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meses antes € no havia motivo para a erianga dever lembrar-se da moeda de ouro justamente agora. A mie referiu a ocor- réncia A analista do filho ¢ pediu-the para descobrir junto a crianga 0 motivo de sua ago. A anélise da crianga, contudo, ‘nfo elucidou nada do assunto; a ado se havia intrometido, na vida da crianga, como se fora um corpo estra- nho, Poucas semanas depois, 'a-mée estava sentada a sua escrivaninha, redigindo, como’ the havia sido dito que fizesse, tum relato da experiéncia, quando entrou o menino e Ihe pedi de volta a moeda de ouro, pois queria té-la consigo para mostrar em stia sesso de andlise. Mais uma vez, a andlise da crianga no péde descobrir explicacdo alguma para esse desejo. E isto nos faz retornar a psicanilise, que foi de onde partimos. CONFERENCIA XXXI A DISSECCAO DA PERSONALIDADE PSIQUICA* SENHORAS B SENHORES: Sei que estio conscientes, no que diz respelto aos seus proprios relacionamentos, seja'com pessoas, seja com coisas, da importfincia do ponto de partida dos senhores. Também foi isto 0 que se passou com a psicanélise. Nao foi uma coisa sem importincia, para o curso do seu, desenvolvimento ou para a acolhida que ela encontrou, o fato de ela tet comecado seu trabalho sobre aquilo que ¢, dentre todos 0s contetidos da ‘mente, 0 mais estranho ao ego — sobre os sintomas. Os sintomas so derivados do reprimido, séo, por assim dizer, seus representantes perante 0.¢g0; mas o reprimido ¢ territério festrangeiro para 0 ego — terrilério estrangeiro interno — assim como a realidade (que me perdoem a expresso inusi- tada) € territorio estrangeiro externo. Av trajetéria. conduziu dos, sintomas ao. inconsciente, & vida dos instintos, & sexuali- ade; ¢ foi entio que a psicandlise deparou com a brilhante ‘objegio de que os seres humanos ndo so simplesmente cr: furas sexuais, mas tém, também, impulsos mais nobres € mais elevados. Poder-se-ia acresceniar que, exaltados por sua feonsciacia desses impulsos mais elevados, eles muitas vezes assumem 0 direito de pensar de modo absurdo e desprezar 0s fatos. Os. sentiores estio bem informados, Ja desde 0 inicio temos dito que os seres humanos adoecem de um conflito centre as exigencies da vida instintual ¢ a resisténcia que se fergue dentro deles contra esta; € nem por um momento nos esquecemos dessa instincia que resiste, rechaca, reprime, que TTA maior parte do material desta conferéncia derivase (com ‘lgumas amplifiagées) doe Capitulos 1, I, Ill ¢ V de O Ego eo Id (19236). oc consideramos aparelhada com suas forcas especiais, os do ego, © que coincide com o ego da psicologia popul verdade foi simplesmente que, em vista da natureza laboriosa do progresso feito pelo trabalho centifico, até mesmo a psica- nélise nfo conseguiu estudar todas as areas. simultaneamente © expressar suas opinides sobre todos os problemas de um folego 6. Mas, por fim, atingiu-se 0 ponto em que nos foi possivel desviar nossa atencio do reprimido para as forcas Fepcessoras, g-encontramos esse: ego que parecera to evidente por'sivmesmoj-com a segura expectativa de que aqui nova mente haverfamos de encontrar coisas para as quais nao podi mos estar prepatados. Nao foi f4cil, porém, encontrar uma abordagem inicial; e € a respeito disto que pretendo falar-Ihes hoje. Devo, no entanto, transmitir-thes a minha suspeita de que esta minha exposigio sobre psicologia do ego os influenc.ard de forma diferente da inirodugo ao submundo psiquico, a geal a presedeu, No posso dizer com certeza por que ito fem de ser assim, Pensei, antes, que os senhores descobriciam que, enquanto anteriormente eu Thes relatei_ principalmente fatos, embora estranhos ¢ caracteristicos, 08 Sénhores, agora, estario ouvindo ‘principalments opinides — isto ¢, investiga {Ges tedricas. Tsto, contudo, no contradiz a situagao. ‘Const derando melhor, devo afirmar que 0 montante da elaboragio do material concreto de nossagpgislogiada.egoanio € muito maior do que era na_pelcologiddasneusases..Fui obrigado a rejeitar também outras explicagoes do resultado que prevejo: