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Políticas de Atenção Primária À Saúde No Sistema Único de Saúde
Políticas de Atenção Primária À Saúde No Sistema Único de Saúde
Princípios doutrinários
Conforme nossa descrição sobre o sentido de princípios, identificamos três
elementos que compõem a base cognitiva, ideativa e filosófica do sistema brasileiro e
que foi inscrita na Constituição Federal de 1988:
Universalidade;
Equidade;
Integralidade.
Baseado no texto constitucional realizaremos um trabalho de identificação das
ideias estruturantes e seus sentidos.
Universalidade
O artigo 196 da Constituição Federal afirma que a saúde é direito de todos e
dever do Estado. Isso significa dizer que a saúde é um direito e não um serviço ao qual
se tem acesso por meio de uma contribuição ou pagamento de qualquer espécie.
Todos os cidadãos brasileiros têm direito à atenção à saúde.
A noção de direito à saúde difere completamente da noção de seguro social que
esteve presente no Brasil desde a Lei Eloi Chaves em 1923, quando trabalhadores e
empregadores financiavam as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPS), e que
perdurou até o modelo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS) em 1990.
Aqui falamos da noção de direito presente na concepção do Estado de Bem-estar
Social, na qual o Estado tem um papel fundamental na correção das iniquidades sociais
e no estímulo ao crescimento econômico e social.
Fica claro que a proposta em pauta no marco histórico da constituição do SUS
não é um projeto de reformulação apenas do setor saúde, mas um projeto de uma
sociedade mais justa, igualitária e democrática.
A universalidade é a garantia de atenção à saúde por parte do sistema, a todo e
qualquer cidadão. Com a universalidade, o indivíduo passa a ter direito de acesso a
todos os serviços públicos de saúde, assim como àqueles contratados pelo poder
público. Saúde é direito de cidadania e dever do Governo: municipal, estadual e
federal em possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde.
Aspectos importantes para ser considerados na Universalidade do acesso aos
serviços odontológicos:
Com a redução da prevalência da doença cárie e o envelhecimento
populacional no Brasil, hoje há uma dívida assistencial com os adultos e idosos;
Incorporar a Saúde da Família como uma importante estratégia na
reorganização da atenção básica.
Criação dos Centros Especializados Odontológicos e Laboratórios
Regionais de Prótese Dentária com a oferta de procedimentos mais requeridos pelos
adultos e idosos.
Redução da prevalência da doença cárie e o envelhecimento populacional
O princípio da universalidade na prática odontológica representaria um avanço
na conquista da cidadania e traria mudanças profundas na maneira da prestação dos
serviços prestados a comunidade. Isto porque, historicamente a assistência à saúde
bucal nos serviços públicos no Brasil caracterizou-se pela atenção a grupos prioritários,
como escolares e gestantes. A população dos adolescentes, adulta e idosa ficou por
décadas dependente de uma limitada oferta de procedimentos odontológicos de baixa
complexidade e de caráter curativo e mutilador. Assim, entre os anos 50 e fins dos
anos 80, a assistência odontológica pública foi caracterizada pelo atendimento
prioritário a escolares, principalmente através do Sistema Incremental e, para o
restante da população, a assistência se deu através do Sistema Previdenciário
(INAMPS), das Secretarias Estaduais de Saúde e das entidades filantrópicas.
A continuidade da, quase que, exclusividade da atenção clínica para escolares ou
crianças até 12 anos de idade é um claro exemplo de negligência ao princípio da
universalidade. Elencar grupos prioritários não significa limitar a atenção a
adolescentes, adultos e idosos à demanda livre para atendimento de emergências. É
preciso superar a confusão entre prioridade e exclusividade, que ainda predomina na
maioria dos serviços e que excluem das ações desenvolvidas parcelas importantes da
população, indo na contramão do princípio da universalidade. No caso da doença
cárie, esta é de prevalência alta (muitas pessoas atingidas) na população brasileira e a
velocidade de ataque desta doença (destruição da estrutura dentária) é muito maior
na criança do que em qualquer outra fase da vida, entretanto, priorizar as ações de
saúde para esse grupo não pode significar excluir outros grupos populacionais. A
programação da oferta e definição de prioridades deve ter base em um diagnóstico
social e epidemiológico, levando-se em conta as necessidades locais e a participação
social. Considerar informações epidemiológicas e demográficas é de extrema
importância na viabilização do princípio da Universalidade na prestação dos serviços
de saúde. Observa-se mundialmente uma tendência decrescente da incidência da cárie
dentaria em crianças, e no caso do Brasil, isto não é diferente. Se analisarmos o
indicador de saúde bucal utilizado internacionalmente, o Índice de dentes Cariado,
Perdidos e Obturados (CPO-D) aos 12 anos, no Brasil, em 1986 este indicador
apresentava 6,67 dentes atacados pela doença cárie, enquanto que, em 2010 o
mesmo indicador apresenta um valor de 2,1.
