ* PARADO NAS ESTAÇÕES

 ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA
 APOGEU E DECADÊNCIA
 ESTAÇÃO DE ALPERCATAS
 NOVA IMIGRAÇÃO

ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA. ATÉ A DÉCADA DE 1970, TODA


A PRODUÇÃO DA REGIÃO SE ESCOA POR AQUI.
FOTO DO AUTOR, 1999.

*Pê – Sinônimo sertanejo de trem de ferro

192
ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA

“... José Joaquim da Silva, fazendeiro, morador na


margem esquerda do Ribeirão Santa Barbara, (...), homem de
visão elevada (...) teve conhecimento da demarcação de uma
estação (...) Aguardou a vinda do Dr. Almeida Campos, então
diretor da E. F. Oeste de Minas, ao qual manifestou o seu
ardente desejo, pondo à disposição do ilustre diretor, todo o
seu possível concurso (...) ao qual o Exmo. Dr. Diretor exigiu as
seguintes condições: Doação à Estrada de uma área de 12.500
m2, doação da água para serventia da estação e para a caixa
d´água e fornecimento de pedras e madeiras que fossem
necessárias para a construção do prédio, postas no local, sem
ônus para a Estrada. Tudo isso o Sr. José Joaquim da Silva
prontificou-se a fazer. (...)”. Trecho da Ata de Inauguração da
Capela de N. Sra. d’ Abadia e de Santa Teresinha, no povoado da
estação de Santa Juliana. 24 de julho de 1938. [Livro de Atas da
Capela de N. Sra. d’Abadia e de Santa Teresinha, da estação de
Zelândia, 1938. Gentileza Tarsila Nunes Neves].
Na construção da Rede Mineira de Viação Uberaba-Belo
Horizonte, inaugurada em 1926, no trecho que liga Uberaba a
Araxá, fazendeiros de Dores, com receio de que as fagulhas da
locomotiva incendeiem os pastos próximos dos trilhos,
recorreram a influentes políticos e não permitem que o
progressista trem de ferro passe pela cidade. Acaba Santa
Juliana ficando sem o trem, sem o progresso, como naqueles
filmes de faroeste, onde se briga contra as cercas de arame

193
farpado e contra a ferrovia. E a estação mais próxima da cidade,
que leva o nome de estação de Santa Juliana, mais tarde,
estação de Zelândia, distante da urbe 33 km, rouba o
movimento da tradicional estação de Palestina. [Depoimento de
José Rassi Abdanur ao autor. Uberaba, 1990]

“...Eu, João Severino Gonçalves, sendo proprietário da


linha de automóveis ligando o arraial de Dores de Santa
Juliana à estação “Santa Juliana” da Estrada de Ferro Oeste
de Minas, e atravessando a referida linha e já em tráfego
aberto nas terras das fazendas “Santa Juliana”, “Pouso Frio” e
“Barra”, de propriedade dos segundos contratantes, obrigo-me
a dar livre trânsito, em todo o percurso da linha, aos
automóveis dos segundos contratantes, gratuitamente, caso
conduzam eles pessoas das famílias dos segundos
contratantes, empregados ou agregados seus. (...) Dores de
Santa Juliana, 14 de setembro de 1928. José Pedro Borges
Escrivão de Paz.” [Termo de Compromisso de João Severino
Gonçalves para construção de rodovia que liga a cidade de Santa
Juliana à estação de Zelândia. 1928. Coleção Elias Árabe Filho].

194
CAPELA DE N. SRA. D’ABADIA E SANTA TERESINHA. ZELÂNDIA.
FOTO – BEETHOVEN TEIXEIRA, 1999.
195
APOGEU E DECADÊNCIA

A estação é pequena para tamanha produção. São 20 mil


sacas de arroz, 20 mil sacas de milho, que aqui aportam por
ano, mais carne de porco, centenas de metros de lenha para
abastecer toda a ferrovia e o creme de leite que Aziz Chaer, de
Araxá, compra para fazer manteiga, mas que chega
praticamente “batido” ao destino. Todos esses produtos são
vendidos pelos roceiros à família Facuri, que os repassam a
consumidores de Belo Horizonte e região, não sem antes
debulhar o milho no desintegrador e beneficiar o arroz na
máquina. A produção é tamanha que as sacas de cereais ficam
empilhadas ao longo dos trilhos, a céu aberto, aguardando o
cargueiro que a conduza ao destino. É preciso vigias que
impeçam o gado e outros animais soltos de devorarem a riqueza
ensacada. [Depoimento de Jair Oliveira ao autor. Zelândia,
1999]. Essa máquina de beneficiar arroz, do lado de baixo da
estação, é contruída pelo Biela, que a vende a Pedro Furtado,
que a repassa a José Miguel Árabe, sob administração de Jorge
Abdanur, ex-juiz de paz em Santa Juliana [Depoimento de
Labibe Árabe Abdanur ao autor. Uberaba, outubro 1999]. Jorge
Abdanur para cá se transfere, com a esposa Labibe e filhos e só
deixa o cargo de administrador da indústria de cereais, ao
mudar-se para Uberaba, onde assume a direção, como sócio-
proprietário, da loja Rei dos Móveis. O beneficiamento do arroz
em casca e do milho, em Zelândia, é feito, então, pelos irmãos
Gabriel, Said, Nagib e Merchede Facuri, que aqui aportam com
seus pais, Amélia e José Abrão Facuri, vindos de Santa Juliana,
em 1938.
196
JOSÉ ABRÃO FACURI E AMÉLIA JACOB FACURI, LADEADOS PELOS
FILHOS CLÍDIA (E ASSIS SALTI JAMAL, ÚNICO FARMACÊUTICO
DIPLOMADO ATUANDO NA REGIÃO, COM OS FILHOS TERESINHA,
HOMIR, IVÂ, EUNICE, VÁLTER E ALTAIR), ZAIDA (E MIGUEL JORGE DIB,
COM OS FILHOS JORGE, GLADYS, VILMA, ZEZINHO, CARLOS ANTÔNIO,
GILBERTO E DEMÍLTON), NAGIB (E MARIA MANSUR FACURI (NÊGA)
COM OS FILHOS LÁZARA MARIA, MÍRIAN, PAULO, LUÍS E NANCI),
MERCHEDE (E ALICE FACURI, SUA PRIMEIRA ESPOSA), SAID (E MARIA
DE LURDES FACURI, ZICA, COM OS FILHOS MARLI, MARILDA E
ADÍLSON), GABRIEL E MÁRIO, AINDA SOLTEIROS. ESTAÇÃO DE SANTA
JULIANA, ZELÂNDIA, FEVEREIRO DE 1948.
- FOTO DA FAMÍLIA EM FESTA PELAS BODAS DE OURO DE
CASAMENTO DE AMÉLIA E JOSÉ FACURI.

É o ano da construção da capela Santa Teresinha e Nossa


Senhora d´Abadia, em área doada por José Joaquim da Silva,
fundador e proprietário das terras do lugar. É José Joaquim da
Silva quem empresta o nome para a denominar a estação de
Zelândia, que quer dizer, terra de José.

197
“(...) Inaugurada a estação, o Sr. José Joaquim da Silva
mandou traçar, por um engenheiro, o plano de uma vila e
começou a vender os terrenos em lotes de 20 X 40, resultando
desta feliz iniciativa o surgimento do povoado que, oito anos
depois, contava já com 35 prédios, quase todos cobertos de
telha francesa, sendo que a sua estação colocou-se em primeiro
lugar na estatística da exportação sobre as demais pequenas
estações do trecho Ibiá-Uberaba. Para proseguir na sua obra
benemérita, o Sr. José Joaquim da Silva resolveu dar início à
construção de uma capela projetada, o que realizou sozinho,
em vista de ter encontrado dificuldades em colher donativos,
dispensando cerca de nove contos de reis e adquirindo ainda, a
sua custa, a imagem de N.Sra.da Abadia, em Belo Horizonte,
pela quantia de quinhentos mil réis (...) – Santa Juliana, 24 de
julho de 1938.” [Livro de Atas da capela de N. Sra. d’Abadia e de
Santa Teresinha. Op. cit., p. 139]. Assinam a ata da reunião,
José Joaquim da Silva e vários membros do conselho, entre eles
Jamil J. Tanus, Assis S. Jamal, Clídia Jamal, José Abrão Facuri,
Amélia J. Facuri.

198
RUA DE BAIXO, ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA.
O LOGRADOURO QUE DEU LUCRO. FOTO DO AUTOR, 1999

Daqui para Uberaba são 72 km e o tempo parece correr


rápido, passando pelas estações do Rio das Velhas, Almeida
Campos (homenagem ao engenheiro construtor), Itiquapira,
Batuíra, Amoroso Costa, de onde já se avista a cidade dos
zebuzeiros, Uberaba. Dentro do carro de passageiros, Araxá é
mais perto de Zelândia, 62 km, vendo-se da janela do trem
correr as estações de Alpercatas, Itaipu, Ibitirumirim, Capivara
e, finalmente, a turística cidade das termas. [Livro Azul do
Triângulo Mineiro, suplemento da revista Zebu, Uberaba, p.
33].
No final dos anos 70, as atividades comerciais e industriais
cessam definitivamente. [Depoimento de Jair Oliveira ao autor.
Zelândia, 1999]. A máquina de beneficiar arroz desaba e fica
exposto ao tempo o maquinário que impulsionara o progresso
na região. Visitar Zelândia em 1999 é confrontar o patrimônio
199
histórico brasileiro fora do circuito turístico. O abandono
escreve seu nome pelas edificações esquecidas da Rua de Baixo,
dominada e ativada pelos libaneses durante tanto tempo. O
mesmo desinteresse se alastra pela estação. O Brasil se esquece
de si mesmo.
Do trem de carga ou da caminhonete, o que se avista é o
chapadão desmatado, arado, varrido, adubado pelos
empresários paulistas que investem pesado nas grandes terras
arrendadas, transformando-as em infindáveis e monótonas
lavouras de soja.
Além da família Facuri, cujos membros dominam o
comércio local durante mais de meio século, Zelândia abriga
outros imigrantes libaneses, tais como a família Tanus e a
família Feres Jorge.

200
EUSTÁQUIO GASPAR CARNEIRO EM ZELÂNDIA.
RETORNO ÀS RAÍZES. FOTO DO AUTOR, 1999

ABRÃO ABÍLIO TANUS, MORADOR DE ZELÂNDIA

201
ESTAÇÃO DE ALPERCATAS

Na sequência da ferrovia Rede Mineira de Viação, após


Zelândia, mas dela muito próxima, já no município de Perdizes,
vem a estação de Alpercatas e seu casario pouco estendido ao
longo dos trilhos. O imigrante Sadala Facuri chega ao Brasil em
1955 e aqui instala seu comércio de secos e molhados.
[Depoimento de Sadala Facuri ao autor. Uberaba, outubro de
1990]. No coração da América ele faz o seu “pé-de-meia” e se
dirige para Uberaba, onde é bem recebido pelos primos e pelos
clientes e sobe ao altar da igreja para se casar.
O primeiro imigrante a residir em Alpercatas é Jamil
Tanus e família, que logo se transferem para Zelândia.
O segundo libanês a residir aqui, solteiro, é Sadala Facuri.

202
NOVA IMIGRAÇÃO

Há diferenças fundamentais entre os imigrantes do início


do século XIX e os que chegam ao Brasil na década de 1950. A
segunda “emissão” de libaneses aqui aporta em condições
diferenciadas. São instruídos, alguns formados em escolas
superiores estrangeiras instaladas no Líbano, falam vários
idiomas, além do árabe – o francês e o inglês, quase sempre - e
têm desenvoltura para se instalarem no país tropical e a ele se
adaptarem. O que se mantém semelhante é a adoção do
comércio como profissão, transpondo os mesmos estágios de
seus antepassados. São mascates e comerciantes instalados em
locais isolados para, na sequência do trabalho, ir galgando, aos
poucos, locais mais favorecidos. [Idem, idem]

203
HORÁRIOS E PREÇOS DOS TRENS DA REDE MINEIRA DE VIAÇÃO, QUE
PASSA PELA ESTAÇÃO SANTA JULIANA (ZELÂNDIA).
SUPLEMENTO DA REVISTA ZEBU, PÁG. 195. UBERABA, 1951.

204
MEMÓRIA DO MICROCOSMO
(UBERABA)

 GAMELEIRA COSMOPOLITA
 A GAMELEIRA E O CEDRO

A SECULAR GAMELEIRA NO ESPLENDOR DA FOLHAGEM; A


TRANSMUTAÇÃO DO CEDRO DO LÍBANO. AO FUNDO, RESIDÊNCIA
DO AUTOR DESTE LIVRO. UBERABA, DÉCADA DE 1950.
EDIÇÃO MARCELINO GUIMARÃES.

205
GAMELEIRA COSMOPOLITA

Ao centro da praça, onisciente, a Gameleira movimenta


sua verde imensidão. Acima do tronco, na bacia criada em seu
desgalhar, ali dormem mendigos, sob um céu de folhas que vão
se movendo na medida da respiração da Árvore duas vezes
secular, que domina a paisagem e a cidade. É ela quem observa,
acolhe e relata a passagem, sob sua imensa e sombria ramagem,
dos primeiros entrantes do Sertão da Farinha Podre, a formação
da formosa Vila de Santo Antônio e São Sebastião de Uberaba,
em 1836, brancamente esculpida entre tufos de mangueiras
sabinas. Ela é mirante de observação para tudo o que se
desenvolve em torno. Dela se espreita o mundo girar. Na
Gameleira ocorre o pouso e a decolagem dos bandos sazonais de
andorinhas. Sob ela, sobem e descem, a pesada ladeira, as
carroças sacolejando materiais de construção, carga preferida,
em direção às novas vias da cidade, arrastando sobre o
calçamento a pés-de-moleque, os longos e musicais vergalhões
de várias bitolas, passando pelas portas da Casa Pinhal, de
Américo Mendes Russo, da destilaria, depois dos Bóscolo, das
residências das famílias Koshiba, Caparelli, Nascimento, Santos
Anjo, Rosa e do comerciante Miguel Salum e seus 8 filhos fortes;
do verdureiro Malaka, do bananeiro Armando “Português”, da
máquina de beneficiar arroz do vice-cônsul da Itália, Augusto
Bucchianeri, que vende sua empresa a Luís Rossetti e sua esposa
Maria Bassoto Rosseti, a residência e a venda de Elias Nabut. Os
carroceiros, magros e enrijecidos, passam frente à porta de

206
minha casa, dirigindo, em pé, suas carroças, estralando no ar
nervosos chicotes. Cumprimentam meu pai e logo torcem o freio
da condução para maneirar a descida do morro da Gameleira.
Enquanto Mariana borda, na máquina Singer, o estilo richelieu
de toda uma vida e meu pai, Elias, engarrafa quinado. Na
descida, os carroceiros passam pela escola de Dona Querubina; a
chácara de Horácio Verecchia, cujas árvores derramam frutas
sobre o córrego próximo à serraria de Santos Guido e ao
paisagismo elaborado do suíço Augusto Lemp, atravessam a
ponte de tapiocanga sobre o córrego quem vem da Quinta da Boa
Esperança e sobe outra ladeira, a da Mojiana. Da Mojiana que,
numa noite, desce a procissão de Nossa Senhora de Fátima,
imagem vinda de Portugal. À esquerda, a casa de madeira do
carroceiro Seu Antônio, negro, alto, magro, de rompante, sempre
de camisa de manga comprida abotoada no colarinho e nos
punhos, homem que dispensa um prato de melado se for menos
que um litro de conteúdo; sua voz e gestos graves não impedem
de chegar à minha casa e, reparando as plantas do jardim, atrás
do alpendre, exclamar:

- Alegre, esta flor!

A Gameleira se faz minarete de observação para a máquina


de beneficiar arroz do libanês Reinaldo Miguel e, mais tarde, dos
irmãos Geraldo e Zezé Miguel Árabe, frente à qual o arroz em
casca é estendido nas calçadas para secar ao sol – riqueza
dourando as ruas da cidade. Dela mira-se a máquina de

207
beneficiar arroz dos imigrantes espanhóis, Cândido, Valério e
José Castejon. Duas prostitutas polacas acabam de chegar à casa
da “comadre” Maria Augusta. Daqui, gasta-se um segundo até a
alfaiataria de Mário Dessin, ao lado da residência de Ricardo
Misson, industrial da cerâmica, que cobre as construções de
Uberaba e região, de avermelhadas telhas francesas bem feitas.
Viver, aqui, na Gameleira, é como se a gente desse as mãos na
brincadeira de roda para dar um giro na praça e na vida. O entra-
e-sai dos hóspedes europeus do Hotel Toscano, Lauanda Nabut e
Habib Sallum na varanda do sobradinho eclético, a confeitaria de
Filipe Morales Rua e Encarnación Grande, a destilaria Gaia, do
industrial espanhol Batista Gaia e esposa, Augusta Maggiotti
Gaia, produzindo vinho e gasosas para o verão; toda a família em
torno do industrial Francesco Pucci, com seus famosos Produtos
Espéria, cujas bolachas vão para as vendas, embaladas em
grandes latas, o azulado bazar da família Antônio dos Santos
Anjo, a marmoraria de Domenico Monaco, o vai e vem do alemão
Haroldo Fleishman, vendendo bananas no cesto - insistindo que
é a Alemanha, e não a Itália, o país musical do mundo, sendo
terra natal dos compositores Bach, Händel, Haydn, Mozart,
Beethoven, Mahler... – e, de outro Alemão, da padaria Tupan (do
espanhol tu pan = teu pão), onde fazem sucesso os canelones do
italiano Gordo, transitando pela rua cantando trechos de ópera,
mais o dedo-de-prosa com D. Fidalma Del Papa, posta à janela, o
jardineiro português, Augusto Araújo, que ajuda a definir as
formas regulares dos jardins franceses da cidade, a família
Diamantino vendendo rubros e raros moranguinhos, a fábrica de

208
carroças de Vitório e Benjamin Rossetti - todas essas figurações
de origens as mais diversas do globo, fazem da ecológica Praça da
Gameleira, a Torre de Babel desse universo, um espaço
cosmopolita de libaneses, italianos, portugueses, japoneses,
alemães, suíços, afro-brasileiros, espanhóis, franceses, que
transcende a qualquer outro contexto que se queira semelhante
nas demais cidades sertanejas do Brasil.
É diante desse monumento da natureza que, no dizer do
poeta, “de suas grimpas pode-se avistar a cidade do Rio de
Janeiro e a praia de Copacabana”, é frente a esta majestade,
chamada Gameleira, que ele, menino, constrói sua oração
ecológica. Sob as ramas de portento divino da Gameleira é que a
humanidade busca, neste Brasil sertanejo e cosmopolita, a
confluência de suas raças.
Para furtar imagens bíblicas, em tarde de tempestade, um raio
decepa um galho da árvore. O suficiente para que a Prefeitura forneça
enfurecidos funcionários que atacam, a machadadas, a árvore
sertaneja.

209
A GAMELEIRA E O CEDRO

As referências aos cedros do Líbano enriquecem célebres


passagens bíblicas, dentre elas, a construção do templo do Rei
Salomão, que recorre a Hirão, Rei de Tiro (Líbano), solicitando
mão-de-obra especializada para o empreendimento que se quer
magnífico:
“Envia-me, pois, um homem hábil, que saiba trabalhar
em ouro e em prata, em bronze, em ferro, em obras de
púrpura, de escarlate e de jacinto e que saiba esculpir
entalhes...
E manda-me também madeira de cedro e de faia e pinho
do Líbano, porque sei que os teus servos são hábeis em cortar
madeiras do Líbano, e os meus servos trabalharão com os teus,
para que se aparelhem madeiras em grande quantidade.
Porque a casa, que eu pretendo edificar, deve ser muito
grandiosa e magnífica. E darei para o sustento dos operários
teus servos, que hão de cortar as madeiras, vinte mil coros de
trigo e outros tantos de cevada, e vinte mil metratas de vinhos,
e vinte mil batos de azeite.
Manda, pois, senhor, para os teus servos o trigo, e a
cevada, e o azeite, e o vinho, que prometeste. E nós
mandaremos cortar no Líbano as madeiras de que tiveres
necessidade, e faremos pôr em jangadas para irem por mar
até Jope, e tu as mandarás transportar a Jerusalém”. [Bíblia,
Segundo Livro das Crônicas, 2,7 – 16]
A tradição islâmica, na Fenícia, também reserva imagens

210
poderosas sobre os cedros do Líbano. Trata-se de célebre
parábola em que se compara a beleza do crepúsculo sobre os
cedros do Líbano à imagem do poder e da glória de Deus.
Quando o sol à tarde penetra entre as árvores da floresta de
cedros do Líbano, ali está o símbolo da beleza e da majestade de
Deus.
Apesar de porosa e frágil, a Gameleira, no centro da
praça, em Uberaba, tem mais de cem anos de vida. Os cedros do
Líbano, resistentes, têm certamente mais idade que ela. Mas a
poderosa imagem desta Gameleira, a faz profundamente
semelhante aos cedros e vive entre nós, brasileiros, a mesma
verdadeira representação de poder e glória de Deus e da
Natureza. Um filho fenício vê na Gameleira a
transubstancialização dos cedros libaneses.

O CEDRO, SÍMBOLO DO LÍBANO E DO ESPLENDOR DE DEUS.

211
BARULHEIRA EM UBERABA

 UBERABA ABA ABA


 JÓIAS DO LÍBANO
 OS SONS QUE VÊM DE UBERABA
 DOS COSTUMES
 DO CONHECIMENTO
 DAS ENTIDADES
 DA POLÍTICA

UBERABA ECLÉTICA E “COSMOPOLITANA” APÓS MUDANÇAS DE


FACHADA E DE COMPORTAMENTO IMPOSTAS NO ANO DE 1932. PRAÇA
RUI BARBOSA, DÉCADA DE 1920. FOTO GABRIEL TOTI.

212
Ô indaiá, ô indaiá!
Ô indaiá, já virou indaiá!

Preto está na vila.


Agora envai descendo pra cidade.
Ó, num bambeia, cidade!

[Canto dos congadeiros do terno “Minas-Brasil”, de


Uberaba. Versos referentes ao ajuntamento de pessoas. Ver
Jorge Alberto Nabut: “A Congada no Sertão da Farinha Podre”,
Suplemento Cultural do Correio Católico. Uberaba, 1969]

213
UBERABA ABA ABA*

1910 – 1930. O período de 1910-1930, quando salta, na


área urbana, de 11.500 habitantes para 22.000 habitantes
aproximadamente, vê mudanças bruscas impostas à
urbanização de Uberaba e à sociedade. Herdeira da tradição
portuguesa, desde o início de sua formação, isto é, nos
primeiros anos do século XIX, a Vila de Santo Antônio e São
Sebastião de Uberaba ocupa a paisagem natural às margens do
Córrego das Lajes, subindo as ladeiras em direção às entradas e
saídas para a Corte e para Vila Rica e também para Mato
Grosso, para Goiás, para a Província de São Paulo. Casas de
taipa, de adobes, cobertas de telha colonial. Os carros de boi
movimentam o centro da cidade, estacionados no Largo da
Matriz, em frente à Casa Fernando Sabino e à Casa Caldeira,
referências da dinâmica e da diversidade do comércio local.
Em 1928, o prefeito (1927-1930) Olavo Rodrigues da
Cunha e a Câmara Municipal surpreendem os cidadãos com a
popularmente conhecida Lei das Fachadas [Hildebrando
Pontes, História de Uberaba e a Civilização no Brasil Central,
edição da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Uberaba,
1970], obrigando a reforma das fachadas de todas as residências
da cidade e a prazo determinado. A gritaria é inútil: dezenas de
fachadistas imigrantes são contratados em São Paulo, Ribeirão
Preto e Franca para executarem o que reza a lei, e a cidade se
transforma, decorada de cimalhas e platibandas enfeitadas e se

*
Referência a Osvald de Andrade, em Memórias Ssentimentais de João Miramar.

214
transporta para a modernidade, de que o estilo eclético é
símbolo. A cidade se transfigura também no comportamento e
chega a requintes de inaugurar lojas como a Casa Raul Terra, na
Rua do Comércio, que incorpora o gosto afrancesado de viver,
enfeitando as vitrines com bronzes, relógios, biscuits, prataria.
Os Colégios Diocesano, dos Irmãos Maristas, e Nossa Senhora
das Dores, das Dominicanas, ampliam esse novo conceito de
qualidade de vida made in France. Dessa forma, os imigrantes
mediterrâneos reconstroem o Triângulo Mineiro, pois,
processos semelhantes, embora não tão draconiamos, como diz
o historiador Hildebrando Pontes, ocorrem nas demais cidades
da região. É este o perfil propício, para o Iº Ciclo Econômico do
Zebu – década de 20 - resultado de fantástica aventura de
criadores e mascates que, contrariando regras, vão a Índia
buscar exemplares de gado zebuíno, realizando aqui
experiências genéticas, fazendo surgir o gado gir, nelore e
indubrasil, cujos criadores, ascendendo socialmente, ocupam os
novos palacetes que se constroem na Praça Rui Barbosa, centro
histórico e social da cidade. [Jorge Alberto Nabut, “Os
Imigrantes e a Reconstrução do Triângulo Mineiro” ou “O
Ecletismo em Uberaba”, Jornal da Manhã, 1985].
A tudo isso os novos fenícios assistem e suam nos balcões
para que seus filhos possam usufruir, em futuro breve, de
conforto semelhante. Isto só irá acontecer, definitivamente, a
partir da década de 1940, quando vários deles, criadores e
empresários, ocupam posição de destaque na sociedade, no
período denominado IIº Ciclo Econômico do Zebu – 1938-1942.

215
Na Rua Cel. Manuel Borges alguns exemplares arquitetônicos
dão conta do gosto e do poder aquisitivo a que atinge a segunda
geração de libaneses, em Uberaba, onde chamam especial
atenção as residências do empresário Pedro Salomão
(Líbano,1900–1963, Uberaba, Brasil) e do criador de gado de
zebu, proprietário do famoso boi Chave de Ouro, Salvador Jorge
Miziara (Campo Florido, Triângulo Mineiro, 1912–1998,
Uberaba, Brasil). Quase todos os novos-ricos, integrantes da
segunda geração de libaneses, vêm de cidades menores do
Triângulo Mineiro e de importância econômica semelhante à de
Santa Juliana.

ESTAÇÃO DA MOJIANA, EM UBERABA, INÍCIO DO SÉC. XX.


COLEÇÃO FOTO PAULISTA, UBERABA.

216
SALA DE JANTAR DA
RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA
PEDRO SALOMÃO, RUA
MANUEL BORGES ESQUINA
COM RUA AFONSO RATO.
UBERABA. PROJETO
ARQUITETÔNICO DO
AUSTRÍACO CARLOS
SIMONECK, 1942. FOTO -
RENATA MIZIARA. UBERABA,
1999. - EXUBERÂNCIA E
FAMILIARIDADE.

PINTURA MURAL COM MOTIVO ÁRABE. SALA DE JANTAR DA


RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA PEDRO SALOMÃO. UBERABA. 1999. FOTO
RENATA MIZIARA. - REFERÊNCIAS VISUAIS AO ORIENTE.

217
PINTURA MURAL COM MOTIVO ÁRABE. SALA DE JANTAR DA
RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA SALVADOR JORGE MIZIARA. PROJETO
ARQUITETÔNICO DE CARLOS SIMONECK, 1942. FOTO RENATA
MIZIARA. 1999. - RESÍDUOS ARÁBICOS.

218
JÓIAS DO LÍBANO

JÓIAS LIBANESAS.
FOTO RAMON MAGELA,
UBERABA 2000.
COLEÇÃO MARIA ELIAS,
VÂNIA CECÍLIO E DALEL
HELOU HUEB.
MODELO – MOEMA HELOU
HUEB
- MAIS DO QUE A PINTURA E
A ESCULTURA, A
JOALHERIA É A ARTE QUE
IDENTIFICA O GOSTO DO
POVO LIBANÊS AO LONGO
DE MILÊNIOS.

- Sabeis o que significam estes anéis?


- Não – responderam os dois príncipes. – Somente vós o podeis
dizer.
- São os anéis de todos os homens a quem concedi os meus favores,
noveita e oito, que conservo como lembrança. Pedi os vossos pela mesma
razão e para completar a centena. Eis, pois, cem amantes que tive desde o
dia em que esse monstro me raptou, apesar da sua vigilância e das suas
precauções. Pouco me importa que me encerre naquela caixa de vidro e
me oculte no fundo do mar, porque nunca deixei de enganá-lo. Vede,
portanto que, quando a mulher tem um propósito, não há marido nem
amante capaz de lhe impedir sua realização. Os homens fariam bem em
não proibir nada às mulheres; seria o melhor meio de torná-las sensatas.
[As 1001 Noites, versão: Antoine Galland, 3ª edição, Ediouro Publicações
S. A., Rio de Janeiro/São Paulo]

219
JÓIAS LIBANESAS.
FOTO RAMON MAGELA,
UBERABA 2000.
COLEÇÃO MARIA ELIAS,
VÂNIA CECÍLIO E DALEL
HELOU HUEB.
MODELO – JULIANA ABDANUR
PINTO CRUZ
- ENTRE AS PRECIOSIDADES
GUARDADAS COM AS
FAMÍLIAS DE LIBANESES
ESTÃO AS PULSEIRAS
‘ESCRAVAS’, AS PULSEIRAS
FININHAS QUE SE USAM EM
GRUPOS E A FAMOSA
MABRUME (COBRA).

De manhã, tratei imediatamente de abrir a quarta (porta). Se o que


me fora dado ver no dia anterior havia sido capaz de me causar surpresa,
o que então se me deparou me arrebatou completamente. Pus os pés num
grande pátio rodeado por uma construção de maravilhosa arquitetura, da
qual não vos farei descrição, para evitar muitas palavras. Tinha tal
construção quarenta portas abertas, cada uma das quais dava entrada a
um tesouro; e, dos tesouros, havia vários que valiam muito mais que os
maiores reinos deste mundo. O primeiro continha montes de pérolas; e o
que ultrapassa tudo quanto se possa imaginar: as mais preciosas, grandes
como ovos de pomba, eram mais numerosas que as menores. No segundo,
havia diamantes e rubis; no terceiro, esmeraldas; no quarto, ouro em
barras; no quinto, ouro em moedas; no sexto, prata em barras; no sétimo
e oitavo, prata em moedas. Continham os demais ametistas, crisólitos,
topázios, opalas, turquesas, jacintos e todas as outras pedras preciosas
que conhecemos, sem mencionar a ágata, o jaspe, a cornalina. Esse
mesmo tesouro continha um depósito repleto não somente de ramos mas
também de árvores inteiras de coral. (Idem)

220
OS SONS QUE VÊM DE UBERABA

A rádio PRE-5, atualmente conhecida como rádio


Sociedade, em ondas médias e curtas, transmite os sons que
vêm de Uberaba. A música, os programas de auditório, de
esportes, os informativos. Além da rádio, a alegria dos alunos
que saem dos colégios, das faculdades mesclam-se, no centro da
cidade, com o ruído dos bares do Mosquito, Marabá, da Viúva,
Guarani, Bar Zebu, da brasserie do Jockey Club, dos
automóveis que, timidamente, começam a se multiplicar e se
apinham de jovens nos corsos do carnaval de rua sob chuva de
confetes que cai de algum sobrado. A chaminé da Têxtil – será
que ouço Três Apitos, de Noel Rosa? – mostra, à distância, que
os teares da fábrica de tecidos não param de tecer, assim como
os vendedores ambulantes tecem os pregões, vendendo
espanadores de penas de avestruz, jabuticaba madura, beiju, os
comícios que anunciam eleições, o garoto vendendo jornal para
quebrar a monotonia de uma cidade que quer ser formada e
informada.

FUAD MALUF. PAIXÃO PELA


COMUNICAÇÃO, TANGOS E
BOEMIA. UBERABA. 1940.
COLEÇÃO - MARILEIA
MALUF RIBEIRO.

221
MELODIAS PORTENHAS

Se a música árabe fica restrita aos velhos discos de 78


RPM, trazidos do Líbano ou adquiridos em São Paulo - que se
quebram junto com as lembranças - e não são amplificados
pelas emissoras de rádio, resta à segunda geração de imigrantes
assimilar o sentimento incorporado ao ritmo abrasador do
tango argentino e suas letras de sentimentos desmedidos. O
tango parece ser a ocidentalização da sentimentalíssima música
árabe. Amantes do tango são quase todos os filhos de libaneses,
que fazem do ritmo argentino verdadeiro lema de seus
sentimentos, o perfil de seu gosto artístico, a simbologia de seu
comportamento. O sentimento é o primeiro elo de ligação entre
os libaneses e o tango argentino. Por isso, pode-se considerar
perfeita a radicação de um imigrante libanês em Buenos Aires...
Em Uberaba, na década de 1940, o filho dos imigrantes
libaneses Bárbara e o industrial Rachid Maluf, Fuad Maluf, leva
ao ar todas as noites, a partir das 21h, na histórica rádio PRE-5,
o programa que marca ouvintes de várias gerações, Melodias
Portenhas.
Enquanto Carlos Gardel, Hugo del Carril, Francisco
Canaro, Julio Sosa, Edmundo Rivero, Libertad Lamarque
interpretam sucessos e emocionam os ouvintes, Maluf não se
recusa a descer os degraus de granilite da grande escada do
sobrado art-déco da emissora, alcançar a Rua Major Eustáquio,
dobrar a esquina à esquerda, entrar no notívago Bar do
Mosquito e tragar, rapidinho, ‘um rabo de galo’, bem a tempo de

222
retornar à locução do programa, aliás de grande audiência.
Fuad é considerado um homem de grande empatia por
seus admiradores, e eles não são poucos. Ele também marca
época com o programa Momento Municipal, que vai ao ar ao
meio-dia. Entre notícias da Prefeitura e da Câmara, ele intercala
curiosidades, mais ou menos assim anunciadas “...Desde as
velhas aldeias da Inglaterra, até os verdejantes prados do
Kansas, desde as Ilhas do Pacífico, até as estepes siberianas,
povos de origens, religiões e idiomas diferentes, devem todos
eles pensar na família humana, propugnando sempre pela
paz.” [Depoimento de José de Oliveira Marinho Júnior ao autor.
Uberaba, novembro de 1999].
A identidade de Faud Maluf com o tango é mais que
empatia. É vivência diária dos enredos, que as letras não se
acanham de revelar, em 78 rpm. Apaixonado por Teresa, uma
prostituta do Baculerê, Rua São Miguel, zona de prostituição e
cabarés, a ela dedica, praticamente, todo o repertório do
programa radiofônico e com ela, certa vez, parte para Palmelo,
Goiás, onde lhe custeia o tratamento de distúrbio mental, no
manicômio da cidade, dando aulas de francês. [Idem, idem]
Vida que é perfeito enredo de tango!
Já não é de estranhar que outro descendente de libaneses,
o acadêmico de medicina, Wilson Hueb venha a substituir Fuad
Maluf frente ao Melodias Portenhas, em período dominado
pelas vozes dos cantores brasileiros tangueiros, tais como
Alberto Fortuna e Carlos Lombardi, este último fazendo mais
sucesso na Argentina que no Brasil, Ângela Maria e Nélson

223
Gonçalves. Roberto Luna é outro cantor marcante dos tangos e
boleros aportuguesados. Ele interpreta, em português, os
clássicos do tango argentino nos anos de 1960, época em que
aporta em Uberaba para inaugurar, em sua homenagem, a boate
Luna, em memorável noite inundada de boleros e tangos – com
destaque para a apresentação do descendente de libaneses,
Anísio Curi, também notável dançarino.
A decadência da PRE-5 coincide com a saída de cena das
rádios brasileiras de mitos como Dalva de Oliveira e Orlando
Silva.
Uberaba inaugura então a segunda emissora da cidade,
Rádio Difusora Triangulina, onde, mais uma vez, é um
descendente de libanêses quem volta a inserir música portenha,
em audição pelas ondas do rádio. Lineu Miziara, acadêmico de
medicina, já havia apresentado o inovador Programa Árabe, na
PRE-5, na companhia do também filho de imigrantes, Chequer
Saud, em 1963, sempre aos domingos, às 11 horas da manhã. É
aí que são ouvidos os monstros sagrados da música árabe, os
egípcios Abdo E. Wahab e Om Kalsum, os libaneses Farid El-
Atrach, Fairuz, Sabbah, Hannan, Wadi El-Safi e o brasileiro
Romeu Feres, que grava na Odeon, com a orquestra de Luís
Arruda Pais, quatro LPs das mais populares melodias do
repertório árabe. Por falta de patrocinadores, o Programa
Árabe sai do ar após um ano de transmissão. [Depoimento de
Lineu José Miziara ao autor. Uberaba, novembro de 1999].
É Lineu Miziara quem recupera, para os ouvintes, o gosto
de ouvir tango pelo rádio, na Difusora. É ele o apresentador do

224
festejado Difusora é Dona da Noite, programa que vai ao ar
todos os dias, às 22 horas, de 1964 a 1966. [Idem, idem]
Lineu Miziara lembra estudos que apontam a identificação
dos filhos de libaneses com o tango. A intensidade da emoção
na música, a coincidência de compassos do tango com a música
árabe, sempre binários ou quaternários. Também a tonalidade,
sempre em tom menor, indica o clima de sofrimento,
transmitido pela música e absorvido com facilidade.

