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Universidade Licungo – Beira

Faculdade de Educação

Licenciatura em Ciências de Educação

Antropologia Cultural de Moçambique

Sidique Júlio Chaguala

Religião Tradicional Africana: religião tradicional de Moçambique

Origem

Problema da origem da RTA está ligado, no geral, ao problema da origem de Todo o


fenómeno religioso. Busca pela transcendência do Espírito humano é universal e a
resposta variada.

A palavra inglesa religion tem sido usada desde o século XIII, emprestada do
anglo-francês religiun e, em última análise, do latim religio, que significa, literalmente,
“reverência a Deus ou aos deuses, ponderação cuidadosa das coisas divinas, piedade, res
divinae”.

Religiões tradicionais africanas envolvem ensinamentos, práticas e rituais, e visam a


compreender o divino. Mesmo dentro de uma mesma comunidade, no entanto, podem
haver pequenas diferenças quanto à percepção do sobrenatural. São religiões que não
foram significativamente alteradas pelas religiões adotadas mais recentemente
(cristianismo, budismo, islamismo, judaísmo e outras)

A RTA envolve conhecimentos de botânica e zoologia, conhecimento farmacológico e


matemático, cálculo de probabilidades e os poderes das palavras e dos números que são
transmitidos à nova geração através da formação de sacerdotes e adivinhos (Tshibangu,
1993)

A religião tradicional africana resultou da fé sustentada pelos antepassados dos actuais


africanos, e que está sendo praticada hoje em várias formas e vários tons e intensidades
por um número muito grande de africanos, incluindo os indivíduos que se dizem
muçulmanos ou cristãos (Awolalu, 1976).
As religiões ancestrais africanas centram-se no passado, nos mais velhos e nas suas
experiências, tudo está sustentado naquilo que foi dito e feito pelos antepassados.

Características essenciais

a) Um Deus Supremo. Os africanos acreditam num ser supremo como o arquitecto


de todas as coisas, o criador, o controlador, o perpétuo, o onipresente, o
onisciente, o onipotente e o Deus sempre-actuante, até mesmo quando todas as
outras divindades e antepassados se calam;
b) As divindades. Deuses que situados abaixo do Ser Supremo, são como
funcionários e agem como intermediários entre o Ser Supremo e o resto do
universo, incluindo, seres humanos. Os deuses não têm poderes próprios, apenas
aqueles permitidos pelo Ser Supremo;
c) Veneração dos antepassados. Os ancestrais agem como intermediários entre
Deus e os membros das suas famílias. Tem poderes para abençoar, proteger ou
castigar as famílias. São geralmente invocados para comparticipar em
ajuntamentos, cerimónias e rituais. Os antepassados são vistos como símbolos
de paz, unidade e prosperidade na família. Não são adorados, mas sim altamente
respeitados pelos membros das famílias;
d) Espíritos. Seguem os antepassados na hierarquia. Os espíritos são
antropomorficamente concebidos, uma vez que eles são seres abstractos.
Acredita-se que eles são capazes de se transformar em tudo, tal como objectos
ou seres humanos, assim como podem fundir-se em vapor a qualquer momento;
e) O bem e mal. Deus é aquele que causa o bem, mas o ser humano é quem traz o
mal para si e para os outros. O mal envolve qualquer infortúnio que se abate
sobre um indivíduo ou comunidade ou qualquer comportamento antissocial
voluntário ou qualquer violação dos decretos de Deus, dos deuses ou dos
antepassados;
f) Sacrifícios. Podem ser meios para restaurar a comunhão com Deus, deuses,
ancestrais e o ambiente;
g) A vida após a morte e o fim final. A motivação central da RTA é a busca pela
vida e segurança, e isto porque a vida, na tradição indígena africana, é concebida
como contínua, com um ritmo dinâmico e círculos que seguem o processo de
nascimento, morte e renascimento (Adamo, 2011,

Funcionalidade da religião tradicional


Onde não existem hospitais nem médicos para lidar com as doenças, nem outras
soluções com resultados comprovados, a bruxaria é uma solução perfeitamente
razoável. Atribuir os males à acção de bruxas(os) é uma maneira de explicar
acontecimentos que escapam ao controlo, e ao conhecimento empírico, das pessoas.
(Batalha, 2004).

Segundo Vilanculo a religião tem as seguintes funções:

 Ajuda a superar incertezas quanto ao desconhecido, a impotência face à forças


da natureza, à vida, à morte e ao futuro.
 Serve para legitimar as desigualdades sociais, a divisão do trabalho, a
dominação e a subordinação.
 Ao dar respostas à interrogações e preocupações sobre o sentido da vida, o
sofrimento, as incertezas, as injustiças sociais e outros males do mundo, a
religião contribui para o equilíbrio psico-emocional do Homem e o estimula a
uma acentuada participação na sociedade, visando uma maior coesão social.
 Gera um conforto afectivo-espiritual, isto é, proporciona consolo, alívio e
estabilidade emocional nos momentos críticos e dolorosos da vida.

