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NÃO TENHO MAIS CERTEZA SE O CÉU É AZUL

ERIK BRUZAFERRO

Apolo acabou de completar 24 anos. Ele está em um ônibus lotado, voltando para sua casa
depois de um dia exaustivo de trabalho. Ele percebe os olhares de desprezo que o fuzilam.
Apolo se escora até a parte final do ônibus, onde fica isolado e protegido dos maldosos
olhares.
A casa de Apolo é um local mais inóspito ainda. O lugar é escuro, frio e passa uma
sensação de solidão terrível. No quarto está sua mãe, Dolores, uma mulher idosa, acamada
e sem nenhum sinal de vida em suas expressões. Quando Apolo chega, Dolores o lembra
que é seu vigésimo quarto aniversário. Apolo desconversa, diz que não liga para esse tipo
de ocasião, no entanto, sua mãe o questiona sobre qual a última vez que Apolo tirou uma
folga, saiu, conversou com alguém que não fosse do trabalho. Apolo não sabe responder,
ele dá os remédios de Dolores, e encerra a conversa, como se o assunto o incomodasse
profundamente.
O pequeno despertador aponta que são 4:15 da manhã. Apolo já está com os olhos
arregalados, enquanto a enfadonha melodia acompanha nosso protagonista de olhos
arregalados. No trabalho Apolo martela com força um objeto de metal, em uma extensa
linha de produção.
Enfileirados, outros funcionários com a mesma roupa de Apolo estão na fila para bater o
ponto. Apolo fita atenciosamente cada homem, os olhares cansados, a pele machucada, as
mãos grossas, o rosto sujo de graxa. Parece não existir um sinal sequer de alegria. Um
silêncio perturbador vem da fila do lado, os homens que estão entrando para trabalhar,
todos mais tristes ainda.
Apolo chega até a mesa de seu Patrão, um homem de meia idade, loiro, calvo e corpulento.
Apolo avisa que neste domingo em específico ele não vai poder contribuir com sua hora
extra, que quer tirar um dia de folga. O homem recebe mal a notícia, tenta persuadir Apolo,
que é irredutível e consegue sua merecida folga.
Enquanto caminha de volta para casa, Apolo encara a lua, ele dá um sorriso para o céu. Em
sua casa, tira o despertador da tomada, e deita com um sorriso em seu rosto. A madrugada
chega, e com ela os gritos de dor de Dolores. Apolo acorda apavorado, e socorre sua mãe,
logo ele está no hospital com Dolores, lá ele passa todo dia tentando acalmá-la. Quando saí
do hospital já é noite e ele perdeu sua oportunidade de ver o céu durante o dia.
O despertador apita, Apolo escova o dente, pega o ônibus, bate o ponto. Assim,
religiosamente, todos os dias da semana. No sábado, ele avisa seu patrão que não virá no
domingo e em tom de ameaça/deboche o velho brinca com ele, perguntando se a mãe de
Apolo já estava curada. O patrão fala sobre gratidão, lembra Apolo de como ele o ajudou
com o tratamento de sua mãe no último ano e que naquele domingo em especial ele
precisava muito de ajuda. Apolo respira fundo, vai embora, claramente irritado ele cede .
Apolo janta ao lado da cama de sua mãe. Dolores faz um último pedido: antes de morrer,
Dolores quer ir para um parque, sentir a grama tocar a sola do pé, e os raios de sol sobre
sua pele. Ela quer viver pela última vez. Apolo chora, e promete a sua mãe que vai realizar
seu último pedido.
É domingo de manhã, Apolo está saindo para o trabalho, com muita culpa por não poder
ficar com sua amada mãe naquele momento. No trabalho, Apolo martela, martela, sem
pensar. Apolo está comendo uma marmita agachado no chão, enquanto escuta seu patrão
falando ao telefone. Apolo se aproxima e fala que vai precisar de uns dias de folga, que sua
mãe está pior. O Patrão não mostra nenhum interesse e diz que a empresa não tem nada a
ver com a doença de sua mãe.
É madrugada o coração de Apolo bate cada vez mais forte. Ele encara o vazio de seu
quarto. O relógio apita, ele se levanta e vai até a cama de sua mãe. Dolores está sem vida,
estranhamente seu rosto mórbido está em paz.
As pás de terra são jogadas na cova, Apolo encara o caixão de sua mãe descendo. Na sua
cabeça a voz de seu patrão ecoa. Ele se lembra de estar na empresa martelando, ele olha o
caixão com terra, ele escuta a voz diabólica do patrão. Tudo de uma só vez. Ao olhar para o
céu ele está nublado, chuvoso.
Apolo está em sua casa, agora mais vazia e mais triste ainda. Ele encara o uniforme de
trabalho, pensa nas marteladas. Estamos no trabalho de Apolo, ele martela com muito ódio,
seu patrão se aproxima para dar as condolências. Ele toca o ombro de Apolo e diz que
sente muito.
A câmera fica escura, ouvimos o som algo sendo esmagado. O rosto do patrão morto
preenche toda a tela, está completamente desfigurado, com muito sangue correndo, um
olho faltando e marcas do martelo. Apolo está no banco de trás da viatura, ele olha para o
céu, está azul.

FIM

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