O CANTOR ROMEU FÉRES

Nascido em Santos/SP, Romeu Féres (1917-2009) é


detentor, várias vezes, do prêmio Roquette Pinto, como
intérprete da música universal. Com o pai libanês, faz uma
viagem ao Líbano, onde coleta material de música folclórica
daquele país, o que resulta em gravação do elepê Jóias Árabes,
MODB – 3.043, lançado pela Odeon, acompanhando-se ao
alaúde, tendo no repertório melodias memoráveis como Dança
regional (Ya ghozayel), Lamento de amor (Waili minél
garami), Uma voz ao Telefone (Hakini al telefón), Sonho de
primavera (Saifie), A deusa do amor (abiatal Unsi), Folclore
libanês (Al-édi), Dança típica (Dalona), Aloma (Aloma). “Este
long-playing, primeiro e único na história da música árabe,
constitui o início de uma nova era, um esforço da Odeon no
sentido de registrar para a posteridade as jóias musicais do
Oriente Próximo. E foi com prazer que pudemos contar com a
dedicação e a assistência de Romeu Féres na seleção destas

225
páginas folclóricas”, informam os editores na contracapa do
disco. Seu segundo elepê, Tardes Orientais é, consoante o
autor, mais que o primeiro, verdadeira coletânea de melodias
folclóricas do país pesquisado. É dele a gravação do Hino
Nacional Libanês, com a Orquestra Continental, acompanhado
por um coral de crianças órfãs. As duas vezes em que se
apresenta na Boate Yukatan, em Uberaba, tem o significado de
reencontro com a harmonia e o ritmo da melhor música
libanesa. Na década de 1990, Féres reside em Santos, onde
dirige um coral de pessoas da terceira idade, com o qual
trabalha somente com repertório de cânticos orientais. Em
2000, relança em CD, o disco Jóias Árabes. [Depoimento
telefônico do cantor Romeu Féres ao autor. Santos, SP,
novembro de 1999].

CAPA DE DISCO DE ROMEU FÉRES


COLEÇÃO CHIAB SALLUM
226
OS DANÇARINOS

Se, em Buenos Aires, o tango nasce na marginalidade e na


prostituição, para depois subir aos palácios, aqui, de forma
semelhante, o ritmo argentino domina os cabarés da Rua São
Miguel (Baculerê) e da boate Bagdá para, em seguida, fazer
sucesso nos salões da Associação Esportiva e Cultural, do
Uberaba Tênis Clube e do Jockey Club de Uberaba, onde são
célebres os dançarinos Clemenceau Miziara, José Rassi
Abdanur e Zito Sabino de Freitas.

227
DOS COSTUMES

CIGARRO DE PALHA E CACHAÇA

Mas nem só de tango se faz a identidade dos libaneses e


seus descendentes com a cultura brasileira ou latino-americana.
O gosto pelo cigarro de palha e pela cachaça são evidências da
sua identidade com os hábitos mais tradicionais do sertão
brasileiro. Se não ligam para a música sertaneja, a boa pinga de
engenho e o cigarro de palha completam os hábitos de qualquer
geração de libaneses no Brasil. Tanto em Santa Juliana como
em Uberaba é fácil ver os imigrantes cortando, alisando e
lambendo – para amaciar - a palha de milho seca, depois picar o
fumo, o “legítimo fumo goiano“, de corda, com o canivete
afiado, desfiá-lo, e distribui-lo na palha dobrada, em que é
enrolado. O cigarro fica pronto. Então é hora de gastar a pedra
da binga, em várias tentativas, até que se acenda o caipiríssimo
cigarro de palha, que se apaga com facilidade, daí a binga de
metal amarelo estar sempre em fricção nas mãos dos fumantes,
que não se cansam de acender o cigarro. Há quem repare o
prazer dos libaneses de Santa Juliana e de Uberaba, atrás dos
balcões de seus armazéns, que podem ser vistos, “pitando” seus
cigarros de palha: Lian Abrão, Salim Hueb, José Filipe Miziara,
José Abrão Facuri, Elias Nabut, Abrão Hueb, Abdu Azank,
Miguel Abud e tantos mais.

228
DAS CARPIDEIRAS

Tradição que remonta ao Egito dos faraós, as carpideiras


são a própria dramatização da morte. Chegam atônitas aos
funerais, vestidas de negro, tendo às mãos um lenço branco,
debruado de preto, em sinal de luto. À frente do defunto,
debruçam-se aos prantos e aos gritos, passando, em seguida, a
cantar os feitos dele em vida e a deplorar a situação da viúva,
caso seja marido o morto, o desamparo dos filhos, o desespero
de seus dependentes, tocando fundo a sensibilidade de cada
membro da família e dos amigos, criando uma onda de choro
compulsivo, capaz de comover a qualquer dos presentes,
assustar as crianças, que fogem do velório para rir das cenas tão
inusitadas. [Depoimento de Fôzo Sallum ao autor. Uberaba,
janeiro de 2000]. Algumas carpideiras trazem consigo uma flor,
que ofertam ao morto, para que ele a entregue a algum parente
seu, já falecido, e a ele também recomendam beijos e abraços a
outros entes queridos já desaparecidos. De posturas tão
dramáticas, chegam a se golpear nas faces, com tapas de
autopunição, acrescentando sentimento de dó e pesar às cenas
tão deploráveis e chocantes. Naza Abrão e Barrige Pális estão
entre as mulheres e mães carpideiras do alto dos Estados
Unidos [Idem, idem]; Chafia Achcar e Hanne João, do alto São
Benedito; e Mariana Miziara, do alto das Mercês [Depoimento
de Cristina Hueb Cecílio ao autor. Uberaba, janeiro de 2000].
Mariana é das poucas mulheres libanesas musicistas em
Uberaba. Ela canta e toca derbaque (ou derbak), alegre

229
instrumento de percussão com que se animam os bailes de
casamentos da colônia libanesa, sempre com vários dias de
duração. [Estatuto da Associação União Beneficente Síria,
edição bilíngue árabe e português, O Estado de São Paulo,
1925]. Mariana Miziara empresta seu talento na dramatização
dos velórios, onde é requisitada carpideira. Diferentes das
carpideiras profissionais, comuns em todo o Oriente Médio, por
não atuarem por pecúnia, nossas chorosas mulheres mantêm a
tradição das lamúrias frente aos defuntos e seus familiares,
tomando atitudes dramáticas, em grande parte acompanhadas
por outras mulheres. Desta forma, quando iniciam o cântico de
lamentos, são acompanhadas por várias outras mulheres
presentes. [Depoimento de Cristina Hueb Cecílio ao autor.
Uberaba, janeiro de 2000].
As mudanças de costumes, o gosto pela ocidentalização e o
desaparecimento das velhas imigrantes, vão dispensando e
evitando a presença das carpideiras, que se tornam raras,
emprestando aos velórios uma aura de sala de visitas, onde o
choro, mesmo em bocados, é olhado de viés.

CARPIDEIRAS,
SEMPRE VESTIDAS
DE PRETO,
AGUARDAM, SOB
TAMAREIRAS,
CONTRATO PARA
CHORAREM EM
ALGUM VELÓRIO.
CAIRO, EGITO. 1985.
FOTO DO AUTOR.

230
CHOUF HEDA E MAJNUN

Das poucas expressões orientais em uso pelas famílias


libanesas – raríssimos os que se interessaram estudar a língua
dos antepassados - duas são correntes e nos divertem, quando
estamos em companhia uns dos outros: chouf heda e majnun.
Chouf, do verbo olhar, acrescido do pronome heda, é
usada quando se quer apontar alguém acometido de algum
excesso, mau gosto, etc.
Majnun designa alguém que “sofre das faculdades
mentais” ou, melhor dizendo louco (de amor). Na origem da
palavra, não se trata de adjetivo, mas de pronome.
Majnun é um dos personagens da literatura clássica persa,
juntamente com Laila.
Conta-se que, um rapaz, de boa família, com deficiência
visual, chamado Majnun, apaixonou-se perdidamente pela bela
Laila. Indiferente aos apelos do pretendente, a moça o ignorou,
de tal forma, que o levou à insanidade. Por ser deficiente visual,
idealizou a moça (“Esses olhos de Majnun são os olhos do
idealismo, os olhos que veem a beleza", diz o próprio
personagem. O enquadramento é de extremo romantismo, à
semelhança de Romeu, que encarou o suicídio como
manifestação de amor a Julieta.
Então, passaram a denominar majnun aos loucos (de
amor) e, por extensão, pelo menos no Brasil, aqueles ou aquelas
que fazem loucuras.
Majnun e Laila é uma das mais conhecidas estórias do

231
mundo oriental, Arábia, Pérsia, Ásia central e Índia, tendo
inspirado muitos escritores, poetas e artistas muçulmanos como
Nizami, Djami e Mir Alisher Navoï. Integrou as luxuriantes
ilustrações em mostra realizada no CCBB (Centro Cultural do
Banco do Brasil).
Também serviu de inspiração para o expressivo blues-
rock, Layla (Darling, wont you please ease my worried
mind...), da banda Derek and the Dominos; incluída no
repertório de Eric Clapton. Excepcional para performance de
guitarras.

232
DO CONHECIMENTO

HERANÇA

Se a agonizante - no sentido grego do termo, que significa


luta - profissão de mascate permite ao libanês, com o passar do
anos, o estabelecimento nas vilas, estações, lugarejos e cidades,
residindo em casa própria – pagar aluguel é uma vergonha para
um libanês – e enquanto o comércio dá um status mínimo
desejado, o imigrante tem na cabeça um só pensamento:
estudar e formar os filhos, que não são aceitos ao balcão, para se
dedicarem exclusivamente aos estudos; ao contrário dos
fazendeiros, preocupados em manter sua estrutura, seu
patrimônio, querendo o filho sempre consigo e também
fazendeiro. Para o libanês, ter o filho médico, valem todos os
sacrifícios e privações. Daqueles que têm ligação com Santa
Juliana, a viúva Helena Abdanur Azôr e o casal Rafa e Calixto
Cecílio conseguem ver os filhos diplomados. Por isso, os
médicos Jorge Abraão Azôr e os irmãos Romes, Rene e Samir
Cecílio, os três primeiros formados no Rio de Janeiro e o último
em Uberaba, compreensivelmente, são recebidos como deuses
nas casas dos árabes.
Dos libaneses radicados em Uberaba, um dos primeiros
filhos médicos é Jorge Antônio Frange, que dá título à Praça
Jorge Frange. Mais que profissional liberal, para o libanês, o
médico tem aura de divino, pelo sábio poder da cura. O sonho
do filho formado – Frederico Alonso Frange –

233
preferencialmente em Medicina, se realiza plenamente quando
a terceira geração ocupa seu lugar na sociedade, não sem antes
causar estranheza e certa resistência por parte dos antigos
profissionais. Sobre a terceira geração de imigrantes libaneses
parece recairem os ensinamentos dos grandes médicos árabes
que revolucionaram a medicina universal no período em que
ocuparam a Espanha. Em Uberaba, o cenário médico é
enriquecido com três empreendimentos notáveis: o Hospital
Santa Cecília (1955-1999), propriedade dos médicos Romes e
Rene Cecílio, projeto do arquiteto João Jorge Curi, onde se
realizam as primeiras cirurgias cardíacas, em animais, do
Interior brasileiro, executadas pelo médico e futuro ministro da
Saúde, Adib Jatene; Hospital Santa Helena (inaugurado, em
1972, pelo Governador Rondon Pacheco), com nome em
homenagem à imigrante Helena Abdanur Azôr, propriedade dos
médicos Jorge Abraão Azôr e seu filho Armando Fraga Azôr e
seu cunhado Carlos Antônio Dib, Roberto Árabe Abdanur e seu
cunhado Eurípedes Alves Carvalho, Miguel Tapxure e Olindo
Miziara; o Hospital Santa Lúcia, inaugurado em 1970,
propriedade dos médicos Aziz Miguel Hueb, otorrino pioneiro
da colônia libanesa, seu filho Marcelo Miguel Hueb e seu
sobrinho Jorge Filipe Abud, João Hercos Filho e sua filha Ester
Luísa Hercos Fatureto, Ismael Ribeiro e seus filhos João
Eduardo Caixeta Ribeiro e Ismael Ribeiro Filho, e Newton
Prata. [Depoimento de diretores dos três hospitais citados.
Uberaba, outubro de 1999]. São estes os maiores investimentos
na saúde pública realizado em Uberaba pelos filhos de libaneses

234
historicamente ligados a Santa Juliana.
Ainda dentro deste quadro, Núbor Facuri, casado com
Orlanda Silva Facuri, filho de José Jorge Facuri e Latif Nicolau
Facuri (ver genealogia, no final do livro), e cujo filho, Núbor
Orlando Facuri, é médico neurologista de projeção nacional,
radicado em Campinas/SP. Entre os primeiros imigrantes
árabes diplomados em medicina, em Uberaba, está Munir
Sallum.

JORGE ABRAÃO AZÔR, UM DOS


PRIMEIROS MÉDICOS FILHOS DE
IMIGRANTES LIBANESES
NASCIDOS EM SANTA JULIANA

DESEMBOQUE E MELANCIAS

Samir Cecílio, odontólogo, advogado, médico, deputado


estadual por Uberaba (1982-1986), atendendo solicitação do
autor deste livro, propõe e é aprovado, na Assembleia

235
Legislativa, o tombamento, pelo IEPHA – Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, da sede da
Fazenda Melancias, no município de Água Comprida, no
Triângulo Mineiro, e das igrejas de Nossa Senhora do Desterro e
Nossa Senhora do Rosário, no Desemboque, berço histórico do
Sertão da Farinha Podre, no município de Sacramento. Dois
momentos avançados no difícil trabalho de preservação da
história e dos monumentos triangulinos. [Jorge Alberto Nabut,
Desemboque: Documentário Histórico e Cultural, edição
Museu de Arte Sacra do Brasil Central, Arquivo Público de
Uberaba, Arquivo Público de Uberaba, Arquidiocese de Uberaba
e Fundação Cultural de Uberaba, 1986]

CULTURA

Se a primeira geração de imigrantes aponta nomes como


Calixto Cecílio (autor de um livro inédito de poemas e um livro
de relatos históricos, em dois volumes já traduzidos e editados
em português, Reminiscências de Calixto Cecílio), Abrão Tanus
(colaborador do periódico El-Ambar, editado em São Paulo,
traduzindo para o árabe os principais acontecimentos globais e
regionais, com distribuição para toda a América Latina) e
Chucri Pális (oratória), a terceira geração se faz representar pelo
talento do engenheiro, decorador, fotógrafo, diretor e cenógrafo
de teatro Demílton Dib, recorrência necessária para várias
manifestações das artes visuais em Uberaba. Demílton é filho de
pais nascidos em Santa Juliana. Outro talento referendado é o

236
médico cardiologista, conhecedor de música, cronista e orador,
Lineu José Miziara. Teresinha Hueb de Meneses é referência
cultural por sua contribuição para a literatura e para a crônica.
Na educação, Cristina Hueb Cecílio dirige uma gestão no
Conservatório Estadual de Música Renato Frateschi e Olga
Maria Frange de Oliveira é maestrina do Coral Artístico
Uberabense.
Extra campo artístico, os irmãos Sálua e Hamid Alexandre
Cecin e o Sr. Elias Rassi desempenham importante tarefa de
recuperar a memória histórica da família, lançando duas
significativas obras aqui citadas e envolvendo o imigrante
Calixto Cecílio.

A LIGAÇÃO DOS LIBANESES COM AS ARTES

COLECIONISMO
GILBERTO SALOMÃO
Radicado em Brasília, desde os tempos de JK, em poucos
anos o uberabense Gilberto Salomão construiu uma das
residências notáveis na capital federal, mais tarde vendida para
sediar a embaixada do Iraque. O empresário volta à carga,
contratando, novamente, o arquiteto Germano Gultzgoff,
sediado em Uberaba, para projetar a nova residência, de dois
mil metros quadrados, para a qual transfere sua coleção, que
inclui peças dos séculos XVI ao XX; sem deixar de ampliá-la. De
endereços como a Sotheby’s, de New York e a Chrystie’s, de
Londres, vieram tapetes, mobiliário, pintura e objetos em

237
decoração orquestrada pelo famoso Terry Della Stuffa.

DEMILTON DIB
Sem resistir àquilo que o seduz, o decorador e arquiteto
Demilton Dib, além da sua intensa atividade profissional,
dedica a vida a colecionar peças de arte, que vão do século XVIII
ao século XX, do barroco ao art déco, transitando por todos os
gêneros artísticos, principalmente arte religiosa e decorativa,
muitas delas vistas em exposições já realizadas em museus
uberabenses. Sem perder o hábito, continua a garimpar peças
pelos antiquários, ampliando, assim, seu acervo.

DEMILTON DIB

238
BELGRÁVIA ANTIGUIDADES
Durante 26 anos, Belgrávia Antiguidades ofereceu a
Uberaba e a várias regiões do país notável acervo de tapeçarias,
pintura, mobiliário nobre, todas as espécies de luminárias, de
arte sacra e diversificada arte decorativa. Manteve e ampliou a
tradição uberabense dos antiquários, em alto patamar, tendo
realizado dezenas de exposições sobre os mais diversos temas
relacionados ao gênero das antiguidades, bem como de arte
uberabense e mineira.

CIÊNCIAS EXATAS

Filho dos imigrantes Jacob Pális e Sames Camasmie,


Jacob Pális Júnior, natural de Uberaba, é doutor em
matemática pela Universidade de Berkeley, presidente da União
Matemática Internacional, integra o Collège de France, Paris,
tendo doutorado 40 alunos de 12 países diferentes em
matemática pura e aplicada. Assina cerca de 70 trabalhos em
revistas internacionais, é detentor do Prêmio Nacional de
Ciência e Tecnologia, único brasileiro a receber o Prêmio da
Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento. Doutor
honoris causa da Universidade de Edimburgo, Escócia.
Desenvolve trabalho sobre duas teorias: a do Caos e a da
Incerteza.

239
COMUNICAÇÃO

Relacionado com o jornalismo, filho de Santa Juliana, Jaime


Moisés é sócio-proprietário do Jornal de Uberaba. Filha de mãe
nascida em Santa Juliana, a jornalista Virgínia Abdala é colunista
social do Jornal de Uberaba e do Jornal da Manhã, onde também
assina página de variedades, de onde são extraídas as receitas da
seção de culinária deste livro.
É, no mínimo notável, a inteiração da família Zaidan com os
meios de comunicação. Farah Zaidan e Jorge Zaidan têm seus
nomes identificados com a história do rádio, em Uberaba. Filho de
Farah, Claudio Zaidan tem participação intensa como comentarista
esportivo da Rádio Bandeirantes e como apresentador de jornal da
TV Bandeirantes, em São Paulo. Filhos de Jorge, Patrícia, Márcia e
Jorge Júnior têm histórico notável, com passagem de Patrícia pelas
principais revistas do país, de Márcia, em Ribeirão Preto, e de
Jorginho com intensas atividade no Canal do Boi, em Campo
Grande/MS. Filhos do bancário, João Zaidan, Rosana Zaidan é
editora-chefe do tradicional jornal A Cidade, de Ribeirão Preto, e
Rubens Zaidan, tido como dono da mais bela voz da família, foi
apresentador do jornal global, Hoje, em São Paulo, tendo sido
também, professor de jornalismo na UNAERP.
Os ouvintes das rádios e televisões uberabenses identificam, de
imediato, a voz de Paulo Sarkis, quando ecoa nesses veículos de
comunicação, totalmente identificados com ele.
Notável a fama do radialista Wilson Brasil (Wilson Miziara).
Jornalista desde 1969, Jorge Alberto Nabut pontifica em
colunas sociais e reportagens de fundo histórico e cultural. Ver “O
Autor” (p. 448).

240
JACOB PÁLIS JÚNIOR

VIRGÍNIA ABDALA

241
DAS ENTIDADES

CLUBE SÍRIO-LIBANÊS

É para Uberaba que se dirigem os amantes das danças, das


festividades e da convivência social da região.
Fundado em 11 de outubro de 1925, tendo como sócios-
fundadores Rachid Maluf, Calixto Cecílio, Manuel Elias, Jacob
Pális, Miguel Calixto Hueb, Chucri Pális e Latif Pális, o Clube
Sírio-Libanês é o mais importante clube social das imigrações
radicadas em Uberaba, pela possibilidade de agremiação dos
elementos da colônia, bem como pela longevidade com que, em
escala ascendente, chega ao século 21. [Estatuto da Associação
União Beneficente Síria, edição bilíngue árabe e português, O
Estado de S. Paulo, 1925].
O primeiro estatuto do clube é datado de 1926 e tem sua
primeira diretoria constituída. O elegante industrial, sempre
vestindo terno de linho 120, com fábrica de fumo no morro da
Rua Pe. Zeferino, em frente ao seu belo solar neoclássico
[Depoimento de Fôzo Sallum ao autor. Uberaba, janeiro de
2000] Rachid Maluf é o primeiro presidente da entidade. Tem
como colegas de diretoria, Miguel Sallum, vice-presidente;
William Pális, primeiro secretário; Durval Barbosa, segundo
secretário; Manuel Elias, tesoureiro; Espir Elias Sallum,
vigilante; José Facuri, procurador; Chucri Pális, orador.
[Estatuto da Associação União Beneficente Síria, edição bilíngue
árabe e português, O Estado de S. Paulo, 1925].

242
De 1925 a 2000, são seus presidentes Rachid Maluf,
Manuel Elias, Calixto Cecílio, Jorge Antônio Frange, Bachur
Hallal, Nicolau João Maluf, Nagib Cecílio, Elias Nicolau, Aniz
Abdala, Rene Cecílio, Antônio Tahan Filho, Salim Filipe Abud,
Pedro Elias Miziara, Alexandre Amin Saad, Munir Cecílio,
Abrão Miguel Árabe, Nadin Daher, Nadin Achcar, Jaime
Moisés, Abadio Miguel Júnior, Mauro Sérgio Abud, Celso Abrão
Name. O clube ocupa grande área na Rua Major Eustáquio, com
sede social projetada pelo arquiteto Germano Gultzgoff, além de
ginásio poliesportivo, mesclando descendentes de libaneses com
grande número de brasileiros. A identidade do clube com a
tradição do Líbano se revela por meio da festa As 1001 Noites
que se realiza nos meses de outubro, nos últimos anos do
século. [Arquivo do Clube Sírio-Libanês, Uberaba]. Sob a
perspectiva histórica, foi um erro denominar de Sírio-Libanês
aquele que deveria chamar-se Clube Libanês de Uberaba.

ESTATUTO DA
ASSOCIAÇÃO UNIÃO
BENEFICENTE SÍRIA,
FUNDADA EM 11 DE
OUTUBRO DE 1925, QUE
DEU ORIGEM AO CLUBE
SÍRIO-LIBANÊS DE
UBERABA. SEÇÃO DE
OBRAS DO O ESTADO DE S.
PAULO. 1926. TEXTO EM
PROTUGUÊS E ÁRABE.
COLEÇÃO NADIN ACHCAR.

243
ACIU - ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E
INDUSTRIAL DE UBERABA

Lidando com seu lado mais forte, a segunda e terceira


gerações de imigrantes libaneses ocupam a presidência da
Associação Comercial e Industrial de Uberaba, fundada em
1923. José Miguel Árabe (1970-1971), Jorge Dib Neto (1972-
1973), José Curi Peres (1974-1975), Samir Cecílio Filho (1998-
2001), todos eles, com exceção de José Curi, intimamente
ligados à história de Santa Juliana, quando não oriundos de lá.
[Associação Comercial e Industrial de Uberaba – 1923-1993.
Edição Arquivo Público de Uberaba. Uberaba, 1993].

SMCU - SOCIEDADE DE MEDICINA E


CIRURGIA DE UBERABA

“No levantamento de dados para seu trabalho sobre


imigração e política, o sociólogo Osvaldo Truzzi ressalta o
grande número de profissionais liberais filhos de imigrantes
árabes formados nas mais importantes faculdades de direito,
engenharia e medicina, que depois se tornaram políticos, e a
presença maciça de descendentes que entraram para o cenário
da política federal a partir de carreiras iniciadas em cidades
do interior. Fora dos grandes centros era mais fácil furar a
barreira das elites tradicionais”, informa Flávia Varela na
matéria especial “Patrícios – Dinheiro, Diploma e Voto: A Saga
da Imigração Árabe”, para a revista Veja, 4 de outubro de 2000.

244
A reportagem referenda a importância de um curso superior
para os imigrantes libaneses e ainda observa: “O comércio
permitiu juntar dinheiro mais rápido e deu liberdade para
depois aplicar parte dele em boas escolas para os filhos”.
Na década de 1940, chegam à presidência da
tradicionalíssima Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba,
fundada em 1927, filhos e netos de libaneses: Jorge Antônio
Frange (1949), Romes Cecílio (1960), Rezala Sallum (1964-
1965), João Hercos Filho (1976-1977), Jorge Filipe Abud (1983-
1985), Carlos Antônio Dib (1986-1987), Marco Antônio Amui
Sallum (1992-1993), Fahim Miguel Sawan (1995-1997) e
Fabiano Anselmo Hueb de Meneses (1999-2001) que,
literalmente, inovam e avançam o comportamento da entidade.
Vários desses presidentes têm ligação direta com Santa Juliana.
[Arquivo da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba].

245
DA POLÍTICA

Na mesma edição da revista Veja, outra abordagem


oportuna: “Outros foram obrigados a entrar na política para
proteger e promover seus interesses comerciais e industriais.
Algumas famílias ricas adquiriram o direito de incluir seus
filhos e sobrinhos em listas de candidatos pelo prestígio que
um posto na política dá na colônia”. “Os primeiros a
prospectar cargos políticos buscavam de certa forma dar
continuidade a trajetórias familiares de ascensão social.
Embora nem todos os imigrantes tenham ficado ricos, a
maioria no mínimo abriu um pequeno negócio. De maneira
geral, os que aportaram primeiro foram os que amealharam
maior capital. As grandes fortunas das décadas de 40 e 50
eram justamente das famílias que trilharam pioneiramente o
trajeto mascate-comerciante-industrial [....] Em 1930, a
Avenida Paulista, o endereço mais chique de São Paulo, tinha
22 casas cujos donos eram de origem árabe”. Em Uberaba, o
quadro é semelhante na colônia libanesa.
Se o comércio, a medicina e a engenharia são os segmentos
profissionais mais adotados pelos descendentes de imigrantes
libaneses, nem por isso eles deixaram de se interessar pela
política. Entre os notáveis, Whady José Nassif ocupou a
prefeitura de Uberaba no período de 1937 a 1943, durante o
Estado Novo. Mais tarde, foi deputado estadual duas vezes
seguida, de 1947 a 1955. Promovendo radical transformação
urbanística, seja nas estruturas, seja na modernização das

246
praças e jardins. No centro da praça Rui Barbosa fez erigir o
monumento em homenagem ao governador mineiro, Benedito
Valadares, execução do escultor Umberto Cozzo (São Paulo SP,
1900-1981, Rio de Janeiro). O projeto se insere nas normas do
estilo art déco, que transformava a arquitetura brasileira,
destituindo-a dos excessos decorativos e pouco práticos do
ecletismo. Por isso, foi denominado por nós, em vários artigos,
de Monumento da Modernidade. Incompreensivelmente, bem
mais tarde, no governo de 1989-1992, o monumento foi retirado
da praça, desmantelado, sem cuidado algum. Alguns destes
blocos de granito, da base do obelisco, foram deixados no
depósito da Prefeitura. Os menores e mais trabalhados, ainda
com medalhões de bronze incrustados, foram dispersos na
periferia da cidade, jogados no mato, na região próxima ao hotel
Dan Inn. O novo e inexpressivo projeto do paisagista Nei
Ururaí, o pior feito em área pública de Uberaba, não admitia –
ou seria o prefeito? – o monumento, indiferente a nossos
apelos. Seria atitude racista da administração contra os
libaneses? Fica a pergunta no ar. Sobre Whady Nassif, leia a
dissertação de mestrado de Luísa Maria de Oliveira e Silva,
Whady José Nassif na Prefeitura de Uberaba – Administração
Pública Municipal no Estado Novo.
O médico Jorge Antônio Frange, filho dos imigrantes José
Antônio Frange e Maria Paula Mauad, é destaque na política
uberabense, revelando-se forte concorrente a prefeito de
Uberaba, perdendo o pleito para Boulanger Pucci (1947-1951),
por 14 votos. Seu filho, político e médico, Frederico Alonso

247
Frange, é o vice-prefeito do governo Wagner do Nascimento
(1983-1988).
Américo Abdanur, comerciante e músico, ocupa cadeira na
Câmara Municipal de Uberaba, no período do governo de
Antônio Próspero (1951-1955), juntamente com outros filhos de
imigrantes: Nagib Cecílio (1951-1959), eleito também presidente
da Câmara, Alexandre Amim Saad (1959-1963), Fausto Salomão
(1959-1963), Aniz Abdala (1963-1967), Munir Miguel Dib (1971-
1973), Salé Cecílio (1973-1977), Jamir Abdala (1977-1981),
Patrícia Pontes Zaidan (1983-1985), Rodolfo Cecílio,
“Turquinho” (2001-2004). [O Poder Legislativo Municipal
Através do Tempo, edição Câmara Municipal de Uberaba,
1998].
Samir Cecílio foi deputado estadual importante,
principalmente para preservação de monumentos históricos do
Triângulo Mineiro (leia-se tombamento das igrejas de
Desemboque e da sede da fazenda Melancias).

248
WHADI JOSÉ NASSIF JORGE FRANGE

RENE CECÍLIO E ÂNGELA, STELLA E ROMES CECÍLIO,


ELES, MÉDICOS NASCIDOS EM SANTA JULIANA

249
RUA REPÚBLICA DO LÍBANO?

Em Uberaba, o progresso do Alto São Benedito acontece a


partir da décade de 1940 com a construção do primeiro
Terminal Rodoviário, na Praça Dr. Jorge Frange, bem como a
desobstrução de áreas da antiga Hípica do Jockey Club de
Uberaba, da Companhia Têxtil do Triângulo Mineiro e da Rede
Mineira de Viação, permite um novo traçado para o bairro. A
partir daí, o bairro São Benedito subtrai o interesse comercial
de bairros como os Estados Unidos e Boa Vista, tradicionais
acessos às principais rodovias e à estação ferroviária.
Logradouros de intensa atividade industrial e comercial como
as Ruas Pe. Zeferino, Marquês do Paraná, XV de Novembro,
Rua do Comércio, Rua João Pinheiro, áreas preferenciais dos
libaneses, dão vazão ao progresso que se converge para o
ampliado bairro São Benedito. Ali, as Ruas Tristão de Castro,
São Benedito e avenida Fernando Costa conquistam privilégios
que foram de outras vias tradicionais e passam a ser o foco de
interesse dos libaneses. No mesmo bairro, a novata Avenida Rio
Branco centra o interesse dos industriais libaneses que se
dedicam ao beneficiamento de cereais.

250
NASSIM MIGUEL HUEB E LAILA CECÍLIO HUEB LADEADOS PELOS
FILHOS FUED, CRISTINA, MÁRUA, FÁDUA, FAUZE E O GENRO SALIM
FILIPE ABUD; SENTADOS: AZIZ, NEILA, JOÃO, AZIZA E OS
FILHOS JORGE E MARIA TERESA. UBERABA.
1951. FOTO – JOÃO SCHRODEN JR.

