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Estagiárias: Jessica e Victória

Religião pesquisada: Religião Candomblé.

Entrevistado: Pai de santo Antony Carlos Fernandes Duarte Rocha

INTRODUÇÃO

A palavra Candomblé - Candomblé é um termo de origem Bantu (Os bantus formam


um grupo étnico africano que habitam a região da África ao sul do Deserto do Saara. A
maioria dos mais de 300 subgrupos étnicos é formada por agricultores, que vivem
também da pesca e da caça).

Concepção e essência do homem africano – Acreditam serem resultados da natureza


com a força criadora, sendo a divindade está na própria natureza. Sua essência
formada através dos mundos natural e sobrenatural, e o equilíbrio do ser humano está
na relação com os elementos naturais e ao retribuir à natureza, por meio das
oferendas encontra-se o equilíbrio.

No Brasil – No período colonial escravocrata a religião foi inserida em nosso território


através do povo africano, com os valores, costumes e adaptações...cujo a perspectiva
era da expansão e exploração de terras. Os africanos eram inseridos e separados para
que ocorressem dificuldades em sua comunicação.

Como foi a construção da religião no Brasil. Portugal (etnocentrismo europeu (visão de


mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade
socialmente mais importante do que os demais) com relação às culturas africanas e
indígenas consideravam na ideia de que a África era amaldiçoada e que seus
habitantes não tinham alma). Criou uma lei para que os africanos fossem batizados na
Igreja Católica. Com essa “obrigação” ocorreu um enfraquecimento da religião e das
suas simbologias ao serem comparadas aos santos católicos. O sincretismo surgiu em
um contexto de cooptação das divindades e religiosidades africanas pelo catolicismo
ao cristianismo.

Estratégias que os africanos adotaram para preservar a sua cultura – Realizavam nas
matas e senzalas cultos referentes às tradições africanas com batuques, cantos,
danças, reverenciavam as divindades e provocavam encontros entre os africanos,
fazendo com que se reagrupavam e consequentemente preservavam sua cultura,
hábitos, costumes e religiosidade.

Espaço físico - O ambiente religioso africano, que pode ser a floresta, as águas e o
próprio tempo foi remontado no Brasil para o Terreiro (estando presentes nele a terra
e o espaço transcendental (está além do conhecimento concreto)). Ambiente é
considerado sagrado, pessoas com divindades diferentes, reunidas em torno de uma
específica que representa o Terreiro, assim como na África uma divindade
representava as regiões, cidades ou países africanos. Muitas vezes esta divindade
determina a Nação do terreiro e simboliza que os membros dessa comunidade
religiosa têm uma relação ancestral com a região específica da África de onde está
divindade foi originada (Verger, 2002b).

O Culto – Através da natureza o culto aos Orixás e Voduns se desenvolveu do contato


do ser humano com a terra e a relação que vivenciavam de transcendente entre as
diversas manifestações concretas.

As Oferendas - Representam a intenção, o sentimento, o pensamento e a aliança entre


o humano e a divindade. E tais elementos (intenção, sentimento, entre outros) de
configuração humana devem ser assegurados pelo ser humano a fim de que, em
conjunção com o divino, responsabilize-se em manter sua força sagrada vital chamada
de Axé (a força sagrada de cada orixá, que se revigora, no candomblé, com as
oferendas dos fiéis e os sacrifícios rituais). O culto às divindades assentadas – seus
segredos, folhas, objetos rituais, oferendas, orikis – são transmitidos de geração em
geração, para que seus descendentes não deixem de revitalizar seu Axé (Verger,
2002b). No Candomblé, acredita-se que a condição de humano só permite a conexão
com o transcendente (imaterial) por um meio material. Assim, outra característica
desta religião é o sacrifício de animais em oferenda às divindades, que após a
cerimônia são servidos, alimentando a todos os presentes. O termo sacrifício designa
um ofício sagrado, presente nas mais antigas culturas e expressões religiosas.

Referência Bibliográfica:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702012000200005

Entrevista:

1 – Sabemos que o Brasil possui muitas religiões, como foi a sua escolha pela religião
Candomblé?

Geralmente as pessoas costumam seguir a religião dos pais. No meu caso não foi
diferente; minha família materna tem como religião o candomblé. No entanto a
decisão de ser iniciado se deu por mim mesmo, após perceber que é uma religião
inclusiva, onde me via inserido.
2 – Quais são os princípios e os fundamentos do candomblé?

