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CONFERENCIA XXI © DESENVOLVIMENTO DA LIBIDO E AS ORGANIZAGOES SEXUAIS SENHORES: ‘Tenho a impressio de que nao alcancei éxito em convencé- Jos muito profundamente da importincia das pervers6es para nossa visio da sexualidade e, portanto, gostaria, até onde me for possivel, de aprimorar ¢ suplementar aquilo que disse ‘Nao é'0 caso de apenas as perversies, isoladamente,sfe nos obrigado a realizar a modificagio no conceit de sexvali dade que levantou tantas objecdes. contra nés, © estudo da sexualidade infantil teve muito mais influéncia sobre esse fato, € foi o concurs desses dois fatores que se tormou decisi- vo para nés, As manifestagies da sexualidade infantil, por mais inequivocas que possim ser num) perfodlo ulterior da inffncia, contudo parecem merguihadas na indefinicio pelos inicios da infancia, Todo aquele que resolver desprezar a his- téria de sua evolugio ¢ de seu contexto analitico, negaré que elas possuem caracteristicas sexuais e, em vez disso, lhes atti-. ‘buiré alguma caracteristica indiferenciada. Os senhores-devem: nose esquecer de que, por agora, néio. possuimos. nenhum critério.universalmente reconhecido da natureza sexual de-um processo, salvo, novamente, uma conexio com a funcio.reppo= dutiva, que devemos rejeitar por ser um ctitério demasiada~ ‘mente’ limitado, Os critérios biolbgicos, como os de periodi- lades de-vinte ¢ trés e de vinte ¢ oito dias, postulados por Wilhelm Fliess [1906], sio ainda altamente controvertidos; as caracteristicas quimicas do processo sexual, que podemos supor, continuam aguardando a sua descoberta. Por outro lado, as pervers6es sexuais dos adultos constituem algo tangfvel ¢ inequtvoco, Como jf 0 demonstra o nome pelo qual so univer- salmente conhecidas, elas so inquestionavelmente sexuais, Se deseritas como indicagdes de degeneracio, ou o que quer que seja, ninguém ainda teve a coragem de classificé-las como algo que néo, sejam fendmenos da vida sexual. Apenas em viride delas justifica-se afirmarmos que sexualidade ¢ repro- 375 duo nfo coincidem, pois & bvio que todas as perversées negam 0 objetivo da teprodugio. ‘Aqui encontro um paralelo nio destituido de interesse Enquanto, para a maioria das pessoas, ‘consciente’ ‘psiquico’ so a mesma coisa, fomos obrigados a ampliar 0 conceito de ‘psiquico’ e reconhecer como ‘psiquico’ algo que nao ‘cons- lente’. Exatamente do mesmo modo, enquanto outras pessoas declaram serem idénticos 0 ‘sexual’ e 0 ‘referente & reprodugio” (ou, se preferem resumir mais, o ‘genital’), no podemos evitar de postular a existéncia de algo ‘sexual’ que nio é ‘genital — que ndo tem nenhuma relago com a reproducio. Aqui, a similitude € apenas formal, mas néo deixa de ter um funda- tient atis rofundo, f. Actedito que se relaciona com 0 fato , [perversdes sexuais estarem sujeltas a uma condenaclo muito especial, que chegou mesmo a afetar a teotia e se opds 2 ‘avaliagao cientifica delas. £ como se ninguém pudesse esquecer que elas no sio apenas algo repulsivo, mas também algo monsiruoso © perigoso — como se as pessoas as sentissem como sedutoras ¢, no fundo, tivessem de sufocar uma secreta inveja daqueles que as experimentam. E 0 caso de se lem- brar a confissfo feita pelo Landgraf condenador, na famosa parédia de Tannhduser: ‘Im Venusberg vergass er Ehr und Pflicht! — Merkwiirdig, unser einem passiert so etwas nicht.” Na realidade, os pervertidos so, antes, uns pobres diabos, que tm de pagar extremamente caro pela’ satisfagéo que obtém a duras_penas. (© que tora’ a atividade dos pervertides tio incon- fundivelmente sexusl, por mais estranhos que sejam seus obje- T [No Monte de Vénus, esqueceu honra ¢ deve (Colsa ‘strana, algo assim a nds no. acontecer.” (vad. para o ingles por Nestroy ef. pép. 382 m..)) tos e fins, 6 0 fato de, via de fegra, um ato de satistagto, pervertida ainda assim terminar em orgasmo completo © emis- So de produtos genitais, Naturalmente, s6 hé esse resultado quando se trata de pessoas adultas. Em criancas, o orgasmo © a excrecdo genital raramente so possfveis; em lugar disso, hé elementos que certamente nio slo reconhecidos como sendo nitidamente sexuais. Existe algo mais que devo acrescentar a fim de completar nosso ponto de vista referente as perversies sexuais. Por mais infames que possam ser, por mais nitido que se faga 0 con- traste com a atividade sexual normal, uma reflexdo tranqilila mostrar que um ou outro trago de perversio raramente std ausente da vida sexual das pessoas normais. Pode-se alegar Que até mesmo um beijo seria considerado ato pervertido, de vez que consiste na juncio de duas zonas erdgenas orais em vez de dois genitais. No entanto, ninguém o rejeita como pervertido; pelo contrério, é permitido, nas representacdes tea~ trais, como velada referénicia a0 ato sexual, Mas, precisamente ‘9 beijar pode facilmente tornar-se perversio completa — ou seja, se se torna tao intenso, que uma descarga genital ¢ 0 orgasmo sobrevém diretamente, coisa nada rara. Podemos ve- rificar, também, serem precondigdes indispensaveis do prazet sexual que a pessoa sinta e veja o objeto; sabemos que a pessoa poderé beliscar ou morder, no auge da excitagdo sexual, que © ponto méximo de excitacZo dos amantes nem sempre é pro~ vocado pelos genitais, mas por alguma outra regio do corpo. do objeto, e numerosas outras coisas semethantes. Nao faz’ sentido excluir da classe dos normais essas pessoas com tragos, isolados desse tipo ¢ situd-las entre os pervertidos. Ao cont rio, reconheceremos, cada vez com maior nitidez, que a essén: cia'das perversbes nio esti na extensfo do objetivo sexual, nem nna substituigio dos genitais, e, mesmo, nem sempre na escolha diferente do objeto, mas sim unicamente na exclusividade coi ‘2 qual se efetuam ‘esses desvios ¢ em conseqiléncia