Mas a referência e a preferência do comércio no Alto São


Benedito é a Rua Tristão de Castro, onde os libaneses residem e
instalam suas lojas, em qualquer época. O primeiro a se
estabelecer na Tristão de Castro é João Miguel Hueb (Wehbe,
no original). Ele visita Uberaba, pela primeira vez, por volta de
1888 e ali se estabelece, definitivamente, em 1914. João Miguel
tem seus negócios ampliados pelo filho Nassim Miguel Hueb e
por todos os netos, vários deles estabelecidos ou residentes, com
família, na Rua Tristão de Castro: Fauze Miguel Hueb, Fued
Miguel Hueb, Márua Hueb Tapxure, Neila Hueb Baroni. Em
1948, Nassim M. Hueb & Filhos abastece todo o hinterland de

251
secos e molhados, feito da maior importância para o perfil do
comércio uberabense. Um dos mais antigos comerciantes da
Rua Tristão de Castro é Jorge Filipe Abud, que aqui se fixa em
1923, seguido pelo filho Salim Filipe Abud. Ao longo do século
XX aqui moram e trabalham as famílias de Elias João Hueb,
Latif Amin Abdala, Nassim Cecílio, Antônio Tahan Filho, Romes
Achcar, os irmãos Miguel, Abrão e Armindo Hueb, José Filipe
Miziara, Abrão Seba, Farah Abdala, Raul Idaló e suas filhas
Abadia, Salma e Barrige Idaló, os irmãos Nagib Cecílio, Salé
Cecílio e Fued Cecílio, Lian Abrão, Ramid Mauad, Calixto
Bunazar, Camel Amin Jreig, Wadi Curi e os filhos Alice, Miguel
e Leila Curi, Salim Hueb, Sadala Facuri, George Amine Khalil
Hanna Abdala, Fakher Azor Facuri, Chafic Jorge Abud, Elias
Azor Facuri, Farah Abdala, Jamil Sallum, Jorge Abdala Jreig,
César Mauad, os irmãos Márcia, Marise, Ana Rita e Luís
Américo Abdanur Cruz, Paulo Cecílio, Margarida Oliveira
Cecílio, Fernando Cecílio, Ibrahim Abboud Bayeh, Issa Azank,
Cairo Cecílio, Renato Cecílio, Ata Jreig, Marcelo Facuri Costa...
Nenhum outro logradouro poderia ser mais apropriado para ser
a Rua República do Líbano do que a Rua Tristão de Castro! Só
mesmo dificuldades burocráticas para impedí-lo.

AVENIDA REPÚBLICA DO LÍBANO?

Nos anos de 1980, um grupo de filhos de libaneses,


liderados pelo médico Frederico Alonso Frange, vice-prefeito na
administração Wagner do Nascimento (1983-1988), pelo

252
presidente do Clube Sírio-Libanês, Nadim Achcar, e pelos
empresários Jaime Moisés, Gilberto Salomão e Urbano
Salomão, considerando improvável a mudança da Rua Tristão
de Castro para Rua República do Líbano, projeto com que se
sonhara, colhem centenas de assinaturas e entram com pedido
na Câmara Municipal de Uberaba para mudança de nome da
Av. Barão do Rio Branco para Av. República do Líbano.
[Depoimento de Nadim Achcar ao autor. Uberaba, setembro de
1999] O projeto causa polêmica, é aprovado pela Câmara –
Projeto de Lei Nº 179/89 – [Arquivo da Câmara Municipal de
Uberaba], mas é barrado com uma sanção do prefeito da época.
Diferenciada da Rua Tristão de Castro, a Avenida Barão do
Rio Branco é via expressa das máquinas de beneficar arroz de
libaneses e filhos de libaneses. Alexandre Jorge, Espir Nicolau
Bichuete, José Mansur e seu filho Aziz Mansur, Antônio Nasser
(Salaguda), Aristides Curi, Sami Abdala Saad, Kalim Abdala ali
instalam suas indústrias e por causa desta incidência de
imigrantes no local é que também se tentou conseguir para
Uberaba uma Av. República do Líbano.

253
MÁQUINA DE BENEFICIAR ARROZ DE ESPIR NICOLAU BICHUETE
& CIA. UBERABA. ÁLBUM “UBERABA, A PRINCESA DO SERTÃO”. 1941
– O BENEFICIAMENTO DE ARROZ E DE CAFÉ É UMA DAS
ATIVIDADES MAIS RECORRENTES DOS EMPRESÁRIOS
LIBANESES NO TRIÂNGULO E EM GOIÁS.

254
O REDEMOINHO

 BRINCAR DE VIVER
 ESTRELA DA TARDE
 O NAVIO NA PRAÇA
 LEMBRANÇAS
 SUMIÇO

NOS JARDINS DA PRAÇA PRINCIPAL, A INFÂNCIA LIBERA SEUS


CONTATOS COM O UNIVERSO E BRINCA
COM OS ENSINAMENTOS DA NATUREZA
- AO FUNDO, A CASA DE MEU AVÔ
COLEÇÃO DO AUTOR

255
BRINCAR DE VIVER

Aqui estou eu, criança-adolescente, de retorno a Dores de


Santa Juliana, com minha câmara cinematográfica, tomando
uma panorâmica de um século de árabes nestas paragens, no
meio desta história, num cenário de filme, mas que é maior que
o mundo, me perguntando se tudo isso será verdade, fantasia.
Será uma fita de cinema? História de salão? Serão fotografias de
um álbum que nunca cessamos de folhear, mesmo quando
estamos dirigindo ou viajando? Conversas reunidas em um
boticário? Serão fotos ou fatos?
Que nada!
É só uma brincadeira de viver. E que coisa mais boa poder
brincar de viver! Brincar assim, tendo na palma da mão essa
piorra incessante, brinquedo cintilante chamado vida. Uma
brincadeira que não para nunca, embora esse brinquedo a gente
vá passando de mão em mão... uma coisa sem fim.

256
ESTRELA DA TARDE

A tarde ainda brinca com suas cores, seus lilases e suas


luzes diagonais, quando uma agitação começa a acontecer.
Que algazarra é esta que está acontecendo?
De toda banda vem gente se anunciando, animada, às
pressas. Os roceiros nos carros de bois abarrotados de arroz,
feijão, milho, cana, cachaça, rapadura, galinhas, angolas,
capados. Os negros com o moçambique, a Rainha Conga toda
enfeitada no centro do fitão e à frente dos congos. Chega
Firmina, saída para sempre do asilo. As Filhas de Maria com os
estandartes dos Mistérios Gozosos, livres para sempre dos
Dolorosos. De repente tudo para e silencia, como num desenho.
É aí que todas as casas dos imigrantes, na praça, lentamente vão
se abrindo, portas e janelas escancaram as paredes caiadas,
enfeitadas com o quadro de São Jorge e das quais sai uma
música que é tentação. Avós, netos, filhos, noras, genros,
sobrinhos se dão as mãos, numa roda de braços de três
gerações, que envolve, de início, o coreto, em seguida, a praça,
depois toda a cidadezinha, no monumental dabke, a ciranda de
agradecimento à cidade pelo carinho e pelas possibilidades ao
longo de todo o século XX. É esta gravura que coloco na sala, na
loja, na prefeitura. Libaneses envolvidos no grande abraço que
açambarca toda a cidadezinha de Dores de Santa Juliana.

257
O NAVIO NA PRAÇA

O breu da noite deixa as pessoas pisando no escuro com


receio e curiosidade pelas ruas sem postes de iluminação. Um
clarão ocupa o centro da cidade e nem é preciso lanterna para
chegar até lá.
“Olha lá! No meio da praça e não é o coreto, nem a
barraquinha do leilão. É um baita dum navio.”
O navio vindo de Marselha, França, atravessara o oceano,
o enjoo, vagara sobre portos, serras, pastos, cerrados – dum
tamainzão! E aporta logo ali na praça, para espanto dos
brasileiros e nostalgia dos imigrantes.

258
LEMBRANÇAS

Nossos avós ainda têm esse navio na cabeça, zonzo,


balançando nas vagas... vagas memórias. O navio que os
trouxera do Líbano e da França gangorrando na cabeça, como
uma caravela, balançando como uma lembrança.
De dentro do navio, ancorado no meio da praça – ou da
memória? – vão saindo lembranças da Síria, do Líbano, da
França, da Itália, dos mares e oceano, cartas que vão e que
chegam com três meses de atraso, rota dos mascates, a pé, pelas
fazendas, sob um sol de Saara...
... “Essa lembrança aqui é pra Tia Sara, que num tá mais
na porta da venda para dar balas pros meninos e comida pra
tudo quanto é pobre desta cidade – os mendigos reclamam
ainda a ausência dela!. Mas é claro que ela está aqui. Ela e
todas as tias libanesas da vizinhança da memória, que acabam
de ser acordadas pela pesada sirene do navio. Vejam Tia Sara,
Tia Banut, Tia Zarifa, Tia Amélia, Tia Satut, Tia Sarafina, Tia
Rafa, Tia Márian...”
Repare só. Agora é vovó Sara quem recebe a folia-de-reis
na porta, leva a bandeira dos Santos para dentro de casa,
fazendo uma dança horizontal com ela sobre as camas dos seus
descendentes, abençoando todas as gerações, polvilhando-as
com ouro, incenso, mirra. A folia sai satisfeita, enquanto Sara
me vem de dentro com uma pena e um tinteiro para que eu
comece a escrever esta história. Espie só. Neste instante são as
tias que espiam a gente “arabiscar” a história da vida delas.

259
SUMIÇO

Ouve-se sino tocando, moleque comenda esfiha,


namorados roubando flores das palavras que dizem uns para os
outros, um poema de saudade que se levanta na atmosfera da
festa quando o navio apita forte, pesado, uma gritaria, um
berreiro de quem vai partir. Viajar de volta? Os libaneses,
dançando, aproximam-se dos jardins da praça. Com a língua
trêmula, as mulheres soltam sons estridentes que atingem as
fazendas, os chapadões. Um som egipcíaco, milenar.
Como o navio é muito grande, arrabenta os fios cheios de
lâmpadas da praça e do coração da gente, balança galhos das
árvores na saída. Desses galhos, flores vão se abrindo e
explodindo como fogos. Começando a navegar – em lágrimas? –
o navio derruba mesas e barraquinhas, o coelhinho do jogo foge,
indeciso. Gritaria, desorientação, banda de música, palmas,
adeuses, sorrisos, lenços, sons. As pessoas tiram o chapéu em
sinal de respeito, dão adeus, abanam a mão para tanto carinho,
acenam com o lenço, tchau, tchau, habibe! Atine bausse! Ainda
é cedo. Num vai, não. Fica só mais um pouquinho aqui com a
gente. Pelo amor de São Jorge Guerreiro, só mais um tiquinho,
habibe... nem um tiquinho mais. Todos os imigrantes
embarcam e, como se não pesasse, o navio se apruma, sobrevoa
casas e mangueiras, se afundando nas nódoas da noite.

A praça está deserta. A cidade desolada.


Corações vazios como taças derrubadas.

260
A festa durou tanto, foi tão boa, que a noite já se
esgotou.
Tem mais ninguém aqui não.
Todo mundo foi embora.
Só um anjo sai levitando da igreja. Despetalando uma
zínea, canta com a gente uma canção que se ouve do
fundo do coração.

Oh, que tanta laranja madura!


Oh, que tanto limão pelo chão!
Oh, que tanto sangue derramado
Deste triste coração!

Aparece agora um vazio de deserto. Arranhado nas


montanhas, o dia nasce ferido. Não conheço mais nada.
Aparecem pessoas, mas ninguém me chama. Não sei seus
nomes. Arrasaram os jardins franceses, apagaram o Padre
Eterno da igreja, serraram a paineira que floria quando a boiada
estourava. Não há canto gregoriano na igreja e nem dabke nas
casas. Estamos sós como o coro das igrejas. Em lugar algum
ouve-se falar em árabe. A língua desapareceu com todos os
libaneses que daqui se foram.
Na nova realidade deste dia diferente, esquisito, de faces
indecifráveis, consegue-se, no entanto, perceber uma mulher.
Só uma. O rosto é conhecido. Empolgo-me, porque a conheço,
me ligo. De mala na mão, frente ao ponto de ônibus, quando
baixa a poeira da condução que acaba de frear. Apenas uma
fenícia ousa retornar à sua cidade. De tantas dores de ausências,
retorna a Dores sua presença.
261
É ela. É Vera
De volta. Só ela
É Vera Júlia Alzira Abud. De... veras.
Volta para assumir sua casa, seu caso com a cidade,
seu aleph.
Grande verde e viva verdade. Tudo verdade.
Acabou a busca das Américas.
Não vamos mais “fazer” a América.
Já somos a América.

Tudo é vida.

262
VERA ABUD – VERA JÚLIA ALZIRA ABUD. ÚNICA FILHA DE LIBANESES A
RESIDIR EM SANTA JULIANA, EM FINS DO SÉCULO XX. FOTO –
DEMÍLTON DIB, 1999.

263
VASTA COZINHA

 UNIVERSO FEMININO
 RECEITAS SELECIONADAS

PASTA DE UVA E PASTA DE DAMASCO (FOTO) APRECIADAS PARA


MASCAR – EMBALAGENS EVOCAM DISTÂNCIAS

264
UNIVERSO FEMININO

A rica tradição da cultura libanesa a ser preservada por


todas as gerações fica praticamente por conta das mulheres: é a
cozinha, com seus pratos, riquíssimos em sabor e nutrientes.
O hábito da verdura chega a espantar os brasileiros, não
acostumados a ela. O verdadeiro malfufe – com folha de uva,
quarak anab – é adaptado para outras verduras, a acelga, a
couve ou o repolho.
A mulher se põe ao pilão, socando a carne, tirando-lhe as
fibras, depois sovando-a com o trigo, até dar a liga perfeita:
carne-trigo, e a massa do quibe cru está pronta, podendo-se
comer regado a azeite português ou libanês, com pão e cebola
crua, partida em folhas. Ao quibe cru, dá-se o nome de quibe
naye. Querendo-o frito, é melhor sentar-se para bater o quibe,
tirando um cabucho da massa pronta, um tanto que encha a
cova da mão feminina, fazendo com ele uma bola, na qual se
enfia o dedo indicador adentro e sobre ele vai-se torneando a
massa, bem fina e oca. Para que a massa não grude, molha-se a
mão, aos poucos. O quibe deve ser batido, com extremos bem
pontudos, todo fechadinho, e está pronto para fritar. Em árabe,
chama-se quibe, fritando-se apenas uma unidade, e quibye,
quando mais de duas. Há também o quibe chato, feito à
semelhança do primeiro, porém, recheado com snubar e carne
moída, com diferença de ser batido entre as palmas das mãos,
dando-lhe formato circular e achatado. Eles também vão à
fritura e recebem os nomes de yre´s, no caso de se fritar uma

265
unidade, e n´ros, em caso de duas ou mais unidades. Há
também o quibe assado em formas, chamado quibe de bandeja,
ou quibe sanye; cortados em quadrados, servidos com pepino
cortado em longos pedaços, cebola e tomate, também cortados
em forma de estrela. Outra maneira de servir o quibe, frito ou
assado, é fazê-lo acompanhado de coalhada síria.
São vários os tipos de pães, usualmente feitos pelas
libanesas. O pão árabe ou pão libanês. O pão soje, que lembra
aos brasileiros hóstia de igreja, por ser fino e delicado, mas
grande, que se abre sobre almofada do tamanho de um
travesseiro de dormir. Pode-se assar em tamanho menor, em
camadas finas e amanteigado – firtoye - ou mais espesso,
marcado com vincos fazendo desenhos, besuntando-lhe as
fendas com mateiga, levando-o, em seguida, ao forno. Há o
histórico pão tanur, com referências bíblicas, assado em forno
de barro, com abertura na borda superior, cujas paredes ficam
pelando com as brasas acesas ao fundo e sobre as quais se
“aplica” o pão aberto. Tais fornos já se encontram demolidos e
não se pode mais provar da delícia desse pão.
O quibe é o referencial da comida libanesa. Mas há a
esfiha, a mjadra, de arroz com feijão, ou arroz com grão-de-bico
ou lentilhas e uma centena de outros pratos. Apreciado é o patê
homos-tahine, que se faz levando o grão-de-bico descascado e a
tahine, que é uma pasta de gergelim, ao liquidificador. Tabule,
sly, que se faz com chicórias aferventadas, mas também com as
folhas temperadas de rabanete, de cenoura ou da beterraba, que
se comem com pão - saborosas e nutritivas. O trigo tábor

266
(quebrado e não moído), que se afoga como arroz e se come com
garfo, é dos pratos apreciados, como a cheirie (arroz com
aletria), ou a suculenta sopa de trigo inteiro - hrisse, a chorba,
que são quibezinhos crus mergulhados na coalhada batida com
clara de ovos, ou ainda o quibe trohbe (quibe da freira), que é
uma sopa de trigo e lentilhas com tempero e limão, prato
indicado para a Sexta-Feira Santa. As várias berinjelas -
berinjela recheada com carne e queijo e assada, berinjela assada
e amassada com tahine, que se come fria, regada a azeite,
chamada babaganuche, pratos sempre acompanhados de pães,
verduras e legumes.
Outra sedução do cardápio árabe, são as requintadas
sobremesas. Doces de massas folhadas e adoçados com mel. Há
duas gomas “puxentas” e resistentes, ácidas e deliciosas: a
malba, feita de uva, a melhor, e a kamardine, de damasco. O
“caipira” arroz-doce tem tradição oriental e é chamado de roz bi
halíb pelos libaneses. Há “ninhos” de aletria com pistache ou
nozes, a belawa, de massa folhada, recheada com nozes ou
pistache e adoçada com mel; os nugás, variados, a raha-lokum,
os doces feitos de flores de laranjeira, derramando poesia sobre
a mesa, permitindo “viagens” alhures, através do paladar,
compondo um dos cardápios mais ricos do mundo.

267
RECEITAS SELECIONADAS
PÃO LIBANÊS

Receita de Mariana Abdanur Nabut

Ingredientes
 1 kg de farinha de trigo.
 1 copo (americano) de leite morno.
 2 tabletes de fermento.
 1 copo (americano) de água morna.
 1 colher (de sopa) de sal.
 2 colheres (de sopa) de açúcar.
 1 colher (de sopa) de manteiga de leite.
 3 colheres (de sopa) de óleo.

Modo de Fazer
 Misturar o fermento, o açúcar, a manteiga, o leite morno e
deixar fermentar. Colocar a farinha, a água, e amassar até a
pasta “ficar lisa”.
 Deixar descansar até crescer. Para saber se cresceu o
suficiente, assim que a massa estiver pronta, colocar uma
bolinha dessa massa dentro de um copo d´água; quando a
bolinha subir, a massa estará no ponto.
 Fazer bolinhas do tamanho de uma bola de tênis, abrí-las
com um rolo de macarrão e deixar descansar novamente por
uns 10 minutos.
 Colocar nas formas secas e assar em forno brando.

268
BERINJELA ASSADA

Receita de Mariana Abdanur Nabut

Ingredientes
 3 berinjelas grandes.
 500 gramas de carne (peixinho bem limpo) moída.
 200 gramas de queijo mineiro fresco e fatiado (espessura
mediana).
 3 tomates cabacinha, grandes.
 1 cabeça de cebola, grande.

Modo de Fazer
 Tirar os pezinhos das berinjelas e cortá-las ao meio, “de
comprido”. Em seguida, cortar cada parte em três, deixando
casca e miolo.
 Mergulhar os pedaços em panela com água, sal e gotas de
limão (ou vinagre), o suficiente para uma boa fervura, sem
desmanchar o legume.
 Após a fervura, retirar os pedaços, levá-los ao escorredor de
macarrão.
 À carne moída, adicione 3 colheres de óleo, cheiro verde,
tempero, a cebola picadinha e os tomates, idem; em seguida,
fazer uma espécie de almôndegas para cada pedaço de
berinjela.

269
 Coloque as berinjelas nas formas de assar, com as cascas para
baixo, recebendo cada pedaço a sua almôndega bem
amassadinha e coberta, cada uma com uma fatia de queijo,
levando-as ao forno brando
 Servir com pão libanês ou pão francês, pepino fresco e alface.

MARIANA ABDANUR
NABUT E O PRATO DE
BERINJELA. FOTOS
RAMON MAGELA,
UBERABA, 1999 –
GRAMATURA DO PALADAR

BERINJELA ASSADA, UM DOS


PRATOS PREFERIDOS DO FILHO
JORGE ALBERTO

270
QUIBE

Receita de Teresinha Moisés

Ingredientes
 1 kg de trigo fino.
 1 kg de carne (peixinho, de preferência) moída duas vezes.
 2 cebolas (tamanho médio), bem picadinhas.
 Sal, pimenta ardida e pimenta do reino, a gosto.
 Hortelã fresca (bastante).

Modo de fazer
 Lavar bem o trigo e deixá-lo de molho na água por cerca de
20 minutos.
 Espremer bem o trigo e reservar para que inche um pouco.
 Feito isso, juntar ao trigo a carne, a hortelã e demais
temperos e amassar tudo junto, sovando bem.
 Moer novamente, duas vezes.
 Provar o sal. Está pronta a massa.

Opções
 Os quibes podem ser enrolados de comprido e fritos, sem
recheio, em panela com óleo quente, em quantidade suficiente
para cobri-los até a metade.
 Os redondos (chatos) podem ser fritos ou assados na chapa,
mas sempre recheados.

271
Recheio
 Reserve um pouco da carne moída, refogue-a bem, em óleo
e/ou manteiga de leite, com cebola, temperos a gosto e hortelã.
O recheio correto do quibe chato é o snubar, cereal importado
do Líbano.

ESFIHA

Receita de Teresinha Moisés

Massa
 1 kg de farinha de trigo.
 2 ½ copos (medida de requeijão) de leite meio morno.
 1 colher (sopa) de sal.
 1 colher (sopa) de manteiga de leite.
 3 colheres (sopa) de açúcar cristal.
 1 chávena de óleo.
 3 ovos inteiros.
 3 tabletes de fermento.

Modo de fazer
 Dissolver o fermento no leite e acrescentar os demais
ingredientes.
 Ir colocando a farinha aos poucos (mais ou menos 1 kg),
amassando bem. A massa deve ser firme, mas não muito
dura.

272
Recheio
 1 kg de carne moída.
 7 tomates maduros (sem pele) e picados bem miúdos.
 1 ou 2 limões.
 1 cabeça (média) de cebola, picadinha.
 ½ chávena de óleo.
 Salsa fresca, picada bem miúda.

Modo de fazer
 Misturar bem todos os ingredientes, amassando com as
mãos. Reservar, sem refogar.
 Dividir toda a massa em pequenas bolinhas e deixar
descansar durante mais ou menos 1 hora, cobertas com uma
toalha leve, para que não ressequem.
 Em seguida, abrir uma a uma das bolinhas, com rolo
(espessura fina) e ir colocando o recheio, apenas no centro de
cada esfera.
 Fechá-las em forma de triângulo ou deixá-las abertas,
levantando as bordas com os dedos.
 Colocá-las em assadeiras, pincelando-as com gema de ovo
cru.
 Assar em forno médio.

273
TERESINHA MOISÉS E SEUS PRATOS DE ESFIHA E QUIBE,
OS MAIS CONHECIDOS

274
MALFUFE

Receita de Iameme Facuri Abdanur

Ingredientes
 1 c22abeça (grande) de repolho.
 2 chávenas de arroz cru.
 600g de carne bovina magra, moída.
 1 molho de cheiro verde (salsa e cebolinha).
 4 tomates maduros, picados bem miúdos.
 20 folhas de hortelã, picadinhas.
 6 colheres (sopa) de óleo.
 Sal, pimenta vermelha e pimenta-do-reino, a gosto.

Molho
 8 tomates maduros, picados miúdos.
 3 dentes de alho socados.
 3 colheres (sopa) de óleo.
 Tempero a gosto.

Modo de preparar
 Misturar bem todos os ingredientes do recheio.
 Numa panela pequena, refogar ligeiramente os ingredientes
do molho.
 Lavar e aferventar as folhas do repolho, até que fiquem
murchas.

275
 Escorrer a água; quando esfriar, retirar delas todos os talos,
reservando-os.
 Tirar o talo das folhas, cortando-as, em seguida, em quatro
pedaços; sobre cada uma delas colocar 1 colher (sopa) de
recheio.
 Enrolar a folha dobrando para dentro as extremidades e
“apertá-la” com a mão, tirando o excesso de líquido do
recheio.
 Escolher uma panela grande, grossa, de preferência, forrá-la
com os talos e o restante das folhas grandes do repolho.
 Colocar uma camada de malfufe – um ao lado do outro, bem
juntos – em seguida, um pouco de molho.
 Repetir as camadas e terminá-las com o molho.
 Sobre eles, despejar água até cobri-los.
 Tampar a panela e deixar cozinhar em fogo médio, cerca de
1h15min (ou até secar toda a água).

Modo de servir
 Servir quentes os malfufes, acompanhados de pão (libanês),
tomates e rabanetes crus. Ao raspar os rabanetes, cuidado
para não lhes tirar o vermelho da casca.

Variações
1- O malfufe original é feito com folha de tenra uva; na ausência
dela é que se recorre à acelga, ao repolho e à couve, como
alternativas.
2- O malfufe pode ser feito também com costelinha de
276
porco, o que lhe amplia o sabor. Neste caso, a costelinha deverá
estar temperada e pré-cozida antes da montagem. Na panela,
colocar para cozinhar uma camada de malfufe, uma camada de
costelinha, e assim, sucessivamente.

TIA IAMEME FACURI ABDANUR E SEU PRATO


DE MALFUFE DE FOLHAS DE UVA E DE REPOLHO.
FOTOS CLÁUDIO SILVA. UBERABA, 1999

277
MALFUFE, PARA GREGOS E... ÁRABES

HRISSE OU AMRIE
(SOPA DE TRIGO)

Receita de Aziza Hueb Abud

Ingredientes
 1 galinha grande, picada.
 1 kg de trigo em grãos inteiros.
 3 cebolas grandes.
 1 colher (sopa) cheia de manteiga de leite.
 1 pouco de óleo.
 temperos a gosto.

278
Modo de Fazer
 Deixar o trigo de molho durante umas três horas.
 Cortar e temperar a galinha, a gosto.
 Refogar a cebola picadinha até dourar.
 Acrescentar a galinha e, depois de refogar bem até dourar,
colocar um pouco de água para cozinhar.
 Colocar o trigo para cozinhar junto com a galinha. Provar os
temperos.
 Antes de servir, colocar sobre a sopa bastante cheiro verde.

Modo de Servir
 Servir a sopa acompanhada de pão libanês.

AZIZA HUEB ABUD E O PRATO DE HRISSE OU AMRIE PARA DIAS FRIOS E


TRABALHO. FOTO CLÁUDIO SILVA. UBERABA, 1999.

279
ABOBRINHAS RECHEADAS

Receita de Mariinha Moisés Árabe

Ingredientes
 15 abobrinhas pequenas.
 4 chávenas de arroz cru, lavado e escorrido.
 700 g de carne (bovina) moída.
 2 colheres (sopa) de manteiga de leite derretida.
 4 colheres (sopa) de óleo.
 1 kg de tomates maduros.
 3 cebolas.
 Sal, pimenta ardida e pimenta-do-reino a gosto.

Modo de Fazer
 Limpe os legumes, cortando os cabos e esvaziando-os,
retirando todo o miolo. Lave-os e reserve.
 Bata os tomates e a cebola no liquidificador e reserve.
 Numa vasilha à parte, misture os demais ingredientes (arroz,
carne, temperos, etc.).
 A esta mistura acrescente parte do suco de tomate, de modo
que fique bem molhada.
 Recheie as abobrinhas, sem enchê-las demais, pois o arroz
cozido aumenta em volume.
 Organize-as numa panela grande, colocando-as de pé, uma
encostada na outra.

280
 Despeje por cima o restante do suco de tomates,
acrescentando água e sal.
 Leve ao fogo para cozimento durante 40 a 45 minutos.
 Sirva-as acompanhadas de pães.

*Receita válida também para berinjelas

ABOBRINHAS E BERINJELAS RECHEADAS

281
FÁBIO ABDALA E MARINHA MOISÉS
ÁRABE, CONHECIDA POR SUA CULINÁRIA.

HAMSIE

Receita de Labibe Árabe Abdanur

Ingredientes
• ½ kg de grão de bico.
• 1 colher de sopa, bem cheia, de tahine.
• Alho (a gosto).
• Limão (a gosto).
• Sal (a gosto).

282
Modo de Fazer
• Colocar os grãos-de-bico de molho na noite da véspera.
• Pela manhã, colocá-los a cozinhar. Assim que estiverem
cozidos, deixar esfriar, reservar a água do cozimento.
• Levar os grãos-de-bico ao liquidificador, batê-los,
adicionando a água, aos poucos, até que se faça uma massa
pastosa, consistente. Está pronta a hamsie.
• Servir gelada, decorada com ramos de salsinha e fios de
azeite de oliva. Acompanha pão.

HAMSIE – VERÃO BEM TEMPERADOS

283
TIA LABIBE ÁRABE ABDANUR E SEU PRATO PREFERIDO.
FOTOS RÚBIO MARRA

284
TABULE

Receita de Karime Nabut

Ingredientes
 5 tomates grandes.
 1 copo (americano) de trigo moído.
 2 cebolas médias.
 2 maços de salsa fresca.
 Algumas folhas de hortelã (opcional).
 Sal, azeite, caldo de limão (a gosto).

Modo de Fazer
 Lave e escorra o trigo com mais ou menos duas horas de
antecedência.
 Pique os tomates em cubinhos e as cebolas, idem.
 Pique a salsa bem fininha.
 Misture todos os ingredientes e tempere.
 Use alface como guarnição. No original, usam-se folhas de
uva.
 Sirva no alguidar, acompanhado de pepino fresco e,
querendo, pão.

285
KARIME NABUT E SEU PRATO DE TABULE,
LEVE E SAUDÁVEL.
FOTO CLÁUDIO SILVA. UBERABA, 1999

286
MAHMUL

Receita de Josefina Abud Mauad

Ingredientes
 1 kg de semolina.
 ½ kg de manteiga de leite.
 ½ copo (americano) de farinha de trigo peneirada.
 2 copos de leite.
 3 colheres (sopa) de açúcar.

Ingredientes do Recheio
 ½ kg de nozes descascadas e moídas em peça miúda da
máquina.
 ½ copo (americano) de açúcar cristal.
 1 colher (chá) de água de flor de laranjeira.
 Junte os ingredientes, misturandos-os bem, e está pronto o
recheio.

Modo de Fazer
 Ponha a semolina numa vasilha e despeje sobre ela a
manteiga, previamente morna.
 Misture bem os dois ingredientes, de modo que a manteiga
seja totalmente absorvida.
 Deixe descansar durante uma hora.
 Junte, então, os demais ingredientes, misture-os e amasse-os
bem, deixando a massa repousar novamente. Separe depois
287
porções dessa massa, formando pequenas bolas.
 Abra-as com a palma da mão e ponha no centro de cada uma
delas uma colher (chá) do recheio.
 Feche a bolinha com a ponta dos dedos, apertando a união.
Asse em forno brando sem untar a assadeira.
 Quando estiverem ligeiramente coradas, retire os doces do
forno e, ainda quentes, polvilhe-os com bastante açúcar
refinado.

288
JOSEFINA MAUAD E O PRATO DE MAHMUL.
FOTO CLÁUDIO SILVA. UBERABA, 1999.
- PARA AS VISITAS NA SALA.

289
ARROZ COM CARRÉ DE CARNEIRO

Receita de Mariza Cury

Ingredientes
 2 kg carré de carneiro
 1 kg arroz
 Especiarias árabes (pimenta-síria, bahar)
 50 g de alho
 Sal quantidade suficiente
 1 maço hortelã
 200 g amêndoas laminadas
 100 g pistaches iranianos
 1 maço salsinha

Modo de Preparo
 De véspera temperar o carré de carneiro (sal, hortelã,
alho, especiarias árabes)
 Refogar o carré e acrescentar água aos poucos para ir
cozinhando
 Deixar esfriar e retirar a carne dos ossos
 Ferver os ossos e guardar a água para cozer o arroz
 Lavar o arroz, refogar no óleo e alho acrescentar a
carne e a água do cozimento dos ossos
 Deixar cozinhar.

290
 Em um recipiente colocar o arroz e cobrí-lo com
amêndoas laminadas, pistaches e salsinha.

MARIZA CURY

291
OS IMIGRANTES I

FAMÍLIAS LIBANESAS RESIDENTES


EM SANTA JULIANA

292
 ABDANUR
Antônio (Iliês) Abdanur
Miguel Abdanur e Sara Rassi Abdanur

 ABUD
Jorge Abud e Cecília Frange Abud
Miguel Abud e Alzira Melik Abud

 ÁRABE
Miguel Árabe e Satut Facuri Árabe

 AZÔR
Abraão Azôr e Helena Abdanur Azôr

 CECIN/CECÍLIO
Calixto Cecílio e Rafa Scaf Cecílio

 DIB
Jorge Dib e Nur Saud Dib

 ELIAS
Abdão José Elias e Sara Abdala Elias

 ESTEPHAN
Abrão Estephan e Cecília Abdanur Estephan

 FACURI
João José Facuri e Zarifa Nader Facuri
Georges José Facuri e Márian Facuri

293
José Abrão Facuri e Amélia Jacob Facuri
Elias ‘Ferreira’ e Marta ‘Ferreira’
Jorge Abrão Facuri e Marta Jorge Facuri
Miguel Facuri e Sarafina Jreige Facuri
Jorge Facuri e Kemli Facuri
Bechara Facuri e Helena Facuri

 ISAAC
José Elias Isaac e Futin Facuri Isaac

 KHAULE
Marta Nabut Khaule e Tanus Elias Khaule

 MOISÉS
Abraão Moisés e Banut Nabut Moisés
Domingos Moisés e Placidina Maria de Jesus Moisés

 NABUT
Elias Nabut e Mariana Abdanur Nabut

 NADER
Rachid Nader e Marta Facuri Nader

294
CIDADES DE ORIGEM E DE ADOÇÃO

São dez as cidades libanesas de origem das famílias


com destino a Santa Juliana no início do século XX: Zuerib,
Sheik-Taba, Edbil, Kefar-Habu, Chueice, Zgarta, Der Akar,
Zhale, Deir Delum e Beirute.
Zuerib, por causa do grande nuemro da família Facuri,
é que cedeu o maior contingente de imigrantes. Em seguida,
empatados, estão Sheik-Taba e Edbil. Em número decrescente
estão Kefar-Habu, Der Akar, Deir-Dalum, Zahle, Zgarta,
Chueice e Beirute.
Quanto às cidades brasileiras de adoção, Uberaba
acolhe o maior número de contingente, após a dispersão deles
de Santa Juliana. Na sequência estão as cidades do Rio de
Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia e Pires do Rio/GO.

295
ABDANUR

ANTÔNIO (ILIÊS) ABDANUR E SAADA


FACURI ABDANUR

Primeiro imigrante libanês a aportar em Santa Juliana,


ainda no século XIX, Antônio (Iliês) Abdanur volta ao Líbano e
retorna a Santa Juliana nos anos de 1910, quando aqui já reside
seu filho Miguel com sua nora Sara Rassi Abdanur e vários
filhos. Retorna definitivamente ao Líbano em 1923.

