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Fragmentos Árabes
Fragmentos Árabes
CDD 325.2569209851
Ficha catalográfica elaborada por:
Sônia Maria Resende Paolineli – Bibliotecária CRB-6/1191
FRAGMENTOS ÁRABES
Jorge Alberto Nabut
3ª Edição - Agosto 2020
Planejamento Editorial
Guido Bilharinho
(guidobilharinho@yahoo.com.br)
Capa
Educardo Assis
Edição
Revista Dimensão Edições
Av. Leopoldino de Oliveira, 4464 - Sala 301
38065-165 Uberaba/Brasil
Edições Anteriores
1ª edição
Instituto Triangulino de Cultura, 2001
2ª edição
Instituto Triangulino de Cultura, 2007
Editoração Eletrônica
Gabriela Resende Freire
3
SUMÁRIO
NOTA EDITORIAL
FRAGMENTOS ÁRABES............................................................13
PREÂMBULO
APRESENTAÇÃO........................................................................17
AGRADECIMENTOS.................................................................24
INTRODUÇÃO...........................................................................26
POEMA DO SOBRINHO SÓ......................................................32
ESCAVADEIRA DO TEMPO
OS CHAPADÕES E A URBE..............................................................35
O OLHAR ANTROPOLÓGICO..........................................................39
CARTA DE SESMARIA NO TRIÂNGULO GOIANO.........................41
VÁRZEA DOS CRIOULOS - QUILOMBO.........................................43
DORES DE SANTA JULIANA...........................................................46
Pé na Estrada.......................................................................49
Transporte Rodoviário na Década de 50............................50
O Primeiro Automóvel.........................................................52
Luzes da Cidade...................................................................53
A Faca dos Políticos.............................................................56
Vastas Vistas........................................................................57
VIAGEM À PALESTINA
OS TRILHOS DE ACESSO.................................................................59
PALESTINA........................................................................................61
PALESTINOS EM PALESTINA.........................................................63
ASSIM SÃO AS CAÇADAS.................................................................68
4
AS IMAGENS QUE VÊM DO LÍBANO
SONS ET LUMIÈRES.........................................................................73
ESTRELAS ARDENTES.....................................................................78
TERRA - A JUSTIFICATIVA
ROTA DE IMIGRANTES...................................................................83
Por Que Dores?....................................................................83
Por Que Aqui?......................................................................84
1905.....................................................................................86
Rastros da Saudade.............................................................87
Idas e Vindas........................................................................87
Saudades Sem Banzo...........................................................88
Saudade...............................................................................89
A Másbaha...........................................................................90
Dos Nomes...........................................................................92
VIDA DE MASCATE
O COMÉRCIO AMPLIA OS BENS E AS RELAÇÕES.......................94
Pioneiro................................................................................94
Patriarca...............................................................................97
Gentleman...........................................................................98
As Contas e os Livros...........................................................99
Negocinho..........................................................................100
Entrosamento....................................................................100
Visão de Empresário..........................................................100
Consignatária.....................................................................102
Botinas e Tecidos...............................................................104
Adaptação..........................................................................104
5
Patrimônio.........................................................................105
Medo do Mascate...............................................................107
Mascate e Amigo................................................................107
Contas de Cabeça...............................................................108
Compras Por Caderneta.....................................................109
Compra de Caderneta (poema)..........................................110
Cigarro de Palha (poema)..................................................112
Visita na Sala......................................................................114
Homem-Relâmpago...........................................................114
Irmandade..........................................................................116
Botinas Mateiras.................................................................117
Novos Imigrantes...............................................................120
Emprego nas Safras...........................................................120
Correspondência.................................................................121
Chaffic Ferreira...................................................................121
Nomes Registrados.............................................................121
Destino...............................................................................122
Primos nos Pampas............................................................122
A LIDA DA VIDA
MURO DE TAIPA (O COTIDIANO).................................................127
Amanhecer.........................................................................127
Meias de Seda.....................................................................127
Água do Rego.....................................................................128
Pilão de Pedra....................................................................129
Café Torrado......................................................................129
Privação!............................................................................130
O Negro..............................................................................130
6
Portinari..............................................................................131
Laranja Madura.................................................................132
Mudança de Nome.............................................................132
Dia de Matança..................................................................132
Arixe Maduro.....................................................................133
Metro de Lenha..................................................................134
Sobre o Muro......................................................................134
Bondinho............................................................................134
Apolinária Parteira.............................................................135
Quarentena.........................................................................135
Vaso Noturno.....................................................................136
EXTRAMUROS (USOS E COSTUMES)...........................................137
A Consciência Como Radar................................................137
Algentar..............................................................................138
Sara Visita Sua Prima Hanne Rassi...................................138
Fundão...............................................................................139
Nos Boticários....................................................................139
Os Doutores.......................................................................140
Amarelão............................................................................140
Os Mestres de Lá................................................................142
Os Mestres de Cá................................................................142
Mestras da Palmatória.......................................................144
Um Mal Bíblico..................................................................145
Lendas das “Balinhas de Saliva”........................................146
A Força do Tabanja............................................................147
Dies Irae.............................................................................147
Turquinho!!!......................................................................148
7
Os Viajantes.......................................................................148
O Cargueiro e os Mostruários.............................................151
Valsa da Chegada................................................................151
CHEIRO DA ROÇA...........................................................................153
O Campo Movimentado.....................................................153
O Português Retorcido dos Roceiros.................................153
Capa Ideal...........................................................................154
Fazendeiros e Amizades.....................................................155
Terras Cansadas.................................................................156
DILÚVIO DE FALENAS
POEMAS VISUAIS...........................................................................158
VIDA CULTURAL............................................................................160
Jogo de Damas...................................................................161
Bássara, Gama e Têole.......................................................162
Escritor...............................................................................162
Al Jarida............................................................................163
Texto Vivo..........................................................................163
Ritual de Passagem............................................................165
Dilúvio de Falenas..............................................................166
A Minha Direita Está Vaga.................................................167
A Canção de Juliana...........................................................168
Baladia – A Canção da Terra............................................170
As Painas de Abril...............................................................171
Rua de Capim.....................................................................172
Cinematographo.................................................................173
Benjamin Abraão...............................................................176
Teatro.................................................................................179
8
Banda de Música................................................................180
Os Jardins Geométricos.....................................................181
SINOS E CRISTAIS
RELIGIOSIDADE.............................................................................185
Missa Sem Comunhão.......................................................187
Os Sons de Maio.................................................................189
Coração Santo....................................................................190
Abadia................................................................................190
MEMÓRIA DO MICROCOSMO
(UBERABA)
GAMELEIRA COSMOPOLITA........................................................206
A GAMELEIRA E O CEDRO............................................................210
BARULHEIRA EM UBERABA
UBERABA ABA ABA........................................................................214
JÓIAS DO LÍBANO..........................................................................219
OS SONS QUE VÊM DE UBERABA................................................221
Melodias Portenhas...........................................................222
O Cantor Romeu Féres......................................................225
Os Dançarinos....................................................................227
DOS COSTUMES.............................................................................228
Cigarro de Palha e Cachaça...............................................228
9
Das Carpideiras.................................................................229
Chouf Heda e Majnun........................................................231
DO CONHECIMENTO.....................................................................233
Herança..............................................................................233
Desemboque e Melancias..................................................235
Cultura...............................................................................236
A Ligação dos Libaneses Com as Artes.............................237
Ciências Exatas..................................................................239
Comunicação.....................................................................240
DAS ENTIDADES............................................................................242
Clube Sírio-Libanês...........................................................242
ACIU – Associação Comercial e Industrial de Uberaba...244
SMCU – Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba..244
DA POLÍTICA..................................................................................246
Rua República do Líbano? ...............................................250
Avenida República do Líbano? .........................................252
O REDEMOINHO
BRINCAR DE VIVER.......................................................................256
ESTRELA DA TARDE......................................................................257
O NAVIO NA PRAÇA.......................................................................258
LEMBRANÇAS.................................................................................259
SUMIÇO...........................................................................................260
VASTA COZINHA
UNIVERSO FEMININO..................................................................265
RECEITAS SELECIONADAS..........................................................268
Pão Libanês......................................................................268
Berinjela Assada..............................................................269
10
Quibe.................................................................................271
Esfiha................................................................................272
Malfufe.............................................................................275
Hrisse ou Amrie...............................................................278
Abobrinhas Recheadas....................................................280
Hamsie.............................................................................282
Tabule..............................................................................285
Mahmul............................................................................287
Arroz com Carré de Carneiro..........................................290
OS IMIGRANTES I
(Santa Juliana)
FAMÍLIAS LIBANESAS RESIDENTES EM SANTA
JULIANA......................................................................................292
CIDADES DE ORIGEM E DE ADOÇÃO.........................................295
ABDANUR.......................................................................................296
ABUD................................................................................................301
ÁRABE.............................................................................................304
AZÔR................................................................................................307
CECIN/CECÍLIO…..........................................................................309
DIB….................................................................................................317
ELIAS….............................................................................................321
ESTEPHAN…...................................................................................323
FACURI….........................................................................................324
ISAAC………………………………………………………………………….……….343
KHAULE………………………………………………………………..……………..345
MOISÉS………………………………………………………………….….............348
NABUT……………………………………………………………........................354
NADER……………………………………………………………….....................357
11
PRESENÇA DOS PRIMOS..............................................................358
OUTROS IMIGRANTES..................................................................359
OS IMIGRANTES II
(Estação de Zelândia)
FACURI.............................................................................................361
JORGE..............................................................................................362
TANUS..............................................................................................365
ÁRVORE GENEALÓGICA
FACURI............................................................................................372
ABDANUR........................................................................................373
NABUT.............................................................................................374
KALIL CECIN – CALIXTO CECÍLIO...............................................375
CALIXTO CECÍLIO:UM PATRIARCA À FRENTE DE SEU
TEMPO.......................................................................................398
APENSO
UM TANGO PARA LINEU..............................................................422
OLHAR ÁRABE...............................................................................426
FAMÍLIA DAHER............................................................................428
QUEM É ÁRABE?............................................................................430
NOMES FEMININOS LIBANESES.................................................441
MEMORIAL.....................................................................................443
BIBLIOGRAFIA
Bibliografia...............................................................................444
CURRÍCULO DO AUTOR
Jorge Albert Nabut...................................................................448
12
NOTA EDITORIAL
FRAGMENTOS ÁRABES
13
Livro de criação e construção de arquitetura humana e
social, de vidas, movimentos, labores, vivências e convivências,
tradições, lembranças e saudades, solidariedade e amizades,
compõe argamassa que une, solda e solidifica vidas humanas
desligadas de sua origem comum, lançadas para longe da
pátria, dos lares, das famílias, dos espaços memoráveis e
inesquecíveis da infância e da juventude – imperecíveis e
imperiosos. Porém, nunca olvidados, jamais esquecidos, mas,
acrescidos e articulados em novos espaços, povos, idiomas,
costumes, hábitos, lutas, dificuldades, adaptações e, sobretudo,
trabalho, porfia.
Esse, o universo humano coeso, sólido e íntegro erguido,
no livro, com o livro e pelo livro, como escultura e arquitetura
humanas de transplantação, assimilação, integração e
contribuição civilizacional numa simbiótica, harmônica e
enriquecedora junção e conjunção.
Nisso, a cidade de Santa Juliana se alteia, resume e
sintetiza os destinos dos novos fenícios na confluência e
plenitude de vidas, vivências, espaços, povos. Que se integram
para, juntos, partilharem os benefícios, os ônus, labores,
hábitos e costumes do viver, conviver e sobreviver.
Santa Juliana, Zelândia, Palestina, Alpercatas,
transformadas, incorporadas, mitificadas.
Fragmentos Árabes, por reconstruí-las na memória e
construí-las na arte, perenizando-as e eternizando-as poética e
humanamente, consubstancia-se em hino, brasão e símbolo
perenes, eternos.
14
Tudo poderá acontecer com essas localidades no porvir e
já vem acontecendo. Todas as transformações e alterações
ocorridas, ocorrentes e que deverão ocorrer no futuro
incessantemente, após Fragmentos Árabes não terão força de
derrogá-las, olvidando-as, porque, no livro, mercê da
inteligência, da sensibilidade e da arte, tornaram-se
intocáveis, imperecíveis. Para sempre. Como “numa silenciosa
tarde lilás de maio [....] cada som [....] é precioso, por causa do
silêncio acaba se incorporando a cada lugar, como se nada, na
natureza e na humanidade, aluísse, deixando vaga apenas para
o tirocínio, abstração das contas, dos cálculos, dos teoremas da
existência [....] os santos revoam, mulheres colhem rosas”
(Fragmentos Árabes, subcapítulo “Os Sons de Maio” do
capítulo “Sinos e Cristais”).
O Editor
15
JORGE ALBERTO NABUT
FRAGMENTOS
ÁRABES
MEMÓRIAS DO SÉCULO XX
3ª EDIÇÃO
REVISTA DIMENSÃO EDIÇÕES
UBERABA / AGOSTO – 2020
16
PREÂMBULO
APRESENTAÇÃO
- “Xu ísmac?”
- “Salim Dalel Shaghuri”
17
- “Uén sakin?”
- “Miziôra. Bas halla ana ma sakin...”
- “Como é seu nome?”
- “Salim (Felipe) Dalel (Elias) Shaghuri (Sem tradução e
sem correspondente fonético para o ghu). A tradução do
nome era obrigatória, mas como aportuguesar Shaghuri?
- “Onde é a sua casa, ou de onde vem?”
- Miziara. Mas agora eu não tenho casa...”
18
essencial para os que querem vencer o inóspito. “Iá áme”,
infância voltada para todos os aduncos narizes, para todas as
espessas sobrancelhas, para todos os salientes malares e para
todos os escolhidos olhos que se tornaram inconfundivelmente
árabes.
19
(A censura dos censores anda à roda do meu coração
desvairado. Mas a viva paixão dos que eu amo está na saudá
(isto é, no fundo do coração).
O autor busca a saudade no árabe. E encontra lá o que há
dentro de si. “Saudauhi” no verso citado pode ter acabado com
o mistério etimológico da palavra. Não teriam sido esses
imigrantes de quem o autor conta a história os donos da
saudade? Momento inarredável da guarânia de Mário Palmério
que canta explicações. Jung e Lacan se juntam em bocas de
mastigação forte pelo essencial trigo misturado à carne:
“burghol u láhme”. Lamentavelmente o trigo pode não ter a
doce sonoridade do gh em búrgol.
Jorge Alberto escreveu:
MÁSBARRA
“Aparentemente tranquilos, no final da tarde, sentados
nas cadeiras colocadas na calçada e com o espaldar encostado
nas fachadas de suas casas, cantando músicas que falam da
guerra, da paixão, ou suspirando – Orrr, iá báie! – os libaneses
controlam as emoções, passando, uma a uma, as grossas
contas de nácar do seu másbaha, o terço da paciência.”
20
GÊNESIS (16)
(3 ASSIM SARA, MULHER DE ABRAÃO, TOMOU
A AGAR A EGÍPCIA, SUA SERVA, E A DEU POR
MULHER A ABRAÃO, O SEU MARIDO, DEPOIS DE
ABRAÃO TER HABITADO DEZ ANOS NA TERRA DE
CANAÃ.
15 E AGAR DEU UM FILHO A ABRAÃO; E
ABRAÃO PÔS O NOME DE ISMAEL NO SEU FILHO
QUE TIVERA DE AGAR.)
Mas por causa da beleza de Ismael, algum anjo invejoso
solicitou a Deus que Sara também tivesse um filho de Abraão. E
assim, nasceu Isaac, causa da expulsão de Agar e Ismael das
terras de Canaã. Fervilhantes gens nos descendentes de Ismael!
O másbaha é tempo que se conta em contas enquanto a língua
circunda o céu da boca por sete vezes... sete vezes antes de se
passar à próxima conta. Másbaha, o rosário da paciência e da
contenção. Másbaha, a história de Ismael e Isaac...
Keterhérac.
Obrigado, Jorge Alberto, por ter escrito Fragmentos
Árabes.
21
TRÊS GERAÇÕES DE IMIGRANTES.
FAMÍLIA DE ANTÔNIO (ILIÊS) ABDANUR, DE CHAPÉU, TENDO À FRENTE
O FILHO MIGUEL ABDANUR E SUA ESPOSA, SARA RASSI ABDANUR, E SEUS
NETOS JOSÉ (ZECA), AMÉRICO, SALOMÃO, NAGIB, ABRÃO E MARIANA.
DORES DE SANTA JULIANA, 1922. COLEÇÃO DO AUTOR.
22
Nas dobras do novo milênio,
Recontar a própria história
Tem perfil de um prêmio:
Não nos banirmos da memória.
23
AGRADECIMENTOS
24
em angulação panorâmica as ricas vertentes culturais das
regiões do Triângulo Mineiro e a elas verte seu interesse de
apoiá-las e projetá-las além das fronteiras regionalistas. Ele é
o padrinho e o patrocinador desta obra, que acaba de ser
reeditada. Seu interesse foi decisivo para que isto se fizesse
assim. A ele sou imensamente grato.
O Autor
25
INTRODUÇÃO
26
de regiões distantes, em busca de gêneros de primeira
necessidade. A cidade logo se diferencia, antes da virada do
século XIX, quando a ela aportam os trilhos da Companhia
Mojiana de Estradas de Ferro, em 1889, por cujos carros
transitam as últimas novidades do centro político que é a
Corte, o Rio de Janeiro. O trem de ferro traz tantos benefícios
que em nenhuma outra época a cidade será gratificada por
uma transformação de efeito semelhante. A ferrovia é ponto de
convergência e distribuição da capacidade operacional do
imigrante italiano, espanhol, japonês e português e da mão-
de-obra livre, embora não menos árdua, do imigrante libanês.
Na contramão dos acessos, praticamente ilhada, está a
localidade de Dores de Santa Juliana, a 83 km de Uberaba. O
cenário fertilizado pelos rios Araguari e Quebra-Anzol permite
uma produção agropecuária que irá atrair os imigrantes e
servir de pano de fundo para adaptação dos libaneses ao solo
brasileiro. A sociedade local, também arcaica, irá se divergir
quanto à receptividade ao mascate imigrante. O mercador
árabe é, ao mesmo tempo, o distribuidor de informações e
mercadorias a locais inatingíveis, como também, no futuro, o
exportador de produtos agrícolas locais. Toda a rica região,
privada de comunicação, é palmilhada pelo comerciante
árabe.
O foco desta publicação recai sobre a grande colônia
libanesa em Dores de Santa Juliana. Mas a referência a
Uberaba é obrigatória, pois que a cidade, conhecida como
Princesa do Sertão, funciona como estação de chegada,
27
partida, - e morada definitiva – para as famílias libanesas que
trafegam por Santa Juliana, ou dela se afastam,
definitivamente, quando rumam em direção a Uberaba, Pires
do Rio, Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte...
Uberaba é visualizada como referência das famílias que
se instalam em Dores e o melhor reduto de compras para as
casas de comércio – quando não São Paulo – e paradeiro dos
parentes que as ajudam a matar saudades do país de origem.
O parentesco entre as famílias libanesas de Dores amplia
os elos de união entre as duas cidades e faz perceber uma
malha consanguínea que vai se espalhando pelos Estados
vizinhos.
O autor procura reconstituir o cenário e a importância de
Santa Juliana baseando-se na tradição oral, sendo básico,
para isso, o depoimento de José Rassi Abdanur, Zeca e da mãe
Mariana Abdanur Nabut, responsáveis pela maior fatia dos
fatos aqui narrados. Sobre seus preciosos testemunhos, parte o
pesquisador para ampliar a área de ação, recorrendo ao
mesmo método de entrevistas feitas com habitantes de Santa
Juliana, das estações de Palestina e de Santa Juliana
(Zelândia), recorrências obrigatórias de embarque e
desembarque dos imigrantes e de mercadorias para nossas
cidades sertanejas. Porém, os depoimentos são sempre
reescritos, de forma literária ou para-literária, pelo autor da
obra.
É usual, neste trabalho, os tratamentos tio e tia, o que
revela uma intimidade familiar do autor com seus
28
personagens.
A pesquisa incide sobre três gerações: a dos imigrantes,
seus filhos, seus netos. A exclusão da quarta geração se faz
pela quase impossibilidade de mapear os bisnetos, dispersos
por diversos Estados brasileiros.
Líbano-Brasil
29
impossível correspondência com a fonética árabe. Assim, as
diversas maneiras de se escrever um sobrenome – Facuri, por
exemplo – a opção, nesta obra, é pela forma mais
aportuguesada, evitando variações como Facury, Fakhouri,
Fakhoury.
Enfim, aqui está uma pesquisa que pela primeira vez se
faz, resultando em material absolutamente inédito. A presente
edição é também um abrir de portas para o conhecimento do
sertão do Triângulo Mineiro e da significativa presença
libanesa nele registrada. O acervo antropológico, o quilombo
Várzea dos Crioulos, a sesmaria, a viagem dos imigrantes, a
aventura dos mascates, a assimilação da cultura brasileira, o
sentimento libanês, cada um destes temas aqui levantados são
focos para novas investidas dos pesquisadores e antropólogos.
Tempo presente
30
tempo presente.
A dificuldade de obter datas de nascimento e morte dos
imigrantes deixa um vazio de informações que, infelizmente,
não foi possível sanar, nesta primeira edição.
De qualquer forma, o desejo de que exista uma parreira
sob a qual você poderá sentar-se e ler este livro é vontade
expressa do autor. Outros desejos se manifestam ao longo da
pesquisa. Sendo assim, faça bom uso dele...
O Autor
31
POEMA DO SOBRINHO SÓ
tio tio meu tio tio
tio tio meu tio tio
assim como
os cavalos alados voam felizardos
sobre o paraíso
e suas rédeas suspensas no ar
im-preciso
assim como
Zam Zam
obedece à mitra de Teba(s)
- reduto sagrado –
nada em mim fenece
o sentimento floresce
32
Tradução indireta de um poema composto
em árabe, no início do século XX, na cidade
francesa de Marselha, por meu avô materno,
Miguel Abdanur, para ser declamado frente a
seu tio João José Facuri, com o qual haveria de
se encontrar mais tarde, como de fato se
encontrou, no Brasil, na urbe de Santa Juliana.
O poema foi conservado na família, por tradição
oral e declamado para mim pelo memorialista
Michel Facuri nos anos de 1970. Quanto ao
mote tio meu tio, trata-se de liberdade de
criação do autor.
Este método indireto e livre de traduzir é
criação do poeta russo Evtuchenco e requer um
poeta e alguém que saiba as duas línguas com
as quais se trabalha.
O Autor
33
ESCAVADEIRA DO TEMPO
OS CHAPADÕES E A URBE
O OLHAR ANTROPOLÓGICO
CARTA DE SESMARIA NO TRIÂNGULO GOIANO
VÁRZEA DOS CRIOULOS – QUILOMBO
DORES DE SANTA JULIANA
34
OS CHAPADÕES E A URBE
35
A Usina Pai Joaquim demorando a chegar. Antes que
chegue, a temperatura vai esfriando no sombreado das grandes
árvores que começam a cobrir a rodovia. Um barulho distante
faz trepidar o chão e na curva a estrada traz, de surpresa, a
ponte de concreto com seus globos de vidro leitoso de
iluminação. À esquerda, a cachoeira desaba, branquinha, no ar,
funda e afunda no Rio das Velhas, sujo de barro, peixes, linhas
de anzóis, ramas sem rumos... Debaixo da ponte, nas pedras
altas que a água trivial não alcança, o piquenique diverte a
família, que conversa com pescadores.
Visto de cima, o carro parece um besouro perdido no chão.
A estrada segue silente. Vamos viajando para o passado.
Apertada, na condução calorenta, a família reza o terço tirado
por tia Labibe, cantando os mistérios gozosos entre cada
dezena. Tio Jorge, sem chapéu, por causa da reza. Acabou o
terço, vêm os agradecimentos:
36
A Vós bradamos, degredados filhos de Eva...
A estrada sacoleja a gente e o chapadão. Agora, é ficar
atento. Vista presa no horizonte. Lá na frente. Vamos ver quem
logo vê a cruz no teto da Matriz. Aponta quem ver primeiro.
Vamos ver!, vamos ver!... Alá! Alá! É a cumeeira da Igreja Nossa
Senhora das Dores que, da estrada, é a construção que primeiro
se avista da cidade de Dores de Santa Juliana, onde o calor
parece desabafar. Mais na frente, uma casa, bananeiras, outra
casa entre mangueiras parrudas e vai-se avistando um muro de
taipa, bambuzais e aos poucos, foto por foto, o pequeno burgo
se revela como um álbum de recordação.
Já perto da cidade, o tio buzina três vezes. O suficiente
para as perdizes dançarem um trajeto incerto e confuso de
quem acaba de ser espantado do ninho. Costume certo de
buzinar para avisar nossa chegada a moradores e parentes que
começam a abrir janelas, as panelas e os corações para a gente
passar... para a gente chegar. Crianças e cães se movimentam,
entre gritos e latidos, tirando as ruas do sono e acionam a
sonoplastia do lugar. Nossa chegada é barulhenta para o
silêncio que permeia a paisagem de ruas e árvores e que faz
parecer pintura a pastel o que se avista.
A vó Sara – ansiedade e ternura – de sapatos pretos, meias
pretas, vestido preto, lenço preto na cabeça, já está na porta de
casa, bolsos do avental cheios de bala para os pedintes meninos
de rua, carentes de doce, e para os meninos-netos, carentes de
carinho.
O carro se aproxima dela e faço uma fotografia, de
37
memória.
Antes de entrar na casa de minha avó, com a câmera
cinematográfica da memória, vou filmando a história desta
cidade, ainda sentindo o cheiro de BHC que antecipa as portas
sempre abertas de nossas antigas residências. O BHC mata e
espanta escorpiões, cobras, aranhas, ratos, barbeiros.
