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Projetos nacionais de preservagao do patriménio: promogdo, divulga¢cao e turismo nos sitios urbanos patrimonializados durante a gestae de Rodrigo Mello Franco de Andrade Leila Bianchi Aguiar’ Ao longo de sua existéncia, Instituto do Patriménio Histirico e Artistico Nacional (Iphan)' atribuiu valores, selecionou e transformou bens moveis, iméveis e conjuntos urbanos em objetos de conservagao, restauragdo e demais atos de salvaguarda. Para além das agdes tradicionalmente realizadas por essa instituigo, & importante destacar 0 seu esforgo na promogao e divuleagao do patriménio cultural brasileiro, Para grande parte dos intelectuais do Iphan nao bastava apenas proteger esses importantes simbolos da nacionalidade e da cultura nacional, era necessario, além disso, ampliar a visitagdo aos conjuntos urbanos preservados e aos museus, Na década de 1930, intensificaram-se as discussdes sobre a necessidade de instrumentos legais e de agdes priticas voltadas para a preservagao de bens méveis e iméveis que deveriam ser salvos da destruig’o em fungio de seus valores artisticos ou histéricos. A criagio da Inspetoria dos Monumentos Histéricos em 1934 foi um marco significativo no processo de organizagao de uma politica publica de preservagao T Protessora Adjunta do Departamento de Histra © do Progen de Pés-Gradussio em Histiia da Universidade Federal do Rio de Javiro.Penquisadora do Nicle de Documenta, striae Memévia da Unit. Doutra ems Histia Social pola Universidade Federal Fluminense, Realza penuian sobre Preservupdo do Ptsiménio Caltral e Turinmo em Stice Urbanospretrvides.Atuou somo pessoa em projetoe do Insti do Patrmsni Hisrien Antico Nasional (phan) econ Constora da nese Reem ‘doutor para Program do Expsiaiago om Patrimonio do ipa, E-mails aging wr br " Optams por chamar de Ipban a agécia federal de preserva, ctiada como Sengo do Putrinsao Histo ¢ Anistco Nacional (SPHLAN) tn 1937 Em 2 de jana de 146, o Dectelo-1 8534 tasformow o SPILAN om ditto, Aagénci responsivel plo primo histricoeaistio basiio patsou eto a chamarse DPHAN. Ea 27 dull de 1970, o Dace 2" 66.967 wanton a DPHAN em Inst ~ In, Em 26 de nove de 1979, 0 Congreso Nacional aprovou a Lei n 6757, crando a Fandasdo NaconalPirMrin «se tora um érgo operaionl do Ip, Urn resto exon com at principals transformajtessotis por xa agSncia pode sot trad ma Resta do Patrmomo Histncoe ArsicoNacional, 22. 1987p. 34 ‘Uma década atris, no ano de 1923, inicava-se a organizagao da atividades turisticasno Brasil com acriagao da Sociedade Brasileira de Turismo, associagdo empresarial voltada para o desenvolvimento do setor, e que trés anos mais tarde, através de parcerias com agéncias internacionais, daria origem 0 Touring Club do Brasil, voltado ao estimulo ao turismo rodoviario, Outros indicios da crescente importincia do setor foi a fundagao da Associagao Brasileira da Industria de Hotéis, dez anos depois € a organizagio, em 1953, da Associagdo Brasileira de Agentes de Viagens. Apés 0 Decreto n® 23.103, de 19 de agosto de 1933, que viabilizou a concessio de fiérias aos ‘rabalhadores urbanos e de medidas de incentivos as viagens como a abertura de coldnias de férias com hospedagens a baixo custo, 0 ato de viajar de férias com a familia e hospedar-se em pousadas e hotéis tomou-se, aos poucos, um novo habito. Tal atividade, no entanto, restringia-se a alguns poucos balnedrios atendidos por servigos de transportes coletivos, uma vez que a grande indiistria automobilistica eas politicas de construgo das grandes rodovias nacionais ainda nao dominavam o cenirio nacional. © estimulo a0 pequeno turismo rodoviario vinha, principalmente, de organizagdes como o Touring Club do Brasil que coordenava periodicamente viagens automobilisticas a destinos ainda pouco conhecidos. ‘A ctiagao do Iphan em 1937 centralizou e deu novo impulso as atividades de preservagaio do patriménio cultural. As agdes de salvaguarda implementadas durante a gestéo de Rodrigo Mello Franco de Andrade (1937 a 1967) so analisadas por autores como Maria Cecilia Londres Marcia Chuva? como fundamentais para a estruturago de uma politica