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REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO BÁSICA – RBEB

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FORMAÇÃO DE EDUCADORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL COMUNITÁRIA:


REFLEXÕES FREIRIANAS
Fernanda dos Santos Paulo
Militante da AEPPA/MEP e FEJARS. Professora do PPGEd UNOESC
fernanda.paulo@unoesc.edu.br

Gisiane Schneider Ferreira


Militante da AEPPA. Psicopedagogia Clínica e Institucional (PUCRS)
Arteterapeuta e Coordenadora pedagógica na Educação Infantil Comunitária.
gisiane.schneider@gmail.com

RESUMO
O artigo versa sobre os processos formativos de educadoras da Educação Infantil Comunitária
a partir da Associação dos Educadores Populares de Porto Alegre (AEPPA). Analisamos o
potencial de experiências de Educação Popular como paradigma de resistência; um dos
autores referência é Paulo Freire. Utilizamos a Sistematização de Experiências como
metodologia, recuperando referenciais teóricos da AEPPA, acompanhada de nossas
experiências como educadoras populares. Reforçamos a importância dos Movimentos de
Educação Popular em prol da educação pública, gratuita e de qualidade social. Frisamos a
necessidade de política pública de formação docente correlacionada à valorização
profissional, indicando os processos de formação ético-política como possibilidades de
resistência aos modelos de educação neoliberal.

Palavras-chave: Educação Popular. Movimento Social Popular. Educação Infantil


Comunitária. Formação docente.

FORMACIÓN DE EDUCADORAS DE LA EDUCACIÓN INICIAL COMUNITARIA:


REFLEXIONES FREIRIANAS
Fernanda dos Santos Paulo
Militante de la AEPPA/MEP y FEJARS. Profesora del PPGEd UNOESC
fernanda.paulo@unoesc.edu.br

Gisiane Schneider Ferreira


Militante de la AEPPA. Psicopedagogía Clínica e Institucional (PUCRS)
Arteterapeuta y Coordinadora pedagógica en la Educación Inicial Comunitaria.
gisiane.schneider@gmail.com

RESUMEN
El artículo trata de los procesos formativos de educadoras de la Educación Inicial Comunitaria
a partir de la Asociación de los Educadores Populares de Porto Alegre (AEPPA). Analizamos
el potencial de experiencias de Educación Popular como paradigma de resistencia; uno de los
autores referencia es Paulo Freire. Utilizamos la Sistematización de Experiencias como

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metodología, recuperando referenciales teóricos de la AEPPA, acompañada de nuestras


experiencias como educadoras populares. Reforzamos la importancia de los Movimientos de
Educación Popular a favor de la educación pública, gratuita y de calidad social. Insistimos en
la necesidad de políticas públicas de formación docente correlacionadas a la valorización
profesional, indicando los procesos de formación ético-política como posibilidades de
resistencia a los modelos de educación neoliberal.

Palabras-clave: Educación Popular. Movimiento Social Popular. Educación Inicial Comunitaria.


Formación docente.

Palavras iniciais
O ano de 2021 é marcado por importantes temas da Educação Popular, dentre
eles o centenário de nascimento do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997). São
inúmeras e diversas atividades sendo realizadas no Brasil e no exterior, todas visando
mobilizar educadores e educadoras na luta em prol da educação pública, gratuita,
popular, democrática e de qualidade social. Por conta do cenário de crise sanitária
em virtude da pandemia de Covid-19, as atividades comemorativas ao centenário
estão sendo realizadas de forma virtual. Sobre a relevância da vida e obra de Freire,
dispensamos comentários, pois ele é um dos educadores, da pedagogia crítica, mais
referenciado nas universidades do mundo. Na área da educação, tem uma longa e
forte influência na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Além disso, é um
autor que, mesmo após sua morte, segue sendo perseguido, por conta de suas
propostas pedagógicas, políticas, epistemológicas e metodológicas. Nos últimos
anos, o pensamento freiriano sofreu ataques de projetos e movimentos denominados
como “Escola sem Partido” e “Ideologia de gênero” (MENDONÇA, 2020). Agora, com
os projetos de homeschooling/educação domiciliar e militarização das escolas
públicas (SANTOS, 2020), os quais significam o avanço das políticas conservadoras
na educação, vimos novamente Freire sendo alvo de grupos de intelectuais
conservadores e neoliberais.
Sendo assim, em nosso caso, Paulo Freire é o autor base deste texto e das
nossas militâncias. Diante disso, nosso objetivo é apresentar o contexto e reflexões
acerca do processo formativo de educadoras e educadores da Educação Infantil
Comunitária da cidade de Porto Alegre (RS), a partir de um Movimento de Educação
Popular. A metodologia adotada é qualitativa (DEMO, 1989), através da
Sistematização de Experiências, de Oscar Jara (2006), cuja proposta metodológica
compõe cinco tempos, a saber:1) O ponto de partida: ter participado da experiência
e possuir registro dela; 2) As perguntas iniciais: questões problematizadoras; 3)

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Recuperação do processo vivido: reconstruir a história e organizar a informação; 4)


A reflexão de fundo: analisar, sintetizar e interpretar criticamente o processo; e, 5)
Os pontos de chegada: formular conclusões e socializações. Diante do exposto, o
artigo apresenta seções associadas a esses tempos.

