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As ideias sobre a criação de instituições africanas – ou, mais propriamente, da

africanização de igrejas e universidades – foi uma das formas de constituição do


africanismo e do identitarismo no pensamento de 1870 em diante
Capitulo II -

2.1 Generalidades

Antes da chegada e da penetração dos missionários, muitos grupos populacionais


africanos mantinha um complexo sistema de educação que, embora tendo seu eixo em
redes rituais de passagem de idade de criança para fase adulta, se estendia ao longo de
toda a vida respeitava principalmente os ciclos produtivos locais. Da mesma forma, o
complexo sistema de valores, tabus, valores e correspondentes virtuais era transmitido
de acordo com a necessidade básica de manter a sociedade coesa.

Os valores específicos, conhecimentos e habilidades transmitidos pelos tutores


dependem fundamentalmente do gênero e da idade da pessoa tutorada. Através de
danças, canções, rituais de coesão, ritos de iniciação e outros, as crianças africanas eram
introduzidas na vida social e iam aprendendo e interiorizando a hierarquia social. Dos
finais do século XIX até o início da primeira Guerra Mundial o contacto que muitos
povos africanos (sobretudo do interior) tiveram com os europeus foi muito limitado. Os
mais visíveis eram comerciantes, missionários e o chamados “exploradores” que faziam
as suas viagens para o interior naquele espírito aventureiro.

No período imediatamente a seguir, a Europa, no geral, começa efetivamente a


pretender afirmar-se como colonizadora e, nesta senda, refina os seus instrumentos de
colonização, procurando sobretudo multiplicar a sua presença pessoal e institucional.
Usando muitas vezes métodos violentos, os europeus começam a impor o seu sistema de
administração, de valores e crenças nas populações indígenas. Foram construídas
doutrinas com a pretensão de monstrar a superioridade do branco perante o negro. Não é
demais recordar que só em 1994 é que o último regime baseado num racismo
institucionalizado cai: o apartheid.

Na sua avidez de colonizar, os europeus vieram institucionalizar a escolarização.


Escolas missionárias foram estabelecidas para ensinar às crianças africanas a mensagem
cristã para salvar as suas almas. Os governos colonialistas também estabeleceram
escolas ao estilo europeu com um propósito prático de fazer com que alguns africanos
os pudessem ajudar a administrar o sistema e as colónias.

A educação poderia aumentar as expectativas de promoção social destes negros,


que poderiam resultar em atitudes críticas contra as próprias instituições coloniais.
No continente africano o sistema de educação foi principalmente um
instrumento de aculturação dos povos indígenas e um instrumento de afastamento das
elites (ou de extroversão, para empregar o termo Hountondji) das suas raízes culturais.
As elites africanas começaram a emolar os sistemas europeus.

Akimpelu (1981/89), foi na Serra leoa que se fundou o primeiro estabelecimento


de formação de professores pela Church Missionsry Society em 1827, enquanto que a
primeira escola secundária gramatical só veria a ser estabelecida em 1845. Daqui se
expande para Nigéria onde esse funda a primeira escola primária em 1841. Estas
primeiras escolas, particularmente as secundárias, estavam filiadas à escolas na Europa.

Ao mesmo tempo que crescia a demanda pelo alargamento da educação formal,


crescia um certo criticismo sistemático à escola colonial, particularmente no que diz
respeito à qualidade do ensino para os negros.

Estas vozes críticas tornaram-se importantes para o debate posterior sobre o tipo
de educação em África. Duas delas interessaram-nos as vozes de James Africanus
Horton e as the Wilmot Blyden, pois equacionam a educação formal ocidental a partir
de perspectivas diferentes.

2.2 James Africanus Horton

Horton engajou-se, sobretudo, na educação. Ele não tinha dúvidas de que a


educação devia ser providenciada, administrada, financiada e supervisada pelo Estado.

