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BIBLIOTHECA DO Povo
E DAS ESCOLAS
Reservados todos os direitos de traducção Ou reproducção
PROPAGANDA DE INSTRUCÇÃO
PARA

PORTUGUEZES E BRAZILEIROS

BIBLIOTHECA DO POVO
E DAS ESCOLAS

SEXTA SERIE

(N.o 41 a 48)

LISBOA
DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS
Promiada com medalha de ouro na exposição do Rio de Janeiro
Administração : Rua da Atalaya, 40 a 52
Filial no Brazıl, 40 , Rua da Quitanda, Rio de Janeiro
1883
Stack
Annex

5
113
343
V. 6

SEXTA SERIE

N.° 41 - Escripturação commercial


N. ° 42- Anatomia humana
N.° 43 - Geometria no espaço
N.° 44 - Hygiene da alimentação
N. ° 45 — Philosophia popular em proverbios
N.° 46 - Historia universal
N.° 47 - Biologia
N.° 48 - Gravidade
QUATRO PAGINAS DE PROLOGO

« Ha na sociedade moderna uma incontestavel tendencia


para a vulgarização dos conhecimentos humanos em todos os
seus ramos variadissimos .
«D'essa tendencia é que sobretudo resultará o bem- estar
das gerações futuras.
«Auxiliál-a, por qualquer modo que soja, eignifica forne
cer elementos para a resolução de um problema importantis
simo.
« Assim o pensámos, ao preparar a collecção que hoje an
nunciamos ao publico.
« Assim o intendemos, quando nos propuzemos subscrever a
sacrificios enormes, sem idéa alguma de especulação mercan
til, e só com a mira na instrucção d'aquelles que não sabem
por lhes fallecerem recursos com que apprendam .
« A Bibliotheca do Povo e das Escolas vem acudir a uma
falta que já, desde tempos, outros paizes taes como aIngla .
terra, a França, a Italia, á Allemanha e os Estados Unidos
da America, têem tratado de remediar dando a publico, por
modico preço, collecções no genero da que ora sai a lume.»
Isto dizia o editor David Corazzi quando, ha doisannos,
inaugurou com a Historia de Portugal este civilizador im
prehendimento ; o publico ecceitando na devida intenção esse
desinteressado serviço, e correndo pressuroso a secundar tão
patrioticos esforços, mostra que sabe ser grato e reconhecido
para com os propugnadores da instrucção. A Bibliotheca do
Povo e dus Escolas é hoje em Portugal e no Brazil uma das
collecções didacticas mais procuradas.
O proprio Governo acaba de sanccionar officialmente a es
tima publica dos nossos livrinhos , approvando muitissimos
d'elles para uso das aulas.
A este respeito folgamos de transcrever as amaveis refle
xões que recentemente deu a lume em seu n .° 239 o Novo
Diario dos Açores, - jornal que se publica em Ponta Delga
da,e que representa um dos periodicos mais lidos em todo o
archipelago açoriano.
2208328
Diz o artigo assim : De

« Acabamos de ter conhecimento de um facto que , se não


fôra muito conhecido,geralmente louvado, o subido criterio e a
zelosa dedicação do illustre inspector do ensino elementar e
complementar da circumscripção escolar açoriana,-sería tes
temunho eloquente de quauto s. ex. procura remover todas as M

difficuldades para que o progresso da instrucção , n’estas ilhas,


não seja uma mentira, uma burla, was uma affirmação posi
tiva, real.
tivalypoto sente-se naturalmente impellidopeloinfluxo civili
zador, que preconiza a escola, patenteando - lh'a como sendo
+

um beneficio do mais subido valor, e um dos mais augustos


sanctuarios onde se apprende a respeitar as grandes virtu
des, a applaudir tudo que é grande e sublime, tudo que for .
talece osespiritos, acalenta os animos, e predispõe a creança
do presente para ser, n'um proximo futuro, o homem conscien
te, o digno luctador, cooperante prestimoso no ingrandecimen
to da patria, organizador da familia em bases solidas, sympa
thicas e justas,excellentemente prescriptas pela mais saa mo
ral, de accordo com as mais generosas aspirações do progres
80, que levanta os caracteres, imprimindo-lhes convicções que
nảo hostilizam as boas normas scientificas.
«Uma das maiores difficuldades que até aqui se têem antepos
to ao desinvolvimento da instrucção popular, é inquestions
velmente a má selecção e carestia dos livros adoptados nas
escolas, o que tem sido muito censurado por quasi toda a im .
prensa do paiz. 1

«De continuo e com instancia se têem muitos espiritos ge


nerosos impenhado em chamar a attenção dos poderes gover
nativos do Estado para , a exemplo do que se faz lá fóra, abri .
rem-se concursos annuaes de livros de ensino , premiando os
que o merecerem por melhor satisfazerem ás exigencias prá
cticas da instrucção.
« Nada, porêm, se tem conseguido dos poderes publicos, atti
nente a correspondera tão patrioticos desejos, a melhorar as
condições caboticas da escola, emancipando-a da tutela abo
minavel, da imposição odiosa dos detestaveis compendios de
ensino, eivados de erros grosseiros, e vendidos por preço ab
solutamente incompativel com a exiguidade de recursos das
classes trabalhadoras e pobres.
«Um editor lisbonense, intelligente e activo, imprehendeu
ha tempos uma publicação que, pela superior competencia da
sua direcção, está procurando dotar as nossas escolas com li
vros depropaganda scientifica, elaborados por escriptores au
ctorizados,-pondo ao alcance de todos, uteis conhecimentos,
por ummodo breve,racional, sem tortura dos espiritos e sem
dispendio de muito dinheiro, para poderem ser possuidos sem
sacrificio por qualquer que tenha vontade de se instruir.
« Estamo-nos referindo á Bibliotheca do Povo e das Escolas,
cuja benemerita impresa tão assignalados serviços está pres
tando ao progresso escolar de Portugal e Brazil, atirando
quinzenalmente á publicidade bellos compendios de sciencia,
para uso das escolas, e faceis de serem comprehendidos pelo
poyo .
« Em concurso com outros livros destinados ao ensino, te
riam decerto direito a ser premiados os de que tratamos, pe.
la grande aspiração popular a que voluntaria e espontanea
mente correspondem .
«O que não têem feito os poderes publicos, talvez por não
Ihes ser possivel desprenderem -se de influencias e impenbos
de interessados na venda de livros maus e caros, está reali
zando uma impresa particular !
« E , porque o prestigio da instrucção é immenso, a gloria
d'essa impresa ha de ser immorredoura--porque já é podero
sissima a sua influencia nos espiritos que se instruem e edu
cam para formar sociedades cultas e bem preparadas por um
« aggregado de conhecimentos uteis e indispensaveis, expos
« tos por forma succinta e concisa, mas clara, despretenciosa,
aao alcance de todas as intelligencias» ,- emancipada, emfim ,
dos vicios pedantescos e dos preconceitos risiveis de uma ro
tina obnoxia a que se tem obrigado até aqui a instrucção po
pular.
«No Diario do Governo, n.° 287, de 19 de dezembro ulti
mo (-) , vêm approvados, com parecer favoravel da Junta con
sultiva de instrucção publica, os seguintes livros da Biblio
theca do Povo e das Escolas :)

Depois de apresentar a lista dos opusculos approvados pe.


lo Governo, termina por esta forma o artigo :
« E o sr. Manuel Francisco de Medeiros Botelbo, digno ins
pector da circumscripção escolar açoriana, convencido de que
( * ) Com respeito á relação dos livros da Bibliotheca do Povo e das Escolas ap
provados em conformidade com o parecer da Junta consultiva de instrucção
publica, veja -se nãosóo supra -citado Diario do Governo de 19 de dezembrode
1882 , mas ainda o de 15 de dezembro do mesmo anno e o de 15 de janeiro de
1883 .
estes livros, de costo extremamente modico (50 réis em moe.
da forte, cada um ) satisfazem ás exigeneias do ensino, vendo
os superiormente approvados, trata de recommendar a sua
& dopção, no que presta om relevante serviço social, que mui.
to estimamos registar aqui em merecido louvor de s.ex.*,
Na presenteserie, com que remata o segundo anno da nossa
publicação, estreiam-se tres novos collaboradores, cujos no
mes vêm abrilbantar a lista já numerosa dos que me auxi.
liam n'esta laboriosa tarefa de propaganda instructiva. As.
sim o sr. José Augusto Pereira Nunes (cavalheiro que faz
honra á classe dos funccionarios publicos pelo escrupulo e
zelo com que desimpenha as funcções de chefe de secção na
Administração dos Correios, Telegraphos e Pharoes de Lis.
boa) não hesitou em furtar ás poucashoras, que de repouso
The consentem as suas occupações officiaos, o tempo indis.
pongavel para proficientemente elaborar o curioso livrinho de
Escripturação commercial (volume, a que breve deve seguir
se, como natural complemento, outro a que poremos por titulo ,
Práctica de Escripturação) ;-o sr. Manuel Rodrigues de Oli
veira (um dos mais illustrados e mais sizudos medicos da
nossa marinha) nas paginas que escreveu sobre Hygiene da
alimentação justificou cabalmente o alto conceito por elle
grangeado em sua constante vida de applicação e proveitoso
estudo ; - finalmente o sr. Victor Ribeiro no opusculo Bio
logia não só revela uma excellente orientação de espirito al.
liada aos dotes de um bom escriptor, mas simultaneamente dá
creditos ao ensino official do Instituto Industrial de Lisboa,
cujas aulas frequentou com aproveitamento notavel.
Nos restantes livrinhos da 6.a serie collaboraram escri
ptores que o leitor da Bibliotheca do Povo e das Escolas co
ece já por outros trabalhos anteriormente publicados. As
sim o tratadinho de Anatomia humana deve - se ao sr. dr. João
Cesario de Lacerda ; o de Geometria no espaço, ao sr. tenente
Carlos Adolpho Marques Leitão ; e as noções physicas sobre
Gravidade, ao sr, tenente João Maria Jalles.

O Director da Bibliotheca
X. DA C.
DE INSTRUCÇÃO
PROPAGANDAPARA
Portuguezes e Brazileiros

BIBLIOTHECA DO Povo
E DAS ESCOLAS

CADA VOLUME 50 RÉIS

ESCRIPTURACAO
COMMERCIAL

OLU
CADA
TO

ME
especialmente accommodada ao ensino dos que frequentam
o

CURSO GERAL DOS LYCEUS


50 SEGUNDO ANNO - SEXTA SERIE
50
PEUS PEIS

Cada volume abrange 64 paginas, de composi


ção cheia, edição estereotypada , - e forma um
tratado elementar completo n'algum ramo de
sciencias, artes ou industrias, um florilegio lit
terario, ou um aggregado de conhecimentos
uteis e indispensaveis, expostos por forma
succinta e concisa, mas clara , despretenciosa,
popular, ao alcance de todas as intelligencias.

1882
DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS

Premiada com medalha de ouro na Exposição do Rio de Janeiro


Administração: 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa
Filial no Brazil : 40, R. da Quitanda, Rio de Janeiro

M NUMERO M
41
INDICE

Noções preliminares ..
Objecto e utilidade da Escripturação. Disposições legislativas com respei
to aos livros commerciaes..... 8
Das Contas..... ..............................
Diversas especies de contas...
Debito, credito , e saldo, em geral... 10
Maneira de se formar o debito e o credito em cada conta .............. 11
Dos Livros ... .............................. 16
21
Dos erros e sua correcção.............................................
Erros no Diario .....
Erros no Razão ..................................................... 22
Dos Balanços ..... ................................................ 25
Conta de liquidação.. 27
Das Lettras..
28
Breve noticia sobre escripturação em partidas simples...
Das Sociedades . 29
31
Contractos de compra e venda, e differentes formas de pagamento..., 33
Re- saque e conta de recambio...
35
Escripturação applicada..............................................
Barqueiros....
Arinadores ..................................................... 38
Fabricantes .................................................... 40
42
Agricultores 45
Sociedades anonymas .. ...............................
46
Partidas simples e partidas dobradas ................................. 47
Modelos de escripturas de sociedades.................................. 55
Exercicios ..

ERRATAS MAIS IMPORTANTES

Pag. Linha Onde se lê Leia -se


6 8 a9 vaer emettida vae remettida
12 5 lettras ou fiadas, lettras , ou fiadas,
13 9 quando existe quando existe,
19 42 a 43 Sendo pers fazendas Sendo pelas fazendas
31 1 compra e vedna compra e venda
15 subdivido subdividido
26 a 27 Deszas de fabricação Despezas de fabricação
42 26 conta de contas de
15 30 estatutos estatutos,
14 methodicamente methodicamente ,
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL
..... n'este seculo de especulações
(em que mesmo as summidades sociaes se teem
tornado industriaes, e em que tudo se cifra e
de resume em contas saldadas e por saldar) ,
é bem necessario a todos familiarizarem - so
com a linguagem das contas, principalmente
com a escripturação, que é das suas mais fre
qnentes applicações aquella de que mais pro
veito se pode tirar. O seu estudo é já o comple
mento indispensavel de uma educação esmera
dà, podendo inclusivamente prever- se que den .
tro em pouco será um dos elementos consti
tuintes da educação geral.
EMDUNDO DÉGRANGES.

NOÇÕES PRELIMINARES
Commercio é a industria applicada á permutação e circu .
lação dos productos naturaes e industriaes.
A palavra commercio tem differentes accepções. Quando,
por exemplo, se diz que o commercio de Lisboa representou
contra o novo tratado com a França , o vocabulo commercio
symboliza aqui a corporação dos negociantes. Refere -se, po
rém , ao grande movimento de transacções commerciaes de
umacasa ou de uma terra, quando por exemplo dizemos : Oso
rio & C. fazem grande commercio , ou Setubal tem muito com .
mercio.
Chamam -ee indistinctamente artigos de commercio os gene
ros e mercadorias ; no entanto a palavra generos designamais
particularmente os objectos que servem para alimentação.
O commercio admitte varias divisões, e assim se distingue
em :
Commercio activo e passivo ;
>> interior e exterior ;
>> directo e indirecto ;
>> de transporte, expedição, ou commissão.
Diz- se activo o commercio, quando os productos do proprio
paiz excedem o consumo dos que importa, ou quando se ex
porta mais do que se importa. E ' passivo no caso inverso .
Diz- se interior, quando é feito entre praças do mesmo paiz
ou entre as dos paizes extrangeiros e as do proprio. Exterior
4 BIBLIOTHECA DO POVO

se diz, quando feito entre as praças do proprio paiz e outras


de paizes extrangeiros.
Quando o commerciante compra em paiz extrangeiro ou no
proprio paiz para vender n'este, diz -se que faz commercio in
terior ; fará, porêm , commercio exterior, quando comprar no
proprio paiz para vender no extrangeiro.
E' directo o commercio, quando feito directamente entre
dois paizes ou directamente entre o vendedor e o comprador ;
indirecto, quando seja feito entre dois paizes por intermedio
de um terceiro ou entre duas pessoas por intervenção de ou
tra.
As pessoas que por vias terrestres ou fluviaes se incarre
gam da remessa de mercadorias, exercem o commercio de ex
pedição e transporte ; aquelle que em seu nome compra por
conta de outro exerce o commercio de commissão.
Finalmente ha tambem o commercio de especulação que de
pende de maiores capitaes e para o qual é preciso ter em
vista as estatisticas de producção e consumo, de importa
ção e exportação entre os differentes paizes, bem como todas
as causas que possam influir, directa ou indirectamente, na
procura dos objectos que se pretendam negociar.
O commercio, como permutação e circulação de productos
naturaes, divide-88 em : agricola, colonial e de pescaria. E '
agricola, quando o seu objecto são os productos da terra. E'
colonial quando se refere a productos originarios de paizes
extra -europeus. E' de pescaria quando tem por objecto os pro
ductos da pesca (taes como peixes, mariscos, perolas, coral,
etc.).
O commercio, como permutação e circulação de productos
industriaes, divide-se em : fabril, artistico, cambial, de con
strucções navaes, etc. Chama- se fabril ao das manufacturas e
artefactos, isto é, ao que tem por objecto a materia prima
transformada pela mão d'obra (taes são os tecidos, os instru
mentos, a mobilia, etc.). Artistico se diz quando tenha por
objecto as obras de litteratura, artes e sciencias. O cambial
comprehende o oiro e a prata em barra ou em moeda.

Posto isto, intremos agora na definição e explicação de cer


tos termos frequentemente empregados nas transacções com
merciaes.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 5

Bolsa (-) ou Praça.-- E' o local onde se reunem os nego


ciantes, banqueiros, commissarios e outros, e onde tambem se
põem em basta publica papeis de credito, bens moveis ou im
1
moveis, etc.
Tara.- Assim se chama ao pezo da barrica, sacco, etc.,
em que a mercadoria vem impacotada.
Pezo bruto.- E ' o pezo que tem a mercadoria impacotada.
Pezo liquido.- E' o pezo da mercadoria och involucro.
Bom pezo.- Por esta expressão se designa um tanto a mais
no pezo a favor do comprador, attendendo á quebra que a
mercadoria possa ter.
Commerciantes.- São os individuos que exercem habitual
mente o commercio .
Contractos commerciaes.- Chamam -se assim os que são
feitos sobre objecto de commercio.
Cambio.- E ' a troca de moeda entre duas praças. O cam
bio chama- se interior, quando se refere a praças do mesmo
paiz ; exterior, quando designa a troca de moedas entre pra
ças de diversos paizes. O cambio interior subdivide-se em
cambio miudo e cambio de transferencia.
Cambio miudo é o agio, isto é, o desconto que se soffre pela
troca de moedas na mesma praça .
Cambio de transferencia é o premio que se paga pela troca
de moedas entre praças do mesmo paiz.
No cambio exterior uma das praças dá uma quantia fixa
em troca da moeda (que sechama o certo ou a unidadede
cambio ) e a outra uma quantia variavel (que se chama o in
certo ou o preço da unidade de cambio ).
Seguro.- É o contracto feito entre duas casas commer
ciaes, ou entre dois individuos, sobre o risco que corre o obje
cto que se segura .
Estas duas partes contractantes tomam os nomes de segu
rador e segurado.
Segurador é o que toma sobre si o risco.
Segurado é o que afasta de si o prejuizo que lhe poderia
causar a realização d'esse risco, mediante um certo premio
que paga ao segurador e que se denomina premio do seguro.
Fretamento.- E' o contracto de locação- conducção de um
navio.
( * ) A origem d'esta palavra data de 1531 e vem da familia Van -der-Borsen ,
porque ella tinha em Bruges uma casa (situada ao pé da praça publica) na
qual se reuniam os commerciantes.
Mais tarde construiram -se outras casas proprias para estas reuniões em
Lyon , Tolosa, Antuerpia, Rouen, etc., chamadas Bourses ; d'aqui a palavra
Bolsa que nós adoptámos traduzindo á lettra o vocabulo francez:
6 BIBLIOTHECA DO POVO

O locador ou o que impresta o navio, chama-se fretador.


O conductor ou o que se serve do navio, chama-se afretador.
Frete é o preço do fretamento.
Carregação.- Significa -se por este vocabulo a remessa de
uma certa quantidade de mercadorias que um negociante faz
a outro de conta propria ou alheia. Podem as carregações ser
feitas por um de quatro modos : 1.° por conta do remettente ;
2.0 por conta do consignatario (queé a pessoa a que vae re
mettida a fazenda ; 3.0 por conta do remettente e consigue
tario ; 4. ° por conta de terceira pessoa.
Delcredere.- E' uma palavra derivada do verbo italiano
credere que significa fiar ou confiar. « Estar delcredere d'al
guem » é o mesmo que -- abonar ou ficar por fiador d'esse al
guem. Quando um negociante vende fazendas por conta d'ou
tro e as vende fiadas, tomando sobre si a responsabilidade
por commum accordo, recebe por esse risco um certo premio
que se chama delcredere.
Activo e passivo.- São de uso frequentissimo no commer
cio estas duas expressões.
Activo é tudo o que o negociante possue em mercadorias,
dinheiro, bens moveis, lettras ou obrigações para receber,
acções ou quaesquer outros titulos, dividas activas (-), etc.
Passivo é tudo o que o negociante deve ou tem a pagar,
como são lettras por elle aceitas e ainda não vencidas e di
vidas passivas ( .. ) .
Commissão.- E' a ordem que um negociante dá a outro
para comprar, vender, ou executar outra qualquer transacção .
Tambem pelo nome de commissão se designa o premio que
o individuo recebe, e mette em conta, pelo trabalho e cui
dado na execução de qualquer negocio alheio.
O individuo que executa a commissão, chama-se commissa
rio ; quem dá as ordens chama- se committente ou mandatario .
Corretor.- E'o medianeiro entre negociantes ; é o indivi.
duo que intervem nas compras e vendas de fazendas, nos sa
ques e remessas de lettras de cambio , nos seguros , etc.
Corretagem se diz o premio que os corretores vencem pelo
seu trabalho.
Corretores de numero se chamam especialmente aquelles
que são approvados por algum tribunal de commercio. Os ou
tros chamam - se zanganos .

( *) Dividas activas de qualquer commerciante ou casa commercial so chamam


as sommas que outrem lhe deve, por opposição a dividas passivas.
(**) Dividas passivas se dizem, por opposição a dividas activas, as sommas
que deve a outrem um dado commerciante ou uma dada firma commerciali
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 7

Terminaremos este capitulo de noções geraes, apresentando


o seguinte quadro de
caes
Termos o abreviaturas com
orta carta
m /c -minha conte ou nossa cartu
p/c fua conta ou sua carta
oc clc ---minha conta corrente
o / c /o -nossa conta corrente
810 /C -sua conta corrente
c/ c -conta corrente
-conta de venda
c/v
c/p -conta de purticipação ou conta propria
c/a --conta alheia
m/ minha ordem
p/ --nossa ordem
s /o --sua ordem
0/de -ordem de
0 / S/ F --- ordem sobre Fulano
0% por cento
c/ m --conta -metade
ola --dias de data
a /v dias de vista
m /a -amezes de data
m/v mezes de vista
ca
c/m.ca -contra -marca
p. p. --proximo passado
p. f. --proximo futuro
p. m. o. m . - pouco mais ou menos
q . v. -queira voltar
p. b . - posto a bordo ou pezo bruto
b. p.° -boт pezo .
L. -livro ou liquido
S. E. O.
ou salvo erro e omissão
S. E. & 0.
8. E , ou 0 ..-salvo erro ou omissão
Merc. ger .--Mercadorias geraes
Desp. ger. -Despezas geraes
T.& tara
8 BIBLIOTHECA DO POVO

OBJECTQ E UTILIDADE DA ESCRIPTURAÇÃO.


DISPOSIÇÕES LEGISLATIVAS COM RESPEITO
AOS LIVROS COMMERCIAES
Escripturação
differentes e
livros notas exacde organizar methodicamente em
Receber dinheiro ou pagal- o, nagasas transacções.
mites , causas que
possam dar occasião a esse recebimento ou pagdul a
ber mercadorias a credito remettidas por diversos individuses ,
vendêl - as a prazo ; acceitar lettras ou sacál as ; - daria tudo
isso inevitavelmente origem a um completo cabos, se não
houvesse uma escripturação regular, isto é, clara, exacta e
methodica de todas estas transacções.
Essa escripturação faz - se (como dissémos) por lançamen
tos em livros convenientemente dispostos para esse fim .
Os livros que, segundo a lei ordena, todo o negociante de
ve possuir, são : o Diario, Copiador de cartas e o livro dos
Inventarios.
A lei querecommenda a escripturação por partidas dobru
das é a de 22 de dezembro de 1761.
Por leis posteriores e de moderna data, o Diario e o Ra
zão (que é um extracto d'aquelle por especificação de contas)
devem ser sellados com sello de verba .'
Segundo o Codigo Commercial, é tambem o negociante obri .
gado a archivar todas as cartas recebidas e a dar balanço
nos primeiros tres mezes de cada anno, lançando- o n'um li
vro para esse fim destinado, onde o deverá assignar.
Para os mercadores de retalho a obrigação d’este balanço
intende - se de tres em tres annos.
A natureza dos negocios de cada casa e os differentes ra
mos de cada administração obrigam a ter outros livros que
se chamam Auxiliares, porque, assentando -se n'elles por ex
tenso todas as explicações e circumstancias de que se com
põem a maior parte das transacções, elles auxiliam e habili
tam a lançar simplesmente a substancia das mesmas transac
ções nos livros principaes, com menos confusão e maior bre
vidade, reportando-se aos Auxiliares para a individuação das
particularidades que não constituem a essencia da transac
ção; como, porêm , estes livros dependem da qualidade dos
negocios de cada casa, o seu numero é incerto e arbitrario.
Para distinguir a serie de cada jogo de livros, torna - se in
dispensavel marcál- os com as lettras do alpbabeto ou nume
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 9

rál-os, chamando ao primeiro jogo de livros : Diario A – Ra


zão A, ou Diario n.o 1 - Razão n ° 1; ao segundo jogo, Dia
rio B – Razão B, ou Diario n.º 2 –Razão n.o 2; etc.
A escripturação por partidas dobradas é assim chamada
porque,- sendo positiva a materia de qualquer transacção
em relação a uma das partes contractantes, e negativa em
relação à outra , - ella se lança na mesma occasião em conta
de quem intrega e em conta de quem recebe.
DAS CONTAS

Diversas especies de contas


Contas .-- Em escripturação chamam-se contas os titulos
sob que se reunem as transacções da mesma especie, ou res
peitantes a um individuo.
Dividem -se em : proprias, especiaes e particulares.
Contas proprias. São as que se designam sob os titulos
de Capital, eGanhos e Perdas .
Contas especiaes.- Chamam -se assim as que constituem em
prego das partes do capital, como são :
Fazendas Geraes (e suas sub -divisões );
Caixa ;
Lettras a Receber ;
Lettras a Pagar ;
Acções ;
Fabrica ;
Seguros ;
Conta d'oiro e prata ;
Gastos de negocio ;
Commissões ;
Moveis ;
Conta de cambio ou Arbitrios de cambio ;
Bens immoveis ;
Banco ;
Delcredere ;
Navio tal . .;
Armazem tal . .;
Despeza da casa ;
Remessas e carregações para fóra ; etc.
Entre estas contas, umas são arbitrarias ou auxiliares e de
10 BIBLIOTHECA DO POVO

pendem do modo, como cada um pretenda reger a sua es


cripturação. Outras são contigentes ; dependem da qualida
de dos negocios do commerciante e ainda dos estylos da
terra .
Contas particulares. São as que se abrem as pessoas (in
dividuaes ou collectivas) que por transacções de credito de +

vem ou têem a haver.


E' considerada egualmente no numero das particulares a
conta de Consignações por cl de..... (por isso que representa
valores que não pertencem ao negociante ).

Debito, credito, e saldo , em geral

Debito 'e credito.- Em logar das palavras positivo e nega


tivo que usualmente se empregam , adoptam -se na escriptura
ção as palavras debito e credito ou Deve e Haver.
Correspondem - se, portanto, as expressões seguintes :
positivo = debito = Deve
negativo = credito = Haver.

Suppondo que Pedro pagou a Antonio 100 $ 000 réis, evi


dente está que este acto é positivo para Antonio que rece
beu, e negativo para Pedro que pagou, -d'onde se conclue
( empregando as substituições acima-indicadas) que lançare
mos esta quantia em Debito ou no Deve da conta de Antonio
e no Credito ou no Haver da conta de Pedro.
E' preciso pois fixar bem que a conta ou pessoa que rece
be ( seja por que principio fôr) é sempre devedora ; - à pes .
soa que paga, ou intrega, e á conta d'onde sae o objecto,
é sempre crédora. Admittindo mesmo, no exemplo supra -indi
cado , que Pedro pagasse a Antonio os 100 $ 000 réis porque
lh'os devesse ,-ainda assim , por ser Antonio quem os recebe,
lançam - se -lhe em debito, como se lançam em crédito de Pe
dropor ser este que os pagou .
Tal é a base fundamental da escripturação por partid as
dobradas, base em que assenta o bom lançamento dos arti
gos .
Saldo.— Para se conhecer o que é saldo, imaginemos uma
conta (por exemplo Fazendas Geraes) com differentes parcel
las em debito ou no Deve, e outras no credito ou Haver.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 11

Supponhamos o seguinte :
DEVEM FAZENDAS GERAES HAVER

1 :0508000 3408000
9408000 3008000
1 :2008000

Sommando estas quantias, acharemos no debito 1 :990 $ 000


e no credito ... , 1 :8408000
d'onde resulta na columna de debito uma diffe
rença para mais, differença equivalente a ...... 1508000
réis, que é o saldo da conta, por ser a differença entre as to
talidades do debito e credito.
Como esta differença ou saldo seja para mais no debito, di
remos que o saldo é devedor ; no caso inverso (isto é, quando
o credito fosse mais que o debito), o saldo representado pela
differença dir -se- hia crédor.

Maneira de se formar o debito


e o credito em cada conta

Passaremos a definir em que casos se debitam e creditam


as contas proprias, especiaes, e particulares, supra-mencio
nadas.
Capital.- E' a primeira conta que se deve abrir no livro
Razão. Representa todo o activo e passivo do negociante pela
seguinte maneira : — no credito a somma de todo o dinheiro
de contado, das fazendas, generos, obrigações, lettras, bens
moveis e immoveis, finalmente, tudo que constitue o haver
com que se estabelece, e seguidamenteos lucros annuaes, as
beranças ou outros quaesquer augmentos fortuitos; no debito
se lançam pelo contrario as perdas annuaes, que excederem
os lucros, as legitimas e dotes que se pagarem , finalmente
tudo que tenda a diminuir o capital do negociante.
Caixa.- E' conta exclusivamente de dinheiro, em cujo de
bito se lança a somma de dinheiro de contado, com que se deu
principio ao negocio, bem como as quantias que se vão rece
bendo; no credito lançam- se as quantias que se vão successi
vamente pagando.
E' esta a unica conta que não pode, sem erro , ter o credito
12 BIBLIOTHECA DO POVO

superior ao debito, pela simples razão de que ninguem pode


pagar mais dinheiro do que aquelle que possue.
Fazendas Geraes.- Esta conta debita -se pelo importe das
fazendas que entram de conta propria , pagas a dinheiro, em
lettras ou fiadas, pela importancia dos fretes e direitos pagos,
pelos abatimentosfeitos, por adeantamento de pagamento, etc.,
nas fazendas vendidas a prazo , finalmente por todas as des
pezas a que dê logar a venda das referidas fazendas, visto
que o preço da dita venda se acha calculado de maneira que,
salvando o custo e mais despezas, deixe lucro.
Credita -se pelo produeto das fazendas vendidas e tambem
pelos abatimentos que nos façam no custo das fazendas an
teriormente compradas a prazo .
Esta conta é de grande serventia por comprehender todas
as mercadorias ou generos de conta propria (e por esse moti
vo se lhe accrescentou a palavra geraes ); subdivide-se n'outras, 1

porêm ,quando se pretende conhecero lucro que deixou em


especial esta ou aquella mercadoria.
Gastos de negocio . E' debitada esta conta pela importan
cia dos ordenados, rendas da casa , e gastos miudos do nego
cio ;é creditada na occasião do balanço pela importanciato
tal do debito, por incerramento de conta .
Despezas da casa.- Devem-se sempre separar estas des
pezas das proprias do negocio. No debito d'esta conta lançam
de todas as quantias que o negociante retira para sustento,
vestuario, etc.; no credito, como succede na conta de Gastos
de negocio , lança -se na occasião de balance a importancia
total do debito por incerramento da conta .
E' prudente a separação d'estas duas contas, não só para
justificação (em caso de infortunio), mas muito principalmen
te para que o negociante possa moderar as suas despezas par
ticulares, quandoveja que estão em desproporção com os lu
cros annuaes do negocio.
Quando, porém , onegociante, por si ou em sociedade, as
sente em levantar uma certa e determinada quantiaem cada
mez, a conta Despezas da casa fica plenamente substituida
pela de F ... ( o nome de cada sorio ) 8/c de levadas; esta se
del tará pelas quantias levantadas, incerrando-se por occa
xiã do balanço (da mesma forma que as duas precedentes ).
Ganhos e Perdas. – No debito d’esta conta se lançam as
perdas accidentaes que occorram , e na occasião do balanço
as perdas que resultem de qualquer outra conta susceptivel
de lucro ou perda. No credito se lançam os lucros que por oc
casião de balanço deixem as outras contas egualmente susce
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 13

ptiveis de lucro ou perda , e outros pequenos lucros acciden


taes que (sem resultarem de fecho de contas) casualmente.se
dêem no decorrer do negocio.
Lettras a Pagar.- No credito d'esta conta lança-se a im
portancia de todos os saques feitos sobre a casa, bem como
obrigações, bilhetes e escriptos, que tenham a natureza de
lettras, e que o negociante tem de pagar no seu vencimento.
No debito lançam -se os pagamentos dos mesmos . Na occasião
do balanço o saldo d'esta conta (o qual, quando existe é sem
pre crédor) representa a importància das lettras ou obriga
ções ainda não pagas.
Lettras a Receber.- No debito d'esta conta lançam- se as
lettras que o negociante saca ou lhe sejam indossadas (depois
de acceites), e quaesquer outros escriptos da natureza de let
tras que entrem em seu poder e sejam passados a seu fa
vor. No credito se lança a sabida dos mesmos documentos de:
pois de pagos.
Commissões.- No credito d'esta conta lançam -se as com
missões que nos sejam devidas ou pagas pelas transacções
que façamos por conta alheia. No debito lança -se a importan
cia total das quantias mencionadas em credito, por occasião
de incerramento da conta .
Crédores geraes.- N'esta conta escripturam-se as trans
acções de credito, que temos com os individuos que não sejam
nossos correspondentes, por isso que estes figuram em conta
especial no livro Razão.
No credito lançam-se as importancias das mercadorias de
d/c que lhes compramos fiadas; e em debito, os pagamentos
que lhes fazemos para solvabilidade das mesmas.
Devedores geraes.- Debita - se esta conta pelasvendas a
prazo que fazemos a differentes individuos ; e credita -se pe
los pagamentos que esses individuos nos vão fazendo.
Estas duas ultimas contas, nas casas de pequeno movimen
to a credito, podem -se reduzir a uma só denominada Devedo
res e Crédores geraes, a qual se debita e credita nos casos aci
ma apontados.
Moveis.- Ainda que ha negociantes que levam o custo da
mobilia á conta de Gastos de negocio, pode- se entretanto es
tabelecer especialmente uma conta para este effeito (aliás
precisa nos mercadores a retalho, os quaes lhe chamam con
ta de Armação e Utensilios ou Armação e Moveis).
Debita - se esta conta pelo custo dos ditos moveis, etc., e
pela importancia dasmelhorias que se lhes façam ;- credita
8e (na occasião do balanço) pelo seu valor, tendo em vista na
14 BIBLIOTHECA DO POVO

sua avaliação as bem feitorias ou deterioração que tenham


soffrido. A conta de Moveis pode tambem comprehende pe
ças de oiro ou prata , ou pedras preciosas, ainda que para es
tes objectos seja preferivel uma conta exclusivamente dePru
tas, etc.
Bens immoveis.- Esta conta pode -se subdividir nas de
Casa da rua tal ... ou Quinta tal...- e debita - se pela im
portancia do custo ou da construcção, bem como pelas des
pezas inherentes (como são obras, contribuições, etc.); credi
ta- se pelas rendas recebidas e pelo valor das propriedades
que se vendam ou se dêem em dote aos filhos, etc.
Conta d'oiro e prata.- Esta conta (em uso nas casas que
fazem de similhantes objectos consideravel negocio ) debita - se
pelo custo dos ditos metaes em barra ou amoedados, e credita
se pela venda dos mesmos. Quando, porêm, este negocio seja
'casual, podem estes objectos ser levados á conta de Cambios
ou mesmo á de Fazendas Geraes.
Cambios ou Arbitrios de cambio.- Esta conta (em uso nas
casas que negoceiam em operações de cambio por conta pro
pria) debita - se pelos custos e gastos de todas as negociações
d'esta especie, e credita -se-lhe o producto liquido que houver
pelas remessas ou de outro qualquer modo.
Seguros.- Debita - se esta conta pela importancia dos pre
mios recebidos; credita-se pelas perdas totaes ou parciaes, e
mais avarias que se pagarem . Convem observar que não en.
tram n'esta conta os premios de seguro que se pagam, os
quaes vão incluidos no valor da fazenda segurada, e se car
regam na conta da mesma fazenda .
Delcredere.— Debita-se esta conta pelos premios que o ne
gociante recebe por estar delcredere d'alguem ; e credita - se pe
las quantias que pagar na fallencia dos devedores.
Banco tal... - Debita -se esta conta pelo que se paga no
respectivo banco em dinheiro, lettras ou pertences ; credita
se. The tudo que o banco pague por conta da casa.
Fabrica. - Para a escripturação d'esta é conveniente ter li.
vros auxiliares de Materias primas, Gastos de fabricação,
Obreiros, etc. , onde se assentam miudamente cada uma das
despezas, levando no fim da semana (ou do mez) a sua im
portancia total ao debito d'esta conta. Ao credito leva se o
valor dos ohjectos fabricados, os quaes por contra posição vão
ao debito da conta de Armazem ou de Fazendas Geraes, ou ain.
da á dos individuos que os comprarem, quando sejam vendi.
dos a prazo. ar
Navio tal...- Debita -se pela importancia do casco, appa
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 15

relhos e mais aprestos, victualhas, soldadas da tripulação, se


guros, direitos e mais despezas ; credita -se pela importancia
dos freres, passagens, etc.
Podese estabelecer conta de Viagem tal ... quando se quei
ra conhecer o lucro de cada viagem . Esta debita -se e credita
se de egual maneira, indo o seu resultado final figurar na con
ta de Navio tal , ..
Remessas e Carregações para fóra ou Carregações de m/
(ou n /) colta para fora.- Esta conta comprehende as mer
cadorias que carregamos a bordo de um navio para serem ven
didas no porto do destino. Quando mesmo sejamos carrega
dor e proprie:ario de umí navio, debitaremos esta conta pelo
valor das fazendas carregadas, direitos, frete e mais despe
zas ; e creditál-a -hemos pelo liquido producto da venda das
respectivas fazendas, etc.
Acções.- Quando o negociante possue acções de qualquer
impresa, companhia ou banco, ou quaesquer outros titulos ou
effeitos publicos, abre uma conta geral para todos (ou parti
cular para cada especie de titulos), a qual debita pelo custo e
mais despezas que lhes sejam inherentes, creditando - a pelos
dividendos ou jūros recebidos e pelo valor dos titulos que
vender ou dér.
Armazem tal.. - Quando o negociante tem fazendas ar
mazenadas para vender em diversas localidades, abre uma
conta para cada uma d'ellas com o referido titulo, a qual se
debita pela importancia das fazendas para alli inviadas, pelos
direitos e mais gastos com as mesmas, pelas despezas de ex
pediente, renda do armazem , etc., creditando -se pela sabida das
fazendas vendidas, consignadas e re- inviadas.
Fazendas consignadas a F ...— Esta é debitada, quando
se expedem as fazendas, pelo mismo do preço que o reinet
tente (ou pessoa que as remette) indica ao consignatario (ou
pessoa a quem as remette ); assim como pelas despezas que.
se façam com a remessa. E' creditada pelo liquido producto
da venda das mesmas.
O consignatario é debitado, quando remetter a conta de
venda, pelo producto da mesma liquido das despezas, com
missões e delcredere (quando o houver), assim como pelo juro
respectivo ao tempo que medeia entre a data da dita conta e
a remessa da sua importancia. E' creditado pela solvabilida
de do seu debito em dinheiro, lettras ou fazendas.
Consignações de c / de F .. : - Debita -se esta conta pelo va
lor das fazendas, o qual é fixado pela pessoa que as remette
( e que se denomina committente), e mais pelas despezas de
16 BIBLIOTHECA DO POVO

frete, despacho, etc., que occasionar a sua intrada, pela com


missão de venda (quando se remetter a respectiva coita ao
committente), pelo delcredere (quando o houver ), e finamente
pela differença entre o producto da venda (liquido das des
pezas e commissões) e o preço marcado primitivamente para
a venda. Credita -se pelo producto da venda das memas fa
zendas.
Com respeito ao committente, credita -se pelo preço d'intra
da das fazendas, pela differença entre o dito preço e o da
venda (liquido da commissão e do delcredere), e finalmente
pelo juro respectivo ao tempo que decorre entre a realização
da venda e o imbolso ; debita -se pela remessa do referido li
quido producto e juro respectivo, em especie lettras ou fa
zendas.
DOSLIVROS

Como algumas transacções não chegam a ter effeito e mui.


tos negocios se assentam meramente por lembrança, á qual
obrigam a multidão e variedade d'elles, estabeleceu -se em
primeiro logar o livro chamado
Borrador.- Este livro, indispensavel em todas as casas,
serve para todos os caixeiros fazerem immediato assento dos
negocios, que cada um trata directamente.
E ' este um livro essencialissimo por ser uma das origens
doDiario, e a que frequentemente se recorre.
Para a sua escripturação é preciso attender aos seis elemen
tos seguintes, a saber : — 1.0 o logar, dia, mez e anno; 2. ° a
negociação, ou objecto do artigo;-3.º a pessoa com quem se
negoceia ; — 4.° à localidade onde reside o devedor; -5.º a
quantidade e qualidade do objecto; -6.º o preço, condições,
quando e como ha-de ser pago.
Diario.- E ' o livro onde se assentam diaria e chronologi.
camente (sem lacunas, entre-linhas ou rasuras) todas as trans
acções que vão a effeito, quer sejam extrahidas do Borradorou
dos outros livros auxiliares, quer das cartas, ou de quaesquer
outros documentos.
Hoje está em uso, principalmente no commercio a retalho,
fazerem -se n'este livro os lançamentos com referencia ás
transacções effectuadas durante o mez,-reportando nos para
isso á totalidade dos assentos feitos nos livros auxiliares.
Os lançamentos n'este livro são feitos com mais individua
ção do que no Borrador,declarando-se, debaixo de methodo,
quem é o devedor e crédor em cada transacção ; devendo-se
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 17

para isso attender aos oito elementos seguintes : - 1.° logar,


dia, mez e anno ; -2.0 quaes as contas devedoras e crédoras;
3.° a negociação ou objecto do artigo; -4.º com quem se
negoceia ; - 5.0 o nome da terra d'ondeé o devedor ou crédor
( quando fôr de fóra );-6.° condições de quando e como se ha
de pagar ; -7.º a quantidade, qualidade e preço do objecto ;
-8 .° à sua importancia total. Ou então, quando os lança
mentos sejam feitos mensalmente, em logar dos preceitos 4." ,
5.0, 6.°, 7.0 e 8.°, se fará uma referencia aos livros que escla
reçam plenamente as transacções a que nos referimos.
As contas devedoras e crédoras podem vir descriptas sob
quatro differentes formulas, nos artigos d'este livro a saber :
1. ° uma só conta devedora e uma só crédora ; -2.° uma só deve
dora e mais de uma crédora ; -3.° mais de uma devedora e só
uina crédora ; -- 4.º mais de uma devedora e mais de uma crédo
ra. As columnas á esquerda servem - a primeira para marcar
o folio do livro Razão onde se acham abertas as contas deve
doras a que se refere o artigo, e a segunda para o folio das
contas crédoras; as duas columnas da direita, para as quan
tias ( sendo a primeira paraas quantias parciaes respectivas a
cada uma das contas devedoras ou crédoras nos assentos de
2.4, 3.a e 4.a formulas,-e a segunda para os totaes nos as
sentos de qualquer das quatro formulas, com excepção dos
totaes das contas devedoras nos artigos da 4.a formula, os
quaes se escrevem dentro da primeira columna) .
Quando o espaço da lauda, em que se acaba de lançar um
artigo, fôr pouco, deve- se calcular se dá ou não o preciso pa
ra se escrever a primeira quantia parcial do assento imme
diato, e a repetição da mesma como somma: no primeiro caso
escrevem -se ao lado das sommas as palavras somma e segue, e
na lauda seguinte repetem -se não só as datas mas tambem o
titulo geral do artigo; no segundo caso inutilizar- se -ha com
uma ou mais linhas, dispostas com certa elegancia, o dito es
paço em branco ,-- tendo em vista que logo depois da data a
primeira coisa a transportar (quer o artigo a lançar seja ou
não a continuação do anterior) é o transporte do total na co
lumna de fóra .
Razão ou Livro -Mestre. - 0 ultimo nome foi-lhe dado por
ser este o maior livro , e o primeiro (que é o mais usado),
porque elle dá uma razão clara, e quanto possivel resumida,
do activo e passivo do negociante.
Este livro que é (por assim dizer) um extracto , por cada uma
das contas, dos lançamentos feitos no Diario, é indispensa
vel na escripturação por partidas dobradas, -não só para que
18 BIBLIOTHECA DO POVO

o negociante possa conhecer n'um relance o estado do seu


aetivo e passivo, mas tambem porque, como o Diario, elle
serve para provar em juizo o caracter fidedigno do nego
ciante .
Para a sua escripturação cumpre ter em vista, que cada
lançamento não deve occupar mais de uma linha, e que a co
lumna anterior á das quantias se refere á pagina do Diario
onde se acha descripta a transacção.
A primeira conta a abrir n'este livro deve ser a de capi
tal.
A somma de todos os debitos ou a somma de todos os cre
ditos d'este livro deve ser egual á somma da columna dos to
taes do Diario .
Livro Caixa.- N'este livro assenta - se em primeiro logar
no debito, como receita, o dinheiro com que se deu principio
ao negocio, e seguidamente todo o mais que fôr intrando, com
declaração dos motivos que determinaram esses recebimen
tos.
No credito, como despeza, assentam-se, com a maior indi
viduação,todas as quantias sahidas.
A escripturação n'este livro é incerrada no fim de cada
mez ,-passando -se em saldo para o mez seguinte a importan
cia do excesso da receita sobre a despeza, o qual deverá con
ferir com a quantia existente no cofre. Acontecendo, porêm,
que na occasião d'esta verificação se incontre qualquer dif
ferença, de que não possa lembrar a causa, ella se lançará no
debito ou credito por credito ou debito de Ganhos e Perdas,
conforme representar accrescimo ou falta de dinheiro.
o saldo do dinheiro em caixa, deve ser sempre egual ao
saldo que resultar da conta de caixa no livro Razão.
Registro de lettras e contas a pagar. Registro de lettras
e contas a receber.- N'estes dois livros, com respeito ás
contas, os folios á esquerda são referentes ás folhas do livro
de Devedores Credores onde estão mencionadas as contas
respectivas.
Os numeros mencionados na primeira columna do registro
das lettras são meramente de ordem , e servem para nos refe
rirmos
lettras.
a elles quando se descrever o movimento das mesmas
Na columna das observações notaremos a procedencia, ne
gociação, reforma ou qualquer outro esclarecimento que se
torne util.
Livro de Armazem . - Alauda esquerda serve para dar in.
trada ás mercadorias e a direita para dar sabida ás mesmas.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 19
3
N'este intuito abriremos uma conta para cada uma das mer
cadorias, com columnas para a data, numero de ordem (que
deve correspondera egual numero posto na mercadoria ), pro
cedencia e quantidade (sendo na lauda direita a procedencia
substituida pelo destino para a sabida das mercadorias ven
didas) . D'esta maneira é evidente que a differença entre as
sommas das duas laudas dá as mercadorias existentes no ar
mazem .
Os commerciantes a retalbo poderão servir - se de um livro
auxiliar para os lançamentos diarios, levando a totalidade no
fim do mez ao livro de Armazem .
Livro d'Inventarios.-- A escripturação n'este livro deve
abrir com a descripção minuciosa de todo o activo e passivo
( quando este houver ), com que o negociante deu principio ao
negocio ,-e seguidamente abranger o activo e passivo que
existir na occasião dos balanços, e bem assim o mappaou
conta geral dos mesmos (o qual deve ser assignado pelo ne
gociante ).
Copiador de cartas.- Este livro, determinado por lei ,é de
muita utilidade, é serve para n'ene se passarem, por meio de
prensa, todas as cartas que o negociante inviar ás pessoas
com quem se corresponder commercialmente.
Nas ultimas folhas d'este livro deve haver um indice, que,
por ordem alphabetica dos nomes das pessoas a quem as car
tas forem dirigidas, indique as paginas onde essas cartas es
tiverem transcriptas.
Livro de Fazendas Geraes ou Livro d'intradas e sahidas
de Fazendas.- Serve a pagina esquerda ou do debito para
dar intrada ás fazendas, ea direita ou do credito paralhes
dar sahida. E' prática abrir-se n'este livro uma conta a cada
especie de mercadorias.
Livro de Devedores e Credores.- E' este livro reservado
geralmente só para as contas a credito com os individuos da
propria praça , sendo em geral as contas com os individuos
de praças extrangeiras levadas ao livro Razão.
N'este livro abre- se uma conta a cada individuo, que nos
comprar ou vender mercadorias a prazo. Sendo pelas vendi
das, lançaremos no debito, de uma maneira resumida, com re
ferencia ao folio do Diario de Vendas (onde se acha descripta
minuciosamente a venda) a importancia total do debito do in
dividuo a quem se vendam as fazendas,.- e no credito as quan
tias que, por conta ou por saldo, nos sejam pagas. Sendo pe
as fazendas compradās, lançaremos no credito, egualmente
de uma maneira resumida, com uma referencia ao folio do
20 BIBLIOTHECA DO POVO

Diario de Compras (onde se acha descripta a compra), a im


portancia total do credito do individuo a quem ee tenham
comprado as mercadorias, -- e no debito as quantias que lhe
pagarmos.
As totalidades do debito e credito d'este livro devem ser
eguaes ás do debito e credito da conta de Devedores e Cre
dores do livro Razão .
Livro de Compras.-- N'este livro escrevem - se diariamente,
com todas as circumstancias individuaes, as compras que se
fizerem , com excepção das que fôrem a prompto e immediato
pagamento.
No fin do mez se fará uma recopilação cuja importancia
total se lançará no Diario em debito de Fazendas Geraes e
em credito de Credores Geraes.
Livro de Vendas.-- Este livro é onde se assentam todas
as fazendas vendidas (com excepção das que o fôrem a prom
pto e immediato pagamento ), por ordem chronologica e com
todas as circumstancias com que se realizarem as ditas ven
das.
Da recopilação feita no fim de cada mez se formará no
Diario umassento em debito de Devedores Geraes por credito
de Fazendas Geraes.
Livro de Despezas miudas. — E' conveniente, para não
multiplicar no livro Caixa lançamentos de diminutissimas im
portancias, estabelecer um livro para estas despezas, levando
a sua totalidade no fim de cada mez ao livro Caixa , á conta
de Gastos de negocio, pelas despezas miudas realizadas no
periodo do mez.
Livro de Facturas e Livro de Contas de venda.-- Estes
livros servem para copiar as facturas e contas de venda que
é costume inviar aos correspondentes (no fim de seis mezes
ou de um anno ), para verificação de contas.
Livro do Preço por que saem as Fazendas.- Na lauda es -
querda escrevem - se abreviadamente a quantidade e o custo
de cada qualidade de mercadorias descriptas na factura nume
ro , ..( o numero com que tiver dado intrada á factura no
Biblorapto) addicionando -se-lhe os direitos e mais gastos
pagos, e (quando sejam de conta alheia) a commissão de ven
da e o delcredere, e finalmente o ganho que se pretende ter
nas mesmas ,-O que tudo constitue o valor total das ditas
mercadorias.
Na lauda direita lança- se o preço a que sae cada qualida
de, por pezo, medida , ou numero, segundo o calculo propor
cional que se tiver feito.
1
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 21

Alêm d'estes livros ba outros tambem auxiliares, como


Casa tal ... Navio tal ... Quinta tal...- que se debitam e
creditam nos mesmos casos em que se debitam e creditam as
contas respectivas, porêm, mais circumstanciadamente.

DOS ERROS E SUA CORREÇÇÃO


Quando o erro se dê n'uma quantia mencionada incompe
tentemente no debito ou credito de uma conta, e para o cor
rigir tenha de fazer -se um novo assento ( lançando -se a mes
ma quantia no lado opposto para destruir o effeito do primei
ro artigo), chama- se a esta operação extorno ; mas, como os
erros se apresentam de differentes maneiras e a sua correcção
varía, passaremos não só a apontar osque se possam darno
Diario e Razão, mas tambem o modo de os remediar, por is
80 que estes dois livros (como já fica dito) não admittem en
trelinhas, rasuras, nem outras emendas similhantes.

Erros no Diario

Os erros n’este livro podem ser :- por omissão ; por du


plicação ; e por inversão.
A maneira de os remediar é a seguinte :
Por omissão. - N’um assento de primeira formula, faz- se o
lançamento com referencia á data em que deveria ter sido
feito; n'um assento de segunda, terceira ou quarta formula,
faz-se um novo lançamento paraa conta omitiida.
Por duplicação. Quando o artigo não estiver passado ao
livro Razão, se lhe porá á margem : Este assento não tem effei
to por se achar passado em duplicação. Quando estiver passa
do ao Razão, se fará um novo artigo ao inverso do primeiro
(isto é, creditando as contas que tenbam sido debitadas e de
bitando as que tenham sido creditadas).
Por inversão . Sendo nas quantias, faz -se um novo lança
mento pela differença ; sendo nas contas, dever-se-ha fazer um
novo assento (debitando a conta, que deveria ter sido debita
da, por credito da que se debitou mal,- ou creditando a que
deveria ter sido creditada, por debito da que foi creditada er
radamente ).
22 BIBLIOTHECA DO POVO

Erros no Razão

Os erros n'este livro, quando provenientes do Diario, são


corrigidos primeiramente no Diario (como fica dito). Os com
mettidos unicamente no Razão podem dar-se egualmente por
omissão, duplicação ou inversão.
Por omissão.— Se tiver esquecido passar uma quantia do
Diario para o Razão, sel-o-ha quando se der pela falta na
data do ultimo assento, com uma referencia aquella em que
deveria ter sido feito o lançamento.
Por duplicação.- Havendo -se lançado uma quantia a mais
no debito ou credito de uma conta, se fará egual lançamento
no lado opposto, tendo - se todo o cuidado em marcar estas duas
parcellas com um signal qualquer a lapis (tanto a errada, co
mo a que lhe serve de correcção) a fim denão serem incluidas
na somma das columnas (isto, por causa da conferencia entre
o total das quantias lançadas no Razão e o da columna das
quantias do Diario ).
.
Por inversão.- Quando se lança n'uma conta em debito ou
credito uma quantia differente da que estiver no Diario, lan
çar-se-ba no ladoopposto a mesma quantia ,- escrevendo em
seguida a quantia exacta no logar competente, por meio de
novo lançamento. Quando se lançar no debito o que se deve
ria ter lançado no credito, ou vice -versa, escrever- se-ha egual
mente do lado opposto a mesma quantia, a qual se repetirá
em seguida. Quando se debitar ou creditar incompetentemen
te uma conta em logar de outra, debitar-se -ha ou creditar -se
ha a que o deveria ter sido por credito ou debito da que o
foi erradamente, tendosempre em vista o que se disse, com
relação à somma das columnas no caso de erro por duplica
ção. 5

DOS BALANÇOS

No commercio a palavra balanço significa « paridade ou


ajustamento de contas». E' susceptivel de referir -se a uma só
conta ou a um grupo d'ellas, e divide-se em balanço de contas
e balanço de livros.
Intende- se por balanço de conta a differença entre o debito
e o credito , — differença que vulgarmente se chama saldo.
O balanço de livros em geral involve dois objectos princi
paes, a saber : --- 1.º verificar as transacções e conferir a pas
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 23

sagem dos artigos do Diario para o Razão ; - 2.º tomar co


nhecimento do activo e passivo do negociante.
Temos tambem a transferencia dos saldos das contas de
um jogo de livros para outro ou de contas velhas para contas
novas .

Ha portanto :-Balanço volante; Balanço de negocio ; e Ba


lanço de Sahida e d’Intrada.
Para o Balanço volante, que se tira todos os mezes (ou, pe
lo menos, todos os tres mezes ), deve -se: -1.º conferir os li
vros auxiliares com o Diario; - 2.º conferir ( pontuando os
folios) 08 assentos do Diario com os do Razão ; — 3.º n'um
livro , para esse fim destinado, escrever na parte superior da
lauda : - Balanço volante do livro Razão ... em tantos de tal
mez e anno ; e em seguida, nas columnas d'este livro, lançar os
folios das contas do livro Razão, os titulos das mesmas con
tas, as importancias totaes do debito e credito de cada conta,
e finalmente os saldos devedores e credores (isto, na intelli
gencia de que as sommas das duas primeiras columnas e as
das duas ultimas devem ser eguaes entre si) .
Quando quizermos dar balanço a uma loja ou a uma casa,
isto é, quando pretendermos conhecer o estado real do nego
cio, tiraremos um balanço chamado Balanço de negocio. Para
este fim é preciso observar os seguintes preceitos :
1.° Mandar a todos os correspondentes de fóra a sua conta
corrente e pedir-lhes as nossas, com a indispensavel anteci
pação para a devida conferencia - e ajustar contas com os in
dividuos da propria praça ;
2.• Fazer inventario de todas as fazendas existentes, tanto no
armazem como na alfandega, ou em caminho (se a importan .
cia d'estas se tiver já passado aos livros), - o que tudo se fará
com explicação das qualidades, numeros e marcas,pezos, me
didas e preço do custo (tendo todo o cuidado em declarar se
são de conta propria, alheia, ou em participação );
3.° Mencionar os objectos que constituem contas de Moveis,
Immoveis, Papeis de credito ou Titulos, etc., pelo seu valor
na occasião (attendendo n'uns ao seu preço no mercado, e
n'outros ao seu uso ou estado de conservação);
4.° Relacionar as lettras em carteira (a receber) e as lettras
em circulação que tenhamos acceitado ;
5.º Relacionar as dividas activas e passivas, e finalmente
tudo que constitua o Haver e o Dever do negociante.
N'estes trabalhos é preciso ter em vista que as importan
cias totaes do dinheiro em caixa, das dividas activas, das
passivas, das lettras a receber e à pagar, devem conferir
24 BIBLIOTHECA DO POVO

com os saldos das respectivas contas do livro Razão, e final.


mente que a totalidade das fazendas inventariadas junta á
das vendidas deve conferir com as fazendas intradas no livro
respectivo.
Convem observar que, não devendo contar- se com um ca
pital ficticio, é indispensavel nas dividas activas separar as
que se julgarem perdidas, - formando - se, pela importancia
d'ellas, um assento no Diario (por debito de Ganhose Perdas
e credito de Devedores Geraes). Das restantes se formarão
dois
grupos de – Bem paradas e Mal paradas; a importan
cia d'estas, no caso de dissolução de sociedade, é repartida
entre os socios, ou, por commum accordo, cabe a um d'elles
com um desconto proporcional ao risco.
Em relação a estas dividas parece-nos de toda a conve
niencia haver um livro onde ellas se registrem , o qual deverá
ser riscado com cinco columnas (sendo a primeira para as da
tas dos balanços , em que similhantes dividas forem conside
radas perdidas, - a segunda para a designação do Diario e
folio onde estiver feito o respectivo artigo, --- a terceira para
o nome do devedor, - a quarta para as quantias, - e a quinta
para a somma das dividas perdidas em cada balanço).
Quando, porêm , acontecer cobrar-se alguma das referidas
dividas, abriremos n'este mesmo livro uma conta ao deve
dor.
O que fica dito, com respeito ás dividas perdidas, se deve
rá intender tambem n'alguma lettra a receber já acceita e
não paga por fallencia do acceitante ou por qualquer outra
causa, debitando-se n'este caso Ganhos e Perdas por credito
de Lettras a receber.
Quando se tenham feito pagamentos por alugueis de casas
ou por outro qualquer motivo, respectivos a uma epocha poste
rior á do balanço, - para que estas importancias figurem ( como
é de rigor), no activo do negociante , debitaremos uma conta
transitoria ( como alugueis adeantados) pela importancia do
pagamento antecipado (a qual creditaremos, depois do ba
lanço, por debito da conta de Gastos de negocio ).
Seguidamente, tendo sempre em vista os valores existentes
nas differentes contas que os representam, formaremos dois
assentos (um por debito de cada uma das contas especiaes
que mostrarem lucro é credito da de Ganhos e Perdas,-e ou
tro por debito d'esta e credito das contas especiaes que mos
trarem prejuizo ). Com estes artigos reunem- se, no debito da
conta de Ganhos e Perdas, todos os prejuizos; e no credito,
todos os lucros.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 25

Conseguintemente o saldo d'esta conta será o ganho ou


prejuizo liquido resultante das operações commerciaes do ne
gociante. Isto é :-sendo o saldo devedor, cumpre-nos, para fe
char a conta de Ganhos e Perdas; lançál -o no credito d'esta
conta por debito da conta de Capital (em diminuição do mes
mo) ; e, sendo o saldo credor, teremos que lançál-o no debito
da conta de Ganhos e Perdas por credito da conta de Capi
tal (em augmento do capital) .
Finalmente, para incerrar as contas representantes dos va
lores, que constituem o activo do negociante, lançaremos no
credito de cada uma d'ellas (como saldo para conta nova) o
valor existente da especie respectiva por debito de uma conta
para esse fim creada (denominada Balanço de Sahida ), a qual
em contraposição será creditada pela importancia das espe
cies que constituem o passivo do negociante, por debito de
cada uma das contas em que figuramessas importancias. Em
resumo debita -se a conta Balanço de Sanida pela importancia
total do activo, por credito das contas que representam as
partes componentes d'esse activo ; credita-se pelo capitalli.
quido para conta nova e pela importancia total do passivo
por debito da conta de Capital e das contas querepresentam
as partes componentes d'esse passivo. Ficando d'esta manei
ra todas as contas perfeitamente incerradas, --se descreverá,
em seguida ao inventario, a folha do balanço com os saldos
dascontas activas no lado do Deve e os das passivas no lado
do Haver.
Em continuação das operações commerciaes, com os valo
res do activo e importancias do passivo nas respectivas con
tas, imaginou -se uma conta denominada Balanço d'Intrada,
a qual (ao inverso da de Balanço de Sahida) é debitada pelos
saldos passivos é creditada pelos saldos activos, pór credito e
debito das contas que os representam e que anteriormente
tinham sido fechadas por Balanço de Sahida.

CONTA DE LIQUIDAÇÃO
Quando um negociante se retira do negocio, ou logo que
uma sociedade se dissolve por caso de fallencia ou morte,
faz -se da mesma maneira que fica dita o inventario e balan
ço de negocio.
Cessando portanto as operações commerciaes, procede-se á
venda das mercadorias existentes; cobram - se as lettras que
ha em carteira, e pagam- se as que se tenham acceitado e an
26 BIBLIOTHECA DO POVO

dam em circulação; saldam -se as dividas passivas e cobram


se as activas ; finalmente realizam -se os valores que consti
tuem o capital — para se repartir pelos credores, pelos her
deiros ou simplesmente em beneficio do negociante liquidan
te (segundo a causa da liquidação), - ou (quando o com
mercio fôr de sociedade) para a massa apurada ser dividida
pelas partes associadas (na proporção das suas intradas e em
conformidade com as clausulas estipuladas na escriptura so
cial).
A conta de Liquidação serve de contra -partida ás contas
que se vão regulando, as quaes representam o Deve e o Haver
do negociante. O seu saldoé o valor do capital effectivo, que
comparado com a somma illiquida do inventario mostra a dif
ferença no apuro dos bens liquidados.
Debita -se esta conta (por credito de Fazendas Geraes, Let
tras a Receber e Devedores Geraes) quando se vendem as
fazendas, se cobram as lettras vencidas e se recebem as di.
vidas. Credita - se (por debito de Lettras a Pagar e Credores
Geraes) quando se pagam as lettras acceites e se saldam as
contas em divida.
A differença que houver (entre osvalores inventariados e
os liquidados) se levará aconta de Ganhos e Perdas por de .
bito ou credito (segundo fôr lucro ou prejuizo) da conta que
representa esses valores.
Ficando d'esta maneira saldadas as contas especiaes e par
ticulares, resta liquidar as contas proprias de - Capital, Li
quidação, e Ganhos e Perdas.
A conta de Ganhos e Perdas, que geralmente dá prejuizo
pelas deducções nos valores liquidados e despezas de liqui
dação, salda pela de Capital.
O remanescente da conta de Liquidação passa á conta de
Capital.
Esta ( carregada no credito com os valores illiquidos do in
ventario, e no debito com as despezas e prejuizos resultantes
da liquidação em contra-partida com a conta de Ganhos e
Perdas) salda -se pela conta de Liquidação pela parte liqui
dada,– parte quese intrega aos herdeiros (á vontade do tes
tador), ou se reparte pelos credores ( conforme os seus creditos),
ou o negociante liquidatario a si mesmo apropría.
Sendo o commercio de associação, salda -se a conta de Capi
tal pelos creditos das contas particulares dos socios na parte
correspondente do capital liquido,-e a de Liquidação fecha
se por debito das contas individuaesdos socios, peloresultado
definitivo da liquidação (repartido entre os ditos socios).
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 27

DAS LETTRAS

Lettra.- E' um escripto pelo qual alguem intima outrem a


pagar a terceiro, em determinado dia,a somra de dinheiro
D'elle mencionada; procede em geral de transacções entre ne
gociantes ou de transferencia de fundos entre banqueiros .
Chama -se lettra da terra a que é sacada e acceita na mes
kra praça ; no caso contrario, diz -se lettra de cambio.
Saque é synonimo de lettra de cambio.
Sacador é quem assigna a lettra. Sacado é a pessoa que
ha de pagál-en - quer dizer, a pessoa sobre quem a lettra vae
sacada, e que se cbama acceitante logo que à acceita. Toma
dor é aquelle a favor de quem a lettra é passada.Portador é
o individuo a quem a lettra vae remettida para a fazer accei
tar e cobrar.
A lettra de cambio menciona :
na parte superior, a data
e a quantia em algarismo; seguidamente, o prazo para o seu
vencimento; declaração de primeira, segunda ou terceira via,
ou simplesmente unica via de cambio (cumpre acrescentar -se
no primeiro caso, sendo na primeira via, as expressões não o
tendo feito pela segunda ou terceira , e analogamente nas ou.
tras vias); a declaração de pagavel á ordem de ... ou apenas
a mim ou a minha ordem ( quando o tomador seja o proprio sa
cador) ; a quantia por extenso; o cambio ; a declaração de va
lor do Sr... valor recebido em ... ou valor em conta ; e, na
parte inferior da lettra, o nome e domicilio do sacado, e final
mente a assignatura do sacador.
O prazo marcado para o vencimento ou é contado a principiar
no dia immediato
ao da data da lettra do acceite.
Ha tambem o vencimento de lettra em dia fixo, o vencimen .
to no momento da apresentação da lettra (que se chama á vis.
ta ), e finalmente o vencimento em feira (que é no penultimo
dia do levantamento da mesma,-ou no proprio, quando a fei
ra dure um só dia ).
Para o vencimento das lettras os mezes são contados de 30
dias (como é uso no commercio) ; e, quando o pagamento caia
em dia -sanctificado ou em domingo, deverá a lettra ser cobra
da na vespera d'esse dia.
As palavras valor do Sr... querem dizer que ainda se não
recebeu a importancia da lettra ; valor recebido em ..., indi
cam que já se recebeu a importancia e em que especie ;-va .
lor em conta, que ha contas entre o tomador e o sacador.
28 BIBLIOTHECA DO POVO

Como as lettras são titulos transmissiveis, a sua transfe


rencia faz -se por meio da declaração de — pague-se á ordem
do Sr ... valor..., etc.- escripta, datada e assignada pelo
tomador no verso da lettra (operação esta a que se chama in
dosso ). O tomador n'este caso diz-se indossante; e a pessoa a
favor de quem se faz o indosso chama-se indossador ou indos
satario ; este pode, de egual maneira, fazer transferencia da
lettra a uma terceira, e esta a uma quarta, etc.
Negociar lettra é vendêl-a.
Tomar lettra é comprál- a.
Quando se sacam e negoceiam lettras sobre uma praça,- €
preferivel o cambio mais baixo, se a propria praça dá o cer
to; mas é preferivel o mais alto, se dá o incerto.
Quando se tomam lettras sobre uma praça , - é preferivel o
cambio mais alto se a propria praça dá o certo, e o mais bai
xo se dá o incerto.

BREVE NOTICIA SOBRE


ESCRIPTURAÇÃO EM PARTIDAS SIMPLES
O systema da escripturação por partidas simples consiste
em que cada artigo do Diario se refere unicamente ás pes
8028 devedoras ou ás crédoras, por transacções que se fazem
a prazo , ou que d'ellas resultem .
Todas as outras transacções effectuadas a dinheiro, como
são compras, vendas, lettras pagas, despezas, etc., se lançam
exclusivamente nos livros auxiliares, que representam esses
valores.
Os artigos, ou para melhor dizer, simples notas, que se fa
zem no Diario, são do seguinte teor :
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 29

Lisboa, 2 de janeiro de 1882 .

Deve Paulo

Por 10 pipas de vinho que lhe vendemos, a 90 $000...... 9008000


4

Haver Antonio

Por 10 saccas de algodão que lhe comprámos, a 80$000.... 8008000

10

Deve Joaquim
Por uma lettra que lhe foi remettida, para 10 de maio..... 1 :2008000
15

Haver Eduardo

Por dinheiro que intregou 600,3000

O Razão, n'este systema, fica por consequencia reduzido a


um livro de contas correntes com os individuos a quem com.
pramos ou vendemos fiado, e serve unicamente para conhecer
as dividas activas e passivas do negociante.
Este, systema (que é de uma reconhecida deficiencia com
parado com o de partidas dobradas) foi o primeiro usado, se
gundo diz De - Laporte.
Ha ainda outros systemas, como os de Poitrat, Cornet, etc.,
os quaos nem merecem que d'elles nos occupemos.
DAS SOCIEDADES

A origem do contracto social é desconhecida.


As principaes formas de sociedade são :-- Sociedade em no
me collectivo ou com firma, Sociedade em commandita (a qual
se divide em simples e por acções), Sociedade anonyma, Socie
dade em participação.
Sociedade em nome collectivo ou com firma é a que se faz
30 BIBLIOTHECA DO POVO

entre dois ou mais individuos (contribuindo cada um com a


sua industria ou trabalho e com uma parte do capital, para
a formação do fundo social) .
Sociedade em commandita é a associação do capital e da in
dustria ; é organizada entre um ou muitos individuos solide-
rios e responsaveis -e um ou muitos individuos com respon
sabilidade limitada. Pode ter ou não ter firma social.
Sociedade em coinmandita simples é formada entre o indivi
duo que fornece o seu capital (e cuja responsabilidade vạe
além do capital social) e outro individyo que fornece a sua
industria (e cuja responsabilidade é limitada até à parte dos
lucros que lhe pertencem ).
Sociedade em commandita por acções é formada entre um
ou muitos individuos solidarios, e responsaveis (que são ge
rentes) e um ou muitos individuos (proprietarios de acções,
responsabilidade
cujaSociedade é limitada á importancia das mesmas ).
anonyma é a que não tem firma social, nem exis
te debaixo do nome de algum dos associados ; costuma deno
minar-se pela designação do fim a que se propõe ( como,por
exemplo, Companhia de seguros, Companhia das aguas, Com
panhia do gas, etc).
As sociedades anonymas têem o seu capital formado por
acções, limitando-se a responsabilidade dos socios ao capital
com que cada um subscreve.
Os estatutos d'estas sociedades devem expressar : 1. … 9
denominação ou designação social (precedida ou seguida das
palavras: sociedade anonyma, responsabilidade limitada ); 2.•
o objecto ou fim da sociedade; 3.º a sua duração ; 4. ° a sua
séde ou domicilio legal;-5.º a indicação do capital social; 6.°
á organização da administração; 7.0 o modo de constituir as
assembléas geraes ordinarias e extraordinarias; 8.º o modo
de proceder à liquidação, no caso de dissolução.
Sociedade de participação ou Sociedade em conta de partici..
pação é a que é feita entre dois ou mais commerciantes (da
mesma ou de differente praça) com o fim de auferirem lucros
de um certo e determinado numero de operações, as quaes
podem ser effectuadas por um dos associados, por alguns ou
por todos elles.
Estas sociedades duram só o tempo indispensavel á termi.
nação das operações para que se constituiram ; não têem con
tabilidade especial organizada, e simplesmente na escriptura
ção particular de cada socio se descrevem as operações que
cada um effectua por conta da sociedade.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 31

CONTRACTOS DE COMPRA E VEDNA,


E DIFFERENTES FORMAS DE PAGAMENTO

Por differentes modos se pode comprar e vender. Vende-se :


em viagem , a bordo, posto a bordo, na alfandega, á porta
da alfandega, em casa do vendedor, posto em casa do com
prador.
Examinemos estes diversos casos.
Em viagem .-- E' quando as mercadorias são vendidas an.
tes do navio que as conduz chegar ao porto do destino. So
bre o systema a seguir na realização d'esta venda, não ha uma
regra geral ; entretanto, com respeito aos riscos que podem
sobrevir ás mercadorias vendidas d'este modo, acha -se actual.
mente estabelecido o uso de se declarar nos respectivos con .
tractos que, desde a data dos mesmos, elles correm por conta
do comprador.
A bordo.- E' quando todas as despezas ( incluindo descar
ga , frete para terra, etc. ) são feitas por conta do comprador.
N'este systema a conferencia da mercadoria faz -se na occa
sião da baldeação.
Posto a bordo.- Diz- se quando todas as despezas (occasio
nadas por artigo vendido para exportação) se fazem por con
ta do vendedor .
N'este contracto deve haver a maior confiança no vende
dor, por isso que este systema não dá logar á conferencia das
mercadorias.
Na alfandega .-- E' quando as mercadorias são vendidas, es
tando alli armazenadas; o pagamento n'este genero de venda
varía conforme o tempo de demora na sahida das mercado
rias, e as condições da venda.
A' porta da alfandega .-- N'este systema de venda todas
as despezas feitas com as mercadorias, até à sua sabida da
alfandega, são por conta do vendedor, e a conferencia das
mesmas é feita na occasiso do despacho.
Em casa do vendedor.- Por este systema a conferencia
das mercadorias é feita em casa do vendedor,-sendo todas as
despezas d'ahi em deante feitas por conta do comprador.
Posto em casa do comprador.-- Diz-se do artigo que se ven
de, quando todas as despezas são feitas pelo vendedor até ao
acto da conferencia das mercadorias (a qual se faz em casa
do comprador ).
32 BIBLIOTHECA DO POVO

Emquanto ás formas de pagamento ha as seguintes : a


prompto e immediato pagamento, a prompto pagamento, a
dinheiro, e a prazo.
A prompto e immediato pagamento.- Diz-se quando o pa
gamento se effectua na propria occasião da venda.
A prompto pagamento.- Diz-se quando elle se effectua den.
tro de oito dias contados da data em que se vendeu a mer
cadoria .
A dinheiro. — E' quando o pagamento ge effectua dentro
de trinta dias.
A pruzo.- E ' quando o pagamento se effectua a periodo
mais longo, n'uma ou mais parcellas em data prefixa.

Como instrumentos de compra e venda, ha a contractu do


corretor e o pertence.
Contracta do corretor.- E' o documento firmado e passa
do em duplicado pelo corretor ,-- de que elle deve deixar copia
no seu protocollo, intregando um dos originaes ao comprador
e outro ao vendedor.
N'este documento o corretor deverá designar as mercado
rias vendidas, e declarar todas as circumstancias do contracto
feito entre o comprador e o vendedor.
Pertence.- Assim se chama a declaração que um commer
ciante faz a outro da cedencia de mercadorias suas , existen
tes na alfandega.
Esta declaração pode ser feita no verso do conhecimento ou
em separado (havendo n'este ultimo caso o cuidado de fazer
a competente declaração, com o visto da alfandega, no respe
ctivo conhecimento ).
Conhecimento.- E ' um documento que serve por quatro
differentes maneiras, a saber :
1.º Como recibo passado pelo capitão do navio relativamen
te ás mercadorias que recebe a bordo ;
2.• Como obrigação, a que se compromette o capitão, de in
tregar as mercadorias que transporta (e que constam do mes
mo conhecimento ) quando este lhe fôr apresentado ;
3.º Como titulo de propriedade sobre as mercadorias exis
tentes na alfandega ;
4.0 Finalmente ainda como titulo de transferencia de
posse sobre as mercadorias existentes na alfandega, quando
por meio do pertence o negociante passa a outro a propriedą
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 33

de das mesmas n'elle mencionadas, na sua totalidade, ou na


parte restante (se d'ellas já tiverem sido retiradas algu
mas ).

RE - SAQUE E CONTA DE RE -CAMBIO

O portador de uma lettra de cambio, que a apresentar ao


bacado para o ac te, deverá, se este não a quizer acceitar,
fazêl-a logo apontar e em seguida protestál-a por falta d'ac
ceite (devendo, entretanto, exigir o pagamento no dia do
vencimento, pela falta do qual a fará egualmente protes
tar) .
Este processo é indispensavel para que o portador não per
ca o direito d'acção contra o sacador, ou contra os indossa
dores (quando os houver ), sobre um dos quaes tem a haver,
por meio de re - saque, a importancia da mesma lettra e mais
as despezas de re -cambio.
Convêm observar que o sacado, o sacador e os indossa
dores, são solidariamente responsaveis pelo pagamento da let
tra, podendo o portador accionál - os todos ou unicamente um
d'elles (na certeza, porém , de que, accionando o sacador ou um
dos primeiros indossadores, ficam todos os outros, responsa
veis posteriores, desobrigados do pagamento da lettra ).
No caso em que o portador intente acção por falta de pa
gamento, os juros dos gastos do protesto e mais despezas
contam - se desde a data da instauração do processo, e os
juros do principal da lettra contam-se desde a data do pro
testo ,
O portador de uma lettra, que tenha sido protestada por
falta de pagamento, pode haver o seu imbolso por meio de
re - cambir .
E' certo que a materia d'este capitulo é uma das mais con.
fusamente tratadas nos livros de jurisprudencia mercantil, e
das que mais duvidas têem apresentado na práctica ; entre
tanto não nos parece haver motiyo bastante para isso, logo
que tenhamos em vista que o sacador se obriga para com o
tomador ao pagamentoda lettra no logar e tempo ajustado,
e que em egual obrigação fica o tomador com o primeiro in .
dossador, este com o segundo, e assim successivamente até
ao ultimo indossador, -- por forma que tanto o sacador da let
tra como todos os indossadores, que a lettra possa ter no giro
cambial, ficam solidariamente responsaveis pelo cumprimen
to do contracto de que a lettra é instrumento.
84 BIBLIOTHECA DO POVO

Os principios que regem esta materia são os seguintes :


1.0 A conta de re -cambio é uma unica que vae passando
de mão em mão à medida que cada responsavel, pelo paga
mento da lettra, exige do seu antecessor o cumprimento do
contracto.
2.• A lettra de re-cambio será acompanhada da dita conta
de re- cambio, e da conta de re-saque pela importancia total
do re-cambio e mais despezas do re- saque.
3.0 Tanto a conta de re-cambio como as de re -saque deve
rão levar exarado o certificado do cambio, passado por um
corretor da praça propria ou por dois negociantes (á falta
d'aquelle).
4.0 Finalmente o direito que tem o portador de re -sacar
logo contra o sacador ao cambio corrente (entre as praças
do saque e do acceite) , tem-n'o tambem cada um dos indossa.
dores para com o seu antecessor (com referencia ao cambio
entre a sua propria praça e aquella onde a lettra devêra ter
sido paga). Não havendo, porêm, curso de cambio, entre as
referidas praças, será elle calculado pelo das duas mais pro
ximas .
Sobre este objecto convem ainda observar os seguintes
preceitos :
Quando uma lettra seja acceita, ou paga, por parte do seu
valor,--- , portador é obrigado a receber essa parte,ficando-lhe
ainda assim o direito de a fazer protestar pela differença.
Se o acceitante fallir antes do vencimento da lettra, esta
julga -se vencida e o portador pode fazêl- a protestar.
O sacado pode deixar de acceitar uma lettra, quando não
tenha fundos e aviso do sacador, ou quando (sendo a sua im
portancia para pagamento de mercadorias) não tiver recebido
os respectivos conhecimentos e facturas. Quando o sacado
não quizer acceitar a lettra, e houver uma terceira pessoa
que a acceite em seu logar (para honrar a firma do sacador),
tal acceite chama-se ad honorem ; mas deve ainda assim a let
tra ser protestada, para que a pessoa que officiosamente a
acceitar fique obrigada ao seu pagamento e com o direito de
exigir o seu imbolso.
O protesto de uma lettra de cambio deve ser feito pelo es.
crivão do Tribunal do Commercio, ou por tabellião auctoriza
do, no domicilio do sacado, para que este declare os motivos
por que não a acceitou ou pagou .
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 35

ESCRIPTURAÇÃO APPLICADA
Banqueiros

O capital d'esta classe de negociantes acha-se em gera.


augmentado com valores de credito e é representado em nu
merario e lettras.
Os seus livros são :

Diario ;
Razão ;
Inventarios ;
Caixa ;
Este livro pode ser subdividido em tan .
Registro de Lettras ... tos quantas são as subdivisões d'esta
conta, adeante mencionadas
Registro de vencimentos ;
( Este livro pode ser subdivido em tan
Contas particulares... tos quantas são as subdivisões d'esta
conta, adeante mencionadas
Balancetes ;
Copiador.
O Borrador é substituido por folhas de vencimento diario,
feitas pelos empregados incarregados do expediente.
E' em vista d'estas folhas que se escripturam diariamente
os livros auxiliares,- e semanal, quinzenal ou mensalmente,
os principaes.
Os Francezes chamam a estas folhas bordereau de caisse,
bordereau d'escompte , etc.
As contas n'uma casa bancaria dividem- se em : contas es .
peciaes ou de movimento ( Caixa, Lettras a receber e Let
tras a pagar ); conta propria ou de resultados (Ganhos e Per.
das ); e contas particulares que figuram no livro Razão em
sentido collectivo (como são Contas correntes, Depositos, Con .
tas de eredito, e Devedores e Credores ).
Na práctica d'este ramo especial de commercio, está plena.
mente demonstrada a conveniencia nas subdivisões das con
tas de inovimento e resultado supra-mencionadas ; passare .
mos portanto a descrever quaes ellas são e os casos em que
se debitam e creditam.
36 BIBLIOTHECA DO POVO

Contas especiaes ou de movimento

Lettras a receber.-- E ' debitada esta conta pela impor


tancia das lettras que entram a favor do banqueiro , por cre .
dito dos correspondentes que as inviam . E' creditada , quando
as mesmas lettras são cobradas, por debito da Caixa.
Lettras a pagar.-E' creditada esta conta, quando se accei
tam as lettras sacadas pelos correspondentes, por debito dos
mesmos correspondentes. E' debitada, quando as mesmas let-
tras se pagam , por credito da Caixa .
Lettras compradas, sobre o reino .--E' debitada esta con
ta , quando as lettras se compram, por credito da Caixa.
E ' creditada, quando as mesmaslettras se inviam aos cor
respondentes , por debito d'estes.
Lettras compradas, sobre o extrangeiro.- Esta conta de .
bita- se e credita -se como a conta de Lettras compradas 80
bre o reino .
Lettras sacadas sobre o reino.E' debitada esta conta
quando se saca, por credito dos correspondentes contra quem
se saca. E ' creditada, quando as mesmas lettras se nego
ceiam , por debito da Caixa .
Lettras sacadas sobre o extrangeiro. --Debita -se esta
conta e credita -se como a conta de Lettras sacadas sobre û
geino.
Lettras descontadas.. Debita -se esta conta, quando as let
tras se descontam , por credito de Caixa. Credita- se, quando
as lettras se cobram , por debito da Caixa.
Podem - se reunir n'uma só conta, denominada Lettras sobre
o reino, as de Lettras compradas sobre o reino e Lettras saca
das sobre o reino ; e, na de Arbitrios de cambios, as de Lettras
compradas sobre o extrangeiro e Lettras sacadas sobre o ex
trangeiro. A maneira de debitar e creditar as ditas contas é a
mesma que se acha indicada para cada uma em especial.

Contas proprias ou de resultado

A conta de Ganhos e Perdas subdivide - se em :


Despezas Geraes,-- que é debitada por todas as despezas
da casa, por credito da Caixa ;
Transferencias,-conta debitada pelos premios que porven
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 37

tura se paguem , e creditada pelas que se recebam, por credito


ou debito da Caixa ;
Cambios ou Arbitrios de Cambio, - debitada pelos pre
juizos que deixem os cambios nas transacções das Lettras
compradas ou sacadas sobre o extrangeiro, por credito d'es
tas contas, e creditada pelos lucros, em identicas circums
tancias, por debito das referidas contas ;
Descontos, - que é creditada pelos premios que se recebem,
por debito da conta da Caixa ou de Lettras descontadas ;
Juros,-que é debitada pelos juros que se abonam , por cre
dito das contas dos correspondentes ou depositantes a quem
forem abonados, e creditada pelos, juros a cobrar, por debito
dos individuos que os deverem ;
Delcredere, --que é creditada pela importancia dos premios,
por debito dos correspondentes para com quem o banqueiro
fica por fiador, e debitada pela importancia das dividas não
pagas, que deram motivo ao delcredere, por credito do deve
dor ;
Commissões,-que é creditada pela importancia dos premios
devidos ao banqueiro relativamente a operações feitas de con
ta alheia, por debito dos respectivos correspondentes ;
Finalmente a conta de Ganhos e Perdas, que no fim do an
no, ou na occasião do balanço, é debitada pelos saldos deve
dores e creditada pelos saldos credores das contas de resulta
do supra-mencionadas, por incerramento das mesmas contas.

Contas particulares

As. contas particulares, são :


Contas correntes — para os correspondentes ;
Depositos - para os individuos considerados depositantes ;
Contas de credito - para os individuos que recebem quan
tias a credito ;
Devedores e Credores- para todos os individuos que não pos
sam figurar em qualquer das tres contas supra- mencionadas
(como, por exemplo, o individuo que nos tenha comprado ou
vendido uma lettra, da qual se não realize inmediatamente
o pagamento ou vice -versa );
E ' preciso ter sempre em vista que as contas de movimento
devem jogar com as contas de resultado. Por exemplo : sup
pondo que se descontou uma lettra, é certo que estaoperação
involve a intrada de uma lettra cujo valor nominal è supe
rior á quantia sabida, visto que pagamos a lettra mediante
38 BIBLIOTHECA DO POVO

um desconto por antecipação de vencimento ; teremos portan .


to de debitar a conta de movimento Lettras descontadas -
pelo valor nominal da lettra, por credito da Caixa pela quan
tia dispendida ; e a differença devemos levál-a a credito da
conta de resultado Descontos.
Se, porém, dermos á lettra o valor realmente do custo sahi.
do na Caixa, - a conta de Descontos tornar-se-bia inutil ; e a
differença iria apparecer no fim do anno ou na occasião do
balanço na propria conta de Lettras descontadas, e seria le
vada directamente á conta de Ganhos e Perdas.
Entretanto a primeira fórma parece-nos muito mais ac
ceitavel , por isso que nos mostra os lucros ou prejuizos nas
suas differentes especialidades ; e assim em todas as mais
operações sobre lettras que dêem logar a premio ou desconto .
Armadores

Em geral as contas dos armadores são : Navio tal ; Carre.


gação do Navio tal ou Remessas e Carregações para fóra ;
Viagem tal; Caixa ; Lettras a Receber ; Lettras a Pagar; Fa
zendas Geraes ; e Ganhos e Perdas. Alêm d'estas contas ha as
particulares dos individuos com quem negoceiam .
A maneira de debitar e creditar as referidas contas, já so
acha sufficientemente explicada no respectivo capitulo Das
Contas.
Passaremos portanto a descrever mais detidamente os sys
temas de fretamento.

Fretamento redondo

Fretamento redondo se chama o fretamento de todo o navio.


O fretador pode ser proprietario do navio, ou simples
mente consignatario.
Como proprietario, quando freta o navio,-- debita a.conta
do afretador e oredita a conta do navio ou a conta de viagein
pela importancia do frete.
Quando recebe a importancia do frete,-debita a conta de
Caixa e credita a do afretador.
Como consignatario , quando contracta , - debita a conta do
afretador e credita a conta de Consignação do navio pela im.
portancia do frete.
Quando recebe a importancia do frete ,-debita a conta de
Caida e credita a contado afretador; debita a conta de Consi
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 39

gnação do navio por todas as despezas feitas, por credito du


conta da Caixa ou dos fornecedores.
Temos portanto que, quando a importancia do frete é (como
deve ser) superior å importancia das despezas feitas com a
consignação , o saldo da conta de Consignação do navio é cre
dor, e n'este caso lançar-se- ha em debito d'esta conta por cre
dito da do proprietario do navio ; quando, porêm, por casua
lidade o credito seja inferior ao debito,a contamostra pre
juizo, e o seu saldo devedor será levado a credito da conta
de
rio.
Consignação do navio por debito da conta do proprieta
O que deixamos dito tem referencia ao fretador. Por sua
parte o afretador, na occasião que contracta, debita a conta
de Carregação do navio e credita a conta do fretador pela im
portancia do frete; e, quando paga, debita a conta do fretador
e credita a conta de Caixa.

Fretamento á carga

Fretamento á carga se chama ao fretamento de diversos


carregadores, o qual em relação ao navio se diz carga de
praça .
o fretador, sendo proprietario, - quando receba a impor
tancia dos fretes, debita a Caixa, e credita a conta do navio
ou da viagem .
Quandonão receba a importancia dos fretes, -debita a con
ta do consignatario pela importancia total dos fretes a cobrar,
e credita a conta do navio ou a da viagem ; quando receba a conta
de despezas que lhe deve ser inviada pelo consignatario, debita a
conta do navio ou a da viagem , e credita a conta do consignata
rio pela importancia das despezas.
N'este ultimo caso, isto é, quando não receba a importan
cia dos fretes, o liquido da conta remettida pelo consignata
rio deve ser egual ao saldo da conta do navio, ou da conta
da viagem , estabelecida pelo proprietario .
O simples fretador fará a sua contabilidade, só quando re
ceba a conta dos fretes recebidos e despezas pagas pelo con
signatario ; e n'este casodebitará aconta do consignatario pelo
liquido da conta por elle remettida, e creditará por contra
partida a conta do navio ou da viagem .
O fretador, como consignatario , se recebe a importancia
dos fretes que contracta, debita a conta de Caixa e credita a
de Consignação do navio .
40 BIBLIOTHECA DO POVO

Quando não receba a importancia dos fretes, deixará ao


cuidado do proprietario ou do correspondente no porto do des
tino o lançamento da 8/ cobrança alli effeituada.
O afretador, sendo proprietario do carregamento ,-se paga
o frete, debita a conta de Remessas e Carregações para fóra
e credita a conta de Caixa .
Como simples afretador, - debita a conta do proprietario
das mercadorias carregadas e credita a conta de Caixa, quan
do pague o frete; no caso contrario deixará isso ao cuidado do
consignatario da carga no porto do destino.

Fabricantes

O capital na industria fabril acha-se representado (na


primitiva) em numerario, machinas, utensilios de fabrica
ção, materias primas, e (mais tardej em productos fabrica
dos .
Temos, portanto, como contas especiaes: Caixa, Machinas
e Utensilios, Materia prima e Productos fabricados.
E' claro que a materia prima, para se converter em produ
ctos fabricados, occasiona despezas de mão d'obra e de fa .
brico ; estabeleceremos, portanto, como subsidiarias da conta
de Productos fabricados, alêm da conta de Materia prima
( já mencionada), as de Mão d'obra e Despezas de fabrica
ção.
Passaremos a descrever quando se debitam e creditam es
tas contas.
Machinas e Utensilios.- E ' debitada pelo custo da compra
e dos concertos das machinas e dos utensilios que constituem
o material da fabrica, por credito da Caixa (quando sejam
pagos de prompto) ou por credito dos individuos que forne
cerem os ditos objectos (quando o não sejam ). E' creditada (na
occasião dos balanços) pela importancia em que fôr avaliada
a deterioração que esses objectos tenham soffrido com o uso,
por debito de Ganhos e Perdas,--e pelo valor das machinas
existentes por debito do Balanço de sahida.
Materia prima.- Edebitada pelo custo das materias pri
mas compradas, por credito da Caixa ou do fornecedor. E '
crcditada pelo valor da materia prima sahida para fabrica
çio, depois de concluido o producto fabricado, por debito da
conta de Productos fabricados, - e, na occasião do balanço,
pela importancia da materia prima inventariada (a qual deverá
incluir a que se achar em via de fabricação). A somma do de.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL
bito d'esta conta deve ser egual á somma do credito, depois
de lançado o valor inventariado ; mas, quando o não seja por
effeito de depreciação no valor da materia prima existente,
saldar-se -ha a differença pela conta de Ganhos e Perdas.
Mão d'obra.- E' debitada pelos salarios pagos aos opera
rios, por credito da Caixa. E' creditada ( como a de Materia pri
ma ), logo que se conclua o objecto fabricado, pela importan
cia dos salarios pagos na fabricação d'esse objecto, por de
bito da conta de Productos fabricados.
Por occasião do balanço o saldo d'esta conta, que é sempre
devedor, mostra os salarios pagos com a fabricação de pro
ductos ainda em fabrico .
Despezas de fabricação. E ' debitada esta conta por todas
as despezas, que não sejam salarios, feitas com a fabricação,
- por credito da conta de Caixa, ou d'outra que, por contra
partida, jogar com aquella. E' creditada (da mesma forma
que as duas antecedentes) pela importancia total das despe
zas feitas com o producto fabricado, por debito da respectiva
conta de Productos fabricados. O saldo d'esta conta, por oc
casião do balanço, mostra egualmente as despezas feitas com
os productos ainda em fabrico.
Productos fabricados. - E ' debitada esta conta pela impor
tancia dispendida com o producto fabricado (a qual se forma
rá dovalor da materia prima empregada no fabrico, salarios
e mais despezas pagas com a sua manipulação ), por contra
partidacom as contas de Materia prima , Mão d'obra, e Deso ,
zas de fabricação, como acima fica dito. E' creditada pela im
portancia da venda dos productos fabricados, por debito da
Caixa ou do comprador, e pelo valor dos productos existen
tes ( conforme o inventario) por occasião do balanço. A diffe
rença entre o debito e credito d'esta conta nos mostrará o
lucro ou o prejuizo, o qual se saldará pela conta de Ganhos e
Perdas.
Estabelecida a escripturação por esta forma, é claro que
a conta de Ganhos e Perdas mostrará o lucro liquido ou o
prejuizo do fabricante.
Entretanto quando a fabrica seja uma parte integrante do
negocio, ou quando se queira reduzir o mais possivel a escri
pturação, poderemos seguir o meibodo mais resumido que já
n'este livro apontámos no capitulo que trata das Contas.
42 BIBLIOTHECA DO POVO

Agricultores
Capital

O capital do agricultor é representado em numerario e pro


priedades rusticas ; temos, pois, por contra -partida do credito
de Capital, os valores em debito das contas de Caixa e Pro
priedades.
Exploração

A exploração com relação aos agricultores consiste no cul.


tivo daterra, e na creação de animaes de renda ou que pro.
dazam rendiinento.
Para ocultivo da terra são precisos varios elementos : ma
chinas e instrumentos agricolas, estrumes, adubos , sementes,
pessoal e gado. Temos, portanto, as seguintes contas: Instru
mentos aratorios, Estrumes, Sementes, Ğado de trabalho, Pes .
soal, e Animaes de rendimento,
Os agricultores deverão descrever em livros auxiliares o
seguinte : o local e emprego dos instrumentos aratorios; &
intrada dos estrumes para as estrumeiras por procedencias,
e a sabida dos mesmos com designação das terras para onde
forem distribuidos ; a intrada e sahida das sementes, compe
tentemente classificadas; a especie do gado e dos outros ani
maes- 08 seus productos, serviço e numero de cabeças ; fi
nalmente, o pessoal e o seu emprego.
Para conhecimento do custo das diversas producções abrir
se-ha uma conta para cada uma. Teremos, por conseguinte :
conta de Trigo, Centeio, Cevada, Laranja, Azeitona, Melan
cia , Pecego, etc.
Čertos dos principios que deixamos estabelecidos e que as
sentam na opinião auctorizada de E. Degranges e de Cour.
celle -Seneuil, passaremos a descrever a maneira de debitar e
creditar as ditas contas .
Instrumentos aratorios. E ' debitada esta conta pelo custo
da compra e concerto das machinas ou instrumentos empre
gados nos trabalhos agricolas, por credito da Caixa, ou de
outra conta (quando os ditos instrumentos não forem pagos
de prompto ).
No fim de cada periodo de trabalho, creditaremos esta con
ta pelo valor provavel da deterioração que tenham soffrido os
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 43

ditos instrumentos, por debito da conta de cada um dos dif..


ferentes productos .
Para este calculo, teremos em vista o numero de dias de
trabalho que serviram os instrumentos para cada um dos pro
ductos obtidos, empregando para esse fim os livros auxilia
res respectivos.
Estrumes.-E'debitada: pelo valor dos excrementos dos ani
maes, por credito da conta deAnimaes; pela importancia dos
estrumes comprados, por credito da conta de Caixa ; pela
importancia dos salarios pagos aos operarios empregados nos
serviços que digam respeito á formação das estrumeiras, por
credito da conta de Pessoal; pela parte correspondente ao
serviço das estrumeiras, desimpenhado pelo gado de traba
lho, por credito da conta de Gado de trabalho. E' creditada
pelo valor do estrume empregado no adubo das terras, por
debito das contas dos productos esperados. O saldo d'esta
conta representa o valor do estrume existeşte.
Sementes.-- E ' debitada : pelo custo das sementes compra.
das, por credito da conta de Caixa. E' creditada pelo valor
das sementes lançadas á terra, por debito dos productos es
perados.
Gado de trabalho.- E ' debitada : pelo custo do gado, por
credito da Caixa, de Lettras a Pagar , ou do vendedor, con
forme as condições em que fôr effeituada a compra ; pela im.
portancia do sustento, por credito dos productos que servi
rem de sustento, ou por credito da Caixa, ou por credito do
fornecedor ; e pelos jornaes pagos aos tratadores, por credito
do Pessoal.E ' creditada pelovalor do estrume produzido, por
debito da conta de Estrumes; e finalmente, depois de lançado
em seu credito o valor do gado existente, e suppondo este
valor inferior ao seu saldo devedor, é creditada tambem pela
differença entre estas duas parcellas, a qual representa a im ..
portancia do trabalho, por debito das contas de Productos e
de Estrumes, na proporção dos dias de trabalho em cada ser
viço.
Pessoal.- E' debitada esta conta pelos jornaes pagos aos
operarios, por credito da Caixa. E' creditada pela importan
cia dos jornaes, que representam o trabalho desimpenhado
pelo respectivo pessoal nos differentes serviços, por debito
das contas que motivaram esse trabalho, como Productos, Es
trumes, Gado de trabalho, Animaes de rendimento, etc.; para
este fim nos servirernos do livro auxiliar de Pessoal supra
mencionado.
Esta conta por occasião de balanço não mostra saldo.
44 BIBLIOTHECA DO POVO

Animaes de rendimento .-- Debita - se : em parte como a de


Gado de trabalho (com a qual se pode achar involvida nos
seus resultados sob a epigraphe unica de Animaes de rendi.
mento e de trabalho), pelo custo dos animaes, por credito da
Caixa, ou de outra conta (quando não sejam pagos a dinhei
ro); pela importancia do sustento, por credito da Caixa ou do
producto que lhe sirva de şustento ; pelos jornaes pagos aos
tratadores, por credito do Pessoal; e pelo valor das crias por
credito da conta de Exploração ou Ganhos e Perdas.
Credita -se: pelo valor do estrume produzido, por debito de
Estrumes ; pela importancia da venda dos animaes ou seus
productos, por debito da Caixa ou do comprador; pelo va
lor dos animaes que morrerem , por debito da Exploração ou
de Ganhos e Perdas ; e finalmente, na occasião do balanço,
pelo valor dos animaes existentes, por debito do Balanço de
sahida.
No fecho d'esta conta o saldo credor ou devedor, que mos
trar lucro ou prejuizo, vae á conta de Exploração ou Ganhos
e Perdas.
Contas dos Productos

Estas contas debitam -se por credito de :


Instrumentos aratorios - pela deterioração dos instrumen
tos ;
Estrumes pelo valor dos estrumes empregados;
Sementes — pelo valor das sementes lançadas á terra ;
Gado de trabalho — pela diminuição no valor do gado exis
tente em proporção com os dias de serviço ;
Pessoal — pelos jornaes pagos ao pessoal empregado.
Creditam - se por debito de :
Gado de trabalho e Animaes de rendimento --- pelo producto
que sirva de sustento ao gado ;
Caixa, ou contas dos compradores — pela importancia dos
productos vendidos a prompto e immediato pagamento ou
fiados.
O saldo d'estas contas (e que mostra os lucros ou prejui. -
zos havidos) vae á conta de Exploração ou Ganhos e Perdas.
Exploração on Ganhos e Perdas

Esta conta mostrará finalmente o lucro liquido ou o prejuizo


que deixa a exploração, e fechará pela conta de Capital.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 45

Sociedades anonymas

N'estas sociedades temos, alêm da conta de Capital, a de


Capital nominal e a de Capital realizado.
Capital nominal.- E' o valor total das acções pelo que el
las mencionam .
Capital realizado.- E' o total das quantias recebidas pelas
acções emittidas .
Na contabilidade d’estas sociedades temos , entre outras,
as seguintes contas : Acções, Accionistas, Caixa, Dividendos,
Fundo de Reserva e Ganhos e Perdas.
Passaremos a descrever methodicamente o jogo d'estas con
tas.
1.º Debita - se a conta de Acções e credita-se a de Capital
nominal pelo valor total das acções.
2.º Debita - se a conta de Accionistas e credita-se à de Ac
ções, à medida que as acções forem emittidas.
3.0 Debita 8 a Caixa e credita-se a conta de Accionistas
pelos pagamentos por elles effeituados, o que ordinariamente
é feito em prestações.
Estes pagamentos dependem da natureza, fins e resultado
da impresa .
4.0 Debita -se a conta de Capital nominal e credita- se a de
Capital realizado, pelo valor total das acções, logo que este
jam emittidas e pagas.
Salda- se a conta de Capital realizado, por credito da de
Capital
Se na occasião do balanço ainda houver acções por emittir,
conferem -se as que existem com o saldo da conta, e fecha -se
esta por Balanço de Sahida.
Ha uma parte dos lucros liquidos que, segundo os estatutos
é destinada para fundo de reserva emquanto a sua importan
cia não exceder a decima parte do capital social.
Os lucros destinados aos accionistas são divididos pelo nu
mero de acções, e chamam -se dividendo.
Debitam-se as contas de resultados, quando mostrem lucro,
por credito de Dividendos e Fundo de reserva ; debita -se a con
ta de Dividendos, á medida que os mesmos se vão pagando,
por credito da Caixa, ficando d'esta maneira saldada a conta
de Dividendos.
Se na occasião do balanço a conta de Ganhos e Perdas mos
46 BIBLIOTHECA DO POVO

trar prejuizo, a importancia d'este é levada á conta de Fundo


dereserva, quando já esta exista.
Entre outros livros auxiliares, que é pratica haver n'estas
sociedades em relação à especialidade a que se dedicam, de
ve existir um para acções e outro para accionistas; no primei
ro destina -se uma pagina para cada acção, onde constará o
nome do possuidor primitivo e as transferencias de posse, e
bem assim o valor da acção e as prestações pagas, em colum
nas distinctas ; no segundo se registrarão, por ordem alpha
betica, os nomes dos accionistas e o numerode acções perten
centes a cada um.

PARTIDAS SIMPLES E PARTIDAS DOBRADAS

Está estabelecido por lei que todo o negociante tenha um


Diario onde descreva methodicamente sem intervallos ou re
suras, todas as operações que vão a effeito.
0 Razão (como já fica explicado) é, por assim dizer, um
complemento e resumo classificado das transacções descriptas
chronologicamente no Diario. Por elle vê de prompto o ne
gociante qual é o seu activo e passivo em fazendas, lettras,
dividas, propriedades, etc.
Estes principios são rigorosamente observados na escriptu
ração por partidas dobradas; deixam, porêm , de o ser pelo
systema de partidas simples ( em que o Diario não menciona
mais do que os debitos ecreditos dos individuos com quem
ha transacções a prazo , — ficando d'este modo o Razão redu
zido apenas a um livro de contas correntes, e todas as outras
transacções constando unicamente dos livros auxiliares, ou,
quando muito, de simples notas feitas no Diario ).E ' portan
to evidente não só a irregularidade do systema de partidas
simples, como tambem a insufficiencia dos seus resultados
para o negociante poder conhecer o estado da casa e a impor
tancia do movimento do seu commercio.
Para exactidão nos lançamentos e verificação dos erros que
se tenham commettido, é tambem de reconhecida deficiencia
o systema de partidas simples.
Nas partidas dobradas (como deixamos dito) figuram sem
pre duas partes contrahentes, - e toda e qualquer transacção
involve invariavelmente uma ou mais contas devedoras e uma
ou mais contas credoras, sendo a sua importancia lançada si
multaneamente no debito e no credito das referidas contas,
emquanto no systema de partidas simples a importancia dos
ESCRIPUURAÇÃO CONMERCIAL 47

artigos que vão ao Diario se lançam unicamente no debito ou


no credito das contas que figuram no Razão, tornando- se por
isso mais facil passar desapercebido um erro commettido na
descripção de uma d'essas parcellas (circumstancia esta que
não pode dar-se no primeiro systema, onde é sabido que a
somma das parcellas em debito das contas do Razão deve ser
egual á somma das parcellas em credito, e qualquer d'ellas
egual á somma da columna das quantias do Diario ).
Esta egualdade, que se deve verificar no fim de cada mez,
prova que os artigos do Diario se acham devidamente trans
feridos ás respectivas contas do Razão.
As vantagens apontadas, alêm de outras, são (ao que nos
parece) motivo mais que sufficiente para que se dê preferen .
cia ao systema de escripturação por partidas dobradas, que é
sem duvida o mais facil e racional na execução, elegante na
fórma, coherente nos resultados e regular perante a lei.
O systema de partidas simples mostra somente as dividas
activas e passivas do negociante, ou a sua posição relativa
mente ás pessoas com quem tem transacções de credito. O
systema de partidas dobradas apresentanão só a posição do
negociante com osoutros, como tambem lhe fornece o perfei
to conhecimento do estado dos seus negocios ; e, como a es
cripturação deva ser a historia completa e circumstanciada
da vida commercial do negociante, claro se torna que o sys
tema de partidas dobradas ( ) é o unico que satisfaz plena
mente a este preceito.

MODELOS DE ESCRIPTURAS DE SOCIEDADES

Escriptura de Sociedade
em nome collectivo

Nós abaixo -assignados ... (os nomes e moradas por exten


80) d'esta cidade de..., desejando unir os nossos interesses
pelo vinculo de uma Sociedade, fazemos a presente escriptura
debaixo das condições e clausulas seguintes :
1.4 A firma ou razão da Sociedade será=- ... = e cada um

( *) Em outro livrinho, que a Bibliotheca do Povo e das Escolas opportunamen .


te publicará , apresentaremos, para cabal esclarecimento dos leitores, um mo
delo prati de escripturação executado por este systema.
48 BIBLIOTHECA DO POVO

de nós terá egualmente a faculdade de assignar as cartas,


lettras, obrigações e geralmente todos os mais escriptos da
mesma Sociedade; porêm , nenhum de nós poderá, debaixo de
pretexto algum, usar d'esta firma em negocio, que não seja
directa e immediatamente pertencente á mesma Sociedade,
sob pena de ser expulso aquelle de nós que o contrario pra
cticar.
2.a Esta Sociedade subsistirá por tempo de ... annos con
secutivos, contados do primeiro de... e findos em egual dia
do anno de ...
3.a No caso de morte de algum de nós, aquelle ou aquelles
que sobreviverem continuarão os negocios até se concluirem os
ditos ... annos em beneficio dos herdeiros do socio ou socios
fallecidos, sem que os ditos herdeiros possam , por forma al.
guma, pedir contas, ou intentar acção em juizo, ou fóra d'el
le, antes de findo o dito tempo : nem poderão substituir o lo
gar do fallecido ou fallecidos na co- administração dos nego
cios da mesma Sociedade ; mas sim lhes será dada annual
mente uma copia dos balanços, e sempre a faculdade de ve
rem e poderem examinar os livros de escripturação.
4. O capital da Sociedade será de... contos de réis, re
partidos e pagos por cada um de nós em dinheiro de contado,
ou effeitos de nossa satisfacção, dentro em ... mezes, contados
da data da presente escriptura , debaixo da pena de ser ex
pulso da mesmaSociedade aquelle de nós que, dentro do dito
termo, não tiver cumprido esta condição.
5.a o capital acima não se poderá extrahir ou retirar de
baixo de pretexto algum , emquanto não forem pagas todas as
dividas passivas da Sociedade,-ou ao menos emquanto não
findarem os ditos ... annos ; mas sim , e tão somente, se pa
gará pelo quartel a cada um de nós o juro das nossas respe
ctivas intradas, de ... contos de réis, na razão de ... por cen .
to ao anno.
6.a Alêm do juro acima, cada um de nós poderá receber
mais até à quantia de... réis annualmente, sem que jámais
se possa exceder esta quantia.
7. Os lucros ou perdas, que Deus der á Sociedade, serão
repartidos por egual acada um de nós ( ou proporcionalmente
ás intradas, quando ellas não sejam eguaes), finda que seja
a mesma Sociedade.
8. Nenhum de nós poderá imprehender negocio algum por
sua conta particular, que não seja em beneficio commum da
Sociedade, debaixo da pena de ser logo expulso aquelle de
nós que o contrario fizer. ( D'esta clausula exceptuam -se os
ESCRIPT
IPTURAÇÃO COMMERCIAL 49

officios ou empregos que os socios tiverem , os quaes deverão de


clarar ).
9.a Concordamos desde já em que a Sociedade não poderá
em caso algum prestar fiança para pessoa alguma. ( N'esta
clausula exceptua se o delcredere,e as fianças particulares que
os socios prestam aspessoas da sua amizade).
10.- Os negocios da Sociedade se administrarão na casa em
que reside o nosso socio ..., obrigando- se, por esta razão, a
Sociedade a pagar os alugueis da dita casa.
11. Por quanto o nosso socio ... se incarregue do sus .
tento dos caixeiros e criados para o serviço da Sociedade, se
lhe pagarão annualmente, para comedorias, á custa da mesma
Sociedade, réis por cada caixeiro, e ... réis por cada
criado .
12.a No fim de cada mez inviolavelmente nos juntaremos
para dar balanço á Caixa; e, para que assim conste a todo o
tempo,assignaremos todos no proprio livro Caixa.
13. No fim de cada anno impreterivelmente se fará o ba
lanço geral do negocio, e se lançarão os lucros ou perdas,
qued'ahi resultarem , na conta do capital da Sociedade.
14.a No fim dos ditos annos, em que se ha de dissol
ver a presente Sociedade , conceder-se-bão mais tres mezes pa
ra ajustar as contas e dar balanço final aos negocios, -findos
os quaes se fará por egual (ou proporcionalmente ás intra
das) a partilha do dinheiro, fazendas existentes, e dividas
activas, pertencentes á Sociedade , depois de pagas as dividas
passivas d'ella, salvo o caso de novo ajuste, que se faça a
respeito da mesma liquidação, da qual confiamos desde logo
o principal cargo ao nosso socio ...
15. Esta liquidação se fará ainda quando, decommum ac
cordo, combinemos na continuação da dita Sociedade, por ou
tro ... ( triennio, quadriennio, etc.), o que nos será licito re
novar e o que determinaremos tres mezes antes da expiração
d'este ... (triennio, quadriennio, etc.), por escripto assignado
por cada um de nós .
16.a Todas as condições expressadas e declaradas na pre
sente escriptura se intenderão sempre feitas na melhor fór
ma, e se cumprirão em boa fé, honra, verdade e lizura, segun
do o sentido litteral das mesmas clausulas, intendendo -se sem
pre em termos simples e mercantis, sem jámais poderem ser
reduzidas ás intelligencias e clausulas do Direito Civil, para
se lhe dar outro sentido interpretativo, qualquer que elle se
ja : para o que reciprocamente obrigamos as nossas pessoas
e bens presentes e futuros.
50 BIBLIOTHECA DO POVO

17.a No caso, porêm, de se mover alguma duvida entre nós,


promettemos e desde logo nos obrigamos a sujeitál-a á de
cisão absoluta de louvados amigavelmente nomeados por ca.
da um de nós, para evitar pleitos tão prejudiciaes ao credito
e á honra de commerciantes,-sob pena de, qualquer de nós
que contravier a esta expressa clausula, ou que não quizer
estar depois pela determinação dos mesmos louvados, não po
der ser ouvido em juizo sem primeiramente pagar a quan
tia de ... réis, em dinheiro de contado, metade a favor de ...
(qualquer hospicio), e metade a favor da Sociedade.
Para o fiel, inteiro e inviolavel cumprimento de tudo aqui
expressado, obrigamos nossas pessoas, e bens havidos e por
haver, e espontaneamente renunciamos qualquer direito, leis,
privilegios ou exempções que de outro modo nos possam com
petir.
Em fé do referido todos temos assignado, na presença das
testemunhas abaixo -assignadas,... instrumentos d'este mes
mo theor e data, que serão dados para servir a cada um de
nós, querendo que elles valbam em juizo e fóra d'elle como
escriptura publica.
Feito em ... 208 ... dias de ... de.i.
( Seguem as assignaturas dos socios e por ultimo as das tes
temunhas).

N. B.-Muitas d'estas condições são puramente arbitrarias


e dependem evidentemente das circumstancias, e do ajuste
que façam os socios entre si.

II

Escriptura de Sociedade em simples


commandita

Nós abaixo-assignados, João Albano de Oliveira, commer


ciante de vinhos, residente em Lisboa, rua ... , n.º ... , de uma
parte ;
E Nicolau Eduardo Gouveia, proprietario, residente em ..
rua... , n.° ... , de outra parte ;
Ajustámos as condições que se seguem :
Artigo 1.0 Eu, João Albano de Oliveira, declaro associar
em commandita, no commercio de vinhos, que faço em Lisboa
onde a Sociedade se estabelecerá, o senhor Nicolau Eduardo
Gouveia, para interessar nos ganhos que possam advir do dito
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 51

commercio, pelo modo que vae ser determinado, e soffrer em


commum commigo as perdas, se as houver, advertindo com .. !
tudo que, quaesquer que sejam estas perdas, ellas não po
derão, com respeito ao senhor Gouveia, exceder a somma com
que elle intrar na mesma Sociedade, e que será abaixo fi
xada.
Art. 2.° E' contrabida a presente Sociedade por... annos,
que principiarão a contar-se em ... e terminarão em ...
Art. 3.0 o senhor Gouveia interessará metade (ou o que as
duas partes combinarem ) dos ganhos ou perdas, de qualquer
natureza, que resultarem do dito commercio, em todo o tempo
que a Sociedade existir.
Art. 4.• Eu, Nicolau Eduardo Gouveia, obrigo-me a intregar
ao dito senhor João Albano de Oliveira å somma de ... nas

seguintes datas : (escrevem -se aqui as datas). A qual somma


de... ficará á disposição do dito senhor Oliveira emquanto a
Sociedade existir, e será por elle toda empregada nos nego
cios do commercio da Sociedade.
Art. 5.° O senhor João Albano de Oliveira será o unico ge
rente da Sociedade; e , por conseguinte, fará as compras, ven
das e mais transacções, escolherá os caixeiros e outros em
pregados da casa , pertencendo -lhe todos os actos administra.
tivos da Sociedade, nos quaes o senhor Gouveia não poderá
ingerir -se de modo algum .
Art. 6.° A firma social será : Oliveira e C. Só o senhor Oli.
veira assignará com a firma social, e não poderá servir- se
d'ella senão quando os negocios da Sociedade assim o exi
girem .
Art. 7.• O senhor Gouveia terá a faculdade de tomar conhe
cimento de todos os documentos, jornaes e correspondencias,
e de examinar a escripturação, sem que possa comtudo des
viar documento algum da dita Sociedade.
Art. 8.° Quando expirar o prazo de tempo pelo qual se con
trabiu esta Sociedade, o senhorGouveia receberá o capital com
que introu na mesma Sociedade, e a parte dos ganhos que lhe
corresponderem ; no caso de haver prejuizos, receberá este
capital, diminuido da perda egualmente correspondente ao
mesmo capital.
Feito em duplicado em Lisboa aos ...
(Assignaturas)
52 BIBLIOTHECA DO POVO

III

Escriptura de Sociedade , em nome


collectivo a respeito de muitos so
cios, e em commandita a respeito de
um ou mais socios.

Entre os abaixo assignados, etc. (nomes, occupações e mo


radas).
Art. 1.° E' estabelecida uma Sociedade em nome collectivo
å respeito dos senhores..., e simplesmente em commandita
& respeito de ..., tendo por fim commerciar em ( indica -se aqui
o genero decommercio ouimpresas da Sociedade ).
Art. 2.° 0 capital da Sociedade é de..., sendo ... intregue
pelos senhores ..., associados em nome collectivo , e ... intre
gue pelos socios commanditarios. ( Indica -se aqui a parte de
cada um , o tempo em que deve ser intregue, me em que especie,
se é em dinheiro, fuzendas, etc.)
Art. 3.° Os senhores... são gerentes ; serão os unicos que
podem usar da assignatura social, e ficarão indefinidamente
responsaveis pelas dividas da Sociedade. Os socios comman
ditarios são responsaveis só pela somma das suas intradas.
Art. 4.• A firma social é ...
Art. 5.° A séde da Sociedade é estabelecida em ...
Art. 6.• A duração da Sociedade é de ... annos, que princi
piam a contar-se em ... e terminarão em ...
Art. 7.° 0 fallecimento de um socio commanditario não dis.
solverá a Sociedade; o fallecimento de um gerente ... (a dis
solverá ou não a dissolverá, segundo o que tiverem combinado
as partes ; n'este ultimo caso, deve -se designar que a Sociedade
continúa com os socios sobreviventes e os herdeiros ou represen
tantes do fallecido, sem que comtudo estes possam valer-se do di
reito do defuncto para administrar os negocios da Sociedade).
Art. 8.• A partilha das perdas ou ganhos será feita assim
( indica -se aqui u parte de cada socio ).
[Seguem -se as clausulas particulares que podem ser preci
sas em virtude das convenções das partes, os direitos que pos
sam reservar para si os socios commanditarios, etc., etc. ]
Feito em tantos originaes quantas partes, em ... aos ...
( Assignaturas)
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 53

IV

Escriptura de Sociedade
em commandita e por acções

Entre os abaixo assignados


1.• O senhor ... de uma parte ;
2.• O senhor..., etc., e todas as pessoas que comprarem ac
ções da presente Sociedade, de outra parte.
Considerando, etc., etc ...
Ajustou -se e fez -se o seguinte :
Art. 1.° E' fundada pela presente escriptura uma Sociedade
em nome collectivo a respeito dos senhores... e em comman
dita a respeito de todas as pessoas que se tornarem accionis
tas da presente Sociedade.
Art. 2.• A Sociedade tem por fim ...
Art. 3.º A duração da Sociedade é de .. , annos, que come
çam a contar- se em ... e terminarão em ...
Art. 4.° A séde da Sociedade está estabelecida em .. : A fir
ma social é ...
Art. 5.° Os senhores... são os unicos gerentes da Socieda
de ; e são tambem os unicos que têem a faculdade de assignar
com a firma social, etc , ..
Art. 6.° O capital da sociedade é de... composto como se
segue : ... E' dividido em ... acções de ... Attendendo a que
os socios gerentes depositaram um capital,e attendendo egual
mente ássuas obrigações e responsabilidades, ficam , desde
agora, os ditos senhores reconhecidos proprietarios de ... ac
ções ; mas, para arantia da sua direcção, elles só poderão
dispor d'ellas quando lhes tiver sido previamente dada aucto
rização pela assembléa geral dos accionistas ; -e, para evitar
qualquer abuso, estas acções conterão a seguinte nota : des
tinadas á Direcção. As acções serão extrahidas de um unico
registro e numeradas desde 1 até ... Serão nominativas e
transmissiveis, por indosso, obrigando se o renunciante e o
cessionario a fazer ou mandar fazer a declaração de cessão
nos registros da Sociedade.
Art. 7.0 Os gerentes terão, a titulo de ordenado, direito a ...
Art 8.° As acções dos socios commanditarios dão direito ao
juro de ... por anno, a uma parte de ... nos ganhos, e a ....
no capital depois da liquidação.
54 BIBLIOTHECA DO POVO

Art. 9.• Os gerentes conservarão ou -farão com que se con


servem os livros escripturados em dia e conforme os usos do
commercio ; e todo o accionista terá direito de examinar a es
cripturação, sem comtudo poder desviar da Sociedade os ditos
livros .
Art. 10.• Todos os seis mezes, os gerentes mandarão fazer
um balancete do estado da Sociedade, o qual será communi
cado á assembléa geral, de que adeante se trata. Depois do
incerramento e da verificação de cada balancete, a assemblea
geral auctorizará o pagamento dos juros e a distribuição dos
dividendos, se puder ter logar, segundo o capital de cada um
dos socios .
Art. 11.° No 1.º de janeiro e no 1.0 de julho (as datas po
dem ser quaesquer),— independentemente das reuniões que
possam ter sido convocadas pelo conselho de vigilancia, de
que se tratará adeante, ou mesmo, em caso de necessidade,
por qualquer socio – haverá, na sede da Sociedade, uma as
semblea geral dos accionistas.
Assembléa seral

Art. 12.° Ficará ao cuidado dos gerentes, do conselho de


vigilancia, ou do accionista que a reclamar, a convocação da
assembléa geral, não só por cartas, como tambem por uma
inserção em qualquer jornal judicial, a qual deve ser feita,
pelo menos, tres dias antes da reunião.
Art. 13.0 Ao começar a sessão, os accionistas devem esco
lher entre si a pessoa que ba-de presidir. A assembléa terá
em vista : 1.° ouvir, dos gerentes, o relatorio das operações
da Sociedade ; 2.º verificar por si , ou por meio de uma com
missão nomeada d'entre os seus membros, as contas e o esta
do da Sociedade ; 3.° deliberar sobre a conveniencia de se dar
dividendo ; 4.0 nomear os membros do conselho de vigilancia
permanente, de que se tratará adeante; 5.º finalmente deli
berar sobre tudo que diga respeito á Sociedade, sem de modo
algum ultrapassar as condições da commandita.
Art. 14. Serão approvadas as propostas que tiverem maior
numero de votos entre os membros presentes ou representa
dos por procuração especial. Cada acção tem jus a um voto.
Os gerentes não poderão votar quando se tratar de se julgar,
quer em geral, quer em particular, dos actos da direcção ou
das contas da sua gerencia. Em qualquer outra circumstan .
cia , são simples accionistas .
Art. 15. Haverá um registro particular em que se lança
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 55

råo os processos verbaes das deliberações dos accionistas,-08


quaes serão assignados pelo presidente. Na abertura de cada
assembléa geral, será lido o auto da assembléa anterior. A
sua adopção ou as reclamações a que der logar constarão do
auto seguinte.
Conselho de vigilancia

Art. 16. ° O conselho de vigilancia é composto de ... mem


bros, nomeados por um anno, na reunião de... ( indica -se a
data ). Este conselho é incarregado de vigiar os actosda di
recção, e aexecução dos presentes estatutos ; pode elle pro
prio, ou delegando um dos seus membros, verificar os fundos
em cofre, os livros de escripturação e todos os mais documen
tos,- e, no caso de haver suspeita, convocar a assembléa ge
ral , prevenindo os gerentes.
Art. 17. Dissolvendo-se a Sociedade antes de expirar o
prazo , a liquidação será feita por um ou mais liquidatarios
nomeados pela assembléa geral, os quaes poderão ser os ge
rentes .
Art. 18 ° 0 capital liquido da Sociedade,depois de feita a
liquidação, será repartido por todas as acções.
Feito em Lisboa, em ...
( Assignaturas ).
EXERCICIOS

Reservamos este ultimo capitulo para, figurando differentes


transacções commerciaes, dizer quaes são as contas que se
debitam e quaes as que se creditam.
Na práctica usual dos lançamentos a palavra Deve ou De
vem está hoje geralmente supprimida com respeito aos titulos
das contas; e se a empregamos é para mais facilmente se dis
criminarem as contas devedoras das credoras ( -). Assentes
estes principios diremos :

( * ) Sabendo-se que a conta á esquerda da palavra deve ou devem é sempre


devedora e a que estiver à direita é sempre credora.
Para facil distincção entre o debito e o credito em qualquer lançamento , ha
uma indicação práctica de corrente applicação : a presença ou ausencia da
preposição a, anteposta n'um lançamento ao título de uma dada conta , basta
para mostrar se essa conta é devedora ou crédora. Assim , quando dizemos -
Caixa a Fazendas Geraes - intendemos ser a Caixa devedora por qualquer
quantia que recebeu proveniente de Fazendas Geraes . Pelo contrario , se dize
mos — Fazendas Gerdes á Caixa - intendemos que a Caixa é credora, visto
que pagou qualquer quantia motivada por Fazendas Geraes. N'este ultimo ca
so é Fazendas Ger a conta devedora, como no primeiro é conta credora .
56 BIBLIOTHECA DO POVO

Por fazendas compradas a prompto e immediato paga


mento :
Pazendas Geraes devem á Caixa.

--Recebendo - se conhecimento e factura de fazendas com


pradas pelo nosso correspondente :
Fazendas Geraes devem a Fulano (o nome do correspon
dente )

- Por fazendas compradas, parte a prompto e immediato


pagamento e parte em lettra por nós acceita :
Fazendas Geraes devem a Diversos
á Caixa a quantia paga
a Lettras a Pagar a importancia da lettra .
- Quando sejam parte a prompto e immediato pagamento
e parte fiadas :
Fazendas Geraes devem a Diversos
å Caixa a quantia paga
a Credores Geraes a quantia queficamos devendo.
- Por fazendas compradas, parte em troca de outras fazen
das e parte pagas por meio de uma lettra, em carteira, por
nós indossada ao vendedor, ou por lettra à nossa ordem :
Fazendas Geraes devem a Diversos
a Fazendas Geraes pelas que sahiram
a Lettras a Receber pela importancia da lettra que egual
mente sahiu do nosso poder.

--- Por fazendas que nos sejam remettidas de nossa ordem,


pela importancia das quaes tenhamos acceitado uma lettra á
favor de terceiro e pago direitos de importação e mais des
pezas :
Fazendas Geraes devem a Diversos
a Lettras a Pagar pela importancia da lettra
á Caixa pelas despezas pagas.
- Por fazendas compradas a troco de uma ordem de paga
mento sobre o nosso commissario :
Fazendas Geraes devem a Fulano (o nome do commissario).
- Por fazendas de conta propria vendidas a prompto e im
mediato pagamento :
Caixa deve a Fazendas Geraes.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 57

Por fazendas vendidas a prazo :


Devedores Geraes devem a Fazendas Goraes
Por fazendas vendidas parte a dinheiro e parte a prazo :
Diversos devem a Fazendas Geraes.
Caixa pelo dinheiro recebido
Devedores Geraos pela importancia ainda não recebida.
- Por fazendas vendidas, parte a dinheiro e parte em let
tra do nosso saque ou a nós indossada :
Diversos devem a Fazendas Geraes
faixa pela quantia recebida
Lettras a nouubor polo importancia da lettra.
- Quando o nosso commissario apresente no regresso da
sua viagem conta geral da compra de fazendas, a qual mos
tre saldo contra diversos :
Diversos devem a Diversos
Fazendas Geraes pelas despezas ainda não carregadas
Fulano (o commissario) pelo saldo que lhe intregamos
A Fulano (o commissario) pelas despezas e sua commissão
A' Caixa pelo dinheiro desimbolsado.
Quando se antecipe o pagamento de fazendas que ante
riormente se tenham comprado fiadas, e nos façam um des
conto por esse adeantamento :
Credores Geraes devem a Devedores Geraes
A' Caixa pela quantia desimbolsada
A Ganhos e Perdas pela importancia do abatimento .
Quando nos antecipem um pagamento nas mesmas con
dições por fazendas que houvermos vendido fiadas :
Diversos devem a Devedores Geraes
Caixa pela quantia recebida
Ganhos e Perdas pelo desconto que fizemos. 1

- Por pagamento que nos façam com respeito a fazendas


que houvermos vendido fiadas :
Caixa deve a Devedores Geraes.

Quando pela mesma razão recebamos dinheiro e lettra


ou bilbete á ordem :
Diversos devem a Dovedores Geraer
Caixa pelo dinheiro recebido
58 BIBLIOTHECA DO POVO

Lettras a Receber pela lettra ou bilhete á ordem.


Quando ainda pela mesma razão se receba dinheiro, let
tra e fazendas :
Diversos devem a Devedores Geraes
Caixa pelo dinheiro recebido
Lettras a Receber pela importancia da lettra
Fazendas Geraes pelas fazendas intradas.
Quando nos façam um pagamento por conta de terceiro,
sendo em dinheiro :
Caixa deve a Fulano (o nome d'essa terceira pessoa) ou a
Devedores Geraes.
Sendo em fazendas :
Fazendas Geraes devema Fulano ou a Devedores Geraes .
Sendo em lettras :
Lettras a Receber devem a Fulano ou a Devedores Geraes .
Sendo em todas as tres especies :
s
Diverso devem a Fulano ou a Devedores Geraes
Caixa pelo dinheiro recebido
Fazendas Geraes pelas fazendas recebidas
Lettras a receber pela lettra intrada.
Quando fizermos um pagamento, sendo em dinheiro :
Fulano (ou a conta que o represente ) deve á Caixa.
Sendo em fazendas :
Fulano (ou a conta que o represente ) deve a Fazendas Ge
raes.
Sendo em lettras a receber :
Fulano (ou a conta que o represente) deve a Lettras a
Receber .
Sendo em lettras do nosso acceite :
Fulano (ou a conta que o represente) deve a Lettras a Pa
gar .
Sendo em todas as quatro especies :
Fulano (ou a conta que o represente) deve a Diversos
A' Caixa pelo dinheiro sahido
A Fazendas Geraes pelas fazendas intregues
A Lettras a Receber pela lettra que indossámos ou á no88a
ordem
A Lettras a Pagar pela lettra que acceitámos.
Quando fizermos um pagamento por conta e ordem de
terceiro:
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 59

Fulano (o individuo por conta de quem fizermos o paga


mento) deve à Conta que representar os efeitos dados por nós
em pagamento.
Quando nos façam um pagamento :
Caixa (ou a conta que representar os effeitos recebidos) de
ve a Fulano , a Devedores, ou a Credores Geraes (conforme
fôr um correspondente, um devedor, ou um credor ).
- Quando Pedro, para nos pagar uma conta, nos trespasse
uma divida de Antonio :
Devedores Geraes (ou Antonio) devem a Devedores Geraes
( ou a Pedro ).
-Quando se paguem direitos e mais despezas de imbar.
que ou outras occasionadas por fazendas :
Fazendas Geraes devem á Caixa.

Quandopagarmos uma lettra :


Lettras a Pagar devem à Caixa.
Quando recebermos uma lettra :
Caixa deve a Lettras a Receber.

Quando vendermos fazendas fadas e fizermos despezas


com esta transacção :
Devedores Geraes devem a Diversos
a Fazendas Geraes pelas fazendas sahidas
à Caixa pelas despezas effeituadas.
-Quando pagarmos ordenados, despezas de expediente,
etc .:
Gastos de Negocio devem á Caixa.
- Quando para pagamento de fazendas remettidas de con
ta alheia sacarmos uma lettra á ordem de terceiro de quem
tenhamos recebido a importancia das mesmas :
Lettras a Receber devem a Fulano (o individuo a quem se
remetteram as fazendas ).
E seguidamente :
Caixa deve a Lettras a Receber, pela quantia recebida.
Ou então mais resumidamente :
Caixa deve a Fulano.
60 BIBLIOTHECA DO POVO

-Quando recebamos uma quantia que nos devum, e mais


o juro da móra :
Caixa deve a Diversos
a Devedores Geraesa quantia liquida
a Ganhos e Perdas a importancia do juro.
Quando pagarmos nas mesmas condições :
Diversos devem á Caixa
Devedores Geraes a importancia liquida
Ganhos e Perdas a importancia do juro.
Quando um individuo nos indosse uma lettra :
Lettras a Receber devem a Fulano ( o individuo que nos in.
dossou a lettra).
-
-Quando se vendam acções ou quaesquer outros titulos
de que tenbamos de pagar commissão ao corretor :
Diversos devem a Acções
Caixa pelo dinheiro intrado
Commissões pela commissão paga ao corretor.
Quando antecipemos o pagamento de uma lettra e por.
essa razão nos façam um desconto :
Lettras a Pagar devem a Diversos
à Caixa pelu desimbolso effeituado
a Ganhos e Perdas pelo desconto que nos fizeram .
-Quando um nosso devedor, por lettra acceita, seja con
siderado fallido e os seus credores concordem em receber
60 % sobre o total dos respectivos debitos, sendo 20 % em
fazendas, 20 % em dinheiro, e 20 % em lettras a differentes
prazos :
Fulano ( fallido ) deve a Lettras a Receber a importancia
total da lettra não paga .
E n'outro lançamento :
Diversos devem a fulano ( fallido)
Fazendas Geraes pelasfazendas intradas
Caixa pelo dinheiro recebido
Lettras a Receber pelas lettras que nos indossaram
Ganhos e Perdas pelo prejuizo de40 % que sofremos.
-Quando saquemos lettra sobre alguem e recebamos o seu
valor em dinheiro :
Caixa deve a Fulano ( o individuo sobre quem sacamos )
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 61

n / c, s /c, ou por c / de quem sacamos ( conforme sacarmos por


nossa conta , por conta do individuo sobre quem sacamos,ou
por conta de terceira pessoa ).
-
Quando sacarmos lettras sobre alguem e as guardarmos
por nossa conta :
Lettras de Cambio devem a Fulano (sobre quem sacamos)
n/c (se o saque fôr por nossa conta ), s/c (se o saque fôr por
sua conta ), ou por c/ de quem sacamos (se o saque fôr por
conta de terceira pessoa) .
Quando sacarmos lettras sobre alguem por n /c e remet
termos a lettra a outro :
Fulano ( o individuo a quem remettemos a lettra) n /c (oa
s / c) deve a Fulano (o individuo sobre quem sacamos).
Ou quando seja por conta de outro :
Fulano (a quem remettemos) deve a Fulano (sobre quem
sacamos).
Quando sacamos sobre alguem por s / c e remettemos a
lettra a terceiro :
Se remettemos por d/c :
Fulano (o individuo a quem remettemos) n / c deve a Fulano
(o individuo sobre quem sacamos) s/c.
Se remettemos por s/c :
Fulano (o individuo a quem remettemos) s /c, deve a Fulano
(o individuo sobre quem sacamos) s/c.
Se remettemos por c / de terceiro :
Fulano (oindividuo a quem remettemos) s / c, deve a Fula
no ( o individuo sobre quem sacamos).
- Quando sacarmos lettra sobre um individuo por conta de
terceiro e remettermos a lettra a outro :
Fulano (o individuo a quem remettemos) n /c ou s /c, deve a
Fulano (o individuo por conta de quem sacamos).
Remettendo por conta de outro :
Fulano (o individuo por conta de quem remettemos) s /c,
deve a Fulano (o individuo por conta de quem sacamos).
Quando alguem sacar lettras sobre nós e as pagarmos a
dinheiro :
Fulano (o sacador) n /c (sacando por nossa conta ), deve a
Caixa
Fulano (o sacador) S/c (sacando por sua conta ) deve á Caixa
62 BIBLIOTHECA DO POVO

Fulano (o individuo por conta de quem é o saque, quando


o saque é por conta de terceira pessoa) deve á Caixa.
-
-Quando um individuo do mesmo paiz sacar por nossa
conta com perda :
Diversos devem á Caixa
Fulano (o sacador ), pela somma que recebeu
Ganhos e Perdas, pelo avanço ou premio.
-Quando um individuo do mesmo paiz sacar sobre nós
com ganho :
Fulano (o sacador) deve a Diversos
á Caixa pela importancia que pagarmos pela lettra
a Ganhos e Perdas pelo premio.
Podemos remetter lettras a um individuo por nossa con
ta, sua conta ou por conta de outro, tendo-as comprado a di
nheiro, tomado de nós mesmos, sacado sobre outro, ou invia
do em remessa que outro nos tenha feito .
Remettendo -as por nossa conta ou por conta do individuo
a quem as inviamos :
Fulano ( o individuo a quem as remettemos) n /c ou s / c, de
ve á Caixa .
Remettendo - as por conta de outro :
Fulano (o individuo para quem as remettemos) s / c deve á
Caixa.