Contextualizando o Movimento de Educação Popular e as nossas lutas


Iniciamos esta seção, com base no tempo 2 (As perguntas iniciais), da
sistematização pensada por Oscar Jara (1996), nos questionando: quais as nossas
resistências, a partir de Paulo Freire, no processo de formação de educadoras da
Educação Infantil comunitária de Porto Alegre?Para tanto, traçamos uma interface
entre os tempos 1 (Ponto de partida) e 3 (Recuperação do processo vivido) para
contextualizar o nosso lugar de fala e atuação.
A Associação dos Educadores Populares de Porto Alegre (AEPPA) é oriunda
do Movimento de Educação Popular que nasceu na década de 1990,
institucionalizando-se em 2000, devido à demanda pela luta em prol da formação de
educadoras da Educação Infantil, da Educação de Jovens e Adultos e de educadores
sociais (políticas da Assistência Social). Ao constituir-se como associação, firmou
várias parcerias, na perspectiva de Movimento Social Popular, com universidades,
para a formação inicial e continuada de docentes que atuam em instituições
comunitárias (hoje conhecidas como Organizações Sociais). Ademais, a AEPPA
realiza encontros formativos, por eixos temáticos (PAULO, 2013; 2019) e em
conformidade com as necessidades das trabalhadoras e trabalhadores das
instituições comunitárias de Porto Alegre, atualmente são mais de mil neste contexto.
Outras educadoras e educadores militam na AEPPA, totalizando aproximadamente
em 4 mil integrantes.
Desde o ano de 2012, existe um grupo de estudos e pesquisas da AEPPA,
denominado como Paulo Freire e Educação Popular. Nesse grupo, participam
trabalhadores e trabalhadoras da educação escolar e da educação não escolar. Antes
de sua constituição, havia estudos sobre Educação Popular em relação a temas
demandados pelos associados, divididos em núcleos temáticos. Alguns dos núcleos
eram: Núcleo de estudantes da graduação (IPA, PUC, SEVIGNÉ), Núcleo Educação
Infantil, Núcleo Anos Iniciais, Núcleo do MOVA, Núcleo da Capoeira e
Música, Núcleo de Educadores Sociais, Núcleo da Pós, entre outros (FLORES, 2007;
FERREIRA, 2010; PAULO, 2010; 2013). Apresentaremos uma mostra das conquistas

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relacionadas à luta através da AEPPA, em muitas das quais fizemos parte (JARA,
2006):
Quadro1 – Recuperação das trajetórias formativas da AEPPA
O que conquistamos? Quando? Onde?
Organização do Curso Normal/ 1998 Orçamento Participativo,
Magistério, “direcionado para nós organização das educadoras
educadores populares, [...] Curso populares a partir da
com 03 eixos norteadores: a Microrregião V (Glória, Cruzeiro
Educação Popular, a e Cristal) e da cidade de POA.
Interdisciplinaridade e a Avaliação
Emancipatória” (FERREIRA, 2010, p.
14).
O projeto do Curso Normal/Magistério 2000 Orçamento Participativo (OP),
com base na Educação Popular foi aprovado pelo Conselho
aprovado. Municipal de Educação de POA
(CME) e SMED.
80 educadores/as populares 2001 Escola Municipal Emílio Meyer,
iniciaram sua formação no Curso no Curso Normal.
Normal/Magistério com base na
Educação Popular.
Curso Normal/Magistério com base 1999 - 2000 Escola Municipal Liberato
na Educação Popular. Salzano Vieira da Cunha
Curso de Pedagogia de 2002 Universidade Estadual do Rio
Educação Popular na UERGS - 150 Grande do Sul.
educadores/as iniciaram a
graduação.
Convênio entre IPA (Instituto 2005 Centro Universitário Metodista -
Metodista) e AEPPA para bolsas de IPA
graduação. No curso de Pedagogia,
foram inseridos os componentes
curriculares: Educação Popular e
educação em contexto não escolar.
Parceria com PUCRS e 2006 Pontifícia Universidade Católica
Ministério da Educação e Cultura - do Rio Grande do Sul
MEC, encaminhando 126
educadores/as em umcursoelaborado
com e para eles/elas: Pedagogia com
ênfase em Educação Popular.
Demanda de especialização para 2007 Na AEPPA, a partir do núcleo
educadores e educadoras populares. da Pós. Reuniões no CME,
ASAFON, pela Comissão da
Primeira Turma de Formados
em Pedagogia em Educação
Popular da
UERGS; associados da AEPPA
e a Comissão de Educação da
Câmara de Vereadores de
POA.