dos quais (0 ato sexual a servigo do objetivo de reproducio ¢ posto de Jado, Na-medidacem saa aabes pervertiaa:se inser. na realizagio -Senuvalnormal, como contribuigies. prepars- orca rere casita, title absol tamente perversies, O abismo entre sexualidadé normal © per= vertida é naturalmente, em muito diminuido por fatos dessa espécie. GlScll conch Sad SAA sAmelatiiEitetine 377 ‘desse material como inserviveis e reunindo o restante a fim de subordiné-lo a uma nova finalidade, a da reprodug&o. ‘Antes de uiilizarmos nosso conhecimento das perversées, para nos atirarmos novamente ao estudo da sexualidade infantil ‘com base em premissas mais claras, devo chamar a atengdo dos senhores para uma importante diferenca entre clas. A. sexuali- dade pervertida é, via de regra, muito bem centrada: todas ag suas agdes se dirigem para um fim — geralmente um ‘inico fim: um dos instintos componentes assumiu predominincia, e, ow € 0 tinico instinto observavel, ou submeten 0s outros a seus propésitos, Nesse aspecto, néo hé diferenca alguma entre sexualidade pervertida e normal, a nfo ser 0 fato de que seus instintos componentes dominanies e, consealientemente, seus fins sexuais séo diferentes. Em ambas, pode-se dizer, estabe- Jeceu-se uma bem organizada tirania, mas, em cada uma das ‘duas, uma familia diferente tomou as rédeas do poder, A sexudlidade infantil, por outro lado, falando genericamente, falta ssa centralizagdo; seus instintos componentes separados pos- suem iguais direitos, cada um dos quais seguindo seus pré- prios rumos na busca de prazer. Naturalmente, tanto a ausén- cia como a presenca de centraliza¢io harmonizam-se bem com 6 fato de que tanto a sexualidade pervertida como a normal surgiram da sexualidade infantil. Alids, também existem casos de sexualidade pervertida que tém uma semelhanga muito maior com 0 tipo infantil, pois, nestes, numerosos instintos compo- *nentes levaram a cabo (ou, mais corretamente, persistiram em) seus fins, independentemente um dos outros. Em tais casos, melhor falar em infantilismo da vida sexual, e no. em per- vers. climinando determinados eral Assim premunidos, podemos prosseguir com o exame de uma observagio da qual certamente nao seremos poupados. "Por que’, perguntar-nos-lo, ‘0 senhor é tio obstinado em descrever como jé constituindo sexualidade aquilo que, segundo 4.as evidéncias que o senhor mesmo mostrou, so indefintveis manifestagies da infancia, a partir das quais se desenvolve pos- feriormente a vida sexual? Por que, em vez disso, 0 senhor nfo Se contenta com dar-Ihes uma descricao fisioldgica ¢ dizer simplesmente que, num lactente, jé observamos atividades, ‘somo. a sucgio.sensual ou a retencio das excregdey, que nos 378 ‘mostram que ele procura o “iprazer do 6rgio"?! Dessa forma, (© senhor teria evitado a hipétese, tio repugnante para todos os sentimentos, de os bebés da mais tenra idade terera uma vida sexual.’ Com efeito, seahores, nfo tenho em absoluto qualquer abjegio ao prazer do Srgio. Sei que mesmo o supremo prazer da unido sexual apenas ¢ um prazer do Orgio, vinculado & atividade dos genitais. Podem os senhores, porém, dizer quando esse prazer do drgio, originalmente indiferente, adquire 0 cax rater sexual que indubitavelmente possui em fases posteriores do desenvolvimento? Sobre o ‘prazer do Srgio’ sabemos mais do que a respeito da sexualidade? Os senhores responderio que ‘ele adquite cardter sexual precisamente quando os genitais comecam a desempenhar seu papel; ‘sexual’ coincide com ‘genital, Os senhores rejeitardo até mesmo a objegio levan- tada pelas perversdes, assinalando a mim que, na maioria das perversdes, visa-se, afinal de contas, a um orgasmo genital, ainda que’a este se chegue por outro método que néo o da uuniéo dos genitais. Os senhores certamente estaréo assumindo uma posigéo muito mais sélida na determinagio das caracte- risticas do sexual, se deste eliminarem a referencia & reprodu- Gao, que se torna indefensdvel nas perversbes, ¢, em seu lugar, colocarem a atividade genital. Mas se assim for, j4 nfo nos distanciamos para muito mais longe: € apenas uma questio de Srgios genitais versus outros Srgdos. Que jalgartio 0s se nhores, entretanto, das mumerosas experiéncias que Thes mos- tram poderem os genitais ser representados, relativamente & sua produgo de prazer, por outros Srgios, como no caso do beij ‘ou das préticas pervertidas dos sibaritas, ou dos sintomas d histeria? Nessa neurose, & muito comum acontecer que os sinais de estimulagio, as sensagies ¢ as inervacdes © até mesmo os processos de ereedo, que pertencem propriamente aos genitais, se desloquem para outras regides remotas do corpo — como, por exemplo, deslocarem-se para cima, para a cabeca ¢ a face, T [Organlust’, © termo surge em ‘Os Instintos e suas Vicsstudes’ (a91Se), Edigho Standard Brasileira, Vol. XIV, pég. 146, IMAGO Ei tora, 1974, onde patece que Freud o'usou pela primeira vez. Usa-o nov mento nas New dniroductory Lectures (1933a), Standard Ed, 22, 98. G'concelio, naturalmente, € conhecido desde a Epoca dos Trés Ensalas (19084), por exemplo, Ediglo Standard Brasileira, Vol. Vil, pag. 203, IMAGO Editors, 1972) 379 Estando dessa forma convencidos de que no tém onde se apoia- Fem, para sua caracterizacfo daquilo que é sexual, os senhores, sem divida, terdo de se decidir a seguir meu exemplo, ¢ estendet a descrigio de ‘sexual’ também as atividades do inicio da infan- cia que buscam o prazer do Orgio. Agora, para justificagdo minha, existem mais duas consi- eragées que devo pedir para levarem em conta. Como sabem, mos serem scxuais as atividades imprecisas ¢ indefiniveis do inicio da infancia, porque, no decurso da andlise, chegamos elas a partir dos sintomas, apés examinarmos material indis- cutivelmente sexual, Néo quer dizer que devam ser, por isso, Recessariamente