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versão 0.4
Explorador de Arton,

Esta é a quarta entrega do Atlas de Arton, com


mais textos (já passamos de 400 páginas) e
muito mais ilustrações! Nesta entrega, temos
todos os textos da Introdução, do Capítulo 1 e
do Capítulo 2, e praticamente todos os textos
do Capítulo 3 — a única seção que falta é a do
Deserto da Perdição, na qual ainda estamos
dando os toques finais.

Lembre-se que esta ainda é uma versão


preliminar do livro, que ainda não passou
pela revisão final e esta sujeita a mudanças.

Fim de agosto temos uma meta audaciosa:


entregar todo o conteúdo do livro, incluindo
os Capítulos 4 e 5, que só foram possíveis
graças ao sucesso da campanha.

Continue explorando Arton!

Os autores
Uma criação de

Guilherme Dei Svaldi

J. M. Trevisan

Leonel Caldela

Marcelo Cassaro

Rafael Dei Svaldi

Tornado possível pelo

apoio de milhares

de heróis artonianos
A Cidade-Muralha de Villent, sempre vigilante,
frente à Garganta do Troll e às terras da Supremacia Purista
Créditos
Desenvolvimento: Guilherme Dei Svaldi, J.M. Trevisan,
Leonel Caldela, Marcelo Cassaro, Rafael Dei Svaldi, Dan Ramos,
Davide Di Benedetto, Glauco Lessa, Karen Soarele e Thiago Rosa.
Texto Adicional: Camila Gamino, Elisa Guimarães, Marielle Zum
Bach, Marlon Teske, Vinicius Mendes, Jadir Dei Svaldi, Momo Soares.
Arte da Capa: Dan Ramos.
Arte: André Vazzios, Claudio Pozzas, Dan Ramos, Eduardo Pires,
Estúdio Rebirth, Henrique DLD, Janio Garcia, Matheus “Birbo” Borba,
Poliane Almeida, Rafael Pen, Rainer Petter, Ricardo Mango, Rod Reis,
Rodrigo Lopes, Samuel Marcelino, Vitor Louzada, Stazho,
Mariana Livraes, Joaquin Silva.
Cartografia: Bruno Müller
Heráldica: Danilo Martins
Logotipia e Projeto Gráfico: Dan Ramos
Diagramação: Guilherme Dei Svaldi e Karen Soarele
Revisão: Leonel Caldela e Emerson Xavier.
Revisão Sensível: Naomi Maratea e Alice Priestly.
Editora-Chefe: Karen Soarele.
Equipe da Jambô: Guilherme Dei Svaldi, Rafael Dei Svaldi, Leonel Caldela, Ana Carolina
Gonçalves, André Schwertz, Andrew Frank, Cássia Bellman, Dan Ramos, Daniel Boff, Davide
Di Benedetto, Elisa Guimarães, Freddy Mees, Gislaine Alves, Glauco Lessa, J. M. Trevisan,
Julia Rosiello, Karen Soarele, Marcel Reis, Marcelo Cassaro, Marlon Vernes, Matheus
Tietbohl, Maurício Feijó, Priscilla Souza, Tatiana Gomes, Thiago Rosa e Tiago Guimarães..
Tormenta é Copyright © 1999-2023 Leonel Caldela, Marcelo Cassaro,
Guilherme Dei Svaldi, Rafael Dei Svaldi e J. M. Trevisan. Todos os direitos reservados.

Rua Coronel Genuíno, 209 • Porto Alegre, rs


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Todos os direitos desta edição reservados à Jambô Editora. É proibida


a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios existentes ou que
venham a ser criados, sem autorização prévia, por escrito, da editora.
1ª edição: xx de 2023 | ISBN: 978658863xxx-x
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

S969a Svaldi, Guilherme Dei


Atlas de Arton / Guilherme Dei Svaldi [et al.]; ilustrações
por Dan Ramos [et al.]. -- -- Porto Alegre: Jambô, 2023.
xxp. il.
1. Jogos eletrônicos - RPG. I. Svaldi, Guilherme Dei. II.
Ramos, Dan. III. Título.
CDU 794.021
Sumário
A primeira lição............................8 Aslothia..................................... 192 Os Três Mares............................ 357
Repúblicas Livres de Sambúrdia.. 206 Ubani......................................... 364
Introdução:
Boas-vindas a arton............10 Salistick..................................... 218 Deserto da Perdição................... 374
História de Arton........................ 12 Svalas......................................... 230 Tamu-ra..................................... 384
Tempo & Calendário................... 30 Feudos de Trebuck..................... 234 Moreania................................... 394
Linha do Tempo........................... 34 Triunphus.................................. 246 Doherimm................................. 406
Sckharshantallas........................ 250 Éter Divino................................ 418
Capítulo 1: Montanhas Sanguinárias........... 262
O Reinado...........................................44 Capítulo 4:
Deheon........................................ 52 Montanhas Uivantes................. 267 Organizações.........................422
Valkaria........................................ 68 Ermos Púrpuras......................... 272 Exércitos & Mercenários............. xx
Bielefeld....................................... 78 Floresta de Tollon...................... 277 Ordens & Igrejas......................... xx
Namalkah.................................... 94 Império de Tauron..................... 282 Guildas & Irmandades................ xx
Wynlla....................................... 106 Nova Malpetrim........................ 300
Capítulo 5:
Ahlen......................................... 118 Smokestone............................... 306 Vida em Arton..............................xx
Zakharov................................... 134 Ruínas de Tyrondir.................... 312 Dia a Dia em Arton..................... xx
Pondsmânia............................... 146 As Catacumbas de Leverick....... 317 Viagens & Estradas..................... xx
Academia Arcana....................... 160 Capítulo 3: Dinheiro & Comércio.................. xx
Vectora....................................... 165 Além de Arton.........................322 Arte & Cultura............................ xx
Lamnor...................................... 326 Lei & Ordem............................... xx
Capítulo 2:
Além dO Reinado....................170 Khalifor...................................... 340 Aventuras.................................... xx
Supremacia Purista.................... 174 Khubar....................................... 344 Apêndice:
A Conflagração do Aço.............. 186 Galrasia...................................... 352 Origens Regionais................xx
A Primeira Lição
Sente-se, jovem. Sei que você tem muitas perguntas. Não se preocupe, eu tenho
as respostas. Não é preciso ter pressa. Se há alguma coisa que aprendi ao longo dos
séculos é isso: tudo que vale a pena ser sabido merece ser aprendido com calma.
Como deve me chamar? Meus alunos me chamam de Mestre Luriel. Se
acredita que tenho algo a lhe ensinar, pode me chamar assim também. Terei
prazer em chamar você de estudante.
Então, estudante, vamos começar pelo começo.
Arton faz parte de uma Criação maior. O início de tudo é uma história longa,
que mais tarde você conhecerá. Por enquanto, o que precisa saber é que Arton
possui vinte deuses, que formam o Panteão. Cada uma dessas divindades
possui um reino divino, também chamado de “mundo” ou às vezes “Plano”. São
dimensões místicas, à parte do mundo material, mas com manifestações físicas.
E é isso que torna Arton especial: os mundos dos deuses, incluindo o sol e a lua,
orbitam ao redor do nosso.
Estamos, eu e você, no centro da Criação.
Divindades são fascinantes e poderíamos ter toda uma conversa sobre elas,
mas são assunto para outra aula. O tópico de hoje é Arton.
O que move este mundo, mais ainda que seus deuses, são seus aventureiros.
Nem todos em Arton são aventureiros, claro. A maioria dos habitantes
leva vidas simples: são fazendeiros, artesãos, servos. Andando pela vastidão
dos reinos, você verá muita gente que não deixa os limites de sua aldeia, que
nunca ultrapassou os portões de sua cidade murada. Mas, em meio a esses, há
os que anseiam por mais, ou que são obrigados a sair da vida cotidiana. Tudo de
importante que acontece em Arton tem a participação de aventureiros.
O Reinado, a maior coalizão de nações do continente, só existe por causa
desses heróis. Essa aliança foi formada por um propósito nobre: garantir que
seus habitantes sempre tenham um lar. Já foi muito maior, sendo composta de
quase todos os povos civilizados de Arton Norte. Mas precisou lutar contra os
escravistas e conquistadores minotauros nas Guerras Táuricas. Eu mesmo fui um
escravo dos minotauros, estudante. A partir desse conflito, formou-se o Império
de Tauron. Mais tarde, a odiosa Supremacia Purista se ergueu para exterminar
todos os não humanos e o Reinado mais uma vez pegou em armas. A Guerra
Artoniana provocou a saída de outros membros da coalizão, incluindo Aslothia,
que se tornou uma terra sombria de mortos-vivos governada por um Arquilich.
Em todos esses casos, houve a interferência de heróis. Sem aventureiros, as
práticas de escravidão dos minotauros nunca teriam sido enfrentadas. Sem
aventureiros, a Supremacia Purista teria triunfado.
Aventureiros fazem muito mais do que lutar em guerras e resistir a tiranos.
Mesmo em suas áreas civilizadas, Arton é perigoso. Vastas extensões de terras
selvagens escondem monstros vorazes, cultos profanos, masmorras cheias de
armadilhas. Um aventureiro pode passar décadas vagando por Arton sem
enfrentar o mesmo tipo de ameaça duas vezes.

8
É claro, existem muitas terras além do Reinado,
além até mesmo deste continente.
A Grande Savana, com sua orgulhosa civilização
arcana. O Deserto da Perdição, com
suas tempestades de areia que trazem estranhos
de outros mundos. Galrasia, a terra
esquecida pelo tempo. Tamu-ra, o Império de Jade
. A Ilha Nobre, com seus habitantes
herdeiros de animais.
E precisamos discutir algo que ameaça Arton inte
ira. Algo que todo aventureiro
teme ou anseia enfrentar — em geral ambos. Esto
u falando da Tormenta.
Para alguém como eu, parece que tudo começou
há meros instantes. A Tempestade
Rubra chegou poucas décadas atrás. Mas, depois
de sua chegada, tudo mudou. E, eu
temo, nada nunca mais será como antes.
Áreas de Tormenta são as mais terríveis máculas
sobre nosso mundo. São regiões de
chuva ácida e sangrenta, paisagens de pesadelos
tomadas por demônios. Talvez um dia
você enfrente a Tormenta, estudante... mas não hoje
. Essa é uma lição mais avançada. E
você já sabe: tudo que vale a pena ser sabido mer
ece ser aprendido com calma.
Se você realmente almeja uma vida maior que as
fazendas, aldeias e castelos das
pessoas comuns, deverá decidir como fazer isso.
E, se existem infinitas ameaças, tenho a
felicidade de lhe dizer que também existem infin
itas formas de enfrentá-las.
Existem armas, armaduras e força bruta. Existe furt
ividade e esperteza. Existe
magia arcana misteriosa, e magia divina que cana
liza o poder do Panteão. Existe ciência
revolucionária, engenhocas que rivalizam com os
mais potentes feitiços. Cada aventureiro
escolhe sua forma de proteger Arton ou é escolhido
por uma delas. Isso porque Arton é
mais que um mundo mágico — é um mundo maravilh
oso. É um mundo de variedade quase
incompreensível... e seus habitantes sabem disso.
Sei que o que estou falando parece contraditório
. Eu mesmo, quando cheguei a Arton
tantos séculos atrás, tive essa sensação. Mas ouça
minhas palavras e lembre delas.
Em Arton, o fantástico existe todos os dias, em todo
s os lugares. E nunca se torna
banal. Sabendo disso, você realmente poderá conh
ecer este mundo.
E assim concluímos sua primeira lição, estudant
e. Agora começa a segunda.
Eu poderia passar sua vida inteira falando. Talv
ez até minha vida inteira. E talvez
pudesse assim esgotar meus conhecimentos sobr
e este mundo.
Mas você não iria entendê-lo.
Arton não pode ser apenas recebida, deve ser conq
uistada. Essas terras não podem
ser apenas aprendidas, devem ser exploradas. E o
mundo que você descobrir será muito
diferente do meu. Quando descobrir o que é Arto
n para você, notará que já a ama.
Então a segunda lição é por sua conta, estudante.
Abra a porta. Dê o primeiro passo.
Desbrave Arton.

9
Introdução
A
rton é um mundo de cidades agitadas e Mas, se o tempo se estende para trás além da
masmorras sombrias, de aventureiros memória dos mais antigos deuses, se cada fase dessa
ousados e vilões cruéis, de alianças história parece transcorrer com a lentidão das forças
honradas e guerras inclementes. Mas, primordiais, tudo fica mais rápido e imprevisível à
antes de conhecer as terras, as pessoas e a medida que os mortais se desenvolvem.
política de Arton, é preciso saber sua história. Reinos são fundados e destruídos dentro da
mesma geração. Nobres se enfrentam, fazem trégua
A trajetória da Criação é repleta de heroísmo,
e voltam a guerrear. Alianças são feitas e dissolvidas,
horrores, eventos fantásticos e sacrifícios. É uma
inimizades se acendem e se resolvem. Porque, à me-
saga épica em que deuses e mortais passam por
dida que os povos artonianos crescem e se espalham,
perigos e provações — e nem sempre saem ilesos,
multiplicam-se aqueles que fazem a história se mover:
ou mesmo vivos. Forças cósmicas deram início a
tudo que existe, mas não podem controlar aquilo Heróis.
que criaram. Divindades deram vida aos mortais e A história de Arton é uma história de aventuras.
os guiam, mas ao mesmo tempo são modificadas, Desde a saga primordial, quando algo passou a existir
desafiadas e até vencidas por eles. A história de Arton onde antes não havia nada, até a busca mais recente,
é a história de suas entidades mais poderosas e de quando uma jovem acabou de pegar sua espada e
suas criaturas mais humildes. Todos têm seu papel a deixar sua aldeia.
desempenhar... E muitas vezes os papéis se invertem.
O início da história artoniana está escrito, mas
Ao longo da história de Arton, não seu fim.
houve eras brutais e violentas —
Porque, enquanto houver heróis, nunca haverá
épocas em que apenas os mais fortes
um fim verdadeiro.
prosperavam —, assim como idades
utópicas, cheias de maravilhas, em que a
ciência e a arte floresceram. Impérios pare-
ciam eternos, mas acabaram. Povos passaram
séculos em desgraça, mas se ergueram.
Uma breve história de Arton

N
arrar toda a trajetória artoniana, com é que alcançá-los envolve segredos, portais místicos
suas complexidades, contradições ou jornadas longuíssimas — nunca fáceis e quase
e redemoinhos de eventos, seria sempre mortíferas. Mas mesmo as moradas do próprio
impossível — ao menos em poucas Panteão são deixadas de lado pelos imortais diante do
páginas. Este é um resumo conforme os estudos verdadeiro alvo de seus desejos.
mais atuais dos escribas da Caverna do Saber. Arton, o centro da Criação.
Pesquisas escolhidas para registro especial no O que antes era disforme foi moldado pelos deuses.
Helladarion, o Artefato Vivo, preservador das E os deuses, por sua vez, descobririam que a fé dos
memórias de todos os devotos que dedicaram habitantes deste mundo era capaz de aumentar ou
vidas inteiras a buscar conhecimento. diminuir seu poder e até mesmo de fazê-los ascender ou
cair. Segundo contam os antigos, a vida surgiu em Arton
com uma lágrima de Lena, a Deusa Criança, quando
O Início de Tudo ela se entristeceu ao contemplar a superfície estéril e
desolada desse mundo. Oceano foi o primeiro criador,
(7 bilhões de anos AE a 1007 CE) tomando a lágrima e moldando-a habilmente em uma
miríade de seres para povoar as águas. Allihanna, a
De antes da Criação até a queda de Sszzaas Mãe Natureza, fez com que parte deles deixasse os
mares e habitasse as terras emersas. Foi então que o
A origem do Panteão bestial Megalokk usou seu poder para corromper as
No princípio, havia apenas o Nada e o Vazio. criações de sua irmã e, a partir dos animais, criou os
primeiros monstros.
Entidades cósmicas inatingíveis, alheias a tudo,
de poder sem limites. A opressão de suas feras titânicas sobre Arton
durou até 65 milhões anos antes da chegada dos
Do encontro dessas forças, nasceram as divindades elfos, quando o restante dos deuses se uniu e resolveu
maiores, conhecidas como o Panteão. Capazes de exterminá-las. Khalmyr, o Juiz Supremo, decretou:
moldar o universo à sua vontade, comportavam-se a partir daquele dia, grandes predadores conhecidos
de maneira bem diferente dos pais. Eram criaturas como lagartos-trovão deveriam habitar apenas regiões
imperfeitas, movidas por paixão e fúria. Eram, em extremas, dando chance para civilizações crescerem e
suma, indivíduos. Ao longo das eras, alguns deuses prosperarem. E assim aconteceu.
maiores ascenderam; outros caíram. Seu número,
entretanto, jamais mudou: vinte. Sempre vinte. Até hoje, pouco se sabe o que despertou no Panteão
a vontade de criar. Alguns dizem ter sido vaidade, o
Antes de o próprio tempo existir, cada membro impulso de repetir o feito do Nada e do Vazio. Outros,
do Panteão ergueu para si um domínio planar, um que sua motivação foi o simples tédio de uma existência
reino dos deuses. Um mundo espelhando sua eterna. Seja como for, as coisas nunca mais foram as
natureza, seu caráter, onde a destruição final não mesmas.
poderia tocá-lo. Tais lugares se tornariam o descanso
final para os mortos de Arton, nobres ou plebeus,
heróis ou vilões. Dizem que, exceto quando um O nascer
deus demonstra interesse especial por alguém, a das civilizações
destinação de cada alma é decidida ao acaso. Se será Arton, tal qual vista por uma criatura voando
paraíso ou inferno, isso depende das crenças que nas alturas mais remotas, assemelha-se a um mar
alimentou enquanto viveu. interminável cercado por um céu com um sol e uma
Os reinos são Planos flutuando no espaço entre as lua. Da sua imensidão oceânica despontam duas
realidades ou esferas viajando através do éter divino? enormes massas de terra, além de incontáveis ilhas.
É um problema teológico sem conclusão, assunto de Os continentes irmãos são chamados de Lamnor — ou
discussões acaloradas e infindáveis. A única certeza Arton Sul — e Ramnor — ou Arton Norte. Já foram

Introdução
12
interligados por uma ponte natural conhecida
como o Istmo de Hangpharstyth, mas ela foi
destruída pela fatídica queda de um cometa.
Mesmo antes do fim da Era dos
Monstros, as paragens artonianas foram
habitadas por seres inteligentes, como
as crias de Kallyadranoch, o Deus
dos Dragões. Dragões eram as
únicas criaturas capazes de rivalizar
com bestas gigantes, mas no fim
sofreram o mesmo destino e
foram exilados. De qualquer
forma, eram individualistas
e, até onde se sabe, nunca
formaram sociedades.
Após o declínio dos filhos
de Megalokk, diversos seres meno-
res, mas inteligentes e capazes de se
unir, começaram a surgir. Primeiro,
Glórienn, a Deusa dos Elfos, criou o
povo élfico em seu próprio reino divi-
no. Depois, já em Arton, surgiram as
fadas, de um sonho louco de Wynna, Aqueles que viriam a dominar
a Deusa da Magia, ao ouvir os Arton foram criados por Valkaria, a
sussurros de Nimb, o Deus Deusa da Ambição e da Aventura,
do Caos, da Sorte e do sempre insatisfeita. De acordo com
Azar. Os anões, filhos algumas histórias, ela só ficaria
da paixão de Khalmyr contente quando seus filhos supe-
e Tenebra, a Deusa rassem os deuses. A humanidade teve
das Trevas. E diversos um começo humilde, em tribos primitivas se
outros povos, até... escondendo de predadores em cavernas enquanto
Os humanos. aprendiam a dominar ferramentas. Mas, desse começo
modesto, os humanos cresceriam e realizariam faça-
nhas incríveis — para o bem e para o mal.
Qual foi o primeiro reino a existir? A resposta
para essa pergunta se perdeu no tempo. Houve muitos
falsos começos de civilizações de todo tipo e por todo
lugar. Em ambos os continentes existem vestígios de
sociedades que foram destruídas pela fúria da natu-
reza, pelo duelo de deuses menores ou por maldições
terríveis. Desses precursores restaram apenas ruínas.
Mas nas verdejantes terras de Arton Sul, muitos
povos encontrariam um berço fértil onde crescer.
A verdade é que, apesar do banimento dos lagar-
tos-trovão, muitos monstros continuaram a existir.
Embora não mais dominassem o mundo, tais criaturas
eram abundantes no norte, limitando o crescimento
da população e deixando vastidões de terras ermas
e despovoadas. Em Lamnor, essas ameaças eram
O Nada o e Vazio, como representados relativamente mais brandas, mas isso não significa
pelo pintor élfico Alantharir Edhallas em que as culturas locais tenham levado uma existência
afrescos na Catedral de Valkaria pacata ou livre de privações.

Boas-vindas a Arton
13
Por meio de fogo, ferro e feitiçaria, os humanos Nhardmaran, a Cidade Dourada,
iluminou a antiguidade artoniana
lutaram e ergueram algumas aldeias muradas, que mais ao receber a bênção da escrita
tarde dariam origem a imponentes cidadelas-estado.
Mesmo nessa época, contavam com um generoso
número de heróis, característica emprestada a eles por
sua deusa padroeira. Outros povos lamnorianos, como
os hobgoblins, não seguiram de maneira diferente
das crias de Valkaria. Através de suas dádivas únicas,
encontraram soluções para lidar com as ameaças:
cidades subterrâneas, quartéis fortificados e seus
próprios campeões.
Crescer dessa maneira confinada levou a popula-
ções pequenas e concentradas em centros urbanos. A
longa distância entre cada cidade, somada aos perigos
no trajeto, levou a um lento espalhamento de saberes
e uma cultura isolacionista, que se manteve como
uma característica dos reinos sulistas por várias eras.
Por um longo período, as histórias dessas civilizações
foram um amontoado de lendas e tradição oral,
constantemente perdidas com a morte dos últimos
anciões a conhecê-las. Nada era registrado ou deixado
para a posteridade.
Até que foi.
Dois milênios antes dos elfos, Tanna-Toh, a Deusa
do Conhecimento, abençoou as civilizações com a
palavra escrita.
A heroína responsável por conquistar essa dádiva
foi Sirrannamena, a Rainha Barda. Nessa época,
ela governava a Cidade Dourada de Nhardmaran,
usando sua voz mágica para inspirar seu povo a
grandes feitos. Contudo, essa gloriosa civilização era
assolada pelos ataques de K’Athanoa, um deus menor
horrendo e indestrutível. A abominação hibernava
nas profundezas oceânicas por longos períodos e,
quando despertava, trazia caos e destruição. Poucos
sobreviviam a suas investidas e, mesmo que alguém
descobrisse alguma fraqueza da criatura, esse conhe-
cimento se perdia com o tempo. A própria civilização
de Nhardmaran regredia a cada ataque de K’Athanoa,
sendo forçada a redescobrir muitas de suas inovações.
Sob a sombra do deus menor, a Cidade Dourada
estaria para sempre estagnada.
Quando o monstro despertou durante o reinado
Acompanhada dos maiores heróis da Cidade
de Sirrannamena, ela partiu para enfrentá-lo. Do
Dourada, Sirrannamena desbravou as florestas mais
topo da muralha mais alta de Nhardmaran, a Rainha
Barda cantou e espantou K’Athanoa, mas não antes densas, escalou as montanhas mais altas, desceu às
de sofrer um corte terrível na garganta. Um ferimento cavernas mais profundas. Na gruta mais escura, após
que roubou dela sua maior dádiva: a voz. Quando nem enfrentar e derrotar uma cria das sombras, encontrou o
mesmo o mais hábil sacerdote foi capaz de curá-la, que buscava. Ao deixar as profundezas, a Rainha Barda
Sirrannamena se desesperou. Sem sua voz, temia não trazia consigo o maior tesouro, a dádiva de Tanna-Toh:
conseguir mais conduzir seus súditos. Por isso, partiu um pergaminho com as primeiras letras. Sirrannamena
em busca de iluminação. poderia continuar inspirando seu povo, agora usando

Introdução
14
essa nova forma de comunicação. Mais do que isso, a Império Nardmyr. Orientadas pelos auspícios de
escrita permitiu que a sabedoria fosse preservada entre clérigos ambiciosos, suas legiões passaram décadas
cada cataclisma, possibilitando o avanço da civilização. anexando as cidadelas-estado do continente, como
Sob a liderança da guerreira-poetisa, centenas de uma máquina de guerra precisa e eficiente. O segredo
templos a Tanna-Toh foram erguidos. Atuando como do sucesso nardmyr foi a revolucionária construção de
escolas, esses locais ajudaram a difundir a alfabetização. portais arcanos. Eram usados para manter o controle
Dos descendentes dessa heroína lendária nasceu dos territórios conquistados, permitindo que tropas
a dinastia sirranniana, governantes que lideraram e mercadores se teletransportassem pelas regiões
a primeira tentativa de expansão humana no sul: o sob domínio. Seus manadutos enviavam energia para

Boas-vindas a Arton
15
abastecer as maravilhas arcanas. No auge do império,
diz-se que seus entrepostos alcançavam o continente
ao norte ou mesmo outros mundos.
Mas a ferramenta revolucionária se
mostrou um ponto fraco.
Sagas ancestrais relatam que
Lathzira, a Magimoldadora-Mor
do Império por séculos, devota de
Wynna e responsável pela cons-
trução dos portais, em algum mo-
mento teria se cansado do mundo
material. Transcendeu a cor-
poreidade para habitar um
Plano de existência mais
elevado. Deixou para
trás Hermonice, Tuznaem
e Vargroud, seus três aprendizes,
para cuidarem dos portais, mas eles não seguiam
o altruísmo pregado pela Deusa da Magia. Organiza-
ram um golpe, eliminando a família real e o clero, e
se apossando da capital Nhardmaran. Por fim, vol-
taram-se uns contra os outros.
Energias canalizadas pelos pode-
rosos arcanistas durante suas bata-
lhas afetaram os manadutos nard-
myr, responsáveis por manter
os portais. As impressio-
nantes construções ru-
íram e, sem a uni-
dade garantida

“Dos céus desceram as mãos alvas de Glórienn,


depositando seus filhos preciosos aos cuidados
de seu irmão, Oceano.”
— Taralar Silanthis, historiador élfico

16
por eles, o império deixou de existir. Suas principais Foi denominado Narlaruen, a “Vida Veloz”. A suas
províncias, Gordimarr, Ylloran e as Terras de Ghon- margens, os elfos transplantaram um pedaço de seu
driann, declararam independência, dando origem aos mundo natal, dando origem a uma cidade que se fundia
futuros novos reinos do sul. Lamnor mergulharia em de maneira harmoniosa com a vegetação ao redor.
um longo período de descentralização política, gover- Lenórienn, o Novo Lar.
nada por senhores da guerra, e as artes arcanas deixa-
riam de ser livremente praticadas, sendo vistas com Antes mesmo que a cidade fosse terminada, sábios
maus olhos. Por anos, tudo permaneceu assim. élficos foram enviados por todos os cantos de Arton
Sul para anunciar a fundação de um sublime centro de
Até que visitantes inesperados surgiram. arte e conhecimento, e espalhar os avanços da cultura
élfica. Por trás dessa fachada de altruísmo havia uma
A chegada dos elfos arrogância atroz.
Lendas falam sobre a jornada do povo élfico de O local escolhido pelos elfos para erguer a cidade
Nivenciuén, seu paradisíaco reino divino, até as terras pertencia aos hobgoblins, povo guerreiro que domi-
artonianas — as mais fantásticas falam da travessia do nava os bosques e já havia entrado em conflito com
éter entre os mundos a bordo de navios voadores. Já humanos incontáveis vezes. Os elfos enxergavam os
sobre as motivações por trás dessa peregrinação, pouco hobgoblins como primitivos, pouco mais que animais.
se sabe. Alguns sábios acreditam que os elfos vieram Em vez de tratá-los como uma civilização vizinha,
a esta terra para educar e instruir os demais povos, resolveram simplesmente ignorá-los. Pagaram o preço
em uma mistura de altruísmo e arrogância. Outros de seu engano.
afirmam que seus objetivos eram mais diretos e que
Embora as primeiras incursões goblinoides para
os elfos planejavam dominar o mundo em nome de
retomar o território tenham sido massacradas com
Glórienn. Seja como for, o contato da civilização élfica
chuvas de flechas mágicas disparadas por arqueiros
com os povos do sul alterou para sempre o equilíbrio
élficos, ao longo de anos os hobgoblins desenvolveram
do poder em Lamnor.
táticas capazes de fazer frente ao inimigo: novas e
Muitos elfos dessa era sucumbiram a mortes cruéis armas, máquinas de cerco sofisticadas e até
violentas ou ao simples contato com o mundo material mesmo táticas que reproduziam e aperfeiçoavam a
e transitório de Arton. Poucos sobreviveram. Menos técnica dos invasores.
ainda lembram com exatidão da travessia e quase
Logo os habitantes de Lenórienn se viram acuados
nenhum tem desejo de falar sobre isso. Quaisquer
na capital, incapazes de se expandir. O conselho regen-
que tenham sido seus motivos para vir, os elfos
te lennoriano se recusou a voltar atrás e o governante,
experimentaram uma realidade diferente neste mun-
o Rei Khinlanas, sentiu-se traído pelos povos que
do. Descobriram que sua suposta perfeição não era
pretendia ajudar, fechando-se então para todos
reconhecida universalmente, viram sua “ajuda” ser
os artonianos. O conflito entre elfos
rejeitada e, em vez de serem saudados como
e hobgoblins se arrastaria por sé-
benfeitores, enfrentaram resistência armada.
culos e passaria a ser conhecido
O primeiro lugar que visitaram teria sido como a Infinita Guerra.
a enorme e verdejante Floresta de
Myrvallar, um nome que em élfico
significa “Paz na Alma”. O título parecia
perfeito, pois a floresta aparentava ser
um lugar tranquilo, o fim da jornada
para os viajantes. Um rio
rugia atravessando a mata.

17
Durante certo tempo, houve entre parte dos Darsic os detestava desde que seu pai morrera lutando
goblinoides a esperança de uma aliança com a huma- contra eles, em uma escaramuça sangrenta décadas
nidade. Apesar do seu histórico de contendas, ambos antes. A única tentativa tensa de negociação entre
pertenciam ao mesmo continente, enquanto os elfos Ghondriann e os goblinoides acabou em um banho
eram forasteiros e, portanto, podiam ser vistos como de sangue que causaria retaliações um ano depois,
um inimigo em comum. levando à morte do monarca. Essa tragédia selaria
Enquanto isso, cidades-estados nas terras hu- qualquer chance de conciliação entre os dois povos.
manas passavam por um período de unificação. O A humanidade teve contato mais pacífico com
honrado cavaleiro Darsic II passara anos vivendo os elfos, chegando a receber deles conhecimento
no deserto e voltara trazendo os ensinamentos de sobre magia e outras artes sofisticadas. Contudo,
Hedryl, como era conhecido o Deus da Justiça. Darsic isso nunca se traduziu numa aliança verdadeira,
desafiou os cobiçosos tiranos das cidades-estados pois o Rei Khinlanas I mantinha sua política isola-
de Delphradiann, Leokann e Quiell na campanha cionista. Os elfos nunca entenderam por que suas
militar que recebeu o nome de Prélios da Pedra dádivas não foram recebidas com gratidão eterna e
Preciosa. Criou um reino unificado, sob uma mesma por que povos selvagens não se curvavam ante sua
fé e lei, chamado Ghondriann. civilização. Os humanos se mantiveram afastados de
Parte dos feitos de Darsic eram mérito do artefato Lenórienn e, com o tempo, passaram a se ressentir
que emprestou nome ao conflito e que ele usava da condescendência com
em sua coroa: a Joia da Alma. Dizem que, graças que eram vistos. Firmaram
a ela, o monarca trazia gravados em sua mente o Tratado de Lamnor,
os ensinamentos aprendidos em seu tempo jurando não interferir em
de exílio e por isso era um juiz de sabedoria assuntos élficos.
inigualável, sua reputação respeitada mesmo Assim a história do sul seguiria,
entre os inimigos. embebida em divisão e sangue.
Talvez o reino pudesse ter sido um aliado
dos hobgoblins contra os elfos. Contudo, a
Joia da Alma não deixava o Rei Darsic
II esquecer nada — inclusive seu
ódio. Mesmo que estivessem naquele
momento defendendo suas terras,
os hobgoblins eram um
povo militarista e violento.

Glórienn, a Deusa dos Elfos, pronta para


enfrentar qualquer inimigo, exceto o fracasso

Introdução
18
Guerras divinas Tilliann contribuiu com curiosidade ilimitada e
criatividade absoluta.
Por volta do sexto século depois da chegada dos
Kallyadranoch lhes deu poder puro e desmedido.
elfos, as conspirações do Panteão estavam prestes a
mudar tudo mais uma vez. Tilliann, o Deus dos Gno- Os Três preferiram não se revelar a seus novís-
mos, também considerado o Deus da Criatividade, simos filhos, criando vinte pseudodivindades para
nunca havia colocado seus filhos em Arton, nunca regê-los em seu lugar e servirem como o futuro
completara seu propósito divino. Mesmo assim, não alvo de rebeldia. Em vez disso, eram conhecidos
deixava de se jogar a outros ímpetos criativos. Em somente como uma trindade de conceitos filosóficos:
mais um desses devaneios repletos de entusiasmo, o Coração, a Mente, a Chama.
sua curiosidade infinita o levou a buscar por algo novo. Os lefeu evoluíram mais rápido do que qualquer
Esse algo foi encontrado. um, mesmo seus criadores, poderia prever. Em vez de
apenas superar seus falsos deuses, eles os assassinaram
Outra Criação.
assim que tiveram chance. Eram seres de ambição e
Não uma dimensão ou Plano, mas um universo in- maldade incontroláveis. Tilliann tentou se revelar
teiro totalmente separado do que se conhecia até então. a suas crias, mas quando viu aquilo que haviam se
Um não-lugar onde o Nada e o Vazio jamais haviam tornado, enlouqueceu. Os Três recuaram de volta a
consumado seu amor. Não se sabe se Tilliann revelou seus reinos divinos, mas era tarde demais. O Panteão
a Valkaria essa Criação ou se a Deusa da Humanidade havia descoberto o terrível segredo e as abominações
soube de sua descoberta por seus próprios meios. que Valkaria, Tilliann e Kallyadranoch haviam criado.
Contudo, sabe-se que ela imediatamente desejou o Os atos dos Três desafiavam a lei de Khalmyr, e
não-lugar para si. as criações resultantes eram horrendas e perigosas
O que outras mentes poderiam enxergar como um demais para que lhes fosse permitido continuar a
infinito estéril e sem atrativos, aos olhos de Tilliann existir. Mas as três divindades continuavam a amar
e Valkaria era um pergaminho em branco, repleto de seus filhos aberrantes, fruto de suas qualidades
possibilidades. Ali, Criatividade e Ambição poderiam mais intrínsecas. Valkaria, Tilliann e Kallyadranoch
explodir como nunca antes. resistiram à ordem de extermínio e houve guerra.
Os maiores campeões humanos cavalgaram dragões
Mas aquilo não seria só dos dois por muito tempo:
ancestrais e máquinas mecanomágicas contra os
logo, Kallyadranoch, o Deus dos Dragões, descobriu
exércitos divinos. Em vão.
a informação que ambos mantinham oculta do resto
do Panteão. Entre os teólogos e devotos, aqueles que No fim, a derrota foi absoluta. Não só os lefeu
acreditam na benevolência de Valkaria afirmam que foram erradicados, como a própria lembrança de que
Kally chantageou os conspiradores, exigindo participar haviam existido foi apagada, pois mesmo lembranças
de seu estratagema em troca de guardar segredo. Mas dos deuses tinham poder. Os conspiradores receberam
também existem aqueles que veem em Valkaria, acima castigos de acordo com suas crenças.
de tudo, sede de aperfeiçoamento. Estes dizem que Valkaria perdeu sua liberdade. Foi reduzida ao
Kallyadranoch foi convidado a se juntar aos dois, para que lhe era doloroso, uma mera vítima em perigo, com
que contribuísse com o Poder. Seja como for, havia sua essência aprisionada em uma imensa estátua.
agora mais um deus envolvido no segredo. Mas houve clemência: foi permitido que mantivesse
seu posto enquanto cumprisse a pena e, um dia,
Eles eram os Três.
poderia ser resgatada pelos humanos que havia criado.
Quando o trio colocou em prática seu experimento, Nunca teve dúvidas de que eles conseguiriam tal feito.
cada divindade seguindo os passos determinados
Tilliann perdeu sua capacidade de criar.
por sua natureza, nem mesmo eles podiam prever o
Khalmyr o golpeou e sua essência divina sangrou
tamanho do horror que desencadeariam. Alimentaram
no mundo material. Nimb o mastigou e, quando o
um sonho: criar o povo perfeito. Seu verdadeiro nome
cuspiu, era apenas um humanoide. Em seu lugar,
não pode ser pronunciado por artonianos ou mesmo
ascendeu Hyninn, um astuto semideus trapaceiro.
ouvido sem causar danos à sanidade, mas passariam
A divindade do antigo Deus dos Gnomos foi usada
a ser conhecidos como os lefeu.
para criar uma muralha que separaria totalmente os
Valkaria deu a eles o dom da ambição, a fome dois universos, para que nunca mais se tocassem.
constante por mudança e aperfeiçoamento. Eram uma Criação e uma Anticriação.

Boas-vindas a Arton
19
Kallyadranoch perdeu seu orgulho. Foi removido vital, seu plano foi descoberto. As conexões com as
da existência e, assim como acontecera com seus filhos joias foram cortadas a tempo e ele recebeu a pior das
lefeu, seu nome foi esquecido por todos. Durante punições. Todos os povos que havia criado seriam
séculos seria lembrado apenas como o Terceiro. O caçados pelos demais, ele acabaria aprisionado em
vácuo que sua queda criou permitiu a elevação do Arton em uma forma corpórea, privado de seus
brutal Ragnar, o Deus da Morte dos Goblinoides. poderes. Caso fosse destruído, encontraria a morte
final, a inexistência absoluta. A noção mais horrenda
Os lefeu, apesar de todos os esforços divinos, não
e o maior medo dos imortais.
deixaram de existir. Sem que nenhum deus soubesse,
ressurgiram na Anticriação e, sem controle ou vigi- Jamais retornaria ao Panteão.
lância, evoluíram a patamares muito superiores a tudo Ou assim se acreditava.
que haviam alcançado antes. Os demônios em certos
reinos divinos conheciam lendas e boatos sobre os
lefeu, temendo-os como um aldeão artoniano teme
um demônio. Os lefeu conquistaram todos os lugares
História Antiga
de seu universo, destruíram tempo e espaço, acabaram (1007 CE a 1364 CE)
com os conceitos de vida e morte. Venceram os limites Da queda de Sszzaas à coroação
entre os indivíduos, ocuparam e substituíram sua do Rei-Imperador Thormy
Anticriação. Do outro lado da barreira, tudo era lefeu.
Mais tarde, eles se tornariam a maior ameaça a Arton.
A Revolta dos Três foi apenas um dos conflitos
Formação
que abalaria o Panteão nesta era conturbada. Khalmyr
dos reinos do sul
desejava garantir que nunca mais pudesse ocorrer A despeito das intrigas divinas, em Arton a
algo tão grave a ponto de causar uma guerra divina. civilização continuava sua marcha. Nos séculos
Era preciso obrigar os vinte deuses a confiar uns nos seguintes, assumiu as mais diversas formas — dos
outros — e essa foi uma das raras ocasiões em que lordes guerreiros do arquipélago de Tamu-ra aos
todo o Panteão concordou em algo. sauroides da ilha de Galrasia; dos nômades Sar-Allan
Nimb então sugeriu um plano a seus irmãos. Um no Deserto da Perdição aos primeiros potentados
plano arriscado, ousado e potencialmente caótico, dos extremos de Ramnor.
mas eficiente. Cada divindade deveria depositar seu Em Lamnor, mesmo sem as bênçãos da sua deusa
poder em uma gema indestrutível e indetectável — criadora, a humanidade seguiu. Haveria um segun-
os Rubis da Virtude. Trocariam então os artefatos do império, dessa vez não mais impulsionado por
entre si, como uma garantia. O Deus do Caos rolou artifícios mágicos, mas por estradas e caravanas. No
seus dados para definir qual divindade ficaria com espaço de alguns anos, tanto graças a seus honrados
qual gema. Não sabendo quem detinha a pedra paladinos quanto a hábeis espiões, a antiga província
contendo sua essência vital, os deuses não poderiam de Gordimarr se expandiu militarmente por rotas de
jamais ameaçar uns aos outros sem correr o risco comércio e entrepostos. Gordimarr clamou para si
de serem também destruídos.
o posto de sucessor espiritual das legiões nardmyr
Sszzaas, a Serpente de Muitos Olhos, era do passado, conquistando diversos territórios e
conhecido como o Deus da Sagacidade e dos Misté- ultrapassando outras potências lamnorianas.
rios, mas sempre foi o Deus da Traição. Consoante
Seu auge se deu nos tempos de Protas III que,
com sua natureza divina, aguardou pacientemente
embora jamais tenha ocupado formalmente o posto de
até que um complô abalasse a confiança do Panteão
e uma medida drástica fosse necessária. O Grande rei-imperador, foi aclamado dessa forma pela nobreza.
Corruptor fora na verdade responsável pela ideia de Sob seu comando, o reino alcançou uma prosperidade
Nimb. Tudo havia sido um plano, todos os deuses que financiou uma verdadeira renascença cultural.
haviam sido manipulados. Inúmeros templos e bibliotecas foram erguidos sob
a orientação de guildas de engenheiros e arquitetos.
Sszzaas conseguiu o impossível: roubou todos
os Rubis da Virtude. Sua horrenda intenção era O monarca também apadrinhou aventureiros,
destruir quase todos eles, preservando apenas o seu entre eles o famigerado Khalil, que passaria à história
próprio, para aniquilar os outros deuses e se tornar como Khalil de Gordimarr. Entre os maiores feitos
a única divindade de Arton. Contudo, enquanto de Khalil está a expedição ao norte, ainda indômito
tentava descobrir qual deles continha sua essência e desconhecido aos povos sulistas, para que fosse

Introdução
20
desbravado e mais tarde conquistado. Centenas de O palco principal da guerra foi o diminuto país de
guerreiros o acompanharam na jornada, mas apenas Tarid, massacrado e saqueado pelos exércitos estran-
quarenta retornaram. geiros. Esse triste período ficou conhecido como os
Anos da Forja. Tal qual disse um sábio neridianno da
As canções dos bardos variam muito quanto ao
época, o Triângulo era o martelo, as forças de Solavar,
que Khalil de Gordimarr teria encontrado naquelas
a bigorna, e Tarid, a espada, a única a sofrer os golpes.
paragens, mas todas concordam em algo: monstros.
Do encontro com dragões a uma nação governada por Foi no ano de 950, nas planícies de Yugarrth,
gigantes, os relatos dessa expedição ensinaram aos que o Príncipe Renngard finalmente derrotou Coru-
lamnorianos que as terras do norte eram selvagens lann. Esse evento, um dos mais sangrentos embates
e perigosas, escondendo apenas a ruína e a morte. da humanidade até então, foi batizado de a Grande
Khalil receberia o controle de terras no istmo que dava Batalha. A punição aos derrotados não se estendeu
acesso Ramnor. Ali seria construída uma das maiores apenas aos nobres causadores da guerra — a população
fortalezas de todos os tempos, equipada com balestras, inteira dos reinos derrotados foi considerada inimiga.
catapultas e centenas de torres de vigia. Foi batizada Os habitantes de Ghondriann, Cobar e Sidarid foram
em sua homenagem: Khalifor. expulsos pelos vitoriosos, perdendo tudo que tinham.
Banidos de suas terras para além dos muros de Khalifor,
O fim do sonho de conquistar o norte significava
deixaram seus lares, suas vidas, tudo que conheciam
que agora a nobreza faminta por terras poderia voltar
até então, procurando refúgio no único lugar que lhes
seus olhos apenas para os domínios vizinhos. Durante
restava: o temido continente norte.
anos, tudo permaneceu em relativa paz, mas a morte
de Protas levou ao esfacelamento do império gordiano,
que foi dividido entre seus herdeiros e deu origem a
A saga da caravana
uma miríade de reinos menores. Um palco propício A história da Caravana dos Exilados fala sobre
a conflitos nasceu das novas políticas de alianças por pessoas em busca de refúgio. Gente que acordou um
meio de casamentos entre famílias nobres. dia sem ter mais nada, pois assim fora decretado pelos
vitoriosos. Mas, acima de tudo, fala sobre redenção.
O estopim da primeira guerra total entre reinos
Os povos ghondrianni, cobarianos e sidur rece-
humanos foi a fatídica morte da Princesa Yllia. A
beriam uma oportunidade dos deuses. Lamnor estava
herdeira de Corulan VI, soberano do já consolidado
fadado a cair por suas intrigas palacianas e desunião,
Ghondriann, o Reino dos Justos, foi assassinada por mas a grande maioria dos exilados não teve voz nas
bandoleiros ao fugir de casa num arroubo juvenil. Ao decisões tomadas por seus reis durante a guerra. Essas
ver frustradas todas as tentativas de ressuscitá-la por pessoas comuns ganhariam a chance de recomeçar em
meios arcanos ou divinos, Corulan VI decidiu pousar outro continente, onde poderiam se juntar ao restante
a culpa sobre os ombros de Renngard, jovem príncipe da humanidade, para no futuro salvar sua deusa e
do reino de Mortestenn. provar que eram tudo aquilo que ela havia defendido
Essa nação resistiu ao ataque das imbatíveis arma- neles. Antes, entretanto, precisariam passar por uma
série de provações.
das ghondrianni durante anos, em parte graças a seus
aliados, os países de Cobar e Sidarid. Contudo, os Foi por volta de 960 CE que um menino chamado
ardilosos reis Wynallan I e Trovadir acabaram traindo Roramar Pruss ouviu os sussurros de Valkaria em
Mortestenn e se aliando a Ghondriann, formando a sonhos, ainda que não a conhecesse por esse nome. A
facção denominada Triângulo de Ferro. O motivo voz da deusa trazia uma mensagem: os povos expulsos
precisavam seguir para o norte.
da traição é nebuloso, mas alguns historiadores
especulam que os três monarcas haviam planejado Esses exilados se juntaram em uma marcha
o conflito desde o princípio, por interesses políticos de milhares e milhares de pessoas, uma nação
e econômicos. De qualquer forma, Mortestenn caiu. improvisada em movimento, feita de carroças, ani-
mais e penitentes a pé. Sofreram ataques de feras,
Sem um lar e destronado, o Príncipe Renngard monstros e humanoides hostis, provaram fome, frio
fugiu para o rico reino de Ylloran. Lá, convenceu o e pestilências. Testemunharam tentáculos de bestas
Rei Solavar VIII a se preparar contra uma invasão marinhas emergindo ao longo da costa e cruzaram
vindoura. Solavar fez bem mais. Trouxe seus próprios as ruínas abandonadas de palácios gigantescos.
aliados para o conflito: o reino remanescente da antiga Viveram aventura atrás de aventura em uma odisseia
Gordimarr e o estado mercenário de Nortramid. de sessenta longos anos.

Boas-vindas a Arton
21
A viagem em si nunca duraria tanto tempo, mas
foi também uma peregrinação mística, um período
de purificação em que mais de uma geração nasceu e
morreu. Milhares de refugiados passaram suas vidas
inteiras em migração, sem nunca conhecer um lar fixo,
continuando em frente com uma esperança: havia um
destino final. Durante a Saga da Caravana surgiram
nomes de futuros heróis e vilões hoje lendários,
como o intrépido batedor Cyrandur Wallas, o
ambicioso cavaleiro Thomas Lendilkar, o
paladino do sol Morkh Amhor e o arquimago
Karias Theuldeuruff.
Por fim, os exilados conseguiram chegar a
seu destino, seguindo as diretrizes de seu líder
profético, agora já um sábio venerável. Encontra-
ram sua deusa esquecida, na forma de uma imensa
estátua com as mãos levantadas para os céus. Era
Valkaria, a Mãe da Humanidade. Ali Roramar
descobriu que podia operar milagres, tornando-se
o primeiro clérigo de Valkaria lamnoriano em mais
de três séculos. Aclamado como um salvador, ele
foi coroado rei e decretou que, em volta da estátua,
deveria ser erguida uma nova cidade.

A Caravana dos Exilados,


guiada por Roramar Pruss até os pés
da Deusa da Humanidade

Introdução
22
A estátua do tamanho de uma pequena montanha aos pés de sua deusa, eles alcançaram redenção pelos
não passara despercebida dos povos humanos que atos de seus senhores décadas atrás.
habitavam o continente. Alguns deles consideravam Houve alguns conflitos no início. Durante a jornada,
aquelas cercanias como uma terra santa que nunca os refugiados travaram contato com inúmeros povos do
deveria ser maculada pelo estabelecimento de co- continente norte — às vezes de forma pacífica, às vezes
munidades. Outros temiam que a estátua da deusa agressiva. Comércio, casamentos, pequenas guerras,
pudesse despertar a qualquer momento, pisoteando e alianças… Os exilados de Lamnor não eram estranhos
destruindo tudo ao redor! Outros ainda diziam que era às populações que já habitavam sua terra prometida.
um local onde os mortos deveriam ser enterrados, mas Ao chegar à estátua de Valkaria, foram acolhidos por
que os vivos não deveriam tocar. E havia aqueles que, alguns, atacados por outros e ignorados pela maioria.
ao longo dos séculos, haviam erguido povoados mais Sem escolha e sem como voltar
ou menos longevos nas proximidades da estátua. En- atrás, os refugiados defen-
quanto os nativos tinham suas próprias sagas, Valkaria deram seu novo lar quando
representava o fim da Saga da Caravana precisaram, travaram alianças
dos Exilados. Finalmente chegando quando foi possível.

Boas-vindas a Arton
23
Como todas as populações humanas na história de fadas, aldeias lideradas por druidas, tropéis nômades
Arton, os povos do sul e do norte continham altruísmo sempre em movimento, clãs de guerreiros endurecidos
sublime e maldade horrenda, coragem desmedida e e mesmo enclaves abrigando sociedades avançadas
covardia abjeta. O contato entre recém-chegados e nas artes arcanas.
nativos foi tão variado quanto a experiência humana. Ainda assim, até mais do que em Lamnor, essas
Com o passar do tempo, ao notar que o assentamento eram ilhas remotas de segurança e previsibilidade, em
prosperava sem ser vítima de ira divina e vendo que meio a uma vastidão de ermos selvagens, resquícios
os forasteiros cultuavam a mesma deusa da qual eles de uma era primordial quando bestas gigantescas
eram devotos, muitos nortistas passaram a peregrinar andavam sobre a terra. Nas palavras dos sábios nativos,
ao local e realizar comércio com os lamnorianos, logo o norte era uma orgulhosa “colcha de retalhos”. Esse
se mesclando ao povoado. termo ainda seria usado atualmente para descrever
A nova comunidade atraiu atenção de outros seu fascinante mosaico de culturas.
grupos. De pradarias ao norte vieram as Amazonas Da mesma maneira que a chegada dos elfos no sul
de Hippion, um destemido povo nômade. Dizem marcara a trajetória dos artonianos, a sociedade surgida
que, após terem se unido aos sulistas na luta contra em torno dos exilados trouxe mudanças e acelerou
um gigante que assolava aquelas terras, as amazonas outras já em curso. Por volta do ano 1000, o número
concederam a eles a dádiva de uma aliança perene. Sua
de monstros já havia diminuído o bastante para que
líder, Yvanna, se casou com Roramar, dando origem
fosse possível dar início a um povoamento efetivo.
à tradição de casamento entre monarcas desses dois
povos. Seu conhecimento do território e mediação com Nesse contexto, as políticas de expansão em
outros povos do continente se mostrariam decisivos busca de terras e comércio, lideradas pelo sucessor
no processo de povoamento dos ermos. da dinastia roramariana, tiveram um papel decisivo.
Foi na regência do Rei-Imperador Wortar I que
Na cidade de Valkaria nascia uma cultura única,
novas caravanas deixaram as cercanias da estátua
que ostentava as tradições políticas lamnorianas, os
sagrada e se espalharam por todos os cantos de
costumes ramonrianos e uma espiritualidade ainda
Arton Norte, buscando outros povos humanos.
sem dogmas, redescoberta por uma humanidade que
Apesar da mediação do clero de Marah, a Deusa da
se religava pouco a pouco com sua criadora. Em sua
Paz, com seus sacerdotes versados na diplomacia,
regência, o Rei Roramar ainda travaria os primeiros
e dos sacerdotes de Tanna-Toh especializados no
contatos com os anões do reino subterrâneo de Dohe-
aprendizado de novas línguas e culturas, esse contato
rimm, atraindo arquitetos, ferreiros e construtores
nem sempre foi pacífico.
após o decisivo Tratado da Forja. Também realizou
concílios com clérigos de Valkaria nativos e mapeou Alguns lugares sofreram colonização brutal e
os limites de onde o poder da deusa alcançava, uma declarada, como as regiões onde hoje ficam os reinos
área circular centrada na estátua. Fora daquela área, os da Supremacia Purista, Bielefeld e Ahlen. Houve
devotos da aventura não recebiam bênçãos. Esse limite mescla pacífica de diferentes populações, como em
marcaria a estranha fronteira do reino de Deheon. Petrynia e Lomatubar. Em alguns casos, foi a cultura
autóctone que absorveu os migrantes, como nos casos
Mas, fiéis aos preceitos e à natureza de sua di-
dos reinos de Namalkah e Sckharshantallas. Houve
vindade, os humanos não permaneceriam somente
ainda uma grande quantidade de locais que nunca
ali. Criados em uma cultura de pioneirismo, com o
tiveram uma penetração significativa de lamnorianos,
tempo seriam tomados pelo desejo de descobrir o novo
como Ubani e Khubar.
mundo que os recebia.
Existiram também conflitos que uniram os filhos
de Valkaria em alianças contra povos considerados
O povoamento monstruosos ou que competiam com eles por recur-
do norte sos vitais. Mas de igual maneira essas escaramuças
Ramnor era uma terra de civilizações e vazios. não tiveram um único desfecho conclusivo e variaram
Sua população de monstros predadores e todo de reino para reino.
tipo de ameaça natural e sobrenatural nunca deixou Em meio a essa diversidade de situações e
muito espaço aos povos inteligentes. Eles precisaram cenários, os hábeis sucessores políticos de Wortar
conquistá-lo. Havia nações intrépidas erguidas em conseguiram ao longo do tempo costurar as novas
volta da proteção de dragões-reis, revoadas caóticas de nações que nasciam. Criou-se uma federação de

Introdução
24
livre intercâmbio comercial e cultural, além de uma
aliança militar contra possíveis ameaças externas. História Recente
Alcançava-se uma unidade inédita no continente: (1364 CE a 1420 CE)
o Reinado.
Da coroação do
Apesar do papel natural de Deheon como líder Rei-Imperador Thormy à era atual
na coalizão, nem todos os reinos aceitavam isso com
facilidade, principalmente no Reino de Yudennach (as A chegada
terras que se tornariam a Supremacia Purista), cuja
família real guerreava continuamente para anexar
da tempestade (1364 a 1406)
Aos poucos, o Reinado se moldou e se tornou uma
novos territórios. O título “Rei-Imperador”, origi- coalizão política de leis e instituições sólidas. Quando
nário de Lamnor, era contestado. Afinal, o Reinado o Rei-Imperador Thormy assumiu o trono em 1364,
era uma aliança ou um império? Os demais reinos esperava um governo estável. Apesar disso, dedicou
estavam subordinados a Deheon? Uma mesma dinastia sua juventude a ser aventureiro, esperando ganhar
descendente de um único clérigo deveria governar o experiência e sabedoria ao lidar pessoalmente com os
continente inteiro? problemas enfrentados por seus súditos. Essa decisão
se mostrou acertada, pois os anos que se seguiram
Quando o Rei-Imperador Druthar morreu de
trariam guerra e destruição.
causas misteriosas e seu filho, Roramyd, também
encontrou um destino semelhante logo após assumir Nesse mesmo ano ocorreu um eclipse total do
o trono, uma crise sucessória jogou Deheon ao caos e sol, evento profetizado que marcou o nascimento
de Thwor Khoshkothruk, um bugbear que viria
ameaçou a ainda frágil coalizão. Muitos especulavam
a se tornar um dos maiores líderes militares da
que os dois monarcas tivessem sido assassinados por
história de Arton. Nascido em Lamnor, Thwor foi
seus adversários expansionistas, mas mesmo assim
capaz de unir os povos goblinoides do continente
a nobreza deheoni lutou entre si numa guerra civil. sul, formando a Aliança Negra, um enorme im-
Quem pôs fim ao conflito foi Wortar II, o último pério-exército de conquista e libertação das raças
descendente da linhagem de Roramar. chamadas “monstruosas”, sob as bênçãos macabras
Numa decisão ousada mas sábia, o nobre propôs de Ragnar, o Deus da Morte. A Aliança Negra atacou
que a monarquia de Deheon e o título de Rei-Imperador e destruiu Lenórienn, acabando com a Infinita Guerra.
não fossem puramente hereditários, mas eletivos. Na última batalha, Glórienn desceu a Arton em forma
de avatar e enfrentou Thwor em combate pessoal,
Quando um rei de Deheon morresse, os principais
sendo vencida. As políticas isolacionistas dos reinos
nobres poderiam votar em seu sucessor, escolhendo
do sul possibilitaram que Thwor derrotasse um por
entre uma curta lista de candidatos com direito dinás- um, acabando por dominar o continente e detendo
tico e político. Esse monarca seria o Rei-Imperador seu avanço apenas ante as muralhas de Khalifor.
do Reinado… Se fosse aprovado pelos demais reinos.
Em 1387, Arton recebeu a visita do primeiro
Antes de morrer, o Rei-Imperador poderia indicar um
batedor lefeu desde o suposto extermínio dos filhos
sucessor, mas este não ascenderia se não fosse eleito.
malditos dos Três. Disfarçado como um estranho
A proposta agradou à nobreza de Deheon e acalmou humano e ficando conhecido como “o albino”, esse
os medos dos demais regentes. desbravador aberrante levou de volta à Anticriação o
Isso resultou na eleição de Wortar II como Rei conhecimento de que Arton oferecia um novo desafio
de Deheon e Rei-Imperador. A linhagem de Roramar para o povo que já havia conquistado tudo: a chance de
continuou no poder, mas agora sem acusações de ascender à divindade. O albino foi caçado e finalmente
tirania e com o apoio de todo o continente. Essa linha vencido por aventureiros, mas o estrago estava feito.
Os lefeu tinham um novo objetivo e também uma
sucessória só seria quebrada muito tempo depois,
motivação por vingança. Um deles, uma parte de sua
com a ascensão da Rainha Imperatriz Shivara. Com
realidade senciente, havia sido destruído. Em troca,
todo o Reinado lhe dando apoio, Wortar II conteve a eles ocupariam e corromperiam toda a Criação. Tudo
expansão dos Yudennach. seria lefeu. Em 1390, a Tormenta surgiu pela primeira
O último Rei-Imperador da dinastia roramariana vez no mundo de Arton.
foi Thormy, que sucedeu seu pai após uma juventude A trajetória do albino e o próprio ataque da Tor-
como aventureiro. Sua coroação marca o início de um menta levaram muitos a questionar a passividade dos
dos períodos mais conturbados da história artoniana. deuses. De fato, as divindades foram omissas, deixando

Boas-vindas a Arton
25
“Quando os terrores mais pérfidos de
Arton têm pesadelos, é o Dragão da
Tormenta que ruge em seu sono.”
— Lahra Aristas, barda valkariana

Introdução
26
que o pior acontecesse sem notar as consequências Yadallina revelou-se o receptáculo da essência de
de suas ações. Anos antes, Glórienn havia embarcado Kallyadranoch, que retornou a Arton para impedir a
numa jornada em busca de vingança, após falhar em Tormenta de ascender ao Panteão, após Glórienn cair
proteger Lenórienn dos povos goblinoides. Ela teceu e se tornar uma deusa menor.
uma trama dentro do Panteão, permitindo que os Em 1406, ocorreu a Marcha de Arsenal, quando
até então esquecidos lefeu encontrassem Arton. Sua o infame arquivilão, colecionador de itens mágicos e
intenção era usá-los como arma contra seu maior sumo-sacerdote dos Deus da Guerra finalmente ativou
inimigo, Ragnar. Porém, a ameaça era poderosa demais seu golem gigantesco, o Kishinauros. O plano de
para ser controlada. Arsenal era desestabilizar o Reinado, mergulhando o
A ilha de Tamu-ra foi a primeira a pagar o preço. continente em conflito eterno. Esse destino foi evitado
Nuvens rubras, chuva de sangue corrosivo, demônios quando a máquina bélica foi enfrentada pelo Colosso
insetoides e paisagens de pesadelos tomaram o Império Coridrian, invenção criada no reino arcano de Wynlla,
de Jade. Apenas uma pequena parte dessa orgulhosa e o próprio Arsenal foi derrotado por aventureiros.
civilização sobreviveu à invasão aberrante, sendo Porém, as perdas no Reinado foram numerosas.
teletransportada até a cidade de Valkaria pelos esforços Nesse mesmo ano, após uma série de desavenças
do Imperador-Dragão Tekametsu. Desde então, outras políticas e conflitos de fronteira entre Tapista e o
áreas de Tormenta surgiram por Arton, transformando resto do Reinado, as Guerras Táuricas eclodiram.
regiões inteiras em reflexos da Anticriação, locais onde Fragilizado pelos ataques da Tormenta e pela Marcha
quase nenhum artoniano sobrevive e ainda menos de Arsenal, o Reinado não pôde conter o avanço das
escapam com a sanidade intacta. Em 1398, uma área legiões, perdendo vastos territórios e proporcionando
de Tormenta caiu sobre Trebuck, sendo a primeira a o surgimento do Império de Tauron. O conflito poderia
surgir no Reinado. Em 1400, a então Rainha Shivara ter sido ainda mais calamitoso, se não fosse pela
de Trebuck liderou os mais poderosos campeões do sabedoria de Thormy. O Rei-Imperador se entregou
mundo na Batalha de Amarid, para expulsar de seu como refém em troca da paz. Usando do sistema
reino as forças aberrantes. Essa foi a primeira grande sucessório estabelecido por Wortar II, abdicou de
investida artoniana contra a Tormenta, mas terminou seu trono em favor da heroica Shivara, que passou
em fracasso, com a revelação de Gatzvalith, o primeiro a ser a nova Rainha-Imperatriz.
Lorde da Tormenta conhecido. Muitos artonianos
Essa época será lembrada para sempre como um
morreram e Shivara escapou por pouco.
dos períodos mais conturbados da história artonia-
A década seguiu turbulenta, com um número na. Foi palco de algumas das sagas mais épicas e
acentuado de guerras e catástrofes sobrenaturais. O também de algumas das maiores tragédias de que
amanhecer do século presenciou a busca pelos Rubis da se tem notícia. Os primeiros ataques da Tormenta.
Virtude, uma saga que envolveu a queda e destruição O retorno de três divindades ao Panteão. A cisão
do herói conhecido como o Paladino de Arton e no do Reinado. Desse tempo remontam heróis como
fim se mostrou ser um plano de Sszzaas para retornar Orion e Vanessa Drake, Lisandra de Galrasia, Sandro
ao Panteão. Mas não havia apenas calamidades. Valkaria Galtran e Niele. Grupos notórios como a Companhia
foi enfim libertada de seu cativeiro, o que fez com que Rubra, os Libertadores de Valkaria e o Protetorado do
os poderes de seus devotos não mais ficassem restritos Reino. Vilões como o Camaleão e Mestre Arsenal. E
às fronteiras de Deheon. até mesmo personalidades obscuras mas decisivas,
Em 1403, a Tormenta voltaria a atacar. O caçador como os membros do Esquadrão do Inferno, Vladislav
de recompensas Crânio Negro, um servo dos Lordes Tpish e o centauro Trebane.
da Tormenta, corrompeu exércitos inteiros dos Ermos
Púrpuras com simbiontes lefeu, causando diversas A calmaria (1406 a 1412)
batalhas contra as tropas do restante do Reinado. Em Cronistas atuais consideram o período que se
1405, surgiu o temível Dragão da Tormenta, um ser inicia com a coroação da Rainha-Imperatriz Shivara
capaz de criar áreas inteiras de profanação com seu como uma das causas daquela que viria a ser conhecida
sopro. A criatura foi detida apenas pela união dos como a Guerra Artoniana, ou Guerra Purista. Não
arquimagos Vectorius, Talude, Reynard e Yadallina que a heroína, conhecida por ter reunido as maiores
com o Dragão-Rei Sckhar. Crânio Negro foi derrotado lendas de Arton para lutar contra a Tormenta, tenha
e a ilha de Tamu-ra foi liberta da tempestade, quando alguma culpa pelo conflito em si. Mas sua ascensão
o cavaleiro Orion Drake reuniu um exército deuses foi o estopim necessário para forças que há muito
menores e partiu com eles em batalha. A própria conspiravam para tomar o poder.

Boas-vindas a Arton
27
Em 1403, Shivara, que governava o reino de o General Supremo Hermann Von Krauser, líder
Trebuck, casou-se com o Príncipe Mitkov, regente da secreto dos puristas, se revelou e atraiu Shivara e
nação mais militarista do Reinado. Foi um casamento os Campeões de Svalas para que o capturassem.
político — Mitkov queria aliados para conquistar o Contudo, isso era uma armadilha.
Reinado, enquanto Shivara aceitou a união apenas para
A Rainha-Imperatriz foi entregue ao povo sub-
reunir tropas para lutar contra a Tormenta. Porém,
terrâneo finntroll, que realizou um ritual profano
quando Mitkov foi destituído de seu posto ao perder
para aprisioná-la em Chacina, o reino divino de
um duelo contra o Rei-Imperador Thormy, Shivara se
Megalokk. Feito às escondidas, o hipócrita Pacto
viu regente de dois reinos. Quando Thormy abdicou
de Kannilar-Trollkyrka previa, além de um acordo
para acabar com as Guerras Táuricas, nomeou Shivara
de não agressão entre puristas e finntroll, uma via de
como sucessora. Isso criou uma liderança forte e con-
mão dupla. Os puristas forneceriam heróis e outros
solidada para governar o Reinado, pois Shivara passou
prisioneiros de valor aos trolls para serem usados
a comandar ao mesmo tempo três nações — Trebuck,
como sacrifícios e escravos de luxo. Já os trolls
o Reino de Yudennach e Deheon.
cumpririam sua parte na barganha compartilhando
Os seis primeiros anos de seu governo, embora tecnologia arcana para a construção de armas de
marcados pelas recentes catástrofes, transcorreram guerra na superfície e auxiliando no deslocamento
em relativa paz. Como seria de se esperar de uma de tropas por túneis subterrâneos.
legítima heroína, a Rainha-Imperatriz adotou uma
Durante o rapto de Shivara, um gigantesco desmo-
postura esclarecida, principalmente no que se
ronamento criou um desfiladeiro separando Deheon do
referia ao país que de maneira tão altiva chamava
reino que se tornaria a Supremacia Purista. Causado
a si mesmo de “Exército com uma Nação”. Shivara
afastou lideranças militares corruptas, que viam com pelos finntroll, o acidente geográfico ficou conhecido
maus olhos o governo de uma rainha estrangeira, como a Garganta do Troll e foi parte dos planos de
e promoveu a inclusão de outros povos além dos Von Krauser para sua campanha de invasões — ao
humanos no exército e na burocracia administrativa. fechar a fronteira de suas terras com Deheon, impediu
Em outras palavras, abalou as fundações de ódio que o Reino Capital as invadisse antes da hora. Para
que sustentavam a ideologia e o poder do reino o povo, o surgimento da Garganta marca o início da
desde sua fundação. Guerra Artoniana, conflito que tomaria boa parte
do continente. Outros cronistas preferem o registro
Isso era tudo de que os puristas precisavam para
documental que é a carta endereçada pelo General
dar um golpe de estado.
Supremo às lideranças do Reinado, contendo sua de-
Uma antiga facção dentro do Reino de Yudenna- claração de guerra. De todo modo, o desaparecimento
ch, ainda mais intolerante do que o comum para a da Rainha-Imperatriz e a omissão de muitas nações
população local, os puristas seguiam uma doutrina do conflito permitiriam aos puristas concretizar seus
político-religiosa que aos poucos passou a ser usada planos e avançar contra o mundo livre.
como ferramenta ideológica para justificar a insur-
reição. Sua crença se fundamentava na supremacia
da raça humana diante de todas as outras e pregava o
Os anos
extermínio dos demais povos. do maremoto (1412 a 1417)
Os puristas reuniram os nobres e oficiais Chamada assim tanto pela guerra total que varreu
do reino descontentes com Shivara e usaram de o continente norte quanto pelo cataclisma causado pela
chantagens e assassinatos para acabar com aqueles queda de um cometa que produziu imensas ondas e
fiéis à Rainha-Imperatriz, até terem toda a nação redesenhou o litoral artoniano, essa época ocorreu
sob seu comando. Um desses movimentos iniciais durante um vácuo de poder no Reinado, sendo por
foi impedido no ano de 1411 por um grupo de isso também conhecida como “o Interregno”. Esse
heróis a serviço da Rainha-Imperatriz, formado pelo período só terminaria com o retorno triunfante da
cavaleiro Lothar Algherulff, pelo pirata Nargom, Rainha-Imperatriz Shivara de seu exílio dimensional.
pelo bárbaro Klunc e pelo bardo Kadeen. Pelos Durante a ausência da monarca, o reino de Trebuck
seus esforços na luta contra a dominção purista do se fragmentou em diversos feudos e Deheon — a
Reino de Yudennach, esse grupo ficou conhecido nação mais rica e poderosa do Reinado — passou a
como os Campeões de Svalas, terra que viriam a ser governada pelo Pequeno Conselho de Valkaria.
libertar do jugo dos vilões. Infelizmente, isso seria A atitude inicial dos deheoni quanto à invasão de
apenas o prelúdio de algo maior. No ano seguinte, outros reinos foi de passividade e indecisão. Havia até

Introdução
28
mesmo simpatizantes da causa purista entre a nobreza
valkariana. Mas a ação de heróis na corte deheoni
A era da aventura
garantiu que a nação finalmente se armasse para a (1417 até a época atual)
guerra, sob a liderança do Arquiduque Marechal Sir Ao fim da Guerra Artoniana, abaladas com a insta-
Bradwen Lança Dourada. bilidade política das últimas décadas e em alguns casos
As forças de Von Krauser se uniram às nações de desconfiadas da utilidade de uma aliança continental,
Portsmouth e Ahlen, formando a coalizão conhecida diversas nações abandonaram o Reinado. Hoje, a
como o Triângulo Autocrático — referência à facção coalizão conta apenas com sete integrantes: Deheon,
do Triângulo de Ferro, das antigas guerras do sul. Bielefeld, Namalkah, Wynlla, Ahlen (que, fazendo jus
Enquanto isso, os reinos de Namalkah e Bielefeld, a sua alcunha de Reino da Intriga, mudou de lado antes
visados diretamente pelos puristas, somaram seus do fim da guerra), Zakharov e a Pondsmânia. Outras
esforços aos de Deheon, formando a Aliança do Rei- nações não estão mais protegidas por acordos e, de agora
nado. Graças à ação de aventureiros, o reino mágico de em diante, precisarão erguer suas próprias defesas em
Wynlla se juntaria a essa aliança. Pouco antes do final caso de guerra ou invasão.
do conflito, ainda haveria o auxílio de tropas vindas Ainda em 1417, Mestre Arsenal derrotou Keenn
de Sckharshantallas, o Reino do Dragão, embora o em seu torneio, tornando-se o novo Deus da Guerra.
motivo para isso seja um mistério. Talvez impulsionada pelos triunfos dos mortais frente
Outros eventos marcantes aconteceram simul- aos deuses, Valkaria assumiu a liderança do Panteão,
taneamente à guerra em outros pontos de Arton. abrindo caminho para uma nova era em Arton.
Em 1414, o Império de Tauron foi tomado por uma Em 1418, duas novas nações surgiram — uma
rebelião de escravos e, mais tarde, por um ataque da envolta em vida e a outra, em morte. No oeste, na
própria Tormenta, que resultou na morte de Tauron, pré-histórica ilha de Galrasia, as dahllan cultivaram a
o Deus da Força e então líder do Panteão. Seu cadáver cidade viva de Lysianassa. Não se sabe qual o objetivo
protegeu a capital Tiberus de ser destruída, mas levou das meias-dríades, mas o lugar se tornou um centro
ao esfacelamento político e a rebeliões nas províncias fervilhante, visitado por heróis vindos da cidade por-
táuricas do oeste. Aharadak, um Lorde da Tormenta, tuária de Nova Malpetrim em busca de aventuras. Já
usurpou o seu posto, fazendo com que a Tempestade no leste, o pérfido Conde Ferren Asloth realizou um
Rubra enfim chegasse ao Panteão. ritual terrível, sacrificando a nação de Portsmouth
Em 1415, a profecia que falava sobre a morte de para se tornar um lich poderosíssimo e, no processo,
Thwor Khoshkothruk enfim se realizou. A Aliança criando o reino morto-vivo de Aslothia.
Negra atravessou o Istmo de Hangpharstyth e invadiu o Além dessas mudanças, os últimos anos não tiveram
continente norte, enquanto o cometa conhecido como grandes eventos, tendo sido no geral uma época de
a Flecha de Fogo surgiu nos céus. A Flecha caiu sobre reconstrução. Depois de tantas guerras e catástrofes,
Arton, esfacelando o Istmo de Hangpharstyth e arrui- uma época de paz parece impensável. Não à toa, nem
nando o sul de Ramnor, enquanto Thwor enfrentou seu mesmo os devotos de Thyatis, o Deus da Profecia,
próprio deus, Ragnar, em combate individual. A queda concordam em suas previsões sobre o futuro!
do cometa destruiu ambos, mas a batalha continuou E talvez “paz” não seja o melhor termo, mas
nos reinos divinos. Os planos que Thwor pusera em “oportunidade”. Sem grandes conflitos políticos ou
movimento e o enfraquecimento de Ragnar levaram o crises em escala mundial, diversos grupos de aven-
bugbear à vitória. Thwor ascendeu à divindade e Arton tureiros começaram a surgir, voltando-se a missões
ficou sem um Deus da Morte, levando a um período heroicas e pontuais, como explorar masmorras,
de um mês em que nenhum artoniano morreu. resgatar relíquias, caçar monstros e combater vilões.
Em 1417, a Rainha-Imperatriz Shivara retornou Seja uma trupe no interior das colinas de Zakharov
do éter divino, resgatada pelos Campeões de Svalas. investigando mistérios sobre a origem da Tormenta,
Após a decisiva Batalha da Fortaleza Errante, eles um bando tentando impedir um coronel da Supre-
derrotaram o General Supremo e encerraram um macia de obter o controle de terras em Khubar ou
longuíssimo cerco à capital de Valkaria pelos puristas. caçadores de monstros vagando pelos desfiladeiros das
Von Krauser sobreviveu, mas teve sua espinha partida Sanguinárias, incontáveis grupos combatem ameaças
por um golpe do cavaleiro Lothar Algherulff, usando que estavam impunes em meio ao caos e resgatam
Carthalkan, a espada cristalina de Shivara, e precisou artefatos que haviam se perdido nos cataclismas.
recuar. Sem a liderança do General Supremo, os Com os antigos ícones mortos ou aposentados, uma
puristas aceitaram um armistício com o Reinado. nova geração de heróis está surgindo ante os olhos
Foi o fim do pandemônio político e da guerra. da população artoniana.

Boas-vindas a Arton
29
Tempo & Calendário
Desde eras imemoriais, os povos artonianos (outono), Pharstyth, Véu e Pyra (os últimos meses
desenvolveram métodos de contagem de tempo, seja do ano, no inverno). Além disso, existem os dias de
para saber a época do plantio, seja para saber quando Nimb, que não fazem parte de nenhum mês e cuja
pegar em armas e saquear as tribos vizinhas. Entre quantidade e posição dentro do calendário variam
os humanos, o primeiro calendário surgiu na Cidade anualmente. Por conta deles, considera-se que o ano
Dourada de Nhardmaran, após a mítica Rainha Barda artoniano tem, em média, 365 dias.
trazer a dádiva de Tanna-Toh, a escrita, a seu povo. O calendário artoniano usa como marco zero a che-
Esse calendário era extremamente complexo, gada dos elfos a Lamnor. Anos anteriores são contados
levando em conta o movimento de corpos celestes, de forma decrescente e marcados como AE (“antes dos
enchentes e secas de rios, migrações de animais má- elfos”). Assim, um evento que ocorreu dez anos antes
gicos, variações nos fluxos de mana da terra e outros da chegada dos elfos ocorreu no ano 10 AE.
fatores, e hoje pouco se sabe sobre ele. A única certeza O ano atual do calendário artoniano é 1420. Datas
é que, após a queda do Império Nardmyr, os reinos que específicas podem ser representadas de forma culta ou
surgiram desenvolveram seus próprios sistemas para coloquial. A primeira começa com o nome do dia da
controlar a passagem dos dias, estações e anos, alguns semana, seguido pelo número do dia do mês, “sob”
derivados daquele criado na Cidade Dourada, outros o nome do mês, e o ano por extenso “da chegada dos
completamente novos. Na época da Grande Batalha, elfos”. A segunda simplesmente traz o número do
havia uma profusão de calendários, o que isolava ainda dia do mês, o nome do mês e o ano. Por exemplo, a
mais as diferentes nações. Nesses tempos antigos, o data 10/01/1420 pode ser escrita como “Valk 10 sob
próprio tempo era uma bagunça! Caravana, mil quatrocentos e vinte anos da chegada
Após a formação do Reinado, o Rei-Imperador dos elfos” na forma culta, ou “10 de Caravana de mil
Wortar I se esforçou para estipular padrões, a fim de quatrocentos e vinte” na forma coloquial.
lembrar a todos sua origem compartilhada e evitar a Apesar de o calendário ser bastante difundido entre
desunião e as intrigas que levaram à Grande Batalha. a nobreza e em grandes cidades, boa parte da população,
Assim, o valkar se tornou o idioma comum; o tibar foi especialmente nos feudos, não o usa habitualmente.
institucionalizado como moeda e aceito em toda parte, Para os camponeses, a vida é mais ligada a Allihanna
e um novo calendário foi elaborado. Era o surgimento do que a Tanna-Toh — em outras palavras, mais aos
do calendário artoniano. ciclos dos dias e das estações do que a documentos
criados por escribas. Datas são lembradas de forma

O Calendário vaga, relacionadas a fenômenos da natureza (“no


verão”, “quando as noites se fizeram mais longas”)
Artoniano ou a grandes eventos (“na época do Rei-Imperador
Thormy”, “durante as Guerras Táuricas”).
Criado pela Igreja de Tanna-Toh sob decreto do De forma similar, a contagem das horas é realizada
Rei-Imperador Wortar I, o calendário artoniano foi apenas por clérigos, arcanistas, inventores e outros
desenvolvido para ser o mais simples e exato possível. sábios. No Reinado é costume que templos controlem
Desde sua elaboração, passou por diversas mudanças a passagem do dia e soem sinos a cada três horas,
e correções, sempre visando maior precisão e a menor de modo que o povo tenha ao menos uma noção
quantidade de ajustes periódicos. Em sua forma atual, aproximada do horário. Os métodos de marcação de
é usado em todo o mundo conhecido. tempo incluem ampulhetas, clepsidras (relógios de
O calendário divide o ano em 12 meses de 30 água) e outras engenhocas, mas tais dispositivos estão
dias, totalizando 360 dias. Cada dia possui vinte e disponíveis apenas aos mais ricos — ou a aventureiros
quatro horas e cada conjunto de sete dias forma uma sortudos. Em templos pequenos, são usados simples
semana. Os meses são: Caravana, Pomo, Keenvia obeliscos ou relógios de sol. Como esses funcionam
(primeiros meses do ano, na primavera), Sirravia, apenas de dia, o transcorrer do tempo à noite é medido
Vigília e Prussvia (verão), Ceifa, Contenda, Clausura pela duração da chama de uma vela. Normalmente, são

Introdução
30
consumidas três velas por noite, de modo que é hábito Calendários de Outras Raças
dividir a noite em “primeira vela”, “segunda vela” e
“terceira vela”. Por fim, nos subterrâneos, conta-se o Além dos humanos, outros povos tiveram
tempo através dos ciclos do fungo athmmarr. seus próprios métodos de contagem de
tempo. Ao chegar em Arton, os elfos
Os Meses do Ano criaram um calendário elegante, baseado no
movimento das constelações — para este
O ano começa com o mês de Caravana, assim
povo longevo, não fazia sentido usar um
chamado em homenagem aos refugiados de Lam-
ciclo tão curto quanto o solar. Após a queda
nor, que terminaram sua longa jornada no início da
de Lenórienn, esse calendário se perdeu e
primavera. Muitas caravanas partem em suas rotas
hoje os elfos usam a contagem humana, até
neste mês. Alguns consideram essa época sagrada
por sua longevidade ter se reduzido.
para viajar, enquanto outros a escolhem simplesmente
por oferecer um bom clima para enfrentar a estrada. Sem acesso ao sol ou às estrelas, os anões
Pomo é o segundo mês da primavera, quando as criaram um calendário único, baseado nos
plantações começam a crescer. A estação termina ciclos de crescimento e decomposição de
com Keenvia, em honra a Keenn, antigo Deus da certos fungos abundantes no subterrâneo.
Guerra. Esta é a época em que exércitos partem para Porém, devido ao comércio com o Reinado
suas marchas e batalhas. e outros povos da superfície, hoje muitos
Sirravia começa o verão e é uma homenagem a anões usam o calendário artoniano.
Sirranamena, a Rainha Barda, considerada a primeira Outras raças também desenvolveram seus
grande monarca da humanidade. Vigília é o segundo calendários, alguns mais complexos, como
mês do verão e tem esse nome pois nesta época Az- os dos minotauros e qareen, outros mais
gher, o Deus-Sol, fica alto no céu, observando tudo. simples, como os dos goblins e hynne. Um
Prussvia encerra a estação mais quente. O nome é caso peculiar é o das fadas da Pondsmânia.
uma menção a Roramar Pruss, fundador do Reinado. Nessa terra mágica onde o próprio tempo
Originalmente, o mês se chamaria Roravia, mas o obedece aos caprichos da Rainha Thantalla,
rei profeta, humilde, não aceitou isso. Os clérigos não faz sentido registrar a passagem dos
de Tanna-Toh então sugeriram mudar o nome para dias. Isso não impede as fadas de terem
Prussvia, em homenagem a toda a família real, proposta seus feriados — um detalhe bobo como a
que teria feito Roramar se “render”. falta de um calendário não é motivo para a
O próximo mês, já no outono, é Ceifa, que leva falta de festas! Desses, o mais popular é o
este nome por ser o início da colheita — uma época Gatal, que aos poucos está sendo conhecido
de muito trabalho nos campos do Reinado e além. e adotado pelos humanos do Reinado.
Após Ceifa, há Contenda. Antigamente um mês
dedicado a duelos e resoluções de conflitos, hoje recebe
importantes julgamentos em castelos e tribunais. O
outono termina com Clausura, período em que os Os Dias de Nimb
camponeses se preparam para o inverno, recolhendo Além dos doze meses do ano, o calendário arto-
comida e lenha para suas casas. niano inclui os Dias de Nimb, período cuja duração e
Os ventos frios do inverno começam a soprar em posição dentro do calendário variam anualmente. No
Pharstyth. O nome alude à mítica arquimaga que início de cada ano, a Rainha-Imperatriz recebe em seus
habitava o estreito que une os dois continentes. Por aposentos uma carta com o símbolo sagrado do Deus
que uma vilã seria homenageada, porém, permanece do Caos e duas informações: quantos dias de Nimb o
um mistério... O mês seguinte, Véu, tem esse nome ano terá e no fim de qual mês irão ocorrer.
tanto por ser uma época de noites longas quanto como Durante os Dias de Nimb, eventos estranhos
homenagem a Tenebra, que se encontra mais poderosa acontecem: tibares caem do céu como chuva; árvores
nesse período do ano. O inverno (e o ano) termina levantam suas raízes e se colocam em marcha, destruin-
com Pyra. O nome é uma alusão a Thyatis, o Deus das do tudo em seu caminho; vacas dão gorad quente em
Segundas Chances — pois é isso que muitos esperam vez de leite... Além disso, clérigos de Nimb vagam pelo
ter em um ano novo — e também ao costume artoniano Reinado fazendo decretos malucos que, nesse período,
dessa época, de se queimar coisas antigas e se fazer carregam peso de lei (no resto do ano, as sandices dos
profecias em piras divinatórias. devotos do Caos tendem a ser ignoradas). Por isso tudo,

Boas-vindas a Arton
31
muitas pessoas passam esses dias fechadas em suas
casas, simplesmente esperando que essa época acabe!
Datas Especiais
A seguir estão alguns dias importantes do ano
Os Dias de Nimb são um enigma que desafia os artoniano. De modo geral, entre os camponeses não
astrônomos de Tanna-Toh. Já houve diversas tentativas há dias sem trabalho, exceto quando algo é dito
de prevê-los, mas até hoje nenhum cálculo funcionou. em contrário. Já nas cidades, a maioria das datas
Ignorá-los é desastroso, pois deixa o calendário des- comemorativas inclui pausas no trabalho de artesãos
sincronizado com os ciclos naturais das estações, o e comerciantes.
que é prejudicial ao plantio, colheitas, viagens e outras
atividades. A única coisa que se sabe sobre eles é que 01/01 – Dia do Reencontro
sua quantidade varia de dois a oito. Assim, cada ano
O primeiro e mais importante dia do ano. Foi no
artoniano tem de 362 a 368 dias — na média, 365 dias.
Dia do Reencontro, há exatos 400 anos, que a caravana
de refugiados de Lamnor chegou aos pés da estátua de
Dias da Semana Valkaria, iniciando a era atual de Arton. Nesta data,
Os dias da semana homenageiam divindades do grandes festas são celebradas por todo o Reinado — em
Panteão. Ao contrário dos meses, os dias não mudaram especial em Valkaria, que fica com suas ruas, tavernas
no calendário artoniano estabelecido por Wortar I, e estalagens lotadas.
continuando os mesmos desde a época dos reinos do O primeiro dia do ano também é o equinócio da
sul. Por isso, os nomes dos deuses podem soar estra- primavera. Nesta data, povos silvestres, como elfos,
nhos aos artonianos modernos — são aqueles usados sílfides e centauros, cantam e dançam ao redor de
em eras passadas ou por raças antigas. A exceção é o fogueiras para comemorar o fim do inverno e o início
primeiro dia da semana, que antes honrava um obscuro de um novo ciclo.
deus menor, mas passou a se chamar Valk por conta
da Deusa da Humanidade. 15/01 – Cerimônia do Plantio
Os dias são Valk (Valkaria), Hedryl (antigo nome Este feriado, popular entre camponeses, celebra
de Khalmyr), Luna (antigo nome de Lena), Astar (o o início do plantio. Costuma-se plantar uma semente
nome feérico de Azgher), Dallia (o nome élfico de simbólica no solo, para afastar o inverno e permitir a
Wynna), Haya (Marah para as fadas) e Leen (antiga chegada da primavera. Também nesta data a Ordem
faceta de Ragnar, o Deus da Morte). Haya é considerado de Lena realiza a cerimônia que ordena suas jovens
um dia de festas e diversão, enquanto Leen é reservado clérigas (diz-se que é neste dia que Lena desce dos
ao repouso — como os camponeses dizem, o dia do céus para fecundá-las).
“descanso dos mortos”.
20/03 – Sckharal
Sete dias de festividades em Sckharshantallas.
Meses do Ano As ruas são tomadas por enormes dragões feitos de
vime, dançarinos, mágicos e companhias teatrais.
Mês Nome Estação O último dia do Sckharal é reservado à execução
1 Caravana de criminosos.
2 Pomo Primavera
3 Keenvia
4 Sirravia Dias da Semana
5 Vigília Verão Dia Nome
6 Prussvia 1 Valk
7 Ceifa 2 Hedryl
8 Contenda Outono 3 Luna
9 Clausura 4 Astar
10 Pharstyth 5 Dallia
11 Véu Inverno 6 Haya (dia de festejos)
12 Pyra 7 Leen (dia de descanso)

Introdução
32
Mesmo o dia mais comum em Arton
é tudo, menos comum

06/04 – Dia da Memória todos usam máscaras e as roupas que quiserem — é o


único dia do ano em que não há distinção entre nobres
Uma cerimônia recente, celebrada no Reinado
e plebeus. O ponto culminante das festividades é o
para comemorar o fim da Guerra Artoniana e honrar
baile que acontece nos salões do Palácio Rishantor,
aqueles que caíram frente às tropas puristas.
sede da corte ahleniense.
12/05 – Cerimônia de 07/10 – Noite das Sombras
Admissão da Ordem da Luz
Nesta temida noite, espíritos nefastos vagam pelo
Nessa época, Norm fica lotada de jovens nobres,
mundo arrastando quem puderem para seus reinos de
escudeiros e aventureiros almejando entrar na pres-
trevas, seres feéricos cavalgam pelos campos e magias
tigiosa ordem de cavalaria.
nocivas têm seu poder dobrado. Dizem que a primeira
Noite das Sombras aconteceu quando a ancestral maga
01/07 – Exposição de Inventos goblinoide Hangpharstyth enlouqueceu e morreu em
Criado por Lorde Niebling, este evento é uma uma explosão mística em seu castelo no istmo que
grande mostra de engenhocas no Palácio Imperial de separava Arton Norte e Sul. Os ecos de seu último grito
Valkaria. Recebe inventores de todas as raças, incluindo atravessaram os Planos de existência e, uma vez por
goblins — para desgosto de nobres conservdores. ano, todo artoniano se encolhe em sua casa, mantendo
suas portas e janelas fechadas e orando aos deuses
11/08 – Grande Feira por proteção.
Esta semana de festividades atrai milhares de
aventureiros e visitantes para Nova Malpetrim. 03/12 – Dia da Profecia
Neste dia, o povo busca orientação de seus clérigos.
17/09 – Noite das Máscaras Dizem que, nessa data, as profecias costumam ser mais
Comemoração da fundação do reino de Ahlen. Du- precisas e informativas; ou, ainda, que as profecias
rante as festividades que ocorrem na capital, Thartann, desse dia falam de eventos importantes.

Boas-vindas a Arton
33
L inha do Tempo
O Início de Tudo 65 Milhões de Anos AE. Os deuses se unem contra
Megalokk, fulminando seus monstros. K’Athanoa se
7 Bilhões de Anos AE*. O Nada e o Vazio se recolhe no mar profundo.
unem para gerar Arton e os vinte deuses maiores que
formariam o Panteão.
6 Bilhões de Anos AE. O gigante Gormaggor
Criação dos Povos Mortais
desperta na região que muito mais tarde seria 57 Milhões de Anos AE. Em seu mundo,
conhecida como Colinas Centrais. Logo se cansa, Nivenciuén, a deusa Glórienn cria os elfos, primeiro
passando longos períodos adormecido desde então. povo inteligente.

5 Bilhões de Anos AE. Azgher, o Deus do Sol, e 56 Milhões de Anos AE. Tilliann revela aos
Tenebra, a Deusa das Trevas, lutam entre si. Khalmyr, demais deuses que tinha ideias incompletas para
o Deus da Justiça, decreta um empate e Arton recebe a criação de um povo inteligente muito antes de
doze horas de luz e doze horas de escuridão. Glórienn, mas se distraiu.
1 Bilhão de Anos AE. Uma lágrima de Lena, a 22 Milhões de Anos AE. Nimb sussurra nos
Deusa da Vida, preenche os oceanos com as primeiras ouvidos de Wynna. Ela tem sonhos bizarros. Desses
criaturas vivas. O Grande Oceano molda essa vida em sonhos, nascem as fadas.
incontáveis seres. 2 Milhões de Anos AE. Prevendo que no futuro
700 Milhões de Anos AE. Impulsionados por Arton será dominado por povos inteligentes, Sszzaas
Allihanna, a Deusa da Natureza, os seres vivos se cria as raças ofídicas khardaz e nagah.
arrastam para a terra firme. 890 Mil Anos AE. Khalmyr e Tenebra se apaixonam.
650 Milhões de Anos AE. Laan, o Deus Menor das De sua união nascem os anões.
Viagens, surge espontaneamente — segundo alguns, 800 Mil Anos AE. Nas profundezas, os anões têm
impulsionado pela grande jornada dos seres vivos para seu primeiro contato com as medusas, enterradas ali
fora do mar. por Megalokk para destruí-los. Porém, uma amizade
300 Milhões de Anos AE. Surgem os dragões, entre os dois povos surge.
esculpidos por Kallyadranoch. 500 Mil Anos AE. Tilliann finalmente cria seus
filhos, os gnomos. No entanto, nunca dá sua criação
A Era dos Monstros por terminada e continua fazendo ajustes.
260 Milhões de Anos AE. Começa o reinado de 230 Mil Anos AE. Sob o olhar de desdém
Megalokk, o Deus dos Monstros. Lagartos-terror e do Panteão, Ragnar, um deus menor, cria os
outras bestas gigantes dominam Arton. bugbears. Seus irmãos Hurlaagh e Graolak criam,
respectivamente, os hobgoblins e os goblins.
230 Milhões de Anos AE. K’Athanoa, um monstro
abissal, passa a ser cultuado por criaturas das 180 Mil Anos AE. Hyninn, um deus menor, cria os
profundezas e se torna um deus menor. hynne, ludibriando Khalmyr.
200 Milhões de Anos AE. Tarso se torna o primeiro 160 Mil Anos AE. Valkaria cria a raça humana,
necrodraco. destinada a desbravar Arton e desvendar os mistérios
dos próprios deuses.
180 Milhões de Anos AE. Tarso arranca as asas de
Mzzileyn, o Dragão-Rei das Trevas. 155 Mil Anos AE. Wynna permite que o sangue de
criaturas mágicas se misture ao dos mortais. Nascem
100 Milhões de Anos AE. Enfadado com a
selvageria da Era dos Monstros, Tarso decide dormir os primeiros qareen.
um longo sono até que alguém o desperte. 150 Mil Anos AE. Tenebra cria os trogs.

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145 Mil Anos AE. Surge a ilha de Galrasia, 4 Mil Anos AE. Hydora, o Dragão-Rei das Nuvens,
arrancada de Vitalia, o Mundo de Lena. Ali surgem os se apaixona por uma exploradora élfica e a toma como
primeiros povos-trovão. esposa, originando os elfos-do-céu.
140 Mil Anos AE. Allihanna dá vida aos centauros. 2 Mil Anos AE. Sirrannamena, a Rainha Barda,
afasta K’Athanoa com uma canção, mas perde a voz.
120 Mil Anos AE. Invejosos da influência dos
Parte então em uma busca, trazendo de volta o dom da
outros povos mortais, Tenebra e Megalokk se unem
palavra escrita de Tanna-Toh. Os darash se instalam em
para criar os finntroll, destinados a erguer um império
Moreania.
monstruoso.
1500 AE. Descendentes de Sirrannamena conquistam
100 Mil Anos AE. A Dragoa-Rainha Beluhga é Arton Sul. Com o desenvolvimento de manadutos
aprisionada por Khalmyr em uma cordilheira. A região
ligando inúmeras cidades, surge o Império Nardmyr. É
congela ao longo dos milênios, formando as Uivantes.
transcrita a versão mais antiga do Shahirik-Lokhût, o
90 Mil Anos AE. Tauron, o Deus da Força, que até livro que reúne toda a tradição oral milenar de Khubar.
então desprezava os fracos mortais, enfim decide criar 1000 AE. O dragão Morte Branca destrói os darash
seu povo. Surgem os minotauros. em Moreania. Allihanna e Megalokk transformam os
85 Mil Anos AE. Oceano firma um acordo com Tanna- Doze Animais em moreau.
Toh, permitindo que os mortais criem veículos capazes 800 AE. Primeiras habitações fixas perto da
de singrar os mares. Em retribuição, Tanna-Toh concede Montanha Invencível. Origem daquela que seria a
a inteligência a tritões, sereias e elfos-do-mar. cidadela de Giluk.
500 AE. Lathzira, a Magimoldadora-Mor do Império
O Nascer das Civilizações Nardmyr, abandona o mundo material. Seus três
aprendizes, arcanistas de grande poder, organizam um
65 Mil Anos AE. Surgimento do Império
golpe contra a monarquia milenar e assumem o reino.
Khardaziano.
55 Mil Anos AE. Fundação do Império Trollkyrka. 490 AE. Os três arcanistas se voltam uns contra os
outros. Durante os conflitos internos, os manadutos
40 Mil Anos AE. Início da exploração do são destruídos, causando a queda do Império Nardmyr.
subterrâneo pelos anões. Suas cidadelas e províncias, como Ghondriann, Ylloran
30 Mil Anos AE. Fundação da Cidade Dourada de e Gordimarr, se tornam independentes.
Nhardmaran. 200 AE. Gigantes escravizam os minotauros.
28 Mil Anos AE. Devido ao crescimento de
Nhardmaran, K’Athanoa desperta. Começa o ciclo de
apogeu e queda da Cidade Dourada.
A Chegada dos Elfos
0. Uma frota élfica chega a Lamnor, o continente sul.
12 Mil Anos AE. Nômades humanos ocupam o Os elfos expulsam os hobgoblins de seu território e
arquipélago de Khubar. fundam a cidade de Lenórienn, dando início ao conflito
11 Mil AE. O ritual khardaziano para abrir um portal entre as duas raças que ficaria conhecido como a
a Venomia fracassa, causando a destruição da capital e Infinita Guerra.
a queda do império sszzaazita. 300. Assinado o Tratado de Lamnor, estipulando
10 Mil Anos AE. Começa o povoamento humano da que nenhum reino humano interferiria nos assuntos
ilha de Tamu-ra. élficos, para o bem ou para o mal.

9 Mil Anos AE. Próximo à Montanha Invencível, 380. Fundação de Luncaster, em Moreania.
caçadores nômades se deparam com o Grande Chifre, 427. Darsic I, governante da cidadela-estado de
um animal lendário, parte de uma numerosa manada Ghondriann, ataca uma tribo de hobgoblins, mas
de rinocerontes lanosos, e passam a segui-la. Origem é vencido e morto. Seu filho, Darsic II, parte em
do povo de Korm. peregrinação para o Deserto sem Retorno.
6 Mil Anos AE. Fundação da cidade de Doher, futura 432. Darsic II regressa de sua longa peregrinação
capital de Doherimm, o reino oculto dos anões. trazendo palavras de iluminação de Hedryl.

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439. Darsic II desafia os cobiçosos tiranos das 830. Unificação de Tamu-ra, o Império de Jade, sob o
cidadelas-estados de Delphradiann, Leokann e Quiell. dragão Tekametsu.
441. Com a ajuda do artefato que usava em sua coroa, 841. Fundação de Khubar.
a Joia da Alma, Darsic II vence os tiranos, unifica as
869. No norte, nasce o minotauro Goratikis.
cidadelas-estado e funda o reino de Ghondriann.
873. Em Sidarid, nasce Karias Theuderulf, futuro
473. Hobgoblins oferecem um tratado aos humanos. arquimago.
Por usar a Joia da Alma, Darsic II é incapaz de esquecer
a morte de seu pai e ataca os emissários goblinoides. 890. O minotauro Goratikis inicia uma revolta contra
os gigantes que escravizaram seu povo por séculos.
474. Por vingança, hobgoblins emboscam Darsic II e
matam o rei humano. A Joia da Alma se perde. 900. Goratikis vence a revolta, liberta os minotauros e
parte em peregrinação mística.
500. O Dragão-Rei Sckhar funda o reino de
Sckharshantallas. 901. Goratikis retorna de sua peregrinação e funda
Gorakis, iniciando o Reino de Tapista.
632. Ocorre a Revolta dos Três. Os deuses Tilliann,
Valkaria e Kallyadranoch criam os lefeu, os demônios 920. Em Ghondriann, nasce Yllia, filha do Rei Corullan
da Tormenta. VI.
633. Os deuses revoltosos são descobertos e punidos. 921. Em Mortenstenn, nasce Renngard, filho do Rei
Tilliann e Kallyadranoch perdem seus status divinos. Richlard I.
O primeiro enlouquece, o segundo é esquecido. Por 937. A princesa Yllia apaixona-se pelo Príncipe
fim, Valkaria é aprisionada em Arton na forma de Renngard. Ao fugir de casa para vê-lo, é assassinada
uma gigantesca estátua de pedra. Hyninn e Ragnar por bandoleiros. Corullan VI culpa o jovem príncipe,
ascendem ao Panteão.
iniciando uma guerra que toma todos os reinos
700. Sszzaas, o Deus da Traição, arquiteta um plano humanos de Lamnor.
para tomar o controle do Panteão, convence os outros
939. Richlard I é traído por seus aliados de Cobar e
deuses a criar os Rubis da Virtude e os rouba.
Sidarid e morre envenenado. Seu filho, Renngard,
705. Em Gordimarr, nasce Protas III, futuro regente escapa para Ylloran, onde pede asilo. Formado o
do reino. Triângulo de Ferro entre os reinos de Ghondriann,
728. Ragnar dita e Thyatis escreve a profecia bugbear Cobar e Sidarid.
que, séculos mais tarde, daria origem a Thwor 944. O Triângulo de Ferro toma o pequeno reino de
Khoshkothruk. Tarid. Formada a aliança entre os reinos de Ylloran,
731. Protas III se torna regente em Gordimarr, clama Gordimarr e Nortramid. As tropas de Renngard e
para si o papel de resgatar o legado da antiga Nardmyr da aliança atacam o Triângulo de Ferro em Tarid.
e começa a expandir seus domínios, não através de Começam os Anos da Forja, marcados pelos conflitos
portais mágicos, mas de estradas e entrepostos. entre os reinos humanos.
750. Khalil de Gordimarr organiza uma expedição ao 950. Em Lamnor, ocorre a Grande Batalha. Renngard
continente de Ramnor (mais tarde conhecido apenas vence e mata Corullan VI. Os derrotados de Cobar,
como Arton). Tem início a construção da cidade Sidarid e Ghondriann são exilados para Ramnor.
fortaleza de Khalifor. 951. Goratikis adoece. Antes de morrer, muda o nome
793. Morre Protas III. Sua segunda esposa, Naida, se da cidade de Gorakis para Tiberus, em homenagem a
torna rainha de Gordimarr por um curto período. seu companheiro, e confia a regência do reino a ele.
795. Naida abdica do trono em favor dos filhos. O 953. Em Lamnor, nasce Roramar Pruss.
Império Gordiano é dividido entre os descendentes, 960. Roramar Pruss, uma criança na caravana de
dando origem a vários reinos menores. exilados, começa a ter visões e convence os líderes a
804. Fundação de Brando, em Moreania. segui-lo na colonização do novo continente.
809. Após uma visão de Wordarion Thondarim, os 969. Por ordem de Tiberus, tem início a construção do
anões se recolhem aos subterrâneos. Labirinto de Tapista.

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970. Grupos humanos vagando pelas Sanguinárias 1028. Primeiros rumores sobre a Floresta de
encontram um refúgio não tocado pelos monstros. Greenaria, um lugar de grande fertilidade. Vários
Início do povoamento de Katiaskh. colonos seguem para a região, liderados por Morkh
972. Morte de Tiberus em Tapista. Nenhum dos Amhor, um paladino de Azgher.
anciões se considera digno de governar o reino. Início 1030. Fundação do Reino de Yudennach, por Larf
do Século do Luto. Yudennach. Fundação do reino de Petrynia, por
991. Entre os exilados, nasce o lendário aventureiro e Cyrandur Wallas.
explorador Cyrandur Wallas. 1031. Morte de Roramar Pruss. Ainda criança, seu filho
1007. O plano de Sszzaas é descoberto pelos demais sobe ao trono de Deheon como Wortar I e se torna o
deuses. O Deus da Traição é aprisionado por Khalmyr primeiro Rei-Imperador do Reinado.
na forma de um avatar. Começa uma caçada aos 1032. Fundação dos reinos de Sambúrdia e Kor Kovith.
devotos de Sszzaas. 1033. Folk Steelheart dá seu trabalho como concluído
e deixa Zakharov, voltando à vida de aventureiro.
O Reinado Sua amiga e companheira de grupo, a arcanista
Olava Roggandin, assume a regência, dando início à
1020. Os exilados de Lamnor encontram a estátua linhagem nobre do novo reino.
de Valkaria e fundam a futura capital do Reinado a
seus pés. Roramar Pruss conhece Yvanna, uma rainha 1035. Início e fim das batalhas entre a caravana de
amazona do norte, e ambos se apaixonam. Os dois se Jeantalis Sovaluris e os bárbaros das florestas a oeste
tornam os primeiros regentes da nação de Deheon. das Montanhas Uivantes, culminando com a vitória dos
primeiros. Fundação do reino de Tollon.
Várias caravanas menores se formam, rumando para
colonizar outros pontos de Ramnor. O aventureiro Folk 1037. Thomas Lendilkar tenta invadir Khubar. Os
Steelheart parte em uma delas. Ocorrem os primeiros xamãs desta nação invocam o Dragão-Rei Benthos,
contatos entre humanos e anões ao norte de Arton. que destrói a costa de Bielefeld. A cidade de Lendilkar
Como símbolo de amizade entre os povos, surge a afunda no mar, com toda a nobreza da família. Raissa
cidade de Zakharin e o reino de Zakharov. A caravana Janz é escolhida como rainha de Bielefeld.
de Thomas Lendilkar e seu grupo rumam para o leste. 1040. Tratado de paz entre o Reinado e Khubar.
1021. Nasce Wortar I, filho de Roramar e Yvanna. 1042. Nasce Roramyd I, filho de Wortar I. Rhond,
Thomas Lendilkar funda uma cidade com seu nome e o Forjador Imortal, interrompe sua jornada e se
a proclama capital do novo reino de Bielefeld. Jakkar estabelece junto aos seus seguidores para forjar sua
Asloth funda o Condado de Portsmouth. As famílias obra-prima: a Espada-Deus. Origem da cidade de
Balium, Ystamen, Aghmen e Acetos viajam até as Rhond.
margens do Rio Vermelho, onde planejam as bases
1045. Fundação de Nova Ghondriann.
daquela que seria a capital do reino de Salistick.
1050. Wortar I envia as famílias nobres Schwolld,
1022. Forma-se a vila de Palthar, futura capital de Rigaud e Vorlat para colonizar o território a sudoeste.
Namalkah. Surge o reino hynne de Hongari.
Alguns colonos liderados pela família Hogarth se
1023. O célebre Cyrandur Wallas parte de Valkaria com separam e fundam o reino de Collen. Surgem histórias
uma caravana e inicia uma viagem exploratória pelas sobre uma terra de fadas nos confins de Sambúrdia.
Montanhas Uivantes. Neste mesmo ano, alcança Giluk, 1051. O grande mago Karias Theuderulf descobre
onde alguns de seus integrantes se estabelecem. fenômenos causados por áreas de magia selvagem na
1024. Fundação do reino de Svalas. costa a sudeste de Deheon.
1025. A família de Wynallan I, antigo rei de Cobar, 1056. O surgimento da cidade de Sophand marca a
assume as terras ao sul de Deheon, fundando o reino fundação de Wynlla, o Reino da Magia, regido por
de Tyrondir. Karias Theuderulf.
1026. Fundação do vilarejo de Triunphus. 1063. Nasce Wortar II, filho de Roramyd I.
1027. Os Janz, contrários aos ideais conquistadores de 1069. O Labirinto de Tapista é concluído, protegendo o
Thomas Lendilkar, partem para novas terras. reino de invasores físicos e extraplanares.

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1070. Tratado da Espada e da Forja assinado entre 1094. A família Hersh organiza uma caravana e
o Rei-Imperador Wortar I e Rondir Hammerhead II. parte de Petrynia, indo mais longe do que qualquer
Início das tensões entre os Yudennach e os reinos que outro antes. Fundação do pequeno reino de Hershire.
fazem fronteira com seu território, principalmente Primeiros contatos do Reinado com Tapista.
Deheon, Svalas e Kor Kovith. 1095. Fundação da Grande Academia Arcana, em um
1072. Colonos fugindo dos conflitos entre Deheon e o semiplano oferecido a Talude por Wynna. Também
Reino de Yudennach se estabelecem em uma região ao acontece a fundação do Colégio Real de Médicos, em
norte. Surge o vilarejo de Trokhard. Salistick, por Dozaen Aghmen.
1074. Os territórios ocupados pelos Schwolld, Vorlat e 1101. Início da Rebelião dos Servos em Sambúrdia.
Rigaud enfim se encontram, impedindo sua expansão. 1103. Fugindo de Sambúrdia, muitos colonos entram
Começa a guerra silenciosa entre as três famílias. em conflito com bárbaros que adoram a imagem de um
1075. Morre o Rei-Imperador Wortar I. Seu filho, dragão. Intervenção de Sckhar, destruindo duas vilas e
Roramyd I, assume o trono, mas falece repentinamente. a maioria dos colonos invasores.
A sequência de mortes causa uma guerra civil em 1107. A Ordem de Sszzaas é extinta, mas os Rubis da
Deheon. Os Yudennach se aproveitam do vácuo de Virtude continuam desaparecidos. O fim da Rebelião
poder para começar uma campanha de expansão, e dos Servos em Sambúrdia leva à fundação de Trebuck.
conquistam os reinos de Svalas e Kor Kovith.
1109. Concessão do futuro território de Callistia
1077. Clérigos de Tanna-Toh e de Wynna fundam a a nobres de Namalkah. Primeiro uso do nome
Ordem do Sacro Grimório em Wynlla. Pondsmânia para se referir às terras das fadas.
1079. Fim da guerra civil em Deheon. Wortar II, filho 1110. Sambúrdia concede independência ao Reino
de Roramyd, é coroado Rei-Imperador no Dia do das Fadas, para alívio da população. A Pondsmânia é
Reencontro. Com a ajuda da Igreja de Marah, o novo oficializada como integrante do Reinado.
regente integra a maior parte dos reinos à coalizão.
Após anexar os reinos de Svalas e Kor Kovith, a 1112. Tellos usa de sua força e prestígio para tornar o
expansão dos Yudennach é contida. cargo de princeps vitalício.

1082. Fim do Século do Luto, com a formação do 1113. Fundação da cidade de Malpetrim, em Petrynia.
Senado. Início da república em Tapista. O Príncipe Druthar morre enfrentando Mzzileyn.

1083. Surge o vilarejo de mineradores que se tornaria 1114. Callistia se separa de Namalkah.
Yuvalin, em Zakharov. 1117. O Deus Menor dos Cavalos passa a noite em um
1085. Fundação do reino de Lomatubar. Início das velho rancho. O lugar santificado se torna Hippiontar, a
Guerras de Lomatubar, entre humanos e orcs, uma raça Baia de Hippion.
antiga e decadente, de origem misteriosa. O reino de 1122. Intrigado pela política humana, Sckhar decreta
Namalkah é reconhecido como parte do Reinado. que Sckharshantallas agora faz parte do Reinado. A
1086. A família Hogarth conquista o reconhecimento entrada do reino é aprovada com rapidez inédita.
de Collen como um reino integrante do Reinado. 1126. Primeiro ataque do Moóck a Triunphus,
1088. Talude, o Mestre Máximo da Magia, chega a Arton. devastando a cidade. Concedida a bênção-maldição
de Triunphus.
1089. Após décadas de conflitos, as famílias Schwolld,
Vorlat e Rigaud entram num acordo pacífico. Início da 1148. Morte de Wortar II, após um longo reinado.
construção da cidade de Thartann. Roramira I, sua neta, assume o trono como a primeira
Rainha-Imperatriz.
1090. Dozaen Aghmen, rei de Salistick, tem seu filho
e esposa salvos por um médico. Dozaen começa a 1177. O mago Vectorius se aposenta de seus tempos de
procurar mais médicos e pesquisar o ofício. aventura.

1091. Com a primeira Noite das Máscaras, é 1178. Fundação de Coridrian, a capital dos golens.
inaugurado o Palácio Rishantor. Setlick Schwolld e 1189. O lendário caçador kliren Mon’han Galldo’han
Fidgett Vorlat são assassinados durante a festa. Rickard cria a Guilda Mon’han de caçadores de monstros na
Rigaud se torna regente do novo reino de Ahlen. cidadela de Trag’Merah.

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1202. A família Harringer encontra minas de pedra- 1286. Thallen Devendeer e Arthur Donovan II formam
de-fumaça em Petrynia. Início do povoamento da um grupo de aventureiros.
futura cidade de Smokestone. 1290. Fundação da Ordem de Khalmyr e da Ordem da
1203. Os finntroll de Trollkyrka atacam Doherimm. Luz.
1204. Devido a um incidente diplomático envolvendo 1292. Início da construção do Palácio Imperial de
o machado Zakharin, arma pessoal do lendário Valkaria.
Zakharov, os anões cessam acordos comerciais com o
1298. Ideki, samurai de Tamu-ra, visita a cidade de
reino, proibindo o acesso às cidades de fronteira.
Trokhard em Zakharov e ajuda a protegê-la de um
1205. Ocorre o Chamado às Armas. Início da guerra ataque de gnolls, mas comete seppuku em seguida,
entre Doherimm e Trollkyrka. por não conseguir cumprir a missão designada por seu
1211. A cidade de Khadarantur, em Doherimm, é mestre ao se deter na cidade. Nascimento de Philydio,
completamente arrasada pelos fintroll. neto de Vallanna.

1215. Fim da Guerra dos Trolls em Doherimm, com a 1300. A família Asloth incita a tensão entre tribos
vitória dos anões. bárbaras e o reino de Bielefeld. Deheon intervém,
resultando na formação do reino da União Púrpura.
1221. Em Wynlla, morre Karias Theuderulf. Nenhum
dos magos se considera digno de assumir seu lugar como 1306. Nascimento de Nielendoranne, em Lenórienn.
regente. É estabelecido um conselho de governantes. 1307. A construção do Castelo da Luz é concluída.
1222. Morte de Roramar II. Vallanna, sua filha, 1312. Sartan, um antigo deus maligno, tenta
assume o trono. voltar ao mundo, mas é impedido por um grupo de
1252. Os magos Talude e Vectorius se encontram em aventureiros. A Praga Coral é liberada sobre o reino de
Malpetrim. Desafiado, Vectorius começa a construção Lomatubar, exterminando os orcs locais e encerrando
de Vectora. as Guerras de Lomatubar.

1254. Nascimento de Thallen Kholdenn Devendeer. 1322. Nasce Philipp Donovan, filho de Arthur Donovan II.
1256. A morte da Rainha-Imperatriz Vallanna I dá 1325. Morte de Vallanna II. Seu neto Philydio assume o
início ao período conhecido como Praga dos Reis, trono de Deheon.
marcado por sucessivas mortes de monarcas de Deheon 1328. Fundação de Laughton, em Moreania.
e do Reinado. Phévio, seu filho, assume o trono.
1338. Em Warton, nasce Hermann Von Krauser. Em
1259. Morre Phévio. Thoran, seu filho, assume o trono. Cosamhir, capital de Tyrondir, nasce Balek III.
1262. Morte de Tellos em Tapista, em um duelo de 1339. Nasce Yorvillan Vorlat, primogênito da família
honra. Guerra civil em Tapista. Vorlat.
1264. Morte de Thoran. Seu irmão, Roramar III, 1340. Morte de Arthur Donovan II, fundador da
assume o trono. Ordem da Luz.
1266. Morte de Roramar III. Sua filha Vallanna II 1342. Lorde Niebling, o gnomo, chega a Arton, após
assume o trono, colocando fim à Praga dos Reis. Tendo aparecer no Deserto da Perdição.
sobrevivido ao período de instabilidade, o Reinado é
considerado mais forte do que nunca.
1343. Nasce o futuro Rei-Imperador Thormy.
1268. O conde Brondar Asloth de Portsmouth inicia 1345. A meia-elfa Loriane é abandonada nas
proximidades de Khalifor, sendo acolhida por humanos.
um plano para desestabilizar o controle de Bielefeld
sobre as regiões mais afastadas do reino. 1346. O General Pretorius vence seus oponentes e é
nomeado princeps de Tapista.
1275. Thallen deixa sua vila natal e parte para se tornar
um aventureiro. 1348. Em Ahlen, nasce Thorngald Vorlat.
1279. Fundação de Vectora, o Mercado nas Nuvens. 1349. Os primeiros piratas chegam à ilha de Quelina.
1285. Arthur Donovan II é nomeado clérigo e parte em 1350. Concluído o Palácio Imperial de Valkaria.
jornada por Arton para pregar a palavra de Khalmyr. Primeiros contatos formais entre o Reinado e Tamu-ra.

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1354. Hermann Von Krauser inicia o treinamento 1383. Fundada a Irmandade Pirata na ilha de
como soldado do Exército com uma Nação, em um Quelina. Nasce Hybald Roggandin, primogênito de
batalhão na região do Monte Kovith. Walfenfgarr Roggandin.
1357. Em Zakharov, nasce Walfenfgarr Roggandin. Thwor retorna a Lamnor, toma o controle de algumas
1358. O Príncipe Thormy sai pelo mundo em busca de tribos goblinoides e conquista a cidade de Farddenn.
aventuras. 1384. Mestre Arsenal derrota o sÉ uumo-sacerdote de
1362. Em uma tribo dos Ermos Púrpuras, nasce Alenn Keenn, Destrukto, e assume seu posto. Em Lamnor,
Toren Greenfeld. a princesa élfica Tanya é raptada por Thwor. Isso leva
à formação da Aliança Negra dos goblinoides, sob a
1364. O mais recente eclipse total do sol. Nasce Thwor liderança do bugbear. Niele encontra o Olho de Sszzaas.
Khoshkothruk, o futuro general bugbear. Morte de
Beldrad Isontorn assume a regência de Sambúrdia.
Philydio, o Tranquilo. Thormy assume o trono de Deheon.
1385. Thwor derrota o avatar de Glórienn com as
1365. Em Sambúrdia, nasce Vladislav Tpish. próprias mãos. Cai a nação élfica de Lenórienn,
1369. Jedmah Roddenphord torna-se rei de Hershire. encerrando a Infinita Guerra. Fundação de Rarnaakk
1370. Nasce Arkam, futuro líder do Protetorado do Reino. pelos goblinoides sobre as ruínas da cidade élfica.
George Ruud inaugura a Estalagem do Macaco Caolho. Razlenthandillas parte para Arton Norte.

1371. Tilliann, um mendigo louco, é visto chorando aos Corcoran Schwolld, regente de Ahlen, é deposto,
pés da estátua de Valkaria e passa a viver na cidade. vítima de uma conspiração dos Vorlat. Yorvillan Vorlat
assume o trono.
1372. Nasce Arthur Donovan III, filho de Philipp

A Tormenta
Donovan. Philipp sai em peregrinação, para honrar
uma promessa a Khalmyr.
Morte de Pretorius em batalha. O senador Aurakas, 1387. O batedor lefeu conhecido como o albino chega
descendente de Tellos, faz manobras políticas e obtém a Arton. Loriane estreia na arena de Valkaria, após um
o título de princeps de Tapista. acordo com a maga Raven Blackmoon. Em Ahlen, nasce
1374. O tamuraniano exilado Turukuto Desu conquista Nonato Vorlat, filho de Thorngald Vorlat.
uma imensa fortaleza, derrota seu antigo líder e se 1388. O grupo de aventureiros chamado Esquadrão do
torna sumo-sacerdote de Keenn, assumindo o nome Inferno confronta o albino. Mitkov Yudennach se torna
de Destrukto. Hermann Von Krauser chega ao posto de regente. Arkam recebe o artefato que lhe renderia a
Lorde General do Exército com uma Nação. alcunha de Braço Metálico.
1375. Nasce Shivara, princesa herdeira de Trebuck. 1389. O Esquadrão do Inferno elimina o albino na
1376. Alenn Toren Greenfeld se torna chefe de sua tribo. Anticriação. A Tormenta tenta invadir Petrynia, mas é
impedida por piratas e aventureiros.
1377. Thwor abandona sua tribo para explorar o mundo,
peregrinando oculto através dos reinos do norte. O condado de Portsmouth se torna independente
de Bielefeld após uma sangrenta guerra civil. Ferren
1380. O Conde Ferren Asloth aumenta as tensões entre
Asloth impõe altas taxas de pedágio aos viajantes
o condado de Portsmouth e a Ordem da Luz.
vindos de Hongari. Thorngald Vorlat ascende à
1381. Mestre Arsenal chega a Arton com sua máquina regência de Ahlen, após envenenar seu irmão. O hynne
de guerra, o Kishinauros. Ocorre o Dia dos Gigantes Boghan e o elfo Thalin salvam da morte uma menina
em Valkaria, quando uma luta entre o construto e um elfa chamada Laessalya nas proximidades de Khalifor.
estranho gigante extraplanar arrasa parte da cidade. Tork, o troglodita anão, nasce e é expulso de sua tribo.
Nasce Sandro Galtran, filho do lendário ladrão Leon O aventureiro Arkam ingressa no Protetorado do Reino.
Galtran. Em Galrasia, nasce Lisandra, a primeira 1390. Thwor termina de subjugar Lamnor e ordena
dahllan de Arton. o início da construção de Urkk’thran, a capital
1382. Philipp Donovan luta contra Alenn Toren duyshidakk. A primeira manifestação completa da
Greenfeld. Ambos se tornam amigos. Mais tarde, o Tormenta destrói Tamu-ra. O sábio Khulai-Hûk é eleito
líder bárbaro parte para o Castelo da Luz. para governar Khubar.

40
1391. Primeira aparição do caçador de recompensas Surgem relatos sobre um gigantesco exército
Crânio Negro. O grupo de Leon Galtran e Vladislav Tpish goblinoide ao sul de Khalifor. Balek III desdenha
invade um dos covis de Sckhar. Morte do Paladino de das comitivas da Cidade-Fortaleza e não comunica o
Jallar na batalha. Pouco depois, o grupo encontra os restante do Reinado.
Rubis da Virtude em um antigo templo sszzaazita. Em Collen, nasce Vinala Hogarth, filha de Lorde
1392. O necromante Vladislav Tpish implanta os Godfrey Hogarth. Sua mãe, Otília, sofre um mal súbito
Rubis da Virtude no companheiro caído, criando o e falece poucos meses depois. Lisandra recupera o
Paladino de Arton. O Paladino mata Heart, o Dragão- corpo do Paladino e o leva para Galrasia.
Rei das Montanhas. Zadbblein se torna a Dragoa- Rodleck Leverick inicia a construção das Catacumbas
Rainha das Florestas. de Leverick.
Vladislav Tpish e Leon Galtran invadem uma masmorra 1400. O Paladino de Arton ressurge, corrompido por
e despertam Tarso, o Dragão-Rei dos Mortos. Shivara Sszzaas, e assassina Beluhga. O Panteão é forçado a
parte para se aventurar. aceitar de volta o Deus da Traição, para que juntos
1393. Loucura e destituição de Arthur Donovan III. consigam destruir o Paladino.
Morte de Philipp Donovan por desgosto, ao ver o que o A Tormenta avança sobre Trebuck e toma o Forte
filho havia se tornado. Alenn Toren assume a liderança Amarid. Shivara cria o Exército do Reinado e marcha
da Ordem da Luz. O jovem Tork é aceito no Forte contra a Tormenta. O ataque fracassa, mas revela a
Hedryl, perto de Malpetrim, após provar seu valor existência dos Lordes da Tormenta. Crânio Negro se
rechaçando um ataque de elfos-do-mar. torna o primeiro algoz da Tormenta.
1394. Tork parte do Forte Hedryl, decidido a Primeiros contatos com os moreau, vindos do mar do
abandonar o mundo dos humanos, e navega até leste. Thwor toma Khalifor, consolidando seu domínio
Galrasia. James K. chega a Quelina, mata o pirata sobre Lamnor. Morte de Ghellen Brightstaff, sumo-
Melikos em um duelo e ingressa na Irmandade Pirata. sacerdote de Valkaria.
1395. Ocorre a Rebelião dos Insetos em Sambúrdia. 1401. Valkaria é resgatada de seu cativeiro por heróis
Com a ajuda de Andrus, o Aranha, Raven Blackmoon e que viriam a ser conhecidos como os Libertadores. O
Mestre Arsenal, um grupo de aventureiros põe um fim samurai amaldiçoado Koi liberta a vila de Aqvarivm da
à ameaça de Lorde Enxame. tirania de Lorde Betta.
Tork chega a Galrasia e encontra Lisandra, tornando-se Rodleck Leverick rouba de Severus o título de sumo-
seu pai adotivo. sacerdote de Hyninn e o mantém aprisionado em sua
1396. Em Zakharov, nasce Eric Roggandin, filho mais masmorra. Hennd Kalamar assume o posto de sumo-
novo do casal real Walfengarr e Tallya. sacerdote de Valkaria.
1397. A Praga Coral de Lomatubar começa a afetar 1402. Formação da área de Tormenta de Zakharov.
humanos e outros humanoides. Tork parte de Galrasia Descoberta dos lefou. Surge Ahar’kadhan, a Cidade na
e passa a viver como mercenário em Malpetrim. Tormenta.
Khalifor solicita sua entrada no Reinado. Balek III de Uma caravana de minotauros é atacada por bandidos
Tyrondir nega. em Hershire. Quando a coroa do reino não consegue
capturar os culpados, as legiões táuricas cruzam as
1398. Uma área de Tormenta se forma ao norte de
fronteiras e tomam o assunto em suas próprias mãos.
Trebuck, trazendo pânico ao Reinado. O Rei Althar,
Início da ocupação táurica em Hershire.
soberano de Trebuck, é morto pelos lefeu. Shivara volta
para casa e é coroada rainha. Mestre Arsenal derrota o 1403. Os Ermos Púrpuras são infectados por milhares
Paladino de Arton. de simbiontes lefeu. O Príncipe Khilliar Janz de
1399. Primeiros ataques dos tiranos das águas em Bielefeld perde a visão num estranho “acidente” em
Callistia. Rhumnam, a espada de Khalmyr, é roubada uma justa. A cidade de Norm é atacada por cavaleiros
de Doherimm pelo assassino Camaleão. Sandro da Luz corrompidos pela Tormenta.
Galtran se torna aventureiro e, em passagem por A Rainha Shivara de Trebuck se casa com o Príncipe
Malpetrim, causa a adição da palavra “Empalhado” ao Mitkov Yudennach, na esperança de obter auxílio
nome da Estalagem do Macaco Caolho. contra a Tormenta.

41
Guerra Artoniana
Liderados pelo cavaleiro da Luz Orion Drake, o Exército
do Reinado enfrenta guerreiros dos Ermos Púrpuras
corrompidos pela Tormenta, triunfando. Vallen Drake, 1410. Os puristas, uma facção dedicada a exterminar
filho de Orion e Vanessa Drake, é raptado pelo Cavaleiro não humanos, conspiram para tomar o poder no Reino
Risonho. Revelada a identidade de Crânio Negro. de Yudennach. Lady Ayleth Karst convoca um grupo de
Após uma carreira longa e impecável, Hermann Von aventureiros para investigar o paradeiro de seu pai, o
Krauser pede dispensa do Exército e desaparece da Barão Abelard. Os aventureiros descobrem que o barão
vida pública. havia sido capturado por puristas.
1404. Fundação de Urkk’thran. O Reinado é atacado Lisandra assume o posto de sumo-sacerdotisa de
pelo Dragão da Tormenta. Allihanna. Outras dahllan começam a surgir por todo
o mundo. O príncipe Eric Roggandin, de Zakharov, é
1405. O Dragão da Tormenta é derrotado pela
sequestrado por cultistas de Sszzaas, mas é resgatado
união de heróis épicos. Durante a batalha, Vectora é
arremessada sobre a criatura, sofrendo graves danos. por um herói solitário.

O Rei Mitkov é desmoralizado e deposto pelo 1411. O mago Eukhitor Umbra tenta usar a Joia da
Rei-Imperador Thormy. Shivara assume o trono do Alma para trazer o Nada a Arton, mas é impedido por
Reino de Yudennach. O mundo de Glórienn é tomado um grupo de aventureiros.
pela Tormenta. Um grupo de aventureiros formado pelo cavaleiro
Comandados por sir Orion Drake, um exército de Lothar Algherulff, o pirata Nargom, o menino mágico
deuses menores destrói a área de Tormenta de Tamu-ra. Kadeen e o bárbaro Klunc derrotam o Coronel Reggar
Glórienn é rebaixada ao posto de deusa menor e se torna Wortric, líder público dos puristas.
escrava de Tauron. Kallyadranoch, o Deus dos Dragões, Um desmoronamento colossal na fronteira entre
retorna ao Panteão. Deheon e a futura Supremacia cria a Garganta do Troll
1406. Mestre Arsenal ataca o Reinado com o e separa os dois reinos. Svalas conquista independência
Kishinauros, mas é derrotado por aventureiros e Lady Ayleth é coroada sua rainha.
armados com o Colosso Coridrian. 1412. Shivara é sequestrada pelos finntroll com
Uma rebelião em Hershire inicia uma série de a ajuda dos puristas e enviada para sacrifício em
incidentes diplomáticos entre Tapista e o Reinado, Chacina, o mundo de Megalokk. O verdadeiro líder
que culminam com as Guerras Táuricas. Os dos puristas, Hermann Von Krauser, autodenominado
minotauros conquistam diversos reinos, formando o General Supremo, se revela, toma o poder no Reino de
Império de Tauron. Yudennach e inicia a Guerra Artoniana.
Malpetrim resiste aos minotauros e se declara uma O Rei Igor Janz de Bielefeld é assassinado pelo pirata
cidade livre independente. Valkaria é sitiada pelas Espinha. Seu filho, Khilliar Janz, se torna o novo rei de
legiões táuricas. Para evitar mortes, Thormy se rende Bielefeld. Os puristas invadem Namalkah.
e se entrega como refém a Aurakas. Shivara assume Ocorre a Batalha do Baixo Iörvaen, na qual Von
como Rainha-Imperatriz. Tauron assume o posto de Krauser derrota a Aliança do Reinado e mata o
líder do Panteão. herói Kadeen. Os puristas dominam a região sul de
Início do repovoamento de Tamu-ra e fundação da Bielefeld, anexando o território.
nova capital Shinkyo. 1413. Lothar, Nargom e Klunc, com a ajuda do
1407. Com o caos gerado pelas Guerras Táuricas e professor de magia Aeripharian, partem em uma
pela marcha de Arsenal, Callistia, Nova Ghondriann jornada pelo éter para resgatar a Rainha-Imperatriz.
e Salistick se separam do Reinado, formando a Liga Klunc é morto durante uma chuva de meteoros,
Independente. mas sua essência perdura em um golem. Os heróis
resgatam Shivara, mas ao retornar acabam presos em
1408. Para manter os territórios conquistados,
um estase temporal.
Aurakas retira recursos do Labirinto de Tapista e os
destina às legiões. Alenn Toren Greenfeld se torna Formado o Triângulo Autocrático entre Ahlen, a
sumo-sacerdote de Khalmyr. O destino de Thallen Supremacia e Portsmouth. Sem liderança, Trebuck se
Devendeer é incerto. fragmenta em vários feudos menores.

42
A cidade de Sternachten é vítima de um massacre. Diversas nações deixam o Reinado. O clero de Marah e
1414. Uma rebelião de escravos eclode em Tapista. o Pequeno Conselho do Reinado fazem um acordo com
Uma área de Tormenta se forma em Tiberus. Tauron os puristas, segundo o qual a região conquistada de
desce a Arton para proteger seus filhos, mas é traído Bielefeld é considerada território neutro.
por Glórienn e morto pelo Lorde da Tormenta Mestre Arsenal derrota Keenn em seu torneio,
Aharadak, que ascende ao Panteão. Glórienn perde tornando-se o novo Deus da Guerra. Valkaria assume o
sua divindade. Sem seu deus, o Império de Tauron se posto de líder do Panteão.
enfraquece. A província de Tollon é abandonada.
A chanceler wynllana Arlianne Broubaut propõe o
Após a morte de Aurakas, o título de princeps é Tratado da Centelha, uma aliança comercial entre
extinto. O poder volta ao Senado, encabeçado por Vectora, Wynlla e a Academia Arcana visando a
um triunvirato que declara o fim da escravidão. Os recuperação de Arton após a guerra.
duyshidakk invadem Tyrondir.
Vinala Hogarth, filha de Godfrey Hogarth, atinge a
Walfenfgarr Roggandin falece. Seu primogênito, maioridade e se casa com Nonato Vorlat, tornando-se
Hybald Roggandin, assume a regência de Zakharov. rainha de Ahlen.
1415. A Flecha de Fogo, um enorme cometa, cai O Forte Cabeça-de-Martelo, um posto avançado do
sobre Arton. Seus fragmentos causam destruição em Exército do Reinado, é construído nas Colinas Centrais
Lamnor e Ramnor e criam a Ossada de Ragnar. Thwor de Zakharov.
mata Ragnar e ascende ao Panteão. A Aliança Negra se

A Era da Aventura
fragmenta.
Tyrondir é destruído pela Flecha de Fogo. Com a
destruição da capital Cosamhir, morre Balek III. 1418. Ferren Asloth completa o ritual que o
Começa a construção de Nova Malpetrim. transforma em arquilich e transforma Portsmouth
Os puristas sitiam Valkaria. A Comandante Aurora em Aslothia. Fundação de Lysianassa. As constantes
Solbringger, uma oficial desertora da Ordem Magibélica, batalhas na região contestada por Bielefeld e a
dá início ao Bastião da Alvorada em Wynlla. Supremacia dão origem à Conflagração do Aço.

O rei de Namalkah, Borandir Silloherom, luta para A Rainha Zallia de Namalkah restabelece a tradição
retomar terras do reino, mas morre em combate. ancestral da Corte Errante. Onde quer que a hoste
guerreira da monarca decida acampar se torna a
1416. Sambúrdia se desliga do Reinado e se torna uma capital namalkhaniana.
liga de Repúblicas Livres, englobando nações vizinhas.
Thorngald Vorlat, regente de Ahlen, morre de causas 1419. Surge em Zakharov a igreja unificada de Arsenal
naturais, um caso inédito no reino. Seu filho, Nonato e Khalmyr, a Ordem das Armas Austeras.
Vorlat, assume o trono. Sob as ordens do coronel purista Zubov Grazomir,
Em Collen, morre Godfrey Hogarth. Nonato Vorlat se prisioneiros começam a construção da Fortaleza
declara protetor de Collen e anexa o território da ilha. Grazomir.
Zallia Silloherom, filha do rei Borandir, é eleita por 1420 (ano atual). Ezequias Heldret assume o
aclamação pelos chefes dos tropéis de Namalkah como posto de sumo-sacerdote de Aharadak, absorvendo o
nova rainha. poder da Tormenta e eliminando a área de Zakharov.
Ahar’kadhan se torna seu domínio.
1417. Shivara e os aventureiros Lothar, Nargom, Klunc
e Aeripharian retornam a Arton. Shivara retoma a Vectorius conclui a reforma e expansão de Vectora.
coroa do Reinado. Ocorre a batalha principal do cerco Talude abdica do posto de reitor da Academia Arcana
a Valkaria. Soldados afirmam ver Thormy lutando no e o necromante Vladislav Tpish se torna o novo Mestre
campo, mas isso jamais é confirmado e o antigo Rei- Máximo da Magia.
Imperador nunca mais é visto. O General Supremo é Ocorre a Batalha do Forte Cabeça-de-Martelo, na qual
gravemente ferido. um grupo de aventureiros, junto de uma guarnição do
A Guerra Artoniana termina com uma trégua e Exército do Reinado, derrotam uma horda de zumbis
redefinição das fronteiras dos reinos envolvidos. O da Tormenta. Um grupo de aventureiros expulsa uma
Reino de Yudennach se converte na Supremacia Purista. célula purista de Svalas.

43
CAPÍTULO 1

Reinado
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O
Reinado de Arton já reuniu quase Estavam plenamente convictos de que sua jornada tinha
todas as nações do norte e parecia inspiração divina, pois seguiam as visões de Roramar
ser uma potência incontestável Pruss. Por fim, tinham a determinação e a humildade de
no continente. Hoje em dia, após quem passou por uma provação e alcançou a redenção. É
guerras, ataques de vilões, manifestações da claro que havia vilões entre os refugiados, desde nobres
ainda se agarrando a suas intrigas até senhores da guerra
Tormenta, cataclismas naturais e conquistas de
que aproveitavam a falta de estrutura para tiranizar
reinos inteiros, o Reinado é apenas uma fração
pequenos grupos. Contudo, no geral a caravana estava
do que já foi. Mesmo assim, permanece como a disposta a trabalhar duro e abraçar tudo que era novo.
principal força de lei, igualdade e civilização no
Foi essa mentalidade que se espalhou por Arton
continente. Sob o comando da Rainha-Impera-
quando os refugiados encontraram a estátua de
triz Shivara I, o Reinado continua orgulhoso,
Valkaria, estabeleceram-se ali e se espalharam pelo
determinado a defender os povos de Arton — e, continente. Encontros pacíficos com as nações já
mesmo com perdas pesadas, ergue-se vitorioso existentes traziam uma mensagem de união: apenas
de novo e de novo. juntos os diferentes povos poderiam defender seus
lares; apenas laços firmes evitariam que mais uma

O que é o Reinado? vez populações inteiras fossem banidas. Embates


violentos com os habitantes do continente traziam
O Reinado é uma coalizão de diferentes reinos essa mesma união, mas na forma de conquista:
com governos autônomos, para proteção mútua e era preciso angariar cada vez mais poder, para que
defesa de ideais em comum. Antes da chegada dos nunca mais houvesse um oponente capaz de roubar
refugiados de Lamnor ao continente norte, cada tudo de um povo. Por altruísmo, por terror ou por
povo, reino ou nação era totalmente independente. ambição, os refugiados propagavam o mesmo ideal:
Havia grandes civilizações, como Khubar, as Amazo- um continente unido.
nas de Hippion, as nações dos Ermos Púrpuras e a Por isso o Reinado é mais do que uma aliança — é
República de Tapista, mas as relações diplomáticas um conjunto de princípios. Ainda que esse ideal nunca
entre elas eram tênues, sem grandes alianças ou tenha sido atingido totalmente, em sua essência o
costumes em comum. Qualquer ameaça deveria Reinado representa a crença de que todos os povos,
ser enfrentada isoladamente, qualquer infestação independente de raça ou procedência, têm direito a
de monstros era problema exclusivo do povo local. um lar e devem prestar auxílio mútuo contra aqueles
É impossível dizer como essas civilizações se de- que venham a ameaçar esse direito.
senvolveriam sem o influxo de refugiados. Talvez Originalmente, o Reinado estendeu a aliança
uma coalizão fosse criada sem influência de Lamnor, ao Dragão-Rei Sckhar, às misteriosas fadas da
talvez algum reino se erguesse como um grande Pondsmânia, aos minotauros de Tapista e a todos os
conquistador, talvez o isolacionismo só aumentasse demais povos, por mais diferentes dos lamnorianos
com o passar dos séculos. que fossem. Talvez esse pensamento tenha sido ingê-
Mas a chegada da caravana de Lamnor mudou tudo. nuo — por exemplo, como confiar em um maligno e
Os refugiados traziam algumas ideias fundamentais: poderosíssimo dragão ancestral? Mesmo assim, após
estavam à procura de um lar, não de um simples territó- o pedido (ou exigência) de Sckhar, Sckharshantallas
rio que pudessem ocupar, já que nunca mais poderiam foi tratado como um membro igualitário da coalizão.
voltar à única terra que conheciam. Tinham perdido O Reinado nunca baniu raças ou mesmo modos
quase toda noção de suas antigas nacionalidades, pois de governo. Firme na crença de que todos eram
passaram muitos anos convivendo e se misturando, sem bem-vindos e nenhuma maneira de existir seria
divisões estritas e sem fronteiras às quais se apegar. proibida, o Reinado acolheu monarquias, repúblicas,

A Genealogia dos Reis-Imperadores


Roramar Pruss, Wortar I, o Roramyd, o Ligeiro Wortar II, o Sagaz
o Rei Profeta (953-1031). Caravaneiro (1021-1075). (1042-1075). Morto de (1063-1148). Criança quando
Clérigo de Valkaria, guiou Primeiro a ter o título de causas misteriosas logo da morte de seu pai, foi
os exilados. Casou-se com Rei-Imperador. Enviou após assumir o trono. Sua coroado apenas quatro anos
a Rainha Amazona Yvanna, caravanas por Arton morte causou guerra civil e depois. Político hábil, integrou
a Matadora de Gigantes. para explorar o novo lar. instabilidade no Reinado. diversos reinos à coalizão.
Regência: 1020 a 1031. Regência: 1031 a 1075. Regência: menos de 1 ano. Regência: 1079 a 1148.

Capítulo Um
46
magocracias, até mesmo tiranias mal disfarçadas. pode gerar insatisfação entre a nobreza. O rei também
Talvez isso tenha enfraquecido a coalizão, mas o pode indicar algum nobre fora de sua família, como
ideal permanecia o mesmo: ainda que o governante foi o caso de Thormy. Antes da ascensão de Shivara,
fosse maligno, o povo merecia proteção. O Reinado todos os governantes eram da dinastia Pruss e nativos
representava a tentativa de influenciar e mudar de Deheon, mas a Rainha-Imperatriz provou que nada
esses sistemas injustos. Não através da guerra, disso é uma exigência. Além do indicado, há outros
mas da diplomacia. candidatos: altos aristocratas, pessoas com ligação
Os minotauros se aproveitaram disso durante as tênue com o Rei Profeta, heróis aclamados. Então um
Guerras Táuricas, quando um incidente diplomático conselho de nobres (chamados apropriadamente de
se avolumou, resultando na conquista de grandes “eleitores”) vota para decidir quem será o rei. O “voto”
partes do território do oeste. Possivelmente, a do rei atual (ou seja, sua indicação em vida) tem peso
agressão dos minotauros abriu as portas para os maior do que o de qualquer outro eleitor, mas uma
demais desligamentos e até mesmo a trágica Guerra aristocracia unida contra o sucessor indicado poderia
Artoniana. Pois a antiga nação de Tapista não apenas eleger outro candidato.
se ergueu contra seus vizinhos — ela abandonou os Contudo, isso diz respeito apenas a Deheon, não
princípios de ajuda mútua. Antigamente, era raro que sendo garantia do posto de Rei-Imperador. Uma vez
alguma nação expressasse o desejo de se separar do que um novo rei de Deheon tenha ascendido, os demais
Reinado. Talvez de dominá-lo ou de usurpar o posto reis e governantes do Reinado votam para aceitá-lo ou
de Rei-Imperador, mas a noção da coalizão continuava rejeitá-lo como Rei-Imperador, responsável por toda a
forte. Foi a partir das Guerras Táuricas que a ideia de coalizão. Até hoje, o governante de Deheon sempre foi
dissolução se espalhou. Subitamente, os ressentimen- aprovado no trono do Reinado, mas já houve ameaças
tos e diferenças que existiam dentro do continente a essa estabilidade.
ganharam uma nova solução: o rompimento total, na
crença de que independência e individualismo eram Existe pelo menos uma forma de destronar um
melhores do que cooperação. Rei-Imperador já coroado: o conselho do Reinado. O
conselho do Reinado é convocado pelo Rei-Imperador
Com apenas sete reinos restantes, o Reinado apenas em casos graves, para tomar alguma decisão
permanece forte — sinal de que seu poder não estava muito importante. Todos os reis comparecem (ou ao
apenas em armas e números, mas em princípios. E, menos mandam representantes com poder de decisão)
enquanto existir um Reinado, esses princípios serão
e atuam como conselheiros para o monarca superior.
sempre os mesmos.
Normalmente o conselho do Reinado acontece em
Deheon e segue as leis dessa nação. Dessa forma, não
O Reinado É Livre é possível destronar o Rei-Imperador — ele está em
O Reinado é governado pela Rainha-Imperatriz território onde é soberano.
(ou Rei-Imperador, quando um homem senta no Mas, em raras ocasiões, o território onde o
trono). No entanto, cada reino da coalizão mantém conselho do Reinado se reúne é considerado neutro,
autonomia e o posto de monarca supremo não é independente de onde esteja fisicamente. Nesse caso, é
puramente hereditário. possível votar para derrubar um Rei-Imperador. Mesmo
Desde Wortar II, descendente do Rei-Imperador assim, presume-se que as leis de Deheon estejam
original, o sistema de governo e sucessão permanece valendo. Contudo, o Rei-Imperador (e apenas ele)
o mesmo. Primeiro há a questão do rei de Deheon, pode decretar que as leis de outro reino governem o
o Reino Capital. Antes de morrer, o monarca atual território neutro. Essa manobra inusitada dá margem
indica um sucessor. Normalmente esse sucessor é seu para truques legais e políticos. Thormy, por exemplo,
descendente direto (filha ou filho), mas pode ser um usou esse estratagema para fazer com que as leis do
parente mais distante. Contudo, quanto mais distante o Reino de Yudennach governassem o conselho e permitir
parentesco, menos direito o candidato possuirá, o que que ele desafiasse seu rival, Mitkov Yudennach, em

Roramira I, a Sentinela Roramar II, o Escudo Vallanna I, a Víbora que


Príncipe Druthar (1111-1180). Conhecida por Arcano (1139-1222). Mestre Ri (1173-1256). Uma
(1088-1113). Partiu em suas superstições e temores, abjurador e lutador conhecido mestra da intriga e das
uma busca para matar foi uma grande mecenas tanto por seus formidáveis conspirações palacianas, que
Mzzileyn, o Dragão-Rei das das artes mágicas, vivendo feitiços defensivos quanto seus detratores acusavam
Trevas, mas foi devorado rodeada de magas da corte. por seu físico de ferro. de ser uma sszzaazita.
pelo monstro. Regência: —. Regência: 1148 a 1180. Regência: 1180 a 1222. Regência: 1222 a 1256.

continua na página 50...

O Reinado
47
combate individual. Isso fez desmoronar toda uma teia Hoje em dia, intolerância, escravidão e outras
de intrigas que ocorria há anos e ameaçava derrubar práticas similares são consideradas crimes em todo
o Rei-Imperador. o Reinado, independente de acontecerem dentro ou
fora das fronteiras de um reino. A história já provou
Caso o rei de outra nação assuma o posto, essa
que passividade frente a isso não é garantia de paz,
nação se torna o Reino Capital. Na prática, é muito mais
muito menos de mudança. Assim, a coroa do Reinado
fácil e vantajoso para os demais reinos manter o rei de
exerce maior poder sobre cada nação.
Deheon no trono do Reinado. Caso o Rei-Imperador
viesse a se tornar o rei de outra nação, seria preciso Embora cada reino mantenha sua forma de go-
vernar seu próprio povo, existem algumas diretrizes
transferir toda a corte de Valkaria para uma nova cidade,
universais. Cada reino possui um rei ou governante,
que não contaria com a mesma estrutura e segurança
que está subordinado por um juramento de lealdade
do Palácio Imperial. Além disso, estrategicamente
à Rainha-Imperatriz. Todo o poder dentro do reino
é interessante que Deheon continue sendo o Reino
emana do rei — embora na prática isso seja ques-
Capital. É uma nação rica e militarmente poderosa —
tionável. Por sua vez, o rei conta com juramentos de
sem a obrigação moral de se manter justa e neutra em lealdade de seus nobres, que são senhores de nobres
disputas, poderia usar esse poder para oprimir outros menores e assim por diante. Todas as pessoas do
reinos. Paradoxalmente, Deheon fica sob controle Reinado estão ligadas a alguma outra pessoa por um
enquanto sua rainha é também Rainha-Imperatriz. juramento de lealdade, que pode ou não ser formal.
Apenas por nascer em um determinado local um
O Reinado É Igualitário plebeu automaticamente está jurado a obedecer ao
senhor da terra, enquanto o senhor automaticamente
Os reinos participantes da coalizão mantêm suas
faz um juramento de proteger seu novo súdito. Os
próprias leis, seus próprios costumes e seu próprio
plebeus mais humildes simplesmente juram lealdade
sistema de governo, o que inclui sucessão. Embora
a um baronete local, ao burgomestre de sua aldeia
o conjunto de regras que governa a relação entre o ou às autoridades de sua cidade. Nobres contam com
Reinado e cada um de seus membros seja extenso, uma cadeia complexa de lealdades (prestando jura-
há um princípio básico que guia tudo: o que acontece mentos a altos nobres, sendo servidos por cavaleiros
dentro das fronteiras é jurisdição do próprio reino. O e plebeus etc.). A Rainha-Imperatriz não se submete
que cruza fronteiras, ou que afeta outros reinos, fica a ninguém, mas tem um juramento de lealdade para
sob controle do Reinado. com todo o povo do Reinado. Em troca de seu posto,
Esse não é um sistema perfeito e sofreu modi- ela jura defender cada cidadão e liderá-los frente a
ficações recentes. Antigamente, quando Tapista era grandes ameaças e desafios.
membro do Reinado, isso significava que a escravidão Todos os juramentos são voluntários, ao menos
era tolerada pelos Reis-Imperadores, desde que ficasse em teoria. Isso significa que ninguém pertence a nin-
dentro das fronteiras. Essa atrocidade gerava incômodo guém no Reinado. Da mesma forma, os plebeus não
e revolta em muitos cidadãos do Reinado, mas seria estão presos às terras de seus senhores e os habitantes
impossível bani-la sem uma guerra. Inevitavelmente, de uma cidade podem deixá-la quando quiserem. Na
foi um conflito gerado pela prática da escravidão prática, esse tipo de mudança radical é muito difícil
que levou às Guerras Táuricas e à saída do reino dos para a maior parte das pessoas, sejam plebeus ou
nobres. Nem mesmo cavaleiros ou comerciantes
minotauros da coalizão.
ricos têm facilidade para abandonar tudo e começar
Outro exemplo eram as leis odiosas do antigo de novo em outro lugar, com novos juramentos.
Reino de Yudennach. Dentro de suas fronteiras, Apenas aventureiros costumam fazer isso. Assim, é
pessoas não humanas eram perseguidas e podiam comum que pessoas que desejam conhecer o mundo
até mesmo ser caçadas e assassinadas sem razão escolham uma vida de aventuras.
alguma. O reino era a principal ameaça ao poder de Aventureiros em grande parte estão fora do
Deheon e havia grande medo de que, no caso de uma sistema de lealdades e juramentos do Reinado. Tec-
intervenção do Reinado, Deheon perdesse o posto de nicamente estão jurados aos senhores e autoridades
Reino Capital e a intolerância se alastrasse pelo con- dos locais de onde vieram, mas logo se envolvem
tinente. Mais uma vez, um confronto era inevitável. A em novos juramentos (escolhendo morar em outro
Guerra Artoniana começou com a transformação de lugar, aceitando missões de nobres etc.) e podem
Yudennach na Supremacia Purista e o desligamento ascender para governar plebeus, recebendo seus
de seu território do Reinado. próprios juramentos. Em geral, isso é um processo

Capítulo Um
48
A Heráldica do Reinado
Gonfalão Coroa Imperial
Estandarte usado em Coroa da Rainha-Imperatriz
barra transversal que exibe Shivara enquanto
o brasão do Reinado. governante do Reinado.

Brasão de Deheon Símbolo Sagrado


O Rei-Imperador sempre As seis faixas entrelaçadas
foi o regente de Deheon, são um antigo símbolo da Igreja de
portanto o brasão do reino Valkaria, usado desde quando o rei
também é representado de Deheon também era o sumo-
no brasão da coalizão. sacerdote da Deusa da Humanidade.

Coroa Real Pavilhão


Coroa da Rainha- O pavilhão é
Imperatriz constituído de um
Shivara enquanto dossel do qual sai
governante de um manto bordado
Deheon. e franjado de ouro
que se abre como
cortinas. Ele é
usado em brasões
Tenentes de soberanos como
a Rainha-Imperatriz
Figuras que Shivara e o Dragão-
sustentam o escudo Rei Sckhar.
de um brasão.
A bárbara e
o cavaleiro
representam
Elmo Real
uma parcela da Reis e príncipes
variedade dos usam um elmo
humanos criados dourado de viseira
por Valkaria e aberta e visto de
a extensão do frente em seus
território do brasões, enquanto
Reinado. os demais usam
elmos vistos a
três quartos de
perfil, abertos ou
fechados, de prata
ou de aço.
Medalha
da Ordem de As Sete Espadas
Wortar II do Reinado
A Imperial Ordem de Wortar II
foi criada pelo Rei-Imperador de As espadas representam
mesmo nome para consolidar as sete nações do
a expansão dos humanos Reinado: Deheon,
iniciada por seu avô, Wortar I. Bielefeld, Namalkah,
A condecoração é entregue a Lema de Deheon e do Reinado Wynlla, Ahlen,
grandes heróis do Reinado. Zakharov e a Pondsmânia.
A frase representa a ambição dos humanos em
superar os próprios limites e a vontade de levar o culto
de Valkaria para além das fronteiras de Deheon.

O Reinado
49
A Hospitalidade pois corrigem falhas no sistema de juramentos, já que
tiranos não estão sendo leais a seus senhores (por
Um costume amplamente praticado, mas descumprir os acordos ancestrais) ou a seus súditos
não codificado em leis, é a hospitalidade. (por não os proteger).
Ao encontrar uma fazenda ou taverna
Dentro de um reino, as mesmas leis valem
de beira de estrada perdida no meio das
para todos, ou deveriam valer. Um nobre não
extensões desabitadas do Reinado, um
pode assassinar um plebeu, da mesma maneira
viajante pode pedir abrigo ou pagar por
que um plebeu não pode assassinar um nobre. Um
uma noite sob um teto. Fazendeiros ou
aristocrata que simplesmente tome a propriedade
taverneiros podem se negar — mas, uma
vez que aceitem, entram num acordo tácito de um camponês será tão criminoso quanto um
de não fazer qualquer mal a seu hóspede. gatuno apanhado na sala do tesouro. A desigualdade
O hóspede, por sua vez, deve respeitar e que impera em muitas regiões faz com que esses
proteger o anfitrião e todos que estão sob o crimes nem sempre sejam punidos, mas a lei existe.
mesmo teto. Existem histórias de grandes Na verdade, caso todas as leis do Reinado fossem
inimigos que se encontraram por acaso cumpridas o tempo todo, a coalizão seria quase
na mesa humilde de um anfitrião e foram uma utopia. É irônico que muitos aventureiros que
forçados a conviver pacificamente. Afinal, se consideram “fora da lei” (pistoleiros, bárbaros,
nenhum deles seria tão desonrado a ponto ladinos...) em geral estão fazendo cumprir a lei,
de quebrar a tradição da hospitalidade e apenas porque corrigem injustiças!
erguer armas contra outro hóspede. Habitantes do Reinado têm diferentes razões para
cumprir a lei e obedecer às autoridades. Nos lugares
mais ermos e afastados, isso depende de ligações
informal — um aventureiro que está há meses pessoais entre povo e senhor de terras. Um nobre deve
morando numa aldeia e resolvendo os problemas sair de seu castelo e ser conhecido por seus súditos,
locais é considerado “parte da aldeia” sem que pois seu poder é baseado na confiança que emana de
precise se ajoelhar para alguém. Dentro de um sua pessoa ou de sua família. Quanto mais perto de
Reinado onde todos são livres, os aventureiros são grandes centros se chega, mais o povo respeita as
os mais livres de todos. instituições em si. O camponês que vive numa aldeia
isolada se considera súdito de um barão, mas um
O Reinado É Justo valkariano fala orgulhosamente de sua ligação com a
cidade, com o reino e com o Reinado como um todo.
Todo esse sistema de lealdades pode parecer um Alguns podem não gostar da Rainha-Imperatriz, mas
pesadelo opressor para pessoas que vêm de lugares respeitam seu posto e sua autoridade.
mais anárquicos, como Galrasia ou as Sanguinárias. No
O reconhecimento das instituições é especialmente
entanto, a lealdade mútua garante algo fundamental
importante em reinos e regiões que recebem muitos
para o Reinado: ninguém está acima da lei.
não humanos ou estrangeiros. A força dos brasões, das
Embora tenham privilégios e a força das armas, leis e da coalizão em si deve ser suficiente para garantir
nobres não podem fazer o que quiserem com seus que nenhum estranhamento superficial ameace os
súditos. As vidas dos plebeus não pertencem a eles e direitos de qualquer cidadão. Uma vez que seja aceito
abusos tirânicos podem ser denunciados a nobres mais como cidadão do Reinado, um recém-chegado tem
altos ou a heróis. Não é incomum que aventureiros todos os direitos daqueles que nasceram e cresceram
sejam contratados por plebeus para derrubar condes ou aqui, mesmo que seja um dragão, demônio ou alguém
barões que oprimem seu povo. Mesmo agindo contra o ainda mais esquisito. Obviamente, sendo uma coalizão
sistema de nobreza, esses aventureiros são aclamados, fundada por refugiados, o Reinado tem a política de

Phévio I, o Portador da Praga Thoran I, o Afogado Roramar III, o Rei de Vallanna II, a Rainha
(1198-1259). Um rei indolente (1225-1264). Um Alabastro (1229-1266). que Ouvia (1251-1325).
e pouco lembrado, exceto por beberrão e apostador Muito pálido e sempre Nascida cega, governava
sua estranha morte, após uma compulsivo. Boa parte de enfermo, passou a vida de uma biblioteca, ouvindo
crise interminável de soluços. seu governo foi executada entrevado em seu quarto livros narrados por servos
Iniciou o período agourento por conselheiros. e mal durou dois anos e notícias fornecidas
conhecido como a Praga dos Morreu em uma taverna. após assumir o trono. por seus fiéis bardos.
Reis. Regência: 1256 a 1259. Regência: 1259 a 1264. Regência: 1264 a 1266. Regência: 1266 a 1325.

Capítulo Um
50
aceitar todos os refugiados que pedem asilo. Em áreas A maior parte dos habitantes não vive em grandes
ermas, não há nenhum controle — as fronteiras não cidades, mas em fazendas e aldeias que se formam
são fortemente vigiadas e ninguém faz um censo. ao redor de castelos. Com raras exceções, os castelos
Nas capitais existe uma burocracia para conceder a dos nobres são abertos à população. Em seu pátio se
estrangeiros documentos de cidadania e acolhê-los realizam feiras e o povo é incentivado a vir prestar
como parte da rede de lealdades que une todos. homenagem a seu senhor, além de fazer solicitações
a ele. Apenas a parte mais interna dos castelos, onde
O posto de Rainha-Imperatriz não é ordenado
vivem o senhor e sua família, é fechada ao povo. Em
pelos deuses. Assim, a autoridade moral vem da
caso de grandes ameaças, o povo abandona as fazendas
crença da população no próprio Reinado. Para que e aldeias, reunindo-se sob a proteção das muralhas
essa crença continue existindo, o Reinado precisa do castelo. Isso não é garantia de sobrevivência —
continuar valendo a pena. Proteger todos e fazer valer muitas vezes essa fortificação está distante demais
as leis não é apenas idealismo — é algo fundamental ou inacessível por outra razão. Também há nobres
para a sobrevivência da coalizão. covardes e mesquinhos que fecham suas portas e
renegam suas responsabilidades. Além disso, muitas
O Reinado é perigoso aldeias se formam tão longe dos domínios de seu
senhor que seus habitantes nem mesmo pensam
Todos os princípios de justiça, igualdade e to-
em recorrer a ele, preferindo contratar grupos de
lerância que existem no Reinado significam apenas
aventureiros errantes. Mas, no ambiente ermo e rural
uma coisa: vale a pena lutar por ele. E é preciso lutar
da maior parte do Reinado, um castelo é um bastião
muito, pois o Reinado está sempre sob algum tipo de
de civilização e um farol de liderança.
ameaça. Na verdade, sob vários tipos!
A primeira linha de defesa da coalizão é o Exército
Com toda sua vastidão, o Reinado não é plena-
do Reinado, a força reunida por Shivara para enfrentar
mente civilizado. Muitas vezes a viagem até a aldeia a Tormenta. No entanto, o exército é apenas isso — um
mais próxima é uma jornada de dias ou semanas. exército. Suas batalhas gloriosas e seus triunfos épicos
Existem estradas com marcadores de distâncias são apenas parte das histórias contadas por bardos. As
e até mesmo postos de guarda, mas a maioria do outras são sobre heróis aventureiros. Sem a interferên-
território é composta de planícies intocadas, florestas cia de heróis, o Reinado certamente desmoronaria... e,
densas e montanhas inclementes. Nesses lugares, com ele, a ideia de que diferentes reinos podem se unir
qualquer colina pode esconder monstros, criminosos na defesa do que é correto. Ironicamente, a diminuição
ou vilões. Viajar é arriscado. Plebeus solitários só do Reinado significou que quase todas as nações que
empreendem grandes jornadas em último caso. Mais contrariavam esses valores se desligaram, tornando a
comum é que as pessoas se juntem a caravanas e/ parte ideológica do Reinado ainda mais sólida.
ou contratem grupos de heróis para escoltá-las. A
Seja um nativo da coalizão, um imigrante ou
primeira missão de muitos aventureiros iniciantes apenas alguém de passagem, todo aventureiro dentro
é acompanhar um comerciante até o mercado mais do Reinado sente sobre si um peso, uma responsa-
próximo... E eles quase sempre descobrem que não bilidade e uma honra. A Rainha-Imperatriz Shivara
há nada de simples nessa tarefa. está, direta ou indiretamente, contando com heróis
Viajantes se deparam com locais e fenômenos que acreditem no Reinado. E, em troca, o Reinado
estranhos o tempo todo. A torre de um necromante, acredita neles.
uma área de magia selvagem descontrolada, um
templo sszzaazita, um lago ácido ou uma floresta
tomada por fungos hipnóticos podem existir em
qualquer lugar. Há muito espaço para que o mal e a
selvageria se escondam.

Philydio I, o Tranquilo Thormy I, o Último Pruss Shivara I (1375-).


Príncipe Phévio II (1111-1180). Regente (1343-?). Enfrentou todo Princesa guerreira de
(1276-?). Herdeiro do justo e ponderado, tipo de problema, da queda Trebuck, liderou o Exército
trono, abandonou suas governou durante um do Paladino de Arton à do Reinado na primeira
obrigações para viver nos período de relativa chegada da Tormenta. batalha contra a Tormenta
ermos, como um druida tranquilidade. Teve Entregou-se como refém para e derrotou os puristas no
de Allihanna. Seu destino apenas um filho, Thormy. encerrar as Guerras Táuricas. Cerco a Valkaria. Regência:
é incerto. Regência: —. Regência: 1325 a 1364. Regência: 1364 a 1406. 1406 até o momento.

O Reinado
51
Capítulo Um
52
Deheon O REINO C APITAL

A História
Terra da Bem-Aventurança. Mãe das
Mil Caravanas. O Coração de Arton.
Inúmeras são as alcunhas da nação Deheon é um país acolhedor, mas repleto de
fundadora do Reinado. Dentro da contradições. Contém desde centros urbanos super-
atípica fronteira circular que a delimita, seu povoados até aldeias em ermos perigosos. Viver em
território é cortado por estradas e aquedutos seu território vibrante e colorido pode ser muitas
indo em direção à sagrada metrópole de coisas, menos monótono. E, como qualquer nação que
enxerga a si mesma como centro de poder e riqueza,
Valkaria. Tanto feudos fortificados quanto
este é um lugar repleto de segredos.
aldeias independentes saltam aos olhos, entre
bosques, colinas, campos de grãos e pastos O passado do reino se confunde com o do Reinado
verdejantes. Graças à importância político- e de sua capital. No centro de um fértil vale entre dois
rios, hoje chamados Fortitude e Nerull, foi erguida
religiosa da capital no meio do reino, além da
a cidade sagrada de Valkaria. O local escolhido pelos
forte economia baseada em agropecuária e na refugiados do continente sul para fundá-la teve uma
produção de todo tipo de manufatura arcana, motivação religiosa: ali ficava a colossal estátua da
Deheon é considerado o centro do mundo para Deusa da Humanidade com os braços erguidos ao
as muitas culturas que o habitam. E um bom céu, abençoando todos que desejassem abrigar-se
lugar para morar. sob sua sombra.
Aqui, mesmo o mais pobre camponês não passa Embora os peregrinos não soubessem disso, aquela
por grandes privações, existindo em segurança. Ou era a forma pétrea da própria deusa que os criara.
pelo menos com a maior estabilidade possível em A estátua servia como âncora para uma masmorra
um mundo onde exércitos marcham sobre a terra, interdimensional onde a essência de Valkaria fora
vilões criam planos malignos e mesmo os deuses não aprisionada após a trágica Revolta dos Três. No futuro,
têm suas vidas garantidas. Esta opulência mudou caberia à humanidade encontrar uma forma de acessar
durante a Guerra Artoniana, quando a capital foi esse labirinto e resgatar a própria criadora, provando
sitiada e o interior, saqueado. Ainda assim, o padrão ser capaz de vencer seu desafio.
de vida deheoni costuma ser superior ao da maioria A primeira noção de um reino no novo continente
dos reinos artonianos. Acima de tudo, este é um surgiu quando, aproximando-se de Valkaria, Roramar
lugar de oportunidades e esperança — tendo sido por Pruss descobriu que era capaz de operar milagres.
séculos a morada da própria Deusa da Aventura, algo Como o primeiro clérigo lamnoriano da Deusa da
na terra de Deheon parece impulsionar as pessoas Humanidade em séculos, ele foi exaltado e coroado.
a ser mais ousadas e valentes, a partir em busca de Ainda não se sabia qual seria o reino, mas todos
seus sonhos e desejos. A ir mais além. gritavam o nome do Rei Roramar I.

O Reinado
53
Mas como Valkaria passou de uma estátua e um os tabrachi, um povo-sapo que vive no peçonhento
local de peregrinação a uma metrópole? Dizem que Pântano dos Juncos, o culto matriarcal das medusas na
Deheon começou com “uma fonte e um templo”, Floresta dos Basiliscos e os míticos soldados mortos-
as primeiras construções simbólicas de um povoado. vivos vagando pela sombria Desolação.
A fonte foi um dos muitos milagres realizados Sem ainda ter travado contato direto com todos
pelo lendário Rei Roramar. O líder dos exilados teria os nativos dessas terras e desconhecendo sua cultura,
conjurado uma coluna de água gélida das entranhas os membros da Caravana dos Exilados foram conside-
da terra, que logo se converteu em uma nascente para rados invasores por alguns destes povos e atacados.
saciar milhares de exilados lamnorianos assentados Sem ter como voltar atrás, precisaram se defender.
próximos à estátua. Nas décadas seguintes, os povo- Como já vinha acontecendo, tiveram relações pacíficas
adores tomariam para si a missão de construir canais com outros. Houve também povos que preferiram
e aquedutos a partir dos rios vizinhos, regando com evitá-los e ignorá-los.
vida a cidade predestinada a superar todas as outras.
Após os primeiros anos do assentamento, graças
Já o tal templo — erigido de frente para a divin- aos esforços diplomáticos dos clérigos de Marah, Tan-
dade e consagrado em seu nome — seria a semente na-Toh e Valkaria, as hostilidades de ambos os lados
do que viria, séculos mais tarde, a ser reestruturado cessariam. Ao ver que o assentamento nas proximida-
por anões e convertido no Palácio Imperial. Foi ao des da estátua não despertava a ira divina, muitos clé-
redor desse templo que partiram com timidez os rigos nativos interpretaram isso como um bom sinal.
muros primordiais da vila: toscas e rudimentares O fato de um povo vindo de um continente longín-
paliçadas. Este início pode não ter sido uma visão quo cultuar uma deusa local também serviu para fazer
tão impressionante. No entanto, foi assim que, sob uma ponte entre as culturas. Comércio já tomava lugar
a proteção de Valkaria, a Deusa dos Heróis, nascia entre nortistas e sulistas, e muitos ramnorianos, com
Valkaria, a Capital do Mundo. o tempo, acabaram se mudando para junto da está-
Um lugar tão importante merece ser apresentado tua e fundindo-se ao núcleo de povoadores. Com a
em detalhes. Assim, a Cidade de Valkaria é descrita expansão constante do povoado, aldeias mais distan-
em sua própria seção (veja a página XX). O reino, no tes foram englobadas, tornando-se então bairros e
entanto, não se resume à capital. distritos. Surgia a multifacetada identidade deheoni.
Não se sabe a origem da palavra “Deheon”. Alguns
De acampamento de especulam que era um termo num idioma local,
refugiados a reino-mor outros garantem que era o nome de um antepassado
de Roramar. Um dos boatos mais interessantes diz
Relatos de antigos cronistas podem fazer crer
que é uma palavra sem significado, algo que apenas
que Deheon era um lugar vazio, no meio do nada,
soa como pertencente a vários dialetos do norte e do
apenas esperando para ser clamado pelos povos do
sul — mais uma manobra genial do primeiro rei. Seja
sul. Embora a capital realmente tenha sido erguida
como for, o termo nunca parece ter sido contestado.
do zero e boa parte do vale fosse despovoada, havia
Ainda durante a vida de Roramar, tanto refugiados
um motivo para estar assim.
quanto habitantes originais passaram a usar “Deheon”
Humanos nativos da região cultuavam a deusa para descrever a terra onde agora viviam.
petrificada Valkaria, mas seus costumes e crenças eram
O Rei Roramar delimitou os limites de seu domínio
bastante diferentes entre si. Alguns, como os antigos
segundo o poder divino da deusa que o guiara desde
palídoros, acreditavam que aquelas terras deveriam ser
a infância. O novo reino teria uma fronteira circular,
deixadas para sempre intocadas. Outros, tais quais os
marcada pela distância onde o próprio rei e os demais
gormaor e os houhynn, enxergavam a estátua como
sacerdotes de Valkaria perdiam o contato com sua
o cárcere de uma força que poderia um dia despertar,
padroeira. Assim, Deheon nascia como uma nação
pisoteando tudo em seu caminho. Melhor ficar longe!
predestinada, uma terra desenhada pela vontade divina.
Os orgulhosos odassi usavam as colinas próximas a
O novo lar que os lamnorianos buscavam e uma grande
estátua para seus cemitérios destinados a combatentes
transformação na vida dos povos originais de Ramnor.
de valor vencidos em batalha, enquanto clãs como
os dohanni, os neruscos, os selenitas e os villeus Uma nova contribuição valiosa ao assentamento
não hesitavam em atravessar os rios da região para viria das Amazonas de Hippion, uma nação de
caçar, pescar, orar ou travar guerras com outros povos, humanas guerreiras das pradarias do norte. Perseguindo
acabando por estabelecer entrepostos temporários seu mito de origem, elas peregrinavam a cada cinco
no terreno. Havia ainda tribos de humanoides como anos de volta a Deheon para rever sua terra mãe.

Capítulo Um
54
A rainha das Amazonas, Yvanna I, casaria-se com
Roramar, após ajudar o monarca clérigo a derrotar um
ataque de Teldiskan, o Gigante Máximo. Selaria assim
uma aliança com os deheoni. O gigante acabou banido
para as montanhas que receberiam seu nome, onde até
hoje existe um templo erguido por essas peregrinas.

Mais além
Seguindo sua natureza insatisfeita, os humanos
na cidade de Valkaria não permaneceram todos aos
pés da estátua da deusa. Muitos partiram em busca
de novas terras e aventuras.
De Deheon saíram diversas expedições que cos-
turaram a tênue união entre as nações humanas do
norte. Daqui partiram as caravanas de heróis como
o desbravador Cyrandur Wallas, que atravessou as
Montanhas Uivantes, e a do ávido cavaleiro Thomas
Lendilkar, conquistador das terras do futuro reino de
Bielefeld. Também foi o ponto de origem de facções Deheon
descontentes, como aquelas lideradas pelo honrado
paladino do sol Morkh-Amhor, a pérfida família Nome Oficial: Sacro Reino-Capitânia
Yudennach ou a trágica e desafortunada Caravana de Deheon.
sem Deuses. As políticas do filho e herdeiro político Lema: “Mais Além”.
direto de Roramar, o Rei-Imperador Wortar I, tiveram
Brasão: de prata a estátua de Valkaria
papel decisivo nessa expansão, levando ao contato com
de sua cor.
outras sociedades do continente de Ramnor.
Gentílico: deheoni.
Sobre as mesmas antigas trilhas do norte que
essas incursões seguiram, surgiriam depois as estradas Capital: Cidade de Valkaria.
que se tornaram o principal itinerário comercial do Forma de Governo: monarquia eletiva.
continente. Ainda hoje os caminhos centenários
Regente: Sua Majestade Real Imperial
continuam vendo uma boa quantidade de trânsito,
Shivara I do Reinado.
com comboios de carroças protegidos por heróis. Por
esses trajetos são encontrados os múltiplos vilarejos População: 6.450.000.
e feudos que compõem aquele que hoje é um dos Raças Principais: humanos, goblins,
reinos mais prósperos de Arton. anões, elfos, hynne.
Longe delas, Deheon continua abrigando monta- Divindades Principais: Valkaria,
nhas e bosques profundos, ocultando monstros e ruínas Khalmyr, Tibar, Azgher, Hynnin, Lena,
misteriosas da era pré-povoamento. Vale notar: mesmo Lin-Wu, Marah, Thyatis, Tanna-Toh,
aquele que é chamado de centro da civilização por Wynna.
muitos habitantes do Reinado tem até hoje territórios
onde existem ermos indomados e famintos. Mas esses
lugares passariam a coexistir com a ruidosa métropole
pulsando como um coração no centro do reino. Com
o explosivo crescimento do centro populacional de deheoni em uma guerra civil — o triste prenúncio
Valkaria, no decurso do tempo, novos muros eram daquilo que viria séculos mais tarde a ser o maior
erguidos, cada vez mais grandiosos, impenetráveis e conflito já visto pelos artonianos. Este primeiro con-
distantes da estátua da deusa. fronto foi estancado, mas não seria nem a primeira
nem a última atribulação tumultuando o Coração de
Deheon cresceria junto. Mas tampouco seria o Arton. Em 1381 aconteceu o infame Dia dos Gigan-
único a se expandir. tes, a batalha de dois colossos vindos de outra dimen-
O Reino de Yudennach, liderado pela família de são, que se digladiaram por Valkaria, destruindo edi-
mesmo nome, começou uma campanha de conquis- fícios e pisoteando transeuntes! Este evento não só
tas militares em 1075, culminando na imersão dos marcaria a primeira aparição do vilão Mestre Arse-

O Reinado
55
As Amazonas de Hippion nal, mas deixaria uma marca funda no caráter dehe-
oni: por fora, a imagem de gente aguerrida, acostu-
Separados do resto da sociedade, grupos mada a lidar com catástrofes e dar de ombros diante
de mulheres guerreiras treinam e vivem de situações absurdas. Por dentro, as feridas emocio-
sob suas próprias regras. São as Amazonas nais de quem sofreu inúmeras perdas e tem a certeza
de Hippion, um dos povos originários de de ser uma mosca em meio a toda sorte de entidades
Ramnor, hoje conhecida como Arton Norte. poderosíssimas que povoam o multiverso.
Foram uma das primeiras civilizações a Quando, em 1405, a Deusa da Humanidade foi
receber a Caravana dos Exilados que veio de finalmente solta de seu cativeiro, houve euforia. Um
Lamnor, estabelecendo um contato pacífico grupo de heróis conhecidos como os Libertadores,
com os recém-chegados. recebera uma pista encontrada pelo sumo-sacerdote de
Não se sabe quando este povo se originou, Valkaria, Hennd Kallamar, após salvá-lo de cultistas
mas sua história remonta a tempos sszzaazitas. O devoto descobriu como adentrar a es-
míticos. Os registros mais antigos já tátua da deusa e o grupo prosseguiu para lá, vencendo
falam de uma sociedade reclusa, composta os desafios de vinte labirintos arquitetados pelas
unicamente de mulheres que caçavam e divindades do Panteão. O que encontraram no último
guerreavam sobre cavalos. As amazonas deles até hoje é objeto de histórias e especulação, mas
sempre tiveram um grande vínculo com a verdade é só uma: Valkaria estava de volta.
esses animais e sempre prestaram respeito Com o retorno da Deusa da Humanidade, seus
a Hippion, o Deus Menor dos Cavalos, clérigos estavam livres para viajar aonde quisessem,
em conjunto com sua mãe e padroeira sem perder seus poderes. Naquele momento,
Valkaria. Embora o povo original conhecido o otimismo do povo deheoni era ilimitado, as
como “amazonas” seja humano, estas pessoas acreditavam em um amanhã no qual tudo
guerreiras sempre aceitaram mulheres de era possível. Só com a futura ascensão de deusa à
todas as raças que buscassem segurança liderança dos deuses, doze anos depois, voltariam
e liberdade, especialmente as que fogem a experimentar tal sentimento.
de sociedades opressoras. Ultimamente,
A verdade é que a mudança de dogmas com a
dahllans órfãs têm sido comuns entre
libertação significava que agora uma boa parte do
aquelas que buscam abrigo neste povo. clero, antes dedicada a vigiar dentro de Deheon e
As amazonas não fazem distinção entre ajudar a população comum com suas curas mágicas,
tipos de mulheres — todas podem ser agora precisava se deslocar continuamente, pregando
aceitas em seu meio, mesmo as que a palavra em lugares distantes. Um alento para os
demoraram para perceber que o são. fiéis, mas uma perda sentida pela população comum.
Quando uma delas tem um filho homem, E mais tragédias estariam por vir.
entrega-o para ser criado pelo pai ou
deixa-o em templos de Valkaria. Não
obrigam meninas nascidas entre elas a ficar, Dois cercos
mas cobram excelência e coragem daquelas Tempos sombrios trouxeram um obstáculo à
que escolhem fazer parte. Ser uma amazona prosperidade de Deheon. Embora desde sua fundação
é uma honra a ser conquistada, não apenas a capital tivesse testemunhado eventos grandiosos, até
um acaso de nascença. aquele momento nunca havia de fato experimentado
os horrores de um conflito prolongado.
Hoje, as amazonas vivem em povoados
temporários ao redor de Arton, onde Em 1406, uma série de acidentes diplomáticos
sobrevivem da agricultura e da caça. São com a República de Tapista, que então era membro do
nômades, existindo em um lugar por algum Reinado, levaria as legiões dos minotauros aos portões
tempo, então partindo em seus cavalos para de Valkaria sob a liderança do princeps Aurakas
outro povoamento vazio e permitindo que e, após um curto período de cerco, essas tropas
outro grupo de amazonas ocupe o território venceriam os muros. O Rei-Imperador Thormy,
que acabaram de deixar. último descendente da orgulhosa dinastia roramariana,
se entregou como refém para impedir uma guerra
total e um banho de sangue. Abdicou em favor de
(Continua...) Shivara Sharpblade, então rainha de Trebuck, que
foi apontada como sua sucessora e eleita.

Capítulo Um
56
Seguiria-se a desintegração parcial do Reinado, As Amazonas de Hippion (cont.)
com os reinos do oeste anexados pelo Império de
Tauron — ou, como dizia a infame profecia da Flecha Isso é tradicionalmente uma tática de
de Fogo: “Um rei partirá sua coroa em duas”. Mas isso sobrevivência, já que várias amazonas
era apenas o prenúncio de um conflito maior. Pois, de eram fugitivas de suas terras de origem
acordo com essa mesma premonição, um dia, a guerra — fixar raízes em um lugar soa como
tomaria a tudo e a todos. vulnerabilidade para elas. Isso também as
torna perfeitas devotas de Valkaria, a ponto
Foi o que aconteceu com o advento da Guerra
de algumas sacerdotisas afirmarem que o
Artoniana.
nomadismo foi incutido profeticamente
Estes foram os Anos do Maremoto, quando o neste povo, em preparação à libertação da
trono deheoni permaneceu vazio. Com o desapareci- deusa. Todas as amazonas são treinadas
mento da Rainha-Imperatriz, Deheon foi governado em combate, pois sua sociedade ensina
pelo Pequeno Conselho de Valkaria, um grupo que devem estar prontas a lutar por sua
de nobres e cortesãos. Eram regentes, mas não liberdade e seus costumes a qualquer
governantes imbuídos de legitimidade. momento. Podem combater com qualquer
A nação inicialmente hesitou em avançar contra tipo de arma, mas são particularmente
a ameaça do Exército Purista. Quando o fez, foi boas com arcos, azagaias e lanças,
tarde demais. Atraída para uma armadilha junto aos defendendo seu território à distância
cavaleiros de Bielefeld, teve um imenso número de quando atacadas.
tropas massacradas na Batalha do Baixo Iörvaen. A tradição de casamento entre a rainha
Após esse revés, os puristas ganharam território. O que amazona e o rei de Deheon faz com
outrora parecia impensável aconteceu uma segunda que tenham status especial neste reino,
vez: a capital foi sitiada. sendo consideradas cavaleiras (ou seja,
Esse cerco não durou dias nem mesmo meses: parte do nível mais baixo da nobreza)
arrastou-se por anos. A capital só sobreviveu devido automaticamente. Isso provoca asco nos
à presença de heróis épicos que conjuravam milagres nobres mais arrogantes de Deheon, mas
para sustentar a população, enquanto mantinham as quase nenhum tem coragem de contradizer
armas de guerra inimigas sob a mira de poderosas uma doutrina tão arraigada — ou de expor
magias e golpes avassaladores. Ainda assim, muitos suas opiniões frente a uma amazona.
setores da cidade foram danificados.
O interior sofreu ainda mais. Habitantes de vilas
e feudos que não conseguiram recuar até a seguran-
ça dos muros de Valkaria foram presos e torturados.
Anões, elfos, goblins e membros de qualquer povo
Geografia
não considerado “puro” pelos supremacistas foram A maior parte do reino possui clima subtropical,
executados ou entregues a seus aliados fintroll para bastante propício a lavouras e pecuária — o motor
serem escravizados. A mesma pena valia para quem econômico do interior de Deheon. No oeste, porém,
ajudasse esses prisioneiros. a proximidade com as Uivantes torna a região
sujeita ao frio mágico que emana dessas montanhas.
Uma verdade incômoda é que alguns nobres ou
Nessa região, há florestas temperadas e os invernos
burgomestres deheoni se aliaram ao invasor purista,
costumam ser rigorosos, com a presença de nevascas
seja por conveniência, seja por partilharem de sua
que mantêm os habitantes trancados em casa por
crença herética. Os campos foram queimados e
salgados quando a Supremacia foi vencida e recuou. longos períodos. A atividade rural cessa, mas, quando
As terras só voltaram a florescer graças à interferência precedido por colheitas fartas, isso não costuma ser
direta de Lisandra, a sumo-sacerdotisa de Allihanna, um incômodo aos camponeses, que têm nessa época
e outros druidas poderosos. do ano mais tempo para dedicar à família.

Hoje, com o retorno da Rainha-Imperatriz A fronteira do reino é algo único. Demarcada por
Shivara I ao trono, políticas de reocupação e monólitos patrulhados por cavaleiros, ela possui o
reconstrução dessas terras têm sido colocadas em formato de um círculo (exceto por uma pequena re-
andamento. Aos poucos, o reino está voltando a ser gião irregular). Esse era o ponto onde, antes da liber-
verde e próspero, embora as cicatrizes dos últimos tação de deusa, o Rei Roramar perdia seus poderes de
conflitos ainda marquem os campos de Deheon. clérigo, por se afastar demais da estátua de Valkaria.

