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Escala de Psicopatia de Hare: Versão Jovens / Hare Psychopathy Checklist:


Youth Version (PCL: YV)

Chapter · December 2017

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5 authors, including:

Pedro Pechorro Ricardo Barroso


University of Coimbra Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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João Maroco Rui Vieira


ISPA Instituto Universitário University of Lisbon
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Large Scale Student Assessment (PISA, TIMSS, PIRLS) and e-Assessment View project

Processos transdiagnósticos na Regulação Emocional View project

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Escala de Psicopatia de Hare – Versão
Jovens (PCL:YV)
Pedro Pechorro, Ricardo Barroso, João Maroco, Rui Xavier Vieira e
2
Psicopatia
Rui Abrunhosa Gonçalves

2.1. Indicações

Desde há alguns anos que um número significativo de investigadores tem verificado que
os traços de personalidade psicopáticos, ainda que tradicionalmente associados à idade
adulta, são também observados em adolescentes e crianças. A Escala de Psicopatia de
Hare – Versão Jovens (Hare Psychopathy Checklist: Youth Version – PCL:YV; Forth,
Kosson, & Hare, 2003) foi especificamente construída para avaliar traços interpessoais,
comportamentais e afetivos que se encontram associados ao constructo da psicopatia
em adolescentes, rapazes ou raparigas, entre os 12 e os 18 anos de idade. Trata-se de
um instrumento útil para detetar e/ou compreender traços/padrões comportamentais
e afetivos, que frequentemente estão presentes num reduzido mas distinto subgrupo
de jovens com especificidades neurológicas, interpessoais, cognitivas e afetivas. O uso
deste instrumento poderá ser importante para o desenvolvimento de programas de pre-
venção ou intervenção precoce, com a expectativa de resultados mais positivos do que
em idades superiores, dada a maior facilidade de mudança nestes primeiros estádios de
desenvolvimento (Salekin, Worley, & Grimes, 2010). O instrumento vem descrito no
manual como possuindo quatro dimensões: Interpessoal (e.g., superficialidade, mani-
pulação), Afetiva (e.g., falta de remorsos), Comportamental (e.g., impulsividade, irres-
ponsabilidade) e Antissocial (e.g., problemas comportamentais precoces, versatilidade
criminal). Alguns estudos não têm confirmado a existência da dimensão Antissocial
(Forth et al., 2003; Salekin & Debus, 2008).
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44 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

2.2. História

A PCL:YV é um instrumento adaptado da Escala de Psicopatia de Hare – Versão Re-


vista (Hare Psychopathy Checklist-Revised – PCL-R; Hare, 1991, 2003), construído para
avaliar o constructo teórico da psicopatia em adultos. Embora a PCL-R seja considerada
o instrumento sobre psicopatia mais utilizado para o efeito e tenha considerável suporte
científico (Achenson, 2005; Lynam & Gudonis, 2005), existe um considerável grau de
incerteza em relação à sua aplicação junto de adolescentes. Dado que os adolescentes se
distinguem dos adultos em várias dimensões, é assim necessário construir um instru-
mento devidamente adaptado a estas faixas etárias. Deste modo, no processo de cons-
trução da PCL:YV (tendo como base a estrutura da PCL-R) os autores procuraram ter
em conta estas diferenças desenvolvimentais em pelo menos cinco condições (Forth et
al., 2003; Kiehl & Sinnott-Armstrong, 2013). Num primeiro plano, ao tornar as instru-
ções de cotação mais sensíveis ao modo como o comportamento normativo muda com
a idade, devem os examinadores avaliar o comportamento do adolescente tendo em
conta o comportamento normativo de grupos de pares da mesma idade e o desenvolvi-
mento normativo na adolescência. Uma segunda consideração foi o desenvolvimento
de um sistema de cotação da PCL:YV ajustado às experiências marcantes na vida dos
adolescentes, o que, comparativamente à versão para adultos, reflete e enfatiza a enorme
importância do grupo de pares, da família e da escola no seu quotidiano. Em terceiro
lugar, estas modificações refletiram-se também a nível dos itens, tendo estes sido modi-
ficados para que pudessem ser utilizados no processo de avaliação de adolescentes (e.g.,
títulos, descrições). Uma quarta adaptação foi observada no desenvolvimento de um
novo guião de entrevista, ajustado aos objetivos pretendidos para uma avaliação desta
natureza e com algumas das modificações referidas anteriormente. Finalmente, no que
diz respeito ao diagnóstico de psicopatia, dado que este poderia suscitar efeitos adversos
nos adolescentes (sobretudo em agressores mais novos), foi intencionalmente decidido
pelos autores não providenciar um ponto de corte como o que se encontra disponível
no caso dos adultos.