Princípio da equidade
O princípio da equidade é fruto de um dos maiores e históricos problemas da
nação: as iniquidades sociais e econômicas. Essas iniquidades levam a desigualdades
no acesso, na gestão e na produção de serviços de saúde. Portanto, o princípio da
equidade, para alguns autores, não implica a noção de igualdade, mas diz respeito a
tratar desigualmente o desigual, atentar para as necessidades coletivas e individuais,
procurando investir onde a iniquidade é maior. No texto da constituição federal que
legitima o SUS, a preocupação principal naquele momento da construção do SUS
parecia reforçar e produzir a ideia de igualdade. Igualdade na concepção de cidadania,
uma vez que todos os brasileiros teriam o direito político, legitimado pelo Estado, de
acesso ao sistema de saúde, ou seja, uma espécie de cidadania sanitária. Mas ao
confrontar-se com o que chamamos de conceito ampliado de saúde, o espaço da
igualdade, do exercício da liberdade, não seria suficiente para fazer frente às
diferenças entre as diversas regiões e os diversos grupos populacionais. O princípio da
equidade identifica o espaço da diferença, não o espaço da igualdade. É a concepção
de um espaço regulador das diferenças, no sentido de reduzir ou atentar para as
iniquidades ou diferenças.
Fica inviável um sistema público de saúde oferecer isonomia na prestação dos
serviços de saúde a toda população, portanto, de extrema importância por em prática
o princípio da equidade. Busca-se, com este princípio, reconhecer as diferenças nas
condições de vida e saúde e nas necessidades das pessoas, considerando que o direito
à saúde passa pelas diferenças socioeconômicas e culturais e pelas prioridades de
atendimento. Portanto, colocar o princípio da equidade significa definir a prioridade na
oferta de ações e serviços aos segmentos populacionais que enfrentam maiores riscos
de adoecer e morrer em decorrência da desigualdade na distribuição de renda, bens e
serviços.
Neste sentido, no Brasil, existem programas de saúde em acordo com a
diversidade da população, contemplando as populações do em áreas rurais, ribeirinhas
e da floresta (índios), pessoas em situação de rua, idosos, pessoas com deficiência,
entre outros.
Sabendo que indivíduos com baixa renda possuem mais problemas de saúde
bucal e usam menos os serviços odontológicos, quando comparado a indivíduos com
maior renda é necessário tentar reduzir a exclusão social, ampliando a oferta de ações
de saúde aos mais afetados por essas desigualdades sociais.
A inserção de Equipes de Saúde Bucal (ESB), na Estratégia Saúde da Família (ESF),
permite direcionar as ações de saúde bucal a população menos privilegiada de forma
mais equânime, por meio da identificação, na área de abrangência da Unidade Básica
de Saúde (UBS), das micro-áreas de risco.
O problema da equidade está em estabelecer um juízo de valor para eleger
critérios de distribuição, classificando pessoas ou populações e estabelecendo modos
de distinção. Alguns autores simplificam a questão da equidade identificando como
critério a priorização de segmentos populacionais com base em indicadores
epidemiológicos e de distribuição de renda.
Integralidade
O princípio da integralidade tem sido revisto, estudado e debatido nos últimos
anos influenciando os modelos de gestão, a formulação de políticas, as práticas em
saúde, bem como, estruturando a formação de trabalhadores para a saúde. O termo
integralidade possui mais de um significado e traz uma série de potencialidades que
devem ser cautelosamente tratadas: defini-lo exatamente pode ser um exercício
indesejável, uma vez que alguns dos sentidos do termo podem ser omitidos. Portanto,
vamos tratar o princípio da integralidade sob algumas perspectivas:
No sentido histórico, na ideia de construção de um Sistema Único de Saúde em
contraposição à dicotomia da gestão da prevenção e da assistência médica no país. A
integralidade apresenta-se como uma ruptura histórica e institucional partindo da
crítica à dicotomia entre ações preventivas e curativas, separadas historicamente
desde a origem da formalização das políticas de saúde no Brasil até a extinção do
modelo INAMPS. Por isso, a denominação Sistema Único de Saúde. Não há dois
sistemas, um para prevenção e outro para ações curativas. Isso significa dizer que na
direção do SUS em cada esfera de governo devem ser organizados ações e serviços que
visem à integralidade.
