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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAUDE


ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

APOSTILA DE HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃ O FíSICA
-
2015/2

PROF: Paulo Roberto Monteiro Peres

ALUNO:
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Vavy Pacheco- Borges

•• Brasil História - vol. 1 - Colônia -


L. Roncar! Mendes Jr./R. Marenhtol
.
Brasil História - vol. 2- Império - A. Mendes Jr./R. Maranhk/
L. Ponom` (org.)
O QUE E
Brasil História -
.
República Velha - A. Mendes Jr./
R. Alarenhioll...Ronced (org.)
- 'o:Brasil Hiatórki vol.
HISTORIA•
Atra'de Vargas- A. Mendes Jr./
R. Marenhio/L. R - oncar' (org.) 11' edição 1980
Histomapa de História - John B. Sparks
História Contemporânea - M. Yedda Linhares/C. Ramado', 7P edição •
Cerdoso
História e Desenvolvimento - Caià.Prado Jr.
História e Ideologia.- Cad. História 2 - Div. autores

Coleção Primeiros Perssos


Co que é Patrimônio.H)storico - Carios-A. C. Lelt70.5

Col-;ão Primeiros Vabos


Urna Introdução à História C. Hamarion Cardoso

Coleção Tudo é História


Todos os títulos publicados

à
.
apyrighrC)Vavy Pacheco Borges

Capa
Otávio Roth
Felipe Doctors

Caricatura: •

ESDamiani
Revisto:
José E Andrade

INDICE
2

Por que este Livro? . ..


— A História•da História 1
10
— A pré:história da história 10
— O aparecimento da história 17
— A história teológica 20
— A erudição, a razão e o progresso na bis-
. toda 25
— O materialismo hktórico e a história
acadêmica 34
— Perspectivas atuais 39
— A stõria, hoje em dia 44
— O que é a história e para que serVé?. . . 46
— Como 'produzir chi ória?..... 54
— A História no Brasil ....... ....
— Ind; ações para Leitura
. 67
79

uitora brasiliense s.a.
U1223 — r. general jarciim, 160
' são paula — brasil
(.7

Vavy Pacheco Borges O que é História

60% com menos de 21 anos (censo 70). Esse fator


rios especialistas sobre o que é a história. Histo-
"juventude" é conjugado a uma grande porcenta-
riadores, filósofos, sociólogos, politicólogos estão
gem de;analfabetismo, a uni notável clesprestfgio
sempre debatendo sobre isso. Os historiadores, em
das ciências humanas e da" culturã-te .ism ensino'
particular,' procuratn* delimitar, entre as outras
antiquado e desmotivador. Todos esses elementos
áreas que' estudam o homem, qual o campo especf-
resultam num ,desinteresse pela i:hinória do país.
. Esses jovens .tém razão: o pasSedo visto por si fico dEr história: Tomam várias posiOões, diferentes
. e até conflitantes. Discutem se a história deve es-
mesmo, o passado pelo passado, teni urn interesse
tudar sõ o passado, se pode fazer previsões. Tratam
muito limitado, e, por vezes, no10,00S:a história,
hoje eMi diai não visa a• eXpliCar4stpassado dis- de definir CiS Métodos e técnicas mais adequados
para se atingir o conhecimento .histórico. A utili-
tante e morto. E é a contribuição que ela pode
zação deste, scibretudo, e sempre dos assuntos
trazer para a explicação da realidade em que vive-
mais polêmicos: o que não se pode fazer com tais
mos que nos leva a ver como funCiamental sua di-
ifüléçãti tora dás universidades. Witasleiéolas onde conhecimentos! Como se pode manipular, pelas
• mais diversas razões, o passada do .homerk o pas-
eltétteOritioneira há longos anos. Essa divulgação
sado de um povo, de uma nação!
Se forba importante na medida em que se acredita
Alguns aspectos dessas discussões estão aqui
que à história, ajudando a explicar realidade, pode
ajudar ao meérno tempo a transfqrrná4e. I introduzidós de forma breve e facilitada, procuran-
Tudo o qUe dissemos até agoii rios incita a este do encaminhar os primeiros passos do leitor.
pequeno livro, explicação inicial de um tema com- Para Se compreender satisfatoriamente a histó-
plexo e difícil. Muitas obras já foram esCritás sobre ria corno hoje ela se configura, é preciso se recapi-
terna, sendo suas idéias por nóá asSinilladas nos tular aia "Origem e sua evolução. Somente a histó-
anos de estudo, ensino e pesquiSa. Indicamos ai ria da hiStÓria pode nos fazer,compreender como
guris livrr básicos para quem quiser ir Mais a 4 hoje ela se 'apresenta. Partimos, portanto, de urri
do e con;:ecer o que disseram sobre a: história os primeiro capítulo aborda essa história da histó-
seus estudiosos. ria, desde sua origem nos mitos e na tradição oral.
./3 história, corpo as outns formas de _conheci- \lo segundo capítulo artiCtilamos nossa visão atual
~nó da -aalidade, está sempre sé constituindo: da hiSt6ti.e'Súa significação e sua produção. No
o conher •ento eue ela produz nunca é perfP:: apêndice final, colocamos algumas informações
__ sobre a situação dr.. :iistória no Brasil.
. ou ãêãc: fo. Há inúmeras discussões entre Os vá-
ri 14 1 •-•

CL)

.POR QUE ESTE LIVRO? -

- Há certas definições que parecem desnecesr!áries.


História é um terem com o qual Convivemos'eiaria-
mente desde a infáncia. A maior parte das pessaas
a quem se fizer a pergunta-título deste livro se con-
siderará em condições de respondê-la; coisa que
não se daria, por exemplo, se se perguntasse "o que
é semiótica?". . . Mas, ao tentar uma resposta a
"o que é história?", a pessaa se enrolará, não che-
garia a nenhuma definição precisa, OU dirá, com
um certo desinteresse, refletindo um consenso mais
ou menos geral: "A história é o que já aconteceu
há muito tempo..."
Dentro do quadro da chamada civilização curo-
péí ocidental, o Brasil é um país "novo", quase
ser,: históriá, pois seus quatro séculos não parecem •
suficientes" para criar urna consciência desse passa-
do. Além 'do mais, cni:105 realmente um país de
jovens, COM uma população de aproximadamente
/

sr• . ,s•

O que é História 1! ••::.


es•

lidade.• Para....nós, homens do Século XX, acostuma-


dos 'a •ilki:Mtsarnento dito científico, umá expila
cação.-Átfticalizrece • pueril,. irracional, i ligada à
superstigfoc...Mát é preciso que reconheçamos *no
• [ mito •.uma firma --de pensamento ..primitivo, ,.com
sua lógica &coerência próprias, Mo sendo simples
invenção• ou-engodo. O mito tem uma força muito .
grande no tipo primitivo de sociedade. Ele fornece
A HISTORIA DA HISTORIA uma explicação que para os povos que a aceitam
. é uma verdade... • .
. O mito é.sempre uma história com personagens
sobrenaturais, os deuses. Nos mit» os homens dto
Apré-história dst história objetes Rassivos- da ação .dos deuses, que são .res-
ponsáveis pela criação do mundo (cosmos); • da

natureza, pelb aparecimento dos homens e pelo
1..1.EliStória" édma palavra de origem grega, que sia-
seu destino.
nifidainveStigáõto Informação Ela surge no século
Os mitos contam em geral a história de uma cria-
-VFanss deCristo (A:Ci.-Para nós, hOmens do Oci-
ção, do início de alguma coisa. É sempre uma his-
dente, a história, convi hoje a entendemos, iniciou-
tória sagrada. Comumente se refere a um determi-
- -se na região mediterrânea, Ou Seja/nas regiões do
nado espaço .de tempo que é considerado um tem-
Oriente Próximo, da costa: norte:africana e da
po sagrado: é um passado tão distante, tão remoto,
Eurbpiecidental.
que não o datam concretamente, não sabem ciban1
:es disso, porém, vemos qtie os homens, desde
do ele se deu. É um tempo além da possibilidade
seb•ya, sentem necessidade de explicar para si pró-
dá cálculos: referem-se a ele como "o princípio de
prios sua origem e tua vida. A primeira forma de
todas as .coisas", "os- primórdios". Os fatos mito-
explicação que surge nas sociedades primitivas é
lógico:SÃO :apresentados .urn após os• outros, o que
o mito, sempre transmitido em *fót-Mã•de tradição
já ...mostra, .pôrtanto, uma seqüência temporal;•mas • .
oral Entre os conhecimentos•prOtiCos, transmiti-
o mito se refere a um pseudOtempo e não a um '.
cfris galmente de geração a geração; essas, socieda-
tempo real., pois não, é datado de acordo-com na-
das ;ncluem explicações mágic?s e religiáas da rea-. , nhuma realidade concreta. Daí o mito mostrar o
-- --..- A
\
*AIO: &?,*kira •-•:‘

Vavy Pacheco Borges O que d História


12

eterno retorno, a repetição infinita: é um tempo


circular, não linear.
Em geral o mito é visto como umn eXemplo, um
precedente, um modelo para as outrái realidades.

Ele é sempre aplkado a situaçtkítoriétetas. Exis-
tem inúmeros mitos da -criação £10:Mundo.:(mitos ,

cosmogónicos) que são vistos corno exemplo de


toda situação criadora. As sociedades são mostra-
das corno tendo origem, geralmetité, érh lutas en-
4
tre as diferentes divindades. "
Conhecemos. a existência, entre o IV e o III
milênios A.C., de sociedades Mais complexas,
nas quais existe a escrita e um governo centrali-
zado: dirige.. uma sociedade .organizada.. em uma
- hierarquia social.
Esse governo é em. geral monárquico, e a sua
origem é sempre vista como divina. Os reis repre-
sentam os deuses e são eles que tudo decidem, sen-
do seus atos registrados em anais. São esses os pri-
meiros registros voluntários para a posteridade.
São limitados, pois têm objetivos políticos bem ex-
pi feitos. Nessas _s:ociedades,_ as fontes históricas
lais remotas são as inscrições, assim como os anais
eligiosos (listas de sacerdotes, cerirr»nias religio-
sas, etc.). .
Entre essas ch.,:!izações destacam-se a egípcia
e a mesopotámic.,, das mais importantes na chama-
Antiguidade Orierital.. Na história das duas en-
ramos em contato Sm dois mitos da origem do Registros da mitologia grega: Uma, estdtütz:da deusa Vénus e
mundo, que parecem ter sidO Muito significativos 117r4 reprozázgo Cerimica de Aquiles erseu filho .morto.
4o‘ ."55...•
"...\\; • ".':•"

ia • Vavy Pacheco Borges O arre é História 15. -


;
para elas. . • •
No Egito, conta-se que, nos, primeirás,.tempps,,
Osfris. (deus da terra, do sol POetiti?"eiPónsável
pela fertilidade, e por isso também visto como o
deus dá Nilo) é assassinado por iihnOutrO deus,:seu
írtnairSetideus .do ventodo -desgrtO,'das-treVaS e
do mal), e seu corpo espalhadopor-várias partes
do país. SUa irmâ-esposa lsis (deusa. da vegetação
dás 'Sementes), auxiliada pár . seu . filho Hórus
(deis-faie:É° e do sol levante), Vai: Conseguir, atra-.
vétde:palavras mágicas, reunir todas as partes, e
°siris revive, indo morar entre os deuses. Muitos
textos relatam diferentes formas do mito. Ele é
iSto?léorno a luta entre a luz- e.- as trevas; con-ià
a vide .sucedendo à morte; é visto como signifi- •

cando' a vida que vem do Nilo, que gera a fertili-


dade do. Egito. Essa versão da morte e do renasci-
mento..de Os íris é a forma de os egípcios explica-
rem a noçãá de imortalidade e sua eterna depen-
dência da natureza.
Np Mesopotárnia, acredita-se em dois princí-
pios originários: Tiamat (o . princípio feminino)
ã E

Aspu (o princípio -masculino), deles descenden-


do todas as outras gerações de deuses. O último
P
deles, Marduk, vai vencer em luta os deuses anti- T • C> - R
gos que o precrderam. Ele vai formar o mundo
com o corpo de Tiamat, umedecendo-o com o san-
gue de um arquidemônio, Kingu. Marduk, o cria-
dor dos homens, é o deus da capitai da Babilônia.
CD agá- 4 l';44`tig
Um escriba egíjacip trabalhando to nome Cleérnatr:.• esâto
Para alguns, esse mitO Mostra OS.' hornens sendo ..•
em hieryglifo.
71À

, É'
Vavy- Pacheco Borges O que é História

criados pelos deuses para alimentá-los através de difundiram pelo Mediterrâneo a civilização do
seu trabalho. Isso justificaria parcialmente a visão Oriente Próximo; a eles devemos, entre outras con-
trágica do mundo e o pessimismo característico da tribuiçõés;-p alfabetó europeu ocidental.
cultura da Mesopotâmia, ao áxpitiár-)Pstir que o
homem não obteve, nem poderia obter, a imor-
talidade. O apare;ciniento da história
Esses dois atol são MOO- representativas e .
explicam a origem divina dos hoMerit sempre li- A exalicadão mítica não vai, evidentemente,
gada a .uma idéia de 'renascimento g morte de
rdesapareãr. O mito continua até hoje emquase
um deus e o seu renascimento que trazemo apare- todas - g-'filiàifestações culturais, mas não como
cimento da vida', da naturais e dos homens a (Mica fátnia de explicação da realidade, e sim
Na: Grécia; .por volta da I rInilâniOR,C.., o mito paralelaeriante' á. Outras formas de explicação, co-
começa a ter uma conotação diferente: vamos en- no a história:
cipfitrálo :na poesia, por exemplo na II fada, poema Ao reCeMtár ou recopiar essas explicações, num
épico atribuída a Homem (datado provavelmente certo riiornento, os háitieni passam'a refletir sobre
por .volta do ano 1000 A.C.): Nele encontramos elas. É espécialmente um estudioso dos mitos, He-
lendas e mitos da época micânica, berço inicial pai cateu de Mileto (colônia grega da Asia Menor), no
civilização grega. Entre outros mitos, lá referidos, século V que vai, ao voltar do Egito, dizer:
encontramos o da origem da Europa. Europa era "Vou escrever o que acho ser verdade, porque as
filha de Agenor, rei da Fenícia, País da Asia Menor, lendas dos gregos parecem ser muitas e risfveis".
no Oriente Próximo. Zeus, o principal dos deuses Na região em que Hecateu vive, cruzam-se muitas
gregos, por ela se apaixona. Sob a forma de touro, civilizações, e os viajantes, em seus contatos mú-
vai sedozi-la e raptá-la; atravessando o mar Medi- tuos, vão-se -esclarecendo.
terrâneo e levando-a para a ilha de Creta. Lá ela A história, como forma de explicação, nasce
vai se tornar a mãe de Micos e seu• nome vai ser unida â filosofia. Desde o início elas estão bastante
dado a uma das três partes do mUndo antigo. É ligadas; é a filosofia que vai tratar do conhecimen-
curioso ;otar que a civilização européia é, em to em geral. Em seu in fcio, o campo filosófico
grande parte, herdeira da civilização grega. Por esse abrange embrionariamente todas as áreas qtie pos- -
mito, vemos uma relação entre a Europa e a Fení- teriormente se iriam afirmar como autônomas: a
cia; ora, os fenícios são_ os grandes navegadores pua matemática, a biologia; a astronomia, a política,

sé- ..-• >, ad410:44

18 Vavy Pacheco Borg,es O que é História

N. 1
a psicologia, etc. São os próprios gregos que des- ..Perteb&se; Portanto que os historiedõres'eãtffo
cobrem a importância específiea:demoicaçOdhis- ligkonlikkealidade mais imediatas; espelhando
. tórica. Heródoto/de acordo tom ã Orientação em- e'PreetWiâniVeem qUestões: do'momentki. N5àièe.

preendida per Hecateu de Mileto; se. propõe a mosrtàisIijjjj preocupação àóÉti Úma origem
fazer investigaçÕes, a procurar a verdade; Heródoto .diátantaireihotkáternporaticomo existia no Mito),
é considerado o Pai da história; pois é o primei- rnásSirri-e tentativá de entender um "memento his-
ro a empregar a palavra no sentido de investiga- tórico ..6ánçieto, presente ou proximamente passa-
ção,.pesquisa. Sua obra mais antiga 'começa assim: do. Há'"urria -nerração temporal cronológica, refe-
"Eis aqui a exposição da investigação realizada por rente .. agerd'a.:Urna realidade concreta..Nád•proéu-
Heród . oto de Halicarnasso peja impedir que as
rarn riais conhecer uma realidade atemporal, mas
açõetiirealizadas pelos homens se apaguem com o a realidade eSPecífica que vivem, à realidade
tempó".. Ele e os primeiros historiadores greõos de •um " determinado tempo. e um determinado
:vão fazer indagações entre seus contemporâneos, espaço.
.'ePreve
" itando, para esCrever a .hiatória, também, as A explica çãe
e não é méis atribuída .e causas
tradições orais e os registros escritos. • sobre-humanas, não são mais os 'deuses Os res-
Os cidadãos gregos querem conhecer a organi- ponsáveis pelos destinos dos homens. Estes co- •
zação de suas cidades-estado, as transformações meçarn a examinar os fatores humanos, como
que elas sofrem. Percebe-se, nas obras dos historia- os costumes, os interesses econômicos, a ação do
dores; que eles estão em busca de explicações para clima, etc., embora ainda se encontrem referên-
a situação específica que estão vivendo. Por exem- _. cias aos mitet e aos deuses.
plci, Heródoto vai estudar sobretudo a guerra entre Há uma preocupação explícita com a verdade.
os gregos e os persas (490-479 A.C.), grande can-. Polfbio, grego e historiader do II século A.C. (de-
fronto entre o Leste e o Oeste guie marca o V sécu- pois que a Grécia foi conquistada por Roma), es-
lo, no qual ele escreve: nessa guerra, os gregos, creve:-"Destie que um honiárh assume atitude da
indo contra a expansão imperialista persa, garan- historiador, tem que esquecer todas as considera-
ter sua independência, o - Age; vai ..permtir „seu ções, 'coMcis o amor aos-amigos e o. ódio- -aos-ini-
grande desenvolvimento posterior. Tur.: id ides, . migos. . . Pois assim como 'Os seres vivos se tornam'
outro historiador grego. estrategista de Atenas; intiteis.quando privados detlhos, também a histó-
quë.vive e.n/re..q: ..e. ectl,:darses . da da:qual foi: retiradl a:Vterdada .F.:Jda -mais é do
. gUerrns do 15eitponeso, entre Espana e Atenas. que um conto sem proveito". Ele testemunha a as- •

Vavy Pacheco Borges O que é História


censão de Roma: sendo durante 16 anos refém em . tianismo é tão grande em nossa civilização que to-
Roma, procura saber como, em aprOximadamente .'da a cronologia de nosso passado é feita em termos
50 anos, os romanos se tomam doncs do mundo do seu pcontecirnento central, a vinda do filho de
habitado (na visão de então, a zona mediterrânea). Deus Cterra. Cristo, tomando-se homem, possibi-
A cultura romana é, em grande" parte, herdeira lita- a safiraçãspãda humanidade, meta final da his-
da colturnreae....As características da história na -Viria. :Nd-ri nosso. passado é dividido, corno já
Grécia, os romanos acrescentam -sobretudo2 uma notaranik-néa.tempos "antes de Cristo" (A.C.) e
noção utilitária, pragmática: a história vai exaltar %;. .4.
' nos temPos. "depois de Cristo" (D .C.). A história
o. papel de Roma no mundo, serv - ificlo ao seu im- da huitÀfildade se desenrolaria de acordo com
perialismo. O mesmo Polfbio escreve que Roma é um plaWdivino, sendo a vinda de Cristo à terra
"a obra mais bela e útil do destino" e que todos os centi-Odesse processo.
homens devem a ela se submeter..A história é vista A história continua tendo uma visão do tempo
como mestra da vida, levando os homens a com- linear, Ctsjodesenvolvimento é conduzido segundo
preenderem o seu destino. Roma é o centro do um plano tia Providência Divina..E p volta. a uma
. muridoé a imposição de seu destino é o destino explicãOos SObtenatural, semelhante à . da mito,
histórico mundial. também cOsmogônica. Ela se impõe no inicio do
o
período medieval (séculos V e VI D:C.), perduran-
A história teológica do como forma única por toda a Idade Média,
quando se forma a civilização européia ocidental.
A realidade agora está dividida em dois planos:
A essa visão unificada da humanidade, os judeus, superior, perfeito (répresentado por Deus) e o
povo do Oriente Médio dotado de uma religião e uma inferior, imperfeito (representado pelos homens).
Vitão do mundo específicas, atribuem um outro sen- Essá visão é introduzida na histói-ia por Santo
tido. Com a clifusgr, da religião judáico-cristã no Agostinho, em sua obra A Cidade de Deus; ele é o
Império Romano, (2,.rante o período da desestru- primeiro formulador de uma interpretação teoló-
tu ração deste, temos grandes mudanças. O processo gica da história (do grego teos, ou seja, "deus").
histórico pelo qual passa a humanidade é então O plano superior da realidade é a Cidade de Deus,
unificado não mais em torno da idéia de Roma, enquanto /que o plano inferior: é a Cidade dos
mas de uma visão do cristianismo como fundamen- Homens. ..
to- e justificativa- aistória. A influência do cris- O cristianismo é uma religião eminentemente
j
t- '41 Atei.? ft.

12 Vavy Pachêc-o Borges O que é História 13

histórica, pois não prega uma cosmovisão atem- valores, suas atividades- cul ais, etc. Todos já
porei, mas sim uma concepçãO que, aceita: um tem- , vivericiamos a atração que Cf cliamado Viajo Mun;-
po linear, que se ordena em funçãWdá.•tinia inter- do exerWatiS nós e a propaganda turfstica faz
venção' divina real na história: Pará a fè cristã, o tudo para ,ãúráéátar esse sentimento.. -
fatá de o próprio filho de Deus te -ter leito homem Os séculps iniciais da Idade Média sãode regretzr
--(sua vinda à .terrà-á preparada --pelo-povojudeu, __são cultural_a_populaçãoAtive_era sua maior parte
através de seus Profetas, seus reis e seus patriarcas) no campo e quase ninguérásabe ler (até o famoso •
é um acóntecimento histórico, situado de manei- imperador Carlos Magno era analfabeto!). A Igre-
ra . concreta, em determinado lugar e éPoca. ja, grande proprietária de terras, é quem registra" •
O sentido. global da história da 'hUmanidade é a organizaçãbá as formas de- trabalhartssas terras.
rêveladb:por Deus aos homens e a Igreja é a respon- São os inventários das abadias de Saint-Germain-
sável Péla- Orientação da humanidade em sua busca -des-Prés e• de Saint-Denis,'.na França, os melhci:.
da sua sabá*. res documentos para conhecermos corno:funciona':
Os&Prirneims séculos•da Idade Média, vão ser os va no seulnicio o chamadosistema feudal aue vi- -
séculos • dá forMação da civilizaçãõ. eurbpéia oci- gora do iécuiá Ig em diante.. . -"-
dental.,• É então que temos o aparecimento da Somente membros do clero:sabem ler e escrever
Europa na história, com a afirmação de .uma iden- A maior parte do que foi escrito nessa épbca é feita
tidade comum a diferentes povos, que vivem uma pelo clero. Grande parte das, fontes são, por exem-
forma de vida muito semelhante. As:bases comuns plo, vidas de santos. A própria palavra clérigo (ou
a esses povos são o mundo romano em desestrutu- seja, "do clero") quer dizer letrado, .errl inglês.
r-;ão e o chamado mundo bárbaro (composto por Até hoje nessa língua a palavra conservou esses,:
ovos que viviam fora do domínio do Império Ro- dois sentido
s.
mano). Os elementos desses dois mundos vão se Os documentos leigos vão começar .a aparecer-
misturar lenta e c, pletamente do século IV ao só bem mais tarde, nos séculos XII, XIII, com o re-
VII, através da influência da Igreja, que vai marcar nascimento urbano e comercial; surgem Como rez
profundamente toda a sociedade. gistros de comerciantes particulares, diários de escu-
É este um período muito importante pára nós, deiros, de cavaleiros famosos, de menestréis, etc.
pois somos, em grande parte e através de muitas A história escrita nesse período não apresenta o
vias, herdeiros dessa civilização. Estamos profun- mesmo rigor crítico de investigação que apresen-
damente irnpregr.ios por seu modo cie yida, seus tava entre os gregos, nem 3m9-na procura de com-
g
'ai ~:
&qi
1444.;.> - ". • -49P9P .fi*stie -449,1-so
ravy Pacheco Botges O que é História

preensão e explicaçãoFela se compõe sobretudo das t A erudição, a razão


chamadas crónicas ou anais; em ,que se relatam fa- ,
e o progrpsso na historia •
tos, mais dó qUe outra coisa. Os cronistas- (a maior •
parte membros do clero) são elententos contrata-
dos por uma Cisa real, um ducadó, *etc., para es- A so-cieclade européia ocidental está, no período
crever sua história. Há, • portantcç-narobres deles, que é econsiderado como o início da Modernidade
uma -nítida vontade de agradar anueM -os empre- (século )(mo, à.in1 plena desestruturaçao do sistema
ga. Não há -unia preocUPação em aferir a veraci- feudal .As condições de sociedade em crise permi-
dade dos fatos; há um predonifnio da tradição tem que um, grupo social em formação (a burgue-
oral, sem se verificar o que já se escrevera sia, ern_ Oral: constituída por habitantes das cida-
A Idade Média é um Pedi:dóén) qUe se vé, asso- des, dom interesses no comércio) vá se impor pou-
dada â predominância da fé,- Urna enorme- creduli- co a pouco. •
dade geral. Acreditava-se em" lendEia fantásticas, no Um mundo real devido à expansão comercial se
paraíso terrestre, na pedra • filSofal, no elixir da estende à frente dos homens da Europa Ocidental ,H
Vida eterna, em cidades todasidalouro;. etc. Exis- e eles vãoSe,..ded.idar àsma dsuppr.eensão.,Pin huma-
tem lendas sobre os mares estèreni- assolados por nismo Age procura focalizar sua atenção no ho-
monstros, sobre a terra que- terminava de forma mem, corno centro desse universo, se impõe lenta-
súbita por ser plana, etc. Toda essa Mentalidade mente 'desde o final da Idade Média. O interesse
reinante refletiu-se na forma de se:escrever a histó- pelo homem como centro do mundo vai surgir
ria, na. qual há 'uma grande presença do milagre, dentro' e em oposição a uma sociedade medieval
do maravilhoso e do impossível: que está preocupada só com a fé cristã, a qual
Aos poucos isso tudo vai sendo substituído por então encerra a explicação para todas as coisas; o
um melhor conhecimento 'do globo, que a Europa peso da tradição é também um dos valores ,-iomi-
vai descobrir e- piorar. São publicados estudos de nantes nesse período que termina. As mudanças
geografia, rriP- -, há uma renovação da visão do são lentas, más constante m direção a um aban-
mundo como . n todo e a história acaba refletin- dono da antiga visão rei•£iosa da história que, po-
do essas alterações rém, ainda influencia os filósofos e estudioso,dos
semi,- posteriores e possui adeptos até ismo
no ric .o século.
Aos pouco, porém, formando uma con-
) 27
VaVp Pádlicied Botr ies .£0 rktiè ê111.4têtw't
26