Os pães franceses são o agrado que levamos à avó Sara,
enquanto reconhecemos a sala de visitas, o mobiliário art-déco,
os grandes retratos inclinados nas paredes, a gravura italiana do
Sagrado Coração de Jesus, o volumoso rádio, que insiste em
pegar emissoras da Alemanha e da Inglaterra, a cozinha
enfeitada de alumínios. As vistas para o quintal são fotogramas
do Cinema Novo, sol deixando a visão esbranquiçada. O cheiro
forte das mercadorias que se empilham no armazém de meu avô
Miguel, ao lado, o arame farpado, a cachaça, o feijão ensacado, o
fumo de corda, fazem da casa de meus avós uma referência da
vida solidária, e do comércio, na praça principal da cidade.
38
O OLHAR ANTROPOLÓGICO
Olhar para a praça é sentir a poeira do tempo baixar sobre
a cidade...
A pré-história, em Santa Juliana, é visualizada no acervo
precioso do informado Sr. José Augusto de Oliveira, mais
conhecido como José Augusto Terêncio. Filho do fazendeiro
Augusto Terêncio (cujo nome correto é Augusto Carneiro de
Oliveira) e neto de José Terêncio Carneiro de Mendonça, vindos
de Paracatu e aqui proprietários do belo engenho produtor de
famosa pinga Terenciana. O Sr. José Augusto Terêncio é
diplomado no Rio de Janeiro nos anos 1940. Em criança, dá
início à formação, em sua residência, de um acervo de peças
arqueológicas em pedra polida – pênis, raros em qualquer
coleção, almofarizes, mãos de pilão, lâminas de madeira,
bordunas, etc. – testemunhos das sociedades indígenas, ativas
no vale do Paranaíba, no período pré-histórico.
Desta forma, “Terêncio inova o olhar dos grandes
proprietários de terra no Triângulo Mineiro, com atitude
cultural”, como vê a antropóloga Márcia Angelina Alves
[Depoimento de Márcia Angelina Alves ao autor. Uberaba,
1990], doutora em Antropologia Social pela USP, cujas teses de
mestrado e doutorado são análises dos sítios arqueológicos de
Perdizes, Centralina e Guimarânia, próximos a Santa Juliana.
“A sensibilidade do Sr. Terêncio”, afirma Márcia Angelina,
“diante dos artefatos e a sua visão ao formar a coleção
colocam-no como figura de vanguarda, diante de nosso
passado remoto. Cria um espaço museológico e pedagógico em
39
sua residência, que permite um conhecimento do passado pré-
histórico, formado por populações sem escrita e extintas em
processos de sedentarização, com horticultura, domínio do
fogo, produção de peças cerâmicas – utilitárias e funerárias –
construções de habitações circulares – cabanas – sustentadas
por troncos de árvores e cobertas com materiais vegetais.
Assim, a ação do Sr. Terêncio ultrapassa os limites de um
colecionador (ele tem o hábito da leitura e possui uma
biblioteca), proporcionando aos triangulinos e demais
brasileiros a preservação da memória histórica de nossa
região e o resgate de nossa ancestralidade indígena”, conclui a
Dra. Márcia Angelina Alves.
42
VÁRZEA DOS CRIOULOS – QUILOMBO
43
Juliana, em outubro de 1836, de um senhor de Franca/SP, lhe
responde que, na época da escravatura, os maus-tratos dados
aos negros resultam na fuga de vários deles para uma várzea,
cheia de matas, localizada a 16 km de Santa Juliana, onde
podem construir seus ranchos com segurança. Ali eles sentem-
se protegidos de seus donos e dos feitores. O local fica
conhecido como Várzea dos Crioulos. Não há notícias de
violência para liquidar o reduto dos negros foragidos, mas o
lugar parece poder se caracterizar como quilombo, sendo ainda
evidente a mistura de raças entre vários segmentos da sociedade
daqui que ali se formaria, deixada como herança genética.
Quanto à denominação Pedrinópolis, trata-se de
homenagem a Pedro Rodrigues da Costa, um dos primeiros a
ocupar a região.
Os imigrantes libaneses também habitam em Pedrinópolis
no início do século XX, onde reside a família de Marta e Elias
Ferreira (Facuri), entre outras.
44
FROND, VICTOR, ESCRAVOS (RJ), 1858.
ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL,
COLEÇÃO ANTOLOGIA FOTOGRÁFICA, DAZIBAO.
NA GRAVURA, AS ESCRAVAS DESCANSAM DA FAINA CATANDO
PIOLHO UMAS NAS OUTRAS. FAZEM LEMBRAR AS NEGRAS NO QUINTAL
DA CASA DE MEU AVÔ, MIGUEL ABDANUR, ESTENDIDAS SOBRE UM
ENCERADO, A DESCASCAR E DEBULHAR ESPIGAS DE MILHO, SOB SOL
INTENSO. “REMEMORAM” ATIVIDADES DO QUILOMBO NOS DIAS
ARCAICOS DE SANTA JULIANA
45
DORES DE SANTA JULIANA
46
km2. A sede municipal está situada a 972 metros de altitude e
tem como coordenadas geográficas 19º 18´ 33´´ de latitude sul
e 47º 31´39´´ de longitude W. Gr.. Dista de Belo Horizonte,
capital do Estado, em linha reta, 385 quilômetros, na direção
O.N.O. Santa Juliana apresenta, em graus centígrados, as
seguintes médias de temperatura: das máximas – 26º; das
mínimas, 7º centígrados. Ao norte, o município de Santa
Juliana divisa com Nova Ponte e Monte Carmelo; a leste com
Pedrinópolis e Perdizes; ao sul com Perdizes e Sacramento; a
oeste com Nova Ponte. [Enciclopédia dos Municípios Mineiros,
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 1959].
Os dados do recenseamento de 1950, ainda com
contingente árabe, revelam a população do município com
9.820 habitantes. Estimativas do Departamento Estadual de
Estatística de Minas Gerais dão 10.421 habitantes, como sua
população provável em 31 de dezembro de 1955, quando a
densidade demográfica seria de 10 habitantes por quilômetro
quadrado. A sede do município tem então 1.187 habitantes (563
homens, 624 mulheres), a vila de Pedrinópolis 592 habitantes
(290 homens, 302 mulheres), ficando 8.041 pessoas na zona
rural. Em 1999, a população é de 11 mil habitantes, a grande
maioria residindo na cidade. [Idem, idem].
47
DORES DE SANTA JULIANA. PRAÇA DA MATRIZ, OU PRAÇA
FLORIANO PEIXOTO. AO FUNDO, MATRIZ DE N. SRA. DAS DORES.
DÉCADA DE 1930. POESIA PEGA NO AR. FOTO – JAIR.
COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE.
A ÚNICA PRAÇA DA CIDADE É CENTRO DE TODOS OS
ACONTECIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICOS E RELIGIOSOS, MAS É
SOBRETUDO DO COMÉRCIO QUE LHE EMPRESTA A ATIVIDADE MAIS
IMPORTANTE, POIS QUE É SOBREVIVÊNCIA.
48
PÉ NA ESTRADA
49
chegarem, de caminhão e de trem, a Dores de Santa Juliana.
[Depoimento de Salomão Abdanur ao autor. Uberaba, 1998]
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
NA DÉCADA DE 50
50
O Expresso São Luís Automóveis, da cidade de
Sacramento, faz várias conexões de Santa Juliana com
municípios vizinhos. Para abastecerem os veículos, os
motoristas recorrem à bomba de gasolina instalada na praça
principal, Floriano Peixoto, de propriedade do empresário José
Miguel Árabe.
51
O PRIMEIRO AUTOMÓVEL
52
LUZES DA CIDADE
53
beneficiar arroz. Nos anos de 1950, a cultura mais importante
do município é a do arroz, que representa 43,86% do valor total
da produção agrícola, vindo em segundo plano a do milho.
Nesse mesmo período, 37,61% da população, acima de 10 anos,
está diretamente envolvida com a agricultura e a pecuária.
A cidade tem então 244 edificações, 151 delas servidas de
luz elétrica; 26 logradouros públicos, sendo 15 deles iluminados
com energia elétrica. [Enciclopédia dos Municípios Mineiros,
op. cit., p. 31]
Em 1999, às vésperas da Festa de Nossa Senhora
d´Abadia, 14 de agosto, Santa Juliana tem ruas planas e
asfaltadas com movimento de ciclistas de todas as idades,
principalmente jovens.
O supermercado, o “sacolão” de verduras e legumes, a
agência do Banco do Brasil, mas quase nada nos remete à
cidade histórica dos tempos da imigração. Edificações
demolidas e descaracterizadas deixam-nos sem referências
históricas. O crescimento da urbe nos deixa perplexo. À
mutação urbanística corresponde à debandada dos imigrantes.
Agora são os migrantes paranaenses e gaúchos que
movimentam a economia da cidade, cobrindo de soja as
fazendas praticamente improdutivas e os chapadões
abandonados.
54
AS TARDES SÃO LONGAS SUFICIENTEMENTE PARA DILATAR O
MOVIMENTO DA RUA DO COMÉRCIO. AO CENTRO, TIO ZECA.
- OS POSTES DE ILUMINAÇÃO, DE AROEIRA, SALPICAM LUZES DE
AÇAFRÃO PELAS MELHORES RUAS DE SANTA JULIANA.
DE DIA, AMPLIDÃO E ACONCHEGO.
55
A FACA DOS POLÍTICOS
56
VASTAS VISTAS
57
VIAGEM À PALESTINA
OS TRILHOS DE ACESSO
PALESTINA
PALESTINOS EM PALESTINA
ASSIM SÃO AS CAÇADAS
58
OS TRILHOS DE ACESSO
59
dezenas, plantando arroz. Vem até o vice-cônsul do Japão
hospedar-se no chalé do Cel. Tancredo França, em Erial, a ver
como seus patrícios estão sendo tratados. Os espanhóis fincam
pé em Peirópolis, na industrialização da cal.
Livres, mesmo, vêm os libaneses, com o sangue solto dos
fenícios nas veias. Fazem da liberdade a bandeira de resistência,
uma razão especial de trabalhar aqui. Há milhares de anos
mercadores, aportam ao Brasil sem passagem obrigatória na
Hospedaria dos Imigrantes, em Santos. Chegam por conta
própria e apenas pagam uma taxa para fazer o que sabem:
vender, mascatear, negociar, comunicar informações e
novidades pelos lugarejos e pelos campos. Esses novos fenícios
criam uma malha de mascates pelos sertões brasileiros e
triangulinos, dão acesso ao que não tem, aproximam as
novidades da ferrovia às gentes rudes, reservadas, escondidas,
bravas no tratamento e medrosas nos contatos. Mesmo falando
uma língua impossível de ser entendida no Brasil, os mascates
comunicam-se com os fazendeiros, sem reservas. Palmilham o
Triângulo a pé, a cavalo, de carroça, de carro de boi, na
carroceria de caminhão, de “beira”, de trem, sob sol escaldante,
chuvarada, nada impede que eles se aproximem dos lugarejos
escondidos e abandonados no fundamentalmente livre trabalho
do comércio. Essa liberdade os fortalece e os faz amantes da
pátria que adotam, ao contrário de tantos outros imigrantes que
para cá vêm fazer pé-de-meia ou fortuna e, não fazendo,
retornam a seus países de origem. Da extenuante profissão, os
tostões que ajuntam são aplicados naquilo que para eles é sua
moeda mais preciosa: o imóvel, a terra adquirida.
60
PALESTINA
61
terra, o mais lógico é ir a cavalo até Palestina e, lá, tomar o Pê
até Uberaba. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor.
Uberaba, 1985]
62
PALESTINOS EM PALESTINA
63
Uma escola, uma capela, umas doze casas onde residem os
árabes Jorge Correia e Elias Correia, os italianos da família
Trezzi, o espanhol Cassiano Fernandez, o português Antônio
Ferreira, outro imigrante espanhol, Manuel Iglesias, e sua
esposa, Maria Rita Gomes Iglesias e o sócio e imigrante
português Manuel Gomes na casa comercial que ajuda a
movimentar Palestina, vendendo secos e molhados, ferragens –
de tudo. Os sócios recebem mercadorias vindas de São Paulo e
cobram porcentagem dos fretes e o armazenamento dos
produtos em seu empório. Essa casa comercial fornece pasto
para os animais dos viajantes que aqui vêm pegar o Pê e
acomodação para os carreiros. [Idem, idem]
Manuel Iglesias instala uma máquina de beneficiar arroz e
tem, nascidos aqui, seus filhos. Entre eles, José Iglesias Gomes
(em espanhol, o sobrenome paterno vem em primeiro lugar),
funcionário da Mojiana e chefe da estação de Palestina.
64
Os comerciantes vêm até Palestina, tomam o trem para
Uberaba ou São Paulo, endereços de suas compras. Para a
economia da região, Palestina é das estações mais importantes.
Um verdadeiro porto de chegada e saída de mercadorias. A
estação mais avançada no sertão triangulino em direção a Santa
Juliana. Daqui também saem os produtos da região: fumo,
vindo das fábricas de Nova Ponte, café de Sacramento,
embarcado para Goiandira, Goiás, e depois mandado de volta
para cá e daqui para Santos (há épocas em que o café goiano
tem preferência no mercado exportador santista), açúcar
mascavo, que vai para Uberaba, arroz para Araguari, São Paulo,
Belo Horizonte, capados, gado de criação, quirera para
fermentação nas cervejarias de Ribeirão Preto. [Idem, idem]
Estação de Campinas, km 0
Estação de Uberaba, km 514
Estação de Mangabeira
Estação de Tiê
Estação de Palestina, km 554
Estação de Buriti
Estação de Irara
Estação de Pequi
Estação de Cachoeira
Estação de Sucupira
Estação de Ômega
Estação de Uberlândia, km 644
Estação de Sobradinho
65
Estação de Stevenson
Estação de Araguari
[Livro Azul do Triângulo Mineiro, suplemento da revista
Zebu, Uberaba, p. 35]
66
HORÁRIOS DE TRENS DA COMPANHIA MOJIANA.
SUPLEMENTO DA REVISTA ZEBU, P. 193. UBERABA, 1951.
- LIGAÇÃO ENTRE LIMITES OPOSTOS.
67
ASSIM SÃO AS CAÇADAS
68
cachaça, esquentar o almoço, uma soneca até o sol virar de
posição, aliviar um pouco a luz forte sobre a paisagem seca,
retornar à caça e, ao final do dia, à estação de Palestina, não sem
antes depenar as aves abatidas e tirar-lhes o fato para a carne
não estragar. O resultado da caça: de seis a dez codornas, que se
comem fritas, duas ou três perdizes, que se cozinham ao leite –
para cada caçador. Há casos de se matarem sessenta codornas,
mas isso é raridade.
Há os caçadores de aves grandes e animais, entre eles, o
veado, mas que criam confusão na hora de arrastá-los e usc-los
ao trem ou à condução. Salomão prefere as aves.
Na região do Rio Tijuco, em direção a Uberlândia, as
caçadas são mais demoradas, dois ou três dias, quando é
necessário, além de retirar as vísceras, salgar as aves mortas e
enchê-las de fubá. Caçadas no Tijuco em tempos mais recentes,
de caminhão. É preciso então preparar mais coisas, forrar o
lastro da carroceria com palha de arroz e, sobre ela, um
encerado, que serve de colchão; acima da carroceria, a cobertura
de lona que barra o sereno, as chuvas, raras, nos tempos da seca,
que é época de caça, entre abril e julho, para não se abaterem
aves no período da postura e da reprodução e nem com
filhotinhos. [Depoimento de Salomão Abdanur ao autor.
Uberaba, 1995]
69
A EQUIPE DE CAÇADORES ATRAVESSA
A PONTE PÊNSIL AFONSO PENA SOBRE O RIO PARANAÍBA.
O LUCRO DA CAÇADA.
ESPORTE E DIVERTIMENTO DE UMA ÉPOCA.
DÉCADA DE 1950.
70
CAÇADORES ARRANCHADOS
O SERTÃO CONTINUA ATRAINDO OS CIDADÃOS
FOTOS – SALOMÃO ABDANUR. COLEÇÃO DO AUTOR.
71
AS IMAGENS QUE VÊM DO LÍBANO
SONS ET LUMIÈRES
ESTRELAS ARDENTES
72
SONS ET LUMIÈRES
73
quais Tarãmbulus (Trípoli), Beirute, Saidã (Sídon) e Sur
(Tiro). A educação se parece com uma universidade. Muito
antes do monoteísta faraó Akhenaton, eles proclamam El (Eloi,
Allah) o único Deus, criador do mundo e pai de todos os
homens. Acreditam que os demais deuses são acessórios e
dispensáveis.” (1)
Ei-los entregando aos gregos e aos romanos e, deles ao
mundo, “seu alfabeto de 22 letras, lógico, técnico e racional,
que substitui 400 a 500 sinais e figuras dos alfabetos sumérios
e egípcios e permite a facilidade de divulgação do
conhecimento, instrumento primordial do desenvolvimento da
humanidade e de suas civilizações”. (1) Já estamos por volta do
VII século a.C. O território libanês vai sofrer numerosas
invasões – cabiras, hititas, egípcias, assírias, persas – até que
Alexandre, o Grande, da Macedônia, em 332 a.C., após derrotar
os persas, submete o Líbano ao domínio grego. Roma ocupa o
lugar sob as ordens de Pompeu e os templos se erguem com a
sapiência dos arquitetos. Aqui, Ulpiano e Papiniano, mestres de
sua Escola de Direito, no séc. VI, elaboram e oferecem ao
mundo o monumental Código de Leis que os bacharéis
conhecem como “Código Justiniano”. Beirute é denominada
pelos romanos de “Mãe das Letras e das Ciências” [Folha de S.
Paulo, 17 de janeiro de 2000, Caderno Turismo, pág. 8]. Jesus
caminha de sandálias pelas estradas de pedras libanesas e, aqui,
realiza o seu primeiro milagre, a conversão da água em vinho,
em Caná. Bizâncio envia suas leis, suas lanças de ferro. Com a
queda definitiva de Trípoli, último baluarte bizantino, o Líbano
74
é incorporado ao mundo árabe. Vem a invasão das Cruzadas, no
século XI, com seus castelos de pedra à margem das águas, em
busca dos lugares sagrados para desfraldar as bandeiras do
Vaticano. A fé é um escudo. Em terras libanesas, os mamelucos
mantêm sob severa vigilância as populações cristãs e recém-
convertidas ao islamismo. A fé é uma espada côncava. O
domínio otomano – a violência turca – instala-se em 1560 e
crepita até a I Guerra Mundial; as mães desesperadas com a
fuga dos filhos que rasgam, à navalha, o ventre da fuga-
liberdade,
75
convocadas eleições que elegem um presidente que nomeia um
primeiro-ministro.
76
O massacre dos inocentes, diante dos quais as bíblias não
falam e os alcorões se calam, a retirada das tropas americanas, o
acordo para que as milícias cedam suas posições e abandonem
Beirute, a recuperação do tráfego aéreo civil, de cujos voos
rasantes já se pode perceber a rebrota dos parreirais cujas
ramas verdolengas insistem em simbolizar a paz que entrelaça
suas galhas pelos alpendres e sob cuja sombra já é possível
ouvir os “causos” dessas desesperadas e encantadas 1.001
noites...
Mesdames et Mensieurs! O espetáculo chega ao fim. Os
spots apagam-se sobre a História, mas acende dentro de vós a
luz que funde razão e coração e que vos permite ver a terra de
origem com olhares novidadeiros. Ide em paz e que o Líbano
vos acompanhe. Ele vos acompanhará!”
(1) – Folha de S. Paulo
77
ESTRELAS ARDENTES
78
entendimento, dilata as distâncias e a compreensão do mundo,
esvazia o coração que vai se tornando seco em 120 dias de
expectativa sobre as mediterrâneas e atlânticas águas salgadas...
Luas e sóis se fundem sobre as vagas em alto mar. A inundada
visão da cidade de Santos, com o sol vermelho no final de tarde,
descendo às águas do mar para apagar sua brasa... o porto de
atracagem, chegada em terra firme, ajoelhar e beijar o solo
[Beijar o solo brasileiro. Atitude de um dos libaneses que vêm
para Santa Juliana, ao aportar em Santos. [Depoimento de
Mariana Abdanur Nabut ao auto, 1980] que se quer promissor.
Reparar a paisagem ignorada, a língua diferente demais,
costumes tão estranhos; quem vem me buscar? A noite joga seu
lençol negro de seda e susto. O trem para São Paulo, a estação
da Luz, depois Campinas, mais logo Ribeirão, Uberaba. Um
tempão parado na estação de onde se avista o corredor de lojas
da Rua do Comércio, uma casa pegada na outra, encastoadas
pela Matriz, lá no fim, tímida e triste. Um parente que vem me
ver, em lágrimas. Um tempão parado na estação. Tenho ânsia e
fome. Outro trem para Palestina. Um tempão parado na
estação, de onde se vêem casas, desgarradas e caladas, lenha e
paisagens planas. Está na hora de saltar. O cavalo que marcha
para Dores. E, que dores! Um tempão advertido – o coração
parado em Dores.
79
RUÍNAS DO MERCADO ROMANO DE BAALBEK,
PALCO DE FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA,
REFERÊNCIA CULTURAL E DE OCUPAÇÕES DO LÍBANO.
CARTÃO-POSTAL TELKO-SPORT, BEIRUT, LEBANON
80
A CULTURA ÁRABE SOB PRISMA OCIDENTAL
POSTAIS 1998
COLEÇÃO DO AUTOR
81
TERRA – A JUSTIFICATIVA
ROTA DE IMIGRANTES
82
ROTA DE IMIGRANTES
83
continuava recebendo fiéis. A aldeia acima referida situava-se
à beira de um riacho, sobre o qual existia uma ponte de
madeira que ligava o lugarejo às fazendas vizinhas,
localizadas a leste do povoado. Um escrivão designado pela
comarca de Araxá cuidava da burocracia local. Este nome, que
serviu para denominação do local, foi em razão de ter vivido
na beira do riacho uma moça santa com poderes
sobrenaturais e que se chamava Juliana...” [Reminiscências de
Khalil Ibrahim Cecin, op. cit., p. 45]
Quanto à denominação Dores de Santa Juliana, o termo
Dores tem origem na referência que se faz ao orago da Matriz da
cidade, no caso, Nossa Senhora das Dores, no que resulta em
Nossa Senhora das Dores de Santa Juliana. Simplificando,
Dores de Santa Juliana. Ou, Santa Juliana, como mais tarde se
oficializa. Caso semelhante acontece com outras cidades
mineiras: Dores do Indaiá, Dores de Campo Formoso, Dores de
Campo Florido, Dores de Campos, Dores do Turvo.
84
sem estrada de terra – e de sobrevivência em local tão isolado
dos centros de informação e de recursos. Os libaneses aqui
aportam, tantos, mais ainda por causa da fertilidade incomum
do solo embora isolado do mundo, para o qual eles abrem
caminho através do comércio que permite escoar roças
produtivas, fartura de arroz, feijão, milho, batata, cana e até
trigo, que, uma vez plantado, produz as melhores espigas,
produtos que revertem na usca lidade de um comércio ativo
com os árabes. Trabalhando e vendendo os produtos das safras,
os roceiros podem, então, rumar para a cidade, divertir-se um
pouco, fazer suas compras. É para eles que os imigrantes abrem
as janelas de suas casas, para arejar, para cumprimentar,
convidar para um café na cozinha – são nossos amigos – e
escancaram as portas das lojas, onde são recebidos como ótimos
clientes. É quando a cidade perde o ar severo provocado pelos
guarda-chuvas pretos e chapéus de feltro masculinos (como se
os homens carregassem consigo a sombra que os anula ou os
disfarça), a cidade floresce com a dança das sombrinhas de sol,
vermelhas, azuis e amarelas, das mulheres roceiras, vestidas de
chita, que chegam encantadas com as novidades da cidade e
sungam as saias para entrar nas lojas, especulando com os
olhos, com receio de perguntar ao vendedor o preço, o tamanho
ou a serventia das mercadorias desconhecidas. Nos carros de
boi, nas carroças, na garupa das bicicletas, o ritmo das
mulheres, na cidade, vai aumentando; é bom vê-las, entrando e
saindo das vendas, ralhando com os filhos, rodopiando as
sombrinhas, na fuzarca, sem vergonha de colorir o quadro sépia
85
da cidade, enquanto os réis vão tilintando, sonoros, nos caixas
dos lojistas libaneses...
1905
86
RASTROS DA SAUDADE
IDAS E VINDAS
87
parte do estoque que colocamos no lombo de burros, comecei a
mascatear nas fazendas, depois de obter um alvará da
prefeitura de Araxá.
Naquela época Santa Juliana pertencia ao município de
Araxá.
Abri uma lojinha na casa anteriormente descrita. E como
correntemente se fala, começamos uma nova vida. Começamos
a negociar com nossos antigos fregueses, que havíamos
conhecido nas fazendas” [Reminiscência de Khalil Ibrahim
Cecin, op. cit., p. 45], relata o pesquisador imigrante Calixto
Cecílio, em seus primeiros tempos vividos em Santa Juliana.
88
familiares, se encantam e se mesclam com as manifestações
culturais locais, influenciando-as com seu saber milenar e
deixando-se facilmente influenciar, coração aberto, pela
brasilidade. Os filhos dos imigrantes se revelam verdadeiros
brasileiros, amantes da Pátria, e a defendem com ardor. O canto
dos pássaros brasileiros, as cores da Pátria, os valores da gente
brasileira são defendidos por eles de geração a geração. Mesmo
assim, não deixam de preservar certos hábitos ancestrais,
quando se trata de comportamento e investimento financeiro e
dos hábitos culturais, principalmente a música e a culinária.
SAUDADE
89
um ente querido. E dizem igualmente Al-muis – suaddat – Os
dias pesados e de tristeza.
São característicos os dois hemistíquios do grande poeta
Al – Mitanabbi,
A MÁSBAHA
90
da paixão ou suspirando profundamente – Orrr, iá baie! – os
libaneses controlam as emoções passando, uma a uma, as
grossas contas de nácar de sua másbaha, o terço da paciência.
91
DOS NOMES
Abdanur Dib
Servo da Luz. Lobo.
Absaber
Servo do Paciencioso. Estephan
Nome próprio de origem
Abdala
provavelmente grega.
Servo de Deus.
Abud Jreige
Nome próprio. Nome próprio.
Achcar
Ruivo. Hueb (Wehb)
Dom de Deus.
