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Galoa Proceedings Enpssan 2019 123816
Galoa Proceedings Enpssan 2019 123816
Italo Wesley Oliveira de Aguiar (Mestrando em Saúde Pública pelo Programa de Pós-graduação
em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará Bolsista do CNPq - Brasil /
italonutricionista@outlook.com); Maria Marlene Marques Ávila (Professora Associada do
Curso de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará / marlene.avila@uece.br).
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) consiste, segundo sua Lei Orgânica, na realização
do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade
suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base
práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam
ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).
Esse conceito abrangente e complexo confere à SAN perspectivas diversas que contemplam
aspectos relacionados a promoção do direito à alimentação de qualidade, implicando que, para
assegurar essa condição, há necessidade de uma alimentação que contenha nutrientes suficientes
à garantia de um estado nutricional adequado. O conceito abrange ainda a sustentabilidade
econômica e social dessa alimentação a ser assegurada, explicitando a correlação deste com
fatores socioeconômicos. Por último, outro excerto importante a ser levado em consideração é o
tangente à promoção da saúde por meio de práticas alimentares, evidenciando a inter-relação da
saúde com a SAN (CONSEA, 2010; ROCHA; BURLANY; MAGALHÃES, 2013).
A saúde, em sua compreensão ampla não é menos complexa e suscita análises diversas. A partir
do olhar do campo de conhecimento da Saúde Coletiva, se apoia em três eixos complementares
entre si que versam às ciências sociais e humanas no âmbito da saúde; o planejamento, a gestão
e a avaliação em políticas de saúde; e a epidemiologia Esta última , em uma de suas definições
comumente aceitas, consiste na ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades
humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e
eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle, ou
erradicação de doenças, e construindo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento,
administração e avaliação das ações de rotina, em consonância com as políticas de promoção da
saúde (NUNES, 2009; ROUQUAYROL; GURGEL, 2018).
Desde o surgimento dessa ciência, algumas investigações foram consagradas devido seu valor
duradouro, pelo destaque da importância da epidemiologia em áreas até então não
convencionais ou porque definiram tendências ou conhecimentos avançados. Neste rol,
destacam-se figuras influentes como o alemão Friedrich Engels, ao discorrer sobre as condições
da classe trabalhadora inglesa; e o inglês John Snow, tratando sobre epidemias de cólera em
Londres (PAHO, 1995; BARATA, 2009).
Assim, o presente ensaio justifica-se pela relevância de reforçar ligações entre o conceito e as
dimensões da SAN – uma maneira de conhecer, abordar e intervir em problemas sociais
relacionados à alimentação e nutrição – e o estado de saúde de populações, com vista a melhor
situar contribuições da epidemiologia para essa área interdisciplinar. Objetiva, assim, pontuar
interseções entre a SAN e estudos epidemiológicos clássicos originários do início do século XX
acerca de pelagra.
Nessa obra, Josué trabalha os males decorrentes da escassez e da inadequação alimentar nas
diversas regiões brasileiras de forma nunca antes vista nacionalmente, analisando criticamente
essa temática sob aspectos multidisciplinares. O autor mapeou, caracterizou, buscou explicações
e denunciou o fenômeno que ocorria nas diversas áreas alimentares do Brasil, classificando-as
em áreas de fome endêmica (Amazônia e Nordeste Açucareiro), área de epidemias de fome
(Sertão Nordestino) e áreas de subnutrição (Centro-Oeste e Extremo Sul) (CASTRO, 1984;
LEÃO, 2013).
Nestas explicações eram trazidas abordagens históricas a respeito dos territórios; características
da produção alimentar e da distribuição de riqueza das regiões; particularidades acerca costumes
socioculturais e alimentares dos povos estabelecidos nas localidades; e, com grande ênfase,
aspectos epidemiológicos de agravos que envolviam alimentação e nutrição nas áreas de fome
em questão (CASTRO, 1984; LEÃO, 2013).
Quase três décadas depois do lançamento do emblemático livro, em 1974, a Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Food and Agriculture Organization, FAO)
promove a I Conferência Mundial de Alimentação em Roma. Esse evento foi motivado pelo
cenário mundial de escassez nos estoques de alimentos, com quebras de safras em importantes
países, e teve como resultado mais importante possibilitar o deslocamento do debate em torno
do problema da fome, saindo internacionalmente da arena técnica para um caráter mais social e
político. (FAO 1974; IPEA, 2014).
Assim, o termo “segurança alimentar” passa a ser adotado cada vez mais recorrentemente no
vocabulário oficial das organizações internacionais e seu significado – inicialmente relacionado
estritamente com a questão da disponibilidade e, posteriormente, do acesso a alimentos
suficientes – atravessa então sucessivas reformulações, com vistas a uma melhor adequação
frente às mudanças da contemporaneidade com relação ao contexto onde esse termo foi
desenvolvido (FAO 1974; IPEA, 2014; FAO, 2003).
A definição brasileira de SAN como hoje é conhecida, todavia, só seria desenvolvida em 2003
pelo Fórum Brasileiro de SAN; endossada em 2004 pela II Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional; e disposta em 2006 na Lei Orgânica da Segurança Alimentar e
Nutricional, de Nº 11.346, que visa assegurar o direito humano à alimentação adequada. Neste
marco legal, a SAN estabelece-se como:
Em 2010 é sancionado o Decreto Nº 7.272, responsável por, dentre outras medidas, regular a lei
supracitada, instituir a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) e,
ainda, determinar dimensões de análise para a SAN no Brasil, objetivando organizar indicadores
para o monitoramento e avaliação dessa política. As dimensões de análise versam sobre I)
produção de alimentos; II) disponibilidade de alimentos; III) renda e condições de vida; IV)
acesso à alimentação adequada e saudável, incluindo água; V) saúde, nutrição e acesso a
serviços relacionados; VI) educação; e VII) programas e ações relacionadas à SAN (BRASIL,
2010).