piiblica federal de patriménio no Brasil. Nese momento, os sitios urbanos patrimonializados, em geral, ainda possuiam acesso precétios e, apesar de ja contarem com a protecdo da agéncia federal, ainda nao faziam parte dos Circuitos turisticos brasileiros Visées sobre o turismo em uma cidade patrimonializada Buscando compreender algumas das visdes sobre a atividade turistica, gestadas no interior do Iphan durante as trés primeiras décadas de sua atuago, nossa andlise concentrou-se na cidade de Ouro Preto, um dos maiores simbolos das politicas piblicas de preservagao que ocorreram ao longo de mais de 70 anos no Brasil. Até 0 tombamento de seu conjunto urbano em 1938 no havia um projeto turistico organizado nessa cidade. Asprimeiras mengdes egaisa tentativas deorganizagao do ‘turismo no Estado de Minas Gerais referiam-se ao turismo de estincias hidrominerais, diretamente relacionado a partir da década de 1930 com a construy proibiglio dessa atividade no ano de 1946. JUVA, Miia Regina Romi. Or argutear da mami scone da pric de preseragao do param eltaral no Brasil anos 1930-1940), Ri de Incr: Fllor UFR, 2009, Coin Landes © prima em proceso. Ro de fancir: UFR, 197. o de grandes hotéis com cassinos, até a Nomos wacowns or eenagio D0 rMonto-MoNCsho,ONAAchesO TURSNONOS TOR UMANOE ‘Ao acompanharmos as “viagens de descoberta do Brasil”, empreendidas pelos modemnistas, ‘em diregao as antigas cidades mineiras, identificamos importantes indicios sobre as condigdes para © desenvolvimento turistico na cidade nas primeiras décadas do século XX. Em viagens de trem e de carro, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Blaise Cendrars, dentre ‘outros integrantes da “caravana paulista’”, enfrentaram grandes dificuldades de transporte, uma vez ‘que @ maior parte do percurso era realizada ora de automovel ora em trens em péssimas estradas ‘ou em ferrovias em “ritmo de maria fumaga”.® Eram constantes as queixas pelas dificuldades encontradas devido & falta de uma infraestrutura turistica da regio, compensadas, no entanto, pela boa comida mineira Os viajantes nos apresentaram, ainda, informagdes sobre outra atividade econémiica da cidade ao descrever que, em Ouro Preto, eram frequentemente confundidos com compradores de antiguidades, A construgdo da cidade como “toteiro turistico” esta diretamente ligada & atribuigao do valor de “cidade-monumento”, Em fins da década de 1920, iniciaram-se as politicas preservacionistas na cidade, coordenadas por Gustavo Barroso, com a restauragao de algumas construgdes, patrocinadas pelo Governo do Estado de Minas Gerais.‘ Desde seus primérdios, o projeto preservacionista em Ouro Preto esteve intimamente relacionado com o desenvolvimento turistico da cidade, como se pode constatar na primeira legislagdo municipal que trata da conservago do aspecto colonial da cidade, do qual transcrevemos o trecho a seguir: © Dr Prefeito do Municipio de Ouro Preto, usando das atribuigdes que the confere o decreto csstadual de 2 de fevereiro de 1931, 1 9.847 e ouvido o Conselho Consulta ¢ “considerando” que a cidade de Ouro Preto, escrinio das tradigées minciras, deva conservar © seu aspecto colonial, transmitido dos nossos antepassados: “considerando” que ferem dolorosamente a sensibilidade dos turistas os prédios que destoam do tipo colonial decteta: Amt. 1 Nao & permitida, no perimetro urbano, a construgdo de prédins e edificios em desacondo com o estilo colonial da cidade. Art, 2 Os atuais prédios existentes no perimetro urbano, em desacordo com © artigo antecedente, deverdo ser modificados nas respectivas fachadas, quando estas tenbam de receber reparos.