Curso de Pós-graduação em 2008 Instituto de Desenvolvimento


Educação Popular e Gestão em SocialBravaGente,
Movimentos Sociais. Assinado o ATEMPA (Associação dos
convênio entre AEPPA, Instituto de Trabalhadores em Educação do

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Desenvolvimento Social Brava Gente Município de PortoAlegre) e


e ATEMPA (Associação dos Instituto Superior de Educação
Trabalhadores em Educação do Ivoti.
Município de Porto Alegre), 40
educadores iniciam suas formações.
Cursos de extensão para educadores 2010 Instituto de Desenvolvimento
sociais, com bolsas para AEPPA. Social Brava Gente.
Formações temáticas (mensais) com 2011-2012 AEPPA
certificação.
Criação do Grupo de Estudos e 2012 AEPPA, com apoio do Instituto
Pesquisa: Paulo Freire e Educação de Desenvolvimento Social
Popular Brava Gente.
Cursos para educadores sociais na 2016 AEPPA, com apoio do Instituto
perspectiva da Educação Popular; de Desenvolvimento Social
gratuito. Brava Gente.
Cursos para educadores sociais e 2017 AEPPA, com o Instituto Federal
educadores populares sobre do Rio Grande do Sul – campus
Educação Popular. Restinga.
Cursos para educadores sociais na 2018 AEPPA, junto com a
perspectiva da Educação Popular. Faced/Universidade Federal o
Rio Grande do Sul.
AEPPA demanda para 2018 Realização do curso.
UFRGS/FACED curso para
educadoras da Educação Infantil
Comunitária de Porto Alegre
Cursos para educadores sociais, na 2018- 2020 AEPPA, em parceria com
perspectiva da Educação Popular outras instituições (CEAAL,
Brava Gente, MEP, CAMP,
etc.).
AEPPA demanda para 2019 Realização do curso previsto
UFRGS/FACED curso para para 2022.
coordenadoras pedagógicas da
Educação Infantil Comunitária de
Porto Alegre
Cursos, na modalidade virtual, para 2020-2021 AEPPA, em parceria com
educadores sociais na perspectiva da outras instituições.
Educação Popular.
Fonte: Paulo (2010, 2013), Ferreira (2010).
Sistematização das autoras.

O quadro “Recuperação das trajetórias formativas da AEPPA” apresenta uma


mostra do que vem sendo desenvolvido pelo Movimento de Educação Popular. Acerca
da Educação Infantil, no ano de 2019, a AEPPA demandou para a Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) um curso de
formação para as coordenadoras pedagógicas, cujo tema terá fundamentação teórico-
prática com a pedagogia freiriana, a ser realizado em 2022.
É interessante rememorar que o início do regime de conveniamento em Porto
Alegre-RS data da década de 1990, mediante assinatura de Termo de Conveniamento
firmado entre o Estado (Leia-se município) e os movimentos comunitários (FLORES,

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2007), (PAULO, 2013) e (SUSIN, 2005; 2009). A trajetória da Educação Infantil


Comunitária pode ser localizada em pesquisas realizadas no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFRGS, como as de Susin (2005, 2009), Flores (2007),
Paulo (2013) e Prunier (2018), as quais colaboram para contextualizar politicamente
esse cenário, pouco conhecido na história da educação brasileira e gaúcha. Para
visualização do panorama de trabalho das educadoras da Educação Infantil
Comunitária, apresentamos um quadro demonstrativo.
Quadro 2 – dados da educação infantil parceirizada
ANO 201 2018 2019 2020 2021
7
Nº de instituições 198 231 227 209 211
Nº de alunos 8.32 10.17 10.31 xxxx xxxx
2 1 8
Nº de Dirigentes 198 231 227 209 211
Nº de 198 231 227 209 211
coordenadoras
FONTE: AEPPA, 2021- com colaboração do CME e do Fórum Municipal da Criança e do
Adolescente.