Após quase dois séculos do registro dessa doença, Joseph Goldberger, um epidemiologista
estadunidense, seria responsável pela autoria e coautoria – em conjunto com G. A. Wheeler e
Edgar Sydenstricker, este último um pioneiro na estatística da saúde pública – de dois estudos
emblemáticos envolvendo pelagra na região sudoeste dos Estados Unidos da América (EUA)
(GOLDBERGER, 1914; GOLDBERGER, J. A.; WHEELER, G. A.; SYDENSTRICKER, 1920;
BRESLOW, 2002).
Nesse trabalho o autor defende, ainda, que as diferentes dietas entre pacientes e funcionários
seja o real motivo da variada incidência dessa condição entre esses públicos. Além disso, deixa
clara sua opinião com relação aos fatores descritos que influenciam a prevalência da doença: a
pobreza e o trabalho rural. Ao refletir sobre os motivos que fazem os pobres de zonas rurais
serem mais afetados por pelagra frente aos pobres residentes em centros urbanos, o autor
conclui que a monotonia alimentar dos pobres de zonas rurais – com o consumo quase exclusivo
de milho e ausência de produtos de origem animal – seria a verdadeira causa da doença
(GOLDBERGER, 1914).
Avançando, com respeito a trabalho intitulado A Study of the Relation of Family Income and
Other Economic Factors to Pellagra Incidence in Seven Cotton-Mill Villages of South Carolina
in 1916, publicado em 1920, Goldberger e seus colaboradores buscam relações entre vários
fatores – como dieta, idade, sexo, ocupação, doença incapacitante e saneamento – e a incidência
de pelagra em comunidades do estado Carolina do Sul nos EUA, lidando especificamente com
condições de natureza econômica (GOLDBERGER; WHEELER; SYDENSTRICKER, 1920).
Neste estudo, os autores concluem que a incidência de pelagra estava inversamente associada
com a renda familiar, onde à medida em que a família se enquadrava em estratos mais baixos de
renda, a incidência de pelagra subia e uma maior tendência de que membros em uma mesma
família fossem afetados pela doença era apresentada. Afirmam ainda que a diferença na
incidência entre comunidades as quais os domicílios constituintes são economicamente
similares são atribuídas a distinta disponibilidade de estoques de alimentos, resultando em
diferenças nas características dos mercados locais, na produção de territórios agrícolas das
proximidades e nas condições de mercado (GOLDBERGER; WHEELER; SYDENSTRICKER,
1920).
Mais uma vez, relações com o conceito atual de SAN são explícitas, desta vez com nítida
associação às quatro primeiras dimensões de análise presentes no parágrafo 5º do Decreto
7.272/2010, que institui a PNSAN: produção de alimentos, disponibilidade de alimentos, renda
e condições de vida e acesso à alimentação adequada e saudável. (BRASIL, 2010; CONSEA,
2010).
4 CONCLUSÃO
Apesar do conceito de SAN ser relativamente recente, paralelos podem ser estabelecidos a partir
dos aspectos que a compõe, muitos destes com amplo histórico de estudos. Dentre estes, a saúde
– especificamente a epidemiologia – se destaca por, desde seus estudos mais clássicos, levar em
consideração a alimentação e a nutrição como fatores essenciais à promoção da saúde.
Observa-se que estudos clássicos de epidemiologia com relação à pelagra contribuíram para
demonstrar a ligação profunda entre fatores socioeconômicas – como disponibilidade e acesso a
alimentação adequada – e o estado de saúde comunitária. Tal ligação, levando em conta a
influência de aspectos dos diversos setores de governo para o estado de saúde de uma população
por meio de alimentação e nutrição, é uma abordagem endossada pela Lei Orgânica da SAN,
cuja intersetorialidade está presente em suas diretrizes.
Dada a situação presente, onde determinantes sociais já são largamente defendidos no âmbito da
saúde, vislumbra-se que os benefícios ao levar em consideração a epidemiologia iriam além de
suas contribuições clássicas. Tais benefícios podem então ser obtidos partindo do diálogo entre
métodos epidemiológicos consagrados e conceitos de SAN em constante desenvolvimento.
Desta forma seria possível observar a positividade da SAN para a saúde e de melhor
dimensionar consequências da Insegurança Alimentar e Nutricional no surgimento/agravamento
de doenças cujas relações com essa condição ainda não estejam suficientemente estabelecidas.
REFERÊNCIAS
CASAL, G. About The Disease Commonly Called “Mal De La Rosa” In This Province.
Memorias de la Historia Natural y Medica de Asturias. 1762.
FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. Trade Reforms and Food Security:
Conceptualizing the linkages. Roma: FAO, 2003.
NUNES, E. D. N. Saúde Coletiva: uma história recente de um passado remoto. IN: CAMPOS,
G. W. S.; MINAYO, M. C. S.; AKERMAN, M.; DRUMOND JÚNIOR, M.; CARVALHO, Y.
M. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: HUCITEC, 2009.