sexuais — de acordo! Tomem, porém, um caso andlogo, Suponham que nfo temos meios de observar 0 desenvolvimento, desde as suas sementes, de duas plantas dico- tiledéneas, a macieira e 0 feijoeiro, mas ‘que nos seria possivel rastrear retrospectivamente 0 desenvolvimento de ambos, desde 4 planta inteiramente desenvolvida até o primeiro embriio com dois cotilédones. Os dois cotilédones tém uma aparéncia neu- tra; sio muito semelhantes em ambos os casos. Devo supor, ‘entio, que sejam realmente semelhantes, e que a diferenca espe- cifica' entre a macieira e 0 feijociro somente seja introduzida nas plantas mais tarde? Ou 6 biologicamente mais correto acre- ditar que essa diferenca ja esta presente no embrito da planta, embora eu nfo possa observar qualquer distingao nos cotilé- dones? Ora, estamos fazendo a mesma coisa quando dizemos gue é sexual o prazer obtido nas atividades do lactente, Aqui, do posso discutir se todo prazer do érgio deva ser cha- mado de sexual, ou se, além do sexual, hd um outro que nio ‘merece ser chamado assim. E muito pouco meu conhecimento a respeito de prazer do érgio ¢ de suas causas; e, em vista do cariter regressivo da anélise em geral, no ficarei surpre- 50 se, bem no final, eu atingir aquilo que, por ora, sao fatores indefiniveis. E mais outra coisa! Na totalidade os senhores terlio Iucrado muito pouco com o que querem afirmar — a pureza sexual das criangas —, ainda que consigam convencer-me de que seria melhor considerar ndo-sexuais as atividades do lactente. A vida Sexual das criangas no comportaria mais todas essas dé o tereeiro ano de vida em diante: por essa époce, aproximad: mente, os genitais j4 comecam a excitar-se, um perfodo de mas- furbasio infantil — da satisfacio genital, portanto — inicia 380 talvez, regularmente. Os fendmenos mentais ¢ sociais da vida sexual nfo necessitam mais estar ausentes; a escolha de um objeto, uma preferéncia carinhosa por determinadas pessoas, até mesmo uma decisio a favor de um dos dois sexos, ciime — tudo isso foi estabelecido por observagées impar- ciais, feitas independentemente da psicandlise e antes que esta surgisse, podendo ser confirmadas por qualquer observador que tenha 0 cuidado de verificé-las, Os senhores objetario que jamais duvidaram do surgimento precoce da afeigio; apenas Guvidaram se essa afeigdo se revestia de um cardter ‘sexual’. E verdade que as criangas jé aprenderam a ocultar esse fato na idade entte tr € oito anos. Se os senhores estiverem, porém, atentos, poderio, mesmo assim, reunir provas suficientes dos fins ‘sensuais’ dessa afeicdo, ¢ tudo quanto lhes faltar, depois disso, poderio facilmente obter em profusio nas investiga- ‘g6es da andlise. Os fins sexuais, nesse periodo da vi intimamente relacionados com as investigagées sexuais que a crianca, por essa época, empreende, das quais apresentei-lhes alguns ‘exemplos (pég. 370]. O cardter pervertido de alguns desses fins depende, naturalmente, da imaturidade constitucio- nal da crianga, pois esta ainda nfo descobriu 0 objetivo do ato da cépula, Aproximadamente do sexto ao oitavo ano de vida em diante, podemos observar uma parada ¢ um retrocesso no de- senvolvimento sexual, que, nos casos em que culturalmente h4 mais condigdes, podemos chamar de periodo de laténci © petiodo de laténcia também pode estar ausente: no acar- eta necessariamente qualquer interrupco da atividade sexual € dos interesses sexuais por toda a extensio da linha, A maior ite das experiéncias ¢ dos impulsos mentais anteriores 20 Inicio do perfodo de laténcia agora sucumbe 4 amnésia infantil — © esquecimento (sobre 0 qual j4 discorremos [pég. 239 © segs.]) queinos)oculta nossa primeira javentude e nos. tora estranhos a ela, Em.toda psicanilise, coloca-se diante de nos a.tarefa de trazer noyamente A meméria esse perioda_esque- cido da vida, B impossivel evitar a suspeita de que o despontar da vida sexual, que se inclui nesse perfodo, tenha dado motivo a que fosse esquecido — que este esquecimento, de fato, € 0 resultado da repressio, 381” Appartir do tereeiro ano de vida, a'vida sexuat’da crianga ‘mostra muita semelhanca com a do adulto. Difere desta, con- forme, j4 sabemos, por the faltar uma organizagio estavel sob ayptimazia dos genitais, por seus inevitaveis tragos do. per- vetsio e, também,.naturalmente, pela intensidade muito menor de toda a tendéncia sexual. Do ponto:de vista da teoria, con- tuo, as fases mais interessantes, do, desenvolvimento sexual, ou, Como ditemos, do desenvolvimento libidinal, situam-se” em Goce Anterior @ esta. Esse curso do desenvolvimento. reali- za-se com tanta rapidez, que, talvez, jamais pudéssemos con seguir, pela observacao direta, apreender firmemente os seus ‘quadros fugazes. Foi apenas com a ajuda da investigacdo psi- canalitica das neuroses que se tornou possivel descobric as fases ainda mais precoces do desenvolvimento da libido, Para Uize'averdade, estas nso ‘sho sendo hipdteses; mas, se os senhores. cleiuarem a psicandlise na pritica, verificardo. que SAOUNIpOteSES:ecessérias e™"itels. Em breve irdo saber como sucede a patologia poder, aqui, revelar-nos a existéncia de conexio que inevitavelmente deixariamos de perceber em uma pessoa normal Por conseguinte, posso agora descreverthes a forma que toma a vida sexual ‘da crianca, antes do estabelecimento da primazia dos genitais: essa primazia jd tem seus preparati- vyos no primeiro periodo da infincia, prévio ao periodo de Taténcia, © se organiza, permanentemente, da puberdade em diante. "Uria “espétie de organizacao frouxa, “que pode” ser chamada ‘pré-genital’, existe dante esse ‘periodo inicial, Du- ante essa fase, o que est-em primeiro plano nfo sfo os instintos componentes genitais, mas os sAdicos e anais. O con- traste: entre ‘masculino’ e ‘feminine’ ainda ndiowdesemipenh, ‘quiy,nenhum