Antônio (Iliês) Abdanur, tio Antônio (Zuerib Akar,


província do Norte do Líbano – 1934? Zuerib Akar Líbano)
casado com Saada Facuri Abdanur (Zuerib Akar, Líbano –
Zuerib Akar Líbano), com quem tem os filhos Miguel, casado
com Sara Rassi Abdanur (Ver Miguel Abdanur e Sara Rassi
Abdanur nesta página); Abílio Abdanur (esteve no Brasil com
seu pai, retornando ao Líbano, morrendo solteiro, em guerra);
Helena Abdanur Azôr (Ver Abraão Azôr e Helena Abdanur Azôr
neste capítulo).

MIGUEL ABDANUR E SARA RASSI ABDANUR

Miguel Abdanur (Zuerib Akar, Líbano 1887 –


08.07.1956 Uberaba) é dos primeiros imigrantes a se instalarem
aqui. Chega do Líbano casado com Sara Rassi Abdanur
(Sheik-Taba Akar Líbano 10.03.1892- 14.05.1960 Uberaba),
296
atuando no comércio de Santa Juliana – açougue, sapataria,
fábrica de botinas mateiras e armazém de secos e molhados -
onde o casal tem dez filhos:

1º- José Rassi Abdanur, Zeca (Santa Juliana 17.08.1906


– 09.02.1997 Uberaba), solteiro, sem descendência; homem de
notável memória, comerciante e secretário da Prefeitura
Municipal de Santa Juliana. (Ver capítulo “Dilúvio de Falenas”).

2º- Américo Rassi Abdanur (Santa Juliana 25.05.1908


– 18.08.1989 Uberaba), comerciante, político, casado com
Antônia Abdanur, com quem tem três filhos 1-Betinho,
falecido solteiro, sem descendência; 2- Sara Clea Abdanur
(Uberaba 16.06.1941 – 28.05.1995 Uberaba), casada com
Woonderuth Resende Cruz (Itumbiara/GO 29.03.1935 -),
industrial, com descendência; e 3- Maria Helena Abdanur
(Uberaba 12.10.1944 -), casada/desquitada com Sílvio Coimbra,
com descendência.

3º- Jorge Abdanur (Santa Juliana 19.08.1912 –


30.08.1982 Uberaba), empresário, comerciante, sócio-
proprietário da casa Rei dos Móveis, presidente da Câmara de
Vereadores e juiz de paz em Santa Juliana, casado com Labibe
Árabe Abdanur (Santa Juliana 05.09.1917 -), com quem tem
os filhos 1-Roberto Árabe Abdanur (Santa Juliana 07.09.1941 –
03.12.2005 Uberaba), médico, proprietário do Hospital Santa
Helena, em Uberaba, casado com Lea Sílvia Ribeiro (Ituiutaba

297
08.12.1950 -), com descendência; 2- Vera Lúcia Abdanur
(Santa Juliana 02.03.1945 -), educadora, casada com Eurípedes
Alves Carvalho (Ituiutaba 06.09.1938 -), médico, proprietário
do Hospital Santa Helena, com descendência; 3- Maria Inês
Abdanur (Santa Juliana 11.12.1951 -), historiadora, casada com
Viomar São Bento (Palestina/SP 07.10.1947 -), odontólogo, com
descendência.

4º- Mariana Abdanur Nabut, casada com Elias


Nabut. (Ver Elias Nabut e Mariana Abdanur Nabut).

5º- Salomão Abdanur (Santa Juliana 17.07.1915 –


29.10.2000 Uberaba), comerciante, industrial no ramo de
beneficiamento de grãos, casado com Iameme Facuri
Abdanur (Santa Juliana 12.10.1920 – 13.06.2007 Uberaba),
com quem tem os filhos 1-Miguel Abdanur (Uberaba 14.10.1956
-), comerciante, casado com Glenda Garbe Assunção (Campina
Verde 16.02.1954 -), com descendência; e 2-Maria Aparecida
Abdanur (Uberaba 27.06.1956 -), psicóloga, casada com José
Roberto Loureiro (São Paulo/SP 28.11.1957 -), engenheiro e
empresário, com descendência.

6º- Abrão Miguel Abdanur (Santa Juliana 22.01.1918 –


15.02.1988 Uberaba), comerciante, casado com Altair
Amparo Miranda Abdanur (Uberaba 05.03.1926 –
13.11.1998 Uberaba), com quem tem o filho Rafael Abdanur
(Uberaba 14.05.1955 -), engenheiro e economista, casado com

298
Lúcia Helena Cerqueira (Belo Horizonte/MG 12.06.1956 -),
ciências biológicas, com descendência.

7º- Nagib Miguel Abdanur (Santa Juliana 24.04.1920


– 16.03.1987 Uberaba), comerciante, industrial no ramo de
beneficiamento de grãos, casado com Lígia Fidalgo Abdanur
(Uberaba 05.02.1932 -), com quem tem os filhos 1-Mírian
Abdanur (Uberaba 24.04.1954 -), engenheira, casada com
Evaldo Pinto Cruz (Uberaba 03.01.1936 -), pecuarista, com
descendência; 2-Denise Abdanur (Uberaba 18.07.1955 -),
casada com José Aguinaldo Ferreira Porto (Pompeu/MG
04.05.1951 -), engenheiro, com descendência; 3-Silvânia
Abdanur (Uberaba 18.10.1958 -), casada com Sultan Mattar
Filho (Uberaba 11.11. 1955 -), engenheiro, com descendência.

8º- Cecília Abdanur Estephan, casada com Abrão


Khalil Estephan. (Ver Ibrahim Khalil Estephan e Cecília
Abdanur Estephan).

9º- Rubens Miguel Abdanur (Santa Juliana 04.12.1924


– 23.02.1973 Uberaba), comerciante, casado com Leda
Veludo Abdanur (Uberaba 01.07.1929 -), com quem tem os
filhos 1-Júlio César Abdanur (Uberaba 23.06.1949 -),
funcionário público, casado com Marilene Favaratto
(Colatina/ES 20.02.1953 -), com descendência; 2-Edna
Abdanur (Uberaba 06.11.1951 -), educadora, casada com Jarbas
Curi (Uberaba 25.04.1946 -), comerciante, com descendência;

299
3-Eliana Abdanur (Uberaba 08.03.1954 -), casada com Manuel
Fernando Marques (Uberaba 02.06.1941 -), sem descendência;
4-Tânia Abdanur (Uberaba 02.07.1955 -), bióloga, solteira, sem
descendência; 5-Sara Abdanur (Uberaba 02.09.1957 -), casada
com Válter Santiago Gomes (Uberaba 01.10.1940 – 07.12.1994
Uberaba), médico, com descendência.

10º- Fued Abdanur (Santa Juliana 15.08.1926 –


30.12.1999 Uberaba), comerciante, industrial no ramo de
beneficiamento de grãos, casado em primeiras núpcias com
Ramides Achcar Abdanur (Uberaba 02.04.1928 –
24.06.1951 Uberaba) e, em segundas núpcias, com Marilda
Batitucci Abdanur (Uberaba 03.03.1936 -), educadora, com
quem tem os filhos 1-Fernando Abdanur (Uberaba 04.12.1960 -
) médico, casado com Marli Aparecida Sousa (Conceição das
Alagoas 07.09.1959 -), com descendência; 2-Fádua Abdanur
(Uberaba 02.01.1962 -), odontóloga, casada com Alexandre
Pádua (Uberaba 14. 10.1968 -), comerciante, com
descendência.

Na década de 1930 começam a se transferir para Uberaba.

300
ABUD

JORGE ABUD E CECÍLIA FRANGE ABUD

Como seu irmão Miguel, o comerciante Jorge Abud,


Jerges Abud Wehbe, no original árabe (Kefar-Habu, Líbano
1879-1961 São Paulo/SP), reside em Santa Juliana, com a
esposa, Cecília Frange Abud (Zharta, ou Zgarta, Líbano 1903
– 1982 São Paulo/SP), e com os filhos

1º- Olga Abud Simán (São Paulo/SP 24.06.1921 -),


casada com Simão Jorge Síman, argentino, comerciante,
com quem tem os filhos 1-Jorge Abud Síman (São Paulo/SP
1948-), advogado; 2-José Roberto Abud Síman (São Paulo/SP
1950 -), empresário, casado com Dayse Hernandes Abud (São
Paulo/SP 1953 -), com filhos; 3- Vivían Abud Síman (São
Paulo/SP -), casada com Paulo Casagrande (São Paulo/SP -),
empresário, com filhos.

2º- Linda Abud Nunes da Mata (São Paulo/SP


22.12.1922 -), casada com João Nunes da Mata Júnior (São
Paulo/SP -), fiscal, sem filhos.

3º- Júlia Abud (São Paulo/SP 22.12.1923 -), solteira, sem


descendência.

4º- Wadi Abud (São Paulo/SP 22.07.1930 – 17.11.1997

301
São Paulo/SP), funcionário público, casado com Cibel
Vasconcelos Abud (São Paulo/SP 1922-), sem filhos.

5º- Josefina Abud Mauad (São Pualo/SP 22.07.1930 -),


casada com Hamid Mauad (Uberaba 14.07.1926 – 09.07.1985
Uberaba), industrial, residente em Uberaba, onde têm os filhos
1-Samir Mauad (São Pualo/SP 14.11.1953 –), engenheiro e
economista, solteiro, sem descendência; 2-Hamid Mauad Filho
(Uberaba 05.04.1957-), engenheiro, casado com Leilane
Rodrigues (Uberaba 19.07.1958), com filhos; 3-Karin Mauad
(Uberaba 28.03.1961 -), engenheiro, solteiro, sem descendência.

6º - José Abud (São Paulo/SP 27.01.1930 - 1941 São


Pualo SP), solteiro, sem descendência.

MIGUEL ABUD E ALZIRA MELIK ABUD

Miguel Abud, Mhoil Abud, em árabe (Kefar-Habu,


Líbano 11.08.1891 – 1959 Santa Juliana), chega ao Brasil com 15
anos de idade e conhece Alzira Melik Abud (Chueice ? Líbano
17.12.1910 – 20.08.2000 São Paulo/SP) em São Paulo, com
quem e onde se casa. Radicados em Dores, têm aqui os filhos
mais novos. Atuantes no comércio, é a única família que deixa
aqui um descendente de libaneses no final do século XX. São
seus descendentes:

1º Jorge Miguel Abud (Araxá 22.01.1928 – 04.09.2004

302
São Paulo/SP), casado em primeiras núpcias com Áurea
Arossa Abud (Poços de Caldas/MG 13.12.1926 -) com quem
tem o filho 1-Jorge Tadeu Abud, engenheiro eletrônico, casado
com Cleid. Em segundas núpcias, Jorge Miguel Abud é
casado com Odete Abud, com quem tem a filha 2-Milene
Abud, jornalista, casada com Orlando, geólogo.

2º José Miguel Abud, Tozé (São Paulo/SP 18.03.1929 -),


solteiro, em descendência.

3º Eduardo Miguel Abud, Dico (Araxá 08.03.1932 -),


desquitado.

4º Vera Júlia Alzira Abud (Araxá 23.08.1934 -),


solteira, sem descendência.

5º Gleides Alzira Abud Fontes (Santa Juliana


10.08.1941 -), viúva de Vicente de Paula Fontes.

6º Hélvio César Abud (Santa Juliana 25.02.1949 -),


médico, casado com Creusa Sartori Abud (São Caetano do
Sul/SP 29.06.1951 -), com quem tem os filhos 1-Hélvio César
Abud Filho; 2-Eduardo Mhoil Abud; 3-Laila Abud.

303
ÁRABE

MIGUEL ÁRABE E SATUT FACURI ÁRABE

Miguel Árabe, Mhoil Iliês, em árabe (Der Akar, Líbano


1888–1958 Uberaba), o sobrenome Árabe é uma adaptação feita
no registro brasileiro, sendo o original Elias (Iliês) ou Hisny, e
Satut Facuri Árabe, Satuta, em português (Zuerib Akar,
Líbano 1882–1974 Uberaba) casam-se em Uberaba, no primeiro
matrimônio realizado na Matriz após a primeira reforma e, mais
tarde, Catedral por volta de 1911. Em Santa Juliana nascem os
filhos:

1º- Elias Miguel Árabe (Santa Juliana 28.01.1912 –


27.04.2001 Uberaba), empresário, casado em Santa Juliana
com Edith Gonçalves Árabe (Santa Juliana 24.10.1926 -),
onde tem os filhos 1-Ricardo Gonçalves Árabe (Santa Juliana
28.08.1944 – 09.01.1993 Uberaba), engenheiro, casado com
Rosália Almeida, com descendência; 2-Marilda Árabe (Santa
Juliana 28.02.1946 -), empresária, casada com Silvério
Otaviano de Sousa (Uberaba 10.03.1940 - ), médico, com
descendência; 3-Miguel Árabe Neto (Santa Juliana
06.03.1949), economista, casado com Ana Lúcia da Silva
(Ituiutaba 27.10.1949), com descendência; 4-Elias Árabe Filho
(Santa Juliana 17.10.1952 -), odontólogo, casado com Jaqueline
Resende (Uberaba 21.04.1968 -), com descendência; 5-Marisa
Árabe (Santa Juliana 08.06.1955 -), empresária, casada com

304
José Generoso Lenza (Sacramento 29.03.1948 -), advogado e
empresário, com descendência.

2º- José Miguel Árabe (Santa Juliana 07.10.1914 –


20.10.1995 Uberaba), casado com Teresinha Carneiro
Árabe, natural de Pedrinópolis, com quem tem os filhos 1-
Paulo César Árabe (Uberaba 03.02.1958 -), fazendeiro e
empresário, casado com Valéria Vilela, com descendência; 2-
Marcelo Carneiro Árabe (Uberaba 09.08.1959 -), engenheiro e
comerciante, casado com Rosa Maria Pena, com descendência;
3-Denise Árabe (Uberaba 11.01.1961 -), empresária,
casada/divorciada de Carlos Castejon, com descendência.

3º- Geraldo Miguel Árabe (Santa Juliana 06.07.1916 –


28.10.1997 Uberaba), industrial do ramo de transformação de
cereais, fazendeiro, casado com Maria Moisés Árabe,
Mariinha (Santa Juliana 28.02.1926 -) , com quem tem o filho
Marcelo Moisés Abdala Árabe (Uberaba 11.01.1962 -),
zootecnista e empresário, casado com Carla Rejane Morais
Paiva (Cassilândia/MS 22.06.1996 -), com descendência e
casado em segundas núpcias com Naila Sivieri.

4º- Labibe Árabe Abdanur, casada com Jorge


Abdanur (Ver Miguel Abdanur e Sara Rassi Abdanur).

5º- Georgina Árabe Galdino, natural de Santa Juliana,


casada com José Jorge Galdino (Desemboque 14.01.1912 –

305
13.06.1978 Uberaba), fazendeiro, sem descendência.

6º- Maria Árabe Boaventura (Mariinha), natural de


Santa Juliana, casada com o empresário Geraldo Boaventura
(Araxá 21.12.1916 – 14.07.1982 Uberaba), com quem tem a filha
Letízia Árabe Boaventura (Uberaba 12.02.1956 -), casada com
Sílvio Romero de Oliveira (Campina Verde 06.01.1952 -),
empresário, com descendência.

7º- Abrão Miguel Árabe (Santa Juliana 19.01.1925 -),


empresário, diretor do Sindicato do Comércio Varejista de
Uberaba, empresário, casado com Teresinha Goulart Árabe,
natural de Santa Juliana, onde tem os filhos 1-Luís Carlos
Goulart Árabe (Santa Juliana 21.09 1952 -), engenheiro, casado
com Ana Maria Ferreria, com descendência; 2-Carlos Henrique
Goulart Árabe (Santa Juliana 27.07.1956 -), economista, casado
com Ailene Emília Bousquat, médica, com descendência; 3-
Lúcia Helena Goulart Árabe (Santa Juliana 21.12.1957 -),
odontóloga, casada com Luís Carlos de Almeida Furtado,
engenheiro, com descendência; 4-Ana Lúcia Goulart Árabe
(Santa Juliana 27.04.1961 -), industrial e empresária, casada
com Lisandro Donizete Ferreira, médico, com descendência.

Em 1952, a família de Satut e Miguel Árabe começa a se


transferir para Uberaba.

306
AZÔR

ABRAÃO AZÔR E HELENA ABDANUR AZÔR

Abraão Azôr (Líbano 1868 - 1932 Uberaba) e Helena


Abdanur Azôr (Zuerib Akar, Líbano janeiro de 1892 –
03.05.1953 Uberaba), irmã de Miguel Abdanur, chegam casados
do Líbano. Em Santa Juliana nascem seus filhos:

1º- Jorge Abraão Azôr (Santa Juliana 20.06.1920 –


01.02.1990 Uberaba), médico, catedrático da Faculdade Federal
de Medicina do Triângulo Mineiro, fundador do Hospital Hélio
Angotti, em Uberaba, casado com Ceci Fraga Azôr (Corinto
06.07.1928 -), odontóloga, com quem se transfere para Uberaba
e tem os filhos 1-Maria Helena Fraga Azôr (Uberaba
05.08.1949 - ), médica, integrante da equipe do cardiologista
Adib Jatene, em São Paulo, casada com José Eduardo Abib
(Jaguariúna/SP 05.05.1949 -), médico, com descendência; 2-
Armando Fraga Azôr (Uberaba 10.01.1953 -), médico, casado
com Ana Luísa Scussel de Oliveira (Uberaba 04.09.1953 -),
educadora, com descendência; 3-Ângela Maria Fraga Azôr
(Uberaba 21.12.1953 -), educadora, solteira, sem descendência;
4-Ana Maria Fraga Azôr (Uberaba 05.08.1955 – 07.09.2008),
engenheira, casada com Carlos Antônio Dib (Uberaba
13.06.1942 -), médico, com descendência; 5-Eloísa Fraga Azôr
Hernández (Uberaba 26.04.1957-), odontóloga, casada com
José Francisco Hernández (São Paulo/SP 16.07.1953-),

307
advogado, com descendência; 6-Jorge Azôr Filho (Uberaba
10.09.1959 -), arquiteto, casado com Mafalda Courinho Guedes
Vassalo (Torres Nova, Portugal 04.02.1964-), psicóloga, sem
descendência.

2º- Georgina Azôr (Santa Juliana – Uberaba), solteira,


sem descendência.

308
CECIN/CECÍLIO

CALIXTO CECÍLIO E RAFA SCAF CECÍLIO

Calixto Cecílio, Khalil Ibrahim Cecin, no original árabe


(Sheik-Taba Akar, Líbano 25.03.1881 – 01.09.1962 Uberaba)
casa-se, em 1904, em primeiras núpcias, no Líbano, com
Bárbara Name (Sheik-Taba Akar, Líbano 1885-1909 Sheik-
Taba Akar, Líbano), com quem tem vários filhos. (Ver na página
375 e seguintes a árvore genealógica da descendência de Calixto
Cecílio com Bárbara Name e com Rafa Scaf Cecílio).

Com o falecimento da esposa, Calixto, em 1910, casa-se,


em segundas núpcias, com Rafa Scaf Cecílio, Háfkha, em
árabe (Gibrail Akar, Líbano 21.07.1891 – 22.03.1950 Uberaba),
no Líbano, com quem tem a primogênita Laila, e é com ela que
o casal vem para o Brasil, seguindo para a região de Uberaba e
de Crioulos, então pertencente ao município de Santa Juliana e
mais tarde elevada à cidade de Pedrinópolis; daí o enfoque
sobre a descendência de seu segundo casamento, ambientado
nas cidades de nosso interesse histórico:

1º- Laila Cecílio Hueb (Sheikh-Taba Akar, Líbano


30.06.1911 – 20.06.1995 Uberaba) casada com o empresário
Nassim Miguel Hueb (Edbil Akar, Líbano 20.05.1907 –
15.04.1995 Uberaba) comerciante e empresário dos mais
destacados do comércio uberabense, fundador da empresa

309
Nassim Miguel Hueb & Filhos. Nassim e Laila têm, em Uberaba,
os filhos 1-Aziza Hueb (Uberaba 11.11.1926 -), comerciante,
casada com Salim Filipe Abud ( 26.12.1922 -), comerciante, com
descendência; 2-Aziz Miguel Hueb (Uberaba MG 03.05.1928 -),
médico, proprietário do Hospital Santa Lúcia, casado com Dalel
Helou (Pires do Rio/GO 23.10.1934 -), com descendência; 3-
Fuad Miguel Hueb (Uberaba 23.02.1931 -), empresário, casado
com Maria de Lourdes Rodrigues da Cunha (Araguari
29.02.1932 -), com descendentes; 4-Fauze Miguel Hueb
(Uberaba 11.07.1933 – 14.05.1997 Uberaba), empresário,
proprietário da empresa de eletro-domésticos Pan Mac, casado
com Maria Angélica Junqueira (Uberaba 23.12.1947 -), com
descendentes; 5-Márua Hueb (Uberaba 03.10.1935 -),
comerciante, casada com Miguel A. Tapxure (Uberaba
31.01.1925 – 05.08.1984 Uberaba), médico; 6-Fádua Miguel
Hueb (Uberaba 07.01.1938 -), empresária, joalheira e designer,
proprietária de Alpha Jóias, ex-senhora Anís Abdala (Uberaba
15.11.1926 -), médico, sócio-proprietário do Hospital Santa
Lúcia, com descendentes; 7-Cristina Hueb (Uberaba 20.12.1939
-), comerciante, casada com Cecílio João Júnior (Conquista
14.12.1929 -), comerciante, proprietário da Casa Verde, com
descendentes; 8-Neila Hueb (Uberaba 12.01.1944 -),
empresária, casada com Ricardo Baroni (Araxá 01.12.1938 -),
com descendentes; 9-João Miguel Hueb Neto (Uberaba
04.01.1948 -), engenheiro, empresário, casado/desquitado com
Maria Eugênia Maluf (Uberaba 31.12.1950 -), psicóloga, com
descendentes.

310
Os demais filhos de Calixto e Rafa nascem no Brasil, vários
deles em Crioulos, hoje Pedrinópolis, localidade então
pertencente a Santa Juliana, no período em que a família lá
reside.

2º- José Cecílio (Santa Juliana 01.10.1912 -)


comerciante, casado com Georgina Abdala Cecílio (Uberaba
17.02.1918 – 10.05.1995 Uberaba) com quem tem os filhos 1-
Sara Cecílio (Uberaba 03.11.1938 -), casada com Roberto Ares
(São Paulo/SP 25.09.1934 – 22.03.1988 São Paulo/SP),
comerciante, com descendentes; 2- Maria Helena Cecílio
(Uberaba 08.02.1941 -), educadora, casada com Luciano
Scarparo (São Paulo/SP 25.02.1939 -), odontólogo, com
descendentes; 3-Calixto Cecílio Neto (Uberaba 03.09.1947 -),
engenheiro, casado com Ana Helena Borges (Uberaba
17.02.1954 -), com descendentes.

3º- Romes Cecílio (Santa Juliana 27.09.1914 –


20.06.1983 Uberaba) médico, sócio-proprietário do Hospital
Santa Cecília, em Uberaba, casado com Stella Terra Cecílio
(Uberaba 30.01.1929 -), com quem tem os filhos 1-Virgínia
Terra Cecílio (Uberaba 13.10.1950 -), casada/separada de
Asclépios da Paixão Lucas (Juiz de Fora MG 16.10.1946 -),
engenheiro e industrial, com descendência; 2-Vera Maria Terra
Cecílio (Uberaba 05.10.1953 -), casada com Paulo José
Derenusson (Uberaba 23.09.1947 -), empresário, com
descendentes; 3-Márcia Maria Terra Cecílio (Uberaba

311
21.02.1955 -), casada com Astolfo Rodrigues Vale Filho
(Uberaba 22.03.1958 -), fazendeiro, com descendentes; 4-
Cecília Maria Terra Cecílio (Uberaba 15.03.1960 -),
decoradora, casada com Marcelo Figueiredo Marques (São
Joaquim da Barra/SP 09.02.1957 -), com descendentes.

4º- Abraão Cecílio (Santa Juliana 25.06.1916 –


26.08.1995 Uberaba), fazendeiro e industrial (máquina de
beneficiar arroz), casado com Ester Monteiro da Rocha
Cecílio (Uberaba 22.12.1922 -), com quem tem os filhos 1-Neila
Cecílio (Uberaba 28.10.1940 -), educadora, casada/desquitada
de José Olavo Leite Ribeiro (São Paulo/SP 16.04.1947 -),
advogado, com descendência; 2- Sônia Maria Cecílio (Uberaba
07.02.1943 -), educadora, casada com Carlos Alberto Batista
Oliveira (Uberaba 14.02.1953 -), paisagista, com descendência;
3-Vânia Leiza Cecílio (Uberaba 22.04.1946 -), empresária,
casada com Afif Helou (Pires do Rio/GO 19.12.1937 –
11.09.1971), advogado, em primeiras núpcias e, em segundas
núpcias, com Gustavo Adolfo Pável (Uberaba 28.08.1936 –
06.06.1985 Uberaba), fazendeiro, com descendência; 4-Luís
Alberto Cecílio (Uberaba 20.06.1947 -), engenheiro, casado com
Ângela Barros (Uberaba 01.02.1954 -), odontóloga e musicista,
com descendência; 5-Virgínia Rafa Cecílio (Uberaba
01.02.1953 -), geógrafa, casada com Humberto Resende
(Uberaba 11.08.1948 -), fazendeiro, com descendência.

5º- Rauf Cecílio (Santa Juliana 02.08.1918 -)

312
comerciante, casado com Lady Sallum Cecílio (Biriti/PR
25.12.1926 -), com quem tem os filhos 1-Patrícia Cecílio
(Uberaba 12.10.1948 -), artista plástica, casada com Paulo
Nasser de Sousa (Campestre/MG 04.10.1942 -), médico, com
descendência; 2-Cairo Cecílio (Uberaba 22.03.1953 -),
engenheiro, casado com Dayse Maria Oliveira (Uberaba
10.05.1958 -), com descendência; 3-Nilo Cecílio (Uberaba
15.10.1954 -), engenheiro, casado com Maria Aparecida Borges
(Uberaba 14.02.1963 -).

6º- Fuad Cecílio (Santa Juliana 18.11.1919 – 06.05.1995


Uberaba) comerciante, casado com Margarida Maria de
Oliveira (Rio de Janeiro/RJ 16.01.1930 -), comerciante, com
quem tem os filhos 1-Luís Carlos de Oliveira Cecílio (Uberaba
29.09.1950 -), médico, casado/desquitado de Aidée Lima (26.04
-), com descendência; 2-Adriana de Oliveira Cecílio (Uberaba
17.10.1953 – 29.04.1993 Uberaba), ex-senhora Franklin
Rebouças Almeida Araújo (Salvador/BA 09.09.1947 -),
advogado, com descendência; 3-Paulo Sérgio de Oliveira
Cecílio (Uberaba 14.06.1956 -), engenheiro, casado com
Ozanilda Lira Mesquita (Rio Branco/AC 31.07.1960 -), com
descendência; 4-Fuad Cecílio Filho (Uberaba 24.04.1958 -),
empresário, casado com Maria Cristina de Andrade Pirajá
(Franca/SP 03.10.1958 -), com descendência.

7º- Rene Cecílio (Santa Juliana 24.09.1921 -) médico,


sócio-proprietário do Hospital Santa Cecília, casado com

313
Ângela Maria de Oliveira Cecílio (Rio de Janeiro/RJ
15.08.1928 -) artista plástica, com quem tem os filhos 1-Thessa
Maria Cecílio (Uberaba 18.09.1949 -), advogada,
casada/desquitada com Idílio do Prado Júnior (Lins/SP
26.12.1943 – 15/12/1999 Uberaba), médico, com filhos; 2-
Maurício de Oliveira Cecílio (Uberaba 18.07.1952 -),
engenheiro, secretário do Planejamento da Prefeitura Municipal
de Uberaba, casado com Sandra Bulhões (Uberaba 30.03.1956 -
), com descendência; 3-Rene Cecílio Filho (Uberaba 20.09.1955
-), médico, casado com Cecília Helena Arantes (Araçatuba/SP
16.03.1957 -), com descendência; 4-Thassiana de Oliveira
Cecílio (Uberaba 07.05.1958 -), casada com Cláudio D´Orleans
Brissac Martinelli (Rio de Janeiro/RJ 09.09.1943 – 28.07.1994
Uberaba), empresário, com decendentes; 5-Ariana Cecílio
(Uberaba 10.05.1963 -), casada com Carlos Mardegan (Santa
Rita do Passa Quatro/SP 14.07.1962 -), empresário, com
descendência.

8º- Nagib Cecílio (Iraí de Minas 02.04.1923 -)


comerciante e político, casado com Antônia Silva Cecílio,
Tininha (Veríssimo 08.10.1926 -), com quem tem os filhos 1-
Nara Sandra Cecílio (Uberaba 20.12.1947 -), casada com Muniz
G. Abílio Dib (Uberaba 22.10.1943 -), médico, com decendentes;
2-Alana Cecílio (Uberaba 01.10.1949 -) casada com Gilberto
Silva (Uberaba 01.12.1944 -), médico, com descendentes; 3-
Sandra Cecílio (Uberaba 31.10.1953 -), casada com Alexandre
Furiati (Conquista 10.11.1951 -), médico, com descendência; 4-

314
Cláudio César Cecílio (Uberaba 22.01.1956 -), empresário,
casado com Valéria Pauro (Uberaba 19.12.1956 -), com
decendentes; 5-Carlos Dário Cecílio (Uberaba 25.08.1958 -),
empresário, casado com Telma Alves Correia (Uberaba
10.02.1961 -), com decendentes; 6-Rodolfo Luciano Cecílio
(Uberaba 01.02.1966 -), empresário, casado com Maria
Elisabete Faria (Uberaba 06.02.1965 -), com decendentes.

9º- Nege Cecílio (Iraí de Minas 12.01.1925 – 01.08.1990


Uberaba) comerciante, casado com Maria Ângela Rosa
Cecílio (Araxá 29.11.1936 -). Sem descendentes.

10º- Samir Cecílio (Uberaba 12.11.1928 -), médico,


odontólogo e advogado, casado com Teresinha Marli Prata
Cecílio (Uberaba 04.06.1937 -) com quem tem os filhos 1-
Samir Cecílio Filho (Uberaba 14.05.1956 -), engenheiro,
presidente da ACIU – Associação Comercial e Industrial de
Uberaba (período de 1998-2001), solteiro, sem descendência; 2-
Silvana Rafa Cecílio (Uberaba 16.08.1958 -), odontóloga,
casada/separada em primeiras núpcias com Adílson Carniato
(Itatiba/SP 18.09.1956 -), industrial, com descendência, e em
segundas núpcias com Mário Henrique de Morais (01.07.1970 -
), com descendente; 3-Fernando Cecílio (Uberaba 09.05.1960 -
), empresário, casado com Alessandra Cadima (Uberaba
21.08.1970 -), psicóloga, com descendente; 4-Renato Cecílio
(Uberaba 14.06.1962 -), empresário, casado com Poliana Coelho
Flores (Monte Carmelo 15.07.1970 -), arquiteta, com
descendência.
315
11º- Munir Cecílio (Uberaba 02.04.1930 -) comerciante,
casado com Ivani D´Assunção Cecílio (Uberaba 02.05.1936
-) com quem tem os filhos 1-Mauro Assunção Cecílio (Uberaba
09.12.1959 -), engenheiro, empresário, sócio-proprietário da
Mac Alumínios e da Design Center, casado com Maria Isabel
Araújo e Silva (Varginha/MG 19.11.1959 -), empresária, com
decendentes; 2-Márcio Assunção Cecílio (Uberaba 14.06.1962 -
), engenheiro, sócio-proprietário da Mac Alumínios e da Design
Center, casado com Valéria Abdulmassih (Tupaciguara
09.02.1961 -), empresária, com descendentes.

12º- Salé Cecílio (Uberaba 11.06.1932 -), comerciante,


casado com Norma de Paiva Macedo Cecílio (Uberaba
26.03.1936 -) com quem tem os filhos 1-Regina Maura Cecílio
(Uberaba 27.12.1956 -), casada com Daurin Narciso Fonseca
(Uberaba 21.02.1953 -), médico, com decendentes; 2-Eliana
Cecílio (Uberaba 15.11.1958 -), casada com Arnaldo Santos Anjo
(Uberaba 05.03.1956 -), empresário, com descendentes; 3-
Sérgio Cecílio (Uberaba 29.06.1961 – 04.12.1980 Uberaba),
solteiro, sem descendência; 4-Elisa Maria Cecílo (Uberaba
27.04.1967 -), solteira, sem descendência; 5-Luciana Maria
Cecílio (Uberaba 01.04.1970 -), casada/separada de Marcos
Valério Teixeira (Uberaba 20.05.1961 -), comerciante, com
descendentes.

316
DIB

JORGE DIB E NUR SAUD DIB

Casados no Líbano, Jorge Dib (Zuerib Akara, Líbano


10.09.1868 – 18.08.1946 Uberaba) e Nur Saud Dib, Nura em
português (Zuerib Akara, Líbano 12.08.1874 – 08.11.1954
Uberaba) atuam no comércio de tecidos, em Santa Juliana, com
a loja de tecidos e armarinhos. Mais tarde transferida para
Uberaba, e sob administração dos filhos, a antológica Loja São
Geraldo, de tecidos, mesma época. Em Dores, têm os filhos:

1º- Afifa Dib Pális, casada com Zequinha Pális,


seleiro, com quem tem os filhos: 1-França Dib Pális, casada
com Amâncio Jorge, com quem tem o filho Armando; 2-
Gumercinda Dib Pális, solteira; 3-Nura Dib Pális, casada com
Osvaldo Barbosa, com quem tem os filhos Regina Barbosa,
Ricardo Barbosa, engenheiro e Osvaldo Barbosa Filho,
engenheiro.

2º-Latifa Dib Jorge (Santa Juliana 15.12.1912 –


26.10.1980 Uberaba), casada com Naim Jorge (Guaxupé/MG
22.11.1910 – 03.11.1970 Uberaba), comerciante, com quem tem
os filhos 1-João Jorge Neto (Uberaba 03.04.1936 -),
engenheiro, casado com Consuelita da Silva, com descendentes;
2-Mirtes Jorge (Uberaba 20.08.1939 -), casada com Amelito
Alves de Oliveria; 3-Mildre Jorge (Uberaba 08.12.1942 -),

317
psicóloga, casada com Geraldo de Oliveira, bancário, com
descendentes; 4-Teresa Jorge (Uberaba 16.02.1946 -), casada
com Edson José da Silva Ribeiro, comerciário, sem
descendentes; 5-Edson Jorge (Uberaba 05.01.1947 -),
advogado, casado com Marilda Maia, psicóloga, com
descendentes.

