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POLÍTICAS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

A Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil é parte da estrutura de organização


do Sistema Único de Saúde (SUS) e tem na Estratégia Saúde da Família (ESF) sua
principal forma de implementação. A Atenção Básica é desenvolvida com o mais alto
grau de descentralização e capilaridade (42 mil UBS), ocorrendo no local mais próximo
da vida das pessoas. Ela deve ser a principal porta de entrada, primeiro contato do
usuário para o cuidado integral e longitudinal, centro de comunicação da Rede de
Atenção à Saúde (RAS) e coordenadora do cuidado.
A Rede de Atenção à Saúde deve ser entendida como o conjunto de ações e
serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade
de garantir a integralidade da assistência à saúde. Para que a Atenção Primária à Saúde
possa coordenar a RAS, é preciso reconhecer as necessidades de saúde da população
sob sua responsabilidade, para definir a necessidade dos outros pontos de atenção à
saúde, contribuindo dessa forma, para que a programação e o planejamento dos
serviços sejam ascendentes.
A Atenção Primária à Saúde deve atuar como o centro de comunicação entre os
diversos pontos de atenção (secundária e terciária), responsabilizando-se pelo cuidado
dos usuários por meio de uma relação horizontal, contínua e integrada. Para que isso
ocorra é necessário que os estados e municípios se articulem na definição das Regiões
de Saúde, local onde estarão inseridas as RAS. Regiões de Saúde compreende um
espaço geográfico contínuo constituído por aglomerado de municípios com a
finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços
de saúde e serão referência para a transferência de recursos entre os entes
federativos. Devem conter ações de atenção básica, vigilância à saúde, urgência-
emergência, atenção ambulatorial especializada e hospitalar, conforme figura abaixo.

Considerando esses aspectos, a rede de atenção odontológica pode ter


organização local, distrital, municipal ou regional e ser composta por Unidades Básicas
de Saúde (UBS), Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), Centros de Apoio
Diagnóstico (CAD), Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPD), Unidades de
Pronto Atendimento (UPA), farmácias e hospitais de referência.

Princípios do SUS e a odontologia


Os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) constituem as bases
para o funcionamento e organização do sistema de saúde em nosso país. A
universalização do acesso, a integralidade das ações, a equidade, a descentralização, a
regionalização e hierarquização dos serviços e o controle social exprimem o conjunto
de diretrizes com as quais a odontologia necessita se basear para a reordenação de
novas práticas odontológicas e consequentemente, a construção de um novo modelo
de atenção em saúde bucal. Os princípios e diretrizes do SUS serão descritos a seguir,
no que se refere a sua caracterização e a sua relação com a organização dos serviços
de saúde na Atenção Básica (ou Atenção Primária à Saúde) nos municípios:

Princípios doutrinários
Conforme nossa descrição sobre o sentido de princípios, identificamos três
elementos que compõem a base cognitiva, ideativa e filosófica do sistema brasileiro e
que foi inscrita na Constituição Federal de 1988:
Universalidade;
Equidade;
Integralidade.
Baseado no texto constitucional realizaremos um trabalho de identificação das
ideias estruturantes e seus sentidos.
Universalidade
O artigo 196 da Constituição Federal afirma que a saúde é direito de todos e
dever do Estado. Isso significa dizer que a saúde é um direito e não um serviço ao qual
se tem acesso por meio de uma contribuição ou pagamento de qualquer espécie.
Todos os cidadãos brasileiros têm direito à atenção à saúde.
A noção de direito à saúde difere completamente da noção de seguro social que
esteve presente no Brasil desde a Lei Eloi Chaves em 1923, quando trabalhadores e
empregadores financiavam as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPS), e que
perdurou até o modelo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS) em 1990.
Aqui falamos da noção de direito presente na concepção do Estado de Bem-estar
Social, na qual o Estado tem um papel fundamental na correção das iniquidades sociais
e no estímulo ao crescimento econômico e social.
Fica claro que a proposta em pauta no marco histórico da constituição do SUS
não é um projeto de reformulação apenas do setor saúde, mas um projeto de uma
sociedade mais justa, igualitária e democrática.
A universalidade é a garantia de atenção à saúde por parte do sistema, a todo e
qualquer cidadão. Com a universalidade, o indivíduo passa a ter direito de acesso a
todos os serviços públicos de saúde, assim como àqueles contratados pelo poder
público. Saúde é direito de cidadania e dever do Governo: municipal, estadual e
federal em possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde.
Aspectos importantes para ser considerados na Universalidade do acesso aos
serviços odontológicos:
Com a redução da prevalência da doença cárie e o envelhecimento
populacional no Brasil, hoje há uma dívida assistencial com os adultos e idosos;
Incorporar a Saúde da Família como uma importante estratégia na
reorganização da atenção básica.
Criação dos Centros Especializados Odontológicos e Laboratórios
Regionais de Prótese Dentária com a oferta de procedimentos mais requeridos pelos
adultos e idosos.
Redução da prevalência da doença cárie e o envelhecimento populacional
O princípio da universalidade na prática odontológica representaria um avanço
na conquista da cidadania e traria mudanças profundas na maneira da prestação dos
serviços prestados a comunidade. Isto porque, historicamente a assistência à saúde
bucal nos serviços públicos no Brasil caracterizou-se pela atenção a grupos prioritários,
como escolares e gestantes. A população dos adolescentes, adulta e idosa ficou por
décadas dependente de uma limitada oferta de procedimentos odontológicos de baixa
complexidade e de caráter curativo e mutilador. Assim, entre os anos 50 e fins dos
anos 80, a assistência odontológica pública foi caracterizada pelo atendimento
prioritário a escolares, principalmente através do Sistema Incremental e, para o
restante da população, a assistência se deu através do Sistema Previdenciário
(INAMPS), das Secretarias Estaduais de Saúde e das entidades filantrópicas.
A continuidade da, quase que, exclusividade da atenção clínica para escolares ou
crianças até 12 anos de idade é um claro exemplo de negligência ao princípio da
universalidade. Elencar grupos prioritários não significa limitar a atenção a
adolescentes, adultos e idosos à demanda livre para atendimento de emergências. É
preciso superar a confusão entre prioridade e exclusividade, que ainda predomina na
maioria dos serviços e que excluem das ações desenvolvidas parcelas importantes da
população, indo na contramão do princípio da universalidade. No caso da doença
cárie, esta é de prevalência alta (muitas pessoas atingidas) na população brasileira e a
velocidade de ataque desta doença (destruição da estrutura dentária) é muito maior
na criança do que em qualquer outra fase da vida, entretanto, priorizar as ações de
saúde para esse grupo não pode significar excluir outros grupos populacionais. A
programação da oferta e definição de prioridades deve ter base em um diagnóstico
social e epidemiológico, levando-se em conta as necessidades locais e a participação
social. Considerar informações epidemiológicas e demográficas é de extrema
importância na viabilização do princípio da Universalidade na prestação dos serviços
de saúde. Observa-se mundialmente uma tendência decrescente da incidência da cárie
dentaria em crianças, e no caso do Brasil, isto não é diferente. Se analisarmos o
indicador de saúde bucal utilizado internacionalmente, o Índice de dentes Cariado,
Perdidos e Obturados (CPO-D) aos 12 anos, no Brasil, em 1986 este indicador
apresentava 6,67 dentes atacados pela doença cárie, enquanto que, em 2010 o
mesmo indicador apresenta um valor de 2,1.