2.3. Fundamentação teórica

O termo “psicopatia” é usado muitas vezes de forma pouco correta. Tecnicamente, o


termo designa uma perturbação de personalidade cujos indivíduos manifestam um
conjunto específico de traços (Glenn & Raine, 2014). Os psicopatas são descritos em
termos interpessoais como grandiosos e autocentrados, evidenciando uma exagerada
autovalorização e tendendo a culpar os outros pelas suas omissões ou comportamentos
irresponsáveis. São comuns o uso frequente da mentira e a tentativa de retirar vantagens
Escala de Psicopatia de Hare – Versão Jovens (PCL:YV) 45

de outros a partir de um modo sedutor e manipulador. Do ponto de vista afetivo, ten-


dem a ser pouco sinceros e superficiais, pouco empáticos e com manifesta frieza emo-
cional, evidenciando uma quase ausência de culpa ou de remorsos quando ofendem ou
agridem outros. Em relação aos comportamentos que manifestam, são descritos como
pouco prudentes, impulsivos e destemidos, procurando a novidade e correndo riscos
irrefletidos. Um dos aspetos típicos que evidenciam é o facto de terem reduzida preo-
cupação com a eventualidade de serem punidos, de sofrerem ferimentos físicos ou de
serem alvo de sanções com repercussões sociais. Os traços psicopáticos aumentam a
probabilidade de se envolverem em comportamentos criminais e de abusarem de dro-
gas e/ou álcool, ainda que estes traços possam também ser observados na população
dita normal. Algumas investigações longitudinais têm concluído que, num grupo muito
específico de sujeitos, este constructo tende a permanecer relativamente estável na tran-
sição da adolescência para a idade adulta (Frick, Kimonis, Dandreaux, & Farrell, 2003;
Loney, Taylor, Butler, & Iacono, 2007). À semelhança dos adultos, os jovens com traços
psicopáticos tendem a envolver-se em comportamentos antissociais mais graves e mais
diversificados do que parece surgir desde idades mais precoces (Edens, Campbell, &
Weir, 2007). Desde há cerca de duas décadas que têm sido desenvolvidas medidas para
mensurar estes traços psicopáticos em jovens, entre as quais a PCL:YV, bem como, por
exemplo, o Antisocial Process Screening Device (APSD; Frick & Hare, 2001; Pechorro,
Hidalgo, Nunes, & Jiménez, 2016), o Youth Psychopathic Traits Inventory (YPI; Ander-
shed, Kerr, Stattin, & Levander, 2002; Pechorro, Andershed, Ray, Maroco, & Gonçal-
ves, 2015) e o Inventory of Callous-Unemotional Traits (ICU; Essau, Sasagawa, & Frick,
2006; Pechorro, Ray, Barroso, Maroco, & Gonçalves, 2016). O manual do instrumento
sumariza as propriedades psicométricas baseadas em 19 amostras de adolescentes (ins-
titucionalizados, em processo de reinserção social após institucionalização, e jovens da
comunidade) do Canadá, do Reino Unido e dos Estados Unidos da América (Forth et
al., 2003). A pontuação total na PCL:YV parece variar consideravelmente em função do
contexto em que é recolhido (Kiehl & Sinnott-Armstrong, 2013), sendo que as amostras
de jovens institucionalizados apresentam valores superiores comparativamente a amos-
tras clínicas ou da comunidade.

2.4. Estudos realizados em Portugal

2.4.1. Objetivos

O estudo psicométrico da PCL:YV na população portuguesa decorreu de 2011 a 2013.


Para além do estudo aqui apresentado, em 2015 foram divulgados internacionalmente
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os primeiros dados referentes à análise psicométrica do instrumento no contexto portu-


guês (Pechorro, Barroso, Maroco, Vieira, & Gonçalves, 2015). Dada a quase inexistência
46 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

de estudos prévios publicados no contexto português, o principal objetivo foi o de obter


indicadores psicométricos sobre a validade e fiabilidade da PCL:YV que possibilitasse o
uso na prática profissional clínica e forense.

