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anais da microfonia

A VIÚVA DE GAL COSTA


As astúcias da misteriosa Wilma Petrillo – e o impacto na carreira da cantora

Thallys Braga | Edição Privado: 202, Julho 2023

G
al Costa, vestindo um conjunto de cetim preto e com os cabelos armados ao vento, andava de
um lado para o outro na coxia escura. Lá fora, milhares de pessoas se espremiam numa praça
de Vitória da Conquista, na Bahia, esperando para ouvi-la. Estava tudo pronto para o show
começar – o violão afinado, a mesa de som regulada –, mas Gal se recusava a ligar o microfone.
Tinha medo de subir no palco e ser algemada pela polícia na frente de todos. Mais cedo, naquele
domingo de dezembro de 2012, uma viatura policial havia estacionado na porta da pousada onde a
artista se hospedava e intimado a sua companheira e empresária, Wilma Petrillo, a prestar
depoimento na delegacia, sob a acusação de ameaçar e perseguir o médico Bruno Prado, então com
31 anos.

Vindo de uma família de médicos respeitada na sociedade baiana, Prado ingressou na Faculdade de
Medicina da Bahia quando fez 18 anos. Era apaixonado por Caetano Veloso, João Gilberto e Gal
Costa. Em 2003, ele soube que a cantora faria um show no Teatro Castro Alves em Salvador e
decidiu ligar para perguntar se podia levar lírios ao camarim. Quem atendeu a ligação foi Wilma
Petrillo. Ela o autorizou a levar as flores e ficou encantada ao saber que Prado estudava medicina.

Ao longo da semana que antecedeu o evento, Petrillo ligou algumas vezes para perguntar se ele
estava confirmado no show. Em uma das conversas, soube que Prado tinha pagado mais caro pelo
ingresso. Ela armou uma confusão com o teatro e tirou do próprio bolso o valor excedente que
Prado pagara. Desculpou-se e, para compensar o transtorno, disse que o jovem teria livre acesso ao
camarim de Gal. Na data combinada, ele foi, entregou os lírios à cantora e permaneceu algumas
horas conversando com Petrillo, que alternava frases em inglês e português. Nunca tirava os óculos
escuros.

Daí em diante, ele passou a ser incluído nos jantares de Gal e Petrillo, que estavam vivendo em
Salvador, e das quais acabou ficando amigo. Chegou a acompanhá-las em turnês internacionais e,
dada a influência de sua família, arranjava os melhores médicos da Bahia para atendê-las. Com o
tempo, passou a trocar confidências com Petrillo, que ligava tarde da noite para desabafar sobre os
problemas financeiros que enfrentava com Gal. Um dia, sentiu confiança para contar que estava
apaixonado por outro homem. “Ser gay era o segredo da minha vida, meus pais não podiam nem
sonhar”, disse ele em entrevista à piauí.

Sete anos depois, em dezembro de 2010, Prado foi convidado para assistir à formatura de Gabriel, o
filho de Gal, no maternal. Na manhã do dia do evento, Petrillo ligou: “Passe aqui em casa para
irmos juntos até a creche”. O endereço era o Morada dos Cardeais, condomínio de luxo no bairro da
Vitória, cujos apartamentos têm varandas com vista para o mar de Salvador. Petrillo estava sozinha
em casa. “Cadê a patroa?”, perguntou Prado, recorrendo ao apelido que a empresária usava para se
referir a Gal. “Ela teve que passar no cabeleireiro”, respondeu Petrillo, e começou a chorar. Segundo
a lembrança de Prado, ela disse: “Bruninho, a Gal fez uma cirurgia no olho, e eu descobri que
também vou precisar operar o meu, só que estamos sem dinheiro. Eu preciso de qualquer valor que
você puder me emprestar, mas agradecerei muito se for algo entre 10 e 15 mil reais.” Ele quase caiu
para trás. Petrillo acrescentou: “Eu disse à Gal que estava indecisa quanto a te pedir, mas ela falou
que você é tão nosso amigo…” Prado conta que se sensibilizou e disse que faria o possível para
ajudar na cirurgia. Petrillo sorriu e secou as lágrimas do rosto. Pouco depois, Gal chegou ao
apartamento e todos partiram para a formatura de Gabriel. No dia seguinte, segunda-feira, Prado
mandou entregar na casa de Gal e Petrillo um envelope amarelo com 15 mil reais.

Estava aberta a sua temporada no inferno.

“E
u quero saber o que está acontecendo”, repetia Gal, naquela coxia escura em Vitória da
Conquista. As horas passavam e o seu produtor Ricardo Frugoli se empenhava em não
contar a verdade para a cantora. Na delegacia da cidade, Petrillo gritava com os
policiais sem tirar os óculos escuros, enquanto Prado tremia e suava frio.

Na época em que deveria receber o dinheiro de volta, ele deixou de ser convidado para os shows e
para a casa de Gal. Também não conseguia mais se comunicar com Petrillo. No círculo cultural de
Salvador, começou a ouvir histórias sobre golpes que a empresária teria aplicado. Diziam que
Petrillo era uma pessoa ardilosa, de quem até os amigos de Gal preferiam manter distância, mas os
boatos não combinavam com o companheirismo e a lealdade da mulher que Prado conheceu.

Um dia ela atendeu ao telefone, e o médico cobrou o dinheiro. A empresária respondeu que faria a
devolução em trinta dias. Passou-se um ano, quase dois anos, e nada. Certa vez, ela disse a Prado:
“Se você continuar me cobrando, eu vou fazer uma coisa muito bonitinha: conto para o teu pai que
você é viado.”

“Quando ela falou isso, eu tremi”, diz o médico. Ele então conta que decidiu escrever um e-mail
para Gal revelando toda a história. A cantora ligou, com a voz triste, dizendo que não sabia de nada
e garantiu que Petrillo lhe enviaria um cheque. Acrescentou que seria melhor ele se afastar por um
tempo porque ela não queria ter problemas com Petrillo. O cheque prometido não chegou de
imediato, mas Petrillo honrou a ameaça: enviou para o consultório do pai de Prado um envelope
com uma foto dele beijando o namorado – era uma imagem que o próprio Prado havia
compartilhado com Petrillo quando ainda se davam bem. Prado conta que, mais tarde, ela ligou
para o seu pai e expôs a sua intimidade. O efeito foi o inverso do que Petrillo planejara: Prado,
entrando num período de tristeza e pensamentos suicidas, foi acolhido pela família.

Quando a Prefeitura de Vitória da Conquista anunciou o show de Gal Costa em praça pública, o pai
de Prado deixou um advogado e o delegado em alerta para o caso de Petrillo fazer novas ameaças
ao filho, o que aconteceu assim que ela chegou à cidade. “Você vai tomar uma surra tão bonita que
vai aprender a respeitar os outros”, escreveu para Bruno por SMS. “Ela dizia coisas como ‘Você não
tem vergonha de pedir dinheiro para uma mulher mais velha, sua bicha?’” Em 2012, Petrillo tinha
62 anos, cinco a menos que Gal. Em pânico, Prado ligou para o pai, que disse que estava na hora de
dar um basta naquelas ameaças.

Na delegacia, a ocorrência foi registrada assim:

Relata o comunicante [Prado] que vem recebendo via celular do número […] ligações de ameaça nas quais a
pessoa sempre diz que vai agredi-lo fisicamente, que para além das ligações existem também mensagens de voz
nas quais dizem que é melhor para o comunicante não sair de casa pois caso isso aconteça ele sofrerá sérias
consequências. Que tais ameaças estão sendo feitas pela pessoa de nome Vilma Petrilo [o escrivão trocou o W
pelo V e eliminou um L], pessoa esta que não reside em Vitória da Conquista, mas se encontra hospedada no
Hotel Pousada da Conquista, no apartamento 104. As partes compareceram em audiência nesta delegacia às
21:00 horas e a sra. Vilma Petrillo se retratou, comprometendo-se a não repetir tais condutas. É o relato.

Pula uma linha.

Fato delituoso: sim; Natureza do fato: (CRIME CONTRA A PESSOA) AMEAÇA (CÓDIGO PENAL,
ARTIGO 147); Órgão destinatário: 10ª Coordenadoria de Polícia – VITÓRIA DA CONQUISTA.

O registro foi auditado pela delegada Lusdenes Batista Silva, às 21h20. Petrillo foi liberada e levada
de viatura até o local do show. Só então Gal aceitou subir no palco. Nervosa, errou as letras das
músicas. Não se sabe que explicação Petrillo deu a Gal. Nem Prado, nem Frugoli falaram do assunto
com a cantora.

Seguindo o conselho da família, Prado foi para Nova York duas semanas depois para aliviar o
estresse. Ele conta que, um dia, Petrillo ligou para seu celular, dizendo que sabia o nome do hotel
em que estava hospedado e, por ter morado na cidade, conhecia gente que poderia dar um jeito
nele. O médico teve uma crise de pânico e pegou um trem para a casa de um amigo em
Massachusetts, onde ficou até as ameaças cessarem. Meses depois, recebeu o cheque de Petrillo com
a devolução de todo o dinheiro. Nunca mais falou com ela, nem com Gal. Hoje tem 41 anos e diz
que esse foi um dos piores traumas da sua vida.