papel: Ei Ttigar disso, 0 contraste se estabelece entrél*ativo’ e ‘passivo', que pode ser descrito como precursor a polaridade sexual'e que, daf em diante, se solda a essa po- latidade. O que se nos apresenta como masculino, nas ativida- des dessa fase, quando o consideramos do ponto de vista da fase genital, vem a ser expressio de um instinto de dominio {que facilmente pode transformar-se em crueldade. As tendén que visam a um fim passivo vinculam-se & zona erézena do o ficio anal, que ¢ importante nesse periodo. Os jnstinos de fe dea i nto instintos escopofitico & epistembtogico} esto Tuncionando poderosamente; 05 gen 382 realmente desempenham seu papel na vida sexual apenas como Srgios de excregio da urina. Os instintos componentes parciais dessa fase nfo’ existem sem objetos, mas esses objetos no conyergem necessariamente em um tinico objeto. A organizagio sédico-anal é 0 precursor imediato da fase de primazia ger Um estudo detalhado mostra quanto dele se mantém na forms definitiva ¢ ulterior das coisas, e, também, revela a forma em que seus instintos. parciais si0 compelidos a tomar seu lugar na nova organizagao genital, Anterior & fase sddico-anal do desenvolvimento libidinal, podemos divisar um estidio de orga- nizagio ainda mais precoce ¢ primitivo, no qual a zona er6- gena da boca desempenha o papel principal. Como podem perceber, a atividade sexual da succdo [pig. 366] pertence a esse estidio. Devemos admirar a compreenstio dos. antigos egipcios que, na sua arte, representavam as criancas, inclusive: ‘0 deus Hérus, com um, dedo na boca, Apenas recentemente, Abraham [1916] deu exemplo dos vestigios que essa fase oral primitiva deixa apés si na vida sexual posterior. Facilmente posso supor, senhores, que essa iltima descri- flo das organizagbes sexuais serviu mais para confundi-los do Que para instruf-los, ¢ pode ser que mais uma vez eu tenha entrado em demasiados detalhes. Os senhores devem, contudo, ter paciéncia, O que acabaram de ouvir thes seré de grande valor a partir de suas ulteriores aplicagdes. Por agora, devem reter firme em mente que a vida sexual (ou, conforme dize~ ‘mos, a fungio libidinal) nao emerge como algo pronto ¢ nem tem seu desenvolvimento ulterior ditado pelo seu préprio aspec~ to inicial, mas passa por uma série de fases sucessivas que nfo se parecem entre si; sua evolucio repete-se; portanto, vé- rias vezes — como 0 da lagarta em borboleta. O ponto erftico desse desenvolvimento € a subordinagio de todos os instintos parciais & primazia dos genitais ¢, com isso, a sujeigio da sexualidade & fung4o reprodutiva. A esta precede uma vida sexual que poderia ser descrita como andrquica — a atividade: independente dos diferentes instintos parciais buscando 0 pra- zer do Srgio, Tal anarquia é mitigada por inicios infrutiferos de organizagées ‘pré-geniteis’ — uma fase sfdico-anal prece- 1 [Posteriormente, Freud interpds uma fave ‘élica’ entre as orgas sizag6es anal e genital (Frewd, 1923e).) 383 Aah Keo.cea dida por uma fase oral que 6, talvez, a mais primitiva. \Ade~ mais, existe. 0s. processos. variados, ainda incompletamente conhecidos, que levam um estidio. de organizagio a0. estidio ‘subseqtiente, mais elevado. Posteriormente' saberemos quio ) importantes so 0s esclarecimentos que se obtém, a respeito das neuroses, com o fato de a libido passar através de um ercurso evolutivo tidlango € sujeito a tantas interrupcdes. Hoje, seguiremos um 6ttro aspecto desse desenvolvimen- to — isto 6, a relagdo entre os instintos sexuais parciais ¢ seu objeto. Ou melhor, faremos, um répido apanhado dessa evo- lugo © nos deteremos um/Pouco mais em uma de suas con- seqiléncias relativamente tardias. Alguns dos componentes do intg, sexual tm, portanto, desde 0 infcio, um objeto © ade-, ‘ este — por exemplo 0; © inigs escopofilico gyepistemOl6gico. Outros, mais de- fidditte Roculados aiMiginadas zonnseréyenas do cor po, tém, inicialmente, Hum objeto, enguanto estiverem ainda ligados as funcocs mais. [cf. pig. 366, acima], ¢ 0 abandonam quando s¢ Sepéram dessas fungdes ndo-sexu: Assim, 0 primeiro objeto do componente oral do instinto se- Xual € 0 seio materno, que satisfaz a necessidade de alimento do bedé. O componente erético, que ¢ satisfeito simultanea- ‘mente durante a sucedo [nuticional], torna-se independente como ato da succéo sensual [lutschen]; abandona 0 objeto ‘externo e o substitui por uma area do corpo do proprio bebé. © instinto oral torna-se auto-erdtico, como 0 sho, no inicio, ‘os instintos anais e outros instintos’ erégenos. ©” desenvolvi- ‘mento subseqiiente, para dar a0 assunto toda a concisio pos- ssivel, tem dois objetivos: primeiro, 0 abandono do auto-erotis- ‘mo, logo, a substituicio do corpo da propria crianca por um objeto externo; e, em segundo lugar, a unificagdo dos diversos “abjetos dos instintos separados e sua substitui¢ao por um tinico vobjet6. Naturalmente isto s6 pode ser realizado se 0 objeto, de novo, for um corpo total, semelhante a0 do proprio sujeito. E niio pode ser efetuado, a menos que alguns impulsos instin- ‘tuais auto-eréticos sejam’ abandonados como inserviveis. 1 [Bfetivamente, na confertncia seguinte) 384 de dominio (sadismo)/ Le Ch Os processos referentes ao encontro de um objeto so ‘muito complexos, e até agora ainda nfo se fez nenhuma des- crigio completa dos mesmos. Para nossos propésitos, pode-se assinalar especialmente que, nos anos da infancia anteriores 2 uberdade, quando o processo atingiu alguma definigio, 0 obje- to encontrado vem a ser quase idéntico a0 primeiro objeto do instinto de prazer oral, que foi obtidiy Br ligacdo [a0 instinto nutricional].!, Embora’ esse- obj realmente 0 seio materno, pelo menos & a mics que a mie é 0 pri ‘meiro objeto de amor, Pois falamos em amor quando traze- ‘mos para o primeiro plano © lad@ymental das tendéncias se- xuais e quando queremos repelir @gyexigéncias instintuais ‘sen suais’ ou fisicas subjacentes, ou esquecé-las no momento. Ni €poca em que a mie se tora o objeto de amor da crianca, nesta 0 trabalho psiquico da repressio j4 comecou, trabalho que consiste em uma parte dos fil sexuais subtrair-se a0 co- nhecimento consciente. A a crianga faz, 20 tomar sua mie o primeiro obj aquilo que, sob 0 nome de tanta_importincia na expl tem tido-uma parte nfo meno niélise. [Cf. pag. 248, acima.]