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Capitulo 2 Wel taeterd 1 Introdugaéo Onde se dé o aprendizado? Nao restam dtividas de que 0 processo da aprendizagem se da no sistema nervoso central (SNC), que é uma es- trutura complexa. Por conseguinte, a neuroa- natomia é uma area importante quando se trata da neurobiologia do aprendizado. ‘Aprendizado ememéria podem se confundir do seguinte modo: quando chega ao SNC uma informacao conhecida, ela gera uma lembran- = Ligamento denticulado ———Sulco mediano posterior Filamentos radiculares do nervo C6 Espaco subdural 28859 subdural Espace epidural / Ganglio. ‘Femo espinhal da/ z espinhal do cera vertebral Z 7 nerve CB / 2 —— — Plexo venoso vertebral interno Ramo dorsal =~ do nervo TL Nervo 72 Processo espinhoso “da vertebra T2 ft Proceso transverso da vértebra T3_/ / Bs sais / es Figura 2.8 Medula espinhal. Reproduzida de Machado, A. Neuroanatomia Funcional. 2. ed. Atheneu: Sto Paulo, 1993, 363 p. 36 capitulo 2 Anatomia da aprendizagem Figura 2.9 Tronco cerebral. Reproduzida com autorizagio do autor. Lent, R. (editor). Cem Bilhdes de Neuranios. Atheneu: So Paulo, 2002, 698 p. lar, Grande parte dos eventos relaciona- dos com a aprendizagem ocorre no telen- céfalo. Os hemisférios cerebrais sao di didos em lobos, ¢ cada lobo tem o nome do oss0 com o qual se relaciona: lobo frontal, parietal, temporal, occipital ¢ lobo da insula, cada qual com fungées mais ou menos distintas. Existem algumas diferencas na comparacao entre o hemisfério cerebral esquerdo e 0 direito. Um dado interessante ¢ a assimetria ontoge- nética: o hemisfério direito inicia seu ciclo ma- turacional antes do esquerdo, por isso sao mais freqiientes as disfungdes hemisféricas direitas do que as esquerdas, pois 0 hemisfério direito tem um ciclo mais longo e fica mais tempo ex- Posto aos insultos que podem atingir 0 SNC. Na realidade, existem varios tipos de assi metrias entre os hemisférios cerebrais. Tais as- simetrias nao sao sé anatOmicas. Existem assi metrias histoldgicas, bioquimicas ¢ principal- mente funcionais. Do ponto de vista das assimetrias anatémi- cas, sabe-se, por exemplo, que a cissura de Sil- vio € maior no hemisfério direito e que o plano temporal pode ser até 10 vezes maior a esquerda do que a direita (Rebollo, 1991) (Figuras 2.10 e211) © 0 cerebelo: & uma estrutura localizada abaixo do encéfalo, também coma super- ficie toda irregular, com dois hemisférios cerebelares que tém dobras transversais € paralelas denominadas folhas. Essa é uma das razées pelas quais 0 cerebelo é chamado de “4rvore da vida”. Ele ocupa quase um quarto do volume craniano no homem. © cerebelo é encarregado do equilfbrio, do tonus muscular, da marcha ¢ da coordenacao motora, Também é im- portante na manutengao e na mudanca do foco da atengéo, bem como na fala e no comportamento. Em suma, o cerebelo € praticamente “um pequeno cérebro”, como seu proprio nome jé enuncia, e evi- dentemente tem muita participacao nos eventos neurobiolégicos do aprendizado, tantona recep¢ao das informagées, quan- to na modulagao das respostas a elas, quer sejam de transito dentro do encéfa- lo, quer sejam motoras (Figura 2.12). FUNGOES ESPECIFICAS parte 1 Aprendizagem normal 37 FUNGOES GLOBAIS 2.40 Telencéfalo e her de Neurénios. Atheneu: hemisférios cerebrais foram descritos anteriormente junto com 0 .céfalo. Os hemisférios cerebrais sao dois, esquerdo ¢ 0 direito, ¢ estdo separados e a0 10 tempo unidos por estruturas de cone- . A mais importante é chamada corpo caloso. Houve uma tentativa de dividir as funcoes icais, como se estivessem totalmente estan- ;, sem comunicagao entre si. Tal tentativa ‘mao se sustentou ao longo dos anos. Atualmen- se se admite que existe uma lateralizacao bem- efinida para as fungSes mais antigas, como, por exemplo, a motricidade. Em contrapartida, para as funcdes mais com- plexas, tais como a linguagem, 0 que existe nao uma pura e simples lateralizago. Ambos os bemisférios atuam juntos, mas existe o que chamamos de dominancia hemisférica, ou seja, «mm trabalha melhor com certos aspectos daque- Ja fungGo enquanto que o outro trabalha melhor com outros aspectos da mesma funga4o. férios cerebrais. Reproduzida com autorizacio do autor. Lent, R. (editor). Cem 0 Paulo, 2002. 