Para Ricardo Frugoli, o período em que trabalhou com Petrillo é uma época de más lembranças. O
produtor teve contato com contratantes de shows do Brasil e da Europa que perderam o interesse
em Gal Costa em razão, segundo ele, do comportamento da empresária, que destratava os
profissionais, aplicava taxas de última hora para tirar vantagem dos organizadores dos eventos e
fazia acusações infundadas de furto. Frugoli também conta que testemunhou casos de amigos e
familiares da cantora que se afastaram dela, e de ex-funcionários que tiveram episódios de
depressão por causa das humilhações que aconteciam nos bastidores.

Um dia, cansado de tudo, ele aproveitou uma carona com Gal para contar o que estava acontecendo.
Disse que Petrillo barrava ofertas de trabalho que chegavam e que certos produtores internacionais
se recusavam a contratá-la por causa da índole da empresária. “Você pode ganhar o dobro do que
vem ganhando”, disse ele a Gal. A cantora bateu os punhos fechados no volante do carro. “Estão
tentando me roubar, Ricardo?”, perguntou. Frugoli conseguiu acalmá-la, dizendo que ainda havia
tempo de contornar a situação.

No dia seguinte, chegou para trabalhar e estava tudo como antes. Gal o tratava com a gentileza e a
serenidade de sempre – e nunca voltou a falar no assunto. Petrillo continuou à frente dos negócios e
ainda o humilhava, chamando-o de “burraldino” e fazendo comentários a respeito do seu
sobrepeso. “Eu tolerava por causa da Gal”, diz Frugoli. “Durante muito tempo, fui o cara que não
deixou a bomba explodir. Continuar ali era importante para protegê-la do que vinha acontecendo na
carreira e dentro de casa.”

No final de julho de 2013, Frugoli acertou os detalhes de um show diretamente com Gal. Petrillo não
gostou e escreveu por SMS: “Ricardo, pq nunca responde aos meus torpedos??? Nunca!!! (…) Tenho
uma surpresinha p vc.” Depois, acrescentou: “Favor enviar horários de voos e hotéis. Não estou
brincando.” Com medo das ameaças e do descontrole de Petrillo, ele acordou no dia 31 e decidiu
prestar queixa no 4º Distrito Policial da Consolação, em São Paulo. A ocorrência foi emitida às 8h30
pelo escrivão Edvaldo Prado da Silva e assinada pelo delegado Paulo Cesar de Freitas. Segue a
íntegra, tal como foi originalmente escrita:

Comparecem nesta DELPOL, a pessoa de Ricardo Frugoli, o qual relata que vem recebendo ligações telefônicas
oriundas do fone […], bem como correspondências eletrônicas via internet, por meio das quais a pessoa da
autora Wilma Theodoro Petrillo [o escrivão acrescentou um H], vem lhe proferindo ameaças a sua
integridade física, dentre elas relata que vai acabar com a pessoa do declarante, salienta que além de ameaças
por telefone a autora lhe profere pessoalmente em seu trabalho situado no local dos fatos. Diante do acima
narrado, dirigiu-se a esta Unidade a fim de registrar o presente para serem tomadas as providencias cabíveis.
Vítima foi orientada quanto ao prazo e procedimento legal, para representar em desfavor da autora,
independentemente de intimação, se assim desejarem.

Quatro dias depois, Frugoli foi dispensado do trabalho de produtor. Dois anos mais tarde, em 2015,
entrou com uma ação na Justiça, pedindo anotação na carteira de trabalho e todos os benefícios
trabalhistas, além de indenização por assédio moral. Sua causa foi julgada improcedente em
primeira instância. Frugoli entrou com recurso, mas a Justiça voltou a entender que não tinha direito
às questões trabalhistas, nem conseguira provar o assédio moral. “Com a perda do processo, é como
se eu não tivesse existido na vida de Gal”, lamenta Frugoli. Ele abandonou a área cultural, na qual
também trabalhou com Dionne Warwick e Mercedes Sosa, e hoje comanda um projeto social de
reabilitação de usuários de drogas, em São Paulo. Quando recebeu a notícia da morte de Gal,
ocorrida em 9 de novembro do ano passado, se pegou pensando por que ela confiou quase trinta
anos de sua vida a Petrillo.

U
ma das artistas mais relevantes da MPB, cuja carreira se estendeu por quase seis décadas, Gal
Costa deixou uma herança minguada para o filho. Uma busca em cartórios de registros de
imóveis no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia mostra que o item de maior valor é uma casa no
bairro paulistano dos Jardins. O imóvel foi adquirido por 5 milhões de reais em 2020, depois que o
apartamento em que morava na Alameda Itu precisou ser vendido para quitar dívidas. Um ex-
funcionário, que trabalhou com Gal até sua morte e conversou com a piauí em cinco ocasiões, sempre
por celular, diz que a conta bancária da cantora era um “buraco negro”. Mesmo fazendo turnê atrás
de turnê, disco atrás de disco, o dinheiro entrava e era engolido. Treze pessoas ouvidas pela piauí –
seis ex-funcionários que trabalharam com Gal, seis amigos da cantora e um parente – concordam em
um aspecto: as finanças da cantora foram minadas no período em que Petrillo e Gal estiveram
juntas.

As dívidas se estendiam a restaurantes, ao Colégio Dante Alighieri (onde estudou o filho de Gal, em
São Paulo), a empregados domésticos e, segundo uma produtora que chegou a ter acesso a contas
internacionais de Gal, até à Receita Federal norte-americana. Pouco antes da morte da cantora, o
Carnegie Hall, de Nova York, estava interessado em contratar uma série de shows. “Na próxima vez
que ligarem, diga que a Gal não gosta de se apresentar nos Estados Unidos”, ordenou Petrillo ao
funcionário que recebeu a demanda do Carnegie Hall. Mais tarde, esse mesmo funcionário, em
conversa com Gal, lamentou que a cantora não gostasse de se apresentar nos Estados Unidos. “Isso é
mentira”, reagiu Gal. Aos íntimos, a cantora dizia que o seu nome estava sujo junto à Receita nos
Estados Unidos porque Petrillo vendera um imóvel dela em Nova York e não pagara os impostos
devidos. Temendo ser presa, Gal evitava ir ao país. Seu último show lá aconteceu em 2011.

Petrillo era a pessoa que cuidava das contas domésticas e também era a empresária responsável pela
Baraka Produções Artísticas, a GMC Produções Artísticas e a Wilclick Produções Artísticas,
empresas que negociavam os shows de Gal. Havia dois funcionários que se dividiam entre o
trabalho no escritório e as demandas da vida pessoal de Gal e Petrillo: o almoço, o jantar, as malas
de viagem, o pagamento das contas, o saque de dinheiro no banco. Um deles contou à piauí que, em
2015, testemunhou Gal inquirir a parceira: “O dinheiro entra e some, as dívidas não param de
chegar. Que tipo de empresária é você?” Petrillo respondeu: “Você é uma velha, as pessoas não
querem mais te contratar.” O funcionário conta que houve um momento de atrito físico. A cena
aconteceu na sala de estar do apartamento de Gal, na Alameda Itu.

Os shows continuavam a ser vendidos, mas alguns não chegaram a acontecer. O mesmo empregado
se lembra de receber telefonemas de produtores furiosos. Até que um empresário gaúcho, Márcio
André Melo da Silva, ligou ameaçando-o de processo porque pagara para contratar um show de
Gal, mas não recebera os papéis assinados por Petrillo. O funcionário decidiu relatar à cantora o que
estava acontecendo. “Se eu largo a Wilma, ela leva metade de tudo que eu tenho, sem nunca ter
trabalhado de verdade para conseguir alguma coisa”, disse Gal, segundo o funcionário. Procurado
pela piauí, Melo da Silva não quis se manifestar. “Não tenho interesse de falar porque acredito que
isso não vai levar a nada.”

W
ilma Teodoro Petrillo (seu sobrenome de solteira é Araújo) nasceu em 1950, em São Paulo.
Filha do segundo casamento da professora Vitalina Ramos Araújo com o comerciante Celso
Teodoro Araújo, foi criada com os quatro irmãos – Anna, Ana Cristina, Celso e Saladino.
Seu tio-avô, Saladino Cardoso Franco, foi prefeito do extinto município paulista de São Bernardo,
que corresponde hoje ao território das cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São
Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Ela cresceu numa casa no bairro do Brooklin, na capital paulista, e nunca fez faculdade. Na
juventude, se vestia como hippie e saía com músicos amadores. Conheceu assim Claudio Ricardo
Petrillo, integrante de uma banda de garagem, que se tornaria seu marido. Ele entrou para a Escola
Paulista de Medicina. “Claudio foi o único de nós, dos quatros irmãos, a não trabalhar desde cedo
porque reservava o tempo para os estudos. Era um garoto acima da média”, diz Cyro Petrillo, irmão
de Claudio. Depois da formatura, ele e Wilma se casaram e se mudaram para os Estados Unidos,
onde Claudio fez residência médica na Universidade de Nova York.