besbobtáni ser isso ütna leodaqualsurgituno, culo


.PC0,.,rille:teológiCad'OrnuM6,taltifiistória." O co-
nhágirrente...não.párte mais da;:iit4.:fre'vele di911 • 'Sflritão, no tséckdtkISY!
narAasidetUná explicação da riztiag*: sçlsraitdd` nagátlà-i-exiitenclarsiit MIM!: -Ó„N1?4 r .:'90isi
et-.0:Tàiíçàifialismo vai se Iinpor,:irkferri. :ci at85/1"ad0NSPtOte5talltefice 2c)(
)cura maisa salvaç4nélunVOtitro?P'sk Outro exemplçbdplcobelA,S4M?“95.6.11Pargdui dei
e'aikt i
Obnrstantin0-7,Empl 44; tMellmti -sa-que a4it
r ressa. e a perfeiçãO,Y.aq4ineit& 'Mento; l'iniportantIss4no .durante laiddi'Média;
atçgjiadb páltrkfé,'rnititila riz3'ó:i4.-i
c.?'cCiiltira
. - . era tfalso; Ele foi forjado no. VIII ãu, I g*Sktild' D.C.
urante.
"'- • o enácimen
R • 'Co, -a SeU texto :relata . a doar„ão feita 'pôr tOnStafitino
idttar,;::.deSprezando oEA0z2:40,1•Si meWeyaiS, (iMperador -romano- que concedeua liberdade ao
Octik:retótnar a AntiguidOi:dreãO,rOnittifitNetis , .i;mb'Fil`fii Silvestre lk
- Wsecielc- ' -cristianismo Ao an!".P: 313 Ip,c.
?itiazi4ãe1".el.d. Issor4N4rit6 •• .dà Itália a da cidade de 13onik'airslt5Mbetpri-
àitissirnás, para a hiii6r{i: DOM .:alifelop; . mazia sobreos outros bispados Mais importantes.
'srjtxtqa ifixtigía:.á por sua4átitgo, cárnià pet Essa doação::era abas que jUstificava preten-
.0,00.092
de colSOés snidéSkii.-çieut-'45.131/4104- 's8es do Papado,: na, Idade Médfa„à Posá' d'eterri-
"
fté4 'dê. tios na Itália;
'já ohne matáriáll para a reconstitui 'Os estudiosos humanistas Vão, .0ortanto»nurria
passailh. Do século XVI. ao XIX vão-se rrsultiPlidar linha que surge desde a segunda rnetade•da Idade
as,,trnicas para reunir, preparar e criticar toda essa Média (século XII em diante), reviver a tradição de
docuMentação, que fornece os dados e os &amen-
crítica dos filólogos (estudiotos. de textO) e histo-
tOs para' a interpretação histórica. Esse conjunto riadores da Antiguidade. Do avanço dessas técni-
de técnicas se aperfeiçoa constantemente neste cas eruditas é que nascem ou se afirmam a crono-
período e vai auxiliar a história (seu conjunto cons- logia (estudo •da fixação das datas), a epigrafia
titui a erudição). (estudo das inscrições), a numismática (estudo das
Essas técnicas permitem que, nas polêmicas le- moedas), a. sigilografia (*estudo dos selos ou sine-
vantadas pela divisão intema:'que se dá na Igreja
tes), a diplomática„(eStuaor dos diPlotnast-ia ono-
stiêtse iperrodn'(aérRefOrina);numa procura de exa-
mástica- (estudo dos nOtrieikiïitiót) S'a ; heráldica
.ticlão se busque sálier.axatámenta o que se -Passou (estudo dos brWs5és),i,genealedieteítúdo edaS
cánta igreja e &cristianismo lha desses casos por ;
Sti
(ei
,La 416:s:ves-
; exemplo, é Jo'de"•-iii-na4rittlfier-nijá;qUe•rteriá exis tfgios materiais- antiütiS),:a,i1616-gialeatáciOttici's es-
1 tido nos séculos XI; XII .ou XIII, a papisa Joana.
1
•• ...II. em --a
h• h.
28
voy.Noepg fomes . o que égiAtória • 29

critoí• antigoil. HáfOni 'esforço i centfilgo. arevés


dessas técnicas, parai() aprender".arescolher ;i5i 40:
cumentás significatiVos, situa-los no teM13-0:,‘,1)Oes-
paço, classificá-los quanto - ao *terá" e crític‘los:
quanto ao grau debredibilidadet,,
!silo século XVII I, -numa sociedade ero, plena;
transfOrinação, ,cOM - a desestruttiração.final.clo sis-
tema feudal -e O. evariça OrdeiwbUrguesa,- surge
o I lu rninisino corrente filosófica que procure mos-
trar história, domo sendo -o -desenvolvimento li-
near.pragressiVo,0 ininterrupto da (razão humana.
Para alei; Idade Médie foi -o' período4as trevas
(causadas pela fé, como -explicação de tudo), mas
agoser com til liurnmr; o conhecimento se apro-
xima da Verdadetiltiniinisine vem de "luzi. Para •
esses filósofos, a humanidade irá itada -vérmais d6-
,. minar a natureza, Muna evolução progressiva cons-
tante. Com Voltaire, um dos maiores filósofos des- É
sa escola, surge a preocupação com a sociedade em
seu sentido mais alívio, ele qUer 'ver a "história da
civilização", preock.spação que acabará impondo-se
na Europa Ocidental.
O homem, levado pela fé em sua própria razão
(o homem "iluminado") vai trabalhar para o seu
progresso. Grandes transformações se dão com a
Revolução Francesa que, no final do século XVIII,
traz a efetivação do poderio burguês; ela acaba, na
França, com as últimas remanescencias do poder da
Igreja e dos senhores feudais. Por extensão da in-
fluência francesa, isso se transfere aos outros países

;
/


.• O que é História 31
30 Vavy Paëlie- éO Borges
,
"i,bilinp et) E%os P11.:
I -eãdiVriats ValtièVentaiter:dockiffientaÇaggingte :
' Eiiropt:Ocidental; especialmente através-, dás
iáliét1OaSSer.10:1kAlernanhaosrások-Ogghpmpu-
" guerras ngibleônicas;; bj- ?i •-•
- '16 liaCitinelittajwal pírsoulsalksObTQW4áf9
' • , i-Essa: butguesia no comando -, polltiaoyda:40cie dediélialr alprOdUrarivaloriOralS'agPn.i'"; ,"
'. !.cletle ?européia vai ;procurar reorganizar suas -forma', titeja,Mntienicalbe sgrie,ARcu-i
pensa:tênias; biscandoexplicar a •nova:-.realidé-
Trieritar, a MOMIMental3ermaniaelligorrka,,q4M a
ct•tYclaNão são-mala:miteólogo:is quwestão no cornari-
:inálit'iàitkastantacibleret 'Mantos medievais exis-,
';‘OO;desta •explicação; mas sim os filósofos,:o.ffibe- •
tente até hoje. É urna tbradiretamenteiçrstimUlada'
• iffilisinolf a --explicação; a justificação racional .dessa pelosoVem6 e leva décadas a.trabalho. de recolhii
riCiiasociêclade; -essa-torrente filosófica reclama o mento de textos, classificação,: etN LRe.Oniiisit leis
' • ordgretto através da liberdade, contra a, forte; auto- bárbüat fnais :variadat,;.documentoszstitirt, impe-
ridade das rhOnarquias e da Igreja, que- se.- exer-
radores. 'e» papes; crônicas .históricas, .,poemas„ etc.
••. de-kturante multo; tempo, em todos os níveis da Dentro dessa , visão: nacionalista. ri,:.que,s.e encait
r Sociedade. ; Depois ;da Revolução • Francesa, esse
algtins historiadoreSsegLIP-659,,.0siingtdot
liberalistriO,. 'agora -semufunção destruidora? v& Se toniof românticos,. poiç-dota.dostda uma Cart`atorii-
• • ;fixar mais numa posição organizadora -dos estados - témplação sentimental da .história,. procurara :ume
nacionais liberais, cujo Melhor exemplo é a In- volta ao passado cheia de nostalgia. Pará eles, a his-
Alateita. tória • não pode ser feita, como uma análise fria: O
• Alguns historiadores do período, chamados espe-
Ousado deve; ser ressuscitado em todo p Seu. am-
cificamente de historiadores liberais, são muitas biente próprio. A sua época predileta foi a Idade
vezes estadistas, homens envolvidos na ação polí- Média, com seus. castelos, suas lendas e sua cruel-
tica: com esse intuito amplo produzem suas obras,
dade, seus cavaleiros e • seus torneios, suas cate-
em geral de caráter político-partidário. drais e seu misticismo.
No século XIX, temos inúmeros conflitos nacio-
• )ara compreender a história de cada nação, preo-
nais. Nesse sentido, os Estados em organização e
cupação geral do século, os historiadores voltam ao'
; estabilização (corno a Inglaterra e a França) e os
passadO, procurandbcarácierizaitiesOkito de cicia '
Estados ainda em . processo de Unificação (como a povo; esse espírito é ,que. explica, para alei sua situa-
-Alemanha e. a Itália) vão estimular o interesse pelo
tão e sua maneira cie spy.. ; . ".
estudo de sua história nacional. Surgem inúmeras
É na Alemanha que sirría 0-:Scu-p-àçiço de
sociedades de pesquisa, governamentais ou parti-
transformar a história ufriaèiêncià.rkEurOpa
n
- culares.
Vavy Pacheco Borges O que é História *. 33
32

nicas necessariamente, numa relação determi-


vive uma época de grande desenvoiviinento dás:
nista de-causas e conseqüências (ou seja, efeitiirA
ciências riattiraiS, tomo a 'física' e ,aquWea. Os
história por eles escrita é uma sutessão de acon
historiadores alemiles, em reação 80 Idealismo \(que
veremó daqüiza ;pouco); querem que .a história se cimentos isolados, relatando sobretudo .,os feito
pollticoticle -gratiderheróist, osproblemas diriást
tome üma'clêrtcla, o;maisssegurapossNal‘coino as'
c coafsat • batalhas; ; os tratados , diplomáticos; ate.
ciências (intatas:1 Pretandem um-.grau ; de :exatidão: '"Da influência dessa- tendência vão .surgir inúme-
r cientifica semelhante: era necesséria, a elaboração' 'los "trabalhos ;de alcance muito pequeno, superes-
de:Metedoa - de -trabalho arálogos-e efetivos, que'
'pecialiiados e que quaSe nada explicam. Para
, estabelecessem leis: e verdades de alcance universal..
realizarem ^trabalhos que considerem realmente
Ora, alisa-Fará uma tarefa impossfveLdeyido à cilia- cientfficos, esses historiadores acham que é preciso
refica'dátnatüteza dessas áreas. , ver -o- passado como algo de morto, como qual o
Conte finalidade :acima, sei-trabalho yaise cen-
presente em que vivem nada tem a ver.
tralizar numa crítica seri fssima:das , fontes, visando
ao levantamerite criterioso dos Jatos: O. maior Nessa nova sociedade que se impõe no século
XIX.aparece uma corrente filosó,fica, o Idealismo
nOrnertlestahteridéntia; Chamada "escola científica alemão; que traz - enormes conseqüências para a
ataras,: é' Leopold flanke, cuja frase fimoSa and' história. Hegel, seu maior nome, vai estabelecer
rne toda uma .forma de contar a história imperante
uma nova atitude filosófica frente ao conhecimen-
no século passado: era preciso levantarem-se os
to. Ele supera o racionalismo que endeusa a razão,
fatos "como eles realmente se passaram". Seu
corno a verdade absoluta, e mostra que o conheci-
trabalho é exigente, seguro, mas essa linha de
mento não é absoluto, mas se constitui corno um
orientação vai acabar dando força ao positivismo
movimento, o, movimento dos contrários (lei da
histórico, iniciado no século passado, mas com uma
dialética: tese, antítese e síntese).
enorme influência até hoje.
Hegel transforma o conc:eito de progresso
O positivismo corno filosofia surge ligado às
retilíneo e indefinido (próprio do Iluminismo)
transformações da sociedade européia ocidental, na
numa evolução dialética em que não é mais a razão
implantação de sua industrialização. Para ele, cabe
absoluta que explica tudo. A dialética, aceita desde
história um levantamento "científico" dos fatos,
a Antiguidade Grega por alguns filósofos, é agora
sem procurar interpretá-los, deixando à sociologia
retomada em Outro sentido. O Idealismo de Hegel 4
sua interpretação. Para os historiadores positivistas,
uma concepção que mostra a primazia fundamental
os fatos levantados se encadeiam como que med-
Vavy Pacheco Borges O que et História c•35
...

Fátérn, corráVo • majetia),iPrrnn6TIR: ,StliS


dila idéias do homem em relaçãO à realidade e ao . ftifidadõreS esto; desde, o in$1. wdos à:uba?
detinVolVimento do proceSsO...Nt9r!993,. tentativa :•de,;!;transformaçãon „S§ediOnfrit''.'de
spciedade?"-tapitalista burguesak; sukG i nf 1 ha.
, • ., "pkidUçãci' hiStóricstrda segup49::iiiezi
Otniátephiliiiiio lüàtótico passado é muito Pequena. :
' e ahistória ada~c-a Apesar de uma recusa formal. e ConsCierifè deSsa
nova teoria; ela vai .acabar Influenciando todos os
mó:moia-AXe temos a'efetivação da sociedade historiadores ocidentais, ap Chamar a atenção: pára ;
iiinplantação do capitalismo indUstrial. elementos fundamentais que não watt anterior. I
burguesa e •o Olíltalistno é mente levados em conta: : ; ." • •
Cia, 'desde Meados • dessei século •
criticado como" forma de organizaçãO dá Sociedade. 'O materialismo -histórica mostra qua ós homens,
:, crítica, vão se destacar dois pensa- para sobreviverem, preciãm transformar a natUre.
Ratai linha de F riedrioh::_Engels. Esses dois za, o mundo em que vivem. Fazem-no nãcilsola-:
D.d9nYs Karl b demente, mas em, conjunto, affitidd biyr sociellade;
faieráni: w.ct(ilÇaçO. ,s9064:Seld em
e-StW;lioàé'is, ao , estabelecem, para tal, relações quê nko dependem
que• viyein e apresentarem propostas I Para sua
trarisformeção, elaboram, retornando a Visão do diretamente de sua vontade, mis dependem do
filósofo Negai sobre o movimento dos contrários, mundo que precisam transformar e dos Mehás que
uma nova concepção filosófica do mundo (mate- vão Utilizar para isso. Todas as outras relações que
rialismo dialético), que supõe uma nova teoria do os homens estabelecem entre si dependem dessas
conhecimento. Seu método aplicado à história é 'o relações para a produção da vida, não scib uma
forma de dependência mecânica, direta e determi-
materialismo histórico.
Os doisestudam sobretudo o capitalismo, a nante, mas sob forma de um condicionamento. O
: uesa, suaS leis de evolução e a ponto de partida do conhecimento da realidade são
sociedade burg
transformação dessa realidade fundamental que, da as reldções que os homens mantém com a natureza
Europa, se estende ao resto do globo. Estudam, e com os outros homens; *ião, são as idéias q l üe vão .•
introdutoriamente, as formas de sociedade que provocar as transformações, ririas á 'condições
precedem a capitalista. Ao fazer esses trabalhos, materiais e as relações entre os homens; gime estas "
apliCam o método do materialismo histórico, o que condicionam- •:" ,•41-1.4•""-:a tnC".:it
vai provocar uma mudança definitiva na forma de Essa atenção para o as¡SeCtiãa-prOduçãOdiVida •
pensar eproduzir a história.
vavy racnecu IJVr isco O que é História
36 . 37

material vai começar a aparecer nos trabalhos dos. visão de Stalin e seu partido, superam a finalidade
historiactOreg não marxistas: desde o início do de uma procura cuidadosa de explicação da-réallz
século XX há uma reação contra a história positi- dade. Esse dogrhatismo leva a um empobrecimento
vista,' que praticamente .nada explicava, e, em sua do pensamento marxista, pois não vê, a ,rearld ade
,
procura de explicação, os historiadores vão come- ' como dialética. Ele absolutiza o Estado e e &der,
çar a levar are conta os fenômenos da produção simplificando e eoquematizando a história. O
(pareales
t •produção = economia)i dogmatismo stalinista ajuda 'a 'alistar de- [cataria-
arx e'Engeli, a históriaá um processo di- lismo histórico os histeriadores da. Europa Oci-
Para M
nâmico, dialético, no qual cada realidade socialtraz dental. •
dentro de si o princíôio de sua própria contradição, Só depois de 1960, quando esse dogmatismo
o que gera a traníformação constante na história. nOlinista começa a ser danunciadp na União
A realidade não é estática; mas dialética, ou seja, Soviética, é que se vai, no campo dos historiadores
está em tr,ansforniaçãO pelar suas contradições marxistaí, proturar superar os erros ccorrinidos.
internas. No processo históridó, essas contradições A maioria • dos estudiosos marxistas do" mundo
paia luta' entre as diferentes classes ocidental preocupa-se mais com-filosofia, teoria do
559; geradas. ;
sociais. A6 oharriar'ïatenção•para,a sociedade co- dOrilieciMento, sem se dedicara análises histiticas
mo um todo, para sua organização em classes, propriamente ditas. Sua preocupação maior pren-
para o condicionamento dos indivíduos à classe de-se, nesse campo, à elaboração de um conceituai
a que pertencem, esses autores também vão exercer teórico de análise. A importância do materialismo
uma influência decisiva nas formas posteriores de histórico como método de análise para a his-
se escrever a história. tória é um legado que ainda está para provar sua
Seus grandes legados à história, portanto, são a importância; como diz o histol.- xlor francês Pierre
contribuição para a análise do capitalismo e a Vilar, "a história marxista é uma história em • •
introdução do novo método de análise da realida- construção", à qual resta L m longo trajeto a •
de. Os trabalhos marxistas sobre a história vão percorrer. •
proliferar na Rússia, dá segunda década do século É no século passado que a história entra para a
em diante, com a subida de Stalin ao poder (1924). Universidade (as primeiras universidades datam do
Eles são, porém, dominados por uma visão dogmá- século XIII!). Ela se toma, então, uma disciplina
tica, autoritária, em que as finalidades políticas de acadêmica, ou seja, é produzida desde então sobre-
implantação de uma sociedade socialista, segundo a tudo no âmbito das universidades. Nelas domina
. 39
O que é História •
Vávy Paiiteco giokes •
38 hur ... nc.ini
tica
an Aaietw ba91:..
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Viithaglõ
, ,coi hec
áreadct entiapoi
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tinia visão-filosófica liberal, preactipada 'Sarnento economia,
duçãolnterdisüldliiiar (onde)colaborm,-assdifer4
coei iiiiXOlicação do ,mundo e não COM soa transe • \ lflàs?dOè1 MOS. OfillOe
fafbir.fia:- 0 materialismo, ttistoo liãO`é áf ado- I teS d
n •!‘•:.1•01'..f, ritiTi(Y)
tado,, OOfrenar ¡associado, r:lai0e seu aidiiiiritito(-'à I sintt.09r.ess -
t
„ cr(tite e:trifintfamiação revoltiCionOilada 1... Siada-
". 3.: f
Perspectivas ataitir
....••••
de Aos,
*Cii¡Sitglita:
poucos, porém, vão aparse,nda h-mugirdes
cleilsd'steptiã da história) elas são parciais e, nós Begunda Guerra Mundial, ao projetar.a.lfliPr
rnótós'unisiírsitátios, binda predornina, até o século tçJa4õs EUA dá' RúSsia e do Japãoi. mostra aos j
k5t,' Eithitt6iiii (positivista.,,g 03retOo ta França historiadores eardaeUs-arnecessidade da:teve-suas
- qtal -60árreni as :primeirai transf0rriiaç5et dessa posk6as euracentrittat. A expansão. colonialista
tilitérla .t:; tinha levada a Euittia a entrar em contatacom ow
Os traballiotillISIS qtie revidam essatevistio do
asiiiiiilildredos' pelos historiadórei franceses, profes- trai ptititis, Cutrat- formas de vida, outros costumes, •
: EiSee traba- outras institáktet; Met Sisas ‘outras- formas. 49 or-
sores, 'universitários, da década Anais:
de 30. Etonomias- ganização sócia( eram Sempre comparadae;,Cam a:
lhos são publicados na revista
(revista atualmente no seu forma de organização européia, que é considerada
-Sociedadestivilizaçaes como o padrão. A expansão imperialista da Eu-
359 ano). Esse grupo ficou conhecido como a "es-
Anais"; seus grandes ropa (ligada ao Seu grande desenvolvimento indus-
cola francesa" ou "escola dos trial) acentua esses contatos entre povos e culturas;
iniciadores foram Marc Bloch e Lucien Febvre. O eurocentrismo, esse privilegiamento, essa 'coloca-
Embora sem uma unidade teórica, abrem, pelo
exemplo de inúmeros trabalhos de análise históri- ção da sociedade européia como modeladas outras,
porém, continua. Do ponto de vista do eurocen-
ca, um campo mais amplo de análise, além do li-
trismo, a bistorta é apresentada como um processo
mitado positivismo. Ao invés do estudo dos fatos
de .desenyolVimenta contínuo, desde a pré-biétória
singulares, procuram Siamar a atenção para a aná-
até o 'período Contemporâneo; elapanice ter, corno
lise de .estruturas sociais (econômicas, pol(ticas,-
- 'culturais, religiosas, etc.), vendo seu funcionamen . meta finai a civilização-euroPéle ocidental conforme
to e evolução. 'Aceitam uma história total, que veja esta.;se apresenta'. canttitu (da na infclo dp século,
os grupos humanos sob todos os seus aspectas e, Com seu granda deienvalvi mento- técnico,- sql4mie
para .tal, uma história que esteja aberta as outras
o
Vavy' Pichei.° Borges O aue.:4 História 41

-
cá , e 'cultural. É lógico que, isto Aio' assim tão preocupam com, a sociedade comO urn -tõdõ atam
claramente enunciado, mas é o'clue sé sente Mi ert- alenta evolução'-' dá Processo históriço.. 144 entre
trelirthas da- maior parte das obras de hisdila da seus historiadores Orna preocupação,MIT! uma eXPii-
corrente eurocentrista. caçãO históticí -dot teti tempo as -£01:11 prgdyçfiltda
Os acontecimentos da Segunda Guerra' MUridial, vida econômica (embora; no materialismo, a irl.,-
entretanto, o grande papel desempenhado pelos dução econômica 'Seja, vista diretamente_ lidatie 'à
EUA e pela Rússia na vitÓria *atirara . Hitler 9 tas vida dq.sociedade, através do enfoque das relaçÕes
posteriores conversações de paz levam alguns his- de produção da vida material).
"toriedorei, em especial, o inglês „Geoffrey parra- ,Na França há hoje um grande dese,nvolvimento
wrever; o eurocentrigeo. A Europa não do estuai) da "história das civilizações"
pode maisserviste -como o Centra 'do riiitittlóvex- tendidas cada- Ááz niais num sentido lira amplo.
plitar a - história em função da. hiétenla da :áiviliia- A cheméda "ri-Ova 'história" procura sempre notfos
ção Ocidental não faz mais senticl&Ê predio, para objetos para a história (exemplos: o panei do,dima
• se entender' a presente situação começar a olhar na história, a história das mentalidades; com o exa-
para as Outraspartes:de posse 0066. me, par ixeniPlP,I daidaida morte no Ocidente; a ;
Müdanças ocorrem muita Vagarigarnente, e história dá cinema; abístória da gastronomia fran-
até hoje temos muita influência dessa visão euro- cesa, etc.). Os herdeiros da "escola dos Anais"
centrista. Nos EUA, o outro pólo da civilização hoje em dia são há vedetes populares, ganhando ho-
ocidental, o estudo da história não é especialmen- rários nobres na TV, capas de semanários, etc.
1 te desenvcilvido; é uma história ainda em grande
* * *
parte mais preocupada com o factual.
As maiores influências nos trabalhos de história,
Este breve resumo procura tratar da história, do
da metade do século em diante, são, portanto, no •
caminho por ela percorrido em um tríplice aspecto:
mundo, ocidental, a visão do materialismo histórico seu registro ou documentação, as técnicas para
e a visão da "história das civilizações", ligada lidar com essa documentação, e a interpretação que
chamada "escola francesa". Elas partem de explica- é feita com os elementos levantados.
ções da realidade bem opostas, pois o método com
Uma sociedade sempre se estrutura em diferen-
que abordam o estudo da realidade é basicamente tes grupos ou classes, uma das quais detém o poder
diferente. Aparentemente podem ser feitas algumas
político, o poder económico e o prestígio social.
aproximações entre essas duas visões. Ambas se De uma forma sutil e muito bem articulada, não
1.\
Valy Pacheco Borges
O que d História
43
;•-aci-•
J.. visív.ekpelos.incautosiie só pertaeptfirékirifitiá ana-
lise,...nlitit0..acuradaatgrupoisocial dominante aca- Antiguidade ou dos servos medievais, mas somente
ba, por mecanismos complexoi," intititititi aos sob a dos cidadãos-livres da Grécia e Roma e dá
• • outros gniposf seta .1-nottraitidsiereteálitfácIa, o qute senhores felidati sob a orientação •da Igreja; final-
vai....-refor.catt cs»,setis iinteretsesT . poiScifictlietmite mente, viu-se a história escrita sob a ótica da bur;-
:manter sua; situação •de:iptiVildóio»Neisi ,:risao de guesia, em diferentes e múltiplos caminhos que nos
mundo que-. é• imposte-titabIrisOlkitrieriá mostram uma sociedade cada vez mais complexa e
. . .
rens, seus preconceitos, -etc., • •• . da qual possuímos cada vez mais documentação.
•Essa ‘domina0111O, evidentemente; nunca é 'total Do ponto de vista das técnicas de pesquisa, a his-
,•j (nãoihá -nada dê "absoluto"-na história doShOinens), tória está em desenvolvimento constante. Desde a$
nenwcoMpletalvtárite Ocinséiante el tácional .'Seãssim
- primeiras investigações gregas até o uso do compu-
.•"' fosse; - não:•sepoderia . .peniar- em'transformeções. tador, as formas de registrar os fatos históricos e de
A dominação tem suas próprias' 'Ontradições e utilizar suas fontes, vêm tendo•um contínuo aper;
iv ambigiiidridesi "n" ' • •": . .f.ái0aMen;d: ,r- . . •:•-; • • •
AssimV dental; do .'CaMpo ésoecífiCOde - história, Crs:problernas teórico-metodológicos, sobretudo • .;