Azôr
Nome próprio.
Mussi (Mucy)
Pális (Bahlis) Nome originário de Moisés.
Nome próprio.
Nabut
Cecin
Bastão; rebento
Nome próprio.
(dos vegetais)
Curi (Kouri)
Rassi
Padre.
Cabeça; Originários do
Monte Ras-Baalbek
Facuri (Fekhoury)
Oleiro.
Sallum
De ‘boa’ paz.
93
O COMÉRCIO AMPLIA OS
BENS E AS RELAÇÕES
PIONEIRO
94
da fazenda Jaguara faz Brasilino sonhar com o nascimento de
uma cidade, cujo projeto principia a esboçar. É dessa fazenda
que se preserva, na memória de tantos, a inesquecível cena do
enfrentamento de tio Antônio com Bernardino Prata, jagunço
arruaceiro que acaba com os bailes, entrando nos salões de
festas, montado a cavalo, disparando tiros, apavorando a todos.
Dizem que ele é quem dorme com as noivas quando termina a
cerimônia de casamento. E os noivos não podem nem piar... A
disputa de tio Antônio Abdanur com Bernardino Prata resulta
em apaziguamento deste, que não mais volta a perturbar a
ordem do lugar. Essa disputa de bravos vale a tio Antônio a
fama de herói numa publicação narrada em versos rimados e
editada em gráfica da cidade de Franca, São Paulo. [Idem,
idem]. Tio Antônio volta ao Líbano, levando consigo o filho
Abílio (Habib) Abdanur, que com ele viera tentar a sorte na
América. Mais uma vez retorna ao Brasil, deixando no Líbano
sua esposa Saada Facuri Abdanur, radicando-se novamente em
Santa Juliana por alguns anos, quando aqui se instalam dois
outros filhos seus, Miguel e Helena. [Idem, idem]
95
ANTÔNIO (ILIÊS) ABDANUR
DORES DE SANTA JULIANA, 1920
COLEÇÃO DO AUTOR
ENVERGADURA, PIONEIRISMO E CORAGEM
96
PATRIARCA
97
GENTLEMAN
98
AS CONTAS E OS LIVROS
NEGOCINHO
ENTROSAMENTO
VISÃO DE EMPRESÁRIO
100
Juliana para Belo Horizonte, cujo acesso se torna facilitado com
a inauguração da Rede Mineira de Viação. Na estação de Santa
Juliana (Zelândia), Zezé adquire uma máquina de beneficiar
arroz. Com capital inicial fornecido pelo pai Miguel Árabe, Zezé
faz sociedade com os irmãos Elias, Geraldo e Abrão. A abertura
das rodovias para São Paulo, que vai se tornando o maior centro
consumidor do país, é promessa de novas e grandes investidas
na exportação de cereais. É o período em que os caminhões
principiam a trafegar com maior intensidade pelo interior,
através de péssimas rodovias, quando uma viagem de Dores até
a capital paulista, de caminhão, não dura menos de quatro dias.
Evitando o intermediário, Zezé passa a ser o principal
empresário de Santa Juliana e, na sequência, um dos de maior
projeção de Uberaba. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao
autor. Uberaba, 1990]. Industriais no ramo de transformação de
cereais, empresários e comerciantes, sócios-proprietários nos
empreendimentos que implantam em Uberaba, quando Santa
Juliana já não mais comporta novos investimentos, os irmãos
Árabe assumem, na Capital do Zebu, a loja de eletro-domésticos
Eletro Central e também adquirem uma máquina de beneficiar
arroz de Reinaldo Miguel. José Miguel Árabe chega à
presidência da Associação Comercial e Industrial de Uberaba,
no período de 1970-1971, projeção de sua sagacidade
empresarial. Esse destaque tem origem no trabalho do pai,
Miguel Árabe, base do patrimônio da família. [Idem, idem]
101
MIGUEL ÁRABE E SATUT FACURI ÁRABE LADEADOS PELOS
FILHOS ELIAS, GERALDO, ZEZÉ, ABRÃO, GEORGINA,
MARIINHA, LABIBE. DORES DE SANTA JULIANA, 1927.
COLEÇÃO MARIA MOISÉS ÁRABE.
A FOTOGRAFIA FUNDE TEMPOS DÍSPARES.
- CERTAMENTE A FAMÍLIA DE IMIGRANTES QUE MARCA A MAIOR
PRESENÇA EM SANTA JULIANA, PELA LONGA PERMANÊNCIA E PELA
RICA ATUAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL.
CONSIGNATÁRIA
102
caminhão, vai em busca dos produtos. O viajante gasta um dia
até a pousada do Rio das Velhas (atual Rio Araguari), onde os
animais atravessam a nado e o carro de bois, mais as pessoas,
na balsa. [Jorge Alberto Nabut “Memórias da Ferrovia no
Triângulo Mineiro – Centenário da Mojiana: 1889 – 1989”,
Jornal da Manhã, 9 de novembro de 1986 a 2 de outubro de
1988].
103
BOTINAS E TECIDOS
ADAPTAÇÃO
104
DOMINGOS MOISÉS E PLACIDINA MARIA DE JESUS (LICA),
ABRÃO MOISÉS E BANUT NABUT MOISÉS
LADEADOS POR MARIA FILIPE, EM PÉ, À ESQUERDA,
COM OS FILHOS ABADIA E MÚCIO, DO PRIMEIRO CASAL,
JÚLIA, BENEDITO E NAZIRA, DO SEGUNDO CASAL.
- NOVAS FEIÇÕES NO QUADRO SOCIAL DE
DORES DE SANTA JULIANA NA DÉCADA DE 1910.
PATRIMÔNIO
106
Embora especializada em tecidos, brim Rox Müller,
casimira, linho S-120, etc., a loja vende produtos como carda
para algodão e lã, enxada e enxadão marca Duas Caras – tudo
importado da Inglaterra. Só de enxadas, chega a comprar, de
uma só vez, 20 caixas, com 24 peças em cada embalagem.
[Depoimento de Miguel Jorge Dib ao autor. Uberaba, 1999]
MEDO DO MASCATE
MASCATE E AMIGO
107
Severino José Carneiro, na fazenda do Moinho e de seu pai,
Severino Carneiro de Oliveira, na fazenda da Lagoinha, onde o
comerciante costumava passar uma semana, vendendo tecidos e
toda espécie de armarinhos – dedal de costura, grampo de
cabelo, tesoura, agulha e até tamancos. Os canaviais
empregavam muita gente que também se torna cliente do
“turco”. [Depoimento da Sra. Maria Carneiro de Sousa ao autor.
Uberaba, dezembro de 1999]
CONTAS DE CABEÇA
108
ELIAS NABUT
109
a estrada até Santa Juliana. No período das águas, só os
relâmpagos noturnos permitem visualizar o imigrante, como
aparição, montado em mula forte e usando capa Ideal, sob
pesadas mangas de chuva, buscando o inacessível pouso. Na
seca, os ventos de agosto aceleram os redemoinhos e são os
mantos de pó que quase apagam da paisagem a figura do
mascate. Destes tempos de mascate, além dos amigos que
habitam as margens do Rio das Velhas, Elias Nabut jamais se
esquece da simpatia e fartura com que o político e fazendeiro
José Adolfo de Aguiar, de Araxá, recebe os imigrantes em suas
ricas fazendas.
Com o trabalho, Elias consegue fundos para instalar loja
em Santa Juliana, transferindo-se, em seguida, para Uberaba,
onde sua vida de comerciante é marcada pelo hábito de vender
por caderneta. Há, na venda de Elias, dezenas delas, uma para
cada freguês, ensebadas de manuseio, e, em grande parte, de
empregados da Mojiana, então instalada ao término do morro
da Rua do Comércio.
COMPRA DE CADERNETA
invenção do livro
deu também em caderno e caderneta
apontamento a lápis ou caneta:
talha, vassoura, urinol
gramas ou quilos de mantimentos
tirados a conchas dos sacos de linhagem
feijão, arroz, batata, cebola
pesados no fiel da balança Filizolla
110
para um libanês analfabeta
de alfa, gama e beta
somente a matemática dos números
somada à memória dos preços
pode ajudar
vajamos
ok?
as dívidas perdoadas
se pagaram com agradecimento
111
se apagaram no esquecimento
de tal maneira que o contador
Eugênio Maria Diniz
nunca soube explicar ao fisco
lhe diziam: Vira o disco!
(Inédito)
CIGARRO DE PALHA
amolecida à saliva
a palha se presta ao corte
aparo das pontas
feitas as contas
de quantas vezes a lâmina do canivete
alisa as arestas ásperas
na mão destra
o canivete largo
em pedra afiado
o corte rente
112
(dente de pente)
resulta em fumo fatiado
no covo da mão canhota
dobrada em cocho
a palha serve d eleito
ao chumaço de fumo dechavado
insistente polegar
raspando a pedra de fogo
incendeia o pavio
cheirando a querosene
apagado
mais uma tentativa
de acender o cigarro
que (para o fumante)
vale um carro
e a primeira cuspida
se a binga falha
(encalha)
fósforos Argos
113
riscam fogo no palito
tragar a fumaça
verde baforada
na diagonal ascendente
- esse é o prazer
atrás do balcão
palco de observar a vida
pai Elias queima um maço
de sua existência
no cigarro de palha
VISITA NA SALA
HOMEM-RELÂMPAGO
114
a duzentos réis, para substituir o inacessível almoço. Já
administrador da Loja São Geraldo, que deveria chamar-se Loja
São Jorge, vai mensalmente a São Paulo fazer as compras,
levando consigo a “lista de faltas”, praticamente dispensável,
pois ele jamais se esquece de nenhum dos 50 ítens de que a loja
necessita. Uma de suas ousadias é a compra de 500 dúzias de
copos norte-americanos, o suficiente para encher carroceria de
um caminhão FNM. Os copos, prensados por método inovador,
produzidos em série e com rapidez fantástica, permitem ótimos
preços no mercado e a novidade resulta no maior sucesso de
vendas.
Miguel Jorge Dib é conhecido na Rua 25 de Março como
“homem relâmpago”. Ele sempre viaja para São Paulo na
segunda-feira, despende três dias em compras. Na quinta-feira
à tarde volta para Uberaba, a bordo de um dos dois caminhões
carregados com 10 toneladas de mercadorias adquiridas de 20
firmas paulistanas, chegando na manhã de sexta-feira. Grão-
mestre da Loja Maçônica Estrela Uberabense, diretor do Clube
Sírio-Libanês e da Associação Comercial e Industrial de
Uberaba, Miguelzinho é também um recordador dos casos de
sobrevivência do povo libanês. [Idem, idem]
115
JORGE DIB E NUR SAUD DIB.
INÍCIO DO SÉCULO XX
IRMANDADE
116
com quem se transfere para a estação de Tangará, da
Companhia Mojiana de Estradas de Ferro, onde nascem seis dos
seus oito filhos. Em Tangará, Wid monta um armazém de secos
e molhados. Do lado oposto à linha do trem, outro imigrante
libanês lhe faz concorrência, Elias Abdala. As movimentadas
estações das ferrovias são destino de dezenas de famílias de
imigrantes italianos, portugueses, libaneses e espanhóis no
período da República Velha.
BOTINAS MATEIRAS
117
De volta a Santa Juliana, vovô Miguel monta armazém na
praça principal e tem seus dois burros para fazer cobranças nas
roças. Os roceiros – diferentes dos criadores de zebu de
Uberaba - não saem da roça e são clientes constantes dele; mas,
como vêm pouco à cidade, é preciso ir às fazendas receber as
prestações ou quitar as contas antigas. Sempre que sai para
cobranças, Miguel Abdanur faz parada na fazenda de Zé Sabiá,
em Bom Jardim. É dali que ele vai e vem pelas propriedades
vizinhas. Durante um ou dois dias. Ali em Bom Jardim, famosa
é a viúva Nhá Zica, mulher brava, sempre de carabina pronta
para atirar, controlando quem queira chegar à sede de sua
fazenda. Se não for amigo, não chega mesmo! Compadre de Nhá
Zica, ali vovô é sempre bem recebido. [Idem, idem]
118
MIGUEL ABDANUR E SARA RASSI ABDANUR, SENTADOS,
LADEADOS PELAS FILHAS MARIANA ABDANUR NABUT (À ESQUERDA)
E CECÍLIA ABDANUR ESTEPHAN (À DIREITA).
EM PÉ, DA ESQUERDA PARA A DIREITA, OS FILHOS FUED,
RUBENS MIGUEL, NAGIB MIGUEL, ABRÃO MIGUEL,
SALOMÃO, JORGE, AMÉRICO E JOSÉ (ZECA).
UBERABA, 1949. FOTO - JOÃO SCHORDEN JR.
- EQUILÍBRIO NA DISTRIBUIÇÃO DOS VOLUMES, DAS CORES E NO
PORTE FÍSICO DA FAMÍLIA. PARA GRANDES OCASIÕES, COMO O
CASAMENTO DE RUBENS, HÁ O HÁBITO DE IR AO ESTÚDIO DO
IMIGRANTE ALEMÃO PARA UMA FOTO DEFINITIVA.
119
NOVOS IMIGRANTES
120
arroz, enquanto os italianos o do café. No período de capina e
colheita, as estradas de Santa Juliana, Nova Ponte e Iraí de
Minas são pontos de partida de milhares de trabalhadores em
busca de carona para as lavouras de Conquista. Centenas de
trabalhadores vão a pé em busca de frente de trabalho no novo e
rico município triangulino.
CORRESPONDÊNCIA
CHAFFIC FERREIRA
NOMES REGISTRADOS
121
entre eles, os do garimpeiro Filipe Maluf, de Ibrahim Jreig,
ambos tendo dela transferido suas residências.
DESTINO
123
ABRAHAM KHAULE LADEADO PELA
PRIMEIRA ESPOSA, DORA.
BUENOS AIRES, DÉCADA DE 1960
- TANGOS DISTANTES...
124
DECLARAÇÃO
IMPRESSA, BILÍNGUE.
INTEGRA A SÉRIE DE
DOCUMENTOS
NECESSÁRIOS A FIM
DE EMIGRAR PARA O
BRASIL. (ASSINATURA
DE ABRÃO
ESTEPHAN)
PASSAPORTE DE
IBRAHIM KHALIL
ESTEPHAN.
BEIRUTE, 1951 –
MEMÓRIA
PRESERVADA
ENTRE ARABESCOS
125
A LIDA DA VIDA
126
MURO DE TAIPA (O COTIDIANO)
AMANHECER
MEIAS DE SEDA
ÁGUA DO REGO
PILÃO DE PEDRA
CAFÉ TORRADO
129
outros mais grosso, espessura que se consegue apertando e
afrouxando o “munho”. Agora, sim, o pó enche a lata e pode-se
coar a bebida, em coador de pano, e o café inunda a casa de
cheiro bom - e gosto nem tanto.
PRIVAÇÃO!
O NEGRO
130
couve” é um prazer especial dos imigrantes, que abastecem de
verdura a mesa diária. Os brasileiros, acostumados ao arroz,
feijão, farinha, ovos e carne, assustam-se com a variedade de
verde na cozinha dos libaneses. A parreira, com a folha de uva
para o malfufe, a couve, a chicória, o quiabo - que pinica a mão
da gente – que se faz cozido, com carne moída ou picadinha; as
sementes de tomate, vindas do Líbano, dentro das cartas,
plantadas no período da seca, e cujos frutos são tratados com
carinho de filho; o rabanete, vermelho-vivo, estralando a cada
mordida e cujas folhas são aproveitadas para um delicioso e
temperadinho sly; a hortelã para o quibe, a alface, a salsinha e a
cebolinha para temperar pratos tão saborosos; enfim, as
verduras e os legumes, imprescindíveis para a subsistência do
imigrante. [Idem, idem]
PORTINARI
131
cantoria e, quando findo, é repassado aos homens que,
levantando o encerado cor de açafrão, podem ensacar o cereal,
empilhá-lo no armazém do avô, contente com as possibilidades
comerciais da mercadoria.
LARANJA MADURA
MUDANÇA DE NOME
DIA DE MATANÇA
132
para a linguiça, separar as partes, o toucinho que se frita para
fazer o torresmo, as postas de carne que são cozidas em tacho de
cobre, apertadas e guardadas em latas de 18 litros, mergulhadas
na banha que as conserva por longos meses.
ARIXE MADURO
A mãe conta que é preciso ter bons braços e boa coluna para
fazer a manteiga de leite e os arixes que se comem fora de hora.
O láben, que os brasileiros chamam coalhada, é misturado a um
pouco d´água e despejado em um pote de barro, coberto com
tecido branco e barreado por fora. O pote é então deitado sobre
estopas e a mulher começa a batê-lo, rolando-o pra lá e pra cá,
num vaivém rápido e curto, de descer o suor da testa. Por um
orifício feito no pote e tampado com uma rolha, enfia-se uma
vara até atingir a massa e confere-se, então, se a manteiga já está
pronta. Da manteiga, que será conservada em água fresca, sobra
o iron, líquido nutriente, às vezes bebido ou dado aos porcos. O
láben é também aquecido, mexido e pendurado em pequeno saco
branco e limpo que, ficando a escorrer, resulta na massa de um
queijinho que, temperado com sal e pimenta, torna-se o delicioso
arixe. Caso queira maturá-los, é preciso introduzi-los, em
número de uns trinta, em um pote que se fecha com tecido
vedado por barro do lado de fora. Ali adormecem os arixes um
sono de 180 dias, quando são retirados, mofados, e daí, quando
lavados, se revelam curados e vermelhos, postos a servir, regados
a azeite de oliva e acompanhados de cebola picadinha, pão e
133
fome voraz que os devore... comidos “de capitão”. [Idem, idem]
METRO DE LENHA
SOBRE O MURO
BONDINHO
134
definitivamente, de volta para o Líbano, viaja acompanhado de
um guia, os dois a cavalo, até Sacramento, onde o imigrante
toma o bondinho para a estação de Cipó e, de lá, até Campinas.
Leva consigo ovos e arixes, matula da viagem. Essa partida
deixa os primeiros netos em choro e a cena gravada na
memória.
APOLINÁRIA PARTEIRA
QUARENTENA
135
pano nas frestas das janelas, evitando que o vento resfrie o
recém-nascido. O avô da criança compra então 40 galinhas,
uma para cada dia, para a canja, que a filha, de resguardo, sorve
e, lentamente, se reabilita. O pai, feliz, se o nascimento é de
filho macho, recebe o abraço de todos. Logo, ele toma a
providência de forrar o teto do quarto do menino com tecido
americano cru – essas casas coloniais, simples, nunca são
forradas – protegendo a família da friagem, da fuligem do fogão
à lenha, dos picumãs que se balançam no teto, assim como os
morcegos, que só aguardam o escurecer para investir, em vôos
noturnos, pelos cômodos da casa. Sendo menina, a criança
recém-nascida, o pai passa dias sem falar com a esposa, de cara
emburrada ou, até mesmo, retirar-se de casa. [Idem, idem]
VASO NOTURNO
136
EXTRAMUROS (USOS E COSTUMES)
137
ALGENTAR
138
Nabut e da pesquisadora Lígia de Moura Rassi ao autor.
Uberaba, 1999]
FUNDÃO
NOS BOTICÁRIOS
139
OS DOUTORES
AMARELÃO
140
as tabas quando se transferem de lugar, não carregando o
barbeiro consigo em suas mudanças. Os índios, do período da
Descoberta, não dão nome a este inseto, sinal de que ele não
faz parte de seu cotidiano; enquanto na floresta do que viria a
ser a futura Bolívia, nos anos que se seguem à chegada de
Colombo à América, os jesuítas já registram sua presença.
Naturalistas estrangeiros que visitam o Triângulo Mineiro no
século XIX, entre eles Auguste de Saint-Hilaire, citam vários
insetos nocivos à saúde, mas não fazem referência ao barbeiro.
A chegada do barbeiro infectado ao centro-sul brasileiro dá-se
pelo sul do Brasil, vindo do Uruguai e Argentina, entrando
pelo Rio Grande do Sul.” [Depoimento de dr. Aluísio Prata ao
autor. Uberaba, 1999]
O barbeiro sugador e transmissor da doença de Chagas é o
Triatoma Infestans que existe nos Andes. A descoberta do
cientista Carlos Chagas força que se façam campanhas nacionais
de combate ao barbeiro, que passa a ser combatido com
inseticidas, tais como o BHC, o Aldrin, o Diedrin.
O êxodo da zona rural faz com que o homem do campo
leve para a cidade o inseto. A própria ferrovia, que é símbolo
absoluto de progresso, retorna das distantes regiões
interioranas com o barbeiro escondido na lenha dos vagões.
Conta o pesquisador Aluísio Prata que em 1940 são recolhidos
nos ranchos de pau-a-pique centenas de latas de insetos
infectados. Nesse período, 75 mil novos casos de incidência da
doença de Chagas são registrados a cada ano. Em 1975, 4% da
população brasileira é contaminada pelo barbeiro infectado.
141
Minas Gerais e Rio Grande do Sul registram incidências
maiores: 8%, uma incidência muito alta e tida como a principal
endemia do país, tão grave como a esquistossomose. Os
municípios de Iguatama, Bambuí, Santa Juliana e Pains se
revelam como locais de grande incidência do barbeiro
contaminado. Em 1983 o país é praticamente borrifado com
inseticida.
As novas e melhores condições de vida permitem
visualizar o Brasil com decréscimo total do barbeiro infectado.
[Idem, idem]
OS MESTRES DE LÁ
OS MESTRES DE CÁ
142
seus ensinamentos. Homem de conhecimentos abrangentes,
dos anos 30 até os anos 60, é ele quem prepara alunos para a
Admissão (segundo grau). Por toda a década de 1930, o colégio
particular do professor Artêmio Magalhães, irmão dos pintores
uberabenses Anatólio e Arnold Magalhães, ajuda a melhorar o
nível do ensino local. [Idem, idem]
Outro mestre que se notabiliza no ensino e na convivência
é o professor Orestes da Cunha Resende, neto de D. Ana,
mulher famosa por aqui. Autodidata, o Prof. Orestes é dos mais
ligados à colônia libanesa. Com o engenheiro J.C. Pedro Grande
assina o opúsculo Esboço Corográfico e Aspecto Econômico do
Distrito de Santa Juliana, de 1938, utilizado como
embasamento para defesa da criação do município. Em sua
homenagem, a Rua do Comércio passa a se chamar Rua Prof.
Orestes. Em 1983, merece uma separata da revista
Convergência 13. [Revista da Academia de Letras do Triângulo
Mineiro. Uberaba, 1983] da Academia de Letras do Triângulo
Mineiro, de autoria de seu irmão, o médico Sebastião Teotônio
Resende.
Com esses mestres, sempre ricos em cultura humanista, a
segunda geração de imigrantes aprende o que permitem as
possibilidades da educação em Santa Juliana.
Enquanto aprendem língua-pátria nas escolas primárias,
com requintes de valorização da pronúncia da letra ele, bem
palatal, os filhos dos imigrantes, como a maioria de seus pais,
não sabem rascunhar nada na escrita árabe. Mas, “falam alguma
coisa” e entendem quase tudo da língua dos pais. Em casa, a
143
língua árabe consegue se manter viva. No lar, os filhos sentem-
se na obrigação de entender a fala paterna. No futuro, a terceira
geração já não entenderá mais nada da linguagem dos avós.
MESTRAS DA PALMATÓRIA
144
Campos Sales. [Depoimento de José Rassi Abdanur ao autor.
Uberaba, 1980]
UM MAL BÍBLICO
145
Uma carroça rola suas rodas ranzinzas pelos caminhos de terra,
imprimindo um som angustiante ao deserto. Quem a vê se
contorce para trás e se afasta em sinais da cruz, puxando a
camisa para o nariz, evitando o possível mau cheiro dela
exalado, e cospe de nojo. Saídos do Apocalípse, quatro
cavaleiros trazem mãos, braços, pernas e as caras com ataduras
conspurcadas e se dirigem para a cidade, com uma intenção
quase vingativa. A chegada deles às primeiras ruas, abaixa o
tom das conversas e alastra entre as pessoas um medo que mela
e morde... São os macutenas que se anunciam com cincerros
sinistros. São os Lázaros, sem o alarde do milagre da cura.
146
da gente sã que nunca toca naquilo que eles manuseiam, nunca
deles se aproxima... Essa história das balas de saliva deixa as
mães loucas de preocupação - justo agora que os meninos vêm
sozinhos da escola... e são loucos por bala!
A FORÇA DO TABANJA
DIES IRAE
147
simpático à presença dos libaneses na localidade. Em uma
discussão com imigrante da família Facuri, em uma loja de
tecidos, o delegado é baleado pelo libanês, o que resulta em
revolta armada de grande parte da população. Temerosos, os
libaneses trancam casas e estabelecimentos e se armam da
maneira como podem. São em número menor, mas têm certa
vantagem por causa da posição que ocupam, dentro das lojas.
Vantagem, no primeiro embate, porque o confronto pode
resultar em encurralamento em suas propriedades. Frente à
virtual carnificina, é o próprio Zacarias quem consegue demover
os brasileiros do ataque, assustado com a possibilidade de
vitória dos imigrantes. [Depoimento de Miguel Jorge Dib ao
autor. Uberaba, novembro de 1999]
TURQUINHO!!!
OS VIAJANTES
148
mercadorias faz com que os viajantes e representantes de
importantes casas comerciais e importadoras mapeiem o Brasil,
oferecendo produtos, cobrando, acertando prazos de
pagamentos.
Nomes de imigrantes ou descendentes de imigrantes que
viajam pela região ficam na memória: Bechara Salomão, de São
Paulo, representante de chapéus e tecidos; Cecílio Salomão, de
Araxá; Chebe Aidar, de Franca; Michel Facuri, Zeca Abdanur,
Edésio Facuri, de Santa Juliana...
Em São Paulo, os portugueses dominam as casas Barros &
Cia., Martins Costa, estabelecidas na Rua Florêncio de Abreu.
Vendem mercadorias, no atacado, para se pagarem em seis
meses, quando o viajante retorna ao interior para novas
negociações. Nicolau Miguel fabrica em Mococa, Estado de São
Paulo, o chapéu masculino marca Ideal, para quem Michel
Facuri trabalha durante muitos anos. Há viajantes de armas, de
ferragens, de borzeguins - de tudo.