Certo dia, caminhando pela Bleecker Street, no West Village, Wilma esbarrou com o músico Paulo
Lima, que tinha acabado de produzir no Brasil o show Gal a Todo Vapor. “Ela me disse que queria
aprender a tocar violão”, relembra o músico. “Fez uma ou duas aulas comigo e desistiu, mas
continuamos nos frequentando.” O apartamento do casal Petrillo se tornara um ponto de encontro
de brasileiros em Nova York na metade da década de 1970, frequentado por modelos, atrizes,
produtores de cinema e figuras da música. O casamento, que não gerou filhos, terminou na virada
para a década de 1980. Claudio concluiu a residência médica e se mudou para Connecticut para
chefiar o departamento de medicina e reabilitação física do Norwalk Hospital. Deixou com a mulher
o apartamento em Nova York e passou a pagar uma pensão. Claudio não respondeu os pedidos de
entrevista da piauí.

Em 1982, a modelo Betty Prado chegou a Nova York. Com apenas 20 anos, era a primeira brasileira
a participar do Supermodel of the World, o maior concurso internacional de modelos. Ela conheceu
Wilma Petrillo, e as duas começaram a namorar. Costumavam se divertir em Nova York ao lado da
atriz Sonia Braga, que se preparava para atuar em filmes norte-americanos. Betty Prado já comentou
com amigos que foi lesada financeiramente pela parceira e teve que voltar ao Brasil para se
recompor. Procurada pela piauí, a modelo limitou-se a dizer: “Isso é passado e está enterrado.” E
completou: “Desejo que o universo conspire e te ajude a descortinar esses golpes.”

Na ausência de Betty Prado, Petrillo estreitou os laços com Sonia Braga. As duas aparecem
sorridentes em fotografias da época. Anos depois, em 1997, em entrevista ao Roda Viva, a atriz
contou que morou com Petrillo – a quem ela chamou de “amiga” – num momento em que a sua
carreira passava por uma mudança. Em 1985 estreou o filme O Beijo da Mulher Aranha, em que Sonia
Braga contracenou com William Hurt e Raul Julia, tornando-se um rosto conhecido do público
norte-americano.

Petrillo sempre ficou distante da imprensa. Há pelo menos um registro audiovisual de quando ela
era jovem, num videoclipe gravado por Agnaldo Timóteo no Central Park, em Nova York. Seu
cabelo preto desce um pouco abaixo da altura do ombro e os olhos caídos lhe dão um ar
despretensioso. O nariz, fino no dorso e redondo na ponta, harmoniza com os lábios fartos. “Era
uma mulher de extrema beleza e enorme poder de sedução, mas sem o caráter que a gente aprecia
nos amigos”, diz o diretor de cinema Fabiano Canosa, parceiro de longa data de Sonia Braga e que
integrou o círculo de brasileiros que frequentava o apartamento do casal Petrillo em Nova York.
“Nunca conheci alguém como essa mulher. Ela tinha uma coisa que lembrava a atriz italiana Lea
Massari: falava bem, projetava uma beleza interior, uma calma, um espírito quase zen. Você caía
igual patinho.”

O que acontecia depois? “Ela tinha uma maneira civilizada de aplicar golpes, tinha paciência, era
uma pessoa bem orquestrada”, continua Canosa. “Era uma mulher de muita paciência. E ninguém
ousava denunciar a Wilma porque não queria se associar a uma pessoa tão…”, ele respira fundo, e
conclui: “Psicótica.” Canosa diz que Sonia Braga lhe confidenciou que se distanciou de Petrillo
quando ela já estava com Gal, depois de também ter sido envolvida em um golpe. A atriz não
respondeu aos pedidos de entrevista da piauí.

No final dos anos 1970, Gal Costa atingiu o seu ápice de popularidade no Brasil. “Ela começou com
muito prestígio, ao lado do Caetano Veloso e dos tropicalistas, mas os discos não eram populares,
costumavam agradar principalmente aos formadores de opinião”, diz o jornalista e crítico musical
Mauro Ferreira. “A virada começa em 1978, quando saiu o álbum Água Viva, com a gravação de
Folhetim, do Chico Buarque. No ano seguinte, sob a direção do Guilherme Araújo, ela fez o show Gal
Tropical, que virou o acontecimento do verão.”

Em 1984, Gal deixou a gravadora Philips e assinou com a RCA. “Então ela passou a gravar baladas
populares, como Chuva de Prata, com o Roupa Nova”, continua Ferreira. “No disco Bem Bom, de
1985, lançou Sorte, com Caetano Veloso, e a grande explosão que foi Um Dia de Domingo, com o Tim
Maia.” Vendeu mais de 500 mil cópias do álbum, um êxito comercial para a época.

Sua empresária, Lea Millon, que também administrava a carreira de Caetano e Gilberto Gil,
aproveitou o momento para expandir o patrimônio de Gal. “Lea sabia que uma cantora deveria
fazer o seu pé de meia no auge da carreira, para garantir um futuro seguro”, diz Guto Burgos, o
irmão de Gal, que assumiu a produção dela depois da saída de Guilherme Araújo. Com a morte da
mãe de Gal, Mariah, em 1993, Burgos tornou-se a representação de família para a cantora, mas não
participou dos últimos anos da vida dela. Diz que foi afastado da irmã por Petrillo em 1997. “Por
favor, eu não quero mais falar disso”, pede, recostado no sofá num apartamento no Leblon. “É um
assunto que me dói muito.”

Sobre a questão patrimonial, ele diz: “Gal teve oito salas comerciais no Rio de Janeiro, cujo aluguel
garantia uma renda mensal extra. Comprou uma cobertura e um apartamento no Praia Guinle” –
um condomínio de luxo na Praia de São Conrado. A piauí localizou quatro salas comerciais no
Leblon e o dois imóveis em São Conrado registrados no nome de Gal. “Também tinha imóveis em
Salvador, Trancoso e Nova York. Como dói saber que ela morreu sem nada disso. Parece que todo o
trabalho dela foi em vão.” A cantora teve ainda uma granja em Petrópolis, onde costumava passar
os fins de semana com a atriz Lúcia Veríssimo, que foi sua companheira durante dez anos.

“A
s poltronas são as mesmas, mas aquele sofá não era nosso”, diz Lúcia Veríssimo,
andando pela casa principal da granja. Há cinco outras casas espalhadas pelo terreno de
19 alqueires, todas pintadas de rosa. Depois de ter sido vendido por ela e Gal em 1992, o
espaço foi transformado em escola e, mais tarde, numa pousada. Os últimos resquícios do jardim
desenhado por Burle Marx para o casal Gal e Veríssimo são as palmeiras imperiais que se erguem
no meio do mato. O que era uma biblioteca virou lavabo. No banheiro da suíte, a atriz se emociona:
“Fui eu quem construí essa banheira para a Gal.”

As duas estreitaram as relações em 1981. “Havia, naqueles tempos, a compreensão de que fazíamos
parte de uma mesma família. Não precisávamos de apresentações formais”, diz a atriz. “Era um
período em que nós duas estávamos sozinhas, ambas processando o término de um namoro.” Como
amigas, tinham longas conversas sobre música e teosofia. “Varávamos as noites em reflexões
profundas a respeito de onde viemos e para onde vamos. O planeta Terra, astrologia, vida após a
morte, vidas passadas, reencarnação. Falávamos também de jazz, de bossa nova, dos grandes
intérpretes. Por vezes, eu tocava o violão para ela cantar. Mas quase sempre eu pedia que ela tocasse
e cantasse para mim.”

Um dia, Veríssimo precisou buscar uma encomenda no subúrbio do Rio e convidou Gal para
acompanhá-la. “Um convite nada romântico, que dificilmente alguém aceita, mas ela aceitou.” Na
volta para casa, ficaram presas no trânsito. Como o rádio do carro estava quebrado, Veríssimo pediu
que Gal cantasse para ela. “Que música?” perguntou a cantora. “Pétala, do Djavan”, escolheu a atriz.

Gal repetiu a canção várias vezes no trajeto até a Zona Sul e terminou a noite do lado de Veríssimo.
“Era um momento mágico para nós duas. Vivíamos o ápice das nossas carreiras”, diz a atriz, uma
das estrelas da Rede Globo na época. “Eu emendava uma novela atrás da outra, me apresentava no
teatro e em shows countries pelo país. Gal estava lançando seus maiores sucessos. Seus shows e
turnês nacionais e internacionais duravam dois anos, com casas lotadas.”