- há um certo- controle, não explícito más prático, desde meados do. século passado, depois do apareci-
do registro e da documentaçao. É muito difícil en- mento do materialismo histórico, centralizam cada
contrarem-se, por exemplo, documentos da vida vez mais a atenção dos historiadores. Do desenvol-
dos . escravos na Grécia clássica IV séc. A.C.). Sabe- vimento desses problemas depende uma melhor
-se, porém, que lã havia Uma j)opulação com a pro- forma de apreender a realidade.
porção de um homem livre para cada três ou qua- A história da história chega então ao século XXI;
tro escravos. Eram os cidadãos-livres os elementos parece-nos 'que só uma retomada das origens e da
que constituíam a classe dirigente da sociedade ate- evolução dessá história no$ podem fazer compreen-
.niense, e não temos quase documentação sobre der sua situaçffo atual, que deve ser sempre vista
. esses escravos, embora eles não fossem analfabetos dentro de uma noção de..prccesso.
,
((aram prisioneiros de guerra de outras 'regiões).
sobretudo no campo da interpretação que se
sente essa ação de. uma classe que dirigeesocieda-
de; No caminho percorrido pela história; vimos que
ela nunca foi escrita sob a ótica dos escravos da

-
alia a
O que é História 45

sentido (os acOntecimentos históricos), e o termo


„ "conhecimento9 (te históriaconhedimento); Para
designar. o segundo sentido (o conhedmentó his-
t gaiact). -' • , ,
, &história'acontecimento é a história do homem,
vispa,corpo ,urn ser•sociaLvivendo em sociedade.
ia história do processo dttransformação das so-
ciedades humanas, desde o •seu aparecimento na
terra até os dias em que estamos vivendo. Desde o
A HISTÓRIA HOJE EM DIA inrcio,, Portanto, pode-se tirar uma conclusão fun-
damental: quer saibamos ou não quer aceitemos
ou não, somos parte da história ,e temos então
todos, desde que nascemos, uma ação concreta a
. Nó novo diciOnário Aurélio, ao se'procurar o ter- desempenhar nela. •
mo "história", , entontramos muitOs: significados São os homens que fazem a história; rnasi evir
para a paleVra: Entre uns quinztentiMerados. Pope- dentemente, dentro das condições reais que encon-
mos destacar alguns que enfocam a história corno: tramos já estabelecidas, e não dentro das condições
o Passado da humanidade, o estudo desse mesmo ideais que sonhamos. Eis ar a razão de ser, a justi-
passado, uma simples narração:, uma "lorota", ficativa da história, em seu segundo sentido: o co-
nhecimento histórico serve para nos fazer entender,
uma complicação, etc.
Como se percebe pelo primeiro capttulo„a his- junto com outras formas de conhecimento, as con-
tória de que aqui tratarhos está ligada aos dois pri- dições de nossa realidade, tendo em vista o delinea-
mento de nossa atuação na história.
meiros sentidos mencionados e que colocam clara-
mente a ambigüidade fundamental do termo: ele Os dois sentidos da palavra estão, pois, estreita-
significa, ao mesmo tempo, os acontecimentos que mente ligados: os acontecimentos históricos (a
se passaram e o estudo desses acontecimentos. Para história-acontecimento) são 9 objeto de análise do
contornar essa dificuldade, os historiadores às vezes conhecimento histórico (da história-conhecimento).
acrescentam ao termo "história" o termo "aconte-. Numa extensão ampla dos dois sentidos, história
cimento" ou "processo" (a história-acontecimento seria então aquilo que aconteceu (com o homem,
ou história-processo), para designar seu primeiro com a natureza, com o universo, enfim) e o estudo
- 01( Oque é História • 47
Vaiy raaieod Borges

a:C F:1) ; . :fliertlsociedade..,-Cada--uma - dessasiáreasptemsekten-


desses aconteciMentPs. Tudo lengtanstOri.N.Pols,
'
:'foquei•específico...1knasvisão;:.maiscamplirst-tmai5
sabemos,,que tudo, se: tiranSforirne rtggittit-4,1tqd0.1
A

icompletak entretanto,:,•txige...ai cooperr àçâo minhas


Mas. aqui Tios cinteressam ;par.tolPillM00 , ai “tfonsji ii-d1versatáréaw4sso lemsidortentariat.a3les Uttglig-
formações das sociedades sos ooin,inaioroasménorixitp)fflokcismadtpotrgrba-
• “. O sentido rimais, diftmdido „do ,sterrpora., o ,-Pit,nleisi lho interdlsciplinésjpoisinclutdiferentesdiseiplinas.
ro, P de 'história-a . coPIefflkilleilt,9;1•4 `ITifit4r Reit, do skitistóriá protureespecificamente Nerf,astrans-
referimos
tempo:;ern ou :formações • pélas qUaisipassararatas soçiedadeschu-
-nos, por -exemploè.. à .[::histórie Mas aqui ,tratamos manas4 A: transforniação-4 - a -essência da. história;
:1:lis-grandes:, figuras da quem- olharpara-trás,na história de sua própria
441!wpdp,mi.:5‘10: • (;) , o deiOnfreci, vida, compreenderá isso facilmente.. Nós „muda-
r I EISPeçkfiçarrAnta
menta? histór,lath • ‘, Mot constantemente; isso &válido para o indivíduo .
, Ii*Oiepti3 um breve teiirmó e também é•Válido; para a sociedade. Nada ,párrna- •
O*P01,11ercr c:aPf00.
• de corpo foi, prOgzido its.etgpsint s
conhecimento.
- • nece iguale E. através:.do tempo-que se-percebem •
Nestw-papítuip. vemMOs:C.PMO:t hólticortiPie‘Odida assmudanças2.4t. ,:•..fi . fi 1 : . : 5 .• t.
e. produzida .a'l-ilStMa.j'EWe Ooribeiürd00, atilai;
é
:Eis • por, .que...se .que -; o .tempo. é a .dimensão
resultante.dO Iõrigó cainintió (Sá Wiétbriã, bbierVado de-análise - da. história.: O tempo hiétérico. graves
no primeiro capítulo. do qual se analisam os acontecimentos não. corres-
ponde- ao tempo cronológico que. vivemos,e que é
definido pelos relógios e calendários. •No tempo
O que é a história e para que serve? histórico podemos perceber mudanças que pare-
cem rápidas, como os acontecimentos cotidianOs:
por exemplo num golpe de. estado, cujo desenro-
A função da história, desde seu início, foi a de lar acompanhamos pelos jornais. Vemos também
fornecer à sodiédade uma expliCação de suas ori- transformações lentas, como no campo dos valores
gens (ou seja, uma explicação genética). A história morais: o machismo, ppr... exemplo, é um valor que
Se coloca hoje em dia cada vez Mais próxima às impera na maior parte das sociedades ' que ihistAria
outras áreas do conhecimento que estudam o ho- estuda;a ponto dese poder dizer que a história que
mem (a sociologia, a antropologia, a economia, a .•estg...eicrita mostra „pm. processo praticamente só
procus:
geografia, a psicologia, a derriografiafetc.), : 'conduzido pelos homens. No Ocidente, éproxirr-sa,
rando explicar a dimensão que o homem teve e tem
-•••• ••• - •
- .1
1m.
VálrPáéheco c? rif e, .1 ffistO
,
damente dttzurn século. para cá, surge ,urn „questÀo- desenvolvimento na história da humanidade, pois
namento mais constante/desse valer -milenarpisso ae'"irietriié tempo, Ws:geiem dia, sociedades
se dá ein grande: parte devido uma participação Orri formai de 'vida ptimitivatitonsideradatainda
filai& dá mulher no _Processo de produção: à medi- lie ihiíáganetlede a4hiktttiiido (por exerhplo;
da aMcmulheres saem idresferanucclusiva dolar como certas Mgf& tft NÓS Zelândia )4, ãsociedades
e CornbOattia tefleitit na teatidadetlin':,:i,. ; ?áiril; • time 'Will Ai itiiitênVOivitiffintó que pirmitçi
:KtEírninhada que a turnanidade ferexplica mui- p or!
aço sntee -31a rias comofazem os medi
to sobre' a -própria ',humanidade, assim como te-que teargat e os hátosj. 'Não Sé• percebe, ainda, como
urna péttea faz- explibatulto bré ela. e à cami- exemplo, urna linha 'constante e progressiva da
nhada tta 'humanidade que damosizt,notne de pro- Pastagem, a 'Partir da Antiguidade, do trabalhe
'cesso bistórico;' r .?:' • 1 :".C:: escravo ao trabalhe/Salariado: a escravidãóiquase
DErsde quei existeni sobre Friterrares,homens; es- : que desaparece na Europa Ocidental, durante à
tão em relação com a naturezalpara produzirem Idade Média, Para reaparecer na Idade Moderna,
sua Vidal-e-com 'os outros homent Dessafinteração imposta peleteurepeus nas Américas, torne forma
é que resultam os fatos, os acontecimentospos , de, relepffp 4e.trabalhe deminehte. Não' s& deve,
nõriiincis qtre'çConstitiem o.' orneasse 7 histórico.: portanto, 'identificar la idéia de processe histórico
Quase sempre que a histórieda humanidade nos com uma idéia 'de progresso necessário.
é apresentada, é a evolução da sociedade européia a Dizer que o processo histórico é cont(nuo não
ocidental que é tornada corno modelo de desen- significa dizer que ele obedeça a um desenvolvi-
Volviinento dette• processo histórico. Essa posição mento linear: não é uma linha reta com tendência
eurocéntrica é errada: do ponto de vista da história, constante, inclui idas e vindas, desvios, avanços e
a evolução da sociedade européia ocidental, com recuos, inversões, etc. Há mesmo transformações
seu alto grau atual de desenvolvimento tecnológico, que podem ser vistas como rupturas, pois alteram
não deve ser um padrão de comparação para se es- toda uma fôrma de viver da sociedade. É, porém,
tudar a história de qualquer oUtra" parte do sista, uma ruptura que foi lentamente preparada, que
ma capitalista, como, por exemplo, a América está sempre ligada com algo que já existia, pois
Latina:Não se deve, por meio desse tipo de compa- não se pode admitir o surgimento de uma situação
ração, julgar se uma sociedade está "atrasada" ou nova sein ligação com as anteriores.
"adiantada" em seu desenvolvimento histórico. As alterações no processo histórico são decor-
Não há uma linha constante e progressiva de rentes da ação dos próprios homens, os agentes da
Vavy Pachea•• Borges .0,:que é Hist** •

história. Não 0 uma evolução natural: a história da estáirn connantes:transformaçlfast hkexiste-yrha


humarsidede' é 'diferente' dal hiàtÓrie da hatimata'ai "essência •klearlt; inRitilvqlgrçiesgelP91919!".
a natureza tarnbérh tierhitia historia; .pois ela teme' teMP0aiitlaai hOnena SIXtin RIM
bée.pajilPOrtittüdar0; todo o unhiertkrias Sïuas sasz..khtiMginidàsle:PS9 WIN1100:0013109099i °Ha
' i t: itiO : h istóriai não Etane143 41;_inn ,4 -rn. -
mais dilferarités'YOartest,. sofre : MudálittáMád
tem, eiiâ'hitkoria; Más a.
~ria daliuthanidadté :Na :MIOLO,: ,dIfIÇIImente PO
,
, por 'ser* feita trakar,-,ap mesmo . tempo, , de toda .-g burhanidadef
diferente' rqüe; (Ao escrever thistóda, em gerai ele.se ocupa eipe-
so. ;Cis. hOrrihi:géolistitUfdds em sticielladét
embora 'nein terinfire ansciehterriehte'etUararn e cificamente de uma determinada realidade Concre-
atuam _para que as coisas se passem de-unia:ou de ta,,,aituada, notempo e no espaço. Estudem-se uma
tribo, um. poyq,:_unn império, uma .n 1:çpa Oyk-
OUtrá Maneira, 1:¥iii'qctiO tornem UriffurnO ou YOu-
-dte. Uma força lização, como, por exemplo, o poyo,judeu5 afifes
to. A- entidade likisk!Sria" hães'aid do nascimento de Cristo; a formação do Itp.Pério
super externa aos homens, que Os' conduiisté
Maceciónico, a...civiiizar;ão greco-romana, ,Osurgi-
cornotkretculotiiilde*Isie;
00 se deve buscar urna ri3iãO pariá Oi aConteci- mento idaA França, ato.:Mas a meia da!fiormulaçâo
itõriCOW deàdó Canhedirriehto da' 06- de urna histõria-sfnteee:..(uma explicaPAO 010)01 de
meritój ifij todo o processo histórico) não deve ser afastada,
pria história; a trajetória do homem na terra é In-
determinada, em busca 'de sua própria razão de • embora muitos historiadores acreditem ser ela
ser. Vista em si mesma e por si mesma, ela não faz uma utopia.
O sentidO dós acontecimentos históricos O homem é um ser finito, temporal e histórico.
sentidó. : Ele tem consciência de sua historicidade, isto é, de
não deve ser buscado através do Conhecimento his-
tórico, pOis a finalidade desse conhecimento não é seu caráter eminentemente histórico. O homem
explicar a razão de ser do homem na terra, não é vive em um determinado perfodo de tempo, em um
dar uma justificativa do que aqui estamos fazendo. espaço fáico concreto; nesse tempo e nesse lugar
Sua finalidade é estudar e analisar o que realmente ele age sempre, em relação à natureza, aos outros
aconteceu e acontece com os homens; o que com homens, etc. E esse o seu caráter histórico. Tudo o
eles se passa concretamente. Esta análise não é para que se relaciona corri o homem tem sua história;
buscar uma filosofia da vida, mas para propiciar para descobri-la, o historiador vai perguntando: o
Uma atuar„ão concreta na realidade. quê?e quando? onde? como? por que? pare que..
Falamos sempre em "humanidade"; como ela Todos percebemos, por experiência; a ligação
1

.52 Vavy•Pachéb Borgià


O que é História

bSSttpIfcitØëfltYô CliVidéitt gera iltdeiertititt:


paSSadbLOreteníe-Ititurd.L.Plast a •histôtia,:à-throPO bem, mais sutil: não se pode afalar:4,, unia hilt,
do :futuro., qualquer coloCetgióntilene
stiritéressinasse-pettpaciltrat 9.Aue •épreci t lejniqp,„4,
só' fatais:6 us'tstótia qaó triettfidestudaridoira mera especulaçkoréddeselalarer
153119-d-
passado mais remoto, MOS Pell'aeXplicariateall- babil idades, porslbilidades- hiSt:0714a
it !Piá&. rgAllg
do -4;p.ietisso,..,Fazê-lo seria irripor Urrt.,M0ein
dada Pre3/4eOtatfaterUiiiiiiitiditied0Pretentehão te. „
-fiXadO da PaP19 as coisas èe da.Yak
4,.POrtaiiti5; escretrer:Stbrit:PreSerite, !nas Sobre passar, o
indegàõtéS', 'têi-cprbblerriliS . tiónteinpõditiedt 'ao. é impossível. A partir de uh') diagnóstico do preset17-•
•• "" te, ela Pode ajudar a delinear ações futura, n'acis.
. ,É priElitil bói-dia-dar o•• preste • e,'• eni sbiStória, mais que-isso.. • _
tt idzarrilit'sólirkitddó através; do'pa#add, rent- .Seu ,uso, porém, tem sido . iiona_cOnsta_nte peldS•
.-", •t: ? • que detém qualquer tipo de :Oder:oiti .theãoci
Conforite o Presente qtie vivem os 'historiadores, • poder que, advém do próprio :saber. A história có -
são •diferentascrii pergüntris-qUir'eles:fazeittaPpatia- mo forma de conhecimento não deve servir a tinia
cedi'difereríteiit . as PrOje çõestdeintereisek peite manipulação dospoderoscis, . , .
'pectitiaa' éléslançain.rite passado. Eis Mas, ao explicarás ira nitiárrriações reidltantas das
por que
que a história é constantemente reescrita. ações dos homens, a história levai peitaber que á
Como diz o historiador francês Braudel: "a história situação de hoje é diferente da de ontem e procura
é filha de seu tempo". esclarecer oi "cornos" e os "porquês" disso. Para
Mesmo quandO se -analisa um passado que nos os que não sabem das alterações passadas, a reali-
parece remoto, Portanto, seu estudo é feito com dade que vivem pode parecer "eterna" ou "intrans-
indagações, com perguntas que nos interessam formável", e como tal justificada. Isto leva a: urna
hoje, para avaliar a significação desse passado nua atitude passiva, à uma conformação. AO contrário,
relação conosco. O passado nos interessa, hoje, pela o conhecimento dessas alterações passadas e a com-
sua permanência no mundo atual. preensão das condições das mesmas Podem iehr •
A história vista como o estudo do passado pare- ao desejo .e à atuação concretawern,bussadapmtres
ce hiáje para todos um ponto pacifico. Mas a histó- transformações. -2 • : -
ria também é aceita corno o estudo do passado em A finalidade última do conhecimento histórico
função de um presente desdeos historiadores gregOs: é, portanto, propiciar o -ciesenyohrimento das forças
transformado,-as da história, ajudá-lasj
A ligação da históriaS com o futuro, portm, é ese tomarem
mais conscientes de si mesmas. kio l através dessa
\.
Vavy Pacheco Borges V 0 que é História $5
54 1::r* ç\.1 • •" SP.- ": : ‘:: \

, ampla, como, por exemplo, ao se examinar uma


consciência é que; essas forças tefict possibilidade
eethettil 06t'siilitobutalitei4tehder orgatili
de se efetivarem. , zãção de '111,0a elatte socielrurfi• sitteidtfiihitteffit2
tiv6:444:37.(ir4 ou::
OSSO produzir a .1ust() ? • F"v fÉ'tireálto'ver
, bes'idarnente
KV ído ciOnlidOS; Os IréViifveli. fühdiiitentaii jtá hcgti• •
o -.Ninem. ser, viva,:è conscsente!-- J
ern'-die'tãO: O'S t:Conômida: tibritidd e .idefir
ruh
-;c traèi,m, (dride se 'inClUerin oé! asPeãtot.'dultúrale•e'2
retitidáde total.todos..ot:(4" oildeSa.r.ealideP‘; : religidios). Simplificando muito, de lima Maneira'
interligatj,. :ainterinli rít,;;eiaizi!_a~:Mr..,
kift geral e esquemática, uma sociedade se organiza &ri-)
analisados sepirádamente . ! fiinçãO do..Ptidet polktiçob: e-de epropritição'idont-
ragerr4;z25on *ente eni miCas. OS grUPÓS que' cornáridam nessas' áreas pitia'
todos eles estão unidos devi '20,eisaffeekideitO,tal
curam Manter-o predomínio e organizafriate 'para '
qte-karreeligii(le do homek3d10Mcle,,:ete-tociés.iade que OS relações de ;feder te reproduzarit nesse'
04•01:1 uterturea•ÉI:teilltd4le tijt deibiledede.'• Ao' farialitar urhelociedadúerris
".-rtuencits;.• poreje, se vai determinada éPoCe; temos que'. léiar em tonteie:0,es -•
histórica 'espeõffica, temos a -JteridênCia -saïdeitteat
maiCum aspecto ou outro dessa realidade: As, Ve- três diferentes níveis. As transformações. eitrutu- •
zes/isso &neCessário para facilitar a andlise; outras reis neles, que alteram o conjunto da sociedade
como um todo, são as que nos interessa conhecer.*:
veies, por razões didáticas, costuniese isiParar os di-
O historiador examina sempre uma determinada. •
versos níveis da realidade, parecendo isolá-los. Ora,
isso pode levar a um esquecimento da noção de to- realidade, que se passou concretamente em um
tempo determinado e em um lugar preciso. Sua pri-
talidade. Por exemplo, ao estudarmos a HedJdJ (a
meira tarefa é situar no tempo e no espaço o que ele:
peregrinação anual dos muçulmanos à sua capi-
tal religiosa, a' cidade de Meda), este fato- geral- . quer estudar: a Inglaterra no infcio do capitalismo,
mente é visto como de caráter religioso, esquecen- os descobrimentos portugUeses dos séculos XV e
do-se suas outras conotações pol ft,ices e econômicas. XVI, a revolta dos estudantes parisienses eni
Ao e, .udar uma realidade histórica, vamos sem- de 68, etc. Cada realidade histórica é única, não se -•
repetindo nunca de forma igual. .•
pre vê-la em conjunto, não analisando seus fatos
isolados, tinas sim 'dentro de uma realidade mais Só ;Se pode conhecer uma realidade do passado
• ;:,» •
Vavy Pacheco Borges
_ O que d Histri 57

; através do que dela ficou-nagistrçado ke:loc,urnentacio


, para a posteridade," A maior parta cla,documenta-,,,
e ção utilizada em história é escrita, a ponto de se
, considerar, impropriamente, pomo "temposhistó-
ricos" aquelga tempos:Au! se ipicsiarn, com a iriven-
1 çãp e a45e.,taka escrita. 'Na verdade, isso pão .é ,
: correto, O. ihornern tem história. ,desde, que ele
1 existe; na ;terra, ineimi) que -ela tnão. esteja devida-
mente documentada para _as gerações que vieramí

: Algyps,,períodqs históricos fiçaremputto'poUit


4, documentados por, escrito. Para conhecê-los é pre-
ciso o auxílio das técnicas auxiliares _da hiatória,
i que surgem no Mc* xyk . e que do as pp,isas a
; ajudari-finrecqnstitujr- unna.-getermfriad AP9ca. Pori
1 exemplo, eo estudo; dos povos bárbaros 'que iniek-
dem o Império Romano entre os séculos II eV D.C.
é um dos mais incompletos, pois praticamente não
é documentado por fontes escritas. E só com a aju-
da da toponímia (estudo dos nomes de locais), da
' lingüística (estudo das línguas), da numismática e
da arqueologia que se pode chegar a algumas con-
clusões.
O importante e essencial é que o trabalho do his-
toriador se fundamente numa pesquisa dos fatos
reais, comprovados concretamente. Em geral, é
mais comum, sobretudo em realidades históricas
mais próximas de nós, que os véstfgios dessas reali-
`dadas sejam inúmeros e que o trabalhe) do histo- _
O historiador: Sérgio Buarque deliollanda em plena atiri:
riador se inicie por uma seleção desses dados. Essa dade de pesquisa.
O que é História 59
58
Vavy Pacheco.fitoges

seleçãoé feita em função dos dados dpipassago que


lhe pereçam mais significativos..;
A.;:dlyersidade,,dos. testemoniK4 tOgilliSsé09 é
A
muito:ira:Oen:Tudo quanto .se di* :til se: escreve,
tudo quanto se:práduz e se fabric.e.00de•peym'gr tr'do-
cuprrento hisefrricá f Antigamente ,p idéie _de :Um
documento hisibrico eraa de !fpapéis:Velbos",, refe-
rentes.: a.."pessoes imporiantee'‘,(reiswinnperirdOres,
generais, grandes nomes das 4rtes ou das religiões,
etc.)i, as ,quaii eram yls-tes:.como os,concláto.res.da
tristOria, .AtuainieMe tem-se. Consciência,. iie que,
entre outros exemplos; uma . caderneta ,de despe- '
sas ,de urna dona-de-casa, : um programa de teatro?
.um carastroio „ de restaurante, um :tolheuo de pró-
PilçAç:?,.' AO yçr.4.ffióiros dogirrigr:lt%:his.téricós.
significativos e reveladores de seu momentO. ,
O jornal é um exemplo bem espeçffico difonte
historicá: ele se toma cada vez Mais utilizado numa
sociedade em que, depois do episódio americano
de Watergate, a imprensa e os outros meios de co-
municação (como a TV e á rádio) aparecerá cada
vez mais com maior poder. Na época positivista,
em que se procurava uma "verdade absoluta", o
jornal era desprezado como documento, pela sub-
jetividade nele implícita. Hoje é sabido que uni 6r: •
gão,da imprensa está. sempre defendendo posições,
querendo formar opiniões, atravéS de uma 'venda
de inforrnaçõei. .E justamente liso que permite
a& historiador 'detectar a posição pol(tico-ideoló-
gica do jornal, ou seja, o que pensam de Pól ftica

,
- „,
- • • ',
I- ^ "" •
, •
*".'