3º- Miguel Jorge Dib (Santa Juliana 08.08.1910 -),


empresário, casado com Zaida Facuri Dib (Santa Juliana
25.10.1910 – 20.07.1997 Uberaba), com quem tem os filhos 1-
Jorge Dib Neto (Uberaba 16.03.1933 -), engenheiro, presidente
da ACIU – Associação Comercial e Industrial de Uberaba, no
período 1972-1973, secretário municipal de Obras, diretor da
Faculdade de Engenharia do Triângulo Mineiro, casado com
Deusedith Martins (Uberaba 20.10.1954 -), com descendentes;
2-Vilma Dib (Uberaba 27.11.191934 -), casada com Antônio
Arnaldo Sabino de Freitas (Uberaba 13.06.1933 -), fazendeiro,
com descendentes; 3-Gladys Dib (Uberaba 03.06.1937 –
29.10.1970 Uberaba), casada com Umberto Teodoro Batista
(Conquista 27.11.1932 -), odontólogo, com descendentes; 4-José
Facuri Dib (Uberaba 17.04.1940 -), fazendeiro, casado com
Marlele Tangari (Conquista 14.08.1942 -), com descendentes; 5-
Carlos Antônio Dib (Uberaba 04.06.1942 -), médico, casado
com Ana Maria Fraga Azôr (Uberaba 05.08.1955 -), engenheira,
com descendentes; 6-Gilberto Facuri Dib (Uberaba 21.10.1943 -
), engenheiro, casado com Diva Pessoa (Salvador/BA
28.03.1945 -), com descendentes; 7-Demilton Facuri Dib

318
(Uberaba 11.07.1946 -), engenheiro, decorador e animador
cultural, solteiro, sem descendência.

4º- Jamil Dib (Santa Juliana 14.02.1914 – 21.10.1998


Uberaba), empresário, casado com Elza Fidalgo Dib (Uberaba
04.06.1925 -), com quem tem os filhos 1-Paulo Sérgio Dib
(Uberaba 16.07.1948 -), engenheiro, casado com Elaine Caetano
(Uberaba 16.07.1955 -); 2-Marco Aurélio Dib (Uberaba
01.10.1950 -), engenheiro e economista, casado com Fátima
Albuquerque Soares (Turacuacá/AC 03.10.1953 -), com filhos;
3-Cármem Sílvia Dib, casada com Luciano Alberto Ubaldino de
Freitas (Uberaba 08.02.1950 -), engenheiro; 4-André Luís Dib
(Uberaba 28.05.1955 -), ortodontista, casado com Cristina de
Morais Dib (São Paulo/SP 20.03.1962 -), ortodentista; 5-Ana
Cláudia Dib (Uberaba 28.11.1961 -), publicitária, casada com
José Higino Soares Neto (Rio Branco/AC 14.09.1960 -),
administrador de empresas, com filhos.

5º- Emílio Jorge Dib, conhecido com Armindo (Santa


Juliana 12.10.1915 – 02.08.1993 Uberaba), comerciante, casado
com Talge Maluf Dib (Uberaba 19.01.1920 -), com quem tem
os filhos 1-Márcio Arnaldo Maluf Dib (Uberaba 19.01.1940 -),
empresário, casado com Helga Maria Lopes (Uberaba
31.10.1944 -), com descendência; 2-Marilda Maluf Dib
(Uberaba 09.12.1944 -), casada/separada de Marcos Zeri
Ferreira (Ribeirão Preto/SP 29.07.1942 -), joalheiro, com
descendência; 3-Nádia Maluf Dib (Uberaba 10.09.1949 -),

319
assistente social, casada/separada de Francisco de Assis,
natural de Ribeirão Preto/SP, empresário, com filhos; 4-Maria
Inês Maluf Dib (Uberaba 23.02.1951 -), educadora, casada com
Wagner Garcia Valério (Machado/MG 22.08.1943 -),
odontólogo, com filhos.

320
ELIAS

ABDÃO JOSÉ ELIAS E SARA ABDALA ELIAS

Casados no Líbano, Abdão José Elias, Abdon Iusef Iliês,


em árabe (Der Akar, Líbano 20.03.1883 – 14.04.1951 Uberaba),
irmão do comerciante Miguel Árabe (Khalil Iliês), e Sara
Abdala Elias (Dalt Akar, Líbano 15.05.1887 - 11.07.1962
Uberaba) residem em Santa Juliana, onde nascem alguns de
seus filhos:

1º- Tufi Elias (Dalt Akar, Líbano 20.03.1905 –


12.04.1968 Uberaba) comerciante, casado com Maria Veludo
Elias (Conquista 25.12.1909 - 26.12.1995 Uberaba), tendo os
filhos 1-Saul José Elias (Uberaba - Uberaba), comerciante,
casado com Nilda Costa Elias, com descendentes; 2-Celmis
Elias (falecida em 03.04.1996 Uberaba), casada com Agenor
Silva, comerciante, com filhos; 3-Célia Elias, casada com
Erotildes de Oliveira, empresário, com descendentes; 4-Salim
José Elias, engenheiro químico, casado com Maria Dulce
Moura, com descendentes; 5-Sara José Elias, casada com João
Inácio de Oliveira, mecânico, com descendentes; 6-Georgina
José Elias, casada com Sérgio Necchi, representante comercial,
sem filhos.

2º- Chafi José Elias (Der Akar, Líbano 19.04.1910 -


18.03.1987 Uberaba), comerciante, casado com Maria Rosa

321
de Oliveira Elias (Fazenda da Espinha, Uberaba 25.02.1918 -
), sem filhos.

3º- Marta Elias Abdala (Santa Juliana 04.06.1915 –


05.03.2004 Uberaba), casada com Chafi Abdala (Santa
Maria/Uberlândia 03.06.1912 - 17.07.1964 Uberaba), contador,
com quem tem os filhos 1-Maria Helena Abdala, educadora,
casada com Paulo Renato da Cunha Prata, odontólogo, com
descendentes; 2-Maria Sara Abdala, educadora, casada com
Hermes Henrique Tosta Madeira, advogado, com descendentes;
3-Maria Marta Abdala, educadora, casada com Salem Ibrahim
El-Messih, engenheiro, empresário, com descendentes.

4º- Maria José Elias Veludo (Santa Juliana 23.06.1917


- 01.01.1999 Uberaba) casada com João Veludo Primo
(Uberaba 30.08.1912- 17.07.1986 Uberaba), tendo os filhos 1-
Ilza Veludo Primo, educadora, casada com Válter Araújo,
corretor de imóveis, com descendentes; 2-Sílvio José Primo,
representante comercial, casado com Cleusa Rosa Santilli, com
descendentes; 3-Válter Veludo Primo, odontólogo, casado com
Maria Helena Veludo, com descendentes; 4-Roberto Veludo
Primo, representante comercial, casado com Ethel Dias, com
descendentes.

5º- Helena Elias (Calafate/Uberaba 1909 - 1926


Uberaba MG), solteira, sem descendentes.

Todos já residindo em Uberaba.


322
ESTEPHAN

ABRÃO ESTEPHAN E CECÍLIA ABDANUR

Mascate na região de Pinhal São Paulo, o imigrante Abrão


Estephan, Ibrahim Khalil Estephan (Sheik-Taba, Líbano
25.01.1927 -), vem para Santa Juliana onde se casa com Cecília
Abdanur Estephan (Santa Juliana 26.08.1922 – 05.11.1996
Uberaba) com quem se transfere para Uberaba, instala ponto
comercial e tem os filhos:

1º Jorge Abdanur Estephan (Uberaba 01.09.1956 -),


engenheiro, casado com Adriana Faleiros de Paula
Estephan (Ituverava/SP 2.01.1961 -), com quem tem os filhos
1-Eduardo de Paula Estephan (Rio Preto/SP 29.12.1986-),
estudante; 2-Leonardo de Paula Estephan (Rio Preto/SP
14.09.1989 -), estudante.

2º Jamila Abdanur Estephan Reis (Uberaba


08.06.1961 -), comerciante, casada com José Estáquio dos
Reis (Pratinha 15.09.1963 -), técnico eletrônico, com quem tem
as filhas Cecília Estephan Reis (Uberaba 05.11.1999 -) e
Mariana Abdanur Estephan Reis (Uberaba 15.01.2002).

323
FACURI

JOÃO JOSÉ FACURI E ZARIFA NADER FACURI

João José Facuri, Hanna Yussef, em árabe (Zuerib


Akar, Líbano 1866 – 1950 Uberaba) e Zarifa Nader Facuri
(Zuerib Akar, Líbano 1873 – 1959 Uberaba) chegam do Líbano
com os quatro primeiros filhos. Em Nova Ponte, Santa Juliana e
Uberaba têm os demais.

1º- Manuel João Facuri (Zuerib Akar, Líbano 1890 –


1980 São Paulo/SP) comerciante e corretor, casado em São
Paulo com Bárbara Chamme Facuri, com quem tem os
filhos 1-Adélia Chamme Facuri, casada com Armando Neves,
comerciante, com descendência; 2-Venceslau (Holeb) Chamme
Facuri, casado com Conceição Facuri, com descendência; 3-
Emília Facuri, casada com Israel Abalen Abirached, médico,
com descendência; 4-João Chamme Facuri, comerciante,
casado com Pina Facuri, com descendência; 5-Jorge Chamme
Facuri, comerciante, casado com Dulcileia Facuri, com
descendência; 6-Leolinda Chamme Facuri, casada com Miguel
Izbir Dib, comerciante, com descendência; 7-Aracelle Chamme
Facuri, casada com Rodrigo de Pádua Ramos, funcionário
público, com descendência; 8-Raul Chamme Facuri,
comerciante, casado com Aparecida Facuri, com descendência;
9-Olga Chamme Facuri, casada com Almir Wig, corretor, com
descendência; 10-Valdete Chamme Facuri, casada com Nilla

324
Svaiter, comerciante, com descendência; 11-Edson Chamme
Facuri, técnico eletrônico, casado com Magda Facuri, com
descendência; 12-Maria Chamme Facuri, casada com Jonias da
Rocha, com descendência.
Em 1934, transferem-se para o Rio de Janeiro.

2º- Rochila Facuri Michel (Zuerib Akar, Líbano 1891 –


1982 São Paulo/SP) casada em São Paulo com o imigrante
Miguel Michel, comerciante, com quem reside em Dores e
onde têm os filhos 1-Regina Facuri Michel, casada com Felício
Yunes, comerciante; 2-Matilde Facuri Michel, casada com
Stanislaw Enfeldet, coletor federal, com descendência; 3-Nazira
Facuri Michel, casada com Joel Vaneta, coletor fiscal, com
descendência; 4-Miguel Facuri Michel, comerciante, casado
com Ivone Michel, com descendência; 5-Munira Facuri Michel,
casada com Osvaldo Andrade, com descendência; 6-Ademar
Facuri Michel, autônomo, casado com Diva Magrini, com
descendência; 7-Alberto Facuri Michel, comerciante, casado
com Zilda Cilfa, com descendência; 8-Ivone Facuri Michel,
casada com Otávio Arruda Brasil, corretor, com descendência;
9-Mário Facuri Michel, comerciante, casado com Aparecida
Franco, com descendência; 10-Ilda Facuri Michel, casada com
José Ariovaldo Palma, bancário, com descendência.

3º- Virgílio João Facuri (Zuerib Akar, Líbano 1892 –


1984 São Paulo/SP) comerciante, casado em São Paulo com
Maria Nasser, com quem tem os filhos 1-Esmeralda Nasser

325
Facuri, casada com Francisco de Paula Milla, engenheiro, com
descendência; 2-William Nasser Facuri, corretor de imóveis,
casado com Zirley Absaber Facuri, com descendência; 3-
Guilherme Nasser Facuri, empresário, casado com Stela Soler,
com descendência; 4-Valdete Nasser Facuri, bancária, solteira,
sem descendência; 5-Vitória Nasser Facuri, casada com
Roberto Bonadias, advogado, com descendência; 6-Teresinha
Nasser Facuri, casada com Wilson Ioni, advogado, com
descendência, 7-Shirley Zarifa Facuri, Dindinha, casada com
Alcides Mendes, construtor, com descendência; 8-Marlene
Nasser Facuri, casada com Orivaldo dos Santos, bancário, com
descendência; 9-Maria Virgínia Nasser Facuri, casada com
Carlos Alberto Giometti, economista, com descendência; 10-
Amir Nasser Facuri, corretor de imóveis, casado com Fátima
Facuri, com descendência.

4º- Michel João Facuri (Zuerib Akar, Líbano 1898 –


1974 São Paulo/SP) solteiro, sem descendência.

5º- Genésio Facuri (Nova Ponte 1906 – 1925 Santa


Juliana), solteiro, sem descendência.

6º- Júlia Facuri Absaber (Nova Ponte– 15.05.1907 –


08.10.2003 Rio de Janeiro/RJ) casada com o imigrante João
Aiub Absber, com quem tem os filhos 1-Moralinda (Linda)
Absaber, casada com Expedito Guilhon, advogado; 2-Michel
Facuri Absaber, jornalista e corretor de imóveis, casado com

326
Amanda Absaber; 3-Laila Facuri Absaber, casada com Paulo
Átila dos Santos, almirante; 4-Latif Facuri Absaber, editor,
casado com Mariana Portela; 5-Vilma Facuri Absaber, casada
com João Gebara, empresário; 6-Ricardo Facuri Absaber,
advogado, casado com Sueli Rodrigues; 7-Mirna Facuri
Absaber, casada com Calixto Facuri, sem descendência.

7º- Aziza Facuri Absaber (Nova Ponte 1909 – 1985 São


Paulo/SP) casada com Aiub Absaber em São Paulo (sobrinho
de João Aiub Absaber), comerciante, com quem tem a filha
Zirlei Absaber, casada com William Facuri.

8º- Nazira Facuri Rodrigues (Nova Ponte 20.10.1911 –


10.08.1996 Uberaba) casada com Orcalino Rodrigues,
Filhinho, com quem tem os filhos 1-Leida Rodrigues
Paschoalini, casada com Nílson Paschoalini, advogado, com
quem tem três filhos; 2-Hélio Facuri Rodrigues, empresário,
casado com Maria Edith Teixeira Rodrigues, com quem tem três
filhos; 3-Teresinha Rodrigues Rossetti, casada com Nélson
Rossetti, comquem tem três filhos.

9º- Aziz José Facuri, Edésio (27.10.1915 Uberaba -)


representante comercial, casado com Odete Hallal Facuri
Uberaba 20.02.1933 -), com quem tem os filhos 1-Ricardo
Hallal Facuri (Uberaba 09.03.1951 -), engenheiro, casado com
Marina Rocha Facuri (Uberaba 13.09.1956); 2-Teresa Cristina
Hallal Facuri (Uberaba 09.09.1957 -), educadora, solteira, sem
descendência.
327
Mais tarde a família vai se radicar, em grande número, em
Uberaba, Rio de Janeiro e São Paulo.

GEORGES JOSÉ FACURI E MÁRIAN FACURI

Georges José Facuri (Zuerib Akar, Líbano 1852 –


04.12.1938 Uberaba), irmão do patriarca João José Facuri,
casado com Márian Facuri, (Líbano – Uberaba) com quem
tem, ainda no Líbano, três filhos:

1º- Catur Jorge Facuri Pális, Catarina, em português


(Zuerib, Líbano – Uberaba), casada, no Líbano, com Abrão
Issa Pális, com quem tem os filhos: 1-Luís Abrão Facuri Pális,
comerciante, casado com Nagib Facuri, com quem tem os filhos
Maria Abadia Pális, Glória Pális, Sebastião Pális, Leonor Pális,
Sônia Pális e Roberto Pális; 2-Elias Facuri Pális, comerciante,
casado com Dulce Carvalho, com quem tem os filhos Paulo
Afonso Carvalho Pális, Urbano Carvalho Pális, e Sara Carvalho
Pális; 3-Américo Facuri Pális, comerciante, casado com
Flordimira de Paula, com quem tem os filhos Abrão de Paula
Pális, Adílson de Paula Pális e Marta de Paula Pális; 4-Ana
Facuri Pális, casada com João Mariano de Faria com quem tem
os filhos Degmar Pális de Faria, Cacildo Pális de Faria e Miguel
Pális de Faria; 5-Chafia Facuri Pális, casada com Valdemar
Tarquínio, com quem tem as filhas Vera Tarquínio, e Regina
Tarquínio; 6-Miguel Facuri Pális, comerciante, casado com
Célia Cortes, com quem tem os filhos Reinaldo Cortes Pális, e

328
Silvana Cortes Pális; 6-Angelina Facuri Pális; 7-Zahia Facuri
Pális.

2º- Sara Facuri Miguel (Zuerib, Líbano – Uberaba),


casada em Uberaba com o imigrante Augusto Miguel, com
quem se transfere para a cidade de Prata, também no Triângulo
Mineiro, onde nascem seus 14 filhos: 1-Labibe Miguel, casada
com Miguel Abdão Amui, comerciante; 2-Melchíades Augusto
Miguel, comerciante, casado com Odete Miguel; 3-Aziz Miguel,
fazendeiro, casado com Lânia Miguel; 4-Fued Augusto Miguel,
solteiro; 5-Lourdes Miguel, solteira; 6-Jamil Miguel, fazendeiro,
casado com Jacira Miguel; 7-Jamila Miguel (Vovozinha),
casada com Anacleto Teodoro dos Reis, fazendeiro; 8-Munir
Augusto Miguel, industrial, casado com Fausta Jacob; 9-
Farjala Miguel, industrial, casado com Ruth Miguel; 10-João
Miguel, farmacêutico, casado com Nenê; 11-Aguinaldo Miguel,
casado com Maria Miguel; 12-Dejanira Miguel, casada com
Bento Teodoro; 13-Moralinda, casada com Farah Amui; 14-
Laila Miguel, casada com Nasser.

3º- José Jorge Facuri (Zuerib, Líbano – Uberaba),


casado com Latifa Nicolau Facuri, com quem tem os filhos 1-
Munira Facuri, casada com Francisco da Silva, com quem tem
os filhos Carmelina Facuri da Silva, Latife Facuri da Silva e
Aparecida Facuri da Silva; 2-Nabirra Facuri, casada com Elias
Michel Haola, com quem tem os filhos Mansur Facuri Haola,
Odete Facuri Haola, Michel Facuri Haola e José Facuri Haola;

329
3-Núbor Facuri, casado com Orlanda Silva, com quem tem os
filhos Núbor Orlando Facuri, médico neurologista, José Jorge
Facuri e Glenda Facuri; 4-Laís Facuri, casada com Leopoldo
Pardi, com quem tem os filhos William Facuri Pardi, Leopoldo
Pardi Júnior, Antônio Carlos Facuri Pardi e Paulo César Facuri
Pardi; 5-Miguel Facuri, casado com Maria Cavalacque, com
quem tem os filhos Miguel Jorge Facuri e Marcos Facuri; 6-
Nassira Facuri, casada com Vicente Barcelos, com quem tem os
filhos José Humberto Facuri Barcelos, Carlos Alberto Facuri
Barcelos e João Roberto Facuri Barcelos; 7-Munir Facuri,
casado com Leonor Abrão Pális, com quem tem os filhos José
Luís Pális Facuri, Murilo Pális Facuri, Rosângela Pális Facuri e
Marco Túlio Pális Facuri; 8-Larrife Facuri, casada com
Armando Prado, com quem tem os filhos Noêmia Facuri Prado,
e Antônio José Facuri Prado.
José Jorge Facuri movimenta seu comércio com loja de
tecidos na antiga Rua Caçu (Av. Alexandre Barbosa), esquina
com Av. 21 de Abril (Rua Alfen Paixão); atrás da loja mantém
chácara que fica de herança para o filho Núbor, que a preserva
com interesse.

*Ver “Presença dos Primos”, p. 358.

330
JOSÉ ABRÃO FACURI E
AMÉLIA JACOB FACURI

Casados no Líbano, José Abrão Facuri (Zuerib Akar,


Líbano 1887 – 1971 Uberaba) e Amélia Jacob Facuri, Kemli,
(Zuerib Akar, Líbano 1889 – 1950 Uberaba) residem em Santa
Juliana, Conquista, Uberaba e na estação de Zelândia. Nestas
localidades nascem seus oito filhos:

1º- Clídia Facuri Jamal (Conquista 04.10.1907 -


20.04.1996 Uberaba) casada com Assis Jamal (Araxá
08.04.1900 – 18.12.1976 Uberaba), farmacêutico, com que tem
os filhos 1-Teresinha Assis Jamal (Rifaina/SP 15.05.1929 -),
educadora, solteira, sem descendência; 2-Omir Assis Jamal
(Rifaina/SP 15.11.1931 -), fazendeiro, casado com Daura Maria
Ribeiro Paiva, com descendência; 3-Ivã Assis Jamal
(Zelândia/Santa Juliana 20.03. 1933 – 26.02.1992 Uberaba),
engenheiro, solteiro, sem descendência; 4-Eunice Jamal
(Zelândia/Santa Juliana 05.11.1935-), casada com Leôncio
Gotti, natural de Uberaba, engenheiro, com descendência; 5-
Válter Assis Jamal (Zelândia/Santa Juliana 28.09.1938 -),
engenheiro, casado com Gislene de Oliveria, natural de
Uberaba, educadora, com descendentes; 6-Altair Assis Jamal,
Zezé (Patrocínio 08.07.1944 -), engenheiro, casado com Márcia
Galvanin (12.02.1950 -), com descendentes.

2º- Zaida Facuri Dib, casada com Miguel Jorge Dib.

331
(Ver Jorge Dib e Nur Saud Dib).

3º- Nagib José Facuri (Santa Juliana 06.10.1912 –


Uberaba 10.06.1972) comerciante, casado com Maria Amélia
Mansur Facuri (Nêga), (Patrocínio 28.11.1916 – 19.11.2000
Uberaba), com quem tem os filhos 1-Lázara Facuri Nenê
(Patrocínio 17.07.1939 –), casada com Benedito Antônio do
Amaral, natural de Jaboticabal/SP, advogado, com descedência;
2-Mírian Facuri Costa, casada/separada de José do Carmo
Costa, natural de Conceição das Alagoas, fazendeiro, com
descedência; 3-Paulo Sérgio Facuri (Santa Juliana 16.06.1946 -
), engenheiro, casado com Mírian Ferreira, natural de
Comendador Gomes, com descendência; 4-Luís Alves de Lima e
Silva Facuri (Patrocínio 25.08.1942 -), engenheiro,
casado/separado de Magda Teixeira, natural de Uberaba, com
descedência; 5-Nanci Magda Facuri (Santa Juliana 12.09.1947
-), advogada, casada/separada de Mário Negrão, com
descedência.

4º- Merched José Facuri (Santa Juliana 20.10.1915 –


02.03.1998 Uberaba) industrial no ramo de cereais, casado em
primeiras núpcias com Alice Facuri e, em segundas núpcias,
com Ivone Galdino (Nassrala) Facuri (Araxá 09.04.1929 -
), com quem tem os filhos 1-José Carlos Facuri (Uberaba
13.01.1955 -), engenheiro civil, casado com Cláudia Gobbo
(Uberaba 31.12.1956 -), com descendentes; 2-Ana Maria Facuri
(Uberaba 22.03.1957 -), educadora, casada com Sauro Bóscolo

332
Júnior (Uberaba 28.04.1956 -), industrial, com decendência; 3-
Eloísa Facuri (Uberaba 20.02.1959 -), advogada, solteira, sem
descendência.

5º- Said José Facuri (Uberaba 18.03.1918 – 02.03.1998


Uberaba) fazendeiro, casado com Maria de Lourdes
Resende Facuri Zica (Uberaba 29.09.1925 -), com quem tem
os filhos 1-Adílson Resende Facuri (Uberaba 17.07.1941 –
26.06.1970 Uberaba), médico, casado com Maria Inês
Guimarães; 2-Marly Resende Facuri (Uberaba 28.09.1942 -),
educadora, casada com Ulisses de Moura Santiago, médico, com
descendência; 3-Marilda Facuri (Uberaba 19.10.1946 -),
educadora, casada com Telêmaco Luís da Silva, com
descendência.

6º- Gabriel José Facuri (Santa Juliana 16.04.1920 –


20.01.2003 Uberaba), industrial, casado com Marlene
Galdino (Nassrala) Facuri (Araxá 08.03.1934 – 10.01.1998
Uberaba), com tem os filhos 1-Nagib Galdino Facuri (Santa
Juliana MG 26.07.1956 -), engenheiro, presidente do Clube
Sírio-Libanês (2000-2002), casado com Regina Helena Crosara
(Uberaba 01.04.1958 -), com descedência; 2-José Maurício
Facuri (Uberaba 01.04.1958 -), engenheiro, casado com Meire
Ercília Lopes (Frutal 16.12.1959 -), com descendentes.

7º- Mário José Facuri (Santa Juliana 09.12.1922 –


30.10.1998 Uberaba), fazendeiro, casado com Ismália

333
Ribeiro Facuri (Araxá 18.02.1928 – 25.11.2005 Uberaba),
com quem tem os filhos 1-Rosângela Ribeiro Facuri (Uberaba
22.01.1950 -), solteira, sem descendência; 2-Maria Amélia
Facuri (Uberaba 28.11.1951 -), pedagoga, casada com Huaskar
Costa Novais, engenheiro, com descendentes; 3-Mário Facuri
Filho (Uberaba 10.11.1953 -), engenheiro, casado, com
descendência; 4-Marco Túlio Facuri (Uberaba 10.11.1953 -),
casado, com descendência.

ELIAS FERREIRA E MARTA FERREIRA

Casados em Uberaba, Elias Ferreira, Temer Facuri, no


original (Zuerib Akar, Líbano, final do século XIX - Uberaba) e
Marta Ferreira (Líbano 1883 - 1965 Uberaba), os dois,
imigrantes, residem em Crioulos (Pedrinópolis), então distrito
de Santa Juliana, onde têm a primeira filha:

1º- Georgina Ferreira Bulhões, casada com Orlando


Bulhões, industrial do ramo de beneficiamento de cereais, com
que tem tem os filhos 1-Zélia Ferreira Bulhões,
casada/separada de Gilberto Henrique Vieira da Silva, com
descendentes; 2-Jacinto Bulhões Neto, industrial, casado com
Leila Rodrigues da Cunha Borges, com descendentes; 3-
Teresinha Ferreira Bulhões, solteira, sem descendentes

Tempos depois, a família de Marta e Elias Ferreira


transfere-se para Uberaba, onde nascem os demais filhos.

334
2º- Jorge José Ferreira comerciante, casado com
Idalina Guimarães Ferreira, com quem tem os filhos 1-
Giovana Guimarães Ferreira, casada com Célio Diniz; 2-Keila
Guimarães Ferreira, casada com Antônio Resende; 3-Juarez
Guimarães Ferreira, casado com Rosa Campos; 4-Simone
Guimarães Ferreira, casada com Jeferson Terra Passos.

3º- Chaffir Ferreira, industrial, casado em primeiras


núpcias com Paulina Jácomo Aluoto Ferreira, com quem
tem os filhos 1-Maria Helena Aluoto Ferreira, casada com
Marcos Menconi; 2-Maurício Aluoto Ferreira, casado com Rita
Ferreira; 3-Márcia Aluoto Ferreira, casada com Márcio
Augusto Ferreira. Em segundas núpcias Chaffir é casado com
Claire Conte Ferreira com quem tem a filha Daniela Conte
Ferreira, casada com Márcio Raposo.

4º- Miguel José Ferreira, Natinho, farmacêutico,


casado com Francisca Ferreira.

5º- Honório José Ferreira, casado com Tarcila


Ferreira, com quem tem os filhos 1-Marta Ferreira, casada
com Vitório Visacro; 2-Ana Lúcia Ferreira, casada com Jorge
Bastos; 3-Sandra Ferreira, casada com Lelus Miranda de
Resende.

6º- João José Ferreira (Nenê), casado com Maria da


Conceição de Castro Ferreira, Naná, com quem tem os

335
filhos 1-Marília de Castro Ferreira, casada com Aurélio Maciel;
2-Marlene de Castro Ferreira, casada com Geraldo Albergaria;
3-Roberto de Castro Ferreira, casado com Ana Rita Afonso
Ferreira; 4-João Lúcio de Castro Ferreira, casado com
Marguita der Buck; 5-Luís de Castro Ferreira, casado Verônica
Castanheira Ferreira; 6-Marco Antônio de Castro Ferreira,
casado com Vânia Ferreira; 7-José Eduardo de Castro Ferreira,
casado.

7º- Alberto José Ferreira, casado com Vanda


Ferreira.

8º- Giselda Ferreira Houri, casada com Assis Houri,


com quem tem os filhos 1-Marisa Ferreira Houri, casada com
Denito Masci; 2-Ricardo Ferreira Houri, casado com Chames
Houri; 3-Rosana Ferreira Houri, casada com Celso.

9º- Nayme Ferreira, casado com Rita Lombardi


Ferreira, com quem tem os filhos 1-Mônica Lombardi
Ferreira; 2-Adriana Lombardi Ferreira; 3-Cláudio Lombardi
Ferreira; 4-Magda Lombardi Ferreira.

10º- Antônio José Ferreira, casado com Francisca


Rosa Ferreira, com quem tem os filhos 1-Clarice Ferreira,
casada com Luís Plubins; 2-Luciano Ferreira, casado com
Auxiliadora Morais; 3-Neide Ferreira, casada com Sérgio
Sampaio; 4-Rosângela Ferreira, casada com Antônio Cláudio

336
Sousa Lima; 5-Ronaldo Ferreira, casado com Rowinia Mota
Ferreira.

Mais tarde a família se transfere para Belo Horizonte.

MIGUEL FACURI E SARAFINA JREIG FACURI

Vindos do Líbano, casados, Miguel Facuri (Zuerib Akar,


Líbano 1877 – 1937 Santa Juliana) e Sarafina Jreig Facuri,
Sada, em árabe (Zuerib Akar, Líbano 1880 – 1954 Santa
Juliana) residem em Santa Juliana, onde têm os filhos:

1º- Rosa Facuri Oliveira (Nova Ponte 10.01.1911 –


13.10.1974 Uberaba), casada com Virgílio Oliveira, Virgílio
Marçal (Santa Juliana 19.03.1912 -), com quem tem 12 filhos: 1-
Antônio Facuri, Toizinho, (Santa Juliana 13.03.1933 -),
marceneiro, casado com Rejane Fontes, com filiação; 2-Arnaldo
Virgílio (Santa Juliana 07.09.1935 -), marceneiro, casado com
Olga Monteiro, com filiação; 3-José Virgílio de Oliveira (Santa
Juliana 12.08.1936 -), comerciante, casado com Nilza Teresinha
Martins; 4-Luzia Facuri Oliveira (Santa Juliana 09.08.1938 -),
educadora, casada com Vanderlei Paulo Rosa, fotógrafo, com
filiação; 5-Teresa Facuri Oliveira (Santa Juliana 18.12.1940 -),
casada com Antônio Gabriel Fraga, funcionário público, com
filiação; 6-Nilda Rosa Facuri Oliveira (Santa Juliana 17.12.1942
-), casada com Sebastião Tosta, funcionário dos Correios, com
filiação; 7-Meire Facuri Oliveira (Santa Juliana 14.01.1944 -),

337
educadora, casada com Gílson Miziara, fazendeiro, com filiação;
8-Fátima Facuri Oliveira (Santa Juliana 17.01.1945 -),
educadora, casada com Sinomar Ferreira Fonseca, industrial,
com filiação; 9-João Batista Facuri Oliveira (Santa Juliana
14.01.1948 -), comerciante, casado com Dayse Cação, com
filiação; 10-Maria Aparecida Facuri Oliveira (Santa Juliana
19.01.1952 – 21.08.1996 Uberaba), casada com Geraldo Magela
Araújo, com filiação; 11-Izildinha Facuri Oliveira (Santa Juliana
24.12.1955 -), educadora, casada com Jerônimo Rodrigues da
Cunha, marceneiro, sem filiação; 12-José Eustáquio Facuri
Oliveira (Santa Juliana 03.05.1957 -), marceneiro, casado com
Edna Martins de Oliveira, com filiação.

2º- Elias Miguel Facuri (Santa Juliana 18.08.1913 –


04.07.1975 Uberaba), casado com Odete Maria Facuri, com
quem tem os filhos 1-Antônio de Pádua Facuri (Santa Juliana
27.04.1941 -), comerciante, casado com Antônia Augusta
Oliveira (Perdizes 26.04.1946 -); 2-Vilmar José Facuri (Santa
Juliana 13.04.1943 -), comerciante, casado com Teresa Borges,
natural de Uberaba; 3-Ivone Maria Facuri, natural de Santa
Juliana, solteira; 4-Miguel Elias Facuri, natural de Santa
Juliana, soldador, casado com Dulcileia Bittencourt, natural de
Prata; 5-José Elias Facuri, natural de Uberaba, comerciante,
casado com Marisa Facuri; 6-Eduardo Elias Facuri, natural de
Uberaba, tapeceiro, casado com Elaine Facuri, natural de
Uberaba; 7-Maria Madalena Facuri, natural de Uberaba,
casada com Antônio Carlos da Silva; 8-Jorge Elias Facuri,

338
natural de Uberaba, tapeceiro, casado/desquitado de Maria de
Fátima Facuri; 9-Elias Facuri Filho, tapeceiro, casado com
Marise Facuri.

3º- Angelina Facuri, Najla, em árabe (Santa Juliana


05.10.1915 – Uberaba), solteira, sem descendência.

4º- Iameme Facuri Abdanur, casada com Salomão


Abdanur (Ver Miguel Abdanur e Sara Rassi Abdanur).

5º- Romes Facuri (Santa Juliana 12.09.1923 –


06.07.1999 Uberaba), casado com Odete Jorge Facuri,
(Araxá 07.04.1929 -), com quem tem os filhos 1-Kátia Jorge
Facuri (Araxá 28.05.1952 -), casada com Lino Batistuci, sem
descendência; 2-Magali Jorge Facuri (Araxá 21.05.1954 -), com
descendência; 3-Maria Auxiliadora Facuri (Perdizes
26.07.1958 -), empresária, casada com Antônio Carlos Oliveira,
fazendeiro, com descendência; 4-Jorge Miguel Facuri (Uberaba
01.11.1960 -), casado/separado de Adelina Magela de Oliveira,
comerciante, com descendência.

JORGE ABRÃO FACURI E


KEMLI JORGE FACURI

Casados no Líbano, Jorge Abrão Facuri, Jerges Ibrahim


Facuri, em árabe (Zahle, Líbano 1895 - 1978 Patrocínio),
sobrinho do patriarca João José Facuri, e Kemli Jorge

339
Facuri, Amélia em português (Sheik-Taba Líbano 09.08.1895
– 09.09.1933 Iraí de Minas) residem em Santa Juliana onde
têm os filhos:

1º- Abrão Facuri, comerciante, casado com Farize


Elias Abdala, com quem tem os filhos 1-Ricardo Elias Facuri,
engenheiro civil, casado com Ana Facuri; 2-Roberto Elias
Facuri; 3-Berenice Elias Facuri, advogada, solteira.