O Reinado
57
“O casamento do Rei Roramar I com a Rainha deparar com seres como goblins ou trogs bandoleiros,
Yvanna das Amazonas marcou uma amizade não é raro avistá-los vivendo em meio a aldeias
eterna entre as duas nações, que ainda assim bucólicas construídas em volta de rodas d’água. Com
sempre mantiveram sua independência. a devastação causada pela ocupação purista, muitos
Vários descendentes da linhagem roramariana têm optado por se mudar para o campo, aceitando
desde então casam-se com chefes amazonas. incentivos em terras e ouro, oferecidos pela coroa para
Isso, além de reencenar a batalha contra o o repovoamento do interior.
Gigante Máximo, cumpre um objetivo mais
Mesmo em pequenas aldeias os habitantes de
pragmático: demonstrar que Reis-Imperadores
Deheon são pouco provincianos ou supersticiosos.
e Rainhas-Imperatrizes, ao desposar
Magia ou seres exóticos podem ser tratados com certa
governantes de um povo nômade, não estão
curiosidade, mas dificilmente enfrentarão qualquer
ligados formalmente a nenhum outro reino.
tipo de comportamento hostil. Mesmo criaturas
Evitam assim demonstrar favoritismo a
uma das outras nações que faziam parte da como golens e osteons são hoje cidadãos protegidos
coalizão, adotando uma posição conciliatória pela lei da Rainha-Imperatriz Shivara I. Apesar
que os manteve no poder durante muitos anos, dessa tolerância, existem setores mais sectários
mesmo dentro do sistema monárquico eletivo em algumas camadas da população, especialmente
proposto por Wortar II. De fato, embora não entre nobres com alguma ligação com a Supremacia
arbitrem sobre a soberania de outros membros ou Zakharov. E os lefou — os filhos da Tormenta —
do Reinado, monarcas-imperiais desempenham ainda lutam para encontrar lugar e aceitação, mesmo
o papel de mediação dos diversos membros dentro dessa sociedade cosmopolita.
da aliança, e em tempos de guerra lideram os Os deheoni valorizam a independência e priorizam
reinos signatários do pacto…” o trabalho. Casamentos, além de afeto, têm motivações
— Aelia de Ridembarr, cronista econômicas e práticas, como dividir despesas ou fazer
e autora de A Linhagem Roramariana alianças entre as famílias dos cônjuges. As cerimônias
costumam ser celebradas pelas igrejas de Khalmyr,
Lena ou Marah, ou de acordo com as devoções dos
Ao nordeste, em tempos atuais essa fronteira noivos. Curiosamente, como devotos de Valkaria
também é abruptamente cortada pela Garganta do não podem se casar, a igreja da Deusa da Ambição
não costuma se envolver nessas cerimônias. Os
Troll, surgida durante a última grande guerra e um dos
casamentos ocorrem normalmente entre pessoas de
marcos já históricos desse conflito. Através dela ficam
qualquer sexo ou gênero, podendo englobar dois, três
as terras da Supremacia Purista, uma potência militar
ou mais noivos, embora os tradicionalistas clérigos
hostil. Ao norte, Deheon faz fronteira com Zakharov,
de Khalmyr ainda torçam o nariz para casamentos
o Reino das Armas. Ao sudeste, com Wynlla, o Reino
entre mais de dois participantes.
da Magia. Ao sudoeste, com Ahlen, o Reino da Intriga.
Ao oeste, com as Uivantes. E, ao sul, com as Ruínas O povo demonstra comportamento reservado
de Tyrondir. Em teoria, apenas essa última fronteira e apressado no dia a dia. Um deheoni dificilmente
é perigosa — das Ruínas, eventualmente surgem interrompe seus afazeres para oferecer ajuda a alguém,
batalhões duyshidakk ou bandos de saqueadores a menos que lhe peçam. Permitem-se relaxar apenas
humanos. Contudo, nenhum deheoni sensato confia durante o frio, em casa ou bebendo em tavernas,
muito em seus vizinhos de Ahlen e mesmo de Wynlla o centro da vida social e comunitária. Em tais
pode surgir alguma ameaça mágica. estabelecimentos, cartazes com ofertas de trabalho
(incluindo missões para aventureiros) são comuns
nas paredes e murais.
Povo & Costumes Devido à enorme quantidade de eventos históricos
envolvendo Deheon e à presença de incontáveis
Deheon tem enorme diversidade: gente pertencen-
heróis na capital, quase todo deheoni tem alguma
te a qualquer raça, povo e cultura pode ser encontrada
história épica envolvendo a si mesmo ou sua família.
aqui. O reino conta tanto com centros urbanos agitados
Talvez sua mãe tenha vendido uma carroça cheia de
quanto com povoados em ermos remotos.
presuntos a Klunc, talvez seu avô tenha morrido
Há monstros errantes que se reproduzem como na vila de Kham. Os deheoni adoram impressionar
praga em fazendas e bestas atrozes longe das rotas estrangeiros com esses relatos, agindo como se tais
principais. Mas, ao viajar por estradas, em vez de se acontecimentos fossem “normais” no reino.

Capítulo Um
58
Os jovens costumam deixar seus lares aos quinze se ocupa, na maior parte do tempo, de missões
anos para “se aventurar”. Seja isso entendido como diplomáticas entre as nações e assuntos envolvendo
perseguir a carreira de um herói andarilho, seja a união como um todo. Sendo assim, na prática o
conseguir trabalho como aprendiz nas guildas das interior é administrado pelos Cinco Condestáveis,
grandes cidades. lordes guerreiros que recebem o comando de um
escudo, a maior divisão do exército deheoni, e também
Sem grandes surpresas, Valkaria é a principal
atuam diretamente como aventureiros, patrulhando
divindade venerada no reino. Em segundo lugar vem
o reino. As autoridades locais são pequenos nobres
Khalmyr, o Deus da Justiça, seguido por Lena, a Deusa
(barões ou condes de pouco poder) que lideram
da Vida, e Tibar, o Deus Menor do Comércio. São
terras habitadas por plebeus, ou prefeitos de aldeias
comuns ainda devotos de Azgher, Hyninn, Lin-Wu,
e pequenas cidades.
Marah, Thyatis, Tanna-Toh e Wynna. Seguidores de
Allihanna, Arsenal, Thwor, Megalokk, Kallyadranoch
e Tenebra são incomuns, mas podem ser encontrados
em pontos isolados. Cultistas de Sszzaas e Aharadak Um jovem aventureiro
são muito raros, mencionados apenas em boatos e deheoni parte em sua
temidos pela população geral. primeira busca

Governo
Quem governa Deheon por tradição também
governa a capital Valkaria e o próprio Reinado,
embora o monarca quase nunca exerça seu poder
sobre a cidade e não necessariamente seja aceito
como Rei-Imperador. A autoridade emana da coroa
da Rainha-Imperatriz cercada de vassalos, que por sua
vez têm seus próprios vassalos e assim por diante.
Em tese, quem senta no trono detém todo o poder.
A verdade é um pouco mais complexa.
A Rainha-Imperatriz atual é Shivara I, natural
do antigo reino de Trebuck, nascida na família
Sharpblade. Considerada uma das maiores heroínas
do mundo, Shivara foi aventureira e assumiu o trono
de seu reino natal ainda jovem. Quando Trebuck
foi atacado pela Tormenta, Shivara intercedeu
com o então Rei-Imperador para criar o Exército
do Reinado, uma das maiores forças de união e
estabilidade do continente. É impossível imaginar o
que teria acontecido ao Reinado sem a iniciativa de
Shivara. A rainha se casou com o Príncipe Mitkov
Yudennach, travando uma aliança crucial, apesar de
odiá-lo. Quando este foi banido, Shivara passou a
governar também o Exército com uma Nação, embora
por um curto período. Quando o Rei-Imperador
Thormy abdicou em seu nome, nenhum nobre
ousou contestar a decisão. Arton como um
todo gritava o nome de Shivara.
Mas Shivara não é onipresente e
decisões envolvendo Deheon muitas
vezes acabam tendo baixa prioridade,
enquanto ela lida com ameaças ao
continente, ao mundo ou aos reinos
dos deuses… A Rainha-Imperatriz

O Reinado
59
Locais Importantes A cidadela é governada pelo Arquiduque Mare-
chal Sir Bradwen Lança Dourada, comandante
do Exército do Reinado. Porém, devido às inúme-
Valkaria (Capital) ras obrigações do Arquiduque, ele muitas vezes não
A metrópole no coração de Deheon é a maior está no local e deixa a administração a cargo do cas-
cidade do mundo conhecido, onde tudo pode existir. telão Lovhar Vorillo Ghastis, seu homem de con-
Veja sua descrição completa na página 68. fiança. A Condestável Liamenor também pode ser
encontrada aqui em certas ocasiões, quando não está
Villent, patrulhando o restante da fronteira.

a Cidade-Muralha Pequena Colina


Villent situa-se na fronteira com a Supremacia
Purista e é a primeira e principal linha de defesa contra Uma das maiores comunidades hynne fora das
os batalhões puristas. Repúblicas Livres de Sambúrdia, abriga cerca de 2.000
desses seres e fica a poucos dias da capital. Pequena
Construída por engenheiros anões, Villent nasceu
Colina fica no trajeto de quaisquer viajantes que venham
como uma cidadela mineradora. Mas, por conta de
de Valkaria pelo sul e, antigamente, poucos deixavam
sua localização estratégica, ao longo dos anos recebeu
de aproveitar a hospitalidade hynne, relaxando em
muralhas cada vez mais altas e espessas. Durante
suas confortáveis estalagens, deliciando-se com sua
a Guerra Artoniana, foi sitiada, mas jamais caiu.
Após o conflito, grandes esforços foram dedicados comida farta e divertindo-se em suas festas. O topo da
à expansão dos muros, que cresceram mais e mais, colina abriga o Templo da Alegria, onde louvam-se
até engolir a cidadela! Villent se tornou uma cidade- as deusas Lena e Marah.
muralha — todas as casas, tavernas, oficinas, templos Porém, desde a guerra há poucas notícias do lugar.
e outros prédios existindo dentro das paredes, em A verdade é que Pequena Colina está presa em um
túneis claustrofóbicos. feitiço planar poderoso, removida do fluxo do tempo. O
Apesar de sua geografia peculiar, Villent é a responsável teria sido Hyninn, o Deus da Trapaça: ele
segunda maior cidade do reino, atrás apenas da capital. protegeu os hynne durante uma incursão de soldados
Abriga uma grande guarnição do exército, o que atrai puristas, mas então vingou-se por nunca ter sido a
muitos mercadores e outras pessoas interessadas em divindade principal do lugar! Como resultado, todos
oferecer serviços aos soldados. Além disso, as minas os habitantes estariam agora presos para sempre na
originais continuam funcionando e extraem boa parte mesma data: o chatíssimo aniversário do prefeito. O
dos metais utilizados no reino. dia sempre termina com o ataque dos puristas e, na
manhã seguinte, não importa o que aconteça, tudo
Villent fica próxima à Garganta do Troll. Assim,
volta à estaca zero e os eventos se repetem.
além de defender a superfície contra a Supremacia,
as tropas da cidade vigiam passagens subterrâneas Um avatar do próprio Deus Trapaceiro perambula
do gigantesco desfiladeiro. Por isso, têm procurado pelo lugar na forma de um hynne mascarado e só
grupos de heróis para lidar com essas ameaças. O terminará com tudo quando alguém ajudá-lo a pregar
pagamento é bom, mas envolve acomodações rústicas a maior das peças: converter todos os moradores
junto a mineradores que jamais veem a luz do sol e locais a seu culto…
cultuam Tenebra, a Deusa das Trevas. Além disso,
muitas seções da cidadela danificadas durante a guerra
ainda não foram consertadas e há trechos inteiros em
Ridembarr
ruínas, assombrados por espíritos de soldados mortos Uma profusão de aldeias e cidades menores cerca
e ocupados por todo tipo de monstro. a capital, tão minúsculas que nem constam nos mapas.
Ridembarr está entre as mais típicas.
Por sua importância histórica e sua segurança,
Villent muitas vezes é palco de reuniões entre nobres Fica a alguns dias de Valkaria, viajando a pé pela
de diferentes reinos, acordos diplomáticos e outros estrada. É composta por uma hospedaria e vinte ou
encontros de figurões. Como o espaço dentro das trinta casas. O estabelecimento para descanso de
muralhas é reduzido, não é raro encontrar um herói viajantes pertence a Éster Heremill, atual regente e
épico nos corredores ou dividindo a mesma mesa filha do antigo prefeito, morto na guerra. A cidade vive
num refeitório qualquer. O ambiente de militares e do comércio e da hospitalidade, abrigando viajantes
mineradores acaba com as formalidades e deixa todos que rumam para a capital. Por sua posição elevada, dali
mais próximos uns dos outros. pode-se ver a gigantesca estátua da deusa ao longe.

Capítulo Um
60
Um pintor recluso de nome Grigori, que os ele mesmo! A guilda, além de ser uma corporação de
ridembarianos dizem ter sofrido uma maldição, ofício de vidreiros, também funciona como conselho
costumava ter um ateliê onde guardava retratos de local e regulamenta o trabalho de heróis.
criaturas estranhas, jamais reconhecidas por ninguém. Uma recente adição à vila é o Empório de Elagor,
Um dia, aos gritos, simplesmente ateou fogo em um honesto paladino aposentado que abriu um arma-
tudo, e passou a morar na hospedaria. Sobre o que zém em busca de sossego. Tem sido visitado recente-
acontece ele, nada diz, mas por alguns tibares ele mente por Logan, guarda da capital também alçado
pode pintar seu retrato! à condição de guerreiro sagrado, tentando convencer
o veterano a deixar sua aposentadoria para cumprir
Selentine uma missão santa em um reino distante. Ninguém em
Selentine conhece os detalhes dessa tarefa.
A vila de Selentine fica a cinco dias de viagem
de Valkaria, nas margens do Rio Nerull. É conhecida
por seus trabalhos em vidro e cristal. Os vidreiros Gorendill
locais descendem de antigos colonos do reino de Situada na fronteira oeste de Deheon, essa cidade
Cobar e conseguem esculpir esses materiais de forma fica à margem do Rio Panteão e próxima às Uivantes,
quase mística, produzindo as mais belas e resistentes tendo um clima temperado. Outrora um vilarejo pacato,
peças de Arton atualmente. Copos, frascos, jarros, Gorendill cresceu muito nas últimas décadas, graças
vitrais... Até espadas de vidro que nunca se quebram a Guss Nossin, seu já lendário — e controverso —
e nunca perdem o fio! prefeito. Logo que se elegeu, Guss estabeleceu uma
Há alguns anos, um inventor local, já falecido, série de empreendimentos comerciais, fortalecendo
criou aquele que foi supostamente o primeiro golem a economia local... E dissolveu o conselho, tendo
vítreo do mundo. Apelidado pelos jovens de Vitrúvio, governado sozinho desde então.
hoje esse construto é mestre da guilda que comanda Ao longo de seu mandato, o prefeito ignorou
o local e tem uma série de “filhos” construídos por decretos vindos da capital, sob pretexto de “garantir

O Reinado
61
a independência da região” e, durante a Guerra podem ser encontradas ao longo de suas encostas.
Artoniana, não enviou tropas para as batalhas, Devido ao terreno ruim para plantio, a economia
concentrando-se em defender sua própria cidade e costuma ser baseada na criação de cabras, carneiros
fazendas, especialmente aquelas responsáveis pelas e outros animais montanheses.
frutas locais que são a base das exportações da cidade.
As montanhas têm esse nome porque, conforme
Gorendill acabou não sendo atacada pelos batalhões
antigas histórias, abrigam o deus menor Teldiskan,
puristas — talvez por estar longe da capital, talvez
o Gigante Máximo. Dizem ter sido banido por
justamente por ter mantido sua guarnição.
ousar atacar Valkaria, quando a cidade ainda era
Para alguns, Guss Nossin é um déspota ganancioso. um assentamento. Acabou derrotado, poupado
Para outros, um visionário que melhorou a vida de e expulso definitivamente pelo Rei Roramar e a
seus conterrâneos. Um covarde que não participou da Rainha Yvanna. Alguns dizem que ele se arrependeu
guerra ou um herói que colocou a segurança de seu e cumpre sua pena, ajudando os pastores locais
povo acima da glória pessoal, Guss é muitas coisas, como uma divindade menor benevolente, trazendo
dependendo de para quem você pergunta. Em apenas bom tempo. Os menos otimistas suspeitam que seu
uma coisa todos concordam: sendo prefeito há mais aprisionamento foi realizado por magia: ele agora
de vinte anos, Guss está ficando velho. Alguns dizem estaria angariando fiéis para reunir poder divino
que está procurando um sucessor em segredo e que suficiente e romper seu confinamento.
observa grupos de aventureiros em busca de alguém
Nas montanhas também existe um templo a
digno do cargo. Já outros dizem que Guss está na
Hippion, o Deus Menor dos Cavalos. Há um labirinto
verdade atrás de rituais necromânticos — para seus
detratores, o prefeito estaria disposto a renunciar à subterrâneo no interior do templo, mas ninguém sabe
vida, mas não ao cargo. o que ele esconde.

Begrond A Desolação
Este povoado modesto fica a uma semana de Uma área vasta e completamente erma no
caminhada a nordeste da capital. Pouco mais que nordeste de Deheon. O terreno é plano, mas rochoso,
uma rua cercada de propriedades rurais, é uma típica contendo pedras de todos os tamanhos. O plantio
cidadezinha artoniana, visitada por quem ruma para e a criação de gado são impossíveis, de modo que o
Valkaria e pelos fazendeiros das redondezas. lugar logo foi esquecido pelos fazendeiros. A lenda
diz que, no passado distante, o Panteão se irritou
O lugar foi fundado por Kyle Bek, um clérigo com um exército que passava pela região e fez chover
de Khalmyr, há quase dois séculos. Hoje possui uma pedras sobre os infelizes. Devido à alta incidência
estalagem, uma forja, um pequeno templo a Valkaria
de mortos-vivos que vagam por ali, é bem possível
e Khalmyr... e uma singela ponte de pedra, onde, nas
que seja verdade…
palavras dos moradores locais, “tudo que não tem
chance de dar errado, dá, e tudo que não tem como Notícias mais recentes falam sobre como viagens
dar certo, funciona!”. constantes de arcanistas a outros mundos teriam
deixado escapar espectros sombrios, que por algum
A origem dessa anomalia reside em Hit, uma
motivo misterioso foram atraídos para o lugar.
clériga de Nimb residente. A jovem claramente
insana bate na cabeça de qualquer infeliz transeunte
com sua maça em forma de punho fechado — por Colinas de Marah
motivos variados, como querer passar pela ponte Localizadas a algumas semanas de marcha da
ou não querer passar pela ponte. Certa vez, porém, capital, estas colinas são assim chamadas porque, de
a clériga teve a honra de enfrentar aventureiros acordo com seus habitantes, a própria Deusa da Paz
épicos durante a Libertação de Valkaria. Então teria sido vista aqui. Na forma de uma dama vestindo
retornou à sua ponte, tão imprevisível quanto antes, um manto de pura luz branca, ela surgiu durante
senão mais. um duelo entre dois inimigos mortais. Comovidos
com a presença da deusa, ambos jogaram fora as
Montanhas Teldiskan armas, fizeram as pazes e fundaram uma aldeia que
existe até hoje.
Embora sejam parte da mesma cordilheira que
forma as Uivantes, estas montanhas ficam dentro de Seus descendentes veem hoje essa história de
Deheon, ocupando boa parte da região noroeste. O forma nostálgica e não sem certa ironia. Atualmente,
clima não chega a ser tão rigoroso e muitas aldeiazinhas o lugar é um antro de criminosos fugitivos da capital.

Capítulo Um
62
Rixas sangrentas entre duas grandes gangues rivais
são comuns, com execuções acontecendo a céu aberto
Monte Palidor
e em plena luz do dia. O ponto mais elevado de Deheon, com 4.600
metros de altitude. Não faz parte de nenhuma das
O famigerado bandido Peter Korda procurou formações rochosas do reino e não se sabe como
abrigo temporário em dois templos locais, depois ocorreu sua formação. Sabe-se apenas que aqui teria
de um trabalho fracassado. Bastante versado nos sido o covil de um dragão, que em eras longínquas
assuntos do submundo, pode prover informações assolava todos os assentamentos da região, até ter sido
sobre ambas as facções, pois observa ambas de longe derrotado por aventureiros. Boatos falam sobre um
com curiosidade profissional. clérigo de Kallyadranoch que estaria tentando trazer
de volta à vida esse monstro... na forma de um dragão
Floresta morto-vivo! O antigo covil da fera estaria sendo usado
como um templo profano pelo vilão. As cavernas do
dos Basiliscos lugar são habitadas por outras criaturas, como orcs,
Essa floresta pantanosa ficou conhecida por ser ogros e revoadas de grifos selvagens.
habitada por basiliscos — tipo perigoso de lagarto
mágico que pode transformar pessoas em pedra com
seu olhar. Não obstante, estudiosos da Academia
Quedas de Hynn
Clérigos de Hyninn contam que um dia o Deus
Arcana dizem tratar-se apenas de uma espécie
da Trapaça tentou pregar uma peça em Nimb — que,
assemelhada, sem poderes mágicos. As verdadeiras
de acordo com alguns estudiosos, seria seu pai.
responsáveis pelas petrificações seriam aquelas que
Nimb não somente evitou o truque como ainda fez
domesticam esses animais: medusas clérigas de o próprio Hyninn tropeçar e cair. Na queda, Hyninn
Escamandra, a Deusa Menor da Permanência. deixou cair parte de seu nome, que foi prontamente
Talvez essas medusas sejam vilãs, talvez queiram escondido por Nimb. Frustrado, o Deus da Trapaça
apenas ser deixadas em paz pelos humanos, vivendo passou meses tentando encontrá-lo, enquanto chorava
em seu santuário de árvores fossilizadas e jardins copiosamente. De suas lágrimas teria surgido a queda
de estátuas... d’água e, da peça pregada por Nimb, o nome do lugar.
A floresta também esconde uma torre imensa que Como Hyninn teria achado o resto de seu nome não
teria pertencido a Tolian, um dos maiores magos de parece fazer parte da história.
Arton. Aqui ele teria desenvolvido grande parte de As Quedas de Hynn — também chamadas Cataratas
magias e rituais hoje bem conhecidos. Ainda hoje, de Hynn por aqueles mais eruditos — têm quase
as ruínas da torre atraem aventureiros que tentam duzentos metros de altura. Em suas proximidades
descobrir os preciosos segredos do mago. A torre é existe uma grande caverna, que dizem ser o covil de
protegida por gárgulas, que patrulham o interior e um dragão. Outras histórias afirmam que ali seria
arredores. Até agora nenhum grupo relatou encontros uma das entradas secretas para o reino de Doherimm;
com Tolian — ou seu fantasma. mesmo sendo verdade, apenas um guia anão poderia
conduzir o grupo com segurança a partir deste ponto.
Bosque dos Trolls Dois arcanistas humanos chamados Goordir
Cohticenom e Tore-Van passam seus dias supos-
Todo tipo de troll parece habitar essa mata
tamente estudando a cachoeira, por requisição da
e, apesar dos maiores esforços de caçadores para
Grande Academia Arcana. Mas andam procrastinando
controlar sua população, estes se mostraram
demais! O primeiro tem se dedicado apenas a seu livro,
impossíveis de exterminar, sempre voltando em
uma biografia de Talude, o Mestre Máximo da Magia,
grandes números. Isso se deve a um segredo tão enquanto o outro vive escapando da tenda mágica onde
terrível quanto impossível: o bosque inteiro é o dormem para passar a noite em estalagens confortáveis.
corpo adormecido de um troll gigantesco. A única
maneira de impedir novos monstros de nascer é
cortar o suprimento de água fornecido pelo Rio da Mata dos
Fortitude, despertar a colossal criatura e derrotá- Galhos Partidos
la. Esse mistério foi descoberto por um grupo de Esta pequena mata fica ao sul do reino, no ponto
aventureiros — mas, gananciosos, esses mercenários onde se encontram as fronteiras de Deheon, Ahlen e
preferiram guardá-lo para manter seus contratos as Ruínas de Tyrondir. É difícil viajar entre Valkaria e
de caça no local. qualquer região ao sul sem passar por aqui.

O Reinado
63
A Mata não é habitada por monstros ou animais No centro do pântano há um templo dedicado a
particularmente perigosos, mas oferece riscos para Inghlblhpholtsgt, a Grande Divindade Anfíbia. O
viajantes desacostumados à vida silvestre. É infes- templo é vigiado por uma espécie única de catoblepas,
tada de plantas tóxicas, cobras, insetos venenosos, um descomunal monstro quadrúpede semelhante a um
alcateias de lobos, javalis furiosos e pequenos felinos. bovídeo chifrudo, com uma cabeça pesada que sempre
Os únicos moradores da região são também seus olha para baixo. Porém, quando a criatura consegue
vigias: o druida Neldor e seu amigo, o caçador elfo erguê-la, qualquer um contemplando seus olhos é
Thandour. Costumavam contar com a ajuda de um imediatamente transformado em sapoide!
urso marrom chamado Teodoro, animal falecido
há alguns anos. Não obstante esse fato, dizem que
“Teddy” continua a existir como fantasma, assom-
Estalagem do
brando viajantes que desrespeitem o território. O
Velho Malcolm
que seria “desrespeitar” na opinião de um urso O velho que dá nome à estalagem é uma figura
espectral, porém, é bastante subjetivo. estranha. Gastou todas as economias de uma vida e
construiu seu estabelecimento — um prédio de madeira
e alvenaria de três andares — a muitos e muitos dias de
Pântano viagem de qualquer cidade, no meio de parte alguma,
dos Juncos perto da fronteira norte com Zakharov. Nenhuma
Lugar ermo, malcheiroso e cheio de detritos, estrada ou rota comercial passa por perto. Diz a lenda
o Pântano dos Juncos é úmido e quente. Situado que Malcolm morreu ali mesmo, esperando durante
próximo à fronteira de Deheon e Wynlla, sua ca- anos que um cliente aparecesse.
racterística mais marcante é ser habitado por todo A estalagem está em ruínas, mas se você entrar,
tipo de anfíbios monstruosos: batráquios gigantes, será recebido pelo Velho Malcolm — um pouco
pererecas peçonhentas, rãs carnívoras, salamandras mais velho e um pouco mais morto, mas ainda um
camaleônicas — e tabrachi, um povo sapo inteligente. bom estalajadeiro!

Capítulo Um
64
Cidades vibrantes, estradas
movimentadas e monumentos
colossais formam o interior
do Reino Capital

Guildas & seus lacaios em missões por todo o Reinado para que
encontrem os raríssimos ingredientes para o ritual. O
Organizações dia em que conseguirem todos os itens necessários...
Será o último dia de Arton.

A Sociedade Patrulheiros
da Noite Eterna da Deusa
Nem todos os devotos de Tenebra, a Deusa das
Trevas, são malignos ou sinistros. Muitos cultuam Uma das maiores ordens de cavalaria em Deheon
a deusa como sinônimo de liberdade, ou apenas reúne centenas de cavaleiros, clérigos e paladinos de
apreciam o alívio que a escuridão proporciona. Mas Valkaria. Liderados pelo paladino Jeremias Hallegor
existem devotos da deusa que são perigosos… A II, são encarregados pela coroa de proteger as
Sociedade da Noite Eterna é uma organização secreta fronteiras do reino contra qualquer ameaça.
de cultistas de Tenebra que trabalha para impedir Os Patrulheiros se revezam na tarefa de ocupar
o sol de nascer! postos na fronteira e cavalgar por toda sua extensão,
A Sociedade se espalha por várias cidades e aldeias circulando o reino muitas vezes e cuidando dos marcos
de Deheon e abriga uma espantosa variedade de que assinalam o fim de seu território. Esses marcos
pessoas: nobres e cavaleiros, mercadores e artesãos, são grandes pilares de mármore, cada um trazendo
criminosos e mendigos, além de diversos mortos-vivos, uma estátua da deusa no topo. Além de ajudar na
incluindo fantasmas e vampiros. Todos os membros da vigilância contra movimentações de monstros e
Sociedade trazem uma estrela negra tatuada em alguma inimigos, os cavaleiros também ajudam a exercer a
parte do corpo. A própria líder da ordem, Jasmira, é lei na fronteira. Porém, sua jurisdição vai exatamente
uma vampira, além de sacerdotisa de Tenebra. Esta até esse limite — eles nunca perseguem fugitivos além
poderosa clériga descobriu um ritual capaz de con- desse ponto, muitas vezes contando com aventureiros
cretizar o objetivo da Sociedade e, desde então, envia para fazer cumprir a lei além da fronteira.

O Reinado
65
O Pequeno Conselho A Duquesa de Blangis é uma mulher com o rosto
todo pintado, sendo difícil discernir suas feições.
Este aglomerado de nobres sempre foi um conselho, Seu vestido tem múltiplas camadas e joias (em uma
mas nem sempre foi pequeno, em nome ou tamanho. quantidade generosa o bastante para acabar com a
Até o ano de 1111 CE o reino de Deheon possuía miséria de um pequeno reino). Sua imensa riqueza
um vasto conselho de nobres, em sua maioria vassalos e propriedades lhe concedem prestígio entre seus
de poderosos senhores feudais, incumbidos de repre- pares. É uma competidora agressiva nos jogos da
sentar os interesses de seus respectivos suseranos na alta nobreza, sempre pronta para arriscar tudo para
corte imperial. Dizem que este costume derivava em alcançar sucesso e reconhecimento.
parte de antigos conselhos tribais dos povos nativos, O Duque Verbam Maliq é um humano impreg-
mas com o tempo a instituição foi se tornando cada nado de tédio e cinismo, que irradia desprezo pelos
vez mais corrupta e menos eficiente. demais nobres e através de seu semblante sombrio está
Na regência da Rainha-Imperatriz Roramira I, sempre tecendo comentários mordazes. É conhecido
obrigou-se os líderes das casas mais ricas e prósperas por patrocinar festas suntuosas, banquetes e torneios
a habitar a capital e compor um conselho menor para repletos de violência.
“auxiliar o poder regencial”. Um pretexto que, na Callista Il-Sharat é uma qareen alegre e altruísta,
prática, se traduzia a ficarem sob supervisão direta da vinda de terras longínquas. Destaca-se entre a nobreza
coroa, terem seus destinos pessoais conectados com emperequitada ao redor por seus trajes despojados
o da metrópole e pagarem seus impostos. e minimalistas. Curiosa e cativada pela sociedade
Esses poucos líderes formaram o “pequeno” valkariana, Callista tem a sincera intenção de auxiliar
conselho, em comparação ao “grande”, formado grupos de heróis novatos. Sua natureza benevolente e
pelos enviados dos senhores feudais. Com o tempo, ausência de malícia a tornam imprevisível, evocando
o grande conselho foi desfeito, restando apenas o apreensão nos demais aristocratas.
“pequeno” — que, claro, hoje poderia ser chamado Por fim, o Arquiduque Marechal Sir Bradwen
apenas de “Conselho”, mas o nome já havia pegado. Lança Dourada, o atual comandante do Exército do
O Pequeno Conselho é de fato pequeno, formado Reinado, ocupa o quinto assento — pelo menos em
por uma minoria absoluta: a alta aristocracia do reino. teoria. Na prática, ele raramente participa das reuniões,
Nobres que, passada a época da guerra, preferiram estando mais preocupado em treinar e revistar as tropas
voltar a disputar intrigas palacianas entre si — o do que em participar dos jogos da alta aristocracia.
Grande Jogo, como o chamam — em vez de governar.
Deixam isto a cargo de quem quer esteja sentado no
trono, pois enxergam na figura monárquica o papel
Os Pastores
de um criado pessoal, alguém que contrataram para de Teldiskan
fazer as tarefas chatas. Este clã de habitantes das montanhas pode
Atualmente, o conselho possui cinco membros. ser visto vagando por todo o interior do reino.
Os montanheses sempre terão uma explicação
O Marquês Thibault é um humano pálido, perfeitamente plausível para suas andanças, como
de rosto fino e comprido, adornado por um bigode estarem levando suas cabras para pastagens mais
lustroso e muito torcido. Veste um manto cravejado verdes ou indo a um leilão de animais. Para outros
de diamantes e quase sempre anda acompanhado por clãs, isso poderia ser verdade. Porém, este grupo
um gato grande como um lobo. Apreciador de partidas, específico apenas adota o disfarce de viajantes
torneios, enigmas, orquestras e caçadas, em geral vive nômades... Seu objetivo real envolve arregimentar
alheio ao resto do mundo e considera seu lazer uma outro tipo de rebanho.
espécie de religião.
Os Pastores de Teldiskan podem ser encontrados
pregando em fazendas e aldeias. No início, com uma
mensagem de esperança, sobre como a divindade que
cultuam, Teldiskan, é um deus menor do clima que
trará chuvas e colheitas abundantes. Quando já es-
tão familiarizados com os locais que visitam, esses
pastores começam sermões mais ousados, falando
sobre culpa, morte e uma inevitável destruição,
quando seu deus deixar as montanhas para devorar
Deheon. Entre os mais receptivos às suas pregações,

Capítulo Um
66
recrutam novos membros para essa seita. E, entre
os mais fanáticos, pessoas dispostas a servirem de
sacrifício em rituais que têm como objetivo despertar
o Gigante Máximo que cultuam.
Para piorar, o líder dos Pastores — um
homem alto, calvo, com barba branca lon-
ga e sobrancelhas muito espessas chamado
Gunnar — tem como costume abordar grupos
de aventureiros com mentiras sobre deuses
menores. Falará enigmaticamente sobre como
a divindade Inghlblhpholtsgt transformou
seus companheiros em sapoides, sobre como
Escamandra petrificou uma aldeia inteira, sobre
como Hippion destruiu o solo de fazendas com
seus cascos... Sempre aproximando-se de grupos
poderosos o bastante para abater essas entidades.
O objetivo final de Gunnar é destruir os pequenos
deuses de Deheon, para que seu próprio deus possa tingente mínimo. Aldeões e nobres simplesmente
devorar a energia divina deles. presumem que, se houver um problema, mais cedo
Os verdadeiros povos das montanhas não veem ou mais tarde algum aventureiro irá aparecer! Esses
com bons olhos as ações desse grupo. Uma druida lugares são apelidados de “poços de aventuras”: na
chamada Ahlinna tem vagado por Deheon tentando boataria dos aventureiros, são fontes de onde sempre
desmascarar os supostos pastores, mas tem enfrenta- se pode tirar alguns tibares em troca de um serviço
do problemas para ser ouvida pelo exército deheoni. arriscado. Grupos residem num desses “poços” por
alguns meses ou anos, até que sua experiência ou
ambições ultrapassem o que o local tem a oferecer,
Aventuras então recomendam outros grupos iniciantes, numa
rotatividade eterna de tipos aventurescos.
A incidência de feras e monstros em Deheon
Um fenômeno tipicamente deheoni é a competi-
ao longo das principais rotas é pequena, tornando
ção entre grupos de aventureiros. Mesmo com uma
o reino uma das regiões mais seguras de Arton.
infinidade de missões e ofertas de trabalho, Deheon
Ainda assim, as estradas que ligam as cidades
conta com tantos heróis que muitas vezes dois ou mais
podem reservar surpresas ao viajante incauto, na
bandos se veem atrás do mesmo prêmio ou caçando
forma de bandoleiros e salteadores. Os alvos mais
o mesmo vilão. Isso pode gerar tanto rivalidade
visados são viajantes solitários ou comerciantes
amistosa quanto rixas amargas. E tudo fica mais
sem escolta. Grupos de aventureiros só costumam
difícil quando ambos os lados são heroicos. Afinal,
ser atacados quando estão enfraquecidos ou se
será que um paladino de Khalmyr teria coragem de
encontram em desvantagem.
sabotar os esforços de uma clériga de Thyatis? Em
Os ermos de Deheon abrigam feras territoriais, aldeias com histórias longas de aventuras ou antigos
como lobos e ursos, que podem atacar aqueles inva- boatos sobre tesouros, os plebeus chegam a apostar
dindo seu território. Em geral, basta a presença de um sobre o sucesso de grupos rivais.
druida ou caçador experiente para evitar incidentes
Na capital Valkaria há oportunidades infinitas,
mais graves. Nos verdadeiros ermos, numerosas
desde ofertas para aventureiros iniciantes dispostos
montanhas, florestas e pântanos podem abrigar es-
a controlar pragas nos esgotos até heróis épicos que
conderijos de serpes, mantícoras, dragões e outros
queiram adentrar uma área de Tormenta para ajudar
monstros. Muitos vivem em ruínas e labirintos que
os pesquisadores da Academia Arcana. Mas não é
datam desde a era pré-povoamento.
preciso ir até a cidade grande — o interior guarda
É comum que aventureiros testemunhem alguma oportunidades para todo tipo de peripécia! De tarefas
missão ou ameaça já em andamento. Muitas sagas de mundanas, como ajudar uma viúva a conter uma in-
Arton passaram por Deheon ao longo dos séculos. Cada festação de glops em sua fazenda, a façanhas míticas,
canto do reino esconde algum plano maligno ou ato como participar de uma briga de taverna contra um
heroico. Por isso, muitas aldeias ou mesmo castelos não deus menor, mil histórias diferentes são vivenciadas
possuem uma guarda, ou contam apenas com um con- todos os dias dentro das fronteiras de Deheon.

O Reinado
67
Ilustração

Capítulo Um
68
Valkaria A CIDADE SOB A DEUSA

V
alkaria. Em Arton, o próprio nome A maioria dos habitantes de Valkaria nunca
evoca a ideia de aventuras, insatisfa- moraria em outro lugar. Acostumados à variedade,
ção, ambição e criatividade. Valkaria é ao mundo se apresentando em sua própria vizinhança,
a Deusa da Humanidade, da Ambição e os valkarianos amam sua cidade. Mesmo aqueles que
dos Aventureiros. Punida após a Revolta dos Três, a amaldiçoam não toleram que estrangeiros falem
libertada por seus campeões, celebrada como a mal — apenas os verdadeiros filhos de Valkaria podem
líder do Panteão. Também a capital do Reinado, esbravejar contra seu lar.
onde os primeiros colonos começaram sua nova Embora possam ser esnobes, os valkarianos têm cer-
civilização, aos pés da gigantesca estátua de sua ta razão: não existe lugar mais cosmopolita no Reinado
padroeira — na verdade, aos pés da própria di- e talvez no mundo todo. As ruas de Valkaria são repletas
vindade suplicante! Não existe nenhum artoniano de pessoas de todas as raças, cheiros pungentes de espe-
que não tenha opinião sobre Valkaria. ciarias exóticas, idiomas estranhos misturando-se numa
Muitos sonham em viver na maior cidade do mundo colcha de retalhos capaz de atordoar um recém-chegado.
conhecido, desfrutar de seus luxos e maravilhas... Mas, Imigrantes de reinos vizinhos, de terras distantes ou
ao tentar construir uma vida na cidade, deparam-se mesmo de outros mundos e dimensões convivem na
com uma realidade de pobreza, violência urbana e capital, inserindo um pouco de sua cultura no grande
indiferença. Outros sabem que nunca suportariam caldeirão que abriga todos. O clima em Valkaria é sempre
morar em uma aglomeração tão grande e falam de frenético: centenas de coisas acontecendo ao mesmo
Valkaria como de uma ferida na face de Arton. tempo, notícias chegando de todos os lados, nobres e
No entanto, os sonhos dos imigrantes também aventureiros famosos transitando pelas ruas, ameaças
são verdadeiros. Valkaria possui beleza incompará- de todos os tipos surgindo e sendo derrotadas, novos
vel, festivais toda semana (ou todo dia!), prodígios deuses sendo descobertos e angariando seguidores.
mágicos, heróis e deuses menores transitando pelas Os habitantes de Valkaria estão acostumados ao
ruas, arquitetura mirabolante, grifos e ornitópteros extraordinário — na verdade, estranham quando algo
voando pelos céus... Além de oportunidades infinitas. importante para o Reinado acontece em outro lugar!
Diz-se que, em Valkaria, qualquer um pode ser um Parece óbvio que o grande plano de Mestre Arsenal en-
aventureiro e todo valkariano já viveu alguma aven- volvesse marchar com seu construto gigante até Valkaria.
tura. Não é incomum que exista uma masmorra cheia É evidente que os minotauros atacaram Valkaria. Não
de tesouros sob o porão de uma casa razoavelmente havia dúvida de que o grande objetivo dos puristas
antiga ou a torre de um necromante oculta no meio fosse Valkaria. Da mesma forma, aparições do Paladino
de uma vizinhança normal. Todas as histórias são ou passagem de figuras famosas como Niele, Nargom,
verdadeiras, todas as representações são fidedignas Crânio Negro e Vectorius são eventos esperados. Para o
— em Valkaria, tudo existe. povo de Valkaria, o mundo gira em torno de seu quintal.

O Reinado
69
Há um ditado que afirma que “se existe em Arton, ninguém tem certeza sobre qual autoridade governa
existe em Valkaria”. Praticamente tudo que o mundo determinado local. Quando a torre de um mago é
tem a oferecer, seja bom ou ruim, pode ser encontrado ocupada por aventureiros, está sob a jurisdição do Lorde
na capital. Tudo em Valkaria também é superlativo, das Construções Similares a Castelos ou do Lorde das
exagerado. Um comerciante valkariano ganha dez Habitações Arcanas? Some-se a isso vários secretários e
vezes mais ouro que outro em um reino pequeno. Em administradores públicos (o Supervisor das Escolas Não
contrapartida, também gasta dez vezes mais. Não existe Aventurescas, o Guardião das Estradas Leste-Oeste, o
uma ameaça a Valkaria que não tenha repercussões Alcaide dos Becos Considerados Perigosos) e Valkaria
no resto do mundo. Se a capital é atacada, toda a se torna um labirinto de burocracia.
civilização artoniana é atacada! A recíproca também é
Embora isso possa ser um pesadelo para os
verdadeira: para que algo tenha repercussão no mundo
funcionários públicos e quem depende deles,
todo, em geral deve passar por Valkaria. Um herói
aventureiros e tipos empreendedores acabam tendo
não pode afirmar ser realmente lendário a menos que
grande liberdade na capital — porque muitas vezes
tenha passado por Valkaria. Um bardo não é famoso
ninguém tem certeza sobre quem deveria estar
no mundo todo enquanto não tiver se apresentado
controlando suas atividades. Não é um sistema perfeito.
aos nobres da cidade. Um gladiador não será o maior
Embora vários desses administradores sejam honestos
campeão se não for campeão da Arena Imperial.
e dedicados, outros querem apenas tirar vantagem de
A imensa deusa de pedra no centro de Valkaria seu cargo. Mesmo que houvesse um grande esforço
inspira todos os habitantes. Esta é uma cidade em para reformar essa estrutura, ninguém saberia por onde
eterna evolução. Quando a Deusa da Humanidade começar... Ou como delegar toda essa responsabilidade
foi libertada, muitos de seus devotos lamentaram ter para uma só pessoa.
de deixar a querida capital para pregar a palavra de
O processo de escolha dos Lordes Urbanos
sua padroeira mundo afora. Esta é Valkaria, centro da
também não é unificado. Alguns são literalmente
civilização. Valkaria, onde uma deusa é visão comum.
lordes: senhores de terras cujo cargo é hereditário.
Valkaria, que dita os costumes, desejos e ambições
Outros Lordes Urbanos são eleitos por um grupo
de todo o Reinado. Dizem que, se você não está em
específico (cidadãos da região, nobres, funcionários
Valkaria, não está vivo... Mas em poucos lugares
da cidade, crianças de determinadas famílias, donos
existem tantas chances de ser morto.
de animais numa área específica, membros de certas
guildas...). Isso significa que quase sempre há algum
O Poder na Capital tipo de eleição acontecendo em Valkaria. Ainda há
Lordes que ascendem por meio de testes, torneios
Toda essa aglomeração e variedade (sem falar ou por escolha do Lorde anterior (ou de um nobre
no tamanho descomunal de tudo) são um pesadelo específico). Muitas vezes um Lorde Urbano muda sem
administrativo. Embora Shivara resida em Valkaria e que os cidadãos sequer fiquem sabendo. Enquanto
teoricamente governe a cidade, é impossível acumular alguns Lordes Urbanos gastam todo o tempo de que
controle direto da capital com a soberania de todo dispõem em suas funções públicas, outros têm cargos
o Reinado. Apenas administrar Valkaria já seria menos exigentes. Existem até mesmo aventureiros
equivalente a governar um reino de médio porte! que ocupam cargos de Lordes Urbanos.
A Rainha-Imperatriz tem a palavra final sobre
quaisquer decisões, mas raramente exerce esse direito,
exceto nos tópicos mais importantes. A administração Anatomia de
diária fica a cargo dos Lordes Urbanos, cada um
encarregado de governar e supervisionar uma parte
uma Metrópole
da cidade. Há muito tempo, os Lordes Urbanos eram Talvez seja possível descrever com detalhes cada
apenas quatro: o Lorde do Norte, do Sul, do Leste e do ruela e prédio da maior cidade do mundo — mas se-
Oeste, dividindo a cidade em partes iguais. No entanto, riam necessários diversos volumes, que ficariam ob-
logo mais Lordes se fizeram necessários. Hoje em dia soletos em pouco tempo. De fato, nenhum mortal
existem incontáveis Lordes Urbanos com funções pode afirmar com absoluta certeza que conhece cada
específicas: o Lorde dos Esgotos do Bairro do Recomeço, ponto de Valkaria. Existem tantos becos, praças, hos-
o Lorde dos Templos de Deuses em Observação, o Lorde pedarias, passagens subterrâneas e pontes que ape-
das Construções Abandonadas Há Mais de Dois Anos, nas um verdadeiro explorador poderia mapear todos,
o Lorde das Passagens Subterrâneas sem Monstros... numa expedição tão longa e perigosa quanto uma jor-
Muitas vezes suas responsabilidades se sobrepõem e nada pelo Deserto da Perdição.

Capítulo Um
70
Valkaria possui uma grande muralha, assim como
quase todas as cidades de grande porte. A muralha
já foi demolida várias vezes, para ser reconstruída
mais à frente, expandindo os limites da cidade. Sem-
pre houve uma preocupação dos governantes em não
deixar que se formasse um ajuntamento grande de-
mais de construções encostadas à muralha do lado
de fora, mas nada foi capaz de deter o inchaço e o
desenvolvimento de Valkaria, principalmente depois
da Guerra Artoniana.
O grande influxo de refugiados e o caráter cada vez
mais permanente de acampamentos militares construí-
dos logo fora da capital durante a guerra deram origem
a pequenas comunidades que deveriam ser aldeias...
Mas que logo se tornaram parte de Valkaria. Os pré-
dios construídos nesses novos povoados não eram ru-
rais ou típicos de vilas, mas influenciados pela arquite-
tura valkariana. Muitos dizem que isso é causado pela
proximidade da deusa. Outros vão além, afirmando que Cidade de Valkaria
a explosão de desenvolvimento em Valkaria é efeito da
ascensão da Deusa da Humanidade à liderança do Pan- Lema: “XXXXX”.
teão. De qualquer forma, a cidade explodiu em poucos
Brasão: de azul dez besantes de ouro em
anos, espalhando-se pelas planícies ao redor e engo-
4, 3, 2 e 1; uma nuvem de prata movente
lindo aldeias próximas. Hoje em dia, Valkaria é a única
do chefe brocante sobre tudo.
megalópole conhecida em Arton, ocupando o espaço
de um pequeno reino. Muitos garantem que, um dia, Gentílico: valkariano.
Valkaria ocupará todo o território de Deheon. Regente: Conselho de Lordes Urbanos.
Boa parte da cidade é dominada por prédios de População: 2.000.000.
apartamentos. Essas construções quase desconhe-
Raças Principais: humanos.
cidas em Arton se erguem em torno de um peque-
no pátio comunitário e possuem um negócio (como Divindades Principais: Valkaria,
um açougue ou loja) em seu andar térreo. Nos anda- Khalmyr.
res superiores há habitações para famílias. Em caso
de incêndio, revoada de dragonetes, chuva de me-
teoros ou outro desastre, os andares superiores são
muito menos seguros e seus moradores demoram Existe uma dicotomia estranha entre a área intra-
muito mais tempo para descer e fugir à segurança. muros (dentro da muralha) e extramuros (fora da mura-
Assim, os apartamentos superiores são muito mais lha). Vários bairros extramuros são ricos e bem desen-
baratos. De início, os edifícios tinham quatro anda- volvidos, mas mesmo os habitantes de partes humildes
res ou menos. Mas a falta de espaço na capital fez intramuros às vezes são um pouco esnobes com seus
com que passarelas e plataformas fossem construí- vizinhos. Tudo que é intramuros é considerado mais
das para ligar os andares mais altos de diferentes pré- tradicional, sólido, “mais valkariano”. Muitas pessoas
dios. Então novos prédios foram erigidos sobre algu- preferem morar intramuros, mesmo que sejam obri-
mas plataformas, dando origem a torres muito altas gadas a ocupar prédios precários.
e instáveis. Os pontos mais movimentados de Valka-
ria contam com vários “níveis” de calçadas, entre os A maior parte das ruas é estreita, entre fileiras
quais transitam tanto veículos e animais terrestres de prédios altos. Durante o dia, essas passagens es-
quanto criaturas aladas, tapetes mágicos e engenho- tão repletas de transeuntes, mendigos, punguistas,
cas voadoras... Além de pedestres, é claro! Recente- vendedores de rua, pregadores e outros. Para adicio-
mente passaram a existir prédios altíssimos que são nar ainda mais caos, é permitida a entrada de animais
verdadeiras cidadelas por si só, projetados para este e carroças na cidade — muitas vezes, um cavaleiro
tamanho. Nesses casos, os andares superiores abri- atropela os pedestres nas ruelas ou uma carroça fica
gam arquimagos, ricaços e nobres. entalada entre duas construções. Existem avenidas

O Reinado
71
Só Mesmo em Valkaria família Karmel, notam a ingressam como patrulheiros e
futilidade dessa existência e a ascendem a detetives. É o caso do
A capital do Reinado é uma abandonam. Outros, como o guerreiro Joba, um órfão criado
cidade única. Sendo assim, osteon Maneto Serpe Noel, nas ruas da capital, que conheceu
alguns fenômenos acontecem dedicam sua riqueza, sua vida e seu grupo numa guarita e partiu
apenas em Valkaria — pelo até mesmo sua pós-vida a ajudar com eles para se tornar um herói.
menos até onde se sabe. inocentes sem esperar nada em Por fim, em Valkaria existem
troca... Mas a maior parte da aventureiros esquisitos chamados
Valkaria não possui uma guilda
nobreza valkariana vive em um “vigilantes mascarados”. Esses
de ladrões toda-poderosa. Em
mundo à parte, sem conhecer as tipos escondem seus rostos com
vez disso, existem irmandades,
dificuldades das pessoas comuns. máscaras e uniformes, adotam
organizações criminosas cheias
de história e tradição. Veja A Guarda de Valkaria é, até onde codinomes e rondam as ruas e
uma descriçao completa das se sabe, a força policial mais telhados da capital à noite, em
irmandades, seus negócios, seus avançada de Arton. Dividida em busca de criminosos que precisem
líderes e suas rivalidades no guaritas lideradas por xerifes ser levados à justiça e inocentes
Capítulo 4: Organizações. e sob a supervisão do Lorde que precisem ser protegidos.
da Justiça, a Guarda possui Ninguém sabe o que leva uma
A nobreza de Valkaria também detetives que empregam técnicas pessoa a viver dessa forma, mas
é diferente. Embora existam sofisticadas de investigação para os vigilantes mascarados são
nobres “comuns” na cidade, o solucionar crimes. Muitos grupos figuras polêmicas. Alguns, como
termo “nobreza de Valkaria” de aventureiros trabalham em Extinção, são inimigos da Guarda,
denota famílias incrivelmente parceria com a Guarda, recebendo pois acham que a lei é muito
ricas, mesmo para os padrões o posto de detetives temporários. leniente com os criminosos.
nobres! Indivíduos que Esses aventureiros enfrentam Outros, como o Vingador de Val,
tiram férias nos reinos dos um novo tipo de desafio: além parecem respeitar o trabalho de
deuses, compram e vendem de vencer os vilões, precisam patrulheiros e detetives. Outros
artefatos, financiam divindades coletar provas para que eles sejam ainda, como Vendetta, defendem
menores e são bajulados por julgados e condenados! A Guarda os ideais da própria deusa
arquimagos. Alguns, como também abre possibilidades Valkaria, sem tanta preocupação
o paladino Alexandros, da de aventuras para alguns que com o que a lei dos humanos diz.

largas, levando aos pontos principais e situadas nas magia, em casos de maior opulência) iluminam as ruas
zonas mais nobres. É impossível para a Guarda e os à noite. Na maior parte da cidade, apenas algumas
Lordes Urbanos vigiar cada ruela; assim, apenas as tochas deixadas por moradores ou taverneiros cum-
mais importantes têm aparência de ordem e limpe- prem esse papel. Nas zonas baixas, não há qualquer
za, as demais são cheias de cartazes, bandeirolas, pe- tipo de iluminação. À noite, as ruas são tão escuras
quenos altares, pichações e lixo, controladas por seus quanto uma masmorra.
próprios moradores. As ruas calçadas com paralelepí- Não existem endereços com números e outros
pedos são maioria, mas ainda existem ruas de terra. tipos de localização precisa — nem mesmo todas
Mesmo os moradores mais humildes podem as ruas têm nome! Casas e estabelecimentos são
transitar por (quase) todas as áreas da capital. Não há identificados em relação a pontos de referência.
uma divisão entre pobres e ricos, plebeus e nobres, tão Ninguém fala do “número 100 da Rua A”, mas da
clara quanto em outras cidades. Um tratador de cavalos, “casa vermelha após o Monumento do Anão Caolho”.
lavadeira ou pedreiro visita a estátua de Valkaria, assim Tudo isso faz com que atravessar Valkaria seja
como um lorde ou banqueiro. Mendigos têm espaço uma aventura. Um trajeto que demoraria minutos
na Catedral, assim como qualquer mercador de joias. numa metrópole normal pode levar horas na capital
Isso leva alguns valkarianos orgulhosos a dizer que do Reinado. Muitos grupos de aventureiros vivem em
mesmo os pedintes da capital são mais refinados e Valkaria, visitando seus bairros como quem empreende
cultos que os nobres de outras partes. uma jornada pelos ermos, enquanto cidadãos comuns
Contudo, existem enormes contrastes entre áreas costumam ficar em sua vizinhança, tratando outros
ricas e humildes. Nos bairros nobres, lampiões (ou bairros quase como terras estrangeiras!

Capítulo Um
72
Bairros aqui é baixo. A Cidade da Praia abriga muitas oficinas,
estábulos, curtumes e outros estabelecimentos pouco
agradáveis, além de um bom número de gangues.
Bairro do Recomeço Curiosamente, seus habitantes têm sotaque um pouco
O Bairro do Recomeço é o reduto de inúmeras diferente dos outros valkarianos e existe entre eles um
famílias nobres, descendentes dos primeiros colonos. É forte sentimento de união. Torcem pelos gladiadores
dominado por mansões, pequenos castelos e palacetes. naturais do bairro, resmungam sobre “os empolados
Aqui fica o “dinheiro antigo” da capital, os sobrenomes que moram perto da estátua” e amaldiçoam negócios
mais tradicionais. Várias regiões são barradas extra- que se mudam para outros bairros. Quem vai morar
oficialmente pelos guardas e cavaleiros de algumas em outras áreas de Valkaria é considerado “vendido”
famílias. Isso teoricamente é proibido, então tudo ou até mesmo traidor. Nos últimos anos, o famoso
acontece de maneira velada, com batalhões seguindo os império comercial Metais do Baixote se tornou um
visitantes ou perguntando se eles “precisam de ajuda”. dos maiores orgulhos da Cidade da Praia.
Aqui podem ser encontrados parques, monumentos
bem cuidados, fontes movidas por magia e todo tipo
de luxo que só está disponível para a alta nobreza, mas
Favela dos Goblins
também áreas públicas acessíveis a todos. O bairro Sem dúvida a maior concentração de pobreza e a
é bem próximo à estátua de Valkaria — não é uma parte da cidade que recebe maior descaso, esta é uma
posição tão privilegiada geograficamente, mas conta favela verdadeira. Não há prédios mal-cuidados ou
com muito prestígio. armazéns abandonados, mas casas feitas de madeira
descartada e outros pedaços de lixo. Originalmente, os
casebres da Favela eram feitos de pedras empilhadas,
Baixa Vila de Lena semelhantes a iglus, mas mesmo esta técnica está
O mais tradicional bairro boêmio de Valkaria, cheio sendo abandonada, pois os goblins não têm mais
de tavernas, teatros, ateliês, guildas de bardos, palcos acesso ao material.
improvisados e todo tipo de construção destinada a
Há uma rede de túneis subterrâneos na Favela
quem respira a vida noturna. Originalmente, seu nome
fazia alusão à Alta Vila de Lena (um bairro logo ao dos Goblins, que leva a outras partes de Valkaria.
norte), mas desde então a Alta Vila se desmembrou Apenas os próprios goblins conhecem toda a extensão
em inúmeras outras vizinhanças. Além dos estabele- dessas rotas; as autoridades estão sempre fechando
cimentos comerciais, a Baixa Vila abriga muitas casas os túneis que descobrem e procurando outros. A rede
antigas — em geral ocupadas por jovens ou artistas, subterrânea causa desabamentos com certa frequência,
que toleram a barulheira que existe nas ruas à noite. quando o próprio chão entra em colapso sob alguma
Diz-se que vampiros, mortos-vivos e servos de Tenebra casa, soterrando inúmeros moradores. A vida dos
espreitam na Baixa Vila de Lena, misturando-se com goblins é curta e brutal, mas há um forte sentimento
os boêmios e os caçando. Este bairro não fica muito de comunidade na Favela. Os goblins cuidam uns dos
longe da estátua de Valkaria, sendo um ponto bastante outros, mas este pode ser um lugar muito perigoso
tradicional da capital. para pessoas de outras raças. O grande protetor da
Favela dos Goblins é o vigilante mascarado conhecido
como Goblin Herói, uma figura mítica que muitos
Cidade da Praia dizem nem mesmo existir. A Favela também é palco de
O nome confunde os estrangeiros, mas os valka- grandes experimentos e testes de invenções inusitadas.
rianos já estão acostumados. Obviamente, este bairro Um de seus maiores inventores é Albert, um goblin
não conta com uma praia — mas diz a história que um de intelecto genial que já recusou vários convites para
mago excêntrico desejava construir uma praia artificial integrar oficinas de prestígio na capital.
em Valkaria e comprou uma enorme quantidade de
terras. O projeto nunca passou de alguns canais
cortando as vizinhanças, mas hoje a Cidade da Praia Mercado
é um bairro famoso. Talvez pelo nome, ou por sua O imenso mercado de Valkaria é um verdadeiro
história, ou pela curiosidade das vias fluviais, existe bairro por si só, uma aglomeração de lojas permanen-
um clima de separação do resto da capital, como se tes e tendas que são montadas e desmontadas a cada
o bairro fosse uma cidade à parte. Seus habitantes dia. Os donos dessas tendas temporárias competem
são considerados menos sofisticados que os outros entre si pelos melhores lugares, chegando cada vez
valkarianos, caipiras dentro do centro urbano. Tam- mais cedo para garantir suas vagas. Quase tudo pode
bém não é um bairro rico, e o preço das propriedades ser comprado aqui. Lojas famosas e tradicionais são

O Reinado
73
o Empório Bélico de Bellantor (loja de armas de pos-
se de um anão), a Sassafrás Artigos Alquímicos (pro- Pontos
dutos de alquimia e componentes mágicos), Legrasse
& Legrasse (irmãos meios-elfos alfaiates), Loja Boca
de Interesse
Cheia (doces, principalmente gorad — agora muito
caro devido às Guerras Táuricas) e a Ponte do Conhe- Arena Imperial
cimento (os copistas de livros mais rápidos do mun- O maior centro de combates de gladiadores e
do conhecido). Obviamente, existe uma infinidade de eventos esportivos no mundo conhecido, rivalizando
lojas e tendas fora do mercado — mas o espaço tradi- apenas com a Arena de Tiberus. Em geral, as lutas
cional ainda é muito valorizado. não são até a morte — inclusive porque treinar
gladiadores é muito caro! A Arena Imperial é fonte
Nitamu-ra de grandes celebridades, como a estrela meia-elfa
Loriane. Recentemente, o golem conhecido pelo su-
O bairro tamuraniano, criado quando o imperador gestivo nome de Triturador vem ganhando fama na
de Tamu-ra transportou os sobreviventes do ataque Arena. Muitos afirmam que um construto fabricado
da Tormenta. É radicalmente diferente do resto de para lutar possui vantagens injustas sobre outros
Valkaria: em vez de gritaria e ruas apertadas, serenidade competidores. Além disso, o Triturador parece não
e jardins bem tratados. Em vez de gente de todas as entender que seus adversários são criaturas vivas,
raças e etnias berrando para vender produtos, um ocasionalmente matando os derrotados em lutas
povo quieto e trabalhador, que se esforça em silêncio que deveriam ser seguras.
para o bem-estar geral. No entanto, cada vez mais
“estrangeiros” (ou seja, aqueles sem ascendência Muitos gladiadores contam com empresários,
tamuraniana) visitam Nitamu-ra, por curiosidade ou patronos e uma verdadeira equipe de apoio: ladinos
para comprar as mercadorias exóticas que só podem ser para descobrir fraquezas dos adversários, clérigos para
encontradas neste local. Muitos tentam conseguir um curar suas feridas, bardos para espalhar sua fama,
mestre que os treine como samurais ou em alguma arte arcanistas para anular qualquer trapaça mágica... Além
marcial. Alguns habitantes do bairro veem isso com de lutas tradicionais entre os gladiadores da casa,
desprezo, mas outros acolhem os visitantes, apreciando são comuns embates entre grupos de aventureiros,
o interesse por sua cultura. Da mesma forma, muitos batalhas contra monstros e campeonatos amadores.
tamuranianos jovens rejeitam as tradições de seu povo,
passando cada vez mais tempo em outras áreas da
cidade e vestindo-se como os demais valkarianos.
Banco Tibar
Existem inúmeros agiotas e “emprestadores de
Desde a destruição da área de Tormenta de Tamu-ra,
dinheiro” na capital, mas este é um dos únicos bancos
existe um levante para que os moradores do bairro
oficiais. De posse de clérigos de Tibar, o Deus Menor do
voltem à ilha, para começar a reconstrução.
Comércio, e considerado sagrado, este centro financeiro
empresta dinheiro a altos juros, protege os recursos
Refúgio da Felicidade de ricaços e transfere fundos para os mais distantes
Outro bairro nobre — mas dominado pelas famílias locais (algo muito útil para aventureiros em jornadas).
que ascenderam há pouco tempo. Fica próximo à Os cofres contam com proteções mágicas e mundanas,
muralha e é planejado por engenheiros, sendo uma mas isso não impede que haja tentativas de roubo
verdadeira obra de arte, com jardins e estátuas por de tempos em tempos. Uma das mais notórias (e de
todos os cantos. Conta até mesmo com uma minia- maior sucesso) foi realizada pelo espadachim e clérigo
tura da estátua de Valkaria. Tudo a respeito do bairro de Valkaria Haggen Maavis, que foi encontrado e
(incluindo seu nome e decoração) é considerado capturado após deixar um bilhete dentro dos cofres —
brega pelos aristocratas tradicionais. O Refúgio da dizendo que nunca tivera o objetivo de roubar, apenas
Felicidade também atrai aventureiros que enriquecem de desafiar a si mesmo. Alguns acusam o Banco Tibar
subitamente (e que muitas vezes perdem tudo com de colaborar com vilões, aceitando ouro saqueado
igual rapidez). O guerreiro conhecido apenas como ou proveniente de atrocidades. Outros chegam mais
Smarth é notório por abrigar em sua mansão inúmeros longe, dizendo que a instituição, além de dinheiro
“colegas aventureiros” e “parentes desconhecidos” que e riquezas, também guarda em seus cofres almas e
costumam “pegar emprestados” seus itens mágicos, outras moedas de troca profanas de demônios e deuses
joias, baús cheios de tibares... Talvez a gigantesca malignos! Existem casos de aventureiros contratados
fortuna do herói o impeça de notar isso — ou talvez para se infiltrar no banco e descobrir quem são seus
seja seu diminuto intelecto. clientes mais misteriosos.

Capítulo Um
74
A Arena Imperial de Valkaria,
com seus eventos de lutas e
demonstrações

Estátua de Valkaria honesta e, até onde se sabe, o primeiro comércio no


modelo “funil invertido” de Arton. Outro destaque
O ponto de chegada da caravana de refugiados de é o escritório de advocacia Reston & Dubitatius,
Lamnor, que marcou o fim de sua jornada de reden- dedicado a defender acusados que não têm condições
ção. Também o marco zero da fundação do Reinado de contratar seus próprios advogados — e famoso
e o grande símbolo do encontro entre as culturas pelo slogan “um escritório que existe”, típico de seus
dos dois continentes. A área ao redor, muitas vezes sócios, dois devotos de Tanna-Toh.
chamada apenas de “centro”, é repleta de vendedores,
tavernas, guias, teatros e outras curiosidades. É uma
das áreas mais caras do Reinado — um taverneiro Palácio Imperial
aqui ganha muito dinheiro com turistas e peregri- Uma construção monumental, considerada
nos, mas precisa pagar taxas que fariam qualquer uma das maravilhas de Arton. O Palácio Imperial
mercador comum desmaiar! Mesmo assim, este é abriga a Rainha-Imperatriz e sua corte, além de
um dos espaços mais democráticos de Arton, com incontáveis nobres e servos. O palácio é uma das
altos nobres e artesãos humildes transitando pelas estruturas mais seguras de todo o mundo. Conta
mesmas ruelas e bebendo nas mesmas tavernas. com guerreiros, magos e clérigos poderosos, além
Atraindo tanta gente, a zona ao redor da estátua é de magias permanentes em suas paredes e cômodos.
um prato cheio para bandidos e vigaristas de todo Existe uma sala de guerra sem portas ou janelas, que
tipo. De tempos em tempos, há um esforço para só pode ser acessada através de magias protegidas
“limpar” a área, substituindo tavernas insalubres por por senhas e palavras secretas. A área ao redor do
ateliês, templos e lojas de lembranças, e expulsando palácio é a única em Valkaria oficialmente proibida
os aproveitadores. No entanto, eles sempre voltam. para as pessoas comuns. Existe um perímetro
Também é comum ver perto da estátua o mendigo patrulhado por guardas (que contam com magos e
louco Tilliann, além de uma grande variedade de outros especialistas). Apenas convidados e servos
tipos pitorescos, bardos e qualquer um em busca do palácio têm permissão de andar por essas ruas.
de atenção e fama. Recentemente a área próxima Em caso de invasão, os guardas convergem para o
à estátua viu a chegada do Empório Purpúrea, um intruso, soldados são chamados e magias fecham as
fabricante de cosméticos de posse de uma fada muito ruas com muralhas de ferro, portais e outros efeitos.

O Reinado
75
Praça de Diversões são lendárias). A Gazeta é um trabalho de amor dos
editores e redatores que escrevem as matérias e operam
e Maravilhas Grimbo as prensas, conhecidos apenas como “Goblins de
Há décadas, o ilusionista hynne Grimbo Tuluntum Valkaria”. Também há alguns repórteres e correspon-
decidiu construir uma imensa área com brinquedos dentes voluntários espalhados por todo o Reinado, que
mecânicos, diversões movidas por magia ilusória e todo enviam relatos de suas aventuras e de acontecimentos
tipo de maravilhas para as crianças de Valkaria. Seria importantes em outros reinos. Os editores da Gazeta
um “parque de diversões”. No entanto, depois da morte são caóticos, sensacionalistas e exaltados, mas não têm
do fundador, a Praça Grimbo se tornou cada vez mais medo de falar a verdade. Isso rende vários inimigos
decadente — seus filhos nunca se interessaram pelo aos Goblins, mas eles não parecem se importar — ou
negócio. Alguns brinquedos estão interditados, enfer- há sempre outros goblins para tomar seu lugar. A sede
rujados e imóveis. Outros, apesar do estado lamentável, já foi alvo de vários ataques e já houve verdadeiras
ainda são usados (diz-se haver um grande número batalhas em que os Goblins de Valkaria defenderam
de acidentes, acobertados pela família Tuluntum). a Gazeta com armas. A Gazeta por enquanto é apenas
“Atores” meio bêbados desfilam em fantasias puídas, uma folha dobrada e impressa dos dois lados, mas já
retratando heróis artonianos em forma caricatural, teve grande importância para a divulgação de infor-
em meio a imensas estruturas periclitantes de metal mações, principalmente durante a Guerra Artoniana.
e madeira. A “casa assombrada” ilusória hoje em dia,
segundo boatos, é realmente assombrada pelos fantas-
mas das vítimas de acidentes. E a “Roda da Ambição”
Biblioteca
(engenhoso artefato mecânico, que deveria elevar os das Duas Deusas
visitantes até a altura da cabeça da estátua de Valkaria) Este grande prédio é tanto um local de conheci-
conta com apenas metade de suas gôndolas, todas mento e escritório de copistas quanto um templo a
rangendo e pendendo perigosamente. “Engenheiros” Tanna-Toh. Diz-se que, devido à bênção de Valkaria,
goblins são contratados para dar um jeito temporário pesquisas destinadas ao avanço da ciência e a aventuras
nos brinquedos. Mesmo assim, existem famílias que têm especial sucesso quando conduzidas aqui. Embora
visitam o lugar, atraídas pelo baixo preço. monges copistas de Tanna-Toh trabalhem na biblioteca,
reproduzindo tomos sensíveis ou perigosos, o lugar
A Rocha Cinzenta também conta com uma prensa e está começando a
A prisão de Valkaria não fica no subterrâneo do produzir seus primeiros materiais em grande escala.
Palácio Imperial, mas em um enorme prédio lúgubre Diferente da maior parte das bibliotecas em Arton, a
e abrutalhado, na forma de um grande paralelepípedo, Biblioteca das Duas Deusas permite que os visitantes
sem portas e entradas visíveis. Conhecida como “Rocha retirem livros, pegando-os emprestados e devolvendo
Cinzenta”, esta prisão abriga detentos permanentes depois de um prazo estipulado. Os bibliotecários
(que cumprem penas de anos, décadas ou perpétuas) tradicionais consideram essa prática uma heresia.
e prisioneiros temporários, que aguardam deportação, Estranhamente, ninguém nunca conseguiu mapear
envio para a Arena ou até mesmo execução. Existem a biblioteca por completo, mesmo tendo em mãos as
alas especiais para contenção de mortos-vivos e de- plantas originais. Dizem que o arquiteto que projetou
mônios, e toda a prisão conta com um poderoso efeito o prédio enlouqueceu pelo excesso de conhecimento
que bloqueia poderes de todos os tipos. Diz-se que, que adquiriu durante a construção e que os projetos
nos porões da Rocha, há um prisioneiro que está lá há não são precisos. Mas isso não explica a complexidade
mais de um século, na solitária. Ninguém conhece sua da biblioteca e alguns visitantes garantem que parte
identidade, ou mesmo tem certeza de sua existência. do prédio está ligada ao reino de Tanna-Toh ou a
O diretor da prisão é Bartolakk, um golem de ferro reinos divinos mais sinistros, e que há bibliotecários
inteligente construído especificamente para esta função, misteriosos que surgem e desaparecem sem explicação.
que nunca dorme e está sempre trabalhando.
A bibliotecária-chefe é Venera Vettrano, uma
clériga de Tanna-Toh que parece conhecer tudo sobre
Gazeta do Reinado os livros armazenados aqui. Na verdade, sua fascinação
Existem pouquíssimos veículos de informação com tomos perigosos, arcanos, malditos e profanos é
impressos em Arton e a Gazeta do Reinado é decidi- tamanha que algumas pessoas temem que ela mesma
damente o maior e mais importante. Sua sede fica no esteja se corrompendo com conhecimento proibido.
segundo andar de um prédio humilde, acima de um Na biblioteca também existe um Hellaron, um go-
açougue (as brigas entre os dois estabelecimentos lem que é uma extensão do Helladarion, o artefato

Capítulo Um
76
vivo e sumo-sacerdote de Tanna-Toh. O Hellaron da Alto Clérigo não é o sumo-sacerdote de Valkaria. Cada
Biblioteca das Duas Deusas tem acesso a todas as novo Alto Clérigo é escolhido por aclamação dos fiéis.
informações que o Helladarion conhece, mas sua tarefa Arquitetos e engenheiros devotos mantêm a bênção
aqui é restrita a ajudar visitantes com informações da deusa enquanto estiverem realmente contribuindo
presentes nos livros. Assim, muitos aventureiros se elementos novos e ambiciosos ao templo. Assim, a
veem frustrados, sendo obrigados a procurar alguma Catedral já teve muitos Altos Clérigos e seu estilo
pista do conhecimento que desejam nas infindáveis está cada vez mais irreconhecível.
prateleiras da biblioteca antes de receber seu auxílio. Um enorme relógio na parede frontal é só a mais
Uma figura curiosa na biblioteca é o detetive-livreiro óbvia das maravilhas que foram incorporadas à Catedral
Vannarian, um paladino de Tanna-Toh que recupera de Valkaria nos últimos anos. Também há uma torre
tomos roubados ou nunca devolvidos, mas que reluta que parece delgada demais para se sustentar, uma nova
em preservar conhecimentos que ninguém deveria ter... ala feita de matéria vegetal viva, um saguão situado
parcialmente no Reino de Valkaria e uma câmara
Catedral de Valkaria capaz de amplificar qualquer som até o volume de
O centro de adoração comunitária da Deusa da uma tempestade, entre outras inovações.
Humanidade não é realmente a sede de sua religião — Talvez a adição mais notória seja a catacumba
os devotos de Valkaria precisam estar em constantes abençoada, onde se criou uma nova tradição de sepultar
jornadas e não podem ficar presos a um só templo. aventureiros caídos. Os restos mortais de grandes
Assim, em vez de abrigar os membros mais poderosos heróis já foram trazidos para cá, enquanto que grupos
do clero, a Catedral de Valkaria é um local onde todos menos gloriosos realizam peregrinações para conceder
os habitantes da cidade podem se reunir e, mesmo que a seus companheiros mortos a honra do descanso
não sejam devotos, prestar homenagem à padroeira da eterno na Catedral. Apenas aventureiros que tenham
capital. Na Catedral, nobres sentam ao lado de plebeus, morrido no decorrer de uma missão recebem o direito
aventureiros compartilham o mesmo espaço com de estar aqui. Diz-se que a catacumba abençoa todos
artesãos e figuras célebres como heróis e arquimagos que seguirem o legado de um aventureiro sepultado
são deixadas em paz e tratadas como qualquer cidadão. nela — continuando seu nome, levando o grupo adiante
ou completando uma missão deixada pela metade.
A Catedral foi um dos primeiros prédios constru-
ídos em Valkaria, ainda sob a supervisão de Roramar
Pruss, e já era impressionante na época, contando com Casa de Repouso
a tradição dos grandes feitos arquitetônicos de Lamnor.
Outros reis buscaram adicionar ainda mais pompa
Millicent para
ao templo e, com os séculos, a Catedral de Valkaria
espíritos atormentados
se tornou uma das igrejas mais suntuosas de Arton. Algo quase desconhecido em Arton, este é um
Toda nova técnica de engenharia era exibida aqui. Os manicômio, um lugar para tratamento daqueles
maiores escultores do mundo contribuíam com suas considerados insanos. O lugar é administrado até
obras. O espaço amplo abriga milhares de fiéis. Os hoje por sua fundadora, Ellanie Millicent, uma
vitrais trazidos diretamente de Cosamhir filtram a luz clériga de Marah. Embora Millicent tenha as melhores
natural, criando um efeito magnífico e caleidoscópico. intenções, a Casa de Repouso é uma verdadeira prisão,
pois precisa conter os pacientes mais violentos. A
Alguns afirmam que, depois da Libertação de
falta de recursos torna as condições de vida bastante
Valkaria, tudo isso se intensificou ao ponto do exagero.
precárias, quase como em uma masmorra. O local foi
Os verdadeiros devotos não podiam ficar presos à
fundado pouco antes da chegada da Tormenta e recebeu
Catedral. Arquitetos sagrados cuja maior ambição era
uma enxurrada de pacientes quando quase todos os
contribuir com o prédio agora se viam impedidos de
sobreviventes da Tempestade Rubra mostraram estar
supervisionar seus projetos. O paradoxo de um local
insanos — o que também deu ao nome da instituição
estável para adorar uma deusa sempre em movimen-
o ar de um trocadilho de mau gosto. Ainda há muitos
to se tornou insolúvel. Durante mais de um ano, a tamuranianos e veteranos do Exército do Reinado
Catedral de Valkaria ficou sem liderança eclesiástica. enlouquecidos pela Tormenta ocupando os quartos/
Então teólogos, através de contato com a deusa, celas. Vez por outra há uma fuga, principalmente
meditação e estudo, conseguiram desenvolver um de internos com propensão ao crime e à violência.
novo dogma. A Catedral admite que um Alto Clérigo Contudo, não são os únicos. Um dos pacientes mais
a presida durante um ano — depois desse período extraordinários da Casa de Repouso é Jack Flowers,
o devoto mais uma vez seria obrigado a partir. Esse um bufão louco obcecado por matar Nimb.

O Reinado
77
Capítulo Um
78
Bielefeld O REINO DOS C AVA L EIROS

M
uitos lugares em Arton possuem terras. Alguns historiadores garantem que ele não
grande população de aventureiros queria nada além de um lar para seu povo. Outros
ou já foram palco de sagas épicas. dizem que não aceitava ser apenas mais um entre
Contudo, nenhuma nação é mais vol- iguais. Queria governar. Queria conquistar.
tada ao ideal heroico que Bielefeld. Chamado de Thomas partiu rumo a leste com seu grupo de
“Lar da Ordem da Luz” e “Reino da Cavalaria”, aventureiros e logo se envolveu em conflitos. Houve
Bielefeld é uma terra de tradições arraigadas interações pacíficas, mas em geral a passagem dos
e história rica. aventureiros foi marcada por fogo e aço. Apesar disso,
Thomas considerou aquele terreno ideal para a forma-
Com grandes e orgulhosos castelos dominando ção de uma nação independente. Havia relativamente
terras povoadas por plebeus e fazendeiros, o reino poucos monstros e muitas riquezas naturais.
depende da relação de confiança e lealdade entre
vassalos e suseranos. Em Bielefeld, honra vale mais Quando chegou à costa, deixando um rastro de
que dinheiro. E neste reino nada simboliza mais a destruição e estandartes fincados, Thomas Lendilkar
honra do que as ordens de cavalaria — em especial a ordenou a construção de um templo ao Deus da Justiça
Ordem da Luz. O jovem rei de Bielefeld, Khilliar Janz, e fundou sua “capital”, que batizou de Lendilkar. O
toma poucas decisões importantes sem consultar o ano era 1021 da chegada dos elfos. Ele se declarou rei
líder da ordem, Alenn Toren Greenfeld. A ordem é do novo reino de Bielefeld. Não há consenso sobre a
ligada ao reino, o reino tem a ordem como seu maior origem do nome. Alguns afirmam que “Bielefeld” era o
símbolo. As tramoias, intrigas e jogos de poder dos nome da casa nobre à qual a família Lendilkar servia no
aristocratas não apagam o espírito de Bielefeld: a velho continente. O que Thomas queria ao batizar seu
crença de que a cavalaria sempre defenderá Arton. reino assim? Afirmar que era o verdadeiro representante
da Casa Bielefeld? Conseguir o favor desses nobres?
Provavelmente nunca se saberá a verdade, mas uma
História identidade nacional se formou rapidamente e, em
poucos anos, os colonos já se consideravam pertencentes
Apesar de sua tradição heroica, as raízes de a Bielefeld, não a suas antigas nações.
Bielefeld são encharcadas de sangue. Talvez tenha sido esse entusiasmo pelo novo lar
Thomas Lendilkar, o fundador do reino, era um que tenha impulsionado o sucesso e a prosperidade
cavaleiro e líder de um grupo de aventureiros na jovem de Bielefeld logo em seu início. Thomas Lendilkar
cidade de Valkaria. Thomas acreditava que o destino concedeu títulos de nobreza a todos que se
dos refugiados de Lamnor não era permanecer sob a dispusessem a pacificar e proteger uma região. Diz-
proteção da deusa para sempre. Assim como muitos se que, independente de seu caráter, o fundador era
outros, empreendeu uma jornada para desbravar novas extremamente carismático, decidido e inteligente.

O Reinado
79
Os nobres que concordavam com suas políticas e os regentes de Khubar. A duquesa Raissa Janz se
sangrentas ficaram concentrados na capital litorâ- destacou nesse acordo, colocando fim aos ímpetos
nea, enquanto aqueles que procuravam distância do guerreiros de alguns que desejavam reparações ou
fundador se espalharam pelo território. Entre esses retaliação. Entre os grandes apoiadores de Raissa estava
destacou-se a família Janz, opositores de Lendilkar, que a família Donovan. A maior voz de dissidência estava
ergueu um forte mais tarde conhecido como o Castelo na poderosa família Asloth.
Roschfallen. Outros fortes foram erguidos por todo
o reino, demarcando feudos. Sem muita relação com
o rei, as novas famílias nobres precisavam defender
Uma Nova Dinastia
suas próprias terras. Independentes, criaram entre Com a paz estabelecida, restava achar um rei.
si laços de suserania e vassalagem que continuariam Arautos e aventureiros procuraram herdeiros de Tho-
para sempre. O novo reino cresceu em velocidade mas Lendilkar; sábios vasculharam tomos genealógicos
espantosa e sua glória inicial foi impressionante. em busca de ligações com outras famílias. Nada foi
Lendilkar despontava como um dos mais ambiciosos encontrado — os Lendilkar tinham sido extintos no
conquistadores, enquanto que os outros senhores novo continente. Existe o boato de que já nesta época
feudais exemplificavam o dever protetor dos nobres um grupo de devotos de Hyninn ajudava o reino nas
para com o povo. Talvez até mesmo Deheon empali- sombras, fazendo o trabalho sujo que os nobres e
decesse frente à vastidão que na época englobava o cavaleiros não podiam aceitar, mas os historiadores
que hoje são os Ermos Púrpuras e Aslothia. Por um garantem que não passa de teoria de conspiração...
tempo, pareceu que Bielefeld seria o poder dominante Sem um herdeiro, uma assembleia de nobres elegeu
em Arton e Thomas Lendilkar seria o maior dos reis. Raissa Janz como nova rainha de Bielefeld. Tamanha
era sua aclamação que a lei hereditária se manteve,
frustrando manobras dos Asloth para que houvesse
A Primeira Derrota uma eleição periódica. A nova família real Janz foi
Os olhos de Thomas Lendilkar se voltaram para coroada pelo sumo-sacerdote de Khalmyr, permane-
mais longe. O fundador já havia expulsado nativos da cendo no poder desde então.
costa de Bielefeld, forçando-os a recuar a sua ilha natal. O reino nunca se recuperou da destruição de
Em 1037, ele decidiu que o próximo alvo de expansão sua marinha. Até mesmo a defesa da costa do reino
estava nos mares. Na ilha de Khubar. ficou a cargo da Patrulha Costeira, cujo dever nunca
O que o rei queria com uma ilha, quando havia se estenderia até o alto mar. A família Janz tem uma
tanta terra para ser conquistada no continente? Talvez desconfiança quase supersticiosa da exploração naval
a riqueza de Khubar tenha atraído Thomas. Talvez isso — acreditam que, sobre um cavalo, vai-se longe. A
fosse só o primeiro passo na formação de uma marinha bordo de um navio, vai-se longe demais. Este dogma não
capaz de invadir Lamnor. Fosse qual fosse sua intenção oficial recebe o apelido de “Doutrina da Ferradura”:
nos mares, Thomas Lendilkar só conheceu a ruína. um nobre de Bielefeld deve interferir apenas até onde
Khubar é protegido por Benthos, o Dragão Rei dos seu cavalo puder levá-lo.
Mares. Quando as tropas de Bielefeld desembarcaram A capital passou a ser o ducado de Roschfallen, lar
na ilha, os sábios e xamãs se reuniram e convocaram dos Janz, que se expandiu para uma cidade completa.
seu guardião. Mas Roschfallen nunca chegou a ser a cidade mais
A fúria de Benthos foi terrível. Os exércitos de importante do reino — Norm sempre teve mais
Bielefeld fugiram aterrorizados, suas naus foram destaque. Era um arcebispado de Khalmyr, capaz
destruídas como brinquedos. As ondas rugiram num de unir nobres e plebeus, tendo uma relevância que
maremoto incontrolável que engoliu a costa de Bielefeld Roschfallen jamais conquistou. Até hoje Roschfallen
e devastou a capital. Thomas Lendilkar, a família real, é considerada “terra dos Janz”.
quase todos os aventureiros de seu grupo original e A história de Bielefeld seguiu sem grandes revira-
vários nobres morreram. Subitamente, Bielefeld era voltas durante séculos — a cavalaria e a tradição feudal
um reino com forte identidade nacional e relações mantiveram a lei e controlaram a sede de conquista.
sólidas de lealdade... Mas sem liderança. A fundação da Ordem da Luz por Arthur Donovan
Talvez Benthos tenha feito um bem imensurável II em 1290 solidificou o reino como terra de heróis.
ao povo do Reinado. A relação de amizade próxima da família Janz com
Deheon interveio, assumindo o papel de liderança os Donovan afastou qualquer medo de que a sanha
que teria para sempre. Um corpo diplomático inter- expansionista voltasse.
mediou a paz entre os nobres restantes de Bielefeld Mas, em 1300, as tensões aumentaram de novo.

Capítulo Um
80
Irmão Contra Irmão
A família Asloth, invejosa e sedenta de poder,
nunca adotara os valores e tradições da cavalaria. O
Condado de Portsmouth, governado pelos Asloth,
se dizia uma “terra de liberdade”, onde os “pompo-
sos cavaleiros” não dominavam a plebe. Os Asloth
empregavam companhias mercenárias em vez de um
exército estabelecido, afirmando que era a maneira
mais justa de defender suas terras. Na realidade,
estavam formando as bases do que seriam tropas sem
lealdade nenhuma ao povo de Bielefeld.
Os Asloth também recrutaram outro tipo de
“tropas”. Ao longo de anos, cooptaram bardos, espiões
e planejadores em todo o Reinado. Usaram-nos de
forma insidiosa, como agentes infiltrados em caste-
los, tavernas, fazendas, cidades… Inúmeros pontos
do continente, sempre se fazendo passar por gente
comum. Esse verdadeiro exército da intriga foi mais
tarde apelidado em Bielefeld de Ordem dos Covardes. Bielefeld
Usando seus agentes, os Asloth começaram uma Nome Oficial: Reino de Bielefeld.
bem-sucedida campanha difamatória contra a coroa
de Bielefeld e a cavalaria. Até hoje vários artonianos Lema: “Afiada É a Lâmina da Justiça”.
ouvem a palavra “cavaleiro” e pensam em um aristo- Brasão: talhado de prata e azul, uma
crata brutal e autoritário. As próprias ordens foram balança de ouro brocante.
prejudicadas por isso, com vários jovens honrados
Gentílico: bielefeldense.
rejeitando a cavalaria e muitos ambiciosos mesquinhos
se voltando a ela. Capital: Roschfallen.
Os mercenários de Portsmouth atacaram as nações Forma de Governo: monarquia
dos Ermos Púrpuras, usando armaduras de cavaleiros hereditária.
e estandartes de famílias nobres de Bielefeld. A região Regente: Rei Khilliar Janz.
dos Ermos era autônoma, apesar de nos mapas ser
População: 1.600.000.
parte do reino. Com as famílias nobres e ordens de
cavalaria incriminadas pela violência dos mercenários, Raças Principais: humanos, anões,
não demorou para que as vítimas revidassem, iniciando goblins, hynne.
uma série de ataques a cidades de Bielefeld. A intriga Divindades Principais: Khalmyr,
chegou a Deheon: segundo as mentiras de Portsmouth, Lena, Aharadak.
mais uma vez Bielefeld se mostrava um conquistador
sanguinário. Deheon decretou que os Ermos Púrpuras
seriam independentes e, para todo o Reinado, pareceu
que Bielefeld era expansionista e tinha sido derrotado
mais uma vez. O trono estava desacreditado.
Foi este poder abalado que enfrentou a sangrenta
guerra civil de 1389. A Revolta a Pé, apelido de uma série de ataques
O Conde Ferren Asloth, conhecido como “o Velho de plebeus e pequenos nobres contra cavaleiros em
Abutre”, era infame em Bielefeld. Portsmouth era Portsmouth, pareceu um movimento espontâneo, mas
uma terra vasta, mas Ferren se dizia um governante não passou de uma maquinação de Ferren Asloth — o
humilde e oprimido. Proibia a magia, afirmando que estopim da guerra civil. Na realidade, as companhias
era uma forma de “defender os mais fracos”. Implorava mercenárias já estavam de prontidão e, assim que
para que os impostos fossem diminuídos — segundo houve a primeira retaliação por parte dos cavaleiros,
Asloth, um condado que nem mesmo possuía fortes atacaram em massa. A justificativa: independência.
da Ordem da Luz estava sendo obrigado a pagar pela A realidade: mais um passo no plano sinistro do
cavalaria que só existia para pisoteá-lo. Velho Abutre.

O Reinado
81
“Neste dia de luto, juramos que a espada de de recompensas e algoz da Tormenta Crânio Negro
Bielefeld jamais voltará a se erguer contra as em 1405 deu início a uma série de eventos que
ilhas. Não por temer a força do Dragão Rei... colocou Bielefeld na linha de frente da luta contra
Não para evitar um castigo... Mas por sabermos a Tempestade Rubra. Impulsionado pelo herói, o
que esta é a verdadeira justiça. Não a justiça reino mandou tropas para enfrentar um exército
de um rei. A justiça de Khalmyr! A vitória de corrompido que marchava rumo a Trebuck. Com
Khubar é a vitória de Khalmyr. A derrota de uma seu avanço detido na fronteira do reino que hoje é a
invasão injusta é o triunfo do Deus da Justiça Supremacia Purista, Bielefeld precisou pagar Wynlla
e, assim, também o triunfo de Bielefeld. Sob o por um imenso ritual de transporte de tropas. Os
julgamento de Khalmyr e sobre a tumba de nosso cofres de Roschfallen nunca se recuperaram, mas
rei morto, temos orgulho de oferecer ao povo de os soldados e cavaleiros chegaram a tempo para se
Khubar nossa rendição incondicional.” unir ao Exército do Reinado e derrotar as hordas
aberrantes na beira de uma área de Tormenta. Durante
esta guerra, o jovem cavaleiro Vincent Gherald se
— Trecho do discurso de rendição de
revelou corrompido e espalhou a corrupção por toda
Raissa Janz a Khubar.
uma geração de cavaleiros em Norm, resultando
numa noite de massacres — veteranos contra novatos,
pais contra filhos.
A Guerra Civil de Bielefeld foi triste e brutal.
As ações de Orion Drake, que incluíram a
O reino não podia ceder, sabendo que uma rendição
destruição da primeira área de Tormenta e a libertação
significa o abandono de parte de seu povo à crueldade
da ilha de Tamu-ra, levaram a cavalaria mais uma vez
do Velho Abutre. Aldeias separadas por um mero riacho
ao ápice do ideal heroico. Bielefeld viu um enorme
massacraram-se mutuamente. Familiares lutaram entre
influxo de jovens desejando ser escudeiros, inclusive
si, famílias foram dilaceradas. Os mercenários decaíram
vindos de outros reinos. Mais tarde, a relação de
para hordas de carniceiros — quando não havia saque
Orion e do Alto Comandante da Ordem da Luz Alenn
suficiente nas terras inimigas, saqueavam as próprias
Toren Greenfeld com a Rainha-Imperatriz Shivara
aldeias de Portsmouth. Muitos morreram, muitos
contribuiu para que o reino fosse o principal aliado
perderam tudo. Apesar disso, Bielefeld lutou com de Deheon na Guerra Artoniana. Como terra de
honra. As mentiras dos Asloth não foram capazes de cavaleiros guiada por Khalmyr, Bielefeld não guarda
mascarar a realidade de que, mesmo nesse conflito rancor contra as intervenções históricas e, hoje em
horrendo, a Ordem da Luz tomou a frente e nunca dia, está intimamente ligado ao Reino Capital. Diz-se
recorreu às táticas baixas e assassinas do inimigo. que, se Deheon usa a coroa, Bielefeld empunha
Vários cavaleiros da Luz construíram suas reputações espada e escudo.
na guerra civil, fazendo defesas heroicas contra as
traiçoeiras tropas de Portsmouth. Bielefeld foi fundamental para a derrota dos
puristas — e sofreu por isso. Após a morte do então
Deheon interveio uma última vez, com uma Rei Igor Janz, seu filho Khilliar Janz assumiu o trono.
neutralidade que afrontava Bielefeld. A indignação Inexperiente, no meio de uma guerra de proporções
ameaçou fazer o reino inteiro se voltar contra o Reinado inéditas, o jovem rei triunfou com o apoio de heróis
— o que talvez fizesse parte do plano de Ferren. Mas, aventureiros. A Ordem da Luz assumiu a liderança em
no final, a paz no continente era mais valiosa. Seguindo diversas batalhas. O ódio dos puristas contra Bielefeld
orientação (ou comando) da Coroa do Reinado, Bielefeld foi tamanho que o reino chegou perto de se desfazer.
reconheceu a independência de Portsmouth. A capital foi sitiada e recoberta de névoa escura e
E foi assim, reduzido a uma fração do que já mágica. A cidade de Norm foi invadida, tropas inimigas
tinha sido, que Bielefeld embarcou numa nova era chegaram aos portões do Castelo da Luz. Nobres
de provações. ficaram ilhados, a cadeia de lealdade foi ameaçada.
Por um tempo, parecia que Bielefeld iria desmoronar
em uma série de pequenos feudos.
O Século Heroico Felizmente, isso foi evitado. A vitória do Reinado
Talvez seja cedo para dizer, mas os bardos
numa batalha crucial foi a força que impulsionou
já chamam o período a partir de 1400 de “Século
Bielefeld a resistir, mais unido do que nunca. A Espada
Heroico”. e o Escudo do Reinado permanecem erguidos. Não
A presença do cavaleiro da Luz Orion Drake importa que Bielefeld seja menor em extensão. Sua
num forte isolado durante um ataque do caçador honra é maior do que nunca.

Capítulo Um
82
Geografia A moda em Bielefeld é bastante tradicional. Barbas
bem aparadas, como é usual na Ordem da Luz, vestidos
Bielefeld é uma terra cercada de inimigos. A oeste, longos e um pouco antiquados. É comum ver pessoas
a Supremacia Purista se espalha, vasta e poderosa. Uma trajando armaduras ou portando armas embainhadas,
área que costumava pertencer ao Reino da Cavalaria principalmente entre a nobreza. Nobres em Bielefeld
agora é território disputado entre as duas nações — a não vestem casacas refinadas e camisas bufantes —
Conflagração do Aço. A leste, Aslothia, terra de mortos- cobrem-se de aço, preparados para defender a plebe.
vivos e mercenários cruéis. A norte, os Ermos Púrpuras Pelo menos em teoria.
poderiam ser neutros ou até aliados, mas o histórico Alguém certa vez disse que “por causa de sir
de Bielefeld cobra seu preço. O mar é a única saída do Orion Drake, está na moda ser chato em Bielefeld”.
reino, mas a marinha de Bielefeld ainda não se recuperou Certamente um estrangeiro poderia pensar isso: o povo
de séculos de negligência. parece sério, sisudo, formal. Contudo, aqui seriedade
Assim, simplesmente chegar a Bielefeld é uma e formalidade não são sinal de frieza ou antipatia.
aventura. O reino não passa fome devido a seu terreno Levar a sério o que alguém diz e ser sério em troca,
naturalmente favorável, mas qualquer transporte é caro tratar todos com deferência e esperar deferência em
e demorado. Nobres contratam grupos de aventureiros troca são sinais de respeito e estima. Apenas alguém
para escoltá-los através de Aslothia, enquanto cavaleiros que desprezasse outra pessoa poderia tratá-la com
buscam heróis para acompanhá-los nessa jornada. A intimidade sem primeiro desenvolver uma relação
coroa do reino também busca aventureiros para ir próxima. Isso deixa os forasteiros enlouquecidos. Um
até Doherimm e negociar a construção de passagens aventureiro pode ser tratado com formalidade pelo
subterrâneas com os anões. cavaleiro cuja vida acabou de salvar... E ver o mesmo
cavaleiro sendo natural e descontraído com o inimigo
A fronteira com Aslothia é especialmente que tentou matá-los! Para o cavaleiro, faz todo sentido:
perigosa — uma divisão tanto política quanto mística. por que se esforçar para tratar bem um crápula?
A Floresta de Jeyfar marca o limite entre os dois
reinos. Enquanto a maior parte de Jeyfar é de um Contudo, na guerra toda formalidade desmorona
verde escuro e profundo, a orla leste apresenta árvores e relações íntimas se formam em questão de dias. Os
ressequidas, sem folhas, o sol surgindo esmaecido habitantes de Bielefeld se abraçam, riem, tratam-se
por entre os galhos. por apelidos e se apegam com extrema rapidez.

Exceto por Jeyfar, Bielefeld não tem grandes áreas “Honra” é uma palavra ouvida constantemente
florestais. Planícies férteis dominam a maior parte do no reino. Mas o que é honra? Cada habitante tem
reino. Não sendo especialmente urbanizado, Bielefeld uma definição própria. Para muitos, é honestidade e
possui horizonte amplo, onde se pode viajar por dias cumprimento das leis. Outros consideram que só é
sem encontrar cidades, castelos ou outros marcos. honrado aquele que não tolera nenhum desrespeito ou
insulto — o que pode levar à violência. Heróis como
O clima é ameno, com estações bem marcadas. No Alenn Toren Greenfeld dizem que honra é ativamente
verão, a região se torna muito viva e vibrante, explodindo fazer o bem e combater a maldade, enquanto Orion
com colheitas fartas e árvores carregadas de frutos. No Drake considera que honra é ausência de soberba e
inverno há nevoeiro e chuva, além de uma neve fina que cumprimento do dever a qualquer custo. O conceito é
no chão se transforma em lama ou gelo. As estradas se parte integral da vida de nobres e plebeus. Em Bielefeld,
tornam escorregadias e traiçoeiras, o gelo fino esconde o mais reles fazendeiro prefere ficar sem comida a
verdadeiros fossos de lodo. ficar sem honra.
A impressão que quase todo viajante tem de Khalmyr é o deus mais popular no reino, mesmo
Bielefeld é a de uma terra bela, cheia de cores. depois de ter perdido o posto de líder do Panteão. Na
Muitos custam a acreditar que tenha sido palco verdade, isso causou um aumento de fervor. Como um
de tantas tragédias. reino agrícola, Bielefeld cultua Lena, a Deusa da Vida,
principalmente longe dos grandes castelos.

Povo & Costumes Quase todos os deuses aliados de Khalmyr são


bem vistos. Deuses menos ligados às tradições,
Humanos compõem quase toda a população de como Tenebra, Allihanna e Wynna, são considerados
Bielefeld. A maior comunidade de não humanos é “esquisitice de estrangeiros” — um jovem devoto
formada por anões, seguidos de goblins, hynne e um de Tenebra ouvirá de seus pais que “é só uma fase”.
punhado de representantes de outras raças. Deuses ambíguos como Arsenal e Thwor são vistos

O Reinado
83
Cavaleiros sem Ordem um papel semelhante ao dos grupos de aventureiros
hoje em dia: eram bandos de pessoas extraordinárias
Bielefeld é um reino tão ligado à Ordem que ganhavam a vida corrigindo problemas grandes
da Luz que é comum imaginar que todo demais para o povo comum. Enquanto grupos de
o contingente de cavaleiros se resume aventureiros sempre foram variados e seguiram suas
a suas fileiras. Isso, porém, está muito próprias regras, ordens de cavalaria adotaram o método
longe da verdade. de luta mais tradicional e longos e detalhados códigos
Além de contar com inúmeras ordens de conduta. Os cavaleiros do velho continente vieram
menores com suas próprias regras e parar aqui, dando início ao modo de pensar de Bielefeld.
condutas, algumas dissidentes de suas Essas várias ordens sempre compuseram a alma
irmãs mais famosas, Bielefeld também do reino. Nenhuma família nobre estava completa
ostenta a figura do cavaleiro sem ordem. sem pelo menos um cavaleiro; os plebeus podiam
Um herói independente, que viaja pelo ser sagrados cavaleiros e assim ascender à nobreza
reino realizando feitos de bravura sem por bravura.
precisar prestar contas a uma instituição.
Um tipo de relação fundamental em Bielefeld é
Acompanhados ou não de escudeiros, entre cavaleiro e escudeiro. Escudeiros servem a
estes cavaleiros errantes costumam tomar cavaleiros para aprender a parte prática e moral da
um tema específico como inspiração para cavalaria. Mais que um mestre, o cavaleiro se torna
suas armaduras e armas. Sua variedade é quase um pai ou mãe. Para o escudeiro, trocar de
imensa: alguns tentam replicar os feitos de senhor não é uma opção — ele pode ser obrigado
um herói lendário, carregando assim seu a servir a um cavaleiro cruel por boa parte de sua
legado, enquanto outros se baseiam em infância e adolescência. O inverso também é verda-
elementos, ou adotam as características de deiro: mesmo frente a um escudeiro preguiçoso ou
uma criatura que admiram. incompetente, nenhum cavaleiro pode largá-lo sem
Assim, por exemplo, sir Deadalus Hanspear, enfrentar vergonha e desaprovação. Já houve casos
o Cavaleiro Morto, veste armadura de cavaleiros expulsos da Ordem da Luz por terem
totalmente negra; traz em seu elmo as asas abandonado escudeiros em lugares perigosos ou sem
de um corvo; em suas ombreiras, mãos outras opções de sustento. O caráter e a habilidade
esqueléticas; em sua lança, trapos amarrados do escudeiro são responsabilidade do cavaleiro.
de sua própria mortalha, e em seu escudo, Essa importância fundamental e o prestígio
a imagem de um caixão. Nem mesmo seu associado levaram a uma certa banalização do papel
rosto macabro de osteon é tão reconhecido dos cavaleiros. Em Bielefeld, muitas vezes “cavaleiro”
quanto sua indumentária! Sem o estandarte não é sinônimo de “herói” ou mesmo “combatente”...
de uma ordem e às vezes sem nem mesmo Alguns cavaleiros se surpreendem com a mera su-
um brasão familiar reconhecível, esses gestão disso! Para eles, “sir” é só mais uma honraria
cavaleiros se tornam famosos pela temática
na longa lista de títulos que esfregam na cara dos
de sua armadura e equipamentos.
plebeus. Bielefeld enfrenta a praga da intriga e a
cavalaria é onde ela se espalha com maior facilidade.
Há uma luta constante entre cavaleiros honrados e
como malignos. Nem sempre seu culto é proibido, conspiradores ambiciosos.
mas será motivo de desconfiança. Infelizmente, o
culto a Aharadak é presente, devido à influência dos
cavaleiros corrompidos de anos atrás. Hyninn e Nimb Governo
são cultuados de forma sutil, nem sempre agindo
Bielefeld é governado pelo Rei Khilliar Janz,
contra os cavaleiros.
descendente direto de Raissa Janz. Khilliar se mos-
trou um guerreiro competente desde muito jovem e
A Cavalaria treinava para ser um cavaleiro da Luz — o primeiro rei
Existem muitas ordens de cavalaria em Arton pertencente à Ordem. Um torneio mudou tudo isso.
— algumas pouco mais que clubes de nobres, outras Em meio aos eventos da guerra contra a Tormenta,
verdadeiros exércitos de guerreiros jurados a fazer o o então Príncipe Khilliar enfrentou numa justa um
bem. O início das ordens de cavalaria remonta ao antigo combatente misterioso conhecido apenas como o
continente, antes da Grande Batalha. Elas cumpriam Cavaleiro Risonho. Em um horrível acidente, a quebra

Capítulo Um
84
de uma das lanças enviou estilhaços através da viseira
do elmo de Khilliar, perfurando seus olhos e cegando-o Locais Importantes
para sempre. É consenso que esse foi mais um dos atos
do Cavaleiro Risonho para desestabilizar a nobreza e Roschfallen (capital)
a cavalaria em Bielefeld. Roschfallen começou como um castelo, o centro
Khilliar recusou-se a usar de magia para restaurar de poder da família Janz. Quando Os Janz assumiram
sua visão, na crença de que isso seria abusar de um o trono de Bielefeld, o Castelo Roschfallen foi
privilégio que os cidadãos comuns não possuem. O expandido e as terras a seu redor foram muradas para
jovem príncipe foi obrigado a se tornar rei quando que se convertesse em cidade.
seu pai foi assassinado pelo espião purista conhecido Mesmo assim, Roschfallen sempre permaneceu
como Espinha. como “o lar dos Janz”. Dizem que não tem cidadãos,
Embora a figura do rei tenha bastante poder em apenas hóspedes. O Castelo Roschfallen foi rebatizado
Bielefeld, esse poder só existe com o apoio dos duques, — hoje em dia, oficialmente é o Palácio Real, mas
que efetivamente aprovam e executam as ordens reais, ninguém na cidade o chama assim. Por incentivo da
repassando as decisões da coroa aos demais nobres. família real, muitos burgueses ricos vieram para cá
A política no reino é intrincada — duques dependem estabelecer seus negócios. Isso criou a impressão de
da lealdade e apoio de condes, barões e outros, e que Roschfallen é um lugar transitório, onde se compra
muitas vezes a vontade da aristocracia menor acaba e se vende, mas não se vive. A capital é grande e rica,
bloqueando as intenções do rei. mas artificial.
A outra grande força política em Bielefeld Talvez por isso o número de estalagens e tavernas
é a Ordem da Luz. Embora o Alto Comandante é enorme. A população tem o curioso hábito de se en-
teoricamente não tenha voz nas decisões do reino, furnar em tavernas no primeiro dia frio do outono. Isso
na prática a influência da Ordem garante que haveria torna esses estabelecimentos superlotados e provoca
revolta entre os nobres se algum dia rei e Alto inúmeras brigas. A mais cara e luxuosa estalagem de
Comandante fossem adversários. Roschfallen é a Espada de Khalmyr, de posse de uma

O Reinado
85
família de anões. Alguns dizem que é lugar para turistas pela armadura brilhante, o rapaz ou a moça insiste
e ricaços sem bom gosto — a “cerveja anã especial” com seus pais. O “cavaleiro” então o leva... E no dia
da taverna seria uma receita rejeitada em Doherimm, seguinte os pais recebem uma mensagem com a quantia
aguada para se adaptar ao gosto dos humanos. que devem pagar como resgate.
A milícia de Roschfallen está sempre em volta das Roschfallen abriga estabelecimentos que quase
brigas de taverna, pois não há muito mais a fazer. A fer- não existem no Reinado, como bancos, casas de chá,
ramenta mais importante de um miliciano é seu apito, empórios de vinhos e lojas de poções. Esses lugares
usado para chamar reforços — o que já levou jovens só se sustentam por seus altíssimos preços, tendo
milicianos a imaginar se em algum momento a milícia visitantes como seus principais clientes. Isso separa
efetivamente fará algo, ou se apenas ficarão chamando ainda mais a capital do resto do reino.
uns aos outros para sempre. Contudo, o crime sempre Também na capital há o Templo da Justiça, um
se esconde nas sombras. Um notório esquema dos mais impressionantes tribunais do mundo conhe-
que vitimiza recém-chegados é o “golpe cido. Um lugar onde clérigos de Khalmyr resolvem
do escudeiro”: criminosos localizam um
disputas comerciais, condenam criminosos, conciliam
visitante rico que esteja acompanhado
famílias rivais, protegem misticamente documentos,
de sua família. Então simulam uma
intermediam acordos, celebram casamentos e deter-
“injustiça” na frente de um filho
minam a veracidade de alegações. O enorme e simétrico
ou filha adolescentes. Se o jovem
prédio é uma cacofonia de orações, discursos e debates.
intervier, “salvando o dia”, surge
O Templo não emprega clérigos-juízes, apenas abriga
um cavaleiro da Luz impressionado
as sessões com clérigos escolhidos pelas partes.
com seu heroísmo e o convida
Assim, o prédio sempre está cercado de
para se apresentar como
jovens clérigos de Khalmyr tentando con-
escudeiro no Palácio
vencer cidadãos a contratá-los como
Real. Tomado pela
juízes e alavancar suas carreiras.
emoção do combate
e impressionado
Norm
Se Roschfallen é a capital
de Bielefeld, Norm é seu cora-
ção. Quando a Ordem da Luz
foi estabelecida aqui, a cidade
se tornou um símbolo das tra-
dições, o lar do orgulho feu-
dal e heroico.
Norm era um arcebispado de
Khalmyr, uma espécie de peque-
na teocracia leal à família nobre
Donovan, que vivia num castelo a
dias de distância. A cidade parecia
destinada a ser uma nota de rodapé.
Quando Arthur Donovan II voltou de
uma peregrinação mística com o dever
de fundar a Ordem da Luz, tudo mu-
dou. O duque não quis que a sede
da Ordem fosse seu próprio cas-
telo, pois não desejava que ela
pertencesse à família. Também
relutou em erguer um castelo numa
região erma — Donovan enxergava a
Ordem da Luz como uma força presen-
Sir Bernard te no dia a dia do povo. Assim, a nova
Branalon,
o Paquiderme ordem de cavalaria fez sua sede numa
Galante cidade. Donovan usou boa parte das

Capítulo Um
86
riquezas da família na contratação de engenheiros e intervenção de um grupo de heróis. Ferida, Norm se
trabalhadores anões, para que construíssem a forta- tornou ainda mais aguerrida e tradicional — mais do
leza que abrigaria os novos cavaleiros. O Castelo da que nunca, o lar da Ordem da Luz.
Luz se ergueu com velocidade estonteante. Em pou-
cos anos, Norm se transformou. Muncy
O Castelo da Luz é uma das construções mais A estrutura feudal de Bielefeld é exemplificada
impressionantes do continente. Suas torres de prata perfeitamente no condado de Muncy. Thomas Lendilkar
e mármore imitam a forma da espada de Khalmyr, deu a um guerreiro a missão de pacificar uma região
visíveis de quase qualquer ponto da cidade. No pátio assolada por monstros. Este guerreiro era Torant
central, o próprio Deus da Justiça surge acima das Branalon, um nobre de uma família deposta no velho
muralhas, na forma de uma estátua com mais de 60 continente. Como recompensa, Torant recuperaria o
metros de altura. A mão divina de Khalmyr se ergue, título de conde. Os registros da época sugerem que
como se estendesse sua justiça para todos. O castelo Lendilkar tenha ficado muito surpreso quando, um ano
brilha à noite, espalhando uma luz prateada e suave depois, o guerreiro apareceu na capital dizendo que a
que não deixa os cidadãos esquecerem que estão sob missão estava cumprida. Também disse que gostaria
a proteção e vigilância de seu padroeiro. de ter seu título oficializado o mais rápido possível,
Como qualquer construção anã, o Castelo da Luz pois estava prestes a ter um filho.
combina beleza e poder. Catapultas e balestras se Assim começou a tradição dos Branalon, leais e
espalham por muralhas e torres, misturando-se com a resilientes condes de Muncy. Ao longo dos séculos, o
arquitetura. A entrada principal é uma ponte levadiça Castelo da Gruta Negra, lar da família, sempre foi
que conduz a uma antecâmara cheia de armadilhas o principal ponto de vigilância de onde os nobres e
e seteiras. Os corredores são amplos e os salões são cavaleiros partiam quando as trombetas soavam. O
vastos — o Castelo da Luz é uma das poucas fortalezas castelo tem esse nome por causa das façanhas de Torant
cujo interior foi pensado para cargas de cavalaria. Branalon: o guerreiro descobriu que a profusão de
A população inchou quando filhos de famílias monstros na região se originava de um único lugar, uma
nobres se mudaram para cá, na esperança de integrar caverna que se abria para um labirinto de corredores
a Ordem da Luz. Não demorou muito para que Norm subterrâneos. Torant venceu a masmorra e construiu
se tornasse mais populosa que Roschfallen. seu castelo sobre a gruta. Ele desejava que, se os
Hoje em dia, quase tudo em Norm existe para monstros um dia ressurgissem, os condes de Muncy
apoiar a Ordem da Luz. Guildas de ferreiros e arte- fossem a primeira linha de defesa.
sãos trabalham unicamente em armas, armaduras e Como todo castelo tradicional, Gruta Negra é
ferramentas para os cavaleiros. Fazendas ao redor um lugar público. Boa parte do povo do condado vive
das muralhas alimentam a Ordem. A presença dos aqui, trabalhando para a família nobre. Outros vêm
cavaleiros estimula a devoção religiosa, multiplicando ao castelo para vender produtos nos dias de feira ou
os templos. para ter com o conde, responsável por impor a lei e
Os habitantes de Norm vivem uma existência arbitrar disputas. O forte do castelo é a única parte
tradicional e guerreira, voltada à manutenção dos privativa, o verdadeiro lar da família.
campeões e nobres locais. Não existe muita noção de O atual conde de Muncy é sir Bernard Branalon,
enriquecimento, mobilidade social ou mudança de vida “o Paquiderme Galante”. Com mais de 60 anos,
— exceto através da cavalaria. Há grandes áreas onde Bernard tem uma longa história de batalhas e glórias,
se organizam justas e torneios. Não se vê ruelas cheias mas é lembrado por ser um dos melhores amigos de
de gente, mas espaços amplos onde transitam cavalos. sir Orion Drake. Bernard é um homem imensamente
As casas são baixas e espalhadas, dando destaque a alto, gordo e forte. Já foi casado inúmeras vezes e tem
prédios imponentes como os templos — e sempre filhos suficientes para preencher um batalhão. Alguns
deferentes ao Castelo da Luz. desses filhos lutaram contra a Ordem da Luz durante a
Quase 20 anos atrás, Norm sofreu um duro Queda de Norm, a noite mais trágica da vida de Bernard.
golpe. A Queda de Norm, quando jovens cavaleiros Bernard é membro da Ordem da Luz, como é
corrompidos pela Tormenta queimaram a cidade e tradição na família. Os Branalon estiveram entre os
enfrentaram as gerações mais velhas, é um trauma primeiros iniciados na Ordem por Arthur Donovan
que a cidade talvez nunca supere. A Guerra Arto- II, antes que existisse o Castelo da Luz. Desde então,
niana também chegou à cidade. Os cavaleiros foram espera-se que filhos e filhas dos Branalon pertençam
paralisados por uma maldição, salvos apenas pela à Ordem.

O Reinado
87
Highter expulsos por “uma ameaça ainda pior”. Ninguém dá
muita credibilidade a isso porque orcs nunca foram
Num reino de tradições, Highter se destaca como comuns em Bielefeld e porque a tal árvore nunca foi
algo extraordinário e inusitado: uma cidade flutuante localizada. Mas os mais supersticiosos sussurram que
ligada à terra por uma imensa corrente. a floresta é habitada por um povo antigo — talvez de
Highter foi originalmente construída por um antes do que se pensa serem os habitantes originais
mago maligno que desejava uma fortaleza inacessível. de Arton. Talvez a árvore só se revele para aqueles que
Um grupo de aventureiros o derrotou e tomou o o “povo misterioso” deseja atrair, ou talvez em certas
lugar para si. Com o tempo, os aventureiros e seus épocas do ano... De qualquer forma, Jeyfar parece ter
descendentes desenvolveram uma cidade completa vontade própria, torturando certos visitantes.
a partir da fortaleza. O transporte até a cidade é Dizem os boatos que a floresta é habitada por um
extraordinário: a corrente está presa numa imensa dragão. O Dragão de Jeyfar é assunto controverso.
estrutura de pedra, em volta da qual há inúmeros Desde a colonização de Bielefeld, cavaleiros entram
círculos entalhados. Esses círculos são encantados na floresta jurando que iriam encontrar e matar o
com magias de teletransporte, levando aos principais dragão para provar seu próprio valor. Não há nenhum
pontos da cidade. relato de combates com a fera, mas muitos juram
O prefeito de Highter há mais de um século é tê-la visto. Diz-se que o Dragão de Jeyfar é uma besta
o anão Kevarimm, único sobrevivente do grupo de mística, que só se revela para cavaleiros dignos, e que
aventureiros original e o último que conhece um enfrentá-la e derrotá-la não é uma simples batalha, mas
segredo: os círculos de teletransporte são parte de um uma provação espiritual e moral. Segundo boatos, os
ritual inacabado e, se forem usados da forma errada, cavaleiros que nunca voltaram da floresta na verdade se
podem levar o usuário a dimensões infernais... Ou juntaram à Corte do Dragão, sofrendo punição eterna
trazer coisas de lá. Nem mesmo Kevarimm sabe o que por tê-lo desafiado sem a retidão moral adequada.
seria essa “forma errada”, mas teme que qualquer outro
prefeito se deixe levar pela curiosidade ou ganância. A Cidade Perdida
Também há túneis e passagens no interior da rocha
que nunca foram explorados.
de Lendilkar
Quando Thomas Lendilkar voltou sua sanha con-
Já houve uma comunidade sob Highter, mas ata- quistadora para Khubar, a capital de Bielefeld pagou o
ques cada vez mais constantes de monstros fizeram preço. Contudo, a cidade não foi totalmente destruída...
com que ela fosse abandonada. Hoje em dia, Highter Parte dela ainda repousa sob as ondas.
conta com pouquíssimos habitantes e parece em vias de
se transformar num imenso covil de criaturas perigosas. Lendilkar tinha tudo para ser uma metrópole
Kevarimm se recusa a abandonar seu posto, mas cada capaz de rivalizar com Valkaria: ainda hoje um ex-
vez mais precisa de heróis para manter os monstros plorador submarino consegue encontrar imensas e
sob controle, ou pelo menos atrasar seu avanço… complexas construções cheias de riquezas. Lendilkar
era o centro econômico e estratégico de Bielefeld.
Entre suas ruínas há itens mágicos, baús cheios de
Floresta de Jeyfar pedras preciosas, até mesmo restos de pergaminhos
A maior área florestal de Bielefeld marca a fronteira protegidos magicamente contendo segredos. Saque
com Aslothia e é um reduto de mistérios. Mesmo suficiente para ocupar um grupo de aventureiros
que não seja muito extensa para padrões de outros durante anos.
reinos, Jeyfar é fechada, escura e labiríntica. Vários
As ruínas submersas também escondem perigos:
aventureiros já se perderam em seu interior. Aqueles
sereias e tritões selvagens, tubarões gigantes, mons-
que conseguiram voltar juram que a floresta é muito
tros-caranguejo conhecidos como cancerontes... As
maior que os mapas mostram, estendendo-se para
histórias mais fantásticas afirmam que um dragão
oeste sempre à frente do viajante. marinho habita as passagens aquáticas. Segundo
Talvez isso seja só conversa de guias incompe- certos relatos, o próprio Thomas Lendilkar ainda
tentes. Talvez seja efeito de algum dos monstros ou assombra o local. A fúria de Benthos teria permeado
criaturas mágicas que vivem entre as árvores. Existe a o espírito do rei, deixando-o preso para sempre
lenda (considerada pouco confiável) de que, em algum numa morte em vida repleta de amargor e raiva.
lugar de Jeyfar, há uma imensa árvore que esconde um Lendilkar seria capaz de comandar as águas e hordas
túnel para um local subterrâneo. Este covil teria sido de espectros submarinos, mas estaria preso a sua
habitado por orcs em tempos antigos, mas eles foram cidade arruinada.

Capítulo Um
88
Agora que Bielefeld tenta retomar sua marinha com ilusões de feras e criaturas bestiais. Alguns dizem
a ascensão da Patrulha Costeira, é mais importante do que essas ilusões são perigosas por si só.
que nunca garantir a segurança da Costa do Dragão Durante a Guerra Artoniana, o cavaleiro Lothar
Rei. As ameaças que surgem da Cidade Perdida devem Algherulff teria convencido Fiz-grin a atormentar
ser contidas... Ou o reino pagará de novo. apenas soldados puristas. No entanto, ninguém sabe
se essa história é totalmente verdadeira ou, caso seja,
Bosque de Fiz-grin se o dragão-fada não mudou de ideia desde então.
Quando um viajante adentra um bosque em Bie-
lefeld, normalmente encontra um lugar de sombras Gruta da
amenas e córregos frescos, ideal para um descanso da
estrada. Porém, em raros casos, pode estar entrando
Morte Gotejante
nos domínios do dragão Fiz-grin, o Trapaceiro. E Cavernas são elementos comuns de histórias de
nesse caso, um descanso tranquilo é tudo que esse heroísmo, mas algumas são apenas abatedouros de
viajante infeliz não terá. exploradores tolos. Uma dessas é a Gruta da Morte
Gotejante.
Fiz-grin não é um dragão normal, mas um dragão-
-fada. Dizem que essas criaturas existem na Pondsmâ- Este complexo de túneis até hoje não é mapeado,
a despeito de inúmeras tentativas. Suas paredes e teto
nia, mas ninguém sabe se são uma espécie ou apenas
gotejam um tipo de ácido que derrete carne, ossos,
indivíduos agrupados arbitrariamente, cada um com
couro, metais, cerâmica... Até mesmo objetos mágicos!
características únicas. Fiz-grin é muito pequeno, menor
Ninguém até hoje conseguiu coletar uma amostra do
que um humano. Tem asas multicoloridas de borboleta
ácido, pelo simples fato de que ele corrói qualquer
e escamas iridescentes. Seu focinho reptiliano sempre
vasilhame. Já se tentou inúmeras vezes extrair pedaços
apresenta um sorriso matreiro e seus olhos reluzem
da rocha, para entender como ela não é dissolvida. O
de inteligência. O desenho de suas asas sempre forma
problema é que o ácido parece estar impregnado na
um número de três dígitos que diminui com o tempo.
pedra, como se fosse uma esponja.
Segundo uma cantiga infantil folclórica, há séculos
A morte que aguarda os exploradores da Gruta é
o dragonete pediu para Hyninn que o transformasse
cruel: são dissolvidos vagarosamente e é difícil notar
num dragão gigantesco e poderoso. O Deus dos
quando estão fracos demais para voltar à superfície.
Ladrões propôs um jogo: se Fiz-grin enganasse mil
Então é apenas questão de tempo até que não sobre
aventureiros, o pedido seria concedido. Os números
nada. Desnecessário dizer, não há formas de vida
em suas asas seriam a contagem de quantos truques
na Gruta, nem mesmo limo ou fungos. Alguns
ainda faltam. Os últimos relatos dizem que ele já está
necromantes querem estudar a Gruta por ser o que
bastante próximo de completar a tarefa…
chamam de “ponto de morte absoluta”: a ausência de
Antigamente, Fiz-grin habitava um único bosque, vida teria significado místico e propriedades mágicas.
no sul de Bielefeld — região hoje tomada pela Confla-
gração do Aço. Desde a Guerra Artoniana, porém, ele
saiu de lá. Alguns dizem que o dragão-fada não tem
mais moradia fixa, e que qualquer mata, por menor ou
mais singela que seja, pode estar servindo de morada
para ele. Outros dizem que o Trapaceiro mora num
único bosque, mas que o bosque em si muda de lugar
graças aos seus poderes, para sempre surpreender
viajantes incautos.
Fiz-grin não é maligno, mas é imprevisível.
Assim como todas as fadas, vê o mundo dos mortais
como arbitrário, cinzento e fascinante. Algo a ser
imitado, mas também ridicularizado e transformado.
A mentalidade feérica de Fiz-grin faz com que ele
seja brincalhão e trapaceiro, mas também perigoso.
Nunca se sabe se uma peça será inocente ou perigosa;
se ele se ofenderá com algo ou ajudará um mortal
apenas porque é divertido. O bosque não é habitado
por monstros, mas Fiz-grin povoa seu domínio com

O Reinado
89
Ninguém sabe se as profundezas escondem algum Curiosamente, existe outro labirinto subterrâneo
tesouro, mas a existência da Gruta é motivo suficiente repleto de monstros em Wynlla, também chamado de
para desafiá-la. Um estudioso da Academia Arcana “o Abismo”. Claro, pode ser coincidência. Mas será
certa vez especulou que a Gruta da Morte Gotejante que não há nenhuma relação entre os dois? Existem
na verdade é o tubo digestivo de uma bizarra forma outros “Abismos” em outros lugares de Arton? Quem
de vida. Essa hipótese não encontra muito respaldo... os projetou? Com qual propósito? Dizem que um
Mas, caso se confirmasse, geraria outras perguntas. aventureiro já entrou no Abismo em Bielefeld para,
Que criatura é essa? Ela ainda está viva? poucas horas depois, se ver no Abismo em Wynlla…
Se isso for verdade, pode ser uma alternativa para
O Abismo contornar o difícil acesso a Bielefeld. Cada vez mais
grupos de aventureiros estão desbravando o Abismo
O Abismo é uma estranha formação subterrânea,
em busca dessa solução.
um túnel praticamente vertical e parcialmente oculto
pela vegetação em volta. A boca semicircular se abre
para uma queda vertiginosa, então para um labirinto
enterrado. Um viajante incauto pode cair no túnel por Guildas &
acidente e, se sobreviver, ficar perdido num complexo
de passagens secretas, corredores traiçoeiros, câma-
Organizações
ras... Segundo boatos, existe até mesmo um caminho
oculto para Doherimm. A Ordem da Luz
O Abismo também é um viveiro de monstros: O espírito de Bielefeld encontrou forma e nome há
lagartos gigantes, insetos monstruosos, trolls, orcs, pouco mais de um século, com a fundação da Ordem
kobolds, ogros, mortos-vivos e coisas ainda mais da Luz. Em pouco tempo, ela se tornou a maior ordem
exóticas. Ninguém sabe como ou por que criaturas de cavalaria do mundo conhecido e passou a ser parte
tão diferentes vivem aqui. Ninguém sabe por que não fundamental do reino. A Ordem da Luz é totalmente
fazem incursões à superfície. descrita no Capítulo 4: Organizações.

Capítulo Um
90
Patrulha Costeira podem soprar para chamar uns aos outros ou mesmo
trazer reforços magicamente.
Nos primeiros anos após o ataque de Benthos, a
nova rainha de Bielefeld decidiu que deveria haver Tudo isso leva à pergunta: como essa força tão
uma tropa responsável por proteger a costa. Essa estupenda é tão pouco conhecida? Alguns dizem que,
decisão não foi simples nem livre de controvér- na verdade, a Patrulha Costeira é eficiente demais para
sias — segundo a assim-chamada Doutrina da seu próprio bem. Bielefeld não se vê ameaçado por
Ferradura, um nobre não deveria interferir além nada vindo do mar justamente porque os patrulheiros
de onde pudesse chegar a cavalo. Por isso, Raissa são bons no que fazem. Outros, contudo, afirmam
Janz determinou que essa não seria uma força que tantos recursos e tanto talento são desperdiçados
de simples soldados e que eles nunca deveriam em postos onde nunca há perigo. Contudo, a Patrulha
expandir sua área de proteção para o alto mar. Costeira mostrou seu valor durante a Guerra Arto-
Clérigos e paladinos de Khalmyr e Tanna-Toh foram niana, quando ajudou a rechaçar uma terrível armada
convocados, juraram não repetir os erros de Thomas pirata financiada pelos puristas.
Lendilkar e se tornaram os primeiros membros da Essa batalha colocou a Patrulha Costeira pela
Patrulha Costeira. primeira vez em evidência no imaginário dos jovens
Apesar de contar com pouca glória em comparação de Bielefeld. Os patrulheiros também tiveram contato
aos cavaleiros tradicionais do reino, os patrulheiros com o herói e nobre dos povos submarinos chamado
são alguns dos combatentes mais extraordinários de Fintan, pela primeira vez sendo parte importante
Bielefeld. Na verdade, a Patrulha é bem mais antiga da diplomacia bielefeldense e talvez possibilitando
que a própria Ordem da Luz! Treinados em navegação uma aliança com esses seres. A marinha de Bielefeld
e sobrevivência no mar, quase todos também são está começando a se desenvolver pela primeira vez a
usuários de magia e muitos possuem itens mágicos partir da Patrulha, apesar das desconfianças do Rei
que os tornam capazes de combater debaixo d’água. Khilliar Janz. Talvez esse seja o início de uma nova
Suas armas e armaduras são tratadas para nunca lenda no reino — ou, alguns especulam, de uma nova
enferrujar e eles possuem conchas encantadas, que e exótica ordem de cavalaria.

O Reinado
91
Os Cavaleiros fornecem dados de todos os tipos. Poderia ser somente
um maluco — se não chegasse a previsões corretas.
Solitários Ninguém (talvez nem mesmo os próprios
Os cavaleiros da Luz prezam a honra, a honestidade Cavaleiros) sabe se eles são devotos de Hyninn, se
e as tradições. Mas existe uma organização secreta que servem a Nimb ou se trocam de aliança conforme as
os ajuda sem se preocupar com nada disso: os Cava- necessidades da Ordem da Luz. De qualquer forma,
leiros Solitários. Eles admiram a Ordem, mas sabem estão a postos para ajudar nas sombras.
que, em certas missões, honra e honestidade devem
ser ignoradas. Atuam nos bastidores, manipulando
eventos, gerando ou roubando recursos, fornecendo ou A Escola
escondendo informações... Fazendo todo o serviço de do Lorde Mago
espionagem, trapaça e enganação de que a Ordem da Quando Aslothia foi tomada por mortos-vivos,
Luz precisa. Ninguém na Ordem da Luz desconfia da Bielefeld aceitou todos os refugiados do antigo reino
existência deles e é vital que isso continue assim — se que pediram asilo, inclusive muitos arcanos. A maioria
a Ordem os conhecesse, rejeitaria sua ajuda. E, se não desses foi acolhida pelo Conde Nathaniel, mais
rejeitasse, estaria abandonando a honra. conhecido pelo apelido de “Lorde Mago”.
Às vezes, eventos conspiram para que as galantes O excêntrico Lorde Mago vive em um castelo
missões dos cavaleiros da Luz deem certo: uma conhecido como Torre de Prata e governa um condado
masmorra “coincidentemente” contém um item tradicional — exceto pelo fato de que sua família não
mágico vital para derrotar um monstro. Um lorde protege o povo com armas, e sim com magia. Toda a
corrupto fica doente logo antes de executar seu
honra, tradição e dever dos cavaleiros de Bielefeld estão
estratagema. O veneno que deveria matar uma cavaleira
presentes entre os Figgins, mas em versões arcanas.
misteriosamente não surte efeito. Certas operações
Eles cavalgam construtos conjurados, usam robes em
dos Cavaleiros Solitários parecem tramoias contra a
vez de armaduras, têm varinhas em vez de espadas.
Ordem da Luz: se a honra de um cavaleiro dita que ele
Parece loucura para os cavaleiros, mas dá certo.
deve embarcar numa missão suicida, ele pode sofrer
incontáveis atrasos e emboscadas, impedindo que Para arranjar o que fazer com os arcanistas
entregue sua vida. refugiados, o conde decidiu uni-los em uma escola.
Grandes áreas da Torre de Prata foram destinadas
Os Cavaleiros Solitários muitas vezes reúnem,
à prática e ensino de magia arcana. Os refugiados
manipulam ou auxiliam aventureiros — até mesmo
recuperam aos poucos seu orgulho e aprendem a viver
contra sua vontade. Vários grupos já narraram terem
num reino onde suas habilidades não são ilegais. Suas
sido pagos para atrapalhar a vida de um cavaleiro e,
famílias conseguem levar adiante o conhecimento
meses depois, descobrir que o salvaram de um perigo
acumulado. E vários filhos de outros nobres já vieram
mortal. Da mesma forma, grupos com pelo menos
ao castelo para aprender com os recém-chegados.
um cavaleiro às vezes passam por terríveis marés de
azar, apenas para obter um triunfo gigantesco logo Alguns cavaleiros, principalmente veteranos da
em seguida. Em Bielefeld, qualquer anão tagarela guerra civil, desconfiam disso. E se houver um agente de
tentando contratar um grupo para uma missão pode Ferren infiltrado entre esses exilados? Alguns afirmam
ter propósitos ocultos. que, ao pisar em Bielefeld, os refugiados deveriam
adotar os costumes de Bielefeld, abandonando a magia
O quartel-general dos Cavaleiros Solitários é uma
para se dedicar às armas. Não percebem o quanto isso
casa de vinhos em Roschfallen. É preciso falar um
chega perto do antigo discurso antimagia de Ferren
complexo conjunto de senhas para ser admitido no
Asloth. Outros acham que os refugiados poderiam
porão secreto onde ocorre o planejamento das opera-
continuar sua prática arcana, mas tantos deles reunidos
ções. O dono da casa é Felix Jannon, um aristocrático
num lugar só podem ser perigosos.
e paranoico viajante, explorador planar e caçador
de curiosidades. O líder é Thulbok Farandrimm, Frente a tudo isso, o Lorde Mago se mantém firme.
um anão que jura ser clérigo de Khalmyr, mas se Ele usa sua fortuna para amealhar heróis que estejam
comporta como sacerdote de Hyninn. Ou, às vezes, dispostos a combater os cavaleiros desonrados que
de Nimb. O terceiro Cavaleiro Solitário é Crawford, ameaçam seus protegidos, o que já colocou alguns
um “especialista em sobrevivência” que vive em uma grupos de aventureiros em conflito com nobres
verdadeira fortaleza. O último membro é Ambrose, importantes e até mesmo com a Ordem da Luz. Mas
um lunático e teórico de conspiração. Ambrose possui os refugiados fazem parte de seu povo. E é dever de
uma vasta rede de contatos e informantes que lhe um nobre defender seu povo.

Capítulo Um
92
Aventuras reservada a portadores do título sir, qualquer um
pode se inscrever como um “cavaleiro misterioso”,
Sem grandes pragas de monstros e com fortes escondendo o rosto e o brasão, desde que tenha
relações de lealdade, Bielefeld pode parecer um cavalo, lança e armadura. A vitória de um cavaleiro
reino seguro. Em geral é — mas a segurança existe misterioso muitas vezes é causa de interesse quase
principalmente dentro dos castelos. frenético nas cortes. Um dos mais notórios cavaleiros
misteriosos dos últimos anos é sir Hielroy Générique
Como nação rural, Bielefeld apresenta vastas Forget, cujo próprio nome parece uma troça com
áreas sem sinais de civilização. Cada nobre cuida os costumes da cavalaria. Contudo, o cavaleiro já
de suas terras, sem que um exército real forme venceu diversos torneios, sempre se portando de
perímetros ou estabeleça postos de vigilância. Nesses forma galante e honrada — amealhando uma grande
lugares desprotegidos, um único monstro pode ser quantidade de admiradores e de rivais.
um grande perigo. Há muitos casos de ogros e trolls
Outro fenômeno comum em Bielefeld são
que tomam o controle de uma ponte ou trecho de
cavaleiros errantes que ativamente procuram
estrada, exigindo algum tipo de tributo. Cabe à
injustiças para corrigir e maldades para punir. Mesmo
família nobre local lutar contra essas ameaças — ou
que um monstro ou vilão não esteja ameaçando seu
contratar aventureiros.
feudo, talvez um nobre queira partir para caçá-lo,
Outro risco em Bielefeld são cavaleiros tentando apenas porque é a coisa certa a fazer. E para isso
amealhar ouro e glória. Alguns são honrados membros precisa de valorosos companheiros. Aventureiros
da Ordem da Luz, que desafiam para duelos e podem cumprir uma dessas missões como teste de
justas guerreiros capazes de se defender. Outros suas capacidades e espírito galante. Dentre esses
são aproveitadores que distorcem essa tradição curiosos benfeitores, destaca-se atualmente sir Karl-
para roubar os mais fracos sob uma fachada de Eisen Poundmax, que tomou para si a inglória
legitimidade. O vencedor tem direito às armas, à tarefa de defender o povo élfico e uni-lo sob uma
armadura e talvez até ao cavalo do perdedor. Ignorar nova divindade.
esses desafios traz vergonha e fama de covarde a um
Quase todos os aventureiros saídos de Bielefeld
cavaleiro... E pode render um ataque unilateral a um
são combatentes. A cavalaria é uma inspiração pe-
não cavaleiro. Afinal, como um “mero guerreiro” ousa
rene: guerreiros trajam armadura pesada e armas
recusar o desafio de um nobre?
tradicionais, caçadores escolhem montarias como
Também há o que se chama de “cavaleiros companheiros. Clérigos de Khalmyr e Lena também
bandidos”. Não são membros da Ordem da Luz, são comuns e o reino é um dos únicos que possui
mas baixos nobres que portam o título de sir. Atacam grande número de paladinos. Outros tipos de aven-
grupos de aventureiros ou plebeus, roubando tudo tureiros muitas vezes começam como “auxiliares” de
que têm e sequestrando alguns. Eles se aproveitam cavaleiros experientes, formando uma comitiva. Na
de seu título para escapar das punições que recairiam verdade, um dos mais tradicionais tipos de grupos
sobre um bandoleiro comum. Mas, por trás das de aventureiros em Bielefeld é um jovem nobre
armaduras e brasões, é isso que são. Muitas vezes, acompanhado por servos e vassalos de sua casa:
quando um aristocrata é raptado por um cavaleiro o aprendiz do mago da corte, a cavaleira jurada, a
bandido, a lei de Bielefeld não pode fazer nada, pois filha da mestra de caça, o espião em treinamento, a
costumes antigos ditam que nobres rivais podem noviça da capela...
ser feitos prisioneiros, desde que sejam “tratados
adequadamente”. Resta à família pagar o resgate ou
recorrer a heróis.
Muitas aventuras em Bielefeld envolvem intriga
palaciana ou o modo de vida da Ordem da Luz.
Aventureiros podem encontrar torneios abertos com
grandes somas em dinheiro ou até itens mágicos como
prêmio principal. Esses torneios são centrados ao
redor da justa (competição com lanças entre cavalei-
ros), mas também há a liça (uma batalha a pé
entre múltiplos oponentes), campeonatos
de arquearia e até duelos mágicos.
Embora a justa seja teoricamente

O Reinado
93
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em

Ilustração

Capítulo Um
94
Namalkah O REINO INDOMADO

N
em tudo é vazio, vento e chão neste um dos primeiros povos a venerar Hippion, o Divino
domínio de planícies infindáveis, mas a Corcel: os centauros, seres quadrúpedes inteligentes
pátria dos namalkhanianos não perdoa. de corpo equino e torso humanoide. Detentores de
Mais que um lugar, Namalkah é uma rebanhos infinitos de bois, búfalos e cabras selvagens,
ideia na mente de seus habitantes. Uma lem- não travavam guerra por pastos ou recursos naturais,
mas batalhas ritualísticas para provar sua bravura.
brança da qual não conseguem se livrar, mesmo
que cavalguem até o fim do mundo. Outros povos, como migrantes humanos da Grande
Savana, foram sempre aceitos nas regras do jogo como
Em um passado ancestral, foi o ponto de peregrinação
iguais, desde que adotassem a religião hippionte. Com
religiosa de povos nômades. A cancha sagrada onde
o tempo, a população humana superou a de centauros.
galopa Hippion, o Deus Menor dos Cavalos. O nascedouro
Mas, emulando seus conterrâneos e em eterna adoração
de todos os furacões e tempestades, segundo lendas
ao Deus Menor dos Cavalos, esses humanos formaram
de uma cultura nativa tão sofisticada quanto rústica,
uma cultura centrada na equitação, na exploração e
incapaz de se curvar aos outros. Aqui os colonos vindos
na união de cavalo e ginete. Os centauros seriam para
de Lamnor jamais conseguiram impor seu modo de vida:
sempre um exemplo. E, se humano e cavalo estavam
eles é que foram assimilados pelo norte indômito. E
separados em corpo, o mais alto ideal a ser atingido
mesmo a aristocracia não controla a vastidão dos ermos,
é que estivessem unidos em alma. Antes de ver a si
povoados em sua maioria por gente livre.
mesmos como pertencendo a um reino, a cidades
Em Namalkah cavalos não são meros animais ou mesmo a aldeias e povoados, ginetes e montarias
dominados pelos humanos, e sim seus irmãos. Ginetes se consideravam parte de grupos viajantes, como os
recebem a custódia de um potro ainda na infância e centauros: os assim-chamados tropéis.
formam com ele um laço de lealdade que carregam
Até onde se sabe, Hippion foi o maior fator de
até as portas da morte. Falam com suas montarias em
povoamento da área. Um cavalo cultuado como um
uma língua de sussurros e gestos, incompreensível a
deus por animais e seres inteligentes, um dos deuses
forasteiros.
menores mais presentes e atuantes até hoje, ele
Ainda assim, é uma terra capaz de acolher qualquer ocasionalmente podia ser visto pela população que
pessoa. Desde que não use esporas. percebia nisso uma inerente proteção divina. Já nessa
época ancestral Namalkah não dependia da fé em seres

História longínquos ou arrogantes. Tinha, afinal, sua própria


deidade de carne e osso, o trotar de cujos cascos ecoava
Muito, muito antes de qualquer um vindo de no mundo material e no espírito de seus fiéis.
Lamnor pisar nestas pradarias, elas já eram habitadas. Não que esses primórdios tenham sido uma época
Antes mesmo da humanidade. Aqui viveu, e ainda vive, tranquila ou livre de problemas. Alguns tropéis de centau-

O Reinado
95
ros renegados seguiam Megalokk, o Deus dos Monstros, vento frio que sopra das Uivantes em direção ao norte,
não vendo problema em capturar bípedes e usá-los em e amalkhan, um termo intraduzível que descreve ao
sacrifícios. Havia também grupos de humanos cavaleiros mesmo tempo saudade de casa e ânsia por explorar. O
de grifos, proscritos de clãs bárbaros das Sanguinárias, neologismo descrevia perfeitamente a sensação de viver
que se assentaram no topo dos Montes Nublados, na região abençoada por Hippion. Quando as hostes
passando a viver como saqueadores e ladrões de gado. foram finalmente convidadas a se juntar ao Reinado, esta
Esses conflitos internos levaram muitos clãs a se denominação poética foi adotada para o que formalmente
deslocar para outros pontos de Arton-Norte. Aqueles passou a ser um reino, com uma monarquia eletiva, mas
que ficaram para trás continuaram a desenvolver ainda alicerçada nos antigos ritos de chefia das planícies.
com uma cultura própria, centrada na pecuária e na
equitação. Aprenderam a se defender de seus inimigos Ventos da Guerra
e muitos adotaram um modo de vida seminômade, Em 1412, a Guerra Artoniana chegou a Namalkah
migrando dentro das planícies conforme necessário. e a cidade de Hippiontar marcou o ponto de resistência
do reino, permanecendo milagrosamente intocada. O
Sempre em Movimento então Rei Borandir Silloherom estava na cidade para uma
Após a fundação de Valkaria em 1020 D.E, refugiados transação comercial — ou, dizem alguns, porque recebera
sulistas descontentes partiram em caravanas para explorar um presságio de que sua presença ali seria importante.
o norte. Muitos se sentiram abandonados pelos deuses Dizem que a conquista de Hippiontar pelo inimigo
em Lamnor, e as agruras da nova jornada reforçaram o foi evitada graças a um grupo de bravos heróis, que
pessimismo geral. Esses exploradores obstinados, orgu- cavalgou através de todo o reino para avisar o rei de
lhosos e amargurados ignoraram os avisos dos nativos, uma invasão simultânea. A Supremacia Purista ocupou
usaram atalhos perigosos e por fim estabeleceram-se todo o interior de Namalkah ao mesmo tempo, usando
onde hoje é Salistick, o Reino sem Deuses. mobilização rápida tropas transportadas por aeronaves
Um braço dessa caravana, após divergências e túneis subterrâneos dos trolls.
internas, separou-se e escolheu continuar ao norte, Os mesmos heróis teriam sido responsáveis por
seguindo uma antiga rota nômade. Enquanto os lam- improvisar uma cavalaria alada com grifos, serpes e
norianos que se assentaram em Salistick renegavam gárgulas para atacar os transportes aéreos — um feito
totalmente os deuses, essa dissidência estava apenas totalmente aberrante aos costumes namalkhanianos.
decepcionada com a distância e o aparente descaso de A tática de batalha assimétrica surpreendeu o inimigo.
suas divindades tradicionais. Relatos afirmam que a Infelizmente, a tropa formidável foi quase aniquilada
expedição só parou frente ao intransponível Rio dos nesta missão suicida e o Rei Borandir perdeu sua vida.
Deuses. Muitos lamnorianos teriam se convertido a A batalha decisiva aconteceu no chão. O grosso das
Hippion naquelas margens, após testemunhar o deus tropas da Supremacia foi vencido em terra, em grande
majestoso galopando pelas planícies. Como ocorrera parte graças aos esforços do centauro Rark Cascos
séculos atrás, a presença física do deus foi vista como Sangrentos. O antigo vilão se aliou aos humanos
um sinal pelos recém-chegados. Considerando o sítio
em uma carga vitoriosa contra os arsenais puristas,
abençoado, escolheram ali permanecer.
empunhando seus dois machados imbuídos de magia.
Esse núcleo original de povoamento se espalhou e
Com o fim do conflito, Namalkah tenta se reerguer
deu origem à vila de Palthar em 1022 — logo se tornando
das consequências da ocupação, agora liderada pela
um entreposto movimentado. Seria a capital do reino
rainha Zallia Silloherom, filha do antigo rei, eleita por
por anos a fio, com seu estilo arquitetônico horizontal e
aclamação entre os chefes de tropéis do reino.
construções em estilo nativo. Os lamnorianos acabaram
adotando os valores dos tropéis das planícies vizinhas.
Em poucas gerações, mesclaram-se ao povo local por
meio de casamentos, integrando-se à sua cultura.
Geografia
Com a adição desta última e mais recente leva Namalkah apresenta clima muito quente e úmido
migratória, consolidava-se a comunhão dos vários próximo ao Rio dos Deuses, mas seu interior é atra-
tropéis da crença hippionte. Em 1065 D.E esses bandos vessado por uma corrente de ar gélido das Uivantes,
seminômades que compunham a nação seriam imorta- trazendo ventos cortantes e erosivos. Tornados são
lizados nos célebres versos do infame bardo Tantinbor comuns, representando ameaça frequente.
como as Veneráveis Hostes de Namalkah. O nome, O reino é, em primeira impressão, uma planície
segundo alguns, vem das palavras nativas namminuyhnhnm, infindável, pontilhada por terrenos irregulares como

Capítulo Um
96
ravinas e coxilhas. Além do Rio Amarante que nasce
nos Montes Nublados, outros pequenos afluentes
correm por suas terras, mas poucos caudalosos ou
amplos o bastante para formar vales ou depressões —
com exceção notável de alguns acidentes geográficos,
como os Desfiladeiros de Dópsia.
Há ao menos uma fronteira clara: o Rio dos
Deuses ao norte, além do qual se localiza a Grande
Savana. Bem menos exata a nordeste é sua fronteira
com um antigo desafeto, o reino de Callistia — hoje
incorporado às Repúblicas Livres de Sambúrdia.
Essa divisão é mais uma convenção histórica do que
geográfica; apenas nativos sabem dizer onde acaba
uma região e começa a outra.
Ao sul, marcada pela reconquistada cidade de Suth
Eleghar, temos a fronteira com a odiada Supremacia
Purista, vigiada por patrulhas de ginetes. A sudeste, além
do Rio Vermelho, situa-se Salistick, o Reino sem Deuses.
A oeste, atravessando diferentes pontos do Rio Namalkah
Lengarim, é possível chegar às Estepes Selvagens,
Nome Oficial: Veneráveis Hostes
região fronteiriça com as Montanhas Uivantes; ou a
de Namalkah.
Zakharov, o Reino das Armas.
Lema: “Livre como o Vento, Forte como o
Chão”.
Povo & Costumes Brasão: de verde um cavalo passante de
Hoje a população namalkhaniana é formada em prata coroado de ouro.
sua maioria por humanos seminômades, de identidade Gentílico: namalkhaniano.
muito ligada à vida na planície, o que os diferencia de Capital: A Corte Errante.
reinos vizinhos. Embora existam muitas cidades, aldeias
e paradas de caravanas pelo reino, a unidade social mais Forma de Governo: monarquia eletiva.
importante ainda é o tropel: grandes grupos de ginetes Regente: Rainha Zallia Silloherom.
que conduzem gado, cavalos ou outros animais de um População: 1.450.000.
ponto a outro, para comércio ou outros fins.
Raças Principais: humanos, centauros
Centauros são presença comum no reino, ainda
que tenham sofrido baixas severas durante a Guerra Divindades Principais: Hippion,
Artoniana. Muitos hynne locais abandonaram o reino Allihanna, Khalmyr, Nimb.
em êxodo para as Repúblicas Livres de Sambúrdia.
Humanos nativos costumam usar calças acolchoa-
das de lã e túnicas largas do mesmo material. Por cima
vestem a pênula, espécie de manto que protege contra senhores em troca de proteção — e sim gente livre que
o frio. Botas, chapéus de abas largas e acessórios de habita os ermos, vivendo em tropéis errantes lutando
couro — inclusive armaduras — são frequentes. um pelos outros. Azul, dourado, marrom e verde são
A aristocracia local não se veste de maneira tão di- cores muito valorizadas no país, utilizadas em brasões
ferente da população comum, apenas usando materiais e uniformes nos tempos de guerra.
de melhor qualidade. Com efeito, a nobreza, embora Um dos costumes mais importantes para um
próspera, controla parcas propriedades, considerando habitante de Namalkah é receber seu primeiro cavalo.
o território do reino como um todo. Em vez de terras Crianças aprendem a cavalgar desde cedo, recebendo
ou lavouras, o poder local é medido pela posse de a primeira montaria aos seis anos. É esperado que
rebanhos e ginetes lutando em seu nome. cuidem do animal como um pai cuida do filho. Essa
A maior parte das forças militares namalkhania- responsabilidade, tênue no início, se torna mais rigo-
nas não é composta por servos que juram lealdade a rosa na adolescência. Negligenciar a própria montaria

O Reinado
97
é mal visto; maus tratos são considerados crimes tão
graves quanto agredir ou torturar pessoas. Governo
Deixar o primeiro cavalo morrer, mesmo que por A atual rainha de Namalkah é Zallia Silloherom,
acidente ou doença, é sinal de mau agouro, trazendo filha de uma guerreira amazona e do rei anterior. É
um pesado estigma social. Uma das piores ofensas a um a única herdeira de um rico clã criador de cavalos,
nativo é dizer que este “usa esporas” em suas botas; tal famoso por organizar torneios. Embora não aparente
acusação invariavelmente resulta em desafio para um por suas vestes simples, é uma das mulheres mais
duelo, seja este resolvido em uma corrida amistosa ou ricas e poderosas do Reinado.
uma briga de faca. Segundo os costumes namalkahnianos, O primeiro ato do governo de Zallia foi restabelecer
a comunicação entre ginete e montaria deve ser intuitiva, a tradição ancestral da Corte Errante, retomando
instantânea e não violenta. Assim, esporas são consi- alguns mitos fundadores do reino para unir a população
deradas uma ferramenta de covardes e incompetentes. nestes tempos difíceis. Hoje em dia, onde quer que a
Em geral, a sociedade namalkhaniana é aberta a hoste guerreira da monarca decida acampar torna-se
outros povos e culturas — isso, contudo, não significa ser automaticamente a capital namalkhaniana. Zallia está
livre de preconceitos. Ser esguio e atlético é considerado sempre viajando e recrutando aventureiros para ajudar
padrão de beleza, enquanto os sedentários ou incapazes a resolver os infinitos problemas afligindo sua regência.
de cavalgar são estigmatizados. Também existe forte Alguns boatos afirmam que o restante da dinastia
hostilidade contra nativos do antigo reino de Callistia, Silloherom foi vitimado por uma estranha maldição.
considerados empolados, preguiçosos e decadentes. Seja verdade, ou não, a nova rainha parece determinar
Salistick costumava ser considerado um “reino irmão”, seu próprio destino e desafiar com pura força de
com fazendeiros enviando seus filhos para o Colégio Real vontade o sortilégio lançado sobre sua família.
de Médicos. Hoje, contudo, há ressentimento quanto à A política local é derivada das tradições do norte de
neutralidade dos salistienses durante a última guerra. Arton. Os habitantes de uma cidade ou acampamento
costumam se reunir periodicamente, escolhendo seus
Hippion e chefes com base em bom-senso e consenso, após um
Outros Deuses debate aberto. Geralmente os escolhidos estão entre
as pessoas mais velhas e experientes na comunidade,
A principal divindade do reino é Hippion, o Deus mas combatentes jovens costumam ter preferência em
Menor dos Cavalos, sendo uma das poucas nações tempos de guerra, desde que sigam a religião hippionte.
conhecidas que tem como principal padroeiro um Quando surge dúvida, o impasse é resolvido em rápida
deus menor. Dizem as lendas que Hippion seria um votação, ou algum tipo de jogo ou disputa. É comum
semideus filho de Allihanna, a Mãe Natureza. Ao longo que corridas em cancha reta ou outras provas de
da história de Arton ele teria servido como montaria equitação sejam usadas para solucionar esses casos,
para rainhas amazonas, paladinos e grandes heróis — em vez de duelos ou outros confrontos violentos.
algo provado verdadeiro quando Hippion foi cavalgado
Chefes eleitos participam de reuniões periódicas na
por Orion Drake em 1405, durante sua batalha final
Corte Errante para discutir o rumo da nação como um
contra as forças aberrantes da Tormenta.
todo. Esse enclave também aponta possíveis sucessores
Alguns afirmam que Hippion gosta de assumir e sucessoras ao trono de Namalkah. Os candidatos
a forma de cavalos comuns e seus ginetes nem des- devem então vagar pelas planícies até encontrar Hippion:
confiam terem sido escolhidos por ele. Encontrá-lo quem domá-lo e retornar cavalgando-o prova ter seu
cavalgando nas planícies de Namalkah é visão rara, consentimento para governar. Catástrofes naturais
mas recorrente, sendo considerado um milagre e bom ou outros fenômenos podem ser interpretados como
augúrio para os nativos. mau presságio pelos altos sacerdotes. Nesses casos, os
Nimb é uma presença bizarra, mas marcante no chefes podem mais uma vez ser convocados para a Corte
reino. Existem locais tocados pela loucura do Deus Errante para discutir a deposição do rei amaldiçoado.
do Caos, onde a própria realidade se comporta de
maneira diferente. A maioria dos habitantes considera
que esses lugares são “amaldiçoados”, “malignos” Locais importantes
ou simplesmente palco de histórias infelizes. Apenas
alguns sábios, aventureiros e exploradores conhecem A Corte Errante (capital)
a verdade e notam que muitas anedotas históricas de Quando se chega às cercanias de uma cidade na-
Namalkah são efeitos perigosos e alarmantes do Caos. malkhaniana qualquer, ou mesmo enquanto se cavalga

Capítulo Um
98
em meio ao mais completo nada da pradaria, às vezes é qualquer tipo não são restritas. Isso acontece porque,
possível avistar ao longe um acampamento de tendas com apesar de ser um grupo relativamente pequeno, todos
os estandartes do reino presos a longas lanças. Fumaça os líderes ou ginetes do acampamento são heróis com
e fuligem emanam de fogueiras onde ginetes veteranos, suas próprias salvaguardas contra aço e magia, mais
provenientes de diversos tropéis, discutem em debates que capazes de se defender sozinhos — incluindo
acalorados ou contam histórias enquanto assam cordeiro a própria rainha.
e degustam bebidas quentes. Aos olhos estrangeiros pode
A prática da Corte Errante tornou Zallia muito
não parecer, mas esta é a capital de Namalkah.
aclamada entre seus súditos, mas também representa
A Corte Errante é uma tradição antiquíssima, um risco. Embora os membros da corte estejam relati-
remontando ao tempo em que manadas de centauros vamente a salvo de ataques diretos, alguns afirmam que
dominavam as planícies. Os capitães de hoste da época é muito fácil para sszzaazitas ou outros conspiradores
não podiam demonstrar preferência por nenhum as- infiltrar-se nas decisões políticas do reino. A diplomacia
sentamento, então tinham sempre seu próprio tropel, com outros reinos também pode ser prejudicada, já
composto pelos guerreiros e sábios mais proeminentes. que poucos regentes estão acostumados a essa prática.
Vagavam pelo reino, cuidando pessoalmente dos pro-
Não é incomum que a Corte Errante se depare com
blemas de seus súditos. De tempos em tempos, uma
problemas ou ameaças em suas viagens infindáveis. E,
assembleia decidia a próxima parada da corte itinerante,
ainda que conte com muitos heróis, eles não podem
com o fim de debater e resolver problemas importantes.
abandonar seus postos para resolver tudo. Assim, é
Essa instituição foi retomada pela atual Rainha frequente que grupos de aventureiros sejam chamados
Zallia, sentindo que o reino precisava recuperar um para cavalgar com a Corte Errante durante algum
poderoso símbolo nacional, capaz de reerguer o moral tempo, servindo como batedores ou “resolvedores
ainda combalido pela guerra recente. Mais que isso: de problemas”. Essa é uma honraria muito dispu-
uma sede de governo móvel permite à monarca ver com tada por aventureiros namalkahnianos e um prêmio
os próprios olhos lugares distantes e negligenciados inigualável para estrangeiros. Ao contrário do que
da infinita pradaria. costuma acontecer em outros reinos, em Namalkah
Qualquer um pode adentrar a Corte Errante não são aventureiros errantes que são chamados à
portando armas ou usando habilidades especiais de corte real:muitas vezes a corte vai até eles!

O Reinado
99
Hippiontar Palthar
Uma das cidades mais importantes de Namalkah Cidades namalkhanianas são modestas, sem
começou como um mero rancho no meio do nada, até exibir luxo exagerado. Torres e estruturas elevadas
que recebeu a visita de Hippion, que escolheu o estábulo são raridades. Pode fazer parecer que trata-se de um
para passar a noite. A família Verimm, proprietária do reino pobre, sem recursos. Na verdade, o próprio povo
rancho, trouxe tudo que tinha de riquezas em oferenda prefere esse estilo de vida, valorizando outras formas de
à divindade. Quando Hippion partiu pela manhã, os conforto. A arquitetura local privilegia espaços abertos
rancheiros começaram a experimentar uma época de e áreas verdes, mesmo nas cidades mais povoadas.
boa fortuna que não acabou até hoje, séculos depois. Quase não vemos casas de alvenaria com mais de um
A fama do lugar se espalhou e o pequeno rancho se andar — poucos em Namalkah gostam de estar longe
transformou na cidade de Hippiontar, também chamada do solo. Esse tipo de estruturação horizontal resulta
de “Baia de Hippion”. em percorrer grandes distâncias para chegar a qualquer
Hippiontar não passa de uma vastidão de estalagens, lugar — o que não costuma ser problema para gente
canchas de corrida, pequenas fazendas e oficinas espa- nascida no dorso de um cavalo!
lhadas numa planície ao redor do rancho. Contudo, os Palthar, o maior assentamento e antiga capital de
tropeiros de Namalkah consideram que em cada viagem Namalkah, é talvez o melhor exemplo do que esse estilo
devem parar pelo menos uma noite em Hippiontar, de vida pode oferecer. Tem amplas estradas de paralelepí-
assim como Hippion fez tanto tempo atrás. A “cidade” pedos regulares, imensos (mas baixos!) prédios públicos
está sempre recebendo visitantes que trazem oferendas, e uma elaborada infraestrutura que conta com galeria de
gastam dinheiro nas tavernas, hospedam-se nas esta- esgotos e aquedutos, além de pequenos palácios. Aqui
lagens e, é claro, visitam a lendária baia onde Hippion fica o Mausoléu de Hippion, onde estão enterrados
dormiu. É comum que mais de uma tropa ou caravana alguns dos cavalos mais famosos da história do reino; o
se encontre em Hippiontar, resultando em superlotação, Instituto de Estudos Equinos, instituição influenciada
algumas brigas e muita bagunça. Mesmo assim, é raro pelo reino vizinho de Salistick, onde se pesquisa e se
que exista violência real ou mesmo grandes problemas. ensina medicina e teologia centrada em cavalos, e
Todos que visitam a baia onde o Deus Menor dos também os Parques Tranquilos, onde animais velhos
Cavalos esteve relatam boa sorte — bebedeiras épicas e doentes são cuidados por druidas, sendo tratados
resultam em nenhuma consequência ruim, rivalidades como aventureiros ou soldados veteranos.
são resolvidas amigavelmente, acordos comerciais dão Palthar sempre teve ótima qualidade de vida: a
certo… Isso faz com que Hippiontar também seja um família Silloherom considera que proteger a cidade é
ponto muito procurado por comerciantes, nobres e seu dever e há séculos dedica muitos recursos a manter
diplomatas. Desde que se preste homenagem ao deus, a prosperidade local. Isso não mudou, mas hoje em
tudo que tem início aqui costuma dar bons frutos. dia a antiga capital é algo como uma cidade fantasma:
Alguns estudiosos já especularam sobre algo mais a maioria dos habitantes se juntou aos tropéis do
sinistro neste lugar. Hippion não tem nada a ver com exército contra os puristas e permanece de prontidão no
sorte e azar, não deveria fazer sentido que probabilidades caso de uma nova guerra, enquanto muitos guerreiros
fossem distorcidas por sua passagem. Existem lugares e nobres foram integrar a Corte Errante da Rainha
em Namalkah tocados por Nimb, e sabe-se que, assim Zallia. Restaram apenas os muito jovens ou muito
como os outros deuses do Panteão, ele pode assumir velhos. Os palácios locais, antes domínio de ricaços
qualquer forma. Alguns sussurram que o cavalo que e nobres, hoje são habitados por famílias modestas,
visitou Hippiontar não era Hippion, mas o Deus do Caos mas não parecem trazer alegria para seus moradores.
disfarçado. Segundo esses estudiosos, toda a boa sorte Os cidadãos parecem sempre imersos em nostalgia
gerada em Hippiontar precisaria ser compensada ou e melancolia, sonhando com tempos distantes, quando
“paga” de alguma forma. Talvez com azar extremo para a guerra total ou ameaças como a Tormenta eram des-
algum amigo ou familiar da pessoa abençoada. Talvez conhecidas. Talvez por isso, ou algum outro fenômeno
com uma torrente devastadora de má sorte no futuro. arcano, fantasmas (de humanos e cavalos) perambulam
Alarmado por essas sugestões, o clã Verimm está pelas ruas à luz do dia, ou assombram casarões deca-
convocando aventureiros para desvendar o mistério ou dentes e vazios, sem perceber que morreram. Também
até mesmo localizar o próprio Hippion e tentar arrancar devido a esse marasmo, não é incomum que aventureiros
dele uma resposta. Contudo, como garantir que esses sejam contratados por cidadãos de Palthar com alguma
heróis estariam falando com o próprio Deus dos Cavalos desculpa, mas com a única finalidade verdadeira de
e não com o Deus do Caos disfarçado mais uma vez? ouvir suas histórias e trazer alguma vida à cidade.

Capítulo Um
100
Dizem os boatos que alguns desses grupos envelhecem não pode ser dito da cidade em si. As terras em suas
rapidamente em Palthar, inexplicavelmente “decidindo” cercanias mais imediatas foram quase completamente
se assentar aqui e abandonar a vida errante, unindo-se incendiadas, antes de sua reconquista pelos exércitos
à população de saudosistas e almas penadas… de Namalkah. Grande parte dos cavalos foi roubada
ou envenenada. O fechamento da fronteira também
Yron privou a cidade de seu maior mercado — a cidade de
Drekellar, hoje parte do atual território da Supremacia.
Esta cidade fica situada às margens do Rio Amaran-
te, segundo maior do reino (o primeiro, naturalmente, Felizmente, a Rainha Zallia veio em socorro.
é o Rio dos Deuses). Por sua posição privilegiada, Ordenou a construção de uma imensa fortaleza — obra
atua como ponto de entrada para grande parte das que tem empregado quase toda a plebe local. A nobreza
importações do país — sendo um dos entrepostos também foi atendida: sua produção agora é comprada
comerciais mais notáveis da região norte. diretamente pelos tropéis que formam o exército de
Namalkah. Dizem que o reino não gastou um só tibar
Embora não tão vasta quanto Hippiontar ou de seus cofres públicos na reconstrução: todo o ouro
Palthar, Yron é igualmente rica. Faz parte da tradição veio das reservas pessoais da monarca.
local adornar cavalos com joias e gemas preciosas e usar
adornos melhores que seu cavalo é visto como mau Em homenagem à rainha ginete, o imenso anfiteatro
gosto. Os mais endinheirados equipam sua montaria local, uma das poucas ruínas restantes dos dias pré-confli-
com ferraduras de ouro, prata ou até platina. to, foi restaurado e renomeado Hipódromo Real. Abriga
hoje algumas das mais impressionantes corridas de Arton.
Yron é especializada em serviços: sua pecuária é fraca, Muitos nobres, e suas tropas estacionadas na cidade,
mas compensada pela qualidade de seus treinadores e passam o tempo livre fazendo apostas — o principal
cavalariços. No ramo de aventuras, alguns dos mais hábeis lazer da população, obcecada em saber tudo sobre seus
cavaleiros mercenários podem ser contratados aqui. corredores favoritos. As corridas no Hipódromo são
O Templo de Hippion local tem clérigos especia- verdadeiros festivais, mas às vezes são infiltradas por
lizados em doenças e maldições ligadas a equinos. competidores da Supremacia que atuam como espiões em
Igualmente digna de nota é Guilda dos Tratadores, busca de informações sobre as defesas do reino ou mesmo
que organiza escolas e tutelas específicas ligadas aos assassinos, tendo como alvo nobres ou campeões locais.
animais. A maioria dos namalkhanianos sabe criar e
cuidar de cavalos, mas apenas os professores yronenses
formam mestres nessa arte — e em combate montado.
Izzileria
Não raro, jovens nobres de outros reinos chegam em Namalkah é um reino simples e rústico — muitos
transportes fluviais para estudar aqui. acusam-no de ser simples demais. Mas Namalkah tem
suas estranhezas, e algumas delas são mantidas em
Alguns namalkahnianos acusam o povo de Yron segredo. Talvez o maior exemplo seja Izzileria.
de ser tudo que tradicionalmente se abomina no reino:
sedentários cheios de luxos vivendo às margens de Situada próxima à Pista do Unicórnio Funesto,
um rio (como os odiados callistienses). De fato, Yron Izzileria era uma aldeia como qualquer outra em Na-
tem sua parcela de empolados e arrogantes. Muitos malkah. Governada por homens e cavalos, recebendo
ricaços contratam aventureiros para escoltar seus filhos periodicamente tropeiros e competidores das carreiras,
e filhas em “missões”, fazendo todo o trabalho para a única coisa que a diferenciava do resto eram ocasionais
que os herdeiros fiquem com a glória. Muitos também fenômenos estranhos, raros demais para provocar grande
tentam pagar heróis para perder em duelos ou corridas, alarde. Vez por outra, um bezerro nascia com duas cabeças
elevando o próprio nome sem precisar de habilidade. ou uma criança nascia com a capacidade de ler mentes.
Uma árvore apresentava folhas azuis ou um córrego
congelava em pleno verão. Esquisitices descartadas pelos
Suth Eleghar ginetes, com sua mente objetiva e tranquila.
Como cidade mais próxima da Supremacia Purista, Quando houve a tragédia na Pista do Unicórnio
este costumava ser uma grande exportadora de cavalos, Funesto, Izzileria perdeu uma de suas principais
o ponto comercial mais importante do sul do reino. fontes de renda e ganhou um perigo. Mas o povo não
Tudo mudou quando os puristas a invadiram, tomando debandou por completo — em vez disso, os jovens
seus estábulos. Cavalos destinados a corridas e torneios desafiavam uns aos outros para ver quem tinha coragem
passaram a ser usados como montarias de combate. de chegar mais perto do local maldito, os mais velhos
Fazendas nos arrabaldes da cidade permaneceram repetiam de novo e de novo a história de Andhes e
intactas, são ainda um pólo de produção. Mas o mesmo Sooliah. E as esquisitices pioraram. Alguns dizem que

O Reinado
101
a região toda ficou marcada pelo caos, a sorte e o azar: de carvão. Já empobrecida, Izzileria caiu na miséria
assim como certas doenças ou venenos podem deixar total, mal subsistindo com a raríssima passagem de
sequelas permanentes em uma pessoa, os eventos tropeiros e as plantações de vegetais que podem ou
deixaram um resíduo caótico que o tempo não apagou. não se transformar antes de serem consumidos.
Já era possível notar que Izzileria não era como as O líder do povoado é Santhell, um cavalo inteligente
outras aldeias. Não nasciam apenas bezerros de duas e capaz de falar, coberto por finas minhocas no lugar do
cabeças: agora eram bezerros com asas de mosca. Os pelo. É bem intencionado, mas pouco pode fazer contra
humanos nasciam com pele transparente, os cavalos a loucura que existe no local e já está muito velho. Os
eram capazes de voar, as plantas falavam. Mesmo assim, habitantes de Izzileria são naturalmente amedrontados e
tudo esporádico. Os tropeiros de passagem cada vez inquietos, e desconfiam de quaisquer forasteiros. Apenas
mais convenciam-se de que não valia a pena chamar Santhell faz qualquer esforço para acolher visitantes.
atenção para aquilo: o povo da aldeia devia tomar conta
de seus próprios assuntos, e Izzileria tornou-se um Desfiladeiros
lugar a ser omitido de histórias, ignorado em mapas.
de Dópsia
Houve uma nova piora depois da passagem de Uma das raríssimas áreas montanhosas do reino, e
um cavalo tocado por Nimb, um animal do Caos consequentemente uma das mais famosas (juntamente
chamado Bandido. com os Montes Nublados), os Desfiladeiros de Dópsia
Agora eram raras as pessoas, cavalos, plantas e são resultado da erosão do Rio Ammnes, outrora
construções normais. As mutações ocorriam esponta- vasto e caudaloso. Hoje não passa de um córrego nas
neamente, em indivíduos já adultos. A água do poço profundezas dos estreitos. O que teria causado sua
não congelava: transformava-se em fogo, que crepitava diminuição, ninguém sabe.
com música de alaúde. As árvores nasciam de cabeça Os Desfiladeiros estão entre os lugares mais perigo-
para baixo, as casas transformavam-se em cristal. Os sos em toda Namalkah. Foram tomados pelos finntroll
habitantes acordavam para notar que seus pés haviam e ainda hoje permanece sob seu controle, protegidas por
virado cabeças de cães, e seus filhos agora eram feitos monstros nativos sob encantamento: ciclopes, gigantes,

Capítulo Um
102
ogros e trolls comuns. Não é incomum encontrar es- cendentes de povos vindos das Uivantes . Estes
ses seres díspares emboscando caravanas, grupos de bárbaros teriam sido liderados na guerra contra os
aventureiros ou tropéis de ginetes. Alguns dizem que puristas por uma mulher conhecida hoje apenas
os finntroll têm uma magia que transforma a água de como “Princesa” — notória bandoleira e ladra de
cantis em óleo escuro, obrigando viajantes a mudar sua gado. Ela talvez possa ser convencida a encerrar suas
rota original para passar por aqui e reabastecer. atividades e trabalhar para a coroa, se receber ajuda
A região seca e pedregosa é também propícia como para derrotar um dragão bicéfalo que aterroriza a
esconderijo de felinos selvagens, quimeras e grifos. região. Mas as autoridades do reino não parecem
Aparentemente não há lobos: caçadores dizem que interessadas em lidar com tal ameaça...
eles foram embora “viver em algum lugar mais calmo,
como uma área de Tormenta, por exemplo!”. Refúgio de Alliah
Com planícies verdejantes cobrindo praticamente
Montes Nublados todo o reino, qualquer tipo de vegetação mais cerrada
Ponto mais alto de Namalkah, os Montes Nublados ou acidente geográfico acaba por se tornar conhecido,
são modestos se comparados às Uivantes ou Sanguiná- por menor que seja. Assim aconteceu com esta floresta.
rias. Para os habitantes do reino mais plano de Arton, O refúgio é na verdade a parte mais interna de
contudo, são vistos com espanto e admiração. Assim um bosque no extremo leste do reino, com árvores
chamados devido aos cumes sempre encobertos, são medianas e espaçadas. Um druida poderia definir o
formados por quatro elevações principais — a maior lugar como não mais que um matagal.
abriga a nascente do Rio Amarante. Sua escala não é Nada haveria de curioso no bosque, não fossem
difícil com o devido treino e experiência, e cavernas nas os centauros que o habitam. De fato, este lugar é
partes baixas servem de abrigo provisório para viajantes; proibido para não centauros e costumava até mesmo
isto é, quando não ocupadas por animais selvagens. ser protegido por um acordo com a coroa do reino,
Namalkhanianos preferem evitar os montes, garantindo que as outras raças nunca o perturbariam.
por serem habitados por cavaleiros de grifos, des- A única exceção eram os elfos.

O Reinado
103
Durante a guerra, o Refúgio foi impiedosamente chegada. As evidências de sua presença são restos de
atacado pelos puristas, que encontraram uma resistência uma cidade com construções de pedra e alvenaria, e
liderada por Bramh Crina Negra. Relatos diziam que os muralhas repletas de entalhes, pinturas e hieróglifos.
centauros haviam sido dizimados. Mas, quando tropei-
Há tesouros antigos, por isso o lugar costuma ser
ros humanos tentaram entrar no bosque recentemente,
visitado por saqueadores de tumbas e expedições de
foram repelidos por Bramh e seus súditos, como se nada
aventureiros. Estes costumam ser financiados pelo
tivesse mudado! Ninguém sabe qual a verdade por trás
coroa do reino, buscando artefatos. Mas as ruínas são
da “ressurreição” desses seres. Alguns dizem que é uma
perigosas, habitadas por tipos únicos de mortos-vivos.
bênção de Thyatis e o cumprimento da antiga profecia
que falava do “Rei dos Centauros”. Outros afirmam Curiosamente, estudiosos descobriram que os
que os habitantes do bosque são mortos-vivos. E há antigos habitantes de Alkav nunca domesticaram
quem diga que os atuais “centauros” não passam de cavalos, considerando-os bestas selvagens. Alguns
hynne ilusionistas com fantasias baratas, assustando sábios suspeitam até mesmo que esse povo os temia ou
forasteiros com seus truques! os caçava. Alguns murais retratam cavalos monstruosos
destruindo torres e monumentos, o que leva a crer que
Pista do esses animais tenham trazido a ruína da tal civilização.
Certos teólogos chegam a sussurrar a sugestão herética
Unicórnio Funesto de que isso teria sido obra do próprio Hippion, mas
Outrora usada para sediar torneios entre ginetes, ninguém sabe o porquê.
esta arena de jogos foi abandonada devido a um
incidente trágico, ocorrido há mais de cinquenta
anos. Durante uma corrida, a amazona Sooliah e seu
fabuloso unicórnio Andhes estavam à frente, sem
Guildas &
desconfiar que um competidor trapaceiro contratara Organizações
capangas para colocar armadilhas na pista. Caindo em
uma delas, o unicórnio tropeçou e derrubou sua dona,
matando-a acidentalmente com o chifre.
As Amazonas
O Reino Indomado até hoje hospeda tropéis
Enlouquecido, Andhes massacrou todos os outros matriarcais, governados por algumas das melhores
competidores, incluindo o assassino, e seus cavalos. guerreiras do continente. Vários desses clãs já serviram
Naquele instante o unicórnio — animal mágico como guarda-costas a famílias de governantes em todo
conhecido por sua bondade e pureza — adquiriu Reinado. Alguns grupos são formados exclusivamente
aspecto sombrio, seus olhos se tornaram vermelhos.
por mulheres, que perpetuam seu clã adotando e
Transformou-se em uma fera abissal, corrompida pelo
treinando novas aprendizes.
ódio, que ainda hoje ronda o sítio, galopando em sua
pista forrada de cadáveres. Existem inúmeros bandos de amazonas, com
seus próprios valores e leis. Embora sempre voltem
Alguns afirmam que incidente tão trágico deve ter
a Namalkah de tempos em tempos, estão dispersos
o dedo de Nimb, Deus do Caos — teoria reforçada por
pelo continente. Um dos bandos mais numerosos e
visitas ocasionais de Dee, seu sinistro sumo-sacerdote,
poderosos é o das Amazonas de Hippion — algumas
com suas maças cobertas de melado, sangue e moscas.
de suas lideranças já se tornaram monarcas deheoni
Embora a maioria dos tropéis evite a todo custo esta
através do casamento. Outro tropel notório é o da
área, alguns afirmam que o Unicórnio Funesto continua
Planície Sem Fim; descendentes da famigerada hero-
aceitando desafios e correndo na cancha reta contra
ína Duria, não cultuam o Deus Menor dos Cavalos,
aqueles que sobrevivem a suas investidas. Qual o
mas Allihanna. Veem com desconfiança os demais
prêmio? Alguns dizem que é o favor eterno de Nimb.
namalkhanianos, jamais adentrando suas cidades.
Outros, que é a libertação do espírito de Sooliah ou a
redenção do próprio Unicórnio Funesto. Por fim, há
quem diga que o vencedor poderia domar o unicórnio, Cavaleiros
transformando-o em sua montaria para sempre. da Tempestade
Estes misteriosos cavaleiros representam um dos
Ruínas de Alkav maiores mistérios de Namalkah. Quando há inocentes
Nem os centauros sabem dizer quem — ou o em perigo — sejam vítimas de monstros, bandidos ou
que — vivia nestas ruínas. Uma civilização antiga e mesmo desastres naturais — eles surgem com suas
desconhecida habitava o lugar antes mesmo de sua montarias furiosas, combatem a ameaça e partem,

Capítulo Um
104
sem dizer palavra. Receberam esse nome porque uma
grande nuvem de pó e areia, levantada pelos cascos Aventuras
de seus cavalos, ergue-se no horizonte quando estão Nas pradarias de Namalkah não há muitos mons-
prestes a chegar. O povo acredita que essa nuvem é tros. Encontros com seres assim são mais comuns em
de onde eles vêm e para onde vão. suas parcas florestas, montanhas e desfiladeiros. Os
Não se sabe quantos são, pois seu número muda rios principais também abrigam ameaças desafiadoras.
a cada aparição: podem ser cinco ou seis, ou então O maior flagelo das planícies são os grifos: cria-
dezenas. Suas faces também são desconhecidas, pois turas parte águia, parte leão, com apetite total por
usam máscaras. No entanto, como notou um forasteiro cavalos! Embora individualmente não sejam desafio a
certa vez, todos carregam espadas e escudos similares tropéis de lanceiros atentos, as feras costumam atacar
àqueles usados por guerreiros do Deserto da Perdição em revoadas selvagens e famintas. Como lobos, os
— que fica milhares de quilômetros ao norte, muito grifos tentam isolar e depois atacar em conjunto as
além do Rio dos Deuses. presas mais fracas. Quase todo namalkhaniano conhece
Alguns dizem que os Cavaleiros da Tempestade alguém que perdeu um parente em uma batalha contra
são espíritos cumprindo uma missão, ou estariam um grifo. Quimeras, mantícoras, serpes, dragões ferais
aguardando uma ordem de seu comandante. Outros e outros predadores alados já foram avistados a céu
dizem que são manifestações do poder de Hippion, aberto, mas seus ataques são mais raros.
encarregados de ajudar seus devotos. A outra grande praga das planícies são os sa-
queadores. Esses bandidos atacam em grupos bem
Tropel dos organizados, sempre liderados por um ginete expe-
riente. Existem inúmeros, alguns com seus próprios
Cascos Sangrentos estandartes e gritos de batalha.
Os Cascos Sangrentos eram originalmente um Os mais temíveis são a Gangue dos Pistoleiros,
bando de centauros, dissidentes e proscritos dos tropéis liderada por goblins alquimistas cavalgando mulas
que habitavam o Refúgio de Alliah. Com o tempo, robustas; os Lacaios de Glórienn Flechicerteira,
abandonaram Hippion e voltaram a adorar um deus elfos fanáticos ainda seguidores de sua antiga deusa, e
mais primordial: Megalokk, o Deus Dos Monstros. a odiosa Hoste das Seis Faixas, fundada por proscritos
São conhecidos desde sempre como tiranos e que colaboraram com os puristas durante a invasão
canibais — mas sua sociedade é mais complexa do do reino, e composta inteiramente por humanos. Há
que parece. Liderados pelo poderoso clérigo Rark também o Bando do Reino Celeste, integrado por
Cascos Sangrentos, eles têm seu próprio código de ginetes de grifo dos Monte Nublados, chefiados pela
honra: tomam como prisioneiros apenas humanos famigerada criminosa “Princesa”.
ou finntroll capturados em batalha e se alimentam Aventureiros de outros reinos podem ser enredados
somente de oponentes fortes, em uma espécie de ritual na teia surpreendentemente complexa de diplomacia
destinado a absorver seus poderes. e alianças entre tropéis. Na superfície, não passam de
Por estranho que pareça, sua intolerância contra bandos viajantes, mas além de amizades e inimizades
os “filhos de Valkaria” os manteve alertas e vivos entre humanos, também existem as relações entre os
durante a invasão da Supremacia Purista — enquan- cavalos. Não é raro que um grupo de heróis seja expulso
to outros bandos foram expulsos, capturados ou de uma região porque ousou cavalgar o desafeto de um
massacrados. Os Cascos acabaram relutantemente cavalo importante perto de seu tropel, ou porque não
convencidos por aventureiros a lutar do lado dos deu um funeral honrado o suficiente a uma montaria
namalkhanianos, em uma aliança de conveniência. caída em batalha.
Esse fato causou, talvez, uma das maiores ironias de Entre animais selvagens comuns há grandes felinos
Arton: Rark foi alçado ao posto de herói! como panteras e leões de pradaria que caçam manadas
Hoje, baladas descrevem o clérigo com sua armadura de bestas herbívoras (também bastante ferozes). As
de ferro e seus dois machados mágicos abatendo, sozi- matas são ricas em variedade de pássaros e insetos,
nho, milhares de invasores — o que parece exagero, mas incluindo versões gigantes e atrozes. Já os desfiladeiros
não é. Tais histórias têm levado jovens namalkhanianos costumam abrigar todo tipo de criatura.
impressionáveis a cultuar sua figura em segredo, assim
como seu deus bestial. Alguns se desgarram de seus
tropéis civilizados para regredir a um estado selvagem,
em adoração ao Deus dos Monstros.