agora actedito que é de certo modo, uma decorréncia da natureza do material em si, ¢ de nfo estarmos acostumados a abordi-lo. Em todo caso, no me surpreenderei se os senhores Se mostrarem ainda mais’ reservados e cautelosos no seu julga- mento do que até agora, a Pode-se esperar que a propria situacéo em que nos encon- tramos no inicio de nossa investigacio nos aponte o caminho. Quereros transformar 0 ego, 0 n0ss0 prdprio ego, em tenia de Investigagao. Mas isto € possivel? Afinaly-o- ego" é-em- sua ‘propria’ essénci a pe ser “nranatorninde. ent sje? Way dele dew pea O cave TO ype pere 9 0b py kro i ak Myre by Been oon bd, ye ebrepn die tomar-se a si préprio como objeto, pode tratar-se como trata outros objetos, pode observar-se, criticar-se, sabe-se 1d 0 que pode fazer consigo mesmo. Nisto, uma parte do ego se coloca contra a parte restante. Assim, 0 ego pode ser dividido; divi- de-se durante numerosas fung5es suas — pelo menos tempo- rariamente. Depois, suas partes podem juntar-se novamente. Isto nio € propriamente novidade, embora talvez seja conferie énfase incomum aquilo que & do conhecimento geral. Por tito Jado, bem conhecemos a nogio de que a patologia, tornando ‘as coisas maiores © mais toscas, pode atrair nossa atensSo para condigées normais que de outro modo nos escapariam. Onde ela mostra uma brecha ou uma rachadura, ali pode normalmente estar presente uma articulagdo. Se atiramos a0 chio um cristal, ele se parte, mas nio em pedagos ao acaso. Ele se desfaz, segundo linhas de clivagem, em fragmentos cujos limites, embora fossem invisiveis, estavam predeterminados pela estrutura do cristal. Os doentes mentais so estruturas divididas © partidas. do mesmo tipo, Nem nés mesmos podemos’escondes- Thes.um potico. desse temor reverente que os povos do passado sentiam pelo insano, Eles, ‘esses pacientes, afastaram-se da realidade-extefna, ‘mas por essa mesma rexio conhecem mais O, da realidade interna, psiquica, © poder revelar-nos- muitas ‘coisas que de outro modo mos seriam inacessiveis, ‘Um dos grupos dentre tais pacientes, nés 0 descrevemos como padecendo de delfrios de estar sendo observado. Quei xam-se a nés de que, permanentemente, e até em suas ages ‘ais intimas, esto sendo molestados pela observagéo de poderes desconhecidos — presumivelmente pessoas — ¢ que, em aluci- nnagdes, ouvem essas pessoas referindo o resultado de sua obser- vagdo:' ‘agora ele vai dizer isto, agora cle est se vestindo para sair’e assim por diante, Uma observacio dessa espécie ainda no € mesma coisa que persegui¢io, mas nfo esté Tonge disto; pressup6e que as pessoas desconfiam deles ¢ espe- ram pilhi-los executando atos proibidos pelos quais seriam punidos. Como seria se essas pessoas insanas estivessem certas, se em cada um de nés estivesse presente no ego uma instancia ‘como essa que observa e ameaca punit, © que nos doentes mentais se tornow nitidamente separada de seu ego ¢ erronea- mente deslocada para a realidade externa? 1 ‘Nao posso dizer se com os senhores acontece a mesma coisa que a mim. Hé:longa:teiipo,, soba ypoderosa-impressio. ‘deste. quadro:clinico, formei a idéia de que a separagio da lnstincia observadora, do restante do ego, poderia ser um ‘aspecto regular da estrutura do ego: essa idéia nunca me abandonou, ¢ foi levado: a: investigar as ‘demais caracteristicas epconexdes da instancia que assim estava separada. ppasso seguinte € dado rapidamente, O contelido dos delirios de ser observado jé sugere que 0 observar é apenas uma prepa- ragio. do julgar e do punir e, por conseguinte, deduzimos que uma outra fungi dessa instincia deve ser o que chamamos Rossa consciéncia. Dificilmente existe em nds alguma outra coisa que tio regularmente separamos de nosso ego © a que facilmente mos opomos. como justamente nossa consciéncia Sinto-me inclinado a fazer algo que penso iri dar-me prazer, mas abandono-o pelo motivo de que minha consciéncia nio o admite, Ou deixei-ime persuadir por uma expectativa muito grande de prazer de fazer algo a que a voz da consciéncia fez abjesdes ¢, apds 0 ato, minha consciéncia me