popular: contribuições para formação docente. – Chapecó: Livrologia, 2022 A análise das cartas utilizou-se do recurso metodológico de análise p.61 documental. Em conformidade com Cellard (2008, p. 296), documento é “tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de testemunho, é considerado como documento ou fonte”. Os documentos podem ser dos mais variados tipos (escritos ou não), incluindo jornais, diários, cartas, gravações, fotografias, filmes, mapas, etc. (GIL, 2008). Em nosso caso, utilizamos cartas (correspondências) de um intelectual brasileiro, da Educação Popular, o educador Carlos Rodrigues Brandão. Segundo Lüdke e André (1986), a partir da análise documental, p. 61 conseguimos estudar e analisar documentos buscando identificar informações acerca de um determinado tema e de questões problematizadoras. Assim sendo, a análise foi constituída pela escolha do recorte temporal, da garimpagem documental e exame do material. Foram criadas tabelas com dados referentes às cartas (emissor, destinatário, data, local e assunto). A interpretação dos resultados é qualitativa, escolhendo não somente a codificação e a quantidade da presença dos termos (Educação Popular e da EJA) nas cartas. Utilizamos, também, o contexto das cartas (quem escrevia, período da escrita, local, temática, etc.). A categorização é advinda do texto e contexto das correspondências. O tratamento dos resultados (a interpretação crítica) deu-se com base nos referenciais freirianos, articulando os documentos e suas relações. Bardin (1979) nos coloca como desafio desvendar o conteúdo latente (explícito e implícito) que os documentos possuem. A análise documental, por meio da análise de conteúdo partiu da seguinte p.62 questão: Qual a presença da Educação Popular e da EJA nas cartas de Carlos Rodrigues Brandão escritas entre os anos de 1981 e 1995? O conjunto de documentos, composto por 257 cartas, foram o material empírico. Destas cartas, 81 trataram da Educação Popular e 12 da EJA, com termos explícitos (palavras-chave). Outras tratam do tema sem utilizar essas expressões, mas com palavras aproximadas, como: alfabetização popular, trabalho popular, aprender com o povo, trabalho sério com pesquisa, pesquisa com camponeses, Nicarágua: o analfabetismo será totalmente erradicado, etc. A Educação de Jovens e Adultos nas cartas representa projetos concretos de alfabetização e de trabalhos realizados no Brasil e em outros países latino-americanos, como em Nicarágua, estritamente relacionados à Educação Popular e movimentos populares. Um exemplo consta neste trecho: “Durante estes dois dias estive muito comprometido com participar de um trabalho dentro e fora da universidade, de discutir movimentos populares e educação popular” (Carta escrita por Brandão, em 1981). Outra, escrita no mesmo ano, versa sobre o que é o método Paulo Freire, incluindo nomes e instituições conhecidos entre nós, como: Movimento de Cultura Popular e Movimento de Educação de Base, e equipe de Paulo Freire nos anos de 1960: Jarbas Maciel e Jomar Muniz de Brito, além de Aurenice Cardoso. A Educação de Jovens e Adultos nas cartas representa projetos p.62 concretos de alfabetização e de trabalhos realizados no Brasil e em outros países latino-americanos, como em Nicarágua, estritamente relacionados à Educação Popular e movimentos populares [...]Muitas das cartas trocadas com Carlos Rodrigues Brandão são oriundas de companheiros que trabalhavam no Conselho de Educação de Adultos da América Latina.[...] Nesses documentos, há trocas de cartas entre Paulo Freire e Brandão, os quais falaram da Educação Popular e de pesquisas participantes. Muitas cartas tratam do trabalho político na e com a Educação popular, como a educação com camponeses. Essa breve representação da presença da Educação Popular nas cartas de p.64 Brandão comprova que Educação Popular não é apenas concebida como experiência pontual de Educação de Jovens e Adultos (PAULO, 2018), é, no entanto, uma concepção teórico-prática de projeto de sociedade, de compreensão de sujeito histórico-político emancipado. A pesquisa demonstrou a potência do trabalho com cartas, principalmente com documentos inéditos sobre a história da educação, em especial da Educação Popular e da Educação de Jovens e Adultos. Identificamos e confirmamos que a Educação Popular é um tema que marcou e permanece marcando a trajetória de Carlos Rodrigues Brandão.