As suas ideias de uma escola moderna resumiam-se no seguinte:

 escolaridade obrigatória para todas as crianças entre os sete e os 14 anos;


 devia se prestar grande atenção à escolarização da rapariga;
 devia-se também estender as oportunidades educativas para todas as cidades e
as ideias de acordo com o tamanho da população, aliás toda colônia (Serra-
Leoa);
 devia ser distribuída em distritos de educacionais para permitir uma maior e
melhor administração;
 o sistema de educação deveria ser centralizado e único, o que significava
oferecer um leque uniforme das disciplinas, os mesmos livros, os mesmos
conteúdos, os mesmos métodos de ensino de acordo com o mesmo calendário
escolar;
 a supervisão escolar deveria ser estatal e visava garantir, sobretudo, a
uniformidade das oportunidades educativas e o comprimento do processo
escolar,
 a formação de professores deveria ser também uma tarefa estritamente estatal.
 Os professores deveriam ter bons salários de forma que só os melhores
poderiam entrar para esta carreira.

Horton preocupou-se em contextualizar a escola atendendo às condições


específicas do continente africano. Nesta preocupação, ele insistia que a expansão da
escola deveria ocorrer de uma forma pragmática, isto é, sempre partindo das instituições
existentes.

Horton também era apologista de ideia de as línguas africanas passarem a ser


escritas. A língua inglesa deveria continuar a ser diplomática.

2.2.1 Visão de Horton no currículo

Quanto ao currículo, ele abria a mão para que os alunos, para além de
aprenderem a ler, escrever e contar, também tivessem algumas matérias ou mesmo
disciplinas que se julgassem adequadas às condições regionais (para a Gâmbia, por
exemplo, ele admitia o ensino em árabe para facilitar a comunicação).

Para Horton, o ensino geral deveria ser combinado e complementado pelo ensino
técnico profissional e por possibilidades de formação em agricultura. Este não devia, no
entanto, perder de vista o mercado internacional. Desta forma, queria que houvesse uma
Industrial School para formar mecânicos, carpinteiros, sapateiros, pintores, construtores
e mesmo construtores de barcos que iriam melhorar as canoas. Na agricultura, ele
insistia no melhoramento da cultura para exportações.

2.2.2 Ensinos secundários e superior na visão de Horton

Segundo Horton, os africanos deveriam ter a oportunidade de fazer os seus


estudos secundários e universitários na própria África e não terem que viajar para a
Europa para continuarem os seus estudos, como era a prática na altura em quase toda da
África. Insistia na ideia de que a escola secundaria deveria ser de caracter oficial e geral.

Horton foi um dos primeiros a exigir estabelecimentos universitários para a


África onde se ensinasse teorias e práticas de educação, matemática, filosofia da
natureza, ciências bibliográficas, literatura inglesa, alemão, hebreu, história,
mineralogia, fisiologia, botânica, moral, filosofia política, direito civil e comercial,
música e desenho.

2.3 Edward Wilmot Blyden

Blyden, via na educação não um fim em si, mas um instrumento importante que
foi usado pelo colonialismo para transmitir o sentimento de inferioridade no africano,
mas também simultaneamente um instrumento de libertação do negro.

Segundo Mudimbe (2013), a filosofia política de Blyden trazia algumas


características de muita importância para a disputa do enfrentamento do racismo,
Blyden relativizou a superioridade das categorias, tais como cristão, civilizado e branco
(como citado em Ferreira dos Santos, 2022).

Souza (2020), atesta que Blyden compreendia que, para que este processo fosse
possível, seria necessária a formação de um Estado negro africano forte, materializado
na Libéria, como forma de garantir a emancipação e o exercício político da população
negra, assim como organizar a expansão do processo de regeneração para o interior da
África.

Por isso, Edward Blyden concebia um projeto político-histórico cujo objetivo era
garantir a elevação da raça negra, a construção de uma nacionalidade africana e a
redenção da África. Na sua perspectiva, estes processos ocorreriam de forma simbiótica
e seriam resultado do cumprimento do destino providencial da raça negra (Henry, 2000
como citado em Souza, 2020).

Segundo Castiano e Ngoenha (2013), Blyden negava, assim, que existisse raças
superiores a outras. No seu entender, todas as graças e culturas teriam o mesmo valor,
mas não as mesmas características, ou seja: às teorias racistas baseadas em estudos
científicos antropológicos que defendiam a superioridade da raça branca, ele negava que
houvesse tal hierarquia, mas mantinha a ideia da existência de diferenças básicas de
caráter entre as raças.