Os viajantes são muito bem tratados em Santa Juliana,
onde ficam durante uma semana, a cada viagem, e o auge deles,
aqui, vai de 1912 a 1930, quando vem o automóvel e muita coisa
muda. Vestidos, com elegância, trajam ternos de linho 120 ou
de casimira inglesa, são recebidos com festa pelas moças do
lugar, que sonham, com eles, um casamento feliz com futuro
nas capitais, onde poderão ter e educar os filhos em boas escolas
e vê-los formados nas faculdades, que lhes renderão títulos de
doutor... Mas, o projeto de romper com a vida provinciana
quase sempre se desfaz, com o retorno dos viajantes às capitais,
149
a volta inconsequente dos flertes e namoricos, o casamento com
os moços do lugar, quando não com os primos e tudo se resume
à mesmice. Aos prejuízos dos sentimentos femininos
correspondem os lucros dos viajantes, que retornam com os
pagamentos – oito a dez mil contos de réis - até às cidades, onde
há agência do Banco do Brasil ou do Crédito Real para os
vultosos depósitos.
As casas atacadistas têm tropas de animais pelo Interior
brasileiro, a serviço dos viajantes, quando já não mais podem
recorrer ao trem de ferro para atingirem as cidades distantes
das ferrovias. É uma tropa de onze a quatorze burros,
integrando comitiva formada por dois ou três homens, dentre
eles, um cozinheiro. Prevenindo perigos – humanos ou animais
- uma carabina Smith, mas ninguém parece querer agredi-los.
Sobre os burros, as canastras, com os mostruários, as cartelas
com cores e gênero de tecidos – o brim cáqui, o arranca-toco, o
zefir, as chitas, o riscado, a casimira Aurora, que é fabricada no
Rio Grande do Sul e de muito boa qualidade. Sempre
mercadoria de primeira qualidade – chapéus Cury, Ramenzoni
– grande parte dela importada. Em Santa Juliana, os viajantes
hospedam-se na pensão do Zé Dutra. Seus auxiliares cuidam de
alugar um pasto e tratar dos animais. Comerciantes, mais
interesseiros na amizade, convidam os viajantes para fartos
jantares em suas residências.
Michel Facuri e Zeca Abdanur viajam pelo Triângulo
Mineiro e pelas cidades da linha da Estrada de Ferro
Araraquarense, no Estado de São Paulo, passando por Mococa,
150
Ribeirão Preto, Rincão, Araraquara, Pindorama, Rio Preto, Alta
Paulista; depois, vêm para Uberaba, Uberlândia e Araguari,
Goiás, Pires do Rio, Vianópolis, Ipameri, Anápolis, com
volumosa presença de árabes. Isso, por volta de 1927, ´28, 1935,
´36, viajando de trem de ferro, alugando carroça e, mais tarde,
alugando carro para fazer a praça. [Depoimento de José Rassi
Abdanur ao autor. Uberaba – 1985]
O CARGUEIRO E OS MOSTRUÁRIOS
VALSA DA CHEGADA
151
Abud e Alzira Melek Abud. No entanto, a filha Vera Júlia Alzira
Abud, em 1977, retorna a Dores, sem mais abandoná-la,
tornando-se a última descendente de libanês a permanecer
aqui. Uma forma de reconciliar o que a cidade deu aos
imigrantes e estes ao município de Santa Juliana.
152
CHEIRO DA ROÇA
O CAMPO MOVIMENTADO
153
- Dia, seu Miguel!
- Bom dia, brimo! Bom dia, brima! Tem uns coisinhas aqui que
é um bileza, bros´cês.
CAPA IDEAL
154
águas, o chapéu e a capa Ideal são indumentária e acessório
indispensáveis para as viagens a cavalo. Soltos no campo, os
usuários da capa fazem lembrar cavaleiros medievais.
FAZENDEIROS E AMIZADES
155
TERRAS CANSADAS
156
DILÚVIO DE FALENAS
POEMAS VISUAIS
VIDA CULTURAL
157
POEMAS VISUAIS
158
OS POEMAS VISUAIS DE CALIXTO CECÍLIO TERIAM
CERTAMENTE INFLUENCIADO OS POETAS CONCRETISTAS
UBERABENSES, CASO FOSSEM PUBLICADOS NA DATA DE SUA
CRIAÇÃO: DÉCADA DE 1940. DO ORIGINAL MANUSCRITO
REMINISCÊNCIAS DE KHALIL IBRAHIM CECIN
159
VIDA CULTURAL
160
JOGO DE DAMAS
161
BÁSSARA, GAMA E TÊOLE
ESCRITOR
162
AL JARIDA
TEXTO VIVO
164
TIO ZECA, O DECLAMADOR QUE
DÁ VIDA A TEXTOS CLÁSSICOS.
DÉCADA DE 1940. COLEÇÃO DO AUTOR.
RITUAL DE PASSAGEM
DILÚVIO DE FALENAS
166
A MINHA DIREITA ESTÁ VAGA
167
Nas brincadeiras de salão, quem perde deve “pagar uma
prenda”, que pode ser recitar uma poesia de Salomão Jorge,
como A Bailarina:
A CANÇÃO DE JULIANA
- É verdade, ó Juliana.
Vim aqui pra te convidar
169
Vou trazer um copo de vinho
Para celebrar o teu noivado.
170
BALADIA MINHA TERRA
AS PAINAS DE ABRIL
171
da frondosa paineira do fundo do quintal do meu avô, um
dilúvio rosado de florações, que toda ela não é senão um grande
jardim erguido pro céu.
RUA DE CAPIM
172
quadradas, de paredes de terra socada, sem reboco e cobertura
de capim, dois ou três cômodos, chão varrido - algumas
gostosas, limpinhas - reprisando uma arquitetura semelhante à
que praticaram seus ancestrais na África.
Na Rua de Capim ajuntam-se os negros de ganho, os faz-
tudo nas casas dos brancos, as parteiras, lavadeiras famosas e as
empregadas domésticas. Para os filhos dos libaneses, ir à Rua
de Capim é uma aventura, pela liberdade de espaço e de
comportamento e por encontrar tantas crianças livres para
brincarem.
CINEMATOGRAPHO
173
Início de 1940. Inovações urbanas, sociais, culturais. O
Cine Vitória é inaugurado e, com ele, muita coisa muda. O
mundo imaginário projetado na tela vai ganhando a realidade,
virando verdade, quando aqui se copiam os artistas. Na porta do
cinema, o footing. Para cima, em direção do Grupo Escolar,
caminham as moças, para baixo, em direção à Praça, os moços.
No vaivém, os olhares oblíquos do flerte sob o penteado
feminino ondulado com ramonas se cruzam com os sorrisos
sorrateiros, sob o bigode dos rapazes. [Depoimento de Mariana
Abdanur Nabut ao autor. Uberaba, 1985]. Um alto-falante
projeta nas ruas os sucessos de Sarita Montiel ou Miguel Aceves
Mejia, sonoplastia dos sucessos, e o cinema continua romântico,
cá fora, no sereno sertanejo...
A ausência de uma casa de festas, um salão de dança, uma
boate, em Santa Juliana, faz com que os cidadãos de lá
brinquem Carnaval no cinema, formando imensos cordões de
foliões em torno das fileiras de cadeiras. [Idem, idem]
174
O CINE VITÓRIA EXIBE FILMES NORTE-AMERICANOS,
MEXICANOS, ARGENTINOS. NA PORTA, O FOOTING
PROMETE BISAR O CHARME DAS CENAS VISTAS NAS TELAS
AZIZA FACURI
– MODERNIDADE E NOSTALGIA
COLEÇÃO DO AUTOR
175
BENJAMIN ABRAÃO
176
é apreendido e encostado num depósito público. Resgatado
parcialmente, anos mais tarde, por Alexandre Wulfes e Al
Ghiu, é utilizado ainda no documentário Memória do Cangaço,
de Paulo Gil Soares, e no longa de ficção Baile Perfumado
(1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, em verdade e
cinebiografia de Abraão”. (Enciclopédia do Cinema Brasileiro,
organizada por Fernão Ramos e Luís Filipe Miranda. SP,
Editora Senac, 2000).
Cena de Baile Perfumado é a escolhida pelo editor,
pesquisador e escritor Guido Bilharinho para capa de seu livro
O Cinema Brasileiro nos Anos 90 (Edição Instituto Triangulino
de Cultura. Uberaba/Brasil – 2000), no qual relaciona melhor
os filmes que recorrem à película de Abraão para se
sustentarem. “Não é por outro motivo que imagens de Abraão
são utilizadas em pelo menos quatro outros filmes: Memória
do Cangaço (1965), documentário de Paulo Gil Soares; Os
Sermões do Padre Vieira (1989), de Júlio Bressane; Corisco e
Dadá (1996), de Rosemberg Cariri, e, naturalmente, também
em Baile Perfumado (1996)”, e argumenta: “Enfim, não é todo
dia que se vê reproduzida num filme personalidade tão forte
como a de Lampião tal qual conforme captada pela lente
sensível e inteligente de Abraão, considerado, por seu filme,
um dos maiores cineastas brasileiros”.
Frederico Pernambucano de Melo, consultor histórico de
Baile Perfumado e curador da mostra sobre o cangaço na
mostra Brasil + 500 Anos, compara Benjamin Abraão aos
fotógrafos Roger Sonton, que registrou a Guerra da Crimeia, a
177
Mattew Brady, que registrou da Guerra da Secessão e ao
húngaro Robert Capa, que documentou a Guerra Civil
Espanhola, e ainda o alinha aos cineastas Major Luís Tomás
Reis, da equipe do Marechal Rondon, e Silvino Santos,
cinegrafista da saga da Amazônia, um dos primeiros
documentaristas do país. Sobre o filme de Abraão, discerne o
cineasta e intelectual Júlio Bressane: “São imagens
perturbadoras. Com uma luz solarizada, estourada, sem rígido
controle, com uma câmera de corda nas mãos, brutalista,
criou uma poderosa imagem-desejo, bárbara, paradigmática
em nosso cinema e em nossa cultura. Uma Imagem-Canudos
[...] Deus e o Diabo na Terra do Sol foi extraído destas cenas
gravadas pelo mascate libanês”; e conclui: “o Major Reis e
Benjamin Abraão formam um eixo de onde sai e por onde
passa tudo que presta no nosso cinema.” (Guido Bilharinho,
op.cit.).
Nascido em Zahle, norte do Líbano, região de onde
provém a grande massa de imigrantes libaneses para as três
Américas, Benjamin Abraão é a referência libanesa do cinema
brasileiro, quer como cineasta e quer como personagem, através
do filme Baile Perfumado. De certa forma, sua contribuição
para a cinematografia brasileira tem a ver com a história dos
libaneses no Brasil, sempre carente de um processo de
restauração e de revelação.
178
TEATRO
179
BANDA DE MÚSICA
180
OS JARDINS GEOMÉTRICOS
181
CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PAISAGISTA ALEMÃO JULIO R.
STEINMETZ PROPONDO EXECUÇÃO DOS JARDINS PÚBLICOS
DE SANTA JULIANA, ASSINADA POR VASCO GIFFONI,
PREFEITO, UBERLÂNDIA, 4 DE OUTUBRO DE 1941.
COLEÇÃO DO AUTOR
182
SINOS E CRISTAIS
RELIGIOSIDADE
183
CASAMENTO DE JOSÉ MIGUEL JORGE MIGUEL JACOB E
ÁRABE E TERESINHA FELÍCIA (SAADA) JORGE FERES
CARNEIRO NA MATRIZ DE MIGUEL. RESIDEM MUITOS
SANTA JULIANA. ANOS NA ESTAÇÃO SANTA
DÉCADA DE 50. JULIANA (ZELÂNDIA)
FOTO - PRIETO COLEÇÃO – ODETE JORGE
FACURI
185
É uma filha de imigrante, Luzia Moisés, quem faz a
Verônica na procissão do Senhor Morto [Depoimento de Cecília
Abdanur Estephan ao autor. Uberaba, 1985], interpretando,
dramaticamente, a passagem bíblica, tirada do Responsorium:
186
NOSSO SENHOR DOS PASSOS. IMAGEM DE ROCA E
DE VESTIR. MADEIRA ENTALHADA E POLICROMADA, SÉC. XIX.
ENCONTRADA EM UM CAFEZAL. É TIDA COMO PATRIMÔNIO PRIMEIRO
DE SANTA JULIANA. IMPACTO REALISTA. COLEÇÃO DO AUTOR.
187
ortodoxos e não católicos romanos, os libaneses tomam atitude.
O compadre Virgílio Facuri escreve ao bispo de Uberaba, D.
Antônio de Almeida Lustosa, reclamando, pedindo providência.
A resposta do bispo é tão incompreensível quanto o
comportamento do padre. Distantes do patriarca, os libaneses
não entendem o comportamento dos religiosos que obedecem
ao papa. Daí em diante começam a se afastar da Igreja, não a
frequentando mais, porém sem perder a fé, ao contrário dos
filhos, que não saem das rezas, terços, ladainhas, missas,
procissões. É só o sacristão, Zenon Mariano, vibrar o sino, para
que todos eles, mulheres principalmente, se abalem até a igreja.
Domingos e dias santos de guarda, os filhos vestem a “roupa de
ver Deus”, para ir à missa; as melhores peças do vestuário,
calças e saias escuras, blusas e camisas sempre claras.
[Depoimento de Mariana Abdanur Nabut ao autor. Uberaba,
1985]
ABADIA
190
d´Abadia, que se celebra em agosto. Minha mãe conta a fartura
da chegança dos fazendeiros, com latas de 18 litros cheias de
doce de leite, doce de cidra em pedaço, carne guardada na
banha. Na falta de hospedarias suficientes, eles se hospedam em
casas. A sala fica para eles e, pela manhã, uma confusão alegre
se instala na cozinha.
A festa aqui, em Dores, é a melhor do calendário, mas a
mais famosa é a de Água Suja (Romaria), para onde vão
romeiros a pé e fiéis lotando carrocerias de caminhões.
- Se em casa a vida é conturbada, a paz pode estar diante
da imagem, de onde se foge deste mundo...
À janela e à distância, os tios mais velhos e cultos
observam o espetáculo de fé que lhes apresentam na praça.
Vêem em cada ato um motivo de domínio da sociedade, de
faturamento e de idolatria, mas, discretos, nada comentam.
NOSSA SENHORA
D’ABADIA. MATRIZ DE
SANTA JULIANA, SÉC.
XX, CASA AÇUCENA,
RIO DE JANEIRO,
MADEIRA ENTALHADA
E POLICROMADA.
FOTO – RENATA
MIZIARA, 1999
191
O PÊ* PARADO NAS ESTAÇÕES
ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA
APOGEU E DECADÊNCIA
ESTAÇÃO DE ALPERCATAS
NOVA IMIGRAÇÃO
192
ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA
193
farpado e contra a ferrovia. E a estação mais próxima da cidade,
que leva o nome de estação de Santa Juliana, mais tarde,
estação de Zelândia, distante da urbe 33 km, rouba o
movimento da tradicional estação de Palestina. [Depoimento de
José Rassi Abdanur ao autor. Uberaba, 1990]
194
CAPELA DE N. SRA. D’ABADIA E SANTA TERESINHA. ZELÂNDIA.
FOTO – BEETHOVEN TEIXEIRA, 1999.
195
APOGEU E DECADÊNCIA
197
“(...) Inaugurada a estação, o Sr. José Joaquim da Silva
mandou traçar, por um engenheiro, o plano de uma vila e
começou a vender os terrenos em lotes de 20 X 40, resultando
desta feliz iniciativa o surgimento do povoado que, oito anos
depois, contava já com 35 prédios, quase todos cobertos de
telha francesa, sendo que a sua estação colocou-se em primeiro
lugar na estatística da exportação sobre as demais pequenas
estações do trecho Ibiá-Uberaba. Para proseguir na sua obra
benemérita, o Sr. José Joaquim da Silva resolveu dar início à
construção de uma capela projetada, o que realizou sozinho,
em vista de ter encontrado dificuldades em colher donativos,
dispensando cerca de nove contos de reis e adquirindo ainda, a
sua custa, a imagem de N.Sra.da Abadia, em Belo Horizonte,
pela quantia de quinhentos mil réis (...) – Santa Juliana, 24 de
julho de 1938.” [Livro de Atas da capela de N. Sra. d’Abadia e de
Santa Teresinha. Op. cit., p. 139]. Assinam a ata da reunião,
José Joaquim da Silva e vários membros do conselho, entre eles
Jamil J. Tanus, Assis S. Jamal, Clídia Jamal, José Abrão Facuri,
Amélia J. Facuri.
198
RUA DE BAIXO, ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA.
O LOGRADOURO QUE DEU LUCRO. FOTO DO AUTOR, 1999
200
EUSTÁQUIO GASPAR CARNEIRO EM ZELÂNDIA.
RETORNO ÀS RAÍZES. FOTO DO AUTOR, 1999
201
ESTAÇÃO DE ALPERCATAS
202
NOVA IMIGRAÇÃO
203
HORÁRIOS E PREÇOS DOS TRENS DA REDE MINEIRA DE VIAÇÃO, QUE
PASSA PELA ESTAÇÃO SANTA JULIANA (ZELÂNDIA).
SUPLEMENTO DA REVISTA ZEBU, PÁG. 195. UBERABA, 1951.
204
MEMÓRIA DO MICROCOSMO
(UBERABA)
GAMELEIRA COSMOPOLITA
A GAMELEIRA E O CEDRO
205
GAMELEIRA COSMOPOLITA
206
minha casa, dirigindo, em pé, suas carroças, estralando no ar
nervosos chicotes. Cumprimentam meu pai e logo torcem o freio
da condução para maneirar a descida do morro da Gameleira.
Enquanto Mariana borda, na máquina Singer, o estilo richelieu
de toda uma vida e meu pai, Elias, engarrafa quinado. Na
descida, os carroceiros passam pela escola de Dona Querubina; a
chácara de Horácio Verecchia, cujas árvores derramam frutas
sobre o córrego próximo à serraria de Santos Guido e ao
paisagismo elaborado do suíço Augusto Lemp, atravessam a
ponte de tapiocanga sobre o córrego quem vem da Quinta da Boa
Esperança e sobe outra ladeira, a da Mojiana. Da Mojiana que,
numa noite, desce a procissão de Nossa Senhora de Fátima,
imagem vinda de Portugal. À esquerda, a casa de madeira do
carroceiro Seu Antônio, negro, alto, magro, de rompante, sempre
de camisa de manga comprida abotoada no colarinho e nos
punhos, homem que dispensa um prato de melado se for menos
que um litro de conteúdo; sua voz e gestos graves não impedem
de chegar à minha casa e, reparando as plantas do jardim, atrás
do alpendre, exclamar:
207
beneficiar arroz dos imigrantes espanhóis, Cândido, Valério e
José Castejon. Duas prostitutas polacas acabam de chegar à casa
da “comadre” Maria Augusta. Daqui, gasta-se um segundo até a
alfaiataria de Mário Dessin, ao lado da residência de Ricardo
Misson, industrial da cerâmica, que cobre as construções de
Uberaba e região, de avermelhadas telhas francesas bem feitas.
Viver, aqui, na Gameleira, é como se a gente desse as mãos na
brincadeira de roda para dar um giro na praça e na vida. O entra-
e-sai dos hóspedes europeus do Hotel Toscano, Lauanda Nabut e
Habib Sallum na varanda do sobradinho eclético, a confeitaria de
Filipe Morales Rua e Encarnación Grande, a destilaria Gaia, do
industrial espanhol Batista Gaia e esposa, Augusta Maggiotti
Gaia, produzindo vinho e gasosas para o verão; toda a família em
torno do industrial Francesco Pucci, com seus famosos Produtos
Espéria, cujas bolachas vão para as vendas, embaladas em
grandes latas, o azulado bazar da família Antônio dos Santos
Anjo, a marmoraria de Domenico Monaco, o vai e vem do alemão
Haroldo Fleishman, vendendo bananas no cesto - insistindo que
é a Alemanha, e não a Itália, o país musical do mundo, sendo
terra natal dos compositores Bach, Händel, Haydn, Mozart,
Beethoven, Mahler... – e, de outro Alemão, da padaria Tupan (do
espanhol tu pan = teu pão), onde fazem sucesso os canelones do
italiano Gordo, transitando pela rua cantando trechos de ópera,
mais o dedo-de-prosa com D. Fidalma Del Papa, posta à janela, o
jardineiro português, Augusto Araújo, que ajuda a definir as
formas regulares dos jardins franceses da cidade, a família
Diamantino vendendo rubros e raros moranguinhos, a fábrica de
208
carroças de Vitório e Benjamin Rossetti - todas essas figurações
de origens as mais diversas do globo, fazem da ecológica Praça da
Gameleira, a Torre de Babel desse universo, um espaço
cosmopolita de libaneses, italianos, portugueses, japoneses,
alemães, suíços, afro-brasileiros, espanhóis, franceses, que
transcende a qualquer outro contexto que se queira semelhante
nas demais cidades sertanejas do Brasil.
É diante desse monumento da natureza que, no dizer do
poeta, “de suas grimpas pode-se avistar a cidade do Rio de
Janeiro e a praia de Copacabana”, é frente a esta majestade,
chamada Gameleira, que ele, menino, constrói sua oração
ecológica. Sob as ramas de portento divino da Gameleira é que a
humanidade busca, neste Brasil sertanejo e cosmopolita, a
confluência de suas raças.
Para furtar imagens bíblicas, em tarde de tempestade, um raio
decepa um galho da árvore. O suficiente para que a Prefeitura forneça
enfurecidos funcionários que atacam, a machadadas, a árvore
sertaneja.
209
A GAMELEIRA E O CEDRO
210
poderosas sobre os cedros do Líbano. Trata-se de célebre
parábola em que se compara a beleza do crepúsculo sobre os
cedros do Líbano à imagem do poder e da glória de Deus.
Quando o sol à tarde penetra entre as árvores da floresta de
cedros do Líbano, ali está o símbolo da beleza e da majestade de
Deus.
Apesar de porosa e frágil, a Gameleira, no centro da
praça, em Uberaba, tem mais de cem anos de vida. Os cedros do
Líbano, resistentes, têm certamente mais idade que ela. Mas a
poderosa imagem desta Gameleira, a faz profundamente
semelhante aos cedros e vive entre nós, brasileiros, a mesma
verdadeira representação de poder e glória de Deus e da
Natureza. Um filho fenício vê na Gameleira a
transubstancialização dos cedros libaneses.
211
BARULHEIRA EM UBERABA
212
Ô indaiá, ô indaiá!
Ô indaiá, já virou indaiá!
213
UBERABA ABA ABA*
*
Referência a Osvald de Andrade, em Memórias Ssentimentais de João Miramar.
214
transporta para a modernidade, de que o estilo eclético é
símbolo. A cidade se transfigura também no comportamento e
chega a requintes de inaugurar lojas como a Casa Raul Terra, na
Rua do Comércio, que incorpora o gosto afrancesado de viver,
enfeitando as vitrines com bronzes, relógios, biscuits, prataria.
Os Colégios Diocesano, dos Irmãos Maristas, e Nossa Senhora
das Dores, das Dominicanas, ampliam esse novo conceito de
qualidade de vida made in France. Dessa forma, os imigrantes
mediterrâneos reconstroem o Triângulo Mineiro, pois,
processos semelhantes, embora não tão draconiamos, como diz
o historiador Hildebrando Pontes, ocorrem nas demais cidades
da região. É este o perfil propício, para o Iº Ciclo Econômico do
Zebu – década de 20 - resultado de fantástica aventura de
criadores e mascates que, contrariando regras, vão a Índia
buscar exemplares de gado zebuíno, realizando aqui
experiências genéticas, fazendo surgir o gado gir, nelore e
indubrasil, cujos criadores, ascendendo socialmente, ocupam os
novos palacetes que se constroem na Praça Rui Barbosa, centro
histórico e social da cidade. [Jorge Alberto Nabut, “Os
Imigrantes e a Reconstrução do Triângulo Mineiro” ou “O
Ecletismo em Uberaba”, Jornal da Manhã, 1985].
A tudo isso os novos fenícios assistem e suam nos balcões
para que seus filhos possam usufruir, em futuro breve, de
conforto semelhante. Isto só irá acontecer, definitivamente, a
partir da década de 1940, quando vários deles, criadores e
empresários, ocupam posição de destaque na sociedade, no
período denominado IIº Ciclo Econômico do Zebu – 1938-1942.
215
Na Rua Cel. Manuel Borges alguns exemplares arquitetônicos
dão conta do gosto e do poder aquisitivo a que atinge a segunda
geração de libaneses, em Uberaba, onde chamam especial
atenção as residências do empresário Pedro Salomão
(Líbano,1900–1963, Uberaba, Brasil) e do criador de gado de
zebu, proprietário do famoso boi Chave de Ouro, Salvador Jorge
Miziara (Campo Florido, Triângulo Mineiro, 1912–1998,
Uberaba, Brasil). Quase todos os novos-ricos, integrantes da
segunda geração de libaneses, vêm de cidades menores do
Triângulo Mineiro e de importância econômica semelhante à de
Santa Juliana.
216
SALA DE JANTAR DA
RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA
PEDRO SALOMÃO, RUA
MANUEL BORGES ESQUINA
COM RUA AFONSO RATO.
UBERABA. PROJETO
ARQUITETÔNICO DO
AUSTRÍACO CARLOS
SIMONECK, 1942. FOTO -
RENATA MIZIARA. UBERABA,
1999. - EXUBERÂNCIA E
FAMILIARIDADE.
217
PINTURA MURAL COM MOTIVO ÁRABE. SALA DE JANTAR DA
RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA SALVADOR JORGE MIZIARA. PROJETO
ARQUITETÔNICO DE CARLOS SIMONECK, 1942. FOTO RENATA
MIZIARA. 1999. - RESÍDUOS ARÁBICOS.
218
JÓIAS DO LÍBANO
JÓIAS LIBANESAS.
FOTO RAMON MAGELA,
UBERABA 2000.