O qüe .4 História .,
Vavy Pacheco Borges 41 1

e qual a visão da Trealidaddque têm os.proprietá- a' docunientea ou realização dó Tentriifistaiírète.


rios ou diretores do jornal, ou melhor, o grupo No futuro, descobertas atuais Mais "sofistitiadat'L
social que eles representam.- É *II exemplificar, Como o ditei) gaja leitura -é feita-Par rtieldde raio
laje,. e qee;"-hum ciiárnetro de 35 Cm/pódbiarriiitte-
chamando a atenção dos leitores -Parta diferença
nar- ápróxirnedarnerite 10:- mil Mgikutá de irifte
entre um jornal da chamada- iniprense IbUrguesta e kiiiii-
uni jornal da 'chamada imprensa alternativa ou ções -- Serão atiliinaas na"filstória; e o hittorládiar
terá que sater lidar coal elas: " f" r“-
"nanica": ,
O historiador' deve trabalhar os documentos Mits,:rió meio da Poeira de doctinentos antigos,
com muito Cuidado e critérios rigorosos. Nesse tra- na lama das escavações ou no manuseio de instru-
balho ef preciso deitas vezes o recurso a técnicas mentos muita' desenvolvidos tecnicamente, é sern-
especiais: Por exemplo, para se cgmhecer a socie- pra' o hornein vivo cite O historiador procura - en-
dade paulista d6 século XVII, são fundamentais contrar, é a sociedade na qUal esse homem vivee,
os originais de inventários e testamentos da época trabalhou, amou, procriou, guerreou, 'divertiu-se,
(hoje era sue melaria impressos), guardados, para que ó historiador quer decifrar. E, para tal, todo
melhor consáv-áção dentro de lataii tifo' Arquivo tipo de docuMento que esclareça esses aspectos
é de fundainenã1 importAncia:
do Estado. Para lê-loss é preciso o domfnio das já
faladas técnicas especiais. Na arqueologia, por inú- Um historiador, ao se propor fazer uma pasqui-
meras vezes a aliada fundamental da pesquisa his- m, já faz uma opção bem sua, ao decidir qual a
tórica, usa-se muito a técnica do carbono 14 para realidade que ele vai estudar. Sua escolha é sempre
identificar a época a que pertence um objeto bem encaminhada pela sua situação concreta. O histo-
antigo. Na Inglaterra, hoje é comum levar-se os riador é um homem em sociedade, ele também faz
estudantes secundários a trabalhar nas tu (nas parte da história que está vivendo. Escreve sua his-
e escavações que testemunham o domínio roma- tória historicamente situado, ou seja, numa deter-
e

no na ilha, na época do Império Romano. minada época, dentro de condições concretas de


Atividades como as acima descritas (leitura de sua classe, sua instituição de ensino ou pesquisa,
documentos, escavações arqueológicas) são as ativi- etc. Seu trabalho será condicionado tanto pelo
dades mais tradicionalmente associadas ao trabalho n fvel de conhecimento então existente, como pelos
de um historiador. Mas hoje ele pode também uti- interesses que ele possa estar defendendo, mesmo
que inconscientemente;
lizar um computador para trabalhar dados levanta-
dos, pode servir-se de um gravador para consultas De uma maneira geral, o historiador tem suas

0.qiie é Ilistóriet=: 63
J Vavntiéhko liárges
62 •

" , • • da realidade.3Qual kimportánsia dessa teoria?


pesquisas-condicionadas áa instituicties que lhe Oro- :* chiar todos sabemos que fse,-podgrcoMt :
porcionam apossibilidade'edoriOrnir.a e intéleCtual formas a .mesme;histbriE.1, .0e1X01006 d, -05a14 a
de trabalho assas instituições ititSO ;ligadas - direta- .estamos inaftsaódoO, qup %%ti iSimiysi
k.M8óC6ii' que tos; dar
mente,a órgãos :governamentais; fi 6,áttitüláres. - diferentestformas:da engicaçff9441.4944?,;Ima aee's
-
usam dinheiro .. público ou a fundacSaiià 'iávantrirriento
tarires:e•!que. se ,apraseRta-ftstrei4amente" Nadá'
,k história, como vimos. 1;m :é nOstalonnt tie encarer,O;rnundO SUa rdairdeae,
Os relaciona ntrd si,jia In- .
de dados ou fatos, ela forfria
teja;ligada ít ideologia:. „
terpreta seu sentidõ. A:história, COMO Sá Em história; ao:, se tentar ordenar o processo
de conhecirnentó, procura eXplicar urna. relaCão histórico comi) *um todo, surge sempre uma tarefa
;- temos dirts ordens
desconhecida-. Nessa eXPlità06 'primordial: periodizarEisto 0,.,organiar a,sucessão
. de elementos: os fatos e sua interOàèd. Esses de diferentesiperfodos,cronológicos,..iá MenCiona-,
dois elementos' estão 'presentes,: itteParavelMente mot a primeira grande divisão que.Á feita na, bise:
ligados; num trabalho de história. toda humana: a existente entre a hiiiária e-a pré-
Esquecer um dos doia ou dar importância Maior . ' -história: . Para a maior parte dos, historiadores, a
a um deles .prejudióá
i ifUndarnantalinente urna Obra. diviso entre osdois:perfodos 0.-eiárcada Olá apa-
Sim, porque, se fizerrnOS'Unia listagern de-fatos, recimento da escrita. Outras opjOitiea'
sem um caráter explicativo, não estamos fazendo como critério para a entrada na ChaMadat-"histek-
história.' Se fizermos um esquema interpretativo ria", o início do emprego da agricultura :ou da
do passado, assim no ar, sem bases concretas (ten- metalurgia.
tando interpretar algo que não se passou necessa- Seja qual for o critério, a verdade é que o perto-
riamente como se descreve, pois não se verificou do considerado como pré-histórico, do qual temos
concretamente os fatos), também não estamos fa- bem pouco (ou quase nenhum) conhecimento, é
zendo história. Na maior parte das vezes, nesta muito maior do que o período histórico: para apro-
hipótese, esse trabalho é uma "ficção histórica", ximadamente 600 mil anos de pré-história, só te-
ou propaganda ideológica, servindo a propósitos • mos uns 60 mil de história! Quão pouco realmente
político-partidários e não a uma procura rigorosa . sabemos da história do hoMern ná terral: ;
de conhecimento. A história é dividida; tr-adiCiOnál
etação dos fatos está ligada diretamen- mente, .conjormer,, já_coiocktkOs,.em Anti-
,A interpri
te a urna,teOriaTa teOriatuni'Cortjuntride concei- -ga, Média, fyiod _ki.e:T.PO:n.teampá
..ern r
visãO eipliCativa'6O1cateneda I rir* r: I
lo's que forma'
Vavy Pacheco Borges
° que d 65

parte dos estudiosos hoje se bati contra essa divi- verifiçaram, Existiram, para essa divisão, os seguin-
são, herdada de uma formado contar a história
tes medos de. produçió ó coniunistá prirtiitiVop o
mundial em função da civilização européia ociden- esèraViste, o foaár, o asiático e o capitalistèt.!:;:r)zi
tal. Essa divisão se aplica realmente só à história Dentre de Vide aceita de Prééesso,,tfextrahsfer-
do mundo ocidental. É ele o - centro das atenções, mareio, étaiihente, pie Se Pede ter`ditia periodiza-
ficando o restante do globo em plano secundário. * muito rígida, com detaè'fiXãs-e eiricesPÉto-
A história qüe é di*idida é urna história na qual as muni UM eittno de secundárie d que ' fie Moder-
outras partes do globo só entram . em função de nidade se inicia com á queda de CettstaritinoPla,
suas ligações com a Europa Ocidental e, assim mes- efetuada pelos turcos em .1453"; sem saber que
- mo, muito superficialmente. O Brasil, por exem- essa é urna data simbólica, entre outras, e que po- '
plo, durante as idades Antiga 'e Média está em ple- . dem ser; indicadas outras datas.
na "pré-história"; só entrando na história na Idade
Por qUe escolher Ume data: dia Sita? DentrOda
Moderna, quando é descoberto, visão de processo, as transformações em história
Essa divido tradicional implica também numa sempre são lentas e é quase impossível marcarem-
vidd eurpcentrista e progressista, porque procura ;se datasiirnite que indiquem delimitações níti-
mostrar uni- 'Padrão de desenvolvimento históriCe das, as quais iMplicariárn ern tranifortnações súbi-
do qual a 'sociedade européia ocidental seria o apo- tas. Embora tenhamos consCiência clara de que
geu. Infeliiinente, 'pesar desses graves defeitos, cada vez mais se acelera o ritmo de mudanças do
essa divisão está tão arraigada em nossos currícu- mundo contemporâneo — a ponto de nos parecer
los universitários e escolares quantoS em nossas que o mundo mudou Mais neste século do que em
mentalidades. A periodização, porém, é muito im- todos os anteriores —, sabemos que as transforma-
portante para mostrar as diversas épocas ou perío- ções profundas e estruturais da-história são muito
dos em que a sociedade se organiza de diferentes lentas.
formas. Ela deve ter um caráter explicativo, deve
servir para indicar as transformações que as socie-
dades viveram, para mostrar como estruturalmente * * *
a sociedade de um período é diferente da do outro!
Além dessa divido tradicional, existe, dentro do Ao concluir o capítulo, queremos deixar bem
materialismo histórico, a periodização da história claro que a história, como todaS as formas de co-
através dos diferentes modos de produção que se nhecimento, está sempre se reforinülando, buscan-
Vai y fa0;eco Orges
66

do caminhas riovos eprópilOs. Este,:capftmlo não :; .g i s,


i a? ,hisit.ila , .! • 1 :3 ..
ê "ireceitintia idear; de coma escrever .
válida "Para todas artimpos e iodasitis: 'inania"! g`• z- '‘ 0111::::*.

riOssa: visão;tgeradarnt? rt9P0 . t:


E óbvio que eSa :é a,
• •" • e •
tempo " : início:
Infelizinente, é Orada° desiludir-st de
iscreVer históaa não'd ,estabelecer certezas, snas é
feduiir oaSPô dás intertezas,,é estabelecer,om
feiXe 'de probabilidadá. !Não é 'dizer tudo sabre A HISTORIA NO BRASIL
determinada talidâde, Si explicar o que
Urry_
'Acta' è fündemental Nem por-isso se deve cair
nin'ne Oósição de relativismo;am que todas as espet
culaçÕãs intemitetát.ivai são permitidas. Nós, aqui 'no. Brasil (corno nós outros países da
'títi'hisÓriá, todas as conclusões são proyisódas, América), soMos . herdeiros, da civilização européia
poi5‘ÃS6dem sef'aPrOfundadas e revistas por;traba-
ocidental...Dele heklam6s. .instituiçtkik'téCniCasiva-
"lhos posteriores. Um "saber absoluto", urna "ver- lores, etc., atravéi de nossa colonizat,.5a portuguesa.
n aos estudiosos sérios e
dade absoluta" não serveri Os países da Península Ibérica (Portugal e Espanha)
dignos da nome; servem aos totalitários, tanto de são os grandes navegadores dos séculos .XV e XVI.
direita como de esquerda, que, colocando-se como A eles deve a América Latina o fato de "ter entra-
donoã do saber e da verdade, procuram, através da do na história", e toda a nossa formação histórica -
explicação histórica, justificar a sua forma de poder. está ligada, desde o início de nosso período colo- .
nial, à metrópole portuguesa que nos coloniza. Mas
a classe de senhores proprietários de terras no po-
der aqui, mesmo enquanto dependente, da metró-
pole, .sempre- atuau confonvie, suas conveniénéias.
Com - o desenvolVirnerit'o: cipititiãki: dó' século
pesado, á lacas coi-n a 'turbo' se estreitam por
:outra vias,
• -pois éramos '1t.""t rartenle- •i d --
pendentes desde a terceirTa. dédada.. O .itiaretir'neíit•
68 Vavy Pacheco Borges O que é História 69

to de um mercado mundial, através da revolução tbes'. (bartiesi • Marqueses/ mjnigros senadores) , o


comercial empreendida pelos europeus ocidentais que mostra 2inda . uma . ligação direta entre a tustA-
desde o século XV, vai acabar constituindo um sis- ria escrita" et poder zoficial e ppkoe historiEflwes
tema capitalista mundial, do qual o Brasil fará parte. dó vinailadow diretamente apestado.
O sistema capitalista é composto essencialmente São então criados os arquivos e bibtioteõe H gio-
de partes diferentes e relacionadas entre si; não se vernannentais, que: se preocupam com i a documen-
deve pensar que, necessariamente, vamos seguir o tação histórica, e que preservam as fontes que
modelo de desenvolvimento das outras partes do possuímos de• nosso passado, embora boa Parte
sistema, cing', são as enjôos altamente desenvolvi- da documentação sobre o período: colonial se en-
das, como os países do Mercado Comurn Europeu, contra nosarquivos portugueses. .
Suécia, EUA, etc. As diferentes partes do sistema Há 'ruma documentação muito sugestiva dói pe-
tiveram e têm ainda hoje uma evolução histórica ríodo, como, por exemplo, a escrita pelos jesuítas
-própria. e,, portanto, dentro desse quadro geral (correspondência, discursos, tratados), ocupados na
appIç, e, ao inesrPO tempo, derruo de urna reali- educação de colonos e índios. Outros 'exemplos :
dade. concreta Própria — 'a realidade brasileira — inagnificos são as. obras Cultura e Opulência no
que o nosso historiador produz história. Esta Brasil (de Antonil, publicada em Lisboa no inicio
percolar; de uma maneira geral, o caminho des- do século XVIII) e Diálogo das Grandezas do Bra-
crito no primeiro capítulo, da Modernidade até sil (do século XVII, de autoria discutida); são ver-
nossos dias. dadeiros levantamentos econômicos da situação
Ternos, desde o início, uma história oficial: é a da colónia, essenciais para o conhecimento do pe-
versão escrita pelos cronistas contratados pela casa ríodo. Também muito ricos, do. ponto de vista his-
real portuguesa para escrever a história de seu país, tórico, são os depoimentos escritos pelos visitan-
do qual éramos, depois da perda das índias, a colô- tes estrangeiros. Essa história escrita involuntaria-
nia mais promissora. Aqui também são criados mente é muito maii atraente e elucidativa do que
cargos de cronistas nas diferentes câmaras munici- a oficial.
pais. Esse gênero de história, essencialmente narra- Ao contrario da América Espanhola, que possui
tiva e registrando fatos, continua sendo escrito universidades desde o início da colonização, o Bra-
pelos membros das sociedades históricas, acade- sil só vai ter universidades a partir do século XX.
mias e institutos que são aqui introduzidos no sé- Os historiadores que tentam escrever nossa histó-
culo XVIII. Seus membros são muitas vezes figu- ria fazem-no isoladamente ou no âmbito das insti-
que é História
Valy Patheco Borges
vi a:J:r, 3>t?i:; ri, Ctrne
f8ziStRkinti.adát&Sxt6iiiiellItiródOlu. !
tuiçOes oficiais já apontadas. OnivetAidedeiririfrodiWkei'
NOSszíthistória, como a história em geral, tam-
INtnélirdidtde
bérk.A, ódanto às fontes e documentação existen- .12llotiotla70éRdikikiflitfiliSti tihrtkfrifiládi?Weitio
tes 0k: quanto àp•Interpretações, fortemente mercada “Pãíild,. tieérdéacte:SbAliásarnitindigto !
pela ,.ação dos grupos pciais predominantes no E iiitiâènáa dii'''Pitt~es
paíS. Poti;mtemplo: não lixiste a menor preocupa- • 'NO 'çainpo :da
oão . 4 preservar os doctiMentos referentes aos es- eitdi Wiflü&iâfíé •inditifiOlárk tiob•rettido nos cuitt-
. crayos'si"esses documertW, mesmo quando existem cuios, prograitias .elivios até. hoje,utiligadot/ .• •
-1 e são.detcobertos,sãodOSOs de lado, não utilizados. •• •:''`Derisolt•-de• j930; iertioS trabalho:V.(16%cm ;
E. tomo foi dito, a 'datária é sempl* filha de seu
Oitis:S(560M
l• tempo. Vejamos: um dos nossos grandes historiado- Coiretitét• da 'realidade. 'histórica: Mas 4-só ainda
res á Francisco de Vamhagen,deièitMação da rife- Mais vitténtiméhte; •sobréttid6 nal déctida'/..de.. 60,
ride "escola cientifica alemã" (Oilekterizada :pela ..;qué, cOrriéçarit ao: impor ti trabalhbs Ititérpreta- I-
grande preocupação CoM a penS e o levanta- ; tiVoi; •Amalor parto dos trábalhoso líté essadécada,
mento-de fontes). kele deveniOsUm enornie im- são •encadearnentos de: datas; fatos e personagens,
pulso na produção da história. 'brasileira-. Ele es- sem caráter explicativo ou preocupação global, sem
creve no Segundo Império (segunda metade do sé- uma visão de processo; predomina uma visão posi-
culo XIX)', em uma época em que aproximada- tivista: eles deixam tudo muito solto 'e provocam
escrava. Analis-
mente 60%'. de nossa população é - desinteresse por essa falta de sentido. Mesmo quan-
tas de tsua obra mostram como ela se baseia em do. dotados de certa coerência, estão desarticulados
dois elementos interpretativos: a superioridade :entre si e por demais especializados; esse saber frag- • •
da formá monárquica (por ser responsável pela uni- mentado é bastante. despolitizado.•
dade do .pa(s ap6s a Independência) e a superiori- Faltam-nos ainda obras .que-..w• preocupem com-
dade da raça.,brancá. liso mostra como seu traba- a. explicar,.ão:.de .aspectosestruturaisda, história de-
lho está iMPregnado . 'dos valores t3 preconceitos nossa sopiedadei: e- as existenteSSão -epresentadas•
da . sociedade de. sua época. Entretanto, o levanta- norria:. linguagem de caiáteryacadêmlco;:isso
mento de :fontes feito por ele, juntamente com O dica sua. divulgaçãoientro..-fpúblitostialunoShabirt. •
feito por Capistrano de Abreu, são fundamentais usados -ás facilidades-dosimeios:•;:de.AlVulgação da•
para os trabalhos posteriores de história do Brasil. cultura de massa.
—ko avaliarmos o valor da
,obra de história sempre. - ••• a.. a...
72—'' Vary Pacheco Borges O que é História 73
I

E como é transtinitida essa hritáriá asiirn produ- •


ziciat Ela, „acaba çheRan_do €0399Aas:e ao público
leigq cheia de. mitos que precisamiserAtafeitos. O t
mito :aqui _dava entandit!ti datlidtrná" di.fetente t
lcl!Lbeppio9g,lia início 'oeste livro. Ele SR-ri:deve a•N:i Cjr
, gr; "viskó mais eín :seti_sentido corno ; :•?.?
• OPreseM09 49,-X4oPt Per4onaligfis cp. ¡Mega-
na.99,fac!as,-9!4•erreineai R00 comno,,R4e-
latMrtha de .95 Pçnnunickdei.-Prjrniiiv.asai 4Pcie-
dadeífir4a5,4ffirer!) ;a
4his. tógia, da popn, pré entgargiuma história
P9r!serVadgra, td0.: kanc9,vçn pr érn suÀ
,,cracia saçial. Eua evolução mostrada sem- contra-
,ildiÇO.es,-Áriciffletga, quase sem 'derramamento cie san-
„guee tseja na .conquista •do,territóriollnacionalèja
_na escravidão,. na, conquista -da. independência e '
posterior organização do pais durante o período da
Regência, etc. A sociedade brasileira aparece como
um .todo equilibrado, em que o "povo" surge de
forma imprecisa e esporádica. -
E uma história feita de vilbes e heróis: a Metró-
pole (Portugal) contra a Colónia (Brasil), o Impe-
rialismo (primeiro inglês, depois americano) con-
tra a Nação Brasileira, etc., numa divido mania
quefsta, a qual explica a realidade pela oposição
dos dois princípios absolutos, o Bem e o Mal.
O processo de evolução é mostrado como tendendo
a um progresso constante e crescente, no qual
acabara vencendo o herói Brasil. •
• ." 41..4 V é .7
Não se vê preOcupação em descobrir as origens 74•.;:j :••1
r"•:.itf:* Lir-Cm 7-7:7;
•-i- ';` •• -a -

yr. ••••••
—••• • '-t i.'.. 114 s.?,

"'a-A"— — '•••••••• • .4.—


74 Vavy,Pache02119r.A3 O que d Histdria l 75

das çoiltradições de nossa sociedade; muitos auto-


91
1/42e7y:/447/c
. (4 r" n b
res, quanto tentam achar essa explicação, atribuem
- F-.•*;
os (males do Brasil ao c.aráter naqional de nosso Á Si.V . .nelt• -- • - \'‘)

povo; çom diferentes-,yariantes, cuipam.essfrpovo


.?:;•
pela situação brasileira,. na linha da romantismo
histórico izclo século XIX (por nós exposto no pri-
meiro capftui0),, explicando a realidade por fato-
res imutáveis que se originam no passado,
As rsele,, mais recentes mostram a preponde-
rância do eixo Sul do país (sobretudo São.Paulo e 3
Rio., de, Janeiro), o qual impõe seus valores ás ou-
tras regiões, sem se preocupar tom os conflitos
regionais.
Exemplificando concretamente esse tipo de his-
tória:f sob D. Pedrq .11, o Império é mostrado,como
uma fase calma, rósea, com um imperador sábio,
culto, dedicado, com a presença de grandes nomes
'da vida parlamentar, com relações paternais entre
senhores e escravos; estão todos colaborando tão
intensamente para o futuro do país que é surpreen-
dente que não tenhamos conseguido evitar, poste-
riormente, qualquer forma de subdesenvolvimento!
Outro exemplo: a Insurreição Pernambucana
(expulsão dos invasores holandeses do Nordeste,
no século XVII) é mostrada como o início do sen-
tirnento nativista, de amor à terra natal: sua vitória
é o resultado da união fraternal das três raças: a
branca (o português), a negra e a índia.
Não se fala da destruição das tribos indígenas pe-
los portugueses e o fato de os bandeirantes saírem D. Pedro II e a imagem oficiai .do nosso II império.
76
Vçoi, fgchecollorges O grité História' -
77

para aprisioná-las é elogiado como um grande feito z


Sob muitos aspectos, tiOde-Se dizer que:iahistória
de conquista territorial. Mb se explicam os qui-
••Brasii•ainda está :por Ser escrita: O catápo eatá
lombos negros, onde se” refugiam De 1113.91:0S escravos
à procura da libeniadii.;-• aberto hás mais -diferentes :frenteti-iculdadós tont' o
0-x levantamento e organização- ,)this fontetvere',
Os historiadores qui; recentenientost, tintam re-
vos- 'e bibliotecas; redolhimento dá -material' 05p~
ver a nossa história, prostituir() alterafesseí mitos,)
livros didiltiçosidequadot,:divtilgação Orá o pÚbli-
construidos com habilidade sutil, queMeta um en- cO-' leigo; além :já-: menciónada riècesSidade"-: de
foque explicativb particular a uma Ws:Mimada de
revisão de Urina históriaque é oficial econservadora.
nossa sociedade. Mas esse novo tipo çle produção No - momento, a história no Brasil-parece defron-
histórica encontra as mais diversas Smderfis de difi-
culdade e vários empecilhos. tar-siconi uni enorme desafio.' É Precisoinconttar
' UMEi, SOiUÇaq para unwroblema complexo: a:produ-
A transmisherrias escolas, em geral; é-feita den-
ção histórica; deve aproveitar toda a experiêacia
tro de uma fórmula sobretudo de decoração, num
existente (do ponto de vista teórico-metodológico,
ensino repetitivo e memorizados; Isso nifó desper- do ponto- de vista. do trabalho critico de ,fontes,
ta no aluno ó amor pelo estudo dithlitãria, e às ete.:4; Mas;:- ao 'procurar atendera - enes itequiiitos
vezes gera em sua cabeça um tipo de "Samba do
que garantem - um bom nfvel, uma história apenas
crioulo doido" (em que se embaralham desarticu-
acadêmica se fecha na "torre de marfim" que é a
ladamente nomes, datas, fatos e personagens);
Universidade. Assim, ela não 'alcança um público
disto há exemplos nos jornais, por ocasião dos
Mais amplo; -não atinge a sociedade à qual ela se
vestibulares (muito engraçados pela sua confusão, destina. • . ,
se não fossem tristes pela sua significação».
A história não pode ficar tão distanciada dos ou-
Outro aspecto desfavorável à história é a descon-
tros: vários 'saberes que são produzidos nas éreas
sideração para com a palavra escrita. Os documen-
mais amplas da sociedade, com ag quais' a Univer-
tos (no sentido amplo do termo) não são conser-
sidade não entra em contato. Ela não pode contir
vados ou valorizados. Os outros depoimentos dó
nuar a ser produzida assim tilo isolada, tão de cima
passado e seus depositários (igrejas coloniais, mu-
para baixo, porque os historiadores não São os úni-
seus, fortes, monumentós) sofrem do mesmo des-
prestfgio. cos donos do saber históricó: Como diz o historia-
dor francês Jean Chesneaux, "a história é, com cer-
teza, algo por demais importante para ficar somen-
* * *
te por contados historiadores".
Vavy Pacheco Borges

É preciso, pois, dentro do quadro de nossa reali-


dade, repensar, não apenas dentro da Universidade,
a forma de conceber, escrever, transmitir é divulgar
a história no Brasil.
X

INDICAÇÕES PARA LEITURA

Para aprofundar a história da história, em uma vi-


são mais ampla, desde suas origens, você pode con-
sultar.
A Interpreta* da História e Outros Ensaios, de Ja-
mes Shotwell (Editora Zahar, Sk Paulo, 1967);
é uma obra antigg, do começo do século,- mas de
fácil leitura. •
Historia de Ia Historiografia, de Josefina Sanchez
Vaques. (Editorial Pop-maca, México, 1965); é
uma obra bem completa e mais recente.,
Las Grandes Interpretaciones de Ia Historia, de Luiz
Suarei (Ediciones Moretón, Bilbao, 1968); estuda
as diferentes interpretações, desde o inicio da
história da Antiguidade.

t.Na obra.a Nascimientoterla'Historicidialla Uni-'


versai, o histotiador francês George Lefábire explica
o cursada história datAodernidade (séctilo XV I) em
diante. Ele é um historiador contemporâneo, adepto



alr
Vavy Pacheco Borges O que é História
81
do método do materialismo histórico.
Teorias da História, do professor inglês de filoso- Para ver especificamente a situação atual da pro-
fia Patrick Gardiner, dá um panorama desde o sécu- dução histórica, você pode ler História: Novos Méto-
lo XVIII e apresenta vasta bibliografia (Fundação dos, Novos Problemas e Novas Abordagens (Livraria
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1974).\ Francisok Alves Editora, Rio de Janeiro, 1976);
* * * consta de vários artigos de historiadores franceses
Para estudar não somente a história da história, de diversas tendências, e é bastanté atual e abran-
mas também como a vemos atualmente e como se a gente. Obra dirigida por Jacques LeGoff e Pierre Nora.
deve produzir, você pode utilizar-se de: Para um enfoque sobre as relações entre a história
Que é a história, do historiador inglês E. H. Carr;
e as outras áreas do conhecimento, esses volumes
obra culta, cheia de exetnplos e experiência pes- trazem algumas indicações; o tema pode também
soal (Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1973). ser aprofundado nos trabalhos do professor francês
São conferências feitas na Universidade de Cam- Femand Braudel, do qual temos em português His-
bridge em 1961. tória e Ciências Sociais (Editorial Presença, Lisboa,
Iniciação aos Estudos Históricos, do professor fran- 1972).
cês Jean Glenissón (Difel, São Paulo, 1977); é A obra de Lucien Goldmann, Ciências Humanas e
um manual universitário erudito e completo, com Filosofia (Difel, São Paulo, 1972), também traz unia
um apêndice sobre a história no Brasil nos séculos contribuição a esse enfoque.
XIX e XX. •

Também um manual de introdução de nfvel 'uni- * * *
versitário é a obra Os Métodos da História,
de Ciro F. Para um estudo do materialismo histórico, é bom
Cardoso e Hector P. Brignoli (Graal, Rio de Janeiro),
que trata da evolução mais recente da história e traz consultar algumas obras de seus iniciadores, onde es-
concretas sugestões sobre sua produção atualmente. tão expostos os pressupostos básicos. Achamos ser
indicado ler-se primeiramente A Ideologia Alemã,
Os trabalhos do historiador português Vítor de de Karl Marx e Friedrich Engels (Editora Grijalbo,
Magalhães Godinho sobre a teoria da história e a his- São Paulo, 1977), e Introdução à Critica da Econo-
toriografia (publicados pela Livraria Sá da Costa, mia Politica e o seu "Prefácio", que podem ser en-
com o t(tulo' Ensaios), que constam de vários volu-
contrados "na obra Marx• (cole* Os Pensadore,-
mes, com diferentes artigos (sobretudo, no volume Abril Cutturql, São Paulo, 1978), com tradução e
IV, o artigo "A Crise da História e Suas Novas Dire- comentãnos muito bem feitos, sob a supervisão do
trizes"), trazem um panorama muito variado. prof. José Arthur Giannotti.
* * * Supondo uma certa orientação ou formação filo-
sófica, a obra do francês Henri Lefebvre, Lógica
82 `--„ Vavy Pacheco Borges O que é História 8.3
Formal/Lógica Dialética, mostra muito bem a forma Para se refletir sobre a história da história no
de pensamento que embasa o materialismo dialético Brasil, pode-se consultar os vários trabalhos do prof.
(Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
José Honório Rodrigues, pioneiro no campo. A
1979 — dez anos após sua publiceção na França).
prof Ernília Viotti da Costa tem alguns artigos im-
Dentro do materialismo histórica temos uma obra
portantes que estão na obra Da Monarquia á Repú-
da déada de setenta, do historiador polonês Adam blica: Momentos Decisivos . (Editora Grijalbo, São
Schaff, História e Verdade (Livraria Martins Fontes Paulo, 1977).
Editora, São Paulo, 1978). A História em Questão, de José Roberto do Ama-
* * * ral Lapa (Editora Vozes, Petrópolis, 1976), e Ideolo-
Os pressupostos da informal "escola francesa", gia da Cultura Brasileira, de Carlos Guilherme Motta,
originada na revista Annales, podem ser vistos nas são também fundamentais, numa área ainda muito
obras de seus fundadores; é essencial a Introdução pouco trabalhada no Brasil.
à História, obra póstuma de Marc Bloch, medieva- A obra de Américo Jacobina Lacombe, lntrodu- e
lista que escreveu esse trabalho num campo de pri- çâ'o ao Estudo da História do Brasil (coleção Brasi-
sioneiros, na II Guerra Mundial; é uma obra acessf- liana, Companhia Editora Nacional/EDUSP,• São
vel e sempre muito atual (coleção Saber, Publica- Paulo, 1-974), e O que se deve ler para conhecer o
ções Europa-América). Brasil, de Nélson Werneck Sodré (Editora Civiliza-
Alguns trabalhos de Lucien Fèvre, organizados ção Brasileira, Rio de Janeiro, 1973), trazem amplos
pelo prof. Carlos Guilherme Mona, foram publica- panoramas e inúmeras inforntações imprescindíveis.
dos no Brasil (Editora Afica, São Paulo, 1978).
As tendências mais modernas desta escola podem * * *
ser vistas (além da obra já indicada História: Novos
Métodos, Novos Problemas e Novas Abordagens) em Os Cadernos de Debate, da Editora Brasiliense, e
A Nova História, de Jacques LeGoff, E. LeRoy La-
os Cadernos de Pesquisa Tudo é História retratam o
durie, Georges Duby e outros professores franceses panorama das discussões e posicionamentos, nessa
(Edições 70, Lisboa, 1978). •
* * * área, nos últimos cinco anos.
Para o "impasse" atual da história, pode-se con- * * *
sultar o trabalho do historiador francês Jean Ches-
neaux, Du passé faisons table rase (Maspero, Paris, Outros livros desta coleção que podem ajudá-lo a
1976, com tradução espanhola pela Sigla XXI). se situar melhor nos temas especfficos que aborda-
* * * mos são: O que é Capitalismo, de Afrânio Mendes
^
28 4 Vavy Pacheco Borges