Figura. Índice de dentes Cariado, Perdidos e Obturados (CPO-D), 12 anos, Brasil.

Outro aspecto importante da universalidade na prestação dos serviços


odontológicos é a transição demográfica populacional do país, onde pode ser
observado no gráfico abaixo, comparando os dados demográficos de 2012 e 2019, na
faixa etária acima de 35 a 39 anos há um aumento no número de adultos e idosos, e
abaixo, uma diminuição de crianças, adolescentes e adultos jovens.
Portanto, as informações epidemiológicas e demográficas devem nortear a
prática dos serviços de saúde, especialmente na atenção básica, onde se propõem que
sejam resolvidas a maioria dos problemas de saúde bucal dos usuários, bem como,
seja o canal de acesso aos demais níveis de assistência quando necessário. Frente esta
situação apresentada é importante deixar claro que a oferta dos serviços de saúde na
atenção básica busque reduzir a doença cárie na população infantil, como também,
inclua serviços odontológicos que possibilitem a prevenção, recuperação e reabilitação
da saúde bucal em adultos e idosos, principalmente no que refere a doença
periodontal e câncer bucal.
Com o princípio da Universalidade propõem-se duas formas de inserção da
saúde bucal: 1) por linhas de cuidado; e, 2) por condição de vida. A primeira prevê o
reconhecimento de especificidades próprias da idade, podendo ser trabalhada como
saúde da criança, saúde do adolescente, saúde do adulto e saúde do idoso. Já a
proposta de atenção por condição de vida compreende a saúde da gestante, saúde do
trabalhador, portadores de necessidades especiais, hipertensos, diabéticos, dentre
outras.

Saúde da Família como estratégia na reorganização da atenção básica


Incorporar a Saúde da Família como uma importante estratégia na reorganização
da atenção básica. A inserção da Equipe de Saúde Bucal (ESB) no PSF permite estender
as ações de saúde bucal a toda família tendo as visitas domiciliares, uma de suas
principais estratégias, objetivando ampliar o acesso aos serviços e criar vínculos com a
população. Para a Saúde Bucal esta nova forma de se fazer às ações cotidianas
representa, ao mesmo tempo, um avanço significativo e um grande desafio.
Vislumbra-se uma possibilidade de aumento de cobertura, de efetividade na resposta
às demandas da população e de alcance de medidas de caráter coletivo. Neste
contexto, um profissional assume um papel de destaque - o agente comunitário de
saúde (ACS). O ACS tem um papel fundamental no desenvolvimento de relações de
vínculo e responsabilização entre as equipes e a população. Teoricamente, é a garantia
da continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado, pois é o
elemento da equipe que, pela própria natureza do trabalho, percorre os domicílios
podendo identificar problemas de saúde e condições de riscos ligados à ocupação,
renda e escolaridade, que influenciam na distribuição de cárie, doença periodontal,
perda dentaria e edentulismo. Na reestruturação do modelo de saúde bucal na ESF é
importante a compreensão de que entre as atribuições básicas dos ACS estão as que
fazem parte do conhecimento da área, as que fazem parte do acompanhamento,
monitoramento, prevenção de doenças e promoção da saúde e as ações educativas,
incluindo as relacionadas à saúde bucal. Nesse sentido, para ampliar o aproveitamento
das forças trabalhadoras da equipe, principalmente dos ACS, é importante a inserção
de conteúdos relacionados à saúde bucal na sua capacitação, para que atuem no
sentido de mudanças dos hábitos da família e na busca do autocuidado com eficiência.
O ACS conhece a intimidade, moradia, modo de vida das pessoas da área em que atua,
contribuindo, desse modo, para a definição do tipo de assistência necessária, sendo
um elo entre as necessidades de saúde das pessoas e o que pode ser feito para a
melhoria das condições de vida da comunidade. O ACS em articulação com a Equipe de
Saúde Bucal e devidamente capacitado pode contribuir para fortalecer o
conhecimento da população no enfrentamento dos problemas de saúde, além de
auxiliar a equipe de saúde bucal na identificação das famílias mais vulneráveis que
necessitam de ações específicas, bem como, melhorar o acesso e a utilização dos
serviços primários de saúde, a fim de evitar a assistência odontológica tardia,
reduzindo a necessidade de consultas de urgência.

Criação dos Centros Especializados Odontológicos e Laboratórios Regionais de


Prótese Dentária (LRPD).
A assistência odontológica pública ao longo de muitos anos no Brasil ficou
restrita quase que exclusivamente a oferta de serviços básicos, ainda assim, com
grande demanda reprimida. Os dados que antecederam a implantação dos Centros de
Especialidades Odontológicas, no âmbito do SUS, mostram que os serviços
odontológicos especializados correspondem a não mais do que 3,5% do total de todos
os procedimentos clínicos odontológicos prestados pelo SUS. Esses centros
caracterizam-se por serem unidades de referência para as equipes de Saúde Bucal da
atenção básica, ofertando de acordo com a realidade epidemiológica de cada região e
município, procedimentos clínicos odontológicos complementares aos realizados no
nível da atenção básica, com o objetivo de combater a perda de elementos dentários,
a longa espera por procedimentos especializados e a falta de integralidade dos
serviços prestados aos usuários do SUS, que necessitavam de tratamento odontológico
integral. No gráfico abaixo é possível acompanhar a evolução do número de Centros de
Especialidades Odontológicas implantados a partir da sua criação em por meio da
Portaria GM/MS nº. 599 de 23 de março de 2006, que Definiu a implantação e
estabeleceu critérios de credenciamento/habilitação dos serviços especializados.
Entre os procedimentos especializados ofertados pelos CEO incluem-se
tratamentos de cirurgia oral menor, diagnóstico de câncer de boca e outras doenças
de tecidos moles, periodontia, atenção aos pacientes com necessidades especiais e
endodontia. Estudos têm concluído que nos municípios com CEO e maior cobertura de
ESB, houve menor proporção na realização de exodontias em relação a municípios com
menores coberturas de ESB nas equipes de saúde da família e sem CEO. Isto sugere
que maior oferta conjunta de serviços da atenção primária e secundária contribui para
a constituição de um melhor desempenho das Redes de Atenção a Saúde Bucal,
sobretudo com menores proporções de exodontias em relação ao total de
procedimentos ofertados à população.
No gráfico abaixo, quando comparamos os resultados de levantamentos
epidemiológicos realizado em âmbito nacional é possível verificar, por meios dos
componentes do índice CPO-D, que houve uma diminuição do componente dente
perdido, ao mesmo tempo, um aumento de 65% em dentes restaurados. Pode-se
sugerir que com o aumento do número de CEO houve uma maior prestação de
serviços especializados que fizeram com que vários dentes pudessem ser tratados, ao
invés de extraídos, exatamente pelo fato desses procedimentos não serem oferecidos
pela atenção básica.