As diferenças entre as culturas são assumidas por Blyden não como algo
acidentais, mas como desígnios divinos para que as culturas possam ser complementar:
o que uma cultura precisar, poderá encontrar numa outra, no entanto, há uma espécie de
unidade essencial de todas as culturas, e Deus é o obreiro desta cultura Universal. Mas
se todas as culturas são uma e a mesma coisa, isso não significa que todas as raças
contribuem da mesma forma e com os mesmos elementos para a cultura Universal, ou
que todas elas devem usar os mesmos métodos e as mesmas instituições para contribuir
para aquela cultura.

A natureza das capacidades da humanidade difere de modo que o caminho para


o progresso total da humanidade não é o mesmo para todas as culturas. É nesta senda de
pensamento que Bladen opinava que os africanos deveriam encontrar o seu próprio
caminho e seu método. Este é o grande problema que Blyden enfrenta e a educação
seria o caminho para tal, tanto para os jovens assim como para os adultos.

2.3.1 Princípios da filosofia africanista de Blyden

Conforme Castiano e Ngoenha (2013), a filosofia africanista de Blyden baseia-se


em três princípios, a saber:

 Unidade: de todas as culturas numa só, cujo o centro é Deus;


 A igualdade e particularidade: de cada cultura, ou seja, cada cultura é de
natureza única e tem uma contribuição específica para a cultura universal;
 A complementaridade: o que significa que cada cultura contribui para a cultura
universal com os elementos e os aspectos que faltam nas outras culturas.

2.3.2 Visão de Blyden sobre a educação colonial

Para Blyden estava claro que a educação colonial e as actividades missionárias


foram os meios para influenciar negativamente, senão mesmo destruir as culturas locais
africanas. De facto, a racionalidade das missões europeias na época de Blyden era
civilizar os povos indígenas, isto é, substituir os aspectos e crenças religiosas locais
existentes por uma religião considerada a mais civilizada. A confiança dos africanos nos
seus próprios valores religiosos e culturas foi ficando cada vez mais minada, a educação
foi o instrumento mais poderoso neste processo.

Como quase todos os africanistas, Blyden começa por criticar aspectos da


educação colonial, especialmente nos moldes do cristianismo. O problema não estava na
educação em si, mas na influência externa de que ela padecia.

O resultado daquela educação era uma criança que, na óptica de Blyden, era
metade europeia e metade africana, uma criança em dois mundos. Isto contraria o
objetivo mais sagrado de qualquer educação que é o de formar nas pessoas aquelas
qualidades que lhes permitam mais tarde uma óptima inserção na sua própria sociedade
e cultura.

2.3.3 Visão de Blyden no currículo

Os currículos apoiados pelas instituições serviam principalmente para os países


ocidentais e educação cristã. Assim, pode se notar que não havia sujeitos africanos. Foi,
portanto, a partir deste factos que Blyden rejeitou estes currículos e contribuições.

Castiano e Ngoenha (2013), afirmam que “a primeira ideia de Blyden foi


repensar no currículo para que fosse mais relevante para a sociedade africana. Assim,
ele propunha a introdução de disciplinas como leis e costumes indígenas, religiões
africanas, sistemas políticos indígenas, música africana, mitologia africana, assim como
história, geografia, geologia e botânica de África.

Blyden via na historia, uma forma de defender a cultura africana contra a ideia
de que a África não teria história e nem cultura, assim, ele insistia que os programas
escolares deveriam enfatizar mais a história da antiguidade assim como as línguas
clássicas porque aí não há nenhuma intencionalidade discriminatória para com os
africanos.

Nestas circunstâncias, dois passos seriam tomados por Blyden, primeiro trata-se
de uma inovação de Blyden no âmbito do currículo, foi introduzir o árabe e algumas
línguas africanas no ensino. O segundo passo seria o de secularizar o ensino. Com a
introdução destas línguas ele pretendia estimular uma comunicação inteligente com
milhões de pessoas vivendo no interior e aprender mais das culturas africanas.