Quando alguem nos remette lettras e nos imbolsamos da


sua importancia:
Caixa deve a Fulano (o individuo que nol-as remetteu).
-
Quando um individuo nos remette lettras com ganho por
nossa conta :
Caixa deve a Diversos
a Fulano (o individuo que as remetteu), pelo que desim
bolsou
a Ganhos e Perdas pelo ganho.
- Quando nos remetterem lettras com perda e por nossa
conta :
Diversos devem a Fulano (o individuo que as remetteu )
Caixa, pela somma que se recebeu
Ganhos e Perdas, pela perda.
ESCRIPTURAÇÃO COMMERCIAL 63

Quando um individuo nos remetter lettras sobre outras


praças para nós as negociarmos :
Se as remette por sua conta e nós recebemos o seu valor :
Caixa deve a Fulano (o individuo que as remetteu ).
Se as remetter por conta de outro :
Caixa deve a Fulano (o individuo por conta de quem as let
tras nos vieram remettidas) .
Quando um individuo nos remetter lettras para nós as
negociarmos por sua conta e as guardarmos por nossa conta :
Lettras de Cambio devem a Fulano (o individuo que as re
metteu ).
.
Quando um individuo nos remetter lettras por conta de
outro para nós as negociarmos e as guardarmos por nossa
conta :
Lettras de Cambio devem a Fulano (o individuo por conta
de quem vieram remettidas).
Quando um individuo nos remetter lettras para nego
ciarmos por sua conta e nós as remettermos a outro por nos
sa conta :
Fulano (o individuo a quem as remettemos) n /c, deve a Fu
lano (o individuo que nol-as remetteu).
Quando um individuo nos rernetter lettras por sua conta
e nósas remettermos a outro por conta d'aquelle a quem as
remettemos :
Fulano (o individuo a quem as remettemos) s /c, deve a Fu
lano ( o individuo que nol-as remetteu).
-Quando um individuo nos remetter lettras por sua con
ta e nós as remettermos a outro por conta de terceiro :
Fulano (o individuo por conta de quem as remettemos) de
ve a Fulano (o individuo que nol- as inviou).
- Quando um individuo nos remetter lettras por conta de
outro e as inviarmos a um differente individuo ainda por con
ta de outro :
Fulano (o individuo por conta de quem as remettemos) de
ve a Fulano (o individuo por conta de quem as recebemos).
FIM
Casa editora de DAVID CORAZZI , Lisboa, Rua da Atalaya, 40 a 58
PROPAGANDA DE INSTRUCÇÃO PARA PORTUGUEZES E BRAZILEIROS
BIBLTOTHECA DO POVO E DAS ESCOLAS
PUBLICA -SE NOS DIAS 10 E 25 DE CADA MEZ
RÉIS Esta publicação, notavel pela sua fabulo
RÉIS
50 LUME CADA
VOLUME
sa barateza , tem a dupla vantagem de
propagar a instrucção geral e incitar ao es .
tudo as classes escolasticas e populares.
CADA

VOLUME -50
Destina-se a formar em Bibliotheca economica uma verdadeira encyclopedia
conhecimentos humanos , um curioso repositorio onde os indoutos possam apprender e de
os
doutos se não infastiem de recordar.
VOLUMES PUBLICADOS :
1.a Serie . N.º 1 , Historia de Portugal. N. ° 2 , Geographia geral . N.º 3 , Mytholo
gia. N.° 4, Introducção ás sciencias physico -naturaes . N. ° 5, Arithmetica pratica. N.º
6, Zoologia. N.° 7 , Chorographia de Portugal. N.° 8, Physica elementar.-- 2.a Serie.
N.° 9, Botanica. N.° 10 , Astronomia popular. N.° 11, Desenho linear. N.° 12, Economia
politica. N.° 13, Agricultura. N.° 14, Algebra elementar. N.° 15 , Mammiferos. N.° 16, Hy.
giene. - 3.4 Serie . N.° 17, Principios geraes de Chimica . N.° 18, Noções geraes de Ju.
risprudencia. N. ° 19 , Manual do fabricante de vernizes . N. ° 20, Telegraphia electrica. N.º
21 , Geometria plana.N.°22, A Terra e os Mares. N.º 23, Acustica . N.° 24, Gymnas.
tica . – 4.4 Serie. N.° 25 , As colonias portuguezas. N.° 26, Noções de Musica. N. ° 27,
Chimica inorganica. N.° 28, Centuria de celebridades femininas. N.º 29, Mineralogia.
N.° 30, O Marquez de Pombal. N.° 31 , Geologia. N.° 32, Codigo Civil Portuguez.- 5.a
Serié . N. ° 33, Historia natural das aves. N. ° 34, Meteorologia . N.º 35 , Chorographia
do Brazil.- N.36, O Homem na serie animal.- N.° 37, Tactica e armas de guerra.
N.° 38, Direito Romano. - N.º 39, Chimica organica. - N.° 40, Grammatica Portugueza .
-6.a 'Serie . N.° 41 , Escripturação Commercial.
Cada serie de 8 volumes cartonada em percalina , 500 réis ; capa separada , para carto
nar cada serie, 100 réis.
VOLUMES A PUBLICAR :
Geometria no espaço . Mechanica . Electricidade. Reptis . Peixes . Insectos . O livro
das creanças. Historia universal. Historia sagrada. Historia do Brazil . Historia da In
quisição. A Inquisição em Portugal. O descobrimento do Brasil. Anatomia. Physiologia.
Methodos de francez, de inglez, etc. Usos e costumes dos Romanos. Litteratura portu
gueza . Litteratura brazileira. Invenções e descobertas, Artes e industrias.
OS DICCIONARIOS DO POVO
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tendo os srs. assignantes, aos fasciculos, a vantagem de só dispenderem
50 RÉIS DE QUINZE EM QUINE DAS
Esta collecção, a par da publicação da Bibliotheca do Povo e das Escolas, constitue um ver
dadeiro thesouro de sciencia, e considerar-se -hão ricos de saber todos os que quizerem pos
suir estas duas collecções e folheal-as de vez em quando.
Publica -se nos dias 5 e 20 de cada mez , em fasciculos de 64 paginas pelo menos, typo miudo
mas legivel, bom papel, impressão nitida, edição estereotypada ,pelo preço de 50 réis.
Em publicação: DICCIONARIO DA LINGUA PORTUGUEZA
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BIBLIOTHECA DO Povo
E DAS ESCOLAS

CADA VOLUME 50 RÉIS

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Ca.
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del
ca. I
ANATOMIA

COL
HUMANA
CADA

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ILLUSTRADA COM 27 GRAVURAS
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τερά
gues

50 SEGUNDO ANNO - SEXTA SERIE


50
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logis ção cheia, edição estereotypada , - e forma um
porta tratado elementar completo n'algum ramo de
sciencias, artes ou industrias, um florilegio lit
terario , ou um aggregado de conhecimentos
uteis e indispensaveis, expostos por forma
oleto succinta e concisa, mas clara, despretenciosa,
popular, ao alcance de todas as intelligencias .

DO 1882
cem DAVID CORÁZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS
ver
pos Premiada com medalha de ouro da Exposição do Rio de Janeiro
tindo Administração: 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa
Filial no Brazil : 40, R. da Quitanda , Rio de Janeiro

eem
iro á M & NUMERO M
ales, 42
INDICE

INTRODUCÇÃO . 3
OSTEOLOGIA . 10
ARTHROLOGIA 27
MYOLOGIA.. 31
ANGIOLOGIA 43
NEVROLOGIA .. 50
ESTHESIOLOGIA .. 55
ESPLANCHNOLOGIA

ERRATAS MAIS IMPORTANTES

Pag. Linba Onde se le Leia -se

6 40 e o seu pollegar e o seu primeiro dedo


( correspondente ao
pollegar da mão ),
7 29 a 30 tempora temporas
8
10
27 (1,6 e l', 6 ') (Il elu)
23 Apparelho dos sentidos Apparelhos dos senti
dos
> Estesiologia Esthesiologia
23 40 na inferior. na inferior( 6 ).
24 2 epicondylo ; epicondylo (c);
>)
3 o cubito, o cubito ; uma trochlea
que se articula com
o radio ;
4 epitrochlea. epitrochlea (g).
27
33
16 Ő ( pé, v, x, y, fig. 2), o pé (v, x , y, fig. 2)
40 a qual o qual
40 31 destinada destinado
62 13 largo longo
ANATOMIA HUMANA

INTRODUCÇÃO
Definições.- Dá -se o nome de Anatomia á sciencia que tem
por objecto o estudo da organização dos seres vivos. D'este
simples enunciado se deduz que ha uma anatomia animal e
uma anatomia vegetal ; e tambem que cada especie animal e
cada especie vegetal tem a sua anatomia particular.
N'este livrinho tratamos da Anatomia humana, ou da des
cripção do organismo do homem. A anatomia humana toma
differentes designações especiaes, segundo os particulares as
pectos pelos quaes considera o organismo. E ' assim que: a
anatomia descriptiva tem por assumpto o estudo de cada or
gão do corpo humano em particular, tratando da sua denomi
nação, posição relativa, forma exterior, natureza e disposição
dos tecidos que entram na sua composição, etc .; - a anato .
min geral ou de estructura estuda à estructura intima dos
differentes tecidos que concorrem para a constituição do or
ganismo ; - a anatomia pathologica conhece das alterações
que se observam nos differentes orgãos no estado de doença ;
a anatomia cirurgica, estudando especialmenteas relações
de posição dos orgãos entre si , fornece as indicações seguras
que devem guiar a mão do operador na práctica das diversas
operações cirurgicas. A anatomia de que n'este livrinho nos
occupamos é a descriptiva.
Orgãos e funcções.- Tanto nos animaes como nos vege
taes, a vida é o resultado de um certo numero de actos, que
a Physiologia designa pelo nome de funcções. As funcções são
o producto da actividade de diversos instrumentos ou orgãos,
cujo conjuncto constitue o corpo do animal ou do vegetal.
Quando differentes orgãos concorrem para a execução de uma
mesma funcção, ao agrupamento d'elles dá-se o nome de ap
parelho. Chama-se, por exemplo, apparelho locomotor o con.
4 BIBLIOTHECA DO POVO

juncto dos orgãos que têem por fim o transporte do animal


de um logar para outro ; apparelho digestivo, o dos orgãos que
concorrem para a elaboração dos alimentos até ao pontode
poderem ser absorvidos e intrar na constituição do organis
mo; apparelho circulatorio, o dos que produzem pela sua ac
do
ção o movimento do sangue por toda a espessura do corpo
animal .
Os orgãos do corpo classificam - se , subordinando se os seus
differentes grupos ás funcções que lhes estão a cargo, no or
ganismo de que fazem parte.
As funcções são numerosas e variadas, mas reduzem se a
duas grandes classes: - 1. funcções da vida vegetativa; – 2.a
funcções da vida animal.
Funcções DA VIDA VEGETATIVA.- Sảo assim denominadas ,
porque tanto se observam'no organismo vegetal como no ani
mal. Dividem -se em dois grupos : —- funcções de nutrição, que
têem por fim a conservação do individuo ; e funcções de re
producção, que têem por fim a conservação da especie.
FuncçõES DA VIDA ANIMAL.- São assim designadas, porque
existem exclusivamente nos animaes. Dividem -se tambem em
dois grupos: — funcções de relação, cujo fim é pôrem o animal
em relação com o mundo exterior ; e funcções especulativas,
que lêem por objecto as manifestações da intelligencia e do
instincto.
Subordinando -os a esta classificação, torna -se facil indicar
methodicamente os principaes orgãos e apparelhos que com
põem o corpo de um animal. Assim, ás funcções de putrição
pertencem os apparelhos digestivo, circulatorio, respiratorio,
e os las diversas secreções ; ás funcções de relação e ás es
peculativas pertencem o systema nervoso, os apparelhos dos
senticos e o locomotor.
Tecidos organicos.-- Não ha perfeito accôrdo entre os ana
tomistas a respeito do numero de tecidos elementares, que en
tram na composição do corpo dos animaes. Geralmente, po
rêm, admitte-se a existencia de seis tecidos principaes, que
são: o cellular, o fibroso, o muscular, o nervoso, o osseo, e o
cartilagineo.
Tecido CELLULAR.- E ' o mais abundantemente espalhado
no organismo animal. E' constituido por fibras e por lamina
sinhas muito delgadas, transparentes e cruzadas entre si, de
modo que formam cellulas ou cavidadesinhas, cuja reunião
tem a apparencia de uma substancia esponjosa . Preenche
este tecido todos os intervallos ou lacunas que ha entre os
differentes orgãos; e serve de meio de uniãoentre todas as
ANATOMIA HUMANA 5

partes do corpo, circumstancia a que deve o nome de tecido


conjunctivo, pelo qual é egualmente conhecido.
Existe tambem , em camada mais ou menos espessa, depos
to por baixo da pelle, em toda a extensão d'esta, preenchen
do as cavidades superficiaes, desfazendo as saliencias e dan
do ao exterior do corpo as suas fórmas arredondadas . E' nas
cellulas d’este tecido que se deposita a gordura ou tecido adi
poso .
TECIDO FIBROSO.- Simples modificação do tecido cellular, é
constituido por fibras brancas, de aspecto nacarado, opacas e
muito resistentes. Estas fibras apresentam -se congregadas de
diversos modos : umas vezes com a forma de cordões mais ou
menos espessos, constituindo os tendões, que servem de termi- ,
nação aos musculos ; outras, formando membranas de involu
cro aos musculos, ás quaes se dá o nome de aponevroses ; e
finalmente constituindo os ligamentos articulares , que unem
os 08808 uns aos outros. O tecido fibroso entra ainda na cong.
tituição de differentes orgãos, formando-lhes, por assim dizer,
o molde e a parte mais resistente.
TECIDO MUSCULAR.— E' formado por fibras geralmente ver
melbas, algumas vezes rosadas ouesbranquiçadas, e sempre
caracterizadas pela propriedade de se contrahirem . Reunidas
em feixes, mais ou menos volumosos, por meio do tecido cel
lular, estas fibras formam osmusculos, que são os orgãos acti.
vos do movimento voluntario. Tambem existem, agrupadas
ou disseminadas, em outros orgãos dotados de movimento,
como o coração, os intestinos, o estomago, etc., cujas fancções
são independentes da vontade. Em todos os pontos do drga
ganismo
lar.
em que se executam movimentos, bà tecido muscu
TECIDO NERVOSO.- Tem a forma de uma substancia molle,
ordinariamente esbranquiçada, algumas vezes cinzenta ou ro
gada, constituida pela reunião de cellulas chamadas cellulas
nervosas, por granulações extremamente tenues que têem o
nome de myelocitas, e por fibras ou tubos nervosos, distinctos
em tubos nervosos sensitivos e tubos nervosos motores. D'este
tecido são formados o cerebro, o cerebello, aj medulla espi.
nal e a polpa dos nervos.
TECIDO OSSEO..- E ' uma substancia branca e dura, na qual ,
quando examinada ao microscopio, se distinguem pequeninas
cavidades ovoides, que se apresentam á vista como pontos
negros (osteoplastas ou corpusculos osseos ), e dos quaes par
tem numerosos canaliculos ramificados em todos os senti
dos e cheios de um liquido transparente. Ha ainda no teci.
6 BIBLIOTHECA DO POVO

do osseo outros canaliculos, mais largos e mais regulares ,


denominados canaes de Havers, e destinados a alojarem ve
808 sanguineos e lymphaticos. E ' este tecido o que forma o
esqueleto dos animaes vertebrados. A sua composição é a de
uma substancia gelatinosa impregnada de phosphato e de
carbonato calcareos.
TECIDO CARTILAGINEO.- - E' constituido por uma substancia
branca, translucida, formada pela agglomeração de granulos
extremamente pequenos, destituida de vasos, e toda crivada,
como os 08808, por pequeninas cavidades. E' este tecido do.
tado de una grande elasticidade, serve de meio de união a
differentes peças do esqueleto, e reveste as extremidades arti
culares dos ossos, dando-lhes protecção contra as violencias
exteriores e favorecendo os movimentos.
Estes seis tecidos elementares, combinados diversamente,
constituem os diversos orgãos que executam as funcções ne
cessarias á vida. Alêm d'elles entra tambem na estructura
do corpo o sangue, ou liquido nutritivo, no qual existe a
maior parte dos principios constitutivos do organismo, como
a fibrina, a albumina, a substancia gordurosa, os saes, etc.
Corpo humano em geral. — O estudo do corpo humano com
prehende- se no da Zoologia, por isso que o homem é um ani
mal, imbora o mais perfeito da creação. Mas, alêm da intel
ligencia e da voz articulada, um certo numero de caracteres
physicos importantes distinguem o homem de todos os outros
animaes, dando-lhe um logar preeminente na escala zoologi
ca, e levando alguns naturalistas a formar d'elleum reino
especial da natureza. Emquanto os seus membros inferiores
são dispostos pelo modo mais perfeito para a attitude vertical
e bipede - o que não acontece em nenhum outro animal — os
seus membros superiores ou thoracicos são admiravelmente
construidos para servirem como orgãos de apprehensão e de
tacto. A mão, collocada na extremidade d'estes, é terminada
por dedos longos, flexiveis e moveis, protegidos nos seus extre
mos livres pelas unhas ; o que principalmente a caracteriza é
a faculdade, de que gosa o dedo pollegar, de se oppôr aos ou
tros dedos, o que permitte que a mão apprehendae cinja or
corpos, já para os deslocar já para lhes apalpar a superficie.
No pé não se dá egual disposição : n'elle os dedos são mais
curtos e pouco flexiveis; e o seu pollegar, situado no mesmo
plano dosoutros dedos, não pode oppor-se-lhes.
O homem é, pois, o unico animal bimano e bipede, o unico,
portanto, cujos membros superiores e inferiores são apropria
dos a usos essencialmente distinctos. Esta disposição, e a in
ANATOMIA HUMANA 7

telligencia e a faculdade da expressão pela voz articulada,


dão ao homem uma enorme superioridade sobre todos os ou
tros animues.
No estudo do organismo humano considera -se sempre o ho
mem na attitude bipede, ou , como vulgarmente se diz, em
pé, e circumscripto por seis planos : um anterior,sobreposto
ao lado para onde está voltado o rosto ; um posterior, pas
sando pelas costas; um lateral direito, tocando o lado exter
no do braço direito ; um lateral esquerda tramadoo rauo ex
terno de braço soquurdy , un superior, passando pelo ponto
mais culminante da cabeça ; e um inferior, passando sob os
pés. Os quatro primeiros são verticaes, os dois outros hori
zontaes. Posto isto, se quizermos, por exemplo, designar as
posições relativas de dois ou mais orgãos, diremos : que é an
terior o que está situado mais proximo do plano anterior, su
perior o que mais se approxima do plano superior, direito o
que mais vizinho fôr do plano lateral direito , etc.
O corpo' do homem divide-se naturalmente em : cabeça,
tronco e extremidades.
CABEÇA.— A cabeça, situada na parte superior do corpo,
comprehende o craneo e a face. O craneo, destinado a conter
o encephalo, é arredondado na parte superior e um pouco
achatado nos lados. A face, annexa á parte anterior do cra
neo, é alongada de baixo para cima, de modo que o diametro
vertical da cabeça é maior do que os outros. A face superior
da cabeça, que é lisa e regular, fórma a região epicranica ; a
face posterior, que é espheroidal, fórma a região occipital;
as faces lateraes podem dividir-se em tres regiões, que são :
uma superior, plana, que se denomina região temporaloù tem
pora (vulgarmente, fontes ); uma inferior e posterior, denomi
nada auricular, e outra inferior e anterior, que tem oʻnome
de região parotidiana. A face anterior da cabeça, em que se
imprime a physionomia, é notavel pela barmonia, belleza e
mobilidade das feições.
TRONCO.- Tem a forma de um cylindro achatado no senti
do antero-posterior, e divide - se em duas partes : uma supe
rior ou o thorax, e outra inferior ou o abdomen. thorax , li .
mitado superiormente pelo pescoço e inferiormente pelo abdo
men, é uma cavidade fechada por paredes formadas de ossos
e musculos, e destinada a conter visceras importantes (como o
coração, os pulmões, os bronchios, etc.). O abdomen é separa
do do thorax por meio de um septo muscular, constituido pe
lo musculo diaphragma; e fórma uma cavidade approximada
mente cylindrica, na qual se contêem visceras muito impor
8 BIBLIOTHECA DO POVO

tantes (como o estomago, o figado, o baço, os intestinos, &


bexiga, os rins, o utero , etc.) .
Para se determinar a posição relativa das differentes vis
ceras contidas na cavidade abdominal, usa- se dividir a pare
de anterior da mesma cavidade em tres zonas, comprehenden
do nove regiões, pela intersecção de duas linhas horizontae3
com duas verticaes ( fig. 1). A linha horizontal superior (0,0)
é tirada da parte mé
dia da margem infe
siou da ultima cartila
gem costal de um lado
a ao ponto correspon •
2 dente do lado opposto .
a
3 3
A horizontal inferior
(u, u' ) é tirada desde
a espinha iliaca direi
7 7 ta até á esquerda. Es
tas duas linhas divi
b 4 . 6 dem 0 abdomen em
tres zonas : uma supe
u
rior ou epigastrica ( 0,
5 a , o) ; outra média ou
umbilical ( 0, 0, 0, u');
e outra inferior ou hy
pogastrica(u ', 1, l', u ).
As duas liubas verti
caes ( 1, b e l', b' ) são
duas perpendiculares
ás duas horizontaes e
levantadas da parte
Fig. 1
média das pregas das
verilhas, de um e ou .
tro lado. D'este modo fica o abdomen dividido em nove re
giões, que são : epigastro (1, 2); hypochondrios, direito e es
querdo (3 ,3) ; região umbilical ( 4 ); flancos,direito e esquer.
do ( 7, 7); hypogastro (5 ) ; regiões iliacas, direita e esquerda
(6,6). O tronco observado pela face posterior offerece um as
pecto differente do da face anterior ; a metade superior é
formada pela face posterior do thorax, a qual se chama dor
80 ; a metade inferior é constituida pelas regiões lombares ou
lombos, direito e esquerdo, e pela bacia , da qual na face an
terior do tronco se distinguem apenas as margens .
EXTREMIDADES.- As extremidades, ou membros, são em nu
mero de quatro : duas superiores ou thoracicas, articuladas
ANATOMIA HUMANA 9

nos dois angulos superiores do tronco (em h, fig. 2); e duas


inferiores ou abdominaes, articuladas nos angulos inferiores
(em o, fig. 2). As primeiras dividem - se em : espadua, braço,
ante-braço e mão. As segundas em : bacia, côxa, perna e pé.
O homem chega ordinariamente á maior elevação da sua
estatura entre os 25 e os 30 annos . Esta conserva -se estacio
naria até aos 50 annos , edade em que geralmente começa a
decrescer. A estatura varia muito nas diversas raças, nos di
versos povos e nos diversos individuos.
Dizem- se gigantes os individuos cuja estatura se eleva con
sideravelmente acima da estatura média da especie humana;
e anões, aquelles cuja estatura é muito inferior á referida
média. Houve umgigante irlandez chamado Cajano, que ti
nha de altura 2m,833; e o anão Jeffery Hugdson, que estava
ao serviço da duqueza de Buckingham , medía apenas On ,56
de altura.
O volume do corpo depende das dimensões do esqueleto, e
do desinvolvimento da massa muscular e do tecido cellulo
adiposo. No homem bem conformado todas as saliencias os
seas e musculares e todas as depressões se desenham claramen
te atravez da pelle. Na mulher, em geral, os ossos e os mus.
culos são menos desinvolvidos e mais abundante o tecido cel
lulo- adiposo ; por isso esta apresenta mais arredondadas as
fórmas exteriores do corpo, e muito menos pronunciadas as
saliencias e depressões.
O pezo do corpo é geralınente maior no homero que na mu
lher. O homem attinge o seu maximo pezo pelos 40 annos; a
mulber, pelos 50. Tanto um como o outro, quando chegam ao
seu maior desinvolvimento, pezam approximadamente vinte
vezes o que pezavam quando nasceram , e a sua estatura é
então um pouco superior ao triplo d'aquelle com que sabiram
do ventre materno ,
O corpo humano é symetrico (isto é : se o separarmos em
duas ' metades eguaes por um plano antero- posterior, ficarão
duas partes perfeitamente similhantes , uma direita e outra
esquerda). Os orgãos situados na linha mediana são impares
e, por conseguinte, symetricos ; os que estão collocados fóra
do plano mediano antero -posterior são pares (isto é : todo o
orgão existente de um dos lados é representado por outro
egual no lado opposto) . Assiin, quando existem dois orgãos
eguaes, basta que no estudo da Anatomia se descreva um
d'elles ; e, quando apenas existe um , situado na linha media
na, bastará que se descreva uma das metades d'elle . Ha, po
rêm, excepções no que toca aos orgãos situados fóra da linha
A
10 BIBLIOTHEC DO POVO

mediana, que alguns d'elles sãoimpares e não symetricos (co


mo o coração, figado, baço, etc. ).
Divisão da Anatomia – No seguinte mappa estão enume
rados os apparelhos organicos que servem para a execução
das diversas funcções, e cujo conjuncto constitue o corpo hu
mano. Estão dispostos pela ordem em que os estudaremos, e
levam indicados em frente os ramos ou partes da Anatomia,
que lhes correspondem.
Ossos ..... Osteologia
Apparelho locomotor Articulações ... Arthrologia
Musculos . Myologia
Coração
Arterias
Apparelho circulatorio Veias Angiologia
Vasos lymphaticos
Parte central ( sys
tema cephalo
Apparelho de innerva rachidiano) Nevrologia
ção Parte peripherica
(neryos)
Sentido do tacto
da visão
Apparelho dos sentidos >>
da audição > Estesiologia
>>>
do olphato
»
do gosto
Apparelhos digestivo,
respiratorio, da se
creção urinaria, e da Esplanchnologia
geração

Osteologia

Ossos em geral.- apparelho locomotor é constituido pe


los ossos, pelos ligamentos que mantêem as articulações, e
pelos musculos. Os ossos são orgãos passivos do movimento ;
os musculos, constituidos por feixes de fibras musculares, são
os orgãos activos , que, contrahindo-se, deslocam os ossos em
que se inserem, fazendo-os funccionar á maneira de alavancas.
Os ossos são formados de : tecido osseo, vasos sanguineos
( arterias e veias), nervos, o vasos lymphaticos. São prote
ANATOMIA HUMANA 11

gidos por uma membrana externa, denominada periosteo. O


tecido osseo é duro e tem um consideravel pezo especifico ; é
constituido por uma parte organizada e por uma parte inor
ganica. Os ossos devem a esta ultima a sua dureza ; á parte
organizada, a sua vitalidade, e a pequena flexibilidade e elas
ticidade de que são dotados. Eis qual é, segundo a analyse
de Berzelius, a sua composição chimica, em 100 partes :

Materia animal reductivel pela


Parte organizada cocção .... 32,17
Materia animal insoluvel . 1,13
Phosphato de cal . 51,04
Carbonato de cal 11,30
Parte inorganica Fluoreto de calcio ..... 2,00
Phosphato de magnesia .. 1,16
Soda e chloreto de sodio 1,20
100,00
O tecido osseo, identico sempre na sua composição, apre
benta -se ao observador sob differentes aspectos. Umas vezes
tem a apparencia de fibras estreitamente reunidas, e desi.
gna -se então pelo nome de tecido compacto. Outras vezes apre
senta - se sob a forma de cellulas ou pequenas cavidades de
fórmas regulares e communicando umas com as outras, e diz
se tecido esponjoso. Ha ainda o tecido reticular, que é uma
variedade do antecedente, e no qual as cellulas apresentam
muito maiores dimensões. O tecido compacto está disposto em
camada mais ou menos espessa na superficie dos ossos; mais
espessa nos 08:08 longos, mais tenue nos nossos curtos, e de
espessura mediana nos ossos chatos. N'alguns d'estes ulti
mos, na sua parte central, as duas laminas de tecido compa
cto estão juxtapostas, sem interposição de tecido esponjoso,
por forma que o osso é, n'aquelle ponto, transparente. O teci
do esponjoso existe nos ossos longos em -torno da cavidade me
dullar e nas extremidades do osso ; nos 0880s chatos está in
terposto ás duas laminas de tecido compacto ; e constitue
quasi toda a substancia dos ossos curtos. () tecido reticular
incontra-se ,principalmente na cavidade medullar dos ossos
longos.
Os ossos têem configuração extremamente variada.Conside
rados sob o ponto devista das suas tres dimensões, distin
guem - se em : 08sos longos, chatos e curtos. São longos aquel
les, cujo comprimento excede consideravelmente as duas ou
12 BIBLIOTHECA DO POVO

tras dimensões, como acontece no femur (r, fig. 2) ; chatos, os


que têem comprimento e largurasuperiores á espessura, como
o frontal (a , fig. 2) ; curtos, aquelles cujas tres dimensões são
approximadamente eguaes, como as vertebras (fig . 3).
A superficie dos 08808 não é regular. Apresenta eminen
cias de differentes grandezas, e tambem depressões. As emi
nencias desinvolvem - se geralmente por pontos osseos espe
ciaes e são de duas especies : umas são rugosas e dão inser
ção a musculos ; outras são incrustadas de cartilagens e ser
vem para as articulações (isto é, estão em relação com as
superficies articulares dos ossos vizinhos) . As depressões têem
differentes usos : umas são articulares e alojam eminencias
dos ossos vizinhos ; outras são rêgos, canaes, orificios, bura
cos, ou chanfraduras, que recebem os tendões, os vasos, os ner
vos, etc.; algumas, ainda, dão inserção a musculos.
Periosteo.- E ' uma membrana que reveste & superficie ex
terior de todos os 08808. E' de natureza fibrosa, não apresen
tando a côr branca nacarada dos outros orgãos fibrosos, mas
sim um aspecto acinzentado. Na espessura das fibras do pe
riosteo ramificam - se numerosos vasos sanguineos ; tambem
n'elle se incontram alguns nervos. Tem duas superficies :
uma adherente ou profunda ; outra livre ou superficial. A fa
ce profunda está immediatamente applicada sobre o tecido
osseo, com o qual contrai solidas adherencias ; passa de um
0880 ao outro nas articulações immoveis, sem deixar inter
vallo ; ao nivel das articulações moveis parece confundir.se
com os ligamentos. A face superficial é livre em quasi toda
a sua extensão, e separada dos musculos por tecido cellu
lar .
Medulla dos ossos.-- 0 corpo dos ossos longos é cavado
em todo o seu interior por uma cavidade, denominada canal
medullar, mais larga na parte média do que nas extremida
na qual se aloja a medulla, que é uma substancia ama.
rellada e de consistencia variavel (o vulgo dá- lhe o nome
de tutano). A medulla dos ossos é constituida por materia gor
durosa, no seio da qual existe uma rede de vasos capillares
destinados á nutrição do osso, e misturados com substancia
gelatiniforme mais ou menos abundante. No tecido esponjoso
dos differentes ossos existe tambem , occupando os espaços
intermediarios aos vasos capillares , uma substancia medul
lar identica á do canal dos ossos longos.
Cartilagens. - 0 tecido cartilagineo fórma orgãos denomi
nados cartilagens e que são de duas categorias: -1.a, as car
tilagens não articulares; -2.4, as cartilagens articulares. D'es
ANATOMIA HUMANA
co

-b

---
--hi
ទី9 --B

-k

-7?

Fig. 2
14 BIBLIOTHECA DO POVO

tas segundas trataremos quando nos occuparmos da Arthrolo


gia. N'este logar diremos alguma coisa ácêrca das não arti
culares.
Os ossos, antes da sua constituição definitiva, passam por
um estado cartilagineo, que se vai progressivamente trans
formando pela deposição lenta de saes calcareos,até apre
sentar a estructura caracteristica e completa do tecido osseo.
Este estado cartilagineo, que precede a ossificação, tem o seu
logar entre as cartilagens não articulares. No esqueleto, de
finitivamente constituido, ha as cartilagens costaes, as das
azas e do septo do nariz, as da larynge, as das trompas de
Eustachio, as das orelhas, as das palpebras, e as dos anneis
da trachéa.
Estas cartilagens têem a maior analogia com os ossos ; são,
como elles, involvidas por uma membrana fibrosa analoga ao
periosteo e que tem o nome de perichondro, o qual desimpe .
nha com respeito á cartilagem as mesmas funcções que o
periosteo executa com relação ao osso. Articulam - se entre si
do mesmo modo que os ossos: umas vezes por juxtaposição,
como as do nariz ; outras formando verdadeiras articulações,
com ligamentos e membranas synoviaes, como acontece nas
cartilagens da larynge. Algumas vezes, emfim , reunem -se aos
ossos por juxtaposição, do que são exemplo as cartilagens
costaes e as das orelhas .
Faremos menção especial de todas estas cartilagens, quan .
do descrevermos os orgãos e apparelhos de que ellas fazem
parte. Das cartilagens costaes trataremos conjunctamente
com as costellas, das quaes se devem considerar prolonga
mentoa .
Esqueleto ( fig. 2 ).- Diz -se esqueleto a reunião de todos os
ossos do corpo, separados de todas as partes molles, e manti
dos nas suas posições proprias. O esqueleto é : natural, se os
ossos são mantidos nas suas posições pelos respectivos liga
mentos ; artificial, se estes são substituidos por ligações me .
tallicas ou de qualquer outra substancia. Não ha perfeito ac
còrdo entre os auctores a respeito do numero de ossos de que
se compõe o esqueleto. Provêm isso de que alguns contam os
ossos n'um periodo da vida em que o desinvolvimento não es
tá ainda completo, e estão ainda separados ossos que mais
tarde se soldam constituindo um unico , emquanto outros só
os contam depois do desinvolvimento concluido ; provêm ain
da as divergencias de que uns contam no esqueleto os den
tes e os ossinbos do ouvido, e outros não ; e de que alguns
auctores não mettem na conta a rotula, que consideram ex
ANATOMIA HUMANA 15

tranba ao esqueleto, por se desinvolver na espessura do liga


mento do musculo recto - anterior da côxa.
Considerandoo esqueleto no seuestado de desinvolvimen
to completo, não contando os dentes (que não são ossos), e
contando os ossinhos do ouvido e a rotula, achamos que
esqueleto se compõe de 208 08809, assim distribuidos :
Ossos Ossos
Total
impares pares )
Vertebras..... 24 24
Columna vertebral . Sacro .. 1 1
Coccyx . 1 1
Craneo . 4 2 8
Cabeça .... Ossinhos do ouvido. 4 8
Face .... 2 6 14
Pescoço .... -Osso hyoide . 1 1
Costellas . 12 24
Thorax . Esterno . 1
Espadua 2 4
Braço ... 1 2
Ante-braço 2 4
Membros superiores Carpo .. 8 16
Metacarpo. 5 10
Phalanges 14 28
Bacia 1 2
Côxa .. 1 2
Rotula 1 2
Membros inferiores . ( Perna. 2 4
Tarso . 7 14
Metatarso . 5 10
Phalanges .. 14 28
34 87 208

( A maior[parte dos anatomicos só contam verdadeiramen


te 206 ossos na constituição do esqueleto humano (quando
completamente desinvolvido), já porque entre os ossinhos do
ouvido nåo considerem osso áparte o 0880 lenticular, já por
que (como faz o professor Cruveilhier) excluam da enumera
ção a rotula pelos motivos supra- apontados. .]
Columna vertebral.- A columna vertebral ou rachis ( f, k,
fig. 2), está situada na parte média e posterior do tronco. Ex
tende- se desde a cabeça, a que serve de apoio, até à bacia,
onde termina pelo sacro e pelo coccyz . Consta de 24 088os de
nominados vertebras, do sacro e do coccyx. Divide- se em qua
16 BIBLIOTHECA DO POVO

tro regiões: cervical, dorsal, lombar e sacro -coccygea. As ver


tebras distinguem -se em cervicaes, dorsaes e lombares, segun
do pertencem á 1. , 2. ou 3.º das tres primeiras regiões.
Cada uma das vertebras ( fig. 3), é perfurada
na sua parte mediana, concorrendo com as outras
para a formação do canal vertebral ou rachidia
no, em que está alojada a medulla. E apresenta :
- 1.º na linha mediana um corpo, ligado ao das
vertebras vizinhas por uma cartilagem especial ;
um buraco denominado buraco vertebral, que con
Fig . 3 corre para a formação do canal vertebral; e, na
parte posterior, uma eminencia, mais ou menos
saliente, e denominada apophyse espinhosa; — 2.0 nas partes
lateraes, duas apophyses transversas; quatro apophyses arti
culares, duas superiores e duas inferiores; duas laminas ver
tebraes, que apresentam nos bordos superior e inferior duas
gotteiras chamadas chanfraduras, as quaes, reunidas ás chan
fraduras das outras vertebras visinhas, formam os buracos de
conjugação, para darem passagem aos nervos que partem da
medulla espinal e aos vasos sanguineos que se distribuem no
canal rachidiano.
As vertebras cervicaes ( f, fig. 2), são em numero de septe ;
são todas mais pequenas que as das outras regiões ; o seu
diametro transversal é o mais consideravel ; o buraco trans
versal é n'ellas mais amplo do que nas outras ; as suas apo
physes transversas e espinhosas são curtas e bifurcadas. As
vertebras dorsaes, em numero de doze, têem o corpo mais vo
lumoso que o das cervicaes, com o diametro transversal ap
proximadamente egual ao antero -posterior, e com duas meias
facetas em cada uma das suas partes lateraes, para a articu
lação das costellas. As vertebras lombares (k, fig. 2) têem o
corpo mais volumoso do que todas as outras e mais extenso
no sentido transversal do que no antero- posterior ; o buraco
vertebral, amplo e triangular ; a apophyse espinhosa, mais
curta do que as das dorsaes, e com a forma de uma lamina
quadrilatera, de direcção vertical. Entre as vertebras, ha al
gumas que apresentam caracteres especiaes . Taes são : a

primeira cervical, chamada atlas, porque sobre ella se apoia


à cabeça; a segunda da mesma região ou axis, porque, por
meio de uma grande apophyse perpendicular denominada apo
physe odontoidéa, forma um eixo, sobre o qual giram o atlas
e a cabeça ; a septima cervical, chamada proeminente, por ter
uma apophyse espinbosa muito comprida e saliente. Offere
com ainda algumas particularidades caracteristicas : a pri
ANATOMIA HUMANA 17

ineira, decima, undesima e duodecima dorsaes, e a quinta


lombar.
O sacro (bb, fig. 4, 6, fig. 5) é formado pela soldadura de

Fig. 4 Fig. 5

cinco vertebras, tem a forma de pyramide triangular, está


collocado na parte inferior da columna vertebral, formando a
parede posterior da bacia, e incravado entre os dois 08908 ilia
cos, com å base para a parte superior. A sua face anterior,
que é concava, é atravessada por quatro linhas salientes (que
são os vestigios das soldaduras das falsas vertebras, consti.
tuintes do osso ). Na face posterior, convexa, ha na linha me
diana quatro eminencias, que são as apophyses espinhosas
das mesmas quatro vertebras.
O coccyx (e, fig. 4), que se articula com o vertice do sacro,
e termina inferiormente a columna vertebral , é formado pela
soldadura de quatro falsas vertebras, as quaes correspon .
dem ás vertebras da cauda dos outros animaes. O coccyx é
dotado de flexibilidade, muito maior na mulher do que no ho .
mem , o que facilita o mechanismo do parto.
Craneo.- E ' uma caixa ossea destinada a conter o ence
phalo ( fig 6, 7 e 8). Tem a forma de um ovoide, com a extre
inidade mais estreita voltada para a parte anterior. Está si
tuado na parte mais eminente do esqueleto, e sustentado pela
columna vertebral , com a qual se articula. E' formado pela
reunião de oito ossos, dos quaes dois são pares (os parietaes
e os temporaes) e quatro impares (o frontal, o esphenoide, o
ethmoide e o occipital). Estes 0880s têem espessuras diversas,
18 BIBLIOTHECA DO POVO

segundo os pontos do craneo em que estão situados ; nos pon


tos mais expostos ás violencias exteriores, são mais espessos e
mais resistentes do que nos outros.
8

Fig. 6 - Craneo visto Fig . 7 -Craneo visto Fig. 8 - Craneo visto


pela face superior de perfil pela face inferior

O frontal (a, fig. 2) é um og80 chato, impar e symetrico, e


dá a fórma á testa ; é semi- circular e apresenta tres faces e
tres margens. As faces são : uma anterior convexa, uma pos
terior concava , e uma inferior irregular. Os bordos articu
lam-se com varios ossos do craneo e da face .
O ethmoide, impar e symetrico, tem forma cubica e apresen
ta uma parte central e duas massas lateraes. Introduzido na
sutura ethmoidal do frontal, figura uma especie de crivo, e faz
parte da base do craneo (0 , 0, 0, 0, fig. 8), das cavidades das
orbitas e das fossas nasaes.
O esphenoide é impar e symetrico, e apresenta um corpo de
fórmacubica e quatro largas apophyses ou azas (duas maio
res e duas menores). Concorre para formar a base do craneo,
a fossa pterygoidéa e a zygomatica. Na fig. 7 apparece elle ar
ticulado anteriormente com o frontal (em 1) e posteriormente
com o temporal ; e na fig. 8 vêem-se as suas grandes azas aos
lados do ethmoide.
O occipital ( 2, 3, 4, fig. 6 ; -2, 2, fig . 7) é um 0880 chato,
impar e symetrico . Apresenta um largo buraco ( L, fig. 8),
chamado buracooccipital, que estabelece a communicação en
tre a cavidade do craneo e o canal vertebral , e dá passagem
á medulla espinal.
Os parietaes (b, fig. 2-1, 2, fig. 7) são ossos chatos, pares,
não symetricos; e apresentam uma face superior e externa
convexa, e uma inferior e interna concava. Reunem -se um ao
ANATOMIA HUMANA 19

outro na parte superior, formando grande parte da abobada


do craneo.
Os temporaes ( a, fig.2) são pares, não symetricos, e muito
irregulares na sua configuração. Estão collocados nas partes
lateraes do craneo e por baixo dos parietaes, formando as
temporas, vulgarmente denominadas fontes. Distinguem- se
n'elles : uma porção escamosa , que concorre para formar a ca
vidade craneana; uma porção mastoidéa, em forma de mamil
lo ; e uma porção petrea, tambem chamada rochedo, na qual
se aloja a parte mais essencial do apparelho da audição. Na
fig. 7 vêem -se as suas articulações, anteriormente com o es
phenoide, superiormente com o temporal, e posteriormente com
o occipital.
O craneo, considerado no seu todo, tem um diametro ante
ro-posterior de 0,135 approximadamente, calculado desde o
ponto médio e anterior da base do frontal até a uma grande
saliencia que ha na face interna do occipital. O seu maior
diametro transversal mede- se desde a base da porção petrea
do temporal de um lado até ao ponto correspondente do lado
opposto , e tem cerca de Om 12. O maior diametro vertical ex
cede n'alguns millimetros o transversal, e extende- se desde a
parte anterior do buraco occipital até á parte média da su
tura que une os dois parietaes nas suas margens superiores .
O craneo apresenta uma superficie exterior convexa, e uma
interior concava. A primeira tem quatro regiões : uma supe..
rior, uma inferior e duas lateraes . A interior divide - se em
abobada e base. A base é formada por tres planos : um ante
rior ou frontal, sobre o qual se apoia a parte anterior do ce
rebro ; um médio ou esphenoidal, em que assenta o lobulo mé .
dio do mesmo orgão ; e outro posterior, em que assenta o ce
rebello.
Nas fig. 6, 7 e 8, estão desenhadas differentes suturas, re
sultantes da união dos ossos do craneo entre si . Exemplos :
sutura sagital (1 , 1, 3, 3, fig . 6) , formada pela união dos dois
parietaes entre si e com o frontal, e pelo prolongamento da
união dos dois primeiros com a união das duas metades do
osso frontal (união cujo vestigio desapparece depois de com
pleta a ossificação do esqueleto) ; - sutura lambdoidea ( 2, 3, 2,
fig. 6 ; e 2, 2, fig. 7 ) formada pela união do occipital com os
dois parietaes ;--sutura formada pela reunião do frontal com
os parietaes (ramo transversal da sagital) prolongada na sol
dadura do frontal com o esphenoide ( 1, 1, fig. 7 ); sutura fron
to-esphenoidal (1, 1, fig. 8); sutura temporo- occipital (2, 3, fig.
8), etc.
20 BIBLIOTHECA DO POVO

Face.- A face, constituida porquatorze ossos, fórma a par


te anterior e inferior da cabeça. E' limitada em cima pela ba
se do craneo, lateralmente pelas apophyses zygomaticas, e
posteriormente pela superficie basilar do 0990 occipital. Consta
de duas partes: maxilla superior e masilla inferior. A pri
meira é formada por treze ossos, dos quaes seis pares e um
impar. Os pares são : os maxillares superiores, os ossos pro
prios do nariz, os unguis ou lacrimaes, os palatinos, e os cor
netos ou turbinados; o impar é o vomer. A maxilla inferior é
composta de um só osso, denominado maxillar inferior.
Os maxillares superiores são de fórma muito irregular, ar
ticulam -se com todos os outros ossos da maxilla superior, e
são os mais volumosos d'ella. Apresentam uma vasta cavida
de interna, chamada seio maxillar e forrada por membrana
mucosa. Concorrem para formar parte das cavidades das or
bitas, das fossas nasaes, das fossas zygomaticas, e da abobada
palatina. O seu bordo inferior constitue a arcada alveolar su
perior, em que se implantam os dentes superiores.
Os ossos malares são quadrilateros ; formam com a sua face
exterior, convexa, as maçans do rosto ; e concorrem para a
formação da fossa zygomatica.
Os ossos proprios do nariz são quadrilateros, muito pouco
espessos ; formam a abobada das fossas nasaes e o esqueleto
osseo do nariz.
Os unguis ou lacrimaes são uns ossinhos tenues e de forma
irregular, situados na parte interna e anterior das orbitas.
Os palatinos, de forma muito irregular,são constituidos por
uma porção horizontal e outra vertical. Concorrem para for
mar a abobada palatina e as fossas nasaes.
Os cornetos, ossos situados nas partes lateraes da cavidade
nasal, são muito pouco espessos, e têem a apparencia de duas
laminas osseas reunidas, e incurvadas sobre si mesmas, nas
extremidades. A estes ossos se dá tambem ( conforme acima
indicámos) o nome de turbinados ).
O vomer, impar, bastante delgado e collocado verticalmen
te entre as duas fossas nasaes, fórma a parte superior do se
pto nasal .
O maxillar inferior (e, fig. 2) apresenta uma parte horizon
tal, ou corpo, e duas verticaes, que se denominam ramos da
maxilla. O corpo tem forma de ferradura , e na sua margem
superior a arcada alveolar inferior, em que se inserem os den
tes inferiores. A saliencia que forma o corpo do osso , ingros
sando na sua parte mediana, denomina-se mento. O angulo,
mais ou menos obtuso, formado pelo corpo do osso na sua
ANATOMIA HUMANA 21

união com os ramos, tem importancia em Anthropologia e es


pecialmente em Ethnologia.
A face tem a forma de uma pyramide triangular, truncada
posteriormente. A sua altura, medida desde a protuberancia
do nariz até á parte inferior do mento, é maior na parte an
terior, e diminue gradualmente de deante para traz. A sua
largura é maior no terço superior e menor nos dois inferio
res . A face divide- se em seis regiões : uma superior, que se
confunde com o craneo ;, uma inferior, ou palatina ; - uma
anterior, que, revestida das partes molles, representa a phy
sionomia; — uma posterior ou guttural ; - e duas lateraes ou
zygomaticas .
Dentes.- Os dentes são concreções ossiformes, implanta
das nas arcadas alveolares, e que servem para a mastigação
dos alimentos. Distinguem -se nos dentes tres partes : - Co
rôa, collo e raiz. Chama -se corôa a parte que está fóra do al
veolo e é coberta pelo esmalte (especie de verniz formado por
uma substancia branca e brilhante ,que se não prolonga alêm
do collo). Dá-se o nome de collo ao plano de separação entre
a corôa e a raiz. Raiz é a parte que está implantada no al
veolo. Os dentes são em numero de trinta e dois (dezeseis em
cada maxilla ). Na extremidade radical de cada um d'elles ha
um orificio, pelo qual penetram os vasos e os nervos desti
nados á sua nutrição, indo distribuir-se n'uma substancia
molle, contida no amago do dente e que se denomina polpa
dentaria. Dividem -se os dentes em incisivos, caninos e mola
res. Os incisivos estão implantados na parte média e anterior
das duas maxillas, e são em numero de oito (quatro em cada
uma d'ellas). Os caninos são quatro (dois em cada maxilla e
um em cada um dos lados de cada uma d'ellas ) ; estão situa
dos immediatamente por fóra dos incisivos. São em numero
de vinte os molares (dez em cada maxilla e cinco em cada um
dos lados de cada uma); têem posição immediatamente por
fóra dos caninos até as extremidades de cada uma das maxil
las; e dividem -se em pequenos molares (que são quatro em ca
da maxilla) e grandes molares (seis em cada uma). Só no ho
mem adulto ha trinta e dois dentes. A primeira dentição com
põe- se apenas de vinte, que começam de ordinario a appare
cer na maxilla inferior, e que nascem geralmente nas seguin ..
tes edades : os incisivos medianos entre os cinco mezes e o
anno ; os lateraes entre os oito e os dezoito mezes ; os primei.
ros molares entre um e dois annos ; os caninos dos dois aos
tres annos ; os segundos molares dos tres aos quatro annos.
Estes vinte dentes, vulgarmente chamados dentes do leite,
22 BIBLIOTHECA DO POVO

caem nas proximidades dos septe annos e são substituidos


pela segunda dentição, ou dentição definitiva, composta tam
bem de vinte dentes no principio, aos quaes mais tarde vem
a reunir-se mais doze (seis por inaxilla ). D'estes, os ultimos a
apparecer são os grandes molares, em numero de quatro (dois
por maxilla), os quaes nascem geralmente nas proximidades
dos vinte annos e têem o nome vulgar de dentes do sizo.
Osso hyoide.- E' um osso que se não articula directamen
te com nenhum outroe está situado na parte média e ante
rior do pescoço, por detraz da laryoge e da base da lingua.
Tem a forma de uma parabola, com a convexidade para dean .
te e a concavidade para traz . E' formado por um corpo e por
quatro extremidades ou pontas, duas grandes e duas peque
nas. No corpo, que tem a forma de uma ferradura, inserein
de varios musculos. As grandes pontas terminam posterior
mente em tuberculos arredondados, e anteriormente estão
unidos ao corpo do osso ;,as pequenas pontas têem fórma
cónica.
Thorax.- 0 thorax ( fig. 9) é uma caixa osseo - cartilaginea,
com a fórma exterior de um cone truncado, achatado no sen
tido antero - posterior e arredondado lateralmente, tendo a ba
se na parte inferior e o vertice na superior. E' geralmente
mais alto e mais largo nos homens do
que nas mulheres. As suas paredes são
constituidas pela região dorsal da co
lumna vertebral, pelas costellas e pelo
esterno.
As costellas, em numero de vinte e
quatro, doze de cada lado, são arcos os
seos, irregulares, convexos externamente
e concavos do lado interno. São dese
guaes em comprimento : vão crescendo
gradualmente da primeira (de todas a su
perior ) até á oitava, que é a mais com
prida de todas, e depois vão diminuindo
desde a nona até á duodecima, que é a
mais curta. As costellas dividem -se em
verdadeiras ou esternaes - que são em nu
mero de septe para cada lado, e se unem
ao esterno por meio de cartilagens sepa
radas entre si -- ; e falsas, cinco de ca
Fig . 9 da lado, e cujas cartilagens se unem
umas as outras, para juntas se confun
direm com a da septima verdadeira. Cada uma das costellas
ANATOMIA HUMANA 23

apresenta um corpo e duas extremidades ; a extremidade an


terior articula-se com a respectiva cartilagem costal, a pos
terior com a columna vertebral .
O esterno (e, f, g, fig. 9) é um osso alongado, achatado no
sentido antero -posterior, que forma a parte anterior e media
na do thorax e se articula com as cartilagens costaes. E'
constituido por tres peças, geralmente soldadas entre si na
edade adulta, mas que muitas vezes se conservam separadas
até uma edade bastante avançada (são: o punho ou manu
brium (e); a lamina (f), mais estreita superior do que infe .
riormente e articulada com as 2.a, 3.", 4.", 5.", 6.a e 7." car
tilagens costaes ; o appendice ciphoideu ou ensiforme ( 9) ,
que só muito tarde se ossifica, conservando-se cartilagineo
durante a maior parte da vida). ( A fig. 2 representa em Bo
esterno .)
Membros superiores.- Os membros superiores ou thoraci.
cos dividem- se em : espadua, braço, ante-braço e mão.
A espadua está articulada na parte superior e lateral do
tronco,e é formada anteriormente pela clavicula e posterior
mente pelo omoplata .
A clavicula (h , fig. 2), que une o omoplata ao thorax, tem
& fórma de um S alongado e apresenta um corpo e duas ex.
tremidades, das quaes uma se articula com o manubrium do
esterno e a outra com o omoplata. E ' mais comprida, mais
espessa,
lher.
mais rugosa e mais curva no homem do que na mu.
O omoplata ( g, fig. 2) é um osso chato , triangular, que se
articula com a clavicula e com o braço. Apresenta duas fa
ces : uma anterior, que se apoia directamente sobre as costel
las; e uma posterior, que é atravessada por uma grande apophy .
se, chamada espinha do omoplata, e termina por uma eminen.
cia denominada acromion . No seu angulo superior e externo
tem uma cavidade, a cavidade glenoidea, com a qual se arti
cula a cabeçado osso do braço (sendo os movimentos d'este
limitados, em cima pelo acromion e em baixo por uma grande
apophyse, que tem o nome de apophyse coracoidea ).
O braço é formado por um só osso - o humero (i, fig. 2;
a, fig. 10), que é longo e cylindrico, e dividido em corpo e
extremidades. O corpo é cylindrico na parte superior e trian
gular na inferior.A extremidade superior, que se articula com
a cavidade glenoidéa, offerece uma grossa eminencia, denomi.
nada cabeça do humero, ligada ao corpo por um estreitamen
to, ou collo, em roda do qual ha outras duas menores, deno.
minadas grande e pequena tuberosidades do humero. A extre.
24 BIBLIOTHECA DO POVO

midade inferior apresenta uma tuberosidade, do lado externo,


a qual se chama epicondylo; um condylo, que se articula com
o cubito, e uma outra tuberosidade do lado interno, denomi
nada epitrochlea .
O ante-braço é constituido por dois ossos : o cubito e o ra
dio, ambos longos . Suppondo-se o membro pendente ao longo
do corpo, com a palma da mão para deante e o dedo pollegar
para fóra, o radio fica do lado externo e o cubito do interno.
o radio (m, fig. 2 ; B h, fig. 10), é um osso de forma algum
tanto irregular, mais grosso iuferior do
que superiormente, e que offerece um
corpo e duas extremidades. O corpo é
prismatico. A extremidade superior (h)
articula- se com o condylo do humero ; a
inferior ( B ), que tem figura quadrilatera,
apresenta uma cavidade que se articula
com dois dos ossos do carpo e uma pe
quena apophyse denominada apophyse
estiloidea .
O cubito ( m , fig. 2; Ad, fig. 10), é um
pouco mais comprido que o radio; tem,
como elle, figurairregular; e é roais gros
80 superior do que inferiormente. Tem
tambem um corpo e duas extremidades.
O corpo é prismatico- triangular. A ex
tremidade superior apresenta uma gran
B
de apophyse denominada olecraneo (d),
que se articula com o humero ; uma outra
menor chamada apophyse coronoidea ; e
duas cavidades, que têem o nome de ca
vidades sigmoideas, e que se articulam,
a maior com o bumero e a menor com o
radio. A extremidade inferior é consti
tuida por duas eminencias : uma exter
na – cabeça do cubito - que se articula
com o radio e com o carpo ; outra inter
na e posterior a apophyse estiloidea ,
- que dá inserção a um ligamento .
Fig. 10 A mão (fig . 11), divide-se em : carpo ,
metacarpo e dedos.
O carpo (w, w) está situado na parte superior da mão, en
tre o metacarpo e o ante -braço, e é constituido por oito ossos
dispostos em duas fileiras: na primeira, de fóra para dentro ,
o escaphoide, o semi-lunar, o pyrumidal e o pisiforme; na se
ANATOMIA HUMANA 25

gunda, o trapezio ,o trapezoide, o grande osso e o unciforme,


Os primeiros tres juntam-se para constituir, pelo seu lado su
perior, uma saliencia, que se articula com uma cavidade for
mada pelas extremidades inferiores do radio e do cubito. Os
da segunda fileira apresentam inferiormente superficies arti
culares que se ligam aos ossos do metacarpo.
O metacarpo (m, m) é composto de cinco 0880s, que se dis
tinguem pela designação numerica de 1.º a 5.°, partindo - se
do lado externo para o interno. Têem fórmas quasi eguaes.
Os mais longos são os corres
pondentes aos dedos médio e in
dicador; segue- se -lhes em com
primento o do annular, depois o
do minimo, e por fim o do polle
gar. A grossura é a maxima no
pollegar e a minima no indica.
dor.
Os dedos são em numero de
cinco por cada mão e designam
se, caminbando do lado exterior
para o interior, pelos nomes de :
pollegar, indicador, dedo médio TO

ou grande, annular e minimo. Os


quatro ultimos são formados, ca
da um, por tres ossos denomina.
dos phalanges, que se distin
guem pelas designações de 1.4, Fig. 11
2.a e 3.a No pollegar ha apenas
duas pbalanges.
Membros inferiores.- Os membros inferiores, ou abdomi
naes, constam de quatro partes : bacia, côxa, perna e pé.
A bacia ( representada de frente na fig . 5 , e de lado na
fig. 4), é uma grande cavidade de figura bastante irregular,
aberta em cima e em baixo, e destinada a conter parte dos
apparelhos digestivo, urinario e da geração. E ' formada pos
teriorineute pelos ossos sacro e coccyx, que já descrevemos ; e
lateral e anteriormente pelos dois ossos iliacos.
Os 0880s iliacos, tambem cbamados inominados ou ossos
do quadril ( 1, fig, 2 ; a, d, h, g, fig. 5) , são ossos largos, irre
gulares, curvados sobre si mesmos em duas direcções oppos
tas.
Nas primeiras edades estão divididos em tres peças: uma
superior ou ilion ; uma anterior ou pubis; e uma posterior ou
ischion. Na parte inferior da face externa do osso iliaco exis
26 BIBLIOTHECA DO POVO

te aberta uma grande cavidade, dirigida de cima para baixo,


com a qual se articula a extremidade superior do femur, e
que se denomina cavidade cotyloidéa. Na parte inferior da fa
ce anterior existe um grande buraco, chamado buraco sub
pubico (n, n , fig. 5), e que é ovalar no ho
mem e triangular na mulher.
A parte interior da bacia é dividida em
duas secções por uma linha saliente deno
minada estreito superior da bacia. A porção
situada acima d'esta linba diz -se grande ba
cia, a que fica inferiormente denomina- se
pequena bacia . Na mulher a bacia é mais
ampla do que no homem, os seus contornos
são mais accentuados, os quadris mais sa
lientes ; predominam n'ella os diametros ho
rizontaes, e na do homem os verticaes. Essas
differenças têem por fim a facilitação do
trabalho do parto.
A côxa é formada por um só osso o fe.
mur ( d, c, d, e, f, fig. 12 ), que é longo, um
pouco curvado sobre si mesmo, e tem um
corpo e duas extremidades. O corpo, quasi
cylindrico, é mais delgado na sua parte mé
dia (em a ) e mais grosso superior e inferior
mente. Na extremidade superior vê-se a ca
beça do femur (c), eminencia arredondada,
que se aloja na cavidade cotyloidea. O cor
po e a cabeça do femur estão reunidos por
um collo volumoso e resistente, com direc
ção obliqua, junto a cuja base ha duas tu
berosidades, denominadas: grande trochanter
(d) e pequeno trochanter. A extremidade infe .
rior, mais volumosa que a superior, tem a
forma de roldana, e apresenta duas grandes
h saliencias chamadas condylos ( e, f).
perna é formada por tres ossos: a tibia
Fig. 12 na parte interna ; o peróneo na externa ; e a
rótula na superior e anterior.
A tibia ( 6, 9, fig. 12), é um osso longo, prismatico, curvado
levemente sobre si mesmo, e que apresenta um corpo e duas
extremidades. O corpo (b ) offerece tres superficies separadas
por bordos salientes, dos quaes o anterior, que se sente bem
por baixo da pelle, se chama crista da tibia . A extremidade
superior articula-se com o femur e apresenta duas superficies
ANATOMIA HUMANA 27

articulares, correspondentes aos condylos d'aquelle 0880. A


extremidade inferior é menos volumosa que a superior , arti
cula- se com o pé, e apresenta do lado interno uma saliencia,
que se apalpa perfeitamente atravez da pelle (g) e se chama
malléolo interno.
O peróneo (i, 9, h, fig. 12), é um osso longo e delgado. Di.
vide-se em corpoe extremidades. O corpo (9)tem figura pris
matica triangular. A extremidade superior(i) apresentauma
faceta para a articulação com a tibia. A inferior (h) fórma o
malléolo externo, que faz saliencia atravez da pelle e se arti
cula com o pé.
A rótula (8, fig. 2), é uma rodella ossea, situada na parte
anterior do joelho, de superficie lisa anteriormente e articu
lando-se, pela sua face posterior, com os condylos do femur e
com os da tibia.
O (pé v, x, y, fig. 2 ), é constituido por tres partes: tarso,
metatarso e dedos.
O tarso (v, fig . 2), consta de septe ossos, dispostos em duas
series : uma, posterior, formada pelo astragalo e calcaneo ; e
outra, anterior, formada pelo escaphoide, cuboide e tres cunei
formes. O tarso forma uma abobada, convexa superiormente
e concava pela face inferior. Articula-se com a tibia e com o
peróneo, por meio do astragalo.
O metatarso (x, fig. 2) , que constitue a segunda secção do
pé, é composto de cinco ossos, dispostos parallelamente uns
aos outros, entre o tarso e os dedos, e que se distinguem pe
la designação numerica de 1.°, 2.°, 3. , 4.° e 5.°, caminhando
do lado interno para o externo.
Os dedos (y, fig. 2) , são cinco em cada pé e designam - se
pelos numeros ordinaes 1.º a 5.", começando do ladointerno.
Os quatro ultimos são formados cada um por tres phalanges,
similhantes ás phalanges da mão, mas mais curtas e mais del
gadas. O primeiro tem só duas phalanges.
Arthrologia

Definição.- A Arthrologia tem por assumpto o estudo das


articulações, o qual comprehende a descripção das superficies
articulares, das cartilagens, das fibro -cartilagens, dos liga
mentos, das membranas synoviaes, e dos movimentos de que
é susceptivel cada articulação, comquanto estes pertençam
mais propriamente ao dominio da Physiologia.
Superficies articulares .-- As superficies articulares são
28 BIBLIOTHECA DO POVO

formadas pelos ossos, pelas cartilagens e pelas fibro -cartila


gens.
Ossos.- Os ossos articulam -se entre si pelas suas extremi
dades ou pelos seus bordos. As duas superficies osseas que
concorrem para formar uma articulação têem forma inversa ;
por exemplo, uma cabeça é recebida n'uma cavidade, cuja
profundidade está geralmente em proporção com a grandeza
da mesma cabeça ; a uma tróchlea correspondem , pa superficie
ongea com que se articula, eminencias e depressões em rela
ção com depressões e eminencias existentes na mesmatrochlea.
As superficies osseas não estão em contacto immediato umas
com as outras, mas são separadas por superficies cartilagi
neas. Tal é a disposição das articulações moveis ; nas que são
completamente immoveis, os ossos reunem - se pelos seus bor
dos e pelos seus angulos (umas vezes por engrenagem reci
proca, apresentando cada um d'elles dentes que são recebidos
nos intervallos deixados pelos dentes do outro ; outras vezes
por simples juxtaposição). N'um e n'outro caso uma substan
cia cartilaginea une os bordos dos ossos contiguos, e mantem
n'os solidamente em contacto. Nas articulações que não são
completamente immoveis (nas symphises) as superficies os
seas são mantidas na sua posição por tecido fibroso, em fei
xes incruzados, e extremamente resistente.
CARTILAGENS.- O tecido cartilagineo apresenta-se no orga
nismo sob differentes formas : - 1.º, as cartilagens tempora
rias que precedem a ossificação; -2.º, as que são involvidas
pelo perichondro e que desimpenham um papel analogo ao
dos ossos, dos quaes parecem, em muitos casos, ser prolonga
mento, como as cartilagens costaes, as das azas do nariz , da
larynge, etc.; -3.0, as cartilagens permanentes, isto é, as que
revestem as superficies articulares . Estas ultimas chamam -se
cartilagens diarthrodiaes. Ha ainda uma forma de cartilagens,
nas quaes a substancia cartilaginea está misturada com tecido
fibroso, e que, por isso, são designadas pelo nome de fibro
cartilagens.
Cartilagens diarthrodiaes.- Incontram-se nas articulações
diarthrodiaes, e tambem sobre algumas partes osseas, nas
quaes devem mover-se tendões. Têem connexões intimas com
o tecido osseo, ao qual adherem tão fortemente, que parece
fazerem corpo com elle. A espessura d'estas cartilagens não
é sempre uniforme em toda a sua extensão ; a que forra uma
superficie convexa é mais espessa no centro e menos na pe
ripheria ; a que forra uma cavidade é, pelo contrario,mais es
possa na peripheria ; a que reveste uma superficie plana é de
ANATOMIA HUMANA 29

espessura approximadamente uniforme. As cartilagens diar


throdiaes têem uma côr branca e nacarada, e são lisas e poli
das na sua superficie articular.
FIBRO -CARTILAGENS.-- Designam - se por este nome tres espe
cies de orgãos bem distinctos: - 1.°, os meniscos, ou laminas
mais ou menos moveis interpostas ás superficies osseasn'al
gumas articulações ; -2.º, os discos inter-vertebraes ; — 3.°, os
liames que unem as superficies osseas nas amphiarthroses (na
sympbise do pubis, por exemplo ).Esta ultima especie deve ser
descripta com os ligamentos . Os meniscos são livres, ou quasi
inteiramente livres, de adherencia aos ossos; apresentam duas
faces e uma circumferencia. Estas duas faces são quasi sem
pre concavas, e a circumferencia é geralmente mais espessa
do que o centro. Os discos inter -vertebraes approximam -se dos
meniscos pela sua estructura, contendo nucleos cartilagineos
misturados com o tecido fibroso; mas approximam -se tambem
das cartilagens das amphiarthroses pelas suas funcções.
Ligamentos.- As superficies articulares são manii las nas
suas relações normaes por feixes fibrosos, que se chamam li
gamentos. Ha tres especies d'elles : os ligamentos propriamen
te ditos; os ligamentos das amphiarthroses e os ligamentos inter
osseos de certas articulações ; os ligamentos amarellos elas
ticos.
1.° Ligamentos propriamente ditos.- Têem a forma de fila
mentos de côr branca mais ou menos nacarada, umas vezes
parallelos, outras incruzados. São molles, flexiveis, e ao mes.
mo tempo inextensiveis. Apresentam -se debaixo de differentes
aspectos: umas vezes são fitas curtas, espessas, resistentes,
collocadas no contorno das articulações (ligamentos peripheri
cos); outras vezes são membranas largas, que involvem com
pletamente a articulação (capsulas fibrosas ); e outras, emfim ,
são membranas delgadas, tensas, formadas por fibras incru-
zadas ( ligamentos inter osseos ).
2. ° Entre certos 08303 , como nos do tarso e do carpo, no sacro
e no osso iliaco, na symphyse pubica, etc , incontra-se uma
substancia ligamentosa, designada impropriamente por al
guns com o nome de fibro-cartilagem e que é forinada essen
cialmente de tecido fibroso. Não ha entre as suas fibras nu
cleos cartilagineos, como nos meniscos e nos discos inter -ver
tebraes ; são compostos de fibras brancas incruzadas em di .
versos sentidos , densas, muito resistentes na peripheria e mui.
to molles no centro. As suas superficies são muito adherentes
aos ossos a que se ligam.
3.° Ligamentos amarellos.-- Têem este nome uns ligamentos
30 BIBLIOTHECA DO POVO

que reunem á flexibilidade e á resistencia uma grande elasti.


cidade. Existem entre as laminas das vertebras, e são de côr
amarella, - circumstancia de que lhes provêm o nome, por
que os anatomicos os designam .
Synoviaes.- Sempre que uma superficie articular se move
sobre outra, alli se incontram membranas que revestem taes
superficies, e que segregam um liquido viscoso (similhante á
clara do ovo, e que tem o nome de synovia ). Chamam-se taes
membranas : membranas synoviaes, ou simplesmente synoviaes.
Revestem toda a articulação ; a sua face externa está em re
lação com os ligamentos e com todas as partes que circum
dam a mesma articulação; pela face externa estão em conta
cto comsigo mesmas . Alêm d'estas synoviaes, ha outras cavi.
dades serosas extra- articulares, que se desinvolvem por toda
a parte onde ba movimento de fricção. Estas ultimas são de
duas especies ; umas existem nas bainhas fibrosas que alojam
os tendões, e são as bainhas synoviaes dos tendões; outras des
involvem- se por baixo dos musculos e da pelle , em todos os
pontos em que ha frequentes fricções. Umas e outras são des
tinadas a facilitar o escorregamento.
Movimentos. Divisão das articulações.- Articulando se
uns aos outros, a maior parte dos ossos conservam , comtudo,
a sua independencia. Outros ficam emparte immoveis. Outros
finalmente guardam completa immobilidade entre si. D'aqui
derivam tres especies de articulações: -1.9, articulações mo
veis, ou diarthroses ; — 2.a, articulações de mobilidade parcial,
ou amphiarthroses ;-3.4, articulações immoveis, ou synar
throses .
As articulações executam movimentos, que estão em har.
monia com a disposição das suas superficies articulares. As .
sim, pois, conhecendo -se a disposição das superficies articu
lares de uma articulação , pode a priori determinar -se quaes
sejam os seus movimentos.
Estes movimentos são, nas articulações mais moveis : mo
vimentos no sentido antero -posterior - flexão e extensão ; mo
vimentos lateraes — adducção e abducção ; o movimento de
circumducção, no qual o osso descreve um cóne, cujo vertice
corresponde á articulação e cuja base corresponde å extremi.
dade opposta do mesmo osso ; o movimento de rotação, no qual
o osso gira sobre o seu eixo ; e o movimento de escorregamen
to. Outras articulações possuem todos estes movimentos, me
nos a rotação ; outras não têem o movimento de opposição se
não n'um unico sentido, isto é, a flexão ou a extensão ; outras
ainda são apenas dotadas do movimento de rotação. Emfim
ANATOMIA HUMANA 31

algumas apenas são dotadas do de escorregamento. Este ulti


mo é extensivo a todas as articulações moveis.
Vimos acima como as articulações se dividem em : diar
throses, amphiarthroses e synarthroses. As diartbroses compre
hendem tres generos, que são : a enarthrose, a arthrodia e o
ginglymo. Denominam -se enarthroses as articulações em que as
superficies articulares representam dois segínentos de esphe
ra: arthrodias são aquellas em que as superficies articulares
são mais ou menos planas ; ginglymos, as que são conformadas
e se movem a modo de charneira. Os ginglymos dividem-se
ainda em: angulares, nos quaes os ossos se curvam e se ex
tendem, formando um angulo mais ou menos aberto ; e late
raes, em que os ossos giram em - torno de um eixo. As amphiar
throses dividem -se em :amphiarthrosesperfeitas e amphiarthro
ses imperfeitas. As synarthroses dividem -se em synarthroses de
superficies independentes e synarthroses de superficie continua .
Dizem- se ainda : - articulações condyloideas, as diarthroses
em que as superficies articulares são ellipsoides, tendo o no
me de condylo a superficie convexa ; - articulações bicondy
loidéas, as que têem dois condylos (como, por exemplo, a arti
culação temporo -maxillar); articulação por imbocetamento re
ciproco, aquella cujas superficies articulares são concavas e
convexas em sentidos reciprocamente perpendiculares.
Myologia

Definição.- Diz- se Myologia a parteda Anatomia que se


occupa do estudo dos musculos, ou orgãos activos dos movi.
mentos .
Musculos em geral.-O conjuncto de todos os musculos do
corpo humano constitue o systema muscular. Os musculos são
orgãos de côr vermelha, mais ou menos pronunciada, qne for
mam o que vulgarmente se denomina a carne, e que se in
contram em todos os pontos em que ha movimento .
Dividem- se os musculos em voluntarios e involuntarios. Os
primeiros são symetricos, contrahem.se pelo imperio da von
tade e servem para pôr em movimento os 08808 e outros or
gãos; os segundos não são symetricos, não se contrahem sob
à influencia da vontade, e entram na formação de alguns or
gãos ôccos, como o coração, o estomago, etc.
Todos os musculos apresentam um corpo e duas extremida
des. Umas vezes são longos e na partemédia grossos ; outras ,
são largos e achatados; e, outras ainda,são curtos. Os muscu
: 22 BIBLIOTHECA DO POVO

los largos incontram -se principalmente no tronco, onde con


correin para formar as cavidades em que se contêem as vis.
ceras ; os longos existem em-torno dos membros, para produ
zirein os grandes movimentos ; os curtos vêem- se particular
mente nos pontos em que se carece de grande força, para ven
cer grandes resistencias . O corpo do musculo tem côr verme
lha, devida a uma substancia córante especial. As extremida
des ( a que o vulgo erradamente chama nervos) são brancas,
fibrosas, e confundem -se com o periosteo, adherindo aos os
sos e tomando o nome de tendões, se são alongadas e cylindri .
cas, ou o de aponevroses, se são largas e achatadas. Ordinaria
mente as fibras musculares vermelha têem logarno meio dos
musculos, e os tendões ou aponevroses nas extremidades. A's
vezes, porêm , estão os tendões no meio, dando origem ao que
se chama musculos digastricos. Outras vezes, interpõem -se,
de distancia em distancia, alguns feixes tendinosos ás fibras
musculares. Tambem se vêem as fibras tendinosas expandi
rem - se em aponevroses no centro de alguns musculos. Outras
vezes parece que as fibras musculares se continuam com as
tendinosas ; e, algumas vezes, inserem -se nos bordos do ten
dào, á maneira das barbas de uma penna .
Alêm do tecido muscular e do tecido fibroso, entram tam
bem na constituição dos musculos vasos, nervos, e tecido cel
lular ( que, depois de formar uma bainha ao musculo, dá pro
longamentos para a espessura d'elle, a involverem - lhe cada
uma das suas fibras) .
A analyse chimica do tecido muscular dá-o como composto
de : fibrina, albumina, gelatina ; phosphatos de soda, de cale
de ammonia ; e carbonato de cal .
Os musculos, quando se contrahem, diminuem de compri
mento, ingrosssam e indurecem ; conservam sem alteração a
sua côr ; formam rugas e pregas na sua superficie ; e desin
volvem uma grande força. Estes factos dizemn -se os phenome
nos da contracção muscular; desapparecem , quando cessa a
contracção e o musculo recai no relaxamento.
Distinguem - se em cada musculo um ponto fixo e um ponto
'movel. O ponto fixo é o que não obedece a tracção do muscu
lo e permanece invariavel durante a acção d’este ; o ponto
movel é aquelle a que, pelo contrario, é impresso o movimen.
to. A's vezes basta a acção de um só musculo para que se pro
duza um determinado movimento, mas isso é raro; quasi sem
pre os movimentos resultam da combinação das contracções
de um certo numero de musculos. Chamam - se congeneres os
musculos que concorrem para uma acção commum ; antago
ANATOMIA HUMANA 33

nistas os que têem acções oppostas. Os musculos dizem-se :


extensores ou flexores, segundo extendem em linha recta o or
gão a que imprimem movimento, ou o curvam em angulo maior
ou menor ; - abductores ou adductores, segundo afastam ou ap
proximam uma parte qualquer do plano médio do corpo ; - ro
tadores, quando fazem girar uma parte em -torno do seu eixo;
– dilatadores, se alargam um orificio ou abertura ; - esphin
cteres, se servem para fechál-o.
Os musculos voluntarios - chamados tambem musculos da
vida animal ou da vida de relação -- estão espalhados em gran
de numero por toda a extensão do corpo, quasi todos externa
mente , ainda que alguns no interior d'elle. Os anatomicos
discordam no numero dos musculos voluntarios ; depende is.
so do modo de os contar, considerando uns como independen
tes alguns feixes musculares, que outros consideram como fa
zendo parte de um mesmo musculo. Hoje considera-se geral
mente o numero dos musculos como superior a 500. Ten cada
musculo o seu nome especial, derivado da funcção que execu
ta, da sua posição, das suas dimensões, da disposição das suas
partes, ou da sua direcção, etc. Distribuem -se pela cabeça ,
tronco e extremidades.
Musculos da cabeça.- Na cabeça distinguem -se os muscu .
los do craneo e os da face. Alguns d'elles são destinados a
moverein os orgãos dos sentidos e os seus involucros, e con
correm para produzir na physionomia as expressões corres
pondentes aos differentes sentimentos do espirito, como, por
exemplo : os musculos occipito- frontaes ; os dos olhos ; os ele
vadores orbiculares das palpebras e dos labios; os ; mento ;
os auriculares, que são rudimentares na especie humana e
muito desinvolvidos n'outros aniinaes. Os outros musculos da
cabeça, como o temporal, o masséter, os pterygoideus, são
destinados especialmente a approximar o maxillar inferior do
superior, nos actos de falar, de bocejar e de mastigar.
Musculos do tronco.— Entre os musculos do tronco dig.
tinguem - se: os do pescoço, os do thorax, os do abdomen, e os
da região posterior do tronco.
Dos musculos do pescoço , alguns servem para mover a ca
' beça em differentes direcções, ou para mantêl-a firme, por
antagonismo, como o esterno cleido-mastoidêu ( 2, fig. 13 ; B ,
fig. 14) , a qual deve o seu nome ás suas inserções (que são
feitas no esterno, na clavicula e na apophyse mastoidea ).
Ha ainda alli : o cutaneo, em forma de membrana muito lon
ga, situado por baixo da pelle e que serve para franzir a pel
le da face anterior do pescoço; -o digastrico;-o escaleno an
84 BIBLIOTHECA DO POVO

terior (A fig. 13) ;-0 escaleno posterior (B fig. 13);—os que se


inserem no osso hyoide e servem para movêl- o, etc.
Os musculos mais importantes do thorax ou da região tho
racica anterior, são os seguintes : o grande peitoral ( 16, fig. 13),
que é adductor do braço ; -0 pequeno peitoral ( D , fig. 13 ),
que abaixa o côto da espadua e,quando esta está fixa, é ele
vador das costellas ; -o sub -clavio ( C, fig. 13), que abaixa a
clavicula e, quando esta está fixa, levanta a primeira costella ;
- o grande dentado ( R , fig. 13) , que move a espadua para a
parte anterior ; os intercostaes , divididos em internos (R ' ,
fig. 13) e externos ( T, fig. 14) , e que existem entre as costel
las, a cujos bordos se inserem , servindo para approximál-as
e afastál-as uma das outras ; etc.
No abdomen os principaes musculos são: ogrande obliquo (18,
fig. 13 ), longo, quadrilatero, curvo, formando a camada mais
superficial dos musculos daparede lateral e anterior do abdo.
men, (a sua acção é : - quando os dos dois lados se con
traem , curvar a columna vertebral, e diminuir a capaci.
dade da cavidade abdominal; e, quando é um só que se
contrae, inclinar o tronco para a lado opposto );-opequeno
obliquo, situado por baixo do anterior, largo mas delgado,
comprimindo, quando se contrae, as visceras do abdomen ,
approximando da bacia as costellas e, por conseguinte, cur
vando o tronco para deante ; o transverso ( T, fig. 13), lar
go, delgado, quadrilatero, situado por baixo do precedente e
servindo para comprimir as visceras do ventre; -o grande
recto do abdomen ( Š, fig. 13 ), longo, grosso , situado na parte
anterior do abdomen, e servindo para comprimir as visceras
abdominaes, curvar o tronco e abaixar o thorax ;- -o pyrami
dal ( V , fig. 13 ), pequeno musculo cuja existencia não é cons.
tante e que está situadona parte inferiore anterior do abdomen ;
), que se insere em cima á 12.5
o psoas -iliaco ( Z, fig. 13
vertebra dorsal, a todas as lombares, e se reune depois a ou
tras fibras inseridas ao ligamento ileo-lombar, á crista iliaca,
e aos dois terços superiores da fossa iliaca, vindo toda esta
massa muscular inserir -se inferiormente, por meio de um for
curvar a
te tendão, ao pequeno trochanter, e servindo para-o
côxa sobre a bacia e rodál.a para o lado externo ; peque
no -psoas, pequeno, delgado, situado por deante do antece.
dente e servindo para lhe corroborar a acção.
Na região posterior do tronco, temos principalmente a con
siderar os seguintes musculos: o largo dorsal ( U , fig. 14 ),
extenso e achatado, situado na parte inferior, posterior e la.
teral do tronco, e que serve para abaixar a espadua e fazer
ANATOMIA HUMANA 35

B
C

D. 16
E

R 6
F 17
G 18
H.
-19

J. -8
L
M 10
N 11
12
-20
P 21 13
14 -15
-22
Q 23
240
25
-26
27

28

35.... -29
---
30
g-
36 . -31
h
-32

33

Fig. 13 — Musculos da face anterior do corpo


36 BIBLIOTHECA DO POVO

girar o braço para a parte posterior ; -o trapezio ( 3,


fig. 13 ; 2, fig. 14) , largo, achatado, triangular, situado na
parte posterior do pescoço e superior do dorso , e servindo
para approximar o omoplata da columna vertebral e, quando a
espadua está fixa, fazer a extensão da cabeça ; -o rhomdoi
de ( F , fig. 14), largo, quadrilatero, achatado, situado por
deanté do trapezio, e servindo para dirigir o omoplata para
traz e um pouco para cima ; o angular do omoplata (D,
fig. 14), alongado, achatado, mais largo em baixo do que em
cima, situado na parte posterior e lateral do pescoço, servin
do para elevar o angulo superior do omoplata, abaixar o côto
da espadua e, quando esta está fixa, inclinar o pescoço la
teralmente ; - o esplenio (1 , fig . 14), alongado, achatado,
situado na parte posterior do pescoço e superior do dorso, e
servindo para fazer a extensão da cabeça; o grande com
plexo (A, fig. 14 ), alongado, achatado, mais largo em cima
do que em baixo, situado na parte posterior do pescoço e su
perior do dorso, e servindo tambempara a extensão da cabe
ça; o sacro-lombar ( V, fig. 14 ), espesso e triangular em bai
xo, achatado e muito mais estreito em cima, situado na parte
posterior do dorso, servindo para a extensão da columna ver
tebral e para a rotação do tronco sobre o seu eixo ; O longo
dorsal ( Ü , fig. 14), situado por dentro do antecedente, espes
so em baixo ,muito mais delgado no cimo, e adaptado aos
mesmos usos do sacro -lombar;- o transversario espinhoso ( Z ,
fig. 14), situado por dentro do antecedente, com uma acção
identica á d'elle, delgado na extremidade inferior, alargando
consideravelmente na região lombar, tornando- se muito te
nue na dorsal, augmentando de volume no cimo d'esta, e
alargando novamente na cervical, onde termina em ponta, no
axis .
Musculos das extremidades superiores.- Especializare
mos os seguintes : -0 deltoide (4, fig . 14) , situado na par
te superior e externa do braço, largo em cima e estreito em
baixo, contornando, com a fórma de um V, o côto da espa
dua, e servindo para elevar esta ; -o supra- espinhoso ( E ,
fig. 14 ), que occupa a fossa supra - espinhosa e é elevador
do braço ; -o infra -espinhoso (5, fig . 14 ), situado na fossa
infra -espinhosa e destinado á rotação do humero para a
parte exterior ; o pequeno' redondo ( 6 e H , fig. 14 ), feixe
muscular apenas distincto do precedente, na parte inferior
do qual é situado, e que é rotador do humero para fóra ; 0
infra.escapular (I, fig . 14), occupando toda a fossa infra
escapular, rotador do humero para dentro ; -obrachial an.
ANATOMIA HUMANA 37

ZALN9Senz
C A

25
5.
6

3
8.
9
10
12
13
1
15:14 19.
16 .
17
18
n

20
21
22
23 j
24

25
26 -1
m
27
n

28
29

20

31
32
33

Fig. 14 - Musculos da face posterior do corpo


38 BIBLIOTHECA DO POVO

terior ( F, fig. 13), situado na parte anterior e inferior do hu


mero , e servindo para dobrar o
ante -braço sobre o braço ; O

tricipite-brachial ( G, fig. 13; 7,


fig. 14), situado sobre a parte
posterior e sobre as lateraes do
braço, e servindo para a exten
são do ante -braço sobre o bra
ço ; -o redondo pronador ( M ,
fig. 14), situado na parte supe
rior e anterior do ante -braço,
servindo para fazer voltar a
palma da mão para dentro e
para fóra, e concorrendo para
a flexão do ante - braço sobre o
braço ; -o grande palmar ou
radial anterior (6, fig. 15), si.
tuado na parte anterior e ex
terna do ante-braço, inserindo
se na parte anterior da extre
midade superior do 2.º osso me
tacarpico, e sendo flexor da mão
sobre o ante-braço ; -o peque
no palmar ( M , é , fig. 13),
situado por dentro do prece
dente, delgado, fusiforme, e
tambem flexor da mão sobre o
ante - braço ;- o flexor commum
dos dedos tambem chamado fle
xor superficial ou sublime ( P ,
fig . 14 ; e c, fig. 15), situado na
parte anterior do ante braço ,
comprido, largo em cima, im.
plantando -se em baixo, por
Fig . 15 Fig. 16 quatro tendões, nas faces an .
teriores das segundas phalan
ges dos quatro dedos do lado de dentro, e sendo flexor dos
dedos sobre a mão e d'esta sobre o ante-braço ; -o cubital
anterior (Q , fig . 14 ; a, fig . 15 ), situado na parte anterior e
interna do ante- braço, terminando inferiormente por um ten
dão achatado que o prende ao osso pisiforme, e servindo pa
ra a fexão da mão sobre o ante -braço, para inclinar a mão
para o lado do cubito, sendo portanto adductor ; - o fe
cor profundo, situado por baixo do flexor commum dos de
ANATOMIA HUMANA 39

dos, terminando inferiormente por quatro tendões que vão


inserir- se á face interna da terceira phalange dos dedos, e
sendo flexores dos dedos sobre a mão e da mão sobre o ante
braço ; o grande flexor do pollex (0 , fig. 14), situado por
fóra do precedente, terminado na parte inferior por um ten .
dão que vai inserir -se na extremidade anterior da segunda
pbalange do pollex, e sendo flexor da segunda phalange so
bre a primeira, d'esta sobre o metacarpo, e alêm d'isso oppo
nente do pollex ; o longo supinador (7, fig. 13), situado na
parte externa e inferior do braço, seguindo pela correspon
dente do ante -braço, inserindo se por meio de um tendão acha .
tado á base da apophyse estyloidea do radio, e sendo flexor
do ante -braço sobre o braço ;- O primeiro radial externo
(9, fig. 13 ; 9, fig. 14 ; b, fig . 16 ), situado na região externa
do ante-braço, por baixo do precedente, inserindo-se por um
tendão á extremidade superior da face dorsal do segundo
osso do metacarpo, e tendo por funcção extender a segunda
serie dos ossos metacarpicos sobre a primeira e esta sobre o
ante -braço, bem como inclinar a mão sobre o bordo radial
do ante -braço ; o segundo radial externo (L, fig. 3; c, fig.
16), situado por baixo do precedente e por elle coberto em
parte, inserindo-se á face dorsal da extremidade superior do
terceiro 0880 do metacarpo, e tendo as mesmas funcções que
o primeiro radial externo ; o extensor commum dos dedos
(11, fig. 14 ; d, fig. 16 ), situado na parte posterior doqueante
vão.
braço , dividindo-se inferiormente em quatro tendões,
inserir -se na base da face posterior da terceira phalange
dos quatro dedos do lado interno, e sendo extensor das pba
langes sobre o metacarpo, do metacarpo sobre o carpo, e da
mão sobre o ante -braço ; o extensor do pequeno dedo ( 13,
fig . 14 ; a, fig. 16), situado por dentro do precedente, inse.
rindo -se em baixo, por um tendão, ás phalanges do dedo
minimo, as quaes extende sobre o metacarpo ; -o cubital
posterior ( N , fig. 13), situado por dentro do antecedente, o
mais interno dos músculos da região posterior do ante -braço ,
inserindo -se na extremidade superior da face posterior do
quinto osso metacarpico, servindo para a extensão da mão e
para a sua adducção ; -o anconeo (L, fig . 14 ), situado na
parte posterior e superior do ante-braço, de forma triangular 0
e servindo para a extenção do ante-braço sobre o braço;
longo abductor do pollex (0 , fig. 13 ; 12, fig. 14 ), o mais volu
moso e extenso dos musculos da camada profunda do ante
braço, inserindo -se por um tendão achatado na extremidade
superior do primeiro osso do' metacarpo, servindo para a ab
40 BIBLIOTHECA DO POVO

ducção d'este e da mão, e concorrendo tambem para a supi


nação e extensão d'este orgão ;- o curto extensor do pollex
( 19 , fig. 14), situado por dentro do precedente, do qual segue
à direcção, inserindo-se em baixo a parte posterior da extre
midade superior da primeira phalange do pollex e servindo
para a extensão da primeira phalange sobreo metacarpo e
d'este sobre o carpo ; - o longo extensor do pollex ( P , fig . 13),
situado por dentro do precedente, inserindo- se inferiormente
á parte posterior da extremidade superior da segunda pha
lange do pollex, e tendo as mesmas funcções do longo abdu
ctor ; -o palmar cutaneo ( 14, fig. 13 ), pequeno musculo qua
drado, superficial, situado na parte superior da saliencia in.
terna da mão ( eminencia hypothenar ), inserindo-se no lado de
fóra a uma aponevrose e no de dentro aos tegumentos do bor.
do interno da mão, cuja pelle repuxa para fóra.
Musculos das extremidades inferiores.— Especializaremos
os seguintes :: -o grande gluteo ( 19, fig . 14), situado na parte
posterior da bacia, longo, espesso, quadrilatero, o mais volu
moso dos musculos do corpo humano, servindo para extender
a côxa sobre a bacia e para a rotação da côxa para fóra ;
o médio gluteo (b, fig. 14), situado por baixo do precedente,
largo, espesso, triangular, servindo para a extensãoda coxa so
bre a bacia, para a rotação d'aquella para dentro e para fóra,
e tambem para a sua abducção ; o pyramidal (n, fig. 13 ),
situado em parte na cavidade da bacia, por baixo do médio
gluteo, delgado e arredondado na sua parte superior, bifur
cado na inferior, e servindo para a rotação da côxa para fó
r8 ;-o sartorio (22, fig. 13 ), tambem chamado costureiro,
extremamente longo, situado na parte anterior da côxa, que
corta em diagonal, de cima para baixo e de fóra para den
tro, destinadaa curvar a perna sobre a côxa, voltál- a para
– recto
fóra, e tambem a cruzál-a sobre a do lado opposto; -o
interno da côxa (25, fig. 13 ), comprido, achatado, grosso, si
tuado na parte anterior da côxa , terminando por uma apone
prose que se reune á do tricipite crural, e sendo extensor da
perna sobre a côxa ; -o tricipite crural (d, 26 e 27, fig. 13),
comprido, muito volumoso, trifurcado superiormente, unico na
parte inferior, tendo a sua parte externa (chamada vasto ex .
terno – J ,. fig. 14), maior que as outras, cercando quasi todoi
o femur, e sendo extensor da perna sobre a côxa ; O sem
tendinoso (9, 22, fig . 14) , situado na parte posterior da côxa ,
comprido , delgado , terminando com o recto interno na parte
superior e interna da tibia , por detraz do sartorio, e sendo
flexor da perna sobre a côxa e seu rotador par dentro ; - 0
ANATOMIA HUMANA 41

semi-membranoso (i, 21, fig. 14), comprido, aponevrotico su.


periormente, situado por deante do precedente, tendo a meg
ma acção que elle ; -o bicipite crural ( f, 28, fig. 14), com
prido, grosso, bifurcado superiormente, unico na parte in
ferior, situado na parte posterior e externa da côxa (é fle
xor da perna sobre a côxa ; a sua longa porção sustenta e
puxa para traz a bacia ; a sua curta porção faz rodar a ti
bia para fóra ); -o pectineo (a, fig . 13 ), situado na parte
superior, anterior e interna da cosa, adductor e um pouco ro
tador da côxa ; o recto interno (h , fig . 14), situado na parte
interna da côxa, comprido, delgado, adductor da côxae fle
xor da perna sobre ella ; - o primeiro adductor (20, fig. 4 ),
situado na parte interna e superior da côxa, triangular, acha
tado, com as mesmas funcções do precedente ; -o segundo
adductor (b, 23, fig. 13), situado mais profundamente do que
o primeiro adductor, com a mesma acção que o pectineo;
terceiro adductor ou grande adductor (c, fig. 13) , musculo
muito volumoso, triangular, que quasi formapor si só toda a
espessura dos musculos da parte posterior e interva da cô
xa, e que é adductor e rotador da côxa para fóra ; o tensor
da fascia lata (2, fig. 13), musculo comprido, situado na par
te externa e superior da côxa, servindo para tornar tensa a
aponevrose chamada fascia lata, e tambem para a adducção
da côxa e para a sua rotação para dentro ; o tibial ante
rior (29, fig . 13 situado na parte anterior e externa da per
na, indo inserir- se nos ossos do pé, sendo flexor d'este sobre
a perna, levantando o seu bordo interno e imprimindo nos
09808 do tarso um movimento de rotação, que leva o pé à ad
ducção ; -o extensor proprio do grande dedo (31, fig . 13), si.
tuado entre o tibial anterior e olongo extensor commum, in
serindo -se por meio de tendões á primeira e segunda phalan
ges do grande dedo, sendo extensor d'este sobre o metatarso,
e flexor do pé sobre a perna ; o longo extensor commum dos
dedos (30, h, fig. 131 , situado por fóra do precedente, simples
na sua parte superior, dividido em quatro ou cinco tendões
inferiormente, fazendo a extensão dos dedos sobre o metatar
80 e sendo tambem flexor do pé sobre a perna ; -o pequeno pe
roneo (29, fig. 14 ) , situado na parte anterior e inferior da per
na, comprido, o menor dos tres peroneos, concorrendo para a
flexão do pé sobre a perna ;-
-o peroneo médio (m, fig . 14),
extendido desde o meio do peroneo até ao quinto osso do me
tatarso, e sendo extensor do pé sobre a perna; -o longo pe
roneo (9, fig. 13 ; 31, fig. 14), situado ao longo do peroneo e
indo inserir -se no primeiro osso do metatarso, comprido e del
42 BIBLIOTHECA DO POVO

gado, extensor do pé sobre a perna ; os gemeos (35, fig. 13 ;


27, fig. 14 ; a, a, fig . 17 ), espessos, volumosos, separados em
cima, reunidos em baixo,situados na parte posterior da per
na, e constituindo quasi por si sós o que se chama, vulgar
mente, a barriga da perna (distinguem-se em gemeo interno e
gemeo externo, expandindo- se os tendões de inserção de um e
outro sobre a sua face posterior, onde dão
origem a numerosas fibras musculares que
se dirigem verticalmente para baixo e vão
implantar- se no tendão de Achilles ); O 80
lhar (28, fig. 14 ; 36, fig. 13), espalmado, lar
go no meio, espesso, situado por baixo dos
gemeos (tendoas suas fibras terminadas in
teriormente n'uma aponevrose, que recebe
posteriormente as dos tendões dos gemeos ,
para constituir uma massa tendinosa com :
mum, que se denomina tendão de Achilles (*)] ,
e sendo extensor do pé sobre a perna ; -O
popliteu ( e, fig. 14), musculo da camada pro
funda e posterior da perna, achatado, trian
gular, flexor da côxa sobre a perna e rota
dor da perna para dentro ; -o longo flexor
do grande dedo (30, fig. 14), o mais externo
dosmusculos da perna, comprido, situado na
parte posterior d'ella e na inferior do pé,
flexor das phalangesdo grande dedo sobre o
metatarso, extensor do pé sobre a perna, ro
tador do referido dedo e do pé para fóra ;
o plantar delgado (25, fig . 14), comprido,
muito delgado, situado tambem na parte
posterior da perna, terminando com o ten
dão de Achilles no calcaneo, e tendo acção
Fig. 17 egual á dos gemeos ; o longo flexor com
mum dos dedos ( p, fig. 14), o mais interno
dos musculos da camada profunda daperna, comprido, divi
dindo -se inferiormente em quatro tendões que vão inserir -se
ás extremidades posteriores das terceiras phalanges dos qua

( * ) O tendão de Achilles representado em h ( fig. 17), é o mais volumoso e


forte do corpo humano . Dão -lhe origem superiormente os musculos gemeos e o
solhar, por intermedio de uma aponevrose (c, fg. 17) ; dirige- se verticalmente
de cima para baixo ao longo da face posterior da perna, onde se sente por
baixo da pelle, separado dos musculos da camara profunda por uma camada
esperda de tecido cellular , e separado da face posterior do calcaneo por uma
bolsa serosa . Insere -se na parte inferior da dita face d'esse osso ,
ANATOMIA HUMANA 43

tro dedos externos ; o tibial posterior ( n, fig. 14 ), perten


cente tambem á camada profunda da parte posterior da per
na, inserindo-se em baixoao escaphoide e á base do primeiro
cuneiforme (é extensor do pé sobre a perna e rotador do pé
para fóra ).
Diaphragma. - Este musculo que, como já dissémos, forma
um septo de separação entre as cavidades thoracica é abdo .
minal, merece pela sua importancia uma descripção especial.
O diaphragma insere -se: adeante, á face posterior do ester
no e a base do appendice xiphoideu, deixando na linha me
diana um intervallo triangular, que faz communicar algumas
vezes a cavidade thoracica com a abdominal ; nas partes la.
teraes, á face interna e ao bordo superior das cartilagens das
seis ultimas costellas,por digitações ; em baixo, a duas arca
das aponevroticas. D’estas uma (a interna) parte do tendão
da origem dos pilares e vai fixar-se na base da apophyse
transversa da primeira vertebra lombar ; esta arcada då pas.
sagem á extremidade superior do musculo psoas. A outra (a
externa) mais larga, concava, vai desde a extremidade ex
terna da primeira arcada até ao bordo inferior e á extremi
dade anterior da ultima costella ; esta arcada dá passagem a
um musculo denominado quadrado dos lombos. Ainda uma
porção de fibras tendinosas, pertencente ao diaphragma, se
insére em baixo e da linha mediana á segunda e a terceira
vertebra lombar, dando origem a dois grossos feixes car
nosos, chamados os pilares do diaphragma. De todas estas
diversas inserções, as fibras musculares dirigem -se em dif
ferentes sentidos, té irem ligar-se a uma larga aponevrose,
que tem o nome de centro phrenico. Pelo seu abaixamento, o
diaphragma augmenta o diametro vertical da cavidade do
peito, ao mesmo tempo que tambem torna maior o transver
sal, elevando e projectando para fóra as ultimas costellas.

Angiologia
Definição.— Dá- se o nome de Angiologia á parte da Anato
miaque descreve o apparelho circulatorio, e comprehende-se
tambem n’ella o estudo dos vasos lymphaticos.
No apparelho da circulação sanguinea distinguem - se : 0
coração,as arterias, as veias e os vasos capillares .
Coração ( h, fig. 18 e 19 ).- Coração é o orgão central da cir
culação sanguinea. Está situado no lado esquerdo da cavidade
44 BIBLIOTHECA DO POVO

thoracica, entre os dois pulmões (0, m, u, e o, u ,fig. 18 ; 0, u


e o, w, fig. 19), um pouco inclinado de cima e da linha media
na para baixo e para fóra.
Tem fórma irregularmente cónica, com a base para a par
te superior e o vertice para a inferior. E' um orgão ôcco,
constituindo um sacco, cujas paredes são formadas por fortes
fibras musculares. A sua capacidade é dividida em quatro
cavidades (designadas pelos nomes de auriculas duas d'ellas,
e pelode ventriculos as outras duas). As auriculas occupam a
base da pyramide formada pelo coração ; os dois ventriculos
estão collocados por baixo d'ellas. D'esta disposição resulta
que o coração pode ser dividido em duas metades — direita e
esquerda - contendo cada uma d'ellas uma auricula e um

Fig. 18 --- Coração, h - entre os dois pulmões - 0, m, u e o, u~


(vistos pela face anterior)

ventriculo. E d'ahi derivam as denominações de auricula di


reita, ventriculo direito, auricula esquerda e ventriculo esquer
do, usadas para distinguir respectivamente cada uma d'aquel
las cavidades. As auriculas não communicam uma com a ou
tra, e o mesmo acontece aos ventriculos; porque as duas me
tades verticaes do coração são separadas por um septo im
perfurado ; de cada um dos lados a auricula communica com
ANATOMIA HUMANA 45

o respectivo ventriculo, por meio de um orificio, denominado


auriculo- ventricular. As cavidades direitas - auricula e ven
triculo --- contêem só sangue venoso ; as esquerdas, apenas
Bangue arterial.
As primeiras recebem o sangue que pelas veias Ibes chega
das differentes regiões do corpo e inviam -n'o aos pulmões; as
segundas recebem o sangue, quando volta regenerado dos
pulmões, e expellem -n'o para todos os pontos do corpo, pelas
arterias. E por isso que 08. physiologistas modernos têem
considerado o coração dividido pelo septo vertical em duas par
tes distinctas : uma, o coração direito ou pulmonar ; e outra,

Fig. 19 - Coração, h entre os dois pulmões -0, U , e 0, U


( vistos pela face posterior)

o coração esquerdo ou aortico. As paredes dos ventriculos são


muito mais fortes e espessas que as das auriculas ; e as do
ventriculo esquerdo, mais do que as do direito.
Esta disposição está em harmonia com as funcções incum
bidas a cada uma d'aquellas partes. Entre cada uma das au
riculas e o ventriculo que lhe corresponde, ha uma valvula
membranosa, que se abaixa quando o sangue passa da auri
cula para o ventriculo, e que se levanta quando este se con
trae para expellir o sangue, evitando assim que este liquido
reflua para a auricula. A valvula existente no orificio auricu
HECA
46 BIBLIOT DO POVO

lo-ventricular direito tem o nome de valvula tricuspida ; e a


do orificio esquerdo, o de valvula mitral.
O coração é exteriormente involvido por um sacco fibro
seroso, que tem o pome de pericardio. E' este de forma coni
ca , com o vertice dirigido para a parte superior, e a base para
a inferior. E' constituido por dois folhetos: um exterior, fi
broso ; e outro interior, seroso. Involve, não só o coração, mas
tambem as raizes dos grossos vasos que com este communi.
can.

As cavidades do coração são forradas por uma membrana


chamada endocardio, que é mais espessa nas auriculas do que
nos ventriculos, e que está ligada ao tecido muscular do cora
ção, por uma camada de tecido cellular, que faz corpo com
mumcom o que existe entre as fibras carnosas d'aquelle orgão.
A auricula direita recebe o sangue venoso, que lhe é trazi
do por duas veias que n'elle se abrem: a veiacava superior,
que transporta o da metade superior do corpo ; e a veia cava
inferior, que conduz a da metade inferior. O ventriculo direi .
to dá origem á arteria pulmonar, a qual, dividindo -se em dois
ramos que vão ramificar- se nos dois pulmões , leva o sangue a
estes dois orgãos, para ser regeneradono contacto com o ar a
elles levado pela respiração. A auricula esquerda recebe pe
las veias pulmonares — em numero de quatro ( duas oriundas
de cada pulmão ) -o sangue já regenerado. O ventriculo es .
querdo projecta o sangue, pela arteria aorta -tronco que dá
origem a todas as arterias do corpo,-para os differentes pon
tos d'este.
Arterias.- Arterias são os vasos que levam o sangue des
de o coração até ao amago dos differentes tecidos nas diver
sas regiões do corpo.São constituidas por tres tunicas : - uma
externa ou cellulosa , muito resistente ; uma média ou tunica
propria , fibrosa, constituida por fibras circulares que se in .
terceptam em angulos agudos; e outra interna, delgada, trans
parente, e formada por dois folhetos distinctos.
A arteria aorta nasce do ventriculo esquerdo, tem na sua
origem um diametro de 28 millimetros, dirige-se primeiramen.
te para cima, curvando -se logo depois para o lado esquerdo,
e formando a crossa da aorta. Depois desce pelo lado esquer
do da columna vertebral ; ao nivel do diaphragma - que atra
vessa n’um orificio formado por um intervallo que existe en
tre os pilares d'aquelle musculo- ganba a linha inediana do
corpo e bifurca -se perante a quarta vertebra lombar. Junto
da sua origem fornece as arterias coronarias ou cardiacas,
que servem para à nutrição dos tecidos do coração. Na sua
ANATOMIA HUMANA 47

parte thoracica invia ramos aos bronchios, ao esophago e aos


musculos inter - costaes. Da crossa da aorta partem quatro
grossos troncos, que são: as duas arterias sub -clavias e as
duas carotidas primitivas. A sub - clavia e a carotida primiti
va esquerdas nascem separadas e directamente da crossa ; as
direitas nascem por um tronco commum, que depois se divi.
de, e que se chama tronco inominado ou brachio- cephalico.
A carotida primitiva divide-se, um pouco abaixo do angulo
da maxilla, em carotida externae carotida interna. A primei
ra dá origem a varios ramos collateraes, que vão á lingua, a
varios pontos da face, á região occipital, á pharynge,etc., e
termina dividindo-se em dois ramos, que são : a arteria tem
poral, destinada especialmente aos tegumentos do craneo ; e
a maxillar interna, que fornece ramificações para o interior
do craneo, para as arcadas dentarias, para varios musculos
da face, para a pharyoge, etc. A carotida interna penetra na
cavidade do craneo pelo canal carotidiano do osso temporal,
e distribue - se no cerebro e no apparelho da visão.
A arteria sub-clavia - tronco commụm das dos membros
superiores, e das do cerebro, cerebello, e parte anterior e la
teral do thorax — termina ao passar por baixo da clavicula,
ponto em que dá origem á axillar. D'ella nasce a arteria ver
tebral, que se dirige para a columna vertebrale para a parte
posterior do encephalo, unindo se com a do lado opposto para
constituir a basilar. Nascem ainda da sub - clavia : a mamma
ria interna , as escapulares, a cervical profunda, a inter -costal
superior, etc. A axillar fornece seis ramos para a espadua e
para as paredes do thorax, desce á cavidade da axilla e alli
toma a denominação de arteria humeral. Esta desce pelo la
do interno do humero e, junto da articulação do cotovello, di.
vide- se em duas : a radial e a cubital. Cada uma d'estas to
ma a direcção diffe
do osso a que deve o nome; e, depois de ter da
ntes ramificações,
do origem a vae terminar na mão,
onde as suas numerosas ramificações concorrem para formar
a arcada palmar. E' na arteria radial que os medicos tomam
o pulso, porque a posição superficial d'ella n'aquelle ponto a
isso se presta perfeitamente.
No abdomen a aorta dá ramos para a parede inferior do dia
phragma ; fornece as arterias lombares,que se distribuem nas
paredes do ventre ; fornece tambem o tronco celiaco (que se
divide em tres ramos : a coronaria estomachica, para o esto
mago, a esplenica para o baço, a hepatica para o figado) as
duas mesentericas (superior e inferior ), as renaes para os rins,
as espermaticas no homem, a utero-ovarica na mulher, etc.

*
48 BIBLIOTHECA DO POVO

As arterias terminaes da aorta são tres : à sagrada mediana


e as duas iliacasprimitivas (direita e esquerda ). Cada uma das
segundas se divide em dois ramos : a iliaca interna ou hypo
gastrica e a iliaca externa . A iliaca interna fornece um gran
de numero de ramos, que se distribuem na bexiga, no intes
tino recto, na região umbilical, nos orgãos sexuaes externos,
no utero, na região glutea, etc. A iliaca externa, depois de
fornecer dois ramos collateraes (que são : a circumflexa iliaca
e a epigastrica, sai da cavidade da bacia para a côxa, toman
do o nome de arteria femural. Esta segue pela côxa abaixo,
fornecendo ramos para a parte interna da bacia e para diffe
rentes pontos da côxa ; um pouco acima da cavidade poplitea
(a que vulgarmente se chama a curva da perna ) toma a de
nominação de arteria poplitea , fornece ramos que se distri.
buem no joelho, e termina subdividindo- se em : arteria tibial
anterior e arteria tibio -peroneal. A primeira distribue ramos
á região d'onde tira o nome, e termina dando origem á arte
ria pediosa, que fornece o sangue á região dorsal do pé. A
arteria tibio -peroneal bifurca-se em arteria tibiul posterior e
arteria peroneal, as quaes dão um grande numero de ramos
para a região posterior e profunda da perna e vão terminar
subdividindo -se na face plantar do pé.
Veias.- As veias levam o sangue de todos os pontos do cor
po ao coração. As svas paredes são menos espessas e mais
molles do que as das arterias ; são geralmente constituidas
por duas tunicas: uma externa ou tunica cellulosa, inteiramen
te similhante á tunica externa das arterias ; outra interna ,
identica á interna das mesmas. N'algumas partes a parede
das veias é constituida apenas pela tunica interna ; por exem- .
plo : nos seios da dura.mater, nas veias dos ossos, etc., onde
a tunica externa é substituida pela dura -mater, pelo tecido os
seo, etc. Nos grossos troncos venosos, porém , ha uma tunica
intermediaria á externa e á interna ; é formada por uma ca
mada de fibras annelares, menos desinvolvida que nas arte
rias, e entre os feixes fibrosos que a constituem ha interpos
tos feixes de tecido cellular. A membrana interna das veias
apresenta um grande numero de pregas ou valvulas, dispos
tas aos pares, e que servem para obstar ao refluxo do sangue.
Ha dois systemas de veias: um, o pulmonar, traz o sangue
regenerado ‘nos pulmões á auriculaesquerda do coração ; o
outro é o que traz o sangue venoso de todas as partes do cor
po á auricula direita.
A veia cava superior é o tronco commum de todas as veias
da metade superior do corpo ; extende-se desde a primaeira
ANATOMIA HUMANA 49

costella até á auricula direita e n'este seu trajecto recebe a


veia azigos, na qual se lançam muitas das veias espinaes. E'
formada pelos dois troncos brachio-cephalicos, os quaesdevem
a sua origem ás veias jugular interna e sub-clavia. A jugular
externa, collocada sob o musculo cutaneo , recebe o sangue da
região externa da cabeça; a interna, satellite (*) da carotida
primitiva, recebe o dos numerosos seios da dura -mater, de to
do o interior do craneo e da maior parte da face e do pesco
ço. A veia sub-clavia nasce da axillar, tronco commum das
veias profundas satellites das arterias da extremidade supe
rior. Alêm d'estas ha tambem nos membros thoracicos veias
superficiaes, que não têem arterias correspondentes; são a
veia basilica e a cephalica (a primeira formada pela união da
mediana basilica com a cubital; a segunda pela juncção da
mediana cephalica com a radial).
A veia cava inferior tem diametro maior do que a superior,
e leva á auricula direita o sangue que recebe de toda a me
tade inferior do corpo. No seu trajecto abdominal recebe as
veias renaes e uma parte dasdas paredes e dos orgãos do ven
tre. As veias, que n'ella não terminam directamente, reunem
se para formar a veia - porta, tronco principal de um systema
áparte, mas que se reune ao da veia cava inferior. A veia -por
ta é formada pelas veias mesentericas e pela esplenica; junto
do figado divide-se em dois ramos, que vão subdividir-se na
espessura d'aquelle orgão á maneira das arterias ; depois d'ig
so, o sangue volta pelas veias hepaticas, que são tres, e que
vão abrir -se na veia cava inferior. Esta traz sua origem das
veias iliacas primitivas, cada uma das quaes resulta da jun
cção da veia iliaca interna com a externa. A iliaca interna re
cebe o sangue de varios plexos da bacia e especialmente dos
plexos hemorrhoidaes. A iliaca externa corresponde á arteria
do mesmo nome e é o prolongamento da veia femural,que por
sua vez tem origem na poplitéa , formada pela reunião da ti
bial anterior com o tronco tibio-peroneal. De resto, em todo o
membru inferior o tronco venoso principal recebe os ramos 82
tellites das arterias do mesmo nome.
Vasos capillares.— A' medida que as arterias se afastam
do coração, dividem -se e sub -dividem se em ramos, cada vez
mais pequenos , que se inlaçam e anastomosam , formando uma
vasta rede, cujas malhas, de extrema finura, penetram em to
(*) As arterias são sempre acompanhadas por veias. As veias que acompl
nham as arterias, conduzindo o sangue em sentido opposto, dizem.se satellites
t'ellas. São geralmente duas, uma de cada lado da arteria ; quando a veia sa
dellite é uma só, está sempre mais superficial do que a arteria.
50 BIBLIOTHECA DO POVO

dos os orgãos para lhes levarem o liquido nutritivo. Estas ul


timas ramificações das arterias têem o nome de vasos capilla
res, por serem tão microscopicas as suas dimensões que se
compararam ás de um cabello. Depois de um trajecto mais ou
menos longo no amago dos tecidos, os vasos capillares reu
nem-se e dão origem ás veias, de modo que os dois systemas
- arterial e venoso -- communicam -se por intermedio d'aquel
les vasos .
Vasos lymphaticos.- Dá-se este nome a vasos transparen
tes, munidos de valvulas, contendo lympha ou chylo, que atra.
vessam pequenos orgãos arredondados,em forma de glandu
las, e chamados ganglios lymphaticos. Estes vasos vão todos
desimboccar no systema venoso, e têem origem em todos os
tecidos docorpo. No systema lymphatico, alêm dos vasos lym
pbaticos, distinguem -se tambem os vasos chyliferos, que nas
cem nas villosidades da mucosa intestinal, onde recebem o
chylo, producto da digestão. Os lymphaticos dos membros, os
das visceras e os do tronco , vão sempre abrir- se em centros
communs, que são os ganglios lymphaticos, cujas funcções são
por emquanto desconhecidas e que, reunidos em grupos ou
isolados, só existem em determinados sitios, e principalmente
na axilla, no pescoço , na prega da virilha, no mesenterio, no
mediastino. Os vasos lymphaticos transportam um liquido
transparente e incolor, denominado lympha ; os que a levam
aos ganglios chamam-se afferentes ; aquelles, pelos quaes ella
torna a sabir d'alli, dizem-se eff'erentes. Depois de maior ou
menor trajecto, todos os vasos lymphaticos vão confluir n'um
de dois canaes : os da metade direita da cabeça, do pescoço ,
do thorax, e da extremidade superior do mesmo lado, desim
boccam na grande veia lymphatica, que, depois de um breve
percurso, se abre no systema venoso, na confluencia das veias
jugulares com a sub- clavia direita ; - os outros vão terminar
no canal thoracico, que se extende desde o nivel da segunda
vertebra lombar até ir perder-se no systema venoso, na con.
fluencia das veias jugulares e sub-clavia esquerda.

Nevrologia

Definição . Systema nervoso . - Dá - se o nome de Nevrolo .


gia á parte da Anatomia, que estuda o systema nervoso, ou
o apparelho da innervação.
O systema nervoso, considerado no seu todo, compõe- se :
1.º, de um centro nervoso cephalo- rachidiano, constituido pelo
ANATOMIA HUMANA 51

encephalo e pela medulla espinal, e contido na cavidade cra


neana e no canal formado pelas vertebras sobrepostas (par
tes estas que constituem um todo continuo, e são reunidas
entre si por diversos prolongamentos das meninges) ; 2.°, de
uma parte peripherica , constituida por um grande numero de
filetes nervosos, que vão distribuir -se em todas as regiões do
corpo, e dos quaes uns (os nervos sensitivos) presidem ás
funcções da sensibilidade, outros ( os nervos motores ) pre
sidem aos movimentos, e outros presidem ás funcções dos
orgãos da vida vegetativa e constituem o systema do grande
sympathico.
Meninges. - 0 centro nervoso cephalo -rachidiano é prote
gido por tres membranas, conhecidas pelo nome generico de
meninges, e que são, começando de fóra para dentro : 1.a a
dura -mater, fibrosa, muito resistente, constituindo o involu
cro mais externo do eixo cerebro-espinal , e dividida em dura-
mater craneana e dura -mater rachidiana ; 2.a a arachnoidea,
membrana serosa, dividida tambem em porção craneana e
porção rachidiana, e constituida (como todas as serosas) por
dois folhetos (um parietal, em contacto com as paredes do
craneo e canal vertebral, e outro visceral, em contacto com
os centros nervosos) ; 3.a a pia -mater ,essencialmente vascular
e na qual se incontram todos os vasos que se ramificam no
eixo cerebro-espinal.
Encephalo ( fig.20).— E' a porção do centro ou eixo cephalo
rachidiano contida na cavidade do craneo. E ' dividido em
tres partes distinctas, que são : o cerebro, o cerebello e o bol
bo rachidiano.
CEREBRO V V MM ( fig. 20).- O cerebro, que os physiolo.
gistas modernos consideram como um aggregado de orgãos,
e que se tem como a séde dos instinctos, das faculdades intel.
lectuaes, e das sensações, occupa toda a região anterior e a
maior parte da posterior da cavidade do craneo. A sua face
superior apresenta uma forma ovular e divide-se, no sentido
antero -posterior, em duas partes eguaes e symetricas, impro
priamente denominadas hemispherios cerebraes, e que antes
deveriam chamar- se lóbos cerebraes. Um sulco profundo esta
belece superiormente a divisão entre os dois hemispherios ;
inferiormente são estes entre si unidos. A faixa fibrosa que
os une tem o nome de corpo calloso. Nos lados da linha me
diana a superficie inferior do cerebro é dividida em tres ló
bulos, que são,de deante para traz : 1.° o lóbulo anterior
( V V , fig . 20), plano, triangular, cavado por um rego desti
nado aos nervos olfactivos; 2.° o lóbulo mediano (M M , fig. 20 ),
52 BIBLIOTHECA DO POVO

mais saliente, arredondado, occupando as fossas mediana e


lateral da base do craneo ; 3.º o lóbulo posterior, separado do
anterior por uma leve excavação, e que na fig 20 está occul.
to pelo cerebello sobre o qual se apoia. Os lóbulos anterior e
mediano são separados por uma depressão obliqua, com in .
clinação de fóra para dentro, que se chama fenda de Sylvius
(ff, fig. 20 ).
A superficie de cada um dos dois hemispherios apresenta
um grande numero de eminencias denominadas circumvolu.
ções, separadas umas das outras por sulcos sinuosos ou anfra
ctuosidades. No interior de cada hemispherio ha uma cavida
de (mais ou menos cheia de serosidade), a que se dá o nome
de ventriculo lateral. Alêm dos dois ventriculos lateraes, ha
ainda no cerebro mais tres pequenas cavidades, que egual
mente se denominam ventriculos.
A massa nervosa que constitue o cerebro é formada por
duas substancias : substancia branca e substancia cinzenta .
A primeira occupa de preferencia o exterior do orgão ; a
segunda incontra -se especialmente no seu interior (como in
dica a fig. 21, em que está representada uma secção trans ,
versal do cerebro no sentido supero-inferior).
Na face inferior do encephalo, correspondendo ao meio da
base do craneo, entre o cerebro e o cerebello, ha uma emi
nencia um pouco convexa, que se denomina protuberancia ce
rebral ou annular (B, fig. 20). Tem ella quatro prolongamen
tos, que são: os prolongamentos anteriores ou cerebraes(n, fig .
20), que se dirigem para deante e para cima a confundirem -se
com a substancia do chiasma dos nervos opticos (2,2, fig. 20),
d'onde tiram origem os nervos opticos ; os prolongamentospos
teriores ou cerebellosos, que sedirigem para traz e para baixo,
a perderem -se nos hemispherios do cerebello.
CEREBELLO.– O cerebello, que tem por funcção presidir á
coordenação dos movimentos voluntarios, está situado na par
te posterior da caixa craneana, subjacente ao craneo . E' tam .
bem, como o cerebro, constituido por duas metades divididas
no sentido antero-posterior e, tambem impropriamente, deno
ininadas hemispherios do cerebello ; a divisão d'estes apresen
ta-se, porém , extremamente menos pronunciada do que a dos
hemispherios cerebraes, por não haver entre elles, como nos
do cerebro, um sulco profundo a separál - os. Alêm d'estes dois
lóbos ha um outro mediano , que os une.
O cerebello é tambem formado de substancia branca,
cercada por substancia cinzenta ; acham-se, comtudo, estas
dispostaspor forma, que uma secção transversal da massa do
ANATOMIA HUMANA 53

orgão mostra
substancia
branca distri
buida em ra
mificações
atravez da cin
zenta, a modo
de uma rami
ficação de ar
vore ; d'aqui
provêm o nome
de arvore da M
vida, dado a
tal disposição.
BOLBO RA

CHIDIANO ( OO,
fig. 20 ), — E'á
porção bulbo
sa de massa
encephalica ,
immediata
mente situada
por baixo do Fig. 20 – Encephalo observado pela sua face inferior
cerebello, a
qual superior
mente corresponde á juncção d'este com o cerebro e que in.
feriormente se continúa com a medulla espinal, da qual con
stitue um prolonga
mento. Na fig. 20
está representada
por a a secção do
bolbo no ponto em
que este se conti .
núa com a medulla
} espinal .
Medulla espinal.
- E' um longo cor
dão de substancia
nervosa , que ter
mina superiormen
te no bolbo rachi
diano, e occupa to Fig. 21
do o comprimento
do canal rachidiano , desde a cabeça até a bacia , terminando
54 BIBLIOTHECA DO POVO

inferiormente por um desdobramento em ansas nervosas, que


se chama cauda equina. No seu longo trajecto dá origem a
numerosos pares de nervos.
Do mesmo modo que o cerebro e o cerebello, a medulla es
pinal apresenta substancia branca e substancia cinzenta; mas
à substancia cinzenta, que n'aquelles dois orgãos occupa a
peripheria, na medulla espinal existe no centro.
Nervos . - Os nervos são cordões esbranquiçados, constitui .
dos por filamentos medullares que, nascendo do eixo cephalo
rachidiano, terminam nos orgãos em que se distribuem . Co
meçam geralmente por cordões volumosos que pouco a pouco
be dividem e subdividern , diminuindo em diametro, até aca
barem por ter as proporções de filetes capillares. A's vezes
anastomosam- se e reunem -se uns aos outros, formando redes,
a que se chama plexos. No seu trajecto os nervos apresentam
muitas vezes ingrossamentos, a que se chama ganglios.
Os nervos pertencentes ao systema da vida derelação di.
videm - se em : craneanos e espinaes (ou rachidianos ), segundo
nascem do encephalo ou da medulla. Os primeiros , em nume
ro de vinte e quatro (doze de cada lado), formam doze pares,
que são: — 1.° par, o nervo olfactivo, que preside ao sentido
do olfacto; -2.º, o optico, que preside á visão ; —3.º, o motor
ocular commum ; -4.º, o pathetico; – 5.°, o trigemeo ou trifa .
cial; – 6.º, o motor ocular externo; -7.º, o facial;—8.°, o au
ditivo ou acustico; — 9.º, o glo880- pharyngin;-10. , o pneumo
gastrico; - 11.,11.º, o espinal;-12.0, o grande-hypoglosso. Estes
nervos nascem todos da parte inferior do encephalo, e as ori
gens de alguns d'elles vêem -se representadas na fig. 20 (em 1,
2, 3, 4, 5, 6 , 7, 8, 9, 10 e 11). [Em 1 e 1 estão representados os
nervos olfactivos ; em 2 e 2 os opticos, nascendo do chamado
chiasma dos nervos opticos.] Os nervos rachidianos em numero
de31 pares, nascem lateralmente da medulla espinal.
Systema do grande sympathico . - 0 systema nervoso da
vida organica, tambem chamado systema nervoso ganglionar,
é constituido pelo grande sympathico, duplo cordão nervoso
situado aos lados da columna vertebral , e que apresenta ao
longo du seu comprimento uma serie de ganglios. Todos os
ramos que partem do grande sympathico se vão reunir ao
systema cerebro- espinal, por meio de ramificações secunda
rias .
Pode dizer-se que os nervos de origem cerebro -espinal se
distribuem principalmente nos orgãos da vida de relação, e
os do systema ganglionar nos orgãos da vida vegetativa.
ANATOMIA HUMANA 65

Esthesiologia

Definição.- Esthesiologia é a parte da Anatomia, que se


occupa dos orgãos dos sentidos. Os apparelhos que ella estu
da são em numero de cinco, correspondentes aos cinco senti
dos ( tacto,gosto, olfacto, visão e audição).
Apparelho do tacto.- No sentido do tacto, que nos dá co
nhecimento do contacto dos corpos exteriores, permittindo
nos apreciar as diversas qualidades da sua superficie, a sua
grandeza, forma, consistencia, temperatura, etc., deve distin
guir -se: a sensibilidade tactil e o tacto propriamente dito. A
primeira reside em todos os orgãos e mais particularmente
na superficie da pelle e das membranas mucosas. O segundo
reside especialmente na mão, e sobretudo na face palmar
d'este orgão, assim como nas extremidades dos respectivos
dedos (partes em que se distribuem ,com a maxima profusão,
as papillas nervosas). O tacto, considerado de um modo ge
ral, tem por séde principal a pelle.
PELLE.-E' uma membranategumentar que reveste toda &
face exterior do corpo. Perfurada ao nivel dos olhos, das
ventas ou narinas, dos ouvidos, da bócca, etc., continúa-se
abi com as membranas mucosas, que forram as cavidades in
teriores. A pelle é constituida por tres camadas sobrepostas,
intimamente unidas e que são, de dentro para fóra : a derme
ou chorion, o corpo mucoso e a epiderme. Aderme é a camada
mais espessa da pelle ; é formada por filamentos estreita
· mente delgados, entrelaçados em todos os sentidos e forman
do um tecido compacto, atravez do qual passam vasos e file
tes nervosos. A sua superficie externa tem pequenas eminen
cias avermelhadas (as papillas da pelle). O corpo mucoso é for
mado pela reunião dos filetes nervosos, e dos vasos sangui
neos e lymphaticos, que vão expandir-se na superficie das
papillas ; a sua trama é constituida por cellulas, que con
têem a materia corante ou pigmento, a que é devida a côr
da pelle, variavel nas differentes raças e nos differentes indi.
viduos. A epiderme é a camada mais superficial; é densa, im
permeavel, semi-transparente, insensivel, e formada por cel
Iulas mais ou menos achatadas ; serve para proteger as cama
das subjacentes. Na sua superficie ha um grande numero de
pequenos orificios, aberturas exteriores de canaes excreto
res extremamente finos pelos quaes tem sahida o suor , se
gregado pelas glandulas sudoriparas, alojadas na espessura
56 BIBLIOTHECA DO POVO

da derme. Na pelle ha ainda : os cabellos ou pêlos, productos


de natureza epidermica, segregados por uns orgãos especiaes,
que se denominam bolbos pilosos ; e as unhas, producções ana
logas aos pêlos, constituidas por laminas duras e elasticas .
Apparelho do gosto.-0 sentido do gôsto tem por sede
principal a lingua, que é um orgão carnoso e muito movel ,
formado de fibras musculares entrelaçadas em diversos sen
tidos, ligado pela base á parte mais posterior e profunda da
bócca e livre na sua porção anterior. A lingua é revestida de
uma membrana mucosa muito vascular, que apresenta um
grande numero de eminencias, denominadas papillas. O ner
vo especial do gôsto é o chamado nervo de Wrisberg, como
foi modernamentedemonstrado pelo sr.Manuel Bento de Sou
8a , professor da Escola Medico Cirurgica de Lisboa.
Apparelho do olfacto.- 0 sentido do olfacto reside n'uma
membrana mucosa que forra as fossas nasaes e se denomina
membrana pituitaria. As fossas nasaes são duas cavidades os.
seas, abertas nas faces e separadas uma da outra por um se
pto mediano e vertical. Abrem- se anteriormente pelas ventas
ou narinas, e posteriormente communicam com a pharynge.
Napituitaria distribue-se o nervo olfactivo.
Apparelho da visão.- E ' constituido : - 1.º, pelo globo do
olho e pelo nervo optico ; -2.°, pelos orgãos accessorios, que
servem para proteger aquelle globo e para o mover.
O globo do olho tem forma espheroidal e é composto de di
versos involucros membranosos, e de meios transparentes, em
cuja espessura a luz se refrange. Os primeiros são, de dentro
para fóra : a esclerotica (membrana branca, opaca, de na
tureza fibrosa e muito resistente, com a forma de uma esphe
ra levemente comprimida de traz para deante, e continuando
se anteriormente com a córnea transparente, que é uma mem
brana circular muito espessa e similbante a um vidro de re
logio ); a choroidea (membrana vascular cuja face interna é
coberta por uma substancia negra, destinada a absorver to
dos os raios luminosos que são inuteis para a visão); --- a re
tina (membrana molle e esbranquiçada, formada pela expan
são das fibras do nervo optico, e destinada a receber as im
pressões luminosas). Os meios transparentes são : o humor
aquoso (liquido incolor, alojado entre a córnea transparente e
a face anterior do crystallino);--o crystallino (lente bi- con
vexa, transparente, formada de camadas concentricas, cuja
densidade e doreza vão crescendo da circumferencia para o
centro, involvida por uma membrana tambem transparente
chamada capsula do crystallino, apresentando muito maior
ANATOMIA HUMANA 57

convexidade na face posterior do que na anterior, collocada


verticalmente entre o humor aquoso e o humor vitreo) ; - o hu
mor vitreo ( liquido gelatinoso, diaphano, involvido n'uma
membrana tenuissima e transparente, da qual partem prolon
gamentos que dividem a cavidade do olho n'um grande nume
ro de cellulas ). A meio do espaço comprehendido entre a cór
nea transparente e o crystallino, ba um diaphragma circular
(chamado iris ), cujo centro é perfurado por um orificio deno
minado pupilla , que augmenta ou diminue de diametro, con
forme a intensidade da lus-que incide sobre o olho. A iris tem
cores diversas nos differentes individuos ; a pupilla é o que
em linguagem vulgar se chama menina - do olho.
O nervo optico , cuja expansão é a retina, sáe do craneo por
uma abertura situada no fundo da orbita, e atravessa de traz
para deante a esclerotica e a choroidéa.
As partes accessorias do apparelho visual são : -as orbitas
(cavidades osseas da face, destinadas a conterem os globos
oculares) ; -- as palpebras (forradas exteriormente pela pelle
e revestidas interiormente pela conjunctiva, membrana muco
8a que tambem reveste a parte anterior do globo do olho) ; -
as glandulas las aes (situadas na parte externa e supe
rior dos olhos, segregando as lagrimas, as quaes têem por
fim humedecer constantemente a conjunctiva e são depois
absorvidas e conduzidas para dentro do nariz pelos pontos la
crimaes e canaes lacrimaes );— musculos (que servem para
produzir os movimentos dos olhos) ; — emfim ,as celhas ou pes
tanas, e as sobrancelhas (que protegem os olhos contra a exag
gerada intensidade da luz e contra os corpusculos que voli
tam na atmosphera ).
Apparelho da audição.- Está em grande parte contido na
porção do osso temporal denominadarochedo. Distinguem-se
n'elle : o ouvido externo, o ouvido médio e o ouvido interno.
O ouvido externo é constituido pelo pavilhão da orelha (la
mina fibro-cartilaginosa elastica, que tem a forma de corneta
acustica) e pelo canal auditivo (que se segue áquelle e penetra
na espessura do 088o temporal). O ouvido médio ou caixa dotym
pano é uma cavidade de forma irregular, aberta na espes
sura do rochedo, separada do canal auditivo por uma mem
brana tenga chamada membrana do tympano, e tendo na face
opposta a esta membrana duas aberturas tapadas por septos
membranosos (e denominadas, em razão das respectivas fór.
mas, janella oval e janella redonda ), as quaes estabelecem a
communicação com o ouvido interno. ( No interior do ouvido
médio ha quatro pequeninos Ossos, chamados ossinhos do ou
58 BIBLIOTHECA DO POVO

vido, articulados entre si, por modo que formam uma peque
na cadeia, extendida transversalmente entre a membrana do
tympano e a janella oval. São : o martello, a bigorna, o 0880
lenticular e o estribo] . O ouvido interno, tambem chamado la
byrintho, está egualmente alojado na espessura do rochedo. E'
constituido por tres cavidades, que são : o vestibulo (o qual
communica de um lado, pela janella oval , com o ouvido médio ,
e do outro por uma pequena abertura com o caracol ;-08 ca
naes semi- circulares, tres pequenos tubos osseos, curvados em
semi-circulo, e situados por cima é por traz do vestibulo, no
qual se abrem ;- o caracol (cavidade contornada en espiral) ,
situado por deante e por baixo do vestibulo, e dividido inte
riormente em duas secções (a rampa externa, que se abre no
vestibulo, e a rampa interna , que termina na janella redonda).
O nervo que preside á audiçãoé o nervo auditivo ou acustico,
o qual se ramifica n'um liquido que enche o ouvido interno.