No sentido epistemológico da concepção de saúde, a integralidade em expressa
uma concepção do processo saúde/doença de forma integral, sendo uma crítica ao
reducionismo biomédico, incorporando o conceito ampliado de saúde: a saúde é
resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente,
trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a
serviços de saúde. Isto é, a compreensão das diversas dimensões que determinam a
produção da saúde e da doença, envolvendo o sujeito como um todo e suas relações
com a sociedade e o meio ambiente, e não apenas sua descrição biológica.
No sentido do planejamento em saúde, na formulação de políticas pautadas na
atenção integral. A Constituição afirma que o atendimento integral deve priorizar as
ações preventivas, sem prejuízo das ações de assistência. Isso significa afirmar que o
usuário do SUS tem o direito a serviços que atendam às suas necessidades, ou seja, da
vacina ao transplante. Essa dimensão da integralidade, na odontologia, pode ser vista
como a oferta de procedimentos preventivos e coletivos juntamente com oferta de
serviços assistenciais, realizados no âmbito das Unidades Básicas de Saúde (UBS),
Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) e hospitais. A oferta de serviços com
integralidade requer a garantia da continuidade da atenção nos distintos níveis de
complexidade do sistema de serviços de saúde. Isso inclui a responsabilização pela
oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde, desde ações realizadas em
espaços sociais, domicílios, escolas e unidade de básica de saúde realizando o
encaminhamento, quando houver necessidade, para os serviços mais especializados
ofertados pelo Centro de Especialidades Odontológico (CEO) e hospitais.
Regionalização e hierarquização
Esse princípio diz respeito a uma organização do sistema que deve focar a noção
de território, onde se determinam perfis populacionais, indicadores epidemiológicos,
condições de vida e suporte social, que devem nortear as ações e serviços de saúde
que serão prestados para uma determinada Região de Saúde. Para compor uma rede
regionalizada e hierarquizada deve se considerar a criação das Regiões de Saúde, a
partir de uma relação interfederativa.
A necessidade de criar as Regiões de Saúde, compostas por diferentes
municípios, é devido ao fato dos sistemas municipais de saúde apresentarem níveis
diferentes de complexidade tecnológica (hospitais, centros especializados, centro de
diagnóstico por imagem e histopatológico etc.), sendo necessário que
estabelecimentos de saúde de um município atendam usuários encaminhados por
outros municípios. O conceito de Região de Saúde deve ser entendido como espaço
geográfico constituído por agrupamentos de municípios limítrofes (faz limites),
delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de
comunicação (rádio e televisão que transmitem informações da região) e
infraestrutura de transportes compartilhados (que facilite a mobilidade das pessoas
por meio de transporte intermunicipal). A necessidade de criar as regiões de saúde
tem como finalidade integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e
serviços de saúde, em determinados espaços geográficos, sendo fundamentais para a
garantia da integralidade das ações e serviços de saúde para a população.
Funcionamento
Recomenda-se que as Unidades Básicas de Saúde tenham seu funcionamento
com carga horária mínima de 40 horas/semanais, no mínimo 5 (cinco) dias da semana
e nos 12 meses do ano, possibilitando acesso facilitado à população. Horários
alternativos de funcionamento podem ser pactuados através das instâncias de
participação social, desde que atendam expressamente a necessidade da população,
observando, sempre que possível, a carga horária mínima descrita acima.
Atualmente as Unidades Básicas de Saúde podem aderir ao Programa Saúde na
Hora Brasil, que dá incentivo financeiro à ampliação de horário de funcionamento das
unidades de SF, visando ao aumento do acesso nos municípios de médio e grande
porte.
