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‘A DISSOLUCAO! DO COMPLEXO DE EDIPO Em extensio. sempre crescente, 0, complexo/ de Edipo revela sua importincia como 0 fendmeno. central do periodo sexual’ da primeira infancia. Apés isso, se efetua sua disso- lugdo, ele sucumbe & reffessio, como dizemos, ¢ & seguido pelo periodo de laténcia.” Ainda'nio se tornou claro, contudo, ‘© que € que ocasiona sua destruicdo. As anélises parecem demonstrar que € a experiéncia de desapontamentos penosos ‘A menina gosta de considerar-se como aquilo que seu pi ama acima de tudo o mais, porém chega a ccasido em que tem de sofrer da parte dele uma dura punigio e é atirada para fora de seu paraiso ingénuo. © menino encara a mie como sua propriedade, mas um dia descobre que ela transferiu seu amor ¢ sua solicitude para um recém-chegado. A reflexio deve aprofundar nosso senso da importincia dessas influéncias, por- que ela enfatizaré o fato de serem inevitéveis experiéncias afli- tivas desse tipo, que agem em oposigo 20 contetido. do com= plexo. Mesmo io ocorrendo nenhum acontecimento especial tal como os que mencionamos como exemplos, a auséncia da satistagdo esperada, a negacio continuada do bebé desejado, devem, ao final, Ievar 0 pequeno amante a voltar as costas ao seu anseio sem esperanca. Assim, © eomplexo” de Edipo se encaminharia para a destruigio por sua falta de sucesso, pelos efeitos de sua impossibilidade interna. 4 ['Uniergang’. Informa-nos Ernest Jones (1957, 114) que Ferenczi, uma carta de 24° de marco de 1924, contestou a’ forca dessa palavra ¢¢ sugeriu que ela fora escolhida como reagio as idéias de Rank votre io ‘trauma de nascimento'- Freud, respondendo dois dias que a palavra no titulo poderia ter sido influenciada dias de Rank, mas disse que @.0 Id, escrito antes pigs. 468.) Na mesma passage, ele em realidade empregara tam ‘ém'a palavra ainda mals’ forte "Zevtrimmerung (demoligio) ] 217 P Outra visio € a de que o complexo de Edipo deve muir porque chegou a hora para sua desintegracio, tal como os Gentes de leite caem quando os permanentes comegam a cres- cer. Embora a maioria dos seres humanos passe pelo com- plexo de Edipo como uma experiéncia individual, ele cons- fitui um fenémeno que € determinado ¢ estabelecidlo pela here~ Gitariedade e que esté fadado a findar de acordo com 0 pro- Grama, a0 instalarse a fase seguinte preordenada de desenvol- Vimento. Assim sendo, nfo é de grande importincia quais as ‘ocasides que permitem tal ocorréneia ou, na verdade, que oca- sides desse tipo possam ser de algum modo descobertas. ‘A justica dessas opinides no pode ser discutida. Ademais, las sio compativeis. Ha lugar para a visio ontogenética, lado fa lado com a filogenética, de conseqiéncias bem maiores. Tam- ‘bém procede que, mesmo no nascimento, o individuo esté in- teiramente destinado a morrer, ¢ talvez sua disposi¢ao or- ginica ja possa conter a indicagéo daquilo de que deve mor- rer. Nao obstante, continua a ser de interesse* acompanhar como esse programa inato é executado © de que mancira no- ividades acidentais exploram sua dispo: : Ultimamente nos tornamos mais claramente cénscios que antespyde que 6 desenvolvimento sexual de uma.crianga avangir até determinada fase, na qual 0. Grgio- genital j4,assu- ‘miu, o- papel principal. Esse rgio genital € apenas 0 mas- culino, ou, mais corretamente, 0 pénis; o genital feminino per~ maneceu irrevelado. Essa fase féliea, que € contempordnea do complexo de Edipo, nao se desenvolve além, até a organiza- ‘edo genital definitiva, mas é submersa, ¢ sucedida pelo periodo de laténcia, Seu término, contudo, se. realiza de. maneira tipica © em. conjungéo..com. acontecimentos. de recorréncia regular Quando 0 interesse da crianga (do sexo masculino) se volta para os seus Srgios genitais, ela revela o fato manipu- T Tar tis contdas nese parigrafo « vo eceente foram exe sm pot Vreod ‘ca ermos tlt srelantes na Seuio TV de ""A Child SP aling Beaten"? (19190), Slondord Ed, 7, 188] ver "A Organizasio Gent Tnfanl’ dx Libido (1923), pe 179, aston) 218 Jando-os freqiientemente, ¢ entio descobre que 0s adultos nfo aprovam esse comportamento, Mais ou menos