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Povos Tradicionais
Povos Tradicionais
1. Introdução 2
2. O Sapê do Norte 3
3. A Aldeia Maracanã e os povos indígenas 11
4. Considerações finais 17
5. Referências bibliográficas 19
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1. INTRODUÇÃO
O objetivo principal deste trabalho é fazer uma análise crítica da situação enfrentada por
povos tradicionais nos grandes centros urbanos. Contudo, nesta pesquisa, utilizaremos como
foco principal os povos indígenas e quilombolas por meio da análise de caso da Aldeia
Maracanã, localizada no Rio de Janeiro, e do Sapê do Norte, região com presença expressiva
de quilombolas no Espírito Santo. Ambos os casos servem de ferramenta para ilustrar as
dificuldades enfrentadas pelos povos tradicionais como um todo.
Os povos tradicionais são grupos étnico-raciais que se auto identificam como
tradicionais por possuírem uma forma própria de organização e relação com o espaço em que
vivem, usando os recursos naturais como forma de sobrevivência e reprodução de suas
culturas. Além dos citados anteriormente, no Brasil, também temos os seringueiros,
ribeirinhos, pescadores, jangadeiros, entre outros. Nesse sentido, são grupos que possuem
fortes vínculos com seus espaços por meio da noção de pertencimento, visto que a moradia
em seus respectivos lugares é passada de geração em geração.
Os indígenas compõem um grupo étnico que é reconhecido como o conjunto de
primeiros habitantes do Brasil e que, com o passar da história, foram vistos sob lentes da
superioridade racial, sendo subjugados e escravizados pelos invasores europeus. Apesar disso,
o Brasil é um país que ainda possui uma grande pluralidade desses grupos étnicos, tendo mais
de 305 etnias presentes em nosso território e mais de 274 línguas nativas (IBGE, 2010).
Em outro âmbito, com a Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel em 1888, houve a
abolição formal da escravidão no Brasil, mas na prática, o objetivo desta não foi concretizado
devido à ausência de políticas voltadas para a integração dos negros recém libertos na
sociedadade brasileira. Logo, a resistência dos negros foi de extrema importância e esta foi
dada majoritariamente pela formação dos quilombos.
Os quilombolas são os descendentes de escravos fugitivos que se organizaram nestes
grupos mencionados anteriormente. Ao longo da história do Brasil, vários quilombos foram
registrados, sendo o Quilombo dos Palmares o mais conhecido por ter agrupado mais de 20
mil negros ex-escravizados e ter representado a maior forma de resistência no período
colonial brasileiro. Nos tempos atuais, segundo dados do IBGE, em 2019, existiam 5.972
localidades quilombolas em nosso território. A maior parte luta para preservar sua cultura e
seu modo de vida, porém vivem em condições precárias pela falta de acolhimento e
reconhecimento do governo e da população. Nessa perspectiva, há uma semelhança
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expressiva com relação à violência e discriminação que esses povos sofrem, tendo suas áreas
desmatadas pelo agronegócio e o extrativismo não sustentável, o que evidencia o perigo para
o modo de vida dessas populações.
Estas mazelas estenderam-se por centenas de anos até o dia hodierno e seus espaços
não são respeitados e suas vidas não são preservadas. Além disso, mesmo com a Constituição
de 1988 (100 anos após a abolição) concedendo direitos às comunidades tradicionais, muitos
encontram-se vulnerabilizados, sendo violentados e oprimidos por consequência de políticas
racistas e anti-indigenistas.
Nesse sentido, é notório que a reprodução de uma lógica racista afeta as condições
desses povos tradicionais, que têm seus direitos básicos violados, como o reconhecimento de
seus territórios e o acesso à saúde, educação e alimentação.
2. O SAPÊ DO NORTE
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2.1. O Sapê do Norte através do tempo
O Sapê do Norte foi uma região conhecida por abrigar uma massiva concentração de
escravos no decorrer dos séculos XVIII e XIX. O intenso comércio humano deu-se por meio
do rio Cricaré, especialmente no município de São Mateus.
