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Shot Stow aon nts SS POLITICAS ATUAIS DE INCLUSAO ESCOLAR': REFLEXAO A PARTIR DE UM RECORTE CONCEITUAL Maria Helena Souza Patto* USP/SP ‘Uma das coisas que mais me intriga no Brasil de hoje € 0 uso epidémico da palavra “inclusio”. Ela esti na midia, no diseurso de politicos, em documentos de Ministérios, de Secretarias estaduais e municipais e de organizagBes nio-governamentais; ela est na producio ‘académica e no senso comum. E intriga porque esse Uso ‘acontece num momento especialmente cruel da historia do capitalismo, em que ontimero de pessoas cujo trabalho tornou-se desnecessério ao capital ampliou-se em escala mundial. A exclusdo de um enorme contingente da populagao economicamente ativa do trabalho formal produz um exeedente de oferta de mio-de-obra que ‘Gegrada salarios e muda até mesmo oscritérios deselegio fde pessoal, quer dando espago ainda mais largo a testeredtipos © preconceitos como a cor da pele, quer texigindo niveis de escolaridade que nfo guardam relacdo ‘comotrabalho.ser realizado. Ao mesmo tempo, no marco ‘da logica neoliberal, privatiza-se a responsabilidade do DEFICIENCIAEESCOLARIZAGKO:novesporepectvasdeandise 25 poder ptiblico pelo provimento dos direitos sociais, entre ‘08 quais 0 direito & edueacao, e despontam no cenéio da lusdo, sobretudo de criangas e jovens, grandes grupos empresariais e centenas de Organizagdes Nao Governamentais que se propdem a prové-los. Num ‘momento de dispensa em massa do trabalho, fala-se 0 ‘tempo todo em incluir. Resta saber em que termos, Este € ‘o carne da questao, Para respondé-la é preciso entender ‘oprovesso de exclusio sob o modo capitalista de produgao ontem e hoje. Oconceite de exclusiio As iniciativas de entendimento sociolégico da existencia de contingentes de desempregados e subempregados na América Latina datam dos anos sessenta. Entre 0s 6rgdos eriados com esse fim destacou- sea Comissdo Econémica para a América Latina (CEPAL) que se propunha a estudar contingentes populacions latino-americanos ndo s6 para sua identificagao empirica, ‘mas sobretudo para sua compreensiio tebrica. Em 1966, fesse 6rgio publicou Notas sobre o Conceito de Marginalidade Social, texto no qual seus téenieos faziam ‘uma erftica das definigoes entio presentes na literatura especializada, todas elas centradas na definigao da ‘marginalidade social como “falta de integragio” ou “falta de participacao” das populagdes marginais nas sociedades em que vivem (PEREIRA, 1971). Exam coneepgdes caleadas na idéia de exclusdo social. Num dos textos analisados, os grupos marginais eram definidos como portadores de limitagGes em seus direitos de eidadania, dada_a_insuficiéneia de recursos dos paises subdesenvolvidos e, por sso, impedidos de integracao no pprocesso econdmico e de mobilidade social ascendente. Coerente com essa concepgio, a redengdo viria de 26 DERCIENCIAEESCOLARIZAGAO: nove prepectivesde anon rogramas de promogo social, Segundo o estudo da CHPAL, essas explicagdes estruturalistas-funcionalistas tinham como meta a pradugio de consenso e de estabilidade social “ TEm diresfo que acreditavam contréria, os pesquisadores desta Comissio definiram os grupos Inarginais como resultado de "um modo limitado e sem consisténeia de pertencer e de partieipar da estrutura feral da sociedad” (PEREIRA, 1971, p. 161). Parg cles, a {arginalidade podia ser por desajustamento ou radical Na orimelra, a insergto € inconsistente, mas os ‘harginalizados pertencem As estruturas dominantes da Sociedade; na segunda, paticipam marginalmente dos Setoresecondmien, social politi. TEmbora se declarassem portadores de uma‘) 4 ria’ de soviedade, os téenioas. {UACEPAL nao foram, segundo Pereira até ofimda etura mmarxista do eapitalismo; por isso, introdusiram Embigiidades wa interpretagio do fendmeno da tnarginalidade socal. No centro dessa indecisfo teéric {tava oentendimento de “estritura gerl da sociedade' como consttuida dos setoreseconémico, social politico, quando, segundo Pereira, a investigagio da origem das optlagées marginals” s6 pode ser conseqiente quando Zeldetém no plano da logica da economia capitalista nos paises peritéricos, Nao basta, porém, remeter o estudo Tessa origem a esfera ccondmica em termos que nko ftingem o cere da questio. Hé explicagdes teéricas da ‘marginalidade que a atribuem ao fato de que, nos palses Subdesenvolvidos, algumas