"\
Catani; O que é Ideologia, de Marilena Chauí; O
que é Socialismo e O que é Comunismo, de Arnal-
do Spindel

Biograf ia "k


Vera Hercília (Vavy) Faria Pacheco Borges é professora
de História; tendo trabalhado no ensino de 19 e 29 graus
durante alguns anos, dedica-se agora ao magistério universi-
tário. Seus cursos são sobre a história da Europa Ocidental,
no período conhecido como "Idade Média", uma divisão
arbitrária, que engloba os séculos V a XV D.C. Leciona tam-
bém Historiografia Brasileira, que estuda a história da
História do Brasil. Interessada na produção e divulgação da
história de seu país (cujo campo ainda tem tanto a ser
trabalhado!), especializou-se na época da Primeira Repú-
blica. Inicia no momento uma pesquisa sobre o separa-
• tismo paulista.
Publicou em 1979 pela Brasiliense o livro Getúlio Var-
gas e a Oligarquia Paulista (história de uma esperança e
muitos desengano. s).

e
1
Caro leitor:
As opiniões expressas neste livro são as do auto),
podem não ser assuas. Caso você ache que vale(
pena escrever um outro livro sobre o mesmo teme
nõs estamos dispostos a estudar sua publicaçãr
com o mesmo titulo corno "segunda visão".
‘. /"//7.É1 •
GLk-frisçom J EF . .1-f-vv:e-co-c,r2,7 .A HISTORIA E O TEMPO 29

—Li
a/to ) cot, . V aléoração dos acontecimentos em seu desenvolvimento cronológico. O es-
pirito da sociologia (à semelhança do que sucedo Os outras ciências do
homem) distingue-se do "espirito histórico", antes de tudo, por uma atitude
diferente, por uma exigência diferente em relação à cronologia. Para
CAPITULO II
um historiador não 6 essencial o desenrolar de um fato, mas sua verifica-
ção num momento dado. 2 historiador age no tempo, num tempo próprio
A HISTORIA E O TEMPO à história e. segundo its nela fórmula de Fernand Brcrudel, "esto tempo
adere ao seu pensamento. assim como a terra se prende à pá do jar-
dineiro" (I).
Paremos por sublinhar as &firmem ri.
&cais e essenciais que, para sempre. dis-
tinguem estes povos antigos das sociedades
modernas.
Fuste] de COULANCU, La Oiti Anelo:fui. A preocupação com o tempo, a pressão do tem-
historiador e o (empo.
O
Po: eis, onIão, o que confere uma forma Inimitá-
O historiador não pensa somente "hu-
mano'. A atmosfera em que seu pensa- vel ao conhecimento histórico, o que constitui um anates especifico de
mento naturalmente respira é • categoria nossa disciplina e que atribui à andina sua significação particular.
da duração,
O tempo impõe-se ao historiador. Seja qual for a nossa concepção
Mm Riem Métiet dehistorien. de história — atinja ela a maior distancia possível relativamente à ab-
arca • à narrativa "áninementiel" .— jamais poderemos escapar h neces-
sidade de datar: nossa missão primordial consiste sza lixar uma cronolo-
gia. 'lima datação exata é tão essencial para a história quarto uma
I. O TEMPO DA HISTORIA medida exata para a alm. "A verdade deste princípio revela-se diante
dos mais recente, progressos do conhecimento histórico • da técnica da
história, cuja parte Mandai depende da crescente precisão dos processos
de dotação, obtida graçcb' ao emprego das descobertas científicas dos
erEmpo houve em que se definia a história por oposição às outras últimos anos (2).
1 ciências dci homem e se lixe atribuía. como domlnio especifico. "o
quer é particular, o que acontece apenas uma vez": o fato único, o Precisamos não apenas datar, mas determinar a duração das fatos
acantoamento. Tal imagem, ainda hoje muitas vens predominante entre históricos. Dentre eles, alguns são episódicos: puros acontecimentos
os sociólogos e filósofos, não é mais admitida de bom grado pelos histo- 16 outros criam raízes, implantam-se, resistem ao tempo: são as insti-
riadores. Estes têm bom rcaões — nobre as quais voltaremos — para tuições.
discutir o caráter "único" dos fatos históricos. Constatam, de :ritzd
nnir
i Deite cuidado em fixar a duração decorre, naturalmente, a atenção
maneira, que o domínio do particular não á hoje em dia um o exigida pelas transformações. Pinam compraria-se em dizer que o as-
da bisaria. As novas ciências do comportamento, surgidas ct meio ca- tonadas á aquil, que nota a mudança das coisas, • Marc Bica. seguin-
minho entre as ciências humanas • as Sacias físicas, invocam também do Busckbadt, definia a história como "a ciência da mudatrça". Eviden-
O Individual e. aliás, todas as ciências, atualmente, atribuem uma cm-
temente, tala vadações só se deixam perceber atarás da cronologia; tosta
cal. importância aos "casos particulares". pensarmos por exemplo, em nossa experiência prática das transforma-
L
Na realidade, se gabássemos fixar uma distinção entre a história.• ções de mentalidade. de nora para outra geração. •,-
as .disciplinas listinhas, precisaríamos canis em que seta dignação não • •
reside na atração orientada paro categorias diversas de amatecimentoe. •
mas numa atitude diferente frente às zuesaine categorias do Icem (I), 7, amua Iflatoire et sociologia,- In Cl. .Cluarmai.. Trone de sociobpin
Paris, 195g. 99S• 91-
A irredutível originalidade da Manda, ,quando comparada com et
it.11 Vels-se,.i tal respeito, 1.é -Paitite,.!esp. I (Cf A. PICIAIMS. "Quiest-re.'Mis
demais ciências humanas, consiste essencialmente na permanente- 'can • IlitstoireP;W &time di initophylqui et de minta, 1955, els 3341.
30 INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS A HISTÓRIA t O TEMPO 31

Os historiadores, assim, movom-se no tempo. Um tempo por eles con- mil anos, apenas haviam sido utilizadas a lasca de pedra e o machado
cebido como dotado de um "curso linear, contínuo, irreversível" — de um de mão. Mas chega o momento em que surgem vários utensílios de
sentido único — afastando todas as concepções cíclicas e, mesmo, a repe- sílex, de madeira, de osso. Estes, por sua vez, permitirão a fabricação dos
tição dos acontecimentos sob uma forma completamente idêntica. Mo- Instrumentos novos, a serem ulteriormente utilizados. Esta novidade ex-
vem-se eles num tempo que corresponde ao do passado: um passado con- plicar-se-ia pelo nascimento da esperança, pelo despontar da noção de
cebido 'corno tal, como matéria e objeto" — objetivado, segundo a lin- um futuro (E).
guagem dos filósofos — passível de ser imaginado, 'de ser explorado, de
certa forma. Bem antes de Welis, já o historiador é explorador do tem- Todavia, o sentido da duração não se manifesta repentinamente, em
po, embora só se possa deslocar numa direção, a do passado, e num só toda sua precisão. Sua aquisição 6 vagarosissima. É frágil, suscetível
tempo, o "tempo da história" (3). de modificações, de espantosas variações, de idas e vindas. Em outras
palavras, o tempo da história tem sua própria história. Seu estudo não
Para quem está familiarizado com nosso ramo de atividades, tais pede ser dogmático. Deve ser histórico, e examinar as sucessivas con-
exercidos parecem tão normais, tão elementares, a ponto de o historiador,
cepções de duração predominantes entre os homens. Deve levar em
muitas vezes, ser levado a considerar "a possibilidade de conhecer o
conta que as diversas categorias de tempo distinguidas pelos psicólogos
passado como um poder natural que, em si mesmo, não requer qualquer (tempo filosófico, tempo psicológico, tempo social, tempo científico etc.),
elucidação: praticando a ciência histórica, encara ele, a função de histo-
reagem uma sobre a mitra e condicionam, numa medida cuja amplitude
riador como uma função dada do psiquitmo do homem, em geral e daí,
precisaremos avaliar, lodo o desenvolvimento da historiograila.
vê como sendo espontânea a noção do tempo por ela suposta" (4). õra,
se nos dermos a curiosidade de perscrutar um pouco mais de perto o pro- •
blema do tempo da história, verificaremos, não sem sérpresa, que a noção
de tempo, a concepção de uma duração que comporta Am ontem, um hoje
e usa amanhã, não apresentam qualquer caráter de espontaneidade. •
"Nosso julgamento não avalia em sue ordem exata e congruente as coisas
passadas em épocas diferentes", dizia já Leonardo da Vinci. O tampe A história deur rel4ões. a etnografia, a sociologia
A simples 'experiência do ensino da história em classes elementares
nos ensinaram quanto seria estranha à mentalidade
segunde OS Wifill11001.
doe assim convencionalmente chamados "primitivos"
demonstra-nos a difizuldade da criança em adquirir a noção de duração.
o nossa concepção contemporêmea de um tempo homogéneo. Entre tais
"Quando eu for grande e você pequeno...", dizia ao seu pai um menino,
de maneira alguma convencido do irreversível curso do tempo (5).
populu0n, "o como do tempo Saco é representado pelo retorno. segando
intervalos regulares, das tarefas sociais". Não existe unidade regalar a
A concepção de duração não é, portanto, inata ao indivíduo. Com maior
permitir calculareis o tempo, mediante tua divisão em parcelas iguala.
razão não o é és sociedades. Os psicólogos modernos declaram como O balizamento se faz através de certos trabalhos regulamentados: con-
sendo aquisições a memória do passado e a noção de futuro: nascem elas dução, dar de beber ou providenciar o retorno do gado (7). A divisão
num momento dado do desenvolvimento do homem: são novidades mentais. do tempo. assim varia d• uma a outra população. Entre os Amadas da
Há um período, o Paleolítico superior, a partir do qual o homem, pela Austrália Ocidental, o dia divide-se em vinte e cinco partes; o mio dos
primeira vez, parece Interessar-se pelo seu futuro. Durante quinhentos índios Tiunerehá está dividido em de meses, morrendo durante dois
meras; pau os indica Orai não se axican as dias em que não se pode
perceber a lua (8).
A exposicio seguinte baseia-se principalmente noa artigos publicados num
número «pedal do Jovens( de Peyehologle (1.111 ano (IMO), ri.• I), consagrado • Estas populações vivem numa espiai* de "penumbra prildatddar,
Lã eonstnieticot du temas hunutin e publicado sob a direção do Prot. lenue alcatr- num meio mental rebelde te Malária --'ou Sabor; murcpsok-allei áltima -
oan talaram-se, particularmente: John Coxos, 1.e temps psycholosteue• (paia Inconcebível. meja pontue o pateado ted é totalmente negligenciado. seKt
283-306); ((nac. (Vieram'', ate temps, a mémolre, rhlstolre• (pia 333-354); Trançou
porque foi transposto para o plano do mito.
Corretor, 'te temps de rhittoire et revoluteio de le toneUon histarlenne" (págs.
ass-ne).
E Ciaitrast, 'te tempo de rhtstoire et révolution de Ia kinetton historienne",
Ni um. (e) J. Can" *Lie lampa pechologlque, 01. 287.
- RtISHAAD, L'enteignement de lthistoire et se. problèmea. Paris, 1957, (T) E.RS Soei", end amare. usara. 1445. p15. 209.
.Pás 10 (1) M. P. NIISS011, Primais' ttme-reekoning. Lund, 3920.
32 INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS
A HISTÓRIA E O TEMPO 33

Assim, Os habitantes das ilhas Trobriand (Nova Guiné) ignoram as


seus períodos de quatro anos a partir de um ponto firo (12). Mas, se
distinções temporais nos verbos. Os acontecimentos passados, reais OU examinarmos de perto a histortogralia grega, verificaremos que este sis-
míticos, existem, para eles, unicamente num presente universal, ou num tema de dotação não foi utilizado pelos historiadores, pois para eles o
tempo indiferente, mas não numa fase anterior do tempo (9).
curso total dos acontecimentos humanos não se apresenta como uma se-
O clima mental dos melcmésios, da mesma forma, é fechado a qual- qüência indefinida e. irreversível.
quer esforço no sentido de. reconhecer plenamente o tempo e de conceber
O estudo, do 'ponto de vista da noção de tempo, da obra 'dos três
um futuro. Os Canecas confinam-te estritamente a um presente, a um grandes historiadores gregos, Heródoto, Tucichdes, Políbio, na verdade,
quotidiano apenas "comentado pela tradição". No tempo, são capazes
de perceber somente a sucessão do três gerações: a sua própria, a do pai dá um curioso testemunho da existência da concepção subjacente (ou,
e do avó. O tempo recomeça com o bisneto e este, andando ao lado mesmo, explícita, no caso de Políbio) de um tempo cíclico e, na prática,
de uma bela indiferença frente à cronologia histórica, tal como a enten-
de seu bisavô, dirá: "Ele 6 meu irmão". Sofreríamos, talvez, a tenta- demos atualmente.
ção de distinguir ciclos, ai, mas os primitivos Ccmacas não vão além de
uma continuidade. Entre eles, também, os verbos são destituídos de A concepção grega de um tempo cíclico exprime-se numa frase cé-
modos e de tempos, o culto da vida tem precedência sobre as homenagens lebre: "Haverá novamente um Santos um Platão e cada um dos ho-
devidas aos ancestrais. Tudo conduz a indicar uma inaptidão para com- mens com os mesmos amigos e concidadãos... e esta restauração não
preender o tempo, eternamente recebido tal como se apresenta, no qual se verificará uma vez, mas diversas vezes; ou melhor, todas as coisas re-
os mortos e os vivos se misturam e se acotovelam. Não ha passado, não petir-se-ão eternamente". Mesmo recobrindo uma grande diversidade de
há futuro, não há qualquer sucessão cronológica (10). noções, esta concepção de um tempo circular, de um eterno retorno, no
Poderíamos pensar que, num mundo mítico. as festas sirvam de ponto qual o tempo se curva para a eternidade, encontra-se em toda a filosofia
de referindo. Tal não parece suceder. Elas apenas exprimem uma re- grega, e os historiadores não podericu£ escapar aos seus reflexos. Ex-
novação da comunhão do homem com o mundo. Não seria licito tomá-las plica-se. deste modo, a convicção, afirmada r-or Tua:lides e Poliblo, de
como datas. preencher a história unia função pragmática: é Util ensinar-se história,
porque as mesmas situações reprodnzitse-ão.

Quanto à cmanização cronológica doe fatos históricos, é completa-
mente deficiente em*Heródoto. Bem pouco já o satisfaz; quando quer
Em certa medida, encontra-se entre oe gregos o tempo passar de uma série de acontecimentos para outra, limita-se a assinala
O raspo entre elas uma simples relação de simultaneidade, como se vi: "En-
segundo os pregoo. variável dos primitivos. Para os antigo. betem* ele-
tivamente, o tempo podia mudar de qualidade, confor- quanto Cambhiste marchava contra o Egito, os lacedemónios, por sua vez,
me se dividisse em períodos sagrados ou profanos, Matos ou oelastos. fizeram uma expedição contra Policiais* e contra Samoa" (Histórias,
Os Trabalhos e os Dias, de Hesioclo, abrangiam um calendário religioso Ifl. 39); "... na época em que a expedição naval se encaminhou para
dos mama • uma lista dos dias favoráveis ou desfavoráveis para tal ou Samoa, os babilónios revoltaram-se" (Iu. 150). "Eis, então, o que fez
tal ocupação. Era preciso buscar a razão da felicidade ou doe levem Megabisco. Neste mesmo momento, houve outro grande envio de tropas
experimentados em certo dia na qualidade deste próprio dia Notou-se contra a Líbia" (IV, 143 (13).
que, na !liada. a qualidade 4 tempo varia segundo as estações • is tem- Em cano de necessidade, Hinário° volta para trás, intercala na sua
pendura (11). narrativa as explicações convenientes, com o fim de esclarecer o leitor,
Os gregos, entretanto, adotaram urna cronologia que supõe a noção remontizeido, por veies, bem longe, ao curso de seu rrabalho. Isto levou
d• um tempo linear. A era das Olimpíadas alinhava indeinudamente um crítico alemão, Hermacte Pgrenkel. a mtprindr-erboom.as•seguintee pa-

,. .
1). ta aBeing and valos in a primitive cultura". lx !ovni& "(km., MS A 011mplada, de taci,. é UM penedo de 4 anos determinado pela realiza-
1449. pago, 4014l5. são. neste prazo. dos Jogos Olimpiros, 13 ponto de partida da era das Mondadas
plzie Dalton, //bineis-e, Seus dai soneret Paris. int 411111c-Ina• é convencionalmente fixado no ano 176 a. C Assim, a batalha de &domina teve
• lugar no,,prianstroranofia.75.• Zilinaplada; ou zela; e111 410 a: C.
no P.. P. Chitara, 711e Morro o# intropeon rheaphr.• tinadieti/tailbsldge
.• . . (131 CL. a introdusio (pai len da 'dizia banzem de Matéria. de Heródoto
Um Pis* l951. pá.. 411415. ' • • - fedesse eracift.


34 INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS
A HISTÓRIA E O TEMPO
35

lavras: "A Heródoto folia quase totalmente um meio cie ligação entre
os múltiplos fatos das diversas regiões abrangidas na sua obra: trota-se M. Jean Hubaux organizou seu trabalho acerca dos Grandes Mitos de
do tempo. Para um historiador, tal fato é espantoso, mas a verdade é que Roma (16).
ele não dá qualquer atenção à cronologia. Podemos mesmo dizer cpie Qual o tempo real concedido pelas doiras ao fazerem surgir, diante
— como toda a época arcaica, à qual ele se acha ainda meio ligado — de ROmulo, os doze abutres pressagos da duração de Roma? Desde Enio
lier6doto sequer tem o sentido do limpo incessantemente escoado. Não „, até Santo Agostinho os homens empenharam-se em encontrar uma
res-
lhe custa deter o tempo, ou invertê-lo. Para ele, o tempo não é ainda a posta a esta terrível pergunta. Trata-se-ia de ano de
anos (365 anos),
única coordenada da vida mas, ao contrário. uma função do aconteci- corno imaginavam os partidários do que, hoje em dia, chamamos de cro-
mento relatado: cone, quando o acontecimento se desenrola; pára. quan- nologia curta; ou de um ano de séculos (1.200 anos); ou de uma duração
do ha uma descrição; renova-se quando, após ter falado do filho, possa- quase indefinida, estendendo-se até tun ano astronômico, como pensava
mos a nos ocupar do pai" (14). Cícero? Mesmo nas mala bela dias de Roma este problema perturbava
Indileronte à cronologia, lleródoto também não concebe outra noção suficientemente os espíritos, para que Augusto fizesse a Sibila prometer
essencial para o historiador de hoje: a transiormação determinada pelo aos descendentes de tornai o impedem sino fine e determinasse a apis-
tempo. Quando fala do Egito. não somentn heleniza os egípcios, mas não oarão de dar Si exemplares de diversas publicações oba latina", tal-
percebe qualquer diferença entre os milênios da história deste antiquís- vez de origem judaica. que especularam com o fim de Roma. Em 410:
estando a cidade ameaçado pelos Credos do Alaria°, tal gesto foi renovado
simo pais. Numa espécie de cenário cinzento, emergem alguns fatos e
uns tantos heróis excepcionais, cujas aventuras apresentam um valor por Uniam, comandante doe defensores, ao decidir fossem queimados
os livros Sibilinos oficiais, piedosamente conservados no Capitólio desde
moral A única diferença a se manifesta entro os diversos periodos da
cronologia egípcia é a da prosperidade que recompensa os bons e da a época republicana; temia ele uma sua interpretação no sentido do fim
miséria, castigo dos maus (IS). de Roma, no momento em que esta atingia a idade critica de mil e du-
zentos ano*. Isto é. nu primeiro ano de séculos (17).
A história de Tuddides é muito mais "evoluída". Os comentaristas
O sentido de um tempo concreto (um tempo "contado" em todos as
são unânimes, ao sublinhar sua rigorosa lógica, a unidade do pensamento
sentidos da palavra). partindo de um ponto fixo (as origens de Roma.
político, a unidade dramática. Mas são obrigados a reconhecer a debilidade
em cuja determinação se empenham os historiadores latinos), é encan-
da cronologia. A dotação faz-se por anos e estações: nenhum sinal existe
gado em todas az espécies de manifestações da vida remata. No cuida-
de um tempo universal, irreversível. Polibio, ainda está aquém de Tal-
do, por exemplo, com que são dotados os monumentos erigidos de um a
dides, como precisão e cuidado com o tempo histórico. Temos ai, à luz outro extremo do imenso Lapido, na minúcia com que os magistrada..
de nossa atual concepção da história, graves defeitos; mas seria absurdo
os veteranos, gravam na pedra nu curricu/um vira.. t em Roma que
pretender censurar, por isso, homens cuja mentalidade, em matéria de
nasce. • bem cedo, uma historia:paio elementar puramente cronológica.
cronologia, não tinha as mesmas exigências que a nossa.
Os Annafes maxlmi derivada, por tua vez, da Tabula por:riflas reartimi,
muito mais antiga, reúnem a partir de Miado Chola, ano a ano, oe reina-
mos dos decretos do Senado, das decisões dos magistrados, dos relató-
rios doe embaixadores. Em Roma, ainda, surgem as primo:4rue Memó-
rias, manifestação de uma sólida tomada de consciência do tempo histó-
rico por parte dos ludivkluar.
O tempo Sentimo-nos mais à vontade, com os romanos. Bem
segundo os romanos. Nesta perspectiva, a obra de Santo Agostinho, habitualmente apre-
logo demonstram eles uma bem concreta preocupa- sentada como a manifestação d• tua povo senso do lenitio...d• prerta-
ção com a duração, com Sua duração: uma duração
cla — • em ala medidatem ant bisa ta uhui de tradição ~aia. •
suscetível de ser reduzida a números e em colo decorre se desenrolaria to que nota, com bristrade inteligência nifipps Adis (18). nas seguintes
sua história. Foi ao redor deste tema central: a Duração de Roma, que

¡IS) 3. Rtmatiz, Les grande smithes de Reme. Paris, 1945.


Traduzido e citado por 1, Mnrcason, 'te tampe, Ia ~Ire, Phistoire", MO Pb na a' eis. Ws IS. Os atrasem já acreditavam 4.1Sper o seu peva
Pág. 339, nota 2. apenas de .dam dadas de vida, eahendo-the•amearecer sede um período de declí-
a. Ph. ARIgg Le temi» de l'hisloire. Mónaco, 1954, pig. 95. nio quando indo pravo a Munem atoado.
no PP. Ans, op. ett, pfe. 100.
36 INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS A HISTORIA E O TEMPO
37

palavras: "Na Cidade de Deus, Santo Agostinho fala como cristão ins- e para uma longo série de anos, a data primordial da liturgia católica.
pirado pela Bíblia, mas também como romano, habituado a viver num Coube a estas tabelas pascais, como se chegou a supor, "salvar a noção
tempo continuo, ameaçado pela catástrofe final". O que é verdade do tempo da derrocada doe valores da civilização" (21)7 De qualquer
é que esta duração, antes de uso exclusivo dos romanos, é ampliada por forma, desempenham elas um importante papel no desenvolvimento da
Santo Agostinho, segundo a escala do mundo, como o exigia o cristia- historiogredtp. Os monges, procurando-as, a princípio, por julgarem-nas
nismo, religião universal, e que a cidade terrestre — até então a única a indispensáveis para o desenrolar de urna vida bramimo regular, habitua-
ser levada em conta — se toma inseparável da cidade divina. As "duas ram-se, de fato, a inscrever, junto a cada ano, urna muito breve menção
cidades estão como que misturadas, uma mesclada à outra neste século, dos acontecimentos que, aos seus olhos, haviam sido os mais importan-
até a discriminação do juizo final" (Cidade de Deus, 1, 35). Santo Agos- tes: tempestades, estiagens, inundações, terremotos, epidemias etc.. mas
tinho examina historicamente, em seu desenvolvimento aonológico, a exis- também acontecimentos políticos, guerras, morte e advento de monarcas.
tência das duas cidades fundidas num todo: "A origem, o progresso, Manteve.se, assim, uma forma rudimentar de história — o gênero moli-
o fim necessário das duas cidades, uma a cidade de Deus, outra a cidade fico — que teve o mérito de continuar com a associação dos aconteci-
do século, na qual a primeira se encontra hoje em dia, na medida em mentos a urna duração regularmente medida. Pouco importa, então, que
que pertence Zr humanidade, eis o assunto de que prometi tratar... As- a historiografia da alta Idade Média, escapando ao gênero emolirias, te-
sim sendo, expus a origem das duas cidades nos quatro livros seguintes nha subestimado ou ignorado a cronologia. O sentido do tempo perpetua.
ao décimo; seu progresso, desde o primeiro homem até o Dilúvio, num va-se na minoria esclarecida: entre os clérigos dos mosteiros e no âma-
único Uno, o décimo quinto desta obra; a partir daí estas duas cidades go das chancelarias principescas, que redigiam e datavam os atos. Foi
marcharam no seu trabalho à semelhança de como tim marchado no a partir daí que ele se expandiu para círculos cada vont mais amplos.
tempo" (XVIII, 1). Encontramo-nos, desta vez, em presença de um tem- Mas esta difusão deveria ser multo lenta. A massa da população medie-
po universal contínuo, linear. irreversível. dotado de um começo • de um val não tinha qualquer cuidado em medir o tempo com precisão.
fim (19). Esta noção está menos distanciada da concepção romana do
tempo (por ela prolongada. ampliada • universalizada, medir do que subs- As sociedades medievais são essenciairnente sociedades rurais, para
tituída), do que a concepção grega do tempo cíclico. "Ela tende a situar as quais as estações, regulando os trabalhos, dão o ritmo à exiatincia.
a articulação do mundo moderno -- considerado como histórico -- e do Vivem elas num folclore que 6, por definição. "permanência e repetição".
mundo antigo — estranho à história — não anise Roma • a Idade Média, Tudo e determinado pela tradição, pelo costume, uso, precedente, tanto
mas entre Roma e a Grécia, mesmo holenistica" (20). mais reepeaáveis quanto são "ImemortMe", como se diz então, Isto é,
não se lhes prende qualquer lembrança passível de dotação. Se inter-
0 tenso A queda de Roma • o prolongado eclipse da cultura rogarmos acerca do valor de um uso, veremos ser suficiente que ele tenha
remindo os medievos, ocidental que dai resultou, poessivelmenW leda anula- sido observado "de memória de homem", para merecer um fundamentado
do esta conquista emenda as a religião cristã, por av- respeito:" Surja uma prática desconbedda até o momento, e será comi-
sim dizer, não houvesse obrigado os clérigos a salvaguarda o cálculo do
dosada má, pelo simples fato de sua novidade. Na França medieval, as
tempo. Efetivamente, a festa essencial do calendário liturgico cristão é reformas pedidas pelo povo neto visam a inaugurar novas instituições
uma festa móvel, isto é. uma festa cuja celebração é variável de ano para
mas, ao contrário, a restabelecer antigos unos, mijam origens se perdem
ano, dentro de certas condições: a lesta da Páscoa. As regras que per-
numa bruma lendária, • a suprimir as novelletés. Os movimentas reli-
mitiam fixar-se a data desta festa foram objeto de longas controvérsias, giosos, as heresias, são tentativas de reforma. Isto é, de volta ao passado,
às quais tumente depois de vários séculos as decisões tomadas, acerca as origens.
do assunto, pelo Concilio de Nicéla (325), conseguiram pôr um fia Eram
elas suficientemente complexas para obrigar as igrejas • os mosteiro* a Na sua vida quotidiana, os homens são indiferentes à duração con-
cuidadosa ~serração dos calendários que determinavam de antemão, creta.. são 'Incapacess. de tinto,- de.ratidi-kt, dada--a falta de instrumentos
sidequiiclos:"A tal respeito, mantêm-se ai usos herdados de Roma. A noite
é dividida em "guardas", o dia em "horas". Esta única diferença no vo-
(19) Bem entendido. • nos** do tempo de Sento Agostinho ido 4 aratu ao ta- cabulário indico riftw.haver a concepção do um tempo uniforme. Aliás.
que:milita se a ruminamos do ponto de vista filosélko. Multo IS se ascrPrenr não se dizia: em tal ou tal hora do dia, mas "nas manias", "'à lsajour-
a tal respeito. CL, mire outros, /1. 1. MAMOU. L'aintriederee dr trone de l'iltStssin .
cher Saint Mimada. Montreal e Paris. 1950. •
PÓ) Ph. Asa op. de., pág. 100.
(21) P1,. Anda. 0P. cH. [AL 116.