Inicialmente, os quilombos no norte do Espírito Santo começaram a surgir como resposta
à violenta política escravista proposta pelo modelo econômico da Coroa portuguesa
(FERREIRA, 2009). Tais comunidades eram formadas majoritariamente por negros trazidos
de África, que não suportando mais a contínua violência nas áreas produtoras de farinha de
mandioca, fugiam e formavam esses núcleos dentro da Mata Atlântica que proporcionava
certo isolamento e proteção para esses povos:
"Sua situação de relativo isolamento era favorecida pelo quadro natural da densa
floresta tropical e as dificuldades que impunha a sua penetração, acompanhado da
resistência dos indígenas na defesa de seu território - fatores que deixaram o norte do
Espírito Santo em situação quase inatingível pelos grandes projetos de desenvolvimento
até meados do século XX." (FERREIRA, 2009, p.2).
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Num panorama nacional, somente em 1888, com a assinatura da abolição da escravatura
pela princesa Isabel, que essas comunidades quilombolas saem da condição de ilegalidade e
crescem consideravelmente. Infelizmente, esse crescimento está atrelado à Lei de Terras
(1850) que dificulta e praticamente impossibilita que o recém liberto tenha acesso à terra para
sobreviver. Todavia, na região do Sapê do Norte, a Lei Eusébio de Queiroz culminou na
desvalorização da produção de farinha de mandioca o que propiciou o abandono de muitos
latifúndios e fazendas com a tecnologia produtiva, como salienta Simone Ferreira.
A desvalorização da farinha de mandioca e a paralela ascensão da agricultura cafeeira em
São Paulo criou um grande fluxo migratório em direção aos cafezais. O abandono das
fazendas de mandioca pela classe senhorial representou uma possibilidade de acesso à terra
para os negros que rapidamente se apropriaram delas. A ausência de interesses capitalistas sob
o Sapê do Norte facilitou a consolidação dessas comunidades que construíram seus modos
de vida conjugados à presença de uma natureza farta e diversificada (FERREIRA, 2009).
Mesmo com o crescimento dos quilombos do Sapê do Norte, a configuração do espaço
apropriado pelos antigos escravos, que passaram a se constituir enquanto campesinato após o
fim da escravidão e a desagregação econômica das fazendas, se manteve baseado sob a lógica
do uso comum. Em outras palavras, os recursos supriam sua existência por meio da pesca,
caça, agricultura e extrativismo, complementado por uma rede de trocas dentro do próprio
núcleo ou com comunidades próximas (FERREIRA, 2009).
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Os que apresentassem condições propícias para o cultivo lucrativo, como legislação flexível, clima e
solo adequados, além da mão-de-obra barata.
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“Este momento conjugava o interesse privado das empresas, o apoio do Estado e as proposições de
órgãos internacionais como a FAO, que preocupados com a geração de excedentes desses recursos
estratégicos para o uso industrial, a partir da década de 1960 passaram a subsidiar programas de
expansão da produção florestal em países como o Brasil” (FERREIRA, 2002, p. 94)
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Líder mundial no mercado de produção de celulose branqueada.
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implantação da indústria, foram ofertados cerca de 25 mil empregos para a população rural,
prometendo uma melhor qualidade de vida. Todavia, Jorge aponta a relação entre a empresa e
os indivíduos como trabalho escravo. A AC empregava os habitantes da região sem nenhum
vínculo trabalhista e garantias formais de condições seguras e estáveis de trabalho, ao mesmo
tempo em que passava uma falsa imagem de que a empresa estaria levando o progresso à
região.
Após alguns anos, em vista da intensificação do conflito de terra e das consequências do
desmatamento, a população começou a coletar as pontas dos galhos do eucalipto e
transformá-las em carvão como alternativa de subsistência. Isso transcorreu bem até o
momento em que a empresa se desenvolveu o suficiente a ponto de conseguir aproveitar os
galhos no processo produtivo. A aparente harmonia foi desestruturada com a implantação de
políticas de criminalização da coleta dos galhos, por meio da mão da polícia, para criminalizar
os remanescentes quilombolas que faziam a coleta. Ou seja, uma das únicas formas de
geração de renda restantes, decorrente da invasão das terras e destruição dos recursos naturais
que por séculos garantiram a sobrevivência daquele coletivo, passou a ser criminalizada.