COLEÇÃO MARIA ELIAS,
VÂNIA CECÍLIO E DALEL
HELOU HUEB.
MODELO – MOEMA HELOU
HUEB
- MAIS DO QUE A PINTURA E
A ESCULTURA, A
JOALHERIA É A ARTE QUE
IDENTIFICA O GOSTO DO
POVO LIBANÊS AO LONGO
DE MILÊNIOS.
219
JÓIAS LIBANESAS.
FOTO RAMON MAGELA,
UBERABA 2000.
COLEÇÃO MARIA ELIAS,
VÂNIA CECÍLIO E DALEL
HELOU HUEB.
MODELO – JULIANA ABDANUR
PINTO CRUZ
- ENTRE AS PRECIOSIDADES
GUARDADAS COM AS
FAMÍLIAS DE LIBANESES
ESTÃO AS PULSEIRAS
‘ESCRAVAS’, AS PULSEIRAS
FININHAS QUE SE USAM EM
GRUPOS E A FAMOSA
MABRUME (COBRA).
220
OS SONS QUE VÊM DE UBERABA
221
MELODIAS PORTENHAS
222
retornar à locução do programa, aliás de grande audiência.
Fuad é considerado um homem de grande empatia por
seus admiradores, e eles não são poucos. Ele também marca
época com o programa Momento Municipal, que vai ao ar ao
meio-dia. Entre notícias da Prefeitura e da Câmara, ele intercala
curiosidades, mais ou menos assim anunciadas “...Desde as
velhas aldeias da Inglaterra, até os verdejantes prados do
Kansas, desde as Ilhas do Pacífico, até as estepes siberianas,
povos de origens, religiões e idiomas diferentes, devem todos
eles pensar na família humana, propugnando sempre pela
paz.” [Depoimento de José de Oliveira Marinho Júnior ao autor.
Uberaba, novembro de 1999].
A identidade de Faud Maluf com o tango é mais que
empatia. É vivência diária dos enredos, que as letras não se
acanham de revelar, em 78 rpm. Apaixonado por Teresa, uma
prostituta do Baculerê, Rua São Miguel, zona de prostituição e
cabarés, a ela dedica, praticamente, todo o repertório do
programa radiofônico e com ela, certa vez, parte para Palmelo,
Goiás, onde lhe custeia o tratamento de distúrbio mental, no
manicômio da cidade, dando aulas de francês. [Idem, idem]
Vida que é perfeito enredo de tango!
Já não é de estranhar que outro descendente de libaneses,
o acadêmico de medicina, Wilson Hueb venha a substituir Fuad
Maluf frente ao Melodias Portenhas, em período dominado
pelas vozes dos cantores brasileiros tangueiros, tais como
Alberto Fortuna e Carlos Lombardi, este último fazendo mais
sucesso na Argentina que no Brasil, Ângela Maria e Nélson
223
Gonçalves. Roberto Luna é outro cantor marcante dos tangos e
boleros aportuguesados. Ele interpreta, em português, os
clássicos do tango argentino nos anos de 1960, época em que
aporta em Uberaba para inaugurar, em sua homenagem, a boate
Luna, em memorável noite inundada de boleros e tangos – com
destaque para a apresentação do descendente de libaneses,
Anísio Curi, também notável dançarino.
A decadência da PRE-5 coincide com a saída de cena das
rádios brasileiras de mitos como Dalva de Oliveira e Orlando
Silva.
Uberaba inaugura então a segunda emissora da cidade,
Rádio Difusora Triangulina, onde, mais uma vez, é um
descendente de libanêses quem volta a inserir música portenha,
em audição pelas ondas do rádio. Lineu Miziara, acadêmico de
medicina, já havia apresentado o inovador Programa Árabe, na
PRE-5, na companhia do também filho de imigrantes, Chequer
Saud, em 1963, sempre aos domingos, às 11 horas da manhã. É
aí que são ouvidos os monstros sagrados da música árabe, os
egípcios Abdo E. Wahab e Om Kalsum, os libaneses Farid El-
Atrach, Fairuz, Sabbah, Hannan, Wadi El-Safi e o brasileiro
Romeu Feres, que grava na Odeon, com a orquestra de Luís
Arruda Pais, quatro LPs das mais populares melodias do
repertório árabe. Por falta de patrocinadores, o Programa
Árabe sai do ar após um ano de transmissão. [Depoimento de
Lineu José Miziara ao autor. Uberaba, novembro de 1999].
É Lineu Miziara quem recupera, para os ouvintes, o gosto
de ouvir tango pelo rádio, na Difusora. É ele o apresentador do
224
festejado Difusora é Dona da Noite, programa que vai ao ar
todos os dias, às 22 horas, de 1964 a 1966. [Idem, idem]
Lineu Miziara lembra estudos que apontam a identificação
dos filhos de libaneses com o tango. A intensidade da emoção
na música, a coincidência de compassos do tango com a música
árabe, sempre binários ou quaternários. Também a tonalidade,
sempre em tom menor, indica o clima de sofrimento,
transmitido pela música e absorvido com facilidade.
225
páginas folclóricas”, informam os editores na contracapa do
disco. Seu segundo elepê, Tardes Orientais é, consoante o
autor, mais que o primeiro, verdadeira coletânea de melodias
folclóricas do país pesquisado. É dele a gravação do Hino
Nacional Libanês, com a Orquestra Continental, acompanhado
por um coral de crianças órfãs. As duas vezes em que se
apresenta na Boate Yukatan, em Uberaba, tem o significado de
reencontro com a harmonia e o ritmo da melhor música
libanesa. Na década de 1990, Féres reside em Santos, onde
dirige um coral de pessoas da terceira idade, com o qual
trabalha somente com repertório de cânticos orientais. Em
2000, relança em CD, o disco Jóias Árabes. [Depoimento
telefônico do cantor Romeu Féres ao autor. Santos, SP,
novembro de 1999].
227
DOS COSTUMES
228
DAS CARPIDEIRAS
229
instrumento de percussão com que se animam os bailes de
casamentos da colônia libanesa, sempre com vários dias de
duração. [Estatuto da Associação União Beneficente Síria,
edição bilíngue árabe e português, O Estado de São Paulo,
1925]. Mariana Miziara empresta seu talento na dramatização
dos velórios, onde é requisitada carpideira. Diferentes das
carpideiras profissionais, comuns em todo o Oriente Médio, por
não atuarem por pecúnia, nossas chorosas mulheres mantêm a
tradição das lamúrias frente aos defuntos e seus familiares,
tomando atitudes dramáticas, em grande parte acompanhadas
por outras mulheres. Desta forma, quando iniciam o cântico de
lamentos, são acompanhadas por várias outras mulheres
presentes. [Depoimento de Cristina Hueb Cecílio ao autor.
Uberaba, janeiro de 2000].
As mudanças de costumes, o gosto pela ocidentalização e o
desaparecimento das velhas imigrantes, vão dispensando e
evitando a presença das carpideiras, que se tornam raras,
emprestando aos velórios uma aura de sala de visitas, onde o
choro, mesmo em bocados, é olhado de viés.
CARPIDEIRAS,
SEMPRE VESTIDAS
DE PRETO,
AGUARDAM, SOB
TAMAREIRAS,
CONTRATO PARA
CHORAREM EM
ALGUM VELÓRIO.
CAIRO, EGITO. 1985.
FOTO DO AUTOR.
230
CHOUF HEDA E MAJNUN
231
mundo oriental, Arábia, Pérsia, Ásia central e Índia, tendo
inspirado muitos escritores, poetas e artistas muçulmanos como
Nizami, Djami e Mir Alisher Navoï. Integrou as luxuriantes
ilustrações em mostra realizada no CCBB (Centro Cultural do
Banco do Brasil).
Também serviu de inspiração para o expressivo blues-
rock, Layla (Darling, wont you please ease my worried
mind...), da banda Derek and the Dominos; incluída no
repertório de Eric Clapton. Excepcional para performance de
guitarras.
232
DO CONHECIMENTO
HERANÇA
233
preferencialmente em Medicina, se realiza plenamente quando
a terceira geração ocupa seu lugar na sociedade, não sem antes
causar estranheza e certa resistência por parte dos antigos
profissionais. Sobre a terceira geração de imigrantes libaneses
parece recairem os ensinamentos dos grandes médicos árabes
que revolucionaram a medicina universal no período em que
ocuparam a Espanha. Em Uberaba, o cenário médico é
enriquecido com três empreendimentos notáveis: o Hospital
Santa Cecília (1955-1999), propriedade dos médicos Romes e
Rene Cecílio, projeto do arquiteto João Jorge Curi, onde se
realizam as primeiras cirurgias cardíacas, em animais, do
Interior brasileiro, executadas pelo médico e futuro ministro da
Saúde, Adib Jatene; Hospital Santa Helena (inaugurado, em
1972, pelo Governador Rondon Pacheco), com nome em
homenagem à imigrante Helena Abdanur Azôr, propriedade dos
médicos Jorge Abraão Azôr e seu filho Armando Fraga Azôr e
seu cunhado Carlos Antônio Dib, Roberto Árabe Abdanur e seu
cunhado Eurípedes Alves Carvalho, Miguel Tapxure e Olindo
Miziara; o Hospital Santa Lúcia, inaugurado em 1970,
propriedade dos médicos Aziz Miguel Hueb, otorrino pioneiro
da colônia libanesa, seu filho Marcelo Miguel Hueb e seu
sobrinho Jorge Filipe Abud, João Hercos Filho e sua filha Ester
Luísa Hercos Fatureto, Ismael Ribeiro e seus filhos João
Eduardo Caixeta Ribeiro e Ismael Ribeiro Filho, e Newton
Prata. [Depoimento de diretores dos três hospitais citados.
Uberaba, outubro de 1999]. São estes os maiores investimentos
na saúde pública realizado em Uberaba pelos filhos de libaneses
234
historicamente ligados a Santa Juliana.
Ainda dentro deste quadro, Núbor Facuri, casado com
Orlanda Silva Facuri, filho de José Jorge Facuri e Latif Nicolau
Facuri (ver genealogia, no final do livro), e cujo filho, Núbor
Orlando Facuri, é médico neurologista de projeção nacional,
radicado em Campinas/SP. Entre os primeiros imigrantes
árabes diplomados em medicina, em Uberaba, está Munir
Sallum.
DESEMBOQUE E MELANCIAS
235
Legislativa, o tombamento, pelo IEPHA – Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, da sede da
Fazenda Melancias, no município de Água Comprida, no
Triângulo Mineiro, e das igrejas de Nossa Senhora do Desterro e
Nossa Senhora do Rosário, no Desemboque, berço histórico do
Sertão da Farinha Podre, no município de Sacramento. Dois
momentos avançados no difícil trabalho de preservação da
história e dos monumentos triangulinos. [Jorge Alberto Nabut,
Desemboque: Documentário Histórico e Cultural, edição
Museu de Arte Sacra do Brasil Central, Arquivo Público de
Uberaba, Arquivo Público de Uberaba, Arquidiocese de Uberaba
e Fundação Cultural de Uberaba, 1986]
CULTURA
236
médico cardiologista, conhecedor de música, cronista e orador,
Lineu José Miziara. Teresinha Hueb de Meneses é referência
cultural por sua contribuição para a literatura e para a crônica.
Na educação, Cristina Hueb Cecílio dirige uma gestão no
Conservatório Estadual de Música Renato Frateschi e Olga
Maria Frange de Oliveira é maestrina do Coral Artístico
Uberabense.
Extra campo artístico, os irmãos Sálua e Hamid Alexandre
Cecin e o Sr. Elias Rassi desempenham importante tarefa de
recuperar a memória histórica da família, lançando duas
significativas obras aqui citadas e envolvendo o imigrante
Calixto Cecílio.
COLECIONISMO
GILBERTO SALOMÃO
Radicado em Brasília, desde os tempos de JK, em poucos
anos o uberabense Gilberto Salomão construiu uma das
residências notáveis na capital federal, mais tarde vendida para
sediar a embaixada do Iraque. O empresário volta à carga,
contratando, novamente, o arquiteto Germano Gultzgoff,
sediado em Uberaba, para projetar a nova residência, de dois
mil metros quadrados, para a qual transfere sua coleção, que
inclui peças dos séculos XVI ao XX; sem deixar de ampliá-la. De
endereços como a Sotheby’s, de New York e a Chrystie’s, de
Londres, vieram tapetes, mobiliário, pintura e objetos em
237
decoração orquestrada pelo famoso Terry Della Stuffa.
DEMILTON DIB
Sem resistir àquilo que o seduz, o decorador e arquiteto
Demilton Dib, além da sua intensa atividade profissional,
dedica a vida a colecionar peças de arte, que vão do século XVIII
ao século XX, do barroco ao art déco, transitando por todos os
gêneros artísticos, principalmente arte religiosa e decorativa,
muitas delas vistas em exposições já realizadas em museus
uberabenses. Sem perder o hábito, continua a garimpar peças
pelos antiquários, ampliando, assim, seu acervo.
DEMILTON DIB
238
BELGRÁVIA ANTIGUIDADES
Durante 26 anos, Belgrávia Antiguidades ofereceu a
Uberaba e a várias regiões do país notável acervo de tapeçarias,
pintura, mobiliário nobre, todas as espécies de luminárias, de
arte sacra e diversificada arte decorativa. Manteve e ampliou a
tradição uberabense dos antiquários, em alto patamar, tendo
realizado dezenas de exposições sobre os mais diversos temas
relacionados ao gênero das antiguidades, bem como de arte
uberabense e mineira.
CIÊNCIAS EXATAS
239
COMUNICAÇÃO
240
JACOB PÁLIS JÚNIOR
VIRGÍNIA ABDALA
241
DAS ENTIDADES
CLUBE SÍRIO-LIBANÊS
242
De 1925 a 2000, são seus presidentes Rachid Maluf,
Manuel Elias, Calixto Cecílio, Jorge Antônio Frange, Bachur
Hallal, Nicolau João Maluf, Nagib Cecílio, Elias Nicolau, Aniz
Abdala, Rene Cecílio, Antônio Tahan Filho, Salim Filipe Abud,
Pedro Elias Miziara, Alexandre Amin Saad, Munir Cecílio,
Abrão Miguel Árabe, Nadin Daher, Nadin Achcar, Jaime
Moisés, Abadio Miguel Júnior, Mauro Sérgio Abud, Celso Abrão
Name. O clube ocupa grande área na Rua Major Eustáquio, com
sede social projetada pelo arquiteto Germano Gultzgoff, além de
ginásio poliesportivo, mesclando descendentes de libaneses com
grande número de brasileiros. A identidade do clube com a
tradição do Líbano se revela por meio da festa As 1001 Noites
que se realiza nos meses de outubro, nos últimos anos do
século. [Arquivo do Clube Sírio-Libanês, Uberaba]. Sob a
perspectiva histórica, foi um erro denominar de Sírio-Libanês
aquele que deveria chamar-se Clube Libanês de Uberaba.
ESTATUTO DA
ASSOCIAÇÃO UNIÃO
BENEFICENTE SÍRIA,
FUNDADA EM 11 DE
OUTUBRO DE 1925, QUE
DEU ORIGEM AO CLUBE
SÍRIO-LIBANÊS DE
UBERABA. SEÇÃO DE
OBRAS DO O ESTADO DE S.
PAULO. 1926. TEXTO EM
PROTUGUÊS E ÁRABE.
COLEÇÃO NADIN ACHCAR.
243
ACIU - ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E
INDUSTRIAL DE UBERABA
244
A reportagem referenda a importância de um curso superior
para os imigrantes libaneses e ainda observa: “O comércio
permitiu juntar dinheiro mais rápido e deu liberdade para
depois aplicar parte dele em boas escolas para os filhos”.
Na década de 1940, chegam à presidência da
tradicionalíssima Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba,
fundada em 1927, filhos e netos de libaneses: Jorge Antônio
Frange (1949), Romes Cecílio (1960), Rezala Sallum (1964-
1965), João Hercos Filho (1976-1977), Jorge Filipe Abud (1983-
1985), Carlos Antônio Dib (1986-1987), Marco Antônio Amui
Sallum (1992-1993), Fahim Miguel Sawan (1995-1997) e
Fabiano Anselmo Hueb de Meneses (1999-2001) que,
literalmente, inovam e avançam o comportamento da entidade.
Vários desses presidentes têm ligação direta com Santa Juliana.
[Arquivo da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba].
245
DA POLÍTICA
246
praças e jardins. No centro da praça Rui Barbosa fez erigir o
monumento em homenagem ao governador mineiro, Benedito
Valadares, execução do escultor Umberto Cozzo (São Paulo SP,
1900-1981, Rio de Janeiro). O projeto se insere nas normas do
estilo art déco, que transformava a arquitetura brasileira,
destituindo-a dos excessos decorativos e pouco práticos do
ecletismo. Por isso, foi denominado por nós, em vários artigos,
de Monumento da Modernidade. Incompreensivelmente, bem
mais tarde, no governo de 1989-1992, o monumento foi retirado
da praça, desmantelado, sem cuidado algum. Alguns destes
blocos de granito, da base do obelisco, foram deixados no
depósito da Prefeitura. Os menores e mais trabalhados, ainda
com medalhões de bronze incrustados, foram dispersos na
periferia da cidade, jogados no mato, na região próxima ao hotel
Dan Inn. O novo e inexpressivo projeto do paisagista Nei
Ururaí, o pior feito em área pública de Uberaba, não admitia –
ou seria o prefeito? – o monumento, indiferente a nossos
apelos. Seria atitude racista da administração contra os
libaneses? Fica a pergunta no ar. Sobre Whady Nassif, leia a
dissertação de mestrado de Luísa Maria de Oliveira e Silva,
Whady José Nassif na Prefeitura de Uberaba – Administração
Pública Municipal no Estado Novo.
O médico Jorge Antônio Frange, filho dos imigrantes José
Antônio Frange e Maria Paula Mauad, é destaque na política
uberabense, revelando-se forte concorrente a prefeito de
Uberaba, perdendo o pleito para Boulanger Pucci (1947-1951),
por 14 votos. Seu filho, político e médico, Frederico Alonso
247
Frange, é o vice-prefeito do governo Wagner do Nascimento
(1983-1988).
Américo Abdanur, comerciante e músico, ocupa cadeira na
Câmara Municipal de Uberaba, no período do governo de
Antônio Próspero (1951-1955), juntamente com outros filhos de
imigrantes: Nagib Cecílio (1951-1959), eleito também presidente
da Câmara, Alexandre Amim Saad (1959-1963), Fausto Salomão
(1959-1963), Aniz Abdala (1963-1967), Munir Miguel Dib (1971-
1973), Salé Cecílio (1973-1977), Jamir Abdala (1977-1981),
Patrícia Pontes Zaidan (1983-1985), Rodolfo Cecílio,
“Turquinho” (2001-2004). [O Poder Legislativo Municipal
Através do Tempo, edição Câmara Municipal de Uberaba,
1998].
Samir Cecílio foi deputado estadual importante,
principalmente para preservação de monumentos históricos do
Triângulo Mineiro (leia-se tombamento das igrejas de
Desemboque e da sede da fazenda Melancias).
248
WHADI JOSÉ NASSIF JORGE FRANGE
249
RUA REPÚBLICA DO LÍBANO?
250
NASSIM MIGUEL HUEB E LAILA CECÍLIO HUEB LADEADOS PELOS
FILHOS FUED, CRISTINA, MÁRUA, FÁDUA, FAUZE E O GENRO SALIM
FILIPE ABUD; SENTADOS: AZIZ, NEILA, JOÃO, AZIZA E OS
FILHOS JORGE E MARIA TERESA. UBERABA.
1951. FOTO – JOÃO SCHRODEN JR.
251
secos e molhados, feito da maior importância para o perfil do
comércio uberabense. Um dos mais antigos comerciantes da
Rua Tristão de Castro é Jorge Filipe Abud, que aqui se fixa em
1923, seguido pelo filho Salim Filipe Abud. Ao longo do século
XX aqui moram e trabalham as famílias de Elias João Hueb,
Latif Amin Abdala, Nassim Cecílio, Antônio Tahan Filho, Romes
Achcar, os irmãos Miguel, Abrão e Armindo Hueb, José Filipe
Miziara, Abrão Seba, Farah Abdala, Raul Idaló e suas filhas
Abadia, Salma e Barrige Idaló, os irmãos Nagib Cecílio, Salé
Cecílio e Fued Cecílio, Lian Abrão, Ramid Mauad, Calixto
Bunazar, Camel Amin Jreig, Wadi Curi e os filhos Alice, Miguel
e Leila Curi, Salim Hueb, Sadala Facuri, George Amine Khalil
Hanna Abdala, Fakher Azor Facuri, Chafic Jorge Abud, Elias
Azor Facuri, Farah Abdala, Jamil Sallum, Jorge Abdala Jreig,
César Mauad, os irmãos Márcia, Marise, Ana Rita e Luís
Américo Abdanur Cruz, Paulo Cecílio, Margarida Oliveira
Cecílio, Fernando Cecílio, Ibrahim Abboud Bayeh, Issa Azank,
Cairo Cecílio, Renato Cecílio, Ata Jreig, Marcelo Facuri Costa...
Nenhum outro logradouro poderia ser mais apropriado para ser
a Rua República do Líbano do que a Rua Tristão de Castro! Só
mesmo dificuldades burocráticas para impedí-lo.
252
presidente do Clube Sírio-Libanês, Nadim Achcar, e pelos
empresários Jaime Moisés, Gilberto Salomão e Urbano
Salomão, considerando improvável a mudança da Rua Tristão
de Castro para Rua República do Líbano, projeto com que se
sonhara, colhem centenas de assinaturas e entram com pedido
na Câmara Municipal de Uberaba para mudança de nome da
Av. Barão do Rio Branco para Av. República do Líbano.
[Depoimento de Nadim Achcar ao autor. Uberaba, setembro de
1999] O projeto causa polêmica, é aprovado pela Câmara –
Projeto de Lei Nº 179/89 – [Arquivo da Câmara Municipal de
Uberaba], mas é barrado com uma sanção do prefeito da época.
Diferenciada da Rua Tristão de Castro, a Avenida Barão do
Rio Branco é via expressa das máquinas de beneficar arroz de
libaneses e filhos de libaneses. Alexandre Jorge, Espir Nicolau
Bichuete, José Mansur e seu filho Aziz Mansur, Antônio Nasser
(Salaguda), Aristides Curi, Sami Abdala Saad, Kalim Abdala ali
instalam suas indústrias e por causa desta incidência de
imigrantes no local é que também se tentou conseguir para
Uberaba uma Av. República do Líbano.
253
MÁQUINA DE BENEFICIAR ARROZ DE ESPIR NICOLAU BICHUETE
& CIA. UBERABA. ÁLBUM “UBERABA, A PRINCESA DO SERTÃO”. 1941
– O BENEFICIAMENTO DE ARROZ E DE CAFÉ É UMA DAS
ATIVIDADES MAIS RECORRENTES DOS EMPRESÁRIOS
LIBANESES NO TRIÂNGULO E EM GOIÁS.
254
O REDEMOINHO
BRINCAR DE VIVER
ESTRELA DA TARDE
O NAVIO NA PRAÇA
LEMBRANÇAS
SUMIÇO
255
BRINCAR DE VIVER
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ESTRELA DA TARDE
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O NAVIO NA PRAÇA
258
LEMBRANÇAS
259
SUMIÇO
260
A festa durou tanto, foi tão boa, que a noite já se
esgotou.
Tem mais ninguém aqui não.
Todo mundo foi embora.
Só um anjo sai levitando da igreja. Despetalando uma
zínea, canta com a gente uma canção que se ouve do
fundo do coração.
Tudo é vida.
262
VERA ABUD – VERA JÚLIA ALZIRA ABUD. ÚNICA FILHA DE LIBANESES A
RESIDIR EM SANTA JULIANA, EM FINS DO SÉCULO XX. FOTO –
DEMÍLTON DIB, 1999.
263
VASTA COZINHA
UNIVERSO FEMININO
RECEITAS SELECIONADAS
264
UNIVERSO FEMININO
265
unidade, e n´ros, em caso de duas ou mais unidades. Há
também o quibe assado em formas, chamado quibe de bandeja,
ou quibe sanye; cortados em quadrados, servidos com pepino
cortado em longos pedaços, cebola e tomate, também cortados
em forma de estrela. Outra maneira de servir o quibe, frito ou
assado, é fazê-lo acompanhado de coalhada síria.
São vários os tipos de pães, usualmente feitos pelas
libanesas. O pão árabe ou pão libanês. O pão soje, que lembra
aos brasileiros hóstia de igreja, por ser fino e delicado, mas
grande, que se abre sobre almofada do tamanho de um
travesseiro de dormir. Pode-se assar em tamanho menor, em
camadas finas e amanteigado – firtoye - ou mais espesso,
marcado com vincos fazendo desenhos, besuntando-lhe as
fendas com mateiga, levando-o, em seguida, ao forno. Há o
histórico pão tanur, com referências bíblicas, assado em forno
de barro, com abertura na borda superior, cujas paredes ficam
pelando com as brasas acesas ao fundo e sobre as quais se
“aplica” o pão aberto. Tais fornos já se encontram demolidos e
não se pode mais provar da delícia desse pão.
O quibe é o referencial da comida libanesa. Mas há a
esfiha, a mjadra, de arroz com feijão, ou arroz com grão-de-bico
ou lentilhas e uma centena de outros pratos. Apreciado é o patê
homos-tahine, que se faz levando o grão-de-bico descascado e a
tahine, que é uma pasta de gergelim, ao liquidificador. Tabule,
sly, que se faz com chicórias aferventadas, mas também com as
folhas temperadas de rabanete, de cenoura ou da beterraba, que
se comem com pão - saborosas e nutritivas. O trigo tábor
266
(quebrado e não moído), que se afoga como arroz e se come com
garfo, é dos pratos apreciados, como a cheirie (arroz com
aletria), ou a suculenta sopa de trigo inteiro - hrisse, a chorba,
que são quibezinhos crus mergulhados na coalhada batida com
clara de ovos, ou ainda o quibe trohbe (quibe da freira), que é
uma sopa de trigo e lentilhas com tempero e limão, prato
indicado para a Sexta-Feira Santa. As várias berinjelas -
berinjela recheada com carne e queijo e assada, berinjela assada
e amassada com tahine, que se come fria, regada a azeite,
chamada babaganuche, pratos sempre acompanhados de pães,
verduras e legumes.