O Reinado
105
Ilustração

Capítulo Um
106
Wynlla O REINO DA MAGIA

E
m Arton, certamente há incultos e su- quaisquer povoações nativas, a região era considerada
persticiosos que temem conjuradores. assombrada, infestada de monstros e assolada por
Mas estes são exceções. Quase todos fenômenos estranhos. Mesmo para os padrões de
concordam, a magia é um presente dos Arton, aquelas paragens eram perigosas demais.
deuses. Aqueles que a aceitam e dominam são Tentativas de colonização foram logo abandonadas.
Aventureiros e exploradores retornavam de missões
iluminados, estão mais próximos da perfeição.
com relatos espantosos, histórias de paisagens bizar-
São respeitados, prestigiados, aclamados. Supe-
ras e feras impossíveis. Ainda, arcanistas inquietos
riores aos mundanos. Tão importantes quanto advertiam sobre uma dificuldade anormal em utilizar
nobres, monarcas e heróis, senão mais. os próprios poderes.
Em nenhuma outra nação essa reverência é Para colocar fim ao mistério, Wortar I — regente
tão pronunciada quanto Wynlla. Aqui, neste reino de Deheon na época — enviou uma expedição liderada
fabuloso de torres cristalinas, mundano e arcano são por Karias Theuderulf, seu próprio mago da corte,
diferentes como água e vinho. A habilidade de conju- conselheiro e amigo de longa data. Profundo estudioso
rar separa nobres e plebeus, regentes e camponeses, de assuntos místicos, Karias foi um dos maiores
cidadania e gentalha. O imenso abismo social pode arcanistas em todos os tempos. Fazia uso de poções
ser cruzado apenas por meio da mágica. O Reino da miraculosas para prolongar a vida; já praticava artes
Magia é uma nação rica e poderosa, mas nem todos arcanas desde antes da Grande Batalha em Lamnor.
desfrutam de sua prosperidade.
No comando de aventureiros audazes, Theuderulf
percorreu longamente a região agourenta. Suas paisagens
História eram fantásticas, com céus de cores exóticas e monta-
nhas de cumes cristalinos. Também havia monstros em
Wynlla foi fundada no ano de 1056, não muito profusão, sobretudo feras elementais, e até dragões.
depois da própria constituição de Deheon. Diferente Uma grande cidadela de pesquisa foi estabelecida como
de outras nações, nascidas da expansão de povoados base de operações. Dali, novas expedições partiram para
em áreas acolhedoras, o Reino da Magia surgiu em vasculhar tudo em volta. Foram meses de exploração,
terras que outros queriam evitar. aventuras, perigos e descobertas.
Os reinos ainda recém-formados de Bielefeld e Após longa campanha, o arquimago real enfim
Tyrondir buscavam traçar suas fronteiras. Contudo, chegou à verdade. Diferente de qualquer outra região
quando o esperado seria tentarem abarcar mais terri- em Arton, naquele lugar a energia arcana fluía de forma
tório, estas nações faziam o oposto — esquivavam-se estranha, abundante e feroz. Fenômenos místicos
por completo de certa faixa de terra que as separava, raros — como a manifestação espontânea de vida
furtando-se de sua inclusão nos próprios mapas. Sem elemental — ocorriam com frequência. Tais bestas

O Reinado
107
dos elementos praticamente vagavam em manadas! Wynlla teria papel decisivo na proteção do Rei-
Além disso, conjurações arcanistas não funcionavam nado em pelo menos duas ocasiões. Quando erigiu
como esperado, sofrendo mudanças imprevistas em o Colosso Coridrian para confrontar o Kishinauros
seus parâmetros: acabavam ampliadas, maximizadas, de Mestre Arsenal em sua investida vilanesca contra
potencializadas, estendidas ou até invertidas, sem os reinos. E mais tarde durante a Guerra Artoniana,
desejo ou controle do conjurador. quando suas forças atuaram em conflitos contra a
Ou não? Seria possível, com habilidade e disciplina, Supremacia Purista.
controlar esse recurso? Utilizá-lo para conjurações muito Após a quase desintegração do antigo Reinado,
mais poderosas? Wynlla permaneceu como uma das poucas nações re-
manescentes na coalizão. Suas perdas na guerra fo-
Aquela terra tão temida e indesejada não era, afinal,
ram poucas, se comparadas a seus ganhos — o conflito
nenhum sítio maldito. Para um arcanista, era o maior
trouxe oportunidade para uma aliança comercial trí-
dos tesouros!
plice com Vectora e a Academia Arcana. Hoje Wynlla
Entusiasmado, o mago relatou ao rei suas desco- não produz apenas itens mágicos, mas também go-
bertas. Pediu permissão para manter seu laboratório lens, veículos e outros engenhos. Seu atual poder po-
como uma base permanente, continuar suas pesquisas. lítico e econômico supera Bielefeld e — dizem — até
Percebendo ali uma solução para seu dilema territorial, mesmo rivaliza com Deheon.
Wortar fez muito mais que isso: comissionou toda a
região ao mago, como um novo reino entre Bielefeld e
Tyrondir. Pois quem mais, senão o grande Karias Theu-
O Tratado da Centelha
derulf, poderia domar as terras de magia selvagem? A Academia Arcana. O Mercado nas Nuvens. O
Reino de Wynlla. No passado, os três maiores núcleos
arcanos de Arton existiam em desarmonia, cada um
Nasce a Magocracia perseguindo seus próprios objetivos — não raras vezes
Inicialmente surpreso e honrado, Theuderulf não conflitantes. Talude e Vectorius como eternos rivais.
demorou a entrar em ação. Como devoto fervoroso, Vectora e Wynlla em disputas comerciais. Wynlla
nomeou o novo país em honra à Deusa da Magia. e a Academia em desacordo quanto a interferir em
Trouxe a própria família, assim como colegas arcanis- assuntos mundanos.
tas e discípulos, para viver em sua cidadela — então
Tudo mudaria em tempos recentes. Durante a
intitulada Sophand — e colonizar ao redor. Também
Guerra Artoniana, Vectora teve participação mínima, e
trouxe para a região os mais importantes sacerdotes
a neutralidade total da Academia Arcana recebeu crí-
de Wynna, promulgando-os como gestores em futuros
ticas pesadas dos governos aliados; fortes contrastes
povoamentos, sempre erigidos à volta de seus templos.
ao exército de Wynlla, que teve atuação decisiva no
Agora sob o devido controle dos magos, o reino se conflito. Aproveitando essa oportunidade, Arlianne
tornaria enfim atraente para outros colonos. Artífices Broubaut, chanceler wynllana e membra do conselho
e alquimistas de todos os tipos imigraram com suas do reino, propôs uma aliança comercial até então
famílias. Aldeias e vilarejos logo se tornaram cidades impensada entre as três potências mágicas.
pujantes, erguidas e mantidas com poder mágico —
Além de educar, a Academia mudaria seu foco
pois as predições de Theuderulf se mostrariam corretas.
para pesquisa e desenvolvimento de projetos — ainda
Em outros pontos do Reinado, um mago se esgotava
preservando a própria segurança. Estes seriam forne-
após poucas conjurações; em Wynlla, com devido
cidos a Wynlla, capaz de produzi-los com sua ampla
treino, o mesmo mago podia erguer muralhas e moldar
força de trabalho arcana. A produção seria então
castelos sem dificuldade!
comercializada em Vectora, que passaria a incluir
Não foi surpresa, portanto, quando os arcanistas cidades de Wynlla em seu trajeto. Graças a esse
acabaram como a classe dominante. A habilidade de arranjo, o acesso geral a itens mágicos simples como
conjurar se tornaria sinônimo de cidadania. poções, pergaminhos e varinhas seria imensamente
Apesar do território e população reduzidos, facilitado. Golens e veículos/montarias construtos
Wynlla se tornaria uma das nações mais ricas de também se tornariam mais comuns.
Arton. Exportava itens mágicos de fabricação própria, Que fique claro, itens mágicos são ainda custo-
mantendo boas relações com os outros reinos. Exceções sos e nem sempre disponíveis. Não há “lojinha de po-
notáveis eram a antiga Portsmouth, por sua política ções” em cada aldeia dos reinos. Ainda assim, graças ao
de discriminação contra magos, e também Vectora, Tratado da Centelha, o Reinado vem experimentando
principalmente por disputas mercantes. um merecido progresso após a devastação da guerra.

Capítulo Um
108
Mas a relação entre os poderes nem sempre é
afinada, envolvendo altas doses de política e intriga,
sabotagem e espionagem. Contratos são violados,
cargos são cobiçados, preços são superfaturados,
fiscais são subornados, fortunas são desviadas, pro-
jetos são roubados. Levando em conta as quantias
fabulosas movimentadas, sempre existem crimes a
solucionar. Sempre há tarefas para aventureiros de
espírito investigativo.

Geografia
Graças às correntes marítimas e massas de ar
provenientes do Grande Oceano, sem montanhas no
caminho, Wynlla é um reino de clima subtropical —
quase sempre. Note-se que a magia natural ambiente
também afeta o tempo, provocando variações extremas
e imprevisíveis. Aqui ocorrem fenômenos bizarros como
nevascas, tempestades de areia, redemoinhos de fogo, Wynlla
dias e noites de durações irregulares, e até precipitações
de pequenos objetos ou animais, algumas vezes por ano. Nome oficial: Reino de Wynlla.
Exceto por poucas grandes cidades e rotas co- Lema: “Realeza Arcana.”
merciais, a maior parte de Wynlla é selvagem. Suas
Brasão: de púrpura uma torre de ouro
paisagens, em alguns pontos e momentos, parecem
aberta, lavrada e iluminada do campo
normais: planícies interrompidas por florestas, vales
rematada de sete raios de prata. A torre
e colinas, não muito diferentes de outros reinos. De
acostada de um octagrama à destra e um
fato, foram descritas assim em relatos anteriores.
Na maior parte do tempo, contudo, seus horizontes pentagrama à sinistra, ambos encerrados e
afetados por magia são muito mais impressionantes, firmados em um anelete, tudo de prata.
provendo céus dourados, esverdeados e/ou rosados. Gentílico: wynllano.
Suas colinas vítreas são inesquecíveis, suas planícies
Capital: Sophand.
são varridas por incêndios fátuos, seus rios de mana
emanam nuvens faiscantes, suas florestas mergulham Forma de governo: magocracia.
em abismos planares. Regente: Conselho de Wynlla.
Existe a teoria de que Wynlla teria uma ligação População: 530.000.
planar permanente com o Reino de Wynna; talvez
o lugar até mesmo exista em ambos os mundos ao Raças principais: humanos, golens,
mesmo tempo. qareen, hynne.

Por esses motivos — e também pela incidência Divindades principais: Wynna,


anormal de feras elementais —, quase todo o territó- Tanna-Toh, Kally, Valkaria, Tenebra,
rio de Wynlla é impróprio para grandes plantações, Khalmyr, Arsenal.
criações de gado ou aldeias expostas. Em vez de
castelos cercados de fazendas, as cidades locais são
mais verticais e defensivas, suas populações refugiadas
atrás de muralhas e outras proteções. Devido a essa
dificuldade para a produção local de alimentos e As fronteiras locais foram delineadas a partir
insumos básicos, o Reino da Magia precisa importar das áreas de ocorrências mágicas, além de utilizar o
imensas quantidades de comida e matérias-primas, perímetro circular de Deheon como determinante.
transportadas por longas distâncias. Os cofres de Wynlla fica a leste de Deheon, fazendo divisas (al-
qualquer outra nação acabariam exauridos em pouco tamente imprecisas) com as Ruínas de Tyrondir ao
tempo, mas a riqueza de Wynlla é mais que suficiente sul e a Conflagração do Aço ao norte. Sua face leste é
para suportar esse estilo de vida. banhada pelo Grande Oceano.

O Reinado
109
Povo & Costumes Conjuração arcana básica é habilidade tão indis-
pensável quanto a alfabetização ou uso de armas em
Arcanistas são, de modo geral, respeitados em outras sociedades. É ensinada nos templos de Wynna
Arton. Ainda assim, têm fraquezas óbvias e bem e Tanna-Toh, onde a educação pública básica é minis-
conhecidas. Suas técnicas demandam estudo, dedicação trada; estes efeitos são suficientes para trabalhadores e
e uma mente poderosa, muitas vezes em detrimento soldados executarem seus afazeres diários, como levitar
da saúde física. Suas magias são impressionantes, cargas, invocar monstros para tarefas simples ou conter
mas raramente duradouras. Ainda, podem conjurar malfeitores comuns. Conjurações mais avançadas são
poucas vezes antes de esgotar suas energias e precisar ensinadas por mentores particulares.
de repouso. Assim, este reino tão rico e brilhante vive uma
Um mago consegue levitar um bloco de pedra por verdade que muitos acham cruel. Uma vez que trei-
pouco tempo. Não poderia substituir trabalhadores no mínimo em magia está ao alcance de todos, ser
regulares, capazes de transportar esses blocos para incapaz de conjurar é visto como inaptidão, preguiça,
erigir templos. vadiagem — ou mesmo inferioridade. Aqueles que não
Em Wynlla, pode. conjuram são, no melhor dos casos, cidadãos de
última categoria; no pior, nem merecem direitos
Uma vez que se consiga dominar a
de cidadania. Infelizmente muitos wynllanos
temperamental magia ambiente,
acabam sofrendo esse estigma, por alguma
mesmo um arcanista iniciante
consegue feitos formidá- limitação que impede o aprendizado ou ou-
veis. Castelos, mura- tros motivos. Chamados pejorativamente
lhas e portos são de inscientes, são relegados a guetos ou
construídos sem legi- submundos, onde se refugiam por ser
ões de trabalhadores. perigoso demais viver fora das cidades.
Madeira é entalhada, Com tanta mão-de-obra arcana
vestimentas são costura- disponível, por longos anos a
das e metais são moldados economia de Wynlla foi baseada
por simples vontade. Grandes na fabricação e exportação de
distâncias são percorridas e cargas itens mágicos variados, entre
são transportadas com um esta- poções, varinhas, armas, arma-
lar de dedos. Quando algum tra- duras e acessórios; hoje, sua
balho braçal é realmente neces-
produção também inclui
sário, golens são forjados e
golens e montarias ou
animados para exe-
veículos, entre outros
cutá-lo; construtos
engenhos. Devido aos
existem aqui em
valores altíssimos de
grandes números,
tais artigos, bastam
compondo boa parte
da população. poucas unidades por mês
para prover sustento a uma
Wynlla é uma nação de mente sobre cidade inteira.
a matéria, de inteligência sobre a força.
Se conjuradores são admirados em
outros lugares, aqui eles são Religião Arcana
a nobreza absoluta. Nin- Por influência de seu fundador,
guém questiona serem os e também dos colonos que atraiu,
mais competentes, os mais não causa espanto que Wynna
capacitados a resolver qual- seja a divindade principal do
quer problema, solucionar qual- reino. O próprio nome da
quer crise. Assim, dominar Arlianne Brobaut, o rosto
nação é uma homenagem
público do Conselho de Wynlla
algum poder mágico — por à Deusa da Magia, pois
menor que seja — acaba seria corruptela de uma
sendo visto como requisito antiga palavra significan-
mínimo de civilidade. do “Casa de Wynna”.

Capítulo Um
110
“Magia e saber andam de mãos dadas”, segundo um A energia mágica natural no território de
provérbio local, confirmando também o importante pa- Wynlla fortalece magias arcanas, mas exige
pel do culto de Tanna-Toh. Clérigos de ambas as deusas treinamento especial para ser dominada.
são responsáveis por conduzir a vasta rede de escolas Esse treino é representado aqui.
públicas que ensinam magia básica à população, também
atuando como mentores para aprendizes avançados. Tal
igreja unificada do conhecimento mágico é conhecida
Presente de Wynlla
localmente como Ordem do Sacro Grimório. (Poder de Magia)
Muito embora Kally seja notadamente maligno e Enquanto está em Wynlla, você pode
tirânico, é também um deus da magia, encontrando lançar magias conhecidas de 1º Círculo
bom número de seguidores no reino — as oferendas sem nenhum custo em PM. Além disso,
de tesouros exigidas dos devotos são menos onerosas você pode adicionar aprimoramentos a
para o povo local. Situação similar a Tenebra, temida qualquer magia que saiba lançar sem custo
em outros lugares, mas aqui venerada por sua relação extra em PM (mas ainda pagando o custo
com a necromancia, e também Arsenal, por ser um normal, mesmo para magias de 1º Círculo).
patrono dos armamentos mágicos. Você ainda está limitado a uma quantidade
Sendo este até hoje um território perigoso, máxima de PM (como se os tivesse gasto
Valkaria é exaltada por aqueles que ousam desafiar de fato) igual a seu nível. Pré-requisitos:
os ermos e as feras elementais. Também é possível conjurar magia arcana.
encontrar devotos de Khalmyr, Marah, Lena e Este poder pode ser escolhido como um
Oceano (na região costeira). poder de origem para nativos de Wynlla
entre os seguintes: Acólito, Aristocrata,

Governo Artesão, Artista, Assistente de Laboratório,


Curandeiro, Estudioso, Guarda, Marujo,
Diferente de outras nações do Reinado, com Membro de Guilda, Mercador, Minerador,
regimes monárquicos, Wynlla é governada por uma Soldado, Trabalhador.
rígida magocracia.
Nem mesmo as poções de Karias Theuderulf
poderiam mantê-lo vivo para sempre e diz-se que que promovam a pesquisa, estudo e disseminação da
ele hoje repousa ao lado de Wynlla. Após sua morte, magia, ou atuem de forma expressiva em algum ramo
outros conjuradores que o auxiliavam na administração da economia ou indústria. A rápida ascensão da família
seguiram com o trabalho, mantendo as estruturas e Broubaut e sua inclusão no Conselho, por exemplo,
procedimentos determinados pelo fundador. Ninguém, resultou da habilidade de sua matriarca Arlianne ao
no entanto, ousou ocupar o cargo pessoalmente; negociar o recente Tratado da Centelha com Vectora
consideravam desrespeito a seu gênio. e a Academia Arcana.
Em vez disso, foi estabelecido um conselho for- Deixadas pelo fundador, as regulamentações
mado por arcanistas pertencentes às famílias nobres do Conselho são consideradas sagradas, imutáveis,
originais — ou seja, aquelas primeiramente convidadas mesmo quando sua burocracia impossibilita decisões
por Karias para a colonização. São elas: Persys, Saka- ligeiras. Votações podem se estender por horas ou dias.
darar, Dur-Vergiht, Velenarkies e Focusys, além dos Diz-se que o próprio espírito de Theuderulf retorna,
próprios Theuderulf. Outras famílias expressivas mais autorizado por Wynna, para trazer advertências (ou
tarde conquistariam posições no Conselho, ainda que aplicar punições) quando suas leis são violadas.
com influência menor. Quanto à segurança, Wynlla também difere do
Hoje, o Conselho de Wynlla é formado por um sistema feudalista praticado em outros reinos. Em
representante de cada família nobre no reino — vez de proteger o povo diretamente, seus nobres
tipicamente seu conjurador mais poderoso, sob o título coletam impostos que são empregados para manter
Magister. Logo, ser parte de uma destas famílias é um contingente militar reduzido, mas eficaz. Formado
requisito para pertencer à nobreza. Nobres usufruem por Magos de Batalha e golens de guerra, está entre
de consideráveis recursos e privilégios, residindo nas as forças armadas mais temidas de Arton, capazes de
áreas mais luxuosas das cidades, servidos por batalhões dizimar exércitos muito maiores sem dificuldade. As
de servos — mas também têm responsabilidades. cidades, por sua vez, são protegidas por guardas urbanos
Além de votar em decisões importantes, é esperado bem equipados e capazes de conjurações básicas.

O Reinado
111
Locais Importantes Uma das mais imponentes construções na cidade
é a Mansão Theuderulf, que abriga a família do mago
fundador. Outros pontos dignos de atenção: a Biblioteca
Sophand (capital) Livre de Zorus, mantida pela igreja de Tanna-Toh; a
Sophand é a mais antiga cidade do reino e também Grã-Torre, maior igreja de Wynna no reino, e o Jardim
sua capital. Teve início como uma cidadela-laboratório das Fontes Invertidas, que fica diante da sede do
fortificada, para proteção contra as feras nativas, onde o Conselho de Wynna, o Salão das Convergências.
arquimago real Karias Theuderulf sediava seus estudos
sobre a magia caótica ambiente. Kresta
Quando o rei Wortar I o nomeou regente local, A magia de Wynlla é um grande facilitador de
Sophand acabaria se tornando algo maior e mais transportes dentro do reino, e também para outros
permanente. Outros magos e suas famílias seriam lugares. O inverso, no entanto, não é verdadeiro. Um
convidados para viver ali. Com o gradual domínio belo problema logístico, pois as limitações agrícolas
da magia selvagem e outros recursos naturais, seus e pecuárias locais demandam importação de alimento
poderes transmutariam a cidadela em algo grandioso, e outros bens em quantidades imensas.
com torres e patamares tão altos que seriam impossí-
Assim, a cidade portuária de Kresta acaba desem-
veis para a arquitetura mundana. Suas estruturas são
penhando papel vital na economia nacional. Todos os
feitas com uma variedade local de granito cintilante,
dias, seus vastos ancoradouros recebem toneladas de
incrustado com minúsculos cristais — que pesquisas
cargas transportadas por via marítima, e então des-
posteriores revelaram abrigar colônias de elementais
pachadas para outros pontos do reino por meios má-
do ar. Devido a esse fato, suas torres estão entre as
gicos mais eficazes, como barcaças voadoras ou mes-
mais altas construídas em todo o Reinado.
mo por teletransporte. Dizem não existir porto maior
Comparada a Valkaria e outras metrópoles, Sophand ou mais movimentado em toda Arton.
tem área territorial bem menor, mas muito mais ver-
Por ser uma das cidades mais acessíveis no reino
tical. Também é melhor resguardada contra ameaças
— sendo possível visitá-la sem percorrer os ermos
externas, não apenas por sua elevação, mas pelas várias
perigosos —, Kresta é também muito procurada por
camadas de muralhas altíssimas. Esse projeto mais tarde
mercadores e negociantes, bem como aventureiros. Seus
seria replicado em outras grandes cidades no reino,
mercados oferecem o que existe de melhor em poções,
resguardando as famílias nobres nos céus, hospedando
pergaminhos, grimórios e ingredientes para magias,
seus cidadãos legítimos em bairros nobres elevados ou
além de armas, armaduras e outros itens mágicos.
murados — e relegando os não-conjuradores inscientes
a distritos pobres, ou mesmo subterrâneos escuros. Os estaleiros de Kresta são famosos por seus navios
Apenas aqueles capazes de ascender às áreas mais de qualidade excepcional, mas também procurados
elevadas por magia podem acessá-las, criando uma por aventureiros em necessidade de veículos mágicos
distinção óbvia entre “cidade alta” e “cidade baixa”. especiais — desde batiscafos para explorar as profundezas
Mesmo assim, existem alguns arcanistas preocupados até navios voadores capazes de singrar o vazio entre
em defender a população insciente. O nobre qareen mundos. Não importa quão absurdo o pedido, sempre
Lendaker é notório (ou, segundo alguns, infame) por haverá artífices locais em busca de um bom desafio! O
usar seus privilégios para punir aqueles que hostilizam ricaço Marceleza Cavalera Supernova, um feiticeiro e
os não-conjuradores sob sua proteção. fanfarrão notório nas tavernas da cidade, tem o hábito de
A infraestrutura urbana em Sophand e outros pon- propor projetos “impossíveis” aos maiores projetistas de
tos de Wynlla é fenomenal. Efeitos mágicos conser- Kresta e então assistir enquanto competem pela gorda
vam as áreas públicas impecavelmente limpas. Magias recompensa que ele sempre oferece.
ilusórias produzem música ambiente, assim como avi- Mas o maior porto de Arton não é livre de perigos.
sos, sinalizações e entretenimento. O próprio céu por O litoral de Wynlla é tão perigoso quanto o interior,
vezes se abre em espetáculos exibidos para o delei- assolado por grandes elementais da água, dragões,
te da população. Estações de teleporte local gratuito krakens e outros monstros marinhos. Também não
conectam todos os distritos e edificações principais, faltam piratas atrevidos e dispostos a saquear suas
enquanto pequenas taxas levam a outras cidades, ou cargas. Não sendo possível fortificar uma cidade onde
pode-se apenas falar com pessoas distantes em pos- grandes embarcações entram e saem todos os dias,
tos de vidência. É claro, ativar todos esses serviços Kresta mantém guarnições permanentes para lidar
requer conhecimento mágico mínimo, mais uma vez com ameaças. Quando isso não basta, aventureiros
excluindo os inscientes… poderosos são contratados sem demora.

Capítulo Um
112
Velenara
Por sua alta incidência de elemen-
tais selvagens, os ermos de Wynlla são
muito perigosos. E embora alguns
os vejam apenas como “animais
estranhos”, elementais são muito
diferentes da vida como conhecemos.
Eles não nascem ou se reproduzem;
brotam espontaneamente do poder
bruto dos elementos. São imprevi-
síveis, não se comportam de formas
consistentes, nem mostram qualquer
tipo de inteligência. Podem ser pa-
catos, indiferentes ou até amistosos
por um momento, apenas para atacar
selvagemente no instante seguinte.
Por esse motivo, Wynlla quase não
tem tradição agrária ou pecuária, nem
vilarejos desprotegidos; sua população
se concentra em cidades fortificadas.
Por outro lado, embora elemen-
tais sejam perigosos, são também um
recurso valioso — sobretudo para
arcanistas e inventores. São usados
como fonte de energia para itens
mágicos, ou para animar golens,
ou ainda como servos conjurados,
entre outras aplicações. Assim,
Velenara se tornaria uma cidade
com uma importante atribuição: a
caça e confinamento de elementais
em cativeiro.
As extensas fazendas de búfalos
flamejantes ber-baram, contidos por
barreiras arcanas, são uma visão
impressionante e assustadora para recém-chegados. Coridrian
Outros cativeiros mágicos, semelhantes a imensos Ser conhecida como Capital dos Golens já bastaria
aviários e aquários, preservam demais espécies. para tornar esta cidade especial. No entanto, sua
Governada pela antiga família Velenarkies, a cidade
fama se elevaria a patamares épicos por sua atuação
em si — elevada como todas as outras em Wynlla
durante a Investida de Arsenal, quando parte da cidade
— abriga pesquisadores, tratadores e mercadores.
revelou ser um golem gigantesco, erguendo-se contra o
Ali os elementais são negociados com outras cidades
monstruoso Kishinauros em defesa do Reinado. Após
ou reinos, também existindo mercados locais onde
sua reconstrução, contudo, tudo voltaria ao normal
compradores particulares podem obtê-los. Não raro,
aventureiros trazem feras capturadas, ou buscam eles em Coridrian; ou tão normal quanto uma cidade de
próprios alguma nova montaria ou mascote exótica. grande população golem pode ser.

Cidadãos de Velenara dizem ter afinidade com Devido à farta oferta de criaturas elementais em
os elementais, tratando-os como gado comum, ou Wynlla — componente fundamental na fabricação de
mesmo animais domésticos. Os mais apaixonados golens —, estes construtos poderosos (e caros) se
até afirmam que tais criaturas são seres vivos. Outros tornariam importante produto de exportação. Contudo,
wynllanos os consideram ingênuos e otimistas demais, os custos proibitivos de cada unidade impedem sua
ou imprudentes, ou mesmo perigosos. produção em grandes quantidades, bem como seu uso

O Reinado
113
Áreas de Caos Arcano para tarefas comuns, ordinárias; usar um golem para
carregar sacas de trigo ou varrer uma taverna seria
Com treino e disciplina, é possível usar a como usar uma espada matadora de dragões para
mágica ambiente em Wynlla para fortificar cortar salame. Mesmo em Wynlla, apenas os nobres
conjurações. Existem, contudo, regiões do mais ricos empregam golens como guardas ou servos.
reino que afetam feitiços arcanos de formas
Assim, fundada por um grande artífice de golens,
ainda mais imprevisíveis.
Coridrian seria dedicada a essa manufatura tão
Graças aos longos anos de pesquisas e ex- especializada. Aqui também é onde encontramos a
pedições lideradas por Karias Theuderulf, maior concentração de golens “despertos”, aqueles
essas áreas de instabilidade foram mape- que adquirem (ou são feitos com) inteligência,
adas com razoável sucesso. Seriam então consciência, personalidade e anseios próprios. Nesta
evitadas para estabelecer colônias, rotas cidade própria para atender suas necessidades (nenhum
comerciais ou instalações de qualquer tipo. outro lugar de Arton tem maior oferta de reparos e
Hoje, são visitadas apenas por aventureiros acessórios para construtos), muitos golens escolhem
envolvidos em alguma missão. profissões variadas como guardas, estudiosos, artesãos,
Conjurar qualquer magia arcana em uma taverneiros ou mesmo artífices para outros golens!
área de caos arcano exige um teste de É importante notar que golens despertos, em
Misticismo (CD 15 + círculo da magia). Wynlla, são sempre considerados cidadãos — mesmo
Em caso de falha, a magia sofre um efeito quando não conjuram. O Conselho assim decretou
colateral entre os seguintes (role 1d8): por serem obras-primas arcanas, contendo a magia
• A magia falha. Pontos de mana são dos elementos em seus próprios corpos. Desneces-
gastos mesmo assim. sário dizer que isso causa grande ressentimento aos
• A magia funciona normalmente, mas não-conjuradores de outras raças, levando a tensões
consome o dobro de PM. entre golens e inscientes.

• A magia afeta um alvo diferente, se


aplicável. Floresta Suplicante
• A magia tem efeito oposto (cura em vez A maior área florestal de Wynlla recebeu seu nome
de dano, por exemplo), se aplicável. agourento muito antes da própria fundação do reino,
assim chamada por povos nativos em seus próprios
• Outra magia aleatória de mesmo círculo
idiomas. Mais tarde, os primeiros aventureiros deheoni
é conjurada, mesmo não sendo conhecida
a explorar suas profundezas escuras concordaram ser
pelo conjurador.
uma alcunha merecida.
• A magia falha. Uma explosão causa dano
Estudiosos de Wynlla constataram que, afetada
de 4d6 ao conjurador e 2d6 a todas as
pela magia caótica ambiente, toda a vida vegetal local
criaturas adjacentes.
apresenta xenomorfismo psicorreativo: em termos leigos, as
• A magia recebe um aprimoramento plantas têm formas muito diferentes e mais assustadoras
aleatório, sem custo extra, se aplicável. do que deveriam. Galhos parecem braços esqueléticos
• A magia funciona normalmente sem que terminam em mãos ossudas, troncos exibem
consumir PM. formações que lembram rostos em agonia, folhagens
• Caso o efeito não seja aplicável, role mais parecem trapos decrépitos. Não sendo possível tais
outra vez. formações surgirem por coincidência, acredita-se que a
magia ambiental exerce alguma forma de leitura mental
Embora as maiores áreas de caos arcano
sobre seres inteligentes que a visitam, encontrando
tenham sido mapeadas, existem áreas
imagens que causam desconforto e moldando a vida
menores ainda por descobrir — encontrá-las
vegetal de acordo. O fenômeno funcionaria, assim,
e relatar sua posição é trabalho comum para
como uma forma de defesa contra invasores.
aventureiros locais. Também sabe-se de
áreas sazonais, ativas apenas durante alguns Para os religiosos, a explicação é muitíssimo mais
dias ou meses por ano; ou áreas espontâne- simples: é uma floresta assombrada.
as, que não existiam até recentemente. Ou Fosse apenas um efeito paisagístico, não haveria
ainda, áreas com efeitos colaterais muito problema. Ocorre que a região é infestada de criatu-
mais catastróficos. ras-planta como trolls, tendrículos e árvores-matilha,
assim como clareiras inteiras de grama carnívora.

Capítulo Um
114
Mortos-vivos e elementais da terra variados também Táticas dos Magos de Batalha
rondam suas matas escuras.
Magos de Batalha são focados em magias
Buscando desvendar seus segredos, o Conselho de
ofensivas que afetam grandes números de
Wynlla (assim como pesquisadores por toda Arton) en-
alvos. Suas Bolas de Fogo, Relâmpagos e
via expedições regulares de aventureiros para capturar
Sopros das Uivantes esfacelam as formações
espécimes. Muitos não retornam, passando a integrar a
inimigas. Oponentes isolados, mas
população local de mortos-vivos, e seus equipamentos
poderosos, são atacados com Seta Infalível
valiosos servindo para atrair as expedições seguintes...
de Talude ou Flecha Ácida. Quando lutam
ao lado de forças aliadas, contudo, podem
Serra de Cristal preferir incapacitar seus alvos com Área
Apesar de seus perigos, Wynlla oferece paisagens Escorregadia, Teia e Sono, deixando-os
belas. Estas elevações vítreas estão entre as vistas mais vulneráveis aos companheiros.
deslumbrantes no reino. Sua tática padrão é atuar em pequenos
Concentradas mais ao sul do reino, próximo à grupos, oferecendo poucos alvos ao inimigo,
fronteira com Tyrondir, estas montanhas de picos mas causando tanto estrago quanto as
translúcidos são claramente resultado da magia maiores legiões. Suas defesas são reforçadas
selvagem. Durante o dia, as gigantescas formações com magias de Armadura Arcana e Campo
cristalinas refratam auras coloridas que preenchem de Força. Também disfarçam seus números
os céus — sendo tão belas quanto perigosas. Com o reais com Imagem Espelhada, ou recorrem a
avanço de Azgher, feixes de brilho ofuscante podem Camuflagem Ilusória ou Invisibilidade para
cegar viajantes incautos, enquanto raios de calor atacar furtivamente.
concentrado são capazes de assar humanos despro- A força do grupo está em magias de 1º e 2º
tegidos em instantes. círculo lançadas por um bom número de
Sem proteções pesadas contra esses efeitos, conjuradores. Tipicamente haverá também
explorar o sítio apenas será possível à noite. Sob o um comandante capaz de conjurar magias
manto estrelado de Tenebra, a serra oferece espetáculo de 3º círculo; este não atua em combate
igualmente esplêndido, cintilando como as próprias direto, usando Vidência para espionagem e
estrelas. Ainda assim, elementais de todos os tipos Teletransporte para reposicionamento tático
rondam suas encostas, atacando tudo que se move. de pequenos grupos.

A maior parte das montanhas é composta por


rocha transparente, mas sem valor, pois reverte para
pedra comum quando afastada da região. Contudo, avançadas. Houve, no passado, uma única tentativa
estudiosos suspeitam existir jazidas de cristal com que resultou em tragédia.
propriedades especiais. Grupos de heróis são con- Distante de qualquer grande cidade por motivos de
tratados para explorar suas vastas redes de cavernas. segurança, o Internato Taleise Neil foi fundado pela
Diz-se que um bardo elfo de nome Millias está arcanista de mesmo nome, propondo ser o maior centro
em busca de aventureiros para ajudá-lo na tarefa de de ensino arcano em Arton, ambicionando superar
fundar sua própria cidade na Serra de Cristal, um até mesmo a célebre Academia Arcana. Sediada em
lugar onde seu rosto estaria entalhado em toda parte um castelo remoto, a instituição atraiu bom número
e sua voz saudaria magicamente todos os visitantes. de estudantes. Atuou durante quase um ano, até que
Contudo, aqueles que se envolvem nisso encontram um terrível acidente encerrou suas atividades — e as
alguns problemas. Em primeiro lugar, o senso de vidas de todos os presentes, incluindo sua fundadora.
humor irritante de seu patrono. Em segundo, o fato A causa exata até hoje permanece um mistério. A
de que ele apadrinha grupos bondosos e malignos teoria mais aceita seria alguma improvável combinação
igualmente. Em terceiro, o boato de que está tentando de fatores — uma manifestação espontânea de caos
ascender a deus menor... arcano, afetando alguma conjuração destreinada de
alto círculo sendo ali executada. Metade do castelo
Antigo Internato foi reduzida a ruínas. Seus ocupantes, mortos ou
metamorfoseados em monstros de vários tipos.
Embora a Ordem do Sacro Grimório seja bem-
-sucedida no ensino público arcano elementar, não Após o desastre, tentativas de erigir grandes es-
existem em Wynlla colégios destinados a conjurações colas de magia avançada no reino foram abandonadas;

O Reinado
115
simplesmente não há como garantir a segurança. Hoje Esta ordem de magos-cavaleiros foi fundada
o Conselho prefere investir em bolsas de estudos e durante a Grande Guerra pela Comandante Aurora
programas de intercâmbio com a Academia Arcana, Solbringger, uma oficial desertora da Ordem Magi-
além de instrutores particulares em sistemas aprendiz/ bélica que se negou a servir ao governo purista. A
mentor mais precavidos. ordem começou como um grupo guerrilheiro rebelde,
As ruínas do Internato se tornariam foco de mas encontrou refúgio e aliados entre os contingentes
exploração por aventureiros, muitas vezes contra- wynllanos que apreciavam suas capacidades arcanas.
tados por patronos para encontrar pistas sobre o Hoje, a sede da ordem se tornou um escudo contra
acidente, resgatar sobreviventes (mesmo em sua as investidas da Supremacia, bem como local de
atual forma monstruosa) ou recuperar relíquias. aprendizado para Magos de Batalha interessados em
Rumores dizem que a ameaça mais perigosa no local incorporar as habilidades dos temidos Arcanos de
é o próprio fantasma de Taleise, aprisionada ali pela Guerra e Cavaleiros Arcanos ao seu repertório.
culpa e desespero. O Bastião da Alvorada é um cubo perfeito de pedra
e metal, intencionalmente imitando a arquitetura da
Fortaleza da Fênix de Ferro (é desconhecido se pode
Guildas & mover-se como a original). Está sempre adornado por

Organizações enormes flâmulas com o brasão de um leão envolto


por uma juba de chamas que lembra o formato do
sol; clara afronta aos soldados de elite da Supremacia.
Os Magos de Batalha
O Reino da Magia tem um dos menores exércitos
do Reinado, mas longe de ser fraco! O grosso de
A Taça da Centelha
Para o culto e disciplinado povo de Wynlla,
suas forças é formado pelo grupo conhecido sim-
entretenimento é algo levado a sério. Quando os
plesmente como Magos de Batalha. Menos um grupo
grimórios se tornam cansativos, o típico wyllano
organizado e mais uma “profissão”, estes arcanistas
busca relaxamento em hobbies e projetos pessoais.
especializados em combate ganhariam fama por todo
Poucos praticam esportes físicos, mas muitos os
o Reinado, especialmente após sua atuação explosiva
desfrutam como espectadores. Existe também forte
na Guerra Artoniana.
tradição local de jogos estratégicos, com grandes
Podem ser encontrados em guarnições por todo clubes e torneios nacionais.
o reino, protegendo suas cidades e rotas comerciais.
Nenhum evento, no entanto, é tão grandioso
São treinados na capital Sophand, no Centro de
quanto a Taça da Centelha.
Treinamento Arcano Militar, coordenado pelo
veterano Vaal Zerny e pelo elfo Thaelsres Plhinnes, Realizado todos os anos, o torneio teve início
ambos mestres em combate e magias aplicadas. como celebração à assinatura do Tratado da Centelha
Embora magias sejam sua arma principal, Magos de — uma competição esportiva amistosa entre as três
Batalha também são habilitados no uso de espadas, potências mágicas, outrora rivais. Representantes
machados, arcos e bestas. da Academia Arcana, Vectora e Wynlla disputam
provas de numerosas modalidades, sempre envol-
Um Mago de Batalha deve cumprir dois anos
vendo magos e golens, auxiliados por equipes de
de serviço militar. Após esse período, pode escolher
suporte. O campeão de cada modalidade é premiado
realistar-se ou dar baixa. Muitos acabam se tornando
com a Taça titular, um artefato elemental que revela
aventureiros, mercenários ou agentes livres.
poderes misteriosos a seu conquistador. Mais que uma
competição entre arcanistas ou construtos, a Taça é
A Ordem da uma disputa de perícia, genialidade e inventividade.
Nova Alvorada Artífices de toda Wynlla sonham construir o golem
vencedor do próximo torneio.
Uma pequena porção do território norte de Wynlla
está localizada na Conflagração do Aço, a turbulenta Sempre sediado no Coliseu Nacional de So-
zona de conflito ainda disputada entre Bielefeld e a phand, o torneio recebe milhares de espectadores
Supremacia Purista. Apesar de raramente se envolver presenciais, sendo também transmitido por vidência
em combates na região, o exército do reino ergueu para todo o reino — bem como várias grandes tavernas
várias torres e quartéis para patrulhar e defender suas do Reinado. (Comentários maldosos de estrangeiros
fronteiras contra possíveis invasores. O mais notório dizem que nada agrada mais um wyllano que ver
dentre eles é certamente o Bastião da Alvorada. outro lutar em seu lugar...)

Capítulo Um
116
Aventuras capacidades arcanas são ainda maiores aqui, levando
dragões adultos a conclamar vastos territórios — e
Por suas criaturas e fenômenos sobrenaturais, ocasionalmente ameaçar suas cidades.
colonizar Wynlla só foi possível pela atuação de arca- Outro risco para viajantes são golens renegados,
nistas poderosos. Ainda assim, a civilização é restrita que fogem ao controle e abandonam seus mestres
a cidades fortemente protegidas — ninguém pode nas cidades. Alguns o fazem por ganhar consciência
afirmar que o reino foi “conquistado”. Seus ermos e desejar liberdade, outros apenas enlouquecem por
seguem ameaçadores como antes. algum defeito em sua fabricação. Quando confrontam
A fauna elemental nativa é tão farta e variada quan- estranhos, podem ter reações variadas — mas quase
to perigosa. Manadas bovinas ber-baram incendeiam sempre são hostis, por insanidade ou temor pela
os campos por onde passam. Bandos simiescos pamgra recaptura. Devido aos custos enormes para forjar
rondam as montanhas e desfiladeiros. Rarvnaak golens poderosos (ou preocupações legítimas por
invisíveis espreitam nas florestas, matando muito seu bem-estar), nobres e artífices podem contratar
antes de serem percebidos. Aranhas cristalinas stagh aventureiros para rastreá-los e trazê-los de volta, de
enxameiam em colinas e cavernas. Nenhum outro preferência sem danos.
lugar no plano material apresenta tantos elementais Aventuras de natureza muito diferente podem ser
selvagens quanto Wynlla, sendo um dos maiores obs- encontradas nas grandes cidades do reino. Embora
táculos em sua colonização. Por outro lado, é também a sociedade local funcione em relativa harmonia,
a região mais propícia para caçar tais criaturas. tensões entre magos e não-magos às vezes resultam
Talvez devido à emanação natural de magia, outros em incidentes violentos, nem sempre com culpados
tipos de monstros também são relativamente comuns. óbvios. Disputas de poder e influência entre famílias
Criaturas como quimeras, cocatrizes e górgonas que buscam posições no Conselho também são co-
existem aqui em maiores números, até formando muns. Ainda, alguns entre os ladinos e piratas mais
bandos. Dragões e monstros aparentados abundam habilidosos do Reinado constantemente tramam golpes
de igual forma; visto que alguns conjuram magia, suas para roubar os itens mágicos valiosos aqui produzidos.

O Reinado
117
Capítulo Um
118
Ahlen O REINO DA INTRIGA

À
primeira vista, Ahlen é um reino seu status. Por sorte (ou azar) dos envolvidos,
discreto cuja história vem se man- boa parte desses planos mirabolantes envolve a
tendo à margem dos grandes eventos participação de agentes externos. Em outras palavras,
mundiais. Tem tudo para ser só mais aventureiros. Assim que se envolvem nesses
um reino qualquer. Suas cidades não têm esquemas, os aventureiros rapidamente descobrem
nada de excepcional, seu povo raramente é que nesta terra os fins justificam os meios, a corrente
sempre se parte no elo mais fraco e tanto as leis
mencionado e a lista de heróis ahlenienses é
quanto a verdade são… maleáveis.
surpreendentemente curta. Enquanto a Guer-
ra Artoniana castigava Deheon e o Reinado, Ahlen não é para os fracos. Ahlen é para os
enquanto Tyrondir e o Império de Tauron espertos.
sofriam eventos cataclísmicos divinos, Ahlen
permanecia alheio. Pouco respingou no reino
da raposa e em seus moradores. Não só o reino
História
não sofreu com essas tragédias, como também A história de Ahlen começou em 1050, quando
recentemente conseguiu expandir suas fron- os patriarcas de três grandes casas nobres, Ahmed
teiras ao incorporar Collen no seu território. Rigaud, Gustaf Vorlat e Dominic Schwolld, dei-
Além disso, também conseguiu se beneficiar xaram Deheon com suas cortes inteiras, em busca
com as tragédias ao receber um pequeno fluxo de prosperidade e uma vida melhor. As três famílias
de refugiados e imigrantes. Um oásis de paz já eram nobres de grande poder no velho continente
e seu espírito de liderança e bravura as impeliu a
em um mundo de guerras.
buscar novos horizontes.
Mas, no instante em que puser os pés nesta
Essa é a narrativa oficial.
terra, um visitante vai descobrir que o reino não é
tão pacífico assim, e não tem nada de discreto ou Uma versão alternativa conta que na realidade
ordinário. No centro da capital Thartann, o Palácio os três foram expulsos da corte por tramarem contra
Rishantor brilha como um farol de ostentação o então Rei-Imperador Wortar I, mas essa versão é
desenfreada, lançando seu esplendor sobre um mar amplamente refutada por historiadores ahlenienses.
de ruelas humildes e decrépitas. Uma corte numerosa Na época, as memórias da Grande Batalha ainda eram
que vive imersa em um luxo obsceno e decadente relativamente recentes e o ideal de manter Ramnor
bajula seus superiores ao mesmo tempo em que como um lar para todos guiava as decisões da coroa.
conspira para tomar seus títulos e privilégios. Plebeus Assim, só se pode especular a gravidade dos crimes
e nobres menores vivem buscando e participando de das três famílias para que fossem banidas... Mas, é
esquemas para enriquecer rapidamente ou aumentar claro, isso nunca aconteceu.

O Reinado
119
Venha para Ahlen!
colonos truculentos
Ahlen é um reino idílico.
de Deheon
No norte, as pastagens e coxilhas geladas se Os Schwolld foram os primeiros a se estabe-
estendem por muitas léguas, entrecortadas lecer, fundando a cidade de Colamar aos pés das
por riachos de águas límpidas e cristalinas, Colinas de Danshed. Os Rigaud seguiram mais ao
alimentados pelas geleiras das Uivantes. As sul e se instalaram na costa, fundando a cidade de
florestas são frondosas e vívidas, tão belas quanto
Ni-Lodashyr. Por fim, os Vorlat tomaram para si
as de Tollon, e muito mais seguras. No sul, as
a parte oeste e fundaram Midron nas margens do
praias longas de areia branca e águas límpidas são
Yrlanyadish. Uma quarta casa, Hogarth, seguiu as
raramente visitadas por piratas.
três mas preferiu se afastar, instalando-se na ilha
Ahlen é um reino pacífico e seguro. de Collen e deixando de participar ativamente da
Os livros oficiais do reino registram os menores história de Ahlen por mais de três séculos.
índices de roubo em estradas de todo o Reinado Uma vez assentados estavam prontos para começar
e nunca houve uma reclamação formal de mau uma era de prosperidade. Mas prosperidade para alguns
comportamento por parte da guarda. A estadia significava tragédia para outros. As terras escolhidas
nas cidades é segura, bastando evitar as poucas pelas três famílias não eram desabitadas e cada uma das
áreas perigosas e confiar nas autoridades. casas lidou com os povos originais à sua maneira. Em
Ahlen é um reino alegre e contente. comum, as três tiveram ganância, crueldade e frieza.
A capital Thartann é famosa por suas estalagens Os Rigaud, os mais violentos entre os coloni-
limpas e seguras, cuja vida noturna é pujante e zadores, empreenderam um verdadeiro extermínio,
irreverente. É o lugar perfeito para apostar seus enviando batalhões de soldados com a missão de
tibares tendo certeza que o jogo será justo e sem localizar cada povoado e chacinar todos os seus
trapaças. Para uma estadia tranquila, não preste habitantes, então queimar seus campos e destruir
atenção à diferença monetária entre nobres e seus lares. Nada além de terra devastada restava
plebeus ou às reclamações infundadas destes. O após a passagem das tropas dos Rigaud. Os sobre-
que um plebeu sabe, afinal?  viventes desses massacres fugiram para as terras
que estavam sendo conquistadas pelos Vorlat. Essa
Mas, principalmente, Ahlen é um reino de gente
família preferiu uma abordagem estratégica, mas não
honesta e confiável.
menos sangrenta. O patriarca estabeleceu alianças
Confie sempre nas fontes oficiais, famosas por sua com diferentes líderes e chefes, dividindo os nativos
imparcialidade. e voltando-os uns contra os outros. Transformou os
Vida longa ao Rei! refugiados das terras destruídas pelos Rigaud em
inimigos, semeou o medo e a desconfiança. Fez com
que os povos lutassem entre si. Por fim, matou ou
— Trecho do Guia turístico ilustrado para
subjugou os sobreviventes. Já os Schwolld usaram os
Ahlen, publicado como caderno especial
exemplos das outras duas famílias para amedrontar
da Gazeta do Reinado, a pedido de
os povos que viviam nas terras invadidas por eles.
Sua Majestade Real Nonato Vorlat I e
Apresentaram-se como única opção de proteção aos
produzido pela Comissão Especial de
habitantes nativos e os absorveram, forçando-os a
Assuntos Alheios, segunda vice-diretoria
abandonar seus costumes, seu idioma, até mesmo
do Departamento de Embaixadas e
seus nomes. Uma vez incorporados à sociedade que
Representações Diplomáticas.
estava se formando no território conquistado, os
donos daquela terra foram transformados em cidadãos
de segunda categoria.
Ao longo de algumas gerações, os territórios dos
colonizadores se expandiram até que eles tivessem
apagado todos os traços de seus habitantes e ocupado
tudo que havia para ocupar. As três casas também
haviam trazido consigo conflitos internos, rixas e
desavenças cultivadas na corte de Deheon. Quando
seus territórios em expansão se encontraram, Schwolld,
Rigaud e Vorlat começaram a disputar o poder entre si.

Capítulo Um
120
Punhaladas e
apertos de mão
As três casas embarcaram em uma guerra silen-
ciosa de conspirações e tramoias. Espiões e assassinos
se infiltravam em castelos, nobres eram assassinados,
guardas, oficiais e cavaleiros eram subornados, suspei-
tos de traição eram enforcados em praça pública. Isso
culminou numa única batalha campal que terminou
em um impasse, quando os três exércitos decidiram
recuar simultaneamente.
Os nobres das três famílias sabiam o risco que
estavam correndo. Enfraquecidos e quase arruinados,
temiam uns aos outros, os sobreviventes de seus
massacres e também a coroa de Deheon. Aquela
guerra iria acabar com as três. Durante a reunião
para negociar um armistício, o patriarca Rickard
Rigaud, neto de Ahmed, ousou sugerir a fundação
de um reino chamado Ahlen — “aliança” no idioma Ahlen
de um dos povos que eles haviam acabado de dizimar.
Mais tarde, quando precisassem enaltecer sua própria Nome Oficial: Mui Exaltado Reino de
honra, os nobres ahlenienses usariam esse fato como Ahlen.
prova da “admiração e respeito” que nutriam pelos
Lema: “Astúcia e Soberania”.
povos originais.
Brasão: de prata três raposas passantes
Uma nova capital, chamada Thartann, seria
de vermelho em pala.
construída em conjunto pelas três casas e beneficia-
ria a todos. E, para que nenhuma casa ficasse acima Gentílico: ahleniense, colleniano.
das outras, Rigaud propôs que o governo fosse um Capital: Thartann.
triunvirato. Depois de muitos questionamentos para
Forma de Governo: monarquia
se certificar que aquilo não era mais um ardil, Setlick
absolutista.
Schwolld e Fidgett Vortlat acabaram concordando,
assim selando a fundação do reino. Regente: Rei Nonato Vorlat.

Em 1099 o Palácio Rishantor, sede da nova População: 950.000.


coroa, foi inaugurado com uma imensa festa que Raças Principais: humanos, goblins.
selou oficialmente a fundação do reino. Naquela
Divindades Principais: Hyninn,
noite especial não haveria diferença entre nobres e
Nimb, Marah, Tenebra, Valkaria.
plebeus nem entre as três famílias fundadoras. Para
isso todos usariam máscaras, fantasias e as roupas que
bem entendessem. A comemoração ficou conhecida
como Noite das Máscaras e se tornou um evento anual.
Durante a festa, os patriarcas Schwolld e Vorlat
vieram a falecer misteriosamente. O coração de Setlick monarca absoluto e não previa uma reconstituição
Schwolld explodiu dentro do peito. Fidgett Vorlatt, do triunvirato. Da mesma forma, o conselho do reino
supostamente viciado na droga achbuld, matou a seria dissolvido, substituído por membros da família
esposa e os filhos, então tirou a própria vida. Quando o Rigaud. O patriarca exaltou a fibra moral dos dois
dia amanheceu e as máscaras foram retiradas, Rickard falecidos, celebrando-os por sua abnegação em centra-
Rigaud estava livre para assumir o trono sozinho. lizar o poder nas mãos de uma só família no caso de
Também naquele dia o novo rei apresentou uma série de eventos tão improvável. Alguns nobres
uma cópia do documento que havia sido enviado a e cortesãos afirmaram ter visto o documento original
Deheon anunciando a formação do reino. Segundo os e disseram que nenhuma dessas cláusulas existia.
meandros legais da declaração, e ao contrário do que Infelizmente, a onda de azar se alastrou para eles e
todos presumiam, o acordo colocava Rickard como nenhum sobreviveu mais do que algumas semanas.

O Reinado
121
No fim desse período conturbado, toda a nobreza mesmo tempo conseguindo evitar um conflito direto
de Ahlen garantia que a carta de formação do reino com Deheon ou Bielefeld. Antes de a guerra terminar, o
sempre fora assim. Muitos lembravam dos patriarcas rei mudou de lado mais uma vez. Ahlen voltou a fazer
Schwolld e Vorlat sugerindo a centralização. parte do Reinado e Thorngald se disse arrependido da
Embora os Rigaud tenham adquirido enorme aliança que havia feito.
poder e o triunvirato nunca mais tenha sido imple-
mentado, as outras duas famílias se reergueram. Os novos monarcas
Entrando em uma aliança temporária, os Schwolld Em 1416 Thorngald faleceu, aparentemente e
e os Vorlat conseguiram estabelecer que o trono milagrosamente por causas naturais. A morte causou
seria alternado entre as três famílias fundadoras e o tanta estranheza na corte que fez surgir toda sorte
conselho seria reformulado após as mortes de seus de teorias conspiratórias. Nonato Vorlat, filho de
membros. No fim, a custo de sangue, veneno e ouro, Thorngald que sobreviveu ao atentado da sua mãe
Ahlen passou a viver num equilíbrio frágil, sempre sob sofrido pelas mãos do albino, assumiu imediatamente
o comando das três casas nobres originais. Depois da o trono e mostrou estar preparado logo nos primeiros
morte de Rickard, os monarcas se sucederam numa dias. O novo rei tem as mesmas qualidades do pai:
caótica dança das cadeiras, capaz de confundir o mais é astuto, ardiloso e ambicioso. Só não parece ter
dedicado historiador. herdado a feiura do progenitor — é tão belo que
um boato corrente afirma que sua aparência tem
A mão de ferro origem mágica ou divina. Sua primeira conquista foi
a anexação do reino vizinho de Collen, fruto de um
dos Vorlat longo plano posto em marcha por seus antepassados.
O período de sucessões se encerrou quando Durante a Guerra Artoniana, Ahlen veio ao resgate da
Thorngald Vorlat assumiu o trono em 1387, depois ilha vizinha quando sua capital foi capturada por uma
de supostamente envenenar seu próprio irmão. Este misteriosa horda de piratas liderada por um nobre
homem magro de barbas e cabelos negros tinha colleniano renegado. Depois de expulsar os invasores,
uma aparência comum, mas era muito inteligente os soldados e autoridades de Ahlen permaneceram
e dominava todo tipo de intrigas, conseguindo se ali para “manter a paz” e “ajudar na reconstrução”.
aferrar no trono de Ahlen por quase 30 anos. Para isso Gradualmente, a influência ahleniense foi crescendo
lançou mão de todos os truques possíveis — talvez sua na pequena ilha à medida que seus nobres e espiões
maior artimanha tenha sido uma reforma de títulos conquistavam as mentes e corações da população.
e propriedades feudais que colocou a aristocracia Ninguém sabe o que levou o nobre renegado a liderar
em caos e manteve os nobres ocupados demais para uma incursão pirata tão conveniente para a coroa de
conspirar. Além disso, o rei aprimorou e fez uso Ahlen. Infelizmente, o aristocrata morreu em meio
extensivo de sua rede de espiões, estendendo-a por a um combate e seu corpo desapareceu antes que
quase todo o Reinado. Também se beneficiou por qualquer clérigo pudesse falar com seu espírito...
ter conseguido frear o avanço do Império de Tauron
Depois de um breve noivado, Nonato casou-se com
durante as Guerras Táuricas. Um feito duvidoso para
a princesa Vinala Hogarth, única herdeira do trono de
um reino mais afeito à intriga do que à guerra, mas
Collen. A princesa perdeu seu pai para uma misteriosa
assim diz a versão oficial.
doença e sua mãe para um mal súbito que ocorreu
Mesmo com todo esse poder, a vida pessoal de logo depois que ela nasceu, e foi criada por servos da
Thorngald Vorlat parecia amaldiçoada. Alguns dizem família e nobres amigos. Ela ficou famosa em Ahlen
que sua esposa, Yelka Vorlat, foi envenenada durante por usar um tapa-olho, que supostamente esconde um
um jantar. Há quem diga que ela foi vítima de aven- olho degenerado que lhe concede poderes mágicos. O
tureiros que se infiltraram no quarto real. Outros casamento ocorreu no dia seguinte ao aniversário de
ainda juram que houve um atentado contra a vida da Vinala, quando ela atingiu a maioridade e assumiu o
rainha, na qual ela quase perdeu o filho que carregava título de rainha. Os reinos foram unificados e a ilha
no ventre. Os mais loucos teóricos de conspiração passou a ser um ducado de Ahlen.
afirmam que esse atentado teve a ver com a chegada Dizem que a relação dos dois monarcas é tão
da Tormenta em Arton. verdadeira quanto as tramoias que Nonato fez para
Já idoso, Thorngald fez sua última grande jogada conquistar Vinala. Na verdade, apesar da fama de seu
traiçoeira durante a Guerra Artoniana, quando se reino e de sua família, dizem que o rei acabou caindo
aliou ao reino de Yudennach e a Portsmouth (hoje numa armadilha. Afinal, o casal teria se unido....
Aslothia) no chamado Triângulo Autocrático — ao por amor! Essa paixão mútua é mal vista pela corte,

Capítulo Um
122
que acredita que o amor pode entorpecer a mente e extorquem os assentamentos de refugiados, mantendo
deixar o rei vulnerável. Já os plebeus, especialmente bases secretas tanto em Ahlen quanto em Tollon.
de outros reinos, veem apenas uma linda história Nesta área fronteiriça, mercenários, contrabandistas
romântica. Talvez o carisma de ambos seja suficiente e lenhadores entram em confronto a todo momento,
para lançar o reino em uma nova era de relações algo considerado excessivo até mesmo para os padrões
diplomáticas e influência. ahlenienses de criminalidade. Já a divisa norte com
Rei e rainha, com sua beleza e sua ambição extra- Deheon é considerada a fronteira mais estável e
ordinárias, estão focados em ter muitos herdeiros para segura, mas os deheoni não esqueceram da aliança
servir como base de uma longa dinastia. Enquanto isso, de Ahlen com a Supremacia Purista. Sempre que
os Rigaud e Schwolld tramam incessantemente sua soldados dos dois lados se encontram, existe o risco
queda, ansiosos para assumir o trono mais uma vez. de uma fagulha virar uma fogueira.
As florestas de Ahlen foram muito pouco explo-

Geografia radas pelos colonos. Exceto por alguns pequenos


entrepostos de caçadores e lenhadores, estão da
Ahlen está em uma posição geográfica confortável, mesma maneira que eram no tempo da colonização.
sem grandes ameaças no momento. Na região sul, Nestas matas virgens vivem os poucos habitantes
ataques de goblinoides são constantes, causados originais que restaram, isolados do restante do reino
pela queda do reino de Tyrondir. Mas são grupos em pequenas vilas. Para eles, manter-se ocultos é
pequenos de diversas tribos que ainda não se uniram questão de sobrevivência. São extremamente descon-
ou que se desgarraram da sociedade duyshidakk. A fiados dos visitantes, especialmente ahlenienses, mas
oeste, o Império de Tauron ainda arde em chamas, costumam receber muito bem aventureiros de outros
fazendo com que alguns cidadãos busquem refúgio reinos, não humanos e especialmente dahllans. Esses
em assentamentos precários perto da fronteira. Ban- forasteiros são sua ligação com o resto do mundo e
didos realizam incursões para dentro do Império e sua grande fonte de notícias.

O Reinado
123
O Doce Veneno Os centros urbanos de Ahlen estão concentrados
no seu longo litoral e nas margens dos três principais
Achbuld, uma droga alucinógena de rios: Panteão, Yrlanyadish e Nerull. Thartann é o
alto poder viciante proibida em todo o coração de Ahlen, de onde partem estradas para todas
Reinado, é produzida ilegalmente em as outras cidades importantes do reino e do exterior.
Ahlen, de onde parte clandestinamente Horeen, a capital de Collen, tem experimentado um
para o resto de Arton. Um usuário sob progresso espantoso, tbeneficiada pelos esforços do rei.
efeito do narcótico se torna delirante, As três casas nobres foram convocadas a ajudar na tare-
letárgico e confuso, em geral tomado por fa de modernizar a terra anexada. Como contrapartida,
visões agradáveis e reconfortantes que ganharam direito a terras desocupadas, iniciando uma
não trazem nenhum tipo de revelação ou corrida de colonização e urbanização. Os novos colonos
transcendência. Por esta razão as casas gostam de comprar materiais em Horeen — além de
de consumo de achbuld geralmente têm mais baratos, não obrigam o comprador a negociar
camas ou divãs para que os usuários com comerciantes ahlenienses...
possam ficar deitados e aproveitando os
efeitos. Apesar de serem ilegais, essas O clima em Ahlen é dividido em três grandes áreas.
casas de consumo são relativamente O extremo norte tem um inverno rigoroso e é a única
fáceis de encontrar em Ahlen, mas região do reino onde neva. No verão o clima é ameno
extremamente raras fora do reino. e o vento das Uivantes torna o local perfeito para se
refugiar do calor do sul, como fazem alguns nobres em
suas mansões de veraneio. Na costa, o clima é ameno
o ano todo e tem um verão bem quente. Na parte
As florestas fechadas têm um aspecto semelhante restante do reino, que vai das colinas Danshed até o
às de Tollon, especialmente no vale Thrkodd’mor, vale Thrkodd’mor, o clima é ameno o ano inteiro. O
ainda que a sua madeira não tenha a mesma qualidade. verão em Thartann é especialmente insuportável: por
Nas colinas de Danshed a mata fechada apresenta ter poucas árvores e ficar ao lado de um rio, a cidade
folhas de cor alaranjada ou marrom o ano inteiro. Já sofre com um calor abafado que castiga a população,
no norte, a floresta de coníferas é mais gelada devido enquanto os nobres são abanados por seus servos e
à proximidade com as Uivantes. É a menos explorada se deleitam com bebidas geladas. Já Collen possui
entre todas as regiões florestais, por ser distante e de um clima ameno e agradável o ano inteiro, mas pode
difícil acesso. Ao sul, a famosa Mata dos Cem Olhos sofrer viradas bruscas de temperatura e tempestades
na ilha de Collen é bem mais quente e cheia de perigos súbitas que surgem do mar.
inusitados, como monstros cheios de olhos e outras
criaturas de visão mágica.  
Além das florestas e colinas, Ahlen não tem nenhu-
Povo & Costumes
ma outra grande atração natural — o resto do território A maior parte da população de Ahlen é formada
é uma enorme planície de terra úmida e vegetação pelos humanos descendentes dos primeiros colonos.
baixa. Comparado com Deheon, o reino tem menos Boa parte desses tem uma opinião firme sobre o papel
estradas e mais perigos, geralmente bandidos e guardas dos humanos na sociedade: mandar nos demais. Este
corruptos. Não é raro neste reino de desconfiados um sentimento tem sua origem na fundação do reino e foi
viajante perceber outro vindo na direção contrária e sendo perpetuado através das gerações, acabando por
se esconder na beira da estrada até o estranho passar. influenciar na decisão de se aliar com a Supremacia
Afinal, pode ser apenas um viajante... Mas é provável Purista durante a Guerra Artoniana, ainda que Ahlen
que seja um ladrão ou assassino. Ou que seja apenas nunca tenha tido políticas oficiais de extermínio de
um viajante que, frente a condições favoráveis, se torne outras raças.
um ladrão ou assassino. As coisas mudaram depois da guerra. Muitos
O reino produz um pouco de tudo e não possui ahlenienses viraram as costas a essa mentalidade
nenhum recurso natural que possa ser cobiçado pelos quando ela deixou de ser conveniente, e juram que
reinos vizinhos. Seu maior produto de exportação é, nunca concordaram com a postura do reino... Alguns,
para a infelicidade do Reinado, o perigoso e viciante principalmente os plebeus mais humildes, foram
achbuld. O reino tem minas e pedreiras concentradas confrontados com uma realidade dura que eles não
nas colinas de Danshed e Thrkodd’mor, mas a produção conheciam, ou escolhiam ignorar. Outros trabalharam
delas é insuficiente para suprir o reino, levando este ativamente contra o Triângulo Autocrático durante a
à uma carência de metais e pedras para construção. guerra, como sabotadores e guerrilheiros. E existem

Capítulo Um
124
aqueles que continuam leais à Supremacia Purista apesar do nome dura o dia todo, os participantes vestem
— mas, ao modo de Ahlen, fazem isso nas sombras, fantasias e máscaras, além de roupas típicas de outras
conspirando e mentindo. Os collenianos nunca classes sociais. É um dia de entrega e descontrole,
estiveram alinhados com a Supremacia e raramente onde o único objetivo é a diversão hedonista. Há de
são vilões desse tipo. tudo: traições entre casais, encontros ilícitos entre
Entre os não humanos, apenas os goblins existem nobres e plebeus, bebida e comida em excesso, dança,
em grandes números no reino. Essa raça versátil e furtiva gritaria e violência. Uma das principais características
abriu sorrateiramente um espaço para ela dentro da da festa é o anonimato. Não há diferença entre nobres
sociedade ao mesmo tempo que conseguiu manter uma e plebeus. Mesmo que alguém reconheça a identidade
certa identidade. Goblins foram escravizados em Ahlen de outra pessoa, finge ignorá-la, num acordo tácito
há não muito tempo, mas a nobreza vem se esforçando que permeia toda a capital. Toda a necessidade de
para apagar as marcas dessa atrocidade e fingir que ela extravasar da população é descarregada na Noite das
nunca aconteceu. Outras raças são raras e costumam Máscaras. E tudo ignorado no dia seguinte, quando a
chamar atenção, embora não percam nenhum direito. vida retorna ao normal.
O acesso ao Palácio Rishantor, normalmente
Primeiro a diversão, restrito a nobres, é liberado a todos durante a Noite
depois o trabalho das Máscaras. O lugar se torna um enxame de gente
e seus incontáveis salões são tomados por multidões
A capital Thartann é um bom lugar para os bardos e de foliões descontrolados. Conta-se de cenas grotescas
menestréis, onde as tavernas costumam ter um pequeno
de sexo e violência entre multidões nos corredores e
palco para apresentação de músicos, atores, dançarinos
aposentos elegantes do palácio. Com a garantia do
e poetas. Além de realizar suas performances, esses
anonimato e a aprovação implícita do reino inteiro,
artistas são procurados para levar mensagens e trocar
os ahlenienses deixam aflorar seu lado mais feral.
ou verificar informações. Entre a corte ahleniense a
última moda é a ópera, cujas exuberantes produções
são apresentadas no famoso Theatro Real de Modas e modos
Thartann. Como regra geral, trabalhos intelectuais A moda em Ahlen muda constantemente, influen-
ou especializados são mais respeitados que os serviços ciada principalmente pela alta nobreza do próprio
braçais, considerados indignos. reino e de Deheon. Mas certas coisas são tipicamente
A jogatina corre solta em Ahlen, em todos os ahlenienses: chapéus emplumados, perucas exageradas,
lugares e todas as camadas sociais. Os carteados casacas enfeitadas, corpetes provocantes e joias de
mais populares são o Cavillan e o Wyrt (oficialmente gosto duvidoso. Roupas espalhafatosas e bufantes estão
proibido para plebeus). O jogo de dados Dhagn’dir, sempre na moda, servindo tanto para chamar atenção
herdado dos povos originais, é o preferido nos becos. quanto para esconder adagas ou cartas. Os plebeus
Independente do jogo, apostas são comuns. Uma que não podem pagar por esses luxos usam roupas
curiosidade é que os ahlenienses não se limitam a simples como camisas, batas, saias e calças, todas de
apostar apenas Tibares, podendo apostar favores, algodão cru ou com tingimentos rudimentares. Em
segredos ou pequenas humilhações. Um caso famoso cima das roupas singelas são adicionados acessórios
conta que um condenado apostou sua liberdade em descartados pelos nobres, barganhas de brechós ou
uma partida de Wyrt contra o magistrado que o julgava imitações baratas. Um olhar treinado de um nobre
— e perdeu. Mas ambos continuaram jogando dentro pode dizer exatamente qual é a origem e classe social
da prisão e, ao longo dos anos, se tornaram grandes da pessoa baseado somente nas suas roupas.
amigos, até que o condenado aproveitou um deslize e
Os modos ahlenienses costumam oscilar entre
escapou. O magistrado ficou com o coração partido e
nenhuma ou muita formalidade, de acordo com o
tão triste que se tornou incapaz de exercer seu cargo.
nível de intimidade. É de praxe tentar projetar uma
imagem de sucesso e de classe, mesmo quando não
A maior festa do mundo se tem nenhum dos dois. Apenas depois de diversas
A primeira Noite das Máscaras foi realizada interações essa fachada poderá ser quebrada. Esse jogo
durante a fatídica inauguração do Palácio Rishantor, de aparências e duelo de palavras teve sua origem na
e o que devia ser uma ocasião única se tornou uma corte, e depois de séculos foi lentamente se infiltrando
celebração anual. A festa começou restrita ao palácio, nas camadas mais baixas da sociedade. Hoje em dia,
mas com o tempo se espalhou pela capital e atualmente até mesmo o estrumador mais miserável tentará fingir
é celebrada por toda a população. Neste feriado, que prosperidade para aqueles a sua volta.

O Reinado
125
Rudeza e brutalidade são comportamentos des-
prezados. Claro que essas atitudes ainda têm seu lu-
Religiosos
gar na sociedade, mas podem ser manifestadas so- (quando conveniente)
mente por trás das cortinas. Portar armas nas ruas A divindade mais popular do reino é Hyninn,
é mal visto, pois armas são coisas de guardas de ci- respeitada e admirada por quase todos os ahlenienses
dade e guarda-costas. Isso só vale no discurso — na — mas quase sempre às escondidas. Se o culto ao
realidade, quase todos têm pelo menos uma arma Deus dos Ladrões é mantido oculto na maior parte
oculta. Quando confrontados, ahlenienses preferem dos reinos, aqui ele é totalmente ignorado! Um
achar uma saída pacífica em vez de recorrer à vio- ahleniense típico fingirá nunca ter ouvido falar de
lência. Ao mesmo tempo, tentam sair ganhando. A Hyninn e ficará escandalizado com a sugestão de que
paz não se faz por acordos, mas por mentiras e en- algum conterrâneo possa cultuar tal divindade. Ao
godos. O importante é que a vítima só perceba que mesmo tempo, ele sempre suspeitou de um vizinho...
foi engambelada quando o enganador já es-
A população se lembra dos outros deuses só quan-
tiver longe. Quando são confrontados
do estão em apuros ou precisando de um favor.
com uma situação violenta inevitável,
Nimb é invocado durante a jogatina, Marah é
os ahlenienses costumam fugir e pedir
lembrada na hora do romance e Tenebra ouve
ajuda. O conceito de honra não com-
preces quando os ahlenienses querem se es-
bina com Ahlen. Sair por cima é mais
conder ou descobrir algum segredo. Existem
importante do que sair limpo.
clérigos de Tenebra no Palácio Rishantor e di-
z-se que mortos-vivos controlados por eles
auxiliam na segurança do palácio. Nas ra-
ras ocasiões em que um ahleniense inspi-
rado busca a excelência por seu próprio
esforço, lembra-se de Valkaria como
modelo absoluto. Uma divindade es-
pecialmente mal vista em Ahlen é
Khalmyr, tido como uma inculto e
“inflexível”. Curiosamente, templos
a Khalmyr são muito comuns nas
propriedades de famílias nobres, para
manter as aparências.
Já na ilha de Collen o comportamento
religioso é completamente diferente. Todas as
divindades são cultuadas com mais devoção,
e os deuses mais populares são Oceano,
Allihanna e (em masmorras e templos
ocultos) Sszzaas.

Jogos, trapaças e
bestas engatilhadas:
em Ahlen, a vitória
pertence aos sagazes

Capítulo Um
126
Um reino sem heróis? Na base da pirâmide estão os plebeus, que traba-
lham de dia pra comer à noite enquanto realizam as
Aventureiros nascidos e criados em Ahlen são tarefas mais importantes. O pobre povo tem muitas
uma espécie rara e muito valorizada dentro do reino, reclamações mas pouco pode fazer, já que está na
que geralmente precisa recorrer a heróis estrangeiros mão dos nobres. A principal diferença de Ahlen
quando há necessidade. Como o reino sofre uma com relação a outros reinos é que a classe nobre é
falta crônica, os nobres e comerciantes ricos acabam
mais numerosa e mais parasitária. Os plebeus são
contratando qualquer um. A alta demanda aumenta os
mantidos nas rédeas através de muita propaganda
valores das recompensas, e por consequência a chance
(alguns realmente acreditam que os nobres são
de algo de errado acontecer com o pagamento — ou
melhores que eles!), promessas de melhoras e uma
com os aventureiros!
política de contenção de líderes populares. Quando
Ladinos, bucaneiros, caçadores e bardos são os surge um líder forte e insatisfeito entre a população,
arquétipos mais comuns entre os aventureiros deste geralmente acontecem duas coisas: ou ele aparece
reino. São considerados ótimos espiões e são famosos com os bolsos cheios de dinheiro e subitamente tem
por encontrar soluções criativas para problemas, pre- uma mudança de opinião... Ou aparece inchado e
ferindo abordagens indiretas à violência. Caso sejam boiando nas águas do Yrlanyadish.
obrigados a combater, tentarão sempre obter uma boa
vantagem inicial.  Outra força política no reino é a Guilda de
Ladrões de Thartann. Oficialmente não possuem
Um costume raramente expresso em voz alta nenhum cargo ou atribuição, mas se há algo que
mas em destaque na mente de todo ahleniense é que não pode ser conseguido através dos meios legais
praticar um crime não é tão grave quanto ser pego. ou oficiais, poderá ser obtido pela Guilda… por um
A visão de mundo cínica desse povo diz que todo preço. Isso inclui qualquer coisa, inclusive favores,
artoniano tenta se aproveitar de todos os outros. Os
e nenhum pedido é absurdo demais. Tanto plebeus
que não o fazem estão mentindo para si mesmos ou
quanto nobres (que possuem emissários oficiais da
apenas têm medo das consequências.
Guilda) podem fazer uso de seus serviços. E, para
Como regra geral o jeitinho ahleniense, essa habi- orgulho de seus membros, os serviços da Guilda
lidade inata de se adaptar e contornar obstáculos, também têm sido procurados por estrangeiros do
prevalece em tudo. Pode ser percebida nas relações Império de Tauron e de Deheon.
entre as pessoas, nas relações com os estrangeiros e
até mesmo nas relações com os deuses.
Locais Importantes
Governo Rishantor,
A organização governamental em Ahlen é uma
pirâmide, cujo topo está tomado pelo casal real Nonato
o palácio dos palácios
Vorlat e Vinala Hogarth. A palavra de ambos é lei e O Palácio Rishantor, motivo de orgulho de todo
deve ser cumprida imediatamente. Abaixo do casal ahleniense, é uma construção colossal e suntuosa
está o conselho real, composto por membros das três que consumiu muitos anos e recursos do reino.
casas e de outros fidalgos. Esses conselheiros auxiliam Com inúmeras torres e fachadas de diversos estilos,
o casal nas tarefas administrativas e diplomáticas, mas o palácio ostenta amplas varandas e janelas com
principalmente em decisões estratégicas. Abaixo do uma vista privilegiada de Thartann. A construção
conselho estão os chefes das três casas reais Rigaud, pode ser vista de fora da cidade, com suas janelas
Schwolld e Vorlat, que ostentam títulos honorários de de vidro cintilando no pôr do sol ou sob a luz do
grão-duques. Depois vêm duques, marqueses, condes luar, como pequenos cristais coloridos. Na sua parte
e vários outros títulos nobiliárquicos. Todos esses mais alta possui muitos telhados e passarelas, todas
nobres maiores teoricamente estão ocupados cuidando enfeitadas com gárgulas e estátuas. Por dentro, os
da administração de suas terras e de seu povo, mas salões intermináveis são adornados com o que há
na realidade nenhum nobre trabalha. Eles gastam de mais caro e luxuoso em Arton: tapetes, estátuas,
seu tempo com intrigas e maquinações para manter quadros, mármores, divãs, dosséis, flâmulas e outros
e conquistar novos privilégios e títulos. Já os fidalgos objetos decoram os ambientes já impressionantes
menores fazem o trabalho administrativo e burocrático por natureza. Algumas peças são mais que decoração
junto a plebeus contratados. A burocracia em Ahlen é e escondem passagens secretas, armadilhas ou
propositalmente labiríntica, ineficiente e interminável. defesas de algum tipo.

O Reinado
127
Há salas de todos os tipos e para todas as funções:
de dança, de jogos, de jantar, de descanso, de conversa,
Thartann (capital)
de esgrima, de convívio... Qualquer amenidade que Uma cerimônia solene no topo de um morro deu
possa interessar aos seus frequentadores. Esses salões início à construção do Palácio Rishantor. A partir desse
e aposentos se sucedem um após o outro, às vezes momento, Thartann começou a crescer e prosperar
sem corredores que os conectem, tornando o palácio ao redor do pequeno monte. Antes mesmo de o
um emaranhado de diferentes ambientes e um paraíso palácio ser concluído a cidade já tinha definida sua
para quem deseja conspirar. Oficialmente apenas a configuração urbana: os nobres viveriam perto do
família real, seus servos imediatos e os nobres de maior palácio, os comerciantes depois deles e os plebeus mais
titulação residem no palácio. Contudo, essa lista é tão afastados de tudo. Os bairros nobres têm mansões
grande e cheia de exceções que uma quantidade enorme grandes e pomposas, são murados e patrulhados
constantemente por guardas da cidade. Aristocratas
de gente frequenta seus ambientes, fazendo com que
em liteiras carregadas por servos e carruagens com
suas inúmeras salas estejam ocupadas a qualquer hora
símbolos das famílias desfilam pelas ruas de pedra.
do dia e suas luzes nunca se apaguem.
Thartann foi construída depois da fundação do reino,
Rishantor não é apenas uma edificação, mas
num raro esforço conjunto das três famílias nobres. É
um complexo do tamanho de uma pequena cidade.
claro que tudo não passava de um artifício de Rickard Ri-
Dentro da propriedade murada há o palácio principal
gaud para assumir o controle do reino, mas os aristocratas
da família real, três pequenos palacetes (um para
fingem não saber disso e a capital permanece como um
cada casa nobre), a casa da guarda real, a casa da
símbolo de “cooperação”. Na realidade, é provavelmente
guarda da cidade, jardins e bosques privados, o
o maior antro de intrigas e espionagem de Arton.
palacete dos servos, os estábulos, as oficinas reais
e muitas outras construções. O complexo inclusive Aqui a dominação da nobreza fica mais evidente do
possui uma guilda própria de artesãos para satisfazer que em qualquer outro lugar. É comum ver grupos de
os caprichos dos nobres através de intermináveis jovens aristocratas vagando pela cidade como bandos de
reformas e expansões. selvagens, desafiando plebeus para duelos (e chamando
seus guardas caso o plebeu esteja vencendo), saindo
O Palácio Rishantor não é um local público, não re-
sem pagar de tavernas e fazendo apostas sobre quem
cebe plebeus e não funciona como sede da lei em Ahlen.
consegue arruinar a vida de uma vítima da forma mais
Pelo contrário, é considerado propriedade privada do
criativa. Esses fidalgos desocupados se organizam em
rei — todos os demais residentes estão ali pela graça de
clubes ou confrarias, mas na verdade só procuram
Sua Majestade. Exceto pelos artesãos, guardas e servos,
diversão destrutiva.
apenas nobres podem entrar no complexo do Rishantor.
Essa regra é quebrada durante a Noite das Máscaras A cidade é banhada pelo barrento rio Yrlanyadish
onde todos têm trânsito livre, exceto nos aposentos (vulgo Yrlan) do qual foi derivado um canal que se
reais. O palácio é muitíssimo bem guardado, com ramifica em outros canais menores. Esses canais ser-
soldados patrulhando constantemente os corredores vem para levar água para os moradores, as oficinas e
e muralhas externas, especialmente depois que um os comércios. Também são usados para higiene, au-
mero grupo de aventureiros se infiltrou no palácio mentando sua sujeira, apesar de isso ser proibido por
e conseguiu chegar até aos aposentos reais. Quando decreto real. A região dos comerciantes e fidalgos, que
aventureiros sem sangue azul precisam tem a maior densidade populacional, fica ao redor dos
ser recebidos no palácio, nobres podem bairros nobres e é delimitada ao norte pelo Yrlan e
arranjar um título provisório que expira ao sul pelo grão-canal. Nela podem ser encontrados o
no fim do dia e que lhes concede acesso Theatro Real, que apresenta óperas, peças e músicos
temporário, burlando assim as próprias famosas; o mercado Panóptico, o maior mercado da
regras criadas por eles. cidade; a Freguesia Otomar, um bairro boêmio com
muitas tavernas, e o porto velho, onde os barcos
atracam trazendo mercadorias que têm o péssimo
hábito de “se perder”. Para além do grão-canal
e mais afastado da zona central, no oeste da
cidade fica o grande lixão e o pequeno pân-
tano, lugares habitados pelos plebeus mais
desfavorecidos. Já ao sul e sudoeste há bairros
residenciais pobres de menor densidade popula-
cional, misturados com fazendas, sítios e moinhos.

Capítulo Um
128
Thartann tem um clima lúgubre em meio à osten- maior parte da cidade parece estar feliz com a união
tação. Por ficar numa região úmida e alagada, parece com Ahlen, principalmente por causa da rainha Vinala.
estar sempre no meio de uma neblina molhada. Mofo A rainha é extremamente popular na ilha, e seus
e limo crescem em cada parede, misturando-se com apoiadores mais entusiasmados usam um tapa-olho
as estátuas e decorações intrincadas, emprestando a para demonstrar lealdade.
este lugar um ar de decadência. Para chegar a Horeen é necessário pegar uma das
balsas disponíveis em Ciela, Sarmadin ou Jayrdon, ou
Horeen alugar um barco em Ni-lodashyr ou Ilyria. A dificuldade
A antiga capital do reino de Collen é a maior cidade de acesso da ilha contribui com a sensação de isolamento
da ilha e capital do grão-ducado de Collen, cujo título em relação ao restante de Ahlen e do Reinado.
é ostentado pela rainha Vinala. A cidade sempre teve
proporções modestas e um aspecto provinciano, mas
essas características estão se perdendo depois da
Shallankh’rom
Esta pequena ilha fluvial era deveras irrelevante,
anexação por Ahlen. Como parte do acordo de união
exceto como colônia de férias para os nobres ahle-
muitos fidalgos vieram para auxiliar a desenvolver e
nienses, até o momento que foi conquistada por uma
administrar a ilha, junto a comerciantes e plebeus em
poderosa feiticeira-clériga chamada Gwen Haggenfar.
buscas de oportunidades. Estes imigrantes e fugitivos
trouxeram recursos, abriram negócios, construíram Gwen, então sumo-sacerdotisa de Wynna apesar
novas edificações e transformaram parcialmente o de ser uma notória vilã, venceu com facilidade a guarda
panorama urbano da cidade. O comércio original, com dos nobres turistas e cercou a ilha com um campo de
suas características lojas feitas de toras de madeira, têm energia. Depois de dominar os habitantes da ilha e
como principais produtos artesanato, peles e troféus expulsar aqueles que não se subjugaram, a feiticeira
de caças, madeira, peixes e frutos. As casas na beira criou uma escola de magia única, na qual as artes
do porto pintadas de diversas cores e com telhados arcanas eram ensinadas sem restrições morais. Os
reforçados para resistir às tempestades são famosas treinamentos eram intensos e era comum que os alunos
em toda a ilha, e ainda se pode encontrar pescadores desistissem, fugissem ou morressem. Mesmo assim
sentados na frente de suas casas aproveitando o fumo a escola prosperou e ganhou renome, especialmente
dos hynne enquanto trocam histórias. entre pais que queriam ensinar aos seus filhos “o pior”
que as artes arcanas podem oferecer. O domínio de
A principal característica dos collenianos pode
Gwen Haggenfar começou a ruir quando a clériga per-
ser vista com mais facilidade em Horeen — de fato,
deu os poderes de sumo-sacerdotisa, fazendo com que
alguns turistas vêm para admirar os nativos, como
o campo de energia falhasse e retrocedesse até cercar
se a cidade fosse um zoológico. Os collenianos têm
apenas a escola. A coroa de Ahlen agiu rapidamente
olhos de cores díspares e muitas vezes apresentam
e retomou a ilha, sitiando a maga em sua escola e
estranhos poderes relacionados à visão. Já houve
levando a um impasse que durou anos. Somente após
histórias de collenianos capazes de identificar auras
muitas negociações, intrigas e traições de ambos os
mágicas, enxergar nas sombras e até mesmo ver o
lados Gwen concordou em abandonar a ilha.
futuro. Essa última capacidade supostamente teria
dado origem à canção folclórica A Velha da Taverna, Ou isso é o que os ingênuos pensam.
muito popular no grão-ducado. Um aproveitador conhecido como Jake, o Caolho se
A cidade é um destino popular entre os esnobes intrometeu no impasse e intermediou um acordo entre
nobres ahlenienses, que vêm se refugiar da vida agitada Gwen e o trono do reino. A maga ficaria escondida na
em Thartann e buscar ares mais frescos. Enquanto ilha e manteria sua escola — mas em segredo. Ahlen
passeiam com suas sombrinhas eles gostam de usar os poderia bradar a plenos pulmões que “lidou com a
adjetivos “pitoresco”, “rústico” ou “mambembe” ao se grande ameaça”, enquanto a vilã continuaria seu legado
referir aos lugares e à população. Turistas ahlenienses de magia sinistra. Quanto a Jake? Ele administra a escola
pioneiros que conheceram a cidade antes do cresci- clandestina, negocia com candidatos a alunos (invaria-
mento reclamam que ela “perdeu a autenticidade”. velmente criminosos e pretensos vilões que desejam
Alguns dos habitantes locais incomodados com usar a magia para os piores propósitos) e “divide” os
os novos vizinhos concordam com esses nobres, e altos lucros com Gwen, embora nem sempre de forma
confrontos entre collenianos e os ahlenienses não são justa. A antiga sumo-sacerdotisa se sente humilhada por
raros. A guarda local, antes sob domínio completo da estar à mercê de um mero vigarista, mas por enquanto
casa Hogarth, já não tem certeza de como agir nesta não pode se livrar de Jake sem arruinar a escola secreta
questão complicada. Apesar dos conflitos pontuais, a e atrair a ira da coroa de Ahlen...

O Reinado
129
Kriegerr e Var Raan grande quantidade de oficinas, Ni-Lodashyr por sua
classe mercantil em pé de igualdade com os nobres
Estas duas cidades faziam parte do reino de Collen e Midron, pela decadência e criminalidade alarmante
e permanecem como algumas das mais marcantes e — diz-se que a taverna mais perigosa do Reinado é a
notórias do atual grão-ducado. Kriegerr é o centro Coroa de Ferro, localizada na cidade. As cidades menores
comercial da região noroeste, fazendo bom proveito e vilas do reino seguem o mesmo padrão das capitais
da sua posição privilegiada na tríplice fronteira. Possui dos ducados, apenas em menor escala.
uma clínica de um médico de Salistick, coisa muito
rara no Reinado. Já Var Raan é uma cidade notória por
abrigar piratas e cada vez mais se alinha aos bucaneiros
Colinas de Danshed
do mar de Flok. A relação começou tímida, quando os As Colinas de Danshed são o principal palco
pescadores começaram a receber presentes e agrados de aventuras em Ahlen — pelo menos de aventuras
dos saqueadores. A casa Hogarth não conseguiu que não envolvam intriga palaciana e espionagem
combater as artimanhas dos piratas e, depois de eles sórdida. Diz a lenda que muito tempo atrás um jovem
se infiltrarem lentamente, hoje a cidade é um porto casal de príncipes das tribos locais se apaixonou,
controlado pelos fora da lei em todos os aspectos, mas o relacionamento foi proibido pelo pai de um
menos os formais. Resta saber o que Ahlen fará a dos dois. O rei era um xamã poderoso e propôs um
respeito disso — ou se o reino foi responsável por isso! desafio ao pretendente: aprisionou o próprio filho
num enorme cristal e determinou que, se o outro
príncipe pudesse resgatá-lo, os dois poderiam se casar.
Outras cidades Contudo, o príncipe apaixonado morreu na tentativa.
As capitais dos ducados Colamar, Ni-Lodashyr e Allihanna se enfureceu com a atitude do rei xamã e
Midron são parecidas entre si. Extensas mas pobres, o amaldiçoou, privando-o de seus poderes. Incapaz
sem calçamento fora da zona central, com mansões de libertar o filho que ele mesmo tinha aprisionado,
de nobres ou templos como únicas construções de o rei morreu de desgosto. As tribos foram dizimadas
destaque. Um olhar mais atento revelará características pelos colonizadores ahlenienses e hoje em dia só resta
únicas de cada uma. Colamar se destaca por ter uma o cristal e o príncipe ainda aguardando seu resgate.

Capítulo Um
130
Como se esta lenda não fosse fantástica o bastante, necessário que ladrões se unissem contra os clérigos
uma versão ainda afirma que o espírito do pretendente de deuses justos. Antes mesmo que a caravana encon-
morto toma os corpos de aventureiros que tentam trasse a grande estátua de Valkaria, estava formada a
resgatar seu amado. Outras versões falam dos tesouros Guilda de Ladrões.
incríveis que estariam disponíveis para quem fosse Os ladrões na caravana vinham de diversos reinos,
capaz de vencer a prisão imposta pelo rei xamã. Seja cada um com um dialeto diferente. Aproveitando essa
como for, ano após ano heróis desbravam as colinas mistura, começaram a se comunicar usando gírias
na tentativa de libertar o príncipe. que só eles mesmos entendiam e uma gramática
própria. Nascia assim o jargão dos ladrões. Quando
A Mata dos Cem Olhos os colonos de Lamnor começaram a se espalhar por
Localizada no interior da ilha de Collen, esta é Arton, estabelecendo o que seriam os novos reinos,
uma selva densa e abundante, onde animais e plantas os ladrões, unidos sob a liderança dos clérigos de
nascem com estranhas mutações que fogem a um Hyninn, discutiram para onde ir. Eles poderiam ficar
padrão. Estudiosos especulam que poderia ser uma no ponto zero de colonização, mas alguns colonos
área de magia descontrolada, o laboratório de um mago já estavam se organizando para proteger os demais.
ensandecido ou apenas um local onde a vontade de Então observaram as disputas de três famílias nobres
Nimb se manifesta. A mata, portanto, ficou famosa que aos poucos estavam dominando uma área já
como uma zona perigosa cheia de monstros estranhos. ocupada por povos ramnorianos. Parecia terreno
Plantas capazes de falar, misturas de dois ou mais fértil para a vida furtiva. A Guilda de Ladrões fixou
animais, criaturas disformes... Com certeza o maior raízes no que seria mais tarde o reino de Ahlen.
perigo na Mata dos Cem Olhos são monstros bizarros Depois da fundação oficial do reino, os criminosos
e cheios de olhos, capazes de transformar seres vivos se estabeleceram na capital.
em pedra com um mero vislumbre. Alguns, no entanto, Embora muitas guildas de ladrões tenham surgido
duvidam da existência de criaturas tão absurdas. em Arton, a Guilda de Ladrões de Thartann é a mais
Outro grande mistério desta floresta bizarra são os antiga e poderosa. Até hoje mantém o domínio na
rios Lleen e Coraan. Seus cursos deveriam se cruzar capital e é impiedosa com quem desafia seu poder.
em algum ponto dentro da mata, mas por alguma razão Mantém informantes na guarda da cidade, no exército
isso não acontece. Qualquer um que navegue por algum de Ahlen e nas principais casas nobres. Assim, fica
deles atravessará a região florestal sem nunca avistar sabendo de quase toda atividade ilegal na cidade.
o outro rio. Alguns dizem que o cruzamento entre os Quando acontece um roubo, as autoridades primeiro
dois rios se localiza em outro Plano de existência e checam se é autorizado pela guilda. Caso contrário,
que, ao encontrá-lo, um viajante é substituído por uma perseguem o suspeito, mas desistem se ele provar
cópia perfeita (e insana) de si mesmo. Mas existem filiação. No caso de roubos realizados por pessoas de
outras teorias: o mago aventureiro Karadhor, por fora, os próprios ladrões se encarregam da “justiça”.
exemplo, está convencido de que esse fenômeno é Para ser membro da guilda, um ladrão precisa
obra de um dragão lendário que se esconde fora do primeiro encontrar uma sede — e descobrir que é
espaço. Obcecado com a criatura, passa a vida dentro necessário encontrar uma sede para ser aceito. Até
da mata, tentando achá-lo e recrutando aventureiros hoje ninguém foi capaz de descobrir sozinho a sede
para a tarefa inglória. principal, em algum lugar nos subterrâneos da cidade,
apenas alguma das inúmeras sedes secundárias. Uma
vez que tenha encontrado uma sede, o pretenso membro
Guildas & passa por alguns testes de lealdade e então acompanha

Organizações um ladrão em alguns “trabalhos”. Durante este estágio


probatório, o novo ladrão deve aprender todas as técnicas
da guilda. Uma vez que seu professor o considere apto,
A Guilda de ele faz um grande roubo, no final entregando todo o
Ladrões de Thartann lucro à guilda. Tendo sucesso, o novo membro recebe
A Guilda de Ladrões de Thartann começou sua uma marca e é um ladrão oficial de Thartann. A marca
história como apenas “a Guilda de Ladrões”. Quan- pode variar de uma pequena tatuagem até o corte da
do colonos vieram de Lamnor, naturalmente havia ponta de um dedo ou outra mutilação menor.
criminosos entre os refugiados e alguns clérigos de Além de roubos, a Guilda de Ladrões se ocupa
Hyninn foram capazes de reconhecê-los. Eles sabiam do tráfico de achbuld, espalhando-se assim por todo
que, se o crime fosse prosperar no novo continente, era o continente, e da organização de jogos ilegais, além

O Reinado
131
de várias outras atividades criminosas. Tudo isso institucional gera um clima de desconfiança e paranoia
é controlado pelos sete membros do Conselho de que permeia as relações entre diferentes famílias ou
Mestres da Guilda, um grupo altamente secreto, cuja mesmo entre nobres com o mesmo sobrenome.
identidade é desconhecida até de seus comandados. A única razão de Ahlen não se dividir em três
Eles se reúnem através de magia, distorcendo sua reinos menores é porque todas as casas se beneficiam
voz e aparência, nunca estando juntos num mesmo da proteção mútua enquanto almejam o mesmo ob-
lugar. Assim, nem mesmo um dos mestres conhece jetivo: o Rishantor. Especula-se que o único evento
a identidade dos demais. Uma vez que um mestre da capaz de unir verdadeiramente as três seria uma
guilda morra, um substituto previamente escolhido ameaça estrangeira à soberania do reino, coisa que
automaticamente toma seu lugar, recebendo instru- ainda não ocorreu.
ções através de um item mágico variável. Em geral,
a morte de um mestre da guilda passa totalmente A casa Rigaud, conhecida como “os Lobos”, é
despercebida. Essa descentralização torna a Guilda regida pelo grão-duque patriarca Radamés Rigaud. É
de Ladrões de Thartann quase invulnerável. Afinal, a casa mais truculenta, tendo como métodos preferidos
não importa quantos ladrões sejam presos ou mortos, coerção e intimidação. O símbolo em seu brasão vem
sempre haverá mais... da lenda da criação da casa, que conta que um fidalgo
menor tinha o dom de falar com lobos. Ele usou o seu
dom para atrair outros nobres para um covil dessas
A Rosa de Ahlen feras e forrou os bolsos ao saquear os cadáveres
A outra grande organização criminosa do reino é resultantes. Com o dinheiro, conseguiu aumentar a
a Rosa de Ahlen, responsável pela produção e distri- influência de sua linhagem, efetivamente fundando a
buição de achbuld. Fundada por Holdinnar Ruvtenn, casa. Curiosamente, alguns Rigaud são mesmo capazes
falecido tio do hoje líder István Ruvtenn, “o Belo”, de se comunicar com lobos, o que mostra que deve
esta organização sempre teve como foco o famoso haver um fundo de verdade na lenda. Hordiggard, Estet
entorpecente e como base a cidade de Midron. A erva e Jovignaud são casas menores aliadas.
é cultivada em cavernas no subterrâneo da cidade, A casa Vorlat, conhecida como “os Mascarados”, é
sendo processada e embalada em lugares afastados regida pela grã-duquesa matriarca Helga Vorlat, sobri-
ou insuspeitos. O produto deixa o reino pelo porto nha do rei Nonato. É a casa mais dissimulada, tendo
de Midron ou por uma das muitas rotas terrestres, como métodos preferidos furtividade e enganação.
geralmente oculta entre outras mercadorias legais. A torre em seu brasão representa a superioridade da
A Guilda de Ladrões, os Schwolld e os Rigaud casa, as folhas representam os servos abaixo deles e a
acusam a casa Vorlat de se aliar à Rosa ao invés de máscara está no brasão para lembrar seus membros que
combatê-la. Por trás dos bastidores, a Guilda fez uma nunca devem revelar os segredos da família. Tivanor,
oferta “irrecusável” para se aliar à Rosa, mas depois Wardintad, Corlindurr são casas menores aliadas.
de negociações infrutíferas o acordo fracassou. A A casa Schwolld, conhecida como “os Copeiros”,
Guilda retaliou iniciando uma guerra no submundo é regida pela grã-duquesa matriarca D. Merlina
para destruir a Rosa e tomar seu lugar, forçando-a Schwolld. É a casa mais insidiosa, tendo como mé-
a buscar proteção dos Vorlat, regentes de Midron. todos preferidos corrupção e suborno. A taça do brasão
A intervenção das autoridades conseguiu equilibrar vem da lenda da criação da casa, que conta que um
as forças até certo ponto, mas o conflito segue até fidalgo copeiro no velho continente usou seu charme
os dias atuais. Embora uma guerra desse tipo seja para seduzir uma nobre maior e casar com ela. Depois
extremamente arriscada, a Rosa de Ahlen é o único que tiveram filhos ele a matou envenenada com a
grupo no continente que já foi capaz de entrar em mesma taça que haviam compartilhado na noite que
conflito com a Guilda e sobreviver. juraram amor e lealdade. Aschdenn, Livanov, Zinfraud,
Gallivandir são casas menores aliadas.
As Três Casas Nobres Na complicada hierarquia de Ahlen, o rei, a rainha
Apesar de fazerem parte do mesmo reino, as casas e seus herdeiros diretos têm cargos e funções especiais,
Rigaud, Schwolld e Vorlat podem ser consideradas compondo a chamada Coroa de Ahlen. O casal real tem
independentes: cada uma tem seu próprio líder, sua controle absoluto sobre tudo — pelo menos em tese.
própria rede de espiões e seu próprio forte com um Na prática, os dois têm controle absoluto sobre tudo
exército ducal. O rei também tem sua própria rede de que veem ou sabem. Sua atenção está sempre voltada
espiões e exército próprio, além de comandar a guarda ao Rishantor, a assuntos de estado, a seus conselheiros
de Thartann e a guarda real do palácio. Esse egoísmo diretos e aos líderes das três casas.

Capítulo Um
132
Aventuras Os ermos pertencem aos fora da lei. Quase
ninguém trabalha para que as estradas sejam seguras,
Aventureiros estrangeiros são adorados e muito por isso encontros com salteadores são frequentes.
requisitados em Ahlen. Não é incomum que mais de Caravanas com mercadorias misteriosas e carrua-
um nobre dispute os serviços de um grupo, levando gens com passageiros sempre estão precisando de
proteção — ou quem sabe desta vez os aventureiros
a uma competição para oferecer as melhores recom-
possam ser os salteadores atrás de um “fugitivo”?
pensas e mordomias. Em casos extremos, um agen-
Para além das grandes cidades, as vilas remotas
te misterioso poderá pagar aventureiros para não
e propriedades de nobres se agarram a qualquer
fazer um trabalho! As demandas oferecidas costu-
aventureiro que aparecer.
mam ser dadas de maneira sucinta e direta, con-
trastando com a grande quantidade de segredos que Piratas infestam as águas do Mar Negro e a
normalmente está por trás delas. Caberá aos heróis ninguém interessa que a situação continue desta
desvendar os segredos — ou calar-se e sair com os maneira... exceto aos próprios piratas. Em 1419 o
bolsos cheios, mas sempre com o risco de ter sido Rei Nonato declarou com veemência: “Em nome do
enganados. Quando há um ou mais ahlenienses no Reinado, os mares hão de se tornar seguros e prós-
grupo, os contratantes são ainda mais cautelosos peros!”. Mas o que o Reinado ouviu foi “...os mares
sobre o que revelar. vão pertencer a Ahlen!”. Muitos desconfiam que isso
seja mera “queima de arquivo” depois que piratas
Incerteza é a palavra-chave. Mesmo em um serviço auxiliaram em sua conquista de Collen. Seja como
trivial os aventureiros podem estar fazendo algo que for, a guerra aos piratas foi declarada e já se iniciou:
é ilícito no reino ou que vai contra o interesse de no mar os navios se caçam mutuamente e estão em
poderosos. Também podem estar sendo manipulados, modo permanente de destruir, saquear e pilhar. Na
acreditando em informações falsas ou ouvindo versões terra essa luta se dá principalmente em Collen. Não
da verdade convenientes para seu contratante. faltam oportunidades para aventureiros caçarem piratas
Thartann e o Palácio Rishantor são terrenos em nome do rei, protegerem as vilas e cidades
férteis para aventuras. Os tipos de missões mais costeiras, explorarem ilhas não mapeadas
comuns são busca, entrega ou escolta de pacotes ou se juntarem aos piratas!
(pessoas ou coisas), além da segurança de lugares
durante eventos importantes. É comum que nobres
escolham contratar guarda-costas que
nunca pisaram no reino, pois é
a única forma de garantir que
não estão sendo subornados
por algum rival.
Quando o assunto é resolver
problemas nos reinos vizinhos,
aventureiros são a primeira es-
colha. À medida que patrono
e grupo desenvolvem maior
confiança mútua, os con-
tratantes podem oferecer
tarefas que revelam mais
sobre eles, suas casas ou seus
objetivos finais, como missões de
investigação ou espionagem. Para
aqueles de moral mais flexível,
abundam ofertas de “realoca-
ção discreta e involuntária” de
objetos ou pessoas e “fabricação”
de acidentes. Quando um grupo de aven-
tureiros recebe uma oferta do tipo, é porque já está
metido até o pescoço em outras atividades ilegais,
mesmo sem saber.

O Reinado
133
Capítulo Um
134
Zakharov O REINO DAS ARMAS

D
urante longos anos, esta nação foi mais parecia promissor naquelas paragens abençoadas pela
conhecida pela qualidade excepcional deusa — mas não foi esse o pensamento de todos.
de seus armamentos. Infelizmente, a Vários ali eram curiosos, inquietos, inimigos do
história de Zakharov seria mais tarde conforto. Como tantos humanos foram criados pela
marcada por conflitos e tragédias: desde o brusco Deusa dos Aventureiros.
e misterioso abandono dos anões de Doherimm, A primeira de várias caravanas — liderada pelo
grandes influenciadores de sua identidade e célebre aventureiro Folk Steelheart — deixou a cidade
cultura, passando pela terrível manifestação da sequer nascida, ainda em construção. Seguiu mais
Tormenta e, mais tarde, o envolvimento intenso para o norte durante meses, desbravando aquele novo
— e atuação decisiva — no combate aos puristas continente, explorando novas terras, buscando novas
oportunidades. O frio das Uivantes a oeste tornou
durante a Guerra Artoniana.
a jornada ainda mais rigorosa. Enfim encontraram
Foram tempos de provação para o resiliente povo bom lugar para um acampamento temporário. Teriam
forjador, mas dias melhores chegariam. Com a custosa permanecido ali apenas brevemente, não fosse um
vitória sobre a Supremacia Purista, o atual Reinado evento extraordinário: o encontro com os anões.
agora é formado por sete nações, sendo Zakharov
Pois os peregrinos não desconfiavam: muito abaixo
honrada como uma delas. Ainda, graças à recente
sob suas botas perdurava Doherimm, um vastíssimo
atuação de grandes heróis, a área de Tormenta em
reino secreto de túneis e cidadelas, habitado e protegido
suas terras seria enfim eliminada — ainda que não
pelo povo anão. Por puro acaso (ou obra dos deuses,
por completo, e não sem um preço. É tempo de
alguns acreditam), o assentamento humano foi erguido
reconstrução e renovação para o orgulhoso Reino
insuspeitamente próximo a uma importante entrada
das Armas.
secreta para esse mundo subterrâneo.
Embora tenham habitado a superfície em épocas
História anteriores, quase duzentos anos antes, naquele tempo
os anões achavam-se recolhidos — alertados sobre a
Como se prevendo as crises em seu futuro, futura chegada da Tormenta por seu profeta Wordarion
Zakharov já nasceu pronto para a batalha, de armas Thondarin. Os visitantes não pareciam oferecer
em punho. perigo: ainda que precavidos e reclusos, os anões
O reino teve formação similar a outras nações do decidiram fazer contato para conhecer as intenções
Reinado. Em Deheon, logo após o encontro com a dos estrangeiros. Aquele não foi o primeiro encontro
estátua de Valkaria, colonos erguiam as casas, torres, entre as raças, pois havia anões em Lamnor e também
pontes e muralhas que formariam a maior metrópole humanos nativos em Arton. Assim, não houve qualquer
do mundo. Para grande parte dos peregrinos o futuro estranhamento ou hostilidade.

O Reinado
135
Mas houve espanto e assombro mútuos. Mesmo fim do contato com Zakharov. As passagens conheci-
o experiente Folk não imaginava existir nenhum das para a superfície foram seladas. Quase todos os
império anão por aqueles lados. E os anões, por sua anões do reino desapareceram — convocados pelo
vez, nunca haviam visto humanos portando armas Chamado às Armas, quando Doherimm foi atacado
metálicas de fabricação própria; apenas bárbaros por Trollkyrka, o império dos finntroll, em uma guerra
sem tamanho domínio sobre metalurgia habitavam que durou dez anos. Ou assim parecia. Se havia um
aquela região. tratado de assistência mútua, por que cortar relações
Buscando amizade com os forasteiros, os anões por completo? Por que não aceitar ajuda?
ofereceram como presente uma de suas relíquias Uma razão plausível — se não verdadeira — ficaria
— Zakharin, o Machado de Zakharov, um lendário clara quase dois séculos mais tarde. No passado, os
campeão de seu povo. Considerando aquele encontro anões abandonaram a superfície em resposta a uma
um grande presságio, Folk retribuiu a honraria dando profecia sobre a chegada da Tormenta. Agora, em 1402,
aqueles nomes ao assentamento, não mais temporário, a Tormenta chegava.
e à nação erguida em volta. Assim, a fundação de Uma área de infestação lefeu formava-se no
Zakharov ocorreria ainda em 1020, menos de um extremo norte de Zakharov, também devorando as
ano após a partida de Valkaria. Seria o primeiro reino estepes geladas das Uivantes. Houve pânico entre os
instaurado após Deheon, muito antes de quase três reinos: pela primeira vez, a Tormenta atacava o próprio
dezenas de nações acabarem reunidas no antigo e coração do Reinado. Era governada por um novo Lorde
gordo Reinado de Arton. da Tormenta — aquele que se tornaria conhecido como
Logo, Folk Steelheart constatou que a vida de Aharadak, o Devorador. Diferente de outros líderes
nobre não lhe servia. Fundar um reino era estimulante, lefeu, este buscava conquistar a adoração divina dos
perigoso e divertido. Governá-lo, por outro lado, era nativos, atraindo-os para seus domínios sangrentos. Ali
tedioso, seguro e insuportável. Steelheart abandonou nascia Ahar’kadhan, a horrenda Cidade na Tormenta,
a corte para voltar a se dedicar à vida de aventureiro. A logo povoada de adoradores e cultistas depravados.
arcanista de seu grupo original, Olava Roggandin, foi Não bastasse a vermelhidão macabra em seu
aclamada pela parca nobreza de Zakharov como rainha, horizonte norte, Zakharov viu-se forçada a lidar com
dando início a uma linhagem que perdura até hoje. crises mais mundanas, embora não menos mortais.
No Reinado, tensões políticas cresciam, um grande
Ruptura, Guerra, conflito se avizinhava. As nações vizinhas cortejavam
Tormenta uma aliança vantajosa com o Reino das Armas. Quando
a guerra explodiu, Zakharov permaneceria aliada de
Durante os anos seguintes o reino prosperou, Deheon — atraindo assim a vingança da Supremacia
uma forte amizade crescendo entre humanos e anões. Purista, com quem dividia extensas fronteiras a leste.
Doherimm e Zakharov assinaram tratados. Visitantes Seus povoados receberam ataques severos, não sendo
eram permitidos em Doherimm (embora apenas em dizimados por completo apenas porque o grosso das
cidades anãs diretamente sob Zakharov). Nesse meio forças supremacistas lidava com outros alvos.
tempo, talvez motivados por esse bom relacionamen-
to, o próprio rei anão Rodir Hammerhead II e sua A Guerra Artoniana devastou nações, dizimou
comitiva diplomática visitaram Valkaria para assinar populações, mudou o mapa político de Arton. O
o famoso Tratado da Espada e da Forja — um pacto Reinado foi desintegrado. Outrora uma gigantesca e
de cooperação entre os povos. orgulhosa coalizão de quase trinta países, hoje restam
apenas sete — sendo Zakharov um deles.
A mineração, arquitetura, joalheria e outras
formas de arte dos anões tiveram grande influência
na cultura de Zakharov — especialmente suas armas. Coração de Rubi
O primeiro presente dos anões para os humanos foi Indiferente a conflitos políticos mundanos, o
uma arma. A capital do reino tinha o nome dessa Devorador seguiu seu plano. Agora deus menor, tinha
arma. Portanto, zakharovianos cultivariam grande seguidores sádicos e devassos por toda Arton, extraindo
apreço pela posse e ostentação de belas armas, mesmo poder da adoração e oferendas — mas seu apetite
não desejando necessariamente usá-las. Essa tradição era insaciável, ele buscava mais. Aharadak desejava
perdura até hoje, sendo que armas são as peças tornar-se deus maior, queria um lugar no Panteão. Para
decorativas mais apreciadas no reino. isso, um deus precisava cair. Pois deve haver vinte.
Mas a amizade entre humanos e anões teve fim Longe dali, quando uma rebelião de escravos
abrupto. Um dia, o regente de Doherimm ordenou o abalava a capital do Império de Tauron, a chance

Capítulo Um
136
se apresentou. Uma nova área de Tormenta derra-
mou-se sobre a gloriosa metrópole dos minotauros.
Aharadak surgiu, gigantesco, macabro, destruidor.
O próprio Deus da Força e então líder do Panteão
foi invocado em ritual para proteger seu povo. No
entanto, Tauron acabou traído por sua escrava e
protegida Glórienn, antiga Deusa dos Elfos — ela
própria responsável pela chegada da Tormenta a
Arton no passado. Perdendo o que restava de sua
divindade, Glórienn deixou-se corromper pelos
invasores, desferindo o ataque final que fulminou
Tauron. Assim, Aharadak ascendeu ao posto de deus
maior, agora integrando o Panteão.
Enquanto o horror se instaurava entre os servos
dos deuses, um inventor lefou percebeu oportunidade
na crise. Agora que Aharadak reuniu-se aos deuses, sua
área de Tormenta encontrava-se sem a proteção de um
lorde — situação inédita desde a chegada dos invasores.
Isso significava que, pela primeira vez desde a retomada Zakharov
de Tamu-ra, uma área de Tormenta podia ser eliminada.
Assim, o astuto professor Ezequias Heldret — Nome Oficial: Reino de Zakharov.
herdeiro de uma das famílias mais ricas de Zakharov Lema: “Armas do Reinado”.
— iniciou um empreendimento audacioso. Tornou-se
Brasão: de vermelho uma aspa de
patrono para um grupo de aventureiros novatos, mas
prata carregada de uma águia de negro
promissores, fornecendo informações e recursos para a
segurando na pata destra uma espada de
campanha épica. Após longas e tempestuosas jornadas,
sua cor.
percorrendo os pontos mais inusitados de Arton, os
heróis enfim conquistaram poder e equipamento Gentílico: zakharoviano.
suficientes. Podiam agora rumar até Ahar’kadhan e con- Capital: Zakharin.
frontar seus Cardeais, as quatro aberrações cósmicas
Forma de Governo: monarquia
que comandavam a cidade na ausência de seu criador. hereditária.
Após a batalha final, Ezequias executou um ritual para
supostamente expurgar a Tormenta — mas, em vez Regente: Rei Hybald Roggandin.
disso, ele a absorveu. Havia feito um secretamente um População: 2.200.000.
pacto com Aharadak: em troca de livrar Zakharov da Raças Principais: humanos, anões,
Tormenta, ele se tornaria seu sumo-sacerdote. Buscaria minotauros, lefou
harmonia entre Arton e a Tormenta.
Divindades Principais: Arsenal,
Hoje, o Reino das Armas respira aliviado, o céu Khalmyr, Rhond, Valkaria, Aharadak.
setentrional novamente azul. A Tormenta se foi. A
sinistra Ahar’kadhan ainda existe, mas agora em
versão mais “branda”, onde o transformado Ezequias
comanda o culto do Devorador. A Supremacia ainda é reino. As regiões central, leste e sul apresentam carac-
uma ameaça nas fronteiras, mas Zakharov se mantém terísticas comuns para o Reinado: clima subtropical,
vigilante. Com sua arte e ofício, segue forjando as com planícies, colinas, florestas, lagos e rios.
melhores lâminas do Reinado contra o mal. Zakharov é limitado ao sul pela fronteira circular
de Deheon; a oeste pelo Rio dos Deuses, que marca

Geografia sua divisa com as Uivantes; a leste pelo Rio da For-


titude, que assinala a fronteira com a Supremacia; e
Como ocorre em Deheon, por influência das no extremo norte com Namalkah, também separado
Uivantes, a região oeste de Zakharov é mais fria. Ali pelo Rio da Fortitude.
encontramos colinas nevadas, florestas de coníferas e Por consequência dos grandes rios, a travessia para
algumas estepes — sendo estas comuns ao norte do todos os reinos vizinhos é difícil. Numerosas pontes

O Reinado
137
haviam sido construídas com essa finalidade; quase Havia postos avançados dos minotauros ao norte.
todas acabaram destruídas durante a guerra, sobretudo Com a chegada da Tormenta, alguns sobreviventes
aquelas na fronteira com a Supremacia. Apenas Deheon recuaram de volta ao Império, enquanto outros
oferece fácil acesso aos viajantes, especialmente porque buscaram refúgio nas comunidades humanas locais.
grande parte das cidades importantes de Zakharov Ali, acabaram se estabelecendo como guarda-costas,
fica mais ao sul do reino. Como resultado, o comércio soldados ou ferreiros.
entre Deheon e Zakharov é intenso.
Por fim, a proximidade da Tormenta levou ao
O fim da Tormenta é ainda recente. Especialmente recente surgimento de muitos lefou. Estes são es-
em sua região norte, levará algum tempo até que as tigmatizados e temidos como no restante de Arton;
paisagens retornem ao normal. Isto é, caso aconteça meio-aberrantes aceitos e bem-sucedidos como o
algum dia. próprio Ezequias, são raros.

Povo & Costumes Deuses das


Zakharovianos são patriotas orgulhosos, recu-
Armas e da Guerra
No passado, as igrejas de Khalmyr e Keenn eram
sando-se a ensinar os segredos de sua metalurgia
as mais populares no reino. Os deuses guerreiros
a estrangeiros. Contudo, estão sempre dispostos a
costumavam ser vistos como irmãos protetores e
negociar suas peças, por preços à altura.
justiceiros, liderando a “guerra justa”, quando as ar-
O culto às armas não significa que zakharovianos mas devem ser empunhadas para cumprir propósitos
gostem de guerra. Em sua cultura armas são peças de nobres. Mas isso, claro, mudaria.
arte, provas de talento e civilidade, a real diferença
entre humanos e feras. Palácios e templos locais são O ataque de uma odiosa nação supremacista devo-
adornados com armas. Armas antigas ou mágicas tada ao culto de Keenn levou ao rápido declínio de seu
são as mais preciosas relíquias de família. E todas culto pelos zakharovianos. Quando este foi derrotado e
recebem nomes próprios. substituído por Arsenal — não apenas Deus da Guerra,
mas também um patrono das armas até mesmo em
É também costume local que todo cidadão traga seu nome —, a nova igreja foi rapidamente abraçada.
sempre uma arma consigo — mesmo que não saiba Embora Arsenal também seja cultuado na Supremacia,
usá-la. Portar uma arma finamente trabalhada é o Zakharov o aceita como um deus renascido, digno de
mesmo que usar um vestido de gala ou uma bela suas preces e oferendas. De fato, existe no reino uma
armadura cerimonial. Para tais finalidades estéticas, igreja unificada de Arsenal e Khalmyr, a Ordem das
zakharovianos fabricam armas puramente ornamentais, Armas Austeras. Em seu símbolo sagrado, em vez da
belas mas pouco efetivas em combate. Elmos e escudos
Holy Avenger, vemos a espada Rhumnam de Khalmyr
também são populares, mas armaduras em geral são
cruzada com o Martelo dos Trovões de Arsenal.
reservadas para cavaleiros e guerreiros.
O terceiro culto favorito em Zakharov pertence
O povo de Zakharov não mostra tipos físicos
a um deus menor, Rhond, o Deus Menor das Armas
ou traços particulares dignos de nota, mas tendem
e dos Armeiros. Seu templo principal fica abrigado
a ser baixos e robustos. Os homens cultivam barbas
na Cidade de Rhond — onde o deus de fato pode ser
cerradas. Diz-se que, séculos atrás, relacionamentos
encontrado, forjando armas magníficas com seus seis
entre humanos e anões teriam gerado descendência.
braços. Seus clérigos se encarregam de impedir que
Talvez muitas famílias zakharovianas tenham sangue
o trabalho do mestre seja perturbado.
anão, embora nativos de Doherimm considerem tal
afirmação absurda e insultuosa. Por sua origem e proximidade de Deheon, bem
como o fato de ser fundado por aventureiros, Zakharov
Mesmo nos dias de hoje, anões são comuns no
também apresenta muitos devotos de Valkaria — es-
reino. Muitos deles, após cultivar laços profundos
pecialmente após sua libertação, enfim permitindo aos
de amizade, lealdade e até amor, desobedeceram à
devotos locais brandir seus poderes. Mais surpreen-
convocação do regente e permaneceram ali. Apesar
dente é a grande popularidade de Marah: como já foi
de longevos, poucos estão vivos desde aquela época;
dito, zakharovianos amam armas, não amam guerra.
os anões zakharovianos atuais pertencem às gerações
seguintes. Note-se que essa forte presença anã Também encontramos aqui devotos de Tenebra,
levou a ataques ainda mais furiosos da Supremacia por influência dos anões; Lena e Thyatis, por sua
durante a Guerra Artoniana, considerando o povo de recusa em matar; e Aharadak, pela atuação de seu
Zakharov tão “impuro” quanto outros não humanos. sumo-sacerdote no reino.

Capítulo Um
138
Governo Esse hábito teria começado dois
séculos atrás, quando o antigo rei Kaius
Zakharov é atualmente governada por Hybald Roggandin passou a ser visto portando
Roggandin, descendente direto de Olava Roggandin. uma réplica do machado Zakharin, feita
Diz-se que seu pai, Walfengarr Roggandin, teria reve- sob medida. A moda se espalhou rápido,
lado ao filho, no leito de morte, um segredo terrível. cópias de Zakharin podiam ser adquiridas
A verdadeira — e humilhante — razão que levou os em todas as grandes cidades do reino.
anões a abandonarem o reino.
Portar armas como se fossem joias é forte tradi-
ção em Zakharov, mas mesmo a tradição às vezes se
rende a modismos. Em certas épocas podem ser mais
populares as bestas; em outras, as lanças, e assim por
diante. Da mesma forma, também
são comuns as réplicas de armas
famosas — como imitações da
espada Rhumnam de Khalmyr,
o Martelo dos Trovões de
Arsenal, a espada Holy
Avenger...

Rhond, o Forjador
Imortal: seis braços e
todos armados

O Reinado
139
Locais
Importantes
Zakharin
(capital)
Próxima à fronteira sul com Deheon,
Zakharin foi fundada no ponto onde o
antigo grupo liderado por Folk Steelheart
fez seu primeiro contato com os anões
de Doherimm. O acampamento cresceu
para se tornar uma vila e mais tarde, uma
cidade. A maior do reino.
Construída quando humanos e
anões ainda confiavam uns nos outros,
Zakharin tem muito da arquitetura
anã: estruturas sólidas de pedra, feitas
para durar. Suas muralhas e jardins são
adornados com imagens de Khalmyr,
Tenebra, Zakharov e numerosas divin-
dades menores dos anões.
O machado Zakharin original está
abrigado em uma câmara no Palácio
Real, onde repousa aos pés de uma
estátua de Zakharov. Se a arma contém
encantamentos, não se sabe. Existe a
suspeita de que o artefato pode ser
empunhado apenas por um anão (sendo
possível que o regente Kaius tenha
falhado ao tentar usá-lo e, frustrado,
recorreu a uma réplica).
Os anões teriam recebido a notícia com desgosto Desnecessário dizer, a cidade hospeda um intenso
extremo: consideraram desrespeito a Zakharov, seu comércio de armas — algumas das melhores peças
herói lendário. O então regente de Doherimm exigiu do Reinado podem ser adquiridas aqui, bem como os
que as falsificações fossem banidas. Mas Kaius não serviços dos melhores ferreiros. Ruas e distritos em
apenas recusou-se a se livrar do próprio machado, geral trazem nomes ligados a armas, como o Bairro
como ordenou a fabricação de peças idênticas para Alabarda Magnífica, a Alameda Alfange, o Parque do
toda a família real. Os anões, ressentidos, partiram Tridente Dourado e assim por diante.
do reino — e teve fim a antiga aliança.
Aqui também se encontra a oficina de Koldarim
Verdadeira ou não, a história teria sido mantida Ironhide, ferreiro anão, talvez o único ainda vivo da
em segredo, passada de pai para filho na família época em que seu povo abandonou o reino. Quando
Roggandin; a atitude vergonhosa de um ancestral interrogado sobre o motivo, o ancião diz não se lembrar
teria custado, para sempre, a confiança dos anões. (mas o alto preço de suas peças e serviços pode ter
Existe mesmo a suspeita de que o antigo conselhei- sido incentivo para ficar). Hoje ele ensina técnicas
ro-mor do rei fosse um sszzaazita, o que explicaria de forja dos anões para aprendizes de raças variadas.
muita coisa.
A cidade é alvo de agentes puristas, que buscam
Hoje, réplicas do machado Zakharin são estrita- eliminar heróis do reino. Um desses é Colin Hauk, um
mente proibidas no reino. O regente Hybald segue sabotador responsável por desabilitar várias máquinas
com os esforços familiares para reatar laços com de guerra da Supremacia e hoje vive como fugitivo
Doherimm. Infelizmente, uma vez perdida, a confiança nos becos da capital. Sua cabeça foi posta a prêmio e
de um anão jamais é recuperada. vários caçadores de recompensas estão em seu encalço.

Capítulo Um
140
Yuvalin conseguiu cumprir seu dever a tempo. Por essa falha,
cometeu o suicídio ritual de seu povo.
Situada na região oeste do reino, Yuvalin nasceu
como uma colônia de mineração. Tinha a importante “Imitação é a forma mais sincera de elogio” —
tarefa de prover o reino com as matérias-primas em nenhum outro lugar esse ditado é tão verdadeiro
necessárias à fabricação de armas, ferramentas e quanto Zakharov. O povo de Trokhard se comoveu com
outros utensílios metálicos, função que exerce até a bravura do jovem samurai, que deu a própria vida
hoje — especialmente com a partida dos anões, antes para ajudar estranhos. Desde então, as armas que o
provedores de minério aos humanos. guerreiro carregava consigo — a espada longa katana,
a espada curta wakizashi e o arco daikyu — foram
Apesar do clima frio e mesmo nevascas ocasio- adotadas como símbolo da cidade.
nais, os mineradores de Yuvalin ergueram uma cidade
gigantesca e magnífica, de arquitetura arrojada e Por décadas os armeiros locais estudaram as
engenhos pujantes, como vagões de minério cruzando técnicas tamuranianas para fabricar espadas, arcos e
trilhos suspensos nos céus. Infelizmente, o interior outras armas de sua cultura. Como resultado, Trokhard
de suas muralhas é dominado pelo mal: a Guilda é um dos poucos lugares no Reinado onde pode-se
dos Mineradores, formada pelas famílias mais ricas adquirir uma katana, kama, ninja-to e outras peças
da região, não passa de fachada para um gigantesco tradicionais do Império de Jade.
sindicato do crime. No comando do principal for-
necimento de minério para as armas de Zakharov, Tahafett
a Guilda comanda Yuvalin e manipula o próprio Tahafett, uma das primeiras cidades no reino,
governo como bem entende. Existe até a suspeita poderia ser hoje uma das maiores metrópoles de
de que tenham sido responsáveis, de alguma forma, Zakharov. No entanto, a tragédia caiu sobre seu povo
pelo incidente que afastou Doherimm. poucos anos após sua fundação.
O povo de Yuvalin é composto por trabalhadores Como a capital Zakharin abriga o famoso machado
— mineradores, ferreiros e outros artesãos — hones- de mesmo nome, é costume no reino cada cidade adotar
tos, mas abusivamente explorados pela Guilda. As uma arma como símbolo (ou “mascote”). Quanto
“autoridades” locais são rigorosas com forasteiros. mais poderosa e importante a arma, maior o status da
Também há rumores sobre escravos, adquiridos de cidade. Tahafett adotou como “arma eleita” a Espada
minotauros mercadores. Grupos de aventureiros de Tahafett, antigo guerreiro morto enquanto ajudava
atrapalharam os planos da Guilda seguidas vezes, e a desbravar o selvagem território local.
até mesmo eliminaram alguns de seus líderes, mas
Firmemente encravada em um pedestal, a espada
nunca conseguiram destruir a organização de vez.
mágica parecia uma homenagem justa ao herói, e
Em tempos recentes, Yuvalin atuou como base um símbolo magnífico para a cidade. No entanto,
de operações para Ezequias e seus campeões, que ninguém suspeitava que a arma era amaldiçoada — o
acabaram com a Tormenta no reino. Ainda no início de próprio Tahafett foi traído pela espada em um combate
sua campanha, os aventureiros tiveram envolvimento decisivo, levando à sua morte. Logo, posicionado no
conturbado com a Guilda dos Mineradores. centro da comunidade, o item maldito emanaria sua
aura profana por toda a volta.
Trokhard Assim como o portador de uma arma maldita é
No extremo sudeste do reino, próxima à junção impelido a mantê-la, os habitantes locais agora eram
entre as fronteiras de Deheon e a Supremacia Purista, incapazes de deixar a cidade. Isolados, incapazes de
fica a cidade de Trokhard. Aqui também a tradição das cuidar das fazendas distantes, morreram aos poucos
armas é forte — mas um pouco diferente. de frio e fome — reerguendo-se mais tarde como
Há cerca de cem anos, a cidade teria sido visitada mortos-vivos. Hoje Tahafett é uma cidade-fantasma,
por Ideki, um samurai da distante Tamu-ra. Após infestada de esqueletos, zumbis e carniçais.
ajudar a defender o povo local contra um grande Qualquer ser inteligente que entre na cidade tem
ataque de gnolls, Ideki foi encontrado morto na manhã grande dificuldade em sair — façanha que exige imensa
seguinte, em seu quarto na estalagem, com a própria força de vontade. Supõe-se que o feitiço será desfeito
espada cravada no ventre. Mais tarde, graças a um apenas quando a Espada de Tahafett for removida de
clérigo capaz de falar com os mortos, o enigma foi seu pedestal. Isso é algo que poucos ousam tentar,
desvendado: Ideki estava em missão secreta para uma vez que a maldição seria então rogada sobre o
seu mestre. Detendo-se para proteger a cidade, não novo portador da arma.

O Reinado
141
Cidade de Rhond Esta era uma das menores áreas de Tormenta em
Arton, muito embora mapas sejam inúteis para medir
Esta cidade é famosa não apenas por abrigar o tais lugares. Planícies intermináveis de desespero e
templo central do culto de Rhond, o Deus Menor pesadelo, onde viajantes poderiam andar a esmo por
das Armas e dos Armeiros — mas também porque anos sem encontrar saída — o que nunca acontecia,
ali vive o próprio Rhond! pois acabavam retalhados pela grama afiada ou devo-
É fato que, em Arton, qualquer criatura com rados por predadores lefeu. Antes inóspitas, agora as
poder suficiente e determinado número de devotos estepes eram absolutamente mortais, governadas pelo
recebe o status de divindade menor. Diz a lenda que abominável Aharadak e suas crias horrendas.
Rhond teria sido um dos mais antigos clérigos de A devassidão rubra ocupou o norte de Zakharov
Keenn no mundo. Após uma vida de aventuras e durante quase vinte anos. Seria expulsa (na verdade,
combates, acumulou tanto poder e artefatos mágicos recolhida) apenas quando Aharadak partiu, tornando-
que acreditou ser capaz de vencer o próprio Deus da -se deus no Panteão. Na ausência de seu regente ter-
Guerra. Fez uma viagem planar até o reino de Werra rível, aventureiros derrotaram as aberrações restan-
para desafiar Keenn, mas acabou derrotado. tes e purificaram a região, devolvendo-a ao normal.
Como castigo por sua arrogância, Rhond foi Ou tão normal quanto possível. A estepe nun-
transformado em uma criatura de seis braços e recebeu ca se recobrou por completo: embora os céus sejam
vida eterna — seria destinado a forjar instrumentos agora livres da vermelhidão, ossadas retorcidas abun-
de guerra até o fim dos tempos. Entendendo seu erro dam aqui e ali, aberrações substituem animais natu-
em servir a um deus tão injusto, Rhond desistiu do rais, até mesmo lefeu menores ainda rondam em pe-
clericato e passou a viajar pelo mundo, ganhando a quenos bandos. Exceto para viajantes abençoados pelo
vida como ferreiro. Suas armas ficaram famosas. Com Deus da Tormenta, todo cuidado é pouco. Um dos
o passar dos séculos, Rhond ganhou seguidores e poucos auxílios com que exploradores podem contar
devotos, até ascender como uma divindade menor. é o mashin Ravel, um construto tamuraniano deixa-
A Cidade de Rhond é onde ele e seus devotos do aqui por seu criador desconhecido, com a missão
decidiram estabelecer o templo da ordem, que hoje obsessiva de ajudar qualquer um que deseje comba-
marca o centro de uma cidade média. Seus clérigos ter a Tempestade Rubra.
atualmente ativos conquistaram esse status após
receber armas especiais do próprio Rhond, jamais
deixando de usá-las em combate. Eles protegem o
Ahar’kadhan
Mais conhecida como a Cidade na Tormenta, por
templo, impedindo que o trabalho de seu patrono
longos anos Ahar’kadhan foi um lugar de pesadelo,
seja perturbado por aventureiros que cobiçam suas
uma chaga aberrante no coração da Tormenta em
armas. Também é trabalho dos clérigos proteger o
Zakharov. Isso mudaria após a saga épica cantada
povo da cidade, que venera Rhond como seu deus.
pelos bardos como Coração de Rubi. Mas não muito.
Rhond trabalha sem cessar em uma caverna, na oficina
que é também seu templo. A forja é um pequeno A área de Tormenta não existe mais, mas a
vulcão, borbulhando de lava, e todas as paredes são cidade, sim. Ainda composta por torres de osso
recobertas dos mais variados tipos de armamentos. e carapaça, mas também construções mundanas
de madeira e pedra. Ainda habitada por cultistas
Por vezes, Rhond teve vital atuação em grandes
e meio-aberrantes, mas livre de lefeu verdadeiros.
eventos contra os lefeu, como a retomada de Tamu-ra
Sinistra, mas não mais mortal. Seu propósito, deter-
e a eliminação da área de Tormenta em Zakharov.
minado por Aharadak e seu novo sumo-sacerdote,
é oferecer aos povos um lugar de culto ao Deus da
Estepes da Aflição Tormenta — mas também um lugar onde Arton não
Antes conhecida apenas como “Estepes do Norte”, deixa de existir, onde Arton e a Tormenta conseguem
a região setentrional de Zakharov era semelhante ao o que parecia impossível: coexistência.
norte das Uivantes, com terreno plano e vegetação Estaria Aharadak, após sua transformação em
rasteira de clima frio. Lugar de aridez hostil, ruim deus, revelando uma nova face dos lefeu? Estaria
demais para a agricultura, pecuária e mineração. Sem oferecendo algo diferente de morte, pesadelo e assi-
grandes cidades, habitada apenas por nômades. milação? Ou tudo seria apenas um sonho ingênuo de
Pode ter sido uma bênção dos deuses, portanto, Ezequias, buscando paz entre invasores e artonianos?
que justamente essa região desolada acabou tomada Dizem existir outros devotos de Aharadak que não
pela Tormenta. são loucos depravados, pregando a aceitação pacífica

Capítulo Um
142
da tempestade. Mas o insondável Deus da Tormenta
também partilha desse sonho? Ou apenas quer mais
e mais devotos?
Para a maioria daqueles que combatem a Tormenta,
tudo não passa de uma armadilha — e Ezequias, um
farsante ou louco perigoso. Seja como for, a atual
Ahar’kadhan recebe cada vez mais lefou e devotos de
Aharadak, sendo a única grande cidade em Arton onde
são aceitos. Também é um possível lar para aqueles
que foram corrompidos, mas não desejam se entregar
aos lefeu. Um desses é o ex-paladino de Khalmyr e
ex-algoz da Tormenta Merekin, que busca algum
tipo de redenção e oferece seus serviços a grupos de
aventureiros que vêm pesquisar a Tempestade Rubra.

Colinas Centrais
Zakharov é um reino de terreno plano, dominado
principalmente por campos e colinas baixas, sem aci-
dentes geográficos dignos de nota — exceto por sua
região central, conhecida como Colinas Centrais. O
nome insuspeito, assim como a baixa elevação quando
vista à distância, na verdade esconde uma vastidão pe-
rigosa de ravinas, desfiladeiros, paredões e gargantas.
O Rio Lengarim, afluente do Rio da Fortitude,
nasce em vários pontos das Colinas Centrais e fornece
água para boa parte da região centro-norte do reino,
de forma que muitas cidades de médio porte (fora
das Centrais) foram erguidas às margens. Recebeu
esse nome de um explorador anão que guiava colonos
humanos através da região, mas morreu afogado ao cair
por acidente em suas águas. Desde então comenta-se
que o rio é assombrado: o fantasma de Lengarim pode
ser visto de tempos em tempos vagando sobre as águas,
à espera de aventureiros para guiar. Se ele de fato os
conduz em segurança, ou apenas os atrai para uma
morte igual à sua, não se sabe.
Com a escassez de grandes florestas, montanhas e
outros bons esconderijos, a maioria dos monstros no
reino adota as Colinas como covil. Aqui encontramos
grifos, hidras e ocasionalmente dragões, mas muitas
vezes em versões exóticas, encontradas apenas na
região. Para os caçadores de monstros do reino, não
há lugar mais indicado para agir.
Contudo, desbravar as Colinas Centrais não é tarefa
fácil mesmo para aventureiros. O povo das Centrais
é caipira, isolacionista e cheio de manias. Vivem em
pequenos povoados ou propriedades que abrigam uma
única família. Ao mesmo tempo em que desconfiam
de estranhos, não se metem na vida de ninguém, o
que significa que não se assustam ou se impressionam
com membros de nenhuma raça. O aventureiro mais
espalhafatoso será solenemente ignorado a menos que

O Reinado
143
crie problemas ou tenha algo a oferecer. Afastados da Em uma fortaleza conquistada no reino de Zakharov,
sociedade normal do Reinado, o povo das Centrais atuava como um senhor da guerra no comando do
também adquiriu predileção por armas de pólvora. Por próprio exército; tinha intenção de governar como os
tudo isso, não é surpreendente que sejam conhecidos antigos xoguns da terra natal. Talvez tivesse sucesso
coletivamente como “os esquisitos das Centrais”. em seu caminho de tirania, não fosse desafiado e morto
por um forasteiro de perícia e armamento insuperáveis:
Nos últimos anos as Colinas Centrais receberam
Mestre Arsenal.
um pouco mais de atenção de “forasteiros enxeridos”,
na forma do Forte Cabeça-de-Martelo, um entreposto Por ser escolhido de Keenn, teve a alma encami-
do Exército do Reinado. Dentro do Forte se localiza nhada para Werra, onde poderia lutar pela eternidade.
a Metais do Baixote Forja & Armazém, única filial do Mas essa segunda desonra era demais para suportar.
império comercial sediado em Valkaria. Diz-se que Turukuto implorou ao Deus da Guerra por um meio
foi descoberto nas Colinas um novo material com de restaurar seu orgulho. Recebeu uma missão sagra-
propriedades de defesa contra a Tormenta, conhecido da; como Guardião do Desafio de Keenn, seria um dos
como metal arco-íris. Em tempos recentes, a região vinte campeões destinados a testar os Libertadores de
também vem se tornando conhecida como área de Valkaria. Ali, acabou vencido mais uma vez — mas sem
receber a morte honrada que buscava, pois a masmorra
atuação preferida dos Cães dos Colinas. Este grupo
o recriava após cada derrota. Percebeu tarde demais: a
de heróis, tão exótico quanto determinado, parece
“bênção de Keenn” era na verdade uma punição terrível.
disposto a lutar por seus objetivos até o fim dos tempos.
Mais tarde, o antigo clérigo seria convocado para
lutar no Torneio do Deus Guerreiro. Mas tudo não
Fortaleza passava de outra crueldade de Keenn: Turukuto acabaria
de Destrukto novamente derrotado por Arsenal, em sua jornada de
Um dos alvos mais visitados pelos caçadores de ascensão como Deus da Guerra.
tesouro locais, este antigo forte teria sido o quartel- Hoje, a Fortaleza de Destrukto está em ruínas.
-general de Destrukto — na verdade, Turukuto Desu, Seus tesouros e artefatos mais poderosos foram
nativo de Tamu-ra. Ex-samurai do Imperador Teka- levados por Arsenal — e o restante, pilhado por
metsu, teria chegado ao Reinado fugindo de um fra- aventureiros. No entanto, acredita-se que o antigo
casso vergonhoso, adotando então esse nome pecu- clérigo tinha câmaras secretas onde alguns itens
liar. Acabaria como devoto de Keenn e, mais tarde, importantes ainda podem estar escondidos, assim
seu sumo-sacerdote. como golens deixados para protegê-los.

Capítulo Um
144
Guildas & Os Desarmeiros
Organizações Sendo as armas tão preciosas em Zakharov, é natu-
ral que sejam cobiçadas por criminosos. Os Desarmeiros
são uma antiga quadrilha de ladrões de armas. Com o
A Guilda dos tempo, “Desarmeiro” acabou se tornando um termo
Mineradores pejorativo local para qualquer ladrão.
Sediada em Yuvalin, trata-se de um dos mais pode- Viajar com uma arma valiosa é correr o risco de ser
rosos sindicatos do crime no Reinado. Sua influência atacado por estes bandidos. Sabendo que as melhores
alcança não apenas Zakharov como também se espalha peças estão nas mãos de aventureiros, os Desarmeiros
através de outras nações. incluem indivíduos com habilidades variadas, como
ladinos, magos e até clérigos (tipicamente de Hyninn ou
A Guilda é secretamente chefiada pelos patriarcas
Nimb). Em geral não matam suas vítimas: se possível,
de algumas das famílias mais ricas de Zakharov, sendo
usam magias ou poções para incapacitá-las e tomar suas
que nem todas vivem em Yuvalin. Controlando o
armas, para depois negociá-las no mercado clandestino
principal suprimento de minérios e gemas preciosas
existente em todas as grandes cidades do reino.
da região, a Guilda consegue influenciar até mesmo
as decisões do regente — que tem lutado para livrar Além de roubos e assaltos, os Desarmeiros também
o reino dos bandidos, mas sem sucesso. A família real praticam todo tipo de atividade ilegal ligada a armas.
Roggandin sabe que, desde a partida dos anões e seu Desde o tráfico de armas ilegais (como peças malditas
fornecimento de minérios, a Guilda tem praticamente ou falsificadas) até o contrabando (conta-se que têm
a economia do reino nas mãos. Mais um motivo para fornecido armas para a Supremacia).
que o regente procure desesperadamente restaurar a
aliança com Doherimm.
A Guilda enriquece explorando os trabalhadores
Aventuras
das minas de Yuvalin e cobrando preços elevados por É razoavelmente seguro viajar entre as cidades de
seus produtos. Comerciantes de outros reinos que Zakharov, especialmente na parte centro-sul. Exceto
tentem negociar minério com os zakharovianos são pelas Colinas Centrais, poucos lugares são conhecidos
prontamente atacados por capangas e mercenários. O por abrigar monstros e animais fantásticos.
mais conhecido deles, o assassino Manto da Morte, já Mesmo assim, existem riscos. Como em Deheon,
eliminou muitos rivais da Guilda. assaltantes gnolls são comuns. Nesta região eles não
temem grupos armados, uma vez que todos por aqui
Os Monges usam armas e poucos sabem realmente usá-las. Isso
de Mãos Vazias pode levá-los a atacar aventureiros por acidente — e eles
fugirão como ratos assim que a verdade for revelada!
No reino das armas, há quem lute contra elas.
Mestre de uma técnica de luta chamada caratê (“mãos Predadores espreitam nas áreas selvagens, atacando
vazias” em tamuraniano), o homem conhecido como quem entra em seu território. Kobolds e centauros
Mão de Aço comanda uma ordem de monges devotada podem ser encontrados em pequenos grupos ou tribos,
ao combate desarmado. Através de treino intensivo, mas é raro que tomem atitudes hostis contra forasteiros.
estes monges conseguem tornar suas mãos tão perigo- A parte norte do reino é a mais perigosa, mesmo
sas quanto armas afiadas. Eles viajam pelo reino para após a partida da Tormenta. Em sua aridez macabra,
provar sua força e fazer com que as pessoas desistam de ainda rondam demônios lefeu menores e outras
suas armas — missão bastante ingrata quando se trata aberrações residuais.
de Zakharov. De fato, os zakharovianos consideram
estes monges extremamente incômodos!
O próprio Mão de Aço é um homem imenso e ainda
mais forte do que aparenta. Não tem problemas em
falar de seu passado: quando jovem, fez parte de um
grupo de aventureiros. Em certa ocasião foram todos
apanhados em uma emboscada, sem suas armas — e
apenas o monge sobreviveu. Desde então essa preciosa
lição tem orientado sua vida. “Confiar em armas é
confiar em pó e areia”, ele costuma dizer.

O Reinado
145
Capítulo Um
146
Pondsmânia O REINO DAS FADAS

D História
entre todas as nações do Reinado,
esta é a mais estranha, maravilhosa
e perturbadora. Suas fronteiras são Para as fadas, a noção de história oficial é estranha,
incertas, entremeadas pelas florestas o conceito de eventos acontecendo de forma linear
que separam as Repúblicas Livres de Sambúrdia simplesmente não faz sentido. Fadas falam do mundo
dos Feudos de Trebuck. Poucos cogitam entrar e das pessoas por meio de fábulas, contos e canções.
por conta própria, mas muitos acabam aqui sem Por isso, em vez de uma só história, a Pondsmânia
tem uma Antologia.
querer. Afinal, a Pondsmânia é a terra das fadas.
A Antologia, como o nome já diz, é uma grande
Há todo tipo de história envolvendo a Pondsmânia.
coletânea de contos de fadas muitas vezes contra-
Das intrépidas missões de grupos de aventureiros até
ditórios para os outros povos, mas aceitos pelos
os mais assustadores contos de terror. De anedotas
habitantes deste reino. As fadas têm dificuldade para
curiosas sobre duendes excêntricos até relatos bélicos
explicar aos mortais um conceito tão básico quanto a
sobre cavaleiros sanguinários montados em cervos.
veracidade simultânea de dois relatos que se anulam
Uma história de ninar fantasiosa demais para os
mutuamente. Para os estudiosos da Antologia, é mais
padrões de Arton pode facilmente ser real do Reino útil apenas registrar os diferentes contos, em vez
das Fadas. Da mesma forma, superstições sobre as de tentar colocá-los em ordem ou compreendê-los.
fadas que todo artoniano “sabe” serem verdadeiras
são motivo de riso entre os habitantes do reino.
Aqui, o tempo e o espaço funcionam de forma
As Aventuras de Sir
diferente: um camponês incauto pode passar a vida
Mihaelett Pondsmith
inteira dentro do território feérico até sair e descobrir Talvez o primeiro conto da Antologia tenha rela-
que só se passou um dia no resto de Arton — ou ção com o próprio nome da Pondsmânia. Ninguém
vice-versa. Um passeio curto, cortando caminho por além das fadas conhece o nome verdadeiro do reino,
que teria sido dado pela Rainha Thantalla-Dhaede-
um bosque, pode se revelar uma jornada de meses
lin. Isso talvez seja proposital, já que muitas fadas
através de terreno perigoso e traiçoeiro. Nada disso
acreditam que nomes têm poder e, conhecendo o
ocorre por maldade, pois quase nenhuma fada deseja
nome de sua terra, um mortal poderia viajar por ela
o mal. Contudo, às vezes este povo tem concepções
sem problemas. Alguns estudiosos afirmam que na
únicas, imprevisíveis e inquietantes do que é o bem…
verdade esse segredo é um gesto piedoso do povo
A Pondsmânia pode ser o lugar mais divertido de feérico, já que ouvir o nome verdadeiro poderia
Arton, ou o mais letal. E muitas vezes não há como danificar a mente de um artoniano comum. Outros
diferenciar um do outro. dizem que nada disso existe. As fadas simplesmente

O Reinado
147
não possuem um nome para seu lar, achando graça da
necessidade dos mortais para isso. Antes do primeiro
No Meio das Coisas
contato com o Reinado, teriam chamado seu reino Tudo é tão diferente e antigo na Pondsmânia
de “lá em casa”, “atrás da colina”, “na floresta” ou que os fatos ganham um ar atemporal. Há fadas que
outras expressões comuns. Segundo essa hipótese, envelhecem com as eras, castelos que nunca decaem,
magia poderosíssima nunca vista em outros lugares...
qualquer “nome proibido” que as fadas mencionem
Mas também aldeias bucólicas esquecidas pelo mundo.
não passa de uma grande piada.
As coisas parecem não progredir, até o momento em
A palavra Pondsmânia, como os artonianos conhe- que simplesmente acontecem.
cem e usam, foi cunhada por causa do primeiro humano
A Antologia não se preocupa muito com o que
a conseguir entrar e sair do Reino das Fadas: Mihaelett
veio antes da aventura cômica e horrenda de Miha-
Pondsmith, nascido no antigo reino de Trebuck.
elett Pondsmith. Isso leva alguns bardos a crer que a
As versões artonianas do conto de Mihaelett Antologia existe como um grande espetáculo do povo
envolvem aventuras inimagináveis e mirabolantes, feérico para os mortais. Há quem afirme que, antes de
mas alguns conhecem a versão menos glamorosa: o os refugiados do sul povoarem Ramnor, a Pondsmânia
humano adentrou o reino enquanto caçava. Encon- se espalhava por toda a floresta de Greenaria. Os
trou a Rainha por acaso e a desafiou, recusando-se a contos dizem que os primeiros povos da região viam
amá-la. Indignada, Thantalla o aprisionou até que se as fadas com medo e reverência, fazendo oferendas para
apaixonasse. Quando um membro da corte descobriu deixá-las contentes e rituais para mantê-las afastadas.
que o amor de Pondsmith não pertencia a ela porque Apenas conforme as pessoas abraçaram modos de
estava fora de suas terras, na antiga aldeia do caçador, a vida menos fantásticos — como a razão, o dinheiro
Rainha ordenou que esse amor fosse trazido. A amada e as cidades — a Pondsmânia teria diminuído seu
de Pondsmith virou prisioneira, o amor dele finalmente território. Algumas versões invertem a situação: a
pertencia a Thantalla e a Rainha perdeu o interesse por própria Thantalla teria perdido o interesse nesses
ele. O caçador reapareceu na aldeia três dias depois, súditos, deixando-os servir a seus novos senhores. Há
completamente louco e muito mais velho. As fadas ainda quem inclua o fato de que ninguém sabe a real
contam ambas as versões. extensão da Pondsmânia, o que só torna tudo ainda
mais difícil de entender.

A “Inorigem” das Fadas De qualquer forma, os registros históricos artonia-


nos afirmam que Sambúrdia concedeu independência
Menos ainda se sabe sobre a criação dos povos à Pondsmânia em 1110 — o que para as fadas é ge-
feéricos. A versão mais aceita diz que Nimb teria nuinamente engraçado, já que nunca se viram como
sussurrado nos ouvidos de Wynna, a Deusa da Magia, dependentes de algo chamado Sambúrdia.
fazendo com que ela tivesse sonhos bizarros que
deram à luz as fadas. Mas há milhares de outras
versões contadas dentro e fora da Pondsmânia. Ao
A Guerra das Rainhas
que parece, as próprias fadas gostam de inventar Sabe-se de um grande cisma entre a Rainha
histórias diferentes a cada vez que alguém pergunta. Thantalla-Dhaedelin e uma Rainha Má, governante
de Sylarwy-Ciuthnach, a Terra das Sombras. Essa rixa
Nimb parece se interessar até hoje pelos habi- atravessa as eras, mas parece ter havido apenas um
tantes deste reino. Um dos contos mais populares confronto direto, quando o domínio das fadas malig-
da Antologia é Aliathnarwyn e o Cetro de Nimb. Na nas atacou a capital da Pondsmânia. Isso aconteceu
história, Nimb teria incutido nas fadas o comporta- há alguns séculos, até onde os estudiosos podem
mento caótico que elas têm até hoje, ludibriando um precisar. Desde então, o conflito parece ocorrer de
jovem mago para que usasse um artefato de poderes forma mais sutil, nas cortes feéricas ou através de
imprevisíveis. Ninguém sabe se algum elemento dessa armadilhas e maldições.
narrativa é verídico.
A guerra também levou ao exílio voluntário da
A Rainha já confirmou e negou essas versões Corte da Rainha das Fadas. Havia cinco casas nobres
em diferentes ocasiões. A versão que parece agradar na capital, mas elas decidiram abandonar Thantalla
mais a ela não faz sentido para os mortais: Thantalla e construir seus próprios palácios depois da batalha
afirma que, como as fadas surgiram com ela mesma, contra Sylarwy-Ciuthnach. Segundo algumas versões,
é absurdo perguntar como e quando foram criadas, esse evento marcou a transição da Rainha para a fase
pois ela não lembra de nenhum momento em que de Donzela, pois a soberana não precisava mais dar
não tenha existido. satisfações a ninguém.

Capítulo Um
148
O Caçador e a Caçada
A Antologia e a história de Arton se encontraram
mais uma vez quando o caçador de recompensas
Crânio Negro invadiu a Pondsmânia com seu exército
corrompido. Crânio Negro era um algoz da Tormenta e
assim representava enorme perigo para as fadas — um
mínimo contato com a Tempestade Rubra pode destruir
completamente esses seres.
Crânio Negro desejava na verdade atravessar o
reino em sua marcha pelo continente, mas sabia que
não conseguiria isso sem luta. Thantalla foi avisada da
invasão pelo cavaleiro humano Orion Drake, que pediu
que ela capturasse o criminoso. Mesmo sem levar o
perigo a sério, a Rainha decidiu enfrentar a Tormenta.
Reuniu forças com a Rainha Má e recrutou o auxílio de
seu marido, o Rei das Fadas. Após um combate aguer-
rido, Crânio Negro usou as próprias idiossincrasias de
Thantalla e as estranhas leis feéricas contra ela mesma.
Num jogo de xadrez, convenceu a Rainha de que fora Pondsmânia
o vencedor. Irritada, Thantalla ordenou que ele fosse
embora, permitindo a passagem dos corrompidos. Nome oficial: impronunciável por povos
não feéricos.

Quer que Lema: “Felizes para Sempre.”

Conte Outra Vez? Brasão: De prata duas dríades adossadas e


unidas pela cintura a uma árvore arrancada
Um consenso entre os bardos e pretensos es- de verde, cada uma sustentando com a mão
tudiosos da Antologia afirma que a “história” das externa, em chefe, à destra um sol em seu
fadas é cíclica, seguindo as fases da vida da Rainha esplendor e à sinistra um crescente de ouro.
Thantalla-Dhaedelin. Isso não condiz com nenhuma
versão da história artoniana. Mesmo assim, é o mais Gentílico: feérico.
próximo que existe de uma teoria unificada da trajetória Capital: Linnanthas-Shaed.
dos povos feéricos. Forma de Governo: incompreensível para
Após a última fase de sua vida, a Rainha seria mortais, pois a Rainha faz parte da terra e
coroada mais uma vez, repetindo a história. Como vice-versa.
a Pondsmânia parece estar intrinsecamente ligada à Regente: Thantalla-Dhaedelin.
Rainha, isso significaria que tudo que “aconteceu” no
ciclo anterior “vai acontecer” mais uma vez no novo População: ninguém tem a menor ideia.
ciclo, incluindo o surgimento da Rainha Má e talvez Raças principais: fadas de todos os tipos,
até mesmo a chegada de Mihaelett Pondsmith. Mas, humanos, dragões-fadas, goblins.
se esse ciclo envolve um mortal, isso significa que Divindades Principais: Nimb e Wynna.
também afeta o resto de Arton?

Geografia maior parte da paisagem é tomada por árvores, que


Quase toda a Pondsmânia é coberta de florestas, parecem ser uma parte intrínseca da terra.
embora campos idílicos, montanhas e outros terrenos Orientar-se aqui é difícil, já que nem todas as
interessantes possam surgir às vezes, principalmente regiões operam pelos mesmos princípios espaciais do
quando isso desperta o interesse da Rainha. Suas di- resto do mundo físico. Um pretenso exército invasor já
mensões exatas são incertas — uma fada pode viver eras entrou na Pondsmânia “no limite do inverno”, como se
inteiras viajando pelo reino sem ter conhecido todos a estação fosse um local. Os guerreiros sobreviventes
os lugares. Mesmo assim, existe alguma consistência não eram capazes de explicar o fenômeno, apenas
na geografia. Quase todos os visitantes relatam que a diziam que era daquele jeito.

O Reinado
149
O clima costuma ser ameno, mas varia de acordo Também é possível entrar na Pondsmânia sem
com os humores e caprichos da volúvel Rainha das Fa- passar por um portal, apenas viajando fisicamente
das. Nos últimos séculos, enquanto a Rainha é Don- pela floresta, embora isso nem sempre dê certo. Longe
zela, varia entre dias ensolarados exuberantes e tem- de ser mais amigável para outros povos, isso torna o
pestades terríveis, com alguns períodos de crepúsculo reino ainda mais imprevisível e perigoso, pois pode-se
melancólico. Já em Sylarwy-Ciuthnach o solo é árido, entrar em suas terras mágicas por acidente.
o sol nunca aparece e as tempestades são constantes.
Nos limites da Pondsmânia, em meio à floresta,
há quatro arcos. Esses portais demarcam o território Povo & Costumes
do reino a norte, sul, leste e oeste. A aparência desses Nenhum tipo de censo jamais foi realizado na Ponds-
arcos varia de tempos em tempos e até de testemunha mânia, nem seria possível fazer isso, então tudo que existe
para testemunha. Podem ser feitos de ouro, prata,
sobre seus habitantes é observação e especulação. Aos
ossos, madeira ou de materiais ainda mais inusitados,
forasteiros sortudos, pode parecer que as sílfides são as
como pólen ou suspiros. Essas são as entradas mais
principais habitantes do reino, mas isso não é verdade.
óbvias para o Reino das Fadas, mas não as únicas. A
Essas fadinhas são mais curiosas, mais interessadas e
floresta está cheia de árvores com marcações estranhas,
fazem mais contato com outros povos, mas são apenas
caminhos que parecem levar a lugar nenhum, belos
um tipo de ser feérico. Existem muitos outros.
jardins que não poderiam existir sozinhos e outros
sinais sutis de um portal menor. Não há um padrão para a aparência de uma fada.
Os membros da Corte costumam ser semelhantes
Cada portal possui uma senha ou chave especial
a elfos, mas mais esguios, etéreos e delicados. No
— um objeto ou ação de uma lista infinita e aleatória.
entanto, os servos dos palácios e o resto da população
Uma chave pode ser declamar um poema, seguir uma
tem aparência tão variada quanto a imaginação de um
borboleta, enterrar seu bem mais precioso na floresta,
bardo insano — de fato, elas inspiram muitos bardos
jurar algo pela vida de um parente ou apenas sorrir
e enlouquecem vários outros.
olhando para as estrelas. Para dificultar ainda mais as
coisas, esses segredos mudam de tempos em tempos, Algumas fadas, conhecidas como “duendes”, podem
sem periodicidade definida. Saber a chave de um portal se apresentar como um enorme ovo com pernas e braços
para ir à Pondsmânia não garante que a chave ainda muito finos; um mordomo magriço e pomposo de pele
será a mesma na volta. azulada e roupas aristocráticas; um bebê com rosto e

Capítulo Um
150
voz de velho; um boneco feito de gravetos ou outras tigela de mingau a um brownie. Aldeias inteiras vivem
formas ainda mais esquisitas. Em comum, quase todos sob normas que podem parecer tirânicas — nunca
têm uma aparência que lembra desenhos infantis e é um assobiam durante a primavera ou sempre andam
pouco tola aos olhos humanos. Entre si, dividem-se em de lado após o meio-dia. Às vezes isso é questão de
inúmeras categorias, como brownies, gorros-vermelhos, sobrevivência: as fadas da clareira próxima podem
pucks... Brownies trabalham incansavelmente em troca de condenar todos à pobreza eterna se quebrarem o tabu.
mingau e leite, enquanto que gorros-vermelhos pregam Mas em alguns casos é pura superstição. As fadas
peças muitas vezes mortais e comem carne crua. Pucks raramente notam a diferença.
são brincalhões, melífluos ou mentirosos, mas (quase)
Apenas as fadas de Sylarwy-Ciuthnach são ma-
inofensivos. Outros duendes têm comportamentos ainda
lignas ou ativamente cruéis com os mortais. Todas as
mais excêntricos, mas invariavelmente se levam muito
outras são apenas caprichosas, brincalhonas, exigentes,
a sério. Se um duende passa correndo, tentando agarrar
mimadas, curiosas ou distraídas. Fundamentalmente,
um raio de sol para levá-lo a um pardal, não ria! Para o
fadas e outros povos são apenas diferentes entre si.
duende, isso é um assunto de vida ou morte.
Um hynne não entende por que uma fada não pode
Também existem fadas monstruosas, grotescas ou ouvir o próprio nome à noite, uma fada não entende
cruéis. Um exemplo são as velhas bruxas, fadas muito por que um hynne não pode sobreviver sem respirar.
traiçoeiras que vivem para atormentar os mortais. As (ironicamente) grandes exceções são as sílfides,
Justificam seus atos com alguma necessidade real que compreendem bem os mortais e gostam de viver
(comida, ouro...), mas isso sempre se revela absurdo entre eles. Mesmo assim, os tabus das outras fadas
após um pouco de investigação. Já se soube de uma parecem naturais para as sílfides.
velha bruxa que construiu uma casa de doces, para
Já as fadas da nobreza veem os mortais como súdi-
atrair crianças humanas e então devorá-las. Ela dizia
tos. Exigem ser obedecidas e tratadas com deferência.
que precisava comer para sobreviver — mas não comia
Há um costume ancestral que diz que nunca se deve
seus próprios doces, e passavam-se longos anos sem
recusar hospitalidade e abrigo a qualquer membro
que nenhuma criança se aventurasse por perto! Outra
da nobreza feérica. Uma visita de um nobre das fadas
envenenou uma princesa para se casar com seu pai,
é sinal de imensa sorte e os camponeses raramente
mas nunca pensou em usar suas habilidades mágicas
contrariam a tradição. Em troca da hospitalidade, a
para conquistar suas próprias terras ou riquezas...
fada visitante sempre deixa algum presente… Quer
Esses tabus e regras aparentemente arbitrárias são seu anfitrião queira, quer não.
extremamente comuns entre as fadas da Pondsmânia.
Elas simplesmente se comportam assim, mesmo que isso
não faça sentido para outros povos. Não são preferências
Maravilhas dos
ou leis, mas necessidades absolutas. Pedir a uma fada Deuses numa Terra
para contrariar isso é como pedir a um mortal que faça
seu coração parar de bater. Alguns exemplos incluem
de Maravilhas
Wynna e Nimb são os deuses mais conhecidos
sempre considerar que uma transação está terminada
na Pondsmânia, inclusive em Sylarwy-Ciuthnach. Por
ao ouvir a palavra “obrigado” (um agradecimento en-
serem deuses muito ambivalentes, seres feéricos de
cerra uma amizade, um caso de amor ou mesmo uma
ambos os lados admiram essas divindades, inspiran-
vingança), sentir fúria ao receber um presente, nunca
do-se em sua forma de agir.
responder uma pergunta sem receber algo em troca e
muitos, muitos outros. Por essas mesmas regras, muitas Allihanna é adorada por algumas fadas que vivem
fadas adotam comportamentos curiosos, como ir morar em florestas. Os locais de contato (o que outros
na casa de um humano e ajudá-lo com seu trabalho ou artonianos chamariam de “templos”) costumam ser
roubar os pés esquerdos de todos os sapatos em um clareiras, árvores peculiares e outros marcos naturais.
castelo. Para as fadas, nada disso é esquisito — é um As sílfides mais interessadas nos mortais têm forte
fato da vida que elas nunca explicam, assim como um inclinação a Lena, por entenderem o valor da vida
mortal não explica por que anda com os pés no chão. desses seres tão frágeis. Por fim, Tenebra costuma
Há também seres não feéricos no Reino das Fadas, ser admirada pelas fadas mais sinistras ou maliciosas.
apesar de serem minoria. Costumam viver em aldeias e Mas é raro que uma fada da Pondsmânia seja
lugares ermos, sempre obedecendo aos tabus e regras realmente devota de algum deus. Mais comum é que
de convivência das fadas mais próximas. Um artesão vivam suas vidas de encantamento sem pensar em
em uma aldeia nos arrabaldes da Pondsmânia prefere questões transcendentais — pois para elas Arton já
deixar sua família inteira morrer de fome a negar uma representa uma existência fantástica e eterna.

O Reinado
151
Seja a verdade qual for, o consenso
é que a Rainha assumiu o trono quando
criança. Ela passa por cinco fases: Crian-
ça, Guerreira, Donzela, Dama e Senhora.
Atualmente Thantalla se encontra em sua
fase de Donzela. Tem a aparência de uma
linda jovem de dezessete anos, a pele
macia como seda, os cabelos longos com
mechas negras e verdes, os olhos castanhos
quase dourados. Ninguém duvida que seja
a fada (ou até mesmo a criatura) mais bela
de Arton. Há incontáveis histórias de nobres,
plebeus e aventureiros que se apaixonaram a ponto
da loucura pela Rainha.
Como Donzela, Thantalla é uma Rainha muito
mais interessada nas intrigas da corte, em suas festas
e frivolidades do que em governar. Todos os aspectos
burocráticos ou tediosos são deixados por conta
do conselho — mas, na verdade, não há muito a
governar. Boa parte do que acontece na Ponds-
mânia depende da vontade da Rainha e o que
não lhe agrada pode ser modificado com um
suspiro. A única ameaça à paz do reino, as
Cyruthnallach, foi contida após a guerra
séculos atrás — ou assim ela pensa.
Thantalla passa grande parte do tem-
po viajando pelo reino com uma extensa
comitiva de servos. Quando resolve se es-
tabelecer em algum lugar, costuma criar
uma pequena versão de seu castelo ou usar
a tradição da hospitalidade, hospedando-se em algum
vilarejo humano. Às vezes gosta de se divertir às cus-
tas de seus súditos, assumindo disfarces antes de en-
trar em vilas e causando inúmeras confusões. Embora
pareça irresponsável, caprichosa e imatura, costuma
compensar por esses abusos. Quando parte, em geral
corrige as mudanças que causou (a menos que elas

Governo pareçam muito estéticas). Deixa valiosos presentes


àqueles que a agradaram, mas pune de forma impla-
A Pondsmânia é governada pela Rainha Thantalla- cável aqueles que a ofenderam de alguma forma (nem
-Dhaedelin. Em muitos aspectos, reino e rainha são sempre evidente ao “culpado”).
uma coisa só. Algo que ninguém sabe como começou. Quando cansa de viajar, Thantalla simplesmente
Alguns acreditam que Thantalla foi a primeira aproveita o luxo de seu lar. Costuma organizar
fada e que todas as outras foram criadas por ela ou por elaborados torneios de xadrez, seu jogo favorito.
sua causa, apenas para lhe fazer companhia. Outros Jogadora exímia, poucos foram capazes de derrotá-la.
acreditam que a Rainha teria sido criada para colocar A Rainha concede três partidas, cada uma valendo um
alguma ordem na Pondsmânia, que existia no completo pedido, mas a sorte e o destino do oponente só são
caos. Há quem diga inclusive que ela não foi a primeira decididos na última. Muitos admiradores aproveitam
Rainha. Segundo essa versão, Thantalla derrotou a essa chance para disputar a mão da Rainha no xadrez,
Rainha anterior em uma competição de arremesso mesmo sabendo que vencê-la é um feito lendário.
de trevos e assim tomou seu lugar. Muitos acreditam A Rainha tem um animal de estimação podero-
piamente que, um dia, Thantalla escolherá sua própria síssimo: Gwadralowín, o dragão-fada. A criatura pode
sucessora dessa forma. crescer até cento e cinquenta metros de comprimento,

Capítulo Um
152
atuando como montaria para Thantalla em passeios, mágico inteligente Chaethllan. Alguns dizem que o
solenidades e batalhas, além de assumir uma forma machado é o verdadeiro general e que o gigante não
humanoide, atuando como porta-voz em eventos que passa de uma ferramenta.
ela considera monótonos. Ao redor do castelo existe um imenso jardim
O conselho feérico é tanto um conjunto de auxi- labiríntico, mantido pelo jardineiro humano Arionn
liares e ministros quanto uma entidade mágica por si Ghovthuldd. Não só Arionn vive na Pondsmânia por
só, além de uma trupe que vive para entreter a Rainha. vontade própria e consegue existir aqui sem riscos a
Existem assuntos práticos e burocráticos na Pondsmâ- sua sanidade, ele é considerado o maior mestre de sua
nia, embora sejam poucos. Normalmente, Thantalla arte em todos os tempos. O jardim contém todas as
alterna entre controle total de cada minúsculo aspecto espécies de plantas e flores existentes em Arton (além
do reino (quando desperta seu interesse) e descaso de algumas não existentes), incluindo espécies raras
absoluto, permitindo que seus súditos governem a com propriedades fantásticas. Talvez a mais notória
si mesmos. Contudo, quando surge algum grande e poderosa seja a Rosa de Cristal, capaz de conceder
assunto como uma missão diplomática do Reinado ou qualquer desejo a seu possuidor. Caso a Rosa seja
a passagem de um exército, um membro do conselho tirada do jardim, sua roseira morrerá para nunca mais
é destacado para a infeliz tarefa de manter sua atenção florescer, tornando a flor um artefato único.
e fazer com que a governante decida. Outro ponto de interesse é o lugar conhecido
Os outonos cada vez mais ventosos e contempla- apenas como “a Feira”. Uma espécie de mercado aberto,
tivos da Pondsmânia têm alimentado rumores de que a Feira é talvez o único local capaz de rivalizar com
Thantalla pode estar perto de sua próxima fase. As Vectora em termos de variedade de artigos. Pratica-
consequências dessa mudança seriam imprevisíveis. mente tudo pode ser encontrado lá — mas é preciso
Por mais caótica que seja, os diplomatas do Reinado ter cuidado, pois muitas vezes as coisas não são o que
preferem que Thantalla permaneça como Donzela por parecem. Há incontáveis casos de aventureiros enga-
muitos séculos ainda. nados ou aprisionados por não investigar as minúcias
do negócio que faziam. Além disso, a Feira tem uma
particularidade: jamais se usa dinheiro nas transações.
Locais Importantes Tudo é feito com trocas, e quase qualquer coisa pode
ser usada como moeda. Um mercador pode aceitar
Linnanthas-Shaed, a dois dedos e uma mecha de cabelo do comprador,
Árvore do Céu (capital) uma colher de sobremesa ou um suspiro em troca
de uma bola de cristal ou uma espada mágica! Para
Costuma-se dizer que Linnanthas-Shaed foi um um forasteiro, nada do que acontece na Feira parece
presente de Allihanna para Thantalla-Dhaedelin ter lógica.
quando esta assumiu o trono. Trata-se de uma árvore
de proporções colossais localizada bem no meio dos Linannthas-Shaed é o foco de poder da Rainha das
Campos de Noryaviidd, na parte central da Pondsmâ- Fadas. Aqui sua vontade é soberana e seus poderes,
nia. O nome “Árvore do Céu” surgiu porque seus mais insuperáveis. Diz-se que, com exceção dos Cyruth-
altos galhos tocam as nuvens. nallach, ninguém é capaz de encontrar a capital sem
a permissão da Rainha. Mas também se afirma que,
Dentro de Linnanthas-Shaed encontra-se a capital uma vez por século, a cidade fica visível por um ano
do reino, uma enorme cidade repleta de castelos, torres inteiro, e não pode ser escondida de forma alguma.
e casebres amontoados de modo caótico — mas mesmo
assim belo. Embora esteja dentro da árvore, a cidade
vê o céu e a passagem dos dias normalmente, sempre Palácio-Cidadela
com sol e clima primaveril. Isso acontece graças ao de Hayall
poder da Rainha e de um poderoso artefato, um globo Um enorme e suntuoso conjunto de castelos
de pedra esverdeada e reluzente. construídos em espiral na superfície de uma montanha
A população da cidade é composta de centenas chamada Hayall, o Palácio-Cidadela é o centro político
de tipos de fadas, criaturas mágicas e alguns poucos da Pondsmânia. Aqui se localiza a Corte, as cinco
humanos que ganharam o privilégio (ou a infelicida- casas da alta nobreza que teoricamente deveriam
de) de morar na metrópole. No meio de tudo isso, ajudar a Rainha a administrar o reino e tomar decisões
destaca-se o Castelo Daenmhan, morada da Rainha, importantes. Mas, como Thantalla tem uma relação
de seu exército e de seus favoritos. No comando do simbiótica com a terra e muitas vezes está tomada
exército está o gigante Nollyan, com seu machado por fortes vontades ou caprichos, a Corte perdeu boa

O Reinado
153
parte de sua função. Há séculos os nobres deixaram de alunos aprenderam: numa cidade normal de humanos,
realizar qualquer trabalho e se dedicam a seus próprios havia um burgomestre, que ditava leis e comandava a
jogos de poder, inveja e influência dentro de Hayall. população. Havia uma guarda, que vigiava os habitantes
Antigamente a Corte se localizava em Linnan- e proibia certos comportamentos. Havia tavernas,
thas-Shaed, mas depois do ataque das Cyruthnallach, onde pessoas sentavam, comiam o que estava em
os nobres gradualmente migraram para a montanha, seus pratos e bebiam o que estava em seus copos.
sem que houvesse uma combinação prévia. Como o Havia um mercado, onde fregueses entregavam seu
Palácio-Cidadela não foi planejado com antecedência, dinheiro em troca de mercadorias. Havia estábulos
as famílias nobres foram criando seus castelos e cheios de animais de montaria, silos cheios de grãos.
conectando partes conforme a construção acontecia. Nas proximidades quase sempre havia um rio, de onde
Quando perceberam, as várias construções se tornaram os cidadãos voltavam com baldes cheios. As fadas
um enorme e labiríntico palácio fortificado. estudaram com afinco, então ocuparam o território
designado e se puseram a construir a orgulhosamente
A Corte é formada pelas cinco casas nobres: Sylwo-
batizada Cidade Normal dos Humanos.
raan, Adwervaén, Fendaree, Ellyarión e Aghmawor.
Enquanto a Rainha não mudar para a próxima fase, Dentro em pouco, a Rainha enviou um chamado às
os nobres sabem que sua função é quase decorativa. nações do Reinado, convidando para que conhecessem
Alguns tecem manobras políticas e místicas para forçar um local feito especialmente para seus habitantes, uma
a transformação de Thantalla em Dama, mas a maioria dádiva de Thantalla aos mortais. Comitivas de nobres
apenas se dedica a futilidades. Um dos únicos que e diplomatas de todos os reinos vieram. Realmente,
representa algum perigo é o jovem Daelur da Casa em um primeiro momento, a Cidade Normal dos
Fendaree, que sempre foi interessado nos assuntos Humanos parece normal e feita para… humanos. Mas
de fora do reino. Depois da invasão de Crânio Negro, essa fachada desmorona em pouco tempo.
Daelur teve ainda mais certeza de que o mundo exterior Existem tavernas, onde as pessoas sentam, comem
pode afetar a Pondsmânia. Ele já fez algumas visitas o que está em seus pratos e bebem o que está em
a Sylarwy-Ciuthnach e já tentou invocar a Caçada seus copos. Mas o que está em seus pratos? Gravetos?
Selvagem, sempre na tentativa de obter aliados em Ferraduras? Um pergaminho com a descrição de um
alguma elaborada manobra contra a Rainha. banquete? Ou até... comida? Mais de um embaixador
já se viu obrigado a percorrer as florestas próximas
A Cidade Normal em busca de frutinhas (tentando descobrir quais são
dos Humanos comestíveis) para não morrer de fome. O mesmo vale
para a bebida. Como o taverneiro pode saber que
Depois dos recentes acontecimentos políticos do
“bebida” não inclui ácido ou veneno? São coisas que
Reinado, a Rainha Tanthalla resolveu criar uma cidade
se pode beber, não?
mais afeita às necessidades de viajantes e forasteiros.
Para isso, era necessário pensar de forma enfadonha Todos os elementos “normais dos humanos” foram
como os humanos e os outros mortais. Eles deveriam compreendidos parcialmente pelos construtores da
se sentir seguros, em território amigável e bem-vindos. cidade — no mercado, o dinheiro pode ser desde um
Foi assim que nasceu a Cidade Normal dos Humanos. botão velho até uma gema preciosa e os produtos
podem variar de uma bota furada até um artefato
A cidade foi construída para ser o lugar mais
mágico. As montarias nos estábulos podem ser cavalos,
tedioso e mediano possível. Teria uma sociedade com as
dragões em miniatura ou humanos com selas nas
“incongruentes” leis dos mortais. Haveria um registro
de seus acontecimentos, que os mortais chamam de costas. Os grãos nos silos podem ser trigo, milho ou
“história”. As construções não seriam imponentes as lágrimas petrificadas de amantes saudosos.
como a Árvore do Céu ou coloridas como os Campos Para piorar, muitas das construções não estão
de Noryaviidd — seriam comuns e previsíveis. Nem acabadas. São apenas cenográficas, fachadas feitas de
grandes nem pequenas, nem belas nem feias. Normais. madeira leve, simulando a aparência de prédios. O
A Rainha e seu conselho escolheram “voluntários” mesmo vale para o rio: perto da cidade há um cavale-
para povoar a nova cidade. Esses pioneiros receberam te com a pintura de um rio, onde todas as fadas vão
instrução sobre o modo de vida dos humanos e seus dia após dia, voltando com “baldes cheios” — de ter-
peculiares hábitos. Os professores eram fadas (em geral ra, folhas, canções...
nobres) que haviam tido contato com o restante do A Cidade Normal dos Humanos também tem um
Reinado e mortais que, por uma razão ou por outra, burgomestre. Sempre disposto a ajudar, extrovertido e
habitavam a Pondsmânia. Dedicados a sua missão, os de fácil amizade, é chamado de Ilustre Desconhecido.

Capítulo Um
154
Ninguém consegue descrevê-lo em termos físicos, fadas cruéis que desejam nada mais que o sofrimento de
maneirismos ou outras características. O que verda- todos os seres. Em forma e tamanho, as Cyruthnallach
deiramente o define é a sensação de alguém muito variam tanto quanto as súditas de Thantalla, mas quase
familiar, cujo nome sempre fica na ponta da língua. sempre com elementos perturbadores e assustadores.
Mais estranho ainda: o Ilustre Desconhecido sabe os A soberana dessa terra de pesadelos é a Rainha
nomes de todos com quem interage, às vezes citando Má, um reflexo distorcido de Thantalla. Cercada por
e lembrando momentos de um acontecimento passado um cortejo de fadas altas e esguias, de pelos marrons
em que não esteve presente, desde que tenha havido escuros, famintas por carne humana, a Rainha Má se
outras pessoas naquela ocasião. Nem as próprias fadas apresenta como uma Donzela com traços de Criança
sabem dizer quem é o Ilustre Desconhecido, quais são e alguns aspectos de uma velha Senhora. Seus cabelos
suas verdadeiras intenções e pensamentos, embora são longos, feitos de teia de aranha. Sua pele é pálida
pareça definitivamente um ser feérico. As leis impostas e estranha, como se fosse uma camada translúcida e
pelo Ilustre Desconhecido variam imensamente. Em houvesse escuridão por trás. Não tem lábios, mos-
determinada semana, ele pode decretar que apenas trando gengivas negras, cheias de dentes amarelos de
criaturas com uma ou menos orelhas têm a permissão formas muito variadas.
de falar a letra “e”. Em outra, pode decidir que cada
A Rainha Má detesta Thantalla e deseja acima de
cidadão e visitante deve compor um poema épico
tudo sua morte, preferencialmente de forma horrenda e
para cada um dos demais, no intuito de incentivar
dolorosa. Mais de uma vez deu sinais de que odiou ter
a boa vizinhança. A guarda, que obedece ao Ilustre
sido tornada real. As duas já se encontraram algumas
Desconhecido, faz valer essas leis, mas também prende
vezes, sempre em momentos de extrema importância.
pessoas sem razão aparente, apenas porque “guardas
Quando são obrigadas a dialogar, uma chama a outra
prendem pessoas em cidades humanas”.
de “eu”, o que só serve para aumentar a confusão das
A população feérica da Cidade Normal dos poucas testemunhas.
Humanos é tão variada e surpreendente quanto nas Em um gesto aparentemente gratuito de crueldade,
profundezas de qualquer floresta encantada. Duendes, a Rainha Má espalhou rumores de que entregaria sua
sílfides, nobres e fadas de todos os tipos convivem coroa a qualquer um que conseguisse cruzar os portões
aqui. Em geral, são bem intencionadas, mas podem se de sua torre. Ninguém ainda cumpriu a façanha, então
ofender gravemente quando os visitantes mortais recu- não há como saber se a promessa é verdadeira. Isso não
sam seus presentes (como um chapéu feito de fogo) e impediu aventureiros de se lançarem na empreitada,
convites (como um concurso de pular de penhascos). pelos motivos mais nobres e egoístas.
Elas estão se esforçando para ser enfadonhas, eles não
podem se esforçar também?
A Cortina
Sylarwy-Ciuthnach, Alguns contos mais antigos a respeito da Ponds-
mânia falam de um lugar depois de todos os lugares
a Terra das Sombras — depois até mesmo do fim. Se um viajante andar
Nem tudo são sílfides e dríades na Pondsmânia. por tempo o suficiente e seguir as dicas certas, pode
Muito tempo atrás, quando ainda era Criança, Than- chegar a um ponto onde o céu é apenas uma cortina
talla sofria com pesadelos terríveis. Neles, sempre azul, esperando ser aberta. Nesse lugar não há mais
via rochas afiadas, tempestades sem fim, silhuetas vento, nem plantas, nem vida. Apenas o chão e o fim
que se moviam por trás de árvores retorcidas. O que do céu, como os fundos de um palco.
mais a assustava era um vulto similar a ela, que fazia As histórias não explicam o que há do outro lado
todo tipo de atrocidades. Um dia, tomada de pavor, a da Cortina. A única certeza é que o caminho não leva
Rainha das Fadas arrancou tudo isso de seus sonhos. de volta para Arton; não se trata de um portal comum.
Sem saber, trouxe tudo para a realidade. Foi a criação Fadas que passam pela Cortina nunca mais são vistas.
de Sylarwy-Ciuthnach, domínio das Cyruthnallach, as Os mortais duvidam que tal lugar exista, acreditando
fadas malignas. ser mais uma história estranha que as fadas contam
Uma verdadeira mancha na beleza exuberante do para impressioná-los.
reino, Sylarwy-Ciuthnach é um espelho perverso da As fadas, no entanto, não têm dúvida da existência
capital Linnanthas-Shaed. No centro há uma torre horri- da Cortina. Para elas, provas não são necessárias —
pilante na forma de uma montanha, apontando para uma simplesmente faz todo sentido. As divergências ficam
noite eterna sem estrelas, coberta por nuvens sombrias. por conta do que é preciso fazer para chegar até lá. Nem
A vegetação é seca e espinhenta. Não há animais, apenas as fadas conhecem todos os segredos da Pondsmânia.

O Reinado
155
Fronteira da Desilusão versos, pobres. Tendo vivido em uma pequena fazenda
em Sambúrdia, Deavin não tinha conteúdo para suas
Outro portal bem conhecido nas histórias do Reino canções, nem coragem o bastante para buscar histórias
das Fadas é a Fronteira da Desilusão. Essa passagem emocionantes. Não sabia se defender. Tinha medo.
só de ida para Arton traz consequências gravíssimas
para quem a atravessa. Uma vez que uma criatura Um dia, andando desiludido pelo bosque, encon-
não feérica a cruze, nunca mais poderá encontrar a trou uma menina gravemente ferida por duas flechas.
Com a pouca força que ainda tinha, a criança apontou
Pondsmânia. Os contos sugerem um destino ainda pior
ao norte e Deavin a carregou para lá, na esperança de
para as fadas: ao passar pela Fronteira da Desilusão,
encontrar seus pais. O caminho foi longo e difícil,
elas se tornam pó, deixando de existir para sempre.
até que foram encontrados por um destacamento de
Não há marcas ou rastros evidentes que revelam cavaleiros esplendorosos vestindo armaduras douradas.
a localização da Fronteira — a passagem é invisível, Daevin havia entrado na Pondsmânia sem perceber.
assim como qualquer fronteira de um reino para outro. A menina era Yarian, uma fada da Casa Adwervaén.
Diferente de histórias controversas como a da Cortina,
Yarian estava a salvo e Gardillon foi levado até
a Fronteira é tida como verdade por qualquer habitante
o Palácio-Cidadela de Hayall, onde foi condecorado
do Reino das Fadas, ainda que seu acesso seja muito
com as mais altas honrarias. Sabendo que o humano
difícil. Alguns acreditam que é necessário seguir o sol
era um bardo, Yarian o presenteou com um pingente
poente (que vive mudando de direção na Pondsmânia)
de cristal singelo. Enquanto Gardillon carregasse o
e estar acompanhado de um pássaro específico para
acessório no pescoço e não saísse da Pondsmânia,
encontrar a travessia. O viajante só saberá que chegou
teria as mais ousadas e inéditas ideias para suas obras.
ao lugar certo quando ouvir a ave cantar uma antiga
cantiga de roda com uma bela voz humana. O bardo dedicou o resto de sua vida a andar por
aldeias, salões e castelos, levando sua arte. Quando che-
gou aos noventa anos e não podia mais viajar, começou
Guildas & a aceitar alunos de maneira informal. Como quase tudo
que começa sem grandes pretensões na Pondsmânia,
Organizações hoje isso adquiriu grandes proporções. Existem mais
de trezentos Bardos de Gardillon, aprendizes diretos
Mercado dos Duendes ou indiretos do grande artista. Deavin morreu aos 162
Na fronteira indefinida da Pondsmânia, uma cara- anos, deixando dezenas de obras que seriam estudadas
vana mercantil de duendes viaja despretensiosamente para sempre.
em busca de fregueses. Eles montam uma feirinha Os Bardos de Gardillon espalham e reproduzem
com barracas, música e vinho, chamando a atenção as obras de seu mestre enquanto as preservam das
dos locais com uma pequena festa. Os curiosos que intempéries do tempo e criam sua própria arte. Várias
são atraídos (normalmente jovens ignorando os avisos das peças e poemas mais famosos da Pondsmânia são
dos pais) acabam comendo e bebendo em troca de de sua autoria: A Dura Tarefa do Guerreiro Imortal, O
poucos tibares. A festança parece um sonho e dura Galho e a Flor e, por fim, A Sombra da Lua no Lago de
até a manhã do dia seguinte, quando os convidados Cristal, que divide popularidade com a mais famosa
podem voltar para casa. história entre as fadas, A Balada do Triste Fim, do
De noite, as pessoas que festejaram ouvem no- lendário bardo Kirath Farand.
vamente o chamado dos duendes e não conseguem De fato, a admiração das fadas por Gardillon é
resistir. Amigos e parentes que tentam impedir sua tão grande que algumas delas estão se voltando a
partida acabam gravemente feridos ou até mortos. suas obras não tão grandiosas, compostas antes de
Quando voltam ao Mercado dos Duendes, os recém- ele receber o pingente. Aparentemente, há algo de
-chegados jamais são vistos de novo, perdidos para glamoroso na alma mortal que tenta se expressar e
sempre no Reino das Fadas. falha miseravelmente. Entre esses trabalhos duvidosos,
destaca-se A Morte da Pata Galladrynn.
Bardos de Gardillon
Talvez o mais prestigiado e numeroso colégio de A Caçada Selvagem
bardos de Arton, essa escola de artes itinerante foi Um fenômeno pouco compreendido, a Caçada
fundada por um artista fracassado. Deavin Gardillon Selvagem atesta a imprevisibilidade das fadas. Embora
era um jovem bardo com muita vontade de atingir sejam vistas como brincalhonas e engraçadas, isso cai
a fama, mas suas melodias eram medíocres e seus por terra quando os cavaleiros feéricos montam em seus

Capítulo Um
156
gamos e cavalgam destruindo tudo em seu caminho, A Morte da Pata Galladrynn
matando homens e raptando mulheres e crianças.
Havia sol e havia brisa
Pior ainda: ninguém sabe por que fazem isso. A
Havia cor e tudo assim
explicação mais provável é que o fazem porque são
No tempo em que só grasnava
cavaleiros feéricos, e cavaleiros feéricos fazem a Caçada
A pata Galladrynn
Selvagem. Assim como os outros tabus e leis das fadas,
isso não precisa fazer sentido. Apenas é. Havia comida e cama quente
Durante a Caçada Selvagem, o Rei das Fadas Havia flores entre o capim
cavalga um gamo maior do que cinco cavalos juntos, No tempo em que brandia a espada
com cascos trovejantes e galhadas imensas e afiadas. A pata Galladrynn
O Rei das Fadas é o marido de Thantalla-Dhaedelin,
embora os dois pareçam ter pouca convivência e, na Havia festa e havia risos
fase atual, a Rainha praticamente ignore o casamento. Havia roupas de cetim
Ele se apresenta como um humanoide gigantesco, todo No tempo em que governava
coberto por armadura de madeira, folhas e fungos, além A pata Galladrynn
de uma capa de musgo e um elmo de casca de árvore Foi-se o sol e foi-se a brisa
com galhadas. Brande uma grande lança com cabo de Foi-se a cor e tudo enfim
madeira negra e ponta feita de um dente farpado, lidera No dia em que caiu dura
suas tropas em um frenesi de horror e violência. Os A pata Galladrynn
caçadores montam gamos negros, carregam tochas,
espadas e lanças, acompanham-se de falcões também Os bardos atuais discutem quem seria a
negros. Usam as faces de heróis mortos, como se Galladrynn da canção. Alguns creem que seja
fossem mortos-vivos. À frente de todos vêm enormes uma amiga de infância de Deavin Gardillon,
cães de caça com olhos de fogo. falecida ainda jovem. Outros garantem que a
Durante a Caçada Selvagem, todos os cavaleiros “pata” é uma metáfora para a transitoriedade
feéricos participantes (essencialmente todos que o da Criação e o aspecto fugaz da experiência
Rei das Fadas convocar) perdem sua personalidade, dos mortais em Arton. Também há teóricos
passando a se comportar de forma caótica e destrutiva. ousados que sugerem que a musa tenha sido
Duendes em forma de animais feéricos também são uma pata da fazenda em que Deavin cresceu.
convocados. Outros cavaleiros parecem existir apenas
durante a Caçada Selvagem, nascendo e morrendo
conforme a necessidade ou apenas ficando reclusos e
escondidos até o soar da trombeta de caça. Na Caçada Rei das Fadas é um ser intermediário entre Thantalla
Selvagem, todos se comportam como um só. De fato, e a Rainha Má — ao mesmo tempo um herói altivo e
as próprias fadas não se referem aos participantes um selvagem sinistro.
como indivíduos, mas apenas como “a Caçada”, como Em raras ocasiões, uma fada avisa uma comunidade
se fosse uma imensa entidade única. que será vítima da Caçada Selvagem. No entanto, é
Quando o Rei soa sua trombeta, tudo em seu bem mais comum que ela surja inesperadamente.
caminho é considerado uma presa. A Caçada Selvagem Felizmente, até hoje a Caçada sempre esteve restrita
pode ser convocada contra um grande inimigo, mas à Pondsmânia e sua passagem foi rápida. Infelizmente,
isso é raro. Em geral, fases da lua, dias sagrados ou não parece haver como lutar, só fugir ou morrer.
profanos, conjunções de estrelas e outros fenômenos
Grupos de aventureiros que sejam avisados sobre
provocam a Caçada. Além de massacrar gente “civi-
a Caçada Selvagem podem buscar um artefato capaz
lizada” e destruir construções humanas, a Caçada
Selvagem arrasta suas vítimas para as profundezas de aplacar sua fúria. O objeto pode ser desde uma joia
da floresta. Os alvos desaparecem nas sombras entre até uma folha comida por traças — em geral é algo
as árvores, mesmo que nenhuma sombra existisse lá mundano mas raro, como o cílio de uma donzela que
antes — alguns sábios especulam que “As Profundezas nunca viu uma rosa ou o nome secreto de um velho
da Floresta” é algum tipo de Plano ou dimensão a que não fala com ninguém há sessenta anos. Outros
que só a Caçada Selvagem tem acesso. Em geral, os apenas evacuam aldeias antes da chegada da Caçada.
adultos levados simplesmente somem. As crianças são E, entre os aventureiros mais curiosos, mais loucos
criadas pela nobreza, perto de Thantalla-Dhaedelin e mais ferozes, há aqueles que desejam conhecer a
ou da Rainha Má. Tudo isso leva alguns a crer que o Caçada Selvagem de perto e obter seus poderes.