Veríssimo nunca foi creditada como produtora de Gal, mas agia como uma faz-tudo nos bastidores.
Chamou duas figurinistas da Globo, Marília Carneiro e Helena Gastal, para refinar a imagem da
cantora. Usava o conhecimento em italiano, francês e inglês para ajudar a fechar contratos no
exterior. Nos segundos que antecediam o show, levava Gal pelas mãos até a entrada do palco.
“Naquela época, trabalhar com ela era muito simples. Ninguém precisava mover nada. O telefone
simplesmente tocava.”

Na primeira casa que tiveram juntas, uma cobertura na Praia de São Conrado, a cantora passava os
dias dedilhando o violão ou lendo. Nos fins de semana, elas viajavam para a granja de Petrópolis,
geralmente acompanhadas da mãe e do irmão de Gal. Passavam os verões em Salvador. Chegavam
de mãos dadas em eventos públicos e conheceram até o papa João Paulo II, no Vaticano. “Tínhamos
um casamento declarado, com aliança no dedo. A rua era a extensão da nossa casa. Era tão natural
que acabava não chocando, nem rendia fofocas na imprensa.”

Veríssimo se diverte lembrando dos rompantes culinários de Gal. “Na granja, se ela cismava de
fazer um prato, pegava o telefone e ligava para algum restaurante de que gostava. Quando
atendiam, dizia que queria falar com o chef e então pedia para ele ensinar o passo a passo da tal
receita. O cara ficava louco de alegria do outro lado da linha: era a Gal Costa, porra”, conta
Veríssimo, aos risos. Certa vez, Gal a chamou na cozinha para dar uma olhada nos tomates “tão
bonitos, tão diferentes”. Eram, na verdade, caquis.

Para Veríssimo, a cantora nunca aprendeu a cozinhar ou a resolver as questões mais práticas da vida
adulta. “A mãe dela, a Mariah, criou a Gal numa redoma”, diz a atriz. “Ela dependia de muita
gente, principalmente nos departamentos funcionais da rotina. Era doce, mas profundamente
insegura.” O quadro mudava quando o assunto era música. “Ela nasceu apenas para cantar e
sempre soube que isso jamais mudaria. No palco, se agigantava, era de uma segurança invejável.
Mas o poder só permanecia até ela acordar no dia seguinte.”

Os depoimentos de amigos e familiares ouvidos pela piauí convergem em outro ponto: a estabilidade
emocional de Gal dependia de quem estava ao seu lado e tinha repercussão direta na sua arte. Pode-
se traçar um paralelo. Na década de 1970, quando teve um relacionamento com a modelo carioca
Wilma Dias, seu trabalho tinha um impulso sexual e desafiador. Nos anos 1980, durante seu
casamento com Veríssimo, teve sucesso financeiro e alcançou o ponto mais alto de sua
popularidade. Na década seguinte, depois do término com Veríssimo e o namoro curto, mas
doloroso com o músico Marco Pereira, a melancolia tomou conta do seu trabalho.

Nesta época, sempre na companhia do irmão Guto Burgos, Gal passou a se dividir entre o Brasil e o
exterior, para temporadas de shows. “Passávamos cerca de seis meses no Rio e seis em Nova York”,
diz ele. Gal aproveitava o tempo livre na cidade norte-americana para visitar os amigos brasileiros.
“Sempre que íamos à casa da Sonia Braga, tinha essa mulher desconhecida que morava com ela. Gal
não simpatizava, mas respeitava. Se era amiga da Sonia, só podia ser gente de bem.” A mulher era
Wilma Petrillo.

E
m Porto Seguro, quando a arquiteta Margarida Jacy tomava café no restaurante de uma
pousada, uma mulher de óculos escuros se aproximou e pediu o jornal emprestado. A
arquiteta entregou o jornal para a desconhecida e foi embora. No outro dia, Jacy parou o carro
para abastecer e lá estava a mulher de óculos escuros novamente. “Prazer, eu sou a Wilma.” As duas
combinaram um jantar. “Então eu soube que a Wilma era amiga de Sonia, que vivia em Nova York e
agora tinha alugado uma casa em Porto Seguro.” A arquiteta se apaixonou pelo jeito blasé de
Petrillo, que falava pouco do próprio passado, mas tudo que dizia soava interessante. “Ela falava
com orgulho que tinha sido a única namorada de Sonia Braga.”

Os amigos avisaram Jacy que aquele namoro era uma roubada. Contaram que Petrillo tinha
aplicado um golpe no ator Diogo Vilela na venda de um imóvel. Por se tratar de uma amiga de
amigos, o ator dispensou as formalidades legais de um contrato, confiando no acordo verbal que
acabou não sendo cumprido. À piauí, Vilela disse apenas o seguinte: “Eu não quero falar
absolutamente nada sobre essa senhora.”

Jacy desprezou os comentários porque não se importava com o passado da namorada. Só


estranhava que alguém vindo de Nova York e amiga de famosos não tivesse dinheiro para pagar as
contas mais básicas. “Wilma tinha um padrão de vida alto, mas só pagava o aluguel. Muitas vezes,
quem fez o mercado da casa dela fui eu.” Em determinados dias, Petrillo parecia falida. Em outros,
jantava nos restaurantes mais caros de Porto Seguro, com personalidades como a italiana Marina
Schiano, modelo e ex-diretora criativa da revista Vanity Fair, sua amiga de Nova York.

Apaixonadas, elas começaram um projeto para ganhar dinheiro. Jacy usaria os conhecimentos em
design de interiores para desenhar e fabricar móveis, enquanto a namorada aproveitaria os contatos
em São Paulo para vendê-los. Foi assim durante um tempo: Petrillo negociava as peças, ficava com
metade do lucro e depositava a outra metade na conta da arquiteta. Os negócios e o relacionamento
seguiram firmes. Petrillo, inclusive, levou Jacy para conhecer a sua família em São Paulo.

Depois de três anos e meio de namoro, a arquiteta comprou um terreno de 3 mil hectares em Santo
André, a 30 km de Porto Seguro, registrado no nome dela e da namorada, que ficou de pagar pela
sua parte assim que possível. Como o negócio aconteceu há muitos anos, Jacy não lembra os valores
exatos, mas calcula que cada uma deveria desembolsar uns 15 mil dólares. Petrillo viajou para Nova
York em seguida e, pouco a pouco, foi deixando de mandar notícias. Gal Costa havia entrado na
história.

Quando amigos perguntavam a Gal como conheceu Petrillo, eles sempre escutavam a “história do
avião”. Num dia da primeira metade da década de 1990, estava viajando para Nova York de
primeira classe quando lhe trouxeram uma garrafa de champanhe: “Foi aquela moça ali quem
mandou”, disse a comissária. Gal reconheceu o rosto que tinha visto na casa de Sonia Braga e,
contando com a liberalidade da companhia aérea, convidou Petrillo para se sentar ao seu lado na
viagem. Quando o avião pousou, Petrillo disse que não tinha onde ficar na cidade, e Gal a chamou
para se hospedar em sua casa. Nunca mais se desgrudaram.

De Porto Seguro, Jacy continuava tentando se comunicar com a namorada. “Eu não conseguia nem
sentir raiva, queria apenas que ela me pagasse o que devia pela compra do terreno.” Meses depois,
quando Petrillo reapareceu em Porto Seguro, Jacy cobrou o dinheiro. Petrillo puxou do bolso do
casaco um bolo de papéis e disse: “Estão aí as notas. Eu te paguei tudo.” Eram os comprovantes dos
depósitos do dinheiro obtido com a venda dos móveis planejados por Jacy.

Num rompante de raiva, Jacy disse que se arrependia de não ter acreditado nos alertas de que ela
era uma “golpista”. Petrillo levantou-se da mesa e foi embora. “A verdade é que ela detonou toda a
herança que os pais deixaram. Os irmãos usaram o dinheiro para prosperar, mas Wilma não”, diz a
ex-namorada. “Então, começou a aplicar um golpezinho aqui, outro ali, e a viver com quem pudesse
bancar o estilo de vida dela.” Jacy diz que até hoje não recebeu o dinheiro. (Ana Cristina Teodoro de
Araújo, irmã de Petrillo, negou à piauí que a herança tenha sido detonada e não quis dar detalhes
sobre o assunto. “Em briga de família, ninguém tem que se meter.”)

No Rio de Janeiro, Gal acolheu Petrillo na cobertura de São Conrado, a mesma onde tinha vivido
com Lúcia Veríssimo. Em 1994, a cantora disse, numa entrevista à jornalista Marília Gabriela, que
pela primeira vez estava gerindo a própria carreira. O irmão, Guto Burgos, conta uma versão
diferente: ele próprio teria passado a atuar mais intensamente como empresário da irmã,
incentivando para que ela continuasse a trabalhar depois da morte da mãe. Sem experiência em
produção cultural, Petrillo começou a participar dos negócios.

A nova namorada foi citada pela primeira vez em um trabalho da cantora em 1995, nos
agradecimentos do disco Mina d’Água do Meu Canto. São raros os registros de Petrillo ao lado de Gal.
Em 1996, a repórter Neide Duarte, do SBT, passou alguns dias acompanhando a rotina da cantora,
entre o Rio de Janeiro e Trancoso, na Bahia. Em cenas gravadas no jatinho que as levava ao litoral
baiano, Petrillo aparece usando seus óculos escuros.