Outra sedução do cardápio árabe, são as requintadas
sobremesas. Doces de massas folhadas e adoçados com mel. Há
duas gomas “puxentas” e resistentes, ácidas e deliciosas: a
malba, feita de uva, a melhor, e a kamardine, de damasco. O
“caipira” arroz-doce tem tradição oriental e é chamado de roz bi
halíb pelos libaneses. Há “ninhos” de aletria com pistache ou
nozes, a belawa, de massa folhada, recheada com nozes ou
pistache e adoçada com mel; os nugás, variados, a raha-lokum,
os doces feitos de flores de laranjeira, derramando poesia sobre
a mesa, permitindo “viagens” alhures, através do paladar,
compondo um dos cardápios mais ricos do mundo.
267
RECEITAS SELECIONADAS
PÃO LIBANÊS
Ingredientes
1 kg de farinha de trigo.
1 copo (americano) de leite morno.
2 tabletes de fermento.
1 copo (americano) de água morna.
1 colher (de sopa) de sal.
2 colheres (de sopa) de açúcar.
1 colher (de sopa) de manteiga de leite.
3 colheres (de sopa) de óleo.
Modo de Fazer
Misturar o fermento, o açúcar, a manteiga, o leite morno e
deixar fermentar. Colocar a farinha, a água, e amassar até a
pasta “ficar lisa”.
Deixar descansar até crescer. Para saber se cresceu o
suficiente, assim que a massa estiver pronta, colocar uma
bolinha dessa massa dentro de um copo d´água; quando a
bolinha subir, a massa estará no ponto.
Fazer bolinhas do tamanho de uma bola de tênis, abrí-las
com um rolo de macarrão e deixar descansar novamente por
uns 10 minutos.
Colocar nas formas secas e assar em forno brando.
268
BERINJELA ASSADA
Ingredientes
3 berinjelas grandes.
500 gramas de carne (peixinho bem limpo) moída.
200 gramas de queijo mineiro fresco e fatiado (espessura
mediana).
3 tomates cabacinha, grandes.
1 cabeça de cebola, grande.
Modo de Fazer
Tirar os pezinhos das berinjelas e cortá-las ao meio, “de
comprido”. Em seguida, cortar cada parte em três, deixando
casca e miolo.
Mergulhar os pedaços em panela com água, sal e gotas de
limão (ou vinagre), o suficiente para uma boa fervura, sem
desmanchar o legume.
Após a fervura, retirar os pedaços, levá-los ao escorredor de
macarrão.
À carne moída, adicione 3 colheres de óleo, cheiro verde,
tempero, a cebola picadinha e os tomates, idem; em seguida,
fazer uma espécie de almôndegas para cada pedaço de
berinjela.
269
Coloque as berinjelas nas formas de assar, com as cascas para
baixo, recebendo cada pedaço a sua almôndega bem
amassadinha e coberta, cada uma com uma fatia de queijo,
levando-as ao forno brando
Servir com pão libanês ou pão francês, pepino fresco e alface.
MARIANA ABDANUR
NABUT E O PRATO DE
BERINJELA. FOTOS
RAMON MAGELA,
UBERABA, 1999 –
GRAMATURA DO PALADAR
270
QUIBE
Ingredientes
1 kg de trigo fino.
1 kg de carne (peixinho, de preferência) moída duas vezes.
2 cebolas (tamanho médio), bem picadinhas.
Sal, pimenta ardida e pimenta do reino, a gosto.
Hortelã fresca (bastante).
Modo de fazer
Lavar bem o trigo e deixá-lo de molho na água por cerca de
20 minutos.
Espremer bem o trigo e reservar para que inche um pouco.
Feito isso, juntar ao trigo a carne, a hortelã e demais
temperos e amassar tudo junto, sovando bem.
Moer novamente, duas vezes.
Provar o sal. Está pronta a massa.
Opções
Os quibes podem ser enrolados de comprido e fritos, sem
recheio, em panela com óleo quente, em quantidade suficiente
para cobri-los até a metade.
Os redondos (chatos) podem ser fritos ou assados na chapa,
mas sempre recheados.
271
Recheio
Reserve um pouco da carne moída, refogue-a bem, em óleo
e/ou manteiga de leite, com cebola, temperos a gosto e hortelã.
O recheio correto do quibe chato é o snubar, cereal importado
do Líbano.
ESFIHA
Massa
1 kg de farinha de trigo.
2 ½ copos (medida de requeijão) de leite meio morno.
1 colher (sopa) de sal.
1 colher (sopa) de manteiga de leite.
3 colheres (sopa) de açúcar cristal.
1 chávena de óleo.
3 ovos inteiros.
3 tabletes de fermento.
Modo de fazer
Dissolver o fermento no leite e acrescentar os demais
ingredientes.
Ir colocando a farinha aos poucos (mais ou menos 1 kg),
amassando bem. A massa deve ser firme, mas não muito
dura.
272
Recheio
1 kg de carne moída.
7 tomates maduros (sem pele) e picados bem miúdos.
1 ou 2 limões.
1 cabeça (média) de cebola, picadinha.
½ chávena de óleo.
Salsa fresca, picada bem miúda.
Modo de fazer
Misturar bem todos os ingredientes, amassando com as
mãos. Reservar, sem refogar.
Dividir toda a massa em pequenas bolinhas e deixar
descansar durante mais ou menos 1 hora, cobertas com uma
toalha leve, para que não ressequem.
Em seguida, abrir uma a uma das bolinhas, com rolo
(espessura fina) e ir colocando o recheio, apenas no centro de
cada esfera.
Fechá-las em forma de triângulo ou deixá-las abertas,
levantando as bordas com os dedos.
Colocá-las em assadeiras, pincelando-as com gema de ovo
cru.
Assar em forno médio.
273
TERESINHA MOISÉS E SEUS PRATOS DE ESFIHA E QUIBE,
OS MAIS CONHECIDOS
274
MALFUFE
Ingredientes
1 c22abeça (grande) de repolho.
2 chávenas de arroz cru.
600g de carne bovina magra, moída.
1 molho de cheiro verde (salsa e cebolinha).
4 tomates maduros, picados bem miúdos.
20 folhas de hortelã, picadinhas.
6 colheres (sopa) de óleo.
Sal, pimenta vermelha e pimenta-do-reino, a gosto.
Molho
8 tomates maduros, picados miúdos.
3 dentes de alho socados.
3 colheres (sopa) de óleo.
Tempero a gosto.
Modo de preparar
Misturar bem todos os ingredientes do recheio.
Numa panela pequena, refogar ligeiramente os ingredientes
do molho.
Lavar e aferventar as folhas do repolho, até que fiquem
murchas.
275
Escorrer a água; quando esfriar, retirar delas todos os talos,
reservando-os.
Tirar o talo das folhas, cortando-as, em seguida, em quatro
pedaços; sobre cada uma delas colocar 1 colher (sopa) de
recheio.
Enrolar a folha dobrando para dentro as extremidades e
“apertá-la” com a mão, tirando o excesso de líquido do
recheio.
Escolher uma panela grande, grossa, de preferência, forrá-la
com os talos e o restante das folhas grandes do repolho.
Colocar uma camada de malfufe – um ao lado do outro, bem
juntos – em seguida, um pouco de molho.
Repetir as camadas e terminá-las com o molho.
Sobre eles, despejar água até cobri-los.
Tampar a panela e deixar cozinhar em fogo médio, cerca de
1h15min (ou até secar toda a água).
Modo de servir
Servir quentes os malfufes, acompanhados de pão (libanês),
tomates e rabanetes crus. Ao raspar os rabanetes, cuidado
para não lhes tirar o vermelho da casca.
Variações
1- O malfufe original é feito com folha de tenra uva; na ausência
dela é que se recorre à acelga, ao repolho e à couve, como
alternativas.
2- O malfufe pode ser feito também com costelinha de
276
porco, o que lhe amplia o sabor. Neste caso, a costelinha deverá
estar temperada e pré-cozida antes da montagem. Na panela,
colocar para cozinhar uma camada de malfufe, uma camada de
costelinha, e assim, sucessivamente.
277
MALFUFE, PARA GREGOS E... ÁRABES
HRISSE OU AMRIE
(SOPA DE TRIGO)
Ingredientes
1 galinha grande, picada.
1 kg de trigo em grãos inteiros.
3 cebolas grandes.
1 colher (sopa) cheia de manteiga de leite.
1 pouco de óleo.
temperos a gosto.
278
Modo de Fazer
Deixar o trigo de molho durante umas três horas.
Cortar e temperar a galinha, a gosto.
Refogar a cebola picadinha até dourar.
Acrescentar a galinha e, depois de refogar bem até dourar,
colocar um pouco de água para cozinhar.
Colocar o trigo para cozinhar junto com a galinha. Provar os
temperos.
Antes de servir, colocar sobre a sopa bastante cheiro verde.
Modo de Servir
Servir a sopa acompanhada de pão libanês.
279
ABOBRINHAS RECHEADAS
Ingredientes
15 abobrinhas pequenas.
4 chávenas de arroz cru, lavado e escorrido.
700 g de carne (bovina) moída.
2 colheres (sopa) de manteiga de leite derretida.
4 colheres (sopa) de óleo.
1 kg de tomates maduros.
3 cebolas.
Sal, pimenta ardida e pimenta-do-reino a gosto.
Modo de Fazer
Limpe os legumes, cortando os cabos e esvaziando-os,
retirando todo o miolo. Lave-os e reserve.
Bata os tomates e a cebola no liquidificador e reserve.
Numa vasilha à parte, misture os demais ingredientes (arroz,
carne, temperos, etc.).
A esta mistura acrescente parte do suco de tomate, de modo
que fique bem molhada.
Recheie as abobrinhas, sem enchê-las demais, pois o arroz
cozido aumenta em volume.
Organize-as numa panela grande, colocando-as de pé, uma
encostada na outra.
280
Despeje por cima o restante do suco de tomates,
acrescentando água e sal.
Leve ao fogo para cozimento durante 40 a 45 minutos.
Sirva-as acompanhadas de pães.
281
FÁBIO ABDALA E MARINHA MOISÉS
ÁRABE, CONHECIDA POR SUA CULINÁRIA.
HAMSIE
Ingredientes
• ½ kg de grão de bico.
• 1 colher de sopa, bem cheia, de tahine.
• Alho (a gosto).
• Limão (a gosto).
• Sal (a gosto).
282
Modo de Fazer
• Colocar os grãos-de-bico de molho na noite da véspera.
• Pela manhã, colocá-los a cozinhar. Assim que estiverem
cozidos, deixar esfriar, reservar a água do cozimento.
• Levar os grãos-de-bico ao liquidificador, batê-los,
adicionando a água, aos poucos, até que se faça uma massa
pastosa, consistente. Está pronta a hamsie.
• Servir gelada, decorada com ramos de salsinha e fios de
azeite de oliva. Acompanha pão.
283
TIA LABIBE ÁRABE ABDANUR E SEU PRATO PREFERIDO.
FOTOS RÚBIO MARRA
284
TABULE
Ingredientes
5 tomates grandes.
1 copo (americano) de trigo moído.
2 cebolas médias.
2 maços de salsa fresca.
Algumas folhas de hortelã (opcional).
Sal, azeite, caldo de limão (a gosto).
Modo de Fazer
Lave e escorra o trigo com mais ou menos duas horas de
antecedência.
Pique os tomates em cubinhos e as cebolas, idem.
Pique a salsa bem fininha.
Misture todos os ingredientes e tempere.
Use alface como guarnição. No original, usam-se folhas de
uva.
Sirva no alguidar, acompanhado de pepino fresco e,
querendo, pão.
285
KARIME NABUT E SEU PRATO DE TABULE,
LEVE E SAUDÁVEL.
FOTO CLÁUDIO SILVA. UBERABA, 1999
286
MAHMUL
Ingredientes
1 kg de semolina.
½ kg de manteiga de leite.
½ copo (americano) de farinha de trigo peneirada.
2 copos de leite.
3 colheres (sopa) de açúcar.
Ingredientes do Recheio
½ kg de nozes descascadas e moídas em peça miúda da
máquina.
½ copo (americano) de açúcar cristal.
1 colher (chá) de água de flor de laranjeira.
Junte os ingredientes, misturandos-os bem, e está pronto o
recheio.
Modo de Fazer
Ponha a semolina numa vasilha e despeje sobre ela a
manteiga, previamente morna.
Misture bem os dois ingredientes, de modo que a manteiga
seja totalmente absorvida.
Deixe descansar durante uma hora.
Junte, então, os demais ingredientes, misture-os e amasse-os
bem, deixando a massa repousar novamente. Separe depois
287
porções dessa massa, formando pequenas bolas.
Abra-as com a palma da mão e ponha no centro de cada uma
delas uma colher (chá) do recheio.
Feche a bolinha com a ponta dos dedos, apertando a união.
Asse em forno brando sem untar a assadeira.
Quando estiverem ligeiramente coradas, retire os doces do
forno e, ainda quentes, polvilhe-os com bastante açúcar
refinado.
288
JOSEFINA MAUAD E O PRATO DE MAHMUL.
FOTO CLÁUDIO SILVA. UBERABA, 1999.
- PARA AS VISITAS NA SALA.
289
ARROZ COM CARRÉ DE CARNEIRO
Ingredientes
2 kg carré de carneiro
1 kg arroz
Especiarias árabes (pimenta-síria, bahar)
50 g de alho
Sal quantidade suficiente
1 maço hortelã
200 g amêndoas laminadas
100 g pistaches iranianos
1 maço salsinha
Modo de Preparo
De véspera temperar o carré de carneiro (sal, hortelã,
alho, especiarias árabes)
Refogar o carré e acrescentar água aos poucos para ir
cozinhando
Deixar esfriar e retirar a carne dos ossos
Ferver os ossos e guardar a água para cozer o arroz
Lavar o arroz, refogar no óleo e alho acrescentar a
carne e a água do cozimento dos ossos
Deixar cozinhar.
290
Em um recipiente colocar o arroz e cobrí-lo com
amêndoas laminadas, pistaches e salsinha.
MARIZA CURY
291
OS IMIGRANTES I
292
ABDANUR
Antônio (Iliês) Abdanur
Miguel Abdanur e Sara Rassi Abdanur
ABUD
Jorge Abud e Cecília Frange Abud
Miguel Abud e Alzira Melik Abud
ÁRABE
Miguel Árabe e Satut Facuri Árabe
AZÔR
Abraão Azôr e Helena Abdanur Azôr
CECIN/CECÍLIO
Calixto Cecílio e Rafa Scaf Cecílio
DIB
Jorge Dib e Nur Saud Dib
ELIAS
Abdão José Elias e Sara Abdala Elias
ESTEPHAN
Abrão Estephan e Cecília Abdanur Estephan
FACURI
João José Facuri e Zarifa Nader Facuri
Georges José Facuri e Márian Facuri
293
José Abrão Facuri e Amélia Jacob Facuri
Elias ‘Ferreira’ e Marta ‘Ferreira’
Jorge Abrão Facuri e Marta Jorge Facuri
Miguel Facuri e Sarafina Jreige Facuri
Jorge Facuri e Kemli Facuri
Bechara Facuri e Helena Facuri
ISAAC
José Elias Isaac e Futin Facuri Isaac
KHAULE
Marta Nabut Khaule e Tanus Elias Khaule
MOISÉS
Abraão Moisés e Banut Nabut Moisés
Domingos Moisés e Placidina Maria de Jesus Moisés
NABUT
Elias Nabut e Mariana Abdanur Nabut
NADER
Rachid Nader e Marta Facuri Nader
294
CIDADES DE ORIGEM E DE ADOÇÃO
295
ABDANUR
297
08.12.1950 -), com descendência; 2- Vera Lúcia Abdanur
(Santa Juliana 02.03.1945 -), educadora, casada com Eurípedes
Alves Carvalho (Ituiutaba 06.09.1938 -), médico, proprietário
do Hospital Santa Helena, com descendência; 3- Maria Inês
Abdanur (Santa Juliana 11.12.1951 -), historiadora, casada com
Viomar São Bento (Palestina/SP 07.10.1947 -), odontólogo, com
descendência.
298
Lúcia Helena Cerqueira (Belo Horizonte/MG 12.06.1956 -),
ciências biológicas, com descendência.
299
3-Eliana Abdanur (Uberaba 08.03.1954 -), casada com Manuel
Fernando Marques (Uberaba 02.06.1941 -), sem descendência;
4-Tânia Abdanur (Uberaba 02.07.1955 -), bióloga, solteira, sem
descendência; 5-Sara Abdanur (Uberaba 02.09.1957 -), casada
com Válter Santiago Gomes (Uberaba 01.10.1940 – 07.12.1994
Uberaba), médico, com descendência.
300
ABUD
301
São Paulo/SP), funcionário público, casado com Cibel
Vasconcelos Abud (São Paulo/SP 1922-), sem filhos.
302
São Paulo/SP), casado em primeiras núpcias com Áurea
Arossa Abud (Poços de Caldas/MG 13.12.1926 -) com quem
tem o filho 1-Jorge Tadeu Abud, engenheiro eletrônico, casado
com Cleid. Em segundas núpcias, Jorge Miguel Abud é
casado com Odete Abud, com quem tem a filha 2-Milene
Abud, jornalista, casada com Orlando, geólogo.
303
ÁRABE
304
José Generoso Lenza (Sacramento 29.03.1948 -), advogado e
empresário, com descendência.
305
13.06.1978 Uberaba), fazendeiro, sem descendência.
306
AZÔR
307
advogado, com descendência; 6-Jorge Azôr Filho (Uberaba
10.09.1959 -), arquiteto, casado com Mafalda Courinho Guedes
Vassalo (Torres Nova, Portugal 04.02.1964-), psicóloga, sem
descendência.
308
CECIN/CECÍLIO
309
Nassim Miguel Hueb & Filhos. Nassim e Laila têm, em Uberaba,
os filhos 1-Aziza Hueb (Uberaba 11.11.1926 -), comerciante,
casada com Salim Filipe Abud ( 26.12.1922 -), comerciante, com
descendência; 2-Aziz Miguel Hueb (Uberaba MG 03.05.1928 -),
médico, proprietário do Hospital Santa Lúcia, casado com Dalel
Helou (Pires do Rio/GO 23.10.1934 -), com descendência; 3-
Fuad Miguel Hueb (Uberaba 23.02.1931 -), empresário, casado
com Maria de Lourdes Rodrigues da Cunha (Araguari
29.02.1932 -), com descendentes; 4-Fauze Miguel Hueb
(Uberaba 11.07.1933 – 14.05.1997 Uberaba), empresário,
proprietário da empresa de eletro-domésticos Pan Mac, casado
com Maria Angélica Junqueira (Uberaba 23.12.1947 -), com
descendentes; 5-Márua Hueb (Uberaba 03.10.1935 -),
comerciante, casada com Miguel A. Tapxure (Uberaba
31.01.1925 – 05.08.1984 Uberaba), médico; 6-Fádua Miguel
Hueb (Uberaba 07.01.1938 -), empresária, joalheira e designer,
proprietária de Alpha Jóias, ex-senhora Anís Abdala (Uberaba
15.11.1926 -), médico, sócio-proprietário do Hospital Santa
Lúcia, com descendentes; 7-Cristina Hueb (Uberaba 20.12.1939
-), comerciante, casada com Cecílio João Júnior (Conquista
14.12.1929 -), comerciante, proprietário da Casa Verde, com
descendentes; 8-Neila Hueb (Uberaba 12.01.1944 -),
empresária, casada com Ricardo Baroni (Araxá 01.12.1938 -),
com descendentes; 9-João Miguel Hueb Neto (Uberaba
04.01.1948 -), engenheiro, empresário, casado/desquitado com
Maria Eugênia Maluf (Uberaba 31.12.1950 -), psicóloga, com
descendentes.
310
Os demais filhos de Calixto e Rafa nascem no Brasil, vários
deles em Crioulos, hoje Pedrinópolis, localidade então
pertencente a Santa Juliana, no período em que a família lá
reside.
311
21.02.1955 -), casada com Astolfo Rodrigues Vale Filho
(Uberaba 22.03.1958 -), fazendeiro, com descendentes; 4-
Cecília Maria Terra Cecílio (Uberaba 15.03.1960 -),
decoradora, casada com Marcelo Figueiredo Marques (São
Joaquim da Barra/SP 09.02.1957 -), com descendentes.
312
comerciante, casado com Lady Sallum Cecílio (Biriti/PR
25.12.1926 -), com quem tem os filhos 1-Patrícia Cecílio
(Uberaba 12.10.1948 -), artista plástica, casada com Paulo
Nasser de Sousa (Campestre/MG 04.10.1942 -), médico, com
descendência; 2-Cairo Cecílio (Uberaba 22.03.1953 -),
engenheiro, casado com Dayse Maria Oliveira (Uberaba
10.05.1958 -), com descendência; 3-Nilo Cecílio (Uberaba
15.10.1954 -), engenheiro, casado com Maria Aparecida Borges
(Uberaba 14.02.1963 -).
313
Ângela Maria de Oliveira Cecílio (Rio de Janeiro/RJ
15.08.1928 -) artista plástica, com quem tem os filhos 1-Thessa
Maria Cecílio (Uberaba 18.09.1949 -), advogada,
casada/desquitada com Idílio do Prado Júnior (Lins/SP
26.12.1943 – 15/12/1999 Uberaba), médico, com filhos; 2-
Maurício de Oliveira Cecílio (Uberaba 18.07.1952 -),
engenheiro, secretário do Planejamento da Prefeitura Municipal
de Uberaba, casado com Sandra Bulhões (Uberaba 30.03.1956 -
), com descendência; 3-Rene Cecílio Filho (Uberaba 20.09.1955
-), médico, casado com Cecília Helena Arantes (Araçatuba/SP
16.03.1957 -), com descendência; 4-Thassiana de Oliveira
Cecílio (Uberaba 07.05.1958 -), casada com Cláudio D´Orleans
Brissac Martinelli (Rio de Janeiro/RJ 09.09.1943 – 28.07.1994
Uberaba), empresário, com decendentes; 5-Ariana Cecílio
(Uberaba 10.05.1963 -), casada com Carlos Mardegan (Santa
Rita do Passa Quatro/SP 14.07.1962 -), empresário, com
descendência.
314
Cláudio César Cecílio (Uberaba 22.01.1956 -), empresário,
casado com Valéria Pauro (Uberaba 19.12.1956 -), com
decendentes; 5-Carlos Dário Cecílio (Uberaba 25.08.1958 -),
empresário, casado com Telma Alves Correia (Uberaba
10.02.1961 -), com decendentes; 6-Rodolfo Luciano Cecílio
(Uberaba 01.02.1966 -), empresário, casado com Maria
Elisabete Faria (Uberaba 06.02.1965 -), com decendentes.
316
DIB
317
psicóloga, casada com Geraldo de Oliveira, bancário, com
descendentes; 4-Teresa Jorge (Uberaba 16.02.1946 -), casada
com Edson José da Silva Ribeiro, comerciário, sem
descendentes; 5-Edson Jorge (Uberaba 05.01.1947 -),
advogado, casado com Marilda Maia, psicóloga, com
descendentes.
318
(Uberaba 11.07.1946 -), engenheiro, decorador e animador
cultural, solteiro, sem descendência.
319
assistente social, casada/separada de Francisco de Assis,
natural de Ribeirão Preto/SP, empresário, com filhos; 4-Maria
Inês Maluf Dib (Uberaba 23.02.1951 -), educadora, casada com
Wagner Garcia Valério (Machado/MG 22.08.1943 -),
odontólogo, com filhos.
320
ELIAS
321
de Oliveira Elias (Fazenda da Espinha, Uberaba 25.02.1918 -
), sem filhos.
323
FACURI
324
Svaiter, comerciante, com descendência; 11-Edson Chamme
Facuri, técnico eletrônico, casado com Magda Facuri, com
descendência; 12-Maria Chamme Facuri, casada com Jonias da
Rocha, com descendência.
Em 1934, transferem-se para o Rio de Janeiro.
325
Facuri, casada com Francisco de Paula Milla, engenheiro, com
descendência; 2-William Nasser Facuri, corretor de imóveis,
casado com Zirley Absaber Facuri, com descendência; 3-
Guilherme Nasser Facuri, empresário, casado com Stela Soler,
com descendência; 4-Valdete Nasser Facuri, bancária, solteira,
sem descendência; 5-Vitória Nasser Facuri, casada com
Roberto Bonadias, advogado, com descendência; 6-Teresinha
Nasser Facuri, casada com Wilson Ioni, advogado, com
descendência, 7-Shirley Zarifa Facuri, Dindinha, casada com
Alcides Mendes, construtor, com descendência; 8-Marlene
Nasser Facuri, casada com Orivaldo dos Santos, bancário, com
descendência; 9-Maria Virgínia Nasser Facuri, casada com
Carlos Alberto Giometti, economista, com descendência; 10-
Amir Nasser Facuri, corretor de imóveis, casado com Fátima
Facuri, com descendência.
326
Amanda Absaber; 3-Laila Facuri Absaber, casada com Paulo
Átila dos Santos, almirante; 4-Latif Facuri Absaber, editor,
casado com Mariana Portela; 5-Vilma Facuri Absaber, casada
com João Gebara, empresário; 6-Ricardo Facuri Absaber,
advogado, casado com Sueli Rodrigues; 7-Mirna Facuri
Absaber, casada com Calixto Facuri, sem descendência.
328
Silvana Cortes Pális; 6-Angelina Facuri Pális; 7-Zahia Facuri
Pális.