regides fieam de fora do Sesenvolvimento capitalista industrial, o que tem um feito excludente sobre os que vivem nesses polos strasados da economia, Em outros termos, nesses pals, 4 populagao sobrante no seria despossuida pelo sistema capitalist, mas apenas agravada por ele, uma vez que, DEFICIENCKEESCOLARACAO:noves perspoctivas dean em condigdes subdesenvolvidas, o capital no tem condiges deincorporaroexcedente dessa modalidade si seneris de “exéreito de reserva De qualquer forma, todas essa explicagBes ~ desde ascriticadas pela CEPAL, passando pela concepa0 esse proprio érgio, até as interpretagies centradas na ‘economia, mas sentando ocapitaisme por sua producto — poem questioem termos antropologicos ou sociol6gicos «que superamas verses ideol6gicesfundadas no mais puro preconeeito rancoroso contra os pobres, como 60 caso da Aeclaragio de uma representante da Secretaria do Bem- Estar Social da Prefeitura do Muniefpio de Sio Paulo que, ‘numa entrevista publicada nur jornal paulista no comego dosanossetenta,apontou como causas da marginalizagio ‘de meio milhdo de pessoas na area metropolitana “a falta ‘de motivagéo para progr, calcooism,atoxicomania, aelinggnl, a prostitugioeviriostipos de defclncas sieo-mentais seek, 3969 0 socslogo Laie Perera eserveu Populagdes “marginas ens publicado em 1971 que Setomou um elise, Pitndodeumaanalsedecontetdo dotextoda CEPALe fazendo erica da tora soctolgica due ie serlu de base, ele propée uma defilgto at Populagdes margins” nos piss epialistn perttees omen dalnterpretagio materialist historic da oica do capital. Nowentro, a concepeto marxsta de trabetho, as rlagdesenptalitas de procao e a acumulagto do Capital aoentda nos pss periftos, dado seu care especimenteexchidenteeprodutordesuperabundince dcofertadeforea de rabalio, que pode ou nao estar ligada to erescimento demogratice, Ou sla cate autor fer lar ‘nallénioscontido na concepgio da GEPAL superandonn 28" DEFCIENCIAEESCOLARLZAGAO: novee perspective de andloe como visio ideoldgica das populagSes marginals. 'No marco te6rico materialista hist6rico, as populagGes "manginais” so produto da dinamica i otaplllgno ee sus esjectiedades infestans nos chamados pales perférics, Deum lado, aexploraglo pesada dos trabalhadores reduz'os postos de trabalho; de utto, dstribui-se a renda de modo a contemplar os segmentos situados na parte mais alta da pirdmide: 08 tempregados trabalham muito, recebem poueo e no t8m sgarantidos os direitos sociais, Eno interior dessadinamica, endo fora dela, que se pode entender o lugar das populagSes “marginais” na economia capitalista comode artiipagdo-exelusdo: “estes estiono interior do sistema fecondmico, participando do mercado de trabalho como ofertantes, mas ndo necessdria e definitivamente Incorporados ao processo global de producéo, dada a debildade erdnica da demanda de forga de trabalho que Lipfieao sistema econémico capitalista*perifrico” em sua ‘etapa contemporinea. E esta debilidade que diferencia 0 sistema capitalist ‘periférco'eontemporaneo do sistema ‘econdmico capitalists entra’ elssico ou eontempordineo, Quanto ao fator trabalho," Sa cssas ponulacies aus a. estaba ate a necessiade as Teltrabatho, "o que far.com que elas se insiram Pea Rattler cpiualnt pete, competindo entre si para atingirem tal limite, porque esse sistema preseinde de boa parte desse contingente populacional, tembora nao de todo ele” (PEREIRA, 1971, pp. 167-168). sfema economic Capitalista “periférico’ tende a expelir, a expulsar, a textinguir (pela fome inclusive), a parte excedente desse contingente, porque dela preseinde para o seu funcionamento, em determinado estagio de seu DEFICIENCIAEESCOLARIZAGAO:novasperspectvasdeandise 29 desenvolvimento.” (PEREIRA, 1971, p. 168) Lembremo-nos que se estava entio na década de sessenta. Sabemos que, de ld para e4, ¢ por motivos bastante estudados nos diltimos vinte anos, a debilidade da demanda de forga-de-trabalho eresceu em eseala mundial e aprofundou-se ainda mais onde jé era funda.