No dia 14 de abril do ano seguinte, Burgos se internou para fazer uma cirurgia no coração e deixou
os funcionários do escritório de Gal administrando o cronograma de shows. Logo que retornou a
sua casa, começou a receber ligações de produtores de shows do Brasil e do exterior. Um deles disse:
“Guto, ligou aqui uma mulher perguntando se você já roubou a Gal.” O irmão da cantora descobriu
que era Petrillo. Pouco depois, Gal o chamou para conversar. “Ela disse que sentia que estava na
hora de trabalhar com outra pessoa”, conta Burgos. “Desejei sorte para ela e disse que esperava que
a Wilma respeitasse o meu nome.” Gal se afastou do irmão. “Foi muito estranho porque tínhamos
uma amizade estreita, em todos os sentidos.”

Os interesses empresariais de Gal ficaram então sob os cuidados da namorada, que colocou à venda
a cobertura em São Conrado. Em seguida, as duas se mudaram para a casa de Trancoso, e Gal
reduziu o contato com a maioria dos amigos. O telefone fixo da nova casa estava sempre ocupado,
ou encaminhava as ligações para a caixa postal. “Quando estou na Bahia, meu ritmo fica mais lento,
eu fico mais preguiçosa”, disse Gal à reportagem do SBT, com o litoral baiano ao fundo da imagem.
“Eu fico mais burra, aquela burrice boa, de preguiça, que não dá nem vontade de pensar.”

O
candomblé era um pilar da vida religiosa de Gal Costa. Ainda jovem, ela foi levada ao
Gantois, o terreiro de Mãe Menininha, em Salvador. Descobriu que seu orixá era Obaluaiê.
“Gal, uma estrela? Aqui no Gantois? Nunca”, diz Mãe Carmem, filha caçula de Mãe
Menininha. “Ela entrava aqui com tanta simplicidade que ninguém dizia que era a cantora. Sentava-
se no chão, para ficar bem pertinho do meu colo.”

A ialorixá de 94 anos fala devagarinho e fica melancólica quando o assunto é Gal. Encolhe os olhos e
sacode a cabeça de um lado para o outro: “Se eu soubesse que ela ia partir tão cedo, eu a teria
filmado em cada pedaço do Gantois, até entrando no banheiro, para não esquecer nunca. Gal era
como um vento batendo numa flor: suaaaaave”, diz ela, alongando a vogal. “Uma beleza tão
simples que, se você não prestar atenção, não vê.”

Outro pilar da cantora era a teosofia. Em 1994, ela conheceu a médium Halu Gamashi e ficou
interessada pelo seu trabalho com chacras. “Gal era uma séria estudiosa da espiritualidade”, diz
Gamashi. Quando visitava a Bahia, a cantora se encontrava com a amiga, mas Petrillo não a
acompanhava. Até que, um dia, Petrillo apareceu em um jantar de médiuns em Trancoso.
Observava a conversa em silêncio. A certa altura, levantou o dedo para perguntar se alguém ali
acreditava em extraterrestres. Quando Gal, Gamashi e os outros entraram num transe, Petrillo
explodiu com a namorada: “Chega, você não deveria me trazer para um lugar como este.”

A médium disse que, por causa do “ciúme inescrupuloso” de Petrillo, passou a se encontrar com a
cantora em sigilo. Quando iam jantar, Gal olhava para um lado e para o outro, tentando se certificar
de que Petrillo não estava à espreita. “Sinceramente, ninguém conseguia entender o que se passava
naquela relação. Gal era uma pessoa tão reservada que não deixava ninguém se aprofundar no
assunto. E eu também não queria participar daquilo”, afirma Gamashi. “Na minha cabeça, elas
sempre foram como dois olhos: estavam uma do lado da outra, mas não se enxergavam.”

Em 1995, Gamashi combinou com a cantora de fazer a leitura de sua aura durante um show.
“Aceitar ficar com elas no camarim foi uma decisão horrível”, diz. Minutos antes de começar a
apresentação, ela ouviu Petrillo perguntar se Gal não sentia vergonha por estar tão gorda. “Ela disse
para Gal: ‘Você está pensando que é quem, Nana Caymmi?’”, conta a médium. “O mais estranho era
que a Gal ficava quieta diante dessas situações.”

Em 1998, a cantora comprou por 1,6 milhão de reais, em valores da época, um hotel modernista no
Morro da Paciência, em Salvador, para transformar em sua residência – e se mudou para lá no
começo dos anos 2000. O dono da casa ao lado era Caetano Veloso. Com Gal, moravam Petrillo,
uma empregada e um motorista, que trabalhava para a cantora desde os tempos do casamento com
Lúcia Veríssimo. Nessa mesma época, Ana Cristina, a irmã caçula de Petrillo, deixou São Paulo e se
instalou numa quitinete perto da casa de Gal. Foi contratada por Petrillo para tomar conta dos
cachorros da cantora.

A
jornalista e produtora cultural baiana Rita Moraes foi convidada por Gal para produzir um
show, em 2009. “Quando soube que eu ia me encontrar com Wilma, um amigo me disse: não
leve a sua bolsa, deixe no carro”, conta Moraes. Ela viajou a São Paulo, Goiânia e Brasília,
tentando captar recursos, mas encontrou resistência dos investidores. “Eu não entendi: como o
nome de Gal Costa, a maior voz do Brasil, não abre portas?” O show não aconteceu, mas Moraes
produziu a participação da cantora no festival Praia 24 Horas, promovido pela Prefeitura de
Salvador. Depois, organizou outras duas apresentações de Gal na Bahia. Na última, o governo do
Estado atrasou o pagamento e Gal disse a Moraes que, por recomendação de Petrillo, não subiria no
palco se não recebesse o dinheiro imediatamente. “Sempre tinha um estresse envolvendo a Wilma e
eu decidi não trabalhar mais com Gal. Wilma tinha a melhor voz do Brasil em suas mãos, mas
faltava tino administrativo e habilidade de conversar com os outros”, diz Moraes. “Num momento
de desgaste, eu perguntei: ‘Gal, afinal, qual é o papel de Wilma na sua carreira?’ E ela respondeu:
‘Wilma só me veste.’”

Nem todos têm a mesma leitura do relacionamento entre Petrillo e Gal. “Elas eram ótimas”, afirma o
amigo Alexandre Rodrigues, que acompanhou as duas tanto na Bahia quanto nas viagens do casal a
Nova York. “Quando estava longe, Gal ligava para Wilma três ou quatro vezes por dia.” Rodrigues
garante: “Não havia conflito nenhum entre elas, pelo contrário.” O diretor Daniel Filho, amigo de
Gal e de Petrillo, também diz que já ouviu diversos comentários sobre o passado de Petrillo, mas
nunca chegou a uma conclusão. “Sei lá, é um mistério. Dizem muita coisa, mas eu prefiro ficar com
a versão da Wilma.”

Quando concluiu o processo de adoção do filho Gabriel, Gal lançava discos e rodava o mundo com
turnês que exploravam pouco sua extraordinária capacidade vocal. “Os anos 2000 foram muito
esquisitos. Ela entrou para gravadoras menores e lançou discos de pouca visibilidade que
desagradaram a crítica por serem conservadores, caretas”, diz o crítico Mauro Ferreira. “Na
segunda metade da década, parecia que a carreira dela estava acabada. Até que Caetano Veloso
percebeu isso e decidiu tirá-la do fundo do poço com o álbum Recanto.”

Descontente com um show de Gal que assistiu em Portugal, Caetano convidou a cantora para
gravar um disco de canções inéditas. Em um mês, compôs as músicas e começou a trabalhar nos
arranjos eletrônicos de Recanto, com a ajuda de Moreno Veloso, o seu filho mais velho e afilhado de
Gal. Segundo Moreno, a disposição de sua madrinha nas gravações foi “inabalável”, do início ao
fim.

As complicações surgiram mais tarde, quando se ventilou a possibilidade de fazer uma turnê pelo
Brasil para promover o disco. Petrillo queria que Gal continuasse com os shows de voz e violão. E,
se fosse para a turnê Recanto acontecer, ela não queria que Caetano recebesse os créditos e o lucro
pela direção artística. “Gal e Wilma estavam há muitos anos produzindo shows de voz e violão, não
tinham mais estrutura nem traquejo para tomar conta de uma equipe maior”, diz Moreno. “Foi um
pouco penoso para a equipe e para elas esse período de readaptação a projetos maiores. Acho que
todo esse atravancamento ficava na conta da Wilma por ela ser a produtora, mas sei que era mais
confusão, falta de preparo e de comunicação do que má vontade.”