2º- Rachid Facuri, comerciante, casado com Angelina


Cortes, com quem tem os filhos 1-Lourdes Cortes Facuri; 2-
Maria José Cortes Facuri; 3-Reinaldo Cortes Facuri, solteiro.

3º- Helena Facuri Lasmar, casada com Ronan


Teófilo Lasmar, bancário, com que tem os filhos 1-César
Eustáquio Facuri Lasmar, engenheiro civil, casado com Laura
Maria de Lima Belisário; 2-Ronan Teófilo Lasmar Júnior,
engenheiro civil, casado com Sandra Arlete Veloso.

4º- Elias Jorge Facuri, comerciante, casado com Maria


Cortes Facuri, com quem tem os filhos 1-Jorge Abrão Facuri
Neto, engenheiro civil, casado com Sandra Pujone; 2-Marta
Cortes Facuri, decoradora, casada com Teodoro Tomás da Cruz,
arquiteto; 3-Maria Amélia Cortes Facuri, assistente social,
casada com Ildeu Moreira Júnior, analista de sistema; 4-Teresa
Cristina Cortes Facuri, psicóloga, casada com Ednei Otávio
Gomes, médico psiquiatra; 5-Geraldo Magela, solteiro,

340
engenheiro civil; 6-Elias Jorge Facuri Filho, veterinário, casado
com Ana Regina Machado, psicóloga.

5º- Teresa Facuri Barbosa, casada com Rocino


Barbosa, com quem tem os filhos 1-Helena, médica, casada
com Itamar Berganholi; 2-Rocino Barbosa Filho, comerciante,
casado com Rosemara Pereira de Araújo Barbosa; 3-Teresinha,
médica, casada com Cândido de Sousa Filho, advogado.

Jorge Abrão Facuri (irmão de José Abrão Facuri), e


Kemli Facuri, residem por vários anos em Santa Juliana e Iraí
de Minas, onde Kemli vem a falecer. A família transfere-se
então para Patrocínio, onde o viúvo se casa em segundas
núpcias com Nasta Rage Facuri; sem descendência. Com a
morte de Nasta e, posteriormente, de Jorge, a família se
transfere, definitivamente, para Belo Horizonte.

BECHARA FACURI E HELENA FACURI

Bechara Facuri, Manuel (Zuerib Akar, Líbano –


26.04.1926 Uberaba) mascate, chega do Líbano viúvo de
Helena Facuri, vindo residir em Santa Juliana com os filhos:

1º- Dieb Facuri (Zuerib Akar, Líbano 05.11.1899 –


18.10.1962 Uberaba), solteiro, sem descendência.

2º- Helena Facuri Saud, Rahmi (Zuerib Akar, Líbano

341
15.04.1902 – 01.10.1969 Uberaba), casada com Jacob Saud
(Zuerib Akar, Líbano 19.12.1901 – 23.12.1951 Uberaba), com
quem tem os filhos 1-Nadim Facuri Saud (Uberaba 06.03.1921
– 26.10.1988), casado com Diana Nasser (Pires do Rio/GO ? –
21.12.1991 Pires do Rio/GO), com quem tem os filhos Cláudia
Saud, Sara Saud e Jacob Saud Júnior; 2-Linda Facuri Saud
(Uberaba 11.03.1923 Uberaba), solteira, sem descendência; 3-
Rene Facuri Saud (Uberaba 13.10.1924 – 01.02.1983 Uberaba),
casado com Lucanda Abrão (Pires do Rio/GO), com quem tem
os filhos Jacob Saud Abrão, Ricardo Saud Abrão, Luene Saud
Abrão e Adriana Saud Abrão; 4-Hanne Facuri (Uberaba
26.04.1926 -), casada com Gérson Limeira (Caruaru/PE
24.10.1918 -), com quem tem os filhos Roberto Saud Limeira
(Uberaba 21.05.1950 -), odontólogo, casado, em duas núpcias,
com filhos; e Amir Saud Limeira (Uberaba 07.01.1959 -),
engenheiro, casado, com filhos; 5-Hilda Facuri Saud (Uberaba
16.10.1925 – 24.05.1929 Uberaba), solteira, sem descendência;
6-Zizelda Facuri Saud (Uberaba 21.08.1929 -), casada com Raif
Sallum (17.03.1924 – 03.05.1992 Uberaba), com quem tem os
filhos Helena Saud Sallum, Fátima Saud Sallum, Helenice Saud
Sallum, todos com descendentes; 7-Chequer Facuri Saud
(Uberaba 20.03.01.19 – 27.07.1966 Pires do Rio/GO), casado
com Erci Rocha, com quem tem os filhos Alexandre Rocha Saud
e Rogério Rocha Saud.

Todos estes casamentos são realizados em Uberaba para


onde Dieb e Helena se transferem.

342
ISAAC

JOSÉ ELIAS ISAAC E FUTIN FACURI ISAAC

José Elias Isaac, Iusef Iliês Isaac, em árabe (Líbano


século XIX – século XX Espírito Santo do Pinhal/SP) e Futin
Facuri Isaac, Filomena, em português (Zuerib Akar, Líbano
1885 – 1977 Espírito Santo do Pinhal/SP), chegam casados do
Líbano, residem em São Paulo e de lá transferem-se para Santa
Juliana, onde vivem anos com os filhos:

1º- Latif Isaac, nascido no Líbano, marceneiro, casado


com Vitória Facuri, com quem tem os filhos 1-Elias; 2-
Magali; 3-Hebe; 4-Mague; 5-João Batista; 6-Dalmo.

2º- José Isaac, comerciante, casado com Celeste


Bulhões Facuri, com quem tem as filhas 1-Ana Maria
Bulhões Isaac Fleming, casada com Maurício Fleming de
Andrade, empresário, com filhos; 2-Mírian Bulhões Isaac.

3º- Virgílio Isaac, tintureiro, casado com Honorina


Galdino Facuri, com quem tem o filho José.

4º- Sidala Isaac, corretor, casado com Olga Matos


Facuri, com quem tem os filhos 1-Alan; 2-Vera;

5º- Zala Isaac, comerciante, casado com Maria

343
Amorim Facuri, com quem tem a filha Vânia.

A família se transfere para Uberaba e, em seguida, para


Espírito Santo do Pinhal, no Estado de São Paulo,
permanecendo em Uberaba somente o ramo de Celeste e José
Isaac.

344
KHAULE

MARTA NABUT KHAULE E


TANUS ELIAS KHAULE

A saída para um outro mundo, totalmente adverso, como é


o caso dos libaneses em direção às Américas, resulta na
dispersão de irmãos, que aportam em regiões e países distintos
e distantes. Um irmão chega à Cuba, enquanto outro, sob outras
informações, pode chegar aos Estados Unidos, ao Brasil ou à
Argentina. Essa dispersão resulta, quase sempre, em sepração
definitiva de uma irmandade. Há casos em que somente a
segunda geração conseguirá reatar os elos perdidos dos
antepasados. É o caso da família Nabut, que aporta à América
do Sul com três irmãos, vindo Banut Nabut Moisés e Elias
Nabut para o Brasil, radicando-se em Santa Juliana, e Marta
Nabut Khaule para a Argentina, residindo em Buenos Aires.

Marta Nabut Khaule (Edbil Akar, Líbano 1894 – 1942


Buenos Aires, Argentina), casada com Tanus Elias Khaule
(Beirute Líbano, 1882 – 1965 Caseros Buenos Aires, Argentina).
O casal tem, no Líbano, os cinco primeiros filhos, entre eles,
Abraham e Elias, falecidos crianças. Eles partem para a
Argentina em 1918, a bordo do vapor italiano “Conte
Viacamano”, com três filhos:

1º- Futín Nabut Khaule Mansur (Líbano 1914 –


345
01.12.1980 Buenos Aires, Argentina), casada na capital
portenha com José Mansur (falecido em 1995), com quem
tem os filhos 1-Yamil Khaule Mansue ou Emílio (Buenos Aires
1931 -), casado com Marta Marino, com quem tem os filhos
Susana Mansur Marino, casada com Renné Zoppi, com
descendentes; Alejandra Mansur Marino, casada com Eduardo
Leguiza, com descendentes; José Emilio Mansur Marino,
casado/divorciado de Graciela Perez, com descendente; Marcela
Mansur Marino, casada com Daniel Díaz, com descendentes; e
Jorge Daniel Mansur Marino, com descendentes; 2-Maria
Khaule Mansur, casada com Roque Garay, com quem tem os
filhos Juan Carlos Garay Khaule, casado com Claudia Palermo,
com descendentes; 3-Angel Khaule Mansur, casado com Noemi
Mores, com descendentes, 4-Eduardo Khaule Mansur, casado
com Emilia Guillemet, sem descendentes; 5-Humberto Khaule
Mansur, solteiro, sem descendentes; 6-José Khaule Mansur,
casado com Rosa Palavecino, com descendentes; 7-Jorge
Khaule Mansur, solteiro, sem descendentes; 8-Roberto Khaule
Mansur, casado com Sara Mercedes, com descendentes; 9-Juan
Domingo Khaule Mansur, casado com Ofélia Fernández, com
descendentes.

2º- Mansur Nabut Khaule, (Líbano 1922 – 1986


Buenos Aires Argentina), casado com Maria Carrasco, sem
descendentes.

3º- Jorge Nabut Khaule (Líbano 1924 – 1985 Buenos

346
Aires, Argentina), casado com Maria Elba Regel, natural do
Uruguai, com quem tem os filhos 1-Marta Beatriz Khaule
Regel, casada com José Diprizio, arquiteto, pais de Romina
Carla Diprizio Khaule e Mauro Jorge Diprizio Khaule; 2-Mirta
Azucena Khaule Nabut, casada com Omar Bozco, pais de Jorge
Omar Bozco Khaule.

Em Buenos Aires, Marta e Tanus Elias Khaule têm os


filhos mais novos:

4º-Antônio Nabut Khaule (Buenos Aires 1929 – 1952


Buenos Aires), solteiro, sem descendência.

5º Júlio Antônio Nabut Khaule (Buenos Aires 1931 -),


casado com Bianca Corrado, pais de 1-José Antônio Khaule,
casado, com descendentes; 2-Graziela Ângela Khaule,
socióloga, casada com Rafael Espinoz, com descendentes.

6º- Abraham Nabut Khaule (Buenos Aires 1934 -),


casado em primeiras núpcias com Doriliza (Dora) e, em
segundas núpcias, com Marta Susana Gurini, com quem tem
o filho 1-Carlos Antônio Khaule, pai de Emiliano Alberto Gurini
Khaule (Buenos Aires 1977 -); 2-Giselle Ivana Gurini Khaule
(Buenos Aires 1982 -).

*Ver “Presença dos Primos”, p. 358.

347
MOISÉS

ABRAÃO MOISÉS E BANUT NABUT MOISÉS

Casados no Líbano, Abrão Moisés (Edbil Akar, Líbano


15.03.1892 – 26.11.1944 Santa Juliana) e Banut Nabut
Moisés, Banuta, em português (Edbil Akar, Líbano 16.05.1898
- 27.05.1975 Uberaba) chegam ao Brasil em 1913 e residem na
localidade de Fundão, região de minifúndios, situada entre os
municípios de Santa Juliana e Perdizes, onde nasce a filha
primogênita:

1º- Nazira Moisés (Fundão região de Perdizes


12.08.1914 – 19.06.1986 Uberaba), solteira, sem descendência.

Depois, residem em Santa Juliana, onde nascem os demais


filhos:

2º- Júlia Moisés (Santa Juliana 05.06.1916 – 14.06.1996


Uberaba), solteira, sem descendência.

3º- Benedito Moisés (Santa Juliana 04.05.1920 –


18.12.1945 Santa Juliana), comerciante, casado com Ana
Olinto de Castro Moisés (Araxá 01.07.1920 -), onde têm os
filhos 1-Fádua Maria Moisés (Araxá 26.09.1946 -), normalista,
casada com Helion Leão Lino (14.09.1938 - ), odontólogo, com
descendência; 2-Paulo Danilo Moisés (Araxá 18.05.1945 -),

348
odontólogo, casado com Lúcia Etuyo Hayami (01.12.1950 -),
com descendência.

4º- Iesmin Moisés Ribeiro (Santa Juliana 07.09.1924 -


), casada com Raul Olivardes Ribeiro (Altinópolis
14.01.1930 – 24.03.1992 Campinas/SP), onde tem os filhos 1-
Raul Olivardes Ribeiro Júnior (Uberaba 01.07.1961 -),
advogado, casado com Valéria Castro Mendes (Pirajuba
21.03.1963 -), com descendência; 2-Iesmin Moisés Ribeiro
(Uberaba 26.02.1966 -), casada com Eduardo Lupi
(Campinas/SP 12.03.1963 -), engenheiro, com descendência; 3-
Márcia Moisés Ribeiro (Uberaba 02.03.1966 -), historiadora,
solteira, sem descendência.

5º- Elza Moisés (Santa Juliana 1925), falecida aos quatro


anos de idade).

6º- Maria Moisés Árabe casada com Geraldo Miguel


Árabe (Ver Miguel Árabe e Satut Facuri Árabe).

7º- Jaime Moisés (Santa Juliana 15.07.1930 -),


empresário, proprietário do diário Jornal de Uberaba, casado
com Alice Angotti Moisés (Uberaba 30.05.1934 -),
normalista, com quem tem os filhos 1-Abrão Moisés Neto
(Uberaba 03.02.1958 -), economista, casado com Sônia Ilka
Prieto Moisés (Uberaba 17.05.1960 -), economista, com
descendência; 2-Daniel Angotti Moisés (Uberaba 29.12.1965 -),

349
odontólogo, jornalista, casado com Cláudia Bevilacqua
(Uberaba 27.07.1966 -), empresária, com descendência; 3-
Lucienne Angotti Moisés (Uberaba 29.12.1966 -), ex-Sra.
Roberto Marques (Paranaíba/PI 21.10.1954 -), empresário, com
descendência.

7º- Jandira Moisés Abdala (Santa Juliana 02.02.1933 -


), casada com Jamir Abdala (Uberaba 12.09.1927 –
02.03.1981 Uberaba), funcionário dos Correios, vereador em
Uberaba, com quem tem os filhos 1-Virgínia Moisés Abdala
(Uberaba 22.05.1952 -), jornalista, ex-sra. José Antônio
Resende Silva (Perdizes 27.11.1945 – Patrocínio 11.01.2000),
engenheiro, com descendência; 2-Jamir Abdala Filho (Uberaba
15.04.1955 -), engenheiro, empresário, casado com Meire Freire
Resende (Uberaba 12.10.1957 -), educadora, empresária, com
descendência; 3-Beatriz Moisés Abdala (Uberaba 03.01.1957 -),
artista plástica, ex-sra. José Roberto de Paula, médico, com
descendência.

8º- Norma Moisés (Santa Juliana 12.08.1936 -),


advogada, jornalista, educadora, diretora da Escola Estadual
Brasil, em Uberaba. Solteira, sem descendência.

Em 1947, todos se transferem para Uberaba.

350
DOMINGOS MOISÉS E PLACIDINA
MARIA DE JESUS MOISÉS

Domingos Moisés, Abdala Mucy Dib, no original (Edbil


Akar, Líbano 1877 – 08.01.1959, Uberaba), comerciante, casado
no Líbano com Maria Mucy Dib, vêm para o Brasil em 1913 e
se instalam no Fundão, região próxima a Santa Juliana, onde
nasce a filha:

1º- Abadia Moisés Gomes (Perdizes 1914 – 1968


Uberaba), casada com Abadio Gomes com quem tem os filhos
1-Lázaro Francisco Gomes, policial, casado com Djanira
Francisca Borges; 2-Belchior Francisco Gomes, policial, casado
com Nora Nei Lacerda Borges; 3-Maria Aparecida Gomes,
casada com Benigno Bebiano, policial.

Com a morte da primeira esposa, Domingos casa-se em


segundas núpcias com Placidina Maria de Jesus, Lica
(Santa Juliana 24.02.1901 – 28.04.1976 Uberaba) na cidade de
Santa Juliana, onde nascem os filhos:

1º- Luzia Moisés dos Santos (Santa Juliana 30.07.1922


-), viúva de Cornélio Alberique dos Santos (Espera Feliz
08.12.1920 – 08.12.1996 São Paulo/SP), empresário, sem
descendência.

2º- Antônia Moisés Carneiro (Santa Juliana

351
20.05.1926 -), casada com Edemar Carneiro, conhecido por
Mário Carneiro (Zelândia/Santa Juliana 15.02.1922 -), com
quem tem os filhos 1-Eunice Moisés Carneiro (Santa Juliana
26.06.1945 -), educadora, casada com Sebastião Ribeiro Paiva
(Zelândia/Santa Juliana 07.09.1944 -), com descendência; 2-
Eustáquio Gaspar Carneiro, natural de Zelândia, Santa Juliana,
educador, sócio proprietário do Colégio Objetivo, em Uberaba,
casado com Mary de Oliveira (Uberaba 30.09.1953 -), médica,
sem descendência; 3-Edna Carneiro da Silva (Uberaba
01.11.1951 -), educadora, casada com Sebastião Carlos da Silva
(Zelândia/Santa Juliana 01.04.1947 -), agricultor, com
descendência; 4-Elenice Carneiro (Uberaba 05.01.1956 -),
educadora, solteira, sem descendência.

3º- Bismarck Mucy Dib (Santa Juliana 21.01.1931 -),


comerciante, casado com Sônia Marlene Pinheiro Dib
(Uberaba 10.05.1937 -), com quem tem os filhos 1-Maria Inês
Pinheiro Dib (Uberaba 05.09.1961 -), médica, casada com João
dos Santos Dangoni (Goiânia/GO 11.05.1953 -), médico, com
filhos; 2-Marcos Vinicius Mucy Dib (Uberaba 27.08.1962 -),
engenheiro elétrico e analista de sistemas, casado com Regina
Carneiro Diniz (Goiânia/GO 08.03.1962 -), artista plástica, com
filhos; 3-Márcia Beatriz Pinheiro Dib (Uberaba 19.05.1967 -),
educadora, casada com Marcelo Gomes Fidélis (Goiânia/GO
14.01.1966 -), sem filhos; 4-Marcelo Pinheiro Dib (Goiânia/GO
26.01.1972 -), advogado, solteiro, sem filhos.

352
4º- Teresa Moisés (Santa Juliana 19.05.1927 -),
funcionária aposentada dos Correios, solteira, sem
descendência.

Em 1944 a família de Lica e Domingos Moisés transfere-se


para Uberaba.

353
NABUT

ELIAS NABUT E MARIANA ABDANUR NABUT

O imigrante Elias Nabut (Edbil Akar, Líbano 1910–1976


Uberaba) vem para Santa Juliana, onde reside sua irmã Banut
Nabut Moisés. É onde se casa com Mariana Abdanur Nabut
(Santa Juliana 29.11.1914 – 29.09.2002), com quem se transfere
para Uberaba, onde nascem os filhos:

1º- Carlos Alberto Nabut (Uberaba 28.08.1944 -),


médico, casado com Regina Célia Coelho Nabut (Uberaba
01.02.1950 -) sócia-proprietária da empresa Belgrávia
Antiguidades. Carlos Alberto e Regina são pais de 1-Lucas
Coelho Nabut (Uberaba 13.05.1980 -), advogado; 2-Guilherme
Coelho Nabut (Uberaba 22.05.1981 -), arquiteto; 3-Fabiano
Coelho Nabut (Uberaba 24.12.1982 -), economista.

2º- Jorge Alberto Nabut (Uberaba 15.05.1947 -),


engenheiro, economista, jornalista, pesquisador, criador e
diretor do Museu de Arte Sacra do Brasil Central, solteiro, sem
descendência. (Ver “O Autor”, p. 422).

ESBER NABUT E LABIBE HAMMEL NABUT

Irmão mais velho de Banut Nabut Moisés, Marta Nabut


Khaule e Elias Nabut, Esber Nabut (Edbil Akar, Líbano –
354
Edbil Akar, Líbano) casa-se e vive, no Líbano, com Labibe
Jammel, com quem tem os filhos:

1º- Jerges Nabut casado, pai de 1-Esber Nabut, casado


com Nájua Nabut, com quem tem os filhos: Nalli, Vera, Lina,
Coubair e Clair; 2-Elias Nabut, solteiro; 3-Hanna Nabut,
falecido; 4-Miled Nabut, solteiro; 5-Juman Nabut, casado com
Ragheb Nabut com quem tem os filhos Samir, Sami e Marlene;
6-Helena Nabut; 7-Lauanda Nabut, falecida; 8-Hissan Nabut,
solteiro.

2º- Samira Nabut casada com Dib Nabut, com quem


tem os filhos: 1-Sallem Nabut, casado com Linda Nabut, com
quem tem os filhos Jorge, Adib, Filipe e Samira; 2-Ragheb
Nabut, casada com o primo Juman Nabut, com quem tem os
filhos Samir, Sami e Marlene; 3-Ibrahim Nabut, casado, pai de
três filhos: Amira, Pascoal e Michel; 4-Samir Nabut, casado, pai
de um filho; 5-Mariana Nabut, casada, mãe de Fáten, Marta,
Cecin e Hichan; 6-Nájua Nabut, casada com Esber Nabut, com
quem tem os filhos Nádua, Abadia, Rita e Rui; 7-Sâmia Nabut,
solteira.

3º- Abadia Nabut, casada com Yussef (José) Nabut,


com quem tem os filhos: 1-Abdala Nabut, casado com Márian
Nabut; 2-Emílio Nabut, casado, residente no Canadá e pai de
três filhos homens; 3-Milled Nabut, casado, pai de um casal de
filhos; 4-Samir Nabut, casado com sua prima Nádua Nabut,

355
pais de Rita e Rui; 5-Nassif Nabut, casado; 6-Inham Nabut,
casado, pai de Ruad, Sandy e Dália; 7-Helena Nabut, casada,
mãe de Abud e Eli.

4º- Helena Nabut, casada, sem filhos.

5º- Banut Nabut, casada, mãe de Cahuy Calmi.

6º- Nassim Nabut, casado com Hanne Nabut, com


quem tem os filhos: 1-Abdala Nabut, residente nos Estados
Unidos, casado, pai de três filhos Hanne, Chayan e Brayan; 2-
Lutfala Nabut, solteiro; 3-Farjala Nabut, casado, pai de Eli e
Nassim; 4-Nassrala Nabut, casado, residente nos Estados
Unidos, pai de Raquia e Lídia; 5-Sadala Nabut, casado,
residente nos Estados Unidos, pai de uma filha, Grace; 6-Sônia
Nabut, casada, mãe de Geisel, Dália e Jorge; 7-Labibe Nabut,
casada com Jean Jreige, com quem tem os filhos Karin e
Sirlene; 8-Norma Nabut, casada com Ghanem, com quem tem
os filhos Cristina e Dúnea.

356
NADER

RACHID NADER E MARTHA FACURI NADER

Saídos do Líbano, Rachid Nader (Líbano, final do século


XIX) e Marta Facuri Nader (Akar, Líbano 04.03.1883 –
13.05.1965 Brasil) vão para a América Central, residindo algum
tempo no Caribe, onde tem o filho primogênito. Emigram para
o Brasil, onde têm três filhos, residindo por muitos anos em
Santa Juliana:

1º- Michel Nader (Porto Prince, Caribe 1909 – 1975


Goiânia/GO), comerciante, casado com Fádua Isac Nader
(Líbano 1916 -), com quem tem o filho Nélson Nader
(Goiânia/GO 1940 -), médico, casado com Leni Rassi Nader,
com descendência.

2º- Anésio Nader (falecido no Brasil em 1975),


comerciante, casado com Lourdes Nader com quem tem o
filho Anor, médico.

3º- Mariquinha Nader Daher, casada com Miguel


Jacob Daher, sem descendência.

4º- Anor Nader, Amó, em árabe, comerciante, falecido


solteiro.

Todos residem em Dores e mais tarde transferem-se para


Piracanjuba e Goiânia, em Goiás.

357
PRESENÇA DOS PRIMOS

Vários imigrantes residentes em Santa Juliana têm


familiares em Uberaba, enriquecendo o elo social entre as duas
cidades. Os irmãos Miguel Árabe e Abdão José Elias visitam, em
Uberaba, a irmã Catarina Elias, casada, sem descendência.
Amélia Jacob Facuri, sra. José Abrão Facuri, indo a Uberaba,
hospeda-se com com a irmã Augusta Jacob Facuri (Líbano 1894
– 1954 Uberaba), casada com Wid Antônio Facuri, conhecido
por (Miguel) Antônio Facuri (Líbano 1878 – 1953 Uberaba), ou
com Sara Facuri Saud, casada com Jacob Saud (Ver genealogia
do casal). Porém, considerando que a família Facuri é,
numericamente, a mais importante em nossa história, faz-se
necessário incluir aqui a linhagem de Márian e Georges José
Facuri (Ver genealogia do casal), para entendermos os elos
familiares e montar gráfico elucidativo da consanguinidade de
tanto parentesco! Georges José Facuri é irmão de Sada Facuri
Abdanur, casada com o pioneiro Antônio (Iliês) Abdanur, de
João José Facuri, de Abrão José Facuri e Azôr José Facuri,
filhos de José Facuri e Márian Facuri, que permanecem no
Líbano. O mesmo acontece com a presença, aqui, da família de
Marta Nabut Khaule e Tanus Elias Khaule, que nos ajuda a
compreender o quando da família paterna do auto deste livro.

358
OUTROS IMIGRANTES

Outros nomes de imigrantes libaneses que residem em


Santa Juliana, guardados na mémoria de José Rassi Abdanur:
Abrão Jreig, tio de Iameme Facuri Abdanur; Alexandre Amado,
Antônio Jorge e José Hueb Abdala.
*
Durante décadas, Antônia Moisés Carneiro, filha de Lica e
do imigrnate Domingos Moisés, reside em Zelândia, casada com
Márcio Carneiro, fazendeiro no local. Por anos, também reside
em Zelândia o casal Labibe, filha dos imigrantes Satut e Miguel
Árabe, e Jorge Abdanur, filho dos imigrantes Sara e Miguel
Abdanur.

359
OS IMIGRANTES II

ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA

 FACURI
José Abrão Facuri e Amélia Jacob Facuri

 JORGE
Jorge Miguel Jacob e Sada Jorge Feres Jacob

 TANUS
Abrão Abílio Tanus e Rafa Rage Tanus
Jamil Tanus e Maria Georgina Abrão Tanus

360
FACURI

JOSÉ ABRÃO FACURI E AMÉLIA FACURI

Amélia e José Abrão Facuri residem longos anos em Santa


Juliana, onde nascem seus filhos. Mais tarde transferem-se
todos para a estação de Zelândia, constituindo a família de
imigrantes mais representativa do local durante décadas, nas
quais atua em vasto padrão comercial e industrial.

361
JORGE

JORGE MIGUEL JACOB E


FELÍCIA JORGE FERES MIGUEL

Radicada em Araxá, a família de Jorge Miguel Jacob


(Kefar-Habu Akar, Líbano 11.11.1897 – 12.04.1971 Araxá),
comerciante e Felícia Jorge Feres Miguel, Sada, no original
árabe (Zahle, Líbano 08.05.1897 – 22.03.1970 Araxá), reside
longo período na estação de Santa Juliana (Zelândia), atuando
no comércio, na companhia dos filhos:

1º- Adélia Jorge Miguel Tapxure (Araxá 09.11.1921 -),


casada com Fuad Tapxure, comerciante e pecuarista, natural
do Líbano e falecido em Araxá, sem filhos.

2º-Amélia Jorge Silva (Araxá 30.01.1923 – 05.09.1989


Araxá), casada com Jaime Teixeira da Silva, fazendeiro e
pecuarista, com quem tem os filhos 1-Júlio César Teixeira da
Silva, casado com Cleide da Silva, com filhos; 2-Fernando
Wagner Teixeira da Silva, casado com Rosilda, com filhos; 3-
Sandra Mara Teixeira da Silva, casada com Osvaldo, com
filhos; 4-Ilda Teixeira da Silva, casada com Renê; 5-Estela
Máris Teixeira da Silva, casada com Roberto, com filhos; 6-
Wanda Teixeira da Silva, casada/separada de Paulo, com
filhos; 7-Ivone Teixeira da Silva, casada com Divino, com
filhos; 8-Maria Aparecida Teixeira da Silva, solteira; 9-Jorge
362
Tadeu Teixeira da Silva, casado, com filhos; 10-Soraia Tadeu
Teixeira da Silva, casada, com filhos; 11-Vânia Tadeu Teixeira
da Silva,casada com Paulo.

3º- Aparecida Jorge Miguel Suaid (Araxá 15.09.1925 -


), conhecida por Leonilda, casada com Chafi Suaid, com quem
tem o filho José Jorge Suaid, casado com Tânia Suaid, com
filhos.

4º- Odete Jorge Facuri e Romes Facuri (ver Miguel


Facuri e Sarafina Jreig Facuri).

5º- Dalel Jacó Miguel de Sousa, conhecida como


Dalila (Araxá 1929 – 20.11.1970 Araxá), casada com Nicanor de
Sousa, comerciante, com quem tem os filhos 1-Meire Rose
Miguel de Sousa, casada, com filhos; 2-Mariuce Miguel de
Sousa, casada, com filhos; 3-Amir Miguel de Sousa, casado,
com filhos; 4-Nicanor Miguel de Sousa, casado, com filhos.

6º- Adib Miguel Jorge Fernandes (Araxá 03.04.1934


–), casada com Manuel Fernandes, industrial, com quem
tem os filhos 1-Maristela Jorge Fernandes, casada, com filhos;
2-Vinicius Jorge Fernandes, solteiro.

7º- Jorge Miguel Filho (Araxá 05.11.1936 – 24.08.1998


Araxá), casado com Elza Coraza Miguel, com quem tem os
filhos 1-Vanessa Coraza Miguel, solteira; 2-Adriana Coraza
Miguel, casada.

363
A família de Felícia (Saada) e Jorge Miguel Jacob reside há
vários anos em Zelândia, ajudando a movimentar o comércio
local.

364
TANUS

ABRÃO TANUS E RAFA RAGE TANUS

Um dos intelectuais mais cultos dos imigrantes libaneses


radicados no Triângulo Mineiro, Abraão Abílio Tanus (Deir-
Dalum, Líbano 04.04.1904 – 14.07.1989 Araxá), é casado com
Rafa Rage Tanus, com quem vive muitos anos em Zelândia
(Santa Juliana), onde tem vários de seus filhos. Os demais
nasceram em Araxá, para onde a família se transfere. Seus
descendentes são:

1º- Afis Abraão Tanus (Sacramento 25.01.1931 -),


comerciante, casado/desquitado de Isa Boaventura, com
quem tem os filhos 1-Glícia Tanus (Araxá 13.09.1958 – 1988
Araxá), do lar, casada com Primo Astholphi, engenheiro civil; 2-
Eduardo Boaventura Tanus (Araxá 25.01.1964 -), comerciante,
casado com Kátia Marques, empresária; 3-Amílcar Boaventura
Tanus (Araxá 05.07.1967 – 1981 Araxá); 4-Germano
Boaventura Tanus (Araxá 21.05.1977 -), comerciante, casado
com Priscila Tanus.

2º- Laila Abraão Tanus (Sacramento 20.11.1932 -),


comerciante, solteira.

3º- Sofia Tanus Malki (Santa Juliana 12.08.1933 -),


pedagoga, casada com Gabriel Malki (Belém, Jordânia

365
12.11.1929 -), comerciante, pais de Leonardo Tanus Malki
(Araxá MG 20.08.1977 -), acadêmico de medicina, solteiro.

4º- Faiçal Ibrahim Tanus (Santa Juliana 16.12.1934 -)


comerciante, casado com Geralda Maciel Tanus (Serra do
Salitre 04.03.1939 -), pais de 1-William Tanus (Araxá
04.12.1957 -), engenheiro, casado com Denise Leal de Sousa,
advogada; 2-Fádua Tanus (Araxá 14.04.1960 -), psicóloga,
solteira; 3-Alan Tanus (Araxá 04.09.1967), músico, empresário,
casado com Selma Naura Pacheco; 4-Wagner Tanus (Araxá
06.06.1969 -), engenheiro, casado com Cristine Gonçalves
Brasil, fonoaudióloga; 5-Faiçal Ibrahim Tanus é casado em
segundas núpcias com Maria Roma (Patrocínio 23.12.1934 -).

5º-Fátima Tanus Leime (Araxá 30.11.1936 -),


comerciante, casada com Pedro Leime (Araxá 06.11.1930 -),
comerciante, pais de 1-Salmo Tanus Leime (Araxá 11.12.1962 -),
comerciante, casado com Cássia Marques, empresária; 2-Saulo
Tanus Leime (Araxá 11.12.1962 -), comerciante, casado com
Gina, técnica em contabilidade; 3-Sérgio Tanus Leime (Araxá
07.11.1964 -), arquiteto, solteiro; 4-Flávia Maria Tanus Leime
(Araxá 02.02.1965 -), técnica em computação, tradutora, casada
com Júlio Alcântara, administrador de empresas; 5-Cláudia
Maria Tanus Leime (Araxá 09.01.1976 -), formada em turismo,
solteira.

6º- Watfa Tanus Ramos (Santa Juliana 05.04.1938 -),

366
pedagoga, casada com José Galvão de Pisápia Ramos (São
Paulo/SP 14.08.1938 -), doutor em física, professor, pais de 1-
Daniela Tanus Ramos (São Paulo/SP 05.07.1967 -), atriz,
casada com Marcelo Petracco, biólogo; 2-Patrícia Tanus Ramos
(Campinas/SP 07.10.1971 -), arquiteta, casada com Jack M.
Faver Jr., piloto norte-americano.

Em segundas núpcias, Abraão Abílio Tanus é casado


com Angelina Feres Tanus (Araxá 25.08.1917 -), com quem
tem as filhas:

7º- Isabel Maria Tanus (Araxá 28.03.1959 -),


educadora de arte e decoradora, desquitada, sem filhos.

8º- Sandra Núzia, afilhada de criação (Araxá 17.01.1953


-), comerciante, separada de Frederico Eládio Montandon
(Araxá 17.01.1980 -), com quem tem os filhos 1-Frederico
Eládio Montandon (Araxá 13.03.1976 -), fazendeiro, solteiro; 2-
Fernanda Montandon (Araxá 05.11.1977 -), esteticista, solteira;
3-Filipe Montandon (Araxá 17.01.1980 -), fazendeiro, solteiro.