pune com cer suras dolorosas e me faz sentir remorsos pelo ato, Poderia dizer simplesmente que a instincia especial que estou come- sando a difetenciar no ego- a consciéicia, E mais prudente, Contudo, manter a instancia como algo independente e supor ue, 2 conscinca ¢ Wmadlahialuaitedade 2, door wagio, que é um preliminar eteencial da atividade de (illgar da consciéncia, domatmumaedenteistungoewetindesde que, Teco- mhecendo que algo tem existéncia separada, Ihe damos um ome que Ihe seja seu, de ora em diante descreverei essa ins- tAncia existente no ego como o ‘superego’ Estow preparado..para ouvir agora..os. senhores"pergunta- Jgm-me ironicamente. s¢,_1ossa. Psicologia. .do,.ego no “est senao tomando Titeralmente. absirages.de...uso.-corrente, mum sentido primério, e. transformando-as.-de conceitos “em 01838" como. que no, se. teria-muito- a ganhari A isto eu Fesponderia que, na psicologia do ego, seria dificil evitar aquilo ue € conhecido universalmente; antes, serd mais uma questo de novas formas de ver as coisas e novas maneiras de situi-las, do que de novas descobertas. Assim, refreiem suas criticas ironicas, por agora, e aguardem mais explicagies, "Os-feros=da~ 8 ‘Patologia conferem-eo-nosso trabalho” Uma base-de ihformagoes -que-os-senhoresprocurariam-inutilmente‘na-psicologia popula Portanto, prosseguirei Seria dificil familiarizarmo-nos com a idéia de um supe- rego como este, que goza de um determinado grau de auto- nomia, que age segundo suas préprias intengdes © que é independente do ego para a obtencio de sua energia; ha, porém, um quadro clinica que se impde & nossa observacao que mostra nitidamente a severidade dessa instancia e até mesmo sua erueldade, bem como suas cambiantes relagoes com © ego. Estou-me referindo & situacdo da melancolia,* ou, mais precisamente, dos surtos melancélicos, dos quais os senhores terfo ouvido falar muito, ainda que nao sejam psiquiatras. O aspecto mais evidente dessa doenga, de cujas causas e de cujo mecanismo conhecemos quase nada, é 0 modo como o superego — ‘consciéncia’, podem denomind-la assim, trangiilamente — trata o ego, Embora um melancélico possa, assim como outras pessoas, mostrar um grau maior ou menor de severidade para ‘consigo mesmo nos seus periodos sadios, durante um surto melancélico seu superego se torna supersevero, insults, homi- tha’ é maltrata o pobre ego, ameaca-o com os mais duros castigos, recrimina-o por atos do passado mais remoto, que haviam sido considerados, & época, insignificantes — como se tivesse passado todo o intervalo reunindo acusagbes ¢ apenas tivesse estado esperando por seu atual acesso de severidade a fim de apresenté-las ¢ proceder a um julgamento condena- tério, com base nelas. © superego aplica o mais. rigido padrio de moral ao ego indefeso que Ihe fica 4 mercé; representa, em geral, as exigéncias da moralidade, ¢ compreendemos: imedia- tamente que nosso sentimento moral de culpa € expresso da tensio entre 0 ego © 0 superego. Constitui experiéncia muitis- simo marcante ver a moralidade, que se supde ter-nos sido dada por Deus e, portanto, profundamente implantada em 1nés, funcionando nesses pacientes como fendmeno periddico. Pois, apés determinado niimero de meses, todo 0 exagero moral 1 {A terminologia moderna provavelmente falaria em ‘depressio!| 19 assou, a critica do superego silencia, o ego é reabilitado € Rovamente goza de todos os direitos do homem, até o surto seguinte, Em determinadas formas da doenca, na verdade, ppassa-se algo de tipo contrério, nos intervalos; o ego’ enicon- tra-se em um estado beatifico de exaltagdo, celebra um triunfo, ‘como se 0 superego tivesse perdido toda a sua forga ou esti- vesse fundido no ego; © esse ego liberado, maniaco, permite-se uma satisfagdo verdadeiramente desinibida de todos os seus apetites. Aqui estéo acontecimentos ricos em enigmas no solucionados! Sem divida, os senhores esperardo que cu thes dé mais do que uma simples ilustragiio quando hes informo havermos descoberto todo tipo de coisas acerca da formagio do supe- rego — isto 6, sobre a origem da consciéncia. Seguindo