Por fim, Petrillo deixou a produção da turnê. Em Santa Catarina, o produtor Rodrigo Bruggemann,
responsável pela organização dos shows de Recanto nas cidades do Sul do país, comemorou a
notícia abrindo uma garrafa de champanhe. “Eu trabalhei com Maria Bethânia, Simone, Alcione,
Beth Carvalho, Zizi Possi, Bibi Ferreira, Mart’nália, com praticamente todas as cantoras do Brasil, e
te digo que a pior pessoa com quem lidei nesse meio foi a Wilma Petrillo”, ele desabafa. “Além de
ser grosseira, ela fazia mudanças de última hora e aplicava taxas surpresa, e ainda exigia uísque
caro para levar para casa. Gal, na presença dela, se tornava uma pessoa soturna.”

Bruggemann conta que Gal não fazia participação especial nos shows de ninguém, ao contrário dos
outros cantores da MPB, porque Petrillo não permitia. “Provavelmente nem deixava os convites
chegarem até ela.” O cantor Ney Matogrosso recorda que um dia esbarrou com Gal no Aeroporto
Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Fazia algum tempo que não se viam e, depois que se abraçaram,
ela perguntou: “Você não gosta mais de mim?” Matogrosso ficou surpreso. “Nós fomos muito
íntimos, era uma delícia me encontrar com a Gal. Falávamos de sacanagem, dávamos beijinhos,
vivíamos toda aquela loucura que só quem viveu nos anos 70 sabe”, contou o cantor à piauí, na sala
de sua casa no Leblon. “Diante de uma pergunta como aquela, eu só pude responder: ‘Como eu não
gosto de você, Gal? Eu te amo.’ Daí ela me disse: ‘Então por que você recusou as duas vezes que eu
te pedi para me dirigir no palco?’”

Matogrosso se lembra de ter recebido apenas um convite para assumir a direção do show da cantora
e aceitou na hora. Pediu que lhe mandassem um disco físico para entender o projeto, mas conta que
nunca recebeu o material. Um dia, Petrillo ligou dizendo que não havia mais tempo hábil para
Matogrosso dirigir o show porque estava em cima da hora para a nova turnê. “Ela foi tão definitiva
com a resposta negativa que eu preferi nem questionar a decisão”, conta o cantor. No aeroporto, ele
rememorou a história para a cantora, mas não disse quem tinha ligado cancelando o convite. Gal
então perguntou se o nome da pessoa começava com a letra W. Constrangido, ele não quis
responder. Na saída do aeroporto, os dois se abraçaram e Gal murmurou: “Eu sei que foi ela.”

E
m 2012, Gal e Petrillo se mudaram para São Paulo. Foram viver no apartamento da Alameda
Itu e alugaram uma sala comercial na Avenida Faria Lima, onde instalaram o escritório das
três empresas que cuidavam dos shows da cantora – a Baraka, a GMC e a Wilclick, esta uma
sociedade com Ana Cristina, a irmã de Petrillo.

O jornalista paulista Marcus Preto vinha tentando se encontrar com Gal para apresentar a ideia de
um documentário sobre o celebrado show Gal a Todo Vapor, que aconteceu em 1971. Depois de
marcar e desmarcar três vezes, a cantora finalmente apareceu e ficou animada com a proposta.
Durante a conversa, ele perguntou o que Gal planejava fazer no próximo disco. “Regravações”,
respondeu a cantora. “Mas, Gal, não dá para você fazer isso, agora que o Recanto te colocou outra
vez na posição máxima da música brasileira”, ele disse – e sugeriu que ela fizesse um disco de
inéditas com compositores da nova geração. Gal gostou da ideia e convidou Preto para produzir o
álbum. O documentário sobre o Gal a Todo Vapor não aconteceu, mas o jornalista ficou incumbido
também de conceber um novo show da cantora, para acontecer antes do lançamento do novo disco.

Os funcionários da Baraka Produções, porém, encontravam dificuldades para fechar os contratos da


nova turnê. O nome de Gal já não abria as portas com tanta facilidade. Depois de acertar os shows
com as casas de espetáculos, os colaboradores da Baraka precisavam se certificar de que não seriam
ludibriados na porcentagem que recebiam em cada negociação. “Uma vez, um contratante argentino
falou que tinha realizado um depósito e nós fomos cobrar a Wilma, que insistia que a transferência
não tinha caído na conta”, diz um ex-produtor, que pediu para não ser identificado, por temer
retaliações. “Eu me juntei à secretária da Baraka, que tinha todas as senhas bancárias, e fui atrás do
extrato. O pagamento estava na conta havia dias, mas a Wilma simplesmente não nos pagava.”

Houve outro momento tenso entre esse ex-produtor e Petrillo durante a turnê Trinca de Ases,
realizada por Gal, Nando Reis e Gilberto Gil. Um dia, a cantora estava aflita porque deveria ter
recebido um depósito da equipe de Gil, mas a conta bancária estava vazia. Um funcionário foi ao
banco averiguar o problema e descobriu que o dinheiro havia sido retirado por Petrillo, que tinha
acesso à conta da cantora.

Funcionários da Baraka contam que, nos dias de calor em São Paulo, a empresária tirava a blusa e o
sutiã no escritório. A piauí teve acesso a uma foto tirada por um funcionário na qual Petrillo aparece
nua da cintura para cima, dentro do escritório. Uma funcionária, Anamaris Torres Leca, chegou a
entrar na Justiça com uma ação trabalhista contra a Baraka, a GMC e a Wilclick. Na reclamação, de
quase quarenta páginas, Leca diz que nos locais de trabalho havia até mesmo controle do uso do
banheiro e que Petrillo, quando estava nervosa, dizia a ela: “Me avisaram que você é muito burra,
de fato.” Francisco Erilando Costa Uchoa, uma das testemunhas do processo, disse que Petrillo certa
vez perguntou: “A Ana já chegou para trabalhar, aquela imbecil?” Leca venceu a ação na primeira
instância e aguarda o julgamento do Tribunal Superior do Trabalho.

O
empresário baiano Maurício Pessoa conta que levou dois tombos no mercado musical. O
primeiro aconteceu em 2011, quando ele e o sócio gastaram mais de 1 milhão de reais para
organizar uma turnê de João Gilberto. Às vésperas do evento, o artista cancelou tudo,
alegando problemas de saúde. O segundo aconteceu dois anos depois, em 2013, com Gal. No
começo de abril passado, ele explicou à piauí o que aconteceu.

Pessoa conseguiu patrocínio de 700 mil reais da Natura Musical para um projeto que Gal havia
aprovado: organizar seis shows e a gravação de um disco ao vivo em que ela interpretaria o
repertório do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues. Petrillo, então, disse que Gal só daria
continuidade ao projeto se recebesse de imediato 80% do valor, ou seja, 560 mil reais. O empresário
achou o valor exorbitante para a quantidade de apresentações, mas cedeu, com a expectativa de
reaver o dinheiro na venda dos ingressos. Os primeiros shows aconteceram em 2015. “Foi muito
difícil encontrar uma data para as apresentações, porque a Wilma sempre dizia que a agenda da Gal
estava apertada”, diz o empresário. “Como assim? Apertada? Eu paguei 560 mil reais que me
pediram. Tínhamos um compromisso.” Aos trancos e barrancos, os seis shows foram realizados.

O problema chegou na hora de gravar o disco. Petrillo parou de responder às mensagens de Pessoa.
Quando finalmente retomou contato, disse que Gal não tinha mais tempo para continuar no projeto
e preferia gravar o disco em estúdio, o que Pessoa acatou. A gravação foi agendada para um dia de
2017. Na data combinada, ninguém apareceu – e, mais tarde, Petrillo alegou falta de espaço na
agenda de Gal. Sem o disco, a Natura Musical não pagou os 140 mil reais restantes, e Pessoa nunca
recuperou o dinheiro investido na turnê. Ele estima ter perdido mais de 1 milhão de reais.

Enquanto Gal viajava pelo país para promover o disco Estratosférica, lançado em 2015, Pessoa
trancou-se em casa, diagnosticado com depressão. Nunca entrou na Justiça para reaver os valores.
“Eu não tinha condições nem financeiras, nem emocionais e nem mesmo físicas para lidar com a
Wilma. No caso do João Gilberto, contratei um advogado e segui com a minha vida, deixando ele
cuidar dos meus direitos. Quando tudo se repetiu com a Gal, não me sobrou chão.”

Em Pernambuco, o produtor Hermogenes Carolino da Silva também enfrentou dores de cabeça. Ele
pagou 57 mil reais a Petrillo pela realização do show Estratosférica no Teatro Guararapes, em Olinda,
previsto inicialmente para 26 de março de 2016. A apresentação foi adiada, de comum acordo, para
2 de junho. Um dia, o evento sumiu da agenda oficial de Gal. Depois, entrou no lugar um show no
Sesc Pinheiros, em São Paulo, no mesmo dia e horário do de Olinda. Carolino da Silva, que já tinha
começado a venda dos bilhetes, ficou sabendo do cancelamento do evento através da página de Gal
no Facebook.