Esplanchnologia

Definição.- Esplanchnologia é a parte da Anatomia que


trata das visceras destinadas a elaborarem os principios pro
prios para a conservação do individuo, e dos orgãos destina
dos á reproducção da especie. Abrange o estudo doapparelho
digestivo, do respiratorio, e do genito-urinario.
Apparelho digestivo.- Este apparelho é constituido essen
cialmente por um longo tubo ( canal digestivo) com duas aber
turas para o exterior, das quaes a superior (bócca ) é destina
da á introducção dos alimentos, e a inferior (anus) serve para
a expulsão dos residuos. Figuram- lhe annexos diversos orgãos
(taes como as glandulas salivares, o figado, o pancreas), que
segregam liquidos especiaes, cuja acção sobre os alimentos
faz com que estes fiquem absorviveis.
CANAL DIGESTIVO.- Consta de seis partes, a saber :
1.• Bôcca.— E' uma cavidade ovular, comprehendida no in
tervallo das duas maxillas, e limitada : adeante, pelos labios ;
em cima, pelo paladar osseo ou abobada palatina (d, fig. 22) ;
em baixo, pela lingua ; lateralmente, pelas bochechas;atraz,
por um véu membranoso chamado véu do paladarou paladar
movel (bf, bf, fig. 22). Este véu, que tem o seu bordo infe
rior adherente ao bordo posterior da abobada palatina, temo
inferior livre e apresentando na linha mediana um prolonga
mento (a) que se denomina uvula (vulgarmente campainha ).
De cada um dos lados d'esta partem duas pregas : uma ante
ΑΝΑΤΟΜΑ Η ΜΑΝΑ 59

rior -- pilar anterior (b),


- que se dirige para fó
ra , para deante e para
baixo ; outra posterior
pilar posterior ( f), - que
se dirige obliquamente
para baixo, para fóra e
para traz, terminando nos
Tados da pharynge. Infe
riormente ha de cada la.
do, entre os dois pilares,
um agrupamento de fol
liculos mucosos, denomi.
nado amygdala (c).
2.• Pharynge. — E ' um
canal musculo -membra .
DOSO e infundibuliforme,
que vai desde a base do
craneo até ao meio do
pescoço , onde se continúa
F .: 22
com o esophago. Commu
nica em cima e adeante com as fosgas nasaes e com a bocca.

k k

K
K

Fig. 89 - Estomago com as duas extremidades atadas ( oomo se usa fazer


Das proparaçdos anatomicas, pretendendo -so resguardar os contentos do orgia)
60 BIBLIOTH DO POVO
ECA

3.° Esophago. E' um tubo cylindrico, que se extende des


de a pharynge até ao estomago, onde termina depois de ter
atravessado o diaphragma.
4º Estomago ( fig. 23).- E' o orgão principal da digestão.
Tem a forma de um sacco membranoso, e está situado trans
versalmente na parte superior do abdomen, por baixo do dia
phragma ; continua -se de um lado com o esophago pelo orificio
chamado cardia (8), e do outro lado com a primeira porção
do intestino delgado por outro orificio, que tem o nome de PY
loro (q). O estomago é incurvado sobre si mesmo e apresen
ta a forma de um folle de gaita. O seu bordo superior é con
cavo e curto ( k, k, 9) ; o inferior, chamado grande curvatura
do estomago, é longo e convexo (L, L ', K , K , K ). Este bordo
apresenta na sua parte esquerda uma saliencia consideravel ,
chamada grande tuberosidade do estomago (g) . O estomago é
constituido por tres tunicas, que são de fóra para dentro : uma
serosa , uma muscular, e outra mucosa .
5.° Intestino delgado.- E ' a parte mais comprida do canal
digestivo . O seu começo está representado em 2 , Z ( fig. 23).
Tem a forma de um longo tubo delgado, extendido desde o
estomago até ao intestino grosso, e incurvado um grande nu
mero de vezes sobre si mesmo. Os anatomicos dividem-n'o em
tres porções : duodeno, jejuno e ileon. E' constituido por tres
tunicas ( serosa , muscular e mucosa).
6.• Intestino grosso.- Segue -se ao intestino delgado. E'
constituido por tres tunicas analogas ás d'aquelle, e dividido
em tres porções ( cego, colon e recto). O recto termina inferior
mente o tubo digestivo e abre- se para o exterior pelo anus.
GLANDULAS SALIVARES.- Formadas por pequenas granula.
ções, agglomeradas e reunidas em lóbos irregulares,são em
numero de seis, dispostas em tres pares, e collocadas syme
tricamente de um e outro lado da bocca, a saber : as duas pa
rotidas; as duas sub -maxillares ; e as duas sub -linguaes. Cada
uma d'estas glandulas communica com a cavidade da bocca,
onde derrama a saliva que produz, por meio de um canaliculo
(ducto salivar ).
FIGADO.- É' o orgão secretor da bilis, e está situado na
parte direita e superior do abdomen . E' a mais volumosa de
todas as glandulas do corpo. E' impar, não symetrico, de for
ma irregular; apresenta uma face superior, que é convexa, e
uma inferior, que é concava. O seu tecido é duro, friavel, de
côr verınelho escura, e parece constituido por um numero
infindo de pequenas granulações solidas, nas quaes terminam
vasos sanguineos , e d'onde nascem as radiculas dos ductos
ANATOMIA HUMANA 61

exteriores da bilis. Estes ductos reunem -se em ramos , cada


vez mais volumosos, para formarem um canal, chamado canal
hepatico, o qual sai do figado pela face inferior d'este e vai
abrir-se no duodeno. Este canal, antes da sua terminação,
communica com um pequeno sacco membranoso, chamado ve
sicula do fel, e que serve de reservatorio da bilis.
PANCREAS. - E ' uma glandula transversalmente situada en
tre o estomago e a columna vertebral; o seu tecido tem a ma
xima analogia com o das glandulas salivares ; segrega um li
quido ( succo pancreatico ).
Apparelho respiratorio . - apparelho respiratorio com
põe -se especialmente de: - 1.º a larynge; 2.o a trachéa ; 3.°
os bronchios; 4.° os pulmões .
LARYNGB (fig. 24 e 25 ).- E ' uma cavidade de paredes car.

Fig. 24 - Larynge (vista de frente ) Fig. 25 - Larynge (vista de lado)

tilagineo-membranosas, aberta superiormente na pharynge e


communicando inferiormente com a trachéa. Na sua forma .
ção entram quatro cartilagens: a thyroidea (b, b, fig. 24 e 25),
em fórma de escudete, situada na parte anterior e apresen
tando uma saliencia notavel — principalmente no sexo mag
culino- á qual se chama nó-da garganta ou maçan de Adão ;
a cricoideu (a, a), disposta em forma de annel na parte infe .
62 BIBLIOTHECA DO POVO
ܼ‫ܚܵܢܕ‬
tior as duas arythenoidéas, situadas posteriormente e repre
sentando duas pequenas pyramides, cuja base se articula com
a cricoidea . Da base das arythenoideas partem ligamentos,
dois de cada lado, que se inserem na thyroidéa, e constituem
as chamadas cordas vocaes (distinctas em superiores e inferio.
res ). O intervallo que separa as cordas vocaes chama-se glot
te. Adaptada ao orificio superior da larynge ha uma valvula
cartilaginosa, denominada epiglotte (d ), que selevanta e abai
e
xa, tornando alternadament effecti
va ou interrupta a communicação en
tre a larynge e - a pharynge.
an
TRACHÉA.- Tambem chamada tra .
chéa-arteria ( fig. 26), é um largo tu
bo cylindrico, constituido por uma
serie de anneis cartilagineos (r) uni
dos entre si e completados por uma
membrana fibrosa, Constituindo su
periormente o prolongamento da la
rynge, divide-se inferiormente em
dois ramos (os bronchios).
BRONCHIOS.- Os dois ramos, em que
inferiormente termina a trachéa, en
tram nos pulmões , dividindo - se e
sub -dividindo - se em ramificações,
que vão sendo cada vez mais delga
das té rematar em pequeninas cavi
dades chamadas vesiculas pulmona
res . Chama - se bronchios ao conjuncto
dos dois grossos troncos e suas pri.
meiras ramificações.
Pulmões ( fig. 18 e 19).— Occupam ,
juntamente com o coração, a cavida
de thoracica. São dois orgãos de pa
renchyma esponjoso ( formado pelas
‫ר‬‫אמי‬
vesiculas pulmonares, em cujas pare
‫יעת‬ des se distribuem os capillares san
guineos ). Externamente forrados pe
Fig. 26– Trachéa, com a car- lo folheto interno da pleura (serosa,
riormente e a origem dos cujo folheto externo reveste interna
bronchios inferiormente mente a caixa thoracica ) , os pul .
mões (ou bofes) fazem lembrar dois
cónes irregulares (de vertice para cima e base para baixo). O
pulmão direito divide-se em tres lóbos, e o esquerdo ein dois.
Apparelho genito-urinario .-- Este apparelho é constituido
ANATOMIA HUMANA 68

pelos orgãos que servem para a secreção e excreção da urina


e pelos que servem para a conservação da especie. 1

Os orgãos secretores
da urina denominam - se
rins ( fig. 27) e estão col
locados por traz dos in
testinos, em numero de
dois, um de cada lado
das vertebras lombares.
Os rins são orgãos glan hi
dulares. A sua fórma é
similhante á do feijão ;
a sua substancia, de côr
vermelho- escura. Na pe
ripheria são constituidos
por um grande numero
de pequeninos tubos ag .
glomerados, e dirigidos
para o centro do orgão,
formando a substancia
cortical dos rinsip, p, p ) .
Estes tubos, tornando-se
rectilineos e reunindo -se
uns aos outros, formam
um certo numero de fei.
xes ou pyramides (k, k, k), Fig. 27
cujos vertices convergen
tes vão terminar em pequenas cavidades denominadas calices.
Os feixes formam um conjuncto , a que se chama substancia
tubulosa (ou medullar) dos rins. Os calices reunem -se todos
n'um sacco membranoso denominado bacinete (B), o qual se
continúa com um canal bastante longo (h) , canal que tem o
nome de uretér e se vai abrir na bexiga.
A bexiga é um reservatorio, de forma arredondada, e con
stituido por tres membranas que são, de fóra para dentro,
uma serosa, outra muscular e outra mucosa. Está situada na
parte inferior e anterior do abdomen. D'ella é a urina expel
lida para o exterior pelo canal da urethra.
Annexos aos orgãos da excreção urinaria existem os orgãos
destinados á prolificação.
FIM
Casa editora de DAVID CORAZZI , Lisboa, Ruada Atalaya, 40 a 52
PROPAGANDA DE INSTRUCÇÃO PARA PORTUGUEZES E BRAZILEIROS
BIBLIOTHECA DO POVO E DAS ESCOLAS
PUBLICA - SE NOS DIAS 10 E 25 DE CADA MEZ
REIS BÉIS
Esta publicação , notavel pela sua fabulo
50, CADA
VOLUME
sa barateza , tem a dupla vantagem de
propagar a instrucção geral e incitar ao es-
tudo as classes escolasticas e populares.
CADA
VOLUME -50
Destina-se a formar em Bibliotheca economica uma verdadeira encyclopedia de
conhecimentos humanos,um curioso repositorio onde os indoutos possam apprender e os
doutos se não infastiem de recordar.
VOLUMES PUBLICADOS :
1. Serie. N.º 1 , Historia de Portugal. N.° 2, Geographia geral, N.° 3, Mytholo :
gia . N.° 4, Introducção ás sciencias physico -naturaes. N. ° 5, Arithmetica pratica. N.º
6, Zoologia. N. ° 7 , Chorographia de Portugal. N.° 8, Physica elementar.- 2.a Serie.
N.° 9, Botanica. N.° 10, Astronomia popular. N.° 11 , Desenho linear. N.° 12, Economia
politica. N.° 13, Agricultura. N.° 14, Algebra elementar. N.°15, Mammiferos. N.° 16, Hy.
giene . - 3.4 Serie . N. ° 17 , Principios geraes de Chimica. N.° 18, Noções geraes de Ju.
risprudencia. N.°19, Manual do fabricante de vernizes. N.° 20, Telegraphia electrica. N.º
21, Geometria plana. N. ° 22 , A Terra e os Mares . N.° 23, Acustica . N.° 24, Gymnas
tica . - 4.4 Serie. N. ° 25, As colonias portuguezas. N.° 26 , Noções de Musica. N.º 27 ,
Chimica inorganica. N.° 26, Centuria de celebridades femininas. N.º 29, Mineralogia .
N.° 30, O Marquez de Pombal. N.° 31 , Geologia. N.° 32, Codigo Civil Portuguez.- 5.1
Serié. N.° 33, Historia natural das aves. N. ° 34, Meteorologia .N.° 35, Chorographia
do Brazil.— N.o 36, O Homem na serie animal.- N.° 37, Tactica e armas de guerra.
N.° 38, Direito Romano . - N.º 39, Chimica organica . - N.° 40, Grammatica Portugueza.
-6 . Serie. N. ° 41 , Escripturação Commercial. N.° 42, Anatomia Humana.
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Geometria no espaço . Mechanica . Electricidade. Keptis. Peixes. Insectos. O livro
das creanças. Historia universal. Historia sagrada. Historia doBrazil. Historia da In
quisição. A Inquisição em Portugal. O descobrimento do Brasil. Physiologia. Biologia,
Methodos de francez, de inglez, etc. Usos e costumes dos Romanos. Litteratura portu
gueza. Litteratura brazileira . Invenções e descobertas. Artes e industrias.
OS DICCIONARIOS DO POVO
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tendo os srs. assignantes , aos fascioulos , a vantagem de só dispenderem
50 RÉIS DE QUINZE EM QUINZE DIAS
Esta collecção, a par da publicação da Bibliotheca do Povo e das Escolas, constitue um ver
dadeiro thesouro de sciencia, e considerar - se -hão ricosde saber todos os que quizerem pos
suir estas -se
Publica duasnoscollecções folheal-as
dias 5 e 20e de cada mezde
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de 64 paginas pelo menos , typo miudo
mas legivel, bom papel, impressão nitida, edição estereotypada ,pelo preço de 50 réis.
Em publicação: DICCIONARIO DA LINGUA PORTUGUEZA
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Lisboa ao editor DAVID CORAZZI, Rua da Atalaya, 40 a 52 , e no Rio de Janeiro
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Portuguezes e Brazileiros

BIBLIOTHECA DO Povo
E DAS ESCOLAS

CADA VOLUME 50 RÉIS

GEOMETRIA NO

OLU
ESPAÇO
A

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ILLUSTRADA COM 67 GRAVURAS

50 SEGUNDO ANNO - SEXTA SERIE 50


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Cada volume abrange 64 paginas, decomposi
ção cheia, edição estereotypada , - e forma um
tratado elementar completo n'algum ramo de
sciencias , artes ou industrias, um florilegio lit
terario, ou um aggregado de conhecimentos
uteis é indispensaveis, expostos por forma
succinta e concisa, mas clara, despretenciosa,
popular, aoalcance de todas as intelligencias.

1882
DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS

Premiada com medalha de ouro na Exposição do Rio de Janeiro


Administração : 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa
Filial no Brazil : 40, R. da Quitanda, Rio de Janeiro

Me NUMERO M
43
INDICE

345B 以 红红出处 约
Introducção 3
Definições preliminares..
Dos planos e das linhas relativamente aos planos 5
Angulos diedros.....
Angulos solidos .
Polyedros . 21
Polyedros eguaes.. 29
Polyedros similhantes .... 31
Superficies curvas e solidos redondos 33
Angulos esphericos .... 44
Triangulos esphericos.. 46
Polyedros inscriptos e circumscriptos á pyramide conica,
ao cylindro e á esphera .. 48

8%
Areas e volumes .... 52

ERRATAS

Pag . Linha Onde se lê Leis -80


16 21 CL OM CLOM М
30 10 SA com S A SA com S A
31 5 um face uma face
> 13 ãos são
7 ab, cd, cd, de ab, bc, cd, de
40 ultima neupbm nenhum
GEOMETRIA NO ESPAÇO

INTRODUCÇÃO

A Geometria, caminhando a par das sublimes conquistas


do seculo que atravessamos, vae dia a dia rasgando novos ho
rizontes, firmando novos periodos de revolução, de ingrande
cimento e de gloria. Esta sciencia que teve, podemos dizer, o
Egypto por berço, firmada em principios puramente practicos,
tem desde o phénicio Thales seguidamente a Platão, e d'este
até aos nossos dias, inriquecido a sua historia com os nomes
de laboriosos e dedicados trabalhadores.
A Geometria moderna principia o seu reinado no meiado
do seculo xvi, marcando esta epocha um periodo brilhante na
historia d'esta sciencia ; tem ella explicado muitos principios
que as escolas da antiguidade ignoravam .
A Geometria analytica , a Geometria descriptiva, creada
por Monge, são periodos brilhantes da Geometria moderna.
Esta sciencia representa no gremio dos conhecimentos huma
nos um importantissimo logar; é uma pagina sublime da lit
teratura mathematica.
Euclides, Archimedes e Apollonio (natural do Egypto), fo
ram os vultos que entre as nações antigas mais ingrandece
ram a Geometria ; crearam os seus alicerces, derramaram os
principios, que successivamente cuidados, brilhantemente se
reflectem das phases variadas e bellas de tão bella sciencia.
4 BIBLIOTHECA DO POVO

Abrange esta sciencia um vasto campo de especialidades ;


trataremos, porém , da Geometria elementar.
A Geometria elementar comprehende duas partes : Geome
tria plana e Geometria no espaço .
A Geometria plana tem por objecto o estudo das figuras
que apresentam todos os pontos no mesmo plano ; a Geome
tria no espaço estuda as propriedades das figuras que não es
tão n'ummesmo plano.
Estudada, como ficou já, a Geometriaplana, novol. XXI
da Bibliotheca do Povo e das Escolas,-chegado é o ensejo de
no presente volume tratarmos da Geometria no espaço (para
cuja intelligencia, aliás, indispensavel se torna o conhecimen
to das materias apresentadas no supra-citado volume XXI
da collecção ).
Esta parte da Geometria elementar procurámos tratal -a com
toda a clareza, desbravando o caminho, tornando -o suave e
ameno quanto possivel ; e, perfeitamente na indole do nosso
programma , vão os principios desinvolvidos ao alcance de to
das as intelligencias.
DEFINIÇÕES PRELIMINARES
1. Geometria .-- Pela palavra Geometria , derivada de dois
vocabulos gregos (gê, terra, e metron, medida ), designa-se a
sciencia que trata da extensão.
2. Extensão é qualquer porção limitada do espaço. Ex
tensão de um corpo é a porção do espaço occupada por esse
corpo .
Corpo ou volume é uma extensão com tres dimensões: com
primento, largura e altura, espessura ou profundidade.
Superficie é uma extensão com duas dimensões : compri
mento e largura, ou o limite exterior dos corpos.
Linha é uma extensão com uma só dimensão : comprimen
to,ou o limite de uma superficie.
Ponto é o logar da extensão que se considera sem dimen
são, ou o limite de uma linha .
3. Um ponto, movendo-se no espaço, gera uma linha; uma
linha, movendo- se, gera uma superficie; e uma superficie, mo
vendo - se, gera um volume.
4. Distinguem -se tres especies de linhas ( linha recta, li
nha curva, e linha quebrada ou polygonal) assim como tres
especies de superficies (superficie plana ou simplesmente pla
no, superficie ourva, e superficie quebrada ou polyedrica) .
GEOMETRIA NO ESPAÇO 5

5. Figura se chama em Geometria a todo o espaço termi.


nado por uma ou mais linhas, por uma ou mais superficies.
Dá- se o nome de theorema a uma proposição que precisą,
ser demonstrada; corollario a uma consequencia de um theo
rema ; problema é uma applicação de um theorema. Os pro
blemas dizem- se numericos, quando na sua resolução se em
pregam numeros ; dizem -se graphicos, quando se empregam
linhas.
Axioma é uma verdade por si mesma evidente, isto é, que
não precisa ser demonstrada.
DOS PLANOS E DAS LINHAS
RELATIVAMENTE AOS PLANOS

6. Os planos devem ser considerados indefinidamente ex


tensos ; porém , serão representados por um quadrilatero para
assim melhor auxiliar o nosso estudo.
7. Uma recta é perpendicular sobre um plano, quando é
perpendicular a duas rectas existentes no plano, passando
pelo pé da perpendicular.
Assim a recta AB ( fig. 1)
é perpendicular ao plano;
o ponto B de intersecção
da recta com o plano é o
pé da perpendicular. Re
ciprocamente o plano é
perpendicular á recta.
Toda aquella recta AB
que incontra um plano e
não lhe é perpendicular, B
diz-se obliqua ; e recipro
camente o plano é obli
quo sobre a recta .
8. Duas rectas paralle Fig . 1
las entre si determinam um
plano. Com effeito, sabendo que tres pontos não em linha re
cta determinam um plano, se tomarmos dois pontos em uma
das rectas e um na outra recta , temos determinado o plano .
9. Por um ponto dado no espaço pode-se conduzir só uma
parallela a uma recta , porque, tomando dois pontos na recta
dada e o ponto no espaço, temos determinado o plano, e por es
te podemos conduzir uma parallela á recta. Qualquer outra
recta tirada pelo ponto não pode ser parallela á recta dada,
6 BIBLIOTHECA DO POVO

porque, n'esse caso, haveria dois planos differentes pagsanilo


pelo ponto e pela recta dada, o que é impossivel. Temos,
pois, que um plano fica tambem determinado por duas rectas
concorrentes ou parallelas, ou por uma recta e um ponto da
do fóra .
10. Duas rectas no espaço, e que prolongadas não se in .
contram , são parallelas, quando estão n'um mesmo plano.
11. Uma recta que, por mais que se prolongue, não incon.
tra um plano, é parallela a esse plano, e reciprocamente, o
plano é parallelo à recta .

Fig. 2 Fig. 3

12. Uma recta é parallela a um plano quando éparallela a


outra recta existente n’esse plano. Seja a recta AB ( fig. 2), pa
rallela á recta C D que existe sobre o plano. As duas rectas
estão no plano ABCD ; se prolongassemos A B e se esta re
cta incontrasse o plano MN, havia no mesmo ponto de in
contrar a sua parallela CD, o que é absurdo ; portanto a re
cta A B é parallela ao plano.
13. Uma linha recta diz-se vertical quando segue a direc
ção do fio de prumo. Um corpo pezado P ( fig. 3), suspenso
por um fio , constitue o fio de promo.
14. Todo o plano que passa por uma linha vertical ( fig. 4),
chama-se plano vertical; linha e plano horizontal são a recta
e o plano perpendiculares á vertical.
15. Toda a recta que é perpendicular a duas outras rectas
existentes n'um plano ,e tambemperpendicular a qualquer outra
recta conduzida no plano pela intersecção das duas primeiras.
Seja MN oplano ( fig. 5), e A B a recta perpendicular ás
duas C De EF; queremos demonstrar que a B é perpendi.
cular a qualquer recta G H conduzida no plano pelo mesmo
ponto B. Nas rectas C D e E F faça -se B D egual a B Fe
GEOMETRIA NO ESPAÇO 7

una- se o ponto A com De Fe este


ponto com D ; teremos, pois, visto
serem eguaes os triangulos rectan
gulos A B D E ABF , A D egual
a AF ; dividindo ao meio DP pe
lo ponto L e unindo este ponto
com A e B, temos que AL 2 BL
são perpendiculares a D F. Sabe
mos que, em um triangulo rectan
gulo, o quadrado da hypothenusa
é egual á somma dos quadrados dos
cathetos; temos, pois, nos triangu
los rectangulos A B D e ALD
A D2 = A B2 + B D2
e A D2 AL2 + L D2
ou A B2 + BD2 AI2 + L D2
e BD2-1 D = AL - AB2(a );
no triangulo rectangulo BLD te
mos do mesmo modo
BD2 = BI2 + 1 D2
ou BD2 - LDP . B [ ?
d'onde tiramos pela egualdade ( a)
B Il = AI2 A B2 Fig. 4
ou A L2 = B I2 + A B2
istoé, o triangulo A B L é rectangulo. Conduzindo no plano
MNpelo ponto de intersecção das rectas C De EF a recta
até incontrar no ponto H a recta que passa pelos pon .
GH
tos Fe D , e unindo esse ponto com A, temos no triangulo
rectangulo ALH
A H2 = AL2 + L H2(6 )
em ABL
AL = A B2 + B L (C)
e em BLH
BH2 = BI2 + LH2
ou L H2 = B H2 B L2 ( d )
Substituindo na egualdade,( b) em logar de A LeLHO
determinado nas egualdades ( c) e ( d ), temos A H2 AB2
+ BH , o que prova que o angulo AB H é recto, isto é, que
A B é perpendicular a GH, como queriamos demonstrar.
16. Tres rectas perpendicutares à outra recta n'um mesmo
8 BIBLIOTHECA DO POVO

ponto , estão todas em um mesmo piano. Seja a recta AB ( fig .


5), á qual são perpendiculares as rectas B E , B C e BG no
ponto B. Sabemos (7 ) (*) que as rectas B E B G determi.
nam um plano perpendicular a A B , e existirá tambem n'esse
plano a recta B C, porque então B P ( intersecção do plano
ABC com o determinado pelas rectas B E B G ) seria per
pendicular á recta A B no ponto B, pelo que acima acabamos
de demonstrar, concluindo que no plano determinado pelas
rectas BE e BG haveria duas perpendiculares B Pe BC
tiradas de um mesmo ponto, á recta AB, o que é absurdo.
Portanto, temos demonstrado o theorena, provando que as re
ctas B E , B C e B G existem no mesmo plano.
A

M
M
Ei H
.

B B
H

Fig . 5 Fig. 6

17. Todo oplano perpendicular a uma recta, é o logar geo


metrico de todas as rectas que no mesmo ponto são perpendi
culares a essa recta .
18. De um ponto dado em um plano, levantar a perpendi
cular a e88e plano. Seja o plano MN e o ponto H (fig. 6). Ti.
rem -se pelo ponto dado e no plano M Ñ duas rectas A B e
C D perpendieulares entre si, e pelaprimeira d'estas rectas
faça -se passar qualquer plano A E B. Pelo ponto H tire - se
n'este plano a recta HL perpendicular a À B , e no plano
DCFlevante-se do mesmo ponto H a reeta HG perpendi
cular a D e arecta HG éperpendicular ao plano.Visto ser

On numeros indicados dentro do parenthesis referem -se aos paragraphos


Jatificativos da doutrina que se expõe.
GEOMETRIA NO ESPAÇO 9

A B perpendieular a H Lea H C , será tambem perpendi.


cular a HG que existe no plano L H C ; mas, como H Gé
tambem perpendicular a AC, concluianos que a recta HG
é perpendicular ao plano M N.
19. De um ponto dado fóra de um plano abaixar uma per
pendicular a ésse plano. Seja oplano MNe o ponto G (fig. 6).
Tirando do ponto G para o plano uma rectaG O e fazendo -a
girar em -torno do ponto G , descreverá sobre o plano uma cir0
cumferencia ; determinado o centro H e unindo-o com
ponto G , será a recta G H a perpendicular ao plano. Quer
seja o ponto dado no plano, quer seja dado fóra, não é possi
vel tirar senão uma perpendicular.
20. A perpendicular baixada de um ponto sobre um plano é
menor quequalquer outra recta conduzida do mesmo ponto para
o dito plano. Seja A B a perpendicular ao plano M N (fig 5 );
qualquer outra recta AF, é obliqua sobre a recta B F;
comosabemos, a perpendicular baixadade um ponto para uma
recta é menor que qualquer obliqua tirada do mesmo ponto para
a mesma recta ; segue-se pois que A B é menor que AF, O
que se pretendia demonstrar. ·
21. Quando uma recta é a menor que de um ponto se pode
conduzir para um plano, a recta é perpendicular ao plano.
Distancia de um ponto a um plano é a perpendicular bai.
xada d'esse ponto sobre o plano.
22. Se de um ponto situado fóra de um plano se baixam
sobre esse plano a perpendicular e algumas obliquas que se des
viam egualmente do pé da perpendicular, são eguaes e fazem com
ella angulos eguaes; de duas obliquas que se desviam desegual
mente do pé da perpendicular, é maior a que se desvia maisefaz
maiorangulocom a perpendicular. Sejam as duas obliquas AC
e AD (dig . 7), cujas distancias ( B C e BD ) ao pé da perpen
dicular A B ao plano M N são A
eguaes entre si. Sabemos que C
dois triangulos são eguaes, quan.
do dois lados de um são respe .
ctivamente eguaes a dois lados
do outro, e eguaes os angulos M
por elles formados; temos, pois,
que os dois triangulos. rectan .
gulares ABC e ABD são
eguaes, logo A C egual a A De 8
eguaes tambem os angulos CAB
e D A B. Sejam agora as obli.
quas A E e AC, cujos pés são Fig. 7
10 BIBLIOTHECA DO POVO

desegualmente distantes do pé da perpendicular (o que se


exprime pela desegualdade BES BC ). Teremos n'este
caso a obliqua AĚ > A C. Fazendo BÉ = BC, e tirando
a obliqua AF, temos pelo que acima dissémos A F= A C ;
mas, no plano A B E , temos AE > A F , porque em duas
obliquas a uma recta tiradas do mesmo ponto, se se des.
viam desegualmente do pé da perpendicular, émaior a que se
afasta mais e faz maior angulo com a perpendicular ; e, como
AF = ĄC, segue-se que AE > AC e portanto o angulo
EAB > ĆAB, o que se pretendia demonstrar.
23. Se uma de duas parallelas för perpendicular a um pla
no, tambem a outra o será. Sejam A B e G C as rectas paral
lelas ( fig. 7) , e A B perpendicular ao plano M N ; vamos de
monstrar que G C é tambem perpendicular ao mesmo plano.
Una-se o ponto A com C e por este ponto tire -se a recta LO
perpendicular no ponto á intersecção B C do plano das
parallelas com o plano M N. Visto ser A B perpendicular a
B C , será a sua parallela G C perpendicular à B C e tambem
perpendicular a LO, por ser esta linha perpendicular ao pla
no ABC, onde existe G C. Temos pois a recta G C perpen
dicular ás duas B C e L 0, isto é, perpendicular ao plano
MN, onde ellas existem, o que se pretendia demonstrar .
24. Projecção de um ponto sobre um plano é o pé da per
pendicular baixada d'esse ponto sobre o plano.
Projecção de uma recta é o logar geometrico dos pés das
perpendiculares baixadas de todos ospontos da recta sobre
o plano.
A projecção de uma recta é uma linha recta, e determina
se pela projecção de quaesquer dois dos seus pontos.
Assim na fig. 8 a recta
ab é a projecção de A B
sobre o plano MN.
Dá-se o nome de plano
projectante o que contêm
as perpendiculares bai
xadas da recta sobre o
plano denominado plano
de projecção.
25. Qualquer recta
A B (fig . 9) obliqua ao
plano MN, tem por me .
Fig. 8 dida d'inclinação o angu
lo que ella forma com a
sua projecção Ab.
GEOMETRIA NO ESPAÇO 11

O angulo B Ab determinado pela obliqua e pela sua pro


jecção sobre o plano MN, é o menor de todos que a mesma
obliqua faz com qualquer outra recta existente no plano, con
duzida pelo seu pé.
26. Planosparallelos são os que nunca se incontram por
mais que se prolonguem .
27.Dois planos perpendicularesa uma recta são parallelos
entre si. Sejam os planos MNe P Q ( fig. 10) perpendiculares
á recta AB, esses planos são os logares geometricos de todas
as perpendiculares á mesma recta nos pontos A e B.
Se os planos MNP se incontrassem , e se de um ponto
da sua intersecção tirassemos rectas para os pontos A e B ,
seriam essas rectas perpendicularesa A B , o que é absurdo;
concluimos, pois, que os planos M N P Q são parallelos, o
que se pretendia demonstrar.
28. Se um de dois planos parallelos é perpendiculara uma
recta ,outro tambem é perpendicular á mesma recta. Sejam os
planos parallelos MN P Q ( fig. 10 ); se o primeiro plano é
B

M
A
D

M
M
B

Fig . 9 Fig. 10

perpendicular a A B , será tambem perpendicular ámesma


recta o plano P Q. Conduza -se porA B um plano cujos tra
ços nos planos M NeP Q, são CDeCD , que necessaria
mente são parallelos, porque se o não fossem incontrar-se
biam em um ponto que seria commum aos planos MN e PQ
o que é absurdo, visto serem parallelos.
Por hypothese CD é perpendicular á recta A B ; e, sendo a
primeira d'estas rectas parallela a CD', será esta tambem
perpendicular & AB e portanto o plano P Q perpendicular
à AB
29. Por um ponto dado no espaço tirar um plano parallelo
BIBLIOTHECA DO POVO
12
a outro. Seja o ponto A e o plano P Q ( fig. 10) ; baixando do
ponto dado a perpendicular AB sobre o plano P Q e tirando
um plano MN perpendicular a A B, esse plano é parallelo
ao plano dado ; e não épossivel tirar outro, porque seriaen
tão obliquo sobre AB e portanto ( 28 ) não seria parallelo
à P Q.
30. Tres ou mais planos parallelos entre si cortam duas re
ctas con partes proporcionaes. Sejam A B e C D as duas re
ctas ( fig. 11), e MN, P Q R S os tres planos parallelos ;
AE CF
será Tirando a recta A B' parallela a CD, se
EB FD
AE A E
rá E E parallela a B B', logo (a ); e, como as
ЕВ Ε ' Β'

porções de rectas parallelas comprehendidas entre planos pa

N
А C W
M

ES
P
S
B !D
B

Fig. 11 Fig. 12

rallelos são, eguaes, temos A E CFeEl Bl = FD ; sub


AE CF
stituindo em (a) teremos o que se pretendia de
ЕВ FD
monstrar.
Do theorema que acabamos de demonstrar, se deduz o se
guinte corollario: quaesquer rectas tiradas de um ponto sobre
GEOMETRIA NO ESPAÇO 13

um plano, todo o plano parallelo a este as corta em partes pro .


porcionaes.
ANGULOS DIEDROS

31. Angulo diedro é a inclinação reciproca de dois planos


que se cortam . Dá-se o nome de aresta á intersecção dos pla
nos , e estes são as faces do angulo.
Um angulo diedro designa - se por quatro lettras, collocando
as duas da aresta no meio, ou simplesmente pelas duas lettras
da aresta, quando esta não é comum a outros angulos ; 888im
( fig. 12) temos o angulo diedro M A B N ou o angulodiedro
AB . Dois angulos diedros são eguaes quando, ajustadas as
suas arestas, cada uma das faces de um dos angulos assenta
sobre as faces do outro.
32. Angulos diedros adjacentes são os que têem uma face
commum e as outras em um só plano. Assim a fig. 13 repre.
senta os angulos
MABP e NABP,
que são adjacentes.
33. Quando um
plano cahindo sobre
outro forma dois an .
gulos diedros adjacen
tes eguaes, esse plano
é perpendicular so
bre o outro, e os an .
gulos diedros são re
ctos. A fig. 14 repre
senta dois angulos
diedros adjacentes
eguaes. Quando um
plano cahindo sobre
outro forma dois an . Fig. 13
gulos diedros adja .
centes deseguaes ( fig. 13) , esse plano é obliquo sobre o outro.
E os angulos que determina dizem -se: angulo diedro agudo, que
é menor que um reco ; e angulo diedro obtuso, o que émaior que
um recto. Assim o angulo MABP é um angulo obtuso, e
NAB Pé um angulo agudo. Estes angulos denominam - se em
geral, angulos obliquos.
Os angulos que, tendo a mesma aresta, são formados pelo
prolongamento das faces um do outro, dizem-se diedros verti
calmente oppostos.
11 BIBLIOTHECA DO POVO

34. O angulo abe ( fig. 12), formado pelas rectas ab e bc,


cada uma em sua face do angulo diedro e perpendiculares
no mesmo ponto b á aresta A B, denomina -se angulo rectili
neo do diedro.
35. Plano bissector de um diedro é o plano que passa pela
aresta e divide o angulo em duas partes eguaes.
36. Todos os angulos diedros rectos são eguaes. Sejam os
planos P LO e P' L ' O ! (fig . 15) respectivamente perpendi 1
culares aos planos MN e M ' N '; queremos demonstrar que
os angulos diedros rectos P LOM , PLON , PL O' Me
PLOI N ',são eguaes . Ajus
te-se o plano M N com o pla .
no MN de maneira que Î' O
coincida com L 0 ; o plano
Pl L'O coincidirá com o pla
no PL O, porque se tomasse
outra direcção Pll LO teriamos
PH LON < Pll LOM ; mas
PLOM = PLON; e sendo
PllL ON < P LON e
PIILOM > PLOM , o pla
no Pl L' O não seria perpen
dicular ao plano M ' N e for
maria com elle angulos diedros
deseguaes; isto é, Pl L'O'M Fig . 14
não seria recto, o que é contra
a hypothese . Concluimos pois que o plano P L O coincide
com o plano P L O e portanto os angulos são todos eguaes.

A
L L
M
SI

Fig . 15

37. N'um angulo diedro recto, o seu rectilineo corresponden


te tambem é recto. Seja o angulo diedro recto PLOMe o seu
GEOMETRIA NO ESPAÇO 15

rectilineo P QS ( fig. 15 ). Visto ser o plano PL O perpendi


cular ao plano M0, a recta P Q perpendicular a L O será
tambem perpendicular plano M O e portanto a QS, d'onde
concluimos que é recto aoo angulo P QS, o que se desejava de
monstrar.
38. Dois angulos diedros são eguaes quando são eguaes os
seus rectilineos correspondentes. Sejam os rectilineos eguaes

M
d '

B
B L B

Fig. 16 Fig. 17

abdl e alb'd! ( fig .- 16 ) correspondentes aos angulos diedros


MAB Ne M A B ' Ni. Ajustando os diedros pelas suas ares
tas, de maneira que o ponto bl coincida com o ponto b, e ajus
tando a face A' Ñ sobre A N , 01 c coincidirá com b c' ', vis
to os angulos A'B'C' e Abc serem rectos e portanto eguaes ;
os dois planos al blc e abcll coincidirão, visto serem respe
ctivamente perpendiculares a A ' B 'e AB; e, sendo eguaes os
angulos al llc e abc'', bl a' coincide com ba ; logo o plano
A L' ajusta -se perfeitamente sobre o plano A L , o que de.
monstra que os diedros propostos são eguaes.
39. Em dois angulos diedros eguaes , os rectilineos corres .
pondentes são tambem eguaes.Sejam os diedros eguaes MABN !
è M ' A' B' N ' (fig. 16 ); ajustando -os de modo que o ponto !
assente sobre o ponto b, os angulos rectilineos al blc e abc
coincidirão, visto estarem n'um mesmo plano perpendicular
ás arestas, o que demonstra o theorema.
40. Os angulos diedros são proporcionaes aos seus angulos
rectilineos correspondentes. Sejam os angulos diedros MÅBN
e M ' A' B' N ' ( fig. 16), e os rectilineos correspondentes a bc
MABN abc
e al bl d '; pretende -se demonstrar que MA' B' N all'c
16 BIBLIOTHECA DO POVO

Supponhamos que o angulo tomado por unidade se con


têm tres vezes no primeiro angulo e duas no segundo ; te
abc 3
remos, pois, (a) ; fazendo passar planos pelas ares
albic 2

tas dos angulos diedros e pelas divisões dos seus rectilineos,


ficam determinados em MÅBN tres angulos e em M ' A'B'N
MABN 3
dois, todos eguaes, d'onde M A' B ' N 2
ou ( a ); portanto
MABN abc
re o que se desejava demonstrar.
Μ ' Α' Β ' Ν a' b'c!
41. Um angulo diedro tem por medida o seu rectilineo cor
respondente.
42. A somma de todos os angulos diedros formados sobre um
plano em -torno de uma recta , existente n'esse plano, é egual a
dois angulos diedros rectos. Sejamos angulos diedros ( fig.15 ),
ALI O'M , AL' O'B, BLI O'N '; formando com o plano
Pl L'O! os angulos diedros rectos PI L'O'M e PLON ,
a somma dos angulos diedros dados va dois rectos , porque
é egual á dos angulos PI L O Me PILO'N , o que se de
sejava demonstrar.
43. A somma de todos os angulos diedros formados no espa
ço em -torno de uma recta, é egual á sommade quatro diedros
rectos. Sejam os angulos diedros A L'OM , A L'OB,
BLOCO CLO' M (fig.15) ; prolongando o plano M'L'O
sabemos que a gomma de todosos angulos diedros formados
em -torno de L' Ol para a parte superior do plano M ' N vale
dois rectos (42 ) , assim como a dos formados para a parte in
ferior; portanto a somma de todos os angulos dados vale qua
tro diedros rectos .
44. Os angulos diedros verticalmente oppostos são eguaes.
Sejam os angulos diedros verticalmente oppostos MABNe
PABQ ( fig. 17) ; temos que P ABQ + NABQ dois an
gulos diedros rectos (42 ), e MABN + NABQ = dois an
gulos diedros rectos ; se a estas sommas tirarmos o diedro
commum NAB Q, os restos ficarão eguaes , isto é, PABQ =
= M AB N , o que se desejava demonstrar .
45. Os angulos diedros cuja somma for egual a dois rectos,
são supplementares; e, se for egual a um recto , são comple
mentares. Os angulos diedros eguaes têem supplementos ou
complementos eguaes. Reciprocamente os angulos diedros que
têem supplementos ou complementos eguaes, são eguaes.
GEOMETRIA NO ESPAÇO 17

46. O plano bissector de um angulo diedro é o logar geome.


trico de todos os pontos do espaço equidistantes das faces do
mesmo angulo. Seja o angulo diedro MABN ( fig. 18), e AHB
o plano bissector ; tirando por qualquer
ponto O da aresta A B um plano per- M A
pendicular á mesma aresta, OG , OL
e O H são os traços d'esse plano sobre
as faces e sobre o plano bissector. Os
angulos rectilineos Ġ O H e HOL são G
eguaes entre si (39 ) , e O H é a bisse

L
ctriz do angulo Ġ OL. Do ponto C ti
rem-se as perpendiculares C De CE
ás faces do angulo diedro que passam

N
pelos traços OG e OL ; evidentemente
as perpendiculares são eguaes, visto ser
O H a bissectriz do rectilineo do die. Fig . 18
dro, d'onde concluimos que as distancias
de qualquer ponto C do plano bissector ás faces do angulo
dado são eguaes. Facilmente se demonstraria que qualquer
ponto situado fóra do plano bissector , não está egualmente
distante das faces do angulo, porque conduzindo um plano
perpendicular á aresta do diedro ( como acima fizemos ), o pon
to não existirá na bissectriz do rectilineo do diedro ; d'onde
se conclue o que se desejava demonstrar.
47. Tres pontos, não em linha recta, equidistantes das fa
ces de um angulo diedro, determinam um plano que é o bisse
ctor do diedro .
48. Dois planos parallelos cortados por um terceiro, for
mam differentes angulos que têem as seguintes denomina
ções : angulos externos e internos do mesmo lado do plano
seccante, correspondentes, alternos -externos e alternos- inter
nos. Facilmente se demonstram , pela relação que existe en
tre os angulos diedros e os seus rectilineos correspondentes,
os seguintes principios : - dois angulos diedros que têem as fa
ces parallelas são eguaes ou supplementos; dois angulos die
dros, quando as faces de um são respectivamente perpendicu
lares ás faces do outro, e as arestas parallelas, são eguaes
ou supplementos.
ANGULOS SOLIDOS

49. Angulo solido ou angulo polyedro é a figura determi


nada por tres ou mais planos que se interceptam dois a dois ;
18 BIBLIOTHECA DO POVO

formando angulos diedros que se incontram n'um ponto cha


mado vertice .
Os planos que formam o angulo solido denominam- se fa
ces, e a intersecção de dois planos chama- se aresta.
Angulo diedro saliente, é aquelle em que o prolongamento
das faces se dirige para fóra do angulo solido ; e angulo die
dro re-intrante, quando o prolongamento das facesse dirige
para dentro do angulo. O angulo solido ou polyedro diz se
convexo, quando todos os angulos diedros são salientes; e con
cavo, quando tem um ou mais angulos re- intrantes. O plano
que passa por duas arestas não determinadas na mesma face,
denomirta- se diagonal. Um angulo solido ou polyedro designa
se em primeiro logar pela lettra do vertice, e em seguida por
cada uma das lettras pertencentes ás suas arestas. Angulo
solido ou polyedro regular é o que tem todas as faces eguaes
entre si, assim como os angulos diedros. Um angulo solido
tem tantos angulos diedros quantas são as suas faces. O an
gulo solido, se tem tres faces,denomina-se triedro ; se quatro, te.
truedro; se cinco, pentaedro, etc. O angulo triedro segundo ten.
um , dois ou tres angulos planos rectos, diz-se rectangulo, bi
rectangulo ou tri-rectangulo. Angulos triedros verticalmente
oppostos dizem - se quando, tendo o mesmo vertice, as arestas
de um esião na mesma direcção que as arestas do outro.
50. N’um angulo triedro, qualquer das faces é menor que a
somma das outras duas e maior que a sua differença. Seja o
triedro ABCD ( fig. 19 ) e CAB a maior das suas faces;
tome - se n'ella CAE: CAD (a) e fazendo AE = AD
unam -se os pontos B, C e D. Sabemos que, n'um triangulo,
qualquer lado é menor que a somma dos outros dois ; temos
pois no triangulo B D Č, BD + DC > BE + EC; mas
visto ser DC = CE por serem eguaes os triangulos E AC
DAC, será BD > BE, e portanto o angulo DAB >
> E AB (6) . Addicionando, aos membros da desegualdade
b ), CAD : CAE (a) , temos :
DAB + CADEAB + CAE
ou DAB + CAD / CAB ( )
Visto serem as duas faces do triedro D A B e CAD me.
nores que CA B, temos :
CAB + CAD > DAB (d)
CAB + DAB> CAD ( e)
o que demonstra a primeira parte do theorema. A segunda par.
te facilmente se conclue das desegualdades ( c), ( d) e (e),
d'onde tiramos :
GEOMETRIA NO ESPAÇO 19

DAB
CADS>DAB
CAB - CAB
CAD .

CAB > CAD- DAB


como se pretendia demonstrar.
51. A somma das faces de um angulo polyedro convexo é me
nor que quatro angulos rectos. Seja o angulo polyedro conve.
xo A B C D E ( fig . 20); pretende-se demonstrar que B AC +
+ CAD + DAE + E AB < 4r (-). Cortam -se com um pla
kA

B
B C

Fig. 19 Fig . 20

no BCDE as arestas do angulo polyedro; e nos angulos


triedros cujos vertices são B, C , D e E teremos (50)
ABC + AB E EBC
.

А СВ А СD BCD
ADC + ADE CDE
AED + AEB DEB
Sommando todos os angulos, e separando os que pertencem
a cada triangulo, temos :
(ABC + AČB + (ACD + ADC) + (AED + ADE +
+ (ABE + AEB) > EB C +BCD + CDE+ DEB
e, como sabemos que a somma dos angulos, EBC + BCD +
+ CDE + DEB = 4r, a somma dos supplementos dos
dois angulos de cada triangulo ( face do triedro ), isto é,
BAO + OAD + DAE + EAB,, será menor que quatro
apgulos rectos, o que se desejava demonstrar.
52. Dois angulos triedros são eguaes, quando as faces de
um são respectivainente eguaeg ás faces do outro e similhante
( * ) Alettra q depois do algarismo, designa que são tantos angulos rectos
quantos o garismo indioa .
20 BIBLIOTHECA DO POVO
mente dispostas.Sejam os angulos triedros ABC De A BIC' DI
( fig. 19); faça -se passar um plano pelos pontos B, C e D , e
outro pelos pontos B ', Ç' e D', de modo que determinem
AB = ACAD Α! Β ! AC = A' DI .
Baixaremos dos pontos A e Al as perpendiculares A Fe
A' Fl sobre os planos B C D e B'C'D ', que são eguaes, as
sim como BF= B' F', visto serem respectivamente eguaes
as faces dos triedros A B C D E A' B' C D '; teremos por
tanto eguaos as perpendiculares A F e A 'F.
Ajustando os planos eguaes B C D e BIC" Di de maneira
que B 'C' assente sobre B C e B'D' sobre BD, o ponto F
coincidirá com Feo vertice Al com A , d'onde concluimos
que se ajustam os angulos triedros, o que demonstra o theo.
rema .
03. Dois angulos triedros são eguaes quando têem um angulo
diedro egual, determinado por faces eguaes e similhantemente
dispostas. Sejam os triedros A B C D E A ' B'C' D' ( fig. 19) ;
determinam -se os planos B C D e Bl CD como fizemos no
theorema antecedente. Nos triedros dados são eguses os an
gulos diedros A B e A' B' e as faces A B C = A BIC" e
ABD = A ' B ' DI .
Ajustando A' B' sobre A B e a face A' B' C sobre A B C ,
evidentemente coincidirá tambem a face A ' B ' Di com ABD,
visto serem eguaes os diedros A B e A' B'; portanto A' DI CI
ajustar-se-ba com AD C, d'onde concluimos que os triedros
se ajustam perfeitamente, o que demonstra o theorema.
Facilmente por sobreposição se demonstrava o seguinte
caso de egualdade de triedros: Dois triedros são eguaes quan
do têem dois angulos diedros equaes, adjacentes a uma face
egual e similhantemente disposta .
64. O numero de diagonaes de um angulo solido, tiradas
com a condição de não se cortarem , é egual ao número das fa
oes menos tres, ficando o angulo solido dividido em tantos trie
dros quantas são as suas faces menos duas. Seja o angulo 80
lido Ā B CD EF ( fig. 21), e cortem - se as suas arestas por
um plano, como acima fizemos, e seja esse plaạo B CD EF
e CE e C F os traços das diagonaes do angulo solido tira
das com a condição de não se cortarem. Designando por no
numero de faces do angulo, vamos provar que o numero de
diagonaes é n - 3, e o numero de triedros em que o angulo
fioa dividido en - 2.
Como se vê na figura , temos diagonaes para todas as ares
tass menos para AB e AD; e, como o numero das aréstas é
egual ao numero de faces, temos que o numero de diago
GEOMETRIA NO ESPAÇO 21

naesé egual a n - 3; e, como ca A


da diagonal é communn a dois
triedros, o numero d'estes será
o mumero de diagonaes mais
um , ou m -2, o que se deseja
va demonstrar.
05. Em qualquer angulo trie
dro a intersecção dos planos bis 3
sectores de dois angulos diedros,
E
é o logar geometrico de todos
08 pontos do espaço equidistan
tesdas faces d'essesdiedros. Sa
bemos que o plano bissector
de um angulo diedro é o logar
geometrico de todos os pontos Fig. 21
do espaço equidistantes das fa
ces do mesmo angulo (48), temos pois que a intersecção dos
dois planos bissectores será uma linha indefinida que terá to
dos os seus pontos equidistantes das faces dos dois angulos
diedros , o que se desejava demonstrar.
· POLYEDROS

56. Polyedro é o solido limitado em todos os sentidos por


superficies planas. As superficies que limitam os polyedros
são faces ; a intersecção de suas faces, aresta ; o ponto com
mum a tres ou mais arestas , vertice. O menor numero de pla
nos que podem fechar um espaço são quatro, portanto o po
lyedro limitado por quatro faces é o mais simples.
Os polyedros classificam -se, segundo o numero de faces pe
lo modo seguinte :
Polyedro de 4 faces · Tetraedro
de 5 Pentaedro
>> de 6 Hexaedro ou cubo
de 7 Heptaedro
de 8 - Octaedro
de 9 Enneaedro
de 10 Decaedro
de 11 Endecaedro
de 12 -
- Dodecaedro
de 15 Quindecaedro ou pentadecaedro
de 20 - Icosaedro
22 BIBLIOTHECA DO POVO

Diagonal do polyedro é a recta que une dois vertices que


não estão situados na mesma face.
Polyedro convexo é aquelle cujas arestas são todas salien
tes.
Polyedro concavo é aquelle em que algum angulo solido é
re-intrante.
Os polyedros que têem as faces todas eguaes entre si de
nominam -se polyedros isoedros; e polyedros equiangulos, os que
têem todos os angulos solidos eguaes entre si.
Polyedros regulares são os que têem os angulos solidos
eguaes entre si e por faces polygonos regulares eguaes .
Temos os polyedros regulares ( fig. 22 ): o tetraedro ( A ), o

00

Fig. 22 Fig . 28

hexaedro ( B ), o octaedro ( C ), o dodecaedro ( D ) e o icosae


dro (E) .
O tetraedro é limitado por quatro triangulos equilateros, o
hexaedro por seis quadrados, o octaedro por oito triangulos.
equilateros, o dodecaedro por doze pentagonos regulares e o
icosaedro por vinte triangulos equilateros.
Nos polyedros irregulares temos a pyramide e o prisma.
57. Pyramide é um solido que tem por base um polygono
qualquer, e cujas faces lateraes são triangulos que concorrem
n'um ponto que se denomina vertice da pyramide. As arestas
communs a duas faces denominam -se arestas lateraes; e as que
são communs á base e a uma das faces, arestas da base.
Denomina-se eixo da pyramide & recta tirada do vertice
para o centro da base ; se o eixo é perpendicular, a pyramide
é recta .
Pyramide regular ( fig. 23) é a que tem por base um poły.
gono
base.
regular, e cajo eixo é perpendicular sobre o plano da
GEOMETRIA NO ESPAÇO 23

As pyramides regulares são rectas.


Apothema da pyramide ( fig. 23) é a perpendicular baixada
do vertice sobre um lado base. da
Pyramide obliqua ( fig. 24) é a que tem o eixo obliquo sobre
o plano da base .
Altura da pyramide ( fig. 24) é a perpendicular baixada do
vertice sobre a base.
Segundo o numero de lados do polygono da base se classi

altura

Fig. 24 Fig . 25

ficam as pyramides. Assim dizem -se triangulares, quadrangu


lares, pentagonaes, hexagonaes, etc., se as bases são trian
v

Fig . 28 Fig. 27

gulos, quadrilateros,pentagonos, hexagonos, etc. Uma pyra


mide designa- se lendo primeiramente o vertice e depois x
base.
Pyramide troncada ( fig. 25) é a porção da pyramide com
prehendido entro a base e um plano parallelo ou obliquo á
mesma base,
24 BIBLIOTHECA DO POVO

68. Prisma (fig. 26) é o polyedro com duas bases que são
dois polygonos eguaos' e parallelos, e cujas faces lateraes são
parallelogrammos.
Eixo de um priema é a perpendicular tirada entre os cen
tros das bases do prisma.
Altura do prisma ( fig. 27 ) é a perpendicular tirada de uma
das bases sobre o plano da outra base.
Aresta é a intersecção de duas faces. Como a pyramide, o
prisma tem arestas lateraes e arestas da base.
Prisma recto ( fig . 26) é aquelle cujas arestas lateraes são
perpendiculares ás bases; e obliquo ( fig. 27 ), o que está no ca
so contrario .
Prisma regular é oprisma recto cujas bases são polygonos
regulares. As bases dos prismas podem ser triangulos, qua
drilateros, pentagonos, hexagonos, heptagonos, etc.; assim o

Fig . 28 Fig . 29

prisma será triangular, quadrangular, pentagonal, hexagonal,


heptagonal, etc.
Nos prismas quadrangulares distingue-se o parallelipi
pedo.
Parallelipipedo é o prisma cujas bases são parallelogram
mos.

Parallelipipedo recto é aquelle cujas faces lateraes são re


ctangulos.
Paralleiipipedo rectangulo ( fig . 28) é aquelle cujas faces
são todas rectangulos.
Cubo ou hexaedro regular ( fig. 29) é o parallelipipedo re
otangulo cajas arestas são todas eguaes entre si.
Rhomboedro é o solido determinado por seis rhombos.
Prisma troncado ( fig. 80) é a porçãodo prisma comprehen
dida entre uma base e um plano não parallelo a ella. A su
GEOMETRIA NO ESPAÇO 25

perficie lateral de um prisma denomina-se superficie prisma


tica .
89. As faces de uma pyramide regular såo triangulos is08
celes eguaes entre si. Seja a pyramide hexagonal regular ( fig .
31); visto ser VO perpendicular ao meio da base , e sendo os
raios da base A 0, BO, CO, DO, E O e F O, todos eguaes,
temos que as arestas lateraes da pyramide são todas eguaes
(22), e portanto as faces são triangulos isosceles e eguaes por
serem os lados de cada um respectivamente eguaes aos lados
dos outros, o que se desejava demonstrar.
Facilmente se demonstrava com o auxilio do mesmo prin
cipio (22) que os apothemas de uma pyramide regular são
eguaes.
60. A secção feita n'uma pyramide por um plano parallelo
á base é um polygono similhante á mesma base. Seja a pyrami
de VABCDEF ( fig. 31), e abcdef a secção feita na py

di

D

C
B
Fig . 30 Fig. 31

ramide parallela á base ; deseja-se demonstrar que o polygo


no abcdef é similhante a ABCDEF.
Visto serem os lados d'estes polygonos respectivamente pa
rallelos, serão os seus angulos éguaes, isto é, o angulo A = a,
B zb, C = C, D = d, etc., e os seus lados estão entre si em
proporção, pois comparando os triangulos similhantes A VB
e a Vb, B V CebVC, CVDec Vă, DVE e d Ve, EVF
8 6 Vf, FVA e f Va, temos
26 BIBLIOTHECA DO POVO

AB BV BV BC CV
ab bV ' 6V bc ovi
CV CD DV
dv '
etc. , d'onde tiramos
cV cd
AB BC CD DE
bc de
etc., d'onde concluimos que os
a6 cd
polygonos são similhantes, o que se desejava demonstrar.
61. Cortando uma pyramide por planos parallelos a base,
as áreas das secções feitas por esses planos são proporcionaes
aos quadrados das distanciasdo vertice da pyramide à essas
secções. Seja a pyramide V AB CD E F ( fig. 31 ); como sabe
mos, as áreas de dois polygonos similhantes são proporcio
naes'aos quadrados dos seus lados homologos ; temos pois
ABCDEF A B2 B C2 CD2 DE2
que ( a ) abcdef a 12 bo2 cd2 de2
EF2 FA2 VA ? VB2 VC2
etc. A perpendicular
ef? fa? Va2 V12 12
VO determina os triangulos rectangulos similhantes VOA e
V A2 ✓ 02
Voa, e temos ; logo (a)
V a? V 02
ABCDEF V 02
o que se desejava demonstrar.
abcdef V02

62. Em qualquer parallelipipedo as faces oppostas são


eguaes e parallelas entre si : as diagonaes cortam -se ao meio
no mesmo ponto, que é o centro do parallelipipedo. Seja o pa
rallelipipedo ( fig . 32) , e consideremos as duas faces AĞ e
DH , que se demonstra serem eguaes visto ser AB = DC,
AF =DE e o angulo EDC = FAB; e, como a aresta AB
é parallela a D Ce A F parallela a DE, concluimos que as
duas faces são parallelas. Para demonstrarmos a segunda
parte do theorema, tirem - se as diagonaes AH , BE, C Fe
D.G ; as duas diagonaes A He D G são do parallelogrammo
ADHG, cortam-se portanto no ponto 0 em partes eguaes;
po mesmo modo as diagonaes A He B E do parallelogrammu
GEOMETRIA NO ESPAÇO 27

A B H E cortam - se tambem no ponto 0 em partes eguacs,


sissim como as diagonaes B E e CF do parallelogrammo
BCEF'; d'onde concluimos que as diagonaes do parallelipi
pedo se cortam em partes eguaes. O ponto 0 é o centro do
A B A

E
Fig . 32 Fig . 33

parallelipipedo ; divide ao meio qualquer recta que passe por


elle e termine na superficie do parallelipipedo.
Om =
Seja a recta mn que passa pelo ponto 0 , temos que será
On ; temos que os triangulos A O'm e h On sảo
eguaes entre si , visto ser AO =OH e os angulos O Am
= OHn e A Om = Hon ; portanto Om =- On, o que se des
sejava demonstrar.
Qualquer plano que corta as faces oppostas de um paralle
lipipedo determina um parallelogrammo.
63. O quadrado da diagonal de um parallelipipedo rectan
qulo é equul á somma dos quadrados das tres arestas do paral
lelipipedo, e as diuginaes são todas equaes. Temos o paralleli.
pipedo rectangulo (fig. 33) ; os seus angulos solidos são trie
dros tri - rectangulos , portanto cada uma das suas arestas é
perpendicular aos planos dasque lhe são contiguas; os qua
drilateros AD HG, DCGF e A BH E são rectangulos,
d'onde concluimos que AH DG , DG CFE AH = BE ;
logo A H = DG = CF = BE, isto é, as diagonaes do pa
rallelipipedo são todas eguaes.
Considerando o triangulo rectangulo A FH , sabemos que
o quadrado da hypothepusa é egual á somma dos quadrados
dos cathetos, isto é, A 712 A T2 + FH ? (a), e no triangulo
rectangulo FE H temos
A
28 BIBLIOTHEC DO POVO

FH - FE2 + E H2portanto (a )
A H2= AF2 + F E2 + E H2 e visto ser
ЕН FG temos

A 12= A F ? +FE + FG2 o que se desejava demonstrar.


Se considerarmos o cubo, visto ter as suas arestas todas
eguaes entre si, designando por D a sua diagonal e por L a
aresta, temos D2 = 3 L2 ou D = LXV
3
64. Qualquer polyedro pode ser decomposto em tetrae .
dros : conduzindo planos por qualquer vertice do polyedro e
pelas suas arestas, que não determinam este vertice, fica de .
composto em pyramides ; e dividindo as bases d'estas em trian
gulos, e conduzindo planos pelo vertice commum e pelas dia.
gonaes dos polygonos bases, fica o polyedro decomposto em
tetraedros.
65. O tetraedro, o hexaedro, o octaedro, o dodecaedro e o
icosaedro são os únicos polyedros regulares. Como sabemos,
podemos formar com triangulos equilateros angulos polyedros
regulares de tres, quatro e cinco faces, determinando depois
o tetraedro, o octaedro e o icosaedro, que são polyedros regn
lares ; porém, não se podem determinar angulos polyedros com
seis triangulos equilateros, porque tendo um angulo de um
triangulo equilatero 600, teriamos 600 X 6 = 3600, isto é, qua
tro angulos rectos, o que não pode ser (61 ), visto que a som
ma das faces de um angulo polyedro convexo é menor que
quatro angulos rectos. Com mais de tres quadrados não se po
dem determinar angulos polyedros; do mesmo modo se não
podem determinar com mais de tres pentagonos regulares,
visto que cada angulo do pentagono regular é egual a 1080 e
1080 x 4 > 360 °, isto é, que quatro angulos rectos, o que
se torna impossivel (51) . Pelo que dissémos se vê que com
outros polygonos não se podem determinar angulospolyedros,
concluindo que: o tetraedro, o octaedro e o icosaedro, com as
faces triangulares e os angulos solidos triedros, tetraedros e
pentaedros; o hexaedro, cujas faces são quadrilateros e os an
qulos solidos triedros ; o dodecaedro, com as faces pentago
naes e os angulos solidou triedros , são os cinco polyedros re .
gulares que ha.
66. Nos polyedros regulares ha umponto interior equidistan
te dos vertices e das faces. Sejam ID C ... e ABCDE ( fig .
34) as duas faces contiguas de um polyedro regular ; levan .
tem-se ao meio d'ellas as perpendiculares FO e Lo ,e pelos
pontos Le F baixom -se as perpendiculares LG e FG sobre
GEOMETRIA NO ESPAÇO

a aresta D C, as quaes de
terminam o plano FGL,
perpendicular á mesma ares
taonde existem as perpendi
culares FO e Lo, que se K I
cortam n'um ponto 0, que
será equidistante dos verti
ces das faces ID C ... e
A B C D E. Se considerar
L
mos outras faces contiguas
KE A ... e ABCD E , le
vantando a perpendicular
MO e baixando pelos pon
tos Fe M as perpendicula .
res FH e MH sobre a ares .
ta A E , evidentemente a per
pendicular MO cortará as
outras no mesmo ponto 0, Fig. 34
porque os quadrilateros
FG LO e FHMÖ são eguaes, visto ser LG = FG = FH = .

MH, rectos os angulos 0 MH, O FH, O LG e O FG


e eguaes os angulos FG L ? MHÉ. Portanto o ponto O dis.
ta egualmente dos vertices das faces KE A ..., ABCDE e
İDC ... ; assim como de todos os outros vertices do polge .
dro, o que se demonstrava do mesmo modo.
Para demonstrarmos que o ponto O está equidistante das
faces, temos que os triangulos OLG, OFG, O FH e OMII
são rectangulos e eguaes, portanto O L = 0F = 0M , o que
se desejava demonstrare
67. Polyedros eguaes.-- Dois tetraedros são eguaes quanto
têem tres faces respectivamente eguaes e similhantemente disps
tas. Sejam os dois tetraedros Š A B C eS' A 'B'C' (fig . 3. ;
e sejam as faces A S B e A' S ' B'; B SC e B' S' C'; ASCO
A' S'C',eguaes e similhante
mente dispostas ; vamos de S
Si
monstrar que os dois tetrae
dros são eguaes. Visto serem
eguaes as faces ASB e
C
"

À S'B ', e BSC e BIS C' ,


etc., temos (52) que os trie
dros Se S' são eguaes ; ajus R'
tando o primeiro triedro com
o segundo, a face A S B 20 Fig. 35
incidirá com A' S ' B', e BSC
30 BIBLIOTHECA DO POVO

com B ' S ' C' e CSA com C ' S' A', e portanto A B C com
A' B'C', pelo que concluimos que os tetraedros se ajustam
perfeitainente, isto é, são eguaes .
68. Dois tetraedros são eguaes quando duas faces de um são
respectivamente eguaes a duas faces do outro, similhantemente
dispostas, e eguaes os angulos diedros formados por essas faces.
Sejam os tetraedros Š ABC e S' A' B' C ( fig. 35 ), e sejam
eguae's as faces A S B e A' S' B ', A SC e A' S ' C ', e o angu
lo diedro BSAC = B'S A' C '. Demonstra - se do mesmo mo
do por sobreposição, ajustando a aresta S A com S A', a fa
ce A S C com A' S' C'; a face ASB coincidirá com A' S' B';
temos, pois, que o ponto B está assente sobre B', e C sobre
C ', d'onde concluirnos que as faces A B C e BSC se ajustam
com A' B' C' e B' S' C '; portanto os tetraedros são eguaes, o
que se desejava demonstrar.
69. Dois tetraedros são eguaes quando uma face de um é
egual a uma face do outro, eguaes e similhantemente dispostos
os tres angulos diedros adjacentes a essas faces. Sejam os te
traedros Š A BC e S' A ŘI C ( fig. 35) : a face A ŠC é egual
& A' S' C', e são eguaes e similhantemente dispostos os an
gulos diedros BSAC e B'S' A' C '; BSC A e B' S' C ' A ';
BCAS e B' C ' A' S '. Demonstra-se egualmente por sobre
posição, ajusta -se a face ASC com A' S" C '; e , visto serem
eguses os angulos diedros BSAC e B'S' A'C ', a face BSA
assentará sobre o plano da face B' SA', achando- se o ponto
B sobre este plano. Do mesmo modo, visto serem eguaes os
angulos diedros BSCA e B'S' C' A ', a face B S C assenta
rá sobre o plano da face B' S' C ', achando-se tainbem o pon
to B sobre este plano. E, pela egualdade dos diedros B C A Š
e B' C' AS', a face B A C assentará sobre B' A ' C ', pelo que
concluimos que, achando-se o ponto B tambein sobre este pla
110, elle coincide com B'; logo, todas as faces do tetraedro
SABC ajustam -se perfeitamente com as faces do tetraedro
S' A ' B'C', isto é, são eguaes, o que se desejava demonstrar.
70. Dois tetraedros são eguaes quando têem dois angulos trie
dros eguaes e similhantemente dispostos, e é egual nos dois te
traedros a aresta commum aos tricdros. Considerem -se os te
traedros S ABC e S' A'B' C ' ( fig. 35) , no3 quaes os trie
dros Se S ', B e B' são eguaes, assim como as arestas S B e
S !.B'. Facilmente se vê que as faces ASB e A ' S' B' são
eguaes, assim como as facesBS C e B' S ' C '; e, visto ser o
diedro A SBC egual a A' S' B'C', concluimos (68) que os
tetraedros vão eguaes .
71. Pelo que temos dito, podemos dispensar a demonstra
GEOMETRIA NO ESPAÇO 31

ção dos seguintes theoremas, bastando dizer que se verificam


por sobreposição : – Duas pyramides regulares são eguaes
quando as suas bases e alturas são eguaes. Duas pyramides
são eguaes quando têem bases equaes, uma face de uma egual a
um face da outra, similhantemente dispostas, e fazendo angu
los diedros eguaes.
72. Egualmente se demonstram por sobreposição og se
guintes theoremas : - Dois prismas rectos são egua es quando
as suas bases e alturas são eguaes. Dois prismas são egua.es
quando tres faces que determinam um triedro, em um dos pris
mas, são eguaes e similhantemente dispostas ás faces do outro
prisma .
73. Dois polyedros são eguaes quando as faces de um ãos
eguaes e similhantemente dispostas ás faces do outro e eguaes
08 angulos diedros formados por essas faces. Verifica -se egual
mente este theorema por sobreposição. Assentando uma face
de um dos polyedros sobre a sua homologa dooutro polyedro,
(isto é, sobre a face que lhe é egual e similhantemente dispog.
ta), e peracte a egualdade dos angulos diedros, facilmente se
conclue a dos polyedros.
74. Quando dois polyedros podem ser divididos em egua
numero de tetraedros eguaes e similhantemente dispostos, são
eguaes.
75. Polyedros similhantes.- Dois tetraedros são simi
lhantes quando todas as arestas de um são proporcionaes ás
do outro e similhantemente dispostas. Dois polyedros são si
inilhantes quando se podem decompôr em egual numero de
tetraedros similhantes e similhantemente dispostos. As faces,
arestas, vertices, angulos diedros, angulos solidos correspon
dentes em polyedros similhantes, denominam -se faces homo
logas, arestas-homologas, vertices homologos, etc. Em dois po
lyedros similhantes denominam -se pontos homologos aquelles
que unidos com tres vertices bomologos, determinam tetrae
dros similbantes e similhantemente dispostos. A linba que
une dois pontos homologos denomina-se linha homologa.
76. Dois tetraedros são similhantes quando os seus angulos
solidos são eguaes e similhantemente dispostos. Como sabernos,
para que dois tetraedros sejam similhantes, basta que as fa
ces de um d'elles sejam similhantes e similhantemente dispos
tas ás faces do outro ; temos, pois, no caso proposto que as
faces do tetraedro são similhantes, visto terem angulos respe .
ctivamente eguaes e estarem similhantemente dispostas, pelo
que concluimos a similhança dos tetraedros.
77. Dois tetraedros são similhantes qnando têem uma face
32 BIBLIOTHECA DO POVO

similhante adjacente a angulosdiedros respectivamente eguaes e


similhantemente dispostos. Facilmente se vê que os tetraedros
propostos têem os seus angulos solidos eguaes e portanto
(76) são similhantes.
78. Dois tetraedros são similhantes quando duas faces deum
são similhantes a duas faces do outro e similhantemente dispos
tas, e são eguaes 08 angulos diedros formados por essasfaces.
Sejam os tetraedros SABC e
S S'A' B' C' ( fig. 36) que têem si
milhantes as facesÁŠCeA'S C ",
ASB e A ' S' B', e eguaes os an
gulosdiedros BSAC e BISA'C '.
Em virtude da similhança das fa

MA Fig. 36
ces dos tetraedros propostos, evi
dentemente os angulos solidos
Se S ', A e A', são eguaes. Em vir
tude da egualdade dos angulos
diedros SA e S'A' e da similhan
ça das faces dos tetraedros que
os determinam, concluimos que
as faces BSC e B ' S' C' são similliantes, e portanto eguaes
os angulos solidos B e B', Ce C !. E, como já demonstrámos
(76) que dois tetraedros são similhantes quando os seus an
gulos solidos são eguaes e similhantemente dispostos, temos
que os tetraedros dados são similhantes.
79. Dois polyedros são similhantes quando todas as faces
menos uma são similhantes, similhantemente dispostas, e eguaes
os angulos diedros formados por essas faces . Sejam os polye
dros A BCDEFGHMeabcdefghm ( fig. 37) que satis
fazem á condição de te
F
rem eguaes os angulos
M. diedros determinados
Gc
pelas suas faces respe
In
ctivamente similhan
tes, menos as faces
ABCDE e abcde.
Tirando as diagonaes
D d
d HA A C , e ha e ac,
temos (78 ) que os te
traedros HABC e '
C hab csão similhantes.
B
Considerando os po
lyedros, menos os te
Fig. 37 traedros similhantes
GEOMETRIA NO ESPAÇO 33

HABC e habt, vemos que satisfazem ás mesmas condições


dos polyedros propostos : as faces homologas HAC e ha c são
similhantes. Podemos do mesmo modo determinar outros tetrae
dros HACD e hacd, que são similhantes ; e, continuando
assim, concluimos que os polyedros propostos são similhantes,
visto poderem -se considerar formados por tetraedros similhan
tes e similhantemente dispostos.

SUPERFICIES CURVAS E SOLIDOS REDONDOS

80. Superficie curva é aquella que não tem parte alguma


plana. Em geometria elementar podem-se considerar as super
ficies curvas geradas pelo movimento de uma linha, que se
denomina geratriz da superficie, seguindo no seu movimento
uma ou muitas linhas fixas denominadas directrizes.
As superficies geradas por uma linha recta denominam-se
regradas, as quaes podem ser empenadas e planificaveis.
São empenadas quando se não podem planificar sem se ras
garem ou formarem pregas; e planificaveis quando se podem
extender sobre um plano sem se rasgarem ou formarem pregas.
Superficie cylindrica é a superñcie gerada poruma recta
movendo -se parallelamente a si mesma, e apoiando -se sobre
uma curva plana que esteja fixa.
Superficie conica é a superficie gerada por uma recta pas
sando por um ponto fixo e apoiando -se sobre uma curva pla
na que esteja fixa.
Denominam - se superficies de revolução as ge
radas por uma linha recta ou curva girando em
torno de uma recta fixa que se chama eixo-de
revolução. Cortando a recta A C geratriz ( fig.
38) a recta A B eixo-de- revolução, a superficie
determinada é uma superficie conica de revolu
ção ; se a geratriz C D ( fig. 39 ), é parallela ao
eixo -de-revolução A B, a superficie determinada Fig . 38
é uma superficie cylindrica de revolução ; se a
geratriz fôr uma semi-circumferencia e o eixo -de revolução o
seu diametro , a superficie determinada é espherica.
81. Pyramide conica ou cone é o solido ou vo MIUR
A

lume ( fig. 40), limitado por uma superficie conica e


por uma superficie plana, que se denomina base. O
raio da base denomina -se raio do cone ; o centro da
superficie conica é o vertice do cone, e a perpendicu.
lar baixada do vertice sobre o plano da base é a al
tura do cone. O cone diz- se recto ( fig. 40) Qu obliquo Fig . 39
34 BIBLIOTHECA DO POVO

altura
Fig. 40 Fig. 41

( fig. 41) segundo o eixo é, ou não , perpendicular á base. Aresta


do cone é a recta que une o vertice a qualquer ponto da circum
ferencia da base. O cone cuja base é um circulo diz- se circular .
Quando n'um cone circular recto a aresta é egual ao dia
metro, denomina- se cone equilatero.
Tangente ao cone é toda a recta que toca na superficie coni.
ca e não a corta por mais quese prolongue.
Plano tangente ao cone é todo o plano que toca na superficie
conica e não a corta por mais que se prolongue. I'ronco de

Fig. 42 Fig. 43

cone ou cone troncado ( fig. 42) é a porção do cone comprehen


dida entre dois planos parallelos.
Bases do tronco do cone são as porções dos planos paralle
los que limitam o cone. Altura do tronco do cone é a perpen .
dicular baixada de uma das bases sobre a outra,
GEOMETRIA NO ESPAÇO 85

82. Cylindro.-- E' o solido ou volume ( fig. 43) que tem por
limites duas superficies planas parallelas, que se denominam
bases, e uma su
perficie cylindri
ca. Eixo do cylin
dro é a perpendi
cular ás duas ba
ses. Raio do cy
lindro é o raio das
suas bases . () cy
lindro diz- se recto
( fig. 43, quando o
eixo é perpendi
cular ás bases ;
quando o eixo é Fig. 44
obliquo ás bases
(fig . 41), o cylindro denomina se obliquo .
Altura do cylindro é a perpendicular baixada de um ponto
de uma das bases sobre a outra. Qualquer geratriz do cylin
dro denomina-se aresta . Quando unna das bases é um circulo,
denomina - se circular.
cylindro recto de base circular pode imaginar-se gerado
( fig. 39) por um rectangulo movendo-se em - torvo de um dos
seus lados.

m
ca
P.Ma

Fig . 45 Fig. 46

Tangente ao cylindro é toda a recta que toca na superficie


cylindrica e não a corta por mais que se prolongue.
Plano tangente ao cylindro é todo o plano que toca na super
ficie cylindrica e não a corta por mais que se orolougue.
36 BIBLIOTHECA DO POVO

Tronco de cylindro ou
cylindro troncado é a por
ção do cylindro compre
bendida entre uma base
base e um plano obliquo á
base.
83. Esphera.- E' o
solido da revolução ( fig.
45) gerado pelomov men
to de um semi - circulo em .
torno do seu diametro.
Centro da esphera é um
ponto interior igualmen
te afastado de todos os
pontos da superficie es
pherica.
Diametro da espheraé
Fig . 49 a recta que passa pelo
centro e tem ambos os
extremos na superficie da esphera. O diametro é egual ao do
bro do raio. Toda a secção feita em uma esphera por um pla
no é um circulo .
Circulo maximo da esphe 1
ra ( fig. 46) é todo o circulo
que resulta da intersecção da
esphera com um plano que
passa pelo centro. O raio de
qualquer circulo maximo é
egual ao raio da esphera.
Circulo menor da esphera
é todo o circulo que resulta
da intersecção da esphera
com um plano que não pas
sa pelo centro.
Eixo de um circulo da es
phera é o diametro perpendi
cular ao plano do circulo; os
s
seus extremo denomi nam- se
Fig . 48
pólos..
Meridiano é o circulo que resulta da intersecção da esphe
ra com um plano que passa pelo eixo do semi-circulo gerador.
Segmento espherico é uma das partes ( fig. 47) em que se de.
compõe a esphera, quandose corta por um plano. Os segmen.
tos são eguaes quando o plano passa pelo centro da esphera,
GEOMETRIA NO ESPAÇO 37

e denomina - se hemisphe Vi પે

rios.
Calotte espherica é a
porção da superficie da
esphera comprehendida
entre dois planos paral
lelos , um cortando a es
phera e outro tangente.
A circumferencia deter
minada na superficie da
esphera pelo plano que
a corta denomina- se ba
se da calotte.
Sector espherico é a
porção da esphera ( fig.
48) composta de um se
gmento e de um cóne
que, tendo o vertice no Fg. 49
centro da esphera , tem
por base a propria superficie plana d'esse segmento . O sector
espberico pode imaginar se gerado por um sector circular que
se faz girar em - torno de um dos raios extremos .
Unha ou cunha espherica é a porção da esphera limitada por
dois semi- circulos maximos que terminam em um diametro
commum, e pela porção da superficie da esphera comprehen.
dida entre elles .
Fuso ou lunula esphe
rica é a parte da super:
ficie da esphera ( fig. 49 )
limitada por duas semi
circumferencias maxi ;
mas que têem um diame
tro commum .
Camada espherica é a
porção da esphera com
prehendida entre dois
planos parallelos.
Zona espherica é a
porção da superficie da
esphera (fig . 50), com
prehendida entre dois
planos parallelos, ambos
secantes . Fig. 50
As circumferencias,
38 BIBLIOTHECA DO POVO

determinadas por ess & pianos, na superficie da esphera, de


nominam -se bases. Alturi da zona é aporção do eixo compre
hendida entre as bases .
Plano tangente á esphera é todo o plano que toca na super
ficie espherica e não a corta por mais que se prolongue.
Tangente á esphera é toda a recta que toca na superficie
pherica e não a corta por mais que se prolongue.

E
A
B'

Fig. 51

84. Em qualquer pyramide conica de base circular, toda a


secção parallelaa base é um circulo. Seja a pyramide conica
VADB (fig . 51), e A' D' B'C' o plano secante parallelo á
base ; vamos demonstrar que esta secção é um circulo. Sejam
DC, D'C', A B e A' B', as intersecções com os planos A D B
e A ' D' B' de dois planos quepassam pelo eixo VO; temos
determinados os triangulos similhantes À VO , A VO', DVO,
DVO , BVO, BI VO , OVO e C VO', d'onde tiramos
GEOMETRIA NO ESPAÇO 89

VO AO DO BO co
VO Α ' ΟΙ DIO Β ' Ο' COI
e visto serA0 - DO =
BO C O, temos que será A' O' : DIO Β ' Ο '. C
CO';
isto é, a secção Al DÎ B' C é um circulo, o que se desejava
demonstrar .
86. Denomina - se plano principal a todo o plano conduzi
do pelo eixo V O perpendicular á base ; é diz-se que o plano
é anti-parallelo á base quando é perpendicular ao plano prin
cij al .
86. Em qualquer pyramide çonica de base circular, toda a
secção anti-parallela éum circulo. Seja o plano A B V( fig. 51)
o plano principal conduzido pelo eixo V O perpendicular ao
plano da base;‫ ܪ‬determine- se a secção Al D ' B parallela ao
plano da base, e seja E D Fa eecção anti-parallela; a inter
secção d'este plano com A' D' B' é Di O'. Temos que no cir
culo Al D' B' é Dl O2 = A' O'X O ' B' (a) ; e, como são simi
Ihantes os triangulos A' O' E e Bi O' F, visto que dois angu
los de um são respectivamente eguaes a dois angulos do ou
O' Α! OF
tro, temos ou O ' A X O Bl = 0EX O ' F ; lo
O E О ВІ

go ( a) Di 012 O' EXO F ,o que evidentemente prova que


os pontos E , D'e F pertencem a uma circumferencia traça
da sobre E F como diametro; isto é, a secção anti -parallela é
um circulo, o que se desejava demonstrar.
87. Em um cóne recto , determinado o tronco do cóne por
un plano parallelo á base, as arestas são eguaes e o tronco
do cóne pode imaginar-se gerado por um trapezio rectangulo
movendo -se em-torno do lado que é perpendicular aos lados
parallelos.
88. O plano tangente á superficie convexa do cone é deter
minado por uma aresta, e pela tangente á base no ponto em que
a mesma aresta a incontra. Seja o plano VTT' ( fig. 51 ), de
terminado pela aresta V Me pela tangente ? T '; este pla
no é tangente ao cóne no ponto L da mesma aresta V Me
n'elle existirá a tangente t t' á circumferencia A' L B'C' ti
rada no ponto L, o que não pode deixar de acontecer visto se.
rem as tangentes parallelas; e como em angulos eguaes si
tuados em planos parallelos, sendo parallelos dois lados, os
outros tambem o são, concluimos que no plano das duas tan
gentes existe a recta V M , o que demonstra o theorema.
89. Planificação de um cónerecto, Planificação é o traçado
40 BIBLIOTHECA DO POVO

sobre um plano das superficies planas ou curvas que limitam


um corpo. Seja VAB ( fig. 52) o cóne recto ; desdobrando - o
M
G'

T
T
U
Fig . 5% Fig . 53

sobre um plano temos um sector circular BV C de raio egual


á geratriz e o arco B C egual á circumferencia da base. Para
determinarmos o numero de graus do arco temos a formula
no
que já conhecemos a :: 2 rx
3600
Designando por L a aresta e por R o raio da base, o com
primento do arco do sector é, como sabemos, 2 + R; temos pois
N °
· 2π R == 2π LX
360
R
d'onde tiramos nº - 360 x
·L

90. Em uma pyramide cónica a secção produzida por um


plano perpendicular ao eixo é, como já dissémos, um circulo;
se o plano cortar o eixo obliquamente, a secção é uma ellipse;
se fôr parallelo ao eixo, determina um ramo da hyperbole; se
o plano fôr parallelo a uma das geratrizes, a secção determi
da é uma parabola.
GEOMETRIA NO ESPAÇO 41

91. Pyramides cónicas similhantes são as que têem os ei


xos proporcionaes aos diametros das bases e egualmente in
clinados sobre ellas .
92. Em qualquer cylindro de base circular, toda a secção pa
rallela as bases é um circulo. Seja o cylindro de base circular
representado na fig. 53, e façam - se passar pelo eixo do cy
lindro dois planos; e sejam as suas intersecções com as bases
e com o plano C HD # parallelo a ellas as seguintes linhas,
AB, C D , EF e G G', H H , L L ', que são respectivamen
té parallelas, pelo que tiramos AO = C0 " = E 0 , G 0
H0 = L O e B 0 = D 0 " = F0' ; e, visto ser AO
= G0 = B0, EO' = L0' = F0', concluimos que CON
H0" = DO ', isto é, os pontos C, H e D, estão egualmen
te afastados de O'', o que demonstra que a secção parallela ás
bases é um circulo.
93. O plano tangente a superficie convexa do cylindro é de
terminado por uma aresta é pela tangente á base no ponto em
que a mesma aresta a incontra. Seja o plano GTT' ( fig . 53) ,
determinado pela aresta GL e pela tangente á base T T.
Se este plano cortasse a superficie do cylindro segundo a
aresta M N , esta linhą existiria no plano o qual interceptaria
a base segundo a linha L N , o que não é possivel; logo o pla
no GTTi é tangente ao cylindro segundo a aresta G I, oque
se desejava demonstrar.
194. O que dissémos, quando tratámos da pyramidecónica,
que se intendia por plano principal e secção anti-parallela,
tem identica applicação ao cylindro.
95. Planificação de um cylindro recto. Seja o cylindro re
cto representado na fig. 54 pelas suas projecções, vertical e
horizontal, que se deseja planificar; traça.se
uma recta egual a circumferencia de raio ca
rectificada; nos extremos d'esta linha levan
tam - se perpendiculares eguaes a a' a'', altu
ra do cylindro; unem-se os extremos das per
pendiculares ; e reunindo ao rectangulo cons
truido dois circulos de raios eguaes a ca LO
temos determinada a planificação do cylin
dro .
96. Cylindros similhantes são os que têem
os eixos proporcionaes aos diametros das ba
ses e egualmente inclinados sobre os planos
d'ellas. Fig. 54
07. A secção feita n'uma esphera por um
plano é um circulo. Seja a esphera representada na fig. 55
BIBLIOTHECA DO POVO

e AD Bo plano que corta a esphera. Traçando os raios 0 A,


O De O B que são eguaes, visto serem raios da esphera, e
baixando do ponto 0 sobre o plano A D B a perpendicular
OC, temos que as linhas 0 A, O DeO B obliquas eguaes,
desviar - se - hão egualmente do ponto C pé da perpendicular
O C , e teremos AC = DC = B ° C; logo os pontos A, D e B
distam egualmente do ponto C , pelo que concluimos que o
plano A D B é um circulo da esphera, o que se desejava de
monstrar.
98. Qualquer circulo maximo da esphera a divide em duas
partes equaes. Seja a esphera representada na fig. 55; voltan
do, pois, a parte da esphera
EFMG H para a parte su
в perior de maneira que se
possa ajustar a base EFGH
sobre a base EFGH da
parte superior da esphera
EFBGH, as duas super
ficies coincidem perfeita
mente, o que não pode dei
xar de acontecer, aliás os
pontos da superficie da es
phera não estariam egual
mente afastados do centro;
portanto as duas superficies
M ajustam - se, o que demonstra
Fig. 55 o theorema.
99. Todo o pluno tangente
á esphera é perpendicular ao rain tirado para o ponto de tan
gencia. E ' evidente que a menor de todas as rectas que po
dem ser tiradas do centro da esphera para o plano tangente
é o raio ; e, como sabemos (20 ), que a perpendicular baixada
de um ponto sobre um plano é menor que qualquer outra re
cta conduzida do mesmo ponto para o dito plano, concluimos
que o raio é perpendicular ao plano no ponto de tangencia, o
que demonstra o theorema.
Temos pois que para determinar um plano tangente á es. ,
phera , em um ponto, basta tirar um plano perpendicular ao
rajo dirigido a esse ponto.
100. Todo o plano conduzido pelo ponto de tangencia
que não é perpendicular ao raio, é um plano decante. E' evi.
dente que o plano é obliquo ao raio dirigido ao ponto de tan.
gencia ; e, se para esse plano tirarmos do centro da esphera
iing perpendicular, esta recta será menor que o raio, o que
GEOMETRIA NO ESPAÇO 43

prova que o plano passa entre a superficie da esphera, isto é,


o plano corta a esphera, o que demonstra o theorema.
101. Duas espheras são tangentes, quando a distancia en
tre os centros é egual á somma dos raios, ou egual á sua dif
ferença.
102. Dada uma esphera, determinar o seu diametro. Seja a
esphera representada na fig. 56. Determinando qualquer pon

Fig . 56

to A e fazendo centro n'este ponto e com qualquer abertura ,


descreve-se com um compaseo curyo o circulo menor C EDF
e marca- se sobre a circumferencia CE = CF.
Com as cordas CE , CF e EF construa -se o triangulo
isosceles ecf ; do vertice c tire-se a perpendicular c d so
bre ef, e de qualquer dos outros vertices e ou f tirem-se as
perpendiculares e dou fda ce ou f c, que intercepta a per
pendicular ao meio de e f no ponto d; temos assim determi
do o diametro do circulo menor, que é a recta cd. Com as
cordas eguaes AC, AD e a recta cd, construa-se outro
triangulo isosceles a d d ', de a tire-se a perpendicular a b
sobre c'd', 'e de qualquer dos outros vertices d' ou d tirem-se
as perpendiculares d' bou d 6 aos lados a c ou a d', que in
tercepta a perpendicular ao meio de dl dl no ponto b ; temos
assim determinado o diametro da esphera que é a recta a b.
103. Planificação da superficie da esphera. Rigorosamente
não se pode planificar asuperficie de uma esphera; porém, se
quizermos obter approximadamente a sua planificação, resol
veremos o problema da seguinte maneira.
44 BIBLIOTHECA DO POVO

Seja a esphera representada na fig. 57 pelas suas projec


ções nos dois planos, horizontal e vertical; traça -se uma recta
egual á circumferencia de raio A O rectificada, e sobre ella
marcam -se doze divisões, isto é, um numero egual de partes
em que está dividida a circumferencia .
Levantando perpendiculares (fig. 58) 1 m, l'm', 2" m", Il m '" ,

ιι ' ι " ι ".

L
dll
A G

M m m ' n '

Fig. 57 Fig . 58

ao meio de cada uma das divisões a b, cd, cd, de, determi


pando a grandeza d'essas perpendiculares respectivamente
eguaes a metade da circumferencia rectificada e traçando 08
arcos de circulo lam, lbm, V bm', U'cm', llcm ' ,'11 dm ',
etc., temos a planificação de doze fusos, que é approximada
mente a superficie da esphera planificada. Na fig. 58 estão
apenas representados quatro fusos; do mesmo modo, como aci .
ma dissémos, se completariam os doze, ficando assim resol
vido o problema.
104. Angulos esphericos.-- Angulo espherico é a inclina
ção reciproca de dois arcos de circulos maximos da esphera.
O ponto A (fig. 59), onde os arcos se incontram, denomina - se
vertice do angulo ; e os arcos A B e A C , lados do angulo.
Um angulo espherico designa-se por tres lettras, designan
do a do meio o vertice. Os angulos esphericos dizem-se eguaes
quando os lados de um se podem ajustar perfeitamente sobre
os lados do outro. Os angulos esphericos gozam das mesmas
propriedades dos angulos diedros ou dos angulos rectilineos;
assim temos aos angulos esphericos a compieta applicação dos
seguintes principios.
GEOMETRIA NO ESPAÇO 45

Um arco de circulo maximo incontrando outro arco de cir


culo maximo, fórma dois angulos esphericos cuja somma é
egual a 180º; se estes angulos são eguaes, dizem-se rectos e
cada um tem 900 e os arcos são perpendiculares. Se um arco de
circulo maximo for perpendicular a outro, este tambem é perpen
dicular ao primeiro. De um ponto de um arco de circulo ma
ximo, só se pode levantar um arco de circulo maximo perpen
dicular ao primeiro. Os angulos esphericos verticalmente op
postos são eguaes. Assim como estes se applicariam todos os
outros principios.
106. O angulo espherico mede-se pelo rectilineo formado pe
las tangentes aos lados tiradas dos vertices, ou pelo arco de cir
cubo maximo, descripto do vertice como pólo, e intercepto pelos
lados do angulo. Seja E A D o angulo espherico representado
na fig. 60; temos que o angulo TAT' formado pelas tangen
tes aos lados do angulo espherico é egual ao rectilineo DOE
determinado pelos raios da esphera O De O E , que são per
pendiculares a A B assim como o são astangentes A Te Å T ';
os raios da esphera existem nas faces do angulo diedro
DAB E cuja medida é expressa pelo arco D Е , que é egual

TS

C D
B a
b с

-i B
i
Fig. 59 Fig . 60

mente a do rectilineo D O E, e do angulo que lhe é egual


TAT', como este é do angulo espherico E A D. Egualmente
! como o angulo diedro D ABE é a medida do angulo esphe
rico proposto, e a medida do primeiro é o arco de circulo ma
ximo descripto de A como pólo, temos que este arco é tam
bem a medida do angulo espherico.
46 BIBLIOTHECA DO POVO

106. Dado um arco de cir .


culo na superficie da esphera ,
determinar um dos pólos d'esse
T
circulo. Seja CD ( fig. 61 ) O
arco de circulo e determine.se
o seu diametro E F , como já
dissémos (102 ) ; determinado
o circulo maximo A' EBF,
traça- se o diametro A' B per .
pendicular a E F ; fazendo
centro em C e em qualquer
outro ponto H do arco CD,
descrevem-se arcos de circulo
com o raio de grandeza A' E ,
08 quaes se interceptam n'um
с
ponto P, que dista egualmen
D
te de D, de C e de H ; te
mos que esse ponto é o pólo
do circulo cujo arco era co
nhecido.
H
107. Os angulos esphericos
Fig. 61 estão entre si como 08 angulos
diedros determinados pelos pla
nos dos seus lados. Enunciando este theorema, parece -nos
comtudo dispensavel a sua demonstração n'estelogar por ser
perfeitamente identica á que apresentámos no g 40.
108. Construir um angulo espherico egual a outro angulo es
pherico dado. Seja o angulo espherico dado D A E ( fig. 60 );
do vertice A como pólo descreve -se o arco do circulo maximo
DE, e do ponto A como pólo (fig. 61) descreve -se o arco de
circulo maximo C C'; e marcando CD'egual a D E ( fig. 60 ) e
fazendo passar por Dum arco de circulo maximo, temos o an
gulo espherico C A D egual ao angulo espherico DAE, o
que se desejava.
109. Dividir um angulo espherico em duas partes eguaes.
Seja o angulo espherico CĀ D ( fig. 61); do ponto Al como
pólo descreve-se o arco de circulo maximo C D; dividindo es.
to arco ao meio pelo ponto a e fazendo passar por este ponto
o arco de circulo maximo A a B, temos por este arco o an
gulo espherico dividido em duas partes eguaes.
110. Triangulos esphericos.-- Triangulo espherico é a fi
gura determinada na superficie da esphera por tres arcos de
circulo maximo, a cada un dos quaes se dá o nome de lado.
Os triangulos esphericos distinguem- se ema nto aos seus la.
GEOMETRIA NO ESPAÇO 47

dos pelos seguintes nomes : equilateros, isosceles e scalenos,


segundo têem todos os seus lados eguaes, so dois eguaes, ou
todos deseguaes. Os arcos de circulo maximo que formam o
triangulo espherico, limitam as faces de um angulo triedro
cujo vertice está no centro da espbera.
Dá-se o nome de polygono es
pherico á figura determinada na
л superficie da esphera por differen
tes arcos de circulo maximo que se
interceptam dois a dois.
111. Em todo o triangulo esphe
rico, qualquer lado é menor que a
B somma dos outros dois e maior que.
a sua differença . Seja o triangulo
espherico A B C ( fig. 62), e o trie
dro correspondente V AB C. Como
já demonstrámos (50), sabemos que
Fig. 62 n'um angulo triedro qualquer das
faces é menor que a somma das
outras duas e maior que a sua differença ; temos, pois, que o
angulo A OB < A0C + B O C , BOCKAOB + A0 C , e
COA < A0B + BOČ; mas a medida do angulo A O B é
A B, do angulo B O C é ,
B C , e do angulo COA é& A C; logo
temos tambem AB < AC + BC BCKAB + AC, e

AC <A B + B C, d'onde tiramos A C> AB - BC,


A B > B C- A Ce B C > AC - A B , isto é, qualquer la
do menor que a somma dos outros dois e maior que a sua dif
ferença, o que se desejava demonstrar . 1

112. Em todo o triangulo espherico a somma dos tres lados


é menor que a circumferencia de um circulo maximo da esphe
ra, isto é, menor que 3600. Seja o triangulo espherico ABC
(fig. 62) e o triedro correspondente 0 A B C. Como já demons
trámos (51), sabemos que a somma das faces de um angulo
polyedro convexo é menor que quatro angulos rectos ; temos,
poir, que A OB + BOC + COA < 3600 ; mas a medida do
angulo A O B é A B , do angulo B O C é B C , e do angulo
00 A & A C ;logo AB + BO + AC < 360º, o que se de
bejava demonstrar.
118. Nos triangulos esphericos neunbm lado pode ser egual
48 BIBLIOTHECA DO POVO

a 180º ; pode, comtudo, nos triangulos esphericos haver um


lado maior que 1800.
114. Os triangulos esphericos traçados em espheras eguaes
ou na mesma esphera, apresentam os seguintes casos de egual
dade : quando os seuslados são eguaes e similhantemente dis
postos ; quando têem dois lados eguaes e similhantemente dis
postos, eegual o angulo formado por esses lados ; quando têem
dois angulos respectivamente eguaes e similhantemente dis
postos, e egual o lado adjacente a esses dois angulos; e quan
do têem tres angulos respectivamente eguaes e similhante
mente dispostos. Determinando os triedros que correspondem
aos triangulos esphericos, como acima já fizemos, facilmente
com applicação do que dissémos quando tratámos dos triedros
(52 e 53) se demonstram os casos de egualdade dos triangu
los esphericos.
116. Se tivermos um triangulo espherico, e se dos seus ver
tices, como pólos, descrevermos arcos de circulos maximos,
estes arcos determinam outro triangulo espherico, em que os
seus vertices são reciprocamente pólos dos lados do primeiro
triangulo ; os triangulos esphericos que satisfazem a estas
condições denominam -se triangulos polares.
POLYEDROS INSCRIPTOS E CIRCUMSCRIPTOS
A' PYRAMIDE CONICA, AO CYLINDRO
E A' ESPHERA

116. Inscrevendo na base de uma pyramide conica um po


lygono regular e unindo os vertices d’este polygono com o
vertice da pyramide conica, temos uma pyramide inscripta
que seráregular se a pyramide conica fôr recta, e as suas
arestas são geratrizes do cóne. Circumscrevendo na base de
uma pyramide conica um polygono regular e unindo os ver
tices d'este polygono com o vertice da pyramide conica, te
mos uma pyramide circumscripta que será do mesmo modo
regular se a pyramide conica for recta. Os apothemas das py
ramides regulares circumscriptas ás pyramides conicas rectas,
são geratrizes do cóne. Temos, pois, que uma pyramide está
inscripta ou circumscripta a uma pyramide conica, quando &
sua base está inscripta ou circumscripta na base do cone e
ambas têem o mesmo vertice.
117. Inscrevendo ou circumscrevendo a cada uma das ba.
ses de um cylindro um polygono regular de egualnumero
de lados respectivamente parallelos, e unindo os vertices dos
GEOMETRIA NO ESPAÇO 49

angulos do polygono superior com os vertices do polygono in


ferior, temos inscripto ou circumscripto no cylindro um pris
ma. As arestas do prisma inscripto são geratrizes do cylin .
dro. Temos, pois, que um prisma está inscripto ou circumscri.
pto a um cylindro quando tem as suas bases inscriptas ou
circumscriptas nas do cylindro.
118. Inscrevendo ou circumscrevendo n'um circulo maximo
de uma esphera um polygono regular de numero de lados mul.
tiplo de qua e fazendo o semi ygono uma revolução in
teira em -torno do seu diametro, que se conserva immovel, te
mos inscripto ou circumscripto na esphera um corpo compos.
to de duas pyramides cónicas rectas (a primeira e a ultima)
e de troncos de cone ; e se inscrevermos e circumscrevermos,
aos cóaes e aos troncos de cone, pyramides regulares e tron
ços de pyramides (116) , do mesmo numero de faces e onde
os lados das bases sejam respectivamente parallelos, temos fi
nalmente inscripto ou circumscripto da esphera um polye.
dro, cajas faces são triangulos e trapezios, e que é composto
de duas pyramides regulares (a primeira e à ultima) e de
troncos de pyramides. Temos, pois, que um polyedro está ins
cripto quando os seus vertices estão na superficie da esphera
ra , e circumscripto quando as suas faces são tangentesá es
phera.
119. Em um prisma triangular a somma das áreas de quaes
quer duas faces é maior que a terceira . Seja o prisma trian .
gular A B C D E F (fig .63); deseja -se demonstrar que as fa
ces AF +BF > A E. Conduzindo por um ponto G da ares
ta A D um plano G H L perpendicular a AD, este plano se
rá tambem perpendicular ás arestas B E e C F que são pa
rallelas a A D, visto que (23), se uma de duas parallelas fôr
perpendicular a um plano, tambem a outra o será. Conside
rando os parallelogrammos A FeB F de bases A D e CFe
respectivas alturas G Le L H , e sabendo que a área de um
parallelogrammo é egual ao producto da base pela altura, te
mos que
AF - ADXGL
e BF = CFX LH
Sommando temos
AF + BF - ADXGL + CFX LH
E visto ser AD = CF
tiramos AF + BF = ADX (GL + LH ) (a );
do inesmo modo a área do parallelogrammo
AE = AD XGH ( 6 )
Mas em virtude de ser GL + LH> G H , comparando as
50 BIBLIOTHECA DO POVO

egualdades ( a) e (6), concluimos que A F + BF ) AE, O


quese desejava demonstrar.
120. A superficie convexa do cylindro é sempre maior que
superficie do prisma inscripto e menor que a do circumscripto.
Seja o cylindro de base Ē F G H representado na fig . 64, e
inscreva -se no cylindro um prisma A B C D E F G H; de
signando por Ca superficie convexa do cylindro e por P a
superficie do prisma, vamos demonstrar que é C > P.
a superficie convexa do cylindro nãofôr maior que a do
prisma, será menor ou egual; isto é, C < P ou C = P.
Suppondo o caso de ser c < Pe designando por d a diffe

H
B
HT

F

Fig. 63 Fig. 6 '

rença , evidentemente será C + 8 = P (a) ; duplicando o nu .


mero de lados do polygono base do prisma, temos os polygo
nos bases A a Bb Cc D d e EeFfGgHh de um novo pris
ma Pl, as quaes bases differem da base do cylindro uma gran.
1
dezà s de modo que seja s < 2
8. Mas, como a porção de
superficie convexa do cylindro A a.g.H é maior que o paral.
lelogrammo Ag face do prisma inscripto Pl, assim como to
das as outras porções da superficie convexa do cylindro com
GEODETRIA NO ESPAÇO 51

saradas com as faces lateraes do prisma Pl, ternos que cada


face d'este prisma será menor que a porção da superficie do
cylindro que lhe corresponde accrescentada de dois segmentos
de circulo das duas bases , e portanto C + 2s > Pl. Mas vis
to ser P ' > P , e como suppuzemos (a) C + = P , evidente
mente será C +28 > C + 8 d'onde tiramos s > 8,

1
o que é impossivel, visto ter-se feito s < d.
2
Concluimos que não pode ser c < P , nem C = P, porque,
sendo P ' > P , teriamos C < P ', o que é absurdo, como aca
bamos de mostrar ; logo é c > P, o que se desejava demons
trar. Se considerarmos agora o prisma circumscripto, deseja
se demonstrar, designando por C a superficie convexa do cy
lindro e por P a do prisma circumscripto, que é c < P. Mais
resumidamente demonstraremos esta parte do theorema at
tendendo ás considerações que já acima fizemos.
Se não é c < P será C > P ou C = P ; considerando
C > P e designando por d a differença , temos C = P +8 (a).
Dúplicando o numero de lados do polygono base do priemà P
determinamos o prisma P'; e designando por s a differença
entre a área da base d'este polygono e a do circulo, base do
1
cylindro, de modo que seja s < 8 , evidentemente será
2

Pl + 28 > c .
Mas visto ser P > P', e como suppuzemos ( a) C = P + d,
1
temos P +28 > P + 8, d'onde tiramos 8 > 8, o que é ab.
1
surdo, visto termos considerado s < 2
8 ; logo não é c > P
nem CEP, porque sendo Pl < P teriamos C > P', o que é
absurdo como se acaba de mostrar; logo é c < P, o que se
desejava demonstrar.
121. A superficie convexa da pyramide cónica é sempre
maior que a da pyramide inscriptae menor que a da circum
scripta.A demonstração d’este theorema não julgamos de ne
cessidade apresentál-a, visto que para chegarmos á conclu.
são do principio ennunciado se pode seguir exactamente a
demonstração que démos no theorema anterior.
52 BIBLIOTHECA DO POVO

122. A superficie da esphera é maior que a do polyedro


inscripto e menor que a do circumscripto. Se tirarmos um
plano pelos pontos em que as pyramides cónicas (inscriptas
ou circumscriptas) tocam na esphera, determinadas essas py
ramides como já vimos (118 ), temos que determinarão de um
e de outro lado na circumferencia da secção duas superficies,
das quaes a exterior é maior que a interior ; portanto a som
ma das primeiras (isto é, a superficie espherica) é maior que
a somma das segundas, que são as superficies convexas dos
cónes inscriptos, e menor que a somma das superficies dos
cones circumscriptos. Temos, pois, que a superficie do polye
dro é maior que a superficie cónica inscripta e menor que a
circumscripta ; logo concluimos que será maior que a superfi.
cie da esphera inscripta e menor que a da circumscripta, o que
se desejava provar.
123. Designando por L o lado do polyedro regular inscri
pto n'uma esphera de raio ? conhecido, damos as seguintes
formulas que são de conveniente exercicio e applicação. No
tetraedro temos

2XrXV
L
2 X V3
no hexaedro -7
3

no octaedro L = rxv ,
no dodecaedro L = " * (V15 --V3 )
L :
3

e no icosaedro L
V 10 (5 - V5 ) .
Areas e volumes

124. A área de qualquer pyramide regular, avalia - se mul


tiplicando metade do perimetro da base pelo apothema da py
ramide. Seja a pyramide V A B C D E F (fig . 31); designan.
do por A a sua área, por P o perimetro e por a o apothema (57)
P
temos que será A X a. Como sabemos, as faces de uma
2
GEOMETRIA NO ESPAÇO 53

pyramide regular são triangulos isosceles eguaes entre si (59)


e temos tantos triangulosquantos são os lados do polygono
A B C D E F , base da pyramide ; portanto, a área da pyra
mide será a de um dostriangulos A V B multiplicada pelo
numero de lados do polygonobase. Mas a área do triangulo
AB
AV Béegual a 2
multiplicada pela sua altura (que desig
gnamos por a, e queé o apothemada pyramide); logo designan
do por n o numero de lados da base, temos a área da pyrami
AB P
de A Xa x n ou A X a, o que se desejava pro
2 2
var .

125. A área do tronco de qualquer pyramide regular ava


lia -se multiplicandometade da somma dos perimetros das duas
bases pela altura de um dos trapezios, faces do tronco. Seja
o tronco da pyramide regular representado na fig. 31 , as suas
faces lateraes Aab B , Bbc C , etc., são trapezios isosceles to
dos eguaes entre si .
Unindo o ponto o com b, c, d, e, f, é evidente que os trape
zios rectangulos o a A 0 , ob B O, etc., são todos eguaes en .
tre si, temos a A : 6 B = CC = dD= eE =fF , logo as
faces lateraes do tronco são todas eguaes entre si. Designan.
do por a a altura de uma das faces, temos que a área de uma
AB tab
d'ellas A a b B será egual a x a ( visto ser a área
2
de um trapezio egual á semi-somma das bases multiplicada
pela altura ); sendo n o numero de faces do tronco, será a sua
A B + ab XaXпоu A B X n + ab xn
área Xa; e , co
2 2
mo ABXne ab x n são os perimetros das bases que po
demos designar por Pep, temos a área do tronco de pyra
P +P
mide A
2
X a, o que desejavamos demonstrar.
Cortando o tronco da pyramide por um plano perpendicu.
lar e ao meio do eixo o 0, o perimetro da secção produzid :
P+p
10 tronco por esse plano é egual a 2
(como se viu no
21.° 139 da Geometria Plana ); logo pode avaliar- se a área do
54 BIBLIOTHECA DO POVO

tronco do cóne, multiplicando o perimetro da secção parallela


ás bases e a egual distancia d'ellas, pela altura de uma das
faces.
126. A área de qualquer prisma avalia -se multiplicando por
uma das arestas laterues do prisma o perimetro da secção per
pendicular a essa aresta. Seja o prisma A B C D E F (fig . 63 )
e GHL a secção recta, cujo lado G L será a altura da face
A F, L Ha altura da face CE, e HG a altura da face A E.
Temos, pois, que a área de cada uma das faces é
AF - ADXGL
CE = CFX LH
AE BEX HG
logo a área lateral do prisma será eguala
ADXGL + CFXL H + BEX HG
Mas visto ser AD = CF = B E , que são as arestas late
raes do prisma, temos que a sua área, designando- a por A,
será Å = ADX (GL + LH + HG )
o que se desejava demonstrar.
Pelo que acabamos de demonstrar concluimos que a área
de um prisma rectoavalia -se multiplicando o perimetro da base
pela altura do prisma.
Notaremos que nos corpos que temos considerado não en
tram as áreas das suas bases.
127. A área de qualquer polyedro avalia-se, sommando as
áreas das suas faces.
128. A área da superficie lateral de um cylindro avalia.
se multiplicando a circumferencia de uma das bases pela altu
ra do cylindro. Como sabemos, as bases do cylindro são os li.
mites dos polygonos regulares inscriptos e circumscriptos
quando se duplicam successivamente o numero de lados d'es
ses polygonos, com os quaes podemos determinar prismas re
gulares inscriptos e circumscriptos ao cylindro (que se pode
considerar um prisma regular de um grande numerode lados)
e cujas faces quasi se confundem com a superficie lateral do
cylindro. Temos, pois, que designando por A a área da super
ficie lateral do cylindro, por C à circumferencia da base, e por
a a altura do cylindro, temos
A = Cxa
Para obtermos & superficie total do cylindro, teremos de
accrescentar a área das bases . Designando egualmente por A
a superficie total do cylindro, temos
A = 2xπη2 + CΧα
ou A = 2 XT p2 + 2+ r xa
d'onde tiramos A = 2r (r + a),
GEOMETRIA NO ESPAÇO 55

isto é, a drea total do cylindro avalia se multiplicando a cir.


cumferencia da base, pela somma do raio da base com a al
tura do cylindro.
129. A área de um tronco de cylindro recto avalia-se mul
tiplicando a circumferencia da base pelo eixo.
130. A área da superficie convexa de um cóne avalia-se
multiplicando metade da circumferencia da base pela aresta.
Se inscrevermos e circumscrevermos na base do cóne polygo
nos regulares, e se duplicarmos successivamente os lados d'es
ses polygonos, temos que a mencionada base é o limite para
que tendem esses polygonos com os quaes podemos determi
nar pyramides regulares inscriptas e circumscriptas ao cone,
que podemos considerar uma pyramide regular de um grande
numero de faces que quasi se confundem com a superficie
convexa do cóne.
l'emos, pois, que designandopor A a área da superficie con
vexa do cóne, por C a circumferencia da base e por L a sua
1
aresta , temos A CX L ou a r X L.
2

Para obtermosa superficie total do cóne, teremos deaccres


centar á expressão acima determinada p2 que é a da base do
cone ; logo, designando egualmente por A a superficie total do
cóne, temos
A = 7r XL + 1 r2
ou A == r (L + r)
isto é, a superficie total de um cóne avalia-se multiplicando
metade da circumferencia da base pela somma da aresta com
o raio da base.
131. A área de um tronco de cóne recto avalia -se multipli
cando metade da somma das circumferencias das bases pela
aresta do tronco. Seja o tronco de cone A B C D ( fig. 65 ); e
designemos por A a área superficie lateral, o raio OC
da base, e r o raio o A da outra base. Temos que inscrevendo
e circumscrevendo nas bases do tronco do cóne polygonos re
gulares, e se duplicarmos successivamente os lados d'esses
polygonos, as ditas bases são os limites para que tendem
esses polygonos, com os quaes podemos determinar ( fazendo
paesar planos pelos lados parallelos dos polygonos) troncos de
pyramides regulares inscriptos e circumscriptos no tronco do
cone, que podemos considerar um tronco de pyramide regu
lar de um grande numero de faces que quasi se confundem
com a superficie convexa do tronco do cóne. Mas, como acima
dissémos, a área do tronco de uma pyramide regular avalia-se
56 BIBLIOTHECA DO POVO

multiplicando metade da somma dos perimetros das bases pela


altura de um dos trapezios faces do tronco; será a área da
superficie lateral do tronco
de cone determinada pela ex
А B pressão A = ( R + ar) x
X AC, isto é, metade da
somma das circumferencias
das bases pela aresta A C do
tronco.
E A área de um tronco de
cóne recto tambem se póde
avaliar multiplicando pela
aresta do tronco a circumfe
с rencia da secção equidistante
das bases do tronco, pelo que
temos a expressão da área
Fig. 65 A = 2 XO E X AC (a )
Como se vê O' E é o raio
da circumferencia da secção parallela que podemos designar
por r ; temos pois A = 2 rX A C ..
132. Podemos tambem determinar a área da superficie la .
teral de um tronco de cone multiplicando a altura do tronco
pela circumferencia , cujo raio é a perpendicular ao meio da
aresta, comprehendida entre esta e o eixo do tronco. Seja o
tronco de cone A B C D ( fig. 65) , do ponto A baixe- se a per
pendicular AF sobre a base, e do ponto E que divide ao meio
à aresta AC tire-se a perpendicular EM ; temos determi .
nados dois triangulos rectangulos similhantes A FCEO'M ,
d'onde tiramos
EM O'E
ou O! EX AC = EMXAF
AC AF
multiplicando ambos os membros por 2 - temos
2 XO' EXAC = 25 X EMX AF
mas 27 X O EX A C é a área do tronco (a) ( 131 ) ; logo o se.
gundo membro da egualdade será a área do tronco, isto é,
2 t X EMX AF
A =
a circumferencia do raio E M multiplicada pela altura AF
do tronco, o que se desejava demonstrar.
133. A área da esphera avalia-se multiplicando o seu dia
metro pela circumferencia de um circulo maximo. Pelo que te
mos dito, facilmente se applica o principio de que a área da
esphera é o limite commum das áreas dos cónes e troncos de
cónes inscriptos e circumscriptos produzidos duplicando suc
GEOMETRIA NO ESPAÇO 57

cessivamente o numero de lados dos polygonos inscriptos e


circumscriptos'ao circulo maximo, e avaliando as áreas d'es
ses cones e troncos de cones, como fizemos no numero ante
rior, sommando -as e tirando a circumferencia do circulo ma
ximo, que é factor commum , temos, designando por A a área
da esphera : A = 2 r X 2 Tr.
D'esta expressão tiramos A = 475 r2 (a) ; isto é,a superficie
da esphera é egual a quatro circulos maximos. Egualmente
da expressão A = 29 x 275 r tiramos A=- + * D2,designan
do D o diametro, pelo que concluimos que a área da esphera
é egual ao producto de a pela segunda potencia do diametro.
Da expressão (a) conhecida asuperficie da esphera pode
mos determinar o raio, isto é,

A
4

134. As áreas das espheras estão entre si como os quadrados


dos raios. Da expressão A = 4 75r2 e designando por a a área
de outra esphera de raio rl temos a == 4 + 1/2, d'onde tiramos :
A 4π 2 A 22
d'onde
7/2
o que se desejava demonstrar.
a 4 6 pl2 a

135. A área de uma calotte avalia -se multiplicando a sua


altura pela circumferencia de um dos circulos maximos da es .
phera. Designando por A a área da calotte de altura h, temos
A = 27r Xh, o que facilmente se demonstra attendendo ao
que dissémos quando tratámos da esphera .
136. A área de uma lunula avalia -se multiplicando a da
esphera pela relação entre o angulo espherico da lunula e qua
tro angulos rectos. As lunulas esphericas são proporcionaes
aos seus angulos esphericos ; temos pois que as superficies da
Junula e da esphera estão entre sicomo o numero de graus
do angulo correspondente á lunula e quatro angulos rectos; e
designando por L & superficie da lunula, A &da espbera, e
nooo numero de graus do angulo espherico da lunula, temos :
L no L по
ou d'onde tiramos
A 3600 47572 3600
no
L = 4 75 72 x o que se desejava demonstrar.
3600
137. Sendo à zona egual á differença de duas calottes a
58 BIBLIOTHECA DO POVO

sua área avalia -se multiplicando a sua altura pela circumfe


rencia de um circulo mascimo.
138. A área de um trianguloespherico é expressa pelo ex
cesso da somma dos tres angulos do triangulo sobre dois rectos,
sendo o angulo recto a unidade angular e o triangulo tri-rectan
gulo a unidade de superficie. SejaA B C o triangulo espherico
( fig. 66), e prolonguem -se os lados até completarem as circum
ferencias ; temos que ACB + ACB é egual á lunula B ,
ACB + ABC! é egual á lunula C , e ACB + A C B é
egual á lunula A; sommando estas egualdades temos,
2 A CB + (ACB + ACB! + ABC! + AC!B') .
2 ( B + C + A), d'onde tiramos 2 ACB + 45
2 ( B + C + A) ou à CB = B + C + A - 2, o que se de
sejava demonstrar.
139. Designando por A, A , A1, All e Allll as áreas do te
traedro, bexaedro, octaedro, dodecaedro e icosaedro insori
ptos n'uma esphera de raio conhecido, as seguintes expres
sões determinam o valor d'essas áreas :

А
8 X 12 XV3
3
- 8 x 72

A":= 4 x 12 xV3, T

All = 2 X 12 V10 (5 V5 )
All = 2 X 12 * (5V3 - V15)
140. Medir o volume de um corpo é conhecer quantas ve
ves este contêm outro conhecido, o qual se considera como
unidade. A unidade de medida é o cubo cuja aresta é equal
á unidade linear, e divide- se esta unida
А
de em mil decimetros cubicos, cada deci.
с metro em mil centimetros cubicos e cada
um d'estes em mil millimetros cubicos.
Dá-se o nome de solidos equivalentes aos
que têem volumes eguaes sob fórmas dif
ferentes.
141. São equivalentes dois parallelipi
A pedos quando têem uma face commum eas
faces oppostas a esta n'um mesmo plano, tria
Fig . 66 comprehendidas entre duas parallelas. Se
jam os parallelipipedos ABCDEFGH tur
GEOMETRIA NO ESPAÇO 56

e LBCONMGH ( fig. 67), que têem a face commum


BG HC e as oppostas ADEF e LMNO no mesmo pla
DO
e comprehendidas entre as parallelas A 0 e FN. Te
mos que o parallelipipedo_ABCDEFGH compõe-se do
prisma triangular AB LG FM e do tronco BCDLMEHG ,
e o outro parallelipipedo LBCONMGH compõe-se do
mesmo tronco e do prisma triangular DCOEN H ; mas, vis
to os dois prismas serem eguaes (72) concluimos que os dois
parallelipipedos considerados são equivalentes, o que se de
sejava provar .
142. Os volumes de dois parallelipipedos rectangulos são
proporcionaes aos productos das suas bases pelas suas alturas
A demonstração é similhante á que apresentamos en o n.° 132
da Geometria Plana . Este principio pode generalizar-se con
siderando quaesquer parallelipipedos, visto poderem- se de
terminar parallelipipedos rectangulos e equivalentes a estes,
de bases equivalentes e da mesma altura.
143. O volume de um parallelipipedo avalia-se multiplican
do a base pela altura. Designando por P o volume de um
parallelipipedo de base B e altura H , e p outro parallelipi
pedo de base b e altura h , temos, pelo que acima dissémos,
Р В XH Р B Н
-
ou X
p 6xh р b h

Se fôr, porêm, o parallelipipedo p a unidade de volume, se


rá a sua base a unidade de superficie, e a sua aresta a uni
dade linear ; logo temos
Р P H
lv 18 11

isto é, P = BXH, o que se desejava demonstrar.


Pelo que acabamos de dizer se de
M N duz que o volume de um parallelipi.
pedorectangulo é egual ao producto
das tres arestas de um dos seus angu
los solidos, e o volume de um cubo
egualá terceira potencia da sua aresta.
144. O volume de um prisma trian
B gular avalia -se multiplicando a área
Fig . 67
da base pela sua altura. Qualquer
prisma triangular é metade do paral
lelipipedo de base formada por dois
triangulos eguaes à base do prisma e que tenha a mesma al.
tura ; logo o seu volume é metade da base d'este parallelipi .
60 BIBLIOTHECA DO POVO

pedo (que é a base do prisma) multiplicada pela sua altura,


o que se desejava provar.
145. O volume de qualquer prisma avalia -se multiplicando
o ,área da base pela sua altura. Todo o prisma se pode de
compôr em prismas triangulares da mesma altura ; e, avalian
do à área de cada um d'estes prismas, temos que a somma
d'essas áreas, isto é, a área do prisma proposto, é egual ao
producto da sua base pela altura.
146. O volume de um tetraedro é a terça parte do prisma
triangular da mesma base é da mesma altura. Unindo o ponto
C com De E ( fig . 63) e o ponto D com B, facilmente se vê
o tetraedro CD FE, que tem a mesma base e a mesma al.
tura do prisma ABCDEF; temos mais os tetraedros CABD
e CBD E, que têem egualmente a mesma base e altura ; por
tanto o prisma compõe-se de tres tetraedros equivalentes, is
to é, o volume de um tetraedro é a terça parte do prisma trian
gular da mesma base e da mesma altura , o que se desejava
provar. Pelo que dissemos, temos que o volume de um tetrae
dro é egual á terça parte do producto da base pela sua altura.
147.O volume de qualquer pyramideé egual a terça parte
do producto da base pela sua altura . Qualquer pyramide pode
decompor -se em tetraedros cujos volumes são respectivamen
te eguaes a um terço do producto da base pela sua altura
( 146 ); e, visto o volume da pyramide ser equivalente á som
ma dos volumes dos tetraedros, concluimos que oseu volume
será egual á terça parte do producto da base pela sua altu
ra. O volume de um tronco de pyramide é egual ao producto
de um terço da altura pela somma das áreas das suas bases
e da meia proporcional entre estas.
148. O volumede um cylindro avalia -se multiplicando a área
da base pela sua altura. Deduz -se facilmente a verdade d'es
te principio, attendendo ao que dissemos no § 145 .
149. O volume de um tronco de cylindro recto avalia -se mul
tiplicando a área da sua basepelo eixo.Ajustando sobre o tron
co de cylindro dado um outro egual, de maneira que fique de
terminado um cylindro, teremos um cylindro com a base do
tronco cujo volume queremos conhecer; seu eixo será duplo
do eixo do tronco assim como o seu volume ; concluimos, por
tanto, que o volume do tronco é egual ao producto da área
da sua base pelo eixo.
150. O volume de um cone é egual a um terço da sua altura
multiplicado pela área da sua base. Deduz -se facilmente a ver
dade d'este principio, attendendo ao que dissemos no § 147.0
tronco de um cóne, cujas bases são parallelas, é egual a um
GEOMETRIA NO ESPAÇO 61

terço da sua altura multiplicado pela somma das suas bases


e da meia proporcional entre ellas.
151. Os volumes de cylindros similhantes e de cones simi.
lhantes estão entre si como os cubos dos raios das suas bases
ou como os cubos das suas alturas ou eixos.
152. Se considerarmos uma esphera constituida ou forma
da pormuitas pyramides cujos vertices concorram n'um mes
mo ponto ( centro da esphera), e determinando cada uma das
bases d'essas pyramides uma pequena porção da superficie ex
terior da esphera, cujo raio será a altura de uma e de todas
as pyramides, temos que o volume de uma das pyramides que
consideramos será egual á base multiplicada por um terço do
raio ; concluimos que o volume da esphera, egual á somma dos
volumes de todas as pyramides, será egual à sua área multi
plicada pela terça parte do raio. Designando por Vo volume
de uma esphera de raio r, sabendo que a expressão da sua
1 4
área é 4 75 ml, temos V = 4 92 x To p3. Se desi.
3 3
D
gnarmos por D o diametro da esphera, será r e o seu

1
volume V == To X D.

153. Sendo conhecido o raio r de uma esphera, podemos


calcular pelas seguintes expressões o volume V do tetraedro,
hexaedro , octaedro, dodecaedro e icosaedro, inscriptos d'essa
esphera ; e, designando pela ordem acima indicada as expres.
sões dos volumesdos mencionados polyedros, temos ;
8
V. p3 V 3
= 27

8
V 93 V 3
- 9

4
V p3
3

v * V10(8+ 15)
62 BIBLIOTHECA DO POVO

2
V= - 703
3 10 + 2 V 5
154. Os volumes da esphera , do cylindro e do cone equilate
ros circumscriptos, estão entre si como os numeros 4 , 6 e 9. Te
mos que 27 r3 será o volume do cylindro circumscripto, 3 7 73
4
o do cóne. Teremos , portanto , TE 93 : 2 33 : 3 75 73. Isto é, o
3
volume da esphera, do cylindro e do cóne circumscriptos es
4
tão entre si como : 2: 3 = 4 : 6 : 9, o que se desejava .
3
155. Os volumes da esphera , do cylindro e do cóne equilate
ros inscriptos, estão entre si como 32, 12V2 e
9. Designando
seguidamente ao volume da esphera, o do cylindro equilatero
inscripto e o do cóne, temos :
4
75 73 :
түзу 2 , 3 т P3 32 : 12V2 : 9
3 2 8

o que se desejava provar.


156. O volume de um sector espherico avalia -se multiplican
do peloterço da área da calotte o raio da esphera. Designan
do por V o volume de um sector, temos
1
V go x 2 + r xh
3

2 to 12
isto é, V Xh
3

157. O volume de um segmento é egual a differença entre o


volume do sector e do cóne que lhe corresponde. Designando por
R o raio da espbera, h à altura do segmento e r o raio da
base, temos representado por Vo volume do segmento :
25 R2 Tr2
VE xh (R - h)
3 3
d'onde tiramos
1
V: 5 h2 (3 R - h)
3
GEOMETRIA NO ESPAÇO 63

158. O volume de uma cunha espherica avalia -se multipli


cando o terço da lunula correspondente pelo raio da esphera.
159. Pelo que acima dissémos, concluimos que o volume
do cylindro recto circumscripto á espbera é meio proporcio
nal entre o volume da esphera e o do cóne, e do mesmo modo
o volume do cylindro inscripto é meio proporcional entre o
volume da esphera e o do cóne.
160. Os volumes das espheras são proporcionaes aos cubos
dos seus raios.
161. Os volumes de pyramides similhantes são proporcionaes
aos cubos das suas arestas homologas. Considerem -se as pyra
mides similhantes V AB CD EF e Vabcdef ( fig. 31) cu
jas alturas VO e Vo são linhas homologas, e teremos
VO AB
(a )
Vo ab
e designando por V o volume da primeira pyramide que con
sideramos, e por v o volume da segunda, temos
V ABCDEFX VO
(6)
V abcdef x Vo
Mas, visto ser
ABCDEF A B2
teremos (6)
abcdet a 62
V A B2 X VO
v
a 62 x Vo
Logo (a) vem o que se desejava demonstrar, isto é,
V A B3
V a 63

Decompondo polyedros similhantes em egual numero de


tetraedros similhantes, cujos volumes são proporcionaes aos
cubos de arestas homologas, facilmente se deduz o seguinte
principio : Os volumes de dois polyedros similhantes são pro
porcionaes aos cubos das suas arestas homologas.
162. Para se determinar o volume de qualquer polyedro
irregular, decompõe-se em outros, cujos volumes se possam
determinar pelos principios estabelecidos.

FIM
Casa editora DAVID CORAZZI, Lisboa , Rua da Atalaya, 40 a 52

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risprudencia. N.°19, Manual do fabricante de vernizes. N.° 20,Telegraphia electrica. N.º
81 , Geometria plana. N. ° 22 , A Terra e os Mares. N. ° 23, Acustica. N.° 24 , Gymnas.
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DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS

Premiada com medalha de ouro na Exposição do Rio de Janeiro


Administração: 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa
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Filial no Brazil : 40, R. da Quitanda, Rio de Janeiro

NUMERO
44

INDICE

Introducção . 3
Alimentos e substancias alimentares . Divisão e classi.
ficação. Composição dos alimentos. Regimen animal e
regimen vegetal. Regras hygienicas 6
Fome e sêde ... 43
Alimentação sufficiente e insufficiente . 45
Da alimentação considerada com relação aos sexos, eda
des e diversos generos de vida ... 48
Da alimentação nos diversos climas . 51
Da alimentação durante a doença . 52
Epilogo.... 58

ERRATAS MAIS IMPORTANTES

Pag. Linha Onde se lê Leia -se


5 23 practique pratique
13 26 uma certa analyse uma certa proporção
28 26 a 27 terstroemiaceas ternstroemiaceas
>> 39 e que a differença e dizem que a differença
29 35 Poligot Péligot
35 30 Da combustão d'estas Da combinação d'estas
39 22 posto pasto
44 2 mais abundante menos abundante
45 26 larga immersão longa immersão
36 do liquido de liquido
49 7 a que habita nos a que se habitua aos
51 19 excessivo e o excessivo o
20 as digestões e as digestões
54 40 nas curas nos casos
57 7 Hypocrates Hippocrates
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO

INTRODUCÇÃO

A Bibliotheca do Povo e das Escolas, no volume XVI da


sua collecção occupou -se da Hygiene em geral ; o capitulo V
d'esse volume tomou por assumpto, dando-lhe apenas o des
involvimento compativel com a indole d'estes livrinbos, a ali
mentação. No presente volume vamos dar a esta parte da Hy.
giene ( a alimentação) maior desinvolvimento, sem comtudo
nos esquecer o fim a que se destinam estes opusculos, quasi
exclusivamente apropriados aos que não podem intregar-se a
e profundos estudos.
largo estudo daMiygienele tãovasto comoimportante.Não é
muito facil decidir qual das sub - divisões da Hygiene é a que
merece preferencia pela sua importancia relativa . Todas as
questões da Hygiene se ligam umas com as outras ; cada uma
d'ellas tem estreitas e intimas dependencias das mais ; e é
até difficil, senão impossivel, escolher a melhor ordem por
que devem ser estudadas.
Por estas razões e pelos limites absolutos que estes livros
devem ter, torna - se mais difficil a, já de si pouco facil, tarefa
detratar de uma parte isolada da Hygiene.
De entre os diversos ramos em que pode dividir -se a Hyé
giene, é a alimentação um dos mais importantes. A machina
humana no seu complicado organismo consome, pasta conti .
4 BIBLIOTHECA DO POVO

nuamente, materiaes na reparação das suas perdas. O organis


morefaz -se, por assim dizer, a todo o momento: e o combus
tivel indispensavel para que a machina não pare, para que a
vidase prolongue nos seus naturaes limites,é o alimento.
Adeante trataremos de definir o que seja alimento, sem
comtudo ligarmos excessiva importancia ás definições, não só
n'este como em todos os mais assumptos. Já passou a moda
do pretendido rigor nas definições. Estão todos convencidos
de que para nada serve perder tempo em procurar dar defi
nições de coisas cujo estudo é a sua melhor definição. Prefe .
re-se hoje, com toda a razão, estudar bem uma coisa qualquer
na sua utilidade real e práctica, a fingir que em breves e la
conicas palavras se pode dar uma perfeita idéa d'ella.
E ', porém ,indispensavel no estudo da Hygiene, em que ya
mos intrar, fazer certas distincções, sem o que reinaria con
fusão no que vamos contar e explicar aos nossos leitores.
Será indispensavel definir alimento e alimentação, assim
como distinguir as differentes especies de alimentos, sua na
tureza, suas propriedades e sua utilidade relativa, etc.;
d'isto tratará o 1.º capitulo.
Para que o individuo sinta a necessidade da reparação de
suas forças, a Natureza adverte -o porsensações especiaes, de
nominadas fome e sêde. Farão estas duas sensaçõeš o objecto
do 2.º capitulo.
O homem e em geral os animaes podem -se achar em cir
cumstancias de lhes ser impossivel reparar completamente as
forças gastas não só pelo regular funccionamento dos seus or
gãos como pelo gasto anormal e extraordinario de forças em
pregadas em trabalho. Pode a sahida ser maior que aintrada,
e haver deficit ou falta na substancia reparadora. Pelo con
trario, pode o gasto ser menor que o recebido, e por ultimo po
derá dar-se à Justa o necessario equilibrio na receita e des
peza. Assim a alimentação pode ser insufficiente,excessiva, ou
sufficiente. Estas tres circumstancias serão expostas no capi
tulo 3.0
São variadas e diversas as circumstancias em que pode
achar-se o homem ; e as forças que tem que empregar variam
tambem e diversifícam , necessitando esse emprego quantida -
des e qualidades diversas de alimentos, -isto é, a alimentação
deve estar em harmonia com o clima em que se vive, com o
genero de vida a que nos damos, e com o sexo do individuo .
T'eremos de consagrar os capitulos 4.° e 5.0 & estas circums
tancias. -
Durante a doença, quando é irregular o funccionamento dos
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 5

orgãos, quando deixa a vida de ser dirigida pelas leis physio


logicas para obedecer a leis pathologicas (@), a alimentação
deve ser sujeita a condições especiaes. Suas condições faråd
o 6.ºcapitulo do nosso livrinho.
Diligenciaremos sen claros e methodicos n'este resumo, de
modo que elle, aproveitando especialmente a quem é de pre
ferencia destinado, possa tambem ser lido sem tedio por aquel
les que, conhecedores do assumpto, queiram n'estes pequenos
livros incontrar um summario das materias que mais desin
volvidamente estudaram em outros logares.
Quanto possivel, circumscrever-nos-bemos, nas citações e
referencias que fizermos, ao que n'estaBibliotheca já ha es
cripto,-muito imbora para a elaboração do presente volume
tenhamos consultado trabalhos extranhos, entre os quaes par
ticularizaremos os seguintes :
J. J. Ferreira Lapa - Technologia rural; artes chimicas,
agricolas e florestaes. 1865.
Michel Lévy - Traité d'hygiène publique et privée. 1850.
Mialhe - Chimie appliquée à la physiologie et à la therapeu
tique. 1856.
J. A. Marques ---- Elementos de hygiene militar. 1854.
A. Payen - Les substances alimentaires. 1856.
M. Vernois - Traité practique d'hygiène industrielle. 1860.
H. Beaunis — Nouveaux élements de physiologie humaine.
1876.
A. A. da Costa Simões - Elementos de physiologia humano .
1861.
J. Beclard - Traité élémentairede physiologie humaine. 1862.
A. Bouchardat - Traité d'hygiéne publique et privée. 1882.
Fondsagrives - Tratado de hygiene naval ( traducção de J.
F. Barreiros) . 1862.
Nysten - Dictionnaire de médecine, dechirurgie, de pharma
cie et des sciences qui s'y rapportent. 1858.

(* ) Physiologia é a parte das sciencias médicas que lo occupa das lela da vl


da no estado normal į Pathologia é a que trata das doenças ou do estado mor .
bido .
6 BIBLIOTHECA DO POVO

ALIMENTOS E SUBSTANCIAS, ALIMENTARES. DI


VISÃO E CLASSIFICAÇÃO . COMPOSIÇÃO DOS
ALIMENTOS . REGIMEN ANIMAL E REGIMEN VE
GETAL . REGRAS HYGIENICAS .