? Ougam este episédio ocorrido no transcurso da guerra tual. Um dos bravos discipulos da psicandlise foi designado oficial médico no front alemio, em algum lugar da Polénia. Ele chamou a atengao de seus colegas pelo fato de, ocasional- mente, exercer inesperada influéncia sobre algum paciente. In- dagado a respeito, reconheceu que estava empregando os mé- todos da psicandlise © declarou-se disposto a transmitir seu conhecimento a seus colegas. Depois disso, todas as noites os oficiais médicos da tropa, seus colegas ¢ superiores, reuniam-se 3 [Este aspecto 6 explicado posteriormente na Conferéncia XXV1, pig, 497, adianted 2'[A primeira referéncia publicada de Freud sobre o complero de Edipo surgiu em A Interpreiapito de Sonhos (19000), Edisto Standard Brasileira, ‘Vol. IV, pags, 277-82, IMAGO Editora, 1972, embora ante- rlormente 0 tives em uma carta a Fliess, em 15 de catubro de. 1897 (Frew, 19504, Carta 71). O nome atwal ‘complexe de Edipo’ fol introduzido, pela primelra vez, muito. mais tarde, nom artigo sobre um de excotha objetal (19108), Edigfo Stand. ‘ard Brasileira, Vol. XI, phy. 154, IMAGO Eaitora, 1970.) 385 1a fim de aprender as doutrinas secretas da anélise. Tudo cor- eu bem, durante algum tempo; quando, porém, falou ao seu audit6rio a respeito do complexo de Edipo, um'de seus supe- riores levantou-se, déclarou que ndo acreditava nisso, que cons- titufa um ato vil, por parte do conferencista, falar-thes a res- ppeito de tais coisas, 2 homens honestos que estavam lutando por seu pais e que eraim pais de familia; e que proibia a con- tinuacdo das conferéncias, Este foi o final do caso, O analista viuese transferido para outra parte do front. Parece-me mau, entretanto, se uma vitdria alema exige que a citncia se ‘orga- nize’ dessa maneira, e a ciéncia alemi ndo reagiré bem a uma organizagio dessa espécie.. E, agora, os senhores estario vidos por ouvir o que esse terrivel complexo de Edipo contém. Seu nome 0 diz. Todos 0s senhores conhecem a lenda grega do rei Edipo, fadado pelo destino a matar seu pai'@ a desposar sua mie, que fez todo o possivel para escapar & decisao do oriculo e punitnse a si pro prio cegando-se, ao saber que, apesar de tudo, havia, sem que- rer, cometido ambos ‘os"Gfimes. Suponho que muitos dos se- nhores devem ter sentido o efeito avassalador da tragédia em que S6focles abordou essa hist6ria. A obra do dramaturgo ate- niense mostra a maneira como o feito de Edipo, realizado num passado jé remoto, é gradualmente trazido & luz por uma inves- ligagdo engenhosamente prolongada e restitufdo a vida por meio de Sempre novas séries de provas. Nesse aspecto, tem certa semelhanga com o progresso de uma psicandlise. No decorrer do diflogo, Jocasta, a iludida mae e esposa, declara-se contré- ria a continuagio da investigagio. Apela para o fato de que muitas pessoas sonharam com dormir com a propria mée, mas que 0s sonhos devem ser menosprezados. NA. menosprezamos 6s sonhos — muito menos os sonhos tipicos que muitas pes- soas sonham; ¢ nfo duvidamos que sonho a que Jocasta se referia, tem intima conexo com o estranho ¢ terrivel conteédo da lenda, Uma coisa surpreendente & que a tragédia de Sofocles no suscita um repiidio indignado na platéia — uma reagdo seme- Thante ajdeyposso sinoero-médict) militaf“eontudo muito mais justficada. “Basicamente, trata-se, pois, de uma obra amoral absolve os homens de responsabilidade moral, mostra os deuses ‘como promotores do crime ¢ demonstra a i a dos im= 386 pulsos morais dos homens que lutam contra. o crime. Facil- mente poder-se-ia supor que 0 conteido da lenda tivesse em sta incriminar os deuses e o destino; e, nas mos de Euripi- es, critico ¢ inimigo dos deuses, provavelmente ter-se-ia tor- nado uma incriminagao, Com o devoto Séfocles, todavia, nao ha lugar para uma aplicegao dessa espécie. A dificuldade entao € superada através do piedoso sofisma ‘segundo 0 qual subme- ter-se @ vontade dos deuses constitai @ mais elevada morali- ade, mesiho quando isto conduza a0 crime, Nio consigo pen- sar que essa moralidade seja um ponto forte na. pega; alids, no tem nenhoma influéncia em seu efeito. Nao € @ ela que (© expectador reage, mas ao sentido ¢ a0 contetido secreto da lenda. Reage como se, por auto-anélise, tivesse reconhecido 0 complexo de Edipo em si proprio ¢ desvendado a vontade dos deuses ¢ do oréculo como disfarces enaltecidos de seu proprio jnconsciente. E como se fosse obrigado a recordar os dois de- sejos — climinar o pai ¢, em lugar deste, desposar a mae — € horrorizar-se com esses mesmos desejos. E 0 espectador com- preende as palavras do dramaturgo, como se elas fossem diti gidas a cle: ‘Tu estés lutando:em vio contra a tua’ respor bilidade, © estas deciarando em vio o que fizeste em oposi a essas intencoes criminosas. Es culpado por nfo teres conse ‘guido destrai-lus; elas ainda persistem em ti, inconseientemen= te-E existe verdade psicolégica encerrada nessa frase. Con- quantum homem tenha reprimido seus maus impulsos para dentro do inconsciente ¢ pretira dizer a si mesmo, posterior- mente, que 1ido € tesponsdvel por eles, ele, nao obstante, tem de reconhecer essa responsabilidade ta forma de um senti- mento de culpa cuja origem the & desconhecida.” No pode haver divida de que 0 complexo de Bdipo pode ser considerado uma das mais importantes