O Reinado
157
Casas Nobres As Aghmawor são conhecidas como a casa guer-
reira da Pondsmânia. Bravas combatentes durante
a batalha contra a Rainha Má, gostam de plantar e
Casa Adwervaén colher a raiva dos súditos. Isso nem sempre tem finais
Talvez a mais esplendorosa casa nobre da Pondsmâ- agradáveis, mas há desfechos mais inofensivos. Apesar
nia, a Casa Adwervaén adora a cor verde, as comédias da tendência perigosa à violência, essas fadas são muito
e os céus limpos. Fadas desta casa gostam de levar diligentes e esforçadas, mesmo que seja para acabar
alegria aos súditos não feéricos. Por isso organizam com conflitos que elas mesmas causam.
grandes festas e banquetes, compõem canções e
buscam melhorar a vida de todos do reino. Casa Ellyarión
Apesar desse lado positivo, às vezes as Adwervaén Melancólicas e contemplativas, certas fadas gostam
ignoram pessoas em grande sofrimento, pois têm difi- de passar tempo remoendo prazerosamente lembranças
culdade de entender sentimentos difíceis e complexos. e situações que podem nunca ter acontecido. São
Para elas, tudo é festa e nada pode atrapalhar a come- as fadas da Casa Ellyarión. Admiram a cor azul, as
morar a dádiva da existência! É difícil tolerar a ditadura tragédias e o tempo chuvoso.
da alegria que muitas vezes é imposta por aristocratas Gostam de disseminar e apaziguar a tristeza dos
dessa casa. Algumas aldeias já foram proibidas de chorar súditos. Sempre que uma aldeia se alaga, uma praga
ou de adoecer até segunda ordem por fadas Adwervaén. acomete um povoado ou um aventureiro tropeça numa
raiz, cai e morre, lá estão elas. Gostam de ouvir as
Casa Aghmawor lamúrias dos mortais, simpatizando e sofrendo junto
Nem sempre as coisas saem como esperado. Às ve- a eles. Muitos súditos preferem as fadas Ellyarión, já
zes um inimigo se mostra. As fadas da Casa Aghmawor que são mais compreensivas e previsíveis.
estão aqui para lidar com isso, por bem ou por mal. Dão Contudo, as Ellyarión são também notórias por
preferência ao vermelho sangue, aos grandes épicos e sua complacência e falta de energia. É maravilhoso e
ao calor ensolarado do começo da tarde. catártico ser ouvido por elas, mas não se deve esperar

Capítulo Um
158
mais que isso. Dificilmente farão qualquer coisa a não
ser se lamentar. Há quem se sinta mais leve depois Aventuras
de ter contato com uma Ellyarión, mas outros ficam Poucos escolhem se aventurar na Pondsmânia.
ainda mais devastados e perdidos. Infelizmente ou felizmente, muitos aventureiros não
têm escolha.
Casa Fendaree Alguns vêm em busca de algum item podero-
As fadas também sabem o que é carinho e cuidado. síssimo ou lenda reveladora. A maioria das lendas e
Por isso, a Casa Fendaree é talvez a mais popular contos ambientados no Reino das Fadas realmente
da Pondsmânia. Contam-se muitas histórias de seus aconteceu e guarda alguma verdade transcendental
nobres e cortesãos, dos grandes gestos de generosidade ou segredo poderoso. Incontáveis mistérios místicos
que fazem pelos súditos. Estas fadas amam os tons se escondem na Pondsmânia. Quando algo é estranho
de rosa suaves, as cantigas de amor, as auroras e os ou fantástico demais até mesmo para Arton, talvez
crepúsculos. possa ser encontrado aqui.
As Fendaree gostam de conquistar o afeto dos Cavaleiros adentram a Pondsmânia à procura
súditos e fazem de tudo para obtê-lo. De todas as de renome e reputação. O reino está cheio de vilões
fadas, são as que mais se importam verdadeiramente terríveis, fadas que abusam (mesmo que sem querer)
com os mortais. Querem sempre vê-los bem e isso da bondade de seus súditos e inocentes precisando de
acaba tornando o sentimento recíproco. O povo da salvamento. Muitos desses heróis já tombaram frente
Pondsmânia em geral acompanha de perto a vida à Cyruthnallach chamada Silente, que odeia o som de
cotidiana das fadas Fendaree, afeiçoando-se a seus todas as coisas, congelando, calando ou matando tudo
dramas e fofocas. que existe a sua volta. Invariavelmente, cavaleiros que
assumem o desafio de enfrentá-la precisam da ajuda
Muitas fadas desta casa fazem amizades genuínas
de arcanistas, ladinos e outros que possam ajudá-los
e até se casam com (vários) seres não feéricos, em
a fazer silêncio.
tórridos casos de amor. Contudo, seu carinho pode
cair facilmente em dependência, ciúme e proteção Bardos também vêm à Pondsmânia, mas por
exagerada, aprisionando súditos, amigos e amantes motivos diferentes. Muitos procuram estudar com
em algemas de ouro. os Bardos de Gardillon e aprender suas técnicas
artísticas incomparáveis. Outros apenas estão à caça
de histórias fascinantes e sabem que muitas delas
Casa Sylworaan nascem aqui. Não raramente, encontram outros
Até mesmo fadas podem temer e muitas delas heróis e decidem segui-los com o único objetivo de
não escondem o pavor que sentem desta casa. As registrar tudo que acontece.
fadas da Casa Sylworaan são medonhas e sinistras das
Também existem aventureiros que se veem
formas mais indescritíveis. Na Corte, alternam entre
inevitavelmente vinculados ao reino. Fadas da Casa
sua aparência aristocrática, bela e plena, e visuais
Fendaree têm muitos filhos feiticeiros por Arton; as
macabros que arrepiam a espinha do dragão mais
Cyruthnallach costumam trocar filhos recém-nascidos
destemido. Deleitam-se com tons de amarelo escuro,
de heróis por suas próprias crianças. Sonhos estranhos
contos de terror e noites tempestuosas.
imploram para que grupos de aventureiros venham
De longe, são as fadas nobres mais temidas à Pondsmânia sem explicar muito bem o objetivo. A
pelos súditos mortais. Isso vem bem a calhar, já que maioria dos diplomatas e enviados do Reinado não
se divertem muito ao causar medo a eles. Mestras ousa pisar na Cidade Normal dos Humanos sem a
dos sussurros e da espionagem, as Sylworaan gostam escolta de um grupo de aventureiros.
de descobrir e guardar os segredos mais sórdidos,
Por vezes, viajantes que rumam para os Feudos
compartilhando-os apenas com seus iguais e com a
de Trebuck ou as Repúblicas Livres de Sambúrdia
própria Rainha Thantalla.
adentram a Pondsmânia sem saber, ativando uma
Dominadoras do medo, são as mais corajosas, chave involuntariamente, apenas para descobrir
capazes de grandes atos heroicos, mesmo que sutis que a mesma chave não funciona para a saída.
e ocultos. Dizem as boas línguas que sua principal Outros, mais ousados ou loucos, buscam evitar
função é estudar fraquezas das Cyruthnallach. Já as taxas, inimigos ou acidentes geográficos e decidem
más línguas têm certeza de que a Casa Sylworaan traiu “cortar caminho” pela Pondsmânia. É um atalho
a Rainha Thantalla há tempos, apenas esperando o para sonhos e pesadelos, um trajeto que pode durar
melhor momento para derrubá-la. algumas horas… ou a vida toda.

O Reinado
159
Academia
Arcana
A A Transmutação
história da maior instituição de ensino
mágico de Arton é bem conhecida.
Talude, arquimago lendário, pediu à O objetivo da Academia — permitir o aprendizado
Deusa da Magia por um meio de tornar seguro de magia — sempre refletiu certo excesso de
o domínio da conjuração acessível, sem os riscos zelo por parte de Talude. Ao longo da carreira como
exigidos por perseguir tais segredos. Wynna aventureiro, ele viu arcanistas pagarem preços terríveis
então o presenteou com um educandário planar, para conquistar seus poderes. Sonhou poupar jovens
uma fantástica cidadela construída por gênios, magos de tais perigos. Essa preocupação, porém,
onde esse nobre objetivo poderia ser alcançado resultou em isolamento perante outros problemas de
em segurança. Enquanto residir na Academia, Arton. Especialmente aqueles políticos, como guerras.
como seu reitor, Talude viveria para sempre. Sua neutralidade durante a Guerra Artoniana teria
Assim, por longos anos, a missão da Academia sido a gota d’água. O Mestre Máximo foi criticado por
Arcana seguiu impermeável às turbulências do mun- lideranças do Reinado — sobretudo o conselho de
dano. Mas isso mudaria. Wynlla, que sofreu perdas severas no conflito. Ques-

Capítulo Um
160
tionaram o papel da instituição, reunindo arcanistas
e recursos poderosos, produzindo saber, mas jamais
usando-o para proteger os reinos. Magia não existe
somente para ser aprendida e dominada, mas utilizada.
Acusação injusta, Talude bem sabia. A Academia
salvou Arton vezes sem conta, rechaçando inimigos e
monstros sobrenaturais antes que sua existência sequer
fosse notada — sendo esse justamente o problema,
pois nobres e regentes nada sabiam sobre tais amea-
ças. Pressionada pelos reinos, até mesmo por alguns
instrutores e alunos, a universidade mágica mudaria.
Seria mais atuante. Haveria reforma.
Os gênios de Wynna seriam novamente convo-
cados. Outrora uma construção graciosa no centro
de uma planície bucólica, a Academia seria tornada
um complexo de arquitetura arrojada, audaciosa,
utilitária. O ensino teórico em auditórios e salas de aula
seria reduzido, agora intensificando treinos práticos,
simulações e até incursões a masmorras. Academia Arcana
Além disso, parte de seus recursos em pesquisas
seria remanejado para o campo da tecnologia mágica. Tipo de Instituição: universidade
Através do Tratado da Centelha com Wynlla, nação que mágica.
possui a infraestrutura industrial necessária, os projetos Lema: “Transcender o Mundano, Abraçar
concebidos na Academia seriam fabricados no Reino da o Arcano.”
Magia, e então negociados em Vectora e outros pontos Brasão: de púrpura um anelete de prata,
do Reinado e além. Desde armas e armaduras mágicas em chefe do mesmo um livro aberto de
até golens, veículos e artefatos variados. ouro, encadernado com cinco correias do
Quanto a Talude, este teria se tornado recluso, campo e carregado dos oito símbolos das
quase inacessível. Em amargura e resignação, decidiu se escolas mágicas do mesmo.
afastar da reitoria — deixando o cargo nas mãos capazes Reitor: Vladislav Tpish.
de Vladislav Tpish, prestigioso necromante. Muitos
Número de Alunos: 5.000.
temem pela saúde do Mestre Máximo, ou mesmo por
sua vida, uma vez que a imortalidade concedida por Raças Principais: todas (poucos
Wynna poderia ser mantida apenas enquanto reitor. lugares em Arton são tão diversos quanto a
Academia Arcana).

Cidadela Divindades Principais: Wynna,


Tanna-Toh.
Universitária
A reforma imposta pelos reinos, e acatada a
contragosto por Talude, mudaria a face da Academia Não há acima ou abaixo. Construções majestosas
Arcana por completo. Outrora uma planície verdejante sobem pelas laterais distantes, ocupam o próprio céu
“cortada” do Reino de Wynlla, pontuada por constru- com torres e parques invertidos. Apesar desse aspecto
ções modestas, o lugar tornou-se quase irreconhecível. periclitante, toda a área está sob efeito constante de
O espaço planar é agora ocupado por uma densa Queda Suave, sendo quase impossível sofrer ferimentos
Cidadela Universitária, com grandes estruturas em po- sérios por cair (embora colisões às vezes aconteçam).
sições e direções diversas. As ruas são largas, ricamente Pode-se atravessar a cidade voando e, chegando ao
arborizadas e iluminadas, embora não recebam luz do lado oposto, pisar e andar normalmente — algo que
dia: a cidade é ornada com opulentas estátuas da Deusa apenas calouros fazem, pois a oferta de estações
da Magia, lembrando aquelas existentes na arquitetura de teletransporte é farta. Tal arranjo pode parecer
original; eretas, sorridentes, mãos erguidas segurando intimidador e caótico para recém-chegados, mas na
os sóis mágicos responsáveis pela iluminação urbana. prática é extremamente conveniente. Quase todos os

O Reinado
161
Transporte Mágico divisão eventualmente seria abandonada, deixando
tudo mais informal. Todos contam com aposentos
A magia Viagem Planar funciona normalmen- para dois ocupantes, área de convivência, refeitório,
te para alcançar a Academia. Por ser con- sala de jogos e outros. Seus nomes acabariam também
juração de círculo elevado, contudo, existe designando os maiores grêmios estudantis, sempre
a versão muito mais acessível Portal para o envolvidos em disputas e rivalidades. Em geral, isso
Saber (arcana, 1º círculo), que leva apenas a significa competição amigável, mas às vezes sai de
esse destino. É ensinada a estudantes com controle. Uma das maiores rixas atuais é entre o elfo
dificuldade para chegar aos portais fixos, ou mago de combate Rasdalis Risingstar e a também
fornecida em pergaminho para convidados elfa Úrsula Sussurro Noturno, que além de arcanista
ou aventureiros a serviço da instituição. Há é arqueira. As especialidades de ambos fazem com
também o item mágico Chave de Wynna com que discussões ocasionalmente acabem em trocas de
o mesmo efeito e propósito. golpes, flechas e explosões.
Em meio a tantas mudanças, talvez a única certeza
na Academia seja a onipresença de Rashid. Este antigo
pontos importantes estão bem à vista; lugares estes e poderoso kemooz, como outros gênios da terra,
que receberam nomes de antigos professores sêniores, atuou durante a própria criação de Arton — pois são
hoje ausentes, e outras figuras ilustres. eles os arquitetos, engenheiros e construtores dos
deuses. Não apenas concebeu e construiu a Academia
A Praça Nereus é onde surgem aqueles que chegam
original como também comandou a reforma. Por
por magias ou portais de acesso, diante da Administração
considerar a instituição sua obra-prima, escolheu viver
Talude — na verdade um grandioso templo de Wynna,
ali para sempre, como seu zelador e protetor. Paciente
muito similar ao original pré-reforma, incluindo as belas
e bem-humorado, trata professores e alunos como
estátuas gêmeas da deusa guarnecendo suas laterais. Aqui
seus amos, mas é igualmente leal aos regulamentos
ficam o escritório do reitor e outros setores burocráticos.
da Academia, não tolerando trapaças. Velho amigo
Não muito distante está o imenso Anfiteatro Taandus,
de Talude, dizem ser o único que conhece seu atual
capaz de conter qualquer número de espectadores, onde
paradeiro, mantendo segredo absoluto a respeito.
são ministrados cursos, palestras e espetáculos. Salas de
aula mais convencionais (atualmente em número bem A arquitetura sóbria e austera nesta nova Cida-
menor) são encontradas no Templo Blavatsky. dela Universitária é enganadora. Bastam momentos
para que o visitante sinta sua energia e entusiasmo,
Outra construção gigantesca, a Biblioteca Zéphyro seus estudantes lotando praças e cafés, em debates
contém estantes e prateleiras tão altas que muitos apaixonados e conjurações ainda destreinadas. Jovens
preferem voar para alcançá-las. Perto dali, o Jardim de todas as raças possíveis e algumas impossíveis,
Esplenda contém uma área de estudos silenciosa e dedicados ao caminho da maestria arcana, além de
agradável, com mesas e cadeiras dispostas sob árvores aventureiros convocados para todo tipo de missão.
frutíferas. Quando é momento de executar o que foi Todos os dias são cheios de maravilhas, descobertas,
aprendido, o Composto Neevus oferece câmaras aventuras. Apesar dos pesares, o sonho mágico de
próprias sob efeitos específicos para conjurar com Talude segue em frente.
mais segurança ou facilidade, enquanto o Ginásio
Ignatus inclui pistas e arenas para prática de esportes.
A Casa de Thanatus, embora atue como enfermaria Acesso, atividades,
e hospital universitário, também acumula funções
como laboratório alquímico e necrotério. Por insistên-
Período Letivo
cia do reitor Vladislav, necromante renomado, estudos A Academia Arcana não existe em Arton — isto
sobre os vivos e mortos-vivos deveriam ser conduzidos é, não no mesmo plano material. Foi construída com
em uma mesma locação — ainda mais considerando uma porção do próprio Reino de Wynna, não podendo
o crescente número de estudantes golens e osteon. ser alcançada por meios de viagem mundanos. Con-
Para quase todos os alunos, contudo, é um excelente tudo, existem formas variadas de chegar, algumas até
incentivo para evitar se ferir! bem simples e acessíveis; manter a Academia fora de
Os alojamentos dos estudantes ficam dispostos alcance para os interessados, afinal, seria contra os
objetivos originais da instituição.
em três grandes edifícios, Brix, Frecta e Gaem, em
vértices opostos da cidade. Seriam respectivamente Talvez o meio mais fácil sejam os portais planares
destinados a bruxos, feiticeiros e magos, mas essa fixos instalados em vários pontos do Reinado e além.

Capítulo Um
162
Cada grande cidade de Arton tem seu próprio portal,
incluindo a Cidade Suspensa de Prendick nos Reinos Inventos do Caos
de Moreania e a capital Shin’Yumeng no Império de Para aqueles perturbados com o espaço urbano
Jade. Quase todos são elegantes e chamativos, ornados fechado na Cidadela Universitária, sem vista para o
com cristais mágicos, mas existem alguns notoriamente céu, a boa notícia é que esta nova Academia recebeu
discretos (como aquele em um casebre humilde de vários anexos — outros semiplanos, com aparência e
Valkaria, onde uma placa apagada diz apenas “Escola propósitos próprios.
de Magia”). Viajantes desavisados imaginam usar esses
portais como formas rápidas de cruzar o continente; Há todo um conjunto destes lugares conheci-
porém, para manter as energias mágicas necessárias, dos apenas como Ermos de Wynna. Se existem de
uma taxa de pedágio bastante pesada (T$ 400 por fato, ou apenas surgem conforme a necessidade, não
pessoa) é cobrada para deixar a Academia por um se sabe. Cada um contém uma ambientação fecha-
portal diferente daquele por onde se entrou. da simulando algum cenário natural, completo com
animais e plantas — ou bio- ma, como chamam os
A vida de um aluno da Academia Arcana é tudo, estudiosos. São
menos monótona — principalmente na época atu- planícies, flo-
al, enquanto o currículo, a forma de ensino e restas, mon-
o próprio espaço da instituição são reformu- tanhas, pân-
lados. Mesmo assim, alguns parâmetros se tanos, praias,
mantêm… ao menos na teoria. O período le- cavernas e ou-
tivo tem duração de quatro anos, com ava- tras regiões sel-
liações semestrais e limite máximo de vagens. Todos po-
duas reprovações — ainda que sus- dem ser observados
pensões por re- livremente por magias
provação se- ou instrumentos de vi-
jam raras. dência, mas excursões
Embora ain- presenciais são às vezes
da conte com organizadas, como testes
professores e práticos de sobrevivência
salas de aula, a e combate contra feras.
Academia pós-re-
Os Ermos abrigam
forma é mais fo-
fauna comum e mais ou
cada em aspectos
menos inofensiva. O se-
práticos e ex-
miplano chamado apenas
periência de cam-
Cativeiro, pelo contrário,
po. Alunos são regularmente
contém monstros. São lon-
enviados em missões no mun-
gas alamedas flanqueadas
do exterior, ou designados como
por jaulas, fossos, aquários
membros em grupos de aven-
e outros meios de contenção,
tureiros (nestes casos a Aca-
onde seres como hidras, qui-
demia também acaba atuando
meras e mantícoras podem
como um patrono poderoso,
ser observados. Certas áre-
que provê recursos). Cur-
as restritas abrigam os úni-
sar a Academia não signi-
cos espécimes lefeu, apri-
fica necessariamente pas-
sionados com as magias
sar longos meses em
mais potentes. Muito
internato, apenas man-
mais aprazível é a
ter contato regular com
Vila dos Professo-
um professor ou men-
res, um bairro pa-
tor designado. Ainda
assim, estudantes têm
direito a moradia, ali-
Vladislav Tpish:
mentação e outras ne-
mestre necromante,
cessidades básicas du- ex-aventureiro e atual
rante o curso. Reitor da Academia Arcana

O Reinado
163
Ingressando mangueiras, tubos vítreos encerrando criaturas sobre
na Academia Arcana as quais é melhor não pensar muito a respeito.
O caos é indescritível. A cacofonia é ensurdecedora,
Em Arton, ser arcanista já impõe respeito, os cheiros derrubariam um minotauro. O Bureau está
mas ser educado na Academia Arcana traz sempre em mutação, estúdios e oficinas surgindo ou
prestígio ainda maior. A universidade é sumindo, ilhas de genialidade aflorando ocasionais em
procurada todos os anos por jovens que meio ao tumulto — ou por causa dele. O lugar já foi
sonham orgulhar suas famílias ou iniciar descrito pelo bucaneiro Nargom Mandíbula como “uns
carreiras brilhantes, embora as taxas duzentos magos bem loucos tentando amontoar seus
(T$ 20 no ato da matrícula, mais T$ 20 laboratórios secretos em um só lugar”. Assim parece
mensais) acabem afastando o camponês a alguém destreinado em magia e ciência. Ou talvez
comum, ou exigindo grande sacrifício o pirata não estivesse tão distante assim da verdade.
dos pais. Há um programa de bolsas para
estudantes sem recursos, mas com exame O propósito do Bureau é pesquisar e inventar. Des-
de admissão mais rigoroso. cobrir novos encantos para armas e armaduras. Novos
usos para materiais fantásticos. Novas configurações
Os testes de admissão acontecem uma para golens. Novas medicações para venenos, doenças
vez por ano, pouco antes do Dia do
ou maldições. Novos meios de matar demônios da
Reencontro — aniversário da Fundação
Tormenta. Para a magocracia de Wynlla, não importa
de Valkaria. As provas são formadas pelo
como fazem isso. Só importa que consigam. Então
Teste de Aptidão, exigindo uma graduação
anotem em algum lugar de forma inteligível.
mínima em conhecimento mágico (basta ser
treinado em Misticismo); o Teste de Moral e Apesar dos motivos políticos (e gananciosos) que
Ética, que raramente leva a reprovação, mas levaram a seu surgimento, o Bureau é um ambiente
desencoraja candidatos mal-intencionados; de otimismo, euforia e esperança. Seus pesquisadores
o Teste de Perigo, por vezes incluindo sonham levar vidas melhores para os povos Arton.
uma incursão a uma masmorra (real Trabalham duro para curar pestes, encerrar guerras,
ou simulada); e o Teste do Reitor, uma solucionar crises, afastar o mal. Ignoram demandas su-
entrevista com o próprio Vladislav (outrora periores para focar em seus próprios projetos pessoais
realizada por Talude em pessoa). e inspirações súbitas. Manipulações de Wynlla tentam
influenciar os rumos das pesquisas, mas os gênios do
Bureau não podem ser domados — embora, às vezes,
cato com residências pequenas, mas elegantes, que possam ser enganados. Tentativas de espionagem para
roubar projetos são também constantes.
qualquer professor ou pesquisador pode ocupar. Tam-
bém é comum que moradas vazias sejam utilizadas para Aquele que atualmente comanda o Bureau (ou
hospedar visitantes ou estudantes especiais. faz seu melhor para tentar) é o artífice anão Ingrid
Lindhomm. Recepcionar visitantes e delegar missões
Por fim, o anexo mais importante na história
estão entre seus encargos, mas nem sempre será
recente da Academia — e motivador central de toda
fácil encontrá-lo: na maior parte do tempo estará
a reforma — é conhecido como Bureau Theuderulf.
metido nas entranhas de algum construto gigante, sua
O nome é uma honraria diplomática ao fundador do
grande paixão. É também responsável por negociar
reino de Wynlla. projetos e prazos com emissários de Wynlla, sendo
Quase um bairro à parte na Cidade Universitária, possivelmente a razão de seu mau-humor extremo,
este complexo pode ser alcançado apenas através de mesmo para os padrões desse povo.
um grande prédio administrativo. Muito maior por Estudantes podem se candidatar a estágios no
dentro (por ser outro semiplano), o lugar lembra Bureau, como assistentes para qualquer de seus
um galpão imenso de teto envidraçado, contendo pesquisadores. Não raro, esta tem sido a origem para
uma profusão de mezaninos e estações de trabalho. grande parte dos inventores de Arton. Ou fonte de
Em cada canto, bancadas e prateleiras com frascos poderes estranhos para aqueles que sofreram aciden-
fumegantes, pergaminhos abertos sobre mesas e tes bizarros, ou acabaram como cobaias involuntárias.
presos em quadros, telas mágicas exibindo fórmulas O bruxo Saraphmael teria sido uma vítima desses
e diagramas, forjas operadas por engenhocas com acidentes, pois certo dia surgiu no Bureau totalmente
braços metálicos, aparatos incompletos pendurados sem memória. O mais estranho é que ninguém lembra
nas alturas, macas contendo seres conectados a de tê-lo visto antes...

Capítulo Um
164
Ilustração

Vectora O MERCADO NAS NUVENS

A Cicatrizes
rton pode ter sido forjado pelos deuses,
mas uma de suas maiores maravilhas
veio da determinação e vontade huma-
nas. Elevada aos céus por um dos mais
Orgulhosas
Derrubar uma montanha sobre o maior dragão
poderosos magos vivos, a cidade voadora de
do mundo não foi realização simples. O Dragão da
Vectora não apenas trouxe progresso aos reinos, Tormenta havia triunfado sobre heróis, exércitos,
mas também protegeu Arton da Tormenta. os próprios Dragões-Reais. Poderia destruir Arton.
O Dragão da Tormenta pode ter sido o inimigo Vectorius, pragmático, concordou em sacrificar sua
mais perigoso em todos os tempos. Para detê-lo, o maior obra simplesmente por não existir alternativa.
arquimago Vectorius derrubou sua maior criação sobre A cidade foi evacuada, sua população mercante
o monstro. Salvou o mundo, mas o preço foi alto: a acolhida pelos reinos. Uma vez em posição, o arqui-
Manobra Vectora causou danos incalculáveis à cidade. mago dissipou os efeitos que mantinham a estrutura
Mas, como dizem nos negócios, “crise é oportunidade”. em voo. Com o impacto, suas construções desabaram,
E Vectorius, acima de tudo, é um negociante. suas avenidas racharam em abismos. A própria mon-

O Reinado
165
em seus lucros futuros. Entre os maiores interessados,
a magocracia de Wynlla buscava um acordo vantajoso
para comercializar sua produção de itens mágicos na
cidade. O Tratado da Centelha foi assinado.
Fato interessante é que esse pacto implica em
uma sociedade indireta com Talude, rival de Vectorius
pelo título de maior arquimago de Arton: os produtos
fabricados em Wynlla seriam projetados em sua Aca-
demia Arcana. Rumores maldosos dizem que a recente
reclusão de Talude teria sido motivada por esse acordo,
imposto pela regência de Wynlla. De outra forma, o
Mestre Máximo jamais aceitaria qualquer associação
com o eterno competidor.
O Mercado nas Nuvens mudou. Com a magia de
Vectorius, sua base montanhosa poderia ser restaurada
como era — mas um artífice de Tamu-ra ofereceu
ao arquimago ideia melhor. Os destroços seriam
emendados através da arte tamuraniana kintsugi, uma
Cidade de Vectora técnica artesanal para reparar cerâmicas e porcelanas,
preenchendo as rachaduras com algum metal precioso.
Lema: “Oportunidades nos Céus”. Sua filosofia é aceitar as imperfeições e a passagem do
Brasão: de azul dez besantes de ouro em tempo como parte da vida: em vez de esconder avarias,
4, 3, 2 e 1; uma nuvem de prata movente estas são expostas e valorizadas, revelando nova beleza.
do chefe brocante sobre tudo. Hoje, as antigas rachaduras brilham luz dourada contra
a rocha escura, eternizando a vitória contra o Dragão
Gentílico: venturiano.
da Tormenta como parte de sua história, e tornando a
Regente: Vectorius. visão da cidade nos céus ainda mais magnífica.
População: 40.000 residentes, Vectora também foi expandida, buscando amenizar
mais de 40.000 a 80.000 visitantes a a antiga aglomeração compacta de comércios, bem
qualquer dado momento. como acolher visitantes com mais conforto. Novos
Raças Principais: varia conforme o pavimentos flutuantes foram conectados às laterais
ponto do trajeto. por pontes suspensas; graças a essas “ilhas”, como
seriam chamadas, a área urbana total praticamente
Divindades Principais: Tibar, Wynna.
dobrou. Suas ruas lotadas e bazares tumultuados são
coisa do passado. Isto é, boa parte do tempo.

tanha que suportava a cidade foi destroçada. Para to-


dos os efeitos práticos, Vectora havia sido destruída. Trajeto e Acesso
Dizem que o arquimago vagou melancólico pelas A rota de Vectora mudou várias vezes ao longo de
ruas destroçadas, pelas ruínas do antigo lar. Enquanto sua existência, e segue mudando. Mesmo com cada vez
perambulava, fazia algum tipo de contagem: teria sido mais pontos de parada, ficando alguns dias em cada
o tempo que deu a si mesmo para ceder ao pranto. um, o trajeto sempre faz uma volta completa por ano.
Quando terminou, ergueu a cabeça, os olhos faiscando
A chegada de Vectora é motivo de algazarra, mesmo
propósito. Já planejava a reconstrução.
para quem não visita a cidade; sua simples presença é
Foram meses de planejamento, contabilizando mais que suficiente para tumultuar qualquer lugar. Ela
recursos, reunindo os melhores entre os melhores nunca se atrasa: comunidades em sua rota programam
dos reinos: arquitetos, engenheiros, inventores, tra- colheitas e manufaturas para coincidir com a chegada da
balhadores. A maior parte da vasta fortuna pessoal cidade-mercado. Arautos a anunciam com antecedência
foi destinada ao projeto. Favores foram cobrados de suficiente para que o furor tome conta de qualquer
nações salvas da destruição. Nobres e regentes de cidade no itinerário. Alguns povoados que não são
toda Arton atuaram como investidores: tinham total pontos de parada mas estão no trajeto realizam festivais
disposição em restaurar Vectora, bem como tomar parte pela simples passagem de Vectora sobre suas cabeças!

Capítulo Um
166
A cidade viaja a poucos quilômetros de altitude. Eu acredito que posso voar
Vectora nunca aterrissa: ao “atracar”, apenas reduz a
altitude para 200 ou 300 metros, suficiente para ser Atualmente expandido, o efeito de levitação
alcançada com mais facilidade, mas ainda evitando ao redor do Mercado nas Nuvens se estende
colisões com torres. Vectora percorre centenas de 200 metros além das bordas da cidade,
quilômetros por dia. Para alcançar pontos longínquos, abrangendo os novos anexos. Personagens
pega “atalhos” — a cidade é transportada para outro e itens no interior do campo estão constan-
Plano, onde grandes distâncias no mundo material temente sob efeito de Queda Suave, a magia
são percorridas mais rapidamente. Durante essas Voo tem duração indefinida e raças capazes
jornadas, às vezes alcança certos reinos dos deuses, de voar podem fazê-lo livremente.
com algumas cidades extraplanares no itinerário.
Apesar da dificuldade óbvia em visitar uma cidade Viajando em grande estilo
voadora, há muitas formas de chegar a Vectora. O meio
mais fácil são os ancoradouros disponíveis em algumas É permitido viajar a bordo de Vectora:
metrópoles, como Valkaria; gigantescas torres metálicas embarcar em um ponto, permanecer na
onde correm gôndolas em cabos mágicos. Custa apenas cidade e desembarcar em outro lugar. Não
T$ 2 por pessoa, sendo o meio de acesso mais barato, residentes pagam uma taxa de T$ 10 por dia
mas com filas de horas. Para quem não quer esperar de viagem. Os “passageiros” devem comprar
e nem pagar muito, aeronautas goblins literalmente papéis de viagem em postos da Milícia ou
brigam por passageiros, sabotando ou até atacando os estalagens certificadas. Todas as noites,
veículos rivais. Custa T$ 10 (negociáveis) por pessoa, patrulheiros da Milícia percorrem estalagens
mas está longe de ser seguro — em média uma em e tavernas para conferir os papéis. A
cada três viagens resulta em queda, pela própria
fiscalização pode ser evitada (Furtividade CD
precariedade do veículo ou alguma atitude radical da
20) e papéis de viagem podem ser forjados
“concorrência”. Opções mais seguras, como montarias
(Enganação CD 25). Visitantes apanhados
aladas, tapetes voadores e conjuração de feitiços de voo
sem os papéis devem pagar a taxa no ato,
e transporte, variam entre T$ 100 e T$ 400.
além de uma multa de T$ 300. Durante
O Campo de Levitação que mantém Vectora nos visitas a outros Planos a permanência é mais
céus é uma das mais poderosas magias já conjuradas por cara (T$ 100 por dia) e a fiscalização, mais
um mortal. Não apenas faz a cidade voar como preserva rigorosa (CD 30, multa de T$ 600).
sua integridade, incluindo o novo “arquipélago” de
ilhas mantidas sempre nas mesmas posições relativas.
O movimento da montanha nos céus não abala cons-
Vectora visita diferentes reinos e acolhe diferen-
truções, nem sequer é percebido por seus ocupantes.
O clima também é amenizado, evitando que ventos tes povos — e trata de informar todos sobre seus
fortes derrubem mercadorias (e mercadores) da cidade. regulamentos. As leis locais podem ser consultadas
em inscrições espalhadas em monólitos pela cidade,
magicamente legíveis por qualquer ser inteligente. As
Política e Leis mais importantes são:

Apesar da recente aliança comercial com Wynlla, • É proibido causar prejuízo a pessoas. Em
Vectorius segue como prefeito e autoridade máxima. Vectora pode ser difícil dizer a diferença entre pessoa e
Mas ele não comanda sozinho — sob sua liderança monstro. Por esse motivo, seres monstruosos (mas que
está o Conselho dos Seis, formado por arcanistas de tenham inteligência e saibam se portar) são protegidos
sua escolha, substituídos de tempos em tempos. pela lei, livres para circular ou até estabelecer negócios.
“Causar prejuízo” inclui coisas como atacar, matar,
A ordem local é mantida pela Milícia de Vectora.
capturar, roubar ou conjurar feitiços prejudiciais.
Guardas circulam em pequenos grupos, comandados
por um oficial equipado com itens mágicos. Uma uni- • É proibido o porte ou comércio de
dade especial da Milícia, a Patrulha Celeste, é formada tóxicos. Drogas, venenos e substâncias semelhantes
por cavaleiros em montarias voadoras conhecidas como são barrados em Vectora. É a lei mais flexível, confusa e
baleotes. Em grandes emergências os próprios mem- difícil de fiscalizar — muitos produtos disponíveis são
bros do Conselho dos Seis podem intervir. Vectorius inofensivos para alguns seres e venenosos para outros.
raramente se envolve em casos domésticos, mas atua Além disso, tavernas vendem vinho e comerciantes
como juiz quando necessário. hynne vendem charutos…

O Reinado
167
As Regras da lei
Vectora Renascida
Embora em termos de história a Muito do projeto urbano original foi preservado,
interpretação das leis de Vectora possa mas várias localidades e edificações foram transferidas
variar, é útil para o mestre ter diretrizes para ilhas próprias. Essa medida proporcionou muito
sobre como as leis de Vectora funcionam mais espaço para mercados e bazares na região central.
em termos de regras — especificamente, Mesmo assim, com poucos quilômetros de diâmetro,
sobre o que constitui “prejuízo”, “pessoas”, Vectora é relativamente pequena — e densamente
“tóxicos” e “magias restritas”. construída. São milhares de estabelecimentos, sendo
Prejuízo, além de atacar, causar dano ou impossível visitar todos durante os poucos dias de
hostilizar de maneira geral, inclui lançar cada parada. Alguns aventureiros afirmam ser mais
magias ou efeitos que exigem teste de fácil e rápido adquirir tesouros mágicos explorando a
resistência. Assim, mesmo uma magia como masmorra mais próxima...
Enfeitiçar ou um poder como Postura de Para recém-chegados, normalmente o primeiro
Combate: Provocação Petulante constituem ponto visitado será o Parque de Entrada. Situada no
“prejuízo” e são proibidos. extremo sul da montanha voadora, esta ilha contém
Pessoas são quaisquer criaturas com uma bela planície com árvores floridas, funcionando
Inteligência –3 ou maior. Seres inteligentes como “pista de pouso” para visitantes que chegam de
mas bestiais (por exemplo, humanoides formas variadas. O Campo de Restrição não afeta esta
ferozes com Int –2) são protegidos pela lei, área, permitindo que magias funcionem normalmente.
mas na prática devem refrear suas tendên- Aqui também é onde fica a estação de desembarque
cias violentas ou sofrerão repercussões. para as gôndolas dos ancoradouros.

Tóxicos são todas as substâncias com Grandes vias arborizadas, com mais de dez metros
efeitos que exigem um teste de resistência. de largura, cruzam a cidade e delimitam os bairros
Teoricamente, isso se aplicaria a bebidas principais. Os estabelecimentos mais famosos ou
alcoólicas, mas elas são permitidas. caros — de lojas a estalagens — ficam às suas mar-
gens. Há também uma avenida principal panorâmica
Por fim, magias restritas são aquelas de que circula a cidade inteira, passando por todas as
Encantamento, Evocação, Ilusão e Trans- pontes suspensas para as ilhas. Proporciona uma vista
mutação. Além de ilegais, elas são barradas inesquecível das alturas, sendo a favorita daqueles que
magicamente. O Campo de Restrição visitam Vectora a passeio.
envolvendo a cidade exige um teste de
Misticismo (CD 25 + custo em PM da Para facilitar a missão de encontrar aquilo que você
magia) para conjurar estas magias. Mesmo quer (ou pelo menos torná-la possível), cada bairro é
especializado em um tipo de comércio. Assim, o bairro
em caso de sucesso, o ato ainda é ilegal.
Mucro é famoso por suas armas, armaduras e equipa-
mento de aventura em geral. Numen é especializado
em produtos de origem animal ou vegetal, de ervas
• É proibida a conjuração de magias a animais e monstros vivos. Gal’mi negocia todos os
restritas. Aplica-se a todas as magias que causem tipos de golens e seus componentes, incluindo reparos
ferimentos ou que afetem a mente do alvo — para e aprimoramentos. Magus oferece itens mágicos,
impedir que conjuradores tenham vantagens ilícitas em produtos alquímicos e componentes materiais para
negociações. O porte ou comércio de itens contendo magias, enquanto Bara é especializado em cultura e
tais magias não é proibido, mas requer autorização entretenimento, com bardos, livreiros e tavernas. Essa
especial emitida pela Milícia. divisão não é rígida — há bazares e empórios de todos
Não existe prisão em Vectora. Crimes são os tipos em todos os bairros —, mas certamente será
punidos com a apreensão dos bens do criminoso, mais difícil adquirir uma armadura em Magus, ou
seguida de expulsão da cidade. Quando os criminosos encontrar uma casa de ópera em Mucro.
são aventureiros, costumam ser levados ao Castelo Antes situada no cruzamento entre as avenidas
Vectorius, onde o arquimago pode negociar que principais, a Praça do Conselho fica hoje em sua própria
realizem alguma tarefa como pena. Um caso famoso ilha. É onde está a Prefeitura, um impressionante
é do ex-pirata aéreo Frogon Celestia, capturado após palácio onde estão sediados o Conselho dos Seis e o
um ataque fracassado e convertido em aventureiro comando da Milícia. Operações de importância vital
de confiança de Vectorius. são realizadas aqui, como a administração do comércio,

Capítulo Um
168
a manutenção dos Campos de Levitação e Restrição, Compras em Vectora
e a própria navegação da Vectora. Alguns setores são
abertos à visitação pública, oferecendo exposições Em termos de jogo, todos os itens e
permanentes sobre a história da cidade e relíquias de serviços presentes em Tormenta20, nos
lugares exóticos. No entanto, áreas mais restritas são capítulos “Equipamento” e “Recompensas,”
fortemente protegidas por meios mundanos e mágicos. estão disponíveis em Vectora por seus
Embora muitos pensem em Vectora como uma custos normais, incluindo versões com
utopia comercial, existe aqui o Submundo de Vectora. melhorias e/ou materiais especiais.
O nome é bastante literal: uma rede de cavernas e Porém, nem todos são mercadorias
túneis permeando a montanha, com entradas secretas em prateleiras de lojas comuns. Itens
em vários pontos da cidade. No passado teria sido mágicos, principalmente, são adquiridos
uma masmorra infestada de monstros — algumas como artigos de luxo, de colecionadores
de suas áreas ainda são assim. Hoje, abriga bazares ou mercadores especializados, e podem
sinistros onde tudo que é ilegal na superfície pode ser gerar grandes leilões. Regras padrão para
obtido, pelo preço certo. Por que Vectorius permite sua barganha (Diplomacia) se aplicam.
existência, quando poderia eliminar todos os bandidos
Itens e serviços mundanos podem ser
com um estalar de dedos? “Para dar aos aventureiros o
encontrados sem testes. Itens mais raros
que fazer” teria afirmado certa vez… Alguns suspeitam
exigem testes de Investigação:
de algo mais sinistro. O feiticeiro sulfure Mider, nascido
e criado em Vectora, ronda o Submundo e, segundo • Armas de pólvora e suas
boatos, é líder de um culto sszzaazita. munições. CD 20.
Por fim, o fabuloso Castelo Vectorius também rece- • Itens superiores (1 ou 2
beu sua ilha, a maior no arquipélago. Foi restaurando melhorias). CD 25.
com a mesma técnica kintsugi, tamanha a satisfação
• Itens superiores (3 ou 4
de Vectorius com o resultado; suas torres altivas hoje
melhorias) ou itens mágicos
ostentam grandes rachaduras preenchidas com ouro.
menores. CD 30.
Embora seus poderes sejam impressionantes em
• Itens mágicos médios. CD 35.
qualquer campo, Vectorius é o maior especialista em
magia elemental da terra na Criação, como comprova • Itens mágicos maiores ou
sua capacidade de levitar uma montanha inteira. Esse armas, armaduras e escudos
fato se reflete em sua morada: as amplas câmaras e específicos. CD 40.
salões são povoadas de estátuas, em todos os tama-
• Artefatos. CD 50. Embora artefatos
nhos, representando todas as pessoas e criaturas
tipicamente não estejam à venda,
possíveis. Quem visita o castelo jura que superam a
Vectora já sediou negociações de
população de algumas cidades!
relíquias muito poderosas, em acordos
O castelo também abriga as habitações do Con- secretos ou leilões privados — diz-se
selho dos Seis, além de trezentos criados, guardas que Mestre Arsenal, quando ainda
e assistentes, tesouros incríveis e igual número de mortal, visitava a cidade para obtê-los.
perigos. Não há ladino em Arton que não sonhou
O valor por uma única destas peças
saquear o lugar. Vários que tentaram, hoje, fazem
atinge não menos de T$ 500.000,
parte do acervo de estátuas.
podendo chegar a quantias que fariam
Com tantas salvaguardas, é raro que o Castelo falir um pequeno reino. Devido às
Vectorius ou seus ocupantes sejam perturbados de grandes somas e poderes envolvidos,
alguma forma. Dois incidentes são dignos de nota: a presença de um artefato na cidade
um ataque da arquimaga élfica Nielendorane, que cer- costuma chamar atenção.
ta vez arrasou parte do castelo — prontamente res-
taurado momentos depois; e uma malsucedida ten- Cada teste de Investigação demora 1d4+1
tativa de assassinato perpetrada por um malabarista horas. Em caso de falha, o item não foi
hynne com delírios de grandeza, que acreditava ser encontrado ou não está disponível no
capaz de destruir Vectorius com sua técnica de ar- momento. Não são permitidas novas
remessar projéteis. O pequeno psicopata foi chuta- tentativas para um mesmo item.
do da cidade e seu atual paradeiro é desconhecido.

O Reinado
169
CAPÍTULO 2

Reinado
Além do
n to
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A n
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ç ão
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I lu
O
Reinado é o coração de Arton, o Sckharshantallas é outra terra que manteve sua
sonho da Caravana dos Exilados de identidade ancestral — porque toda ela vem de apenas
Lamnor e palco de eventos históricos uma figura. Sckhar, o Dragão-Rei do Fogo, considera
nos últimos séculos. Contudo, Arton que o reino é seu covil pessoal. Assim, tudo que está
é muito mais que o Reinado. Nas terras sem lei lá, incluindo o povo, é sua propriedade. Sckharshan-
tallas é povoado por humanos, mas a mentalidade
do decadente Império de Tauron, nos domínios
dracônica é dominante. Além do próprio rei, existem
macabros de Aslothia, nos picos gelados das
seus incontáveis filhos, meios-dragões que ocupam
Uivantes, nos quartéis odiosos da Supremacia
posições de poder em cada cidade e castelo.
Purista, um aventureiro que só conhece o Rei-
nado é visto como um mero aprendiz. A influência dracônica também é sentida nas
Uivantes, que já foi lar e tumba de Beluhga, a Dragoa-
Após dar os primeiros passos nos reinos onde -Rainha do Gelo. Uma terra fria e inclemente com sua
sempre se pode voltar a uma aldeia amigável, onde própria cultura e sua própria fauna, esta cordilheira
as autoridades estão do lado certo, onde inimigos se mostra mais letal que qualquer masmorra para
são a exceção e não a regra, um herói está pronto aqueles que chegam despreparados. Quando uma
para os verdadeiros desafios... Para desbravar as nevasca pode cegar instantaneamente e o chão fofo
terras além do Reinado. de neve impede movimentos rápidos, um aventureiro
experiente pode se ver mais indefeso que um plebeu.
Ainda Mais Humanos também não dominam as Sanguinárias,
Estranhos outra cadeia de montanhas que desafia os maiores
A civilização não existe apenas no Reinado, é heróis. Este é o território dos monstros, incluindo
claro. Na verdade, quando os refugiados de Lamnor versões gigantescas de criaturas que normalmente
chegaram a Arton Norte, encontraram diversas já seriam perigosas. As pequenas comunidades hu-
civilizações já bastante sólidas — da República de manas se preocupam em sobreviver ante a contínua
Tapista à tirania de Sckharshantallas ou às nações devastação das feras.
orgulhosas dos Ermos Púrpuras. Contudo, para a
maioria dos lamnorianos essas civilizações eram Ainda Mais
estranhas, coloridas, cheias de costumes inusitados
e tradições extravagantes.
Perigosos
E mesmo as terras humanas além do Reinado são
Em Lamnor, o povo vivia em aldeias e castelos. ameaçadoras.
Senhores de terras lideravam seus súditos e reis
batalhavam por orgulho e poder. Esses costumes Aslothia é o antigo reino de Portsmouth, uma
foram incorporados ao Reinado, embora tenham sido terra onde a magia era proibida e as companhias
mesclados às práticas dos povos nativos de Ramnor. mercenárias patrulhavam cada aldeia. Já tendo sido
Contudo, a maior parte das terras que hoje fica além parte de Bielefeld e se separado do reino numa san-
do Reinado manteve sua identidade mais próxima do grenta guerra civil, esta nação foi manipulada num
que era antes, sem interferência dos refugiados. Em estratagema secular da família nobre Asloth. Quando
muitos casos, sem interferência de humanos! chegou o momento certo, o Conde Ferren Asloth
realizou um ritual que sugou a vida da terra, ergueu
O Império de Tauron, um dos grandes poderes os mortos e afundou o reino numa escuridão lúgubre.
políticos do continente, tem costumes e história Tornou-se um poderoso Arquilich. Seu domínio foi
à parte dos reinos humanos. Seus habitantes, os rebatizado como Aslothia, o Reino dos Mortos.
minotauros, vivem segundo os dogmas do antigo
Deus da Força, numa sociedade guiada pelo lema Já as Ruínas de Tyrondir não têm mais governo,
de que “o forte deve proteger o fraco”. Essa crença pois foram devastadas com a queda dos fragmentos
se traduziu numa república (algo impensável para de um cometa. O que já foi um reino humano, parte
os lamnorianos!), então num império conquistador. integral do Reinado, hoje é uma desolação selvagem
Os minotauros tinham práticas escravistas e mesmo onde bandos disputam recursos escassos, onde aldeias
hoje, quando essa atrocidade foi abolida, em grande feitas de lixo resistem a saqueadores, onde heróis
parte se acham superiores ao resto dos povos. A fazem de tudo para sobreviver.
morte de Tauron foi um dos fatores que levou à quase Aqueles que talvez sejam os maiores vilões de
dissolução do Império, e o caos resultante fez com que Arton também estão numa terra humana. Mais do que
muitos pequenos tiranos surgissem nas províncias. isso: são apenas humanos. São a Supremacia Purista.

Capítulo Dois
172
Ex-Membros do Reinado da coalizão para lucrar sobre as desligassem. O desaparecimento
outras facções. Juntaram-se à Liga de Shivara provocou o
Até pouco tempo atrás, o Reinado os reinos de Nova Ghondriann afastamento e a dissolução de
ocupava quase todo o continente (quase ignorado pelo resto de seu antigo reino, Trebuck. E, em
norte. Assim, as terras “além Arton e relegado a um papel meio a isso, Portsmouth se aliou
do Reinado” já foram parte da secundário na política), Salistick à Supremacia e se tornou o reino
coalizão. Algumas guardam (guiado por um credo de que a morto-vivo de Aslothia.
simpatia pela antiga aliança. medicina deveria estar disponível
Por fim, a presença de
Outras buscam vingança por a aliados e inimigos) e Callistia
Sckharshantallas no Reinado
ofensas reais ou imaginárias. (provavelmente apenas para
sempre foi ainda mais incômoda
se opor a seu rival Namalkah).
Tapista foi a primeira nação a se e duvidosa até mesmo que a de
Mas a Liga Independente não
desligar do Reinado, formando Tapista. Ninguém sabe por que
duraria — o interesse econômico
o Império de Tauron. Isso não o Dragão-Rei um dia quis fazer
de Sambúrdia acabou por engolir
chegou a ser surpreendente, já que parte da coalizão, mas muitos
Nova Ghondriann e Callistia,
os minotauros tinham costumes enquanto Salistick se manteve suspeitam que fosse apenas mais
muito diferentes dos povos verdadeiramente independente. uma maneira de brincar com as
humanos. Quando uma série de vidas dos bípedes e vários nobres
incidentes diplomáticos levou às A tomada do reino de Yudennach consideram que o dragão oferece
Guerras Táuricas, Tapista anexou e formação da Supremacia
menos perigo estando afastado da
Purista provocou as próximas
os reinos de Hershire, Petrynia, política dos mortais.
saídas do Reinado. Yudennach
Fortuna, Lomatubar e Tollon, Muitos veem a união de todo
era rival de Deheon e a família
formando o Império de Tauron. o continente sob o estandarte
real historicamente buscava
Durante as Guerras Táuricas, o o posto de Reis-Imperadores. do Reinado como uma época
reino de Sambúrdia escolheu se Contudo, depois que seu rei dourada, uma utopia que deve ser
desligar do Reinado, formando foi banido e Shivara assumiu o reconquistada a qualquer custo.
a Liga Independente. Sambúrdia trono, os puristas tomaram o No entanto, nenhum dos ex-
é uma das nações mais ricas do poder. A instabilidade da guerra membros parece desejar voltar à
continente e, num momento fez com que nações mais antigas coalizão. Talvez permaneçam, para
volátil, fazia sentido que saísse que o Reinado, como Khubar, se sempre, terras além do Reinado.

Uma ditadura guiada pelo ódio, extremamente Smokestone é uma cidade fora da lei, onde pisto-
militarizada e pregando o extermínio de todos os leiros duelam e pode-se comprar as melhores armas
povos não humanos, a Supremacia quase venceu a de fogo do mundo. Svalas é um pequeno reino cheio
Guerra Artoniana e hoje é um dos maiores desafios de tipos exóticos, muitos refugiados da Supremacia
para heróis aventureiros. Cruzar suas fronteiras Purista, onde a rainha recebe até mesmo aventureiros
significa obedecer a seus dogmas nefastos, lutar iniciantes — pois eles podem salvar a nação inteira.
constantemente... ou morrer. As Repúblicas Livres de Sambúrdia são um vasto país
de príncipes mercadores, onde o comércio impera e
Ainda Mais qualquer um pode enriquecer.
Aventurescos E Nova Malpetrim é a capital dos aventureiros
Mas não existe só maldade além do Reinado. de Arton — fora do Reinado, uma cidade por onde
Fora das fronteiras da coalizão também se encontram passaram quase todas as grandes sagas, lar de figuras
algumas das maiores concentrações de aventureiros lendárias e ponto de partida de grandes expedições.
do mundo conhecido. São poucos os heróis artonianos que não beberam
em suas tavernas... e que não saíram da cidade com
Salistick, o Reino sem Deuses, é uma nação de
alguma história extraordinária.
céticos racionais e cientistas obstinados, que avançou
a medicina a ponto de rivalizar com os milagres dos Além do Reinado há desafios com que alguns
clérigos. O que é necessário, já que os salistienses podem apenas sonhar. Muitas aventuras começam
não acreditam em divindades e neste lugar a magia nestas terras... E muitas também terminam, com
divina não funciona! triunfo ou com tragédia.

Além do Reinado
173
Ilustração

Capítulo Dois
174
Supremacia
Purista O EXÉRCITO COM UMA NAÇÃO

U
ma nação extremamente militarizada fronteira nordeste. Uma vez nas novas terras, o patriar-
e movida por um único objetivo — o ca realizou acordos comerciais proveitosos, alianças
extermínio das raças não humanas —, oportunistas e ataques traiçoeiros, que encheram os
a Supremacia Purista é um dos maiores cofres de sua casa rapidamente.
flagelos de Arton. Sob um governo totalitário, Quando os antigos reinos de Svalas e Kor Kovith
todos os recursos da nação são voltados à ex- se recusaram a servir aos Yudennach, foram invadidos
pansão da sua máquina de guerra, fazendo com e anexados. A conquista foi rápida e eficiente, pois
que os territórios puristas sejam dominados por Larf havia incutido em seus soldados uma doutrina
fortalezas, quartéis e acampamentos militares. de violência e crueldade sem igual. Essa ideologia se
A marcha incessante dos batalhões deixa o solo espalhou pelo povo, que ao longo dos anos se tornou
agressivo e militarista. No resto do Reinado, diziam
cinzento. A fuligem das oficinas escurece os céus.
que os Yudennach não governavam uma nação com
Aqui, a própria terra é agressiva, o próprio céu é
um exército, mas sim um exército com uma nação.
opressor e não existem cidadãos, apenas soldados.

Golpes e conspirações
História Nos séculos seguintes, a família Yudennach se man-
teve como grande rival de Deheon, sempre cobiçando
A origem da Supremacia Purista remonta à
a liderança, sempre em busca de uma justificativa para
chegada da casa nobre Yudennach ao continente
um ataque. A justificativa surgiu durante o governo do
norte, junto da Caravana dos Exilados. Durante o Príncipe Mitkov Yudennach. Um descendente de Larf
êxodo, o patriarca da família, Larf Yuddenach, havia tão cruel quanto o próprio, mas sem sua genialidade,
discordado de todas as decisões do líder Roramar Mitkov arquitetou uma trama para usurpar o trono
Pruss, pelo simples motivo de que cobiçava a liderança do Rei-Imperador Thormy. O plano envolveu forçar
para si. Apesar de arrogante, era um excelente orador Shivara, então rainha de Trebuck, a se casar com ele,
e reuniu diversos seguidores à sua causa. e desafiar Thormy para um duelo. Porém, o Príncipe
Com a fundação de Deheon, Larf foi um dos aris- subestimou o Rei-Imperador — perdeu o duelo e,
tocratas que formou a corte do reino. Porém, quando com isso, o seu próprio trono. Pela primeira vez, a
percebeu que não conseguiria tomar o trono para si, família Yudennach perdia o controle de suas terras,
partiu com seu clã para formar sua própria nação, na que passaram para Shivara.

Além do Reinado
175
“Eu não sou como seu ex-marido. Mitkov uma escala jamais vista, ficando conhecido por conta
era um tolo com aspirações à monarquia. disso como Guerra Artoniana. Felizmente, após cinco
Ele esqueceu do mais importante: Larf anos de batalhas, um grupo de aventureiros formado
Yudennach não fundou uma nação; fundou pelo paladino Lothar Algherulff, pelo pirata Nargom,
um exército. Eu não sou rei, nem almejo pelo bárbaro Klunc e pelo mago élfico Aeripharian
ser. Sou o General Supremo Hermann Von resgatou a Rainha-Imperatriz. Quando a Supremacia
Krauser e, sob a minha guarda, Arton será Purista atacou a capital do Reinado, esses mesmos
uma única hierarquia, comigo no topo e heróis enfrentaram o General Supremo, derrotaram-no
fileiras intermináveis abaixo, formadas por e forçaram-no a assinar um armistício, que encerrou a
todos os cidadãos do Reinado. Será perfeito. Guerra Artoniana e iniciou uma época de paz.
Será limpo. Será eterno.”
Porém, mesmo isso não pôs fim à ameaça da
— Hermann Von Krauser, para a Supremacia Purista. Dentro de seu território, soldados
Rainha-Imperatriz Shivara, logo antes de ainda treinam, armas ainda são forjadas e, acima de
capturá-la e declarar guerra ao Reinado. tudo, Von Krauser ainda trama — afinal, um armistício
nada mais é que uma suspensão das hostilidades.
Um verdadeiro acordo de paz entre o Reinado e a
Shivara, que logo assumiu o trono do Reinado Supremacia Purista nunca foi firmado. E, se depender
— ironicamente conseguindo pela diplomacia o que do General Supremo, jamais será.
seu ex-marido falhara em conseguir pela conspiração
—, começou a trabalhar para mudar a mentalidade
retrógrada do reino, revogando leis injustas e punindo
nobres tirânicos. Hermann Von Krauser, um militar
Geografia
reformado e líder secreto dos puristas, percebeu nisso O território purista é composto por vastidões
a possibilidade de um golpe de estado. Ordenou que descampadas e esqueletos de bosques, agora só com
seu segundo em comando, o Lorde General Vrikas os tocos de árvores. A terra é no geral cinzenta e estéril
Klinsmann, reunisse nobres e oficiais ressentidos com e a grande quantidade de oficinas de guerra não ajuda
os ideais progressistas da Rainha-Imperatriz e criasse a tornar a paisagem melhor: expelindo fuligem dia e
o Estado Purista Independente, uma separação do noite, escurecem o horizonte e matam a já combalida
Reino de Yudennach. Ao fazer isso, atraiu a atenção vegetação natural.
de Shivara que, ao viajar até lá para investigar, caiu Apesar de não ser fértil, o território da Supremacia
em uma emboscada e foi capturada. Com a monarca é vasto. Com as mudanças após a Guerra Artoniana
fora do caminho, Von Krauser enfim saiu das sombras — a perda de Svalas, mas a conquista de territórios
— declarou-se regente do reino, mudou o nome dele de Bielefeld — as fronteiras atuais da Supremacia se
para Supremacia Purista e mudou o seu próprio cargo estendem até pontos estratégicos. Em caso de um
para o de General Supremo, um ditador vitalício e novo conflito, os batalhões poderiam marchar sobre
com poderes absolutos. diversos reinos.

A Guerra ao Reinado Povo & Costumes


e os tempos atuais
A primeira ação de Von Krauser como General A vasta maioria da população é formada por hu-
Supremo foi declarar guerra ao Reinado. O conflito manos, fazendo da Supremacia uma das regiões menos
se alastrou por todo o con- diversas de Arton. Isso não é à toa: historicamente, o
tinente e causou povo local sempre foi nacionalista e intolerante com
destruição e forasteiros, especialmente de outras raças. Com a
morte em ascensão dos puristas ao poder, essa cultura ficou ainda
mais radical. Hoje, não humanos são desprezados ou
mesmo hostilizados — na melhor das
hipóteses, serão proibidos de
comer em tavernas, hospedar-
-se em estalagens ou mesmo
conseguir informações; na pior,
serão atacados pela guarda local sob
alguma acusação forjada ou exagerada.

Capítulo Dois
176
As únicas raças não humanas encontradas na Su-
premacia são goblins e golens. Os primeiros geralmente
trabalham como servos de casas nobres ou operários
em oficinas; em qualquer caso, são tratados com
desprezo e não possuem nenhum tipo de direito civil
— são animais, não cidadãos. Já golens são fabricados
pelo exército como armas de guerra. São propriedade
dos batalhões e deles se exige obediência total. Um
golem que mostre qualquer tipo de autonomia ou
pensamento crítico será destruído a menos que fuja
— são máquinas, não cidadãos.
Além do nacionalismo e da intolerância, o outro
traço cultural marcante da Supremacia é a belicosidade,
que se apresenta de duas formas. Nas aldeias do interior,
a vida gira ao redor dos “salões de guerreiro”, cons-
truções onde a comunidade se reúne e o chefe da vila
toma suas decisões. Os melhores guerreiros da aldeia
habitam esses salões (por isso o nome), cumprindo
as ordens do chefe, protegendo a terra e partindo para Supremacia Purista
saquear outras vilas, sejam de outros reinos, sejam da
própria Supremacia. O resto da comunidade trabalha Nome Oficial: Sacro-Suprema
para sustentar os guerreiros do salão — os fazendeiros Hierarquia Purista.
cultivam sua comida, os ferreiros forjam suas armas...
Lema: “Pela pureza de Arton”.
Assim, a única forma de se ascender socialmente é
através da capacidade marcial. Brasão: de vermelho um besante de
prata carregado de um leopardo de negro
Já nas grandes cidades, o centro da sociedade
lampassado do campo.
são os quartéis. Cidadãos são recrutados, recebem
treinamento militar e começam a trabalhar ainda Gentílico: purista.
crianças. A hierarquia é rígida e a disciplina é imposta Capital: Kannilar.
sob pena de punições físicas. Os membros do exército
Forma de Governo: ditadura totalitária.
menosprezam os guerreiros do interior por serem
rústicos e indisciplinados. Já os guerreiros de salão Regente: General Supremo Hermann
consideram os soldados fracotes que dependem de Von Krauser.
formações e ordens para lutar. Embora seja um militar, População: 5.250.000.
o General Supremo nunca fez nenhum movimento
Raças Principais: humanos, goblins,
para mudar a cultura das vilas — ele sabe que os golens.
salões e os quartéis produzem tipos diferentes de
combatente, cada um com suas forças, e prefere ter Divindades Principais: Valkaria,
ambos à disposição. Arsenal, Sszzaas.

Religião Estatal
A Supremacia possui uma religião oficial, coman- pelas autoridades. Enquanto isso, Aharadak, Hyninn,
dada pelo Templo da Pureza Divina. O Templo é Khalmyr, Lin-Wu, Marah, Megalokk, Nimb, Sszzaas e
um caso raro em Arton: uma igreja baseada em dois Thwor são proibidos. A pena para devoção de qualquer
deuses, Arsenal e Valkaria, em vez de apenas um. uma dessas divindades é a morte.
O credo a outros deuses é desencorajado ou mesmo A igreja de Tanna-Toh é um caso à parte. Devido a
proibido. Devotos de Azgher, Lena, Kallyadranoch, um acordo secreto antigo, conhecido apenas pelo re-
Oceano, Tenebra, Thyatis e Wynna podem exercer sua fé, gente da Supremacia Purista e pelo sumo-sacerdote da
mas precisam sempre portar algum tipo de identificação Deusa do Conhecimento, a nação permite abertamente
visível; caso contrário, serão considerados criminosos. essa fé. Ainda assim, seus clérigos são atentamente
A exceção são pequenos cultos de lavradores no interior, vigiados por espiões para que não espalhem segredos
que rezam a Allihanna por boas safras e são ignorados táticos ou quaisquer assuntos de estado.

Além do Reinado
177
Governo Locais Importantes
O General Supremo governa a Supremacia de
forma autocrática, acumulando as funções de chefe
Kannilar (capital)
de estado, comandante do exército e líder absoluto Construída sobre um platô, um ponto elevado
dos puristas. Von Krauser é um veterano de incon- escolhido por sua vantagem estratégica de defesa,
táveis conflitos que serviu em todas as patentes do Kannilar é uma metrópole protegida por muralhas
exército até atingir o posto de Lorde General — em inclinadas de concreto repletas de canhões. Estradas
sua juventude, era costume que mesmo filhos da largas sobem a elevação até os grandes portões da
aristocracia começassem servindo como recrutas, para cidade, onde filas de mercadores com suas carroças
vivenciar todos os aspectos da vida militar. Após uma aguardam para passar pela vistoria na entrada.
carreira impecável, aposentou-se e desapareceu da Por dentro, Kannilar possui ruas pavimentadas
vida pública, apenas para reaparecer, anos mais tarde, e sequer uma pedra parece estar fora de lugar. Um
como líder dos puristas, no centro de uma conspiração visitante tem a impressão de que tudo acabou de ser
que culminou com a Guerra Artoniana. Mesmo não construído e limpo; não há sujeira, esgotos ou pedintes
tendo sido vitorioso no conflito, o General Supremo à vista. Mesmo as feiras são organizadas, com cada
mantém controle total entre os puristas — suas ordens tenda ocupando um espaço delimitado pela burocracia
são incontestáveis e suas palavras estão acima da lei. pública. Apesar disso, a cidade é fria e opressiva, com
O líder purista é um homem de idade avançada, prédios enormes e cinzentos bloqueando a visão. O
fato visível em seus cabelos grisalhos e rosto magro povo vive em edifícios quadrados e iguais, construídos
e repleto de marcas. Antes da guerra, demonstrava lado a lado, e as únicas construções que se destacam são
energia inesgotável, mas desde o fim do conflito suas as públicas — especialmente a Fortaleza Dorkenrause.
aparições públicas têm sido raras. O motivo para isso Lar ancestral da família Yudennach e atual sede
seria um ferimento sofrido durante o cerco a Valkaria. do governo da Supremacia, a Fortaleza é um prédio
O golpe, infligido por Lothar Algherulff enquanto enorme, quadrado e negro, com uma escadaria alta,
portava Carthalkan, a lendária Espada Cristalina, jamais flanqueada por estátuas gigantes de guerreiros de
teria curado. Especula-se que Von Krauser esteja em todas as eras do reino, em pedestais com dez metros
busca de uma combinação de magia necromântica, de altura. As janelas são pequenas e gradeadas,
experimentos alquímicos e engenhocas goblinoides mas por dentro há cortinas de veludo vermelho,
que o permitam lutar novamente. Se conseguir, um mobília de madeira Tollon negra e lustres de cristal.
novo conflito em escala global talvez seja inevitável. É aqui, em um gabinete repleto de armas mágicas
Abaixo do General Supremo vem a Cúpula e encantos de proteção, que o General Supremo
Purista, formada por um grupo seleto escolhido por recebe oficiais de alto escalão, chefes guerreiros,
Von Krauser. Os membros da Cúpula recebem suas os membros da Cúpula Purista e, eventualmente,
ordens diretamente do General Supremo e raramente emissários estrangeiros. Porém, a maior parte do
se reúnem ou falam entre si. Abaixo da Cúpula está o tempo ele passa sozinho, lendo livros sobre batalhas
exército purista. Como esperado, oficiais do exército do passado e analisando mapas sobre os reinos do
têm autoridade sobre todos os militares de menor presente, ponderando sobre sua próxima jogada no
patente — mas note que, na Supremacia, isso inclui tabuleiro da guerra por Arton.
todo o povo, visto que cidadãos da Supremacia são
automaticamente considerados recrutas do exército Warton
e, portanto, estão dentro da hierarquia militar. A Esta cidade abriga o maior centro de treinamento
exceção são os chefes das vilas, que não respondem do exército purista, razão pela qual é muitas vezes
aos oficiais, obedecendo apenas à Cúpula Purista e chamada de “O Quartel”. Ainda mais do que no resto
ao General Supremo. da Supremacia, aqui praticamente toda a população
As instituições funcionam de forma eficiente. As está ligada aos militares de alguma forma, seja
leis são rígidas e elaboradas de maneira precisa. Além servindo nos batalhões ou trabalhando em alguma
disso, o povo da Supremacia é fanaticamente leal a Von função de apoio, como armeiros ou curandeiros.
Krauser; casos de insubordinação são raros e, quando Não é à toa que foi nesta cidade que os puristas
acontecem, são punidos sumariamente. O General primeiramente se revelaram ao mundo, ainda sob o
Supremo comanda seu governo como comanda seus nome de Estado Purista Independente e sob comando
batalhões — de forma brilhante, firme e eficaz. público de Klinsmann.

Capítulo Dois
178
Warton fica localizada perto da Garganta do Troll, à famosa Caverna do Saber, onde se encontra o Hella-
sendo a cidade da Supremacia mais próxima da fronteira darion, o artefato sumo-sacerdote de Tanna-Toh.
com Deheon. Essa localização não é à toa, e permite Antes da ascensão purista, o prédio atualmente
que o General Supremo mantenha a maior parte de seu ocupado pela Catedral da Pureza era uma igreja de
contingente sempre perto do reino inimigo. Apenas Keenn, o antigo Deus da Guerra. A igreja fora construída
o próprio abismo impede que os batalhões marchem em Gallienn justamente pela proximidade da cidade
sobre o Reinado... Mas rumores dizem que os puristas com a Caverna do Saber, para que os clérigos da guerra
estão trabalhando em um tipo de ponte gigantesca que pudessem servir de olhos do regente e como uma ameaça
permitiria que seus soldados cruzassem a Garganta e velada aos devotos de Tanna-Toh. Embora a fé seguida
avançassem rapidamente sobre Deheon. pelos clérigos do prédio tenha mudado, eles continuam
O foco militarista de Wharton também se manifesta tendo a missão de dificultar a chegada até o Helladarion.
de algumas formas curiosas. Esta é a única cidade da Quando ainda era um humano, Mestre Arsenal era
Supremacia que abriga um número significativo de considerado um herói em Gallienn. Diversos torneios e
dissidentes da ideologia purista — pois existem aqueles execuções públicas eram realizados em sua honra e ele
que acreditam nos ideais militares, mas não na doutrina prestigiava muitos deles em pessoa. Quando Arsenal to-
de ódio. O disciplinado soldado Diago Hammer vem mou o lugar de Keenn como Deus da Guerra, a adoração
tentando encontrar outros que, assim como ele, dis- do povo local por ele apenas aumentou. Hoje, diversas
cordam da intolerância da Supremacia. Contudo, além esculturas de Arsenal adornam a cidade. Os torneios
de muito arriscada, a atividade o coloca num dilema: também continuam — e, embora não contem mais
obedecer a seus superiores ou a seus valores morais? com a presença física de Arsenal, certamente contam
mais do que nunca com a bênção do Deus da Guerra.
Gallienn O bardo e paladino da Deusa do Conhecimento
A terceira das três maiores cidades da Supremacia Rehdra Aefirst vive clandestinamente aqui, com
(junto a Kannilar e Warton), Gallienn é famosa por a missão autoimposta de ajudar aventureiros que
abrigar a Catedral da Pureza, a sede do Templo da buscam a Caverna do Saber. Contudo, a presença de
Pureza Divina, o que atrai milhares de fiéis e soldados um “agitador” já chegou aos ouvidos das autoridades
todos os anos. Esta é também a cidade mais próxima e seus dias podem estar contados...

Além do Reinado
179
Oficina Gavanir As montanhas também foram usadas como
esconderijo por guerrilheiros kovith que lutaram
Gavanir era uma cidade pequena, distinta apenas contra a dominação de seu reino séculos atrás. No
por possuir a maior concentração de goblins do reino entanto, os soldados bem treinados da Casa Yudennach
— cerca de três para cada humano. A origem disso conseguiram encontrar e praticamente eliminar essa
reside no fato de Gavanir ter sido fundada perto do resistência. As antigas cavernas dos rebeldes ainda
lar de várias tribos goblins. Muitos dos humanoides existem e podem servir de abrigo para viajantes e
foram exterminados durante a fundação da cidade, aventureiros, mas não sem risco, pois algumas das
mas outros foram capturados, e seus descendentes grutas hoje abrigam covis de monstros. Ainda existem
mantiveram a população goblinoide elevada — com pequenos focos de guerrilha. A arqueira Liudmyla
a diferença que não eram mais um povo livre, mas Zhaich’sev é uma das poucas que mantém o legado
servos e operários. de rebeldia de seus antepassados. Mas, com poucos
Após tomarem o poder, os puristas aproveitaram companheiros e recursos quase nulos, há pouco que
essa peculiaridade local para converter a cidade em consiga fazer. Para piorar, ela é uma lefou e poderia en-
uma gigantesca oficina de guerra. Todos os habitantes frentar ódio e preconceito mesmo fora da Supremacia...
que não tinham algum ofício relevante (como ferreiros
e alquimistas) foram expulsos; da mesma forma,
artesãos e engenheiros de outras cidades foram
trazidos para cá. Os prédios foram convertidos
em usinas, fábricas e armazéns. E as multidões
de goblins foram aproveitadas como mão de
obra barata e dispensável.
Hoje, a cidade rebatizada como Oficina
Gavanir fabrica todos os tipos de armas,
de espadas a canhões e colossos. Os
céus são sempre escuros de fuligem, e
a terra sempre embarrada pelas rodas
de vagões que chegam trazendo ferro,
pólvora e outros insumos e partem
levando aquilo que a Supremacia
mais produz — instrumentos de
morte. Em laboratórios secretos,
invenções terríveis são desenvol-
vidas. Dessas, uma das piores é a
pesquisa do Doutor Marek Dra-
lav, que busca criar um soldado
Ilustração
perfeito a partir de uma mistura
de humanos e golens, e tem usado
como cobaias aldeões capturados
de outros reinos.

Monte Kovith
No centro do território que foi
o reino de Kor Kovith há uma região
montanhosa que forma o ponto mais
elevado da Supremacia. O mais alto
dos picos, com mais de três quilômetros
de altitude, é o Monte Kovith. Embora
não seja tão alto quanto as Uivantes ou
as Sanguinárias, o Monte Kovith é íngreme
e difícil de escalar. Na Supremacia, diz-se “é
como escalar o Kovith” quando se fala de uma
tarefa quase impossível.

Capítulo Dois
180
Vale do Baixo Iörvaen “Foi a humanidade a raça criada pela Deusa da
Ambição. Foi a humanidade a raça criada para
Iörvaen é o nome do rio que serve, em grande superar todas as outras. Nós apenas seguimos
parte de sua extensão, como divisa entre a Supremacia os desejos de Valkaria. E, para isso, usamos as
e Zakharov. Quando se afasta da fronteira, o rio desce armas de Arsenal.”
através de uma cachoeira e forma um belo vale — uma
— General Supremo Hermann von Krauser
das poucas regiões férteis do país. Aqui há muitas
fazendas e plantações, cujas colheitas alimentam a
capital Kannilar e outras cidades da Supremacia. Por
sua importância estratégica, a região é constantemente dois prisioneiros — Ledd, um guerreiro, e Ripp, um
patrulhada por batalhões puristas. arcanista da Ordem do Vazio — uniram forças para
No Vale foi travada uma das principais batalhas escapar, mais tarde testemunhando o surgimento do
da Guerra Artoniana, ainda no primeiro ano do exército purista e se envolvendo em eventos de graves
conflito. Percebendo uma oportunidade, tropas de consequências. Desde então, o lugar foi reforçado:
Deheon e cavaleiros de Bielefeld avançaram unidas além de carcereiros cruéis, rumores falam sobre
para desmantelar as forças puristas. Porém, tudo não monstros e demônios trabalhando nos corredores
passou de uma manobra do General Supremo, que escuros da Prisão Hardof.
quis atrair os inimigos para lutar em seu território,
onde com o conhecimento do terreno era praticamente
invencível. A batalha foi um desastre para a Aliança
A Caverna do Saber
Próxima à cidade de Gallienn fica a notória
do Reinado e os combatentes de Deheon e Bielefeld
Caverna do Saber. Este local se tornou amplamente
foram massacrados. Até hoje, há relíquias desses
conhecido, especialmente entre aventureiros, por
combatentes perdidas aqui, assim como fantasmas
abrigar o Helladarion, um artefato inteligente que
amargurados vagando pelos campos.
também é o sumo-sacerdote de Tanna-Toh, a Deusa
do Conhecimento.
As Charnecas Aventureiros novatos tendem a acreditar que a
Ao norte da Oficina Gavanir existe um grande solução de qualquer problema pode ser facilmente
pântano conhecido como as Charnecas. Esse terreno alcançada, bastando para isso visitar a caverna e per-
traiçoeiro contém muitas poças de lama e areia move- guntar ao artefato. De fato, a Caverna do Saber não tem
diça, e muitos viajantes incautos já morreram afogados guardas e os clérigos de Tanna-Toh são proibidos de
aqui. Apesar disso, as Charnecas são movimentadas, esconder qualquer informação. No entanto, ao contrá-
pois são um fornecedor de piche e outros insumos
rio do que dizem as histórias, o Helladarion não sabe
cruciais para as usinas e fábricas da Oficina.
tudo; ele apenas possui o conhecimento acumulado
Alguns goblins que conseguiram fugir do trabalho de todos os devotos da Deusa do Conhecimento já
forçado em Gavanir se refugiaram nas profundezas falecidos. Portanto, há muitos mistérios cuja verdade
das Charnecas e formaram uma pequena tribo. Essa nem mesmo ele conhece.
tribo pode ajudar aventureiros que estejam lutando
Outro obstáculo para aqueles que buscam
contra os puristas... Ou pode atacá-los, acreditando
respostas fáceis é o governo purista, que restringe
que todos os forasteiros são tão cruéis quanto os
o acesso à Caverna. Patrulhas percorrem as vizinhan-
soldados dos batalhões.
ças da Caverna, detendo e interrogando quaisquer
viajantes sobre suas intenções, e forjando leis ou
A Prisão Hardof acusações falsas para tirá-los do caminho. Essas
Esta torre foi construída para ser inexpugnável, patrulhas são quase sempre lideradas por clérigos
mas não contra invasores externos. Hardof é uma do Templo da Pureza Divina.
prisão, a pior da Supremacia, para onde são enviados Os sacerdotes vivem acuados na Caverna, cercados
cidadãos que se ergueram contra o regime ditatorial ou pela animosidade dos soldados. No entanto, o General
forasteiros capturados. Apenas prisioneiros importan- Supremo nunca atacou diretamente o Helladarion, nem
tes, que os puristas julgam possuir algum valor — seja cercou completamente a caverna. Isso se deve a um
como moeda de troca, seja por possuírem informações antigo acordo feito pelos antigos regentes Yudennach
úteis — são mantidos aqui. e o próprio sumo-sacerdote. Os termos desse acordo
A propaganda purista diz que ninguém conseguiu são um mistério, assim como o motivo pelo qual Von
fugir de Hardof, mas isso não é verdade. Anos atrás, Krauser escolheu respeitá-lo.

Além do Reinado
181
Guildas & O Sargento-Mor Irvan Zogarov é uma arma de
guerra em forma de homem. Com rosto coberto de
Organizações cicatrizes, é um veterano dos batalhões que recusou
ser promovido para qualquer posto acima de sargen-
to-mor para continuar lutando no front. Especula-se
Cúpula Purista que Zogarov não seja completamente humano: após
Este grupo seleto conta com apenas sete membros sofrer ferimentos graves em batalha, partes de seu
— o Lorde General Klinsmann, o Sargento-Mor Zogarov, corpo teriam sido substituídas por engenhocas, fazendo
o chefe guerreiro Thurghar Carrasco de Cavaleiros, dele um tipo experimental de meio-golem.
a Sumo-Purificadora Krazden, o Reitor-Comandante Rival de Zogarov pelo posto de maior guerreiro da
Dragomyr, a Dama Comandante Lady Mieva e a mis- Supremacia, Thurghar Carrasco de Cavaleiros é um
teriosa Tempestade Branca. Todos foram escolhidos chefe de salão com força e fúria descomunais — e, como
pessoalmente pelo General Supremo para atuar como o sargento-mor, está na Cúpula para que Von Krauser
conselheiros e agentes de elite, e possuem autoridade tenha os combatentes mais poderosos da nação sob seu
plena dentro da Supremacia. Mesmo que não tivessem comando direto. Thurghar é uma montanha em forma
poder legal, seriam obedecidos pelo puro medo que de homem e ganhou sua alcunha após uma batalha da
incutem — tão famosos quanto temidos, os integrantes Guerra Artoniana na qual matou pessoalmente mais
da Cúpula estão entre os piores vilões de Arton. de cem cavaleiros de Bielefeld.
Um gênio militar e um dos melhores estrategistas A Sumo-Purificadora Izanna Krazden, líder
de Arton, o Lorde General Vikras Klinsmann foi o do Templo da Pureza Divina, é a conselheira de Von
primeiro líder público dos puristas, antes de Von Krau- Krauser para assuntos divinos. É uma mulher de meia
ser se revelar ao mundo, e é o segundo em comando idade, com os cabelos loiros quase brancos, mas ainda
do exército, atrás apenas do General Supremo. Com enérgica. Sua expressão severa combina com suas
seus óculos e cabelos loiros bem alinhados, parece vestimentas — ela está sempre de armadura completa
ser um homem calmo, mas quando seus planos não e com os mantos e estolas de sua posição eclesiástica.
funcionam é tomado por surtos de raiva descontrolada. Já o conselheiro para assuntos arcanos é o Reitor-
Klinsmann foi capturado por heróis durante a Guerra -Comandante Rasvan Dragomyr, o líder da Ordem
Artoniana, mas libertado durante uma troca de reféns. Magibélica. Alto e sempre vestido em trajes formais, é
Desde então, nutre um ódio profundo por aventureiros um temido mago militar conhecido por ter incendiado,
e despacha soldados para exterminar grupos dentro e eletrocutado e desintegrado tanto inimigos quanto
fora das fronteiras da Supremacia. subordinados que falharam em cumprir suas ordens.

Capítulo Dois
182
A Dama Comandante Lady Mievna Yudennach é O Exército Purista
a líder da Ordem do Leopardo Sangrento. Descendente
do lendário Larf Yudennach, é tão competente quanto O livro Ameaças de Arton trás informações
seu ancestral, mas ainda mais cruel. Com porte altivo e completas sobre o exército purista,
elegante, rosto quadrado e cabelos negros sempre pre- incluindo sua hierarquia e patentes —
sos em um coque perfeitamente alinhado, Lady Mievna além de fichas para diversos de seus
é uma pintura da aristocracia purista. Formada com soldados e oficiais.
distinção na Ordem Magibélica, a Dama Comandante
serviu no exército até o posto de coronel, sendo um
prodígio tanto como arcanista quanto como guerreira. Embora continue exercendo a guarda dos líderes
Sua ascensão à liderança do Leopardo Sangrento foi um puristas, o Leopardo Sangrento expandiu sua área
passo natural em sua jornada exemplar de maldade. de atuação. Hoje, a ordem possui desde pequenos
Por fim, há a líder do Círculo Branco — uma figura grupos de elite, que executam missões estratégicas
enigmática, conhecida apenas como Tempestade de sabotagem e assassinato, a batalhões inteiros, que
Branca. Pelo porte físico e pelo cajado que carrega lutam ao lado do exército. Entretanto, a principal
supõe-se tratar de uma mulher arcanista, mas ninguém função do Leopardo Negro é espalhar e manter a
jamais viu seu rosto por baixo da máscara branca. A doutrina purista. Para isso, acompanham o exército
mando de Von Krauser, Tempestade Branca já par- e, a cada vila, cidade ou reino invadido, tomam para
ticipou de algumas batalhas, nas quais demonstrou si a missão de caçar e exterminar os não humanos
poderes mágicos que rivalizam com os dos maiores locais. Fazem disso um esporte macabro. Para um
arquimago de Arton. Muito especula-se como ela teria cavaleiro do Leopardo Sangrento, não basta matar
conseguido tais poderes. não humanos — é preciso fazer isso de forma pública
e visceral, para espalhar a mensagem de suprema-
cia humana. Por isso, não é de se espantar que os
Ordem do membros da ordem, e a visão de suas capas negras e
Leopardo Sangrento vermelhas, tenham se tornado extremamente temidos
Quando os puristas dominaram o Reino de Yu- por todos os não humanos.
dennach, praticamente todos os cidadãos se tornaram Mas não são apenas os não humanos que temem
membros da facção, seja voluntariamente, seja após o Leopardo Sangrento.
sofrer lavagem cerebral. Os poucos que evitaram essa
Tamanho é o fanatismo dos cavaleiros que, para
conversão tiveram que fugir do reino ou foram mortos.
eles, não basta ser humano; é preciso ser ativamente
Hoje, “cidadão da Supremacia” é um sinônimo para
um purista. Os membros da ordem fiscalizam os
“purista”. Porém, existem aqueles ainda mais devotados
próprios cidadãos da Supremacia para garantir que
à doutrina da facção. Considerados “puristas entre os
estejam seguindo a doutrina da facção e as ordens do
puristas”, estes são os cavaleiros do Leopardo Sangrento.
General Supremo e, principalmente, que não tenham
A ordem surgiu anos atrás como uma guarda de nenhum tipo de contato amigável com não humanos.
honra dos líderes puristas. Apenas os mais fanáticos Para um membro do Leopardo Negro, ajudar um não
e mais fortes eram aceitos, e pertencer à guarda era humano é um crime tão grave quanto ser um — e
uma distinção honrosa. Com a ascensão dos puristas, ambos são punidos com a morte.
o Leopardo Sangrento também se expandiu. De apenas
A ordem possui hierarquia própria. Embora aja
uma guarda, passou a ser uma ordem de cavalaria
em conjunto com o exército em diversas missões e
completa. Hoje, possui seus próprios ritos de iniciação
siga a fé do Templo da Pureza Divina, não faz parte
e cadeia de comando; seus próprios recrutas e líderes.
nem de um, nem de outro. Cavaleiros do Leopardo
Apenas aqueles nascidos na Supremacia podem se Sangrento obedecem apenas aos líderes da ordem,
tornar cavaleiros do Leopardo Sangrento. O candidato e os líderes da ordem obedecem apenas ao General
deve demonstrar dedicação extrema aos dogmas puris- Supremo. Entretanto, pertencer ao Leopardo Sangrento
tas e grande competência em seu campo de atuação. não é necessariamente uma “ocupação de tempo inte-
Caso seja aprovado pelos líderes da ordem, passa por gral”, e os cavaleiros também podem ser membros do
um rito de iniciação terrível, presidido por um clérigo exército, do Templo ou mesmo da Ordem Magibélica.
do Templo da Pureza Divina, no qual sacrifica um não Um cavaleiro do Leopardo Sangrento possui autoridade
humano. Após essa cerimônia, recebe uma capa negra sobre outros puristas. Por mais importante que seja,
com o emblema da ordem (um leopardo coberto de qualquer purista que não pertença à ordem medirá
sangue) e se torna oficialmente um membro. suas palavras ao falar com um cavaleiro.

Além do Reinado
183
Templo da Pureza Divina chegaram a um consenso sobre isso. Mas em uma
coisa todos concordam: ambição e guerra são uma
A história do Templo está entrelaçada com a história combinação extremamente perigosa.
dos puristas. No início, os puristas eram uma seita de
humanos que caçavam membros de outras raças. Eram
perigosos para não humanos que cruzassem a fronteira Ordem Magibélica
do reino, mas pouco relevantes no panorama mundial. A origem desta organização remonta a um antigo
Isso tudo mudou quando um líder purista teve uma batalhão formado exclusivamente por arcanistas da
revelação divina: os humanos eram a raça escolhida pelos deuses. Casa Yudennach. Ao longo dos anos, essa tropa de elite
Esse líder compartilhou sua descoberta com outros provou seu valor em diversos conflitos, despejando
membros da seita, nenhum dos quais se preocupou em fogo, gelo e raios sobre os inimigos do reino. Quando
confirmar a veracidade da “revelação”. Pelo contrário, a Academia Arcana foi criada em Deheon, o regente
o discurso de que os humanos eram naturalmente su- Yudennach decidiu que suas terras deveriam ter seu
periores aos membros de outras raças foi rapidamente próprio centro de estudos mágicos e ampliou as
aceito e logo uma religião se formou ao redor dessa atribuições do batalhão. Assim, foi fundada a Ordem
ideia. Subitamente, os puristas tinham um propósito Magibélica, uma universidade mágica focada em
em seu fanatismo, um objetivo para o qual canalizar arcanistas de combate, com os membros do batalhão
sua raiva. Não mais matariam membros de outras original atuando como professores.
raças apenas para satisfazer seu ódio — o fariam para Hoje, a Ordem é uma das instituições mais im-
cumprir seu papel perante os deuses. portantes e exclusivas da Supremacia. Os candidatos,
Impulsionados por essa nova fé, os puristas tor- cidadãos recrutados diretamente pelos professores ou
naram-se mais ambiciosos. Se não estavam apenas indicados pela Cúpula Purista (ou mesmo por Von
praticando um “esporte”, mas sim cumprindo um Krauser em pessoa), precisam demonstrar excelência
dever divino, precisariam fazer mais do que caçar em testes de aptidão física e mental. Se aprovados,
não humanos incautos, que ousassem pisar em seu ingressam no treinamento básico, chamado Formação
território. Precisariam “purificar” todo o mundo de Magibélica Fundamental, que dura dois anos e abrange
Arton. A partir desse entendimento, o grupo começou a tanto estudos arcanos quanto treinamento de luta,
se infiltrar na política local até se tornar uma verdadeira tática e liderança. Concluído esse período, os alunos
facção e, por fim, dominar o reino. passam por provas práticas letais. Os que sobrevivem
são alocados em um dos braços da Ordem: a Tradição
Após o golpe de estado, o Templo da Pureza
Magimilitar, focada em magias de destruição em
Divina foi oficialmente instituído. Ele possui dois
massa, ou a Tradição da Lâmina Arcana, cujos alunos
dogmas básicos: primeiro, que os humanos são a raça
aprendem a conjurar e lutar com armas de pura energia
escolhida. Segundo, que os não humanos devem ser
mágica. Após mais dois anos, os alunos se formam
exterminados. O primeiro dogma se baseia no fato
com a patente de capitão-luminar no exército purista
de que os humanos foram criados por Valkaria para
(equivalente a de capitão-baluarte) e estão prontos para
superar os próprios deuses. O segundo deriva do
despejar morte mágica sobre os inimigos da Supremacia.
primeiro: se os humanos são os escolhidos, as outras
raças apenas “sujam” o mundo com a sua inferioridade,
atrapalhando o caminho da evolução humana. Por Os Clãs Caçadores
conta desses dois dogmas, os membros do Templo são Antes de ser uma facção com propósitos políticos,
devotos tanto de Valkaria quanto de Arsenal. os puristas eram um grupo de caçadores de não hu-
A religião usa a iconografia dos dois deuses em manos. Nessa época, havia apenas dois requisitos para
seus símbolos sagrados, vestes e construções. Apre- ser um purista: ter nascido no Reino de Yudennach
sentam as divindades tanto separadamente quanto em e odiar membros de outras raças. Como o ódio pode
conjunto, com os dois lutando lado a lado ou o Deus florescer em qualquer coração, havia puristas em todas
da Guerra atuando como soldado sob as ordens da as camadas da sociedade: homens e mulheres, soldados
Deusa da Ambição. Em casos mais raros, apresentam e civis, nobres e plebeus. À noite, eles se reuniam
os dois mesclados, com a figura divina de Valkaria nos porões de suas casas ou em bosques escuros e
empunhando as armas de Arsenal. saíam para caçar não humanos. Pela manhã, após
Como isso tudo é muito recente, ainda há mui- cometerem suas atrocidades, despediam-se uns dos
tas dúvidas sobre essa religião. A principal é: como outros e retomavam suas vidas comuns.
Valkaria, uma deusa bondosa, pode abençoar devotos Quando os puristas deixaram de ser uma organiza-
claramente cruéis? Estudiosos eclesiásticos ainda não ção secreta e se tornaram uma facção política, suas ações

Capítulo Dois
184
passaram a ir muito além de organizar caçadas noturnas. Quanto aos objetivos de Tempestade Branca, são
Mas velhos hábitos não morrem com facilidade. Os clãs tão obscuros quanto ela mesma . Alguns dizem que
caçadores são grupos que mantêm vivas as tradições ori- ela busca reunir um conjunto de artefatos com os
ginais dos puristas e ainda partem em caçadas noturnas, quais teria poderes inimagináveis. Outros, que quer
mesmo que dentro da Supremacia suas atrocidades não trazer de volta à vida Larf Yudennach, de quem teria
sejam mais ilegais. Como hoje há pouquíssimos não sido conselheira ou mesmo amante. Por fim, não são
humanos na Supremacia, alguns clãs começaram a caçar poucos os que sustentam que Tempestade Branca
em outros reinos. Outros, mais covardes, não saem das é uma feiticeira louca e que seu único propósito é
fronteiras. Para saciar seu sadismo, caçam humanos e causar tanto sofrimento a ponto de matar o próprio
justificam suas ações dizendo que perseguem apenas mundo de Arton.
simpatizantes de outras raças, pessoas que sujam os
ideais puristas e que, portanto, devem morrer.
Recentemente, um fenômeno misterioso tem acon- Aventuras
tecido. Alguns membros dos clãs têm sofrido mutações A Supremacia Purista é um dos lugares mais
à noite, adquirindo garras, escamas, presas, caudas perigosos de Arton. O mero fato de entrar no reino é
e outras partes monstruosas. Talvez, por estarem se difícil — entrar escondido exige passar por patrulhas
comportando como predadores, estejam ganhando de soldados e torres de vigia; entrar abertamente
uma bênção de Megalokk, o Deus dos Monstros. exigiria um visto de mercador ou diplomata, e mesmo
Embora isso possa fazer com que sejam mortos por assim ser revistado e passar por interrogatórios. Uma
outros puristas, também os torna mais perigosos para vez dentro, as dificuldades só aumentam. Forasteiros
quaisquer inocentes em seu caminho. serão observados por todos e, caso tomem qualquer
atitude suspeita, serão delatados para as autoridades.
O Círculo Branco Se forem não humanos, a situação será ainda pior
— pessoas de outras raças são automaticamente
Esta pequena e sigilosa organização é formada
exclusivamente por poderosos conjuradores puristas. consideradas criminosas e podem ser presas ou
Seus membros vêm de diversos antecedentes: profes- mesmo executadas a qualquer momento.
sores da Ordem Magibélica, purificadores do Templo da Infelizmente, há diversos motivos pelos quais
Pureza Divina e até mesmo bruxos conselheiros de salão. um grupo de aventureiros precisaria entrar na Supre-
Porém, ao ingressar no Círculo Branco, todos passam macia. Roubar planos militares de invasão, resgatar
por um ritual no qual abandonam quaisquer votos que prisioneiros e investigar novas armas de guerra são
possuíssem antes, juram fidelidade eterna à misteriosa apenas alguns dos motivos que fariam um regente do
líder da organização — a arcanista Tempestade Branca Reinado contratar heróis para essa perigosa missão. Os
— e, por fim, aprendem a canalizar seu ódio para gerar próprios aventureiros podem escolher ir lá por conta
efeitos tão espantosos quanto nefastos. Um membro própria, especialmente para visitar a Caverna do Saber
do Círculo Branco pode sugar a alma de uma pessoa em busca da resposta para um mistério.
pelos olhos, derreter a pele de um inocente como se É claro, o contrário também acontece: assim como
fosse cera quente e torcer os ossos de uma vítima para estrangeiros podem entrar na Supremacia, os puristas
que perfurem seus próprios órgãos internos. podem sair dela. Muitas aventuras envolvendo os
São essas capacidades que levam conjuradores até puristas podem ocorrer fora das fronteiras da nação.
a organização. O que os iniciados não sabem é que tais A mais simples é proteger uma aldeia indefesa de
poderes têm um preço. O ódio que um membros do Cír- uma incursão militar ou de bandos guerreiros, mas
culo acumula é tamanho que, aos poucos, corrói e drena há diversas possibilidades. Talvez um poderoso arte-
sua energia vital, transformando-o em um morto-vivo fato tenha sido descoberto, e tanto os heróis quanto
mantido apenas por magia e maldade. Os conjuradores um grupo de puristas tenham sido enviados para
mais antigos da organização possuem corpos putrefatos, resgatá-lo. Nesse caso, os personagens precisariam
motivo pelo qual usam máscaras brancas que cobrem superar quaisquer guardiões do item mágico, ao mesmo
seus rostos completamente. Soldados do exército purista tempo que precisariam fazer isso antes dos agentes da
que já viram um membro do Círculo se perguntam como Supremacia. Em especial, os conjuradores do Círculo
eles conseguem enxergar com essas vestes. A resposta Branco são muitas vezes enviados para roubar itens
é que esses conjuradores sequer possuem mais olhos, ou sequestrar pessoas específicas, para propósitos
percebendo o mundo apenas através de seus poderes que apenas Tempestade Branca conhece. Impedir os
místicos. No fim, os votos de fidelidade eterna a Tem- planos de um desses conjuradores é tarefa apenas para
pestade Branca eram mais literais do que eles supunham. os heróis mais competentes — e corajosos.

Além do Reinado
185
Conflagração
do
Aço
C
lérigos de Marah dizem que a guerra Quando o armistício foi assinado, os puristas recuaram
nunca muda. Que reis e generais mar- para suas fronteiras — que, na visão deles, incluíam
cham acreditando estar cumprindo um as regiões tomadas do Reino dos Cavaleiros.
dever nobre, quando na verdade estão Os nobres de Bielefeld, naturalmente, não concor-
apenas alimentando seu orgulho. Os devotos daram com isso. Trajaram suas armaduras, montaram
da Deusa da Paz provavelmente estão certos... em seus cavalos e convocaram seus poucos súditos
ainda em condições de lutar para retomar suas terras
Mas nem mesmo eles poderiam imaginar um
ancestrais. Porém, quando as hostilidades estavam
lugar como a Conflagração do Aço. Nessa terra prestes a recomeçar, a política interveio.
cinzenta, a guerra não só nunca muda — aqui,
ela nunca acaba. Um novo tratado...
A Conflagração é um fruto amargo da Guerra O Pequeno Conselho de Deheon não tinha in-
Artoniana. Nos primeiros anos do conflito, a Supre- teresse na continuidade da guerra. Os aristocratas
macia avançou sobre Bielefeld e conquistou territórios. não concordavam com o que a Supremacia havia

Capítulo Dois
186
feito — mais uma vez, aumentara seu território à aqueles que falavam sobre honra ou dever, mas al-
custa dos vizinhos —, mas achavam que o custo de mejavam apenas cobrar impostos dos poucos plebeus
uma nova campanha militar seria alto demais. Mesmo que ainda habitavam a região.
sem a liderança do General Supremo, os puristas ainda A essa altura, o General Supremo já estava de
possuíam um exército poderoso, enquanto os cavalei- volta à liderança do Exército com uma Nação. Von
ros estavam enfraquecidos após anos servindo como o Krauser sabia que, se enviasse todo seu poderio,
escudo do Reinado. Para piorar, o único prêmio seriam forçaria uma resposta da coroa de Bielefeld e do resto
terras em ruínas, que nos últimos anos haviam sido do Reinado — mas, assim como o Pequeno Conselho
saqueadas, pisoteadas e queimadas inúmeras vezes. de Deheon, não queria uma guerra agora, pois preferia
Assim, em resposta ao escalonamento da tensão na esperar até estar pronto para esmagar o Reinado com
fronteira de Bielefeld com a Supremacia, o Pequeno um único golpe certeiro. Porém, tampouco poderia
Conselho não despachou soldados, mas diplomatas. abdicar do território conquistado. Assim, enviou
A Rainha-Imperatriz poderia ter interferido, mas poucos batalhões, apenas o suficiente para impedir
também havia chegado à conclusão de que o custo do os cavaleiros de se assentarem em definitivo.
conflito seria insustentável — embora, ao contrário
Escaramuças começaram por toda a região. Os
dos aristocratas, Shivara não tenha calculado em
nobres de Bielefeld não podiam pedir ajuda à Coroa,
ouro, mas em vidas.
pois haviam desobedecido o decreto real. O próprio
A proposta do Pequeno Conselho era declarar a Rei Khilliar Janz ficou de mãos atadas; se ajudasse
região contestada um território neutro. Uma zona seus vassalos, estaria descumprindo o tratado. Além
vazia, que serviria para afastar os reinos e diminuir de manchar sua honra, recomeçaria a guerra. Quando
as tensões. A contragosto, a Supremacia e Bielefeld as notícias chegaram a Deheon, houve debates acalo-
enviaram representantes. Do lado purista, a Dama rados no Pequeno Conselho. O Arquiduque General
Comandante Mievna Yudennach, pois nesta época suplicou que se enviasse reforços aos cavaleiros, mas
o General Supremo estava acamado e o Lorde General os demais membros dispensaram o caso. “Se estão
Vikras Klinsmann, preso em Deheon. Do lado dos lutando no território neutro, não são cavaleiros, e
cavaleiros, o Conde de Muncy, sir Bernard Branalon sim bandidos. O Pequeno Conselho de Deheon não
— escolhido pelo Alto Comandante da Ordem da Luz pode interferir em cada pequena rusga de estrada”,
por ser um cavaleiro experiente, que já havia sentido o teria dito a Duquesa de Blangis.
peso da morte e não deixaria sua raiva ficar no caminho
Mas não era uma pequena rusga. Ao longo dos
da paz. Dizem que o próprio Alenn Toren não ousou
meses, os conflitos escalonaram. De escaramuças,
ir: temia ser incapaz de encarar a representante da
tornaram-se batalhas campais. Porém, mantiveram-se
Supremacia sem sacar sua espada. Sob auspícios de
dentro dos limites do território contestado. Os cava-
clérigos de Marah, Bernard e Mievna assinaram um
leiros, almejando apenas recuperar suas terras, não
tratado no qual concordavam em retirar suas tropas e
invadiam a Supremacia. Os puristas, não desejando
jamais marchar naquela região novamente.
uma nova guerra em larga escala (pelo menos por
Quando os documentos foram selados com os ora), não cruzavam a fronteira de Bielefeld. Mas,
brasões pessoais dos dois representantes, os devotos como cães famintos lutando por um osso, nenhum
da Deusa da Paz sorriram. Talvez a dor, a tristeza dos lados abdicava da região.
e as mortes tivessem mesmo terminado. Talvez a Houve críticas aos cavaleiros que partiram para
guerra pudesse mudar. lutar, mas também houve aqueles que argumentaram
Não mudou. que a luta era inevitável — que o Conde de Muncy
pode ter assinado o tratado com o coração honesto,
...Logo quebrado mas Mievna queria apenas ganhar tempo para que
os clérigos do Templo da Pureza Divina curassem o
O plano do Pequeno Conselho funcionou... por General Supremo.
alguns meses. Devido à estrutura feudal de Bielefeld,
muitos nobres ignoraram o decreto real e decidiram No aniversário de um ano da assinatura do tratado,
por si mesmos o que fazer. Assim que reuniram tropas as palavras doces dos diplomatas jaziam esquecidas,
suficientes, cavalgaram rumo ao território neutro. substituídas pelos berros dos comandantes. Os gritos
Muitos fizeram isso por honra; deviam retomar as de batalha, o clangor de espadas e os urros de dor
terras que pertenciam a suas famílias por gerações. haviam tomado a terra. Espalhado-se. Conflagrado-se.
Outros, por dever; alguns camponeses haviam ficado O território contestado já não era mais uma zona vazia.
para trás e precisavam de proteção. Por fim, houve Era a Conflagração do Aço.

Além do Reinado
187
Conflito sem fim Nas profundezas do prédio principal há calabouços
com prisioneiros de guerra e laboratórios com magos
A Conflagração é uma das regiões mais violentas do cruéis, mesmo para os padrões puristas. Esses arcanistas
mundo conhecido. Oficialmente um território neutro, na usam os captivos como cobaias em experimentos bélicos,
prática é disputado dia a dia, quilômetro a quilômetro, que variam de maldições para matar centenas de inimigos
por cavaleiros de Bielefeld e soldados da Supremacia. de uma vez só a enxertos de monstros para fortalecer os
Outrora, a região era formada por campos soldados dos batalhões. Em comum, os estudos possuem
floridos e feudos prósperos. Hoje, os campos são apenas o fato de serem completamente imorais.
lamaçais cobertos de armas quebradas, cadáveres em A Fortaleza Grazomir foi erguida na Conflagração
decomposição e trincheiras que marcam a terra como do Aço pelo interminável fluxo de prisioneiros que esse
cicatrizes, enquanto os feudos são ruínas calcinadas, lugar fornece. Seu nome vem do comandante do lugar,
às vezes vazias, às vezes usadas como acampamentos Coronel Zubov Grazomir. Um dos homens de confiança
temporários por um lado ou outro. do General Supremo, o Coronel é obcecado pela vitória
Com tudo isso, seria de se pensar que ninguém purista e não mede esforços para alcançá-la. Quando
habitaria esse lugar, mas isso não é verdade. Embora foi informado da aliança com o Império Trollkyrka, se
a maioria das pessoas tenha fugido durante a Guerra ofereceu para um experimento finntroll no qual recebeu
Artoniana, algumas ficaram, seja por teimosia, im- injeções alquímicas e fungos do subterrâneo. Sua pele
possibilidade de viajar ou medo de perder o pouco ficou cinzenta, seus músculos se tornaram fortes como
que tinham. Esses camponeses vivem em vilarejos os de um gigante e seu corpo adquiriu uma capacidade
escondidos atrás de paliçadas e recebem forasteiros de regeneração que o tornou praticamente imortal. O
com flechas em vez de hospitalidade. processo, porém, foi extremamente doloroso, e tentativas
de replicá-lo deixaram todas as outras cobaias insanas.
Além de habitantes, também há riquezas aqui.
Mas os magos puristas não desistem. Sob as ordens im-
Tendo sido palco de diversas batalhas durante a Guerra
placáveis de Grazomir, continuam capturando inocentes,
Artoniana, até hoje a região possui planícies repletas
em busca de criar mais uma arma para o interminável
de armas e outros equipamentos — incluindo itens
arsenal de atrocidades puristas.
mágicos de heróis caídos. E, claro, não se pode ignorar a
importância estratégica do lugar. Para Bielefeld, manter
o controle da Conflagração significa ter um caminho Castelo do Pendor
até seus aliados no Reinado. Já para a Supremacia, Assim chamado por estar no topo de uma colina
significa ter uma saída para o mar. suave, este forte de pedra cinzenta era o centro de um
Por tudo isso, não é de se espantar que o fluxo feudo típico do sul de Bielefeld. Formado por terras
de combatentes para a Conflagração nunca diminua. aradas, pastos e uma aldeia cuja maior construção
E, quanto mais combatentes chegam, mais conflitos era um moinho de vento, era um lugar singelo, mas
acontecem. Isso, por sua vez, faz com que outro tipo próspero, governado por um casal de nobres justos
de pessoa tenha interesse pelo lugar: aquele que luta — sir Agriass Emour, paladino de renome, e Lady
pela luta em si, que não combate por dever ou mesmo Alessa, maga formada na Academia Arcana.
por tesouros, mas para se aprimorar ou provar seu Quando a Guerra Artoniana teve início, o casal
valor. Para a maior parte das pessoas, essa região de cumpriu seus deveres. Enquanto Lady Alessa ficou
batalhas sem fim é um inferno na terra. Mas para quem para defender as terras e o povo do feudo, sir Agriass
busca o combate, a Conflagração do Aço é o paraíso. montou em seu velho cavalo de guerra e marchou
para defender as fronteiras de Bielefeld, levando

Locais Importantes seus três filhos — Leyanna, Theodal e Tyria


—, duas dezenas de guardas e uma centena
de camponeses recrutados. O nobre era
Fortaleza Grazomir um veterano de campeonatos e aventu-
Por fora, este lugar parece um típico quartel da ras e conseguiu vitórias na guerra. Seus
Supremacia, formado por um prédio baixo e largo, de filhos, vendo o heroísmo do pai, decidiram
paredes espessas e escuras, ao redor do qual espalham- avançar rumo às linhas inimigas. Porém,
-se campos de treinamento, dormitórios e oficinas, eram inexperientes e caíram em uma emboscada de
tudo cercado por muros com torres de vigilância. Por sargentos puristas. Os três foram mortos. Devastado,
dentro, porém, a Fortaleza Grazomir esconde horrores sir Agriass voltou para casa. Quando Alessa viu os
que a destacam de outros complexos militares da forma cadáveres dos filhos, culpou a política do Reinado pelo
mais sórdida possível. desastre e decidiu que suas terras não mais fariam

Capítulo Dois
188
parte da política dos reinos. Com o coração cheio de
ódio, conjurou um feitiço muito mais poderoso do que
As Liças
poderia: uma muralha de espadas com vinte metros Nas profundezas da Conflagração do Aço, existe
de altura e que circundava todo o feudo. uma clareira onde combatentes de todos os tipos
se enfrentam em combate corporal dia e noite. Há
A muralha foi conjurada anos atrás, mas continua cavaleiros de Bielefeld e soldados puristas, mas também
cercando as terras do Castelo do Pendor até hoje. Talvez guerreiros com estilos exóticos ou de regiões longín-
seja mantida pela dor da mãe, talvez pelas almas dos quas. Os combatentes chegam, desafiam alguém que
filhos mortos. Seja como for, intocado pela guerra julguem ser digno de suas capacidades e, se o desafio
e sem receber visitantes de fora, o feudo tornou-se for aceito, começam a lutar. Ninguém é obrigado a
um mundo à parte. Não há luxos, mas, com terras aceitar um desafio, embora alguém que fique muito
férteis, há comida de sobra. O povo vive uma existência tempo sem aceitar nenhum duelo acaba sendo expulso
tediosa, mas segura. Os dois nobres ainda não pelos outros — ninguém quer covardes ou bisbi-
superaram a dor do luto e vivem em amargura. lhoteiros aqui. As regras do duelo são decididas
Sentem falta de suas crianças e não têm vontade al- na hora, pelos próprios duelistas: com qualquer
guma de interferir com o mundo exterior. Não tipo de arma ou apenas corpo a corpo; sem
percebem que os mantimentos que guardam ou com magia; até o primeiro sangue, até a
em seu castelo poderiam encher as barrigas rendição ou até a morte. A única
de muitos famintos na Conflagração do regra imutável das Liças é
Aço… assim como os inúmeros órfãos da que, aqui, ninguém luta
guerra poderiam encher o vazio de seus por um reino, por um
próprios corações. deus ou por qualquer outro
motivo que não a luta em si.

Além do Reinado
189
Mapa

A origem das Liças é controversa. Alguns dizem que


foram criadas por desertores puristas, que adoravam a
Campo de
vida militar, mas não queriam combater pelos dogmas Experimentos
da Supremacia; outros, por cavaleiros de Bielefeld, can- Conjuradores poderosos podem usar sua magia para
sados de defender nobres que não saíam de seus cas- quebrar as leis da realidade, mas ainda devem obedecer
telos. A verdade é que não houve um único fundador. às leis dos homens. Assim, quando um arcanista quer
Os primeiros combatentes das Liças eram soldados e fazer experimentos ilegais, precisa se esconder — por
mercenários que, após experimentarem o júbilo da ba- esse motivo tantos habitam torres, cavernas e outros
talha, simplesmente não conseguiram mais parar. Em tipos de masmorras. Porém, existe uma alternativa. Em
busca de uma contenda sem fim, formaram as Liças. vez de se esconder da lei, o conjurador pode ir para um
Além da vontade de combater, há outros motivos lugar onde ela simplesmente não exista.
para vir até as Liças: testar suas habilidades, aprender O Campo de Experimentos é um lugar onde
novas técnicas, encontrar possíveis parceiros de gru- conjuradores sem escrúpulos estudam e praticam
po… Tipos malandros ou empreendedores organizam todo tipo de magia proibida, como criação de monstros,
torneios ou apostas, embora a maior parte das lutas dominação mental e invocação de demônios. Os arca-
ocorra sem nenhuma organização. Além disso, o lugar nistas não possuem nenhuma aliança ou organização
está começando a formar uma pequena comunidade, formal, mas seguem dois mandamentos: jamais se
com ferreiros, curandeiros e outros prestadores de envolver nos experimentos dos outros e se unir em
serviço que almejam lucrar com os combatentes. Não
defesa do local caso ele seja atacado.
há, porém, nenhum indício de que isso vá evoluir para
uma cidade. Isso porque, de tempos em tempos, os Situa-se em um antigo feudo, abandonado durante
próprios trabalhadores acabam se juntando a uma a guerra e hoje reduzido a uma planície cinzenta coberta
batalha, seja por serem desafiados e não quererem ser por círculos de invocação, pedras de sacrifício, pilares
expulsos, seja por serem, eles próprios, intoxicados cobertos de runas e outros sinais de experimentos
pelo desejo de lutar. mágicos. No centro, um castelo em ruínas, suas torres
queimadas e derretidas pelas explosões de energia
Alguns dos lutadores de mais destaque nas Liças
que frequentemente tomam o lugar. Por tudo, vagam
atualmente são Dante Socclery, um elfo espadachim
monstros, mortos-vivos e construtos criados aqui.
que porta uma espada maldita de Sszzaas; Giovanni
Atraídas pela concentração de energia mística do lugar,
Nardi, um paladino que usa as competições para
provar a inferioridade dos puristas, e Ziegfried Zezas tais criaturas raramente se afastam daqui.
Loyd, um misterioso clérigo de Tenebra que parece A existência do Campo se espalhou como um
ter motivos ocultos para lutar aqui. rumor nos submundos arcanistas, atraindo todos

Capítulo Dois
190
aqueles que queriam praticar artes malignas sem de seus canhões e balestras. Às vezes, semanas se
serem incomodados. Hoje, dezenas de conjuradores passam sem nenhum avistamento da Fortaleza, mas,
habitam o lugar. Muitos são insanos. Quase todos são invariavelmente, uma nuvem de fumaça e um tremor
vilões. Embora os habitantes do Campo sejam pessoas na terra indicam que ela está de volta. A única cons-
asquerosas, o conhecimento que eles possuem pode tante é que a Fortaleza nunca deixa as fronteiras da
ser muito atrativo… Conflagração.
Ninguém sabe como ou porque isso ocorre.
A Fortaleza Móvel Talvez um senhor da guerra insano tenha invadido a
Outrora a maior arma da Supremacia Purista, esta base e descoberto como pilotá-la, e agora se divirta a
construção poderia ser uma maravilha de Arton, se usando para derrotar combatentes de ambos os lados.
não fosse uma máquina de morte e terror. Por fora, Talvez os espíritos dos mortos tenham assombrado
parece um gigantesco cubo de ferro, sustentado por a construção, a raiva deles a guiando contra todos
esteiras metálicas capazes de fazê-la se mover como que julgam responsáveis pelo seu sofrimento. Ou
um enorme vagão de guerra. talvez a própria Fortaleza tenha adquirido uma cons-
ciência sádica. Lideranças do Reinado gostariam que
Um grande portão levadiço no centro de uma das
aventureiros a destruíssem, mas isso é considerado
faces é o acesso principal à estrutura. Por dentro, é
uma missão suicida, que até hoje nenhum grupo
um labirinto de corredores e escadarias que levam a
aceitou. Von Krauser já tentou retomá-la, mas após
diversos alojamentos e arsenais, além de uma grande
perder um grupo de assalto de elite, formado por
sala de treinamento, uma cozinha com despensa,
cavaleiros do Leopardo Sangrento, desistiu desse
uma oficina, um laboratório, uma prisão, uma ala
objetivo por hora.
com os quartos de oficiais, a ponte de comando e, por
fim, a sala de máquinas, que contém uma mistura de Assim, a construção continua vagando pela região,
engenhocas goblinoides e itens mágicos desenvolvidos seu avanço tão caótico quanto imparável. Ao chegar,
pela Ordem Magibélica que energizam as esteiras. traz fuligem e tremores. Ao partir, deixa cadáveres e
ruínas. Os inocentes que habitam essa terra já desisti-
As paredes da construção são blindadas com placas
ram de rezar para que ela seja destruída. Em vez disso,
de adamante tratadas alquimicamente para bloquear
apenas esperam que seu combustível termine antes
feitiços. Além disso, ela possui quatro torres, uma
que ela encontre e destrua suas vilas. Mas, hoje, o que
em cada vértice, equipadas com canhões e balestras
impulsiona a Fortaleza Móvel é morte e sofrimento — e
mágicas capazes de disparar relâmpagos, rajadas de gelo
isso nunca está em falta na Conflagração do Aço.
e labaredas infernais. Há pequenas janelas externas,
mas todas são gradeadas.
Por isso tudo, a Fortaleza Móvel foi escolhida por Campina Dourada
Von Krauser para servir como seu centro de comando Esta pequena aldeia é formada por algumas dúzias
na batalha final da Guerra Artoniana. Porém, mesmo de casinhas de madeira, cercadas por pomares e pastos.
todas as defesas da base não impediram os Campeões de Há uma estalagem, uma forja, um salão comunal e uma
Svalas de invadi-la e atacar o General Supremo. Quando pequena igreja. É uma comunidade bastante típica e,
ele foi derrotado, os batalhões puristas bateram em se estivesse em qualquer outro lugar de Arton, sequer
retirada. A Fortaleza Móvel estava danificada e, durante apareceria nos mapas. Porém, está na Conflagração do
a fuga, foi abandonada na região que viria a se tornar a Aço — e aqui, um lugar vivo e habitado não é nada típico.
Conflagração do Aço. Os oficiais puristas planejavam Por algum motivo, Campina Dourada nunca foi
voltar para recuperá-la após se reorganizarem, mas, atacada e é ignorada por todos os soldados e merce-
quando enviaram batedores para o local, a base não nários em marcha. Talvez o clérigo local, um lefou
estava mais lá. Por um tempo, acharam que as tropas do devoto de Marah chamado Monroe, tenha conjurado
Reinado haviam conseguido ocupar a Fortaleza Móvel um milagre que evite que exércitos se aproximem.
e levá-la de volta a Deheon. Mas, quando avistamentos Talvez Soraya, uma qareen das trevas arcanista que
de uma construção gigantesca começaram a circular, está morando na vila, tenha usado seus poderes para
entenderam que este não era o caso. protegê-la com uma miragem mágica. Ou talvez a
Hoje, a Fortaleza Móvel vaga pela Conflagração do verdade seja algo mais sombrio… Seja como for, é
Aço. Seu trajeto não parece seguir nenhuma lógica — às questão de tempo para um oficial purista decidir
vezes, avança contra cavaleiros de Bielefeld, esmagando investigar o mistério de Campina Dourada. E, quando
tudo em seu caminho, apenas para no próximo dia dar descobrir, a pequena aldeia poderá se tornar mais
meia volta e trucidar batalhões puristas com disparos uma entre tantas ruínas da Conflagração.

Além do Reinado
191
Capítulo Dois
192
Aslothia O REINO DOS MORTOS

S
eparado de Bielefeld por meio de men- do reino se fez necessária, nutria expectativas reais de
tiras, guerras e da obsessão da família se tornar o regente. Afinal, entendia sua própria impor-
Asloth pelo poder, o antigo reino de tância no sucesso da jornada e queria ver seus esforços
Portsmouth tornou-se notório pela reconhecidos. Mas não foi o que aconteceu. Em 1021,
perseguição sanguinária à magia arcana e aos Thomas Lendilkar, seu companheiro na jornada, já
na época tido como herói de imensa fama e ambição,
cavaleiros da Ordem da Luz. Apoiado por com-
declarou-se rei sem enfrentar qualquer tipo de obstáculo.
panhias mercenárias sem escrúpulos, Conde
Ferren Asloth solidificou sua posição de poder. Confrontar Thomas diretamente àquela altura seria
Mas suas ambições eram ainda maiores. pouco inteligente, então Jakkar decidiu manifestar sua
insatisfação de outro modo: marchou com sua família
Após anos de pesquisas extremas nas profundezas
e apoiadores rumo ao leste do reino, onde se autopro-
da necromancia e conhecimento extraído à força de
clamou conde. Seu ato coincidiu com a debandada de
magos capturados, Ferren conseguiu acesso a um
nobres que não concordavam com as ações sanguinárias
artefato arcano ancestral de origem desconhecida, um
de Thomas durante a tomada das terras e o que havia
tomo esquecido e amaldiçoado. Com ele, o monarca foi
sido planejado como uma ação significativa de revolta
capaz de executar um ritual tão poderoso quanto fatal.
se perdeu entre movimentos semelhantes. Para seus
A cerimônia necromântica profanou o governante, o
pares, entretanto, Jakkar bradava que o regente de
povo e a terra em sua essência mais profunda.
Bielefeld havia reconhecido seus novos domínios, o
Morreu Portsmouth, sufocada sob forças incom- Condado de Portsmouth, com medo do poderio dos
preensíveis. De suas cinzas, ergueu-se Aslothia, com Asloth e das possíveis represálias a um ataque. “Sua
suas estruturas carcomidas, sua natureza pútrida e sanguinolência foi contida não pelo bom senso, mas
seus habitantes oprimidos, tornados mortos-vivos ou pela covardia”, teria dito à época sobre seu ex-parceiro.
mergulhados em devassidão.
Ali os Asloth ergueram o luxuoso Castelo Erynia,
Ergueu-se a terra do Abutre de Milothiann. bastião da família nos tempos que viriam, criando
Ergueu-se o lar do Arquilich Ferren Asloth. raízes cada vez mais profundas. Em volta do castelo
viria a crescer a tortuosa Milothiann, uma extensão
História ainda maior de seu poder. Tudo isso fez a influência de
Jakkar aumentar, garantindo um lugar entre as famílias
A história de Aslothia está e sempre estará in- mais poderosas de Bielefeld e estabelecendo-o como
timamente ligada ao passado de seu reino vizinho e figura destacada na oposição. Mas era pouco.
principal rival: Bielefeld. Quando Thomas Lendilkar decidiu voltar suas forças
Jakkar Asloth fez parte do grupo que desbravou a contra o arquipélago de Khubar, os Asloth foram os
área que se tornaria Bielefeld e, quando a oficialização primeiros a se isentarem de qualquer posição contra ou

Além do Reinado
193
a favor. Se de algum modo haviam previsto o fracasso da os Janz desejavam, mais cedo ou mais tarde, tomar a
marinha do reino sob as garras de Benthos, o Dragão- área de Portsmouth junto com os castelos de todos
-Rei dos Mares, a morte de Thomas, ou até se teriam os nobres. Por fim, um ataque orquestrado contra os
eles próprios avisado os regentes do arquipélago sobre o povos dos Ermos Púrpuras, feito por mercenários de
ataque, ninguém é capaz de afirmar com certeza. O certo Portsmouth que trajavam armaduras e estandartes de
é que, quando o vácuo de poder surgiu e um novo rei famílias proeminentes de Bielefeld, serviu para dar o
de Bielefeld precisou ser escolhido, Jakkar foi o primeiro mais duro golpe na reputação do reino dos Janz.
a dar um passo à frente. E mais uma vez foi preterido.
Quando houve o inevitável revide, culpou-se o
Na falta de um herdeiro legítimo de Lendilkar, antigo expansionismo de Bielefeld pelo incidente.
uma assembleia de nobres foi reunida e Raissa Janz, A enorme repercussão fez necessária a intervenção
figura fundamental nos tratados de paz com Khubar, de Deheon, decretando a independência dos Ermos.
foi escolhida. Mais que isso, uma lei de sucessão Ainda que Brondar Asloth tenha falecido antes de ver
hereditária foi estabelecida, acabando com qualquer Portsmouth completamente livre, seus feitos seriam
possibilidade legítima de os Asloth assumirem o trono. fundamentais para que o condado se preparasse para
Ninguém tinha ideia naquele momento, mas o seu maior e derradeiro passo.
acontecimento selou não só o destino de Bielefeld, mas
os rumos que Portsmouth tomaria dali para a frente. Independência enfim
Se pouco é dito sobre Thalir Asloth, sucessor e
O espelho distorcido filho de Brondar, é porque, de fato, não há muito a
Ao analisar a história de Portsmouth em 1300, ser falado. Numa linhagem de nobres extraordinários,
parece claro mesmo para o mais simplório estudante o Thalir é visto como pouco ambicioso ou capaz. Nos
momento em que a posição da família Asloth passou do livros de história, consta que seu mérito maior foi ter
desejo de governar Bielefeld para o objetivo obsessivo conseguido manter intocados os feitos de seu pai —
de minar qualquer força ou reputação que o reino dos algo pouco complicado dado que tudo o que Bielefeld
Janz tivesse construído, não importando os meios. O buscava naquele período era estabilidade. Thalir, no
responsável por isso foi o Conde Brondar Asloth. fim, tem como reconhecimento apenas o ato de ter
ajudado a conceber Ferren Asloth.
Apaixonado por intrigas e estratégias e muito
menos propenso do que seus antecessores ao ataque É fato que a calmaria mantida por seu pai auxiliou
armado direto, Brondar transformou Portsmouth, muito o desenvolvimento de Ferren, tão recluso em
de forma muito nítida, em um espelho distorcido de seus estudos e práticas que, como costumam dizer em
Bielefeld. Se no reino os valores da cavalaria mescla- tom de troça os imprudentes, quando surgiu para o
ram-se profundamente aos valores da própria coroa, mundo depois da morte de Thalir, já era velho.
no condado a regra se tornou a ampla contratação de Ao assumir o título de conde já tinha para si o obje-
companhias mercenárias. Vindos de todo lado, esses tivo de ir ainda além dos feitos do avô. Queria, de uma
grupos mantinham-se fiéis ao poder dos tibares que vez por todas, declarar a independência de Portsmouth.
os Asloth eram capazes de despejar, ou às posições O plano era longo, mas ele não tinha pressa. Começou
nas cortes locais que a família era capaz de prometer. oferecendo terras de seu futuro reino para membros
A lógica que se espalhou à época era que esta era da baixa nobreza, inimigos dos Janz. Também dobrou
a única maneira de garantir que suas terras seriam o incentivo às companhias mercenárias, fortificando
defendidas sem a parcialidade que julgavam inerente suas defesas e traçando novas alianças. Depois impôs
aos cavaleiros, eternamente atrelados aos Janz. Usando leis próprias, muitas contrárias às posições tomadas
bardos e espiões, Portsmouth fez questão de lembrar a por Bielefeld, sendo a proibição da magia a mais po-
todos, o tempo todo, do passado sanguinário de Bielefeld lêmica. Brigou por impostos menores, argumentando
no governo de Thomas Lendilkar. Até hoje se canta na celebremente em um discurso inflamado que “um povo
região os versos de Sir Forthum, em que o personagem-tí- que não precisa de cavaleiros não deve pagar pelas
tulo, um cavaleiro, brada seus feitos bondosos enquanto marteladas que reparam suas armaduras”. Entre seus
cospe na comida de uma taverna, bate no próprio cavalo detratores espalhou-se o apelido de “Velho Abutre”.
e assassina uma vila inteira de plebeus. Quando confrontado, o conde dizia que seu objetivo
Espalhou-se, estrategicamente, que Portsmouth era proteger seu povo. Acolher os mais fracos. Evitar
era uma terra de liberdade, longe dos códigos de cava- que sua família fosse vítima de atentados pérfidos.
laria que supostamente propagandeavam uma virtude O pensamento de Ferren trouxe de volta as laba-
que só existia em nome. Brondar também clamava que redas do ódio incitado por seu avô quase um século

Capítulo Dois
194
antes e, em 1389, uma série de ataques perpetuados
por plebeus e nobres de baixo escalão a cavaleiros nos
arredores da cidade de Cambur deu início ao que seria
conhecida como a Revolta a Pé. A resposta ao ataque
e o posterior envolvimento de companhias mercenárias
iniciaram algo que se avizinhava há muito tempo: uma
guerra civil cruelmente planejada.
Das menores diferenças às disputas mais ferrenhas,
de rivalidades ancestrais a desentendimentos recentes,
tudo foi resolvido na lâmina e no sangue. Foi uma época
de tragédias, de famílias e vilas inteiras dizimadas e de
rixas irreconciliáveis. Para Ferren Asloth, entretanto,
era o preço a se pagar por um condado livre. Ou pela
vingança definitiva contra os Janz.
Com a intervenção de última hora de Deheon
e dezenas de reuniões diplomáticas, a combalida
Bielefeld reconheceu a independência de Portsmouth.

Sob as asas do abutre Aslothia


Ferren Asloth tinha o que gerações inteiras de
Nome Oficial: Cadávero Reino de
sua família não haviam conseguido: um reino. Seus
Aslothia.
discursos durante a guerra civil e antes dela afirmavam
com veemência que tudo tinha em vista apenas o bem Lema: “Perecer e Perseverar”.
de sua terra e a soberania de seu povo. A verdade, Brasão: de negro um crescente encimado
entretanto, é que Portsmouth não pertencia a ninguém por uma estrela de oito pontas contidos em
a não ser seu regente. uma orla e, ao redor, oito estrelas de oito
A perseguição a arcanistas dentro de Portsmouth, pontas em orla tudo de ouro.
antes vista perigosamente como uma mera excentrici- Gentílico: aslothianos/filhos de Asloth.
dade, ganhou contornos mórbidos. Os suspeitos eram
Capital: Milothiann.
perseguidos e — na melhor das hipóteses — enclau-
surados em prisões desconhecidas. Não raro a própria Forma de governo: tirania monárquica.
população se encarregava de executar a lei, inflamada Regente: Arquilich Ferren Asloth.
por crendices e histórias falsas espalhadas por bardos
População: 1.500.000.
e agentes contratados pela coroa, uma tática típica dos
Asloth. Certa vez Wynlla, reino conhecido por seus Raças Principais: humanos, osteon.
magos aristocratas, ousou encaminhar um protesto Divindades Principais: Tenebra,
diplomático a respeito… e recebeu como resposta um Megalokk.
convite para que mandasse um representante para
discutir o assunto a portas fechadas no Castelo Erynia.
As tratativas não prosseguiram além disso. Até a cidade
de Vectora foi proibida de passar pelo reino. decretos. Os poucos lampejos de revolta eram sufocados
O comércio com Sambúrdia e o sufocamento em pouco tempo, pois as próprias vitórias do reino
comercial dos hynne de Hongari, com taxas abusivas serviam de lembrança do que acontecia com os inimigos
sobre o transporte de fumo para o resto do Reinado, de Portsmouth. Ferren Asloth, que ironicamente havia
funcionavam como principal fonte de renda. O ódio escolhido carregar ainda o título de conde, tinha tudo
contra os cavaleiros e Bielefeld foi passado de pai a seu dispor. Tudo em suas mãos. Menos a eternidade.
para filho, e permaneceu fresco na mente de todos Por trás da perseguição a magos, estava um ob-
graças às histórias da guerra civil, marcando toda a jetivo secreto e nefasto. Velho, de corpo frágil e sem
cultura de Portsmouth. herdeiros, o regente temia que a morte lhe tomasse o
As companhias mercenárias, mais solidificadas que sua família havia levado gerações para conseguir.
do que nunca, garantiam a ordem nas cidades e nas Avesso aos métodos divinos, passou a procurar nas ar-
estradas, fazendo obedecer mesmo o mais tirânico dos tes arcanas um meio de prorrogar a própria existência.

Além do Reinado
195
“Não temais, meus queridos filhos. O que estou os limites da vida e da morte, achando uma brecha
prestes a lhes presentear será entendido pela mente entre o caminho que leva aos reinos dos deuses e
de poucos, mas sentido pelo coração de todos que o desconhecido, tomando para si o controle de sua
têm em si a semente de nosso reino. não-morte. Ou, ao menos, é o que dizem.
Amanhã será o primeiro dia em que nos ergue- Tudo que aconteceu está mergulhado em uma
remos impávidos perante os frágeis mortais de camada densa de segredos e, entre a nobreza que
Bielefeld e do Reinado. Nada nos destruirá, seja acompanha de perto o regente, é lei jamais falar sobre
mortal ou deus. o ritual, mesmo em conversas de corredor. O que se
Ergue-se o poderoso e infinito Reino Cadávero, sabe pelo Reinado é apenas o que Ferren permite que
do seio de seu senhor absoluto da morte em vida. bardos e bocas frouxas cantem.
Ergue-se Aslothia! Naquela noite, quando o povo de Portsmouth
Pereça e persevere!” começou a se juntar, não havia lua nem estrelas. As
ruas estreitas e serpenteantes de Milothiann, entre-
— Trecho do discurso do Conde Ferren tanto, estavam mais movimentadas que o normal.
Asloth na Noite da Ascensão Profana As hospedarias fervilhavam, pois o boato de que o
regente surgiria na sacada do Castelo de Erynia para
se dirigir à nação tinha se espalhado como febre. Seria
Extraía o conhecimento de seus prisioneiros através a primeira vez desde o fim da Guerra Artoniana, um
de tortura e chantagem, ameaçando assassinar seus ano antes. Ao Reinado, tal fato trazia apreensão. Aos
familiares. Passava noites em claro decifrando grimórios cidadãos da capital, trazia expectativa.
apreendidos. Utilizava-se de elixires, poções e itens As praças ficaram abarrotadas. Os salões de fes-
mágicos. Se para quem observava Ferren parecia já ter ta, repletos. E aqueles propensos a embelezar suas
ido além do que a vida natural lhe permitiria, era porque histórias contam que até em outras cidades, como
tratava-se da verdade. Mas nada era permanente. Era Ith e Cambur, ou mesmo no campo, houve quem
possível diminuir a marcha do tempo, não estancá-la. soubesse de algum modo que aquele era um momento
Um dia, porém, uma prisioneira de olhar insano de importância, pois Ferren Asloth falaria.
chamada Fizzar Rumariv, gritando impropérios e E, de fato, ele falou.
se debatendo nas paredes da própria cela, exigiu a
Seu discurso repercutiu entre nobres e plebeus.
presença do conde antes de ser torturada. Intrigado, ele
Sua frase inicial — “Não temais, queridos filhos”
desceu pelas escadarias até as masmorras do Castelo
— viria a se tornar um mantra de significado dú-
Erynia e, entre gargalhadas sem propósito, a maga
bio. Acalentador para seus apoiadores, cruel para
sussurrou no ouvido do conde.
seus detratores. As festividades e bailes da capital
“Há um livro, um repositório de conhecimento invadiram a madrugada sem cerimônia e só quando
perdido chamado Tomo da Travessia”, contou Fizzar. estavam todos exaustos e o princípio do dia seguinte
“Nele há o que você procura. Nele você descobrirá surgiu no horizonte, pálido e difuso, é que os efeitos
que vida e morte andam de mãos dadas e seus dedos do ritual começaram a tomar forma.
jamais hão de se desentrelaçar”.
Aos poucos, um processo desordenado de putrefa-
Fizzar foi enclausurada novamente e em meras ção e decadência se espalhou. Em alguns lugares, um
semanas seu corpo sem vida foi jogado numa vala líquido viscoso de um roxo profundo escorreu pelas
oculta com os restos de outros magos. Seu nome se paredes, portas, janelas e solo, degradando objetos,
perderia na história de Portsmouth e ninguém mais se natureza e gente, retorcendo plantas e árvores, apo-
lembraria do que ela havia dito naquela noite. drecendo frutos. Em outros, a morte se fez presente,
Apenas o conde. disseminada pela comida, pelo ar, por um abraço,
levando o que era vivo à quase decomposição… Para
apenas trazer tudo de volta num arremedo obediente
A Noite da apenas a Ferren Asloth e seus comandados.
Ascensão Profana Animais foram transformados, assim como as
Foram anos empregando tudo que tinha à disposi- pessoas. Vampiros e outros mortos-vivos poderosos
ção, até que Ferren finalmente tomasse posse do Tomo. tomaram lugar especial na nobreza, alimentando-se
Em suas páginas, estudadas à exaustão, encontrou sob o olhar permissivo da coroa. A maldade no coração
rituais complexos que, executados em sequência, de muitos fez-se liberta sem amarras. Em um lugar,
lhe permitiriam profanar o próprio corpo e desafiar mestres feudais corruptos exploraram seus súditos até

Capítulo Dois
196
que não lhes sobrasse nada além de ossos, fazendo-os O Tomo da Travessia
levantar e trabalhar mesmo quando a morte lhes
teria trazido liberdade. Em outro, plebeus tomavam De capa ordinária, gasta, arroxeada e sem
castelos, transformando seus senhores em banquete, nenhum adorno, seria difícil prestar muita
pintando seus salões com sangue e carne. Como se atenção ao Tomo da Travessia em alguma
obedecesse a um dos anseios mais antigos de seu biblioteca repleta de outros itens aparen-
mestre, as fronteiras do reino avançaram implacáveis temente mais fantásticos, mas com certeza
sobre Hongari, até então lar dos hynne, numa onda menos poderosos. Talvez por isso tenha
de sombras e destruição, ampliando seu território de permanecido perdido por tanto tempo.
terror. E o próprio Ferren Asloth se tornou um tipo É possível que, em algum ponto, o livro
único de morto-vivo, uma criatura cujo poder ninguém tenha feito parte do acervo da Academia
conhece ao certo. Agora era um Arquilich. Arcana, tenha sido colocado à venda em
Vectora ou passado pelas mãos de grupos de
A Fuga dos Covardes aventureiros incautos. Suas páginas parecem
feitas de sombra pura e o texto só surge se o
A versão oficial dita que tudo que aconteceu na
Noite da Ascensão Profana ocorreu conforme os pla- leitor disser as palavras corretas em voz alta.
nos meticulosos de Ferren Asloth, mas relatos de quem Perseguido por Ferren Asloth durante
esteve lá afirmam que nem tudo foi assim. Segundo eles, décadas, o Tomo foi a última peça do
boatos de que Ferren realizaria seu ritual se espalharam quebra-cabeça que realizou seu maior desejo:
rapidamente pela alta cúpula de Milothiann, escorrendo a imortalidade. Seus rituais intrincados e
em seguida para os escalões inferiores. profanos dificilmente poderiam ter sido
colocados em prática por alguém menos
Parte dos que detinham a informação, incluindo
obcecado ou com menos recursos que Asloth.
algumas companhias mercenárias de alto destaque
como a Companhia Quimera, decidiram fugir rumo a Sua origem está envolta em mistérios e tem
Sambúrdia e outros reinos, temendo as consequências sido fruto de pesquisa incessante: versões
do ritual desconhecido. Tal movimento não passou dizem que se trata, na verdade, do diário
despercebido, e os que ousaram desafiar o poder do escrito por uma maga qareen chamada
Arquilich foram implacavelmente perseguidos. Os Yavilla, aprisionada por séculos no Reino de
capturados foram transformados em mortos-vivos e Tenebra por puro ciúme de Wynna. Outras
realocados para os fortes que defendem o reino. afirmam que a obra precede a chegada da
caravana de Lamnor e foi escrita pela bruxa
É dito que o Arquilich conta com agentes especiais
louca Hangpharstyth.
espalhados pelo Reinado e que detratores de seu
regime que fugiram de Aslothia são caçados e mortos O que parece seguro é que o Tomo é hoje
sem deixar pistas. Aqueles de maior importância têm o bem mais precioso de Ferren Asloth
abertura para pedir asilo oficialmente a outros reinos. e, dizem, pode guardar não só o segredo
de sua transformação… mas também os
caminhos para sua derrota.
Geografia
Após o ritual, o clima de Aslothia é uma versão
intensa do que se via antigamente: o inverno rigoroso traiçoeiros. As áreas mais ermas e estradas desertas
tornou-se ainda mais implacável e, embora Azgher seja sofrem ameaças de criaturas mortas-vivas.
pouco visto nos céus, o calor é abafado e desconfortável Aslothia faz fronteira com as Repúblicas Livres de
nas estações em que ocorre. Sambúrdia ao norte, o Mar do Dragão-Rei a leste e sul,
As florestas entrecortadas por colinas são impre- e os Ermos Púrpuras e Bielefeld a oeste. Seu terreno
visíveis. Algumas são repletas de árvores sombrias aumentou consideravelmente com a anexação de Hongari,
e retorcidas, de tronco acinzentado e aparência de um antigo desejo de Ferren Asloth. O que era um reino
morte, enquanto outras são labirintos verdejantes de alegria e fartura se tornou um terreno de podridão
onde espíritos e fantasmas habitam, na tentativa de e desolação, com hynne mortos-vivos espalhados por
enlouquecer aqueles que ousam adentrá-las. Seus rios todo lugar. A farta produção de fumo foi deslocada para
e lagos têm águas escuras e, não raro, habitadas por outra área do reino e ampliada. Se em outros lugares a
criaturas abomináveis. As planícies vastas e abertas vida ainda continuou funcional, aqui fica nítido que o
são tomadas por névoa baixa, brejos ou pântanos regente só quis exercer seu desejo de vingança.

Além do Reinado
197
No encontro com o Mar do Dragão-Rei é
costumeira a presença de navios fantasmas, pegos Povo & Costumes
desprevenidos pela força do ritual e eternamente A cultura dos habitantes de Aslothia é marca-
vinculados ao reino. Alguns capitães, entretanto, da por traços sombrios e sinistros, que refletem
principalmente no fim da vida, oferecem seus serviços a natureza do Reino dos Mortos-Vivos. É difícil
a Ferren Asloth de bom grado, em troca da imorta- encontrar quem use roupas de cores chamativas em
lidade. Navios fiéis a Aslothia são costumeiramente áreas longe da capital, sendo muito comum o uso do
combatidos pela Frota Áurea.
preto, cinza, marrom, ocre e principalmente roxo.
Se antes o reino tinha uma relação amistosa O ato de fumar cachimbos, cigarrilhas e, quando
com Sambúrdia, hoje o panorama parece nebuloso. há mais dinheiro, charutos, é um hábito cada vez
Os tratados antigos de comércio entre os reinos mais frequente — algo que os hynne de fora do
permanecem válidos de forma cautelosa, e há quem reino veem como uma afronta depois do que houve
defenda uma relação amistosa com o Arquilich por com Hongari.
pura sobrevivência. Entretanto, Angelya Braço Forte,
A morbidez é uma característica comum e a
uma aventureira que se dedicou a salvar quem pode
morte não só é tratada com naturalidade, como
da destruição de Hongari, lidera uma frente que não
celebrada em mais de um aspecto. Os aslothianos
tem medido esforços para defender um embargo
têm em sua cultura mais de uma centena de ritos
comercial contra Aslothia e um julgamento de Ferren
funerários elaborados — e o dobro disso para as
pela tragédia no reino dos hynne. Mas quem teria
ocasiões em que um morto volta à vida, qualquer
poder suficiente para puni-lo?
que seja a sua forma. No ritual mais comum, o morto
Na fronteira com os Ermos Púrpuras os fortes é enrolado em faixas arroxeadas e enterrado no
foram derrubados e aparentemente não há mais qual- solo de Aslothia. Considera-se que sua força vital
quer impedimento quanto à entrada dos bárbaros no retorna ao reino e assim, de volta ao regente. Se
reino. Claro, se forem incautos o suficiente para isso. o cadáver volta como morto-vivo é porque Ferren
Por fim, na fronteira com Bielefeld há a Floresta Asloth assim decidiu.
de Jeyfar, cujo aspecto arcano teoricamente dificulta Mortos-vivos são temidos, respeitados e até
pretensões expansionistas aslothianas — ainda que se adorados. Há mais de um caso de habitantes de uma
diga que há um avanço lento de árvores retorcidas e vila que voluntariamente se jogaram sobre uma horda
mortas na fronteira e a visão de espectros das guerras de mortos-vivos próxima, ansiosos por receberem
entre os dois reinos seja bastante comum. Membros eles mesmos a dádiva da não-vida. Caveiras, crânios,
das famílias de cavaleiros de Bielefeld que tombaram
túmulos e caixões fazem parte da decoração local
em alguma batalha por ali ocasionalmente se arriscam
como itens reverenciados. Na ausência de magia,
entre os caminhos labirínticos das árvores para deixa-
ainda perseguida pelo governo, ossos trabalhados
rem oferendas a Khalmyr, rogando para que as almas
com inscrições diversas são tipicamente usados
de seus entes queridos sejam levadas para Ordine,
como amuletos. Filósofos errantes dissertando sobre
mas o risco que o próprio fantasma do parente surja
a finitude da vida, atraindo seguidores esfarrapados,
do lado de Aslothia e tente arrastar quem quer que
têm surgido com cada vez mais frequência. Nenhum
seja para o reino do Arquilich é constante.
plebeu nega a existência do Panteão e sua influência
Aslothia mantém guarnições permanentes de no mundo, mas a morte é mais presente que qualquer
forças mercenárias, acompanhadas de esqueletos e um deles, e objeto constante de suas preces.
outros mortos-vivos, guardando o restante da fron-
Cultos a Tenebra são comuns entre nobres, que
teira. Ferren Asloth sabe que um dia poderá voltar
realizam as cerimônias com pompa quase exagerada.
a enfrentar uma ofensiva direta de seus inimigos
Em segredo, estes clérigos da Deusa das Trevas acre-
ancestrais e está sempre preparado para contra-atacar
se for necessário. ditam que Aslothia é um exemplo da força da deusa,
e não do Arquilich. Alguns mais ousados conspiram
que ela tenha aprendido com as ações da Tormenta, e
que o reino seja só o primeiro passo em seu plano de
dominar Arton. Para estes, a presença constante de
Raz Al-Baddin na corte confirma o fato.
A presença da Pata de Megalokk, um lugar sagrado,
é por si só o suficiente para garantir a presença de
devotos e clérigos do Deus dos Monstros.

Capítulo Dois
198
Refletindo o pensamento de seu regente, os pria Aslothia… e, por consequência, ao próprio Ar-
aslothianos são rígidos quanto a leis e normas. Quem quilich. Festas são realizadas quando alguém falece
as viola deve pagar. Isso faz eco com o maior dos e cada morador divide com os outros o pouco que
acordos, firmado com a própria Aslothia na Noite tem. Grupos estrangeiros são bem recebidos des-
da Ascensão Profana: a grande maioria dos cidadãos de que respeitem as tradições locais. O desrespeito
sabe que sua força vital alimenta o reino e sente-se pode transformar completamente o comportamen-
grato. A lei máxima, que proíbe a presença de magos to de anfitriões até então amistosos.
e a execução de magia no reino, também é obedecida
à risca. Qualquer um encontrado utilizando magia
arcana ou protegendo quem o faz é prontamente
Saudação aos
denunciado à autoridade mais próxima, às vezes Filhos de Asloth
atraindo até a presença de um dos três Sislach, Como forma de reconhecimento e cortesia,
dependendo da importância do ocorrido. quando se encontram, os aslothianos se saúdam
com a tradicional “Saudação aos Filhos de Asloth”,
Por motivos variados, não é muito fácil encontrar
feita pela primeira vez pelo próprio regente
uma opinião dissidente contra Ferren Asloth.
ao término de seu discurso na Noite da
O cidadão aslothiano padrão sabe que deixar
Ascensão Profana. A saudação é am-
o reino, repleto de mortos-vivos em suas
plamente utilizada pelas companhias
áreas mais ermas, é uma tarefa impossível.
mercenárias e não fazê-la diante de
O rebelde mais exaltado engole suas opiniões
um oficial é considerado um cri-
mais duras quando em público, a fim de
me grave. Estrangeiros também
proteger a própria vida.
são obrigados a seguir o cos-
Companhias merce- tume e muitos aslothianos
nárias são vistas como o o mantém mesmo quando
máximo de autoridade longe de sua pátria.
abaixo dos Sislach, da
O cumprimento con-
Corte e do próprio Fer-
siste em cruzar as mãos
ren. Truculentos e duros espalmadas na altura do
na aplicação das leis, os peito — numa posição se-
mercenários são, ainda melhante a como é deitado um
assim, vistos como um cadáver — e inclinar a cabeça
ideal — uma sombra dos levemente para a frente. Fazer
cavaleiros do reino vizinho — e se tor- o movimento sem inclinar
nar membro de uma companhia é uma a cabeça, fixando os olhos
das ambições comuns àqueles que con- nos da outra pessoa, pode
seguem romper a aura de conformis- ser um sinal de descon-
mo que cerca grandes partes do reino. fiança ou para chamar a
Peças satíricas de atores de rua ou de atenção sobre uma ameaça
marionetes, além da lembrança da pró- direta, principalmente a presença
pria Guerra Artoniana, ajudam a per- de magos.
petrar o ódio eterno contra Bielefeld e
sua Ordem da Luz.
Nas vilas habitadas nem sem-
Condessa Sirissa
pre o ar é de desolação. Alguns
Tarvela, parte da alta
lugares encontram o melhor nobreza de Aslothia
mesmo na pior das cir-
cunstâncias. Para eles,
as condições em que
vivem são apenas o
fardo que lhes foi
confiado até que a
morte se faça pre-
sente e suas almas
possam se unir à pró-

Além do Reinado
199
Governo Locais Importantes
Não há autoridade em Aslothia que sequer se aproxi-
me do poder de Ferren Asloth. Todos que agem no reino
Milothiann (capital)
o fazem como uma extensão de seu jugo. O Arquilich A capital de Aslothia não é apenas a cidade mais
raramente deixa o Castelo Erynia e, pelo que se diz, sequer antiga do reino e o grande centro de poder histórico dos
há necessidade de fazê-lo: os Sislach se fazem presentes Asloth contra Bielefeld e seus cavaleiros, como também
quando necessário, sem que ele precise interferir. De o ponto de origem do ritual feito por Ferren. E isso teve
fato, quando Roxidrim, uma anã paladina de Khalmyr, consequências nefastas. Se em outros pontos a Noite da
o bardo Amrod e o lefou clérigo Edoom, membros de Ascensão Profana trouxe metamorfoses bizarras e uma
um promissor grupo rebelde, resolveram organizar um profusão de mortos-vivos, em Milothiann o resultado
levante em um feudo próximo a Ith, Sislach Narsogg trouxe, bizarramente, vida. Distorcida, corrompida,
surgiu com sua comitiva de esqueletos e exterminou mas ainda assim vida.
todos, sem que qualquer delação tivesse acontecido. Uma grande parte dos corpos enterrados na
Se Ferren Asloth antes se ressentia do apelido “Velho cidade voltou de seus túmulos. Mas, ao contrário das
Abutre”, hoje adota a ave como seu símbolo não oficial. criaturas que vagam a esmo nas regiões inóspitas de
Empoleirados de cada lado de seu trono há dois abutres Aslothia, estavam todos lúcidos. Despertos. Inteligen-
mortos-vivos que ele trata como animais de estimação. tes. Desesperados para retomar a vida que lhes havia
Seus nomes são Zirath e Murath. Quando surgem em sido roubada pela guerra, por um amante vingativo,
algum lugar do reino, nunca é sinal de boas notícias. por um acidente de carroça. De mercenários dos
tempos de Jakkar Asloth a crianças vítimas de alguma
Ferren tem em Erynia uma corte muito próxima,
doença semanas antes. Para alguns familiares isso foi
composta pelos primeiros nobres a aceitarem sua
uma bênção. Para outros, um problema insolúvel,
nova ordem, muitos dos quais foram agraciados com
pois como explicar que a casa de uma senhora morta
dádivas profanas. Há também nobres oriundos de
há um século não era mais dela? Logo esses mortos
partes distantes do Reinado, que viram ali ambiente
que se erguiam dos túmulos foram apelidados de
propício para seus próprios estratagemas. O estrangeiro
retornados pela população viva.
mais ilustre é Raz Al-Baddin, que anteriormente
dividia a função de sumo-sacerdote de Azgher com O súbito aumento da população acentuou o cres-
seu irmão gêmeo e hoje é sumo-sacerdote de Tenebra. cimento desordenado de Milothiann, tornando-a ainda
Seu papel é servir como um representante cordial da mais caótica, com casas cada vez mais espremidas,
Deusa das Trevas no reino artoniano que mais carrega vielas cada vez mais estreitas e a aberração dos vivos
seus preceitos. Mas é impossível não pensar que sua sendo obrigados a conviver lado a lado com os mortos.
presença ali exista para garantir que Asloth não tenha Mais do que em qualquer outro local, a presença
pretensões divinas. Sua presença é transitória e o de magos é completamente inadmissível e as patrulhas
Arquilich não parece se incomodar as idas e vindas. são instruídas a fazer uma dura perseguição, abordando
Todos os senhores feudais de Aslothia são tratados grupos publicamente e confiscando livros e itens que
como condes, talvez como uma homenagem à forma pareçam estranhos. Os suspeitos são levados a uma
passada de Ferren, e têm sua autonomia vigiada tanto enorme fortificação na ala leste da cidade, chamada
pelos Sislach quanto por companhias mercenárias Khorcova, onde são presos e interrogados. Os que
próximas. Fora isso, cada conde é soberano dentro de conseguem comprovar que não são magos são libera-
suas terras desde que pague tributos. Alguns condes dos. Já os que fracassam desaparecem, provavelmente
e condessas abririam facilmente mão de suas terras e enviados a um destino ainda pior. Diariamente, de
vassalos em troca de uma posição permanente na corte uma das sacadas da Khorcova, um emissário lê uma
de Ferren Asloth, ansiando por suas dádivas profanas. lista com o nome de todos os magos que não voltarão
Por sua vez, certos vassalos são capazes de qualquer às ruas. Não se faz distinção entre quem foi morto e
sacrifício para ocupar o lugar de seus mestres, o que quem foi preso, para que todos tenham em mente que
cria um clima de instabilidade constante. mago nenhum está a salvo.
Ainda assim, tudo é feito de alguma forma se- Companhias mercenárias desfilam pelas ruas, fa-
guindo as leis soberanas de Ferren e novos éditos zendo valer as leis do Arquilich e disputando território.
podem surgir a qualquer momento. Condes costumam Mesmo depois de tantos anos, o principal bando na
participar de audiências solicitando mudanças em leis cidade é o Mantícora, historicamente notório por
ou acréscimo de outras em troca de favores. sua eficiência na caça aos magos. Hoje a companhia é

Capítulo Dois
200
liderada por Jorian Zivillier, filho de Ariann Zivillier, Retornados
que atualmente administra a Khorcova. Duas outras
companhias disputam o poder e a preferência de Os retornados ainda são um mistério
Ferren Asloth: o Bando da Noite Turva, que vem se em Aslothia. Ninguém tem certeza se a
destacando por admitir retornados em suas fileiras e ressurreição de um grupo tão grande de
por sua dedicação ferrenha a Tenebra, e a Companhia pessoas foi algo planejado por Ferren ou o
Sangrenta, liderada por uma lefou especialmente resultado do dedo de Nimb se intrometen-
violenta chamada Mavinah. Suas disputas em becos do onde não foi chamado.
escuros costumam ser brutais, mas raramente outros Para todos os efeitos, retornados são como
mercenários se envolvem. osteons, mas têm o corpo muitas vezes
Milothiann é também o ponto central para aqueles decomposto em algumas partes e susten-
que desejam cair nas graças do Arquilich. É sabido tam as marcas de sua morte dependendo
que o regente tem agentes espalhados pela cidade, da época em que morreram. Quando
observando cidadãos que possam servir para seus surgiram, muitas companhias mercenárias
planos misteriosos. Quando uma pessoa é escolhi- defenderam que todos deviam ser mortos
da, encontra um pergaminho com o selo do reino e enterrados novamente. Mas uma nova
inexplicavelmente colocado dentro de casa, no bolso ordem do Arquilich Ferren Asloth decidiu
de uma roupa que usou na noite anterior, entre as que eles eram tão filhos de Aslothia
ferramentas de trabalho ou qualquer outro lugar. Nele, quanto os vivos. Assim, os retornados se
encontra ordens que devem ser seguidas à risca. Elas viram livres para seguir em frente.
variam: espionar um vizinho, roubar as ferraduras do Não são imortais, mas revidam ataques e
cavalo de um mercenário, ficar parado em uma esquina planejam vinganças de formas ainda mais
específica por dias, assassinar alguém. É provável que sádicas que qualquer aslothiano vivo.
cada pequena ordem seja parte de um plano muito Afinal, ninguém quer morrer duas vezes.
maior, um quebra-cabeça que só faria sentido juntando
cuidadosamente cada peça. O certo é que aqueles que
cumprem as ordens dos pergaminhos podem receber
é irremediavelmente atraído para o fundo e se afoga…
em seguida um anel de metal que traz como marca a
se tiver sorte. Os desafortunados corrompem-se e se
lua que faz parte do brasão do reino. Isso os coloca
transformam em criaturas que, a partir dali, passam a
no círculo mais baixo dos favorecidos do Arquilich,
proteger Erynia para sempre. Quem atravessa o fosso
mas no primeiro degrau rumo à chance de receber
e ultrapassa as muralhas do castelo, é recebido por um
uma bênção macabra do regente. Quem sabe onde se
imenso jardim morto labiríntico, em que cada sombra
pode chegar obedecendo a todas as ordens seguintes?
é um pesadelo do passado esperando para ressurgir.
Quem se perde jamais retorna.Nada disso afeta os
Castelo Erynia servos de Ferren Asloth, entretanto.
Em sua obra Os Caminhos Tortuosos do Reinado, o Dentro de Erynia, numa vastidão de corredores
historiador Daruvio Fetanza disse: “Se Milothiann e salões sempre finamente decorados, vive a corte do
é o centro de Aslothia, Erynia é seu coração: feito de Arquilich, mergulhada em intrigas, disposta a fazer o
pedra e morto por dentro”. E, embora a frase de efeito que for possível para ganhar as graças de seu regente.
soe bem quando dita nos bailes e jantares do Reinado, Ali moram e transitam famílias de condes aliados
seu significado pode não estar completamente correto. dos Asloth no decorrer dos séculos, comerciantes
De certa forma, Erynia continua sendo o que abastados, clérigos de Tenebra, líderes mercenários,
sempre foi: um castelo de arquitetura sisuda, prática, nobres em busca de ascensão e os Sislach, quando
um monumento aos tempos em que manter o condado estão na capital. A corte também conta com Patusco,
era uma batalha por si só. Mas hoje é também um um clérigo de Tanna-Toh transformado em bobo da
retrato do poder conquistado pelo Arquilich e um corte, que só diz a verdade, e Cantriel lliharinn, um
instrumento de adulação pelas conquistas já realizadas. dos maiores escribas e historiadores de Arton. Antiga-
Contornando sua estrutura há um fosso profundo mente, Cantriel possuía uma oficina em que oferecia
de água estranhamente cristalina, mas seu aspecto é seus serviços a aventureiros, mas foi transformado
uma mera armadilha. Encantada pelo próprio Arqui- em osteon por Ferren Asloth e agora é responsável
lich, a água atrai qualquer um que tente atravessar o por registrar a história de Aslothia para a posteridade.
fosso com intenções danosas ao regente. Quem cai ali Para sempre.

Além do Reinado
201
O próprio Arquilich reside na torre central e ali
atende a seus vassalos. Comenta-se, porém, que ele
Aslavi
é capaz de disfarçar sua natureza morta-viva e, assim, Situada sobre uma colina solitária, Aslavi é uma
costuma andar entre os membros da corte em ocasiões cidade pequena que fica ao sul da capital Milothiann
menos formais, certificando-se de que suas alianças são e herdou muito de sua arquitetura e falta de plane-
realmente sólidas. Vez ou outra faz o mesmo viajando jamento, repleta de vielas estreitíssimas, barrancos
pelo reino, normalmente acompanhado de Sislach e becos suspeitos. No sopé da colina há um muro
Vissanzi, também disfarçada. de cerca de seis metros e sua entrada conta com três
curiosos guardiões que jamais deixam seu posto:
quatro esqueletos e uma aparição. À primeira vista, é
Ith uma cidade comercial, repleta de barracas e pequenos
Comparada a outras cidades aslothianas, normal- mercadinhos vendendo coisas inofensivas.
mente nascidas da adulação de nobres ao Arquilich ainda
Na verdade, Aslavi foi criada por um casal de
em seus tempos de conde, Ith surgiu como um presente.
trambiqueiros dissidentes de Ith, Lamara e Bawir, que
Harghan Trozik era o líder da Garra da Harpia, resolveram partir quando acharam que o que acontecia
um grupo mercenário famoso por agir na fronteira entre ali estava começando a ficar pesado demais. Afinal,
Hongari e o que então era Portsmouth. Seu papel e o de eles só queriam ganhar uns trocados e viver em paz o
seu bando era interceptar grupos de aventureiros espiões quanto pudessem. Assim, Aslavi se tornou um posto
e hynne contrabandistas que tentavam levar o fumo que de comércio clandestino quase inofensivo e um foco de
cultivavam direto para Sambúrdia, sem pagar impostos. jogatinas ilegais levado pouco a sério pelas autoridades.
Seu trabalho era mais do que exemplar. Certa Entretanto, seu submundo esconde os famigerados
vez, fez questão de viajar até Milothiann apenas para leilões das sombras, onde itens mágicos, artefatos e
entregar ao Conde, em mãos, as cabeças decepadas outros artigos misteriosos são colocados à disposição de
de seis membros dos Bons Hynne, um grupo que quem puder pagar. Nobres de outros reinos, inclusive,
ousava proteger Hongari e tentava chamar a atenção arriscam a vida para conseguir um convite para esse tipo
do Reinado, reclamando das pressões comerciais de evento ou pagam aventureiros para fazer escolta ou
constantemente tomadas por Portsmouth. O feito representá-los nos eventos. Entre alguns círculos do
lhe garantiu o posto de favorito do Conde, que deu a Reinado, Aslavi é conhecida como “Vectora inversa”,
ele de presente Ith, na época uma vila de médio porte tanto por estar sobre uma colina quanto pelo comércio
entre a capital e a fronteira que tanto havia defendido. de itens arcanos de procedência desconhecida.
Harghan ergueu um forte e muralhas foram constru- Os lugares mais conhecidos são a taverna Lixo Tran-
ídas. Ith passou a abrigar, além de seu povo, mercenários cado, administrada por Agatha — que abriga Opritinik,
de outras companhias e criminosos fugitivos dos Reinado. um hynne procurado, traidor de Hongari — e a Mansão
Tudo o que havia de ilegal e perigoso acontecia ali, incluin- Bac Arat, onde não se entra sem um convite explícito.
do uma arena clandestina onde magos eram obrigados a
lutar até a morte. Não é um lugar para os de coração fraco.
Então veio a Guerra Artoniana. Por conta da aliança Cambur
com os puristas, Ferren Asloth solicitou que Harghan Localizada no sudoeste de Aslothia, Cambur já
lutasse em seu nome e deixasse Ith para trás. A cidade, teve mais de um papel na história do reino. Primeiro
de fato, continuaria funcionando como sempre funcionou, foi o palco da Revolta a Pé, estopim arquitetado do
equilibrada no respeito mútuo entre criminosos. Harghan início da Guerra Civil de Bielefeld. Depois serviu de
partiu e nunca mais voltou. cenário para a trágica história do sequestro e morte do
jovem Ariek Anthallas por bandidos, depois que seu
A história de seu destino varia: uns dizem que
pai e lorde local, Fandor Anthallas, viu seus pedidos
morreu como herói, outros que foi trucidado por um
de ajuda recusados pela capital.
bárbaro em uma arena, vítima de sua prepotência. O
boato que vem ganhando força recentemente é que a A dor de Fandor transformou Cambur em uma
lealdade do chefe mercenário para com seu mestre era rara semente de simpatia velada pelos cavaleiros da
tão grande que as forças que corromperam Aslothia Luz dentro do território de Ferren Asloth. Acordos
trouxeram Harghan de volta à vida. Por que ele não que demoraram décadas para serem elaborados foram
surgiu e reassumiu seu antigo posto é um mistério, finalmente fechados entre o lorde e Norm, e cavaleiros
mas há quem diga ter visto um guerreiro trajado de passaram a viver em segredo na cidade, aguardando o
armadura completa, de olhos vermelhos flamejantes, momento em que uma resistência fortalecida pudesse
vagando além das muralhas nas noites mais escuras. anexar o território de volta a Bielefeld. Mesmo com a

Capítulo Dois
202
Guerra Artoniana, o disfarce foi mantido em prol de Possivelmente se tratava de um ídolo dedicado a
uma vitória maior. E talvez tudo tivesse dado certo se Megalokk, feito pelos antigos povos nativos do reino.
não fosse a Noite da Travessia Profana. Depois de muito tempo, aparentemente todas
O ritual realizado por Ferren Asloth transformou a as joias da peça foram arrancadas, levadas por algum
população de Cambur em mortos-vivos — e os cavaleiros ladrão habilidoso. Acontece que desde então uma
ali ocultos em servos do Arquilich. Quem se atreve a criatura horrenda conhecida como Aspecto de Me-
circular pela área se depara com a mais profana das visões: galokk vem rondando a área, protegendo a estátua
corpos carcomidos patrulhando a cidade, envergando e atacando quem quer que se aproxime. Dizem que
orgulhosamente armaduras da Ordem da Luz. o monstro ressuscita uma semana depois quando
morto, mas ninguém confirma a informação. Clérigos
Em tom jocoso, comenta-se nas tavernas de Aslo- de Megalokk, que já tratavam o lugar como sagrado,
thia que Alenn Toren Greenfeld, líder da Ordem da têm feito peregrinações para visitá-lo, enfrentando
Luz, daria seu único olho bom em troca da destruição mortos-vivos e quaisquer outros perigos no caminho.
definitiva de Cambur.
É possível que os ataques acabem se as pedras
forem devolvidas, mas a essa altura elas podem estar
Pata de Megalokk em qualquer lugar de Arton.
A Pata de Megalokk é uma enorme clareira existen-
te desde muito antes da chegada do povo do sul, que
lembra vagamente o formato da pata de um imenso
Castelo Caerilech
No passado, Caerilech foi um ponto de resistência
animal reptiliano. Segundo estudiosos e bardos na
contra Ferren Asloth, comandado pelo mago Caerilech
mesma proporção, aquela teria sido a marca deixada
Gotravon. Depois da Noite da Travessia Profana, porém,
pelo Deus dos Monstros ao tomar impulso para deixar
o lugar foi encontrado surpreendentemente vazio.
Arton depois da guerra que deu fim à Era dos Monstros.
Ninguém sabe se algo aconteceu com Caerilech ou se
Em seu centro há uma estátua de pedra repre- ele simplesmente resolveu fugir por alguma das várias
sentando uma criatura de seis patas e duas cabeças passagens subterrâneas que, de acordo com os bardos,
coroadas, decorada com centenas de joias preciosas. existem sob a fortificação e levam para fora do reino.

Além do Reinado
203
Companhias mercenárias e aventureiros dispostos ocorre apenas em momentos de grande necessidade.
foram convocados para vasculhar o lugar todo para O fracasso em seus deveres pode incorrer em punição
que ele esteja pronto para receber sua nova dona: ou até substituição, pelo que se sabe. Sendo assim,
a Condessa Sirissa Tarvela, uma vampira de uma o cargo de Sislach é extremamente cobiçado, embora
família tradicionalmente muito próxima aos Asloth. não haja nenhum sinal de que a configuração atual vá
Qualquer suposto grupo de resistência também mudar em um futuro próximo.
deveria estar interessado no Castelo Caerilech; é Sislach Narsogg é o responsável pela cobrança
possível que Gotravon tenha guardado em sua morada de impostos, dívidas de sangue e por reforçar diplo-
preciosas anotações sobre as fraquezas de Milothiann, maticamente o poder de Ferren Asloth. É um osteon
ainda que desatualizadas. meio-gigante, de passos lentos e voz retumbante. Suas
Aos que se propõem a trabalhar para Sirissa, resta roupas pesadas e luxuosas, surpreendentemente novas
procurar por armadilhas, inventariar tesouros, mapear e limpas, estão sempre cobertas de colares, medalhões
passagens secretas e expulsar quaisquer criaturas que e pulseiras cheias de joias. Sabe-se que ao menos
tenham se enfiado por ali. parte dos adereços foi tomada de suas vítimas como
lembrança, mas mencionar o assunto não parece algo
muito sábio. Seu rosto cadavérico está sempre oculto
Pilar de Rasthalhur por uma máscara dourada, esculpida para reproduzir
O Pilar de Rasthalhur é uma enorme construção as feições de uma jovem aprazível e sorridente. Sua
cilíndrica e sólida, na parte norte de Aslothia. É toda chegada, sempre acompanhada de uma comitiva
feita de uma pedra tão negra que parece engolir a de esqueletos em marcha, nunca é vista como bom
própria luz de Azgher. Subindo em forma de espiral, sinal. É comum que Narsogg traga de volta os corpos
escritos enigmáticos ornam toda a sua superfície. decompostos de entes queridos ou inimigos jurados
Oficialmente se trata de uma escultura em home- de seu alvo de momento como parte da pena pelo
nagem à deusa Tenebra, feita por um único homem: descumprimento das leis aslothianas. Aqueles que
o talentoso e recluso Shikor Rasthalhur, e dada de não sobrevivem aos métodos de tortura do osteon
presente a Portsmouth. se juntam a sua comitiva de esqueletos por toda a
eternidade. Narsogg carrega sempre consigo Avir,
Shikor, entretanto, jamais existiu.
um enorme montante de poderes necromânticos cuja
O Pilar é na verdade uma cruel prisão, construída lâmina foi feita usando o fêmur de sua própria irmã.
magicamente pelos Graath para aprisionar os magos Sislach Vissanzi é a mestra dos sussurros e cons-
e oposicionistas mais perigosos já capturados pelas pirações, um poço de intrigas oculto sob a aparência de
companhias mercenárias de Ferren Asloth. Não há uma jovem de dezesseis anos. Sua pele é acinzentada e
portas ou janelas e somente os Graath sabem como seu cabelo negro está sempre dividido em três longas
entrar e sair. tranças. Ela viaja por Aslothia em busca de rebeldes,
Do lado de fora, o monumento é vigiado cons- conspiradores e detratores do regime de Ferren Asloth,
tantemente, com o pretexto de ser uma obra santa. para que sejam punidos. Quando está no castelo Erynia,
Ultimamente, porém, muitos mortos-vivos têm sido é vista sempre ao lado do Arquilich e considerada sua
atraídos para a área, e o lugar parece ganhar um brilho principal conselheira, algo que causa inveja em muitos
especial em noites em que não há lua. membros da corte. Ironicamente, boatos sobre a própria
Vissanzi brotam o tempo todo: dizem que ela é capaz
de se metamorfosear em qualquer pessoa independente
Guildas & de raça ou gênero, que é filha adotiva de Ferren Asloth,
que é uma criatura invocada por acidente no ritual da
Organizações Noite da Ascensão Profana e que tem a capacidade de se
transformar em um enorme meio-abutre que se alimenta
Os Sislach de carne humana. Para o terror dos aslothianos, talvez
Sislach é o título dado aos três membros da corte todas as hipóteses estejam corretas.
mais próximos do Arquilich e só estão abaixo dele na Sislach Rawia é o braço forte escolhido por Ferren
hierarquia do reino. Cada Sislach tem o dever de viajar Asloth para conduzir assuntos em que a sutileza se faz
por toda Aslothia, garantindo os interesses de Ferren desnecessária. Uma matriarca corpulenta, trajada em
Asloth. Devem ser tratados com extrema reverência uma couraça de metal esverdeado com uma enorme
e têm poder de juiz, júri e executor. Cada um deles cabeça de cobra gravada no peito em alto relevo, ela
cuida de suas próprias atribuições e a união dos três tem como montaria um gorlogg alfa chamado Quistus.

Capítulo Dois
204
Rawia é também a líder da Companhia das Serpentes, de morte. Nas estradas de Aslothia o encontro com
um grupo mercenário cujo primeiro escalão é composto esqueletos, mortos-vivos e chacais zumbis é certo.
apenas por suas outras filhas medusas, Vethara, Calitha Armar acampamento e se ver atacado por um enxame
e Basthara. Graças ao status concedido pelo Arquilich, de garras-zumbi durante a noite é uma possibilidade.
Sislach Rawia pode convocar os melhores membros de Vilarejos abandonados, que a princípio podem parecer
qualquer outra companhia mercenária para missões se uma esperança de um descanso melhor, podem escon-
achar necessário. O pedido, obviamente, não pode ser der um morgue’raz sedento por assassinato ou um
negado. A medusa carrega consigo um arco longo e um cemitério vivo pronto para se levantar.
machado de guerra, mas seu poder mais temido foi uma
As companhias mercenárias de menor prestígio
benção concedida pelo próprio regente de Aslothia:
são encarregadas de vigiar as partes inóspitas e pe-
Rawia, é capaz de apodrecer gradativamente o corpo
rigosas, e seus membros estão sempre procurando
de quem ousa cruzar seu olhar.
algum feito que lhes possa garantir uma posição
Burburinhos correm pelo reino que cada Sislach melhor entre os seus. Não é raro que grupos de
tem uma fraqueza particular e fatal. Uma precaução aventureiros sejam insultados até o limite, em busca
caso qualquer um deles decida se voltar contra o de uma reação impensada. Procurar algum tipo de
Arquilich e os seus. É fato que grupos de aventureiros honestidade ou compaixão entre estes mercenários
têm se dedicado a descobri-las. é uma tarefa insana.
Nenhum retornou vivo até agora. Grupos de caçadores de magos — alguns profis-
sionais, outros compostos apenas de bandoleiros com
Graath armas improvisadas — varrem estalagens e tavernas
em busca de alvos. Entregar um mago vivo pode render
O Graath é um grupo secreto de magos trabalhando
prestígio e dinheiro e, no caso de companhias como a
a serviço de Ferren Asloth. Seus membros são desta-
Asa Ossuda, pode garantir a entrada de um aspirante.
cados para as missões mais delicadas e a captura dos
magos mais poderosos. Missões em que a discrição e Por outro lado, há quem sonhe com dias melhores.
a furtividade são as únicas armas possíveis. O grupo Rebeldes surgem e somem como o apagar de uma
também é responsável pela administração e vigilância vela, esmagados pela ação dos Sislach e dos Graath,
do Pilar de Rasthalhur. Quando necessário, os Graath mas ninguém sabe o que pode acontecer se um dia
também servem de força de apoio para os Sislach. receberem apoio externo mais veemente, seja dos
Os Graath usam sempre trajes iguais: roupas leves hynne endinheirados agora em Sambúrdia, seja dos
e mantos cinzentos. Seus rostos estão sempre encober- cavaleiros da Luz. De vez em quando, pequenos grupos
tos por uma espécie de véu feito de pequenos anéis de de aslothianos juntam o dinheiro de uma vida para
metal até um pouco além da altura do queixo. Alguns financiar aventureiros que os escoltem até a fronteira.
deles contam com armas variadas além dos próprios As cidades de Aslothia são como cadáveres em
talentos mágicos e são extremamente silenciosos. um velório: por baixo da maquiagem e das bochechas
Nas raras ocasiões em que são obrigados a dizer algo, rosadas, todos sabem que há apenas morte e podridão.
o que se ouve é uma voz monotônica, sem emoção. A opulência dos nobres e criaturas da noite domina o
Isso porque os Graath não fazem parte da or- ambiente com intrigas e o desejo de subir cada vez mais
ganização por vontade própria: são ex-prisioneiros nas graças de Ferren Asloth, em busca de suas bênçãos
importantes cujas mentes foram dobradas e deturpadas transformadoras. Todo e qualquer plano ou segredo
por Ferren Asloth através de rituais mágicos nas salas deve ser traçado com extremo cuidado, pois nunca
do Pilar de Rastalhur. se sabe quem realmente está a serviço do monarca.
Entrar no Castelo Erynia é uma aventura por si só...
e das mais perigosas.
Companhias Mercenárias Embora a entrada de magos em Aslothia seja proi-
As companhias mercenárias são parte essencial do
bida e muitas vezes letal se descoberta, necromantes
que Portsmouth foi e do que Aslothia é. Você encontra
costumam se disfarçar em grupos de aventureiros — às
suas descrições completas no Capítulo X.
vezes sem que nem mesmo seus companheiros saibam
— a fim de observar de perto seu objeto de estudo.
Aventuras Há quem diga inclusive que existe uma leniência não
oficial quanto à presença de usuários de necromancia.
Aslothia não é só “o Reino dos Mortos”, como se Talvez o Arquilich os veja com o mesmo interesse com
comenta nos salões do Reinado. Aslothia é um reino que eles examinam os mortos que vagam pelos ermos…

Além do Reinado
205
Ilustração

Capítulo Dois
206
Repúblicas Livres de
Samburdia
´ A TERRA DO OURO

N
ação de dimensões continentais região cheia de animais robustos, onde os pontos de
abençoada pelos deuses com a dádiva trégua da floresta de Greenaria exibiam campos largos
da fertilidade, Sambúrdia é um lugar ideais para o plantio. A fertilidade da região beirava
onde as plantações florescem com mais o sobrenatural. Ao ouvir tais histórias, grupos de
viço e os animais engordam com exuberância. refugiados que tinham aptidão para as lidas do campo
decidiram trilhar a longa jornada até o que parecia ser
Nessa terra onde até a lua parece mais cheia,
uma terra abençoada pelos deuses. A peregrinação foi
os habitantes têm uma vida próspera — e prós- longa, exaustiva e perigosa. Os colonos sobreviveram
peros também são os negócios. Pois, ao longo apenas graças a um grupo de heróis formado pelo
das várias guerras que abalaram o continente, suraggel Yves-Medhard; por Hanzo, um guerreiro
Sambúrdia se manteve neutra, comercializando de Lenórienn; pela arcanista Maura, e liderados por
sua produção com todos os lados dos conflitos — Morkh Amhor, paladino de Azgher.
afinal, campanhas militares requerem um volume Uma vez às margens do Rio Vermelho, os colonos
de suprimentos que poucos reinos são capazes se dividiram em vários grupos e se dispersaram, a fim
de produzir. Dessa forma, cresceu em território, de colonizar a vasta extensão de terra. Ocuparam desde
população e poder econômico, tornando-se a a região da Bacia de Callistia, onde encontraram nobres
grande potência mercantil do leste. vindos de Namalkah, até as longínquas fronteiras
com Sckharshantallas, onde o avanço foi barrado
Hoje, caravanas e navios mercantes viajam até pelo Dragão Rei Sckhar. Originalmente, os colonos
os confins do mundo conhecido levando o cultivo se dividiram em três reinos: Callistia junto à bacia de
local e retornando com produtos exóticos. Com tan- mesmo nome, Nova Ghondriann à margem leste do
tas riquezas circulando, essas rotas por terra e mar Rio Vermelho e Sambúrdia cobrindo a maior parte
atraem a atenção de bandidos gananciosos e monstros do território, do Rio dos Deuses até a Baía Dourada.
famintos. Isso, por sua vez, gera um novo mercado: Porém, as fronteiras mudaram diversas vezes ao longo
o de aventureiros dispostos a oferecer segurança em da história até assumir o desenho atual.
troca de sua justa parte do ouro.
O território das fadas
História A primeira grande mudança ocorreu ainda durante
o estabelecimento das colônias. Muitos dos refugiados
Quando as caravanas vindas do sul enviaram seus foram atraídos para certa localidade no coração da
batedores para desbravar o continente, começaram a Greenaria, onde as nuvens se moviam em espirais e
receber rumores sobre um lugar no nordeste longínquo as árvores mudavam de cor. O que a princípio parecia
onde a terra era escura, o clima era ameno e as árvores divertido e belo, no entanto, logo se tornou motivo
vistosas geravam frutos enormes e suculentos. Uma de pavor. Isso porque as expedições que se arriscaram

Além do Reinado
207
a desbravar a região a fundo nunca retornaram. Ao pelos samburs e muitos estão até hoje estabelecidos no
mesmo tempo, episódios bizarros aconteciam nos cultivo das terras férteis. A Família Aranth, no entanto,
povoados que ousaram se assentar nas imediações. por muito tempo se ressentiu da derrota sofrida. O sen-
Ventos repentinos traziam chuvas de cogumelos. Dos timento foi transferido às gerações mais recentes, assim
ovos das galinhas nasciam filhotes de ganso. Trilhas já como a fama de serem avarentos e vis. Algumas décadas
bem conhecidas passavam a levar os viajantes para os atrás, os últimos integrantes da família desapareceram
lugares errados. Doces surgiam às portas dos aldeões sem deixar rastros. Não se sabe se foram em busca de
e, ao serem consumidos, geravam alucinações. Crianças uma forma de restaurar sua reputação manchada ou
desapareciam de suas camas e até mesmo o sol às vezes se planejam uma conspiração para retomar o poder.
nascia do oeste. Alguns poucos caçadores que consegui-
ram retornar de incursões nas proximidades trouxeram
relatos espantosos de pessoinhas belas, com traços de
Os Tiranos das Águas
Com o surgimento da área de Tormenta em Trebu-
animais da floresta, que soltavam risadas doces ao ouvir
ck, a contaminação atingiu as águas subterrâneas onde
os gritos de suplício dos humanos perante tortura.
espécies desconhecidas viviam em um ecossistema
As histórias sobre as fadas, já bastante terríveis, isolado. Afugentadas pela corrupção vermelha, muitas
tornaram-se ainda mais exageradas cada vez que eram dessas criaturas encontraram rotas que as trouxeram
repetidas, e inúmeras superstições se criaram ao redor para a superfície e desceram a correnteza do Rio dos
dos acontecimentos inexplicáveis. Por fim, o então Deuses em busca de um novo habitat, até chegarem
regente de Sambúrdia reconheceu o território das aos inúmeros rios que afloram na Bacia de Callistia.
fadas — que ainda não havia recebido o nome Ponds- Em especial, uma raça de humanoides subaquáticos
mânia — e o povo sambur abandonou os arredores extremamente violenta entrou em choque com a
daquela área jamais mapeada. população ribeirinha devido à competição pelos
cardumes. Esses homens-peixe, que mais tarde seriam
A Revolta de Trebuck nomeados lursh lyins, que significa “tiranos das
águas” em élfico, passaram a surgir na calada da noite
Outra grande mudança ocorreu durante o governo
para aniquilar povoados inteiros, até mesmo crianças
de Wogar Aranth, o tirano. Diante da dificuldade em
e animais, levando embora não mais do que os peixes
administrar um território tão vasto, o monarca enviou
pescados no dia. As histórias sanguinolentas logo se
seu filho, Aggaron Aranth, para representá-lo nos re-
espalharam por toda a região, e não há quem ouse
motos feudos do norte e garantir que os senhores locais
perambular fora de casa durante a noite. Portas e
pagassem os devidos tributos. Contudo, a inaptidão
janelas são reforçadas com madeira e o pouco metal
de Aggaron para governar rivalizava apenas com seu
disponível na região, mas não são suficientes para
enorme ego. O resultado foi um período de abuso e
impedir a brutalidade das criaturas.
extorsão contra a população local. Fazendeiros foram
destituídos de suas terras e tornaram-se não mais do que Por se tratar de um suplício que afetava apenas
servos nas lavouras confiscadas. Os que se recusaram pequenas vilas de pescadores distantes da capital, por
a obedecer foram mortos, deixando famílias desampa- muito tempo o então regente Planthor Drako ignorou
radas. Crianças tiveram que pegar em enxadas desde os pedidos de socorro da população. Ironicamente,
cedo e o povo como um todo passava fome enquanto durante uma viagem em missão diplomática, Planthor
via as abundantes safras sendo levadas para a capital. tornou-se vítima da ameaça que recusava combater. Ao
receber a notícia do massacre do séquito, a herdeira
O comando desastroso levou ao que ficou co-
Amina Drako jurou se vingar das criaturas. Para
nhecido como Rebelião dos Servos. Insuflados pelo
isso, engendrou um arranjo político à revelia das
desejo de liberdade, o povo pegou em armas para
demais famílias nobres do então reino de Callistia,
expulsar Aggaron e seus homens ou morrer tentando.
que culminou na dissolução do reino e sua adesão às
O conflito teve idas e vindas e se estendeu por anos
Repúblicas Livres de Sambúrdia. Sob a bandeira do
a fio, até que Wogar Aranth não teve alternativas a
novo governo central, extinguiu os pedágios cobrados
não ser decretar a retirada das tropas e reconhecer a no escoamento de mercadorias pelo sistema fluvial,
independência de Trebuck. o que atraiu o interesse de mercadores samburs e
Os camponeses dos Feudos de Trebuck e das atuais tornou a navegação local mais vibrante. Em troca,
Repúblicas de Sambúrdia não alimentam nenhum tipo Amina aumentou seu poder político perante os demais
de rivalidade entre si. Tanto que, quando a Tormenta se nobres da região e recebeu um aporte de tibares que
acometeu sobre o reino de origem da Rainha-Imperatriz pretende usar para financiar a contratação de heróis
Shivara, caravanas de refugiados foram bem recebidas para combater os lursh lyins.