-A alimentação é uma parte da nutrição. Comprehende-se


bem a distincção que ha entre estes dois termos, reflectindo
que o homem , e em geral todo o animal, se nutre alimentan
do-se e tambem respirando; assim a nutrição comprehende a
alimentação, mas é um pouco mais do que ella.
No já citado vol. XVI da Bibliotheca do Povo e das Escolas
vêm transcriptos(a pag.40) uns periodos do celebre physio
logista francez Claudio Bernard, os quaes bem fazem conhe
cer em que consiste o complexo de funcções que todas têem
por fim ultimo a nutrição.
Se os nossos leitores lerem essa citação, ficarão bem conhe.
cendo de um modo geral o que seja a nutrição e o complexo.
dos actos em que ella póde, para o estudo, sub -dividir-se.
As funcções de nutrição, que distinguem o animal do mi.
neral (sendo tambem diversas entre o animal e o vegetal no
seu modo de executar-se e nos seus fins immediatos), as func
ções de nutrição, dizemos , comprehendem a digestão, a absor
pção e assimilação, e finalmente a nutrição propriamente di
ta (tomando aqui esta palavra como representando o fim , a
essencia, o resultado ultimo de todos os actos anteriores ten
dentes á conservação do individuo).
A digestão é o primeiro acto preparatorio da nutrição. O
homem , e os animaes em geral, precisam de elementos extra
nhos para os converter na sua propria substancia, modifican
do-os para isso dentro em si (em uma especie de laboratorio
muito complexo ); isto é, o homem para se conservar precisa
nutrir -se e para se nutrir precisa de alimentar-se e alimenta
se digerindo (quer dizer, transformando as substancias, que
adquire do exterior, na sua propria substancia).
Estes materiaes, estas substancias, denominam-se substan
cias alimentares; e é o seu estudo especial que forma o obje .
cto do presente livrinho ( ).
(* ) Intenda - se que este estudo não se refere á chimica intima, vital, do orga
pismo; porém só olha a questão hygienicamente,
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 7

Todas as substancias, solidas ou liquidas, que podem ser


empregadas nos processos nutritivos de assimilação (*) são
substancias alimentares. O ar atmospherico, posto que indis
pensavel e essencialissimo para a vida e intrando na nutrição
geral, não pode considerar -se, no rigor do sentido da palavra,
uma substancia alimentar. E'.um elemento de nutrição, con
serva a vida para a qual é indispensavel e com mais urgen
cià immediata do que os alimentos, mas não é propriamente
um alimento.
Todos sabem a diversidade de substancias com que nos nu
trimos. Na nossa alimentação entram variadas substancias,
de origem animal umas , pertencentes outras ao reino vegetal
e ao mineral algumas . As carnes , os vegetaes e fructos di
versos com que costumamos alimentar -nos, a agua, o vinho e
diversos liquidos que bebemos, são alimentos e contêem na súa
composição materias diversas, algumas das quaes por si só
poderiam ser consideradas como substancia alimentar, isto é,
capazes de por si concorrerem para o grande fim , a nutrição.
Um exemplo vai bem patentear a nossa idéa.
Em 100 grammas de trigo (substancia alimentar) ha, ter
mo médio :

Agua.....
Materias azotadas .
15,00
13,25
Amido ou fecula ... 60,68
Dextrina e glycose .. 5,48
Cellulose . 2,66
Materias gordas . 1,68
Saes . 1,25
100,00
Ora a agua é um liquido, uma substancia alimentar; e quem
se nutrir com 100 grammas de trigo, apropria- se de 15 gram
mas de agua .
As materias azotadas diversas, como sabemos peloestudo da
Hygiene em geral, são muitissimo importantes; e em 100 gram
mas de trigo incontram - se 13,25 d'estas substancias utiliza
veis para a nutrição.
Egualmente n'esta porção de trigo se acham 60,68 de ami
do ou fecula, materia não azotada, mas egualmente precisa
( *) Intenda - se por assimilação o acto complexo pelo qual as substancias ali.
mentares, devidamente preparadas e transformadas, passam a fazer parte dos
diversos tecidos e humores dos animaes.
8 BIBLIOTHECA DO POVO

para a putrição. Incontram -se dextrina, glycose e materias


gordas, também servindo para a reparação dos tecidos; e fi
nalmente saes diversos, na proporção de 1,25 : 100, represen .
tam a parte mineral d'este alimento.
Cada uma d'estas qualidades de substancia é alimentar ;
reunidas formam uma substancia alimentar complexa. Assim
o trigo é uma substancia alimentar complexa.
0 trigo é tambem um alimento ; mas , não servindo no seu
estado natural, sem mais preparação, para nos alimentar, é
por isso preparado e transformado em farinha e esta em pão,
de modo que nalinguagem vulgar é o pão que se chamaali
mento, reservando -se a palavra substancia alimentar para re
presentar todos os diversos materiaes em que a substancia
alimentar complexa se sub -divide, ficando assim facilitado o
seu estudo e bem apreciavel a sua influencia na nutrição.
Do mesmo modo à carne é uma substancia alimentar com.
plexa ; fórma por si um alimento, depois de convenientemen
te preparada por diversos processos culinarios; é o que se
chama na linguagem usual e vulgar um alimento.
A agua tambem é um alimento .
Cremos ter ficado assim bem definida a differença entre
substancia alimentar complexa, substancia alimentar simples,
e alimento.
Passemos á classificação e divisão das substancias alimen
tares e alimentos.
As substancias alimentares, consideradas emquanto à sua
origem , podem dividir-se em : animaes, vegetaes e mineraes .
Todas ellas são necessarias e importantes, mas são- n'o des .
egualmente. Como veremos, seria impossivel fazer-se bem e
completa a nutrição, empregando só uma d'estas qualidades
de substancias alimentares. Não concorrem egualmente para
o resultado final; completam -se e algumas d'entre ellas não
se podem substituir por outras. As mineraes são as mais de
ficientes. As vegetaes servem por si só para um certo nume
ro de especies animaes ; para o homem (de cuja alimenta
ção e hygiene tratamos agora) só as substancias alimentares
de origem animal, por isso que em si incerram parte das ou
tras, poderiam exclusivamente servir para a nutrição. Desde
já convêm , porêm , ensinar que, imbóra algumas substancias
alimentares de origem animal e vegetal se possam olhar co
mo completas por conterem em si todos os materiaés precisos
para a nutrição (o leite, por exemplo, que n'um certo periodo
de vida é alimento exclusivo e bastante para o homem e para
os outros mammiferos), não podem essas substancias indefi
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 9

nidamente e sem mais auxiliares nutrir completa e perfeita.


mente.

O casoda alimentação exclusiva pelo leite é umaexcepção


aberta somente para o periodo em que os orgãos digestivos
não se acbam aptos ainda para, usando de outros alimentos,
tirarem d'elles a parte util e assimilavel (-).
Sempre que por experiencia ou por necessidade se tem em
pregado por longo tempo uma alimentação exclusiva, vegetal
ou aindaanimal, os resultados têemprovado que o organismo
se não conforma com estes exclusivismos e alterações nas
funcções e na estructura do corpo ,-vindo logo demonstrar que
a nutrição para ser completa e perfeita devefazer- se por meio
de materias diversas animaes, vegetaes e mineraes, nas pro-
porções que havemos de apontar, devidamente variadas e
preparadas.
Em Hygiene chama-se regimen alimentar a maneira por que
se executa a nutrição, quanto ás materias de que se compõe.
Se predominam nos alimentos de que nos servimos as sub
stancias tiradas do reino animal,o regimen diz-se animal. Se
a parte vegetal excede e predomina, o regimen chama-se ve
getal.
Não se intende em qualquer dos casos que seja exclusivoo
regimen, porque (comovimos) o exclusivismo não satisfaria ás
condições da vida-eisto passaria a ser experiencia e não re
gimen normal.
Os mineraes porsi só não constituem regimen alimentar. As
substancias de origem mineral são uteis, como demonstrare
mos ; mas por si só não alimentam, não refazem as perdas do
organismo.
O corollario hygienico que d'estas considerações se deduz
immediatamente é que o regimen precisa, para serproficuo, de
ser mixto .
Esta proposição tem uma completa demonstração no estudo
da composição dos alimentos, a qual passamos a examinar.
Para este estudo carecemos de invocar certos principios
de Chimica organica.
Procuraremos ser claros e precisos na exposição d'estes
principios.
Occupa-se a Chimica organica do estudo dos compostos or
ganicos, isto é, dos que entram na composição do organismo.
«Não existem duas especies de chimicas » como bem disse Du
(*) A nutrição exclusivamente com leite poderia fazer-se ; mas muito contie
Duada não satisfaria de todo.
10 BIBLIOTHECA DO POVO

mas. Toda a chimica é naturalmente inorganica ; isto é, ella


estuda sempre os corpos brutos, não vivos, não organizados.
Sómente por facilidade do estudo é que se divide a Chimi
ca em inorganica e em organica - assumpto, de que a Biblio
theca do Povo e das Escolas se occupou já nos vol. XVII,
XXVII e XXXIX, da' sua collecção.
Aqui, sómente recordaremos certas noções mais indispen
saveis para a prompta comprehensão do que houvermos de
expôr na especialidade que ora nos occupa.
Principios immediatos dos vegetaes e animaes são os cor
pos solidos, liquidos ou gazosos, que em resultado final se
obtêem por uma analyse anatomica perfeita, sem decomposi.
ção chimica, isto é, por coagulação e crystallizações succes
sivas, dos diversos humores, de substancia organizada.
São corpos definidos ou não (isto é, tendo ou não composi
ção fixa e estavel); são emgeral mui complexos na sua com
posição; e, pelas combinações variadas e multiplas que entre
si formam , constituem a substancia organizada e os elemen
tos anatomicos.
Os principios immediatos dividem-se em tres classes, e al.
gumas especies d'essas classes incontram-se na mais pequena
porção de substancia organica.
As classes são :
1. Principios crystallizaveis ou volateis, sem decomposição,
de origem mineral. Tiram -se do organismo com a mesma fór
ma (pelo menos em parte) tal como ahi haviam intrado . Uns
são gazosos, outros liquidos ; uns são acidos, e outros salinos.
Sirvam de exemplo : 0 oxygenio, & agua, os carbonetos, os
sulphatos, etc.
2.a Principios crystallizaveis ou volateis sem decomposição,
formando-se no proprio organismo e sabindo d'elle directa ou
indirectamente como corpos excrementicios (isto é, corpos já
inuteis para a vida). E' a classe mais numerosa em especies
tanto nos animaes como nos vegetaes. Para exemplo apresen
taremos : principios acidos, taes como acido carbonico, lacti.
co, etc., e saes d'estes acidos; principios alcaloides (-) vege
taes e animaes, e principios neutros (por exemplo, creatina,
creatinina, uréa, etc.) ; principios gordos, oleosos, resinosos,

( * ) Chamam -se assim certos corpos que se extraem dos vegetaes e animaes,
e que, por neutralizarem os acidos, se consideram como alcalis; d'aqui o nomé
de alcaloides
.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 11

taes como oleina, stearina, camphora, etc.; principios assu


carados (como, por exemplo, o assucar do figado, do leite, da
canoa, etc.).
3.1 A terceira classe abrange os principios não crystalliza
veis, coagulaveis quando são naturalmente liquidos ou oleo
808, e cujas especies se formam dentro do proprio organismo,
com o auxilio dos materiaes, aos quaes os principios da 1.a
classe servem de vehiculo, e que, decompondo-se no proprio
logar onde se formaram e onde existem , se tornam em mate
riaes de producção dos principios da 2.a classe.
São estes os principios, sem analogos no reino mineral,
que formam a parte principal dos seres organizados, d'onde
lhes vem o nome de substancias organicas que especialmente
têem.
Umas são solidas ou semi-solidas como a globulina,a muscu
lina , a cellulose, etc. Outras são liquidas ou semi- liquidas, como
as precedentes, azotadas nos animaes, em parte azotadas eem
parte não azotadas nos vegetaes (por exemplo : fibrina, albu
mina, etc.; legumina, albumina vegetal, dextrina, gomma,
etc.) .
Ha ainda substancias organicas córantes e coradas, como a
hematosina, a biliverdina , a chlorophylla, etc.
D'estas tres classes de principfos immediatos as duas pri
meiras só podem variar em quantidade no organismo, sejam
quaes forem as condições em que este se ache. Suas proprie
dades e sua composição só se poderão alterar mudando ellas
de pezo especifico. As especies da 3.a classe, podem, sem al
teração na sua composição elementar, apresentar modifica
ções nas suas propriedades e constituiçãomolecular, não des.
apparecendo os seus caracteres especificos fundamentaes.
Estas modificações são muito numerosas e diversas : pro
duzem-se ou lentamente ou de uma maneira brusca e re.
pentina, pela influencia de condições exteriores em que a
economia animal se incontre, ou directamente pela introdu
cção na economia (inoculação) de certos principios.
Todas estas explicações um pouco fastidiosas, indispensa
veis, porêm, para se comprehender a alimeņtação e a sua hy
giene, têem por fim mostrar, que existindo no organismo uma
grande complexidade de estructura, havendo n'elle grande
variedade de compostos organicos, sendo os tecidos e humo
res do organismo de uma variada composição, e gastando-se,
consumindo -se, destruindo-se incessantemente materia para
a sustentação da vida, é forçoso e indispensavel fornecer ao
organismo novos materiaes que vão reparar esses gastos, re.
12 BIBLIOTHECA DO POVO

novar essas substancias consumidas e substituir a materia


destruida ou transformada.
Costuma-se em geral dividir os alimentos em plasticos e
respiratórios, ou em azotados e não azotados; e é de notar
que nos alimentos naturaes, antes das preparações culina
rias, se incontram em proporções convenientes os materiaes
azotados e não azotados, já dispostos da melhor maneira para
a nutrição perfeita.
A distincção entre plasticos e respiratorios é fundada no
seguinte :
Nos tecidos animaes entram diversos compostos da maio
ria dos quaes o azote faz parte. E ' necessario que na repara
ção d'estes tecidos entre o azote, para que a plasticidade, ou
å propriedade de crear tecidos, de regenerar a substancia
animal, se possa dar. Os alimentos azotados pre- enchem este
fim , e por isso se denominam plasticos.
Mas isto não é bastante, pois que a experiencia prova que
os principios azotados por si só não são sufficientes para con
servar a vida. Renovam os tecidos ; mas os outros (os não
azotados, em geral conhecidos pelo nome de bydro -carbona
dos) têem missão egualmente importante. Estes supprem o ca
lor animal visto que são reductiveis em acido carbonico e agua,
por uma especie de combustão lenta, com o auxilio do oxygenio
fornecido pela respiração, e denominam -se por esta razão res.
piratorios .
Esta divisão não é absolutamente rigorosa porque as sub
stancias plasticas podem concorrer e decerto concorrem para
as funcções respiratorias. Não querendo, porêm, ligar a esta
divisão um sentido rigoroso e absoluto, é ella perfeitamente
admissivel.
Os principios azotados são quaternarios por n'elles intra
rem, em proporções diversas, o oxygenio, o hydrogenio, o
carbonio e o azote. Este ultimo não faz parte dos ternarios.
Para exemplo dos primeiros podemos tomar a albumina; e
para exemplo dos segundos a glycose.
Passemos agora a estudar resumidamente a maneira por
que estes principios entram na composição dos alimentos .
E' o sangue, como diz Claudio Bernard, o centro de todos
os phenomenos da nutrição. Continuamente recebe o sangue ,
do exterior e dos proprios tecidos , principios novos, restituin.
do - lhes outros em troca ; e, apezar d'estas continuas mutações,
conserva - se elle (no estado normal) n'um perfeito estado de
equilibrio de constante composição.
Sem intrarmos n'um minucioso estudo da nutrição (não só
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 13

por não ser este o logar apropriado, como tambem porque


para o nosso fim é inutil agora ), não podemos deixar de dizer
duas palavras sobre a composição do sangue.
O sangue anatomicamente considerado é um liquido que
tem globulos em suspensão (-). Apresenta-se, na especie hu
mana, com uma côr vermelha, variando entre o vermelho- ru
bro e o vermelho-escuro (carregado ). Tem um cheiro especial;
é alcalino, tem sabor um pouco salgado e enjoativo. O seu
pezo especifico varía entre 1,045 e 1,075.
Consta de uma parte solida e de outra liquida, dispostas
pela maneira seguinte :

1. Partes solidas ou globulos globulos vermelhos


(fibri
globulos brancos .. coalho
na ou parte
2.• Parte liquida ou plasma... coagulavel ....
( soro
3.° Gazes do sangue

No sangue existem , ainda materias mui diversas, taas co


mo : agua; materias solidas organicas (como a albumine, a
fibrina, a heinatina) ; saes (como por exemplo, chloretos de
sodio, de potassio, phosphatos de sodio, de potassio, de cal
cio e de magnesio); soda, etc.
A digestão tem por fim elaborar os alimentos, tirar d'elles
materiaes que reconstituam o sangue para o qual entram , de
pois de convenientemente preparados, pela absorpção.
Já o leitor vê, pois, que deve haver uma certa analyse,
uma determinada harmonia entre a composição dos elemen :
tos e a das materias que entram na composição do sanguee
dos tecidos em que elle se transforma (de um modo em parte
ainda pouco bem estudado e conhecido), para que a nutrição
possa dar-se completa e perfeitamente.
A primeira regra hygienica da alimentação (ou, antes, da
escolha dos alimentos) é portanto que ellessejam capazes de
se transformarem em principios assimilaveis (**) uns, e auxi
liadores da combustão respiratoria outros. E 'portanto indis
pensavel que os alimentos sejam azotados uns, e ternarios ou hy
dro - carbonados outros.

( *) Corpusculos com Omm ,007 de diametro e Omm ,0019 de espessura (ao ho


mem) .
(**) Susceptivois de se transformar nos materiaes do sangue.
14 BIBLIOTHECA DO POVO

Predominam nos tecidos animaes (nas carnes principalmen


te, de que fazemos uso quotidiano) os principios azotados, ao
passo que os vegetaes contêem muito maior proporção dos
principios ternarios ou hydro - carbonados. Ambas estas espe
cies têem partes mineraes, mas em diminutas proporções
(principalmente de sal- marinho, sal -commum ou sal-das-cozi
nhas, que é o mais predominante nos nossos tecidos), de modo
que, para o alimento ser completo, precisa de ser mixto ( isto
é, animal e vegetal), e addicionado com sal e outros condi
mentos que, senão fazem parte do sangue e tecidos, concor
rem para a nutrição excitando convenientemente e fazendo
melhor funccionar o laboratorio ( estomago e intestinos) onde
se ha - de realizar a elaboração.
Como acima já dissémos, é a alimentação mixta a mais
conveniente para o homem; e por isso se diz que elle é omni.
voro (-).
Sem duvida o regimen animal exclusivo pude sustentar a
vida por largo tempo. E' certo que com um regimen exclusi
vamente vegetal se poderá o homem sustentar por algum
tempo, menos bem do que com um regimen animal exclusi
vo. Porêm , do primeiro modo o apparelho digestivo tarde ou
cedo se resentirá e a nutrição acabará por se fazer mal ; e
no segundo em mais ou menos tempo a despeza excederá a
receita , e haverá deficit (isto é, falta de nutrição e todas as
suas tristes consequencias).
A parte mineral da alimentação entra na nutrição geral
como um comparsa , util sempre, necessario as mais das ve
zes, mas dispensavel algumas.
O primeiro dos alimentos, o mais completo, é o leite, cuja
composição é conveniente saber, porque representa elle o ty
po do alimento .
O leite contêm, nas especies abaixo indicadas, os seguin .
tes principios :
Mulher Vacca Cabra Ovelha Burra
Agua ..... 889,08 857,05 863,58 839,89 910,24
Partes solidas . 110,92 142,95 136,42 160,11 89,76
Caseina... 39,24 54,04 46,59 53,42 20,18
Manteiga . 26,66 43,05 43.57 58,90 12,56
Assucar de leite .. 43,64 40,37 40,04 40,98 )
Saes mineraes .. 1,38 5,48 6,22 6,81 57,02

(* ) Disposto para se alimentar de toda a especie de alimentos apimaes e


vegetaes.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 15

Assim os leites segundo a sua riqueza grupam-se do modo


seguinte :
Ovelha . 839,89
Vacca .. 857,05
Cabra.. 863,58 ) Agua
Mulher . 889,08
Burra .. 910,24
Burra .... 20,18 )
Mulber . 39,24 Albuminados e mais compostos
Cabra .. 46,59
Ovelha . 53,42 similhantes á albumina
Vacca ... 54,01
Burra ... 12,56
Mulher 26,66
Vacca .. 43,05 ) Manteiga
Cabra .. 43,57
Ovelha .. 58,90 )
Mulher .. • • • 45,023
Vacca .. 45,85
Cabra .. 46,26 ) Asbucar de leite, e saes
Ovelha . 47,79
Burra . 57,02)
Oleite tem pois todos os materiaes necessarios para a nu
trição e não pode ser substituido por alimento algum . Nutre
perfeita e completamente o recem-nascido, servindo -lhe de
natural alimento até que os orgãos digestivos tenham o des
involvimento preciso para elaborarem dos outros alimentos
os principios necessarios á nutrição.
E' um grande e gravissimo erro o costume, geralmente se
guido, demuito cedo começar a dar alimento ás creanças.
Grave-se bem na memoria dos nossos leitores : que o leite
é um alimento completo e perfeito, e que a creança de nada
mais precisa para se alimentar, até que os dentes appareçam
emnumero sufficiente para a mastigação.
Do desprezo d'esta regra de hygiene nascem doenças ás
vezes gravissimas para as creanças.
Vejamos agora a composição da carne de vacca.
Em 100 grammas achou Berzélius :
16 BIBLIOTHECA DO POVO

Agua.... 77,17
Fibra carnosa , fibrina, 15,80
Tecido cellular intermuscular 1,90
Albumina ... 2,20
Substancias soluveis na agua, não coagulan
do pela ebullição (creatina, etc., acido la
ctico, saes soluveis) ... 1,05
Substancias soluveis no alcool 1,80
Saes insoluveis... 0,08
100,00

Os ovos, de que tanto uso fazemos, têem na sua composi


çãoduas especies de substancias com propriedades diversase
dedifferente composição : materias azotadas comprehendendo
a albumina ou clara, a vitelina (materia azotada que existe
na gemma), a materia corante, e as membranas da clara e da
mesma gemma ; e materias não azotadas, que são as substan
cias gordas (principalmente oleina, margarina, etc).
Tôem os ovos, além d'isto, grande proporção relativa de
agua o saes.
A clara do ovo 'ou albumina fórma por si só quasi os dois
terços em pezo do ovo e tem pouco mais ou menos 12 a 14
por 100 de albumina solida ; o resto é formado por agua e saes.
Os ovos formam , portanto, um alimento bastante completo
para servirem por si sós para a nutrição, e mais importante
se torna na alimentação geral o seu papel se considerarmos
ogrande e variado número de combinações culinarias a que
elles se prestam .
Procuremos agora a composição de uma substancia alimen
tar de origem vegetal, e entre ellas escolheremos o pão que
para muita gente serve de base de alimentação e até de ali
mentação exclusiva.
O pão é formado pela farinha dos cereaes (*).
E umas vezes a farinha de trigo a unica que entra na com
posição do pão ; outras vezes,a farinha de trigo é addicions
da uma certa proporção de farinha de centeio, de cevada e
até de aveia. Ó milho é tambem em certas localidades (per
exemplo, nas nossas provincias do norte) muito empregado
para o fabrico do pảo.
Já estudámos qual era a composição do trigo ; e sabemos

(*) Trigo, centeio , milho, cevada , etc.


HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 17

que em 100 grammas de trigo ha 13,25 de materias azotadas,


taes como o gluten, etc.
Ora acabamos de ver que em 100 grammas de carne de vac
ca ha só de fibrina (materia azotada) 15,80 ; portanto a car.
ne de vacca é relativamente mais azotada que o pão.
Vejamos outras substancias vegetaes (o arroz e as batatas),
tambem muito empregadas na nossa alimentação ordinaria .
O arroz, segundo Braconnote Payen, tem em 100 grammas :
Agua ..... 5,00
Materias azotadas 6,44
Fecula ... 85,10
Dextrina e materias analogas 0,90
Cellulose 1,05
Materias gordas . 0,76
Saes 0,75
100,00

Cem grammas de batatas contêem


Agua ... 74,00
Materias azotadas 1,60
Fecula .. 20,00
Dextrina e glycose.. 1,09
Cellulose ... 1,64
Materias gordas 0,11
Saes 1,56
100,00

O arroz tem, pois, em relação a egual pezo de carne de


vacca, muito menos materias azotadas.
As batatas, menos azotadas que o arroz, são -n'o ainda mui.
to menos do que a carne.
Se, para compararmos a força nutritiva em relação ás ma
terias azotadas, estudarmos os principaes legumes, usados na
alimentação (a saber : as favas, os feijões, as ervilhas e as
lentilhas), chegaremos ao seguinte resultado (em 100 gram
mas ):
18 BIBLIOTHECA DO POVO

Materias Fecula, Materias


Agua azotadas dextrina, Saes
etc. Cellulose gordas
Favas 16,0 24,4 51,5 3,0 1,5 3,6
Feijão... 9,9 25,5 55,7 2,9 2,8 3,2
Ervilhas ... 9,8 23,8 58,7 3,5 2,1 2,1
Lentilhas ... 11,5 25,2 56,0 2,4 2,6 2,3

Assim os legumes são, pela ordem de riqueza em azote, dis


postos na seguinte serie decrescente ; feijão, lentilhas, favas,
ervilhas .
Com respeito a riqueza feculenta, temos : Ervilhas, lenti
Ibas, feijões e favas.
O legume mais aquoso é a fava.
Adeante se verá a utilidade práctica que se pode tirar d'es
tes conhecimentos para a questão da alimentação.
Os chamados legumes verdes, herbaceos, ou legumes com fo
lhas, raizes ou fructos comestiveis (por exemplo : as couves,
as cenouras, os feijões verdes e carrapatos, etc.) têem dissol.
vidas materias dextrinadas, saccharinas, azotadas, etc., na cel
lulose que fórma, por assim dizer, o esqueleto do seu tecido ;
e estas materias entram n'elles em proporções diversas e va
riadas.
Os fructos carnosos e assucarados, taes como peras, figos
(-), maçans, etc., são em geral pouco nutritivos. Predomina
n'elles a materia saccharina, sendo a azotada reduzida a pro
porções minimas. Têem, alêm d'isto, na sua composição acidos
diversog.
A alimentação consiste não só em alimentos solidos (da
composição de alguns dos quaes, os principaes, démos uma
idéa ), mas tambem em liquidos.
Entre os liquidos, devemos mencionar em primeiro logar,
pela sua importancia absoluta e relativa, a agua.
A agua faz parte de todos os tecidos vegetaes e animaes
cmproporções variadas.
Entra, portanto, a agua na nossa alimentação, conjuncta
mente com os solidos que ingerimos.
A agua que assim fazemos intrar no organismo, pela ali.
vientação, não é, porêm, sufficiente para a nutrição ; e somos
obrigados a ingerir porção maior ou menor d'este liquido no
su estado natural.

(* ) O figo não é um fructo, mas uma especie de inflorescencia,composta de


muitos fructos reunidos, Veja - se pag. 57 da Botanica (vol. IX da Bibliotheca
do Povo e das Escolas).
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 19

Sabemos que a agua é composta (*) de oxygenio e hydro


H
genio. A sua formula é O ou H2 0 .
HY
Em 100 partes ha 11,13 de hydrogenio e 88,87 de oxygenio.
Esta é a composição chimica da agua ; porêm entram n'ella
diversas substancias que ahi se conservam em dissolução e
suspensão e que a tornam, entre certos limites, um verdadei
ro alimento .
Expliquemo - nos. A agua chimicamente pura (isto é, H2O)
não é a que nos serve para alimentação. A agua, cahida das
nuvens em forma de chuva e infiltrada mais ou menos pelas
diversas camadas de terreno, arrasta, dissolve e incorpora em
si saes diversos, uns uteis, inconvenientes outros para a nu
trição, de modo que a agua potavel varía na sua composição ;
e a sua importancia na alimentação depende da quantidade e
qualidade das materias que traz dissolvidas e suspensas, bem
como da qualidade d'ellas.
As aguas de que nos servimos para a alimentação provêm
de origens diversas. São aguas das chuvas, de rios, de fontes,
de minas nascentes
ou , etc.
As aguas de rio e de nascente são geralmente preferiveis
ás de chuva e de cisterna por causa das proporções variaveis
de materias mineraes e de gazes (ar e acido carbonico) que
contêem. A existencia de uma certa quantidade de saes na
agua (como o carbonato de calcio, chloreto de sodio, etc.) , tor
na- a mais salubre.
Na constituição chimica da agua potavel entra o ar atmos
pherico ( contendo 32 por 100 de oxygenio em logar de 21 ),
acido carbonico livre, saes soluveis de calcio, de sodio e de
magnesio, algumas vezes silica, alumina e oxydo de ferro, e
finalmente uma certa quantidade de materias organicas.
Em seguida á agua devemos mencionar, entre as mais usa
das bebidas, o vinho.
O vinho é o succo fermentado do sumo da uya. E' um com
posto chimico, complexo e variavel.
Em rigor a palavra vinho (conforme diz o sr. Lapa na sua
Technologia rural) significa todo o liquido assucarado, que
experimenta fermentação alcoolica. E por isto que se pode
dizer : vinho de uvas, vinho de peras, de maçans, etc.
No sentido usual e commercial , por vinho intende - se só o
que é feito de uvas. A composição do vinho é muito comple
(*) Consulte o leitor a este respeito o vol. XXVII da Bibliotheca do Povo e
das Escolas, pag. 24 e seguintes .
20 BIBLIOTHECA DO POVO

xa. Daremos no logar competente uma tabella dos componen


tes d'este liquido.
Baste-nos por agora dizer que no vinho entram : agua, al
cooes diversos, aldehydes, etheres, saes vegetaes e acidos li
vres, etc.
Variam os vinhos segundo a proveniencia das uvas e a quan
tidade de alcool que ellas contêem , formando este o seu prin
cipal distinctivo de importancia relativa.
As proporções dos componentes do vinho variam segundo a
proveniencia, cultura, exposição das vinhas, epocha da colhej.
ta da uva, e segundo o grau de fermentação, e portanto se
gundo o processoda fabricação.
E' o assucar, que existe na uva, que pela fermentação al
coolica (*) dá ao vinho o seu alcool, no qual se desdobra, pro
duzindo tambem acido carbonico que se evolve todo ou em
parte.
Os vinhos de Bordeus, Borgonha e Champagne, têem de 8
a 15 % de alcool. Os vinhos portuguezes, alguns, chegam a
ter 25 % de alcool.
O vinho pode considerar-se um alimento, pois que contêm,
além das materias corantes, materias azotadas, materias gor
das e saes. O tannino predomina nos vinhos tintos, que diffe
rem ainda dos brancos pela materia córante e por terem me
nos quantidade de materia azotada.
Os vinhos espumosos differem dos outros pelo acido carbo
nico que conservam em si. E ' a este gaz que é devido o es
tampido produzido no acto de abrir uma garrafa de Cham
pagne.
o uso moderado do vinho não tem inconvenientes , e até cer
to ponto pode hoje dizer-se ser um alimento indispensavel para
certos generos de vida e em certas localidades. Se o vinho
(considerado alimento) se não pode em rigor olhar como
alimento plastico, nem como respiratorio, é um auxiliar uti
lissimo em certos casos pela excitação momentanea que pro
duz. Porêm não se devem exceder certos limites n'essa exci
tação; e é impossivel determinar por meio de regras esse li
mite, variavel segundo os individuos, segundo os habitos , mo
do de vida, etc. Não é possivel dar umaregra fixa invariavel,
clara e precisa, a este respeito.
Cada um pode, porêm, avaliar em si até que ponto esse
grau de excitação e consequencias immediatas lhe convem , e
(*) Veja -se o que a este respeito ficou dito notratadinho de Chimica organi
ca (vol. XXXIX da Bibliotheca do Povo e das Escolas ).
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 21

saber-se vencer, ficando nos justos e razoaveis limites ; se não


abusar, nåo terá no vinho inconvenientes. Infelizmente, o vinho
é em grande numero de casos considerado não como um toni
co, mas só como bebida de agradavel paladar; e o abuso segue
mui de perto o uso.
Os inconvenientes do abuso do vinho e em geral das bebi.
das alcoolicas, e de algumas d'estas muito mais do que do
proprio vinho, são gravissimos. Não é para este logar o estu.
dál-os ; mas, falando de hygiene, convem expol-os e fazêl -os
bem conhecer, para que se evitem.
Começa o vinho por tornar o individuo mais alegre, mais
falador, mais communicativo. As funcções cerebraes são exci
tadas moderadamente ; parece haver tendencia para tudo se
olbar pelo lado agradavel e risonho. Diz-se tambem (com re
ferencia a este periodo da embriaguez, que outra coisa não
são na verdade os primeiros effeitos do vinho): In vino veri
tas; isto é, durante a excitação causada pelo alcool o indivi.
duo é franco e verdadeiro.
Se este quadro é risonho e festivo, se nada parece haver
de mau e prejudicial n'esta excitação momentanea e rapida
que o vinho causa,notaremos não só que o repetido uso d'estas
excitações, imbora moderadas, infraquece, debilita e trans.
torna as funções cerebraes , mas tambem que, habituando-se
o individuo depressa á porção de vinho, de alcool que as pro
duz, necessita, para que ellas se repitam , de dóses successi
vamente maiores, e d’este augmento provêm depois inconve
nientes serios e graves, um cortejo de symptomas (*) de lesões
graves e geraes da economia animal, tendo por limite extremo
o chamado delirium tremens.
Quando ainda o delirium tremens não appareça, ou antes
d'elle apparecer, manifestam - se doenças graves e que podem
causar a morte em maior ou menor espaço de tempo.
O abuso dos alcoolicos produz doenças de figado,lesões gra
ves nos tecidos (de que se podem filiar o rheumatismo, a got. ·
ta ), lesões de circulação, etc.
Pelo lado intellectual e moral,os estragos causados pelo
abuso do alcool não são menores. Turva- se a memoria, infra .
quece a intelligencia, desapparece a aptidão para o trabalho.
O caracter do individuo transtorna -se . Ainda fóra do periodo
de excitação em que o embriagado, sem consciencia de si, po
de dar-se aos maiores despropositos e até a graves delictos e
crimes, fóra d'esse estado mesmo, o individuo nãopensa livre
(*) Signaes pelos quaes se conhece uma doença pelo exame feito no doente.
23 BIBLIOTHECA DO POVO

mente ; perde o sentimento do dever ; só pensa em beber e ex


citar-se para olvidar os desacertos que, em um momento ra
pido de lucidez, a sua consciencia lhe apontou ; só quer es
quecer bebendo, e beber esquecendo o mal que a si e aos seus
faz com este abuso. Quadro tristissimo e vergonhoso em que
o homem perde o que tem de nobre na sua parte moral, para
se apresentar menos ainda do que um irracional!
Não é só o vinho e não é principalmente o vinho, que pro
duz estes males. Mais do que o vinho, as bebidas alcoolicas
(vulgarmente chamadas bebidas brancas) são damnosas, pelo
abuso, á economia humana.
Em Inglaterra, por exemplo, onde o vinho, pelo excessi
vo preço e raridade, não pode intrar na alimentação do pc
bre nem siquer do medianamente remediado, é desgraçada
mente maior o numero dos que se definham , se estragam e se
consomem, com o abuso do alcool . Servem - lhes para este fim :
a genebra, a aguardente, o rhum, etc., bebidas tanto mais pe
rigosas porque o alcool que n'ellas predomina muito em rela
ção ao volume, é da peior qualidade, e sabe- se que a prove
niencia dos alcooes influe no effeito que elles causam no ce
rebro.
As aguardentes e os licores podem conter de 40 a 65 %
de alcool ; e alguns, como o licor de absivtbo, incerram ainda
outras substancias particulares, verdadeiros venenos ( toxicos)
para o organismo e cujos effeitos n'elle se juntam aos causa
dos propriamente pelo alcool.
Em todas as estatisticas se menciona a triste e desgraçada
proporção em que os individuos usual e frequentemente em
briagados entram na lista dos criminosos e na dos alienados.
Muito de proposito insistimos n'este ponto. Parece-nos um
dever de quem escreve para o povo, para classes menos ins
truidas e que menos podem instruir- se, apontar -lhes bem fri.
zantemente os inconvenientes d'esse abuso, infelizmente tảo
vulgar em Portugal.
Diremos aindaduas palavras sobre outras bebidas alcooli
cas, taes como a cerveja, a cidra, o cognac, etc.; e depois, em
traços rapidos, completaremos o quadro dos inconvenientes
do abuso dos alcoolicos e suas ulteriores consequencias.
A cerveja ou vinho de féculas é uma bebida alcoolica resul.
tante geralmente da fermentação da cevada ou de outros
grãos de cereaes. Naturalmente o nome de cerveja provêm de
Ceres (deusa das messes ou cereaes). E ' mui antiga a cerveja ,
pois sabe -se que era já conbecida na Gallia antiga, na Gre
cia e na Hespanha, segundo Plinio refere na sua Historia
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 23

Natural:- Est in occidentibus populis sua ebrietas fruge madi


da : pluribus modis per Gallias, Hispanius que, nominibus aliis
sed ratione eadem ( o que traduzido quer dizer que nos povos
do Occidente se tirava dos fructos uma bebida alcoolica, desi
gnada com diversos nomes, mas caracterizada por identicas
qualidades, na Gallia e na Hespanha ).
No Egypto á cerveja davam o nome de zithum ; na Hespa
nha o de coelia ou ceria ; na Gallia o de cervisia .
O fermento de cerveja tambem era usado por estes povos
para levedar o pão que assim ficava mais fofo . Galliae et His
paniae frumentoin polum resoluto spuma concreta pro fermento
utuntur, diz Plinio. E accrescenta : Qua de causa levior iltis,
quam coeteris, panis est. ( «Usam do fermento tirado da espuma
concretada das fructas das Gallias e da Hespanha. Fica por
esta causa mais leve o pão do que empregando outros fermen .
tos » ).
As damas da antiguidade ( refere ainda o mesmo natura
lista ) serviam-se de fermento para amaciar a pelle do rosto...
quorum omnium spuma artem fæminarum in facie nutrit.
Isto nos prova que o uso dos cosmeticos nas damas não é
moderno ; de epochas remotas data effectivamente a tenden
cia que as creaturas feminis apresentam para aproveitar to
dos os meios no intuito de augmentar seus naturaes incantos.
Bom é que n’estes usos se não ultrapassem as regras hygie
nicas, conseguindo -se agradar sem prejuizo da saude.
Não cabe nos limites d'este livrinho expôr, nem mesmo re
sumidamente , o processo da fabricação da cerveja .
E, acerca da cerveja, poucas palavras diremos, apenas as
necessarias para comprehendermos bem sua composição e
Usos .
Dos cereaes usados para fazer cerveja, os preferidos são:
cevada, trigo, centeio e aveia (sendo d'entre estes mais usa
dos a cevadae o trigo).
A composição chimica d'estes cereaes, é, como abaixo se
vê, mui similhante :
24 BÍBLIOTTIECA DO POVO

Trigo Cevada
Agua . 16,00 18,10
Amido . 57,00 53,80
Dextrina .. 4.50 4,50
Glutina ... 0,42 0,28
Albumina coagulavel .. 0,26 0,28
Albumina incoagulavel. 1,55 1,55
Materia gorda . . 1,80 2,10
Albumina insoluvel.. 9,27 7,59
Materia cellulosa .. 6,10 7,70
Materia extractiva 1,40 1,60
Cinzas .. 1,70 2,50
100,00 100,00

Faz-se germinar a cevada para o fabrico da cerveja, por


que depois de germinada a cevada contêm mais dextrina e
mais assucar (materias precisas para a fermentação que se
pretende alcançar).
Entra na composição da cerveja o lupulo, uma trepadeira
da familia das urticaceas, cujas flores femininas têem substan
cias odoriferas e sapidas que lhe dão qualidades appetecidas,
concorrendo muito para a sua duração e clarificação.
A composição chimica de cerveja é complexa. São quatro
as substancias que entram immediatamente na constituição
da cerveja : o acido carbonico, o alcool, o extracto solido e a
agua. Da variação d'ellas provêm as differenças nas proprie
dades d'esta bebida.
A cerveja contêm desde 3 até 8 vezes o seu volume de aci .
do carbonico. Apenas um volume se conserva n'ella dissolvi
do ; e é esse o que presiste no copo depois do liquido ter si
do tirado das botijas.
O alcool entra na cerveja em proporção de 2 a 8por 100 .
As cervejas mais alcoolicas correspondem pois aos vinhos
mais fracos.
O residuo solido consiste em materias neutras carbonadas,
como o assucar, a dextrina, etc., formando este grupo os 7 de
extracto solido.
Em cada litro de cerveja ba pouco mais ou menos 5gr.,5 de
materias azotadas. .
Em 100 partes de extracto ha Ogr.,16 de materia gorda.
Emquanto a acidos, temos : o acido glycico proveniente da
decomposição do assucar ; o acido acetico, em pequenissima
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 25

quantidade ;, o acido lactico ; o acido succinico ; o tannico e


o galbico.
Fóra d'isto ha ainda : saes ammoniacaes ; e materias có.
rantes .
Com respeito á parte mineral diremos que a cerveja deixa
em 1 :000 partes 2,88 de cinzas, contendo potassa, soda, cal ,
magnesia e ferro, unidas estas bases aos acidos phosphorico,
sulphurico, silicico, lactico, e acetico, e ainda ao chloro. Pre
dominam os phosphatos.
A cerveja é muito mais usada no norte da Europa (por
exemplo na Allemanba, na Inglaterra, etc.) do que na parte
meridional . Em Portugal ha cêrca de vinte annos que o con .
gumo de cerveja tem augmentado consideravelmente.
Até certo ponto esta bebida substitue o vinho.
E ' naturalmente menos alcoolica e de menor preço, de mo
do que nos paizes, onde o vinho falta ou é raro e caro, a cer
veja entra nas refeições como substituto do vinho.
Ha duas especies de cerveja: a branca ou ale, e a preta ou
porter. Esta ultima é feita com o malt ( farinha de cevada
grelada), mais torrificado, ou mais carregado em côr com o
extracto de chicorea.
Applica -se á cerveja o que dissémos sobre o abuso do vi.
nho, com a differença de que é esta bebida (a cerveja) muito
inenos alcoolica e por isso menos perigoso , n'este sentido, o
abuso que d'ella se fizer. Constitue uma bebida salubre
agradavel usando-se d'ella com moderação. Não occultaremos
entretanto que alguns inconvenientes, algumas doenças mes
mo se dizem originadas por esta bebida. Talvez na aprecia
ção d'isto se não conte devidamente a influencia do clima e
se attribua só á cerveja o que é produzido pela humidade,
pelo frio e por diversas condições climatericas. Nos paizes
tropicaes, a cerveja parece ter certa influencia nas doenças
do figado. Não cremos, porêm, bem estudada ainda esta in
fluencia ; e , com respeito a cerveja, limitar -nos-hemos por isso
a aconselhar o uso moderado.
Não gastaremos tempo em tratar da cidra (bebida fermen
tada, muito empregada n'alguns departamentos do noroeste
da França, e produzida pela fermentação do sumo das maçans
e das peras). No nosso paiz não é geralmente empregada a
cidra .
Diremos, porêm, alguma coisa sobre outras bebidas alcoo
licas,
ral .
taes como o cognac, a genebra e a aguardente em ge
E' velha (diz o sr. Lapa) a distincção dos espirituosos em
26 BIBLIOTHECA DO POVO

aguardente e alcool ou espirito. A aguardente é o alcool mui.


to aquoso que não passa, em graduação, acima de 220 Cartier
ou de 620 centesimaes ( «). Espiritos são todos os alcooes de
, uma graduação superior á da aguardente.
Em Portugal o termo aguardente é mais generico e serve
para designar os espiritos de 300 a 350 Cartier, sendo esta
aguardente chamada fina em relação aquellas. Tainbem se
diz aguardente de canna, aguardente de figo, etc., querendo
significar a origem d'onde provêm o alcool que entra na
composição da aguardente.
Se o vinho tem , pelo abuso que d'elle se faz, os inconvenien.
tes que apontámos,-as aguardentes, os espiritos, são dupla
mente perigosos, perigosos pela grande quantidade relativa
de alcool que contêem, perigosos por outras substancias irri
tantes (toxicas algumas) que n'elles entram , e ainda porque
se prestam mais facilmente ao abuso.
E' principalmente contra os alcoolicos, sob esta forma, que
os hygienistas se esforçam ; é contra o uso, ein particular,
das aguardentes que as sociedades de temperança tratam de
ganhar adeptos, mostrando que não ha vantagem alguma
ainda no uso dos alcooes e que são perigosissiinos os effeitus
do abuso d'elles.
Não somos exclusivistas. Em certas condições da vida, cre
mos não ser prejudicial, ser até util o uso moderado da aguar
dente. E' certo, porêm, que não podendo limitar- se o uso des
ta bebida, o melhor será não a empregar.
No mar, por exemplo, apoz certos trabalhos rudes feitos á
chuva, sob toda a casta de intemperie, uma porção de aguar
dente misturada com agua é um excellentetonico.
A aguardente fazia outr'ora parte da ração dos nossos ma
rinheiros ,ondehoje não entra, devendo só ser fornecida como
gratificação de trabalhos extraordinarios e apoz fadigas e in.
temperies excepcionaes.
Do abuso das bebidas alcoolicas resultam inconvenientes
gravissimos. A intelligencia imbota- se, decresce a memoria,
a dignidade propria do homem pouco a pouco se extingue. A
nutrição deixa de fazer-se regularmente, não só porque as
funcções digestivas infraquecidas e alteradas não preparam o
alimento para a assimilação e nutrição, mas tambem porque o
appetite decresce. São frequentes os casos de tuberculosee de

(*) ( areometro de Cartier é empregado especialmente para avaliar a ri.


queza alcoolica dos vinhos, etc.
HYGIENE , DA ALIMENTAÇÃO 27

tisica pulmonar resultantes da embriaguez repetida. Da em


briaguez ao crime vae pouco. Do embriagado ao louco não
dista muito. São na realidade dois factores importantes que
concorrem para o mesmo triste fim (a decadencia do homem
moral e plysicamente considerada ) o abuso dos alcoolicos e o
do tabaco.
D'este ultimo não é ainda no livrinho actual a occasião
propria para falarmos ; ficará isso reservado para outro volu
lume que a seu tempo a Bibliotheca do Povo e das Escolas pu
blicará.
Continuando em nossa 'rapida revista das substancias ali
mentares, na secção relativa a bebidas, outras temos que
apreciar diversas dos alcoolicos .
Entre os povos civilizados usa-se do caffé, do chá, do cho
colate, etc., como alimento, ou pelo menos como bebidas que
coadjuvam a digestão, excitando-a e tendo sobre as funcções
cerebraes uma infuencia maior ou menor.
O caffé é uma infusão feita com as sementes do caffeeiro.
depois de torradas e reduzidas a pó. A planta do caffé pare
ce originaria da Arabia. E' o coffæa arabica, da familia das
rubiaceas.
São diversas as qualidades de caffé. Entre nós as qualida
des de caffé mais apreciadas são o de Moka, o de Cabo- Ver
de, o de S. Thomé e o do Brazil. Os Francezes usam muito
do caffé de Bourbon e da Martinica, assim como do de S. Do
mingos e do Rio de Nuno Gonçalves (vulgarmente Rio Nu.
nes) .
Cem grammas de caffé em pó, tratados por um litro de
agua a ferver, deixam dissolvidos 20 a 35 grammas de mate
rias, em que entram 10 de principios azotados: cafeinu, legu
mina, etc.
O resto é formado por substancias gordas, productos ana.
logos á dextrina, substancias mineraes e um oleo essencial
aromatico .
O caffé junto com o leite, n'uma proporção de meio litro de
infusão de caffé por meio litro de leite, fórma um alimento
bastante nutritivo e muito empregado pelo nosso povo. O mau
é que o leite que geralmente se emprega é falsificado e o
caffé ordinariamente fraco em demasia; em condições contra
rias é o caffé com leite um bom alimento.
Está demonstrado practicamente que o grau de torrefacção
do caffé influe directamente na suavidade dos seus principios
aromaticos e nas suas propriedades rutritivas. Se för torrado
até tomar côr avermelbada, perderá 15 por 100 do seu pezo,
28 BIBLIOTHECA DO POVO

augmentando em egual proporção no volume. Se tomar um


côr -de -castanha escuro, perderá 20 por 100 no pezo e au
gmentará no volume de 100 a 153. Se o caffé se turvar até fi.
car de todo negro , perde 25 por 100 em pezo e o caffé que
normalmente tem 1,77 por 100 de azote, ficará reduzido &
0,68 por 100. Tambem está na razão inversa do grau de tor
refacção a quantidade de extracto que o caffé deixa de liqui
do em que se infunde, de modo que:
100 grammas de caffé avermelhado ... dão 25 de extracto
>> côr - de -castanha 19 de
» de côr - escura .. 16,15 de

D'aqui se deprehende a importancia que tem a torrefacção


de caffé sobre as suas qualidades e importancia alimentar, e
é por isto que nos demoramos um pouco n’este assumpto.
O caffé já foi condemnado comobebida prejudicial å saude.
Dizia Fontenelle que a humanidade se envenenava lentamente
com o seu uso. Hoje são geralmente reconhecidas as vanta
gens hygienicas do caffé, que presta serviços importantes nos
climas quentes e pantanosos onde se acredita que é anti- fe
bril, isto é, que o seu uso pode prevenir até certo ponto o
invenenamento palustre .
Cabanis, citado por Fondsagrives na sua Hygiene naval,
chamava- lhe bebida intellectual, parecendo com effeito que o
caffé predispõe o individuo para os trabalhos intellectuaes.
Em seguida ao caffé devemos falar do chá.
A planta do chá (thea sinensis) pertence a familia das ters
troemiaceas. O chá contêm muitos principios entre os quaes
são principalmente dignos de nota o oleo essencial, o tanni
no, as materias corantes, extractivas e resinosas, a chloro .
phylla, e um alcaloide particular (a theina ) que tambem se in
contra no caffé, e que forma a sua parte azotada.
O chá emprega -se em infusão. As partes usadas são as fo
lhas. São em grande numero as variedades de chá. Distin.
gue-se primeiro o chá em : preto e verde. Do chá preto as
principaes variedades, são : o pekoe, o sonchong e o bohea. E'
reputado mais salubre queo verde, cujas variedades princi.
paes são : hysson, polvora, Tonkay, etc.
Parece estar demonstrado que o chá verde e preto são ti.
rados da mesma planta, e quea differença de côr e de sabor
é devida aos processos variados de fabricação e a uma certa
quantidade de gêsso e azul da Prussia que entram no prepa
ro do verde.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 29

Se é assim, o chá preto é o unico bygienico e que deve acon


selbar-se. E ', porêm , certo, que muitas pessoasusam, repeti
das vezes e por largos periodos, de chá verde, sem que a sau.
de se Ibes altere. Para nós não está bem demonstrado o que
acima dissémos ; inclinamo-nos até a suppôr isso exaggero ;
porêm , cremos dever nosso prevenir a este respeito os nossos
leitores.
O chá é universalmente usado pelas nações do norte da Eu
ropa,o que leva a crer que elle tem propriedades uteis e lhes
satisfaz certas necessidades reaes.
Para os Inglezes, Russos, Hollandezes, etc., o chá substitue
o vindo que lhes falta, e é verdadeiramente enorme o consu
mo que estes povos fazem d'esta planta.
O chá parece estimular as funcções digestivas e cerebraes,
resultando da sua acção uma certa excitação que concorre
para minorar os inconvenientes da monotonia da alimentação
de certas classes e parece tambem augmentar a força interior
da calorificação, por modo que o organismo resiste melhor aos
frios rigorosos das regiões circumpolares. D'aqui provêm o
uso consideravel que d'esta planta se tem feito em todas as
expedições ou viagens ao polo.
O chá verde parece produzir, quando é tomado em excesso,
uma acção especial sobre o systema nervoso, manifestada por
espasmos, palpitações, tremores musculares e debilidade con
secutiva. O chá preto parece produzir tão somente uma pou
co intensa excitação cerebral e augmento de calorificação. Ad
dicionado com leite, é muito empregado e constitue uma agra
davel bebida.
A composição do chá verde e preto é diversa, como vamos
ver. Segundo Mudler, ha entre elles as differenças seguintes :
Chá verde Chá preto
Oleo essencial .... 0,79 0,60
Tannino 17,80 12,82
Oleina .. 0,43 0,46

Segundo Poligot, a differença é


Chá verde Chá preto
Agua ... 80 / 10 %
Materias soluveis.. 40 a 58 % 31,3 a 45 %

O principio excitante do chá parece residir não na theina,


mas no oleo essencial.
30 BIBLIOTHECA DO POVO

Segundo Payen , são necessarios 20 grammas de chá para


1 litro de infusão,a qual conterá 6 grammas de materias dis
solvidas se o chá fôr verde e 4,55 se fôr sonchong,
O chá não deve ser sómente considerado uma bebida esti.
mulante. Pode-se considerar que, termo médio, elle contêm
3,07 % de azote, quantidade nada pequena, comparada em
relação a que existena carne,no queijo, etc.; mas, na questão
de alimentação, não é em absoluto a quantidade de azote que
se deve considerar, de modo que seria exaggero estudar a
questão só por este lado e considerar, n'este sentido, o chá
superior á carne de vacca.
O chá é ainda um bom alimento se considerarmos que o
assucar que se lhe addiciona entra muito na nutrição.
Depois do chá, vamos falar do chocolate.
O chocolate é formado pela amendoa de cacoeiro -theo
broma cacoa da familia das bytteriaceas, misturado com o
assucar e substancias aromaticas por meio de processos es
peciaes.
Em pequeno volume, o chocolate contêm muitos principios
nutritivos. O principal elemento da amendoa de cocoeiro é
uma materia gorda, a manteiga decacau variando as suas
proporções de 56 até 45 por 100. Contêm mais a referida
amendoa 17 a 20 de albumina, 2 de theobromina, que é um
alcaloide (*) analogo e talvez identico á cafeina, 6 de uma
gomma acida e materia mui amarga, 13 de cellulosa, 4 de
substancias mineraes, e 11 de agua. Esta analyse é tirada da
obra já citada de Fonssagrives,e é devida a Boussingault.
o chocolate de boa qualidade é um excellente alimento .
Compõe -se de 1,52 de azote, 48 de carbonio, 26 de gordura, e
8 de agua em 100 partes.
Da comparação do chocolate, como alimento, pela sua com
posição, com outros, vê- se que se assimilha ao queijo, sendo
um pouco menos azotado.
Em quantidades egunes, o chocolate tem mais azote de que
a carne de vacca : tem quasi tres vezes mais azote e poderia
ser reputado como tres vezes mais nutriente. Porêm, convem
repetir aqui o que já notámos. Não são as quantidades de
a zote que predominam em uma substancia as que lhe devem dar,
só por si, os fóros de mais nutriente. O chocolate é um boin
alimento, mas não pode substituir a carne. Ha certos estados
em que o individuo não pode alimentar- se de carne e para es
(* ) Para saber o que é alcaloide veja -se o volume XXXIX da Bibliotheca do
Povo e das Escolas.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 31

ses o chocolate, o queijo e outros alimentos muito azotados,


são convenientes.
As amendoas de cacau depois de torradas, podem usar-se
como succedaneas de chocolate; e, nos logares em que esta
planta se cultiva, podem servir de alimento, por exemplo, pa
ra os convalescentes.
Occupemo-nos agora do caldo. O caldo de carne é compos
to de todas as partes que a agua a ferver pode tirar d'ella.
Em geral a carne usada para caldos é a de vacca. O caldo
tem , tido como muitas outras coisas, partidarios enthusiastas
e inimigos incarniçados. Tem passado já por um grande ali
mento, já por uma bebida que para nada serve.
Parece-nos que ha exaggero em qualquer d'estas opiniões
extremas, e que vae muito na apreciação de suas qualidades
nutrientes o considerar a maneira por que é preparado e o
fim a que o destinam.
Não podemos aqui dizer muito sobre a arte culinaria e seus
preceitos, mas devemos fazer notar que é o caldo um dos ali
mentos que melhor provam a utilidade de um bom cozinheiro.
Para preparar a carne para caldo deve ella ser posta na
panella com agua fria e não, como se faz geralmente nas nos
sas casas, em agua a ferver. Pelo contrario , querendo apro
veitar a carne para cozido, então deverá ella deitar- se n'agua
om ebullição. Segundoeste ultimo modo de proceder, a agua
a ferver coagula immediatamente os principios existentesna
carne que os conserva em si, não os deixando no caldo,- 20
paseo que do primeiro modo, vae a agua pouco a pouco dis
solvendo, ou, por assim dizer, extrahindo da carne os seus
principios uteis, e o caldo, convenientemente adubado, fica
putriente e de sabor agradavel.
Um kilogramma de caldo contêm, termo médio, 28 gram
mas de materias dissolvidas, não contando as materias gor
das, as quaes sobrenadam se o caldo está quente, no estado
liquido, solidificando-se e depositando.se se elle esfriar. Na
preparaçãodo caldo entram saes vegetaes, legumes, gordura,
etc., e nas 28 grammas que notámos, contam -se, pouco mais
ou menos, 10 provenientes de sal, 6 de vegetaes e legumes, e
12 de carne .
Addicionando pão, cortado em pedaços, ao caldo, faz -se so
pa, alimento muito dos nossos usos e que, apezar de todas as
criticas, tem resistido e conserva -se em uso em todas as me
zas, formando o primeiro prato das refeições.
O caldo tem sido especialmente criticado, como alimento
para doentes. E' de uso geral nas doenças dar caldos quando
32 BIBLIOTHECA DO POVO

outros alimentos não podem ser ingeridos nem tolerados pelo


estomago do infermo.
Com certeza que se compararmos o caldo com o leite, em
relação ao seu poder nutriente e ás melhores preparações e
arranjo dos seus componentes , o leite terá a primazia. Tam
bem é verdade que se incararmos esta questão só em certas
condições, por exemplo, se compararmos os caldos de um hos
pital muito povoado, como alimento para doentes, com o leite
dado com egual fim , sem duvida devemos reputar bem mais
util o leite ; porêm , entre um bom caldo um leite pouco pu •
ro, não hesitamos em dar a preferencia ao caldo pelo lado
dietetico , posto que saibamos que o leite é o typo do ali
mento completo quando puro.
Em summa não nos parece que se deva ser exclusivo e que
se faça condemnar o caldo como absolutamente inutil ;
pelo menos no estado de saude e em certas doenças o caldo
deve reputar- se um bom e agradavel alimento.
A manteiga entra muito na nossa alimentação; devemos por
isso dizer duas palavras a seu respeito. A manteiga é um cor
po gordo, complexo, formado pela reunião de substancias gor
daselementares, margarina , butyrina, butyroleina, caprina,
etc. Altera-se facilmente rançando, perdendo o aroma e o sa
bôr, o que étudo devido à separação dos acidos caprico e bu.
tyrico e da base (oxydo de glycerina) que os satura. E' esta
acção naturalmente devida a uma fermentação (a) e favorece - a
um excesso de ar e de luz e a separação imperfeita do leite
da manteiga.
Salgando -a, conserva-se por muito tempo e serve de tem
pero e tambem para acompanhar o pão.
A manteiga fresca é de gosto agradavel e muito usada em
Portugal. A manteiga conservada em sal e preparada para
durar , vem - nos quasi toda de Inglaterra.
Na alimentação entram substancias vegetaes que servem
de condimento e outras mineraes com o mesmo fim , sendo
d'estas ultimas a mais importante o sal (sal das cozinhas, que
os nossos leitores já conhecem pelo seu nome chimico de chlo
reto de sodio ).
Os variados condimentos (como, por exemplo, pimenta, alhos,
cebollas,vinagre, etc.) que se juntam aos alimentos, têem por
fim dar-lhes mais sabor e tornál- os mais digeriveis, porque
favorecem a secreção de succo gastrico no estomago e au
xiliam a acção d'elle sobre os alimentos.
(*) Veja-se o vol. XXXIX da Bibliotheca do Povo e das Escolas.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 33

O homem não se nutre de substancias cruas senão por ex


cepção rarissima ; apenas alguns vegetaes lhe servem de ali
mentono seu estado natural. A acção dos alimentos tem por
fim não só dispôl-os melhor para a digestão, como tambem
fazer, em alguns d'elles, desapparecer certos principios pou
co uteis ou mesmo prejudiciaes. A batata , por exemplo, no
estado crú, sería quasi impossivel de bem digerir. As fibras
dos vegetaes pela sua rijeza, egualmente, com difficuldade
seriam atacadas pelos succos digestivos. A digestão é um
acto complexo que começa na mastigação, a qual, para bem
ser executada, exige que os alimentos tenham um certo grau
de macieza, brandura, que os torne atacaveis pelos dentes e
susceptiveis de serem imbebidos pela saliva. A arte culinaria
deve ter por fim favorecer o trabalho da digestão, associando
convenientemente entre si as substancias alimentares e trans
formando em alimentos completos os que não o são. Infeliz
mente nem sempre é bem attendido este fim , parecendo até
ás vezes que a arte culinaria se destina a estragar o estoma
go, tornando indigesto o que naturalmente seria de facil di
gestão.
E' importante o uso do sal das cozinhas na alimentação. E
assim devia esperar-se que o fosse, se attendermos á grande
proporção relativa d'este composto, que se incontra nos nos
sos tecidos e humores. O sal fórma talvez 5/1000 de sangue.
Não podemos n’este logar apresentar as explicações diversas
que se têem dado das funcções do salmarinho na alimentação.
Pertence isto á Physiologia e á Chimica physiologica ;mas o
que não podemos deixarde mencionar é que o sal dá força e
vigor ao individuo, fazendo-o ingordar, e que convêm ás or
ganizações fracas e delicadas, excitando-lhes o appetite.
A quantidade de sal de que o homem deve usar diariamen
te, foi avaliada em termo médio, por Barbier, em 12 a 30
grammas.
Cita o auctor de que ora acabamos de falar (Barbier) o
caso que se deu em algumas provincias da Russia , onde qui
zeram em tempos privar do uso do sal os servos. Sobreveiu
lhes languidez, fraqueza geral, inchação dos membros infe
riores, emfim , todos os signaes da anemia ( ) manifestada
pela diminuição na proporção dos globulos sanguineos, e na
albumiva do sangue. Em excesso, o sal provoca demasiada
sêde, irrita o estomago e torna-se inconveniente.

( * ) No sentido rigoroso significa — privaçãu de sangue-- ; mas considera -se


a doença caracterizada por impobrecimento do sangue.
34 BIBLIOTHECA DO POVO

Vamos agora occupar-nos do regimen alimentar, seguindo


o programma que estabelecemos.
O regimen alimentar é relativo á quantidade e qualidade
dos alimentos de que o homem pode e deve fazer uso; e varía
por consequencia segundo as edades, temperatura exterior,
forças que se tem de empregar, conforme as raças, sexos, cli.
mas , etc.
No principio d'este capitulo dissémos que se chamava re.
gimen animal ou vegetal, segundo faziam parte da alimenta
ção, substancias só animaes ou provenientes do reino animal,
ou materias vegetaes tiradas do reino vegetal. Regimen mis .
to é o que é formadopelo aggregado d'estas duasclasses de
materiaes. Vimos tambem que o regimen mixto em geral se
deve considerar o mais conveniente ao homem que se diz om
nivoro, por lhe ser possivel fazer uso de toda a casta de ali
mentos. Tambem já vimos que as substancias servindo de
condimentos, se não fazem parte dos alimentos propriamente
ditos, são importantes na nutrição pelo papel de excitantes e
coadjuvantes que n’ella exercem .
Antes de estabelecermos tabellas em que se determinem e !
regulem a quantidade e qualidade de alimentos que devam
constituir o regimen para determinadas condições de vida,
convern desde já advertir que é um erro grave fixar o regi
men tendo em attenção só as quantidades de azote e de car
bonio que entram nos alimentos, porque os alimentos azota
dos e hydro-carbonados apresentam notaveis differenças entre
si,-as quaes se não poderão apreciar, considerando unicamen .
te a quantidade de azote e de carbonio n'elles existente.
São utilissimos estes dados, e o saber quanto azote e quan
to carbonio se acha n'uma dada substancia ; porém, não bas .
tam elles para bem avaliar a importancia nutritiva d'ella .
Diz o sabio hygienista Bouchardat, que para se estabe
lecerem regras verdadeiramente hygienicas a este respeito
se deve observar o homem tanto no estado de saude, como
no de doença, e que é esta observação o que deve servir de
guia.
Segundo Moleschot, o alimento necessario a um europeu
adulto do sexo masculino, com 5 pés e 6 pollegadas a 6 pés
e 10 pollegadas de altura, pezando entre 66 kilos e 72,500,
e com trabalho moderado, sería :
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 35

Materias albuminoides .. 130 graminas


Materias gordas.... 84
Substancias carbonadas . 401 »

Saes mineraes.. 30

E assim se prova em Physiologia (-), que o corpo inteiro


receberia, nas vinte e quatro horas, pouco mais ou menos, 1
por 100 do seu pezo, de alimentos, ao que se deve juntar 1/2
por 100 de agua.
Diz Bouchardat que em França estas quantidades só pode
rão considerar-se como um minimum para um homem durante
o descanço.
Vejamos pouco mais ou menos qual devia ser a ração ali
mentar de um adulto masculino europeu trabalhando ; porêm ,
antes estabeleçamos algumas regras geraes de hygiene sobre
o assumpto .
Com o fim de apreciar a influencia do regimen quantitati
vo, é util estabelecer algumas proporções que não deverão
esquecer-se :
i . - A quantidade de alimentos que o homem deve tomar
diariamente está na razão directa do exercicio que elle faz e
dos esforços musculares que é obrigado a exercer.
Augmentando o exercicio, as combustões intimas e a decom
posição dos tecidos, deve ser maior o consumo de materias
que favoreçam essas operações.
2.4 — A quantidade de alimentos consumidos pelo homem
deve ser na razão inversa da temperatura atmospherica, por,
que, quanto mais forte fôr o calor, menos necessidade haverá
de carbonio, que será então queimado em menor quantidade
(** ). A combustão será menos intensa.
Da combustão d'estas duas influencias se tira o corollario
de que o minimo de nutrição ou de alimentos que o homem
pode tomar sem inconveniente, se dará quando elle não faça
exercicio algum e viva n'um paiz tropical ; e que, pelo contra
rio, o maximo de alimentos se torna preciso quando o homem
vive em climas frios, quando faz exercicios fortes e repetidos.
3.a — homem não tem necessidade, para viver, de tão
abundante alimentação como é aquella de que usa geralmen
te. O habito, os usos e a imitação, são as circumstancias que
em geral regulam a quantidade de alimentos.
(* ) Quando se tratar d'esta parte importante do estudo biologico se verão
bem estas proporções.
(**) Intenda -se aqui por combustão não a acção de queimar, mas o resultado
de uma operação de chimica vital.
36 BIBLIOTHECA DO POVO

0 habito de comer pouco, de ser sobrio, é uma excellente


regra hygienica. Ha registados nos annaes da sciencia bas
tantes exemplos de homens terem chegado a uma longevida
de consideravel pela sua sobriedade. Especialmente nos pai
- zes quentes esta regra é da maxima utilidade.
A mulher geralmente pouco dada a exercicios musculares,
tendo uma vida sedentaria, fazendo poucos ou nenhuns es
forços, precisa de menor quantidade de alimentos; e no seu
regimen podem intrar em maior proporção as substancias ve
getaes.
O regimen alimentar considera- se em relação a quantidade
dos alimentos e relativamente a sua qualidade; e d'aqui os
nomes de regimen quantitativo e regimen qualitativo. Já dissé
mos que o regimen alimentar pode ser, sob este modo de o
considerar, chamado : animal , vegetal, e mixto.
O regimen animal consiste nouso quasi exclusivo de sub
stancias animaes , intrando na alimentação os vegetaes só por
excepção e em diminutas proporções.
Este regimen muito continuado determina os effeitos se
guintes. Ha estimulo habitual no tubo digestivo, o qual, com
tudo, funcciona bem ; augmento de sêde ; prisão de ventre, e
maior numero de pulsações nas arterias. O calor da pelle tor
na -se maior, parecendo tomar as proporções do calor febril.
Em geral sobrevem o immagrecimento. O sangue modifica -se,
augmentando n'elle a proporção dos globulos e a da fibrina, e
diminuindo a parte aquosa. A urina é em geral pouco abun
dante, menos aquosa, escura ou carregada na côr, muito acida
e contendo grandes proporções de uréa e de acido urico (*) .
Convem este regimen aos habitantes dos paizes frios, que
se dão em geral a violentos e repetidos exercicios. E' assim
que o organismo consegue resistir a temperaturas excessiva
mente baixas, produzindo- se o necessario calor animal.
Em climas temperados, similhante regimen causará, quan
do por longo tempo continuado, doenças especiaes. Algu
mas substancias animaes attenuam de algum modo os effei
tos prejudiciaes de um regimen exclusivamente animal. O lei
te e os ovos estão n'este caso, principalmente o leite, cujo as
sucar ( o assucar de leite) parece ter o effeito, na nutrição, de
supprir as substancias vegetaes.
È da mais alta conveniencia misturar vegetaes com o regi.
men animal. Por algum tempo se attribuiu o escorbuto ao con
(*) A uréa e o acido urico são productos finaes das metamorphoses chimico
vitaes por que passam as substancias animaes dentro do organismo animal.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 37

tinuado e prolongado uso de carnes salgadas, alimento predo


minante à bordo dos navios em viagens de longa duração.
Parece, porém , estar hoje provado que esta doença, que tan
tas victimas fez nos nossos antigos navegadores em suas ou
sadas e imprehendedoras viagens, não tem por causa unica e
exclusiva a alimentação salgada. A humidade e outras cir
cumstancias têem a maxima influencia na producção d'ella.
O regimen vegetal exerce, sendo exclusivo, talvez menos
nociva influenciano organismo. Assim poderia prever-se que
deveria acontecer, reflectindo que nas substanciasvegetaes
entram materias azotadas, taes como a fibrina, a albumina e
a caseina vegetaes .
Um regimen vegetal quasi exclusivo, por largo tempo con
tinuado, causa languidez, fraqueza nas funcções digestivas,
tornando laboriosas e demoradas as digestões, com excessivo
desinvolvimento de gazes. As materias fecaes augmentam em
quantidade e tornam -se de uma côr clara ; são ásvezes semi
liquidas ; apparece a dyarrhéa. O calor animal decresce, a
constituição do individuo infraquece, as forças diminuem . A
gordura, isto é, o volume, augmenta.
O sangue nos individuos alimentados exclusivamente com
vegetaes impobrece, diminuindo a parte solida (os globulos),
manifestando se a anemia, baixando a proporção da albumi
na, o que causa as hydropesias, por motivos que não é este o
logar proprio para explicar aos nossos leitores.
Ha doenças cujo apparecimento se deve attribuir ao uso
exclusivo d'este regimen, taes como : gastralgias, dyspepsias
flatulentas, dyarrhéa, etc. Os entozoarios (vermes, lombrigas,
etc. ) são bastantes vezes a consequencia d'elle. Tambem ba
quem affirme ser a diabetes (*) causada pelo abuso dos ve
getaes.
O regimen não deve, pois, ser exclusivamente animal, nem
sómente vegetal ; deve ser mixto, muito especialmente para
os habitantes de Portugal, paiz temperado no seu clima.
O regimen mixto consiste em uma determinada quantidade
de substancias animaes e vegetaes.
Segundo a opinião do chimico francez Dumas, um homem
bem constituido, comendo regularmente, deve consumir nas
24 horas 154 grammas de carbonio e 22,5 de azote. Para que
a quantidade de alimentos satisfaça a estas condições, jul.
gou- se necessario em França que cada soldado de cavallaria
tenha a ração seguinte :
( *) Doença que consiste em augmentar consideravelmente a quantidade de
urina e em conter esta assucar ,
38 BIBLIOTHECA DO POVO

Carnc fresca ........ 125 grammas


Pão de munição 750 »

Pão alvo para sopa . 516 »

Leguminosas .. 200

substancias que têem respectivamente :


125 gr.- 70 gr. de materias azotadas .
750 ) » -- 64 e 595 de nåo azotadas
516
200 - 20 e 150

A ração do nosso soldado deixa tudo a desejar a este res


peito, não obstante os esforços ultimamente feitos. A alimen
tação do soldado portuguez é deficiente, incompleta e impro
pria. A ração não é calculada pela importancia das substan
cias aliinentares com respeito á riqueza de materias azotadas
e hydro -carbonadas; mas é sómente subordinada immediata e
fatalmente ao abono em dinheiro destinado a cada praça ; e ,
como os generos são cada vez mais elevados no preço, a ra
ção, longe de melhorar, peora.
Os vegetaes, principalmente os legumes e as batatas, for
mam a base da alimentação do soldado. Não temos infelizmen
te ao nosso alcance dados com que possamos dar n'este pon
to ao leitor esclarecimentos minuciosos ; aliás, posto que os
limites d'este livro se não prestam a grandes desinvolvimen
tos, teriamos que intrar em algumas importantes miudezas.
Se a hygiene do soldado é já difficil de satisfazer pelas
condições especialissimas da vida militar, pela accumulação
obrigatoria e inevitavel a que elle tem que sujeitar-se, pare
ce que uma boa alimentação e um exercicio regular e metho
dico de actividade physica, das forças corporaes, deveriam
tender para attenuar, se não acabar, as más condições obri.
gatorias da vida de caserna.
Parece-nos que mais valeria ter, em vez da força pouco
válida e quasi inutil de que dispômos, uma terça ou quarta
parte d'ella, mas robusta e que pudésse resistir com vanta
gem às durezas da vida de campanha.
Se considerarmos a marinba, se estudarmos a ração do
nosso marinheiro, achamos felizmente elementos melhores.
A ração do marinheiro portuguez, ultimamente modificada,
pode sem vergonha comparar- se com as rações fornecidas nas
marinbas extrangeiras.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 39

Entretanto a tabella de rações para os nossos marinheiros


não pode eximir -se a uma certa critica. E' com effeito mono
tona a ração do marinheiro ; e até certo ponto pode-se dizer
que faltam n'ella os vegetaes frescos durante as viagens, o
que poderia evitar-se por meio das hortaliças conservadas,
hoje faceis de adquirir ; mas actualmente as viagens são ra
pidas e curtas; e a frequencia dos portos de escala, torna facil
obviar a este inconveniente .
Se compararmos os soldados, especialmente os da guarni
ção das cidades, como Lisboa e Porto, com os marinheiros,
ficaremos logo convencidos da enorme differença que entre
elles ha quanto á robustez physica. O marinheiro respira bom
er, faz continuado exercicio,expõe-se valentemente ás intem,
peries e é bem alimentado. Na sua ração entra o vinho que é
desconhecido na alimentação official do soldado. A carne é a
base da alimentação do marinheiro, ao passo que só por ex
cepção , em dóses ridiculas, hygienicamente falando, ella en .
tra na marmita do soldado. E ' curioso comparar a estatistica
da mortalidade do exercito com a da armada, apezar de estar
o marinheiro, durante largos mezes , sujeito a climas inhospi
tos .
A tisica tem o seu melhor posto no exercito ; abundam n'el
le os tuberculosos ; apezar de todo o cuidado e rigor na esco
lha dos recrutas, sempre a mortalidade pela tuberculose e pela
tisica se conserva tristemente enorme .
Causa dó vêr o aspecto pouco firme,-as caras anemicas,
sem expressão e denotando tristeza, com que se apresentam
os nossos soldados.
Diz-se que em geral no campo (e do campo vem a maioria
dos recrutas) a alimentação não é melhor do que na caserna.
Isio é verdade até certo ponto . A carne não entra na alimen
tação do camponez, do trabalhador do campo ; os alimentos
vegetaes abundam , predominam nas suas babituaes comidas;
porêm, elles respiram bom ar, não estão accumulados, não an .
dam constrangidos dentro de um uniforme que poderá ser
elegante e de aspecto aguerrido, mas que hygienicamente é
o peior possivel, e não vivem sujeitos a todos os vicios e de ,
vassidões que ha nas grandes cidades.
Estas circumstancias juntas com o descontentamento mo
ral que acompanha em geral o recruta, violentamente e ás
vezes com pouca justiça arrancado á familia, á sua aldeia e
ás suas affeições,fazem do nosso soldado, emgeral, um ente
pouco aproveitavel para si e para a patria. Não se pense que
exaggeramos e que carregamos demais as côres do quadro.
40 BIBLIOTHECA DO POVO

E' isto uma tristissima verdade e talvez nunca se possa de


todo acabar com esta miseria, porque os exercitos bão-de
talvez sempre ser precisos. A guerra ha -de infelizmente sem.
pre predominar sobre o trabalho util,e a industria será deplo .
ravelmente vencida pela arte da destruição !
Grande merito teria aquelle que pudésse conciliar as ur
gencias economicas e de dinheiro com a hygiene do homem ;
que pudésse deixar de sacrificar a saude dos componentes, a
um falso aspecto de força exterior, n'esse todo a que cha
mam exercito.
A questão da alimentação, sempre importante, torna - se
ainda mais quando se considera em relação a grandes ajun
tamentos de individuos. Na alimentação particular de um in
dividuo é facil estabelecer regras, dar preceitos; e a nutrição
poderá fazer-se physiologicamente, naturalmente. Porêm,
graduar a quantidade de alimento e bem escolher sua quà
lidade e proporções, quando se destinam a um grande grupo
de individuos, é maiscomplexo problema.
A alimentação e os exercicios physicos são os dois gran
des factores de desinvolvimento do homem ; e não se queira
mesmo illudir esta asserção mostrando exemplos de que pode
o homem ser intellectualmente um gigante e no physico um
rachitico. Existem na realidade exemplos d'isto, mas são ex
cepções. E' completamente verdadeiro o dito antigo : Mens
sana in corpore sano ( « intelligencia san em um corpo são » ); e
não pode haver corpo completamente sadio se não fôr bem
nutrido .
Os antigos olhavam com mais cuidado, do que as actuaes
gerações, para o desinvolvimento physico do homem. Hoje
trata - se mais da intelligencia do que do corpo; ou antes pre
tende- se o maximo desinvolvimento para aquella, menospre .
zando este. E' um erro grave. Nem a intelligencia se desinvolve
bem ; nem o homem ,- intelligencia servida por orgãos, -pode
preencher os seus fins n'este mundo, se não tiver, n'um ra
zoavel meio- termo, uma intelligencia clara com um corpo ro .
busto e são. Se n'esta questão se pudéssem admittir limites
extremos, diriamos que, na maior parte das vezes , mais util é
o homem medianamente intelligente e menos instruido, mas
capaz de trabalhos physicos, forte e robusto, do que o que
tiver notavel intelligencia, ingenho subido, e for no physico
um valetudinario.
Demonstrada a conveniencia de um regimen misto, passe
mos a estabelecer, a este respeito, algumas regras bygieni
cas.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 41

Dizem alguns hygienistas ser de necessidade para o ho


mem, tomar as suas refeições a horas fixas e determinadas, e
que deve entre ellas mediar um intervallo de tempo nunca
superior a cinco boras nem inferior a quatro.
Julgamos util uma certa regularidade nas refeições; mas
parece-nos inconveniente ser excessivamente rigoroso em actos
que bastantes vezes são contrariados por mil circumstan
cias da vida ; - mais vale ser menos rigoroso a este res
peito do que soffrer as consequencias sempre nás da
não execução de uma acção a que se está desde muito habi .
tuado. O homem, posto que animal de habi o , não deve ser
escravo d'elles. Nenhum habito deve ser inveterado, nem in
vencivel.
O proprio habito de ter habitos deve ser moderado.
Com estas reservas, podemos apresentar aos nossos lcito
res algumas regras hygienicas.
Na opinião de muitos medicos (e é este o nosso parecer), a
principal refeição deveria ser o almoço, porque, tendo havido
um longo periodo sem alimentação, é a melhor occasião para
reparar as perdas occasionadas durante o somno.
Os orgãos -digestivos estão admiravelmente dispostos para
exercerem então as suas funcções.
A acção da luz solar, e os exercicios que se fazem geral.
mente nas horas immediatas ao almoço, contribuem para au
xiliar a digestão.
A digestão da ultima refeição precedente deve achar -se de
todo feita, e por isso bem disposto o estomago para o seu no
vo trabalho.
Achamos isto perfeitamente razoavel ; mas á execução d'es
ta regra oppõem-se em geral os habitos sociaes.
N'isto poucos são os individuos que procedem conveniente
mente ; e só em certas posições da vida civilizada se poderia
talvez rigorosamente executar o que deixamos dito.
Em geral será mais proveitoso, por tambem ser mais exe
quivel, tomar como norma a que apontamos em seguida.
Meia hora ou uma hora depois do levantar, deve tomar-se
uma ligeira refeição, um copo de leite, uma chavena de caffé,
um pouco de caldo, chocolate, etc.
Nunca se deve usar, em jejum , de bebidas alcoolicas. O uso,
mui vulgarizado em certas classes da sociedade, de matar o
bicho é prejudicialissimo. Só por uma excepção rarissima se
pode isto admittir, quando o individuo se achar em certas
condições de que falaremos quando tratarmos da alimentação
em certos climas.
42 BIBLIOTHECA VO POVO

O alınoço pode ser entre as 9 e as 11 horas da manhan e


deve ser precedido de algum exercicio moderado.
A segunda refeição deverá tomar -se cinco ou seis horas
depois do almoço; e o jantar virá assim a fazer-se entre as 4
e 6 horas da tarde.
Se por necessidade este intervallo tiver de se dilatar muito
mais, poderá durante elle tomar- se algum alimento solido mais
love .
Entre o jantar e o deitar deve, pelo menos , mediar um es
paço de 3 a 4 horas.
o uso de tomar, antes de repousar na cama, um pouco de
chá - é quasi geral entre nós; e é talvez mais conveniente que
prejudicial, uma vez que o individuo se ache habituado à ex
citação momentanea que esta bebida produz.
Deve-se comer devagar, bem triturar com os dentes, bem
inastigar os alimentos, deixál -os imbeber- se completamente
na saliva .
A perfeição da digestão vai muito n’este acto preparato
rio.
E bastantes dyspepsias (difficuldades na digestão) têem
por causa uma imperfeita mastigação dos alimentos e uma
deglutição apressada.
Devemos notar que em geral nos paizes civilizados, mór
mente nas cidades, os individuos de certas classes sociaes in
gerem uma quantidade excessiva de alimentos, que lhes são
não só inuteis mas até prejudiciaes.
Não se vive para comer; deve- se comer para viver.
A demasiada multiplicidade de iguarias e o seu tempero
excessivo, é inconveniente para a digestão.
O excesso contrario é tambem prejudicial.
N'isto não é possivel formular regras.
O bom senso de cada um é amelhor regra n'este as
sümpto.
O appetite, quando não está estragado por maus habitos, é
o melhor juiz.
Beber moderadamente durante a comida é um uso conve
niente.
O uso do pinho está vulgarizado entre nós. Não é preciso
aconselhál-o ; mas é talvez conveniente dizer que não se de
vem exceder os limites em que o vinho passa, de ser um au
xiliar util da digestão e um alimento proveitoso, a ser um
excitante energico e até um toxico prejudicial.
O caffé é uma util bebida, não só nutriente por si, como
auxiliadora da digestão, bem dispondo o individuo para cer
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 43

tos trabalhos e corrigindo o tédio invencivel que certos ge


neros de vida trazem comsigo.
E assim damos por terminado o que julgamos mais indis
pensavel dizer sobre o assumpto do primeiro capitulo.

II

FOME E SÊDE

Podemos definir -fome - uma sensação particular que


nos adverte sobre a urgente necessidade denos alimentar
mos .

Esta sensação quando é normal, isto é, quando se não acha


prevertida ou alterada pela doença, coincide com a vacuidade
de estomago, com o fim da digestão, e com a absorpção dos
productos digeridos.
Manifesta -se a fome com regularidade de intervallos, in
fluindo muito na sua apparição o habito, o costume e as ho
ras das refeições.
Se aqui dizemos algumas palavras sobre afome, não é porque
esta sensação forme, no rigoroso modo de a considerar, uma
parte da Hygiene.
A fome é antes uma sensação physiologica; e, como tal, fer
tence á Physiologia.
Porêm , ligando -se a fome com a nutrição, e dando logar a
satisfacção d'esta necessidade a considerações hygienicas, fa
remos a este respeito brevissimas considerações.
A fome anda ligada intimamente, no estado normal, com o
movimento nutritivo, dependendo da actividade e rapidez
d'este.
Por isto,-sendo mais activa, mais rapida nas creanças, nos
adultos e nos convalescentes, a nutrição,-a fome far-se- ba
• sentir, nestes estados, com maior energia.
D'aqui se deduz a regra hygienica de que as creanças, os
adultos e os convalescentes, precisam de mais a miudo tomar
alimentos , uns para completar o seu desinvolvimento, e os
outros para reparar as perdas occasionadas pela doença .
Sendo proporcional a actividade da nutrição aos exercicios
e ao trabalho, tira-se como corollario que as pessoas dadas a
trabalhos e exercicios precisam de mais vezes tomar refeição
e receber maior porção de alimentos, do que as que se acham
em condições contrarias.
44 BIBLIOTHECA DO POVO

Durante a velhice, tendo-se uma vida sedentaria, a ali.


mentação deve, pelo contrario, ser mais abundante, e as re
feições mais espaçadas.
Pelas razões acima expostas, deve a nutrição ser mais
activa durante os grandes frios.
E por isso, nos climas frios, e no inverno, come-se mais e
mais vezes ao dia.
Estas regras são geraes para osganimaes.
As aves, que no acto de voar empregam grandes esforços,
e têem mais violento exercicio, tomam grande massa de ali
mentos .

Pertence á Physiologia estudar as ligações que unem a fo


me,como sensação, com as demais funcções da vida; e não nos
pertence aqui tocar n'este assumpto.
Simplesmente diremos que se não pode localizar o senti
mento da fome.
Sendo uma sensação geral, é natural que não tenha séde
exclusiva, limitada.
Dependendo da nutrição, e sendo esta tão generalizada
no que toca aos logares onde se exerce, deverá a sensação da
fome não ter séde unica e exclusiva .
Variam muito os individuos no que diz respeito á sensa
çãoda fome.
Uns resistem muitas horas, até dias consecutivos, sem to
mar alimentos,-não parecendo, com isso, soffrer grande in
commodo.
Em outros é frequente e repetida a necessidade de tomar
refeições, sem o que passam mal.
Nas regras hygienicas deve-se attender a todas estas cir
cumstancias.
A sêde poder se-ia considerar ligada á fome constituindo
uma e unicasensação, se a olbassemos simplesmente pelo la
do da nutrição.
Com effeito, fazendo a agua parte de todos os tecidos e
sendo grandes as perdas d'agua que o corpo humano . soffre
nos processos nutritivos, a sêde não será mais do que a fome
de liquidos, - isto é, a necessidade de ingerir agua para re
pararas perdas que houver d'este material.na nutrição, equi.
librando -se assim a receita com a despeza.
Sendo, porém, mais imperiosa e mais urgente a sede do que
a fome,-e sendo diversas estas sensações no seu modo de
se manifestar, tratál -as-hemos em separado.
Digamos antes de tudo que, do mesmo modo que a fome, &
sêde não tem séde limitada e exclusiva onde se manifeste . E'
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 45

uma sensação geral. Representa a necessidade de ingerir li


quidos.
Todas as causas que diminuirem a proporção dos liquidos
na economia animal,provocam a sêde .
Por isto as altas temperaturas, os exercicios que provocam
o suor, tudo o que augmentar a excreção e secreção de liqui.
dos (por exemplo, as causas que tornarem maior a secreção
urinaria, a secreção leitosa, etc.), bão de necessariamente cau
sar sêde.
E' mais difficil resistir á sêde do que á fome, o que bem se
comprehende sereflectirmos na grandissima proporção em que
nos nossos tecidos entra a agua, como anteriormente já fize
mos notar.
A morte pela fome exclusiva leva mais tempo a chegar, do
que sendo simultaneamente o individuo privado de bebidas.
Ha certas substancias que, sendo ingeridas, provocam a sê
de (por exemplo, os saes, assubstancias salinas, ou aquellas
em que ha notavel quantidade de sal).
As substancias irritantes (por exemplo, a pimenta), ingeri
das no estomago, causam um grande affluxo de sangue para
este orgão, tal como fazem as substancias salinas, e desafiam
tambem a sêde.
A sensação da sêde manifesta -se principalmente pela sec
cura da bôcca, da garganta, das fauces, etc.; porêm não é in
dispensavel, para a satifazer, ingerir a agua no estomago. Uma
larga immersão do corpo en agua , - pode acalmar a sêde (co
mo ha exemplos succedidos com os desgraçados naufragos a
quem, faltando a agua, ficou o recurso desesperado de se
metterem no mar, para mitigar a sêde.)
Não se deve beber agua fria estando o corpo em abundan
te transpiração, resultado de exercicios violentos. Tomar ex
cessiva quantidade de agua, altera a digestão ou (como vul
garmente se diz) relaxa o estomago.
A melhor regra hygienica a este respeito é beber modera .
damente, quando ha sêde, o acompanhar com a ingestão lenta
do liquido as refeições.
III

ALIMENTAÇÃO SUFFICIENTE E INSUFFICIENTE


Todos os actos, cuja reunião fórma a nutrição do individuo,
- isto é, a digestão , a absorpção dos alimentos, e a sua assi.
46 BIBLIOTHECA DO POVO

milação (* ) , têem por fim alimentál-o. Já vimos, em geral , a


que regras devem - estar sujeitas as substancias alimentares
tanto na quantidade como na qualidade, para preencheremo
seu fim ; e vimos tambem o que é regimen alimentar vegetal,
animal, e mixto.
Se as perdas experimentadas pelo individuo no exercicio
da vida são completa e perfeitamente reparadas pela alimen
tação,— se ha equilibrio entre a despeza (consumo de mate
riaes) e a receita (intrada de alimentos ), -à alimentação diz
se ou chama- se sufficiente.
Nocaso contrario,ou quando as perdas são maiores que as
intradas, não se equilibrando a receita com a despeza causa
da pelo funccionamento dos orgãos, a alimentação diz -se in
sufficiente.
O regimen será superabundante quando a alimentação ex
ceder o necessario para reparar as perdas occasionadas po or
ganisni o pelos actos funccionaes da vida.
Occupemo -nos primeiro d'esta ultima circumstancia .
Os effeitos de uma alimentação superabundante, excessiva,
traduzem-se por um augmento de massa sanguinea, dando em
resultado o que em sciencias medicas se denomina plethora
(estado caracterizado pela excessiva actividade, tanto da cir:
culação do eangue, como das funcções animaes,- actividade
em desharmonia com a normal regularidade das mesmas fun
cções e que dá, portanto, causa amanifestarem-se signaes de
doença ).
A 'economia animal, n'estas circumstancias , esforça - se por
eliminar de si o superfuo.
Todas as funcções cujo fim seja segregar, separar da eco
nomia os materiaes que sobrem como residuo da digestão, au
gmentam de actividade.
Assim a secreção e excreção de materias azotadas que a
urina expelle para fóra do corpo, crescem , diversifican em
qualidade e augmentam em quantidade. Em Physiologia se
ensinará que a uréa, producto totalmente queimado, que no es
tado normal representa a excreção normal feita pela urina, é
substituida pelo acido urico, producto menos completamente
queimado, menos oxygenado.
Não podemos n'este logar, posto que sería interessante, di
zer aos nossos leitores o que a sciencia sabe sobre as causas

(*) Pode dizer-se que a assimilação consiste no trabalho intimo pelo qual os
alimentos, digeridos e convenientemente elaborados, passam a fazer parte do
organismo.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 47

de diversas doenças que a alimentação superabundante e a


nutrição excessiva produz .
Baste -nos dizer-lhes que a causa da gota e das areias é
bastantes vezes uma alimentação muito animalizada e ex
cessivamente abundante.
As congestões sanguineas ro cerebro e em outras regiões
filiam -se bastantes vezes na plethora ; e já dissémos ser este
estado um dos effeitos do regimen excessivo.
O individuo n’estas circumstancias, perde notavelmente a
aptidão tanto para os exercicios intellectuaes como tambem
para os physicos.
E de todas estas reflexões se deduz a regra hygienica que
o homem se não deve alimentar em excesso, sendo - lhe neces
sario regular com prudencia e experiencia o seu regimen
pelo genero de vida e pelas perdas occorridas na sua eco
nomia .
Do regimen sufficiente pouco temos a dizer.
Constitue elle a boa regra da vida, o justo meio -termo para
conservar as forças e a saude; é o desideratum que todos de
vemos esforçar nos por alcançar.
Mas se individualmente não é difficil regular a alimenta
ção n'este sentido, a questão torna- se difficil quando se pre
tende attender a grandes reuniões de homens (por exemplo,
quando se trata da alimentação do exercito, de um collegio,
de um asylo, etc.) .
N'estes casos é o medico quem deve ser consultado para re
gular ber os generos alimenticios, tanto em quantidade co
mo em qualidade, que devem compôr a alimentação.
No fim d'este livrinho incontrará o leitor as tabellas que
hoje regulam a alimentação dos marinheiros e dos alumnos
marinheiros. Não nos devemos invergonbar n'este ponto. Por
tugal não é dos paizes em que estas tabellas sejam mais sujei
tas a critica. Oxalá o mesmo se pudésse dizer da alimentação
do soldado, sobre a qual não temos, infelizmente, dados es
criptos , mas que nos atrevemos a affirmar, sem receio de con
testação, ser a peior possivel.
O regimen insufficiente não tem só effeitos individuaes des
graçados ; extendem -se os seus maus resultados á especie.
Quer dizer : o desequilibrio na alimentação não só influe no
individuo, minorando- lhe as forças, depauperando o organis.
mo, roubando lhe a saude e impedindo o seu completo des. ;
involvimento, mas tambem influe nas gerações que d’esses
individuos, mal e incompletamente alimentados, se originam.
E' curioso o estudo estatistico a este respeito. Achou-se,
48 BIBLIOTHECA DO POVO

por exemplo, ha bastantes annos, que a relação entre a mor


talidade dos ricos,comparada com a dos pobres , é (em 100 in
dividuos) o dobro n'estes com referencia aquelles !
A alimentação insufficiente produzindo a constituição lym .
phatica, rachitica e escrophulosa, causa o definhamento das
gerações, augmenta o numero das doenças, duplica a morta
lidade, e pode até despovoar uma certa localidade, do mesmo
modo que certas doenças endemicas (*) produzem este tris
tissimo resultado.
Villermé em França e Quételet na Belgica acharam , pela
estatistica, que a estatura é mais elevada na gente rica do
que nos pobres.
A fecundidade está tambem em proporção com a riqueza
da alimentação, ou antes com a boa alimentação, o que não
quer dizer que os pobres tenham menos filhos que os ricos,
olbados não em grandes grupos, mas considerados só em fa
milias e em certas profissões e posições sociaes (** ).
Pode dizer-se que o melbor elemento de população de um
paiz é a sua fertilidade. As fomes diminuem as populações.
Esta causa de morte,- em certos paizes notaveis pela fe
cundidade excessiva que lhes dão as condições climatericas,
(por exemplo, na China),— serve de correctivo ao excessivo
augmento da população.
Quando tratarmos da hygiene publica, apontaremos muitas
coisas interessantes a este respeito ; aqui somos forçados, pe
los limites d'este livro, a pôr ponto na questão.

IV

DA ALIMENTAÇÃO CONSIDERADA COM RELAÇÃO


AOS SEXOS , E DES
E DIVERSOS GENEROS DE VIDA

A organização da mulher, o genero de vida menos activa


em geral que a do homem , a sua natural inclinação para os
habitos sedentarios, o seu menos consideravel desinvolvimen
to muscular,— são circumstancias que a priori nos levam a
admittir, como boa regra hygienica para ella, uma alimenta
(*) Endemico quer dizer : - proprio de um logar, de uma terra , etc.
(** ) Ha quem attribua á alimentação em que superabunda o peixe e o ma .
risco, a causa de maior fecundidade.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 49

ção menos abundante, regimen mais vegetal, menos frequen


cia nas refeições. E, com effeito , a mulher naturalmente è da
da a estes habitos .
Já se intende que nos referimos aqui á mulher da cidade,
á que vive como mulher e se intrega tão somente aos mesté.
res proprios da sua condição feminil.
A mulher do campo, a que habita nos trabalhos agricolas,
acompanhando o homem nos seus labores, essa adquire (por
assim dizer) attributosviris e precisa da nutrição apropria
da ao homem de trabalho.
Note -se tambem que,-80 a mulher precisa de regimen ali.
menticio mais moderado que o dohomem (regimen em que
predominem os vegetaes ), - nas mulheres que mal se alimen
tam , preferindo certos attributos de uma falsa belleza ás qua
lidades que devem ter como animal, o organismo resente -se,
a saude altera -se, sobrevêm a anemia com o cortejo de seus
maus resultados ; a mulher torna -se então inutil e incapaz de
preencher a sua elevada missão.
Não julgamos necessario formular regras a este respeito.
A boa regra é seguir as tendencias naturaes uma vez que
estas se não achem prevertidas pela doenças.
A alimentação,pelo que diz respeito ás edades, é uma ques
tão importante.
A creança quando’nasce, e durante os primeiros annos de
existencia ou um pouco mais, necessita de incontrar já pre
parados os alimentos reparadores e plasticos, assim como os
respiratorios ou hydro -carbonados que lhe são precisos, por .
que o seu apparelho digestivo não está ainda disposto para
digerir as substancias complexas de que mais tarde ha-de
nutrir -se .
Não tendo ainda dentes, e não podendo por isso triturar
alimentos solidos, não sabe servir- se das mãos para levar
á bôcca a comida ; n'uma palavra, está ainda muito atraza
do o seu desinvolvimento, para que possa nutrir-se como um
adulto .
O leite satisfaz (como vimos) pela sua composição, e pela
boa harmonia em que n'elle se acham os seus elementos com
ponentes na proporção relativa, a todas as necessidades da
alimentação da creança , - e deve por isso bastar-lhe.
Mais tarde, quando o periodo da lactação termina (isto é,
na creança comum anno ou pouco mais de existencia), o leite
já por si só não é sufficiente para reparar as perdas que a
creança experimenta ( perdas não só devidas ao exercicio
repetido que faz, mas principalmente causadas pelo seu
50 BIBLIOTHECA DO POVO

crescimento e desinvolvimento ); e então são -lhe necessarios


alimentos de outra natureza.
As refeições devem ser amiudadas e pouco abundantes,
porque é necessario attender ao pouco desinvolvimento que
as funcções digestivas têem ainda, bem como á natural gulo
dice d'estas edades em que a razão ainda não impera, e não
se deve deixar a alimentação intregue á vontade das crean.
ças .
A qualidade dos alimentos deve ser regida com extremo
cuidado.
Deve-se dar á creança alimentos de facildigestão, escolhen
do aquelles que não necessitem de difficil trituraçãoe que,
em pouco volume, contenham bastantes principios teis.
08 caldos farinaceos e feculentos, a sopa, a assorda, satis
fazem a estas condições.
A carne pouco cozida, ou pelo menos a que não esteja mui.
to dividida, é inconveniente. Muitas doenças dos orgãos di
gestivos da creança não têem outra causa.
Em geral estescuidados são pouco attendidos e a nutrição
das creanças é feita exactamente ao contrario do que mais
lhes conviria.
Deduz se naturalmente de todas as considerações, quantas
havemos feito no decurso d'este livrinho, que a nutrição de
ve ser em harmonia com o genero de vida a que o homem se
intrega.
O trabalhador do campo que gasta a mór parte do tempo
nos seus trabalhos ao ar livre, dispendendo forças muscula .
res consideraveis, não deve nutrir- se do mesmo modo que o
homem intregue a trabalhos sedentarios no seu gabinete de
estudo.
O operario que egualmente emprega forças consideraveis
nos seus mestéres, não deve alimentar -se por modo egual ao
que emprega o caixeiro, o empregado de uma secretaria, por
exemplo, que se conserva quieto e assentado talvez uma ter
ça parte do dia.
O trabalhador do campo e o operario precisam não só de
maior copia de alimentos, mas tambem lhes é necessario um
regimen mais animalizado, mais farto do que precisa o ho
mem de gabinete, o caixeiro e o empregado de secretaria.
Infelizmente o trabalhador de campo e o operario, que de
mais reparadora nutrição necessitam , têem poucos meios pa
ra satisfazer a essas condições e nutrem -se mal, -ao passo que
o homem de gabinete, em geral mais favorecido pela fortuna,
dispõe de mais recursos nutritivos, pode escolher a sua ali:
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 51

mentação, e nutre -se muitas vezes mais do que lhe sería pre
ciso e conveniente para o seu genero de vida.
Da contravenção d’estas regras em qualquer das hypothe
ses que apresentámos, nascem doenças ; e assim vemos os ope
tarios, mal nutridos, serem victimas de uma nutrição insuffi
ciente,- ao passo que o homem de vida sedentaria soffre os
inconvenientes de uma alimentação superabundante e exces
siva , e é bastantes vezes victima d'estes excessos.
Não formulamos regras a este respeito ; ellas se deduzi.
rão naturalmente das considerações apresentadas.
Quem não as souber deduzir, ou não tiver força para se
vencer , -tambem não as saberia cumprir, vendo-as escriptas.
Cabe á Hygiene Publica estabelecer as bases da alimenta
ção apropriada aos differentes generos de trabalho.

DA ALIMENTAÇÃO NOS DIVERSOS CLIMAS


Se o leitor reparar no que lhe succede, com referencia á
alimentação, durante o inverno e na estação calmosa , -- se re
flectir bem que nas occasiões em que o calor é excessivo e o
appetite diminue, as digestões são morosas, ao passo que no
inverno, durante os frios excessivos, quandotudo convida ao
exercicio e ao movimento, sente mais vontade de comer e as
suas digestões são rapidas e perfeitas,-terá visto, na sua ma
xima simplicidade eexactidão, em que consiste a regra hy
gienica da alimentação nos diversos climas.
Nos climas frios e durante o inverno dos climas tempera
dos, necessita o homem de mais alimento e de uma alimenta
ção não só farta de principios plasticos, como abundante em
principios gordos ou hydro -carbonados .
Os habitantes da Laponia e da Groenlandia, consomem
notavel quantidade de gorduras e de alimentos animaes.
As substancias em que abunda a gordura e o sebo, são os
seus mais appetecidos manjares; dos vegetaes nem usam por
lhe faltarem , - nem usariam de bom grado, tendo - os, pois lhe
seriam pouco convenientes.
De inverno, pois, -referindo-nos agora a Portugal,-deve a
alimentação ser mais abundante: convêm fazer intrar na ali
mentação as substancias gordurosas, e o caffé e o chá são ex
cellentes meios excitantes e provocadores do calor animal .
52 BIBLIOTHECA DO POVO

O uso moderado do vinho e de algumas bebidas alcoolicas


tambem não é inconveniente.
Durante o estio, a alimentação deverá, pelo contrario, ser
mais leve, menos animalizada ; e os excitantes, posto que em
parte precisos para vencer a atonia das funcções digestivas,
são menos necessarios e uteis.
Não podemos deixar de fazer brevissimas considerações
sobre aalimentação nos paizes tropicaes sob cuja acção nós,
os Portuguezes, tanto vivemos.
Abi, se por um lado o calor excessivo convida a uma nu .
trição pouco forte, as perdas causadas pela transpiração
abundante e as que traz comsigo aacção dos miasmas pa
lustres (companheiros quasi inseparaveis do homem nos cli.
mas tropicaes) pela sua parte aconselham o emprego de uma
alimentação tonica e reparadora, que contrabalance os maus
effeitos d'estascausas de infraquecimento.
A alimentação nos climas tropicaes e regiões palustres de.
verá ser um poucomais forte e animalizada do que por si só
exigiriam as condições da temperatura ambiente.
O uso do vinho n'estes paizes é indispensavel, bem como o
é o emprego do caffé e até certo ponto o dosalcoolicos.
Deve, porém, attender -se muito á morosidade da digestão
sob a acção deprimento dos fortes calores tropicaes; e por isto
todo o excesso na alimentação se deverá evitar, não só na
quantidade como na qualidade dos alimentos.
Ha outros meios, que propriamente não pertencem á alj.
mentação, mas que a favorecem , de cujo racional emprego
depende a conservação da saude nos climas tropicaes.
O uso dos banhos frios, um exercicio moderado mas regu
lar (tanto physico como intellectual), a escolha das horas de
trabalho e de repouso, constituem estes meios.

VI

DA ALIMENTAÇÃO DURANTE A DOENÇA


Em todos os antecedentes capitulos, consideramos o ho
mem no seu estado de saude.
No presente faremos intrar n'esta questão um elemento
importante, a doença.
À doença ,-alterando, prevertendo, augmentando raras ve
zes, diminuindo quasi sempre a energiadas funcções diges
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 53

tivas, - precisa de ser attendida, com cuidado especial, na


questão da alimentação.
A dieta, no sentido rigoroso da palavra, é a privação abso
luta de alimentos .
Costuma-se, porêm , intender por dieta o regimen alimen
tar especial apropriado aos doentes, tanto em relação á
qualidade, como a quantidade dos alimentos.
A dieta, no sentido rigoroso da palavra, causaria a morte,
em periodo mais ou menos longo, se fosse applicada a indivi
duos sãos.
A morte por inanição succede em periodos variaveis se
gundo a edade, o sexo, genero de vida, clima, etc., em que se
acha o individuo.
Tolera -se com mais facilidade a dieta rigorosa durante as
doenças agudas de que no estado de saude ou nas doenças
cbronicas, de larga duração.
Nas doenças agudas, a dieta é não só tolerada, mas mui
tas vezes indispensavel.
Na convalescença,o infermo precisa reparar as forças per.
didas na doença; e é n'estas circumstancias que mais neces.
sarios se tornam os maiores cuidados na alimentação. A es
colha das comidas deve ainda ser mais rigorosa.
Nas doenças chronicas do tubo digestivo é precisa uma
dieta ligeira na qualidade e na quantidade dos alimentos.
Para estes casos é que se torna bastantes vezes utilissima a
dieta lactea.
Façamos um rapido exame dos materiaes que devem com
pôr a dieta, e embreves palavras dêmos aos nossos leitores
uma idéa geral d'este assumpto tão importante.
Os elementos que compõem o regimen dietetico , são : bebi.
das ; alimentos propriamente ditos; condimentos.
As bebidas formam uma parte importantissima do regimen
dietetico dos doentes. Em bastantes casos são ellas por si só
que alimentam os doentes.
Grande parte das substancias medicamentosas é applicada
em dissolução, e portanto ainda as bebidas n'este casosão da
maxima utilidade nas doenças.
Nas bebidas ha a considerar a sua quantidade e a sua qua
lidade.
Ha certos casos em que a privação absoluta ou quasi com
pleta de bebidas é um auxiliar poderoso dos outros meios de
cura.

Outras vezes, pelo contrario, são necessarias bebidas abun


dantes para arrastarem pela sua eliminação do organismo
54 BIBLIOTHECA DO POVO

certos principios,
cor
que se crê d'este puodo poderem ser postos
fóra do po .
As bebidas são em grande parte, senão na sua totalidade,
absorvidas no estomago .
Um excesso de bebidas deve pois dar a esta viscera um
augmento de trabalho, um accrescimo de actividade que a fa
tiga e que pode causar verdadeiras indigestões aquosas.
Tambema agua em excesso dilue, infraquece os principios
acidos do estomago (incarregados da primeira elaboração dos
alimentos), e portanto assima digestão.
As bebidas tomadas durante as refeições em grande quan .
tidade, devem convir aquelles individuos cujo estomago se
grega pathologicamente grande quantidade de succos acidos.
Todos os meios que a economia animal tem ao seu dispor
para se desembaraçar de um excesso de liquidos, são por ella
empregados com a maxima actividade, no caso de dieta
aquosa.
Assim augmenta a secreção do suor e da urina ; e por fim
a diarrhéa (causada pelo affluxo ao intestino de grande massa
de liquido, que o estomago não absorve) apparece, concorren
do por sua parte para debilitar as forças do doente.
A quantidade de bebidas deve pois ser cuidadosa e pru
dentemente regulada pelo medico nas doenças, e nunca se de
ve deixaristo aos cuidados empyricos dos infermeiros ou dos
proprios doentes.
Iła certas doenças muito communs e conhecidas, nas quaes
é de grande auxilio a ingestão de grande porção de liquidos.
Por exemplo, nas bexigas, no sarampo , etc., nas doenças
chamadas exanthematicas, esta práctica tem a vantagem de
actuar topicamente sobre a bocca e a garganta , conservar
desimbaraçado o ventre, e auxiliar a tendencia eliminadora
que se faz na pelle e ahi se mostra pela producção das pus
tulas .
Nas doenças para cujo tratamento é util a abundancia de
suores, a dieta aquosa é tambem de grande vantagem.
Experiencias bem feitas têem demonstrado que uma quan.
tidade abundante de agua nas veias torna mais lenta,mais
vagarosa, a absorpção.
D'isto se aproveita a clinica, prescrevendo bebidas abun
dantes nas curas em que se pretende evitar a absorpção de
certos venenos e a re -absorpção purulenta, virulenta , ou pu
trida (-) .
(*) Diz-se re- absorpção, a absorpção intima, que se passa no interior do
corpo , no amago dos nossos tecidos.
HYGIENE DA ALÍMENTAÇÃO 55
No tratamento de certas doenças renaes, como, por exem
plo, nos calculos (*) renges, areias, etc., as bebidas abundan
tes são de grandissima utilidade, diminuindo os sedimentos e
facilitandoo arrastamento d'estes pelas urinas.
As condições de temperatura dos liquidos ingeridos não
são (como era facil de prever) indifferentes; e outrotanto suc
cede para os alimentos.
Não nos permittem os limites d'este livro intrar em dila
tadas considerações a este respeito.
Mas é sabido que os liquidos quentes provocam a irradiação
de calor, e uma excitação momentanea, mui util em certos
casos.
O calorico que impregna os alimentos (diz Fondsagrives)
pode reputar-se, com razão, como o mais activo e o mais usual
dos condimentos ; e é isto tão verdade, que todos nós temos
experimentado que alimentos pezados, indigestos na tempera
tura ordinaria, são bastantes vezes digeridos, quando se lhes
augmenta o grau de calor.
Ha a este respeito uma particularidade notavel : uma pe
quena porção de calorico torna os alimentos,e as bebidas, de
mais difficil digestão, do que a privação absoluta de calo
rico .
Não é indifferente a escolba da temperatura com que se de
vem administrar as bebidas e as comidas aos doentes; e é o
inedico a pessoa, a quem pertence exclusivamente regular
esta escolha.
Não podemos fazer n'este logar considerações algumas so
bre as tisanas ou bebidas medicamentaes. Só diremos que
são ellas um complemento da dieta em certos casos.
Já foram muito mais empregadas do que actualmente, com
especialidade na França. Entre nós ainda, no campo, as deno
minadas garrafadas gosam de grandes creditos.
Diz Fongsagrives na sua Hygiene alimentar, que em Fran
ça é geral o uso de tisanas nodecorrer de uma doença agu
da, parecendo que o vulgo crê na efficacia de effeitos thera
peuticos da ingestão de grandes quantidades debebidas.
Pelo contrario na Inglaterra e nos paizes do Norte, prefe.
rem - se, a nosso ver com razão, os remedios activos em pe
queno volume, confiando -se pouco nos vehiculos (** ).
As bebidas refrigerantes e aciduladas, as limonadas, são par

(*) Concreções salinas pathologicas nos rins, uretheres, bexiga, etc.


(**) Liquido que serve para ter dissolvida ou suspensa a materia medica
mentosa activa ,
56 BIBLIOTHECA DO POVO

ticularmente agradaveis aos febricitantes e muito emprega


das n'estes casos.
Os sorvetes são recommendados quando se acha indicado
o uso do gêlo ou das bebidas muito frias. Têem, além das pro
priedades refrigerantes, uma acção levemente estimulante e
nutritiva.
O uso das aguas gazosas que se vai generalizando entre
nós, pode ter inconvenientes quando continuado em excesso.
E ' preciso que se saiba que a mór parte das aguas gazosas
são medicamentosas e que o seu uso fóra dos casos de doença
pode serprejudicial.
As bebidas amargassão estimulantes e tonicas, e por isso
convêm áquelles individuos cujo appetite se acha infraqueci
do. E ' muito usado pornós com este fim o infuso da quassia.
Do caffé, do vinho, do chá, etc., já dissémos o que nos pa
rece conveniente. Resta-nos advertir os nossos leitores que o
uso d'estes liquidos, durante a doença, só deve ser regulado
pelo medico.
Em geral é proscripto o uso de bebidas alcoolicas durante
a doença. Comtudo ha doenças, a pneumonia por exemplo, que
tem um methodo de tratamento quasi exclusivo pelo alcool
inglez, Todd, o prin
(dado em aguardente, rhum , etc.); foi um
cipal propagador d'esta therapeutica.
As carnes formam , quasi exclusivamente,a base da alimen
tação dos doentes e dos convalescentes. Dão -lhes este privi.
legio as suas propriedades substanciaes sob um pequeno vo
lume e tambem, segundo a expressão de Galeno,a conformi
dade da sua natureza com os tecidos organicos que ellas são
destinadas a conservar ou a reparar.
Não exigem grandes esforços de digestão e por isso con
vêm ás necessidades dos convalescentes e aos valetudinarios.
Não é indifferente o uso das diversas carnes. Bem pelo con
trario, são diversas as propriedades especiaes das carnes dos
differentes animaes ; e n'um dado animal variam um pouco
essas propriedades, segundo a sua proveniencia, edade, sexo,
etc.
As carnes que mais convêm aos convalescentes são as de
vacca e de gallinha, - devendo a carne ser privada das gordu
ras que a acompanham , substancia que as tornaria de menos
facil digcatão.
,Não convem nos estados morbidos o uso de certas partes
dos animaes, por exemplo,o figado, o cerebro (miolos), os rins,
etc., porque a complexidade da sua estructurà os faz de uma
digestão laboriosa.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 57

Diz Fonssagrives que n'este particular se deve abrir uma


excepção ao thymus (*) da vitella (o sweet- bread dos Inglezes)
cuja composição é analoga á da carne muscular, posto que
tenha menos fibrina; e que, imbora menos nutriente, convem
muito aos estomagos delicados, estabelecendo a transição para
outros alimentos mais fortes.
Hypocrates considera a carne do carneiro a mais apropria
da para os doentes. Não nos parece justificada esta predilec
ção, ainda que certas especies de carneiro são notaveis pelo
seu bom sabor.
A carne de porco é geralmente excluida da alimentação dos
doentes. Ha, porém, certas localidades, por exemplo, Macau,
onde é de uso dar aos infermos carne de porco e os caldos
feitos com ella.
Na realidade alli acarne de porco não se parece no sabor
com a dos porcos de Portugal. Não tem o pronunciado gôsto
da carne dos nossos montados e assimilba -se mais á vitella .
Diz-se que a carne de leitão é biliosa , e que causa o seu uso
perturbações no ventre.
Muitas especies de aves fornecem excellentes assados pro
prios para aalimentação da gente san.
Para o uso dos doentes e convalescentes a escolha de algu
mas aves deve ser cuidadosamente attendida.
As gallinaceas e mórmente as gallinaceas domesticas dão
recursos alimentares importantes aos convalescentes e aos
doentes. Estas aves têem na realidade um gosto delicado, que
sobresai pela cozedura; e as suas fibras, pela brandura que
as distingue de outras carnes, tornam -n'as de facil e rapida
digestão.As gallinhas são de uso vulgare geral para os doen
tes, e o caldo feito com a carne de gallinha é de emprego qua
si indispensavel em grande numero de doenças. A gallinhafór
ma, por assim dizer, o primeiro capitulo da alimentação do
doente, servindo de preparatorio para o uso de alimentos mais
substanciaes. A carne das aves é em geral menos nutriente
que a dos mammiferos.
Na alimentação dos doentes não entra a carne de perú, de
pato, de perdiz, nem de gallinhola. A carne d'estas aves ser
virá, na convalescença de certas doenças, para cortar a mo
notonia do uso da carne de vacca ; e n'este sentido presta
grandes serviços á nutrição.
Entre os reptis, a tartaruga é empregada em certos loga
(*) Orgão de estructura glandular, situado na região thoracica, e só existen
to nos primeiros tempos da vida. Atrophia -se com o progresso da edade. São
ainda desconhecidas as suas funcções.
58 BIBLIOTHECA DO POVO

res como alimento apropriado aos doentes. Os antigos attri


buiam á carne da tartaruga propriedades mais reparadoras,
mais nutritivas que as dos mammiferos.
Na Jamaica vende- se muito a carne da tartaruga para ali
mentação , e na Inglaterra é especialmente destinada para fa
zer a celebre sopa de tartaruga.
Os peixes são mais usados para alimentação no estado de
saude do que durante a doença.
A carne de peixe é em geral saborosa, mas de menos facil
digestão que a dos mammiferos e das aves e por isso menos
apropriada aos doentes. Ha, porêm, certos estados de conva
lescença e até de doença em que o uso de alguns peixes, por
exemplo, a pescada, o linguado, o pargo, etc., é conveniente.
N'estas questões ha muito que attender ás particularidades
individuaes, que bastantes vezes alteram e destroem a regra
pre - estabelecida. A hygiene deve n'estes casos subordinar - se
a estas particularidades e ceder-lhes o passo.
Os molluscos são em geral pouco usados na alimentação dos
doentes. Os caracoes gozam, no dizer de certosauctores, de
propriedades nutrientes em subido grau. São mui recommen .
dados aos tisicos.
O emprego dos condimentos durante as doenças deve de
pender do seu poder excitante e do estado das vias digesti
vas.
Só o medico poderá, em cada caso particular, determinar
com prudencia quaes os condimentos e em que quantidade
elles poderão ser usados pelo doente e recommendados ao uso
dos convalescentes .
N'este assumpto, parece-nos melhor não estabelecer regras
geraes e fixas.
Temos concluido o que n'este livrinho podiamos e deviamos
dizer aos nossos leitores sobre a Hygiene da alimentação.
VII

EPILOGO

Como complemento demonstrativo e justificativo de varias


asserções disseminadas pelas paginas do presente opusculo,
e simultaneamente como assumpto que, por estreitamente
ligado com os principios geraes da Hygiene da alimentação,
julgamos deverá interessar ao leitor curioso, deliberámos in
cerrar este volume da Bibliotheca do Povo e das Escolas com
a exposição das cinco seguintes tabellas :
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 59

Tabella A

Generos de que deve compôr-se a ração de uma praça


nos nossos navios da armada
Generos Quantidades Distribuição
Carne de vacca fresca 0,375 )
ou Domingos, 2. , 4. , 5.a feiras
e sabbados
Carne de vacca salgada 06,375 )
ou
Bacalhau .. 0k,240
ou
Peixe salgado ....... Ok,350 13.as e 6.as feiras
ou
Peixe fresco ..... 04.400
Legumes (86) ... 01,200
Legumes com macarrão 01,150 -Domingos e 5.as feiras
Legumes com arroz ... 01,150-2.as, 4.as feiras e sabbados
Ma carrão .. 01,050 -Domingos e 5.a feiras
ou
Arroz ... 04,050-2.a8, 4.as feiras e sabbados
Bolacha (86) . 04,500 - Navegando
ou
Bolacha ... Ok,400 )
e Fundeado em portos fóra do
Påo alvo ... 0k,200 ) Tejo
ou
Pão alvo . Ok, 200)
e Fundeado no Tejo
Pão de munição ...... 06,450 )
Caffé torrado e moido 04,020
ou
Todos os dias
Caffé em grão .... Ok,028
Assucar .. 04.085
Vinho.. 01,500 - Navegando
Vinho ... 01,400-Fundeado
Vinho para jantar.... 01,015-Todos os dias
Azeite para ceias de 3.as e 6.28 feiras, e sempre que
magro e de carne sal
gada .. 01,015
se abone carne salgada
Sal .. 01,025
Vinagre ... 01.035 )Todos os dias
Notas. - Ha um abono em dinheiro para bortaliças.
60 BIBLIOTHECA DO POVO

Não havendo pão nem bolacha, estes generos substituem


se por 11,300 de farinba de mandioca.
Se não houver caffé, augmenta 0k,500 a ração de carne, etc.
A aguardente é só abonada como gratificação extraordina
ria; não faz parte da ração do marinheiro.

Tabella B

Ração dos nossos alumnos-marinheiros


Generos Quantidades Distribuição
Carne de vacca fresca 06,375 2.as, 4.4s, 5.as feiras, sabbados
e domingos
ou

Bacalhau .. 04,2401
ou
Outro peixe salgado .. 04,350 3.4 e 6.20 feiras
ou
Peixe fresco .. Ok,400
Legumes (86) ........ 01 200 )
Legumes com macarrão 01 150 -Domingos e 5.as feiras
Legumes com arroz... 01,150-2.a ., 4 . feiras e sabbados
Macarrão .. 01,050 –Domingos e 5.“ feiras
ou
Arroz ... 01,050–2.a., 4.4. feiras e sabbados
Pło de munição .. 01,4501
P&o alvo .... 01,200
Caffé torrado e moido 01,020
ou Todos os dias
Caffé em grão ....... 04,0281
Assucar . 04.035
Vinho ... 01,200
Vinho para o jantar... 01,015
Azeite para as ceias
de magro . 01,015 )
Sal .... 01,025 3.28 e 6.as feiras
Vinagre .. 01,035
Lenha, carvão, etc.
Um decilitro de vinho é dado ao jantar o outro á ceia.
HYGIENE DA ALIMENTAÇÃO 61

Tabella 0
Composição do vinho.Em cada litro ha :
Agua .. 891 a 909
79 a 89
neutros

Alcool ethylico ..
Corpos

Outros alcooes (butyrico, amilico, etc.) .


Aldehydes ......
Etheres (acetico, butyrico, oenanthico ).
Qleos essenciaes...
Assucar (glycose e chulariose ).
Manite ...
Mucilagem, gomma e dextrina..
Pectina, oenantina (?)..
Mate: as corantes .
Materias gordas ..
Materias azotadas ..
Tartrato acido de potassa (6 grammas
ou mais ) .
Tartrato neutro de calcio ..
Tartrato neutro de ammoniaco ..
Tartrato acido de aluminio, só ou com
vegetaes potassio ..
Tartrato acido de ferro, só ou com po
tassio ......
Saes

Racematos ... 30 & 11


Acetatos, propionatos, butyratos, la
otatos, etc ...
Sulphatós potassio
Azotatos de sodio .
Phosphatos calciu ...
Silicatos
mineraes (magnesio ..
Chloretos
Brometos de aluminio
ferro ....
Lodetos
\ Fluoretos ammoniaco .
Carbonico (2 grammas ou mais) .
Tartrico, até 5 grammas
Racemico ..
Citrico ...
Tannico ..
Acidos livres
Metapectico
Acetico .
Lactico ....
Butyrico
Valerico ...
62 BIBLIOTHECA DO POVO

Tabella D
Tabella em que se compara a força alcoolica dos vinhos da Eu .
ropa com a dosde Portugal
Europa vinicola

alcoolica

alcoolica
especies

regiões
Força

Força
pelas
vini
cola
por


dia
.
Regiões Nomes

Vinhos do Necker ... 6


Vinhos do Palatinado : 9

8,8
Norte ... Vinhos da Saxonia .. 9
Vinhos da Hungria . 9
Vinhos do Rheno .. 11

Vinhos do Meio-dia da França . 13


Centro...
Vinhos de Hespanha.. 16 14,5

Vinhos da Grecia 18
Lacryma -Christi. 18
Meio-dia . { Xerez.. 16 20,0
Lissa .. 24
Marsala .. 24

Portugal vinicola
Norte .
Vinhos de Braga .... 8
8,5
Vinhos de Coimbra . 9

Vinhos de Santarem . 16
Centro... Vinhos de Lisboa '.. 14 14,0
Vinhos de Aveiro . 12

Vinhos da Companhia . 24
Meio - dia . 1 Vinhos de Lisboa ... 20 21,6
Vinhos do Algarve.. 21
HYGIENE DA. ALIMENTAÇÃO 63

T'abella E

Comparação das quantidades de carbonio e de azote


fornecidas na alimentação dos individuos
das classes abaisco - indicadas
Carbonio Azote
Operarios agricolas das herdades de Vau .
cluse ( segundo Gasparin).. 502 22,15
Operarios de Cerveze.. 710 24,16
Operarios da Lombardia . 694 27,60
Operarios inglezes do Norte .. 420 20,00
Operarios francezes (no caminho -de -ferro de
Rouen)... 384 31,90
Tecelões e costureiras (E. Smith) 267 11,00
Soldados francezes (Lévy) .. 277 21,50
Marinheiros francezes... 435 22,50
Operarios irlandezes . 670 18,50
Operarios francezes em descanço . 280 20,00
Operarios francezes trabalhando 480 30,00

FIN
Casa editora DAVID OORAZZI, Lisboa, Rua da Atalaya, 40 a 52

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BIBLIOTHECA DO POVO E DAS ESCOLAS
PUBLICA - SE NOS DIAS 10 E 25 DE CADA MEZ
RÉIS Alguns dos seguintes livros já foram REIS
approvados pelo Governo para uso das aulas
50. CADA
VOLUME
primarias,e muitos outros têem sido
adoptados nos Lyceus eprincipaes escolas do
nosso Paiz.
CADA
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VOLUMES PUBLCADOS :
1.4 Serie . N.º 1 , Historia de Portugal. N.º 3, Geographia geral. N.° 3, Mytholo
gia . N.° 4, Introducção ás sciencias physico-naturaes . N.° 5, Arithmetica pratica. N.º
6, Zoologia. N.°7 , Chorographia de Portugal. N.° 8, Physica elementar.- 2. Serie .
N.° 9, Botanica. N.° 10, Astronomia popular. N.° 11, Desenho linear. N.° 13, Economia
politica. N.° 13, Agricultara. N.° 14, Algebra elementar. N.° 15, Mammiferos. N.° 16, Hy.
giene . - 3 . Serie .N.° 17, Principios geraes de Chimica. N.° 18, Noções geraes de Ju.
risprudencia. N.° 19, Manual do fabricante de vernizes. N.° 20,Telegraphia electrica. N.º
21, Geometria plana .N.°22, A Terra e os Mares . N.° 23 , Acustica . N.° 24, Gymnas
tica . - 4.4 Serie. N.°25, As colonias portuguezas. N.° 26, Noçõesde Masica. N.° 27,
Chimica inorganica. N.° 28, Centuria de celebridades femininas. N.º29, Mineralogia .
N.° 30, O Marquez de Pombal. N.° 31 , Geologia. N.° 32, Codigo Civil Portuguez . - 5,4
Serié. N.°33, Historia natural das aves. N.° 34, Meteorologia .N.° 35, Chorographia
do Brazil.— N. 36 , O Homem na serie animal.- N.° 37,Tactica e armas de guerra.
N.° 38, Direito Romano. - N.º 39, Chimica organica . - N .° 40, Grammatica Portugueza.
-6.a Serie. N.° 41, Escripturação Commercial. N.° 42, Anatomia Humana . N.° 43,
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quisição. A Inquisição em Portugal. O descobrimento do Brazil. Physiologia. Biologia .
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gueza. Litteratura brazileira . Invenções e descobertas. Artes e industrias.

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1882
DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS
Premiada com medalha de ouro na Exposição do Rio de Janeiro
Administração: 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa
Filial no Brazil : 40, R. da Quitanda , Rio de Janeiro

NUMERO
M
45
INDICE

I. PROLEGOMENOS HISTORICO - CRITICOS — Origem dos provers


bios. Emprego e applicação dos proverbios na Antigui.
dade. Os septe sabios da Grecia. Philosophos e poetas
gnomicos. Os Versos Aureos de Pythagoras. Julio Cesar.
Salomão e os proverbios biblicos . Meidani. A Edade Mé
dia. Proverbios geraes e particulares. Cita -se o conego
Manuel Severim de Faria. Proverbio, rifão, exemplo, sen
tença , dictado, anexim, maxima, paremia , apophthegma
e aphorismo. Invocam -se por auctoridades diversos es
criptores. Transcreve-se um soneto de Nicolau Tolenti
no e a carta endereçada a Lord Wellington pelos habi
tantes do Vimeiro. Indicações bibliographicas. Um juizo
de Alexandre Herculano. Uma noticia colhida pelo vis
conde Julio de Castilho. Cita-se e refuta - se uma opinião
du padre Feijóo relativamente ao valor philosophico dos
adagios . 3
II . FLORILEGIO DE PROVERBIOS, ADAGIOS, RIFÕES, ANEXINS, ETC. 26
III. DICTADOS FAMILIARES (sentenciosos, epigrammaticos,
facetos e jogralescos .. 55
IV . KALENDARIO RUSTICO 58

ERRATAS MAIS IMPORTANTES

Pag. Linha Onde se lo Leia -se


4 18 antiguidade Antiguidade
29 antiguidade Antiguidade
5 1 do latim em latim
14 25 Clero da Beira Clerigo da Beira
17 21 ensilha ensilla
29 39 não os animar não oy amimar
alforvas alforjas
36 27 ombreiras humbreiras

Typ. das Loras Romanticas, Rua da Atalaya, 40 a 52 - Lisboa


PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS

Vox populi, vox Dei.


Voz do povo, voz de Deus.
PROVERBIO

PROLEGOMENOS HISTORICO -CRITICOS

Perde-se incontestavelmente na noite dos tempos a origem


dos proverbios.
N'esses conceituosos dizeres, ora inspirados nos diversos
mestéres da vida práctica, ora filiados n'um facto historico,
ou n'um episodio mythologico, ora derivados de um simples
apologo, já colhidos no campo das lettras, já no campo das
sciencias, já no campo das artes, inclusivamente inesmo no
variadissimo campo dos diversos reinos da Natureza,- força
é reconhecer que o instincto popular soube picturescamente
reunir um precioso thesouro de philosophia .
Vico em seu enthusiasmo pelos proverbios não hesita em
chamar - lhes:: a linguagem dos deuses.
Nem é só a philosophia moderna que em tão grande conta
e consideração os tem , porquanto já nos remotos tempos da
Antiguidade lhes ligavam importancia extrema os philosophos
todos.
Em confirmação do que deixamos exposto, basta dizer que
essas septe celebridades, - cujo prestigioso influxo a posteri
dade ficou respeitosamente venerando sob a designação gene
rica d'os septe sabios da Grecia ( ), - preconizaram assaz e
( *) Thales, Pittaco, Bias, Solon, Cleobulo (de Lindos), Cleobulo (de Laceº
demonia) e Periandro,-- taes são os nomes que a tradição nos conservou d'es
sa notavel heptada. Socrates inclue na lista, em vez de Periandro , o nomo do
philosopho Myson,
4 BIBLIOTHECA DO POVO

propagaram mesmocom a práctica do proprio exemplo a vul :


garização do proverbiocomo formula adequadissima á propa.
ganda dos preceitos e doutrinas philosophicas.
Se dos philosophos propriamente ditos volvemos a attenção
para os antigos poetas guomicos da Grecia, n'elles incontra
mos tambem da mesma forma auctorizado, exemplificado, acon
selhado, o uso dosproverbios.
Nem qualificação melhor poderemos certamente achar do
que florilegio de proverbios para os celebres Versos Aureos de
Pythagoras , - versos em que sob a forma de axiomas se nos
depara expressa a doutrina d'este famosophilosopho, e que o
professor Luiz Antonio de Azevedo traduziu do grego para
portuguez publicando- os em 1795 illustrados com escholios e
annotações criticas.
Theognis (o auctor das Sentenças elegiacas ), Phocylides
(contemporaneo de Theognis ), Socrates, Platão, Clearco, 'Theo
phrasto e varios outros, são ainda frizantes exemplos do mai.
to apreço em que entre os sabios da antiguidade eram tidos
os proverbios, - quer setratasse de vulgarizar principios scien
tificos propriamente ditos, quer se tivesse em vista popula
rizar preceitos de doutrina moral.
De proverbios se serviram frequentemente os sacerdotes do
paganismo, quando pela bocca dos suppostos oraculos trans
mittiam seus dictames aos povos.
De proverbios lançaram muitas vezes mão os legisladores,
para mais facilmente levarem a effeito a promulgação das leis.
E tão recommendaveis vieram a ser, tão respeitaveis, tão
venerandas e veneradas se tornaram estas maximas da vida
práctica entre os povos da antiguidade, que não duvidavam
elles - para incessantemente as terem presentes ao espirito
-inscrevêl-as nos monumentos publicos das cidades e mes
mo das povoações ruraes.
Referindo -se ao assombroso numero d'essas inscripções, que
nos povoados da Attica se liam & cada canto e a cada passo,
- costumava Platão dizer que, para seguir um curso com
pleto de Moral, bastava apenas percorrer de um cabo ao ou
tro aquella região.
Se da Grecia passamos para Roma, ainda ahi se nos depa
ra pronunciadissima a tendencia para os proverbios. Julio Ce
sar, que,sob o titulo de Apophthegmas, formou d'elles uma pre
ciosa collecção, sustentava que os proverbios se deviam con
siderar mananciaes riquissimos de utilidade e bom conselho
para a vida práctica, visto que implicitamente instigavam a
practicar tal ou tal acção -- ad agendum ( em latim) ;- d'aqui
PITILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 5

veio a derivar-se a palavra adagio (do latim adagium ), nome


por que tambem se designa ainda hoje qualquer proverbio
(mórmente o que tem já fóros de antiquado ou obsoleto ).
Na opinião tanto dos rabbinos como dos Padres da Egreja,
Salomão passa por ser o mais antigo que se conhece entre os
colleccionadores de proverbios. Este sabio monarcha de Is
rael recommendava - como importantissimo esobre todos ex
cellente meio para adquirir a virtude- estudar e profundar
o sentido mysterioso dos proverbios, aos quaes costumava el
le chamar vozes da sabedoria .
E sua especial predilecção por este genero de litteratura
philosophico -moral, assaz a exemplificou o illustrado principe,
não desdenbando occupar as horas do ocio em compendiaros
proverbios da nação, a que presidia, nos tres livros que nos
deixou e que figuram entre as mais apreciaveis paginas do
Velho Testamento : - taes são o chamado Livro dos Prover .
bios, o Ecclesiastes e o Livro da Sabedoria .
Verdadeiro complemento d'estes tres se pode considerar
ainda outra collecção de proverbios que tambem se nos de
para na Biblia e que constitue ochamado Ecclesiastico ,-li
vro attribuido a um tal Jesus ( filho de Sirach), judeu de Je.
rusalem que floresceu por fins do seculo III antes da era chris.
tan.
Os povos do Oriente possuem todos grande copia de pro
verbios,-notaveis geralmente pelo conceituoso das imagens.
Meidani (um escriptor persa que floresceu no seculo XII da
nossa era) compoz em arabigo um « Livro de proverbios » (Re
tab-al- Amthal), - curioso florilegio que no seculo xyri o illus
tre orientalista e philologo Eduardo Pocok traduziu em latim,
contribuindo d'est'arte para tornar conhecida na Europa uma
obra a que tanta reputação deveu no Oriente o seu auctor.
Passam de 6 : 000 os proverbios colligidos no livro de Meidani.
Se ha epocha, porêm, na qual os proverbios formem , por
assim dizer, o verdadeiro fundo intellectual da sociedade hu.
mana, é naEuropa a quadra historicamente designada sob a
denominação de Edade-Média. Não queremos dizer com isto,
que todo esse largo periodo apresentasse como forma exclu
siva ou predominante de manifestação litteraria os provere
bios ;
- mas é na Edade-Média que o proverbio, maisdo que
nunca, assume fóros de primazia para conglobar e resumir
preceitos scientificos ou moraes ; é na Edade-Média que bro.
tam as estrophes do Hava -Mal, especie de poema gnomico,
onde figura uma notavel collecção de proverbios escandina
vos ; é na Edade-Média que florece a celebre escola de Saler
6 BIBLIOTHECA DO POVO

Do, cuja voga e popularidade se filiou especialmente na forma


aphoristica de proverbios que alli se adoptou para a vulgari
zação de seus dictames medicos.
Jacopone de Todi (poeta ascetico italiano, que floresceu
entre o seculo XII e o seculo xiv, e a quem alguns querem
attribuir a prosa rimada do celebre cantico sacro Stabat Ma
ter ) compoz para uso de seus compatriotas um poema, em que
resumiu os mais selectos preceitos de philosophia popular .
Nem mesmo com o alvorecer da Renascença esmoreceu &
predilecção pelos proverbios: Miguel Apostolio colligiu d'el
les uma grande porção ; Scaligero trouxe a publico os versos
paremiacos dos Gregos ; Polydoro Virgilio compoz um voca
bulario deproverbios.
Em 1500° deu Erasmo a lume 800 proverbios gregos e lati
nos ; dezesete annos depois, estava aquelle numero n'outra
edição elevado a mais de 4 : 000 !
Nos seculos xvi e xvii continua ainda a vigorar o provere
bio, como forma litteraria muito acceita e seguida.
Tanto, porém , o quizeram popularizar, tanto o quizeram
vulgarizar os diversos escriptores, nem sempre dotados do
conceituoso e fino espirito que em proverbios se requer,
tanto de proverbios se usou e abusou, tão exaggeradamente
se fez d'elles constante applicação, muitas vezes sein gosto
nem criterio, ou, como vulgarmente se diz, sem tom nem som ,
que emfim chegou para os proverbios a hora do descredito
e da decadencia .
Em duas grandes categorias se podem os proverbios divi
dir : - proverbios geraes, e proverbios particulares ou locaes.
Os proverbios geraes exprimem geralmente uma idéa mo
ral ou práctica,- verdade axiomatica acceitaegualmente por
todos os povos, e reproduzida por imagens mais ou menos ana
logas (ás vezes atépor vocabulos equivalentes !) em todos os
paizes.
Os proverbios particulares ou locaes devem ordinariamente
sua origem a um facto historico, a um costume local ou a
uma aventura singular. Ha n'elles portanto ( ao inverso do
que succede nos proverbios geraes) uma originalidade espe
cialissima que caracteriza a localidade ou a occasião, em que
elles se originaram .
O erudito conego Manuel Severim de Faria, que foi chan
tre na Sé d'Evora, e que em seus Discursos Politicos deixou
amplo manancial de curiosas noções, poz por epigraphe ao
segundo d'esses discursos: Das partes que ha de haver na lin
guagem para ser perfeita , como a portuguesa as tem todas, e al.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 7

gumas com eminencia de outras linguas. N'esse discurso, ao pas


sar em revista as razões em que o illustre conego fundamen
ta a descommunal riqueza do nosso idioma, menciona entre
outras a abundancia das synonymias. E a proposito d'isso,
como elemento justificativo, diz -nos: « Dos nomes seja de
monstração o nome Adagio que é o mesmo que Proverbio,
Rifão, Exemplo, Sentença , Dictado e Anexins.»
E accrescenta o padre : - «Dos quaes vocabulos os Lati
nos não têem n'este sentido mais de dois ou tres. »
D'aqui facilmente se infere que para o conego Manuel Se
verim de Faria passavam por synonymos os septe menciona
dos vocabulos.
Afóra esses septe, temos ainda mais quatro : Maxima, Pa
remia, Apophthegma e Aphorismo.
Mas haverá realmente entre elles todos perfeita synony
mia ?
Rigorosamente falando, não ha , -- posto que na práctica
usual da linguagem alguns d'esses vocabulos sejam empre
gados como verdadeiros synonymos .
Adagio, que se deriva do latim ad agendum («para se pra
cticar» ), significa etymologicamente um preceito práctico.
D. Raphael Bluteau define o adagio pela forma seguinte :
- « sentença commum ,popular e breve, com allusão a alguma
coisa . »
O adagio é effectivamente um conceito breve, que anda na
tradição oral e que incerra um pensamento moral a que fre
quentemente se contrapõe outro pensamento em sentido in
verso. Expresso ordinariamente em forma familiar, o adagio
emprega-se usualmente no discurso como argumento abona
torio ou confirmativo de uma opinião individual referida a um
caso particular perante o geral modo-de-ver enunciado pelo
senso cominum .
Em regra , o adagio é local. Quer dizer : exprimede prefe
rencia as ideas de um dado paiz, de uma dada região, de uma
dada provincia, de uma dada localidade, e simultaneamente
os costumes dos seus habitantes. D'aqui facil se torna dedu
zir a sua incontestavel importancia no campo historico. E
tambem não somenos devemos computar o seu valor lexico
logico.
« Em Lexicologia (dizem no artigo Adagio os illustrados
coordenadores doGrande Diccionario Portuguez ou Thesouro
da Lingua Portugueza pelo dr. Frei Domingos Vieira ) o ada
gio tem uma grande importancia, porque apresenta as con
strucções syntaxicas de uma lingua na sua forma mais ge
8 BIBLIOTHECA DO POVO

nuina e espontanea. Bluteau foi o primeiro que se serviu d'el


les para restabelecer a intelligencia de certos vocabulos por
tuguezes . Os adagios incerram documentos para a historia dos
costumes e da moral de um povo ; Ferdinand Denis organi
zou com elles a Philosophia de Sancho.»
«Os adagios (diz o padre Delicado) são as mais approvadas
sentenças que a experiencia achou nas acções humanas ditas
em breves e elegantes palavras. Comprehende esta doutrina
não só as coisas moraes,mas todas as artes e sciencias, e por
isso em as mais das nações procuraram auctores graves pôl -as
em memoria e escrever d'ellas . »
E mais adeante continúa :
« Tambem conbeço as duvidas que ha sobre a verdadeira
definição dos Adagios, na qual differem os auctores segundo
varias opiniões,porque, como os nascimentos dos Proverbios
sejam muitos, no pode uma definição comprehender a todos.
São estes principios, d'onde os Proverbios nasceram , dez, se
gundo os que melhor consideram ; 1 ) dos Oraculos ou dos
Prophetas; 2) dos ditos dos Sabios ; 3) das fabulas dos Poe
tas ; 4) das comedias que se representam em theatro ; 5) dos
acontecimentos; 6) das historias ; 7) das fabulas em que os
brutos animacs se introduzem falando ; 8) das palavras ditas
caso ; 9) dos costumes ou condições das gentes ou do ho
mem , ou da natureza dos brutos ou das plantas, pedras e das
mais creaturas ; 10) de alguma coisa preciosa ou artificiosa e
vulgarmente conhecida por maravilhosa e insigne.
« De tão copiosa semente nasce um bosque de muitas e va
rias maneiras de Adagios, no qual é coisa trabalhosa distin.
guir propriamente os Ditos dos Adagios e Sentenças, oupelo
contrario. Por onde basta dizer que as Sentenças e os Ditos
se extendem mais larga e copiosamente, e que ás vezes se
contêem debaixo d'este nomeAdagio, o que se determina mais
pelo uso e gosto universal do que pelas regras e definição.»
Na práctica usual da linguagem vulgar confunde-se fre
quentemente adagio com proverbio. Ha, porêm, quem de pre
ferencia reserve a palavra adagio para com ella designar o
proverbio antiquado.
Oiçamos o que fnos diz o collector Francisco Rolland no
prologo ao livro que este afamado impressor publicou (segun
do mais adeante diremos) sob o titulo de - Adagios, prover
bios , rifãos, e anexins da lingua portugueza :
«Ora todas as nações têem ajuizado que os Proverbios ou
Adagios são de grande utilidade para os homens. N'elles se
historia differentemente. Muitas ceremonias e costumes anti
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 9

godse incerram nos Proverbios. Elles são o deposito de toda


a Antiguidade. N'elles se topam muitas vezes motejos agra
daveis e conceituosos aos perversos costumes dos homens. O
grande Cambden lhes chama um discurso conciso, espirituoso,
sabio, e fundado n'uma longa experiencia que ordinariamente
contêm alguma noticia importante e util. Do que se segue que
os Proverbios são aquellas Maximas concisas que incerram
muito sentido ; mas que costumam ser declarados com um es
tylo familiar, e que não deixam de ter seu logar na conversa
ção e ainda nos discursos serios ; e apontados com ordem , com
escolha, dão belleza á oração e renovam a lembrança dos se
culos afastados de nós, e nos mostram o que os povos têem
de mais polido e grosseiro. Cardano no Livro da Sabedoria
diz que a prudencia e a sabedoria de cada nação consiste nos
Proverbios.»
Proverbio [em latim proverbium , - vocabulo em cuja for
mação entra o substantivo verbam (« palavra») e o prefixo
pro] toma-se vulgarmente como sentença ou maxima, que o
uso popularizou e consagrou .
Applicado imbora pelo commum das pessoas no mesmo sen
tidoque adagio, o proverbio é frequentemente reservado para
aquellas maximas ou sentenças que apresentam origem bibli
ca (o que tem sua explicação no titulo Livro dos Proverbios,
com que a Vulgata designa a interessante collecção dos sac
bios preceitos attribuidos no Velho Testamento a Salomão ).
Paremias ( em grego paroimiai) se chama na versão dos
Septenta ao Livro dos Proverbios. Paremia é um vocabulo
grego que significa « allegoria» ou «parabola »; nos Proverbios
de Salomão abundam effectivamente as allegorias ou parabo
las. Paremia se chama ainda hoje a uma expressão prover
bial em que predomina a feição allegorica, por vezesmesmo
repassada de um certo tom de ironia .
Por allegoricos na sua essencia primam sobretudo os ane
wins.
Os coordenadores do supra-citado Thesouro da Lingua Por
tugueza definem d'est'arte o anexim : — «Axioma vulgar, ordi
nariamente em verso e com alliteração, em que se contêm uma
regra práctica de moral, com um sentido satyrico e allusivo
e em forma metaphorica.»
E no artigo Adagio, quando tratam da synonymia d'este
vocabulo, dizem :
«Anexim , segundo Bluteau, é um dito baixo, expresso em
uma linguagem rude, que se usa para comprazer ao povo,
quando alguem se quer fazer intender d'elle. A phrase ane
10 BIBLIOTHECA DO POVO

xim de ditos exprime a idea de collecção; e de facto o povo


applica, quasi sempre, muitos adagios ao mesmo tempo. Lobo
(na Côrte na Aldeia) não affiança o uso dos anexins a uma
pessoa delicada .»
Effectivamente Francisco Rodrigues Lobo, quando em o
dialogo 3.º da sua Côrte na Aldeia apresenta várias conside
rações acerca da escripta epistolar, diz -nos o seguinte :
«As palavras da carta hão-deser vulgares e não já popu.
lares nem exquisitas. Vulgares, de modo que todos as inten
dam e, ao menos, que a quem se escrevem não sejam pere
grinas. E não já populares, que sejam termos humildes, pa
lavras baixas, quo à cortezia não recebe. E que tão pouco,
em logar dos adagios e sentenças, tenham anexins.
D. Raphael Bluteau (o auctor citado pelo Thesouro da Lin
gua Portugueza) diz effectivamente o seguinte, no seu Voca
bulario Portuguez e Latino, quando trata de definir a pala
vra anexim : - « dito picante, como aquelles de que commum
mente usam regateiras e gente popular. »
O anexim é em certos casos um remoque accentuadamente
ironico, expresso ás vezes por duas ou tres palavras apenas,
em que vai d'involta uma allusão conceituosa e mais ou me
nos disfarçada. Tal deve interpretar-seo sentido em que Ni
colau Tolentino usou do vocabulo no ingraçadissimo soneto
que em seguida transcrevemos :

Em escura botica incantoados ,


Ao som de grossa chuva que cahia,
Passavam de janeiro um triste dia
Dois ginjas no gamão incarniçados.