Em 30 de maio, a Wilclick Produções Artísticas e a própria Petrillo foram notificadas


extrajudicialmente para devolver, dentro de cinco dias, o valor já pago por Carolino da Silva e mais
150 mil reais referentes à quebra contratual. Sem retorno de Petrillo, o produtor levou o caso à
Justiça, requerendo também 350 mil reais por danos morais à imagem de sua empresa, a Casa de
Taipa Produções e Eventos. Quatro anos depois, a 37ª Vara Cível de São Paulo rejeitou o pedido de
dano moral, mas condenou a Wilclick a devolver os 57 mil reais do show, corrigidos. Petrillo está
recorrendo.

Na mesma época do frustrado show de Olinda, o produtor e diretor criativo Marcus Preto teve a
ideia de fazer um DVD para a turnê Estratosférica. Gal achou que era uma boa ideia, mas Petrillo não
gostou. “Nunca entendi muito bem o motivo”, diz ele. “Acho que a ideia dela era retornar ao
formato de voz e violão, mais barato de realizar. Para Gal, isso teria sido artisticamente
catastrófico.”

Mas, como tinha sinal verde de Gal, Preto procurou financiamento para o projeto com Kati de
Almeida Braga, dona do Icatu Seguros e sócia da gravadora Biscoito Fino, que se mostrou
interessada não apenas no DVD como em ter Gal no seu catálogo de artistas. A cantora foi ao
encontro de Kati Braga e ficou combinado que começariam logo a produção de um novo disco e de
uma agenda de shows. “Tempos depois, quando já éramos íntimas, ela me disse que queria minha
ajuda para organizar a vida financeira”, diz Braga. Ela aceitou.

O álbum de inéditas com músicos da nova geração também foi em frente. “Eu achava fundamental
que a Gal seguisse lançando novos compositores, para manter a própria relevância”, diz Preto. A
artista embarcou na proposta do disco A Pele do Futuro. Quando conseguiram a participação de
Marília Mendonça para a música Cuidando de Longe, Petrillo disse que não entendia por que haviam
chamado aquela “caipira”. “A partir dali a minha relação com Wilma ficou insustentável e não falei
mais com ela”, diz Preto. “Também parei de mencionar o nome dela para a Gal que, num acordo
silencioso, fez a mesma coisa.”

As iniciativas de Preto e Kati Braga foram paulatinamente devolvendo Gal ao mercado musical.
Petrillo ficou escanteada nesse período. O empresário Nilson Raman assumiu a negociação dos
shows e conseguiu contornar as dificuldades. “Naquela altura, as pessoas não queriam mais
negociar shows da Gal. Os contratantes todos se conhecem, contam suas experiências um para o
outro. Sabiam do que tinha acontecido na administração da carreira da Gal antes de eu chegar”, diz
Raman. Ele completa: “Colocamos a Gal de volta à rota da América Latina, da Europa e
planejávamos a sua volta ao Japão. Todos os shows com contratos assinados e cachês devidamente
pagos.” Em 2021, sabendo que o empresário negociava um show na Virada Sustentável de São
Paulo, Petrillo contatou a organização do evento para dizer que Gal era uma artista exclusiva do
escritório dela e, portanto, nenhum evento aconteceria sem o seu aval. A cantora ficou sabendo do
ocorrido, pediu para o novo empresário ignorar o que Petrillo havia feito e participou da Virada
Sustentável.

Gal passou a cantar com mais frequência em festivais e teatros. Tinha direito a acompanhante, mas
sempre viajava sozinha. Petrillo ficava em São Paulo na companhia da irmã, Ana Cristina, que
morava no quarto de empregada da casa, e de Gabriel, o filho da artista. Em março de 2022,
funcionários da companhia de energia elétrica bateram à porta da casa, com uma ordem de corte da
luz. As contas ainda estavam registradas no nome da antiga proprietária da casa, a artista visual
Daniela Cutait, e não haviam sido pagas. “Meu nome ficou negativado porque a Wilma não pagou
as dívidas”, diz Cutait. “Quando eu liguei para pedir que a titularidade da conta fosse atualizada,
ela disse que eu era uma putinha. Uma putinha que morava num apartamentozinho qualquer. Você
acha que eu gostei de cortar a luz da Gal Costa? Claro que não, mas foi a saída que restou.” A
titularidade da conta de luz foi trocada.

A briga continuou, porém, quando a fornecedora de gás também cobrou a conta em nome de Cutait.
Até hoje, a artista visual tenta em vão convencer Petrillo a mudar a titularidade da conta de gás. No
dia 22 de junho passado, Cutait fez um desabafo no Instagram, expondo as faturas vencidas e
pedindo que Petrillo tome uma providência. A história foi parar na coluna de Monica Bergamo, na
Folha de S.Paulo. Os valores são irrisórios: a de maio, por exemplo, ficou em 10 reais. Dois dias
depois do desabafo de Cutaiti, Petrillo publicou no Twitter comprovante do pagamento da conta –
mas era de luz, não de gás – e escreveu: “Se o nome dessa senhora está no Serasa, certamente não é
por responsabilidade minha.” Em seguida, partiu para o ataque: “Ela vive pendurada em maridos
que certamente honram suas contas. Seu grande mérito foi ter morado em Nova York por dois anos.
Patético. Certamente como faxineira, não como artista plástica famosa.” Cutait está considerando
levar o caso à Justiça.

N
a casa de Guto Burgos, no Rio de Janeiro, há um telefone fixo para o qual apenas Nana
Caymmi costuma ligar. Ele tocou na manhã de 9 de novembro, mas a voz do outro lado era
de um sobrinho de Nana, avisando que tinha acabado de ver na tevê a notícia da morte da
Gal.

Abalado, o irmão da cantora ligou para Kati de Almeida Braga, que estava embarcando para São
Paulo a fim de acompanhar os trâmites do funeral. Burgos pediu que ela transmitisse um recado
para Petrillo: Gal havia manifestado o desejo de ser enterrada no Cemitério São João Batista, no Rio
de Janeiro, ao lado da mãe, onde comprou um jazigo perpétuo. Petrillo recebeu o recado, mas
decidiu que o corpo ficaria em São Paulo, no mausoléu da família dela, no Cemitério da Consolação.

O velório, que contou com a presença de Burgos, aconteceu na Assembleia Legislativa de São Paulo
e, na manhã do sepultamento, o nome da viúva de Gal estava em todos os cantos da internet. Em
alguns momentos no funeral, a revolta superou a tristeza dos amigos da cantora. “Cheguei lá e
parecia uma porta de camarim. Para entrar, o seu nome tinha que estar na lista”, diz o ator Ciro
Barcelos. “Me desesperei quando vi o caixão sendo fechado, sem aplausos, sem uma homenagem
digna. Tinha um clima de frieza no ar.” Barcelos puxou um grito de “Viva Gal Costa” antes que o
corpo da cantora fosse levado embora.

No dia seguinte, a internet exibia críticas à condução do velório e à falta de esclarecimentos sobre a
morte da artista. A causa nunca foi revelada porque é desconhecida. Em busca de explicações,
Petrillo ligou para a médium Halu Gamashi, que sugeriu que se fizesse a autópsia do corpo – o que
não aconteceu. No atestado de óbito constam duas razões presumidas: infarto agudo do miocárdio e
tumor maligno de cabeça e pescoço. A cantora havia se submetido em 21 de setembro a uma
cirurgia no nariz, para a retirada de um nódulo.

Petrillo pediu à Justiça o reconhecimento da união estável com Gal e a guarda do filho da artista,
Gabriel. Ela pede para ocupar a posição de inventariante do espólio. Além da casa nos Jardins,
comprada por 5 milhões de reais, o patrimônio inclui os direitos autorais da cantora. Os amigos se
preocupam com o destino desses bens que Gal deixou para Gabriel, que completou 18 anos no final
de junho e mora na casa dos Jardins.

No mausoléu onde Gal está enterrada, não há uma lápide com o nome da cantora. Alguns fãs que
visitam o local colocam fotos e dizeres sobre o túmulo de mármore. A piauí visitou o local em maio.
Além de fotografias, encontrou uma placa de madeira com as datas de nascimento e morte da
cantora e um trecho da música Recanto: Coisas sagradas permanecem,/nem o Demo as pode abalar./Espírito
é o que, enfim, resulta/de corpo, alma, feitos: cantar.

E
m 2009, o produtor cultural Cleber Lopes Pereira procurou a Baraka Produções para acertar
uma apresentação de voz e violão de Gal no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em
Brasília. O valor cobrado pelo show foi de 60 mil reais. Por telefone, ficou combinado que a
empresa de Pereira pagaria 6 mil reais um mês antes do evento, 24 mil quatro dias antes e os 30 mil
restantes na ocasião do show, dia 16 de janeiro de 2010.

No contrato enviado por Petrillo por e-mail, as regras haviam mudado: ela pedia duas parcelas
prévias de 15 mil reais e uma última de 30 mil reais. Pereira estranhou, mas aceitou as novas
condições. Um dia, a empresária ligou exigindo a primeira parcela do show antes da assinatura dos
papéis. Quando Pereira pediu o contrato assinado, ela disse: “Meu amor, você não está lidando com
qualquer cantora, estamos falando de Gal Costa. Eu não vou assinar um contrato sem depósito
prévio.”