Já os Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPD) surgem na rede como


serviço de retaguarda e resposta a demanda e necessidade de reabilitação bucal
devido à perda dentária na população adulta e idosa do Brasil, como forma de garantir
a integralidade do cuidado. Nenhuma política de saúde pública havia proporcionado
esse tipo de atendimento; porém, com a criação do Brasil Sorridente, a reabilitação
protética passou a ser uma das principais metas da Política Nacional de Saúde Bucal. A
oferta de próteses totais e parciais tem como objetivo construir uma política de
inclusão social de edêntulos e dentados parciais, minimizando as sequelas da prática
odontológica mutiladora.

Princípio da equidade
O princípio da equidade é fruto de um dos maiores e históricos problemas da
nação: as iniquidades sociais e econômicas. Essas iniquidades levam a desigualdades
no acesso, na gestão e na produção de serviços de saúde. Portanto, o princípio da
equidade, para alguns autores, não implica a noção de igualdade, mas diz respeito a
tratar desigualmente o desigual, atentar para as necessidades coletivas e individuais,
procurando investir onde a iniquidade é maior. No texto da constituição federal que
legitima o SUS, a preocupação principal naquele momento da construção do SUS
parecia reforçar e produzir a ideia de igualdade. Igualdade na concepção de cidadania,
uma vez que todos os brasileiros teriam o direito político, legitimado pelo Estado, de
acesso ao sistema de saúde, ou seja, uma espécie de cidadania sanitária. Mas ao
confrontar-se com o que chamamos de conceito ampliado de saúde, o espaço da
igualdade, do exercício da liberdade, não seria suficiente para fazer frente às
diferenças entre as diversas regiões e os diversos grupos populacionais. O princípio da
equidade identifica o espaço da diferença, não o espaço da igualdade. É a concepção
de um espaço regulador das diferenças, no sentido de reduzir ou atentar para as
iniquidades ou diferenças.
Fica inviável um sistema público de saúde oferecer isonomia na prestação dos
serviços de saúde a toda população, portanto, de extrema importância por em prática
o princípio da equidade. Busca-se, com este princípio, reconhecer as diferenças nas
condições de vida e saúde e nas necessidades das pessoas, considerando que o direito
à saúde passa pelas diferenças socioeconômicas e culturais e pelas prioridades de
atendimento. Portanto, colocar o princípio da equidade significa definir a prioridade na
oferta de ações e serviços aos segmentos populacionais que enfrentam maiores riscos
de adoecer e morrer em decorrência da desigualdade na distribuição de renda, bens e
serviços.
Neste sentido, no Brasil, existem programas de saúde em acordo com a
diversidade da população, contemplando as populações do em áreas rurais, ribeirinhas
e da floresta (índios), pessoas em situação de rua, idosos, pessoas com deficiência,
entre outros.
Sabendo que indivíduos com baixa renda possuem mais problemas de saúde
bucal e usam menos os serviços odontológicos, quando comparado a indivíduos com
maior renda é necessário tentar reduzir a exclusão social, ampliando a oferta de ações
de saúde aos mais afetados por essas desigualdades sociais.
A inserção de Equipes de Saúde Bucal (ESB), na Estratégia Saúde da Família (ESF),
permite direcionar as ações de saúde bucal a população menos privilegiada de forma
mais equânime, por meio da identificação, na área de abrangência da Unidade Básica
de Saúde (UBS), das micro-áreas de risco.
O problema da equidade está em estabelecer um juízo de valor para eleger
critérios de distribuição, classificando pessoas ou populações e estabelecendo modos
de distinção. Alguns autores simplificam a questão da equidade identificando como
critério a priorização de segmentos populacionais com base em indicadores
epidemiológicos e de distribuição de renda.

Integralidade
O princípio da integralidade tem sido revisto, estudado e debatido nos últimos
anos influenciando os modelos de gestão, a formulação de políticas, as práticas em
saúde, bem como, estruturando a formação de trabalhadores para a saúde. O termo
integralidade possui mais de um significado e traz uma série de potencialidades que
devem ser cautelosamente tratadas: defini-lo exatamente pode ser um exercício
indesejável, uma vez que alguns dos sentidos do termo podem ser omitidos. Portanto,
vamos tratar o princípio da integralidade sob algumas perspectivas:
No sentido histórico, na ideia de construção de um Sistema Único de Saúde em
contraposição à dicotomia da gestão da prevenção e da assistência médica no país. A
integralidade apresenta-se como uma ruptura histórica e institucional partindo da
crítica à dicotomia entre ações preventivas e curativas, separadas historicamente
desde a origem da formalização das políticas de saúde no Brasil até a extinção do
modelo INAMPS. Por isso, a denominação Sistema Único de Saúde. Não há dois
sistemas, um para prevenção e outro para ações curativas. Isso significa dizer que na
direção do SUS em cada esfera de governo devem ser organizados ações e serviços que
visem à integralidade.
No sentido epistemológico da concepção de saúde, a integralidade em expressa
uma concepção do processo saúde/doença de forma integral, sendo uma crítica ao
reducionismo biomédico, incorporando o conceito ampliado de saúde: a saúde é
resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente,
trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a
serviços de saúde. Isto é, a compreensão das diversas dimensões que determinam a
produção da saúde e da doença, envolvendo o sujeito como um todo e suas relações
com a sociedade e o meio ambiente, e não apenas sua descrição biológica.
No sentido do planejamento em saúde, na formulação de políticas pautadas na
atenção integral. A Constituição afirma que o atendimento integral deve priorizar as
ações preventivas, sem prejuízo das ações de assistência. Isso significa afirmar que o
usuário do SUS tem o direito a serviços que atendam às suas necessidades, ou seja, da
vacina ao transplante. Essa dimensão da integralidade, na odontologia, pode ser vista
como a oferta de procedimentos preventivos e coletivos juntamente com oferta de
serviços assistenciais, realizados no âmbito das Unidades Básicas de Saúde (UBS),
Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) e hospitais. A oferta de serviços com
integralidade requer a garantia da continuidade da atenção nos distintos níveis de
complexidade do sistema de serviços de saúde. Isso inclui a responsabilização pela
oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde, desde ações realizadas em
espaços sociais, domicílios, escolas e unidade de básica de saúde realizando o
encaminhamento, quando houver necessidade, para os serviços mais especializados
ofertados pelo Centro de Especialidades Odontológico (CEO) e hospitais.