Algumas décadas posteriores de exploração da terra, pode-se dizer que, além dos ganhos
econômicos bem vistos aos olhos do capitalismo, a principal herança da AC na vida dos
indivíduos que habitam os quilombos atualmente é a homogeneidade do deserto verde. Onde
as comunidades baseavam sua subsistência, antes era ornada a diversidade da Mata Atlântica.
O território que fora ocupado pelos quilombolas e seus descendentes na progressão dos
séculos foi onde basearam sua cultura e sua resistência frente à escravidão e os resquícios por
ela deixados. Em outras palavras, o local por eles habitado, que ofertou a reestruturação de
suas vidas nos séculos XIX e XX, foi brutalmente arrancado de suas mãos, uma vez que a
onda desenvolvimentista chegou ao estado. Altiane Blandino, quilombola da comunidade de
São Domingos conta que eles não possuíam as escrituras das terras, visto que seus
antepassados passaram a ocupá-las como mecanismo de fuga à escravidão. Isso foi um dos
facilitadores para a AC conseguir o acesso às terras e ser declarada proprietária, despejando,
então, inúmeros moradores (FADNES, 2015). Jorge conta: “Os que resistiam eram tirados na
bala, na violência.”. Esse caso não é isolado, é apenas uma exemplificação da recorrente
violência estrutural e institucional contra as comunidades e povos tradicionais brasileiros.
De acordo com o relato de dona Maria Benedita da Conceição, moradora da comunidade
São Domingos, os quilombolas do norte do ES desenvolveram uma relação profunda e
harmônica com o meio em que viviam. A relação do Sapê do Norte com suas terras e com a
natureza é intrínseca às suas dinâmicas sociais, culturais, religiosas e econômicas. Todavia,
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com a chegada da transnacional de celulose, a continuidade do seu estilo de vida foi
impossibilitada. A moradora lamenta a situação vigente provocada pela firma e relata
saudades em relação aos tempos passados, visto que o plantio e o fluxo de água haviam sido
brutalmente alterados em consequência do desmatamento colossal.
“Aí que entrou essa firma que foi destruindo. Nós não tem mais nossos peixes, não tem mais nossas caças,
nossos córregos [...] Agora nós não tem mais nada disso[...] isso tudo acabou né.” (Dona Maria Benedita da
Conceição, 2012) 3
3
Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=X53JJuK0BaQ&t=1s
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que permanecem no local realizam formas de resistência cultural por meio de festividades,
rituais religiosos e a transmissão oral de saberes ancestrais, que concretizam a identidade e a
força dos povos tradicionais, além da busca por amparo judicial para a manutenção de seus
espaços. Entre essas comunidades que lutam contra a exploração ambiental e recorrem pela
titulação de seus territórios estão as comunidades de São Cristóvão, Serraria, Bacia do Rio
Angelim, Rota d’ Água e São Domingos.
No dia 29 de Julho de 2006, 300 moradores de comunidades quilombolas do Sapê do
Norte realizaram atos em busca da retomada dos territórios. Movimentos como a Rede Alerta
Contra o Deserto Verde, Movimento Sem Terra (MST) e o Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA) prestaram apoio aos quilombolas e protestaram contra a atuação da
Aracruz Celulose. A plantação de eucalipto na região teve início na década de 70, e, desde
então, ativistas ambientais e habitantes da região se mobilizam contra a tomada de terras para
a monocultura. No dia dos protestos, Domingos Firmiano dos Santos, integrante da Comissão
Quilombola do Sapê do Norte, afirmou: “Queremos a terra que produz para as gerações
futuras, não o eucalipto”. Além disso, para Gildásio da Costa Paim, que integra a direção
estadual do MST, a Aracruz representaria as multinacionais na agricultura, e esse tipo de
plantio não deixa espaço para a produção de alimentos, visto que danifica a qualidade do solo.
(CISTATI, 2006).