* NOGUEIRA, Amonio Gio Ramos. Porn meno dos sent: Mio de ndade «concep de Iveta Sto Pst, 2002. ‘ese, (Douorado em Histia). Poti Universidade Calica. Sto Palo, 2002p $5. idem p74 * CE MAGALHAES, Aline Montonearo. Ouro Proto ene igo emoderos disput em too dopatmni histrion eatstico nacional drake as dada de 1930 ¢ 1940, nado Museu Histrco Nacional. Ro de ane, vo 33, 189-208, 203, OURO PRETO. Decrto 13, 19 do setembro de 1951, dud ANDRIOLLO, Ales. Oxo Pret, 1897-1975 a comer de wma dade ‘nr. $30 Palo, 1999, sri (mstrado) ~Facubade de Arita e Urbano. Pos-graduagso em Esiauran Arbiciis ‘Urbans, Sho Palo USP, 1999, Apenas trés meses antes da elevagao de Ouro Preto a monumento nacional em julho de 1933, © Touring Club organizou uma excurséo de trem a cidade, partindo da Central do Brasil, por ‘ocasido da Semana Santa, o que se repetiu nos anos seguintes.” Embora as politicas preservacionistas na cidade nao tenham tido como impulso inicial 0 desenvolvimento turistico, mas sim a preservagao de determinadas tradigdes ora associadas & nagao ra classificadas como mineiras, 0 potencial turistico dos antigos conjuntos urbanos nao passava despercebido para os que tiveram atuagdo nas priticas de salvaguarda do patriménio brasileiro. © turismo em antigas cidades europeias, ruinas, museus e outras instituigdes do género naquele momento servia de estimulo a tal reflexdo e praticas como a ctiagdo de museus em conjuntos urbanos patrimonializados, casos do Museu das Missdes em Santo Angelo em 1940, do Museu do Ouro em Sabara em 1945, do Museu do Diamante em Diamantina em 1954 e do Museu da Inconfidéncia em Ouro Preto em 1938. ‘Apés a criagdo do Iphan e 0 tombamento de Ouro Preto, em 1938, sucessivas obras de restauragdo dos bens iméveis dessa cidade foram executadas por essa instituigao que, além de conservar — ou em alguns casos criar —a unidade estilistica colonial em suas construgdes, buscava projeté-la nacionalmente, Cabe destacar nesse mesmo ano 0 envolvimento de funcionérios da instituigio na construgdo de um hotel em Ouro Preto, com o objetivo de incentivar o turismo na regio, ja que as pensdes € ‘8 hottis da cidade dispunham de apenas 82 leitos, segundo dados da arrecadagao da cidade. Lucio Costa," chef da Divisdo de Estudos e Tombamentos entre 1937 e 1972, defendia que a construgao de um “hotel moderno” tomaria ainda mais viva a“sensagao de passado” vivenciada por seus visitantes. Essesndo deveriam ser enganados com uma “imitagao perfeita”,referindo-se aqui ao projeto de hotel neocolonial de autoria de Carlos Ledo, que deixou de ser realizado em detrimento do projeto de Oscar Niemeyer” O olhar do turista ja era uma preocupagao crescente entre os gestores do patriménio. Conforme podemos observar em correspondéncias do Iphan, o envolvimento dessa instituigio com esse hotel nao ficou restrto a sua construgio, Uma década apés sua construgao, 0 ento administrador do grande Hotel pedia a Sylvio de Vasconcellos (entilo Chefe do 3* Distrito do Iphan) uma “costumeira interferéncia junto as autoridades competentes para obtermos o abastecimento de 4gua, sem a qual seremos forgados a fechar 0 hotel por no termos outro meio de atender aos servigos principais.”” D Fatado de Sao Palo, 1304/1933 apd. ANDRIOLO, A. Op. itp "MOTTA, Li. © SPHAN em Ouro Preto: una histiia de conceit ition. Resa do Ptrindni tio Artisteo Nacional. 22,1987. (1987), ® CARTA de Lico Costa enderjadaa Rosrigo Mello Franco de Andrade sobre o Grande Hote 1939, Arquivo Noronha Santos. Inver ‘Grand Hotel (Ouro Preto} Cita 248 Pasta 696 Tide TELEGRAM de Man Ris administrador do Grand Hotta Sv de Vasconcelos. Now 18. Arguiod 1 Supernendsi do phan Nomos wacowns or eenagio D0 rMonto-MoNCsho,ONAAchesO TURSNONOS TOR UMANOE Observamos ainda a participagao do Iphan na divulgagao do potencial turistico da cidade com a publicagao de um guia turistico de autoria de Manuel Bandeira.”” Publicado pela primeira vez no ano de 1938, o Guia de Ouro Preto" tomou-se referéncia sobre cidade, sendo vendido até hoje em alguns de seus principais pontos turisticos. Assemelha-se a um conjunto de guias escritos por importantes personalidades brasileiras, como 0 Guia sentimental de Recife & 0 Guia sentimental de Olinda, ambos de autoria de Gilberto Freyre, ¢ 0 Guia sentimemal da Bahia, de autoria de Jorge Amado. Conforme o proprio autor desereve, a maior parte das informagdes da obra foi conseguida por intermédio de Rodrigo Melo Franco de Andrade e outros funcionarios do Iphan. passado descrito é romantizado, uma vez que as historias sobre a cidade so recheadas de casos de amor e atos de heroismo. As grandiosas construgdes preservadas so tomadas como exemplo das moradias dos séculos XVIII