O princípio da integralidade também deve ser entendido no sentido das relações


entre atuação profissional e formação acadêmica para o trabalho em saúde, de forma
abranger as dimensões biológica, psicológica e social. Podemos entender a
integralidade como uma crítica a uma atitude médica/odontológica fragmentária,
baseada na especialização e que entende e visualiza a condição de saúde do paciente
apenas pela dimensão biológica da doença, que resultam práticas profissionais de
saúde a uma atenção individual e curativa. Sabe-se que toda ação em saúde deriva de
uma concepção de saúde e doença, ou seja, a prática profissional é resultante do
entendimento acerca do estado de saúde e doença do sujeito que se atende.
Pensando neste contexto, é importante deduzir que a concepção de saúde e doença,
como também as práticas resultantes destas são fundamentadas a partir da formação
acadêmica e aqui entra a importância da formação profissional. As concepções de
saúde e doença derivam de um modelo de ensino, no qual se destacam dois: o
hegemônico também conhecido como Flexneriano ou Biomédico e o modelo que se
deseja e está em construção denominado Integralidade. O primeiro traz consigo uma
visão voltada para os agentes biológicos (exclusão da causa social), mecanicista
(analogia do corpo com a máquina) individual (indivíduo como objeto da prática),
especializado (fragmentação do conhecimento), tecnificação do ato (associação da
qualidade do atendimento à tecnologia de alta sofisticação) e ênfase na prática
curativa (maior custo e incorporação de tecnologia). Este modelo Flexneriano de
ensino privilegia o hospital, clínica e o laboratório como locais para aprendizagem, e
consequentemente afasta o acadêmico da sociedade, fazendo com que as condições
sociais sejam ignoradas no processo saúde-doença. Já o modelo da Integralidade
requer uma concepção integral e esta por sua vez não exclui a visão biológica, ela
considera os agentes biológicos, como também considera as condições psicológicas,
ambientais e sociais envolvidas. Portanto, sua prática é ampliada na construção social
da saúde, construção essa apoiada na promoção à saúde, na ação intersetorial e na
crescente autonomia (fortalecimento do autocuidado apoiado) das pessoas e
populações em relação à saúde, visando reorientação das relações entre profissionais
de saúde e população. O SUS busca modelos de atenção que valorizem a integralidade,
o cuidado humanizado e a promoção de saúde, entendendo que estes dependem do
perfil de formação e da prática dos profissionais de saúde.
A assistência humanizada e de acolhimento adequado, com tratamento digno e
com vínculo, levando em conta o meio em que o usuário dos serviços de saúde mora,
sua rede social e a magnitude do auxílio familiar no tratamento, considerando a pessoa
como um todo, atendendo a todas as suas necessidades de saúde. O cirurgião-dentista
percebe que seu trabalho perde efetividade, por exemplo, se uma criança que vive no
território de abrangência da sua equipe não tem acesso a bens de consumo (escova e
dentifrício), saneamento com água fluoretada, alimentação saudável e não tem
supervisão dos pais em questões relacionadas à saúde bucal. É preciso reconhecer que
nenhum setor tem poder suficiente para dar conta do problema sozinho e que a ação
intersetorial pode possibilitar uma ação mais potente e resolutiva.
Princípios Organizativos
A partir da análise da legislação do SUS e dos textos que tematizam sua
organização, identificamos três princípios organizativos que devem se articular com os
princípios doutrinários do SUS, aqueles que tratam a respeito à ideologia do SUS, a
base doutrinária do sistema:
Descentralização;
Regionalização e hierarquização;
Participação da comunidade;
É por intermédio desses princípios, tendo em vista o alicerce estrutural dos
princípios da universalidade, equidade e integralidade, que o SUS deve se organizar
para atingir os objetivos do sistema de saúde brasileiro.
Descentralização
O texto constitucional define que o SUS deve se organizar a partir da
descentralização, com direção única em cada esfera de governo. Em cada esfera de
governo há uma direção do SUS: na União, o ministério da saúde; nos estados e
distrito federal, as secretarias estaduais de saúde ou órgão equivalente; e nos
municípios, as secretarias municipais de saúde.
O tema da descentralização pode ser abordado de diversas formas:
descentralização política, descentralização administrativa, descentralização de
serviços, entre outros.
A descentralização da saúde com ênfase na municipalização trouxe a
transferência do planejamento, da execução e da avaliação das ações de saúde para a
esfera do município. O processo de descentralização da saúde repassa aos órgãos
municipais responsáveis (Secretaria da Saúde, Unidade Básica de Saúde etc.) e seus
representantes, (secretário de saúde, profissionais da saúde, associações de
moradores e representantes da comunidade etc.) a responsabilidade de organizar as
estratégias e ações em saúde a serem implantadas. A descentralização é uma resposta
à estrutura anterior da assistência à saúde, extremamente concentradora e autoritária
nas decisões, obviamente inadequada para um país do tamanho e complexidade do
Brasil. Somente em um sistema descentralizado, seria possível a maior participação de
todos os interessados na formulação da política e na implantação de serviços e ações
de saúde, adaptados às diferentes regiões e realidades de saúde.
A lei 8.080, de 1990, descrevia as atribuições e competências dessas instâncias
(União, distrito federal, estados e municípios) de forma genérica e abrangente, muitas
vezes tornando difícil reconhecer as especificidades de cada uma. Para que o processo
de descentralização ocorresse de forma gradual, foram editadas as normatizações
federais para este processo. As normatizações federais para o processo de
descentralização foram editadas e substituídas ao longo dos anos, e ficaram
conhecidas pelas nomenclaturas NOB (Norma Operacional Básica) e NOAS (Norma
Operacional da Assistência à Saúde). As NOB especificavam com detalhes o processo
de descentralização do SUS, estabelecendo as condições e estratégias necessárias para
que os estados e municípios pudessem assumir suas responsabilidades perante o
processo de implantação e consolidação do SUS. De acordo com o Ministério da Saúde,
nos anos de 1991, 92, 93 e 96 foram publicadas quatro Normas Operacionais Básicas
(NOB), em 2001 a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS, reformulada em
2002), em 2006 o Pacto pela Saúde e, em 2011 o Decreto 7.508 que trata sobre a
necessidade da Região de Saúde, em virtude das dificuldades desencadeadas pelo
próprio processo de descentralização, principalmente quanto à capacidade dos
municípios menores proverem o cuidado à saúde, de forma integral e resolutiva às
demandas sociais.
Os mecanismos e estratégias que organizam e regulam a descentralização como
diretriz do SUS estabelecem instâncias de representação, monitoramento e pactuação
política e administrativa envolvendo as três esferas de governo.
Essas instâncias são:
Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems);
Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass);
Comissão Intergestores Bipartite (CIB) estabelece pactos entre os municípios
com a coordenação da gestão estadual;
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) estabelece pactos entre representantes
do Ministério da Saúde, do Conass e do Conasems.
Com o processo de descentralização da saúde, com ênfase na municipalização, o
município torna-se o mais adequado âmbito para tratar a questão da saúde de
maneira direta, uma vez que é o ente federado mais próximo da população, capaz,
portanto, de identificar as peculiaridades e as diversidades locais e adaptar as
estratégias para a superação dos problemas de saúde, de forma integral.
É importante ressaltar que o processo de descentralização deve ultrapassar a
esfera das secretarias municipais de saúde bucal, alcançando as Unidades Básicas de
Saúde (UBS) de tal forma que sua gestão seja fundamentada nas necessidades e
aspirações locais, contribuindo para uma organização mais racional do sistema e
dinamizando o controle social na medida em que aproxima as decisões da população
alvo.