2.4.2. População e amostra

A amostra foi obtida em oito centros de detenção juvenil sob tutela do Ministério da
Justiça. Concordaram em participar na investigação 192 jovens do sexo masculino com
idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos (M = 16.60, DP = 1.51). Os participantes
eram, na sua maioria, caucasianos (56%) e residiam em contexto urbano (96.1%). Os
crimes foram cometidos precocemente (M = 12.21, DP = 1.51), a maioria dos jovens foi
detida antes dos 16 anos (M = 14.52, DP = 1.11) e condenada a uma média de 19 meses
de detenção (DP = 6.2 meses). A maioria (85.8%) foi condenada por prática de crime
sério e violento (e.g., homicídio, extorsão, roubo, violação), tendo todos os casos sido
julgados em tribunal.

2.4.3. Resultados relativos à validade e precisão

Numa primeira fase do processo de estudo das propriedades psicométricas da PCL:YV


foi examinada a sua estrutura fatorial. Assim, com o uso de Análises Fatoriais Confir-
matórias (AFC), com recurso ao método de estimação Máxima Verosimilhança (Maxi-
mum Likelihood – ML), não foi encontrado ajustamento adequado quanto ao modelo
de dois fatores (Harpur, Hare, & Hakstian, 1989), ao modelo de três fatores (Cooke &
Michie, 2001) ou ao modelo (mais recente) de quatro fatores (Hare, 2003); os resultados
foram considerados medíocres a nível dos índices de ajustamento. Tal já era esperado,
dado que, devido à natureza ordinal dos itens que compõem a PCL:YV, é difícil obter
distribuições normais. Utilizando o método ML Robusto para dados com assimetrias,
foi possível obter um bom ajustamento para o modelo de três fatores, que não incluía o
quarto fator antissocial, apesar de este método não poder ser utilizado com as restantes
três estruturas devido à falta de convergência dos modelos (Tabela 2.1). A identificação
de três fatores como a melhor opção não é exclusiva da nossa investigação, já que tem
sido igualmente relatada noutros estudos internacionais (e.g., Hillege, de Ruiter, Smits,
van der Baan, & Das, 2011; Sevecke, Pukrop, Kosson, & Krischer, 2009).
Escala de Psicopatia de Hare – Versão Jovens (PCL:YV) 47

Tabela 2.1: Índices de ajustamento para os diferentes modelos da PCL:YV

S-Bχ2/df IFI CFI RMSEA [90% CI]


Dois fatores 6.36 .66 .66 .14 [.13, .15]
Três fatores 10.23 .73 .74 .19 [.17, .20]
Três fatores robusto 1.7 .92 .93 .05 [.04, .07]
Quatro fatores 5.07 .72 .72 .12 [.12, .13]
Nota. S-Bχ2 = qui-quadrado de Satorra-Bentler; IFI = Incremental Fit Index; CFI = Comparative Fit Index;
RMSEA = Root Mean Square Error of Approximation; CI = Intervalo de Confiança; ML = Máxima Ve-
rosimilhança.

Na Tabela 2.2 são apresentadas as saturações fatoriais para o modelo de três fatores
estimado com o método ML Robusto. Como se pode verificar, os itens saturaram na
estrutura de forma muito semelhante à descrita por Cooke e Michie (2001).

Tabela 2.2: Saturações fatoriais para o modelo de três fatores robusto da PCL:YV

Item Interpessoal Afetiva Comportamental


1 – Encanto superficial .82 — —
2 – Grandiosidade do valor de si próprio .62 — —
3 – Necessidade de estimulação — — .58
4 – Mentir patológico .61 — —
5 – Estilo manipulador .59 — —
6 – Ausência de remorsos ou culpa — .95 —
7 – Superficialidade afetiva — .57 —
8 – Insensibilidade/ausência de empatia — .83 —
9 – Estilo de vida parasita — — .44
10 — — —
11 — — —
12 — — —
13 – Ausência de objetivos realistas — — .82
14 – Impulsividade — — .36
15 – Irresponsabilidade — — .97
16 – Não assumir as responsabilidades — .69 —
17 — — —
18 — — —
19 — — —
20 — — —
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Nota. São descritos apenas os itens da PCL:YV com saturações > .35, devido às indicações expressas e aos
direitos de autor detidos pela Multi-Health Systems.
48 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

Numa terceira fase foram estimados os alfas de Cronbach, a média das correlações in-
teritens e a média das correlações item-total corrigidas (Tabela 2.3). É de salientar que,
relativamente a amplitude das correlações item-total, sete itens da PCL:YV total e qua-
tro itens do modelo de três fatores total apresentaram correlações abaixo de .20, mas tais
resultados são compatíveis com outros estudos feitos (e.g., Hillege et al., 2011).