Como pode ser observado, em 2021, há 211 Instituições de Educação Infantil


parceirizadas com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre – RS, o que representa um
quadro de aumento significativo da política de conveniamento desde 1993 e 1994
(FLORES, 2007, PAULO, 2013 e SUSIN, 2009) – levando-se em consideração o
número de instituições de Educação Infantil pública estatal. Referente aos
professores, em 2020, registrou-se mais de 1.100 educadoras atuando nas Escolas
Comunitárias, segundo dados da AEPPA, as quais, em sua maioria, não têm formação
acadêmica (PAULO, 2013; PRUNIER, 2018). As matrículas das crianças das Escolas
Comunitárias são contabilizadas como matrícula municipal, embora essas
instituiçõessejam caracterizadas como privadas, segundo a LDBEN, de 1996, em seu
Art. 20. A Educação Infantil Conveniada ocorre via parcerias público-privadas por meio
de Regime de Colaboração. As Organizações da Sociedade Civil (Instituições de
Educação Infantil comunitária), ao assinarem o Termo de Colaboração celebrado
entre Secretaria Municipal de Educação e Instituição, devem oferecer gratuitamente o
atendimento educacional a todas as crianças devidamente matriculadas. O
atendimento educacional ofertado nessas instituições é de tempo integral, ao longo
de cinco (5) dias por semana. Para a universalização da pré-escola e a ampliação
progressiva de creches, a cidade de Porto Alegre tem cada vez mais um número
crescente de instituições parceirizadas, sobretudo para as crianças das periferias.

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Obairro Restinga é a região com maior número de Escolas de Educação Infantil


Comunitária; depois vem a Lomba do Pinheiro, com o maior número de instituições
conveniadas, bairro com mais de 70 mil habitantes (PRUNIER, 2018). Nós duas,
autoras desse artigo e militantes da AEPPA, somos moradoras do bairro Lomba do
Pinheiro, zona leste da capital gaúcha.

As reflexões de fundo: os fundamentos teóricos das nossas resistências


Para Oscar Jara, “a sistematização é aquela interpretação crítica de uma ou
várias experiências, que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou
explicita a lógica do processo vivido” (2006, p. 24). Desse modo, as reflexões são
advindas de parte da reconstrução da nossa experiência como militantes da AEPPA,
isto é, somos pesquisadoras com participação na pesquisa de Educação Popular, que
pensamos e refletimos a nossa prática educativa (PAULO, 2013; BRANDÃO, 1984).
Diante das reflexões oriundas das nossas experiências, pontuamos alguns conceitos
e categorias de Paulo Freire que contribuem para a nossa análise e estudos
posteriores. Os pontos a serem destacados são:
1. Movimento Popular e Educação Popular enquanto resistência: Para Paulo
Freire (1993, p. 62), a “Educação Popular e mudança social andam juntas. Essa
educação [...] transforma as pessoas, que são educadas em uma sociedade em
transformação. [...]. A Educação Popular buscava compreender bem juntos: o mundo
do trabalho e o mundo [...].” À luz de Paulo Freire, a AEPPA é um espaço de luta em
prol da formação crítica-transformadora, a qual busca que as educadoras e
educadores da Educação Infantil, a partir da Educação Popular, não aceitem a
precarização das relações de trabalho e educação.
2. Formação ético-política: Observamos que as lutas da AEPPA, junto com as
educadoras e educadores da Educação Infantil, visa formação, reconhecimento e
valorização profissional, ao lado da defesa da dignidade humana, contra toda forma
de opressão, discriminação, autoritarismo e alienação. Em consonância com Paulo
Freire, cabe salientar que a formação técnica/profissional caminha com os princípios
da formação humana integral, isto é: “A necessária promoção da ingenuidade à
criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética
ao lado sempre da estética.” (1996, p. 32).
3. Trabalho-educação necrófilo: o contexto de precarização do trabalho das
educadoras e educadores da Educação Infantil das instituições comunitárias é

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analisado por Paulo (2013) e Prunier (2018), podendo ser associado ao conceito de
desumanização de Paulo Freire. A AEPPA via Educação Popular, tem o “sonho pela
humanização, cuja concretização é sempre processo, e sempre devir, passa pela
ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social, ideológica,
que nos estão condenando à desumanização” (FREIRE, 1992, p. 99). Para tanto, os
processos de formação político-pedagógicos, pela AEPPA, necessitam permanecer,
abrangendo diferentes contextos educativos.
4. Luta pedagógica e esperança: Os Movimentos de Educação Popular resistem
porque lutam esperançosos por um outro mundo possível (humanizado). Ou seja,
“enquanto necessidade ontológica, a esperança precisa da prática para tornar-se
concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco
se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã.” (FREIRE,
1992, p. 10).