e ha brevissimas referéncias & sua histéria ao longo dos séculos XIX. Nesse sentido, a narrativa do guia apresentava-se em total sintonia com as praticas de preservac3o do Iphan a0 longo de suas primeiras décadas de atuag0, que primaram pela manutengdo da homogeneidade estilistica, apagando inclusive marcas e vestigios do periodo itocentista, conforme anélise de Lia Motta em A SPHAN em Ouro Preto: uma historia de conceitos ¢ eritérios. desenvolvimento das atividades de preservagao em Ouro Preto estava intimamente ligado a sua projegio como atragdo turistica, As medidas de conservagao e ainda os permanentes pedidos de socorro ao patrimdnio da cidade reforgavam sua imagem de relicério nacional que deveria ser conhecido por todos os brasileiros.'* A promogao do interesse turistico a partir da recuperagdo das residéncias civis, religiosas e do mobiliario urbano foi uma preocupagao constante em relatorios de obras realizadas pelo Iphan na cidade durante a década de 1950. Seria necessirio [La] Promover interesse turistico pelos locais pouco procurados pelos vistantes, pois atualmente ‘com a recuperagao dos chafarizes, capelas, passos tecuperados, conjuntos de casas etc, muitas mas ‘vo ndquirindo valor ¢ interesse urbano ¢ arquiteténico. Essa procura dos turistas ini despertar nos ‘moradores maior carinho ¢ compreensio pelas coisas da sua rua, bairro ou local." ‘BANDEIRA, Manvel. Guia a Ou Pret. Rio de Jato: Edigbes be Ouro, 1967 tide MOTTA, Lia A SPHAN em Ouro Tet: uma hstria de concioeeritrios Revita do Parimnis Histo e Antico Nasional Rio Jani, 1.2, 1987, p 108122, "Ente estas, encontamos a enic de Rachel de Quvzoz ao Jor do Bras em OUOS/1946 ade Vinicius de Moras no jomal Utina Hore 28081992 Rlatro de Planor de Oras ee Ouro Preto, 1958, mime. Arg 19 Superntendnca do phan, Identificamos esse aspecto, por exemplo, na correspondéncia de Rodrigo Mello Franco de Andrade a0 governador do Estado de Minas Gerais, Magalhies Pinto, em margo de 1965." Preocupado com as condigdes do hotel mais importante de Ouro Preto, O Grande Hotel, entio propriedade da Hidrominas, 0 diretor do Iphan pedia providéncias ao governador para que 0 revitalizasse a fim de que este estivesse, uma vezmais, “a altura do que deve ser um estabelecimento de tal natureza de propriedade do Estado de Minas Gerais no centro mais importante de atragao turistica existente no Brasil.”” Nos anos seguintes, a cidade viveria um periodo de expressivo erescimento em fungdo da instalago das indiistrias préximas a seu conjunto urbano preservado e da expansio de sua Universidade, atestados em um relatorio sobre a cidade, elaborado pela agéncia federal de preservagdo, no ano de 1963." Ouro Preto passa por grande desenvolvimento. A fabrica de aluminio em Saramenha acaba de se expandir dobrando a produgo anterior, a fbrica de tecidos, a nova estrada ligando a cidade a Belo Horizonte, a existéncia de ensino bom e gratuito desde 0 curso prinsitio até o curso superior [.-1 sto fatores de crescimento da cidade e de revigoramento econdmico com a atragdo mio $6 de maior nimero de operirios percebendo salirio compensador, como de pessoas de posses, que aqui se estabelecem visando propiciar uma educagdo melhor a scusfilhos, como é possvel mma ‘comunidad dotada de certos recursos ¢ sem o inconveniente dos grandes centros.”” Nesse cendrio, 0 turismo aparece nos documentos analisados como um complemento necessario as atividades de salvaguarda do patriménio cultural da cidade. Apés todo o investimento realizado pela agéncia federal de preservagao, seria fundamental a divulgagio e a promogao dos sitios urbanos e iméveis tombados ao longo da gestio de Rodrigo Mello Franco de Andrade, Nesse contexto, a visitagdo as “cidades histéricas” assumiu um carder pedagogico contribuiria para a construgdo permanente das legitimagao das atividades da preservacdo. O ano de 1967 toma-se um marco cronolégico fundamental em nossa andilise, nfo somente em fungio da saida do Dr. Rodrigo (como era conhecido pelos funcionarios do Iphan) do comando da agéncia federal de preservagio, mas, principalmente, pelo novo cardter que envolve as relagdes entre turismo e