Em algumas situações, esse processo foi acompanhado de inovações na gestão e


planejamento, desencadeando novos modelos de atenção à saúde bucal com ações
voltadas para a promoção da saúde, organização da demanda a partir da estratificação
de risco individual e familiar, utilização de espaços sociais e domicílios para
desenvolvimento de ações de saúde, entre outras inovações. Para o setor odontológico
a descentralização viabilizou o surgimento e expansão de centenas de programas de
prevenção, que tiveram grande expansão após aprovação da Portaria 184 em 1991,
com a criação dos procedimentos coletivos, passando-se efetivamente a financiar os
programas de prevenção no setor odontológico, além da fluoretação das águas.

Regionalização e hierarquização
Esse princípio diz respeito a uma organização do sistema que deve focar a noção
de território, onde se determinam perfis populacionais, indicadores epidemiológicos,
condições de vida e suporte social, que devem nortear as ações e serviços de saúde
que serão prestados para uma determinada Região de Saúde. Para compor uma rede
regionalizada e hierarquizada deve se considerar a criação das Regiões de Saúde, a
partir de uma relação interfederativa.
A necessidade de criar as Regiões de Saúde, compostas por diferentes
municípios, é devido ao fato dos sistemas municipais de saúde apresentarem níveis
diferentes de complexidade tecnológica (hospitais, centros especializados, centro de
diagnóstico por imagem e histopatológico etc.), sendo necessário que
estabelecimentos de saúde de um município atendam usuários encaminhados por
outros municípios. O conceito de Região de Saúde deve ser entendido como espaço
geográfico constituído por agrupamentos de municípios limítrofes (faz limites),
delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de
comunicação (rádio e televisão que transmitem informações da região) e
infraestrutura de transportes compartilhados (que facilite a mobilidade das pessoas
por meio de transporte intermunicipal). A necessidade de criar as regiões de saúde
tem como finalidade integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e
serviços de saúde, em determinados espaços geográficos, sendo fundamentais para a
garantia da integralidade das ações e serviços de saúde para a população.

Significa que os serviços de saúde devem ser organizados em níveis de


complexidade tecnológica crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com
a definição da população a ser atendida. Isto implica na capacidade dos serviços em
oferecer a uma determinada população todas as modalidades de assistência, bem
como o acesso a todo tipo de tecnologia disponível, possibilitando um ótimo grau de
resolubilidade (solução de seus problemas).
O acesso da população à rede deve se dar através dos serviços de nível primário
de atenção que devem estar qualificados para atender e resolver os principais
problemas que demandam os serviços de saúde. Os demais deverão ser referenciados
para os serviços de maior complexidade tecnológica. Tais características valem para
também para a organização dos serviços de saúde bucal.
A existência de diferentes níveis de atenção no interior do SUS decorre da
racionalização do trabalho com vistas a potencializar os recursos disponíveis. De fato,
não são necessários certos equipamentos ou certos especialistas em todos os lugares.
Mas todas as pessoas de todos os lugares devem ter acesso a certos equipamentos e a
certos especialistas sempre que precisarem deles. Para isso, é imprescindível aumentar
a capacidade instalada da rede pública e definir, em cada sistema local de saúde, as
responsabilidades de cada uma das instituições que o integram, montando adequados
sistemas de referência e contrarreferência.
Em vista disso, é necessário o estabelecimento de convênios entre os vários
municípios que compõem as regiões de saúde para atender às demandas de saúde de
seus cidadãos quando o serviço requerido estiver localizado em outro município. O
Decreto 7.508/11 inaugura um novo marco na relação interfederativa no que diz
respeito à organização do SUS quanto ao planejamento da saúde e à assistência à
saúde, instituindo o Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP). As
negociações devem ser efetivadas principalmente entre os gestores municipais. O
COAP é um acordo jurídico entre os gestores dos municípios de uma mesma região de
saúde, definindo-se de forma colaborativa as responsabilidades e os recursos
financeiros de cada signatário (gestores municipais que assinaram o acordo) para a
organização e a integração das ações e serviços em uma Região de Saúde, garantindo a
integralidade da assistência aos usuários.
O gestor do sistema municipal fica responsável pelo controle, pela avaliação e
pela auditoria dos prestadores de serviços de saúde (estatais ou privados) situados em
seu município. No entanto, quando um gestor municipal julgar necessário uma
avaliação especifica ou auditagem de uma entidade que lhe presta serviços, localizada
em outro município, recorre ao gestor estadual. Quando um município, que demanda
serviços a outro, ampliar a sua própria capacidade resolutiva, pode requerer, ao gestor
estadual, que a parte de recursos alocados no município vizinho seja realocada para o
seu município. Esses mecanismos conferem um caráter dinâmico e permanente ao
processo de negociação da programação integrada, em particular quanto à referência
intermunicipal.