-«Corra, vizinho, corra- me esses dados ! »


Gritava um d'elles, que nem boia via.
De sangue frio o outro lhe dizia
Mil anexins n'aquelle jogo usados.

Dez vezes falha o misero antiquario ;


E, ardendo em furia, o tremulo velhinho
Atira c'uma tabola ao contrario.

O mal seguro golpe erra o caminho :


Quebra a melhor garrafa' ao boticario
Que foi só quem perdeu no tal joguinho.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 11

Na collecção das Cartas do Cavalheiro de Oliveyra, vem


uma ingenbosissima, escripta por elle em Vienna d'Austria
aos 10 de março de 1736, e dirigida ao padre D. José Augus
to, carta graciosamente recheada de anexins e locuções po
pulares, adrêde offerecida pelo auctor como espinhoso thema
para se fazer por ella uma traducção italiana.
Na impossibilidade de transcrevermos aqui, pelas suas di.
mensões, essa chistosissima epistola , contentar- nos - hemos em
apresentar ao leitor o começo de tão curiosa producção :
« Amigo e meu Senhor. Não ha coisatão facil como a que
V. M. me ordena ; porêm, para mim não ba coisa que seja
mais difficultosa presentemente. Só o gosto de obedecer -lhe
poderia fazer lembrar-me dos termos chulos, extravagantes,
e significativos com que em Portugal nos explicamos. O fim
para que V. M. me obriga a fazer este papel terá o seu effei
to. Esse presumido extrangeirote, que promette traduzir em
Italiano todo e qualquer discurso que se fizer em Portuguez,
sabe tanto d'esta lingua como eu da alleman, com a differen
ça que n'este caso não sei o que os brutos podem falar, e
elle no mesmo caso ignora o que os homens podem dizer.
Creia V. M. que o seu compatriota se ba-de ver em tremuras
com este papel, porque não só é impossivel que o traduza,
porêm incrivel que o intenda . Se o intender, é portuguez ; e
se o traduzir, é o diabo. »

Ingraçadissima pelas locuções populares de que está pictu


rescamente recheada, citaremostambem a celebre carta gra
tulatoria, dirigida a Lord Wellington depois de concluida a
Campanha Peninsular.
A este respeito dizem judiciosamente os redactores da
Mnemosine Lusitana (em cujo vol. II a sobredita carta appa
receu, pela primeira vez, dada a lume) :
«A lingua portugueza abunda em Anexins mui significati
vos, decentes e joviaes, mais que nenhuma outra nação. Es
tes Anexins, ou termos extravagantes, têem tal connexão en
tre si que d'elles se podem formar longos discursos, sem que
nos mesmos se incontre o menor resaibo da baixeza que ge
ralmente se lhes nota quando são proferidos e mal applicados
pelo povo. A escolha e a judiciosa coordinação que d'elles fez
um litterato para tecer um elogio ao Lord duque da Victo
ria, figurando uma Carta dos habitantes do Vimeiro, é uma
prova d'esta asserção. Dizem que S. Excellencia a víra e a
12 BIBLIOTHECA DO POVO

applaudira muito, e particularmente pela impossibilidade de


ser traduzida em outra lingua.v
Não resistimos á tentação de transcrever essa curiosa epis
tola . E é como se segue :
« Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. Depois que V. Ex
cellencia fez ir de escantilbảo para França o fanfarrão Junot,
tendo - o posto em papos d'aranha nos campos do Vimeiro;
depois que V. Excellencia fez sahir com vento debaixo ao la
dino Soult, da cidade do Porto, fazendo víspere, e com as cal
ças na mão para Castella ; depois que V. Excellencia disse
ao zanaga Massena - walto lá, senhor São Macario » e jo
gando o jogo dos sizudos lhe mostrou as linbas com que se
cosia, fazendo-o dar ás trancas e apanhar pés de burro por
ter dado com as ventas n'um sedeiro ; depois que V. Excel
lencia fez ir de catrambias a Berrier, da Cidade Rodrigo,-e
ao cachola Philippon limpar a mão á parede em Badajoz,como
quem diz «faça que me não vius , e tendo estado tem -te, Ma
ria, não caias ; depois finalmente que V. Excellencia nos cam
pos dos Arapiles.., zaz -traz, nó cego... desazou o macam
buzio Marmont e o obrigou a contar a sua derrota pa pá,
Santa Justa , tim -tim por tim -tim : foi então, Excellentissimo
Senhor, que nós os pés de boi, Portuguezes velhos, dissémos
-aeste não é general de cácarácá, não faz cancaburradas,
anão deixa fazer -lhe o ninho atraz da orelha, e, como pruden
(
« te, accommette umas vezes, e outras põe - se na conserva .»
Agora podemos dormir a somno solto ; o nossg medo está nas
malvas; a vinda do inimigo será dia de São Nunca á tarde.
Portanto só resta agradecer a V. Excellencia a visita que nos
faz, que desejamos não seja de medico nem com o pé no es
tribo, devendo saber V. Excellencia que estes desejos não são
embofias nem parolas que leve o vento, mas sim ingenuos vo
tos de corações agradecidos e leaes , sobre os quaes tem V. Ex
cellencia erguido com tanta justiça um throno de amor e
respeito. »
O anexim representa frequentemente o resto de um conto
mais ou menos obliterado na tradição popular. Por vezesmes.
mo corresponde ao — ó zīdos Snaoc 8ti(*) - com que Esopo
( * ) Traduzidas em portuguez estas quatro palavras gregas querem dizer:
Tal fabula mostra que...
Assim rematava ordinariamente Esopo as suas fabulas: Tal fabula mostra
que... E accrescentava em seguida a conclusão moral que da fabula se depre
bendia .
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROYERBIOS 13

costumava incerrar as suas fabulas ; é nem mais, nem menos,


do que a moralidade sentenciosamente enunciada com que o
fabulista remata a sua narrativa.
Vem a proposito transcrevermos aqui o que sobre este pon
to mui judiciosamentenos faz observar o ar. Theophilo Bra
ga na sua Theoria da Historia da Litteratura Portugueza.
«E' muito frequente (diz o illustre professor) o incontrar
se anexins que só podem ser comprehendidos approximando -os
da situação tradicional do conto popular a que pertenciam .
Os Contos obliteraram -se na memoria, deixando como residuo
as palavras que continham a conclusão moral. Os exemplos
abundam no proverbial portuguez : a Bilha de leite por bilha
de azeite é o ultimo vestigio d'esse popularissimo conto tra
dicional da Edade- Média, metrificado novamente em Portu
gal por Gil Vicente no Auto da Mofina Mendes , e em França
por Lafontaine, ao qual o erudito Max Müller fez o processo
genealogico remontando -se desde o seculo xvi até ás fontes
primitivas do Pantcha -tantra, na sua diffusão indo-européa.
A este mesmo conto está ligado o anexim equivalente - Minha
mãe, calçotes - que o povo ainda repete quando quer definir
uma esperança infundada ; nos Contos de Gonçalo Fernandes
Trancoso pode lêr-se a versão do seculo xvi que esclarece ca
balmente o proverbio. O outro anexim - Contar com o ovo no
rabo da gallinha - é derivado tambem de uma variante d'esse
mesmo conto universal.
« O celebre conto da Edade-Média, da paciencia de Grise
lidis, que chegou a ser casada com o Marquez de Saluces,
contada no Miroir des Femmes, vulgarizada por Boccacio no
Decamerone, e pelo nosso novellista Trancoso, tambem deu
logar ao anexim popular : Pelo marido vassoura, pelo marido
senhora .
«O cyclo immenso da epopéa burgueza do Roman du Renard
divulgou entre o povo um grande numerode anexins, já pela
sua forma metrica, já pelas situações comicas d'onde resulta
vam. Em Portugal o cyclo do Renard não foi conhecido de
um modo directo, bem como nos outros paizes catholicos, co
mo a Italia e a Hespanha, como o notou Du Méril ; mas en
tre nós repetem - se bastantes anexins provenientes d'esse cy
clo da poesia burgueza ; assim incontramos em escriptores
do seculo xv , e em maior extensão no seculo xvi :
O Lobo e a Golpelha
Fizeram uma Conselha.
14 BIBLIOTHECA DO POVO

« A Golpelba ( Vulpecula) é a pequena raposa ladina ; na


linguagem castelbana a Conseja, ou Conselha,é ainda o no .
me vulgar do conto tradicional. Na Gesta de Maldizer de D.
Affonso Lopes de Baião, o personagem comico é chamado Dom
Velpelho. Um outro anexim
Da pelle alheia
Grande correia ,

commum á tradição portugueza e aos poemas francezes da


Edade-Média, é o resto de um episodio do Roman du Re
nard .
« O Leão, diz Fleury de Bellingen, achando-se afilicto com
auma grande febre, mandou chamar a Raposa, para saber se
ano seu conselho poderia ter remedio a sua doença ; a Rapo.
asa, fingindo de medico, lhe disse que para sua cura precisa
ava cingir os rios com uma larga cintura tirada de fresco da
apelle de um lobo. Seguindo esta receita o Leão doente man
adou chamar um lobo, a quem a Raposa cortou ao longo do
adurso uma comprida e larga correia. O Lobo com as dores
auivava desesperado, clamando: - Ah ! senhora Raposa, da
ap : lle que não é vossa tirais larga correiu ! - D'aqui ficou o
aproverbios
« Este antagonismo entre o Lobo ( Ysengrin ) e a Raposa
( Trigaudin -le- Renard) apparece bem accentuado em um ou
tro anexim portuguez : Com cabeça de Lobo, ganha a Rapo
8a. E na farça do Clero da Beira diz ainda Gil Vicente :
Mas são Lobos para mochos ,
E Raposas de nação.

al caracter perfido com que a Raposa é representada em


todo o cyclo poetico do Roman du Renard, acha-se tambem
em Portugal na palavra Raposias, usada como synonymo de
velbacada pelo ingenuo chronista Fernão Lopes.
« Uma variedade ou segunda elaboração do Renard é o Ro.
man de Fauvel. A acção do poema era a seguinte: Fauvel
representava as vaidades do mundo ; todos vinham a elle pa
ra o venerar, com intuito de o montarem , mas cahiam esta
telados. D'aqui a acção resumida no anexim do seculo xv
Til estrille Faveau, qui puis le mort — , e tambem o titulo
abreviado do poema Estrille - Fauvel Em Portugal incontra
mos dois avexins que derivam d'este poema medieval, e que
se referem á difficuldade de montar o cavallo Fauvel:
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 15

Cavallo fondeiro ,
A' porta do alveitar
Ou do bom cayalleiro .

«E exprimindo a mesma idéa, e já abreviado em uma lo


cução usual, Montar o cavallinho é conseguir uma coisa diffi
cil, de que dependem outras. A decadencia do anexim em lo
cução abreviada ou allusiva, dá-se tambem aqui. Em França
o cyclo do Renard decahiu da tradição ; e somente se con
eerva entre o povo a locução vulgar (proveniente da grande
epopea): Piquer le Renard. Esta locução pertence ao seculo
xv ; significa, segundo Cbampfenry, beber em jejummatar
; e iste
explica o sentido poetico da locução portugueza - ()
bicho.
al anexim de - Quanto tens, tanto vales ---, formulado na
redacção poetica franceza do conto do Rei Lear, é vulgar en
tre nós,
Em uma nota ao sen interessante Cancioneiro Popular es -
creveu tambem o sr. Theophilo Braga, com respeito aos ane
xins, as seguintes palavras :
«A sabedoria das nações avalia - se pela frequencia dos seus
anexins; ha paradoxos moraes que só uma experiencia de se
culos e um senso profando da vida podiam descobrir .»
Analogo ao anexim , ao adagio e ao proverbio, temos nós
ainda o rifão.
Evidentemente derivado do refrain francez ou do refra ?
castelhano, o rifão (ou refrão, conforme antigamente diziam )
é propriamente o proverbio que anda na bocca do povo.
Bluteau prefere a etymologia castelhana, e diz elle no ar
tigo Rifão (do Vocabulario Portuguez e Latino ): -— « Deriva
se do castelhano Refran , e este (segundo Cobarruvias) se de
riva a referendo, porque se refere de um em outros. Segunda
o Mestre Venegas Refran es como Referiran , porque (conti
ona o dito auctor) muchos en diversos propositos refieren un
mismo refran quefue dicho a un .»
Diz o sr. Theophilo Braga : ---«О proverbio ou rifão popt
las tem sempre una forma poetica com certa assonancia ; & 3
regras prácticas da vida , os conselhos da agricultura, desco
bertos e confirmados pela experiencia , gravam -se na memo .
ria, como uma sciencia hereditaria ,pela harmonia do rhythm .;
succede o mesmo com as regras de direito, pela musica èt
alitteração e tautologia.
Sensatas e conceituosas se nos antolham , e como taes as
transcrevemos aqui, as reflexões que o padre Roquete apr:
16 BIBLIOTHECA DO POVO

sentaem seu Diccionario de synonymos da lingua portugueza ,


quando discute a questão da synonymia entreos diversos vo
cabulos de que nos estamos occupando.
Diz elle :
«Estes tres ultimos (o proverbio, o adagio, e o rifão), que
frequentemente se confundem , differençam -se em que o ada .
gio é mais vulgar que o proverbio e de uma moral menos
austera, e que o rifão dá sempre a instrucção por meio de al .
guma allegoria ou metaphora . Alêm d'isso o proverbio é gra
ve e sêcco; o adagio, singelo e claro ; o rifão, agudo, chisto
80, e muitas vezes d'um estylo baixo. Em rigor todo rifão e
todo adagio é proverbio ; porêm não falaria com propriedade o
que chamasse adagios ou rifãos aos proverbios de Salomão.
Acerca dos rifões muigalantemente se expressa pela fór.
ma seguinte o nosso D. Francisco Manuel de Mello na Carta
de guia de casados :
« Diz um antigo dictado : Quem não tem marido, não tem
amigo. Diz outro: Quem tem mulher, tem o que ha mistér. E
na verdade assim é entre os bons casados; e os rifões, senhor
N., sentenças são verdadeiras que a experiencia, summa mes.
tra das artes, pronunciou pelas bóccas do povo.»
D'aqui podemos dizer que o espirituoso auctor dos Apolo
gos dialogaes incontrava synonymia entre dictado e rifão.
Vejamos em que é que o dictado consiste.
«Dictado exprimiu primitivamente a idéa de trova ou can
tiga ; v marquez de Santillana fala dos decires portuguezes ;
e entre nós dizidor era o poeta do povo que exprimia nos seus
versos pensamentos conceituosos sob a forma satyrica e jo
vial. »
Assim se expressam no artigo Adagio 08 supra -menciona .
dos coordenadores dojá citado Thesouro da Lingua Portue
gueza. Mas no artigo Dictado confessam que este vocabulo se
emprega commummente na significação de proverbio ou ada
gio.
Dictado se chama effectivamente na linguagem corrente ao
adagio ou rifão popular.
Emquanto ao Exemplo, oiçamos o que acerca d'elle nosdiz
o sr. Theophilo Braga em sua Historia da Poesia Popular Por
tugueza :
« Os prégadores da Edade-Média moralizavam do pulpito
contando contos, muitas vezes licenciosos e facetos, é fabu
las de Esopo, a que chamavam Exemplos. De S. Domingos
diz Herolt, no Promptuarium Exemplorum , que abundabat
exemplis.»
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 17

E mais adeante continua o erudito professor do Curso Su


perior de Lettras :
Quanto á fórma poetica do Exemplo, d'onde sahiram os
contos em prosa da Edade- Média, se vê que existiu na litte
ratura portugueza por esta passagem do Leal Conselheiro :
« E na conversaçam dos amygos, o que se faz em mudança das
acondiçoões mostrasse per aquel engempro, vay hu vaaes, com
« quaaes te achares tal te faras.»
« E em Gil Vicente se incontra :

Por que diz o exemplo antigo :


Quando te dão o porquinho,
Vae logo c'o baracinho .

« E Så de Miranda allude :

Quanto á de Pedro e Rodrigo ?


Que bem diz o exemplo antigo
Que não são eguaes os dedos.

« No Pranto de Maria Parda, diz Gil Vicente :


Amiga, dicen por villa
Un ejemplo de Pelayo,
Que una cosa piensa el bayo
Y otra quien lo ensilha.

« E tambem :

E diz o exemplo dioso


Que bem passa de guloso
O que come o que não tem.

«E mais :

Pois diz outro exemplo antigo :


Quem quizer comer commigo
Traga em que se assentar,= »

Sobre este mesmo assumpto nos expõe tambem Andrade


Ferreira o seguinte no seu Curso de Litteratura Portugueza :
« O exemplo foi muito usado pelos prégadores da Edade
Média...
Eram pequenos contos, ás vezes deduzidos de diversos con
18 BIBLIOTHECA DO POVO

ceitos axiomaticos, como rifões ou proloquios populares que


os padres introduziam nos sermões para demonstração mais
clara ou exemplo d’aquillo que desejavam comprovar. Os mais
eruditos procuravain n'os nos auctores antigos ou em casos da
Historia Grega e Romana, -0 que, fazendo- os conhecido do
povo, deu talvez origein ás lendas do cyclo grego romano, e
d'ahi provieram egualmente muitos contos populares. O pou
co discernimento dos padres e a licença de costumes da epo
cha concorreram decerto para que se ouvissem do pulpito
abaixo casos facetos e até irrisorios, que, em vez de morali
zar, mais pervertiam . Foi esta demasia que os condemnou . »
Vejamos agora o que sejam maxima e sentença, apophthegma
e aphorismo.
Maxima é um vocabulo, derivado do latim, com que se de
signa qualquer proposição geral, adoptada ou simplesmente
offerecida como regra ou principio imperativo, que deva to
mar-se para norma e fundamento nos actos da vida, especial
mente sob o ponto -de- vista da moral. Sob a designação geral
de maximas se coinprehendem commummente quaesquer col
lecções de pensamentos sentenciosos ou philosophicos ; estão
n'este caso as Maximas de Epicteto (*) e as Maximus de La
rochefoucauld .
Sentença (do latim sententia) apresenta grande analogia com
a maxima. Ha mesmo quem a defina : «maxima, ou pensa
mento que incerra em si um preceito de moral. ) A sentença
é effectivamente un pensamento conceituoso e discreto , a
que se chega por conclusão racional, e que em si contêm uma
profunda moralidade. Geralmente a sentença é um dito me
moravel, attribuido a algum philosopho, a algum sabio, ou
mesmo a qualquer homem notavel que por sua pre-eminencia
logre a distincção de incutir por suas palavras respeito e
auctoridade.
Sentenças podemos com razão chamar aos conceituosos pen
samentos expressos em versos jambicos e trochaicos por
Publio Syro. Notaveis pelo fundo moral da sua essencia e
pelo vigor poetico da fórma, as Sentenças de Publio Syro
constituem tudo quanto nos resta das suas producções dra .
maticas. Do temeroso naufragio, em que tudo o mais se per
deu quanto aquelle escriptor romano havia composto, esca
(*) Sob o titulo de Manual de Epicteto acham -se traduzidasem portuguez as
maximas d'este philosopho grego . Foi seu traductor D. Fr. Antonio de Sousa
(pregador d'el -rei D. Sebastião, e bispo de Vizeu ). Ha d'esta versão duas edi.
ções. Mais tarde o professor Luiz Antonio de Azevedo publicou terceira edi
ção, por ello corrigida, e illustrada com escholios e annotações criticas.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 19

param milagrosamente essas preciosas reliquias, graças a


eventualidade feliz de nol- as conservarem transcriptas Aulo
Gellio, Macrobio e Seneca.
De sentenças deu Hippolyto Fauche o nome tambem ao con .
juncto das tres Centurias de Bhartrihari na traducção fran
ceza com que o infatigavel orientalista brindou os amadores
da litteratura sanscrita. E todavia , se moraes são os pensa
mentos contidos no segundo d'aquelles tres poemetos ( A cen .
turia da Niti ), se por asceticos se distinguem os do terceiro
( A centuria do Vairagya), os do primeiro ( A centuria do amorj
rivalizam com quanto possa imaginar-se de mais voluptuo
samente erotico !
Apophthegma é um vocabulo grego, por que se designa qual
quer phrase sentenciosa ou dito memoravel, extrahido do con
texto de algum livro, ou mesmo directamente recolhido da
bôcca de algum homem illustre.
E' n'este sentido que o poeta: Manuel Thomaz empréga o
vocabulo, quando na sua Insulana (liv. IX, est. 69) diz o se.
guinte ácêrca do bispo D. Jeronymo Fernando :

« Qual o nome, terá a alta viveza


De Hieronymo Santo na eloquencia,
Erudito escrevendo, em que a grandeza
De seu ingenho dê lustre á sciencia ;
Vencerá sabio e douto na agudeza
Toda a grega e romana sapiencia,
Nas materins Lacon sendo precioso
E em apophthegmas altos sentencioso .»

Algumas vezes o apophthegma, para ser devidamente apre


ciado, carece de vir precedido por uma anecdota sentenciosa
a que elle verdadeiramente serve de remate em guisa de mo.
ralidade ou maxima final, - e ao conjuncto se dá ainda com
mummente a designação de apophthegma .
Assim o intendeu Pedro José -oppico de Moraes,moço que
foi da camara do infante D. Francisco ( irmão d’el- rei D.
João V) , nas collecções de apophthegmas que publicou.
Aos Proverbios de Salomão chama Proudhon apophthegmas,
quando diz : – « A mais grandiosa collecção de apophthegmas
é o livro dos Proverbios de Salomão . »
Sob o titulo de Apophthegmas dos monarchas e capitães ce.
lebres escreveu Plutarcho uma verdadeira historia anecdotica
da Antiguidade Dediosdn ao imperador Trajann, este livro
20 BIBLIOTHECA DO POVO

divide-se em cinco partes principaes : - na 1.a acham-se os


ditos memoraveis dos reis da Persia e de varias outras na
ções ; na 2.a, os dos reis e tyrannos da Sicilia ; na 3.a, os dos
reis da Macedonia, e os dos successores de Alexandre (nos
quatro reinos formados pelo desmembramento do seu vasto
imperio) ; a 4.a abrange os ditos dos capitães gregos, athe
nienses, lacedemonios e thebanos ; na 5.a, finalmente, estão
colligidos os pensamentos memoraveis dos antigos generaes e
consules de Roma juntamente com os de Julio Cesar e do im
perador Augusto.
Aphorismo (do grego aphorismos— «definição» ) significa,
segundo a sua etymologia, uma definição ou proposição em
que por poucas palavras se expõe o que se offerece de mais
importante e de mais essencial, n'uma dada ordem de idéas,
E 'n’este sentido que deve ser tomado o vocabulo, quando nos
referimos aos Aphorismos de Hippocrates, aos da Escola de
Salerno, ou aos de Boerhaave . Os aphorismos são sentenças
ou formulas geraes que em poucas palavras incerram um sen
tido profundo, e que pela sua concisão se tornam eminente
mente proprias para se gravarem no espirito ; representam
geralmente syntheses resultantes da experiencia ; constituen,
por assim dizer, um ensino doutrinal sob fórma dogmatica.
Geralmente o vocabulo aphorismo é de preferencia reser
vado aos preceitos de Medicina ou de Jurisprudencia ; — mas
por extensão applica -se tambem com respeito a outros ramos
de conhecimentos. Assim dizemos, por exemplo, mui com.
mummente : - «08 aphorismos poeticos da lavoura .»
Na linguagem vulgar a palavra aphorismo é tomada mes.
mo como synonymade proverbio, maxima ou dictado.
O padre Manuel Bernardes (auctor da — Nova Floresta, ou
Sylva de varios apophthegmas è ditossentenciosos, espirituaes e
moraes) diz-nos n'um certo ponto do seu interessante livro
(tom. II, pag. 144) :
« Colbem - se d'este caso os seguintes Aphorismos ou Maxi
mas, namateria de beneficios e esmolas,que ordinariamente
se não observam por falta de coração pio e nobre. »
E o francez Villemain escreve o seguinte : – «Os prover
bios de Salomão são na sua maxima parte aphorismos.»
Bernardes e Villemain parecem, portanto, dar certa jus
tiça e razão ao uso commum .
E agora tempo é já de intrarmos propriamente no assum
pto capital do presente livrinho : a apresentação dos prin
cipaes adagios, anexins, rifões e proverbios, que andam com
mummente na bôcca do nosso povo, e que disporemos por pa -
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 21

ragraphos em harmonia com o ponto especial de philosophia


práctica a que se reportam,
Antes, porêm , de incetarmos essa exposição, occorre -nos
(como curiosidade que o leitor estudioso talvez não desdenhe)
intercalarmos -lhe aqui uma breve nota bibliographica dos
trabalhos que sobre este mesmo assumpto nos consta haver
publicados em Portugal.
O padre Antonio Delicado, que já tivemos occasião de ci
tar no decurso d'estas paginas, foi o primeiro que entre nós
se intregou á curiosa tarefa de recolher da bôcca do povo e
reunir em livro estes conceituosos corollarios do bom senso
práctico.
A sua obra fórma 1 vol. in-8.º de XII-190 pag. que se pu
blicou em Lisboa em 1651 e sahiu com o seguinte titulo :
Adagios Portugvezes reduzidos a lugares communs. Pello Le
cenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nos
sa Senhora da Charidade, termo da Cidade de Euora. Natural
du Villa de Aluito.
Na Bibliotheca Nacional de Lişboa existe, entre os codices
reservados, um exemplar d'este raro e curiosissimo livro ,
exemplar que pertenceu á livraria de D. Francisco Manuel e
que se acha luxuosamente incadernado em coiro da Russia.
Onze annos antes de haver sabido a lume a obra do padre
Delicado ,-apparecêra a seguinte:
Philosophia Moral. Tirada de algus Prouerbios ou Adagios,
amplificados com authoridades da Sagrada Escriptura, & Dou
ctores que sobre ella escreueram . Composta pello Padre Fr.
Aleixo de Sancto Antonio Religioso da Ordem de nosso Senhor
Iesv Christo . Coimbra - 1640.
Esta obra curiosissima, que forma 1 vol in-4.º, abrange 31
capitulos, em cada um dos quaes seu auctor discute e explica
a moralidade incerrada n'um dado proverbio, adagio ou rifão,
incorporando -lhe numerosas citações justificativas, tiradas
dos mais abalizados escriptores.
Citemos em seguida o precioso livro de D. Francisco Ma
guel de Mello :

Metaphoras
ou
Feira de Anexins
à que a vulgata nescia applaude por equivocos,
trazidos a publico
para desengano da discrição prudente
pelo
Dr. Tudo Esquadrinha
Quare ?
22 BIBLIOTHECA DO POVO

D'esta obra deixou Alexandre Herculano o seguinte con


ceito no tomo IV do Panorama (pag. 296) :
... livro curioso em que estão lançadas methodicamente as
metaphoras e locuções populares da lingua portugueza, e que
sería quasi um manual para os escriptores dramaticos, prin.
cipalmente do genero comico, que quizeggem fazer falar as
suas personagens com phrase conveniente e com as graças e
toque proprio da nossa lingua portugueza e do verdadeiro
estylo dramatico ,-- coisa a mais diflicil talvez n'este genero
de litteratura, e de que tão arredios andam (*) os que ora o
começam a cultivar entre nós, embuidos dos destemperos, es
caraceus, e expressões falsissiinas, que apprendem pelos li
vros do visconde d'Arlincourt, e ainda dos grandes auctores
dramaticos francezes, que até estes ás vezes apparecem eiva
dos de tão pegadiço e damnado achaque.»
Foi, ha poucos annos, que pela primeira vez sahiu do pre
lo, e sob a inspecção do bibliographo Innocencio, o interes
sante livro de D. Francisco Manuelde Mello - Feira dos Ane
ains (Lisboa, 1875 -- 1 vol . in -8 . ).
Em 1655 publicou -se em Lisboa a obra seguinte do padre
jesuita Bento Pereira :
Florilegio dos modos de falar, e adagios da lingua portugue
za, dividido em duas partes : na primeira das quaes se põem pe
la ordem do alphabeto as phrases portuguezas , e na segunda se
põem os principaes adagios portuguezes, com seu latim prover
bial correspondente (Lisboa, 1655 — in -folio de 124 pag).
D'esta edição, que é rarissima, não possue a Bibliotheca
Nacional de Lisboa exemplar algum ; existe um , porêm , na
Livraria do extincto Convento de Jesus (hoje annexa á Biblio
theca da Academia Real das Sciencias ).
Felizmente, para facil consulta dos estudiosos, a obra fi
gura tambem como appendice na --- Prosodia in Vocabularium
bilingue, laiinum et lusitanum , digesta - do mesmo auctor.
O padr . D. Raphael Bluteau em seu Vocabulario Portu
guez e Latino (Lisboa, 1712 a 1728 - 10 vol. in-folio) – obra
famosa que foi para o seu tempo uma verdadeira encyclope
dia - traz para cada palavra os adagios e proverbios que lhe
correspondem .
O exemplo do illustre clerigo theatino foi imitado pelos co

(*) Isto escrevia o illustre critico em 18/0 ! Que diria elle, se hoje fôra,
hoje que, em vez da falsa escola introduzida pelo visconde d'Arlincourt, domi.
na a escola gafa e obscena de Emilio Zola ?!
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 23

ordenadores de um livro que já por mais de uma vez temos


citado no decurso d'estas paginas : - Grande Diccionario Por .
tuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza pelo dr. Fr. Do
mingos Vieira (Porto, 1871 a 1874 – 5 vol.).
No anno de 1720 sahiram pela primeira vez , em Lisboa ,
08 Apophthegmas de Pedro José Suppico de Moraes, em dois
volunes ou partes. D'esta obra se publicou , doze annos de
pois, segunda edição.
A terceira edição, que na opinião do bibliographo Inno
cencio passa por ser muito preferivel , e de que ha um exem :
plar na Bibliotheca Nacional de Lisboa, sahiu em Coimbra
no anno de 1761. Cada uma das duas partes fórma separada
mente um volume autonomo. O primeiro intitula -se : Collecção
politica de apothegmas ou ditos agudos e sentenciosos. E a se
gunda : Collecção moral de apothegmas ou ditos agudos e sen
tenciosos.
Estes dois volumes constituem um copioso florilegio de cur
tas narrativas historicas em que, sob a fórma anecdotica, se
refere sempre algum dito sentencioso de pessoa votavei .
A obra de que já atraz falámos escripta pelo oratoriano
padre Manuel Bernardes (Nova Floresta ou Sylva de varios
apophthegmas e ditos sentenciosos, espirituaes e morues, com
reflexões em que o util da doutrina se acompanha com o va
rio da erudição, assima divina como humana : - Lisboa, 1706
a 1728 --5 vol. in - 8. ) representa egualmente uma preciosa
collecção de anecdotas historicas , em que sobresaem concei
tuosos ditos, e que o auctor acompanha depois ( conforme o
está declarando o sub -titulo do livro) com observações e re
flexões criticas, não só notaveis pelo seu grande alcance mo
ral, mas ainda pelo valioso peculio de erudição que incer
ram .

Em 1760 publicou Manuel José de Paiva, em Lisboa, sob


o cryptonymo de Sylvestre Silverio da Silveira e Silva, um
vol. in 4.° (de 212 pag .) a que poz por titulo : Infermidades
da lingua e arte que a ensina a emmudecer para melhorar. N'es
te livro se incontra (de pag. 104 até pag. 153) uma abundan
te collecção de phrases e locuções populares alphabeticamen
te coordenadas.
Em 1780 sahiu a lume em Lisboa, na Typographia Rollan
diana, precedido de un prologo ( que o bibliophilo Innocencio
da Silva julga, pelo estylo, ser da penna de Antonio Louren
ço Caminha) o seguinte livro :
Adagios, Proverbios, Rifãos e Anexins da Lingua Portu
gueza, tirados dos melhores Authores Nacionaes, e recopila
24 BIBLIOTHECA DO POVO

dos por ordem Alfabetica (sic !) por F. R. I. L. E. L. (1 vol.


in - 8.0 de 341 pag .):
[Aquellas seis iniciaes suppõe o supra-citado bibliophilo
quererem dizer : Francisco Rolland, Impressor-livreiro em
Lisboa.]
D'esta obra sahiu em 1841, na mesma typographia, nova
edição que se diz correcta e augmentada (1 vol. in -4.° de II.
150 pag.). Estanova edição não traz o prologo da antecedente.
De 1848 a 1849 publicou -se em Lisboa um periodico inte
ressantissimo : - A Epoca (jornal de industria, sciencias, lit
teratura e bellas artes). Sahiram d'este periodico 52 numeros
in- 8.º que formam dois tomos. Disseminada por varios nume
ros figura uma curiosa collecção de Rifões portuguezes (col
lecção que principia a pag. 396 do tomo 1.0 e termina a pag.
372 do 2.º) ; consta nos que o coordenador d'esse trabalho foi
o sr. A. da Silva Tullio,-- auctoridade respeitabilissima por
sua magistral erudição em assumptos de historia e litteratura
patria.
Finalmente em 1856 sahiu a lume, formando um vol. in -8.°
de 128 paginas, o seguinte livro : — Ensaio phraseologico ou
Collecção de phrases metaphoricas, elegancias, idiotismos, sen
tençus, proverbiose anexins da lingua portugueza, por Fran
cisco Antonio da Cunha de Pina Manique.
[Um amigo nosso prestantissimo, fanatico investigador de
antigualhas, o visconde Julio de Castilho, lembra -se de ter
colhido algures (mas esqueceu-lhe onde) noticia do seguinte
livro escripto por Miguel do Couto Guerreiro : — Adagios se
lectos portuguezes, moralizados em um soneto a cada adagio –
2 vol. in 4.0 ( A licença para a impressão tem a data de 27 de
septembro de 1790 ). Certo é, porêm , que nem o erudito aca
demico, nem o seu obscuro amigo que estas paginas está deli
neando, lograram ainda ver similhante livro, do qual tambem
se não incontra noticia alguma no artigo que Innocencio da
Silva consagra em seu Diccionario Bibliographico a Miguel
do Couto Guerreiro. Aqui fica entretanto, com as indispensa
veis prevenções e reservas, exarada a noticia do caso e offe
recida a futuras ratificações.]
Posto isto, intremos: immediatamente em materia.
O florilegio de proverbios, adagios, rifões e anexins, que
vamos offerecer ao leitor, demonstrará por si proprio quão
justificada é a opinião de quantos reconhecem n'essas concei
tuosas sentenças o finissimo bom-senso da poesia popular.
Fr. B. Feijóo, o apreciavel auctor das Cartas eruditas, na 1.a
carta da tomo III (carta a que poz por titulo : Falibilidad de
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 25

los Adagios) dedica dez paginas do livro a negar ao adagio


os seus velhos foros de evangelho das nações ; e procura jus
tificar a conclusão, a que chega, analysando como absurdos
varios adagios e anexins, alguns dos quaes são perfeitamen
te communs a Castella e Portugal.
Cincoenta são em numero os que o padre Feijóo apresenta
como fundamentos da sua these. Depois de os discutir, ac
crescenta :
«Outros muitos Adagios existem ainda, dos quaes se pode
affirmar que na falsidade egualam ou mesmo excedem estes
que apontei,- accrescendo-lhes a circumstancia de serem mal
dizentes, escandalosos e sacrilegos, por infamarem os eccle
siasticos (em geral) tanto regulares como seculares . Entre es
ses Adagios incontro alguns tão desatinados, que nem da boc
ca nem da penna de hereje nenhum me consta haverem sahi
do jamais contra o clero catholico dicterios assim injuriosos.
E andam elles estampados n'um livro que se re-imprimiu em
Madrid no anno de 1619 - obra que supponho rara, e que é
elaborada por Hernan Nuñez (a quem vulgarmente chamam
Pinciano). Para o fim que me propuz de reprovar a mal fun
dada fé que V. Mcê deposita nos Adagios,nada fôra mais ef
ficaz do que apresentar- lhe eu alguns d'aquelles impios ri
fões. Mas não posso vencer a repugnancia que sinto na tran
scripção de taes inepcias.»
E termina a carta assim :
a Não negarei eu a V. Mcê que a maior parte dos Adagios
são altamente verdadeiros,-- e que entre elles alguns ha, em
que sobresai notavel a agudeza e em que estão incluidas for
mosissimas sentenças. Basta, porém, que haja muitos falsos e
ruins, para que legitimamente se recuse por prova de coisa
alguma a auctoridade de um Adagio.»
Superficialmente considerados, ha effectivamente alguns ada
gios, que parecem, quando entre si se comparam, contradizer
se reciprocamente ; outros, que apparentemente se nos afigu
ram incerrar principios falsos ou controvertiveis.
Mas esta supposta contradicção, esta apparente falsidade,
cessam quando o adagio deixa de ser tomado á lettra e se lhe
investiga o sentido profundo das allegorias que muitas vezes
incerra. Alguns primam sobretudo pelo conceito metaphori
co, outros pela fórma ironica de que se acham revestidos, mui.
tos finalmente pelo colorido faceto e jogralesco. De tudo isto
incontrará o leitor no presente livrinho frizantissimas exem
plificações.
BIRITTITCA DO POVO

II

FLORILEGIO DE PROVERBIOS, ADAGIOS, RIFÕES,


ANEXINS, ETC.

Agricoltura o Economia rural

Oliveira, a de meu avô ; figueira, a de meu pae ; e vinha, a


que eu puzer.
Vinha posta em bom compasso, dá no primeiro anno agraço.
A vinha onde pique, e a horta onde regue.
Nem vinha em baixo, nem trigo em cascalho.
Trigo de cizirão,- pequena inassa e grande pão.
Trigo centeo80,-- pão proveitoso.
Trigo acainado, seu dono alevantado.
Quem semeia em caminho, cança os bois e perde o trigo.
Cevada sobre esterco - espera cento ; e, se o anno for molha
do, perde o cuidado.
Cevada grada,- ao outro dia é cegál-a.
Não faças horta em sombrio, nem edifiques a par do rio.
Horta com pombal é paraiso terreal.
Horta sem agua, casa sem telhado, marido sem cuidado, de
graça ... é caro.
Quando chove e faz sol , alegre está o pastor.
Com agua e com sol, Deus é creador.
Sol e boa terra fazem bom gado, que não pastor afamado .
Guarda prado ; crearás gado.
De noite deita teu gado na herva de teu prado.
Ein gado tratarás, e medrarás .
Anno de ovelhas, anno de abelhas.
Quem tem ovelha, abelha e moinho , intrará com el-rei em
desafio .
Diz a abelha : - « traze - me cavalleira ; darei mel e cera ...
Ovelha cornuda e vacca barriguda, não a troques por ne
nhuma.
Quem não tem boi nem vacca, toda a noite ara.
Quem não tem bois, -- ou semeia antes, ou depois,
Quem tem casal de renda, semente de meias, bois de alu
guer, quer o que Deus não quer.
Fazenda em duas aldeias , -- pão em duas taleigas.
Quem seu carro unta, seus Lois ajuda.
Semeia e cria, - terás alegria.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 27

Ao lavrador descuidado os ratos lhe comem o semeado .


Quando ininguar a lua, não comeces coisà alguma.
Quando florece o maracotão, os dias eguaes são.
Quando o trigo é louro, é o barbo como touro.
Quando o rio não faz ruido, ou não leva igua , ou vai cres
cido.
Quando estiveres morto, torna - te á abelha e ao porco .
Quando o trigo anda pela eira ,anda o pão pela amassadeira.
Quem em terra boa semeia, cada dia tem boa estreia .
Quem semeia em arneiros, semeia moios e colhe quarteiros.
Quem semeia em restolho, chora com um olho ; e eu, que não
semeei, com dois chorarei .
Semeia cedo, e colhe tardio ; colherás pão e vinho .
Como vires à primavera , pelo al espera .
Como vires o faval, assim espera pelo al.
Anno de neves, anno de bens.
Apno de neves,— muito pão e muitas crescentes.
Anno nevoso, anno formoso .
Não hei medo ao frio, nem á geada, -- senão á chuva porfiada.
Folga o trigo debaixo da neve, como a ovelha debaixo da
pelle.
O mau anno em Portugal entra nadando.
Mais pró faz o anno que o campo bem lavrado.
Anno de bêberas, nem de peras, nunca o vejas.
Não digas mal do anno, até que não seja passado.
Una sebe dura tres annos ; tres sebes, um cão ; tres cães , um
cavallo ; tres cavallos, um homem ; tres homens , um corvo ;
tres coryos, um elephante.
Ambições desmedidas
Quem muito abarca, pouco abraça.
Quem tudo abarca, pouco ata.
Quer tudo quer, tudo perde.
Quern quer inricar em um anno, em seis mezes o inforcam .
Quem por cubiça veio a ser rico, corre mais perigo.
Nada tem , quem se não contenta com o que tem.
Não tem nada, quem nada lhe basta .
Muita cubiça e muita diligencia : pouca vergonha e pouca
consciencia.
Amizade e Amizades

Mais valem amigos na praça, que dinheiro na arca.


Ainigo velho, mais vale que dinheiro.
28 BIBLIOTHECA DO POVO

Azeite, vinho e amigo,-o mais antigo.


Não ha melhor espelho que amigo velho.
Mais vale um bom amigo que parente ou primo.
Muitos são os amigos, e poucos os escolhidos.
Muitos amigos em geral, e um em especial.
Amigo de um,- inimigo de nenhum .
Do amigo, o que te quizer dizer.
A casa do amigo rico irás, sendo requerido ; e a casa do
necessitado, sem ser chamado.
Nos trabalhos se reconhecem os amigos.
Amigo de bom tempo, muda-se com o vento.
Amigo de todos e de nenhum, tudo é um.
Amigos que se desavêm por um pão de centeio ...-ou a fo.
me é muita, ou o amor pequeno.
Amigo anojado, inimigo dobrado.
Amigo quebrado, soldará mas não sarará.
De amigo reconciliado e de caldo requentado, nunca bom
boccado .
Não te fies em céu estrellado, nem no amigo reconciliado.
Casa de terra, cavallo de herva, amigo de palavra,- tudo
é pada.
Amigo que não presta, e faca que não corta,- que se per
cam pouco importa.
O amigo fingido, conhecêl-o-has no arruido.
A quelle é teu amigo que te tira do arruido.
No queijo e no pernil de toucinho conhecerás o teu amigo.
Nem berva no trigo, nem suspeita no amigo.
Tem o amigo por leal , e logo o será.
Entre amigos não se soffre coração dobrado.
Nunca queiras do teu amigo mais do que elle quizer com
tigo.
Nunca esperes que te faça o teu amigo o que tu pudéres.
Amor e Amores

Amor de pae, que todo o outro é ar.


Amor de menino, - agua em cestinho.
Amor com amor se paga.
Esquivança aparta ar or.
Por amor tudo se acaba.
Nem sabbado sem sol, nem moça sem amor .
O amor não tem lei.
Estado real não tira amor natural .
Amor e reino, não quer parceiro.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 29

Amor e senhoria, não quer companhia.


Amor verdadeiro não soffre coisa incoberta.
Amor, fogo e tosse,-a seu dono descobre.
Amor, dinheiro e cuidado não está dissimulado.
Bem ama , quem nunca se esquece .
Quem tem amores não dorme.
Amor, amor,- principio mau, e fim peior.
Guerra, caça e amores, - por um prazer, cem dores.
O amor a ninguem dá honra, e a muitos dá dor.
Quem em caça, guerra e amores, se mette, - não sahirá
quando quizer.
Todo o inimigo se ha de temer, mórmente o amor.
Quem tem amor atraz da portella, tanto olha até que cega.
Por amor que não convem , -- nasce muito mal e pouco bem .
Não ha esperança sem temor, nem amor sem receio.
Amor louco ,-- eu por ti , e tu por outro.
Quem ama, sabe o que deseja e não sabe o que The cumpre.
Quem tem affeição, não tem inteira a razão.
Quem o feio ama, formoso lhe paréce.
Homem apaixonado não admitte conselbo.
A chaga do amor,- quem & faz, a sara.
As sopas e os amores , os primeiros são os melhores.
Pelos amores novos, esquecem os velhos .
Um cravo tira outro ; um amor faz esquecer outro .
O amor e a fé, nas obras se vê.
Obras são amores, e não palavras doces.
Anos o Creados

Mau é ter moço ; mas peior é ter amo .


Emquanto o amo bebe, o creado espere.
Nem zombando, nem devéras, com teu amo jogues as pe
ras .

Anda de teu amo a sabor, se queres ser bom servidor.


Sê moço bem mandado, comerás á mensa .
Se queres ter bom moço , -- antes que nasça, o busca.
Ao cabo de um anno tem o creado as inanhas do aino.
Tal amo, taes creados.
Tão bom é Pedro como seu amo.
Manda o amo ao moço, o moço ao gato, e o gato ao rato .
Filhos e creados ,--- não os animar, se os queres lograr.
Não fartes o creado de pão : não te pedirá requeijão.
Senhores impobrecem , --creados padecem .
Honra é dos amos o que se faz aos creados.
30 BIBLIOTHECA DO POVO

Apparencias ... e Realidades

O habito não faz o monje,


Nem tudo o que luz é oiro.
Nein todo o branco é farinha .
Nem todo o matto é ouregãos.
Uma andorinha não faz yerão.
De dinheiro e santidade, ametade da metade.
Debaixo do saial ha al .
Debaixo de bom saio está o homem mau.
Debaixo de ruim capa se esconde um bom bebedor.
Bôcca de mel , mãos de fel.
Bocca de mel, coração de fel.
A cruz nos peitos e o diabo nos feitos,
Contas na mão, demonio no coração.
Contas na mão,-eo olho... ladrão.
Contas na mão, borracha á cinta.
Palavras de santo, e unhas de gato.
Unhas de gato, e habito de beato:
Bainha de oiro ... e faca de chumbo.
Muita parra ... e pouca uva !
Cacarejar, e não pôr ovo.
Apregoar vinho, e vender vinagre.
De noite, todos os gatos são pardos.
De noite á candeia, a burra parece donzella.
Afeita um cepo : parecerá mancebo.
Muito vai de alhos a bugalhos.
Muito vai de Pedro a Pedro .
Quem muito abraça, pouco aperta.
Não ha agua mais perigosa do que a que não soa.
Da agua mansa te guarda,--- que, da rija , ella te guardará.
Guard'-te d'honnein que não fala, e de.cão que não ladra.
A espada e o annel - segundo a mão em que estiver.
As obras mostram quem cada um é.
Pelas obras e não pelo vestido é o homem conhecido.
Quando o diabo reza, inganar- te quer.
Avareza e Prodigalidade

Ao avarento , tanto lhe falta o que tem , como o que não


tem .
O aparento por um real perde cento.
Ta arca do avarento o diabo jaz dentro.
PUTLOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 31

O avarento rico, não tem parente nem amigo.


O dinheiro do avarento, duas vezes vai á feira.
O avaro não tem, e o prodigo não terá.
A pae guardador, filho gastador.
Cada dia tres e quatro,-- chegarás ao fundo do sacco .
0 Bem e o Mal

O bem soa , e o mal voa .


Ao bem , buscál -o ; e ao mal , estorvál-o.
Bem parece o bem fazer.
Faze bem ao bom varão : haverás galardão.
Faze tu bem , não cates a quem .
Fazer bem , nunca se perde.
Fazei vós o bem que digo, e não o mal que faço.
( bem fazer florece, e todo o mal perece.
Coração sem arte, não cuida maldade .
Mal por mal não se deve dar.
O ruim cuida que é industria a maldade.
Ninguem faz mal que não o venha a pagar.
Quem faz mal espere outro tal.
Faze mal , é espera outro tal.
Ao que faz mal, nunca lhe faltam achaques.
Mais custa mal fazer, que bem fazer.
Aonde vais mal ? aonde ba mais mal !

Casamento

Antes que cases, vê o que fazes, porque não é nó que


es
desat .
Cagar e comprar, -- cada um com seu egual.
Se queres bem casar, casa com teu egual.
Para mal casar, mais vale nunca casar.
Cada um canta como tem graça, e casa como tem ven
tura .
Com coisa velha nem te cases, nem te alfaies.
Quem não tem sogra nem cunhada, é bem casada .
Não compres mula 'manca, cuidando que ha-de sarar ;
nem cases com mulher má, cuidando que se ha- de emen
dar.
Moça com velho casada, como velha se trata.
Ao velho recem -casado, rezarrithe
. por finado.
Boda e mortalha, no céu se talha.
32 BIBLIOTHECA DO POVO

Cautela e Desconfiança

Quem vai para o mar, avia - se primeiro em terra.


Quem se faz mel , as moscas o comem .
Quem a todos crê, erra; e quem a nenhum, não acerta .
Não te hag.de fiar, senão com quem comeres um moio de sal.
Não mettas a mão no prato onde te fiquem as unhas.
Quem cedo determina , cedo se arrepende.
A apressada pergunta, vagarosa resposta.
Quem acórdao cão dormido, - vende a paz e compra arruido.
De arruidos guard'-te : não serás testemunha nem parte.
Não te mettas em contenda : não te quebrarão a cabeça.
Quem não vai á guerra , não morre n'ella.
Não bebas coisa que não vejas, nem assignes carta que não
leias .
Não louves, até que proves.
Tu, ribeira, alta vás : — não te passarei ; não me levarás.
Ao perigo com tento, e ao remedio com tempo.
Ainda que teu sabujo é manso, nãoo mordas no beiço.
Certo e Incerto

Não deixes o certo pelo duvidoso.


Do prato á bócca se perde muitas vezes a sopa.
Mais vale um avache que dois te darei.
Mais vale um toma que dois te darei.
Mais vale um passaro na mão, do que dois que voando vão.
Melhor é palha que nada.
Melhor é mau concerto, que boa demanda.
Boa é a tardança que assegura.
Mais vale má avença que boa sentença.
Quem caminha por atalhos, nunca sai de sobresaltos.
Quem se não quer aventurar, não passe o mar.
Jornada de mar não se pode taxar.
Circumspecção

Prata é o bom falar; oiro é o bom calar.


De calar ninguem se arrepende ; de falar, sempre.
Pela bôcca morre o peixe.
O calado é o melhor.
Ao bom calar, chamam santo.
Quem cala, vence .
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 33

Bom saber é calar, até ser tempo de falar.


Mais vale calar que mal falar.
Não fales sem ser perguntado, e serás estimado.
Falar sem cuidar é atirar sem apontar.
Quem muito fala e pouco intende, por ruim se vende.
O parvo calado, por sabio é reputado.
Muito falar, — pouco saber.
Muito falar , - muito errar.
Fala pouco e bem, ter -te -hão por alguem .
Intende primeiro e fala derradeiro.
Escolha de Companhias

Companhia de dois, companhia de bons.


Companhia de tres é má rez.
Até a formiga quer companhia.
Antes só que mal acompanhado.
Melhor é um pão com Deus, quedois com o démo.
Quem com mal trata, sempre se lhe apega.
A quem má fama tem, nem acompanhes, nem digas bem.
Pouco fel, faz azedo muito mel.
Nunca boa ôlha com agraço.
Quem com farellos se mistura, maus cães o comem.
Quem corn cães se lança , com pulgas se levanta.
Ao mau vento, volta-lhe o capello.
Dize-me com quem andas, dir-te-hei as manhas que tens.
Com taes me acho, tal me faço.
Ladrão que anda com frade... ou o frade será ladrão, ou o
ladrão frade.
Cada cuba cheira ao vinho que tem .
Queres conhecer tua filha ? olha-lhe a companhia.
Arrima- te aos bons , serás um d'elles ; chega- te para os
maus, far-te-has peior do que elles.
Antes com bons a furtar que com maus a orar.
Quem com o démo anda, com elle acaba.
Brincae com o asno : dar - vos -ha na barba com o rabo .
Não dês o dedo ao villão, porque te tomará a mão.
A ruim ovelha deita a perder o rebanho.
Compras e Vendas

Bem comprar é gentileza ; mal comprar não é fraqueza.


Quem desdenha , quer comprar.
Quem diz mal da coisa, esse a compra.
34 BIBLIOTHECA DO POVO

Quem pão e vinho compra, mostra a bolsa.


Ao comprar te arremanga .
Nem carvão, nem lenha, compres quando geia.
Quem compra e mente, na bolsa o sente .
Quem compra o que não pode, vende o que não deve.
Compra que vendas.
Quem démos compra, démos vende.
Comprar em feira , vender em casa.
Vende em casa, e compra na feira,-se queres sabir de la
zeira .
Comprar a alforvas, e vender a onças.
Vende publico, e compra secreto.
Vende a esposado, e compra a inforcado.
Orujm me compre o amigo, que o bom logo é vendido.
Não vendas a teu amigo, nem de rico compres trigo.
Coisa que não se vende, ninguem a semeie.
Não perde venda, senão quem não tem que venda.
Péza justo, e vende caro .
O dado, dado,-. e o vendido, vendido.
Correlações na vida práctica
Como canta o abbade, assim responde o sacristão.
Como me tangerem , assim bailarei.
Apprende alta e baixa ; e, como te tangerem, assim dança.
D'onde vem a excommunhão, de lá vem a absolvição.
Qual o rei , tal a grei .
Qual o rei , tal a lei ; qual a lei,tal a grei.
A mau capellão, mau sacristão.
A mau moço, mau amo.
Qual é o cão, tal é o dono.
T'al é o servo, como o senhor.
Toma a cabra a silva, e a porca a pocilga.
Duro com duro, não faz bom muro .
A pergunta astuta , resposta aguda.
A calças curtas, atacas longas.
Quem lhe doer o dente, vá a casa do barbeiro.
Deus

O homem propõe e Deus dispõe.


Cada um sabe de si ; e Deus, de todos .
Deus escreve direito por linhas tortas.
Deus sabe o que nos está melhor.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 35

De Deus vem o bein , e das abelhas o incl.


De tudo se Deus serve.
() amor de Deus vence , e todo o al perece.
Não fez Deus a quem desamparasse.
Guardado é o que Deus guarda.
Em pequena hora Deus melhora.
A quem Deus quer ajudar, o vento lhe apanha a lenha.
Deus ajuda aos que trabalham .
A mãos lavadas Deus lhe dá que comum.
Dá Deus o frio conforme a roupa .
A cada qual da Deus o frio conforme anda vestido.
Mais pode Deus ajudar que velar e madrugar.
Mais vale quem Deus ajuda do que quem muito madruga.
Quando Deus não quer, Santos não rogam.
Incommendar a Deus, botar a nadar.
Quem boa dita tem , a Deus agradeça.
Deixar fazer a Deus, que é Santo velho.
Deus não come, nem bebe, mas julga o que intende.
Quem não busca a Deus na vida é deixado de Deus na morte.
Tudo acaba, senão o amar a Deus.
Diligencia e Priguiça
Priguiça é chave da pobreza.
Priguiça nunca fez bom feito .
Priguiça não lava a cabeça ; e, se a lava, não & penteia.
Não sejas priguiçoso : não serás desejoso.
O priguiçoso é sempre pobre.
O moço priguiçoso, por não dar uma passada , dá oito.
Mocidade ociosa não faz velhice contente.
Quem tarde anda, pouco alcança.
Quem se levanta tarde ,- nem ouve Missa, nem toma carne.
Quem primeiro se levanta, primeiro se calça.
Quem primeiro anda, primeiro apanha.
Quem primeiro anda, primeiro ganha.
Quem primeiro anda , primeiro manja.
Quem primeiro vem , primeiro moe.
Não ba tal venda, como a primeira.
Quem tem bôcca ,- não diga ao outro : « assopra . »
Quem tem bocca não manda assoprar.
Influencia do Dinheiro

Tudo pode o dinheiro.


Onde o oiro fala, tudo cala.
36 BIBLIOTHECA DO POVO

Emquanto ba dinheiro, ha amigos.


Quem dinheiro tiver, fará o que quizer.
Amor faz muito ; o dinheiro, tudo.
Não ha cerradura, se de oiro é a gazua.
Dinheiro é a medida de todas as coisas.
Vale este homem o dinheiro que péza.
Negro é o carvoeiro, branco é o seu dinheiro.
Mais vale a velha com dinheiro, que moça com bom ca
bello .
Quando a velha tem dinheiro, não tem carne o carniceiro.
Quem não tem dinheiro, não tem graça.
Não ha mal tão lastimeiro como não ter dinheiro.
Tanto vale cada um na praça, quanto vale o que tem na
caixa..
Ninguem sería vendeiro, se não fosse o dinheiro.
Dae -me dinheiro, não ine deis conselho.
Mais abranda o dinheiro que palavras de cavalleiro.
Lá vão leis aonde querem cruzados.
Vai e vem quem de seu tem .
Economia domestica

Casa, vinha, potro, faça -o outro.


Casas em que caibas, vinho quanto bebas, terras quantas
vejas.
De trigo e de aveia, minha casa cheia.
Depois de casa feita, a deixa.
Melhor é uma casa na villa, que duas no arrabalde.
Casas na praça as ombreiras têem de prata.
Deita- te em tua cama, e cuida em tua casa.
O homem na praça e a mulher em casa.
O marido barca,-e a mulher arca.
Cresce o oiro bem batido, como a mulher com bom marido.
Marido, não vejas ; mulher, cega não sejas.
O homem ande com tento ; e a mulher, não lhe toque o vento.
Toma casa com lar, e mulher que saiba fiar,
A mulher que pouco fia, sempre faz ruim camisa.
A mulher que não vela, não faz grande teia.
A mulher de bom recado, enche a casa até ao telhado.
A mulher boa , prata é que muito soa.
A mulher que te quizer, não dirá o que em ti houver.
Mulher de bondade : outrem fale, e ella cale.
Triste da casa, onde a gallinha canta e o gallo cala.
Mal vai á casa, onde a roca manda mais que espada.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 37

Tem cuidado de o ganhar, que tempo fica para o gastar.


O bom ganhar faz o bom gastar.
D'onde tiram e não põem , cedo chegam ao fundo.
Ditosa a casa onde só um gasta.
Guarda, moço : acharás, velho.
Guarda na mocidade para a velhice.
Remenda o panno ; durar- te-ha outro anno.
Sapato, quanto duras ? - quanto me custas.
Escreve antes que dês , e recebe antes que escrevas.
Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguem tem
razão.
Tres coisas destroem ao homem : muito falar e pouco saber;
muito gastar e pouco ter ; muito presumir e pouco valer.
Quem muito tem , muito gasta ; quem pouco tem , pouco lhe
basta ; quem nada tem , Deus o mantêm ; quem gasta me
nos do que tem, é prudente ; quem gasta mais do que tem,
mostra que sizo não tem ; quem gasta o que tem, é chris
tão ; quem gasta o que não tem , é ladrão.
Egoismo

Não serás amado, se de ti só tens cuidado.


Quem não sente o mal alheio,- ninguem sente o seu.
Arrenego do amigo que come o meu commigo e o seu com
sigo.
Vão á missa os sapateiros ; rogam a Deus que morram os
carniceiros !
Experiencia e Práctica
Dos escarmentados se fazem os arteiros .
Não ha melhor cirurgião que o bem acutilado.
Mãos de mestre unguento são.
Quem te fez alveitar ? -0 mal dos meus burrinhos.
O mal alheio dá conselho.
Gato escaldado, de agua fria tem medo.
Quando vires arder as barbas do vizinho, deita as tuas em
remolho.
Se queres bom conselho, pede-o ao velho.
Quem mais vive, mais sabe.
Quanto mais vivemos, tanto mais sabemos.
Porque sabe o Diabo tanto ? por ser velho.
Macaco velho não mette a mão em cabaço (-).
Queres ver o porvir ? olha o passado.
(*) Rifão brazileiro.
38 BIBLIOTHECA DO POVO

Muito sabe o rato ; mas mais sabe o gato.


Muito sabe a raposa; nas mais sabe quem a toma.
Mais vêem quatro olhos que dois.
Experteza e Sagacidade

Quem tem bocca, vai a Roma.


A bom intendedor poucas palavras.
A bom intendedor, meia palavra basta.
Para os intendidos, acenos bastam.
Acenae ao discreto, dac-o por feito.
Fama

O bom vinho excusa pregão.


O bom vinho não ha mistér ramo.
Cobra boa fama, - deita-te a dormir .
Cobra boa fama, — faze o que quizeres.
Perca-se tudo, e fique a boa fama.
Digna é de nome e fama a mulher que não tem fama.
Em má hora nasce quem má fama cobra.
A ina chaga sara, e a má fama mata.
Quem a fama tem perdida, inorto anda n'esta vida .
Gente ruim não ha roistér chocalho.
Feros e Arrogancias ridiculas

Feros de bugio, ameaças vans.


Quem ameaça e não dá, medo ha.
Homem atrevido, dura como vaso de vidro.
Homem atrevido, odre de bon vinho, e vaso de vidro, pouco
duram.
Cão que muito ladra, pouco morde.
Cảo que muito ladra, nunca bom para a caça.
A lingua longa é signal de mão curta.
Amor palreiro sempre é cobarde.
Formosura

Não ha formosura sem ajuda.


Não ha formosa sem senão.
Formosura de mulher não faz rico ser.
Mulher formosa – ou doida, ou presumpçosa .
Da feia e da formosa a mais proveitosa.
PIILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 39

Quem quizer mulher formosa, — ao sabbado a escolha, e não


ao domingo na boda.
A quem tem mulher formosa, castello em fronteira, vinha
na carreira , não lhe faltará canceira .
Menino e moço, antes manso que formoso.
Perigo das Grandezas 1

Grande nau, grande tormenta.


Quem em mais alto nada, mais presto se afoga.
De grande subida, grande cabida.
Antes burro que me leve, do que cavallo que me derrube.
O leão é ás vezes manjar de pequenas aves.
Quanto maior é a ventura , tanto menos é segura.
A muita cera queima a egreja.

Gratidão

Quem boa ventura tem, a Deus a agradeça.


Quem melhor dita tiver, a Deus deve agradecer.
Ao agradecido, mais do pedido.
Do homem agradecido todo o bem é crido.
A dar está obrigado, aquelle a quem hão dado.
A quem te dér uma passara, dá -lhe sua aza.
A quem dá o capão, dá- lhe a perna.
Preceitos de Hygiene

Se queres cedo ingordar, come com fome e bebe de vagar.


De fome ninguem vi morrer,- muitos, sim, de muito co
mer .

Secentes
mal jantas e peior ceias, - mingoantes as carnes, cres
as veias.
Quem se deita sem ceia, toda a noite rabeia.
Sobre comer, dormir ; sobre cear, passos dar.
Quem ceia é logo se vai deitar, má noite ha- de passar.
Se queres inferuar, - ceia e vae te deitar.
Tens vontade de morrer ? ceia carneiro assado, e deixa- te
adormecer.
De grandes ceias estão as campas cheias.
Agua ao figo, e á pera vinho.
Sobre
las.
peras vinho bebas, e tanto bebas até que nadem el
40 BIBLIOTHECA DO POVO

Sobre melão vinho de tostão .


Pão de hoje, carne de hontem , vinho de outro verão, fazem
o homem são.
Por carne, vinho e pão,- deixo quantos manjares são.
Se queres ser bem disposto, bebe vinho e nanja mosto.
Vinho de peras,—não o bebas, nem o dês a quem bem quei.
ras .

Come caldo, vive em alto, anda quente,-e viverás larga


mente .
Pão quente , - muito na mão e pouco no ventre.
Agua fria e pão quente, nunca fizeram bom ventre.
Agua e pão,— comida de cão.
Agua sobre mel, sabe mal e não faz bem.
A'cheia
tua .meza, ném á alheia, não te assentes com a bexiga
De caldo requentado e de vento de buraco - guardar, como
do diabo.
Não faças do queijo barca, nem do pão S. Bartholomeu.
Pão molle com uvas- - as moças põe mudas e ás velbas tira
as rugas.
Melhor é pão duro que figo maduro .
Pão com olhos, e queijo sem olhos, e vinho que salte nos
olhos.
Uma azeitona, ouro ; segunda, prata ; terceira, mata.
Nem bebas da lagoa, nem comas mais que uma azeitona.
Nem te fies em villão, nem bebas agua de charqueirão.
Caldo de nabos,— não o queiras, nem o dês a teus creados.
Carne que baste, vinho que farte, pão que sóbre.
Carne carne cria .
Carne nova de vacca velha.
Carne magra de porco gordo.
Saude come, quem não tem bôcca grande.
Nem comas cru, nem andes com pé nu.
Ande eu quente, - ria - se a gente.
Duro de cozer , duro de comer.
Faze da noite noite, e do dia dia : viverás com alegria.
Se queres viver são, faze -te velho antes de tempo.
A vida passada faz a velhice pezada.
Se queres infermar, lava a cabeça e vae-te deitar.
Um dia frio, e outro quente, - logo um homem é doente.
A quem tem vida , a agua fria lhe é mézinha.
A nha
quem
.
Deus quer dar vida, agua da fonte lhe é mézi.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 41

Habitos inveterados

Passarinho que na agua se cria, sempre por ella pia.


O que o berço dá, a tumba o leva.
O que o berço dá, a cova o tira.
Vezo mau, tarde é deixado.
Cesteiro que faz um cesto,faz um cento.
O lobo muda o pêlo, mas não o vezo.
Quem más manhas ha, tarde ou nunca as perderá.
Burro velho não apprende linguas.
Mente Pedro, porque o tem de vezo.
Nunca de bom Mouro, bom christão.
Pés costumados a andar não podem estar quedos.
Honra e Donras

Onde não ha honra, ha deshonra.


Honra e proveito não cabem n'um sacco.
Officio de conselho, honra sem proveito.
Honra que em baixo amigo se procura, pouco dura.
Onde te abrem , honra te fazem .
Honra te fazem onde te conhecem.
Antes minha face com fome amarella, que com vergonha
n'ella .
Homem honrado, antes morto que injuriado.
Quem te honra mais do que sóe , - ou te quer inganar, ou
ver se pode.
Comei mangas aqui, que a vós honram e não a mim.
Quem não tem vergonha, não tem honra.
Quem com seus avós se bonra, comsigo traz deshonra.
Mais vale merecer honra e não a ter, - do que, tendo-a, não
a merecer.
A morte com honra, desassombra .
Não serás abastado, se primeiro não fores honrado.
Ignorancia e Parlapatice

O ignorante é o que mais fala.


O ignorante a todos reprehende, e fala mais do que menos
intende.
1
O ignorante, e a candeia,--- a si queima, e a outros alumeia.
Presumpção e agua-benta ... cada qual toma a que quer.
42 BIBLIOTHECA DO POVO

contra a Imprevidencia e a Segligencis

Manda e descuida : - não se fará coisa nenhuma.


Manda e faze.o : -- tirar- te -ha cuidado.
Se queres ser pobre sem o sentir, mette obreiro e deita - te u
dormir .
Quem dorme, dorme - lhe a fazenda .
Quem com mau vizinho ha de vizinhar, com um olho ba-de
dormir e com o outro vigiar.
Quem tem inimigos não dorme.
Quem muito dorme, o seu com o alheio perde.
Quem tempo tem e por tempo espera, tempo é que o déma
The leva.
Perdendo tempo, não se ganha dinheiro,
Tempo e hora não se atam com soga .
Se queres testamento, faze - o estando são.
Dae-me mãe acautelada, dar -vos-hei filha guardada.
Cautela e caldo de gallinha não fazein mal ao doente.
Segue a formiga, se queres viver sem fadiga.
Guarda que comer ; não guardes que fazer.
Quem adeante não olha, atraz fica .
Quem adeante não cata, atraz cai e malbarata.
Quem ao longe não olba, ao perto se fere.
Por um cravo se perde um cavallo ; por um cavallo um ca.
valleiro ; por um cavalleiro, um exercito.
Por um cabellinho se pega o fogo no linho.
De uma faisca se queima a villa.
De pequena bostella se levanta grande mazella.
Palavra fóra da bocca é pedra fóra da mão.
Palavra e pedrada solta, não volta.
Em bôcca cerrada não entra mosca.
Dá nó ; não perderás ponto .
Por sol que faça, não deixes a capa emcasa.
Nem no inverno sem capa, nem no verão sem cabaça.
Não vás sem borracha caminho ; e, quando a levares, não se
ja sem vinbo.
Do mal guardado come o gato.
O seguro morreu de velho.
Ou para homem ou para cão,-- leva a tua espada na mão.
Quein o rabo corta, por detraz se descobre .
Quein não intrar uo mar, não se afogará.
Quem
frer.
dá o seu antes de morrer, apparelha -se a bem sof
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 43

Quem do seu de desapossa antes da morte, dêem-lhe com um


maço na fonte.
Quem pouco tem, e isso dá,- cedo se arrependerá .
Independencia e Desinteresso

Arrenego de grilhões, ainda que sejam d'oiro.


Não quero escudéla d'oiro em que haja de cuspir sange.
Mais vale pedaço de pão com amor, que gallinha com dôr.
Por cubiça de florin, não te cages com mulher ruin.
Contra a Indiscreção

Em casa de ladrão, não lembrar baraço.


Em casa d'inforcado, não falar em corda.
Entre pae e irmãos não mettas as mãos.
Não bulas baralhas velbas, nem mettas mãos entre duas pe
dras.
Na bôcca do discreto o publico é secreto .
Ninguem se metta onde não o chamam.
Quem te não roga, não lhe vás á boda.
A boda, nem a baptizado, não vás sem ser convidado.
Aonde te querem muito, não vás a miudo.
Ingratidão

Pelos santos novos esquecem os velhos.


De mal-agradecidos está o inferno cheio.
Quem cospe para o céu, na cara lhe cai.
Cuspo para o céu ; cai-me no rosto.
Villão servido, villão esquecido.
O rio passado , o santo não lembrado.
Longe da vista, longe do coração.
Olhos que não vêem , coração que não sente.
Contra a Intemperança

A mulher e o vinho tiram o homem de seu juizo.


Quem é amigo do vinho, de si mesmo é inimigo.
Onde entra o beber sai o saber.
Se bebes vinho, não bebas o sizo.
Come para viver, pois não vives para comer,
BIBLIOTHECA DO POVO

Intrepidez e Perplexidade

Ao homem ousado, a fortuna lhe dá a mão .


Quem sempre olba o derradeiro, nunca acommette bom feito .
Quem sempre se recata, nunca acaba nada.
Quem se não aventurou, não perdeu mas não ganhou.
Inveja

Se a inveja fosse tinha, muita gente era tinhosa.


Nunca o invejoso medrou, nem quem apar d'elle morou.
Ao invejoso, immagrece -lhe o rosto e incha-lhe o olho.
Jogo

Todo o pescado é freima, e todo o jogo postema.


No jogo se perde o amigo e se ganha o inimigo.
Na casa de quem joga, pouca alegria mora.
Quem jogou, pediu , furtou ; jogară, pedirá, furtará.
Quem te não ama, em praça ou em jogo te diffama.
Mais descobre uma hora de jogo que um anno de conver
sação.
Liberalidade

Dadivas quebrantam penhas.


As dadivas applacam os homens e os deuses.
O liberal busca occasião para dar.
Não dá quem tem , senão quem quer bem.
O escaço do real faz ceitil; e o liberal do ceitil faz real .
DO Nial o menos

Mal por mal ... antes cadeia que hospital.


Antes torto que cego de todo.
Melhor é dente podre que cova na bôcca.
Antes a lan se perca, que a ovelha.
Antes morto por ladrão que por couce de asno.
Mais vale ruim cavallo que ter asno.
Mais vale tarde que nunca.
Melhor é anno tardio que vazio.
Mais vale duro que nenhum.
Melhor é palha que nada.
Mais vale magro no matto, que gordo no papo do gato.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 45

Melhor é descoser que romper.


Mais vale suar que infermar.
Mais yale pedir e mendigar, que na forca espernear .
Viva a gallinha, e viva com a sua peyide.
Naledicencia e Bighillaotice

Quem conta um conto, sempre lhe accrescenta um ponto.


A ' má lingua tesoura .
Quem diz mal do seu , mal calará o alheio .
No açougue — quem mal fala , mal ouve.
Mapha de açougue : quem mal fala , peior ouve.
Quem diz o que quer, ouve o que não quer.
A mulher andeira diz de todos, e todos dizem d'ella.
Mulher palreira diz de todos, é todos d'ella.
Quem murmura, a muito se aventura .
O mal que de tua bócca sai , em teu seio cai .
Quem má bócca tem, má bostella faz.
Conveniencias da Riansidão

Bezerrinha mansa, em todas as vaccas mamma.


Mais apaga boa palavra que caldeira d'agua.
Com assucar e com mel, até as pedras sabem bem.
A mula e a mulher com afagos fazem os mandados.
Resposta branda a ira quebranta.
Quem passaro ha-de tomar, não o ha - de enxotar.
A quem bas-de rogar, não has-de assanhar.
conveniencias da Mediania

Quem é bom de contentar, menos tem que chorar.


O pouco basta, e o muito se gasta.
Assaz tem , quern se contenta com o que tem.
Pouco e em paz, muito se me faz.
Mais vale boa regra que boa renda.
O necessario deleita, e o desnecessario atormenta.
Só o necessario deleita ; o sobejo atormenta.
Medicina e Medicos

De medico e de louco— cada um tem um pouco.


Os erros do medico, a terra os cobre .
Quando os doentes bradam, os physicos ganham .
46 BIBLIOTHECA DO POVO

Quando o infermo diz ai,-- o medico diz dae.


Avicena e Galeno trazem a minha casa o alheio.
Quando o medico é piedoso , é o doente perigoso.
Medicos de Valença :-- grandes fraldas, pouca sciencia.
Ao medico, ao advogado e ao abbade, -- falar verdade.
Guarde-vos Deus de physico experimentador e de asno omne
jador.
Aphorismos de dicteorognosia

Lua com circo, agua traz no pico.


Circo de lua - pastor inxuga, se aos tres dias não ipxurra.
Laa-dova trovejada, trinta dias é inolhada.
Tempo traz tempo, e chuva traz vento.
Manhan ruiva : -ou vento ou chuva .
Nevoa em alto, agua em baixo.
Branca geada, mensageira de agua.
Grande calma, signal de agua.
Alto mar e não de vento - não promette seguro tempo.
Norte

Contra a morte não ha remedio.


Para tudo ha remedio, menos para a morte.
A ' morte o remedio é abrir- lhe a bôcca.
A' morte não ha casa forte .
Tanto morre o Papa, como o que não tem capa.
Onde não ha morte, não ha má sorte,
Mudar costume - parelha da morte.
Não ba morte sem achaque.
Mal prolongado, morte no cabo .
Quem morte alheia espera , a sua lhe chega.
Longa corda tira, quem por morte albeia suspira.
Necessidade

A necessidade é mestra .
A necessidade não tem lei .
Asno que tem fome, cardos come.
Caminhante cançado, sobe em asno, se não tem cavallo.
Não é tacha beber por borracha, quando não ha faça.
A agua salobra na terra secca é doce.
A melhor mostarda é a fome.
Onde não ba, el rei o perie,
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 47

Fugir da Occasião

A occasião faz o ladrão.


O buraco chama o ladrão.
Guard'-te dos azos ; guardar-te -ha Deus dos peccados.
Quem arreda o azo, arreda o peccado.
Tirados os azos, tirados os peccados.
Aproveitar a Opportunidade

Quando te derem o porquinho, acode com o baracinho.


Quando cai a vacca, afiar os cutellos.
Malhar no ferro em quanto está quente.
Perdiz é perdida, se quente não é comida.
Quando em casa não está o gato, extende -se o rato.
Influencia das Origens

Quem sai aos seus, não degenera.


Quem torto nasce, tarde ou nunca se indireita.
De bom madeiro, boa acha.
Sai a acha ao madeiro.
De tal acha, tal racha.
De bom vinho, bom vinagre.
De boa casa, boa braza.
De grande rio, grande peixe.
De ruim , nunca bon boccado.
De má matta, nunca boa caça.
De mau corvo, mau ovo.
Nunca de coryo, bom ovo .
De rabo de porco, nunca bom virote.
Nunca ruim arvore, bom fructo .
Do bom logo, born fogo.
De ruim panno, nunca bom saio.
De mau ninho, não crieis passarinho.
Quanto chupa a abelha, mel torna ; e quanto a aranha, pe
çonha.
Quem abrolhos semeia, espinhos colhe.
Tal é o demno como sua mãe.
Cada um colhe segundo semeia .
Ainda que vistais a mona de seda, mona se queda.
O filho do asno uma hora no dia orneja.
Filho de peixe, sabe nadar.
48 BIBLIOTHECA DO POVO

Más Palavras

Mais fere a má palavra que espada afiada.


Saram cutiladas, e não más palavras.
Não ha má palavra, se a puzerem no seu logar.
Não ha palavra mal dita, se não for mal intendida.
Não haveria má palavra, se não fosse mal tomada.
Poupanças mal intendidas

Mais vale palmo de panno, que pedaço de burel.


Quem se veste de ruim panno, veste-se duas vezes ao anno.
Quem ralo semeia, rala leva a paveia.
O escaço cuida que poupa um, e gasta quatro.
Economia barata , - roubo das bolsas.
O caro é barato, e o barato é caro.
Apanhador de cinza,- derramador de farinha.
Aphorismos de Pedagogia
Dos meninos se fazem os homens.
De pequenino se torce o pepino.
A teu filho, bom nome e bom officio.
Segundo o natural de teu filho, assim lhe dá o conselho.
Creaste e não castigaste ? -não creaste.
Soffrerei filha gulosa e muito feia, mas não janelleira.
De bom mestre, bom discipulo.
Filho és, e pae serás ; assim como fizeres, assim acharás.
Quem para si não sabe, não ponha escola.
A boa mão, do rocim faz cavallo ; -e a ruim, do cavallo faz
rocim.
Perseverança

Pedra roliça nunca cria bolor.


A perseverança tudo alcança.
Agua molle em pedra dura, tanto dá até que fura .
A pedra é dura, e a gotta d'agua é miuda; mas, cahindo de
continuo, faz cavadura.
Quem não cança , alcança.
Quem porfia, mata caça.
Porfia mata caça, e não bésteiro cançado.
Mais faz quem quer, que quem pode.
Soffra - se quem penas tem,- que atraz de tempo tempo yem .
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 49

Não ha tão mau tempo, que o tempo não allivie seu tormento .
No soffrer e abster, está todo o vencer.
Não se pescam trutas a bragas inxatas.
Quem quer pescar, ka-de se molbar.
Quem muitas estacas mette, alguma lhe prende.
Até ao lavar dos cestos, ha vindima.
Devagar se vai ao longe.
Pequeno machado partegrande carvalbo.
Pequeno machado derruba grande sovereiro.
Pequenas achas accendem o fogo, e os madeiros grossos o
sustentam .
De pequenos grãos se ajunta grande monte.
A grãoe grãoenche a gallinha o papo .
Um grão não enche o celleiro, mas ajuda o seu companheiro.
A gotta e gotta , o mar se exgotta .
Molle, molle, – longe vai o homem .
Molle, molle,-se vai longe.
Muitas maçarocas fazem à teia, que não uma cheia.
Pobreza e Riqueza

Pobreza não é vergonha.


Quem diz que pobreza é vileza, não tem sizo na cabeça.
Se a ser rico queres chegar --- vae de vagar.
Não te exaltes pela riqueza, nem te abaixes por pobreza.
Não te aconselhes sobre tua riqueza com quem está em po
breza.
Não contes tua pobreza a quem te não ba.de dar de sua fa
zenda .
Não te faças pobre a quem te não ha - de fazer rico.
Ao pobre nãoé proveitoso acompanbarcom o poderoso.
Quem pobreza tem, dos parentes é desdem .
Não é pobre o que tem pouco, senão o que cubiga muito.
Não é pobre senão o que se tem por pobre,
Homem pobre : taça de prata , caldeira de cobre.
Homem pobre, com pouco se alegra.
Não ha casamento pobre, nem mortalba rica.
Influencia dos Principios

Principio querem as coisas.


Bom principio é ametade.
O ladrão - da agulha ao ouro, e do ouro á forca .
Ladrãosinho de agulheta- depois sobe á barjuleta.
50 BIBLIOTHECA DO POVO

Promessas

Quem promette, deve.


Até prometter, sêde escaco.
Sempre promette em duvida, pois ao dar ninguem te ajuda.
Ao rico não devas, e ao pobre não promettas.
As graças perde, quem se detem no que promette .
Quem se detem em dar o que promette, claro está que se
arrepende .
Prometter não é dar, mas a nescios inganar.
Muito prometter é especie de negar.
Razão

A razão é prova da verdade.


A razão é molde do bem.
A razão tira o medo.
A razão dá costas ao covarde.
Razão ... quanta mais, melhor.
A razão dá liberdade.
Quem está perto da razão, fica longe da culpa.
Muito deve doer a torcedura da razão.
Tudo obedece á razão, senão o desarrazoado.
E' falar com mouco, dar razão a quem não intende .
Onde a razão se não ouve , doido é quem se não cala.
Quem não ouve a razão do pobre, louva a sem-razão do po
deroso .
O poderoso deve somente usar do poder da razão.
Sandice é Sizudez

Quando o sandeu -se perdeu, o sizudo aviso colheu.


D'ondeo sandeu se perdeu, o bom sizo aviso colbeu.
O que faz o doido á derradeira , faz o sizudo á primeira.
( ) sizudo e o doido descobrem- se no jogo.
Boas palavras e maus feitos — inganam sizudos e nescios.
Os doidos fazem a festa, e os sizudos gostam d'ella.
O sizudo não ata o saber á estaca.
Quem tolo vai a Santarem , tolo vem .
Quem a tolo conselho pede, mais tolo é do que elle.
Zombae com o tolo em casa, zombará com vosco na praça.
Mais sabe o tolo no seu que o sizudo no alheio.
ex barba do tolo apprende o barbeiro novo.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 51

Na barba do nescio apprendem todos a rapar.


E' duas vezes tolo quem faz o mal e o apregoa.
( ) doido faz doidos, damna a muitos e ensina a poucos.
De doido ... pedrada ou má palavra.
Guarda-te do alvoroço do povo e de travar com doido.
Quem com doido ba -de intender, de muito sizo ha mistér.
Espada na mão do sandeu,- perigo de quem lh'a deu.
Tảo duro é ao doido calar, como ao sizudo falar.
Mais vale um dia de discreto, que cento de nescio.
Vê um dia do discreto, e não toda a vida do nescio.
A palavras loucas, orelhas moucas.
Muito pode o sandeu ; mas mais o é quem lhe dá o seu.
Quem pode ser todo seu, em ser d'outrem é sandeu.
O sandeu trata do alheio, deixando o seu.
Quem de sandice adoece, tarde ou nunca guarece.
Com papas e bolos se inganam os tolos.
Muito riso , - pouco sizo.
Risinho prompto, miolo chôcho.
No riso é o homem conhecido.

Segredos ;

Quem seu segredo guarda, muito mal excusa,


A quem disseste teu segredo, fizeste-lo senhor de ti.
A quem dizes tua puridade, dás tua liberdade.
A teu amigo não incubras teu segredo, que darás causa a
perdêl- o.
Teu amigo é trefo se te incobre teu segredo.
Suberbia

De rico a suberbo não ha palmo inteiro.


Quando vem ao suberbo o castigo, vem -lhe mais rijo.
Mau é o rico avarento, mas peior é o pobre suberbo.
Trabalho

Quem não trabalha, não mantêm casa forte.


Quem não trabalha, não come.
Inda que entres na villa e soltes o gabão,-se não trabalha
res, não te darão pão.
Soffrer por saber, e trabalhar por ter.
Traz trabalho vem o dinheiro com descanço.
Madruga e verás ; trabalha e terás.
52 BIBLIOTHECA DO POVO

Mais quero estar trabalhando que chorando.


Quem trabalha tem alfaia ,
Andando ganha a szenba, e não estando quêda.
O abbade, d'onde canta,- d'ahi janta.
Tudo se quer a seu gelto

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso .
Nem boda sem canto, nem n.orte sem pranto .
Nem menga sem pão, nem exercito sem capitão.
Nem no inverno semcapa, nem no verão sem cabaça.
Cada qual em seu officio.
Moço guloso não é bom para tendeiro.
Nem official novo, nem barbeiro velho .
A mula com afago; o cavallo com castigo.
Arrenego do cavallo que se infreia pelorabo.
Nunca se matou ouriço cacheiro ás punhadas.
Mal se apaga o fogo com a estopa.
Pela bôcca se aquenta o forno.
Por onde vás,— assim como vires, assim farás.
Cada dia peixe, amargo o caldo.
Tudo se quer a seu tempo

A seu tempo vêm as uvas e as maçans maduras.


Boa é a neve que à seu tempo vem.
Não ha coisa velha, se é dita a seu tempo.
Quando o ferro está accendido, então ha de ser batido.
No inverno forneira, e no verão taverneira.
Com agua passada não moe o moinho.
Não se pode fazer apar – comer e assoprar.
Tarde dar e negar estão apar .
O ferreiro com barba, e as lettras com baba.
Latim com barba, e musica com baba.
Boa é a truta, bom é o salmão, bom é o savel, quando é de
sazão.
As boas novas, a todo o tempo ; e as más, pela manhan.
Tudo tem seu meio-termo

A terra , posto que fertil, se não descança, faz -se esteril.


Nem tanto puxar, que se quebre a corda.
Nem tanto Amen , que se damne a missa.
Nem tão bom , que o papem as moscas.
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 53

Nem tão formosa que mate, nem tão feia que espante.
Nem tão velba que caia, nem tão moça que salte.
Nem com cada mal ao medico, nem com cada duvida ao let
trado.
Nem muito ao mar, nem muito á terra.
Nem a todos dar, nem com todos porfiar.
Nem com toda a fome á arca, nem com toda a sede ao cantaro .
Nem de cada malha peixe, nem de cada matta feixe.
Nem cada dia rabo de sardinha.
Nem sempre gallinha, nem sempre rainba.
A carga bem se leva ; a sobrecarga causa a quéda.
Ventura e Desventura

Vem a ventura a quem a procura .


Ao homem ousadoa fortuna lhe dá a mão .
Ao homemde esforço a fortuna lhe põe o hombro.
Bom coração quebranta má ventura.
Quando a má ventura dorme, ninguem a desperte.
A boa ventura de uns aos outros ajuda.
Onde ventura falta, diligencia é excusada.
Quem está em ventura, a formiga o ajuda.
Mais corre a ventura, que cavallo ou mula.
Vento e ventura pouco dura.
Mulher, vento e ventura,-- asinha se muda.
D'onde esperança homem não tem, ás vezes Ihe vem o bem .
Onde me vai bem , tenho pae e mãe.
Chega-se o bem para o bem , e o mal para quem o tem .
O bem não se conhece senão depois que se perde.
Aquelle ha de chorar, que teve bem e veio a mal.
Mal alheio não cura minha dor.
Bem baila a quem a fortuna faz o som .
Halhinhas.
sujeitos, que a mesma fortuna lhe vai assoprando as pa
Tristeza sobre alegria, dobrada fadiga.
Verdade e Mentira

A verdade é clara, a mentira é sombra.


A verdade e o azeite andam ao de cima.
A verdade e o azeite andam à tona d'agua.
A verdade não tem pés, e anda.
Mais asinha se apanha um mentiroso que um coxo.
Curtas tem as pernas a mentira, e apanha- se asinha.
54 BIBLIOTHECA DO POVO

A verdade não soffre dissimulação .


A verdade não quer infeites.
A verdade, ainda que amarga, se traga.
Ainda que a malicia escurece a verdade, não a pode apanhar.
Ainda que interrem a verdade, a virtude não se sepulta.
Sempre das cinzas de mal-premiados resuscitam as verdades.
Sempre a verdade sahiu vencedora.
A mentira sempre é vencida.
Uma mentira acarreta outra.
Uma mentira descobre outra.
Não ha saber que baste para contrafazer muito tempo men .
tiras.
Quem folga de ouvir mentiras, estuda -as- para dizel - as.
A mentira não tem pejo.
Quem sempre mente, vergonha não sente.
Quem mente, não vem de boa gente.
Mente quem dá com a lingua no dente.
O homem que mente é instrumento destemperado.
O homem mentiroso larga a honra a pouco preço .
Menos se mentiría, se de mentir se pagassesiza.
Dobrada é a maldade, feita com cor de verdade.
A teu amigo, se te guardar puridade, dize-lhe a verdade,
Mal me querem as comadres, porque lhes digo as verdades.
Pelejam as comadres, - descobrem -se as verdades.
Vida humana

Vida é prazer de quem não tem saber.


Todos somos filhos de Adão ; só a vida nos differença.
N'esta vida os prazeres são por onças, e os pezares por arro
bas .
Para prospera vida : --- arte, ordem e medida.
Villania

Não é villão o da villa, senão o que faz villania .


Obra é de villão -atirar a pedra e esconder a mão.
Se queres saber quem é o villão, mette-lhe a vara na mão.
Dêem officio ao villão : conhecêl -o - hão.
Quando o villão está rico, não tem parente nem amigo.
Viu - se o demonio em sóccos, e quiz pizar os outros.
Bem come o villão, se lh’o dão.
Cão de palheiro - nem come, nem deixa comer .
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 55

III

DICTADOS FAMILIARES

( Sentenciosos, epigrammaticos, facetos e jogralescos)

Guardado está o boccado para quem o ha de comer.


Quem tem padrinho, não morre mouro.
A azeitona e a fortuna, - ás vezes muita, e ás vezes nenhuma.
Bem sabe o gato, cujas barbas lambe.
O bacoro, a fome e o frio, - fazem grande ruido.
Homem velho, sacco de azeres.
Palavras não enchem barriga.
A mulher e o vidro sempre estão em perigo.
Ainda que estejas mal com tua mulher, não é bom conselho
quecortes o apparelho.
Aos olhos tem a morte quem no cavallo passa a ponte.
A cavallo roedor, cabresto curto.
Panella que muito ferve, o sabor perde.
Arde o secco pelo verde, e paga o justo pelo peccador.
Quem mais perto está do fogo , mais se aquenta.
Ametade da obra tem feito,quem começa com tempo.
Obra começada, meia acabada.
Barba remolhada, meia rapada.
Peccado confessado, está meio perdoado.
Quem ingana ao ladrão, tem cem dias de perdão.
Não digas — d'esta agua não beberei -, nem d'este pão não
comerei.
O medo guarda a vinha , que não o vinheiro.
Quem troca odre por odre, -- algum d'elles é podre.
A vacca que não come com os bois,-ou comeu antes, ou co
merá depois.
Quem boa cama fizer, n'ella se deitará.
Em cama estreita deitar primeiro.
Fazer bem a velhacos, é deitar agua no mar.
Raposa que muito tarda, caça aguarda.
Quem mal cospe, duas vezes se alimpa.
Braza deita no seio, quem se honra com erro alheio.
Em anno bom o grão é feno; em o mau, a palha é grão.
Na casa cheia, asinha se faz a ceia.
Quem o meu filho beija, minha borca adoça.
56 BIBLIOTHECA DO POVO

Cutello mau - córta o dedo e não córta o pau.


Quando o corsario promette missas e cêra,por mal anda o
galeão.
Ninguem vê o argueiro no seu olho.
Ninguem é bom juiz em causa propria.
No melhor panno caem as nodoas.
Quem semeia ventos, recolhe tempestades.
Na cama se quebram as pernas.
Na terra dos cegos quem tem um olho é rei.
Em casa de ferreiro... espeto de pau.
Asno morto ... cevada ao rabo !
Casa roubada ... trancas na porta .
Queimada a casa ... acode- lhe com agua !
Recebido o damno, tapa o buraco.
Que sizo de alveitar ! A mula morta ! ... e manda-a sangrar !
Abaixam -se os muros, levantam-se os monturos.
Abaixam -se as cadeiras, levantam -se as tripeças.
Sopa de mel não se fez para a bôcca do asno.
Não sabe o asno que coisa são alfeloas.
Quem tem telhado de vidro, não atire pedras ao do vizinho.
Os que falam com olbos fechados, querem ver os outros in
ganados.
Quem o alheio veste, na praça o despe.
Morcella que o gato leva, gualdida vai.
Lenha verde - nem se queima, nem se accende.
Dá Deus nozes a quem não tem dentes.
Azafama, padeiras, que minha mãe quer um pão !
Como vale o quintal, que quero onça e meia?
Apprendiz de Portugal- não sabe coser, e quer cortar !
Minba comadre andadora, — tirando a sua casa, em todas as
outras mora .
Para que apara a maçan quem lhe ha-de comer a casca ?
Quem não tiver que fazer, arme navio nu tome mulber.
A mulber, o fogo, e os mares,- são tres males.
Mulher se dóe, mulher se queixa, mulher inférma, quando ella
quer.
A mulher e a cachorra,- a que mais cala é a mais boa.
A mulher, inda que rica seja , se é pedida, mais deseja.
Nora rogada, panella repousada.
Não ha sapateiro sem dentes, nem escudeiro sem parentes.
Quem porcos busca, a cada moita lhe grunhem.
Quem azeite mede, as mãos unta.
Quem cabritos vende, e cabras não tem ... d'algures lhe vem !
Miguel, Miguel : não tens abelhas ... e vendes mel? !
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 57

Quem é teu inimigo ? o official de teu officio .


Me Dor de mulher morta, dura até á porta.
Perda de marido, perda d'alguidar, - um quebrado, outro no
poial.
Bom amigo é o gato ... senão que arranha !
Por mais que o asno se queira fazer cavallo, sempre ha-de
ficar asno .
O ruim barbeiro não deixa couro nem cabello.
O rato, depois de velho - para fazer penitencia ... metteu
se no queijo !
Telba de egreja, sempre gotteja.
Bom é Deus ... e está fechado no sacrario !
O homem é fogo e a mulher estopa ; vem o diabo e assopra.
O diabo cobre com uma manta e descobre com um chocalho.
est in Quem imbica e não cai, caminho adeanta.
Escorregar não é cahir ; é meio - caminho andado.
O amor dos asnos entra a coices, e sai a boccados .
Insaboar a cabeça do asno , - perda de sabão.
Cantaro que vai muitas vezes á fonte, - ou deixa a aza, ou
a fronte .
Tantas vezes vai o cantarinho á fonte, até que quebra.
Tantas vezes vai o pucaro á fonte, até que lá fica.
Muitas vezes á cadeia é signal de forca.
Quem em pedra duas vezes tropeça, não é muito quebrar a
cabeça.
Um dia em jejum , - tres dias maus para o pão.
Dia de purga, — dia de amargura.
() officio de albardeiro - mette palha e tira dinheiro.
Quem espera por sapatos de defuncto, toda a vida andará
descalço.
Não mettas em tua casa quem dois olhos haja, senão tri
go e cevada .
- A frade não faças cama, e a tua mulher não faças ama.
A mulher é a gallinha ... com o sol recolhida .
Mais vale magro no tear, que gordo no monturo .
A mulher que dá no homem , na terra do démo morre .
Da mulher e da sardinha a mais pequenina .
Do mar se tira o sal, e da mulher muito mal.
A adem , a mulher , e a cabra , - é má coisa , sendo magra .
3 Nem as donas em sobrado , nem as rans em charco , nem as
agulhas em sacco, podem estar sem deitar a cabeça de fóra.
Melhor é fazer agastar um cão, que uma velha.
Não ba panella tão feia, que não ache seu cobertouro.
O rabo é o peior de esfolar.
58 BIBLIOTHECA DO POVO

IV

KALENDARIO RUSTICO

Primeiro dia de Janeiro, primeiro diade verão.


Em Janeiro põe-te no outeiro : se vires verdejar, põe -te a
chorar ; e, se vires terrear, põe-te a cantar.
Da flor de Janeiro ninguem encheu o celleiro .
Em Janeiro, septe capellos e um sombreiro.
Em Janeiro, um pouco ao sol, outro ao fumeiro .
Janeiro molhado , se não é bom para o pão, não é mau para o
gado.
Sol de Janeiro sempre anda detraz do outeiro.
Sol de Janeiro - sai tarde e põe-se cedo.
O boi e o leitão em Janeiro criam rinhão .
Em Janeiro, nem galgo leboreiro, nem açor perdigueiro .
Pinto de Janeiro vai com sua mãe ao poleiro .
A pescada de Janeiro vale carneiro .
Quem azeite colhe antes de Janeiro , azeite deixa no madeiro.
O madeiro para tua casa, corta-o em Janeiro.
Em mingoante de Janeiro , corta madeiro.
Em Janeiro mette obreiro , mez meante , que não ante.
Obreiro em Janeiro - pão te comerá , mas obrate fará.
Se queres ser bom alheiro, planta os alhos em Janeiro .
Dia de S. Vicente ( 1 ) toda a agua é quente.
Luar de Janeiro não tem parceiro ; mas lá vem o de Agosto
que lhe dá de rosto.
Janeiro gioso, Fevereiro nevoso, Março molhinoso, Abril chu
voso, Maio ventoso, fazem o anno formoso.
Em Janeiro sécca ovelha suas madeixas no fumeiro, e em
Março no prado ; e em Abril as vai urdir.
Vai-te imbora, Janeiro ; cá fica o meu cordeiro.
Vai-te imbora, Janeiro; deixar- me - bas Abril e Maio.
O mez de Janeiro, como bom cavalleiro, assim acaba como na
intrada.
Lá vem Fevereiro que leva a ovelha e o carneiro.
Fevereiro faz dia ,-e logo Santa Maria ( 2 ).

(1) Aos 22 de Janeiro.


(2) Referencia á festa da Purificação de Nossa Senhora, que a Egreja cele
bra aos 2 de Fevereiro .
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 59

Quando a Candelaria (1) chora, o inverno já está fóra ; quan


do a Candelaria ri , o inverno ainda está por vir.
Fevereiro : feveras de frio e não de linho.
Quando não chove em Fevereiro, não ha bom prado nem bom
centeio.
Agua de Fevereiro mata o onzeneiro ,
Para parte deFevereiro, guarda lenha.
Em dia de S. Mathias (2) começam as enxertias.
A castanha e o - vesugo em Fevereiro não têem sumo .
Temporan é a castanha que por Março arreganha.
Se queres bom cabaço, semeia em Março.
Agua de Março, peior é que nodoa no panno.
Em Março, nem rabo de gato molhado.
Março marcegão, - pela manhan rosto de cão, e a tarde de
bom verão.
Março marcegão,- de ' manhan cara de cão, á tarde cara de
rainba, e á noite cavar com a foicinha.
Quando troveja em Março, apparelba os cubos e o braço.
Quem não podar em Março, vindima no regaço.
Sol de Março queima a dama do Paço.
Sol de Março, péga como pegamaço e fere como maço.
Março ventoso e Abril chuvoso, do bom colmeal farão astroso.
No principio ou no fim , Abril soe ser ruim.
Abril frio : pão e vinho.
A bril frio e molhado, enche o celleiro e farta o gado.
Abril : aguas mil, coadas por um mandil .
Por todo Abril, mau é descobrir.
Por S. Marcos (3) bogas a saccos.
Saveis por S. Marcos enchem os barcos.
Do grão te sei contar que em Abril não ha-de estar nascido,
nem por semear.
Sólbo de Abril , abre -lhe a mão e deixa-o ir.
Em Abril vae onde has -de ir, e torna ao teu copil.
Em Abril vai a velba onde quer ir, e a sua casa vem dormir.
A rez perdida em Abril cobra a vida.
As manhans de Abril são doces de dormir.
Somno de Abril, deixa- o teu filho dormir.
Em Abril queijos mil ; e em Maio tres ou quatro.
Entre Abril e Maio moenda para todo o anno.

(1) Candelaria ou Festa das Candeias costuma o vulgo chamar á festivida


de da Purificação de Nossa Senhora .
(2) Aos 24 de Fevereiro .
( 3) A Egreja celebra aos 25 de Abril a festa d'este ovangelista :
60 BIBLIOTHECA DO POVO

Guarda pão para Maio, lenba para Abril.


Quem me vir e me ouvir, guarde pão para Maio e lenha para
Abril.
Abril aguas mil, e em Maio tres e quatro.
A ti chova todo o anno ; e a mim chova Abril e Maio.
Uma agua de Maio e tres de Abril valem por mil.
Se não chover entre Maio e Abril , venderá el-rei o carro e o
carril.
Se não chover entre Maio e Abril , dará el-rei o carro e o car
ril por uma fogaça e um funil, e a filha a quem a pedir.
Se chover em Maio, carregará el-rei o carro ; e em Abril, o
carril ; e entre Abril e Maio, o carril e o carro.
Fevereiro couveiro affaz a perdiz ao poleiro ; Março, tres ou
quatro ; em Abril, cheio está o covil ; em Maio ... pio,
pio, pelo matto .
Enxame de Maio, a quem t'o pedir, dá-lh'o ; e o de Abril,
guarda-o para ti.
Por Abril dorme o moço ruim, e por Maio o moço e o amo,
Somno de Abril, deixa - o a teu filho dormir ;-eo de Maio,
a teu cunhado.
Chuvinha da Ascensão (1) das palhinhas dá pão.
Primeiro de Maio, corre o lobo e o veado.
O rocim em Maio torna- se cavallo.
Quanto Maio acho nado, tudo deixa espigado.
Quem em Maio relva, não tem pão nem herva.
A boa cepa, em Maio a deita.
Maio couveiro não é vinbateiro.
Maio hortelão : muita parra e pouco pão.
Pão tremez - não o comas nem o dês, mas guarda-o para
Maio .
Quem em Maio não merenda, aos finados se incommenda.
Em Maio - vae e torna com recado.
Em Maio , a quem não tem, basta-lhe o saio.
Touro, gallo e barbo, todos têem sazão em Maio.
Camaras de Maio, saude de todo o anno.
Quem quizer mal à sua vizinha, dê- lhe em Maio uma sar
dinba.
A quem em Maio come sardinha, em Agosto lhe pica a es
pinha.
Peixe de Maio,- a quem t'o pedir, dá -lb'o.

(1) Festa mudavel, que pode cahir entre 80 de Abril e 8 de Junho, mas
que na maior parte dos annos cai n'alguma das quintas- feiras de Maio (sem
? A 39 dias depois do Domingo de Pasaboa,
PHILOSOPHIA POPULAR EM PROVERBIOS 61

Maio come o trigo, e Agosto bebe o vinho.


Maio pardo faz o pão grado.
Maio pardo, Junho claro.
Em Junho — fouce em punho.
Feno, alto ou baixo, em Junho é segado .
Dia de S. Barnabé (1) sécca- se a palha pelo pé .
Chuva de S. João (2) tira vinbo e azeite, e não dá pão.
Em dia de S. Pedro (3) vê teu olivedo ; e, se vires um grão ,
espera por cento .
Até S. Pedro ha o vinho medo.
Dia de S. Pedro -- tapa rego.
A geira de Maio vale os bois e o carro ; a de Julho vale os
bois e o jogo.
Junbo, Julho e Agosto , senhora , não sou vosso.
Por Santa Marinha (4) vae ver tua vinba ; e, qual a achares,
tal å vindima.
Em dia de S. Thiago (5) vae á vinha e acharás bago.
Lá vem Agosto com os seus Santos ao pescoço.
Primeiro dia de Agosto, primeiro dia de inverno.
Em Agosto, aguilhoa o priguiçoso.
Queres verteu marido morto ? dá -lhe couves em Agosto.
Quem não debulha em Agosto, debulha com maurosto.
A quem não tem pảo semeado,de Agosto se faz Maio.
Em dia de S. Lourenço ( 6) vae á vinba e encherás o lenço.
Por Santa - Maria d’Agosto (7) repasta a vacca um pouco.
A terra lavrada em Agosto, á estercada dá de rosto.
Agua de Agosto : - açafrão, mel e mosto .
Quando chover em Agosto, não mettas teu dinheiro em mosto.
Não é bom o mosto colbido em Agosto.
Agosto tem a culpa, Septembro leva a fructa.
Agosto madura, Septembro vindima.
Diasandeus.
de S. Matheus (8) vindimam os sizudos, semeiam os
Por 8. Matheus, pega nos bois e lapra com Deus.
Septembro - ou sécca as fontes, ou leva as pontes.

(1) Aos 11 de Junho.


O catholicismo celebra aos 24 de Junho a festa de S. João Baptista .
Aos 29 de Junho .
Aos 18 de Julho .
5 dos 25 de Julho.
Aos 10 de Agosto .
Em 15 de Agosto oelebra a Egreja a solemnissima festa da Assumpção
do Nowa Sombora .
( 8) Aos 21 de Septembro.
62 BIBLIOTHECA DO POVO

Por S. Francisco (1) semeia teu trigo; e a velha, que o dizia,


gemeado o tinha .
Por S. Lucas (2) sabem as uvas.
Por Santa Ireia (3) pega nos bois e semeia.
Por S. Simão e S. Judas (4 ) colhidas são as uvas .
De Todos-os-Santos (5) até ao Natal (6) perde a padeira o
cabedal,
De Todos - os- Santos ao Natal é inverno natural.
De Todos- os - Santos até ao Natal, bom é chover e melhor ne
1
var .
Por Todos -os -Santos a neve nos campos.
Por Todos-08-Santos, semeia trigo e colhe cardos.
Por S. Martinho ( 7) prova teu vinho.
Por S. Clemente (8) alça a mão da semente.it
Do dia de Santa Catherina(9) ao Natal- -mez egual.
Em dia de Santo André (10) -- quem não tem porco mata a
mulher. [O sexo feminino costuma, por gracejo, trocar as
voltas a este rifão jogralesco, dizendo : Em dia deSanto
André-a quem não tem porco, mata-o a mulher.]
Por Santo André, todo o dia noite é.
Tudo tem seu tempo ,-- é a arraia no Advento (11).
Tudo se quer a seu tempo,-e os nabos pelo Advento.
Por S. Nicolau ( 12) a neve no chão.
Por Santa Luzia ( 13) cresce a noite, mingua o dia.
O Natal ao soalhar, e a Paschoa (14) ao luar.
Natal na praça, e Paschoa em casa.
Por Natal ao jogo, e por Paschoa ao fogo.
Por Natal sol, e por Paschoa carvão.

(1) A festa de S. Francisco de Borja (Padroeiro do Reino e Conquistas) é


celebrada pela Egreja aos 10 de Outubro.
(2) Aos 18 de Outubro celebra -se na Egreja a festa d'este evangelista.
(3) Ireia é a forma antiquada de Iria. De Santa Iria (virgem martyr,
portugueza )celebra a Egreja a festa no dia 20 de Outubro.
( 4 ) Aos 28 de Outubro .
15) Festa que o catholicismo celebra no 1.º de Novembro.
(6 ) Aos 25 de Dezembro.
(7 ) Aos 11 de Novembro.
(8) Aos 23 de Novembro.
(9) Aos 25 de Novembro.
(10) Aos 30 de Novembro.
(11) Assim chama a Egreja ao periodo das quatro semanas immediata
mente anteriores ao Natal, - periodo consagrado á preparação da festa do
Nascimento (ou Advento ) de Jesus Christo.
(12 ) Aos 6 de Dezembro ."
(13) Aos 13 de Dezembro.
(14) Festa mudavel que pode cahir entre 22 de Março o 25 de Abril,
PHILOSOPHEA POPULAR EM PROVERBIOS 63

Natal em sexta - feira , - por onde pudéres, semeia ; em Do


mingo, vende os bois e compra trigo.
Em Dezembro a uma lebre galgos cento.
Outubro, Novembro e Dezembro: busca o pão no mar, mas
torna 20 teu celleiro e abre o teu mealheiro.
Outubro, Novembro e Dezembro : não busques o pão no
mar .

Nem por Agosto caminhar, nem por Dezembro marear.

KIM
Casa editora DAVID CORAZZI, Lisboa , Rua da Atalaya, 40 a 52

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BIBLIOTHECA DO POVO E DAS ESCOLAS
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gia. N.° 4, Introducção ás sciencias physico -naturaes. N.° 5, Arithmetica pratica. N.º
6, Zoologia. N. 7 ,Chorographia de Portugal. N.° 8, Physica elementar.-- 2.4 Serie.
N.° 9, Botanica. Án .° 10, Astronomia popular. N.° 11, Desenho linear. N.° 12, Economia
politica.
gieno.- N.° 13, Agricaltura.
3 . Serie. N.° 14 ,Algebraelementar. N.° 5, Mammiferos. N.° 16, Hy.
N. ° 17, Principios geraes de Chimica.1N..18 , Noções geraes de Ja .
risprudencia . N.°19, Manualdo fabricante de vernizes. N.° 20 ,Telegraphia electrica. N.º
91, Geometria plana. N.°22 , A Terra e os Mares. N.° 23, Acustica . N.° 24, Gymnas
tica.-- 4 .. Serie. N.° 25, As colonias portuguezas. N.° 26, Noções do Musica. N.° 27,
Chimica inorganica. N.° 28, Centuria de celebridades femininas. N.°89, Mineralogia,
N.° 30, O Marquez de Pombal. N.º 81, Geologia. N.° 32, Codigo Civil Portuguez.- 3.4
Scrlé . N.° 33, Historia natural das aves. N. ° 34, Meteorologia . N. ° 35 , Chorographia
do Brasil .-- NO 36, O Homem na serie animal.- N. ° 87, Tactica e armas de guerra
N.° 38, Direito Romano.-- N.º 39, Chimica organica . - N .° 40, Grammatica Portaguezs.
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HISTORIA UNIVERSAL
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Cada volume abrange 64 paginas, de composi
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tratado elementar completo n'algum ramo de
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uteis e indispensaveis, expostos por fórma
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1883
DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS

Premiada com medalha de ouro naExposição do Rio de Janeiro


Administração : 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa
Filial no Brazil : 40, R. da Quitanda , Rio de Janeiro

NUMERO
46 *
ADVERTENOIA PRELIMINAR

Quem nas 64 paginas d'este volume imaginasse incontra


condensados todos os accidentes e pormenores do assumptu
vastissimo com que o italiano Cesar Cantu encheu em typo
mindo os vinte grossos e ponderosos volumes da sua Historia
Universal, daria simplesmente mostras
por tal designação deva intender -se. de não perceber o que
O livrinho actual representa no campo dos estudos histori
cos intentados pela Bibliotheca do Povo e das Escolas o mes .
mo que no campo das sciencias physico -naturaes representa o
vol . IV da nossa collecção.
O presente livrinho não nos dispensa de consagrarmos sac
cessivamente especiacs volumes á desinvolvida apreciação das
civilizações que ora apenas esboçamos em quadro synoptico.
A Historia da Antiguidade, a da Edade-Média, a da Edade
Moderna, e a Historia Contemporanea, fornecer -nos -hão op
portunamente materia para volumes adrêde reservados. A seu
tempo a historia especial dos povos cujo intimo conhecimen
to convenba adquirir-se em mórextensão (taes como a Histo
ria Romana, a Historia da Grecia, etc.) servirá de remate 20
nosso programma.
Os traçosgeraesde Historia Universal quehoje damos a
lume, constituem o indispensavel peristylo d'este edificio que
architectamos, -- ou , se querem aptes, a tela em que se acham
collectivamente esboçadas as diversas scenas que mais tarde
figurarão a seu turno em quadro especial retocadas nos deta
lhes do seu colorido.
HISTORIA UNIVERSAL
Averiguar qual foi a existencia das gerações que passa
ram, eis o mister da Historia . O seu fim é a verdade.
A , HERCULANO– Historia de Portugal,
Mas a Historia não é só necessario elemento da educação
intellectual, tambem o é da moral ; que a Historia bem en
sinada tanto illustra o intendimento como forma o coração.
Para o moral e intellectual do homem a Historia é o meio
analytico de seus mais seguros conhecimentos e principios , o
a base experimental, de suas idéas mais certas e mais 18.
ctos juizos. GARRETT Da Educação.

A Historia é perfeição e complemento da educação moral


porque nos serve como de espelho em que nos estudamos a
nós, estudando os nossos similhantes, e fielmente nos retrata
a fealdade de nossos vicios e a belleza de nossas boas quali.
dades. Assim vemos , segundo a expressão de um auctor co
lebre (*) , a scena do mundo sem precisarmos de ser actores
n'ella ; isolados da electricidade das paixões , as podemos ob
servar em todos os periodos de sua effervescencia e analysar
lhe os progressos , como o alchymista com sua máscara de
vidro manipulava tranquillamente os mais subtis veneficios
do «segredo maximor. N'este sentido lhe chamaram mestra
da vida, corôa de toda a sciencia, e tantos outros epithetos
de distincção e apreço , os mais distinctos moralistas e cone
summados philosophos de todas as seitas e religiões.
JDEM -Ibidem .

Historia é a narração systematizada dos actos memoraveis


em que tem figurado o genero humano e destinada a propor
cionar-nos o conhecimento do passado, afim de por elle em
confronto com o presente podermos mais seguramente conje
cturar
biomem .
o futuro provavel na evolução da livre actividade do
Para a Historia assumir com justiça os fóros de sciencia ,
forçoso é que o historiador se não restrinja a rebuscar sens
elementos Las tradições vagas e desconnexas. O que sobreiid
(x) Rousseau no Emilio .
4 BIBLIOTHECA DO POVO

do importa apurar são factos authenticos, observados, verifi.


cados, classificados e opportunamente concatenados.
Transportada para o campo das ficções, a Historia não po.
deria cumprir as exigencias do seu programma e perderia a
respeitabilidade que tão nobremente a caracteriza. A essen
cia da Historia consiste na verdade.
D'entre as diversas fontes, susceptiveis de fornecer elemen
tos ao historiador, compete á critica discernir quaes as que
The merecem credibilidade, para só d'estas aproveitar subsi
dios .
Essas fontes podem reduzir-se a tres grupos : - 1.º a ob
servação propria ; 2.º as informações das pessoas que presen.
ciaram os acontecimentos ou d'elles puderam haver noticia;
3.° os monumentos que mais ou menos directamente nos at
testam certos factos.
Intermediarios ao 2.º e ao 3.°grupo, quer dizer, participan
do simultaneamente dos caracteres que distinguem os monu.
mentos e as informações oraes, devemos ainda enumerar os
mythos ou tradições, — fragmentos vagos de historia primiti
va conservados de memoria pelos povos, incoherentes e des.
connexos por vezes, mas em todo o caso impregnados de uma
idéa fundamental verdadeira, expressa muito imbora em sym.
bolos e personificações.
Nos monumentos distinguem-se os escriptos e os não es
criptos .
Assim, quando um povo se propõe perpetuar a memoria
de quaesquer acontecimentos celebres erigindo templos, co
lumnas , arcos, obeliscos, tropheus, estatuas ou simples pa
drões commemorativos, segundo o maior ou menor grau da
cultura intellectual que esse povo possue,—mais tardepodem
seus vindouros, perante esses monumentos ou perante as rui
nas mesmo que d'elles restem , deduzir mais ou menos os fa
ctos a que alludem. Se por um lado a immensidade e a ma
gnificencia dos hypogeus indios e egypcios logram attestar
nos a antiguidade e o poderio dos respectivos povos , por
outro lado ruinas, que o investigador incontre, lhe poderão
provar a existencia de uma grande cidade ; armas, urnas fu
nerarias, utensilios que se nos deparem sepultos, quando pro
cedamos a qualquer excavação, denunciam -nos facilmente o
local de uma batalha, a existencia de uma necropole, o sitio
exacto em que outr'ora foi qualquer povoação.
No sub-grupo dos monumentos escriptos contam -se as ins
scripções, os annaes, as chronicas, e todos os outros elemen
tos historicos que com estes tenham mais ou menos analogia.
HISTORIA UNIVERSAL 5

A incansavel investigação dos eruditos tem chegado a des


cobrir inscripções antiquissimas, anteriores inclusivamente a
qualquer outro elemento historico, umas em caracteres alpha
beticos, outras em hieroglyphicos. D'entre as inscripções al
phabeticas, as mais preciosas são incontestavelmente as dos
denominados Marmores de Paros , --nos quses ( em 263 A. C.)
se gravaram os acontecimentos mais notaveis da Historia
Grega e Italica a partir do reinado de Cecrops (1582 A. C.)
summariamente enunciados e despidos de falsos arrebiques,
isentos por conseguinte de qualquer elemento fabuloso que
possa mascarar a verdade e induzir em erro ; de Paros foram
estes marmores levados para Oxford em 1627 pelo conde de
Arundel. Nas Pyramides e nos jazigos de seus antigos mo
narchas tambem o Egypto nos offerece monumentos escriptos
do mais alto valor, e sem os quaes teria até hoje sido impos
sivel pre-encher as listas de suas dynastias. As inscripções
cuneiformes, descobertas na Asia, têem da mesma forma pres
tado á sciencia historica serviços valiosissimos. Finalmente
os Marmores Capitolinos incontrados em Roma no pontifica
do de Paulo III,--constituindo,como constituem, registros de
consules, dictadores, tribunos militares, censores e triumpha
dores, — forneceram preciosos subsidios para o estudo da His
toria Romana.
Apar das inscripções propriamente ditas pertence por di
reito ás medalhas um logar de honra ; serviços relevantes
lhes deve o historiador, quando trata de verificar datas e
genealogias,
rios.
sobretudo se fallecem os monumentos littera
Diplomas officiaes, documentos particulares, tudo emfim
quanto perante o juizo da critica apresente fóros de authen
ticidade e por alguma forma concorra para nos eludicar ácer
ca do passado, – tudo mais ou menos pode no grupo dos mo
numentos constituir elemento de subsidio na reconstrucção
das eras preteritas, que outra não é por certo a tarefa do his
toriador.
E, pelo que fica dito, facil se torna vêr quão intimas, es
treitas, indispensaveis são as ligações que existem entre a
Historia e o numeroso grupo das sciencias auxiliares a que
ella tão proveitosamente se soccorre, taes como a Archeolo
gia, a Numismatica, a Diplomatica, a Heraldica, a Philolo .
gia, etc. , etc.
Em harmonia com o assumpto mais ou menos circumscri
pto que a Historia toma por objecto de seu estudo, e segundo
a indole ou feição especial d'esse estudo, assim a Historia as
!