diretamente, ‘ou menos brutalmente, pronunciam uma ameaca de que essa parte dele, que tio altamente valoriza, the serd tirada Geralmente, é de mulheres que emana a ameaga; com muita freqiigneia, ‘elas buscam reforgar sua autoridade por uma re- feréncia a0 pai ow ao médico, os quais, como dizem, levarao a cabo a punicéo, Em certo mimero de casos, as mulheres, clas préprias, mitigam a ameaca de maneira simbélica, di zendo & crianga que nao é o seu érgio genital, que na reali- dade desempenha um papel passivo, que deve ser removido, ‘mas sim sua mao, que é 0 culpado ative, Acontece com especial freqligncia que 0 menininho seja ameagado com a castracio, no porque brinca com o pénis com a mio, mas porque mo- Iha 0 teito todas as noites ¢ néo pode ser levado a ser limpo. Os encarregados dele se comportam como se essa inconti néncia notuna fosse resultado e prova de ele estar indevi- damente ipteressado em seu pénis, e provavelmente tém ra- 2a0.! De qualquer modo, a enurese na cama, de longa dura- slo, deve ser igualada & polugao dos adultos, © & uma ex- pressio da mesma excitagdo dos Srgios genitais que impeliu @ crianga a masturbar-se nesse periodo. Bem,.6 minha opiniio, servessa--ameaca. de castragao"e que ocasiona a destruicio da_organizacao. genitalfélica™“da ‘@riangas.Nio de imediato, € verdade, ¢ néo sem que outras influéncias sejam também aplicadas;’ pois, para comecar, 0 menino nfo acredita na ameaca ou nio a obedece absoluta- mente. A psicandlise recentemente ligou importincia a duas experigneias por que todas as ctiancas passam © que, se- gundo se presume, as preparam para a perda de partes alta- mente valorizadas do corpo. Essas experiéncias sto a retirada do scio mateo — a principio de modo intermitente, ¢ mais tarde, definitivamente — e a exigéncia cotidiana que thes feita ‘para soltarem 0s conteddos do intestino. Nao existe, Porém, prova que demonstre que, ao efetuarse a ameaga de TICE 0 caso clinico de ‘Dora’ (190S¢), EdigSo Standard Bra Ieira, Vol. Vil. pig. 71, IMAGO Editora, 1972, e 0 segundo dos Trés Ensaios (1905d), ibid, pig. 195.) 219 aastragéo, essas experiéncias tenham qualquer efeito.* Somente mas certamente 0 pénis devia desempenhar uma parte nela, ) quando uma nova experiéncia the surge no caminho, (que a pois as sensagdes cm seu proprio drgio eram prova disso. Ate / erianga comeca a avaliar a possibilidade de ser castrada, fa- entio, nao tivera ocasiao de duvidar que as mulheres possuis- | zendo-o apenas de modo hesitante ¢ de mé vontade, nio sem sem pénis. Agora, porém, sua aceitacio da possibilidade de | fazer esforos para depreciar a significagao de algo que ela castragio, seu reconhecimento de que as mulheres eram cas propria observou. tradas, punha fim as duas maneiras possiveis de obter satisfacio, ‘A observagio que finalmente rompe sua descrenca é a do complexo de Edipo, de vez que ambas acarretavam a perd ) visio dos Grgios genitais femininos, Mais cedo ou mais tarde de seu pénis — a mascufina como uma punicdo resultante ¢/a J crlangt, que tanto orgulho tem da posse de tum pénis, tem Teminina como precondicio, Seva satisfagao do" amor no ¢abpo uma visio da regido genital de uma menina e néo pode deixar do complexo de Edipo deve custar & crianga o pénis, esta de convencer-se da auséncia de um pénis numa criatura assim fadado a surgit um conflito entre seu interesse narcisico nessa senscinante a cla propria, Com isso, & perda de set proprio parte de seu corpo e a catexia libidinal de seus objetos paren-( pénis fica imagindvel e a ameaga de castragdo ganha seu efeito tais. Nesse ‘conflito; -triunfa-normalmente- a primeiraydessas aac, forcas: 0 ego da crianca volta as costas-ao eomplexo de Edipo. No devemos ser tio mfopes quanto @.peston encarregads Descrevi noutra parte como esse afastamento se realiza.” dda crianga, que a ameaga com 2 castragao, e nfo devemos AAs catexias de objeto sio abandonadas e substituidas por iden dlesprezar 6 fato de que, nessa época, a masturbacéo de modo tifcagSes, A autoridade do pai ou dos pais ¢ introjetada no algum representa a totalidade de sua vida sexual. Como pode eg0 © ai forma 0 nécleo do superego, que assume a severidade ser claramente demonstrado, ela est4 na atitude edipiana para do pai ¢ perpetua a proibicio deste contra o incesto, defen- seus on paist sun masturbagao constitui apenas uma descargs endo assim o ego do retomo da catexia libidinal. As-tendén- feenital da excitacdo sexual pertinente 20 complexo, e, durante cias libidinais pertencentes ao complexo de Edipo sio em parte todos 0s seus anos posteriores, deverd sua importancia a esseq dessexualizadas e sublimadas (coisa que provavelmente acon- ‘pelaciontmento//O complexo.de-Edipo-ofereceu.