O programa tem como objetivo ampliar o acesso aos serviços de Atenção
Primária à Saúde (APS) por meio do funcionamento de Unidade de Saúde da Família
(USF) em horário estendido, proporcionando maior possibilidade dos usuários
conseguirem atendimento. A Unidade que aderir ao programa deve ofertar os mesmos
serviços durante todo o período de funcionamento da USF. Assim, durante o horário
estendido, o processo de trabalho das equipes deverá ser organizado de modo que
todos os tipos de atendimentos, consultas e exames aconteçam também durante o
funcionamento noturno e aos finais de semana (sábado e domingo). O programa
Saúde na Hora, primeiro a ser lançado pelo Ministério da Saúde no governo Bolsonaro,
explicita a prioridade dada ao cuidado individual e ao atendimento à demanda
espontânea, transformando as UBS, dos municípios de médio e grande porte, em
unidades de pronto-atendimento. O acolhimento ao adoecimento agudo na APS
certamente precisa ser garantido. Todavia, esta iniciativa tende a transformar a ESF em
pronto-atendimento, devido a abertura à contratação de plantonistas, sem o trabalho
conjunto com os ACS, podendo comprometer atributos da APS como a
longitudinalidade e coordenação do cuidado.
Os municípios podem aderir aos seguintes formatos de funcionamento de USF:
USF com horário de funcionamento de 60 horas (com ou sem equipe de Saúde
Bucal): O funcionamento da USF deve ser de no mínimo 60 horas semanais, com 12
horas diárias ininterruptas, de segunda-feira a sexta-feira, durante cinco dias úteis.
Excepcionalmente, será permitido o funcionamento de cinco horas aos sábados e/ou
domingos, desde que seja assegurado o funcionamento de 11 horas diárias
ininterruptas de segunda a sexta-feira.
USF com horário de funcionamento de 75 horas com Saúde Bucal: O
funcionamento da USF deve ser de no mínimo 75 horas semanais, com 15 horas diárias
ininterruptas de segunda-feira a sexta-feira, durante cinco dias úteis.
Excepcionalmente será permitido o funcionamento de cinco horas aos sábados e/ou
domingos, desde que seja assegurado o funcionamento de 14 horas diárias
ininterruptas de segunda a sexta-feira.
Equipe da Atenção Básica (eAB): esta modalidade deve atender aos princípios e
diretrizes propostas para a Atenção Primária à Saúde. Como modelo prioritário é a ESF,
as equipes de Atenção Básica (eAB) podem posteriormente se organizar, solicitando
mudança para eSF e incentivos financeiros equivalentes. As equipes deverão ser
compostas minimamente por médicos preferencialmente da especialidade medicina
de família e comunidade, enfermeiro preferencialmente especialista em saúde da
família, auxiliares de enfermagem e ou técnicos de enfermagem. Poderão agregar
outros profissionais como dentistas, auxiliares de saúde bucal e ou técnicos de saúde
bucal, agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemias.
A Política Nacional de Atenção Básica 2017 permitiu estabelecer equipes de
Saúde da Família (SF) com apenas um ACS e equipes AP (eAP) sem ACS, o que pode
ocasionar dificuldade de desenvolver o vínculo entre as pessoas e profissionais, a
continuidade, coordenação e longitudinalidade do cuidado. A possibilidade de
ausência do ACS afeta um dos pilares do modelo assistencial que caracteriza a ESF em
seu componente comunitário e de promoção da saúde.
Equipe de Saúde Bucal (eSB): Modalidade que pode compor as equipes que
atuam na atenção básica, constituída por um cirurgião-dentista e um técnico em saúde
bucal e/ou auxiliar de saúde bucal. Os profissionais de saúde bucal devem estar
vinculados à uma Unidade Básica de Saúde ou a Unidade Odontológica Móvel,
podendo se organizar nas seguintes modalidades: Modalidade I: Cirurgião-dentista e
auxiliar em saúde bucal (ASB) ou técnico em saúde bucal (TSB) e; Modalidade II:
Cirurgião-dentista, TSB e ASB, ou outro TSB. Independente da modalidade adotada, os
profissionais de Saúde Bucal são vinculados a uma equipe de Atenção Básica (eAB) ou
equipe de Saúde da Família (eSF), devendo compartilhar a gestão e o processo de
trabalho da equipe, tendo responsabilidade sanitária pela mesma população e
território adstrito que a equipe de Saúde da Família ou Atenção Básica a qual integra.