fontes do sentimen- to de culpa com que tao freqiientemente se atormentam os neurdticos, E mais do que isso; em um estudo sobre o inicio a teligiio’ e da moralidade humanas, que publiquei em 1913 sob 0 titulo de Totem ¢ Tabu (Freud, 1912-131, apresentel a hipétese de que a humanidade como um todo ‘pode ter adqui- rido seu sentimento de culpa, a origem primeira da religifo © 2 1Ct, un arigrafo proximo wo final da Conferéncia XIN, 252-3, acima da moralidade, no comeco de sua hist6ria, em conexio com ‘0 complexo de Edipo. Eu teria muita satisfacio em dizer-lhes mais a esse respeito, prefiro, porém, deixé-lo de lado, Sempre que se comeca com esse assunto, € dificil interromper; deve- ‘mos, contudo, retornar & psicologia individual © que, entio, se pode reunir acerca do complexo de Fdi- Po, a partir da observagéo direta das criancas, na época em gue fazem sua escolha de um objeto, antes do periodo de latén- ‘cia? Pois bem, é facil verificar que o homenzinho quer ter sua mie toda para si mesmo, que sente a presenca de seu pai ‘como um estorvo, que fica ressentido quando © pai dispensa ‘qualquer sinal de afcigfo & mae, e que mostra satisfacio quan- do o pai saiu de viagem ou esté ausente, Amidde expressard seus sentimentos diretamente em palavras ¢ prometerd a sua mie casat com cla. Pensar-se- que isto assume proporgées modestas, se comparado com os feitos de Rdipo; na realidade, orém, é, nada mais nada menos, basicamente a mesma coisa ‘A observacéo ¢ freqiientemente obscurecida pela circunstinci de, em outras ocasides, a propria crianga dar mostras de gran- de afcicao pelo pai. Atitudes emocionais contrdrias — ou, seria melhor dizer, ‘ambivalentes’! — que, em adult uziriam a um conflito, permanecem, porém, compativeis uma com a outra, por longo tempo, nas criangas, como também, ‘mais tarde, encontram um lugar permanente, lado a lado, no inconsciente. Do mesmo modo, haver-se- de objetar que a ‘conduta do mening origina-se em motivos egoisticos e nio ofe- rece base para se postular um complexo erotics: a mie satis faz todas as necessidades da crianga, de modo que esta tem interesse em evitar que ela venha a dispensar cuidados a uma ‘outra pessoa. Esse fato também é procedente; mas, logo tor- nar-se-f claro que, nessa situaglo, como em outras semelhan- tes, 0 interesse egoistico® simplesmente oferece um ponto de ‘apoio a0 qual a tendéncia erética se vincula, O menino pode ‘Mostrar a mais indisfarcada curiosidade sexual. para com sua mie, pode insistir em dormir a0 seu lado, & noite, pode impor ‘sua presenga junto a ela quando cla esta se vestindo, ou, mes- F [Ver adiante, pf. 498 © seg] 2 (Esse termo retorna muitas vezes na Conferéacia XXVI, na qual faz um comentério editorial a respeito (pag. 484.)] 388, * ‘mo fazer tentativas reais de seduzi-a, conforme sua iver- tidamente perceberé e relatardé — tudo isso demonstra inequi Yocamente a natureza erdtica de sua ligagio com a mie. E no se deve esquecer que a mie dedica a mesma atengdo a sua filhinha, sem produzir igual resultado,* e que seu pai amid- de compete’ com a mle em proporcionar cuidados a0 menino, ©, no entanto, néo Ihe é atribuida a mesma importincia que a cla, Em resumo, nfo existe critica que possa eliminar dessa situago o fator da preferéncia sexual. Do ponto de vista do interesse egoistico, seria simplesmente uma tolice © homenzinho ndo preferir suportar o fato de ter duas pessoas 2 seu servigo, a ter apenas uma delas. ‘Como véem, descreviclhes apenas a relagio de um menino Para com seu pai e sua mie. As coisas se passamde modo exatamente igual com as meninas, com as devidas modifica- uma afetuosa Tigagdo como pai, uma necessidade de inar a mae, por julgéla supérflua, ¢ de tomar-the © lugar, Jum coquetismo que ja utiliza os métodos da futura feminitida: de. — tudo isso ofetece um.quadro encantador, especialment fem meninas, o que nos faz esquecer as conseqiiéncias possi- wvelmente-graves que se escondem nessa situagio ‘infantil, Njo devemos deixar de acrescentar que os proprios pais freqiien- femente exercem uma influéncia decisiva no despertar da. ati- tude edipiana da crianga, a0 cederem ao empuxo da atracio sexual, ¢ que, onde houver diversas criangas, o pai dari defi- nidas provas de sua. maior afeicao por sua filhinha e a mae, Por seu filho. Mas a natuteza espontinea do complexo de Edipo nas criangas nfo pode ser seriamente abalada até mes- ‘mo Por ‘esse fator, ‘Quando outras criangas aparecem em cena, 0 complexo de Edipo avoluma-se em um complexo de familia. Este, com novo 1 [Ver, porém, a nota de rodapé seguinte.] 2 [No fol senlo muitos anes mais tarde que Freud se apercebeu umente da falta de simettia no relacionamento edipiano de ambos ‘08 sexos, Isto emiergiy em seu artigo ‘Algumas Conseqiéncias Psiquicas ‘da Distiogio AnaOmica entre os Sexos" (1925), e foi elahorado. no ‘outro artigo aubseqlenie sobre ‘Serualidade Feminina’ (19316). Novs ‘mente abordou essa questio na Conferéncia XXXII das New Inirodue ory Lectures (19334) por fies, n0 Capitulo VIL de seu trabalho pos Hume Esboro de Paleanilise (1940a [1938]). apoio obtido @ partir do sentimento egofstico de haver sido Prejudicado, dé fundamento a que os novos irmfos e irmas sejam recebidos com aversio, ¢ faz com que, sem hesitagbes, sejam, em desejos, eliminados. Também € yerdade que, via de Tegra, as criancas sio muito mais capazes de expressar verbal- mentes esses sentimentos de Sdio, do que aqueles decorrentes do complexo parental, Se um desejo desse tipo se realiza, ¢ se 0 irmao que se acrescentou a familia desaparece novamente, logo depois, devido & sua morte, podemos descobrir, numa anilise subseqiiente, quio importante foi para a crianga essa experiéncia referente & morte, embora ela ndo tenha necessa- riamente permanecido fixada em sua meméria. Uma crianca que tenha