1
6 BIBLIOTHECA DO POVO

sume designações diversas,- que ora nos cumpre incarar e


definir.
Historia universal se diz, quando tem por assumpto a hu
manidade toda.
Ha quem frequentemente admitta como synonimas as ex
pressões Historia universal e Historia geral. Sensivel existe,
porém, a distincção.
A Historia diz -se geral, quando apenas toma por campo de
seus estudos e investigações uma nação ou (quando muito)
um dado grupo de nações, -- sem n'esse estudo descer a mi.
nuciosidades, mas contentando-se meramente em lhe apreciar
do alto os pontos capitaes .
A' Historia universal e á Historia geral contrapõe - se a
Historia particular ; esta occupa -se apenas de um determina
do paiz ou um determinado povo, e desce a particularidades
e minucias, de que a Historia geral não faz caso .
A Historia particular assume especialmente o epitheto de
historia municipal, quando exclusivamente se occupa de um
determinado municipio ou povoação.
Segundo as epochas quea Historia abrange, pode ella tam
bem ser : antiga, medieva , moderna, ou contemporanea.
Sagrada se diz a Historia, quando especialmente se occupa
do chamado povo eleito de Deus (tem por fonte inicial a Bi
blia ); ecclesiastica , diz- se quando se refere exclusivamente
aos factos da Egreja ; politica, se tomapor assumpto a feição
administrativa de um Estado ou Estados ; diplomatica , se es
tuda as relações entre os diversos Estados ; legislativa, quan
do escolhe a legislação para objectiva de suas investigações;
commercial, agricola, industrial, se attende particularmente
ao commercio, agricultura ou industria de um paiz, de uma
nação, de um povo, de uma localidade ou de uma epocha ;
artistica, scientifica , litteraria , se especialmente investiga
grau mais ou menos florescente d'essa epocha, d'essa locali
dade, rez-e povo, d'essa nação, d'esse paiz, nas artes, nas
scienci::, nas lettras; anecdotica se denomina, quando só col
lige p q leninas particularidades, factos isolados, episodios
memora eis, ditos sentenciosos ou ingraçados, etc., etc.
A Historia passa a ter especialmente o nome de biographia
quando apenas se occupa da vida de um dado individuo.
Quando nos factos narrados o proprio auctor tomou parte
mais ou menos importante, essa narrativa historica recebe or
dinariamente a denominação de memorias. Chronica, final
mente, é a narrativa historica, referida a uma dada epocha,
em que os factos, destacados em toda a sua nudez, e por pou
HISTORIA UNIVERSAL 7

co importantes que sejam, vão todos chronologicamente sur


gindo ante o leitor, sem que o historiador porsuas reflexões
trate mesmo de estabelecer entre esses diversos factos a con
nexão logica. Se os acontecimentos estão systematicamente
dispostos anno por anno, reserva -se -lhe o nome de annaes.
Do que fica dito, facil é deduzir que diversos methodos se
offerecem ao historiador na pratica realização do seu deside
ratum. Assim se distingue: o methodo geographico, se o
historiador toma nas divisões politicas o seu ponto de parti
da ; o methodo chronologico, quando regularmente segue o
curso dos tempos ; o ethnographico, se toma por ponto de par.
tida a distincção das raças; o synchronico, se prefere ir tra
tando os diversos acontecimentos n'este e n'aquelle povo,
n'este e n’aquelle paiz, coordenando e parallelizando esses
acontecimentos ; o dogmatico, se o historiador toma sobre seus
hombros o incargo de explicar por causas e effeitos a logica
successão dos factos; o philosophico, se exclusivamente o his
toriador tem por alvo de seus estudos e investigações estabe
lecer a connexão entre taes e taes acontecimentos, determi.
nando assim as leis da Historia ; etc., etc. — D'esta diversi
lade methodos resultam , por conseguinte, para a Historia
outras tantas qualificações.
A Historia universal, tendo por assumpto a collectividade
da especie humana, é de todas a mais importante porque,
abrangendo um horizonte vastissimo, estabelece simultanea
mente a ligação entre as historias particulares; apresentan
do-nos de preferencia os factos mais frizantes e os mais ce
lebres personagens, contribue para melhor se formar e des.
involver, e aperfeiçoar em nós o gosto historico ; habituando
Dos a comparar os tempos e os povos, desinvolve - nos natu
ralmente os elementos racionaes do bom senso e do justo cri
terio ; induzindo-nos, finalmente a classificar os factos par
ciaes, dirige-nos e salutarmente nos aconselha na adequada
escolha de nossos estudos particulares.
A Historia universal, sendo pois a historia da humanidade,
começa com o apparecimento do primeiro homem na superfi.
cie do globo.
Aqui surge naturalmente uma primeira pergunta : quando
foi que precisamente appareceu na Terra o primeiro ho
mem ?
Singular problema, que nem geologos nem paleontologistas
puderam ainda afoitamente resolver-se bem que assentado
esteja e fóra já de duvida que o genero humano presenciou
alguns dos factos geologicos do periodo terciario !
8 . BIBLIOTHECA DO POVO

No que toca, porêm , á data precisa do apparecimento do


homem na superficie da Terra, observam-se as mesmas duvi.
das e difficuldades ( insuperaveis provavelmente) que se dão
com respeito á data precisa da edade do mundo .
Usserius, o pae da chronologia biblica, estabelece para a
creação do mundo o anno 4004 A. C. A Arte de verificar as
datas (obra monumental devida ao infatigavel zelo dos bene
dictinos da congregação de S.Mauro ) marca para aquelle fa
cto o anno 4963. Talmudistas ha que entre a creação do mun
do e o nascimento de Christo não chegam mesmo a admittir
38 seculos completos, - emquanto, pelo contrario, as Taboas
Affonsinas (coordenadas sob os auspicios de Affonso o Sabio,
rei de Castella) antecipam consideravelmente aquelle acon
tecimento, porque o attribuem ao anno 6984 A. C.
Mas o que extraordinariamente ultrapassa as acanhadas
raias d'estes chronologistas, que ora acabamos de citar, é a
duração que alguns dos povos antigos suppunham ao mundo
(sem bases solidas, digamol-o sempre, em que assentassem
suas supposições, como, de resto, bases solidas não tinham
tambem para seus calculos os que deixámos citados) . Por
curiosidade, porêm , apresentaremos o computo architectado
por alguns d'esses povos. Assim os Phenicios arbitravam pa
ra a edade do mundo 300 seculos ; os Persas ou Magos, 1 :000
seculos; os Babylonios , um pouco mais de 4 :800 ; os Chal
deus, 7 :200 ; os Chinezes, mais de 22:760 seculos; os Japo.
nezes, cerca de 23 : 620 ; e finalmente os Indios, mais de 39 :820
seculos !
O que, porém, apezar de tudo, se deve concluir e confessar
é que a sciencia não logrou ainda até hoje fornecer á chrono
logia um ponto de partida fixo , - imbora já demonstrado es
teja e incontestavelmente assente que a data do appareci
mento do homem, no planeta que habitamos, é muitos milha
res de seculos anterior á epocha que em tempos os commen.
tadores biblicos se compraziam geralmente em lhe marcar.
Mas no meio de tudo, se exclusivamente nos collocarmos
no ponto-de-vista historico propriamente dito, mais do que
nunca nos parecerão sensatas aquellas circumspectissimas
reflexões que o sabio bispo de Méaux, o erudito Bossuet, di
rigeao delphim de França no seu Discurso ácêrca da Histo
ria Universal :

aAo falar na ordem dos tempos, não pretendo eu que Vossa


Alteza sobrecarregue escrupulosamente a memoria com todas
as datas,-e ainda menos que occupe a sua attenção nas dispu
HISTORIA UNIVERSAL 9

tas dos chronologistas, em que afinal de contas questão se


reduz muitas vezes a meia- duzia de annos para mais ou para
menos. A chronologia contenciosa, que leva o seu escrupulo
ao ponto de prender -se com similhantes minucias, tem - cum
pre dizêl-o - seu prestimo tambem ; mas não é certamente
n'isso que deve concentrar- se a attenção de Vossa Alteza,
porque pouco serve tal estudo para esclarecer o espirito de
um grande principe. Resolvi portanto não apurar exaggera
damente a discussão com respeito á exacta determinação dos
tempos ; e d'entre os calculos já feitos contentei - me em se
guir aquelle que mais verosimil me pareceu, sem todavia
querer com isto garantir sua infallibilidade.
« Que no computo dos annos decorridos desde a creação do
mundo té á epocha de Abrahão sigamos a auctoridade dos
Septenta (segundo a qual o mundo figura com mais edade)
ou, pelo contrario, prefiramos (por nos parecer mais respei
tavel) o testemunho do texto hebreu (quelhe attribue de exis
tencia muitos seculos menos) ,- caso indifferente é esse, e tão
indifferente que a Egreja, adoptando com S. Jeronymo o com
puto do texto hebreu na Vulgata, c insentiu que no seu Mar
tyrologio ficasse o computo dos Septenta. E, em verdade, que
importa realmente á Historia diminuir ou augmentar uma se
rie de seculos absolutamente vazios, em que nada existe para
contar ?
« Que tenham caracter fixo os tempos em que as datas são
importantes, e que a sua distribuição haja por apoio funda
mentos certos, concebe- se. E mesmo ainda n'estas circums
tancias, quando casualmente surja qualquer litigio por ques
tão de mais anno ou menos anno, percebe-se bem que não si.
gnifica essa disputa umimbaraço de monta para o verdadei
ro estudo da Historia. Por exemplo : - antecipar meia duzia
d'annos no computo dos tempos, ou pelo contrario retardar
outros tantos, a data da fundação de Roma ou a do nasci.
mento deJesus Christo, em nada prejudicará a concatenação
regular das narrativas nem a sabia execução dos altos desi.
gnios de Deus. O que cumpre é evitar os anachronismos ; es
ses, sim, que perturbam à ordem logica dos factos ! E'em.
quanto ao mais... deixar os sabios lá entretidos com simi .
lhantes controversias. »

Simultaneamente com o problema da averiguação da epo


cha em que pela primeira vez appareceu o homem no globo
terrestre, surge outro problema tambem :- poderá determi
nar- se o berço do genero humano ?
10 BIBLIOTHECA DO POVO

O sabio auctor do Genesis, no capitulo II da sua narrativa


biblica, depois de contar-nos a creação do primeiro homem,
descreve-nos pela maneira ceguinte o logar em que esse pri
meiro homem foi collocado pelo Creador :
« O Senhor Deus tinha plantado desde o principio um pa
raiso ou jardim delicioso, no qual poz ao homem que tinba
formado.
« Tinha tambem o Senhor Deus produzido da terra toda &
casta d'arvores formosas á vista e cujo fructo era suave para
comer,-e a arvore da vida no meio do paraiso, com a arvore
da sciencia do bem e do mal.
«D’este logar de delicias sabia um rio, que regava o pa
raiso, o qual d'alli se divide em quatro canaes.
«Um se chama Phison ; e este é o que torneia todo o paiz
de Hevilath, onde nasce oiro.
« E o oiro d'esta terra é excellente ; alli tambem se acha o
bdellio e a pedra cornalina.
« O segundo rio chama -se Gehon ; este é o que torneia to
do o paiz da Ethiopia.
«O terceiro rio chama-se Tygre, que corre para a banda
dos Assyrios; e o quarto d'estes rios é o Euphrates.
« Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem , e pôl- o no paraiso
das delicias para elle o hortar e guardar. »
Vejamos se a inspecção das cartas geographicas nos pode,
ante os paragraphos que deixamos citados do texto biblico,
proporcionar a solução do problema.
Qual é, porém, a carta que nos accusa os nomes do paiz de
Hevilath ? qual a que nos indica os dos rios Gehon e Phison ?
O mais que podemos admittir é que sejam nomes obsoletos,
sobre os quaes se baja desdobrado com o correr dos seculos
a obliteração e o esquecimento. Resta, portanto, apenas como
recurso o campo das conjecturas provaveis ácêica de qual
será modernamente o paiz e quaes os rios, a que nos tempos
preteritos pertenceram similhantes denominações.
Emquanto ao Tygre, emquanto ao Euphrates, emquanto á
Assyria , - esses sim, que são nomes de rios e paizes nossos
conhecidos, esses , sim , que nos podem vantajosamente guiar
em tal investigação.
Mas ... como conciliar com a situação da Assyria, como
conciliar com a situação do Tygre e do Euphrates (na Asia)
um outro dos quatro rios citados (o Gehon ), que o texto do
Genesis nos diz tornear todo o paix da Ethiopia (na Africa) ?
HISTORIA UNIVERSAL 11

Cabiriamos n’um systema de geographia radicalmente impos


sivel !
A citação do Tygre e do Euphrates está naturalmente in
dicando ás investigações dos interpretes a Mesopotamia (na
Turquia Asiatica),posto que não sejam precisamente na Me
1
sopotamia as nascentes do Euphrates e do Tygre.
Mas combinar com esta solução a situação da Ethiopia (na
Africa) banhada por um dos quatro rios do paraiso terreal ( o
Gebon ).., eis o que nos constitue uma difficuldade insupera
vel, de incontro á qual se tem constantemente quebrado até
hoje a boa vontade dos commentadores, - porquanto não ha
systema nenhum , dos architectados para explicar tal passa
gem biblica, nenhum (repetimos) que logre escapar aos re
paros de uma critica conscienciosa, nenhum que deixe mesmo
de chegar a uma serie de conclusões ridiculas e absurdas.
Alguns commentadores pretendem sahir da difficuldade, pro
fessando a opinião de que o paiz de Kush citado pelo texto
hebreu do Genesis (e interpretado como paiz da Ethiopia pe
los traductores da Biblia) não deve ser tomado exclusivamen
te pela moderna Abyssinia, nem por paiz algum da Africa,
mas corresponde genericamente a uma vastissima região em
que se acha comprebendida a parte meridional da Arabia.
A' luz, porêm d
, e uma critica exigente, este alvitre não re
solve ainda a difficuldade do caso.
Outros, prescindindo de discutir a questão da Ethiopia, tra
tam simplesmente de incarar o y do Genesis :
«D'este logar de delicias sahia um rio, que regava o parai.
80, o qual d'alli se divide em quatro canaes.)
E acabam por collocar desassombradamente o Paraiso pas
margens do Chatt el-Arab (rio que formado pelareunião do
Tygre e do Euphrates vae lançar suas aguas no Golpho Per
sico por duas'imboccaduras ).
D'est'arte os quatro canaes citados pelo texto biblico seriam
o Euphrates e o Tygre (ainda hoje assim denominados) com
os dois ramaes por que o Chatt- el - Arab desimbocca nó Gol
pho Persico (e aos quaes teriam outr'ora pertencido as desi
gnações biblicas de Phison e Gehon).
Outros, ainda, suppuzeram a situação do Paraiso nas cer
canias de Babylonia .
E, para completarem o numero biblicodos quatro canaes,
juntaram ao Tygre e ao Euphrates os dois canaes d'este ul
timo rio ( Nahar Malca e Morsares), interpretando por esta
fórma o Gehon e o Phison citados pelo Genesis.
Outros finalmente buscam salvar a difficuldade, abandonan
12 BIBLIOTHECA DO POVO

do o sentido litteral das palavras e attribuindo-lhes um valor


ficticio, - isto é, pretendendo que o termo bebreu Nahar (rio)
deve interpretar-se como simplesmente designativo de uma
porção d'aguas consideravel.
Apoiado n'esse argumento,-- incostando- se ao principio de
que o curso dos rios e a situação das grandes massas d'agua
devem ter mudado muito com o decorrer dos seculos,-e ac
ceitando como ponto -de- partida a verosimil hypothese de uma
pristina communicação entre o Mar Caspio e o Mar Negro,
ha quem não hesite em localizar os quatro rios biblicos no
Petchora e no Irtisch, no Dwina e no Volga ; segundo esta
maneira de vêr, corresponderia pois o Paraiso do Genesis &
uma vasta região abrangida por parte da actual Russia Eu
ropéa e parte da Siberia .
Só com o que ba escripto ácêrca da situação geographica
do Edlen (nome por que o Genesis desigua tambem o Paraiso )
poderiam encher-se volumes e volumes. Estevão Morinus,
Hottinger, Eichhorn, Bellermann , Rosenmuller, Sickler, Butt
mann, Raumer, Hartmann, e muitos outros, vincularam in
dissoluvelmente seus nomes á discussão d'este curioso as.
sumpto.
Modernamente ha uma pronunciada tendencia para não
interpretar á lettra a expo:ição do Genesis relativamente ao
Eden .
E assim, postas de parte as peias inherentes ás particula
ridades descriptivas da narrativa biblica, o berço da huma
pidade tem sido hypotheticamente collocado - ora nas re
giões indianas (aquem ou alêm do Ganges), ora nas regiões
inter -tropicaes da Africa oriental.
Mas não pára ainda aqui o borboletear das hypotheses com
respeito a situação provavel da primitiva patria do homem .
Ha mesmo quem de preferencia muito se inclina a localizar
na Lemuria o problemnatico berço da especie humana,- isto
é, n'um vasto continente que durante o periodo terciario (-)
deve ter existido occupando o largo espaço onde hoje se alas
tram ao sul da India as aguas do Oceano desde o archipelago
da Sonda até á costa oriental da Africa.
Tudo isto, porêm , não passa de meras hypotheses, em que
a sciencia não deu ainda a sua ultima palavra e em que só
(*) Acerca do que geologicamente se deve intender por periodo terciario,
e com respeito á existencia ou não -existencia do homem n'esse periodo, pode o
leitor consultar o que já ficou dito nos vol . IV , XXII e XXXI da Bibliotheca do
Povo e das Escolas. Têem esses volumes nor titulo: -- Introducção às sciencias
physico-naturues; A Terra e os Mares; G. vlogia ,
HISTORIA UNIVERSAL 13

talvez poderá chegar-se a uma definitiva solução após perse


verantes investigações de paleontologia e de anthropologia
comparada.
E, de tudo isto, que se deduz ?
E' que milhares e milhares de seculos decorreram na exis .
tencia da humanidade, por ora completamente ôcos e vazios
de sentido para a Historia sob o ponto -de -vista narrativo.
A epocha em que para a Historia começam a surgir au
thenticos e concatenados os acontecimentos relativos ao ge
nero humano, os factos com que o genero humano haja me
moravelmente deixado assignalada a sua existencia no orbe,
é relativamente modernissima.
E mesmo, quando os documentos escriptos pela mão do ho .
mem começam té certo ponto a assumir feição de nos illuini.
narem o caminho em nossas investigações scientificas, - que
difficuldade em extremar o joio do trigo, em desimbaraçar das
fraudes que a inquinam a veracidade dos factos, em separar
da ganga que a reveste e a disfarça a realidade historica !
Quando sizudamente se attenta na importante missão que
incumbe á Historia, de nos transmittir em toda a sua pure.
za immaculada a narrativa das scenas notaveis representa .
das n'este vastissimo theatro a que se chama globo terrestre,
quando maduramente se medita na alta responsabilidade
do historiador perante a consideração de que a Historia de.
ve apenas ser o repertorio puro e simples dos actos que mais
ou menos exerceram qualquer influencia nos grupos bumanos,
- surge no espirito de quem se vê a braços com esse estudo
uma enorme difficuldade, um imbaraço por vezes insupera
vel, e apar do imbaraço e da difficuldade um inconsolavel
desgosto. E vem a ser : que os chronistas de certas epochas,
falseando a miudo a sua missão sacratissima, transmittiram
nos frequentemente noções erradas e mentirosas.
Tratada por homens suspeitos de complacencias interessei.
ras e de subserviencias venaes , ou inconscientemente victi
mas de uma crendice exaggeradamente ingenua,- a Historia
'perde n'este caso os fóros de sciencia util e acaba por nada
mais nos offerecer do que um terreno arriscadissimo, sobre o
qual chega a ser prejudicial aventurar passos quando em
quem os aventure não predomine o prévio proposito da maior
circumspecção.
A' proporção que se vai caminhando das epochas mais re
motas para as mais proximas, a luz da critica vai felizmente
clareando, e a verdade cada vez mais transparecendo. Mas
as origens do mundo, essas, conservam-se ainda immersas na
14 BIBLIOTHECA DO POVO

mais profunda obscuridade ; - por isso a prudencia natural


mente manda que ácêrca d'essas primeiras horas não acceite
mos narrativas e supposições senão a beneficio de inventa
rio .
Legitima é por certo a curiosidade que consiste em esqua
drinhar, atravez dos tempos, a Jarga serie de factos pelos
quaes a humanidade foi deixando successivamente assignala
da a sua parte activa na existencia commum.
Legitima é sem duvida a curiosidade de quantos procuram
achar- se em relação com os povos que esboçaram a civiliza
ção, --. de quantos emfim diligenceiam conhecer esses homens,
sobre cujos hombros carregou a missão de dirigir os destinos
das nações pelo direito da força ou pelo da intelligencia.
Cumpre , porém , não nos deixarmos illudir por uma pseudo
authenticidade auctoritariamente imposta nas narrativas
transmittidas atravez dos seculos.
A Historia só tem direitos a figurar dignamente entre as
sciencias, quando os que a tratam , quando os que a escutam,
quando os que a estudam , lograin a felicidade de viver n'uma
epocha de livre- exame e livre discussão, quando finalmente a
essa livre - discussão e a esse livre - exame cede o logar de uma
vez para sempre aquelle brutificante argumento do magister
dixit ( s) com que a antiga escolastica auctorizava despotica
mente as suas gratuitas asserções.
Quando se entra propriamente no campo do periodo mo
derno, em que a certeza começa mais desafogadamente a sub
stituir a obscuridade ou a phantasia, já com mais segurança
o investigador se insinua atravez dos factos historicos, e já
mais desbravado lhe surge o terreno para logicas deducções e

(*) Magister dixit ( « foi o proprio mestre quem o disses) – tal era a fórmula
sacramental com que os escolasticos da Edade-Média usavam (á maneira dos
antigos discipulos de Pythagoras) invocar em apoio de suas opiniões a aucto.
ridade d'aquelle que então passava por unico mestre, Aristoteles.
E todavia sobre Aristoteles não pode recahir a responsabilidade dos exag.
geros, das extravagancias, dos absurdos até a que chegaram seus enthusias
ticos sectarios ,
Nem elle se pode invocar como chefe do auctoritarismo, elle que aberta .
mente declarava -- « preferir a verdade ás theorias do seu niestre Platãos ;
Amicus Plato, sed magis amica veritas.
Nem , por outro lado , as expressões do texto, a que esta nota serve de com
mentario, visam de forma alguma a contestar a auctoridade respeitavel dos
mestres, quando firmada na razão e na experiencia ; pretendem , sim , tornar
bem claro, patente e definido, que, na epocha feliz do livre -exame, simples
hypotheses o meras theorias não podem , não devem tomar- se como verdade as
sentada emquanto a experiencia e a observação não vierem justificar-lhes os
fundamentos .
HISTORIA UNIVERSAL 15

reflexões proficuas. Mas quando, pelo contrario, mais nos im


brenhamos pelas epochasremotas, mais se amontoam e mais
nos atordoam os imbaraços com que deparamos,-- sobretudo
se nos pretendemos remontar aos periodos primitivos da hu.
manidade.
E' perante essas difficuldades, - mórmente se nos quizer
mos reconcentrar no ponto de vista narrativo (a parte ver
dadeiramente essencial e fundamental da Historia ), - que
bem cabidas se nos antolham aquellas supra - citadas palavras
de Bossuet (-), palavras sentenciosas, repletas de verdade e in
spiradas pelo mais consciencioso criterio, palavras monumen
taes sobre que tornamos a chamar a attenção do leitor.
Para o fim practico da Historia pouco importa, de rosto,
que a sciencianão possa ainda hoje marcar o verdadeiro ber
ço da humanidade nem a epocba precisa do apparecimento do
homem na superficie terraquea. Desde o momento em que a
essas noções, quando determinadas estejam , se não associem
factos que entrem propriamente no dominio historico, o inte
resse de taes investigações pertence exclusivamente ao cam.
po da Anthropologia (** ).
E esta, que nos diz ?
Que o homem , o privilegiado rei da creação, começou tal
vez por ser apenas um ente pouquissimo superior aos quadru
manos ; o dom da palavra, que d'estes essencialmente o dis
tingue ( *** ), sería no principio representado por um grito sel
vagem , quasi comparavel ao dos irracionaes e exclusivamente
suscitado pelo impulso intimo dos appetites physicos.
A proporção que esses appetites foram crescendo, e com
elles a urgencia de crear recursos para os satisfazer, introu a
germinar
industria .
no espirito da brutal creatura a primeira idéa da
Grosseiros imbora, e de uma rudeza verdadeiramente pri
mitiva, esses toscos instrumentos com que o homem se propoz
buscar na caça e na pesca os meios de suasubsistencia, mar
cam sem duvida o primeiro passo na senda da perfectibilidade.
As intemperies das estações obrigarão por seu turno a crea
tura humana a buscar nas cavernas dos rochedos um abrigo,

(*) Pag . 8 e 9 do presente volume.


(**) Assumpto é este que a Bibliotheca do Povo e das Escolas opportunamente
tratará n'um volume especial .
(***) Veja -se o que a este respeito ficou dito no vol. XXXVI da Bibliotheca
do Povo e das Escolas, volume a que puzémos por titulo : O homem na serie
animal.
16 BIBLIOTHECA DO POVO

ou a improvisál-o architectando choças com fragmentos de


vegetaes.
Por fim o ferino selvagem dos bosques acabará por sentir
desabrochar-lhe n'alma o desejo da sociabilidade,- e o grito
rouco da creatura bestial será substituido pela palavra arti
culada.
O individuo humano, - que, isoladamente, quasi nada mais
podia por si do que arrancar magra subsistencia a uma terra
ingrata e rebelde, - associando - se a outros isolados como elle,
demonstrará practicamente o lume da intellectualidade com
que o Creador o inriqueceu. E a palavra civilização deixará
de ser um vocabulo vazio de sentido.
Ao emancipado d'hontem, que pouco mais valia do que um
irracional, succede uma creatura aperfeiçoada e aperfeiçoa
vel, - creatura para a qual o fito da existencia deixa de con
sistir exclusivamente na satisfacção bestial dos appetites cor
poraes.
O homem começa a sentir, a amar, a adorar.
Grosseira e tosca, primitiva e rude é a sua maneira de sen
tir, a sua maneira de amar, a sua maneira de adorar.
Grosseiro e tosco, porém, primitivo e rude muito imbora,
o homem destaca-se já sensivelmente das brutas feras que o
rodeiam .
No meio d'esse enxamear de idéas e de sentimentos, em que
se desintranha a sociedade nascente,– no meio d'esse confuso
torvelinho de incipientes organismos, – tratam de erguer-se
pre - eminentes e sobranceiros ao nivel commum os fortes e os
intelligentes, os sagazes e os velhacos ; são elles os que se
impõem , tanto na esphera do pensamento, como na esphera
da acção, aos fracos e aos desherdados de espirito, aos simples
de coração e aos ingenuos de sentimento. A’quelles pertence
rá o natural privilegio de assentar os primeiros fundamentos
do predominio da alma sobre o instincto. E assim se consti
tue a sociedade humana.
Depois as narrativas, tradicionalmente propagadas de boc
ca em bocca e de geração em geração, originarão por seu tur
no aquillo que um dia' ha de chamar -se Historia ,-imbora o
decorrer dos tempos ou o calculado proposito dos narradores
vá amplificando ou deturpando essås tradições consoante aos
interesses dos que despoticamente dominam sobre o rebanho
humano.
Do Oriente e das calidas regiões d'Africa pullulam assom
brosas todas as industrias, todas as artes, todas as religiões,
todos os systemas politicos.
HISTORIA UNIVERSAL 17

A humanidade dividida em familias constituirá outros tan


tos povos, cada um dos quaes poderosamente collaborará na
grande obra do progresso.
Mas os ciumes e as rivalidades, a ambição mórmente da
supremacia, darão causa a que entresi digladiem povos eguaes
em direitos, eguaes na intelligencia, eguaes na philosophia.
Para decidir entre os contendores esse pleito iniquissimo,
nenhum outro recurso acudirá mais do que a triste guerra,
guerra constante e sem treguas , guerra inclemente e sem mi
sericordia ! Durante seculos e seculos a guerra será a expres
são unica da civilização ! -e (singularidade notavel ! ) em meio
d'essa calamidade innegavel apropria guerra concorrerá a
seumodo para que a humanidade vá logrando na esteira da
civilizaçãoe do progresso realizar importantissimas conquis
tas ( ).
Sổ de longe em longe é que excepcionalmente apparecerão
povos felizes na sua paz, na sua obscuridade, no seu isola
mento. Mas a insaciavel cubiça dos extranhos, ou o malefico
germen da ambição que desgraçadamente desponte um dia no
coração d'algum de seus conterraneos, arrancará esse povo
feliz à invejavel paz que desfructava em sua tranquilla obs
curidade. E a turba inepta, imbecil , só terá admirações e ap
plausos para aquelle que em horrorosa carnificina maiores
quantidades houver sacrificado d'esse pobre rebanho humano,
agrilhoado sempre aos caprichos de tyrannicos dominadores !
A destruição conservar-se -ha tristemente por lei universal
té ao momento em que o divino filho de uma virgem nazare
na pregar aos povos a sua doutrina de paz, de mansidão e
de amor,- doutrina suffocada á nascença pela morte patibu
lar do seu humanitario auctor,- doutrina alterada depois pe
los infieis depositarios a quem cumpria o benefico mestér de
a divulgar,-mas doutrina que, restituida pelos pensadores á
sua genuina pureza, será finalmente o ponto -de -partida para
a unica civilização possivel. Essa a que nos referimos é a ci
vilização da egualdade, da liberdade e da fraternidade; n'es
tes tres termos se resumeo ideal social por que ha-de no fu
turo em venturoso convivio governar - se a humanidade.
Destinada a tomar por thema a narrativa de todos os fa
ctos memoraveis por que o homem haja deixado assignalada
a sua existencia desde o seu apparecimento no orbe terraqueo

( *) Veja -se o que a este respeito fica dito a pag. 3 e 4 do opusculo a que pu
zemos por titulo Tactica e armas de guerra (vol. XXXVII da Bibliotheca do Po
vo e das Escolas).
18 BIBLIOTHECA DO POVO

até hoje, a Historia Universal é a « historia de toda a huma


nidade. »
Por natural commodidade tanto de quem escreve e ensina,
como de quem apprendee lê, estáhoje combinado e acceito
dividir-se em periodos a Historia Universal, escolhendo para
linhas de demarcação entre periodo e periodo acontecimentos
que pela sua importancia, e sobretudo pela sua influencia
nos destinos da sociedade humana, se acham devéras no caso
de marcar novas eras nos fastos da civilização.
Assim uns distinguem n'ella tres grandes periodos : His
toria Antiga, Historia Medieva e Historia Moderna.
A Historia Antiga ou Historia da Antiguidade começa nas
epochas mais remotas de que historicamente possa haver no.
ticia, e termina no seculo v da era christan. Abrange a phase
brilhante dos povos orientaes, phase quea seu tempo esmo
rece ante a supremacia que as civilizações classicas — pri
meiro a da Grecia e posteriormente a de Roma - acabam por
definitivamente assumir na Europa com respeito aos monu
mentaes imperios da Asia e do norte d'Africa. Ante o desmo.
ronar do imperio romano incerra - se o grande periodo histori.
co da Antiguidade.
A Historia Medieva ou da Edade -Média abrange o periodo
que medeia entre a citada queda do imperio romano e a to
mada de Constantinopla pelo Othomanos em meiados do se.
culo xv. Começa pela invasão dos Barbaros que implantam a
organização feudal, e termina depois de constituidas as mo
narchias modernas sobre as ruinas do feudalismo.
A Historia Moderna, começando no momento em que ter
mina a da Meia-Edade, inicia-se com o roseo alvorecer da Re.
nascença.
Para os que só admittem na Historia Universal tres gran
des periodos, a Historia Moderna dura até aos nossos dias.
Recentemente, porém , ha quem prefira estabelecer um
quarto periodo :: -o da Historia Contemporanea (em que a
America por seu turno assume um logar eminente nas lides
da civilização ).
D'entre os que adoptam esta modernissima divisão, uns ac
ceitam como limite de separação entre a Historia Contempo
ranea e a Historia Modernaa Revolução Franceza de 1789
que veio inaugurar na vida social dos povos a era da liber
dade. Outros , todavia, só intendem dever começar a Historia
Contemporanea na Revolução Franceza de 1830, por ser esta
que verdadeiramente accentua nos annaes da humanidade o
riumpho solemne e definitivo das idéas liberaes.
HISTORIA UNIVERSAL 19

Segundo as tradições biblicas a humanidade provêm de um


par unico (Adão e Eva),--- entre cuja prole se pronunciam lo.
go practicamente por um lado as más tendencias, por outro as
boas. D'entre os filhos de Adão, o Genesis especializa tres :
Caim, Abel e Seth. Caim, o primogenito começa por denun
ciar suas ruins ' paixões assassinando cobardemente Abel ,
seu innocente irmão. Decorrem seculos ; e Deus, escandaliza
do pela crescente maldade dos homens, resolve mandar á ter
ra o diluvio ; d'esse cataclysmo apenas consegue escapar o
justo Noé e sua familia . Portanto ( segundo a tradição da Sa
grada Escriptura) a especie humana actual descende exclu
sivamente do patriarcha Noé por intermedio de seus tres fi
lhos (Sem , Cham e Japhet) , os quaes deram nome ás tres
raças historicas (semitica, chamitica, e japhetida ou indo- euro
péa). Nos primeiros tempos falavam todos os homens a mes
ma lingua ; mas querendo elles, depois de estabelecidos nos
plainos de Sennaar (entre o Tygre e o Euphrates) construir
uma torre que chegasse ao ceu,Deus puniu -lhes tão presum
pçosa ousadia fazendo que não levassem ao caboseu audacio
so intento por não se intenderem ante a confusão de linguas
que subito o Creador lançou entre elles. Data d'aqui, se
gundo a Biblia, a dispersão das tres supra- mencionadas ra
: -os semitas, que ficaram povoando parte da
ças historicas :-
Asia ; os chamitas, que, alêm de povoarem parte da Asia,
alastraram seu dominio pelas regiões da Africa ; e os japhe
tidas ou indo- europeus que da Asia passaram especialmente
a avassallar a Europa.
De Heber (bisneto de Sem , e um dos antepassados de Abra
hảo) querem alguns que se derive a denominação de Hebreus
com que a Historia commemora um dos mais notaveis povos
da raça semitica. («).
Abrahão, que floresceu proximamente no seculo XXI A. C.,
estabeleceu à sua residencia no paiz de Chanaan, depois de
escolhido por Deus para ser o pae de um povo privilegiado
( o povo de Israel). Dois filhos lhe arbitra a Biblia : Isaac ( fi.
lbo de sua esposa Sara) e Ismael ( filbo de sua escrava Agar) .
Isaac representa o tronco dos Israelitas ; de Ismael preten

( *) Segundo os criticos modernos, a palavra hebreu representa uma designa.


ção topographica e significa «o da margem de lá» ( referencia a ter Abrahão
atravessado o Euphrates, quando de Haran passou para a terra de Chanaan).
E ' como se dissessemos :--- «gente de além do rios . Assim o pensam Maspero
na sua Historia antiga e o sr. Theophilo Braga no seu recente trabalho ácêrca
das Civilizações semiticas,
20 BIBLIOTH DO POVO
ECA

gem derivar seu nome os Ismaelitas, como de Agar os Aga


renos .

Jacob, filho de Isaac, procria a seu turno doze filhos (og


chefes das doze tribus do incipiente povo de Israel). José (um
d'esses doze) chega a occupar um alto cargo na magistratura
do Egypto, onde os Hebreus se estabelecem por algum tempo.
Mais tarde, porém , com o decorrer dos annos, entram a pezar
cruelmente sobre o povo eleito os vexames da tyrannia egy.
pcia ; -- Moisés (que nascêra na tribu de Levi, e se educára
proficientissimamente na côrte do proprio monarcha) assume
então o melindroso incargo de libertar os seus correligiona.
rios ; guiados por Moisés (o sabio auctor de Genesis), os He
breus emigram do Egypto, atravessando o Mar Vermelho, e
vão estabelecer- se temporariamente no deserto da Arabia,
onde o proprio Jehovah lhes dicta no monte Sinai os santos
preceitos do Decalogo.
Depois da mortede Moisés, Josué logra fazer penetrar o
seu povo na Palestina -- a suspirada terra da promissão.
Mas, primeiro que os Israelitas firmassem de vez a sua na
cionalidade, - longas c repetidas , pertinazes foram as guer .
ras e luctas em que tiveram de achar-se involvidos cortra os
povos da circumvizinhança, que se esforçavam por atalhar.
ſhes o vôo de sua prosperidade. Por vezes mesmo comprazia
sc a victoria em surrir aos inimigos do povo de Deus, e este
chegou frequentemente a gemer numerosos annos nas ago
nias do captiveiro.
As diversas tribus dos Israelitas constituiar entre si uma
especie de confederação, em que ao primitivo governo dos pa :
triarchas succedêra a instituição dos juizes. Elegia- os o povo ;
eram elles os chefes da nação. Na lista dos juizes, sobre cujos
hombros pezou o incargo de dirigir os destinos do povo he
breu, figura brilhantemente o nome de Gedeão. Abimelech,
filho de Gedeão, chegou a intitular-se rei ; mas deixou, ao in
verso de seu pae, um rasto odioso na Historia pelos crimes
que practicou.
Esta realeza nominal, que Abimelech architectára em ba.
ses ephemeras, só veio a tornar- se uma instituição definitiva
na pessoa de Saul. Ao governo dos juizes succedeu então o
governo dos reis. Saul foi o primeiro rei dos Hebreus. A Saul
succedeu David (sev genro), que, principiando por 'adquirir
celebridade n'um combate singular contra o gigantesco Go.
lias ( quando na sua adolescencia se intregava ás prácticas
da vida pastoril), acabou por immortalizar-se nas conquistas
com que ingrandeceu seus dominios, assentando em Jerusalem
HISTORIA UNIVERSAL 21

a capital definitiva do reino. Em tempo de Salomão, seu filho


e seu herdeiro (que tão celebre ficou atravez dos seculos tan
to pelo opulentissimo templo que em Jerusalem mandou edi
ficar, como pela sua decantada sabedoria que ainda hoje cor
re em proverbio ), a civilização do povo hebreu attingiu o ze
nith do seu esplendor.
Pela morte de Salomão veio a succeder- Ine no throno seu
filho Roboão. O descontentamento que reinava entre os He.
breus, perante os vexames tributarios a que os sujeitava o lu
xuoso fausto da dynastia de David, constituiu causa a pro
nunciar-se capitaneada por Jeroboão violentissima revolta,
a qual terminou por separarem-se da obediencia ao governo
de Roboảo dez das tribus que constituiam a familia israelita.
Essas dez tribus dissidentes passaram a formar sob o sce
ptro de Jeroboão um estado áparte, que se ficou chamando
reino d'Israel e quecom o correr dos tempos veio a cabir nas
prácticas da idolatria.
As duas tribus que permaneceram fieis á dynastia de Da
vid (as tribus de Judá e de Benjamin ) continuaram na sua
pequenez perpetuando as tradições do culto de Jehovah, e
formaram em - torno de Roboão o reinosito de Juda com Jeru
salem por capital.
Este scisma foi um golpe mortal nos principios politico-re
ligiosos que tanto ingrandecido haviam a poderosamonarchia
de David. Samaria (capital do novo reino d'Israel) tornou-se
rival declarada e figadal inimiga de Jerusalem.
D'estas dissenções se aproveitaram os monarchas do Egy
pto para invadirem parte da Palestina.
Mais tarde (no seculo viii A. C.) reinando Oseas em Is
rael , foi a cidade de Samaria sitiada por Salmanazar (rei da
Assyria), tomada e saqueada por Sargão (successor de Sal
manazar), o qual mandou captivos para Ninive quantos is
raelitas escaparam n'aquelle horroroso morticinio ao furor dos
saqueantes . E assim finalizou tristemente o reino de Israel
apoz uma existencia de quasi dois seculos e meio.
Por seu lado, o reinosito de Juda,- se logrou subsistir ain
da perto de um seculo depois da queda do reino d'Israel,
certo é entretanto que trabalhosas luctas teve de affrontar,
crueis vicissitudes teve que padecer. E , -- se o rei Ezechias,
auxiliado pelo propheta Isaias, conseguiu levantar noseu povo
o enthusiasmo e o esforço, a ponto de resistir corajosamen .
te aos Assyrios, quando o rei Sennacherib ( filho de Sargão)
foi pôr cerco a Jerusalem ,já outrotanto não succedeu ao
pobro rei Sedecias, quando sitiado por Nabuchodonosor (rei
22 BIBLIOTHECA DO POVO

da Babylonia ), o qual, não só arrazou e incendiou a sagrada


capital de Juda, mas inclusivamente levou captivos para Ba.
bylonia quantos escaparam com vida ao afiado gume da sua
espada.
Assim se extinguia afinal, com o expirante reino de Juda,
pouco antes de alvorecer o seculo vi A. C., a autonomia po
Litica do povo hebreu. Começavam para osJudeus os tristes
septenta annos do famoso captiveiro de Babylonia.
A partir d'este periodo cessam para o povo judeu as 'con
dições autonomicas de nação. Cyro (rei da Persia) pode muito
imbora supplantar a monarchia dos Assyrios e matar na pro
pria Babylonia o rei Balthazar : -os Judeus poderão obter
de Cyro licença para regressarem á Palestina, re - edificarem
a sua tradicional Jerusalem e n'esta o sagrado templo do seu
culto ; mas politicamente continuarão sob a dependencia da
Persia.
Dominada successivamente por Alexandre Magno, pelos
reis do Egypto, e pelos monarchas da Syria,— Judéa ainda
tentou sub o commando de Judas Machabeu recuperar a sua
antiga independencia e ainda conseguiu temporariamente fa .
zer reviver, a poder de heroismo e de abnegação, as recorda
ções aureas do seu pristino esplendor. Aristobulo chega mes
mo a cingir o diadema e a fazer -se proclamar rei dos !udeus.
Mas este fugaz brilhantismo faz apenas lembrar o clarão der
radeiro da lampada, quando prestes a apagar- se -lhe a luz.
Esta realeza judaica não é mais do que uma realeza epheme.
ra. Dissidencias intimas entre os Judeus fazem com que Ro
ma se decida a intervir na Palestina. Pompeu começa por
impor- lces um tributo. O imperador Augusto faz da Judéa
uma provincia romana, consentindo -lhe aliás como rei nomi
nal um principe que se presta a ser no Oriente um mero
instrumento da politica imperial. Este principe é Herodes no
tempo
dade.
do qual nasce Jesus Christo o redemptor da humani
Trinta septe annos depois de expirar patibularmente na
cruz do Golgotha o divinofundador do Christianismo, acabou
de vez a unidade politica do povo hebreu . Jerusalem incen
diada e arrazada pela soldadesca romana, sob o commando do
imperador Tito, derrubou afinal quaesquer esperanças que os
Judeus ainda alimentar pudessem. E a raça judaica passou
a dispersar - se , conservando inalteraveis as suas feições e tra
dições, ligado estreitamente nas suas individualidades ccma
ponentes pelo vinculo da crença religiosa , mas sem condi
ções de mais tornar a reconstituir suaperdida nacionalidade.
HISTORIA UNIVERSAL 23

Emquanto por esta fórma o povo d'Israel assignalava na


Historia o seu pro-eininente logar, vejamos o que succedia no
Egypto,-- vasta região que pelo estreito de Suez estabelece a
communicação entre o continente africano e o asiatico. Terra
de Cham lhe chamava a Biblia ; e da raça chamitica parecem
ter sido effectivamente seus primeiros habitantes, pelo menos
aquelles de que ha conhecimento na aurora dos tempos histo
ricos com respeito ao valle do Nilo. Menes ou Mena passa tra
dicionalmente por ser o primeiro rei do povo egypcio e o fun
dador da cidade de Memphis.
A realeza inaugurada por Menes veio assentar n'uma or
ganização politico - administrativa, em que essencialmente pre
dominava o caracter theocratico ou sacerdotal.
Menes constitue d'esses tempos remotos um nome legenda
rio que frizantemente se destaca no meio das densas trevas
em que se acham immersas epochas tão distantes. A Menes
se attribue no Egypto a confecção do primeiro codigo legisla
tivo ; a Menes a panificação e a vulgarização de varios pro
cessos industriaes.
Esir, esposa de Menes, passa tambem nas tradições lenda
rias do Egypto por ter beneficiado a humanidade com varias
invenções uteis. Foi ella (dizem as tradições) quem aos
Egypcios ensinou o uso dos simples na cura das doenças, bem
como a arte de fiar o linho e fazer teias.
Menes representa provavelmente uma figura mythica em
torno da qual a philosophia egypcia accumulou todos os pre
dicados de uma civilização nascente, - allegoria que, de resto,
é frequente incontrar reproduzida, com mais ou menos simi
lhança , nos povos da Antiguidade.
Assim se explica facilmente que tão luminoso venha a fi
gurar, nomeio da obscuridade em que se involve a historia
dos primeiros tempos egypcios, o nome d’este venerado legis
lador,-imbora do seu reinado não se haja ainda até hoje des
coberto monumento algum. Isto torna-se tanto mais plausivel,
quando sobre tudo se attende á escacez de pormenores histo
ricos com respeito ás quatorze dynastias que reinaram no
Egypto desde que Menes ahi fundou a realeza até que o paiz
foi invadido pelos Hyksos.
N'essas quatorze dynastias destacam -se entretanto varios
Pharaós (monarchas),taes como Khuvu (Kheops), Khayrá, e
Menkerá, cujos nomes ficaram celebres pelas enormes pyra
mides, que mandaram construir na planicie de Gyzeh (a pou
ca distanciade Memphis) e que pela sua grandeza constituem
da civilização egypcia os mais assombrosos monumentos . Na
24 BIBLIOTHECA DO POVO

sexta dynastia, em que a rainha Nitocris assume condições


de verdadeira celebridade, Abydos usurpa a Mempbis os fó
ros de capital que esta cidade havia desfructado desde a sua
fundação. Finalmente na duodecima dynastia sobresai o no.
me de Amenehmat III, a cuja actividade, e provado interesse
pelos melhoramentos do seu paiz, deveram os Egypcios ver
realizados importantissimos trabalhos hydraulicos no intuito
de regularizar em proveito da industria agricola as inunda
ções do Nilo.
A decima- quarta dynastia do Egyr constituida ainda
por principes indigenas da raça chamitica, terminou ante a
invasão dos Hyksos.
Os Hyksos ou pastores (assim denominados porque na sua
invasão os acompanhavam numerosos rebanhos de gado) pa
recem ter sido um povo de raça semitica,- povo que da Asia
atravessou pelo isthmo de Suez até fixar-se no Egypto, cuja
conquista realizou .
A um povo essencialmente entretido com o desinvolvimen.
to das prácticas agricolas e da industria fabril,-a um povo
que n'estas lides pacificas do progresso não incontrára se
não o bem -estar de uma florescente prosperidade,- succedia
agora no Egypto o predominio de um povo guerreiro, que
cerca de cinco seculos alli permaneceu fornecendo ao paiz
tres dynastias.
Mas, paesado este periodo, os Egypcios, sob a iniciativa
dos seus antigos principes nacionaes, conseguiram sacudir o
jugo dos intrusos,-e os Hyksos tiveram de abandonar a
sua conquista retirando - se na direcção da Syria.
Com a restauração da sua velha nacionalidade inicia - se
para os Egypcios o periodo das grandes conquistas e das ex
pedições militares :-assim Amenhotep I alarga os seus do
minios para o lado da Ethiopia ; Thutmes I penetra na Asia ;
Thutmés III chega até ás margens do Tygre è entra em Ni
pive ; Seti I avança atravez da Armenia ; finalmente Ram.
sés Meiamun (o legendario Sesostris da antiguidade) alastrou
em todas as direcções a área dos seus dominios elevando o
Egypto ao zenith do esplendor militar. Com o reinado de
Menephtah (filho de Ramsés) querem alguns historiadores fa
zer coincidir a passagem do Mar Vermelho realizada pelos
Israelitas, quando capitaneados por Moysés sahiram do Egypto
para o deserto da Arabia . Cerrada a vigessima dynastia da
monarchiaegypcia, começa para este paiz um periodo triste
de successiva decadencia . Lapra a dissidencia no interior do
imperio, e a unidade politica expira ante as paixões partida
HISTORIA UNIVERSAL 25

rias que dividem o Egypto em pequeninos estados. Na cir.


cumvizinhança os povos tributarios revoltam-se, recobram a
sua independencia, e acabam inclusivamente por vir dis
putar a propria região egypcia ; estão n'este caso os Assy
rios .
Mais tarde o dominio persa imposto pelo conquistador Cam
byses, e por ultimo o dominio macedonico imposto por Ale
xandre Magno, constituemnos annaes do Egypto dois perio
dos em que o sentimento da nacionalidade mal pode resistir
á inclemencia dasvicissitudes .
Ainda assim ,sob a dynastia dos Ptolomeus (fundada por
Ptolomeu Lago, um dos logares-tenentes de Alexandre Ma
gno), a civilização egypcia logrouassumir uma phase brilhan
te entre as dos demais povos, tanto no campo das artes, como
no das sciencias e no das lettras. Com a morte de Cleopatra
(a derradeira rainha da supra -mencionada dynastia) é que Ro
ma a conquistadora, põe ponto na historia do imperio egypcio ;
o seu vasto territorio passa meramente a ser uma simples pro
vincia romana .

No vasto espaço de terras que se alastra entre o Tygre e


o Euphrates assentaram tambem, na Antiguidade, dois impo
nentes imperios cujo nome já por diversas vezes temos citado
no decurso d'este livrinho. Babylonia e Assyria se chamavam
esses 'monumentaes colossos. A Assyria occupava o territo
rio banhado pelo alto Tygre e alongava -se té junto ás mon.
tanhas da Armenia e daMedia. O imperio babylonico, pelo
contrario, demorava mais ao sul, na região em que o Tygre e
o Euphrates tendem um para o outro té formarem o Chatt -el
Arab .
Constituidos imbora por população de raça diversa (na Assy
ria predominava o elemento semitico, e em Babylonia o cha
mitico ), estes dois imperios, quea contiguidade topographica
tendia a fundir, apresentam effectivamente na sua historia
politica muitos pontos communs, por forma que se torna qua
si impossivel tratar separadamente as duas entidades. E, ape
zar de desconhecidos ainda muitos dos pormenores com res
peito á civilização assyrio babylonica, certo é todavia e já
indiscutivel figurar ella proeminentemente entre as mais im.
portantes civilizações do antigo Oriente.
Ninive (a capital da Assyria) foi ( segundo as tradições bi
blicas) fundada por Assur (filho de Sem ) ; - Babylonia , fun
dada no paiz de Sennaar, deve (segundo a Biblia) sua origem
a Nemrod (descendente de Cham ).
26 BIBLIOTHECA DO POVO

Povo essencialmente guerreiro, os Assyrios tiveram de fre.


quentemente luctar, já para resistir ás aggressões dos povos
extranhos, já para de sua propria inspiração alargarem a área
de seus dominios. Temporariamente tributarios do Egypto,
cuja suzerania Thutmés III, invadindo Ninive, os tinha obri
gado al reconhecer, os Assyrios acabam afinal por sacudir esse
violento jugo,-e, cêrca do seculo xi A. C., inaugurar
por seu turno a pbase grandiosa das conquistas. Salmanazar,
por exemplo, invade o reino de Israel,-e o seu successor
(Sargão ou Saryukin ), que realiza a tomada de Samaria, in
volve na esphera das suas invasões não só o imperio de Ba
bylonia, mas inclusivamente o territorio da Media, e na Afri
ca o territorio egypcio. Sennacherib ( filho de Salmanazar),
que ante os muros de Jerusalem chega a pôr em perigo a
existencia do reino de Juda, continúa a tradição guerreira
de seu pae tomando Sidon e Tyro (na Phenicia).
Momento chegou : porêm uma vez, de esmorecer o deslum
krante brilho de Ninive.
Commandados por Cyaxares, os Medos logram invadir a As
syria, estabelecendo namargem esquerda do Tygre os confins
occidentaes do incipiente imperio da Media, - emquanto por
seu lado os Babylonios, sob o sceptro de Nabopalassar,le
vantam afoitamente o grito da revolta contra a suzerania de
Ninive, e, proclamando asua independencia, aproveitam o en
sejo para a seu turno fazerem tributarios alguns dos povos
circumvizinhos.
Nabuchodonosor, que floresceu entre os seculos vii e vi
antes da era christan, teve a gloria de presidir aos destinos
de Babylonia no periodo em que este sumptuoso imperio assu.
miu o maximo grau de esplendor.Contra a Phenicia, contra
o Egypto, e contra o reino de Juda, foram as suas mais im
portantes campanhas. Com a intrada de Nabuchodonosor em
Jerusalem, que iniciou para os Judeus o desastroso periodo
do captiveiro, extinguem-se no povo d'Israel as verdadeiras
condições da sua autonomia politica.
Babylonia, a capital do imperio, que Nabuchodonosor por
suas construcções opulentissimas e gigantescas, elevou á
categoria de uma cidade assombrosamente monumental, cons
titue a prova incontestavel de que o illustrado monarcha apar
do esforço guerreiro possuia em não somenos proporção os
dotes intellectuaes de um principe deveras interessado por
quanto significasse apar do ingrandecimento industrial e ar
tistico do seu povo os imbellezamentos materiaes da sua côr
te florescente e grandiosa.
HISTORIA UNIVERSAL 27

Com a morte, porém , de Nabuchodonosor, soou para Baby


lonia a hora fatal da decadencia. Balthazar, que deixou ma
culado na Historia o seu nome por odiosos episodios de cra
pula e devassidão, foi na lista do imperio babylonico o der
radeiro monarcha.
Cyro , penetrando em Babylonia por um assombroso arrojo
de estrategia, incorporou no vasto imperio dos Persas mais
aquella opulenta possessão.
Quem era Cyro ? e d'onde veio elle ? Eis o que ora vamos
examinar nos breves termos d'esta rapida narrativa.
Circumscripta ao norte pela cordilheira do Caucaso e pe
las aguas do Mar Caspio, a oeste pelas montanhas que for
mam o limite oriental da bacia do Tygre,a léste pelas que
constituem o limite occidental da bacia do Indo, e ao sul pe
las aguas com que o Golpho Persico e o Mar das Indias ba
nham n'este ponto a orla do continente asiatico alastra - se
amplamente uma região que os Orientaes denominaram Iran.
Sua população primitiva, constituida por tribus da raça ja
phetida, constitue o chamado tronco iraniano. N’um dado mo
mento, e por causas que hoje nos são desconhecidas, esse
tronco divide - se em dois ramos : - um que emigra para a In
dia, onde depois o iremos incontrar tomando uma parte bri
Ihante no assombroso campo das civilizações orientaes (éo
ramo dos Aryas hindus) ; outro, que se deixa ficar na região
do Iran, e que mais tarde se sub -divide em duas poderosas
nações (a dos Medos, ao norte, - é a dos Persas, ao sul).
Da monarchia dos Medos é Cyaxares o verdadeiro funda
dor; é elle, pelo menos, quem logra elevar a Media á situa
ção depoderoso imperio ; é elle quem organiza militarmente
os Medos proporcionando -lhes elementos paradecididamente
intrarem na senda gloriosa das conquistas. Tudo quar as
tradições nos referem da Media, anteriormente ao governo de
Cyaxares, apparece - nos mais ou menos involto das brumas
do mysterio e da lenda. Cyaxares é o vulto que primeiro se
destaca em plena luz nos annaes historicos da Media .
Cyaxares, não contente ainda a sua ambição em ter os Per
sas por tributarios, decide-se a avagsalar os Assyrios, — im
presa que logra pôr em práctica, alliando- se para esseeffeito
com o rei de Babylonia (Nabopalassar ). D'est'arte ( como oc
casião já tivemos de dizer) fica entre os Babylonios e os Me
dos repartido o territorio da Assyria. E assim se conserva a
Media na attitude de uma importante potencia, mesmo já du
rante o reinado de Astyages ( filho e successor de Cyaxares).
28 BIBLIOTHECA DO POVO

Astyages é que não logrou morrer, sem passar pela dece


pção tristissima de vêr o imperio dos Medos succumbir ante
a revolta dos Persas.
E' n’este ponto que historicamente surge a gloriosa figura
do bellicoso Cyro.

Cyro , — filho de Cambyses e ainda aparentado com a fami


lia de Cyaxares, -governava o povo dos Persas, como tribu
tario do poderoso imperio da Media, quando em seu animo
ousado concebeu o arrojadissimo intento de revoltar-se con.
tra a suzerania dos Medos e destbronar o seu parente As
tyages .
A audacia de Cyro incontrou n'esta sua impresa a risonha
aurora dos seus posteriores triumphos. O incorporamento da
Media na Persia era apenas o prologo da marcha victoriosa
com que o esforçado Cyro devia em breve alargar as raias
do seu incipiente imperio . Logo a Babylonia passou a figu
rar sob o diminio do intrepido conquistador. E a Persia assu
miu por sua vez o pre-eminente logar entre as nações do oc
cidente asiatico.
Faltava- lhe, para pôr a cupula no esplendoroso edificio da
sua grandeza, extender tambem uma das garras até ao Egy.
pto. Cambyses (filho de Cyro) foi a quem pertenceu conver
ter em realidade esse doirado sonho.
Mas com o fallecimento de Cambyses, que morre sem dei
xar descendentes, entra a denunciar-se para o poderoso im
perio dos Persas a phase da incipiente decadencia.
Dario, que inaugura no throno da Persia uma nova dynas
tia, vê- se repetidas vezes a braços com as tremendissimas
revoltas dos povos tributarios. E todavia o animo guerreiro
d'este monarcha não recúa ante as difficuldades que se lhe
offerecem , quando prosegnindo na politica de seus anteces
sores resolve continuar activo no aberto caminho das con .
quistas.
Mas , se por vezes em seus commettimentos lhe surriu a vi.
ctoria ( como succedeu já na expedição que realizou contra as
populações da peninsula hindustanica,já na campanha que
organizou contra as barbaras tribus dos Scythas nag mar.
gens do Danubio ), -- trabalhosas e desastrosas podemos di
zer que foram em geral as guerras contra os povos da Gre
cia, guerras a que serviu tristemente de remate a batalha de
Marathona. O exercito persa ficou totalmente derrotado pelos
Athenienses n'aquella memoravel acção.
E todavia Dario não era simplesmente um guerreiro ; asso
HISTORIA UNIVERSAL 29

ciavam- se n'elle os dotes de um intelligente organizador com


respeito aos diversos ramos da administração publica.
Xerxes (filho e successor de Dario) mal pode sustentar o
pezo do sceptro que herdára de seu pae. Xerxes, impenhan
do- se precipitadamente em tirar dos Athenienses tremenda
desforra, por vingar a suberbia de Dario abatida nos plainos
de Marathona, aventurou-se a invadir por sua vez a Grecia ;
mas á pujança dos seus arremessos respondeu apenas uma
desillusão tristissima. A batalha de Salamina representa para
Xerxes uma derrota analoga á que representou para Dario a
batalha de Marathona. As derrotas de Platéa e de Mycale
acabam de consumar o desprestigio do principe ;-e o resul
tado fatal é começar em diversasprovincias tributarias a has
tear-se o pendão da revolta contra a suzerania dos Persas.
D'ahi por deante accentua -se pronunciadamente o declinar
constante do seu predominio politico , - muito imbora Arta
xerxes Longimano, Dario II, Artaxerxes Mnemon, e Artaxer
xes Ocho, deixem assignalados ainda os seus nomes, na lista
dos monarchas da Persia, pelo esforço com que tentaram não
só restabelecer o equilibrio do soçobrante imperio,mas inclu
sivamente fazer n'elle renascer a brilhante phase do seu pris
tino esplendor. Tudo isso veio finalmente a succumbir ante a
irresistivel invasão de Alexandre Magno.

Se difficil é, pelas densas nevoas que a involvem , apreciar


devidamente a historia da Antiguidade Oriental comrespeito
a certos povos, cuja existencia bavemos ao correr da penna
esboçado já nas curtas paginas d'este livrinho, crescem de
ponto os imbaraços quandopretendemos penetrar na India ou
mesmo avançar mais longe té ás remotas regiões da China.
São como dois mundos, áparte collocados, eexpressamente
destinados a provocarem-nos o pasmo e a constituirem -se- nos
enigma !
A civilização da India, posto que não haja directamente in
fluido na civilização dos povos que habitaram a região occi
dental da Asia , representa todavia um importantissimo papel
no quadro da civilização geral.
Mysterioso theatro de grandes acontecimentos em que a ra
ça dos aryas (*) desimpenhou um brilhantissimo papel , a In
dia offerece-nos em sua historia uma téla complicadissima,
cuja trama só modernamente ha sido possivel, a poder de es
forços e de pacientes estudos, começar methodicamente a se
(*) E' o mesmo que japhetidas ou indo -europeus.
30 BIBLIOTHECA DO POVO

guir . Luctas monumentaes, que o Ramayana e o Mahabhara


ta ( *) se incarregaram de immortalizar, occupam durante se
culos a existencia dos Hindus, e acabam por definitivamente
consolidar na peninsula hindustanica o dominio d'estes po
VOS .

Ramo aryano que em tempos desconhecidos emigrou do


Iran, descendo para as tepidas regiões da India e supplan
tando as populações mais antigas que ahi se achavam esta
belecidas, - os Aryas hindus representam uma scissão do tron
co iraniano. Os quasi apagados restos que ainda podemos con
templar da sua existencia, são mais que sufficientes para at
testar a parte deslumbrantissima que este povo tomou na ci
vilização geral das sociedades humanas, sobresahindo já no
campo da philosophia, já no campo das sciencias (mórmente
na sciencia da linguagem ), já nocampo artistico onde a sua
concepção attingiu as proporções assombrosas do colossal.
A constituição social dos Hindus, que a principio se bases.
ra no regimen patriarchal emquanto durou a feição pastoril
do seu viver, passou mais tarde a fundar-se no chamado re
gimen das castas,- regimen que dividia a sociedade em qua
tro classes ou categorias dispostas pela ordem seguinte : 08
brahmanes (ou sacerdot ), os kshatrias (ou guerreiros), os
vaishias (ou commerciantes ), e os sudras (ou servidores). As
tres primeiras classes eram formadas por individuos da raça
aryca. Na ultima ( a dos sudras), que representava uma situa
ção degradante, ha quem julgue representadas as reliquias
dos povos indigenas que os Aryas na sua invasão haviam sub
jugado e supplantado.
Mas ao periodo brahmanico succedeu na historia da civili
zação hindu o periodo buddhico. Foi quando entre fins do se.
culo vii e principios do seculo vi (antes da era christan) co
meçou na India a prégar-se a doutrina religiosa de Buddha
que philanthropicamente se insurgia contra o regimen das cas
tas. Guerreado pelo brahmanismo, o buddhismo que chegou
a angariar sectarios em toda a India aryca -viu - se entretanto
forçado a ceder ante o supremo esforço dos seus antagonis
tas; e, se quiz ampliar a área da sua propaganda, teve que
emigrar, do berço em que nascêra, para as regiões longinquas
do nordeste da Asia, sobretudo para a Chipa .
Na China, sim, na China incontrou a religião de Buddha
campo adequado para se propagar.
(*) Intitulam -se assim as duas principaes epopéas que ha em sabscrito ,
dois assombrosos monumentos da litteratura indiana .
HISTORIA UNIVERSAL 31

Separado da India pelas alterosas ramificações do Hima .


laya , o territorio chinez occupa na zona central do continen
te asiatico a parte oriental.
Se fossemos ligar credito ás tradições lendarias da China,
aos Chinezes deveriamos attribuir, como nação organizada,
uma existencia de proximamente mil seculos.
Se, porém , nos quizermos circumscrever ao periodo em que
a sua historia começa a apresentar algnma verosimilhança, não
ultrapassaremos uns 35 seculos antes da era christan. E só
no século xxvI A. C. é que principia a tornar -se positiva a
existencia d'aquelle povo perante aserie continua de annaes
que ácêrca d'elle se nos proporcionam . Isto basta entretanto
para collocar a civilização chineza no grupo das mais antigas
que hoje se conhecem .
E todavia, em meio do rico peculio de documentos que se
nos offerecem nos annaes da China, forçoso é confessar que
nenhuma outra nação existe, onde tão monotona se pronuncie
a historia pela pautada e quasi constante repetição de factos
analogos, identicos mesmo; dir-se-bia por vezes uma inten.
cional e systematica reproducção das mesmas phases politi
cas,-como se a historia do povo chinez tivesse em seus im ;
mutaveis destinos previamente marcada uma fatidica traje
ctoria, á similhança do que observamos com respeito aos pla
netas do mundo solar em sua orbita atravez do espaço ma
thematicamente calculada e definida. Só de longe em longe é
que algum acontecimento mais frisante parece momentanea
mente quebrar aquella methodica monotonia.
Confucio (Khung- fu -tseu ), que floresceu no seculo vı A. C.
e é com justa razão considerado um dos mais notaveis entre
os philosophogmoralistas do Oriente, refere ao anno 2200 ( - )
o reinado de Yao ; é este o primeiro soberano que o illustre
doutrinador julga poder inscrever com verdadeira authentici
dade no uadro da historia chineza, parecendo-lhe sobrema
neira involtos nas brumas da fabula os reina lng que os an
naes da China apontam anteriores ao de Yao ,upochas remo
tissimas, em que o celebre nome de Fo-Hi disputa primazias,
por ser este principe, na opinião corrente dos Chins, o verda
deiro fundador do seu vetusto imperio) .
Em Chun ( success
essor de Yao) termina a serie dos impera
dores electivos. Yu, que succede a Chun, funda no throno im
perial da China a dynastia dos Hia ; a práctica da elegibili-
dade cede o logar ao principio da hereditariedade. E esta pri.
(*) Antes da cra christan .
32 BIBLIOTHECA DO POVO

ineira, só no fim dequatro seculos é que vem a ser substitui


da pela dynastia Chang, ante a insupportavel tyrannia com
que o ultimodos Hia deixousua memoria assignalada. Por
identicas razões a dynastia Chang ( cujo fundador, o virtuo
sissimo Tchin - Tang, tão venerado se tornou entre os Chins)
cede no seculo xı1 A.C.o throno á dynastia Tcheu . Wu-Wang
(o fundador d'esta ultima) accentua gloriosamente o seu no
me na lista dos imperadores chinezes. A 'dynastia Tcheu (der
rubada por uma insurreição militar) succede em meiados do
seculo in A. C. a dynastia Thsin (entre cujos principes avul
ta como guerreiro e reformador o celebre Chi-Hoang- Ti, que
realizou a conquista da Cochinchina,-e que procedeu á con
strucção da grande muralha, maravilha colossal destinada a
proteger por nordéste as fronteiras do imperio contra as in
vasões das tribus tartaras ). Derribada a seu turno, após uma
curta duração, a dynastia Thsin cede egualmente o passo, an
te uma insurreição militar, á dynastia dos Han (fundada por
Lieu -Pang na passagem do seculo u para o seculo o antes
da era christan ).
Foino brilhante periodo da dynastia Han que a classe dos
Lettrados floresceu vigorosamente na China, e que o poderio
politico d'este vasto imperio attingiu o seu esplendido zenith .
Emquanto nas margens do Oceano Pacifico reis e povos se
lhe curvavam tributarios , no occidente da Asiaos seus exer
citos avançavam té ás circumyizinhanças do Mar Caspio, quasi
à confinar com as extremas do imperio romano !
Foi sob o sceptro da dynastia Han que penetrou na China
o buddhismo (culto que sob a designação dereligião de Fó in
trou largamente a crear adeptos no Celeste Imperio (* ), sobre
tudo desde que na segundametade do seculo i da era chris
tan o proprio imperador Meng-Ti passou a professar a dou
trina religiosa de Buddha ).
N’uma nação ,-onde, apezar das cruentas revoluções com
que frequentemente ficouassignalada a substituição de uma
dada dynastia por outra, sempre permaneceu inalteravel &
organização do estado segundo as normas do regimen fami
liar ( isto é, um governo quasi analogo theoricamente ao re
gimen patriarchal,-governo em que o despotico imperador
representa ser simultaneamente o chefe e o pae de todos os
seus subditos, e estes em -volta d'elle constituem , por assim
dizer, uma verdadeira familia, sem distincção de castas),
( *) Celeste Imperio ou Imperio do meio são as designações que os Chinezes
usam quando se referem ao seu paiz .
HISTORIA UNIVERSAL 33

percebe -se bem que o buddhismo recebesse mais facil e mais


radical acolheita do que succedêra na India.
Isto coadunava-se mesmo pronunciadamente com o espiri.
to do povo chinez,- espirito secco, positivo, que em seus do
gmas religiosos (quer sob a influencia da doutrina de Buddha,
quer sob a de Confucio ou a de Lao- Tseu ) buscou de prefe
rencia , sem se occupar com subtilezas theologicas, definir os
mais sãos principios de philosophia moral.
N'estes, como no cultivo das sciencias e das industrias, o
povo chinez chegou a conseguir um aprimorado grau de pro
ficiencia. Em certos ramos de bellas -artes a China logrou até
tornar-se notavel por um cunho especial de originalidade can
racteristica. Mas o seu isolamento, a sua systematica absten
ção relativamente ao convivio das outras nações, fez com que
á civilização chineza chegasse um dia o momento historico
de ficar estacionaria ; e um povo que estaciona ... é um
povo que morre !
Foi o que politicamente succedeu á China. Quando no se
culo XIII as tribus mongolicas lograram intrar n'aquelle paix,
o imperiopolitica.
entidade chinez era apenas o phantastico simulacro de uma

Vejamos agora o que se passava no extremo opposto das


regiões asiaticas,-n'uma breve faixa de terra em que mal
ainda tocado havemos de passagem , e que todavia deixou na
Historia Antiga luminosamente inscripto o seu nome.
Emquanto os Hebreus occupavam na Palestina o valle do
Jordão, accentuando especialmente o seu nome entre os po
vos circumvizinhos pelos dogmas do monotheismo tradicio
nalmente conservados de geração em geração ,-florescia na
estreita nesga de terra que ha entre o Libano e o mar um
povo pequeno mas ingenhosissimo, um povo que, aproveitan
do sensatamente os recursos topographicos do seupaiz, ins
creveu indelevel a sua memoria das mais brilhantes paginas
da civilização pelo impulso que soube dar aos imprehendi
mentos maritimnos. A Phenicia (tal é a região a que ora nos
referimos) foi um viveiro perenne de excellentes marinheiros
que, singrando intrepidos pelas aguas do Mediterraneo, ras
garam afoitamente os horizontes commerciaes da sua patria,
e fundaram mesmo prosperas colonias nas mais longinquas
plagas, taes como o littoral d'Africa, o da peninsula iberica,
o da Gallia, o da Sardenha e o da Sicilia. Sydon e Tyro fo
ram principalmente os florescentes emporios em quea Phe
niciamais fez sentir a sua actividade commercial e industrial.
34 BIBLIOTHECA DO POVO

Desprezados imbora pelos Hebreus, como filhos de raça mal.


dita, os Phenicios collaboraram poderosamente, pela aprimo
rada educação artistica que possuiam , na construcção do ce
lebre Templo mandado edificar em Jerusalem por Salomão,
principe que se achava nas relações da melhorintelligencia
com o seu vizinho Hiram (monarcha de Tyro).
Uma deploravel escacez de documentos escriptos relativa
mente aos Phenicios faz com que a historia d'este povo figu
re ainda involta em densas nebulosidades. A sua propria fi.
liação na arvore genealogica das raças historicas não está
ainda hoje perfeitamente determinada ; para Ernesto Renan,
que tảo brilhante luz ba derramado no estudo das civiliza
ções semiticas, é ponto duvidoso ainda se os Phenicios de
vem ser classificados entre os semitas, se entre os chamitas,
ou se antes cumpre considerál- os como fusão d'estas duas ra
ças. O que é todavia certo e incontestavel é que, ante o juizo
da posteridade, aos Phenicios ficará para todo o sempre per
tencendo a invejavel honra de haverem sido elles um civili.
zador elemento de pacifico progresso n'essas turbulentas epo.
chas em que o fragor das armas symbolizava o apogeu da
gloria de povo,-imbora os Egypcios (sob os Pharaós da
18.a dynastia ), mais tarde os Assyrios (sob o sceptro de Sen
nacherib ), os Babylonios (sob o sceptro de Nabuchodonosor),
depois o dominio dos Persas, e por ultimo a espada invicta
de Alexandre Magno, tributando e avassalando successiva
mente a Phenicia, concorressem para ir pouco a pouco atro
phiando e apagando n'ella as condições de nacionalidade.
D'entre as numerosas colonias, a que a actividade pheni
cia deu origem , Carthago chegou a assumir na historia das
civilizações humanas um logar deslumbrante.
Edificada no seculo ix A. C.,a cidadéla de Carthago veio a
ser o florescente nucleo de um importantissimo emporio ma
ritimo-commercial.
Querem chronistas antigos que a fundadora de Carthago
fosse uma princeza phenicia, por nomeElisa , viuva de Sicheu
e irman de Pygmalião (rei de Tyro ). Elisa (por fugir á cruel
tyrannia de Pygmalião, que não hesitára em assassinar seu
cunhado Sicheu para cubiçosamente se apoderar das immen
sas riquezas que este possuia) imbarcou precipitadamente
em direcção á costa septentrional da Africa, logrando salvar
as riquezas que Pygmalião cubiçára. Acompanhavam -n'a emi
grantes numerosos, que muitos eram d'entre os Tyrios os des
ontentes ante o governo tyrannico de Pygmalião.
HISTORIA UNIVERSAL 35

No ponto que Elisa (-) escolheu para assentar sua nova re


sidencia estavam já estabelecidas colonias phenicias. Elisa
ia portanto incontrar-se, não entre extranhos,mas entre com
patriotas.
Começando por ser uma pequenina povoação de emigrados
tyrios, Carthago cresceu rapidamente, a ponto de tornar- se
dentro em pouco uma das primeiras cidades phenicias da cos:
ta africana .
D’ahi rasgando o horizonte de suas vistas, o povo cartha
ginez lançou-se na senda das conquistas ; e, acceitando o le
gado tradicional dos seus antepassados, começou por seu tor
no a fundar colonias,coalbou de navios as azuladas aguas do
Mediterraneo, e por toda a parte deixou indelevelmente mar
cados os vestigios da sua actividade colonizadora, sobretudo
em Malta e na Sardenba, na Sicilia , nas ilbas Baleares, e na
peninsula hispanica (**). A sêde insaciavel de alargar seus
dominios sob o ponto -de -vista commercial trouxe -lhe bastas
vezes a fatal necessidade de intrar em porfiadas luctas com
outros povos. D'essas luctas a que maistempo durou, e aquel
la em que mais brilhantemente os Carthaginezes deram pro
vas cabaes de audacia e valentia, foi a decantada guerra
contra os Romanos.
Commerciantes por inclinação, colonizadores por natural
tendencia, os Carthaginezes só acceitaram violentados pela
imperiosa força das circumstancias a situação de belligeran
tes. Para elles a guerra não significava outra coisa mais do
que um recurso, imposto pela necessidade de se defenderem
contra as invasões dos povos circumvizinhos, ou suscitado
pela ambição de augmentarem seu poderio e sua opulencia .
Acceitavam -n'a, pois, constrangidos (a guerra); mas inca
ravam -n'a destemidos e prodigiosamente audaciosos.
Annibal ,- o mais assombroso general da republica cartha
gineza,— Annibal que a frente das suas hostes intrepidas co
meça por affirmar na Hespanha os seus brios militares, e
que, atravessando rapido como um raio os Pyreneus e logo
em seguida os Alpes, cai de chofre sobre Roma, chegando a
( * ) Elisa é a mesma princeza que , tambem sob o nome de Dido, Virgilio tão
formosamente poetizou no livro IV da Eneida, practicando alias ( por liberda .
de poetica) o anachronismo de lhe antecipar quasi quatro seculos a epocha
real da sua exis ! encia .
Sobre a personalidade mais ou menos lendaria d'esta formosa princeza po
de o leitor consultar o artigo respectivo na Centuria de celebridades femininas
(vol. XXVIII da Bibliotheca do Povo e das Escolas) .
(** ) Veja -se o que ficou dito a pag . 4 da nossa Historia de Portugal (vol. I da
Bibliotheca do Povo e das Escolas).
36 BIBLIOTHECA DO POVO

pôr em risco os destinos da poderosissima republica romana


(quasi expirante n'aquelle momento fatal), - Annibal con
quista n'este arrojado passo um logar conspicuo entre os ca
pitães mais celebres e simultaneamente um incontestavel jus
ao illimitado pasmo dos posteros.
O periodo das tres guerras punicas (assim se denominam
na Historia as tres porfiadas campanhas que a republica de
Carthago sustentou contra a deRoma) se não representa exa
ctamente a epocha de maior florescencia paraa nação ear
thagineza (visto que esta mais se recommendava por suas
tendencias pacificas do que por suas paixões guerreiras) mos
tra entretanto que, fóra das lides do commercio e da navega
ção, os Carthaginezes sabiam ainda mostrar-se dignos emu
los dos Romanos - o povo guerr eiropor excel lencia
.
Mas o poderio romano acabou por vencer a influencia car
thagineza ; um dia chegou em que Carthago perdeu succes
sivamente a Sicilia e a peninsula bispanica, onde tão profun
das raizes o seu dominio havia em tempos lançado . A tercei
ra guerra punica rematou de vez a ruina da nacionalidade
carthagineza.
Roma, que parece haver tido por destino absorver em si
todas as demais nacionalidades, solemnizou o seu predominio
mandando arrazar (no meiado do seculo 11 A. C.) as muralhas
da sua rival Carthago. Hoje quem d'esta outr'ora florescen
tissima cidade quizer incontrar vestigios,— difficultosamente
logrará reconhecêl-os n'algum fuste espedaçado, n'algum ca
pitel de columna esboroado e fragmentado que por ventura o
acaso depare olvidado e perdido no littoral da Tunisia.
Dir- se - hia effectivamente que Roma nascêra com o singu
lar privilegio de ecclipsar sob o vôo triumphante das suas
aguias o brilhantismo politico de todas as mais nações ! A
propria Grecia lhe não escapou ! a propria Grecia !
Grecia !
Ainda hoje a deslumbrante magia d'este nome fascinador
alvoroça o nosso espirito e faz, como por incanto, desabro
char-nos na imaginação a espectaculosa miragem de um mun
do assombroso, em que as lettras e as sciencias, as bellas-ar
tes e as instituições politicas,assumiram quanto idear-se po
de com respeito ao bello e ao grandioso no interessante cam
poda Antiguidade classica.
Sólo abençoado pelas mais gratas condições de productivi
dade ; um littoral caprichosamente franjado por graciosissi
mos recortes ; rios e collinas disputando entre si qual mais
HISTORIA UNIVERSAL 37

deva contribuir para tornar verdadeiramente paradisiaca essa


privilegiada região ; em torno do littoral, semeadas a esmo,
como florescentes nymphæas n’um lago espelhento e limpido
as ilhas do Archipelago, dando aquellas paragens o aspecto
e feição de um mar coalhado de perolas ; por sobre tudo isto
um céu azul e scintillante, um clima inspirador e creador :
tal nos surge & Grecia ! Que admira, pois, haja alli sido em
tempos a terra dos singularissimos prodigios ? que admira
haja alli pullulado com toda a pujança de exuberante seiva
essa risonha mythologia em que ainda hoje a phantasia se
nos inleva ?
De autochthonos (•) se vangloriavam os Gregos antigos.
E esta presumpção, esta pretenção nobiliaria ( chamemos- lhe
assim) affirmavam -n’a e testemunhavam -n'a graciosamente as
damas athenienses, quando para infeitar as longas e asseti
nadas madeixas de seus lindos cabellos usavam de preferen
cia uma cigarra de ouro ,-- adorno verdadeiramente symboli.
co, visto que a cigarra entre os povos da Antiguidade repre
sentava effectivamente o emblema da autochthonia .
Deveria, porêm, realmente considerar -se autochthona &
população grega nos aureos tempos da sua preponderancia
politica?
Em tres periodos ou phases costumam geralmente os bis
toriadores dividir os tempos antigos da Grecia : - tempos fa
bulosos ou mythologicos, tempos heroicos, e tempos historicos.
Esta distincção basta já por si para bem nos indicar a cer
rada nebulosidade que esfuma e obscurece as origens do po
vo grego. A denominação de tempos fabulosos escolhida e ado
ptada para vagamente nos designar essa quadra remota e in .
decisa, eloquentemente exprime e accentua a incerteza em
que nos achamos e os imbaraços com que luctamos no tocan
te á determinação de taes origens. Hoje as tradições mythi
cas, de que os antigos historiadores gregos rechearam seus
escriptos em referencia a essas epochas primitivas, represen
tam apenas aos olhos do critico elementos de opulenta phan
tasia, que elle, quando muito, referirá unicamente por sim
ples curiosidade picturesca, para depois os refutar ou rejei
tál-os mesmo sem prévia refutação.
Reputa -se verosimil que, anteriormente ao periodo das gran

(*) Derivado de dois vocabulos gregos ( autos, «proprio » —e chthon , terra » ),


autochthono significa o mesmo que «indigena, ou « aborigene.»
Povo autochthono se diz o que é originariamente natural do proprio paiz
em que habita e que descende das raças que sempre alli habitaram .
38 BIBLIOTHECA DO POVO

des emigrações arycas,hajam existido na Grecia a povoarem


n'a tribus selvagens. Mas o que está geralmente admittido é
que o primeiro germen d'essa florescente civilização , que tão
magico influxo veio mais tarde a exercer em toda a Europa,
se deve inicialmente á immigração dos Pelasgos,- povo cuja
invasão no territorio grego se julga não haver sido posterior
ao seculo xyii A. C., imbora não existam ainda hoje elemen
tos decisivos para precisamente lhe determinar a data.
Activos e laboriosos, na sua rudeza primordial os Pelasgos
mostraram entretanto que sabiam comprehender a missão dos
povos civilizados. Os monumentos cyclopicos do Peloponeso at
testam exuberantemente a proficiencia da população pelasga
na arte de construir. Industriaes e agricolas,as suas tenden
cias eram especialmente pacificas e notavelmente civiliza
doras.
Mais tarde penetrava do territorio occupado pelos Pelag.
gos um novo elemento. Eram os Hellenos, — povo de indole
guerreira e cavalleirosa que pelo seu predominio logrou
absorver o elemento pelasgo e constituir com elle a base de
futura nacionalidade grega.
Inaugura-se então (proximamente em começos do seculo xv
A. C. ) a chamada phase dos tempos heroicos da Grecia , - pha
se de chronologia incertissima, que mais ou menos ainda se
prende com as lendas mythicas dos tempos fabulosos.
A'pbase dos tempos heroicos pertence (no seculo xin A. C.)
a memoravel Guerra de Troia. Esta lucta porfiadissima—que
Homero cantou na sua Iliada, e que significa em si ( segun
do a lettra da tradição lendaria ) apenas o desforço toinado
pelos principes gregos colligados contraPriamo (rei'de Troia)
para vingarem o insulto que Páris ( filho de Priamo) pra
cticára raptando a formosissima Helena (esposa do principe
grego Menelau) , - esta lucta que durou dez annos, e que
rematou pelo incendio e destruição de Troia (-), representa
em ultima analyse o duello travado entre as nascentes ambi
ções da Europa e o velho predominio da Asia, duello que ter
mina pelo triumpho solemnissimo e solidamente estabeleci.
do da civilização europóa sobre a civilização asiatica.
E todavia no computo das origens da Grecia, além dos dois
elementos principaes que já citámos (Pelasgos e Hellenos),

( * ) Troia era a capital de um pequenino mas florescente estado, por nome


Troarte, no littoral da Asia- Menor, junto á intrada do Hellesponto. Virgilio
vo livro II da Eneida descrove primorosamente o episodio do incendio e des.'
truição Troia ,
AISTORLA UNIVERSAL 39

forçoso é incluir tambem varios outros elementos (secundarios


imbora ), -- elementos que introduzidos na massa geral da po
pulação pelos colonos extrangeiros (provenientes dos paizes
circumvizinhos) significavam deveras um valioso contingente
fornecido ao producto final da civilização grega.
As lendas em que se nos figuram o egypcio Cecrops fundando
a cidadéla de Athenas,--- o phenicio Cadmo assentando os fun
damentos da cidade de Thebas (na Beocia) e introduzindo na
Grecia os caractéres alphabeticos da escripta e a arte de fun
dir o bronze,-o phrygio Pelops que imprime o seu nome na
peninsula do Peloponeso,-Dapao quefunda a cidade de Argos,
e que importa do Egypto o uso das bombas assim como o de
varios outros artificios hydraulicos, se por um lado repre
sentam apenas allegorias mythicas (*), por outro lado leva
dos somos a admittir que n'essas allegorias se acha a prova
incontestavel de ter havido em epochas remotas entre a Gre
cia e o Oriente estreitas allianças e relações , por forma que
já hoje não é licito duvidar da influencia exercida pelas civi
lizações orientaes no systema religioso e nas instituições po
liticas da Grecia, bem como também na manifestação do sen.
timento artistico . E, se é ainda difficil, ou impossivel mesmo,
precisar até que ponto se exerceu na Grecia a influencia orien
tal, expliquem -se taes imbaraços pelo cunho caracteristico
de originalidade que o genio hellenico soube luminosamente
imprimir em tudo quanto das civilizações extranhas logrou
importar.
Mas a Guerra de Troia não representa unicamente a su.
premacia da civilização européa affirmando-se triumphante
mente com respeito á civilização asiatica. Da colligação dos
principes gregos n'essa lucta memoravel brota um fecundissi.
mo resultado de mais importante e mais directo alcance para
a familia hellenica. E' nem mais, nem menos, do a ver

dadeira iniciação, a creação (chamemos-lhe assim) de um es


pirito nacional que accentuadamente se pronuncia, e que an.
te os tropheus da victoria alcançada cobrará sufficientissimo
alento para nunca mais poder extinguir -se, por mais rivalida
des que desabrochem , por mais dissenções intimas que even.
tualmente se originem entre os diversos estados da Grecia.
O exito feliz dos colligados na famosa expedição contra
Troia desperta nos Hellenos a consciencia de uma verdadeira
(*) Sobre algumas das que deixamos citadas pode o leitor consultar o livri
nho de Mythologia (vol. III da Bibliotheca do Povo e das Escolas). Como verda
deiro complemento a esse tratadinho, brevemente publicaremos outro volume,
& que poremos por titulo -- Heroes e semi-deuses,
40 BIBLIOTHECA DO POVO

unidade moral, como se todos entre si já não formassem mais


do que um só povo.
E todavia na Grecia podemos distinguir quatro grupos de
tribus, quatro principaes ramificações ou sub -divisões da fa
milia hellenica --- ramificações ou sub -divisões que, mais ou
menos, sempre atravez dos tempos fizeram sentir a sua indi
vidualidade, e que profundamente se differençavam entre si,
já pela indole, já pelos costumes, já inclusivamente pela lin
guagem , já finalmente pela patureza especial de suas tenden
cias politicas. Estes quatro grupos ou sub-divisões ethnicas
são: os Acheus ou Acbaicos, os Ēolios, os Dorios, e os Jonios.
Aos Acheus e aos Dorios coube especialmente em partilha o
Peloponeso ; aos Eolios, o centro e a parte occidental da Gre.
cia (mórmente a Beocia) ; ros Jonios, a Attica e a parte in.
anlar.
Jonios e Dorios vieram com o correr dos tempos a predo
minar sobre os outros dois grupos, quasi absorvendo-os. Jo
nios e Dorios apresentavam accentuadamente feições caracte.
risticas * 883 % dissimilares que profundamente os differen
cavam .

Nos habitos, da maneira de viver, na indole, nas tenden


cias, a até no dialecto,- os Dorios representavam essencial
mente um elemento rude e bellicoso, emquanto os Jonios se
destacavam por seu genio particularmente suave, propenso ás
lides do commercio e da colonização, mais adequado em con
sequencia ás pacificas tarefas da civilização e do progresso.
Sparta e Athenas que tinham de alternadamente repartir
Antre si as glorias da hegemonia grega constituem legitimas
representantes d'aquellas duas distinctas individualidades.
Os diversos estados gregos, que ainda em tempo da Guer
ra de Troia apresentavam em sua constituição politica a fór
ma monarchica, representavam pequeninos principados em
que os chefes alliavam com a soberania de reis uma feição
primitiva de verdadeiros patriarcbas.
Estabelecida a unidade moral entre os povos da Grecia, a
entidade realeza vai pouco a pouco sendo substituida por go
vernos oligarchicos. Esta profunda mudança na politica admi.
nistrativa dos estados gregos coincide com a passagem dos
tempos heroicos para os tempos historicos.
Começa então para a Grecia a phase brilhante do periodo
legislativo.
Lycurgo (no secolo ix A. C.) reforma judiciosamente as
instituições em Sparta ; conseguindo imprimir n'uma reale
za puramente nominal uma feição perfeitamente republicana,
DISTORIA UNIVERSAL 41

habilita o povo da Laconia a alargar cada vez mais a esphe


ra do seu predominio politico, e fica tradicionalmente consi
derado pelos Lacedemonios como o seu legislador nacional.
Por outro lado Athenas, que na sua adolescencia já talvez
de deixa docemente embalar em aureos sonhos com a esperan
ça de vir um dia a ser a metropole da Grecia -- Athenas, on
de a realeza, terminando por morte de Codro, cedêra o logar
á magistratura dos archontes,-- Athenas aguardava tambem
que alguin providencial legislador viesse redigir-lheumco
digo politico e atalbar-lhe afinal a deploravel anarchia em que
tumultuosamente laborava, anarchia que degenerára frequen
temente n'uma verdadeira guerra civil, e a que nem mesmo a
severa legislação de Dracon ( seculo vii A.C.), applicando im
bora a pena de morte para todos os delictos, lográra satisfa .
ctoriamente pôr fim .
Solon (um dos septe sabios da Grecia) é quem (no seculo
vi A. C.) consegue aureolar -se com a gloria de proporcionar
aos Athenienses uma legislação definitiva e fecunda em re
sultados de prosperidade politica.
Pode muito imbora a tyrannia de Pisistrato, impolgando ar
teiramente o poder supremo, abolir momentaneamente a li
beral constituição de Solon. Hipparco e Hippias ( filhos de
Pisistrato, e seus successores no governo) pelos odiosos actos
do seu escandaloso despotismo incarregar-se-hão de promover
indirectamente a restauração das leis de Solon. Os Athenien
ses invocando o auxilio dos Lacedemonios logram afinal der
rubar i tyrannia dos Pisistratidas ; -e a sabia constituição
de Solon renasce em toda a sua formosa plenitude, ou, para
melhor dizermos, ainda mais democratizada.
Ao findar do seculo vı A. C. ,- Sparta e Athenas represen
tam na Grecia dois estados verdadeiramente florescentissi
mos ; e, se o primeiro por seu prestigio militar consegue exer.
cer em todo o Peloponeso uma hegemonia real, Athenas por
sua preponderancia maritima assume na Attica uma posição
não menos importante.
O periodo das Guerras Medicas, em que osAthenienses vão
gloriosamente figurar contra o poderio ingente dos Persas,
marca na Historia da Grecia o inicio da hegemonia de Athe
nas .
*

As aguerridas e formidaveis hostes de Dario, invadindo (em


principios do seculo v A. C.) a parte oriental da Attica, ficam
vergonhosamente desbaratadas na celebre batalba que travam
contra os Gregos nos plainos de Marathona,-onde 10 :000
athenienses auxiliados por 1.000 habitantes de Platéa sob
1
42 BIBLIOTHECA DO POVO

as ordens de Milciades logram levar da vencida 100 :000


persas !
Os Spartanos retrahindo-se com subterfugios e recusando.
se a tomar parte n'esta memoravel batalba em defesa dos
Athenienses, indirectamente concorrem pela anu inacção para
que Athenas fiqne desimpenhando na Grecia o primeiro pa
pel politico, visto que ella sósinba se incontrou no posto d'hon
ra à sustentar contra o Oriente em DAKAH dignidade e a 40
tonomia da civilização hellenica.
As proprias rivalidades entre Themistocles o Aristides, -
rivalidades irreconciliaveis que tiveram por tristo desfecho o
exilio (ostracismo) d'este ultimo,---Casas mesmo, nãobastaram
para resfriar no animo dos Atheniennes o espirito do patrio
tismo. Acima das questões P4880248 predominava o uinor da
sua autonomia.
Sparta ou Lacedemonia (que por ambos os nomes foi conho.
cida ), percebendo afinal o erro que practicára no seu retrahi.
mento em referencia á hatalha de Marathona, resolve- se tam
bem a sustentar seus brios tradicionues quando Xerxos, con
tinuando por sen turno as cxpedições de Dario tenta desfar
rar-se dos desastres que esta experimentára .
Xerxes forçando á traição o desfiladeiro das Thermopylas
( onde Leonidas á frente de 300 spartanos conseguira por um
esforço de heroicidade oppôr insuperavel resistencia á passa.
gem de 1.800 : 000 persael) chegn d'est'arte a penetrar na At
tica e a apoderar-se de Athenas Mas, logo após, a hatalha
naval de Salamina, onde Themistocles logra estrategicamen
te involver as forças do Xerxes (anno 489 4. C. ) significa
para o exercito persa um destraço analogo ao da batalba cama.
pal de Marathona.
No anno seguinte a victoria que os Athenienses sob o com
mando de Xanthippo alcançam desbaratando completamente
a armada dos Persas na batalha de Mycale ( junto ao littoral
da Asia), e (n'esse mesmo dia ! ) a memoravel batalha de Pla
téa em que Pausanias ( sobrinho do spartano Leonidas) des
troça um exercito de 300 :000 persas commandados por Mar
donio , - acabam de consummar o triumpho incontestavelmen
te definitivo da Grecia.
0 haroico desfecho das Guerras Medicas sellava gloriosa
meute a hegemonia de Athenas.
Pericles, assumindo agora o espinhoso incargo de invidar
em prol da sua patria todos os recursos de um eminente ge.
nio de estadista, tratou de semear a mãos largas na flores
cente republica atheniense todos os elementos internos de
HISTORIA UNIVERSAL 43

prosperidade. () assombroso grau de esplendur a que lettras,


sciencias, bellas -artes, industrias, agricultura, commercio e
administração publica, subiram por impulso d’este grande
politico, deu azo a que a personalidade de Pericles conseguis
se na llistoria inarcar com o seu nome o seculo en que viveu .
Mas Sparta é que não podia vêr com bons olhos a cres .
cente prosperidade de Athenas. Sparta , quenão se resignava
a abdicar o seu antigo predominio na Grecia, aguardava es
preitando que lhe deparasse o acaso algum pretexto para vir
a braços com a sua rival. D’estes ciumes se organizaram con
flictos que vieram a degenerar n'uma calamitosa guerra , - a
chamada Guerra do Peloponeso.
N'essa demoradissima campanha, em que o temporario re
pouso das treguas nada mais significava do que o preparo
para futura recrudescencia de hostilidades , Athenas e Sparta
padeceram de parte a parte notareis inclemencias. Os Lace .
demonios mesmo, se quizeram levar a melhor em tal conten
da, tiveram de alliar -se com os Persas. D'esta forma o des
troço dos Athenienses na batalha de Egos- Potamos, e a to
mada de Athenas por Lysandro, -fazem com que Sparta con .
siga recuperar entre as cidades da Grecia a supremacia, que
por momentaneo desleixo havia perdido.
Entrementes Thebas ( a capital da Beocia) preparava-se
tambem para desimpenhar a seu turno um brilhante papel
nos annaes politicos da Grecia. Pelopidas estreitando inti
mamente a liga das cidades beocias, e Epaminondas desba.
ratando os Spartanos na batalha de Leuctra, conseguem inau
gurar para Thebas uma verdadeira hegemonia, sobremaneira
accentuada , apezar de ephemera.
Tudo isto, porêm , tinha de ceder ante um novo poderio que
se estava organizando ao norte da Grecia. Este novo pode
rio e a a Macedonia.

Havidos na conta de barbaros pelos Gregos, 08 Macedonios


tinham apenas muito imperfeitamente assimilado a civiliza
ção hellenica. Asua intervenção na politica da Grecia co
meçou quando Filippe (rei da Macedonia) poz em evidencia
o seu prestigio e as forças de que dispunha . Debalde o athe
niepse Demosthenes tentou com o vigor da sua eloquencia
mostrar a seus compatriotas o perigo de similbante interven
ção. Quando Athenas porfin convidou Thebas a colligar - se
contra a politica invasora de Filippe, era tarde já para se
opporem diques ao seu crescente poderio ; a batalha de Che
rouea gauha (no anno 338 A. C.) pelos Macedonios contra os
44 BIBLIOTHECA DO POVO

Athenienses e os Thebanos — assignalou brilhantemente o


despontar do novo astro que ia presidir aos destinos da
Grecia .
Alexandre Magno, succedendo em verdes annos a Filippe
(seu pae), soabe continuar-lhe assombrosamente as tradições,
-e, não contente já em ter como vassala toda a Hellade,
lançou ambiciosas vistas pelo Egypto e pela Asia, passando
o Euphrates e o Tygre, penetrando na India, e submettendo
ovante ao gume dasua espada invicta quantas povoações in
controu na sua longinqua e arrojada expedição .
O genio conquistador de Alexandre fizera do imperio ma
cedonico uma potencia colossal , quasi monstruosa.
Por morte , porém , do grande capitão, que falleceu contan
do apenas 32 annos de edade e 13 de reinado (323A. C.),
ninguem se repatou com forças nem com prestigio sufficiente
para manter sob um unico sceptro tão dilatadas possessões.
O desmembramento do grandioso imperio de Alexandre Ma
gno foi uma consequencia fatal, inevitavel.
O que d'abi por deante se ficou chamando reino da Mace
donia foi -se pouco a pouco limitando e cada vez mais restrin
gindo, a ponto de quasi não ultrapassar a área dos dominios
que o pae de Alexandre Magno deixára a seu filho.
Porſim os Macedonios practicaram a imprudencia de se in
trometterem na lucta travada entre Romanos e Carthagine
zes , resultando apenas por triste consequencia ser o exer
cito macedonico esmagado pelos Romanos na batalha de Cy
nocephalo ( 197 A. C.), e restando-lhes pouco depois como unico
destino o recurso de ficar a Macedonia reduzida ás condições
de provincia romana.
E as proprias cidades gregas ( que debalde haviam tentado
recuperar sua independencia no tumultuoso periodo, a que
por morte de Alexandre Magno déra logar o desmembramen
to do grande imperio macedonico) , essas mesmas acabaram
por succumbir ante a politica conquistadora de Roma.
Depois da batalha de Corintho (ferida no anno 146 A. C.)
toda a Grecia passou a figurar, sob o titulo de provincia, co
mo parte integrante da poderosissima republica romana.
Roma começára porinsignificantissima povoação fundada
nas margens do Tibre 753 annos antes da era christan.
Quer o elegante historiador Tito Livio que de Romulo, seu
fundador, derivasse Roma a denominação. Romulo, descen
dente aioda de Enéas - que ( escapando ao incendio de Troia)
fôra aportar no Lacio (paiz da peninsula italica), - Romulo,
HISTORIA UNIVERSAL 45

chefe de uma horda guerreira, que vivêra até alli de fazer


correrias pelos campos, instituiu sob a forma monarchica o
regimen politico do seu incipiente povoado, e grangeou por
seu genio bellicoso o respeito dos povos circumvizinhos.
Numa Pompiliogo segundo rei de Roma, formúla um co
digo de leis e completa assim os solidos alicerces em que Ro
mulo (seu antecessor ) havia fundado os lisonjeiros auspicios
da nascente nação. A's proezas guerreiras de Romulo succe
diam as aptidões legislativas de Numa.
Em tempo de Tullo Hostilio (terceiro rei) Roma intrava já
desafogadamente no caminho do ingrandecimento ,annexando
por conquista o territorio de Alba-Longa. A Anco Marcio
( quarto rei de Roma, e fundador de Ostia) segue-se ainda o
governo de mais tres monarchas.
Tarquinio Suberbo (o septimo e derradeiro rei) não acaba
seus dias no throno. O insulto com que o principe seu filho
enxovalhou a honra de Lucrecia (uma respeitabilissima da
ma romana) acabou por irritar de vez osRomanos, indispos
tos já contra os tyrannicos vexames de Tarquinio. No anno
509 A. C. era abolida em Roma a realeza e substituida pelo
governo republicano.
Consulesse chamavam os magistrados que presidiam á su
prema administração da republica ; o consulado era uma ma
gistratura annual .
Eleitos, porém , sempre da classe dos patricios (nobres), os
consules mal podiam corresponder ás justas aspirações da
classe popular. Por isso os plebeus insurgindo -se acabaram
por conseguir que, para salvaguardar-lhes e defender-lhes os
interesses, fosse creada uma nova magistratura (imbora su
bordinada à dos consules) - a dos Tribunos da plebe.
Mais tarde, a auctoridade consular chegou mesmo a ser
temporariamente substituida pelo gove no dos decemviros,
sob cuja administração eminentemente favoravel á classe po
pular se publicou o celebre codigo ainda hoje conhecido pelo
nome de Lei das Doze Tabuas (> ).
Porfim os consules chegaram mesmo a ser umas dignida
des mui subalternas, quando ao regimen republicano succe
deu o regimen imperial.
Roma, cujo espirito conquistador foi pouco a pouco sub,
mettendo ao seu poderio todas as nações circumvizinbas, até
completamente exercer pleno dominio em toda a peninsula
(* ) Acerca d'este assumpio pode o leitor consultar o nosso livrinho de Di
reito Romano (vol. XXXVIII da Bibliotheca do Povo e das Escolas).
46 BIBLIOTHECA DO POVO

italica, – Roma, que nas Guerras Punicas logrou ingrande


cer-se e augmentar lisonjeiramente o seu prestigio, anniqui
lavdo a suberba Carthago, — Roma, que implantou o seu do
minio na peninsula hispanica (*), deixando ahi profusamente
disseminados reluzentes vestigios da sua grandeza, – Roma,
que avassalou a Grecia, & Gallia , a Germania, o norte da
Africa, e que mais tarde alongou mesmo as suas conquistas
até ao Oriente, - Roma intendeu um dia que devia trocar
pelo governo auctoritario de um só homem as formulas do re
gimen republicano.
Julio Cesar, o pacificador da Gallia, se não é officialmente
contado no rol dos imperadores romanos, deve pelo menos ser
considerado como aquelle que verdadeiramente aplanou o ca
minho para o estabelecimento do governo imperial.
Octavio ( sobrinho de Julio Cesar) inaugura sob o nome de
Augusto, no anno 31 A. C., a imperial dynastia dos cesares.
Mas na longa serie dos imperadoresromanos a purpura re
veste frequentemente individuos que, longe de serem os paes
do seu povo, são antes os tyrannos da nação e os promotores
da dissolução do imperio. O principio da elegibilidade succe
dendo na práctica ao principio da hereditariedade não conse
gue acabar esses inconvenientes. Pelo contrario o pullular
das ambições dá origem å repetição dos crimes e das torpe
zas. Força é pronunciarem -se alfim a gangrena e o esphacelo
n'aquelle organismo politico sobremaneira assombroso, que,
bavendo nascido em berço humillimo, acabára por dar leis
ao mundo .
E entretanto nas fimbrias septentrionaesdo horizonte co
meçayam a acastellar-se innovelladas e tenebrosas nuvens,
prenuncio de medonha tempestade que mais tarde ou mais
cedo bavia de desincadear-se sobre o mundo romano.
Era a invasão dos Barbaros, que silenciosamente se appa
relhava ao longe para vir, quando chegasse o opportuno mo
mento, ferir a decadente Roma no proprio coração.
Por seu lado o imperador Constantino,commettendo o gran
de erro politico de inaugurar ( em 330 da era cbristan) por
nova capital do imperio a opulenta cidade que fundára de
Constantinopla, creava uma verdadeira antinomia entre os
dois centros, e, quebrando a unidade tradicional, concorria
indirectamente para o infraquecimento successivo do grande
colosso e para a sua inevitavel scissão.
I
(* ) Veja- se o que acerca d'este ponto se disse na nossa Historia de Portugal
(vol. I da Bibliotheca do Povo e das Escolas).
HISTORIA UNIVERSAL 47

Theodosio (378 da era christan) consegue ainda no seu rei


nado manter para o imperio romano um derradeiro periodo de
prosperidade. Mas era, como vulgarmente se diz, o derra
deiro clarão da luz que expira á mingua d'oleo e que, an
tes de completamente se extinguir, rebrilba mais intensa .
mente.

Em 395 da era christan Arcadio e Honorio ( filhos do im


perador Theodosio) consummam a definitiva divisão do im
perio romano, - pertencendo o Oriente a Arcadio, e a Hono
rio o Occidente.
E' então que se pronunciam com verdadeiro vigor e irre
sistivel impeto as invasões dos Barbaros. Do norte e do nor
déste da Europa desce uma inundante irrupção. O seculo v
assiste ao temeroso despenhar d'aquellas hordas, que inces
santemente crescem, recrescem o transbordam por sobre o
mundo civilizado. Wisigodos( capitaneados por Alarico ), Van
dalos (dirigidos por Genserico), e Hunos (commandados por
Attila ), vibram certeiro e ultimo golpe no organismo do im
perio romano.
De Romulo Augustulo (o derradeiro imperador de Roma)
a auctoridade suprema passa directamente para as mãos de
Odoacro (chefe dos Herulos) que no anno 476 se proclama rei
da Italia.
Com este acontecimento monumental incerra -se o cyclo
prodigioso da Historia Antiga. O baquear do Imperio Romano
do Occidente inaugura a Historia da Edade-Média — verda
deiro periodo de transição entre a Historia da Antiguidade e
a Historia Moderna.
Emquanto ao Imperio do Oriente (chamado tambem Baixo
Imperio, Imperio de Constantinopla ou Imperio Byzantino ),
- esse não tinba ainda os seus dias contados. De recente dá
ta, como era,— restava -lhe ainda uma longa existencia. Pag
sando imbora por diversas vicissitudes e transformações, lo
grou entretanto subsistir até meiados do seculo xv. Acompa
nbou por conseguinte todo o periodo historico da Edade
Média.

A Edade-Média abrange effectivamente os dez seculos (in


completos) que medeiam entre o desmoronar do Imperio do
Occidente ante a invasão dos Barbaros e a extincção do Im
perio do Oriente ante a invasão dos Turcos.
A Edade -Média (como a propria designação está significa
tivamente indicando) constitue ( repetimol-o) a phase de tran
sição entre a Edade-Antiga e a Edade-Moderna. Mas longa e
48 BIBLIOTHECA DO POVO

dilatada, como todas as phases de transição quando as cara


cteriza uma lenta elaboração de novas idéas, uma creação de
novas forças, uma incubação de novos organismos, uma re
constituição de sociedades,um fiat lux (*) atravez das trevas
do cabos ,—a Edade-Média representa na Historia um periodo
interessantissimo.
Sobre a escuridảo d'essa longa noite começára desde o prin
cipio a bruxulear como aurora boreal nas regiões polares um
auspicioso clarão que breve havia de converter-se em radia
ções mirificas. Era a luz do christianismo. Era o reflexo d'es
sa cruz scintillante que Constantino tinha outróra em beati.
fica visão podido contemplar no azul do firmamento .
O paganismo cahíra a pedaços ; por sobre a podridão do
mundo romano passara como um cauterio a impetuosidade
brutal dos Barbaros. Ao christianismo, fundado por Jesus no
sacrificio do Golgotha e cimentado posteriormente com o der
ramado sangue de tantos martyres sob a perseguição pagan,
incumbia a doce missão de suavizar com lenitivo balsamo a
crueza da eschara e transformar aquelle tempestuoso cataclys
mo em manancial de esperanças.
A' primeira vista o periodo medievo figura -se, por sua ex:
trema complicação, difficil de caracterizar. Dir-se-hia que sob
o violento tropel dos invasores vai tudo ficar sepulto em rui
nas, e pouco faltaria para crer que vai o mundo prestes dis
solver-se e extinguir -se. Dos proprios estados que algumas
das tribus dos Barbaros conseguem formar e assentar, conti
nuam a derivar-se novos elementos de terrivel agitação, ma
nifestados ora por suas perpetuas revoluções, orapelas catas
trophes com que termina a sua ephemera existencia.
A grande unidade politica realizada por Carlos Magno
que, ao finalizar do seculo vili, consegue temporariamente por
um dique à torrente anarchica, fundindo n'um unico imperio
as tribus germanicas, - essa mesmo, imbora exuberantemente
revele os altos dotes do eminente principe, apresenta apenas
a curta duração de um simples insaio. E logo depois a Euro
pa acaba por nos offerecer o dilacerante espectaculo de infi
nitamente se retalhar com o estabelecimento do feudalismo;
é essa a feição caracteristica da sociedade européa (especial

(*) Fiat lux («faça -se a luz» ) -- taes são as palavras que a versão latina do
Genesis põe na bocca de Jehovah , quando este faz prodigiosamente brotar a
luz d'entre o seio das trevas .
Dixitque Deus : Fiat lux . Et facta est lux .
«E disse Deus : Faça - se a luz. E foi feita a luz,
HISTORIA UNIVERSAL 49

mente em França e na Allemanha ) durante o periodo que de


corre desde o seculo ix até ao seculo XII.
Ainda assim , - no meio da apparente confusão (inherente a
esse multiplo desmembramento em corpusculos politicos com
a forma de pequeninos estados e senhorios administrativa
mente independentes, desmembramento que caracteriza o re
gimen feudal), - ainda assim, o laço poderosissimo de uma fé
commum e a acção de um governo espiritual (a Egreja ) que
em tudo domina, estabelecem moralmente uma unidade real ,
e fazem do mundo europeu (afinal de contas já mais conside
ravelmente extenso do que o antigo mundo romano) uma gran
de familia : a christandade.
Entre os elementos, que assaz contribuiram para dar no
tavel relevo ao periodo medievo, cumpre não deixar em olyi
do o elemento musulmano. Mahomet ( que os nossos antigos
chronistas designam pelo nome de Mafoma, e a quem mais
exactamente deveriamos chamar Mohammed ), – Mahomet,
fundando no seculo vii o islamismo, lançára simultaneamente
os alicerces de um grandioso imperio (o kalifadą de Bagdad)
e os germens de uma civilização originalissima (a civilização
arabica ).
Contra o alfange dos musulmanos se foi briosamente impe
nhar a flor da cavallaria feudal n'essas enthusiasticas expe
dições que o pontifice Urbano II e Pedro o Eremita promo
veram por suas prédicas convidando os povos da cbristanda
de a irem libertardo poder dos infieis o Santo Sepulcro (na
Palestina), expedições que a fina galbardia do celebre Godo
fredo de Bouillon inaugurou em fins do seculo xi.
Por outro lado os Sarracenos (egualmente sectarios do Is
lam ) passando das terras africanas ás hispanicas em 711, e
derrotando na batalha de Guadalete os Wisigodos que ante
riormente haviam conseguido sujeitar ao seu dominio a nossa
peninsula (*), os Sarracenos attingem no kalifado de Cor
dova a mais deslumbrante elevação a que pode chegar o es
pirito privilegiadamente artistico de um povo. O benefico in
fluxo dos Arabes na parte mais occidental da Europa fez -se
avantajadamente sentir como verdadeiro elemento civilizador,
de que ainda hoje é facil incontrar vestigios em Portugal e
mórmente na Hespanha.
Do feudalismo, porêm, o periodo florescente não passa do
seculo XII . D'ahi por deante a sociedadefeudal yai logo intran

(*) Veja -se o que ficou díto nas pag. 6 e 7 da nossa já citada Historia de Por
tugal.
50 BIBLIOTHECA DO POVO

do na phase da decadencia paradar logar á constituição das


grandes monarchias modernas. No centro da Europa o impe
rio da Allemanha e a França,- ao norte a Inglaterra e os Es
tados Scandinavos,-na peninsula bispanica osreinos de Leão,
de Castella, de Aragão, que mais tarde hảo de associar-se e
fundir -se,-1
,- na orla occidental da peninsula o auspicioso rei
no de Portugal, representam outros tantos estados que ora
tratam de assentar em solidas bases a sua organização politi.
.ca, e que a Edade-Moderna verá com assombro desimpenha.
rem a parte mais activa nas lides da civilização, deixando ven
cidas e esquecidas a um canto as mais opulentas republicas
da commerciante Italia, taes como Veneza e Genova.
Só Constantinopla é que succumbirá ante a invasão dos
Turcos Othomanos. O Imperio Byzantino cabirá aos golpes do
alfange de Mahomet II.
Para estabelecer a verdadeira demarcação entre a Historia
da Edade-Média e a Historia Moderna, o facto capital que os
historiadores ordinariamente invocam é a tomada de Constan .
tinopla pelos Turcos em 1453.
O certo, porêm, é que (tres annos antes) menciona a Histo
ria um acontecimento, digno por motivos multiplos de repre
sentar o verdadeiro limite de separação entre os dois perio
dos bistoricos a que nos estamos referindo.
A descoberta da imprensa em 1450 realizada por Guten
berg constitue realmente o facto monumental a que têem de
subordinar- se todos os acontecimentos da Historia Moderna.
Este memoravel successo , permittindo ao pensamento hu
mano o seu desafogado e legitimo desinvolvimento, determi
na um cunho frizante de veracidade nas narrativas historicas,
por supprimir radicalmente as causas multiplas de erroneas
informações que pelo interesse ou pelo medo a tyrannia das
minorias despoticas e oppressivas costumavam , tradicional
mente impor á dependente subserviencia dos subjugados e
opprimidos.
À descoberta da imprensa inaugura depéras o periodo aus
picioso em que a verdadeira Historia vai reivindicar seus di
reitos.
O prelo typographico vai ser nasmãos dos pensadores um
poderoso instrumento de rectificação e propaganda, fazendo
com que a instrucção possa facilmente descer ås camadas in
fimas da sociedade humana, em vez de se concentrar exclusi
vamente nas mãos de meia -duzia de privilegiados.
Simultaneamente, como se no espirito humano influisse de
HISTORIA UNIVERSAL 51

subito um magico influxo, parece que tudo renasce e tudo re


juvenesce, tudo se reconstitue sob uma nova face.
No mundo das bellas artes esse repullular de vida recebe
mesmo o significativo nome de Renascença . No mundo das
bellas- lettras resurge a paixão pela Antiguidade classica.
Desponta no mundo das sciencias a febre enthusiastica do
trabalho. E de descoberta em descoberta a sociedade vai cami
nhando a passos seguros no caminhº do seu aperfeiçoamento.
Os commettimentos maritimos dos Portuguezes, iniciados e
promovidos pelo infante D. Henrique na escola deSagres,da
rão a seu turno resultados practicos de pasmosa influencia nos
destinos da humanidade, já preparando a gloriosa epopea do
novo caminho rasgado para a India atravez do Oceano, já oc
casionando indirectamente o descobrimento do Novo-Mundo.
A immortal descoberta de Gutenberg, cortando exactamen
te pelo meio o auspiciosissimo seculo xv, inaugura devéras na
historia da humanidade uma nova era. E n'este meio -seculo
que decorre desde que JoãoGutenberg inventa a imprensa até
que Pedro Alvares Cabral descobre o Brazil , dir-se-hia uma
scintillante constellação de ininterruptos prodigios.
Em 1453 cede Constantinopla ante os esforços de Mahomet
II, mas a fundação do Imperio Othomano não significa a im.
plantação da barbaria na Europa ;$ significa, sim , para o Occi
dente uma alvorada de esperanças antea dispersão dos mon
ges gregos que nas suas tranquillas cellas do Oriente arreca
davam exclusivamente para si a sua erudição e a sua scien
cia, mas que irão d'ora avante disseminar na emigração os
seus preciosos conhecimentos. Com a tomada de Constantino
pla pelos Turcos, coincide o fim da porfiada e desastrosa
Guerra dos cem annos entre a Inglaterra e a França.
Os Mouros acabam por desapparecer definitivamente da
Hespanha sob os esforços de Fernando de Aragãoe de Isabel
a Catholica ; termina alfim, apoz quasi oito seculos comple
tos, odominio dos Sarracenos na peninsula , - dominio contra
o qual durante tantotempo haviam pugnado teimosos os reis
de Castella e de Leão, menos felizes n'esse ponto do que os
reis de Portugal (que já dois seculos antes tinbam de vez ex
pulsado os Arabes do Algatve) .
Entrementes começa a esmorecer a supremacia pontificia.
A Russia prepara -se para insaiar o seu nascente poderio.
O imperio da Allemanha, esmordaçado por dissenções inti
mas,constitue uma das principaes causas para a consolida
ção do dominio othomanona Europa.
Firma-se a nacionalidade em França ; Luiz XI, aproveitan
52 BIBLIOTHECA DO POVO

do todos os recursos da sua politica vulpina, consegue abai.


xar o predominio da aristocracia e centralizar nas mãos da
realeza o summo poderio, mas simultaneamente inicia na vi.
da nacional o elemento popular. As luctas entre Luiz XI de
França e Carlos o Temerario, duque de Borgonha (*), aca
bam por dar como resultado a elevação da casa d'Austria.
Por seu lado a Inglaterra, reconcentrada na sua ilha, dei
xa-se tristemente devastar por discordias internas que dege
neram em guerras sanguinolentas, e que em 1483 offerecem
como remate ausurpaçãodo throno realizada por um princi.
pe cujo nome figura na Historia sinistramenteaureolado ; Ri
cardo III se chamou,depois de rei, esse principe.
Na Hespanha os Reis Catholicos commettem o gravissimo
erro de admittirem nos seus estados o ominoso tribunal da
Inquisição, e no seu excesso de intolerancia practicam outro
não menos grave ( o de expulsarem de Hespanha os Judeus).
D. João II de Portugal, politico sagaz que soubéra conso
lidar definitivamente as prerogativas regias, abatendo os al.
tivos privilegios da nobreza , e realizando entre nós como
aguia o que Luiz XI'realizára em França como raposa,-D.
João II aproveitou o erro dos monarchas seus vizinhos, aco
lhendo no reino os elementos de prosperidade que a Inquisi
ção hespanhola afastava de la ao expulsar a familia judaica.
Em compensação Isabel a Catholica, recebendo com faguei
ra acolheita o genovez Christovão Colombo, que os cosmogra
phos portuguezes haviam julgado visionario, inscrevia na his
toria do seu reinado o mais glorioso feito.
Christovão Colombo, descobrindo a America ( em 1492), não
se limita unicamente a abrilbantar com aquella incompara
vel joia a corôa hespanhola ( cujo poderio vai por essefacto
tornar-se formidavel);— visa mais longe o alcance do seu des
cobrimento , porque torna d'elle participes os povos da Eu
ropa toda (melhor diriamos, a humanidade inteira), rasgan
do-lhe novos recursos e novos elementos de prosperidade nos
argos horizontes de um novo mundo.
Portugal no em -tanto caminhava intrepido fazendo velejar
as suas caravelas

Por mares nunca d'antes navegados.


Vasco da Gama, que sabíra da barra do Tejo no mez de
julho de 1497, lograva dez mezes depois aportar na India , sul
( * ) Carlos o Temerario (duque de Borgonha) era filho de Filippe o Bom e da
duqueza D, Isabel ( filha de el-rei D. João I de Portugal).
HISTORIA UNIVERSAL 53

cando com as quilhas da sua pequena esquadrilha a estrada


trans -atlantica, sem recuar ante as decantadas tormentas do
Cabo da Boa Esperança que já em 1487 Bartholomeu Dias
se tinha aventurado a affrontar.
Finalmente em abril de 1500 descobria Pedro Alvares Ca
bral as deslumbrantes terras de Santa-Cruz,- colonia riquis
sima com que durante tres seculos se opulentou a corôa por
tugueza, e que por fim ( já na phase da Historia Contempora
nea) reclamou ante a mãe-patria os seus direitos de maiori.
dade, para figurar como glorioso imperio entre as nacionali
dades americanas.
Emquanto a peninsula hispanica laborava n’esta senda bri.
lhante de commettimentos maritimos, a peninsula italica sof
fria politicamente as consequencias de achar-se retalhada
n'um grande numero de pequeninos estados.
Exposta (por assim dizer) em basta publica, ao alcance de
quem por sua maior bravura ou por sua mais notavel babili.
dade lograsse cobrir o lance,- a Italia era na segunda meta.
de do seculo xv a rica, mas desventurada preza, que tanto na-.
cionaes como extrangeiros disputavam porfiadamente para lhe
compartilhar os retalhos.
E n'esta escandalosa expoliação que toma tambem uma
parte activissima, por entre os mutuos debates dos povos e
dos reis, o unico elemento que, afinal de contas, pela sua pre
ponderancia moral, poderia ser o sensato regulador de tão
desincontrados interesses, se a sua intervenção se limitasse
puramente a restabelecer o equilibrio e a ordem onde tumul
tuosamente rebentavam a desordem e o equilibrio.
Esta grande potencia era o Pontifice.
A sua excepcional supremacia proporcionava -lhe recursos
para constituir-se um elemento social verdadeiramente ordei.
ro, conciliador e pacificador, verdadeiramente soberano, e au
ctoritariamente preponderante nos destinos politicos da Eu
ropa, talvez nos destinos politicos da humanidade !
Mas tal não foi! tal não quiz, ou não soube, ou não poude
ser ! Pelo contrario : os funestos excessos em que o Papado vai
precipitar-se, acarretar-lhe :hão como consequencia fatal a
progressiva diminuição da sua influencia.
Breve rebentará na Allemanha o grande movimento da Re
forma, - elemento religioso -politico , mas ainda maispolitico
do que religioso, em prol do qual batalharão intrepidos pen
sadores, secundando assim o grande passo dado na estrada da
civilização pela immortal descoberta de Gutenberg.
A caracteristica da Historia Moderna será effectivamente
54 BIBLIOTHECA DO POVO

baseada na alliança da reforma religiosa com a livre diffusão


do pensamento humano. Pelo barmonioso conjuncto d'estes
dois auxiliares se resolverão as questões magnas do porvir,
A conquista de Milão por Luiz XII de França anima este
monarcha a disputar á Hespanha a soberania do reino de Na
poles,- emquanto por sua parte o papa Julio II diligenceia,
impunhando as armas, expulsar da Italia aquelles a quem
chama Barbaros .
No intuito de arcar com a poderosa republica veneziana ,
Julio II allia -se com Maximiliano I (de Allemanha),com Luiz
XII (de França ), e com os Reis Catholicos de Hespanha.
Veneza acaba por succumbir na lucta ; e , quando chega
o momento de irromperem entre os alliados as desavenças
mutuas, o Pontifice aproveita essa discordia em prol da sua
idéa secreta, mas constante, o sonho aureo do dominio politi
co em toda a Italia.
Apoz vinte annos de combates os Francezes perdem afinal
na Italia o fructo de suas anteriores conquistas.
Francisco I ( filho de Luiz XII) é que tenta (depois de su.
bir ao throno) fazer reviver os tradicionaes commettimentos
de seu pae ; ; e as suas luctas com Carlos V de Allemanha
teriam effectivamente constituido em seu reinado uma das
mais gloriosas paginas da Historia, se o instigassem motivos
quenão fossem puramente os da ambição .
Mal succedido nas suas pretenções ao imperio da Allema.
nha, Francisco I de França busca incontrar na guerra o que
a politica lhe recusou. Os seus ambiciosos sonhos de gloria fe
necem -lhe em 1525 na batalha de Pavia, em que desastrosa
mente fica derrotado.
Carlos I de Hespanha, que herdára de Fernando d'Aragão
e de Isabel a Catholica um reino (onde a politica administra
tiva do cardeal Ximenes havia concentrado em- volta da co
rôa as mesmas altasprerogativas que em França conseguíra
a astucia de Luiz XI e em Portugal a energia de D. João
II), Carlos I de Hespanha, que subíra ao throno da Allema
nha (quando apenas contava dezenove annos de edade) sobo
nome de Carlos V,- achava - se em 1529 nem mais nem me
nos que senhor da Italia.
Francisco I, para contrabalançar a crescente influencia do
seu rival nos destinos da Europa, allia-se manhosa e momen
taneamente (em 1532) com os Turcos e com os principes lu
therapos.
D'esta coalisão, que resulta ? Resulta : - Carlos V invadir
a Provença ; Francisco I reconquistar o Piemonte ; Solimão
HISTORIA UNIVERSAL 55

derrotar em Essek os Austriacos (em 1537); e o territorio de


Flandres, que se offerecia &o rei de França, ser intregue por
este ao imperador da Allemanba.
Assim decorre n'uma tumultuosa vida, sempre mais ou me
nos agitada pelos accidentes da guerra, o governo de Fran .
cisco 1, - principe, cujo nome aliás ficou vinculado á renas
cença das lettras e das artes. Assim o não tivesse instigado
sua ambiciosa politica a practicar inconveniencias e desvarios,
- chegando inclusivamente a postergar os deveres da lealda
de cavalheiresca, elle que em pontos de honra aspirava a ser
tido na conta de um verdadeiro paladino!
Foi essa mesma politica ambiciosa que o induziu a ir pa.
ctuarcom os crentesdo Islam e com os principes lutheranos,
sacrificando provisoriamente na ara dos interesses proprios o
fanatisdo que professava, e cuja intolerancia algumas vezes
teve occasião de frizantemente demonstrar para com os par
tidarios da Reforma.
E aqui estamos nós agora perante o facto capital do seculo
XVI A celebre Reforma, iniciada por Luthero, teve por fundu
mento os inqualificaveis abusos commettidos pelos pastores
da Egreja Romana ; — foi-lhe ponto de partida o escandaloso
trafico de indulgencias com que osuccessor de Julio II, o pa
pa Leão X, inteodeu dever resarcir as finanças do erario pon
tificio. E, á sombra d'esse pretexto, começa em 1517 uma lu
cta sem treguas contra o despotismo auctoritario da intole.
rancia espiritual.
O livre exame, restricto imbora nos primeiros tempos ao
campo religioso, acaba por assumir mais vastos horizontes e
aventura -se a discutir os proprios fundamentos da auctorida .
de politice. Justificada fica, pois, de sobra a nossa asserção,
quando apontamos por facto capital no seculo xvi a Reforma
de Luthero.
Em volta do celebre monge, que tão profunda revolução
veio occasionar na politica da nova era, prestes começou a
tumultuoda ebullição dos povos em seu natural instincto de
curiosidade. Zwinglio, Calvino, Knox e varios outros, mar
cham successivamente no trilho de Luthero, arrastando pro.
selytos e creando sectarios. Na InglaterraHenrique VIII,por
commodidade egoista para com suas paixões e sen espirito de
absolutismo, aproveita o ensejo de simuitaneamente se de
clarar chefe politico e religioso dos seus subditos. Assim
realiza o anglicanismo a suaestreiana Historia em 1532.
Opapadoreconhece com verdadeiro terror, que prestesse
lhe escapará das mãos o seu predominio espiritual. Para epi
56 BIBLIOTHECA DO POVO

tar este imminente cataclysmo, a côrte de Roma prevê neces


sario, indispensavelmesmo,o estabelecimento de uma refór.
ma relativa. Paulo III, Paulo IV, Pio IV, Pio V e Xisto V,
tentam successivamente desimpenbar- se d'essa espinhosa ta
refa. A Inquisição romana, a instituição dos Jesuitas, as pré
dicas, as escolas, e o concilio de Trento (em que tão notavel
mente figurou o nosso virtuoso arcebispo de Braga, D. Fr.
Bartholomeu dos Martyres) , representam verdadeiras mani.
festações do constante esforço empregado pelos Pontifices de
incontro á tempestade que ingevoava os ares nas regiões do
livre pensamento.
Filippe II de Hespanha, o fanatico filho do imperador Car
los V , busca a seu modo secundar os esforços do papismo ac
cendendo nas Provincias-Unidas dos Paizes-Baixos (cujo go
yerno lhe toca por quinbão) os clarões sinistros das foguei
ras inquisitoriaes. A collaboração que estas provincias accei
tam na lucta contra o despotismo da consciencia, procura Fi.
lippe II anniquilál-a pela violencia brutal; mas se o Demonio
do Meio-dia (assimchamavam lá significativamente ao lugu
bre filho de Carlos V), se o torvo monarcha logra momenta.
neamente humilhar é subjugar os liberaes sentimentos dos
Paizes- Baixos,— prestes a Hollanda conseguirá affirmar sua
nacionalidade contra as hostes castelbanas confiando a Gui:
lherme de Orange os destinos da sua politica.
A França entretanto, a christianissima França, vê pene
trarem -lhe no amago as novas doutrinas, por mais estorvos
que á sua propagação successivamente opponbam os monar
chas da dynastia Valois.
A carnificina de Wassy em 1562, e sobretudo & celebre
Saint-Barthélemy em 1572 (a horrorosa matança inaugurada
em Paris no dia de S. Bartholomeu, matança que tão sinis
tramente foi depois repercutir em todo o reino), marcam de
véras um estigma indelevel na monarchia franceza .
Só Portugal e a Hespanha (em consequencia talvez da sua
situação geographica, excentrica em relação ao resto da Eu.
ropa) logram escapar ao crescente influxo da Reforma ; &c.
crescente- se a isto o pronunciado fanatismo dos seus gover
nantes que não hesitam em recorrer a quantas medidas de
violentissimo rigor lhes lembre sua intolerante consciencia.
Na Hespanha os brazeiros da Inquisição illuminaram com
seus avermelhados clarões as scenas tragicas dos autos - de -fé.
Em Portugal,quando a Inquisição chega a penetrar,admit
tida em 1537 pelo torvo fanatismo de D. João III, -já el-rei
D. Manuel havia preparado até certo ponto o caminho par
HISTORIA UNIVERSAL 57

essas practicas de intolerantismo decretando a expulsão dos


Judeus (que no reinado anterior haviam sido benevolamente
acolhidos pelo sensato espirito de D. João II, e que ora pas
savam a refugiar -se na Hollanda).
A perda de el -rei D. Sebastião na malfadada batalha de
Alcacer-Kebir, prostrando alli de vez nos areaes d'Africa as
aureas ambições d'aquelle doido heroico, e rasgando definiti
vamente o caminho para a perda interina da nacionalidade
lusitana, accrescenta aos dominios de Filippe II mais esta
preciosa perola que se chama Portugal.
Ah ! mas debalde o intolerantismo pretenderá sustentar o
campo falso em que pompeia ; já imprescriptivel lhe soou a
bora fatal da decadencia . Debalde o fanatismo das potencias
catholicas, irá nas incantadas regiões do Oriente, nas do Perú
ou nas do Mexico, disseminar a ferro e fogo o opprobrio e o
lucto ; nem as pedrarias do Oriente, nem o oiro e a prata do
Mexico e do Perú, lograrão salvar da decomposição e da mor
te organismos condemnados pela supremacia do bom- senso.
Quanto mais brutal se manifestar a violencia dos que pre
tenderem pela mão do algoz cercear as azas do pensamento,
- mais cedo soara na serie dos tempos a hora fatidica da des
affronta ; cadafalsos, tormentos e fogueiras inquisitoriaes,
será tudo baldado ; por toda a parte, d'entre as cinzas dos
martyres surgirão exuberantemente os seus vingadores.
Henrique de Navarra, subindo ao throno da França e cin
gindo a corôa sob o nome de Henrique IV, inaugura a dy
nastia dos Bourbons em successão á dynastia dos Valois . Sob
o seu reinado começa devéras a pronunciar-se a declinação
da casa d'Austria, e o celebre edicto de Nantes (garantindo o
livre exercicio da religião reformada) marca para a França,
ao finalizar do seculo xvi, una auspiciosa era de prosperida
des em que (extincta a incarniçada lucta de partidos entre
catholicos e huguenotes) começará para aquelle paiz a raiar
brilhante aurora de futuras grandezas.
O cardeal de Richelieu - que representa na côrte de Luiz
XIII em França um papel n'alguns pontos comparavel ao que
já na Hespanha representára o cardeal Ximenez de Cisneros,
e ao que mais tarde o marquez de Poinbal devia representar
na côrte d'el -rei D. José I de Portugal ,- assenta em bases
solidas a organização politica do seu paiz, subjugando com
energia inabalavel as impertinentes pretenções da nobreza e
centralizando na coroa todo o poderio administrativo.
Promovendo simultaneamente o abatimento da casa d'Aus
contra a qual se impenha (em 1635) na famosa Guerra
58 BIBLIOTHECA DO POVO

dos trinta annos, o omnipotente ministro de Luiz XIII pre


para para a França o breve advento de uma epocha, em que
lhe caberá de vez exercer na Europa incontestavel predomi.
nio politico .
Quando o insigne estadista falleceu em 1642, que vemos
nós na Europa ?
A Suecia a despontar no horizonte ; Portugal com a sua in .
dependencia (reconquistada em 1640); a influencia da Hes
panha nos negocios politicos do continente europeu , & de
crescer de dia para dia ; e a Inglaterra, a Inglaterra que Isa
bel:( filha de Henrique VIII) soubéra varonilmente erguer 4s
proporções grandiosas de uma nação de primeira ordem , &
Inglaterra ia prestes achar-se a braços com os deplorapeis
desastres de uma prolongada guerracivil.
O advento da dynastia Stuart ao throno de Inglaterra ( pela
extincção da dynastia Tudor na pessoa da rainha Isabel), a
lucta entre o Parlamento e Carlos I, o tragico fim d'este mo
narcha sob o cutello do algoz, o protectorado de Cromwell
succedendo á realeza dos Stuarts e porfim a restauração d'es
tes principes á corôa ingleza, assignalam effectivamente por
um modo notavel no seculo xvi a historia politica da Gran
Bretanha ; -- mas o tumultuar revoltoso, que durante annos
agita esse paiz, absorve-lhe quasi exclusivamente na poli
tica interna a sua actividade e até certo ponto o sequestra
(permitta -se -nos a expressão) do grande movimento europeu.
Tudo se organiza e dispõe para que sob o governo de Luis
XIV a França consiga imporalfimna Europa a sua prepon
derancia politica.
Secundado por estadistas de primeira plana (como foram
incontestavelmente Mazarini, Colbert e Louvois ), defendido
por cabos de guerra (como Vauban, Condé e Villars ), deifi.
cado por uma pleiade gloriosa de talentos brilhantissimos que
assigpalaram com as suas producções indelevelmente atraves
dos seculos a epocha em que viveram , — Luiz XIV, que syn
thetiza a realeza despotica em toda a sua pujante plenitude,
- Luiz XIV architecta em seus ambiciosos sonhos, nem mais,
nem menos, do que a monarchia universal.
No desmedido horizonte dos seus phantasticos desejos, o
poderoso monarcha não conhece limites para o seu orgulho.
A conquista de Fisindres (em 1667) e a annexação do Fran
che -Comté (em 1673 ) accendem -lhe os brios e animam - n'o :
preparar (em 1692) uma expedição contra a loglaterra. Ahi,
porêm, começa - lhe a victoria a voltar as costas ; Guilherme
He Nassau é a cage d'Austria tratam egualmente de oppôr
HISTORIA UNIVERSAL 59

seus esforços como estoryo aos ambiciosos sonhos do monár


cha francez.
No principio do seculo xvil trava -se inflammadissima &
Guerra da successão de Hespinha, -- guerra em que D. Pe
dro II de Portugal practicoutambem a dispensavel impru
dencia de intrometter-se (perfilhando as pretenções da casa
d'Austria contra Luiz XIV de França, quando ambos dispu
tavam calorosamente qual devia dar um monarcha ao throno
de Hespanba, vago pelo fallecimento de Carlos II). .
Luiz XIV consegue effectivamente supplantar a casa d'Aus
tria, e accentuar nos futuros destinos da Europa o predomi.
nio da familia Bourbon , assentando por monarcha no throno
de Hespanha seu neto Filippe V , imbora a satisfacção d'esse
orgulho seja comprada á custa de sacrificios enormes.
E entretanto – longe, bem longe d'este agitado theatro em
que tumultuosamente se digladiavam as ambições pessoaes e
se 'ventilavam calorosamente os destinos das nações,-des
pontava lá no canto-nordéste da Europa, madrugava em meio
das neves e dos gêlos, aprestava -se para vir desimpenhar pa
pel importante nas lides da civilização uma vasta região ha
bitada por Barbaros.
Pedro o Grande, que em 1687 concebeu o arrojado proje
cto de converter os tartaros do imperio moscovita em civili
zados subditos para que mais tarde a autocracia do czar da
Russia possa tornar definitiva e real a sua aspiração de do
minar em toda a Europa - Pedro o Grande começa por af.
frontar amargas vicissitudes em sua longa lucta travada con
tra Carlos XII da Suecia, mas acaba por affirmar alfim o bri
lhante prestigio da sua individualidade na completa victoria
que a batalha de Pultawa lhe proporciona em 1709 contra
as hostes suecas, abatendo assim o nascente poderio d'aquella
nação. Pedro o Grande é verdadeiramente o fundador da co
lossal influencia que a Russia devia assumir mais tarde nos
destinos politicos da Europa. Pedro o Grande constitue entre
o seculo xvii e o seculo Xvit um elo brilhante a estabelecer,
como por incanto, rapida transição da Moscovia barbara e re
trabida para a moderna Russia das ambições gigantescas.
O influxo de Pedro o Grande representará para os seus suc
cessores uma auspiciosa aurora, cujo clarão lhes competirá ir
progressivamente augmentando no impenho de levarem ao
cabo a tarefa grandiosa que o genio d'aquelle notabilissimo
principe lhes legou : a de reconstituirem peça por peça em
maravilhoso edificio o poderio preterito dos cesares romanos.
E emquanto a Dinamarca vai tomando (aliás, sem vanta
60 BIBLIOTHECA DO POVO

gem propria ) parte effectiva n’estas desincontradas luctas do


nordeste da Europa, - emquanto a Polonia tão recommenda.
vel por suas tradições cavalheirescas prepara na inconve
niente imprudencia das suas leviandades a perda futura da
sua autonomia politica,- surge com o raiar do seculo xvil
uma nova potencia monarchica, a Prussia que hạ -de pelo re
gimen militar grangear no futuro uma preponderancia incon
testavel entre as nações européas ; o simples eleitorado du.
cal, que Frederico I consegue em 1701 elevar a reino, irá
progressivamente crescendo nas mãos dos seussuccessores,
entre os quaes avultará com assombroso brilhantismo o nome
de Frederico o Grande (Frederico II), monarcha notavel que
reune as feições de poeta e de philosopho ás de politico e de
estrategico, afortunado guerreiro que aproveita astuciosa
mente as guerras da Allemanha (nas questões da successão
20 throno, vago por morte do imperador Carlos VI) para in.
riquecer a Prussia com a Silesia ,e que mais tarde intrará
em conluio com a Austria e com a Russia para entre si reta
lharem a desventurada Polonia.
A absorvente personalidade de Luiz XIV tinha effectiva .
mente invadido à grande familia europea.
De toda a parte repullulava a ambição nos reis,- e em to
da a parte os povos continuavam prestando-se mais ou me
nos ao jugo dos imperantes, por odioso que este fosse.
Apenas os cantões da Suissa permaneciam politicamente
unidos e congregados sob a forma de confederação,-,-e felizes,
verdadeiramente felizes no pacifico bucolismo dos seus valles,
na simplicidade ingenua de uma administração patriarchal,
na fruição ampla da independencia e da liberdade, sem luctas
fratricidas que os sacrificassem ás desincontradas ambições
de coroados tyrannos.
Approxima -se,porém, a hora fatal em que os povos acabarão
por apprender de vez a conhecer os seus direitos, e a sus
tentál-os quando preciso fôr; - approxima-se o momento go
lemne em que os povos se recusarão a inconscientemente cur .
varem -se ante o jogo odioso da tyrannia despotica.
Os reis, simultaneamente aguilhoados pelo estimulo das
ambições desmedidas, tratarão de fortificar -se quanto possi
vel em seus intrincheiramentos, - e, quando não pudérem au
gmentar pela conquista a extensão territorial dos seus domi
nios, impedirão pelo menos que as ambições dos vizinhos lhes
desfalquem os florões das corôas.
Tudo isso, porêm, vai ficar de secundaria importancia ante
o grande movimento no espirito dos povos.
HISTORIA UNIVERSAL 61

Presente-se no horizonte a aurora de uma nova phase 80


cial. A Reforma de Luthero, marcando pela liberdade da cons
ciencia o primeiro passo na alforria da humanidade, carece
de tornar effectivas nas sociedades humanas todas as suas
naturaes consequencias.
Contra a reforma religiosa debalde propugna a prepotencia
dos offendidos interesses, —debalde porfia a violencia dos des
potas impondo-se á consciencia pelo terror ou pela astucia.
Alastra-se o lutheranismo na Allemanba e na Suissa ; resiste
o calvinismo na França ás perseguições exercidas por Luiz
XIV e traduzidas especialmente na revogação d'aquelle mes
mo edicto de Nantes que seu avô (Henrique IV ) sensatamente
promulgára ; na Inglaterra o protestantismo acaba por domi
nar livremente, e os repressivos tentames de Jayme II só in
contram como desfecho a substituição da dynastia Stuart no
throno da Gran-Bretanha pela dynastia de Orange (prove
niente da Hollanda ).
No ultimo quartel do seculo XVIII a palavra liberdade, dei.
xando de ser um symbolo abstracto, começa a denunciar prá
cticamente sua verdadeira significação. As colonias inglezas
da America Septentrional dãoa iniciativa d'esse glorioso mo
vimento pugnando pela sua independenciae proclamando em
1776 a confederação republicana dos Estados-Unidos.
Depois na Europa --a França, como se o exemplo fôra con
tagioso, arvora em 1789 o evangelho da egualdade. A socie
dade civil entra evidentemente n'uma pbase nova. Os acon
tecimentos que d'aqui se derivam pertencem ao dominio da
Historia Contemporanea .