&-crianga. dias tece com. toda transformacao em uma_identificagio) -©. em Possbilidades de satnfagdo, uma ativa c outra passiva,Bla-po- parte sio inibidas em seu objetivo e transformadas em impulsos . deria colocar-se no lugar de seu pai, A maneira masculina, ¢ ter de afeiciio, Todo o processo, por um lado, preservou 0 orgio relagdes com a mie, como tinha o pai, caso em que ced teria genital — afastou o perigo de sua perda — e, por outro, ( / sentido o iiltimo como um estorvo, ou poderia querer. assumir paralisou-o — removeu sua funcdo, Bss¢ processo introduz oy ‘0 lugar da mie e ser amado pelo pai, caso em que a mae se periodo de laténcia, que agora interrompe 0 desenvolvimento) tornaria supérflua. A crianga pode ter tido apenas nogées muito sexual da erianca. ‘Vagas quanto a0 que constitui uma relagdo erética satisfatéria, Nio vejo razio para negar 0 nome de ‘repressiio’ ao afas- tamento do ego diante do complexo de Edipo, embora repres- soes posteriores ocorram pela maior parte com a participacdo, son abr nal de Ton ecmcna, entontannts 8 do superego que, nesse caso, est apenas sendo formado. O ue este artigo foi escrito, 20 ea80 clitico do ‘Little Hams" (1909), processo que descrevemos é, porém, mais que uma_repressio. ‘Standard Ed. 10, 8, na ual se faz referencia a trabalhos da autoria de | Pere tor iealznese' lead cabo, 4,08 Serie ‘Andreas Saioing (1916), A. Stigche (1921) e Alexander (1922). Uma teres experiéncia, de eeparagio — a do nascimento — também € aboligio do = Plausivelmente podemos supor que ‘meacionada_ al, porém, tal como na presente pastagem, Freud faz obje : Gler A confusio com’ 0. complexo de castracio. Cf. também nota de Cod Fines 0A Orasino Gea Ind iid! (193), pig. 182, 220 paces ! 43 © segs, acima] chegamos aquiva linha fronteiriga — nunca ‘bem nitidamente tragada — entre 0 normal e 0 patol6gico, Se 0 ego, na real dade, no conseguiu muito mais que uma repressio do com: plexo, este persiste em estado inconsciente no id e manifestar: mais tarde seu efeito patogénico. A observagio analitica capacita-nos a identificar ow’ adi- vinkiar essas Vinculagdes entre a organizacio félica, 0 complexo de Edipo, a umeaca de castracio, a formagio do superego eo. periodo de laténeia. Essas vinculagdes justificam a afirmagao de que a destruicio do complexo de Edipo ¢ ocasionada pela ameaca de castracao, ie a asad ible ch tes de nos fazermos a esse caminho novo, contudo, devemos voltar- os para uma questdo que surgiu no decorrer desse debate © ue até agora foi deixada de Indo. © processo descrito refere-s, como foi expressamente dito, somente a criangas do sexo mas. culino. Como. se realiza 0 desenvolvimento correspondente nas smeninas? __Nesse ponto nosso material, por alguma razio incompre- tensivel,! torna-se muito mais obscuro ¢ cheio de lacunas. Tam: 'bém 0 sexo feminino desenvolve um complexo de Edipo, um Superego © um perfodo de laténcia. Sera que também podemos atribuir-Ihe uma organizacao félica e um complexo de castra- si0? A resposta é afirmativa, mas essas,coises nto podem ser 4 mesmas como sio nos meninos. Aqui a exigeneia-feministir ‘de"diteitos-iguais-para’ OS ‘SeXOS HAG’ nOs leva, mujtolonge, pois a distingao morfolbgica estd fadada a encontrar eiffpressio em di ferencas de desenvolvimento psiquico.? ‘A anatomia ¢.o destino’, para vatiar um dito de Napoledo, O cli jal ‘mente comporta-se exatamente como um pénis, porém, quando 7 FER sida cea rt tom Seo | te fet i Cnn tps ee echt ia Ea 222 (cla efetua uma comparagdo com um companheiro de brinque- dos do outro sexo, percebe que ‘se saiu mal” ¢ sente isso como uma injustiga