Pereira ficou inseguro. Ele tinha 31 anos e pouca experiência no mercado, mas sabia do risco de
efetuar o pagamento sem que as formalidades contratuais estivessem estabelecidas. Ao falar com
seus dois sócios na empresa de produção cultural, eles riram do dilema: “Cleber, pelo amor de
Deus, você está lidando com Gal Costa.”

Sem dinheiro, o produtor decidiu vender o carro, um Volkswagen Fox, para pagar os 15 mil reais da
primeira parcela. Em 11 de setembro de 2009, fez o depósito na conta bancária de Petrillo. Ela, então,
começou a cobrar a segunda parcela. “Pelo e-mail, eu pedia para me enviarem o contrato, mas a
Wilma alegava que estava em turnê com a Gal e não tinha tempo para assinar”, diz Pereira. Foi
quando ele teve a primeira crise de pânico. “Eu fiquei sem saber o que fazer. Uma opção era
começar a vender os ingressos do show para arrecadar o valor da segunda parcela, mas nem isso eu
podia fazer.” A empresária havia proibido que a imagem e o nome de Gal fossem usados em
quaisquer publicidades do show, exigência que não constava no contrato.

Ele enviou quatro e-mails para Petrillo pedindo o contrato assinado. Um no dia 14 de setembro,
outro no dia 24, o terceiro no dia 5 de outubro e o último quatro dias depois. Não teve retorno. A
empresária deixou de atender seus telefonemas. Ana Cristina, a irmã de Petrillo, atendia ao telefone
do escritório e dizia que ia transmitir o recado. “Nesse ponto, eu já me sentia como se tivesse caído
num golpe de estelionato”, diz Pereira. Sem o contrato assinado, o Centro de Convenções de Brasília
cancelou a reserva.

No final de maio passado, a piauí conversou com Ana Cristina por telefone. De início, ela disse que
nunca soube de nenhum caso de show acertado por Petrillo que não tenha acontecido. “Eu
participei de longe”, disse ela. “Só tomo conta dos cachorros da casa, e olhe lá.” Depois, deu a
entender que a responsável pelos desacordos era a própria Gal Costa. “Eu acho que ela era muito
exigente. Dizia: ‘Se não for desse jeito, eu não entro [no palco].’ Não era uma santa.” Por que, então,
Petrillo, como empresária, não devolvia o cachê pago pelos contratantes? “Eu não sei”, respondeu
Ana Cristina. “Não estou no escritório, estou aqui no quintal com os cachorros. Procure uma
produtora.”

No dia seguinte, a piauí procurou Petrillo por meio do WhastApp. A mensagem, disparada às 18h32,
fazia um pedido de entrevistas. Para não surpreendê-la e permitir que chegasse à entrevista sabendo
do que se tratava, a mensagem adiantava os pontos centrais. Mencionava os pedidos de
adiantamento de cachês de shows de Gal, alguns dos quais foram parar na Justiça, terminando com
vitória dos contratantes e derrota da Baraka Produções. Citava que seus funcionários reclamavam
de assédio moral, tendo inclusive testemunhado que Petrillo ficava nua no escritório em dias de
calor. Fazia referência à denúncia de Bruno Prado, o médico de Vitória da Conquista, que registrou
boletim de ocorrência contra Petrillo por perseguição, e à denúncia de sua ex-namorada Margarida
Jacy, arquiteta em Porto Seguro, que a acusava de um golpe. A mensagem dizia, ainda, que ex-
funcionários contaram que ela abusava psicologicamente de Gal e encerrava informando que a
cantora tinha receio de ser presa nos Estados Unidos pela falta de pagamento dos impostos
decorrentes da venda do apartamento em Nova York.

Petrillo não respondeu e bloqueou o repórter. Ela voltou a ser procurada, desta vez por meio de
uma ligação por celular, no dia seguinte, 31 de maio. Outra tentativa de contato aconteceu no dia 6
de junho e, mais uma, no dia 9 de junho. Petrillo nunca atendeu. No dia 16, seu advogado, Ricardo
Kopke Salinas, mandou uma “advertência” por escrito à piauí para que não publicasse a reportagem,
sob pena de sofrer “as medidas judiciais cabíveis”. Segue a íntegra da peça assinada pelo advogado:

A sra. Wilma Petrillo, viúva da cantora Gal Costa, tem recebido diversas ligações telefônicas e, inclusive,
mensagem de WhatsApp, do repórter Thallys Braga, que alega estar a serviço da revista piauí. Nessas
mensagens, o citado repórter realiza afirmações e questionamentos sobre supostos fatos de caráter privado e
íntimo relacionados à convivência entre a sra. Wilma Petrillo e a cantora Gal Costa, sob o argumento de que
está escrevendo uma matéria jornalística para a próxima edição da revista.

Tais afirmações e questionamentos partem de premissas genéricas, sem apoio em fatos concretos, falsas, e
caluniosas, como, por exemplo, a alegação de que a sra. Wilma Petrillo cobraria adiantamentos para shows da
cantora Gal Costa e os shows não aconteceriam, dando a entender que a sra. Wilma se apropriava
indevidamente dos valores pagos; ou o de que a sra. Wilma Petrillo obrigaria pessoas da equipe de shows a
dividir espaço com ela [em] “momentos que se encontrava nua”; que a sra. Wilma chamaria a sua
companheira, Gal Costa, de “burra, velha e gorda”; que a sra. Wilma Petrillo realizava “agressões físicas e
verbais contra Gal Costa”; entre outras afirmações.

Além disso, o citado repórter tem entrado em contato com pessoas próximas à sra. Wilma Petrillo e a Gal
Costa, no Brasil e nos Estados Unidos, e feito questionamentos a tais pessoas sobre a convivência entre ambas,
bem como enviado a essas pessoas as alegações acima referidas. Ou seja, o repórter está caluniando, difamando
e injuriando a sra. Wilma Petrillo perante essas pessoas.

É evidente que tais afirmações são caluniosas, difamatórias e injuriosas, além de serem falsas e equivocadas,
desacompanhadas de qualquer comprovação.

A sra. Wilma Petrillo não é uma pessoa pública, e a cantora Gal Costa sempre fez questão de preservar a
intimidade da família, inexistindo qualquer interesse público em tais alegações, do que decorre o nítido
interesse ofensivo do repórter.

Assim, serve a presente para adverti-los de que se for publicada qualquer matéria sobre a sra. Wilma Petrillo,
nós adotaremos as medidas judiciais cabíveis para reparar a sua honra e impedir a continuidade da ofensa,
inclusive aquelas de caráter criminal contra o repórter e os responsáveis. Confiamos no bom senso e qualidade
da revista piauí para que matérias ofensivas, difamatórias e caluniosas, sem qualquer interesse público, e
unicamente destinadas a ofender, caluniar e violar a privacidade alheia não sejam publicadas.

Depois de receber a advertência do advogado, a piauí voltou, mais uma vez, a procurar Wilma
Petrillo para ouvir sua versão. Ela não respondeu.

A
ntes de mover uma ação judicial contra a Baraka Produções, Cleber Pereira adoeceu. A
empresa de eventos era o negócio em que depositava as expectativas de conseguir mudar de
vida, ele que vinha de um loteamento urbano localizado na Ceilândia, uma das cidades-
satélites mais pobres do Distrito Federal. De segunda a sexta-feira, ele se dividia como professor de
teatro entre duas escolas públicas de Brasília.

Com as contas acumulando, as crises emocionais se intensificaram. Um psiquiatra o diagnosticou


com depressão, ansiedade e princípio de pânico, e ele foi afastado do trabalho pelo INSS. “Eu sou
arrimo de família. Venho de um contexto de dificuldade financeira”, diz. “Até hoje, ver qualquer
reportagem sobre estelionato me causa angústia. É uma sensação de que te amarram e você não tem
saída.”

Em 2014, Pereira venceu na Justiça um processo contra a Baraka Produções, cujo portfólio de artistas
tinha apenas Gal. Na sentença, o juiz mandou a produtora pagar uma indenização de 15 mil reais.
Pereira achou pouco, recorreu e as partes acabaram fazendo um acordo de 35 mil reais. “O valor
original acabou sendo um pouco maior porque a ré atrasou o pagamento de algumas parcelas. Mas
conseguimos penhorar a conta bancária dela”, diz o advogado Diogo Kutianski, que trabalhou na
causa. Pereira conta que usou o dinheiro para começar outra empresa de produção cultural.
“Consegui me reestabelecer, graças a Deus, mas passei anos com a vida revirada.” Até hoje, toma os
remédios para dormir que o psiquiatra receitou em 2009. “Nunca vi o rosto da Wilma e ela mudou
completamente a minha vida”, diz, com um sorriso desajeitado. “Aposto que ela nem faz ideia do
estrago que causou.”

Thallys Braga
Repórter da piauí

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