Capítulo Dois
208
A marcha da Tormenta
Há duas décadas, a corrupção da Tormenta deixou
sua marca em Sambúrdia quando Crânio Negro, o
Algoz da Tormenta, marchou pela Greenaria com
seu exército maculado. De cavaleiros de Bielefeld a
bárbaros dos Ermos Púrpuras, ninguém escapou aos
simbiontes que transformavam artonianos em anoma-
lias destituídas de personalidade. Cobertos de carapaça
viscosa e armados com pinças e ferrões, avançaram ora
caminhando, ora cruzando portais de magia profana.
Pelo caminho, ficou o rastro de degradação. Ainda
hoje, é possível encontrar criaturas corrompidas que
se escondem nas entranhas da floresta, cercadas por
cultistas que há muito perderam a sanidade...

pós-guerra
Outrora parte do Reinado, as regiões que hoje com-
põem as Repúblicas Livres proclamaram independência Repúblicas Livres de Sambúrdia
uma a uma. Primeiro, Callistia e Nova Ghondriann se
desligaram da coalizão devido à falta de apoio para lidar Nome Oficial: Repúblicas Livres
com os problemas locais. Junto ao reino de Salistick, de Sambúrdia.
fundaram a Liga Independente, que também teria
curta duração. Por fim, a então Sambúrdia também se Lema: “Do verde ao ouro”.
tornou independente e, por meios políticos e econômicos, Brasão: XXXXX XXXXX XXXXX
incorporou Callistia e Nova Ghondriann em seu terri- XXXXX XXXXX XXXXX XXXXX XXXXX.
tório, assumindo controle das melhores rotas fluviais e Gentílico: sambur.
formando, assim, as Repúblicas Livres de Sambúrdia.
Assolado por uma sequência de guerras e tragédias, o Capital: Cidade de Sambúrdia.
Reinado nada pôde fazer a não ser aceitar a emancipação. Forma de governo: federação de
Enquanto Callistia se tornou uma das Repúblicas repúblicas mercantis.
Livres sob a liderança de Amina Drako, Nova Ghon- Regente: Beldrad Isontorn.
driann chegou ao mesmo feito após anos de uma série População: 3.600.000.
de manobras políticas de Erov Kadall. A princípio,
Erov parecia ser apenas mais um membro do Conselho Raças Principais: humanos, hynne,
Ghondriann. Porém, seu carisma e inteligência o fizeram elfos, goblins.
ganhar partidários com espantosa velocidade, até ser Divindades Principais: Tibar,
capaz de depor o antigo rei, Wyr Thorngrid, e passar a Allihanna, Nerelim.
comandar o país. Nos últimos anos, com financiamento
dos Príncipes Mercantes de Sambúrdia, Erov dissolveu
o conselho que o apoiou e transformou o país em um
território das Repúblicas Livres. As opiniões quanto a
isso se dividem: muitos dizem que foi a maior traição
invasão de goblinoides fugindo da Flecha de Fogo. A
da história de Nova Ghondriann, outros defendem que neutralidade das Repúblicas Livres as permitiu comer-
a mudança trouxe melhor qualidade de vida para os cializar sua produção com todos os lados dos conflitos,
cidadãos. Quanto a Erov Kadall, ele próprio se tornou o que trouxe uma era de extrema prosperidade. Como
um príncipe mercante e chanceler da região, acumulando consequência, receberam ondas de refugiados, dos
poder econômico e político. Muitos se perguntam qual quais destacam-se os hynne vindos da extinta Hongari,
será seu próximo passo rumo ao acúmulo de poder. elfos do tombado Império de Tauron e goblins das
Sambúrdia viveu relativo período de paz, enquanto Ruínas de Tyrondir. Sobreviventes que conseguem
o restante do continente era abalado por sucessivos completar a perigosa jornada até Sambúrdia encontram
conflitos, como as Guerras Táuricas, a Guerra Artonia- uma terra acolhedora e cheia de oportunidades, mas
na, a revolução de escravos do Império de Tauron e a que demanda coragem e trabalho árduo.

Além do Reinado
209
Geografia quantidade de rios navegáveis. Entre eles, o Rio dos
Deuses na fronteira noroeste, o Rio Vermelho cortando
O clima em Sambúrdia é agradável o ano inteiro, de norte a sul, o Rio Bastav que desce das Montanhas
sem grandes variações de temperatura. Dias de sol são Sanguinárias, o Rio Soupar na área central e o Rio Zurdar
intercalados com chuvas que regam os campos de terra que, juntamente com uma infinidade de córregos e
escura de nutrientes. A maior parte do país é ocupada afluentes, compõem a Bacia de Callistia no oeste do país
por campos de cultivo extensos e abundantes, capazes — incluindo também o Rio Movente, uma anomalia
de produzir múltiplas colheitas em um único ano. A mágica que surge de forma inesperada onde antes era
exceção são as áreas de floresta, também abundantes terra firme, e desaparece mais tarde sem motivo apa-
e presentes em grande parte do reino. Em especial, a rente. Todos esses rios, assim como o acesso ao Grande
Greenaria é uma mata com frutas suculentas e troncos Oceano pela Baía Dourada, ligam Sambúrdia ao mundo
grossos cobertos por musgo e cipós. Suas árvores muito inteiro através de seus navegadores mercantes, que
altas bloqueiam a luz do sol, e a escuridão profunda atrai empreendem viagens tão lucrativas quanto perigosas.
aqueles que buscam se esconder: desde criaturas nunca Por fim, a região nordeste é de longe a mais perigosa
vistas pelos povos civilizados, até grupos de cultistas das Repúblicas Livres, com a presença esporádica
da Tormenta e outros fora da lei. Outra zona de grande de monstros próximo à fronteira com as Montanhas
importância é a Floresta das Escamas Verdes, que fica Sanguinárias, a ameaça da Tormenta trovejando em
no centro do reino e é habitada por uma quantidade Trebuck e a imprevisibilidade na demarcação da terra
imensurável de dragões da terra, cuspidores de veneno. das fadas nos arredores da Pondsmânia.
Os samburs das aldeias próximas não se atrevem a
invadir o território dos dragões e, em troca, também não
sofrem agressões. Apesar de frágil, a trégua é duradoura Povo & Costumes
e há grande esforço para que continue assim. A região hoje conhecida como Sambúrdia é habitada
As estradas mais movimentadas ficam a sudoeste, por povos de inúmeras origens, que já se organizaram
próximo às fronteiras com Aslothia, Ermos Púrpuras, em diferentes formas de governo, guerrearam entre si
Salistick e Namalkah, sendo os dois últimos impor- no passado, decretaram a paz, estabeleceram alianças
tantes parceiros comerciais. Há também uma enorme comerciais fortalecidas com o passar dos anos, até

Capítulo Dois
210
que decidiram eliminar as antigas fronteiras e fundar O Amor Tudo Cura
uma federação de cidades-estados sob uma mesma
bandeira. É uma nação diversa, que cresceu ainda mais Alvo de uma praga rogada pela antiga
em diversidade com as recentes ondas migratórias. matriarca dos lulack-nóck, a população
Atualmente, a população é formada principal- ghondrianni há décadas vinha diminuindo.
mente por humanos e hynne, mas também por elfos, Porém, a maldição foi quebrada recente-
sereias, sílfides, goblins e outras raças. Todos vivem mente, graças ao poder do amor.
em harmonia, sempre buscando os melhores negócios, Isso ocorreu quando Colborn, um taver-
não importa com quem. Exceção são os ghondrianni neiro ghondrianni, e Madame Samara, uma
e os lulack-nóck, dois povos humanos que vivem às bruxa lulack-nóck, desafiaram as tradições
margens do Rio Vermelho e nunca parecem se acertar. de seus povos para viver um grande amor.
Os ghondrianni são descendentes diretos do antigo Quando os dois arriscaram tudo um pelo
reino do sul. De olhos azuis e cabelos loiros ou ruivos, outro, o espírito da própria matriarca surgiu
têm por tradição manter longas tranças e casar-se e colocou fim à maldição. Desde então, as
apenas com pessoas da mesma linhagem. Por sua vez, casas ghondrianni foram abençoadas com a
os luláck-nóck são nômades que têm muita afinidade fertilidade habitual de Sambúrdia.
com artes arcanas ancestrais. Os ghondrianni dizem
que encontrar um luláck-nóck traz má sorte — um Hoje os dois vivem juntos na Estalagem
comentário ofensivo, condenado pelos demais samburs. do Esquilo Careca, servindo aos clientes a
bebida chamada Baba de Troll, oferecendo
A maior parte dos samburs vive nas fazendas serviços arcanos e criando os gêmeos
e vilas espalhadas pelo país. É um povo acolhedor, Pírio e Tíria.
extrovertido, ousado e trabalhador. Reúnem-se com
frequência para os festivais de colheita que, com
sua música alegre e os concursos de leguminosas
gigantes, atraem mascates e turistas. Extrativismo
também é forte, especialmente a coleta de frutos na
floresta da Greenaria e a pesca na Bacia de Callistia.
Governo
Sambúrdia é uma federação de repúblicas mer-
Por algum motivo, a atmosfera bucólica inspira
cantis. As muitas cidades-estados que a compõem
aqueles que têm vocação para a magia. Sambúrdia
variam bastante em importância econômica e extensão
é o país natal de grandes magos, como Vladislav
Tpish, professor da Academia Arcana, e Vectorius, territorial, sendo cada uma governada por seu próprio
fundador de Vectora, a o Mercado nas Nuvens. Hoje, chanceler, eleito pelos príncipes mercantes. De tem-
as famílias mais abastadas enviam seus filhos para pos em tempos, os chanceleres se reúnem na capital
estudarem magia em Wynlla ou na Academia Arcana. para votar novas leis e, a cada seis anos, elegem o
Após se acostumarem com a vida em metrópoles mais grão-chanceler, que tem por função representar as
refinadas, esses filhos muitas vezes não retornam Repúblicas Livres na política internacional. O atual
após a conclusão dos estudos, e daí a necessidade das grão-chanceler é Beldrad Isontorn, que já ocupa o
Repúblicas Livres em atrair mão de obra imigrante. cargo de regente há quase quarenta anos, em diversos
mandatos consecutivos, desde antes da unificação das
Allihanna é a divindade mais cultuada, seguida de
Repúblicas. É um governante astuto, que dispõe do
perto por Tibar, o Deus Menor do Comércio. Outra
poder econômico de Sambúrdia para fazer frente aos
divindade importante é Nerelim, a Deusa Menor
grandes reis estrangeiros e negociar acordos vantajosos.
das Águas Doces, com principal concentração de
fiéis na Bacia de Callistia. Nas grandes cidades não Para se tornar um príncipe mercante e conquistar
é incomum encontrar altares dedicados a Wynna, o direito de votar no chanceler local, é preciso primeiro
Lena ou Azgher, assim como ao Grande Oceano no ser um membro de destaque na Irmandade Mercante.
litoral. Há também uma infinidade de outros deuses Príncipes também podem se tornar candidatos, desde
trazidos pelos imigrantes. Existem leis proibindo o que tenham votado na eleição anterior. Uma dança de
culto a Hyninn e Sszzaas, pois samburs têm negócios poder ocorre dentro da Irmandade a cada período de
honestos. Nem mesmo a lei fala sobre o culto a Aha- eleição, com troca de presentes e tráfico de influên-
radak, como se a simples menção fosse amaldiçoada, cia entre aqueles que querem se eleger e aqueles que
mas sabe-se que cultistas se reúnem nas profundezas desejam trocar seu voto por vantagens econômicas.
das florestas, sua sanidade tendo sido levada pela É difícil distinguir quem luta em benefício próprio
passagem do exército de Crânio Negro. daqueles que realmente querem servir ao seu povo.

Além do Reinado
211
Locais Importantes Antigamente, para ir de um porto a outro era
necessário empreender uma jornada por terra que
poderia levar meses e corria o risco de ataques de
Sambúrdia Capital monstros, emboscadas de bandidos e outros impre-
A capital leva o mesmo nome da união de repúblicas vistos. Contudo, nos últimos anos o grão-chanceler
e é um populoso centro econômico e cultural. Dividida Beldrad Isontorn concretizou uma obra de proporções
entre a Cidade Velha, com seus prédios menores e extraordinárias, que deverá ser o principal legado de
mais modestos, e a Cidade Nova, de monumentos e sua longa regência: um canal mágico unindo as duas
ruas largas, a capital abriga não só o Fortim Sambur, cidades. Em Mehnat, a estátua titânica do Grande
sede do governo e local de reunião dos chanceleres, Oceano demarca a entrada. Ao cruzar a passagem em
mas também a Biblioteca Sambur; o Templo da Justiça, arco, uma embarcação se vê dentro de um túnel longo
em honra a Khalmyr, e o Salão dos Mistérios, um e escuro, com apenas dois pontos de luz, um em cada
templo dedicado a Wynna onde crianças de rua recebem extremidade. A travessia leva meia hora. Porém, ao
treinamento em magia. A guarda da cidade se aquartela chegar do outro lado, descobrirá ter viajado centenas de
no Centro de Treinamento e Estratégia, e é considerada quilômetros! Do lado de Yukadar, o acesso é demarcado
uma das melhores do mundo quando o assunto é por outra estátua, tão monumental quanto a primeira,
defesa de cerco. Quando Crânio Negro atacou com mas de Nerelim, a Deusa Menor das Águas Doces.
seu exército, a cidade resistiu bravamente e mesmo a Para realizar uma obra tão grandiosa, foi necessário
derrota que acabou sofrendo foi tida como uma vitória. contratar uma equipe de engenheiros místicos de
Em geral, é uma cidade segura para seus cidadãos, Wynlla liderados por Morganth, o Misterioso. A
patrulhada com especial cuidado nas áreas comerciais, forma como realizaram tal feito é um segredo da alta
que às vezes são alvo de punguistas. Destas áreas, des- cúpula de Sambúrdia, e foram necessárias décadas de
tacam-se a Praça do Venha-Ver na Cidade Velha, onde expedições arqueológicas. Ao reunir descobertas feitas
os primeiros comerciantes de Sambúrdia se reuniam em inúmeras ruínas espalhadas por Arton, os enge-
para fazer negócios, e o Patium, uma grande arena na nheiros conseguiram recuperar parte do conhecimento
Cidade Nova, dedicada a feiras, jogos e competições. do ancestral Império Nardmyr, famoso na aurora da
É comum encontrar anões, minotauros e membros de humanidade por seus poderosos portais. A partir dos
outras raças incomuns em Sambúrdia circulando pela princípios nardmyr, os engenheiros criaram rituais
capital, especialmente em se tratando de estrangeiros para completar o conhecimento faltante. Na maioria
em missões diplomáticas ou comerciais. das vezes o canal funciona como esperado. Porém,
a reprodução não ficou totalmente fiel aos portais
Nos arredores da cidade, a zona rural possui originais. Já houve casos de embarcações entrarem por
produção intensa, contando com técnicas de cultivo um dos lados e nunca mais serem vistas. Céticos, os
mágicas e mão de obra numerosa. Há, no entanto, comerciantes de Mehnat dizem que o sumiço é obra dos
resquícios de matéria vermelha remanescentes da Piratas da Escuridão que se escondem nas sombras
passagem do Exército da Tormenta, e tanto os senhores do túnel. Porém, estivadores de Yukadar contam sobre
de terra locais quanto o próprio grão-chanceler buscam um navio pesqueiro que, após concluir a travessia,
aventureiros que possam enfrentar a ameaça. descobriu-se do outro lado do mundo, em meio ao
Mar Negro. Há um pedágio caríssimo para realizar a
Canal Místico travessia. Além disso, rumores dizem que, para ela ser
dos Ídolos Irmãos bem-sucedida, é preciso subornar as pessoas certas.

Mehnat e Yukadar são duas cidades irmãs situadas


em pontos opostos do país. Mehnat fica na costa da Baía
Pontal do Pirata Morto
Dourada e é o principal porto do sul, com saída para o No extremo leste das Repúblicas Livres, entre o Rio
Grande Oceano, que permite tanto acessar os mercados Bastav e o Grande Oceano, situa-se uma península para-
de Bielefeld e Wynlla, quanto empreender a busca por disíaca, banhada de águas claras e coberta de coqueiros,
especiarias no distante Império de Jade. Já Yukadar é chamada Pontal do Pirata Morto. Nela localizam-se três
o principal porto de água doce. Localizado na região cidades que atraem visitantes: Collarthan, o Balneário
noroeste, às margens do Rio Vermelho, ali as embarcações de Zannar e as Cataratas de Sambúrdia.
têm acesso ao Rio dos Deuses e seus afluentes, podendo Collarthan é o maior centro urbano da região, uma
chegar tanto a Deheon quanto à Supremacia Purista — metrópole calma e cercada de vilas menores, achatada
pois os mercadores samburs são livres para negociar contra a costa de areia branca. Lá há bebida barata e
com todos os reinos, independentemente de coalizões. danças folclóricas promovidas pelo chanceler local, que

Capítulo Dois
212
atraem uma enxurrada de viajantes. Como as estradas um precipício, possui posição privilegiada para vigiar
não costumam ser seguras, a forma de acesso à cidade o povoado no vale ao sul e defendê-lo do ataque de
mais utilizada é o teletransporte, mas há quem chegue eventuais monstros vindos das Sanguinárias. Mesmo
de navio, especialmente em se tratando de aventureiros com a constante vigilância, não é raro que aranhas
em busca de gastar o ouro que ganharam na última gigantes, grifos e outras criaturas invadam e causem
incursão por mar. Há grande esforço para manter a danos. Apesar disso, a maior desgraça que já se abateu
segurança no litoral, especialmente por parte da Guarda sobre a região nada teve a ver com as montanhas. Alguns
da Enseada, um grupo de patrulheiros navais liderado anos atrás, o feudo sofreu um ataque de sombras feitas
pelo tritão Eliodoro Dirathis, que conta também com a partir das memórias dos próprios moradores. Muitos
o auxílio esporádico de grupos de aventureiros. Os morreram na época e até hoje o Rio Afejam é enfeitiçado:
desafios mais comuns são surtos de selakos, ataques dizem que, ao beber de suas águas, é possível recuperar
de piratas, desaparecimentos de pessoas e tempestades memórias há muito esquecidas.
que podem causar naufrágios.
Já o Balneário de Zannar é um destino mais seleto. O Formigueiro
Apenas os mais abastados frequentam esse pequeno O viajante que tentar alcançar a cabeceira do Rio
povoado de estalagens luxuosas que fica no topo de uma Soupar encontrará pelo caminho algo que parece ser
colina. É possível ver o mar a partir dos mirantes, mas um enorme vulcão. Porém, não existem vulcões em
os frequentadores não querem se misturar à ralé. Em Sambúrdia. A montanha incisiva com um enorme buraco
vez disso, voltam-se para as piscinas de águas termais no cume na verdade é um formigueiro de proporções
oferecidas em pequenos clubes fechados. É o melhor colossais! Dependendo da época do ano, nas florestas
local para encontrar um Chanceler ou Príncipe Mercante próximas é possível encontrar gigantescas formigas
em seu momento de descanso — e aumentar as chances deformadas decepando troncos com suas mandíbulas
de conseguir deles o que se precisa. Os cidadãos mais em pinça e levando embora árvores inteiras. Há também
desconfiados não acreditam na idoneidade das eleições insetos voadores e centípedes venenosos nas imediações,
em Sambúrdia e dizem que a escolha dos próximos sendo que os animais de tamanho normal há muito
chanceleres locais acontece em meio aos vapores do fugiram ou foram devorados. Este foi o refúgio final de
termas. Zannar possui lojas de artigos de luxo prontas Lorde Enxame, uma figura insana que décadas atrás
para atender quem estiver disposto a pagar. devastou as colheitas da região com seu exército de ar-
trópodes modificados. Dizem que o lorde foi derrotado,
Por fim, as Cataratas de Sambúrdia são um complexo
mas suas criações sobreviveram e têm se alastrado cada
de cachoeiras no Rio Bastav, que nasce nas Montanhas
vez mais para fora do Formigueiro, aterrorizando os
Sanguinárias e deságua no mar. Um destino mais radical
povoados que ainda se mantêm nos arredores.
para quem gosta de explorar trilhas e ficar em contato
com a natureza... vez ou outra se deparando com algum
peixe monstruoso que tenha descido com a correnteza. Fosso de Vectora
Filho ilustre de Sambúrdia, o arquimago Vectorius
Adhurian criou sua cidade voadora a partir de uma montanha em
sua terra natal. Por meio de uma série de rituais, ele
Embora Sambúrdia seja hoje uma união de repú-
cortou o cume, virou-o de cabeça para baixo e o alçou
blicas, existem ainda alguns feudos remanescentes da
aos céus, deixando para trás nada mais do que uma
antiga estrutura de governo, especialmente aqueles
montanha de topo reto. Contudo, há em Sambúrdia um
comandados por nobres de povos muito longevos
outro local que foi apelidado pelos moradores locais de
que, devido a essa longevidade, tendem a viver em um
Fosso de Vectora. Trata-se de um enorme buraco em
ritmo mais lento. É o caso de Adhurian, um território
meio à floresta impregnado com magia de voo, assolado
que fica na fronteira com as Montanhas Sanguinárias,
por versões voadoras de monstros terrestres, como
junto ao Rio Afejam, um dos afluentes do Rio Bastav,
ogros, basiliscos e feras-cactus. Houve no passado uma
e é governado pelo qareen Elmir Windward e sua
tentativa de responsabilizar Vectorius pela adversidade,
irmã, Agatha Windward, ambos poderosos feiticeiros
insinuando que sua cidade teria sido criada a partir
egressos da Academia Arcana. Apesar de o mais velho
do fosso e deixado um rastro de desordem, mas o
ter herdado o título de conde, os dois governam com
arquimago apenas riu da possibilidade. Mesmo sem
igualdade de poderes. ligação com Vectora, é fato que o local possui forte
O feudo possui um castelo de torres centenárias vínculo com a magia de voo. Flores que nascem lá, e
enfeitadas com o estandarte da águia prateada no céu até a própria terra, são ingredientes valiosos para a
azul que é símbolo da família. Construído no topo de fabricação de itens alquímicos e mágicos.

Além do Reinado
213
Ilustração

Torre de Érebo Muitos morreram na travessia da Baía Reluzente, mas


outros se organizaram em uma grande esquadra e, lidera-
Em meio ao verde intenso da Greenaria, há uma dos pela aventureira Angelya Braço Forte, conseguiram
região amaldiçoada, onde árvores retorcidas e mortas desembarcar na costa sul de Sambúrdia. Ali encontraram
assombram o terreno estéril com suas poucas folhas uma terra fértil e acolhedora, apropriada para fundar uma
ressecadas. Onde o verde se torna marrom e o marrom se colônia hynne e reconstruir suas vidas. Deram ao seu
torna cinza, há uma antiga torre de mago cujas fundações novo lar o nome da heroína que os guiou: Vila Angelya.
estão cedendo e a inclinando em direção ao poente, como
No início, os hynne se dedicaram à agricultura de
se tentasse esmagar o sol contra o horizonte para que
subsistência, mas logo passaram a produzir e vender os
nunca mais houvesse luz. Essa torre pertence a Érebo,
deliciosos bolos e tortas pelos quais a raça é conhecida.
arcanista afamado por destruir vilas indefesas com vio-
A freguesia cresceu rápido, e gente do outro lado do país
lência extrema, tramar assassinatos de figuras de grande
passou a vir degustar as iguarias. Espertos, alguns hynne
importância política e desenvolver profunda pesquisa nas
decidiram viajar eles mesmos para vender seus produtos.
artes necromânticas. Há décadas ele não é visto, e não se
Assim, misturaram-se rapidamente à população humana
sabe se foi derrotado por heróis ou se obteve êxito em
e acabaram se inserindo também em outros setores
se tornar um lich. O que se sabe é que a torre ainda está
da economia. Ao mesmo tempo, novos aventureiros
de pé, apesar de instável, e é possível subir as escadas
hynne passaram a despontar todos os anos, inspirados
em ruínas para explorar o topo ou penetrar nas câmaras pela bravura de Angelya. Alguns ficam na colônia para
subterrâneas. Tesouros únicos e conhecimento mágico protegê-la, enquanto outros vagam pelo mundo, lutando
inimaginável aguardam os aventureiros que ousarem para que nenhum povo seja vítima de algo semelhante
enfrentar as armadilhas, os construtos e as criaturas ao que aconteceu em Hongari.
extraplanares que protegem o local.
Sejam aventureiros ou mercadores, mesmo distantes
os hynne continuam tendo apreço pela Vila Angelya,
Vila Angelya para onde procuram retornar anualmente para o Festival
Quando Aslothia se tornou um reino amaldiçoado da Torta de Peixe. Inclusive, a própria Angelya Braço
e estendeu seus domínios sobre o território de Hongari, Forte pode ser encontrada no festival, procurando novos
os hynne que ali moravam tiveram que fugir às pressas. marujos para integrar sua esquadra exploratória.

Capítulo Dois
214
Guildas & é um órfão que aprendeu magia na capital e há ainda
quem diga que ele próprio é um troll. Seja como for, o
Organizações bando conta com diversos membros renomados, como
o caçador Liam Scouse, o aprendiz de druida conhecido
como Jake Deschain e Owlton, o cronomante. As
A Irmandade Mercante autoridades estão oferecendo uma recompensa pela
Uma das organizações mais poderosas do país, captura de qualquer membro do bando, mas muitos
a Irmandade Mercante aceita a afiliação de qualquer camponeses os defendem, dizendo que roubam apenas
comerciante de razoável sucesso. No entanto, subir dos ricos para dar para os pobres. Com tantas lendas
na hierarquia é uma missão difícil, que requer talento e canções de bardos surgindo sobre o bando, que hoje
para os negócios e sagacidade política. Conhecidos atua em todas as estradas de Sambúrdia, está cada vez
como Príncipes Mercantes, os líderes são mestres mais difícil saber a verdade.
caravaneiros ou donos de frotas de navios que circulam
pelo país e pelo continente. Em grande parte, são
oriundos de famílias tradicionais, embora existam
Legiões da Fortuna
alguns novos ricos. Unidos, os Príncipes são capazes Para manter a neutralidade nas guerras recentes e
de pressionar os chanceleres locais a tomarem decisões preservar seu território perante as ameaças estrangeiras,
que os beneficiem e influenciar até mesmo a política Sambúrdia precisou levantar um exército. Sabendo que
externa das Repúblicas Livres. Apesar de não haver seu povo não possui inclinações bélicas, o grão-chanceler
protegeu a federação usando sua melhor arma: o ouro.
uma liderança formal, todos demonstram especial
Assim, Sambúrdia se tornou um importante foco de
respeito por Leopoldo Valenza, um hynne que fez
companhias mercenárias formadas por membros vindos
fortuna vendendo o fumo produzido pelo seu povo,
dos mais diversos recônditos de Arton. Enquanto outros
e hoje possui fazendas e caravanas por todo o país.
exércitos prezam pela uniformidade, as tropas de aluguel
A maioria dos Príncipes Mercantes consegue são heterogêneas. Não surpreenderia ver uma fada
o que quer por meio de diplomacia, de forma que da noite, um cavaleiro montado em um urso-coruja
todas as partes se beneficiem de alguma maneira. Há, e um malabarista maltrapilho integrando o mesmo
porém, aqueles que secretamente se valem de trapaça pelotão. Quem vê um dos acampamentos de tendas
e extorsão para conquistar vantagens indevidas. Sejam coloridas muitas vezes tem dúvida se é um exército ou
seus métodos honrados ou desleais, os Príncipes uma mistura de zoológico com circo.
Mercantes estão sempre em busca de aventureiros
Por anos as Legiões da Fortuna patrulharam as
dispostos a trabalhar em prol da prosperidade do
fronteiras de Sambúrdia, dissuadindo possíveis inva-
bom povo de Sambúrdia.
sões. Com o fim da Guerra Artoniana, se espalharam
pelas Repúblicas e passaram a servir aos chanceleres
Quadrilha dos Trolls locais, que estão sempre preocupados com a avareza
Sambúrdia hoje vive um momento de prosperidade, das cidades-estados vizinhas. É possível fazer bastante
com grande afluxo de tibares vindos do exterior. Isso dinheiro sendo mercenário e as chances de morrer são
significa não apenas que os ricos multiplicam suas pequenas, pois geralmente o confronto é resolvido
fortunas, mas também que os pobres têm empregos com diplomacia após dois chanceleres compararem
que pagam salários dignos, devido à grande necessi- o tamanho de suas tropas. Muda apenas quem paga
dade de mão de obra. Porém, essa prosperidade não tributos a quem. Para quem procura ação de verdade,
chega igualmente a todas as regiões. Existem vilas mercenários também são contratados para fazer a
entranhadas na Greenaria, longe dos grandes campos segurança de silos ou a escolta de pessoas importantes.
de cultivo e das rotas comerciais, onde a riqueza é O governo central incentiva as contratações de mer-
escassa e a população é explorada pelos chanceleres cenários, pois é de seu interesse manter tais soldados por
locais. Monteoliva é um desses locais. E foi lá que perto para o caso de uma nova guerra eclodir. Inclusive,
começou a lenda de Elio Pettirosso, o líder do grupo esta política atraiu tropas mais bem qualificadas que
de bandoleiros que ficou conhecido como Quadrilha costumavam atuar em outros reinos, principalmente
dos Trolls. Ninguém sabe a origem do nome; talvez o as dissidentes que se recusaram a cumprir ordens do
criador original do grupo fosse um troll, talvez esse novo governo necromântico de Aslothia. Contudo, não
nome tenha sido escolhido apenas para assustar os se tem notícias de alguma das legiões ter efetivamente
guardas das caravanas. O próprio Pettirosso é um entrado em combate. Caso o pior aconteça e Sambúrdia
mistério: alguns dizem que é um elfo com talento seja atacada, não se sabe se realmente irão lutar ou se
sobrenatural para a arquearia, outros defendem que trocarão de lado por um inimigo que pague melhor.

Além do Reinado
215
Entre os líderes mercenários mais famosos estão Uma vez por ano, os cartógrafos se encontram
a heroica Comandante Ághata Rubravo, com sua na Biblioteca Sambur, na capital, para a Congregação
espada dracônica; o ganancioso Comandante Dragol Cartográfica. Nesse momento solene, sobe ao púlpito
Vertrouwd, com suas tropas especializadas em captura; um por vez para apresentar suas descobertas perante
a longeva Comandante Maria Breu DeSena com seu Valerianna, a Sábia. Valerianna é uma alta clériga de
exército abençoado por Thyatis, e o sinistro Coman- Tanna-Toh com poder de elogiar as descobertas em
dante Zerevadak, que aumenta a hoste de mortos-vivos nome da própria deusa, além de ser a pessoa que aprova
sob seu controle a partir dos inimigos caídos. o financiamento de novas incursões utilizando fundos
públicos. Houve também ocasiões em que a clériga ficou
Companhia de Explora- tão admirada com o primor do trabalho apresentado,
que premiou o cartógrafo com a realização de um
ção da Fronteira milagre. De toda forma, ao final da convenção todos
Seja para buscar uma erva mágica que só nasce os cartógrafos copiam os mapas uns dos outros, a fim de
aos pés das Montanhas Sanguinárias, investigar um obter e compartilhar conhecimento, conforme determina
caminho de doces que surgiu nas imediações da Tanna-Toh. Ironicamente, nos dias que antecedem a
Pondsmânia ou até para escoltar um carregamento de Congregação, o clima é de mistério. Cada cartógrafo
suprimentos para os Feudos de Trebuck, não é raro que guarda segredo sobre as áreas mapeadas, para revelar
alguém precise de ajuda na perigosa fronteira nordeste. apenas no momento certo e receber o devido prestígio.
Nesses casos, é possível recorrer à Companhia de Como muitos deles são devotos incapazes de mentir,
Exploração da Fronteira, que irá calcular o valor a ser esconder as descobertas muitas vezes envolve encontrar
cobrado dependendo do nível de perigo e designará um esconderijo para si próprio. Com muita frequência
um grupo de aventureiros adequado à complexidade da pedem ajuda de aventureiros, seja para proteger os frutos
missão — ficando com uma pequena comissão, é claro. de seu trabalho ou para surrupiar as descobertas alheias.
A Companhia tem representantes ao longo de
toda a fronteira, seja em castelos de antigos nobres ou Os Espadas de Allihanna
nos postos avançados. Para se tornar um aventureiro Os agricultores de Sambúrdia estão sempre em
agenciado, basta preencher o formulário e pagar a busca de expandir a área de cultivo para aumentar o
taxa de admissão. Feito isso, é possível se alistar nas lucro, o que muitas vezes prejudica a preservação da
missões disponíveis, mas apenas uma por vez. O floresta da Greenaria. Porém, há uma força que busca
serviço costuma ser remunerado em ouro, mas alguns direcioná-los para o crescimento sustentável: são os
clientes especialmente satisfeitos podem gratificar um Espadas de Allihanna, uma espécie de guarda florestal
trabalho bem feito com itens especiais. composta por druidas, bárbaros e outros indivíduos
que têm afinidade com a mata. Seja dialogando com os
Cartógrafos camponeses ou perseguindo malfeitores pelos ermos
de Tanna-Toh profundos, os Espadas educam a população quanto às
melhores técnicas, auxiliam aqueles que por ventura
Em meio a tantas organizações violentas, os Car- se percam na floresta e combatem os que depredam
tógrafos de Tanna-Toh se destacam pelo desinteresse a natureza de forma criminosa. Como o território a
em lutar, roubar, defender ou conquistar. Em vez de ser vigiado é muito grande, estão sempre recrutando
espadas ou machados, carregam pergaminhos, pena e aventureiros dispostos a ajudar. Embora não sejam
tinta. Em vez de buscar o enriquecimento, sua maior uma guarda oficial das Repúblicas Livres, a população
cobiça está na descoberta. Dizem os sábios que em respeita a autoridade dos Espadas de Allihanna e
Terápolis, o Mundo de Tanna-Toh, existe um mapa de
daqueles que agem em seu nome.
Arton completo e em tamanho real. O objetivo dos
Cartógrafos de Tanna-Toh é criar uma versão de tal
mapa em escala, o mais completo possível, e disseminar
as informações sobre terras distantes. Por isso, eles
Aventuras
se espalham pelo mundo, seja integrando grupos de Em um reino baseado em produção e escoamen-
aventureiros ou tripulações de navios. Quanto mais to agrícola, o trabalho mais comum para qualquer
longe chegar, mais satisfeito um cartógrafo ficará. aventureiro é escoltar caravanas mercantes. Além
Estão sempre com os olhos vidrados no ziguezaguear de transportar seus produtos, qualquer comerciante
dos rios, na posição das montanhas mais elevadas ou que se preze carrega uma boa quantidade de tibares,
no delinear da costa, sempre registrando as formas de para não perder quaisquer oportunidades que surjam
Arton em pedaços de papel para passar a limpo depois. pelo caminho. Por isso, precisam de proteção contra

Capítulo Dois
216
emboscadas de bandoleiros, senhores de terra co- ilegais, além dos lursh lyins. Além disso, as atividades
brando tributos excessivos ou até dragões atraídos de pesca, canoagem e natação são desafios habituais.
pelo resplandecer do ouro. Outros monstros comuns Como os campos de Sambúrdia produzem vá-
nos ermos incluem cocatrizes, entes, tendrículos e rias safras por ano, são muito comuns os festivais
elementais. Sílfides e duendes também podem “sair da colheita. Com música, dança, feiras e concursos,
para brincar” nas proximidades da Pondsmânia. esses festivais sempre têm muito trabalho a ser feito
Outro trabalho comum é colaborar nas transações. nos preparativos, e podem contar com a ajuda de
Muitos comerciantes estarão dispostos a dar descon- aventureiros para as incumbências mais difíceis, como
tos em troca de pequenos favores, e podem até ficar buscar uma receita secreta ou impedir que fazendeiros
desconfortáveis se você não tentar negociar. É possível rivais sequestrem o trobo premiado. Rixas são comuns,
buscar alternativas que agradem a todos ou executar seja entre comerciantes, navegadores ou colônias de
ações que façam oscilar a balança da oferta e procura, imigrantes. Embora às vezes fique claro qual a atitude
como encontrar outros interessados no acordo, persu- certa a se tomar como herói, nem sempre será tão fácil
adir os fornecedores a darem vantagens competitivas escolher. Em Sambúrdia não existe bem e mal, mas sim
ou até sabotar a atividade dos concorrentes. lucro e prejuízo. Isso faz com que aventureiros possam
ter dúvidas quanto a qual lado proteger — e, muitas
A marinha mercante é numerosa e oferece boas
vezes, descobrirão que há outro grupo de aventureiros
oportunidades de aventuras. Há muito o que se explo-
protegendo o outro lado!
rar no oceano, principalmente na busca por novas ro-
tas comerciais e por novos mercados. Inúmeras ilhas Os aventureiros habi-
no Grande Oceano nunca foram exploradas, correntes tuais de Sambúrdia são
marítimas para terras já conhecidas ainda não foram exploradores natos e cos-
mapeadas e dizem que existe um continente inteiro tumam ter relação com a
ainda por descobrir do outro lado do mundo! Po- natureza. Embora não haja
rém, empreender longas jornadas é perigoso. uma nobreza, aventureiros
Piratas e monstros marinhos dificultam li- com a classe nobre são mui-
gar Sambúrdia ao resto do mundo, sem to comuns, especialmen-
contar as dificuldades da viagem em te aqueles que vêm de
si, incluindo conduzir as embarcações uma longa linhagem de
e se orientar pelas estrelas. Inclusi- fazendeiros ou que es-
ve, hoje em dia é possível desbravar tão à frente de empreita-
a Ossada de Ragnar para chegar até das comerciais. Os ar-
a porção oeste do continente, mas canistas costumam
é um feito que requer níveis ele- ser herdeiros envia-
vados de coragem e perícia. An- dos para estudar em
tes de começar qualquer uma cidades mais refina-
dessas viagens, faz-se neces- das, enquanto bucanei-
sária muita preparação: an- ros de origem humil-
gariar matéria-prima para de desbravam as águas
construir o navio, abaste- em busca de especiarias
cê-lo com provisões, se- que possam deixá-los ri-
lecionar mercadorias e cos. Druidas, caçadores
reunir uma tripulação, e bárbaros são muito co-
enquanto lida com pos- muns nos ermos e não raro
síveis sabotagens feitas atuam como guardiões das
pelos adversários. florestas, tendo Allihanna
como padroeira.
Incursões por rio
são mais simples, mas
nem por isso seguras.
Existem pontos de Sambúrdia onde
as estradas não chegam e o único
Os hynne das Repúblicas Livres:
acesso é fluvial. Esses locais re-
exploradores e negociantes
motos muitas vezes são alvo de
piratas de água doce e pedágios

Além do Reinado
217
Capítulo Dois
218
Salistick O REINO SEM DEUSES

U
m país de gente que ergueu seu lar Embora ainda seguissem Roramar Pruss, esse
com as próprias mãos, não contando grupo encarava as visões divinas do líder com ceticismo
com a ajuda de milagres, Salistick é cada vez maior. Não desejavam destruir a esperança
tão iconoclasta quanto intrigante. Pois, dos outros milhares de refugiados, mas sua experiência
sugeria que tudo aquilo eram apenas ilusões e fantasias
aqui, a magia divina não funciona. Os salitienses
de uma criança. Quando enfim a caravana avistou a
não acreditam nos deuses — e, em troca, os
estátua de Valkaria, a maioria dos exilados acreditou
deuses também não parecem acreditar neles. que estava salva, que aquilo era a prova definitiva de
Anatomistas trabalham ao lado de necromantes que Roramar estivera certo. Mas as quatro famílias
para examinar cadáveres e desvendar os segredos da entenderam o exato contrário.
vida. Médicos buscam diagnosticar doenças enigmá- Décadas de peregrinação, sofrimento incalculável
ticas e curá-las sem a ajuda de sacerdotes. Detetives de gerações, apenas para encontrar uma deusa petrifi-
usam a ciência para investigar crimes aparentemente cada. Aprisionada. Derrotada. Onde os demais exilados
insolúveis. Nestas terras de cidades sofisticadas e viam uma salvadora, as quatro famílias enxergavam
pesquisas ousadas, o ceticismo é tão espesso quanto apenas o que estava lá: uma estátua.
a neblina que envolve as ruas... e caminha de mãos
Talvez outras populações tomassem essa dura lição
dadas com perigosas descobertas. Salistick é uma terra
como permissão para desistir, mas as quatro famílias
de pouca fé, mas infinitas aventuras.
e seus súditos eram resilientes. Num conselho impro-
visado, realizado numa tenda afastada das imensas

História comemorações de seus conterrâneos, esses nobres de-


cidiram que não tinham lugar ali. Não iriam disseminar
Embora a história da Caravana dos Exilados seja um sua mensagem realista e pragmática, pois os outros
relato de redenção e superação, nem todos os refugiados não estavam prontos para ouvi-la, mas não podiam
viveram a mesma história. Entre a população expulsa continuar dependendo de supostas “divindades”. As
houve quatro famílias nobres que, por acaso, decisões famílias nobres de Aghmen, Acetos, Balium e Ystamen
partiram para encontrar sua própria terra. Uma terra
ruins ou punição divina, suportaram o que havia de pior
onde os mortais seriam a medida de todas as coisas.
nessa jornada. Esses nobres e seus súditos sofreram
pesadas baixas durante a Grande Batalha. Encontraram
monstros e povos hostis ao pisar em Arton Norte. A Caravana sem Deuses
Sofreram com o frio e a fome. Em uma caravana que Não apenas as quatro famílias estavam descrentes
continha a população de reinos e que viajou durante e decepcionadas com os deuses. A elas se juntaram
décadas, houve milagres e tragédias... mas as quatro outros refugiados que, embora não fossem tão céticos,
famílias não testemunharam nenhum milagre. consideravam que o Panteão era distante demais dos

Além do Reinado
219
mortais. Assim, um grande grupo deixou a terra onde O reino foi fundado num histórico de dor. Mas,
estava se formando a cidade de Valkaria e continuou acima de tudo, num arcabouço de independência,
seguindo ao norte. resiliência, inventividade e liberdade. Sem deuses,
A jornada estendida foi marcada por ainda mais sem mestres.
infortúnios. Doenças desconhecidas levavam grandes
quantidades de peregrinos, acidentes causavam feri- Dos Mistérios da Fé
mentos graves, com poucos clérigos para curá-los. Até
mesmo os truques cruéis e sádicos de um dragão das
à Ciência da Vida
A falta de fé significava falta de milagres. E falta de
trevas teriam recaído sobre a Caravana sem Deuses,
milagres significava abundância de ideias. Onde não se
como a fatídica expedição viria a ser conhecida.
podia orar aos céus em busca de uma solução, os mortais
Tudo isso serviu apenas para confirmar as novas precisavam pensar numa solução própria. Aos poucos,
crenças das quatro famílias. Os exilados não haviam os habitantes adotaram novas maneiras de pensar para
alcançado nenhum grande favor divino. A conclusão preencher o vazio deixado pela falta de deuses. Uma
permanecia: ou os deuses eram muito fracos para importante corrente de pensamento foi a dos Filósofos
ajudá-los ou não se importavam ou, o que parecia Supranaturais. Estes sábios teorizavam não existir
cada vez mais provável, simplesmente não existiam. distinção entre o mundo natural e o sobrenatural: tudo
A divisão que já existia entre os pioneiros cresceu. poderia ser explicado através do conhecimento das
O grupo que se unira aos Aghmen, Acetos, Balium leis mágicas que ditam o funcionamento do mundo.
e Ystamen decidiu seguir uma antiga trilha nômade As divindades seriam somente forças da natureza, não
dos povos nativos, dando ouvidos aos boatos sobre muito diferentes de um terremoto ou furacão.
um suposto deus menor que habitava as planícies
Outros movimentos posteriores, como o da Escola
logo ao sul do Rio dos Deuses. As quatro famílias e
Antropoplanar, defendiam insubmissão à “tirania
seus súditos sabiam que essa era mais uma ilusão e
dos seres celestes” e que as pessoas não apostassem
continuaram procurando um lugar onde pudessem
em uma segunda existência abençoada após a morte,
se estabelecer.
pois mesmo a pós-vida era incerta nos reinos dos
Finalmente, depois de muitas agruras, as Famílias deuses. Em vez disso, as pessoas precisavam aproveitar
Fundadoras encontraram-se em meio a um pantanal ao máximo a vida e aprender a aceitar a morte com
denso de terras férteis e desabitadas. Mais importante serenidade, pois é a finitude que dá sentido às coisas.
de tudo: nesse lugar, os infortúnios cessaram. Esco-
A maioria do povo, no entanto, passou a simples-
lheram se estabelecer ali e descobriram que, além das
mente não se preocupar com a existência de divindades.
agruras, o que havia desaparecido era a magia divina.
Na maior parte de Arton, um plebeu só sabe diferenciar
Os poucos devotos que ainda restavam entre eles se
uma magia arcana de outra divina quando um mago ou
viram abandonados por seus “patronos”.
clérigo as classifica dessas formas. Mesmo os milagres
Aqueles que ainda acreditavam nos deuses de cura parecem arbitrários. Para um guarda, qual a
suspiraram de alívio, pois parecia que as divindades diferença entre a cura recebida pelas notas musicais
mesquinhas que os estavam torturando não tinham de um bardo aventureiro e pela suposta magia divina
poder naquele lugar. Os que já haviam descartado essas de um sacerdote? Para um fazendeiro, qual a diferença
superstições entenderam que, longe de populações entre a “bênção” divina que faz sua horta prosperar e
religiosas, os milagres “coincidentemente” não fun- a magia arcana que faz chover e tem o mesmo efeito?
cionavam mais. Aquele terreno era protegido contra os A população do novo reino, começando a se tornar
deuses, ou nunca houvera deuses em primeiro lugar? mais instruída que a média dos artonianos, passou
Fosse como fosse, a realidade era inegável — eles a questionar essas divisões. O que parecia mais pro-
haviam chegado a uma região onde a magia divina vável: um conjunto de seres onipotentes (mas nem
era fraca, quase inexistente. Decidiram batizar o novo sempre), eternos (mas que morrem e caem com certa
reino com os nomes das quatro Famílias Fundadoras. frequência), que distribuem milagres a seus devotos
Com o passar dos anos, haveria um acordo entre (mas nem todos) e que se intrometem nas vidas dos
as lideranças dos pioneiros. A aldeia de Yuton foi mortais (mas nunca de forma direta)? Ou um conjunto
escolhida para servir como sede da regência conjunta. de fenômenos naturais que podem ser explicados e
Durante muito tempo, o país funcionaria como uma compreendidos através da ciência?
tetrarquia, em que, a cada quatro anos, o rei nomeado Se os filósofos cuidavam dos assuntos da alma,
por uma das famílias era sucedido pelo herdeiro dos alguém precisava se preocupar com os assuntos do
outros clãs, em um sistema rotativo de poder. corpo. Foi a Rainha Euphana, apelidada por seus

Capítulo Dois
220
súditos de Rainha Necromante, que deu o primeiro
passo nessa direção. Magos das trevas já haviam sido
perdoados pela monarca, autorizados a dissecar cadáve-
res, compartilhando seus estudos de anatomia. Durante
a guerra civil de 1075, este conhecimento veio a calhar,
quando ela organizou diversos hospitais de campanha
para tratar refugiados vindos dos antigos reinos de
Svalas e Kor Kovith. Aprendizes de curandeiros e
herbalistas aprenderam ali a remendar pacientes às
portas da morte, aplicando e adquirindo conhecimento
na prática. Por observação e experimentos, descobriram
que o hábito de lavar as mãos salvava mais vidas do
que rezar. Que era possível extrair as propriedades
curativas de plantas medicinais e concentrá-las em
elixires. Que pragas não eram fruto de maldições (pelo
menos nem sempre), mas se espalhavam por pessoas
ou objetos contaminados.
Esta foi a origem dos primeiros cirurgiões. A
infância da arte médica no reino, mas também da má Salistick
fama associada a ela. Os primeiros médicos itinerantes
eram vistos com desconfiança pela população, vestidos Nome Oficial: Majestado Único de
em trajes cor de luto e usando estranhas máscaras de Aghmen, Acetos, Balium e Ystamen.
proteção. Suas técnicas eram rudimentares, variavam
Lema: “Com nossas próprias mãos”.
bastante e nem sempre davam certo. Quando um
paciente morria, não era raro que familiares e aldeões Brasão: de prata uma banda de vermelho.
resolvessem se vingar do curandeiro, já que não Gentílico: salistiense.
podiam atacar a doença.
Capital: Yuton.
A medicina daria um salto e passaria a ser o símbolo
Forma de Governo: nenhuma.
do reino apenas mais tarde, sob a regência do Rei Dozaen
e sua rainha, a assim-chamada Dama de Porcelana. Regente: nenhum.
População: 445.000.
O Médico Desconhecido Raças Principais: humanos, goblins,
O Rei Dozaen era um monarca querido pelo povo, golens, osteons.
mas a figura pública verdadeiramente idolatrada pela Divindades Principais: nenhuma.
população era sua esposa, a Rainha Gladys. Uma
mulher enérgica e alegre, mas também frágil, Gladys
era pequena e pálida. Ostentava cicatrizes de feridas
que nunca se curavam completamente. Apesar da
saúde delicada, trabalhava sem cessar pelo bem do
povo, que a chamava de “Dama de Porcelana”. Gladys Esse homem demonstrou ser um praticante de
considerava sua alcunha uma prova de carinho. medicina. Cuidando da rainha noite adentro e mesmo
Foram anos até a rainha conseguir engravidar. Um depois do dia raiar, ficou sem comer e dormir até que
momento de felicidade, mas também de preocupação, seus pacientes não estivessem mais correndo risco.
pois Gladys sofria para manter a criança viva sem seu Grato como nunca antes, o monarca ofereceu ao
ventre. O jovem príncipe nasceria antes do tempo, estranho riquezas, terras e honrarias, mas ele recu-
provavelmente causando a morte da mãe. Num dia sou. Pediu simplesmente para o rei cuidar do povo e
de tensão, enquanto a rainha passava mal e ninguém ajudar os enfermos. Recusou-se até mesmo a revelar
sabia o que fazer, Dozaen já se preparava para a seu nome. Contudo, registrou as técnicas que usara e
tragédia quando um estranho irrompeu pelo castelo, deixou instruções para os médicos reais. Especialmente,
vociferando ordens. Disse ao rei que salvaria seu filho explicou o método para fabricar e administrar o remédio
e sua esposa, mas apenas caso seus comandos fossem que salvara a vida da rainha e do príncipe, a partir da
obedecidos sem questionamento. erva curativa conhecida como salistick.

Além do Reinado
221
O estranho foi embora, mas Dozaen jamais o utilizando seus conhecimentos de economia. Apesar
esqueceu, nem as palavras que falou antes de partir: disso, tinha pouca habilidade na área da medicina.
“A maior recompensa é salvar vidas com as próprias mãos”. Costumava desmaiar à visão de sangue, o que o tornava
O rei começou uma busca pelo mais habilidosos alvo de desprezo entre a nobreza acadêmica. O rei
e sábios médicos andarilhos. Reunidos, poderiam também foi um grande guerreiro, além de bonito e
aprender um com o outro e teriam todo apoio da casa audaz, considerado durante algum tempo como o maior
real. Toda desconfiança com relação aos médicos se “prêmio” para nobres solteiras de todo o continente.
desfez ante a história da salvação da rainha. Eles pas- Porém, nunca se casou.
saram a ser vistos como pessoas piedosas, que faziam Certa noite, o Rei Proddian recebeu os membros
o possível para salvar vidas com os meios disponíveis. do Colégio Real de Médicos num jantar no palácio. A
Depois de alguns anos, a pedido dos próprios refeição foi tranquila, com conversas agradáveis, mas
curandeiros, o rei criou o Colégio Real de Médicos, o rei parecia tenso, preocupado. Logo após terminar
um centro de formação que logo se tornou patrimônio de comer, disse aos convidados que precisava de um
do reino. Com o passar das décadas, as artes curativas tempo sozinho e se retirou para seus aposentos. O
evoluíram em muitas direções. Bibliotecas foram ergui- monarca trancou a porta e não solicitou nada durante
das para coletar saberes tradicionais e conhecimentos a noite inteira. Na manhã seguinte, não se levantou
novos. Laboratórios levaram ao surgimento de técnicas na hora de costume. Os servos não puderam entrar
inéditas como esterilização e a inoculação. A coroa para realizar a rotina normal. Quando as horas se
passou a investir na saúde do povo, construindo passaram sem resposta aos chamados e às batidas,
esgotos fechados e cisternas tratadas alquimicamente os guardas arrombaram a porta. Encontraram seu
para prevenir doenças. rei morto sobre a cama.

Em meio a isso, dezenas de novas plantas medi- Não havia sinais de luta nem de arrombamento
cinais foram descobertas, dando origem a centenas de anterior. A única janela permanecia trancada. O
remédios. Embora o preparado que salvara a rainha aposento era protegido contra todo tipo de magia,
e o príncipe não fosse nem mesmo um dos mais inclusive barrado para espíritos e criaturas imateriais.
potentes, o povo nunca esqueceu da erva utilizada Aparentemente, Proddian fora morto com um golpe
pelo médico desconhecido. Assim, informalmente de objeto contundente na cabeça enquanto dormia.
entre a plebe, então entre os médicos e por fim entre O único sangramento encontrado foi um pequeno
a nobreza, o reino passou a ser conhecido como “a corte na mão do rei, que parecia recente e não fatal.
terra da salistick”. Ou apenas Salistick. Ainda assim, peritos do Colégio falharam em detectar
qualquer tipo de veneno ou elemento mágico. Os
guardas do castelo não viram ou ouviram nada suspeito
Quem Matou durante a noite e a investigação não encontrou nenhum
o Rei Proddian? sinal de invasão ou saída do quarto. Todos os suspeitos,
Com uma história tão conturbada, não surpreende incluindo os membros do Colégio que jantaram com
que até hoje Salistick mantenha seu espírito insub- o soberano na noite anterior, foram interrogados, mas
misso. Ao fim da regência do antigo Rei-Imperador todos tinham álibis. O mistério continua até hoje.
Thormy, o reino optou por deixar o Reinado e se juntar Mas agora, sem um herdeiro claro para o trono,
à Liga Independente, que havia acabado de se formar. havia a questão da sucessão real. O método de governo
Salistick adotou então novas leis, incluindo a liberação mudara desde a criação do Colégio Real de Médicos. Em
de armas de pólvora. E, quando a Liga Independente vez de rotacionar entre as quatro famílias, o trono agora
se desfez e as Repúblicas Livres de Sambúrdia se permanecia com a família Aghmen, à qual pertencera
formaram, o reino optou por permanecer neutro e o Rei Dozaen, enquanto as outras três controlavam o
não integrar a nova entidade, apesar de manter uma Colégio. Com a morte de Proddian, alguns previram
boa relação diplomática com a nação. A mesma suposta que haveria uma tentativa de tomada do poder pelas
neutralidade também foi bastante questionada durante outras famílias, ou mesmo um levante. Curiosamente,
a Guerra Artoniana, quando Salistick abriu suas fron- nada disso aconteceu.
teiras para receber e tratar feridos de ambos os lados. Os Acetos, os Balium e os Ystamen estavam mais
Mais uma reviravolta aconteceria com a morte interessados em fomentar a ciência. Mesmo os mais
do controverso Rei Proddian. Homem pragmático e ambiciosos nobres viam a pesquisa como fonte de
astuto, o monarca sempre tivera uma visão clara sobre poder e riqueza muito maior que um título. Nenhum
as necessidades da população. Era famoso por ser parente distante dos Aghmen surgiu clamando direito
capaz de prever e resolver diversos problemas do reino à coroa. O reino passou a ser governado “temporaria-

Capítulo Dois
222
mente” por um conselho, que aos poucos deixou de
lado suas responsabilidades para voltar aos estudos. Geografia
E, sem que ninguém decidisse isso, sem um O Reino sem Deuses fica localizado em uma região
momento específico de mudança, Salistick deixou de clima temperado, caracterizado por temperaturas
de ter um governo. amenas e pouca variação ao longo do ano, exceto pelas
mudanças na quantidade de chuvas. O terreno da
Para a surpresa de todos (exceto talvez dos
região é predominantemente pantanoso, de solo escuro
próprios salistienses), a população altamente
argiloso, muito fértil, ideal para a agricultura. Sua
educada continuou a prosperar sem uma liderança
paisagem é marcada por planícies ondulantes, com
formal. Ninguém mais sabe quais são as leis do país,
poucas montanhas e formações rochosas.
ou mesmo se há leis. Práticas antes mantidas na
clandestinidade passaram a ser encaradas de forma O terreno é ideal para o crescimento das inú-
natural. Osteon andam abertamente, sem precisar meras ervas e plantas curativas que compõem a
esconder seus rostos esqueléticos. Suraggel com matéria-prima dos remédios e preparados alquímicos
óbvias características demoníacas perderam o medo utilizados pelos médicos. Assim, Salistick é bastante
de se mostrar. Cientistas e magos divulgam seus independente do resto de Arton para desenvolver sua
experimentos, por mais “controversos” que sejam. principal indústria. É curioso que um reino tão sofis-
ticado, com cidades tão desenvolvidas, seja também
Em paralelo a isso, crimes contra a vida, ou
tão rural e arborizado. Os salistienses sabem que é
mesmo contra a propriedade, passaram a ser alvo de
preciso manter boa parte da terra intocada para que
investigações de guildas e de cidadãos independentes.
essa valiosa flora continue a prosperar.
O mistério ainda insolúvel da morte do rei deu início
a uma “febre” que tomou Salistick de assalto. Muitos As fronteiras de Salistick são definidas pelas
estudiosos voltaram sua pesquisa à ciência da detecção, Repúblicas Livres de Sambúrdia ao norte, pelos Ermos
muitos jovens passaram a sonhar com a glória através Púrpuras a leste e sul e por Svalas e a Supremacia
da identificação e captura de criminosos. Os salistienses Purista a oeste. O reino nunca se preocupou muito
já descobriram que cada artoniano deixa marcas únicas com defesa de fronteiras ou com um exército forte.
em superfícies através das pontas de seus dedos. Mesmo tendo a Supremacia Purista como vizinha (e
Uma indústria crescente de vidros e cristais busca com o histórico expansionista desse vizinho), Salistick
aperfeiçoar lupas. E a medicina está se expandindo confia mais em negociações, neutralidade e diplomacia
para estudar a mente, com alguns sábios ousados já do que na força das armas.
traçando perfis dos mais violentos criminosos. A Guerra Artoniana teve um efeito duplo em
Mais uma vez, Salistick mostra Salistick: por um lado, reforçou a crença do reino de
que as tragédias só servem que médicos têm o dever de curar todos, até os mais
para impulsionar o odiosos vilões. De fato, o hynne Doc Lagoon ficou
progresso. Sem deuses, famoso no reino por tratar de puristas que o amaldi-
sem mestres. çoavam assim que recobravam a consciência — muitas
vezes contra a vontade dos pacientes, que prefeririam
morrer a ser salvos por um não humano. Por outro
lado, a guerra mostrou a todo o continente que pode
ser mais interessante manter este reino livre do que
invadi-lo. Assim, é pouco provável que Salistick
enfrente muitos problemas de
fronteira num futuro próxi-
mo... Ao menos problemas
que os salistienses não
consigam resolver com
racionalidade.

Além do Reinado
223
Povo & Costumes A vida predominantemente urbana deu origem
a uma moda pouco prática, mas muito elegante. As
Salistick é único em mais de um sentido. Mesmo vestimentas típicas incluem cartolas, espartilhos,
nas áreas rurais, os habitantes têm acesso a “luxos” paletós e suspensórios. Entre os médicos, muitos
como sistemas de esgoto e tratamento de água. O povo vestem casacas e aventais brancos (frequentemente
é saudável e robusto: sua pele raramente apresenta manchados de sangue e outros fluidos), enquanto
marcas de peste e muitos mantêm todos os dentes. outros se orgulham de manter as vestes pretas tra-
O reino também tem mais idosos que qualquer outro dicionais. Os aparatos médicos mais avançados, como
no continente, devido à alta expectativa de vida. instrumentos para auscultar o coração e os pulmões de
Humanos são maioria absoluta, mas há presença de pacientes, têm se tornado moda entre os praticantes da
todas as outras raças — com destaque para osteons, medicina, mesmo quando não estão trabalhando. Vários
goblins e golens. Medusas, suraggel demoníacos, médicos usam máscaras que cobrem a face inteira.
trogloditas, lefou e outros indivíduos “mal vistos” No passado, essas máscaras serviam para esconder
em certos reinos andam livremente aqui. Não são o rosto do médico (evitando a fúria dos ignorantes
muitos, mas chamam atenção. e vingativos) e também para protegê-lo contra maus
cheiros, através de receptáculos de ervas aromáticas no
interior da estrutura. Hoje, são usadas principalmente
por tradição. Muitos médicos aventureiros gostam delas
simplesmente porque são impressionantes.
Contudo, alguém não treinado em medicina
que use roupas ou acessórios ligados ao ofício é
alvo de desprezo, zombarias e até mesmo fúria dos
salistienses. Um dos piores insultos para alguém
deste reino é “farmacopola”, que para eles significa
um pretenso médico charlatão. Alguém considerado
um farmacopola é seguido nas ruas por cidadãos que
grasnam como patos. Não se sabe a origem dessa
prática, mas os sons de “quack!” são usados para
atormentar os curandeiros vigaristas.
A higiene é valorizada na cultura local e os
salistienses têm o exótico hábito de tomar banho
diariamente. Barbas e unhas são mantidas curtas
e lavar as mãos é o mais próximo que este povo
tem de um rito sagrado. Estrangeiros estranham
a distância que os salistienses mantêm entre si,
enquanto os habitantes deste reino ficam muito
desconfortáveis com a naturalidade com que
outros povos invadem o espaço pessoal de
outras pessoas e tocam nelas sem necessidade
ou permissão expressa. Nisso os salistienses se
assemelham ao povo de Bielefeld. Já foi dito
que a amizade ideal para habitantes
desses dois reinos envolve ficar em
extremos opostos de uma sala sem
nunca falar um com o outro...

Elementar
Desde o assassinato do Rei
Proddian, Salistick vem sendo
tomado pela mania da investigação.
Alguns já afirmam que, em breve, o
reino será tão conhecido por seus detetives
quanto por seus médicos.

Capítulo Dois
224
Um detetive de Salistick é um estudioso que possui quase nenhum tabu. Pólvora é usada aberta-
resolveu focar seus conhecimentos em um uso prático mente, inclusive em duelos entre nobres orgulhosos.
muito específico. Para estes investigadores, a captura O consumo de achbuld é apenas um hábito pouco
do criminoso é a parte menos interessante, um trabalho saudável. Necromantes erguem os mortos (com a
menor que poderia ser realizado por qualquer um. O devida permissão de seus familiares, por uma questão
verdadeiro desafio está no quebra-cabeça, na junção de etiqueta) para então usá-los em aulas de anatomia
de pistas, na coleta de evidências por meios científicos abertas ao público. Cientistas conduzem todo tipo de
avançados, nas deduções baseadas em raciocínio lógico. experimentos considerados “proibidos” em outras
Uma vez que o culpado seja apontado, muitas vezes terras, incluindo o enxerto de órgãos mágicos em
um detetive de Salistick perde o interesse, deixando corpos humanos e até mesmo testes com a matéria
a apreensão a cargo de aventureiros. É por essa razão vermelha da Tormenta. A polêmica sobre o que é ou
que raramente se preocupam com crimes óbvios e não um crime (e o que fazer com criminosos se não
bandidos comuns. Se um caso não apresenta um há governo) também está impulsionando a ciência do
enigma interessante, não vale a pena ser investigado. direito, com advogados salistienses elaborando teses
Curiosamente, isso vem gerando um fenômeno que não dependem da crença em Khalmyr.
oposto: os “criminosos cavalheiros”. Frente a uma Um salistiense médio é, acima de tudo, cético.
forma tão civilizada de desvendar crimes, certos Frente a uma proibição, invariavelmente vai perguntar
vilões tomam para si o desafio de cometer crimes o motivo. Também não descarta nenhuma ideia, mesmo
cada vez mais complexos, testando o intelecto de seus que venha de um vilão ou criminoso. Salistick já fez
rivais. Não basta matar a condessa com um tiro. Será pedidos formais a sábios duyshidakk para que venham
muito mais instigante matá-la na frente de centenas explicar seu curioso modo de entender o tempo e
de testemunhas, com um veneno indetectável de já recebeu magos finntroll em palestras sobre suas
ação lenta, administrado através do perfume que ela práticas macabras. Há um convite perene para que
só usa uma vez por ano, quando vai à ópera. Esses qualquer sumo-sacerdote venha a Salistick responder
vilões estão começando a surgir em outros reinos, às perguntas dos maiores cientistas locais e submeter
onde não há meios de detecção tão avançados, o que sua magia a testes rigorosos. Por alguma razão, nenhum
gera a necessidade de detetives de Salistick em terras deles jamais aceitou.
estrangeiras, espalhando essa ciência por Arton.

Liberdade sem Deuses Governo


Não existem templos em Salistick e devotos são Inicialmente, o trono de Salistick era revezado
praticamente desconhecidos. Não há nenhuma proi- entre as Famílias Fundadoras, cada uma assumindo
bição a respeito — de fato, alguém poderia construir o governo a cada quatro anos. Isso mudou depois
um templo a qualquer deus em qualquer lugar do
da fundação do Colégio Real de Médicos, quando os
reino quando quisesse. E muitos já tentaram, apenas
Aghmen solidificaram seu direito à coroa e as demais
para desistir frente à avassaladora indiferença dos
famílias chegaram à conclusão de que teriam mais
salistienses. O povo deste reino não odeia os deuses,
poder investindo na medicina e na ciência.
não persegue seus fiéis, não se ressente do “abandono”
que os mortais sofreram. Apenas considera que essas Mas hoje em dia não existe rei, a coroa é um
crenças são ultrapassadas. Um devoto é tratado da mero objeto decorativo e o trono não passa de uma
mesma forma que alguém que come carne crua por curiosidade. Os nobres continuam habitando o palácio,
não conhecer o fogo ou que usa um tacape por não administrando seus negócios e apadrinhando diferentes
compreender o funcionamento de uma espada. Tem aspectos da vida acadêmica e cotidiana, mas não há
todo direito a sua ignorância, mas qualquer salistiense um governante. A sociedade salistiense se organiza
estará mais do que disposto a educá-lo se o coitado em diferentes lideranças: mestres regem guildas,
demonstrar interesse em aprender. Estrangeiros que capitães comandam batalhões, reitores encabeçam
passam muito tempo no reino muitas vezes se dão universidades, até mesmo senhores de terras governam
conta de como os deuses simplesmente não fazem sobre seus servos. Mas obedecer a qualquer uma dessas
diferença aqui. Quando percebem, já não pensam em autoridades é um ato totalmente voluntário. O mais
nenhuma divindade há semanas ou meses e começam reles fazendeiro pode se recusar a entregar parte de
a questionar suas antigas crenças... sua produção a seu senhor se isso não for vantajoso.
Exceto por assassinatos, roubos e outros atos Muitos afirmam que, sem uma autoridade central,
considerados “obviamente criminosos”, Salistick não Salistick está fadado a cair frente ao primeiro tirano

Além do Reinado
225
um centro de negócios e uma câmara
de debates para nobres, acadêmicos
e comerciantes. Contudo, grandes
áreas do palácio, incluindo a sala
do trono, o salão de banquetes e
os aposentos reais, estão fechadas,
sendo consideradas “cena do crime”
pelos detetives de Salistick. Como
não há um governo para decidir
quem está autorizado a entrar, esses
investigadores infestam o palácio
dia após dia, uns questionando o
direito dos outros de estar ali, mas
raramente estragando a cena do cri-
me — exceto para coletar evidências.
Diz-se que o detetive que solucionar
o assassinato será o maior herói do
reino, e muitos estão dispostos a
obter essa glória.
Mas mesmo em outros tempos
esse magnífico edifício não se com-
para ao verdadeiro coração da cidade:
o Colégio Real de Médicos. Em
torno desta maravilha arquitetônica
orbita um centro movimentado com
uma miríade de estabelecimentos
diferentes, como pensões para estu-
dantes, tavernas, lojas de alfaiates,
destilarias, farmácias, laboratórios
alquímicos, livrarias, perfumarias,
ringues de pugilato, termas medi-
cinais e outros estabelecimentos de
reputação mais duvidosa.
Uma das formas de entreteni-
mento mais típicas são os gabinetes
de curiosidades, que trazem um
que erguer armas e invadir a capital. Mas o povo pouco das experiências inusitadas do dia a dia de
do reino considera que, nesse caso, a racionalidade aventureiros para a população comum. Entre os mais
ditaria que se unissem e derrubassem o pretenso populares estão o Alcantilado do Conhecimento, a
conquistador. Talvez a necessidade de um rei seja Catacumba das Fabulações Macabras, o Historiódromo
como a crença nos deuses: algo a ser superado por Assombroso, o Vivodrómo Rótríquio II… só para citar
pessoas inteligentes e questionadoras. alguns dos mais frequentados! Esses estabelecimentos
exibem desde monstros empalhados até itens mágicos
e amaldiçoados tomados de vilões, restos de heróis
Locais Importantes mortos e seres extraplanares vivos. Alguns gabinetes
contratam aventureiros especificamente para trazer
Yuton (capital) atrações — quanto mais inusitadas, mais valiosas.
Às margens do Rio Vermelho, este é o maior porto Há também o Mirante de Zaalen, a antiga torre
de Salistick. É a cidade mais antiga do reino, tendo de um mago e o prédio mais alto da cidade. Com mais
sido a capital desde sempre, além de território neutro de dez andares, seu último pavimento agora funciona
para os negócios das Famílias Fundadoras. Em uma como uma taverna que oferece vistas panorâmicas da ci-
ilhota fica o Palácio dos Quatro Salgueiros, morada dade. Os andares intermediários foram convertidos em
tradicional dos reis salistienses. Hoje em dia o palácio é uma estalagem pelo atual proprietário, o empreendedor

Capítulo Dois
226
Amric Havarddar, um homem simpático e repleto de carentes e filhos de pequenos comerciantes. Acredita-se
charme, que na verdade é um ex-médico criminoso. Ou, que a família Balium utiliza a escola como uma forma
segundo alguns boatos, ainda um criminoso, culpado de moldar o caráter destes alunos para que sejam leais
de uma série de assassinatos horrendos. ao clã, sua visão de mundo e príncipios.
Outro ponto turístico interessante é a Praça Na margem oeste fica a Universidade de Ciên-
da Ninfa. Neste jardim arborizado, uma dríade cias Anatômicas Acetos, que também atua como
barda canta ocasionalmente. O lugar é cercado por hospital. A universidade treina cirurgiões e bacharéis
quatro bairros diferentes, cada um habitado por vindos de Yuton e exibe na entrada com um lema com
uma das quatro filhas dahllans da dríade, chamadas grafia peculiar: “NESTE LOCAL ENTRÃO MÉDICOS
Primavera, Verão, Outono e Inverno. Cada filha E EGRESSÃO DOUTORES”. A universidade possui
projeta uma aura climática misteriosa em torno um currículo idêntico ao do Ginásio Balium e alguns
de si, que tem sido estudada pelo Colégio Real em professores em comum, mas é voltada apenas para
pesquisas sobre doenças relacionadas a diferentes filhos de nobres e de ricos comerciantes.
ambientes e temperaturas. Os estudantes das escolas das margens leste e
oeste nem sempre são tão aplicados. Muitos preferem
Ergônia “honrar” as instituições através de brigas de taverna
Uma cidade repleta de natureza exuberante e e até mesmo duelos. Agremiações e confrarias de
mágica, Ergônia é cercada pela Mata das Grandes estudantes, cada uma com seus próprios brasões e
Sombras, uma floresta habitada por seres místicos tradições, cultivam rivalidades (quase amigáveis ou
e gigantes guardiões das árvores. No passado houve abertamente violentas) entre si, gerando uma enorme
tentativas de desmatar a floresta, mas ela sempre dor de cabeça para a população.
avançava de novo, misteriosamente. Os boticários e Perto da cidade há a Ponte das Almas, um
herboristas locais possuem um pacto com os guardiões projeto de construção que atravessaria o Rio
da Mata. Segundo esse acordo, nunca mais houve Vermelho, unindo Namalkah e Salistick. A Ponte
uma tentativa de devastar a floresta, e em troca as está inacabada após décadas de construção, pois
construções humanas são deixadas (quase) intactas. Os incontáveis acidentes, tragédias, atrasos e ataques de
habitantes de Ergônia sabem que não adianta reclamar monstros impedem que seja terminada e tornam este
quando um enorme carvalho começa a crescer no meio um dos locais mais perigosos do reino. A Ponte já foi
de sua sala — é melhor se acostumar com o novo abandonada e considerada uma ruína, para depois a
morador ou se mudar. Em contrapartida, a cidade é construção ser retomada… e então abandonada mais
talvez a maior produtora de ervas e plantas medicinais uma vez. Hoje em dia as famílias nobres, diversos
em todo o mundo conhecido. Médicos de todo o reino, comerciantes ricos e líderes de guildas competem
além de curandeiros de outras partes de Arton, vêm até para terminar a construção, inclusive contratando
aqui para estudar a flora local. Muitos druidas engolem aventureiros para investigar a “maldição da ponte”.
o orgulho e aceitam uma desconexão temporária com Ainda assim, os acidentes estão mais frequentes e
suas divindades apenas para ter contato com tamanha sérios do que nunca.
variedade. É claro, nem todos os visitantes são bem
intencionados. Sabendo que a Mata das Grandes
Sombras sempre resiste, vários caçadores já chegaram
Pântano dos Vermes
à conclusão de que isso significa que aqui há infinitas Este pântano, situado perto da fronteira de
criaturas mágicas para serem abatidas. Muitos vêm Namalkah, é coberto por uma espessa neblina e por
armados até os dentes e acompanhados de aventureiros gases tóxicos que pairam no ar. O nome faz referência
inescrupulosos, em busca de monstros ou até seres tanto às criaturas rastejantes e asquerosas que se
inteligentes para transformar em troféus. alimentam de carne podre quanto ao temível dragão
das trevas que supostamente vive nas sombras deste
charco e controla os mortos-vivos vagando pelo local.
Quallist A lenda deste dragão é tão antiga quanto o próprio
O segundo maior porto do reino. Em sua margem reino e muitos aventureiros tentaram encontrá-lo e
leste localiza-se o Ginásio de Formação para a Exce- enfrentá-lo, mas poucos retornaram vivos para contar
lência Balium. É uma filial do Colégio Real, dirigido a história. Aqueles que se aventuram por este lugar
pela família homônima. O ginásio oferece um rigoroso sinistro correm o risco de se perder por sua mata
treinamento que inclui matemática, alquimia, lógica, densa ou afundar em poços de areia movediça que
gramática e retórica. É voltado para órfãos, crianças parecem surgir sem aviso.

Além do Reinado
227
Guildas & as doenças que os mataram… Todos também são
encorajados a desenvolver suas próprias pesquisas,
Organizações desde o dia em que ingressam na instituição. Não é
incomum ver cabeças reanimadas ou tubos contendo
perigosas doenças e maldições jogados em meio aos
Colégio Real livros nos alojamentos de certos alunos. Os mais ou-
de Médicos sados costumam ser apadrinhados por alguma família
Este é o centro da elite acadêmica salistiense, nobre (em especial as quatro Famílias Fundadoras)
com instituições afiliadas e representantes em todo para mais tarde alavancar seu nome no caso de alguma
o reino. Embora existam outras escolas que ensinam grande e lucrativa descoberta.
a medicina, nenhuma conta com uma fração do Embora a maior parte dos alunos seja jovem, é
prestígio do Colégio Real, nem com professores tão comum que aventureiros veteranos venham estudar no
competentes ou instalações tão completas. No Colégio Colégio Real. Qualquer um pode ingressar, desde que
Real, resultados falam mais alto que nascimento. Não passe pelos rigorosos testes de admissão, que envolvem
é raro que um jovem nobre se torne um pária por não sabatinas de conhecimentos anatômicos, provas de resis-
se dedicar aos estudos, enquanto que um humilde filho tência estomacal (como passar um dia inteiro imerso na
de fazendeiros ganhe fama e atenção especial do corpo bile de monstros do esgoto) e até rápidas passagens por
docente. A imensa maioria dos alunos é salistiense, labirintos cheios de armadilhas, para testar o raciocínio
com alguns vindos de Namalkah ou das Repúblicas e a rapidez de tomada de decisões do candidato. Cada
Livres de Sambúrdia e raras exceções de outros reinos. novo estudante também precisa ser aceito como pupilo
O Colégio Real possui quatro níveis de titulação, por um doutor filósofo do Colégio, que será seu mentor
que servem tanto como distinção de saber quanto principal durante os anos de formação. Isso já gerou
como hierarquia social. Os títulos de “esculápio”, histórias magníficas de amizade e também ódios
“médico” e “doutor” são concedidos aos épicos que culminaram em duelos mortais entre
formados, de acordo com a profundi- professor e aluno. O Colégio cobra pesadas
dade de seus estudos, com privilégios taxas de seus estudantes, mas qualquer
crescentes à medida que se sobe na um que se destaque na parte acadêmica
escala. Há ainda o título de “doutor pode receber isenção total. O corpo
filósofo”, necessário para fazer docente acredita que os mais ricos
parte do corpo docente da instituição. e menos esforçados devem abrir
Contudo, poucos médicos itinerantes espaço para os verdadeiros pro-
e aventureiros vão atrás da honraria. O dígios, o que também costuma
título mais comum encontrado em grupos de gerar rivalidades.
aventureiros e hospitais de campo é “médico”, Uma das grandes bibliotecas do Colégio
já que os esculápios costumam assumir funções desabou há alguns anos, causando danos e perda de
auxiliares nas próprias instituições de ensino. Já conhecimento. Uma fenda no local, estudada pelo
“doutor” é um título almejado por muitos por seu doutor e geólogo Ivo Pryde, é um poderoso sorvedouro
status no mundo todo. Vários estudiosos sem grande de magia divina, supostamente um portal para o Nada,
interesse por medicina vêm a Salistick apenas para uma das entidades cósmicas que criaram os deuses. A
poderem ostentar essa honraria com propriedade. fenda é mantida protegida por uma redoma, com acesso
Além de formar médicos, o Colégio realiza estudos restrito apenas a doutores filósofos.
sobre os maiores males que ameaçam Arton, como A atual reitora do Colégio Real de Médicos é a
a infame Praga Coral da província de Lomatubar e ex-aventureira Vonnda Ystamen, uma doutora tão
os simbiontes da Tormenta. A instituição também brilhante quanto polêmica. Especialista em diversas
é vanguardista na aplicação de próteses encantadas, áreas do conhecimento, Vonnda é uma das pioneiras no
cátedras móveis e máscaras de reconstrução facial. estudo da mente dos maiores vilões de Arton e costuma
Embora o Colégio Real conte com salas de aula contratar aventureiros apenas para enfrentar alguns
e preleções no modelo mais tradicional de ensino, a desses criminosos notórios e trazer mais informações
maior parte do tempo dos alunos é passada em outros sobre eles, na tentativa de traçar seus perfis. Alguns
lugares. Eles assistem a cirurgias (e mais tarde parti- boatos sugerem que Vonnda não tenha sido exatamente
cipam como auxiliares), atendem pacientes, realizam uma aventureira, mas uma vilã e que seu interesse
experimentos com mortos-vivos, dissecam criaturas se deva a contato próximo com figuras como Ellen
mágicas, entrevistam espíritos para saber mais sobre Redblade, Nekapeth, o Camaleão e outros.

Capítulo Dois
228
Ordem da Magia divina
Perfeição do Corpo Não há clérigos nativos de Salistick e
Os membros desta irmandade acreditam que toda mesmo a magia divina lançada por um
doença deriva do desequilíbrio entre mente e matéria. estrangeiro funciona com o mínimo de
Inspiram-se nos ensinamentos de Zuor Vaarnin, anti- eficácia. Todas as variáveis numéricas de
go sábio e médico que se tornou eremita para testar e uma magia divina são limitadas ao seu
estudar os limites de seu próprio corpo — alcançando, valor mínimo, incluindo pontos de vida
segundo alguns, a imortalidade. recuperados e duração. Além disso, um
teste para evitar o efeito de uma magia
A descoberta de seus escritos, 150 anos depois,
divina é um sucesso automático. Magias
revelou um conhecimento poderoso sobre como
sem valores numéricos funcionam normal-
alcançar tanto a cura quanto a imunidade a doenças.
mente, mas seus efeitos são geralmente
No último deles, Vaarnin afirmava que deixou este
modestos e pouco espetaculares.
mundo voluntariamente “para conhecer outros Pla-
nos de existência”. A ordem tem diversos centros de
estudo espalhados por Arton, mas evita ativamente
usar a palavra “mosteiro”, devido à conotação reli-
giosa. O maior desses centros encontra-se na cidade Aventuras
salistiense de Ergônia. No terreno pantanoso do Reino sem Deuses há
Curiosamente, entre os estudiosos da Ordem da uma grande diversidade de animais perigosos, como
Perfeição há muitos especialistas em luta corporal. crocodilos, serpentes constritoras e cardumes de
Isso porque, segundo alguns, uma das melhores ma- piranhas voadoras. Além disso, monstros mágicos
neiras de obter o equilíbrio pregado por Zuor Vaarnin como hidras e serpes representam risco constante para
é o combate desarmado. Artes marciais tamuranianas viajantes. Há também relatos de dragões das trevas que
e luta de chão tapistana são muito valorizadas nos supostamente assumem formas humanas e manipulam
centros de estudo, mas os discípulos mais avançados os habitantes do reino. A ausência de magia divina faz
já começam a desenvolver seus próprios métodos com que mortos-vivos sejam comuns em Salistick. De
formais de combate. fato, existem testes extensos para determinar quais
dessas criaturas são monstros e quais são cidadãos!
Os Arautos da Praga Nos últimos anos, aventureiros vêm sendo contra-
Embora o ceticismo e o foco científico de Salistick tados em números cada vez maiores como “assistentes”
sejam vistos por quase todos no reino como fatores de detetives — embora, na visão dos próprios aven-
positivos, tudo tem seu lado sinistro. Existe um grupo tureiros, eles façam quase todo o trabalho e todos os
de salistienses, presente principalmente nas grandes atos heroicos! Assim que um detetive descobre uma
cidades, que enxerga a ausência de deuses como falta pista, muitas vezes precisa de um grupo para fazer a
de sentido na existência. Sem sentido, é melhor não parte “braçal” ou, no fim da investigação, capturar o
existir. E qual a melhor forma de acabar com muitas culpado. Da mesma forma, aventureiros de outros
existências em Salistick do que pervertendo a medicina? reinos que desejem estudar a ciência da detecção
Os Arautos da Praga possuem células em muitos tornam-se aprendizes dos investigadores salistienses.
lugares e, o mais assustador, já conseguiram se A Guarda de Valkaria já começou a enviar alguns de
infiltrar no Colégio Real de Médicos. Eles roubam seus detetives para cá.
amostras de fluidos contendo doenças e focos de Sem dúvida a maior fonte de aventuras (e aventu-
maldições, para então transformar tudo isso em armas reiros) do reino é a medicina. Os médicos de Salistick
dentro de seus laboratórios clandestinos. Quando são imensamente procurados por grupos de heróis
uma dessas pragas está pronta, os Arautos a liberam por suas habilidades curativas. Também é comum que
sobre a população inocente de alguma cidade, sempre aventureiros sejam afligidos por males que nenhuma
com seu grito: “De volta ao Nada!”. suposta magia divina é capaz de curar e venham para
São considerados vilões abomináveis, além de cá em busca de um tratamento. Doutores filósofos
anátema a todos os preceitos que fundaram Salistick. contratam aventureiros para recolher ervas curativas
Contudo, entre os maiores sábios do reino há quem ou ingredientes ainda mais exóticos para seus remédios
defenda sua existência. Afinal, nenhuma prática — às vezes, o hipocampo frontal de um oxxdon é
científica deveria ser proibida... exatamente o que faltava para um novo elixir.

Além do Reinado
229
Ilustração

SVALAS O REINO RENASCIDO

Q
uando um artoniano pensa em “reino”, para se proteger de grandes ameaças. Svalas é um
o que vem a sua mente é um lugar berço de heróis, um lugar onde uma espada afiada,
vasto e antigo, com um rei ou rainha uma magia preparada e bastante coragem podem ser
poderosos e distantes. O sonho de a diferença entre triunfo e ruína.
muitos heróis é, com sorte e a bênção dos deuses,
um dia salvar um reino inteiro. Breve Glória
Svalas não é nada disso. Talvez a única ideia preconcebida que se aplique a
Em Svalas, nobres lutam ao lado de cavaleiros e Svalas seja sua história longa. O reino foi fundado no
plebeus. A rainha conhece pessoalmente seus súditos ano 1024, sendo um dos primeiros a serem estabele-
e recebe em sua corte o mais reles estrangeiro recém- cidos no continente norte. Na verdade, a fundação de
-chegado. Um viajante pode cruzar todo o território em Svalas foi anterior à de nações muito mais poderosas
poucos dias. Sem a glória das grandes nações e fazendo e notórias, como Wynlla ou Sambúrdia. É anterior
fronteira com um inimigo, Svalas recorre a qualquer até mesmo ao antigo Reino de Yudennach — o que
aventureiro disponível, mesmo os mais inexperientes, representa uma humilhação nunca esquecida.

Capítulo Dois
230
A família nobre Svalas partiu de Valkaria pouco
depois da fundação da cidade, em busca de um terri-
tório onde construir seu novo lar. Era uma linhagem
de guerreiros, mas com um forte senso de honra. Os
Svalas não entraram em conflito com os povos de
Ramnor e evitaram territórios ocupados, até encontrar
o que buscavam: uma terra fértil em uma posição
estratégica, com uma enorme e densa floresta. A
região era assolada por monstros, mas os Svalas não
temiam isso. As planícies podiam ser plantadas, a
floresta podia fornecer madeira e isso era tudo que
importava. Seguindo os costumes mais tradicionais,
o reino e a floresta foram batizados com o nome da
família. Em pouco tempo já havia um pequeno castelo
e cavaleiros patrulhavam a terra.
Mas, se a honra importava aos Svalas, ela de nada
valia para os Yudennach.
O Reino de Yudennach se estabelecera nas
proximidades de Svalas. Militarista e expansionista, Svalas
Yudennach massacrou habitantes nativos e se espa-
lhou até onde a diplomacia permitia. Nas décadas Nome Oficial: Reino de Svalas.
seguintes, Svalas começou a receber cada vez mais
Lema: “Diversos, Honrados, Livres”.
refugiados de raças não humanas — pessoas que
fugiam das políticas intolerantes de Yudennach e vi- Brasão: de vermelho uma banda engolida
nham procurar abrigo. Ainda era época de construção, por duas cabeças de leões de ouro, sobre
quando a liderança de Deheon era tênue e o Reinado tudo um escudete de verde carregado de
era jovem. Por isso, ninguém pôde ajudar o pequeno três barris de ouro, dois e um.
reino quando ele foi invadido por Yudennach. Gentílico: svalano.
Svalas lutou com bravura, mas não teve chance. Capital: Cidade de Svalas.
Cerca de 50 anos após sua fundação, foi conquistado
Forma de Governo: monarquia eletiva.
e desmantelado. A família fundadora foi caçada e
massacrada até o último parente distante. Registros Regente: Rainha Ayleth Karst.
históricos foram queimados, crianças foram proibidas População: 80.000.
de aprender o nome do reino. Sob o domínio militar
Raças Principais: humanos, goblins,
de Yudennach, a ordem era fingir que Svalas nunca
anões, elfos, hynne.
existira, havia sido apenas um território a ser anexado
ao reino maior. A única lembrança que restou foi a Divindades Principais: Khalmyr, Lena.
floresta, sempre conhecida como Floresta Svalas
apesar dos esforços dos conquistadores.
Mas essa lembrança se provou suficiente.

E o povo de Svalas foi inteligente. Eles agora eram


Resistência Eterna membros do Exército com uma Nação. Faziam parte
Por quase 400 anos, Svalas lembrou. de uma cultura militarista e belicosa, que esperava que
Não havia a menor possibilidade de uma pe- aprendessem a lutar. Assim, nobres de Svalas eram
quena região rural pegar em armas e conquistar sua educados nas academias militares das grandes cidades
independência. Mas o povo aguerrido manteve viva a de Yudennach e voltavam a suas terras para ensinar
memória dos fundadores e o nome do reino. Geração o que haviam aprendido. Aguçando seu pensamento
após geração, as crianças eram proibidas de aprender estratégico, os senhores de Svalas silenciosamente
sobre sua verdadeira história — mas ouviam-na mesmo transformaram a terra conquistada em um refúgio de
assim, à noite, em sussurros de seus pais. Os registros não humanos. Em suas pequenas aldeias, castelos
não mais existiam, mas a tradição oral foi repassada rústicos e fazendas tradicionais, pessoas das mais
ao longo dos séculos. variadas raças eram acolhidas, passando a viver e

Além do Reinado
231
trabalhar lado a lado com os humanos. Criou-se acaso abrigava alguns aventureiros iniciantes. Eles
uma diversidade estonteante, contrastando com o foram contratados pela herdeira para investigar as
modo de viver simples e antiquado. Quando enviados “atividades estranhas” e acabaram se envolvendo na
da capital se aproximavam, os não humanos eram resistência. O Barão Abelard se sacrificou durante
escondidos e protegidos. uma batalha, deixando a espada de sua família para
O reino existira de forma independente por apenas um dos heróis. Lady Ayleth assumiu o baronato e
50 anos. Mas quatro séculos não foram capazes de assim foi selada uma aliança e uma amizade cheia
destruí-lo por completo. de percalços que resultaria na vitória.
Os aventureiros viriam a se tornar os grandes
A Conquista heróis da Guerra Artoniana — Lothar Algherulff,
Nargom, Kadeen e Klunc. Eles rumaram a Valkaria
da Liberdade e comunicaram à Rainha-Imperatriz tudo que havia
Quando os puristas se ergueram e deram o ocorrido. Como sanção às conspirações puristas,
golpe de estado que transformaria Yudennach na Shivara decretou a independência de Svalas. Os heróis
Supremacia Purista, muitas lideranças resistiram. As então voltaram como arautos da liberdade, apenas
movimentações foram vistas no pequeno Baronato para descobrir que os puristas estavam se retirando.
de Karst. Essa terra, governada pelo Barão Abelard No entanto, os conquistadores banidos deixaram para
com auxílio de sua única filha, Lady Ayleth, por trás um último ato de covardia: despertaram a fúria de
um gigante, que destruiu boa parte
das terras mais civilizadas do reino.
O gigante foi vencido, mas
apenas a um custo terrível. Svalas
foi quase totalmente devastado. Um
elfo heroico tombou frente à criatura,
sendo para sempre honrado no reino.
Lady Ayleth, única nobre da região,
ascendeu a rainha pelo decreto de
Shivara. Auxiliada pelos heróis, agora
chamados de Campeões de Svalas,
ela se pôs a estabelecer uma capital
e reerguer sua terra.
Mais de 400 anos depois, Svalas
recomeçava. Mais uma vez, livre.

Svalas
Renascido
Hoje em dia, Svalas é um reino
pequeno e cheio de paradoxos. É
antiquado — preserva os costumes
feudais ancestrais que mantiveram a
chama acesa durante todo o período
de conquista. Mas é também muito
cosmopolita. Cidadãos das mais
variadas raças podem ser vistos
em qualquer vilarejo, coexistindo
normalmente com os humanos mais
simples. É uma terra de senhores
feudais, fazendas e tavernas de beira
de estrada, mas aqui o preconceito
contra não humanos é o pior crime
que se pode cometer. Praticamente
qualquer pessoa, mesmo um velho

Capítulo Dois
232
A Floresta de Svalas e, mais do que isso, rumores ficaram confinados ao território
sombrios sobre o lugar logo do reino — após a invasão, apenas
Praticamente metade do território começaram a se espalhar.Diziam a floresta!
de Svalas é coberto por uma que a floresta era assombrada Agora que Svalas recuperou seu
floresta densa e escura, que se pelos espíritos dos soldados antigo território, os mortos talvez
estende até os Ermos Púrpuras. svalanos que morreram durante possam deixar a orla da mata.
Quando o Reino de Yudennach a invasão. Amargurados por Se voltarão para ajudar o povo,
conquistou Svalas, séculos atrás, terem falhado com seu povo, não ou se estarão enlouquecidos por
a floresta permaneceu intocada. teriam conseguido descansar, séculos de amargura e sedentos
Os recursos naturais de lá não virando mortos-vivos. Porém, pelo sangue dos vivos, só o
interessavam aos conquistadores por serem soldados de Svalas, tempo dirá...

fazendeiro armado com um ancinho, vai se erguer Ao mesmo tempo, quase qualquer ameaça é
contra alguém que demonstre antipatia ou desconfiança uma ameaça ao reino todo. Um único gigante quase
por alguma raça. Em Svalas, os lefou podem andar pôs fim ao ideal de liberdade. Uma infestação de
sem medo, os osteon não precisam esconder o rosto kobolds, um portal mágico ou um feiticeiro com
e os sulfure podem falar sobre sua herança infernal. ideias megalomaníacas são perigos à própria exis-
O grande influxo de refugiados também significa tência do reino. Não há um exército formal, apenas
que quase todos têm uma história interessante. A nobres armados e plebeus recrutados às pressas — e
mulher bebendo ao seu lado na estalagem não é heróis. Aventureiros iniciantes serão aclamados
apenas uma dahllan — ela é uma dahllan que nasceu e recebidos pela própria rainha. Não é difícil que
de uma flor amaldiçoada num campo de batalha e recebam um feudo desabitado como recompensa
tem cabelos feitos de pétalas cor de sangue. O velho por uma missão bem-sucedida.
kliren atrás do balcão não é apenas um kliren — ele A Rainha Ayleth governa em sua capital, também
é na verdade um jovem hynne que trocou de corpo chamada Svalas. Uma estátua do elfo que deu sua vida
por causa de uma magia desastrosa, e está em busca pela defesa do reino domina a paisagem, na praça
do danado que possui seu corpo verdadeiro! Não central. Ayleth é uma nobre firme e decidida, com
faltam exemplos. Gregorydantalas Wallgof, um fama de rabugenta e cabeça-quente, mas valente,
elfo barbado que afirma ter viajado no tempo, pode extremamente leal ao seu povo e dotada de um senso
ser visto diariamente em busca de remédios para de justiça extremamente rígido. Ela acabou se casando
seus diversos males. Aeon Nukeburn, um mago com o pirata Nargom, seu aliado e desafeto ocasional
dahllan masculino especialista em artes marciais, durante a Guerra Artoniana. Nargom nem sempre
conta para todos sobre como escapou de um Lorde está no castelo, continuando a singrar os mares, mas
da Tormenta apenas meditando. Enod o Done, um
a capital toda entra em festa quando ele chega.
lefou, é ao mesmo tempo mago e clérigo de Wynna, e
costuma divertir os aldeões quando suas duas cabeças A posição geográfica de Svalas faz com que quase
de personalidades conflitantes discutem entre si. qualquer tipo de perigo possa surgir. A enorme po-
Alguns dizem que Svalas é um reino de histórias pulação de monstros que atraiu a primeira família
infantis, onde tudo que é fantástico ocorre num raio nobre continua aqui: qualquer coisa que se esconda
de poucos quilômetros. em ermos ou cavernas existe em Svalas. Além disso,
a floresta continua misteriosa. Muitas vezes um mago
Não há espaço para pompa ou arrogância. Com
ou sábio precisa de algum ingrediente que só existe
raríssimas exceções, os nobres vivem em castelos,
em suas profundezas sombrias. Não é incomum
fortes e salões simples, sendo assessorados por três
que fanáticos da Supremacia façam alguma incursão
ou quatro conselheiros e tratando com aventureiros
clandestina, ou que pequenos nobres desafiem a
pessoalmente. A história do Barão Abelard Karst
autoridade de Ayleth.
marcou o reino e solidificou a noção de que aqui todos
devem lutar unidos. Se o barão não tivesse confiado Mas nenhuma dessas ameaças pode fazer o povo
em um grupo que incluía um pirata e um bárbaro, a desistir de seu reino. Isso eles foram capazes de provar,
independência nunca teria sido alcançada. século após século.

Além do Reinado
233
Ilustração

Capítulo Dois
234
Feudos de
Trebuck A TERRA DOS MIL BARÕES

E
sta terra ao norte do Reinado não é parando apenas ao chegar em uma região de planícies
uma nação unificada, mas uma miríade entre o Rio dos Deuses e as Montanhas Sanguinárias.
de feudos independentes. As relações Lá, os exploradores se separaram, cada família e cada
entre eles variam — há alianças sela- clã erguendo suas fazendas e aldeias, distantes entre si
das por casamentos, rivalidades decididas em por dias de viagem. Sendo comunidades isoladas, cada
uma precisava se preocupar com suas próprias defesas.
torneios de cavalaria e ódio sedimentado por
Assim, com o passar dos anos, cada uma ergueu fortes
guerras. De maneira similar, entre os senhores
e castelos. Era o início dos feudos.
feudais há todo tipo de pessoa. Alguns são
Por décadas a vida seguiu, cada feudo cuidando
justos e honrados, preocupados em proteger
de seus interesses. A rotina era árdua, mas, graças
seus vassalos. Outros são cruéis e gananciosos,
ao trabalho dos camponeses, a região prosperava. Tal
tentando expandir seus domínios a todo custo. prosperidade chamou a atenção de Wogar Aranth, na
Além dos conflitos entre os próprios barões, as época rei de Sambúrdia. Pelos decretos do Reinado,
fronteiras da região são ameaçadas por todo tipo toda a região norte pertencia ao reino sambur — in-
de inimigo. Do leste, bárbaros e monstros des- cluindo as terras dos feudos. Sedento pelas riquezas
cem das Montanhas Sanguinárias para saquear dos senhores locais, Wogar enviou seu filho, Aggaron
e devorar camponeses. Do norte, o Dragão-Rei Aranth, para governar a área. Ambicioso e arrogante, o
Sckhar cobiça os castelos dos nobres. Do sul, príncipe começou a cobrar impostos abusivos. Aqueles
comitivas feéricas visitam, causando caos e que não eram capazes de pagar tinham suas terras
tomadas e repassadas para algum membro da corte de
loucura. E do oeste, escutam-se trovões e os
Aggaron. Os que resistiam eram mortos. Tudo isso fez
cânticos dos cultistas da Tormenta. Por tudo
crescer um sentimento de revolta, até que, liderado
isso, esta é uma terra rica em oportunidades para por um fazendeiro e guerreiro aposentado chamado
aventureiros que desejem servir a um nobre… Gareth Friedel, um bando de camponeses pegou
ou ascender eles mesmos à nobreza. em armas. Na vila de Crovandir, fizeram o primeiro
levante contra Sambúrdia, depondo o lorde local e
prendendo-o nas masmorras do castelo. Começava
História a Rebelião dos Servos.
A região dos feudos foi povoada por membros da
grande caravana que partiu de Deheon rumo ao norte, Sangue e Revolta
ainda nas primeiras décadas do Reinado. Embora a Assustado com o ato de seus antigos súditos,
maior parte dos colonizadores tenha se estabelecido Aggaron fugiu para a capital do reino em busca da ajuda
nas terras férteis de Sambúrdia, alguns continuaram, do pai. As más notícias não foram bem recebidas por

Além do Reinado
235
Wogar. Enfurecido com o filho, o monarca ordenou que Althar já era um monarca velho quando recebeu a
Aggaron conduzisse um destacamento de soldados de notícia de um ataque de demônios na fronteira oeste de
volta ao território que era de sua responsabilidade e Trebuck. Mesmo assim, não hesitou — montou em seu
executasse os desordeiros. Acuado, o herdeiro de Sam- cavalo e, acompanhado de sua guarda pessoal, partiu
búrdia partiu com suas tropas. Enquanto isso, o bando para enfrentá-los. Se fossem realmente demônios,
de Gareth já havia se organizado. Os relatos do feito talvez caíssem ante a carga dos cavaleiros. Infelizmente,
em Crovandir se espalharam pelas outras comunidades, eram algo muito pior. Eram lefeu. Althar morreu
inflando o povo com coragem. Aventureiros do resto defendendo suas terras, sob as garras impossivelmente
do Reinado, cansados da vida errante, foram atraídos afiadas dos invasores aberrantes. Ao contrário do
pela causa dos aldeões e pela oferta de terras próprias fundador do reino, porém, ele deixou uma herdeira.
quando o conflito terminasse. Assim, quando Aggaron
Nessa época, a princesa real Shivara estava se
chegou, não encontrou uma revolta de camponeses.
aventurando pelo Reinado como parte de sua edu-
Deparou-se com uma verdadeira rebelião.
cação. Mas, quando soube da morte do pai, voltou
O conflito durou anos. Aggaron e as tropas sambur para Trebuck e assumiu o trono. Já rainha, Shivara
enfrentaram os rebeldes em escaramuças e batalhas reivindicou a criação de uma força militar da coalizão
campais. Plantações eram saqueadas e queimadas, para enfrentar a Tormenta. A fim de atrair aliados,
castelos eram sitiados e tomados. A guerra só terminou conseguir apoio e amealhar poder político suficiente
quando Aggaron foi capturado pelas forças rebeldes para cumprir seu objetivo, Shivara viajou por todo
após um ataque fracassado contra o Forte Arantar. o Reinado, mostrando inteligência, capacidade de
Gareth enviou um mensageiro a Sambúrdia, com uma persuasão e coragem incríveis para alguém tão jovem.
proposta para o Rei Wogar: devolveria o príncipe... Por fim, o então Rei-Imperador Thormy aceitou seu
em troca da liberdade de sua terra. O coração de pai pedido e criou o Exército do Reinado.
de Wogar pesou mais do que a coroa em sua cabeça,
Quando a área de Tormenta se estendeu para
e ele cedeu às exigências dos rebeldes. Ao receber a
dentro das fronteiras de Trebuck e tomou o Forte
resposta de Wogar, Gareth enviou um novo mensageiro,
Amarid, o Exército do Reinado marchou. Foi a primeira
desta vez para Deheon. O cavaleiro levava documen-
batalha entre Arton e a Tormenta. Infelizmente, as
tos assinados por Gareth e por Wogar, acordando a
forças artonianas falharam em expulsar os lefeu e
independência da região. Com o reconhecimento da
tiveram que recuar. O Exército do Reinado assumiu
Coroa do Reinado, nascia o Reino de Trebuck.
uma postura defensiva e a área de Tormenta não se
expandiu mais, resultando em um impasse tenso.
Calmaria e Tempestade Suas nuvens rubras continuaram despejando sangue e
Gareth foi coroado rei, mas não esqueceu as ori- ácido sobre a fronteira oeste, fazendo com que Trebuck
gens independentes da região. Seu primeiro decreto ganhasse a sinistra alcunha de “o Reino da Tormenta”.
foi a criação da Assembleia dos Nobres, uma reunião
que podia ser convocada pelos senhores feudais e
dava a eles o poder de depor o monarca em casos
Trono Vazio
de tirania ou incapacidade. Gareth foi um regente e Dissolução
honrado e, durante sua vida, a Assembleia nunca foi Apesar da derrota, por sua determinação em en-
convocada. Porém, morreu sem deixar herdeiros. Outra frentar um inimigo que ameaçava toda Arton, Shivara
família assumiu o trono e outras depois desta. Algumas foi considerada uma heroína no mundo inteiro. Além
dinastias produziram bons governantes, outras nem disso, mais tarde se tornou rainha de Yudennach por
tanto. Havia escaramuças entre os barões — apesar casamento, consolidando-se como uma figura influente
de terem se unido sob um rei, ainda possuíam uma na política artoniana. Assim, anos depois, quando
cultura de independência —, assim como eventuais Thormy abdicou da coroa do Reinado como parte do
ataques de monstros. Mas, desde a Rebelião dos Servos, tratado que encerrou as Guerras Táuricas, Shivara foi
nenhuma grande guerra. apontada e eleita como nova Rainha-Imperatriz. A
Séculos após sua fundação, Trebuck era um reino monarca se mudou para Deheon e, embora ainda fosse
próspero, governado pelo Rei Althar, monarca justo, regente de Trebuck, na prática não conseguia mais
sábio e portador de Carthalkan, a poderosa Espada se envolver com o governo de seu reino natal. Ainda
Cristalina. Por toda sua honra e poder, Althar estava assim, o fato de uma bucker ser governante de toda a
fadado a uma morte terrível e sua dinastia, a ser a coalizão enchia de orgulho o povo do reino.
última do reino. Pois uma ameaça diferente de todas No trono do Reinado, Shivara governou com firme-
as outras estava prestes a surgir. za. Foi sob seu governo que os puristas se ergueram

Capítulo Dois
236
como uma nova ameaça aos povos artonianos. A Rai-
nha-Imperatriz mais uma vez demonstrou coragem e
determinação, unindo-se a heróis em busca do suposto
líder secreto da odiosa facção. Infelizmente, durante
essa missão desapareceu sem deixar vestígios — havia
sido sequestrada pelo General Supremo Hermann
Von Krauser. Muitos heróis de Trebuck foram enviados
para descobrir seu paradeiro, mas nenhum conseguiu
encontrá-la, ou mesmo ter qualquer pista do que havia
acontecido com a monarca. Pelas cortes dos feudos,
começou-se a falar o que ninguém queria ouvir: Shivara
estava morta e, assim como Gareth séculos atrás,
partira sem deixar herdeiros. Houve, é claro, muitos
nobres que queriam continuar as buscas, por esperança
ou lealdade. Porém, a essa altura a Guerra Artoniana
rugia por todo o continente. Com os batalhões puristas
marchando por Arton, não era mais possível esperar
— os rumos do reino precisavam ser decididos. Era
hora de convocar a Assembleia dos Nobres.
Os senhores feudais se reuniram em Crovandir,
Trebuck
para debater sobre a guerra e sobre o trono. A res-
Nome oficial: Feudos Independentes
peito do conflito, houve muita discussão, mas pouco
de Trebuck.
consenso. Enquanto alguns barões queriam atacar a
Supremacia, outros argumentavam que era tolice entrar Lema: “Como um Céu Estrelado.”
em guerra contra a maior potência militar de Arton. Brasão: XXXXX XXXXX XXXXX.
E outros, ainda, lembravam que as nuvens rubras da
Gentílico: bucker.
Tormenta trovejavam em sua fronteira — uma ameaça
maior que qualquer exército! O único ponto em comum Capital: nenhuma (mas veja Crovandir).
era o ódio que estavam sentindo pelo Reinado: na Forma de governo: feudalismo.
visão deles, a coalizão havia causado a morte de sua
Regente: uma miríade de barões, cada
rainha. Assim, não foi surpresa quando um dos nobres
um senhor de seu próprio feudo.
sugeriu que Trebuck deixasse de ser parte do Reinado,
nem quando os outros votaram a favor da proposta População: 1.850.000.
radical. Em outra situação, Deheon poderia ter evitado Raças principais: humanos, hynne.
a saída com diplomacia. Porém, ocupado com a ameaça
purista, o Reino Capital nada pôde fazer. Divindades principais: Khalmyr,
Arsenal, Allihanna.
Ainda havia a questão do trono de Trebuck. Muitos
nobres não se julgaram dignos de se sentar em um
trono outrora ocupado por Shivara. Outros, orgulhosos,
achavam que poderiam ser tão grandiosos quanto a
rainha que enfrentou a Tormenta e sugeriram seus
próprios nomes como reis — mas nenhum conseguiu
Geografia
apoio suficiente para ascender. Novamente, após mui- A região dos feudos é composta de planícies e
tos debates, uma noção aparentemente incontestável campos ondulados, cobertos de relva e, eventualmente,
surgiu lentamente. Trebuck nascera como diversos bosques e florestas. Embora o solo não seja tão fértil
feudos independentes, sem uma autoridade central. quanto o das Repúblicas Livres, é o suficiente para
Se não era possível eleger alguém à altura de Shivara, permitir fazendas e pastos vistosos.
talvez não devesse mais haver rei nenhum. Há incontáveis feudos, dos menores, com
Foi assim que os nobres votaram por retornar às pequenos fortes de madeira e aldeias sonolentas, aos
origens da região. Quando a Assembleia acabou, os ba- maiores, com poderosas fortificações de pedra e vilas
rões voltaram para suas terras — agora não mais regiões agitadas. No geral, os feudos são isolados entre si,
de um reino unificado, mas domínios independentes. embora alguns sejam ligados por estradas de terra.
Eram os Feudos de Trebuck. Mesmo esses caminhos, porém, possuem pouca

Além do Reinado
237
A Volta de Shivara? manutenção e, durante chuvas, transformam-se em
lamaçais esburacados. Já as terras entre os feudos são
A antiga rainha de Trebuck, considerada ermas e desabitadas.
morta durante a Assembleia dos Nobres
Como um todo, a região é menos movimentada
que a destituiu do cargo, estava viva, e
que o Reinado — é possível viajar dias sem encontrar
voltou ao Reinado anos depois. Shivara
outras pessoas, visto que a maior parte da população
gostaria que Trebuck voltasse à coalizão,
não deixa suas próprias aldeias. Mesmo o comércio
mas respeitou a decisão da Assembleia
aqui é incipiente, consistindo de mascates solitários
— a Rainha-Imperatriz é acima de tudo
em suas pequenas carroças. As grandes exceções são
uma governante justa e a decisão dos os dias de torneios e festivais, quando pessoas de
barões possuía o peso da lei. feudos vizinhos (e amigáveis) se juntam para assistir
Em Trebuck, as opiniões a respeito de às justas e participar das comemorações.
Shivara variam. Alguns nobres ainda O sul do reino, perto da Floresta de Sambúr-
se sentem leais a ela e desejariam dia, tem clima ameno, embora às vezes fenômenos
que voltasse como rainha. Outros a estranhos aconteçam, como neve em pleno verão
respeitam, mas acham que estão melhor e tempestades súbitas em dias de céu azul. Todos
sozinhos, cuidando de seus respectivos colocam a culpa disso nas fadas da Pondsmânia. Já
vassalos e terras sem uma autoridade o norte é mais quente e árido, graças à proximidade
maior atrapalhando. E outros ainda com Sckharshantallas.
nutrem antipatia ou raiva, por motivos
variados — desde brigas ancestrais
com sua família a simples inveja — e
sabotariam qualquer tentativa de
Povo & Costumes
restituir uma coroa central. A maior Desde suas origens, o povo dos feudos é valente
parte do povo tem carinho pela antiga e perseverante, mas também desconfiado e arredio
rainha, mas na verdade não pensa — embora algumas vilas pratiquem o costume da
muito nela. Para quem precisa cuidar hospitalidade comum no Reinado, outras fecham suas
de sua plantação enquanto se defende portas a forasteiros.
de monstros errantes, a pessoa que se A maior parte da população é humana, mas há
senta no trono de um castelo distante também anões e hynne. Membros de raças mais
não parece importar tanto. Além disso, mágicas, como elfos e qareen, são raros — talvez
Shivara sumiu por anos e, mesmo achem os feudos muito banais... Aqueles de raças
antes de seu desaparecimento, já estava exóticas, como golens e osteons, provavelmente
afastada de Trebuck — assumiu como serão considerados monstros, sendo recebidos com
Rainha-Imperatriz e se mudou para cautela, medo ou, em casos extremos, hostilidade.
Deheon há quase 15 anos. Os jovens de A exceção são dahllan, sílfides e outras fadas que,
Trebuck sequer se lembram de Shivara vindo da Pondsmânia, eventualmente visitam a
como rainha! região. Porém, dificilmente se estabelecem aqui e,
No momento, não parece haver nenhuma após se divertir com os camponeses, voltam para
tentativa de restituir Shivara como rainha sua floresta mágica.
de Trebuck nos feudos. A própria Shivara Khalmyr é o deus mais cultuado e representa a
não quer se impor como soberana. autoridade dos barões. A maior parte dos feudos possui
Porém, ainda se preocupa com sua terra alguma representação de seu símbolo sagrado, nor-
natal, em especial em relação à área de malmente na forma de uma tapeçaria na sala do trono.
Tormenta que existe aqui. Sempre que Arsenal também possui muitos devotos, especialmente
pode, a Rainha-Imperatriz usa emissários entre os guardas e cavaleiros dos castelos, e não é visto
para contratar grupos de aventureiros como um rival de Khalmyr. Já os camponeses cultuam
experientes dispostos a enfrentar os Lena e Allihanna — a primeira em capelas nas vilas
demônios e impedir que a influência e a segunda, em pequenos santuários nas cercanias
rubra se alastre. Essa é a maneira que dos feudos. Por fim, em certas comunidades isoladas,
encontrou para proteger os feudos sem cânticos assustadores têm sido ouvidos à noite — a
causar um incidente diplomático. influência corruptora da área de Tormenta tem feito
surgir na região cultos a Aharadak.

Capítulo Dois
238
Os Feudos Em comparação ao Reinado, a vida nos feudos
é relativamente monótona. Camponeses passam a
Distante do centro do continente, esta região maior parte do tempo trabalhando a terra, enquanto os
sempre foi pouco povoada e desenvolvida. Aqui não há nobres se ocupam fiando e tecendo em salões escuros
grandes cidades (com exceção de Crovandir), e a vida e úmidos, ou caçando e patrulhando em bosques
é basicamente rural. A unidade básica da sociedade próximos, também escuros e úmidos! As feiras, que
são os feudos — vilas de camponeses que vivem normalmente acontecem nos pátios dos castelos,
da terra (fazendeiros, pastores, lenhadores...) ao movimentam um pouco a rotina. Mas o evento que
redor de um castelo. O feudo típico é uma sociedade realmente traz vida e cor aos feudos são os torneios.
pequena, com poucos milhares de habitantes, e pode
ser atravessado em um ou dois dias de caminhada,
ou metade disso a cavalo. Governo
O senhor do castelo é também senhor de todo Os Feudos de
o feudo e a maior figura de autoridade da Trebuck não pos-
região. Alguns são justos, outros são tirâ- suem um governo
nicos, mas quase todos são combatentes central. Cada barão é
poderosos, capazes de proteger seus soberano em sua pró-
súditos pela força das armas. O senhor pria terra, e nenhum
de um feudo é chamado de barão renunciaria a essa auto-
ou baronesa e tratado como “meu ridade em prol de um rei.
lorde” ou “milady”. Os feudos Formalmente, ainda exis-
são bastante independentes te a Assembleia dos No-
entre si e quase não há rela- bres, uma reunião que pode
ções de suserania — ou seja, ser convocada por qualquer
barão para debater sobre as-
relações de hierarquia entre os
suntos que afetam toda a ter-
nobres. Assim, títulos como
ra. Porém, a última Assembleia
conde, marquês e duque,
aconteceu há vários anos, justa-
comuns nos reinos mais
mente para decidir pelo fim da co-
desenvolvidos do Reinado,
roa de Trebuck. Desde então, os
não são usados aqui. nobres estão cada vez mais isola-
Os camponeses mais po- dos. Hoje, seria necessário um even-
bres cultivam as terras do to cataclísmico para que um novo cha-
senhor, ficando com uma mado fosse atendido.
parte da colheita para si e
deixando o resto para o ba-
rão. Outros, mais abasta-
dos, possuem terras pró-
prias, pagando impostos
ao nobre em troca de
proteção. Mas mesmo Mago da corte de
os proprietários de ter- um dos feudos
de Trebuck. As
ras dependem do ba- vestes vermelhas
rão para ter acesso a são apenas uma
instalações neces- escolha estética...
Ou um indício
sárias para seu de culto a
trabalho, como Tormenta?
um moinho, for-
no ou forja, dis-
poníveis apenas
no castelo ou perto dele. Assim, mais cedo ou mais
tarde todos acabam se encontrando dentro dos mu-
ros, sob a sombra da torre do senhor.

Além do Reinado
239
Locais Importantes nas de soldados. Nos anos que se seguiram, o forte se
expandiu até se tornar o imponente castelo que é hoje.

Crovandir Durante algumas décadas, Arantar perdeu impor-


tância, tornando-se um “depósito” para os membros
A antiga capital, da época que os feudos eram um menos capazes e mais descartáveis do exército de
reino unificado, Crovandir é a única grande cidade da Trebuck. Contudo, após a rápida passagem de Orion
região. Porém, hoje está esvaziada e decadente. Não Drake e um fatídico ataque do caçador de recompensas
faz parte de nenhum feudo e, desde a dissolução da Crânio Negro, o forte recuperou sua glória e foi
coroa, é governada por um conselho mais preocupado tomado sob a proteção de um nobre.
em encher seus bolsos com os impostos que cobram
dos mercadores do que em cuidar da população. Atualmente, Arantar é um feudo próspero. Suas
terras são férteis e, sob a sombra das muralhas do
Outrora uma pequena vila, Crovandir entrou para a castelo, seguras. Porém, há quem diga que tal prospe-
história como berço da rebelião contra o regime abusivo ridade trouxe indolência e ganância. Em vez de usar
do príncipe de Sambúrdia. Assim, quando Trebuck se seus guardas e cavaleiros para proteger a região, o barão
tornou um reino independente, Crovandir foi escolhida de Arantar, Lorde Hurton, os mantém estacionados
como capital. Ser a sede da corte fez a vila crescer e, em postos de fronteira, onde abordam, interrogam e
ao longo dos séculos, se tornar uma cidade próspera revistam de forma arbitrária os viajantes e mercadores
e movimentada, que recebia mercadores e dignitários que passam pelas estradas do feudo. Hurton, hoje um
de reinos longínquos. Quando a Tormenta surgiu em homem afeito a banquetes, mas outrora um
Trebuck, Crovandir se viu subitamente
campeão de liças com sua pesada maça
esvaziada de visitantes externos, o
de guerra, diz que faz isso pensando
que começou um ciclo de declínio.
na segurança do feudo. Já os viajantes
Quando a Assembleia dos Nobres
dizem que tudo não passa de desculpa
decidiu pelo fim do reino, muitos
para a cobrança de impostos abusivos
habitantes da capital rumaram para
e a apreensão ilegal de mercadorias.
os feudos em busca da proteção de um
senhor, o que deixou a cidade ainda Arantar tem outra característi-
mais abandonada. Hoje, a população é ca notável: uma passagem subterrâ-
uma fração do que costumava ser e muitas nea, que leva por um longo túnel,
casas estão em ruínas. Ainda assim, é o durante vários dias de viagem, até
principal ponto de comércio da região, e uma caverna próxima ao acampa-
aqueles em Trebuck que precisam de itens mento do Exército de Arton. Esta
raros muitas vezes se veem obrigados a passagem é um segredo muito bem
encarar as ruas escuras, sujas e repletas guardado — e, embora seja útil, rara-
de bandidos de Crovandir. mente é usada, pois serve de covil para
vários monstros.
O centro da cidade é ocupado pelo
Palácio Valanya, antiga sede da corte. Outrora um
lugar de salões iluminados e jardins floridos, hoje Prodd
está em péssimo estado de conservação. Desde o fim Este pequeno feudo ao sul é um lugar pacato,
da família real, o palácio não tem moradores. Em vez de colinas suaves e floridas. Aqui o povo vive vidas
disso, abriga os funcionários da burocracia urbana e tranquilas, cuidando de suas plantações e pastos sob
as reuniões do conselho, cada vez mais esporádicas. a guarda do barão de Prodd. De fato, o feudo não
Embora seja uma visão triste, o Palácio Valanya não é seria digno de nota se não fosse por um detalhe: sua
o pior lugar da cidade. À noite, dos porões de várias proximidade com a Pondsmânia.
casas, é possível escutar cânticos grotescos, um indício
De duendes solitários a grandes comitivas do
de que Crovandir está repleta de cultos à Tormenta.
Reino das Fadas, visitas feéricas não são raras aqui.
Como e quando elas acontecem varia — o que não
Arantar varia é o grande impacto que causam nos humanos.
Este castelo de muralhas espessas de pedra branca De fazendeiros humildes que recebem a bênção de
possui uma história gloriosa. Nos tempos do conflito um lorde feérico e veem cada grão de milho de suas
com Sambúrdia, Arantar era um pequeno forte de ma- plantações se transformar em uma moeda de ouro até
deira, mas aqui o herói Coravandor liderou trinta re- cavaleiros que se apaixonam por uma fada e abandonam
beldes buckers a deter uma invasão sambur com cente- o mundo mortal, tudo pode ocorrer.

Capítulo Dois
240
Graças a isso, o povo do feudo tem costumes baros saqueadores e monstros famintos. Nos últimos
peculiares. Alguns tentam se proteger das criaturas anos, não foram poucas as famílias massacradas ou
mágicas usando amuletos ou superstições de eficácia devoradas por esses visitantes indesejados. O Barão
incerta. Outros fazem tudo para atrair a atenção feérica, Marius Valcanti é um homem nobre, mas velho, e
em busca de fortuna, amor ou outros desejos. lhe falta a força para proteger seu povo. Ele possui, no
entanto, ouro suficiente para recompensar aventureiros
O barão de Prodd, sir Wyllam, é uma figura pecu-
dispostos a manter suas terras seguras.
liar. Um cavaleiro galante, de longos cabelos dourados,
tornou-se senhor do feudo ao derrotar o barão anterior
em uma justa à meia-noite. Ninguém sabe exatamente Akezan
por que eles duelaram, mas o carisma de sir Wyllam fez Este feudo fica em uma região rochosa, perto da
com que ele fosse rapidamente aceito pelo povo. Um fronteira com Sckharshantallas — do topo das torres
nobre honrado, Wyllam tem alguns hábitos estranhos de seu castelo, é possível ver as nuvens de fuligem
— já foi visto cavalgando sozinho pelas florestas do do Reino do Dragão. Apesar da terra árida, não é um
feudo e conversando com pássaros e esquilos... feudo pobre: minas de pedras preciosas garantem que
o senhor de Akezan, o paladino Bartholomeu Bardy,
tenha dinheiro para comprar comida das terras mais
Barucandor férteis ao sul, além de erguer muralhas para proteger
Situado em um vale de terras férteis e verdejantes, seus domínios. Porém, o Barão Bartholomeu sabe
Barucandor possui plantações que se estendem do que a maior ameaça que ele enfrenta — a cobiça de
castelo no coração do feudo até o horizonte, além de Sckhar — não será detida por meros muros. De tempos
grandes rebanhos de porcos, ovelhas e trobos. O povo em tempos, filhos do Dragão-Rei invadem as fronteiras
local é bem alimentado e bem-vestido... Mas isso não para saquear, com o objetivo de impressionar seu pai.
significa que não tenham problemas. A prosperidade Lorde Bardy tem enviado seu arauto, o elfo bardo
local, junto da proximidade com as Sanguinárias, faz Wongrave, junto de promessas de riqueza, para atrair
com que Barucandor seja um alvo constante de bár- aventureiros dispostos a debelar esses ataques.

Além do Reinado
241
Cidade Fortaleza Tyros
de Coravandor Esta pequena cidade mineradora foi fundada
A maior fortaleza dos feudos, Coravandor foi por Zarllach Fariell, um viajante do antigo reino de
construída por ordens da coroa após o ataque da Callistia, para explorar os veios de pedras preciosas
Tormenta, para proteger a corte bucker. Recebeu o das Sanguinárias. Saudoso de sua terra natal, Zarllach
nome de um dos maiores heróis da história do reino batizou seu novo lar com o mesmo nome da cidade
e tudo indicava que seria mais um palco de glórias, ou onde nasceu: Tyros.
ao menos um ponto estratégico de importância crucial. Construída sob a sombra — e a ameaça — da
Com o fim do reino, o lugar foi assumido pelo Barão cordilheira, a cidade era protegida por tropas da coroa,
Alvar, que planejava usá-lo como base para expandir que mantinham bárbaros e monstros afastados. Porém,
seus domínios. Porém, às vésperas de uma campanha com a dissolução do reino, as patrulhas terminaram.
militar, foi encontrado morto, tendo aberto sua barriga Com medo de viver em um ponto tão vulnerável, os
e devorado seus próprios intestinos. Seu cavaleiro habitantes abandonaram a cidade, partindo em busca
mais proeminente, sir Bridden, tomou a fortaleza da proteção de um feudo.
para si — apenas para, durante um banquete alguns Hoje, Tyros é uma cidade fantasma ao sopé das
meses depois, se atirar na lareira do salão principal, montanhas. Alguns dizem que se tornou um escon-
morrendo imolado na frente dos convivas. derijo de bandidos que espreitam as estradas entre
Com suspeitas de uma maldição assolando os feudos. Já outros, que ninguém mora aqui e que
a fortaleza, nenhum outro nobre quis assumi-la e as minas ainda possuem minérios preciosos! Sobre
o lugar foi esvaziado. É uma construção invejável, Zarllach, também nada se sabe. Suspeita-se que tenha
mas abandonada. Os últimos viajantes que passaram ficado em Tyros, onde foi devorado por um monstro.
por perto dizem ter visto crostas rubras e pulsantes Mas há rumores de que estaria vagando pelos feudos,
tomando as muralhas de Coravandor... em busca de aventureiros dispostos a retomar seu lar.

Capítulo Dois
242
Área de Tormenta Guildas &
Este local de pesadelos se estende desde o Pân-
tano de Tyzzis, a oeste, até a faixa de terra além da Organizações
margem leste do Rio dos Deuses. No coração da área
está o Forte Amarid, antes um orgulhoso castelo, O Circuito de Torneios
hoje uma fortaleza aberrante feita de pedra, ossos e Afastados do coração de Arton, os feudos são um
metal enferrujado. lugar pacato — isto é, para padrões artonianos. Há
A área de Tormenta de Trebuck foi a primeira a eventuais ataques de monstros, além dos próprios
conflitos entre os barões… Mas, fora isso, pouco para
surgir no Reinado, décadas atrás. Se naquela época
distrair os plebeus e os nobres de suas rotinas tediosas
de união já representava um perigo para todo o
nos campos ou nos castelos.
povo, agora que os feudos estão isolados, a ameaça é
ainda maior. Cada vez mais lefeu deixam os limites Felizmente, esta terra é o lar do Circuito de Torneios.
da permanente tempestade de sangue que marca a O Circuito é uma série de eventos que acontecem en-
região para atacar feudos próximos. Mais do que isso, tre os meses de Caravana e Clausura, ao longo de toda a
a influência rubra, que alcança os humanos através de região. Cada evento dura alguns dias (normalmente três)
alucinações e pesadelos, tem convertido mais e mais e é uma mistura de feira, festival e competições esporti-
pessoas comuns em cultistas da Tormenta, que por sua vas. As competições incluem luta livre, arquearia, justas
vez se infiltram na miríade de cortes dos feudos. Para e, o principal, a liça — uma batalha disputada por equi-
piorar, aventureiros que ousaram se aproximar da área pes dentro de uma arena, onde vale tudo e os últimos
dizem que ela parece estar se expandindo lentamente. a ficarem de pé são os vencedores. Essas lutas são tão
Se isso é um plano do Lorde da Tormenta Gatzvalith caóticas que arautos descrevem para os espectadores o
ou apenas efeito colateral da crescente influência lefeu que está acontecendo, anunciando aos berros os golpes
na região, ainda precisa ser descoberto. mais devastadores e os nomes de quem os desferiram!

Além do Reinado
243
Qualquer barão pode promover uma edição do um nobre como guardas de elite ou aventureiros
Circuito. Isso exige preparar os campos onde as para resolver um problema específico. Alguns desses
competições irão ocorrer, as arquibancadas para o competidores de destaque da atualidade incluem o
povo, as tendas para os competidores, a tribuna para paladino errante Hoenheinn Mitternach; Takeda
os nobres e, é claro, a comida para toda essa gente! Sagara, um lutador com estilo exótico, e Konnan,
Pelo seu tamanho, os eventos não ocorrem nas praças um meio-orc bárbaro das Sanguinárias.
de aldeias ou pátios dos castelos, mas em prados nos
arredores do feudo — ou mesmo na fronteira entre
dois feudos, quando são organizados conjuntamente
Invicto Culto
por dois barões. Como isso é bastante dispendioso, a Arsenal
geralmente há apenas uma edição por mês (embora Anteriormente chamado de Nobre Culto a Keenn,
já tenha havido casos de barões marcarem um evento esta ordem mudou de nome e objetivos quando o
para a mesma data de um rival, para sabotá-lo). Assim, antigo Deus da Guerra foi derrotado. Antes dedicados
competidores costumam viajar pela região, sempre a erguer campos de treinamento e treinar soldados
atrás do feudo onde haverá o torneio da vez. para batalhas contra outros reinos, os Invictos, como se
Os eventos são anunciados com semanas de autointitularam, agora vagam pelos feudos, convertendo
antecedência, por bardos contratados para percorrer pessoas à fé de Arsenal e as recrutando para suas fileiras.
as praças e tavernas de Trebuck e além. Com isso, O motivo de fazerem isso ainda é desconhecido.
cada edição atrai verdadeiras multidões. Além dos Alguns acreditam que eles planejam erguer um feudo
próprios competidores, há cozinheiros, mercadores, teocrático, onde todos viverão conforme os preceitos de
menestréis, saltimbancos, curandeiros, mendigos, Arsenal. Outros acham que seu plano é mais ambicioso:
ladrões e, claro, todas as pessoas que vêm para assistir quando tiverem reunido um exército, o Invicto Culto
às disputas e aproveitar a festa. Esses eventos são uma planeja atacar a área de Tormenta de Trebuck. Afinal,
das poucas ocasiões em que camponeses deixam suas não há guerra mais importante do que aquela contra
vilas e fazendas e viajam para outro feudo. os invasores aberrantes! Um ataque assim seria a
As competições começam na manhã e seguem até melhor chance desses devotos provarem que Arsenal
o entardecer. À noite, os espectadores se divertem com é um estrategista melhor que Lorde Gatzvalith, assim
comilança, música, dança e apresentações artísticas, como dos Invictos colocarem seu nome à prova.
enquanto os competidores descansam e se curam para
o dia seguinte. Na noite do último dia, o nobre mais O Exército de Arton
importante entre os presentes entrega ao competidor Nos anos da Guerra Artoniana, todas as guarnições
mais destacado um prêmio. Pode ser algo simbólico, do Exército do Reinado sofreram grandes baixas, com
como um lenço; algo valioso, como uma joia ou uma soldados desertando para proteger seus próprios
arma de manufatura superior, ou mesmo algo místico, reinos e lares. No acampamento de Trebuck, poucos
como uma bênção ou feitiço. permaneceram... Mas aqueles que ficaram eram os
Em alguns torneios, apenas armas e feitiços não mais leais à missão original. Essas pessoas não só
letais são permitidos (espadas sem corte, magias decidiram continuar enfrentando a Tormenta, como
de ilusão...). Em outros, porém, não há nenhuma passaram a defender todos os povos e todas as terras,
regra assim! Isso já fez clérigos de Marah tentarem não mais apenas a coalizão de reinos. Afinal, muitos
banir os eventos, mas ninguém lhes deu ouvidos. De tecnicamente já não faziam mais parte do Reinado,
qualquer forma, mesmo nos eventos mais sangrentos, devido às mudanças políticas causadas pelo conflito
as lutas são apenas até rendição ou nocaute, nunca até contra os puristas. Deixaram de ser uma guarnição do
a morte. Embora o clima possa ficar tenso, o Circuito Exército do Reinado. Tornaram-se o Exército de Arton.
de Torneios é, acima de tudo, uma festa. O Exército de Arton possui um grande acampa-
Além da diversão do povo (e, em alguns casos, mento permanente no oeste dos feudos. É hoje uma
do próprio barão) há outro motivo para os nobres facção independente, que não obedece a nenhum
patrocinarem esses eventos, ou pelo menos equipes rei ou rainha. Possui uma estrutura militarizada,
de competidores: o Circuito de Torneios é a principal com um General Comandante no topo e um círculo
forma de atrair combatentes valorosos para a região. de capitães abaixo dele. O General Comandante é
Aventureiros de Deheon, cavaleiros de Bielefeld, ginetes escolhido pelos capitães e pode ser rebaixado por eles,
de Namalkah e até mesmo magos de combate de Wynlla caso sua liderança não se mostre adequada. O Exército
viajam até aqui para testar suas habilidades e concorrer de Arton se sustenta da venda de artefatos lefeu e
aos prêmios, e eventualmente são contratados por de matéria vermelha adquiridos durante incursões

Capítulo Dois
244
— soldados específicos são envia- Repente de Arton, ge de problemas. Como a região é
dos para cidades como Valkaria, pelo bardo sulfure cercada por um reino dracônico ao
Vectora ou mesmo Ghallistryx e norte, uma floresta feérica ao sul,
Milothiann, para negociar esses
Ulrich Qvoc uma cordilheira selvagem ao leste
itens valiosos. O Exército de Arton e uma área de Tormenta ao oeste,
Os antigos eregiram
está com um contingente reduzido, é possível dizer que aqui há aven-
A cidade legendária
contando com apenas cerca de mil turas para todos os lados! Para pio-
De heróis e mercadores
soldados, mas ativamente busca Estadia temporária rar, essas fronteiras são mal guar-
novos combatentes. Contudo, Ruas cheias sob a deusa necidas, o que significa que mesmo
apenas veteranos são aceitos — o Que a nomeou Valkaria! dentro delas é possível encontrar to-
Exército aprendeu com a derrota dos esses tipos de criaturas — de
que sofreu na Batalha do Forte Se precisas de um herói dragões banidos por Sckhar a fadas
Amarid e não envia mais novatos Arcanista ou espadachim querendo se divertir às custas dos
para enfrentar os lefeu. Todo ouro é bem-gasto humanos, de bárbaros e monstros
O atual General Comandante é Na taverna de onde eu vim que descem das Sanguinárias a cul-
Odgar, um militar alto e feio, com Pague bem e o ajudarão tistas e demônios lefeu trazendo a
Lá em Nova Malpetrim! devassidão rubra.
nariz demais e cabelo de menos —
não tem a aparência de um herói, mas Dos prodígios deste mundo Mesmo sem esses “visitantes in-
tem a experiência de um veterano, Minha alma comemora desejados”, a própria dinâmica en-
já tendo lutado ao lado de sir Orion A exemplar diversidade tre os feudos gera problemas. Esca-
Drake e ajudado a treinar a primeira Que mal chega e vai embora ramuças entre barões são comuns, de
leva dos letais Cavaleiros do Corvo. Maravilha da magia: simples saques a fazendas vizinhas
Odgar era o antigo comandante da O mercado de Vectora! até sangrentas disputas territoriais.
Primeira Companhia, um batalhão Tais disputas ocasionam outros di-
de soldados especializados do Reino Se perguntas de onde venho, lemas, como mercadores que preci-
de Yudennach, mas abandonou seu Na resposta não me engano: sam de escolta para passar por uma
antigo lar quando os puristas toma- Nem de reino, nem cidade, zona em conflito e casais filhos de
ram o poder. É duro, pragmático e Sou de guerra veterano nobres rivais que desejam ficar jun-
treina seus recrutas com o rigor Ergo-me contra a Tormenta tos. E, embora haja muitos barões
necessário para que eles tenham Pois eu sou artoniano! honrados, também existem tiranos
chance de enfrentar a Tormenta. que maltratam seu povo, motivan-
Segundo o próprio bardo, a do os camponeses a juntar suas par-
Entre os capitães, destacam-se última estrofe foi inspirada
o cavaleiro feérico Nyzarraz e o cas economias e contratar aventurei-
no discurso de sir Orion ros para lidar com o nobre maligno.
jovem paladino Vallen Drake. Drake antes da Batalha do
Nyzarraz é alto e esguio e possui Crânio e do Corvo. Mais do que tudo, os feudos
grandes asas de mariposa — dizem em si são vivos e dinâmicos. Even-
que é meio fada e meio demônio tualmente, novos feudos surgem —
e que lutou contra as tropas de basta que um fazendeiro próspero
Crânio Negro a mando da Rainha Má da Pondsmânia. erga um forte e ofereça proteção para outros campone-
O sinistro capitão teria aceitado servir num exército ses — e esses nobres novatos muitas vezes precisam de
mortal por ódio e vingança contra os lefeu. Já Vallen é aventureiros para tornar a região segura, expulsando
filho de ninguém menos que Orion e Vanessa Drake. bandidos e bestas. Da mesma forma, feudos antigos
Existem grandes expectativas a seu respeito e ele às vezes desaparecem, por ataques de monstros, mal-
parece disposto a cumpri-las. Um prodígio de 17 anos, dições, pestes e outros motivos, pontilhando a terra
o jovem cavaleiro é valente, galante e tocado pelos de ruínas repletas de tesouros, perigos e talvez anti-
deuses. Muitos soldados afirmam que Vallen Drake gos habitantes que não encontraram descanso após a
possui poderes especiais contra a Tormenta. De fato, morte. Essa dinâmica torna a região ideal para aventu-
ele mesmo se intitula um “guardião da realidade”. reiros que buscam tornar-se eles próprios senhores de
suas próprias terras. Aqui basta erguer um castelo —
Aventuras ou conquistar um já existente — para ser considerado
um nobre. Mas que esses pretensos barões fiquem avi-
Os Feudos de Trebuck podem estar longe da agi- sados: embora adquirir um título seja relativamente
tação do centro do continente, mas não estão lon- simples, mantê-lo é outra história…

Além do Reinado
245
Ilustração

Triunphus UM BOM LUGAR PAR A MORRER

T
riunphus. Lar de mistérios insondá- Mas Triunphus é real. As torres da cidadela for-
veis, atrás das imponentes muralhas. tificada se erguem acima das copas das árvores, suas
Grandiosa metrópole, estranhamente bandeirolas coloridas tremulando ao vento, contras-
afastada das principais rotas comerciais. tando com as escuras Sanguinárias ao longe. Estradas
Isolada em algum ponto no oeste dos Feudos de terra batida cortam os bosques, onde fazendeiros e
de Trebuck. mercadores perambulam com suas carroças. “Um lugar
onde é bom morrer”, alguns afirmam, soando fatalistas
Inúmeros relatos são contados sobre Triunphus.
aos recém-chegados. Aqueles que a visitam podem
Um deles sugere ser uma comunidade de mortos-vivos,
acabar confirmando isso, ao soar de suas trombetas.
sem que ninguém consiga deixar suas muralhas com
Quando as ruas esvaziam, os soldados tomam posições
vida. Em outra versão, seus habitantes descobriram
de combate nas muralhas e alguns cavalgam grifos.
o segredo da imortalidade, e aqueles que entram
Quando a Horda Moóck ataca.
não desejam mais partir. Há também histórias de
constantes ataques de monstros. Alguns até juram A monstruosidade de duas cabeças traz consigo o
que a cidade sequer existe neste mundo. inferno em suas asas flamejantes, despejando explosões

Capítulo Dois
246
de fogo sobre a cidade murada. É seguida por outras demia de combate suprema, onde pode-se receber
bestas, menores, porém variadas e infinitas. O ataque treino que não existe em nenhum outro local. Aqui,
implacável ocorre regularmente. Nenhuma outra ao brandir espadas ao lado de companheiros, não é
comunidade seria capaz de sobreviver a essa provação. necessário conter os golpes. Aqui, você pode se lançar
sem medo contra as criaturas mais perigosas.
No entanto, Triunphus sobrevive. Porque aqueles
que ali morrem retornam à vida. E então usar essa habilidade para tentar o teste
final. Escapar de Triunphus.
Bênção ou Maldição?
O massacre perpetrado pelo Moóck traz consigo Atrás das Muralhas
pânico e destruição, embora poucas mortes reais ocor- Apesar de sua condição fantástica, os habitan-
ram. Mesmo quando centenas caem a cada passagem tes de Triunphus se esforçam para levar uma vida
da ave incendiária e seu bando, as perdas efetivas são relativamente normal. Conduzem seus negócios da
mínimas. Isso se explica porque quem morre ali, revive. melhor forma possível e tratam os forasteiros com
cortesia, pois há sempre a possibilidade de se tornarem
A estranha bênção/maldição foi rogada há tempos,
novos vizinhos. Falam do Moóck com uma casualidade
quando a região ainda era um vilarejo modesto às
impressionante, como se discutindo o preço do pão
margens do Rio Morqua, que corre das Sanguinárias.
ou as últimas tendências de moda em Sambúrdia!
Poucas casas erguidas por colonos, sonhando com
vida nova. Foi quando ocorreu o primeiro ataque dos As incursões da Horda Moóck são consideradas
monstros Moóck. Destruição total, quase todos os parte inevitável da vida — nada agradável, mas também
habitantes incinerados. Kriloskav Hal-kazar, clérigo não há motivo para chorar. O povo é perseverante,
e fundador do povoado, implorou aos deuses por uma não desanima diante da tragédia. Pessoas quase
nova chance para aquelas pessoas. Ofereceu a própria literalmente forjadas a ferro e fogo, acostumadas a
vida como sacrifício. O grito de sua alma alcançou cair, se levantar e reconstruir. Podem ser altivos e
Thyatis, o Deus das Segundas Chances. resilientes, jamais se deixando abater; resignados e
fleumáticos, não se impressionando com nada; ou
O próprio Krilos nunca voltaria à vida, pois seu cheios de atitude positiva, sempre enxergando o
sacrifício era legítimo e não poderia ser negado. No melhor da vida.
entanto, todas as outras vítimas do enxame Moóck
miraculosamente ressuscitaram. Desde então, aqueles A pequena vila que deu origem à cidade ainda
que morrem de forma violenta nas proximidades da existe, hoje conhecida como Parte Velha. Localizada
cidade são trazidos de volta em poucos dias. no canto noroeste e relativamente isolada pelo Rio
Morqua. Abriga a população mais humilde, com casas
Mas os ataques do Moóck nunca cessaram. A fênix antigas e precárias, em sua maioria feitas de madeira.
e seu exército (suas crias?) ressurgem de tempos em O crime prospera, as ruas são estreitas e perigosas.
tempos, queimando tudo em seu caminho até cansa- Abrigam cassinos e outras formas de entretenimento
rem ou serem repelidos. Os sobreviventes cogitaram ilegal: muitos em Triunphus acreditam que a vida
abandonar a região, deixar as feras entregues à sua eterna deve ser desfrutada ao máximo.
própria fúria, mas logo descobriram não ter mais
As três maiores guildas criminosas estão sediadas
essa escolha — pois Thyatis cobra um preço por sua
na Parte Velha. Apesar de eventuais desentendimentos
dádiva. Os ressuscitados são impedidos de deixar
existe um pacto, cada um controlando seu próprio
Triunphus; quando tentam se afastar da região, sofrem
segmento do crime: Gnaeus (apostas), Stefania
dor e agonia que culminam em morte irreversível.
(sequestro e escravidão) e Severus (contrabando
Aceitando a vontade de Thyatis, o povo permaneceu
e culto a Hyninn). Ladrões que atuam fora dessas
ali. Construíram a desejada vida nova, ainda que
guildas são perseguidos com igual determinação por
cercada por muralhas imponentes.
todos os membros.
Com o passar dos anos, os locais se tornariam cada
Na assim chamada Parte Nova as estruturas são
vez mais experientes no combate às feras elementais
mais seguras, construídas em pedra. Há tavernas e
— afinal, podiam lutar sem medo da morte. Desen-
pousadas, mas sem jogos de azar ou prostituição —
volveram as melhores armas e táticas para enfrentar
as patrulhas da Guarda da Fênix se encarregam de
os monstros. Hoje, Triunphus é conhecida como lar restringir essas atividades à Parte Velha. O comércio
de alguns dos maiores guerreiros de Arton. floresce nesta parte da cidade e praticamente qualquer
Clérigos de Thyatis afirmam que a cidade existe mercadoria pode ser encontrada, incluindo alguns
com esse nobre propósito. Ser uma arena, uma aca- itens mágicos, trazidos por aventureiros experientes.

Além do Reinado
247
ele foi transformado em vampiro, sendo essa a razão
de nunca mais ser visto à luz do dia.
Cercando as altas torres do palácio estão os quar-
téis da Guarda da Fênix, tornando difícil distinguir
onde um termina e outro começa. Como agentes da lei
e defensores da cidade, a Guarda da Fênix recebe trei-
namento especializado no combate a monstros — o que
explica sua impaciência e brutalidade ao lidar com pes-
soas, julgando e punindo sem muita conversa. Recrutas
são treinados em uma das guarnições localizadas junto
às muralhas; os mais graduados têm a oportunidade
de cavalgar grifos e outras bestas mágicas mantidas
nos estábulos. A lei é implacável e eficiente: delitos
menores, inclusive pequenos furtos, são punidos com a
morte (o que pode assustar forasteiros desinformados).
De forma reversa, apenas crimes muito graves recebem
pena de prisão. O próprio conceito de “crime grave” é
diferenciado aqui, visto que assassinato é apenas um
Cidade de Triunphus aborrecimento temporário.
A localização exata da cidade é tópico de debate.
Lema: “Um bom lugar para morrer”. Muitos juram que ela ficava no reino de Hongari,
Brasão: XXXXX. antes de seu destino fatídico como parte de Aslothia,
existindo até mapas que confirmariam essa posição.
Gentílico: triunphiano. No entanto, tudo não passou de uma grande mentira
Regente: Sulhon Therormas. propagada pelo infame bardo hynne Pimbo Froley —
População: 55.000. conhecido como um dos poucos aventureiros a escapar
de Triunphus. As histórias exageradas de sua visita à
Raças Principais: humanos, anões, cidade (ou “A Grande Escapada de Pimbo Froley”)
elfos, hynne. foram espalhadas e coloridas por outros pequeninos,
Divindades Principais: Thyatis, levando a uma crença generalizada de que Triunphus
Khalmyr, Lena, Valkaria. ficaria na antiga nação hynne. Por sua vez, Pimbo se
aposentou como aventureiro e estabeleceu uma rede
de charutarias nas Repúblicas Livres de Sambúrdia.

O Desafio de Thyatis
A verdade é que existe uma forma de escapar
O Deus da Ressurreição, como não poderia deixar de Triunphus. Thyatis, como outras divindades de
de ser, é a divindade mais cultuada. No Templo de Arton, tem apreço por aventureiros. Aqueles que
Thyatis, devotos zelam pelos mortos durante os dias desejam ser livres da bênção/maldição devem, antes,
necessários ao retorno. Não apenas Thyatis é reve- ser bem-sucedidos em um desafio.
renciado neste local, mas também divindades aliadas, Um monolito existente na Avenida Central é a
como Khalmyr, Lena, Valkaria, Tanna-Toh e outras. chave. Ele tem inscrições formadas por caracteres
No coração da cidade encontra-se o imponente planares que, em ordem correta, formam o nome
Palácio Municipal, residência do regente, além de “Thyatis”. Pressionar os símbolos nessa sequência
palácios menores pertencentes às famílias nobres. manifesta um efeito mágico, transportando aquele que
Pouco se sabe sobre Sulhon Therormas, atual regente decifra a charada e quaisquer aliados presentes para
de Triunphus. Dizem ser um homem doente, com uma masmorra. Uma das masmorras mais perigosas
uma saúde frágil — morreu várias vezes devido a uma em Arton, similar àquela que representava Thyatis
doença misteriosa, resultando na perda considerável durante a Libertação de Valkaria.
de sua constituição física. Rumores sugerem que o Em todas as câmaras e corredores as paredes são
regente não é mais humano e foi substituído por um feitas de rocha liquefeita, incandescente, sempre em
demônio da Tormenta. Existe também a versão de que movimento — como lagos verticais de lava vulcânica,

Capítulo Dois
248
contidos por alguma força invisível. O brilho cáustico O Móock ataca a cidade — juntamente com a
oferece condições de luminosidade normais. O piso é Horda, mas às vezes solitário — a cada poucos meses.
escuro e coberto de cinzas. Não há teto, mas sim uma O monstro bicéfalo luta até acabar muito ferido, ou
densa camada de fumaça flamejante, como uma eterna cansado, ou apenas sem interesse, então retornando
nuvem incendiária. Lutar aqui é perigosíssimo, pela a seu ninho vulcânico. As teorias sobre aquilo que
possibilidade de ser empurrado ou cair de encontro às motiva os ataques são muitas. A mais aceita alude à
paredes, podendo até acabar imerso na escória quente. semelhança do monstro com o próprio Thyatis; a fera
A masmorra também fortifica magias de fogo e enfra- teria sido enviada pelo Deus da Ressurreição como
quece magias de frio ou água, de maneiras variáveis. um tipo de provação para seus servos. Muitas vezes,
O Desafio de Thyatis é povoado por todo tipo de são esses ataques que causam a morte de eventuais
criatura relacionada a fogo. Não apenas elementais, visitantes, agora prisioneiros ali.
mas também cães infernais, golens de ferro, demônios Rastrear o Moóck até seu covil nas Sanguinárias
e até dragões. Todos caçam e atacam intrusos assim que para abater a fera, ou talvez solucionar seu mistério,
os encontram, muitas vezes emergindo das próprias pode ser uma das aventuras mais épicas possível a
paredes de rocha liquefeita para ataques-surpresa. qualquer grupo de aventureiros. Se a bênção/maldi-
Aventureiros mortos aqui são magicamente trans- ção terminaria com a destruição da criatura, é uma
portados de volta à cidade, caídos perto do monolito. pergunta ainda a ser respondida.
São então recolhidos por devotos de
Thyatis e levados ao templo, onde
revivem após alguns dias.
Apenas heróis poderosos, ou es-
pecialmente preparados, têm chance
de vencer a masmorra infernal.
Aqueles que encontram o ponto de
saída são transportados para além
das fronteiras de Triunphus, livres
da bênção/maldição. Mas nem todos
os relatos são exatos, e nem todos
os desafios, iguais. Alguns grupos
bem-sucedidos descrevem uma
batalha final contra alguma criatura
poderosa, antes da liberdade.

A Horda Moóck
O Moóck lembra uma mons-
truosa águia gigante em chamas,
intensamente vermelha, com duas
cabeças e duas caudas de serpente.
O nome foi dado pelos habitantes
de Triunphus e vem do guincho
horrendo da criatura.
O nome também se refere à Hor-
da Moóck, formada por numerosos
outros monstros que acompanham
a besta-líder. São criaturas variadas,
desde kobolds até gigantes, mas
principalmente elementais. Em
comum, todos têm alguma ligação
elemental com o fogo. Todos também
se originam nas Sanguinárias, onde
terras vulcânicas fazem brotar estes
seres em vagalhões infindáveis.

Além do Reinado
249
Capítulo Dois
250
Sckhar
shantallas O REINO DO DRAGÃO

A
o nordeste do Reinado, encravado era mais necessidade que estratégia. Como forma
entre o Rio dos Deuses e as Montanhas de racionalizar os sacrifícios, surgiu a ideia de todos
Sanguinárias, um reino de fogo e fúria pertencerem a Sckhar, por viverem no território dele.
é um lembrete permanente aos povos Assim sendo, cada sacrifício era apenas um ritual
humanoides sobre o verdadeiro significado para colocar nas garras do dragão vidas que ele já
do poder. Mesmo com milhares de cavaleiros possuía. Nessa época, por volta do ano 500, o nome
treinados, as mais refinadas magias ou séculos Sckharshantallas foi adotado pelos próprios nativos,
significando “Reino de Sckhar”.
riquezas acumuladas, nenhum outro reino em
Arton ousa sequer ameaçar as terras quentes e
montanhosas que compõem Sckharshantallas. Uma tentativa
Seu regente é mais que humanoide, mais que de invasão
mortal — Sckhar, o Dragão Rei do Fogo, é o Séculos depois, um grupo de exploradores fugitivos
maior dragão do continente e uma divindade da Revolta dos Servos chegou a Sckharshantallas,
menor. Sua palavra é lei, fé e chamas. procurando terras para colonizar e ocupar. Tentaram
invadir a região, passando por batalhas sangrentas. Os
nativos eram orgulhosos, determinados e organizados;
História uma resistência muito mais que a esperada. Os inva-
Os historiadores locais afirmam que Sckharshan- sores sofreram mais derrotas do que vitórias. Ainda
tallas é o primeiro reino civilizado de Arton. Embora assim, o resultado do conflito era incerto até Sckhar
essa afirmação seja conflitante com outras abordagens tomar ciência da invasão de seu território.
historiográficas e esbarre na espinhosa definição do Erguendo voo sobre as tropas invasoras, o Dragão
termo “civilizado”, é inegável que a ocupação do Rei intercedeu pessoalmente e massacrou os invaso-
território hoje conhecido como Sckharshantallas é res. Foi o primeiro registro de seu envolvimento em
muito antiga, bem anterior à Grande Batalha. batalhas com humanoides na história de Arton. A
Sckhar, o Dragão Rei do Fogo, tomou a região visão de sua força e selvageria jamais foi esquecida. Os
como seu covil desde tempos imemoriais. Os humanos exploradores sobreviventes perceberam rapidamente as
presentes, incapazes de exterminar a fera, se subme- vantagens de se juntar ao séquito de Sckhar, em vez de
tiam ao dragão, oferecendo sacrifícios, oferendas e travar uma guerra sem possibilidade de vitória. Com o
idolatria para manter suas vidas. Apesar de a região ser passar dos anos, esses pretensos colonizadores e seus
árida, a fruta treckod fornecia sustento e a presença do costumes foram absorvidos pelos nativos, resultando
dragão afastava os monstros. Naqueles tempos hostis, numa mescla de tradições onde o ponto comum é a
sacrificar algumas vidas em prol da sobrevivência admiração, o respeito e a adoração pelo Dragão Rei.

Além do Reinado
251
O dragão no Reinado As terras mais ao norte e ao leste, próximas das
Montanhas Sanguinárias, contam com atividade vul-
Pouco mais de um século depois, em 1122, cânica e terreno pedregoso, com chão de terra sólida
Sckhar ficou intrigado pela política dos humanos. e rachada. Mais ao oeste, na fronteira com as margens
Sem se importar muito com qual seria a resposta do Rio dos Deuses, as terras são compostas de campos
de Deheon, ele decretou que Sckharshantallas agora e savanas, contendo basicamente toda a produção
fazia parte do Reinado. A participação do Reino do agrícola e pecuária do reino. O sul do território é
Dragão na coalizão foi aceita com rapidez inédita. onde esses dois tipos de terreno se misturam, com
Durante alguns séculos, a situação não se alterou uma cadeia de montanhas desenhando a fronteira
muito. O Dragão Rei era visto como uma incógnita com os Feudos de Trebuck. A área de Tormenta do
política, um predador observando enquanto a política Forte Amarid se expandiu tanto que já ameaça as
humana se desenrolava. fronteiras do reino, mas ainda não foram tomadas
Quando o Dragão da Tormenta atacou, em 1404, providências quanto a isso.
Sckhar participou pessoalmente da iniciativa militar
responsável por destruir o monstro. Pouco mais de uma
década depois, o Reinado pediu sua ajuda novamente.
Dessa vez os inimigos eram os puristas, uma força
Povo & Costumes
militar odiosa e humana. Enquanto a Tormenta ame- Quase todos os habitantes de Sckharshantallas são
açava toda a realidade, os puristas não eram ameaça humanos, mas também há uma quantidade considerá-
real para Sckhar e assim ele se manteve neutro durante vel de elfos. Sempre houve algum fluxo de elfos para o
a maior parte do conflito. Só houve mudança com a reino, principalmente porque a forma humanoide do
intervenção de um aventureiro. próprio Sckhar apresenta traços élficos. Mas, desde a
queda de Glórienn no Império de Tauron, isso ocorre
Lothar Algherulff, membro dos Campeões de em números maiores. Enxergando no Dragão Rei um
Svalas, viajou até Sckharshantallas e conseguiu ser novo modelo, esses imigrantes elfos adotam as escamas
recebido por Sckhar graças ao seu prestígio como e o vermelho típicos do reino. Mesmo os que não
arquiduque. O cavaleiro pediu ao regente que honrasse veneram Sckhar como divindade o reconhecem como
seu acordo com o Reinado e enviasse tropas para um patrono terreno. Esse padrão de comportamento
ajudar na luta contra os puristas. O Dragão Rei não acontece até mesmo com alguns elfos que vivem em
demonstrou grande interesse até o herói afirmar ser
outros lugares. Dragões são totalmente proibidos
na verdade o filho de Shivara, portador do sangue real
no reino, pois o rei considera toda a nação como seu
e, portanto, um pretendente na linha de sucessão do
covil pessoal. As únicas exceções são dragões que
trono do Reinado. Dessa forma, Sckhar concordou com
passam por rituais para perderem toda a inteligência
o envio de tropas, desde que o herói consentisse em
e a capacidade mágica, tornando-se indistinguíveis
ter um filho com Stridnix, uma das filhas do dragão,
dos dragões ferais. Esses dragões são utilizados no
dando ao Dragão Rei a possibilidade de um neto com
treinamento de novos caçadores em Sckharshantallas
direito ao trono de Deheon. Pouco depois do conflito,
porém, Sckharshantallas abandonou a coalizão. Em A cultura local é toda construída em torno da
um discurso para a nação, Sckhar afirmou: “Somos presença de Sckhar, num misto de idolatria, respeito
nosso próprio Reinado”. e medo a ele, ao mesmo tempo com verdadeiro ódio a
outros dragões. Os nativos são treinados para enfrentar
Sckharshantallas é um reino poderoso, um poder
esses seres majestosos, defendendo o território de
militar independente capaz de esmagar exércitos muito
quaisquer invasores. Costumam usar roupas leves
maiores graças à presença do Dragão Rei. O reino é o
e folgadas, capazes de proteger a pele do sol sem
tesouro de Sckhar e todo o território é o seu covil. Hoje
abafar. É muito tradicional usar pelo menos uma peça
o dragão não tem interesse em expandir suas fronteiras,
em vermelho, como símbolo de orgulho; o resto de
mas quem sabe quais serão seus caprichos amanhã?
Arton pode associar o vermelho à Tormenta, mas
aqui é relacionado à cor das escamas do rei. Escamas
Geografia também integram o vestuário, principalmente em
capas e adereços. A classe trabalhadora costuma usar
A presença de um representante vivo do elemento apenas estampas de escamas, enquanto os mais ricos
fogo tão poderoso quanto Sckhar por tanto tempo usam escamas reais, às vezes tingidas. Os riquíssimos
afetou irreversivelmente o clima da região. Sckharshan- exibem capas e vestimentas de escamas de dragões
tallas tem um clima bastante quente, árido, embora verdadeiros, compradas de caçadores sckharjagar ou
ainda adequado para a sobrevivência humana. importadas das Sanguinárias.

Capítulo Dois
252
Os tributos em Sckharshantallas são pesados,
mas a insatisfação do povo é pequena. A esmagadora
maioria aceita esse como o custo a ser pago por
ser protegido pelo Dragão Rei. Há poucos séculos,
os ancestrais dos sckharjagar pagavam esse custo
sacrificando as vidas de seus filhos. Diante disso,
o dispêndio de ouro, tesouros e itens mágicos não
parece absurdo.
No Reino do Dragão, mesmo o aldeão mais sim-
ples não tem que se preocupar com fome, bandoleiros
ou monstros. O exército distribui treckod, fruta
nativa que sacia a fome como uma refeição completa,
para todo o povo duas vezes por semana. Criminosos
são raros, tanto pelo conforto básico oferecido pelo
regente quanto pela conhecida severidade das leis.
A maioria dos monstros das Sanguinárias evita o
território. Quando algum deles consegue invadir, o
exército real se esforça ao máximo para eliminá-lo o
mais rápido possível. Sckharshantallas
Muito se fala no exterior sobre as leis severas de
Sckharshantallas. As punições por crimes parecem Nome Oficial: Reino Dracônico
desproporcionais aos olhos de estrangeiros, com de Sckharshantallas.
execuções sendo muito comuns. Embora isso fosse Lema: “Aqui está, aqui pertence”.
uma verdade definitiva no passado, assumiu um
papel diferente quanto mais o Dragão Rei delegava Brasão: de ouro, um dragão rampante de
funções a seus filhos. As execuções diminuíram e vermelho coroado do campo.
penas alternativas aparecem cada vez mais, apesar Gentílico: sckharjagar.
de o exército ainda operar de forma implacável como Capital: Ghallistryx.
força mantenedora da ordem dentro das fronteiras. O
único lugar onde a frequência de execuções permanece Forma de Governo: monarquia
é a capital Ghallistryx, sede do poder de Sckhar. A absolutista.
única esperança para criminosos presos na capital é o Regente: Dragão-Rei Sckhar.
Perdão do Fogo. As execuções são feitas por queima População: 1.950.000.
na fogueira e, caso o fogo se apague sozinho de alguma
forma, o criminoso é liberado. Esse fato milagroso Raças Principais: humanos, elfos.
aconteceu apenas uma vez na história. Divindades Principais: Sckhar.
Existem muitas formas de celebrar a figura e o
poder do regente, entre tradições, feriados e festivais.
O mais recente é o Festival da Salvação, marcado por
um desfile militar anual. Além de uma demonstração parecem pequenas diante do Sckharal, um festival
de força, o festival relembra ao povo como Sckhar anual de sete dias, também em Ghallistryx . As ruas
garantiu a vitória do Reinado na Guerra Artoniana são tomadas por enormes dragões vermelhos feitos
com a intervenção de suas tropas. A data é lembrada de vime, dançarinos, prestidigitadores e companhias
como “o dia em que Sckhar salvou o Reinado”. Outra teatrais. Grandes acontecimentos da história de Arton,
tradição anual é o Dia do Tributo, uma data para como a Revolta dos Três e a Guerra Artoniana,
presentear o regente acima e além dos impostos já são encenados na enorme Praça da Conquista, no
pagos pelo povo. Procissões partem das cidades mais centro da cidade. O ponto alto é uma representação
distantes e filas serpenteantes ocupam as ruas de da fundação de Sckharshantallas, culminando com a
Ghallistryx quando os súditos prestam as maiores aparição do próprio regente em sua forma de dragão.
homenagens possíveis a seu rei. Os mais devotos Ao fim do espetáculo, fogos de artifício são lançados
vivem o ano inteiro apenas consumindo treckod para aos céus formando imagens de luz e a festa toma
garantir que toda a riqueza adquirida seja entregue toda Ghallistryx com direito a muita música e vinho.
como oferenda a Sckhar. Todas essas celebrações O dia seguinte ao fim do Sckharal é outro feriado,

Além do Reinado
253
Treckod O bardo Saghoranod escreveu uma obra sem nome
contando a história do amor entre Sckhar e Beluhga.
Essa fruta é a base da alimentação dos Essa apresentação exclusiva arrancou elogios preciosos
sckharjagar. É um fruto amargo e polpudo de Sckhar e algo ainda mais raro: um pedido. Em vez
de coloração vermelha, com suco viscoso de exigir, o Dragão Rei pediu ao bardo que nunca mais
de gosto forte. Estrangeiros muitas vezes tocasse a música. Mostrando prudência incomum aos
sequer percebem o treckod como comestí- músicos, Saghoranod anuiu.
vel, já que ele cresce envolto por uma casca
A religião mais forte no reino é o culto a Sckhar.
grossa, áspera e seca. A textura lembra
O culto a Allihanna acontece com mais frequência
casca de árvore, mas seus padrões lembram
entre os druidas da Casa Oculta e outras divindades
vagamente escamas de répteis.
também são cultuadas discretamente, com devotos
Consumir um treckod inteiro substitui relativamente comuns de Megalokk, Khalmyr e
uma refeição e, enquanto está na casca, o Arsenal. O único culto realmente proibido no reino
fruto pode ser armazenado por meses sem é a Kallyadranoch; só pode haver um dragão em
estragar. Dentro de Sckharshantallas, não Sckharshantallas, mesmo nas orações.
costuma ser vendido, apenas distribuído
para todos os habitantes. Fora do reino é
extremamente raro, apreciado por nobres e
aventureiros endinheirados e obtido apenas
Governo
via contrabando. Um único fruto pode Sckharshantallas é uma monarquia absolutista
alcançar o valor de T$ 50. Contrabandistas governada com punho de ferro pelo Dragão Rei Sckhar.
de treckod costumam ser executados sem O olhar intenso do único olho do dragão vermelho
chance de perdão. paira sobre todos os aspectos da vida no país. Sckhar
é um líder carismático e altamente respeitado entre
seu povo, mas também é temido por sua crueldade
e sede de poder. Suas leis são duras e não podem
o Dia da Execução, quando os criminosos presos jamais ser desafiadas. A proteção absoluta concedida
nas masmorras do dragão são queimados em praça pelo Dragão Rei é cobrada em tributos e obediência.
pública, diante dos olhos satisfeitos dos sckarjagar. Sckhar é extremamente vaidoso e aproveita-se de sua
A produção artística local também é fortemente imponência para intimidar seus opositores e colocar-se
influenciada pelo Dragão Rei. A principal marcha do frente a seu povo como um ser literalmente divino.
reino é Sharnollynorath, ou “As Asas do Soberano”. Normalmente, ele assume a forma de um elfo alto
Foi composta por uma barda rebelde, Aryalonthara e esguio, trajando imensos mantos de cor negra e
Sarick, poupada da execução por seu talento. Conta-se vermelho sangue que, aos mais atentos, lembram
que, na primeira demonstração da música, a barda asas assustadoras. Em ocasiões cerimoniais, costuma
parou a performance no meio de um acorde. Explicou usar um elmo alongado horizontalmente que lembra
que a obra estava inacabada por essa ser a única for- vagamente a cabeça de um dragão, cobrindo com suas
ma de retratar como a soberania, o poder e o temor sombras metade de seu rosto. Sckhar odeia exibir sua
transmitidos por Sckhar eram infinitos. Aryala adoeceu única deformidade: seu olho esquerdo é cego e traz três
de tristeza e cansaço e faleceu depois de oferecer o cicatrizes verticais alinhadas que cruzam toda a sua
que tinha de melhor para alguém que odiava. Sckhar extensão. Conta-se que esta eterna marca foi resultado
ordenou que outros bardos completassem a melodia de uma batalha com Beluhga, a Dragoa Rainha do
e ela continua sendo tocada até hoje. Também há uma Gelo e antiga paixão do rei. Ao que se sabe, ninguém
peça chamada Duelo de Dragões, retratando o embate tem conhecimento exato de quais foram os eventos
entre Sckhar e o Dragão da Tormenta. Na peça, Sckhar o que culminaram no drástico (e trágico) desfecho e
derrota sozinho e volta para seu reino ileso e vitorioso. perguntar a respeito é pouco recomendável.
Embora não seja sobre o Dragão Rei, a peça Princesa Cada uma das cidades do reino é governada por um
Guerreira Shivara, escrita pelo menestrel Ulric Qvoc, dos filhos meios-dragões de Sckhar. Esses governadores
tem sido repetida à exaustão nos festivais reais, com têm autoridade significativa em suas regiões, mas
grande incentivo para que companhias as levem para respondem diretamente ao Dragão Rei, que mantém
além das fronteiras do reino. A peça descreve a vida um controle próximo sobre eles. Sckhar não tem um
da jovem Shivara, incluindo o nascimento de seu filho conselho de assessores, garantindo ter a palavra final
secreto. A história mais desejada no reino, porém, foi em todas as decisões importantes relacionadas ao país.
apresentada apenas uma vez e apenas para o monarca. Essa concentração de poder nas mãos de um único líder

Capítulo Dois
254
é considerada completamente natural dentro do Reino prestígio. Tendo sangue de dragão ou não, esses nobres
do Dragão, mas é uma grande fonte de preocupação se reúnem no Shirazad, a central política do reino,
fora dele. Se Sckhar decidisse guerrear contra o Reinado na cidade de Durtras. Lá, pleiteiam por suas terras e
ou o Império de Tauron, as consequências poderiam disputam pela atenção dos filhos do rei.
ser desastrosas para toda Arton.
Apesar da perene estabilidade política do reino,
existem disputas entre os filhos de Sckhar, cada um Locais Importantes
deles ansioso para ganhar o favor de seu pai e assumir
mais poder. Esses conflitos são muitas vezes incentiva- Ghallistryx
dos pelo próprio rei, que enxerga nisso uma forma de O coração do poder do reino e do regente, Ghallis-
manter seus filhos focados e motivados. A mais famosa tryx é uma das maiores metrópoles de Arton. Tudo
é a disputa entre Khaltass, governador de Durtras, e na cidade é grandioso e ornamentado de acordo com
Khirollandra, governadora de Khershandallas. En- motivos dracônicos. Construída sob as ordens de Sckhar
tretanto, vem chamando atenção a recente predileção e a supervisão de seus filhos, a cidade é composta por
de Sckhar por Stridnix, sua filha mais nova, escolhida vias amplas e largas, prédios e edificações altos e vastos.
para ter o filho de Lothar Algherulff no fim da Guerra Se Valkaria é o símbolo máximo da soberania humana,
Artoniana. Ela atua como sua principal auxiliar, quase Ghallistryx é um atestado do poder dos dragões sobre
como se a estivesse treinando para um dia assumir seu Arton. Governada pelo próprio Dragão Rei, a capital
lugar, e vem despertando ciúme dos outros. conta com a aplicação mais severa das leis locais. As
Além dos parentes de Sckhar, há nobres menores, execuções são comuns e os perdões, quase inexistentes.
senhores de terras, especialmente em regiões rurais; Entre as muitas visões impressionantes da capi-
muitos desses títulos foram dados como recompensa tal, uma se destaca acima e além das demais. Shin-
a servos fiéis. Todos afirmam ser descendentes dis- darallur, o maior dos palácios de Sckhar, é uma ma-
tantes do Dragão Rei, embora em muitos casos isso ravilha arquitetônica, uma manifestação concreta da
seja apenas uma mentira para adquirir um verniz de opulência megalomaníaca e sedutora do Dragão Rei.

Além do Reinado
255
Abriga o regente, seu séquito e toda a guarda de elite ousados o bastante para tentar seguir esse sonho aca-
do reino, além das principais máquinas de guerra. A baram aprisionados ou mortos.
sacada na torre mais alta oferece uma vista panorâmi- O maior templo devotado à veneração do Dra-
ca da cidade, e é onde Sckhar costuma fazer seus pro- gão Rei também fica na capital. O Grande Templo
nunciamentos para o povo, na forma de elfo. Os la- de Sckhar é uma construção imponente, com suas
drões mais bem informados de Arton sussurram que dimensões exageradas, janelas de obsidiana e deco-
o tesouro pessoal de Sckhar estaria escondido aqui. rações draconianas. Logo diante dele existe algo ain-
Expandido depois de séculos de oferendas, tributos da mais impressionante, um verdadeiro milagre, uma
e sacrifícios, sua verdadeira extensão é desconheci- manifestação permanente de poder divino. O Pilar da
da, mas isso só aumenta o interesse dos fora da lei. Chama Eterna é uma estrutura enorme, rivalizando
A invasão de Shindarallur é quase uma lenda. É ali- com as torres dos maiores castelos, encimado por uma
mentada pelo nome do único ladrão conhecido a ter chama alimentada pela fé em Sckhar. O fogo do monu-
sucesso nessa empreitada, Leon Galtran. Os poucos mento jamais se apaga, mesmo durante os raros perí-
odos chuvosos da região. Entalhadas no pilar estão fi-
guras descrevendo a história de Sckharshantallas. A
cada ano que passa, logo após o Sckharal, quais-
quer novos fatos importantes são adicionados
magicamente aos entalhes, aumentando ain-
da mais sua altura. A vigilância sobre o pilar
é severa; sempre há vários guardas protegen-
do-o. Durante o Sckharal, porém, é permitido
aos fiéis que se aproximem. Embora muitos
sckharjagar evitam chegar muito perto do
Pilar da Chama Eterna, seja por respei-
to sincero ou por medo prudente, os
mais devotos ou corajosos se acoto-
velam desesperadamente diante dele,
na tentativa de tocá-lo para obter al-
guma graça divina.

Allinthonarid
Há muito tempo, antes de os nativos
prestarem homenagem ao Dragão Rei, a
região onde hoje fica Sckharshantallas era
palco de cerimônias em homenagem a
Allihanna, Deusa da Natureza. Existiam
vários locais de poder na região, cada um
frequentado por um grupo diferente de
sacerdotes silvestres. Entre eles esta-
vam o Bosque Sagrado de Worq,
as Cachoeiras Nistid, o Círculo
de Pedras de Lophzt e o maior
entre todos, o Lago Allintho-
narid. Quando Sckhar iniciou
seu processo de dominação,
imediatamente desencorajou
o culto a Allihanna no in-
tuito de se tornar a única
divindade local. Com esse
objetivo, destruiu todos
esses refúgios druídicos.
Somente um deles resistiu:
o Lago Allinthonarid. Todas

Capítulo Dois
256
as tentativas de destruí-lo foram em vão. Árvores
queimadas reerguiam-se da noite para o dia. A água
Durtras
jamais secava, permanecendo cristalina e inalterada. Durtras foi batizada com o nome de um grande
O poder de Allihanna permanecia ativo no lago, vida herói nacional. Durtras Quillarion foi o maior
caçador de dragões da história, com feitos contados
demais para ser ceifada por qualquer mortal — ou
até hoje pelos bardos em tavernas agitadas ou mes-
pelo Dragão Rei.
mo como canções de dormir para as crianças. Essa
Ainda assim, Sckhar venceu. Já é a principal divin- herança histórica levou ao desenvolvimento das duas
dade da região há séculos e o culto a Allihanna teve atividades mais respeitadas na cidade: a caça aos
de se transformar para sobreviver em Allinthonarid. dragões e a política.
Os druidas se afastaram da face exuberante, selvagem
Todo sckharjagar nascido em Durtras conhece o
e bela de Allihanna, restando um lado mais lúgubre
básico sobre combate com dragões — quando se afastar
da Deusa da Natureza: aquele associado aos vermes
de seu sopro, onde as escamas costumam ser menos
e insetos. A vida que se alimenta da morte. Diante resistentes, quais armas podem ser mais efetivas.
da morte propagada por Sckhar, Allihanna surgia na Os feitos dos caçadores de dragões no passado ficam
forma de vermes, devorando a “carne” putrefata do registrados para sempre no Museu de Durtras, onde
reino. Durante muito tempo o lago serviu como um estão expostas ossadas de dragão, dragões empalha-
esconderijo, um ponto de vida no meio da desolação. dos, armas de famosos caçadores e outros tipos de
Continha uma mansão em seu centro, a Casa Oculta, troféus que exaltam a arte da caça a estas criaturas
protegida por forte poder ilusório. Lá, os dois druidas tão poderosas e perigosas. Também fica na cidade o
conhecidos como “o Pai” e “a Mãe” recebiam amigos quartel-general das Lanças de Sckharshantallas, a
da natureza e inimigos do dragão, dando-lhes abrigo, unidade de elite do exército dedicada a caçar dragões
cura e conselhos. A Casa Oculta se transformou acima de qualquer coisa.
quando os líderes fizeram um pacto com Khirollandra,
Durtras também é o centro político do reino.
uma das filhas de Sckhar, e passaram a ajudar nas Aqui fica o Shizarad, um enorme palácio em forma
plantações de treckod. Em troca disso, a governadora de losango que serve como fórum para discussão
garantiu que qualquer dahllan descoberta no reino entre nobres, sejam nativos da cidade ou visitantes.
seria enviada ao lago, dando origem a uma nova Em Durtras, a maior parte das famílias nobres des-
geração de druidas. cende de caçadores de dragões. Khaltass, governador
da cidade e filho de Sckhar, passa a maior parte do
Azolliarathan seu tempo no fórum. Existem acomodações extre-
mamente confortáveis no local, proporcionando todo
Sckharshantallas tem forte atividade vulcânica,
tipo de mordomia e permitindo que nobres visitantes
especialmente na sua região norte. O maior de
passem algumas noites; os nobres locais mais atu-
todos esses vulcões é também o maior vulcão de
antes fazem do Shizarad sua moradia permanente.
Arton. Azolliarathan tem uma cratera com dezenas
Quando um nobre prefere morar com a família,
de quilômetros de diâmetro; em seu interior, a lava
entende-se que ele não leva a política a sério. A
permanece sempre ativa. A igreja de Sckhar enfatiza a
generosidade de Khaltass tem um excelente motivo: o
profecia de que a erupção do vulcão marcará também
meio-dragão gosta de manter seus inimigos próximos
o fim da nação, sendo essa erupção evitada apenas o tempo todo, onde pode observá-los. Através da
pela presença do Dragão Rei. intriga palaciana, Khaltass elimina seus rivais e
Há um enorme símbolo de pedra incrustado no desafetos de forma discreta. Quando algum nobre
cume da montanha: uma espiral cortada por dois tra- desaparece, costuma-se dizer que ele foi “engolido
ços diagonais. Seu significado foi um mistério por pelo Shizarad”, como se o prédio tivesse vida própria.
eras, até que o arqueiro arcano Jadunan, com a aju- Sckhar raramente se envolve com as discussões do
da das informações pesquisadas por anos pelo aristo- fórum; já se vão décadas desde a última visita do rei.
crata Khersh Rusd, desvendou seu segredo, a serviço Recentemente, Khaltass tem perdido influência para
de Sckhar. Trata-se da chave para um portal, levando sua irmã Khirollandra. A mera menção do nome da
a um complexo de túneis habitado por gênios e ele- meia-dragoa pode fazer o governador literalmente
mentais do fogo governados por uma entidade cha- soltar fogo pelas ventas.
mada Vashtar. Ninguém sabe exatamente o que ou Durtras também é um centro comercial de res-
quem é Vashtar, mas o Dragão Rei oferece generosas peito, contando com Zharifor, o maior mercado do
recompensas a todos aqueles dispostos a descobrir. reino batizado assim em homenagem ao mais len-

Além do Reinado
257
Forte
Curanthor
A proximidade com as Monta-
nhas Sanguinárias foi um dos princi-
pais motivos que levaram à ascensão
de Sckhar. Diante dos incontáveis
monstros nas montanhas, os nativos
se sentiam e se sentem muito mais
seguros estando sob a proteção de
um monstro maior e mais assusta-
dor. A mera presença do Dragão Rei
foi suficiente para manter monstros
distantes do reino por séculos, mas
uma área de Tormenta mudou esse
panorama. Fugindo da Anticriação,
os monstros começaram a invadir
o território de Sckharshantallas.
Por isso foi estabelecido o Forte
Curanthor.
A construção foi inaugurada na
fronteira do reino com as Sangui-
nárias com extrema pompa. Uma
unidade do exército composta de
guerreiros de elite especializados
na caça de monstros variados
foi designada para lá,. Muitos
eram ex-aventureiros, até mesmo
estrangeiros, recrutados pelo seu
conhecimento diverso.
Curanthor era um lugar dife-
rente de outros centros militares do
reino. Seus soldados não seguiam
uma hierarquia tão rígida, e este
senso de independência fez com que
dário mercador de Sckharshantallas. Detratores da se transformasse praticamente numa organização à
história do comerciante, que era capaz de conseguir parte. Os integrantes disputavam posições entre si
qualquer mercadoria desejada por um comprador, abertamente, negociavam com mercenários externos
defendem que não se tratava de talento, e sim de e tinham leis próprias cada vez mais intrincadas. . Foi
um artefato poderoso que ele detinha. Políticos lo- uma situação que evoluiu por cerca de uma década,
cais costumam pagar aventureiros em busca de pro- até que aconteceu o passo em falso: influenciado
vas da farsa do comerciante, muitos desejando uma pelas palavras de Lerok, um ladino fugitivo de For-
mudança de nome — normalmente em prol de si tuna, Pask Tharig, um dos comandantes à época,
próprios ou de algum antepassado — mas ninguém convenceu seus parceiros a negociarem com Litzz,
teve sucesso até agora. um dragão dos ventos disposto a tomar parte do
Apesar de disponibilizar uma enorme variedade de território de Sckhar.
produtos e atrair comerciantes vindos de toda Arton, Uma noite, sem aviso, uma divisão das Lanças de
a especialidade do Mercado Zharifor é o comércio de Sckharshantallas foi realocada para o forte, liderada
partes do corpo de dragões, trazidas pelos caçadores pelo intransigente sir Daran Jamak, um qareen do fogo
locais. Os olhos dos alquimistas brilham ao transitar coberto de cicatrizes de batalha. Todos os traidores
por suas vias abarrotadas de lojas, encontrando in- foram executados, e a cabeça de Litzz foi entregue a
gredientes raros como olhos ou dentes de dragão. É Sckhar na manhã seguinte. Lerok não foi encontrado
claro, essas raridades não são nada baratas. e permanece na lista de procurados do reino até hoje.