A religião tradicional africana ela tenta dar respostas às casos que em muitas da não têm
solução, trazendo assim esperança, uma das formas é conectar o indivíduo às seus
antepassados, que provavelmente têm todas respostas.

Elementos

As religiões tradicionais africanas, diferentes em muitas manifestações, de acordo com


os respectivos povos, possuem vários pontos comuns essenciais, mas tendo como objeto
central a vida.

 Potências espirituais: Abaixo do Ser Supremo existem inúmeras potências mais


ou menos espirituais, que se ocupam das coisas mundanas, em lugar do Ser
Supremo, e que, p or isso, são muito invocadas (como os orixás dos ioruba).
 Demiurgo: A criação foi feita mediante um demiurgo (artífice), que é um
antepassado mítico, às vezes identificado com o fundador do povo, ao qual se
devem tanto a geração do ser humano como a introdução dos costumes, ofícios e
ritos.
 Ritos de iniciação: Como todos os povos primitivos, os africanos dão
importância aos ritos de iniciação que, não raro, exigem provas duríssimas, até
sangrentas (mutilações).
 Danças: Na falta de livros, os ritos desempenham papel importante na
manutenção viva e atuante das tradições religiosas e sociais. Neste sentido, as
danças são de fundamental importância, pois, no seu ritmo e dinamismo, dão a
máxima expressão a todas as atividades do grupo.
 Curandeiros: Com artes próprias, como incisões e aplicações de ervas, e mesmo
com o recurso da sugestão, atendem às necessidades do povo.
 Culto: Em geral, os africanos não possuem estátuas, nem templos e sacerdotes.
Os sacrifícios de animais (porcos, cães, cabritos, aves…) não são oferecidos a
Deus como adoração, mas aos orixás (espíritos intermediários), como veículo de
comunicação com os vivos, já que o sangue é tido como portador de vida.
 Moral: Para o africano, moral e religião são praticamente a mesma coisa. As
ações que prejudicam a convivência humana ou o equilíbrio das forças naturais,
são punidas pela autoridade tribal ou reparadas por ritos religiosos, pois irritam
igualmente os espíritos, provocando calamidades públicas, como secas,
enchentes, enfermidades, mortes… Desta forma, o africano se vê obrigado a
respeitar os bens, a vida e a pessoa do próximo, ainda que não conheça preceitos
morais impostos por Deus. O adultério é também severamente condenado,
embora a vida sexual seja encarada com muita tolerância, pois se trata do
exercício de uma função vital.

Religião Tradicional Africana em Moçambique

Uma característica geral da religião dos povos de Moçambique reside no culto


aos antepassados, que permanece uma parte integrante do sistema de parentesco, e que
se baseia no princípio de que todas as pessoas adultas que morrem, se tornam um «deus-
antepassado», para os seus descendentes, e um espírito hostil para os seus inimigos
(Souto, 1995,

Durante os reinos e impérios antigos de Moçambique, a RTA teve um papel nobre,


influenciando não somente a matriz espiritual e cultural, mas também os sistemas
políticos e económicos. No reino de Monomotapa, por exemplo, o mambo22 tinha na
sua pessoa o “factor integrativo, pois somente ele comunicava-se com os espíritos dos
antepassados. (Mudenge, 1976). Ele próprio, era encarado como uma espécie de deus.
Quando morriam, os mambos assumiam a forma de animais (geralmente leões), e deles
dependiam o futuro do reino.com a penetração portuguesa e o advento da
independência, a RTA deixou de desempenhar alguns dos seus mais importantes papéis.
Logo depois da independência, o novo Estado viria a declarar uma “caça às igrejas”,
assumindo-se laico e, até certo ponto, intolerante. A RTA não escapou à caça.

O curandeirismo, um componente considerado chave na tradição e crença africana, viria


a ser proibido e negado o seu reconhecimento por parte do Estado. Assim, durante os
anos da “Operação Produção”, a prática era punível nos termos da lei (Justiça Popular,
1984), contribuindo deste modo para a marginalização da RTA.

Alfredsson (1999) apontou alguns dos principais elementos que caracterizam


actualmente o papel da RTA:

 A cura, aliada ao facto do carácter social e não biológico da doença e a difícil


acessibilidade do sistema de saúde de Moçambique;
 A proximidade à tradição, através de um processo de reajustamento e adaptação,
não somente a nível social, mas também a nível filosófico e religioso;
 Os rituais e cerimónias tradicionais, aliados ao sentimento e à continuidade da
vida;
 Restabelecimento de novas redes sociais (de laços perdidos ou quebrados);
 O desenvolvimento de organizações de massa (de mulheres, de pais, de jovens,
de crianças);
 A educação.

Agentes

Os agentes funcionam como uma espécie de intermediário entre os vivos e os mortos


(antepassados), geralmente pode ser o irmão mais velho da família ou um curandeiro,
que é aquele que tem habilidade de falar com “antepassados” ou “espíritos”.

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