• lei
/
1

38 fp:K*1 AÇA() AOS ESTUDO:: HISTÓRICOS A HISTORIA E O TEMPO 39

sée" etc. Seja preciso definir estes momentos do dia, e convencionar-se-á. dcrvio, a idéia de solidariedade temporal inculcado antes por Santo Agos-
por exemplo, que a aurora é "o momento em que o sol fat cair o orva- tinho. Trortaee de um sentimento experimentado com intensidade tal, que
lho. O ponto de retornaria para os trabalhos do campo é o ángelus. disfarça az diferenças entre os tempos: "a solidariedade entre a outrora e
Ignorando-se o calendário, cabe às festas religiosas, dentre as quais di- o boje", escreve Marc Bloch em Ia =lerá léodale, "concebida com de-
versas são móveis, lixadas segundo a dota da Páscoa, servir de base masiada força, dificultava o reconhecimento das contrastes o chegava a
para homens que vêem o tempo correr aparentemente num uniforme fluido excluir a necessidade de percebé-los". Percorramos, por exemplo, a li-
cinzento, a ponto de nem mesmo saberem a própria idade. teratura épica ou romanesca da Idade Média. Os betas "históricos" —
Os historiadores (22), evidentemente, partir:1p= desta mentalidade Alexandre, César ou Carlos Magno — surgem sob o aspecto e com a
geral. Jamais apresentam exigências em matéria de cronologia. Ni- mentalidade dos homens dos séculos XIII e XIV. 'Não se notará dife-
thard, que vivia no século IX e tirava proveito do ensino clássico então rença entre Heitor e da Guesclin. Na famosa Canção de Ro/ando, o herói
restaurado, escreveu uma História dos filhoe de Lufa, o Piedoso, trabalho não se apresenta como um homem do século VIII, mas como um cavaleiro
considerado como um das mais notáveis de sou tempo. A exposição, efe- cruzado. paladino do eterno combate da Verdade contra o Erro, da Cris-
tivamente, é de uma lógica rigorosa e respeita a ordem do desenrolar dos tandade contra o hill. Salvo em casos excepcionais. os pintoresa de
acontecimentos. Mas não existe qualqüer precisão sob a forma de núme- vitrais os eecultores, os miniaturimas .não se dão ao trabalha de repre-
ros. Sua maneira habitual consiste em situa às fatos no passado me- sentar com nus trajes "históricos" coleantes ou os grandes personagens dos
diante expressões tão vagas como "durante este tempo...", neste "In- tempos passados. Quando se empenham na narrativa doe acontecimen-
terias...", "feito isto..." Qualquer maior precisão somente pode mani- tos dos séculos passados. ae historiadores dão prova da mesma ausência
festar-se pela indicação da hora: "Carlos de feliz memória, a justo títu- de perspectiva: sua história é sete recuo (24). O homem medieval é
lo chamado por todas as nações o grande Imperador, morrendo noa ime- destituído do amuo de anacronismo (25). isto é. da mudança do curso da
diações da terceira hora..." Se urna data A fixada pela, indicação de
da, mire e hora, é que ela corresponde a um acontecimento extraordiná- (51) Oram Duzeiddr Dota o regata. • propósito dos I prbnehoe livros ;da
rio, fora da ordem humana, marcando uma Intervenção manifesta de Gata DillOrlel", escritos etre 1102 • 12111 • nos quais o autor, Sexo thammatieme,
Deus na marcha do tempo e na vida dos homem: "Enquanto eu escre- pretende tater • artéria doa primeiros na da Dinamarca: essa primeiros reis da
via estas linhas em Saint-Ciou& no Sena, na primeira hora. terça-feira, Dinamarca tansa aventaras mele sinalarei que seus sucesson; mas o emendai
15 das calandos de novembro, verificou-ire um eclipse do sol no. Es- amansai Inaltendo: trata-a, undortnemente, dos cheta da época vigidngue, com-
batendo coas as rara arma governando segundo a mamas formas, navegando,
corpião". . até, filit paragens ~Waren me agalana donde as •DYeinneneer tia aftsvit do
Meio milênio mala tarde, no século XIV, encontrar-se-ão, certamente, Horta és nada Ilhas do Oceano, /Intanha e Islândia. Seus canetas; nu at-
maiores precisões cronológicas na obra de Proteger& por exemplo, mas ado d• valores, a mola utilizada de sempre, cif Manos. Sexo, ou mas taba
— enlameia — Sexo trabalhando scan tonta, nimbam costumes e o tempo
isto não significa ter havido uma transformação fundamental na atitude na linallirrn guerreira da Idade Nédia escandinava. Atam procediam ts Dundalstaa
para com a duração. Az digressões, os retornos no tempo, que já fizeram do sul • do asa seus cimlarriporinea ao meta segundo a moda da astides os
fosse ele comparado a Heródolo. não se encontram na obra do homem ~reg • ao damas doe Dam eeetemeider. (O. Dopam Le sapa de Radiam
do Estado e do soldado que era Nithcnd (23)..1-leste clima geral de in- Harta lei), pada. f40./ Da meta toma a *miada& apresentada na cincho doa
diferença pela duração expressa em números. mantém-se bem viva, to- Maltesa MIO de longe pertence ao trepo em que se pana a vida dm ardia
Tratan de uma ~Maar ~Ga lana segundo o Ideal anetetrears doe aos
ao mar de Ilte • toadas soabria pelo autor, em pomas palavra Paul
~UM per sua as nota que •a arte *a literatura hagiografia& aterrem ~os -
Mi Com excede doe analista oficiais e dos cronistas, continuados.; de exemplos de um tempo abei" rât um penado contendido ara o.preseatm o lugar .
Xuablo e Joanino. Reterimo-nos, aqui, aos que Hotel denomina autores de MIM- da deumetaelle 4$ • In 'Mi Deus medite Adio, o °adota é • colai eia A.,MO
alar originais: os Indivíduos que, interessando-a. pela Mala época resolvem can- tal entona • • nado CrMe lei MU da arvorar do bem t dellueVartabalto
algar os tatos importantes chegados ao seu conhecimento e apresentá-los muna nu- onde da pele a Moa de Sabá Mo emorpelon tbilidtteire.t~ Mak! .
ralha ordenada, la tittleres... tais Raptai. Parle, MI. pág. MO). It. Gnaow eram *Abaeta;
(23) Ilido Mo, evidentemente, exigiria matizes e sacituddemenbil. As Mei" na Intensidade do presente, o pendor de Idade Media Mo tem tempo para a in-
datas mercadores, "capitalistas' (as repúblicas comerciais da Itália) devem adqui- ternar polo parado como tal* (Hada et Abétard, atada sor hi Mora Age et
rir hem mais rapidamente do que as outras o sentido do tempo concreto (o dia l'hatmaittne. Parle, IML rát
. de retida da amictos marítimos de Veneta é fixado de Interna e da maneira MI Seda tateamento examinar ..partir' de :qual época iripedevea .0emacso-
precisa be qualquer modo, o século XIV assinala unia reviravolta • Mato" ante :riu sentido- afiai brigittilinente, -parece. ter, tido um, sentido. técnico:
e 'amem,
Masorrilarta chamava-se, • mindiste, um erro marcado pela loaliacto AG um
ar
40 INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS
A HISTÓRIA E O TEMPO 41

vida no tempo. ASSIM, visitando os Santos Lugares, após a tomada de


subjetivo: os -filósofos (Bergs0n), os sábios (Einstein). encarregar-se-iam,
Jerusalém, os cruzados chegaram ao Santo Sepulcro e, diz a cónica:
aliás, de nos fazer tomar consciência da multiplicidade das noções de
"11 eembioit a cinema que ii véist encore le com ihesucrist geár toei mort.
tempo. Sabemos que o "valor" de nosso tempo depende das pressões
Tent 1 avolt de lermes et de sospirs que hien sembloit que ia choso fust
acertes". sócio-econômicas às quais estamos submetidos, bem como de nossas há-
bitos de atividade ou indolência. O tempo não tem as mesmas exigên-
cias para um camponês — cuja vida é ainda ritmada pelos estações —
• e para um físico ou químico. Exerce sua pressão bem mais sobre o ha-
bitante dos países altamente industrializados, do que sobre o dos países
O homem moderno O homem moderno adquiriu, em relação ao tempo. "subdesenvolvidos".
e o revivo. uma sensibilidade completamente nova: um tempo
O historiador moderno, de qualquer maneira, está empenhado na
amasio e homogéneo cuja medida, cada vez mais pre-
pesquisa de uma precisão cronológica cada vez maior. Sem poder en-
cisa, é essencial em nossa civilização científica, industrial • técnica.
dossar excessos laia como os do historiador crmerican., que reconstitui
O rompo intervém nas experiên-ias científicas, bom como nos cálculos
hora a hora o desenrolar dos fatos no dia em que morreu Liricoln. lenta
das fabricações. A respeito deste último aspecto. condir:ima ele, em
ele fixar uma dedução sempre mais precisa e minuciosa. A história
grande parte, ás moços e os salários. Reina até mesmo nos nossos la-
zeres, pois governa o esporte: Correio "contra o relógio.. .. .A bem di- adquire esta sensibilidade à cronologia no século %VIS. E então. efeti-
vamente, que surge o sentido do progresso, da evolução das sociedades,
zer, o homem moderno vive com os olhos em seu cronómetro, e seria
que completa a noção de tempo, linear, constituída desde muito tempo.
intereescmte verificarem-se, em nossa linguagem contemporânea, todas as • "Compreendem-se melhor as origens de noção de progresso quando nela
espremeis recentes que exprimem nossa lancinante preocupação com o
reconhecemos uma coniciáncia histórica ainda parcial". •
tampo preciso e com a duração concreta. Bem longe estamos das épocas
era que cálculos ligados en mais extrema predirão se reduzissem a uma
• "Consciência histórica. ainda parcial", porque a idéia de. progresso
simples aproximação, dada a falta de meios práticos para medir o tempo. ainda não é acompembadu de uma noção de "dilerença" na coloração
Admiramo-nos, atualmente, de que oe homens tenham podida realizar as humana do tempo. Atualmente, somem menos sensíveis ao jogo puro das
grandes expedições marítimas determinantes das grandes descobertas do Idéias eternas, do que às diferenças entre os momentos da história. Cons-
fim do século XV e começo do século XVI, ao sabermos que ~unham. cientemente, ou não, é Impossível "ato concebermos um século como UM
muitas vezes, apenas da ampulheta para calcular a longitude (estabele- ser vivo..., recusar-lhe uma semelhança com o próprio homem. Cada
cido mediante a verificação da diferença entre a hora do lugar em que um deles mostra-se a nós com ma cor, sua fisionomia e projeta a sombra
noa encontremme e a hora do meridiano de origem): instrumentos tanto de uma certa silhueta". t o Romantismo, aparentemente, que nos faz sen-
mala aproximativos, quanto, freqüentemente, os timoneiros visando à re- tir a "personalidade" dos séculos panados, ou seja, suas diferenças.
dução de SOU quarto de serviço. invertiam o aparelho mais cedo do que O corte brutal da Revolução Francesa, parecendo separar verdadeiramente
necessário... Foi somente em 1530 que o astrônomo alemão Frieiras duos épocas, deu. às gerações que haviam conhecido os últirnos tempos
assinalou que "começamos a nos servir de pequenos relógios, suficiente- do Antigo Regime • es inicias da era nova, o sentido da Ifernsformação,
mente leves para serem transportados. Seu movimento dura vinte • qua- que faltava ainda para complete= esta consciência histórica que, aguçado
tro horas, ou mais ainda, desde que se ajude um pouco, • eles proporcio- de geração em geração, noa conduz ao "historicismo" contemporâneo (28).
rema um melo bem simples de calcular a longitude". Mas foi nos pri-
raonlios da fase industrial. no século XVIII, que se desenvolveu a relojoa-
ria, pois o público principiava a sentir a necessidade de saber o tempo
COm precisão. 11 A DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO DA HISTORIA: A PERIODIZAÇÃO

Nossa concepção moderna de um tempo físico homogêneo, cujas di-


O tempo da história. concebido atualmente como irreversível, linear.
visões convencionais são exigidas pela nassa vida prática, não impede
contínuo. 6 também, desde que o abordemos na prática, do ponto de vista
reconhecimento da existência de um tempo psicológico, de um tempo

tato antes de tua data; o erro °pato denominam-se para/nanismo% escreve Wird (a) Em 1! de setembro de 1421, um polltico trances, ?doi& escreve • um de
em leu Dktionnaire de la tenger transata. seus amigos, apto ter lido & eorrespondèneia de Voltalre: "Que] temps compart eu
netre! , ti y 5 dl: slides d'écoultr.
Y 5 St'W eo c•etn.n.o li

O OBJETO INTELECTUAL DA PESQUISA.


O FATO IIISTORICO

f
ff E" .
I
cià

TcecL "Sabemos hoje em Ma que, no mundo
visto pelo hutoriador. náo existem "fatos",
se entendermos por Isso uma Mrle de fenô-
menos ntreltamente ligadas uns aos outros
em sua sticesgo, • ponto de formar uma
unidade inseparàvel para o nossa espirito
e que podemos, aliás, isolar facilmente, pelo
pensamento, do estado do mundo no qual
se produziram Talvez existam tais tatos na
finca... Mu nada de semelhante há na
histeria, na medida. em que ela é, pana nós,
o conhecimento do passado humano."
Joseph Revia


Os nr)ARECE, à primeira vista, enquanto permanecemos
Jatos históricos.
.t- na lógica formal, que existe uma ciência especial,
a história, que esta ciência estuda uma certa ca-
tegoria de tatos — os fatos históricos — e que ela os estuda segundo um
método apropriado à natureza destes tatos" (1). Tal era a concepção
Mei/ ou menos explicitamente admitida no começo do século. Não é certa
que cinqüenta anos de controvérsias tenham sempre determinado modifi.
cações nas suas linhas principais.
"É um fato"; "apoicmo-nos na autoridade dos latos":"os fatos falam
por si"; eis ai expressões consagradas, que encenam discussões e trangiii.
lixam os historiadores. Realidade evidente, acontecimento cuja autentici-
dade é indiscutível, o "fato" parece corresponder a urna noção tão clara,
a ponto de dispensar, geralmente, reflexões mcds profundas concernentes
ao sentido da palavra. Sem preocupações com a teoria, nossos antigos
eruditas trabalharam metodicamente, durante vários séculos, na exumação,
no desbastar e no polimento dos fatos, a serem alinhados no celeiro da

(1) Cl., soamos, te méthede histerique opaline/ aux


pfg. 1. Notemos não se tratar aqui da concepção Pessoal de Mentes sociales,
ecithahot


124 INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS O OBJETO INTELECTUAL DA PESQUISA. O FATO IliSTARICO 125

história, cada um no lugar a ele determinado para sempre pela sua catego- muitas vezes o homem é seu autor consciente, com muito maior ireqüen-
ria cronológica: século, ano, ma, dia e how, se necessidade houvesse. eia e ele sua vitima ou seu beneficiário involuntário. De qualquer forma,
Quando este tiabalho empaco lhes tivesse permitido determinar que ml ninguém pensaria em reproduzilos num laboratório, ou em controlá-los ex-
príncipe subira ao trono em tal dia„aue tal batalha se trovam em tal lugar. perimentalmente. Como reconstruir, a não ser pelo espirito -- como todos
em tal momento, com tal resultado. sentiam-se eles prateamento felizes. os inconvenientes e impealeições dai decorrentes as condições únicas
Tinham consciência de haver descoberto, precisado ou confirmado, graça, num tempo ineversivel que cercaram e provocaram a nascimento do um
ao seu exame critico, um "lato 12natórico": um acontecimento notável do lato, enquanto, ao.contrório, todo nossa experiência nos prova que. à dis-
passado, que se produzira magnetite em lugar e momento bem exatamen- tilado de séculos e Jando -todas as coisas iguais", é possível Conjeturar-
te determinados.. Na prático (reconheçamo-lo lunintourente), talvez AM mos sem qualquer risco acerco da ação do um corpo químico sobre outro
procedamos de maneou diferente. mas toniamona mais exigentes. quan- corpo? Admitindo-se o reunião dos mesmos atores, a reconstituição das
to ao sentido de nosso trabalho. mesmas circunstâncias, como alçar predizer que, em qualquer momento,
Desde que a história pretendeu, quando não igualar-se às ciências da fato reproduzido se desenrolaria de maneira idêntica ao seu modelo?
natureza, ao menos tomar seu lugar entre as disciplinas cientificas, achou- Na medida em que o acontecimento tem sua fonte na psicologia do homem
-se ela, sem dúvida alguma, diante da necessidade de dar precisão à no- age sobre esta, o experimentador se encontraria à mercê de todas as
ção de "fato histórico". Não repousam a física e a química, cujo segu- surpresas. Somente o detetive genial dos romances policiais previ sem
rança ela admirava e invejava, em dados MIS da experiência? "Os latos erro as reações exatas dos suspeitos, procedendo à rechnstituição do crime.
são a única realidade que possa dar a fórmula à Idéia experimental e, ao Nossos conhecimentos atuais nos impossibilitai acalentar esperanças se-
mesmo tempo, servir-lhe de controle..." (2). Mas não precisamos levar melhantes. Assimilado ao acontecimento, então o fato histórico surge corno
marcado pela unicidade. Excluído de qualquer repetição, revela.se como
muito longe a comparação, pura nos certificarmos do dificuldade de assi-
elemento motor da história, como o fator da transformação (4).
milar os fatos estudados pelos (Micos e químicos. aos que são tradicional-
mente de competência do historiador. A distinção tornou-se de tal forma Esta noção simplificada é mantida mais ou menos conscientemente
banal, que temos até acanhamento em enunciá-la. O fato científico é sus- pelo grande público. Entre os historiadores, os que a adotaram ressentem-
cetível de repetição. Esta repetição permite formula leis, estabelecer cons- -se de sua insuficiência. Assim, opõem eles, ao falo-acontecimento, a
tanta. Abordando-se, ao contrário, os fatos históricos, sentimos estar des- instituições e os costumes, elementos duradouros da matéria histórica.
cobrindo fenômenos irreversíveis. Outros, ao contrário, distinguem o acontecimento. estritamente localizado
Deveras, o que se entende comumente por "tatos históricos", são os no tempo e no espaço, do fato, marcado essencialmente pela sua duração:
fenômenos materiais, as C014121 que acontecem aos homens: os aconteci- as instituições, neste caso, passam a ser os verdadeiros fatos. Desde que
mentos (3). Ora, estes são dificilmente previsíveis, Jamais idênticos em procuremos aprofundar o sentido, a palavra "fato", então, parece-nos sin-
seus detalhes e de importância infinitamente variada: acontece-lhes afetar gularmente equívoca. O Vocabufaire philosophique de Latrias, onde se
todos os homens, mas podem, também, reduzir-se a um simples gesto, a destacam estas diferenças de interpretação, invoca, para tornar mais clara
urna palavra. São estritamente localizados no tempo e no espaço e. se a distinção por alguns estabelecido entre os fatos e os acontecimentos, o
exemplo das batalhas, que se integram, ao mesmo tempo, nas duas cate-
gorias. Acontecimentos, porque se desenrolam em tempo e lugar bem de
ChIlde BuurlAJD, Introduction d to médectne (sofrimento'', Paris, 1885, terminados. Fatos, por se considerarem "como um elemento da realidade.
pega 92-93. cuja existência é Incontestável para o historiador e que pode sant de
iate parece ser o sentido que Voltaire atribui á palavra "lato": "Odeiu base a raciocínios ou a hipóteses".
os pequenos fatos, com eles 'muitos outros tem sobrecarregado tuas compilações*.
O Dictionnaire de ia langue frangotes de Littré define o fato "coisa feita. ato, aclio•. Dificilmente vemos qual acontecimento poderia escapar a este duplo
"toda colur que noutece, que tem lugar", mas também: "toda coisa cuia realidade caráter. Insensivelmente, escorregarmos, de uma interpretação relativa-
foi reconhecida, constatada". Francois Siamswe elMélbode historiam et Mien m- mente estreita da expressão "fato histórico", para uma concepção de tal
idden, publicado inicialmente na Rins de andais( bistorique, 1903, e recentemente modo ampla que engloba, efetivamente, todos os elementos da realidade
1 nprdudde nos Amiais', 15ft MG MOO. pega 113419), anisa% o fato histórico ao
acontecimento. Emprega Indiferentemente uma e mitra Palavra. Recentemente. Juin
Brame (l/bomane 1o11-11 soa Matolret", In Revue Matorlinse, Øg. 256), fala (4) Acerca do caráter "único" do fato histórico, recomenda-se Reger Mana "Dia-
dos natos novos que sobrevivi. O que soluevém assim, eis todos in dominlos, é logue de ligstoire et de Is sociologie", lia Cohlere Internottonaus de soriologie. t. 3
acootecimento". (1917), pág. ta
t26 I NICE A (*AO MIS tini,DOS O OBJETO INTELECTUAL DA PESQUISA O FA10 JIIS'I (MICO 127


cuja existência é incontestável para o historiador. Os acontecimentos, os Este é, na realidadh, o sentido mam divulgado no público; o que e mantido,
instituições e os costumei. tornam-se, assim, latos históricos. Para Langjoid de qualquer modo, muotidiancimenie, por jornalistas ávidos do sensacional.
Seignobos, iguala admitimos como representando o emendai de um pen- Mas havera noção mais subjetiva, 111(liS variável, mais incerta e mais capaz
samento comum à maioria dos historiadores do fim de século passado, o de faze: injustiça à própria história? Sabe-se muito bem como um fato.
fato histórico corresponde. incontsstavelmente, à matéria prima da história, importante para um observador do século passado, é tido por completa-
seja qual for a natureza dos fenômenos estudados • independentemente de mente insignificante aos olhos do historiador do século XX. O exame aten-
seu grau dengeneralidade. A este respeito, a opinião de Seignobos não pa- to dos inventários de arquivos nos forneceria uma prova prática do que
rece ter enfado variações, desde os tempos da Introduction aux Mudes his- dissemos. Num momento em que a história política assumia o primeiro
toriques até à Lettre escrita no fim de sua vida e digna de ser tida como lugar, os especialistas encarregados de furei os inventários mantinham
seu testamento espiritual. O historiador, segundo seu ponto de vista, es- nos suas análises sumários, instintivamente, os detalhes relativos a um
tuda, ao mesmo tempo, fatos materiais conhecidos pelas sentidos (condições interesse político. negligenciando na maior parte do tempo, com igual es.
materiais: atos dos homens) e fatos de natureza psíquica (sentimentos, pontaneidade, ci que preferencialmente nos interessa hoje em dia, pois vol-
idéias, impulsos), acessíveis somente à consciência. Incluiremos, assim, tamos nossas atenções para o aspecto econômico o social da história.
sob o vocábulo "fatos históricos", fenômenos tão diferentes entre si quanto Os geólogos. também, não foram descobrir a existência do minério de
os puros acontecimentos, ou os faros da escrita, da lingua, doutrinas, usos uránio em quantidades apreciáveis no solo terrestre somente a partir do
— e de sun grau do generalidade tão incomensurável quanto os costumes momento em que o urânio. reputado raro e de uso restrito, tornou-se indis-
e as crenças ou os movimentos e as palavras (5). pensável, em grande quantidade. à pesquisa cientifica e à indústria?
Nossas tentativas de definição desembocam, portanto, em surprsenden. Exigirme.ia, ao menos, precisar o que se entende por "impoitáncia"
tes incertezas. E, na verdade, bmitarnonos. até aqui, apenas ao quo se dos fatos. Aceitaremos, então, no falta de melhor — e, aliás, em muito
oculta por tras da palavra "fato", negligenciando um pouco o adjetivo que boa companhia — que um fato pode ser considerado como de importando
acompanha. Por que razões é um falo histórico? A resposta clássica histórica quando produziu conseqüências. Esclarecemos imediatamente,
surge Imediatamente: porque, pertencendo à história, é passado e opõe-se por precaução, que todos os fatos têm as suas, mas que estas são mais
aos fatos atuais Inacessíveis à história, ainda, dada a falta do necessário ou menos consideráveis numa escala humana, submetida, de resto, a uma
recuo. Distinção corrente, mas que perde muito de seu valor, quando obser- constante revisão.
vamos a Inexistência de fatos cuja posição diferente na escala do tempo Henri Pirenne. Henri Lévy-Bruhl, Paul Harsin, desenvolveram esta tese
autoriza a considerar como de natureza dessemelhante. A objeção refor- — Lévy•Bruhl, especialmente (7). Para ele, aliás, um fato é histórico,
ça-se, se refletirmos que, no próprio instante em que cessa de verificar-se quando possui, conjuntamente, as qualidades de fato passado e de lato
(se se bata de um acontecimento), ou de existir (se se trata de uma imã- portador de conseqüências. Pois não devemos empregar uma medida gros-
tuição) um fato pertence já ao passado e não poderia ser visto de outra seiramente cronológica. Não bosta que um fato tenha verdadeiramente
forma pelo observador contemporâneo (8). existido numa época anterior para que sua existência seja histórica.
t preciso, então, buscar alhures, voltar, mesmo, à noção vulgar do t preciso, ainda, que tal existência se tenha manifestado. A importância,
fato encarado como histórico por ser digna da história: por ser importante. frente a história, de um texto inédito durante muito tempo é nula, até o dia
de sua publicação. O que importa, se o historiador estuda uma doutrina
filosófica ou uma crença religiosa, não será o sentido verdadeiro desta
(5) A história, diz Ch. Scicacnios (!la (tendere lettre de cu Seignolms à Per- doutrina ou desta crença, mas as interpretações a elas dadas pelas ho-
dinand Ler, In Repus historiem, t. CCX (1953). pág. 5), 'deve estudar, concond- mens que as adotaram, repeliram ou comentaram, durante o tempo em
tantemente, duos espécies de tatos radicalmente atesados: 1.0) tatos materiais co- que exerceraminfluanclu. Poderemos, e por muito tempo, considerar como
nhecidos pelos sentidos (condições materiais • atos dos homens); v) tatos de natu-
reza psíquica Isentimentos, idéias, impulsos) acemants somente 1, consciência, mas do• um grande estadista um tal publico favorecido pela fortuna. No dia em
quais não se pode lazer abstração, porque inspiram a conduta doe homens • Inspirem que alguma descoberta de documentos revelar sua insignificância, o his-
nus atos reate. Nas a verdade 4 que não se encontra em parte alguma, na obra de toriador tem o dever de acentuar, não esta revelação inesperada, mas sim
Lendas • Seignoboa urna definição formal da matasse nato*.
(61 "Não há careta histórico inerente ate tatos, histórica é apenas a maneira
de conluiai-los", dia Nnozzomia (La méthode historkpor, pág. i). O que indica na (7) Henri art-Barim., •Qu'est ce que te tait hIstorique7", ia Revue de synthèse
concheio: . 'A história não pode ser uma Macia, ele 4 anate um processo de cré. histories', L 49 (111281, Mas 53-5t nte artigo, que atraiu particularmente ai aten-
nhecimente. ções dos historiadores, itol resumido per Paul Mut ("Conunent os keit VhIstoirerc).
128 INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTORICOS O OBJETO INTELECTUAL DA PESQUISA O FATO IIISTaltICO 129