Dentre as reivindicações expressas pelos habitantes do Sapê do Norte, destacam-se a
regularização e a retomada dos territórios quilombolas. Em um manifesto escrito no ano de
2009 pelo Observatório Quilombola e Territórios Negros, exprime-se a defesa ao Decreto
4887/03. Tal decreto expõe os trâmites administrativos para a identificação, o
reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O documento foi redigido
durante o mandato de Miguel Soldatelli Rossetto, Ministro do Desenvolvimento Agrário entre
os anos de 2003 e 2006. (OBSERVATÓRIO QUILOMBOLA, 2009).
Em entrevista, o correspondente do jornal Século Diário, Jorge Alexandre da Silva,
morador do Sapê do Norte, relata conflitos recorrentes entre a polícia militar e os quilombolas
na região:
“Um negro de linha guerreira foi muito perseguindo. Eles acharam um mandato de
prisão contra o filho dele. Fizeram um espetáculo, mais de 200 policiais para prender o
filho desse negro, tinha policia rodoviária federal, bombeiro, polícia com cavalo [...] E
sabe onde era a base de atuação deles? No escritório da Aracruz celulose, era lá que eles
ficavam.”
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Além dos episódios marcantes como o citado acima, o morador também destacou o
tratamento diferenciado pelas autoridades em relação aos grandes latifundiários e os
integrantes dos quilombos. Um desses exemplos foi o protesto em 2014 em que os
fazendeiros ocuparam com tratores uma importante rodovia do Espírito Santo reivindicando
melhores condições da estrada. O protesto seguiu sem interrupções e contou com a presença
da polícia rodoviária federal que participou do ato de forma pacífica. Dias depois, quando os
moradores dos quilombos do Sapê do Norte foram ocupar a rodovia para manifestar os
mesmos interesses dos fazendeiros, foram recebidos com bombas de gás lacrimogêneo, tiros e
agressões. Sobre isso, o entrevistado relata: “Na verdade, aqui temos um conflito social grave
numa clara luta de classes”.
Ademais, a busca pela reconversão dos monocultivos para agroecologia e recuperação
das nascentes, rios e córregos, deve ser feita a fim de assegurar a segurança alimentar dos
povos tradicionais dependentes da terra. Desse modo, em 2020, moradores do Sapê do Norte
organizaram mutirões no quilombo Linharinho voltados para recuperação dos solos
explorados pela Acracuz Celulose. O projeto conhecido como “Retomadas do Território
Quilombola Tradicional do Sapê do Norte” visa resgatar e recuperar as terras utilizadas
indevidamente para o plantio de eucaliptos, por intermédio da reconversão do solo, a fim de
que os povos tradicionais da região possam realizar o plantio de subsistência (SÉCULO
DIÁRIO, 2020). Além disso, movimentos como a "Rede Deserto Verde" e o "Projeto
Quilombos" organizam e executam atos e manifestações, com o propósito de pressionar as
autoridades e garantir seus direitos. O MST, em 2001, realizou a ocupação de uma
propriedade da Aracruz Celulose, destinando o espaço para 80 famílias do Sapê do Norte
(FERREIRA, 2002). Dessa forma, a resistência dos grupos quilombolas em consonância com
o aparato jurídico mostra-se indispensável na garantia de seus direitos ao território do Sapê do
Norte. A luta pela reconquista dos espaços antes destruídos pela imposição da lógica da
propriedade privada e exploração ambiental representa a força dos movimentos sociais que,
apesar das adversidades, persistem em prol da recuperação ambiental e preservação da cultura
dos povos tradicionais que ali habitam.
A situação de violência e desrespeito vivenciada pelas comunidades quilombolas do
Sapê do Norte, assim como relatado no presente artigo, é o retrato exato da soberania do
agronegócio em detrimento da preservação ambiental e da proteção da vida e cultura dessa
população. Sob as análises e coletas de informações, compreende-se a Fibria, antiga Aracruz
Celulose, como sujeito ativo da degradação fomentada pelo protagonismo do agronegócio na
economia espírito santense.