* Cerea de vinte e einca anos depois, o socidlogo ‘José de Souza Martins retoma a questo da marginalidade Social, agora numa fase do eapitalismo que substitui em ritmo erescente a forea de trabalho pela tecnologia e dispensa em larga escala trabalho humano. No entanto, isso niio quer dizer que estejamos diante de uma sociedade onietn Seen aaa 0," (MARTINS, 1997, srifos meus) ee Ce ee novas formas de inclusio. Antes o capitalismo excluia e rapidamente ineluia: os camponeses eram expulsos do campo e rapidamente absorvides no trabalho industrial [Nos iltimos anos, a incluso tarda: “o perfodo de passage domomento de exclusio paraomomentoda inelusio ests se transformando num modo de vida, esta se tornando ‘mais do que um periodo transitério” (MARTINS, 1997 p. 39). Daia atencio equivacada A exclusio. Além disso, no interior da nova desigualdade, mais larga e mais cruel do que a precedente, as modos atuais de incluso eausam, como regra, degradagao. As formas de absorver yulagio exclulda esto mudan? ‘ondigoes sub-humanas de vida, Sdo muitos os casos 30 DeACIENCIA EESCOLARZACAO:noves perspectives de andlse Tisnoledade coptaliste desenraia exclu bora aclu ec | raméticos de reintegragio que vem acompanhada de saves danos moras entre os qual autor menelons os feamponeses que, expulsos da terra, agora sio reinclufdos ‘como trabalhadores escravos e as meninas nordestinas ‘que se prostituem para ganhar a vida e que nao sio ‘exclufdas, mas inclufdas como prostitutas: “na légicafria do mereado, essas meninas esto entrando no setor de servigas sextais do chamado pornoturismo” (MARTINS, 1997, p. 29). O mesmo vale para as eriancas e jovens que tencontram o “primeiro emprego” no mundo do trafic. Tncluidas economicamente, ainda quede modo precéio, mas excluidas no plano social, as pessoas que Moram nos guetos ou “reas de excludéncia” estao constituindo um mundo A parte, “que jé ndo é o mundo dos pobres” (MARTINS, 1997, p. 34): de um Indo, os integrados, ricos ou pobres ~ os que so tidos como "gente"; de outro, 08 ques t8m como saida as formas de incluso perversa — os que, por influéneia da midia, tidos como “bandidos", “animais" ou “monstros”, tornam- se objeto da barbérie da policia e de grupos de exterminio © abarrotam moradias sub-humanas, presidios ¢ temitérios, Dizendo de outro modo, a pobreza “mudou de forma, de imbito e de conseqiiéncias. Estamos longe do tempo em que pobre era quem ndo tinha apenas 0 que ‘comer... peiuagdiobole aio econdmica, soot) Avelha pobreza Ferra WE oT See ea ame ecoeatede tice SSS iin. Tn cl sobre o destino dos peires como urna condenagioiremetiavel (dis Hisconing rapidamente a conscioncia de que quem SS rere a eae DERCIENCIAEESCOLARIZAGAO:novasperspectvesdeaniee 31 ueflém disso, 0 préprio sero meio privlegiad de integracio positva na sociedade atual,E verdade que a pacléncia histren das novas geragdeséeronologicamente muito reduzidaem relagho de nossos avos, dispostos ao sacrifico para que os frutos de seu trabalho penoso fossem eolhidos polos netos [nso comove nem convence,” (MARTINS, 1997, p. 18 19) Portanto,o conceito puro esimples de exclusio social nao dé conta do que se passa atualmente nas sociedades capitalistas: “As politicas econémicas atuas, no Brasil e em outros paises, que seguem o que esté sendo chamado de modelo neoliberal, implicam a proposital inclusdo preedria ¢ instével, marginal. Nao sio propriamente politicas de exclusio. S20 politicas de Inclusiio das pessoas no processo econémico, na produgio| se circulagao de bens e servigos, estritamente em termos aquilo que ¢ racionalmente conveniente necessério & ais eficiento (e barata) reprodugio do capital. Etambém 0 funcionamento da ordem polities, em favor dos que dominam. Esse 6 um meio que claramente atenua a confltividade social, declasse,politicamente perigesa para as classes dominantes” (MARTINS, 1997, p. 18-10) Dy ais um recurso reformista de gerenclamento dos riscos or Em retumo, aexelusio 6 um falso problema; a dificuldade social maior 6 a da incluso marginal como resposta das classes dominantes & nova desigualdade, Por ‘sso, Martins diz: “se quetemos questionar essas respostas, e acho que devemos, temos de admitir que a idéia de cexclusiio é pobre einsuficiente, Ela nos langa na cilada de 32 DERCIENCIAEESCOLARIZAGAO:novas perapectvas de andes discutir o que ndo esta acontecendo exatamente como ‘sugerimos, impedlindo-nos, portanto, de discutir o que de fato acontece: diseutimos a exclusd, por isso, deixamos de discutir as formas pobres, insuficientese, as vezes, até indecentes de inelusdo", presentes também, como veremos, nas poitias de clusdo escolar, O que Martins specs in ae See "exphicar, mas que de Tato acoberta © traz tues Tiana. tum lado, entendida por idedlogos da classe

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