698 p. Na vista lateral, chama a atencao a superficie toda enrugada. £ possivel a delimitacao em lo- bos, que recebem 0 nome do osso que estd em. contato. Existem duas cissuras principais: a de Silvio e a de Rolando. Na vista medial, desta- cam-se as comunicagies inter-hemisféricas. Na intimidade, os hemisférios cerebrais podem ser divididos em substancia cinzenta—com predo- minio de neurénios -, que é mais externa, e substancia branca—com predomfnio de mielina_ e vias neurais -, mais interna. A Figura 2.13 mostra um esquema global dos hemisférios cerebrais, do tronco encefalico e também do cerebelo. A divisao dos hemisférios cerebrais em lobos, apesar de arbitraria, é de valor didatico, para que se possa entender as funcées primordiais de cada lobo. Na realidade, existem intimeras conexoes entre os lobos dos hemisférios cere- brais de tal forma que eles atuam juntos, apesar de nem sempre de forma simétrica. 38 capitulo 2. Anatomia da aprendizagem Sulco lateral Figura 2.11 Telencéfalo e homdnculo de Penfield. Reproduzida com autorizacdo do autor. Lent, R. (editor). Cem Bilhdes de Neurdnios. Atheneu: S80 Paulo, 2002. 698 p. O lobo occipital est relacionado primariamen- te com a visao; portanto, é um lobo eminente- mente sensitivo. Todo aprendizado de conted- do visual necessita passar pelo lobo occipital. O lobo temporal também é sensitivo e tem varias fungoes. A porcio mesial ¢ a bem anterior sdo mais antigas, do ponto de vista filo e onto- genético, e esto relacionadas com o olfato — no uncus do hipocampo =, com a representagao cortical das visceras, com as emocoes € 0 com- portamento, bem como parte dos fendmenos da memoria —na regiao do hipocampo. Por seu turno, a porcao lateral do lobo temporal é mais “recente” e esta envolvida na vida de relacao social, visto que recebe as informacées auditivas —na area de Wernicke, por exemplo -, que é capaz de reconhecer rostos, na porcdo inferior externa, e que também tem uma area de asso- ciacdo entre audicao e visao. Como se pode con- cluir, vatios aprendizados ocorrem no lobo tem- poral, como, por exemplo, aqueles que envol- vam olfato, audicéo, linguagem compreensiva, comportamento, emogdes ¢ meméria, O lobo frontal tem varias fungées. O planeja- mento da fala est na area de Broca, localizada no giro frontal inferior esquerdo, nos destros, € 0 planejamento dos atos motores fica na por- 40 mesial do lobo frontal, na 4rea motora su- plementar, Também é respons4vel por todos os movimentos do corpo, no chamado homiinculo de Penfield, na drea frontal posterior, face late~ ral. Outras fungdes também estéo localizadas nos lobos frontais, tais como 0 controle do hu- mor, dos impulsos e 0 gerenciamento de todas as situacdes que envolvam a relacao entre a pes- soa ¢ 0 ambiente. No que se refere ao aprendiza- do pode-se afirmar que o lobo frontal participa da linguagem falada, do controle do humor e dos impulsos, além de todos os aprendizados que envolvam movimento do corpo. O lobo frontal atua gerenciando todas as demais fun- Ges da vida de relacao. Para se desenvolverem, as praxias necessitam do lobo frontal, além de todas suas conexées com os micleos da base e o cerebelo. Na crianca, é um dos tltimos lobos a completar a maturacao, o que ocorre entre os 5 e7 anos de idade. lobo parietal é basicamente sensitivo. Na sua porcao anterior, esta uma extensa rea sen- sitiva, que repete a area motora da porcao poste- rior do lobo frontal, configurando um homtin- culo de Penfield, s6 que nesse caso seria 0 con- comitante sensitivo. A parte que est préxima do lobo temporal é drea de associacao auditiva ea parte que esta proxima do lobo occipital é a rea de associagio visual. As gnosias dependem do lobo parietal ¢ de todas suas conexdes para se desenvolverem. Se fosse possivel colimar um “alvo” exato para colocar a intelig¢ncia, possi- velmente seria no lobo parietal, ou quem sabe na encruzilhada entre os lobos parietais, tem- porais e occipitais (Figuras 2.14 ¢ 2.15). Lobo anterior Lobo posterior Pedtinculos cerebelares (cortados) Lobo fléculo-nodular parte 1 Aprendizagem normal 39 Figura 2.12 Cerebelo, Reproduzida com autorizacio do autor. Lent, R. (edi Atheneu: Sao Paulo, 2002. 