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O caso exposto acima reflete as práticas abusivas de empresas extrativistas e exploradoras
de matéria prima. As ocupações irregulares, além de contribuírem para a poluição das
nascentes dos rios e dos solos, corroboram a insegurança alimentar, visto que as terras
utilizadas para o plantio estão contaminadas. Ademais, a ação da Aracruz Celulose resulta na
superpopulação nas aldeias quilombolas, devido ao crescimento do contingente populacional
em espaços reduzidos pelas ocupações ilícitas.
Em vista disso, os movimentos de luta seguem no árduo comprometimento pelo seu direito
de re-existirem nas terras ancestrais, carregadas de representações étnicas e sociais. Sua
vitória, frente aos órgãos públicos e cooperativas, nem sempre é constante. Todavia, um fato
compreendido ao estudar a fundo o Sapê do Norte é a certeza de que suas batalhas serão
eternizadas, tanto em memória dos que se foram ainda sem ver a recuperação da vida naquela
região, quanto por aqueles que tomam essa causa como pauta fundamental.
“A gente fica com muita saudade porque o que era quando a gente nasceu e o que tinha, agora a gente
não vê mais.” (Dona Maria Benedita da Conceição, moradora da comunidade São Domingos)
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3. Os povos indígenas e a Aldeia Maracanã
3.1. A territorialidade
Historicamente, a luta pelo direito aos seus territórios exige que diferentes estratégias
sejam adotadas pelos povos originários. O imperialismo europeu baseava-se na expropriação
de territórios pertencentes às comunidades tradicionais, enquanto que o capitalismo em sua
característica expansível e destrutiva, buscava a acumulação de excedentes da produção
agrícola. Ambos levaram à opressão e apagamento desses povos. Finalmente, com a
urbanização abrupta ocorrida no Brasil, houve cada vez mais um aumento no distanciamento
entre as preocupações econômicas e sociais, agravando, em especial, a questão fundiária.
(BRUZIGUESSI, 2021).
A retirada de posse dos territórios tradicionais está não somente relacionada à questão da
propriedade e da subsistência e produção, mas também à perda gradativa da identidade de
povos diversos. Essas invasões são uma afronta à cultura, aos costumes, à religiosidade e às
famílias nativas do país. A perpetuação de suas tradições e saberes é profundamente
impactada quando há uma desapropriação de um povo sobre suas terras. Essa imposição
também é fruto do mecanismo capitalista, que visa impor sua cultura sobre outros povos, a
fim de intensificar sua dominação, levando a uma subordinação formal (COUTINHO, 2011).
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(MARINHO et. al, 2021). Tais observações corroboram a ideia do prejuízo indígenas em
diversos contextos territoriais, em especial nas áreas urbanizadas, como ilustra a figura 1.
Figura 1. Domicílios indígenas e não indígenas com condições não adequadas de saneamento. Fonte:
Censo Demográfico 2010.
Além da rara infraestrutura básica, em áreas urbanas, os conflitos também são intensos
e violentos, principalmente devido ao alto valor dos territórios em áreas centrais. De acordo
com relatos coletados em campo, que serão aprofundados posteriormente, as aldeias urbanas
sofrem constantes ataques verbais e físicos, devido a interesses de grandes construtoras. Com
isso, se faz necessária a montagem de esquemas de resistência pela própria população
indígena, sem o auxílio das forças policiais.
Fica claro, portanto, como o direito dos povos originários à sua territorialidade é
constantemente deturpado e desrespeitado, sendo inclusive inconstitucional. Em nosso estudo
de caso, abordaremos a seguir a trajetória de resistência exercida pela Aldeia Maracanã no
Rio de Janeiro, objeto de nosso estudo em questão.
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3.2. História da aldeia Maracanã
Desse modo, a Aldeia Maracanã precisou passar por alguns obstáculos para sua
criação. Em outubro de 2006, 17 etnias indígenas e apoiadores da causa realizaram um
seminário na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), visando encontrar uma
solução para aumentar a visibilidade da luta pelos direitos indígenas no Rio de Janeiro.