Participação da comunidade e Controle social


A participação popular é um dos marcos históricos da Reforma Sanitária
brasileira, quando, no final dos anos 70, sanitaristas, trabalhadores da saúde,
movimentos sociais organizados e políticos engajados na luta pela saúde como um
direito, propunha um novo sistema de saúde tendo como base a universalidade, a
integralidade, a participação da comunidade. Desde então, a participação da
comunidade tornou-se um princípio da forma de organização e operacionalização do
SUS em todas as suas esferas de gestão, constando do texto constitucional e na Lei
Orgânica da Saúde como uma das marcas que faz referencia a identidade do SUS.
A lei 8.142, de 1990, regulamenta as instâncias de participação da comunidade
no SUS, formalizando e institucionalizando-as como dispositivos permanentes de
formulação e acompanhamento das políticas no interior do sistema.
O SUS possui instâncias colegiadas de participação popular em cada esfera de
governo.
São elas:
Os conselhos de saúde;
As conferências de saúde.
A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.142/1990, de 28/12/1990) determinou que a
União (governo federal), os estados e os municípios deveriam criar os conselhos de
saúde. Os conselhos de saúde estão presentes nos três níveis de governo,
representados pelo Conselho Nacional de Saúde, Conselho Estadual de Saúde e
Conselho Municipal de Saúde. Contudo, a existência do conselho de saúde é muito
mais que o simples cumprimento de uma exigência da lei. Os conselhos de saúde são a
garantia de melhoria contínua do nosso sistema de saúde. Deve funcionar
mensalmente, ter ata que registre suas reuniões e infraestrutura que dê suporte ao
seu funcionamento. O conselho municipal de saúde atua na formulação de estratégias
e no controle da execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e
financeiros. O conselho municipal também analisa e aprova o plano municipal de
saúde, bem como, analisa e aprova o relatório de gestão. A Lei 8.142/1990 estabelece
que o conselho de saúde, deve ser em caráter permanente e deliberativo, sendo um
órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço,
profissionais de saúde e usuários.
Vamos entender esse conceito, dividindo-o em partes:
Caráter permanente – O conselho de saúde deve sempre existir,
independentemente de decisões da gestão da União, do estado ou do município. Não
é um órgão que possa ser extinto por nenhuma autoridade ou lei estadual ou
municipal. É necessária outra lei federal para que ele possa ser extinto.
Caráter deliberativo – Deliberar significa conversar para analisar ou resolver um
assunto, um problema, ou tomar uma decisão. Assim, o conselho de saúde deve
reunir-se com o objetivo de discutir determinados assuntos ou temas e chegar a um
acordo ou uma decisão.
Órgão colegiado – Um órgão colegiado é composto por pessoas que
representam diferentes grupos da sociedade. O conselho municipal de saúde é
composto por:
Representantes dos gestores (representantes da prefeitura).
Representantes dos prestadores de serviço (instituições conveniadas ao SUS ou
filantrópicas);
Representantes dos trabalhadores de saúde (profissionais da área de saúde
Farmacêuticos, médicos, enfermeiras e outros);
Representantes dos usuários de saúde (associações de moradores, associações de
trabalhadores, comunidade científica, entidades de aposentados e pensionistas,
associações de portadores de deficiências, associações de portadores de patologias
etc.).
O usuário é aquele que não está comprometido de forma direta ou indireta com
os demais grupos (gestores, prestadores de serviço e profissionais de saúde), não
possuindo qualquer vínculo empregatício na área de saúde. O segmento dos usuários
deve ser paritária com os demais segmentos, isto quer dizer que 50% dos integrantes
do Conselho de Saúde têm que ser usuários.
Com o processo de descentralização, o município torna-se de fato, a entidade
político-administrativa que oferece melhores condições para a prática da participação
popular na gestão da vida pública, pois o governo local reside em ser a autoridade que
está mais perto das necessidades e reivindicações da população.
É importante considerar que a participação popular, nos conselhos de saúde
municipal, pode ter duas vertentes. A primeira de servir como palco de manipulação
para atender aos interesses (políticos) daqueles que o compõem, sem a devida
abertura democrática na sua formação, cumprindo somente formalidades burocráticas
para o funcionamento do sistema público de saúde. A segunda vertente, o conselho de
saúde municipal serve como espaço de luta, que possibilite o avanço nas propostas de
ampliação das conquistas populares na área de saúde. É importante ressaltar que os
conselhos são espaços de conflito de interesses, muitas vezes antagônicos entre
usuários, governo e trabalhadores, que precisam ser enfrentados com transparência.
No sentido de buscar a materialização da participação da odontologia nos
conselhos municipais de saúde são apontadas algumas propostas para a área de saúde
bucal, entre elas:
Responsabilizar o coordenador de saúde bucal a levar informações,
questionamentos e propostas ao CMS regularmente.
Estreitar as relações entre CMS e a Equipe de Saúde Bucal com a presença
permanente de um representante da área da saúde bucal nas reuniões ordinária do
Conselho.
Criar mecanismos onde haja interação multiprofissional (médicos, dentistas,
enfermeiros etc.) para que o usuário seja informado sobre a importância da saúde
bucal, dentro do contexto da saúde geral.
Disponibilizar para os CMS os relatórios da vigilância sanitária (fluoretação as águas
de consumo) e epidemiológica.
Incentivar a participação das entidades representativas da odontologia nos
conselhos.
Inserir nas discussões no Conselho Municipal os problemas relativos da saúde bucal.
Manter os Conselheiros Municipais informados sobre campanhas, palestras
programas e ações de saúde bucal, para que possam orientar os outros usuários.
Por fim, o modelo de atenção odontológico deve contemplar o planejamento
estratégico ascendente, com a ativa participação da comunidade na elaboração das
atividades de saúde bucal, pautadas pelas diferentes realidades de cada área do
município.
No que referem às conferências de saúde, estas devem se reunir em cada nível
de governo a cada quatro anos, com a representação dos diversos segmentos sociais,
podendo ser convocadas pelo poder Executivo ou extraordinariamente pelos próprios
conselhos de saúde. Constituem-se, portanto, as conferências municipais de saúde, as
conferências estaduais de saúde e a Conferência Nacional de Saúde, com o objetivo de
avaliar a situação de saúde em cada uma de suas áreas de competência e propor as
diretrizes para formulação de políticas.
Portanto, a participação da comunidade é um poderoso instrumento da
sociedade, formalmente reconhecido e instituído no interior do SUS, para a
participação e controle social no campo da saúde e na consolidação e desenvolvimento
da democracia em nosso país.

AMBIÊNCIA E FUNCIONAMENTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE


Ambiência
A ambiência de uma UBS refere-se ao espaço físico (arquitetônico), entendido
como lugar social, profissional e de relações interpessoais, que deve proporcionar uma
atenção acolhedora e humana para as pessoas, além de um ambiente saudável para o
trabalho dos profissionais de saúde. Para um ambiente adequado em uma UBS,
existem componentes que atuam como qualificadores do espaço, tais como; recepção
com divisórias sem grades ou vidros (para não intimidar ou dificultar a comunicação e
também garantir privacidade à pessoa), identificação dos serviços existentes, escala
dos profissionais, horários de funcionamento e sinalização de fluxos, conforto térmico,
e espaços adaptados para as pessoas com deficiência em conformidade com as
normativas vigentes.
Para a realização da prática profissional, recomenda-se os seguintes ambientes:
Consultório médico, odontológico e de enfermagem com sanitário;
Sala de procedimentos e curativos;
Sala de vacinas;
Área para assistência farmacêutica;
Sala de inalação coletiva;
Sala de coleta/exames;
Sala de expurgo e de esterilização;
Sala de observação;
Sala de atividades coletivas para os profissionais da Atenção Básica.