329
3-Núbor Facuri, casado com Orlanda Silva, com quem tem os
filhos Núbor Orlando Facuri, médico neurologista, José Jorge
Facuri e Glenda Facuri; 4-Laís Facuri, casada com Leopoldo
Pardi, com quem tem os filhos William Facuri Pardi, Leopoldo
Pardi Júnior, Antônio Carlos Facuri Pardi e Paulo César Facuri
Pardi; 5-Miguel Facuri, casado com Maria Cavalacque, com
quem tem os filhos Miguel Jorge Facuri e Marcos Facuri; 6-
Nassira Facuri, casada com Vicente Barcelos, com quem tem os
filhos José Humberto Facuri Barcelos, Carlos Alberto Facuri
Barcelos e João Roberto Facuri Barcelos; 7-Munir Facuri,
casado com Leonor Abrão Pális, com quem tem os filhos José
Luís Pális Facuri, Murilo Pális Facuri, Rosângela Pális Facuri e
Marco Túlio Pális Facuri; 8-Larrife Facuri, casada com
Armando Prado, com quem tem os filhos Noêmia Facuri Prado,
e Antônio José Facuri Prado.
José Jorge Facuri movimenta seu comércio com loja de
tecidos na antiga Rua Caçu (Av. Alexandre Barbosa), esquina
com Av. 21 de Abril (Rua Alfen Paixão); atrás da loja mantém
chácara que fica de herança para o filho Núbor, que a preserva
com interesse.
330
JOSÉ ABRÃO FACURI E
AMÉLIA JACOB FACURI
331
(Ver Jorge Dib e Nur Saud Dib).
332
Júnior (Uberaba 28.04.1956 -), industrial, com decendência; 3-
Eloísa Facuri (Uberaba 20.02.1959 -), advogada, solteira, sem
descendência.
333
Ribeiro Facuri (Araxá 18.02.1928 – 25.11.2005 Uberaba),
com quem tem os filhos 1-Rosângela Ribeiro Facuri (Uberaba
22.01.1950 -), solteira, sem descendência; 2-Maria Amélia
Facuri (Uberaba 28.11.1951 -), pedagoga, casada com Huaskar
Costa Novais, engenheiro, com descendentes; 3-Mário Facuri
Filho (Uberaba 10.11.1953 -), engenheiro, casado, com
descendência; 4-Marco Túlio Facuri (Uberaba 10.11.1953 -),
casado, com descendência.
334
2º- Jorge José Ferreira comerciante, casado com
Idalina Guimarães Ferreira, com quem tem os filhos 1-
Giovana Guimarães Ferreira, casada com Célio Diniz; 2-Keila
Guimarães Ferreira, casada com Antônio Resende; 3-Juarez
Guimarães Ferreira, casado com Rosa Campos; 4-Simone
Guimarães Ferreira, casada com Jeferson Terra Passos.
335
filhos 1-Marília de Castro Ferreira, casada com Aurélio Maciel;
2-Marlene de Castro Ferreira, casada com Geraldo Albergaria;
3-Roberto de Castro Ferreira, casado com Ana Rita Afonso
Ferreira; 4-João Lúcio de Castro Ferreira, casado com
Marguita der Buck; 5-Luís de Castro Ferreira, casado Verônica
Castanheira Ferreira; 6-Marco Antônio de Castro Ferreira,
casado com Vânia Ferreira; 7-José Eduardo de Castro Ferreira,
casado.
336
Sousa Lima; 5-Ronaldo Ferreira, casado com Rowinia Mota
Ferreira.
337
educadora, casada com Gílson Miziara, fazendeiro, com filiação;
8-Fátima Facuri Oliveira (Santa Juliana 17.01.1945 -),
educadora, casada com Sinomar Ferreira Fonseca, industrial,
com filiação; 9-João Batista Facuri Oliveira (Santa Juliana
14.01.1948 -), comerciante, casado com Dayse Cação, com
filiação; 10-Maria Aparecida Facuri Oliveira (Santa Juliana
19.01.1952 – 21.08.1996 Uberaba), casada com Geraldo Magela
Araújo, com filiação; 11-Izildinha Facuri Oliveira (Santa Juliana
24.12.1955 -), educadora, casada com Jerônimo Rodrigues da
Cunha, marceneiro, sem filiação; 12-José Eustáquio Facuri
Oliveira (Santa Juliana 03.05.1957 -), marceneiro, casado com
Edna Martins de Oliveira, com filiação.
338
natural de Uberaba, tapeceiro, casado/desquitado de Maria de
Fátima Facuri; 9-Elias Facuri Filho, tapeceiro, casado com
Marise Facuri.
339
Facuri, Amélia em português (Sheik-Taba Líbano 09.08.1895
– 09.09.1933 Iraí de Minas) residem em Santa Juliana onde
têm os filhos:
340
engenheiro civil; 6-Elias Jorge Facuri Filho, veterinário, casado
com Ana Regina Machado, psicóloga.
341
15.04.1902 – 01.10.1969 Uberaba), casada com Jacob Saud
(Zuerib Akar, Líbano 19.12.1901 – 23.12.1951 Uberaba), com
quem tem os filhos 1-Nadim Facuri Saud (Uberaba 06.03.1921
– 26.10.1988), casado com Diana Nasser (Pires do Rio/GO ? –
21.12.1991 Pires do Rio/GO), com quem tem os filhos Cláudia
Saud, Sara Saud e Jacob Saud Júnior; 2-Linda Facuri Saud
(Uberaba 11.03.1923 Uberaba), solteira, sem descendência; 3-
Rene Facuri Saud (Uberaba 13.10.1924 – 01.02.1983 Uberaba),
casado com Lucanda Abrão (Pires do Rio/GO), com quem tem
os filhos Jacob Saud Abrão, Ricardo Saud Abrão, Luene Saud
Abrão e Adriana Saud Abrão; 4-Hanne Facuri (Uberaba
26.04.1926 -), casada com Gérson Limeira (Caruaru/PE
24.10.1918 -), com quem tem os filhos Roberto Saud Limeira
(Uberaba 21.05.1950 -), odontólogo, casado, em duas núpcias,
com filhos; e Amir Saud Limeira (Uberaba 07.01.1959 -),
engenheiro, casado, com filhos; 5-Hilda Facuri Saud (Uberaba
16.10.1925 – 24.05.1929 Uberaba), solteira, sem descendência;
6-Zizelda Facuri Saud (Uberaba 21.08.1929 -), casada com Raif
Sallum (17.03.1924 – 03.05.1992 Uberaba), com quem tem os
filhos Helena Saud Sallum, Fátima Saud Sallum, Helenice Saud
Sallum, todos com descendentes; 7-Chequer Facuri Saud
(Uberaba 20.03.01.19 – 27.07.1966 Pires do Rio/GO), casado
com Erci Rocha, com quem tem os filhos Alexandre Rocha Saud
e Rogério Rocha Saud.
342
ISAAC
343
Amorim Facuri, com quem tem a filha Vânia.
344
KHAULE
346
Aires, Argentina), casado com Maria Elba Regel, natural do
Uruguai, com quem tem os filhos 1-Marta Beatriz Khaule
Regel, casada com José Diprizio, arquiteto, pais de Romina
Carla Diprizio Khaule e Mauro Jorge Diprizio Khaule; 2-Mirta
Azucena Khaule Nabut, casada com Omar Bozco, pais de Jorge
Omar Bozco Khaule.
347
MOISÉS
348
odontólogo, casado com Lúcia Etuyo Hayami (01.12.1950 -),
com descendência.
349
odontólogo, jornalista, casado com Cláudia Bevilacqua
(Uberaba 27.07.1966 -), empresária, com descendência; 3-
Lucienne Angotti Moisés (Uberaba 29.12.1966 -), ex-Sra.
Roberto Marques (Paranaíba/PI 21.10.1954 -), empresário, com
descendência.
350
DOMINGOS MOISÉS E PLACIDINA
MARIA DE JESUS MOISÉS
351
20.05.1926 -), casada com Edemar Carneiro, conhecido por
Mário Carneiro (Zelândia/Santa Juliana 15.02.1922 -), com
quem tem os filhos 1-Eunice Moisés Carneiro (Santa Juliana
26.06.1945 -), educadora, casada com Sebastião Ribeiro Paiva
(Zelândia/Santa Juliana 07.09.1944 -), com descendência; 2-
Eustáquio Gaspar Carneiro, natural de Zelândia, Santa Juliana,
educador, sócio proprietário do Colégio Objetivo, em Uberaba,
casado com Mary de Oliveira (Uberaba 30.09.1953 -), médica,
sem descendência; 3-Edna Carneiro da Silva (Uberaba
01.11.1951 -), educadora, casada com Sebastião Carlos da Silva
(Zelândia/Santa Juliana 01.04.1947 -), agricultor, com
descendência; 4-Elenice Carneiro (Uberaba 05.01.1956 -),
educadora, solteira, sem descendência.
352
4º- Teresa Moisés (Santa Juliana 19.05.1927 -),
funcionária aposentada dos Correios, solteira, sem
descendência.
353
NABUT
355
pais de Rita e Rui; 5-Nassif Nabut, casado; 6-Inham Nabut,
casado, pai de Ruad, Sandy e Dália; 7-Helena Nabut, casada,
mãe de Abud e Eli.
356
NADER
357
PRESENÇA DOS PRIMOS
358
OUTROS IMIGRANTES
359
OS IMIGRANTES II
ESTAÇÃO DE ZELÂNDIA
FACURI
José Abrão Facuri e Amélia Jacob Facuri
JORGE
Jorge Miguel Jacob e Sada Jorge Feres Jacob
TANUS
Abrão Abílio Tanus e Rafa Rage Tanus
Jamil Tanus e Maria Georgina Abrão Tanus
360
FACURI
361
JORGE
363
A família de Felícia (Saada) e Jorge Miguel Jacob reside há
vários anos em Zelândia, ajudando a movimentar o comércio
local.
364
TANUS
365
12.11.1929 -), comerciante, pais de Leonardo Tanus Malki
(Araxá MG 20.08.1977 -), acadêmico de medicina, solteiro.
366
pedagoga, casada com José Galvão de Pisápia Ramos (São
Paulo/SP 14.08.1938 -), doutor em física, professor, pais de 1-
Daniela Tanus Ramos (São Paulo/SP 05.07.1967 -), atriz,
casada com Marcelo Petracco, biólogo; 2-Patrícia Tanus Ramos
(Campinas/SP 07.10.1971 -), arquiteta, casada com Jack M.
Faver Jr., piloto norte-americano.
367
1906 - 1984 São Paulo/SP) com quem viera da Síria, casado com
Maria Georgina Abraão Tanus (Uberaba 1918 - ), com
quem tem filhos, quase todos nascidos em Zelândia:
369
370
ÁRVORE
GENEALÓGICA
371
372
373
374
375
376
377
378
379
380
381
382
383
384
385
386
387
388
389
390
391
392
393
394
395
396
397
CALIXTO CECÍLIO: UM PATRIARCA À
FRENTE DE SEU TEMPO
Sálua Cecílio
RESUMO
398
Palavras-chaves: Imigração. Sírio-libaneses. Colônia
árabe.
INDAGAÇÕES PRIMEIRAS
399
Proponho-me a falar sobre uma pessoa que, por razões e
fatores diversos, teve uma centralidade na vida de muitas
gerações. Seu modo de ser e ensinamentos foram de uma força e
de um significado que moldaram muitas vidas e influenciaram o
caráter e a ação de tantos que com ele conviveram e seguiram
seus exemplos. Independentemente da idade e das
circunstâncias, não havia como a ele ficar indiferente.
É sobre esse ser humano, chefe de um clã, meu avô Calixto
Cecílio, com quem que pouco vivi, mas sobre quem muito
soube, que me ponho a escrever. Escolho isso fazer,
entrecruzando minhas lembranças, com histórias de vida, que
ouvi e/ou presenciei, e leituras de escritos que apreciei e
registrei e agora me proponho compartilhar como testemunha
de uma história em que me reconheço partícipe e motivada a
dividir com tantos que, de um modo ou outro, com ela tenham
ligações diretas ou indiretas. De sua vida em Uberaba, das
labutas suas e de seus filhos, é que passo a alguns destaques de
sua personalidade e que dele fizeram um ser diferenciado pela
inteligência, persistência e exemplo que deixou aos seus
descendentes
Sempre que penso nele, me vem à mente a lembrança de
um homem já bastante experiente, no alto de sua maturidade,
assentado em sua cadeira de balanço na sala de visitas, em que
recebia, regularmente, não sei se todos os dias, seus filhos,
noras e netos; além de patrícios e amigos que, com ele,
mantinham vínculos de verdadeira e forte. E estes não eram
400
poucos. E lá estava ele; sempre no mesmo lugar, e com a mesma
autoridade. Por sinal, incontestável.
A partir daí me vejo a tecer uma trama que, em
homenagem aos meus antepassados e contemporâneos, ouso
compartilhar, movida pela emoção, pelo respeito aos que
viveram a aventura da imigração mesclada às inúmeras e
complexas experiências da emigração e do desenraizamento.
Afinal, a necessidade de abandonar a terra natal e ir em busca
de um desconhecido que acolhe, mas não substitui o que se
perde, não é uma experiência qualquer. Pode, ao longo dos
anos, além de vitórias e sucessos, expor fraturas e sofrimentos,
para muitos insuperáveis e quase intransponíveis.
Falar sobre Calixto Cecílio tem um sentido muito
particular em um contexto, em que é impossível escapar à
indiferença, ao aparentemente natural, ao casual. Falar sobre
ele tem mais que um sentido pessoal; tem uma dimensão de
resgate da história familiar e da cidade de Uberaba, pelo que, ao
longo de décadas, Calixto Cecílio e seus descendentes aqui
fizeram, e ainda têm feito, nos mais diversos ramos da
economia local. Do comércio, passando pela agricultura e o
setor de serviços, muito trabalho foi investido e resultados
puderam e podem ainda ser percebidos. Diante o realizado,
confirmam-se o espírito empreendedor e o compromisso dos
imigrantes libaneses com a cidade que os acolheu e nela
resolveram fixar para sempre suas residências.
Por anos a fio, desde as primeiras horas do dia, lá estavam
todos no trabalho, buscando sua sobrevivência e, ao mesmo
401
tempo, contribuindo para o progresso social e econômico local e
regional. Falar sobre esse processo de inserção cultural de
Calixto Cecílio e família, é também uma forma de recuperar
parte do que somos para o outro e para nós mesmos. Desse
modo, falar sobre Calixto Cecílio, nosso avô, pode significar
reestabelecer um encontro de gerações com o seu passado e o
seu futuro. E o mais importante ainda: representa um encontro
com nossas raízes. Por isso, mais do que uma tarefa e/ou um
desafio, dizer quem foi Calixto Cecílio é um compromisso com a
história familiar, com a construção histórica da cidade e com a
biografia dos seus descendentes que procuram manter e honrar
o patrimônio material e imaterial do patriarca à frente de seu
tempo.
402
sua personalidade e que dele fizeram um ser diferenciado pela
inteligência, persistência e exemplo que deixou aos seus
descendentes
Mas, o imigrante não é um errante qualquer. Caso o fosse,
não sobreviveria. É um destemido. Busca o desconhecido como
um horizonte de possibilidades de crescimento e de realização.
Enfrenta o presente com tenacidade e aposta no futuro sem
renunciar às suas raízes. Talvez, por isso seja forte, apesar dos
ventos que ameaçam derrubá-lo, em razão das dificuldades da
língua, do desconhecimento dos padrões culturais e das
diferenças sociais e econômicas.
E assim foi Calixto Cecílio, um ser que soube transformar
o Brasil em mais uma de suas novas moradas. Em uma delas,
mais especificamente no Brasil, em Minas Gerais, Santa Juliana
e Iraí, por último, e definitivamente, em Uberaba, fixou-se e
ampliou família, que soube honrar seu nome e dos que o
antecederam.
403
os filhos, noras e netos aos parentes, amigos, patrícios e
vizinhos. Pela inteligência, familiaridade e gosto pela leitura,
sintonizado com os fatos e capaz de acompanhar o que ocorria à
sua volta, era fácil ter o respeito dos outros que nele destacavam
a capacidade de diálogo e a sabedoria para conduzir gerações.
A central influência na colônia sírio-libanesa radicada em
Uberaba e o espírito voltado à coletividade contribuíram para o
reconhecimento da legitimidade e extensão de seu papel
unificador em relação aos imigrantes que aqui aportaram e
viveram por décadas, dedicando o melhor de si, de seu trabalho
e de seus filhos à causa do progresso material e cultural do
município, desde que aqui chegou, até quando partiu.
Mas, a história dos Cecin/Cecílio não terminou em
1/09/1962, com o falecimento de Calixto Cecílio/Kalil Ibrahim
Cecin. Continua até os dias de hoje, últimos anos da segunda
década do século 21, nos que o sucederam e souberam cultivar
as sementes e fortalecer as raízes do emigrante sírio-libanês,
nascido no distrito de Cheik-Taba, em Akkar, região norte da
então Síria, e atual Líbano, no dia 25/03/1881.
Em sua autobiografia, traduzida para o português sob o
título Reminiscências de Kalil Ibrahim Cecin/Calixto Cecílio,
talvez em formato de tributo à Cheik-Taba, sua terra natal,
descreve a geografia privilegiada da aldeia “com vista para o
mar Mediterrâneo, sendo necessárias 2 hortas, a pé, para se
atingir a costa. A aldeia cercada por 3 montanhas, se situa nas
encostas de 3 vales, naturalmente colocados para permitir o
escoamento da água pluvial”. (p.7, v.I). Sensível como poucos,
404
num tom de saudade, relembra os “sítios de amoreiras”, “os
campos de oliveiras, figos, uvas e pêras”. Fala do clima, da
irrigação das planícies pelo rio Khraib. Destaca as belezas
naturais, mas manifesta o apreço pela obra humana “cobertura
de uma fonte de água potável, em forma de arco para proteger
aos usuários em época de chuva, construída em 1910, pela
Associação Patriótica e que beneficiou toda a população” (p. 7.
v. I). Ainda sobre a mescla da natureza e a obra do homem, fala
da igreja da aldeia e de sua preservação e reforma em 1840.
Por fim, nessa abertura de suas memórias, em fidelidade às
fontes, registra que as informações apresentadas foram lhe
passadas pelos ancestrais – história oral – e que, então, o fazia
para os seus descendentes, como se sentisse fazendo justiça aos
fatos e ao que sua aldeia, para ele, significou.
405
Em julho de 1907, aos 26 anos, deixa a aldeia, parte para
Trípoli e de lá, após 3 dias, despede-se da Síria, embarcando em
navio italiano, em direção a capital Beirute. De lá para outras
terras, outros povos e outras culturas, atravessa mares e
oceanos. Vai para Alexandria, depois para Nápoles, onde chega
ao final de julho e permaneceu por “10 dias”. Lá foi submetido a
exames para verificação de apresentar condições para seguir
viagem. Após ser examinado por um médico americano, e tendo
apresentado problema na visão, ele e o primo Rachid foram
encaminhados, segundo relato em sua autobiografia, à
“companhia de navegação, para devolverem o dinheiro pago em
Trípoli “ (p. 51.v. I), referente a uma viagem à Nova York.
Em sofrimento e dificuldades, foram socorridos por um
patrício que os ajudou a embarcar em um trem que permaneceu
alguns dias em Roma e de lá foram para Genova, local que não
puderam conhecer ou obter informações que possibilitassem
registro e descrições, como era habitual aos hábitos do vovô. De
lá, já em outro trem, foram para Paris e Londres e Liverpool.
Nesta última, deixaram o trem, após “uma viagem de 4 dias e 4
noites” (p. 54, v. I).
Conseguir ir aos EUA, não foi fácil. Desde aquela época,
havia quem se aproveitava dos patrícios e deles queria extorquir
valores, a ponto de alguns terem que enfrentar 3 meses a fio,
para escapar a chantagens e outras práticas, para obter dinheiro
“em troca de um visto” (p.54, v. I). Tendo percebido a situação
de seus compatriotas e antevendo o que, com ele, poderia
ocorrer, vovô Calixto, informou, ao dono de uma hospedaria,
406
suas dificuldades e solicitou que ele facilitasse a forma de obter
os papéis, para que seguisse viagem aos EUA, dado que até,
então, “havia percorrido uma distância equivalente a meio
perímetro da esfera terrestre” (p. 54, v. I). A resposta dada ao
vovô é que ele conseguisse dinheiro com os seus parentes e
quando esse dinheiro chegasse, o então negociador faria o
possível para resolver a situação e viabilizar a viagem. Tendo
conseguido o dinheiro com um parente e, após negociações com
o agente e acordos com o primo Rachid, para que um deles
esperasse a resposta de Washington, o outro seguiria viagem.
Muitas lutas e sofrimentos, até a chegada aos EUA, onde
se radicou por algum tempo e foi acolhido por parentes. Depois
de 2 anos em Washington, tentando sobreviver pelo trabalho no
comércio, as dificuldades o fizeram a rever seus propósitos e ele
decidiu voltar à terra natal, “em 22 de outubro de 1909. (p. 82,
v. I)”. Após 15 dias, em Alexandria, embarcou para Trípoli e
após 3 dias, avistou o Monte Líbano. Em Trípoli, tomou uma
condução para Akkar, onde se encontrou com os familiares e
esperava rever a esposa Bárbara que, para sua tristeza, nesse
momento de volta a Cheik-Taba, soube que ela havia falecido,
em 1909, e deixado seus filhos Iskandar Cecin, com 4 anos e
Naufal Cecin, com 2 anos, que ficaram sob os cuidados de sua
avó paterna Sarah Bittar.
Calixto Cecílio não desistia de buscar dias melhores e de
emigrar novamente. Mas, após visitas a Gibrail, cidade vizinha,
conheceu Rafa Scaff que seria sua segunda esposa e mãe de seus
12 filhos: Laila Cecílio Hueb, José Cecílio, Romes Cecílio,
407
Abrahão Cecílio, Rauf Cecílio, Fuad Cecílio, Rene Cecílio, Nagib
Cecílio, Nege Cecílio, Samir Cecílio, Munir Cecílio e Saleh
Cecílio. Com o casamento, parecia aos seus pais, afastada a ideia
de seu filho deixar a aldeia em busca de melhores condições de
vida. Depois de 3 meses de noivado (p.93), assumiu um
emprego na escola russa em Kusba. Em 9 de agosto de 1910,
casa-se com Rafa Scaff.
Teve oportunidade de lecionar em Baino e em Gibrail,
locais mais próximos de sua aldeia natal. Em fevereiro de 1912,
dada sua insegurança para sobreviver como professor e garantir
a tranquilidade e as necessidades da família, como registra em
sua autobiografia, na p. 98 (v. I), ele “notifica a escola sua
exoneração do cargo” e decide de vez sua emigração para o
Brasil.
Nos primeiros dias de março de 1912, vovô Calixto, sua
esposa Rafa e sua filha Laila, então com 8 meses, seus primos
Rachid e Elias Cecin, tomaram o navio em Trípoli e após 1 hora,
chegaram a Beirute. Após terem passado por Haifa, Jafa e Port
Said, chegaram a Alexandria. Dai partiram para Marselha, onde
permaneceram por 10 dias, segundo relatos em sua
autobiografia. De lá, no primeiro dia de abril pegaram o navio
com destino ao Brasil, passando por Gibraltar e de lá para a
Bahia de Todos os Santos (Salvador), em 18 de abril de 1912.
Relata ainda que “o vapor ‘Paraná’ chegou ao porto de Santos
em 18 de abril de 1893” (p. 108, v. I), de onde foram para São
Paulo, de trem, lá chegando às 20 horas.
408
No Brasil, antes de se fixar em Uberaba, Calixto Cecílio
passou por outros lugares, como Mococa, milagres, São
Benedito. Após 3 dias em Uberaba, foi para Santa Maria, aldeia
pertencente à Uberlândia. Tendo voltado para buscar a família,
encontrou-se em uma estação – Palestina - com parentes vindos
de Santa Juliana, que o convenceram a deixar Santa Maria. Foi
para um lugarejo chamado Crioulos, hoje Pedrinópolis, onde
nasceu, em 1 de outubro de 1912, seu filho José Cecílio. Lá ficou
durante 10 meses. Em maio de 1913, seguiu para Santa Juliana,
onde permaneceu com a família, até 1914. Veio para Uberaba no
início de 1915. Depois, ele e sua família se mudaram para Iraí,
onde permaneceram até 1926, quando em 6 de julho desse
mesmo ano, deixaram o local, rumando para Uberaba, sendo
aqui recebidos pela sua filha Laila recém-casada com Nassim
Miguel Hueb, também nascido em Cheik-Taba.
409
deixaram. Dessa forma consigo falar sobre ele, sem ser piegas
ou correr o risco de jogar palavras ao vento. As palavras são
importantes enquanto se prestam para abrir caminhos e
construir pontes e cumplicidades para estar de fato com o outro.
Elas não são inocentes e não acontecem por acaso. Elas
sinalizam o que somos e ao mesmo tempo definem a natureza
do que sobre o outro ou em relação a ele podemos manifestar
algo, admitidas as diferenças de lentes afetivas, teóricas,
ideológicas, políticas e /ou religiosas.
De qualquer modo, ouso puxar fios da história de vida,
desenrolar novelos e talvez tecer outras tantas tramas,
misturando nelas presente, passado e futuro, tanto para
homenagear o que me pareceu digno e essencial, quanto para
repensar o que poderia ter sido melhor, mais ameno, menos
duro ou mais inflexível diante os nossos desejos, quereres e
anseios.
Pessoas marcantes, firmes e cientes de sua
responsabilidade em relação aos filhos, noras, netos e
descendentes de tantas gerações, não passam em branco;
imunes aos outros e ao que representaram de desafios a
permanecer na luta incessante para estar à frente ou ao lado de
uma família; talvez e melhor dizendo, no centro de um grande
grupo, conduzindo-o em diretrizes morais, valores,
ensinamentos que não são adquiridos em quaisquer condições e
lugares. Dos mais velhos aos então crianças que com ele
conviveram na velhice, todos somos capazes e temos algo sobre
a dizer.
410
Por uma escolha, que interpreto de muita
responsabilidade e talvez exigente e desafiadora, assumi fazer
uma ponte entre o passado e o presente, arriscando-me a dizer
algo que possa ser fiel ou o mais próximo do que ele simbolizou
para todos e para cada um; para muitos e ao mesmo tempo de
forma única para cada um em particular.
Tenho certeza de que as palavras são restritas para
traduzir o que pensamos sobre o outro. Afinal, seu mundo e sua
vida são infinitamente maiores e mais ricas e complexas do que
as estratégias linguísticas e comunicacionais de que dispomos.