A deposição de Luiz XVI em 1792 e a subsequente substi


tuição do regimen monarchico pelo governo republicano aca
bam de pôr em evidencia a pre -eminencia da França entre
todas as nações européas. Assim não tivesse a Revolução
Franceza tão patriotica, tão nobremente iniciada em 1789,
manchado com os horrores, que medeiam entre 1793 e 1794, o
seu glorioso advento,- preparando d’est'arte indirectamente
o caminho a quein no futuro tinha de soffrear e debellar a
crescente anarchia ! por este modo se explica o baquear das
instituições republicanas ante a ambição titanica de Napo.
leão Bonaparte que, depois de assombrar as nações circumvi
zinhas com o seu prestigio militar, acaba por se fazer sagrar
imperador dos Francezes e transformar provisoriamente a fa
ce politica da Europa, repartindo corôas a seu talante.
A reacção que afinal as nações colligadas promovem con
62 BIBLIOTHECA DO POVO

tra a retumbante individualidade de Napoleão dão em resul


tado tombar na batalha de Waterloo (1815) o regimen impe.
rial da França , substituido pela Restauração dos Bourbons
na pessoa de Luiz XVIII (irmão do guilhotinado rei Luiz XVI).
Mas as idéas liberaes tinham já calado um tanto no amago
do espirito dos povos.
Em 1799 Napoles proclamára enthusiasticamente a Repu
blica Parthenopéa ,- devaneio ephemero que prácticamente
não significára mais do que uma frustrada tentativa, mas que
em todoo caso deixára disseminado o germen do liberalismo.
Em 1820 levantava Riego na Hespanha o grito da liber.
dade proclamando patrioticamente o restabelecimento da li.
beral constituição de 1812.
Portugal affirmava na celebre revolução de 1820 (iniciada
no Porto aos 24 de agosto) as suas tendencias liberrimas (já
reveladas pelo infelizGomesFreire de Andrade na sua mal
lograda conspiração de 1817), - e a soberania da nação re
presentada por um congresso adrede eleito votava em 1822 a
sua nova constituição politica.
No continente americano as diversas colonias hespanholas
vão - se umas após outras arvorando em nações in aden
tes e constituindo-se republicas.
Porfim o Brazil (que desde 1815 se achaya elevado á cate.
goria de reino) acaba tambem por separar- se da mãe-patria ;
e, se é elle o derradeiro a desligar-se da metropole, explique
se até certo ponto o caso pelo suave carinho com que geral.
mente Portugal tratou os povos d'esta sua riquissima colonia,
- facto tanto mais para pôr em relevo, se recordarmos as
odiosas violencias com que a Hespanha fez sempre sentir nas
colonias da America o seu insoffrivel dominio . O Brazil, pro
clamando em 1822 a sua independencia, talha para si na
historia do Novo-Mundo um logar conspicuo, e rasga amplis
simos horizontes de prosperidade nacional.
Entretanto na Europa as velhas idéas do absolutismo tra
mavam na sombra contra as tendencias liberaes ; isso a que 1
chamavam o direito divino dos reis conspirava nas trevas con
tra o que deve chamar-se a vontade soberana dospovos. D'aqui
a reacção contra o liberalismo.
Em 1823 o duque de Angoulême ( sobrinho de Luiz XVIII
de França) atravessa com um exercito de 100 000 homens og
Pyreneus para ir á força restabelecer na corôa de Fernando
VII de Hespanha os nefastos florões do absolutismo.
N'esse mesmoanno em Portugal o infante D. Miguel ( filho
d'el-rei D. João VI ) consegue anniquilar na revolta militar de
HISTORIA UNIVERSAL 63

Villa - Franca a obra patriotica dos revolucionarios de 1820 ;


e a Constituição de 1822 passa a considerar-se lettra morta.
A propria Carta Constitucional outorgada em 1826 por D.
Pedro IV ( successor d'el- rei D. João VI) é calcada aos pés
pelo infante D. Miguel (regente do reino) que em 1828 se faz
tumaltuariamente acclamar pela populaça rei absoluto.
Em França o governo de Carlos X (successor de Luiz XVIII)
assume fórmas cada vez mais despoticas.
O absolutismo triumpha risonho na Europa :
Quem salvará d'este infortunio os miseros povos ?
A França que em 1789 soltára ante as nações européas o
grito de liberdade, proclamando os direitos civis, — será ain
da quem prácticamente dará o exemplo da emancipação libe
ral, quebrandodefinitivamente em 1830 as tradições do direi
to divino, e acclamando rei dos Francezes o duque de Orleans
(Luiz Filippe ).
A causaliberal dos povos parece decididamente intrar d'ahi
por deante em bom caminho. Em 1834 consegue Portugal vêr
finalizada a guerra que durante annos sustentára para liber
tar- se da tyrannia miguelina e governar-se tranquillamente
pelos principios constitucionaes .
A esta ordem de idéas vão successivamente obedecendo as
diversas nacionalidades.
A Grecia, que em 1821 arvorára o pendão da revolta con
tra o jugo da Turquia, consegue em 1830 vêr solemnemente
reconhecida a súa independencia.
A Belgica, constituindo-se nação em 1831, desforra -se da
relativa pequenez do seu territorio e dá ao mundo o frizante
exemplo de um paiz liberrimo todo intregue ás sacrosantas li
des da sua prosperidade nacional.
E ainda n'aquelles paizes, onde os principios democraticos
se não acham officialmente professados, n'esses mesmo a cor
rente das idéas dominantes leva -nos a crer que a humanidade
entra decididamente na verdadeira esteira do progresso 80
cial,- isto é, na intima comprehensão da correlação indispen
savel entre direitos e deveres, elemento essencialissimo para a
felicidade da familia humana, e sem o qual ficariam irreme
diavelmente estereis e vans, ôcas e tristemente vazias de sen
tido, essas tres formosas e luminosas palavras, tantas vezes
invocadas e tantissimas vezes sophismadas : liberdade, egual
dade, fraternidade.
FIM
Casa 'editora DAVID QORAZZI, Lisboa, Rua da Atalaya, 40 a 52
PROPAGANDA DE INSTRUCÇÃO PARA PORTUGUEZES E BRAZILEIROS 1

BIBLIOTHECA DO POVO E DAS ESCOLAS


PUBLICA - SE NOS DIAS 10 E 25 DE CADA MEZ
RÉIS Alguns dos seguintes livros já foram
approvados pelo Governo para uso das aulas
RÉIS
50. CADA
VOLUME
primarias, e muitos outros têem sido
adoptadosnos Lyceus e principaes escolas do
nosso paiz.
CADA
VOLUME 50
VOLUMES PUBLICADOS:
1.4 Serie. N.º 1 , Historia de Portugal. N.° 2, Geographia geral. N.° 3, Mytholo.
gia N.° 4, Introducção ás sciencias physico -naturaes . N. ° 5, Arithmetica pratica. N.º
6, Zoologia. N.°7, Chorographia de Portugal. N.° 8, Physica elementar.- 2. Serie .
N. ° 9, Botanica. N. ° 10, Astronomia popular. N.° 11 , Desenho linear. N. ° 12 , Economia
politica. N.° 13, Agricultura. N.° 14, Algebra elementar. N.° 15, Mammiferos. N.° 16, Hy.
giene. - 3.4 Serie . N. ° 17, Principios geraes de Chimica. N.° 18, Noções geraes de Ju.
risprudencia. N. ° 19, Manual do fabricante de vernizes . N. ° 20, Telegraphia electrica, N.
21, Geometria plana . N.°22, A Terra e os Mares. N.° 23, Acustica . N.° 24, Gymnas.
tica.---4.4 Serie, N. ° 25, As colonias portuguezas. N.° 26, Noções de Musica. N. 27,
Chimica inorganica . N. ° 28, Centuria de celebridades femininas. N.° 29, Mineralogia,
N. ° 30, O Marquez de Pombal . N. ° 31 , Geologia. N. ° 32, Codigo Civil Portuguez.- 5.'
Serié . N.° 33, Historia natural das aves. N.° 34, Meteorologia. N.º 35, Chorographis
do Brazil.- N. ° 36 , O Homem na serię animal.--- N. ° 37 , Tactica e armas de guerra.
N. ° 38, Direito Romano . - N.º 39, Chimica organica.- N.° 40, Grammatica Portugueze
6. Serie. N.° 41, Escripturação Commercial. N.° 42 , Anatomia Humana. N.° 43,
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BIBLIOTHECA DO Povo
E DAS ESCOLAS

CADA VOLUME 50 RÉIS

BIOLOGIA
JO
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9

50 SEGUNDO ANNO - SEXTA SERIE

REIS
Cada volume abrange 64 paginas, de composi
ção cheia, edição estereotypada, - e forma um
tratado elementar completo n'algum ramo de
sciencias, artes ou industrias, um florilegio lit
terario, ou um aggregado de conhecimentos
uteis é indispensaveis, expostos por forma
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1883
DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS

Premiada com medalha de ouro na Exposição do Rio de Janeiro


31

Administração: 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa


Filial no Brazil : 40, R. da Quitanda, Rio de Janeiro

NUMERU *
47
INDICE

3
Introducção ... 6
O protoplasma ou bioplasma .. 20
Geração espontanea ..
A vida .... 28
Darwinismo 32
48
As leis da organização . 58
Evolução phylogenetica e embryologica . 62
Conclusão ..

ERRATAS MAIS IMPORTANTES

Pag. Linha Onde se 18 Leia -se

5 12 Lamark Lamarck
12 38 e composta é composta
19 3 presta epresta
24 43 Wirchow Virchow
32 6 Hebert Herbert
35 6 preservál-os preservál- o
37 23 Terra terra
88 6 Lamark Lamarck
50 30 dos restantes das restantes
57 21 qualidades quantidades
BIOLOGIA

INTRODUCCÃO

No estado actual da sciencia admitte-se, como grande resul


tado final d'ella, o axioma já hoje vulgar : - A materia e o
movimento não se criam , nem se destroem ; transformam -se.
Vemos a cada passo, em todos os factos, a confirmação d'es
ta verdade .
O animal que morre, vai com a materia do seu corpo fe
cundar a terra e transformar -se mais tarde nas cellulas dos
vegetaes que alli crescem.
E' por isso que sobre as sepulturas dos cemiterios se le
vantam tufos de hervas mais altas e desinvolvidas que as do
terreno em redor. E' a materia animal que se transforma len
tamente na materia vegetal , que, por seu turno, ingerida pe
los animaes herbivoros vai novamente transformar - se em cel .
lulas animaes. A planta e o animal que nascem não são ma
teria nova, creada ; são uma nova forma ou modo de - ser da
materia pre-existente cuja somma é constante .
Nunca o homem conseguiu crear una porção, por mais li.
mitada que fosse, de materia ou de movimento. Nunca viu
realizar -se da Natureza essa creação ou destruição.
O que vemos são transformações: a apparencia, a fórına
sob a qual o objecto se nos apresenta, muda ; mas a materia
fica.
BIBLIOTHECA DO POVO

Comtudo é frequente, ainda nos livros scientificos, vermos


ein regada a palavra creação.
Significa - se por ella não a creação da materia (o que é ir
rea izavel), mas a creação de uma certa forma que essa mate
ria costuma affectar, em virtude das suas propriedades.
Assim diz-se: a creação dos organismos,-isto é, a creação
da forma com que a materia se apresenta n'esses corpos que
assiin denominamos; a creação da Terra, isto é, o appareci
mer to da materia sob a forma que caracteriza o planeta que
habitamos, etc.
Muitas theorias têem sido apresentadas para explicar a
cres vão das formas da materia ; algumas até pretendem ex.
plicir a creação da materia. Vão, porêm, filiar-se no sobre.
natural, creando forças ideaes e desconhecidas, servindo de
base a tudo quanto existe.
En todas as epochas se apresentaram face a face duas dou
trin :18 ácêrca da origem das especies animaes e vegetaes, is
to é , dos organismos ou seres vivos. Uns, dominados pelos
preconceitos de tradição, e pelo orgulho de pretender expli
car tuâo, fundaram as theorias baseadas no sobrenatural .
A mais importante d'ellas, filiada nos escriptos de Moisés,
perj etuou-se até ao seculo XVIII, em que, defendida por Cuvier
na Academia Franceza, foi reconhecida e acceite, graças á
enorne auctoridade adquirida por aquelle eminente natura
lista ,
A sirmava a existencia de uma barmonia immensa em toda
a Natureza, quando nos vemos apenas a desordem e a lucta.
Averiguando-se por fim , que a formação da crusta da Terra
fôra executada por periodos, em que os seus habitantes vege
taes e animaes apresentavam caracteristicos diversos, appa
receu a theoria geologica dos cataclysmos, suppondo que no
fim de cada periodo uma catastrophe subita vinha extinguir
todos os serese que nở periodo seguinte se effectuavam no
vas creações. O homem , no emtanto , completamente distincto
dos outros animaes, assistia tranquillo a estas mutações de
scena, limitando-se a registrar os factos sem lhe comprehen
der o alcance.
Em todas as epochas, porêm , grandes genios, libertos de
prec -nceitos (do que temos umexemplo notavel nas escolas
livres dos Gregos), tentaram affirmar vagamente omaterialis
mo e a transformação dos seres. O estado rudimentar dos co
nbecimentos humanos não lhes permittia estabelecer racio
nalmente nem demonstrar a theoria da evolução, hoje bem
conocida pela designação de transformismo.
BIOLOGIA 5

Uma longa seriede acquisições penosas e demoradas veio


aplanando o caminho, atravez dosseculos, para o seu comple
to e definitivo estabelecimento scientifico .
Darwin cita, no prefacio da sua obra, uma lista de trinta e
quatro nomes dos mais illustres naturalistas que antes d'elle
tinham , mais ou menos lucidamente, affirmado a doutrina da
evolução ou descendencia dos organismos. Segundo elles a
materia organica, gerada no seio da materia mineral, veio
desinvolvendo -se, atravez de seculos innumeraveis, desidrolan
do á superficie da Terra um enorme quadro de progresso e de
movimento, por vezes insanguentado pela lucta.
Os nomes illustres de Buffon, Lamark, Geoffroy Saint-Hi
laire, Bory Saint -Vincent, Buch, Omalius d'Halloy, em Fran
ça-Oken, Goethe, Treviramus, na Allemanha,-estão inclui
dos n'essa memoravel lista. Mas, vencida na Academia Fran
ceza pela antiga doutrina das creações representadas por
Cuvier, a revolucionaria theoria da evolução dos seres , tão
brilhantemente defendida por Geoffroy Saint-Hilaire, no tem
po da grande Revolução, ficou ao abandono durante perto
de meio seculo. No entretanto a sciencia humana caminha
va e revirava os animos para uma ordem de ideas completa
mente nova ; e no mundo dos inorganismos dava-se uma re
polução enorme, emquanto no campo dos seres vivos se
conservava abertamente o sobrenaturalismo supersticioso.
Claudio Bernard edifica a Physiologia e affirma que no seio
dos organismos os movimentos physicos e chimicos actuam
do mesmo modo que no mundo mineral ; demonstra a depea
dencia necessaria entre os phenomenos e as suas causas im
mediatas .
O microscopio revela a Schawn que todos os organismos
Bão constituidos por pequenos elementos globulares de mate
ria viva, a que chama — cellulas.
Tempos depois, Pasteur, revelando os segredos das fermen
tações, descobre a existencia dos pequeninos bacterios ou or
ganismos rudimentares, reconhecidos hoje como causa terri
vel de molestias epidemicas.
· Berthelot, o grande chimico francez, consegue obter n'um
laboratorio algumas das substancias organicas constitutivas
dos organismos .
Estava cortada a ultima barreira entre os seres vivos e os
corpos mineraes.
Não ha pois uma chimica propria para uns e outra para os
outros; não ha uma substancia especial para os corpos vivos.
Sob o impulso dos denominados philosophos da natureza , cria .
6 BIBLIOTHECA DO POVO

se a Morphologia, sciencia destinada a estudar as formas dos


seres vivos ; a Embryologia, para observar o primeiro desin
volvimento do ovulo ; a Paleontologia, para determinar a se
quencia das formas vivas atravez das epochas geologicas. O
positivismo assenboreara -se dos espiritos e constituia a nor
ma dirigente da sciencia.
Appareceu então, em 1859 , o livro de Darwin -
A origem
das especies,-em que, com admiravel lucidez , se expõe a nota
vel lucta pela vida, travada por todos os seres pela conserva
ção propria e da especie , dando logar a uma selecção natural,
ou escolha em que ficam vencedores aquelles que estiverem
mais bem dotados para a lucta no momento dado, e levando
a materia organica de transformação em transformação, desde
o mais rudimentar organismo até ao homem , collocado na
parte superior da cadeia. Posta d'este modo a questão, ma
gistralmente demonstrada pelas pacientes investigações do
grande naturalista inglez , marcado por assim dizer o metho
do ou norma a seguir no estudo dos organismos , surgem de
todos os lados bastantes trabalhos. Huxley eGaudry accu
mulam provas e factos em favor da theoria ; Haeckel , o mais
illustre dos darwinistas modernos , dirige as suas attenções
para a origem da vida e refere todos os seres & uma sub
stancia primordial (o protoplasma ), que, segundo Haeckel,
derivaria immediatamente das substancias mineraes.
Todos os corpos ficariam assim ligados em uma extensa
cadeia evolutiva .
A esta vasta theoria, que abrange o darwinismo, deu o sa
bio professor da Universidade de Iena o nome de monismo.
Sobre estas bases diversas assentou Biologia
a campo
o seu
vastissimo, estudando os modos de ser e de producção dos
movimentos vitaes. Procurar qual seja a essencia d'esse ou
de qualquer outro movimento, é um assumpto completamente
fóra dos dominios da sciencia.

O PROTOPLASMA OU BIOPLASMA

Do estudo dos organismos elementares, quer formando por


associação (segundo a theoria cellular de Schawn, a que nos
referimos) todos os seres vivos, quer livres e individualizados,
surgiu a concepção maravilhosa da biologia moderna, de uma
substancia primordial, albuminoide, amorpha e homogenea, –
o bioplasma,-como séde ultima a que se reduzem todos os se
res vivos. No começo d'este seculo o allemão Oken affirmava
BIOLOGIA 7

a existencia de uma substancia vivafundamental, ponto de


partida para todos os phenomenos vitaes, e deu-lhe o nome
de geléa ou substancia colloide primitiva. Segundo Oken, essa
substancia formava -se espontaneamente no fundo dos mares,
tomando a forma de pequenas vesiculas microscopicas, que
aggregando- se constituiam os animaes superiores. A essas
vesiculas deu o nome de infusorios. Esta theoria, sem bases
experimentaes, foi muito combatida e por fim destruida por
Erhenberg que provou que os infusorios tinham orgãos dis
tinctos eperfeitamente definidos, e concluiu que ageléa de
Oken não tinha representação real na natureza.
Estava a ponto de desapparecer esta arrojada hypothese,
quando o francez Dujardin demonstrou a existencia de seres
vivos, os protozoarios, constituidos por uma substancia amor
pha, gelatinosa e homogenea, sem organização alguma, e mais
ou menos granulosa, que denominou sarcodo.
A substancia que Oken inventou, sem a ver, existia depéras.
Desde então, demonstrou -se que o conteúdo de todas as cel
lulas animaes era uma substancia, tendo exactamente as mes
mas propriedades fundamentaes que o sarcodo. Os botanicos
descobriram uma substancia analoga nas cellulas vegetaes.
Hugo von Mohl deu -lhe o nome de protoplasma,julgando-a
differente do sarcodo. Por fim ,Max Schultze descobriua iden
tidade entre as duas substancias, prevalecendo o nome de
protoplasma, recentemente mudado em bioplasma, como ter
mo expressivo para representar a idéa brilhantemente formu .
lada por Huxley, que lhe chamou base physica da vida.
E' d'elle que nos vamos occupar. Estudál.o - hemos exacta.
mente como qualquer outro corpo chimico, de que se distin
gue comtudo, porque a todo o momento soffrevariações na
sua composição. Estudaremos a sua composição chimica, as
fórmas que apresenta, e as propriedades que o caracterizam ,
os effeitos que sobre elle produzem as acções da natureza que
o cerca, para ver se do conjuncto d'esses factos se observa
alguma coisa similhante ao que estamos costumados a apre
ciar sob o nome de phenomenos vitaes.
E' um corpo molle. Não é solido, liquido nem gazoso. A pre
senta- se n'um estado pastoso, intermedio entre o solido e o
liquido.
Na sua composição entram os quatro elementos inorgani
cos ( carbonio, oxygenio, hydrogenio e azote) que principal
mente o constituem ,-e, alêm d'elles, em proporções pequenas
e variadas, o enxofre e o phosphoro, algumas vezes o silicio e
o ferro.
8 BIBLIOTHECA DO POVO

As propriedades capitaes e caracteristicas do protoplasma


são a sua grande instabilidade e a inercia das suas molecu.
las ; d'ellas resultam esses phenomenos complexos de decom
posições e recomposições successivas, tendentes á acquisição
de um equilibrio estavel, nunca realizado. Vamos agora ver
como, das propriedades physicas e chimicas dos elementos
inorganicos que o compõem , se deduzem logica e naturalmen
te estas duas qualidades essenciaes.
As propriedades d'essas substancias elementares componen
tes, depois das combinações, perdem -se para os nossos senti
dos, é verdade, mas não ficam realmente destruidas. O principio
da persistencia da força diz -nos que as propriedades do com
posto são as resultantes das propriedades dos componentes.
Uma das mais importantes propriedades dos corpos é amo
bilidade das moleculas; e esse grau de mobilidade vai dire
ctamente aftectar de um modo mais ou menos sensivel a mo
bilidade dos diversos compostos em que entra a substancia
dada.
Assim aqui, dos quatro elementos componentes, o carbonio
é solido ; e os outros tres, hydrogenio, oxygenio e azote, são
gazosos.
Da fórma gazosa d'estes podemos concluir uma relação com
a promptidão relativa com que o protoplasma troca os seus
componentes, e com as transformações de movimento que sof
fre: ás primeiras chama-se desinvolvimento do protoplasma; e
ás segundas, funcções. Ainda debaixo do ponto de vista chimi,
co, qualquer d'estes tres elementos componentes gazosos tem
sobre os outros poucas affinidades e de fraca intensidade ; as
sim o hydrogenio combina-se com poucos elementos, e a sua
actividade chimica não se manifesta dentro dos limites de
temperatura dos corpos vivos ; a respeito do carbonio pode
mos affirmar tambem que ás temperaturas ordinarias é com.
pletamente inerte, e une-se com substancias, a maior parte
das quaes têem uma fraca tendencia acombinar-se com elle ;
esta indifferença chimica revela- se ainda muito intensamente
no azote, que constitue o agente mais importante das trans
formações organicas. Nota -se mais que nos quatro componen
tes a que acabamos de nos referir, e em outros menos nota.
veis e menos abundantes, de que tambem já falámos, hạ uma
tendencia a apresentar frequentes vezes modificações allotro
picas, isto é, uma grande aptidão a tomarem differentes es
tados .
Vemos o oxygenio modificar-se em ozone ; o carbonio apre
senta -se sob os differentes aspectos de diamante , graphite
BIOLOGIA 9

carvão; o enxofre e o phosphoro possuem modificações allo


tropicas bem conhecidas ; o silicio e o ferro apresentam o iso
merismo.
D'isto se conclue manifestamente o indicio de uma nova es
pecie de mobilidade molecular, no composto de taes elemen
tos inorganicos, apresentando essas manifestações de allotro
pia, por isso que esta é considerada como uma mudança no
arranjo ou disposição intima das moleculas do corpo.
Além d'isto ha uma completa opposição entre estes quatro
elementos, opposição que tem para nós um grande interesse.
Entre dois d'elles nota-se um contraste de actividades chimi
cas, porque, ao passo que o azote é dotado de uma grande
inercia, o oxygenio é pelo contrario um dos mais activos ele
mentos de reacção. E , entre um d'elles e os outros tres , acha
mos um contraste notavel debaixo do ponto- de-vista da mo
bilidade molecular ; o carbonio apresenta- se sempre no esta
do solido, emquanto os outros tres eleinentos são gazosos.
Por umaparte, incontramos no carbonio, completamente re
sistente á fusão e á volatilização, uma cohesão atomica maior
que a de nenhum outro elemento conhecido, ao passo que os
outros tres apresentam, pelo contrario, uma cohesão menor
que a de todos os outros corpos elementares .
Mas, por outro lado, um conhecimento prévio vem facilitar
nos a conclusão. Sabemos que as unidades dissimilhantes po
dem ser separadas mais facilmente sob a acção das forças que
sobre ellas incidem do que as unidades similhantes; aquellas
são muito mais rapidamente desaggregadas do que estas. Ve
mos, portanto, desde já, d'onde deriva agrande instabilidade
da materia protoplasmatica : é d'estes dois contrastes extre
mos , da mobilidade physica e da actividade chimica dos ele
mentos que a constituem .
Ainda outras considerações vêm corroborar esta opinião.
E' assim que, observando as combinações binarias dos quatro
elementos, notamos, por exemplo, nos de oxygenio e azote , e
nos carbonetos de hydrogenio, uma gradação decrescente da
mobilidade
cem .
molecular, ao passo que os pezos moleculares cres
Mas , em geral, estes compostos são facilmente decomponi.
veis. O azote influe muito na instabilidade dos corpos de que
elle é elemento constitutivo ; quasi todas as substancias ex
plosivas são compostos azotados ; a explosão da polvora, por
exemplo , resulta principalmente da rapidez com que o azote
do nitrato de potassio cede o oxygenio com que está combi
nado, formando o acido azotico ou nitrico .
10 BIBLIOTHECA DO POVO

Robin dividiu os corpos que entram ua composição da ma


teria protoplasmatica em tres grupos.
No primeiro comprehende todos os corpos crystallizaveis ou
volateis que o protoplasma adapta do mundo exterior, que
saem como intraram , e que podem ser obtidos nos laboratorios
de chimica. O segundo grupo abrange as substancias elabora
das pelo protoplasma e de que nem todas se têem obtido nos
laboratorios. O terceiro, emfim , é o grupo das substancias al
buminoides.
Nos dois primeiros grupos entram os compostos binarios e
ternarios de que nos temos occupado até aqui. No terceiro es
tão as substancias quaternarias ou azotadas. N'estas incon
tra- se o minimo de mobilidade molecular ; existem no estado
solido e são insoluveis; têem por qualidades caracteristicas a
instabilidade e a inercia levadasao extremo grau e decom
põem - se todas facilmente. E ' n'ellas que a complexidade da
constituição dos atomos attinge o seu maximo, não só porque
juntamente com os quatro elementos, existem reunidas peque
nas quantidades de enxofre e phosphoro , mas tambem porque
os componentes estão reunidos em proporções elevadas em
consequencia das atomicidades relativamente grandes car
bonio e do azote. O resultado final é que os atomos da subs
tancia albuminoide ficam formados de muitos equivalentes
dos seus componentes. Segundo Mulder, a formula que repre
sentaria a albumina sería:
10 (C H31 A 25 012) + S Ph
O atomo da albumina é, pois, composto de 900 atomos sim
ples. Sabemos que a estabilidade de um corpo diminue rela
tivamente quando o volume cresce ; por outro lado, a mobili
dade molecular de um corpo depende em parte da pressão
exercida pelas suas moleculas umas sobre as outras em razão
da densidade de aggregação, e, em parte, da mobilidade das
suas moleculas componentes; concluimos ,pois, que esses ato
mos volumosos e complexos dos compostos albuminoides, se
rão mais faceis de alterar sob a acção das forças que incidi .
rem sobre elles. A massa que os torna menos moveis, permit .
te que as forças physicas incidentes desloquem os atomos dan
do logar a recomposições e decomposições.
De tudo isto se conclue como resultado inevitavel a insta
bilidade do protoplasma ; das atomicidades relativamente
grandes do carbonio e azote resulta que os elementos que
o compõem podem agrupar- se de modos diversos originando a
isomeria do protoplasma.
Temos, pois, determinado como essa propriedade essencial
BIOLOGIA 11

e caracteristica do protoplasma e dos corpos vivos que d'elle


são formados (a instabilidade) deriva immediatamente das
propriedades physicas e chimicas das substancias elementa
rese inorganicas que entram na sua composição.
Vejamos, qual será, em razão d'essas mesmas proprieda
des, a forma que o protoplasma deve affectar.
Sabemos, pela celebre experiencia de Plateau (professor de
Physica na Universidade de Gand ), que todo o corpo apenas
submettido ás attracções reciprocas das suas moleculas toma
a forma espherica.
A ' proporção que os atomos complexos forem crescendo,os
effeitos da attracção reciproca serão maiores; é o que se de
ve dar nos atomos de compostos complicados, como este ; a
cohesão vencerá a força da gravidade e poder- se- hão produ
zir fórmas proximas da espherica. Isto explica -nos a inercia
chimica das substancias organicas mais complexas e a sua
incapacidade para crystallizarem . E' a grande mobilidade das
moleculas que as impede de tomaremfórmas crystallinas.
Consideremos ainda outras propriedades do protoplasma.
Graham dividiu todos os corpos em duas grandes classes.
A primeira, é a das substancias crystalloides; comprehende
todas as substancias cujas soluções são rapidas, exemptas de
viscosidade, e possuindo a propriedade de atravessar por dif
fusão as membranas porosas.
O segundo grupo é constituido pelas substancias colloides;
são todos os corpos cujas soluções são viscosas e sem sabor.
São os compostos albuminoides e alguns compo : tog inorgani
cos, taes como o acido silicico hydratado, a albumin hydra
tada, o peroxydo de ferro hydratado, etc.
Graham descreve as substancias colloides pelo seguinte
modo :
São algumas vezes soluveis na aguaque as retêm com pou.
ca força ; são inertes nas suas relações chimicas, mas pos
suem uma propriedade resultante das propriedades physicas
e que as compensa d'essa inercia chimica.
É' amolleza da substancia que n'ellas substitue a rigidez
crystallina. Participam da fluidez, servindo de meio para a
diffusão de um liquido (da agua, por exemplo). O resultado
d'isto é serem os colloides muito sensiveis aos agentes exte
riores .
Apresentam ainda uma outra qualidade caracteristica -
& mutabilidade.
A solução do hydrato de silica pode obter -se pura , masnão
se conserva assim. Coagula em geléa e torna-se insoluvel. E'
12 BIBLIOTHECA DO POVO

assim que as fórmas mineraes de silica , depostas pelas aguas,


como o flint, passaram, durante as epochas geologicas, do es
tado vitreo ou colloide ao estado crystallino.
O estado colloide é (segundo Graham e Spencer) o estado
dynamico da materia, ao passo que o estado crystallino é o
estado estatico,
E ' d'este modo que a morte (termo fatal dos movimentos
vitaes) pode ter para nós. perante a sciencia, uma explica
ção logica. A morte será realizada pela lenta passagem dos
corpos colloides, constitutivos dos organismos, a corpos crys.
talloides rigidos e inflexiveis, incapazes de adquirir os mul
tiplices movimentos que formam a vida. E, como vimos, é ten.
dencia geral das substancias colloides passarem lentamente
para o estado definitivo de substancias crystalloides.
E ' nos corpos colloides que incontramos portanto a primei
ra fonte da força nos phenomenos da vitalidade: sảo acti
‫ܘ‬

VOS .

Como dissémios, n'este grupo não estão só comprehendidos


os compostos azotados mais complexos, como a albumina,
a dextrina, a fibrina, a gelatina, etc., mas tambem os elemen :
tos inorganicos que juntamente entram na composição dos
corpos organicos. A silica das esponjas, dos radiolarios, e das
plantas, assim como o peroxydo de ferro que entra no sangue
dos mammiferos, apresentam -se no estado colloide. A solução
vermelha d'este ultimo coagula, a frio, deixando um coagu
lo similhante ao do sangue e insoluvel. Generalizando, Gra
ham suppõe que as moleculas colloides são constituidas
pelo agrupamento de moleculas crystalloides mais pequenas.
As pesquizas feitas por meio da luz polarizada mostram -nos
Dos corpos organizados phenomenos analogos aos dos crys
taes. Ao microscopio polarizador os corpos organizados bi
refringentes apresentam phenomenos que se podem interpre
tar como se esses corpos fossem formados de laminas crystal
linas collocadas umas sobre as outras em diversas direcções,
mas dispostas segundo um córte parallelo. Os phenomenos
são muito complicados, porque não ha que considerar sim
ples crystaes, mas sim aggregados dos quaes cada particula
é composta como um corpo organico bi-refringente.
Graham notou um outro facto de grande importancia. E'
que ás differenças de solubilidade correspondem differenças
nos coefficientes de diffusão dos corpos nos liquidos . Ha dif
ferentes graus na diffusão como na evaporação. Quando dois
liquidos se põem em contacto e a cohesão das suas moleculas
permitte que as de um se mettam por entre as do outro , os
BIOLOGIA 13

liquidos dizem -se misciveis ; pelo contrario quando a col.esão


entre as moleculas de um é muito maior que entre as pole
culas do outro, os liquidos não são misciveis. Assim, emquan
to a agua e o vinho (em que a cohesão é proximamente
egual) podem misturar-se facilmente, não acontece o mesmo
entre a agua e o azeite porque as moleculas d'este, ligadas por
mais forte cohesão, não permittem que as da agua as per
meiem.
Os crystalloides, formados deatomos relativamente peque.
nos, diffundem -se mais queos colloides que têem atomos maio.
res . O corpo mais diffusivel é o acido chlorhydrico.
Esta diffusibilidade manifesta -se quando se colloca um
diaplıragma permeavel entre os corpose a agua. Dá -se então
o phenomeno a que Graham chamou dyalise , separando -se as
substancias misturadas, porque passam atravez da membrana
as mais diffusiveis .
Quando a mistura é de substancias colloides com substan
cias crystalloides, a separação torna- se facil, ficando sobre a
membrana as substancias colloides.
Este facto tem grande alcance nos phenomenos vitaes ,
tanto mais que,- ao passo que os crystalloides se diffundem
atravez dos colloides em virtude da sua mobilidade, quasi
tão rapidamente como atravez da agua ,-os colloides, em que
å força de cohesão é muito maior, não se podem misturar .
Assim os colloides dos organismos deixam se atravessar pe
los crystalloides e não pelos colloides.Esta dyalise separa, se
gundo Graham, ainda mesmo os corpos em estado de combi
nação, quando aaffividade que os liga fôr fraca. Graham se
parou o chlorhydrato de per-oxydo de ferro e o per-acetato de
ferro.
Esta tendencia á geparação manifestada em substancias
que differem na mobilidade molecular, mas não tanto que se
decomponham espontaneamente, é uma grande aptidão para
as trocas e mudanças.E' este o resultado do facto a que já nos
referimos, isto é, a differença de mobilidades moleculares en .
tre o carbonio e os outros tres elementos gazosos ; e, apezar
de que nos compostos de carbonio menos complicados as afii
nidades sejam bastantes para evitar a decomposição, ha mo.
tivos para erer que n'aquelles compostos mais complexos, que
constituem os seres vivos, se dê uma differença de mobilida
des moleculares extrema, a qual favorece as recomposições
de moleculas. Conforme dissemos atraz, as differenciações são
originadas pela grande dissimilhança dos elementos componen
tes.
11 BIBLIOTHECA DO POVO

A materia organica viva, é ainda mais complicada que es


tas subtancias quaternarias porque n'ella ha muitas substan
cias organicas misturadas e mesmo muitos colloides ligados
uns aos outros ( uns azotados ; outros , não azotados) .
Os crystalloides atravessar estas misturas de colloides; e,
animados de grande mobilidade e de grande poderdediffusão,
passam constantemente e vão decompôr os colloides coinple.
xus, dando novos colloides que se diffundem .
Esta propriedade da diffusão é perfeitamente comparavel
á osmose. Sabe-se que este phenomeno tem sempre por fim
estabelecer o equilibrio de concentração. Para isso estabele
cem - se duas correntes : uma, a endosmose de fóra para dentro,
isto é, da parte menos densa para a mais densa ; e outra a
ecosmose de dentro para fóra, isto é, da parte mais densa pa
ra a menos densa . A corrente endosmotica é mais intensa
que a exosmotica. Estas correntes cessam logo que os liqui
dos separados adquirem a mesma densidade.
Portanto a grande mobilidade molecular dos elementos ore
gavicos e dos seus compostos mais simples, comoas que são
elaboradas pelo protoplasma, dá a eliminação rapida dos re
siduos da acção orgauica, e a troca contínua da materia que
constitue a vida.
Imaginemos o protoplasma collocado em um meio onde exis
ia agua contendo em solução substancias crystalloides. O
protoplasma absorverá uma certa quantidade de solução, e
cederá uma porção da sua substancia . O calor actua sobre
elle, evapora uma parte da agua que elle contêm , tornando
assim a solução existente no seu interior, mais densa do que
aquella que o cerca .Estabelece -se novamente a osmose tenden
te a restabelecer o equilibrio. Ao mesmo tempo a luz deter
inina no interior do protoplasma reacções chimicas de com
posição e de decomposição ; tudo isto dá logar a que a com
posição chimica da substancia protoplasmatica esteja conti
nuamente variando. Assim se realiza rudimentarmente sobo
acções physicas
impulso das nutrição. e chimicas a funcção vital de
nominada As substancias alimentares complexas,
recebe - as do meio exterior pelo ar e pela agua, umas no esta
do de soffrerem modificações chimicas, e outras no estado de
as promoverem . A'osmose continua, originada pela acção tam.
bem continua do calor que não permitte o equilibrio de den
sidades, juncta -se a acção mechanica é chimica dos raios ca
lorificos e luminosos, o oxygenio, agente poderoso das com
binações chimicas, abundanteniente fornecido pelo ar e pela
gua, fixa -se nas substancias ingeridas do exterior, transfor
BIOLOGIA 15

mando-as, de materiaes fracamente oxygenados e muito ins .


taveis, em substancias oxydadas e estaveis. Estas ultimas
são expulsas pelas correntes exosmoticas.
Portanto, o phenomeno vital reduz - se a este perpetuo mo
vimento de passagem de substancias em equilibrio instavel a
um equilibrio estavel, por meio da oxydação. Esta, por outro,
lado, como acção chimica determina no seio da materia pro
toplasmatica a producção de calor que se transforma em mo
vimento.
Esta decomposição e recomposição contínua, ou antes, in
tegração e desintegração de moléculas não é privativa do
protoplasma. Observa-se egualmente no mundo mineral; o
oceano perde e repara incessantemente a sua substancia ;
a agua evaporada para as nuvens volta de novo em forma de
chuva. Comtudo, a nutrição dos organismos differe da nutri
ção dos mineraes. Em um crystal, ha o crescimento por at
tracção de moleculas de identica natureza chimica que se so
brepõem á sua superficie ; no organismo ha inglobação de
substancias de natureza differente que soffrem uma decom
posição, apropriando-se o protoplasma de algumas partes
uteis, e desprezando e expellindo outras.
O crescimento do protoplasma é uma consequencia legitima
do modo de nutrição que ora acabamos de expôr. Como absorve
mais substancia do que a que expelle, necessariamente resul
ta para ello um augmento na sua substancia, o que não é
mais do que o phenomeno que traduzimos pela palavra
crescimento. O modo por que elle se realiza, assim como a nu
trição, recebeu o nome de - intus-suscepção ; é devido ao es
tado ou grau de densidade do corpo ; por isso incontramos
um modo analogo de crescimento nos corpos crystalloides
existentes no estado liquido ou gazoso. Nos solidos, eviden
temente o estado de aggregação das moleculas não permitte
que o crescimento se faça assim , pela intrada de novas mole
culas para o interior da massa .
Vejamosas outras funcções organicas.
O protoplasma tem , como todos os outros corpos, um cresci
mento limitado. Em virtude da nutrição augmenta de volua
me, até que, attingindo certos limites em que sua frac
cohesão ou ligação das moleculas , tendo de resistir á acção
da gravidade ou attracção terrestre é vencida por esta ultima,
a massa protoplasmatica divide-se em duas porções simi
Ihantes entre si e similhantes á fórına commum que lhes deu
origem .
Èste phenomeno simplicissimo, como se vê, abrange em si
16 BIBLIOTHECA DO POVO

factos da maior importancia. Por elle se explicam satisfacto


riamente os resultados conhecidos sob os nomes de indivi.
dualidade, reproducção dos organismos, e hereditariedade. Esta
ultima, um dos factores ou elementos da grande evolução ou
transformação dos organismos, reduz -se à mais extrema sim
plicidade, quando estudada alli na sua origem .
Temos pois visto já, que, sempre em virtude das suas pro
priedades e das leis physicas e chimicas que regem todos os
phenomenos vitaes e não vitaes, o protoplasma nutre-se, cres
ce e reproduz -se, realizando por estes tres factos aquillo que
costumamos chamar vida . Importa-nos, porém, inquirir mais
alguma coisa e ver se na substancia vital primitiva ha algum
facto que nos revele ou explique outros phenomenos que nos
seres vivos vamos incontrar,taes como o facto essencial da
adaptação ou modificação tendente a conservar em equilibrio
as forças proprias com as do meio em que vivem, a motilida
de ou poder de realizar movimentos differentes, e a sensibili.
dade ou manifestação de reacção contra as acções que sobre
elles incidem.
Com effeito, notámos já, quando estudamos as propriedades
da materia protoplasmatica, que da sua grande instabilidade
e fraca cohesão resultava uma facil sujeição á influencia das
forças exteriores incidentes. Estas communicam ás moleculas
protoplasmaticas novos movimentos que, combinando se com
os movimentos proprios anteriormente adquiridos do proto
plasma, dão uma resultante que será a promotora da gradual
evolução dos organismos. Estes serão accommodados ao meio
em que vivem, por isso que é justamente das forças especiaes
d'esse meio ambiente que recebem o impulso gerador das mo
dificações evolutivas e transformadoras. A propriedade fun
damental que origina esta transformação lenta dos organis.
mos, é nada mais do que a reactividade ou propriedade de rea
gir contra toda a acção exterior ,-propriedade que, como se
sabe, é commum a todos os corpos.
Toda a acção gera immediata reacção ; tal é o principio ele
mentar de mechanica em que se funda todaa evolução orga
nica. Os corpos colloides cedem facilmente ás pressões e ten
sões, recobrando, porém, facilmente, a forma primitiva. E ' es
ta elasticidade notavel que torna possiveis as mudanças de fór .
ma,-garantias da conservação das especies nos meios clima.
tericos, mudaveis com o longo decorrer das epochas geologi
cas. Esta mesma elasticidade revela-se nas outras duas pro
priedades organicas a que acima nos referimos - motilidade
e sensibilidade.
BIOLOGIA 17

Alêm dos movimentos internos, resultantes como dissémos,


da transformação do calor produzido nas combinações e des
combinações chimicas do acto nutritivo, em o seu equivalente
mechanico, vemos que as massas protoplasmaticas vivas pro
duzem duas especies de movimentos que lhes são exclusiva
mente proprios: uns limitam-se a modificar-lhes a apparen
cia e os contornos (são os alongamentos da massa em ex
pansões denominadas pseudopodos ou falsos pés, por parece
rem realmente pernas ou patas emittidas do seio da massa
protoplasmatica, e destinadas a pôl-a em contacto com as
substancias alimentares ou a servirem para locomoção);outros,
que não são senão um grau mais desinvolvido da acção dos
primeiros, produzem a locomoção, isto é, o transporte da mas
sa total do ser vivo de um para outro ponto. Comquanto haja
sempre n'este phenomeno de motilidade, a reacção contra o
meio, effectuando-se pelo concurso de apoios successivos da
massa protoplasmatica contra o solo sobre que se arrasta , ou
sobre as aguas em que se locomove, auxiliada pelas acções
multiplas ecomplexas do calor, luz, electricidade, acções chi
micas, etc.,-parece,comtudo, que ha já, na substancia movel,
uma força interior, propriedade da materia, que determina
esses movimentos, actuando como uma especie de vontade ex
tremamente rudimentar e grosseira, que se gera sob o esti
mulo das forças exteriores, creando (por assim dizer) uma es
pecie de consciencia embryonaria.
Vemos, portanto, que todos os phenomenos, tão controver
808 e sophismados no estudo que d'elles se tem feito nos orga
nismos superiores, nunca se revelam senão sob o impulso dos
estimulantes externos, do mesmo modo que as propriedades
dos mineraes.
A espontaneidade, tão apregoada nos seres vivos, e o famoso
livre arbitrio, com que se pretendeu dotar o homem, são apenas
erros chimericos, resultantes da falta de um estudo demora
do e attento de phenomenos de que apenas se conheciam as
apparencias superficiaes. Para que o organismo exerça qual
quer manifestação activa, é indispensavel que seja prévia
mente incitado pelos agentes exteriores. D'ahi vem a relação
ou ligação de dependencia intima entre o phenomeno vital e
as condições exteriores do meio. O movimento vital tem uma
relação estreita com o grau de humidade e temperatura do
meio ambiente . A completa falta de agua ou grande seccura,
assim como um certo grau de elevação calorifica, impedem
por completo o exercicio do funccionalismo organico, trazen
do, ao que parece, o coagulo ou restituição ao estado crys.
18 BIBLIOTHECA DO POVO

talloide de algumas substancias da materia colloide proto


plasmatica.
A sensibilidade, que se suppunha ser qualidade exclusiva
dos animaes, não só se reconhece hoje pertencer tambem aos
vegetaes, mas é justamente considerada pelos modernos na
turalistas como uma propriedade geral da materia. E' uma
das formas que affecta a reactividade, de que falámos, contra
toda a acção exterior.
O protoplasma é susceptivel de ser affectado, de um modo
particular, pela acção dos agentes externos, produzindo a par
te individual ou subjectiva de phenomeno da sensibilidade,
assim como de reagir proporcionalmente ás excitações rece
bidas. N'esta reacção modifica -se muitas vezes o equilibrio mo .
lecular. Ora este phenomeno de reacção é exactamente o
mesmo que observamos nos mineraes. Analogamente reage &
limalha de ferro que segue o iman que a attrai, e as barras
metallicas quando se dilatam ou contraem pelas variações
de temperatura. Nos organismos a sensibilidade manifesta -se
de um modo mais energico, porque a composição do proto
plasma é muito complexa e a sua constituição molecular é
muito instavel. Claudio Bernard chamou a sensibilidade - &
base physiologica da vida,-marcando -lhe assim uma impor
tancia elevadissima, analoga á que Huxley justamente attri.
tribuiu ao protoplasma denominando - o — base physica da
vida.
Recapitulando, temos a considerar na materia viva pri
mordial, que acabamos de estudar, uma serie de proprieda
des, em que manifestamente se nos patenteia a origem de to
dos os phenomenos vitaes.
Pelo estudo que fizemos, tira -se a conclusão de que a fór
ma, modos-de -ser, e propriedades que affecta a materia viva
nos seus differentes graus de evolução, têem por origem , nas
propriedades do bioplasma fundamental, a acção das forças
physicas e chimicas. Não podemos, comtudo, significar por is.
to,que o estudo dos phenomenos vitaes deva incluir- se na Chi.
mica, como um capitulo de Chimica organica.
Ha nos organismos uma serie de propriedades, que, imbora
resultante das acções physicas e chimicas, se nos revelam sob
um aspecto de qualidades superiores, immediatamente deri.
vadas de todas aquellas circumstancias especiaes de compo
sição que detidamenteestudámos, e de que citaremos a com .
plexidade da composição molecular e a instabilidade geral da
massa ; esta ultima, principalmente, revelando-se pela conti
nuada troca de materiaes entre o organismo e o meio ambien.
BIOLOGIA 19

te, origina essa serie de destruições e reconstituições succes


sivas, base de toda a extensa sequencia dos phenomenos vi
taes, presta ao bioplasma essa mobilidade extrema das mo
leculas que o faz distincto de todos os outros corpos que a
Chimica estuda .
Dissémos que a nutrição, ou troca continua de materiaes
effectuada pelo bioplasma, era a origem de toda a evolução
vital.
Com effeito, vimos que d'ella resultam immediatamente o
crescimento, a individuação, a reproducção, e com esta ultima
a hereditariedade, um dos grandes factores da marcha evolu
tiva dos organismos. Sob outras formas, na contractibilidade
e reactividade, levadas a um grau bastante energico, mani.
festa -nos a substancia bioplasmatica , no estado mais singelo,
o germen das funcções da vidaorganica; accentuam -se estas
mais tarde na mobilidade gerada pela contractibilidade mus .
cular, na sensibilidade ou excitabilidade aos agentes externos
creando o systema nervoso, que, transmittindo as impressões,
communicando as vontades (isto é, as reacções do organismo)
ás impressões recebidas, estabelece por fim o accordo e a as.
sociação do todo, no cerebro - orgão d'esse extremo grau de
concentração do movimento vital que se chama o pensa
mento ,
De tudo isto colligimos,o grande facto que serve de solida
base a toda a Biologia. E ' que, todo o extensissimo mundo da
vida, tem por alicerce essencial essa bio - substancia primiti
va, hoje representada por organismos rudimentares que po
voam o fundo do oceano ; é, que desde o humilde e sim
-

ples protozoario, indistincto e indefinido, que não sabemos se


é animal ou planta, ou antes que ainda não é animal nem
planta, mas apenas a mãe commum d'onde uns e outros de.
vem surgir, atravez da longa sequencia dos seres vegetaes
por um lado, animaes por outro , até ao mais perfeito repre
sentante do tronco da vegetabilidade, e até ao homem pen
sante, ultimo limite actual do tronco da animalização , -tudo é
derivado da substancia bioplasmatica, successivamente trans
formada pela acção das forças exteriores que actuaram du.
rante os longos e innumeraveis periodos de seculos que de
correram, desde que, consolidada a crusta do globo, e con
densadas sobre ella as aguas atmosphericas , surgiu do seio
dos mares o primeiro organismo vivo, sob a forma e aspectos
proximamente identicos aquelle que vo estudo do bioplasma,
ſhe attribuimos. Durante toda a longa evolução transforma
dora, a bio- substancia conserva a sua essencia ,imbora adqui
20 BIBLIOTHECA DO POVO

ra os mais extravagantes aspectos ; é como a argila que se


conserva identica na sua essencia, quer esteja empregada na
simples olaria em um insignicante vaso grosseiro e trivial, quer
receba na fabrica de Sèvres a esmerada forma artistica,
diligentemente cuidada, e luxuosamente ornamentada com os
mais brilhantes recursos da grandiosa creação artistica.
D'isto se conclue que a vida, não é, nem uma força parti
cular, nem uma combinação de forças, derivadas essencial
mente da organização mais ou menos complicada de tecidos,
orgãos, apparelhos, etc. Será antes, uma propriedade de uma
ou muitas substancias de composição analoga, de um ou mui
tos protoplasmas, mas propriedade independente de toda e
qualquer fórma ou estructura que essa substancia possa affe
ctar. Estes arranjos diversos podem dar direcções particula
res á manifestação vital; o que não têem é a importancia de
modificarem na sua essencia o facto da vida .
Assim (como diz Haeckel) : - « E' unicamente nas proprie
dades especiaes, physico-cbimicas, do carbonio, e dos com
postos albuminoides, que devemos ver as causas mechanicas
dos phenomenos dos movimentos particulares pelos quaes se
distinguem os organismos e que em um sentido mais restri
cto receberam o nome de vida . »

GERAÇÃO ESPONTANEA
Acabamos de estudar as propriedades de uma substancia
vital primitiva, e as suas relações com os complexos pheno.
3 menos da vida ; mas suppuzemos a existencia d'essa materia
primordial - o bioplasma, -- sem cuidarmos de inquirir qual
eraa sua proveniencia ou origem.
E' do pre enchimento d'essa lacuna, que nos vamos occu
par.
Admitte-se actualmente, de um modo terminante, que a
Terra esteve primitivamente no estado de fusão ignea : n'essa
epocha a existencia das substancias organicas, que nós hoje
conhecemos e de que somos constituidos, era totalmente im.
possivel.
Durante o longo decorrer de tempos innumeraveis, a Terra
foi-se solidificando, as aguas atmosphericas cabiram sobre a
crusta, formando os oceanos. Forçoso nos é acreditar que,
em alguma epocha d'essa successão dos tempos, apparece.
ram na Terra os primeiros organismos, e que estes devem ,
BIOLOGIA 21

necessariamente, ter origem nasubstancia mineral que então


constituia exclusivamente o globo terrestre.
Nadá mais natural do que suppôr que esses seres rudi
mentarissimos que primeiro povoaram o mundo,-representa
dos hoje pelas moneras, seres completamente desprovidos de
organização, simples massas protoplasmaticas, - se tenham
formado por precipitação no seio das aguas, como se forma
um precipitado por synthese, em uma reacção chimica .
E' fatal esta conclusão de que, em um dado momento das
epochas geologicas se formaram na superficie de nosso pla
neta, e sob a influencia de condições especiaes, os primeiros
seres vivos - as moneras. O desconhecer a Chimica de hoje,
quaes foram as condições em queuma tal synthese ou forma
ção se realizou, não é decerto motivo plausivel, nem bastante
para duvidar de que ella se tenha deveras realizado. Do mes
mo modo se desconhecem hoje quaes foram as condições em
que se formaram muitas rochas e mineraes ; conseguiu já a
Chimica crystallizar o carbonio pela electricidade, mas ainda
não poude obter os grandes diamantes que a Natureza nos
apresenta, e, nem por isso se contesta de leve que taes rochas
e taes mineraes se formaram sob o impulso unico das acções
physicas e chimicas da Natureza.
İmbora distincta da theoria evolutiva ou darwinista, a theo
ria da geração espontanea, é comtudo o seu complemento na
tural e indispensavel. Admittida como consequencia logica
dos factos observados pela Paleontologia e pela Embryologia ,
a doutrina transformista de Darwin, é necessario completál -a
explicando a origem dos primeiros seres, de que partiu toda a
evolução organica.
A isso vem a doutrina da geração espontanea ou sem paes,
ou abiogenese, principalmente sustentada nos nossos dias pelo
allemão Haeckel e pelo francez Carlos Robin .
Comtudo, importa muito distinguir bem a doutrina da abio
genese, das doutrinas denominadas das gerações espontaneas,
que mais ou menos appareceram em todas as epochas. N'es.
tas suppõe- se que a materia organica tenha em si o poder de
espontaneamente se organizar produzindo subitamente seres
vivos organizados ; acreditava-se antigamente nas gerações .
espontaneas dos mammouths ou elepbantes primitivos, e 'du
rante muitos seculos seadmittiu geração espontanea
a de
organismos bastante elevados na escala organica (taes como
as rans). O espirito de Aristoteles exerceu a esse respeito, co
mo a tantos outros, uma grande tyrannia sobre o mundo
scientifico. Perto de vinte seculos depois d'elle, ainda se admit
22 BIBLIOTHECA DO POVO

tiam aquellas gerações. Os molluscos de qualquer ordem ,


eram considerados como nascidos sem paes . Julgava -se que
as enguias naeciam directamente dos lodos do Nilo; que os
lagartos eram producto espontaneo das folhas que os alimen
tam ; e que os insectos alados, as serpentes, e os ratos, podiam
nascer sem intervenção da reproducção sexual.
A fonte mais abundantemente productora d'esta vida sem
paes era, segundo os antigos, a carne em putrefacção. Ainda
hoje, entre ignorantes, é materia corrente que a carne possue
a faculdade de crear animaes. Vendoum pedaço de carne de
vacca não salgada coberta de bichinhos brancos, é vulgaris
simo ouvir dizer, sem a menor hesitação, que a carne creou
aquelles bichos. Tal foi a crença geral durante mais de dois
mil annos.
Por fim , em 1668, o celebre Francisco Rédi (medico dos
gran-duques de Toscana, Fernando II e Cosme III, - e mem.
bro da Academia del Cimento) recorreu á observação para
determinar qual sería a origem dos bichos na carne em pu
trefacção. Verificou que na carne, antes de apparecerem os
bichos, pousavam frequentemente moscas. D’ahi Jhe veio a
idéa de que os bichos seriam a progenitura imperfeitamente
desinvolvida d'aquellas moscas .
Depois de uma longa serie de experiencias, em que alter
nadamente privava a carne do contacto das moscas ou a dei.
xava livre, concluiu Rédi , que a supposição que fizera era
apenas a expressão da verdade.
Ficou assim destruida no campo da sciencia a crença na
geração espontanea dos organismos.
Wallisneri, Swammerdam e Reaumur, continuaram a lucta,
e conseguiram banir completamente dos espiritos scientificos
a idea das gerações espontaneas.
Em breve, porêm , os progressos da microscopia levaram á
descoberta de certos organismos , com dimensões extraordi
nariamente pequenas, a que chamaram infusorios. Desinvol.
viam - se estes nas infusões expostas ao ar, assim como nos
pantanos e aguas estagnadas. Os sabios dividiram -se então
em dois grandes grupos. N’um d'elles militavam Buffon e
Needham,suppordo este ultimo a existencia de uma força
vegetativa especial que reuniria as moleculas para formar os
seres vivos. No outro grupo incontramos o celebre Spallan
zani publicando em 1778 resultados contrarios á opinião de
Needham e obtidos por meio de experimentações rigorosas.
Por estas viu que, subtrahindo á acção do ar uma infusão de.
pois de submettida a uma elevada temperatura, o liquido fi.
BIOLOGIA 23

cava completamente inapto para a formação de animalcu .


los.
Depois d'elle, comtudo, e até nos nossos dias, tem conti
nuado a ser defendida a theoria das gerações espontaneas ,
modificada e reduzida a um campo racional e experimental.
Segundo os defensores actuaes d'essa theoria, ha uma infini
dade de factos, servindo- lhe de eloquentes confirmações.
Citaremos esses factos e exporemos as principaes experien
cias relativas a essa hypothese, sobre cuja veracidade a scien
cia não deu ainda a sua ultima palavra, imbora ella seja dif
ferente da idéa ou theoria que nos propômos apresentar sob
o titulo- geração espontanea- que incima este capitulo.
Depois das experiencias de Max Schulze em 1836, torna
ram -se notaveis as de Pouchet .
Affirma elle os factos que resumidamente passamos a expôr.
Certos parasitas vegetaes desinvolvem -se sob a epiderme
de plantas vivas, e é bem conhecida a descoberta recente dos
bacterios e vibriões nos intersticios mais intimos dos organis
mos.

Dajardin fala do rabdites aceti, que, habitando no vinagre


de vinho, se não incontra no vinho nem nas uvas.
A maior parte das macerações organicas, abandonadas &
uma temperatura conveniente, povoam -se no fim de algum
tempo de proto -organismos animaes e vegetaes.
Os adversarios da theoria das gerações espontaneas, attri
buem estes factos aos germens existentes na atmosphera.
Mas os ovulos dos microzoarios ciliados variam entre
Omm , 0028 a Omm,0420 de diametro ; e Pouchet inventou um ap
parelho aeroscopo, pelo qual examinando microscopicamente
um decimetro cubico de ar, fazendo o passar atravez de um
orificio com Omm,25 de diametro, demonstrou que só muito ex
cepcionalmentese incontra ahi algum ovo de microzoario ou
sporo de mucedinea.
Projectando por meio de uma machina de vapor uma enor
me corrente d'essear, que se diz cheio de germens, sobre ma
cerações,-estas não se tornam mais ricas em micro-organis
mos do que aquellas que só estão em contacto com um deci
metro cubico de ar.
Empregando agua e ar artificialmente preparados nos labo
ratorios, ou oxygenio puro em logar do ar, obtêem -se os mes
mos resultados.
Misturando dois liquidos fermentesciveis differentes, ap
parecem na mistura beres organizados differentes dos que
são proprios a cada um dos liquidos misturados.
24 BIBLIOTHECA DO POVO

Com o aquecimento prévio do ar e da agua, a producção


dos organismos continúa a effectuar-se, mesmo subtrahindo
á acção do contacto do ar as substancias aquecidas a eleva
das temperaturas .
A micrographia revela -nos effectivamente que no ar muito
raros se incontram os germens de seres vivos ; e, sendo as
sim, estes só poderiam povoar muito lentamente as infusões.
Mas nas fermentações a producção de enormes quantida
des de bacterios é por vezesextremamente rapida.
As experiencias infructiferas de Joly, Musset, Charlton
Bastian, e ultimamente as do distincto medico e chimico
francez Pasteur, assim como os estudos de Shutzenberger,
demonstraram (ou, pelo menos, assim o julgam os seus aucto
res) a impossibilidade de tal origem espontanea para seres
vivos organizados. Porém , se a genese espontanea, como es
tes auctores a queriam , não é admissivel, ou não está prova
da á luz da sciencia, isso nada implica com a questão que
mais directamente interessa o problema philosophico-biolo
gico da origem da vida. O que verdadeiramente constitue a
theoria da geração espontanea é saber se o protoplasma (essa
substanciaelementarhomogenea, em que reside a vida) pou
de ou não formar -se na Natureza, sem concurso de acções so
brenaturaes- e se a Chimica pode ou não reconstituil- o nos
laboratorios.
A theoria, divide- se pois em duas partes :
1.- Producção natural do protoplasma primitivo em um da
do momento das epochas geologicas passadas.
2. Producção actual da substancia bioplasmatica.
A' primeira parte, já vimos que a resposta não pode dei
xar de ser affirmativa. E' perfeitamente admissivel que, ne
cessariamente todos os organismos, derivados do protoplasma,
provieram com este das substancias inorganicas mineraes
constitutivas do nosso globo. Esta é a these da theoria da
geração espontanea da vida, apresentada e defendida pela
escola franceza , principalmenterepresentada em Robin. Do
mesmo modo Haeckel e Elsberg (de Nova York )admittem
que não só em um dado momento dos tempos geologicos se
formou a substancia bioplasmatica primitiva por precipitação
do seio das massas (liquidos ou soluções mineraes), masmesmo
que essa producção de materia viva se deve realizar ainda
hoje no laboratorio da Natureza, sob a influencia de condi r
ções especiaes, do mesmo modo que nos antigos tempos.
A escola alleman, principalmente representada em Wirchow,
pretende que a materia viva primordial se tenha produzido
BIOLOGIA 25

espontaneamente no seio de um liquido em que existissem


préviamente formados os compostos organicos complexos que
entram na sua composição. Evidentemente, esta ultima hypo
these, conhecida pelo nome de plasmagonia, nada de vanta
joso ou de surprehendente nos apresenta.
O que nos importa é saber se essas substancias, denomi.
nadas organicas e cuja complexa reunião constitue o proto
plasma vivo, nasceram, ou não, espontaneamente na Natu
reza .
A isto responde -nos affirmativamente a theoria da escola
franceza, denominada autogonia. Na successão das epochas
geologicas, a cada camada ou periodo corresponde uma or.
dem de factos caracteristicos.
Assim, podemos dizer, que o primeiro periodo da Terra,
foi o periodo physico ; o segundo, o periodo chimico ; e o ter
ceiro, o periodo biologico. Este ultimo extende -se até aos nos
sos dias. Se, como vimos, o movimento vital é determinado
principalmente pela continua acção de oxydação das substan
cias instaveis, conclue -se que elle não poude realizar- se á su
perficie do nosso globo, emquantonão houve uma atmosphera
livre, contendo uma grande quantidade de oxygenio. Era ne
cessaria a eliminação da grande porção de acido carbonico da
atmosphera. Houve entre as variações climatericas dos pe
riodos geologicos uma epocha em que as condições de tem
peratura, e outras, foram taes que determinaram o agrupa
mento dos elementos - hydrogenio, oxygenio, carbonio e azote,
— no estado de equilibrio instavel que caracteriza o protoplas
ma. Ou essas condições não se repetiram mais, e d'ahi em
deante toda a producção de organismos se fez á custa do pro
toplasma existente, justificando o dito de Cuvier « que só a
vida gera a vida » ; --ou essas condições se repetiram diver
sas vezes, e se repetem ainda hoje: eis o que a sciencia não
conseguiu ainda verificar. A creação primeira da substancia
bioplasmatica realizou -se necessariamente pela acção das
forças physico -chimicas, quer fosse (como diz Haeckel) pela
combinação do vapor d'agua, acido carbonico e ammoniaco,
formados á superficie da Terra,- quer fosse, pela reunião do
cyanogenio, formado durante o periodo de incandescencia do
nosso globo, com o vapor d'agua (como pretende Pfluger).
De qualquer modo que fosse, écerto que n'um periodo remo
to da evolução do nosso planeta, quando os elementos futuros
das substancias vivas fluctuavam dispersos na atmosphera
pezada,ou nas aguas oceanicas, ainda agitados pelo movi
mento febril da sua condensação recente, uma concentração
26 BIBLIOTHEC DO POVO
A

maior do mesmo movimento que na materia cosmica gerou os


atomos conseguiu produzir as primeiras combinações vivas,
as primeiras substancias protoplasmaticas.
È sobre este ponto divergem ainda as opiniões de distinctos
naturalistas. Querem uns que se tenha formado a princi.
pio um protoplasma unico que, por differenciações ou modi.
ficações produzidas pelo estimulo das condições de meio, ori
ginou toda a extensa serie dos variadissimos organismos.
Segundo outros, a massa protoplasmatica pode ter sido gera
da em condições muito variaveis, resultando que no seu pas
cimento espontaneo sabiriam muitos protoplasmas, os quaes,
longe de serem identicos, differiriam não só pela natureza
das particulas materiaes que arrastavam na sua composição,
mas tambem pelas condições particulares do movimento que
osanimava, isto é, pelas suas propriedades.
Indubitavelmente, se os organismos não receberam na sua
composição um maior numero de elementos chimicos, é por.
que no momento da sua formação os outros tinham já adqui
rido o estado solido.
O azote, o oxygenio, o hydrogenio, o carbonio e seus com
postos, a silica que por muito tempo se conservou no estado
gelatinoso colloide, e os saes de calcio pouco soluveis e espa
lhados por toda a parte constituiram todo o material das sub
stancias vivas. Ao passo que estas substancias, seguindo &
lei geral da evolução, se grupavam para constituir os bioplas
mas,-- estes, a seu turno, excitados pelas acções externas, se
guiam a sua marcha evolutiva;e,postos em presença uns dos
outros, eram levados, pelas condições de existencia quasi ana
logas, a travarem a lucta pela vida d'onde resultoupara uns
o progresso organico, e para outros a morte. No progresso
das formas deviam actuar então as propriedades nativas es
peciaes de cada um dos bioplasmas geradores.
Para o estudo d'esta hypothese da geração espontanea, é
de grande importancia a observação dos seres rudimentares
conhecidos em Biologia pelo nome de moneras. São seres qua
si totalmente desprovidos de organização, homogeneos e amor.
phos. Um d'elles continúa talvez ainda hoje a produzir-se por
geração espontanea no fundo dos mares. E ' o Bathibius Hae
ckeli, descoberto por Huxley no fundo do mar em uma gran
dissima profundidade. Nas especies proximas começa a evolu.
ção vital, condensando as moleculas na parte central , forman
do um nucleo. O protoplasma simples, converteu -se já em cel.
lula ; e d'esta seguirá em aperfeiçoamentos successivos na lon
09 a evolução organica.
BIOLOGIA 27

Quanto á segunda parte da theoria, a Chimica tem sido até


hoje impotente para sanccionar experimentalmente estas theo
rias de philosophia natural. E, comtudo, a priori o problema
nada tem de absurdo. E' certo que não se obteve ainda re
sultado positivo, mas tambem as experimentações realizadas
não demonstraram ainda a impossibilidade da sua execução
futura. As experiencias de Pasteur, Schutzenberger, etc., a
que acima nos referimos, não dizem respeito á producção do
protoplasma livre e impessoal, mas sim ả creação espontánea
de seres organizados, herdeiros das propriedades iniciaes do
bioplasma, e de todas as modificações que as forças do meio
ambiente lhe imprimiram .
No emtanto, importantes passos se têem dado, para a ac
quisição futura de um tão bello resultado. Os chimicos mais
illustres têem dedicado a sua attenção á synthese das sub
stancias organicas ; e, de conquista em conquista ,obtiveram já
alguns resultados vantajosos. Em 1828, Wölher produziu no
seu laboratorio a uréa extrahida dos compostos de cyanogenio
e de ammoniaco. Depois, sob o impulso dos estudos de mui
tos chimicos, entre os quaes deve citar- se em primeiro logar
Berthelot, obtiveram- se pela synthese umgrande numero de
substancias organicas que, segundo a velha chimica, só po
diam produzir-se sob o influxo da força vital. Imperava d'an
tes o apborismo de Gerhardt: «que o chimico faz o opposto
da Natureza; queima, destroe, opéra por analyse, emquanto
só a Natureza opéra por synthese ». Hoje, os magnificos resul
tados obtidos pela synthese, levam já a crer que não virá lon
ge o tempo em que o chimico consiga realizar no seu labora
torio a formação da substancia protoplasmatica viva. As ana .
lyses immediatas das substancias albuminoides, ultimamente
feitas por Schutzenberger, deixam crer que a sua producção
artificial pada tem de irrealizavel . Se um dia a Chimica o con
seguir, ficará demonstrada pelo modo mais palpavel e evidi 2
te a origem physico-chimica dos phenomenos vitaes ; e a for
mula, já hoje demonstrada em Biologia,- de que as proprie
dades physicas e chimicas, infinitamente variadas e comple
xas dos compostos albuminoides, são as causas essenciaes dos
nbenomenos organicos ou vitaes, — receberá a sua mais bri
ibanio confirmação.
28 BIBLIOTHECA DO POVO

A VIDA

Os phenomenog vitaes são meros resultados das proprieda


des da materia organica. A vida não reside verdaderamente
das substancias chimicas do protoplasma, mas sim nos movi.
mentos especiaes que resultam do seu estado particular de
aggregação. O protoplasma é vivo, mas não é a vida Esta é
uma combinação dos movimentos das suas particulas, ou, se
quizermos , uma forma de movimento. Sendo um movimento, a
vida pode transformar-se em outros movimentos mais ou me
nos complexos. Só debaixo d'este ponto -de -vista podemos con
siderál.a como uma força , e applicar-lhe a designação de for.
ça vital e vitalismo, - do mesmo modo que em Physica se
einpregam os termos electricidade e força electrica. Uma mas
sa de protoplasma é simplesmente uma machina de grande
complexidade, cujos resultados totaes - a vida — dependem ,
por um lado, da sua estructura e, por outro, da energia que
possue. Assim como nos atomos a força da affinidade rege os
phenomenos chimicos, no protoplasma a força vital rege os
phenomenos biologicos. Os movimentos vitaesmanifestam -se
ao lado dos movimentos chimicos. Estes persistem nos orga
nismos mortos. A vida, consistindo ' no movimento vibratorio
especial das moleculas bioplasticas, facilita a formação dos
compostos instaveis e complexos que constituem os seres vi.
vos. Reside na substancia bioplasmatica, e é independente de
toda a organização ou composição estructural dos organismos.
Para fazer uma justa idéa da vida, importa determinar bem
as suas propriedades, isto é, os aspectos que apresenta, ou
as condições da sua manifestação.
Verificamos que a vida está estreitamente dependente do
meio ambiente, de modo que pelas variações d'este, se pode
suspender ou reanimar o movimento vital.
Alguns fetos e infusorios seccos, podem ser restituidos á
vida, quando se humedecem . Na America e Russia transpor
tam -se a grandes distancias certos peixes gelados, que se rea
nimam pela immersão na agua. Em agua quente resuscitou
Gaymard, em 1828, na Islandia, alguns sapos gelados. Pela
seccura ou congelação, subtrahiu - se aos organismos, sem os
decompor, a agua das suas moleculas, impedindo assim a ins
tabilidade necessaria para a realização da troca de materiaes.
As substancias do organismo perdem o estado colloide, ficam
de algum modo paralisadas, mas conservam as suas proprie
BIOLOGIA 29

dades intactas, revelando-as logo que se incontram em con


dições de o poderem fazer. Isto tudo nos prova, ainda mais do
que já tentámos fazêl- o, que a principal condição da vida é a
continuada troca de materiaes entre o organismo e o mundo
exterizr. E' esse duplo movimento de assimilação e desassimi.
lação, de que já nos occupámos, que constitué a base de todos
os outros movimentos vitaes, quer elle se effectue na renova
ção e destruição da materia viva dos organismos rudimenta
res, quer se realize na circulação e respiração dos seres mais
elevados nas escalas da vegetabilidadee da animalização.
O conjuncto de movimentos, conhecido pelo nome de vida,
pode, perante a analyse, revelar-se-nos como composto dos
movimentos elementares de nutrição, crescimento, reproducção,
propriedade chlorophyllina, mobilidade e innervação, resulta
dos directos das forças physico - chimicas.
São estas seis propriedades os seis principaes modos de ac
tividade dos seres vivos, em que se grupam e classificam to
dos os phenomenos biologicos. A' excepção da propriedade
chlorophyllina, quasi exclusivamente limitada aos vegetaes,
as outras cinco qualidades fundamentaes representam , quan
do reunidas, a mais elevada e completa expressão da vida.
Mas nem estão sempre reunidas, nem têem todas egual im
portancia.
A mais importante é evidentemente a nutrição, de que de
pendem directamente a reproducção e o crescimento. A vida,
na sua expressão mais simples, pode reduzir- se ao exercicio
d'esta ultima funcção -a nutrição. O ser organizado, privado
de todas as outras faculdades, viverá até que, pela tendencia
geral de transformação das substancias colloides em crystal
loides, o movimento vital vá tornando - se cada vez mais len
to, acabando pela completa paragem, produzindo a decompo
sição dos compostos complexos que constituiam o organismo
e restituindo os seus elementos ao mundo mineral.
Como extensão maior da nutrição, vimos que se realizavam
o crescimento e a reproducção. Muitos seres inferiores têem a
vida limitada a estas tres ordens de funccionalismo. Depois,
complica-se e aperfeiçoa -se a organização e apparece a mobi
lidade, subordinada tambem á nutrição e á reproducção. As
tres funcções de nutrição, reproducção e crescimento, são fun
damentaes ; pertencem a todo o ser vivo. Depois d'estas dis
põem-se outras tres : — mobilidade, propriedade chlorophylli
na e innervação. A propriedade chlorophyllina é, com raras
excepções, limitada aos vegetaes e a mobilidade, até um cer
to ponto, commum a vegetaes e animaes. Entre estes dois ra
30 BIBLIOTHECA DO POVO

mos da organização vital não existe tambem , comoantigamen


te se pretendia, um antagonismo completo. Não ha en :re el.
les differenças essenciaes. Não é verdade, como se supjunba,
que os vegetaes sejam apparelbos destinados a tirar de mun.
do mineral os compostos organicos quaternarios e terarios,
para servirem depois de alimento aos animaes. Estes tão são
tambem apparelhos de combustão destinados a destruiras
producções do reino vegetal sem as poder ersar. Euneções
identicas são desimpenbadas em uns e outros. No figade, mus.
culos, pulmões, cartilagens, ete., incontrou Rouget materia
amylacea, similhante ao amido, e transformando -se como este
em assucar .

Por outro lado, a cellulose, considerada como substancia


exclusivamente vegetal, apparece-nos sob o nome de chitina
ou tunicina no tegumento de muitos animaes. Somente a chlo
rophylla é, segundo alguns auctores modernissimos, uma sub
stancia exclusivamente vegetal. Dizem elles, então, que
aquella coloração incontrada em alguns animaes rudimenta
res, e que tinha induzido os naturalistas a affirmarem que a
chlorophylla pertencia tambem aos animaes, é apenas devida
á existencia de uma alga ou vegetal microscopico parasita no
interior do corpo d'aquelles animaes.
A composição chimica geral de uns e outros é identica, ape
zar de que se apresentam notaveis dissimilhanças na quanti
dade relativa de substancias ternarias e de substancias azo.
tadas que uns e outros contêem . As substancias albuminoides
azotadas, quasi accessorias nos vegetaes, constituem a base
da animalização. O resultado é que nos animaes o azote e
seus compostos produzem um maior grau de complexidade e
instabilidade chimicas, isto é, uma actividade vital superior.
E' esta a unica divergencia importante entre os dois grandes
troncos da arvore da vida, que, ligados fundamentalmente pe
la sua origem commum na substancia bioplasmatica e pela
essencia do funccionalismo, constituem o grande imperio orga
nico, segundo a denominação proposta por Blainville.
A innervação por fim , apanagio dos animaes mais elevados,
é a mais delicada, a mais subordinada e estreitamente depen
dente da nutrição e das outras propriedades vitaes.
E' a innervação que dá origem à sensibilidade e ao pensa
mento , ultimas condensações superiores de todo o movimento
terrestre.
A substancia viva, formada de substancias colloides, con
tendo saes, gazes , etc., estabelece um continuo movimento de
troca com o meio ambiente, recebendo d'elle uma grande par.
BIOLOGIA 31

te d'esses saes e gazes, que vão combinar-se com as substan .


cias colloides.
As moleculas de oxygenio atmospherico penetrando conti.
nuamente no interior dos organismos, oxydando -lhe as mole
culas, dissociando - as e desaggregando-as, estabelece a per
petuaçło d'aquelle movimento, por isso que no fim de um
tempo naior ou menor terá destruido a substancia do corpo,
produzindo assim a corrente osmotica que traz do exterior
novos mate aes . Estes, depois de soffrerem modificações chi
micas preparatorias, ficam em um estado tal que se identifi
cam com a materia do corpo vivo, e as suas moleculas vão
tomar o logar das que foram destruidas.
Sabemosque, a Physica, substituindo nas suas grandiosas
generalizações philosophicas a palavra força (desprovida de
realidade) pela palavra movimento, demonstrou egualmente
que todos os diversos movimentos vibratorios dos corpos se
transformam uns nos outros. Assim, nas combinações e reac
ções chimicas, incluidas na grande lei das forças physicas,
produzem-se egualmente transformações do movimento atomi:
coem equivalente calorifico, luminoso, electrico, etc.
Os actos mais importantes da machina animal são oxyda
ções e combustões. Os alimentos ingeridos representam sys
temas de moleculas em um estado de equilibrio ; este equili
brio destroe-se quando entram no turbilhão vital; põem então
em liberdade as forças vivas, que até abi possuiam no es
tado de tensão; e os movimentos atomicos communicando -se
para o meio exterior manifestam -se sob os aspectos de movi
mento mechanico, de calor, e de electricidade. O calor organi
co, facil de verificar, é conhecido de todos. As correntes ele
ctricas foram descobertas nos musculos, nos vasos capillares,
e em quasi todos os tecidos vivos.
Quando augmentam os exercicios dos orgãos, por exemplo,
do tecido muscular nos esforços braçaes, oudo tecido nervoso
nos trabalhos intellectuaes,-augmenta o consumo dos mate
riaes alimentares, assim como a quantidade de calor do orga
nismo, pela maior actividade das acções chimicas effectuadas
corpo
no .
E, - agora que estudamos o phenomeno vital, na breve re
senha dos seus caracteristicos, poderemos condensar em uma
definição simples a idéa de vida ?
Uma infinidade de definições se tem dado ; mas não pode
mog occupar -nos a passál - as todas em revista.
Enumerareinos apenas algumas.
Claudio Bernard, gostava de insistir em que a vida é a
32 BIBLIOTHECA DO POVO

morte, por isso que toda a manifestação vital é acompanhada


de gasto e destruição.
« Nunca (diz elle) a mesma materia serve duas veze : 0
gasto molecular é sempre proporcionado á intensidade das
manifestações vitaes . A vida é a morte.»
Hebert Spencer dá a seguinte definição : « A vida é , con
tinuo accordo entre as relações internas e as relações exter
nas.» Perfeitamente verdadeira, tem o grave inconveniate de
pairar nas elevadas iões da philosophia abstracta acima
do campo dos factos, muitos dos quaes ficam por ella esqueci
dos. Ao mesmo tempo, pela sua generalidade vaga , pode ser
applicada a alguns phenomenos da Chimica mineral,"
Letourneau, define a vida: « um duplo movimento de com
posição e de decomposição continuas e simultaneas no seio de
substancias plasmaticas ou de elementos anatomicos figura
dos, que, sob a influencia d'esse movimento intimo, funccio
nam em conformidade com a sua estructura . »
A melhor de todas as definições parece-nos talvez a defini
ção seguinte, recentemente apresentada pelo professor de Zoo
logia na Escola Polytechnica de Lisboa:
« Vida é a troca constante com o meio ambiente, de sub
stancias chimicamente definidas, d'onde resultam decomposi
ções e recomposições successivas, dando logar á permanencia,
com producção de movimentos particulares diversos.»
DARWINISMO

E' lei constante e geral dos seres vivos, o transmittir a vi.


da aos seus descendentes, que conjunctamente recebem cara
ctéres não identicos, mas analogos. Difficil e impossivel mes.
mo seráexplicar este facto trivialissimo, se, na sua manifes
tação, não formos examinál.o em sua origem. Acabamos de
ver que a materia protoplasmatica originaria, mãe primeira
de todos os organismos, apresenta como caracterconstante o
phenomeno da reproducção. Vimos que esta, reduzida ahi á
sua expressão mais simples, se limita á separação em fra.
gmentos da massa protoplasmatica, sufficientemente desinvol
vida para sobre ella produzir effeito a acção das forças de
gravidade e de pressão. Ahi, o facto passa -se singelamente
como uma bi partição mechanica; a lei de reproducção é pois
ab initio, - produzir-se uma divisão de materia protoplasma.
tica, dando duas formas identicas entre si , e identicas aquella
que lhes deu origem.
BIOLOGIA 33

Depois as cellulas elementares aggregam -se, sob o nome


de plastidios para formarem organismos cada vez mais com
plexos, que tomam os nomes de meridios, zoidios, etc.
A principio, nos meridios, cada cellula reproduzindo-se iso
ladamente segue as leis da reprodução simples das massas
protoplasmaticas ; d'isto provêm que os meridios resultantes,
compostos de cellulas ou plastidios elementares identicos,
apresentam propriedades tambem identicas.
Ao passo que vamos subindo na escala dos seres , estes vão
soffrendo modificações resultantes da acção do meio em que
vivem, e essas novas propriedades adquiridas assim, por ada.
ptação, transmittem -se ás cellulas que vão ser geradas, con
soante a lei de reproducção que acima estabelecemos. Mais
tarde, por phenomeno de adaptação, as funcções localizam - se
em certos meridios, ou compostos de plastidios, que perderam
todas as suas propriedades menos uma, ou que, concentraram
todas as suas actividades e toda a sua energia. Em certos
meridios localiza-se a funcção reproductora. Estes meridios,
resentindo-se das modificações de adaptação que a fórma fôr
soffrendo, por isso que são uma parte do organismo, transmit
tirão esse novo movimento adquirido ás moleculas dos plas
tidios que forem gerando..
Mas, como n'esses meridios reproductores estão accumula
das as energias de todos os seus antepassados, a forma recem
nascida passará por phases correspondentes ás fórmas suas
antecessoras.
Assim ficam resumidamente explicados os dois factos ca
pitaes, que servem de fundamento a theoria da evolução. Es
ses factos são a reproducção e a hereditariedade. Pela pri
meira assegura -se a continuidade da vida, pela segunda a
perpetuação dos caracteres primitivos successivamente mo
dificados pelas condições externas.
Por estas acções do meio, os seres organizados tendem a
afastar-se do typo primitivo, por novos caractéres mais ou
menos salientes. Estas particularidades são fixadas pela he
reditariedade, transmittindo-se de paes a filhos.
E ' assim que se formam as variedades e as raças. O cão
educado para a caça transmitte aos seus descendentes essa
aptidão adquirida.
D'estes factos conclue-se uma lei determinada por Lyell ;
é a chamada lei da constancia das formas. Essa lei pode
enunciar- se : -Os seres são tanto mais constantes na forma e
na organização, quanto mais simples é a sua estructura.- A
razão d'este facto é facil de reconhecer. Os seres de estructu
34 BIBLIOTHECA DO POVO

ra mais simples são aquelles em que as funcções estão menos


localizadas ; n'elles portanto os plastidios, componentes de
uma dada porção do corpo, não perderam de todo as facul.
dades primitivas, e estão aptos a readquiril-as quando uma
variação das condições de vida, os obrigue a isso. Então ca
da cellula, ou elemento plastidiario, retomará, por assim dizer,
a sua vida propria, accumulando de novo o exercicio de to
das as funcções vitaes.
Os seres de estructura elevada são pelo contrario aquelles
em que se determinaram completamente os orgãos com as
funcções localizadas.
D'ahi provêm que - variando as condições do meio ambien
te, -os orgãos, tendo- se adaptado exolusivamente ao exercicio
de uma funcção physiologica , não poderão readquirir rapida.
mente as condições que perderam , e a forma morrerá inevi
tavelmente.
Foi no estudo das formas fosseis dos terrenos geologicos
que Carlos Lyell reconheceu, que o numero de especies iden
ticas em todos os terrenos é maior nos organismos mais
atrazados da escala animal.
A grande base da theoria de Darwin é o facto a que elle
ligou o nome, tão celebre hoje, de lucta pela vida.
Todos os seres vivos estão em um permanente estado de
hostilidade uns para com os outros; isto significa que nenhum
poderia subsistir sem occupar um logar que mil outros seres
procuram roubar - lhe.
Inevitavel se torna a lucta pela conservação da existencia.
Esta lucta trava - se, já contra os outros animaes, já contra
as condições da natureza exterior. E' este combate fatal, que
começa para o ser, logo nos primeiros momentos da vida, que
em França recebeu a denominação de concorrencia vital, ao
passo que Darwin lhe chama com uma energia cheia de ori
ginalidade — lucta pela vida.
A lucta com o clima é talvez a mais difficil. Paizes ha, em
que invernos rigorosos têem originado a morte de mais de
cinco sextos da sua população volatil . Sobreviveram aquelles
que acharam condições de resistencia pela posse de uma ca
mada mais espessa de pennas, ou, pela possibilidade de me
lhor resistir a uma alimentação deficiente. O mesmo se vê
ainda hoje na raça humana.
0 habitante das regiões tropicaes, ou mesmo até o Euro
peu , difficilmente pode conservar a vida nas regiões geladas
dos polos ; para resistir com exito, necessita, proporcionar ao
seu organismo condições de adaptação especial, alimentando .
BIOLOGIA 35

se com oleo de phoca, a fim de fornecer ao sangue o calor in


dispensavel.
O contrario succede ao habitante das regiões boreaes, quan
do transportado ás regiões ardentissimas dos tropicos. Só o
uso de uma alimentação vegetal, e de vestuarios de lan, po
derá preservál-os da morte.
o que se diz do homem e dos animaes observa-se egual
mente nas plantas.
E' assim que, muitas vezes, basta uma pequena differença
de climapara dar preponderancia a esta ou aquella especie
vegetal. Umas, circumscrevem -se nas regiões frias,-rareando
cada vez mais,a medida que progredimos para as regiões mais
quentes. Debalde, muitas vezes, uma especie vence outras na
sua multiplicação e na vegetação luxuriante ; basta que resis
ta menos ao frio ou ao calor, para que as suas rivaes a des
inthronizem immediatamente .
Já muito antes de Darwin , o inglez Maltbus determinára,
estudando o desinvolvimento das populações, a lei do cresci
mento dos alimentos e dos homens.
Demonstrou elle que, emquanto os alimentos crescem n'uma
progressão arithmetica, as populações crescem n'uma progres
são geometrica.
O illustre economista inglez restringia -se, porém, ás popu
lações humanas ; Darwin extendeu esta lei a todas as espe
cies vivas.
A observação tem demonstrado casos de uma fecundida
de pasmosa ; e pelo calculo determinou -se como se faria a
multiplicação das especies, se ella seguisse o seu livre curso
sem estar sujeita ás causas de destruição.
E' preciso, pois, que algumas morram ; só assim podem per
petuar-se as especies.
Na lucta sobreviverão aquelles que melhor puderem sup
portar a abstinencia e a fome, ou que deverem a victoria no
combate ( por se apoderarem do alimento) á sua superioridade
real de força physica, ou a qualquer disposição particular de
dextreza, de astucia, etc.
O unico rato conhecido pelos antigos, foi um dia obrigado
a ceder deante do rato negro ; e só o livrou de completa des
truição a sua extrema pequenez.
Em 1750 foi, por seu turno, atacado em Inglaterra o rato
negro pelo rato do campo, mais forte, mais feroz e mais fe .
cundo, que anniquilou quasi totalmente o rato negro, de tal
modo que este hoje só muito raras vezes se incontra.
Por aqui se vê que, na lucta pela vida, se devem contar co
36 BIBLIOTHECA DO POVO

mo elementos importantes a maior ou menor fecundidade das


especies e as relações mutuas entre as differentes fórmas or
ganizadas .
A fecundidude é um dos meios mais efficazes para preser•
var da extincção completa uma especie qualquer.
Temos d'isto um exemplo bem frisante nos peixes.
E' notorio o consumo extraordinario que o homem faz d'el
les para a sua alimentação, assim como a quantidade enorme
que serve de nutrição a outros animaes aquaticos de consti
tuição mais robusta. Apezar de tudo, as especies não desap
parecem , porque basta que algumas femeas escapem para em
breve se repovoarem as aguas.
Todos os seres da Natureza river ligados por um todo de
relações complexas e imprevistas.
Cita -se, entre outros, o exemplo succedido no condado de
Stafford, em Inglaterra, em uma propriedade de um parente
de Darwin ,
Ahi , em uma charneca esteril, plantaram uma grande ex
tensão de terreno com pinheiros de Escocia. No fim de vinte
annos o contraste entre o pinhal e a charneca era assombro
samente notavel. No pinhal floresciam já 12 especies de plan
tas, sem contar as gramineas e os carex ; a mudança da popu
lação de insectos foi tambem importante, e 6 especies de pas
saros insectivoros vieram estabelecer-se alli, emquanto a char
neca era, pelo contrario, habitada apenas por duas ou tres es
pecies distinctas.
Foi assim que a plantação da arpore motivou a immigração
de novas plantas ; estas attrahiram os insectos a que servem
de alimento, e em busca dos insectos vieram as aves insecti.
voras .
Ha certas plantas que só podem fecundar-se pela interven
ção dos insectos.
Algumas orchideas necessitam que as borboletas as vi
tem para lhes mover o pollen e fecundál-as.
O trevo hollandez carece da aproximação das abelhas.
O trevo vermelho é só visitado pelos besouros, porque as
outras abelhas não podem attinę ir- lhe o nectar e as borbole
tas não têem pezo sufficiente para lhe abaixar a corolla,
Pode-se concluir que, da extincção dos besouros em uma da
da região, resultaria a immediata desapparição do trevo ver
melho.
Mas a abundancia relativa de besouros depende, segundo
observou o coronel Newman, do numero de ratos do campo
que lhes destroem os ninhos.
BIOLOGIA 37

O numero d'estes ratos depende ainda da quantüade dos


gatos .
Newman averignou que, perto das cidades ou povoidos, on
de existe um grande numero de gatos, abundam os ninhos de
besouros .
Por aqui se vê que a presença ou ausencia de um simples
gato n'uma dada região pode influir na desapparição ou no
desinvolvimento de uma especie vegetal.
Vejamos como as palavras vigorosas de Darwin nos dese
nham este estado de guerra porfiada. Ouçamos respeitosos as
eloquentes palavras do grande mestre :
« As antigas ruinas icdicas, que outr'ora devem ter estado
despidas de arvores, ostentam hoje diversidade e profusão de
essencias eguaes á das florestas virgens que as cercam . Que
combate enorme se deve ter travado entre as differentes espe
cies de arvores que espalhavam cada uma d'ellas por anno
inilhares de sementes !
« Que luctas de insecto contra insecto ! de insectos, caracoes
e outros animaes contra as aves e outros carnivoros ! Esfor
çam - se todos por se multiplicarem e vivem á custa uns dos
outros ou das arvores, das suas sementes ou das suas plan
tas novas, ou ainda á custa dos pequenos vegetaes que , co
brindo a Terra , impediam o crescimento das arvores. Atire
se ao ar um punhado de pendas ; cahirão todas para o solo se
gundo leis definidas, mas o problema da sua quéda é exces
sivamente simples a par do das acções e reacções dos innu
meraveis animaes e plantas, que determinaram durante o
decorrer dos seculos o numero de especies d'arvores que
crescem boje sobre as ruinas indicas.
« Batalhas sobre batalhas se estão continuamente travando
e com resultados diversos ; e, comtudo, o equilibrio das forças
está tão bem determinado na serie dos tempos, que o aspecto
da Natureza conserva- se constante durante longos periodos,
apezar de muitas vezes bastar um nada para que um dado ser
organizado ganhe victoria sobre outro. Comtudo a nossa igno
rancia é tão profunda e a nossa presumpção tão subida que
nos admiramos ao saber da destruição de uma especie ; e , co
mo não lhe vemos a causa , invocamos cataclysmos para deso
lar o mundo, ou inventamos leis sobre a duração das formas
vivas. »

A parte da theoria da evolução que temos exposto até aqui,


38 BIBLIOTHECA DO POVO

isto é, aquella que consiste em affirmar que a totalidade das


fórmas ictualmente existentes e das que desappareceram , te
ve por origem ou antepassado cominum uma forma muito
simples, estava já, desde muito, assignalada na serie dos co
nhecimentos humanos.
Fundou -a Lamark, e seguiram-n'a ou apresentaram -n'a
egualmente Erasmo Darwin( avô de Carlos Darwin ), Geof
froy Saint- Hilaire,o inglez Russell, Goethe, etc.
Quanto, porêm, à parte da doutrina transformista que se
occupada theoria da selecção, fazendo-nos ver como e porque
se organizaram e desinvolveram as diversas especies, a par
tir da forma inicial primitiva, essa é unica e simplesmente
devida a Carlos Darwin.
Em uma carta, dirigida a Haeckel e por este publicada na
Historia da creação natural, conta Darwin as causas deter
minantes, que o levaram á concepção da sua theoria.
Na America do Sul víra tres factos que o impressionaram :
o modo por que especies muito proximas se iam succedendo á
medida que elle caminhava de norte para o sul ; o parentes
co proximo entre as especies das ilhas vizinhas e as do con
tinente; e, porfim , & profunda relação dos mammiferos des
dentados e roedores com as especies extinctas.
Pareceu -lhe que as especies proximas poderiam provir de
uma origem commum , mas não sabía explicar como.
Foi então que observou os resultados da selecção artificial,
oucreação das raças; e isso, conjunctamente com os seus es
tudos geologicos que lhe davam a conhecer a successão das
fórmas vivas na serie historica dos terrenos, assim como &
leitura do livro de Malthus sobre a população, fizeram -lhe
comprehender a evolução dos organismos na sua vasta com
plexidade.
Quando o homem pretende crear uma raça nova, em que
se accentue uma dada qualidade,-procede, escolhendo cuida
dosamente os animaes que possuem a qualidade requerida no
mais elevado grau, e promovendo a sua reproducção.
Em virtude da lei da herança, que já estabelecemos ,
aquella qualidade fixa -se e toma um desinvolvimento crescen
te, na progenitura.
Dá-se assim uma verdadeira escolba (em latim selectio ,
d'onde vem a palavra selecção, empregada pelo darwinismo).
O homem dá ás especies e variedades uma direcção n'um
determinado sentido, simplesmente movido pelo desejo de
adquirir uma utilidade ou pelo simples capricho.
Citemos um exemplo.
BIOLOGIA 39

No seculo xviii, todas as lans puras eram provenientes de


Hespanha.
Daubenton foi incarregado de crear raças de carneiros
francezes, que tivessem lau tão boa como a dos merinos hes
panhoes.
Para esse fim , Daubenton acasalou carneiros do Roussil
lon com ovelhas de Borgonba.
Os carneiros do Roussillon tinbam lan com seis pollege
das de comprido ; e as ovelhas de Borgonba, lan de tres
pollegadas.
Os filhos resultantes d'aquelle acasalamento apresentaram
naprimeira geração lan de cinco pollegadas.
Continuando a acasalar para reproducção os individuos que
apresentavam maior comprimento de lan, Daubenton chegou
a obter no fim de septe ou oito gerações, lan com vinte e duas
pollegadas de comprimento, caracteristico da lan de Hespa
nha.
Do mesmo modo se obteve logo nos primeiros cruzamentos
a finura e pureza que se notam na lan das raças hespanho
las.
O que vemos é que o homem modela a seu gosto, como se
fosse argila plastica, a disposição dos organismos.
Da modificação das plantas, temos egualmente, o exemplo
constante, deante de nós, nas variedades sempre multiplica
das dos jardins.
Os pombos, especie em que Darwin fez os seus memora
veis estudos para determinar estas leis da selecção e da ada
ptação, apresentam um numero enorme de variedades sepa
radas por differenças profundas.
Um distincto cultivador inglez, João Sebright, promptifica
va-se a dar, em tres annos, uma modificação indicada nas pen
Das,-e, em seis, uma modificação na forma do bico ou da
cabeça.
Vejamos quaes são as propriedades naturaes do organismo,
que, utilizadas pelo cultivador, dão estes resultados de trans
formação das especies.
Já vimos, em outro logar, quaes ellas eram . Grupam-se
fundamentalmente nas designações de hereditariedade e ada
ptação.
Todos os seres existentes se nos mostram differentes, ain
da que pouco sensivelmente o sejam ; e todos se apresentam
tambem , como sabemos, susceptiveis de reagirem contra as ac
ções do meio, isto é, de tomarem modificações de forma e de
funccionalismo, taes que consigam estabelecer o justo e ne
40 BIBLIOTHECA DO POVO

cessario equilibrio entre os movimentos vitaes do ser, e os


movimentos diversos do meio ambiente.
Por outro lado, o individuo reproduzindo -se transmitte aos
seus descendentes não só os caracteristicos que lhe são pro
prios, mas tambem aquelles que accidentalmente recebeu na
lucta da adaptação.
E' d'esta faculdade que se aproveita o cultivador, dirigin
do-a convenientemente no sentido que deseja.
Ora, estes dois factos, hereditariedade e adaptação, são, co
mo dissémos, unicamente devidos ás acções physicas e chimi
cas do meio cosmico.
Portanto, fica completamente banida d'este phenomeno to
da a explicação sobrenatural.
Isto mesmo que o homem obtêm conscientemente e metho
dicamente, executa-o a Natureza, por meio da acção lenta
das leis do mundo physico.
Vimos já como das observações e leis de Malthus resulta
conhecer-se que se realiza sempre e em toda a parte a fa
tal lucta pela existencia.
Portanto, se os individuos têem que luctar (quer entre si,
uns com os outros,para se apossarem de alimento , -quer con
tra o clima e accidentes do mundo exterior) , segue -se a ne
cessidade de morrerem alguns, enquanto outros triumpham
pela posse de qualidades particulares melhor apropriadas ás
condições da victoria.
E' uma verdadeira superioridade de occasião que lhes fa
culta sobreviverem ao combate.
Houve pois n'istouma escolha ou selecção natural. Foram
preferidos uns e condemnados outros.
Imaginemos uma especie de lobos que se alimentem de dif.
ferentes animaes, sobre os quaes logram alcançar victoria,
quer pela força, quer pela astucia, quer pela agilidade.
Se sobrevier uma fome ou outro qualquer accidente que
apenas permitta na região a persistencia do veado, vejamos
quaes serão os resultados da selecção natural.
E ' claro que, tendo os lobos de luctar na corrida como
veado, só sobreviverão aquelles que forem dotados com maior
agilidade.
D'isto resultará por descendencia uma nova raça de lobos
deagilidade crescente pela acção selectiva natural.
Se tivesse succedido pelo contrario que a preza persisten
te fosse um animal corpulento e forte, a raça de lobos, que
se crearia por selecção, possuiria, cada vez mais em elevado
grau, o vigor e a robustez.
BIOLOGIA 41

Foi o que se realizou nas montanhas de Catskill, nos Es


tados Unidos.
Incontram - se ahi as duas raças de lobos que acima deixa
mos apontadas : uns, esguios e ageis, que perseguem os ani
maes corredores ; outros, pezados mas vigorosos, que atacam
frequentemente os rebanhos.
D'estes factos podemos concluir que, da selecção natural,
resulta sem um aperfeiçoamento organico, por isso que a
Natureza då a victoria ao que apresenta uma organização
mais bem adaptada ás condições do meio.
Ao passo que o homem tem apenas em vista pela selecção
artificial obter a sua propria vantagem , na Natureza ha sem
pre tendencias ao equilibrio das forças e á perpetuação dos
mais bem organizados.
A' mais pequena variação, á mais insignificante differença
de estructura, ou de constituição, a Natureza por meio de se
lecção conserva e avigora o que é conveniente e bom, e des
preza e mata o que é prejudicial e mau.
Tal é o trabalho lento e surdo que se executa no decorrer
dos seculos, preparando na sombra a transformação das es
pecies, o apparecimento de novas organizações sobre o globo.
Tão curta é a vida do homem, e tão mudaveis os seus ca
prichos, que os productos da selecção artificial nunca conse
guem senão o cumulo da imperfeição quando cotejados com
os da Natureza.
Não conseguimos ver os effeitos da selecção natural nas
suas progressivas e lentissimas transformações senão quando
ellas nos apparecem em resultado ultimo. Então consideran
do as formas, apenas apreciamos, á simples vista , um facto
unico : — que ellas são hoje differentes entre si, e differentes
do que têem sido nas diversas epochas geologicas.
As causas determinantes da selecção natural são muito va.
riadas, mas podem incluir-se nas designações de: -- acção de
clima ou meio ambiente - alimentação — habito e exercicio
-posse das femeas e relações reciprocas entre todos os
seres.

Nos animaes, a acção d'estes differentes agentes biologicos


manifesta - se de um modo não menos evidente e sensivel . As .
sim vemos que o frio desinvolve a massa do corpo e cria o
temperamento sanguineo ; estimula a sensibilidade e a circu
lação capillar da pelle ; augmenta a hematose cutanea e o
calor peripherico ; provoca ao exercicio muscular ; aguça o
appetite e torna mais activas as funcções digestivas.
o calor, dilatando o ar, difficulta a respiração, porque em
42 BIBLIOTHECA DO POVO

cada inspiração fornece este uma quantidade menor de oxy


genio.
Os organismos são d'este modo atacados pela acção do meio
em que vivem ;. força lhes é combater pela vida. E , ou se mo
dificam por alterações de fórma, que mais tarde a heredita
riedade e o exercicio tornam fixas, creando novas raças ; ou,
impotentes na lucta, são vencidos e morrem.
E' justamente esta a lei da selecção natural em questões
de acclimação : variar ou morrer.
O segundo factor da selecção natural é a alimentação.
Vimos como, em resultado das leis estabelecidas por Mal.
thus, se tornava fatal a lucta originada pela concorrencia
perante os alimentos.
Os animaes da mesma especie são aquelles que travam
entre si um combate mais violento .
Com effeito, amaxima intensidade da concorrencia vital, de
ve dar -se entre os individuos que nutrem eguaes desejos e
necessidades.
Collocados nas mesmas regiões, sempre frente a frente, ex
postos aos mesmos perigos , a vida de uns depende da vida
dos outros.
Quanto mais proximos forem , mais facil será sobrevir &
atrophia e a morte aos que, por mais fracos, só possam viver
dos sobejos dos outros, melhor organizados.
E, para esta victoria de unssobre outros, bastará oapro
veitamento das menores variações ou adaptações organicas.
Assim se distanceiam as differentes especies, destacando
se em grupos bem caracterizados, e por assim dizer indepen
dentes ,por isso que desappareceramna lucta as especies in
termediarias.
Pelo afastamento nos caracteres, afastam -se egualmente as
necessidades ; e torna-se- lhes possivel a vida, ao lado umas
das outras, podendo aproveitar -se cada uma do que, ás outras,
é completamente inutil.
Vivem todas em harmonia : diminue a lucta pela existencia ,
e diminue tambem a tendencia á variabilidade das especies.
D'isto resulta o estacionamento de algumas formas, que
são geralmente as mais elementares, e em que o rudimenta
rismo da organização torna impossivel a lucta.
E' uma nova lei que teremos occasião de repetir, estabele
cida pelo celebre geologo inglez Lyell : - As formas organi
cas são tanto mais persistentes, quanto menos elevadas na escala
dos seres ; a mutabilidade e variabilidade crescem a medida que
nos vamos elevando na escala, dos organismos.
BIOLOGIA 43

Uma outra causa da variação das especies é o habto ou o


exercicio .
Dá muitas vezes logar ao exaggerado desinvolvimento de
um orgão, trazendo como resultado a atropbia de outros me
nos empregados.
Onde ba maior actividade de exercicio, ba uma acção no
systema nervoso provocando o acto reflexo, e portanto a acti.
vação da proliferação dos tecidos n'aquelle ponto, forçando
assim a seiva alimentar a concorrer alli.
O orgão que mais funcciona adquirirá um desinvolvimento
excessivo; e, como em um organismo a somma das energias é
constante, a lei do desinvolvimento reciproco diz-nos, que,
quando uma d'ellas variar para mais, as outras devem variar
para menos, ficando inevitavelmente atrophiados os orgãos
que lhes correspondem .
As modificações, obtidas nos organismos, perpetuam -se pe
la herança; e a acção continua do exercicio trará una diffe
renciação cada vez maior, acabando por produzir os crgãos
apenas rudimentares, testemunhas ou documentos da organi
zação dos antepassados.
Darwin cita um facto curioso da acção do exercicio na va
riação das formas.
Não nos poupamos a citál.o tanto mais que se refare á fau
na de Portugal.
Ha, diz o sabio naturalista, na ilha da Madeira , uns coleo .
pteros quasi desprovidos de azas, e outros munidos de azas
muito desinvolvidas e vigorosas.
Este facto é devido à violencia do vento do mar.
Os primeiros coleopteros, renunciando a luctar com as cor
rentes de ar, occultam -se emquanto dura a ventania ; e da
falta de exercicio das azas resultou o atrophiarem -re.
Os outros, pelo contrario, persistiram na lucta; e o exerci
cio, provocando a reacção, originou o desinvolvimento e avi.
goramento dos orgãos do vôo.
O habito muitas vezes origina essa nova aptidãr physiolo
gica ou psychologica denominada o instincto.
Na lucta pela vida, muitas vezes o acaso offerece aos orga
nismos animaes uma salvação, quer seja na fuga que lhesde
pare uma região amiga e protectora, quer no somno hibernal
ou estival, como meio de se livrarem do frio ou da fome e de
perseguidores inimigos.
Na repetição do facto, apparecendo periodicamente as mes
mas necessidades e os mesmos ou identicos recursos, gera -se
o habito; é este, transmittido de paes a filhos, fixadopela hem
44 BIBLIOTHECA DO POVO

reditar edade e constantemente augmentado pelo exercicio,


produz o instincto.
Depois, differentes causas incidentes do meio vêm modifi.
car os instinctos. O Campophilus principalis, levado para a
America, perdeu alli o instincto de subir ás arvores para ca
çar osinsectos de que se alimenta ; passou a caçál-os voando.
Venos que os cães de caça , os pombos, etc., são, á nossa
vista, constantemente modificados nos seus instinctos pela
educação diversa que recebem, e pelo exercicio obrigado de
certas aptidões ;- assim se fórma uma preponderancia em fa
vor das organizações mais solidas e mais intelligentes.
Temos a prova d'isto no contraste entre o homem civiliza
do moderno e o das raças primitivas.
Uma outra causa da selecção natural é a lucta pela posse
das femeas.
A victoria no combate depende ordinariamente das armas
particulares que o individuopossue. Em geral são os machos
mais vigorosos que vencem.
D'este modo, a selecção natural, permittindo sempre ao ven
cedor o reproduzir a súa raça, faculta a accentuação de cer
tas qualidades.
Supponhamos, por exemplo, que dois amadores de pombos
notam , em uma mesma especie, uns de bico curto e outros de
bico mais comprido. Se exercerem sobre os filhos, em gera
ções successivas das duas qualidades de pombos, a selecção
artificial, acceitando unicamente para a reproducção aquelles
individuos em que se accentue mais a qualidade que o ama
dor pretende perpetuar e ampliar, e desprezando todos os ou
tros, chegarão no fim de um certo numero de annos a obter
duas especies de pombos por tal modo differentes nos caracte
res, que á primeira vista parecerá incrivel que ellas tenham
sido provenientes de uma mesma origem.
Isto não é mera hypothese. Têem - n'o realizado frequente
mente os Inglezes, não só em pombos mas tambem em caval
los.
Ora, isto que assim se obtêm pela selecção artificial, em
prazos de tempo relativamente pequenos, muito melhor se
adquirirána lucta da Natureza, em que todos os factores, que
temos indicado, tendem a accentuar certas qualidades que
possam, em uma dada occasião, garantir ao animal uma su
perioridade effectiva, manifestada por maior aptidão para a
vida, nas condições actuaes do meio.
E (circumstancia notavel ! ) , dando - se a lucta tanto mais
accesa, quanto mais proximas são em organização as especies
BIOLOGIA 45

combatentes, o resultado inevitavel e fatal é o desappareci


mento das especies intermedias, incontrando- se, no fim de um
largo espaçode tempo, a especie primitiva ao lado da especie
final, apurada pela selecção e completamente differente da
primeira ; ou só nos apparece a segunda como resultado ultimo.
Esta differenciação dos caracteres é que constitue a gran
de base da theoria darwinista.
A variedade nova, creada pela selecção, é o germen de uma
nova especie ; e esta, afastando - se da sua origem , vai consti
tuir os generos.
Comtudo, só a lucta pela existencia não basta para occasio
nar uma extincção de especie.
Para isto só uma catastrophe subita, ou uma mudança ge
ral de clima ou de temperatura , poderão dar-nos uma explica
ção satisfactoria. E, ainda a taes males, remediariam as emi
grações progressivas.
O caso é completamente differente quando entra em scena
o segundo factor de que falámos, isto é, quando duas ou mais
especies se combatem disputando o alimento.
Supponhamos uma ilha povoada de ruminantes, que pastam
as hervas, e de porcos, que se nutrem de landes e raizes.
E' claro que a lucta apenas poderá ter logar entre indivi
duos da mesma especie ; muitos morrerão, mas a especie sub
sistirá sempre, imbora soffrendo modificações de adaptação.
Se, porém , apparecer, por qualquer forma, na ilha, um ban
do de cavallos,-- então a lucta entre estes e os ruminantes
travar-se-ha renhida, resultante da egual necessidade das pas
tagens.
A especie mais forteou que mais facilmente supporte a fo
me, será aquella que obterá a victoria, enquanto a outra di
minuirá cada vez mais até se extinguir de todo.
Darwin insiste principalmente na importancia da fecundi
dade para a extincção das especies.
Com effeito, a inferioridade nos meios de resistencia na lu
cta não conseguirá originar a extincção de uma especie, quan
do fór contrabalançada pela sua grande fecundidade.
As especies extinctas não reapparecem mais.
E' facil comprehender porque. Provenientes de um pro
genitor commum, vieram accentuando atravez dos seculos as
modificações
do meio.
diversas adquiridas pelas condições accidentaes
Estas nãopodem repetir-se exactamente pela mesma ordem
de succcessão para dar, da mesma especie-måe, um producto
egual ao que, antes, d'ella resultára.
46 BIBLIOTHECA DO POVO

Por vezes mesmo, esta especie original succumbiu na lucta


pela vida.
As especies nascem, crescem, modificam -se e morrem , dei
xando logar a outras,- e ficando apenas, quando fossilizadas
nas camadas da crosta terrestre, como documentos da historia
dos organismos.
Ainda como consequencias naturaes da theoria temos que,
na ordem de successão das camadas, devem apparecer orga
nismos cada vez mais complexos, e que camadas intermedias
devem conter especies tambem intermedias.
E' justamente na historia paleontologica dos seres que re
side uma das maiores provas do darwinismo.
Na verdade, a Paleontologia verifica serem os organismos
rudimentares que exclusivamente se incontram nas primeiras
camadas da superficie do globo, emquanto nas camadas mais
modernas vão apparecendo organismos vegetaes e animaes ca
da vez mais complexos.
Se, como objectam os adversarios do transformismo, não se
incontra nos documentos fosseis toda a longa serie evolutiva
dos seres vivos, facil é de comprehender, como as constantes
agitações da superficie do globo, os effeitos da acção vulcani
ca, etc., contribuem poderosamente para o desapparecimento
e obliteração das formas fossilizadas.
Muitos seres dos infimos na escala, constituidos apenas por
partes molles e gelatinosas, deformam - se sob a pressão das
camadas sobrepostas, e decompõem- se sem deixar pestigios.
As acções mechanicas e chimicas tendem tambem constan
temente a destruir os fosseis formados no seio das rochas .
Não deve, pois, admirar-nos a frequencia das lacunas, se
attendermos mais ainda a que a Paleontologia é uma scien
ciarecente, que, por assim dizer, apenas começou os seus tra
balhos, e que, por outro lado, estando cinco septimas partes da
superficie do głobo cobertas por massas deagua, que occul.
tam a riquissima população viva e fossil do fundo, só ficam li
vres ás pesquizas do homem os dois septimos restantes, imba
raçados ainda pelas montanhas cobertas de neve ou de lavas.
Os trabalhos modernos da Paleontologia têem vindo confir
mar a theoria. O dr. Falconer descobre na America a ligação
desconhecida entre o mammouth , o mastodonte e o elephan
te ; Hayden incontra as formas intermedias entre o cavallo
actual e o cavallo fossil; Huxley mostra- nos como as aves
descendem dos reptis, facto confirmado pela descoberta de
uma especie de lagarto com pennas, o archeopterix . Por fim ,
no estudo do amphioxus, o primeiro dos vertebrados, demons
BIOLOGIA 47

tra- se que elle provêm , com as ascidias, de uma origem com


mum ; Owen descobre a passagem entre os ruminantes e os
pachydermes ; etc.
As outras provas do darwinismo são : a presença dos orgãos
rudimentares e os phenomenos embryologicos.
Os orgãos rudimentares, legados de paes a filhos, atrophia
dos pela falta de exercicio, são apenas, nos seres actuaes, do
cumentos, ou restos da organização passada dos seus maiores .
Na especie humana, por exemplo, o bomem possue mammil
los, com quanto não possa proporcionar amammentação, e
ambos os sexos possuem no canto interno do olho uma peque
nina prega ( resto de uma terceira palpebra, que se incontra
perfeitamente desinvolvida em outros mammiferos, nas aves e
nos reptis) .
Os phenomenos embryonarios ( como veremos adeante ) pres
tam á theoria da descendencia provas ainda mais significati
vas, historiando na evolução do feto as phases por que pas
sou a sua evolução organica.
Abi estão, portanto, bastantes factos adquiridos : as espe
cies variam ; as suas variações transmittem -se por heredita
riedade; a lucta pela existencia faz desapparecer as varia
ções inuteis ; algumas perpetuam -se por escolha ou selecção,
é fixam -se determinando as raças, variedades e especies. D'is
to provêm o parentesco entre todos os seres. Só o systema ge
nealogico se pode seguir no estudo e classificação dos orga
nismos. As differentes categorias, os grupos taxonomicos, ge
neros, familias, ordens, especies, etc., representam apenas o
grau mais ou menos afastado de parentesco entre as formas.
A imagem de uma verdadeira disposição systematica dos
organismos seria uma arvore, cujo tronco representasse a sub
stancia viva primitiva : os ramos seriam os grandes grupos ; os
ramusculos, os generos eespecies ; os rebentões, as variedades
nascentes ; os ramos e folbas seccas, as especies e familias ex
tinctas.
Pelo darwinismo affirmam -se os grandes principios philo
sophicos da Biologia. O axioma de Linneu : – A natureza não
dá saltos, - é a consequencia necessaria da selecção natural,
que nos apresenta as especies, descendendo uma das outras
por variações gradúaes e accumuladus, formando series de ca
deias continuas.
Em algumas d'estas series, ha por vezes uma feição ge.
ral, um todo de caracteres que as particulariza e distingue.
São os typos, que, conservando-se ligados entre si por formas
de passagem , se apresentam apparentemente comoagrupa .
48 BIBLIOTHECA DO POVO

mentos distinctos. A evolução organica não se fez, comtudo,


como queria Geoffroy St. Hilaire, segundo uma linha recta,
em que as fórmas se fossem succedendo (provindo a forma
maisrudimentar de um typo, da forma mais perfeita do typo
precedente ). Não é isto o que realmente deve ter succedido. Os
organismos transformam -se em diversos sentidos,seguindo em
cada momento a direcção que lhe é marcada pela resultante
das acções do meio ambiente, combinadas com a sua energia
propria. Assim se formam evoluções parallelas ou divergentes
em diversos pontos de uma mesma especie, terminando , como
resultado final, em typos muito diversos.
Tal é, resumidamente exposta, a theoria da descendencia
dos seres, como a apresentou Darwin. Depois d'elle, alguns
naturalistas tentaram substituir em parte assuas theorias;
d'elles apenas mencionaremos aqui o allemão Kolliker, que,
negando a importancia da selecção natural, pretende explicar
aformação das especies pela acção das influencias exteriores
domeio sobre o embryão, nas primeiras phases do seu desin
volvimento . Esta theoria, confirmada por observações de ou
tros naturalistas e por algumas experimentações, carece , com
tudo, ainda de uma sancção mais completa. Por outro lado,
Ernesto Haeckel, professor na Universidade de Iena,e o mais
notavel dos darwinistas modernos, extendendo e ampliando &
theoria da origem dasespecies, pela theoria da geração es
pontanea, e pela classificação geral dos organismos, funda &
vasta theoria do Monismo ou Unitarismo, ou Theoria mecha
nica, que considera todos os phenomenos da natureza orga
nica e inorganica como productos do movimento e da materia,
reduzindo a uma unidade toda a materia e todo o movimento .

AS LEIS DA ORGANIZAÇÃO

E' para nós já um ponto conhecido que as substancias pro


toplasmaticas só podem existir em massas de pequenas di
mensões, as quaes, quando separadas, constituem outros tan
tos individuos a quese dá onome de plastidios.
Estes crescem até onde lhes é permittido crescerem, e di
videm -se depois ein duas partes similhantes á fórma que lhes
deu origem ; isto não é mais do que o crescimento e reproduc
ção, caracteristicos dos seres vivos. !

Da limitayão do tamanho das massas protoplasmaticas, re


sulta que os grandes organismos vegetaes e animaes só po
dem ser constituidos por uma accumulação d'aquelles peque
BIOLOGIA 49

nos seres elementares (plastidios ). D'isto provêm a lei da as


sociação :
Animaes e plantas são sociedades vivas formadas pela re
união de muitos individuos elementares.
A sociedade dá-se o nome de organismo; e aos elementos
que a compõem , o de elementos anatomicos.
A organização, isto é, o resultado d'essas aggregações de
seres elementares, effectua -se desde que dois plastidios ge
meos, em logar de se separarem , depois da reproducção da
fórma-mãe, se reunam de qualquer modo.
Os elementos anatomicos, plastidiarios, assim reunidos,
conservam a sua independencia de acção, manifestada na
execução livre e independente das funcções fundamentaes dos
seres vivos,-nutrição, crescimento e reproducção ,--sem im
plicarcom a das funcções analogas dos plastidios vizinhos.
Tal é o facto fundamental da grande lei da independencia dos
elementos anatomicos, hoje tãoutil em Physiologia.
E', perante esse facto, que se gera a propriedade geral dos
plastidios, a tendencia á variabilidade. Com effeito, indepen
dentes entre si, plastidios a principio eguaes podem dentro
em breve, sob a acção de forças incidentes diversas, soffrer
modificações em sentidos tambem diversos, por modo que
adquiram funcções e propriedades novas e differentes, des.
tinadas a manter por adaptação, os organismos duraveis em
umas certas condições de vida que lhes são fornecidas pelo
meio ambiente.
As modificações, assim adquiridas, passam de paes a filhos
pela força da hereditariedade, porque, dividindo-se, as mag
sas protoplasmaticas dão seres similhantes entre si e simi
lbantes á fórma que lhes deu origem . Vimos já como d'estes
dois factores (hereditariedade, tranenittindo as propriedades
adquiridas,- e adaptação, determinando a acquisição de ou
tras novas) resulta toda a evolução organica, manifestada na
descendencia das especies .
Para a variação dos plastidios, influe tambem , de um mo
do importante , a vida social. Nas primeiras associsções vi.
vas occupam elles logares equivalentes, ficando portanto to
dos os elementos perfeitamente identicos. Quando nos adean
tamos, porém , na escala dos seres, verificamos que as colo
nias, crescendo rapidamente, chegam a formar superficies
curvas, especies de saccos de paredes curvas, tomando a dig.
posição que se observa nas esponjas e na fórma embryoge.
netica, denominada por Haeckel -- gastrula . Aqui, é que, já
os plastidios não se conservam collocados todos en condições
50 BIBLIOTHECA DO POVO

identicas ; uns, situados na parte exterior, recebem a acção


directa do calor e da luz e todos os imbates dos agentes
exteriores, e tomam um todo de caracteres communs, accen
tuando - se na formação de uma camada exterior ou folheto,
denominado — exoderme ou ectoderme; outros, situados inter
namente, protegidos pelos primeiros, accommodados em con
dições vitaes constantes e completamente diversas das dos
elementos do ectoderme, constituirão um folheto interno
entoderme. Mas , a proliferação ou reproducção das cellulas,
na parte intermedia, gerará uma nova samada mesoderme.
D'esta disposição vem a necessaria obrigação de serem func
ções differentes executadas por individuos differentes. Assim,
808 do ectoderme incumbe a protecção e o exercicio de todas
as relações com o meio ambiente ; aos do entoderme, as func
ções de nutrição, não só das proprias massas, mas ainda dos
individuos ectodermicos, que lhes retribuem esse serviço, ga.
rantindo-lhes as condições de segurança e protecção. E ' a es
ta verdadeira permutação de serviços que se chama polymor
phismo colonial, e divisão do trabalho.
Até aqui as colonias eram apenas collectividadessem gran
de ligação de interesses ; não soffriam com as mutilações que
n'ellas se effectuassem ; cada pedaço que se separasse conti
nuava a constituir uma nova colonia. Não havia n'ellas uni.
dade de acção nem de reacção. Quando sobrevêm o polymor.
phismo e á divisão physiologica do trabalho, apparece en.
tão a nova lei da solidariedade dos elementos anatomicos colo
niaes.
Reunidos dois individuos elementares, dividindo entre si
as funcções vitaes de modo que um d'elles se incarregue de
um certo numero d'ellas e o outro dos restantes, ficarão os
dois indissolúvelmente ligados, e a sua desunião pode acar
retar a morte de ambos.
E' a estas novas uvidades resultantes da aggregação de
dois ou mais elementos plastidiarios, que se dá o nome de
meridios.
Vejamos que idéa devemos ligar -lhes.
Nos plastidios a individualidade era resultante de um fa .
cto primitivo ` inherente ás propriedades das substancias bio
plasmaticas, em virtude da qual ellas não podem exceder
umas certas dimensões; pode dizer-se que ahi ha a individua
lidade essencial ou anatomica. Nos meridios, pelo contrario, 8
individualidade resulta apenas da união ou pacto societario,
estabelecido pelos elementos coloniaes que reunem os seus es
forços differentes, concorrendo para um fim commum ; por is
BIOLOGIA 51

to se vê que a individualidade do meridio é derivada do func


cionalismo da colonia, podendo chamar-se-lhe individualidade
physiologica.
Sobrevêm um outro facto, resultante das aggregações co
loniaes. Em todas estas colonias de plastidios estes adquirem
(alêm da propriedade que possuiam , desde o seu estado de li.
berdade, de se reproduzirem em massas similhantes) uma no
va propriedade,-a de, uma vez isolados da colonia, irem, pela
simples reproducção de novos plastidios, formar um aggrega
do colonial similhante á colonia de que elle mesmo fazia par
' te. Esta funcção, que é a verdadeira reproducção physiologi
ca, a principio apanagio de todos os individuos da colonia ,
vai restringindo-se e localizando-se cada vez mais, à medida.
que o polymorphismo colonial augmenta.
Da colonia podem então separar-se certos elementos que,
em todos os individuos da longa serie dos vegetaes e animaes,
se apresentam com as duas fórmas caracteristicas primitivas
das moneras solitarias : a forma amiboide, representada pelo
ovo ou elemento femea , e a forma flagellifera, representada pe
lo spermatozoide ou elemento macho.
Então a reproducção, ebamada sexuada, faz- se com a união
dos dois elementos macho e femea, isto é, pela fecundação.
D'esta resulta que, sendo os elementos reproductores origi
narios de dois individuos differentes, em geral, os caracteres
communs a ambos tenderão a accentuar -se, tomando uma fi.
xidez cada vez maior, e a formar d'este modo series de orga
nismos identicamente conformados e apparentemente immu
taveis. A estas series de fórmas chama-se especies. Apparecem
como resultado da geração sexuada .
Esta, por sua vez, provêm do polymorphismo colonial, da
divisão do trabalho, e da solidariedade, por elle gerada nas
associações de plastidios. O polymorphismo, como tambem as
sentámos, não é mais de que a consequencia legitima da va
riabilidade das massas protoplasmaticas plastidiarias, e da
independencia dos elementos da colonia. Finalmente ainda,
esta independencia tem a sua origem da limitação natural do
tamanho das massas protoplasmaticas.
Pelo modo mais simples se explica, portanto, a formação
das especies, que se perpetuam por meio da geração se
xuada.
Com as novas individualidades physiologicas, chamadas
meridios, dá -se o mesmo que com os individuos elementares
que os compõem (os plastidios ). Isto é: os meridios têem tan
bem um limite de crescimento. Effectivamente, até um certo
A
52 BIBLIOTHEC DO POVO

ponto a associação dos elementos plastidiarios é favoravel e


vantajosa; mas chega um momento em que aaddição de novos
plastidios se tornaria um perigo para a vida commum colo
nial. E este momento chegará forçosamente , por isso que os
individuos componentes não cessam de reproduzir-se, geran
do povos elementos ; só podem conservar a sua existencia
aquellas colonias em que esses elementos, constantemente
creados, pudérem ir grupando - se em novos individuos colo
niaes meridios.
Esta reproducção, que não é mais do que uma modificação
do crescimento, é o que se chama reproducção agama, de di
visão ou de rebento.
N'ella, grupam-se os elementos plastidiarios novos em um
certo ponto do meridio existente, constituem um gommo ou
rebento, que em breve, desinvolvendo-se, forma uma nova co
lonia (meridio). A principio estes individuos novos, separa
vam -se dos paes ; chegou,porêm, um momento em que, nas
hydras de agua dôce ,resultando, pelo contrario , uma certa
vantagem da associação d'esses organismos meridios, se for
maram colonias de genero novo em que os individuos a880
ciados não são já simples elementos plastidiarios mas, sim ,
verdadeiras colonias de plastidios.
E' de colonias d'esta nova ordem, que são formados quasi
todos os animaes ; d'ahi lhes vem o nome de zoidios (deriva
dodo grego zoon , animal).
Noszoidios accentua - se a divisão do trabalbo, augmenta a
actividade vital e a resistencia ás causas de destruição.
Uma dascausas das modificações d'estas novas colonias, é
originaria da propria vida social. Todas as vezes que dois ou
mais organismos entram em relações constantes, resultam
sempre, para cada um d'elles, modificações mais ou menos
importantes. Tal é a lei da adaptação reciproca.
Um dos casos mais notaveis do exereicio d'esta lei é o que
se observa no parasitismo. Quando um animal vive sobre ou
tro, como parasita, soffre modificações na sua organização,
perdendo os orgãos locomotores assim como os que podem
servir -lhe para procurar e apprehender os alimentos, adquirin
do em compensação um maior poder de reproducção. O parasi
tismo não é, porfim, mais do que a vida social em que o lu
cro é só havido por um dos associados. Com razão notou Van
Beneden, que em certos casos não é isto completamente ver
dadeiro,- e que muitas vezes se consideravam , como parasi
tas seres que, vivendo em commum com outros de especie
differente, não se limitam a tirar d'elles a alimentação , mas
BIOLOGIA 53

pelo contrario, chegam a prestar, aos seus hospedeiros, im


portantes serviços. D'ahi veio o distinguirem - se, desde então,
dois grupos : 08 Parasitas e os Commensaes ou Mutualistas.
Entre estes ultimos contam -se as especies de animaes do
mesticos; no reino vegetal segundo as recentes investigações
de Bornet, confirmando uma hypothese de Schwendener, os
lichens, reputados por todos os botanicos até aos ultimnos annos
como um grupo especial de plantas cryptogamicas, não são
mais de que o resultado da associação de uma alga com um
cogumello.
Os membros de uma colonia de meridios, imbora conser.
vando a sua autonomia ou independencia reciproca, acham
se ligados por laços analogos aos que prendem os parasitas
e commensaes. D'isto resulta para elles uma serie de mo
dificações organicas, similhantes aquellas que n'aquelles in
dicámos. Supponhamos que, nas colonias demeridios(nas das
hydras, por exemplo), alguns dos individuos associados de
acham collocados em más condições para colher o alimento
de que carecem ; taes individuos morreriam in fallivelmente
se estivessem isolados, mas tiram aos seus companheiros co
loniaes, melhor situados, uma parte da sua alimentação;
vivem como parasitas. Então, nos individuos que assim
lhes fornecem os alimentos, accentua- se fortemente a pro
priedade de nutrição, ao passo que perdem gradualmente as
outras propriedades iniciaes das massas protoplasmaticas,
do mesmo modo que um homem , applicando -se constantemen
te a um mistér, adquire n'elle uma grande aptidão, perden
do a habilidade para qualquer outro officio. E' d'este modo
que, nas colonias inferiores, os individuos elementares co .
meçam a formar grupos ,incarregado cada um d'elles de uma
funcção particular da vida commum . Ha os individuos nutri
tivos, os reproductores, os sensitivos e os defensores da co
tonia ; são já verdadeiros orgãos coloniaes.
Vemos n'isto uma certa forma de commensalismo, ou, an
tes, a creação de funccionarios, recebendo a alimentação for
necida poroutros,mas garantindo ao individuo colonial, um
maior poder, que lhe assegura a victoria na lucta pela vida.
A vida social determina, pois, quer a producção de raçase
variedades modificadas até ao infinito, quer nos individuos
ligados em polymorphismo a evolução geral dos seres.
A colonia conserva -se sempre em justa proporção com o
meio ambiente : e, ou o individuo fundador possue a proprie
dade de deslocamento ou locomoção ; ou a perdeu, e tem de
sujeitar-se a viver fixo e immovel.
54 BIBLIOTHECA DO POVO

No primeiro caso formam -se as colonias lineares, dandoos


Annelados, Molluscos e Vertebrados. No segundo caso produ.
zem - se as colonias irregulares, com as formas indeterminadas
das Esponjas, Polypos, Bryozoarios e Ascidias.
Este individuo fundador que tem na colonia, não só a
influencia de lhe determinar a forma e modo de vida, mas
tambem a de conservar durante toda a extensão da vida das
colonias lineares uma preponderancia physiologica bem ac
centuada, denomina-se — protomeridio. Constitue a cabeça ou
chefe da colonia.
Portanto, todos os organismos estão reduzidos, no momento
em que nascem , a um unico meridio -- a cabeça.
Nas colonias irregulares, a colonia , fixa em um esqueleto
ou estojo exterior, faz o grupamento dos seus elementos em
arborizações verticaes (como nos Hydrarios, Coralleiros, etc.)
ou sob a forma radiada ou espiral (como nas Medusas e Echi
nodermes); de egual modo se fórma, nos vegetaes phaneroga
micos, a flor pela approximação das folhas dispostas em es
piral sobre a haste.
Em animaes e vegetaes a disposição arborescente precede
a radiada,e é devida á condição de fixidez do organismo.
As similhanças entre os vegetaes e as colonias arbores.
centes dos polypos são reaes e devidas á similhança das con
dições de existencia; e foi com justiça que Pallas deu aos po
lypos e animaes proximos o nome de zoophytos, ou animaes
plantas.
Estas colonias chegam a apresentar verdadeiros organismos,
a que se dá o nome de cormus, tendo por condição necessaria
a libertação previa da colonia. Esta, pode então adquirir fór
mas regulares e symetricas, em substituição das formas capri
.chosas das colonias fixas .
Portanto é tendencia de toda a colonia originariamente li
vre, ou que adquire a liberdade em um momento dado da sua
existencia, tomar rapidamente os caracteristicos de individuo.
Temos visto, na evolução dos seres, uma extensa serie de
individuos differentes; importa determinar os seus caracteris.
ticos. Vimos em primeiro logar, a individualidade dos plasti
dios, ou elementos anatomicos, vivendo vida propria e inde
pendente. São individuos physiologicos, - isto é, executam ,
per si, as funcções completas do vitalismo.
Muitos plastidios similhantes grupam - se nos organismos
superiores formando os tecidos que representam , em maior es
cala, as propriedades do elemento que os fórma, e analoga
mente vivem vida propria e independente, comportando -se
BIOLOGIA 55

como verdadeiros individuos, segundo a idéa de Virchow.