2.3.4 Instituições de Ensino Africanos na Visão de Blyden

Para Blyden não bastava pensar na dimensão dos conteúdos e ensinar nas
escolas. Ele achava que seria necessário fundar um novo tipo de instituições ou
estabelecimentos escolares, isto é, que fossem não só secularizados mas também e
sobretudo mais africanizados.

Neste contexto, ele opunha-se, por exemplo, a que os africanos fossem estudar na
Europa por várias razões: as diferenças de temperatura poderiam afetar a saúde e
desempenho, os estragos que essa saída poderia trazer para a alma do negro ao receber
uma educação estranha etc.
Mas, entre outras consequências, ele destacava a de aquela educação não ir ao
encontro das necessidades das sociedades africanas. Por isso é que ele numa série de
artigos publicados defendia a fortemente a fundação de instituições do ensino superior,
nomeadamente uma universidade da África ocidental na Serra-Leoa e um instituto
industrial em Lagos

Blyden achava que a educação europeia era incapaz de desenvolver as qualidades de um


africano.

Castiano e Ngoenha (2013), atestam que Blyden estava preocupado em


desenvolver um sistema de ensino superior porque isso fazia parte da sua grande
estratégia africanística: ele reconhecia que este nível de ensino poderia mais
rapidamente providenciar uma liderança africana intelectual e iluminada e que poderia
influenciar mais rapidamente os outros níveis de educação. E, desta forma, reagir mais
rápida e eficientemente contra o processo de destruição da personalidade africana
perpetrada diariamente pelo tipo de educação ocidental.
Conclusão

A raça negra deve evitar a cópia do modo de ser dos europeus e achar um modelo
próprio que expresse tal contribuição, Dirigindo-se aos africanos cristãos e de costumes
ocidentais. Blyden argumenta que a primeira dívida que os africanos deve cumprir é
serem “eles mesmos”, admitir que são africanos e não que são europeus, para contribuir
com o completo desenvolvimento e bem-estar da humanidade.

O africano deve estar sempre em comunicação com seu povo para manter sua cultura,
pois ela não emana simplesmente da raça. Blyden insistia nos levantamos das
instituições porque acreditava que o critério chava deveria ser que a civilização da
população, não tocada pela influência estrangeira, que ainda não foi afetada por hábitos
europeus, não deve-se ser organizada segundo padrões estrangeiros, mas sim de acordo
com a natureza do povo e do país.

As instituições seriam com um instrumento que contribuiria para a realização de um


trabalho regular, orientado não apenas para fins intelectuais, mas também para
propósitos sociais. Porque hora vejamos, Um africano ao estudar na Europa, fica
alienado de si mesmo, não é um africano nem por seus sentimentos nem por seus
objetivos. Não respira África através das lições que lhe são dadas, tudo é Europa e
europeu.

Blyden nos faz perceber que nós africanos não precisanos do que nos desnacionaliza ou
individualiza mas sim daquilo que nos identifica como africano, começando por criar
nossos próprios modos de ensino, nossas próprias instituições que leve a nossa cultura.

Temos recebido uma educação e uma civilização que instala em nós um sentimento de
dúvida a respeito da nossa capacidade e destino, isso porque as vezes não valorizamos a
nossa educação, a nossa cultura e nos achamos incapazes de produzir algo totalmente
africano, dessa forma, valorizando e imitando a cultura europeia ou qualquer outra.

De acordo com Blyden, diz que essa educaçao de critérios “ copiosos e imitadores” não
somente é incompatível como também é destruidora do negro por si só. A Raça negra,
ou qualquer outra, não poderia avançar com os métodos de outra raça senão com os
próprios e isso é o que devia fazer o africano, Inclusive, determinadas coisas que
produziram um grande avanço na Europa podiam ser negativas para os africanos.
Referencias Bibliográficas

Castiano

Ferreira dos Santos, L. C. (2022). Filosofia africana da educação: por uma cartografia
da encruzilhada [PDF]. Cuadernos de Filosofía Latinoamericana, 43(126).
https://doi.org/10.15332/25005375

Souza, T. L. S. (2020). Redenção Da África; A Libertação E Elevação Da Raça


Africana”: Os Primeiros Discursos De Edward W. Blyden E O Estabelecimento Da
Libéria 1856 – 1871 (Dissertação, Universidade Federal de Minas Gerais).

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