Capítulo Dois
258
Atualmente, mercenários e aventureiros ainda das Trevas. O globo engole as duas cidades inteiras
são contratados como especialistas para lidar com os antes de se contrair novamente e fechar-se até a noite
monstros mais exóticos, mas jamais são aceitos como seguinte. Apenas as ruínas permanecem.
parte da guarnição permanente das Lanças. Esses con- Quaisquer objetos fantasmas adquiridos em Ha-
tratos costumam ser tão vantajosos quanto perigosos, zonnd e Wondaronn permanecem existindo quando
com valores generosos e a garantia de manter qualquer são retirados do local, um lembrete tangível da miríade
riqueza conquistada durante a caçada.
do que poderia ter sido.

Hazonnd e Wondaronn Khershandallas


As vilas de Hazonnd e Wondaronn foram destruí-
As terras mais férteis do reino rodeiam a cidade
das durante a formação de Sckharshantallas. Enquanto
de Khershandallas. Essas terras contém a maior con-
outras vilas foram reconstruídas ao longo do tempo,
centração de treckod do reino. Com a implementação
essas duas permaneceram em ruínas e ganharam a
da fruta como parte fundamental da dieta da nação, a
reputação de mal-assombradas. Diz-se que “forças
cidade cresceu muito nos últimos anos, embora ainda
misteriosas” impediram que qualquer tentativa de
esteja longe de Ghallistryx ou Durtras em termos de
repovoamento fosse bem-sucedida.
número de habitantes.
Durante o dia, as ruínas não podem ser encon-
O cultivo de treckod é difícil, exigindo cuidados
tradas, mas à noite elas surgem, acompanhadas por
especiais, o que manteve a fruta como um recur-
uma visão fantasmagórica que se desdobra diante
so valioso mas pouco prático por muito tempo.
dos olhos dos visitantes. Gramados verdes, edifícios
A mudança aconteceu com a aproximação entre
altos e pessoas saudáveis e felizes preenchem o lugar,
a governante Khirollandra, filha de Sckhar, e os
mas tudo isso faz parte da assombração. Todos são
druidas da Casa Oculta. Enquanto no passado eles se
fantasmas de um cotidiano que nunca existiu, uma
escondiam e temiam ser caçados por cultuar deuses
vez que todas as possibilidades do lugar foram con-
diferentes do regente, hoje a situação é diferente. A
sumidas pela chama do Dragão Rei. Sckhar matou o
liberdade de culto no país é uma conquista política
futuro de Hazonnd e Wondaronn; tudo o que poderia
de Khirollandra, o que possibilitou obter ajuda
ter sido persiste apenas como possibilidades etéreas.
dos druidas no cultivo do treckod, aumentando a
São literalmente cidades fantasmas.
produção imensamente. Os sckharjagar mais jovens
Os fantasmas de Hazonnd e Wondaronn são não sabem o que é viver sem a fruta vermelha no
amigáveis e os forasteiros são cercados pelas pos- prato. No passado, o treckod era exportado através
sibilidades de suas próprias vidas. Os vilões mais do Rio dos Deuses, mas a filha de Sckhar também
pérfidos podem ser ver rodeados de aldeões gratos, conseguiu mudar esse panorama. Hoje, o treckod é
os clérigos mais devotos podem vislumbrar ser parte considerado uma riqueza local, distribuída para o
de séquitos diferentes e os mais habilidosos entre povo de forma gratuita e plantado por todo o reino.
os trapaceiros e os combatentes podem se ver como
Khershandallas talvez seja a cidade mais pacífica
completos fracassados. Somente aqueles que nunca
do reino. Khirollandra tem uma postura conciliadora
tiveram escolhas escapam dessas visões.
e moderada com os nobres, além das execuções
O lado verdadeiramente sinistro das cidades terem sido abolidas na cidade. Todas essas mudanças
fantasmagóricas se revela com o passar das horas. enfureceram o governador de Durtras, Khaltass,
Quaisquer forasteiros que estejam dentro de um tido como a mente política mais afiada do reino
prédio ficam presos lá e as portas e janelas não podem antes das últimas décadas bombásticas da irmã.
ser abertas. Do lado de fora, as ruínas reaparecem, Considerando a leniência de Sckhar com essas
e os mortos famintos atacam qualquer criatura viva. posturas contrárias às dele, existem rumores de
São como zumbis semimateriais. Podem ser atingidos toda a ascensão política de Khirollandra ser parte de
e destruídos por armas físicas, mas sempre voltam um plano mais elaborado do Dragão Rei. Engana-se,
na noite seguinte. porém, quem entende a moderação de Khirollandra
Quando o dia está prestes a amanhecer, toda a como uma demonstração de bondade. Ela é tão cruel
vida fantasmagórica começa a desaparecer, e quaisquer quanto o pai, sua crueldade apenas surge de formas
forasteiros dentro dos prédios são libertados. Lenta- mais sutis — como compor sua guarda pessoal
mente, tudo volta a ser como na realidade. Então, um com os sobreviventes dos Lâminas, a força rebelde
portal para o Reino de Tenebra se abre, um globo de empregada como bucha de canhão e praticamente
escuridão que mostra a imagem do Mundo da Deusa dizimada na Guerra Artoniana.

Além do Reinado
259
Thenarallan Guildas &
O último território anexado a Sckharshantallas
foi a região de Thenarallan. A cidade (na época uma Organizações
mera vila) já fez parte de Trebuck, passando a integrar
o Reino do Dragão após um acordo diplomático. Sua Casa Oculta
população sempre foi resistente ao domínio de Sckhar, Conforme os locais de poder de Allihanna mingua-
fazendo com que a cidade fosse considerada um barril vam por Sckharshantallas com a perseguição do Dragão
de pólvora. Várias facções rebeldes surgiram ao longo Rei, alguns druidas optaram por mudar em vez de
dos anos, com a mais famosa e mais duradoura sendo desaparecer. Entendendo a chaga da morte como uma
os Lâminas. Nobres locais foram assassinados, um doença espiritual afligindo a nação mas reconhecendo
governador chegou a ter de se esconder na capital. a impossibilidade de bater de frente com o regente, se
Para conter as rebeliões, Sckhar ordenou a esconderam por décadas em Allinthonarid. No começo
construção de uma estátua dele mesmo em tamanho eram conhecidos como Vinhas, mas conforme seus
real. Penas de execução foram convertidas em anos de números se reduziam e se escondiam no lago, adotaram
trabalho forçados e os próprios rebeldes construíam, o nome da mansão que habitavam — tornaram-se os
a duras penas, a Estátua do Dragão Rei. O processo druidas da Casa Oculta.
levou anos e teve o efeito oposto do desejado: os Graças a um pacto forjado com a governadora
rebeldes se tornaram ainda mais ousados e ativos. de Khershandallas, existem dezenas de dahllan em
Começaram a realizar protestos mais radicais, planejar treinamento na Casa Oculta. O Pai e a Mãe as guiam nos
atentados mais elaborados, angariar mais fundos e, caminhos da deusa, ensinando sobre como o morto deve
pouco a pouco, ganhar o povo. Todo o resto até podia ser devorado para dar lugar a vida nova, aplicando isso
ser tolerado pelo regente, por acontecer em uma cidade também à mente e às ideias. O Pai é alto, musculoso e
pouco importante. Mas os corações de Sckharshantallas galhofeiro. A Mãe é sedutora, suja e fértil. São devotados
pertencem única e exclusivamente a Sckhar. à fertilidade (tendo também grande afinidade com Lena),
Quando Lothar Algherulff chegou ao reino pedindo e de tempos em tempos a Mãe dá à luz uma infinidade
tropas, Sckhar soube exatamente o que fazer. Fez uma de vermes, aranhas e insetos, mantendo a vida animal
investida rápida e feroz contra os Lâminas, recrutou-os na região. Os druidas são capazes de comandar as águas
compulsoriamente para o exército e os enviou na do lago: elas comportam-se de forma normal na maior
vanguarda para o confronto. A imensa maioria de seus parte do tempo, mas podem se tornar firmes, permitindo
membros morreu pelas mãos dos sanguinários puristas. caminhar em sua superfície, quando os druidas desejam
Alguns poucos conseguiram fugir, sobrevivendo com receber visitantes. Nessas ocasiões, o ar bruxuleante
a esperança de encontrar fora de Sckharshantallas no centro do lago dá lugar à imagem clara da mansão
alguma força que possa se opor ao Dragão Rei. Aqueles escura e úmida onde residem, sempre de portas abertas.
que retornaram, com sua vontade já combalida e os Os druidas deixam seu lago para visitar plantações
espíritos à beira do colapso, foram incluídos na guarda de treckod nas cercanias de Khershandallas, mas são
pessoal de uma das filhas de Sckhar, Khirollandra, vistos com certa desconfiança pelo povo. Não se parecem
governadora de Khershandallas. com sacerdotes tradicionais de Allihanna — vestem
Hoje, com a Estátua do Dragão Rei completa, roupas negras, com cartolas e casacas, pintam esqueletos
Thenarallan é um ponto obrigatório de peregrinação de animais com giz esbranquiçado sobre a própria
para os fiéis do Dragão Rei. Eles são recebidos por um pele. Realizam ritos macabros, em que os fantasmas
povo manso de olhos tristes, talvez as únicas pessoas de milhares de vermes curam em nível espiritual, mas
em todo o reino que entendem serem brinquedos de cobram um alto preço de seus pacientes. Missões que
um monstro, sem nenhum poder para fazer qualquer nunca podem ser cumpridas são impostas, membros são
coisa a respeito disso. sacrificados para prolongar a vida do
corpo inteiro, visões do passado difí-
cil dos druidas se tornam pe-
sadelos, ideias putrefatas
se transformam em
outras na forma
de alucinações
psicodélicas.
Esse preço

Capítulo Dois
260
deve ser pago com minutos, horas e dias de vida e atacar caravanas ou carruagens, temendo desagradar o
contemplação do paciente, sem atalhos de magias. Mais Dragão Rei. Aqui os bandoleiros de estrada aprenderam
de um aventureiro ou nobre já se enfureceu e atacou o a identificar aventureiros e os priorizam como alvos.
Pai e a Mãe após descobrir o custo de sua ajuda — mas, São estrangeiros e costumam carregar muitas riquezas,
se nem Sckhar foi capaz de destruir o lago, nenhum apesar de saberem se defender. Montados em serpes,
mortal tem chance de fazer isso. esses bandidos podem atacar e fugir várias vezes para
minar as forças dos grupos de seus inimigos. São cri-
Lança de minosos desesperados, sem nada a perder, dispostos
a sacrificar suas vidas por saberem o terrível destino
Sckharshantallas que os espera caso sejam presos.
A Lança de Sckharshantallas é uma ordem de ca-
As disputas políticas entre os nobres do Shizarad
valeiros especializada na caça e extermínio de dragões.
e as caçadas de monstros realizadas a partir do Forte
A ordem surgiu da tradição local, muito encorajada
Curanthor são grandes oportunidades para aventu-
por Sckhar e sua igreja, de manter o território do reino
livre de outros dragões. Originalmente, a hierarquia reiros adquirirem fama e riqueza. Porém, o maior
dos membros da ordem era definida pelas cores dos desafio é desbravar o labirinto ardente acessível a
dragões, mas depois da vitória fulminante do Dragão partir de Azolliarathan.
Rei contra o Dragão da Tormenta, essa hierarquia Sckhar é um dos seres mais odiados de toda
passou a ser definida pelo fulgor do fogo. Os membros Arton, mas ninguém tem coragem de atentar contra
da ordem são divididos em Brasa, Chama e Labareda, sua vida. Mesmo seus filhos são alvos praticamente
dependendo do seu nível de experiência e habilidade. impensáveis… pelo menos enquanto estão dentro do
A ascensão na hierarquia é alcançada através da alcance do pai. Caso um desses meio-dragões saia do
aprovação dos superiores, que avaliam a coragem reino, pode se tornar um alvo. Aventureiros podem
e eficiência dos cavaleiros em tarefas relacionadas à se envolver em qualquer um dos lados, seja tentando
especialidade da Lança. matar um dos filhos do tirano quanto atuando como
Os membros da ordem são vistos como arrogantes guarda-costas para um nobre poderoso
e orgulhosos em outros reinos, pois encaram com Existe ainda uma grande quantidade de tesouros
desdém aqueles que se envolvem na atividade de caça em poder de Sckhar, alguns deles essenciais para os
de dragões sem terem sido sagrados como parte da planos de algumas das pessoas mais poderosas de
ordem. No entanto, a Lança é muito popular dentro de Arton. Heróis podem ser contratados para roubar
Sckharshantallas, seus membros considerados heróis alguns desses itens. O contrário também é possível; o
por onde passam com suas armaduras ornadas à ima- Dragão Rei por vezes contrata grupos de aventureiros
gem de dragões. Os membros da ordem têm a tradição para encontrar e recuperar relíquias de seu interesse.
de confiscar o tesouro dos dragões que exterminam e Atualmente, sabe-se de dois itens que atraíram sua
doar parte dos espólios para a ordem, formando um cobiça: o anel de Zharifor, capaz de trazer até seu
“fundo de abate”. Ao final de cada ano, os cavaleiros portador qualquer objeto conhecido, e a Lança Rubra,
se reúnem e contam seus feitos. O responsável pelo artefato capaz de encerrar a vida de qualquer dragão
abate mais impressionante é celebrado por seus pares com um único golpe. Diz-se que a participação de
e recebe o valor integral do fundo de abate, geralmente Sckhar na Guerra Artoniana foi um mero pretexto
dezenas de milhares de tibares, como recompensa. para procurar pela Lança no território da Supremacia
A ordem não tem interesse em poupar nenhum Purista. Nenhum tesouro do Reinado está a salvo dos
tipo de dragão, nem mesmo os outros Dragões Reis caprichos de Sckhar e ele acredita que, uma vez que
ou até o deus maior Kallyadranoch. O único dragão as peças estejam dentro de suas fronteiras, se tornam
fora da mira da Lança é seu patrono e razão de ser: legitimamente suas posses.
o próprio Sckhar. As missões da ordem geralmente
No momento, Sckhar não tem nenhum anseio
envolvem mais de um cavaleiro, incluindo pelo menos
público sobre a expansão do seu território. Muitos dos
um Labareda como observador, e exigem viagens para
seus filhos, porém, anseiam pelo poder que poderiam
além dos limites de Sckharshantallas.
almejar caso uma guerra eclodisse. Isso leva muitos
desses meio-dragões, especialmente os mais jovens,
Aventuras a conspirarem contra o sucesso do próprio reino.
Logo além do Rio dos Deuses, em Ubani, a facção dos
As estradas de Sckharshantallas estão entre as mais Escamas Vivas tenta gerar o mesmo tipo de conflito
seguras de Arton. Poucos são os criminosos que ousam para ter o Dragão Rei como governante.

Além do Reinado
261
Montanhas
Sanguinarias
´
A
ntes da vida humanoide, antes dos po- monstros não podiam ser subjugados, mas foram contidos
vos inteligentes, Arton foi um inferno nos confins do mundo, deixados onde pudessem viver sua
de monstros. violência. Alguns ainda rondariam aqui e ali, mas Arton
foi tornada habitável para criações de outros deuses.
Megalokk, voraz e insaciável, vomitou
suas crias sobre o mundo. Bestas descomunais vagavam, Entre os lugares ainda infestados, as infindáveis
matando tudo que fosse pequeno ou fraco. Suas batalhas Montanhas Sanguinárias são o maior e mais perigoso
estremeciam montanhas, rachavam abismos, explodiam território de monstros em toda Arton.
vulcões. Abominações plenas de garras, espinhos e
mandíbulas, cheias de ódio e movidas por fúria primitiva. Mandíbulas da Morte
Diferentes das crias de Allihanna, que só matam para Aqueles que observam as Sanguinárias em algum
sobreviver, monstros existem apenas para destruir. mapa, na segurança de um estúdio ou biblioteca, po-
Uma Arton assim assolada por horrores atrozes não dem achar simples dizer onde começam e terminam.
poderia acolher outros seres. Os deuses entraram em Podem achar que a cadeia montanhosa tem limites.
consenso: seu irmão selvagem deveria ser refreado. Os Nada neste mundo seria mais errado.

Capítulo Dois
262
A cordilheira é visível de longa distância, ainda a incluindo florestas de fungos e lagos abissais, abrigando
muitos dias de viagem — mas parecendo bem mais monstros subterrâneos desconhecidos em Arton. E
próxima, de tão imensa. Tão alta que camadas de também todos aqueles conhecidos, assim parece.
nuvens passam diante de suas encostas. O aspecto Exploradores calejados apontam que, nas Sangui-
também é anormal, diferente de outras montanhas; nárias, o céu é sempre escuro e sinistro. Dizem ser
mais parece uma muralha vertical, feita de obeliscos reflexo do temperamento de Megalokk, mas também
descomunais justapostos. A borda recortada é por existe um motivo mais mundano — a fumaça da intensa
vezes comparada a uma fileira de dentes, o próprio atividade vulcânica local. Numerosas montanhas na
Megalokk de tocaia, esperando para devorar o mundo. cordilheira são vulcões ativos e furiosos, despejando
Como que para confirmar suas dimensões im- fluxos constantes de lava em forma de rios, cachoeiras e
possíveis, há montanhas “normais” de picos nevados lagos magmáticos. Monstros imunes ao fogo, sobretudo
próximas de seu sopé. Estas, em outros mundos, dragões e elementais, tomam tais localidades como
seriam impressionantes. Aqui, se apequenam tímidas seus territórios. O Vale Sargomera é a maior região
diante dos titãs cinzentos. deste tipo descoberta, recebendo o nome do kaiju
Tais paredões de rocha formam a maior parte flamejante ali (espera-se) adormecido.
do território das Sanguinárias. Fossem horizontais,
reinos inteiros poderiam ser assentados em suas faces. O Dragão e o Castelo
Cumes afiados tocam os céus sombrios, então descem A maior e mais perigosa montanha de Arton não
e mergulham nas entranhas de Arton, sua escuridão poderia estar em outro lugar. Sua área total comportaria
jamais explorada, jamais pisada por humanos. Cair o maior dos reinos, seu topo desaparece no céu fuma-
ali é morte certa. Ainda assim, suas superfícies são cento. Assim nomeado por sua aparência aterradora, o
habitadas por todo tipo de criaturas, com meios de Dragão Adormecido se manteve misterioso por longos
deslocamento bizarros, capazes de percorrer os cânions anos. Hoje, no entanto, a verdade é bem conhecida.
livremente como se estivessem em terra plana.
Kallyadranoch estava entre as três divindades
Ninguém diria existir nas Sanguinárias qualquer revoltosas que causaram o surgimento da Tormenta.
outro tipo de terreno — o que seria mais um erro Como punição, o Deus dos Dragões foi apagado de
simplório. Regiões inteiras ocultam-se entre as mon- toda a existência — mesmo seu nome não seria mais
tanhas, preenchem seus vales com geografias exóticas, lembrado, ficando conhecido como “o Terceiro”.
mundos fechados em si mesmos. Restaria apenas o corpanzil imensurável, petrificado,
Entre as maiores (isto é, maiores já descobertas) rusticamente lembrando a forma de um dragão en-
está o Cemitério dos Beemotes. Vale enevoado, re- rodilhado. Séculos se passariam, até que uma série
coberto de pântanos e ossadas monumentais. Dizem espetacular de eventos levou a seu retorno ao Panteão.
que os esqueletos de todos monstros mortos nas Mas a montanha dracônica seguiria existindo suprema;
Sanguinárias (talvez em toda Arton?) de algum modo seu dorso, parcialmente destruído durante uma batalha
misterioso acabam aqui. Lendas falam sobre bestas épica, agora exibe fissuras gigantescas que apenas
gigantes que se arrastam até o lugar quando sentem tornam sua escalada mais perigosa.
que vão morrer. O Cemitério é muito procurado por Hoje, o Dragão Adormecido é foco de conflito
aventureiros, por conter restos de criaturas fantásti- entre os grandes dragões de Arton. As feras orgulhosas
cas — especialmente dragões, cujas carcaças duram e territoriais consideram este o único lugar digno
séculos, podendo fornecer dentes, garras, escamas de hospedar seus covis. Batalhas devastadoras pela
e outras partes valiosas. Desnecessário dizer, aqui supremacia local são frequentes, também atraindo
abundam monstros necrófagos e mortos-vivos. aventureiros que caçam estes monstros. Além disso,
Em meio a montanhas tão vastas e abismos tão com a volta de Kallyadranoch, este também se torna-
profundos, não é surpresa existir grandes redes de ria um importante ponto de peregrinação para seus
cavernas e túneis — alguns realmente colossais, seguidores. Diz-se que a extrema dificuldade para
permitindo aos próprios kaiju circular livremente nas alcançá-lo será generosamente premiada pelo Deus dos
profundezas e alcançar partes distantes de Arton, Dragões; fala-se de devotos que conquistam grandes
antes de emergir em fúria destrutiva. Destes infernos recompensas, como montarias dracônicas, ou mesmo
infestados de horrores, o mais vasto talvez seja a a cobiçada transformação em meio-dragões. É comum
Sina de Doruthamm, nomeado em honra ao célebre contratarem heróis como guarda-costas — não raras
explorador anão desaparecido em suas profundezas. vezes com a intenção de traí-los e oferecê-los como
Verdadeira caverna-mundo com seus próprios biomas, sacrifício a Kallyadranoch no fim da jornada.

Além do Reinado
263
A montanha mais perigosa, na cordilheira mais Isso se explica porque seu ponto de emanação, a
perigosa, bem poderia ser o pior lugar do mundo — e aberração chamada Urazyel, não é como outros Lordes
seria, não houvessem as infernais áreas de Tormenta. da Tormenta; enquanto estes residem em castelos,
Logo, aquela que sabe-se existir justamente nas Sangui- Urazyel é um castelo em si mesmo. Seu corpo é uma
nárias pode ser, este sim, o ponto mais letal de Arton. vasta fortaleza ancorada no cume das mais altas mon-
Nenhuma área de Tormenta pode ser mapeada com tanhas. Tem a aparência de uma cidadela monstruosa,
precisão. A área de Urazyel, no entanto, é ainda mais grotesca e indubitavelmente viva — com inúmeros
esquiva; impossível prever sua posição nas Sanguinárias, olhos, mandíbulas e tentáculos, sempre em movimento.
mesmo de forma vaga — relatos antigos a situam no Suas torres, que lembram crânios em pescoços longos,
norte da cordilheira, mas são cercadas de névoa corrosiva.
essa informação Poucos aventureiros viram esta monstruosidade de
não é confiável. perto, menos ainda voltaram para contar. Os relatos são
conflitantes. Alguns juram que as colunas em formato
de patas sustentando o castelo são capazes de carregar
a construção inteira através das montanhas. Outros
afirmam que o castelo realmente muda de posição
todos os dias — mas através de teletransporte. Seja
qual for a verdade, o Castelo Urazyel jamais foi visto
duas vezes no mesmo ponto.
O interior da estrutura abriga uma cidade da Tor-
menta completa, com uma grande população de
lefeu e escravos. Mas a simples aproximação
desta cidadela é desafio extremo — Urazyel
é acompanhado por manadas de monstros,
todos transmutados em aberrações ru-
bras. Há histórias de vítimas capturadas
em todo o mundo, mantidas cativas atrás
de suas muralhas. Tais relatos conduzem
heróis a expedições de resgate épicas...
ou destinos terríveis.

Trono
de Sugora
Monstros não são animais,
não seguem as mesmas regras. Uns
poucos acasalam, produzem prole,
mas são exceções — imitações grotescas
das crias de Allihanna. Cada monstro vem
a este mundo de forma única e terrível.
Alguns existem há milênios, desde o início,
voltando a viver mesmo depois de destruídos.
Outros simplesmente se formam a partir de
forças sobrenaturais, elementais, profanas;
emergem das profundezas, da escuridão,
das crateras vulcânicas. Outros ainda foram
seres diferentes algum dia, transmutados
por maldições. Mas todos nascem por
vontade de Megalokk.
Assim, embora alguns estu-
diosos afirmem existir aqui biomas
tradicionais, com relações predador/
presa, a verdade pode ser mais simples e cruel. Nas

Capítulo Dois
264
MAPA

Sanguinárias, tudo que vive é predador e tudo que se caudas e órgãos sem nomes. Seres que emanam
move é presa em potencial. Não há herbívoros pacíficos energias, expelem venenos, iludem os sentidos,
— mesmo aqueles que se alimentam de plantas são sufocam, paralisam, petrificam. Coisas resistentes,
violentos e brutais. Vários seres sequer precisam de até imunes, aos melhores ataques dos aventureiros.
qualquer nutrição, mas ainda assim atacam e matam Não há como prever qual será o próximo adversário
tudo que cruza seu caminho. e suas capacidades bizarras.
Praticamente todos os monstros “comuns” — isto Impossível falar sobre os monstros das Sanguiná-
é, aqueles também encontrados em outras regiões rias sem mencionar os maiores entre eles — as formas
de Arton — existem nas Sanguinárias, em tamanhos de vida mais gigantescas em toda Arton. Kaiju é como
ou números maiores. Aranhas gigantes espreitam foram nomeados pelo povo de Tamu-ra, palavra que
nas fissuras, formando enxames e tecendo teias que em seu idioma significa “fera misteriosa”. Maiores
poderiam cobrir aldeias. As maiores centopeias-dragão que os maiores castelos, estes monstros gigantescos
abundam aqui. Mantícoras vigiam as escarpas para são praticamente imortais; mesmo quando abatida e
abater escaladores em posição precária. Cães-do-in- morta por outro kaiju (pois nenhum outro ser poderia
ferno rondam vales vulcânicos em grandes matilhas, fazê-lo), a criatura mais tarde ressurge; seu poder
enquanto bandos de basiliscos espreitam nos córregos. regenerativo não pode ser detido. Acredita-se que
Nos céus, revoadas de grifos e serpes procuram caça todos são descendência do próprio Sugora — como
com olhos aguçados. Não é raro, inclusive, que todos Megalokk é chamado no Império de Jade —, existindo
estes monstros sejam liderados por um rei ou rainha desde o início da vida. Travam lutas titânicas entre
muito maior, nunca visto longe das montanhas. si, estremecendo as montanhas, embora algum deles
Estes são apenas os monstros conhecidos. Todos às vezes cruze os limites impostos pelos deuses e
os dias, alguma abominação única, sem igual, desperta avance contra cidades indefesas. Sendo imunes a
em algum lugar. Bestas que nenhum herói enfrentou quase tudo que é conhecido, heróis são forçados a
antes, com habilidades mortais e sem explicação. encontrar soluções engenhosas para lidar com seus
Criaturas com múltiplas mandíbulas, garras, asas, rompantes de destruição.

Além do Reinado
265
Por fim, os dragões. Eles habitam não apenas o há milênios! Após essa revelação nada tranquila, os
Dragão Adormecido, mas toda a cordilheira. Escolhem bárbaros aceitaram permanecer ali como prova de
encostas e penhascos conforme os próprios caprichos coragem. Bravos, mas não tolos, também passariam
para estabelecer seus covis. Vivem sozinhos, desfrutan- a realizar rituais e oferendas para manter o monstro
do de seus tesouros ou cercam-se de servos. Os mais satisfeito. Têm sido bem-sucedidos, até agora.
jovens eventualmente formam bandos — enquanto os Os bárbaros de Katiaskh usam grandes gorloggs
mais antigos rechaçam qualquer rival, exceto possíveis como animais farejadores e montarias. Aqueles que ou-
cônjuges. As Sanguinárias são onde ovos de dragão, sam visitar a aldeia podem tentar negociar produtos de
um dos artigos mais raros e caros na existência, podem suas caçadas, ou mesmo pernoitar em relativa segurança
ser obtidos. Obviamente com risco extremo. (isto é, desconsiderando o monstro dormente). Embora
não sejam exatamente amistosos, os bárbaros podem
Os que Caçam Monstros ser convencidos a ajudar viajantes em necessidade.
Pode-se notar a índole destes selvagens pelas palavras
Nas tavernas do Reinado, quando se anuncia a
de um dos mais “sociáveis” da tribo, o guerreiro Sjgurd
presença de um bárbaro das Sanguinárias, os sábios
Eriksson. Tentando acalmar um temeroso forasteiro
se acautelam. Os tolos duvidam, caçoam, desafiam; e,
recém-chegado, o bárbaro notoriamente disse: “Não se
por serem tolos, logo demandam cura.
preocupe. Se eu não puder matar hoje, amanhã poderei”.
Difícil imaginar que qualquer povo humanoide Nem todos os habitantes de Katiaskh são humanos; há
sobreviva em meio aos monstros. De fato, apenas os alguns anões, elfos e hynne, todos de origens distantes
mais furiosos e embrutecidos o fazem. Aqui encontra- e motivos próprios para viver ali.
mos tribos de selvageria incomparável, onde a mínima
Muito mais procurada por aventureiros é a famosa
mostra de civilidade é sinal de fraqueza — e os fracos
cidadela Trag’Merah — sede principal da Guilda
não duram até o fim do dia. Orcs e trogs enxameiam
Mon’han, ou Guilda dos Caça-Monstros. Foi construída
nos subterrâneos, alguns manifestando mutações
no esqueleto de alguma besta titânica, suas costelas
monstruosas. Ogros cruentos devoram tudo que seja
descomunais servindo de abrigo para vários pátios e
menor. Khelk’kar, os temidos homens-escorpião, torres. Teria sido fundada por um lendário caçador
cultuam e fazem oferendas a Megalokk. Também os kliren, Mon’han Galldo’han, que percorria os Planos na
meio-dragões kallyanach formam comunidades, não trilha de feras fantásticas. Hoje em idade avançada, o
raras vezes como adoradores dos dragões. Não há veterano dedica-se a gerenciar esta entidade de auxílio a
mínima cooperação entre estas raças; quando não aventureiros e caçadores. Mon’han não odeia monstros;
lutam com monstros, guerreiam uns contra os outros. acredita que eles são magníficos e dignos de respeito,
E sim, existem povoados bárbaros humanos nas existindo para testar os limites dos povos.
Sanguinárias. Poucos e pequenos, mas extremamente Situada no extremo sul da cordilheira, onde pode
resilientes e inventivos. Recorrem a partes de monstros ser alcançada com relativa facilidade, Trag’Merah é
como armas e armaduras — alguns dos melhores uma cidade sempre agitada. Visitada por mercadores
forjadores de itens deste tipo aprenderam aqui sua e aventureiros do mundo inteiro, buscando uma base
arte. Outros, ainda mais ousados, acolhem algum de operações para a próxima expedição, equipamentos
monstro nativo como totem da tribo; seja por adora- de aventura, guias especializados e outros recursos.
ção a Megalokk ou pura afinidade, são aceitos pelos
Por fim, desafiando a hegemonia de Megalokk nas
monstros como irmãos, ou mesmo cavaleiros. Alguns
Sanguinárias, o Santuário da Mãe Jaguar é um refúgio
dos maiores heróis de Arton tiveram esta origem,
escondido entre galerias e paredões onde cultua-se
cavalgando alguma fera inacreditável.
uma das faces de Allihanna. O santuário é pequeno,
Katiaskh é o maior povoado humano conhecido não mais do que um altar construído dentro de uma
na cordilheira — sendo também o mais temerário em gruta. As paredes são pintadas de forma rudimentar,
todo o mundo. Foi construído no topo de uma colina mostrando cenas envolvendo grandes felinos, e no
inquietante, entre formações rochosas afiladas e algo lado de fora há um totem sinalizando a entrada. É
defensivas, talvez com a intenção de manter grandes chefiado pela druida Itzel-nelli e suas discípulas, das
feras afastadas. De fato, por razões misteriosas na quais destaca-se a jovem druida Oihanna, a única a ter
época, outros monstros hesitavam chegar perto demais. visitado os reinos ditos civilizados. Apesar de modesto,
Seus habitantes acreditavam ter encontrado um lugar é um local respeitado pelos povos das Sanguinárias.
abençoado, protegido e seguro, mas estavam muito Membros de diferentes povos vêm trazer oferendas
errados; em verdade, a aldeia inteira foi erguida no topo à deusa, o que pode causar situações complicadas
da cabeça espinhosa de Katiaskh, um kaiju adormecido quando há o encontro de tribos rivais.

Capítulo Dois
266
Montanhas
Uivantes
N Terra Rigorosa
este mundo onde as próprias leis
naturais são caprichos divinos, a
A cordilheira serve de muralha para um mundo
desolação gélida das Uivantes desafia
próprio, uma região de grandes vales, florestas de
explicações. Seu clima e terreno não
pinheiros e lagos gelados. Planícies de extensões
deveria ser possível aqui, no coração do conti- inacreditáveis sugerem, de fato, que tal vastidão
nente, cercado de planícies, colinas e florestas. pode não ser natural; como outras áreas inóspitas de
Há quem considere a cordilheira como um plano Arton, desafiam quaisquer mapas e sua travessia pode
elemental, coexistindo com o mundo material consumir muito mais tempo que o previsto. Manadas
— sendo que as próprias montanhas seriam de mamutes, bisões e alces gigantes preenchem os
fenômenos planares, suas trilhas contendo horizontes. Allihanna reina soberana, e todos sabem
passagens para acessá-lo. que a Deusa da Natureza despreza números, medições
Se isso é verdade ou não, pouco importa. Indife- e outros inventos que buscam enjaular sua obra.
rentes aos questionamentos dos povos civilizados, as O Grande Lago ocupa boa porção da região
Uivantes sopram, perduram e reinam. central. Praticamente um mar, a maior parte de sua

Além do Reinado
267
superfície permanece congelada durante o ano todo. em mortes de exploradores e devotos que rogaram
Lugar perigoso, exigindo habilidade e experiência respostas aos deuses não tiveram resultado melhor.
para identificar onde é seguro erguer acampamentos Alcançar o topo e retornar com vida permanece um
(até aldeias!) e onde é fino e quebradiço, engolindo feito irrealizado; nevascas fortíssimas sopram em suas
caravanas inteiras de viajantes incautos. Bestas locais encostas, tempestades derrubam qualquer criatura
habituadas ao terreno arriscado, são montarias bem- ou veículo voador. Conjuradores confiantes demais
-vindas. Grupos de diversas aldeias chegam de trenó, também descobriram que nenhuma forma de magia
preparam acampamentos temporários e começam a funciona para esse fim, impossibilitando teletransporte
pesca. O método convencional é serrar uma abertura ou proteção contra o frio. Ainda assim, a montanha não
no gelo e pescar com vara, linha e anzol. Para peixes é desabitada. Em seu sopé fica encravada a Cidadela de
maiores, o pescador aguarda de prontidão com um Khalmyr, lar de anões vigorosos que moldam metal em
arpão. Muitas vezes precisam disputar espaço com forjas profundas, alimentadas com gordura de mamute.
predadores como o urso das neves, que também usa Existem diversas florestas de pinheiros nas Uivan-
aberturas no gelo para pescar. tes, dentre as quais a Mavallam se destaca. Também
Situada na região noroeste, a Montanha Inven- chamada “Floresta de Gelo”, na verdade é formada por
cível é o ponto mais alto das Uivantes — talvez mais árvores de clima ameno, mas congeladas e fossilizadas.
alto que o próprio Monte do Dragão Adormecido Prova de que esta região nem sempre foi gelada, dizem
nas Sanguinárias. Tentativas de medição resultaram os estudiosos. Mais que isso, o lugar é infestado de

Capítulo Dois
268
mortos-vivos e todo tipo de monstro relacionado ao antigo aliado, tomou a dragoa-rainha como montaria
frio, como hidras brancas, dragões de sopro congelante e refém — para negociar com Sckhar os últimos Rubis.
e trolls do gelo. Para caçadores que buscam esse tipo E então a matou.
de presa, não há lugar melhor. O corpo seria devolvido a seu covil nas Uivantes,
Embora esteja tecnicamente fora das montanhas, uma caverna colossal, onde descansa em um esquife
a Estepe Selvagem no extremo nordeste também é de gelo eterno e translúcido. Acreditava-se que sua
considerada parte de seu território. Região plana, de morte causaria o degelo da cordilheira, mas isso
vegetação rasteira, assolada por bandos de cavaleiros nunca aconteceu: talvez sua presença, mesmo sem
nômades provenientes de Namalkah. São bárbaros vida, ainda mantenha o frio inclemente. Ou talvez
agressivos, entre humanos, hobgoblins e meio-orcs, não esteja realmente morta. Durante uma batalha
sempre em busca da próxima aldeia ou caravana para recente contra um cultista da Tormenta, aventureiros
pilhar. Um dos mais infames desses bandos é liderado relataram a intervenção da própria Beluhga, furiosa
pelo orc Kromaq, conhecido por ser extremamente como jamais se testemunhou.
belo, mas não menos cruel. Nos últimos anos, a Estepe A Caverna de Beluhga permanece como local
foi quase completamente tomada pela área de Tormenta de peregrinação para seus devotos, que acreditam
de Zakharov; após sua recente dissipação, hoje é ainda em sua ressurreição. Além de armadilhas e ameaças
mais árida e perigosa, com aberrações à espreita. presentes em qualquer covil de dragões, a caverna
era vigiada pelos Escolhidos de Beluhga, um culto
Lágrimas da devotado a servir e defender sua deusa. Por falharem
Dragoa-Rainha em protegê-la contra o Paladino de Arton, hoje vivem
em penitência, buscando uma forma de ressuscitar
Anos atrás, quando quase trinta nações forma- sua rainha. Diz-se que é comum abaterem grandes
vam uma federação coesa, as Uivantes eram parte da presas e oferecê-las como tributo a Beluhga: inex-
coligação — um reino legítimo, ainda que apenas por plicavelmente, as refeições desaparecem como se
convenções políticas. Hoje, após a quase desintegração fossem de fato devoradas por um dragão.
do Reinado, seguem sendo o que sempre foram: uma
terra selvagem e indomada, sem governo ou lei. Fala-se também sobre um druida poderoso de
nome Bhalorg, que considera os Escolhidos como
Beluhga, Dragoa-Rainha do Gelo, foi por muito traidores, por abandonar o esquife da rainha sem
tempo considerada sua regente. Mais que isso, era a defesa. Capaz de transformar-se em um imenso urso
própria deusa criadora e mantenedora das Uivantes. das neves, tomou para si a missão de vigiar e proteger
Sua presença aqui, imposta por Khalmyr no passado o sono de Beluhga.
remoto, seria a fonte do frio glacial. Era venerada pelos
povos locais como divindade, honrada com cerimônias Imagina-se existir na caverna um tesouro incal-
e oferendas. Vista em sua forma dracônica imensa culável, digno dos Dragões-Reais, contendo artefatos
ou como uma orgulhosa rainha de pele alva e vestes poderosos. Não faltaram aventureiros ambiciosos para
cristalinas. Uma soberana irascível e territorial, como tentar a ousada pilhagem. Nenhum voltou.
é a natureza dos dragões, mas também disposta a
sacrifícios para proteger seus devotos, seus súditos. Povos do Gelo
Seu coração podia ser de gelo, mas também era cálido. Como se sabe, povos humanos e outros já habi-
O motivo do cativeiro imposto pelo Deus da Justiça tavam Arton muito antes da chegada dos exilados de
ninguém sabe ao certo. Uma lenda diz que ela violou Lamnor. As Uivantes não são exceção, hospedando
um antigo pacto entre os deuses, que proíbe a presença membros de quase todas as raças inteligentes, adap-
de monstros e dragões no território do Reinado. Outra tadas ao clima local.
história menciona algum tipo de plano envolvendo Os humanos locais são grandes e fortes, em geral
Sckhar, o Dragão-Rei do Fogo. Outra, ainda, diz que com pele, olhos e cabelos claros, tradicionalmente
o verdadeiro crime de Beluhga teria sido se apaixonar usados em tranças. Os homens cultivam longas bar-
por Khalmyr. Este, incapaz de retribuir esse amor, bas, também presas em tranças, o mesmo valendo
teria oferecido à dragoa um reino próprio, que ela para os anões da Cidadela de Khalmyr. Minotauros
poderia governar. têm pelagem muito densa, tendendo ao branco ou
Assim seria, até ser visitada por um guerreiro cinza. Hynne têm pés muito mais peludos. Quando
santo em armadura dourada, o Paladino de Arton. escolhem deixar sua terra natal, em qualquer ponto do
Ressuscitado com o poder dos Rubis da Virtude, Reinado os nativos das Uivantes podem ser facilmente
dominado por uma obsessão e manipulado por um reconhecidos como “bárbaros do gelo”.

Além do Reinado
269
Giluk, a maior cidade nas Uivantes, abriga quase Finalmente, existe a grande horda errante de
metade dos humanos do reino. O modo de vida é minotauros conhecida como a Manada. São densa-
simples: adultos passam a maior parte do tempo em mente peludos, com muita gordura sob a pele, da
expedições de caça e pesca, enquanto os jovens e idosos mesma forma que os iaques (tipo de boi selvagem
cuidam das tarefas domésticas, que incluem a prepa- das montanhas). Vivem em nomadismo, formando
ração de comida, peles, medicamentos e cuidados com acampamentos temporários até que os recursos
a criação de mamutes — Giluk é a única comunidade naturais da região se esgotem, para então rumar
com mamutes domesticados. Estes são vitais para a so- para outro lugar. Como seus parentes em Tapista,
brevivência do povo, oferecendo carne, leite e também houve época em que foram escravistas cruéis; a
usados como animais de carga. Os habitantes são um morte de Tauron talvez tenha mudado esse com-
povo hospitaleiro, que jamais nega comida ou abrigo portamento, mas não diminuído sua maldade. Em
a viajantes — pelo contrário, visitas de forasteiros vez de torná-los escravos, hoje eles simplesmente
são raras, celebradas com festa. A tradição diz que os matam seus inimigos.
convidados devem beber o tradicional gullikin (como
chamam o leite de mamute tirado na hora).
Nascente do
Outra grande aldeia, Korm, é povoada por guer-
reiros valorosos e devotos do Grande Chifre — líder
Gelo Eterno
de uma gigantesca manada de rinocerontes lanosos. Na infinitude branca das Uivantes, numerosos
Embora muitos não saibam, esse majestoso animal é pontos merecem a atenção de viajantes e aventureiros.
um avatar de Allihanna, que ocasionalmente visita as Aqui estão as Minas de Gelo Eterno, onde se
Uivantes nessa forma. Os caçadores de Korm abatem origina este material fantástico — usado não apenas
rinocerontes em caçadas rituais, sempre gratos pela na manufatura de armas e armaduras mágicas, mas
honra de duelar com um inimigo tão valoroso e vital também em engenhos miraculosos que preservam
para sua sobrevivência. Um jovem é considerado adulto alimentos ou refrescam palácios durante verões rigo-
após matar seu primeiro rinoceronte, sendo que muitos rosos. As galerias subterrâneas onde foi descoberto,
morrem na tentativa; os que falham e sobrevivem são no entanto, são de difícil acesso; apenas heróis bem
expulsos em desonra. Os adultos trazem, preso em preparados conseguem alcançar os pontos de extração,
uma bandana na cabeça, o chifre da primeira caça como sendo esta atividade igualmente complicada, por exigir
prova da maturidade. Esse é seu bem mais precioso. ferramentas mágicas próprias. Um carregamento de
O extremo sul do reino, território de taiga com minério transportado para o Reinado com sucesso
florestas de pinheiros, é conhecido como Terra dos atinge preços altíssimos. Forjar o gelo em armas
Pequenos — pois aqui vive quase toda a população e outros itens, contudo, é segredo dominado por
hynne nas Uivantes. Suas habitações são construídas pouquíssimos artífices.
sobre as raízes das grandes árvores. Vestem roupas Essa dificuldade em forjar o gelo eterno leva a
de cores vivas, em geral preferindo o vermelho e o outro mistério local, Emerware, ou apenas a “Cate-
verde, além de gorros e chapéus vermelhos de lã. São dral de Gelo”. Erguendo-se majestosa sobre o topo
habilidosos na escalada de árvores para a obtenção de de uma montanha, é a única construção em Arton
ovos de pássaros. Gostam de descer montanhas geladas erigida inteiramente com esse material. Contém
em trenós, ou com um estranho tipo de prancha presa dezenas de aposentos, corredores e escadas, que
aos pés. Mas seu verdadeiro “esporte” preferido é o descem cada vez mais fundo na montanha, formando
arremesso de bolas de neve, tema de grandes torneios. uma masmorra complexa. Ninguém tem qualquer
Em contraste, Tundorak é a maior aldeia dos ideia sobre quem a teria construído, ou como. A única
temíveis bugbears do gelo — similares aos goblins pista seriam algumas esculturas que trazem a figura de
gigantes de Lamnor, mas brancos e mais peludos. um galante cavaleiro humano, que poderia ser o deus
Vivem em grandes cabanas feitas com peles e ossos Khalmyr, exceto pela longa barba. Contudo, algumas
de mamute, sua caça favorita. Caçam em pequenos histórias falam que a Catedral esconde uma passagem
bandos, armados com machados de osso, clavas e para uma pequena dimensão infernal habitada pelos
lanças. Usam ursos das neves como bestas de caça e diabretes negociantes, abissais capazes de transfor-
montaria. Têm uma linguagem própria de rugidos, mar sentimentos em objetos, mas sempre exigindo
que nenhuma outra raça consegue aprender — co- uma barganha em que os mortais saem perdendo.
municar-se com eles é possível apenas por meios A Catedral atrai aventureiros que suspeitam haver
mágicos. São também infames por devorar humanos tesouros escondidos, o que pode ser verdade — bem
e usar sua gordura para abastecer lampiões. como a existência de armadilhas e monstros.

Capítulo Dois
270
Outro ponto de interesse é a Torre de Nor, o assim e arpão. Cavalgam os perigosos cavalos-glaciais, tipo
chamado Mago Glacial. Profundo estudioso de magias de cavalo nadador e carnívoro. Protegem as Uivantes
relacionadas ao frio, Eadmund Siberus Nor teria sido o contra caçadores de troféus, que matam apenas por
inventor do processo que permite forjar o minério de suas peles ou chifres. Também é comum que vigiem
gelo eterno em armas e utensílios. Após deixar esse grupos de aventureiros à distância, para evitar que
conhecimento com um grupo seleto de aprendizes, provoquem encrenca. Alguns de seus membros são a
o arcanista refugiou-se nas Uivantes, conduzindo minaura bárbara Oona Moosio, o hynne besteiro Wylt
experimentos com criaturas artificiais feitas com o Pé-Peludo, a maga Bella Estrela e o goblin druida
gelo miraculoso: sua torre é protegida por gárgulas, Zizebit. Tannara, sua misteriosa líder, teria sido vista
estátuas e armaduras animadas. Diz-se que sua maior mergulhando com os cavalos-glaciais em águas geladas
obra são os poderosos golens de gelo eterno, ou “golens que matariam qualquer humano; os nativos dizem que
de nor”, sendo que alguns despertaram consciência. ela é meia-dragoa, filha de Beluhga.

Igualmente intrigante é o Palácio de Laponya, Nem tudo nas Uivantes é antigo. Quando um grupo
belíssima qareen de pele azulada e resplandecente de aventureiros percorreu suas trilhas em tempos recen-
com cristais de gelo, o cabelo branco como pelagem tes, um de seus membros acabou congelado ali, como
uma estátua altiva. Sua figura é singular: um trog de
de raposa das neves. Veste luxuosas peles e joias de
face selada em máscara dourada, a cimitarra erguida aos
ouro branco, uma névoa leitosa acompanhando seus
céus. Diz-se que, ao escapar da escravidão no porão de
movimentos quando surge nas sacadas marmóreas.
um navio pirata e ver o sol pela primeira vez, o homem
Até onde se sabe, ela vive ali sozinha — mas em certas
lagarto então chamado apenas Nish abraçou devoção
ocasiões os ventos que sopram da estrutura parecem
a Azgher — tornando-se seu paladino. Orgulhoso, o
trazer lamentos torturados. Temerosas histórias locais
Deus-Sol abençoou sua forma congelada, tornando-a
avisam, aqueles que se aproximam demais foram
um santuário para andarilhos; tocá-la restaura com-
transformados em estátuas de gelo, formando um
pletamente as forças de qualquer criatura viva, além
jardim macabro diante do palácio.
de prover proteção durante os dias seguintes. Assim,
Os Guardiões Glaciais são grandes especialistas quando o frio é inclemente, viajantes oram a Azgher
em sobrevivência no gelo, e mestres no uso do arco que o Bastião de Razzlanish esteja em seu caminho.

Além do Reinado
271
Ermos
Púrpuras
O
s Ermos Púrpuras não existem. estão dispostos a fazer qualquer coisa para
São uma invenção moderna, pouco continuar existindo.
mais que uma mentira bonita para Os povos que formam os Ermos Púrpuras ocupavam
preencher um vazio nos mapas. É o a região que abrangia territórios rurais hoje pertencentes
nome dado à região de Arton para onde várias à Supremacia Purista, a Bielefeld e a Aslothia. Embora
tribos bárbaras migraram durante a chegada da separados em diversas tribos e representando muitas
caravana de Arton Sul. Os povos dos Ermos são etnias, compartilhavam traços culturais como vestimen-
sobreviventes, não apenas lutando para manter tas e rituais. Com a chegada dos colonos, migraram de
seu modo de vida ao longo dos séculos como suas terras, recuando até a atual região dos Ermos, na
sofrendo as consequências da corrupção lefeu época considerada parte do reino de Bielefeld.
sem nem mesmo ter manifestado uma área Após a migração, os bárbaros se reuniram em
de Tormenta em seu território. Equilibrando Grael, uma região neutra entre as tribos, o ponto de
orgulho e vingança, raiva e esquecimento, caos encontro a partir de onde podiam cooperar. Frequen-
e lealdade, os bárbaros dos Ermos Púrpuras temente sob a liderança dos Gurka Kahn, começaram

Capítulo Dois
272
a atacar as terras vizinhas como forma de se impor, Tamanho foi o caos da Guerra Artoniana que
principalmente o reino de Bielefeld. alguns grupos desgarrados chegaram aos Ermos
Os conflitos entre bárbaros e cavaleiros se segui- desejando abraçar o modo de vida bárbaro. Alguns
ram de forma constante e sangrenta até 1289, quando foram assimilados por alguns clãs, outros fundaram
Deheon decidiu intervir. os seus próprios, mas nenhum foi rejeitado. Afinal, o
que não é de ninguém também é de todos.

A marcha Viagens traiçoeiras


dos simbiontes e um povo de tradições
Em 1403 Crânio Negro chegou à União Púrpura
As terras dos Ermos Púrpuras apresentam muitas
oferecendo poder e a oportunidade de vingança. Esse
áreas florestais, com algumas colinas, planaltos e mon-
poder, porém, chegava na forma da corrupção lefeu.
tanhas de pequeno porte. Algumas análises sugerem
Vários chefes, incluindo o regente Guryann, se ren-
que as florestas da região são uma extensão da Floresta
deram às promessas aberrantes.
de Greenaria, mas os mapas oficiais indicam que a
O minotauro Artorius assumiu a liderança da tribo grande floresta se encerra no rio Zuur Gathan, que
Zallar e se tornou Chefe Artorius. Desafiou o regente, também serve como fronteira com as Repúblicas Livres
venceu, decretou o fim das tribos e jurou fazer o mundo de Sambúrdia. Na região sul, as florestas são menos
se curvar diante da União Púrpura e de Aharadak, o densas, especialmente na fronteira com Bielefeld,
Devorador, o Deus da Tormenta — na época, ainda apresentando terrenos mais planos. Já ao leste, existe
uma divindade menor. O Rei Artorius espalhou sua uma área mais montanhosa, dificultando o acesso a
corrupção por todo o reino. Marchou com seu exército Aslothia. Além disso, outra cordilheira, situada no
corrompido, inchando as fileiras dos lefeu. Até hoje noroeste, separa os Ermos de Salistick.
esse percurso permanece temido e corrompido, uma
Viagens por entre os territórios das diversas
Trilha Vermelha atravessando os ermos.
tribos são traiçoeiras para estrangeiros. Quase não
Convertidos em fantoches dos lefeu, ainda lutando há estradas, apenas trilhas camufladas, conhecidas
mesmo depois de seu rei ser morto pelo próprio Crânio apenas pelos habitantes. Além disso, o território de
Negro, as tribos formaram a vanguarda de um exército cada tribo é marcado de formas que muitos visitantes
da Tormenta, que marchou através do continente com não notam. Assim, é fácil que um estrangeiro invada
um propósito que apenas seus líderes conheciam. O sem querer o terreno de uma tribo, contrariando seus
ressentimento de séculos impulsionava os machados dos costumes, levando consigo algum objeto proibido, ou
bárbaros por trás de suas cascas insetoides. O orgulho realizando algum ato considerado hostil.
ancestral se esvaía, substituído pela submissão lefeu.
Os Ermos são ocupados principalmente por
A União Púrpura corrompida enfrentou as forças humanos. Ainda assim, devido à corrupção semeada
do Reinado, um poder militar jamais reunido na por Crânio Negro, há uma considerável população
história de Arton. E foi derrotada. de lefou. Diferente de outros lugares, aqui os cor-
rompidos pela Tormenta são tolerados, desde que
O caos consigam contribuir. Na última década, mais e mais
trogloditas têm aparecido nos Ermos. Acredita-se
depois da ordem que tenham saído dos subterrâneos por conflitos
A estrutura da União Púrpura continuou existindo com os finntroll. Seus encontros com as tribos locais
nominalmente depois da derrota. A maior parte dos são imprevisíveis.
guerreiros locais havia morrido no embate. Aos olhos
Os povos dos Ermos vivem em um delicado equi-
de muitos líderes, a vergonha da corrupção parecia
líbrio entre o orgulho e a vergonha. Valorizam suas
doer mais do que a derrota.
raízes e mantêm o modo de vida de seus ancestrais,
Quando o Reinado sofreu convulsões políticas mas se dividem quando se trata da Tormenta. A maioria
devido à Guerra Artoniana, não havia quem pudesse vê com desagrado a marcha dos simbiontes mas aceita
responder pela União Púrpura. Sem liderança e sem relutantemente suas consequências, como a presença
um consenso, a verdade já decretada anos atrás foi de lefou ou o próprio estado do território. Uma minoria
finalmente sacramentada: a União Púrpura não existia crescente prefere abraçar a Tormenta, enxergando na
mais. A região onde antes existia, agora muito mais campanha militar de Crânio Negro o maior sucesso
esparsamente populada, se tornava ainda mais erma. de seu povo nos últimos séculos. Esse pensamento é
Passava a ser terra de ninguém. particularmente comum entre os Zallar.

Além do Reinado
273
Embora muitos grupos étnicos estejam presentes nenhum pudor ou cuidado com higiene, com baldes
nos Ermos, a maior influência cultural é dos povos cheios de excrementos jogados nas ruas, corpos desfa-
que já ocupavam a região antes mesmo da caravana lecidos pendurados nas janelas para atrair carniceiros
causar migração. Costumavam ser um povo temente e humanos se juntando a cavalos em suas baias para se
a Allihanna, reverente à terra e à força, organizando alimentar. O sangue vermelho de inimigos e aliados é
sua sociedade unidades cada vez menores: tribos usado como tinta para escrever obscenidades em nome
divididas em clãs, clãs divididos em famílias. Parte de Aharadak. Baakan não é mais uma cidade, apenas
dessa estrutura sobrevive até hoje, com a diferença um ponto de descanso para os cultistas ensandecidos
entre tribo, clã e família parecendo cada vez mais repousarem, realizarem sacrifícios e se tornarem ainda
confusa. A quantidade de tribos é enorme, na casa das mais depravados.
centenas. Tanto tribos quanto clãs costumam escolher
A estrutura mais chamativa da cidade é a catedral
para seus estandartes os maiores predadores da região,
da Tormenta, um prédio de pedra de dois andares
frequentemente ursos e lobos.
decorado com cadáveres e sempre cheio de bárbaros
Depois de perderem terras para os colonos e seus corrompidos em júbilo.
próprios filhos para os lefeu, os bárbaros passaram a
ter uma visão muito particular da propriedade privada.
Embora muitas tribos sejam nômades, tudo aquilo que
Os dólmens da
carregam é levado muito a sério. Roubo é um conside- Clareira dos Mistérios
rado um crime mais grave que assassinato em muitas No extremo norte dos ermos, dentro de uma
tribos. Entende-se que a posse é uma manifestação de floresta particularmente densa, fica a Clareira dos
individualidade. Se algo não pertence a alguém, pertence Mistérios, contendo um estranho monumento
a todos — e pode ser tomado por qualquer um. erguido em louvor à Deusa da Natureza. Enormes
Desde os tempos da União Púrpura, a única pedras (dólmens) estão dispostas em uma complicada
constante em todo o território era o caos. O culto formação retangular, com pedras maiores nas linhas
de Nimb é forte na região, seja na aceitação fatalista mais exteriores e dólmens menores no centro. Os
da imprevisibilidade do destino ou na esperança de maiores dólmens chegam a ter oito metros de altura.
uma súbita maré de boa sorte. Mesmo em combate A clareira e os dólmens são sagrados, servindo
existe a prática da fúria amoque, uma combinação da de palco para muitos rituais. Aqui Artorius realizou
dádiva de Nimb com o costumeiro transe raivoso dos o ritual profano em nome de Megalokk que criou a
bárbaros. Os adeptos dessa vertente são conhecidos coroa da União Púrpura. Também é aqui que se realiza
como amoucos e temidos tanto por seus inimigos o ritual das peles púrpuras, quando um guerreiro se
quanto por seus aliados. enterra voluntariamente e se ergue transformado, de
O poder político está nas mãos dos chefes. Essas pele púrpura e conectado à natureza de forma única,
lideranças, definidas por mérito e passíveis de desafio cerca de uma semana depois. Druidas de Allihanna
em combate ritual, são responsáveis por tribos, clãs ou e de Megalokk disputam a posse da Clareira, com
família, por vezes respondendo a chefes acima deles. confrontos frequentes e nenhum sinal de resolução.
Ainda existe a lenda da coroa da União Púrpura.
Revelada após um ritual de Megalokk, essa manifesta- Grael,
ção de força e autoridade foi invocada por Artorius para
unir as tribos como uma e marchar contra o Reinado.
a Cidade Proibida
Localizada bem no centro dos reinos, Grael foi o
Acredita-se que possa ser invocada novamente por um
ponto de partida da procissão de bárbaros corrompidos
chefe com o objetivo de unir as tribos, mas somente
que rumou à guerra, sendo o ponto inicial da Trilha
os Zallar têm interesse nisso atualmente.
Vermelha. Hoje, pouco resta nessa cidade desprezada e
menos ainda desejam viver nela. Tornou-se conhecida
A cidade como a Cidade Proibida.
vermelha de Baakan A antiga Arena do Torneio, onde o regente era
A antiga capital do reino de Baarkalar hoje abriga desafiado de quatro em quatro anos, está completa-
a tribo Zallar, representando o maior centro de cor- mente abandonada. Duas estalagens ainda perma-
rupção fora de uma área de Tormenta. A cidade nunca necem no local, a Punho de Aço e a Lebre Assada.
foi grande, pouco mais que uma coleção de prédios Ambos os estabelecimentos sobrevivem às custas
baixos rodeada por paliçadas de madeira, mas hoje se dos cultistas ou pesquisadores que desejam desbravar
apresenta decadente. O fedor é insuportável; não há a Trilha Vermelha. A Punho é gerida pelo golem de

Capítulo Dois
274
ferro Iarann, proprietário e único funcionário, último que ficaram em seu caminho, corromperam-nos e
remanescente de uma expedição da Academia Arcana. por vezes nem mesmo os mortos foram poupados da
Iarann atende tanto cultistas quanto pesquisadores mácula lefeu. Essa depravação continua marcada até
com a mesma polidez distante. A Lebre é propriedade hoje. A estrada precária é uma das poucas presentes
da família Saleiro, um bando de hynne rechonchudos na região e acaba sendo a primeira escolha de viajantes
de cabelos castanhos cacheados, muito parecidos uns desavisados, mas deve ser evitada a todo custo. O
com os outros. Mesmo quando não há hóspedes, sua próprio solo foi corrompido, com veias vermelhas
estalagem é animada e barulhenta. A comida local é surgindo no meio da terra como se a trilha inteira
muito saborosa, mas os visitantes não gostariam de estivesse viva.
saber o que entra no caldeirão, já que os Saleiros são Devotos de Aharadak consideram a Trilha
secretamente devotos de Aharadak e tentam eliminar Vermelha um local profano importante, visitando-o
pesquisadores enquanto dormem. em peregrinação para adorar o Devorador. Para pes-
quisadores, a Trilha Vermelha representa a melhor

Trilha Vermelha opção para encontrar simbiontes lefeu fora de uma


área de Tormenta.
Muitas regiões têm marcas vergonhosas em seu
passado, mas talvez nenhuma seja tão evidente quanto Baarkalark
a Trilha Vermelha nos Ermos Púrpuras. É um lembrete Até recentemente, Baarkalar era o orgulhoso
permanente e vivo dos erros cometidos pelos chefes reino da tribo Zallar. Foi fundado por refugiados de
das tribos e do quão baixo a obsessão pela força fez Svalas, optando por tentar vida nova em uma terra
as tribos caírem. estranha a serem destratados e desrespeitados sob a
A Trilha Vermelha é o caminho feito pelas tribos bota de conquistadores. Respeitavam a força e acolhiam
bárbaras em sua marcha dos simbiontes, saindo de estrangeiros capazes de se provar. Viam a si próprios
Grael para avançar contra o Reinado. Mataram todos como o futuro da União Púrpura, sonhavam com a

Além do Reinado
275
coroa e poder. Então veio Artorius, assumiu a chefia,
forjou a coroa, realizou esses sonhos. E afundou os
Ikari
Zallar na corrupção da Tormenta. Embora seja uma tribo relativamente jovem, os
Ikari conseguiram obter números consideráveis e
Poucos sobreviveram, menos ainda escaparam tomaram para si os territórios de muitas tribos antigas.
da corrupção. Esses eram principalmente não
São distintamente diferentes dos demais bárbaros:
combatentes que deixaram de caminhar pela Trilha
quase todos os seus integrantes são tamuranianos.
Vermelha por ferimentos ou idade. As terras de
Baarkalar não pareciam mais um lar depois da Sempre houve alguma presença tamuraniana no
corrupção. A amouca de olhos heterocromáticos caldeirão étnico dos Ermos, mas depois da batalha
Nebunia entendeu na época a sorte que teve de estar onde a ilha de Tamu-ra foi libertada da Tormenta, essa
desacordada devido a um acidente quando devia presença aumentou muito. Com a vitória da realidade,
ter ido à guerra. Assumiu o comando, incentivou o ficou evidente que o Império de Jade seria restabele-
culto a Nimb e levou seu povo a um modo de vida cido. Criminosos condenados e rebeldes imaginavam
nômade. Não são mais a tribo Zallar; agora são os estar rumando de um sofrimento para outro. Assim,
Baarkalark e seu reino é a própria tribo. em vez de ficar na terra recém-liberta, misturaram-se
aos bárbaros derrotados e rumaram para a região dos
Os modos nômades dos Baarkalark possibilitaram
Ermos Púrpuras junto a eles.
que descobrissem uma passagem para uma câmara
que se liga com Doherimm antes desconhecida na Composta por marginais acostumados aos horro-
região. Isso os levou a estabelecer relações amistosas res da Tempestade Rubra, a tribo desafia as tradições
com o Reino dos Anões, atuando como os tamuranianas. Desprezam Lin-Wu, aproveitam-se das
olhos deles na superfície em troca de florestas para emboscadas, fazem armadilhas engenhosas
boas armas ou riquezas. e têm flechas certeiras, mortíferas e envenenadas.
Dizem que seu chefe, Jaou, é um devoto
Gurka Kahn de Sszzaas, capaz de envenenar seus
inimigos cuspindo em suas bebidas.
A maior representante do
orgulho e da tradição dos povos
dos Ermos Púrpuras é a tribo Zallar
Gurka Kahn. Sua influência já Enquanto parte dos Zallar se tor-
foi a maior de todas e seu estan- nou os Baarkalark, os sobreviventes
darte — um punho ensanguen- da marcha dos simbiontes manti-
tado sobre um campo púrpura veram o nome da tribo. Embora o
— dá nome à região até hoje. resto dos povos dos Ermos enten-
Enquanto muitos encaram os da a investida de Artorius como um
Ermos como uma terra agou- grande erro, para os Zallar foi o maior
renta de caos, corrupção e mor- dos acertos. Eles abraçam a inevitabilidade
te, para essa tribo não há nenhum da Tormenta e se entregaram completamente a
outro lugar para chamar de lar. Aharadak.Existem poucos humanos entre os Zallar atu-
Os Gurka Kahn adotaram como território a região almente. Quase todos os integrantes da tribo são lefou.
centro-norte dos Ermos, com o cuidado de não che- Os Zallar são os mais temidos entre todas as tribos
gar muito perto de Grael. Evitam se reunir em gru- dos Ermos. Ninguém confia neles e ninguém jamais
pos muito grandes, optando por acampamentos me- faria alianças com eles, mas empunham o poder da
nores espalhados por todo esse território. própria Anticriação. Não se preocupam com a própria
Mais do que qualquer outra coisa, os Gurka Kahn integridade física, não prezam pelos próprios bens, não
odeiam a Tormenta. Eles não têm nenhuma leniência cuidam da própria terra. Apenas tomam tudo aquilo
diante de devotos de Aharadak, matando-os à primei- que enxergam pela frente, matam os rivais de formas
ra vista. Não assumem o mesmo comportamento com brutais e prestam homenagem ao Devorador.
os lefou apenas porque são muito numerosos; quase A fama terrível tem trazido ao reino estrangeiros
metade dos guerreiros da tribo são lefou, sejam vete- em busca de combatentes baratos. Chefes bandidos,
ranos da marcha dos simbiontes ou seus filhos cor- necromantes ou senhores de guerra vêm aos Ermos
rompidos. Aventureiros que precisando de um guia Púrpuras para contratar os corrompidos Zallar. Para a
capaz de evitar os perigos da Tormenta costumam en- tribo não faz diferença. Todos os artonianos morrerão
trar em contato com essa tribo. mais cedo ou mais tarde.

Capítulo Dois
276
Floresta de
Tollon
E ste já foi um reino de lenhadores propriedades extraordinárias. Em todo o Reinado
rústicos, mas orgulhosos. Invadido a madeira Tollon era cobiçada. Aqueles capazes de
pelos minotauros durante as Guerras trabalhar com ela eram alguns dos maiores armeiros
Táuricas, Tollon teve sua população e artesãos do mundo conhecido. A economia do reino
dizimada na batalha de conquista e nas revoltas inteiro era sustentada por esse prodígio natural.
que se sucederam. Com a decadência do Império
Tollon era um ponto estratégico importante
de Tauron, as legiões que ocupavam o reino o
na expansão do Império de Tauron em direção ao
abandonaram, fazendo com que se tornasse um
centro do continente. No entanto, os tollonienses
ermo sem lei.
surpreenderam os minotauros com sua tenacidade.
A vasta região florestal antes conhecida como Assim como as outras nações do oeste, o Reino da
Tollon recebeu esse nome devido a uma árvore que Madeira foi conquistado. Mas, de todas, foi a que
cresce apenas em suas fronteiras. Sua madeira negra ofereceu mais resistência… e a que sofreu mais baixas.
é superior a qualquer outra, mais forte que o aço e Mesmo após as batalhas de conquista, seus anos como
pode ser usada para fabricar armas e escudos com província foram brutais e agitados, tanto por eventuais

Além do Reinado
277
Extraindo Madeira Tollon Parto Sangrento
Bela e resistente, a árvore tollon possui Antes da formação do Reinado, a Floresta de
madeira escura e com propriedades Tollon era habitada por um povo humano de caça-
especiais. Porém, extrair e trabalhar a dores e coletores liderados por druidas. Era uma
madeira é extremamente difícil para tribo guerreira, responsável por manter afastados
quem desconhece seus segredos. Metal conquistadores gananciosos, especialmente os orcs
comum é incapaz de ferir a árvore — além do rio Kothai. Para tanto, eles recebiam dos
apenas materiais como mitral e adamante druidas o direito de fabricar armas a partir da madeira
ou itens encantados podem obter sagrada das árvores negras.
sucesso. Porém, mesmo a ferramenta Tudo acabou quando vieram os invasores do norte.
correta é inútil sem a técnica adequada. Um povo terrível, amargo e assassino, decidido a cortar
Um lenhador inexperiente pode passar suas árvores e marcar território. Os nativos lutaram
anos falhando em extrair a madeira ou bravamente, usando seu conhecimento do terreno,
fazer algo útil com ela.
camuflando-se na névoa para confundir os inimigos…
Extrair madeira tollon exige um teste e principalmente brandindo suas impressionantes
estendido de Ofício (artesão) ou Sobrevi- armas de madeira. Mas, mesmo assim, os invasores
vência (CD 35, 5 sucessos exigidos). Se o prevaleceram. Contavam com táticas de guerra desen-
personagem tiver uma falha total, danifica volvidas durante séculos em suas cortes e, acima de
o instrumento usado para a extração. Po- tudo, estavam absolutamente desesperados por um
rém, se passar, recebe um fardo de madeira lugar onde pudessem viver — mesmo que esse lugar
Tollon — suficiente para a fabricação de já pertencesse a alguém. Após anos de combate, os
uma arma, escudo ou item esotérico. Isso nativos foram derrotados, embora seu legado fosse
significa que o custo do material especial sobreviver na forma de costumes, tradições e traços
para fabricar o item é reduzido a zero de miscigenação com os invasores. O poncho xadrez
(mas o custo da melhoria ainda precisa saruhim, por exemplo, é uma vestimenta tradicional
ser pago). O tempo necessário para o teste utilizada até hoje.
estendido é decidido pelo mestre: normal-
mente, uma semana, mas pode ser mais ou Os colonos, contudo, têm sua própria versão
menos de acordo com o local e época do desta história. Eram o povo de Jeantalis Sovaluris,
ano. Cada fardo de madeira Tollon pode ser um ambicioso aventureiro que partira na caravana
vendido por T$ 1.500 e ocupa 2 espaços. exploratória do famoso Cyrandur Wallas através
das Montanhas Uivantes. Discordâncias sobre os
caminhos causaram uma cisão e muitos seguiram
revoltas quanto pela ação da natureza — como se a Jeantalis por uma rota infeliz e cheia de dificuldades,
floresta estivesse tomando suas terras de volta da que levou à morte boa parte dos viajantes. Quando
finalmente desceram o território e encontraram terras
civilização. Colinas próximas a acampamentos de
mais quentes, viram-se obrigados a abrir caminho
legiões desabaram sem aviso, árvores cresciam com
por uma enorme floresta para estabelecer sua nova
velocidade espantosa no meio de estradas abertas pelos
morada. E as árvores revidaram as machadadas, na
minotauros, arbustos e vegetação rasteira pareciam
forma de atacantes noturnos brandindo armas da
resistir ativamente aos batedores táuricos que abriam
poderosa madeira local. As investidas eram selvagens
caminho para os legionários. Assim, quando Tauron
e os colonos sofriam cada vez mais baixas. Porém,
morreu em Tiberus e o império começou a ruir, os
Jeantalis aprendeu a extrair a madeira especial e fabricar
governadores não acharam que valia a pena continuar
as mesmas armas que os inimigos usavam. Batizou a
lutando para ocupar a região. As legiões imperiais se
sinistra e extraordinária árvore de tollon — o nome
retiraram. Tollon não era mais um reino, não era mais
de seu falecido filho, que tombara em um ataque dos
uma província. Não era mais nada.
nativos. Não foi uma guerra limpa e Jeantalis jamais
Nos dias atuais, essas terras não são mais conside- poderia ser considerado um herói… Mas, para o povo
radas parte do Império. São pouco mais que uma região que o seguia, parecia ser a única esperança. A custo
florestal densa, pouco populosa e cheia de conflitos, de muito sangue, aqueles que os recém-chegados
especialmente nas fronteiras. Parece que a natureza chamavam de bárbaros foram subjugados. O povo
conseguiu retomar o que era seu de direito. Esta agora de Jeantalis estava livre para se espalhar pela terra. O
é a Floresta de Tollon. explorador então fundou oficialmente o reino de Tollon.

Capítulo Dois
278
A Virada
da Maré
Os séculos viram Tollon se tornar
uma nação de lenhadores e artesãos
rústicos, mas habilidosos e devota-
dos. Pessoas que valorizavam tra-
balho duro, tradições e disciplina, o
que também atraiu muitos anões. A
expansão trouxe alguns obstáculos a
mais, como a descoberta dos druidas
da Ordem do Bosque de Allihan-
na, que quase chegou a um confli-
to armado. A solução veio na forma
do Tratado da Semente, em que os
dois grupos aprenderam a cooperar
em troca de manter viva a floresta.
A manufatura tolloniense ficou
tão famosa que a Guida Real dos
Madeireiros organizou uma Grande
Feira Itinerante, circulando pelos
reinos próximos, e estabeleceu alian-
ças comerciais muito vantajosas,
especialmente com a República de
Tapista. O povo de Tollon tinha certa
amizade por eles, relação ainda mais
facilitada pelos anões.
Porém, quando as Guerras Táu-
ricas eclodiram, tal amizade não im-
pediu o derramamento de sangue.
Visto como um ponto estratégico,
Tollon foi o último alvo da conquis-
ta que formou o Império de Tauron
antes do ataque a Deheon. Além de
controlar o fluxo de madeira, os mi-
notauros viam as terras florestais
como um ótimo ponto de partida para próximos ata- composto de pântanos de sal e, apesar da habilidade
ques. Porém, não contavam com a resistência e fúria náutica dos minotauros, eles encontraram dificuldades
dos tollonienses. Talvez fosse herança dos nativos que ao serem recebidos pela resistência unida dos druidas
já haviam sido invadidos séculos antes. Talvez, pelo de Allihanna e as tropas do reino. As batalhas costeiras
contrário, fosse a cultura dos colonos, que usaram de foram tão sangrentas que o lugar hoje é conhecido
todas as táticas para conquistar um lar. Seja qual for como Costa dos Fantasmas. Ainda assim, os filhos de
o motivo, Tollon cobrou dos minotauros o preço mais Tauron prevaleceram e seus barcos subiram o Kothai.
caro de toda a região. A segunda frente envolveu o transporte de tropas pelo
E isso foi sua ruína. Como uma ironia do destino, Rio Kothai através de pontes de guerra usando seus
os tollonienses tiveram sua terra roubada e viram navios. A terceira veio através das Uivantes, de onde
seu povo ser quase exterminado pelas armas de um partiu o ataque violento que depôs a capital Vallahim,
inimigo estrangeiro. transformando-a na sede da ocupação táurica.
Como Tollon era separado de Lomatubar pelo Tollon foi dominado… mas nunca foi pacificado.
caudaloso Rio Kothai, os minotauros precisaram de um Desde então, após quase dez anos de pequenas revoltas,
plano para conquistar o Reino da Madeira. Esse plano o ataque da Tormenta a Tiberus e o novo estado do
consistia em uma invasão em três frentes. A primeira, Império despertaram toda a raiva reprimida desta terra
um ataque costeiro massivo. O litoral de Tollon é alimentada com sangue desde que o mundo era jovem.

Além do Reinado
279
Forças antigas começaram a se manifestar, os poucos manter o perímetro e o domínio do resto da província.
tollonienses restantes voltaram a pegar em armas e Nem mesmo os poderes de Tauron, no entanto, foram
até mesmo animais e monstros rugiram em fúria. capazes de regenerar sua aparência, e o general se viu
mutilado e desfigurado para sempre pelos espinheiros
A Ordem dos Espinhos de Allihanna. Começou a usar um manto com capuz
por sobre a armadura para esconder sua vergonha, e
Poucos foram tão humilhados quanto os druidas
muitos passaram a chamá-lo de Espantalho, seja pela
guardiões do Bosque de Allihanna. Graças à recepção
aparência ou pelas falhas. Com o tempo, Pellerius
vigorosa na Costa dos Fantasmas, os minotauros de-
direcionou cada vez mais seus esforços em prol da
cidiram revidar de forma brutal e eficiente. As forças
vingança contra os druidas, e dizem que parte da
táuricas montaram ataques combinados, rapidamente
decadência de Tollon como uma província vem de
tomaram Follen — até então a cidade-santuário da
sua obsessão com o Coração e seus protetores.
fauna tolloniense. Passaram a derrubar as maiores e
mais antigas árvores, e de forma debochada, invadiram
o Bosque de Allihanna, sobrepujando até mesmo as A Sombra das Árvores
defesas mágicas do círculo druídico. Tollon pode não ser a maior floresta de Arton, mas
O Império tinha um motivo adicional para desejar talvez seja a que resguarda mais esqueletos. Uma massa
o Bosque: Gavius Satenius Pellerius, um oficial com fria de pinheiros domina a paisagem desde os sopés das
boas conexões com a inteligência do Império, sabia o Uivantes até sua costa pantanosa, as copas das árvores
que estava escondido lá dentro, o que os druidas tanto escondendo as inúmeras manchas de sangue de sua
guardavam — o artefato conhecido como Coração de história. É uma terra contestada, sem liderança ou leis,
Allihanna. Seus poderes exatos ainda eram desconheci- em que minotauros, humanos e outras raças tentam
dos, mas Pellerius ansiava pela conquista como poucos. sobreviver em pequenos assentamentos abatidos.
Durante a batalha final, a druidisa Aigrah Vento A única cidade que sobreviveu quase intacta à
Leste viu seu pai, o venerável líder Zoruck, ser morto passagem do Império de Tauron e sua retirada foi
pelo gládio do próprio Pellerius. Ferida por uma lança Trodarr, onde os anões de Tollon se estabeleceram. É
táurica e já exaurida de poder, ela se arrastou até o Co- talvez a única cidade anã de grande importância longe de
ração e, em uma última prece, pediu para que a deusa Doherimm, para onde ex-aventureiros anões cansados
interviesse. Os minotauros que escaparam disseram do continente se mudavam quando não queriam voltar
que a terra começou a emitir pulsos de vida, com à Montanha de Ferro. Quando os minotauros ataca-
espinheiros crescendo, juntando-se a criaturas-planta ram, causaram pouco dano à cidade, que manteve sua
e animais de grande porte e ferocidade. autonomia. Não se sabe exatamente o que aconteceu
Pouco depois da fuga dos invasores, o Bosque se nos últimos anos por lá, apenas que continua de pé.
fechou como nunca. Os druidas sobreviventes, sob a Muitos desconfiam que os anões estavam em conluio
liderança de Aigrah, declararam o fim do Tratado da com os minotauros, e não estão distantes da verdade.
Semente e decidiram atacar de volta, agora sob o nome Dhorgarrar Smallfeet, o velho fundador da cidade,
de Ordem dos Espinhos. Sua nova líder, conhecida era um dos maiores armeiros de Arton, e encontrou
como Senhora dos Espinhos, parece determinada novo fôlego para sua criatividade em Tollon. Ele tra-
a expulsar os minotauros. O poder do Coração de balhava em apenas uma arma por vez e se recusava a
Allihanna fez com que boa parte das florestas ressus- admitir ajudantes. No entanto, ao fim da vida aceitou
citasse, além de trazer para a região um sem-número um único aprendiz, o anão Gruff Rhanor, que por
de entes e criaturas vindas do Reino de Allihanna. sua vez era um talento natural e assim tornou-se um
Além disso, a Senhora tem uma aliança secreta: o artesão tão bom ou melhor que Dhorgarrar.
líder dos Arborícolas, um grupo de guerreiros oriundos Pouco depois do início das Guerras Táuricas, o
das antigas tribos nativas. Trata-se do druida de Mega- velho Smallfeet faleceu. Quando o general Pellerius
lokk Vormirax Barba de Sangue, que tem convocado bateu às portas de Trodarr, encontrou um Mestre
monstros pela terra, dificultando mais ainda a vida de Armeiro bem mais disposto a assinar um tratado de
qualquer comunidade civilizada. Por enquanto, seus armistício envolvendo o fornecimento de armas de
objetivos estão alinhados, mas a druidisa já percebeu qualidade excepcional em madeira Tollon. Assim, foi
que seu aliado-irmão tem planos próprios sob o manto, feito o Pacto da Acha, e a cidade dos anões lenhadores
especialmente por pertencer à odiosa raça dos fintroll. continua até hoje fornecendo madeira Tollon ao que
Do outro lado... derrotado e gravemente ferido, sobrou do Império, a mercadores intrépidos e a quem
Pellerius fez suas legiões recuarem e se concentrou em mais ousar trazer uma caravana até lá.

Capítulo Dois
280
O viajante ocasional poderá perceber que apesar da Ordem dos Espinhos declarou embargo total à saída
travessia da floresta ser extremamente perigosa, ainda de madeira da floresta, atacando com igual ferocidade
restam algumas comunidades de sobreviventes tollo- minotauros e humanos. Enclaves de lenhadores ten-
nienses a ser encontradas em meio à névoa dos cami- tam preservar o modo de vida de seus ancestrais —
nhos. A maior e mais emblemática delas é Arantur, for- respeitando a floresta, mas tirando dela seu susten-
mada por fugitivos da antiga capital Vallahim. Durante to. Não é respeito suficiente na opinião dos druidas e
os anos, membros do Conselho de Tollon mais inteli- esse sustento fica cada vez mais minguado, mas eles
gentes se uniram aos antigos Patrulheiros de Jeanta- se esforçam para viver entre dois mundos opostos.
lis, caçadores guardiões das rotas de comércio. Co-
nhecedores do terreno, os patrulheiros ajudaram Os governadores das peque-
a retirar centenas de pessoas da capital e fun- nas comunidades que ainda so-
daram uma aldeia fortificada escondida em um braram tentam desesperada-
mirante a leste da antiga capital. Artimanhas mente manter seus tesouros
engenhosas e a ajuda de aventureiros com po- cheios para pagar por pro-
derosas magias de ocultação ajudaram os fu- teção, enquanto os vassalos
gitivos a manter o local escondido e rela- passam fome ou se revol-
tivamente seguro. Com os tam. Muitas dessas revoltas, capi-
anos, o povo se tor- taneadas por heróis improváveis
nou cada vez mais ou grupos de aventureiros, acabam
isolado atrás de suas destronando minotauros e as pou-
paliçadas, raramente cas guarnições que tentam man-
abrindo os portões para estra- ter a autoridade imperial caem
nhos. Sua líder, Danna Aran- como moscas. Algumas vezes,
tur, sonha em vingar o assas- elas são apenas substituídas pe-
sinato de seu pai Solast, antigo los revoltosos, cujos líderes se
rei, mas entende que proteger a declaram senhores da região.
aldeia é cada vez mais importante. Como estradas e trilhas duram
Outra comunidade que vale pouco antes de serem engolidas
ser mencionada é Jardim Novo, pela mata e toda a área é perigo-
formada por fugitivos do ataque sa, às vezes é melhor ficar onde
a Follen que seguiram ao sul e ainda é possível se defender.
invadiram um estranho jardim
Além das criaturas convo-
de estátuas que nem todos ti-
cadas pela Ordem dos Espinhos
nham certeza que existia. Seu
e toda sorte de bandidos e saqueado-
dono, um eremita mudo chama-
do Adhurraraim, os acolheu. Di- res, ainda é possível se deparar com
zem que o jardim ganhou dezenas de fintrolls e monstros de Megalokk.
novas estátuas, todas de legionários Em meio a todo esse caos, pequenos
do Império de Tauron, desde então. cultos de deuses menores antigos
se formam e aqueles que possuem
De resto, há quase apenas ru-
uma ligação mais forte com a ma-
ínas, fantasmas de cidades e luga-
gia conseguem perceber que há
rejos fortificados. Ao oeste, Lo-
algo se agitando nas profunde-
matubar jaz como um doente
zas da terra. Muitos boatos cor-
moribundo. Ao leste, os astutos ha-
bitantes de Ahlen espreitam, recen- rem pelas florestas, alguns su-
temente tendo conquistado um reino gerindo a presença de corrupção
vizinho com suas artimanhas. Nesses lo- da Tormenta.
Para a
cais, mercenários e contrabandistas en- Princesa Tollon parece condenado a
gordam suas bolsas e saqueadores Danna derramar seu próprio sangue
fazem a festa. proteger os
de novo e de novo. Como diz
seus é mais
Contrabando é atual- importante um antigo ditado local: “Da
mente o modo de vida mais que a terra sai o sangue, o sangue
vingança
recompensador da região. A à terra volta”.

Além do Reinado
281
Capítulo Dois
282
Império
de Tauron A CHAMA DO OESTE

O
utrora a maior nação do mundo conhe- Até que, em seu caminho, surgiram os gigan-
cido, o Império de Tauron era formado tes. Os filhos de Tauron eram o povo mais forte de
por metrópoles de intensa vida urbana, Arton… Mas os gigantes, crias de Megalokk, não
fazendas cujas plantações se estendiam eram um povo — eram monstros. A força táurica não
até o horizonte e estradas patrulhadas pelas in- foi páreo para os colossos e os minotauros foram
vencíveis legiões táuricas. Porém, esses tempos derrotados. Nos séculos seguintes, serviram aos
gigantes, erguendo castelos que tocavam as nuvens,
de glória ficaram para trás — há poucos anos, a
forjando espadas que fendiam o solo. Houve revoltas,
Tormenta atacou a capital do Império.
mas todas foram debeladas. Ao longo de gerações
Quando as nuvens rubras tomaram o céu de de servidão, os minotauros aprenderam as técnicas
Tiberus, os minotauros voltaram todos os seus es- dos colossos, até as dominarem e, por fim, as apri-
forços à defesa da cidade, abandonando as regiões morarem. Foi um minotauro chamado Goratikis o
mais afastadas. A autoridade imperial ruiu e a lei, primeiro a perceber que ele e seus irmãos estavam
a ordem e a civilização que eram o orgulho táurico evoluindo, enquanto os gigantes estavam estagnados.
aos poucos desapareceram. Nas províncias, governa- Goratikis então entendeu a chave para a vitória. Os
dores gananciosos declararam independência e hoje minotauros não deveriam usar apenas a força bruta,
governam como reis mesquinhos. Nos acampamentos pois nisso jamais superariam seus algozes. Deveriam
legionários, generais abandonaram sua lealdade a usar conhecimento, técnica, disciplina. Não deveriam
Tiberus e passaram a lutar por seu próprio orgulho. lutar como monstros, mas como um povo.
A maior parte do antigo Império é hoje formada por
Goratikis passou anos desenvolvendo um
terras assoladas por desertores, escravagistas, tiranos
sistema de princípios, que mais tarde batizou de
e pelo horizonte sempre vermelho da Tormenta. Terras
Tarvica, com o propósito de unir os filhos de Tauron.
que precisam desesperadamente de heróis.
Em reuniões clandestinas, discursava para outros
minotauros dizendo que eles deveriam se portar não
História como indivíduos, mas como parte de algo maior.
Enquanto Goratikis era o coração da rebelião, in-
A história do Império de Tauron se confunde flamando as mentes e almas dos minotauros, seu
com a dos minotauros. Os filhos do Deus da Força principal seguidor, Tiberus, era a mente, forjando
foram criados em épocas imemoriais como bárbaros armas, escudos e, mais do que isso, construindo
poderosos, destinados a serem o povo mais forte de caminhos secretos, estreitos e tortuosos dentro dos
Arton. E, por incontáveis anos, parecia que seu destino castelos dos gigantes. Passagens labirínticas que
se concretizaria, pois as tribos táuricas se espalhavam os colossos, com suas mentes brutas e diretas, não
pelo continente, subjugando todos a seu redor. conseguiriam entender.

Além do Reinado
283
Enfim, o dia da revolta chegou. Um gigante era Quanto mais a República crescia, porém, mais
mais poderoso que um minotauro, mas os minotauros crescia a burocracia. Em certo ponto, havia tantos
lutaram em falanges com uma centena de combatentes cargos públicos que eleições ocorriam quase todos
— centúrias. E um gigante não era mais poderoso que os meses — não só para o Senado, mas para diversas
cem minotauros. As armas de Tiberus e principalmente funções de variada importância. A tomada de qualquer
a arquitetura que ele desenvolveu também cumpriram decisão envolvia tantos passos que quase nada era feito
seu papel. Nesse dia, colossos tombaram e castelos em tempo hábil. Parecia que o Estado seria esmagado
queimaram. Uma década de batalhas se seguiu, durante por seu próprio peso.
as quais os filhos de Tauron expulsaram as crias de
Megalokk para as Montanhas Lannestul, de onde elas De todos os cargos eletivos, o mais importante
jamais saíram. era o de princeps, ou “primeiro cidadão”. O princeps
tinha poderes supremos e podia tomar decisões sem
Após séculos de dominação, os minotauros esta- o aval do Senado. No entanto, o cargo existia apenas
vam livres. E mais fortes do que nunca.
em épocas de crise, como uma invasão ou calamidade,
e era automaticamente extinto após o problema ser
O Reino dos Minotauros resolvido. O princeps Tellos, um minotauro espe-
Libertos, os minotauros peregrinaram até a margem cialmente influente, mudaria isso. Aproveitando-se
do Rio dos Deuses — não como uma miríade de ban- de que parte da sociedade táurica estava descontente
dos, mas como uma nação. Lá, ergueram uma cidade, com a lentidão gerada pela burocracia, Tellos usou
Gorakis, onde Goratikis reinou por cinquenta anos. de sua força e seu prestígio para mudar o cargo de
Em seu leito de morte, mudou o nome da cidade para princeps de temporário para vitalício. Na prática,
Tiberus, em homenagem ao seu grande companheiro, e tornou-se um rei. Quando isso ocorreu, a República
o nomeou como sucessor. Sob a tutela de Tiberus, outras Tapistana tornou-se república apenas em nome: o
cidades foram erguidas — como Calacala, na costa do Senado continuou existindo, mas sua autoridade ficou
Mar Negro, e Marma, na fronteira com a Grande Savana. limitada a assuntos menores. As grandes decisões
Foi o início de Tapista, o Reino dos Minotauros. passaram a ser tomadas apenas pelo prínceps. Foi o
Contudo, Tiberus já era velho quando se tornou rei. início de um período de ditadura que culminou em um
Não governou por muitos anos e, quando partiu para dos maiores conflitos militares da história de Arton.
os reinos dos deuses, não deixou um sucessor. Frente
a esse problema, os anciões de Tapista se uniram.
Debater em busca de uma solução para o destino do
Lei Ditada pela Força
Após a ascensão de Tellos como princeps vitalício, a
reino se tornou a nova prática. Por fim, lembraram-se
Tarvica passou a ser vista como uma relíquia antiquada,
das virtudes de Goratikis e de que se libertaram dos
gigantes apenas quando lutaram de forma coletiva, sendo substituída na maior parte da sociedade por
não individual. Após o Século do Luto, entenderam uma crença simplista de que os minotauros eram um
que sua nação deveria ser governada não por um, mas “povo escolhido”, com “direito divino” de dominar o
por todos. Foi o fim do Reino de Tapista... E o início mundo. Essa deturpação chegou ao extremo quando
da República Tapistana. a escravidão se tornou legalmente aceita, com pessoas
capturadas em batalha ou incapazes de pagar suas
dívidas sendo forçadas a servir seus captores ou cre-
Força Regida por Lei dores. Minotauros poderosos passaram a ter haréns de
Nos séculos seguintes, a República Tapistana humanas e elfas. Quando Aurakas, um descendente
prosperou. Sob a burocracia, todos os cidadãos sabiam de Tellos, se tornou princeps, a força e a soberania
seu lugar e ações eram tomadas apenas após delibera- já não eram mais usadas como um caminho para a
ção e debates. Nessa época, os minotauros travaram civilização, mas como um fim em si mesmas.
contato com anões. Os povos compartilhavam traços
culturais, como o amor à ordem e ao trabalho duro, e Em meio a isso tudo, havia um pequeno reino
uma aliança surgiu. As duas raças trocaram conheci- insular, Hershire. Situado no extremo oeste do
mentos e, unindo a engenharia criada por Tiberus às Reinado, era uma terra pacata e bucólica, conhecida
técnicas do subterrâneo, os minotauros construíram no resto do mundo apenas pelo gorad, um doce típico
algumas das maiores maravilhas da superfície de que produzia e comercializava com reinos próximos.
Arton. Travaram contato também com os humanos Mas isso estava prestes a mudar, pois em Hershire se
do Reinado e, após algumas escaramuças e muita acendeu uma fagulha que logo se tornou um incêndio
diplomacia, se uniram à coalizão. e se alastrou por todo o oeste de Arton.

Capítulo Dois
284
As Guerras Táuricas
As tensões começaram quando uma caravana de
minotauros que comercializava em Hershire foi atacada
por salteadores. Os mercadores foram mortos e a
República Tapistana exigiu que a coroa local levasse
os criminosos à justiça. Quando o pequeno reino se
mostrou incapaz de cumprir tal demanda, as legiões
táuricas tomaram o assunto em suas mãos. Em poucos
meses, todos os bandidos haviam sido capturados e
executados. Os minotauros deixaram uma legião guar-
necendo o território de Hershire; em troca, começaram
a cobrar tributo do reino. Na prática, transformaram
Hershire em um protetorado.
O que poderia ser ruim para o pequeno reino acabou
se mostrando um bom negócio. O tributo cobrado era
alto, mas com as estradas patrulhadas pelos legionários,
o comércio de gorad floresceu. Hershire passou a expor-
tar a guloseima para todo o Reinado e além, enchendo
de ouro os cofres do castelo real. Mas as imposições
táuricas não pararam nas taxas de proteção; sendo um
Império de Tauron
protetorado, Hershire se viu obrigado a aceitar as leis
Nome oficial: Império de Tauron.
tapistanas, incluindo a legalização da escravidão. A
maioria do povo foi contra tal atrocidade, mas fazen- Lema: “A Força É um Escudo”.
deiros gananciosos viram nisso uma oportunidade de Brasão: de ouro, um touro passante de
aumentar ainda mais seus lucros e começaram a usar negro tornado sobre um relâmpago de
mão de obra escrava em suas plantações de gorad. Isso vermelho em faixa e em meio a chamas de
foi o estopim da revolta contra a “proteção” de Tapista. vermelho.
O barão Fheller Rautin, um senhor de terras Gentílico: tapistano.
de Hershire, foi até o castelo real e pediu para o rei, Capital: Tiberus.
Jedmah Roddenphord, banir a escravidão do reino.
Jedmah ignorou o pedido — seu reino estava seguro e Forma de Governo: república triunviral.
próspero; para ele, a situação era confortável. Fheller Regente: yriunvirato eleito pelo Senado
então viajou até Deheon, onde fez um pronunciamento (atualmente formado por Kelskan, Pérola
no Palácio Imperial, exigindo represálias à captura e Aurelius Lomatubarius e Glabo Varaxus).
uso de escravos em Hershire. Já cansado de guerras e População: 9.500.000.
matanças, o Rei-Imperador da época, Thormy, enviou
emissários à República Tapistana em busca de uma Raças principais: minotauros, elfos,
solução diplomática. Porém, quando meses se passa- humanos.
ram sem que nada de concreto acontecesse, o barão Divindades principais: Khalmyr,
Fheller Rautin se cansou de esperar e desapareceu de Arsenal, Allihanna, Tanna-Toh.
sua propriedade, levando seus filhos e todos os seus
guardas. Poucos dias depois, atacou um acampamento
legionário em Hershire, com o objetivo de expulsar os
minotauros e libertar os escravos locais. Fheller era um barão eram atos ilegais, não sancionados pela coroa do
nobre valente, mas era apenas um. Seus filhos eram reino. Mas nem todos os nobres foram tão covardes.
cavaleiros, mas jovens e inexperientes. E seus guardas, Inflamados pelo martírio do barão Fheller Rautin,
vivendo em um reino protegido pelos minotauros, outros senhores de terras da região convocaram suas
nunca haviam visto combate real. Na batalha que se guardas e contrataram grupos de aventureiros, com os
seguiu, todos os humanos foram mortos. Alguns dizem quais formaram um pequeno exército para combater a
que era esse o objetivo do barão. escravidão. Não bastasse o apoio desses nobres locais,
A República Tapistana exigiu uma resposta de escravos também se revoltaram, atacando propriedades
Hershire. O Rei Jedmah decretou que as ações do rurais e casas de comércio de gorad. Sobreviventes

Além do Reinado
285
escravizados. Sabendo que aquela barganha era boa
demais para ser recusada, Aurakas aceitou a oferta.
Muitos se perguntam por que Thormy não lutou.
A verdade é que, após diversos conflitos no leste —
apontaram o lí- as batalhas contra os exércitos aberrantes de Crânio
der do movimento Negro, poucos anos antes, e a Marcha de Arsenal,
como sendo um humano mais cedo no mesmo ano — o Exército do Reinado
ex-escravo chamado Razthus estava fragilizado. Talvez o Rei-Imperador pudesse ser
Quebra-Muros. Após matar fa- vitorioso, talvez não. Qualquer que fosse o resultado da
zendeiros escravagistas, Razthus teria batalha, ele sabia que dezenas de milhares morreriam.
declarado: “As próximas remessas de gorad Frente a isso, Thormy escolheu a paz. Com seu tratado,
serão adoçadas com sangue”. selou o fim das Guerras Táuricas, um conflito causado
Afrontada, a nação táurica foi obrigada a responder por erros diplomáticos, pela ganância de um rei, pela
com aço, sob risco de ver revoltas similares em seu pró- impulsividade de um barão e pela arbitrariedade de
prio território. Despachou mais legiões para Hershire, um princeps. Também cumpriu uma parte da ancestral
iniciando um conflito longo e sangrento no reino. Os profecia da Flecha de Fogo: “quando um rei partir sua
minotauros eram mais poderosos, mas os rebeldes coroa em duas”. Por fim, abriu caminho para a ascensão
conheciam o terreno e usavam táticas de guerrilha. Por da próxima soberana do Reinado, que governa até os
fim, a força venceu: os legionários dizimaram o exército dias de hoje: a Rainha-Imperatriz Shivara.
dos nobres e afugentaram os rebeldes de Razthus. Então
invadiram o castelo real e depuseram o Rei Jedmah.
Prisioneiro dos minotauros, Jedmah enfim entendeu
Era Imperial
Nos meses após as Guerras Táuricas, o Império
que a escravidão não era, no fim das contas, um bom
de Tauron solidificou seu domínio sobre os territórios
negócio. O princeps Aurakas apontou um governador
conquistados. Os antigos reinos foram transformados
minotauro como autoridade local e mudou o nome do
em províncias, com seus regentes sendo substituídos
reino para Tragematum. A pequena ilha deixou de
por governadores minotauros. Como mostra de civili-
ser uma nação do Reinado para se tornar a primeira
dade, os regentes não foram executados ou presos; em
província do recém-formado Império de Tauron.
vez disso, mantiveram suas posições, mas de forma
O Rei-Imperador Thormy enviou diplomatas, cerimonial, com pouco ou nenhum poder concreto.
exigindo que Hershire fosse liberto. Os minotauros Cada província também recebeu uma ou mais legiões
responderam que haviam atacado em legítima defesa, para manter a lei e a ordem. Apesar dos esforços
mas devolveriam o território se o Reinado ajudasse táuricos, alguns lugares jamais foram conquistados:
na captura de Razthus Quebra-Muros. A essa altura, repleta de aventureiros, a cidade costeira de Malpetrim
Razthus era um herói do povo, e Thormy não poderia se manteve livre e independente. Perdida em meio a
prendê-lo sem parecer um tirano. Houve muitas idas e uma vastidão de planícies poeirentas, a cidade fora da
vindas de cartas e emissários, mas nenhum acordo foi lei de Smokestone jamais foi descoberta pelas legiões.
obtido. As tensões se acumularam. Por fim, Aurakas
Sob o domínio imperial, o povo das províncias sofria
percebeu que havia atingido um ponto sem volta —
com leis severas e impostos pesados. Contudo, vivia em
se cedesse às demandas do Reinado, perderia sua
uma sociedade mais segura e ordeira. Os minotauros
autoridade. Sem opção de recuar, o único caminho era
eram senhores rígidos, mas não sádicos — pelo menos
em frente. Nos meses seguintes, as legiões marcharam.
não em sua maioria. E, dentro dos termos do acordo
Uma a uma, as nações do oeste do Reinado caíram e
de Thormy, os antigos habitantes do Reinado foram
foram transformadas em províncias do Império de
tratados como cidadãos do Império, não como um
Tauron: Petrynia, Fortuna, Lomatubar, Tollon. A
povo conquistado. Assim, estavam protegidos pelas leis
partir de Tollon, os minotauros invadiram Deheon e
tapistanas e não podiam ser punidos sem julgamento.
sitiaram a capital, Valkaria. O Rei-Imperador Thormy
então tomou uma decisão surpreendente: mandou Havia, porém, a questão da escravidão. A atroci-
uma mensagem para o princeps Aurakas, na qual dade, que sequer deveria existir na sociedade táurica
ofereceu abdicar do trono e se entregar como refém, segundo os princípios da Tarvica, era um flagelo na
com as condições que as hostilidades cessassem, as terra. Pela lei, apenas condenados, devedores e
legiões recuassem de Deheon e os habitantes das prisioneiros de guerra podiam ser escravizados; na
nações conquistadas fossem tratados como cidadãos prática, escravagistas emboscavam viajantes e atacavam
do novo Império de Tauron, não podendo assim ser aldeias para capturar e vender pessoas em mercados

Capítulo Dois
286
clandestinos. Aos poucos, focos de resistência contra o vez disso, lutaram por cada rua da metrópole e resis-
jugo táurico começaram a surgir, com rebeldes lutando tiram. Muito por conta do sacrifício de Tauron — feito
em busca da liberdade. de rocha vulcânica, o colossal cadáver do deus jaz até
hoje na cidade, sua energia divina residual impedindo
Eventuais revoltas não impediram o Império de se
que a área de Tormenta se expanda por toda Tiberus.
tornar uma das principais potências de Arton. Nessa
época, Tauron, o Deus da Força e criador dos mino- Com Tauron e Aurakas mortos e Tiberus sob ataque
tauros, ascendeu à liderança do Panteão, tomando incessante de demônios, uma onda de revoltas se
o lugar de Khalmyr, o Deus da Justiça. Parecia que espalhou pelas províncias. O Império estava prestes
nada seria capaz de impedir a expansão táurica pelo a cair. Foi nesse momento sombrio que os senadores
resto do mundo. sobreviventes tomaram uma série de medidas enér-
gicas. Baniram a escravidão e o cargo de princeps,
Mas então uma tempestade caiu sobre Tiberus, a
passando para um sistema com três regentes eleitos,
capital do Império.
e convocaram as legiões que se mantiveram leais de
volta à capital, para ajudar na luta contra a Tormenta.
Império em Ruínas Com isso, abandonaram as províncias à própria sorte,
Enquanto os minotauros expandiam seus domí- mas recuperaram um pouco de normalidade na cidade.
nios, outro povo acumulava tragédias. Os elfos, que já Os mais cínicos dizem que a escravidão foi proibida
haviam sido expulsos de suas terras pelos duyshidakk, apenas porque a maioria dos escravos já havia fugido —
agora viam o reino divino de Glórienn ser tomado pela e os que ficaram teriam mais motivação para defender
Tormenta. Tantos desastres fizeram a Deusa dos Elfos Tiberus se fossem cidadãos. Porém, outros dizem que
perder seu posto como divindade maior do Panteão essa mudança ocorreu porque os senadores lembraram
e se tornar uma deusa menor. Apavorada, Glórienn os princípios da Tarvica e entenderam que a escravidão
aceitou a proposta de Tauron: tornar-se sua protegida... não tinha lugar em uma sociedade que prosperara
e parte de seu harém. Muitos elfos seguiram os passos priorizando o coletivo. Esses minotauros admitem que
da deusa e rumaram para o Império de Tauron, onde a nação táurica nunca esteve tão fraca desde quando o
entregaram sua liberdade em troca de segurança. povo foi dominado pelos gigantes. Mas também dizem
Tornaram-se escravos, assumindo posições como que, ao retomar as tradições, esse povo aguerrido
tutores, concubinos, conselheiros, gladiadores ou está no caminho certo para
mesmo trabalhadores braçais. recuperar sua própria
força.
Foi então que Gwen, uma elfa aventureira, decidiu
fazer algo contra a apatia de seu povo. Ela foi para
Tiberus, onde se uniu a rebeldes abolicionistas para
acabar com a escravidão e fazer os elfos recuperarem
seu amor-próprio. Enquanto isso, Glórienn tinha
seus próprios planos. No entanto, em vez de
liberdade, a Deusa dos Elfos buscava
apenas um mestre mais poderoso,
traindo Tauron por Aharadak.
A rebelião liderada por Gwen
e a traição perpetrada por
Glórienn culminaram com
o surgimento de uma área de
Tormenta em Tiberus e um
combate titânico entre Tauron
e Aharadak, que terminou com
a morte do Deus da Força e a
ascensão do Deus da Tormenta
ao Panteão. Os eventos cata-
clísmicos mataram dezenas
de milhares, incluindo o
princeps Aurakas. Apesar
de tudo, os minotauros não
abandonaram a capital. Em

Além do Reinado
287
Geografia Como seria de se esperar, Tauron era o deus mais
cultuado no Império que levava seu nome, e até hoje
O coração do Império de Tauron se situa no vale há muitos monumentos honrando o Touro em Cha-
fértil formado pelo Rio dos Deuses quando este mas. Após a morte do Deus da Força, a maioria dos
passa ao lado das Montanhas Uivantes. A maior minotauros passou a cultuar Khalmyr ou Arsenal.
parte do terreno é formada por planícies com solo Os que seguem o Deus da Justiça acreditam que a
propício para o plantio de cereais e frutas, pontuadas sociedade deve se basear na lei e na ordem; já os
por colinas, bosques e florestas. O clima varia: frio devotos do Deus da Guerra defendem que o Império
a sudeste (devido às Uivantes), quente e árido a só poderá se erguer pela força das armas.
nordeste e tropical a oeste. Nas plantações do interior, Allihanna é popular
O Império de Tauron possui poucas cidades, mas como deusa da fertilidade e da agricultura, tomando
cada uma delas é muito grande. Entre as cidades, o lugar tradicional de Lena. Já nos centros urbanos,
há vastas fazendas construídas ao redor de luxuosas Tanna-Toh é bastante louvada, especialmente pelos
propriedades rurais chamadas villas. Muitas dessas escribas e burocratas do governo imperial.
propriedades jazem abandonadas ou se tornaram Além desses, diversos outros deuses são cultuados
esconderijo de bandidos, escravagistas, monstros no Império. Muitas famílias cultuam seus ancestrais e,
ou mortos-vivos. nos clãs mais nobres e antigos, não é raro que patriarcas
Mais do que qualquer reino em Arton, o terreno e matriarcas ascendam ao posto de deuses menores,
do Império de Tauron é entrecortado por estradas servindo como divindades domésticas.
largas, pavimentadas e labirínticas, possibilitando
viagens rápidas (quando você é um minotauro, é A Tarvica de Goratikis
claro!) de um lugar para outro. No auge do Império, A Tarvica, a filosofia criada por Goratikis, foi a
as estradas eram seguras, com constantes patrulhas fundação sobre a qual os minotauros ergueram seu
de legionários. Hoje, com as poucas legiões remanes- reino e, posteriormente, a República Tapistana. Con-
centes ocupadas com a defesa da capital, viajar pelas siste em sete princípios que determinam como um
estradas é uma aventura por si só. minotauro deve agir e tem como objetivo fortalecer o
coletivo, seja uma família, um exército ou uma nação.
Apesar de existir há séculos, a Tarvica ainda é motivo
Povo & Costumes de debate entre filósofos, que divergem sobre como
interpretá-la. Alguns defendem, por exemplo, que
Como esperado, o Império de Tauron é dominado
Goratikis estipulou uma ordem para os princípios,
pelos minotauros e a maior parte dos ricos e poderosos
sendo o primeiro (Força) o mais importante; já outros
pertence a essa raça. Porém, como existem apenas
dizem que todos têm o mesmo peso e que Goratikis
minotauros do sexo masculino, eles não são a maioria
os escreveu em uma ordem apenas porque, bem, não
em termos populacionais, com elfos e humanos existin-
podia escrever todos ao mesmo tempo. Seja como for,
do em quantidade similar — especialmente mulheres,
essa filosofia rege a sociedade táurica. Obviamente,
em muitos casos como esposas dos minotauros. Além
nem todo minotauro segue os princípios — assim como
disso, sendo uma sociedade urbana e cosmopolita, é
nem todo humano segue as leis do Reinado. Mas os
comum ver seres de raças variadas andando pelas ruas membros mais distintos do Império de Tauron vivem
movimentadas das cidades imperiais. de acordo com eles. Ou, pelo menos, assim o dizem…
Cidadãos de classe social elevada costumam trajar De um ponto de vista humano, a Tarvica talvez
sandálias e togas — um tipo de manto de lã, geral- pareça inconsistente, pois os princípios podem ser
mente branco. Já trabalhadores usam túnicas simples. usados para justificar tanto atos bondosos quanto
Tapistanos também valorizam trajes militares, mesmo malignos. A verdade é que a sociedade táurica como
quando seu tempo de serviço nas legiões já terminou. um todo não se importa com o Bem e o Mal. Isso não
Seguindo os princípios filosóficos que regem sua significa que os minotauros, enquanto indivíduos,
sociedade, a maior parte dos cidadãos é composta de não sejam bondosos ou malignos e, especialmente,
servidores públicos (burocratas, militares, políticos) não justifica atrocidades! Um ato cruel continua sendo
ou produtores (lavradores, pescadores, artesãos). cruel, independentemente de ser socialmente aceito.
Comercializar é visto como um ato de fraqueza e, Minotauros honrados se focam nos aspectos benévolos
embora haja minotauros mercadores, a maioria dos dos princípios, enquanto os perversos os distorcem em
comerciantes no Império pertence a outras raças, benefício próprio — e podem ascender no Império de
especialmente anões e hynne. formas inconcebíveis para um habitante do Reinado.

Capítulo Dois
288
Os sete princípios da Tarvica
Força. Força física, mas não apenas isso, Austeridade. Frugalidade e temperança.
como muitos forasteiros acreditam; também Historiadores creem que esse princípio
força de vontade e de caráter. Um minotauro foi criado por Goratikis para incentivar a
jamais deve duvidar de suas decisões. Um economia de recursos durante a rebelião
minotauro segue sempre em frente; se seu plano contra os gigantes, mas seu propósito
se mostrar ruim, arcará com as consequências é ainda mais profundo: para Goratikis,
disso, com a serenidade de ter agido conforme quando um indivíduo busca luxos
suas convicções. Críticos do sistema dizem que desnecessários, prejudica outros do coletivo.
esse princípio é apenas uma desculpa para ser Esse é o princípio mais convenientemente
teimoso; defensores argumentam que aquele que “esquecido” por boa parte da sociedade
questiona suas próprias escolhas fica vagando táurica. Aqueles que o seguem muitas vezes
para frente e para trás na estrada da vida, sem são respeitados pela frente, mas tachados
jamais chegar a lugar algum. Esse princípio não como radicais excêntricos pelas costas.
possui um aspecto bondoso e um maligno, visto
que a força por si só não é boa nem má; o que Labor. Persistência e trabalho duro.
você faz com ela é que define a ética de seus atos. Goratikis sabia que os minotauros jamais
se libertariam do jugo dos gigantes sem se
Soberania. Autoridade sobre os outros. empenhar ao máximo — contando apenas
Para minotauros bondosos, esse princípio com sua força inata, não derrotariam
consiste na capacidade de organizar as pessoas seus algozes, que eram fisicamente mais
e então direcioná-las a um propósito maior. Já poderosos. Assim, instaurou na mente de
para minotauros malignos, justifica agressão, seu povo a ideia de que, para alcançar um
dominação militar e tirania. Embora discordem grande objetivo, a dedicação importa mais do
dos meios, ambos concordam com o fim — o que o talento. Para minotauros que seguem
coletivo é mais forte que o indivíduo. esse princípio piamente, o esforço de uma
pessoa é mais importante do que o resultado
Zelo. Capacidade de proteger os mais fracos. de suas ações — alguém que falhe em sua
A lógica filosófica para isso é que um coletivo tarefa, mas tenha se dedicado a ela, é mais
pode existir apenas se os mais fortes protegerem bem visto do que alguém que seja bem-
os fracos; sem isso, os mais fracos cairão e o sucedido sem esforço.
coletivo ruirá. Novamente, minotauros malignos
usam esse princípio como justificativa para atos Civilidade. Capacidade de viver em
de opressão — dizem que estão “protegendo” sociedade — respeitar os outros, agir em
uma pessoa, quando na verdade estão tomando prol do bem comum, conhecer seu lugar
decisões por ela. Já minotauros bondosos e fazer o que é esperado. Minotauros
entendem que defender alguém não justifica tirar malignos usam esse princípio para impedir
dessa pessoa o direito a suas próprias escolhas. que aqueles menos afortunados ascendam
socialmente. Já os bondosos entendem
Obediência. Capacidade de acatar as decisões o contrário e usam seus recursos para
dos mais fortes. Importante entender que, para que todos tenham mais oportunidades
os minotauros, sempre haverá alguém mais forte. na vida. De certa forma, este princípio é
Um plebeu fraco e desarmado deve obediência uma consequência de todos os outros e
a um legionário. O legionário segue as ordens representa o objetivo final desse sistema
de seu legado. O legado acata as decisões filosófico — fortalecer o coletivo. Por conta
do Triunvirato. Os membros do Triunvirato dele, o serviço público, seja como um
agem conforme as leis feitas pelo Senado. E os burocrata no palácio de Tiberus, seja como
senadores são escolhidos pelo povo, do mais um legionário nos muros da cidade, é visto
rico patriarca ao mais humilde plebeu, em um como a ocupação mais nobre de todas.
complexo e infinito ciclo de obediência.

Além do Reinado
289
Governo Locais Importantes
A nação táurica surgiu como um reino. Porém,
após a morte do segundo rei, tornou-se uma república,
Tiberus (capital)
governada por um Senado eleito pelos cidadãos. Nos A maior metrópole do oeste, Tiberus é a sede do
anos que antecederam as Guerras Táuricas, era uma poder do Império de Tauron. Além disso, é a única cidade
república só em nome; na prática, era uma ditadura. conhecida atacada pela Tormenta... e ainda habitada!
Isso porque, embora o Senado ainda existisse, o poder Em Tiberus, a maior parte da população vive em
residia no princeps, um cargo vitalício e com autoridade prédios de apartamentos. Esta é uma das poucas
absoluta. Após o ataque da Tormenta, os minotauros cidades de Arton com esse tipo de residência, usada aqui
perceberam que a única esperança residia na união da pela falta de espaço que afligiu a capital durante o auge
sociedade. Com isso, o cargo de princeps foi extinto e do Império. Como minotauros têm medo de altura, os
o poder voltou ao Senado. Para acelerar a tomada de andares superiores eram usados pelos mais pobres e hoje
decisões, o Senado elegeu um Triunvirato, responsável a maioria deles está abandonada ou virou esconderijo de
pelas decisões executivas do governo. gangues. Já os ricos e poderosos vivem em mansões com
Atualmente, o Triunvirato é formado pela sereia uma arquitetura distinta:
Pérola Aurelius Lomatubarius e pelos minotauros construções largas
Kelskan e Glabo Varaxus. Pérola é filha adotiva
do Senador Gaius Aurelius Lomatubarius,
morto durante o ataque da Tormenta. Ela
herdou a riqueza e a influência do pai
e usa ambas para tornar as leis do
Império mais justas e igualitárias,
especialmente com membros
de outras raças. Kelskan é o
antigo sumo-sacerdote do
Deus da Força e um herói
do ataque da Tormenta.
Embora não possua
mais poderes divinos,
ainda é um combaten-
te temível e poucos
ousam questioná-lo.
Já Glabo Varaxus é
o único membro do
Triunvirato que era
um senador antes do
Ilustração
ataque da Tormenta.
Descendente de uma
longa linhagem de
políticos, defende a
tradição e uma volta à
“era dourada” quando
apenas minotauros
possuíam poder e au-
toridade. Pérola e Glabo
discordam de quase tudo
e estão sempre envolvidos
em tramas um contra o outro.
Aventureiros astutos podem
servir a um dos dois, descobrindo
os segredos do rival — um trabalho
lucrativo, mas perigoso.

Capítulo Dois
290
e baixas, de apenas dois andares, que por fora parecem A Voz Ecoante de Tiberus
um pequeno forte, com paredes externas grossas e sem
janelas que funcionam como muralhas. Por dentro, são Aventureiros que ousarem invadir a área
belas e luxuosas, com jardins internos, átrios elegantes, de Tormenta de Tiberus encontrarão
espelhos d’água e muitas estátuas e vasos de flores. enxames infernais, sacerdotes da agonia,
Além dos prédios e das mansões, Tiberus é famosa zyrrinaz e todo tipo de lefeu. Dizem
por seus gigantescos aquedutos, que abastecem fontes que o próprio Aharadak, em seu avatar,
e banhos públicos. Os próprios banhos são parte comparece com frequência ao palco de sua
importante da cidade, sendo pontos de encontro para vitória sobre o antigo Deus da Força, para
lazer e negócios. Toda essa água escoa para o esgoto, o coletar sacrifícios de seus acólitos.
maior do mundo conhecido e uma verdadeira masmor- Porém, em meio à atrocidade e perversão,
ra abaixo da cidade. Outras construções de destaque há relatos de uma voz ecoante que teria
são o Senado, um prédio largo de mármore e repleto alertado aventureiros sobre perigos
de estátuas; o Fórum, um mercado público e o lugar iminentes e até guiado heróis feridos
mais movimentado da cidade, e a Arena Imperial, para fora da cidade deturpada. A voz
sede dos combates de gladiadores. Contrastando com é errática, nunca é ouvida duas vezes
a grandiosidade dos prédios, as ruas de Tiberus são no mesmo local. Seu eco parece estar à
especialmente estreitas, o que torna a cidade labiríntica margem da inexistência, e ela própria às
— não são poucos os visitantes que já se perderam vezes se mostra confusa quanto à própria
em seus incontáveis becos e ruelas. identidade. Dizem se tratar dos últimos
Antes da Tormenta, Tiberus era uma das cidades resquícios de consciência de um mago
mais cosmopolitas de Arton. Abrigava uma infinidade lefou que lutou na revolta dos escravos e
de prédios, lojas, oficinas, santuários e mansões. Hoje, deu a vida para salvar sua líder.
todos os bairros na zona norte estão tomados pela
Tormenta. De qualquer ponto da cidade é possível ver
as nuvens rubras; a qualquer hora do dia, é possível
escutar suas trovoadas. Os demônios, no entanto, estão
contidos por barricadas patrulhadas por legionários,
Marma
Situada à margem do Rio dos Deuses, no nordeste
que não deixam ninguém passar. Porém, tanto por
do reino, Marma é um importante ponto comercial
baixo quanto por cima das ruas — pelos esgotos ou
do Império de Tauron. Recebe barcos provenientes
pelo topo dos prédios — é possível chegar à área de
do Rio dos Deuses, caravanas que cruzam a Grande
Tormenta. Esse caminho é feito por aventureiros
Savana e além e é um dos pontos de parada de Vectora.
ousados, em busca de relíquias táuricas perdidas, e
Esse tráfego de viajantes possibilita a existência da
por cultistas dispostos a entregar sua alma e sanidade
taverna O Machado e o Florete, de posse do guerreiro Axel
pelo poder da tempestade rubra. Existem também
Heavyaxe, um sulfure que saiu da miséria através de
aqueles que vêm de longe apenas para combater a
sua força. O estabelecimento é bem conhecido tanto
Tormenta, porque é o certo a fazer. É o caso de Aska
pela qualidade de sua bebida quanto por ignorar a
Winter, uma cavaleira humana que veio das Estepes
maior parte das leis do Império...
do Norte para continuar a luta contra a Tempestade
Rubra após o fim da área de Tormenta de Zakharov. Marma é uma cidade fortificada, com muralhas
altas equipadas com balistas. Precisa ser assim, para
A cidade é cercada por muralhas espessas de
repelir os monstros provenientes da Floresta de Me-
cinquenta metros de altura. Contudo, a maior defesa
galokk. Suas legiões estão sempre em prontidão, mas
de Tiberus não está em seu perímetro, mas em seu
desde o ataque da Tormenta, não conseguem patrulhar
interior: os pedaços do corpo de Tauron. Quando veio
todo o território. Por isso, grupos de aventureiros são
ao mundo para lutar contra Aharadak, o Deus da Força
contratados para caçar criaturas que estejam amea-
assumiu a forma de um titã incandescente, feito de
çando a cidade, especialmente durante a chegada de
pedra vulcânica. Quando morreu, seu corpo se apagou
barcos, caravanas ou do próprio Mercado nas Nuvens.
e se despedaçou. Hoje, por toda a cidade é possível
encontrar blocos vulcânicos com mais de dez metros
de altura — pedaços dos membros e do torso do deus. Calacala
O corpo jaz inerte, mas ainda emite energia divina. A terceira maior cidade táurica é um grande porto
Segundo alguns, essa energia é o que impede a área e, assim como Marma, um importante ponto comer-
da Tormenta de se expandir e tomar a cidade inteira. cial. Em seus enormes estaleiros ancoram navios do

Além do Reinado
291
Império, do Reinado e de lugares ainda mais distantes, da escravidão. Para ele, não faz sentido que minotauros
levando e trazendo mercadorias de todo o tipo. Um distintos não possuam servos sob seu total comando.
gigantesco farol, talvez o maior de Arton, oferece Pensando nisso, usou a riqueza de sua família para
sinalização para que os navios cheguem a seu destino. contratar escravagistas, que se aproveitam da falta de
Infelizmente, tanto movimento atrai piratas, que patrulhas nas estradas para capturar escravos e levá-los
infestam as águas do Mar Negro. O Império de Tauron até a Villa. Lá, Turdus organiza leilões clandestinos
possuía uma marinha poderosa, com galés movidas a para outros minotauros ricos e malignos. O negócio
remo por escravos. Desde o ataque da Tormenta, a maior se mostrou lucrativo e Turdus tem aumentado a escala
parte dos navios está abandonada, sem pessoas suficientes da operação. Hoje, possui um exército de capangas,
para tripulá-los. Aventureiros têm sido contratados pelo incluindo até mesmo conjuradores, e diversas prisões no
prefeito, o minotauro Rulinus, para caçar os fora da interior do Império onde mantém suas “mercadorias”.
lei — a pena para pirataria é a prisão em gaiolas de Os escravos mais valiosos, porém, são mantidos em
ferro penduradas no quebra-mar de Calacala, até que o túneis subterrâneos dentro da própria Villa Vorgunia.
condenado morra de fome ou seja tragado pelas ondas.
Um lugar mais prazeroso para se visitar são as Charco de Possum
Termas. Uma colina a leste da cidade abriga um palácio Este pântano é formado por uma região alagada do
de mármore com piscinas de água quente, ricamente Rio dos Deuses. As estradas o circundam — poucos
decoradas com estátuas de deuses e criaturas marinhas. se arriscam a penetrar em seu interior, onde sabe-se
É um dos lugares mais luxuosos e caros de Arton, e existir monstros, incluindo hidras e dragões. Também se
recebe muitos nobres e mestres de guilda, com todas suspeita de que um grande culto de bruxas se esconda
as intrigas que os acompanham. Aventureiros podem no local, celebrando rituais profanos para deuses como
ser contratados para escoltar ricaços em visita ou para Tenebra e Sszzaas. Alguns senadores já contrataram
bisbilhotar e arrancar segredos de outros visitantes. aventureiros para escoltá-los até as profundezas do
charco, em busca do culto. Que tipo de negócios pode-
Minas de Tile riam políticos tão renomados ter com bruxas tão vis?
Um complexo de minas, Tile é o maior produtor de
mármore, carvão, ferro, ouro e prata do Império. Anos Floresta de Megalokk
atrás, as minas eram operadas por escravos “proble- Essa região de matas densas e fechadas é habitada
máticos”, enviados para lá para terminar seus dias de por feras e monstros gigantes, que eventualmente par-
forma nem um pouco agradável. Hoje, os mineradores tem em busca de comida, atacando viajantes, fazendas e
são trabalhadores remunerados, comandados pelo anão até mesmo os muros das cidades. No auge do Império,
Canivete Wolfus. Eles ergueram uma comunidade perto legiões e caçadores de monstros contratados pelo Senado
das minas, mas, sem legiões disponíveis para fornecer mantinham as criaturas sob controle. Hoje em dia, elas
segurança, estão vulneráveis a ataques de bandidos e vagam quase livremente pelas estradas e campos.
monstros. Como se os perigos externos não bastassem,
muitas das galerias subterrâneas estão infestadas de Além de seres irracionais, a região é habitada por
criaturas hostis — incluindo mortos-vivos gerados pela minotauros selvagens, que nunca abraçaram a civiliza-
dor e sofrimento dos escravos que lá morreram. ção. Hoje são praticamente um povo à parte — maiores,
mais peludos e mais fortes, mas também primitivos. Com
as recentes atribulações do Império, alguns cidadãos
Villa Vorgunia tapistanos têm escutado rosnados no fundo de suas
Situada a um dia de viagem de Tiberus, esta é a mentes. As vozes guturais os incentivam a abandonar
propriedade de campo da tradicional família Vorgu- a civilização, que teria falhado com eles, e a viajar para
nia, cujo patriarca, Turdus Vorgunia, é um senador as profundezas da floresta, onde um poder primordial
respeitado. À primeira vista, é uma villa típica: uma os aguarda. Ninguém sabe quem está enviando essa
construção baixa e larga , cujas paredes externas mensagem: talvez a mata esconda um culto ao Deus
funcionam como muralhas e cujo interior é repleto dos Monstros em busca de novos membros? Talvez o
de labirintos ornamentais e piscinas. Tudo é próspero próprio Megalokk queira assumir os minotauros como
e fértil. Alguém na propriedade poderia esquecer dos seus afilhados, já que esse povo não mais possui um deus
problemas pelos quais o Império passa atualmente. patrono? Seja como for, talvez haja mesmo uma força
A fonte de toda essa riqueza, porém, é a crueldade do natural a ser encontrada e adquirida. Mas, seja qual for a
Senador Turdus. Assim como o Triúnviro Glabo Varaxus, origem dela, a jornada para alcançá-la envolve desbravar
de quem é aliado político, Turdus nunca aceitou o fim a mata densa — e os monstros famintos que lá habitam.

Capítulo Dois
292
Além do Reinado
293
Em meio a seus corredores, o Labirinto
de Tapista abriga florestas e desertos,
cidades e masmorras, maravilhas e horrores

Grutas de Zalah O Labirinto de Tapista


Estas cavernas aparentemente escavadas pelo Esta talvez seja a maior construção feita por
mar na verdade são a entrada para um vasto comple- humanoides em Arton. Vista de longe, é apenas uma
xo subterrâneo, com passagens que podem levar a muralha; vista de cima, são duas muralhas preenchidas
pontos distantes do Império — e, dizem, até mesmo por um labirinto; vista de dentro, é um labirinto quase
a Doherimm. As Grutas são habitadas por uma infinito! Sua construção, iniciada ainda no reinado
grande variedade de monstros, como crustáceos de Tiberus, levou uma centena de anos e mobilizou
gigantes, trolls marinhos e um considerável número grande parte dos recursos dos minotauros. Cumpria
de mortos-vivos. Estes últimos são provenientes de vários propósitos: o principal era isolar as fronteiras
naufrágios provocados por sereias que atraem barcos do reino das Montanhas Lannestul, lar dos gigantes, e
para os recifes próximos. Apesar disso, alguns piratas da Grande Savana, na época uma região inexplorada e
usam as Grutas como esconderijo. vista como selvagem. Também possuía muitas vilas e
Exploradores ousados, que foram até as profun- fortes, além de fazendas, minas e templos protegidos.
dezas das cavernas, dizem ter visto sinais de uma Durante as Guerras Táuricas, o princeps estava
cidade subterrânea repleta de estátuas perfeitamente mais interessado em expandir seu território do que
esculpidas. Talvez uma comunidade de medusas? em protegê-lo. Por isso, tirou recursos do labirinto e
Em eras passadas, este povo habitava as planícies os alocou em algo mais importante: legiões. Gradual-
do que viria a ser o Reino de Tapista, mas foram mente, o labirinto começou a decair. As comunidades
chacinadas por minotauros cruéis e gananciosos foram quase todas abandonadas e hoje são cidades
em busca de suas riquezas. É possível que algumas fantasmas ou habitadas por bandidos. As minas se
tenham sobrevivido e buscado refúgio nesse sub- tornaram covis de criaturas. As fazendas se tornaram
terrâneo. Se isso for verdade, explicaria o nome do pequenos bosques. Os templos ruíram e se tornaram
lugar — Zalah seria uma matriarca das medusas. assombrados. Mas o labirinto mantém seus muros
Restaria apenas uma pergunta: elas agora querem firmes e ainda cumpre sua função principal — impedir
viver em paz... ou almejam vingança? quem está fora de entrar... E quem está dentro, de sair.

Capítulo Dois
294
As Províncias escravidão imposta pela então República Tapistana.
Os minotauros mataram os rebeldes e tomaram o
do Império poder no reino, mas ao fazer isso causaram uma crise
diplomática que culminou com a guerra.
O Império de Tauron é constituído por Tapista e Originalmente chamado Hershire, por um breve
mais quatro províncias — as regiões conquistadas nas período o reino teve o nome de Protetorado de Rod-
Guerras Táuricas. São elas Tragematum, Petrynia, denphord, e então foi rebatizado como Tragematum
Fortuna e Lomatubar. As terras de Tollon, mais ao quando foi conquistado pelos minotauros e se tornou
leste, eram uma quinta província, mas se desgarraram uma província. Hoje, é um lugar pacato e ordeiro. Por
do Império durante as revoltas que aconteceram após o ser naturalmente isolado, está protegido dos bandidos
ataque da Tormenta a Tiberus. Sem legiões disponíveis, e monstros que ameaçam o resto do Império. A vida
o Triunvirato não pôde fazer nada para impedir. aqui segue como antes do ataque a Tormenta e o
regente local, o Governador Tirrius Nerinus, não tem
Tragematum grandes desafios. A produção e exportação de gorad
continuam sendo uma importante fonte de receita para
Esta ilha na foz do Rio dos Deuses abriga um
os cofres imperiais. Isso, na verdade, talvez seja o único
pequeno “reino” — se é que pode ser chamado
“problema” de Tragematum: salteadores poderiam se
assim. Consiste em uma única cidade, com algumas
aproveitar da atual incapacidade do Império de proteger
aldeias e fazendas ao redor, e seria uma nota de
suas províncias para saquear a ilha. Se isso acontecer,
rodapé na história de Arton se não fosse por dois
o governador terá que contar com aventureiros para
fatores: primeiro, é o único lugar onde se produz
defender seu povo e, mais importante, seu gorad.
o gorad, um cobiçado doce feito a partir de frutas
locais (além de outros ingredientes, como leite, mel,
açúcar...). Segundo, foi aqui que as Guerras Táuricas Petrynia
começaram. O conflito que mais tarde assolou o oeste Antigamente conhecido como “o Reino das Histó-
de Arton iniciou como uma revolta local contra a rias Fantásticas”, Petrynia foi o primeiro reino a cair

Além do Reinado
295
para os minotauros após o início das Guerras Táuricas.
Hoje é uma província “padrão”, formada por diversas
Fortuna
cidades de médio porte, cada uma governada por um O segundo reino a ser conquistado pelos minotau-
prefeito que, por sua vez, responde ao governador ros, Fortuna é menor e menos habitado que Petrynia,
local, o minotauro Sirodes Turvex. Sirodes liderava consistindo em vilas, aldeias e fazendas isoladas. Mesmo
diversas legiões, mas após o ataque da Tormenta, pôde sua capital, Nimbarann, é apenas uma cidade de médio
manter apenas uma — as demais foram convocadas de porte, basicamente agrícola e sem a suntuosidade encon-
volta a Tiberus. Seus legionários são suficientes para trada em outras capitais. Fortuna chama atenção apenas
manter as estradas e cidades relativamente seguras de por sua cultura, amplamente baseada em superstições.
bandidos, mas não para lidar com problemas maiores, Aqui, ninguém entra em casa sem cruzar o punho direito
como monstros, feiticeiros malignos, demônios... fechado à frente do peito para barrar os maus espíritos.
Nenhum guerreiro veste a bainha da espada nas costas,
Petrynia tem clima ameno e a maior parte do pois isso atrai traição. E, se qualquer pessoa escutar
terreno é formada por campos floridos e bosques uma coruja piar doze vezes em uma noite sem lua,
verdejantes. A maior parte das cidades se encontra um membro de sua família certamente irá falecer em
na costa, incluindo a maior delas, Altrim, a capital breve. E uma infinidade de outros mitos. Cidadãos
da província e antiga capital do reino. Ao contrário de Tiberus consideram tudo isso tolice provinciana,
das demais cidades da província, Altrim é um lugar mas os habitantes de Fortuna levam esses costumes
impressionante. Possui um porto gigantesco, sempre muito a sério. Isso pode colocar viajantes em situações
lotado de navios mercantes, e grandes e luxuosas esta- constrangedoras ou mesmo perigosas: pegar uma moeda
lagens para hospedar todos os mercadores. O palácio do com a mão esquerda pode ser sinal de terrível azar,
governador (antigo palácio real) foi construído sobre impedindo que você seja aceito em uma hospedaria
um imponente rochedo na costa, e de qualquer ponto de beira de estrada. Para complicar mais as coisas, em
da cidade é possível ver suas torres de pedra. Toda Fortuna alguns atos realmente afetam a sorte... Mas não
essa prosperidade tem seu preço, e Altrim possui um há como saber quais. Ninguém sabe a origem disso:
submundo de crime. Bandidos e piratas negociam aqui um experimento mágico que deu errado, um artefato
o produto de seus crimes, de mercadorias a escravos. do caos enterrado nas profundezas da terra ou uma
Como se isso não bastasse, Altrim fica sobre uma rede simples brincadeira de Nimb?
de túneis antigos hoje utilizados como rede de esgoto.
Dizem que ali vive Tuvak, Devido às Montanhas Uivantes ao norte, o clima
o Rastejante — um em Fortuna é temperado, com nevoeiros ao longo do
maligno monstro, ano e nevascas no inverno. O terreno é basicamente flo-
ou feiticeiro, ou restal, eventualmente cortado por campos ondulados.
ambos... O litoral é baixo, de mangue, terrível para a navegação,
de modo que Fortuna tem poucas cidades costeiras e
nenhum grande porto, apenas vilas de pescadores.
O regente de Fortuna, o Governador Curbius
Sevarus, possuía meia legião sob seu comando — o
suficiente para manter um semblante de ordem na
província. Porém, o comandante das tropas, o Cen-
turião Tervus, partiu em patrulha para o norte de
Fortuna algum tempo atrás, e desde então não
retornou, tampouco enviou mensageiros. A
essa altura, o Governador Curbius torce para
que os legionários tenham sido atacados
por um monstro... Pois a alternativa é que
o Centurião Tervus tenha desistido de servir
a um império em ruínas e esteja se preparando
para atacar Nimbarann e começar a governar Fortuna
como um déspota. Por via das dúvidas, Curbius está
atrás de aventureiros que possam investigar o ocorrido
e lidar com o problema — o que quer que ele seja.

Capítulo Dois
296
Lomatubar Taverna Âncora Quebrada
O terceiro reino a ser conquistado durante as Aventureiros que ousarem percorrer o
Guerras Táuricas, Lomatubar já estava em crise antes interior hostil de Lomatubar, lutando
mesmo da invasão dos minotauros. O reino era assolado contra aberrações e fugindo da peste,
pela Praga Coral, uma doença mágica e mortífera criada encontrarão alento em uma taverna à
mais de um século atrás por Thursten Covariel, então beira-mar chamada Âncora Quebrada.
mago da corte de Lomatubar, para destruir as tribos Famosa por suas bebidas fortes, música
orcs que ameaçavam a região. O plano funcionara: os animada e pelos torneios de queda de
orcs foram dizimados e Thursten fora celebrado como braço, a taverna originalmente ficava em
herói pelas décadas seguintes, apesar de ter desaparecido Tiberus. Foi durante o ataque da Tormenta
misteriosamente logo após seu triunfo. Contudo, após que, impelida por uma engenhoca goblinoi-
essas décadas de paz, a praga voltou. E, embora origi- de, a construção saiu voando e sobrevoou
nalmente afetasse apenas orcs, agora contaminava todo várias províncias até pousar em Lomatubar,
tipo de humanoide — incluindo humanos. Contaminava
próximo à propriedade da Triúnvira Pérola
também animais, mas esses não eram mortos, e sim
Aurelius Lomatubarius, talvez a última
transformados em monstros grotescos cobertos de
fazenda próspera da província.
placas duras e afiadas como coral — daí o nome da
doença. Essas monstruosidades emergiam das florestas A taverna é composta por três andares,
para atacar vilas e fazendas. A volta da praga nessa sendo que o térreo não possui paredes: é
forma descontrolada fez Lomatubar entrar em declínio. um salão aberto, sustentado por colunas.
Muitos habitantes morreram ou fugiram do reino. A Várias mesas se espalham na sombra do
capital, Barud, se manteve livre da doença através de prédio e ao redor dele, e no centro fica o
vigilância severa por parte da guarda, que vistoriava forno, o balcão e uma escada para acessar
todos os viajantes e não deixava ninguém com sintomas os andares superiores, onde há quartos para
passar pelos portões. No entanto, sem os recursos do hóspedes e residentes. Seu nome vem da
interior, tornou-se uma cidade pobre, dominada pela coleção de âncoras que costumava pender
fome. O então rei de Lomatubar contratou clérigos, sobre as cabeças dos fregueses no salão,
magos, médicos de Salistick e grupos de aventureiros além de uma gigantesca âncora quebrada
para encontrar uma cura, sem sucesso. que ficava ao lado. Contudo, tudo isso se
Quando os minotauros invadiram Lomatubar, perdeu na fuga de Tiberus. Atualmente,
praticamente não encontraram resistência. Dominaram a taverna está em reconstrução. O dono,
a capital — já não havia mais exército, e a esquálida Cornelius Avarus, paga bem por qualquer
guarda não foi párea para as legiões —, mas deram âncora trazida para renovar sua coleção.
pouca atenção para o interior empobrecido. A única Seu maior sonho é encontrar uma âncora
intervenção táurica foi erguer fortes de fronteira e tão grande a ponto de superar a altura de
proibir os habitantes de sair do reino, para impedir sua taverna. Prometeu dar uma recompensa
que a Praga Coral se espalhasse pelo resto do Império. mágica a quem lhe trouxer o que deseja.

Se a situação já estava ruim, com o ataque da


Tormenta ficou ainda pior. Se antes havia pelo menos
sentido, a situação não mudou muito desde quando
um pouco de ordem, agora não há nem mesmo isso.
Lomatubar era uma nação do Reinado, com a diferença
Nenhuma legião ficou aqui — por que gastar soldados
de que o governador táurico sequer tenta resolver os
para proteger um reino pobre e doente, quando a
capital imperial está sob ataque? A única manifestação problemas da terra. Está contente em ficar em seu
de autoridade táurica residia em Barud, na forma palácio, o único lugar que resguarda um pouco de
do governador provincial Arlonus Meraxus e sua luxo na província inteira.
guarda urbana. Para piorar ainda mais, recentemente o O resto de Lomatubar é agora uma terra sem lei,
governador parou de prestar contas a Tiberus. Embora arrasada pela doença, pela guerra e pela fome. As
não tenha feito nenhum tipo de declaração formal, estradas estão desertas, as vilas estão abandonadas.
Arlonus na prática se tornou um tirano e governa Fora de Barud, os únicos seres vivos são aldeões
Lomatubar como um reino independente — não que contaminados pela doença e contando seus dias de
governe muito do território. Sua guarda urbana se vida; bandidos desesperados em busca de algum
ocupa apenas de proteger Barud e impedir que alguém saque, e monstros mutantes que devoram quem
contaminado pela Praga passe pelos portões. Nesse encontram em seu caminho.

Além do Reinado
297
Guildas & um centurião (um combatente e oficial veterano).
Existem diversos outros postos: tribunos (assessores
Organizações do legado), escribas, curandeiros, batedores... Como
quase tudo na sociedade táurica, as legiões são orga-
nizadas e burocratizadas.
O Senado Antigamente, as legiões eram compostas basica-
O Senado é o corpo legislativo do Império de
Tauron. É composto por 300 senadores, eleitos em mente por minotauros. Hoje, membros de todas as
Tiberus e nas demais cidades imperiais — quanto maior raças são aceitos. Minotauros ainda são a maioria das
a cidade, mais senadores ela elege. O Senado tem como tropas e compõem o coração tático das legiões — a
objetivo manter a ordem e a prosperidade do Império infantaria pesada. Contudo, cavaleiros humanos,
e suas decisões valem em todo o território imperial. arqueiros elfos e outras “modernidades” são cada
Na prática, hoje elas têm efeito apenas nos territórios vez mais comuns.
de Tapista e Tragematum, e em regiões de Petrynia e
Fortuna — embora nessa última província o governador Ludus Glada
não tenha poder militar para impor qualquer lei. De Ludus são escolas de gladiadores nas quais esses
forma similar, muitas cidades deixaram de enviar atletas vivem, comem e, principalmente, treinam para
senadores a Tiberus. Sabendo que dificilmente terão
suas lutas. Como combates de arena são extremamente
apoio da capital, nem perdem seu tempo...
populares no Império de Tauron (sendo chamados
Como qualquer corpo político, o Senado é pelos tapistanos simplesmente de “jogos”), diversos
território fértil para chantagens e subornos. Alguns ludus existem em Tiberus e outras cidades imperiais. O
senadores são até mesmo devotos de Sszzaas, usando dono de um ludus — que pode ser desde um veterano
de ferramentas como envenenamentos e sequestros aposentado das legiões a um senador prestigiado —
para impor suas visões. Apesar disso, o ideal por investe nos gladiadores, financiando o treinamento
trás do Senado é justo — fazer com que todos os deles em troca de parte dos ganhos das lutas.
habitantes sejam representados e que o bem-estar
O Ludus Glada é um dos maiores do Império. Seu
do povo como um todo esteja acima do bem-estar
proprietário é o minotauro Oritonin, um devoto de
de alguns poucos. Embora existam muitos senadores
Tibar ganancioso e trambiqueiro que ficou famoso
gananciosos e corruptos, também existem alguns
por revelar Maquius, o maior campeão das arenas do
honrados e altruístas, que se esforçam ao máximo para
trazer um pouco de alento à população do Império Império de Tauron. Oritonin se esforça para encontrar
de Tauron e resgatar sua glória passada. outro grande talento, e para isso organiza diversas
“peneiras” — torneios para lutadores novatos — ao
redor do Império. Entrar num torneio de Oritonin
As Legiões pode ser o início de uma carreira promissora no
O Império de Tauron possuía um dos exércitos mundo das lutas.
mais poderosos de Arton — em seu auge, especula-se
O nome do ludus homenageia o antigo Deus da
que poderia derrotar até mesmo os batalhões puristas
Guerra, Keenn, que era conhecido pelos minotauros
ou as hordas duyshidakk. Hoje, contudo, as forças
como Glada. Oritonin cogitou atualizar o nome de
táuricas estão gravemente reduzidas. Atualmente, o
sua escola para Ludus Arsenal, mas teme que o novo
Império possui 11 legiões, cada uma com entre 2 a 3
deus resolva clamar para si uma parte dos lucros…
mil membros — bem abaixo do antigo contingente de
mais de 30 legiões, cada uma com aproximadamente
5 mil membros. Collegium Victrina
Cada legião é liderada por um legado, um posto Uma consequência da vida urbana do Império
equivalente ao de general. O legado responde ao de Tauron, um collegium é um tipo de guilda de
governador da província onde está alocado ou direta- bairro, criada para ajudar os moradores de sua região
mente ao Triunvirato, se estiver em Tapista. Dentro da e representar seus interesses perante o Senado. Com
cultura táurica de serviço público, muitos legados que o tempo, porém, muitas dessas associações passaram
se aposentam das campanhas se tornam senadores — a se envolver com atividades ilícitas, como contra-
o que faz com que nunca seja uma boa ideia achar que bando, assassinatos e “proteção” — por uma taxa,
aquele minotauro senador é um velhinho indefeso... os capangas do collegium protegem os moradores
As legiões, por sua vez, são divididas em centúrias e comerciantes do bairro de bandidos desgarrados,
de aproximadamente 100 membros, lideradas por guardas corruptos e, claro, de seus próprios capangas.

Capítulo Dois
298
O Collegium Victrina, de Tiberus, é um dos perigosa: animais selvagens, fadas e monstros andam
mais antigos da cidade. Como quase todos, começou livremente pelas florestas, atacando qualquer um em
como uma associação para ajudar comerciantes em seu caminho.
dificuldades, defender seus membros juridicamente (o Nas cidades, a situação não é muito melhor. Com o
collegium possuía um advogado clérigo de Khalmyr), Senado preocupado com a ameaça maior da Tormenta, o
reconstruir casas destruídas por monstros, acolher povo fica à mercê dos collegium, associações criminosas
órfãos… Mas, aos poucos, mudou suas atividades para que praticam extorsão e outros crimes. Já os nobres
outras mais lucrativas. podem estar a salvo dessas quadrilhas, mas precisam
A atual líder do Victrina é Murta Torta-Doce, se preocupar com sequestros, envenenamentos e todo
uma hynne que se criou nas ruas de Tiberus e cresceu tipo de intrigas que decorrem da luta pelo poder em
na hierarquia do collegium por conta de sua mistura uma sociedade decadente.
ímpar de esperteza e brutalidade. Apesar de ser uma Mas nem tudo é desolação no Império. Em
criminosa, Murta se preocupa com o povo local. Ela não Tiberus, as grandes oficinas ainda operam; o fórum
cobra taxas abusivas e usa seu lucro para ajudar pessoas continua movimentado e a arena mantém seus jogos.
em necessidade. De certa forma, Torta-Doce mantém o Aventureiros podem se envolver com a vida urbana
ideal do collegium, ainda que não seus métodos. Isso da capital, desde ajudar comerciantes humildes sendo
não se pode dizer de seus rivais, que usam de violência ameaçados por criminosos até tentar uma carreira como
e subterfúgios para conquistar o território da hynne. gladiadores. Já nas províncias, a situação varia: em
Murta sabe que só com seus capangas não conseguirá Petrynia, a vida continua quase normal — a região está
defender seu bairro, o que abre oportunidades para longe o suficiente de Tiberus para não ter sido afetadas
pessoas dispostas a fazer o bem... Mesmo que para pela Tormenta, mas perto o bastante para manter um
isso precisem quebrar algumas leis. semblante de ordem, embora enfrente dificuldade com
piratas na costa sul. Em Fortuna, a situação é mais

Aventuras delicada, com diversos feudos surgindo no vácuo de


poder. E em Lomatubar, o clima é apocalíptico — de
Uma viagem pelas terras do Império é uma aven- todas as terras de Arton, essa é uma das que mais
tura por si só. As estradas, antes patrulhadas pelas precisa de heróis.
legiões, agora estão tomadas por bandidos e escrava- Aventureiros que quiserem socorrer o Império
gistas. Mesmo a visão de legionários em marcha não de Tauron terão muito trabalho, mas também podem
é sinônimo de segurança, pois podem ser desertores ter aliados. Alguns senadores, generais e até mesmo
dispostos a saquear qualquer um em seu caminho ou líderes de collegium possuem objetivos dignos, mas
seguidores de um legado que se autoproclamou precisarão de ajuda para sobreviver aos perigos da
ditador. Saindo das estradas, a situação política e alcançarem seu propósito:
fica ainda mais reerguer a civilização.

Além do Reinado
299
Nova
Malpetrim
A
rton é um mundo de heróis. Eles exis- que Malpetrim esteja em algum ponto do itinerá-
tem em todos os lugares, habitam todas rio. (“Oras, se não passou por Malpetrim, não é uma
as cidades. Mas nenhuma tem maior grande saga!”) Isso considerando apenas as histórias
reputação de hospedar aventureiros verdadeiras — pois, conforme a cultura do reino, para
— e aventuras — que Malpetrim. cada campeão lendário real que esteve aqui, outros
dois foram inventados na imaginação popular. Ainda,
Embora situada no pequeno reino de Petrynia,
hoje província do Império de Tauron, os eventos extra- existe o costume local de nomear filhos com nomes
ordinários ocorridos aqui sequer podem ser listados. de grandes heróis, causando ainda mais confusão.
Cidade costeira assolada por todo tipo de ameaça Despertar de deus maligno. Cerco de minotauros.
mundana ou mágica, não apenas foi ponto de partida Ataque de monstro gigante. Marcha de fantasmas da
para as mais fabulosas expedições, como também Tormenta. Embates entre arquimagos, sumo-sacerdo-
sediou batalhas e intrigas em seu próprio território. tes e Dragões Reis. A cidade esteve em perigo tantas
Uma tradição de bardos consiste em desafiar o vezes, foi quase destruída em tantas ocasiões, que foi
oponente a narrar a história de um grande herói sem um choque para todos quando isso finalmente aconteceu.

Capítulo Dois
300
A chegada profetizada da Flecha de Fogo ao
continente sul causaria um maremoto como nenhum
outro; imprudentemente próxima ao nível do mar,
Malpetrim acabou arrasada por completo. Heróis com
poderes extremos se mobilizaram, cidadãos foram
evacuados, vidas foram salvas. Até mesmo algumas
construções, com seus ocupantes, foram magicamente
transportadas a tempo. Mas nada restaria na área
murada original, exceto ruínas inundadas.

A Cidade Renascida
Nova Malpetrim (ou apenas Malpetrim, como
ainda é chamada) é tudo, menos horizontal. Mais
que decididos a evitar qualquer vagalhão catastrófico
futuro, seus habitantes optaram por reconstruir a
cidade no alto de uma grande formação rochosa
próxima, muito acima do nível do mar.
Pode-se dizer que, hoje, a cidade exige nervos Cidade de Nova Malpetrim
e pernas fortes para ser percorrida; seus vários pa-
tamares, conectados por longas escadarias e pontes Lema: “Tesouro do mar, berço da
de vários tipos, desafiam aqueles que temem altura. aventura”.
Desnecessário dizer, o lugar também se tornou muito Brasão: de Azul um castelo de prata
menos aprazível para minotauros — um planejamento assente sobre um monte de verde sainte
urbano provavelmente intencional, considerando a de uma campanha ondada do segundo
tentativa de invasão por parte deste povo durante as carregada de duas faixas ondadas do
Guerras Táuricas. Ainda assim, apesar de sua fobia de primeiro.
altura, membros do Povo de Tauron teimosamente in-
Gentílico: malpetrino.
sistem em frequentar Nova Malpetrim, demonstrando
orgulho e bravura enquanto evitam as beiradas. Regente: George Ruud (prefeito).
População: 26.000.
O Porto Raças Principais: humanos, sereias,
Com a reconstrução, muito se pensou em formas tritões, anões, elfos, hynne.
de livrar Malpetrim dos piratas que sempre a assolaram. Divindades Principais: Valkaria,
Descobrindo ser inviável (pois importantes figuras Oceano, Marah.
locais estão ligadas à pirataria), apenas trataram de
manter a nova área de atracagem tão afastada quanto
possível, formando praticamente uma cidade própria ao
nível do mar — hoje também conhecida como Cidade
um. Pouca gente em Arton sequer aceitaria tama-
Baixa. Nesse literal submundo as guildas criminosas
nha dor de cabeça. Ainda assim, um improvável
agem impunemente e tudo que é proibido ou ilegal
pretendente ao cargo insalubre acabou surgindo; o
pode ser obtido. Ou, como diria o pirata Jude Sil-
atual prefeito é ninguém menos que George Ruud,
verbloom, uma das mais notórias figuras da Cidade
antigo proprietário da famosa Estalagem do Macaco
Baixa: “Na escolha entre o que é certo e o que é fácil,
Caolho. Depois de lidar com sua cota de druidisas
a escolha certa sempre será fácil…”. O isolamento
obcecadas, falsos ladinos, arquimagas élficas loucas
também garante que feras capturadas em Galrasia
e trogs rabugentos (e também após a perda de seu
causem menos estrago urbano à Cidade Alta quando
escapam — o que acontece com alguma frequência. estabelecimento no maremoto), Ruud e a esposa
Tadania optaram por uma carreira que consideram
muito menos estressante. Além de governar, muitas
Mansão do Prefeito vezes caberá ao próprio prefeito, à primeira-dama
Administrar um desastre — ahem, uma cidade ou à secretária osteon Calirianne o papel de delegar
como Nova Malpetrim não é trabalho para qualquer missões a aventureiros.

Além do Reinado
301
A Grande A Águia Dourada
Feira de Marah A estalagem mais extravagante da antiga Malpetrim
Este tradicional evento comercial, que continuaria foi reconstruída aqui, ainda mais chique e vistosa. Seu
a ser celebrado anualmente na cidade nova, teve seu interior segue tão parecido com a original que mesmo
auge durante a dominação táurica. Como a cidade frequentadores assíduos não notam diferença. De fato,
era considerada território neutro, figurava como uma arcanistas garantem que a reconstrução foi executada
oportunidade única para permutar itens do Reinado por poderosas magias. Talvez exista relação com uma
e do Império. Hoje em dia o festival retornou às antiga e ilustre hóspede, a falecida arquimaga élfica
suas dimensões originais, negociando principalmente Nielendorane de Lenórienn; dizem que seu espírito
iguarias, relíquias e criaturas trazidas de Galrasia — está com Wynna, mas às vezes ainda assombra a suíte
também existindo meios escusos de adquirir pólvora, favorita, quando alugada por hóspedes de espírito
artefatos da Tormenta e outros itens proibidos. Ainda, aventureiro. A gerência garante que nenhum deles
devido a um rumor persistente sobre a passagem de sofreu danos permanentes. Quase nenhum.
Thwor Khoshkothruk pela Feira, muito antes de sua
ascensão à divindade, devotos de Thwor às vezes O Polvo Canhoto
tentam imitar o antigo messias, infiltrando-se no Taverna especializada em frutos do mar e pratos
evento sob disfarce. Outros, menos religiosos, fazem insanamente apimentados. O proprietário e cozinheiro
isso apenas para ludibriar os ingênuos. É o caso do é Mighel de Petrynia, homem grande como um
bardo Amanph Leanm, que já convenceu muitos ogro — e quase tão gentil, quando criticam a ardên-
desinformados de que era Thwor em pessoa, apenas cia de sua comida. Dizem que ele usa condimentos
um pouco mais magro e abatido... fortes por serem os favoritos da filha, uma paladina
de Khalmyr em treinamento. Alguns suspeitam, no
A Arena de Gideon entanto, que Mighel exagera na pimenta para afastar
os minotauros — mas o efeito acabou sendo contrário;
Rumores e boatos sem fim cercam o maior e
mais misterioso patrono dos jogos de arena em estes, sentindo-se desafiados, fazem questão de ingerir
Nova Malpetrim. Antes de conquistar sua riqueza os itens mais picantes no cardápio enquanto vertem
e fixar moradia aqui como uma de suas figuras lágrimas gordas. Seja como for, o lugar acabou famoso
mais ilustres, Lorde Gideon teria sido um herói por sediar competições e brigas entre minotauros,
desmemoriado, que em outra vida foi um tirano — humanos e quaisquer outros.
então rejeitando o mal para viver como aventureiro.
Hoje, Gideon e seu companheiro hynne Flappo
comandam torneios e combates de arena em seu Expedições
coliseu, que vem se tornando famoso no oeste de
Arton. Em cada grande torneio, um item mágico
e Piratas
de seu tesouro pessoal é oferecido ao campeão. Embora Nova Malpetrim seja uma cidade costeira,
O atual campeão é o hynne Jojo, conhecido pelo sua economia não é especialmente baseada em comércio
curioso epíteto “Matador de Gigantes”. marítimo; devido às atribulações do Império de Tauron,
a navegação comercial artoniana tem se concentrado
A Forja do Nanico no litoral sudeste do continente. Por ser situada a
sudoeste, poucas rotas comerciais chegam aqui. Assim,
Sempre que um forasteiro procura alguém para seu abastecimento vem das terras cultivadas em volta,
consertar suas armas ou armadura, é costume local complementado com a pesca.
recomendar este estabelecimento pelo nome. Não
por sua qualidade, nem por ser barato; apenas para Não significa, contudo, que exista pouca atividade
testemunhar uma nova explosão de raiva do proprie- portuária. Como no passado, o lugar segue como o
tário, um velho troglodita anão que odeia ser chamado mais importante ponto de partida para expedições
de “nanico”, expelindo seu óleo fedorento em todos até Galrasia, movimentando um mercado pequeno,
que assim fazem! Este antigo guerreiro aposentado, mas rico. Iguarias, feras exóticas e relíquias circulam
cedendo à paixão racial dos trogs por itens de aço, todos os dias, negociadas por fortunas. Pela mesma
acabaria abraçando o ofício como ferreiro. Dizem que razão, piratas fervilham no Mar Negro para atacar
o nome é também uma provocação (ou paródia) a aventureiros retornando cheios de valores.
uma rede de forjas existente em Valkaria, conhecida A recente fundação de Lysianassa, primeira cida-
como Metais do Baixote. de humana em Galrasia, intensificou as expedições.

Capítulo Dois
302
Nova Malpetrim toca
as águas e o céu

Além do Reinado
303
Agora contando com um porto seguro no próprio
Mundo Perdido, navios cheios de aventureiros chegam Arredores
e partem em números cada vez maiores. Aqueles que
retornam (isto é, os que conseguem passar pelos
de Aventura
piratas) deixam boa parte de seus tesouros em Nova
Malpetrim, assegurando sua prosperidade. E, embora
Montanhas Kenora
os piratas e bucaneiros tragam reputação ruim, Esta área montanhosa no nordeste de Petrynia
também enriquecem a cidade com suas pilhagens, pertence à mesma formação que inclui as Uivantes,
gastando fortunas em bebida e farra. bloqueando boa parte de sua glaciação. Numerosas
passagens e desfiladeiros permitem fazer a travessia até
Por tudo isso, Nova Malpetrim faz bom dinheiro a cordilheira gelado; uma delas teria sido usada pelo
oferecendo acomodações e suporte a aventureiros. célebre herói Cyrandur Wallas em suas andanças. Aqui
Todo tipo de artesão especializado em armas e equi- também se situam as Cavernas Escuras, onde seria
pamentos de aventura pode ser encontrado aqui, encontrada uma das partes do mítico Disco dos Três.
assim como serviços de alquimistas e conjuradores. Especula-se que as cavernas escondem uma passagem
Ajudantes, batedores e escudeiros também estão para Doherimm; a teoria pode estar correta, porque as
disponíveis — são profissões populares entre jovens montanhas abrigam vários athrid, como são conhecidas
locais que tentam fazer dinheiro rápido, apesar dos as antigas edificações abandonadas dos anões.
riscos. Mercadores aguardam no porto
da Cidade Baixa para adquirir tesouros
recém-conquistados. E, como não pode-
Os Grandes
ria deixar de ser, clérigos e curandeiros Bosques
estão sempre a postos para remendar A extensa mata ao norte de Nova Mal-
heróis combalidos em seu retorno. petrim é composta por duas áreas flores-
Outra atividade importante é a tais: os Bosques de Farn a noroeste e
construção e reparo de navios, so- os Bosques de Allihanna a sudeste,
bretudo aqueles que chegam ar- separados pelo Rio Kaerunir. O
ruinados após ataques de piratas nome vem da rivalidade entre
e monstros, sendo um milagre dois antigos exploradores, cada
ainda flutuarem. Para os goblins um alegando ter descoberto e
locais, canibalizar partes de mapeado o lugar primeiro.
uma embarcação para con- Para apaziguar ambos, o
sertar outra é praticamente regente da época decidiu
uma tradição — qualquer separar a floresta em duas;
por não existir “meia-floresta”, cada
navio no porto precisa
metade foi declarada um grupo de
ser mantido sob vi-
bosques — um deles nomeado como
gilância para con-
um explorador, outro com a divin-
tinuar inteiro. O
dade padroeira do segundo. Am-
resultado é que
bos são habitados por animais
muitos na-
selvagens, comunidades
vios locais
silvestres e monstros
parecem
ocasionais.
feitos de
partes desen-
contradas, mar-
teladas juntas
de qualquer
jeito. Di-
zem que se
Nova Malpetrim:
você preci- ponto de partida para
sa de reparos urgentes em sua jornadas de piratas,
embarcação, mas sem ligar exploradores e outros
aventureiros
muito para a estética, Nova
Malpetrim é o lugar.

Capítulo Dois
304
Planície dos Centauros presença de invasores. Muitos navios foram afundados
por suas criaturas porque se aproximaram demais. As
A região descampada ao sul dos Bosques de Allihan- histórias sobre a origem de Azazel seriam muitas; a
na é território de um grande rebanho de centauros. mais conhecida diz que ele teria se apaixonado por uma
Sua antiga líder, Odara de Allihanna, teve atuação sereia, mas foi rejeitado, e agora passa a vida pensando
importante durante a saga dos Rubis da Virtude. Após em formas de capturá-la e conquistar seu amor.
um incidente envolvendo a Tormenta, seu paradeiro
atual é desconhecido; hoje o bando é liderado por
sua aprendiz Hipólita. Diferente da antecessora, esta
druida atrevida não se acanha em galopar até Nova
Velha Malpetrim
Malpetrim e convocar aventureiros para matar monstros Hoje submersas, as ruínas da antiga Malpetrim
que eventualmente ameaçam a tribo. foram rapidamente ocupadas por animais, monstros
e até povos marinhos. Não apenas suas construções
originais, mas também grandes navios empurrados pelo
Planalto dos Kobolds maremoto e encalhados ali — cada um escondendo
Uma das maiores tribos de kobolds em Arton está seus próprios perigos e tesouros. Ainda, existem sob
em um planalto oculto nos Bosques de Allihanna, onde a cidade várias redes de túneis e câmaras, outrora
cavernas e túneis que atravessam o planalto escondem esconderijos para guildas de ladrões, cultos profanos
centenas, talvez milhares de criaturas. Como outros de e movimentos de resistência contra os minotauros.
seu tipo, estes também ficaram mais perigosos após o
Por ser uma masmorra vasta e ainda recente, há
retorno de Kallyadranoch ao Panteão, mas ganharam
poucos mapas confiáveis e menos ainda informações
ainda mais poder quando o dragão Xiuhdrake assumiu
sobre seus habitantes. Sabe-se de pelo menos um
a liderança do bando. Sob comando do “enviado”, os
bando de elfos-do-mar extremamente hostis, que
kobolds atacam aldeias e fazendas vizinhas, capturando
consideram a cidade agora seu território — qualquer
vítimas — especialmente crianças — para sacrifícios
explorador deve lidar com eles antes de adentrar as
rituais ao Deus dos Dragões. Um dos habitantes menos
ruínas mais importantes e as partes mais profundas.
perigosos e mais curiosos do Planalto é o kobold
Negociar a passagem diplomaticamente é possível,
Leopôncio, um espadachim (?) que diz ser matador
mas desafiador, considerando seu ódio e desconfiança
de serpes (??) e herói de seu povo (???).
daqueles que vivem no mundo seco. Seu cruel líder,
chamado Deenar, tem apenas um braço — e também
Mansão de Zolkan a habilidade mágica de transformar-se em um monstro
Situada à margem de um pântano próximo da crustáceo demoníaco.
Velha Malpetrim, pertenceu ao poderoso mago Zolkan, Um fato importante é que, em toda a região inundada,
desaparecido há mais de cem anos. Rumores dizem estabeleceu-se uma área de “ar molhado” — o estranho
que a mansão é assombrada e maldita, algo atestado fenômeno que ocorre em alguns pontos dos mares de
por heróis que a visitaram. Fantasmas e aparições Arton, permitindo a seres terrestres respirar livremente
infestam seus aposentos — que retornam magicamente embaixo d’água. Dificuldades normais de movimentação
ao normal logo após a passagem de aventureiros, não subaquática ainda existem mas, ao menos, afogamento
importando quanta coisa foi destruída ou quantas é menos um problema com que lidar. Há, no entanto,
criaturas foram vencidas. Também dizem que Zolkan se trechos de masmorra onde a água é normal.
tornou um monstro e devora todos que entram; parte
desse boato é verdade, o arcanista realmente se tornou Menos de uma hora distante da cidade recons-
“algo” graças a um experimento fracassado. Uma truída, Velha Malpetrim se tornaria uma masmorra
passagem mágica leva a um laboratório secreto longe bastante procurada, sobretudo por heróis iniciantes
dali, em uma caverna oculta, onde o monstro-Zolkan locais ainda sem meios de visitar Galrasia. Antigos
passa os dias tentando reverter seu atual estado. proprietários contratam grupos para resgatar riquezas
ou relíquias de família. Outros investigam rumores
sobre tesouros mágicos poderosos, pertencentes a
Torre de Azazel campeões veteranos que residiam na cidade. Um
Situada em uma ilhota próxima à costa, esta grande local especialmente visado são as ruínas da antiga
torre pertence a Azazel, o Louco. Este velho de pele Estalagem do Macaco Caolho; conforme boatos, o
azulada — que muitos acreditam ser um tritão, embora símio empalhado que dava nome ao lugar teria sido
não exista certeza sobre isso — mantém sua torre abençoado por Nimb, tornando-se um artefato muito
protegida por monstros marinhos, jamais tolerando a poderoso. Ou maldito. Ou não.

Além do Reinado
305
Smokestone O COVIL DOS PISTOLEIROS

O
continente de Arton é vasto. Existem Conhecida como “Covil dos Pistoleiros”, “Cidade
incontáveis cidades, aldeias e luga- dos Fora da Lei”, “Capital da Pólvora”, “Aquele Buraco
rejos que não constam em nenhum Desgraçado Onde Tentaram me Matar Várias Vezes”
mapa, cuja localização não é conhecida e outros epítetos menos elegantes, Smokestone fica
por ninguém — ao menos ninguém confiável. em algum lugar perdido nas planícies da província de
Algumas porque não são importantes o sufi- Petrynia, no que resta do Império de Tauron. Mas não
pertence ao Império, nem ao Reinado ou a nenhum
ciente para merecer destaque. Outras porque
reino. Não respeita nenhuma lei de fora, não tem
são lugares místicos. Mas existe ao menos uma
nobres ou governantes e se rebela contra tudo e todos
cidade cuja localização é mantida em segredo por que tentem controlá-la.
uma combinação de honra, mentiras, desprezo
Aqui ficam as maiores minas conhecidas de pedra-
pelas leis, autopreservação, orgulho e boa e
-de-fumaça, o minério instável e (dizem) demoníaco
velha cara de pau. que é a base para a fabricação da pólvora. Aqui também
Smokestone. se fabrica a melhor pólvora e se forjam as melhores

Capítulo Dois
306
armas de fogo do mundo. É o esconderijo, lar ou
paradouro ocasional dos maiores pistoleiros de Arton,
além de palco de alguns dos mais notórios duelos.
Para quem vive aqui, é o único lugar onde vale a
pena viver. Para quem morre aqui, é um lugar onde
se pode morrer de cabeça erguida.

Mau Começo
Smokestone rejeita toda noção de nobreza ou
governo, mas sua história começa 200 anos atrás com
a família Harringer, nobres caídos em desgraça que
perderam tudo que tinham e acabaram afundados em
dívidas. Tudo que restava ao patriarca D. Harringer
era uma carroça e uma família faminta. Deixando para
trás a vida de mimos e opulência, Harringer subiu na
carroça e levou a família para longe de suas antigas
terras, em busca de algum lugar onde pudessem se
reerguer. Ninguém sabe qual seria o título nobre da fa-
mília, pois o patriarca passou a desprezar a aristocracia Cidade de Smokestone
e a existência parasitária que levara àquela situação.
Lema: “XX”.
Neste ponto história, boatos, lendas e superstição
se misturam — ainda mais que em outros lugares Brasão: xx.
de Arton. Pois a viagem sem rumo dos Harringer Gentílico: xx.
levou-os às minas de pedra-de-fumaça. O patriarca Regente: xx.
imediatamente colocou a família inteira para minerar
e assim amealhar uma nova fortuna. População: 3.700.

Mas como nobres sem nenhuma experiência em Raças Principais: xx.


trabalho braçal sabiam minerar? Como Harringer sabia Divindades Principais: xx.
onde procurar, já que era preciso se embrenhar em
túneis profundos para encontrar os veios de pedra-
-de-fumaça? Como ele sequer conhecia o minério,
se 200 anos atrás armas de pólvora eram muito mais altamente inflamável, levando a casos de combustão
raras e primitivas? espontânea! Essa doença peculiar é conhecida como
“pulmão em brasa”. Quando a existência de enor-
Segundo alguns, a resposta para tudo isso são
mes veios de matéria-prima para pólvora se tornou
demônios.
conhecida, os Harringer foram atacados por grupos de
A pedra-de-fumaça seria um minério infernal, magos que tentavam banir a substância, convencidos
imbuído com o poder destrutivo das criaturas abissais. de que apenas a magia arcana deveria ser capaz de
A própria invenção das armas de pólvora teria sido explodir grandes números de pessoas rapidamente e
inspiração demoníaca. Seguindo esse raciocínio, D. à distância. Tudo isso fez com que a numerosa família
Harringer teria feito um pacto com demônios que fosse reduzida apenas ao próprio patriarca, agora já
revelaram a ele essa nova fonte de riqueza e ensinaram velho e com os pulmões prestes a explodir, e a sua
a sua família tudo que precisavam saber. filha mais nova. Felizmente, o sacrifício dos demais
Ou talvez isso seja só papo-furado para meter não fora em vão: pai e filha mais uma vez estavam
medo em forasteiros. podres de ricos.
A vida dos Harringer foi tudo, menos pacífica. A essa altura os Harringer já não estavam mais
A mineração trazia seus próprios perigos: a pedra- sozinhos. Outros tipos empreendedores e sem muito
-de-fumaça tem a tendência de explodir durante a amor à própria pele tinham estabelecido suas próprias
extração e vários túneis que levavam aos veios mais operações de mineração — D. Harringer não gostava
ricos estavam infestados de monstros. O pó de pedra disso, mas depois de alguns tiroteios aprendeu a
de fumaça se acumula nos pulmões, transformando-os compartilhar. Todas essas operações precisavam
lentamente em pedra — pior do que isso, pedra de trabalhadores. Os trabalhadores precisavam de

Além do Reinado
307
isso, absolutamente ninguém revela a localização da
cidade, exceto para outros pistoleiros e durões das
planícies. Quem quebra essa regra não costuma durar
muito. Além disso, de alguma forma é mais difícil
encontrar Smokestone por meio de magia ou mesmo
em expedições mundanas. Alguns garantem que isso
faz parte do pacto demoníaco dos Harringer, renovado
por D.D. durante a fundação da cidade.
diversão, e assim começaram a surgir
tavernas. Alquimistas de rua se estabelece-
Coma na mesa,
ram para fabricar pólvora ali mesmo, então armeiros
defeque na latrina
montaram oficinas para forjar pistolas... Smokestone é lugar de bandidos, trapaceiros,
assassinos, caça-prêmios, foragidos... Mas ninguém
Quando por fim o velho D. Harringer explodiu em
pratica nenhuma dessas atividades aqui. Não se rouba
sua cadeira de balanço, sua filha tomou a liderança.
— nem apontando um cospe-chumbo para algum
Trocou o próprio nome pelo nome do pai: era agora
infeliz, nem surrupiando umas moedinhas no jogo. Não
D.D. Harringer. D.D. reuniu os chefes das primeiras
se falsifica, não se caça recompensas, não se captura
famílias, os pilantras mais endinheirados e os cafajestes
prisioneiros... Também não se comete assassinato,
mais influentes da região. Então batizou a comunidade
mas para entender isso é preciso entender o que é
de Smokestone, criou o pacto de segredo sobre sua
assassinato em primeiro lugar. Em suma, atos violentos
localização e estabeleceu as leis locais, que permanecem
ou contra a propriedade são banidos.
não escritas e imutáveis até hoje.
Acerte suas
Leis da Fronteira próprias contas
Digamos que alguém tenha quebrado a lei anterior
Sangue azul acaba e você tenha sido a vítima. E agora? O problema é
empoçado no chão todo seu! Não espere que ninguém vá socorrê-lo.
Também não tente recorrer a algum amiguinho rá-
Não existe nobreza em Smokestone. Nenhum
pido no gatilho — fazer isso seria pedir para alguém
cidadão ou forasteiro pode exigir ser tratado por
cometer assassinato. Chame o culpado para um duelo
nenhum título aristocrático, nem esperar obediência
ou simplesmente engula o prejuízo e baixe a cabeça.
de ninguém, exceto um empregado ou coisa assim.
Crianças, velhinhos desamparados, mineradores com
Escravistas costumam “ofender alguém”, ser desafiados
os pulmões em brasa e outros indefesos ficam isentos
para um duelo e acabar cheios de buracos para ven-
tilação. Em Smokestone, a única coisa que diferencia desta regra, mas ninguém nunca compilou uma lista
as pessoas é coragem, honra e rapidez no gatilho. Da de todas as exceções.
mesma forma, não existe nenhum tipo de governo ou
guarda da cidade.
Matar não é assassinato
Não importa se você é uma dama ou um cava-
O que acontece em Smokestone lheiro de Smokestone, um chapéu-preto das planícies
fica em Smokestone ou um forasteiro apalermado, precisa entender a
A cidade não é parte de nenhum tipo de reino ou diferença entre uma morte justa e um assassinato.
nação, nem responde a nenhuma autoridade maior. Alguém aprontou feio com você ou com um de seus
As leis de fora não valem aqui dentro e vice-versa. amigos? Você chama o infeliz para um duelo, olha bem
Não importa se você chega aqui atrás de um bandido nos olhos, saca primeiro e manda ele para o reino
foragido — dentro da cidade, ele não fez nada de errado. dos pés-juntos. Isso é uma morte justa. Assassinato
Se você quiser acertar as contas, arranje seu jeito. é, digamos, quando você atira no mesmo infeliz
pelas costas, sem aviso, não importa o que ele tenha
Em boca fechada feito. Na verdade, matar sem provocação também
não entra bala e assassinato. Matar sem testemunhas também. E
Autoridades do Império de Tauron, agentes do matar alguém que recusa um duelo também. Ninguém
Reinado, paladinos, clérigos de deuses certinhos, nunca escreveu todas as ocasiões em que uma morte
arcanistas enciumados e chatos intrometidos em é justa ou não. Mas, em caso de dúvida, bom senso
geral adorariam saber onde fica Smokestone. Por e execução pública resolvem.

Capítulo Dois
308
Sejamos civilizados falsificado. Afinal, se você é realmente seguro de si,
não precisa temer nada, certo? Nenhum acordo ou
Um bom critério para decidir se uma morte foi
negócio em Smokestone precisa de contratos, rituais,
ou não assassinato é olhar as ferramentas que você
assinaturas ou mesmo testemunhas — basta a palavra.
utilizou para encomendar a alma do desgraçado.
Todas as promessas devem ser cumpridas, mesmo
Foi uma pistola ou um mosquete? Bom começo.
que para isso você precise cavalgar por metade do
Smokestone tem as melhores armas de pólvora (e a
continente e matar uma dúzia de ganchadores. Não
melhor pólvora) do mundo. Não exigem força bruta ou
exija garantias. Não minta, nem presuma que os outros
estudo interminável, só bons reflexos e astúcia. Matar
estão mentindo. Se fizer isso, estará ofendendo sua
alguém com elas é rápido, eficiente, elegante, digno.
honra... E pode esperar um duelo no futuro próximo.
O defunto quase deveria agradecer. Mas e machados,
espadas, arcos, magia, mãos vazias? Coisa de selvagens. Tudo se resolve no barril
Esqueça tudo isso.
Quando tudo o mais dá errado, quando o culpado
A verdade é feita de por um assassinato ou outro crime acaba escapando,
chumbo e coragem quando a vítima é indefesa... Enfim, em situações que
um duelo não resolve, o barril resolve. O “barril” é a
Alguém diz que você é filho de um kobold
punição mais pitoresca de Smokestone. Nela, o acusado
mentecapto bexiguento. Você não cai na provocação,
é capturado pela população e enfiado num enorme
não reage, não faz nada. Afinal, o sujeito é grande
barril cheio de pólvora, que fica pendurado permanen-
feito um minotauro e rápido no gatilho. Ele não pode
temente no centro da Praça do Barril. A tampa é então
matá-lo, porque isso seria assassinato. Mas então pregada e o povo se junta para atirar pedras, praticar
não reclame se todos passarem a chamar seu pai de tiro ao alvo e testar novas armas no barril, até que
kobold mentecapto bexiguento. Afinal, você aceitou! E ele exploda. Às vezes, leva algum inocente consigo,
não, nada de querer tirar satisfações com o magricela mas a vida é assim. A “guarda” de Smokestone é o
baixinho. Isso seria assassinato. Quando você aceita próprio povo. Como não existem leis escritas e nem
um insulto de alguém, deve aceitar de todo mundo. Em autoridade, a decisão sobre o que merece essa justiça
Smokestone a honra é fundamental. Você é respeitado improvisada é tomada pela turba, de acordo com seus
de acordo com seus atos e todos acreditam naquilo que valores de honra, orgulho e cavalheirismo. Se nunca
você os faz acreditar. Sua vida é mais importante que há injustiças? Claro que pode haver. Descubra quem
sua honra? Paciência. Foi assim que o Rob Sapo-Boi foi injusto e o desafie para um duelo!
acabou com esse apelido...
Ladrão de cavalo não é gente
Nós estamos sempre certos Tudo que foi dito até agora sobre ignorar crimes
Cada pessoa aqui tem mais razão, em todos os fora de Smokestone, sobre resolver suas próprias
sentidos, que qualquer pessoa ou criatura de fora. Isso disputas, sobre confiar na palavra alheia... Existe uma
porque, mais uma vez, em Smokestone a honra é exceção para tudo isso: ladrões de cavalos. Alguém
fundamental. Sem um regente ou mesmo um país para culpado (ou mesmo acusado!) de roubar um cavalo
impor condutas, cada um deve se portar com dignidade, não dura cinco minutos em Smokestone, e ainda vai
não aceitar desaforos e exigir comportamento exemplar ter gente brigando pelo privilégio de dar cabo do
de todos os outros. Em Smokestone, todos são damas e desgraçado. Nas planícies, um cavalo é tudo para um
cavalheiros, mesmo cuspindo fumo de mascar, com as viajante. É o melhor amigo, o meio de transporte, a
botas sujas de lama e fedendo por ter cavalgado pelas própria vida. Já houve casos em que durões se viram
planícies por semanas a fio. E damas e cavalheiros são sem água ou comida e tiveram que matar um cavalo
mais respeitados que brutamontes desmiolados que para comer, ficando arrasados por isso para sempre.
usam armas primitivas e deixam que nobres sapateiem Claro, aventureiros vêm com histórias de grifos, tapetes
em suas cabeças o dia inteiro. Em qualquer disputa mágicos, teletransportes ou outras maneiras fantásticas
ou desentendimento entre um local e um forasteiro, o de viajar. Mas nada disso está à disposição do sujeito
local sempre tem razão e o forasteiro sempre está errado. simples que não tem riquezas, estudo arcano ou bênção
dos deuses — justamente o tipo de pessoa que usa
Os durões armas de pólvora para se igualar a quem tem tudo isso.
dormem tranquilos Quem rouba um cavalo está tomando de alguém seu
Parte da honra de Smokestone também envol- maior tesouro, condenando-o a morrer na planície.
ve confiar nos outros cidadãos, mesmo que sejam Matar ladrão de cavalo nunca é assassinato. Porque
bandidos que venderiam a própria mãe por um tibar ladrão de cavalo não é gente!

Além do Reinado
309
Onde cair duro ruas principais. A Rua da Poeira leva diretamente
a uma estrada e ao pórtico onde um recém-chegado
Smokestone cresceu espontaneamente a partir se depara com o letreiro ostentando o nome da
das minas de pedra-de-fumaça. Assim, não há muita cidade e alguns crânios de bois... Na verdade, de
organização ou planejamento, embora de tempos em minotauros que vieram se meter onde não eram cha-
tempos alguém tente colocar ordem nas construções. mados. As caveiras estão lá como aviso aos demais
pretensos enxeridos e conquistadores. Na Rua da
As próprias minas ficam afastadas da cidade Poeira fica a taverna Buraco no Bucho, propriedade
principal, pois os acidentes, desabamentos, ataques de Warrick. O taverneiro é uma das pessoas mais
de monstros e explosões são frequentes. Os arredores ricas e influentes de Smokestone, rivalizando com
da cidade são pontilhados de túneis que levam ao as famílias originais. Warrick, além de cerveja e
subterrâneo, de onde entram e saem dezenas de hidromel, vende proteção, informações e “solução de
trabalhadores todos os dias. As maiores minas são problemas” em geral. Caso você tenha um inimigo
de propriedade das famílias originais, mas existem mas não queira duelar, Warrick pode garantir que
várias outras descobertas e operadas por alquimistas seu desafeto seja desafiado por alguém, pelo preço
ambiciosos, ricaços recém-chegados e tipos malucos certo. Aqui também se localiza o açougue de Wu
em geral. Quase todas as minas contratam durões Nau, um tipo esquisito que se diz refugiado de
e aventureiros para “limpar” túneis infestados por
Tamu-ra, mas que fala um idioma que ninguém
criaturas bizarras, principalmente variações flamejantes
nunca escutou. Dizem que Wu Nau é um lefou, ou
e explosivas de monstros subterrâneos... e demônios.
mesmo um agente da Tormenta disfarçado. Seja
Este é um dos poucos serviços em que aventureiros
como for, também cria porcos — e seus animais são
que não usam pólvora são mais valorizados, já que
bons em devorar cadáveres inconvenientes e pessoas
causam menor risco de explosão.
que precisam desaparecer sem deixar rastro. Nesta
O que se pode chamar de “centro” rua também ficam os cassinos, hospedarias e outros
da cidade é a Praça do Barril (palco comércios com pouca propensão a explodir.
das execuções públicas), onde se
A Rua da Fumaça, outra principal via de
cruzam as duas
Smokestone, leva à maior concentra-
ção de minas. Aqui se locali-
zam as oficinas de armeiros
e laboratórios de alqui-
mistas. Obviamente, os
armeiros se dedicam qua-
se só a armas de pólvora
e os alquimistas passam o
dia fabricando pólvora. A pas-
sagem é totalmente tomada
por barracas improvisadas
de alquimistas de rua,
que fazem pólvora rápida,
barata e duvidosa. Poucos
cidadãos de Smokestone se
arriscam com esses mascates, mas forasteiros
podem cair em sua lábia. Os maiores comér-
cios são a Oficina da Fumaça, operada pelo
anão Thungamm Beiço-de-Ferro, onde são
vendidas as melhores armas da cidade, e o
boticário Mestre Raldo, um hynne muito ve-
lho e rabugento que fabrica pólvora excelente,
mas insulta e expulsa todos os clientes que tentam
comprá-la. Sua assistente, a elfa Ullana, é mais
sociável, mas Raldo a demite quase todos os dias
por alguma desavença. A Armeria Verde do goblin
Rezin fabrica armas que custam a metade do preço
e funcionam a metade das vezes, enquanto que a

Capítulo Dois
310
funerária de Lutien, o papa-defunto coloca um elfa Tlazinna. Gruth duelou com o próprio pai pelo
paletó de madeira nas vítimas de toda essa confusão. direito de casar com a moça e o matou. Os Krowley
Lutien é um elfo (e, dizem, um vampiro) sinistro, receberam um grande grupo de elfos em suas terras
acusado de vender cadáveres para serem reanimados e hoje em dia causam ainda mais espanto por exibir
e trabalhar nas minas... vários bebês parte humanos, parte orcs, parte elfos!
Como tudo em Smokestone, isso está cercado pelo
Galeria de Cafajestes boato de que um ritual profano possibilitou esses
nascimentos. Alguns dizem que todas as crianças
Os Harringer ainda são a família mais importan- têm pequenos traços de carapaça vermelha.
te da cidade. O patriarca atual é Lyman Harringer,
que dizem não honrar o nome de seus ancestrais: Smokestone, é claro, também está cheia de pis-
empolado e covarde, segundo alguns gostaria de ser toleiros. Entre eles: Zach Hullden, ex-soldado do
prefeito, barão ou outra coisa do tipo. Mesmo assim, Exército do Reinado, hoje bandido. Tillipeg Tettel-
é um negociante habilidoso e aumentou muito a baum, o almofadinha de Valkaria, que parece um
riqueza do clã. Lyman vive com medo de seu irmão, poltrão mas é rápido no gatilho e já matou mais de
Descott Harringer. Os dois tiveram uma briga vinte. Garth, o Vaqueiro do Inferno — alguns dizem
anos atrás e Descott saiu da cidade com apenas seu que não pode morrer com um tiro; outros dizem que
cavalo e suas pistolas, prometendo um dia voltar é o Deus Menor da Pólvora. Sir Custer, ex-cavaleiro
para tomar o que “é seu por direito”. Provavelmente da Ordem da Luz, que usa lança, armadura e pisto-
estava falando das minas, mas já se especulou que las. Billy-Bob, o Não-Canhoto, que atira com a mão
existe outra coisa por trás. De qualquer forma, trocada, apenas para ter um pouco mais de desafio
vários “trabalhadores” dos Harringer hoje em dia em seus duelos. Polly Coiote, uma mulher criada
não parecem chegar nem perto das minas, mas ficam por bichos selvagens nos ermos, que mal sabe falar,
em volta de Lyman empunhando mosquetes... mas atira como ninguém. Asiman, um kliren que
foi escravizado pelos minotauros e conquistou sua
Os McMullard são os maiores rivais dos Harrin- liberdade aprendendo a juntar pistolas e magia ar-
ger em termos de negócios. O curioso é que, embora cana. Doutor Dillon, um médico renegado de Salis-
sua mina produza mais que qualquer outra, eles tick, que usa sua pistola com precisão cirúrgica —
empregam só um punhado de trabalhadores. Dizem e, quando leva tiro, faz cirurgia em si mesmo. Colt
que o patriarca da família é um necromante, usa “Réquiem”, um bardo sem igual, que compõe uma
zumbis e esqueletos como mão de obra — e esse é o nova música para homenagear cada um que mata.
boato mais suave. Também dizem que o patriarca é o Ginglitch, o goblin albino, um imigrante de Lam-
mesmo desde que a família chegou a Smokestone, há nor que diz ser mais rápido que suas próprias ba-
quase duzentos anos. O velho seria uma múmia, lich las. Tom Mulligan, especialista em atirar montado
ou outro morto-vivo. O pior de todos os rumores é em seu cavalo, Gatilho. Os Irmãos Reny, uma qua-
que seus empregados não são pessoas, nem zumbis, drilha familiar de assaltantes de caravanas, liderada
mas criaturas do Reino de Sszzaas, e que a família é por sua mãe Ermengarde. Jack Banguela, um ve-
devota do Deus da Traição. lho tagarela que arrancou um dente para cada duelo
Os Krowley, a terceira família original da cidade, que venceu, substituindo-o por um dente feito com
eram um clã de meios-orcs, o que por si só já atraía o aço da pistola derretida da vítima (agora dono de
atenção. Mas tudo ficou ainda mais um sorriso inteiramente metálico).
curioso quando o atual chefe Além disso, há muitas figuras lendárias em
da família, Gruth Krowley, Smokestone. Dizem que, alguns anos atrás, um clé-
se apaixonou pela refugiada rigo orc conhecido apenas como Senhor Porrada pas-
sou por aqui e levou embora uma arma amaldiçoa-
da, um mosquete de repetição giratório criado
por demônios, chamado Artefa-
to de Cross. Mas, é claro,
isso não pode passar de
história de pistoleiros
bêbados...