preservagao, explicitado pela Conferéncia de Quito, promovida pela Organizagao dos Estados Americanos naquele mesmo ano que enfatizou a importéncia da atividade turistica como fonte de lucros para a preservagao ' Rodigo Mallo Franco de Andrade. Carta de 0401968 meres Magalhs Pino (govermdor de Minas Gerais) Anquvo Noro Santos Inverts Gran Hotel (Ouro Preto). Cana 288, Pasta 36, "tidsm ° Relatro sobre Owo Preto W01/1963. Elaborado po 13" Superitendéncia do phan. Arquivo da 13 Suprintsndnci do phan, "tide Nomos wacowns or eenagio D0 rMonto-MoNCsho,ONAAchesO TURSNONOS TOR UMANOE Consideracées finais Nos tiltimos anos da década de 1960 a expansio mundial do turismo gerou grandes reffexos para o campo da preservago. Naquele momento, muitos dos intelectuais presentes no interior das agéncias de salvaguarda ¢ mesmo nas recém-criadas agéncias de promogao do turismo passaram a defender sistematicamente a ideia de que 0 desenvolvimento turistico nos conjuntos urbanos seria a principal altemativa capaz de gerar os recursos necessirios para a manutengo € conservagdo dos bens méveis, iméveis e conjuntos urbanos que integravam os patriménios culturais nacionais, Tal argumento fortaleceu-se principalmente em paises como 0 Brasil, nos ‘quais 0s financiamentos estatais mostravam-se insuficientes para a manutengdo da integralidade do patriménio cultural nacional O desenvolvimento de projetos turisticos em sitios urbanos preservados foi incentivado com a solicitagdo da vinda das missdes da Unesco a partir do ano de 1966, as quais tinham como principal objetivo avaliar 0 potencial turistico de cidades brasileiras que ja contavam com sitios histéricos tombados, como Ouro Preto, So Luis, Aleantara, Paraty e Salvador” A altemativa do “turismo cultural” aparecia como solueo para os problemas relativos & preservagao do patriménio cultural brasileiro, conforme relatorio da Unesco.”” A conservagao dos bens culturais brasileiros, até entio subsidiada pelo governo, deveria, de acordo com essa influente agéncia intemacional, integrar os projetos de desenvolvimento nacional,” e, denite eles, 0 turismo, com altos indices de crescimento anuais, destacava-se como um setor extremamente promissor. Mesmo com uma breve adverténcia de que o turismo de massa poderia contribuir para a degradagao dos bens culturais brasileiros,” 0 sedutor argumento de que essa atividade poderia financiar as urgentes obras de restauragdio dos bens iméveis conjuntos urbanos patriménio culturais nacionais, captando recursos da iniciativa privada e no somente do Estado, foi amplamente utilizado ao longo das 128 paginas do relatério da Unesco de 1968, segundo qual essa era uma tendéncia entre os paises europeus mais desenvolvidos. \Nesse novo contexto, os bens deveriam ser preservados também por serem atrativos turisticos €, consequentemente, capacitavam-se novos agentes sociais aptos a defini-los, geri-los e desenvolver novas formas de salvaguarda. :a0dopavimdni cual no Bras ona ajtiia, Beas, MEC-IphanPebMeméia, 180, p. 32-3. Unesco, Potton et mise em valeur da patriine carl brésiten dans le cadre dt développement par M, Parent, Pais: mar, thier. neon, Protection et mz em tale dh patron cult Brin dale cadre développement par. Part. Op. i Conforme buscamos expor ao longo desse artigo, mesmo em um periodo no qual 0 mereado turistico brasileiro ainda carecia de maior organizagio, as politicas de divulgagao do patriménio cultural, elaboradas e executadas pelo Iphan, incluiram necessariamente 0 apoio a0 desenvolvimento do turismo nos espagos preservados. A realizagao de guias impressos, 0 apoio & abertura de hotéis e museus em “cidades historicas” e a vinda dos consultores da Unesco foram elementos importantes para a construgdo de um projeto mais amplo de promogao e divulgagao dos bens e conjuntos urbanos patrimonializados. Tal processo contribuiu significativamente para 2 construgao da legitimidade das ages de protegio e conservac30 do “patriménio nacional” & para o reconhecimento do Instituto do Patriménio Histirico e Artistico Nacional como o grande responsivel pelo projeto nacional de preservagaio.

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