698 p. Para o dominio da anatomia da aprendizagem, é necessario o conhecimento das bases celula- res, da neuroembriologia e também o entendi- mento dos aspectos maturacionais do cérebro das criancas, & medida que crescem, se desen- volvem e aprendem. Dentro da forma multinivel da abordagem do funcionamento do SNC e também do apren- dizado das criancas, 0 nivel mais importante possivelmente seja 0 maturacional ou ontoge- nético, Este é 0 apanagio da atuacéo em neuro- pediatria. Diferentes aprendizados se dao em diferen- tes locais, mas também sao consolidados em, 40 capitulo 2. Anatomia da aprendizagem Figura 2,13 Hemisférios cerebrais, tronco e cerebelo. Reproduzida com autorizaggo do autor. Lent, R. (editor). Cem Bilhes de Neurénios. Atheneu: Séo Paulo, 2002. 698 p. \Lobo frontal Lobo temporal ~— Sulco lateral (ramo posterior) ~~ 8 Lobo frontal -——. diferentes épocas, configurando verdadeiras “janelas maturacionais”. Além disso, os apren- dizados nao sao uniformes ou “puros” em seu contetido, que em suma pode ter componentes oriundos de diferentes areas. Os que tém conteiido puramente visual ocor- rem nas dreas de associacao visual, préximas do lobo occipital; os que tém contetido predomi- nantemente auditivo ocorrem nas proximida- des da 4tea auditiva do lobo temporal; os que 1m maior contexido praxico ocorrem nos qua- drantes anteriores dos hemisférios cerebrais ¢ suas conexdes com o cerebelo, micleos da base ¢ sistema extrapiramidal. A partir da neuroanatomia da aprendizagem pode-se conseguir bons parametros para 0 en- tendimento dos passos seguintes, que sero de- senvolvidos nos capitulos subseqilentes, ¢ que envolvema fisiologia, a neuroquimica, a genéti- cae semiologia neuropedidtricas, todas envol- ‘Sulco centrat — Lobo parietal _-Suleo parieto-occiital be .obo occipital = Incisura pré-oceipital ~Sulco central — Lobo parietal —Sulco parieto-occipital —- Lobo temporal Figura 2.14 Telencéfalo dividido em lobos cerebrais. Reproduzida de Machado, A. Neuroanatomia Funcional. 2. ed. Atheneu: Sao Paulo, 1993. 363 p. Area de Wernicke sulco lateral eS, angular ‘Sulco parieto- occipital Giro parte 1 Aprendizagem normal = 41. supramarginal Giro temporal para- hipocampal Sulco temporal superior Sulco_médio an temporal temporal inferior Sulco ‘inferior occipito- temporal Gem Producto da fala yf) Compreensio J Percepsio ) Percepcdo dos objetos das faces das cores EY Compreensio Atheneu: So Paulo, 2002. 698 p. vidas no processo do aprender da crianca, para gue entao possam ser abordadas as dificuldades no aprendizado, em um primeiro momento, € os tanstornos da aprendizagem, na segunda parte do livro. BIBLIOGRAFIA SELECIONADA IZQUIERDO, I. Meméria. Porto Alegre: Artmed, 2002. KANDEL E.R; SCHWARTZ, JH; JESSELL, TM. Principles of neural sciences. 3. ed. Norwalk: Appleton & Lange, 1991. LENT, R. Cem bithdes de neurénios. So Paulo: Atheneu, 2002. sic LURIA, AR. Higher cortical imetions in man, New York: Books, 1966. Figura 2.15 Lobos cerebrais. Reproduzida com autorizacao do autor: Lent, R. (editor). Cem Bilhdes de Neurénios. MACHADO, A. Neuroaratomaia funcional. 2. ed. S40 Paulo: Atheneu, 1993. REBOLLO, M.A. Dificultades del aprendizaje. 2.¢d, Montevideo: Prensa Medica Lationamericana, 2004. Disfunciones hemisféricas. An. Neuropediatr. Tafinoam,, v3, 0.1, p.1-19, 1991. El aprendizaje. Montevideo: Prensa Medica Lationamericana, 1994. Neurociéncia; estructura, origen y funcionamento del, Sistema nervioso. Montevideo: Bibliomedica, 2004. RIESGO, R.S.; ROHDE, L.A.P Transtomo de déficit de aten- fofhiperatividade. In; KAPCZINSKI, F; QUEVEDO, J.: TZQUIERDO, I. (Ed.). Bases biolégicas dos transtornos psi- quidtricos. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. p.335-345, 42 capitulo 2. Anatomia da aprendizagem ROTTA, N°T; GUARDIOLA, A. Distirbios de aprendizagem. In: DIAMENT, AJ; CYPEL, S. (Ed.). Newrologia infantil. 4, ed. Sao Paulo: Atheneu, 2005, p.1309-1323, ROTTA, NT; RITTER, VE Transtornos da aprendizagem, In: ROTTA, NI; OHWLEILER. L.; RIESGO, R.S. 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