É um culto que tem por princípio o equilíbrio do ser através do contato com o mundo
espiritual. O fundamento básico é a harmonia com a natureza, uma vez que as
divindades são seres espirituais, criados para conduzir esse plano terreno, em toda sua
plenitude.

3 – Como a religião te ajuda nos seus conflitos?

O candomblé prega o equilíbrio, o caminho do meio... longe dos excessos e das


carências. Temos uma série de “contos” antigos que narram centenas de experiências
que apontam para a busca de uma melhor solução para os problemas do dia a dia.

4 – Como lida com o sofrimento na sua religião?

O sofrimento pessoal é uma realidade do ser humano, é inato... já o sofrimento social


é estrutural e político! O candomblé sempre buscou incluir as pessoas e buscar paz e
harmonia, para passar pelas dificuldades com mais suavidade

5 – Como é o entendimento da vida na sua religião?

Cremos que nascemos para viver sobre essa terra... então devemos viver da melhor
forma possível, pois esse é o nosso lugar na natureza.

6 – Qual entendimento da morte?

A morte física é um processo natural... todos os seres nascem, se desenvolvem e


morrem. Vemos a morte como um desprendimento momentâneo do corpo físico.
Porém acreditamos que vamos renascer numa nova realidade posteriormente. É bom
salientar que não é o mesmo conceito de reencarnação, pois não acreditamos em
pecados a serem pagos em outras vidas.

7 – Como a sua religião ver os relacionamentos amorosos?

Somos seres sociais e nos relacionamos uns com os outros. Em nossa fé as relações são
livres de quaisquer paradigmas. Amar é sempre bom.

8 – O que a sua religião não tolera?

Nossa religião nasce num contexto de senzala... então intolerância não é natural no
candomblé. É clara que, por sermos produto do meio, trazemos preconceitos pessoais
que acabam sobressaindo nas comunidades de terreiro... mas de modo geral não
temos intolerância.

9 – Quais as práticas que deve exercer como integrante para permanecer?

Somos um povo cheio de crenças antigas, com muitos ritos e tabus... é difícil enumerar
o que um iniciado deve praticar. Basicamente frequentar o Axé nas datas
comemorativas, estar em equilíbrio consigo mesmo, fazer suas práticas devocionais.
10 – Como a sua religião ver as outras religiões?

Por sermos uma religião politeísta, encaramos as outras religiões como naturais.
Respeitamos o direito de cada um adorar seus deuses de suas formas.

11 – Como você acha que a sociedade entende a sua religião?

Uma sociedade predominantemente cristã, costuma olhar para qualquer prática não
cristã, como algo do diabo. No entanto nós nem acreditamos em figuras diabólicas.

12 – Você já sofreu intolerância religiosa?

Sim... é natural numa sociedade que prega o ódio contra tudo que não é cristão.

13 – Pontos muito pertinentes para o candomblé visto pela perspectiva de outras


religiões são: A matança de animais e rituais. Em qual contexto isso acontece, e
como funciona?

Nós somos animais onívoros, faz parte da nossa alimentação a proteína animal. Por
sermos uma religião que traz raízes africanas, trazemos uma forma sacramental no
abate dos animais que iremos nos alimentar. Judeus e muçulmanos também sacrificam
os animais que vão consumir com ritos próprios.

Durante as festividades são oferecidos cabritos, aves e outros animais como presente a
divindade. Esses são abatidos e posteriormente consumidos em festa pública.

14 – Porque é muito comum vermos membros, integrantes do candomblé, trajados


com as vestes específicas, em alguns pontos da cidade, com um grande cesto? Alguns
oferecendo ou disponibilizando gratuitamente, outros aceitando algum valor
monetário

Esse rito que você descreve é chamado “esmolar para o santo”. Quando uma pessoa
não tem condições para se iniciar, fica com um cesto contendo pipoca dentro. As
pessoas dão alimentos ou dinheiro, e pegam um pouco dessa pipoca e passa no corpo
como forma de limpeza. Esse rito está quase extinto... é raro de se ver.

15 – Porque os membros do candomblé, possui cortes específicos em seu corpo?

A tradução é africana! Marcas tribais distinguiam as pessoas. Hoje possui um caráter


mais específico, como uma forma de proteção espiritual.