Os pontos de chegada
Ao recuperarmos parte das experiências histórico-conceituais dos processos
formativos de educadoras da Educação Infantil Comunitária da AEPPA, apontamos o
limite das ações do Movimento de Educação Popular – o qual é a luta contra o
processo de parceirzação dessa etapa da educação. O modelo atual converge com o
neoliberalismo, o que precariza as relações de oferta, execução e elaboração de
políticas de formação e valorização de educadoras que não estão vinculadas à rede
pública de educação, e nem mesmo à privada (PAULO, 2013). Essas educadoras
estão na terceira-via, o que chamam de parceria público-privada, via convênio com
associações de moradores, sobretudo. A AEPPA, contrária a todo tipo de
precarização dos modos de viver, vem construindo ações de resistência, a partir de
Paulo Freire e da Educação Popular, mediante processo de formação de educadoras,
seja em colaboração com universidades, Institutos Federais ou através do próprio
Movimento de Educação Popular . Ao analisarmos o potencial dessas experiências
de educação popular, reiteramos o paradigma de resistência contra a educação
bancária, conservadora e neoliberal.
A Sistematização de Experiências, como metodologia, contribui para a
recuperação da trajetória de fundamentação teórica e prática da AEPPA, e, quando
acompanhada de nossas experiências como militantes e educadoras populares, nos
permite observar que nos encaminhamos para uma melhor e maior visibilidade quanto

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aos nossos trabalhos educativos. Mediante o estudo da nossa prática, inspiradas na


Educação Popular, reforçamos a importância dos Movimentos de Educação Popular
em prol da educação pública, gratuita e de qualidade social. É imperativa a construção
de políticas públicas de formação docente, correlacionada à valorização profissional,
afastando-se das tendências ditas alternativas de oferta da Educação Infantil, cuja
base política é a precarização das relações de trabalho e educação. Indicamos os
processos de formação ético-política como desafios e possibilidades de ação efetivas,
que se iniciam por transformações político-pedagógicas territoriais e que visam se
espraiar no contexto macro.

Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pensar a prática. Escritos de viagem e estudos


sobre a educação. São Paulo: Loyola, 1984.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece


as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 2. ed. São Paulo:


Atlas, 1989.

FERREIRA, Tamar Gomes de Oliveira. A Associação de Educadores Populares


de Porto Alegre e a formação para e na cidadania: O Educador Popular em
discussão.Trabalho de conclusão do curso de Pedagogia. Porto Alegre:
FAE/SÉVIGNÉ, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do


oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e prática em Educação


Popular. Petrópolis: Vozes, 1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática


educativa. São
Paulo: Paz e Terra. 1996.

JARA, Holliday, Oscar Jara. Para sistematizar experiências. Brasília: MMA, 2006.

MENDONÇA, Amanda de. “Professor doutrinador”, homeschooling e “ideologia de


gênero”: a tríade que ameaça a educação brasileira. Escritas: Revista do Curso de
História. Vol. 12, n. 2,) p. 33-51,2020.

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SANTOS, Graziella S. dos. O avanço das políticas conservadoras e o processo de


militarização da educação.Práxis Educativa, v. 15, e2015348, p. 1-19, 2020.

FLORES, Maria Luiza Rodrigues. Movimento e complexidade na garantia do


direito à educação infantil: um estudo sobre políticas públicas em Porto Alegre
(1989-2004). Porto Alegre: UFRGS, 2007, 289 f. Tese (Doutorado em Educação) –
Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

PAULO, Fernanda dos Santos. Formação das/os Educadoras/es Populares de


Porto Alegre formadas/os em Pedagogia: Identidade, Trajetória e Desafios.
Trabalho de conclusão de curso de especialização.Porto Alegre. Instituto Superior
de Educação Ivoti e Instituto Brava Gente, 2010.

PAULO, Fernanda dos Santos. A formação dos (as) educadores (as)populares a


partir da práxis: um estudo de caso da AEPPA. Dissertação de
mestrado.UFRGS-FACED, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto
Alegre, 2013.

PRUNIER, Simone Souza. A parceria público-privada na educação infantil em


Porto Alegre: suas implicações para o trabalho docente. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de
Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2018. 192 f.

SUSIN, M. O. K. A Educação Infantil em Porto Alegre: Um estudo das creches


comunitárias. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação
em Educação.Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005. 248
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SUSIN, Maria Otilia. A qualidade na educação infantil comunitária em Porto


Alegre: estudo de caso em quatro creches conveniadas. Tese (Doutorado em
Educação). Porto Alegre: UFRGS, 2009. 363 f.

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