Tabela 2.3: A
 lfas de Cronbach, média das correlações interitens e amplitude das correlações item-total
corrigidas da PCL:YV

α MCII ICITC
PCL:YV Total .71 .10 .01 - .57
Três fatores Total .70 .14 .04 - .57
Interpessoal .65 .31 .33 - .49
Afetiva .69 .35 .35 - .62
Comportamental .64 .26 .26 - .54
Nota. α = alfa de Cronbach; MCII = média das correlações interitem; ICITC = intervalo das correlações
item-total corrigidas.

O estudo da validade convergente da pontuação total (com todos os itens) da PCL:YV,


o modelo de três fatores e as suas dimensões com a Escala Taxonómica para Crianças
e Adolescentes (Childhood and Adolescence Taxon Scale – CATS; Harris, Rice, & Quin-
sey, 1994) e o Youth Level of Service/Case Management Inventory (YLS/CMI; Hoge &
Andrews, 2003) revelaram, com exceção da escala Interpessoal, correlações estatisti-
camente significativas. A análise da validade concorrente com o diagnóstico de Per-
turbação de Comportamento (codificada Não = 0, Sim = 1) indicou a existência de
correlações estatisticamente significativas, embora apenas moderadas, novamente com
a exceção da escala Interpessoal. A observação da validade retrospetiva com a atividade
criminal prévia (codificada Não = 0, Sim = 1) revelou a existência de apenas duas corre-
lações estatisticamente significativas, concretamente com a pontuação total da PCL:YV
e a subescala Comportamental (Tabela 2.4).
Escala de Psicopatia de Hare – Versão Jovens (PCL:YV) 49

Tabela 2.4: V
 alidade convergente da pontuação total da PCL:YV com a CATS e o YLS/CMI, validade con-
corrente com o diagnóstico de PC, validade retrospetiva com ACP

CATS (r) YLS/CMI (r) PC DSM (rpb) ACP (rpb)


PCL:YV Total .44*** .53*** .34*** .21***
Três fatores Total .39*** .45*** .27*** .11ns
Interpessoal .07ns .04ns .09ns .03ns
Afetiva .32*** .38*** .21** .06ns
Comportamental .36*** .42*** .28*** .15*
Nota. CATS = Escala Taxonómica para Crianças e Adolescentes; YLS/CMI = Youth Level of Service/Case
Management Inventory; PC DSM = diagnóstico de Perturbação de Comportamento segundo o DSM-I-
V-TR; ACP = atividade criminal prévia; r = correlação de Pearson; rpb = correlação de ponto bisserial.
*** correlação significativa ao nível .001; ** correlação significativa ao nível .01; * correlação significativa
ao nível .05; ns correlação não significativa.

As correlações entre a pontuação total da PCL:YV (o conjunto de 20 itens), o modelo de


três fatores e as suas dimensões com variáveis criminais, como a idade de início da prá-
tica de crimes, a frequência de crimes, o número de vítimas e o uso de violência física
(codificada 0 = Não, 1 = Sim), evidenciaram a existência de associações estatisticamente
significativas moderadas e baixas, com a exceção das subescalas Interpessoal e Afetiva,
que revelaram correlações não significativas (Tabela 2.5).

Tabela 2.5: C
 orrelações da pontuação total da PCL:YV com idade de início criminal, frequência de crimes,
número de vítimas e uso de violência física

IIC (r) FC (r) NV (r) UVF (rpb)


PCL:YV Total -.17** .24*** .22*** .19**
Três fatores Total -.12* .14* .15* .15*
Interpessoal -.16** .10ns .02ns .05ns
Afetiva -.07ns .08ns .10ns .17*
Comportamental -.18** .21** .18** .12*
Nota. IIC = idade de início criminal; FC = frequência de crimes; NV = número de vítimas; UVF = uso de
violência física; r = correlação de Pearson; rpb = correlação de ponto bisserial.
*** correlação significativa ao nível .001; ** correlação significativa ao nível .01; * correlação significativa
ao nível .05.; ns correlação não significativa.