Além do Reinado
311
Ruínas de
Tyrondir
A A Família Wynallan
ntigamente conhecido como “o Reino da
Fronteira”, Tyrondir tinha uma história
Como o primeiro território desbravado pela cara-
cheia de orgulho... e pouco do que se
vana de refugiados após a Grande Batalha, Tyrondir
orgulhar no presente. Ostentando a
era o ponto mais conhecido de Arton quando os
posição de primeira linha de defesa do Reinado
colonos se assentaram aos pés da estátua de Valkaria.
contra Lamnor, esta terra nunca havia sido Aqui também houve os primeiros contatos entre os
testada — e falhou no primeiro e único teste. exilados e os povos nativos do norte. Os lamnorianos
Outrora um país cheio de tradições, Tyrondir se haviam crescido ouvindo histórias sobre os “bárbaros
transformou numa ruína mortal com a queda da Flecha e monstros” que espreitavam no novo continente.
de Fogo. Hoje é um vasto território pouco mapeado, Também haviam acabado de passar por Khalifor, tendo
pontilhado por comunidades de sobreviventes, asso- testemunhado o poderio da cidade-fortaleza que existia
lado por saqueadores e impregnado pelo sangue letal para defender o sul contra essas “ameaças”. Assim,
de um deus morto. Explorar as Ruínas de Tyrondir é não é surpresa que os primeiros contatos entre povos
desafiar uma terra depois do fim do mundo. do sul e do norte tenham sido com armas em punho.

Capítulo Dois
312
Naqueles primeiros anos depois da Grande Ba-
talha, a Caravana dos Exilados estava amedrontada
O Velho Bolor
e humilhada, mas também unida. Todas as famílias Ao longo dos séculos, os Wynallan pouco fizeram
nobres que haviam governado os reinos derrotados para limpar seu nome. Concentrando quase todos
ainda estavam presentes e os colonos ainda não se- os seus esforços no norte do reino e ignorando o
guiam as visões místicas de Roramar Pruss. Por sul, a nobreza garantiu que Tyrondir não fosse capaz
de se sustentar sozinho, dependendo do auxílio de
isso, os lamnorianos ainda não sabiam que seu pro-
Deheon. As poucas comunidades estabelecidas perto da
pósito no norte era a redenção. Seguindo as mesmas
Cordilheira de Kanter se formaram espontaneamente,
pessoas que os haviam liderado desde sempre, luta-
a partir dos esforços de plebeus, ou foram erguidas
ram contra os nativos que encontraram — e, com a
como afronta a Khalifor. Por algum tempo, pareceu que
força dos números, venceram. Na verdade, varreram
haveria conflito aberto entre o reino e a cidade-forta-
quase completamente os habitantes do que viria a
leza, mas a intervenção da então sumo-sacerdotisa de
se tornar Tyrondir.
Marah impediu o derramamento de sangue. O grande
Um dos principais arquitetos dessa sanguinolên- orgulho nacional foi ter evitado a guerra e reconhecido
cia foi o Rei Wynallan I, do antigo reino de Cobar. Em a soberania de Khalifor — ou seja, continuar sem fazer
seu entendimento, os colonos já haviam conquistado nada quando “não fazer nada” era a escolha certa.
seu novo lar. Bastaria fixar raízes ali, fortalecer-se Os jovens saíam do reino assim que podiam, a
através dos anos e mais tarde atacar Khalifor, para não ser que fossem vidreiros residentes na capital,
então invadir Lamnor mais uma vez. Essa mentalidade Cosamhir. A única indústria de destaque em Tyrondir,
indolente e agressiva, pouco afeita à exploração, viria a vidraria representava uma das poucas chances de
a perdurar na linhagem real até ela ser interrompida ascensão. Permanecer no reino passou a ser consi-
séculos depois. Mas os exilados, até mesmo a maioria derado “desperdiçar a vida”.
dos nobres, notava que isso parecia errado. Começava
Isso perdurou até o último rei de Tyrondir: Balek
a surgir a ideia de que eles estavam em Arton por
III, que muitos cidadãos chamavam de “Balek, o
uma razão maior.
Bolor” ou apenas “Velho Bolor”. Acomodado em
Wynallan I não ficou satisfeito, nem se sentiu sua vida de luxo na capital, Balek mantinha a pompa
inspirado, quando o menino Roramar teve sua visão e o rancor de seus antepassados. Via-se como um
da estátua de Valkaria e a caravana o seguiu. Mas, dos últimos remanescentes da “verdadeira nobreza”
esperto, manteve seu ressentimento em segredo. vinda de Lamnor. Considerava Khalifor e todos os
Seus descendentes cultivaram a mesma mentalidade. habitantes do continente sul como inimigos. Assim,
Quando enfim a peregrinação terminou e os reinos não deu ouvidos aos relatos sobre um enorme exér-
do norte começaram a se formar, a família (agora cito goblinoide se erguendo em Lamnor. Quando
trazendo o nome do patriarca como sobrenome) Khalifor pediu ajuda formalmente, Balek recusou com
requisitou a Wortar I o direito às primeiras terras justificativas educadas, mas transparentes. A nobreza
que os colonos haviam atravessado. No discurso, os e o exército do reino seguiram o exemplo do rei. A
Wynallan afirmavam querer proteger as novas nações existência da Aliança Negra era motivo de piadas
contra a sanha de seus antigos inimigos. Na realidade, na corte e canções jocosas nas tavernas.
sabiam que aquela região já era mapeada e estava Quando Khalifor caiu, Balek III finalmente levou
desabitada, todos os grandes desafios já tinham sido a ameaça a sério. Mas, em vez de fazer jus à fama
vencidos. Continuando a exercer o menor esforço de “protetor do norte” que o reino sempre tivera,
possível, esses nobres fundaram sua capital bem sua solução foi implorar pela ajuda do Exército do
perto de Deheon (negando qualquer fingimento de Reinado, retirar quaisquer tropas da parte sul de
que se ofereciam para vigiar o sul) e batizaram seu Tyrondir, concentrar seu poder em Cosamhir e nas
novo reino de Tyrondir. cidades mais perto de Deheon e aumentar os impostos.
Embora ninguém tenha certeza sobre a origem O povo da metade sul de Tyrondir se viu cada vez mais
do nome, corre a anedota de que o primeiro rei do ignorado, deixado à própria sorte. E, enquanto a coroa
novo país teria declarado que sua terra se chamaria os desprezava, Thwor Ironfist os visitava.
Cobar, assim como o reino que eles haviam governado. Ao longo de dez anos, a Aliança Negra mostrou
Quando Wortar I proibiu isso, o nobre teria feito birra aos plebeus humanos que tinham mais em comum
como uma criança, gritando que então o reino seria com goblinoides do que com nobres de sua própria
batizado com o nome da cozinheira do castelo. E teria raça. A dissidência se espalhou e, sem que a capital
ficado perplexo quando Wortar aceitou... desconfiasse, os dias do Velho Bolor estavam contados.

Além do Reinado
313
Destruição O Lodo Negro
Em Lamnor, a Flecha de Fogo havia sido revelada: Um fenômeno que marcou a época logo antes da
a arma que seria capaz de matar Thwor Ironfist era queda da Flecha foi o lodo negro: em vários pontos de
um cometa que cairia sobre o continente. Na tentativa Tyrondir, uma chama negra ardia, então um líquido
de salvar seu povo, o general bugbear entrou em viscoso brotava do chão. Todos que tocavam no
Tyrondir e pediu asilo a Balek III. No entanto, o rei líquido morriam, seus corpos se ressecando e se
rejeitou o pedido e a Aliança Negra invadiu. Enquanto esfacelando em questão de minutos. Mais tarde,
a Flecha de Fogo se aproximava no céu, os goblinoides descobriu-se que o lodo negro era a essência de
conquistaram Tyrondir, empurrando as forças do reino Ragnar, o antigo Deus da Morte, impregnando o
cada vez mais para o norte. mundo físico. Quando Ragnar morreu, o lodo negro
Era uma época de múltiplas crises no Reina- se tornou muito mais comum, espalhando-se em
do — a Rainha-Imperatriz estava desaparecida e a grandes extensões e emergindo do solo. Segundo
Guerra Artoniana rugia em Deheon. Assim, o poderio alguns, agora é o próprio sangue do deus.
goblinoide forçou Tyrondir e vários outros reinos a O lodo negro pode brotar em qualquer lugar. Em
tentar um acordo. As lideranças da Aliança Negra algumas partes das Ruínas, há pântanos feitos da subs-
foram recebidas no Palácio Real em Cosamhir, mas tância. Viajantes sem meios mágicos precisam pagar
um mal-entendido transformou as tratativas de paz barqueiros para atravessar, confiando que não sejam
em uma batalha generalizada. cultistas de Ragnar dispostos a sacrificá-los a seu deus
Enquanto o caos acontecia na terra, a Flecha morto. Às vezes o lodo negro emerge do chão sem
de Fogo se despedaçou no céu. Em vez de atingir aviso, escorre pelas fendas em uma encosta ou surge
Lamnor, seus enormes fragmentos incandescentes no fundo de um rio, lago ou poço. Existem aldeias
choveram sobre Tyrondir, devastando o reino — quei- que cultuam fontes de lodo negro que apareceram
mando florestas, destruindo montanhas e matando na praça central e mais de um aventureiro já morreu
a maioria da população. Um dos maiores atingiu sozinho no fundo de uma masmorra quando o lodo
Cosamhir, reduzindo a cidade a escombros. Quando negro começou a pingar do teto. Para exploradores na
a saraivada de rocha e fogo cessou, uma enorme Terra depois do Fim, a morte pode vir subitamente,
nuvem de poeira pairou sobre o reino, espalhando na forma da última dádiva do deus morto.
mais morte com o frio e a fome. Aos poucos, o céu
se tornou visível de novo, revelando uma paisagem Cratera de Thwor
de desespero. Nos escombros da antiga capital Cosamhir fica o
A queda da Flecha de Fogo marcou a morte do ponto exato onde um fragmento da Flecha de Fogo
último rei de Tyrondir — mas quase ninguém lembra atingiu Thwor e a forma física de Ragnar, que se en-
disso, pois gerou eventos muito mais importantes. frentavam numa luta aguerrida. O bólido desintegrou
Com a Flecha, Tyrondir acabou. Agora o que existe é ambos, abrindo uma enorme cratera e despedaçando
a Terra depois do Fim. o Palácio Real. Mas houve outro efeito. Assim que
conseguiram se recuperar, os sobreviventes enten-
deram que ali ocorrera algo transcendental: Thwor
Geografia atraíra Ragnar para uma armadilha e o destruíra.

da Devastação Um mortal havia triunfado sobre o Deus da Morte.


Naquele momento, humanos e goblinoides se uniram
Ninguém ainda foi capaz de explorar as Ruínas de em comemoração e louvor por talvez a maior façanha
Tyrondir por completo. Toda a extensão do antigo reino que um artoniano já conseguiu realizar.
é um ermo pedregoso e traiçoeiro, onde pequenas co- A Cratera de Thwor se tornou o maior sítio
munidades insulares fazem de tudo para sobreviver — sagrado do culto ao Deus dos Goblinoides. A reli-
muitas vezes catando detritos, cultuando falsos deuses gião ainda não está organizada e não há um templo
e servindo a bandidos que se denominam senhores da central — talvez não haja templo algum! Assim, a
guerra. Deslizamentos, erupções de lava e terremotos Cratera funciona como local de adoração e ponto de
súbitos são apenas alguns dos perigos que aguardam encontro para os devotos. Muitos clérigos de Thwor
aventureiros ousados o bastante para enfrentar este podem ser vistos pregando nas imediações, recitando
lugar. E, em meio a isso, vagam ocasionais exércitos dogmas contraditórios e às vezes lutando entre si. Os
duyshidakk que tentam alcançar o Reinado e realizar fiéis fazem oferendas na forma de tesouros, armas,
o sonho de seu líder ascendido. iguarias ou até mesmo prisioneiros sacrificados.

Capítulo Dois
314
O fundo da Cratera está tomado por objetos, Isso não mudou depois da Flecha de Fogo. Molok
cadáveres e escombros, mas existem boatos de que, por foi pouco atingida, embora as florestas e planícies ao re-
baixo dessas camadas de detritos, há algo maravilhoso: dor tenham queimado. Um córrego letal de lodo negro
os restos mortais de Ragnar, o machado de Thwor, o flui perto da cidade, mas a população de aventureiros
último pedaço da Flecha de Fogo ou até mesmo uma sobreviveu. E, como quase todos os aventureiros de
passagem para o até agora desconhecido Reino de Arton, não deixou para trás a vida de perigos. Explo-
Thwor. Alguns arriscam descer para comprovar, mas radores da Terra depois do Fim podem encontrar um
a descida é tão traiçoeira quanto uma escalada nas local de repouso e uma fonte de suprimentos aqui,
montanhas mais escarpadas e, por alguma razão, a mas não como nos tempos antigos. Os comerciantes
magia não funciona bem aqui. Muitos afirmam que de Molok vendem restos, equipamento saqueado de
moribundos deixados dentro da Cratera são curados mortos, lixo e bugigangas a preços exorbitantes. Um
ou mesmo que este lugar pode ressuscitar os mortos! quarto na taverna é mais do que um aventureiro médio
Mas também há avisos de que o lodo negro impregna as pode pagar e uma tigela de cozido de rato custa o
paredes da Cratera — afinal, os escombros de Cosamhir mesmo que uma armadura!
são uma das maiores concentrações da substância.
Muitos sobreviventes vêm a Molok em busca de
heróis para defendê-los de saqueadores. Um dos maio-
Molok res responsáveis por recrutar aventureiros é o guerreiro
Outrora uma aldeia desimportante, Molok se Enrico Del Marco. Último sobrevivente de um ataque
tornou a última “cidade da fronteira”, depois da queda goblinoide antes da queda da Flecha, ele está sempre
de Khalifor, um entreposto fortificado de onde partiam em busca de combatentes que o acompanhem em uma
aventureiros. Paliçadas foram erguidas, inúmeras lojas jornada de vingança… ou morte. Além disso, muitos
de equipamentos foram abertas, mercenários e explo- aventureiros trazem itens recuperados em escombros
radores vieram de todo o continente. Talvez Molok ou tomados de inimigos para serem vendidos pelos
não fosse a muralha do norte como sua antecessora, comerciantes. É o mais próximo de uma metrópole
mas foi o ponto de partida de centenas de aventuras. que restou depois da queda da Flecha.

Além do Reinado
315
Molok não tem um governo, apenas um conselho conseguem discordar de ninguém, desobedecer a
extraoficial dos mais ricos (ou menos pobres) comer- nenhuma ordem. E há muitos vilões aproveitadores
ciantes e taverneiros, além de aventureiros residentes. nas Ruínas de Tyrondir...
Também não há guarda, mas existe uma lei seguida
à risca: nenhum goblinoide cruza os portões. Não
importa que faça parte de um grupo de aventureiros ou
Sternachten
Antes da queda da Flecha de Fogo, Thyatis era
diga que é bem-intencionado, qualquer membro dessas
um deus muito cultuado em Tyrondir. Ninguém sabe
raças é considerado um monstro que deve ser caçado.
a causa disso, mas essa predileção levou à formação
de uma ordem de clérigos do Deus da Ressurreição
Grimmere e da Profecia — os astrólogos. Contudo, a ciência da
Esta cidade começou como um forte, mas sua fun- astrologia só foi solidificada por Lorde Niebling, o
ção militar acabou quando aqui veio a morrer Gillian Único Gnomo de Arton, um visitante de outro mundo,
Cloudheart, então sumo-sacerdotisa de Marah, a Deu- cheio de ideias inusitadas e tecnologia esquisita.
sa da Paz. Depois que a clériga foi enterrada, uma aura Niebling projetou e construiu as máquinas sagradas
de paz absoluta tomou este lugar. Desde então, ne- que dariam a Sternachten seu epíteto: os telescópios.
nhum ato, nenhum gesto, nenhum pensamento agres- Com cinco grandes sumo-telescópios, cada um sobre
sivo ocorre em Grimmere. Aqui todos são tranquilos, uma das colinas que a formava, Sternachten passou a
conformados, prestativos. Aqui ninguém discorda de ser conhecida como “a Cidade dos Observatórios”.
nada. Aqui todos são felizes. Infelizmente, toda essa riqueza foi destruída
Como em Grimmere impera a paz absoluta, a mesmo antes da queda da Flecha de Fogo, quando
população é totalmente passiva. Não dizem “não”, vilões queimaram a cidade, danificaram os telescó-
com medo de ferir os sentimentos alheios. Permitem pios e mataram a população. Contudo, Sternachten
tudo, aceitam tudo, perdoam tudo. Não possuem foi poupada da própria Flecha — nenhum grande
agressividade suficiente para contrariar nenhuma fragmento caiu nas imediações e os telescópios ainda
ordem — o que geralmente não é um problema, pois podem ser consertados.
nenhuma ordem agressiva pode ser dada. Mas isso O próprio Lorde Niebling parece ter tomado para
causou uma tragédia horrenda quando a forma física de si essa tarefa, pois vem residindo aqui (quando con-
Ragnar entrou na cidade e pediu para que os cidadãos segue ficar parado) nos últimos anos. Sternachten se
fizessem um ritual em seu nome. Incapazes de dizer tornou um ponto de peregrinação de cientistas e clé-
não, eles concordaram. Assim invocaram sobre si rigos de Thyatis, a suprema provação do deus para
mesmos o lodo negro. quem deseja ver o futuro.
Entre os poucos sobreviventes do massacre está Reerguer e praticar essa ciência é caríssimo.
Demilke, uma clériga de Marah já idosa. Demilke Assim, os sacerdotes estão procurando patrocínio de
consegue notar o que há de errado na paz de Grimmere, nobres ou heróis. Também contratam aventureiros
mas não tem agressividade suficiente para questionar. para escoltá-los ou conseguir materiais raros para as
Também o fabricante de golens Austerion Victtus, delicadas peças dos sumos-telescópios. Curiosamente,
responsável pela criação de Ignis Crae, um golem mesmo nessa fase de reconstrução os astrólogos já
paladino de Thyatis. Alguns sussurram que Austerion começam a se dividir em facções que competem entre
seria o único capaz de agressividade em Grimmere, si, como foi no passado. Cada colina de Sternachten
já que a fabricação de Ignis tem algo a ver com a possui um observatório cujos clérigos tentam ser mais
punição de Marah pela atrocidade que ela permitiu rápidos e melhores ao restaurá-lo: o Observatório da
que acontecesse. Visão do Fogo, o Observatório da Pena em Chamas,
Alguns dizem que Marah é mesmo culpada pelo o Observatório da Ave Profeta, o Observatório da
que houve aqui. Outros especulam que exista uma Segunda Flama e o Observatório da Fênix Renascida
explicação maior por trás de tudo — talvez a Deusa (antes chamado de “Observatório da Flecha de Fogo”).
da Paz tenha sido enganada pelo Deus da Morte? E Tanta dedicação à ciência não ficaria impune nas
existem hereges que afirmam que a tragédia foi culpa Ruínas de Tyrondir — Sternachten é alvo constante
do próprio Thyatis, que escreveu a profecia da Flecha de saqueadores. Suas únicas defesas são grupos de
de Fogo de forma a exigir o massacre. Seja como for, aventureiros e ocasionais duyshidakk aliados de Nie-
Grimmere resistiu à queda da Flecha e já está recebendo bling. Vários devotos de Tanna-Toh têm vindo para cá,
um influxo de sobreviventes que finalmente encontram na crença de que defender uma ciência única, mesmo
aqui um santuário. Mas, uma vez em Grimmere, não dedicada a outro deus, é uma missão valorosa.

Capítulo Dois
316
Ilustração

Catacumbas de
Leverick
H
yninn é mais conhecido como o Deus dos abrigavam monstros. Mas, com a importância cósmica
Ladrões. Mas, assim como os demais agora elevada de trapaças, furtividade e armadilhas,
deuses maiores, tem outras alcunhas, surgiram espaços que se comportavam de maneira
outras facetas. O Deus da Trapaça. O diferente do mundo normal. Lugares que pareciam ser
Deus dos Hynne. O Deus das Travessuras. O feitos para desafiar aventureiros, onde as leis naturais
Deus das Armadilhas. Como a divindade mais não funcionavam da mesma forma.
astuta e matreira do Panteão, Hyninn conseguiu A ascensão de Hyninn marcou o surgimento do
seu posto quando a oportunidade se apresentou espaço de masmorra.
e outro deus maior caiu.
Quando Hyninn assumiu seu lugar entre as Lendas & Labirintos
vinte divindades maiores após a Revolta dos Três, O espaço de masmorra é um fenômeno que aconte-
algo mudou fundamentalmente em Arton. Sempre ce espontaneamente em complexos ligados por túneis,
houvera labirintos, ruínas, complexos de cavernas em geral escuros e contendo perigos. A mudança mais
e fortalezas abandonadas que escondiam tesouros e óbvia é que a estrutura passa a atrair monstros que,

Além do Reinado
317
sem nenhuma razão aparente, decidem fazer dela O penúltimo sumo-sacerdote do Deus dos Ladrões
seu covil. Mesmo que não haja comida abundante, era um humano chamado Severus, líder de uma guil-
as criaturas permanecem lá, sobrevivendo de uma da de ladrões na cidade de Triunphus. Triunphus é
dieta de exploradores incautos. Mais do que isso, os acometida pela bênção-maldição de Thyatis: aqueles
monstros em um espaço de masmorra convivem de que morrem em seu interior são ressuscitados, mas
forma estranhamente harmoniosa. Uma aranha gigante nunca mais podem deixar suas muralhas. Era o caso de
pode passar anos ignorando um ganchador na sala ao Severus. Ele reinava entre os malandros de Triunphus,
lado, mas atacar aventureiros num piscar de olhos. mas não podia sair de lá.
Olhos, aliás, que também se comportam de ma- Um sumo-sacerdote do Deus dos Ladrões preso?
neira diferente. Nenhum intruso é capaz de enxergar Isso nunca poderia durar. Quem pôs fim à supremacia
no escuro ou usar outros métodos de percepção às de Severus foi um hynne.
cegas num espaço de masmorra. Até mesmo heróis Filho de mãe artesã e pai com pretensões de in-
poderosos precisam se preocupar com tochas, lampiões ventor, Rodleck Leverick nasceu e cresceu no antigo
e outras fontes de luz. Magias também são afetadas — é reino de Hongari. Ao contrário da maioria dos hynne,
impossível usar feitiços de vidência ou teletransporte era magro e esguio, com longos cabelos castanhos,
para se esquivar da masmorra. Não se pode espiar na nariz adunco e sobrancelhas arqueadas.
próxima sala, não se pode entrar ou sair sem realmente
percorrer as distâncias. Sons retumbam mais, atraindo Rodleck era atraído por enigmas e jogos. A curiosi-
a atenção de criaturas. Aventureiros relatam outras dade se transformou em ofício e ele começou a elaborar
dificuldades, como maior cansaço, necessidade de seus próprios quebra-cabeças, um mais complexo
mais equipamentos e até mesmo mais fome e sede. que o outro. Levava-os à taverna local e desafiava os
frequentadores a solucioná-los, o que nunca acontecia.
Por fim, as armadilhas. Todo espaço de masmorra Rodleck divertia-se com a sensação de superioridade.
tem armadilhas — desde áreas do piso que desmoro- Era o hynne mais esperto da colina.
nam sob os pés de exploradores (mas não de monstros)
até mecanismos complicados que resistem à passagem Mas e se pudesse ser mais? E se fosse o hynne
do tempo e se reativam após serem desarmados. Para mais esperto do reino? O mais esperto do Reinado?
compensar tudo isso, o espaço de masmorra esconde Ou, ainda, mais esperto que os humanos, anões,
tesouros. Mesmo quando não há sentido lógico, minotauros e outros?
exploradores relatam encontrar grandes quantidades Com essa meta, Rodleck juntou suas coisas e foi
de ouro e até mesmo itens mágicos. se estabelecer na cidade humana de Vollendann, onde
Em outras palavras, o espaço de masmorra é um retomou seus desafios, com igual sucesso. Mesmo ali,
lugar regido pelos pontos fortes de Hyninn, um tipo entre os humanos, ninguém podia solucionar seus
de desafio que pode ser vencido pela e esperteza e enigmas. Ou quase ninguém.
furtividade. Oferece recompensas voltadas ao lucro, à Certo dia, Rodleck notou um homem que obser-
ganância. Uma área onde quem brilha são os ladrões. vava o espetáculo com olhar cínico. Suspeitando que
Enquanto Valkaria é a divindade que incentiva pudesse ser um espertinho a provocá-lo, apresentou-lhe
o desbravamento de masmorras, Hyninn incentiva um quebra-cabeça, esperando ver seu fracasso. Para sua
sua construção, aperfeiçoamento e preservação. E, surpresa, o humano cumpriu a tarefa rapidamente e
enquanto Valkaria deseja que seus devotos sejam sem esforço, saindo ainda com um sorriso matreiro. Ini-
heróis, Hyninn dita que sejam astutos e pragmáticos ciou-se assim a batalha dos quebra-cabeças, que durou
— entrando nos labirintos, evitando monstros sempre semanas. Rodleck trazia novos enigmas, aperfeiçoava
que puderem, detectando armadilhas e saindo com o suas obras — mas o estranho vencia com facilidade.
máximo de tesouro antes que seja tarde demais. O hynne descobriu, então, que seu adversário era
Hilben Calatori, clérigo de Hyninn. Fascinado, pediu
Ladrão que para ser conduzido nos caminhos do sacerdócio e
iniciou seu treinamento. Tempos depois, já ordenado
Rouba Ladrão clérigo, vingou-se de seu mentor. Presenteou-lhe com
O fenômeno do espaço de masmorra é pouquís- um quebra-cabeça em forma de cubo, cada face dividida
simo estudado e em grande parte desconhecido — no em seções com símbolos diferentes. As seções deveriam
máximo um punhado de aventureiros sequer já ouviu ser giradas e manipuladas para que cada face ficasse
o termo. Assim, não é de se estranhar que os sumo- unificada com seus próprios símbolos. Quando Hilben
-sacerdotes de Hyninn tenham sempre ignorado essa enfim venceu o desafio, o cubo eclodiu em lâminas. O
faceta de sua divindade. clérigo perdeu todos os dedos e Rodleck riu por último.

Capítulo Dois
318
A fama do engenhoso hynne logo chegou a Lorde Quando ele se recuperou do choque, o bobo não
Filthen, um nobre entediado, que sonhava construir estava mais lá. Rodleck Leverick sentiu a bênção de
a masmorra mais mortal de Arton. Rodleck foi secre- Hyninn sobre ele como nunca antes. Era o sumo-sa-
tamente convidado a projetar um enorme complexo, cerdote do Deus das Armadilhas.
repleto de armadilhas em suas câmaras e corredores.
E as Catacumbas de Leverick tinham se expandido.
Dois anos depois, ao concluir sua obra, Rodleck enganou
e matou seu empregador. Tomou o controle do labirinto,
que batizou de Catacumbas de Leverick, e passou a A Masmorra da Morte
atrair aventureiros para a masmorra, divertindo-se com Mesmo antes que Rodleck ascendesse a sumo-sa-
suas mortes e tomando seus tesouros. cerdote de Hyninn, as Catacumbas eram um desafio
Mas as Catacumbas ainda eram apenas uma mortal, um emaranhado de passagens capaz de deixar
masmorra. Rodleck ainda era apenas um clérigo. tonto o mais experiente explorador. Seus corredores
escondiam minúsculos buracos que expeliam gases
Ele desejava mais. Rumou disfarçado a Triunphus,
venenosos, disparavam setas ou jorravam ácido. Suas
onde plantou o boato de que possuía um item capaz
salas giravam sutilmente, rearranjando-se para frustrar
de vencer a bênção-maldição — o Anel da Liberta-
tentativas de mapeamento. Compartimentos secretos
ção. Mas só iria negociá-lo com o líder da guilda de
abrigavam monstros que eram libertados quando
ladrões. Um tal Severus.
paredes se abriam subitamente.
O plano deu resultado. Rodleck foi levado à
No centro de tudo havia uma sala com várias bolas
presença do sumo-sacerdote de Hyninn. Os dois
de cristal, por onde era possível observar vários pontos
firmaram um acordo: em troca do anel, Severus tomaria
da estrutura. Uma miríade de alavancas, manivelas e
o hynne como discípulo e segundo em comando. O
botões acionava armadilhas, trancava portas e contro-
sumo-sacerdote não era um tolo. Para garantir que
lava o desafio. Era a sala do Mestre da Masmorra.
Rodleck falava a verdade, iria testar o anel em sua
presença. Severus colocou o anel no dedo (depois Mas nada podia se comparar ao que o complexo
de ter garantido que não era amaldiçoado) e os dois se tornou depois da ascensão de Rodleck.
marcharam rumo à saída de Triunphus, escoltados Hyninn transportou as Catacumbas de Leverick
por dezenas de capangas da guilda de ladrões. Caso para seu próprio Reino, mas manteve a masmorra
Severus sentisse qualquer desconforto ao pisar fora em contato com o mundo físico, além de multiplicar
da cidade, o hynne seria sumariamente executado. suas passagens e cômodos. Sendo uma estrutura
Ao sair da cidade, Severus foi tomado por dores parcialmente planar, qualquer caverna, calabouço ou
horríveis. Olhando para os lados, viu seu exército de passagem secreta em Arton pode levar a um corredor
capangas puxando bestas e adagas. que se liga às Catacumbas de Leverick, fazendo com
E atacando seu antigo mestre. que aventureiros ou vítimas infelizes se percam em
seus meandros infindáveis. Mais do que isso, Rodleck
Rodleck Leverick, incrivelmente rico após tomar
adquiriu uma poderosa ligação com sua obra-prima.
as riquezas de Lorde Filthen e passar anos saqueando
Embora ainda habite a sala do Mestre da Masmorra,
os tesouros de aventureiros em sua masmorra, havia
é capaz de sentir o que existe em cada um de seus
subornado a guilda de ladrões, que agora era sua. A
corredores e pode até mesmo rearranjar as estruturas
traição marcou a morte de Severus e a trapaça supre-
físicas do labirinto periodicamente.
ma de Rodleck até então. A maior ironia (e maior
crueldade) era que o Anel da Libertação realmente era Contudo, permanecendo verdadeira aos preceitos
um item mágico poderosíssimo, capaz de trazer seu de Hyninn, a masmorra não é aleatória, etérea ou sem
usuário de volta à vida infinitamente. Assim, Rodleck sentido. Todas as estruturas existem fisicamente e
tirou Severus de Triunphus e prendeu-o em suas seguem sua própria lógica interna. Armadilhas podem
Catacumbas, onde ele está condenado a eternamente ser desarmadas, sombras servem para se esconder,
morrer e ressuscitar. Pois Severus é uma das principais portas podem ser destrancadas ou usadas para escutar
cobaias para as novas armadilhas do hynne... o que há na sala do outro lado. É possível (ainda que
muito difícil) mapear partes das Catacumbas. Fazendo
Quando voltou a suas Catacumbas, Rodleck en-
controu um homem sentado em seu trono. Um tipo silêncio, é possível evitar seus habitantes monstruosos.
magro e sorridente, vestido de bobo da corte. O bu- Com cuidado, habilidade e sorte, alguns grupos podem
fão estendeu-lhe a mão em cumprimento e o hynne a sair incólumes, intactos e ricos.
apertou. Foi fustigado por um terrível choque elétri- Isso porque as Catacumbas de Leverick fazem
co, mas a travessura valeu a pena. parte do espaço de masmorra — na verdade, pro-

Além do Reinado
319
Regras do vavelmente são o maior e mais puro exemplo desse
Espaço de Masmorra tipo de estrutura em Arton. É suicídio pensar que o
labirinto é puramente uma área extradimensional e
As Catacumbas de Leverick são quase tentar vencê-lo com magia ou conhecimento divino. A
totalmente escuras. Luz mundana e mágica masmorra existe aqui e agora, no mundo físico, ainda
funcionam aqui, mas visão na penumbra que toque o Reino de Hyninn.
e visão no escuro não. Os exploradores Existem entradas para as Catacumbas de Leverick
precisam de tochas, lampiões ou luz mágica. por todo o continente e além. Doherimm e outros
Uma tocha ilumina um raio de 9m, custa espaços subterrâneos são especialmente repletos
T$ 0,1 e ocupa 1 espaço. O preço baixo de entradas. Essas entradas podem ser mapeadas e,
significa que o grupo provavelmente não uma vez descobertas, permanecem válidas. Faz parte
terá dificuldades em comprar muitas do jogo: aventureiros devem primeiro localizar uma
entrada para então desbravar a masmorra. A esperteza é
delas — mas o espaço deve ser calculado!
recompensada, então vários grupos entram rapidamen-
Além disso, o grupo deve declarar quem
te e fogem assim que possível, lucrando com a venda
está segurando a tocha e o personagem que
de mapas parciais para outros aventureiros. Boatos
estiver fazendo isso terá uma mão ocupada.
sobre entradas para as Catacumbas de Leverick são
Um lampião ilumina um raio de 15m, mas sussurrados em tavernas e informações confirmadas
custa T$ 7, ocupa 1 espaço e precisa de podem valer mais que um item mágico.
cargas de óleo. Cada carga custa T$ 0,1 e
As entradas podem existir em qualquer local
ocupa 0,5 espaço. Assim, além de declarar
— em passagens secundárias de outras masmorras,
quem está segurando o lampião (com uma
em cavernas subterrâneas, em ruínas perdidas nos
mão ocupada), os personagens devem
ermos e até mesmo em estruturas habitadas. A única
calcular os espaços das cargas de óleo que constante é que não são portais mágicos óbvios ou
decidirem levar. Tanto uma tocha quanto vórtices divinos, mas estruturas físicas — e aí muitas
uma carga de óleo duram uma cena. vezes está o primeiro truque da masmorra. De um
Enquanto o grupo estiver na masmorra, ponto de vista puramente mundano, pode parecer
você pode substituir o controle de tempo ilógico que a saída de emergência sob a cama de um
baseado em cenas por um mais direto, duque leve a um túnel que se liga às Catacumbas de
baseado na quantidade de salas e corredores Leverick. Mas o espaço de masmorra modifica aquilo
explorados. Considere que a cada 3 salas a seu redor. Assim, sempre há uma explicação, por
ou 6 corredores (ou qualquer combinação mais improvável que seja: a família do duque por
equivalente, como 1 sala e 4 corredores, ou coincidência construiu o castelo sobre uma antiga
2 salas e 2 corredores) uma cena se passa. estrutura abandonada e decidiu manter especificamen-
te aquele túnel, que desabou parcialmente com um
Preste atenção ao raio de iluminação das
terremoto e abriu uma passagem para uma caverna
fontes de luz. Não descreva nada além do
de trolls, que...
que os personagens podem ver.
Alguns grupos de aventureiros dedicam suas
Magias como Teletransporte ou outras carreiras unicamente à exploração das Catacumbas
usadas para burlar o labirinto não de Leverick. Eles conhecem as entradas mais “fáceis”
funcionam, nem é possível entrar ou e as áreas que apresentam certos tipos de desafios,
sair da masmorra usando-as. Magias de podendo se preparar de acordo.
adivinhação funcionam, mas não para
evitar o efeito de escuridão ou para Como todo espaço de masmorra, as Catacumbas
enxergar o que há do outro lado de uma atraíram populações de monstros, com suas próprias
sociedades e facções. A masmorra recompensa astúcia
porta ou parede. Por exemplo, Lendas
acima de força bruta. Assim, é possível fazer alianças
e Histórias pode ser usada para obter
com certa raça monstruosa contra outra, ou então
informações sobre um elemento da
semear inimizade entre diferentes criaturas. Curiosa-
masmorra, mas Vidência não pode ser usada
mente, também existem habitantes civilizados e não
para investigar a sala seguinte.
(totalmente) hostis nas Catacumbas: comunidades
engolidas pelo complexo, que vivem de caçar monstros
(Continua...) ou apenas tentam se esconder deles. Algumas ajudam
ou protegem aventureiros, outras são armadilhas por

Capítulo Dois
320
si só. Também existem indivíduos que fabricam e Regras do Espaço
vendem equipamentos e poções para exploradores. Os de Masmorra (cont.)
acordos que esses mercadores têm com as criaturas
da masmorra (ou com o próprio Rodleck) são alguns Mesmo que o grupo não tenha o hábito
dos maiores segredos das Catacumbas. E eles podem de fazer isso, nas Catacumbas de Leverick
ou não ser devotos de Hyninn... todos devem calcular exatamente quantos
espaços de itens estão carregando
Rastejantes e sua capacidade de carga. Todos os
equipamentos que os personagens
em Calabouços desejem ter consigo devem ser pagos,
Muitos acabam nas Catacumbas de Leverick por estar anotados na ficha e seus espaços
acidente ou são presos aqui por Rodleck como uma devem ser contabilizado. Especificamente
“travessura”. O sumo-sacerdote devota-se à missão durante a exploração, não vale dizer “Meu
obsessiva e letal de atrair mais e mais vítimas para o personagem é um caçador, eu não anotei
labirinto. Tornou-se um dos maiores vilões de Arton, na ficha, mas ele provavelmente teria uma
com uma legião de clérigos, ladinos, inventores e corda”. Isso inclui comida: contabilize as
outros devotos sob seu comando em todos os reinos. rações consumidas pelo grupo. Se elas
Sua fortuna atual é imensurável, comparável ao acabarem, eles estarão passando fome.
tesouro dos maiores dragões — de fato, vários deles
Além disso, quando o grupo estiver nas
habitam as Catacumbas.
Catacumbas de Leverick, use tabelas de
Quando não está expandindo ainda mais as monstros errantes. Contudo, lembre-se
câmaras de seu labirinto, Leverick viaja pelo Reinado que o objetivo não é matar as criaturas,
e além, sempre se valendo de disfarces engenhosos mas sobreviver aos encontros. Assim,
para “adquirir” tesouros fantásticos. Não raras vezes, quanto mais silêncio o grupo fizer, menor
também será ele próprio a “contratar” heróis para probabilidade de encontros haverá. Da
alguma missão que, certamente, envolve explorar mesma forma, os monstros não vão atacar
uma masmorra… imediatamente — de acordo com a postura
Mas existem muitos motivos para explorar a do grupo, podem fugir, tentar fazer aliança
masmorra por vontade própria. ou atacar apenas quando estiverem em
vantagem ou se houver algo a ser ganho.
Em primeiro lugar, o lucro: poucos ambientes
de aventura em Arton escondem mais tesouros.
Aqui pode-se encontrar manoplas aprimoradas e em
perfeito estado no ninho imundo de uma cocatriz, ou que um dos salões abriga uma janela de onde se pode
um manto mágico sendo usado como cobertor por ver (e interagir com) o Nada e o Vazio, ou passagens
um ogro. Aventureiros menos afortunados morrem para outras épocas no passado... e no futuro.
deixando bolsas cheias de ouro e necromantes Por fim, as Catacumbas de Leverick são uma
escolhem guardar seus tesouros em baús numa das provação como nenhuma outra. Aventureiros são
salas protegidas por armadilhas. Dizem que Hyninn constantemente testados, privados de soluções fáceis
favorece aqueles que adentram as Catacumbas de e recompensados por sua esperteza. Aprende-se mais
Leverick por razões gananciosas, desdenhado dos em um dia nas Catacumbas do que em um mês viajan-
pretensos heróis altruístas. do pelos ermos. Já houve casos de grupos iniciantes
Além disso, a masmorra é um meio de atravessar que adentraram a masmorra quase indefesos, apenas
grandes distâncias sem realmente precisar percorrê-las. para emergir poucas semanas depois como heróis
É uma jornada difícil — um grupo deve achar um jeito épicos repletos de itens mágicos. Esse é o poder do
de mapear parte do complexo em relação ao local de espaço de masmorra, disponível para quem tiver
destino. Mas as Catacumbas de Leverick levam aos coragem de desbravá-lo.
reinos dos deuses e a lugares ainda mais estranhos. Sem E, no centro do imenso labirinto, há o Mestre da
acesso a portais ou poderosas magias planares, pode Masmorra, o próprio Rodleck Leverick. Aqui ele é
ser a única opção. Através das Catacumbas, ladrões poderoso — mas, seguindo os preceitos de Hyninn,
fracotes mas espertos chegam aos mesmos lugares não onipotente. Para devotos do Deus dos Ladrões,
que arquimagos. Alguns boatos afirmam que existe talvez o maior desafio seja enganar o enganador, fazer
até mesmo uma saída para a Anticriação, o universo uma armadilha para o armadilheiro, roubar o título de
da Tormenta. Outros, ainda mais ousados, sugerem sumo-sacerdote de quem já o roubou de um ladrão.

Além do Reinado
321
CAPÍTULO 3

arton
Além de
A
rton é um mundo, mas a palavra também deixar sua ilha durante o primeiro ataque da Tormenta,
serve para designar o continente norte, salvos por seu imperador, a mudança foi um evento
lar de algumas das mais importantes tão traumático quanto a própria tempestade. Quando
nações de que se tem notícia. Contudo, houve chance de reconstruir o Império de Jade, quase
além do continente existem terras intocadas pela todos imediatamente desejaram voltar.
influência dos reinos do norte. Impérios inteiros, Isso significa que cada família, mesmo as mais
com histórias milenares e culturas totalmente humildes, conhece suas origens. Geração após geração
distintas. Enquanto os estudiosos do Reinado e cresce com as histórias de antepassados que existiram
da Caravana dos Exilados podem se concentrar eras atrás. Plebeus vivem em casas construídas antes
no que existe no continente norte, o verdadeiro da formação do Reinado e reis muitas vezes têm em
sua linhagem uma centelha divina, ou ao menos
estudioso de Arton precisa ir além.
interações importantes com algum deus. Enquanto
Além de Arton. a autoridade da Rainha-Imperatriz é mundana e
As terras normalmente designadas “além de Arton” baseada em ideologia, a autoridade dos quipenes ou
se desenvolveram em paralelo com o continente. Seus dos tamalus é mística e baseada em feitos espantosos.
caminhos eventualmente se cruzam, mas cada uma é Tamu-ra é especialmente protegida por um deus maior,
independente e única. A maioria de seus habitantes cuja identidade está intimamente ligada à terra. Até
jamais pisou no continente norte — e nem precisa. mesmo Lamnor, que emergiu como grande civilização
Para esses povos, o Reinado, o Império de Tauron e há poucas décadas, foi liderado pelo Ayrrak com base
outros são vizinhos curiosos, esquisitos, que têm seus numa profecia ancestral.
próprios problemas. Muitas dessas nações demonstram enorme resi-
liência — além de bastante resistência a mudanças.
Raízes Profundas Enquanto a descoberta da estátua de Valkaria foi
A maior parte das nações do continente norte é uma virada colossal na história do continente norte,
composta de “recém-chegados”. Em comparação com o próprio aprisionamento da deusa é um evento
as terras além de Arton, representam uma cultura recente e talvez uma mera nota de rodapé na história
jovem, com tradições ainda em formação e um passado das civilizações além de Arton. Estas terras veem a
em grande parte apagado. Instituições importantes constante mudança de regentes e formas de governo
como a Ordem da Luz ou o próprio Reinado existem no Reinado como caos absoluto, um período transitório
há relativamente poucas gerações. Entre as raças mais enquanto as “crianças” aprendem o que eles mesmos já
longevas, ainda existe quem lembre de sua fundação. sabem há milênios. Para um sar-allan, toda a história do
continente até agora pode ser resumida como “algumas
Em comparação, as terras além do Reinado parecem populações aprendendo a lidar com as consequências
sempre ter estado aqui. Ninguém vivo tem qualquer da Revolta dos Três”.
memória dos primeiros povos humanos do Deserto da
Perdição, e mesmo estes são recentes em comparação ao
império que existiu lá no passado. Doherimm remonta Costumes Arraigados
sua história literalmente até a criação dos anões — povo Não existe nada “exótico” ou “pitoresco” no
e terra como um só, desde o início. Os relatos sobre mundo de Arton — aquilo que é inusitado para um
formação de Ubani são tão antigos e extraordinários povo é totalmente corriqueiro para outro. Quando um
que soam como lendas. Mesmo Tamu-ra, terra que foi artoniano fala em “aventureiros esquisitos”, está se
unificada há alguns séculos, desenvolve sua cultura referindo a alguém que mescla elementos de vários
de forma contínua há milênios. Khubar, talvez o caso povos ou lugares, ou ainda alguém que vá contra as
mais extremo, chega a possuir um livro com milhares tradições. Qualquer costume é “normal”, porque faz
de anos de idade com sua história. parte da vivência de alguma população.
Os povos além de Arton sentem-se ligados a Isso é especialmente verdadeiro nas terras além
suas terras de uma forma que muitos habitantes do de Arton. Costumes, tradições, vestimentas, ditados
Reinado sequer podem compreender. Em geral não são e outros elementos culturais não são detalhes, não
imigrantes ou refugiados: sabem que os ancestrais de são preferências: fazem parte da existência destes
seus ancestrais viveram exatamente no mesmo lugar. povos tanto quanto seu idioma ou suas habitações.
A sensação de pertencimento é tamanha que a maioria A tendência dos doheritas à mineração não é uma
nem cogita que um dia possam deixar seus lares. questão de ganância, nem um estereótipo. Os anões de
Quando os habitantes de Tamu-ra foram obrigados a Doherimm precisaram escavar túneis desde sua criação,

Capítulo Três
324
para ter onde viver. Para eles, escavar túneis significava Isso não significa que os povos além do Reinado
literalmente expandir o mundo! Não havia opção a tenham menos diversidade de pensamento, ou mesmo
não ser minerar. Da mesma forma, o militarismo de que não possam cultuar outros deuses. Mas a presença
boa parte dos duyshidakk não é sanha conquistadora de algumas divindades não pode ser ignorada. Um
ou agressividade inata. Sua história, muito antes da habitante do Deserto da Perdição necessariamente lida
chegada dos elfos, foi moldada por conflitos e sua com a influência de Azgher: sendo ou não um devoto,
civilização foi construída com base na certeza de que deve se preocupar com o calor de dia e o frio à noite,
era necessário lutar para sobreviver. deve respeitar o deus e adaptar-se a suas exigências.
Um valkariano pode passar a vida toda sem nenhuma
No continente norte, mesmo as nações mais ape-
relação com a Deusa da Humanidade, mas todo sar-allan
gadas a seu modo de vida poderiam fazer as coisas de
tem uma relação íntima com o Deus-Sol. Da mesma
maneira diferente. Toda a cultura de Sckharshantallas
forma, os moreau pediram ativamente a seus deuses
é baseada na figura do dragão... Mas, caso Sckhar um
para serem moldados da forma que são. Mesmo o maior
dia desaparecesse, seria possível viver no reino sem ele.
devoto de Valkaria não pode dizer que sua existência é
Contudo, é impossível viver no Deserto da Perdição
literalmente a realização de um desejo por sua deusa.
sem usar as roupas que protegem contra o sol de dia e
contra o frio à noite, ou sem a matemática que possibilita No caso de Doherimm, Tenebra existe em todos os
compreender os portais nas tempestades de areia. Da lugares: a escuridão é parte intrínseca de seu mundo.
mesma forma, um habitante de Khubar não tem opção Da mesma forma, Khalmyr deixou ali sua chama como
a não ser conhecer o mar. Na verdade, a comparação de uma prova e um lembrete físicos da presença do Deus
Khubar com Sckharshantallas é curiosa: caso Benthos da Justiça — e mais tarde confiou aos anões a proteção
desaparecesse, talvez fosse impossível viver no arqui- de sua espada. O maior ladrão e vigarista de Doher
pélago! Afinal, a presença do Dragão-Rei impediu pelo pode até odiar Khalmyr, mas não pode ignorá-lo.
menos duas ameaças à própria existência dessa terra. Os Três Mares são um caso peculiar. Os piratas
Isso não significa que essas populações sejam que povoam (ou infestam...) essas águas nunca
moldadas unicamente pelo lugar onde vivem — sig- demonstraram grande devoção, mas sempre viveram
nifica, isso sim, que muitas vezes têm uma verdadeira em contato com um deus — segundo alguns, sempre
simbiose com seu lar. A Grande Savana existe da forma viveram na manifestação material do próprio deus!
que existe por influência dos ubaneri, que por sua vez Assim, quando Oceano desapareceu, imediatamente
baseiam seus costumes no respeito pelos elementais surgiu uma facção pirata devotada a ele, que existe
que habitam a região. O respeito aos druidas em para procurá-lo. O Deus dos Mares sempre foi parte
Galrasia se origina em grande parte da interação com intrínseca desse lugar e sua ausência abalou o modo
a flora que existe na ilha — e a ilha foi moldada pela de vida dos piratas.
influência divina. Para os povos além de Arton, cultura, O epítome da relação íntima com um deus patrono
costumes e terra se mesclam numa forte identidade. são os duyshidakk. Muitos que estão vivos hoje co-
Não é surpresa que os goblinoides não vejam grandes nheceram pessoalmente Thwor, antes de sua ascensão.
diferenças raciais entre si: vivem em Lamnor, têm Mesmo aqueles que nunca interagiram com ele podem
tradições coletivas e se consideram todos duyshidakk. ter ouvido algum discurso, lutado sob sua liderança
ou, no mínimo, avistado o Ayrrak de longe. Quase
Deuses Padroeiros nenhum outro artoniano já experimentou tamanha
proximidade com um deus maior, pelo menos entre
Muitas terras além de Arton têm uma relação
o povo comum. Para um plebeu do Reinado, Lena é
mais íntima com as divindades do que seus vizinhos
uma presença etérea e distante. Para um simples goblin
do continente norte. Além disso, muitos desses povos
de Lamnor, Thwor é uma realidade física e próxima.
concentram sua religiosidade em um ou dois deuses
— não apenas se devotando a eles, mas praticamente
ignorando o resto do Panteão! Outros Mundos
Talvez o caso mais simbólico seja a relação entre Embora façam parte do mesmo mundo num
Tamu-ra e Lin-Wu. Enquanto um tamuraniano típico sentido estrito, as terras além de Arton representam
simplesmente vê seu deus patrono como a forma divina existências diferentes, independentes, paralelas e mui-
de suas tradições e modo de pensar, um estrangeiro tas vezes isoladas. Ao se deparar com estas civilizações,
típico tem dificuldade em caracterizar Lin-Wu de um sábio muitas vezes percebe que não conhece na
qualquer forma além de “o deus de Tamu-ra”. Religião, verdade a história de Arton.
costume, terra e população existem de forma unificada. Conhece uma história de uma Arton.

Além de Arton
325
Ilustração

Capítulo Três
326
Lamnor O CONTINENTE BESTIAL

O
utrora o centro da civilização, terreno Mesmo com um histórico de guerras e até algumas
fértil de impérios, berço de heróis, tragédias, os fatos pareciam comprovar isso. Afinal, os
primeiro destino dos elfos e palco da reinos humanos de Lamnor tinham sido visitados pelos
chegada da palavra escrita, Lamnor ex- elfos e deles recebido dádivas inestimáveis, erguendo-
perimentou uma queda devastadora. Hoje é uma -se acima das raças goblinoides com quem disputavam
espaço. Mesmo depois que a arrogância élfica levou
vastidão florestal tomada por ruínas, banhada
os humanos a assinar o Tratado de Lamnor, vetando
em sangue e ocupada por hordas de monstros.
qualquer interferência nos assuntos dos elfos, isso
Outrora um continente estanque, preso às amar- continuou a ser tido como verdade.
ras da mentalidade humana, assolado por invasores
Um longo período de estagnação se sucedeu à
élficos, impregnado com a perseguição e opressão de
Grande Batalha. Os reinos humanos eram isolados uns
todas as raças goblinoides, Lamnor experimentou
dos outros, havia grandes vastidões de terra inexplo-
uma ascensão milagrosa. Hoje é o lar de uma nova
rada. Por isso mesmo, havia fartura — sempre mais
civilização, nascedouro da mais poderosa e inovadora
espaço para onde se espalhar, sempre mais recursos a
cultura do mundo conhecido, prometendo levar toda
retirar da natureza. Enquanto o Reinado era formado no
Arton a uma utopia de liberdade e paz. norte, o sul se apegou cada vez mais a suas tradições.
Liberto pelo maior herói da história ou subjugado Gerações nasceram e morreram em existências quase
por um de seus maiores vilões. Varrido por massacres idênticas às de seus pais e avós.
sem sentido ou conquistado em batalhas gloriosas. Lu- Os goblinoides não faziam parte dessa história.
gar de morte ou de vida. Assim é Lamnor: monstruoso Mesmo estando entre os povos originais de Lamnor,
ou magnífico, decadente ou triunfante, horrendo ou sempre foram considerados monstros. Matá-los não
sublime. O inferno para os povos do norte, o paraíso era visto como crime, mas como heroísmo. Enquanto
para os duyshidakk. os elfos que chegaram de longe e tomaram suas ter-
ras eram aceitos mesmo depois de deixar claro que

História consideravam a humanidade inferior, os goblinoides


eram caçados, sobrevivendo de saques, servidão e
A história de Lamnor se separa da história de Arton brutalidade. Mortes de goblins eram treinamento para
Norte na Grande Batalha. A vitória do Príncipe Renn- aventureiros iniciantes, que então matavam hobgoblins
gard sobre as forças de Corulan IV teve um efeito curioso e bugbears antes de passar a “ameaças de verdade”.
sobre os reinos do continente sul. Enquanto populações Ainda que fossem criaturas inteligentes com seu
inteiras eram expulsas de seus lares e forçadas a rumar próprio idioma, seus próprios costumes, sua própria
para o desconhecido, os povos que permaneceram em religião, esses povos eram vistos como uma praga.
Lamnor passaram a se enxergar como escolhidos. Nada mais.

Além de Arton
327
O Eclipse truído. O bugbear notou que aquelas terras, povoadas
por proscritos e refugiados do sul, tinham há muito
Durante esse período, surgiu uma profecia. superado os reinos de Lamnor. Viu como tinham se
Registrada em uma gigantesca roda de pedra em um unido e se tornado poderosas. Conhecendo o Reinado,
idioma indecifrável, foi ignorada por humanos e elfos, ele notou como as nações do sul eram patéticas... e
mas descoberta por uma raça macabra e peculiar: os como, isoladas entre si, podiam facilmente cair.
bugbears. Essas criaturas, também conhecidas como
goblins gigantes, eram individualmente muito fortes,
mas desorganizadas e selvagens. Mais interessados A Infinita Guerra
em aterrorizar humanos e sorver seu medo do que em De volta a Lamnor, Thwor se pôs a realizar seu
triunfar sobre eles, os bugbears não mereceriam nem grande sonho: a união de todas as raças goblinoides e
uma nota de rodapé na história de Arton. a derrocada dos humanos e dos elfos. Selecionou com
Contudo, a profecia falava sobre um líder — um líder cuidado seu primeiro alvo: Farddenn, uma pequena
que os bugbears identificaram como um dos seus. Uma mas próspera cidade humana, longe de grandes centros
criatura que chegaria para unificar as tribos, elevar sua e abastecida por uma rota comercial. O bugbear visitou
raça a novos patamares, conquistar tudo a seu redor e cada uma das tribos goblinoides próximas, convocou
devastar os reinos “civilizados”. Os bugbears cultuavam seus chefes e propôs uma aliança para atacar e dominar
o Deus da Morte, que a humanidade chamava de Leen, a cidade.
mas que as próprias criaturas conheciam como Ragnar. Foi rejeitado.
Segundo a crença goblinoide, eclipses são ocasiões
Os goblinoides não tinham interesse em se orga-
em que a carruagem de Ragnar passa na frente do sol,
nizar. Eram selvagens demais, acomodados demais.
carregando os mortos, sendo assim um evento sagrado.
Durante séculos tinham aprendido que era natural viver
O ano de 1364 foi marcado por um eclipse total em cavernas e florestas, roubando migalhas e sendo
do sol. Durante o eclipse nasceu o bugbear que viria caçados por aventureiros. Thwor descobriu que boas
a receber o nome Thwor Khoshkothruk. ideias e discursos inflamados nunca seriam suficientes
Ainda maior que a média de sua espécie, Thwor para desfazer gerações de opressão e doutrinação. Seria
nasceu em meio à morte, já que sua própria mãe não preciso violência.
resistiu ao parto. Criada por sacerdotes de Ragnar, a O bugbear tomou o controle das tribos ao apre-
criança demonstrou capacidades extraordinárias desde sentar as cabeças decepadas de seus chefes e declarar
cedo. Não só era mais forte que outros bugbears — era a si mesmo o novo líder. Quem ousasse desafiá-lo
também mais feroz, mais astuto e, acima de tudo, mais enfrentaria sua fúria.
introspectivo. Ainda muito novo, questionava tudo e
todos, fazia perguntas que ninguém nunca pensara em As tribos atacaram Farddenn em conjunto, sob o
fazer. Indagava sobre a noção de tempo, de passado e comando do novo general. A vitória foi total. Segundo
futuro. Será que a profecia previra seu nascimento? as ordens de Thwor, cada habitante da cidade foi ex-
Ou será que, por nascer durante um eclipse e matar a terminado, para que nenhum sobrevivente pudesse
própria mãe, o jovem bugbear provocara o surgimento alertar os reinos humanos. Farddenn seria para sempre
de uma profecia séculos antes? o marco zero do domínio goblinoide sobre Lamnor.
Tudo isso era descartado por seus tutores, que Foi nessa época que Gaardalok ressurgiu na trajetó-
estavam mais interessados no que o jovem guerreiro ria de Thwor. Seu interesse continuava sendo dominar
podia conquistar. Entre esses clérigos se destacava o novo líder, enquanto que o próprio Thwor precisava
Gaardalok, um bugbear paciente e planejador. Ele do poder e da autoridade espiritual dos clérigos para
via Thwor como uma arma, como a Foice de Ragnar... continuar unindo as tribos. No entanto, a essa altura
E como sua principal ferramenta para ascender a su- ele já sabia que o Deus da Morte nunca poderia ser
mo-sacerdote do Deus da Morte. Gaardalok julgava o patrono do nascimento de uma nova civilização.
que, quando Thwor dominasse a terra, ele mesmo Gaardalok achava que estava usando Thwor, mas na
dominaria Thwor. verdade estava sendo usado.
Mas a insatisfação e sede de conhecimento do O bugbear seguiu unindo tribos e conquistando
jovem foi grande demais para que ficasse preso às território aos poucos, contando com o isolacionismo
ordens dos sacerdotes. Antes de ser plenamente adulto, dos povos de Lamnor para pegá-los desprevenidos.
Thwor partiu em peregrinação ao norte. Passou anos Mas essa tática não daria certo por muito tempo:
viajando oculto pelo Reinado, testemunhando tudo que era preciso organizar ataques em massa, capazes de
humanos, anões, hynne e outras raças tinham cons- derrubar reinos inteiros. E isso exigia tornar realidade

Capítulo Três
328
a Grande União, o ideal de Thwor de que todos os A Profecia
goblinoides deveriam lutar juntos por uma só causa.
Quando a sombra passar pelo globo de luz
Para que isso fosse possível, Thwor precisava dos
hobgoblins. Essa raça altamente militarizada fora a Trazendo a vida que trará a morte
principal vítima dos elfos séculos atrás, permanecendo Terá surgido o emissário da dor
em conflito com os invasores na assim-chamada Infinita
O arauto da destruição
Guerra. A organização e disciplina dos hobgoblins era
fundamental para transformar bandos em um exército, Seu nome será cantado por uns
tribos em uma nação — mas Thwor sabia que eles e amaldiçoado por outros
nunca iriam abandonar a Infinita Guerra ou ceder sua
O sangue tingirá os campos de vermelho
posição aos invasores.
Um rei partirá sua coroa em duas
Assim, Thwor se infiltrou na capital élfica, a cidade
de Lenórienn, e lá raptou a Princesa Tanya, filha e única E a guerra tomará a tudo e a todos
herdeira do rei élfico Khinlanas. Apresentou-a como Até que a sombra da morte complete seu ciclo
prêmio aos generais hobgoblins e foi aclamado como líder.
e a Flecha de Fogo seja disparada
Unidos sob Thwor, contando com as tropas
Rompendo o coração das trevas
hobgoblins e abençoados por Ragnar, os goblinoides
atacaram e destruíram Lenórienn, promovendo um
grande massacre de elfos e forçando os sobreviventes
a fugir por suas vidas. No auge da batalha, a própria
A profecia que anunciara o nascimento de Thwor
Glórienn, a Deusa dos Elfos, desceu a Arton em forma de
também previra seu fim, através da “Flecha de Fogo”
avatar para enfrentar Thwor em combate individual — e
— mas ninguém sabia o que isso poderia ser. Para
foi derrotada. Com sua deusa humilhada e sua única
que os goblinoides não se dividissem mais uma vez
nação devastada, os elfos se tornaram um povo dividido,
após sua morte, para que todo o esforço de expulsar
rejeitado e amargurado. Nunca mais ergueriam um reino.
os invasores não fosse em vão, era preciso que cada
Sobre as ruínas de Lenórienn, Thwor passou a ser goblinoide entendesse que sua vida valia mais que
chamado de Khoshkothruk, ou Ironfist para os povos sua morte. O Ayrrak passou a ensinar seus súditos
do norte. Seu título não era mais “líder”, “grande que eles eram um só povo: os duyshidakk. Mais
general” ou “comandante” — ele era o Ayrrak, o que um novo nome para as raças da Grande União,
Imperador Supremo. E os goblinoides não eram mais “duyshidakk” é um conceito que engloba todos que
diferentes tribos. Eram a Aliança Negra. vivem pelos ideais de Thwor e que sofreram nas
mãos dos usurpadores. Ser duyshidakk era muito
A Ascensão Duyshidakk mais importante e significativo do que ter nascido
A Aliança Negra continuou em sua brutal e em uma determinada raça.
sistemática conquista de Lamnor. Após Lenórienn, O Ayrrak sabia que a utopia goblinoide não podia
as outras capitais caíram uma a uma. Os goblinoides ficar restrita à destruição e à ocupação de ruínas — era
dominaram e rebatizaram as comunidades humanas, preciso construir comunidades totalmente novas. A
passando a viver juntos em grandes números e sem mais notável dessas é Urkk’thran, a capital duyshidakk
a necessidade de se esconder pela primeira vez em e maior exemplo da mentalidade goblinoide sem
séculos. Ragnar passou a ser cultuado por todas as raças influência (positiva ou negativa) de outras culturas.
goblinoides e logo tomou o lugar de Leen como Deus Seguindo o exemplo da capital, várias outras cidades e
da Morte na teologia artoniana. Gaardalok alcançou o construções foram erguidas, finalmente materializando
posto de sumo-sacerdote. O continente sul pertencia e eternizando a maneira de pensar das raças antes
a Thwor Khoshkothruk. consideradas monstruosas.
Mas isso era só o começo. Thwor Khoshkothruk já era o Imperador Supremo
Ferocidade, força física e pensamento tático nunca de um continente inteiro. Ainda que os povos do norte
haviam sido as principais vantagens do Ayrrak. O que se recusassem a aceitar isso, era o maior governante do
realmente o diferenciava de outros bugbears era sua mundo conhecido, superando até mesmo o Rei-Impera-
capacidade de reflexão, sua visão da trajetória dos dor no auge do poderio do Reinado. Mas ainda restava
diferentes povos de Arton, sua compreensão de seu uma barreira entre sul e norte: a cidade-fortaleza de
próprio papel na história. Khalifor, no Istmo de Hangpharstyth.

Além de Arton
329
Thwor demorou a atacar Khalifor. Alguns achavam
que era complacência, incerteza ou medo, mas essa
A Flecha de Fogo
espera sempre fez parte do plano. Era preciso que os Incontáveis aventureiros e pretensos heróis do norte
duyshidakk se acostumassem a ver Lamnor como seu tentavam descobrir o que seria a Flecha de Fogo, a mis-
lar, não apenas como uma terra que haviam saqueado. teriosa arma que poderia finalmente dar cabo daquele
Era preciso formar raízes. Era preciso que novas que consideravam um dos maiores vilões de Arton. No
gerações nascessem na cultura duyshidakk, ouvindo reino de Tyrondir, a pequena Sternachten, conhecida
apenas histórias sobre os tempos sinistros de quando como “Cidade dos Observatórios”, se dedicava a decifrar
seus pais precisavam lutar para sobreviver. a profecia. Quando Sternachten foi destruída, o único
sobrevivente foi o jovem astrólogo Corben.
Quando chegou a hora, Thwor atacou Khalifor,
mas a conquista da cidade-fortaleza invencível não A animosidade entre Thwor e Gaardalok já era
foi motivo de grande comemoração para o Ayrrak. palpável. Um precisava do outro, mas as relações
Era apenas mais um passo em seu plano de propor- entre ambos eram tensas. Thwor já havia elaborado
ções cósmicas. o Akzath, o modelo de tempo e destino segundo o
qual passado e futuro não existiam. De acordo com
o Akzath, a presença do Deus da Morte no centro
da cultura duyshidakk aproximava o conceito
de Morte de todos os membros desse povo.
Para que os duyshidakk prosperassem, era
necessário aproximá-los da Vida.
Corben, mesmo sendo um hu-
mano e devoto de Thyatis, acabou
tendo contato com o Ayrrak
e recebeu dele a missão de
descobrir o que era a Flecha
de Fogo — para que Thwor
pudesse lidar com ela, ou ao
menos preparar seu povo
para sua chegada. Usando
um telescópio na mais
alta torre de Urkk’thran,
Corben fez a grande
descoberta: a Flecha de
Fogo era um cometa em
Ilustração rota de colisão com Lam-
nor. Quando atingisse o
continente, destruiria
tudo que os duyshidakk
haviam construído e
mataria quase todos os
goblinoides.
Não havia como im-
pedir a chegada do cometa,
mas o Ayrrak podia usar
o Akzath para modificar o
destino e as consequências de
sua queda. Thwor tentou uma
aliança com o rei de Tyrondir para
que o reino recebesse os duyshidakk
como refugiados, mas foi rejeitado e
obrigado a uma invasão. A essa altura,
já conhecia o plano de Ragnar: o Deus da
Morte desejava que os goblinoides fossem um

Capítulo Três
330
imenso sacrifício em seu nome. Os que restassem não deve haver líderes ou grandes instituições no Mundo
teriam opção a não ser atacar o Reinado como uma Como Deve Ser. Assim, a ausência do Ayrrak seria uma
horda, então a Morte se espalharia por todo o mundo. prova de que seu sonho está mais próximo do que nunca.
Thwor invadiu o palácio real de Tyrondir quando o
cometa já se aproximava muito de Arton — assim,
garantindo que, se ele realmente fosse morto por sua
queda, pelo menos Lamnor seria poupado.
Geografia
Lamnor é quase todo tomado por florestas e
Logo antes da queda da Flecha de Fogo, o avatar regiões selvagens. Quando os reinos humanos caíram,
de Ragnar se revelou a Thwor e os dois lutaram. Ou, a maior parte de seus castelos e cidades não foi ocu-
segundo alguns, aquele não era um avatar, mas o próprio pada — foi saqueada, destruída e abandonada. Assim,
deus. Desafiando a profecia e enfrentando a Morte não demorou para que a natureza se espalhasse pelas
pessoalmente, o Ayrrak manipulou o destino para que ruínas. Viajar pelo continente significa embrenhar-se
a Flecha de Fogo se despedaçasse antes de colidir com
em matas escuras, desbravar trilhas ocultas e estar
Arton. Ou, segundo os mais céticos, aquilo sempre
pronto para enfrentar monstros a cada passo.
iria acontecer e o Ayrrak apenas foi capaz de perceber
a rota de colisão do cometa. Seja como for, um dos O centro do continente, considerado a área mais
fragmentos atingiu o palácio, matando Thwor e Ragnar. importante em termos ideológicos e estratégicos pelos
E, embora a queda tenha abalado boa parte do mundo, duyshidakk, é Doyshnyurtt, o Coração Intocado. Esse
não provocou a destruição de um continente. vasto espaço do tamanho de um reino nunca havia sido
colonizado por humanos ou outras raças “civilizadas”.
Então a jogada mais genial do imperador bugbear
Não possui ruínas nem qualquer traço de ocupação não
se revelou: após a derrota do Deus da Morte, o próprio
goblinoide. Isso pode soar estranho para os povos do
Thwor ascendeu à divindade. Era o Deus dos Gobli-
norte, que se espalham por todo território disponível
noides, o Deus dos Duyshidakk, o Deus do Mundo
e têm sede de descoberta, mas é um perfeito exemplo
Como Deve Ser.
da estagnação que existia no sul. Também é uma prova
de como as raças goblinoides estavam fragmentadas e
Lamnor sem o Ayrrak sem rumo antes de Thwor — afinal, elas também não
Atualmente Lamnor é uma terra dividida, em ocuparam essa terra!
constante conflito, cheia de perigos... Mas livre. Duas imensas cordilheiras dominam boa parte do
A morte de Thwor Khoshkothruk foi um golpe duro continente — Natoy-Ul-Uttur e Vuroy-Ul-Uttur. Ao
para os duyshidakk, mas as sementes que ele plantou contrário de várias palavras duyshidakk, esses nomes
continuam germinando. Cada vez mais goblinoides têm significados práticos e simples. Natoy-Ul-Uttur é
vivem em comunidades criadas por eles mesmos, sem “a Muralha Gêmea que Corta o Centro”, a cadeia que
depender das ruínas humanas e élficas. Novas gerações divide o continente, e Vuroy-Ul-Uttur é “a Muralha
chegam a duvidar que, poucas décadas atrás, goblins, Gêmea de Baixo”, que se localiza mais ao sul. Existe
hobgoblins e bugbears eram considerados monstros pouca ocupação goblinoide nessas montanhas, mas
e precisavam viver escondidos nas terras que eram alguns boatos afirmam que uma raça inteira de hu-
suas por direito. manoides alados habita os picos mais altos. Se isso
Embora ninguém saiba exatamente como isso vá for verdade, caberia aos duyshidakk travar contato
acontecer, a maioria dos duyshidakk tem confiança de com eles e acolhê-los em seu povo... ou exterminá-los.
que, um dia, a utopia prevista pelo Ayrrak se tornará Lamnor é provavelmente a terra mais segura do
realidade. Isso é reforçado pela presença de Thwor mundo conhecido em termos de inimigos externos.
no Panteão. Agora os goblinoides e seus aliados são A Ossada de Ragnar protege o continente contra in-
uma das poucas raças que conta com um deus maior cursões do norte — para quaisquer invasores restaria
inteiramente dedicado a eles e a seus objetivos. Mais apenas a opção de chegar por meios marítimos ou
importante ainda: testemunhando um goblinoide sobrenaturais, como foi o caso dos elfos. Contudo, a
ascender de monstro a general, de general a imperador baixa densidade populacional também significa que
e de imperador a deus, eles entenderam que são capazes uma invasão desse tipo poderia passar despercebida
de qualquer coisa. Em Lamnor, a noção de que os até que o inimigo já tivesse estabelecido fortalezas e
duyshidakk são seres bestiais ou monstruosos é um ocupado parte do território. Alguns líderes duyshi-
insulto, uma piada ou uma heresia. dakk já estão construindo cidades costeiras e tentando
Os devotos mais fervorosos de Thwor veem esta fazer aliança com humanoides subaquáticos para se
época como o início de uma era de felicidade. Afinal, não prevenir contra isso.

Além de Arton
331
Ilustração

Povo & Costumes as razões da Aliança Negra para odiar os elfos e se


ressentir dos humanos devem admitir que não existe
Lamnor é habitado quase apenas por goblinoides. cultura duyshidakk sem lutas constantes, massacres
Dentre esses, goblins são os mais numerosos, seguidos ocasionais e até sacrifícios. Quando dois duyshidakk
por hobgoblins e bugbears. Outras raças consideradas se encontram, normalmente há uma luta curta,
para determinar relações de hierarquia e respeito.
hostis no norte, como orcs, ogros, gnolls e kobolds,
Não importa se é um enorme ogro encontrando um
também podem ser encontradas em grandes números.
goblin raquítico — os parâmetros de suas interações
Contudo, um lamnoriano dificilmente faria todas essas
são estabelecidos pelos golpes que trocam, por sua
diferenciações. Para a maior parte dos habitantes do
capacidade de suportá-los e pela ferocidade que de-
continente, todos são duyshidakk. Até mesmo os
monstram. O vencedor desses rápidos conflitos não
poucos humanos, elfos, anões e hynne que vivem aqui,
sente nenhum orgulho e o perdedor não é humilhado.
se não forem prisioneiros ou escravos, são considerados
Para os goblinoides, isso é como um aperto de mão
duyshidakk — e prisioneiros e escravos podem se
ou uma apresentação formal. Mas outras formas de
tornar duyshidakk, se não morrerem antes.
violência, mais sérias e sinistras, estão presentes em
Alguém fascinado pela cultura duyshidakk poderia todo o continente. Disputas são resolvidas com duelos
dizer que tudo em Lamnor é caracterizado por mo- sangrentos. Acidentes com dezenas de vítimas são
vimento. Alguém apavorado diria que a mentalidade aceitos como parte do cotidiano. Prisioneiros podem
goblinoide é dominada pela brutalidade. ser executados por um capricho de seu captor.
É impossível negar que os duyshidakk são violen- Contudo, também é impossível negar a beleza
tos. Mesmo aqueles que defendem com mais fervor singular da mentalidade duyshidakk. Nada fica parado

Capítulo Três
332
em Lamnor. Com raras exceções, nenhum prédio nunca tribo”, “suficiente para um povo” e “suficiente para
é considerado finalizado. Tudo é sempre modificado, o mundo”. Um sol, por exemplo, é suficiente para
remodelado e renovado dia após dia. As peças de o mundo, mas uma maçã é suficiente para um. Os
máquinas e partes de construções não se encaixam goblinoides acham absurdo que ambos possam ser
em ângulos retos, mas em formas irregulares que representados pelo mesmo numeral!
parecem caóticas, mas que funcionam com precisão.
Um goblinoide considera que tudo que não está em O Mundo
movimento está mais próximo da morte. Estagnação
é um conceito apavorante para este povo. Assim,
Como Deve Ser
poucos lugares em Arton são mais variados, mais Lamnor também é único em Arton por estar unido
coloridos, mais surpreendentes. Ao contrário dos em um objetivo: a criação da utopia que eles chamam
humanos, movidos pela ambição, os duyshidakk são de Muak’dbeppa Dashay-ug’vurtt, ou O Mundo
simplesmente movidos — para eles, experimentar coisas Como Deve Ser.
novas, fazer algo de modo diferente, testar invenções Cada goblinoide entende O Mundo Como Deve
e agir de forma inusitada não são meios para atingir Ser de forma di- ferente. Para a maioria, significa ape-
um fim. São fins por si só. nas a felicidade e tranquilidade
Não há dinheiro ou pro- de seu próprio povo. Para os re-
priedade privada como o nor- manescentes do clero de Rag-
te conhece. Não há nem mesmo nar, significa um mundo morto.
escambo: pessoas que, por fal- Pode significar a punição dos ini-
ta de uma palavra melhor, são cha- migos dos duyshidakk ou a conti-
madas de “mercadores” apenas levam nuação do legado de Thwor. Contu-
mercadorias de um lado a outro, per- do, existe uma definição verdadeira
mitindo que seus “clientes” peguem o desse conceito, conhecida por aqueles
que desejam. Tudo que não está sen- que foram mais próximos do Ayrrak.
do usado pode ser tomado por outra
O Mundo Como Deve Ser, de
pessoa. As únicas exceções são obje-
forma muito simplificada, é a ideia
tos muito pessoais, como as armas de
de que só a ausência total de ordem
um guerreiro ou o símbolo sagrado de
e autoridade no mundo todo pode
um sacerdote. Como não há clara in-
promover a verdadeira harmonia. Seria
dicação do que seriam “objetos muito
preciso destruir todas as instituições
pessoais”, mal-entendidos são constan-
de todas as raças para que a guerra e
tes e considerados parte da vida normal,
a opressão fossem totalmente banidas.
assim como a necessidade de dinheiro é
vista como normal no Reinado. Em geral, Sem instituições estanques, não haveria
essas confusões são solucionadas com rá- nem a possibilidade de organização suficiente
pidos combates. para que tudo isso voltasse a existir no futuro.

A falta de propriedade privada se estende até Embora seja fundamentado em destruição,


mesmo para moradia. Quase nenhum duyshidakk O Mundo Como Deve Ser é um ideal de criação
vive em um mesmo lugar por mais de uma semana. eterna, de paz através de pequenos conflitos
No instante em que coloca o pé fora de casa, a habita- constantes. A anarquia, segundo esse ideal, levaria
ção pode ser tomada por outros ou mesmo destruída à supremacia do indivíduo, ao fim de quaisquer amarras
para dar lugar a algo novo! Todo habitante de Lamnor para a inventividade, a uma explosão de vida sem
também está acostumado com estranhos entrando e que houvesse nada para controlá-la ou impedir seu
saindo de sua “casa” o tempo todo, ou usando-a como progresso.
passagem. Privacidade e espaço pessoal são noções de Alguns consideram que essa ideologia levaria ape-
pouca importância e quase ninguém tem vergonha de nas a um caos generalizado e à lei do mais forte. Ne-
atividades consideradas íntimas. nhuma criação, mas pura destruição e regressão de
Outra peculiaridade duyshidakk que costuma dar todos os povos. Contudo, além de ser um conceito
um nó na cabeça de forasteiros é a falta de números. de sociedade, O Mundo Como Deve Ser está basea-
Em vez de contar como as outras raças, os goblinoides do na visão de Thwor Khoshkothruk sobre a própria
usam os conceitos de “suficiente para um”, “suficiente realidade. E, segundo os maiores sábios duyshidakk,
para uma família”, “suficiente para um batalhão ou tem implicações cosmológicas muito mais profundas.

Além de Arton
333
O Akzath
A faceta mais radical do pen-
samento de Thwor, compreendida
apenas por alguns, é o Akzath, Segundo o Akzath, não
ou “O Agora Aberto de Tudo”. existe passado e futuro, nem
Mesmo não sendo plenamente entendido e tendo relações de causa e efeito como os
sido codificado apenas nas últimas décadas, o Akzath povos “civilizados” conhecem. A realidade seria dividida
norteia toda a mentalidade goblinoide desde sempre. em conceitos como “Morte”, “Vida”, “Nós”, “Eles”,
O Ayrrak foi somente aquele que conseguiu unificar “Movimento”, “Estagnação” e outros, num círculo.
o modelo, compreendê-lo por completo e considerar Alguns conceitos estariam próximos de outros (por
suas ramificações. exemplo, “Início” está perto de “Luz” e “Movimento”,

Capítulo Três
334
sendo oposto a “Fim” e ficando longe de “Trevas”). sábios goblinoides, levou o mundo todo para um lado
Quando alguém faz algo que o coloca perto de um mais positivo do Akzath. A apoteose de Thwor foi
desses conceitos (por exemplo, indo viajar para uma sentida em todo o continente. Nem mesmo a queda
terra distante e se colocando próximo a “Movimento” de Lenórienn ou a construção de Urkk’thran uniram
e “Eles”), provoca a proximidade de outros conceitos tanto as raças de Lamnor.
aparentemente não relacionados (o viajante também se Hoje em dia, Thwor é praticamente o único deus
aproximaria de “Conhecimento”, por exemplo). Isso cultuado pelos duyshidakk — tornando Lamnor mais
teria repercussões em toda a realidade, até mesmo uma vez singular em sua homogeneidade. Muitas
em eventos que já aconteceram. Alguém que viaje crianças goblinoides já estão sendo criadas com pouca
constantemente pode descobrir que aqueles que julgava ou nenhuma noção de outros deuses. Thwor engloba o
serem seus pais não o são na verdade — ele nasceu portfólio que é importante para esses povos e provou
em uma terra estrangeira, estando assim próximo de a todos que um goblinoide pode triunfar a despeito
“Eles”, “Fora” etc. de tudo. Se nem o próprio Deus da Morte foi capaz de
Compreender o Akzath é o trabalho de uma vencer o Ayrrak, que chance meros mortais do norte
vida inteira. É preciso abandonar todas as noções têm contra seus devotos?
de causalidade, até mesmo a compreensão normal Contudo, existem poucos clérigos de Thwor
das leis naturais, para abraçar uma visão de mundo e seu culto ainda está sendo estabelecido. Ele não
etérea e subjetiva. O Akzath pode ser libertador: até deixou nenhuma instrução sobre como deveria ser
mesmo o que já aconteceu pode ser modificado ou cultuado — ou mesmo se deveria! Assim, cada clérigo
reinterpretado com as ações certas. Mas também pode tem seus próprios rituais e interpreta os dogmas do
ser aterrorizante: segundo esse modelo, certos eventos deus de sua própria forma. Para alguns, a destruição
estão fadados a se repetir, apenas pelas circunstâncias dos elfos continua sendo uma missão fundamental.
dos indivíduos. O Akzath explicaria, por exemplo, Para outros, o mais importante é proteger e incentivar
como Thwor foi capaz de alterar a rota e o impacto os duyshidakk. Existem inclusive aqueles que apenas
da Flecha de Fogo. Mas também afirma que as raças trocaram o nome “Ragnar” por “Thwor” e fazem
goblinoides estarão para sempre ligadas à violência sacrifícios sanguinolentos ao Deus dos Goblinoides.
e à morte — pelo menos até a criação do Mundo Heresias e conflitos entre devotos serão comuns até
Como Deve Ser. que alguém seja capaz de unificar a religião.
O Mundo Como Deve Ser é fundamentado no Ak- Em meio a isso, existem devotos de Ragnar que se
zath. Segundo Thwor, uma mudança tão radical no recusam a abandonar suas práticas. Mesmo sem receber
modo de vida de tanta gente arrastaria Arton intei- milagres, permanecem adorando a Morte. Também
ro para um só lado do Akzath, na prática apagando há duyshidakk que incorporaram a morte como parte
conceitos como “Morte”, “Fim” e “Ignorância”. As- de sua mentalidade e visão de mundo — o notório
sim, não existiria risco de que a anarquia fosse pu- goblin druida Urhukkho’beak é conhecido por suas
ramente destrutiva — porque o conceito de destrui- pregações sobre como a morte é apenas um caminho
ção estaria enfraquecido. natural para uma vida melhor nos reinos dos deuses.

O Deus Morto
e o Deus Vivo Governo
Até poucos anos atrás, o principal deus de Lamnor Lamnor era todo governado por Thwor Khoshko-
era Ragnar, o Deus da Morte. Assim, templos feitos thruk. Após sua morte, ninguém foi capaz de se
de crânios eram visão comum nas estradas e sacrifícios erguer como um novo Ayrrak. Em vez disso, o que
de criaturas inteligentes eram parte do dia a dia. Até o norte ainda chama de “Aliança Negra” se dividiu em
mesmo os deuses menores de raças específicas foram inúmeros exércitos, tribos nômades, cidades e bandos.
deixados em segundo plano, enquanto o clero da Morte Nas cidades, não há liderança — muitos dizem que
adquiria cada vez mais poder. Segundo Thwor, isso este é o ideal de Thwor já sendo colocado em prática.
prendia os duyshidakk num ciclo de morte e destruição, Mas os ermos são dominados por colunas errantes,
de acordo com o Akzath. cada uma encabeçada por um general, comandante,
Contudo, a queda da Flecha de Fogo marcou a chefe ou pretenso rei.
morte de Ragnar e a ascensão de Thwor como deus A Tropa da Forca é um dos maiores exércitos
maior. Durante um mês após esse evento, não houve de Lamnor, uma coluna formada principalmente por
nenhuma morte em Arton — algo que, segundo os hobgoblins e goblins, na qual a engenhosidade e

Além de Arton
335
criatividade desses últimos é celebrada. A general é a
caçadora de cabeças Maryx Corta-Sangue, uma he- Locais Importantes
roína que acompanhou o Ayrrak nos eventos durante
a queda da Flecha de Fogo e matou Gaardalok com Urkk’thran (capital)
as próprias mãos. Uma das líderes mais respeitadas A maior cidade construída pelos duyshidakk é um
em Lamnor, Maryx é vista como alguém que poderia exemplo de tudo que Lamnor tem de melhor, um local
mais uma vez unir os duyshidakk. Infelizmente, sua onde a visão do Ayrrak parece estar se concretizando.
rivalidade com o sumo-sacerdote de Thwor e seus Diz-se que, ao avistar Urkk’thran pela primeira vez,
maiores devotos impede que essa aliança seja formada. Khorr’benn, que se tornaria sumo-sacerdote de Thwor,
De fato, Maryx é uma das poucas duyshidakk de perguntou: “Por que aquela cordilheira está se mexen-
grande destaque que não cultua o novo deus, ainda do?”. A impressão que um forasteiro tem é exatamente
que paradoxalmente seja uma das mais ferrenhas essa. Urkk’thran é tanto vertical quanto horizontal: suas
seguidoras de sua palavra. colinas, construções, fortalezas e muralhas parecem
A Foice da Vingança é o exército sagrado de naturais, embora tudo na cidade tenha sido obra dos
Thraan’ya, uma das primeiras clérigas de Thwor. goblins. E tudo está sempre em movimento.
A general tem uma história curiosa e sinistra: ela Vista de longe, Urkk’thran parece um formigueiro,
é a princesa élfica Tanya, capturada para trazer os se as formigas fossem capazes de rearranjar a paisagem.
hobgoblins à Aliança Negra décadas atrás e convertida De um dia para o outro, prédios somem e outros sur-
aos duyshidakk pelas palavras do Ayrrak, de Maryx e gem em seu lugar. De um minuto para o outro, crateras
de outros goblinoides. Thraan’ya segue os preceitos são abertas, pontes são erguidas, túneis são escavados.
de seu deus com fanatismo e seus batalhões espalham A cidade parece pulsar. Tudo é muito colorido e tomado
a palavra de Thwor por onde passam. Contudo, a por aromas exóticos. Urkk’thran fica acordada dia e
clériga se deixa levar por seu desejo de vingança contra noite, já que certas raças duyshidakk são diurnas e
os elfos. Seu exército muitas vezes parte em longas outras, noturnas. Muitas superfícies são pintadas com
expedições em busca de boatos sobre comunidades tintas fosforescentes ou construídas com materiais
élficas escondidas no continente. Talvez a única pessoa naturalmente luminosos. Na verdade, como boa parte
que pudesse guiá-la é o sumo-sacerdote de Thwor, o deste lugar fica no interior das colinas artificiais ou em
osteon Khorr’benn An-ug’atz. Contudo, o clérigo túneis que atravessam prédios, a sensação é que dia
se recusa a ficar muito tempo perto de sua discípula, e noite são perenes e simultâneos. Muitos visitantes
por alguma razão conhecida só por ele. abandonam essa divisão do tempo.
Ghorawkk, um dos vários filhos de Thwor, tenta Embora seja uma utopia goblinoide, Urkk’thran
amealhar seguidores para tomar o posto que pertenceu também é perigosa. Existem vias horizontais, como
a seu pai. No entanto, é totalmente indigno do legado em qualquer cidade humana, mas também íngremes,
do Ayrrak: fraco, covarde, lamurioso e enganador, o verticais ou até mesmo nos tetos! É comum ver goblins
bugbear se coloca como vítima para todos que encontra presos a aranhas gigantes atravessando a cidade de
e tenta convencê-los a segui-lo por pena. Já conseguiu cabeça para baixo. Máquinas voadoras e criaturas aladas
reunir vários bandos, mas invariavelmente perde seu cruzam o ar o tempo todo. Lobos gigantes e montarias
respeito após alguns meses. ainda mais ferozes escalam os níveis da cidade, enquanto
Além desses, existem outras forças de liderança orcs abrem túneis nos lugares mais inesperados. Existem
em Lamnor: a Revoada Carnívora é uma imensa animais e monstros suficientes para que seja possível
esquadrilha de goblins em ornitópteros, balões e viver de caça dentro da cidade, além de áreas ermas
máquinas voadoras. A Carruagem dos Mortos é uma e regiões que mais se assemelham a masmorras. A
coluna de devotos de Ragnar que busca trazer o deus segurança dos cidadãos não é uma prioridade: para
de volta através de sacrifícios em massa. Os Profetas chegar a muitos lugares é preciso atravessar pontes
do Akzath buscam por sinais de um novo líder que precárias, pendurar-se em cordas ou escalar paredões.
possa repetir os feitos do Ayrrak. Não existe mais Urkk’thran tem algumas construções permanentes,
um único exército continental que possa ameaçar o que não são modificadas e demolidas por um acordo
norte como um todo. Por outro lado, é muito mais tácito da população. A Arena é uma gigantesca cratera
fácil que, passando pela Ossada de Ragnar e pelas que abriga apresentações teatrais (quase circenses) de
Ruínas de Tyrondir, um exército consiga atacar uma lutadores favoritos do público. A Torre Ceifadora é
parte do continente norte. E alguns desses exércitos o maior templo ao antigo deus Ragnar, com partes
já são, sozinhos, suficientes para devastar um reino... feitas de crânios e outras, de corpos mortos-vivos.

Capítulo Três
336
MAPA

Além de Arton
337
Seus devotos remanescentes garantem a segurança
do lugar. A Torre de Todos os Olhos é uma imensa
Rarnaakk,
oficina goblin, em cujo topo fica um telescópio que a Antiga Lenórienn
os goblins chamam de “olho comprido”. Zanniek, Palco da conquista que selou a Grande União e
um dos engenheiros-chefes, vem elevando as criações sinalizou a invencibilidade da Aliança Negra, Rarnaakk
da Torre a níveis ainda maiores de inventividade e já foi Lenórienn, a capital élfica e maior (ou única,
insanidade, com seu raciocínio surpreendentemente segundo alguns) cidade do reino de mesmo nome. Aqui
lógico e sua mistura de engenhocas e magia arcana. Thwor realizou dois feitos considerados impossíveis:
A Torre do Cemitério é um local inóspito onde raptou a Princesa Tanya e venceu o avatar de Glórienn
os duyshidakk fazem seus funerais mais gloriosos, em combate individual.
convocando criaturas aladas para devorar os mortos. Já
Rarnaakk foi a capital dos duyshidakk antes da toma-
a Torre da Forja do Futuro era o centro de poder do
da de Khalifor e da construção de Urkk’thran, mas nunca
Ayrrak, uma fortaleza em que cada andar é governado
deixou de ser um símbolo amargo de vingança. Antiga-
por um general. Embora não haja mais um líder aqui,
mente era uma enorme mácula em Lamnor, o maior sím-
os generais permanecem em seu dever de garantir a
bolo do poderio dos invasores élficos — os hobgoblins
defesa de Urkk’thran caso um dia isso seja necessário.
precisavam conviver com a vergonha de que os elfos os
desprezavam a ponto de tornar sua capital não uma forta-
Farddenn leza, mas uma cidade delicada de cristal e prédios vivos.
Farddenn foi a primeira cidade conquistada por Assim, quando foi conquistada, Lenórienn foi desfigu-
Thwor e é considerada até hoje um local sagrado. Seu rada. Os goblinoides desejavam lembrar o que a cidade
nome foi mantido para que os duyshidakk nunca es- fora e provar a si mesmos que podiam humilhar os el-
quecessem de sua primeira vitória. fos assim como eles mesmos haviam sido humilhados.
É uma típica cidade goblinoide construída sobre Ainda restam altas espiras cristalinas, salões feitos
as ruínas dos humanos: é possível notar pedaços de de árvores vivas, cachoeiras que reluzem com água
arquitetura humana aqui e ali, mas tudo está sempre magicamente límpida e estátuas de beleza incompará-
sendo remodelado e modificado de formas cada vez vel — mas tudo conspurcado, rachado, transformado
mais complexas e engenhosas, ainda que caóticas. em uma paródia do que já foi. Os duyshidakk mantêm
ossadas de elfos sobre algumas obras de arte, como
Periodicamente acontece aqui o Eclipse de
decorações macabras. Existe um esforço para tornar
Sangue, um festival que comemora o feito histórico
feio tudo que os elfos consideravam belo.
do Ayrrak. No Eclipse de Sangue, prisioneiros são
sacrificados em um palco — há uma grande disputa Contudo, as gerações mais recentes não enten-
entre comandantes e heróis para decidir quem terá a dem essa necessidade de autoafirmação e passaram
honra de exibir suas presas durante o espetáculo. Essas a reaproveitar os materiais élficos em obras práticas,
execuções acontecem sempre logo antes do nascer do inventivas e, como sempre, temporárias. Rarnaakk está
sol. Os duyshidakk afirmam que, quanto mais dignos aos poucos deixando de ser um cemitério para se tornar
e poderosos são os sacrifícios, mais o sol demora para uma cidade viva. A maior curiosidade é a criatividade
nascer. Não importa que o povo do norte diga que isso é dos goblins ao reutilizar matérias-primas tão refinadas
impossível, os goblinoides têm certeza em suas engenhocas loucas. Os duyshidakk mais
de que não é escuridão mágica velhos, especialmente hobgoblins (que
ou outro truque, mas um são maioria aqui) não veem com bons
real adiamento do alvorecer. olhos essa mudança. Alguns acham que,
sem um lembrete do passado, Lamnor
A área perto de Farddenn
pode se tornar complacente e permitir
foi devastada pela queda de
uma nova invasão. Seus medos não são
um fragmento da Flecha de
totalmente infundados — o cavaleiro élfico
Fogo. Mas, como a cidade em
Leonhhoin Yaagim voltou da morte e
si foi poupada, isso apenas au-
ronda as imediações da cidade conquis-
mentou seu significado ritua-
tada, atacando caravanas duyshidakk e
lístico. Os habitantes afirmam
planejando a retomada de sua terra natal.
ter afastado o rochedo flame-
jante com a força dos sacrifí- Exploradores do norte às vezes fazem
cios que realizaram naquele dia. incursões a Rarnaakk em busca de Nyatar, a
Biblioteca Élfica. Dizem que os tomos que ainda
restam aqui guardam segredos sobre a magia e a
Brasão da
antiga Lenórienn

Capítulo Três
338
história dos elfos, além de informações sobre as naus que deixa pegadas; as árvores são altas, com copas densas;
mágicas que os trouxeram a Arton. E, ao contrário do as montanhas são escarpadas e inclementes. É preciso
que alguns pensam, os duyshidakk não destruíram esse se manter longe de quaisquer povoados e sobreviver
conhecimento — estão há anos tentando incorporá-lo inteiramente de caça e coleta, pois nenhum lamnoriano
a suas táticas. Parece estar começando a dar certo, pois vai colaborar com um invasor. As únicas exceções conhe-
já existem druidas duyshidakk capazes de rearranjar cidas são devotos de Ragnar que odeiam os seguidores
prédios vivos com a mesma velocidade com que os de Thwor — mas apenas alguém muito tolo ou muito
engenhoqueiros modificam estruturas normais. desesperado confiaria em adoradores da Morte... Não
existindo dinheiro ou propriedade privada, também
Oyteyrehnn, o Porto é difícil subornar um habitante de Lamnor. Também
existem relatos de nortistas que morrem de fome sem
dos Desbravadores nunca ter encontrado um duyshidakk, apenas porque
Esta pequena cidade no interior do Doyshnyurtt não foram capazes de explorar toda a riqueza desta terra.
poderia não ser notável, exceto por um detalhe: em
Vários nortistas vêm a Lamnor em busca de artefatos
Oyteyrehnn é proibido haver finais.
ou enclaves élficos. A Floresta de Myrvallar, onde se
Oyteyrehnn é o maior centro de construção e localiza Rarnaakk, é assunto de muitos boatos. Alguns
decolagem de ornitópteros do mundo conhecido, a dizem que há ruínas élficas contendo segredos ainda
capital dos aeronautas goblins, um verdadeiro porto maiores do que na antiga capital. Outros vão mais longe,
aéreo. Toda a cidade é uma enorme oficina — pois as afirmando que algumas comunidades élficas persistem
centenas de oficinas são remodeladas o tempo todo e os em suas profundezas, mantendo-se ocultas através de
engenhoqueiros goblins circulam entre elas, pegando magia e treinando para o dia em que possam se vingar
as peças de que precisam e se metendo nas criações dos goblinoides. Também há exploradores do norte que
uns dos outros. Outras raças também vivem aqui, mas não têm nada contra os duyshidakk, mas que desejam
sempre a serviço dos veículos voadores. pesquisar o passado de Arton — descobrir mais sobre
Para afastar o porto de qualquer noção de Fim, o Império Nardmyr e outras civilizações ancestrais.
Estagnação ou Morte no Akzath, ninguém morre em Existem boatos de que, no interior de alguma masmorra
Oyteyrehnn. Cidadãos moribundos são rapidamente em Lamnor, está o pergaminho contendo as primeiras
levados para longe. De forma inversa, aqui há uma letras escritas, a grande dádiva de Tanna-Toh à Rainha
quantidade desproporcional de nascimentos — partos Barda. Rumores ainda mais ousados afirmam que a
dentro do porto são considerados benéficos para todos. Cidade Dourada ainda existe em algum lugar e guarda
O fato mais curioso sobre este lugar é que nenhuma tesouros inimagináveis. Por fim, existem aventureiros
jornada pode terminar aqui. Assim, os aeronautas extremamente corajosos (ou loucos) que vêm a Lamnor
partem de Oyteyrehnn, mas nunca voltam, ao menos para tentar travar relações diplomáticas com os duyshi-
não com seus ornitópteros ou de forma permanente. dakk. Alguns buscam conhecer as heroínas Maryx e
A população é muito variável, já que um aeronauta Thraan’ya. Os poucos nortistas devotos de Thwor vêm
de passagem não se arrisca a ficar tempo demais, para a Lamnor para ter com o sumo-sacerdote Khorr’benn.
que ainda possa ser considerado como estando “no Tudo isso se inverte no caso de aventureiros duyshi-
meio do caminho” para algum lugar. dakk. Para heróis lamnorianos, quase todas as missões
Muitos procuram Oyteyrehnn quando precisam de têm o objetivo de preservar sua civilização ou debelar
mensageiros ou transporte rápido. Algumas das mais alguma ameaça antes que se torne grande demais.
ousadas invenções goblins são criadas aqui. E, se você Alguns fazem longas peregrinações pelo continente para
acreditar no Akzath, tudo que é criado neste porto tem conhecer Urkk’thran ou levar prisioneiros ao Eclipse
menos chance de explodir e desabar espetacularmente... de Sangue em Farddenn, outros descobrem planos de
generais indignos que desejam clamar para si o legado
do Ayrrak, enquanto outros ainda combatem invasores
Aventuras do norte. E, como uma cultura artoniana completa, os
duyshidakk também formam grupos de aventureiros que
Missões em Lamnor variam muito e dependem de exploram ruínas em busca de itens mágicos e aceitam
uma premissa básica: se o aventureiro é um duyshidakk missões “normais”. Hoje em dia existem aventureiros
ou um explorador do norte. duyshidakk que nunca tiveram contato com as ameaças
Aventureiros vindos do norte encontram em Lamnor do norte — apenas buscam poder e fama, conhecer o
um de seus maiores desafios. Tudo aqui é hostil: as continente e se tornar heróis. Exatamente como seus
estradas são cobertas de uma estranha resina grudenta pais e avós lutaram para que acontecesse.

Além de Arton
339
Ilustração

Khalifor A FORTALE Z A CONQUISTADA

A
história de Arton é repleta de alian- tudo que é considerado “civilizado”. Contudo, hoje
ças, guerras, feitos heroicos e atos em dia é ela mesma um antro — não só de selvagens
de vilania. Mas, século após século, e bárbaros, mas também de mortos-vivos, cultistas,
existe uma constante: os continentes assassinos e coisas ainda piores...
de Ramnor e Lamnor temem um ao outro, cada
um alternadamente considerando-se o centro O Herói Arquiteto
da civilização e enxergando o vizinho como um A história de Khalifor começa no ano 750 CE.
antro de selvageria e barbárie. E há séculos a O reino de Gordimarr passava por uma explosão de
defesa do sul contra o norte ou do norte contra desenvolvimento da ciência, da cultura e da exploração.
o sul é feita no mesmo lugar. O Rei Protas III apadrinhava aventureiros, para que
trouxessem conhecimento e riquezas ao reino. Um
Khalifor, a cidade-fortaleza.
desses foi Khalil de Gordimarr, que liderou uma
Com suas muralhas gigantescas e suas defesas expedição de centenas de soldados para desbravar o
inexpugnáveis, Khalifor sempre foi um bastião de continente de Ramnor, ao norte.

Capítulo Três
340
Quando Khalil retornou, estava acompanhado
de apenas 40 guerreiros. Ele relatou os horrores do
O Bastião Solitário
continente selvagem, contou histórias sobre povos Durante séculos, nada nem ninguém passou pelas
monstruosos e tribos sanguinárias. Ninguém sabe muralhas de Khalifor. Os povos do norte não eram
quem ou o que Khalil pode ter encontrado, embora as expansionistas e o sul os temia, preferindo se manter
canções dos bardos falem de dragões, do império dos longe. Khalifor barrou alguns ataques em pequena
gigantes e de outras facções malignas. Talvez Khalil escala, mas nada digno de nota. A cidade-fortaleza se
tenha mesmo tido o infortúnio de se deparar com os tornou autossuficiente e, com o tempo, deixou de ser
povos mais hostis de Arton. Ou talvez tenha pisado no parte do reino de Gordimarr. Sem lealdade a nenhum
continente com a arrogância típica de muitos nobres rei, idolatrando a figura de seu fundador, liderada por
de Lamnor. Mas não há nenhum relato que sugira que um Conselho e mantida pela Leal Guilda dos Baluartes,
ele tenha sido nada além de um líder honrado e um Khalifor era uma força independente.
aventureiro corajoso. Alguns historiadores especulam Seus portões foram abertos pela primeira vez
que a tragédia da expedição de Khalil tenha sido or- quando a Caravana dos Exilados atravessou o istmo
questrada pelos deuses, para barrar o avanço de Lamnor rumo ao norte. Durante os muitos dias de passagem,
ou mesmo para motivar a maior obra desse herói. Khalifor ficou em silêncio. As portas de cada casa e
Seja como for, Khalil de Gordimarr recebeu de seu de cada comércio permaneceram trancadas. Todo o
rei a ordem de proteger o sul contra os horrores que contingente de soldados foi às ruas para vigiar os
descreveu. Para isso, construiria a primeira linha de exilados e garantir que nenhum deles escaparia para
defesa de Lamnor, uma cidade-fortaleza preparada para se estabelecer ali. Quando o último deixou a cidade,
resistir a qualquer ataque e barrar qualquer invasão. os portões foram fechados mais uma vez. Séculos se
Antes que a primeira pedra fosse movida, a empreitada passariam antes que fossem novamente abertos.
já tinha nome. O bastião seria chamado Khalifor. Khalifor acompanhou com interesse distante a
A construção de Khalifor foi por si só uma saga de formação do Reinado. Mesmo tendo sido fundada
heroísmo. Milhares de pessoas rumaram na direção do devido ao medo do norte, já não tinha mais ligação
Istmo de Hangpharstyth, dispostas a largar tudo para oficial com Lamnor e observava com igual cautela os
auxiliar. Eram trabalhadores, soldados, fazendeiros, dois lados, sem se meter nos assuntos de nenhum deles.
taverneiros, alquimistas, ferreiros... Mas os mais
Enquanto Lamnor se voltava cada vez mais
celebrados de todos, os verdadeiros heróis da fundação
para si mesmo, a primeira nação a ter contato com
da cidade, foram os arquitetos e engenheiros.
Khalifor foi Tyrondir, na época conhecido como “o
Khalil era um homem versátil, um aventureiro à Reino da Fronteira”. A relação começou de forma
vontade tanto lutando com uma espada quanto pes- hostil. Aldeões tyrondinos que se aproximavam da
quisando em alfarrábios. Ele se dedicou ao estudo das cidade-fortaleza eram mantidos à distância com tiros
mais avançadas técnicas de construção, aconselhou-se de catapulta e chegou a haver um plano de enviar
com os maiores sábios e chegou a desenvolver novos batalhões de Khalifor para destruir os vilarejos que se
meios de fortalecer muralhas e melhorar armas de formavam nas proximidades — o que provavelmente
cerco. Recrutou os melhores artesãos para trabalhar levaria a uma guerra entre os continentes. O banho
na cidade-fortaleza que se erguia e, depois de semanas de sangue só foi evitado pela intervenção da então
de testes árduos, formou com eles a Leal Guilda dos sumo-sacerdotisa de Marah, Gillian Cloudheart.
Baluartes de Khalifor, sendo ele mesmo seu mestre. Aproximando-se das muralhas sozinha e desarmada,
Uma irmandade tão cheia de rituais e códigos de ela negociou um acordo entre os dois lados.
honra quanto uma ordem de cavalaria, a Guilda dos Os limites de Tyrondir foram estabelecidos for-
Baluartes se tornou assunto de lendas. Seus membros malmente, com a aldeia de Dagba sendo considerada
usavam uma máscara dourada e empunhavam um o último marco do reino. A coroa reconheceu a cida-
grande martelo de adamante, capaz de quebrar pedras de-fortaleza como uma nação soberana e, aos poucos,
e executar tarefas delicadas com a mesma facilidade. formou-se uma relação de neutralidade tranquila.
Muitos morreram durante a construção de O temor mútuo entre Lamnor e Ramnor continuou.
Khalifor, sendo enterrados sob suas muralhas como O Reinado desconfiava que velhas inimizades pudes-
uma imensa honraria. Mas, quando a cidade-fortaleza sem se reacender, agora que o norte tinha riquezas a
enfim estava pronta, Lamnor soube que nunca mais serem saqueadas. Quanto ao sul, ninguém sabia — o
precisaria temer o norte. que também era preocupante. E foi do sul que veio a
E, de fato, nunca mais precisou. próxima grande ameaça.

Além de Arton
341
A Sombra da Morte arma capaz de vencer Khalifor. Quando soube do
perigo, Ghallen Forandi ordenou que as catapultas
Khalifor voltou a cumprir seu papel de muralha das muralhas fossem virados para dentro, num
do istmo com a ascensão da Aliança Negra, o imenso esforço desesperado para alterar todas as defesas da
exército goblinoide de Thwor Ironfist. Os goblinoides cidade-fortaleza. O processo foi completado a tempo,
destruíram o reino élfico de Lenórienn e conquistaram mas provou-se inútil. A Aliança Negra marchou para
os reinos humanos do sul um a um. Mesmo que a as muralhas em peso, enquanto a Carruagem de
cidade-fortaleza estivesse isolada da política de Lamnor, Ragnar surgiu do lado de dentro, despejando centenas
notícias tão graves chegaram aos ouvidos do Conselho. de guerreiros goblinoides e abrindo caminho para
Mas os conselheiros não deram importância às histórias outros milhares pelos túneis. Divididas, as forças de
— afinal, goblinoides nunca haviam sido um grande Khalifor foram incapazes de sobrepujar o ataque. As
problema para os humanos. Foi apenas a chegada do catapultas fizeram sérios estragos aos invasores, mas
hynne Boghan e do elfo Thalin, trazendo a criança muitos engenheiros de guerra se viram incapazes de
meia-elfa Laessalya, que tirou Khalifor de seu torpor.
destruir pedaços da maravilha arquitetônica que seus
O trio havia sobrevivido ao massacre de uma cidade antepassados tinham construído. No fim, Ghallen
e vira com os próprios olhos o poderio de Thwor. Um Forandi morreu em combate pessoal contra Thwor.
relato tão detalhado não podia ser ignorado. Era fácil
Khalifor caíra. Não havia mais nenhuma barreira
notar que Khalifor seria o próximo passo na conquista,
entre o norte e a Aliança Negra.
mas a cidade-fortaleza não podia, sozinha, fazer frente
à horda. O Conselheiro-Mor Ghallen Forandi pediu
ajuda ao único aliado histórico de Khalifor, o reino de A Segunda Queda
Tyrondir. Contudo, o então rei Balek III era descenden- Em 1400, Thwor e seus duyshidakk eram os
te direto de um dos nobres expulsos do continente sul. senhores de Khalifor, que rebatizaram de Ragnarkhor-
Assim como muitos de seus predecessores, nutria um rangor, ou “Escudo de Ragnar”. Curiosamente, ao
grande ressentimento por Lamnor e considerava que contrário das outras cidades que conquistaram, o novo
Khalifor era “sulista”. Os pedidos de Ghallen foram nome nunca foi amplamente usado. Khalifor seguiu
ignorados com meias palavras e desculpas polidas. sendo Khalifor.
Apenas um punhado de soldados residentes nas aldeias
A Aliança Negra estabeleceu sua capital aqui,
mais ao sul foram reforçar a cidade-fortaleza, através
substituindo Lenórienn, enquanto Urkk’thran não
de acordos diretos com cada burgomestre.
estava terminada. Thwor governou de dentro da torre
Thwor deteve sua marcha antes de chegar a central da cidade-fortaleza durante anos, enquanto
Khalifor e, durante 10 anos, tropas da Aliança Negra grandes números de criaturas monstruosas e macabras
e da cidade-fortaleza existiram a poucos quilômetros eram atraídas. Em Lamnor, as cidades goblinoides
de distância, com pequenas escaramuças ocasionais. explodiam em vida e existiam num constante estado
Incapaz de debelar a ameaça pela força das armas, de mudança, sendo reconstruídas a cada dia. Mas
concentrou seus esforços em descobrir a Flecha de Khalifor apenas afundava em degradação. Lixo e de-
Fogo, a arma profetizada que poderia dar cabo do jetos tomavam as ruas. Os duyshidakk se adequavam
general goblinoide. Tudo isso colaborou para que aos costumes e hábitos dos humanos que tinham
os conselheiros se tornassem complacentes. Afinal, massacrado. Vampiros, bruxas, demônios e todo tipo
Khalifor nunca caíra. Parecia que o impasse continuaria de criaturas malignas passaram a infestar cada beco.
para sempre. Khalifor não era apenas uma fortaleza conquistada —
Apenas Ghallen Forandi continuou vigilante. O era uma fortaleza maldita.
Conselheiro-Mor enviou um grupo de aventureiros Os duyshidakk que passaram a viver aqui se
para se infiltrar nas tropas inimigas. Eram o paladino tornaram mais parecidos com humanos — segundo
Krian Bruph Hauser, o mago elfo Ivelian Thilgurth, alguns, deixaram de ser duyshidakk. Khalifor conti-
a dahllan druida Caliandra, o armeiro kliren Xedes nuou usando dinheiro, mesmo goblinoides que nunca
Iniv e a barda Elise Bellerose — mas, durante a tinham tido contato com isso passaram a se apegar ao
missão, todos foram magicamente transformados em conceito de posse. Mais estranho ainda: aos poucos, os
goblinoides! Eles voltaram com notícias assombrosas: goblinoides de Khalifor aprenderam valkar, o idioma
a Aliança Negra estava construindo uma nova máquina comum do Reinado. A explicação mais simples para
de guerra, capaz de escavar túneis subterrâneos. isso é que, com o influxo de habitantes macabros, era
A Carruagem de Ragnar, como os goblinoides preciso haver uma língua franca. Mas muitos suspeitam
chamavam seu novo invento, provou-se a única de algo mais sinistro.

Capítulo Três
342
A nagah Serena Redscale, uma das poucas sábias da cidade, apenas para depois serem derrotados e
que já explorou Khalifor e voltou para relatar seus substituídos por outros. Um pretenso explorador
achados, tem a teoria de que a cidade-fortaleza foi nunca sabe se os guardiões da entrada irão permitir
maculada por Ragnar, o antigo Deus da Morte. Mesmo sua passagem, cobrar uma taxa, barrá-lo totalmente
logo após a ocupação de Thwor, Khalifor pertencia ou deixar que entre para então emboscá-lo.
mais ao clero de Ragnar do que à Aliança Negra. De Duas das principais ruas de Khalifor são a Rua do
fato, quando Urkk’thran se tornou habitável, Thwor Morrião e a Rua da Burla. Na Rua do Morrião ficam
se estabeleceu lá e deixou a cidade-fortaleza para seus as principais tavernas da cidade. Entre elas, o Salão
habitantes macabros. Assim foi por mais de uma da Espada Quebrada, que abriga uma arena mortal
década, com poucos aventureiros do norte ousando onde se pode enfrentar desde campeões do norte até
chegar perto de Khalifor, até a queda da Flecha de Fogo. demônios, e o Clube do Cálice, um estabelecimento
A “arma” se revelou como um cometa que se de vampiros onde os mortais são bem-vindos apenas
despedaçou antes de atingir Arton. Um dos maiores como bebida. Já a Rua da Burla abriga muitas lojas.
fragmentos atingiu a Cordilheira de Kanter e uma Um dos poucos habitantes não malignos de Khalifor
avalanche soterrou parte de Khalifor. E, quando a poeira vive aqui: Rufogolius, o cogumelo anão herborista.
se assentou e teve início um mês em que ninguém em Embora seja estranho, ele vende seus produtos sem
Arton morreu, Khalifor viu que seus mortos haviam tentar enganar ou matar seus clientes. A Forja Infernal
se erguido. Goblinoides e humanos de todas as eras é a oficina de um demônio armeiro e há várias barracas
desde a construção da cidade-fortaleza saíram de suas temporárias com produtos variados. Nesta rua também
tumbas, sem saber quanto tempo havia se passado. fica o Beco das Brumas, um local enevoado onde as
“lojas” não passam de armadilhas para os incautos.
Agora, sem liderança e sem pertencer a lugar
nenhum, Khalifor continua sendo um bastião — um Por toda a cidade há cultos a Ragnar. Mesmo sem
bastião da maldade. receber poderes, devotos do Deus da Morte continu-
am fazendo sacrifícios. Muitos se tornaram ainda mais
sádicos, na crença de que seu patrono poderia retornar
O Cadáver da Fortaleza com atos de crueldade extrema. Sszzaazitas se infiltra-
Khalifor ainda tem a maior parte das características ram aqui para amealhar seguidores entre aqueles aban-
de uma cidade humana: as ruas têm nomes; cada família donados pelo deus morto. Também existem cultos me-
habita uma casa; existem lojas, tavernas, oficinas... nos sanguinários, mas ainda sinistros — o hobgoblin
A grande diferença é que tudo aqui é distorcido. Os Guntar lidera uma seita de devotos militantes de Te-
habitantes parecem odiar uns aos outros e a própria nebra, voltados à guerra e fanaticamente confiantes de
cidade. Deixam imundície se acumular nas vias e sabem que a Deusa das Trevas lhes dá forças sobrenaturais.
que andar mais de alguns quarteirões é assumir risco
O centro de Khalifor é coberto de detritos e cheio
de vida. Não existe autoridade em Khalifor — mas
de cenas grotescas. Humanoides escravizados, rituais
também não existe a coletividade caótica dos duyshi-
sangrentos e cenas de violência são comuns. Aqui fica
dakk. Khalifor é um lugar de aventureiros, de vítimas
a Torre do Conselho, antiga sede dos conselheiros e
e, principalmente, de monstros. Como uma hobgoblin
antigo trono de Thwor. Uma construção ampla e alta,
falou certa vez: “Khalifor é onde as histórias que os
cheia de salões e corredores labirínticos, a torre possui
humanos contam para aterrorizar seus filhos são reais”.
muitas seções separadas — desde oficinas goblins até
Até mesmo animais têm medo de chegar perto, altares demoníacos. Hoje, a torre é o palco de uma
tornando os caminhos desabados e a cordilheira escar- guerra fria e particular, com diferentes facções tentando
pada estranhamente silenciosos perto deste antro. As tomar o controle e, assim, dominar Khalifor.
muralhas se erguem sucessivamente — não concêntricas,
Embora seja um dos piores lugares de Arton,
mas em padrões intrincados, paralelas e perpendiculares
Khalifor conta com uma esperança: entre os mortos que
umas às outras. Formam vários gargalos, de modo que
se ergueram após a queda da Flecha de Fogo, existem
mesmo grupos pequenos têm dificuldade de passar ao
soldados humanos, aventureiros e, acima de tudo,
largo. Para exércitos, isso é impossível. O lodo negro,
membros da Leal Guilda dos Baluartes. Esses artesãos
o sangue de Ragnar, brota de vários pontos ao redor, esqueléticos ainda estão se adaptando à realidade atual,
tornando a aproximação traiçoeira e letal. mas não admitem ver sua amada cidade-fortaleza tomada
Os portões de Khalifor são enormes, feitos de ferro, por monstros. Boatos dizem que entre os esqueletos
e até hoje guarnecidos por soldados e monstros. Como reanimados estaria o próprio Khalil de Gordimarr,
não há autoridade, esses soldados são membros de disposto a mais uma vez liderar a ordem de construtores
bandos e companhias mercenárias que tomam áreas numa tarefa impossível — retomar a cidade-fortaleza.

Além de Arton
343
Ilustração

Capítulo Três
344
Khubar O REINO ARQUIPÉL AGO

U
ma das poucas terras nas cercanias do capazes de demonstrar. Khubar chorou e implorou
Reinado que mantém sua cultura ances- sobre os cadáveres de seus filhos e Benthos, o Rei
tral, Khubar é uma nação independente e dos Dragões Marinhos, respondeu ao chamado.
orgulhosa disso. Sua estética única, das Não houve chance para os invasores. A própria
vestimentas à arquitetura, é exibida majestosa- capital de Bielefeld foi arrasada pelas ondas, sua costa
mente ao lado de peças inspiradas no continente. varrida pela cólera do dragão marinho. Subitamente
conscientes de que o povo do arquipélago tinha presas
Fora do continente, fora das leis do Reinado,
afiadas, os povos do continente, liderados por Deheon,
protegido pelo próprio Benthos, o Reino Arquipélago
receberam diplomatas khubarianos e se apressaram
é um ponto-chave para o comércio e a pirataria no
em reconhecer a soberania local. Após poucos anos
Mar do Dragão Rei.
de negociação, Khubar se tornou parte do Reinado.
Por muitas décadas, Benthos não retornou para
História proteger Khubar. A mera lembrança da destruição de
Lendilkar servia para desencorajar qualquer tentativa
O arquipélago de Khubar existe desde que Arton foi de agressão. Em épocas recentes, porém, o Dragão Rei
criado pelos deuses. Quando os refugiados de Lamnor se viu forçado a defender o arquipélago duas vezes.
chegaram, encontraram o povo khubariano em estágio A primeira veio diante do Dragão da Tormenta,
avançado de desenvolvimento filosófico e teológico. um ser aberrante de poder inigualável. Embora
No ano de 1037 após a chegada dos elfos, o rei de tenha sido derrotado, Benthos conseguiu garantir a
Bielefeld, Thomas Lendilkar, decidiu usar seu poderio integridade de Khubar diante do ataque. A segunda
militar para obter o que imaginava ser uma conquista veio recentemente, contra a Flecha de Fogo e os
fácil. Mesmo encontrando oposição na própria corte, efeitos de seu impacto, que ameaçaram afundar todo
Bielefeld invadiu Khubar em uma campanha militar o arquipélago com ondas gigantescas.
sangrenta. Os guerreiros khubarianos eram valorosos, Khulai Hûk temia que as guerras do continente
mas não estavam preparados para armaduras de aço pudessem ameaçar seu reino já combalido enquanto
e cargas de cavalaria. Tudo parecia perdido até um lidava com o comércio marítimo que se intensificava
sacerdote, Mansur Marrendor, encontrar no livro graças à destruição do istmo pela Flecha. Diploma-
sagrado Shahirik-Lokhût um ritual capaz de invocar ticamente, negociou a saída de Khubar do Reinado,
uma força mais poderosa que qualquer exército. ao mesmo tempo em que reafirmou acordos de
Dezenas de sacerdotes se uniram em oração, pedin- não-agressão e tratados de paz. Isolado, respeitado
do intervenção divina. Rogaram não pela placidez que e um tanto temido, Khubar permanece firme no Mar
costumavam esperar do oceano, mas pela ferocidade do Dragão Rei como um porto importantíssimo e um
que somente as mais temíveis bestas marinhas eram terreno neutro seguro para toda Arton.

Além de Arton
345
Geografia começam a ser aplicadas na adolescência, cada uma
representando uma característica de personalidade ou
Khubar é um arquipélago na costa sul de Ar- feito pessoal. O ofício de tatuador é extremamente
ton banhado pelo Mar do Dragão Rei e composto respeitado, tradicionalmente ocupado apenas por sacer-
de sete ilhas: Khubar (a maior), Hurtka, Ghurka, dotes. Acredita-se que os próprios deuses acompanham
Klihar, Benth-Hakk, Slu Hathr e Thalkar. Todas com atenção quando uma tatuagem é feita, portanto
são pontilhadas de selvas, montanhas, desfiladeiros mentir sobre os detalhes dela ou cometer erros durante
e vulcões. A atividade vulcânica é tão forte nas ilhas o processo é blasfêmia.
que foi a origem de algumas delas e até de outras Isso não significa, porém, que a arte da tatuagem
ilhas menores, presentes apenas em cartas marítimas seja vista de forma solene. Somente os tatuadores
obtidas de navegantes khubarianos ou de piratas pouco mais inexperientes fazem questão de trabalhar em
dispostos a vendê-las condições silenciosas e contemplativas. Para os vete-
O clima é tropical; quente e úmido. Aliado à ranos, cada tatuagem é uma festa; a conversa com os
composição vulcânica do solo, torna a agricultura clientes é regada a bebidas tão fortes quanto coloridas,
local muito eficiente. Ainda assim, geralmente é vol- transeuntes entram e saem da cabana atraídos pela
tada para consumo interno. Apenas algumas cidades, música animada dos bardos assistentes. A primeira
como Alkeram, contam com cultivo específico para tatuagem, em especial, é um ritual de passagem
exportação, frequentemente realizado por imigrantes. memorável. A leitura do significado de uma tatuagem
O negócio mais lucrativo ainda é a pesca, como tem é uma arte por si só; embora detalhes superficiais
sido tradicionalmente há séculos. possam ser compreendidos com o mero olhar de
um observador habituado, há muitas nuances que
Suas águas fazem divisa com as costas de Aslothia, requerem estudo cuidadoso. Ainda assim, vestindo
Bielefeld e Wynnla. As relações diplomáticas são ami- seu passado na pele, os khubarianos aprendem a
gáveis com os dois últimos reinos e cautelosamente serem ao mesmo tempo mais transparentes e menos
neutras com o primeiro. falantes que a maioria dos povos do continente. A
aura de mistério que carregam nas terras do Reinado

Povo & Costumes provavelmente advém desse hábito.


A sobrevivência nas ilhas depende muito do mar e
A maior parte da população de Khubar é composta das criaturas que nele residem. A pesca é ensinada desde
por humanos, hynne, minotauros e tritões. Os nativos muito cedo, com uma variedade que arrisca enlouquecer
costumam ter pele em diversos tons de preto e cabelos forasteiros devido à calma quase ritualística empregada
pretos ou castanhos, mas não é incomum a presença em sua realização. Mesmo a montaria tradicional dos
de outros tipos físicos, especialmente os de pele clara khubarianos, o lagarto tumarkhân, não é rápida como
perpetuamente queimada de sol. Um grande número os cavalos preferidos no continente. Engana-se, porém,
de refugiados chegou à costa de Khubar devido às quem considera toda essa paciência uma forma de
guerras e intempéries do continente, aumentando preguiça. O empenho no trabalho é fundamental para
principalmente as populações de hynne e minotauros a sociedade, estampado nas tatuagens como forma de
no reino. Dada a tradicional receptividade khubariana a orgulho. O povo preza pela excelência, mas entende
imigrantes e a recente abertura do Mar do Dragão Rei, que pode ser necessário errar antes de acertar.
até mesmo membros de povos incomuns no Reinado, Os habitantes de Khubar têm poucos recursos
como medusas e kliren, podem ser encontrados com minerais em seu arquipélago, sendo forçados a buscar
relativa frequência no arquipélago. Alguns desses imi- alternativas para suas ferramentas e armamentos.
grantes apenas fixam residência em Khubar e mantêm Uma das mais tradicionais, principalmente entre os
os costumes de sua terra natal, mas a maioria acaba devotos de Benthos, é o “coral-de-ferro” chamado de
abraçando o estilo de vida único do reino arquipélago. lanajuste em rukhahûr. Grandes guerreiros khuba-
O costume khubariano mais evidente, pelo qual rianos se arriscam a nadar nos paredões afiados de
o reino é conhecido no continente, são as tatuagens. lanajuste em busca de uma formação de boa qualidade.
Para deixá-las à mostra, o povo usa roupas e arma- A técnica de extração do material é um segredo bem
duras próprias, como tangas, saiotes e pantalonas. guardado da Irmandade dos Pescadores, assim como
Dificilmente vestem robes, mantos ou armaduras sua manufatura. Um mestre artesão leva algumas
pesadas. Esses intrincados padrões abstratos adornam semanas para esculpir, polir e afiar a porção de coral
metade do corpo dos habitantes, como se uma linha colhida e transformá-la em uma cimitarra, conhecida
vertical imaginária dividisse seus corpos. As tatuagens como “espada de coral”.

Capítulo Três
346
Embora quase todo khubariano seja fluente em
valkar, a língua local é o rukhahûr. Com fonética ex-
tremamente rica, o rukhahûr tem muitos sons inexis-
tentes nas outras línguas. É muito difícil que um es-
trangeiro consiga falar no idioma local sem sotaque,
mas seu aprendizado é incentivado pelo povo nati-
vo. Conta com dois alfabetos, um para uso tradicio-
nal e outro para uso em textos religiosos e tatuagens.
A arquitetura khubariana usa materiais distintos
dos utilizados no continente, principalmente bambu,
troncos de palmeira, palha, folhas e coral. Esses ma-
teriais criam cabanas frescas e confortáveis mesmo
na temperatura tropical. Sua construção tem sido
cada vez mais misturada com técnicas trazidas do
continente, produzindo cabanas maiores e até de mais
de um andar. Algumas famílias tamalus tentam até
mesmo replicar castelos com essas técnicas, com graus
variáveis de sucesso.
Khubar
Espiritualidade Nome oficial: União Eletiva
e Dualidade Independente do Arquipélago de Khubar.
Em Khubar, o Panteão inteiro é venerado, mas cin-
Lema: “Respeite a força do mar.”
co deuses recebem mais destaque por serem a origem
das cinco virtudes divinas, as dádivas responsáveis Brasão: XXXXX XXXXX XXXXX
pela dualidade dos mortais. A placidez do Oceano, a Gentílico: khubariano.
ferocidade de Megalokk, a harmonia de Allihanna,
Capital: Valarur.
a piedade de Lena e a adaptabilidade de Nimb são
os componentes da maior força da humanidade, seu Forma de governo: monarquia eletiva.
potencial inato tanto para o bem quanto para o mal. Regente: Khulai Hûk.
Devido a esse papel fundamental na cultura local, deu-
População: 650.000.
ses como Nimb e principalmente Megalokk, vistos com
desconfiança no continente, são adorados abertamente Raças principais: Humanos, hynne,
no arquipélago. Por entenderem a si próprios como minotauros e tritões.
criaturas do equilíbrio, os khubarianos têm facilidade Divindades principais: Allihanna,
em perdoar e dificilmente julgam indivíduos por erros Benthos, Lena, Megalokk, Nimb, Oceano.
de nações ou grupos aos quais pertençam. Da mesma
forma, sua confiança raramente é absoluta. Seja um
parente, um amante ou um mentor, todo khubariano
sabe que o potencial para o mal reside no coração de da Tormenta e protegeu o reino dos efeitos da Flecha
todos que têm ao seu redor. Assim, os visitantes que de Fogo. Plácido durante grande parte do tempo e fe-
chegam ao arquipélago são recebidos sem julgamen- roz quando provocado, o dragão é um exemplo pode-
tos, mas dificilmente conseguem se aproveitar dessa roso das filosofias adotadas no reino. O khubariano
confiança para tirar vantagem dos nativos. médio confia nos deuses do Panteão para proteger sua
Além dos deuses do Panteão, outra fé se desta- alma e em Benthos para proteger sua vida. Animados
ca em Khubar pela sua proximidade e tangibilidade. festivais de oferenda ao Dragão Rei são comuns por
O Dragão Rei Benthos, senhor dos mares, é protetor todo o arquipélago e, muito raramente, a silhueta do
do reino desde o confronto com Bielefeld. Mesmo an- próprio dragão pode ser vista enquanto ele observa
tes disso já era honrado com preces e oferendas pelos de longe o povo que jurou proteger.
khubarianos, mas essa devoção aumentou quando o Tanto as tatuagens quanto as virtudes sagradas
povo pôde ver seu deus literalmente lutando por eles. são oriundos do livro sagrado Shahirik-Lokhût. Com-
Isso apenas se fortaleceu em tempos recentes, quan- posto de histórias milenares resgatadas da tradição
do a divindade menor enfrentou o aberrante Dragão oral, apresentando perspectivas locais sobre cosmo-

Além de Arton
347
logia e filosofia, é o cerne da estrutura sócio-cultu- o reino. Um dos principais feitos diplomáticos de
ral do reino. Mais do que qualquer outra coisa, é o Khulai Hûk em décadas recentes foi conseguir que
Shahirik-Lokhût que empresta um senso de unidade os estrangeiros passassem a usar o nome nativo da
para as ilhas que compõem Khubar. Escrito de for- capital em vez da enfadonha transliteração anterior,
ma quase impenetrável para um estrangeiro, apre- espalhada por um bardo com domínio muito tênue
senta histórias e lições sobre os deuses, as criaturas do rukhahûr. Entre as construções locais mais impor-
do mar e o próprio povo do arquipélago através de tantes estão o Salão Khubariano, sede do governo;
linguagem extremamente figurada e com múltiplas a Oficina dos Espíritos, onde os sábios de maior
interpretações. Alguns estudiosos locais afirmam ter destaque do reino se reúnem; o Mercado de Trocas
percebido alusões a eventos recentes, como o silên- e Escambo, centro comercial mais movimentado do
cio do Oceano, em suas leituras do livro. Conside- reino e o Altar das Ondas, maior templo das ilhas
rando que Thyatis não é um dos deuses relacionados para o Oceano, construído parcialmente dentro do
ao Shahirik-Lokhût, a premissa encontra resistência mar e recebendo devotos cada vez mais confusos com
por parte de teólogos do continente. Também não é o silêncio recente da divindade.
uma hipótese popular nas ilhas, mas exclusivamen-
te pela preferência dos khubarianos de viver o hoje.
Não há motivo para acelerar o amanhã.
Alkeram
Antes da Guerra Artoniana, era uma pequena vila
de pescadores. Atraía atenção principalmente como
Governo palco da invocação de Benthos durante a invasão de
Bielefeld. Sua orla ostenta, na divisa entre a areia
Khubar é governado pelo Tamalu-Moi Khulai- seca e a molhada, onde o mar ainda bate um pouco,
-Hûk há três décadas. Grande sábio, hábil diplomata a estátua de obsidiana em tamanho real de Mansur
e historiador renomado, Khulai é patriarca da família Marrendor e o altar de oferendas para Benthos como
Hûk, uma das mais antigas de Valarur. Apesar da símbolos desse feito. Até hoje pessoas se sentam ao
escolha do principal mandatário acontecer de dez em redor dela pedindo conselhos mentalmente; alguns
dez anos, Khulai permanece no poder graças à sua juram ter sido atendidos. Depois da guerra, muitos
extrema popularidade entre os tamalus. refugiados vieram a Khubar e Alkeram, o lugar mais
Tamalu é uma palavra com significado complexo e próximo da proteção do Dragão Rei, se tornou um
intrínseco a Khubar, interpretada como “pessoa digna destino sedutor e cresceu de forma caótica.
de atenção e respeito devido a realizações passadas”,
A coronel Karmen Roth, expulsa da Supremacia
mas costuma ser traduzido como “nobre” no continente.
Purista por usar seus soldados como cobaias em expe-
Somente tamalus podem votar e exercer cargos públicos.
rimentos arcanos, tentou se aproveitar da chegada de
Essa casta é atingida ao realizar um grande feito e tê-lo
muitos imigrantes para assumir o comando da cidade.
eternizado em forma de tatuagem por um membro
Foi derrotada e expulsa por um grupo de aventureiros,
já reconhecido da casta. Tamalus de segunda geração
mas ainda há rumores de apologistas puristas na cidade.
têm os feitos de seus antepassados resumidos em sua
primeira tatuagem. Ainda precisam se provar e, se não Alkeram se divide entre a Cidade Velha, as regiões
realizarem nada relevante até o fim da adolescência, históricas de quando era apenas uma ilha de pescado-
perdem esse status. Esse evento é vergonhoso, mas res; o Distrito do Fumo, onde hynne refugiados se
também corriqueiro, costumando ser aceito com um aproveitam do solo vulcânico para plantar tabaco, e o
suspiro resignado. A Irmandade dos Pescadores costuma Distrito do Chifre, onde imigrantes minotauros vivem
criticar o quão nebulosa é a definição de “grande feito”, em uma espécie de acampamento militar permanente.
dependente apenas da vontade de um tatuador tamalu. Seu ponto mais assombroso, porém, é uma hu-
Na prática, a preocupação com a própria reputação milde capela no Distrito do Fumo. Nela, a solícita e
costuma evitar jogos de interesse. sorridente clériga Celene ajuda os locais com milagres
e conselhos. A cada missa, a capela fica mais cheia. Até

Locais Importantes mesmo o regente local, Jihk Benthosi, tem sido visto
nos cultos. Celene é uma das heroínas que salvaram
Alkeram dos puristas, muito querida pelo povo.
Valarur (capital) Mas qualquer forasteiro se aproxima da capela com
No extremo sul da ilha de Khubar, encontra-se o cautela, especialmente ao notar seu telhado pintado
maior centro urbano do reino. Valarur é um retrato de vermelho intenso. Afinal, ali se adora Aharadak, o
vívido do intercâmbio cultural que passou a definir Devorador — o Deus da Tormenta.

Capítulo Três
348
Ilha da Penitência Atol das Rocas
Uma das ilhas que formam o arquipélago de Perto da ilha de Klihar há uma formação rochosa
Khubar, Slu Hathr, sempre teve uma fama ruim. Seu remanescente de um vulcão extinto. Inúmeros peixes
papel consta no próprio Shahirik-Lokhût como a Ilha e criaturas marinhas usam a região para acasalamento
da Penitência. Dessa forma, a pena mais terrível para ou ter suas crias. Apenas tritões costumam habitar
um criminoso de Khubar era ser enviado para Slu o atol; não há terra firme o bastante para sustentar
Hathr. Não havia fuga; encantamentos evitavam o comunidades de nenhum outro povo.
uso de magias, lagartos-trovão ocupavam o território, O que poucas pessoas na superfície sabem é
somente os teleportes rituais dos místicos locais que o atol é uma entrada secreta para o reino sub-
eram capazes de chegar lá. E assim foi durante muitas merso de Benthos. Nadando através de suas águas,
décadas, até que o clérigo de Megalokk, Teehk Nak abundantes em criaturas elementais, um viajante
foi enviado para lá. Dono de uma fé poderosa e capaz vivencia um fenômeno mágico raro conhecido como
de enfrentar os monstros locais com os próprios ar molhado e se torna capaz de respirar água por
punhos e dentes, o sacerdote criminoso conseguiu alguns dias. Os tritões locais se disfarçam como
superar os encantamentos antigos e começou a andarilhos desgarrados, mas na verdade são agentes
construir um império do crime. do dragão, protegendo essa entrada e conduzindo
seus convidados em confiança.
Hoje, a Ilha da Penitência é um porto pirata ex-
tremamente movimentado, completamente esquivo
às leis de Khubar. A punição de exílio para Slu Hathr Vulcões Notáveis
caiu em desuso, mas alguns tamalus incautos acabam O arquipélago de Khubar é repleto de vulcões.
realizando-a por ignorância, aumentando o contingente De tempos em tempos, novos surgem, sinalizando
de fora da lei a serviço do clérigo. acontecimentos vindouros importantes. O maior de

Além de Arton
349
todos é também o mais antigo: Kurur Lianth, o Velho
Furioso, localizado na ilha de Hurtka. Desde sempre o
Escolhidos das Chamas
vulcão irrompe em lava e fumaça a cada dois ou quatro O poder mais flagrante em Khubar são os vulcões.
meses, ficando adormecido até a próxima erupção. A fúria de suas erupções é capaz de varrer cidades
Apesar de ser um local perigoso, o solo rico atraiu inteiras do mapa e o fulgor de sua lava tinge os céus
muitos moradores, como a excêntrica exploradora de laranja por quilômetros. Impressionados por
kliren Dana Agassiz; aventureiros tentam visitá-la esse poder e desejando tomá-lo para si próprios, um
mesmo durante erupções para obter seu conhecimento grupo de khubarianos abandonou o Shahirik-Lokhût
sobre os lugares mais inóspitos de Arton. Muitos e passou a venerar o maior vulcão do arquipélago,
veneram o vulcão como um deus. Kurur Lianth, como um deus.

Localizado numa ilhota próximo à ilha principal Anos de preces, rituais e sacrifícios humanos
do arquipélago, o vulcão Traklinn Klee é o mais fizeram com que o vulcão respondesse, tornando-se
temido de Khubar. Porém, isso não acontece de- um deus menor e concedendo poderes divinos a seus
vido a qualquer potencial destrutivo. Esse vulcão devotos. Seu líder é Grakgran Khore, um guerreiro
é símbolo de mau agouro. Em todos os séculos de membro da linhagem sulfure fundadora do culto.
sua existência, o Traklinn Klee nunca expeliu nada Outrora dono de um colar de obsidiana contendo inú-
diferente de cinzas. As nuvens espessas que emite meras almas sacrificadas que lhe tornava praticamente
parecem viajar mais longe que a de outros vulcões, imortal, Grakgran perdeu essa vantagem após cruzar
cobrindo a luz do sol na costa próxima por períodos o caminho de um grupo de aventureiros. Para refazer
que às vezes se estendem por semanas. Quando uma esse acervo, o culto redobrou seus esforços, tentando
criança nasce enquanto o sol está encoberto pelas se infiltrar como religião alternativa em várias vilas,
cinzas de Traklin Klee, existe a possibilidade que visando recrutar novos fiéis para sacrificar no vulcão
seja uma sulfure. Demônios já foram avistados sendo e restaurar o poder de seu líder.
carregados por suas plumas e os Cinzas Volantes
consideram-no sagrado. Cinzas Volantes
Embora Traklinn Klee seja um motivo para

Guildas & preces silenciosas em toda Khubar, devotos de


Tenebra enxergam o vulcão que cospe cinzas como
Organizações uma rara bênção de sua deusa, incompreendida
pelos habitantes do arquipélago. O culto à Deusa
da Noite é pequeno entre os khubarianos e os fiéis
Presas de Coral costumam se reunir no sopé desse vulcão sagrado.
Não existe força militar mais respeitada em Khubar São chamados em tons soturnos de Cinzas Volantes,
que os Presas de Coral. Essa ordem de combatentes está mas não são exatamente vilanescos.
aberta para todos que tenham a coragem de enfrentar
Embora pratiquem necromancia e estejam sem-
sua iniciação potencialmente letal e a habilidade para
pre acompanhados de mortos-vivos, são acadêmicos
aprender suas técnicas sobrenaturais de combate.
e filósofos, querendo entender como a escuridão
Enquanto os demais khubarianos rezam para Benthos
se encaixa no Shahirik-Lokhût. Seu líder, Turins
e o têm como protetor, os Presas de Coral o encaram
Daraan, é um forasteiro nativo de Wynlla que
como um modelo de comportamento. Não querem
descobriu da pior forma o que acontece com quem
ser protegidos pelo Dragão Rei; querem ser como ele.
invade o templo de Benthos. Felizmente, Tenebra
Empregando lanças, espadas de coral em pares e seus
foi misericordiosa o bastante para lhe conceder
próprios corpos, simulam mordidas e invocam ondas
uma segunda chance como osteon, permitindo que
em terra seca quando golpeiam.
continue liderando o grupo em seus estudos, agora
Cada ilha conta com um pequeno contingente de com mais cautela do que nunca.
Presas. Eles não respondem diretamente à igreja ou
ao governo; sequer possuem uma organização central
muito rígida, contando apenas com reuniões anuais
Irmandade
entre os líderes para resolver questões internas. Costu- de Pescadores
mam prestar auxílio aos governos locais na manutenção A política khubariana é o palco dos tamalus, mas
da ordem, mas alguns líderes preferem se isolar e se quem puxa as cordas por trás da cortina são os cidadãos
manter politicamente neutros, apenas treinando e se comuns que lideram a Irmandade de Pescadores. Como
aprimorando espiritualmente. a pesca é a atividade econômica mais lucrativa do

Capítulo Três
350
reino, exigindo treinamento especial para enfrentar os
perigos locais, navegar os mares e lidar com perigos Aventuras
geográficos, a espinha dorsal da economia local são As cidades e vilas de Khubar são repletas de opor-
os pescadores. Embora o ofício seja tradicionalmente tunidades de aventura. Por ser aberto a navegantes,
passado de pai para filho, há muito tempo os traba- tolerante às diferenças, protegido de ataques externos
lhadores khubarianos se uniram com o objetivo de e fora do Reinado, o Reino Arquipélago é o terreno
garantir condições de trabalho justas. No processo, a neutro perfeito para reuniões diplomáticas e encontros
organização enriqueceu imensamente. Hoje, é difícil secretos… qualquer que seja a sua legalidade. Seja o
que qualquer decisão seja tomada pelo conselho de mais honrado dos cavaleiros da Luz, o mais biltre dos
tamalus sem que a Irmandade esteja envolvida. piratas do Conclave ou o mais fanático dos membros
Toda a riqueza e poder acumulados pela Irmandade da Frota Áurea, todos são bem-vindos aqui. Talvez
de Pescadores permitiu que exercessem sua influência um nobre de Ahlen queira garantir que um arcanista
além da pesca. O transporte marítimo também é for- esteja ao seu lado para detectar a presença de ilusões
temente influenciado pela Irmandade; embora tama- quando for buscar o contrabando de sua família. Pode
lus possam contar com grandes embarcações pessoais ser também que um filósofo de Sambúrdia queira se
e qualquer khubariano que se preze possa improvisar encontrar em segredo com a Irmandade de Pescadores
uma jangada sozinho, para transporte de muitas pes- para financiar uma revolução. Nada impede que um
soas ou cargas as opções são os navios da Irmandade estudioso pouco escrupuloso da Academia Arcana use
ou de piratas. Além disso, embo- uma das ilhas mais isoladas como ponto de encontro
ra teoricamente a extração de para adquirir cobaias vivas para estudo. Todos esses
lanajuste seja permitida por são clientes (ou inimigos!) em poten-
qualquer khubariano, a Ir- cial para grupos de aventureiros.
mandade mapeia com cuida- Os mares também guar-
do as regiões onde formações dam muitos perigos. Acadêmi-
podem ser encontradas e cos e tamalus procuram pistas
faz questão de garantir seu sobre o Pacto Submerso,
acesso apenas a afiliados contratando aventureiros para
ou aliados. A grande maio- expedições. O amargurado
ria dos artesãos de la- capitão pirata Throkr acu-
najuste pertence à Ir- mula cada vez mais poder
mandade. em sua frota; dizem que ele
é filho de Khulai Hûk e quer
Quase todos os pesca-
vingança pela negligência do
dores de Khubar, uma parcela
pai com a saúde da falecida mãe.
considerável de sua população, fazem
parte da Irmandade. Somente comunidades Em algum lugar sob as ondas, o
muito pequenas e isoladas, normalmente nas ilhas Dragão Rei Benthos tem seu próprio reino submerso,
não mapeadas, ficam fora de seu alcance. Toda essa populado por tritões, serpentes marinhas e outras
influência política foi usada apenas para garantir o criaturas das profundezas. Nas raras situações em
poder do povo… até agora. Há um crescente senti- que precisa atuar na superfície, Benthos usa grupos de
mento de revolta pela estrutura política do reino, aventureiros ou piratas como seus agentes. O Dragão
especialmente com a dificuldade para que surjam Rei não é gentil: por vezes seus servos arrastam navios
novos tamalus. Como as tatuagens precisam ser fei- inteiros para o fundo do mar, passando pelo ar molhado
tas por outros tamalus, basta que dificultem o pro- do Atol das Rocas no último momento para garantir
cesso para limitar acesso a sua casta. A maioria dos que a tripulação (ou parte dela) sobreviva à viagem.
pescadores aceita essa situação como parte da har- Dificilmente o dragão comparecerá em pessoa, nor-
monia local, mas outros exigem mudança. Estes se malmente entregando recados por seus servos. Além
tornam alvo fácil para as ambições de piratas, prin- disso, ele é notoriamente breve em suas comunicações,
cipalmente do Conclave, escondendo cargas ilegais deixando detalhes em aberto. Uma missão vinda de
em seus navios ou dividindo conhecimento com os Benthos é muito bem paga, mas costuma ser descrita
criminosos em troca de favores e recursos. Caso um de forma tão simples quanto “convença Jakan a desistir
líder carismático na Irmandade acabe seduzido pelo da música”. Quem é Jakan, onde encontrá-la ou o que
doce canto da pirataria, o equilíbrio de poder no rei- exatamente é essa música fica em aberto. Benthos
no estará ameaçado. também não tem paciência nem piedade com fracassos.

Além de Arton
351
Galrasia O INFERNO VERDE

A
rton é bela, mas perigosa. Covis de Galrasia é onde a vida não pode ser contida, onde
monstros existem a um dia de cami- a vida sempre encontra um meio. Mas também onde
nhada das maiores cidades. As maiores a morte é sempre rápida e brutal.
rotas comerciais têm predadores à
espreita. Ainda assim, existem lugares remotos Paraíso Perdido
que assomam entre aqueles habitados pelas Muitos acreditam que Galrasia está ali desde
feras mais selvagens. sempre, desde a criação do mundo pelos deuses.
E existe Galrasia. O Inferno Verde. O Mundo Lugar muito antigo, primevo, habitado por bestas
Perdido. que já rondavam e matavam antes dos humanoides.
Enquanto as Sanguinárias são domínio de seu irmão Alguns estudiosos vão mais longe, especulam que
cruento, aqui é onde Allihanna reina absoluta e majestosa. o lugar seria a verdadeira terra natal dos elfos; o
É onde os devotos da Mãe Natureza a procuram em povo de Glórienn teria mais tarde migrado para
peregrinação sagrada — pois, embora a deusa esteja em Lenórienn por mar, deixando para trás ruínas de
toda Arton, aqui é seu santuário, seu local de maior poder. antigas cidades.

Capítulo Três
352
Poucos sabem que Galrasia é, em verdade, um
lugar muito jovem. Uma criança. Nascido de uma
Inferno Verde
deusa criança. Galrasia é enorme, a maior ilha de Arton, quase
um continente próprio. Seu coração montanhoso é
Lena, a Deusa da Vida, provê Arton com cura e densamente cercado de selva tropical, que preenche
esperança. Tem seu próprio Reino planar, mas não quase todo o território. Existem, no entanto, outros
o governa como outros fariam, de algum palácio ou tipos de terreno — sobretudo rios, pântanos e
trono. Passa a eterna infância acompanhada por uma planícies costeiras.
população de seres mágicos, brincando, cantando,
inventando jogos. Ela vive feliz, como deve ser. Pois Selva é a paisagem dominante. Muito úmida e
seu riso inocente, suas lágrimas de alegria, são a quente — nem tanto por ação direta do sol, mas sim
fonte de toda a vida. pela própria emanação de energia positiva. Apesar
do calor, é difícil sentir sede ou ficar desidratado,
Os outros deuses, mesmo aqueles malignos e porque o ar é saturado de umidade. Em certas regi-
violentos, reconhecem sua importância. Para proteger ões ou épocas, chove pesado todos os dias. Muitos
o sorriso de Lena, criaram um povo feérico guardião. habitantes das copas das árvores sequer descem
Eram os elfos arcanos eiradaan. Mas os primeiros e para beber, coletando nas alturas a água de que
mais poderosos deles, Galron e Obassa, acabaram precisam. Exploradores, por outro lado, precisam
ludibriados por uma serpente — levados a acreditar que acostumar-se com as roupas sempre encharcadas;
seu encargo era uma maldição. Revoltaram-se contra nessas condições, poucos conseguem usar armaduras
a deusa, Galron gritou com ela. Lena se entristeceu, de qualquer tipo.
chorou. Como consequência, houve uma época terrível
A abundância de força vital favorece o crescimento
em que nenhum ser vivo nasceu em Arton.
de animais e plantas muito maiores, que demandam
Como resultado, os eiradaan foram banidos do mais alimento. Como resultado, a luta pela sobrevi-
Reino de Lena — juntamente com sua cidade e toda a vência é mais intensa e feroz que em qualquer outra
região em volta. Seria arrancada e lançada aos oceanos parte do mundo. Árvores ciclópicas competem pela
do mundo mortal, perto da costa sudoeste do lugar preciosa luz do sol, suas raízes formam muralhas à
que, mais tarde, seria chamado Arton-norte. Galron e caça de água e nutrientes no solo.
Obassa viveriam aprisionados ali pela eternidade. Além
A farta vida vegetal alimenta lagartos-trovão que
disso, como punição por deixar-se enganar pelas pala-
justificam o nome, suas passadas estremecendo o
vras de Sszzaas (sim, havia sido ele a sussurrar intriga
chão, os longos pescoços alcançando as folhagens
entre os eiradaan), Obassa teria sido transformada
distantes. Herbívoros, mas pesadamente armados com
ela própria em uma serpente flamejante. Ela e Galron
couraças, chifres e espinhos. Defesa contra predadores,
jamais poderiam gerar novas crias. Assim acabava a
lagartos-terror capazes de devorar toneladas de carne
raça eiradaan. E nascia Galrasia, “Terra de Galron”.
a cada poucos dias.
A vasta ilha manteria propriedades de seu mundo
Além de selva, Galrasia oferece boa variedade
celestial nativo, uma conexão planar com a fonte das
de terrenos. As montanhas centrais abrigam desfi-
magias clericais de cura. Essa força primordial faz tudo
ladeiros, vales e planícies isoladas, jamais vistas por
que é vivo crescer forte, vigoroso e maior.
olhos humanos, onde vivem raças e monstros até hoje
Galrasia se tornaria selvagem e indomável como desconhecidos. Das montanhas descem rios caudalo-
nenhum outro lugar, onde Allihanna se mostraria mais sos, violentos, rompendo a floresta em corredeiras e
poderosa — a Deusa da Natureza logo se apossou daquela cachoeiras rumo ao litoral — este formado por grandes
terra farta. Suas florestas, de árvores largas como castelos praias, patrulhadas por bestas anfíbias imensas; e
e galhos grossos como avenidas, se retorcem em clareiras mangues, quase impossíveis de atravessar, território
e vales descomunais. Folhagem farta e exuberante escon- de serpentes e crocodilos gigantes.
de o céu com suas copas de cores vivas, brilhantes — o
Abundam ainda lugares assombrosos. Os Sítios
verde sendo apenas uma entre tantas. Flores e frutos de
Arcanos existem à volta de antigos monólitos eri-
espécies jamais catalogadas abundam em cada recanto, gidos pelos eiradaan. Sua serventia é um mistério:
seduzindo com beleza e perfume exóticos. talvez fossem responsáveis pelo funcionamento ou
Essa flora sustentaria uma fauna igualmente proteção da antiga cidade. A área de cada sítio está
imensa. Lagartos-trovão descomunais e lagartos-terror sob algum efeito mágico específico. Alguns poten-
que os caçam, megafauna de mamíferos e aves em cializam magias arcanas conjuradas ali, enquanto
versões atrozes, criaturas-planta tão perigosas quanto. outros as reduzem ou anulam. Outros aprisionam
Porque tudo que habita Galrasia é imenso e faminto. seres que ali entrem. Outros ressuscitam qualquer

Além de Arton
353
O Campo de Energia Positiva cadáver transportado até ali. Outros ainda nulificam
o campo de energia positiva na ilha, até permitindo
Galrasia é formada por um fragmento de a presença de mortos-vivos. E pode haver outros
Vitalia, o Reino de Lena. Seu próprio terri- mais, ainda por descobrir.
tório emana força vital. Essa aura alcança A Floresta de Seda é morada para uma popu-
alguns quilômetros além da costa, afetando lação de aranhas gigantes, cultivadas por um antigo
seres vivos e conjuração de magias: eiradaan de nome Tarantur, que acabou morto pelas
• Seres vivos recuperam o dobro de PV próprias criações. Em suas árvores pendem véus
com descanso. abundantes de tecido sedoso, leve e forte, muito
cobiçado pelos povos-trovão para manufatura de
• Magias e itens de cura sempre causam cordas. No entanto, suas partes mais profundas escon-
efeito máximo. Não é preciso rolar dados, dem cativeiros macabros onde vítimas — sobretudo
considere o melhor resultado possível. coletores thera — são mantidas aprisionadas na teia,
• Testes de Fortitude contra doenças e em longa agonia, provendo sangue e fluidos para as
venenos, normais ou mágicos, são automa- aranhas. Eventualmente acabam como cadáveres
ticamente bem-sucedidos. Aqueles fortes ressequidos, ainda suspensos como ornamentação
o bastante para causar efeitos em caso de macabra. Lendas locais também falam sobre um ser
falha no teste, mesmo assim têm seu dano táurico de torso humanoide e corpo aracnídeo, que
comanda as aranhas.
reduzido à metade. O tempo de cura para
doenças é também reduzido à metade, O Covil da Serpente é um vulcão próximo à cos-
enquanto venenos exigem duas vezes mais ta leste da ilha. Está extinto, mas não parece assim
tempo para apresentar efeitos nocivos. observado à distância, pois emana fumaça e chamas
constantes. A explicação está em seu próprio nome:
• Doenças contraídas fora da ilha cessam a cratera e seus túneis são agora habitados pela an-
de atuar — mas voltam caso o doente tiga princesa eiradaan Obassa, hoje transformada em
abandone Galrasia antes do tempo normal alguma criatura serpentiforme flamejante. Passaria
de cura. Doenças associadas a maldições, a ser venerada como deusa pelos povos-trovão nati-
como licantropia e podridão de múmia, vos, sendo estes até capazes de invocá-la em ritual.
ainda funcionam aqui, mas podem ser O covil também é habitado por uma população de
curadas mais facilmente e seus efeitos outros elementais do fogo.
podem ser revertidos, mesmo quando isso Por fim, a pavorosa Torre da Morte configura
não seria possível. a maior estrutura erguida na ilha. No passado era
• Conjurar magias de necromancia exige muito bela, a habitação pessoal de Galron, de onde
antes um teste de Misticismo (CD 25 vigiava todo o Reino de Lena; hoje ergue-se enegrecida
+ nível da magia). Mesmo em caso de e macabra, vários prolongamentos parecidos com
sucesso, seus efeitos são ínfimos (valores pernas insetoides nascendo em sua base — como
numéricos são reduzidos ao mínimo). se a torre inteira fosse algum inseto gigantesco,
semienterrado. Seus muitos pavimentos abrigam bi-
bliotecas, laboratórios e relicários contendo tesouros
fabulosos, dizem. No entanto, também se especula
que o próprio Galron ainda estaria ali, poderoso e
rancoroso como nunca. Explorar a torre pode ser o
desafio mais perigoso em toda a ilha.

Povos-Trovão
Não existem humanos, anões ou elfos nativos
em Galrasia, mas o Inferno Verde tem seus próprios
demônios. Humanoides selvagens com traços das
bestas reptilianas que assolam a ilha. Os povos-trovão.
Não há consenso sobre a origem dos thera, como
são conhecidos no meio acadêmico. Nenhuma divin-
dade maior parece clamar sua criação. É certo apenas

Capítulo Três
354
que, embora também existam em outros pontos de Ar- e escudos de osso nas cabeçorras, vivendo em cavernas
ton — sobretudo na Grande Savana —, eles são mais e clareiras. Velocis são corredores nômades e esquivos,
numerosos e bem adaptados aqui em Galrasia, onde lembrando antílopes nas florestas. Pteros são alados e
parecem ter surgido. Pois aqui vivem os lagartos-tro- monogâmicos, formando casais que constroem ninhos
vão de quem provavelmente descendem. em penhascos litorâneos. E voracis ou “caçadoras”
são predadores alfa de comportamento semelhante a
Talvez. Pois embora sejam análogos a várias
panteras, caçando nas selvas.
espécies sauroides, alguns estudiosos contestam a
teoria de que os thera descendem de dinossauros. Levando vidas rústicas e violentas, até recente-
Povos-trovão são muitas vezes confundidos com mente os povos-trovão eram apenas outra ameaça,
trogs e outros povos-lagarto, mas não existe paren- espreitando e abatendo exploradores que ousam
tesco próximo. Têm sangue quente, sem nenhuma invadir seu território. Com o tempo, contudo, cada
vulnerabilidade especial ao frio. Seus dentes têm vez mais expedições têm sido bem-sucedidas em fazer
formatos diferentes, o que não acontece em répteis. diplomacia com os nativos — inicialmente com ofertas
Mais importante ainda, são mamíferos, amamentando de itens metálicos, que os thera não sabiam forjar, em
as crias na infância. troca de passagem segura por suas terras. Mais tarde,
cobiçando as valiosas armas e ferramentas metálicas
Existe ainda uma lenda sobre os povos-trovão
dos estrangeiros, alguns thera aceitariam ser contra-
serem frutos de cruza depravada entre Galron e Obassa,
tados como guias e batedores. Hoje, embora algumas
agora transformada em serpente — em uma tentativa
tribos ainda se mantenham isoladas e hostis, muitos
insana de restaurar a raça eiradaan.
povos-trovão negociam pacificamente com visitantes.
Thera existem em quatro raças principais, cada Alguns até mesmo deixam Galrasia, juntando-se a
uma ocupando um tipo de terreno preferido. Ceratops tripulações de navios, grupos de aventureiros, ou
são grandes e robustos como minotauros, com chifres buscando novas vidas no continente.

Além de Arton
355
Lysianassa antes de recuperar os primeiros Rubis da Virtude. A
ilha também seria palco da Expedição de Darvos, quando
Por séculos, Galrasia tem sido um magneto para este ricaço de Deheon buscou uma cura para a maldição
aventureiros — por ser relativamente próxima do da filha. Ainda, aqui também estaria uma das peças do
Reinado, apesar da jornada perigosa. Partindo de Nova infame Círculo dos Três, entre outras sagas heroicas.
Malpetrim, na travessia do turbulento Mar Negro, são
comuns as tempestades e ataques de elfos-do-mar A ilha onde nenhum humano viveu, aos pou-
ou monstros marinhos. Chegando à ilha em si, suas cos, recebia mais e mais visitantes. O santuário de
selvas são pululantes de lagartos-terror famintos e Allihanna estaria ameaçado? Talvez para proteger
outros predadores, bem como tribos ainda reclusas e a tranquilidade da deusa — e também as vidas dos
sanguinárias de povos-trovão. Nem mesmo a viagem de exploradores —, uma misteriosa ordem de druidisas
volta é livre de perigos, pois piratas atrevidos espreitam conhecida como Oqamm seria revelada. Formada
para saquear quaisquer tesouros encontrados. apenas por dahllan, seu objetivo parecia o mais ina-
creditável: erguer uma cidade em Galrasia. Lysianassa,
Os riscos são altos, mas as recompensas potenciais como seria nomeada.
compensam. Desde materiais raros para armas e arma-
duras, até fabulosos artefatos eiradaan, passando por Erguer, mas não construir. Recorrendo a seus
flores e frutos exóticos, ingredientes de alquimia, ou até poderes druídicos — e também ao sangue dríade
safáris para nobres em busca de emoção. Também há racial —, as Oqamm pediram à vegetação litorânea
muito mercado para criaturas nativas capturadas com para crescer como nunca cresceu antes. Crescer na
vida, negociadas a preços altíssimos na Cidade Baixa forma de torres, muralhas, passadiços, ancoradouros,
de Nova Malpetrim: feras galrasianas são altamente oficinas, templos, habitações para os povos estrangei-
cobiçadas como espécimes para estudos, montarias ros. Moldar a madeira em paredes fortes e elegantes,
fantásticas, animais de guarda, bestas de guerra ou para trazer calma, abrigo e repouso. Demonstrar que
para combates de arena. a natureza é acolhedora, bondosa, amiga. Demonstrar
que visitantes são bem-vindos, quando escolhem
Nem todos os heróis visitam Galrasia em busca tratar Allihanna com respeito.
de ouro; por vezes a ilha sediou eventos notáveis. Ali,
Mestre Arsenal viveu seus primeiros anos após chegar a Imagine-se a surpresa das expedições seguintes
Arton, cuidado e protegido por uma dríade — e juntos ao encontrar, na costa do Mundo Perdido, uma ci-
geraram Lisandra, a primeira dahllan na história do dade portuária de beleza indescritível, quase élfica!
mundo e atual sumo-sacerdotisa de Allihanna. Em Os primeiros visitantes, inicialmente desconfiados,
evento relacionado, mais acabaram logo convencidos pelas boas-vindas das
tarde o Paladino de Oqamm — sempre misteriosas sob suas máscaras de
Arton também madeira, mas igualmente gentis, prestativas, cordiais.
jazeria ali, Convidaram a espalhar a boa nova, convidaram a viver
ali. Demorou pouco até a chegada de navios lotados
trazendo a futura população local.
Hoje, Lysianassa é muitas coisas. A única grande
cidade em Galrasia, populosa e vibrante. Um posto
avançado e base de operações para novas expedições.
Um entreposto comercial valioso para negociar com
o continente. O único lugar seguro para se viver no
Mundo Perdido, protegido de suas feras (as Oqamm
simplesmente pedem aos lagartos-terror
para ficar longe). Por outro lado, as
gentis e pacientes druidisas orientam
caçadores sobre como evitar ofensas à
deusa, como desfrutar a generosidade
da natureza sem ganância.
Há rumores sobre o destino daqueles
que ignoram o apelo das Oqamm, caçando
e matando mais do que deveriam. Por via
das dúvidas, todos evitam fazê-lo.

Capítulo Três
356
Ilustração

Os Três
Mares
M
uito se fala do Reinado, com suas mon- A leste, está o Mar do Dragão-Rei, onde se ergue
tanhas, estradas, masmorras e países o orgulhoso reino-arquipélago de Khubar, eternamente
díspares, mas na verdade grande parte vigiado por Benthos, o Dragão-Rei dos Mares. Por aqui
de Arton é composta pelos domínios do passa a produção das Repúblicas Livres de Sambúrdia,
Oceano. É composta pelos chamados Três Mares. seguindo ao sul rumo ao Reinado em uma fervilhante
rota de comércio graças à perigosa abertura da Ossada
A oeste do antigo istmo de Hangpharstyth há o Mar
de Ragnar. Suas águas são também ameaçadas pelos
Negro, outrora dominado por uma irmandade pirata
navios fantasmas de Aslothia, e embaladas pelo fervor
que agora tenta se reerguer das cinzas da destruição de
da Dama Dourada e sua Frota Áurea. E em suas
Quelina, seu maior esconderijo. É o lar de Galrasia, ilha
profundezas, vivem os tritões.
repleta de feras gigantescas e vida abundante. Abriga
os elfos-do-mar, sedentos por conquistas, e foi palco Por fim, distante, está o Mar dos Monstros, um
de imensas batalhas navais na Guerra Artoniana. Além caminho perigoso rumo à distante Tamu-ra e além,
disso, conta com o famoso porto de Nova Malpetrim, onde os colossais kaiju disputam as ondas e vez ou
ponto de partida para novos heróis. outra afundam navios sem aviso.

Além de Arton
357
O Mar Negro General Wilthrem Bosich quis garantir um refúgio
para ele e os seus, longe dos últimos confrontos e
e o Conclave Pirata da justiça do Reinado. O lugar ideal? Quelina, claro.
Para isso, Wilthrem conseguiu, com o auxílio de
O Mar Negro fica no sudoeste do continente norte espiões e informantes, contato com Jade, uma das
e seu nome vem da escuridão de suas águas em seus principais piratas do Mar Negro, descontente com
pontos mais profundos. Ou, talvez, de uma história um o tratamento que recebia dentro da Irmandade. Em
pouco mais imaginativa: na Era dos Monstros, Oceano troca, ganharia um lugar de honra na nova organização.
teria sido atacado por Megalokk, que sonhava tomar
seus domínios. Na batalha, porém, o Deus dos Monstros Assim, Jade entregou a localização de Quelina
foi ferido profundamente e o negrume de seu sangue e os meios para seu acesso. Passou a conspirar ati-
tingiu o mar. Dizem que este acontecimento deu origem vamente para o sucesso da operação, convencendo
aos monstros marinhos mais ferozes que assolam a outros piratas a tomar o partido da nova ordem. Suas
região, mas as fontes desta história nunca foram das palavras certeiras fariam com que, aos poucos, um
mais confiáveis, mantendo-a longe dos registros oficiais. largo contingente se voltasse contra seus capitães,
companheiros, maridos e esposas.
Embora o Mar Negro não tenha sido tão atingido
pela queda da Flecha de Fogo, as reverberações do acon- Era tarde quando as embarcações puristas sur-
tecimento cataclísmico reabriram cavernas e complexos giram. Vez ou outra, em debates acalorados, surge a
submersos, despertando feras ancestrais e perigosas que hipótese de que teria sido possível defender a ilha das
atacam ilhas e vilarejos repentinamente, mas podem tropas de Wilthrem até com certa facilidade, não fosse
gerar grandes recompensas se capturadas. Graças à pelos traidores. Para muitos, a morte veio ainda no
queda de Tauron e à área de Tormenta de Tiberus, cada sono, dissolvida numa sopa ou em cercos covardes.
vez mais capitães minotauros têm preferido o mar. “Adagas atiradas pelas costas têm a força de espadas”,
Alguns partem em ganho próprio, inclusive adotando já dizia o poeta Tivur Derants.
a pirataria. Outros, entretanto, utilizam sua vasta Capitães leais à Irmandade, ou certos da derrota
habilidade marítima e poderio em nome do Império. inevitável, encheram seus navios de familiares, servos
Mas a maior fama do Mar Negro é a de servir de ou do máximo de tesouro que eram capazes de carregar,
caminho entre Nova Malpetrim e Galrasia, ponto cons- dependendo do caso. Muitos bandearam para o lado
tante de exploração de aventureiros e comerciantes. adversário, em busca de alguma última vantagem,
O surgimento de Lysianassa, cidade erguida por uma enquanto os os mais fiéis se entregaram ao combate
misteriosa ordem de druidisas, facilitou expedições para garantir a fuga dos mais vulneráveis, conduzidos
mais estruturadas e aumentou o fluxo de navios principalmente pelo minotauro Sidrius Tirallis, por
transitando entre a ilha e o continente. Por muito Izzy Tarante e pelo notório capitão James K.
tempo isso manteve viva a ganância da Irmandade Quando o destino final de Quelina parecia ine-
Pirata que tradicionalmente atuava na área. vitável e a maior parte dos navios restantes havia
Hoje em dia, entretanto, graças a um aconte- partido, os três capitães recorreram a uma última
cimento catastrófico que envolveu morte, perda e cartada: enquanto Izzy e Sidrius lideravam seus
traição, a Irmandade não existe mais. Esse evento comandados contra as forças centrais de Wilthrem,
ficou conhecido como a Queda de Quelina. James K. usou de uma passagem secreta conhecida
apenas pela alta cúpula para penetrar nas ruínas
mais profundas da ilha. Um lugar outrora usado
A queda de Quelina para invocar poderes de forças obscuras pelo povo
Até a Guerra Artoniana, os piratas tinham para si que vivia ali em tempos antigos e há muito mantido
um refúgio exclusivo, secreto e protegido: Quelina. Uma longe dos olhares artonianos. Ao olhar para trás, viu
ilha lendária quase inexpugnável, fosse pelas defesas Jade, que o seguia de espada em punho.
criadas no decorrer da história bucaneira de Arton, fosse Hoje, ninguém é capaz de afirmar com garantias
pela dificuldade de navegação e correntes marítimas qual era o plano inicial de James K. Se ele pretendia
intrincadas que dificultavam seu acesso. Ali, recompen- resolver tudo sozinho ou se contava com a presença
sas eram divididas, acordos eram traçados, mapas de fortuita da traidora tentando matá-lo. O fato é que,
tesouro eram trocados por tibares e a Irmandade Pirata naquele local profano, sacrifícios eram oferecidos. Uns
cuidava do interesse de todos. Mas isso viria a mudar. acreditam que os mortos eram dedicados a uma faceta
Vendo que o rumo da Guerra Artoniana seguia de Megalokk, na forma de uma criatura marinha de
para a derrota de seus pares, o condecorado Lorde mil bocarras. A maioria prefere não pensar no assunto.

Capítulo Três
358
Depois de uma luta ferrenha de vantagens alter- O Destino de James K.
nadas, James aproveitou-se de um vacilo e atirou Jade
em um dos fossos infinitos das catacumbas. Do fundo, Depois de oferecer Jade e Quelina em
urros gorgolejantes ecoaram prazerosos, mas ainda sacrifício, muitos podem achar que
famintos. James sabia que um único corpo, uma única o Capitão James K. selou sua própria
alma, jamais seria suficiente. Então o maior dos capitães desgraça. Porém, o capitão da Bravado
piratas debruçou-se à beira do fosso, e sussurrou: jamais seria executado como todos os
outros. Muito pelo contrário!
“Eu ofereço Quelina”.
Tudo já fazia parte de um plano de
Logo em seguida, um jorro de energia subiu veloz
contingência. Ele teria silenciosamente
e espalhou-se pela ilha. Cada ser tocado por ela, fosse
preparado a Bravado para uma nova
pirata, fosse purista, sentiu em sua garganta o salgado
jornada, destinada somente aos mais
da água do mar escorrendo volumosa, inflando os
destemidos. James K. fez o inesperado:
pulmões, a boca escancarada babando e a pele subita-
levou seu navio aos céus, para explorar o
mente enrugada como se estivesse submersa há anos.
éter divino e os mundos dos deuses!
A transformação completa tornou os desafortu-
Assim, quando a névoa amaldiçoada
nados em afogados, monstros mortos-vivos temidos
tomou Quelina, o capitão aproveitou para
por qualquer marujo de bom senso, e seus gemidos
partir em busca de novas descobertas e
de morte ecoariam para sempre pela ilha, agora um
ameaças, longe de seus adversários e das
lugar amaldiçoado. Quelina não seria mais dos piratas,
consequências de seus atos.
mas também não seria de mais ninguém.
Mas, se todos morreram em Quelina e não
Com o fim de seu maior esconderijo, parte dos
se tem mais notícias da Bravado, como
antigos membros da Irmandade hoje estão espalhados
alguém sabe tudo isso?
em esconderijos próprios, no litoral ou brigando pela
posse de ilhas periféricas como Dólias, Zullait e Ma- Ninguém em sã consciência deveria fazer
ddowg. Os mais inconformados costumam se juntar a esse tipo de pergunta.
aventureiros numa tentativa de recuperar as riquezas Piratas apenas sabem.
de Quelina. O restante ajudou a fundar o que hoje é
chamado Conclave Pirata.
Muito por conta de suas atuações durante a queda
do antigo esconderijo, Izzy e Sidrius formaram a Dupla O Pacto Submerso e
Coroa, encabeçando a estruturação da nova iniciativa.
Tomar outra ilha só abriria margem para os mesmos
o Coração do Oceano
A queda da Flecha de Fogo, que destroçou o Istmo
erros cometidos anteriormente. O Conclave precisava
de Hanghpharstyth e o reino de Tyrondir, não atingiu
de algo além. Assim, foi construído o maior e mais pe-
apenas terra. Atingiu também o mar, domínio do deus
rigoso navio pirata que Arton já viu, uma fortaleza re-
Oceano. Pequenas ilhas sofreram com maremotos
pleta de canhões e defesas mágicas, misto de moradia
gigantescos, varrendo seus habitantes e vilas do mapa,
e arma mortal. O Sentença.
enquanto criaturas marítimas foram mortas pela força dos
Aqueles que se juntam ao Conclave têm o dever de fragmentos do corpo celeste. O Deus dos Mares, furioso,
fornecer um mínimo de dez por cento do que saqueiam encarou o ocorrido como um ataque contra si e os seus.
para a operação e ampliação do Sentença, pois o objetivo
é que ele jamais esteja completo, sempre aberto a me- Sabendo que levar sua revolta ao restante do
lhorias e anexos. Outro dever é sempre ajudar a outro Panteão dificilmente resultaria em algo, Oceano
membro, e isso cabe também ao Sentença. Por último, convocou um encontro entre seus maiores servos:
membros do Conclave devem sempre caçar todo e Benthos, o Dragão-Rei dos Mares; Capitão Nautilus,
qualquer purista, inclusive em terra, investigando seu sumo-sacerdote, e os maiores piratas de Arton.
sobretudo aqueles que desertaram e assumiram vida Capitães de todos os cantos, confusos com o
nova sob outra identidade, uma diretriz defendida acontecimento inédito, se viram frente a frente, alguns
pessoalmente por Izzy Tarante. pela primeira vez, em uma fortaleza no fundo do mar,
A bandeira do Conclave Pirata é formada por duas protegida pelo poder divino. Ali, em seu salão principal,
espadas cruzadas, com duas coroas, uma sobre a outra, Oceano se pronunciaria, talvez numa tentativa de unir
em um fundo negro. Todo pirata afiliado ao Conclave é as forças sob seu estandarte em busca de vingança.
obrigado a hastear esta bandeira junto da sua própria. Ninguém sabia o que poderia resultar de sua cólera.

Além de Arton
359
O Riso que Ama e Trai Enquanto Oceano não retorna ou o mistério não
se esclarece, é certo que o mar não é mais o mesmo.
Já derramava de Tenebra o manto, Antigas correntes amplamente estudadas e regulares
quando na cama pude ouvir o pranto agora não seguem o mesmo caminho. Monstros ma-
de minha amada sempre tão gentil rinhos parecem ainda mais ferozes, ruínas ancestrais
Pus-me tão cálido a secar-lhe as lágrimas antes ocultas abrem suas passagens e o Príncipe das
E da mão alva vi-lhe ter a arma Tempestades caminha sobre as águas carregando
Que em meu peito penetrou tão vil seus cadáveres, cercado de nuvens negras e tornados.

‘Encontra a morte’, disse rindo ao canto Os mares de Arton nunca foram tão atraentes e
‘Cuspa-lhe a cara em meu nome’, arfando ao mesmo tempo tão perigosos.
Pairando rumo ao horizonte frio
Pedi dos deuses todo nome santo
Pois neste mundo ei de ter meu tanto
O Mar do Dragão-Rei
Nas velas longas como cão servil e a Frota Áurea
Trecho do poema do bardo Sathos Lassock, Do lado leste do istmo situa-se o Mar do Dra-
que relata a queda de Quelina sob o ponto de gão-Rei. Seu nome não foi dado por acaso: a área é
vista de um marinheiro traído pela esposa. notoriamente protegida por Benthos, um dos mais
poderosos dos dragões-reais, capaz de reverter o
destino de guerras, protegendo os que lhe são caros
No momento marcado, o deus surgiu perante com seus poderes descomunais. Até por isso os
seus súditos, resplandecente, vestindo uma armadura limites deste mar são tênues. Para fins cartográficos
de conchas e corais, de tridente em punho. Com o diz-se que ele termina antes do início das Montanhas
semblante consternado, preparou-se para começar Sanguinárias — mas na prática se estende “até onde
seu pronunciamento. Benthos alguma vez tenha sido visto”.

E, subitamente, desapareceu. O Mar do Dragão-Rei também é notório por


ter servido de palco para a sangrenta guerra entre
Não era como se tivesse deixado apenas o lugar Khubar e Bielefeld, por abarcar o Estreito dos Selakos,
fisicamente. Era como se todos sentissem que o pertencente a Aslothia, e a Baía Dourada, tradicional
deus havia abandonado tudo — ainda que se viesse a escoadouro da produção agrícola de Sambúrdia, prin-
descobrir que seus clérigos e druidas, estranhamente, cipalmente desde o surgimento da Ossada de Ragnar.
continuavam recebendo poderes. Navegadores empenhados têm arriscado suas vidas em
Sem sua proteção, o enorme palácio desmoronou troca de grandes somas em tibares ao transportarem
e a bolha de mar seco que envolvia todos se dissipou. mercadoria dali até a ainda rica Tiberus, capital do
Os capitães que conseguiram fugir voltaram para seus Império de Tauron.
navios com histórias conflitantes. Uns diziam que o Dentro do Grande Oceano, o Mar do Dragão-Rei foi
deus havia sido assassinado de algum modo. Outros, a área mais atingida pela queda da Flecha de Fogo, com
que havia sido provocado por intrigas até chegar ao maremotos, mudanças climáticas e o desaparecimento
limite. Os detalhes variam dependendo de quem conta. de ilhas inteiras. É também onde o equilíbrio de poder
Não demoraria até que piratas do Mar Negro é mais tênue, principalmente depois do surgimento
e do Mar do Dragão-Rei culpassem uns aos outros da Dama Dourada e sua Frota Áurea.
pelo acontecido, gerando uma desconfiança cada vez
mais profunda principalmente entre o Conclave Pirata A Dama Dourada
e a Frota Áurea. Aos poucos o evento passou a ser Avistada pela primeira vez não muito depois do
conhecido como o Pacto Submerso. Pacto Submerso, a Dama Dourada é a grande força
Em tempos recentes, espalhou-se que encontrar emergente entre os piratas do Mar do Dragão-Rei.
o Coração do Oceano, um artefato cujo aspecto se A Dama é uma mulher alta, que aparenta ter
perdeu no tempo, seria a chave para trazer o deus de força suficiente para dar cabo de muitos guerreiros
volta. Expedições inteiras têm sido formadas para experientes. Traja uma armadura peitoral pesada, feita
perseguir o objeto, pois acredita-se que os responsáveis de metal dourado e reluzente, gravada com motivos
serão contemplados com tesouros e bênçãos. A maioria marinhos, contrastando com a pele bronzeada de seus
parece interessada especialmente nos tesouros. braços grossos e com seus pés descalços. Na cabeça, uma

Capítulo Três
360
tiara de ouro no formato de uma onda quebrando no deiro do morcego perito em navegação que, dizem,
mar. Carrega sempre consigo Fúria, um enorme tridente foi o primeiro a ouvir o chamado da capitã. Rhazliv
mágico dourado e uma longa corrente de espinhos feita aterrorizou a costa de Sambúrdia tempos antes da
de dentes de selakos e outras criaturas marinhas. guerra. Mas, desde que decidiu se dedicar à Dama,
Seu navio é o Narval, um galeão de velas douradas, emprega seus esforços apenas em favor da Frota Áurea.
e sua bandeira é o símbolo de Oceano sobreposto por Ninguém conhece ao certo a origem da Dama
um tridente dourado, em um fundo também dourado. Dourada, mas alguns membros de seu grupo a chamam
Os navios que compõem a Frota Áurea seguem o de Ninshala, que no idioma de algumas ilhas do Mar
mesmo modelo. Cada capitão pode ter sua própria do Dragão-Rei quer dizer “Dona de Todos os Mares”.
bandeira, desde que seus símbolos não façam menção Uma pista de sua própria história está em uma de suas
a nenhum outro deus do Panteão. falas mais frequentes.
É dito que aqueles que seguem os passos da Dama Ela afirma que a armadura dourada e seu próprio
Dourada são capazes de beber a água do mar sem preju- nome simbolizam o ouro que, segundo se diz, é sugado
ízos à saúde e de nadar trajando armaduras sem perder das ilhas durante a Cunhagem Sagrada de Tibar, e que
mobilidade. Há um porém: os dons só funcionam em um dia esta dívida será cobrada. Talvez isso signifique
alto mar, pois ali é o domínio do Oceano e é ali que eles que um outro objetivo da Frota Áurea é encontrar o
devem permanecer se quiserem receber suas verdadeiras local onde o ritual é realizado… e destruí-lo.
graças. Os devotos mais ferrenhos juram que a própria
Dama é capaz de caminhar ilesa pelo fundo do mar.
Ainda que a Dama dificilmente passe despercebida Piratas
graças ao poderio de seu navio e aliados, sua maior arma
é a palavra: ela clama ter recebido a missão de encontrar o
Independentes
Coração do Oceano, dividindo as graças obtidas com seus Mesmo com a influência do Conclave Pirata a
seguidores. Quer também encontrar e punir o culpado oeste e da força da Frota Áurea a leste, há piratas que
pelo desaparecimento do Deus dos Mares. Mas, mais decidem permanecer livres — não só para tomarem
que isso, a Dama Dourada dedica sua vida a converter suas próprias decisões como também para desafiar os
descrentes e devotos de outros deuses à fé em Oceano, dogmas do que a pirataria significa em Arton.
pois dos mares vem a verdadeira vida e a ele todos devem
Isso tem suas vantagens e desvantagens: sem
ser gratos. Àqueles que se recusam terminantemente a
um grupo maior e organizado como apoio, é difícil
aceitar sua fé, pouco resta além da destruição.
influenciar os grandes acontecimentos da história ou
Com sua frota, ela se vê responsável pela proteção contar com algum auxílio de última hora enviado por
de todas as ilhas menores, seja contra outros piratas, superiores. Por outro lado, isso dá aos Independentes e
seja contra criaturas. Não é incomum que membros seus companheiros a maleabilidade de costurar alianças
poderosos da Frota se estabeleçam nestes locais de de ocasião mesmo entre grandes adversários, além da
bom grado para impor a ordem. facilidade de circular tanto pelo Mar Negro quanto pelo
Sua relação com Benthos, o Dragão-Rei dos Mares, Mar do Dragão-Rei sem represálias. Contratantes com
é desconhecida, mas é possível que ela tente trazê-lo medo de se envolver nas intrigas entre as duas maiores
para seu lado se tiver oportunidade. Não há indícios forças piratas preferem os Independentes, embora estas
de que os dois tenham se encontrado, mas a Dama missões não sejam costumeiramente as mais rentáveis.
não demonstra medo ao falar do soberano. Os Piratas Independentes também costumam ser
Seus discursos carismáticos — ou o medo que sua observados com atenção, pois são forças valiosas que
bandeira surgindo no horizonte traz ao coração de todos tanto o Conclave quanto a Frota Áurea gostariam de
— têm atraído cada vez mais membros para seu grupo, atrair para si. Não é raro que bucaneiros comecem suas
sobretudo devotos de Oceano. Criminosos arrependidos carreiras como independentes, para mais tarde optar por
e aventureiros procurados também estão entre os con- um lado. Muitos, entretanto, preferem permanecer livres
vertidos mais constantes. Ninguém é realmente aceito de amarras, mesmo ao alcançar certa longevidade no mar.
sem antes se ver frente a frente com a Dama, quando, Sem anos de tradições impostas em suas costas,
dizem, ela é capaz de decifrar as verdadeiras intenções os Independentes têm muitas vezes adotado práticas
do aspirante. Não se tem notícia de qualquer traição diferentes de seus pares. São menos afeitos a abordar
significativa dentro da Frota Áurea. Por enquanto. navios mercantes ou de viagem, especializando-se na
O principal braço direito da Dama Dourada é caça a tesouros perdidos enterrados ou na captura
Rhazliv Colecionador de Dedos, um moreau her- de feras marítimas indomáveis para venda em terra.