16 – É complicado para quem não é ou quem não compartilha da mesma fé,


entender o propósito ou porque de fato de um termo de que ouvimos muito falar,
mas poucos sabemos, que venha ser deitar para o santo. O que de fato significa, qual
a importância disso dentro da fé de vocês, e se todos os membros necessitam passar
por esse processo?

Essa expressão “deitar para o santo” é muito usada por integrantes da umbanda se
referindo ao candomblé. Também ouvia dizer isso quando eu era criança. Mas o que
querem dizer é que a pessoa está no processo iniciático, que é um período de +-1 mês
sem contato com pessoas que não sejam da religião. Como fomos uma religião
perseguida e não oficial até bem pouco tempo, giravam muitas especulações do que
acontecia no período em que a pessoa ficava recolhida sem ver pessoas de fora. Todas
as pessoas que aderem nossa fé, em algum momento passa pela iniciação. E a iniciação
é a forma de se tornar membro efetivo do candomblé.

17 – A mesma dúvida fica na cabeça da gente, em busca de uma resposta que é


impossível de ser obtida sem que seja dada por um membro do candomblé. Porque
se raspa a cabeça?

É um costume africano, em ritos de passagem, raspar a cabeça como sentido de


renascimento. Existem muitas explicações místicas para esse questionamento, como
troca da proteção natural por proteção espiritual, ou o próprio renascimento mesmo,
mas a base é o rito original – raspa-se porque os nossos antepassados raspavam.

Todos os membros necessitam viver esse ritual?

Não, somente as pessoas que entram em transe com o Vódún / Orixá / Inkise (nomes
das divindades em diversos idiomas)

18 – Aproveitando e ampliando a pergunta. Existe uma idade específica para cada


ritual?

Não... as pessoas podem aderir a fé em qualquer idade. A partir da iniciação a pessoa


deve cumprir com ritos complementares com 1, 3 e 7, 14 e 21 anos após a iniciação.

19 – O que significa o axé? Geralmente a gente escuta ele ser verbalizado com muito
carinho, mas nem todos sabem realmente ou possuem entendimento do que é o
axé.

Axé é um conceito, muito maior que uma palavra... Axé é tudo que existe de bom, belo
e verdadeiro. O Vódún / Orixá / Inkise é o Axé, o que comemos é Axé, o que bebemos
é Axé, o que comunicamos é Axé, nossa vida é Axé... o Axé é tudo! Como palavra no
vocabulário do dia a dia o “axé” é usado para confirmar uma benção, da mesma forma
como os cristãos usam o “amém”, mas não é só isso.

20 – As pessoas confundem sempre né meio que automaticamente fazem uma


ligação entre as religiões que possuem rituais como candomblé como se todos
fossem uma só. Apesar de não entender muito sobre nenhuma delas, eu li que, por
exemplo, a umbanda possui sete linhas (nem sei o que significa exatamente porque é
uma outra colega que vai entrevistar e falar sobre a umbanda), mas e com
candomblé como funciona?

O candomblé é uma religião brasileira, formada por escravizados vindo de diversas


partes da África. Nesse contexto temos casas com predominância de uma etnia mais
que outra etnia. Dessa forma surge o conceito de “nações” dentro do candomblé.
Basicamente são 3 nações:

Angola – candomblé com predominância de povos vindos de Angola e Congo, com


idiomas próprios da região e culto aos Inkises.

Keto(u) – candomblé com predominância de povos vindos da Nigéria, com língua


Iorubá e culto aos Orixás.

Jeje – candomblé com predominância de povos vindos do Dahomé (hoje Benin), com
idioma Ewe / Fongbê e culto aos Vódún’s. Eu pertenço a esse rito.

21 – Também é do senso comum, as pessoas falam mesmo sem saber o que significa
ou se quer se é verdade, que existem membros do candomblé que não podem comer
determinados alimentos, por quê?

Sim... toda religião tem regras, na nossa existem coisas que não comemos por tradição
e costumes.

22- Qualquer pessoa pode ser membro, pode entrar para se tornar parte de um
terreiro? E como saber se é o lugar dela?

Toda e qualquer pessoa que sentir desejo de pertencer ao candomblé é bem recebida
em nossa fé. É uma religião como as outras, com intuito de acolher e formar
comunidade.