Funcionamento
Recomenda-se que as Unidades Básicas de Saúde tenham seu funcionamento
com carga horária mínima de 40 horas/semanais, no mínimo 5 (cinco) dias da semana
e nos 12 meses do ano, possibilitando acesso facilitado à população. Horários
alternativos de funcionamento podem ser pactuados através das instâncias de
participação social, desde que atendam expressamente a necessidade da população,
observando, sempre que possível, a carga horária mínima descrita acima.
Atualmente as Unidades Básicas de Saúde podem aderir ao Programa Saúde na
Hora Brasil, que dá incentivo financeiro à ampliação de horário de funcionamento das
unidades de SF, visando ao aumento do acesso nos municípios de médio e grande
porte.
O programa tem como objetivo ampliar o acesso aos serviços de Atenção
Primária à Saúde (APS) por meio do funcionamento de Unidade de Saúde da Família
(USF) em horário estendido, proporcionando maior possibilidade dos usuários
conseguirem atendimento. A Unidade que aderir ao programa deve ofertar os mesmos
serviços durante todo o período de funcionamento da USF. Assim, durante o horário
estendido, o processo de trabalho das equipes deverá ser organizado de modo que
todos os tipos de atendimentos, consultas e exames aconteçam também durante o
funcionamento noturno e aos finais de semana (sábado e domingo). O programa
Saúde na Hora, primeiro a ser lançado pelo Ministério da Saúde no governo Bolsonaro,
explicita a prioridade dada ao cuidado individual e ao atendimento à demanda
espontânea, transformando as UBS, dos municípios de médio e grande porte, em
unidades de pronto-atendimento. O acolhimento ao adoecimento agudo na APS
certamente precisa ser garantido. Todavia, esta iniciativa tende a transformar a ESF em
pronto-atendimento, devido a abertura à contratação de plantonistas, sem o trabalho
conjunto com os ACS, podendo comprometer atributos da APS como a
longitudinalidade e coordenação do cuidado.
Os municípios podem aderir aos seguintes formatos de funcionamento de USF:
USF com horário de funcionamento de 60 horas (com ou sem equipe de Saúde
Bucal): O funcionamento da USF deve ser de no mínimo 60 horas semanais, com 12
horas diárias ininterruptas, de segunda-feira a sexta-feira, durante cinco dias úteis.
Excepcionalmente, será permitido o funcionamento de cinco horas aos sábados e/ou
domingos, desde que seja assegurado o funcionamento de 11 horas diárias
ininterruptas de segunda a sexta-feira.
USF com horário de funcionamento de 75 horas com Saúde Bucal: O
funcionamento da USF deve ser de no mínimo 75 horas semanais, com 15 horas diárias
ininterruptas de segunda-feira a sexta-feira, durante cinco dias úteis.
Excepcionalmente será permitido o funcionamento de cinco horas aos sábados e/ou
domingos, desde que seja assegurado o funcionamento de 14 horas diárias
ininterruptas de segunda a sexta-feira.

Tipos de Equipe da Atenção Básica

Equipe de Saúde da Família (eSF): É a estratégia prioritária de atenção à saúde e


visa à reorganização da Atenção Primária à Saúde no país, de acordo com os preceitos
do SUS. É considerada como estratégia de expansão, qualificação e consolidação da
Atenção Primária à Saúde, por favorecer uma reorientação do processo de trabalho
com maior potencial de ampliar a resolutividade e impactar na situação de saúde das
pessoas e coletividades, além de propiciar uma importante relação custo-efetividade.
Composta no mínimo por médico, preferencialmente da especialidade medicina
de família e comunidade, enfermeiro, preferencialmente especialista em saúde da
família; auxiliar e/ou técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde (ACS).
Podendo fazer parte da equipe o agente de combate às endemias (ACE) e os
profissionais de saúde bucal: cirurgião-dentista, preferencialmente especialista em
saúde da família, e auxiliar ou técnico em saúde bucal. O número de ACS por equipe
deverá ser definido de acordo com base populacional, critérios demográficos,
epidemiológicos e socioeconômicos, de acordo com definição local. Em áreas de
grande dispersão territorial, áreas de risco e vulnerabilidade social, recomenda-se a
cobertura de 100% da população com número máximo de 750 pessoas por ACS.
Para equipe de Saúde da Família, há a obrigatoriedade de carga horária de 40
(quarenta) horas semanais para todos os profissionais de saúde membros da ESF.

Equipe da Atenção Básica (eAB): esta modalidade deve atender aos princípios e
diretrizes propostas para a Atenção Primária à Saúde. Como modelo prioritário é a ESF,
as equipes de Atenção Básica (eAB) podem posteriormente se organizar, solicitando
mudança para eSF e incentivos financeiros equivalentes. As equipes deverão ser
compostas minimamente por médicos preferencialmente da especialidade medicina
de família e comunidade, enfermeiro preferencialmente especialista em saúde da
família, auxiliares de enfermagem e ou técnicos de enfermagem. Poderão agregar
outros profissionais como dentistas, auxiliares de saúde bucal e ou técnicos de saúde
bucal, agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemias.
A Política Nacional de Atenção Básica 2017 permitiu estabelecer equipes de
Saúde da Família (SF) com apenas um ACS e equipes AP (eAP) sem ACS, o que pode
ocasionar dificuldade de desenvolver o vínculo entre as pessoas e profissionais, a
continuidade, coordenação e longitudinalidade do cuidado. A possibilidade de
ausência do ACS afeta um dos pilares do modelo assistencial que caracteriza a ESF em
seu componente comunitário e de promoção da saúde.

Equipe de Saúde Bucal (eSB): Modalidade que pode compor as equipes que
atuam na atenção básica, constituída por um cirurgião-dentista e um técnico em saúde
bucal e/ou auxiliar de saúde bucal. Os profissionais de saúde bucal devem estar
vinculados à uma Unidade Básica de Saúde ou a Unidade Odontológica Móvel,
podendo se organizar nas seguintes modalidades: Modalidade I: Cirurgião-dentista e
auxiliar em saúde bucal (ASB) ou técnico em saúde bucal (TSB) e; Modalidade II:
Cirurgião-dentista, TSB e ASB, ou outro TSB. Independente da modalidade adotada, os
profissionais de Saúde Bucal são vinculados a uma equipe de Atenção Básica (eAB) ou
equipe de Saúde da Família (eSF), devendo compartilhar a gestão e o processo de
trabalho da equipe, tendo responsabilidade sanitária pela mesma população e
território adstrito que a equipe de Saúde da Família ou Atenção Básica a qual integra.