JAMIL TANUS E MARIA GEORGINA


ABRAÃO TANUS

Ao deixar a estação de Zelândia para se fixar,


dfinitivamete, em Araxá, Abrão Tanus passa seu ponto
comercial para o primo Jamil Tanus (Deir-Dalum, Líbano

367
1906 - 1984 São Paulo/SP) com quem viera da Síria, casado com
Maria Georgina Abraão Tanus (Uberaba 1918 - ), com
quem tem filhos, quase todos nascidos em Zelândia:

1º- Fádua Tanus Salge, casada com José Aristides


Salge, engenheiro, com quem tem os filhos 1-João Marcos
Tanus Salge, médico, casado com Raquel Salge; 2-Paulo
Fernando Tanus Salge, engenheiro agrônomo.

2º- Zarih Tanus Salge, casada com Luís Gilberto


Salge, com quem tem os filhos 1-Emílio Tanus Salge,
odontólogo, casado com Maria Eloísa Salge, odontóloga; 2-
Edilberto Tanus Salge, administrador de empresas e
economista, casado com Cristiane Eli Salge; 3-Cristina Tanus
Salge, odontóloga, casada com Juan José Repucci; 4-Roberto
Tanus Salge, fisioterapeuta.

3º- Amir Tanus, casado com Maria Inês Bernardes


Tanus, com quem tem os filhos 1-Fernanda Bernardes Tanus,
2-Roberta Bernardes Tanus, 3-Gisele Bernardes Tanus, 4-
Jamil Bernardes Tanus.

4º- Helena Abraão Tanus, educadora, solteira.

5º- Amira Abraão Tanus, casada com Hamid Tanus,


com quem tem os filhos 1-Luciano Tanus, advogado; 2-Fabiano
Tanus, engenheiro; 3-Adriana Tanus, arquiteta; 4-Juliana
Tanus.
368
6º- Fátima AbraãoTanus, assistente social, solteira.

7º- Jamil Abraão Tanus, solteiro.

8º- Sônia Tanus Morais, artista plástica, casada com


José Augusto Morais, representante comercial, com
descendentes

369
370
ÁRVORE
GENEALÓGICA

371
372
373
374
375
376
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381
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391
392
393
394
395
396
397
CALIXTO CECÍLIO: UM PATRIARCA À
FRENTE DE SEU TEMPO

Sálua Cecílio

RESUMO

Este é um texto produzido na interseção de memórias de


Calixto Cecílio, meu avô, e de minha condição de imigrante e
membro de uma família árabe, que aqui se radicou e, ao longo
de décadas, assimilou a cultura nacional, como componente de
um modo de ser, constituído no entrelaçamento de culturas e
singularizado nas bases de ordem familiar. Trata-se, pois, de
trazer à tona e compartilhar recortes da história de um patriarca
e chefe de um clã, a partir da inter-relação entre histórias da
imigração, autobiografia, biografia e memórias. O objetivo é
recuperar aspectos considerados merecedores de realce pelo
que representam de exemplo, ensinamentos e quiçá lições para
gerações atuais e futuras. De certo modo, tais aspectos
apresentam-se como marcadores de identidade que podem
sinalizar lutas que fizeram de seres humanos, ávidos de
crescimento e superação, modelos e inspirações para tantos
que, até os dias atuais, podem aprender, com os que os
precederam, a enfrentar desafios e a superar obstáculos, por
acreditarem na importância de se ter fibra para não se envergar
diante os ventos fortes.

398
Palavras-chaves: Imigração. Sírio-libaneses. Colônia
árabe.

CALIXTO CECÍLIO E SEU


NETO MAURO ASSUNÇÃO
CECÍLIO. UBERABA, 1959.
COLEÇÃO SAMIR CECÍLIO.
- VIDA RITMADA ENTRE O
TRABALHO NA OFICINA
DE CALÇADOS, A
PESQUISA HISTÓRICA
E A MULTIPLICIDADE
FAMILIAR.

INDAGAÇÕES PRIMEIRAS

Começo me interrogando: Por que escrever sobre Calixto


Cecílio? Para quem? E com quais objetivos?
Para quem quer trazer à tona o que parecia esquecido ou
simplesmente guardado, é sempre difícil começar.
Principalmente, quando diversos podem ser os objetivos e os
caminhos, mas não igualmente os recursos e os interesses.

399
Proponho-me a falar sobre uma pessoa que, por razões e
fatores diversos, teve uma centralidade na vida de muitas
gerações. Seu modo de ser e ensinamentos foram de uma força e
de um significado que moldaram muitas vidas e influenciaram o
caráter e a ação de tantos que com ele conviveram e seguiram
seus exemplos. Independentemente da idade e das
circunstâncias, não havia como a ele ficar indiferente.
É sobre esse ser humano, chefe de um clã, meu avô Calixto
Cecílio, com quem que pouco vivi, mas sobre quem muito
soube, que me ponho a escrever. Escolho isso fazer,
entrecruzando minhas lembranças, com histórias de vida, que
ouvi e/ou presenciei, e leituras de escritos que apreciei e
registrei e agora me proponho compartilhar como testemunha
de uma história em que me reconheço partícipe e motivada a
dividir com tantos que, de um modo ou outro, com ela tenham
ligações diretas ou indiretas. De sua vida em Uberaba, das
labutas suas e de seus filhos, é que passo a alguns destaques de
sua personalidade e que dele fizeram um ser diferenciado pela
inteligência, persistência e exemplo que deixou aos seus
descendentes
Sempre que penso nele, me vem à mente a lembrança de
um homem já bastante experiente, no alto de sua maturidade,
assentado em sua cadeira de balanço na sala de visitas, em que
recebia, regularmente, não sei se todos os dias, seus filhos,
noras e netos; além de patrícios e amigos que, com ele,
mantinham vínculos de verdadeira e forte. E estes não eram

400
poucos. E lá estava ele; sempre no mesmo lugar, e com a mesma
autoridade. Por sinal, incontestável.
A partir daí me vejo a tecer uma trama que, em
homenagem aos meus antepassados e contemporâneos, ouso
compartilhar, movida pela emoção, pelo respeito aos que
viveram a aventura da imigração mesclada às inúmeras e
complexas experiências da emigração e do desenraizamento.
Afinal, a necessidade de abandonar a terra natal e ir em busca
de um desconhecido que acolhe, mas não substitui o que se
perde, não é uma experiência qualquer. Pode, ao longo dos
anos, além de vitórias e sucessos, expor fraturas e sofrimentos,
para muitos insuperáveis e quase intransponíveis.
Falar sobre Calixto Cecílio tem um sentido muito
particular em um contexto, em que é impossível escapar à
indiferença, ao aparentemente natural, ao casual. Falar sobre
ele tem mais que um sentido pessoal; tem uma dimensão de
resgate da história familiar e da cidade de Uberaba, pelo que, ao
longo de décadas, Calixto Cecílio e seus descendentes aqui
fizeram, e ainda têm feito, nos mais diversos ramos da
economia local. Do comércio, passando pela agricultura e o
setor de serviços, muito trabalho foi investido e resultados
puderam e podem ainda ser percebidos. Diante o realizado,
confirmam-se o espírito empreendedor e o compromisso dos
imigrantes libaneses com a cidade que os acolheu e nela
resolveram fixar para sempre suas residências.
Por anos a fio, desde as primeiras horas do dia, lá estavam
todos no trabalho, buscando sua sobrevivência e, ao mesmo

401
tempo, contribuindo para o progresso social e econômico local e
regional. Falar sobre esse processo de inserção cultural de
Calixto Cecílio e família, é também uma forma de recuperar
parte do que somos para o outro e para nós mesmos. Desse
modo, falar sobre Calixto Cecílio, nosso avô, pode significar
reestabelecer um encontro de gerações com o seu passado e o
seu futuro. E o mais importante ainda: representa um encontro
com nossas raízes. Por isso, mais do que uma tarefa e/ou um
desafio, dizer quem foi Calixto Cecílio é um compromisso com a
história familiar, com a construção histórica da cidade e com a
biografia dos seus descendentes que procuram manter e honrar
o patrimônio material e imaterial do patriarca à frente de seu
tempo.

DE EMIGRANTE INQUIETO E ERRANTE A


IMIGRANTE TENAZ E DETERMINADO

É sobre esse ser humano, chefe de um clã, meu avô Calixto


Cecílio, com quem que pouco vivi, mas sobre quem muito
soube, que me ponho a escrever. Escolho isso fazer,
entrecruzando minhas lembranças, com histórias de vida, que
ouvi e/ou presenciei, e leituras de escritos que apreciei e
registrei e agora me proponho compartilhar como testemunha
de uma história em que me reconheço partícipe e motivada a
dividir com tantos que, de um modo ou outro, com ela tenham
ligações diretas ou indiretas. De sua vida em Uberaba, das
labutas suas e de seus filhos, é que passo a alguns destaques de

402
sua personalidade e que dele fizeram um ser diferenciado pela
inteligência, persistência e exemplo que deixou aos seus
descendentes
Mas, o imigrante não é um errante qualquer. Caso o fosse,
não sobreviveria. É um destemido. Busca o desconhecido como
um horizonte de possibilidades de crescimento e de realização.
Enfrenta o presente com tenacidade e aposta no futuro sem
renunciar às suas raízes. Talvez, por isso seja forte, apesar dos
ventos que ameaçam derrubá-lo, em razão das dificuldades da
língua, do desconhecimento dos padrões culturais e das
diferenças sociais e econômicas.
E assim foi Calixto Cecílio, um ser que soube transformar
o Brasil em mais uma de suas novas moradas. Em uma delas,
mais especificamente no Brasil, em Minas Gerais, Santa Juliana
e Iraí, por último, e definitivamente, em Uberaba, fixou-se e
ampliou família, que soube honrar seu nome e dos que o
antecederam.

CALIXTO CECÍLIO – UM IMIGRANTE DEVOTADO À TERRA


QUE O ACOLHEU: TRAÇOS, MARCAS E PERFIL

Nas voltas ao passado e revisitando arquivos da memória


de quem com ele conviveu na infância e adolescência, mas sobre
ele muitas histórias e exemplos conheceu, além dos manuscritos
que ajudou a traduzir para o português, preservo a imagem do
ser ousado, perseverante e de autoridade reconhecida por todos
os que o conheceram e de sua presença puderam usufruir, desde

403
os filhos, noras e netos aos parentes, amigos, patrícios e
vizinhos. Pela inteligência, familiaridade e gosto pela leitura,
sintonizado com os fatos e capaz de acompanhar o que ocorria à
sua volta, era fácil ter o respeito dos outros que nele destacavam
a capacidade de diálogo e a sabedoria para conduzir gerações.
A central influência na colônia sírio-libanesa radicada em
Uberaba e o espírito voltado à coletividade contribuíram para o
reconhecimento da legitimidade e extensão de seu papel
unificador em relação aos imigrantes que aqui aportaram e
viveram por décadas, dedicando o melhor de si, de seu trabalho
e de seus filhos à causa do progresso material e cultural do
município, desde que aqui chegou, até quando partiu.
Mas, a história dos Cecin/Cecílio não terminou em
1/09/1962, com o falecimento de Calixto Cecílio/Kalil Ibrahim
Cecin. Continua até os dias de hoje, últimos anos da segunda
década do século 21, nos que o sucederam e souberam cultivar
as sementes e fortalecer as raízes do emigrante sírio-libanês,
nascido no distrito de Cheik-Taba, em Akkar, região norte da
então Síria, e atual Líbano, no dia 25/03/1881.
Em sua autobiografia, traduzida para o português sob o
título Reminiscências de Kalil Ibrahim Cecin/Calixto Cecílio,
talvez em formato de tributo à Cheik-Taba, sua terra natal,
descreve a geografia privilegiada da aldeia “com vista para o
mar Mediterrâneo, sendo necessárias 2 hortas, a pé, para se
atingir a costa. A aldeia cercada por 3 montanhas, se situa nas
encostas de 3 vales, naturalmente colocados para permitir o
escoamento da água pluvial”. (p.7, v.I). Sensível como poucos,

404
num tom de saudade, relembra os “sítios de amoreiras”, “os
campos de oliveiras, figos, uvas e pêras”. Fala do clima, da
irrigação das planícies pelo rio Khraib. Destaca as belezas
naturais, mas manifesta o apreço pela obra humana “cobertura
de uma fonte de água potável, em forma de arco para proteger
aos usuários em época de chuva, construída em 1910, pela
Associação Patriótica e que beneficiou toda a população” (p. 7.
v. I). Ainda sobre a mescla da natureza e a obra do homem, fala
da igreja da aldeia e de sua preservação e reforma em 1840.
Por fim, nessa abertura de suas memórias, em fidelidade às
fontes, registra que as informações apresentadas foram lhe
passadas pelos ancestrais – história oral – e que, então, o fazia
para os seus descendentes, como se sentisse fazendo justiça aos
fatos e ao que sua aldeia, para ele, significou.

DA ALDEIA PARA O MUNDO

O primogênito e o único varão dos 4 filhos de Ibrahim


Kalil Cecin e Sarah Ibrahim Bittar, Kalil Ibrahim Cecin/ Calixto
Cecílio, aos 36 anos, com a perda do pai, “no dia 28 de janeiro
de 1917” (p.18, v.I), já em terra distante, lamenta, em epitáfio, o
acontecimento que a todos deixou entristecidos. Inspirado
talvez em seu pai que emigrara, em 1904, para o Brasil, vovô
Calixto Cecílio, premido pelas dificuldades em sobreviver com o
que lhe rendiam as artes - literatura, poesia - e os ofícios de
marceneiro e sapateiro e a profissão de professor, não viu saída;
senão emigrar.

405
Em julho de 1907, aos 26 anos, deixa a aldeia, parte para
Trípoli e de lá, após 3 dias, despede-se da Síria, embarcando em
navio italiano, em direção a capital Beirute. De lá para outras
terras, outros povos e outras culturas, atravessa mares e
oceanos. Vai para Alexandria, depois para Nápoles, onde chega
ao final de julho e permaneceu por “10 dias”. Lá foi submetido a
exames para verificação de apresentar condições para seguir
viagem. Após ser examinado por um médico americano, e tendo
apresentado problema na visão, ele e o primo Rachid foram
encaminhados, segundo relato em sua autobiografia, à
“companhia de navegação, para devolverem o dinheiro pago em
Trípoli “ (p. 51.v. I), referente a uma viagem à Nova York.
Em sofrimento e dificuldades, foram socorridos por um
patrício que os ajudou a embarcar em um trem que permaneceu
alguns dias em Roma e de lá foram para Genova, local que não
puderam conhecer ou obter informações que possibilitassem
registro e descrições, como era habitual aos hábitos do vovô. De
lá, já em outro trem, foram para Paris e Londres e Liverpool.
Nesta última, deixaram o trem, após “uma viagem de 4 dias e 4
noites” (p. 54, v. I).
Conseguir ir aos EUA, não foi fácil. Desde aquela época,
havia quem se aproveitava dos patrícios e deles queria extorquir
valores, a ponto de alguns terem que enfrentar 3 meses a fio,
para escapar a chantagens e outras práticas, para obter dinheiro
“em troca de um visto” (p.54, v. I). Tendo percebido a situação
de seus compatriotas e antevendo o que, com ele, poderia
ocorrer, vovô Calixto, informou, ao dono de uma hospedaria,

406
suas dificuldades e solicitou que ele facilitasse a forma de obter
os papéis, para que seguisse viagem aos EUA, dado que até,
então, “havia percorrido uma distância equivalente a meio
perímetro da esfera terrestre” (p. 54, v. I). A resposta dada ao
vovô é que ele conseguisse dinheiro com os seus parentes e
quando esse dinheiro chegasse, o então negociador faria o
possível para resolver a situação e viabilizar a viagem. Tendo
conseguido o dinheiro com um parente e, após negociações com
o agente e acordos com o primo Rachid, para que um deles
esperasse a resposta de Washington, o outro seguiria viagem.
Muitas lutas e sofrimentos, até a chegada aos EUA, onde
se radicou por algum tempo e foi acolhido por parentes. Depois
de 2 anos em Washington, tentando sobreviver pelo trabalho no
comércio, as dificuldades o fizeram a rever seus propósitos e ele
decidiu voltar à terra natal, “em 22 de outubro de 1909. (p. 82,
v. I)”. Após 15 dias, em Alexandria, embarcou para Trípoli e
após 3 dias, avistou o Monte Líbano. Em Trípoli, tomou uma
condução para Akkar, onde se encontrou com os familiares e
esperava rever a esposa Bárbara que, para sua tristeza, nesse
momento de volta a Cheik-Taba, soube que ela havia falecido,
em 1909, e deixado seus filhos Iskandar Cecin, com 4 anos e
Naufal Cecin, com 2 anos, que ficaram sob os cuidados de sua
avó paterna Sarah Bittar.
Calixto Cecílio não desistia de buscar dias melhores e de
emigrar novamente. Mas, após visitas a Gibrail, cidade vizinha,
conheceu Rafa Scaff que seria sua segunda esposa e mãe de seus
12 filhos: Laila Cecílio Hueb, José Cecílio, Romes Cecílio,

407
Abrahão Cecílio, Rauf Cecílio, Fuad Cecílio, Rene Cecílio, Nagib
Cecílio, Nege Cecílio, Samir Cecílio, Munir Cecílio e Saleh
Cecílio. Com o casamento, parecia aos seus pais, afastada a ideia
de seu filho deixar a aldeia em busca de melhores condições de
vida. Depois de 3 meses de noivado (p.93), assumiu um
emprego na escola russa em Kusba. Em 9 de agosto de 1910,
casa-se com Rafa Scaff.
Teve oportunidade de lecionar em Baino e em Gibrail,
locais mais próximos de sua aldeia natal. Em fevereiro de 1912,
dada sua insegurança para sobreviver como professor e garantir
a tranquilidade e as necessidades da família, como registra em
sua autobiografia, na p. 98 (v. I), ele “notifica a escola sua
exoneração do cargo” e decide de vez sua emigração para o
Brasil.
Nos primeiros dias de março de 1912, vovô Calixto, sua
esposa Rafa e sua filha Laila, então com 8 meses, seus primos
Rachid e Elias Cecin, tomaram o navio em Trípoli e após 1 hora,
chegaram a Beirute. Após terem passado por Haifa, Jafa e Port
Said, chegaram a Alexandria. Dai partiram para Marselha, onde
permaneceram por 10 dias, segundo relatos em sua
autobiografia. De lá, no primeiro dia de abril pegaram o navio
com destino ao Brasil, passando por Gibraltar e de lá para a
Bahia de Todos os Santos (Salvador), em 18 de abril de 1912.
Relata ainda que “o vapor ‘Paraná’ chegou ao porto de Santos
em 18 de abril de 1893” (p. 108, v. I), de onde foram para São
Paulo, de trem, lá chegando às 20 horas.

408
No Brasil, antes de se fixar em Uberaba, Calixto Cecílio
passou por outros lugares, como Mococa, milagres, São
Benedito. Após 3 dias em Uberaba, foi para Santa Maria, aldeia
pertencente à Uberlândia. Tendo voltado para buscar a família,
encontrou-se em uma estação – Palestina - com parentes vindos
de Santa Juliana, que o convenceram a deixar Santa Maria. Foi
para um lugarejo chamado Crioulos, hoje Pedrinópolis, onde
nasceu, em 1 de outubro de 1912, seu filho José Cecílio. Lá ficou
durante 10 meses. Em maio de 1913, seguiu para Santa Juliana,
onde permaneceu com a família, até 1914. Veio para Uberaba no
início de 1915. Depois, ele e sua família se mudaram para Iraí,
onde permaneceram até 1926, quando em 6 de julho desse
mesmo ano, deixaram o local, rumando para Uberaba, sendo
aqui recebidos pela sua filha Laila recém-casada com Nassim
Miguel Hueb, também nascido em Cheik-Taba.

OUSADO QUANDO JOVEM; DETERMINADO NA


MATURIDADE E PERSEVERANTE NA VELHICE

Se hoje estamos à sombra, um dia alguns se expuseram ao


sol por nós; se soubemos percorrer caminhos difíceis, houve
quem ousou e insistiu em abri-los para nós e por que não dizer
para os muitos descendentes de Calixto Cecílio. E isso é o que
na simplicidade do cotidiano e nas inúmeras renúncias ao
imediato que se fez e ensinou seus filhos e descendentes a se
fazerem e se transformarem no que são e nos que, embora não
mais entre nós, permanecem pelos exemplos e pela história que

409
deixaram. Dessa forma consigo falar sobre ele, sem ser piegas
ou correr o risco de jogar palavras ao vento. As palavras são
importantes enquanto se prestam para abrir caminhos e
construir pontes e cumplicidades para estar de fato com o outro.
Elas não são inocentes e não acontecem por acaso. Elas
sinalizam o que somos e ao mesmo tempo definem a natureza
do que sobre o outro ou em relação a ele podemos manifestar
algo, admitidas as diferenças de lentes afetivas, teóricas,
ideológicas, políticas e /ou religiosas.
De qualquer modo, ouso puxar fios da história de vida,
desenrolar novelos e talvez tecer outras tantas tramas,
misturando nelas presente, passado e futuro, tanto para
homenagear o que me pareceu digno e essencial, quanto para
repensar o que poderia ter sido melhor, mais ameno, menos
duro ou mais inflexível diante os nossos desejos, quereres e
anseios.
Pessoas marcantes, firmes e cientes de sua
responsabilidade em relação aos filhos, noras, netos e
descendentes de tantas gerações, não passam em branco;
imunes aos outros e ao que representaram de desafios a
permanecer na luta incessante para estar à frente ou ao lado de
uma família; talvez e melhor dizendo, no centro de um grande
grupo, conduzindo-o em diretrizes morais, valores,
ensinamentos que não são adquiridos em quaisquer condições e
lugares. Dos mais velhos aos então crianças que com ele
conviveram na velhice, todos somos capazes e temos algo sobre
a dizer.

410
Por uma escolha, que interpreto de muita
responsabilidade e talvez exigente e desafiadora, assumi fazer
uma ponte entre o passado e o presente, arriscando-me a dizer
algo que possa ser fiel ou o mais próximo do que ele simbolizou
para todos e para cada um; para muitos e ao mesmo tempo de
forma única para cada um em particular.
Tenho certeza de que as palavras são restritas para
traduzir o que pensamos sobre o outro. Afinal, seu mundo e sua
vida são infinitamente maiores e mais ricas e complexas do que
as estratégias linguísticas e comunicacionais de que dispomos.
Mas, mesmo assim, acredito valer a pena socializar um possível
retrato delineado com os matizes da sensibilidade, com os tons
de uma memória que insiste em fazer aparecer ao outro aquilo
que a marcou e faz a vida andar em busca de tudo o que nos faz
ainda vibrar e sonhar, apesar de tropeços, quedas, dores e
sofrimentos.
Vovô Calixto, o patriarca, se assim posso chamá-lo, não
passou em vão nessa existência. Viveu intensamente todos as
fases de sua vida. Fez história e ainda se faz presente nos
núcleos familiares que gerou e que, todos, sem exceção, temos o
compromisso de honrar, não apenas por tradição. Mas,
essencialmente, por convicção e certeza dos valores e princípios
que defendeu e viveu.
Desde muito cedo lutou com denodo e coragem pela
sobrevivência pessoal e de sua família. De horizontes amplos,
despediu-se do conforto e aconchego dos seus entes mais
queridos, e foi à procura de um futuro melhor. Deixou sua terra

411
natal, renunciou à convivência familiar, afastou-se dos que
tanto amou e por quem tanto foi amado, premido pelas pressões
da subsistência.
Ousou e construiu um tesouro que o tempo não consumiu.
Lutou desde a juventude até a velhice e ergueu, mais que bens
materiais, um grande e imemorável patrimônio imaterial,
representado pela educação de seus filhos, pelo amor
incondicional à família e pela militância incontestável em favor
da união do mundo. Foi um nacionalista até o fim. Infelizmente
suas convicções foram contrariadas, quando das divisões
geográficas e políticas do mundo árabe que deixaram, para trás,
o potencial de sua unidade e de sua soberania, inviabilizadas
pelas lutas de poder de forças internacionais, em busca de
hegemonia econômica e política.
A sua visão e sua sensibilidade em relação ao mundo árabe
e ao lugar que poderia conquistar no cenário histórico fizerem
dele um ser político na acepção plena da palavra. Não lhe
bastavam as pequenas lutas, principalmente as restritas aos
interesses domésticos e/ou aos interesses de alguns. O mundo,
que buscava, era aquele que pudesse trazer o melhor para
muitos, senão para a maioria. O seu horizonte parecia
desproporcionalmente maior aos limites geográficos de seu país
e de sua vida familiar. Sonhava com um mundo melhor não
apenas para os seus, mas para todos.
Foi um apaixonado pela causa árabe. Tanto que, em
Uberaba, pelo que se tem de informação, fundou o clube sírio-
libanês, local de congraçamento e convivência, por muitas

412
décadas, dos imigrantes, que aqui se fixaram e fizeram história.
A sede inicial foi na praça Frei Eugênio e seu primeiro
presidente, foi Calixto Cecílio. Alguns de seus filhos, também
tiveram a honra e o compromisso de seguir o exemplo do pai e,
também, presidiram o clube, sempre muito valorizado pelos
sírios, pelos libaneses e pela comunidade local.
Em sua autobiografia e conforme o que foi possível inferir
do modo de vida que cultivou, vovô Calixto era “de pouca
conversa”; preferia o isolamento para pensar e refletir às
reuniões sociais. Nacionalista convicto, defendeu suas origens e
as honrou até o fim de sua vida. Sua vida foi de trabalho,
dedicação à vida familiar e às leituras e escritos sobre temas
variados: pátria, história, família e sobre si mesmo. Aproveitava
suas horas vagas, para registrar reflexões, compartilhar
descrições dos lugares por onde andou e deixar pensamentos e
considerações sobre a existência e os valores, que lhe pareciam
importantes e que gostaria que fossem pauta de vida de seus
descendentes.
Tudo isso deixou em um livro manuscrito em árabe e que
foi traduzido para o português por Hamid Alexandre Cecin e
Elia Chafic Rassi, com o título Reminiscências de Kalil Ibrahim
Cecin (Calixto Cecílio) cuja edição se deu em dois volumes. Em
uma conversa com os amigos, quando perguntado sobre o que
deixaria para seus filhos, ele disse que seria um livro. Foi nesse
livro, no segundo volume da tradução, p.150, ao seu final, que
ele considerou “a melhor herança que poderia ser deixada e, da
minha parte, ultrapassa tudo aquilo que os outros interlocutores

413
queriam deixar para os seus descendentes”. E este foi mais que
um presente. Foi um legado que todos os seus descendentes
preservam com apreço e convicção, sempre nele reconhecendo
inspirações e exemplos para seguir.
Exerceu com inteireza dos seres plenos a cidadania e o
protagonismo dos que sabem o que querem, porque querem e
para onde escolhem caminhar para atingir seus objetivos. Viveu
como os que fazem da sua vida uma escolha que os transforma
em protagonistas de sua história; enquanto em cada ação, cada
decisão e cada ensinamento, expressam decisões e autonomia
dos que sabem o que querem e criam condições para
transformar, em realizações, o que pensaram.
Foi único. Conseguiu desenvolver a singularidade de
quem reconhece, em si mesmo, a história e coletividade que lhe
permitem perceber-se em união com os que defendem as
mesmas causas, se inserem nas mesmas lutas e abraçam as
mesmas bandeiras.
Da Síria para o mundo, sem limites e sem temores, não se
apequenou diante os obstáculos. Este ser foi Calixto Cecílio e,
originalmente, em árabe, Kalil Ibrahim Cecin, que nos deixou
aos 81 anos de idade. Nesses três nomes, marcaram-se as
gerações de seu pai, seu avô e a sua própria, como manda a
tradição oriental. De tal modo, mais que sucessão de nomes,
mais que uma marca qualquer, cada um carrega, em seu nome,
o patrimônio de gerações que o precederam.

414
HAMID ALEXANDRE CECIN

UMA VIDA DE RENÚNCIAS E CONQUISTAS, ETERNIZADAS


EM GERAÇÕES QUE CARREGAM, NO NOME, UM
PATRIMÔNIO

Arriscou-se a cruzar mares e terras em busca de um


mundo melhor. Desinstalou-se do aconchego familiar e rumou,
desde bastante jovem, ao desconhecido de outro continente e de
outra civilização. Experimentou desde muito cedo o sofrimento
da separação filial e familiar.
Renunciou ao lar; conviveu com adversidades e enfrentou
os desafios de culturas e terras desconhecidas, embora

415
promissoras. Aprendeu, desde então, o caminho da luta
incessante pela sobrevivência. Pela ascese e renúncia contínua
às facilidades do dia a dia, plasmou o seu caráter e definiu-se
como personalidade com a fibra dos vencedores. No lugar das
conquistas materiais e do luxo, empreendeu lutas diárias pela
educação de seus filhos, movido pela convicção de ser esta a
grande herança que a eles poderia deixar. E assim o fez. Criou
os seus filhos à imagem e semelhança de si mesmo: espelhando-
se na integridade do caráter, na prática e defesa do bem, no
amor incondicional à família.
A dificuldade econômica, o pós-guerra e a esperança de
encontrar a terra prometida, moldaram o seu caráter e o
tornaram cada vez mais seguro em relação aos seus princípios e
ao que queria para si e para os seus. Soube educar pelo exemplo.
Pelo trabalho incessante, pela rotina de renúncias às facilidades
do presente, conseguiu superar o inóspito e viver a esperança de
um futuro, cujas sementes desde tenra idade plantou e cuidou.
O que minha memória preservou e agora funciona como
uma estratégia de recomposição identitária e de explicação
possível do que sou e muitos de nós também o são – sensíveis,
unidos em torno dos valores da família e ligados às nossas
origens – parece um recurso e um mecanismo para amenizar a
experiência do desenraizamento e da austeridade de vida que
parecem ser atávicas aos divididos em dois mundos: o que
deixaram e o que os recebeu. Saudade da terra que se deixou e
gratidão pela terra que acolheu é o que unifica os imigrantes
que aqui vieram, se fixaram e formaram gerações. Por isso, o

416
que importa diante disso, é reconhecer a história e preservar a
imagem de Calixto Cecílio, a figura que impunha respeito e fazia
crescer a crença no valor da obediência e respeito aos mais
velhos. Este retrato é que trago é para mostrar como é possível
tecer nossa própria história a partir da história do outro.
E assim, devagar e com cuidado, percorrendo caminhos,
driblando terrenos inóspitos e contornando arestas das
diferenças e das desigualdades, vou traçando contornos e perfil
de quem muito ensinou e permanece presente pelo que
transmitiu e educou. Exemplo para gerações ainda é lembrado
e seguido, especialmente pelo que pouco levou, mas muito
deixou de patrimônio imaterial integrado pelos ensinamentos,
sabedoria de vida, princípios e referência para tantos.
Honrou suas raízes como poucos, preservou a história e os
valores de sua aldeia Cheik-Taba e seu país, então a grande Síria
que, em tempo algum, saíram de sua vida e de sua
autobiografia. Seus escritos deixam transparecer que esta
mesma terra natal atravessou não apenas sua geração, mas das
que o sucederam.
Embora possa parecer um paradoxo – buscar altos voos,
emigrar para os Estados Unidos e depois para o Brasil,
cruzando mares e oceanos e, ao mesmo tempo, manter-se ligado
por toda sua vida, seu amor e fidelidade às suas origens,
assimilou a cultura os lugares em que residiu, apesar das
dificuldades inerentes aos processos migratórios.
Devotado à preservação de suas origens desde muito
jovem, deixou em sua obra traduzida que sua aldeia tinha 4 ou 5

417
casas quando nela nasceu e esteve. Incrível saber que nascido
em um local de restritas possibilidades, aspirava e insistiu em
ultrapassar seus limites. Transformou sua vida em uma
aventura contínua, entremeada por lutas, conquistas e desafios.
Apesar dos tropeços e das quedas, como todo emigrante, não
perdeu seu ânimo e insistiu na caminhada. Sonhou. Formulou e
perseguiu utopias. Buscou a dignidade com o denodo “de quem
busca abraçar “uma utopia”, como ele mesmo sugere e diz em
seu livro traduzido como Reminiscências de Kalil Ibrahim
Cecin, ao admitir, com clareza e lucidez que: “Uma vida
condigna é intangível para um professor sírio; uma vez que são
curtos os seus braços para tocar naquela quimera (p. 44. v. I).
Calixto Cecílio estabeleceu prioridades e hierarquias de valores
e princípios. De certo modo, esteve à frente de seu tempo. Lutou
e resistiu à acomodação e à inercia. Superou dificuldades e
conseguiu preservar seus valores.
Se preciso fosse reunir em algumas poucas palavras seu
perfil e síntese identitária, para os que não o conheceram, talvez
pudesse dizer, que Calixto Cecílio ou Kalil Ibrahim Cecin foi
inquieto na infância e na adolescência, se é que teve
adolescência; ousado na juventude, visionário na maturidade e
persistente e articulador na velhice. É assim que o vejo. E é essa
a lição de vida que me parece valiosa, para preservar e seguir,
como se, assim, o homenageássemos, para sempre.

418
Referências:
CECIN, Kalil Ibrahim. Reminiscências de Kalil
Ibrahim Cecin (Calixto Cecílio). Tradução do original árabe
por Hamid Alexandre Cecin e Elia Chafic Rassi. Comissão
Editorial: Hamid Alexandre Cecin; Sálua Cecílio, Sonia Maria
Cecílio Oliveira, Vânia Leisa Cecílio e Virgínia Rafa Cecílio
Resende. Uberaba: Pinti Editora e Gráfica. s/d, vol. I. * Por
data de dedicatória, presume-se ter sido, em 1996, o ano da
edição.
CECIN, Kalil Ibrahim. Reminiscências de Kalil
Ibrahim Cecin (Calixto Cecílio) Tradução do original árabe
por Hamid Alexandre Cecin e Elia Chafic Rassi. Comissão
editorial: Hamid Alexandre Cecin, Sálua Cecílio, Vânia Leisa
Cecílio Pável. Notas de rodapé: Hamid Alexandre Cecin.
Uberaba: Pinti Editora e Gráfica. 2002, vol.2.

Bibliografia
CECÍLIO, Sálua. Família Calixto Cecílio (Kalil
Cecin): uma incursão pelas origens. Criação e coordenação:
Sálua Cecílio. Colaboradores: Elia Chafic Rassi, Hamid
Alexandre Cecin e Samir Cecílio. Digitação: Reinaldo Cassiano
Oliveira. Arte final e diagramação: DR Arte Real. Impressão:
Pinti Editora e Gráfica: Uberaba, MG, 1999.

Uberaba, 06 de julho de 2020

_________________________
Professora universitária. Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP. Doutora em Ciências –
Sociologia pela USP-SP.