Em relação a adaptação... isso é muito pessoal.

23 – No candomblé se usa defumação?

Sim... é um costume muito antigo, de diversas civilizações inclusive.

Se usa qual a importância e propósito da defumação?

Afastar energias negativas, atrair positivas e perfumar o local. Esse conceito é


praticamente o mesmo em todas as religiões.

24 – Li que no candomblé existe uma língua própria, como se chama?

No candomblé que pertenço (Jeje-Mahi) usamos a língua Ewe e Fon-gbè

É difícil aprender? É obrigatório para quem é membro?

Se aprende no cotidiano... é transmitida oralmente. As pessoas se acostumam com a


língua. Ela é mais usada para rezar, cantar e algumas expressões. Não a falamos
fluentemente. Era proibido falar a língua nativa... os colonizadores proibiam, por medo
de motim e por questões religiosas também. Por isso muito do nosso vocabulário se
perdeu. Hoje existe um movimento de resgate grande, devido às facilidades e
tecnologia.

25 – A gente também escuta muito falar que no candomblé não existe distinção de
espécie alguma sobre as pessoas que frequentam ou fazem parte, seria certo dizer
que talvez seja uma das religiões mais tolerantes que nós temos no Brasil?

Eu vivo e posso dizer que não conheço nenhuma religião tão inclusiva como a nossa.
Porém é errado acreditar que não existe critério para aceitação. As pessoas precisam
compreender que existe uma lei natural no mundo... e não devemos mudá-la. Em
qualquer parte, matar é errado, roubar é errado... essas questões também são
abordadas em nosso meio. Creio que a pergunta seja na questão moral-étnico-sexual.
Se for nesse quesito sim... o candomblé não faz distinção de raça, cor ou sexualidade
de ninguém.

26 – No candomblé existe a concepção de céu e inferno?

Não existe essa concepção... cremos que fomos criados para viver nesse mundo. Então
devemos viver da melhor forma possível.

Cremos em um “lugar” para o período em que não estamos com corpo físico, mas é
longe de ser parecido com conceito de céu ou inferno.

Considerações:

Jessica: Essa pesquisa foi enriquecedora para o meu conhecimento, quando me


deparei com o paciente falando de uma religião que não conhecia (Agnóstico) senti a
falta de conhecimento de todos os tipos de religiões e quando a supervisora Patrícia
explicou que ter o mínimo de conhecimento de cada religião é relevante, pois o
indivíduo é atravessado por ela, me trouxe a reflexão da grande importância desse
tema e que até então durante a faculdade não tivemos essa instrução.

Já existia em mim alguns questionamentos sobre a religião candomblé, pois tinha o


mínimo conhecimento que era religião dos negros (minha raiz) e uma religião muito
relacionada com o demônio. Entendendo um pouco sobre o racismo, logo, tinha
curiosidades para obter esse conhecimento e essa relação. Particularmente sempre
respeitei todas as religiões, porém muitas pessoas são ensinadas a terem preconceitos,
discriminação e medo.

Analisando a pesquisa e a entrevista realizada posso dizer que foi criada


historicamente o terror na sociedade sobre a religião, acredito na bíblia, porém podem
ter várias interpretações do homem, inclusive no intuito de segregar, excluir, matar...
Podemos perceber que é uma religião como as outras, onde possuem práticas
particulares e que não toleram desvio de caráter. É de fato uma religião inclusiva, não
se tem preconceito. Fica de lição é para se ter respeito pelas religiões e que o
conhecimento é super válido para romper com os preconceitos.

Victória: Ao término das pesquisas e entrevista formulada para este trabalho, ficou
claro a grande diversidade das religiões de matrizes africanas. Pude notar meu pouco
conhecimento sobre as diferentes religiões presentes no Brasil e em todo o mundo,
sendo esta uma experiência de extremo enriquecimento profissional, logo que na
profissão de psicóloga(o), somos transpassados por grande diversidade em muitos
aspectos e a religião é uma delas.

Posso afirmar que este trabalho trouxe uma visão totalmente nova sobre a umbanda,
que não era de meu conhecimento. Após a elaboração da entrevista, pude esclarecer
dúvidas sobre o funcionamento e normas da religião.

Dessa forma, acredito que esse trabalho foi uma experiência muito esclarecedora e de
grande proveito para minha formação.

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