[...] O trabalho com cartas visa contribuir com a Sistematização das Experiências de Educação Popular até então invisibilizadas (PAULO, 2018). A partilha dessas pode vir a contribuir para o aprofundamento do tema e da continuidade da história da Educação Popular a partir de pesquisas documentais. Igualmente, as Cartas de Brandão se constituem em territórios de resistência em que a Educação Popular e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) representaram um movimento de resistência emancipatória de setores progressistas da sociedade. A escola socialmente justa precisa ser construída sob as bases de um 132 projeto de educação emancipadora, o que requer pesquisas participativas e instrumentos metodológicos coerentes com a Educação Popular: Círculos de Cultura, Cartas Pedagógicas, Roda de Conversas, Sistematização de Experiências, Complexo Temático, Temas Geradores, etc. A partir dos estudos de Paulo (2018), referenciada pela Educação Popular 133 freiriana, é possível utilizar Cartas Pedagógicas como instrumento metodológico de pesquisas participativas (pesquisar com e a partir de cartas) e como instrumento de avaliação participativa, além de Cartas Pedagógicas como prática de ensino e aprendizagem. Acreditamos que o uso de Cartas Pedagógicas com estudantes da EJA é potente, principalmente porque ela possibilita, reflexão teórico-prática, partilha e recuperação de experiência. Também, potente no trabalho de educadores da EJA. O uso de Cartas Pedagógicas contribui para a dimensão epistemológica, 134 política e sociológica dos aspectos metodológicos da EJA. Para conhecer mais sobre características de uma Carta Pedagógica sugiro o livro “Cartas pedagógicas: tópicos epistêmico-metodológicos na Educação Popular” (PAULO; DICKMANN, 2021), nele tem um artigo de Ivânio Dickmann, entre outros que colaboram nesse instrumento ético- -político metodológico. Outro livro, clássico, para quem estuda Cartas Pedagógicas é de Isabela Camini (2012).Também o artigo “Cartas Pedagógicas - aprendizados de uma vida” (CAMINI, 2021). Sobre recuperar experiências, a partir de Cartas Pedagógicas como 134 instrumento metodológico, há uma metodologia que venho utilizando que é a “Sistematização de Experiências” de Oscar Jara. Para este educador: Sistematizar permite, assim, diferenciar os elementos constantes dos ocasionais; os que ficaram sem continuidade no trajeto, os que incidiram em novas pistas e linhas de trabalho, os que expressam vazios que apareceram muitas vezes. Assim, permite determinar os momentos de aparecimento, de consolidação, de desenvolvimento, de ruptura, etc., dentro do processo e como os diferentes fatores comportaram-se em cada um deles. Nesse sentido, a sistematização possibilita entender a lógica das relações e contradições entre os diferentes elementos, localizando coerências e incoerências: por exemplo, entre a dinâmica do processo particular que realizamos e os desafios que a dinâmica social geral havia colocado para nossas práticas. (JARA, 2006, p. 30). Para conhecer um trabalho realizado com estudantes jovens e adultos, no p.134 contexto não escolar, a partir de Cartas Pedagógicas e Sistematização de Experiências, socializo a dissertação de Caroline Brunoni (2019). Para o contexto de EJA escolar, sugiro a tese de Borges (2019, p.7), onde ela diz o “Chá de Cartas surge no chão da escola, como atividade em sala de aula, na disciplina de Arte, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), em uma escola rural. [...]. Chá de Cartas – Memórias dos Sujeitos da EJA em Cena. [...] essa pesquisa parte do reconhecimento da história de vida de cada um dos sujeitos-autores e do seu consequente empoderamento”. Freitas (2021) escreve um artigo que aborda o tema “Fazer aula com Cartas Pedagógicas”. Para a professora: “Fazer a aula com Cartas Pedagógicas é uma proposição metodológica que resulta do conhecimento e reinvenção do legado de Paulo Freire”. (FREITAS, 2021, p.9).