419
FAMÍLIA DE ISKANDAR (ALEXANDRE) CECIN E ADÉLIA JARJOURA
(JORGE) RASSI EM MOMENTO DE CONFRATERNIZAÇÃO EM 1969

420
APENSO

421
UM TANGO PARA LINEU*

Jorge Alberto Nabut

Não o Lineu-irmão que me olhava nos olhos e me


adivinhava os pensamentos; não o cardiologista a me dizer que
do coração eu não morreria; não o filho amantíssimo, o marido
romântico, o pai conectado com as mães árabes; nem o
apresentador de TV que levava consciência sobre saúde ao povo;
muito menos o mestre adorado pelos alunos.
Evoco o Lineu profano, profundo, o amante dos tangos
noturnos – todos os tangos são noturnos – com suas cargas
escaldantes de emoção e ritmo, as cortinas de veludo que se
abrem para um tempo inexistente (a não ser dentro de nós), o
enamorado do rádio vibrante através do qual construía seu
mundo, sempre a partir de tangos, elemento de sustentação de
seu fascinante universo cultural. É o Lineu que trago de volta, a
largas passadas no salão, onde a dança permissiva permite
compassos e comportamentos muito mais que libidinosos.
Arguido para saber por que os árabes amam tanto o tango,
Lineu me ensinou que essa identificação é feita através do
compasso e da emoção da música portenha. Me fez ouvir
melodias e adivinhar se eram árabes ou tangos, aguçando meus
sentidos rítmicos e sentimentais, expostos na melodia densa e
nas letras derramadas, passionais, sangrentas; caminho para eu
compreender, no futuro/presente, o surgimento dos homens –
bombas no Oriente Médio: o que custa a um jovem que tendo o
422
seu mundo arrasado envolver o corpo em bombas e fazê-las
explodir frente ao inimigo implacável?
Tudo em Lineu funcionava segundo a estrutura do tango.
O gestual, a fala, a concatenação das ideias em ebulição, o olhar
de gavião, a tez franzida querendo explodir entre raciocínios.
Lineu não era um portenho nascido no Brasil. Não. Tinha
raízes fundas, fincadas nos “Tristes Trópicos”. Amava a música
romântica brasileira.
De suas crônicas, tenho predileção especial por O Olhar
Árabe, na qual fala da “força” que tem o olhar dos árabes (em
primeira instância, ele se refere à mulher), “denso” e
“penetrante”.
Lineu escreceu crônicas memoráveis, lançadas, inclusive,
em livro. Mas era na fala, eloquente, que ele dominava a
criatividade, os pensamentos que lhe vinham aos borbotões.
Para conversar com Lineu, era necessário um gravador no
cérebro, pronto a registrar toda sua fala. Asssim não
perderíamos as “sacadas” do notável crítico da humanidade.
Sorte de amigos mais chegados, com quem liberava seus
pensamentos e análises geniais, como aquela “crônica oral”
sobre o significado do termo “primo” para a colônia libanesa.
Homem de memória fantástica, sabia de cor centenas de
telefones (fixos ou celulares), a ponto de pessoas recorrerem a
ele para saber o número do telefone de seus próprios familiares.
Enrolado a uma toalha, pela sauna adentro, ele
incorporava o Marco Antônio, de Shaskespeare, proferindo o
antológico discurso dito quando do assassinato de Júlio César.

423
Romano atemporal, declamava poemas – muito Fernando
Pessoa e Pablo Neruda – ou até mesmo, na íntegra, a Missa
Católica, em latim, herança cultural dos tempos do Ginásio
Diocesano, preservada em sua memória com aura mágica, pela
mística da língua morta.
Aluno dos maristas, Lineu tirou dos ensimnamentos
curriculares sua reserva de conhecimento, ou seja, aquilo que
lhe interessava, jogou o resto fora e “caiu na vida”. Deixou-se
“prostituir” pelos escritores clássicos, pela poesia, boleros,
mulheres, namorada, esposa, pistas de dança e tango (claro).
Mas era difícil levá-lo novamente a Buenos Aires. Tinha
dificuldades para se deslocar de Uberaba. E certamente por isso
“viajava” tanto em pensamento. Bastava sentar num bar para
começar a se deslocar para outras paragens, com rapidez de
boing.
Muito antes do previsto, Lineu fez a viagem definitiva; sem
retorno, sem música, sem memória, sem a matemática de suas
ideias, a física de suas digressões que tanto nos excitava o
raciocínio, sem a multiplicidade dos números com os quais se
dava tão bem e deles tirava tanto proveito.
Essa viagem macabra nos magoou a todos, tirando a gente
do sério. Um vazio caiu sobre nós como uma bomba em Bagdá,
numa casa onde crianças dormem sua inocência.
Somos vítimas dessa viagem de Lineu.
Será que Lineu olharia para trás se gritássemos por ele na
curva da estrada da vida? Mas quem olha para trás somos nós,
emudecidos com sua ausência, a nos culpar por não termos

424
ficado mais tempo com ele, ouvido mais sua fala, tomado mais
cachaça em sua companhia e lhe preparado mais malfufes e
quibes, como minha mãe gostava de fazer.
A viagem definitiva de Lineu Miziara empobreceu
Uberaba, provocando um desastre cultural na colônia libanesa.
Mais uma vez um tango; agora, para o que não tem
remédio.

______________
*Lineu José Miziara (Uberaba 05/05/1942 – 24/09/2005
idem) médico cardiologista, professor da FMTM, escritor e
sábio.

425
OLHAR ÁRABE

Lineu José Miziara

Toda aquela abundância de vestes folgadas para que o ar


se aprisione entre o clima e o corpo. O deserto exige.
Se os camelos não suportassem o que suportam, o deserto
por dentro, seria só ficção para eles. E se eles não fossem
obstinados como o deserto os ensinou a ser, talvez tivessem sido
extintos. Falo dos árabes. E falo cheio de ancestralidade
adoravelmente inapelável.
Olhando esta senhora que está diante de mim, vejo todos
os que me precederam. Ontem, e há milhares de anos.
Em cada traço fisionômico... uma história a ser contada.
Os ângulos salientes das mandíbulas e a necessidade de
mastigação forte para homogeneizar trigo e carnes
conservadas... Mas as mandíbulas se tornam irrelevantes diante
daqueles olhos. De universal beleza, os olhos são a marca
pontificante do rosto árabe. Maomé foi um dos responsáveis por
tal beleza. Ao ordenar que as mulheres tapassem o rosto em
público, o profeta islâmico criou o processo da seleção pelos
olhos deixados de ver.
Mas a beleza não está apenas nos olhos; está também no
olhar. Misto de autopiedade e desafio, o olhar da mulher árabe é
a transparência da sensualidade. Redondos, ou oblongos como
amêndoas, negros, verdes, cinzentos ou azuis, - depois da
poetista Mai -, os olhos e o olhar árabes serão sempre a sedução
426
e o mistério. Sedutores, os olhos recuam e avançam nas órbitas
comandados pela cor do firmamento; misteriosos, ocultam os
perigos dos desertos e a perfídia das miragens.
E é nos olhos, também, que reside toda a tristeza deste
povo. Inarredável tristeza. Vejo nesta senhora de 78 anos um
todo comum a cada um, e o todo é triste, e o todo está no olhar;
percebo que no meu Oriente todos são um em cada olhar. Olhar
revelador de dissidências, incoerências, explosões, que nada
mais são do que uma comunhão de paixões. Intensas.
Implicitamente concomitantes. Paixões em busca de
individualmente.
E a religiosidade? Impossível deixar de vê-la. Expressa no
olhar.
Não obstante os vazios dos desertos, no olhar árabe não há
vazios. Os vazios estão repletos de Deus.

427
FAMÍLIA DAHER

Sahid Miguel Daher

O velho Cheik Youssef Daher vivia a beira de um riacho


que tinha o nome de Naher Brohim próximo ao mar
Mediterrâneo, na costa do Líbano. Tinha 5 filhos. No decorrer
de 5 (cinco) anos viu partirem 4 (quatro) filhos em espaços de
alguns meses, 1 (um) fora para a Síria o outro para Beirute no
próprio Líbano, o terceiro para o Egito e o quarto para a
Espanha.
Este fato criou em Josué a sensação de que ficaria só, se
não fixasse o último filho, Miguel, a terra. Assim tratou de
procurar um sítio próprio para cultivo em que pudessem viver,
produzir. Passados alguns anos o sítio foi tomando forma e o
trigo, as macieiras, as oliveiras e as videiras cresciam colorindo
de verde o vermelho da terra.
Alguns anos passaram e as amizades nas cidades próximas
aumentavam cada dia mais e o velho José sentiu que o filho
deveria se casar. Dado um balanço nas moças das famílias
amigas e a bela Jamile fora a escolhida.
Jamile era filha de Brohim Rassi e de Mariam Nabut, que
eram de Rãs Balbek e Amium, respectivamente. O casamento se
deu poucos dias após e foi comemorado por várias semanas,
como era o costume.

428
O novo sítio foi crescendo e assim, após o casamento de
Miguel Daher, deu nome ao local do sítio: Cheik Taba, e o ano
era 1680.
Jamile que descendia de duas famílias, Rassi e Nabut, foi
atraindo parentes para o novo sítio, Cheik Taba. As famílias
foram crescendo e povoando a cidade. Miguel e Jamile tiveram
5 (cinco) filhos durante os anos vindouros, que receberiam os
nomes de José – João – Musse – Jorge e Elias. Nesta
narrativa, daqui para frente, vamos observar que a repetição de
nomes de pais, mães e filhos chega a exaustão. Parece até falta
de imaginação mas não era, era puro amor aos pais e filhos.
Queriam dizer: - quando você se for tê-lo-ei na lembrança mas
seu nome seguira na eternidade de nossos descendentes.
Os descendentes de Miguel e Jamile viveram, gerando e
multiplicando, construindo e educando suas gerações e vivendo
de uma felicidade natural de paz como as águas de um regato
que se juntam a outras e deságuam no grande oceano da
Humanidade.

(Cheik Taba – Três Famílias. Goiânia: Kelps, 1999)

429
Especial Mansour Challita

QUEM É ÁRABE?

Publicado no Jornal do Brasil, 24 de fevereiro de 1980.

O Brasil é hoje o país que talvez tenha as melhores


relações com o mundo árabe, pois nenhum ressentimento os
separa por causa de colonialismo passado ou de envolvimento
nos conflitos da região, e porque o intercâmbio deles se limita às
trocas comerciais, as trocas mais aptas a fazer amigos. Com
freqüência crescente, delegações árabes chegam ao Brasil e
delegações brasileiras partem para algum país árabe.
A palavra árabe é empregada inúmeras vezes por dia em
notícias, comunicados, artigos, reportagens, discursos,
contratos, declarações. Imagino, portanto, o choque que
manifestará qualquer brasileiro se eu lhe disser que está
empregando uma palavra sem saber o que significa. E, se
reclamar, pedir-lhe-ei apenas que responda à simples pergunta:
O que é um árabe? Quem é árabe?
E, se o leitor se achar esperto e correr logo aos dicionários,
fechá-los-á mais confusos que antes, pois nenhum deles dá do
vocábulo uma definição convincente. Não somente as definições
são incertas, como variam substancialmente de um dicionário
para outro.
Diz o Aurélio: “Árabe: natural ou habitante da península
Arábica e, por extensão, indivíduo de qualquer dos povos

430
semitas de origem árabe, espalhados pelas regiões
circunvizinhas”.
Diz a Enciclopédia Tudo: “Árabes: povos cuja língua é o
árabe e que se identificam com a cultura árabe”.
Diz o Larousse: “Árabe: da Arábia, dos países
muçulmanos”.
Diz o Webster: “Árabe: membro do povo semítico da
península Arábica; membro de um povo de língua árabe”.
Assim, as definições de árabe baseiam-se ora na raça, ora
na geografia, ora na religião, ora na língua, ora na cultura. Fato
significativo, o dicionário árabe mais consultado, o Al-Munjid,
incapaz de chegar a uma definição satisfatória, simplesmente
não registrou o verbete árabe.
Por que é tão difícil definir o árabe? Por que é difícil
aprender a realidade que está atrás do vocábulo? Essa
dificuldade tem uma origem histórica. Antes do Islã, o árabe era
mesmo o habitante da Península Arábica, num sentido
geográfico e racial. Mas no século VII, nasceu o Islã naquela
península, ao mesmo tempo uma religião e um Estado. Esse
estado era árabe e muçulmano. Os exércitos que saíram da
península à conquista do mundo eram árabes e muçulmanos. O
império que fundaram chamava-se árabe e muçulmano.
A palavra árabe começou a perder o sentido original,
objetivamente geográfico e racial, para adquirir diversos
sentidos subjetivos impregnados de emoções religiosas,
políticas, ideológicas, patrióticas. Tornou-se pouco a pouco a
palavra mais complexa do vocábulo político internacional. Seu

431
significado, variável flutuante, apresenta pelo menos cinco
facetas.

A FACETA RELIGIOSA

As civilizações antigas baseavam-se na noção de pátria. Os


próprios deuses eram nacionais. Mas, com o nascimento e
expansão do Islã, não era mais uma pátria que se opunha às
outras, mas a uma religião às outras.
“O ideal criado por Maomé foi exclusivamente religioso”,
escreveu Gustave Le Bon em seu livro A Civilização Árabe, “o
império fundado pelos árabes apresenta este fenômeno
característico de ter sido o único grande império estabelecido
em nome de uma religião e tirando dessa religião todas as
suas instituições políticas e sociais”.
Cresceu, assim, uma ligação íntima entre islamismo e
arabismo. Os dicionários árabes não negam essa interligação:
justificam-na, ao contrário, e exaltam-na.
Escreveu Fahmy Huaidy na prestigiosa revista Al–Araby,
do Kuwait, falando dos árabes em geral: “Nossa personalidade
tem duas fundações: o Islã e o arabismo. Qualquer construção
que não se baseie nelas está fadada ao ruir. Os laços
estabelecidos entre o Islã e o arabismo ao longo de 14 séculos
não são desprezíveis. Os dois formam um corpo só, uma
verdade única e inseparável. Essa identificação atingiu tal
ponto que a palavra Islã significa árabe e a palavra árabe
significa Islã”.

432
O que torna o problema complexo é que diversos países
árabes têm cidadãos que não são muçulmanos. Se esses
cidadãos não foram considerados árabes por não serem
muçulmanos, o que serão? É o caso dos cinco milhões de coptas
(cristãos) do Egito, do milhão e meio de cristãos na Síria, do
meio milhão de cristãos no Sudão. É mais tipicamente o caso do
Líbano, onde as comunidades cristã e mulçumana são
praticamente iguais.
Em 1984, o homem forte da Líbia, Moamar Khadafy,
causou enorme celeuma com suas declarações à revista
americana Newsweek e ao jornal francês Le Matin, de Paris.
Nelas, afirmava que a única solução do conflito libanês está na
adoção do Islã pelos cristãos, pois “os árabes só podem ser
muçulmanos”. O que faria Khadafy com os libaneses cristãos
que não aceitassem renunciar à sua fé milenar? E como
conceber o líder popular a liberdade de consciência, a mais
sagrada das liberdades?
Nem todos os muçulmanos confundem tão radicalmente
quanto Huaidy e Khadafy, islamismo e arabismo. Muitos
estabelecem fronteiras entre eles. Mas são fronteiras movediças
e indefinidas. Mesmo o fato de que existem países muçulmanos
que não são árabes (Turquia, Irã, Paquistão, Afeganistão, etc)
não consegue separar os dois conceitos. Tal é a primeira faceta
da palavra árabe.

433
A FACETA IDEOLÓGICA

Outra faceta, não menos intrigante, é a ideológica que


significa, com efeito, a palavra árabe em expressões como a
nação árabe, o povo árabe, a pátria árabe, aplicadas no singular
a um conjunto de países tão diferentes – racial, cultural,
econômica, política e historicamente – quanto o Sudão, a
Somália, o Egito, o Líbano, a Mauritânia, a Arábia Saudita, o
Iraque, a Síria, o Iêmen, a Líbia, a Tunísia, o Kuwait, Bahrein, o
Marrocos, a Argélia e Djibuti.
Embora essas expressões tenham certa coloração
muçulmana (o Alcorão emprega a palavra nação no sentido de
comunidade religiosa: “Sois a melhor nação que já surgiu entre
os homens”), elas procedem antes de emoções vagas do que de
doutrinas definidas: o orgulho das glórias passadas no império
árabe-islâmico e a aspiração de repetir essas glórias; a nostalgia
da união passada e a esperança de uma união futura.
Às vezes, essas expressões, desligadas da realidade,
constituem uma espécie de negação poética da realidade ou
mesmo uma vingança contra a realidade: os países árabes estão
divididos em blocos e facções? Muitos deles lutam entre si?
Nenhuma das tentativas de união, mesmo parcial, concretizou-
se? Tudo isso não passa de aparências enganosas. No fundo,
formamos uma só nação, um só povo, uma só pátria.
Há na literatura árabe, que é uma das mais ricas do
mundo, o reflexo de duas escolas de pensamento
diametralmente opostas: de um lado, sociólogos, filósofos,

434
pensadores de admirável sagacidade e realismo, como Ibn
Khaldoun, o fundador da filosofia da história; Ibn al-Mukafa, o
autor de Calila e Dimna, Averrões, Avicena, Al-Maarri e tantos
outros. Do outro lado, poetas para quem as palavras substituem
os fatos e que se movem num mundo metafórico onde não
existe distinção entre a fantasia e a realidade. E o Oriente sendo
o Oriente, o povo participa do devaneio do poeta.
Uma vez, perguntou Laila a seu pai?
De quantos soldados se compunha aquele exército
numeroso, tão belamente descrito por meu avô nestes versos:
“Era um exército multicolorido e garboso cuja cabeça fazia sua
entrada em Damasco enquanto sua retaguarda ainda não
havia saído de Medina?” (Uma distância superior à que separa
o Rio de Janeiro de São Paulo).
Precisamente eu me encontrava nele, minha filha –
respondeu o pai. – Éramos quatro: eu, teu irmão, e dois
escravos.
O poeta não procura nos enganar. A intensidade de seu
desejo mostra-lhe realidades que nós não vemos. Da mesma
forma, as expressões pátria árabe, nação árabe, embora não
correspondam a nenhuma realidade geográfica ou política ou
institucional, não são fórmulas vazias. As emoções lhes dão uma
existência sui generis. Compare-se, por exemplo, o que
representa a expressão América Latina (entidade geográfica)
para os latino-americanos e o que representa a expressão pátria
árabe (entidade emocional) para os árabes.

435
A FACETA LINGUÍSTICA

A religião muçulmana foi revelada a Maomé na língua


árabe (“Sim, fomos nós que fizemos descer diretamente o
Alcorão sobre ti”, reza o Alcorão na palavra de Deus dirigida a
Maomé).
A língua árabe adquiriu, pelo fato, um caráter sagrado e
passou a fazer parte da religião muçulmana. O Alcorão não
pode ser legalmente traduzido. Todo muçulmano deve recitá-lo
em árabe. Ele, aliás, é redigido num estilo profético tão belo e
original que, para provar-lhe a origem divina, Maomé desafiava
em vão seus detratores a produzirem sequer uns versículos
iguais aos dele.
Fahmy Huaidy cita um exemplo surpreendente da
predominância da língua árabe no Islã: na China, o muçulmano
não é considerado muçulmano até que adote um prenome
árabe, após o qual vem o nome chinês.
Quando o império muçulmano se estendeu, o árabe era a
um só tempo a língua do vencedor e da nova religião. Substituiu
em muitos países as línguas anteriores.
Houve, outrossim, um fenômeno sem paralelo na história:
os povos que abraçaram o Islã sem adotar a língua árabe
conservaram sua denominação racial: turcos, persas, curdos,
afegãos, indonésios... Os que adotaram o Islã e o árabe
passaram a chamar e a considerarem-se árabes num sentido
racial. A lingüística triunfava sobre a história, a etnografia e a
geografia.

436
No continente americano, por contraste, os povos
adotaram o português, o espanhol, o inglês sem se
considerarem portugueses, espanhóis ou britânicos.
Podemos, pois, dizer que os países árabes são
simplesmente os países da língua árabe? Às vezes, chamam-se,
de fato, países árabes os países de língua árabe. Mas para a
maioria dos árabes, a língua é apenas uma das características do
arabismo: a identidade árabe abrange muito mais que o mero
idioma.
E continuamos a procurar uma definição.

A FACETA PSICÓLOGA

O presidente Abdel Nasser, do Egito, foi o grande herói do


panarabismo. Queria unificar os países árabes. Chegou ao
extremo de substituir, na carteira de identidade dos egípcios, a
denominação de egípcio pela de árabe. O Egito não era mais o
Egito: era a República Árabe do Egito. O Egito era, portanto, um
país intensamente árabe.
Antes de Nasser, contudo, e depois dele, eminentes
intelectuais egípcios como Taha Hussein, Salamy Mussa, Luís
Auad têm sustentado que a personalidade egípcia é diferente da
personalidade árabe e que os egípcios descendem do povo
faraônico. Em 1980, um desses intelectuais, Hussein Fauzi,
repetiu essa tese numa universidade israelense.
Será, acaso, impossível à ciência determinar a origem
racial do povo egípcio? Claro que não. Como pode então esse

437
povo ser 100% árabe para uns e 100% não-árabe para outros?
Trata-se apenas de mais uma faceta da complexa palavra árabe:
um povo é árabe na medida em que se sente árabe e não é árabe
se não sente árabe – pouco importa o que digam a etnografia e a
genealogia.
Historicamente, é indiscutível que os exércitos que saíram
da península Arábica à conquista do mundo não aniquilaram e
substituíram os povos conquistados. Assim mesmo, os que não
se sentem árabes, embora sejam compatriotas dos outros,
atribuem sua origem a outras raças.
Aqui, também, o Líbano serve de protótipo. Até 1943, um
antagonismo secular opunha os muçulmanos, que se
consideravam parte da nação árabe, aos cristãos que se
consideravam libaneses descendentes dos fenícios e aliados do
ocidente.
Em 1943, muçulmanos e cristãos se uniram para pôr fim
ao mandato francês e encontrar um modus vivendi que lhes
permitisse formar uma só pátria. Um líder muçulmano, o
primeiro-ministro Riad Solh, idealizou uma fórmula mágica
destinada a agradar a uns e a outros: “O Líbano é um país de
semblante árabe”. Não árabe – apenas semblante árabe.
Todavia, outro líder muçulmano, Abdel Hamid Karame,
insatisfeito com a fórmula, pronunciou uma frase que merece
entrar na história: “Agora que o Líbano se tornou árabe,
integro-me nele”. Como o Líbano podia ter-se tornado árabe?
Havia mudado de sangue, de raça, de origem? Cientificamente,
a frase não tinha cabimento. Psicologicamente, tinha. Um país é

438
árabe na medida em que se sente árabe e não é árabe se não se
sente árabe.
Declarou certa vez o poeta libanês cristão Fauzi Maluf:
“Se não somos todos árabes pela origem,
Sob a bandeira do arabismo, somos todos árabes”.
Hoje, após essa guerra cruel que visa, sobretudo, os
cristãos do Líbano, estes voltaram a ser (a se sentir) apenas
libaneses enquanto seus irmãos muçulmanos continuam a ser
(a se sentir) árabes.

A FACETA POLÍTICA

Nos discursos do presidente Adbel Nasser, o Canal de Suez


era egípcio, mas o petróleo saudita era árabe. Da mesma forma,
para Yasser Arafat, tudo o que é palestino é palestino; mas o
petróleo saudita é árabe e a terra libanesa é árabe.
A vantagem é que o Canal de Suez, qualificado de egípcio,
pertence exclusivamente ao Egito. Nenhum outro país poderia
pretender abri-lo ou fechá-lo em apoio as suas causas e
interesses. Mas quando o petróleo saudita é chamado de árabe,
qualquer defensor de qualquer causa árabe se julga no direito
de ameaçar o mundo com ele. Da mesma forma, quando a terra
libanesa é chamada de árabe, todo palestino se julga no direito
de instalar-se nela como em sua própria terra.
Outro caso análogo: as colônias de libaneses e seus
descentes espalhados no mundo. São libanesas ou árabes?
Sendo libanesas, sua lealdade, no que diz respeito ao Oriente

439
Médio, só pertence ao Líbano. Mas basta chamá-las para que
qualquer líder árabe as influencie em defesa de sua política,
mesmo quando esta for desfavorável ao Líbano.
Abordamos assim mais uma faceta da palavra árabe, a
faceta política, a qual permite torcer essa palavra extraordinária
para adaptá-la às ambições, aspirações e objetivos de cada um.
Quem é árabe? O que é o árabe? Se não conseguimos
definir a palavra, mostramos pelo menos quantos elementos
entram na sua composição e por que escapa a qualquer
definição objetiva.
Todas as suas definições são subjetivas e flutuantes.
Convencem a uns, não a outros: agradam a uns e desagradam a
outros, pois se baseiam não em dados geográficos, históricos,
culturais ou raciais, mas em emoções religiosas, políticas ou
ideológicas.
E agora, que responderá o brasileiro aos que lhe
perguntarem: Quem é árabe? O que é o árabe?
Será que encontrará, com sua finura, a definição que
ninguém ainda encontrou – ou acabará abstendo-se de toda
definição, como o dicionário Al-Munjid?

440
NOMES FEMININOS LIBANESES

Guido Bilharinho

O livro Fragmentos Árabes, de Jorge Alberto Nabut, obra-


prima no gênero, com suas duas primeiras edições esgotadas,
tem neste blog sua terceira edição permanente e
eletronicamente disponível.
Nele, desfilam série de nomes femininos libaneses de
acentuadas sonância e ressonância poéticas, que merecem ser
destacados.
Pelo menos para nós, brasileiros, dificilmente existirão em
outros idiomas nomes de tão intensa quão bela sonoridade – a
não ser no latim – como se constata pela relação que se segue:
A: Adib – Afifa – Aiub – Alana – Amira – Aracele –
Ariana – Arful – Aziza
B: Banut – Bianca
C: Catur – Celmis – Chafi – Chafia – Chames – Clídia
D: Dalel – Daura – Deise – Doralisa – Dunea
F: Fádua – Farida – Farise – Flordimira – Futin
G: Gisele – Gledes – Gleides – Glícia
H: Hanne – Helie
I: Iameme – Iesmin – Ismália
J: Jamila - Jasmina
K: Kemli
L: Labibe – Laila – Lânia – Larrife – Latifa – Lauanda –
Lauísa – Lucanda
441
M: Mague – Márian – Márua – Meire – Mildred – Mirna
– Mirta – Moralinda – Munira
N: Nabirra – Nádia – Nadra – Nádua – Nájua – Nasta –
Nasa – Nasise – Nassira – Nazira – Nur – Nura
P: Poliana – Priscila
R: Rafa – Rafka – Ramides – Raquia – Rochila – Rovínia
S: Saada – Sada – Sálua – Sâmia – Samira – Sandra –
Sara – Sarafina – Satut – Soraia
T: Talge – Tanus – Tarcila
V: Vivian
W: Watfa
Z: Zafira – Zahia – Zaia – Zaida – Zarifa – Zarih – Zirlei.
Alguns desses nomes provavelmente não terão origem
libanesa, porém, são assaz disseminados entre as libanesas e
seus descendentes.

442
(PROJETO DE MEMORIAL A SER CONSTRUÍDO
NA CIDADE DE SANTA JULIANA)

443
BIBLIOGRAFIA

Livros
Andrade, Osvald de. Memórias Sentimentais de João
Miramar.
Alvim, Zuleika M.F. Brava Gente! São Paulo, Editora
Brasiliense, 1986.
Associação Comercial e Industrial de Uberaba, 1923 –
1993. Arquivo Público de Uberaba. 1993.
Bilharinho. Guido. Cem Anos de Cinema Brasileiro.
Uberaba. Instituto Triangulino de Cultura, 1997.
Cecin, Khalil Ibrahim (Calixto Cecílio). Reminiscências de
Khalil Ibrahim Cecin. Edição póstuma efetuada pelos familiares
do autor. Tradução do original em árabe de Elia Chafic Rassi e
Hamid Alexandre Cecin. Uberaba, 1995.
Enciclopédia Ilustrada da Bíblia. São Paulo, Edições
Paulinas, 1987.
Enciclopédia Mirador Internacional. Edição 1994.
Enciclopédia dos Municípios Mineiros. Rio de Janeiro,
IBGE, 1958.
Família Calixto Cecílio (Khalil Cecin) – Uma Incursão
Pelas Origens. Criação e coordenação de Sálua Cecílio. Uberaba,
Edição efetuada pela família Cecílio, 1999.
Guimarães, Carlos Magno. A Negação da Ordem
Escravista. São Paulo, Editora Ícone, 1988.
Hourant, Albert. Uma História dos Povos Árabes. São
Paulo, Companhia das Letras, 1994.

444
Maalouf, Amin. As Cruzadas Vistas Pelos Árabes. 3º
edição. São Paulo, Editora Brasiliense, 1983.
Martins, José Tarcísio. Quilombo do Campo Grande - A
história de Minas Roubada do Povo. São Paulo, Editora Gazeta
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Mendonça, José. História de Uberaba. Uberaba,
Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1974.
Miranda, Ana. Amrik. São Paulo, Editora Companhia das
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Pontes, Hildebrando. História de Uberaba e a Civilização
no Brasil Central. Uberaba, Academia de Letras do Triângulo
Mineiro, 1970.
Pontual, Roberto. Dicionário das Ares Plásticas no Brasil.
Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1969.
O Poder Legislativo Municipal Através do Tempo.
Uberaba, 1998.
Tersariol, Alpheu. Origem da Língua Portuguesa. São
Paulo, Biblioteca da Língua Portuguesa, LISA – Livros
Irradiantes S. A., 1966.

Periódicos

Catálogo do Museu de Arte Sacra. Uberaba, 1996.


Convergência nº13. Separata. Revista da Academia de
Letras do Triângulo Mineiro, Uberaba, 1983.
Esboço Corográfico e Aspecto Econômico do Distrito de
Santa Juliana. J.C. Pedro Grande e Orestes da Cunha Resende.
1938.

445
Folha de São Paulo. Especial “Islã”, Caderno “Mais”. 10
março 1996.
Nabut, Jorge Alberto. “Américo Rassi Abdanur – Último
Músico de Rigoleto”, Jornal da Manhã, Uberaba, 25.07.1993.
Nabut, Jorge Alberto. “Libaneses em Dores de Santa
Juliana”, Jornal da Manhã, Uberaba, 1986- 1988.??
Nabut, Jorge Alberto. “A Ferrovia no Triângulo Mineiro e
o Centenário da Mojiana 1889 – 1989”, Jornal da Manhã,
Uberaba, 1989.
Nabut, Jorge Alberto. “Os Imigrantes e a Reconstrução do
Triângulo Mineiro” (“O Ecletimso em Uberaba”), Jornal da
Manhã, Uberaba, 1985.
O Estado de São Paulo.
Príncipe Valente. História em quadrinhos. De Harold
Foster. Editora Brasil-América (EBAL) S.A. Rio de Janeiro –
RJ.
Suplemento Cultural do Correio Católico. Uberaba, 1969.
Livro Azul do Triângulo Mineiro, suplemento anual da
revista Zebu. Uberaba, 1951.

Arquivos
Arquivo da Prefeitura Municipal de Santa Juliana.
Arquivo da Câmara Municipal de Uberaba.
Memorial do Imigrante. São Paulo/SP.
Departamento de Documentos Raros da Fundação Calmon
Barreto. Araxá.
Biblioteca Mário de Andrade. São Paulo/SP.

446
Arquivo Público de Uberaba.
Arquivo Público de Franca/SP.
Museu da Companhia Paulista de Estradas de Ferro –
Jundaí/SP.

Sugestão de pesquisa
Para entendimento da ascendência das famílias Rassi,
Daher e Nabut consultar: Dos Cedros às Palmeiras –
Genealogia – História, de Lígia de Moura Rassi. Goiânia,
Gráfica e Editora Bandeirante, 2000.
Sheik-Taba Três Famílias, de Sahid Miguel Daher.
Goiânia, Editora Kelps, 1999.

447
O AUTOR

JORGE ALBERTO NABUT

Filho de Elias Nabut, imigrante libanês e comerciante, e de


Mariana Abdanur Nabut, também filha de libaneses, Jorge
Alberto Nabut nasceu em 1947, em Uberaba, onde cursou as
faculdades de Ciências Econômicas e Engenharia Civil. Em
1976, ingressou no Jornal da Manhã onde permanece até os
dias de hoje. Em 1985, ingressou na então recém-criada
Fundação Cultural de Uberaba, lá permanecendo por 23 anos,
participando ativamente da criação do Arquivo Público de
Uberaba, do Museu Paleontológico de Peirópolis, do Museu de
Arte Sacra (MAS) e do Museu de Arte Decorativa (MADA).
Nos anos de 1970, com produção, texto e direção,
participou ativamente de encenações teatrais de experiência
formal, com Good Gin X Bad People, Good Gin X Quatro
Cavaleiros do Apocalípse, Laranja Partida em Quatro, entre
outros. No mesmo período, assinou roteiro e direção do filme
Clarinda e Anastácio, de Carlos Alberto Jacob, média
metragem em Super 8, bem como assinou o documentário
Estações, sobre as estações ferroviárias da Companhia Mojiana
de Estradas de Ferro, no trajeto entre Jaguara e Uberaba, bem
como o curta Pastorália.
Como historiador, publicou, de sua autoria, os livros
Coisas Que Me Contaram – Crônicas Que Escrevi (1978),

448
Fragmentos Árabes (2000/2002) e Corredor dos Boiadeiros
(2014), tendo organizado a edição dos livros História da Igreja
(1987) e Desemboque: Documentário Histórico e Cultural
(1986). Prontos para editar, Registros Ferroviários e Futebol
em Trânsito.
Como poeta, publicou Paisagem Provincial (1984),
Sesmarias do Corpo (1986), Geografia da Palavra (2010),
Livro das Chuvas (2015) e O Círculo dos Bastidores (2019). Foi
colaborador da revista Convergência, da Academia de Letras do
Triângulo Mineiro e da revista Dimensão, de Guido Bilharinho.
Foi presidente da Academia de Letras do Triângulo Mineiro e,
no momento, ocupa a Superintendência do Arquivo Público de
Uberaba.

449
O AUTOR SEGUNDO RAMON
MAGELA. UBERABA, 1999.

O AUTOR NO EGITO, FRENTE


AO MUSEU DO CAIRO. 1985.
FOTO CARLO HENRIQUE
SCALON

450
O presente livro teve sua
composição, em computador PC-
Intel Core Duo 300 GHz e sua
organização procedidas nos meses
anteriores, sendo publicado neste
blog no mês de Agosto de 2020,
em Uberaba/Brasil.

451

Você também pode gostar