a opinião favorável de seus contemporâneos, relativamente ao grande ho- a documentos autênticos, o autor tivera o intuito de proteger os bispos con-
mem bruscamente destronado. tra a justiça laica e contra as sentenças de seus próprias superiores. Atri-
Nesta perspectiva, o fato histórico é, antes de tudo, um fenômeno de buíra uma autoridade soberana an papa, a fim do que os bispos pudessem
opinião, o que não o impede de ser, também, um fenômeno material, um sempre apelar a ele das decisões tomadas em escalões intermediários da
acontecimento. O povo de Paris tomou a Bastilha. em 14 de julho de 1789: hierarquia. Na mesma coletânea, figurava a falsa Doação de Constar-inflo,
eis o lato materialmente bruto. O povo de Paris acreditou, ao tomar a conferindo ao papa Silvestre e seus sucessores direitos que se elevavum
o
„ Bástilha, estar libertando as infelizes vítimas do poder absoluto; a poste- acima do Império, atribuindo-111:s a supremacia sobre todas as igrejas do
ridade ratificou de tal forma o seu julgamento, que fez ae 14 de julho o mundo. As Falsas Decretais, obra-prima de lalsiticação, tiveram autorida-
símbolo do triunfo da liberdade republicana sobre o arbítrio monárquico: de durante cerca de sete séculos. Desempenharam um papel na formação
eis o fenômeno de opinião. Percebemos bem o nosso exemplo: o fenóme- do direito eclesiástico e no eslelislecimenlo da autoridade temporal do
no de opinião ultrapassa, eis importância, o lato material que lhe deu nasci- papa. São bem merecedoras do qualificação de fato histórico.
mento. sobretudo quando sabemos o modo pela qual o próprio poder real As Falsas Decretais, os Poemas de Ossian tiveram êxito, antes de tudo,
encarava a destruição de uma velha fortaleza, onde não mais se achavam por corresponderem, talvez, a "Urna necessidade do meio social que, não
encarceradas, em 1789, senão meia dúzia do personagens duvidosos, es- dispondo do que se satisfazer, forja, de alguma forma, algo com que acal-
croques ou seaUlouros. mar sua paixão", de tal modo que "o verdadeiro autor do falso é o grupo
no domínia.cla história religiosa que os fenómenos de opinião surgem social e que o indivíduo, redator material do texto, não passa de seu ins-
mais nitidamente; sob seu aspecto de fatos históricos. Um mito — o das trumento". O faio histórico é um fato 'social. Eis o que já pretendia
origens de Roma. par exemplo — pode revestir uma importância conside- demonstrar o sociólogo Lévy-Bruhl. 'Merecerá, escreve ele, a qualificação
rável, mesmo guando descobertas arqueológicas revelem estar ele desti- de fato histérico, todo fato passado tal como se refletir na consciência co-
tuído de qualquer realidade material. Sem pretender avançar num pro- letiva, e a importância histórica destes fatos medir-se-á pela importância
blema metafísico, Paul Hardt' afirma a existência histórica do diabo. Não que tiveram na seqUencia dos latos da mesma ordem."
ela atestada pelas atas de numerosos processos de feitiçaria? O que
Importa, para o historiador, é que os "feiticeiros", os jubas e o público te-
nham acreditado, com igual convicção, nu presença e na ação do Maligno
neste mundo terreno.
e Sobre tais temas são possíveis as variações aparentemente mais para-
doxais. O falso histórico ó "reabilitado". Desde que produziu conseqüên-
cias, torna-se um fato histórico notável. Conhece-se o famoso exemplo dos
falsos poemas de Osslan, este bardo escocês do século 111, brotado, em 1762,
da imaginação de um certo Macpherson. Na realidade, as "obras" de
Ossian tinham sido compostas pelo seu assim chamado editor, que se Ins-
pirava em lendas cujo passado não remontava além do século XII. Elas
passaram imedlataniente por autênticas e desempenharam um tão impor-
tante papel na evolução da sensibilidade e da literatura contemporâneas,
que nenhum historiador pode desprezá•las. Sua influindo estendeu-se
à Inglaterra, França, Itália e Alemanha. Foram traduzirias em versos ita-
lianos, transpostas para o alemão, sueco, dinamarquês • holandês. Goethe
Inspirou-se nelas. no Wordar. Foram a leitura favorita de Napoleão Do-
naparte. Chateaubriand. Musset, .Wgny, retomaram seus temas. Graças
a °Man, a melancolia entrou na moda e falsos poemas contribuíram para
nascimento de um malíssimo movimento lit : o Romantismo.
Alguns séculos antes, uma coleção de falsas cartas pontificais, prova-
velmente fabricadas na França durante o século IX. fora divulgada sob o
nome do Santo Isidoro de Sevilha. Mesclando sullimente suas invenção*
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educando fixe, memoriza, repete, sem perceber o que realmente O educador se põe frente saos educandos como sua antinomia
significa quatro vezes.quatro. O que verdadeiramente significa ca- necessária. Reconhece na absolutização da ignorância daqueles a
pitai, na afirmação, Pará, capital Belém. Belém para o Pará e Pará razão de sua existência. Os educandos, alienados, por sua vez,
para o Brasil . maneira do escravo na dialética hegeliana, reconhecem em sua igno-
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educan- rando a razão da existência do educador, mas não chegam, nem
dos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a sequer ao modo do escravo naquela dialética, a descobrir-se educa-
narração os transforma em "vasilhas", em recipientes a serem "en- dores do educador.
chidos" pelo educador. Quanto mais vá "enchendo" os recipientes Na verdade, como mais adiante discutiremos, a razão de ser
com seus "depósitos", tanto melhor educador será. Quanto mais se da educação libertadora esti no seu impulso inicial conciliador. Dal
deixem docilmente "encher", tanto melhores educandos serão. que tal forma de educação implique c superação da contradição
Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos, simulta-
que os educandos são os depositários e o educador o depositante. neamente, educadores e educandos.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz "comunicados" e Na concepção "bancária" que estamos criticando, para a qual
depósitos que os educandos, meras incidências, recebem paciente- a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores
mente, memorizam e repetem. Eis rd a concepção "bancária" da e conhecimentos, não se verifica nem pode verificar-se esta supera-
educação, em que a única margem de ação que se oferece aos edu- ção. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora, sendo dimen-
candos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-las. são da "cultura do silêncio", a "educação" "bancária" mantém e
Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que estimula a contradição.
arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados tão os homens, Dai, então, que nela:
nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção "bancária"
da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, o educador é o que educa; os educandos, os que são edu-
os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na cados;
medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criati- o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem:
vidade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na o educador é o que' pensa; os educandos, os pensados;
invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanen- o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a
te, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. escutam docilmente;
Busca esperançosa também. o educador é o que disciplina; os educandos, os discipli-
Na visão "bancária" da educação, o "saber" é uma doação dos nados;
que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se
1) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educan-
funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opres-
dos, os que seguem a prescrição;
são — a absolutização da ignoráncia, que constitui o que chamamos
de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre e) educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão
de que atuam, na ..tuaçao do educador;
no outro.
O educador, que aliena a ignoránda, se mantém em posições h) o educador escolhe o contpldo prowamitiço; os educandos,
fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos jamais outidos mata &Olha, se acomodam a ele;
serão sempre os que não sabem. A rigidez deitas posip5es nega a I) o editcador idendfica a outoridide do saber com sua auto-
educação co conhecimento como processos de busca. ridade funcionai, que opõe antagonicamente à liberdade
dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações da-
quele;
I. Podern dizer-se que Casos como estes já não sucedem nui escolas brasileiras. j) o educador, finalmente, to sujeito do processo; os educan-
Se realmente estes não ocorrem, continua, contudo. Prenondcallicinento• o
caráter narrador que estamos criticando. dos, meros objetos.

58
Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada Como marginalizados, "seres fora de" ou "ii margem de", a
sabem, cabe àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos solução para eles estaria e que fossem "integrados", "incorpora.
segundos. Saber que deixa de ser de "experiência feito" para ser de dos" à sociedade sadia de nide um dia "partiram", renunciando,
ex periência narrada ou transmitida. como trânsfugas, a uma vt 9 feliz...
Não é de estranhar, pois, que nesta visão "bancária" da edu- Sua solução estaria er deixarem a condição de ser "seres fora
cação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajusta- de" e assumirem a de "ser - dentro de".
mento. Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento
Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que são os
dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si oprimidos, jamais estiveram jura de. Sempre estiveram dentro de.
a consciência critico de que resultaria a sua inserção no mundo, Dentro da estrutura que os transforma em "seres para outro". Sua
como transformadores dele. Como sujeitos, solução, pois, não está em "integrar-se", em "incorporar-se" a esta
Quanto niais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenua- estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que possam
mente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, A fazer-se "seres para si". I;
realidade parcializada nos depósitos recebidos.
Na medida era que esta visão "bancária" anula o poder criador
Este não pode ser, obviamente, o objetivo dos opressores. Dai
que a "educação bancária", que a eles serve, jamais possa mien.
dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não
teme no sentido da conscientização dos educandos.
sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o
Fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. Na educação de adultos, por exemplo, não interessa a esta
O seu "Itumanitarismo", e não humanismo, está em preservar a visão "bancária" propor aos educandos o dcsvelamento do mundo,
situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a manuten- mas, pelo contrário, perguntar-lhes te "Ada deu o dedo ao urubu",
ção de sua falsa generosidade a que no: referimos no capítulo an- para depois dIzer-lhes enfaticamente, que não, que "Ade deu o dedo
terior. Por isto mesmo é que reagem, até instintivamente, contra à
qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autên- A questão está em que pensar outenticannte é perigoso. O
tico, que não se deixa emaranhar pelas vLsões parciais da realidade, estranho humanismo desta concepção "bancária" se reduz ft temá.
buscando sempre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um lin de fazer dos homens seu contrário — o autômato, que é a
problema a outro. negação de sua ontológica ocação de ser mais.
Na verdade, o que pretendem os opressores "é transformar a O que não percebem s que executam a educação "bancária",
mentalidade dos oprimidos c não a situação que os oprime", e dcliberadamcnte ou não (p rque há um sem-número de educadores
isto para que, melhor adumando-os a esta situação, melhor os de boa vontade, que apen, . não se sabem a serviço da desuntani-
dominem. zação ao praticarem o "knearismo"), é que nos próprios "depó-
Para isto se servem da concepção e da prática "bancárias" da sitos" se encontram as contradições, apenas revestidas por uma
educação, o que juntam toda uma ação social de caráter paterna- exterioridade que as oculta. E que, cedo ou tarde, os Próprios
lista, em que os oprimidos recebem o nome simpático de "assisti- "depósitos" podem provocar um confronto com a realidade em de.
dos". São casos individuais, meros "marginalizados", que discrepam venir e despertar os educandos, até então passivos, cátitra.a sua
da fisionomia geral da sociedade. "Esta é boa, organizada e Justa. "domesticação".
Os oprimidos, como casos individuais, sio patologia da sociedade
A sua "dorneiticaellan e a de realidade,: da qual se
sã, que precisa, por isto mesmo, ajustá-los a ela, mudando-lhes a
como algo estático, pode despertá-los como Contradição de Ser&esr
mentalidade de homens ineptos e preguiçosos." •
mos e da realidade. De si Mesmos, ao se descobrirem'. por eXperiim
eia existencial, em um modo de ser iecOncilláVeltOM ti-staíiidée06
de humanizar-se. Da realidade, ao perceberem-na erw.sups - relociá
2. Simone de kauvoir, El Pensandento Polido" de Ia Dei-sebo. Buenos Aires,
com ela, como devenir eonatante.
Edieiones Siglo Veinte/S.R.L.. 1963, p. 34.

60
A CONCEPÇÃO PROBLEMATIZADORA conscientes". A consciência como se fosse alguma seção "dentro"
dos homens, mecanicistamente compartimentada, passivamente aber-
E LIBERTADORA DA EDUCAÇÃO. SEUS ta ao mundo que a irá "enchendo" de realidade. Uma consciência
PRESSUPOSTOS continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo
É que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocação lhe faz, e que se vãci transfOrMando em seus conteúdos. Como se
ontológica é humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a con- os homens fossem uma presa do mundo e este um eterno caçador
tradição em que a "educação bancária" pretende mantê-los e enga- daqueles, que tivesse por distração "enchê-los" de pedaços seus.
jar-se na luta por sua libertação. Para esta equivocada concepção dos homens, no momento
Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar mesmo em que escrevo, estariam "dentro" de mim, como pedaços
esta possibilidade'. Sua ação, identificando-se, desde logo: com a do mundo que me circunda, a mesa em que escrevo, os livros, e
dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de Meara de café, os objetos todos que aqui estão, exatamente como
ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega dentro deste quarto estou agora.
do saber, Sua ação deve estar infundida da profunda crença nos Desta forma, não distingue presentificação à consciência de
homens. Crença no seu poder criador. entrada na consciência. A mesa em que escrevo, os livros, a xícara
Isto tudo exige dele que seja um companheiro dos educandos, de café, os objetos que me cercam estio simplesmente presentes
em suas relações com estes. minha consciência e não dentro dela. Tenho a consciência deles
A educação "bancária", em cuja prática se dá a inconciliaçãG mas não os tenho dentro ep. mim.
educador-educandos, rechaça este companheirismo. E é lógico que Mas, se para a conceição "bancária" a consciência é, em sua
que o educador "bancário" vivesse e relação com o mundo, esta "peça" passivamente escancarada a ele,
seja assim. No momento em
superação da contradição já não seria "bancário". If ;tio feria de- espera de que entre nela coerentemente concluirá que ao educa-
pósitos. lá não tentaria domesticar. lá não prescreveria. Saber com dor não cabe nenhum ou'. .3 papel que não o de disciplinar a en-
os educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. trada do mundo nos edua ndos. Seu trabalho será, também, o de
Já não estaria a serviço da desumanização. A serviço da opressão, imitar o mundo. O de orktner o que já se faz espontaneamente.
• •
mas a serviço da libertaelo. o O de "encher" os educandos de conteúdos. E o de fazer depósitos
de "comunicados" — falso saber — que ele considera como verda-
A CONCEPÇÃO "BANCÁRIA" E A deiro saber 4 .
CONTRADIÇÃO EDUCADOR-EDUCANDO E porque os homens, nesta visão, ao receberem o mundo que
Esta concepção "bancária" implica, além dos interesses já re- neles entra, já são seres passivos, cabe it educação apassivá-los mais
ainda e adaptá-los ao mundo. Quanto mais adaptados, para a com
feridos, outros aspectos que envolvem sua falsa visão dos homens.
cepção "bancária", tanto mais "educados", porque adequados ao
Aspectos ora explicitados, ora não, em sua prática.
Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens sim- inundo. •
plesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens Esta é uma concepção que, implicando uma prática, somente
espectadores e não recriadores do mundo. Concebe e sua consciên- pode interessar aos opressores, que estado tão mais an paz, quanto
cia como algo especializado neles e não aos homens como "corpos mais adequados estejam os homens ao mundo. E tão mais peto.
copados.' quanto Mais questionando o mundo estilam os herdem.

temos afirmado ate a


3. Mio fazemos esta afirmação ingenuamente. Já
educação reflete a estrutura derpoder, daí a 'dificuldade que tem um educa& 4. A concepção do saber, da concepção 'bancária' é, no fundo, o que Sante
dialágico de atuar coerentemente numa estrutura que nega o diálogo. Algo (El Nombre )9 Ias Coses) eltams.iit de concepção *digestiva' ou 'alimentícia'
Fundamental. porém, pode ser feito: dialogar sobre a negação do prépr:o do saber. Este é como se fosse t. 'alimento' que o educador vai introduzindo
nos educandos, numa espécie el tratamento de engorda...
diálogo.

,63
62
Quanto mais se adaptam as grandes maiorias às finalidades
que lhes sejam prescritas pelas minorias dominadoras, de tal modo Dela, que parte de uma compreensão falsa dos homens — re-
que careçam aquelas do direito de ter finalidades próprias, mais duzidos a meras coisas —, não se pode esperar que provoque o
poderão estas minorias prescrever. desenvolvimento do que Fromm chama de biofilia, mas o desenvol-
vimento de seu contrário, a necrofilia.
A concepção e a prática da educação que vimos criticando se
instauram como eficientes instrumentos para este fim. Dai que um "Mientras la vida (diz Fromm) se caracteriza por el crecirnien-
dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não estejam to de una numera estructurada, funcional, el individuo necrórile
advertidos muitos do que a realizam, seja dificultar, em tudo, o ama todo lo que no crece, todo lo que es mecánico, La persona
pensar autêntico. Nas radas verbalistas, nos métodos de avaliação necréfila es movida por un deseo de convertir lo orgánico en inor•
dos "conhecimentos"; no chamado "controle de leitura", na distân- gánico, de mirar la vida mecanicamente, como si todas Ias personas
cia entre o educador e os educandos, nos critérios de promoção, na vivientes fuezen cosas. Todos los procesos, sentimientos y pensa-
indicação bibliográfica", em tudo, há sempre a conotação "diges- mientos de vida se transformcn en cosas. La memoria y no la ex-
tiva" e a proibição ao pensar verdadeiro. periencia; ienes y no ser es lo que cuenta. El invIdiduo necrailo
puede realizar-se con un objeto — una flor o una persona — Uni-
Entre permanecer porque desaparece, numa espécie de morrer
camente si Ia posee; en consecuencia una amenaza a su posesion :r

para viver, e desaparecer pela e na imposição de sua presença, o es una amenaza a él mismo, si pierde la posesi6n, pierde el contacto
educador "bancário" escolhe a segunda hipótese. Não pode enten- I!
con el mundo." E. mais adiante: "Ama el control y en el acto de
der que permanecer é buscar ser, com os outros. É con-viver, sim- controlar, mata la vida".
patizar. Nunca sobrepor-se, nem sequer justapor-se aos educandos,
des-sim-patizar. Não há permanência na hipertrofia.
A opressão, que é un controle esmagador, é necr6fila. Nutre- 11
se do amor 1 morte e não do amor à vida.
Mas, em nada disto pode o educador "bancário" crer. Con- A concepção "bancária", que a ela serve, também o é. No
viver, sim-patizar Implicam comunicar-se, o que a concepção que
momento mesmo em que se funda nurn conceito mecinico, estático,
informa sua prática rechaça e teme.
especializado de consciência e em que transforma, por isto mesmo,
Não pode perceber que somente na comunicação tem sentido
os educandos em recipientes, em quase coisas, não pode esconder
a vida humana. Que o pensar do educador somente ganha autenti-
sua marca necréfilo. Não se deixa mover pelo animo de libertar
cidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados
pensamento pela ação dos homens uns com outros na tarefa co- • 'ta
ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. Por isto, o
mum de refazerem o mundo e de torná-lo mais e mais humano.
pensar daquele não pode ser um pensar para estes nem a estes im-
Seu Animo é justamente o contrário — o de controlar u pensar
posto. Dai que não deva ser um pensar no isolamento, na torre de e a ação, levando os homens ao ajustamento ao mundo. É inibir
marfim, mas na c pela comunicação, em torno, repitamos, de uma poder de criar, de atuar. Mos, ao fazer isto, ao obstaculizar a
realidade. atuação dos homens, COMO sujeitos de suo ação, como seres
E, se o pensar s6 assim tem sentido, se tem sua fonte geradora de
opção, (mitra-os,
na ação sobre o mundo, o qual mediada* as consciências em comw . Quando, porém, por um motivo qualquer, os homens se sen.
nicação, não será possível a superposI4 dos homens aos homens. tem proibidos de atuar, quando se descobrem Incapazes de usai.
Esta superposição, que é uma das noas fundamentais da con• . suas faculdades, mimm. ,
cepção "educativa" que estames criticando, mais uma vez a situa Este sofrimento provém "do fato de ie haver perturbado.
como prática da dominação.. equilíbrio humano" (Fromm). Mas, o não poder atuar, que provoca
• sofrimento, provoca também nos homens o sentimento. de recusa
à tua impotência. Tentam. cinto, "restabelécerii.'suircapadditde ltle
5. Há professores que, ao indicar uma relação bibliográfica, determinam a atuar" (Fromm).
leitura de um livro da página lê è página IS. e fazem isto para ajudar os
;dunas...
6. Erich Fromm, op. cit., pp. 284.
bit
Disto, infelizmente, parece que nem sempre estão convencidos
"Pode, porém, fazê-lo? E como?", pergunta Fromm. "Um os que se inquietam pela causa da libertação. E que, envolvidos
modo, responde, é submeter-se a urna pessoa ou a um grupo que pelo clima gerador da concepção "bancária" e sofrendo sua influên-
tenha poder e identi(icar-se com eles. Por esta participação simbó- • cia, não chegam a perceber o seu significado ou a sua força destt-
lica na vida de outra pessoa, o homem tem a ilusão de que atua, manizadora. Paradoxalmente, então, usam O mesmo instrumento
quando, em realidade, não faz mais que submetet-se aos que atuam alienador, num esforeb cjile Or. etendem libertador. E há até os que,
usando o mesmo instrumento alienador, chamam aos que divergem
e converter-se em parte deles.' t7
Talvez possamos encontrar nos oprimidos este tipo de reação desta prática de ingênuos ou sonhadores, quando não de reacio-
nas manifestações populistas. Sua identificação com líderes caris- nários.
máticos, através de quem se possara sentir atuantes e, portanto, no O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a liber-
uso de sua potência, bem como a sua rebeldia, quando de suo tação dos homens não podemos começar por aliená.los ou mantê-los
emersão no processo histórico, estão envolvidas por este ímpeto de alienados. A libertação autêntica, que é a humanização em pro-
cesso, não é uma coisa que se deposite nos homens. Não é uma
busca de atuação de sua potência.
Para as elites dominadoras, esta rebeldia, que
é ameaça a elas, palavra a mais, oca, mitifitante. É prázis, que implica a ação e a
temo seu remédid em mais dominação — na repressão feita em reflexão dos homens sobre d' mundo para transformá-lo.
estabelecimento da ordem e da Exatamente porque não podemos aceitar a concepção medi'''.
nome. inclusive, da liberdade e no
outra senão a paz mi- ca da consciência, que a vê como algo sano a ser enchido, um dos
paz social. Paz social que, no fundo, não é
fundamentos implícitos na visão "bancária" criticada, é que não
veda dos dominadores. podemos aceitar, também, que a ação libertadora se sirva das mes-
Por Isto mesmo é que podem considerar — logicamente, do
"the violence of a strike by mas armas da dominação, Isto é, da propaganda dos slogans, dos
seu ponto de vista — um absurdo
workers and (can) call upon the state In the ume brcath to use "depósitos".
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se com-
violence In puttIng down the strike"*. que vem sendo objeto prometem com e libertação não pode fundar-se numa compreensão
A educação como prática da dominação,
dos educandos, o que pre- dos homens como seres "vazios" a quem o mundo "encha" de
desta crítica, mantendo a Ingenuidade conteúdos; não pode basear-se numa consciência especializada, me-
(nen sempre percebido por muitos
tende, em seu marco ideológico canicistamente compartimentaria, mas nos homens como "corpos
dos que a realizam), é indoutriná-los no sentido de sua acomodação
conscientes" e na consciência como consciência intencionada ao
ao mundo da opressão.
Ao denunciá-la, não esperamos que as elites dominadoras re- mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da pra
nunciem h sua prática. Seria demasiado ingênuo esperá-lo. blematização dos homens ern suas relações com o mundo.
Nosso objetivo é chamar a atenção dos verdadeiros humanis- Ao contrário da "bancária", a educação problematizadora,
tas para o fato de que eles não podem, na busca da libertação, respondendo à essência do ser de consciência, que é sua intencio-
servir-se da concepção "bancária", sob pena de se contradizerem nalidade. nega os comunicados e existencf a a comunicação. Iden-
em sua busca. Assim como também não pode esta concepção tor- tifica-se com o próprio da consciência que é sempre ser consciência
nar-se legado da sociedade opressora It sociedade revolucionária. de, não apenas quando se %Menciona a objetos, mas também quando
A sociedade revolucionária que mantenha a prática da educa- se volta sobre si mesma, no que lancil, chama de "cisão". Cisão
ção "bancária" ou se equivocou nesta %anulai*, ou se deixou em que a consciáada 4 consciência de consciticia.
"morder" pela desconfiança e pela descrença noa homens. Em
'The refloriu of consclousness upon ItsetI is as selfevident and marvelous
qualquer das hipóteses, estará ameaçado pelo espectro da reação.
as is lis lnumtknallty. 1 am ai myself; 1 ar both coe and twotold. ido not
mio as Mingtists, but In an inner sidit. as my own object, Grid thtis In -
mudo and ima tremi." Karl f aspem, Philosophy, vol. I. The University-ol
Erich Fromm. op. til., pp. 28-9 sociery. Nova Iorque. Charles Chicago Pias. 1969, p. 50.
itcinhold Niebuhr. Moral MCII (Md humor&
Scribncr's Sons. 1960. p. 130. 67
66