feita a ela ¢ como fundamento para inferioridade Por algum tempo ainda, consola-se com a expectativa de que mais tarde, quando ficar mais velha, adquirird um apéndi tao grande quanto o do menino. Aqui, 0 complexo de masc nidade {Cf. adiante, pag. 314 ¢ n. 2.] das mulheres se ramifica Uma crianga do sexo feminino, contudo, no entende sus falta de pénis como sendo um caréter sexual; explica-a presumindo ‘que, em alguma época anterior, possuira.um. érgao_igualmente grande e depois perdera-o por castragio. Ela parece niio esten- der essa inferéncia de si propria para outras mulheres adultas, e sim, inteiramente segundo as linhas da fase falica, encari-las como possuindo grandes © completos Srgios genitais — isto 6, masculinos.Dié-se-assim-w diferenca essencial de que a menina”, aceitaa-castragao como um fato consumado, 80 passo. quco- ‘menio-teme a possibilidade de sua ocorréncia. Estando assim excluido, na menina, o temor da castracdo, cai também um motivo poderoso para o estabelecimento’ de lum superego © para a interrupcio da organizagio genital in- fantil. Nela, muito mais que no menino, essas mudancas pa- recem, ser Fesultado da criagio ¢ de intimidacao oriunda do exterior, as quais a ameacam com uma perda de amor. 0 complexo de Edipo da ienina.é muito mais. simples que.o.do Requeno portador do pénis; em minha experiencia, raramente cle vai alem de assumir o lugar da mie e adotar uma atitude feminina para com o pai. A renincia a0 pénis nfo ¢ tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensacao. Ela desliza — 20 longo da linha de uma equacio simbélica, poder-se-ia dizer — do pénis para um bebé. Seu complexo de Edipo culmina em um desejo, mantido por muito tempo, de receber do. pai um beb? como presente — dar-lhe um fitho.? Tem-se 1 impressio. de que 0 complexo de Edipo & entao gradativa- mente abandonado de vez que esse desejo jamais se realiza s dois desejos — possuir um pénis e um filho — perman 7 [Literalmente, “saiv-se pequena demas’) 2 (CL 0 artigo. de Freud sobre “Transformation of Instinct’ (U9iTe), Standard Ea, 17, 128 © segs. ver também adiante, pig. 318.1 yl4 ‘: 223 cem fortemente catexizados no inconsciente e ajudam a prey Parar a criatura do sexo feminino para seu papel posterior! A iintensidade comparativamente menor da contribuigio séci 40 seu instinto sexual, que fora de divida podemos vincular ao lerescimento-retardado de seu. pénis,{torna mais facil, no (a924y & jy £80 dela, transformarem-se as tendéncias sexuais diretas em 6 t2 ‘ait’ /tendéncias inibidas quanto ao objetivo, de tipo afetuoso. Deve-., Ww A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE ‘se/admitir, contudo, que nossa compreensio interna (insight) | o* desses processos de desenvolvimento em meninas em geral é insatisfat6rio, incompletq e vagoy' Néo tenho diivida de que ab relagdes cronoligicas ¢ cau- sais, aqui descritas, entre 0 complexo de Edipo, a intimidagao sexual (a ameaga de castragio), a formagio do superego ¢ 0 comego do periodo de laténcia so de um género tipico, porém no desejo asseverar que esse tipo seja 0 tinico possivel, Va- riagdes na ordem cronoldgica e na vinculagio desses eventos ‘stio fadadas a ter um sentido muito importante no desenvol- vimento do individuo. Desde a publicacdo do interessante estudo de Otto Rank The Trauma of Birth (19241, a propria conclusio obtida atra- ‘T vés desta’ modesta investigagio, no sentido de o complexo de Edipo do menino ser destruido pelo temor da c pode ser aceita sem maior discussio. Nao obstante, parece-me Prematuro enirar atualmente em um debate tal e talvez desa- conselhivel iniciar uma critica ou uma apreciagao da opinigo de Rank nessa conjuntura.* 7 [Freud discuti esse tépico muito mais plenamente em seus artigos sobre a distincio anatémica entre os sexos (1925)) ¢ sobre a sexualidade feminina (19518), ¢ em ambos forneceu uma descrigto do complexo de Edipo da menina, muito diferente da presente.] 2 [0 assunte foi retomado por Freud logo. depois Symptoms and Ansiety (19264). Cf. 2. Segio. (e) da. Introduc Editor Inglés a este trabalho, Standard Ed. 20, 83 © segs] 224

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