Além de Arton
361
Também parecem ter melhor trânsito entre civilizações Caronte, pertencente a seu pai, por uma nova: um
submarinas como sereias, tritões e elfos-do-mar. Isso crânio com um florete atravessado no centro e uma
não quer dizer que sejam puros de coração: Piratas pistola de cada lado, em um fundo preto.
Independentes ainda são, essencialmente, piratas, e
continuam adeptos das trambicagens e trapaças a que se
dedicam os bucaneiros, principalmente o contrabando. A Ossada de Ragnar
Seus navios, menores e mais ágeis, com tripula- Antes havia o istmo que dividia Arton Norte de
ções pouco numerosas, privilegiam, por exemplo, a Arton Sul, pelo qual a histórica Caravana dos Exilados
navegação pela tortuosa e às vezes mortífera, Ossada passou. Agora, depois da queda da Flecha de Fogo que
de Ragnar. Entre as facções, são tidos como os mais trouxe a fúria dos céus, há apenas uma formação geográ-
bem-sucedidos na travessia. fica que desafia a lógica e abre caminhos tão perigosos
O desejo de se distanciar das tradições do Conclave quanto convidativos entre os mares do continente.
e do fanatismo religioso da Frota Áurea fez com que os Em sua superfície há apenas o solo acidentado,
Independentes, ao poucos, dessem origem à sua própria entremeado por abismos profundos e mortais. Há quem
cultura caótica e original. Suas roupas distanciam-se da tente construir pontes permanentes, principalmente
pompa ligada aos outros piratas, calcadas muito mais goblinoides querendo restabelecer a ligação de Khalifor
na praticidade, agilidade de movimentos e expressão com o continente, mas espaços estreitos se alternam
pessoal: peças de armadura e roupas misturadas, armas com grandes cânions mortais — e testemunhas afirmam
exóticas, penteados pouco convencionais e maquiagens que a distância e quantidade desses vãos varia de um
são comuns. Seus navios incorporam invenções pouco dia para o outro sem aviso. Os caminhos seguros são
testadas e muitos aceitam goblins de Lamnor sem guardados a sete chaves pelos poucos que os conhecem
muitas ressalvas. e seus serviços são vendidos a preços exorbitantes.
As canções dos Independentes não seguem nenhum O clima na Ossada é imprevisível: ondas colossais
modelo conhecido anteriormente e são compostas de rebatem nas paredes dos monolíticos pilares de pedra,
rimas curtas e ritmadas, acompanhadas não de instru- para em seguida amansarem de repente. O vento uivan-
mentos, mas de vocalizações percussivas feitas pelos te passeia intenso por entre os caminhos, confundindo
outros membros da tripulação. É normal dois piratas até mesmo navegadores muito experientes, mudando
se desafiarem em duelos de rimas — alguns amigáveis, de direção quando bem entende. Em certos trechos é
outros nem tanto — no meio de uma roda composta até difícil enxergar o céu.
por seus companheiros, que vibram a cada ofensa. Criaturas marítimas perigosas circulam pela área,
Bardos do continente têm estudado essa nova expressão incluindo um terrível namasqall um tipo de elemental
artística, mas os Independentes se ofendem gravemente da água devastador em alto mar e mortal com tão pouco
na presença de alguém do continente tentando imitá-los, espaço para manobra . Para dificultar ainda mais as
principalmente menestréis a serviço de nobres. coisas, magias são pouco confiáveis na área, graças à
O pirata independente mais conhecido de Arton catástrofe ancestral que envolveu a bruxa goblin que
atualmente é Nargom Mandíbula, Campeão de deu nome ao istmo.
Svalas, filho do falecido Draco Mandíbula e capitão Mesmo com tudo isso, piratas, comerciantes e
do Caronte. Muitos acreditavam que Nargom se jun- marinheiros se arriscam. Afinal, a Ossada é de fato
taria à marinha artoniana por conta de seu passado o meio mais rápido de atravessar para outro lado do
como herói de guerra e de seu casamento com Lady continente sem se utilizar dos dispendiosos serviços
Ayleth de Svalas, mas o bucaneiro retornou ao Mar do de um mago. Fazer o trajeto é um meio rápido de
Dragão-Rei em busca de aventuras em seus próprios espalhar a reputação de uma tripulação.
termos. Historiadores creditam a ele a origem renovada
Mais de um capitão pirata se gaba de ter feito a
do movimento, mas ele nega. Nargom acredita que
travessia entre os mares primeiro, mas o mais vocal
qualquer sombra de centralização de poder pode
deles é Tulluh Olhos-Verdes. Tulluh partiu pouco tempo
demolir o próprio conceito de independência. De
depois da queda da Flecha e decidiu desafiar a Ossada
qualquer modo, é certo que ele viaja pelos mares de
partindo do Mar Negro com o único propósito de ganhar
Arton tentando convencer piratas novatos e veteranos
fama entre os bucaneiros. Todos os membros de sua tripu-
a enxergar as vantagens da vida sem amarras. lação morreram afogados em meio a tempestades ou em
Cada pirata independente tem sua própria ban- batalhas ferrenhas contra monstros marinhos, mas Tulluh
deira, com símbolos que podem variar enormemente. acorrentou-se ao barco e, apesar de ter a carne de seus
Recentemente, Nargom trocou a antiga bandeira do ossos arrancada pelas ondas e pelos ventos inclementes,

Capítulo Três
362
sobreviveu como osteon, talvez recompensado por sua O Mar dos Monstros
ousadia e coragem. O navio, conhecido como Trovador,
encalhou próximo da costa de Khubar. Distantes das costas mais civilizadas de
Arton Norte, o Mar dos Monstros faz a
Hoje em dia, capitães estudam relatos de viajantes
ligação entre as Sanguinárias e a ilha de
e contratam aventureiros e estudiosos à procura de
Tamu-ra. E, de fato, aqui há monstros.
padrões identificáveis que possam colaborar numa
carta náutica, ainda que improvável. Pelo menos em Assolado por criaturas colossais
partes, esse esforço já rendeu alguns frutos. conhecidas como kaiju, muitas vezes
maiores que montanhas, seus movimentos
Cillya Cavantri, uma capitã sereia Independente,
e embates provocam maremotos e tufões
encontrou um complexo labiríntico de cavernas que pode
destruidores. Além disso, parte do mar
vir a facilitar a passagem pela Ossada… se for decifrado.
está dentro de uma grande e pouco
Seu objetivo atual é encontrar quem possa ajudá-la
explorada área de Tormenta.
nessa missão, ainda que o tamanho das passagens varie
drasticamente — impedindo, por exemplo, a travessia Com tanto a se explorar no Reinado,
de navios de grande porte. Obviamente o conhecimento pareceria pouco provável que tripulações
de Cillya interessa a praticamente todo mundo. circulassem por uma área tão mortal, mas
Arton é um mundo de aventuras, não
Recentemente, um pequeno porto e taverna pouco
de complacência. Rotas comerciais entre
convencional surgiu em um dos pilares, num ponto
Arton Norte e Tamu-ra desafiam o Mar
estratégico no meio de um dos caminhos da Ossada.
dos Monstros em troca de lucro alto entre
Conhecido como a Vértebra, foi construído por um
mercadores honestos, mas não só isso:
grupo engenhoso de goblins de Khalifor. Seu intuito
bucaneiros do Mar do Dragão-Rei têm
aparente é auxiliar no comércio da cidade com quaisquer
aprendido as vantagens de negociar com
navios que passem por lá. Os poucos que trabalham ali
os yakuza e piratas da Cauda do Dragão,
descem por cordas extremamente precárias, que ligam
longe de qualquer sombra de vigilância do
o alto da rocha ao porto. Aparentemente há expectativa continente.
da construção de uma longa escada esculpida ou de
uma espécie de elevador pouco seguro, mas isso pode Quem sabe o que pode surgir do
levar anos, se é que acontecerá. intercâmbio nefasto destas forças
futuramente?

O Príncipe
das Tempestades pelo pescoço aos dois antebraços do Príncipe estão
dois corpos de marinheiros inertes, aparentemente
Existe ainda outra figura nos mares artonianos, afogados. A identidade dos corpos varia. Alguns
alguém que não está alinhado com nenhuma das afirmam ser dois homens; outros, crianças, mulheres
facções: o Príncipe das Tempestades. e outras combinações de diversas raças.

As canções que circulam nos portos dizem que ele Nos céus que o cercam, nuvens furiosas de tempes-
surgiu depois do desaparecimento do Oceano, fruto das tade negra e pesada circulam, relampejando, enquanto
preces dos marinheiros que desejavam jamais encontrar ventos fortes as acompanham. É dito que a ventania é
as tempestades colossais que passaram a atingir os capaz de destroçar o mais bem construído navio e que
mares depois da queda da Flecha de Fogo e do Pacto coisas assombrosas acontecem a seu redor. Não se sabe
Submerso. Como poucas histórias de piratas, isso tem o tamanho do esforço necessário para chegar ao centro e
tudo para ser verdade. Como muitas, ninguém confirma. encontrar o Príncipe. Mas, segundo bardos, aqueles que
o fazem recebem a bênção de jamais precisar atravessar
Nada disso impediu que mais lendas fossem
uma tempestade no mar novamente. Outros afirmam
contadas a seu respeito. De acordo com aqueles
que o Príncipe é capaz de realizar desejos.
supostamente corajosos o suficiente para relatar um
encontro, o Príncipe se apresenta como um homem Há quem o veja como uma entidade benigna, que
de calças de marinheiro e peito desnudo, em pé, ca- surge de repente e atrai para si as tempestades ao redor,
minhando sobre as águas de qualquer um dos mares possibilitando que seus devotos tenham uma viagem
de Arton. Seu rosto está sempre coberto pelos fios de tranquila. Outros afirmam que o Príncipe é vingativo,
cabelo negros encaracolados que descem longos até atirando ventanias e raios contra navios incautos a seu
a altura dos ombros. Amarrados com cordas grossas bel-prazer. Talvez os dois estejam corretos.

Além de Arton
363
Capítulo Três
364
Ubani A GR ANDE S AVAN A

A
lém do Rio dos Deuses, além das Ui- seus e desenvolveu um plano a longo prazo. Encontrou
vantes, além do Império de Tauron, fica seis dos monstros mais terríveis criados por Megalokk
uma região vasta, severa e misteriosa. e concedeu a eles sua maior dádiva — poder. Sagazes e
Poucos visitantes passaram por suas portando energias elementais, essas seis criaturas rapi-
extensas áreas de vegetação baixa e amarelada, damente dividiram a Grande Savana entre si, dizimando
os demais monstros. Essas dracoferas primordiais
pontilhada de árvores esparsas, e viram de perto
permaneceram invencíveis e incontestáveis por dezenas
as feras locais, testemunhando em primeira mão
de milhões de anos. As energias elementais que exala-
seus poderes estranhos. Menos ainda conhecem vam eram tão fortes que se impregnaram nos monstros
o verdadeiro nome dessa terra ou o povo por similares da região, transformando-os em dracoferas
trás dele. Quem imaginaria cidades escondidas menores. Tanta energia elemental também servia de
nas sombras da savana, elementais comunais, chamariz para os próprios elementais, especialmente
evolução cultural paralela ao resto de Arton? quando as dracoferas atacavam, povoando a região
Conhecendo essas maravilhas, desvendando o com essas criaturas.
mistério de Ubani, uma triste similaridade com o Com a aurora da humanidade, os povos humanos
Reinado e seus vizinhos logo se revela. Como to- surgiram na Savana e podiam apenas se esconder
dos os demais povos de Arton, os ubaneri também das dracoferas e dos seres elementais oriundos de
foram vítimas da Tormenta. E a tempestade rubra seus ataques. Foi também com sua presença que as
arrisca mudar seu modo de vida para sempre. dracoferas primordiais finalmente receberam nomes.
Kivulisi, o kraken gigantesco, permanecia nas pro-
fundezas, dominando a orla do Rio dos Deuses com
História seus tentáculos. Ardile, o bulette com dentes ácidos
e afiados, se afirmava como predador subterrâneo,
Durante a Era de Megalokk, a região hoje conhecida escavando por sob a terra e irrompendo para devorar
como Grande Savana era dominada por feras imensas dezenas com uma só mordida. Mirandege, o pássaro
e ameaçadoras. Seres brutais, famintos, preocupados roca com asas trovejantes, cobria o sol com sua enver-
apenas em defender seu território de monstros maiores gadura de voo e anunciava a chegada de tempestades.
e devorar os menores e mais fracos. Esse simplismo Ejotó, a salamandra travessa, um verdadeiro incêndio
incomodava Kallyadranoch, o Deus dos Dragões. vivo, rastejava pela grama deixando trilhas de fumaça.
Mesmo os monstros mais terríveis não podiam fazer Darandaran, o imprevisível unicórnio, podia pisotear
frente a seus sofisticados filhos, mas as crias de Me- humanos em um dia para curar seus ferimentos no
galokk existiam em grandes números. Enquanto o dia seguinte. Por fim, Ojumajele, o furtivo basilisco,
Panteão se unia na derrocada do Deus dos Monstros, atacava durante a noite e as vítimas de seu veneno
Kally aproveitou para reafirmar a superioridade dos nunca mais acordavam.

Além de Arton
365
A doma das dracoferas cidades e competiram entre si, fortalecendo-se nessa
adversidade. Variando entre guerra e paz com a
A era de terror durou por muitos anos, até que mesma frequência, construíram uma sociedade à
subitamente seis mulheres humanas conseguiram imagem do Deus dos Dragões: forte, feroz, faminta
sobrepujar esses titãs e assumiram seus nomes como por mais poder.
bandeiras de suas linhagens. O clero afirma que
elas receberam inspiração divina para realizar seus O plano de Kallyadranoch parecia, enfim, ter
grandes feitos, mas ninguém sabe qual deus seria obtido sucesso. Mais que as territoriais dracoferas,
responsável por esses sonhos. Teria sido Wynna, as kipanes podiam encabeçar um exército dominador
sempre disposta a dividir sua dádiva? Teria sido o capaz de varrer o continente inteiro e uni-lo sob o
próprio Kallyadranoch, com mais um passo em seu estandarte do Deus dos Dragões. Era uma questão de
plano de dominação da região? tempo até que a Savana ficasse pequena demais para
suas ambições… mas o tempo trouxe, em vez disso,
De uma forma ou de outra, com ou sem inspira- a Revolta dos Três. Kally foi punido por seus crimes
ção divina, as dracoferas primordiais caíram. Kivulisi e esquecido por seus servos. A sociedade, escorada
foi atraído até a orla, perseguindo sua presa até dar nos ideais eclesiásticos do Deus dos Dragões, desmo-
um nó nos próprios tentáculos. Ardile foi superado ronou. Sem a figura da divindade guiando-os para a
com pura força física, encontrando uma humana dominação, sem o incentivo divino da sede por poder,
que podia abrir a mandíbula do monstro com as os seguidores das kipanes aprenderam a desenvolver
mãos nuas. Mirandege foi tomado como montaria, força através da comunidade e da união. Em vez de
forçado a cruzar toda a savana e por fim aterrissar subjugar os elementais, encontraram formas vantajosas
pela primeira vez depois de exaurir todas as suas de convivência para todos. Em vez de guerrear entre
forças. Ejotó ouviu a piada mais engraçada já contada si, passaram a compartilhar conhecimento e realizar
e riu tanto e por tanto tempo que apagou o próprio comércio. Os grandes clãs das kipanes se uniram em
fogo. Darandaran revelou estar sempre solitário algo novo, maior e mais poderoso. Não apenas um
e ficou feliz de encontrar uma pessoa sem medo, clã, uma nação: Ubani.
disposta a acompanhá-lo. Ojumajele foi enganado
e picado com o próprio veneno. Essas humanas se
tornaram qareen, recebendo a graça dos elementos Depois de Kally
na forma de dons mágicos passados adiante para O intercâmbio cultural dos dons mágicos deixados
seus descendentes. Seus feitos grandiosos atraíram pelas primeiras kipanes garantiu que Ubani prosperas-
a atenção de seres elementais e dracoferas menores, se. Integrando os elementais em sua sociedade a partir
servos ou inimigos das primordiais. Assim como das lições aprendidas com a derrota das dracoferas,
os monstros que haviam superado, as mulheres e os ubaneri fixaram ainda mais suas raízes na Savana.
suas famílias almejavam ter cada vez mais poder. Entenderam a si mesmos cada vez mais como iguais,
Cada uma se declarou kipane, líder de território, estabelecendo contato pacífico com os povos-trovão
e tomou a dracofera primordial derrotada como da Savana pela primeira vez e convidando-os a fazer
arakunhá, parceiro primal, tanto símbolo da família parte de suas cidades.
quanto modelo de comportamento. Estabeleceram

Capítulo Três
366
Séculos depois, em meados de 1020, ocorreu o
primeiro contato político com estrangeiros. Felexis
Beisarus, um ousado explorador minotauro, invadiu
a Savana e tentou fazer alianças para povoar as áreas
ermas da região. Reconhecendo nos visitantes uma
cultura muito parecida com seus antigos costumes
e temendo quebrar o delicado equilíbrio de sua con-
vivência com os elementais, os ubaneri negaram o
pedido. Porém, da mesma forma que mudaram seus
modos, acreditavam que o povo de Beisarus poderia
fazer o mesmo. Assim, estabeleceram um pacto de
não-agressão, a ser renovado em quatro séculos. Os
ubaneri acreditavam que, ao retornar, os tapistanos
poderiam ter aprendido as mesmas lições que eles.
Um novo período próspero se estendeu por sécu-
los, até que problemas de fora da Savana novamente
afligissem os ubaneri. Quando a Tempestade Rubra
invadiu Arton, uma área de Tormenta se formou
em Lannestul. Uma das cidades ancestrais ubaneri, Ubani
Ojumajale, ficava próxima da cordilheira. Quando
a Tormenta se expandiu e a área cresceu, a cidade Nome oficial: Ubani.
foi engolida. Poucos membros do clã sobreviveram
Lema: “Unidos e eternos.”
e os segredos da sua comunhão elemental com as
trevas e a morte foram perdidos. Brasão: XXXXX XXXXX XXXXX
Hoje, Ubani vive um momento de tensão por trás Gentílico: ubaneri.
das festas frequentes e um certo tom de intriga surge Capital: Mirandege.
durante as canções comunais. A data para a renovação
Forma de governo: comitê de kipanes.
do pacto de não-agressão com o Império de Tauron é
iminente, mas os Escamas Vivas almejam expansão, um Regente: Shu Mirandege, Primeira Entre
retorno aos valores ancestrais do Deus dos Dragões. as Kipanes.
O futuro de Ubani é incerto, mas tudo indica que População: 2.000.000.
sua cultura sofisticada e ancestral está prestes a ser
Raças principais: humanos, qareen,
conhecida pelo resto do continente.
povo-trovão (thera).
Divindades principais: Wynna,
Geografia Kallyadranoch, Allihanna, Megalokk.

Ubani é uma terra bonita, mas severa. A Savana


é um dos maiores territórios de Arton, de terreno
majoritariamente plano, coberto por vegetação mista Duas áreas de Tormenta invadem a Savana. Uma
baixa e pontilhado por árvores. O clima se torna cada delas, a área de Lannestul, engoliu uma das seis
vez mais seco conforme um viajante se afasta das cidades que compõem Ubani. A terra ancestral do
margens do Rio dos Deuses, sendo especialmente clã Ojumajele foi tomada pela tempestade e poucos
árido em Ardile e Mirandege. Com a utilização de seus membros da linhagem sobreviveram. A outra área
elementais comunais, porém, os ubaneri conseguem não causou um desastre semelhante, ao menos por
viver com conforto em toda a extensão de seu território enquanto, mas os habitantes de Mirandege e Ejotó
— exceto pela região tomada pela Tormenta. podem ver o vermelho se olham na direção certa.
Fora das cidades ubaneri, a savana impera, tão Ao sudoeste fica a fronteira com o Império de
vasta e viva quanto perigosa. Qualquer estrangeiro Tauron, alvo de receio especialmente entre os mais
deve redobrar seus cuidados ao viajar por essas velhos. Alguns séculos são pouco para a memória de
regiões; não há estradas e muitos dos habitantes uma população com tantos qareen. Qualquer movi-
podem ser extremamente territoriais, incluindo mentação na fronteira ou mesmo especulação sobre
elementais, theras e dracoferas. o mesmo causa comoção entre os anciões.

Além de Arton
367
Povo & Costumes nem pessoas. São uma forma de existência diferente,
com desejos simples passíveis de serem atendidos pela
Os ubaneri são um povo alegre e festivo, moldado comunidade. O exemplo mais clássico da cooperação
por séculos de prosperidade. Vivem principalmen- entre os ubaneri e os elementais são as grelhas comu-
te da agricultura, mas caçam e pescam de forma nitárias chamadas motoju. As residências ubaneri são
consciente e sustentável. Suas comunidades são construídas em torno de uma motoju, um poço coberto
habitadas majoritariamente por humanos, qareen por uma grelha e uma tubulação de barro. No fundo
e thera, sendo centradas em recursos compartilha- do poço fica um elemental do fogo, normalmente um
dos e engenhos simples tornados fantásticos pela ber-baram, que gera chamas em troca de ser alimentado
cooperação de elementais. com seu combustível favorito. Uma pergunta comum
Ubani é “o que o seu ber-baram prefere?” antes de jogar
Os elementais são tratados como parceiros impor-
alguma coisa para queimar dentro do poço. O fogo do
tantes e pilares da sociedade, sempre com respeito e
atenção. Não são vistos como animais de estimação motoju é usado para preparar refeições, muitas vezes
consumidas ali mesmo, com os moradores sentados em
bancos em torno da grelha. Motojus são o coração das
comunidades ubaneri; onde as pessoas conversam,
onde fazem pequenas transações comerciais,
onde ouvem músicas novas e notícias de
terras distantes.
Além das motojus, a sociedade
ubaneri é organizada em torno
de outros recursos comparti-
lhados, como os balimajiras,
estufas aquecidas pelos
pequenos elementais de
fogo chamados pakks,
contendo pomares e
hortas coletivas, de
onde cada família ou
indivíduo pode colher
frutas e legumes para
consumo próprio; o
baridepo, sistema de
refrigeração das resi-
Ilustração dências, feito com tu-
bos de barro por onde
passeiam elementais
de água aquin’nes, e
o kimbarua, sistema
de comunicação onde
t’peels, elementais
do ar, são chamados
por assobios para levar
mensagens escritas. Cada
comunidade também tem
seus próprios recursos, às
vezes variações pequenas dos
mais comuns, outras vezes
grandes inovações. Dizem até
que em Ojumajele havia um trato
com um dabbu, um gênio das trevas,
para trazer os espíritos dos ancestrais
como ajuda nas tarefas diárias.

Capítulo Três
368
A relação dos ubaneri com a magia arcana é quase que se afaste é um braço a menos nas colheitas ou
religiosa. Mais do que um dom, a magia é entendida uma voz a menos no contato com os elementais.
como um recurso natural que deve ser preservado Porém, novos tempos trazem novas necessidades
e usado com respeito e responsabilidade. Criaturas e a cada dia fica mais claro para os kipanes como é
naturalmente mágicas como fadas e tritões são muito importante conhecer o resto do mundo. Cada vez
bem quistas em Ubani, mas espera-se delas retidão mais ubaneri se ausentam de Ubani, normalmente
e moralidade excessivas, a ponto de gerar decepções em missões diplomáticas ou com propósito de pes-
frequentes. A forma como outros povos lidam com quisa. Esses verdadeiros aventureiros jamais viajam
magia e elementais, mais utilitária e pragmática, é sozinhos. São acompanhados por um alikunhá, um
vista com muita estranheza pelos ubaneri. Quando elemental parceiro, um pequeno pedaço de Ubani
se fala que não há refrigeração nas casas do Reinado, que acompanha o ubaneri em qualquer lugar.
os ubaneri costumam achar que é piada. Como pode
um povo tão rico deixar de desfrutar de conforto por
não compreender a harmonia de outros seres? Governo
Os nomes ubaneri podem ser confusos para Cada uma das cidades ubaneri tem um kipane. A
estrangeiros. Todos os nascidos em uma cidade palavra surgiu quando as dracoferas foram subjugadas
carregam o nome da cidade como sobrenome, sendo e pode ser traduzida para o valkar como “líder de
considerados membros de um clã. Dentro de cada território”. Os kipanes são escolhidos por seu poder
cidade ou em situações mais formais, os nomes das arcano e sabedoria, em cerimônias chamadas Desafios
mães e das mães das mães também são adicionados dos Arakunhás, que remetem ao contato ancestral
ao nome. Por exemplo, Imani Darandaran Amara com esses seres.
Dolapo é uma ubaneri chamada Imani, nascida em
Darandaran, filha de Amara e neta de Dolapo. Atualmente existem cinco kipanes: Shu Miran-
dege, qareen do ar, devota de Wynna, uma anciã
As divindades do Panteão são respeitadas em Uba- que presenciou a chegada de Felexis Beisarus;
ni. Wynna e Allihanna são as deusas mais cultuadas, Sugupembe Ardile, um ceratops jovem e ponderado;
chamadas de Boas Irmãs e muitas vezes louvadas na Nokanis Kivulisi, humana navegadora do Rio dos
mesma frase. Megalokk é temido, conhecido como o Deuses, famosa por ter passado a juventude toda
Primo Bruto, mas raramente cultuado; seus poucos explorando o mundo além de Ubani; Ekima Ejotó,
devotos costumam surgir entre os thera. Com o qareen do fogo, anciã poderosa, e Sichan Daran-
retorno de Kallyadranoch, comumente chamado de daran, qareen da luz, conhecido como uma pessoa
Pai, muitos ubaneri estão se voltando a seu culto. bondosa e caridosa, um dos favoritos do povo. Uma
Alguns conseguem conciliar o retorno à velha fé cadeira é deixada vazia em respeito aos Ojumajele
aos costumes atuais, mas uma minoria deseja se perdidos. Embora seja possível que um membro do
aproximar da agressividade e possessividade do Deus clã peça seu lugar como kipane na mesa mediante a
dos Dragões. Essa facção se chama de Escamas Vivas realização do Desafio dos Arakunhás, isso ainda não
e almeja expandir as fronteiras de Ubani. aconteceu. Se um ubaneri completa o Desafio dos
Alguns thera vivem nas cidades em harmonia Arakunhás enquanto a cadeira correspondente do
com humanos, qareen e outros humanoides. Muitos conselho está ocupada, acontece um duelo público
outros preferem viver na savana, em uma vida simples pela posição. Os termos do duelo são ditados pelo
baseada em caça e coleta. Para os kipanes, todos são kipane atual e sempre estão ligados às virtudes do
ubaneri, mas por vezes surgem lideranças entre os arakunhá em questão.
próprios povos-trovão que discordam e preferem se Os kipanes se reúnem em comitês para tomar
afastar o máximo possível da sociedade. Isso é visto decisões que afetem Ubani como um todo em vez de
como natural pelos kipanes e não muda em nada seu apenas sua cidade. Embora cada kipane tenha bastante
entendimento desses povos como parte de Ubani. Caso autonomia, os interesses costumam se alinhar e as
o mais recluso dos chefes entre os thera precise de reuniões do comitê, a cada estação, costumam ser
ajuda, receberá prontamente, sem qualquer expectativa tranquilas e proveitosas. O mais velho entre eles é
de contrapartida. considerado Primeiro Entre os Kipanes e sua cidade é
Sair de Ubani costumava ser raro para os ubaneri. considerada a capital enquanto ele ocupar essa posição.
Além de ser uma vida confortável, a cultura focada Sediando as votações do comitê, o Primeiro possui
em comunidade faz com que a maior parte das voto decisivo no caso de decisões disputadas. Devido
pessoas se sinta culpada de ir embora. Ubani só é à idade avançada de Shu, acredita-se que ela pode
forte com a união de seus ubaneri e qualquer pessoa abdicar de seu cargo em breve.

Além de Arton
369
Locais Importantes se debatia e era subjugada. Somente os alongados e
ágeis navios ubaneri viajam pelo Tentáculo, um canal
traiçoeiro superado apenas com o auxílio de corganns,
Mirandege (Capital) elementais da água. Esses navios singram o Rio dos
Mirandege é a maior cidade de Ubani e atual- Deuses e fazem negócios com outras embarcações,
mente sua capital. É feita de construções altas de sem sequer aportar em alguma cidade. Como são uma
dois andares e três andares, conectadas por tubos de das principais porta de entrada de Ubani, a kipane
baridepo e habitada por todo tipo de pessoa. Muitos Nokanis tem grande interesse em trazer a capital para
pteros vivem em Mirandege, empoleirados nos tubos, Kivulisi. Como o posto de Primeiro Entre os Kipanes
apostando corrida com os t’peels, elementais do ar define a capital e é determinado por idade, ela não tem
que carregam mensagens. Em uma torre ao norte esperança de ver isso acontecer em vida. Por isso, treina
da cidade fica uma escultura gigantesca do arakunhá os irmãos gêmeos Maji e Kabiral para substituí-la no
Mirandege, um pássaro roca maior que uma casa, futuro. O arakunhá local passa a maior parte do tempo
com suas asas abertas e olhar vigilante. Nessa torre no Rio dos Deuses. Às vezes seus tentáculos podem
reside Shu Mirandege, Primeira Entre os Kipanes, e ser vistos acenando para os marinheiros.
aqui são realizadas as reuniões do comitê de kipanes.
Mirandege é a maior fonte de aventureiros de Ubani,
frequentemente em busca de novos saberes. A cidade
Ejotó
Ejotó é a segunda menor cidade ubaneri, maior
ostenta uma biblioteca com livros de toda Arton,
apenas que Darandaran. Suas esparsas residências
coletados ao longo dos séculos. Esse conhecimento
construídas em torno de motojus parecem apenas um
adquirido tem sido usado para se precaver contra
bairro de Mirandege, mas seus habitantes sabem a
a Tormenta. De fato, com uma área de Tormenta
importância de sua função para Ubani como um todo.
visível da própria cidade, a capital tem se tornado
Os elementais do fogo de toda a Savana são trazidos
um centro de pesquisa contra os lefeu. Qualquer
aqui para serem compreendidos de forma adequada,
informação ou ferramenta para esse fim é muito
entendendo o que preferem queimar e com que fre-
valorizado pelo povo local.
quência. Aqui, mais que em outras cidades ubaneri,
existem muitos elementais convivendo ativamente com
Ardile humanoides. Ber’baram são conduzidos pela cidade
A única fortaleza em Ubani, de longe Ardile e pakks iluminam o ambiente. Um ditado popular
parece um bloco de pedra erguido no meio da Sava- diz que “a noite nunca chega a Ejotó”. A pequena
na. Conta com muralhas protegidas por humanos e população precisa lidar com uma área de Tormenta
thera, mas não tem nenhum portão. A única forma próxima — os efeitos da tempestade não chegam até a
de entrar na fortaleza é escalando as muralhas de cidade, mas o brilho rubro visto no horizonte impede
dezenas de metros, com a ajuda dos mal-humorados que se sintam seguros. Talvez esse seja o motivo do
pamgras locais. Por precaução, a subida costuma ser culto a Kallyadranoch ter ganhado tanta força aqui. O
feita em silêncio. Um comentário que desagrade o arakunhá de Ejotó raramente se encontra na cidade.
elemental pode resultar em uma queda dolorida! O Dizem que, após tantos séculos, a dracofera aprendeu
artesanato e a engenharia são paixões locais; muitos como adquirir forma humana e anda entre os ubaneri
engenhos usados em outras cidades têm sua estrutura procurando novas piadas que a façam rir.
construída em Ardile. Recentemente, o ceratops Su-
gupembe superou o Desafio dos Arakunhás, venceu
seu antecessor em um duelo de força e se tornou
Darandaran
kipane local. Isso atraiu muitos thera para a fortaleza, Darandaran é a menor das cidades ubaneri — fora
incluindo aqueles que não se sentiam parte de Ubani. de Ubani, nem seria considerada uma cidade. Trata-se
O arakunhá local dorme durante décadas em um ninho de uma pista de corrida circular com um grande es-
preparado para esse fim no subterrâneo da cidade. No tábulo e uma torre de mármore em seu centro. Aqui
momento, encontra-se hibernando em paz. são treinados os cavaleiros de Ubani, responsáveis
por percorrer o reino com a ajuda das mais diversas
montarias — cavaleiros vindo de Ardile já domaram
Kivulisi bulettes. O maior prêmio de todos, desejado por
O porto de Ubani é Kivulisi, uma cidade que co- qualquer recém-chegado, é ter um unicórnio como
meça em palafitas sobre o Canal do Tentáculo, ligado parceiro. O arakunhá local aparece às vezes para
ao Rio dos Deuses. De acordo com as lendas, o canal convidar os melhores cavaleiros a um passeio; esse
foi aberto pela dracofera primordial Kivulisi enquanto convite é uma das maiores honras entre os ubaneri.

Capítulo Três
370
O que acontece nessas situações é imprevisível:
alguns apenas percorrem a pista em silêncio, outros
Megadíbula
são levados em jornadas épicas por toda a Savana, No meio da Savana, como uma ferida aberta em
enquanto alguns outros são apenas jogados na lama meio ao verde, fica a megadíbula. Dizem que essa
depois de alguns segundos. Independente da forma enorme fenda na terra, com aspecto similar a uma
desse passeio, qualquer doença ou maldição afligindo bocarra aberta e se estendendo por centenas de qui-
o cavaleiro é removida no fim do percurso. Sichan lômetros, foi criada quando a dracofera primordial
Darandaran, o kipane local, tem como montaria Ardile foi subjugada nos tempos ancestrais. Hoje, as
pessoal um cavalo completamente branco, mas não encostas da megadíbula são habitadas por animais que
corre há muito tempo. Ele está entristecido desde o preferem escapar do sol escaldante e por muitos thera,
desaparecimento de sua filha Janelle há alguns anos especialmente voracis. As canções dos thera afirmam
e está disposto a pagar bem para que um grupo de que, no fundo da Megadíbula, há uma passagem para
aventureiros a encontrasse. Chacina, o mundo de Megalokk. Isso explicaria a
variedade da fauna local, contendo animais e monstros
Ojumajele nunca vistos em nenhuma outra parte de Ubani.

A maior tragédia de Ubani é a perda de Ojumajele.


A cidade do arakunhá basilisco era também o centro de
treinamento marcial da nação, ensinando aos jovens
Guildas &
os caminhos da morte. Era uma cidade próspera, em
seu ápice capaz de rivalizar com Mirandege. Depois de
Organizações
engolida pela Tormenta, porém, nada resta de Ojuma-
jele. Suas ruínas estão repletas de lefeu, mas algumas
Escola de
expedições tentam recuperar tesouros deixados para Etiqueta Elemental
trás na fuga. Inclusive, com a quantidade de guerreiros Esse grupo de anciões se dedica a ensinar aos
que existia no local, acredita-se haver muitas armas mais jovens (e, ocasionalmente, aos estrangeiros)
mágicas perdidas aqui. como adotar o modo de vida ubaneri. A harmonia com

ó r i o
ov i s
pa P r
M a

Além de Arton
371
elementais depende de uma série de fatores, desde
conhecimento prático geral sobre a natureza desses
seres tão incomuns quanto entendimento individual
do comportamento de cada um deles. O ofício de
professor de etiqueta é um dos mais respeitados e
almejados em Ubani. Existem unidades em todas as
cidades, mas sua sede fica em Mirandege.
Cada escola é parecida com uma residência uba-
neri por fora, diferenciando-se no interior por ser com-
posta de um único cômodo oval. Nele, os estudantes
são conduzidos por professores a interagir com ele-
mentais em condições controladas, conversar sobre
suas experiências pessoais com as criaturas e divul-
gar seus próprios pensamentos sobre a comunidade.
As escolas de etiqueta valorizam a aprendizagem atra-
vés da experiência e da descoberta, permitindo que
os alunos aprendam por meio da resolução de pro-
blemas e da investigação. Os professores não apenas
indicam como alimentar um ber’baram, por exemplo;
os alunos são levados para alimentar um ber’baram
sob supervisão dos professores. As aulas são centra-
das nos interesses e necessidades dos alunos; os pro-
fessores atuam como facilitadores, encorajando os
jovens ubaneri a explorar novos conhecimentos por
conta própria ou em colaboração com seus colegas.
O aprendizado é considerado um processo contínuo e
em constante evolução, com os alunos sendo incenti-
Ilustração vados a refletir sobre suas experiências e a criar novos
conhecimentos a partir delas. Valorizando a diversi-
dade de perspectivas e experiências, as escolas pro-
movem a colaboração e o diálogo, servindo como pila-
res do espírito comunitário ubaneri.
Seu diretor, Gizachini Ojumajele, é um qareen
das trevas e um dos poucos sobreviventes da cidade
perdida. Muitos alunos insistem para que ele reivin-
dique a cadeira de Ojumale no comitê dos kipanes,
mas Gizachini, ou Tio Giz, como é mais conhecido,
não tem interesse em fazê-lo. Além dos membros
do corpo docente tradicionalmente não almejarem
a posição de kipane, mesmo tendo conhecimento
capaz de facilitar sua participação no Desafio dos
Arakunhás, Giz não quer perder a escola como já
perdeu sua cidade natal. Apesar disso, seu prestígio
pessoal é enorme e ele recebe visitas frequentes da
Primeira Entre os Kipanes para conversarem sobre
a nação. Os mais velhos acham graça do espadachim
mais letal da Savana ter mudado tão radicalmente
de ofício, mas ninguém comenta isso na frente dele.

Os Escamas Vivas
A sociedade ubaneri é pacífica e coletivista, mas
nem sempre foi assim. As dádivas mágicas que permi-
tiram aos nativos da savana desbravar essa terra hostil

Capítulo Três
372
e domar as dracoferas vieram de uma divindade nada escoltado pelo patrulheiro, depois dele informar sua
pacífica, com ensinamentos egoístas e individualistas unidade disparando um explosivo colorido no céu.
— Kallyadranoch, o Deus dos Dragões. Esse explosivo gera um som alto, chamando a atenção
A punição sofrida pelo Deus do Poder após a Re- em quilômetros, e segue um código. Uma luz verde
volta dos Três fez com que seu experimento na Grande indica que o patrulheiro está acompanhado mas não há
Savana mudasse de rumo. Ubani esqueceu seu patrono problemas, uma luz amarela indica que o patrulheiro
divino, perdeu a direção e encontrou prosperidade de está acompanhado mas espera problemas, uma luz
outra forma. Existem aqueles, porém, desejosos do laranja indica que o patrulheiro precisa de reforços
retorno a esses tempos brutais. Curiosamente, como e uma luz vermelha indica a presença da Tormenta.
há poucos registros da vida na época, alguns ubaneri Embora toda Ubani tenha sofrido com a perda de
mais jovens criaram saudades de um passado que nunca Ojumajele, ninguém sentiu seu impacto mais do que
existiu. Enxergam-se nos dragões como guerreiros os membros da Patrulha da Fronteira. Não só falharam
conquistadores, desejando expandir seu território. em sua missão de defender Ubani de invasões como
Falam em invadir o Império de Tauron, sonham com perderam seu quartel-general no processo. Outrora
a resposta contra uma ofensa que nunca houve. uma das instituições mais respeitadas da nação, atual-
Os Escamas Vivas são os mais radicais entre os mente é vista por parte da população como ineficiente
cultistas de Kallyadranoch. Existem espalhados por e dispensável. Ainda assim, a Patrulha da Fronteira
toda Ubani, mas são especialmente comuns em Ejotó. continua firme em seu propósito de proteger Ubani
Com a proximidade geográfica com Sckharshantallas, frente à ameaça insuperável da Tormenta.
muito se fala sobre pedir ajuda para Sckhar em seus
planos de conquista. Alguns até mesmo consideram a
possibilidade de entregar Ubani inteira para o Dragão Aventuras
Rei e permitir que ele realize as conquistas a partir
Apesar de ser uma terra pacifista, Ubani é terreno
desse momento. Felizmente para o resto de Ubani, os
féril para aventuras. Desde intriga urbana nas cidades
Escamas falam muito mais do que agem. Porém, com
ou exploração da área de Tormenta local, passando
a idade avançada da kipane Ekima Ejotó, teme-se que
pelas regiões ainda apinhadas de dracoferas, grupos
seu sucessor seja alinhado ao culto.
de aventureiros não vão ficar entediados na Grande
Savana. Há tesouros a serem encontrados na cidade
Patrulha da Fronteira perdida de Ojumajele, todo tipo de monstro e dracofera
A única força militar fixa de Ubani é a Patrulha a ser encontrado na megadíbula e mistérios que nem
da Fronteira. Seu quartel-general costumava ficar mesmo as mais antigas lendas ubaneri explicam.
em Ojumajele, mas foi movido para Ardile depois da A principal fonte de problemas é a organização dos
chegada da Tormenta. Nominalmente, é responsável Escamas Vivas. Esses cultistas radicais de Kallyadra-
por defender as fronteiras dos reinos de invasões. noch querem abandonar a harmonia e a coletividade
Na prática, atua como braço militar do conselho dos abraçados pela nação ubaneri e se expandir como uma
kipanes e reforça a lei ditada pelos anciões. força militar, atacando seus vizinhos. Sabem que é
O treinamento de um patrulheiro é multidisci- um objetivo impossível atualmente, mas preparam as
plinar, fazendo com que viaje por todas as cidades, fundações para um ataque futuro. Isso pode envolver
aprendendo mais sobre a cultura local em cada parada. a idolatria a Sckhar e alguma tentativa de contato com
Esse circuito costumava terminar com o treinamento seus filhos em Sckharshantallas, ações para desacre-
marcial de fato em Ojumajele, mas agora termina ditar os kipanes (principalmente a Primeira Entre os
de volta em Mirandege. Portando lança e escudo e Kipanes) ou até alianças com grupos do Império de
acompanhado de um elemental parceiro alikunhá, Tauron para forjar ataques e justificar ações militares.
o patrulheiro ideal é o herói típico das histórias de O acordo de não-agressão permanece em aberto,
aventura entre os ubaneri. prestes a precisar ser renovado, sem nenhuma certeza
O primeiro contato que a maior parte dos estran- de quem assinaria uma nova tentativa. Ele foi assinado
geiros tem com os ubaneri é com os patrulheiros. com Tapista, não com o Império de Tauron, sendo que
Normalmente, ao encontrar um viajante, um patru- a questão política desse reino já é bem delicada. Há
lheiro costuma avisar que as terras adiante pertencem interesse local em estabelecer relações diretas com o
ao povo ubaneri e apontar o caminho de volta, para o Reinado, principalmente por conta de suas vitórias
caso do forasteiro estar perdido. Caso de fato tenha com a Tormenta, mas os ubaneri ainda não decidiram
assuntos a tratar em Ubani, o visitante passa a ser como agir nesse sentido.

Além de Arton
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Deserto da
PÁGINA

Capítulo Três
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a Perdição
AS 1 E 2

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a Perdição
S 9 E 10

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Ilustração

Capítulo Três
384
Tamu-ra O IMPÉRIO DE JADE

A
lém das Sanguinárias, todas as manhãs, Os tamuranianos contemplam o futuro com
um arquipélago vê o sol antes de Ar- esperança, mas também incerteza. Tanto mudou! O
ton. São as terras de Lin-Wu, o Deus antigo e o novo podem coexistir?
Samurai, e seu Imperador-Criança.
Terras de lealdade, verdade e determinação.
Terras de honra.
História
Nas ilhas de Tamu-ra surgiu um povo completa- Os primeiros humanos em Tamu-ra nasceram do
mente diverso — humano, mas tão diferente deste amor entre a princesa guerreira Nozomi (que os reli-
quanto anões ou elfos. Nobres guerreiros-poetas, giosos do Reinado presumem ser Valkaria) e Hunari,
prontos a sacrificar as próprias vidas em nome de o Primeiro. Esse povo, então chamado Huna’Bito,
seus senhores. Assassinos sombrios que poderiam era formado por caçadores que cavalgavam cães-leões
ser comparados a demônios. Mestres de artes mar- nas estepes geladas do norte. A migração para o sul
ciais obscuras, membros de organizações criminosas e o advento da agricultura de arroz, um presente de
tatuados que protegem o povo, pastores em comunhão Allihanna, levou os humanos a abandonar o modo de
com os espíritos que habitam todas as coisas. vida nômade (embora tribos Huna’Bito ainda existam)
e erguer suas primeiras comunidades fixas.
Tudo isso quase se perdeu, poucas décadas atrás.
Como o avanço das sociedades, os senhores de
A Tormenta veio. Devorou o mais ferrenho samurai, o
terras daimyo surgiram da necessidade de proteger os
mais amável monge, o mais temível youkai. Durante
camponeses e suas colheitas contra os temíveis bake-
anos terríveis, Tamu-ra foi nada além de chuva ácida,
mono e youkai — monstros e espíritos sobrenaturais.
abandono e desespero.
Três samurais escolhidos por Lin-Wu marcaram o início
Mas o pesadelo teve fim. Após a investida de um das linhagens mais honradas de Tamu-ra: Yamamoto,
glorioso exército divino contra o âmago da Tempestade do Clã da Montanha; Kumoeda, do Clã das Nuvens,
Rubra, Tamu-ra foi salva. Seria a primeira grande vitória e Tokugawa, do Clã dos Rios.
de Arton contra a outrora invencível Tormenta. Vieram
Mas não demorou até que alguns daimyo se decla-
tempos de reconstrução e renascimento.
rassem xogum, os tirânicos senhores da guerra. Mesmo
A reconquista total da ilha talvez nunca aconteça, os samurais mais valorosos seriam tragados por uma
com parte de suas terras ainda conspurcadas. Mas não guerra pela hegemonia do arquipélago, afastando-se da
há povo mais resiliente sobre Arton. Tamu-ra reergueu honra. Foram tempos cruentos, de sangue tamuraniano
suas cidades, retomou seu modo de vida. Mais que isso, derramado por mãos tamuranianas. Diante de tais
encerrou o antigo isolacionismo e abraçou a aliança massacres e injustiças, Lin-Wu se enfureceu. Causou
com o continente, abrindo seus portões em profunda terremotos, maremotos e erupções vulcânicas. Parecia
gratidão. Hoje, Reinado e Império são irmãos. o fim de Tamu-ra.

Além de Arton
385
Durante esse tempo de calamidade, contudo,
houve avistamentos de um monge sábio e iluminado.
Retorno e
Não tinha nome e nem rosto, sempre oculto sob um Renascimento
tengai — tipo de chapéu de palha trançada, como uma Shiro Nomatsu, sumo-sacerdote de Lin-Wu, lide-
cesta invertida. Por onde passava tocando sua flauta, rou os sobreviventes em Ni-tamura. Mas agora, com
a violência esfriava, os desastres cessavam. Tanto os o desaparecimento de Tekametsu após seu sacrifício,
vulcões furiosos quanto os guerreiros sanguinários se quem governaria o novo Império de Jade? A resposta
acalmavam com suas palavras doces. Um dia, o monge não tardaria. Quando as primeiras embarcações de
revelou ser um dragão celestial. Ele se tornaria o grande refugiados alcançaram a costa tamuraniana, depara-
unificador das províncias em Império, governando-as ram-se com um novo milagre. Foram recebidos pelo
como o eterno e único Imperador Tekametsu. próprio Imperador, agora no corpo de uma criança.
Aspecto completamente diferente, mas ainda a mesma
Era Akumushi sabedoria, o mesmo sorriso bondoso, o mesmo amor
transbordando por sua gente. Ninguém teve dúvidas
Após a sangrenta Era Naisen e a Grande Fúria, sobre sua identidade; às lágrimas, todos se curvaram
houve prosperidade. A cidade de Yamadori foi de- ao imperador renascido.
clarada capital do Império e ocorreram os primeiros
contatos com os povos do Reinado de Arton; até então Não apenas tamuranianos trabalharam para reer-
o continente era temido e evitado. Terremotos e ataques guer sua sociedade, mas também um grande número
de kaiju ainda assolavam, mas era a normalidade em de estrangeiros. Estes, por acolher os refugiados em
Tamu-ra: sobreviver, perseverar e reconstruir. seu momento de penúria, agora seriam vistos como
aliados queridos — acabava o antigo isolacionismo.
Contudo, mesmo tais desastres do cotidiano não Em 1406 foi fundada Shin’Yumeng, ou Shinkyo,
podiam preparar o Império para o que viria. Em 1390, nova capital do Império de Jade; seria a cidade mais
uma tempestade caiu. As paisagens foram corrompidas cosmopolita da ilha, acolhendo gente do Império e
por nuvens sangrentas. Choveu sangue ácido e demô- do Reinado com igual gentileza. Infelizmente, algu-
nios-inseto de pesadelo — akumushi, como chamados ma intolerância e apego aos modos antigos segue
no idioma tamuraniano. Era a Tormenta. existindo em outras comunidades.
As grandes cidades, concentradas no leste da ilha Membros de outros povos, aos poucos, também
para evitar os kaiju, foram arrasadas — pois exatamente emergiam de seus refúgios. Aqueles antes evitados e
ali a tempestade foi mais violenta, por capricho ou rechaçados agora recebiam boas-vindas — por decreto
destino. Hordas aberrantes avançaram contra suas de Tekametsu, todos os seres honrados mereciam
vítimas, devorando e chacinando. Milhões pereceram. direitos de cidadãos. As cidades se tornariam ainda
Incapaz de socorrer o povo, Tekametsu empregou o seu mais coloridas com a presença dos henge, nezumi,
poder celestial para transportar uma pequena porção meio-youkai e tantos outros.
de Yamadori até a capital do Reinado, desvanecendo-se
Enquanto isso, Arton também mudava. A Guer-
em seguida. Assim surgiria o bairro de Ni-tamura em
ra Artoniana redesenhou o mapa do Reinado, re-
Valkaria. Mesmo os tamuranianos mais receosos e
duzindo o suporte da coroa de Deheon à recons-
conservadores seguiriam vivendo na terra estrangeira.
trução. A queda da Flecha de Fogo transfigurou as
Entre aqueles que ficaram na Tamu-ra devastada, rotas marítimas e intensificou a atuação de piratas.
poucos sobreviveram. O povo-rato nezumi cavou túneis Deuses caíram e ascenderam, trazendo ainda mais
ainda mais profundos, o povo-macaco vanara refu- caos à Família Celestial, como o Panteão é chama-
giou-se nas montanhas, cada raça buscou como pôde do em Tamu-ra. Ainda, um grande grupo de sobre-
se esconder da bizarria. Viram-se à beira da extinção. viventes até então desconhecido foi revelado no rei-
Foram quinze anos em que Tamu-ra deixou de no submerso de Wata’Shimo, acompanhados pelo
existir, exceto nos corações de seus cidadãos espalhados povo-tartaruga kappa.
pelo mundo. Seria necessário um exército divino — Após tantas provações, Tamu-ra não é como antes.
liderado por Orion Drake, um dos maiores cavaleiros de Tornou-se calorosa com estrangeiros, tolerante a dife-
Arton — para expurgar a infestação horrenda. Deuses, renças, pronta a socorrer os vulneráveis. Ainda existem
dragões e demônios caíram, seus corpos ciclópicos obstáculos, famílias criminosas, ninjas demoníacos,
até hoje jazendo no campo de batalha. Mas a odiosa aberrações residuais da Tormenta. Existem aqueles
Tormenta foi derrotada. A ilha poderia, enfim, receber que conspiram em nome de um passado supostamente
sua gente de volta. A reconstrução seria dura, mas glorioso. Mas acima de tudo, ainda existe a honra.
também plena de felicidade. Absoluta e soberana.

Capítulo Três
386
Geografia
Tamu-ra é um arquipélago composto por uma
grande ilha central e várias ilhas menores entorno. São
delimitadas pelo Mar dos Monstros, ou Kaiju’Umi,
a oeste, e o Mar do Sol, ou Taiyou’Umi, a leste. A
ilha principal, alongada, hospeda grande variedade
de paisagens e climas — desde o norte montanhoso
e congelado, passando por estepes frias e áridas, até
as planícies e colinas temperadas mais ao sul.
Sua parte setentrional se chama Shirokita, o
Norte Branco. Região menos povoada do Império,
aqui vivem os guerreiros e monges mais resilientes,
aguardando discípulos valorosos. Há um conjunto de
ilhotas mais ao norte, conhecidos como Lágrimas da
Princesa e habitados por yuki-onna, as admiradas e
temidas mulheres de neve.
O centro da ilha é tomado por estepes e planícies
frias, conhecidas como Dai’Soogen. Aqui ainda ron- Tamu-ra
dam antigas tribos Huna’Bito, caçando manadas de
bisontes enquanto cavalgam ferozes cães-leões, como Nome oficial: Império Renascido de
sempre fizeram nos últimos dez mil anos. Tamu-ra.

A região nordeste é assolada por Kiri’Kizu, Lema: “Nascer, Viver, Morrer, Renascer”.
a Ferida Profunda — onde a batalha final contra a Brasão: um chapéu tengai.
Tormenta foi deflagrada. Mesmo com a expulsão dos
Gentílico: tamuraniano, tamuriano.
demônios mais poderosos, mesmo não sendo mais
uma área de Tormenta verdadeira, estas terras ainda Capital: Shin’Yumeng (Shinkyo)
estão impregnadas de vermelhidão sufocante, ainda Forma de governo: monarquia
são assoladas por bandos de criaturas grotescas. celestial.
O sul é atualmente a parte mais aprazível da Regente: Imperador Tekametsu.
ilha, de florestas montanhosas e vales verdejantes
População: 270.000.
cortados por rios numerosos. As grandes cidades atuais
erguem-se nos estuários onde estes rios encontram o Raças: Humanos, nezumi, hanyô,
mar — incluindo a capital Shin’Yumeng, na foz do rio ryuujin, henge.
Shirakawa. Ainda mais ao sul, um conjunto alongado Divindade principal: Lin-Wu.
de ilhas é conhecido como a Cauda do Dragão.

Povo & Costumes como moradores em cidades). O requisito principal


para viver em sociedade é a honra.
Desde antes da Grande Unificação a sociedade ta-
muraniana tem sido feudal, organizada em três castas. Por falar em honra, a nobreza de Tamu-ra obedece
Temos os nobres dai’zenshi, que lutam e governam; os a regras muito diferentes do Reinado de Arton. Não
vassalos shimin, que produzem, cultivam e pescam, e basta apenas pertencer a uma família tradicional; todo
os párias nai’nin, não considerados cidadãos. As castas membro da casta nobre deve praticar constantemente
são sagradas, criadas por Lin-Wu e jamais questionadas a honra, ser um exemplo de coragem, virtude, compai-
— mas os requerimentos para pertencer a cada uma se xão, cortesia, civilidade e etiqueta. Samurais e clérigos
tornaram mais tolerantes em anos recentes. Outrora, shugenja são magicamente capazes de estimar a honra
apenas humanos tamuranianos podiam ser shimin, de indivíduos, tornando a existência de aristocratas
cidadãos com direito à proteção imperial. Hoje esse corruptos quase impossível. Por esse motivo a nobreza
status se aplica a outras raças nativas, incluindo os de Tamu-ra é efetivamente justa, buscando o bem-estar
antigos inimigos nezumi (mas não a estrangeiros, do povo. Ainda assim, existem aqueles que conseguem
embora estes sejam tratados com cortesia e aceitos esconder sua desonra e agir nas sombras.

Além de Arton
387
A maior parte da população tamuraniana é com- mais impressionantes, sua efígie dracônica está nos
posta por humanos, sendo estes também os únicos maiores palácios. Seus guerreiros santos e clérigos,
permitidos na casta nobre — com duas exceções. os samurais e shugenja, são autoridades supremas
Ryuujin, os meios-dragões, são considerados uma na sociedade local.
bênção de Lin-Wu e automaticamente pertencentes à Os outros deuses não são negados, nem despre-
nobreza, mesmo quando nascem em famílias plebeias. zados ou temidos — eles apenas não se equiparam
E os mashin, fabulosos e leais construtos vivos que a Lin-Wu, pois obviamente ninguém poderia. São
representam o ápice da arte e ciência tamuraniana, coletivamente cultuados como a Família Celestial,
são também nobres dai’zenshi. segunda maior religião na ilha, que os aceita como
Outros seres convivem pacificamente com os hu- divindades menores. Este culto é muito mais infor-
manos. Existem os impetuosos hanyô, ou meio-you- mal, reconhecendo os membros da Família como
kai, muitas vezes nascidos do amor entre humanos espíritos elevados, mas imperfeitos (apenas Lin-Wu
e seres sobrenaturais. Os tímidos henge, animais é perfeito). Têm nomes e aspectos diferentes, nem
mágicos inteligentes e capazes de assumir forma sempre combinando com suas contrapartes conti-
humanoide. Os vanara, nobre e sábio povo-macaco nentais; algumas correlações são óbvias, outras nem
das montanhas que, em sua eterna curiosidade, pode tanto. Quase ninguém sabe os nomes de todos, até
buscar moradia nas cidades. Infelizmente há também mesmo evitam pronunciá-los em voz alta; dizem
os grotescos kaijin, versão ainda mais monstruosa que privilegiar um único membro da Família traz
dos lefou, rejeitados e perseguidos mesmo quando azar, atrai a inveja dos demais. Os outros deuses são
trazem nobreza no coração. vistos assim mesmo, falhos e cheios de defeitos, mas
também merecedores de respeito.
Mas a relação mais complicada reside entre
humanos e nezumi, o selvagem povo-rato. Em sua Por fim, em Tamu-ra acredita-se que todas as
cultura, a busca constante por inimigos fortes é prova coisas têm ou podem ter um espírito, sejam as
de coragem e merecimento; adversários dignos trazem florestas, os rios, as estradas, o vento; o segredo
significado à vida. Somado a seu desprezo pela honra, para uma vida próspera está em respeitar e aprazer
esse modo de vida sempre posicionou os nezumi contra cada espírito no momento certo. O mundo espiritual
os humanos em toda a história da ilha, cada povo se é muito maior e mais rico que este pobre mundo
considerando mais merecedor de viver ali, tratando o material. A prática de entender esse universo mágico é
outro como invasor. Essa inimizade de séculos acabaria chamada Bushintau — não exatamente uma religião,
apenas com a tragédia da Tormenta, quando ambos os mas pode ser considerada assim. Não há templos,
povos foram quase dizimados. Mais tarde, combalidos e mestres ou escrituras que ensinem o Bushintau, cada
com novos inimigos comuns (os akumushi restantes), seguidor deve encontrar seu próprio caminho ouvindo
ambos decidiram juntar forças para a reconquista. os espíritos, aprendendo a discernir suas verdades e
mentiras. Também fazem parte deste culto as práticas
Como símbolo da aliança, o Imperador decretou
para contactar ancestrais falecidos, bem como conjurar
que nunca mais os nezumi precisariam se esconder
ou combater seres sobrenaturais.
nas profundezas, oferecendo-lhes sua própria cidade.
Krat’Karr é a maior comunidade nezumi desde a As três religiões existem em sincretismo harmo-
distante Era Kemono, quando apenas povos ferais nioso, sem negar umas às outras. Quase todos os
habitavam a ilha. O povo-rato ainda desconfia de hu- tamuranianos acreditam na existência de todas.
manos, ainda prefere violência a diálogo para resolver
pendengas. Mas é um começo.
Governo
Religião Após séculos de conflitos ancestrais por poder,
Em vez de um complicado Panteão com vinte a chegada de Tekametsu trouxe ordem e harmonia,
deuses rivalizando por liderança e devotos, Tamu-ra juntamente com um sistema governamental baseado
cultiva uma vida religiosa muito mais tranquila. Aqui puramente na honra.
não existe dúvida: Lin-Wu é a divindade soberana. O Imperador, mesmo em sua atual encarnação
É o provedor da honra, aquilo que existe de mais infantil, é a autoridade máxima. Sua lealdade jamais é
importante, o que diferencia pessoas e feras. O culto questionada, não apenas por ser escolhido de Lin-Wu,
a Lin-Wu é inseparável da honra, que por sua vez é mas também um dragão celestial — criatura entre as
inseparável da nobreza e da civilização. Sua igreja é mais poderosas e puras na existência. Originário de
a única realmente importante, seus tlempos são os Sora, ali viveu ao longo de séculos, apenas ocasional-

Capítulo Três
388
mente visitando Tamu-ra. Acabaria apaixonado pelos detectar e punir desonrados, assegurando um governo
dramas e vivências dos mortais, sofrendo por suas livre de intrigas e sem grandes conflitos internos.
dificuldades e desafios. Acompanhou almas ao longo Como em outras sociedades feudais, os nobres
de muitas vidas, muitas mortes e renascimentos. Em lutam e os cidadãos trabalham. Aqueles que não
sua bondade infinita, desejava ajudá-los, servir a eles. praticam a honra, ou escolhem viver afastados da
Conceder-lhes felicidade e fortuna. sociedade, não recebem proteção da nobreza. Além
Era secular mas, ainda assim, jovem pelos padrões disso, em qualquer conflito ou disputa, os honrados
de sua espécie. Outros dragões o censuravam, avi- sempre serão mais favorecidos que os desonrados.
savam sobre viver tão apegado aos mortais, contrair
suas fraquezas. No mundo material, as forças dos
seres celestiais diminuem até acabar. Mas Tekametsu
era pura generosidade, ansiava pelo bem-estar de
outros acima do próprio. Sacrificar-se pelo próximo,
para ele, era um prazer.
Por isso, quando veio a Grande Fúria, quando
terras e mares açoitaram e mataram milhares,
Tekametsu se compadeceu. Ousou implorar ao
irado Lin-Wu para ter misericórdia. Espantado com
a audácia e mágoa daquele jovem, o Deus Dragão
entregou-lhe uma missão: mostrar a seus filhos
perdidos o caminho de volta à honra. Assim ele
fez. Percorreu campos de batalha na forma de
um monge flautista, acalmando a natureza e
os corações das pessoas. Por onde passava,
trazia paz e tornava-se lenda. Não queria
governar, não ansiava por poder, mas o
povo precisava de um exemplo, um líder.
Seria isso, ou vê-los destruídos.
Assim, mesmo sabendo que seus
poderes seriam reduzidos conforme
permanecia no mundo mortal, Teka-
metsu tornou-se imperador. Estabe-
leceu um governo longo e próspero.
Mas, quando a Tormenta veio, já
estava fraco demais. Usou de toda a Ilustração
sua energia restante para salvar um
bairro e seus ocupantes. Então morreu.
Ou apenas voltou a Sora, restaurando
suas forças, para retornar no momento
certo — quando seu povo precisasse de
liderança outra vez.
A soberania da ilha é centralizada
na figura do Imperador. Ele prefere
lidar com quase todos os assuntos em
pessoa, incluindo a convocação de aven-
tureiros para missões, para o desespero de
seus guarda-costas. Abaixo dele estão os
patriarcas e matriarcas dos Três Honrados, os
clãs Yamamoto, Kumoeda e Tokugawa, todos
habitando o Palácio Imperial em Shinkyo. Seus
familiares formam a nobreza dai’zenshi, atuando
como samurais, shugenja e magistrados, aplicando a lei
e a justiça. Bênçãos de Lin-Wu garantem capacidades de

Além de Arton
389
Locais Importantes mostrou ideal para uma cidade pesqueira — importante
atividade econômica em Tamu-ra. Sua localização no
extremo sul da ilha seria, também, fundamental para
Shin’Yumeng, estabelecer rotas marítimas para o Reinado.
a Capital Imperial Erguida em pouquíssimo tempo por trabalhadores
Mais conhecida como Shinkyo (que significa ansiosos para ver sua terra renascida, Shinkyo se
simplesmente “nova capital”), a Nova Capital Imperial tornaria exemplo cosmopolita da cultura tamuraniana
é a maior cidade de Tamu-ra na atualidade e em todos mesclada a tradições do Reinado de Arton. Existem
os tempos. Também é a mais diversa, conciliando a izakaya típicos com ótimo saquê, mas também
arquitetura tradicional tamuraniana com cidadãos tavernas que servem cerveja. Os excêntricos bardos
estrangeiros, itens e objetos de arte de vários lugares do continente fazem sucesso ao lado das tradicionais
de Arton. Em todos os aspectos, Shinkyo representa gueixas, clérigos de Valkaria participam dos ritos e
os novos valores da luminosa Era Hikari. preces a Nozomi, mercadores hynne negociam no
porto com samurais dos grandes clãs — ou membros
Shinkyo foi erguida em uma baía, no ponto em que
das famílias yakuza.
o Imperador-Criança foi encontrado quando aguardava o
retorno das primeiras embarcações de refugiados. Bem A cidade está aberta a visitantes e imigrantes.
protegido contra tempestades e a maioria dos kaiju, Alguns veem como retribuição à hospitalidade ofe-
abastecido de água doce pelo rio Shirakawa, o lugar se recida aos tamuranianos pelo Reinado. Estrangeiros
são bem recebidos no Império,
mesmo que não sejam considerados
cidadãos shimin, e Shinkyo é a porta
de entrada mais acolhedora que
poderiam ter.

Cauda
do Dragão
Shinkyo aceita todos, mas não
tudo. Próxima do Palácio Imperial
onde residem os Grandes Clãs, com
presença constante de samurais e
shugenja, a capital é o lugar mais
seguro do Império — e o mais difícil
de fazer acordos com... discrição.
Por esse motivo, as ilhas ao sul
tornaram-se bases de operações

o
clandestinas para piratas, crimi-

s ó r i nosos yakuza e até mesmo ninjas.

rovi
Ficariam conhecidas como a Cauda

P
do Dragão.

Ma pa Outrora povoadas apenas por


henge e aldeias de pescadores, estas
ilhas de grande beleza natural ficam
próximas à rota marítima principal
entre Tamu-ra e o Reinado — pro-
porcionando excelentes pontos de
emboscada para atacar navios mer-
cantes. Seus inúmeros esconderijos
naturais são protegidos contra a
inconveniente vidência dos shugenja
imperiais, mas ainda ao alcance das
comodidades do Império. Por tudo
isso a Cauda do Dragão se tornaria

Capítulo Três
390
um antro de criminalidade, não sendo incomum que os Wata’Shimo é uma monarquia singular em todo
fora da lei do Reinado também venham negociar aqui. o mundo de Arton. Embora existam um rei e uma
Expedições imperiais são enviadas com regula- rainha, as decisões políticas são tomadas de forma
ridade às ilhas, com variados graus de sucesso em coletiva pelos cidadãos. Qualquer indivíduo adulto,
eliminar o crime e garantir a segurança dos viajantes, seja kappa ou não, tem direito a voto nas deliberações.
mas nunca conseguindo fazê-lo por completo. Diz-se Os kappa se referem a essa união dos cidadãos como
que, como os próprios yakuza, a Cauda do Dragão é o Cardume. O rei, por sua vez, somente exerce seu
um fato inevitável da vida. poder conforme a vontade do Cardume.
O Cardume tem estabelecido laços de amizade cada
Nishidori, vez mais estreitos com Tamu-ra. O Imperador-Criança
abriu as portas do Império para receber qualquer kappa
a Fortaleza do Oeste que deseje contribuir ou apenas visitar. Os únicos que
Diante do Mar dos Monstros e das Sanguinárias, demonstram receio diante da crescente participação dos
ergue-se a poderosa Nishidori — gigantesca cidadela kappa são os nezumi, devido a uma histórica rivalidade.
fortificada, encravada entre as montanhas com o pro- Mas afinal, quem não tem uma rivalidade histórica
pósito de barrar os kaiju. De fato, em toda a história de com os nezumi?
Tamu-ra, teria sido a única edificação capaz de fazê-lo.
As muralhas majestosas não foram suficientes para Kiri’Kizu,
proteger seus habitantes da Tormenta, mas grande parte
das estruturas resistiu. Com o fim da Era Akumushi, a
a Ferida Profunda
cidadela seria então reencontrada e repovoada. Tornar- A Era Akumushi jamais chegaria ao fim sem deixar
se-ia a segunda cidade mais populosa, atrás apenas da cicatrizes. Kiri’Kizu é a cicatriz.
nova capital. Contudo, diferente de Shinkyo, aqui a Onde antes ficavam a capital Yamadori e tantas
antiga reclusão tamuraniana seria mantida como forma outras cidades vizinhas, agora reside uma imensurável
de “proteção aos costumes tradicionais”. Acolheria os cratera de matéria vermelha, em ângulos e tamanhos
políticos, mercadores e nobres mais conservadores, impossíveis, cercada por grandes extensões de terra
saudosos desses tempos. Aqui também é onde os conspurcada. A Ferida Profunda não é uma área da
ardilosos Tradicionalistas se organizam e conspiram Tormenta verdadeira, mas uma memória viva de todo
secretamente contra a Era Hikari. o mal que causou.
Estrangeiros podem visitar a cidade, principal Antigas estruturas que a tempestade não devorou
ponto de partida para expedições às Sanguinárias. Não foram corrompidas em templos de pesadelo que ape-
devem ter problemas caso suas visitas sejam breves nas vagamente lembram as construções originais. Ali,
e livres de incidentes. Serão tratados com a devida relíquias anteriores ao desastre ainda podem existir,
cortesia, mas apenas porque os locais se consideram atraindo aventureiros ambiciosos. Aberrações meno-
superiores ao fazê-lo. Embora a autoridade de Teka- res também rondam, motivando equipes imperiais em
metsu seja absoluta, aqui se acredita que o Imperador missões de extermínio. Dizem que lefeu verdadeiros
às vezes deve ser protegido de sua própria bondade. ainda se escondem em Kiri’Kizu, tramando, odiando,
transformando-se em coisas diferentes. Precisam
Wata’Shimo, ser encontrados e destruídos antes de alcançar seus
objetivos, sejam quais forem.
o Reino sob as Ondas Nas áreas mais afastadas da Ferida, cidades
O Reino de Wata’Shimo jamais foi completamente perdidas como Rankami podem ser ainda habitadas
apagado da memória dos tamuranianos. Antes da por humanos, ou coisas parecidas com humanos, que
Tormenta, muitos consideravam-no apenas uma abandonaram a honra e abraçaram o poder aberrante.
lenda fantástica. Contudo, o que verdadeiramente Aqui também é onde kaijin são encontrados com
surpreende o povo da superfície é a peculiaridade mais facilidade; pode ser, de fato, o lugar onde eles
do fluxo temporal em Wata’Shimo. Um ano nesse se formam.
reino submerso equivale a uma década na superfície.
Nas antigas lendas, atribui-se esse fenômeno a um Alguns conselheiros do Imperador acreditam
pedido feito pelos kappa a Watajin, o Rei dos Mares. existir alguma forma de restaurar a região. Para outros,
De qualquer forma, tal fato explica a aura de mistério a Ferida seguirá existindo para sempre, como provação
e fascínio envolvendo os kappa do Reino sob as Ondas. e lembrança da tragédia.

Além de Arton
391
Guildas & O Ferrão, clã ninja mais poderoso e antigo de
Tamu-ra, permanece desconhecido para a maioria,
Organizações sendo avesso à honra. Acreditam que uma Tamu-ra
dedicada aos ideais de Wang-Ho alcançaria patamares
muito maiores do que as noções fracas e ingênuas de
Os Três Grandes Clãs honra de Lin-Wu.
“Não há nuvem sem rio, rio sem montanha,
A Constelação, por sua vez, surgiu como uma
montanha sem nuvem”, proferiu Lin-Wu em pessoa
dissidência do Ferrão durante a Grande Unificação.
ao condecorar Yagyuu Yamamoto, Sanjo Kumoeda e
Entre os shimin, são conhecidos popularmente como
Matsura Tokugawa como os Três Honrados, fundadores
“Shurikenjaa”, pois poucos sabem seu nome verdadeiro
do Clã da Montanha, das Nuvens e dos Rios. Esses Três
ou têm certeza de sua existência. Os ninjas da Cons-
Grandes Clãs já existiam há séculos, muito antes da
telação veem a si mesmos como estrelas, imersos na
Grande Unificação, sobrevivendo à Era Akumushi em
traiçoeira noite, mas servindo ao brilho da Era Hikari.
Nitamu-ra. Desde seu retorno à ilha, os clãs retomaram
Como um samurai jamais aceitaria ajuda de um ninja,
seus deveres sob as ordens do Imperador Tekametsu,
seus agentes apoiam secretamente o Império, assim
com a nobre missão de reconstruir o Império.
preservando a honra do povo tamuraniano.
Para surpresa de muitos, os clãs têm visões diver-
Por fim, existem os Sombras, que não cons-
gentes sobre honra. Os Yamamoto são samurais de
tituem exatamente um clã. São ninjas solitários
natureza rústica e abordagem direta. Cumprindo seu
que aceitam contratos de qualquer um, incluindo
dever, enfrentam e resistem a qualquer inimigo. Para
outros clãs ninjas. Seu ideal é preservar os precei-
eles, o propósito da vida como samurai se resume a
tos do Tratado da Arte Ninja, escrito por Ashida
lutas e batalhas. São os mais resilientes guerreiros
Kagemaru, o primeiro ninja. Os Sombras se ajudam
do Império, com uma longa tradição no combate a
mutuamente na procura por páginas e tomos desse
monstros e resgates durante catástrofes naturais.
tratado, buscando aprimorar suas técnicas com esse
Os Kumoeda são mais inclinados à etiqueta e conhecimento secreto.
às artes sofisticadas da nobreza. Desempenham
Nas sombras, os Clãs Sutis também travam sua
papel crucial na burocracia imperial, participando
própria guerra secreta pela lendária espada Saso-
ativamente das decisões governamentais. Para eles,
ri’Ken, forjada por Kagemaru.
não há diferença entre empunhar uma arma ou um
pincel, sendo possível derramar sangue de ambas as
formas. São também arqueiros habilidosos, capazes As Famílias Yakuza
de disparar chuvas de flechas. Sempre houve tarefas que os samurais não podiam
Por fim, os Tokugawa são samurais mais humildes ou queriam realizar, por serem indignas da nobreza.
e próximos à realidade do povo. Para eles, flexibilidade Famílias de camponeses e mercadores assumiram tais
é a resposta, como as águas que contornam as pedras missões, levando ao surgimento de verdadeiras orga-
do rio. Tal mentalidade se reflete em seu estilo de luta nizações criminosas no Império de Jade. As famílias
adaptável, que utiliza a força do oponente contra si yakuza, mesmo agindo fora da lei, muitas vezes são
mesmo. São grandes defensores das mudanças sociais toleradas pelas autoridades como um mal necessário
recentes na Era Hikari, e aqueles mais receptivos à — ainda que seus métodos sejam pouco honrados,
cultura gaijin durante sua estadia em Nitamu-ra. esses bandos protegem o povo a seu próprio modo.
Com um forte senso de lealdade familiar, os yakuza
Apesar das divergências, os três Grandes Clãs
punem traidores com amputações e outros castigos
trabalham em conjunto pelo Império de Jade. Mantêm
físicos. A família sempre vem em primeiro lugar.
suas rivalidades e desavenças guardadas para o Torneio
dos Clãs que ocorre anualmente, o Kamisori. Além Os Nairyori, também conhecidos como “Clã da
dos melhores samurais de cada família, o torneio Lótus”, são a família mafiosa mais antiga em atividade,
aceita guerreiros e lutadores de todas as origens, com raízes que remontam ao início da Era Teikoku.
inclusive estrangeiros. Eles protegem as populações simples, cobrando “taxas
de proteção” dos comerciantes bem-sucedidos. Seus
métodos são cruéis, eliminando inimigos de maneira
Os Três Clãs Sutis hedionda para servir de exemplo. Após sobreviverem
Existem organizações opostas aos samurais: os à Tormenta, expandiram seus negócios em direção ao
Clãs Sutis, lendários grupos ninjas desconhecidos pela Reinado de Arton, com bases em Nitamu-ra e Shinkyo,
maioria dos tamuranianos. liderados por Dyang So-Dak.

Capítulo Três
392
Já os modernos Hideteru surgiram durante a dori. Utilizam rumores falsos e teorias conspiratórias
Era Akumushi, quando várias famílias yakuza foram para conquistar seguidores desavisados. A ideia de um
dizimadas pela Tormenta. Formaram um grupo unido, passado glorioso é sedutora para uma parcela signi-
operando com piratas em comunidades costeiras do ficativa da população, especialmente aqueles que se
continente, como Nova Malpetrim. Ao contrário dos sentem ameaçados pelas mudanças sociais.
Nairyori, os Hideteru aceitam qualquer pessoa em Se tudo ocorrer conforme planejado, disseminado
suas fileiras e são liderados por Hideteru, um hanyô ideias perigosas, os Tradicionalistas podem instaurar o
de gênio explosivo. Seu objetivo é apenas enriquecer caos e forçar Tamu-ra a retroceder. Caso falhem, eles
e mostrar sua supremacia, sem se importar tanto em se isentam de responsabilidade, acreditando que sua
proteger o povo ou Tamu-ra. Controlam o porto de falta de envolvimento direto garantirá impunidade.
Shinkyo e estão constantemente em confronto com
os Nairyori, contratando aventureiros para atacar as
operações rivais.
Aventuras
Os Tradicionalistas Da nobreza no Torneio dos Clãs à corrupção
na Cauda do Dragão, Tamu-ra é uma terra plena de
As últimas décadas trouxeram mudanças ao modo ocupações para aventureiros. O Imperador Tekametsu
de vida tamuraniano. Alguns rejeitam tais mudanças. frequentemente convida heróis do Reinado para atuar
São os Tradicionalistas. em seu nome, seguindo a tradição dos sentai, grupos
Originariamente compostos por nobres insatisfei- de campeões respeitados por todos em Tamu-ra.
tos com o ritmo das transformações, ao longo do tempo A política do Império é marcada por desavenças
os Tradicionalistas se consolidaram como uma facção de honra e integridade. Embora os Grandes Clãs não
unida, com membros de diferentes camadas sociais. possam entrar em guerra, a rivalidade entre alguns
Em sua perspectiva, Tamu-ra está em declínio, samurais resulta em duelos clandestinos e crises
com tradições e costumes sendo desrespeitados. diplomáticas delicadas. Aventureiros também
Eles questionam a legitimidade do imperador se envolvem na complexa trama da Guerra
após uma tragédia que não conseguiu conter, das Sombras, o que acarreta perseguição
levantando dúvidas sobre a verdadeira iden- por parte de ninjas de vários clãs. Da mesma
tidade do governante no trono. forma, as famílias yakuza são discretas e não
Durante a Guerra Artoniana, os Tradi- apreciam intromissão, a menos que precisem
cionalistas apoiaram a Supremacia Purista contratar os aventureiros para algum serviço
e elogiaram publicamente a suposta dis- específico. Contratar estrangeiros é uma
ciplina e honra dos soldados puristas. maneira conveniente para as famílias
Seu desejo é estabelecer um sistema yakuza evitarem responsabilidade
similar no Império de Jade, o que direta por crimes, mas pode colocar
os torna extremamente hostis heróis bem-intencionados em
em relação aos não humanos, apuros perante a lei.
estrangeiros e mulheres Além disso, nas áreas
em posições políticas ou remotas há grande perigo:
religiosas de autoridade. ataques de kaijin e demô-
De maneira astuta, os nios oni a aldeias, kap-
Tradicionalistas traba- pa perigosos espreitando
lham para reverter as nas águas, tengu arrogan-
mudanças posi- tes buscando lutas, kai-
tivas alcançadas ju emergindo do oceano
no Império de para devastar e destruir.
Jade. Eles ocu- E, pior que tudo isso, os
pam posi- vestígios de Tormenta
ções de au- em Kiri’Kizu, escon-
toridade em dendo tesouros e tam-
cidades mais bém pesadelos.
afastadas do Palácio
Imperial, como Nishi-

Além de Arton
393
Capítulo Três
394
Moreania REINOS DO POVO-FERA

D
istante de Arton no oceano a leste, como um reino. De suas fornalhas nasciam monstros de
Moreania é um mundo em si mesmo, aço e vapor, que cortavam árvores e matavam animais
abrigado e isolado pela vastidão do para alimentar as chamas e gerar mais monstros. Suas
Oceano. Desde o início dos tempos torres e fortalezas esmagavam a selva. Grande parte
sua história seguiu rumos diferentes daqueles da região leste da Ilha Nobre foi devastada, sufocada
pela fumaça negra, tomada pelo Reino das Torres.
traçados pelos outros continentes. Animais
e monstros comuns em mundos fantásticos Os animais sobreviventes refugiaram-se nas terras
também existem aqui, mas em cores e formas a oeste. Mas a fumaça avançava inclemente sobre a
próprias, às vezes bastante exóticas. Mas os brancura das montanhas — toda a ilha logo seria tomada
Reinos de Moreania acabariam se tornando co- por brasa e metal. Os animais farejavam a própria extin-
ção. A Dama lamentava o sofrimento de suas crianças,
nhecidos por seu peculiar povo-fera, os moreau.
mas não ousava reagir. Ela suportava, como uma corça
Um povo humano.
ferida. Tentava manter-se orgulhosa, contendo o choro.
A história da colonização aqui é controversa.
Não conseguiu. Seu irmão Megalokk ouviu.
Sabe-se da existência da distante Arton, a algumas
semanas de viagem por mar — de onde antigos colonos As montanhas sacudiram, rugindo com a ferocidade
poderiam ter chegado. No entanto, o Mito dos Irmãos do Deus dos Monstros. Abriram-se asas de brancura
Selvagens é aceito pela grande maioria da população cegante, varrendo a fumaça pestilenta. Muitas patas e
como verdade absoluta. muitas mandíbulas emergiram das profundezas. Era
o avatar de Megalokk, chamado então Morte Branca.
Inúmeras cabeças expeliram chamas terríveis,
História varrendo o Reino das Torres. Máquinas de guerra
De acordo com o mito, em Moreania havia apenas tentaram detê-lo, mas fizeram pouco além de irritá-lo.
animais selvagens, as crianças da Dama Altiva — como Em seis dias, Morte Branca havia destruído todos
Allihanna é conhecida localmente. Eles viviam seguindo os humanos, suas máquinas e construções. Aquele
suas normas simples, desconhecendo coisas como o bem, pestilento e nocivo povo darash teve fim. E o Indomável
mal, ordem ou caos. Obedeciam apenas ao Ciclo da Vida. sorriu um sorriso de dez mil presas.

Um dia, nascidas das lágrimas de deuses sem nome, Mas o mal estava feito. As crianças da Dama,
vieram as criaturas de duas pernas chamadas darash atemorizadas, pediram para nunca mais sofrer tanto.
— um povo humano de origem até hoje desconhecida. Pediram para possuir aqueles mesmos atributos,
Invadiram o extremo leste, espalhando-se como um aqueles mesmos corpos e mentes. Ser capazes de andar
incêndio. Ao longo dos anos ergueram aldeias, que eretos, falar e lutar com armas.
cresceram como cidades, que por sua vez cresceram Foram então transformados em humanos.

Além de Arton
395
Séculos passaram. O povo de Moreania — também tinham traços dos animais que um dia foram. Eram
conhecido como os moreau — começou sua lenta búfalos, leões, coelhos, morcegos, ursos, crocodilos,
escalada rumo à civilização, seguindo os passos que raposas, serpentes, corujas, hienas, gatos e lobos.
todos os humanos devem seguir. Primeiro foram Agora humanos, temiam o que era diferente, temiam
bárbaros nômades, extraindo seu sustento da natu- o desconhecido.
reza. Aprenderam a agricultura, não mais precisando Sempre vagando em busca de novas terras, as
viajar e erguendo suas primeiras aldeias. Dominaram tribos muitas vezes lutavam por territórios. Dividida,
o fogo. Descobriram como modelar o barro, depois o a humanidade era presa fácil para os monstros que
bronze, o ferro e enfim o aço. Eram agora um povo rondavam ali. Orcs, ogros, goblinoides... sua origem
de espadas, armaduras e castelos, como outros tantos até hoje permanece incerta. Alguns sábios dizem ser os
que habitavam terras longínquas. Um povo movido últimos remanescentes do povo darash, que regrediram
por aventura, ambição, conquista e felicidade. para um estágio primitivo por obra da Dama Altiva.
À primeira vista, os moreau pareciam destinados Outros afirmam que os humanoides são muito mais
a construir um novo Reino das Torres, seguindo os antigos — teriam sido uma civilização avançada, respon-
passos que levariam aos mesmos progressos técnicos sável pela construção de cidades e templos. Essa teoria
— os mesmos monstros mecânicos e não-vivos, que explicaria a existência de tantas ruínas desconhecidas,
devastavam e matavam. Mas os horrores do passado não-moreau, no território de Luncaster.
nunca foram esquecidos. Jamais cometeram crimes Os moreau estavam em perigo, não sabiam apro-
contra seus irmãos selvagens, fosse por amor à Dama, veitar a dádiva do livre-arbítrio. Embora humanos,
fosse por respeito ao Indomável (afinal, Morte Branca ainda eram guiados por instintos animais — agiam pela
poderia retornar para destruí-los). força, reagiam com medo. Seus líderes eram escolhidos
Os moreau inventaram línguas faladas e escritas. entre os guerreiros mais fortes e brutais.
Aprenderam a dominar a magia, desenvolveram artes Nesse cenário, homens e mulheres sábios conhe-
e ciências. Ergueram cidades magníficas, radiantes, cidos como druidas decidiram agir.
que adornavam a paisagem em vez de ferir. Cultivaram
a terra sem profaná-la, domesticaram animais sem O Conselho Druida teria sido a mais antiga con-
fazê-los sofrer. E transformaram Moreania em uma gregação moreau. Seus membros pertenciam a todas
civilização fantástica, sempre demonstrando o devido as tribos, mas reuniam-se secretamente para louvar os
respeito às criações dos deuses. Irmãos Selvagens em cerimônias ocultas nas profundezas
das florestas. Durante seus cultos, aprenderam a praticar
Mas os moreau são humanos e, como tais, muitas todas as formas de magia divina hoje conhecidas.
vezes pensam diferente de seus semelhantes. Aqueles
com ideias parecidas escolheram viver juntos, enquanto Os druidas também inventaram a agricultura e
mantinham distância daqueles que cultivam opiniões a pecuária. Plantando sua própria comida, criando
opostas. Como resultado, hoje o oeste de Ilha Nobre é seu próprio gado, os moreau não precisariam mais
formado por três reinos: Laughton, Luncaster e Brando. viajar o tempo todo. Poderiam estabelecer-se em suas
próprias terras, sem esgotar seus recursos naturais.
Construir muralhas e fortificações como proteção
O Velho Mundo contra os monstros. Enfim, poderiam viver em paz.
Dentre os três grandes reinos que formam Moreania,
Com poder mágico, conhecimentos e sabedoria, os
Luncaster é o maior e mais antigo — berço da civilização,
druidas conquistaram o respeito dos moreau, assumindo
ponto de origem dos habitantes de todo o arquipélago.
o papel de líderes. O Conselho trabalhou devagar, ao longo
Aqui a humanidade moreau nasceu, mil anos atrás.
de gerações, para unificar as tribos. Guerras cediam lugar
Após receber o presente dos Irmãos Selvagens, a jogos e torneios. Casamentos eram arranjados entre
durante os séculos seguintes, os moreau viveram como noivos de diferentes tribos. Após séculos de esforços,
bárbaros nômades. Ainda sem conhecer a agricultura, enfim seria fundada Wellshan, a Cidade Primeva.
tiravam seu sustento das árvores e da caça, colhendo e
Sob a orientação dos druidas, o povo moreau
matando somente o necessário. Viajavam em bandos,
prosperou. Numerosas outras cidades seriam fundadas
sem estabelecer comunidades. Quando os recursos de
— cidades muito diferentes das odiosas torres darash.
uma região escasseavam, ele migravam para outra,
No reino de Luncaster, homem e natureza andam de
enquanto o lugar anterior se renovava. Assim viviam
mãos dadas. Seus templos abraçam as florestas, em vez
em paz com a natureza.
de esmagá-las. Árvores enlaçam muralhas e estátuas.
Mas não viviam em paz entre si. Surgiram doze Animais selvagens circulam livremente pelas ruas e
grandes tribos. Seus integrantes, embora humanos, habitações. O bárbaro e o civilizado são indistinguíveis.

Capítulo Três
396
Os Novos Reinos
Depois de Luncaster, duas outras grandes nações
floresceram. Moreania
Brando, o País dos Campeões, nasceu graças ao Nome oficial: Reinos de Moreania.
rompimento de uma tradição. Leis antigas regiam
uma disputa de força entre as doze tribos, um torneio Lema: “Mão, Mente, Magia.”
para determinar o homem e a mulher mais fortes em
Gentílico: moreau.
cada tribo. Os Noivos Campeões então se casariam e
governariam até o torneio seguinte. Capitais: Prendik, Wellshan, Kil’mer.
Certa vez, seis séculos atrás, o Clã da Raposa Formas de governo: teocracia,
saiu vitorioso. Os noivos eram o guerreiro Faernal e monarquia, república.
a arcanista Sathia. Poucas vezes a arma e magia lutaram
de forma tão gloriosa, ele brandindo o machado e ela Regente: Conselho Druida.
conjurando feras. Seu casamento seria uma das maiores
População: 1.500.000.
festas do mundo antigo... quando, durante a cerimônia,
um pequeno descuido de Faernal revelou suas orelhas Raça principal: moreau.
de lobo. Apaixonado por Sathia, o guerreiro viveu em
Divindades principais: Allihanna,
segredo no Clã da Raposa durante anos, para que juntos
fossem os Noivos Campeões. Os clãs do casal foram Megalokk.
banidos para sempre do torneio. Ressentidos, lobos
e raposas uniram-se para formar o Clã da Matilha e
abandonaram as antigas terras. Migraram para o sul e,
após uma longa jornada, estabeleceram seu território
O fenômeno acabou levando-os ao extremo oeste
na outra margem do rio Ipeck-Akuanya. Ali fundaram
da ilha, diante de uma cidade misteriosa, mágica.
Brando, nome do primeiro filho de Faernal e Sathia.
Formada por seis gigantescos discos de pedra e
Com o lento desaparecimento dos clãs e a uni- metal — cada um deles imenso como uma cidade,
ficação humana, o antigo rancor foi deixado de lado pairando nas alturas. Sua exploração consumiu
(embora não esquecido). Para muitos, os Noivos semanas. Havia ruas, edifícios, parques, redes de
Campeões são apenas uma lenda, que explicaria o
corredores, câmaras secretas, até portais mágicos
grande número de Herdeiros da Raposa e do Lobo nas
levando de um disco a outro. Havia inscrições em
cidades de Brando. Mas há quem relembre o passado
idiomas estranhos, e esqueletos de seres desconhe-
para assegurar sua nobreza — como a orgulhosa
cidos, mas nenhum habitante vivo.
e poderosa família Wolfgang, que hoje governa o
reino. Outras famílias também alegam descender A Cidade Suspensa foi proclamada capital da
dos Noivos Campeões originais, mas os Wolfgang futura nação de Laughton. Aventureiros e seus fa-
garantiram o comando. Brando se tornaria uma terra miliares vieram prestar homenagem aos Seis Heróis;
de guerreiros e magos independentes, confiantes, sua os pavimentos aéreos seriam rapidamente ocupados
força militar de longe a mais poderosa dos reinos. A pelos corajosos, audazes e sonhadores, assim como
proximidade das ameaçadoras Montanhas de Marfim as terras em torno. Novas cidades surgiram à sua
mantém todos atentos. Armada com o aço e o arcano, volta, fazendo Laughton crescer. Suas famílias reais
vigilante contra qualquer perigo, Brando é a nação e instituições patrocinam grupos de aventureiros,
mais orgulhosa no continente. oferecendo suporte para suas missões.
O mais jovem dos reinos é Laughton, com menos Por muito tempo, Luncaster e Brando nem
de um século de idade. É aquele menos apegado ao mesmo consideravam Laughton uma nação ver-
passado, buscando saborear o presente e rumar para dadeira, apenas um bando pretensioso e irritante.
o futuro, sem deixar-se deter por antigas histórias ou
Hoje, contudo, seu poder e atitude são impossíveis
temores de druidas. Essa atitude audaciosa, progres-
de ignorar. Seus habitantes enviam expedições
sista, com certeza provém de seus fundadores originais
constantes ao proibido Reino das Torres, atitude
— um célebre grupo formado por seis aventureiros.
condenada pelos reinos mais velhos.
Regressando de uma grande aventura, o Sexteto teria
sido apanhado por um vórtice mágico (ou, segundo Os navegantes audazes de Laughton também
alguns, apenas trilharam um caminho errado). seriam aqueles a descobrir Arton no ano 1400.

Além de Arton
397
Geografia Os moreau pensam e agem como os humanos
do Reinado, demonstrando a mesma adaptabilidade,
Moreania é um mundo em si mesmo, isolado pela determinação e ambição do povo de Valkaria —
vastidão do oceano. Formado por centenas de pequenas com algumas pequenas diferenças culturais. Uma
ilhas, a maior delas sendo a Ilha Nobre. Grande para dessas diferenças, por exemplo, é que quase todos
uma ilha, pequena para um continente, ela forma a os moreau demonstram grande amor ou respeito
massa principal do amplo arquipélago. Sua extensão à natureza; até os mais urbanos entre eles ficam à
territorial supera todas as outras ilhas reunidas. vontade na presença de animais. Em sua terra, é
comum conviver com animais diversos no ambiente
É vasta a diversidade de paisagens na Ilha Nobre.
familiar, mesmo entre membros da nobreza. O típico
A região central é montanhosa, vulcânica, enquanto
moreau considera-se civilizado, sofisticado, mas
suas extremidades incluem florestas, planícies e praias.
mesmo assim não vê grande distância entre sua raça
A travessia entre as regiões leste e oeste é dificultada
e os animais de que vieram.
pelas montanhas centrais, mantendo os dois lados
relativamente isolados. O clima é tropical, variando entre Os moreau podem apresentar quase qualquer
o árido, especialmente nas montanhas, e o subtropical. aspecto exótico, como pés parecidos com patas, olhos
A parte oeste da Ilha Nobre é a mais densamente e cabelos em cores estranhas, grandes orelhas, caudas,
povoada, pois aqui nasceu e cresceu a sociedade cristas, manchas, listras e assim por diante — mas
moreau. As cidades mais antigas situam-se ao longo é raro que esses traços ofereçam qualquer utilidade
do Ipeck-Akuanya, o maior rio da Ilha Nobre, que prática. O moreau mediano não tem asas ou barba-
nasce nas Montanhas de Marfim e atravessa grande tanas funcionais, por exemplo: seus traços animais
parte dos Reinos, desaguando no mar a oeste. Muitas são puramente cosméticos, sem qualquer serventia
estão abandonadas e hoje são exploradas por estudiosos prática. Muitos até têm aparência quase humana,
e aventureiros. Outras, como a antiquíssima Wellshan trazendo traços bestiais mínimos, como orelhas
em Luncaster, são habitadas até hoje. levemente pontiagudas, dentes caninos salientes,
unhas um pouco escuras, manchas leves sobre a
Os Três Reinos apresentam milhares de vilas, cen-
pele, olhos ou cabelos de cores incomuns... Detalhes
tenas de cidades e um pequeno número de metrópoles,
perceptíveis apenas com um exame atento. Quanto
cercadas de áreas rurais, que por sua vez são cercadas
ao vestuário, são facilmente reconhecíveis por suas
de território selvagem. Os moreau erguem seus lares
vestes incomuns, chamativas e muito coloridas.
em planícies, mantendo distância das florestas e evi-
tando atravessá-las. O transporte entre cidades é feito Por sua própria diversidade, os moreau dificilmen-
por estradas ou rios: o Ipeck-Akuanya e seus afluentes te julgam outros pela aparência. Tratam humanos,
oferecem uma vasta rede de navegação fluvial. Quase anões, elfos, minotauros e outros com a mesma
todas as cidades moreau fica à margem de um rio. naturalidade. Goblins, contudo, são um caso especial:
em Moreania existem apenas goblinoides selvagens,
As Montanhas de Marfim, vastas e comparadas às
malignos — bem diferentes do goblin urbano do
Sanguinárias de Arton, são inclementes e infestadas de
monstros. Formam um obstáculo natural separando Reinado ou dos duyshidakk de Lamnor. Um moreau
as regiões oeste e leste, esta antes ocupada pelos tem grande dificuldade em confiar nestas criaturas,
darash, hoje formada por extensas ruínas de sua antiga mantendo as armas sempre por perto em sua presença.
civilização. Desnecessário dizer, tanto as montanhas Nestas duas décadas de convivência, muitos
quanto o Reino das Torres são pontos tradicionais de moreau são familiarizados com a cultura de Arton,
exploração para os aventureiros locais. também falando o idioma local — ainda que com
forte sotaque. No idioma moreau não existem os
sons /lh/ (como em “abelha”) e /nh/ (como em
Povo & Costumes “ninho”). Eles pronunciam estes sons como /li/ e /
ni/, respectivamente, sendo muito difícil para eles
Exceto pela aparência incomum, os moreau são hu-
dominar a pronúncia verdadeira.
manos em cultura e comportamento. Em sua terra natal
existem cidades, torres e palácios tão impressionantes Os moreau têm alma aventureira, assim como os
quanto no Reinado de Arton — e seus aventureiros humanos do Reinado — especialmente aqueles que fa-
adotam as mesmas carreiras. De fato, a descoberta da zem a travessia oceânica até lá. São raros os que ado-
Terra Desconhecida (como eles chamam Arton) tem tam vidas pacatas como camponeses ou comerciantes;
motivado muitos de seus heróis a atravessar o oceano eles preferem formar grupos de heróis e desbravar os
em busca de oportunidades, desafios e aventuras. perigos da Terra Desconhecida.

Capítulo Três
398
Os Irmãos Selvagens Ela não comenta o motivo que teria levado uma drui-
da guerreira a abandonar suas aventuras em troca de
Como já mencionado, os habitantes da Ilha uma vida tediosa, burocrática, como membro do Con-
cultuam seu próprio panteão dualista, composto selho. Às vezes, apenas baixa os olhos e comenta com
por Allihanna, a Dama Altiva, Deusa da Natureza, voz sumida: “Há coisas que a humanidade nunca de-
e Megalokk, o Indomável, Deus dos Monstros. veria conhecer. Nunca...”
Embora seus cultuadores no Reinado as vejam como A nação monarquista de Brando tradicionalmente
divindades opostas, os moreau aceitam ambas, como é governada por um casal. Atualmente são o Rei Is-
faces harmoniosas e necessárias do bem e mal, luz e gard Wolfgang e a Rainha Sadine Wolfgang. Ambos
trevas, paz e guerra. Tal religião unificada é conhecida alegam descender dos Noivos Campeões originais,
como a Igreja dos Irmãos Selvagens. demonstrando publicamente suas semelhanças físicas
Demais deuses do Panteão artoniano não eram com Faernal e Sathia — exceto pelo fato de ser ele um
conhecidos pelos moreau. Para eles, por muito tempo, lobo arcanista e ela, uma raposa guerreira. O casal
Khalmyr, Nimb, Valkaria e outros seriam apenas mito- demonstra pulso firme, justiça e determinação, além
logia curiosa. Anos mais tarde, contudo, muitos moreau de grande superioridade em combate; não há quem
acabariam se devotando aos deuses estrangeiros. De desafie Isgard e Sadine. O único filho do casal (com
igual forma, outros tantos tentam arrebanhar devotos o conveniente nome de Brando II) é um jovem e
para a Igreja dos Irmãos em território do Reinado. destemido membro da Cavalaria Batedora, prestigiada
Uma profusão de divindades
menores — também chamados de
“grandes espíritos” — tem seu lugar no
coração do povo moreau, formando nu-
merosos pequenos cultos. Muitos são
conhecidos apenas em certas regiões,
ou dentro de certos círculos. Outros
nem mesmo são deuses verdadeiros,
e sim entidades poderosas, épicas,
mas ainda mortais. Outros ainda
são aspectos menores de deidades
estrangeiras, uma pálida sombra de
seu verdadeiro poder.

Governo
Os Reinos de Moreania não têm
governo unificado. Cada nação conta
com sua própria liderança e regime.
Luncaster segue os modos antigos,
mantendo druidas como regentes e lí-
deres espirituais. Tem sido governada
nos últimos anos por Sophia Raziel,
a Druida Venerável, autoridade máxi-
ma do Conselho Druida. Foi aventurei-
ra na juventude, viajando com colegas
através dos reinos, explorando mas-
morras, protegendo vilas e destruin-
do monstros. Um dia, o grupo de he-
róis desbravou uma antiga estrutura
subterrânea, de origem desconhecida
— aquilo que encontraram, ninguém
sabe. Então, por alguma razão miste-
riosa, Sophia retornou à cidade-na-
tal e ingressou nas fileiras da ordem.

Além de Arton
399
ordem de magos-guerreiros que cavalgam hipossau- que vivem em mansões e possuem comércios finos e
ros. Comenta-se à boca-miúda sobre um possível grandiosos. Tudo resguardado pela milícia real, que
romance entre Brando II e Elenah — uma regente do também mantém seu quartel general aqui.
vizinho reino de Laughton, e também descendente da No Piso Zasnem estão sediadas bases de guildas
lendária maga Khariat. Esse boato afeta o prestígio
e corporações de ofício. Estas casas “controlam” o
dos Wolfgang, uma vez que os habitantes do Novo
caos, tentando seguir com seus negócios em uma
Mundo são tidos como inconsequentes e insanos. A
cidade de leis escassas. Em muitos sentidos, são
história estaria se repetindo...?
estes mestres artesãos, chefes comerciais e líderes
Por fim, Laughton é governado pela Junta do de ofício que realmente governam. Aqui também
Sexteto de descendentes dos antigos heróis fun- estão as Casas de Aventura — tavernas e estalagens
dadores da nação. Sua interferência em assuntos patrocinadas pela nobreza, onde o objetivo é entreter
oficiais é mínima, apenas negociando com chefes e contratar aventureiros de elite.
e mestres de guildas para deliberar sobre medidas
O Piso Khariath abriga um setor industrial, com
necessárias. Em verdade, Laughton é governada com
oficinas, usinas de fundição de ferro, laboratórios
desleixo. Seu regime liberal é um incentivo ao crime
de alquimia, carpintarias e todo tipo de estabele-
ou corrupção. Taxas, impostos e eleições são mudados
cimento para manufatura de bens — bem como
a todo momento; qualquer regulamento exercido
as moradas de seus artesãos. Aqui também fica o
há mais de uma semana é considerado “tradição
Museu Narvhal de Peças Misteriosas (que, em vez de
secular”. Sua milícia é displicente e corrupta, não tem
antiguidades, exibe artefatos estranhos originários
o respeito do povo. Diante de alguma crise grave, o
de várias partes do mundo). A administração do
procedimento normal é contratar heróis para resolver
museu contrata aventureiros regularmente para
o problema. (Rumores dizem que os membros da
caçar novos artefatos.
Junta formam seu próprio grupo de aventureiros, às
vezes abandonando o Palácio Real para caçar tesouros, No Piso Zara, mais arborizado, temos imensas
deixando seus subordinados em pânico total...) praças e jardins, além de estabelecimentos voltados
para o lazer. São tavernas, estalagens, teatros, saunas,
casas de ópera, banhos públicos, arenas de esportes e
Locais Importantes outros. Mesmo descrentes e desleixados em relação à
sua fé, os laughtonianos conservam aqui um templo
Cidade Suspensa em honra aos Irmãos Selvagens.

de Prendik O disco maior e mais baixo é o Piso Sandoram,


o mais densamente urbanizado, abrigando a maior
Na costa oeste da Ilha Nobre, a Cidade Suspensa
parte das residências — e o famoso Mercado de Pren-
é a maior e também mais progressista e diversificada
dik em seu centro. É o pavimento mais movimenta-
cidade nos Reinos. Descoberta e conquistada pelo
do, as ruas tomadas de caos e correria. Infelizmente,
lendário Sexteto, é constituída por seis discos gi-
é também aquele com maior criminalidade: becos,
gantescos de rocha e metal, que pairam um acima do
vielas e clubes secretos escondem ladinos e saque-
outro, em constante e lenta dança giratória. A origem
adores. Um intrincado mercado negro é abastecido
dessa grandiosa estrutura é desconhecida — quem
por furtos e pirataria. Para um visitante desavisado,
teria sido capaz de levitar peças tão descomunais,
alguns pontos deste piso podem ser tão perigosos
e ainda interligá-las por meio de portais mágicos?
quanto qualquer masmorra...
Algumas inscrições e antigas ossadas sugerem um
povo humanoide. Exceto por esse fato, o mistério é A cidade não termina aqui. Prendik continua no
completo. De qualquer forma, a cidade foi explora- chão, suas construções se alastrando abaixo dos discos,
da e considerada inofensiva — e suas centenas de margeando a costa. Docas, faróis e galpões são as
edificações, adaptadas às necessidades dos moreau. estruturas mais comuns. Este é o principal ponto de
desembarque para estrangeiros da Terra Desconhecida,
Demonstrando pouca ou nenhuma modéstia,
os chamados “artonianos” — a grande novidade da
os Seis Heróis deram seus próprios nomes aos seis
metrópole.
pavimentos. Tomaram a plataforma mais alta como
sua habitação pessoal, estabelecendo ali o Palácio Apesar de sua densa população, Prendik ainda
Dorovan — atual morada de seus descendentes e sede tem setores inexplorados. Seus discos escondem
do governo. Logo abaixo, no Piso Thori, situam-se redes de túneis e câmaras secretas, talvez contendo
as residências das famílias mais antigas em Prendik, tesouros e perigos.

Capítulo Três
400
Wellshan A maior e mais importante cidade de Brando é
também conhecida como Cidade Arena, por sediar
A Cidade Primeva recebeu esta alcunha por ser o maior palco de batalhas de Moreania — além de
a mais antiga de Luncaster (portanto, a mais antiga ginásios, estádios e praças de esportes. Tudo aqui é
cidade de Moreania). É também a mais populosa, grandioso, as torres são imponentes, as flâmulas são
com mais de 400 mil habitantes. Tem esse nome em coloridas, os parques extensos e magníficos. Essa
homenagem ao primeiro arquidruida dos reinos. imponência demonstra a força e habilidade da nação.
Wellshan mantém os valores ancestrais de sua Em sua arquitetura grandiosa, chama atenção
nação; tradicional, devota e harmoniosa. Terra de a Vitória da Matilha, uma gigantesca estátua que
gente honesta e esforçada, mas também desconfiada representa Faernal e Sathia (embora apenas concei-
de estranhos. Seus habitantes são religiosos, devotados tualmente). O casal aparece aqui com traços animais
a prestar homenagem aos Irmãos Selvagens, preservar marcantes, o homem lupino em vestes guerreiras, a
tradições e evitar que a pureza da Ilha Nobre seja mulher raposa em trajes arcanos. Sob os colossos está
maculada por qualquer corrupção estrangeira. Cidade o palácio real e sede do governo.
de bárbaros, caçadores, lutadores, clérigos e druidas.
Cerca de 80 km ao sul da capital erguem-se os
Fundada pelo Conselho Druida, foi erguida
Montes Noivos, que por sua altitude podem ser
em uma grande clareira natural atravessada pelo
vistos da cidade facilmente. Ao norte, uma densa
rio Sulun, um braço do Ipeck-Akuanya. A planície é
floresta esconde a base de montanhas mais distantes,
conhecida por suas sequoias gigantes, árvores com
e a oeste e leste percebe-se o grande vale de Brando
centenas de metros de altura, troncos robustos e
(com as fronteiras de Luncaster e das Montanhas de
folhagem majestosa. Nenhuma foi removida para a
Marfim). Nesta posição privilegiada, Kil’mer é o ponto
construção — elas circundam os troncos, abrigando-
estratégico mais importante do reino.
-os em jardins internos. Os maiores prédios foram
erguidos à volta das grandes árvores, para protegê-las Para facilitar a vigília existe a Torre de Argos,
e ficar sob sua sombra. uma estrutura cilíndrica com mirantes mágicos que
permitem às sentinelas enxergar a grandes distân-
Em Wellshan fica o Templo dos Irmãos, a maior
cias. A torre também serve de quartel-general para
igreja em Moreania, quase uma cidadela — onde
a academia militar de Kil’mer, treinando membros
residem os membros mais graduados do Conselho
da Cavalaria Batedora e os patrulheiros místicos
Druida. Aqui também existem templos para a Dama
conhecidos como “a Visão”.
Altiva, para o Indomável e para os Doze Animais, além
de numerosos deuses menores. Bibliotecas e museus A Guarda Gladiadora constitui a milícia da cidade.
também são dedicados aos deuses. A cidade abriga Seu comandante, subordinado ao Casal Real, conquista
religiões com dogmas díspares, mas deixar de prestar o cargo após vencer um grande circuito de torneios
oferecimentos, rituais ou orações nos lugares certos é de lutas. Colocações mais baixas no circuito garantem
tomado como falta de respeito, e pode gerar confusão. cargos mais baixos na Guarda. Um dos atuais gladia-
dores de destaque é Gaunter, o Tridente Lupino, um
Wellshan abriga o melhor artesanato dos reinos,
herdeiro do lobo que retornou a Brando após lutar na
passado de geração a geração. São peças feitas com
Arena Imperial de Tiberus. Segundo alguns, teria vindo
cuidado e paciência — os artesãos locais são capri-
com o objetivo único de desafiar o comandante atual.
chosos, levam o tempo que acham necessário para
produzir uma obra perfeita. Graças a isso, diversos
itens de madeira, couro e outros materiais naturais à Aqvarivm
venda na cidade são de qualidade excepcional. Esta pequena comunidade foi construída sobre
os restos de um antigo castelo, pertencente a um rico
Kil’mer grupo de heróis, hoje desaparecido. Os atuais moradores
ergueram seus casebres no pátio principal, aproveitando
A capital de Brando é como o restante do país.
a proteção parcial das muralhas em ruínas.
Fundado pelos vencedores de um antigo torneio, este
é um país de campeões, uma terra de disputas e jogos. Afastado de cidades maiores e rotas comerciais,
Aqui, acredita-se que espada e magia devem andar Aqvarivm é autossuficiente, vivendo de sua própria
juntas como um casal. É uma terra de castelos e torres pesca e agricultura. Como em outras regiões de Brando,
de magos, ordens de cavalaria e escolas de magia, o rio próximo ganha corpo durante as cheias e inunda
armaduras brilhantes e mantos arcanos. Uma nação de boa parte das terras próximas: por essa razão as casas
guerreiros, arcanistas, bardos, cavaleiros e paladinos. são altas, erguidas sobre palafitas.

Além de Arton
401
Exemplo de feudalismo comum em muitas outras Eles existem em todos os reinos, mas são mais
comunidades de Brando, Aqvarivm vinha sendo go- frequentes em Laughton — que parece ter sido o lugar
vernada por Lorde Betta, um conjurador poderoso e mais povoado pelos antigos. Sua arquitetura não com-
— apesar da perigosa proximidade com as Montanhas bina com as ruínas darash existentes no outro extremo
de Marfim — bem-sucedido em manter quaisquer da ilha. Além disso, até onde se sabe, o Povo das Torres
monstros afastados. Em retribuição, Betta exigia jamais alcançou este lugar: foram dizimados antes disso.
lealdade e devoção completas de seus vassalos; aqui, Outro mistério reside no fato de que estas ruínas
cultos a outros deuses era terminantemente proibido. muitas vezes escondem itens mágicos poderosos. É
Os habitantes locais sempre foram proibidos de portar fato que os darash dominavam técnicas e ciências
armas; fazê-lo era considerado uma ofensa a Betta, avançadas, mas não praticavam qualquer forma de
que enfrentava pessoalmente quaisquer invasores, magia. Então quem forjou estes objetos encantados?
criminosos e monstros.
Uma teoria audaciosa diz que estes misterio-
Correm rumores de que Betta teria sido derrotado sos construtores seriam os ghob-kin — os povos
por um Herdeiro do Lobo, de origem desconhecida. goblinoides. Goblins, hobgoblins e bugbears teriam
Caso isso seja verdade, a ausência de seu protetor comandado um poderoso império, muito antes do
pode causar um vácuo de poder na região, atraindo surgimento dos moreau. Então, um destino terrível
monstros e outras ameaças. abateu-se sobre o povo antigo, reduzindo seus poucos
sobreviventes a tribos bestiais.
Lugares Antigos A verdadeira natureza e origem do Povo Antigo
É certo, algum povo avançado habitou Moreania resiste como um dos maiores mistérios dos reinos.
muito antes que seus animais se tornassem humanos. Mas uma coisa é certa: expedições de aventureiros
Estas pessoas ergueram a fantástica Prendik e tam- revelam cada vez mais destes lugares estranhos. Muitos
bém um sem-número de construções menores — de abrigam tesouros mágicos, mas também servem de
cidadelas e templos a simples estátuas e monólitos. covil para monstros diversos.

ó r i o
ovi s
a P r
Map

Capítulo Três
402
Montanhas Reino das Torres
de Marfim Cidades destroçadas formam a maior parte do
Esta cordilheira situada no centro da Ilha Nobre Reino das Torres. Independente de sua função no pas-
é formada por montanhas de branco cegante, que sado, hoje não passam de masmorras com quilômetros
podem ser confundidas com picos nevados — mas de extensão, abrigando todos os tipos de monstros e
na verdade são quentes, vulcânicas. Certos minerais tesouros em suas incontáveis câmaras e corredores.
exóticos são responsáveis pela cor branca. Em alguns Embora a natureza esteja aos poucos retomando seu
pontos, as formações de cumes afiados lembram território, o Reino das Torres é um lugar amaldiçoado.
mandíbulas dentadas. Mesmo em ruínas, as estruturas darash são
O ponto mais alto da ilha, o Ninho da Morte, é colossais, como moradias de gigantes. Salões com
dez metros de altura, torres metálicas alcançando as
um imenso vulcão ativo com uma cratera medindo
nuvens, muralhas capazes de barrar rios, florestas de
quilômetros de diâmetro. Este inferno de lava seria
tubulações emaranhadas, estradas onde vinte homens
o covil de Morte Branca, sendo considerado lugar
poderiam marchar lado a lado. Há estátuas do tamanho
sagrado entre adoradores do Indomável. Druidas fazem
de castelos, castelos do tamanho de cidades, cidades do
peregrinações ao vulcão abençoado; é uma jornada
tamanho de montanhas. Um viajante pode caminhar
perigosa, nem todos retornam com vida.
entre as ruínas por dias, semanas ou meses, sem que
As montanhas e vulcões dificultam imensamente o horizonte jamais deixe de ser tomado por pedaços
a travessia entre leste e oeste. Além do terreno difícil, de muralhas e chaminés.
viajantes também são obrigados a lidar com feras e
Estudiosos moreau não conseguem entender
monstros de muitos tipos — monstros que também
onde os darash conseguiram tanta matéria-prima —
podem ser encontrados em outras partes da ilha, mas
simplesmente não havia rocha e metal suficientes na
são muito mais numerosos aqui.
região. É evidente que o Povo das Torres dominava
Muitos desfiladeiros permitem fazer a travessia técnicas de construção inimagináveis. Mas, se o preço
entre as montanhas. Alguns levam a pequenos vales, para erguer tais colossos arquitetônicos é a devastação
sendo que os maiores abrigam lagoas, planícies e às do mundo ao redor, é melhor que essas técnicas sejam
vezes bosques, que proporcionam boas paradas para esquecidas para sempre.
descanso (ou não, pois muitas vezes são habitadas
As ruínas mudam de aparência conforme a região.
por feras). Grande parte das montanhas (e alguns
Em alguns pontos encontramos muralhas mais altas e
vulcões) esconde vastas redes de túneis. Um viajante
espessas, tão impressionantes que caberiam vilarejos
experiente sabe utilizar estes atalhos para cruzar
moreau inteiros sobre elas. Em outros, há infindáveis
montanhas com mais rapidez, embora o risco de
labirintos de tubulações por onde passariam baleias.
encontros com monstros seja maior.
Algumas cidades parecem quase inteiramente tomadas
A fauna é composta principalmente por animais por máquinas arruinadas, devoradas pela ferrugem;
atrozes — versões maiores e mais agressivas de outras demonstram ter sido antigas habitações, com
animais comuns. O mais conhecido representante torres capazes de abrigar milhares de pessoas.
desta família é o lobo medonho, que também existe
O senso estético darash diz muito sobre esse povo.
em outras regiões da ilha. Ratos, leões e ursos atrozes
Sua arquitetura era opulenta, ambiciosa, formada por
também são recorrentes.
construções muito maiores que suas (prováveis) neces-
Por incrível que pareça, feras atrozes estão entre as sidades. Suas torres tentavam alcançar os céus — ou
criaturas menos perigosas na região. Insetos e lagartos tomá-los, diriam alguns. Suas inscrições parecem contar
gigantes perambulam pelas montanhas e túneis em histórias de progresso e guerras. Suas estátuas, invaria-
busca de presas, e por sua vez servem de alimento velmente imensas, retratam humanos que empunham
para seres ainda maiores. Monstros como quimeras, armas ou ferramentas. É comum também encontrar
mantícoras, trolls e até dragões fazem aqui seus covis. estátuas dedicadas a inimigos vencidos, humilhados,
Povos humanoides monstruosos — kobolds, orcs acorrentados ou torturados: a raça maligna tinha prazer
e gigantes — infestam as montanhas. Muitos formam em observar o sofrimento de suas vítimas.
grupos de saqueadores, matando e pilhando todos A maior parte dos moreau prefere manter
em seu caminho. Outros erguem aldeias fortificadas, distância do lugar funesto, mas nem todos. Apesar
enquanto outros ainda habitam cavernas e túneis. das advertências dos religiosos, muitos acadêmicos
Raramente formam grandes cidades ou nações, pois estudam os darash e sua cultura — seja para evitar
vivem sempre em guerras tribais. seus erros, seja para aprender com sua ciência. Aos

Além de Arton
403
poucos, estudiosos estão desvendando os segredos Em geral não há disputas de poder entre os mem-
de suas armas de pólvora e servos mecânicos. Alguns bros do Conselho: os próprios druidas abdicam de suas
inventores insistem que tais instrumentos podem ser posições e escolhem um sucessor entre seus servos,
empregados com sabedoria para tornar o mundo me- quando estão cansados ou não se sentem mais aptos
lhor; outros, temendo enfurecer os deuses, rejeitam para comandar. Todo druida entende que, na nature-
com todas as forças o “conhecimento maldito”. O za, tudo tem seu alvorecer e seu anoitecer.
ladino Cliff la Volpe, um herdeiro da raposa banido A atual Druida Venerável e regente de Luncaster é
de Laughton injustamente (segundo ele), diz ser Sophia Raziel, que assumiu o posto ainda jovem. Em
capaz de guiar grupos de aventureiros por algumas muitos anos, Sophia é a primeira druidisa humana
dessas ruínas. Contudo, ninguém conhece suas (não herdeira) a ocupar este cargo.
verdadeiras intenções...
As ruínas darash escondem segredos sem fim.
Muitos moreau, sobretudo os adoradores dos Irmãos
Os Darash
Selvagens, concordam que esses segredos são terrí- A parte leste da Ilha Nobre foi outrora verdejante
veis e devem continuar enterrados. Mesmo assim, e selvagem como a região oeste. Hoje, quase toda a
aventureiros armados com pistolas ou obedecidos sua extensão é formada por ruínas gigantescas, de
por homens mecânicos são cada vez mais comuns... uma civilização felizmente extinta.
Como humanos que eram, os darash cresceram,
guerrearam e conquistaram. Seus vilarejos bárbaros
Guildas & logo eram castelos murados, e logo mais cidadelas

Organizações fortificadas. Descobriram a força do vapor e o poder


destruidor da pólvora, erguendo uma vasta civilização
industrial. Inventaram armas de fogo, engenhos me-
O Conselho Druida cânicos e máquinas de guerra, muitas delas na forma
O Conselho Druida comanda Luncaster desde os de grandes monstros metálicos. Então destruíram ou
primórdios da civilização. Na verdade, os próprios escravizaram todas as raças e povos vizinhos.
druidas tornaram a civilização possível. Os darash jamais aprenderam a conjurar magia,
Considerados homens e mulheres santos por sua pois acreditavam que esse poder vinha dos deuses — e
ligação mágica com a natureza, quase todos os druidas eles odiavam deuses, demônios e quaisquer outros
estão de alguma forma ligados ao Conselho. Seus seres mágicos. Motores a vapor moviam sua socieda-
membros até hoje fazem grandes reuniões e cultos de, derrubando árvores e erguendo blocos de pedra
privados, abertos apenas a outros druidas. Durante para suas torres. Servos mecânicos de muitos tipos
esses encontros, os sacerdotes fazem relatórios sobre circulavam pelas ruas, realizando trabalho braçal ou
suas respectivas comunidades e também realizam atuando como guardas e soldados.
oferendas aos Irmãos Selvagens. Mas a sociedade darash cresceu de forma desor-
O Conselho é uma organização intrincada, com denada, gananciosa. Sem respeito aos deuses e suas
numerosas camadas. Seus membros mais inferiores criações, levaram todos os outros seres à extinção. Os
na hierarquia são os iniciados. Mais tarde, estes ad- recursos naturais de suas terras estavam escasseando.
quirem o título de druida, sendo que pode haver ape- Os animais estavam morrendo, as florestas definhavam,
nas nove deles no Conselho. Cada druida é servido as águas eram contaminadas.
por três iniciados. Os darash precisavam de novas terras para sugar.
Acima dos druidas estão três arquidruidas, todos Vieram para Moreania, ocupando sua porção leste. O
servidos por três iniciados. Acima deles está o Grande Povo das Torres avançou como uma praga, devastando
Druida, servido pelos três arquidruidas. E acima de e conspurcando, cobrindo planícies e matas com suas
todos está o Druida Venerável, líder máximo do Con- cidades. Logo suas fronteiras tocavam as inóspitas
selho. Ele pode requisitar quaisquer outros druidas Montanhas de Marfim. O Reino das Torres ameaçava
para servi-lo — geralmente preferindo iniciados, em vencer as montanhas e devorar as macias áreas selva-
respeito às aspirações humildes. gens que sabia-se existir a oeste.
Em algum momento o Druida Venerável se torna um Antes que isso pudesse acontecer, veio o apo-
Hierofante e abandona o Conselho. Seu destino então calipse. O avatar de Megalokk ergueu-se em meio
é incerto: dizem que Hierofantes tornam-se emissários às montanhas e atacou os darash. Mesmo com suas
ou companheiros pessoais dos Irmãos Selvagens. tropas armadas com rifles, seus canhões imensos e

Capítulo Três
404
suas máquinas de combate, o Povo das Torres não foi
adversário para o Deus-Monstro em pessoa. De suas Aventuras
muitas cabeças vinham baforadas de chamas brancas Os desafios confrontados por aventureiros em
que varriam cidades inteiras — aqueles abrigados em Moreania dependem muito da região visitada. Os
fortificações apenas levaram mais alguns momentos Reinos propriamente ditos, a oeste, são formados
para morrer. Em seis dias, os darash estavam extintos. por comunidades isoladas, separadas por quilôme-
Desde então, os darash não voltariam a ser vistos. tros de terras selvagens. A maior parte do território
Contudo, uma vez que chegaram de terras desco- permanece inexplorada, repleta de florestas escuras,
nhecidas, não é impossível que retornem. Ou ainda, cavernas misteriosas e ruínas desconhecidas. Algumas
sobreviventes talvez existam no Reino das Torres, parecem vestígios de grandes cidades, enquanto outras,
tramando sua vingança em segredo. menores, não mostram nenhuma função aparente.
Todas têm algo em comum: são repletas de entalhes
Os Lordes das Torres e inscrições, formando algum tipo de escrita antiga.
São os mesmos sinais existentes na misteriosa Cidade
Ninguém governa o Reino das Torres. O mais Suspensa de Pendrick. Ninguém faz ideia de quem teria
próximo que podemos chamar de comunidades ou construído tais estruturas. Mas muitas delas, hoje,
sociedades, são grupos formados por zumbis sem servem de covil para humanoides e outros monstros.
mente ou meio-golens yidishan insanos. Um ocasional
Nas brutais Montanhas de Marfim, qualquer
fantasma, múmia ou lich controla seu próprio castelo
coisa pode ser devorada por alguma coisa maior. Nas
ou cidadela. No entanto, três figuras poderosas exercem
proximidades do covil de um grande dragão, haverá
influência significativa sobre o reino em ruínas.
hordas de kobolds e monstros meio-dragões. Um feudo
Ameena Anom’lie, a Doutora Louca, governa demoníaco por perto é sinal de demônios e abissais.
a cidadela-viva Zuggt. Décadas de experimentos Em território de gigantes, haverá ogros e outros huma-
perigosos distorceram corpo e mente da pesquisa- noides brutais. Longe destas áreas “habitadas” existe a
dora depravada, transformando-a em algo mais (ou luta por território travada por animais atrozes, insetos
menos) que humano. Verdadeira fonte de infecção, seu gigantes, lagartos-trovão e outras bestas gigantescas.
simples toque transforma qualquer criatura natural
Por fim, o Reino das Torres é lar de monstros
em um monstro aberrante. Hoje, Ameena cerca-se
diversos — em comum, quase todos têm sua completa
de aberrações monstruosas como soldados e servos.
incompatibilidade com a vida natural. Mortos-vivos são
Marechal Hecatom, antigo comandante de tropas uma praga; toda a raça darash morreu de forma violenta
darash, liderou um ataque frontal contra Morte Branca nas chamas de Morte Branca, ou pereceu em agonia
— quando seu aparato voador recebeu uma baforada lenta por fome ou doença. Em qualquer dos casos, o
de chamas dracônicas. O guerreiro teve morte instan- povo maligno que odiava seus deuses não teve sua
tânea, mas sua vontade era férrea: retornou como um passagem para o além-túmulo permitida (ou desejada);
vulto flamejante, um esqueleto envolto em chamas é possível que existam milhões de mortos-vivos darash
sobrenaturais. Sediado na cidade-fortaleza Argondar, em meio às ruínas.
hoje comanda a maior legião de mortos-vivos no
Golens são outra ameaça constante. Antigos
continente.
servos dos darash, foram feitos para durar e muitos
Bunkman Berenwocket controla a cidade-máqui- deles ainda são operacionais. São cobiçados por aven-
na de Steelcog, cujas chaminés imensas ainda expelem tureiros, devido aos altíssimos preços que atingem.
imundície negra. A sobrevivência desta cidade ao ata- Infelizmente, a reação de um golem reativado é sempre
que de Morte Branca é ainda um mistério; suspeita-se imprevisível. Meio-golens, por outro lado, são quase
que a cidade inteira seja um golem gigantesco. Em sempre assassinos insanos — resultado do processo
seu interior, o inventor Berenwocket governa uma que transformou seres humanos em construtos.
grande população de meio-golens — possivelmente o
Quase todos os demais habitantes da região são
mais próximo que resta da sociedade darash original.
monstros aberrantes, antinaturais, criados por outros
Os três “Lordes das Torres” são todos muito monstros (como a Doutora Louca) ou formados a partir
antigos e poderosos, possivelmente os seres mais da imundície. Limos e gosmas são comuns, formando
perigosos em toda a Ilha Nobre. Loucos ou sedentos grandes colônias. Plantas monstruosas crescem nas es-
por poder, eles travam constantes disputas de território cassas florestas. Horrores com tentáculos e mandíbulas
entre si, o que é uma felicidade para os Reinos; unidos, gotejantes de muco aguardam nas ruínas, esperando
estes vilões jamais poderiam ser derrotados. pela chegada do próximo grupo de aventureiros.

Além de Arton
405
Ilustração

Capítulo Três
406
Doherimm A MONTANHA DE FERRO

D
oherimm é o glorioso Reino dos Anões, e tinha uma sombra de malícia, esperteza, teimosia e
localizado em um complexo de câmaras desobediência. Outra versão afirma que Tenebra tinha
subterrâneas que se espalham abaixo inveja das criações de Glórienn e roubou o poder de
de boa parte do continente norte. O Khalmyr para criar seu próprio povo. No entanto,
caminho para Doherimm é conhecido apenas esse relato costuma ser repetido apenas pelos mais
obstinados devotos do Deus da Justiça.
pelos anões — e eles não revelam esse segredo
a nenhum forasteiro. Sem o ciclo do dia e da Seja como for, os primeiros anões despertaram aos
noite, com rocha fazendo as vezes de céu, pés do Pilar Central na imensa câmara que mais tarde
seria a cidade de Doher. Assim que abriram os olhos,
vivendo para trabalhar seu metal e defender
enxergaram uma chama ardendo sobre a pedra Deu
seus túneis, os anões existem em uma versão
calor ao povo recém-criado e, nunca extinta, serviu a
particular de Arton. muitos propósitos desde então.
Aos poucos, os anões começaram a mapear seu
História lar, que até então pensavam ser o mundo inteiro, e
deram-lhe um nome: Doherimm. Travaram contato
Cada raça do mundo subterrâneo tem sua própria com seus primeiros vizinhos civilizados: as medusas,
história. Contudo, a raça que mais mantém registros deixadas no subterrâneo por Megalokk para destruí-los,
históricos, e cujo passado é mais relevante para o e os gigantes do fogo, que viviam num nível inferior.
resto de Arton, são os anões. Em Doherimm, a Guilda Em vez de guerrear contra as medusas, os anões
dos Pensadores divide a história do subterrâneo em tiveram com elas relações amistosas, frustrando os
nove eras: as Eras da Terra, do Ferro, do Brilho, da planos do Deus dos Monstros. Já os gigantes eram
Espada, do Céu, do Pacto, da Explosão, da Loucura temidos, mas extraordinários. Tinham a chama dentro
e da Locomotiva. Cada uma é definida por aconteci- de si e já eram capazes de fabricar e utilizar armas
mentos marcantes, podendo se estender por vários como espadas e machados.
séculos ou por poucos anos. Mas o povo de Khalmyr e Tenebra logo os su-
perou. Tomada por uma inspiração fervorosa, uma
A Primeira Luz anã extraiu minério de dentro da terra e jogou-o na
Os anões surgiram da paixão momentânea entre Chama Perpétua. Bateu os pedaços de minério e viu
Heredrimm (Khalmyr) e Ayrelynn (Tenebra) — ou que era capaz de moldá-lo, assim descobrindo o ferro
ao menos esta é a versão mais aceita pelos historiadores e forjando o primeiro machado. Ficaria para sempre
de Doherimm. O resultado dessa união foi um povo conhecida como Duntara, a Ferreira.
guiado pela retidão, pela disciplina, pelo combate e pelo Duntara espalhou seu conhecimento e os anões
trabalho... Mas que se sentia confortável na escuridão descobriram meios de utilizar o poder do fogo

Além de Arton
407
sem depender da Chama Perpétua. Construíram a Espada da Justiça, a arma pessoal de Khalmyr. Os
as primeiras forjas e sua manufatura evoluiu com anões teriam o dever de guardá-la e protegê-la, até que
rapidez espantosa. Se fossem apenas cria de Khalmyr, fosse necessária mais uma vez. Heredrimm abençoou
poderiam ficar satisfeitos e reverenciar e respeitar a todos que estavam lá e foi embora.
Chama. Sendo também filhos de Tenebra, usaram-na Enquanto isso, o número de anões na superfície
em proveito próprio. se multiplicava. Com o tempo, formaram comuni-
dades permanentes. Muitos passaram a considerar
A Descoberta aquela terra como seu novo lar, algumas gerações
do Mundo chegaram a nascer sob o céu aberto. Boa parte do
que os artonianos conhecem sobre a cultura anã foi
Enquanto seus irmãos se dedicavam à forja, o
sedimentada nesta era.
explorador anão Falixor resolveu impulsionar a raça de
outra forma. Viajou por anos, até que encontrou algo Contudo, a presença anã no sobremundo não iria
curioso: um brilho que julgou ser uma nova chama, durar. No ano 809, o profeta Wordarion Thondarim
ainda maior que a primeira. Contudo, ao seguir em teve uma visão catastrófica — no céu aberto do so-
sua direção, mas foi confrontado com o horror da bremundo, surgiam nuvens de tempestade. Ele viu a
superfície aberta e incompreensível. A luz intensa era extinção da raça anã e emergiu do transe com apenas
o sol e, ao vê-lo, Falixor ficou cego. uma certeza: os anões deveriam voltar ao subterrâneo.
Mesmo sem enxergar, Falixor não ficou perdido. A visão foi considerada verdade absoluta e todos os
Guiado por um instinto sobrenatural que nenhum recursos do povo anão foram dedicados a encontrar e
anão sabia ter, encontrou o caminho de casa — o chamar de volta seus filhos na superfície. Seguiram-se
caminho para Doherimm. Quando enfim voltou décadas de trabalho duro para expandir Doherimm,
ao lar, a história de sua jornada se espalhou. Talvez de forma a abrigar os recém-chegados, e mais uma
por causa disso formou-se o pacto racial que dura vez os anões se uniram em suas majestosas cavernas.
milênios: nenhum anão jamais revela a outros povos Séculos depois a profecia seria interpretada: de
o caminho para Doherimm. acordo com os estudiosos atuais, Wordarion Thonda-
Embora o segredo dure até hoje, o medo não rim teria vislumbrado a chegada da Tormenta.
duraria para sempre. Glorisuk, o Destemido, era
um paladino que cultuava o conceito de bondade como
um todo. Ele sentia que havia um deus bondoso lá em
Amigos e Inimigos
Pouco depois que os refugiados de Lamnor se
cima. Sob as vaias do resto de seu povo, empreendeu
assentaram ao redor da estátua de Valkaria, uma
a segunda jornada. Enxergou o brilho fulgurante, mas
caravana liderada pelo aventureiro humano Folk
não correu em direção a ele. Passou longas semanas
Steelheart fez um acampamento temporário perto
em oração e meditação, deixando que seus olhos se
de uma das principais entradas de Doherimm. Sua
acostumassem com a luz. Quando enfim emergiu, foi
presença foi notada por guardas anões. Seu coman-
recompensado pela visão de Azgher e da superfície.
dante, o impetuoso Bannuk Brakson, tomou uma
O paladino voltou a Doherimm com a notícia e, decisão inesperada: emergiu do subterrâneo com uma
durante toda sua vida, guiou expedições, até que toda comitiva para avaliar os recém-chegados.
a raça anã se convenceu de que era possível viajar
Para surpresa de todos, o encontro foi cordial. Os
até a superfície sem perder a visão. Curiosamente, a
humanos respeitaram o segredo sobre as terras subterrâ-
cada expedição diminuía o tempo necessário para se
neas e, mesmo sem um reino próprio, ofereceram ajuda
acostumar à luz do sol, mesmo para quem nunca a
aos doheritas. Em troca, os anões lhes presentearam
havia testemunhado, até que já não era mais necessário
uma relíquia inestimável: Zakharin, o machado do
tempo nenhum. Os anões começaram a se espalhar.
antigo herói anão Zakharov. Ninguém sabe a razão
de tamanha generosidade, mas dizem os boatos que
A Arma e a Profecia Bannuk Brakson era um devoto de Nimb e deixou que
Muito tempo depois, surgiu em Doherimm um o acaso determinasse sua reação... Seja como for, os
anão que se destacava de todos. A identidade do visitan- humanos decidiram fundar seu reino ali mesmo.
te só foi compreendida quando um clérigo se prostrou Contudo, os humanos demoraram a entender
a seus pés e revelou que aquele era Heredrimm. exatamente o que era Doherimm. O encontro ocorrera
Heredrimm reuniu os altos clérigos anões, assim perto da Montanha de Ferro, parte da cordilheira das
como a nobreza de Doherimm e revelou Rhumnam, Uivantes. Assim, eles presumiram que a montanha

Capítulo Três
408
era o reino e passaram a chamá-lo assim. Os anões,
por sua vez, gostaram do epíteto e o tomaram para si
como uma honraria.
A amizade com o reino de Zakharov impulsionou
as relações diplomáticas de Doherimm com o que
viria a ser o Reinado. O então Rondir Hammerhead
II chegou a conhecer Roramar Pruss e, mais tarde,
assinou o Tratado da Espada e da Forja com o
Rei-Imperador Wortar I, garantindo que, em caso
de necessidade, Doherimm e o Reinado iriam se
ajudar. Mais tarde, várias construções importantes
dos humanos, como o Castelo da Luz e o próprio
Palácio Imperial de Valkaria, tiveram participação
de engenheiros anões. Alguns humanos chegaram a
ser levados (vendados e sem conhecer o caminho)
às cidades de Khalandir e Thoranthur.
O ano de 1203 traria mais uma virada.
O que parecia ser uma visita dos pacíficos mycotann
à cidade de Kharadantur se provou uma armadilha. Doherimm
Esses seres estavam sendo controlados mentalmente
Nome oficial: Confederação das Guildas
pelos finntroll e atacaram numa onda suicida, matando
de Doherimm.
inúmeros anões pela força dos números. Logo em
seguida, os finntroll se revelaram quando o Império Lema: “A Justiça de Heredrimm sob o
Trollkyrka enviou suas forças em massa contra a cidade. Manto de Ayrelynn.”
A agressão unilateral e traiçoeira devastou a cidade e Brasão: corte octógono.
deu início à guerra entre Doherimm e Trollkyrka, que
Gentílico: doherita.
alguns chamam de permaguerra. Quase ao mesmo
tempo, um incidente diplomático com Zakharov fez Capital: Doher.
os anões cortarem relações com o reino humano. Forma de governo: conselho de guildas.
A natureza exata desse incidente (e a razão pela Regente: oito grão-mestres das guildas.
qual Doherimm não pediu ajuda contra os finntroll)
é motivo de controvérsia. Há quem questione a População: XXXXXX
“coincidência” desses eventos, afirmando que a rusga Raças principais: anões, medusas,
foi uma intriga finntroll. Assim, pela segunda vez os tritões, trogs, osteons, cogumelos-anões.
anões conclamaram todos de seu povo que estavam Divindades principais: Heredrimm
na superfície, explorando os confins do subterrâneo (Khalmyr), Ayrelynn (Tenebra); Makalax
ou mesmo envolvidos em outras atividades em Megalokk) para os finntroll.
Doherimm — foi o Chamado às Armas. Todos os
anões deveriam participar do esforço de guerra, de
uma forma ou de outra.

Primeira Vitória três explosões terríveis, fazendo seções inteiras de


Na superfície, a pedra-de-fumaça, matéria-prima Doherimm desabar, mas massacrando boa parte do
para a fabricação de pólvora, já tinha sido descoberta. exército inimigo. Muitos anões morreram, servindo
Alguns armeiros anões tiveram contato com essa de iscas — todos voluntários.
nova tecnologia. Contudo, a pólvora era proibida no
A assim-chamada Batalha dos Três Terremotos
Reinado e o rei de Doherimm relutou em permitir
seu uso. Num ato de rebelião, enormes facções do garantiu vitória (ao menos temporária) para os anões,
exército anão armaram um motim, lideradas pela mas a insubordinação das guildas e o aterrorizante
Guilda dos Armeiros e pela Guilda dos Mineradores. poder destrutivo da pólvora solidificaram sua proi-
Prepararam uma armadilha colossal para os finntroll, bição. A história humana registra esta data como o
atraíram-nos para uma zona já preparada e detonaram fim da guerra, mas os anões conhecem a verdade. Os

Além de Arton
409
dois povos não podem conviver. Enquanto houver
Trollkyrka, a guerra não terá fim. Geografia
A honra anã sofreu mais um duro golpe quando Falar em “mundo subterrâneo” é uma simplificação
o assassino conhecido como o Camaleão achou o — cada camada do subterrâneo é uma “caverna-mun-
caminho para Doherimm, roubou a espada Rhumnam e do”. Embora em geral cada uma não tenha tanta
fugiu sem ser notado, então vendendo o artefato para o variedade de povos e paisagens quanto o sobremundo,
algoz da Tormenta Crânio Negro. O Rei Thogar Ham- elas se tornam mais exóticas e bizarras quanto mais
merhead trouxe ao subterrâneo o cavaleiro humano distantes da superfície.
Orion Drake e o armeiro anão Ingram Brassbones,
Doherimm é a única civilização da primeira cama-
que fora banido por fabricar armas de pólvora, e pediu
da. Os anões definem as únicas fronteiras oficiais de
que recuperassem a arma. Os dois cumpriram a tarefa,
suas terras como as fendas que dão acesso ao segundo
mas Ingram fez questão de afrontar os tradicionalistas:
nível. Algumas das maiores passagens para o Reino
reforjou Rhumnam como uma espada-pistola, para
dos Anões (conhecidas apenas por eles) localizam-se
sempre inserindo um toque de rebeldia no símbolo
perto de Triunphus e de Valkaria, sendo também
máximo de rigidez e autoridade.
fronteiras oficiais. Havia uma passagem em Zakharov,
Por mais que a coroa e o clero de Heredrimm mas foi colapsada. De resto, para os doheritas toda
tentassem esconder, a informação era gigantesca a primeira camada do subterrâneo artoniano é seu
demais. Aos poucos, começou a correr o boato de que domínio por direito.
Rhumnam estava diferente. Aos poucos, começou-se
Recentemente foi aberta a primeira passagem
a admirar o armeiro renegado. Aos poucos, as guildas
acessível para habitantes da superfície, perto da cidade
começaram a notar que a estrutura de poder existente
de Giluk, nas Uivantes — a única fronteira oficial
se opusera a todas as técnicas e pessoas que haviam
conhecida por não anões. Mais uma mudança ousada
ajudado os anões nos últimos séculos.
das guildas, isso significa que um forasteiro pode
solicitar uma autorização para entrar no subterrâneo,
Revolta então ser submetido a uma rigorosa triagem. Caso
Em 1410 foi feita a primeira viagem da Grã-Lo- seja aceito, fica inicialmente restrito apenas à cidade
comotiva, um veículo sobre trilhos puxado por um de Thagaramm, construída exclusivamente para
sofisticado motor, carregando vagões. Foi como se servir como posto de comércio. Em alguns casos, os
alguém houvesse virado uma chave. Todos os avanços anões concedem a forasteiros direito de passagem ao
científicos dos últimos séculos culminavam num resto de Doherimm, mas nunca revelando o caminho
prodígio inédito no mundo todo, um meio de ligar e sempre sob supervisão.
diferentes pontos do reino sem necessidade de magia
Os túneis são labirínticos para outros povos, há
ou guias. Subitamente, os doheritas se sentiram mais
muitos perigos naturais e, ao longo dos séculos, os
unidos, mais próximos.
anões instalaram centenas de armadilhas próprias.
As guildas foram exaltadas... e a coroa pagou o De alguma forma, o subterrâneo impede que magias
preço de sua atitude retrógrada. sejam usadas para transportar ou guiar um forasteiro.
A Revolta das Guildas foi um misto de greve Inúmeras criaturas habitam as passagens, atuando
geral, série de atentados, incidente diplomático, como guardiãs naturais. Um exemplo é a aranha bei-
embargo comercial e guerra urbana. Os boatos que jo-de-Tenebra, cujo veneno é letal para um habitante
chegaram à superfície falavam de uma guerra religiosa do sobremundo, mas inofensivo para anões. Um anão
entre devotos de Khalmyr e Tenebra, mas era algo não precisa ser treinado ou educado para evitar esses
muito mais complexo. perigos: simplesmente é capaz de reconhecer os cami-
nhos e notar as armadilhas, como um sentido inato.
Thogar Hammerhead foi deposto e exilado, e toda
a nobreza perdeu seu poder intrínseco. As guildas O clima da primeira camada é em geral ameno.
tomaram o controle, transformando Doherimm em Existem muitos lugares permanentemente frios e
uma oligarquia industrial, uma terra controlada por úmidos, além de poucas zonas de calor e ar seco pró-
interesses econômicos de grandes corporações de ximas de fendas que dão acesso ao segundo nível. As
ofício. Apenas Vectora pode rivalizar com uma das paisagens mais comuns são ermos rochosos, florestas
guildas anãs em termos de poder político. A própria de fungos, rios subterrâneos, pilares, colinas, fendas,
nobreza passou a ser uma guilda — a Guilda dos túneis e paredões. Precipitações são muito raras,
Nobres. E assim Doherimm deixou de ser um reino. causadas por circunstâncias complexas e imprevisí-
Agora é uma Confederação de Guildas. veis. A ausência do sol e do ciclo de dia e noite causa

Capítulo Três
410
angústia e desolação aos visitantes da superfície, mas Vários habitantes da superfície acham que os
não afeta a vida subterrânea. De maneira similar, o anões são gananciosos ou avarentos, mas isso não
teto pedregoso e onipresente gera nos visitantes uma é exatamente verdade. Desde a Revolta das Guildas,
sensação de opressão e claustrofobia, enquanto os Doherimm é basicamente regido por dinheiro. Con-
nativos sentem-se protegidos e tranquilos. tudo, o dinheiro é visto como um símbolo concreto
de que algo tem boa qualidade ou é fruto de muito
esforço. Muitos anões aceitam “moedas” de outras
Povo & Costumes raças do subterrâneo que não têm valor para eles, pois
o simples ato de receber algo em troca de um produto
Por muito tempo, os anões formaram quase a lhes traz orgulho. Anões odeiam barganhar e quase
totalidade da população de Doherimm. Contudo, aos nunca inflam os preços de seus produtos.
poucos a Confederação vem sendo habitada também
por medusas, tritões e mycotann. Embora não sejam sanguinários, os anões con-
vivem de perto com a guerra. Hoje em dia aceita-se
A mentalidade anã é um retrato do conflito eter- que não existe possibilidade de convivência com o
no entre Khalmyr e Tenebra que existe em seu âma- Império Trollkyrka. Talvez demore dez anos, talvez
go. Costumam ser muito disciplinados, trabalha- mil... Mas, mais cedo ou mais tarde, um dos lados
dores e honestos — mas também amam boa bebida, vai destruir o outro.
são extremamente inventivos e por vezes gostam de
achar “brechas” nas regras. Mais de um habitan-
te do sobremundo já disse que se pode co-
nhecê-los através da ópera anã, uma for-
ma de arte muito característica deste
povo. Em um espetáculo de ópera
anã, os atores são sérios e as his-
tórias tratam de temas épicos,
mas há emoção extrema e é
comum que a plateia chore
copiosamente. Um dohe-
rita típico não tem vergo-
nha de sentimentalismo
eventual.
Existem duas coi-
sas que vão contra a
personalidade de qua-
se todos os anões:
mentira e preguiça.
Anões nem sempre Ilustração
são francos, claro.
Mas tentam de to-
das as formas evitar
uma pergunta incon-
veniente, esconder a
verdade ou apenas evi-
tar falar explicitamente
algo que sabem ser falso.
Da mesma forma, quan-
do um anão não quer fa-
zer certa tarefa, arranja outra
que tome seu lugar ou apenas
diz explicitamente que se recu-
sa. Procrastinar ou fazer um ser-
viço pela metade (“mentir” para si
mesmo) é algo dificílimo para a maio-
ria dos anões.

Além de Arton
411
Barbas Anãs a Revolta das Guildas o culto a Ayrelynn ganhou peso
e importância. Hoje em dia é uma força cultural tão
Ao ser questionado sobre anões, um grande quanto a igreja de Heredrimm.
forasteiro geralmente cita cavernas,
machados, forjas... e barbas.
O Caminho
De fato, os anões costumam cultivar suas
barbas desde muito cedo, demonstrando
para Doherimm
grande orgulho quando elas crescem O conhecimento dos anões sobre a localização
longas e cheias. Mostrar o rosto é algo de seu reino e o segredo em volta são mais do que
indecente, um ato de rebeldia — segundo tabus, juramentos, efeitos mágicos, instintos ou travas
os mais tradicionalistas, “mania de jovens psicológicas. São todos esses fatores e muito mais.
que querem aparecer”. No entanto, certos Ninguém sabe exatamente como isso se originou,
setores de algumas guildas já notaram mas parece ser intrínseco a este povo. Como os anões
a praticidade de fazer a barba. Armeiros conhecem o lugar exato onde despertaram pela primeira
que lidam com pólvora às vezes mantêm a vez, a maioria acredita que Doherimm faça parte de
barba curta para impedir que se incendeie. sua essência. Assim, eles sempre seriam capazes de
Exploradores e alquimistas que precisam voltar para casa. Isso não significa que nunca se perdem
usar máscaras contra fumos tóxicos ou mesmo que sejam especialmente bons em vencer
descobrem que elas se ajustam melhor sem labirintos. O caminho para Doherimm apenas está
uma grande profusão de pelos no caminho. dentro de todos, mesmo aqueles que não nasceram
na Montanha de Ferro.
Anões de todos os sexos e gêneros podem
usar barbas, mas elas são mais comuns Algo ainda mais complexo é o segredo sobre o
entre aqueles que se identificam como caminho. Não existe nenhum meio comprovado de
homens. Na verdade, a preferência pela arrancá-lo. Vários anões já tentaram revelar o cami-
barba tem mais a ver com o nível de nho, por vários motivos, apenas para descobrir que
tradicionalismo de um anão do que com não conseguem. Os mais românticos afirmam que
qualquer outro fator. Algumas mulheres “amor verdadeiro” ou as mais profundas formas de
anãs cultivam longas barbas como amizade permitem que um doherita quebre o tabu.
demonstração de austeridade e retidão, Seja como for, o caminho para Doherimm é algo que
enquanto que outras preferem mantê-las conforta todos os anões, uma parte fundamental de
curtas ou raspadas como sinal de abertura sua identidade. Anões banidos da Montanha de Ferro
ao sobremundo. Não importa o sexo ou passam por um ritual e perdem o caminho — uma
gênero de uma criança, um dos presentes das punições mais severas deste povo. Um anão que
mais comuns para recém-nascidos é um tenha perdido o caminho para Doherimm é tomado por
preparado alquímico para estimular o uma intensa sensação de vazio que nunca vai embora.
crescimento da barba e um pequeno pente. O mundo para sempre parecerá aberto demais, sem
indicações, vago e incerto.

Religião Sincrética Governo


Durante a maior parte da história de Doherimm, O governo de Doherimm é formado pelas Oito
a religião dominante era a igreja de Heredrimm Guildas. Todos os anões pertencem a alguma guilda.
(Khalmyr). O Alto Clérigo de Heredrimm, Handhur Aqueles que não têm uma profissão definida são con-
Heavystep, era uma das maiores autoridades do reino siderados aprendizes da guilda de um parente próxi-
antes da Revolta das Guildas, tomando decisões estatais mo. Pessoas verdadeiramente à margem da sociedade
em conjunto com o rei. (criminosos, eremitas e outros) são raras. Chamados
Mas sempre houve culto a Ayrelynn (Tenebra), de sem-guilda, esses doheritas costumam ser ignora-
embora os mais tradicionalistas torcessem o nariz. A dos, pois não contribuem em nada com a confedera-
maioria dos sábios admite que a influência da Deusa ção e nem se permitem ser protegidos por ela.
das Trevas é necessária para desafiar as tradições e Os oito grão-mestres tomam todas as decisões
avançar a cultura e a tecnologia anãs. Até há pouco mais importantes em um conselho, enquanto que as
tempo, clérigos de Ayrelynn eram vistos com descon- decisões menores ficam a cargo de subordinados. A
fiança, mas considerados necessários. Contudo, desde administração local é feita pela Guilda dos Nobres,

Capítulo Três
412
mas qualquer área que empregue muitos anões de O Pilar Central, formado pela junção de uma es-
uma determinada guilda acaba sendo governada por talagmite e uma estalactite, é visível de quase qualquer
seus membros. Embora ainda se fale em “cidadãos de ponto da cidade e é a maior construção conhecida do
Doherimm”, na prática todos na confederação são em- mundo subterrâneo. Em seu interior fica o Palácio Real,
pregados, funcionários, parceiros e clientes. Poder po- agora rebatizado como Palácio das Oito Lojas, onde
lítico está firmemente atrelado a competência técnica, se localizam as residências dos oito grão-mestres, além
sucesso comercial e dedicação ao trabalho. de sedes secundárias de cada uma das guildas. Foi aos
pés do Pilar Central que a centelha da vida emergiu
das trevas — e a Chama Perpétua continua ardendo
Locais Importantes até hoje, num altar protegido por guardas, paladinos,
clérigos e voluntários.

Doher (capital) Em Doher localizam-se os dois maiores templos da


confederação: o Templo da Luz Soberana, de Here-
Doher, chamada pelos anões de “o Berço” e “Pilar do
drimm, e o Templo das Trevas Eternas, de Ayrelynn.
Mundo”, é a capital da confederação, o local onde a raça
Há alguns anos o Templo das Trevas Eternas parecia
anã despertou e o exato centro geográfico da primeira
estar decaindo, mas depois da Revolta da Guildas
camada do subterrâneo. De Doher partem túneis e
experimentou uma nova explosão de popularidade.
estradas de ferro para todas as cidades de Doherimm.
Também na capital há o Calabouço, uma enorme prisão
Doher é de uma beleza arquitetônica ímpar — os prédios
escavada numa estalagmite, onde ficam encarcerados
se fundem às paredes; cachoeiras e rios subterrâneos
os criminosos mais perigosos de Doherimm. Entre eles
se integram ao planejamento urbano; estalactites orna-
há apenas um não anão: o humano William Lostgrief.
mentadas pendem de tetos tão altos que parecem um
Os anões se recusam a falar sobre qual seria o crime
céu próprio. Túneis escavados na rocha ligam diferentes
do detento. Curiosamente, ele já está aqui há mais
partes da cidade, enquanto que pontes elegantes de
tempo do que seria natural para um humano...
pedra polida cruzam abismos gigantescos.

MAPA

Além de Arton
413
O Muro Histórico é um imenso painel ladeando apanhada e costuma “desaparecer”. Um dos oficiais do
as principais vias e circundando boa parte da cidade. Posto de Controle é o anão Airon Warchief, um tipo
Sempre em evolução, é uma série de ilustrações, símbo- disciplinado que se orgulha de seu detalhismo e de sua
los e textos em baixo-relevo, contando toda a história pouca paciência com espertinhos. A medusa Anaconda
da raça anã. A Gruta de Rhumnam, uma caverna Dante cumpre seu trabalho de oficial desarmando os
acessível apenas através de uma passagem oculta, então forasteiros com piadas e conversa rápida, fingindo ser
por uma série de túneis labirínticos, contém um altar bem-humorada e inofensiva até que eles revelem suas
onde repousa a Espada da Justiça, agora modificada verdadeiras intenções.
como uma lâmina-pistola. O artefato é guarnecido
o tempo todo por paladinos que, à primeira vista,
parecem estátuas. Também a protege Ghoharimm, o
A Grande Fenda
Guardião Invisível, uma fera ancestral de natureza Anos após a Batalha dos Três Terremotos, explo-
desconhecida, designada pelo próprio Heredrimm. radores anões encontraram uma fenda com dezenas
de quilômetros de comprimento e vários metros de
Doher possui incontáveis tavernas, casas de ópera,
largura, cortando boa parte das cavernas e túneis no
oficinas, quartéis... É uma metrópole agitada e em franca
oeste da confederação. Poderia ser uma formação natu-
expansão. As marcas da Revolta das Guildas ainda estão
ral, mas os exploradores relataram sons de construção
aqui, mas o interesse industrial e comercial do novo
vindos de algum lugar. Logo a Guilda dos Guerreiros
governo garante que nada disso atrapalhe o progresso.
presumiu que fosse um plano finntroll e estabeleceu
fortes ao longo da fenda.
Thagaramm, Não se sabe a real profundidade da Grande Fenda.
a Cidade Intermediária Alguns exploradores já conseguiram determinar que ela
A comunidade mais recente (e uma das mais passa pela segunda camada do subterrâneo, parecendo
vibrantes) de Doherimm é Thagaramm, um enorme se estender até a terceira camada, onde se localiza o
posto comercial construído após a Revolta das Guildas Império Trollkyrka. Contudo, investigações mágicas
como um ponto de contato entre o sobremundo e sugerem que seja ainda mais profunda, cortando diversas
o subterrâneo. Embora seja parte da confederação, camadas, até pontos desconhecidos. Alguns devotos de
fica tão próxima à superfície que pode ser achada Tenebra sugerem que é uma passagem ao reino divino
facilmente por outros povos ou por um anão que de sua padroeira, acessível para aqueles com coragem
tenha perdido o caminho. suficiente. Outros anões, menos otimistas, temem que
Thagaramm é extremamente diversa — anões leve a reinos divinos mais hostis, a algo que existiria no
ainda são maioria, mas há muitos humanos das Ui- centro do mundo físico ou até mesmo ao Nada.
vantes, além de minotauros, hynne e todas as raças
tradicionalmente aliadas dos anões. A cidade é agitada, Vulcão Trondkhandar
com uma população flutuante, e tomada por tavernas Talvez o único vulcão subterrâneo de Arton, o
e estalagens. Aqui se encontra o Posto de Controle Trondkhandar se ergue numa grande câmara perto
Subterrâneo, um quartel fortemente guardado que da cidade de Zuralhim. Não há registros históricos
vigia a única passagem de Thagaramm para o resto de uma erupção, mas ele expelia cinzas com certa
de Doherimm, onde candidatos a visitantes são apro- frequência. Um grupo de aventureiros foi capaz de selar
vados ou (com muito mais frequência) rejeitados. a cratera... Mas a solução não foi permanente. Primeiro
Sendo um verdadeiro portal entre dois mundos, o começou-se a ouvir guinchos estridentes e o ribombar
Posto de Controle também é palco de espionagem, grave de trovões emergindo do vulcão. Depois o selo
venda de informações, passagem de clandestinos, mágico explodiu, deixando a câmara repleta de fumaça
troca de prisioneiros, receptação de por semanas. Por fim, o Trondkhandar expeliu lava.
mercadorias e outras atividades
ocultas. Contudo, a segurança Felizmente, Zuralhim não foi destruída. Na verda-
é estrita: a maior parte dos de, quase não foi afetada, pois a lava escorreu em um
pretensos espiões, clandes- fluxo lento e minguado. Mas os guinchos e trovoadas
tinos e receptadores é se transformaram em vozes. Vários anões de Zuralhim
relatam ouvir a voz do vulcão, chamando-os para
dentro da cratera. Alguns já obedeceram, escalando a
montanha e desaparecendo lá dentro. Ninguém sabe
o que se esconde dentro do Trondkhandar... ou se é o
próprio vulcão que clama por vítimas.

Capítulo Três
414
A Nona Guilda?
Guildas &
Organizações Alguns boatos afirmam que existe mais
uma guilda em Doherimm: a Guilda
Atualmente, nada é mais importante em Dohe- dos Capuzes, composta de espiões e
rimm do que as Oito Guildas. Em geral, o treinamen- assassinos, responsável por vigiar o
to começa ainda na infância, o que significa que o jo- povo e as outras guildas, além de fazer
vem aprendiz provavelmente será iniciado na guilda problemas “sumirem”. Segundo esses
de seus pais. Contudo, qualquer doherita pode tro- boatos, a Guilda dos Capuzes teria forte
car de guilda quando quiser, desde que passe nos tes- presença em Thagaramm, especialmente
tes de iniciação e seja aceito. O clero de Doherimm no Posto de Controle Subterrâneo.
foi dividido entre todas as guildas após a Revolta. As- Ninguém pode garantir ou desmentir
sim, cada uma conta com seus próprios sacerdotes. a veracidade disso, talvez nem mesmo
os oito grão-mestres. Ou ao menos
Sendo corporações de ofício e não aristocracias
ninguém está disposto a abrir a boca...
hereditárias, as Oito Guildas podem trocar de lide-
rança com relativa velocidade. O antigo Grão-Mestre
da Guilda dos Armeiros, Ghestoff Pohlbuck, foi
destituído ainda antes da Revolta, por sua postura
tradicionalista — é apenas um exemplo de como essas
foi alocada a sua própria guilda, hoje lidarada pelo
posições são frágeis.
Grão-Mestre Harneld Kaz-Khalan Achafiada. Afinal,
eles tinham um ofício: a administração.
Guilda dos Armeiros Como a mais jovem das guildas, esta ainda não se
Uma das mais influentes, a Guilda dos Armeiros solidificou plenamente. Os nobres em teoria devem
esteve presente em vários pontos importantes da cuidar da parte administrativa de Doherimm, além
história de Doherimm e seu grão-mestre era um dos
da diplomacia externa. Contudo, na prática acabam
poucos que sabia do roubo da espada Rhumnam.
exercendo funções de liderança. Além disso, poucos
Não é de surpreender que tenha sido exilado junto
anos se passaram desde sua criação e ninguém sabe
ao antigo rei... Sempre houve um cisma dentro desta
como responder a pergunta crucial: é preciso ter nas-
guilda — apesar de seu tradicionalismo, costuma
cido nobre para estar nesta guilda? Os nobres podem
atrair espíritos inovadores. Hoje em dia, armeiros
deixá-la? E se um “plebeu” quiser fazer parte?
que trabalham com pólvora estão em alta e o Grão-
-Mestre Sharagg Mith-Kador é um grande entusiasta
da substância. Guilda dos Pensadores
Talvez a mais ampla e abrangente de todas, a
Guilda dos Mineradores Guilda dos Pensadores abriga artistas, escribas, mú-
sicos, filósofos, historiadores e inventores ousa-
A mais antiga das guildas, apegando-se a valores
antigos e rejeitando inovações. Qualquer projeto ou- dos. Sob a tutela da Grã-Mestra Eldora Brasarden-
sado que precise passar pela Guilda dos Mineradores te, é conhecida como a guilda menos organizada,
(como a escavação de túneis para a Grã-Locomotiva) se mas também a mais inovadora. Absolutamente to-
torna um pesadelo de burocracia e má vontade. Existe das as guildas trabalham com os pensadores em al-
grande desconfiança das outras guildas para com os gum momento, seja para planejar alguma inova-
mineradores, pois eles inicialmente se recusaram a ção, seja para solucionar um problema ético — ou
participar da Revolta, juntando-se às outras apenas mesmo embelezar uma sede. Esta guilda também é
quando a batalha já estava quase vencida. O atual uma das mais rigorosas. Os testes de admissão cos-
grão-mestre é Thargrimm Marmoreiro. tumam ser extremamente difíceis e a maioria dos
candidatos é rejeitada.
Guilda dos Nobres
Quando a monarquia foi derrubada, houve dis- Guilda dos Provedores
cussões sobre o que fazer com a nobreza. Os mais Várias guildas clamam para si o título de mais
exaltados pediam execuções em massa — mas isso vai gloriosa ou mais importante, mas só uma poderia
contra o princípio anão de defender Doherimm. Assim, dizer que é a mais humilde: a Guilda dos Provedores.
vozes mais comedidas prevaleceram e toda a nobreza Mas não o faz, é claro, por pura humildade.

Além de Arton
415
ILUSTRAÇÃO

Liderados pela Grã-Mestra Shalina Korka’mak,


aqui se reúnem fazendeiros, pescadores, cozinheiros,
Guilda dos Cervejeiros
coureiros e alguns tipos de trabalhadores braçais. Doherimm cairia sem guerreiros e morreria de
Doherimm iria desmoronar se a Guilda dos Provedores fome sem provedores, mas quem traz mais qualidade
parasse de trabalhar por uma semana — de fato, talvez de vida é a Guilda dos Cervejeiros. Responsável não só
tenha sido sua adesão à Revolta que tenha feito a pela cerveja mas também por todas as bebidas anãs,
balança pender. Contudo, muitos anões esquecem esta guilda conta com prestígio e liberdade únicos. Se
que esta sequer é uma guilda. Seus testes de admissão os cervejeiros notam o talento de um anão de outra
cumprem um papel quase simbólico e os provedores guilda e desejam-no para si, basta pedir. Se precisam
costumam dizer que, se há vontade de aprender e de de um grande empréstimo, só há uma pergunta — se
trabalhar duro, todos são bem-vindos. o valor é suficiente ou se gostariam de mais alguma
coisa. Há alguns anos houve ameaça de que esta guilda
Guilda dos Guerreiros fosse dissolvida: três grão-mestres dividiam a liderança
e uma discussão fez com que se separassem. A situação
Não é de surpreender que esta guilda tenha
foi tratada como emergência nacional, o rei invocou
enorme influência. Afinal, os guerreiros detêm o
uma conferência com honras diplomáticas e a Guilda
poder da força bruta. Todos os soldados de Dohe-
dos Cervejeiros foi mantida unida, sob a liderança do
rimm são ligados a ela — assim, também não é de
Grão-Mestre Kheloramm Achafiada.
surpreender que boa parte tenha se aliado aos no-
bres no início da Revolta. Todas as guildas têm certo Embora muitos estabelecimentos da superfície se
medo da Guilda dos Guerreiros, hoje liderada pelo gabem de servir “cerveja anã”, isso quase sempre é
Grão-Mestre Huradimm Manto-de-Mitral. Os ar- uma reserva especial — a “cerveja tipo exportação”,
meiros trabalham de perto com eles, mas os nobres indigna de ser consumida por um anão. As reais cervejas
são mais alinhados com sua postura. De qualquer anãs só saem de Doherimm com permissão especial
forma, todos sabem que é bom ter cuidado... E que da guilda. Uma das poucas tavernas com essa honra
nunca é demais saber se defender. é a Terceira Opção, em Valkaria.

Capítulo Três
416
Guilda dos Construtores Grupos do sobremundo às vezes são trazidos
por um membro anão, que se responsabiliza por seu
Uma das mais tradicionais, fortemente alinhada comportamento. Mesmo assim, invariavelmente che-
aos mineradores, a Guilda dos Construtores abriga gam vendados. Forasteiros são considerados úteis em
engenheiros, arquitetos e pedreiros, além de ferreiros missões diplomáticas (tanto com outros povos quanto
e fabricantes de itens diversos. Por mais importante entre guildas) e para transporte de objetos que muitos
que seja seu trabalho, é uma guilda que conta com anões cobiçam. Quando os membros de todas as guildas
pouca glória. Diz-se que famílias muito precavidas arregalam os olhos para a mercadoria, talvez seja hora de
aconselham seus filhos a serem construtores, pois é trazer alguém sem qualquer ligação com as corporações
um ofício digno, necessário e previsível. Liderada pela de ofício! Também podem ser úteis em escaramuças
Grã-Mestra Dargin Barba-Suja. contra os finntroll, já que sua presença e suas táticas são
menos esperadas por essas criaturas vis. Aventureiros

Aventuras menos escrupulosos podem ser contratados para roubar


ou sabotar alguma obra. A Grã-Locomotiva em especial
A maior parte das aventuras em Doherimm será atrai a ganância de certas facções, com suas cargas
algum tipo de emergência ou situação grave. Afinal, valiosas e relativamente desprotegidas. O problema é
forasteiros só são admitidos na Montanha de Ferro em entrar e sair dos vagões em alta velocidade...
raras ocasiões. Existem inúmeras missões comuns ofe- Sem dúvida a maior aventura subterrânea é a ex-
recidas por guildas: desde obtenção de matérias-primas ploração das camadas inferiores. Até mesmo grupos
e resgate de trabalhadores até espionagem industrial. inteiramente da superfície podem receber permissão
Aventureiros têm sido contratados especialmente para especial de passar por Doherimm caso seu objetivo
fazer a segurança das estradas de ferro em construção. esteja mais abaixo. Indo além das terras dos gigantes
Contudo, essas missões estão disponíveis apenas para do fogo, além de Trollkyrka, além de Camprini, aventu-
doheritas, a menos que os forasteiros tenham provado reiros podem descobrir mundos ainda mais bizarros...
seu valor de alguma forma. e os anões estarão dispostos a pagar bem por isso.

Além de Arton
417
Ilustração

Éter
divino
P
or mais variado, surpreendente e inexplo- absoluto da Criação. A seu redor, em órbitas variadas,
rado que Arton seja, é apenas uma parte giram a lua, o sol, as estrelas e os mundos dos deuses.
da Criação. A parte mais importante, com Este é um fato aceito pelos maiores estudiosos e
certeza... Mas, além desse mundo de mara- teólogos, além de comprovado por aventureiros, pelos
vilhas, existem outros: os mundos dos deuses. E, poucos visitantes que chegam em naves vivas e até
no espaço entre os mundos, existe o éter divino. mesmo por astrólogos e videntes. Contudo, parece
contradizer o senso comum, além da experiência de
centenas de heróis que já visitaram algum reino divino.
A Fronteira Final Quase todos relatam que o Reino de uma divindade é um
A maioria dos artonianos nunca tem razão para local infinito, místico, com suas próprias regras, sobre
pensar na forma física de seu mundo, muito menos o qual o deus governa com onipotência. É sabido que,
em como a cosmologia divina se organiza. Contudo, após a morte, as almas dos artonianos viajam para esses
um punhado de sábios e os exploradores conhecem Reinos. Existem portais mágicos que levam aos Reinos,
a verdade. Visto muito de cima, o mundo físico de criaturas planares são invocadas por magia... Como
Arton é um planeta arredondado, fixo como o centro conciliar tudo isso com as descobertas mais recentes?

Capítulo Três
418
A verdade é que a Criação não é tão estanque, nem Em primeiro lugar, para alcançar o éter divino é
dividida de maneira tão precisa. Até mesmo aventureiros preciso um veículo que seja capaz de romper a iliosfera.
podem pensar que existe apenas o que é “material” e o Magias de voo não conseguem fazer isso, nem mesmo
que é “divino”, com uma separação clara e óbvia entre naves aéreas. Dizem que nem Vectora seria capaz — o
ambos. Uma visão dualista de fácil compreensão, mas Mercado nas Nuvens pode se transportar por magia
falsa. Com um pouco mais de experiência (e raciocínio), a outros Planos, mas não subir ao éter. Usando qual-
pode-se perceber que a Criação é inerentemente mística. quer um desses meios, um pretenso viajante do éter
O que é “físico” ou “material” e o que é “místico” ou apenas conseguiria chegar a uma camada da iliosfera
“planar” se misturam o tempo todo. onde não seria capaz de sobreviver — e então ficaria
circundando o globo artoniano lentamente. De fato,
Na Pondsmânia, um viajante pode caminhar por
alguns caçadores de tesouros já tentaram subir aos
uma floresta profunda e adentrar um reino divino
limites da iliosfera em busca dos corpos de aventureiros
sem notar. Da mesma forma, existe nas Uivantes
épicos… Para recuperá-los ou saqueá-los.
contato suficiente com o Plano elemental do gelo
para a formação do gelo eterno. O fenômeno do Para deixar Arton, um veículo precisa ser capaz de
espaço de masmorra evidencia que o mundo físico transcender o mundo material. Não bastam portais ou
pode se modificar e se tornar “impregnado” pelo que magias similares (de fato, não se conhece nenhuma ma-
é místico. Até mesmo a corrupção pela Tormenta é gia capaz de transportar diretamente ao éter). É preciso
prova de que o mundo material é permeável pelo navegar pela zona sutil entre material e imaterial, entre
que existe além. mundano e divino. Nenhum artoniano sabe como fazer
isso hoje em dia, mas as naus que trouxeram os elfos
Em suma, Arton é um mundo físico, sim. Mas,
possuíam essa capacidade. Além disso, os gog’mago-
quanto mais um viajante se afasta de Arton, menos
gues, imensas criaturas semelhantes a peixes e naturais
material a Criação se torna. Mais e mais o que é físico
do éter divino, realizam esse feito naturalmente, por
e o que é divino se tocam. Até que não exista diferença
instinto. Na verdade, os pouquíssimos gog’magogues
entre um e outro.
que já estiveram em Arton sofrem dentro da iliosfera,
Arton é cercado por uma iliosfera — uma camada preferindo subir ao éter assim que possível.
indetectável de, por falta de uma palavra melhor, “ma-
Uma viagem pelo éter é tanto uma jornada física
terialidade”, que se estende a cerca de 80 quilômetros
quanto uma experiência mística. Por isso, os viajantes
de altura. Dentro da iliosfera, tudo funciona de acordo
do éter são chamados de divinautas. Uma nave etérea
com as leis a que os artonianos estão acostumados:
exige uma tripulação especialmente treinada, composta
existe gravidade, as distâncias podem ser facilmente
de vários postos indispensáveis. Entre eles, talvez
medidas, o tempo transcorre de forma linear, dois
os mais importantes sejam o druida de bordo e o
corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo
teólogo de bordo.
tempo... Enfim, tudo é “normal”. Nas camadas mais
elevadas da iliosfera o frio é mortal, não existe ar e a O druida de bordo é um devoto de Allihanna, Me-
gravidade é fraca, mas a Criação ainda é física. galokk ou Oceano com conhecimento especial, capaz de
perceber a presença de sua divindade no éter — onde
Assim que deixa a iliosfera, um viajante está numa não existe natureza, monstros ou mares. Sua função é
área da Criação com regras diferentes, imprevisíveis e simples e fundamental: manter uma extensa vida vegetal
aparentemente arbitrárias. As distâncias se estendem dentro da nave, para que a tripulação possa respirar!
a ponto de não fazerem mais sentido. O tempo pode Embora existam histórias sobre naus que forneceriam ar
transcorrer de forma mais rápida ou mais lenta. Não a seus tripulantes de outras formas, quase todas as naves
há “acima” ou “abaixo”. Não se aplicam as leis natu- etéreas conhecidas são repletas de plantas. Existe uma
rais do mundo material, mas leis místicas, esotéricas estufa a bordo e cada espaço vazio, incluindo paredes e
e filosóficas. Por isso, o espaço além da iliosfera é teto, tende a ser coberto de galhos e trepadeiras.
chamado de éter divino.
Já o teólogo de bordo é essencialmente um navega-
dor. Pode ou não ser um devoto, mas invariavelmente é
Viagens pelo Éter um grande estudioso de tudo que é divino. Ele identifica,
Nem mesmo o mais poderoso herói artoniano é analisa e calcula as rotas etéreas com base na influência
capaz de existir no éter divino sem auxílio de equipa- relativa de diferentes deuses e seus mundos. Sem um
mentos especializados e magia. O éter não é totalmente teólogo de bordo, é impossível chegar a qualquer lugar
material, nem totalmente místico. Assim, apresenta no éter divino. Uma nave poderia seguir em frente por
desafios únicos, muitas vezes mais letais do que um anos, séculos, milênios... E só encontrar vazio escuro.
reino divino hostil. Algumas tripulações desprovidas de teólogos encontram

Além de Arton
419
Por que viajar pelo éter? as próprias divindades são menos impressionantes
ou transcendentais. Passam a considerar que, mesmo
Ao descobrir as dificuldades e perigos com todas essas dificuldades, os reinos divinos agora
de uma viagem pelo éter, um pretenso parecem muito próximos. Previsíveis. Prosaicos.
divinauta pode se perguntar: por que se
A verdade é que os mundos dos deuses são ma-
arriscar dessa forma? Por que não usar um
nifestações dos reinos divinos, mas não são os reinos
portal para alcançar um reino divino?
divinos inteiros. Já se fez a comparação de que um
A verdade é que sim, é muito mais fácil e reino divino é como o deus em si, enquanto que um
seguro visitar outro Plano usando um portal. mundo divino é como seu avatar. Alguns teorizam que
Mas eles não estão disponíveis para todos, o mundo divino seria equivalente ao “corpo físico”
em geral exigindo grandes jornadas por de um reino divino — que por sua vez seria a “alma”
Arton. Além disso, ao usar um portal um de um mundo.
explorador está preso ao local aonde o portal
Enquanto Arton é firmemente material e cercado
leva. Não tem controle sobre seu destino e
por uma iliosfera, os Mundos Divinos são místicos e
não pode voltar quando quiser. Se o objetivo
cercados por teosferas, camadas que os separam do
é visitar vários Reinos, achar um portal para
éter. Uma vez que uma nave etérea rompa a teosfera
cada um pode ser inviável. Além disso, não
de um mundo divino, adentra o reino. Está agora num
existem portais conhecidos para o éter em si.
outro Plano, que opera por leis específicas ditadas por
Contudo, a maior parte dos divinautas um deus. Um artoniano que chegue a um reino divino
não usa portais porque não deseja apenas por meio de um portal ou magia estará preso à teosfera.
chegar a um lugar — deseja explorar. Usar Assim, não será capaz de notar o éter “acima”.
um portal para um reino divino é como
Naves etéreas como gog’magogues são capazes
usar uma magia de teletransporte em vez
de romper tanto a iliosfera quanto as teosferas,
de um navio. Mais rápido e talvez mais
possibilitando viagens entre os mundos... E, assim,
seguro... Mas privando o viajante de todas
entre os Planos.
as experiências que teria pelo caminho.
Contudo, a natureza ao mesmo tempo material
e mística do éter divino faz com que esses mundos
obedeçam a certas regras físicas. Todos circundam
um mundo divino ou outro objeto etéreo por acidente Arton em diferentes órbitas. Assim, para alcançar um
— mas em geral ficam presas lá para sempre. deles não é preciso apenas cruzar uma certa distância,
Todo esse conhecimento foi compilado ao longo de mas também calcular onde na órbita o mundo estará.
gerações pelos kliren, a única raça inteligente conhecida Na primeira órbita, mais próxima do mundo ma-
que se considera nativa do éter. Os kliren não são capazes terial, a lua de Arton é na verdade Vitalia, o Mundo
de existir no éter divino sem auxílio (são criaturas de Lena. Pode parecer muito “próximo”, mas mesmo
materiais, assim como qualquer artoniano), mas desen- uma jornada à lua é um feito extraordinário. Odisseia
volveram toda uma ciência para burlar essa limitação. (Mundo de Valkaria), Ramknal (Hyninn) e Nivenciuén
Foram os kliren que descobriram os gog’magogues (antigo Mundo de Glórienn) dividem a segunda órbita.
e passaram a usá-los como veículos. Extremamente Sabe-se que Nivenciuén foi tomado pela Tormenta.
resistentes e pacíficos, os gog’magogues permitem que
Dividindo a terceira órbita estão Serena (Marah)
naves etéreas semelhantes a navios sejam construídas e Arbória (Allihanna). Na quarta órbita, um sistema
ao redor de seus corpos — o processo não é invasivo complexo: o sol de Arton, de fato o próprio Mundo
e não parece incomodá-los. As naves então adquirem de Azgher, Solaris, tem como satélite Pyra (Thyatis).
a capacidade de viajar pelo éter e adentrar diferentes Alguns especulam que, além de um mundo, Solaris
mundos. Para os kliren, a palavra “gog’magogue” cos- seja parcialmente o corpo do próprio deus. Em direta
tuma designar as naves vivas. Para se referir somente oposição a essa iluminação está o Mundo de Tenebra,
às criaturas, usam “gog’magogue selvagem”. Sombria, em trevas ocasionalmente dissipadas por sua
própria lua particular, Venomia (Sszzaas). Na quinta
Mundos dos Deuses órbita está Chacina (Megalokk) e Werra (Arsenal).
Mas mesmo todo esse conhecimento não satisfaz as Um amplo espaço vazio se segue, onde já existiu o
dúvidas fundamentais de devotos e viajantes planares: Mundo de Tilliann. Em seu lugar existem apenas as ro-
como os reinos divinos podem ser mundos? Alguns chas flutuantes de Skerry. Skerry se tornou puramente
artonianos, ao saber disso, têm a impressão de que material antes de ser destroçado depois da punição de

Capítulo Três
420
Tilliann. Contudo, não tem uma iliosfera, tornando As Estrelas
a vida nas rochas um desafio técnico vencido pelos
kliren. Alguns divinautas relatam outros cinturões de Embora os mundos dos deuses sejam
asteroides, destroços e “lixo etéreo” entre os mundos. (ao menos parcialmente) conhecidos, o
Ninguém sabe se seriam restos de mundos destruídos mesmo não se pode dizer das estrelas que
ou algo mais misterioso. brilham no céu artoniano.
A órbita seguinte é ocupada por mais um sistema Existem diferentes teorias sobre o que
complexo: cinco satélites imensos orbitam um gigante seriam as estrelas. Alguns sábios afirmam
gasoso, identificado em diferentes culturas como Ordine que são almas artonianas elevadas ou
(Khalmyr), Sora (Lin-Wu), Terápolis (Tanna-Toh), fragmentos de deuses mortos. Outros
Drashantyr (Kallyadranoch) e Kundali (Tauron, agora dizem que são “buracos” no éter e através
talvez o Mundo de Aharadak — o que significaria dois deles enxergamos o Nada. Os mais
mundos corrompidos pela Tempestade Rubra). Outro ousados defendem que cada estrela é na
mundo gigante viaja pela oitava órbita: Pelágia (Oceano). verdade um mundo material separado,
A uma imensa distância de Arton e da luz de Solaris com sua própria cosmologia. Segundo
está Magika (Wynna), que tem seu próprio sistema essa versão, Arsenal teria vindo de um
particular com seis sóis e seis luas (ligados aos dife- desses mundos.
rentes Planos elementais). Mais um mundo completa
Embora as estrelas pareçam estar muito
o sistema, numa órbita caótica: Al-Gazara (Nimb). A
mais longe da última órbita ao redor de
órbita imprevisível do Mundo do Caos afeta a duração
Arton, certos divinautas já relataram
do ano de Arton, motivo pelo qual existem os dias
avistar estrelas “entre” os mundos dos
de Nimb no calendário artoniano. Deathok (Ragnar)
também tinha uma órbita imprevisível, mas não se sabe deuses, principalmente após se perderem
o que aconteceu após a destruição do Deus da Morte. por meses ou anos. Ninguém sabe
explicar este fenômeno.
Alguns mundos dos deuses se manifestam na
forma de globos, assim como Arton. Outros, no entan-
to, apresentam formas variadas e inesperadas, desde A Flecha de Fogo
nuvens colossais até poliedros ou superfícies planas.
Mais surpreendente é que não há consenso entre os A queda da Flecha de Fogo levou alguns
divinautas sobre sua forma. Talvez eles se revelem de sábios a teorizar sobre o que teria
maneira diferente a cada mortal, ou talvez diferentes realmente acontecido. Será que Thwor
teólogos de bordo possam localizar diferentes facetas conseguiu manipular o destino para que
do mesmo mundo. Vale lembrar que nenhum mundo o cometa se despedaçasse? Ou existe uma
possui uma placa identificadora! Muitas tripulações já explicação mais mundana?
adentraram o mundo errado, para nunca mais sair…
A teoria mais “sensata” afirma que
Além de tudo isso ainda existem incontáveis a Flecha, vinda do éter divino, não
planetoides, cometas, objetos, criaturas, fenômenos e teria resistido ao contato com a iliosfera.
entidades no éter divino. Um gog’magogue comercial Quanto mais perto de Arton, mais material
já encontrou um grande asteroide moldado na forma de — chegando muito perto, o objeto não
rostos gnômicos, enquanto existem histórias sobre uma estaria preparado para tamanha materiali-
masmorra que flutua em algum lugar do éter. Alguns dade. Contudo, aceitar essa teoria significa
desses lugares podem inclusive ser habitados por raças que o Ayrrak teve uma sorte imensa, pois
planares. Contudo, é consenso que nenhum tem uma seu estratagema se concretizou sem que
fração da diversidade de Arton: costumam apresentar
ele conhecesse detalhes sobre o éter divino
só um tipo de ambiente ou característica marcante.
e os pedaços da Flecha caíram exatamente
Não se conhece nenhum divinauta que tenha ex- onde ele precisava.
plorado todos os mundos dos deuses, muito menos
Talvez Thwor fosse, afinal, um estudioso
que tenha decifrado mais do que uma ínfima fração
do éter... Ou talvez a Criação seja ainda
dos mistérios do éter. O conhecimento sobre o que
mais misteriosa do que os artonianos já
está “lá em cima” não torna a Criação menos mágica,
foram capazes de supor.
pois abre um leque adicional de perigos e maravilhas.
Talvez a torne ainda mais instigante... E aterrorizante.

Além de Arton
421

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