sido posta em segundo lugar pelo nascimento de um irmfo ou inma, e que agora, pela primeira vez, é quase isolada de sua mie, nfo perdoa a esta, com facilidade, sua perda de lugar; sentimentos que, em um’ adulto, seriam desctitos como de intenso ressentimento, surgem na crianga ¢ frequentemente constituem a base de permanente desavenga. J4 mencionamos [pdg. 371] que as investigagdes sexuais da crianca, com todas 4 suas conseqiiéncias, geralmente se originam dessa experién- cia vital sua. A medida que esses irmios ¢ irmas crescem, a atitude do menino para com eles sofre transformacdes muito significativas. Pode tomar sua irma como objeto de amor, a mancira de substituta da mae infiel. Onde hé diversos irmios, todos cortejando uma irma mais nova, surgem, jd na época fantil, situagSes de rivalidade hostil que so téo importantes, na vida, mais tarde. Uma menina pode encontrar em seu irmio, mais velho, um substituto para seu pai, que nfo mantém mais tum interesse afetuoso por ela como o fazia em anos anteriores, Ou pode tomar uma itm mais nova como substituta da crian- ga que ela, em vio, desejou ter de seu pai. sto e muito mais de natureza semelhante ser-Ihes-4 de- ‘monstrado pela observagio direta de criancas e pelo exame de recordacées nitidamente retidas desde a infincia, néo in- fivenciadas pela andlise. Disto os. senhores concluirto, entre ‘outtas coisas, que a posicio que uma erianca ocupa na seqiién- cia da familia ¢ fator de extrema importincia na determinacio da forma de sua vida posterior, e deve merecer consideragiio fem toda anamnese, Mas, o que é mais importante, em vista dessas informagdes, que podem ser obtidas tio faciimente: o§ senhores nfio poderio recordar sem um sorriso os pronuncla- 390 mentos da cigncia a0 explicar a proibigo do incesto. [Cr pag. 251, acima.] Nao tem fim o que ja se inventou, sobre. assun- to. Tem sido dito que a tendéncia sexual € desviada de mem- bros da mesma familia pertencentes 20 sexo oposto, pelo fato de terem vivido juntos desde a infincia; ou ainda, que um Propésito bioldgico de evitar a consanguinidade € representa- do Psiquicamente por um inato horror a0 incesto. Nisso tudo, deixa-se de atentar para 0 fato de que uma proibicio tho pe- Temptoria ndo seria necesséria nas leis e nos costumes, se hou- vesse barreiras naturais seguras contra a tentacio do. incesto. ‘A verdade & justamente 0 oposto. A. primeira escolha.obje- tal de um set humano é regularmente incestuosa, dirigida, no aso do homem, & sua mie e & sua irma; ¢ necessita das mais severas proibigdes para impedir que essa tendéncia infantil per sistente se realize. Entre ragas primitivas viventes ainda nos dias atuais, entre selvagens, as proibigdes contra o incesto si ainda muito mais estritas do que entre nds, ¢ Theodor Reik, ainda recentemente, num brithante trabalho [Reik, 1915-16] demonstrou que os'ritos da puberdade dos sclvagens, que re- Presentam um renascimento, tém o sentido de liberar 0 me- nino de_seus lagos incestugsos com sua mie ¢ de reconcilis-lo ‘com. seu pai, , A mitologia thes ensinard que 0 incesto que se pensa ser to rechacado pelos seres.humanos, ¢ inequivocamente. permi- tido aos, deuses. E, na hist6ria antiga, podem constatar que ‘© casamento incestuoso com a irma era um preceito santifica- do imposto A pessoa do soberano (entre os farads egipcios € 98 incas do Peru). O que estava em jogo, portanto, era um Privilégio proibido 20 homem comam, Um dos crimes de Edipo foi o incesto com a mie, of ‘outro foi 0 parricidio. Pode-se observar, de passagem, que estes sfio também os dois grandes crimes proscritos pelo’ tote- ‘mismo, a primeira instituigdo. social-religiosa da. humanidade,* Retomemos, agora, da observagio direta das criangat ao ‘exame analitico dos adultos que se tornaram neurdticos. Que ajuda nos proporciona a anélise para um melhor conhecimen- 19 do complexo de Rdipo? Isto pode ser respondido numa Y (Ct. Tove ¢ Tabu; de Prewd (1912-13). palavra, A andlise confirma tudo o que a Ienda descreve. Mos: tra que cada um desses neurdticos também tem sido um Edipo, ©u, © que vem a dar no mesmo, como reagio 20 complexo, tornou-se um Hamlet.' A explicagio analitica do complexo de Edipo é naturalmente, uma ampliagdo ¢ uma versio mais rua do esboso. infantil. O ddio ao pai, os desejos ‘de’ morte contra ele, jd no sio mais insinuados timidamente, a afeigio pelarmae ‘admite que seu objetivo € possui-la como mulher. Devemos realmente atribuir esses impulsos emocionais.turbu- lentos © externos aos tenros anos da inffncia, ou seré que a andlise: os engana com a mistura de algum fator novo? Nao € dificil achar um desses fatores. Sempre que alguém faz. um elato de um acontecimento passado, ainda que seja um his- toriador, devemos ter em mente o que é que ele intencional- mente faz recuar do presente, ou de alguma época intermed a, para o passado, falsificando, com isso, 0 seu quadro refe- ente a0 fato. No caso de um neurético, até mesmo surge a questo de saber se esse recuar para o passado € totalmente éo-intencional; de ora em diante, teremos. de descobrir as razBes disso, e teremos de, no geral, considerar atentamente 0 fata do tantasiar retrospective. [re to, seria um esforco vao procurar explicar a totalidade do com- plexo de Edipo através do fantasiar retrospectivo € vinculé a €pocas posteriores. Seu miicleo infantil e, no geral, seus aspec- tos acess6rios permanecem do modo como foram confiemados ela observacao direta de criangas, © ffato clinico que se nos apresenta sob a forma do com- Plexo de Edipo, tal como € estabelecido pela anilise, € da foais alta significagio pritiea. Constatamos que, na puberdade, quando os instintos sexuais, pela primeira ver, fazem suas exi- £10 comemticio anterior, ubicno, de Freud sobre Hamfet (bem como sobre Oedipus Rex) apareceu em A. Interpretacao