um conhecido pronunciamento de Kant, que liga a consciéncia dentro de nés com o céu estrelado, um homem piedoso bem poderia ser tentado a venerar essas duas coisas como as obras- primas da criaglo, As estrelas sio, na verdade, magnificas, po- Fém, quanto & consciéncia, Deus executou um trabalho torto © negligente, pois da consciéncia a maior parte dos homens re- cebeu apenas uma quantia modesta, ou mal recebeu o sufi- ciente para ser notado. Longe de nés desprezarmos a parcela de verdade psicolégica da afirmacio. segundo a qual a cons- ciéncia € de origem divina; contudo, a tese requer’interpreta- gio, Conquanto a consciéncia seja algo ‘dentro de nés', ela, mesmo assim, nilo 0 é desde 0 inicio, Nesse ponto, ela é um con- traste real com a vida sexual, que existe de fato desde o inicio da vida endo é apenas um acréscimo posterior. Pois bem, como todos sabeim, as crianigas de’ tenra idade sio amorais © 10 Possuem inibigdes internas contra seus impulsos que buscam © prazer, © papel que mais tarde € assumido pelo superego é desempenhado, no inicio, por um poder externo, pela autoridade dos pais. A influéncia dos pais governa a crianga, concedendo- Ihe provas de amot ¢ ameacando com castigos, os quais, para a efianga, so sinais de perda do amor ¢ se fario temer por essa mesma causa, Essa ansiedade realistica € 0 precursor da 80 ansiedade moral’, subseqiiente. Na’ medida em que ela’ € do- ‘inate, nfo hé necessidade de falar em superego e conscién- cia, Apenasiposteriormente €-que se desenvolve a sitdaglose- feundaria’ (que todos nds com demasiada rapide havemos de Considerar como sendo a situagio normal), quando a eoergio’ externa € intemnalizada, ¢ 0 superego assume 0 lugar da instn- cia parental © observa, dirige € ameaga 0 ego, exatamente da mesma forma como anteriormente os pais faziam com a crianea. © superego, que assim assume 0 poder, a funclo e até mesmo os métodos da instincia parental, é porém, nao sim- plesmente seu sucessor, mas também, realmente, seu legitimo herdeiro, Procede diretamente dele, e verificaremos agota por que processo. Antes, porém, atentemos para uma discrepancia ‘entre os dois. O superego parece ter feito uma escolha unilateral € ter ficado apenas com a rigidez e severidade dos pais, com | sua fungio proibidora e punitiva, a0 passo que 0 cuidado ca- / inhoso deles parece nao ter sido assimilado e mantido. Se os / « pais realmente impuseram sua autoridade com severidade, fa- cilmente podemos compreender que a crianga desenvolva, em | troca, um superego severo. Gontrariando -nossas expectativas, porém, a experitncia mostra que 0. superego pode adquirit |: essa8 tesmas caracteristicas de severidade inflexivel, ainda que |<. a crianga’tenha sido educada de forma branda e afetuosa, € se-tenham evitado, na medida do possivel, ameagas e punigdes.| < Mais adiante, retornaremos a essa contradigao, quando ed S8 mos das transformagéeg do instinto durante ‘a formacio go superego.”, Nao posso dizer-Ihes tanto quanto gostaria a respeito da metamorfose do relacionamento parental em superego, em pat- te porque esse processo € to complexo, que uma exposigéo dele nfo cabe dentro do esquema de trabalho de uma série de conferéncias de introdugo, como a que tento darthes, mas fem parte, também, porque niio nos sentimos seguros de que 1 [Gewissenangst’ Ieralmente ‘ansiedade de conscitncia’. Pode ser encontrado uum comentirio sobre essa palavra numa nota de rodapé acres: centada pelo Eaitor Inglés a Inibigdes, Sintomas e Ansiedade, Edigho Standard Brasileira, Vol. XX, pigs. 151-2, IMAGO Editora, 1976.) [Ver pig. 138, adiante,) iejamos’ COmpreendendo-a por inteito. Assim devem. sais 2et-Se com 0 esboso que se Segue, : ‘A base do procesto & 0 que se cham isto é, a agio de assemelhar um ego a. oul alia do’ que o primeiro ego se comporta como 0 segundo, em determinados aspectos, imita-o e, em certo. sentido, a5 mila-o dentro de si. A identificagio tem sido comparada, no Inadequadamente, com a incorporagio ‘oral, canibalistica, da coutra pessoa,

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