Nos organismos superiores, grupam -se os tecidos diversos em
orgãos. Estes não são mais do que a degeneração de primiti.
vos individuos associados em colonia, e nos quaes , pela divi.
são do trabalho, se accentuaram uma ou mais propriedades
da materia protoplasmatica ; o orgão tem decerto uma indivi:
dualidade que abstractamente sepode considerar, e que é util
para o medico , do mesmo modo que a dos tecidos, mas sem
ter realidade effectiva.
$ O orgão é o individuo ou reunião de individuos simples,
em que por força da sua associação, motivada pelas forças in
cidentes do meio, se accentuou uma ou mais das suas pro
priedades, segundo as modificações que lhe imprimiu a acção
social ; em resultado final ha uma perfeita correlação entre o
phenomeno vital que elle produz e o seu proprio mechanismo.
O orgão de hoje, foi sempre individuo; e é constituido por
um ou mais individuos modificados, mas que podem apresen
tar analogos representantes, vivendo autonomos e isolados. A
tão preconizada harmonia existente entre a funcção e o or
gão, não é mais (como se vê) do que o resultado physico da
acção das energias externas que provocam o apparecimento
do orgão capaz de actuar , por modo que estabelecido fique o
equilibrio entre as forças do ser e as do meio ambiente. Ainda
aqui convêm exarar uma outra lei organica. E' que- a fun
cção precede sempre o orgão.
A funcção apparece, a começo, como propriedade geral da
substancia protoplasmatica; depois, nas colonias, começa a
limitar-se em uma dada região, onde mais tarde o conjun
cto de individuos se transforma em orgão destinado exclusi
vamente a executar aquella funcção. Os orgãos , grupando.
se, constituem duas ordens de individualidades abstractas ou
não reaes : os systemas osseo, nervoso , etc., e os apparelhos di
gestivo, circulatorio, etc.
Ha pois na realidade duas ordens de individuos :
Individuos morphologicos, aquelles que, podendo ter vida
propria e independente , se associaram para constituir os or
ganismos. São os plastidios, meridios, zoidios, etc.
Individuos physiologicos, aquelles que nos organismos exe
cutam funcções, por vezes dotados de uma certa independen
cia , -- mas que a accentuação de uma certaforma, e de cer
tas propriedades, impede de voltarem á vida autonoma, in
dependente e isolada. São os orgãos, apparelhos, systemas,
tecidos, etc.
E' a reunião d'estes diversos individuos,-a seu turno for
56 BIBLIOTHECA DO POVO

mados das primitivas individualidas morphologicas, dos ele


mentos anatomicos, - que constitue o verdadeiro individuo ani.
mal ou vegetal.
Este é – a unidade resultante da associação de elementos
protoplasmaticos subordinados á unidade total, e recebendo d'ella
as condições actuaes de existencia, por modo que se formeum to
docapaz de ter vida propria e de reproduzir associações que lhe
sejam similhantes.
Esta individualidade extende-se desde a colonia rudimen .
tar, até ao estado mais complexo da vitalidade, em que o
animal superior, apezar do constante renovamento dassuas
partes, adquire a noção da sua existencia, do eu, possuindo
o que chamamos consciencia . A este ultimo caso da indivi.
dualidade dá- se o nome de individuo psychologico.
Nas colonias livres, o polymorphismo accentuando -se, a
fusão dos orgãos interiores da mesma natureza trazendo um
maior numero de elementos differentes ou heterogeneos, cujo
numero se fixa, assim como o tamanho do organismo, dão ao
todo uma energia vital maior, e uma tendencia á individuali
zação. Os differentes orgãos reagindo uns sobre os outros oe
casionam as adaptações reciprocas, tomadas por Cuvier para
base daanatomia comparada, sob o nome de correlações dos
orgãos. Entre o desinvolvimento e a actividade detodos os orgãos
deve haver um equilibrio necessario : - tal é a lei de Geoffroy
Saint-Hilaire.
Por outro lado, & energia total de um organismo é cons.
tante, de modo que, segundo a lei de Lamarck, a energia de
um elemento augmenta á custa da diminuição da energia dos
outros, por modo que fica estabelecido um equilibrio constante
entre a actividade e o desinvolvimento dos orgãos.
Vemos pois, que a principio, individuo e orgão são modos
de-ser de uma mesma coisa, chegando a tornar-se difficil di.
zer se uma dada fórma é orgão ou individuo.
Este ultimo, é a reunião de individuos morphologicos vi.
vendo associados e mais ou menos dependentes. Quando a in.
dependencia dos elementos associados é absoluta ou relati.
va, forma-se a colonia propriamente dita.
Quando ha uma certa dependencia maior ou menor entre
os individuos componentes, morphologicos e physiologicos,
dá -se o estadode individualização denominadocormus.
Quando, enfim , ha entre os eleinentos componentes uma
completa e absoluta dependencia, a individualidade resultan
te toma o nome de pessoa.
Comtudo estes tres modos-de-ser não têem limites bem de
BIOLOGIA * 57

marcados e passam de uns para outros por transições insen


giveis.
Vejamos agora em que consiste a superioridade e inferio
ridade de organização. Observando superficialmente a escala
dos seres parece-nos que a escala zoologica estabelecida de
veria inverter- se ; com effeito a monera e os organismos ru
dimentares, mantêem - se constantemente, adaptando-se com
facilidade a todas as variações do meio, emquanto o ho
mem, collocado pelos zoologos na parte superior da escala, é
extremamente mais difficil em acclimar-se, e necessita pre
servativos artificiaes contra as acções do meio em que vive.
Mas, não é esse o caracteristico por que devemos guiar a
nossa apreciação. Sabemos que uma machina é tanto mais
perfeita quanto maior é o trabalho produzido em um dado
tempo.
Nos organismos deve dar-se o mesmo. Sabemos já, que, á
medida que a complexidade de composição das fórmasorga
nicas vai augmentando, augmenta com ella a quantidade de
trabalho produzido, a que damos o nome de energia vital.
Na verdade, se o trabalho produzido por uma forma viva,
ou a sua energia vital, é a accumulação ou somma das quali
dades de trabalho produzidos pelas fórmas suas antepasse
das, conclue- se a seguinte lei, que deve guiar - nos na deter
minação do grau de superioridade de uma forma :
A superioridade de uma forma depende da quantidade de tra.
balho, ou energia accumulada pelos seres que lhe deram ori
gem.
A superioridade organica consiste na maior possibilidade
de movimentos. E duas causas principaes a determinam :
1.a Conquista de tempo, -isto é, a distancia a que a fórma
dada se incontra da primitiva fórma que lhe deu origem ;
2.a Conquista do espaço, determinada pelo maior numero
de elementos que a compõem .
Por isso o homem está collocado no alto da escala zoologi.
ca ; e se n'elle faltam apparentemente os fortes elementos de
energia, que se manifesta em grau muito mais elevado nos
movimentos diversos de outros animaes, é porque no homem
esses movimentos, em virtude da lei de equilibrio das ener
gias funccionaes, cederam grande parte da sua energia, para
darem logar á manifestação d'esse ultimo resultado das con
densações successivas do movimento vital, que se chama pen
samento. As faculdades physicas substituem , no homem, as
actividades diversas existentes em outros animaes, e que elle
não possue em tão elevado grau.
58 BIBLIOTHECA DO POVO

EVOLUÇÃO PHYLOGENETICA
E EMBRYOLOGICA

A historia do desinvolvimento do homem , ou de qualquer


animal superior, abrange não só o desinvolvimento ontogene
tico, ou embryogenetico do individuo, mas tambem a historia
do desinvolvimento da especie (phylogenia ), atravez das dif
ferentes formas animaes, por que passou durante as epochas
geologicas. D'este último desinvolvimento expuzemos à dou
trina, e o modo por que se realiza, nocapitulo Darwinismo. Es
tes dois desinvolvimentos — do individuo e da especie — es
tão intimamente relacionados. E ' esta uma conquista da scien
cia moderna, que se formula pela lei que já citámos:
«A historia da evolução do germen não é mais do que a
recapitulação rapida e curta da historia da evolução ( phy.
logenese), da cadeia dos antepassados do individuo.» Isto é:
a serie de fórmas por que passa o embryão desde a cellula
primordial até ao seu completo desinvolvimento, é uma repe
tição, em miniatura, da longa serie de transformações, exe
cutadas pelos antepassados d'esse organismo, desde os tem
pos mais remotos até hoje.
Os factos, nossos conbecidos, da hereditariedade e adapta
ção, é que estabelecem esta correlação que constitue uma das
provas mais importantes e irrecusaveis da theoria da des.
cendencia. A accumulação das energias phylogeneticas na
cellula primeira do embryão é que determina as phases do
desinvolvimento ontogenetico.
O parallelismo não é, porêm, perfeito ; apresentam - se na
ontogenia numerosas lacunas, mas, apezar de tudo, por ve
zes, o estudo da evolução embryologica conduz a preencher
theoricamente as lacunas da descendencia phylogenetica dos
seres. Se a evolução embryonaria não é mais do que a reca
pitulação da phylogenetica, claro está, que podemos, da fór .
ma que affecta o embryão, deduzir quaes seriam as que
outr'ora tiveram os organismos seus maiores. E de que to.
do o ovo de um animal é, na sua origem, uma cellulaunica,
deduz -se com segurança, que a origem primeira da evolução
geral dos seres, foi um organismo mono-cellular.
No ovulo humano, por exemplo, incontramos logo depois &
phase em que o constituem dois folhetos germinativos, aucto
rizando -nos a dizer que a fórmà gastrula, representada nas
esponjas, foi um dos antepassados do homem. Em outra phase,
BIOLOGIA 59

o ovulo humano revela-nos a apparencia vermiforme das asci


dias; em outra apparece a conformação de certos peixes inferio
res ; a esta segue -se, como na ordem natural da descendencia, a
forma de amphibio; mais tarde apparecem os caracteres dos
mammiferos .Examinando o embryảo humano , na quarta ou
quinta semanade seu desinvolvimento, apresenta a maior ana
logia com as formas imperfeitas do embryão do cão, do coelho,
domacaco,e de outros mammiferos, com a mesma edade. Então,
é impossivel distinguil-os. A estructura do embryão é, n'esse
momento , extremamente simples. E' provido de cauda, de um
duplo par de membros, ou antes, appendices lateraes analo
gos ás barbatanas dos peixes. A parte anterior é uma cabe
ça informe, sem rosto, tendo aos lados as fendas branchiaes
respiratorias, como nos peixes.
O estudo da embryologia morphologica tem-se adeantado
muito; mas infelizmente, não tem correspondente desinvolvi
mento o estudo da evolução embryologica da physiologia ou
do funccionalismo vital.
A embryologia do systema nervoso e do coração, dão -nos
a prova da correlação que existe tambem entre o desinvolvi.
mento das fórmas e o das funcções.
A principio, o coração do embryão humano tem uma estru
ctura muito simples, como o das ascidias, ligada a uma cir
culação tambem simplicissima.
O seu maior e ulterior desinvolvimento corresponde a uma
funeção circulatoria differente da primeira e mais compli
cada .
O systema nervoso, que executa na economia humana as
funcções mais elevadas (sensibilidade, voluntariedade e pen,
samento ), mostra -nos, na sua evolução gradual embryologi
ca, uma correlação constante entre a fórına e a funcção.
Aprincipio rudimentar (como o incontramos em toda a dura
ção da vida, nas ascidias e vermes), fórma depois uma espinhal
medulla simples, sem cerebro, qual a vemos no amphioxus, o
primeiro dos vertebrados. Apparece depois um cerebro ana
logo ao dos peixes, que, revestindo successivamente as fór
mas correspondentes ás do cerebro nos amphibios, monotre
mos , marsupiaes , e por fim nos macacos , chega a desinvolver
se em um cerebro humano . A esta evolução está ligada uma
evolução correspondente das funcções ou actividade physica e
intellectual, dando-nos conta da origem natural da vida cons
ciente e do gradual desinvolvimento intellectual dos animaes
superiores. Só a ontogenia ou embryogenia, nos faz assistir
hoje á evolução historica d'essas bellas funcções do organis
60 BIBLIOTHECA DO POVO

mo. Na embryologia do syetema nervoso temos directamente


explicada a phylogenia da intellectualidade.
Vimos, comtudo, que muitas fórmas transitorias, as quaes ti.
veram representação effectiva na evolução phylogenetica, des.
appareceram na evolução ontogenetica ou embryonaria. Este
desapparecimento é motivado por um apressamento no des
involvimento do embryão, d'onde resulta uma confusão appa
rente, que torna impossivel reconhecer um grande numero de
fórmas transitorias.
Mas, se ha estas lacunas, o que não sc nota nunca é con .
tradicção alguma entre as duas series parallelas da evolução.
D'isto resulta a segurança com que podemos induzir dos phe
nomenos embryonarios os dados para a evolução das series
de typos organicos, antepassados do homem.
Não só existe a correlação entre estas duas series embryo
logica e phylogenetica,-mas ainda, a correlação d'ellas com a
serie paleontologica, patenteada pelos fosseis das camadas
successivas da crusta do globo , e com a serie de typos actual
mente vivos, que constituem o imperio organico actual. N'es
tes, estacionarios nos diversos degraus da escala organica,
houve uma tenacidade maior em guardar as propriedades an
teriormente adquiridas; não foram talvez sollicitados pelas
forças do meio a adquirirem por adaptação novas modifica
ções e d'isso resultou o seu estacionamento até mesmo nos
graus mais rudimentares da organização. Quanto mais se des
involvia o mundo organico atravez das epochas geologicas,
tanto mais se accentuava essa divergencia entre os grupos in
feriores que conservavam intactas as suas propriedades pri
mitivas, e os seres que, adaptando-se de continuo, iam de mo
dificação em modificação attingindo novos caracteres especi
ficos. Só a doutrina de Darwin veio lançar sobre este facto
uma verdadeira luz. Notava-se já antes, que havia uma ana
logia notavel entre as phases de desinvolvimento do ovulo
e as formas estacionarias existentes ; mas não se sabia in
terpretar este facto, então devéras extraordinario. Julgava -se
que o homem pre-existia no ovo, completamente formado, e
que o seu desinvolvimento não era mais do que uma especie
de expansão, simples effeito do crescimento. Acabamos de ver
que se dá exactamente o contrario.
Dos factos observados na evolução embryologica, e que ora
acabamos de expor, deduzem -se as duas leis seguintes :
1.4 — Todo o organismo provêm inicialmente de um plasti
dio, que pode dar, depois, origem a meridios e zoidios, á custa
do crescimento simples.
BIOLOGIA 61

Corollario : - Todas as formas podem ser originariamente


consideradas como resultado de um meridio, reproduzindo.se
por gemmação, ou, o que é o mesmo, são verdadeiras colonias
de meridios.
2._- Quando sobre o ovulo se fazem sentir as manifestações
da adaptação individual dos meridios, ha uma tendencia a
que os periodos successivos, que hảo de ser reproduzidos, se
apressem na sua evolução.
Corollario : — E' d'este apressamento ou precipitação que
resulta a confusão apparente, dando logar ao desapparecimen
to das formas transitorias.
Do parallelismo das tres series organicas, a phylogenetica,
a paleontologica e taxonomica, e a ontogenetica, notamos ain
da o corollario seguinte, para accentuar bem a idea perfeita
d'estes phenomenos biogeneticos.
Ao passo que, na ontogenia, ou desinvolvimento embryona
rio de cada organismo, constituindo a historia da sua evolu
ção individual, se observa uma cadeia simples, não ramifica
da, uma verdadeira escala, dá- se exactamente o mesmo phe
nomeno na evolução phylogenetica d'esse individuo, isto é, na
historia da evolução paleontologica dos seus antepassados di
rectos. Pelo contrario, na historia geral da phylogenia de to
dos os organismos, ou phylum, comprehendendo o desinvolvi
mento paleontologico de todos os grupos, ha uma evolução
ramificada, que, no dizer de Darwin, e conforme já notámos
tambem , se poderia representar por uma verdadeira arvore.
E ' n'esta que se observam os graus de differenciação e aper
feiçoamento, dando em resultado final os typos morphologicos
actuaes. Esta ultima evolução é que, só em parte , é parallela
á evolução individual ontogenica ; é parallela na parte que
Be refere unicamente a descendencia directa d'esse organismo.
Recapitulando, temos que a historia da evolução ontologica
ou individual, de grande importancia em classificação, forne
ce-nos os documentos mais importantes para a historia da ge
nealogia dos seres, por isso que a ontogenia é a repetiçãoabre
viada da phylogenia , conforme as leis de hereditariedade e
adaptação. E ' sobretudo para o conhecimento da evolução pa
leontologica mais antiga que a ontogenia constitue para nós
um estudo precioso. E' porque ahi faltam mais os recursos de
outra ordem, taes como os fosseis das camadas, por isso que
esses organismos rudimentares eram molles e delicados e não
deixaram nas camadas de terra nenhuns vestigios foaseis da
sua passagem .
62 BIBLIOTHECA DO POVO

A ontogenia conta-nos até um facto precioso, que nenhuma


outra ordem de documentos nos podiaaffirmar.E vem a ser
que : todos os organismos foram originariamente descendentes de
um ser plastidiario mono cellular simples, como a primeira pha.
se do ovo, d'onde pela associaçãodos elementos provenientes
da reproducção da cellula primeira, e pela divisão do traba
Iho physiologico, se originaram as organizações poly -cellula
res, cada vez mais complexas, até chegar a attingir no homem,
dotado com o pensamento, o ultimo grau da complicação or
ganica.
CONCLUSÃO

Estudámos rapidamente os principaes phenomenos que &


Natureza viva nos apresenta, procurando analysar, pelos tra
balhos dos grandes observadores, as condições d'esses pheno
menos, medir -lhes a importancia, determinar- lhes as causas.
E' a exposição de tudo quanto mais ou menos se relaciona
com o estudo dos seres vivos, que constitue essa sciencia vas
tissima denominada Biologia.
Esta palavra, que parece ter sido usada pela primeira vez
por Treviramus, significa etymologicamente - sciencia da vi
da. O seu desdobramento dá logar á mais variada e extensa
seriede sciencias particulares diversas.
O homem , comprehendido na vasta escala dos organismos,
mas objecto de um particular interesse, deu logar å sciencia
denominada Anthropologia ou historia natural do homem , em
que se estuda a sua origem e os seus antepassados, a forma.
ção das raças, etc.
A Zoologia estuda detidamente o grande ramo dos organis.
mos a que,como vimos, se dá o nome de animaes.
A Botanica estuda os vegetaes.
Mas estes estudos genericos subdividem - se ainda infinita
mente.
Assim a Anatomia geral, comprehendendo a anatomia vege.
tal, a anatomia animal, a anatomia comparada, a anatomia
da cellula, etc. , dedica - se exclusivamente ao estudo da dispo
sição dos elementos anatomicos, ou individuos morphologicos,
nos organismos.
A Physiologia, abrangendo egualmente a physiologia vege
tal, animal, comparada e da cellula, dedica -se ao estudo do
funccionalismo organico, determinando os modos por que se
realiza o movimento vital .
A Embryologia estuda o desinvolvimento dos individuos,
BIOLOGIA 63

historiando as phases por que passa successivamente o em


bryão.
A Morphologia tem por alvo a comprehensão scientifica
das formas e estructuras que affectam os organismos .
A Teratologia, estudando as aberrações e monstruosidades
organicas, contribue por seu lado para definitivamente fica
rem assentes as leis e condições do equilibrio geral dos or
gãos.
A Paleontologia, excavando nas camadas da crusta do glo
bo, historia a successão das formas, durante o decorrer dos
periodos geologicos.
A Deteleologia estuda a transformação ou descendencia das
especies.
A Biologia é na sua essencia a historia completa dos pro
toplasmas e das suas modificações e transformações succes
sivas,- do mesmo modo que a Chimica é a historia completa
dos corpos simples. O que n'estes se chama affinidade, toma
em Biologia o nome de vida. Esta apresenta effeitos tão cer
tos e regulares como os de todas as outras forças da Nature
za, provenientes, como ella, da grande fonte de tudo quanto
existe - o movimento .
A Biologia vem completar com as suas theorias a vasta
synthese do universo, esboçada em uma cosmogonia positi
va. Os phenomenos vitaes vieram tomar o logar que lhes com
petia no extensissimo ambito do transformismo ou evolução
universal. A materia eterna, animada de movimento eterno,
segue na senda das transformações successivas, produzindo os
mundos, com todas as manifestações de energia , que a scien
cia nos revela sob os nomes de calor, luz , electricidade, vida,
etc., em um continuo estado dynamico de integrações e des
integrações, em que nada se perde e nada se cria, e onde tu.
do incessantemente se transforma.

FIM
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BIBLIOTHECA DO POVO E DAS ESCOLAS
PUBLICA - SE NOS DIAS 10 E 25 DE CADA MEZ
RÉIS Alguns dos seguintes livros já foram RÉIS
approvados pelo Governo para uso das aulas
50. CADA
VOLUME primarias, e muitos outros têem sido
adoptados nos Lyceus eprincipaes escolas do
nosso paiz.
CADA
VOLUME 50
VOLUMES PUBLICADOS :
1.4 Serie . N.º 1 , Historia de Portugal. N.° 2, Geographia geral. N.° 3, Mytholo
gia. N. ° 4, Introducção ás sciencias physico -naturaes. N. ° 5, Arithmetica pratica. N."
6, Zoologia . N.° 7, Chorographia de Portugal. N.° 8, Physica elementar.- 2.4 Serie.
N.° 9, Botanica. N. ° 10, Astronomia popular. N.° 11, Desenho linear. N.° 12 , Economia
politica. N.° 13, Agricultura. N.° 14, Algebra elementar. N.° 15, Mammiferos. N.° 16, Hy.
giene . - 3.a Serie. N. ° 17 , Principios geraes de Chimica. N.° 18, Noções geraes de Ju.
risprudencia . N.°19, Manual do fabricante de vernizes. N.° 20,Telegraphia electrica. N."
21 , Geometria plana. N. ° 22 , A Terra e os Mares . N. ° 23 , Acustica . N.° 24, Gymnak
tica . - 4 .. Serie . N. ° 25, Ás colonias portuguezas. N.° 26 , Noções de Musica . N.° 27,
Chimica inorganica. N.° 28, Centuria de celebridades femininas. N.º 29, Mineralogia.
N.° 30, O Marquez de Pombal . N.° 31 , Geologia. N.° 32, Codigo Civil Portuguez . - 5.4
Serié. N.° 33, Historia natural das aves. N.° 34, Meteorologia. N.° 35, Chorographia
do Brazil.- N. 36, O Homem na serie animal.-- N.° 37 , Tactica e armas de guerra.
N. ° 38, Direito Romano.-N.º 39 , Chimica organica. – N.° 40, Grammatica Portugueza.
-6.a Serie . N. ° 41 , Escripturação Commercial. N.° 42, Anatomia Humana. N. 43,
Geometria no espaço. N. ° 44, Hygiene da alimentação. N.° 45, Philosophia popular em !
proverbios. N.° 46 , Historia universal. N. ° 47 , Biologia.
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das creanças. Historia sagrada. Historia do Brazil . Historia da Inquisição . A Inquisição
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CADA VOLUME 50 REIS


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GRAVIDADE TEXTO ILLUSTRADO COM 46 GRAVURAS

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OLU
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redigido em harmonia com o programma

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CURSO GERAL DOS LYCEUS


50 SEGUNDO ANNO - SEXTA SERIE
PES PELS

Cada volume abrange 64 paginas, de composi


ção cheia, edição estereotypada, e forma um
tratado elementar completo n'algum ramo de
sciencias, artes ou industrias, um florilegio lit
terario, ou um aggregado de conhecimentos
uteis é indispensaveis, expostos por forma
succinta e concisa, mas clara, despretenciosa,
popular, ao alcance de todas as intelligencias.
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1883
DAVID CORAZZI, EDITOR
EMPREZA HORAS ROMANTICAS

Premiada com medalha de ouro na Exposição do Rio de Janeiro


Administração: 40, R. da Atalaya, 52, Lisboa
Filial no Brazil : 40 , R. da Quitanda , Rio de Janeiro

Me NUMERO
48
INDICE

INTRODUCÇÃO .. 3
Acção DA GRAVIDADE SOBRE OS SOLIDOS.. 5
Preliminares e definições..
Centro de gravidade. Equilibrio.. 7
Balanças e Dynamometros.. 13
Quéda dos corpos e suas leis.. 21
Pendulo... 24
Acção DA GRAVIDADE SOBRE OS LIQUIDOS.. 30
Principio de Pascal e seus effeitos..
Vasos communicantes. 37
Principio de Archimedes. 40
Areometros, 43
Capillaridade e Osmose.. 46
Acção DA GRAVIDADE SOBRE OS GAZES . 47
Pressão atmospberica e Barometros.
Principio de Archimedes applicado aos gazes. Balões . 55
Compressibilidade dos gazes . Manometros ... 56
Machina pneumatica. Machina de compressão .. 59
Bombas e Syphões .. 62
GRAVIDADE

INTRODUOÇÃO

Sabe toda a gente, que um corpo, sojå elle qual fôr, quan
do abandonado a si mesmo, isto é, quando livre de qualquer
força apparente, cai, dirigindo-se para o sólo.
Este phenomeno realiza-se em todos os logares da Terra,
e com todos os corpos, apezar de parecer que as nuvens, os
balões, o fumo, etc.,constituem excepções ao que ora acaba
mos de affirmar. Adeante veremos que as proprias nuvens, !
os balões, ofumo e varios corpos analogos, estão sujeitos tam
bem da mesmas leis, assim como analysaremos as causas que
osfazemparecer privilegiados em referencia a outros.
Como é, porém , que objectos inertes e sem vontade, podem
cahir, wover-se e seguir sempre uma determinada direcção (de
cima para baixo ) enão outra ?
E' porque sobre elles actua uma determinada força que se
exerce sempre no mesmo sentido, e que portanto obriga os
corpos a seguirem uma certa direcção .
A esta força deu - se o nome de Gravidade.
Já perfunetoriamentenosreferimos a ella no livrinhoque
a Bibliotheca do Povo e das Escolas deu a lume sob o titulo
de Physica elementar (*).
Hoje, porém , cabe -nos o ensejo de sermos mais minuciosos
n'essa materia, visto que as paginas do presente volume são
especialmente destinadas a occuparem -se da Gravidade.
E assim vamos cumprindo o nosso programma que tem si
do,é, e continuará a ser proporcionar methodicamente os
differentes conhecimentos scientificos por modo que se não

(*) Vol. VIII da nossa collecção,


BIBLIOTHECA DO POVO

entre nos mais complexos sem haver previamente passado


pelos simples, e se não estudem especialidades sem ter co
nhecido primeiramente as generalidades.
No já citado volume de Physicaelementar, bem como ante
riormente no de Introducção ás sciencias physico -naturaes (-),
estudámos as generalidades ; e por isso cabe-nos agora o es.
tudo da especialidade da parte da Physica , cujo nome enci .
ma esta introducção.
Será pois d'ella que trataremos no presente volume, pro
curando compendiar" n'estas sessenta e quatro paginas todos
os phenomenos mais importantes que resultam da acção da
Gravidade sobre os solidos,os liquidos e os gazes.
Todos esses factos não são mais do que o resultado da at
tracção universal, cuja descoberta se deve a Newton, que re
sumiu na seguinte lei os seus surpreendentes effeitos :
Os corpos attraem -se na razão directa da massa , e na inver
sa do quadrado das distancias.
Já d'ella conhecemos um maravilhoso resultado cujo estu .
do foi apresentado n'um outro voluminho— Astronomia (--),
em que se explicou como e por que causa os varios corposce
lestes se conservam em equilibrio no espaço.
A esta outra parte da attracção universal chamámos - lhe
gravitação.
Uma outra manifestaçãod'aquella importante força , é a at
tracção molecular cujos effeitos já foram estudados na Chimi
ca (***),e pa Mineralogia (****), quando se tratou detodas as
propriedades que caracterizam o estado solido, liquido ou ga
zoso, e que ficaram definidas nos dois volumes Physica e In
troducção ás sciencias physico -naturaes, que já atraz citá
MOB .

Nãopareça ,porêm, que a leitura do presente volume só se


possa fazer utilmente com o auxilio de todos os livrinhos que
temos deixado até aqui apontados: não é assim . Pelo contra
rio, este volume éindependente, como sempre o são todos os da
Bibliotheca do Povo e das Escolas; constitue por si só um tra
tadinho sobre a Gravidade ; mas, se indicamos os outros, é
por ser sempre conveniente apresentar e dizer quaes os que
mais relação têem com este, para assim auxiliar os que de
sejam estudar uma certa ordem de factos. .
7

(*) Vol . IV da Bibliotheca do Povo e das Escolasi


(**) Vol. x.
(***) Vol. XVII e XXVIII,
(**** ) Vol . XXIX .
GRAVIDADE 5

ACÇÃO DA GRAVIDADE SOBRE OS SOLIDOS


Preliminares e definições

A força que solicita os corpos para o centro da Terra, é, co


mo já vimos, conhecida pelo nome de Gravidade.
E' facil determinar a direcção que os corpos seguem quan
do simplesmente sujeitos á acção d'aquella força : basta para
isto tomar um fio de promo e suspendêl-o em equilibrio,por
que a direcção da gravidade é a do fio de prumo.
Um fio de prumo compõe -se de um corpo pezado (geral
mente uma esphera de chumbo) suspenso na extremidade de
um fio, cuja outra ponta se fixa de qualquer modo.
A direcção da gravidade — tambem conhecida pelo nome
de verticai – é a linba perpendicular á superficie das aguas
tranquillas, superficie que, como se sabe, tem o nome de hori
zontal ou superficie de nive
[A fig. 1 mostra -nos um vaso meio d'agua, em que immer
ge a linha de prumo AP, a qual portan
to indica a direcção da vertical; C D re
presenta traçada na superficie livre da
agua (superficie horizontal, ou superficie
de nivel) uma recta que corta no ponto B
a vertical AP formando com esta quatro
angulos rectos.]
A direcção da gravidade é, para qual
quer ponto da Terra, a direcção do raio
terrestre n'esse ponto, por serem os raios
de uma espheraas unicas linhas que pe
los differentes pontos da sua superficie
Fig . 1
se podem tirar perpendicularmente a esta,
e por ser (como bem sabemos) espherica a
fórma da superficie livre das aguas que constituem a maior
parte do globo terrestre.
As varias direcções da gravidade concorrem , portanto, to
das para o centroda Terra.
Facilmente se conclue d'aqui que as direcções da gravidade
para dois pontos afastados do globo terrestre devem entre si
fazer um certo angulo, como, por exemplo, acontece com Bar
celona e Daukerque, cajas verticaes fazem entre si um angu
lo de 70 28.
6 BIBLIOTHECA DO POVO

Se, porém, n'uma mesma povoação suspendermos differentes


fios de prumo em pontos proximos uns dos outros, havemos de
vêr que as suas direcções são parallelas, parecendo estar ago
sim pouco de accordo com o que acima affirmámos.
Por este facto não fica, demodo algum , anullado o que se
disse sobre o angulo formado pelas verticaes; mas o que suc
cede, é que a distancia, que separa os differentes fios de pru .
mo , é tão insignificantemente pequena em referencia á immen
8a distancia a que se incontram as suas direcções, que temos
de as considerar parallelas,por ser egual (pelos meios de me
dir de que se dispõe) a distancia que separa todos os diffe
rentes pontos das verticaes consideradas.
A gravidade é pois , para cada corpo, & resultante de uma
serie de forças parallelas que actuam sobre as differentes
moleculas do corpo que se considera.
Esta resultante tem, como todas as forças que se conside
ram em Mechanica, um certo ponto de applicação, onde se
exerce sobre todas as moleculas do corpo seja qual fôr a po
sição que este occupe no espaço, ou ainda mesmo quando
apoiado por qualquer modo.
A este ponto de applicação chamou - se centro de gravi
dade.
E á resultante das varias forças, que se exerce no centro de
gravidade,
finido :
chamou-se pexo do corpo, que pode ser assim de
Peso d'um corpo- é a somma das acções parallelas da agra
vidades sobre cada uma das moleculas que o constituem ; ou ain.
da : é a pressão que o corpo exerceriā no vacuo sobre o plano
horizontal que obstasse á sua quéda.
Consideram -se tres differentes especies de pezo : pezo abso
Juto, pezo relativo, e pezoespecifico.
Pezo absoluto é propriamente o que acima definimos como
рего d'um corpo, e está representado pelo esforço que é neces
sario oppôr a um corpo no vacuo para impedir asua quéda .
Pezo relativo é : -a relação do pezo absoluto para um outro
pezo determinado que se toma por unidade, a qual, como se 88
be, no nosso systema de pezos é o gramma.
(O gramma é o pezo de um centimetro cubico de agua destilla .
da na sua maxima densidade).
Pezo especifico é : -a relação do pezo d'um certo volume com
o pezo d’um mesmo volume d'agua destillada. Quando a unidade
de pezo corresponde a unidade de volume, pode dizer-se que
pezo
d'esseespecifico
corpor de um corpo é : -o pezo da unidade de volume
GRAVIDADE 7

Assim , se P fôr o pezo absoluto do corpo, cujo volume é V ,


Р Р
o peso especifico p será pa ; por ser o pezo da uni
V
dade de volume. D'onde P= VXP, o que se exprime di
zendo :
O pezo especifico é egual ao pezo absoluto dividido pelo vo
lume. E portanto :
O pezoabsoluto é egual ao pezo especifico multiplicado pelo
volume do corpo.
O que acabamos a : dizer refere -se apenas aos solidos e aos
liquidos, porque para os gazes já não se escolhe a agua como
termo de comparação. Então, o termo escolhido para compa.
ração é o ar atmospherico.
A formula P = V x P pode ainda ser substituida por esta
outra :
P = VX do

representando d a densidade da corpo cujo pezo é P , e o vo


lume V ; porque a densidade em Physica é o mesmo que o
pezo especifico.
Com effeito densidade de um corpo define -se do seguinte
modo :
Densidade é : relação entre o pezo d'um corpo e o de egual
volume de agua destillada a 40 centigrados.
O que é exactamente o mesmo que pezo especifico, e por
isso se pode na formula fazer a substituição de p por d , co
mo acima fizemos já.
Do que deixamos dito sobre pezo absoluto e relativo se con
clue que o primeiro não é, para todos os corpos, egual em to
dos os pontos do globo,porque a gravidade, não actuando
egualmente em todos os pontos da Terra com identica in
tensidade, faz variar o seu valor, - emquanto o relativo é
agual para qualquer ponto , porque tão influenciado pela gra .
vidade é o corpo de quese tratacomo o pezo com que se com
para, e portanto a relação entre elles não é alterada.
Logo veremos que a intensidade da gravidade vai augmen .
tando do equador para os pólos, originando assim tambem o
augmento do pezo absoluto dos corpos exactamente no mesmo
sentido.
Centro de gravidade. Equilibrio

Ainda que pertença propriamente á Mechanica a determi.


nação do centro de gravidade, comtudo mencionaremos aqui
8 BIBLIOTHECA DO POVO

como prácticamente se determina qual seja a posição d'este


ponto de applicação da força a que chamámospezo.
N'um corpo homogeneo e com centro de figura, o centro de
gravidade é n'este ponto. Assim :
O centro degravidade de uma recta é no meio d'esta .
O de um circulo, uma esphera, uma ellipse, um ellipsoide,
etc., é no centro de figura.
O de um cylindro, no meio do seu eixo.
O de um parallelogrammo é no ponto de incontro das dia
gonaese
O centro de gravidade de uma pyramide, de um cóne, é na
linha que junta o vertice ao meio da base, e a um quarto
d'esta linha a partir da base.
O centro de gravidade de um annel é no centro d'elle.
Por este ultimo exemplo se vê que o centro de gravidade
pode estar fóra do espaço que a materia do corpo occupa.
Quando o corpo não é homogeneo pode-se prácticamente
determinar o seu centro degravidade, suspendendo-o por um
fio em duas posições differentes, porque, devendo aquelle es
tar em ambas as direcções do fio , deve invariavelmente estar
no ponto de incontro dos dois prolongamentos d'aquellas di
recções.
Ainda que não seja facil de applicar este processo, serve
comtudo para determinar, não o verdadeiro centro de gravi.
dade, mas pelo menos um espaço limitado dentro do qual se
deve achar, por não se poder fazer o prolongamento das di.
recções para o interior do corpo na maioria dos casos.
A determinação do centro degravidade é bastante impor
tante para a questão do equilibrio dos corpos.
Chama-se equilibrio ao estado de um corpo que, debaixo da
acção de differentes forças, não é por ellas influenciado, por
se destruirem mutuamente. 1

Para que um corpo, influenciado pois pela gravidade, esteja


em equilibrio, é necessario que se lhe opponha uma força,
que seja egual á da gravidade, isto é, ao seu pezo, - devendo
esta forçaapplicar- se no mesmo ponto ( o centro de gravida .
de), e devendo estar finalmente na mesma direcção mas em
sentido inverso .
De tres differentes modos se pode conseguir este resul.
tado :

1.° sustentando o corpo por um fio ;


2.° sustentando o corpo por um eixo horizontal;
3.° sustentando o corpo por um plano fixo.
GRAVIDADE 9

Quando se emprega o primeiro modo, é necessario para que


o equilibrio se dê, que o centro de gravidade do corpo esteja
na direcção do fio vertical que suspende aquelle.
Para o segundo modo é necessario que a vertical que pas
sa pelo centro de gravidade passe tambem pelo eixo em -torno
do qual o corpo se pode livremente mover. De tres differen .
tes maneiras se pode isto conseguir :
Se o centro de gravidade é atravessado pelo eixo horizon.
tal, isto é, se este passa exactamente por aquelle ponto ( fig . 2),
o equilibrio que se obtêm diz
se indifferente, porque o corpo B
conserva- se em todas as posi
ções que o obriguem a tomar,
por não poder deslocar- se ó
centro de gravidade que coin
cide exactamente com o ponto
de apoio ou sustentação.
E isto, o que a figura per
feitamente representa pelas Fig . 2
duas posições A B e C D de
um madeiro cujo centro de gravidade (8) é atravessado pelo
eixo horizontal , que intrando em e vai passar pelo centro de
gravidade, ba
vendo sempre
equilibrio em
qualquer posi
ção que tome.
Se o centro de
gravidade(8)fica
superior ao eixo
horizontal ( fig.
3), o equilibrio
que se obtêm
chama -se insta .
vel , porque ,
quando deslo
cado da posi .
ção que occupa,
não mais volta
a ella por ten
1
Fig . 3 Fig. 4

der o centro de gravidade a descer continuamente, quando não


ha causa que a tal obste, como está indicado pela segunda
posição do madeiro.
Se finalmente o centro de gravidade (8) fica inferior ao eixo
10 BIBLIOTHECA DO POVO

horizontal ( fig. 4), então o equilibrio é estavel porque ainda,


quandodeslocado da sua posição para uma outra s', o madei.
ro a volta a ella fatalmente depois de executar uma serie de
oscillações como o pendulo de um relogio, para que o centro
de gravidade occupea posição mais baixa possivel, quando o
corpo ficar definitivamente estacionario.
Pelo terceiro modo só se pode realizar o equilibrio, quando
a vertical baixada do centrode gravidade cahir dentro da ba
se de sustentação, isto é, dentro do polygono que o corpo mar
caria no terreno se unissemos por meio de linhas os pontos
mais afastados em que o corpo toca no sólo.
Se está apoiado, porém , só por um ponto, é então necessa
rio que a vertical passe por esse ponto ( como succede, por
exemplo, com uma esphera apoiada sobre um plano, ou mais
claramente com uma bola de bilhar collocada sobre a mesa
do bilhar).
Assim como no modo anterior, tambem o equilibrio póde
ser estavel, instavel, ou indifferente, quando o corpo está
apoiado.
Dá-se este ultimo caso quando o centro de gravidade fica
sempre á mesma distancia do plano sobre que o corpo está
apoiado, seja qual fôr a posição que occupe (como, por exem.
plo, succede no caso da esphera apoiada sobre oplano, a que
já acima nos referimos, - em que a esphera está sempre em
equilibrio em todas as varias posições ).
Se, porêm, o centro de gravidade está mais alto do que em
qualquer outra posição, então o equilibrio é instavel ( como,
por exemplo, succede com uma bengala que se consiga pôr
direita sobre um dedo, com uma pyramide que se consiga
apoiar pelo seu vertice, etc.) porque ao menor deslocamento
ocentro de gravidade tende a descer e não volta portanto a
occupar a posição anterior.
o equilibrio será, porém , estavel, se a posição occupada
pelo centro de gravidade fôr a mais baixa possivel, porque
n'este caso, quando deslocado d'aquella posição, o corpo ten
derá a voltar a ella, visto que pela acção da gravidade o seu
centro de gravidade que subiu pelo deslocamento tenderá a des
cer. E ' o que, por exemplo, succede com qualquer objecto (um
livro, un babu, nma caixa) que esteja apoiado sobre o sólo pe
la face maior, porque, sendo deslocado da posição, volta im
mediatamente a ella quando abandonado.
Vê-se, pois , que equilibrio é tanto mais estavel quanto
mais baixo estiver o centro de gravidade, e mais larga fôr &
sua base do sustentação.
GRAVIDADE 11

Os deslocamentos que se podem fazer sem que o corpo dei


xe de ficar equilibrado têem limite, quando a vertical do cen
tro. de gravidade deixa de cabir dentro da base de sustenta
ção.
A fig. 5 mostra um cylindro inclinado que está ainda as
sim em equilibrio apezar da incli
nação (porque como bem claramen
te se vê) a vertical que passa pelo
centro de gravidade, tocando no sólo
entre a e a circumferencia, cai den
tro da base de sustentação.
Se se augmentasse o comprimen
to do cylindro, com a parte pontua
da, mudaria o centro de gravidade
parab, e a perpendicular nãocabiria
já dentro dabase ; portanto não
haveria equilibrio possivel, e o cy Fig . 5
lindro havia de cabir para o sólo.
O conhecimento dos differentes principios que deixamos
enumerados é bastante importante para as applicações prá
cticas da vida, porque é fundando -se n'elles que se pode cons
truir qualquer obra de architectura desde as nossas mais
modestas casas até aos nossos mais luxuo808 e sumptuosos
monumentos, incluindo mesmo os que foram feitos pura e
simplesmente para demonstrar atéonde chega oarrojo hu
mano e qual é a confiança nos principios scientificos.
As torres inclinadas de Pisa e de Bolonhasão d'isto a pro
va. Parecem ameaçar os viandantes; é comtudo ... conservam
se assim, ha seculos ! Porque ? Porque a vertical do seu cen
tro degravidade cai ainda dentro da respectiva base de sus
tentação.
A fórma e disposição dos carros e dos navios, bem como a
arrumação do seu carregamento é tambem a consequencia dos
mesmos principios. Um carro, para ser estavel , deve ter o cen
tro de gravidade o mais baixo possivel; e, quando carregado,
deve continuar a satisfazer ao mesmo principio porque terá
tanto menos estabilidade quanto mais fôr subindo o centro de
gravidade do todo (carro e carga ). O mesmo se diz em refe
rencia ao navio.
Assim como se applicaram estes principios a diversos ob
jectos, assim tambem se applicam ao homem, que insensivel
mente, e sem conhecer a Gravidade como parte da Physica.
põe em práctica todas as regras da estabilidade do equilibrio,
O homem, em pé e sem estar carregado, tem o seu centro de
12 BIBLIOTHECA DO POVO

gravidade no meio dos ossos dos quadris; e portanto a verti


cal tirada por esse ponto passa-lhe, pois, entre os dois pés,
isto é, dentro da base de sustentação, que é limitada pelos pés
e por duas linhas tiradas de um para outro bico do pé e egual.
mente de um para outro calcanhar.
Todos nós sabemos que é muito mais difficil sustentar o
pezo do corpo em um só pé do que nos dois, e que quando sen
timos faltar-nos o equilibrio ( como, por exemplo, estando im
barcados) insensivelmente abrimos as pernas para arranjar
uma base maior de sustentação.
Se, porém, o homem levar um fardo ás costas, então já o
centro de gravidade não estará na mesma posição, porque já
será differente para o systema constituido pelo homem e pelo
fardo, e ter-se-ha deslocado para o lado do fardo, - motivo por
que o homem carregado se inclina para a frente ( fig. 6 ),para
que, deslocando a posição do
centro de gravidade, obrigue a
vertical tirada por aquelle pon
to a cabir dentro da base de
sustentação.
Isto mesmo acontece quan .
do o fardo, em vez de ser leva
do ás costas, é sustentado na
mão ( como a fig . 7 representa)
sendo então a inclinação do
corpo, não para a frente mas
para o lado contrario ao do
Fig . 6 Fig . 7 fardo, e extendendo a mão des
imbaraçada para contrabalan .
çar a que sustenta o pezo, obrigandoocentro degravidade
à deslocar -se para o seu lado, em vez de tender para o lado
do fardo (que, no caso da figura 7, é um regador ).
O emprego de uma bengala -ou de um varapau augmenta
bastante aestabilidade tanto para a marcha sem carga co
mo`quando carregado ; porque no primeiro caso augmen. 1
ta a base de sustentação com mais o espaço comprehendido
entre as linhas que se tiram da ponteira da bengala aos pés
do homem ; e no segundo caso, além d'isto, o pezo é dividido
por mais aquelle apoio, e portanto as pernas do homem dei.
xam de soffrer tamanba carga.
Com os animaes succede exactamente o mesmo emquanto á
deslocação do centro de gravidade; insensivel e instinctivamen
te tomam as posições necessarias para a melhor collocação do
centro de gravidade, adequadamente ao fim que querem con
GRAVIDADE 13

seguir. E' assim que os patos, quando nadam, põem o pescoço


vertical e as pernas para traz ; quando andam , põem a cabeça
para traz e as pernas para deante; se voam, extendem o pes
coço e a cabeça para deante, e extendem as patas no sentido
da cauda ; amoldam -se, emfim , ás circumstancias.
Balanças e Dynamometros

Balanças são os instrumentos destinados a avaliar o pezo


relativo dos corpos.
Podem ser de duas differentes especies -conforme o compri
mento dos respectivos braços ; e assim são :
I braços deseguaes
Balanças de .
As balanças são umas alavancas do genero das chamadas
interfixas, isto é, das que têem o ponto de apoio entre a po
tencia e á resistencia , e que tambem são chamadas alavancas
do primeiro genero .
Já no nosso tratadinho de Physica elementar (*) enunciámos
as differentes especies de alavancas quando lembramos al
guns principios de Mechanica, e mais minuciosamente o fa
remos em um volume subsequente que deverá tratar especial
menteda Mechanica elementar e indispensavel a todos os lei
tores d'esta nossa collecção.
Lembraremos, comtudo, que esta especie de alavanca é uma
barra inflexivel recta ou curva, movel em -torno de um ponto,
conhecido pelo nome de ponto de apoio e collocado entre as
duas forças que actuam no extremo da barra, (a potencia e a
resistencia ).
Quando esta especie de alavanca está applicada ás balan
cas, tem então o nome especial de travessão, que pode ter o
ponto de apoio exactamente ao meio, como succedena balan
ça ordinaria, ou pode tambem tel-o a distancias deseguaes,
como acontece na balança romana e outras de que trataremos.
Balança ordinaria . Consta esta balança ( fig. 8 ), de um
travessão de braços eguaes tendo suspensos em cada um dos
seus extremos um prato, que tem egualmente o nome de con
cha, e que é perfeitamente egual ao do outro extremo, ou que
pelo menos tem exactamente o mesmo pezo. Ligado ao traves
são, e ao meio d'elle, ha um ponteiro a que sechama fiel, cu
jo movimento é medido n'umarco graduado, nas balanças de
licadas (como a da fig.), - mas que nas balanças mais grossei
(*) Vol. VIII da Bibliotheca do Povo e das Escolas.
14 BIBLIOTHECA DO POVO

ras é sómente apreciado á vista, e só está marcada a posição


vertical que elle deve tomar.
Para que uma ba
lança seja boa, deve
equilibrar -se perfei
tamente com pezos
eguaes, e ceder ao
menor augmento de
pezo em qualquer
dos pratos.
Para que isto suc
ceda, é necessario
que a balança seja
rigorosa e sensivel ;
para isso, cumpre
que satisfaça ás se
guintes condições:
Para ser rigorosa :
1.a Os braços do
Fig . 8 travessão devem ser
exactamenteeguaes;
2. O centro de gravidade da balança deve estar inferior ao
centro de suspensão, ou ponto de apoio, e devem ambos estar
na mesma perpendicular ao travessão.
Para ser sensivel :
1.- O travessão deve ser muito movel em -torno do ponto
de suspensão, ou ponto de apoio ;
2. Os braços do travessão devem ser bastante compridos ;
3.- O travessão deve ser mui delicado, sem comprometter &
resistencia necessaria ;
4.- O centro de gravidade deve estar muito proximo do pon
to de suspensão, ou ponto de apoio ;
5.* Os pontos de suspensão dos pratos, e o ponto de apoio
dotravessão, devem estar todos n'uma mesmalinha ;
6. Os attritos devem ser o mais diminuidos que possi
vel fôr.
Para que ao leitormais proveitoso fique o estudo que ora
estamos imprehendendo, analysaremos em especial cada uma
das condições que acima deixamos apontadas.
Começando pelas duas que são necessarias para que a ba
lança seja rigorosa, vemos que a primeira condição tem de se
dar fatalmente, pois que, para haver equilibrio entre duas for.
ças eguaes applicadas aos extremos de qualquer alavanca,
torna-se mistér que sejam eguaes os braços da alavanca,-is
GRAVIDADE 15

to é, para o caso em questão, cumpre que os dois braços do


travessão sejam perfeitamente eguaes. 1
( Braço dotravessão,oumais vulgarmente, braço da balança,
é a distancia comprehendida entre o ponto de apoio do tra
vessão e o ponto de suspensão do prato, do lado do braço que
seconsidera ).
Para reconhecer se aquella condição se dá, basta carregar os
dois pratos da balança por modo que se equilibrem perfeita
mente, e, depois de o ter conseguido, mudar respectivamente
os pezos de um prato para o outro ; se os pezos se equilibram
egualmente ,apezar de terem mudado de posição, é porque se
dá a condição exigida ; no caso contrario, se o equilibrio exis.
tia, era porque do lado do braço maior estava um pezo menor,
e. vice versa ; mas, com a mudança de posição, o pezo maior
iria para o lado do braço maior, e portanto a balança tende
ria para este lado.
A segunda condição já foi tratada quando falámos das dif
ferentes especies de equilibrio. Se não se désse esta condição,
poderia a balança ter o centro de gravidade em coincidencia
com o de suspensão (e, assim , em todas as posições estaria em
equilibrio e chamar-se-hia indifferente ); ou teria o centro de gra
vidade superiormente ao de suspensão, e com qualquer diffe
reaça de pezo deslocar -se -hia de modo, que não poderia por
si mesmo voltar aquella posição ( e chamar-se-hia então malu
ca ou doida ).
As outras seis condições, necessarias para a sensibilidade
de uma boa balança, conseguem-se por construcção : apoiando
o travessão sobre uma superficie muito polida, por meio de
um prisma triangular de aço, a que se chama cutello ( 1.a con
dição); dispondo o travessão de modo que, sendo comprido,
seja, comtudo, resistente e ao mesmo tempo leve (2.a e 3 :*
condições); fazendo com que o centro de gravidade esteja o mais
alto possivel, sem passar para a parte superior do centro de
suspensão, e suspendendo os pratos por meio tambem de cu
tellos de aço ou pelo menos com superficies muito polidas, de
modo que os attritos sejam insignificantes (4.* e 6.a condições) ;
finalmente obrigando os pontos de suspensão, tanto dos pra
tos como do travessão, a estarem todos n'uma mesma linba,
para que as forças eguaes, applicadas nos extremos, se equi
librem de modo que o travessão pareça não estar debaixo da
influencia ou dos pezos ou dos pratos, mas sómente do seu pro
prio pezo applicado no centro de gravidade do travessão (5.a
condição ); d'esta maneira um pequeno pezo fará logo appare.
cer o desequilibrio.
16 BIBLIOTHECA DO POVO

Quando a balança não satisfaz a estas condições, e mui


principalmente quando o seu centro de gravidade está muito
distante do centro de suspensão, move-se com difficuldade
para indicar as differenças de pezo ; e por isso dá - se- lhe o no
me de priguiçosa.
Com as balanças que não satisfazem cabalmente ás condi.
ções que exarámos, tambem se pode fazer uma pezagem ex&
cta, pelo processo chamado das duplas pezagens, que consiste
no seguinte :
Colloca -se o corpo que se quer pezar em um dos pratos e
tareia -se (isto é, equilibra -se) no outro com grãos de chumbo,
areia, etc.; tira-se da balança o corpo que se quer pezar, e
collocam -se os pozos sufficientes para de novo equilibrar a ta
ra que se havia feito; a somma de todos os pezos que se pu
zeram é exactamente o pezo do corpo em questão.
A balança ordinaria que descrevemos, quando feita com to
da a cautela, isto é,- obediente a todas as condições que enu
merámos, e delicadamente fabricada com metaes menos sujei
tos á acção das differenças de temperatura ), constitue a ba
lança chamada de precisão, que todos conhecemos nosmostra
dores das boticas, mettidas dentro de maquinetas de vidro,
para melhor ficarem isoladas do ar.
Menos sensivel, e sem satisfazer a tantos preceitos, é pro
priamente a balança ordinaria que pode ter pratos de madei
ra ou de metal, sendo no primeiro caso para pezos muito gran
des, e no segundo para as pezagens mais usuaes e mais pe
quenas.
A balança ordinaria pode tambem apresentar-se com outro
feitio, sendo então chamada balança ingleza ou de Roberval,
a qual consta de um travessão de braços eguaes, que em vez de
suspender os pratos por meio decorrentes, os sustenta, pelo
contrario, apoiados sobre elle ; inferiormente a este travessão
ha outro ( que não está patente), e que fórma, com o primeiro,
um systema articulado, servindopara conservar os pratos sem
pre na mesma vertical. Tem tambem um ponteiro ou fiel para
indicar as oscillações da balança.
Esta balança é pouco rigorosa, e somente serve para peza.
gens menos delicadas.
Alêm d'estas de braços eguaes, ha (como dissémos) outras
de braços deseguaes, cuja descripção vamos fazer.
Balança romana . — Esta balança é muitocommoda, porque
dispensa o emprego de um grande numero de pesos ; sómente
necessita de um unico pezo que, pode-se dizer, faz parte da
balança. Consta ella de uma comprida barra de ferro AB ( fig.
GRAVIDADE 17

9) que se pode suspender por um ponto C , o qual está collocado


a distancias deseguaes
dos dois extremos ; no la
do menor d'esta barra ha
um cutello, sobre o qual se
move um gancho que ser
ve para suspender os ob
jectos que se querem pe B뱌
zar ; no lado maior, que
está todo graduado n'u
mas certas divisões, mo
ve- se o pozo constante 0 ,
à que já nos referimos,
e que está suspenso de
um annel D, o qual corre Fig . 9
no braço da balança.
Para se pezar com esta balança não é preciso mais do que,
depois de prender o objecto no gancho para esse fim destina
do, fazer correr o pezo constante ao longo da parte graduada
até que os braços da balança fiquem horizontaes ; lê-se na
barra a graduação correspondente ao annel Ddo pezo cons
tante o , o obtem-se assim o pezo do objecto P.
u

Fig. 10

A graduação é feita em kilogrammas e suas sub-divisões ;


para se obter, suspendem-se uns determinados pezos no gan
ebo de suspensão, e vê- se qual é a posição de equilibrio do
18 BIBLIOTHECA DO POVO

pezo constante para haver a horizontalidade dos braços da


balança ; n'estes pontos correspondentes marcam - se as gra
duações dos pezos que se suspenderam, e assim fica de uma
vez para sempre marcada a balança que apenas necessita do
pezo constante o para todas as pezagens.
Balança decimal ou balança de Quintenz.— Aqui temos ou
tra balança de braçostambem deseguaes, e que ainda é mais
usada no commercio do que a balança romana, porque serve
para grandes pezos, e é de mais rapida pezagem pela facili
dade da collocação dos grandes volumes que se pezam.
Consta esta balança ( fig. 10) de um prato de madeira, isto
é, de um estrado H , que sustenta de um dos lados um ante
paro tambem de madeira, e que serve para receber os obje
ctos que se pezam ; este estrado está ligado (conforme a figu
ra indica) a uma barra ou alavanca interfixa, que no outro ex
tremo sustenta uma pequena concha ou prato, onde se collo
cam os pezos com que se equilibram os objectos.
Os braços da balança são deseguaes (como na balança
tomana), mas têem entre si sempre a mesma relação ( fig.
11) : o braço E C é a decima parte do braço A C , e por isso
os pezos com que se
Ε' Β equilibram os obje
ctos são a decima
o
parte do pezo dos
mesmos objectos ;
d'aqui vem o nome
F HН de balança decimal.
K As fig. 10 e 11 in
G
dicam bem qual o
Fig . 11 systema de ligação
do prato ao traves
são da balança ; o estrado H ligado pela barra i á parte F
assenta sobre a base G K da balança por meio de cutellos
que claramente se conhecem na fig. 11 ; do ponto F parte
uma haste de ferro que vai ligar ao travessão da balança
em E , ponto onde se exerce toda a acção do corpo que se
peza .
O travessão está apoiado em C ; e no extremo A tem o pra
to que recebe os pezos . Ha uma manivela que serve para le
vantar o travessão, poupando assim o ponto de apoio, e que a
fig . 10 representa collocada horizontalmente.
Para usar d'esta balança, começa- se por ver se a alavan .
ca A E está horizontal; e , não o estando, collocam -se uns
pequenos pezos no pequeno puto concavo que está superior
GRAVIDADE 19

mente á coneha da balança até se ter assim conseguido a


horizontalidade do travessão (estes pezos são o que se chama a
tara ). Para se conhecer a horizontalidade, ha uns pequenos ap
pendices (um dos quaes é fixo, emquanto o outro está mo
vel), que devem coincidir quando a balança estiver perfeita
mente horizontal.
Depois colloca-se o corpo que se quer pezar, e equilibra
se com pezos no prato ou concha. O pezo necessario para
estabelecer o equilibrio, multiplicado por 10, representa o
pezo do corpo que se) collocou no prato ou estrado da ba
lança.
Esta balança já soffreu uma importante alteração devida a
Béranger : em vez de se servir dos pezos usuaes ( como nas
balanças ordinarias ), applicou elle a esta o principio da balança
romana, e, dividindo a haste n'umas certas graduações, appli
cou -lhe somente um pezo constante ; assim diminuiu o tra
balho da pezagem , e arranjou mesmo para a balança uma dis
posição melhor, que facilita muito o serviço nas estações dos
caminhos -de -ferro onde principalmente é empregada.
Dynamometr08.— Alêm de todas estas differentes especies
de balanças, ha ainda, para medir o pezo dos corpos, ou
tros apparelhos chamados dynamometros, que se fundam to
dos na elasticidade das molas, differindo as varias especies
pela disposição das molas, as quaes podem ser em espiral, an
gulares, ou ovaes.
Existem differentes padrões que não especificaremos aqui
por serem entre si mui similhantes ; e somente descreveremos
o dynamometro de Regnier ou de mola oval, que a fig. 12 re.
presenta .
Consta de uma mola opal ( A, d , d '), cujos pontos médios
se approximam quando se
exerce pressão no meio, B
ou quando se exerce nos
pontos de dl qualquer
força de tracção. A appro
ximação da mola é indi
cada por um ponteiro c
que se move sobre um ve
ctor B ligado á mola na G

parte marcada com a le 3제


tra a, emquanto na parte
exactamente opposta (isto
é, em a') está ligada uma Fig . 18
pequena haste b , cujo ex.
20 BIBLIOTHECA DO POVO

tremo livre vai tocar no ponteiro e fazer morêl - o por meio


de uma alavanca em cotovello.
O sector B tem duas graduações : uma para medir a pressão
exercida no meio, e outra para avaliar os esforços de tracção
nos pontos de d' . E' por isso que este instrumento pode
servir, por exemplo, para avaliar a pressão exercida por
um sôcco (que é o caso da approximação dos pontos médios)
ou tambem medir a força de qualquer animal na tracção (por
exemplo, um b : i que puxe um carro , — bastando para isso li
gar o boi a um dos pontos d ou d' por meio de cordas, e o car.
ro ao outro ponto, obrigar o animal a puxar até que o carro
se ponha em movimento ,e vêr qual a graduação marcada cn
tảo ).
Por modo analogo se avalia o pezo dos corpos com estes
instrumentos ; suspendem- se por um dos pontos a, d', e col
loca-se o corpo que se querpezar no outro ponto, devida
mente suspenso n'uma corda.
Ha mesmo dynamometros que têem já um gancho n'aquelle
ponto para se apropriarem facilmente ao fim . Outros ha que
fêem um feitio muito especial, como por exemplo, o peza - car
tas, que consta de um prato circular ligado a uma mola re
curvada e terminada por uma alavanca em cotovello, que está
presa a um ponteiro, o qual, devidamente sobrecarregado com
um pezo constante, termina por uma ponta que se move so
bre um arco de circulo graduado. Conforme o nome indica,
serve para pezar cartas com destino a serem franquiadas no
correio .
Os dynamometros são os unicos instrumentos quedão o pe
& o absoluto de qualquer corpo, porque, como facilmente se
comprehende, qualquer outra balança necessita de um pezo
ou mais, para avaliar o pezo dos corpos ; e por isso a gravida
de que actua sobre os corpos actua egualmente sobre os pe
zos, e isto em qualquer logar do globo terrestre, não poden
do portanto achar-se differença na intensidade da gravidade,
quer estejamos no equador quer nos pólog.
Não succede o mesmo com os dynamometros, porque a dif
ferença de pezo, proveniente da differença de intensidade da
gravidade, é fatalmente accusada por obrigar a mola a do.
brar- se mais ou menos. E ' o que se vê com este instrumento,
quando se peza um dado corpo no equador e em outros
pontos successivamente mais perto do polo ; o pezo do corpo
yai sempre augmentando com a latitude, havendo entre os
dois pontos extremos (o equador e o pólo) uma differença, na
GRAVIDADE 21

1
intensidade da gravidade, de do valor médio da mesma in
196
tensidaile da gravidade, o que já produz uma differença sen
sivel no pezo dos corpos .
E ' pois verdadeiro que os pezos dos,varios corpos augmen.
tam à medida que são transportados do equador para os pó
los. E não é só na differença de latitude que isto se dácorpos
; tam
bem a altitude tem influencia sensivel no pezo dos ,
porque as experiencias feitas em tal sentido têem demons
trado que a intensidade da gravidade diminue, à medida que
nos elevamos na atmosphera ,-o que dá como consequencia
pezarem 08 corpos tanto menos quanto mais afastados estão
da superficie do globo terrestre.
Quéda dos corpos, e suas leis

Os corpos, abandonados a si proprios, caem no espaço se.


guindo uma direcção rectilinea, e segundo as seguintes leis
que os physicos estudaram e formularam :
1.1 - Todos os corpos caem no espaço com a mesma veloci
dade.
24 — Os espaços percorridos por um corpo que cai livremen
te no vacuo, crescem proporcionalmente aos quadrados dos tem
pos empregados em percorrêl-os, a partir da origem do movi
mento .
3.1 --A8 velocidades adquiridas por um corpo, que cai livre
mente no espaço, crescem proporcionalmente aos tempos decor
ridos desde começo
o da quéda.
A primeira lei foi descoberta em varias experiencias phy
sicas que vamos descrever.
Se tomarmos um comprido tubo de vidro, fechado em um
dos seus extremos, e tendo no outro uma torneira, por meio
da qual se possa , com a machina pneumatica, fazero vacuo
no interior do tubo, e se collocarmos dentro do tubo diffe
rentes substancias de varios tamanhos (taes como bolas de
papel, balas de chumbo, pedaços de cortiça, etc.),-- veremos que
depois de fazer-se o vacuo, se voltarmos o tubo, todas aquellas
substancias cahirão com a mesma velocidade, e chegarão ao
extremo do tubo no mesmo instante, o que prácticamente de
monstra a primeira lei que atraz mencionámos.
se, porém , em vez do fazermos esta experiencia no vacuo,
22 BIBLIOTHECA DO POVO

a fizermos no ar, havemos de vêr que as balas de chumbo


chegam primeiro ao sólo do que as outras substancias , —o que
se deve á resistencia do ar que é tanto mais difficil de ven
cer quanto mais leves são os corpos, isto é , quanto menos
densos elles são, ou quanto menos pezam n'um mesmo vo
lume.
Facilmente se demonstra que a causa é a resistencia do ar,
porque se tomarmos uma moeda de cinco -tostões em prata
(que é muito densa) e uma rodella de papel (que é muitomenos
densa) com um diametro um pouco menor, e se a collocar
mos sobre a moeda de cinco -tostões, veremos que abando
nando- as ambas juntamente, mas com a moeda sempre na
parte inferior, chegam ao mesmo tempo ao chão, porque o ar
não pode offerecer resistencia á rodella de papel( o que não
succederia se cada um cabisse separadamente, porque então
a moeda de prata chegaria muito primeiro do que o papel).
O mesmo succede, por exemplo, com a agua. Se tomarmos
um tubo de vidro com pouca agua, e o aquecermos para
que a agua fervendo expulse todo o ar, e se n'esta occasião
fecharmos a parte superior do tubo hermeticamente (como se
pode fazer com um apparelho especial chamado maçarico de
gaz hydrogenio ),- veremos que, voltando o tubo repentinamen
te, a agua cai para o outro extremo, como se fôra um corpo
solido, e produz até um som tão pronunciado que a esta expe
riencia se deu o nome de martello d'agua. Isto não succederia
se á quéda da agua se oppuzesse a resistencia do ar ,-por
queentão a agua dividir-se -hia em innumeras gottas, em vez
de se conservar toda reunida como um solido.
Para demonstrar as outras duas leis (2.a e 3.a) é necessa
rio o emprego de machinas e apparelhos especiaes que suc
cessivamente têem sido imaginados, e de que tão somente
apontaremos agora um , chamado ou conhecido pelo nome de
machina de Atwood, sem comtudo nos demorarmos muito em
sua minuciosa descripção.
A machina de Atwood consta .principalmente de uma co
lumna, em cujo capitel (ou parte superior) está assente uma
roldana muito movel (que constitue a parte mais importante
e delicada do apparelho ), a qual sustenta um fio de seda
muito fino, em cujos extremos estão ligados dois pezos eguaes
que se equilibram em qualquer posição. N'um dos lados da
machina ha uma regua graduada em que se movem dois cur
sores (um completamente tapado,-e outro em feitio de annel,
pelo qual pode passar o pezo que está suspenso no fio de
seda ).
GRAVIDADE 23

No outro lado ha um systema de relogio, apropriado sómen


te para marcar segundos, e com tal disposição que, quando se
começam as experienciascom a machina, o pendulo principia a
funccionar e dá ao mesmo tempo origem ao começo da expe
riencia.
Para que um dos pezos dos extremos do fio possa mover
se e romper o equilibrio, ha outro pezo muito mais peque
no, que se lhe junta, mas que por suas dimensões não cabe
pelo cursor em forma de annel (a que já nos referimos).
Para com este apparelho estudar a 2.a lei, ou a lei dos es
paços, só precisamos do cursor maciço ou tapado (isto é, do
que não deixa passar o pezo) ; põe- se o pezo addicional sobre o
pezo que corre junto das reguas graduadas, e vê-se a que pon
to chega no fim de um segundo; colloca- se ahi o cursor ; re
começa-se a operação e fazem-se as tentativas necessarias
até que se sinta, no fim de um segundo, a pancada do pezo
sobre o cursor maciço. Supponhamos que essa distancia era
um decimetro : não temosmais do que levar o apparelho ou
tra vez á posição inicial, e, em vez de collocar o cursor a 1
decimetro, collocál - o a 4 decimetros , e fazer funccionar o ap
parelho ; então, quando o pezo bater no cursor, veremos que o
relogio marca 2 segundos.
Se puzermos o cursor á distancia de 4, 9, 16 ...... decime
... segundos , a per
tros, veremos que o pezo leva 2, 3, 4 .....
correr aquellas distancias,-isto é, que se realiza a 2 a lei por
que 4, 9, 16 ... ... representam os quadrados de 2, 3,4 ....
Para demonstrar a 3.a lei (a lei das velocidades) , é tam
bem necessario o cursor annular. Procede- se do seguinte
modo :
Colloca- se o cursor annular á distancia de 1 decimetro
(distancia que, como já dissémos, é a percorrida no 1.0 se
gundo) e o cursor maciço á distancia de 3 decimetros ; faz
se funccionar a machina ; e observa- se que no fim do 1.° se
gundo
bre
o cursor annular retem o pezo addicional; o pezo so
que elle se apoiava continúa a mover - se então livremen
te e somente com a velocidade adquirida, e, ao chegar ao
cursor maciço que está a 3 decimetros, pára dando a pancada
no cursor, quando o relogio tem marcado mais outro segun
do ; d'onde se vê que o espaço agora percorrido é duplo do
espaço percorrido pelo corpo durante o 1.º segundo.
Se se continuarem as experiencias pondo o cursor annular
de modo que retenha o pezo addicional no fim de 2, 3, 4 ......
segundos de quéda, veremos que os caminhos percorridos são
o duplo, o triplo, o quadruplo, etc., do caminho percorrido com
24 BIBLIOTHECA DO POVO

a velocidade adquirida no fim do 1.º segundo ; isto é, obser


varemos que se realiza a 3.a lei ou a lei das velocidades .
Como se vê, os caminhos percorridos são successivamente
augmentados com uma distància egual á percorrida no 1.º
segundo depois de ficar unicamenteabandonado a si o pezo
em suspensão no fio (quando retido pelo cursor annular o
pezo addicional), pois que outra coisa não significa o dizer
se que o caminho é duplo, triplo, etc.
A esta distancia constante com que os caminhos são au
gmentados em consequencia da velocidade adquirida por ef
feito da gravidade (isto é, 20 augmento de velocidade adqui
rido por um corpo no fim de um segundo, quando unicamen
te sujeito á acção da gravidade), é que se chama intensida
de da gravidade, que em Physica se representa pela lettra g
(inicial de gravidade) e que é differente para os varios pontos
do globo terrestre ( conforme a latitude e altitude), sendo em
Lisboa esse valor representado por
9 9m,80041

Isto significa que um corpo abandonado a si mesmo no vacuo


e partindo do repouso, adquire no fim de um segundo uma ve
locidade egual áquelle numero, - o que equivale a dizer que
no 1.º segundo percorre aquelle corpo uma distancia egual a
4m, 900205, porque (como vimos já) a distancia percorrida no
1.º segundo é metade da percorrida no seguinte, somente
por effeito da velocidade adquirida pela acção da gravidade.
Com a machina de Atwood se podem , pois , demonstrar as
leis que enunciamos, e portanto deduzir a intensidade da gra
vidade; mas tambein se pode obter este mesmo resultado com
outro apparelho chamado pendulo.
Pendulo

Um corpo solido movel em -torno de um eixo horizontal que


não passa pelo seu centro de gravidade constitue propriamen
te um pendulo, -porque, quando a vertical, que passa pelo
centro de gravidade, incontra o eixo de suspensão, está o cor
po em equilibrio,mas, quando deslocado d'esta posição, exe
cuta una serie de oscillações até voltar á mesma posição,
originando assim o movimento chamado pendular.
Ha duas especies de pendulos :- uma é o pendulo simples,
puramente imaginario ; outra, o pendulo composto , é todo e
qualquer pendulo dos que da práctica se podem realizar.
GRAVIDADE 25

Pendulo simples - é um ponto material pezado, suspenso


de um ponto fixo por meio de um fio sem massa nem pezo,
inextensivel, perfeitamente movel em-torno do ponto de sus
pensão, e collocado no vacuo.
Este pendulo tomaria a posição do fio de prumo, quando
debaixo da influencia da gravidade. Mas, deslocando-o d'esta
posição para qualquer dos lados e abandonando-o depois,
deveria tornar a passar pela posição inicial e chegar até ou .
tra posição completamente opposta á que o haviamos obri.
gado a tomar mas symetricá em referencia áquella ; chegado
a esta posição, voltaria novamente para traz e iria occupar a
primeira posição, passando ainda pela posição de equilibrio ;
è assim continuaria descrevendo uma serie infinita de oscil
lações, – isto é, realizaria o movimento perpetuoou o moto
continuo.
E' isto o que se conclue dos calculos mechanicos a tal res
peito, e o que está de accordo com a práctica ; se' na prá
ctica não chegamos ao mesmo lisonjeiro resultado, é porque
dois obstaculos se oppõem a este continuo movimento.
São elles a resistencia do ar ou do meio em que se move o
pendulo, e o attrito que ha sempre no ponto de suspensão. E'
por estas duas causas que se vê em qualquer outro pendulo,
que não seja este ideal , diminuirem as oscillações a pouco e
e pouco, até de todo parar o pendulo na posição de equili
brio.
Convem agora fixar bem o que seja oscillação e amplitude.
Oscillação - é o movimento que se considera entre duas
posições extremas do pendulo.
Amplitude é o arco descripto pelo ponto material que se
move, arco com que se mede o angulo formado pelas duas po
sições extremas que marcam a oscillação.
São quatro as leis a que se podem reduzir e sujeitar as
oscillações do pendulo :
1.1 -As oscillações não superiores a 40 são isochronas, is
to é, executam - se em tempos eguaes, apezar das variações da
amplitude.
2.2 — A duração das oscillações é a mesma para pendulos
do mesmo comprimento, seja qual fôr a substancia do pendulo.
3.: — As durações das oscillações são proporcionaes ás rai
zes quadradas dos comprimentos dos pendulos quando têem com
primentos differentes.
4.4.– As durações das oscillações estão na razão inversa das
raizes quadradas das intensidades da gravidade pa 08 diffe
26 BIBLIOTHECA DO POVO

rentes logares da Terra, quando, sendo do mesmo cumprimento ,


oscillam em diferentes logares.
Estas quatro leis deduzem-se da formula algebrica se
guinte :
tT
Vi
em que t representa o tempo de uma oscillação, ti a relação
da circumferencia para o diametro, c o comprimento do pen
dulo, ego valor da intensidade da gravidade.
(Convem aqui dizer que o comprimento não é mais do que
a distància que, no pendulo, separa o ponto que se move, do
ponto em - torno do qual se move).
As duas primeiras leis são verdadeiras, porque, não conten
do esta formula nem a amplitude das oscillações nem a den
sidade da substancia de que o pendulo é formado, o valor de
t não é alterado .
Emquanto á 3.4 lei vemos que, se suppuzermos um outro
pendulo de differente comprimento di oscillando no mesmo
logar da Terra, será o tempo de uma oscillação :

-Vit
Dividindo uma expressão pela outra teremos :

T
vo 76
vo
V V9 V
t
va
T
VE V §V
Vo vel

depois de fazer as devidas simplificações que facilmente se


conhecem. O que demonstra a 3.a lei, que diz : as durações das
oscillações são proporcionaes ás raizes quadradas dos compri
mantos .
Finalmente para a 4. lei basta suppor um mesmo pendulo
oscillando n'outro logar da Terra, e a sua formula será :
GRAVIDADE 27

---V
parque
dade.
tudo é egual menos o valor da intensidade da gravi.
Dividindo do mesmo modo a expressão geral por esta, te
MOS :

vo 1

V 9 Vg VgT
v с Vg
g Vyt

isto é, & demonstração da 4.a lei que diz : ser a duração das
oscillações inversamente proporcional á raiz quadrada da in
tensidade da gravidade dos differentes logares.
Tudo quanto temos dito em referencia ao pendulo simples
é puramente bypothetico , por não se realizar esta especie de
pendulo ; mas chega-se na práctica a realizar pendulos com
postos que se approximam bastante dos pendulos simples.
Pendulos compostos.- Tudo quanto dissémos dos pendulos
simples se applica a estes. Mas então é necessario definir com
primento do pendulo composto pelo seguinte modo : - a distan
cia do eixo de suspensão a um ponto no interior da massa do
pendulo, que tem o nome de centro de oscillação.
Para bem percebermos o que seja este centro de oscillação,
devemos lembrar que o ponto material, que se suppunha mo
ver- se no pendulo simples, é substituido nos pendulos com
postos por uma massa maior ou menor, constituida por um
grande numero de pontos, e que cada um d'elles considerado
isoladamente (imaginando-os separados da massa total) de
veria constituir um pendulo, cujas oscillações teriam maiores
ou menores durações conforme a posição do ponto considera
do, e portanto conforme o comprimento do pendulo simples
assim formado.
Ora os pontos estão todos intimamente ligados, por consti
tuirem a massa do pendulo, e por isso não podem andar uns
mais depressa ou mais devagar do que os outros; andam to
dos coma mesma veloci de,o que quer dizer que hade ha
ver uns que são retardados e outros que são accelerados em
referencia ao movimento que teriam quando isolados . Entre
28 BIBLIOTHECA DO POVO

estes todos ha certamente um, que não é retardado nem acce


lerado; este é que tem o nome de centro de oscillação.
Com uma pequena esphera de cbumbo ou de platina, e com
um fio muito fino, pode fazer-se um pendulo composto que ex .
perimentalmente provará as leis do pendulo, sendo o compri
mento d'este pendulo egual ao comprimento do fio, desde o
ponto de suspensão até ao centro da esphera que está ligada
á outra extremidade.
Fazendo pois oscillar este pendulo, com amplitude de graus
4, 3, 2, 1, ver-se -ba que, o numero de oscillações é sempre
o mesmo no mesmo espaço de tempo (1.6 lei).
Pondo a par d'este pendulo muitos outros, cujas espberas
sejam de differentes substancias (taes como marfim , ferro, co
bre, chumbo, etc.), ver-se-ha que, ainda o numero de oscilla
ções é o mesmo no mesmo espaço de tempo (2. lei).
Fazendo oscillar varios pendulos, cujos comprimentossejam
1,4,9, 16 ......, vê-se que os respectivos numeros das oscillações
1 1 1
estão entre si na relação de 1 , > . ; isto é , que se
2' 3 4
o 1.º completou a oscillação em 1 segundo, o 2.º necessita de
2 segundos para a completar, o 3:º de 3 segundos, o 4.° de 4
segundos, etc.; quer isto dizer que a duração das oscillações é
proporcional aos numeros 1, 2, 3, 4 ...... que são as raizes
quadradas dos comprimentos (3. lei).
Transportando o pendulo para differentes logares da Ter
ra, e contando o numero dasoscillações, achar -se- bia que se
realizava a 4.a e ultima lei.
Para applicar aos relogios estes pendulos compostos dá-se
lhes uma especial disposição.
O pendulo é formado por umabaste delgada que inferior
mente suspende um disco de forma lenticular, e que supe
riormente está suspenso por uma lamina muito fina e flexi
vel. Este pendulo dá movimento a um pequeno machinismo
que se chama escapo de ancora , e que é formado por um arco
de circulo terminado por duas palhetas recurvadas, as quaes
alternadamente ingrenam em uma roda do machinismo do re
logio.
O pendulo tambem pode servir para determinar a intensi
dade da gravidade, para o que temos que recorrer å formula
do pendulo.

tv
GRAVIDADE 29

Elevando ao quadrado teremos :


C
T2
9
D'onde se tira o valor de g
T2 c
9
12

Isto é : basta observar rigorosamente a duração da oscillação.


de um pendulo, cajo comprimento tenba sidocuidadosamente
verificado, e entrar com estes dados n'aquella formula para
ter a intensidade da gravidade, que (como já dissémos) em
Lisboa é egual a 9m,80041.
Já notámos que a intensidade da gravidade variava nos
differentes logares da Terra, conforme a altitude e a latitu
de; e, repetindo - o agora, devemos dizer que a differença pro
veniente da altitude não é considerada, porque é muito insi
gnificante nas alturas a que ordinariamente nos elevamos ;
quando, porém, subirmos ao cume das altas montanhas ou
quando nos .elevarmos em balão, é necessario ter em conta a
differença proveniente da altitude.
Emquanto á differença proveniente da latitude, não pode
deixar de ser considerada, porque o seu valor é já de grande
importancia, e pode causar erros bastante sensiveis nos cal
culos em que intrar o valor de g ( como por exemplo, nos cal
culos balisticos, - isto é, dos dos movimentos dos projecteis ).
Esta variação da intensidade da gravidade é proveniente do
achatamento do globo nos pólos, e da força centrifuga, que
resulta do movimento de rotação da Terra.
Mas como a forma do globo foi tambem devida ao movimen .
to de rotação, quando a l'erra estava ainda no estado fluido,
como ficou demonstrado no nosso livrinho de Geologia (*), se
gue -se que a differença e variação da intensidade da gravida
de é pura e simplesmente devida ao movimento da Terra.
E' por isto que a intensidade da gravidade tem os seguintes
valores n'estas differentes latitudes :
No equador.. 9m,78000
Em Lisboa ( 390) 9m,80041
Em Paris (490 ) 9m 80880
A 800 de latitude . 90,82930

(*) Veja -se o vol . XXXI da Bibliotheca do Povo e das Escolas.


30 BIBLIOTHECA DO POVO

Vai, como se vê, augmentando do equador para os pólos,


porque os varios pontos do globo terrestre estảo successiva:
mente mais proximos do centro da Terra, quanto menos dis
tantes estão dos pólos (por ser a Terra um globo achatado
nos pólos ); e portanto, como a materia (os corpos) é attrabida
na razão inversa do quadrado das distancias, segue-se que no
equador é onde a attracção se mostra menor.
A força centrifuga oppõe -se à attracção da Terra ; mas,
como é maior no equador, onde o movimento é mais rapido
do que nos pontos successivamente mais perto dos pólos, se
gue-se que tambem concorre para augmentar a intensidade da
gravidade no mesmo sentido, isto é , do equador para os pólos,
porque vai successivamente oppondo menor resistencia n'es
te mesmo seutido.
1
Sabe-se que a força centrifuga no equador é 289
da gravi
1
dade, ou 172
; e sabe-se tambem que a força centrifuga cres
ce proporcionalmente ao quadrado da velocidade.
Ora, se a Terra girasse com uma velocidade 17 vezes maior
do que a actual, a força centrifuga sería 289 vezes maior
(289=172) e, portanto, egual á gravidade no equador; o que
quer dizer que os corpos não teriam pezo, e que, se ainda au
gmentasse mais a velocidade, seriamos todos lançados para o
espaço e iriamos fazer parte de outro qualquer mundo !
Que a Terra não augmente de velocidade é, pois, o nosso
desideratum !

ACÇÃO DA GRAVIDADE SOBRE OS LIQUIDOS


Principio de Pascal e seus effeitos

A esta parte da Physica que trata especialmente da acção


e effeitos da Gravidade sobre os liquidos, costuma chamar
se Hydrostatica ; se não é este o titulo que incima esta parte
cujo estudo agora seguimos, é porque, satisfazendo á divisão
que primeiro fizemos,temos de considerar a Gravidade actuan
do especialmente sobre os solidos ( o que foi o objecto da par
te antecedente) , sobre os liquädos (o que será objecto d'esta
parte), e sobre os gazes (o que na 3.a parte discutiremos); e
não quizemos alterar a harmonia dos titulos das tres differen
təs partes ein que dividimos este trabalho sobre a Gravidade.
GRAVIDADE 31

Todos os phenomenos devidos ao effeito da gravidade sobre


os liquidos se deduzem do seguinte principio devido a Pascal:
Se se exercer uma pressão qualquer sobre uma porção plana
da superficie de um liquido, essa pressão transmitte-se egual
mente, em todos os sentidos, sobre as paredes do vaso em que es
tá contido, e com egual intensidade.
Este principio pode prácticamente demonstrar-se, tomando
um apparelho, composto de um cylindro ligado a uma esphera
ôca toda crivada de orificios, e tendo dentro do cylindro um
embolo com baste para se poder comprimir. Enchendo de agua
este apparelho, e comprimindo-a com o embolo, vel-a-hemos
sahir por todos os orificios com egual intensidade e com a mes
ma rapidez, o que até certo ponto demonstra o principio de
Pascul, chamado tambem o principio de egualdade de pressão.
Para que os liquidos estejam em equilibrio, é necessario,
assim como os solidos, que satisfaçam a umas certas condi
ções, as quaes para os liquidos se reduzem as duas seguintes :
1.a A superficie livre de um liquido em equilibrio deve ser, em
cada ponto, perpendicular á direcção da gravidade.
2.a Uma molecula qualquer de uma massa liquida em equili
brio , deve experimentar em todos os sentidos pressões eguaes e
contrarias.
Como consequencia da primeira d'estas duas leis , se vê que
uma superficie liquida depequena extensão deveser plana e
horizontal, uma vez que as verticaes, isto é, as direcções da
gravidade para os seus varios pontos, são todas parallelas
umas ás outras. Em grandes extensões liquidas ( como, por
exemplo, os mares) as superficies são curvas e não planas,
porque para serem perpendiculares ás verticaes (que não são
parallelas entre si) têem de tomar uma forma curva, que é
sensivelmente a curvatura espherica, por serem as verticaes
segundo os raios da Terra.
A esta superficie dos mares suppondo -se prolongada pelo
interior dos continentes, é que se chama o nivel dos mares; e
é em referencia a este que se tomam todas as altitudes.
Devemos comtudo lembrar que não é só a gravidade que
actua sobre a agua dos mares; ha muitas outras forças que
sobre ella actuam .
A força centrifuga, a attracção das grandes montanhas, e
as attracções do Sol e da Lua que originam as marés (-), são
outras tantas forças a que as aguas do mar estão subordina
(*) Veja- se na collecção da Bibliotheca do Povo e das Escolas o vol. X (Astro
nomia) e o vol . XXII (A Terra e os Mares),
82 BIBLIOTHECA DO POVO

das, e que portanto determinam tambem as formas que apre


sentam as superficies liquidas de grande extensão.
A superficie que consideraremos pois para nivel dos mares,
será a média entre a da preamar e a da baixamar.
Os liquidos, em consequencia da sua extrema mobilidade e
fluidez, não se podem considerar senão incerrados em qual
quer vaso, ou em outro espaço que os possa reter ; e por isso
temos de considerar quaes as pressões que exercem sobre as
paredes dos vasos em que estão contidos.
Ha tres differentes especies de pressões que se podem con
siderar em qualquer liquido :
1.• Pressões verticaes de cimapara baixo.
2.° Pressões verticaes de baixo paracima.
3.° Pressões lateraes.
Em quanto ás primeiras está estabelecida e demonstrada a
seguinte lei :
A pressão que um liquido exerce sobre o fundo de qualquer
vaso, é independente daforma d'este ; esó depende da superfi
cie do fundo, e da distancia a que está da superficie livre doli.
quido, sendo egual ao pezo de uma columna vertical de liquido
que tem por base o fundo do vaso e por altura a distancia do
fundo á superficie livre do liquido. Se pois o vaso fôr um cy
lindro, será a pressão egual ao pezo do liquido ; se fôr, porêm,
um vaso afunilado, será a presbảo maior ou menor do que o
pezo do liquido, conforme o vaso estreitar ou alargar para &
parte superior conservando sempre a mesma base.
Para demonstrar esta lei podemos servir-nos de um appare.
Iho conhecido pelo nome de —apparelho de Haldat, - e que se
compõe de um tubo horizontal terminando por angulo recto
em ambos os lados ; em um dos extremos podem atarrachar
se differentes vasos, que, apezar de seus varios feitios, tenham
o fundo do mesmo diametro e fórma.
Enche - se de mercurio o tubo horizontal , pormodo que ainda
passe para os extremos recurvados, e vê -se este liquido ficar
a uma certa altura n'aquelles dois ramos : atarracham- se suc
cèssivamente os differentes vasos no extremo para i880 apro
priado e enchem -se de agua sempre até á mesma altura ; vê
se que, a columna de mercurio no outro ramo sobe até certa
altura, mas que esta é a mesma, seja qual fôr o vaso com
que se tenha estabelecido a ligação, o que demonstra perfei
tamente esta lei .
Emquanto ás segundas está tambem acceita estabelecida
a lei seguinte :
A pressão exercida sobre uma parede de um vaso , de baixo pa
GRAVIDADE 33

ra cima, é egual ao pezo de uma columna de liquido que tenha


por base a superficie premida, e por altura a distancia da su
perficie livre do liquido até á parede que se considera .
Demonstra -se prácticamente esta
lei pelo seguinte modo :
Toma- se um vaso com agua (fig.
13) , e introduz- se n'elle um tubo de
vidro aberto em ambas as extremi..
dades, mas tendo inferiormente um
disco de vidro despolido ab que
por meio de um fio se faz conservar
perfeitamente ligado ao tubo (fig. 14).
Depois de estar o tubo introduzi
do dentro da agua, larga- se o fio, e
vê -se que o disco continúa ligado ao
tubo sem auxilio do fio, o que mos
tra a existencia de uma pressão de
baixo para cima .
Fig. 13
d
1
Fig . 14

Para demonstrar qual o valor d'esta pressão basta começar


a deitar agua no interior do tubo, e ver-se-ha que o disco se
destacará do tubo, quando a agua d'este chegar quasi á altu
ra da agua exterior,-o que perfeitamente demonstra a lei
quedeixámos enunciada.
Finalmente para as terceiras tambem os physicos fizeram
a seguinte lei,egualmente resultante do estudo e práctica de
muitas experiencias.
A pressão exercida sobre uma paredelateral de qualquer va
so é egual ao pezo de uma columna liquida, que tenha por base
a parede em questão, e por altura a distancia vertical do seu
centro de gravidade á superficie livre do liquido.
Como consequencia d'esta lei se considera o exgotto dos li
quidos em qualquer vaso, em que se tenha feito um orificio
n'uma das paredes lateraes, observando - se que o exgotto é
tanto mais rapido, quanto mais perto do fundo estiver o ori
ficio, e quanto maior fôr a altura do liquido que se exgotta.
Se, ao vaso n’estas condições, se adaptar um systema de ro
das (carro ), veremos o vaso mover- se em sentido contrario ao
exgotto. Isto explica- se do seguinte modo : as pressões late .
raes destroem-se nos vasos, em consequencia da resistencia
das paredes; quando se faz o orificio , a pressão que alli se
exercia deixa de existir, emquanto ha uma outra na parede
contr- ria, que, continuando a existir, opprime a parede e faz
portanto um esforço em sentido contrario ao do exgotto ; is .
to, que se diz para um ponto, diz- se para todos os outros, e
34 BIBLIOTHECA DO POVO

para todas as succeseivas camadas liquidus, o que explica,


pois, o movimento do carro para o lado contrario ao da pare
de em que se practicou o orificio.
Ha um apparelho chamado -- torniquele hydraulico - que
serve para explicar esta lei, e que consta principalmente de um
tubo horizontal recurvado em forma de S, communicando pela
parte média com um vaso, que está cheio de agua, e que se
pode mover em torno de um eixo vertical. Ha uma torneira
para estabelecer a communicação. Se abrirmos esta, vere.
mos a agua começar a sabir pelo tubo em S , e veremos egual
mente começar o vaso a mover - se
em sentido contrario ao exgotto do
liquido, o que ainda se explica pe
las pressões lateraes exercidas nas
paredes fronteiras ao orificio de ex
gotto.
Da primeira d'estas tres leis de
riva um principio conhecido pelo
nome de paradoxo hydrostatico,
que vamos procurar fazer conhecer.
Nós sabemos, pela primeira lei,
que a pressão sobre o fundo é egual
ao pezo do liquido cortido no pa
80 quando este é cylindrico ; é
maior, no caso de ser o vaso afu
nilado para a parte superior ; e me
nor, quando pelo contrario o vaso
afunila para a parte inferior. Se
pezarmos, porêm, o vaso com o li.
quido, acharemos sempre que o seu
pezo é egual ao pezo doliquido au
gmentado com o pezodo vaso va
zio. A esta contradicção apparente
é que se deu o nome de paradoxo
hydrostatico, que nada tem comtu
do de paradoxal , porque as leis que
enunciamos são verdadeiras, e o
pezo do liquido nada tem com a
pressão que elle exerce : tudo de
pende da altura da columna liqui
da, e da parede em que se exerce
a pressão .
Fig . 15 E ' assim que , se tomarmos um
barril. ( fig. 15 ), e o enchermos
GRAVIDADE 35

d'agua veremos que elle supporta perfeitamente aquella agua,


e que muito mais supportaria ainda sem rebentar; mas seno
tampo superior do barril introduzirmos um tubo de vidro
de muitos metros de comprimento, e o enchermos d'agua,
veremos que o barril rebenta, por não supportar a grande
pressão do liquido , o que certamente não é devido ao pezo
do liquido contido no tubo de vidro, uma vez queeste tam
bem não rebenta, mas sim ao grande augmento de pressão
devida ao excesso de altura, que assim se sobrepõe a altura
anterior do nivel sobre o fundo do barril; isto é, a pressão que
até então era quasi egual ao pezo do liquido, passa a ser im

Fig. 16

mensamente maior do que aquelle pezo, porque, tendoficado


constante a superficie premida, augmentou consideravelmente
a altura da columna liquida quese considera para a pres
são.
Como applicação da lei de Pascal faremos a descripção de
86 BIBLIOTHECA DO POVO

uma machina bastante poderosa que na práctica tem gran .


des applicações. E' ella:
A prensa hydraulica , -- (fig . 16), que se applica nas fabri
cas de polvora, de papel, de vélas, e em todos os trabalhos
em que se necessita de grandes pressões.
Consta de dois cylindros ou corpos de bomba de diametros
differentes, movendo -se em cada um d'elles um embolo, e es
tando os cylindros ligados entre si por um tubo de commu
nicação. Conforme está indicado na figura, o cylindro de me
nor diametro onde se move o embolo s communica com o re
servatorio b b por meio da valvula i, para d'este tirar a agua
necessaria, e com o cylindro cc, onde se move o embolo PP,
por meio do tubo tte da valyula d .
Ligado ao cylindro pp ha um forte prato nn , sobre o qual
se colloca o corpo que ha -de soffrer a pressảo, o que é leva
do de incontro a uma plataforma de ferro e, solidamente li
gada ao apparelho por
meio de columnas de ferro .
A fig. 17 mostra clara
mente como se dá movi.
mento do embolo s por
meio da alavanca l, con
seguindo o movimento
perfeitamente vertical por
meio de uma guia circular
collocada na parte supe.
rior, onde entra a haste do
embolo.
Para nos servirmos d'es
ta prensa enchemos d'agua
1 os dois cylindros, e exer
cemos depois pressão no
liquido do cylindro menor,
por meio do movimento
dado á alavanca l ; esta
pressão é transmittida a
toda massa liquida ;
por i880 cada parte do em
bolo maior, egual á se
Fig. 17 cção do menor, receberá
uma pressão egual á que
se exerceu no liquido do cylindro menor; e portanto o embolo
maior soffrerá una pressão tantas vezes maior, quantas a su
perficie do embolo menor se contiver ua do maior.
GRAVIDADE 37

Vasos communicantes

Até aqui consideramos unicamente um só liquido e n'um


unico vaso; mas podemos e devemos tambem considerar mais
de um liquido nomesmo vaso, e tambem em mais de um vaso ,
quando estes communicam entre si .
Se, por exemplo, em um vaso deitarmos mercurio, uma dis
solução concentrada de carbonato de potassio, alcool, e petro
leo, veremos que estes liquidos se collocam em camadas ho
rizontaes, e pela ordem da maior densidade de cada um dos
liquidos, ficando o mercurio (o mais denso ) por baixo, e o
petroleo (menos denso) por cima de todos.
E ' isto o que a práctica demonstra, quando se deitam es
tes liquidos n'um mesmo vaso , e se deixam depois repousar ;
mas é para isso necessario que os liquidos não tenham acção
chimica uns sobre outros.
Nos grandes rios, que têem pequena velocidade na sua
corrente, e cujo leito é bastante largo, dá - se o phenomeno da
separação entre a agua salgada e a dôce, ficando esta superior
mente; mas então ha sempre uma camada em que estão mis
turadas, dando-se o phenomeno da diffusão.
Se tomarmos um vaso como o da fig. 18 e n'elle deitarmos

Fig . 18 Fig. 19

the
qualquer liquido, havemos de ver que em ambas as partes do
vaso se eleva o liquido a uma mesma altura ; e, se continuar
16
mos a deitar agua até chegar á superficie limitada pela linha
ab, veremos a agus sahir pelo tubo de menor diametro, por
88 BIBLIOTHECA DO POVO

ser este recurvado e aberto, não podendo portanto a agua


conservar -se, por estar a abertura inferiormente ao nivel a
que conseguimos fazer chegar a agua.
Isto é exactamente o que succede com os poços artesianos,
que não são mais do que um systema de vasos communican
tes (-) como está demonstrado perfeitamente na fig. 19, cuja
disposição claramente mostra, que a agua rebenta ao centro,
por se achar esta sabida a uma altura inferior ao nivel dos
dois canaes com que communica.
Os repuxos que servem de ornamento nos jardins , a distri.
buição das aguas pelas varias fontes nas differentes locali .
dades, são ainda a applicação dos vasos communicantes, em
que um d'elles é sempre um deposito de nivel superior ao ni.
vel dos repuxos e das fontes.
A causa de todos estes phenomenos está explicada pela se
guinte lei : um liquido homogeneo em um systema de vasos
communicantes, só está em equilibrio quando as superficies de
nivel, nos differentes vasos, estão á mesma altura, isto é, no mes.
mo plano horizontal.
Quando osvasos não comportam uma tal altura do liquido,
tem este de transbordar, procurando cumprir a lei que o do
mina.
Se em vez de um liquido homogeneo deitarmos differentes
liquidos em vasos communicantes, então as alturas a que se
elevam as columnas liquidas estarão na razão inversa das
densidades, isto é, a columna do liquido mais denso será me
nor do que a do liquido menos denso.
Se, por exemplo, em um tubo recurvado deitarmos mercu
rio, e depois sobre elle deitarmos agua, bavemos de ver, que
o mercurio se eleva de um lado a uma altura muito menor do
que a agua no outro lado, e que a altura do mercurio acima
do seu nivel no outro ramo do tubo é egual á 13.a parte da
altura da columna da agua, o que está de perfeitoaccordo
com o que acima dissémos, porque o mercurio é pouco mars
ou menos 13 vezes mais denso do que a agua.
Como applicação d'esta theoria dos vasos communicantes
descreveremos os seguintes instrumentos :
Nivel d'agua. E ' formado por um tubo de metal, cujas-ex
tremidades são dobradas em angulo recto e terminam por um
tubo de vidro, com feitio de gargalo na parte superior, para
se poder rolhar. O tubo está ligado a um systema de peças
(*) Já d'elles tratámos no livrinho de Geologia ( vol. XXXI da Bibliotheca do
ovo e das Escolas ).
GRAVIDADE 39

metallicas, que em Topographia se chama joelheira, e assenta


sobre um tripé para poder occupar todas as posições, como
claramente se vê na fig. 20.
Dentro do tubo de metal e dos tubos de vidro ba agua em

NA

LAU

Fig . 20

quantidade tal que, estando o tubo horizontal, chega pouco


mais ou menos até 3/4 da altura dos tubos de vidro.
Este instrumento serve para fazer nivellamentos, isto é, pa
ra ver a altura dos varios pontos do terreno, acima do nivel
do mar, que se suppõe prolongado pela terra dentro. A estas
alturas dá- se o nome de cotas.
Nivel de bolha d'ar.- E' um instrumento que tem tambem
muita applicação, e serve para determinar a horizontalidade
de qualquer plano. Consta de um tubo de vidro levemente
recurvado e fechado em ambas as extremidades, tendo inte
riormente um liquido muito movel (como o alcool, por exem
plo) que não o encha completamente, havendo por isso ama
pequena quantidade d'ar, que apresenta o aspecto de uma bo
Iha, e que tende sempre a occupar a parte mais elevada do
tubo ; este acha-se ligado a um estojo metallico, que tambem
está egualmente ligado a uma regua perfeitamente plana. A
parte mais convexa do tubo está a descoberto, o tem dois tra.
ços, entre os quaes se deve fazer collocar a bolha d'ar, para
que o nivel esteja completamente horizontal, E' o wivel re .
presentado na fig. 21.
40 BIBLIOTHECA DO POVO

Para conhecer com cete instrumento a horizontalidade de


qualquer superficie, basta collocál.o em duas posições que

Fig. 21

façam entre si am angulo quasi recto ou recto, e verifi


car sé a bolha d'ar em ambas ellas vem ficar entre os traços
marcados no tubo.

Principio de Archimedes

So em um liquido mergulharmos qualquercorpo , baremos


de ver que este toma no seio do liquido uma determinada po,
sição, que é certamente a sua posição de equilibrio , e que é
determinada pela lei seguinte (devida a Archimedes ):
Qualquer corpo mergulhado em um liquido, experimenta da
parte d'este ultimo uma impulsão ( força) vertical, e de baixo
para cima, egual ao pezo do volume do liquido deslocado.
Da por outros termos :
Umcorpo mergulhado em um liquido perde uma parte do seu
pezo egual ao pezo do volume doʻliquido deslocado .
Não queira por isto intender- se que a gravidade cessa
de actuar sobre o corpo,-mas sim ,que o esforço, necessario
para sustentar um corpo mergulhado, fica diminuido de uma
quantidade egual ao pezo do volume do liquido deslocado pe
lo corpo.
Pode-se experimentalmente demonstrar a veracidade d'esta
lei pelo seguinte modo :
Tomam-se dois cylindros metallicos ce p, sendo um ôco e
o outro maciço, mas de dimensões taes que a capacidade do
cylindro ôco é exactamente egual ao volume do cylindro ina
ciço ; suspendem- se estes dois cylindros a um dos pratos de
uma balança( já para este finapropriada) de modo, que o
maciço fique inferiormente ao ôco, e equilibram -se com pe
GRAVIDADE 41

zos no outro prato ( fig. 22). Introduzin


do o cylindro maciço, dentro de agua ou um

qualquer outro liquido, veremos que im


mediatamente deixa de haver equilibrio ;
mas, se deitarmos, dentro do cylindro ôco,
liquido egual áquelle em que o corpo está
mergulhado, veremos novamente restabele
cer -se o equilibrio, quando o cylindro ôco DIE

estiver cheio de liquido, o que demonstra


que a differença de pezo era egual ao pezo
do volume do liquido deslocado pelo corpo.
Como consequencia do principio de Ar
chimedes podem considerar-se tres casos,
quando um corpo está mergulhado em um Fig . 22
liquido :
1.º Ser o corpo' mergulhado mais denso do que o li
quido ;
2.0 -- Ser o corpo da mesma densidade que o liquido ;
3.° — Ser menos denso do que o liquido em que está mor
gulhado.
No 1.º caso, o corpo cahirá para o fundo do vaso com uma
força egual a differença entre o seu pezo e o pezo do liquido
deslocado .
No 2.º caso, o corpo não poderá cabir nem elevar-se, e fica
rá portanto em equilibrio no meio do liquido .
No 3.º caso, o corpo vịrá á superficie com uma força egual
á differença entre o seu pezo eo pezo de volume do liquido
deslocado, até que só fique mergulhada uma parte, cujopezo
seja egual ao pezo do volume do liquido deslocado.
Mas alêm d'esta condição é tambem necessario que o cen
tro de gravidade do corpo e o centro de pressão do liquido des
locado estejam em umamesma vertical,--- porque então, o pezo
do corpo actuando de cina para baixo e a impulsão do liquido
de baixo para cima, equilibram-se por serem na mesma dire
cção mas em sentido inverso.
( Intenda-se por centro de pressão ou de impulsão o ponto on
dese exerce a resultante da impulsão total do liquido).
Mas, assim como nos solidos, tambem este equilibrio podo
ser estavel, instavel, ou indifferente.
E' estavel, quando o centro de gravidade está mais baixo do
que o centro de pressão; é instavel, no caso contrario; e indif
ferente, quando coincidem .
Pode comtudo o equilibrio ser estavel ainda mesmo quando
42 BIBLIOTHECA DO POVO

o centro de gravidade seja superior ao centro de impulsão, se


estiver abaixo do ponto chamado metacentro.
Metacentro é o ponto de incontro da recta , determinada no
corpo pelo seu centro de gravidade e pelo centro de impul.
são (quando está em equilibrio), com a vertical que passa pe.
lo novo centro de impulsão quando o corpo foi deslocado da
sua posição de equilibrio.
Pode-se pois dizer que o equilibrio será estavel se 0
centro de gravidade do corpo estiver abaixo do metacentro, e
instavel no caso contrario.
Podemos com um ovo figurar os tres casos dos corpos
mergulhados . Basta para isso tomar tres copos grandes e
deitar n'um d'elles agua salgada, n'outro agua dôce, e final
mente no terceiro somente metade d'agua salgada e depois
com muita cautella a restante metade d'agua dôce. Tomando
tres ovos e deitando - os com cautella em cada um dos corpos,
veremos que: no 1.º o ovo fica a fluctuar por ser menos den
80 do que a agua salgada ; no 2.º cai para o fundo por ser
mais dengo ; e no 3.º fica ao meio por incontrar a camada de
agua salgada.
A natação dos peixes e de todos os outros animaes, a flu
ctuação dos navios e até mesmo a arrumação da carga a bor.
do, são applicações do principio de Archimedes.
Ha, porêm , nos peixes, um orgão especial, a bexiga nata
toria, que estando cheia d'ar, serve para os fazer deslocar na
agua, subindo ou descendo conforme se dilata ou comprime
por um esforço muscular, o que bastante lhes facilita o movi
mento no seio dos mares.
Um pequeno apparelho , o ludion, demonstra bem como
funcciona a bexiga natatoria.
O ludion consta de uma esphera ôca de vidro, que suspen
de uma figura pequenita, estando o todo mettido n'um vaso
cylindrico cheio d'agua, tapado superiormente por uma mem·
brana muito tensa. A esphera está cheia d'ar e tem um pe .
queno orificio junto da suspensão do boneco. Carregando na
membrana, vê -se o ludion descer, porque a agua entra na es
phera, comprime o ar, e augmenta o pezo ; se diminue a pres.
são, a agua sai da esphera, e o ludion sobe por diminuir o
pezo .
Este principio pode ainda servir tambem para determinar
e medir o volume e a densidade dos corpos solidos ou liqui
dos.
Para determinar pois o volume dos corpos que não são so
luveis na agua, basta pezar o corpo na balança a que nos refe
GRAVIDADE

rimos, quando experimentalmente demonstrámos o principio de


Archimedes, mergulhál-o depois em agua destillada, mas sus
penso ainda na balança ( fig. 23), e restabelecer o equilibrio
com a addição de novos pezos por ter o cor
po perdido uma parte do seu pezo (egual ao
pezo do volume d'agua que deslocou ).
O excesso do pezo, que se collocou no ou
tro prato da balança, é evidentemente o
pezo do volume da agua destillada desloca
da pelo corpo; isto é, representa um certo
numero de grammas, que, por ser o pezo
da agua destillada, se transforma facilmen
te em centimetros cubicos (visto que o gram
ma é egual ao pezo de um centimetro cubico
de agua destillada), sendo pois o resultado
final o valor do volume do corpo que se sus
penden no prato da balança . Fig. 23
Emquanto ás densidades, differentes são
os methodos para as determinar. Mas sómente trataremos dos
areometros ou instrumentos destinados a determinar a densi
dade dos solidos e liquidos, recordando que densidade é : a
relação do pezo de um volume qualquer do corpo que se consi
dera, com o pezo de um mesmo volume de agua destillada a 40
Areometros

Fundam - se estes pequenos apparelhos ou instrumentos no


principio de Archimedes que atraz deixámos já enunciado.
Quanto mais denso é um liquido, tanto menos um corpo 80
lido mergulha quando está n'elle em suspensão; e vice -versa.
Os areometros servem pois para determinar as densidades
on pezos especificos dos corpos solidos ou liquidos, e tambem
para indicar as variações de densidades que os liquidos apre
sentam quando misturados com outros.
Ha duas especies de areometros :
1.°- De volume constante e pezo variavel ;
2. -- De pezo constante e volume variavel.
Arcometros de volume constante.-- Ha dois differentes areo
metros que pertencem a esta categoria, servindo um para 08
solidos é outro para os liquidos.
Areometro de Nicholson.— Compõe-se este instrumento (fig .
24) de um cylindro ôco de metal (B) terminado por dois cones,
estando o cóne inferior ligado por meio de um gancho a uma
especie de cêsto ( Cj destinado a receber o corpo (m ) cuja
44 BIBLIOTHECA DO POVO

densidade se determina ; e o cóne superior está ligado a uma


haste que sustenta um prato (4) desting
do a receber os pezos. N'esta haste ba um
ponto marcado com o, que se charna pon
to de afſloramento, porque em todas as ex
periencias deve o areometro estar mergu
İhado até este ponto paradeslocar sempre
o mesmo volume de liquido.
Para uos servirmos d'este areoinetro,
introduzimol-o em agua destillada , e col
locamos o corpo, cuja densidade se quer
determinar, no prato superior, juntando.
lhe chumbo em quantidade sufficiente pa
ra fazer mergulhar até ao traço do afflo
ramento ; tira-se o corpo e substitue-se
por pezos até novamente haver o afflora
mento ; estes pezos são o valor do pezo
do corpoque chamaremos P.
Depois d'isto tiram -seos pezos e collo
ca-se o corpo no cêsto inferior, introdu
zindo de novo o areometro no 1880 com
agua ; não chega já ao ponto de afflora
mento apezar de não se ter tirado coisa
Fig . 24 alguma, mas é porque o corpo mergulhado
perde uma parte doseu pexoegual ao vola
me do liquido que deslocou, e por isso é necessario juntar pe
zos no prato superior para de novo aflorar; chamaremos a
estes pezos p.
Pela definição de densidade teremos :
P
d
р

Isto é : a densidade representa-se pela relação entre o pero


do corpo e o de um egual volume de agua destillada.
Este arcometro é muito usado na Mineralogia para deter
minar a densidade dos mineraes.
Areometro de Fahrenheit.- E' muito similhante ao antece
dente, mas é de vidro para não ser atacado pelos liquidos
cuja densidade se destina a reconhecer. E ' este instrumento
formado por um cylindro de vidro, que inferiormente termina
por uma bola pezada, e superiormente por uma haste delga
da, supportando tambem um prato, como no anterior, e tendo
um ponto de afloramento marcado na haste.
GRAVIDADE 45

O areometro tem um pezo couhecido de antemão, a que cha


maremos K.
Para se servir d'este instrumento, introduz-se primeiro em
agua destillada e faz -se afflorar no ponto marcado, pondo
lhe no prato os pezos necessarios, que representaremos por p;
depois faz se afflorar no liquido cuja densidade se quer conhe
cer, pondo-lbe outros pezos a que chamaremos P. O pezodo
volume d'agua deslocado é pois egual a K + p ; e o do liquido
é K +P ; ora, como os volumes são eguaes porque o areome.
tro mergulha sempre até á mesma altura, teremos que a den.
sidade será :
!
K+ P
d
K + P

Areometros de pezo constante.-Estes areometros são todos


de vidro, e compõem -se de um tubo estreito ligado a um cor
po de inaior bojo, tendo a parte inferior lastrada com chumbo
ou mercurio.
No tubo estreito ha uma graduação que indica o grau de
densidade do liquido em queestá intro
duzido ; e o instrumento mergulha tanto
mais, quanto menos denso é o liquido. 50

Ha differentes especies de arcometros 40 10


d'este genero, mas podem dividir-se ein &
duas categorias : 20
Peza -acidos --- para liquidos mais den 30
BO8 do que a agua ; 20 40
Peza-licores- para liquidos menos den 50
808 que a agua.
Os mais usuaes são os de Beaumé que 60
0
a fig. 25 representa. 70
Somente differem nas graduações, que
em um começa de cima e em outro de
baixo.
Os peza acidos lastram-se por forma
que, quando mergulhados em agua des
tillada, profundem até á parte superior da
haste a, onde se marca o zero . Mergu
lbam -se depois em uma dissolução, com
posta de 85 partes de agua e 15 de sal Fig . 25
marinho, e marca-se 15 no ponto de aftlo
ramento em b ; divide -se o espaço assim determinado em 15
partos o continua - se a graduação para a parte inferior.
46 BÍBLIOTHECA DO Povo

Os peza -licores lastram-se de modo que, só mergulhem até


á parte mais baixa da haste em a , e marca- se zero n'este
ponto, quando mettidos em uma dissolução de 90 partes de
agua pura e 10 de sal-marinho; mergulham -se depois em aguia
pura e marca - se 10 no ponto superior do affloramento em b ;
divide- se em 10 partes eguaes este espaço e continua-se a
graduação até á parte superior da haste.
Segundo as differentes applicações, assim estes areomefror
se chamam peza -mosto, peza -agua, lactometro ou peza -leite,
etc.
Especificaremos ainda outro areometro, conhecido pelo no
me de alcoolometro de Gay -Lussac, e destinado ,a avaliar
a quantidade de alcool que tem um liquido espirituoso.
Este instrumento é como os que ultimamente descrevemos
differindo apenas pa graduação.
Está lastrado de modo que,mergulhado em alcool puro,pro
funda até ao extremo da haste, onde se marca 100 ; depois
mergulha-se em dissoluções graduadas d'agua e alcool, com
postas de 95, 90, 85 ...... partes de alcool por 100 da dis
solução ; e marca -se nos pontos de afloramento 95 , 90, 85 ..... ;
divide -se cada espaço em 5 partes eguaes e fica completo o
alcoolometro, que se usa, introduzindo-o no liquido que se
examina e vendo a graduação marcada.
Capillaridade e smose

Terminaremos o estudo da acção da gravidade sobre os


liquidos, apresentando estes phenomenos que parece não es
tarem sujeitos a acção da gravidade, nem as leis do equilibrio
dos liquidos. Phenomenos capillarés são os que se observam
com os liquidos contidos em tubos tão estreitos, que quasi se
podem comparar com cabellos ;de d'aqui lhes vem o nome (do
latim capillus ).
Assim ,se mergulharmos em um liquido o extremo de um
tubo capillar, veremos que o liquido, tanto interna como ex .
ternamente, se deprime umas vezes e se eleva outras.
Quando o liquido molhar o tubo, haverá ascensão ; quando,
pelo contrario,não o molhar, haverá depressão; e serão tanto
mais pronunciados estes phenomenos, quanto mais estreitos
forem os tubos .
A columna de liquido contida no tubo apresenta o sett ver
tice em menisco concavo ou convexo, conforme o liquido molha
ou não o tubo. A fig. 26 representa um menisco convexo pro.
duzido pela depressio da superficie livre n'uma columna de
mercurio em um tubo capillar.
GRAVIDADE 47

Os phenomenos capillares servem para explicar a subida


do azeite, petroleo, etc., na torcida dos candieiros ; e até mes
mo a cera e a stearina, depois de derretidas pelo calor, soben
pelo effeito da capillaridade, e vão alimentar o pavio.
O imbebimento determinado n'um panno por um liquido
que apenas lhe molhe a orla, assim como o cor
rer da tinta nas pennas , nos tiralinhas , nos pin
ceis, etc., são phenomenos resultantes da capilla
ridade, que é devida á acção dos solidos sobre os
liquidos, e á d'estes sobre si mesmos.
Outro phenomeno não menos interessante é a
osmose, ou a troca de liquidos, em circumstan
cias especiaes, atravez de substancias porosas e
delgadas.
Se tomarmos um apparelho composto de um Fig. 26
tubo de vidro, tendo inferiormente um sacco ou
bexiga perfeitamente seguro por meio de uma ligadura (ap
parelho a que se chama endosmometro), e se dentro d'elle met
termos uma dissolução de gomma ou assucar, até uma certa
altura do tubo, veremos que, mettendo o tubo dentro de um
vaso com agua pura, passado algum tempo, o liquido sobe
no tubo, e a agua que era pura tem já gomma ou assucar.
Isto demonstra a existencia de duas correntes de um para ou
tro liquido : uma, do interior do sacco para o exterior, a que se
dá o nome de exosmose ; e outra, contraria a esta, e mais for
te, que tem o nome de endosmose.
Esta ultima corrente dirige- se geralmente do liquido menos
denso para o mais denso ; mas o alcool e o ether fazem ex
cepção em referencia á agua,
Muitos e muitos phenomenos de physiologia animal e ve
getal são devidos a estes factos, que até hoje ainda não ti
veram cabal explicação.

ACÇÃO DA GRAVIDADE SOBRE OS GAZES


Pressão atmospherica e Barometros

A camada gazosa que nos cérca e involve, conhecida pelo


nome de atmosphera , é composta de oxygenio e azote, na pro
porção de 20,8 do primeiro para 79,2 do segundo, contendo
além d'isto vapor d'agua, acido carbonico, etc.
A ’ primeira vista parece que esta atmosphera não está
sujeita ás leis da gravidade, porque a tendencia do ar para
48 BIBLIOTHECA DO POVO

se espalhar e dilatar está em contraposição com a tendencia


dos outros corpos para o centro da Terra, quando abandona
dos a si mesmo .
E' isto, porêm , ficticio, porque o ar e portanto os gazes de
que se compõe têem pezo como os outros corpos, isto é, são
influenciados pela gravidade, como se pode demonetrar do
seguinte modo:
Pezando un balão de vidro onde se tenha feito o vacuo
com machina pneumatãos, o pezando -o novamente depois

Fig . 27 Fig. 28

de se deixar intrar o ar ou qualquer outro gaz, veremos que


ha um excesso de pezo, que bem demonstra a acção da gravi
dade sobre os gazes.
Esta differença de pezo é para um litro d'ar, á temperatu
ra de 00, egual a 1,3 grammas debaixo da pressão atmosphe
rica ordinaria .
Não está ainda bem limitada qual a espessura da atmos.
phera, mas a opinião mais geralmente seguida dá-lhe proxi.
mamente umas 20 a 25 leguas.
GRAVIDADE 49

Apressão atmospherica não é mais do que o pezo da cama


da d'ar que forma a atmosphera ; e esta pressão é transmitti
da em todos os sentidos com egual intensidade, por serem os ga
zes, assim como os liquidos,excessivamente moveis, e pode
rem applicar-se-lhes as leis da Hydrostatica, que já estudá
mos para estes.
Pode demonstrar-se a existencia da pressão atmospherica
do seguinte modo :
Collocando no prato da machina pneumatica um cylindro de
vidro hermeticamente tapado com um pedaço de bexiga, e fa .
zendo o vacuo interiormente ( fig. 27), veremos a membrana
começar a deprimir -se no centro, acabando por ceder, despe
daçando-se com um forte estampido, o que demonstra o . effei
to da pressão da columna d'ar que sobre ella actuava, e que
repentinamente introu para o cylindro .
Pode-se tambem provar com o apparelho da fig. 28, conhe
cido pelonome de hemispherios de Magdeburgo.
São dois bemispherios ôcos de cobreque se ajustam perfei
tamente, tendo um d'elles uma torneira para
se collocar na machina pneumatica , e o outro
uma argola para se poder puxar. Emquanto
o ar está entre elles, podem facilmente se
parar-se; mas, logo que se faz o vacuo com a
machnica pneumatica, é então necessario um
grande esforço para os separar ( fig. 29), seja
qual fôr o sentido em que se procure fazer a
separação, o que demonstra que a pressão
atmospherica se exerce em todos os sentidos
.

com egual intensidade.


Ha uma experiencia curiosa, que qualquer
pode fazer,e que demonstra claramente apres
são atmospherica . Se tomarmos um copocheio
d'água e collocarmos sobre elle uma folha de
papel, applicando-lhe a mão em cima, vere
mos que voltando o copo e retirando a mão,
o papel continua sósinho a sustentar a agua
contida no copo, porque a pressão atmosphe
rica que se exerce debaixo para cima é maior
do que o pezo do liquido .
Se tomarmos um tubo de vidro aberto em
ambos os extremos, e o enchermos d'agua ve
remos que, tapando perfeitamente com o dedo
a extremidade superior, podemos conservál- o
so berto em baixo, e a agua não cabirá, por Fig. 29
BIBLIOTHECA DO POVO

causa da pressão atmospherica s tem isto comtudo um limite


que é determinado pelo valor da pressão atmospherica, valor
egual ao pezo de uma columna d'ar que tem por base um centi.
metro quadrado e por altura a altura da atmosphera. Quan.
do, pois, o pezo da columna liquida de egual base fôr maior
do que o valor da pressão atmospherica, já a agua não poderá
conter-se no tubo ainda que esteja tapado superiormente.
Esta experiencia foi feita por Pascal que achou para limi.
te a altura de 106,88 na columna d'agua. Esta altura parla
com o liquido porque depende da densidade.
Assim ,Be tomarmos tum tubo de vidro fechado em um dos
Lados e o enchermos de mercu.
rio, tapando depois com o dedo
a extremidade aberta ( fig. 30)
veremos que, voltando o tubo, in
troduzindo - o d'una capsula com
mercurio , e retirando o dedo de
pois dotubo estardentro do mer
curio da tinag.o mercurio do tu.
bo desce até chegar á altura de
76 centimetros, deixando um va
zio a b ( fig . 31), o que indica
que a pressão atmospherica é
egual ao pezo de uma columna de
mercurioque tem aquella altura .
E isto está de accordo com o
que se achou para a agua, por
que, sendo o mercurio 13,6 mais
denso do que a agua, vemos que
o valor da columna d'agua se.
rá Om , 76 x 13,6 = 10m ,33 (como
atraz deixámos dito ). Esta ex
periencia foi feita por Torri.
celli.
A este valor dopezo da colum .
Fig . 30 Fig . 31 naďarcom um centimetro quadra
do por base, e altura egual á
da atmosphera, chama-se uma atmosphera, — valor que é
egual a 1033 grammas, porque, sendo um gramma o pezo de
um centimetro cubico d'agua, teremos :
10m,33 x Omm ,0001 = Ommm ,001033 = 1033 centimetros cubicos,
isto é,egual a 1033 grammas.
V -A0, pois, quão grande é a pressio que a atmosphera 80
GRAVIDADE 51

bre nós exerce, quando sobre cada centimetro quadrado actua


uma pressão de 1033 grammas.
Termo médio, sobre um corpo humano, é a pressão egual
a 15 : 500 kilogrammas, pressão que apezar de enorme se não
faz sentir, por ser contrabalançada pelos fluidos que existem
no organismo occupando os differentes vasos.
Ainda que seja immensa a pressão que supportâmos, ha
comtudo outros animaes que supportam maiores pressões, co
mo são os peixes que na profundidade dos oceanos chegam a
supportar pressões cincoenta vezes maiores !!
Em vez de ser um mal , é pelo contrario uma necessidade a
existencia da pressão atmospherica ;-- nas altas montanhas e
nas ascenções aerostaticas, quando a pressão diminue consi
deravelmente, chega a rebentar o sangue, e podem mesmo os
homens morrer asphyxiados.
Quando o barometro sobe, isto é, quando o ar está mais pe
zado, as funcções organicas executam -se mais regularmente,
e sentimo-nos mais aptos para o trabalho; quando, pelo con
trario, o barometro desce, isto é, quando o ar peza menos, en
tão a circulação, tornando se mais rapida, fatiga -nos e senti
mo-nos mal, & ponto de dizermos que o ar está pezado (quan
do se dá exactamente o inverso !).
O que ora acabamos de dizer mostra-nos que a pressão atmos
pherica varía de uns para outros pontos; e estas variações
são dependentes de muitas causas, que pertencem maisao
estudo da Meteorologia , - assumpto já tratado em outro dos
nossos livrinhos (*).
Para aqui basta sabermos que a pressão diminue com a al
tura a que nos elevamos, e que, sendo no equador egual a
0,758 (média ), augmenta à medida que se caminha para os
pólos, considerando- a sempre no nivel dos mares.
Os instrumentos destinados a medir a pressão atmospheri
ca chamam -se barometros, que podem ser de tres differentes
especies :
( de capsula ou de tina ;
Barometros de siphão ;
metallicos.
Barometro de capsula ou tina.- Compõe-se de um tubo es
treito de vidro que é fechado superiormente e aberto na par
te inferior , parte que está mergulhada em uma tina com mer.
curio ( fig. 32). O tubo, que tambem contêm mercurio até certa
(*) Veja -se o pol. XXXIV da Bibliotheca do Povo e das Escolas.
52 BIBLIOTHECA DO POVO

altura (variavel com a pressão atmospherica ) acha -se adaptado


a uma prancha de madeira com uma escala em centimetros e
millimetros, sen .
do o zero da eg .
cala correspon .
dente ao nivel do
mercurio da tina .
Este barometro
foi a exacta ap
o
plicação da expe
riencia que atraz
dissémos ter sido
feita por Torri
celli.
A tina é sem
pre mais larga do
que o tubo , por
causa dos erros
provenientes da
mudança de ni.
vel na tina pelo
abaixamento ou
augmento da co
lumna de mercu .
rio.
O espaço va
zio superior 80
mercurio chama.
se camara baro
metrica ; e altura
barometrica diz
se a differença de
nivel entre as
duas superficies
do mercurio (a do
tubo, e a da tina )
O barometro de
tina mais aper
S
feiçoado é o de
Fortin ( fig . 33),
Fig . 32 Fig . 33 que diftere do an
terior, em ter o
tubo ( C) mettidona capsula ( A ) com a seguinte disposição
especial: ha um fundo movel ( B) que por meio de um para
GRAVIDADE 53

fuso ( 8 )obriga o mercurio a ter sempreo mesmo nivel, que


é indicado pela ponta de marfim ( 8), sendo aqui a origem da
graduação.
Barometro de siphão ou de Gay - Lussac. -- Em principio é
como o anterior, mas differe d'elle por ter outra disposição
emquanto ao tubo, que é recurvado e composto de dois ra
mos deseguaes ( fig. 34), sendo o maior fechado, e o menor
aberto ema . O ra
mo .maior corres
ponde ao tubo do
barometro ordina
rio ou de tina, e o
menor correspon
de á tina. Os dois
ramos estão liga
dos por um tubo
capillar, para evi
tar a intrada do
ar para a camara
barometrica em
qualquer eventua
lidade (defeito que
os outros não pre
vinem). Em cada
um dos ramos ha
uma escala, sendo
commum o zero på.
ra ambas, e a som
ma das duas leitu
ras é que dá Ova

lor da pressão .
N'alguns , como
o da fig. 35, a es
cala está marcada
n'um mostrador,
para tornar o ap
parelho mais ele
gante; e então, pa
ra se poder lêr e
marcar а altura
correspondente, Fig. 34 Fig. 35 Fig. 36
colloca -se um flu
ctuador sobre o mercurio, devidamente preso a um fio, que
passa em uma roldana, é faz mover um ponteiro ( segundo
54 BIBLIOTHECA DO POVO

se acha representa
do na fig. 36 ). Con .
forme sobe ou desce
no ramo maior a co
lumna de mercurio,
assim desce ou sobe
o fluctuador, fazen
do mover po mos

trador graduado o
ponteiro indicador.
E' frequente andar
annexo a estes ba
rometros um ther
mometro ( como se
acha representado
na fig, 35 ).
Barometros metalli
cos.- Estes fundam
se na differente elas
ticidade dos metaes;
Fig . 37 e as suas graduações
são sempre marcadas por comparação com um dos outros
barometros, que se
escolhe para padrão.
Ha differentes es
pecies d'estes baro
metros.
O de Bourdon ( fig.
37), consta de um
tubo sem ar e her
meticamente fecha
do, que está preso
pela parte média ( M )
dentro de uma cai
xa, e tem as duas
metades inroladas
em circumferencia
mas completamente
livres. Estes extre
mos fazem mover
um sector dentado
(mm) que dá movi
mento a um pontei
Fig. 38 ro movel sobre um
GRAVIDADE 55

mostrador onde está a graduação. A desegualdade da pres


são faz com que o tubo se inrole mais ou menos e mova o
ponteiro, por meio da mola e das pequenas alavancas indica
das ' pelas letras f, ab, cd.-- A fig. 38 indica outra disposi
ção de um instrumento identico.
O aneroide funda -se no mesmo principio ; e differe ape
nas em ser uma caixa cylindrica, e não um tubo inrolado, o
que origina os movimentos do ponteiro.
Em todos os barometros de mostrador se costumam escrever
as indicações das variações do tempo, taes como : bom , sêcco,
variavel, chuva, etc., porque geralmente estas variações cor
respondem a certas differenças de pressão, que comtudo va
riam muito de um para outro logar, e não merecem por isso
grande credito, senão quando são o resultado da experien
cia no logar onde está o barometro. Alêm de servir para
as indicações meteorologicas, serve tambem para medir as
alturas, indicando a differença da pressão nos varios logares,
e por calculos especiaes a differeņça da altura.
Principio de Archimedes applicado aos gazes. Balões

A consequencia da acção da gravidade sobre os gazes é que,


sendo-lhes applicaveis os principios deinonstrados para os li
quidos, deve com elles succeder, em referencia a qualquer
corpo, o que succedia com os liquidos.
Assim o principio de Archimedes deve ser verdadeiro. E por
tanto : todos os corpos devem perder uma parte do seu pezo
egual ao pezo do volume d'ar deslocado.
Pode-se demonstrar esta verdade com o baroscopo, que
consta de um travessão onde se suspendem duas espheras de
pezo egual e com volumes muito differentes ,mas que se equi.
libram porcausa da egualdadedo pezo. .Collocando este sys
tema debaixo de uma campanula e fazendo o vacuo, veremos
desapparecer o equilibrio , o que demonstra não ser o pezo
egual, e que, se se equilibravam no ar, é porque as duas
espberas perdiam uma parte do seu pezo que era differente
para cada uma d'ellas .
Para o provar, basta juntar do lado da esphera pequena
um pezo egual ao pezo do ar deslocado pela espheragrande,
e ver -se -ba que no vacuo se restabelece o equilibrio.
D'aqui se vê, que, assim como para os liquidos, tres casos
se podem dar com os corpos mergulhados no ar .
1.• — 08 corpos serem mais pezados que o volume d'ar que
deslocam , e portanto cahirem ;
· 56 BIBLIOTHECA DO POVO

2.° - Os corpos terem o mesmo pezo que o volume d'ar des


locado, e portanto ficarem em equilibrio, suspensos na atmos
phera ;
3.° O corpo ser menos pezado que o ar que desloca , e por
tanto elevar -se com uma impulsão egual a differença de pezo.
E, aqui está a causa porque o fumo, as nuvens, os balões,
etc., seelevam na atmosphera.
Os balões ou aerostatos são como sabemos grandes globos
feitos de estofo muito ligeiro, e cheios de um gaz mais leve
que o ar. Os primeiros balões eram cheios de ar quente.
Hojo, porém, são geralmente cheios com o gaz de illumina
ção o qual, sobre ser mais leve do que o ar, apresenta a cir
cumstancia de mais barato do que o hydrogenio que é o gaz
mais apropriado por ser muito leve (14 vezes e meia mais le
ve que o ar) .
Os balões têem uma valvula superior que se pode abrir á
vontade, para deixar escapar o gaz, e assim diminuir o vo
lume, e portanto a impulsão do ar, obrigando -os pois a des
cer . Para subir basta diminuir-lhes o pezo, o que se consegue,
deitando fóra uma parte do lastro que levamna barquinha.
Chama -se barquinha a uma especie de caixa ou casa, onde
vào os homens que se atrevem a tal arrojo, e que vai sus
pensa do balão por meio de cordas muito fortes.
Os aereonautas costumam tambem levar comsigo os påra
quedas (grandes guarda -chuvas, que se abrem na occasião
da descida, e assim livram os homens de cahir repenting
mente). Os pára -quedas têem um "orificio central, para dei
xar escapar o ar e evitar os balanços perigosos e desincon
trados.
Até hoje ainda é arrojo subir nos balões, porque, apezar do
muito que se têem estudado, ainda não se conseguiu dar-lhes
direcção e regular este modo de transporte, que tanta diffe
rença deve trazer nas futuras relações internacionaes!!

Compressibilidade dos gazes. Manometros

A lei que rege_as pressões supportadas pelos gazes, é de


vida a Mariotte. Enuncia- se do seguinte modo :
Os volumes occupados por uma dada massá de gaz, em tem
peratura constante , estão na razão inversa das pressões que sup
portam .
Para demonstrar esta lei servimo-nos do apparelho da fig.
39, que consta de um tubo recurvado, com um lado fechado
GRAVIDADE 37

(A) dividido em partes de egual capacidade, e outro aberto ( B )


è dividido em centimetros.
Deita-se mercurio no tubo até que o nivel seja o mesmo
nos dois ramos, e nota
se qual o espaço occupa
do pelo ar no ramo fe
cbado ; continua - se a dei
tar mercurio até que o
volume do ar se reduza
a metade ( fig. 40), yê-se
a altura do mercurio no
-150 tubo maior acima do ni.
vel do menor, e acha-se
egual a altura do mer
curio no barometro, isto é,
egual a uma atmosphera,
que com a que está em ci
ma (em C) dá duas, quan
do o volume se reduziu a
100 metade; se se continuas
se a deitar mais mercu
rio, ver- se-bia que quan
do reduzido o volume &
1 1
as atmos .
3'4
pheras que actuavam
50 seriam 3, 4 ....
Isto pode exprimir-se
do seguinte modo :
V : V :: P : P, sendo V
e Vos volumes e Pe Pl
as pressões corresponden
tes. D'aqui tira -se :
VXP = V x Pl
o que quer dizer que : os
productos dos volumes pe
las pressõessão constantes.
Os instrumentos des
tinados a medir a força
Fig . 39 Fig. 40 elastica dos gazes conti
dos em vasos fechados,
receberam em Physica o nome especial de manometros.
Ha tres especies de manometros, que são :
58 BIBLIOTHECA DO POVO

B ( de ar livre ;
Manometros de ar comprimido;
metallicos.
Todos são graduados de modo que dão os
valores em atmospheras; isto é, a unidade da
graduação é a pressão correspondente á altu.
ra de 76 centimetros da columna de mercurio
ou á atmosphera (como já deixámos indicado,
ha pouco ).
O manometro d'ar livre ( fig. 41 ), compõe-se
de um comprido tubo de vidro ( B ) aberto su
periormente, e communicando em baixo com
uma capsula ( C) tambem cheia de mercurio,
sobre a qual actua a pressão do gaz que vem
pelo tubo (ED) . O tubo de vidro (B) está fi.
xo em uma taboa ; deve ter um grande com
primento para poder servir para muitas at
mospheras, e por isso só se emprega até 6.
Para graduar este instrumento marca-se 0
quando o nivel está á mesma altura no tubo
e na capsula ; e depois, de 76 em 76 centime
tros, marca- se successivamente 1. 2. 3. 4. 5. 6
(e não mais, porque para isto já é necessario
que o tubo tenba mais de 4 metros, o que o
torna fragil e de difficil manejo),
Os manometros d'ar comprimido são rectos
e de siphão; e graduam -se ou por meio de um
manometro -padrão de ar livre, ou pela lei de
Mariotte. Em vez de ser aberto, o tubo A B
:
( fig. 42 ), onde está o mercurio, é fechado e
tem dentro uma certa quantidade d'ar que fi
ca reduzida a menor volume a medida que au
gmenta a pressão.
O manometro metallico ( fig.43) funda-se no
seguinte principio : a pressão exercida nas
paredes de um tubo inrolado em helice, tende a
desinrolál.o quando é interior, e a inrolal o
quando é exterior. O representado pela fig.
43 é o de Bourdon, que é o mais usualmente
empregado; consta de um tubo de latão de
secção elliptica (a b) inrolado em espiral, ten
do no extremo livre (b) um ponteiro, movel
Fig. 41 em um arco onde está a graduação em atmos
GRAVIDADE 59

pheras (graduação que se obtem por comparação ); ó outro ex


tremo ( a) está fixo, e communica por meio de uma torneira
(R) com o espaço em que está o gaz. E' este o instrumento
mais empregado nas machinas de vapor, por ter pouco volume
e não ser fragil.
Machina pneumatica. Machina de compressão

Na experiencia que serviu de base á construcção dos ba


rometros, dissémos haver um espaço no tubo que se chama

Bua
191

Lubuskuulekin

Rc

Fig. 42 Fig . 48

camara barometrica, e que pelamarcha da experiencia bem


se demonstrava dever estar vazio d'ar, isto é, representar o
vacuo ,
Do conhecimento d'este facto e da necessidade de arran .
jar um espaço maior em que realmen'e existisse o vacuo, oc
correu a um physico allemão, Otto de Guericke, a idea de fø
60 BIBLIOTHÉCA DO POVO

zer a machina pneumatica, que depois de successivos melho


ramentos está hoje reduzida á representada na fig . 44.
Consta de dois corpos de bomba, os quaes communicam entre
si por certos canaes existentes na base metallica que reune
os dois corpos. Estes canaes vão ligar- se a outro canal que
tem o nome de canal de aspiração, e vai terminar no centro
de um disco metallico, - chamado platina , sobre o qual
assenta com perfeito ajustamento uma campanula de vidro,
a que se dá o nome de recipiente; o extremo do canal termina

Fig . 44

em rosca para se poder mais facilmente ligar a alguns tabos


de experiencias physicas.
Em cada um dos cylindros move - se um embolo formado por
muitas rodellas de coiro, com diametro tal que perfeitamente
vedam a passagem do ar junto das paredes dos corpos do
bomba ; & salide do ar pode só fazer-se por uma valvula
GRAVIDADE 61

de mola em espiral quehano centro de cada embolo, sendo o


movimento d'esta valvula de baixopara cima. Cada embolo é
atravessado
cio feito nas por uma baste
rodellas, de latão
haste que muito
termina em ajustada
um cóne no
queorifi
faz
de valvula no canal de aspiração.
O movimento dos embolos consegue-se por meio de uma
manivella recta de dois punhos, que com o movimento oscil .
latorio desloca uma roda dentada, cujos dentes engrenam nas
bastes dos embolos, que são tambem dentadas.
Entre os embolos e o recipiente ha uma torneira especial que
estabelece ou intercepta a communicação entre aquelles é o
recipiente, ou entre osmesmos e a atmosphera, ou entre o re
cipiente e esta ultima.
Para bem comprehender o movimento, vejamos o que se
passa quando se faz mover a manivella, depois de collocar
sobre a platina o recipiente ou o vaso em que se fizer o va
cuo, e depois de ter por meio da tal torneira estabelecido a
communicação entre os embolos e o recipiente: quando um dos
embolos sobe, -o ar existente no canale no recipiente, dilata
se e vai occupar mais tambem o espaço do corpo debomba, por
se ter levantado & valvula conica da haste de latão ; quando
o embolo desce, a valvula cónica fechalogo a communicação,
e o ar que fica no corpo de bomba é obrigado pela compres
såo a levantar a valvula central do embolo e a sabir para o
exterior ; emquanto se passa isto n'um dos embolos, succede
o mesmono outro, mas em sentido alternado,-isto é, quando
n'um sai o ar para o exterior, enche- se o outro com o ar do
recipiente, e, quando este larga o ar que recebêra, enche-se
então aquellecom mais ar do recipiente.
A repetição d'esta operação dá a rarefacção do ar no reci
piente a ponto de se considerar como o vacuo perfeito, ainda
que realmente não o seja, por mais bem feita que esteja a ma
china, visto estar demonstrado não se poder chegar a esse
ponto.
Entre a torneira de communicação e o recipiente ha um
manometro que indica qual o estado de rarefacção do ar na
machina pneumatica.
Da machina que acabamos de descrever originou-se ou
tra, que apenas differe em ter ' as valvulas em sentido con
trario, e que portanto, em vez de servir para rarefazer o ar,
serve para comprimil.o, bem como qualquer outro gaz ; esta é
1
a machina de compressão, que differe ainda om ter o recipien
te solidamente ligado á platina e ser suficientemente forte
para poder resirtir á força do compressło.
62 BIBLIOTHECA DO POVO

Muitas são as applicações em que se utiliza a força elasti


ca dos gazes comprimidos, taes como as poderosas machinas
de ventilação empregadas na metallurgia, os gazometros das
fabricas de gaz-de-illuminação, etc.
D'entre essas applicações passare
mos a descrever como curiosidade re
creativa a fonte de Héron que a fig.
45 representa, e que consta de uma
bacia de cobre ( O ) e de dois reser
vatorios de vidro ( A e B) . Uns tubos
de cobre (e a c), que fazem communi.
car a parte inferior do reservatorio
B com a bacia superior; um outro tu
bo (ob) que communica os dois be
lões pela parte superior de cada um ;
e ainda um tubo menor ( ë) que atra
vessa o fundo da bacia e vai abrir
se junto do fundo do balão superior,
terminando em ponta no outro extre
mo livre : - taes são as communica
ções entre as differentes partes do
apparelho.
Deitando agua no balão superior
só até ao meio, e deitando depois
agua na bacia, succede o seguinte :
a agua da bacia desce para obalão
inferior, comprime o ar que vai para
o balão superior, e por seu turno
exerce pressão sobre a agua ahi con
MTN
tida obrigando-a & sahir pela parte
do tubo menor em forma de repuxo.
BI Para terminar este livrinbo deg.
creveremos as bombas e 08 siphões.
Bombas e Siphões
As bombas são apparelhos desti
Fig . 45 nados a elevar a agua ou qualquer
outro liquido, e são de tres especies :
( aspirantes;
Bombasprementes ;
aspirantes prementes.
A primeira compõe-se de um corpo cylindrico, em que se mo
ve um embolo com uma valvula que abre de baixo para cima ;
ligado & parte inferior do corpo de bomba, ba um canal de ag
GRAVIDADE 63 ,

piração tambem com uma valvula no mesmo sentido. E' facil


comprehendercomo funcciona : quando se levanta o embolo, ra
refaz - se o ar dentro do corpo debomba e a agua do canal sobe
para dentro ; quando desce o embolo , o pezo da agua fecha a
valvula inferior e levanta a valvula do embolo , descarregan
do -se por um tubo lateral.
A segunda consta tambem de um corpo de bombae de um
embolo, mas este é completamente maciço; o corpo de bomba
mergulha directamente na agua e não tem tubo de aspiração;
tem , porém, um tubo, ehamado tubode ascensão, quedá sahi.
da á agua aspirada e que lhe está inferior ; n'esté tubo ha uma
valvula que se abre do corpo da bomba para o tubo.
Funcciona assim : quando se levanta o embolo ,entra a agua
pela valvula inferior ; quando se fecha, & agua que pelo seu
pezo tapou a valvula inferior, e que não tem sabida pelo ent
bolo, obriga a valvula lateral a abrir-se e sai pelo tubo de
ascensão.
A terceira participa das duas que descrevemos, e tem por
isso tubo de aspiração etubo de ascensão, funccionando na
subida do embolo como bomba aspirante, e na descida como
bomba premente.
O siphào ( fig. 46) cons
ta de um tubo recurya
8
do abod, que se mergu
lha no liquido de um va
so, ficando um dos ramos
dentro, e o outro fóra .
Para que se produza
o exgotto, é necessario
que o extremo d esteja
mais baixo do que o ni.
vel do liquido no vaso ,
porque, sendo a pressão
em a egual -á pressão
atmospherica menos o
pezo de uma columna de
agua que tenha poraltura
adifferença denivel en
tre a e b, é sendo a pres Fig 46
são em d egual tambem
á pressão atmospherica menos uma columna de liquido que te
nha por altura å differença de nivel entre deb, o liquido ex
gotta -se n'este sentido por ser aqui menor a força que o retem .
FIM
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6, Zoologia. N.° 7, Chorographia de Portugal. N.° 8, Physica elementar.
N. 9, Botanica. N.° 10, Astronomia popular. N.° 11, Desenho linear. N.° 13.
politica. N.° 13, Agricultura. N. 14, Algebra elementar. N.°15, Mammiferos.
gione. - 3.4 Serie . N.° 17, Principios geraes de Chimica . N. 18, Noções & •
risprudencia . N.° 19, Manual do fabricante devernizes . N.° 20, Telegraphia eleo
21, Geometria plana. N.° 22, À Terra é os Mares . N.° 23, Acustica . N.° 4
tica. - 4.a Serie . N.° 25 , As colonias portuguezas. N.° 26, Noções de Mu
Chimica inorganica . N.° 28 , Centuria de celebridades femininas . N.° 29, Miriam
N.° 30, OMarquez de Pombal. N.° 31, Geologia. N.° 32, Codigo Civil Portug
Serié . N.° 33, Historia natural das aves . N. ° 34, Meteorologia. N.° 35, Oh ograſ
do Brazil.- N. 36 , O Homem na serie animal.- N.° 87, Tactica e armas de caerra .
N.° 38,Direito Romano .- N.º 39, Chimica organica.- N.° 40, Grammatica Fortuguez
-6.4 Serie. N.° 41 , Escripturação commercial. N.° 42, Anatomia hun tia . Nº 4
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