de Sonhot (19000), Edigio Standard Brasilia, Vol, 1V, page. 277-82, IMAGO Esitors,'1972)) # [Ver a ultima parte Ja Confeténcia XXUI1] 392 incias com toda a sua forca, of velhos objetos.incestuosos familiares so retomados mais uma vez¢ novamente ‘eatexiza- dos! com a libido. A escolha:objetal infantil era apenas..uma escolha: débil, mas, jé era um comeco. que indicava..a-direcio, para'a’escotha objetal na puberdade. Nese ponto, desenro~ Tam-se, assim, processos emocionais muito intensos que seguem a diregdo do complexo de Edipo ou reagem contra ele, pro- cess0s que, entretanto, de vez que suas premissas se tornaram intoleraveis, devem, em larga escala, permanccer apartados da consciéncia, Desa época em diante, 0 individvo humano tem de se dedicar & grande tarefa de desvincular-se de seus pais eo enquanto essa tarefa néo for cumprida, ele nio pode deixar de ser uma crianga para se tomar membro da comunidade Social. Para o filho, essa tarefa consiste em desligar seus de- sejos libidinais de sua mic © empregé-los na escolha de um objeto amoroso real extero © em reconciliar-se com o pai, se ermaneceu em oposicao a este, ou em liberar-se da pressio deste, se, como reagdo a sua rebeldia infantil, tornou-se sub- serviente’a ele, Essas tarefas sao propostas a todas as pessoas; © 6 de causar espécie qudo raramente as pessoas enfrentam tis tarefas de mancira ideal — isto é, de maneira tal que seja correta, tanto psicol6gica como socialmente. OS HeWrdticos, o- xém, nio chegam absolutamente @ nenhuma solucdo: 0 filko [petttianece por toda a vida subjugado & autoridade do pai e € incapaz de transferit sua libido a um. objeto. sexual. exierno, ‘Com 0! relacionamento modificado, © mesmo destino pode ‘esperar a filha. Nesse sentido, o complexe de Edipo justifica- damente pode ser considerado como o micleo das neuroses.” Conforme podem imaginar, senhores, passei em revista, idamente, grande némero de consideracdes de impor- tancia pritica e tedrica relacionadas com 0 complexo de Edipo, r, carregados com energia. 0. conceito de ‘Beseizungen (eatexias)', cargas de enerpia psiquica, & fundamental para. as teorias de. Freud.’ Uma ‘explanagio. a. respeito 4 encontradn em. um ‘Apendice do Editor inglés a uma obra f de Freud (1894a), Standard Ed, 3, 63 ¢ sep. © termo reaparece com freqincia, adiante| 2 [Preud havia empregado esse enuncindo freqlentemente, diversos ‘anos antes. Aparece ji em uina nota de rodapé a yeu caso clinico do “Rat Many" (19094), Standord Bid,, 18, 208.) 393 E néo adentrarei suas variagdes e suas possiveis inversdes.' En- tre suas conexdes mais remotas, apenas mencionarei para 08 senhores um detalhe que gerou um efeito de alta importancia na producio literéria, Em um valioso trabalho Otto Rank [1912] mostrou que os dramaturgos de todos os tempos escolheram o seu material, geralmente, a partir do complexo do Edipo do incesto, bem como das suas variagdes e dis- farces, E nao se deve deixar passar despercebido que os doi desejos criminosos do complexo de Edipo foram reconhecidos como os verdadsiros representantes da vida irrestrita dos_ins- muito antes da época da psicandlise, Entre os escritos do enciclopedista Diderot, os senhores encontrarao um didlogo no- tivel, Le nevew de Rameau, que foi traduzido para alemio por uma pessoa do porte de Goethe. Ali os senhores podem ler esta frase exitaordindria: ‘Si le petit sauvage était aban- donné & lui-méme, qu'il conservat toute son imbécillité, et qu'il réunit au peu de raison de enfant au berceau la violence des Passions de homme de trente ans, il tordrait le col a son pére et coucherait avec sa mere.” Existe, porém, algo mais, que no posso omitir. Nao se deve permitit que reste infrutifera a adverténcia referente a0s sonhos, que nos faz a mie e esposa de Edipo. Recordam-se 08 senhiores do resultado de nossas andlises de sonhos — como (98 desejos que formam os sonhos so tio freqiientemente de natureza pervertida ou incestuosa, ou revelam uma insuspeit da hostilidade para com aqueles que sio mais chegados e mai eros a0 sonhador? Naquela ocasiéo [pAgs. 172-3] no demos nenhuma explicago da origem desses impulsos maus. Agora (95 senhores mesmos podem encontré-la. Sdo arranjos da libido [Esse altimo aspecto & exposto de modo muito completo. no C pitulo IIt de O Ego eo Id (19230), Edigao Standard Brasileira, Vol. XIX, piig. 45 e segs., IMAGO Editors, 1976] 2 [Se 0 pequeno selvagem fosse abandonado 2 si mesmo, manten- do toda a sua foucura, e juntasse ao pouco de discernimento de uma crianga de bergo as violentas paixdes do homem de trinta anos, ele ‘strangularia seu pai e se deitaria com sia mie” Freud citou novamente essa passagem (na versio aleml de Goethe) em sua nota sobre “O Ps tecet do Perito no Caso Halsmann’ (1931d) e, mais uma vez, em fran- cts, no fim da Parte I de sua obra péstuma Exboro de Peicandiive (19404 (1938}).) 394 ¢ das catexias objetais! que datam do inicio da infincia e que, desde entio, foram abandonadas no que respeita a vida cons- ciente, mas que provam estar ainda presentes, no periodo no- tuo, e ser capazes de funcionar em certo sentido, Ne~entan- to, sdé-ver-que-todos;-e-nio-apenas.os_neurblicos;-experiien- TART WSSEs SonTiOs-pervertidos;-incestuasos ¢ assassinosy-podemos ais,_atual ‘concloir que fo normals atelmeniee-pereor- Ferem“Uim camino Slate eUespereo=pelas penversder © Jabjetnis-do-complexo-de-Edipo,-qusesieué, inho seerctetnenenonmena, qug.os-nautiaus Septesrment sSemontaty, deforma ampliacae gromena-aqullangue t nanlise dos sonhos..nossevela-tambémmemmpessoas..gadias. E festa € uma das razdes por que abordei o estudo dos sonhos fsntes do estado Jos sinomas neurOtcos 1 sto &, eargas de enerpla palquica concentrada em objetos. Ver nota de rodapé 1, pag. 393, acima.] 395

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