Mas, mesmo assim, acredito valer a pena socializar um possível
retrato delineado com os matizes da sensibilidade, com os tons
de uma memória que insiste em fazer aparecer ao outro aquilo
que a marcou e faz a vida andar em busca de tudo o que nos faz
ainda vibrar e sonhar, apesar de tropeços, quedas, dores e
sofrimentos.
Vovô Calixto, o patriarca, se assim posso chamá-lo, não
passou em vão nessa existência. Viveu intensamente todos as
fases de sua vida. Fez história e ainda se faz presente nos
núcleos familiares que gerou e que, todos, sem exceção, temos o
compromisso de honrar, não apenas por tradição. Mas,
essencialmente, por convicção e certeza dos valores e princípios
que defendeu e viveu.
Desde muito cedo lutou com denodo e coragem pela
sobrevivência pessoal e de sua família. De horizontes amplos,
despediu-se do conforto e aconchego dos seus entes mais
queridos, e foi à procura de um futuro melhor. Deixou sua terra
411
natal, renunciou à convivência familiar, afastou-se dos que
tanto amou e por quem tanto foi amado, premido pelas pressões
da subsistência.
Ousou e construiu um tesouro que o tempo não consumiu.
Lutou desde a juventude até a velhice e ergueu, mais que bens
materiais, um grande e imemorável patrimônio imaterial,
representado pela educação de seus filhos, pelo amor
incondicional à família e pela militância incontestável em favor
da união do mundo. Foi um nacionalista até o fim. Infelizmente
suas convicções foram contrariadas, quando das divisões
geográficas e políticas do mundo árabe que deixaram, para trás,
o potencial de sua unidade e de sua soberania, inviabilizadas
pelas lutas de poder de forças internacionais, em busca de
hegemonia econômica e política.
A sua visão e sua sensibilidade em relação ao mundo árabe
e ao lugar que poderia conquistar no cenário histórico fizerem
dele um ser político na acepção plena da palavra. Não lhe
bastavam as pequenas lutas, principalmente as restritas aos
interesses domésticos e/ou aos interesses de alguns. O mundo,
que buscava, era aquele que pudesse trazer o melhor para
muitos, senão para a maioria. O seu horizonte parecia
desproporcionalmente maior aos limites geográficos de seu país
e de sua vida familiar. Sonhava com um mundo melhor não
apenas para os seus, mas para todos.
Foi um apaixonado pela causa árabe. Tanto que, em
Uberaba, pelo que se tem de informação, fundou o clube sírio-
libanês, local de congraçamento e convivência, por muitas
412
décadas, dos imigrantes, que aqui se fixaram e fizeram história.
A sede inicial foi na praça Frei Eugênio e seu primeiro
presidente, foi Calixto Cecílio. Alguns de seus filhos, também
tiveram a honra e o compromisso de seguir o exemplo do pai e,
também, presidiram o clube, sempre muito valorizado pelos
sírios, pelos libaneses e pela comunidade local.
Em sua autobiografia e conforme o que foi possível inferir
do modo de vida que cultivou, vovô Calixto era “de pouca
conversa”; preferia o isolamento para pensar e refletir às
reuniões sociais. Nacionalista convicto, defendeu suas origens e
as honrou até o fim de sua vida. Sua vida foi de trabalho,
dedicação à vida familiar e às leituras e escritos sobre temas
variados: pátria, história, família e sobre si mesmo. Aproveitava
suas horas vagas, para registrar reflexões, compartilhar
descrições dos lugares por onde andou e deixar pensamentos e
considerações sobre a existência e os valores, que lhe pareciam
importantes e que gostaria que fossem pauta de vida de seus
descendentes.
Tudo isso deixou em um livro manuscrito em árabe e que
foi traduzido para o português por Hamid Alexandre Cecin e
Elia Chafic Rassi, com o título Reminiscências de Kalil Ibrahim
Cecin (Calixto Cecílio) cuja edição se deu em dois volumes. Em
uma conversa com os amigos, quando perguntado sobre o que
deixaria para seus filhos, ele disse que seria um livro. Foi nesse
livro, no segundo volume da tradução, p.150, ao seu final, que
ele considerou “a melhor herança que poderia ser deixada e, da
minha parte, ultrapassa tudo aquilo que os outros interlocutores
413
queriam deixar para os seus descendentes”. E este foi mais que
um presente. Foi um legado que todos os seus descendentes
preservam com apreço e convicção, sempre nele reconhecendo
inspirações e exemplos para seguir.
Exerceu com inteireza dos seres plenos a cidadania e o
protagonismo dos que sabem o que querem, porque querem e
para onde escolhem caminhar para atingir seus objetivos. Viveu
como os que fazem da sua vida uma escolha que os transforma
em protagonistas de sua história; enquanto em cada ação, cada
decisão e cada ensinamento, expressam decisões e autonomia
dos que sabem o que querem e criam condições para
transformar, em realizações, o que pensaram.
Foi único. Conseguiu desenvolver a singularidade de
quem reconhece, em si mesmo, a história e coletividade que lhe
permitem perceber-se em união com os que defendem as
mesmas causas, se inserem nas mesmas lutas e abraçam as
mesmas bandeiras.
Da Síria para o mundo, sem limites e sem temores, não se
apequenou diante os obstáculos. Este ser foi Calixto Cecílio e,
originalmente, em árabe, Kalil Ibrahim Cecin, que nos deixou
aos 81 anos de idade. Nesses três nomes, marcaram-se as
gerações de seu pai, seu avô e a sua própria, como manda a
tradição oriental. De tal modo, mais que sucessão de nomes,
mais que uma marca qualquer, cada um carrega, em seu nome,
o patrimônio de gerações que o precederam.
414
HAMID ALEXANDRE CECIN
415
promissoras. Aprendeu, desde então, o caminho da luta
incessante pela sobrevivência. Pela ascese e renúncia contínua
às facilidades do dia a dia, plasmou o seu caráter e definiu-se
como personalidade com a fibra dos vencedores. No lugar das
conquistas materiais e do luxo, empreendeu lutas diárias pela
educação de seus filhos, movido pela convicção de ser esta a
grande herança que a eles poderia deixar. E assim o fez. Criou
os seus filhos à imagem e semelhança de si mesmo: espelhando-
se na integridade do caráter, na prática e defesa do bem, no
amor incondicional à família.
A dificuldade econômica, o pós-guerra e a esperança de
encontrar a terra prometida, moldaram o seu caráter e o
tornaram cada vez mais seguro em relação aos seus princípios e
ao que queria para si e para os seus. Soube educar pelo exemplo.
Pelo trabalho incessante, pela rotina de renúncias às facilidades
do presente, conseguiu superar o inóspito e viver a esperança de
um futuro, cujas sementes desde tenra idade plantou e cuidou.
O que minha memória preservou e agora funciona como
uma estratégia de recomposição identitária e de explicação
possível do que sou e muitos de nós também o são – sensíveis,
unidos em torno dos valores da família e ligados às nossas
origens – parece um recurso e um mecanismo para amenizar a
experiência do desenraizamento e da austeridade de vida que
parecem ser atávicas aos divididos em dois mundos: o que
deixaram e o que os recebeu. Saudade da terra que se deixou e
gratidão pela terra que acolheu é o que unifica os imigrantes
que aqui vieram, se fixaram e formaram gerações. Por isso, o
416
que importa diante disso, é reconhecer a história e preservar a
imagem de Calixto Cecílio, a figura que impunha respeito e fazia
crescer a crença no valor da obediência e respeito aos mais
velhos. Este retrato é que trago é para mostrar como é possível
tecer nossa própria história a partir da história do outro.
E assim, devagar e com cuidado, percorrendo caminhos,
driblando terrenos inóspitos e contornando arestas das
diferenças e das desigualdades, vou traçando contornos e perfil
de quem muito ensinou e permanece presente pelo que
transmitiu e educou. Exemplo para gerações ainda é lembrado
e seguido, especialmente pelo que pouco levou, mas muito
deixou de patrimônio imaterial integrado pelos ensinamentos,
sabedoria de vida, princípios e referência para tantos.
Honrou suas raízes como poucos, preservou a história e os
valores de sua aldeia Cheik-Taba e seu país, então a grande Síria
que, em tempo algum, saíram de sua vida e de sua
autobiografia. Seus escritos deixam transparecer que esta
mesma terra natal atravessou não apenas sua geração, mas das
que o sucederam.
Embora possa parecer um paradoxo – buscar altos voos,
emigrar para os Estados Unidos e depois para o Brasil,
cruzando mares e oceanos e, ao mesmo tempo, manter-se ligado
por toda sua vida, seu amor e fidelidade às suas origens,
assimilou a cultura os lugares em que residiu, apesar das
dificuldades inerentes aos processos migratórios.
Devotado à preservação de suas origens desde muito
jovem, deixou em sua obra traduzida que sua aldeia tinha 4 ou 5
417
casas quando nela nasceu e esteve. Incrível saber que nascido
em um local de restritas possibilidades, aspirava e insistiu em
ultrapassar seus limites. Transformou sua vida em uma
aventura contínua, entremeada por lutas, conquistas e desafios.
Apesar dos tropeços e das quedas, como todo emigrante, não
perdeu seu ânimo e insistiu na caminhada. Sonhou. Formulou e
perseguiu utopias. Buscou a dignidade com o denodo “de quem
busca abraçar “uma utopia”, como ele mesmo sugere e diz em
seu livro traduzido como Reminiscências de Kalil Ibrahim
Cecin, ao admitir, com clareza e lucidez que: “Uma vida
condigna é intangível para um professor sírio; uma vez que são
curtos os seus braços para tocar naquela quimera (p. 44. v. I).
Calixto Cecílio estabeleceu prioridades e hierarquias de valores
e princípios. De certo modo, esteve à frente de seu tempo. Lutou
e resistiu à acomodação e à inercia. Superou dificuldades e
conseguiu preservar seus valores.
Se preciso fosse reunir em algumas poucas palavras seu
perfil e síntese identitária, para os que não o conheceram, talvez
pudesse dizer, que Calixto Cecílio ou Kalil Ibrahim Cecin foi
inquieto na infância e na adolescência, se é que teve
adolescência; ousado na juventude, visionário na maturidade e
persistente e articulador na velhice. É assim que o vejo. E é essa
a lição de vida que me parece valiosa, para preservar e seguir,
como se, assim, o homenageássemos, para sempre.
418
Referências:
CECIN, Kalil Ibrahim. Reminiscências de Kalil
Ibrahim Cecin (Calixto Cecílio). Tradução do original árabe
por Hamid Alexandre Cecin e Elia Chafic Rassi. Comissão
Editorial: Hamid Alexandre Cecin; Sálua Cecílio, Sonia Maria
Cecílio Oliveira, Vânia Leisa Cecílio e Virgínia Rafa Cecílio
Resende. Uberaba: Pinti Editora e Gráfica. s/d, vol. I. * Por
data de dedicatória, presume-se ter sido, em 1996, o ano da
edição.
CECIN, Kalil Ibrahim. Reminiscências de Kalil
Ibrahim Cecin (Calixto Cecílio) Tradução do original árabe
por Hamid Alexandre Cecin e Elia Chafic Rassi. Comissão
editorial: Hamid Alexandre Cecin, Sálua Cecílio, Vânia Leisa
Cecílio Pável. Notas de rodapé: Hamid Alexandre Cecin.
Uberaba: Pinti Editora e Gráfica. 2002, vol.2.
Bibliografia
CECÍLIO, Sálua. Família Calixto Cecílio (Kalil
Cecin): uma incursão pelas origens. Criação e coordenação:
Sálua Cecílio. Colaboradores: Elia Chafic Rassi, Hamid
Alexandre Cecin e Samir Cecílio. Digitação: Reinaldo Cassiano
Oliveira. Arte final e diagramação: DR Arte Real. Impressão:
Pinti Editora e Gráfica: Uberaba, MG, 1999.
_________________________
Professora universitária. Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP. Doutora em Ciências –
Sociologia pela USP-SP.
419
FAMÍLIA DE ISKANDAR (ALEXANDRE) CECIN E ADÉLIA JARJOURA
(JORGE) RASSI EM MOMENTO DE CONFRATERNIZAÇÃO EM 1969
420
APENSO
421
UM TANGO PARA LINEU*
423
Romano atemporal, declamava poemas – muito Fernando
Pessoa e Pablo Neruda – ou até mesmo, na íntegra, a Missa
Católica, em latim, herança cultural dos tempos do Ginásio
Diocesano, preservada em sua memória com aura mágica, pela
mística da língua morta.
Aluno dos maristas, Lineu tirou dos ensimnamentos
curriculares sua reserva de conhecimento, ou seja, aquilo que
lhe interessava, jogou o resto fora e “caiu na vida”. Deixou-se
“prostituir” pelos escritores clássicos, pela poesia, boleros,
mulheres, namorada, esposa, pistas de dança e tango (claro).
Mas era difícil levá-lo novamente a Buenos Aires. Tinha
dificuldades para se deslocar de Uberaba. E certamente por isso
“viajava” tanto em pensamento. Bastava sentar num bar para
começar a se deslocar para outras paragens, com rapidez de
boing.
Muito antes do previsto, Lineu fez a viagem definitiva; sem
retorno, sem música, sem memória, sem a matemática de suas
ideias, a física de suas digressões que tanto nos excitava o
raciocínio, sem a multiplicidade dos números com os quais se
dava tão bem e deles tirava tanto proveito.
Essa viagem macabra nos magoou a todos, tirando a gente
do sério. Um vazio caiu sobre nós como uma bomba em Bagdá,
numa casa onde crianças dormem sua inocência.
Somos vítimas dessa viagem de Lineu.
Será que Lineu olharia para trás se gritássemos por ele na
curva da estrada da vida? Mas quem olha para trás somos nós,
emudecidos com sua ausência, a nos culpar por não termos
424
ficado mais tempo com ele, ouvido mais sua fala, tomado mais
cachaça em sua companhia e lhe preparado mais malfufes e
quibes, como minha mãe gostava de fazer.
A viagem definitiva de Lineu Miziara empobreceu
Uberaba, provocando um desastre cultural na colônia libanesa.
Mais uma vez um tango; agora, para o que não tem
remédio.
______________
*Lineu José Miziara (Uberaba 05/05/1942 – 24/09/2005
idem) médico cardiologista, professor da FMTM, escritor e
sábio.
425
OLHAR ÁRABE
427
FAMÍLIA DAHER
428
O novo sítio foi crescendo e assim, após o casamento de
Miguel Daher, deu nome ao local do sítio: Cheik Taba, e o ano
era 1680.
Jamile que descendia de duas famílias, Rassi e Nabut, foi
atraindo parentes para o novo sítio, Cheik Taba. As famílias
foram crescendo e povoando a cidade. Miguel e Jamile tiveram
5 (cinco) filhos durante os anos vindouros, que receberiam os
nomes de José – João – Musse – Jorge e Elias. Nesta
narrativa, daqui para frente, vamos observar que a repetição de
nomes de pais, mães e filhos chega a exaustão. Parece até falta
de imaginação mas não era, era puro amor aos pais e filhos.
Queriam dizer: - quando você se for tê-lo-ei na lembrança mas
seu nome seguira na eternidade de nossos descendentes.
Os descendentes de Miguel e Jamile viveram, gerando e
multiplicando, construindo e educando suas gerações e vivendo
de uma felicidade natural de paz como as águas de um regato
que se juntam a outras e deságuam no grande oceano da
Humanidade.
429
Especial Mansour Challita
QUEM É ÁRABE?
430
semitas de origem árabe, espalhados pelas regiões
circunvizinhas”.
Diz a Enciclopédia Tudo: “Árabes: povos cuja língua é o
árabe e que se identificam com a cultura árabe”.
Diz o Larousse: “Árabe: da Arábia, dos países
muçulmanos”.
Diz o Webster: “Árabe: membro do povo semítico da
península Arábica; membro de um povo de língua árabe”.
Assim, as definições de árabe baseiam-se ora na raça, ora
na geografia, ora na religião, ora na língua, ora na cultura. Fato
significativo, o dicionário árabe mais consultado, o Al-Munjid,
incapaz de chegar a uma definição satisfatória, simplesmente
não registrou o verbete árabe.
Por que é tão difícil definir o árabe? Por que é difícil
aprender a realidade que está atrás do vocábulo? Essa
dificuldade tem uma origem histórica. Antes do Islã, o árabe era
mesmo o habitante da Península Arábica, num sentido
geográfico e racial. Mas no século VII, nasceu o Islã naquela
península, ao mesmo tempo uma religião e um Estado. Esse
estado era árabe e muçulmano. Os exércitos que saíram da
península à conquista do mundo eram árabes e muçulmanos. O
império que fundaram chamava-se árabe e muçulmano.
A palavra árabe começou a perder o sentido original,
objetivamente geográfico e racial, para adquirir diversos
sentidos subjetivos impregnados de emoções religiosas,
políticas, ideológicas, patrióticas. Tornou-se pouco a pouco a
palavra mais complexa do vocábulo político internacional. Seu
431
significado, variável flutuante, apresenta pelo menos cinco
facetas.
A FACETA RELIGIOSA
432
O que torna o problema complexo é que diversos países
árabes têm cidadãos que não são muçulmanos. Se esses
cidadãos não foram considerados árabes por não serem
muçulmanos, o que serão? É o caso dos cinco milhões de coptas
(cristãos) do Egito, do milhão e meio de cristãos na Síria, do
meio milhão de cristãos no Sudão. É mais tipicamente o caso do
Líbano, onde as comunidades cristã e mulçumana são
praticamente iguais.
Em 1984, o homem forte da Líbia, Moamar Khadafy,
causou enorme celeuma com suas declarações à revista
americana Newsweek e ao jornal francês Le Matin, de Paris.
Nelas, afirmava que a única solução do conflito libanês está na
adoção do Islã pelos cristãos, pois “os árabes só podem ser
muçulmanos”. O que faria Khadafy com os libaneses cristãos
que não aceitassem renunciar à sua fé milenar? E como
conceber o líder popular a liberdade de consciência, a mais
sagrada das liberdades?
Nem todos os muçulmanos confundem tão radicalmente
quanto Huaidy e Khadafy, islamismo e arabismo. Muitos
estabelecem fronteiras entre eles. Mas são fronteiras movediças
e indefinidas. Mesmo o fato de que existem países muçulmanos
que não são árabes (Turquia, Irã, Paquistão, Afeganistão, etc)
não consegue separar os dois conceitos. Tal é a primeira faceta
da palavra árabe.
433
A FACETA IDEOLÓGICA
434
pensadores de admirável sagacidade e realismo, como Ibn
Khaldoun, o fundador da filosofia da história; Ibn al-Mukafa, o
autor de Calila e Dimna, Averrões, Avicena, Al-Maarri e tantos
outros. Do outro lado, poetas para quem as palavras substituem
os fatos e que se movem num mundo metafórico onde não
existe distinção entre a fantasia e a realidade. E o Oriente sendo
o Oriente, o povo participa do devaneio do poeta.
Uma vez, perguntou Laila a seu pai?
De quantos soldados se compunha aquele exército
numeroso, tão belamente descrito por meu avô nestes versos:
“Era um exército multicolorido e garboso cuja cabeça fazia sua
entrada em Damasco enquanto sua retaguarda ainda não
havia saído de Medina?” (Uma distância superior à que separa
o Rio de Janeiro de São Paulo).
Precisamente eu me encontrava nele, minha filha –
respondeu o pai. – Éramos quatro: eu, teu irmão, e dois
escravos.
O poeta não procura nos enganar. A intensidade de seu
desejo mostra-lhe realidades que nós não vemos. Da mesma
forma, as expressões pátria árabe, nação árabe, embora não
correspondam a nenhuma realidade geográfica ou política ou
institucional, não são fórmulas vazias. As emoções lhes dão uma
existência sui generis. Compare-se, por exemplo, o que
representa a expressão América Latina (entidade geográfica)
para os latino-americanos e o que representa a expressão pátria
árabe (entidade emocional) para os árabes.
435
A FACETA LINGUÍSTICA
436
No continente americano, por contraste, os povos
adotaram o português, o espanhol, o inglês sem se
considerarem portugueses, espanhóis ou britânicos.
Podemos, pois, dizer que os países árabes são
simplesmente os países da língua árabe? Às vezes, chamam-se,
de fato, países árabes os países de língua árabe. Mas para a
maioria dos árabes, a língua é apenas uma das características do
arabismo: a identidade árabe abrange muito mais que o mero
idioma.
E continuamos a procurar uma definição.
A FACETA PSICÓLOGA
437
povo ser 100% árabe para uns e 100% não-árabe para outros?
Trata-se apenas de mais uma faceta da complexa palavra árabe:
um povo é árabe na medida em que se sente árabe e não é árabe
se não sente árabe – pouco importa o que digam a etnografia e a
genealogia.
Historicamente, é indiscutível que os exércitos que saíram
da península Arábica à conquista do mundo não aniquilaram e
substituíram os povos conquistados. Assim mesmo, os que não
se sentem árabes, embora sejam compatriotas dos outros,
atribuem sua origem a outras raças.
Aqui, também, o Líbano serve de protótipo. Até 1943, um
antagonismo secular opunha os muçulmanos, que se
consideravam parte da nação árabe, aos cristãos que se
consideravam libaneses descendentes dos fenícios e aliados do
ocidente.
Em 1943, muçulmanos e cristãos se uniram para pôr fim
ao mandato francês e encontrar um modus vivendi que lhes
permitisse formar uma só pátria. Um líder muçulmano, o
primeiro-ministro Riad Solh, idealizou uma fórmula mágica
destinada a agradar a uns e a outros: “O Líbano é um país de
semblante árabe”. Não árabe – apenas semblante árabe.
Todavia, outro líder muçulmano, Abdel Hamid Karame,
insatisfeito com a fórmula, pronunciou uma frase que merece
entrar na história: “Agora que o Líbano se tornou árabe,
integro-me nele”. Como o Líbano podia ter-se tornado árabe?
Havia mudado de sangue, de raça, de origem? Cientificamente,
a frase não tinha cabimento. Psicologicamente, tinha. Um país é
438
árabe na medida em que se sente árabe e não é árabe se não se
sente árabe.
Declarou certa vez o poeta libanês cristão Fauzi Maluf:
“Se não somos todos árabes pela origem,
Sob a bandeira do arabismo, somos todos árabes”.
Hoje, após essa guerra cruel que visa, sobretudo, os
cristãos do Líbano, estes voltaram a ser (a se sentir) apenas
libaneses enquanto seus irmãos muçulmanos continuam a ser
(a se sentir) árabes.
A FACETA POLÍTICA
439
Médio, só pertence ao Líbano. Mas basta chamá-las para que
qualquer líder árabe as influencie em defesa de sua política,
mesmo quando esta for desfavorável ao Líbano.
Abordamos assim mais uma faceta da palavra árabe, a
faceta política, a qual permite torcer essa palavra extraordinária
para adaptá-la às ambições, aspirações e objetivos de cada um.
Quem é árabe? O que é o árabe? Se não conseguimos
definir a palavra, mostramos pelo menos quantos elementos
entram na sua composição e por que escapa a qualquer
definição objetiva.
Todas as suas definições são subjetivas e flutuantes.
Convencem a uns, não a outros: agradam a uns e desagradam a
outros, pois se baseiam não em dados geográficos, históricos,
culturais ou raciais, mas em emoções religiosas, políticas ou
ideológicas.
E agora, que responderá o brasileiro aos que lhe
perguntarem: Quem é árabe? O que é o árabe?
Será que encontrará, com sua finura, a definição que
ninguém ainda encontrou – ou acabará abstendo-se de toda
definição, como o dicionário Al-Munjid?
440
NOMES FEMININOS LIBANESES
Guido Bilharinho
442
(PROJETO DE MEMORIAL A SER CONSTRUÍDO
NA CIDADE DE SANTA JULIANA)
443
BIBLIOGRAFIA
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Khalil Ibrahim Cecin. Edição póstuma efetuada pelos familiares
do autor. Tradução do original em árabe de Elia Chafic Rassi e
Hamid Alexandre Cecin. Uberaba, 1995.
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Nabut, Jorge Alberto. “A Ferrovia no Triângulo Mineiro e
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Arquivo da Prefeitura Municipal de Santa Juliana.
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Memorial do Imigrante. São Paulo/SP.
Departamento de Documentos Raros da Fundação Calmon
Barreto. Araxá.
Biblioteca Mário de Andrade. São Paulo/SP.
446
Arquivo Público de Uberaba.
Arquivo Público de Franca/SP.
Museu da Companhia Paulista de Estradas de Ferro –
Jundaí/SP.
Sugestão de pesquisa
Para entendimento da ascendência das famílias Rassi,
Daher e Nabut consultar: Dos Cedros às Palmeiras –
Genealogia – História, de Lígia de Moura Rassi. Goiânia,
Gráfica e Editora Bandeirante, 2000.
Sheik-Taba Três Famílias, de Sahid Miguel Daher.
Goiânia, Editora Kelps, 1999.
447
O AUTOR
448
Fragmentos Árabes (2000/2002) e Corredor dos Boiadeiros
(2014), tendo organizado a edição dos livros História da Igreja
(1987) e Desemboque: Documentário Histórico e Cultural
(1986). Prontos para editar, Registros Ferroviários e Futebol
em Trânsito.
Como poeta, publicou Paisagem Provincial (1984),
Sesmarias do Corpo (1986), Geografia da Palavra (2010),
Livro das Chuvas (2015) e O Círculo dos Bastidores (2019). Foi
colaborador da revista Convergência, da Academia de Letras do
Triângulo Mineiro e da revista Dimensão, de Guido Bilharinho.
Foi presidente da Academia de Letras do Triângulo Mineiro e,
no momento, ocupa a Superintendência do Arquivo Público de
Uberaba.
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O AUTOR SEGUNDO RAMON
MAGELA. UBERABA, 1999.
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O presente livro teve sua
composição, em computador PC-
Intel Core Duo 300 GHz e sua
organização procedidas nos meses
anteriores, sendo publicado neste
blog no mês de Agosto de 2020,
em Uberaba/Brasil.
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