Assim, foi criado um movimento indígena unificado que aglutinou indígenas de várias etnias
(Guajajara, Xavante, Pataxó, Fulni-ô, Apurinã, Tukano, Xucuru, Puri, Way-Way), resultando
na fundação do Movimento Tamoio dos Povos Originários.
Saindo da UERJ, esse grupo pioneiro de ativistas indígenas iniciou uma caminhada
para realizar a ocupação do prédio do antigo Museu do Índio que, estava há 30 anos
abandonado pelo governo. Dessa forma, ali foram desenvolvidas diversas atividades culturais
indígenas para a população do Rio de Janeiro num movimento de resistência cultural que se
tornou mundialmente conhecido como Aldeia Maracanã, sendo retratado em uma miríade de
filmes e documentários de artistas oriundos de diversos países.
Em 2013, quando houve uma reintegração de posse violenta por parte do Estado, uma
parte dos ocupantes aceitou apartamentos do "Programa Minha Casa, Minha Vida", após
passarem um ano e quatro meses morando em contêineres na zona oeste do Rio de Janeiro.
Após a desocupação, o governo prometeu restaurar o prédio e transformar o local em um
Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas. Entretanto, como as promessas não
foram concretizadas, a aldeia foi retomada. Sendo assim, é extremamente importante dar
visibilidade para o tema, uma vez que o movimento precisa de apoio da população e de
políticas públicas do Estado para continuar re-existindo.
3. 2. Conflitos e resistências
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a aldeia foi invadida e, a todo momento, devem estar em alerta. Apesar das constantes
ameaças, a líder Potira Guajajara afirma:
"Nós não sentimos medo, porque somos da resistência. A nossa existência aqui que faz proteger o que é
nosso… às vezes temos invasões aqui e temos que fazer a guarda."
"Nós já nascemos como resistência, as crianças também fazem resistência junto com os pais pois ele
tem que aprender como lutar pelos direitos deles".
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Jornais diversos veicularam os discursos de Amorim e, em uma delas, reportado pelo jornal O
Globo, dizia que os indígenas são "lixo urbano" e "poluem as cidades". Ver mais em:
https://oglobo.globo.com/rio/aldeia-maracana-lixo-urbano-quem-gosta-de-indio-va-para-bolivia-diz-rod
rigo-amorim-23345028
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Esta cultura de luta é imposta justamente por quem deveria assegurar seus direitos: o
Estado. Contudo, as violências não se restringem aos despejos, mas a todas as outras
consequências provenientes das condições de vida desse povo. A disparidade entre o
tratamento dado pelas esferas de governança aos povos tradicionais constituem-se em
decorrência da identificação destes grupos como parte de um Estado homogêneo, no qual o
etnocentrismo desempenha a função de invisibilização e esquecimento da coexistência das
diversas nações que habitam um determinado país (CLASTRES, 1974, p.103).
"Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, compete à União adotar as medidas administrativas ou propor, por
intermédio do Ministério Público Federal, as medidas judiciais adequadas à proteção da posse dos silvícolas
sobre as terras que habitem." (BRASIL,1973)
A raiz do problema é histórica e estende-se por diversos estados com altos níveis de
violência praticados pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e por latifundiários, como
aponta o Relatório Figueiredo. Este documento, que supostamente teria sido incinerado em
um incêndio em 1976, foi encontrado em 2012 com a maior parte de seus manuscritos
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intactos. Hodiernamente, estão disponibilizados no banco de dados do Ministério Público
Federal.
O acesso a eletricidade e água potável não são constantes no local. A segurança é débil.
As tentativas de despejo são recorrentes. O advogado da aldeia sofre retaliações do MPF e da
OAB. Estas informações relatadas pelo cacique Urutau e por Guajajara demarcam a grande
resistência do aparato público em seguir as leis constitucionais e as demais normas
estabelecidas em prol da segurança indígena no país. O movimento que se torna cada vez
mais forte dentro do âmbito jurídico e político, com apoio de professores universitários e
movimentos sociais, ainda encontra dificuldades em garantir o que lhes é previsto por lei. Este
caso é apenas um dos muitos retratos de violência contra os povos indígenas no país.
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4. Considerações finais
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Referências bibliográficas
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