Os valores obtidos pelas análises estatísticas realizadas, apesar de menos satisfatórios


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nalguns aspetos (e.g., valores de alfa de Cronbach inferiores a .70 nas dimensões, algu-
mas correlações tendencialmente baixas em variáveis criminais como a idade de início
50 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

criminal, a frequência de crimes, o número de vítimas e o uso de violência física), per-


mitem assegurar na generalidade a possibilidade de utilização da versão portuguesa da
PCL:YV. Todavia, é recomendável precaução dado pois são necessários estudos adicio-
nais.

2.5. Procedimentos de aplicação e correção

Para além da entrevista semiestruturada (construída especificamente para o efeito), a


administração da PCL:YV requer uma análise do processo individual do adolescente,
bem como de outras fontes de informação secundárias. Aconselha-se que estas últimas
análises sejam realizadas antes da referida entrevista para que o avaliador possa estar
a par de informações importantes e, assim, averigue melhor algumas questões ou se
aperceba da presença de mentira, negações, distorções ou minimizações. A entrevista
demora cerca de 90 minutos (nalguns casos é dividida em duas ou mais sessões) e a
recolha de informações colaterais entre 60 e 90 minutos (Forth et al., 2003).

A PCL:YV é constituída por 20 itens que o perito forense cota com base nas informa-
ções recolhidas numa entrevista semiestruturada (elaborada para o efeito) e que poderá
ser complementada pelos elementos que possam constar nos ficheiros e processos judi-
ciais do jovem avaliado. Cada item é cotado numa escala de três pontos (0 = item não
se aplica, 1 = item aplica-se de algum modo e 2 = item aplica-se totalmente) em função
do grau de aplicação às características do adolescente avaliado e da respetiva inferência
feita pelo avaliador com base nas informações recolhidas.

2.6. Interpretação dos resultados

Tal como a PCL-R, a PCL:YV possui uma pontuação total (com um máximo de 40
pontos), bem como a possibilidade de obtenção de pontuações para cada um dos três
fatores identificados no nosso estudo. No entanto, tal como foi referido anteriormente,
os autores optaram, contrariamente ao que acontece com adultos, por não facultar um
ponto de corte para o diagnóstico da psicopatia.

A PCL:YV poderá ser utilizada em contextos clínicos, forenses ou de investigação, desde


que o avaliador possua qualificações e treino apropriado para o efeito. As qualificações e
o treino requeridos são essencialmente os mesmos que para a PCL-R. No entanto, é fun-
damental que os profissionais que utilizem a PCL:YV tenham conhecimentos sobre de-
senvolvimento normativo de adolescentes para que a cotação dos itens seja realizada de
forma adequada (Forth et al., 2003). Um ponto importante, e que é salientado por vários
Escala de Psicopatia de Hare – Versão Jovens (PCL:YV) 51

clínicos e investigadores (Kiehl & Sinnott-Armstrong, 2013), prende-se com as even-


tuais consequências negativas da avaliação da psicopatia em adolescentes, sobretudo
nos contextos clínico e forense. Deste modo, Forth et al. (2003) referem que é essencial
que a PCL:YV não seja o único instrumento usado para formular recomendações sobre
o adolescente no que diz respeito à sua saúde mental e/ou para o sistema de justiça
e reinserção. Subsistem, assim, sérias preocupações sobre os efeitos danosos que uma
utilização incorreta da PCL:YV (assim como de outros instrumentos de avaliação de
traços psicopáticos) poderá implicar, em particular no que se relaciona com a eventual
rotulação e estigmatização do jovem ou uma possível restrição do acesso a tratamento
psicológico ou psiquiátrico (Forth et al., 2003). A este respeito, Hare (1998), no âmbito
da aplicação da PCL-R, descreveu exaustivamente algumas dessas consequências. Um
dos exemplos indicados pelo autor prende-se com o facto de, tendencialmente, os sis-
temas judiciais, após saberem do diagnóstico de psicopatia, atribuírem mecanicamente
maior risco de reincidência ou, então, entenderem como inútil a entrada em qualquer
processo de intervenção psiquiátrica ou psicológica, dado o conhecimento pouco ri-
goroso sobre a cronicidade do diagnóstico. Consequentemente, Forth et al. (2003) são
claros ao afirmarem que os resultados deverão ser observados considerando o objetivo
pretendido com a avaliação.