Cada equipe de Saúde de Família que for implantada com os profissionais de


saúde bucal ou quando se introduzir pela primeira vez os profissionais de saúde bucal
numa equipe já implantada, modalidade I ou II, o gestor receberá do Ministério da
Saúde os equipamentos odontológicos, através de doação direta ou o repasse de
recursos necessários para adquiri-los (equipo odontológico completo).
A atuação das eSB pode se dar tanto nas UBS como também nas Unidades
Odontológicas Móveis (UOM). Estas são dispositivos de apoio (veículos adaptados e
equipados) que atuam em áreas de difícil acesso e de dispersão populacional,
ofertando cuidado para populações específicas.

Atribuições comuns a todos os membros das Equipes que atuam na Atenção


Básica:
Participar do processo de territorialização e mapeamento da área de atuação da
equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos e vulnerabilidades;
Cadastrar e manter atualizado o cadastramento e outros dados de saúde das
famílias e dos indivíduos no sistema de informação da Atenção Básica vigente,
utilizando as informações sistematicamente para a análise da situação de saúde,
considerando as características sociais, econômicas, culturais, demográficas e
epidemiológicas do território, priorizando as situações a serem acompanhadas no
planejamento local;
Realizar o cuidado integral à saúde da população adscrita, prioritariamente no
âmbito da Unidade Básica de Saúde, e quando necessário, no domicílio e demais
espaços comunitários (escolas, associações, entre outros), com atenção especial às
populações que apresentem necessidades específicas (em situação de rua, em medida
socioeducativa, privada de liberdade, ribeirinha, fluvial, etc.).
Realizar ações de atenção à saúde conforme a necessidade de saúde da
população local, bem como aquelas previstas nas prioridades, protocolos, diretrizes
clínicas e terapêuticas, em conformidade com os programas nacionais de saúde;
Garantir a atenção à saúde da população adscrita, buscando a integralidade por
meio da realização de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde,
prevenção de doenças e agravos e da garantia de atendimento da demanda
espontânea, da realização das ações programáticas, coletivas e de vigilância em saúde.
Participar do acolhimento dos usuários, proporcionando atendimento
humanizado, realizando classificação de risco, identificando as necessidades de
intervenções de cuidado, responsabilizando- se pela continuidade da atenção e
viabilizando o estabelecimento do vínculo;
Responsabilizar-se pelo acompanhamento da população adscrita ao longo do
tempo no que se refere às múltiplas situações de doenças e agravos, e às necessidades
de cuidados preventivos, permitindo a longitudinalidade do cuidado;
Responsabilizar-se pela população adscrita mantendo a coordenação do cuidado
mesmo quando necessita de atenção em outros pontos de atenção do sistema de
saúde;
Utilizar o Sistema de Informação da Atenção Básica vigente para registro das
ações de saúde na AB, visando subsidiar a gestão, planejamento, investigação clínica e
epidemiológica, e à avaliação dos serviços de saúde;
Contribuir para o processo de regulação do acesso a partir da Atenção Básica,
participando da definição de fluxos assistenciais na RAS, bem como da elaboração e
implementação de protocolos e diretrizes clínicas e terapêuticas para a ordenação
desses fluxos;
Realizar busca ativa de internações e atendimentos de urgência/emergência por
causas sensíveis à Atenção Básica, a fim de estabelecer estratégias que ampliem a
resolutividade e a longitudinalidade pelas equipes que atuam na AB;
Realizar visitas domiciliares e atendimentos em domicílio, Instituições de Longa
Permanência (ILP), abrigos, entre outros tipos de espaços sociais existentes em seu
território, de acordo com o planejamento da equipe, necessidades e prioridades
estabelecidas;
Realizar atenção domiciliar a pessoas com problemas de saúde
controlados/compensados com algum grau de dependência para as atividades da vida
diária e que não podem se deslocar até a Unidade Básica de Saúde;
Realizar trabalhos interdisciplinares e em equipe, integrando áreas técnicas,
profissionais de diferentes formações buscando incorporar práticas de vigilância,
clínica ampliada e matriciamento ao processo de trabalho cotidiano (realização de
consulta compartilhada e construção de projeto terapêutico singular)
Articular e participar das atividades de educação permanente e educação
continuada;
Realizar ações de educação em saúde à população adstrita, conforme
planejamento da equipe e utilizando abordagens adequadas às necessidades deste
público;
Promover a mobilização e a participação da comunidade, estimulando
conselhos/colegiados, constituídos de gestores locais, profissionais de saúde e
usuários, viabilizando o controle social na gestão da Unidade Básica de Saúde;
Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar ações
intersetoriais;

Atuação do Cirurgião-Dentista na Equipe de Saúde:


Realizar a atenção em saúde bucal (promoção e proteção da saúde, prevenção
de agravos, diagnóstico, tratamento, acompanhamento, reabilitação e manutenção da
saúde) individual e coletiva a todas as famílias, a indivíduos e a grupos específicos,
atividades em grupo na UBS e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos
demais espaços comunitários (escolas, associações entre outros). É importante realizar
diagnóstico com a finalidade de obter o perfil epidemiológico para o planejamento e a
programação em saúde bucal no território. Deve coordenar e participar de ações
coletivas voltadas à promoção da saúde e à prevenção de doenças bucais, bem como,
acompanhar, apoiar e desenvolver atividades referentes à saúde com os demais
membros da equipe, buscando aproximar saúde bucal e integrar ações de forma
multidisciplinar. Compete ainda realizar supervisão do técnico em saúde bucal (TSB) e
auxiliar em saúde bucal (ASB).
O cirurgião dentista juntamente com os agentes comunitários de saúde (ACS)
pode desenvolver atividades de atenção à saúde bucal de acordo com as necessidades
identificadas por meio das visitas domiciliares. O Agente Comunitário de Saúde
orientado por um cirurgião-dentista, membro da equipe, após treinamento específico
e fornecimento de materiais adequados poderá desenvolver ações de prevenção e de
vigilância da saúde em grupos situados em micro áreas de risco, bem como, grupos
que possuam fatores de risco clínico-comportamentais (hábitos alimentares e/ou
higiene). Estas ações tem a finalidade de prevenir o aparecimento ou a persistência de
condições crônicas que podem ser evitáveis. Poderá ser considerada, ainda, na
atuação do Agente Comunitário de Saúde, sua contribuição na organização da agenda
por atendimento clínico na Unidade de Saúde, a partir de uma escuta qualificada
durante as visitas e classificação de risco clínico e social. Inclui-se aqui o planejamento
e organização da agenda de trabalho compartilhado (grupos prioritários; gestantes,
hipertensos e diabéticos) com outros os profissionais da equipe de saúde. O ACS pode
participar dos processos de regulação no que refere a desistências de consultas na
Unidade de Saúde e Centro de Especialidades Odontológicas quando houver
encaminhamentos pelo cirurgião-dentista. Importante ressaltar que os ACS só
realizarão a execução dos procedimentos com a devida capacidade técnica específica
se detiverem a respectiva formação.

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