A PCL:YV providencia aos peritos e investigadores uma medida válida de psicopatia


em adolescentes, devendo o seu uso contribuir para o aumento do conhecimento cien-
tífico sobre os processos e mecanismos que confluem no desenvolvimento da psico-
patia. Do ponto de vista da prática profissional, ainda que seja possível avaliar traços
psicopáticos numa variedade de contextos, a utilidade dessa avaliação será duvidosa se
não existir relevância explicativa ou preditiva. O profissional clínico ou o perito forense
que decida usar a PCL:YV deverão justificar as suas aplicação, relevância e implicações.
Neste sentido, é essencial que o profissional possua a experiência necessária para uma
avaliação desta natureza e esteja atualizado em relação à literatura científica relacionada
com o constructo da psicopatia, o desenvolvimento na adolescência e a psicopatologia
do desenvolvimento.

2.7. Avaliação crítica

A PCL:YV é um dos instrumentos com maior potencial de avaliação de traços psico-


páticos em adolescentes (servindo até, na maior parte das vezes, como instrumento
comparativo a todas as outras medidas). O seu uso é comummente considerado pelos
profissionais como útil e relevante. Para além disso, genericamente, as pontuações da
© PACTOR

PCL:YV possuem robustez psicométrica adequada. A este nível, o estudo aqui apre-
sentado permite assegurar algum suporte a nível da fiabilidade e validade da versão
52 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

portuguesa da PCL:YV. No entanto, é necessário continuar a investigar as propriedades


psicométricas deste instrumento em novos estudos para se analisar a consistência dos
dados. Os instrumentos da família PCL têm sido tratados de forma muito particular no
que diz respeito à sua análise psicométrica, o que tem sido atribuído ao facto de a psi-
copatia ser um constructo algo abstrato e difícil de capturar. Forth et al. (2003) alertam
para o facto de não haver dados empíricos consistentes que demonstrem que o modelo
de quatro fatores da PCL:YV é mais adequado do que o modelo de três fatores. Acresce
ainda a crítica de haver um problema sério de tautologia ao utilizar-se o quarto fator,
Antissocial, como marcador diagnóstico: se o comportamento antissocial indica a pre-
sença de psicopatia, logo, a psicopatia irá prever necessariamente o comportamento an-
tissocial – o que denota um raciocínio circular (Andrade, 2008). É importante frisar que
o uso da PCL:YV em raparigas não tem obtido consistência empírica (Odgers, Moretti,
& Reppucci, 2005; Vincent, Odgers, McCormick, & Corrado, 2008), pelo que se reco-
menda cuidado especial na interpretação dos resultados com esta população. Alguns
autores têm afirmado que o diagnóstico de psicopatia em adolescentes poderá ter sérias
consequências clínicas e legais neste grupo (Vincent et al., 2008), em especial no risco
de uso indevido para suportar decisões judiciais mais gravosas. Os peritos forenses de-
verão estar conscientes do risco desta tendência e assegurar a melhor utilização possível
deste instrumento, tanto em termos de aplicação como de interpretação.

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Material

A PCL:YV é um instrumento do tipo rating scale constituído por 20 itens. O instru-


mento PCL:YV aqui investigado corresponde à versão experimental estudada em
Portugal. Para informações adicionais, contactar o primeiro autor deste capítulo (ver
abaixo). O material original inclui manual técnico, folha de registo de resposta a itens e
guião de entrevista.

Edição e distribuição

Este instrumento encontra-se protegido por direitos de autor, podendo ser adquirido
junto da Multi-Health Systems (https://ecom.mhs.com).

Contacto com os autores

Pedro Pechorro – Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria (PsyAssess-


mentLab), Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra,
Rua do Colégio Novo, 3000-115 Coimbra. Escola de Psicologia, Universidade do Minho.
Campus de Gualtar, 4710-057 Braga. Endereço eletrónico: ppechorro@gmail.com.

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