Neste sentido, a educação libertadora, problematizadora, já não lá agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém
pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, media.
transmitir "conhecimentos" e valores aos educandos, meros pacien- tizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que,
tes, à Maneira da educação "bancária", mas um ato cognoscente. na prática "bancária", são possuídos pelo educador que os descreve
Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscfvel, em lugar ou os deposita nos educandos passivos.
dc ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador Esta prática, que a tudo dicotomizo,
distingue, na ação do
de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de educador, dois momentos. O primeiro, em que ele, na sua biblio-
outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência teca ou no seu laboratório, exerce um ato cognoscente frente ao
da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é objeto cognoscível, enquanto se prepara para suas aulas. O segun-
possiyel'a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos do, em que, frente aos educandos, narra ou disserta a respeito do
sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível. objeto sobre o qual exerceu o seu ato cognoscente.
O antagonismo entre as duas concepções, uma, a "bancária", O papel que cabe a estes, como salientamos nas páginas prece-
que serve à dominação; outra, a problematizadora, que serve à dentes, é apenas o de arquivarem a narração ou os depósitos que
libertação, toma corpo exatamente of. Enquanto a primeira, neces- lhes faz o educador. Desta forma, em nome da "preservação da
sariamente, mantém a contradição educador-educandos, a segunda cultura e do conhecimento", não há conhecimento, nem cultura
realiza a superação. verdadeiros.
Para manter a contradição, a concepção "bancária" nega a Não pode haver conhecimento pois os educandos não são cha-
dialogicidade como essência da educação e se faz antidialógica; mados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo narrado pelo edu-
para realizar a superação, a educação problematizadora — situação cador. Não realizam nenhum ato cognoscitivo, uma vez que o objeto
goosiológica — afirma a dialogicidade e se faz dialóglea. que deveria ser posto como incidindo de seu ato cognoscente é
posse do educador e não mediatizador da reflexão critica de.ambos.
A prática problematizariora, pelo contrário, não distingue estes
NINGUÉM EDUCA NINGUÉM, NINGUÉM momentos no quefazer do educador-educando.
EDUCA A SI MESMO, OS HOMENS SE EDUCAM Não é sujeito cognoscente em um, e sujeito narrador do con-
ENTRE SI, MEDIATIZADOS PELO MUNDO teúdo conhecido em outro.
Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, É sempre um sujeito cognoscente, quer quando se prepara,
quer quando se encontra dIalogicamente com os educandos.
que rompe com os esquemas verticais característicos da educação
O objeto cognoseivel, de que o educador bancário se apropria,
bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a con-
deixa de ser, para ele, uma propriedade sua, para ser a incidência
tradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe
da reflexão sua e dos educandos.
seria possível fazê-lo fora do diálogo.
Deste modo, o educador problematizador refaz, constantemen-
E através deste que se opera a superação de que multa um te, seu ato cognoscente, na cognoschividade dos educandos. .Estes,
termo novo: não mais educador do educando, não mais educando
em lugar de serem recipientes dtkels de depósitos, do ágora inves-
do educador, mas educador-educando com educando-educador. tigadores críticos, em diálogo com o educador, inveilignior
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas também. . v. :•.. (
o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, Na medida em Oto educador 'apresente as edunindoni-come.:
ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tomam sujeitos objeto de Sua "adeniracio", o conteúdo, qualquer que ele sejado:,,
do processo 'em que crescem juntos e an (lá os "argumentos de estudo a sã feito. "nead•mirs" a"rd•miracio". que entes fezási4
autoridade" já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, "ad-miracion que ruem os educandos. -
autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não Pelo fato mesmo de cata prática educetive cOnstituir•se em uma
contra elas. Ousio posioldgica. o papel do educede meblimatiesdor. é pró- "

6a • •
69

discutia, através de uma "codificação", o conceito antropológico
porciunar, com os educandos, as condições em que se dê a supera- de cultura: "Descubro agora que não há mundo sem homem".
pelo verdadeiro conhecimen-
ção do Conhecimento no nível da dosa E quando o educador 'lhe disse: "Admitamos, absurdamente, que
to, o que se dá no nível do logos. todos os homens do mundo morressem, mas ficasse a terra, ficas.
Assim é que, enquanto a prática bancária, como enfadamos, sem as árvores, os pássaros,ios animais, os rios, o mar, as estrelas,
implica uma espéáe de anestesia, inibindo o poder criador dos • não seda tudo isto mundo?"
educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente "Nãol", respondeu enfático, "faltaria quem dissesse Isto é
reflexivo, implica um constante ate de desvelamento da realidade. mundo." O camponês quis dizer, exatamente, que faltaria a cons-
a segunda, pelo contrário,
A primeira pretende manter a imersão; crítico
ciência do mundo que, necessariamente, implica o mundo da cons.
das consciências, de que resulte sua inserção ciência.
busca a cinera°
na realidade. Na verdade, não há eu que se constitua sem um não:eu. Por
Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do
mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais eu constituído. Desta forma, o mundo constituinte da consciência
desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafia- se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual
dos, compreendem o desafio na própria ação da captá-lo. Mas, pre- se iruenciona. Dai, a afirmação de Sartre, anteriormente citada:
cisamente porque captam o desafio como um problema em suas "conscitnela e mundo se dão ao mesmo tempo".
conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo Na medida em que os' homens, simultaneamente refletindo
petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescente- sobre si e sobre o mundo, vão aumentando o campo de sua per-
mente crítica, ma isto, cada vez mais desalienada. cepção, vão também dirigindo sua "atirada" a "percebidos" que,
Através dela, que provoca novas compreensões de novos desa- até então, ainda que presentes ao que Husserl chama de "visões
fios, que vão surgindo no processo da resposta, se vão reconhecen- de fundo", não se destacavam, "não estavam postos por si".
do, mais e mais. conto compromisso. Assim é que se dá o reconhe- Desta forma, nas suas "visões de fundo", vão destacando per-
cimento que engaja. cebidos e voltando sue reflexão sobre eles.
A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela
O que antes já existia como objetividade, mas não era perce-
que é prática Ca dominação, implica a negação do homem abstrato.
bido em suas implicações mais profundas e, às vezes, nem sequer
isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação
era percebido, se "destaca" e assume o caráter de problemas, por.
do mundo como uma realidade ausente dos homens.
tanto, de desafio.
A reflexão que propõe. por ser autêntica, não é sobre este
A partir deste momento, o "percebido destacado" já é objeto
homem abstração nem sobre este mundo sem homens, mas sobre
da "admiração" dos homens, e, como tal, tle sim ação c de seu
os homens citt suas relações cum o mundo. Relações em que cons-
conhecimento.
ciência c mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência
Enquanto, na concepção "bancária" — permita-se-nos a repe-
antes c um mundo depois e vice-versa. tição insistente — o educador vai "enchendo" os educandos de
"A consciência e u mundo", diz Sartre, "se dão no mesmo
falso saber, que são os conteúdos impostos, 1111 pada ambientai'.
tempo: exterior por essência ia consciência, o mundo é, por essência, zadora, vão os educandos desenvolvendo o seu poder .de captação
relativo a ela." "' c de compreensão do mundo que lhes aparece, em 'suas relações
Por isto é que, certa vez, num dos "circulá; de cultura" do tra-
com ele, não mils- domo urna realidade estática, fila COMO uma
balho que se realiza no Chile, um campOnea, a quem a concepção realidade em transformação, em processo.
bancária classificaria de "Ignorante absoluto", declarou, enquanto

Buenos Aires. Lesada S.A., 1965, It. Edmund Hussui, IDEAS— General Introduction to Se Phenommo-
10. Jean•Paul Sorne, El ;lamine y Ias Cosas, logy 3! ed.. Londres, Collier Books, 1969, pp. 103-6.
pp. 25-6.
71
10
A tendência, então, do educador-educando como dos educan. te inacabada. Na verdade, diferentemente dos outros animais, que
dos-educadores é estabelecerem uma forma autêntica de pensar e são apenas inacabados, ma. não são históricos, os homens se sabem
atuar. Pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente, sem inacabados. Têm a consci :ia de sua inconclustio. At se encontram
dicotomizar este pensar da ação. as raízes da educação me na, como manifestação exclusivamente
A educação problematizadora se faz, assim, um esforço per- humana. Isto é, na incor.- não dos homens c na consciência que
iminente através do qual os homens vão percebendo, criticamente, dela têm. Dai que seja a ducação um quefazer permanente. Per.
manente, na razão da inconclusão dos homens c do devenir da
como estão sendo no mundo com que c em que se acham.
Se, de fato, não é possível entende-los fora de suas relações realidade.
dialéticas com o mundo, se ens existem independentemente de se Desta maneira, a educação se re-faz constantemente na práxis.
eles as percebem ou não, e independentemente de como ns 'perce- Para ser tem que estar sendo.
bem, é verdade também que a sua forma de atuar, sendo esta ou Sua "duração" — no sentido bergsoniano do termo —, como
aquela. é função, em grande parte, de como se percebam na mundo. processo, está no jogo dos contrários permanência-mudança.
Mils uma vez se antagonizam as duas concepções e as duas Enquanto a concepção "bancária" dá ênfase à permanência, a
práticas que estamos analisando. A "bancária", por óbvios motivos, concepção problematizadora reforça a mudança.
insiste em manter ocultas certas razões que explicam a maneira Deste modo, e prática "bancária", implicando o imobilismo a
que fizemos referência, se faz reeciondria, enquanto a concepção
como estão sendo os homens no mundo e, para isto, mistifica a
realidade. A problematizadora, comprometida com a libertação, se problematizadora, que, não aceitado uru presente "bem-compor-
tado", não-aceita Igualmente um futuro pré-dado: enraizando-se no
empenha nu desmitificação. Por isto., a primeira nega o diálogo,
enquanto a segunda tem nele o selo do .sto cognoscente, desvelador presente dinimico, se faz revolucionária.
da realidade. A educação problematizadora, que não é fixismo reacionário,
A primeira "assistencializa"; a segunda, criticiza. A primeira, é futuridade revolucionária. Daí que seja profética e, como tal,
na medida em que, servindo h dominação, inibe a criatividade e,
esperançosa ». Dai que corresponda à condição dos homens como
ainda que não podendo matar a intencionalidade da consciência seres históricos e à sua h' toricidade. Dai que se identifique com
como um desprender-se ao mundo, a "domestica", nega os homens eles como seres mais além de si mesmos — como "projetos"
na sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se. A segunda, como seres que caminham • ara frente, que olham para frente; como
na medida em que, servindo h libertação, se funda na criatividade seres a quem o 'mobiliam ameaça de morte; para quem o olhar
e estimula a reflexão e a ação verdadeiras doa homens sobre a para trás não deve ser um. forma nostálgica de querer voltar, mas
realidade, responde à sua vocação, como seres que não podem au- um modo de melhor conhr:er o que está sendo, para melhor cons.
tenticar-se fora da busca e da transformação criadora. !ruir o futuro. Dai que se is:entifique com o movimento permanente
em que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem
inconclusos; movimento que é histórico e que tem o seu ponto de
O HOMEM COMO UM SER INCONCLUSO, partida, o seu sujeito, o seu objetivo.
CONSCIENTE DE SUA INCONCLUSÃO, E SEU O ponto de partida deste movimento está nos homens mesmos.
PERMANENTE MOVIMENTO DE BUSCA
DO SER MAIS
12. ,Em Ação ssdtunt pra i .11krtoçâo,dlseudmos mele ampliando-ie.:M*1M;
A concepção e a prática "bancárias", imohllistas, "fixistas", Udo protitko é esperinteoio &amaças; (OU 41fraulttirinkprobleMitliatièrre.
terminam por desconhecer oarhotnens como seres históricas, en- Predefino° e aramos pie Italian do nate utdpko,dir tal forma dé ano:
quanto a problematizadora parte exatamente do caráter histsSeco e tontandoee a utopia como a unidade tommbraintávd,entiatudendneta e..O
da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece andado. Dentada de uma realidade desunfanizente e -.minei*
dade em que os homens possam ser mala Anúncio e denúncia no sio:porém;
como seres que estão sendo, como seres Inacabados, inconclusos, palram vazias, mas comprando*, hiettideo.
em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmen- •' • "`
• 73 •
72
• Mn,, como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento Esla busca do ser rais, porém, não pode realizar-se no isola-
parte das rclaçOes homens-mundo. Dai que este ponto de partida
mento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos
esteja sempre nos homens no seu aqui e no seu agora que consti-
existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas
tuem a situação eni que se encontram ora imersos, ora emersos, ora
entre opressores e oprimidos.
inscrtados.
Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros
Somente a partir desta situação, que ihei determina a própria
sejam. Esta é uma tdêÍcia radical, O ser mais que se busque no
percepção que lela estão tendo, é que podem mover-se.
individualismo conduz ao ter mais egoista. forma de ser menos. De
E, para fazê-lo, autenticamente, é necessário, mclusive, que a
desumanizeção. Não que não seja fundamental — repitamos — ter
situação em que estão não lhes apareça como algo fatal e inflas-
para ser. Precisamente porque é, não pode o ter de alguns conver-
,. oonivel, mas corno uma situação desafiadora, que apenas os limita.
ter-se na obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder
Enquanto a prática "bancária", por tudo o que dela dissemos,
dos primeiros; com o qual esmagam os segundos, na sua escassez
enfatizai direta ou indiretamente, a percepção fatalista que estejam
de poder.
tendo os homens de sua situação, a prática problematizadora, ao
Para e prática "bancária", o fundamental é, no máximo, ame-
contrário, propõe aos homens sua situação como problema. Propõe
nizar esta situação, mantendo, porém, as consciências imersa nela.
ti eles sua situação como incidência de seu ato cognoseente, através
Para • educação problematizadora, enquanto um quefazer humanista
do qual será possível a superação da percepção mágica ou ingênua
e libertador, o importante está em que os homens submetidos 1
que dela tenham. A percepção ingênua ou mágica da realidade da
dominação lutem por sua emancipação.
qual resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção Por isto é que esta •ducação, em que educadores e educandos
que é capa? de perceber-se. E porque é capaz de perceber-se en-
se fazem sujeitos do s' .i processo, superando o Intelectualismo
quanto percebe a realidade que lhe parecia em si inexorável, é capaz
alienante, superando o . itoritarismo do educador "bancário", su-
de ubjetivá-la. pera também a falsa co: 'ciência do mundo.
Desta forma, bprolundando a tornada de consciência da situa-
ção. os homens se "apropriam" dela como realidade histórica, por O mundo, agora, jt rujo é algo sobre que se fala com falsas
isto mesmo, capaz de ser transformada por eles. • palavras, mas o mediatiz:dor dos sujeitos da educação, a incidência
O fatalismo cede, então, seu lugar ao ímpeto de transformação da ação transformadora dos homens, de que resulte a sua hum.
nização.
c de busca, de que os homens se sentem sujeitos.
Seria, realmente, uma violência, como de fato é, que os homens, Esta é a razão por que a concepção problematizadora de edu• :ti
seres históricos e necessariamente inseridos num movimento de
cação não poda servir ao Opreasor.
busca, com outros homens, não fossem o sujeito de seu próprio Nenhuma "ordem" opressora suportaria que os oprimidos todos
passassem a dizer: "Por quê?"
movimento.
Por isto mesmo é que, qualquer que seja O situação em que Se esta educação somente pode ser realizada, em termos sis-
alguns homens molham nus outros que sejam sujeitos de sua busca, temáticos, pela sociedade que fez a revolução, isto não significo que
se instaura rumo situação violenta. Não importam os meios usados a liderança revolticionária espere a chegada ao poder pare aplicá-la.
para esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, No processo revolucionário, a liderança não pode ser "ban-
que são transferidos a outro ou a outros. cária", pare depois deixar de sê-lo ".
Este movimento de busca, porém, só se junina na medida em
que se dirige ao ser mis, h humanização dos homens. E esta, como
' afirmamos no primeiro capitulo, é sua vocação histórica, contra-
ditada pela desumanização que, não sendo vocação, é vlahilidade,
constatável na história. E, enquanto viabilidade, deve aparecer aos
homens como desafio e não como freio ao ato de buscar. 13. No Capitulo IV snallsamossictidamente este aspecto, ao discutirmos as
teorias salltlagica e digitastes da ação.

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com o ensino e a ginástica, consfituindoie em Método de elevar a
produção social e o dnico meio de produzir seres humanos plena- metodizada didaticamente, visando práxis,bukilral, à exercitação
mente desenvolvidos."' corporal conscienteuma aula de.E411Gkán- Fisica caracteriza-se pela
ação explicita de processKedagóglcoma aula de Educação Ff-
ço em que se percebia intencionalidade, a organiza:
E com relação à educação fisiea, levando-se em conta o enten- aio Idática eqüencial, espaço em que se implementa o planeja-
dimento. corrente do que seria o conteúdo de educação física no mento e ucaclonal, visando otimizar o processo de ensino
século passado, ainda se pode transcrever de Marx e Engels: aprendiza em. Uma aula de Educação Física, ode.a caracteristia
: de procedo e de aprendizagem é marcante, nem sempre necessin.
"Por educação, entendemái tris coisas: dinior di'Sitsença do professor, ou seja, ainda que marcada pelr
1, Educação mental. intendondidade pedagógica, pode-se aprender de forma autóno-
Educapio física, tal COMO é dada em escolas de ginástica e pelo ma, sem 4. presença ostensiva do educador. Por outro lado; um.
exercido militar. • aula de Educação Física pode contar com vários professores. E atrici•
Instrução tecnológica que transmite os princípios gerais de todos que a aula de Educação Física revele as suas várias fases: inicio,
os processos de produção e, simultaneamente, Inicia a criança e o desenvolvimento e finalização, ela pode ocorrer nos diversos local
Jovem no 1130 prático e manejo dos Instrumentos elementares de to- possfveid,i.specífic.os ou não. Locais estes que vão desde uma sal
dos os olidos!"
de aula, d uma sala de ginástica ou ginásio esportivo, até uma pis-
• cina, um rio, um estádio, ou mesmo ruas, praias ou bosques.
Então, do mandsmo se tem.ouç,a chiçaçãqiísicafrunida ne- Podels, e caracterizar o aspecto de aprendizagem, de aula cl-
cessariamente ao ensind Unteleduil eitecncilógicoiconstitui um dos Educadie:Fisica, para a diferenciação entre a educação física e a
atividade:fie cultura física no seguinte exemplo: •
atailizionntaiLdasduçastaisideJ,
( São meios de educação física e defuntos constitui bus dos Int,
CeSSQUILinili~liefatEUALCXCECICIDUS/COS.dC.CX. — Alunos, sob a orienta* de um professor de Educação Física, num ciam-
pá de Astebol, dispondo de verias bolas, aprendem a jogar futebol. De
Pagadas moldastes diverstufanas.de ginástica, de jogos e es- nese, enans, acertam, criam e seguem diretivas do professo; voltam vi-
--porteraumbmmento.fidmodespOrtircte-axiswea% rias verá a um determinado local, deixam-se fintar com fedida&
Ainda que certas atividades culturais, como as formas de tra- ajudam-se Mutuamente etc. Ou seja, procuram aprender a praticar
balho social, que implicam manipulações diversas e canas nivels esporte
de força snusculir, ou Outras disciplinas escolares, como a Educa- — Já 11 atividade de cultura física se evidencia quando o mesmo grup
ção Artütka ou Técnicas industriais ou Agrícolas, também solici- de alunos joga fütebol numa praia, procurando aplicar o que aprende-
tem em determinados graus as habilidades e çapaddades Nicas, ninfa dia de Educação Fisica, porém visando 1 recreação, ao Iate
é a educação fida a parte da ediscdilo e. da* cultura qtle mais pu- Jogam disolicentement•xists com ItfiglOt ge jogo, porém o fazer
— --; •:, ••-•• com o desenvolvi- sem preocupação especifica de aprendizado; ao invés da preocupaçã.
=C ie ccul:kcom ./.42:22111- • com a ra
forá com o treinamento, existe a ludicidade, o folgueda
postai. Na educação ; • ; °mínio:
B Natuialmente que existe urna proximidade meia educaçã
s além de seran neediariamente solicitados o ate- física e a ;tintura fisi% urna vez que sempre se está nprendendat
1 é o dondniit iniceitiotor o mais enfatizado. A -Wr
educo* aiWaTinesmo a prática recreativa descomprodetida
camctedr,a-se Pela atividade, pelo movimento. Mn pode Sind. A delimitação entre a educação tísica não-
COMI Sudão física vem a constituir-se na cultura física e tad - é muito ténue. Salvo as práticas recreativas, reste
. ç Mote iTt sempre que se trata do corpo, exercitando-se soa
a de manutenção ou de desenvolvimento da condiçã
I. Liam pcipitill tà. RIO de harkg,g‘tpraolio Bradltira, INL vã. p. !St pentebe
i a intatdonalidade, notam-ie pbriejamente-
2.;Md lá P. teseh.Obra neothite. Md. Mana, 1913. vil. p. /3 464. rai alcançados, medidas decaráter pedúógico. Po-
WS Moo* nal. Tarlononsie dos oleiem edueedomde Peno Akar., Olo. a.difeeeMg . ao marcante entre a cultura e Atcilitsogolisic
bei, INL • • - . •• • .• • é o aspecto de intendonalidade pedagógica, dé desenvolvimento—er.
11P • 11t
-••

plicito dos processos didáticos, característicos de sessões de educa-


tência física, não st encontrarão condições para se usufruir dos po-
deres da mente, dos benefícios que a sociedade oferece. Natural-
----03-Fnrs parte da educação social, principalmente, a educação mente que a inte,graçâo dialética deve ser desenvolvida durante os
física escolarizada, dado o seu grande inter-relacionamento estru- processos de exercitação física, unindo-se o exercício corporal com
:ural cornos vários componentes da cultura geral, necessita catão o desenvolvimento do espírito critico, de modo que pela educação
embasar-se em iodas as ciências c dist. ue lhe dizem respei- física se proporcione m-condições ao ser humano de raciocinar com
to..AsSim ela se rclactofet csin a Kati' 010 rl ePsicologlailcom profundidade conseqüentemente agir com presteza. ,
at Política a Rfomecânick.kom agogia Fisiologias
A educação física, estai-n:10.1i a h vida saudável, favorece as
possibilidades de açõet pairtiCipativas conscientes, tanto no campo A educação física não pode reduzir-se apenas à simples exer-
citação tísica, à ginástica ou esportes como fim efitt si mesmos, mas
cultural, como a pratica desportiva delate!, como no campo polí-
deve sim enfatizar os aspectos cognitivos pedagógicos, educativos,
tico, participação social. klecellitti •ois fugir da neutrali
por meio das atividades flsieas. As aulas de Educação Física, quer
político-cultural, epara á sua va onza o tem
curriculares, quer de treinamenjo físico, quer 51,!•priltisod espsent-
t mo un amentando-se cientificamente, aprofundando-3e teon- va, devem slevtar espaço para os aspectos cognitivos e para os debates,
carne te, com alto nível técnico e abrangendo democrática. A edu- para a probre— mATIFigirtanio.iloi aspectos espeeffléos da cultura
cação tísica tem que ser aberta às novaLfoonas_ciillUS.e aos
física, comáparii problematização dos componentes políticos, iodar
ços tecnológicos. Por exemplo, deve ter eapacisiade de assimilar cri- ...csifidrals que envolvem o ambiente educativo. Esta fase do'de-
ticamente uma nova forma de esporte, como ô windsurf, propon-
senvolvimento 'adi conte údos, dos processos de ensino-
do então meios de ensino e treinamento para com cuspes ou la-
aprendizagem de educação física, do desenvolvimento da consciên-
.zer, bem como precisa inteirar-se e utilizar-se d tbem-ética, azendo
cia critica, deve ser adequada didaticamente aos educandos. Ao
uso adequado de computadores. . lado de uma ótima solicitação de qualidades físicas, da elevação
A educação física tem de ser radical em defesa dos postula- cultural thico-desportIva, ou seja, de aulas de Educação Física que
dos de promoção do ser humane saudável e partiolpativo, forte salientam os aspectos físicos e cognitivos, biológicos e culturais,-
e habilidoso física etnenta mente. A proposta de desenvolvimento também deve-se opetacionalizar didaticamente a problematização
humano integral, de uma educação física emociática,visando uma social. •
cultura física ao alcance de toda a sociedade, vai pres- • o
supor uma valorização social, uma aceitação consciente da práti-
ca da e ita Ao física metódica corno uma necessidade vital. A Aulas de Educação Física, entendidas como educação, não po-
— educação física t dem ser. mister de simples instrutora, deleigos ou profissionais
utr Rara a supera as contradi- comprometidos com sistemas reacionários. A educação física cons.
ções advindas dájmplementàção ecriológica, do progresso de nos-
clentizadora deve ter o compromisso de procurar transformar o
sos dias, onde os antagonismos evidenciam pessoas que em nome
.que há de errado, sob todos os sentidos, ao seu redor, e conservar
do "bem-viver" se limitam fisicamenNe, diminuindo a atividade fí-
.p que há de bom. A educa* física ajudando na problematização
sica. A educação física necessita ajudar as pessoas a cuidarem de
do social, no questiodamerito da realidade, naturalmente deve pro-
seus corpos, das suas individua aes de emir truntliftel
ciert curar tierisforinar esta mesma realidade, pois a conscientização
riciao indnedual possam parti ar co vainiii(e773 'educa-
;gani,* bem mais do que a simples denúncia de situações, más
ção Mica deve ensinar os lndiVIcluoça nio desdenhaten a Si mes-
visa desmitificações e ações concretas. E a conscientizaçãoicanfor-
mos, a disporem de nados de viver com a-melhor intensidade as
me Paulo Freire (1979), "é um projeto irrealizável para as direi-
suas vidas.
t i • :11
. tura 1pOttaver um comprometimento com o social, com o
Então, a educação física deve tf,' função de servir a cau- povir • • çv
o" do ser hunianoçdp4o um desenvóMinto "'
tanto man-
to, em condições de'te es Mis que
contribuem na participação atotiO-eultural, é necessária pois em cor-
pos fracos, flácidos, obesoi, sem 'certos graus de saúde e de tais- 4. P. Freire. Cordeiro/1~o, Silo Paul,. Corta & Mona, 1979. p. 90.
114 •
115
í u GRA.
1
1
.,4 so
iiedade onsumista é um dragão que a tudo devora •

para.a.!mento de si meria. Veja-se a 'moda do corpo' dos -


.nliinOS tempo
coisa 'recente há pato Inventada em Paris. Os profis-
sionais da cultura field têm o dever da não-Ingenuidade,
_ têm o dever de não cair nas armadilhas do consumIsmo.
1,

CtMDA DC
Assim faz-se imperioso olhar para a questão da Educa- .
ção Física com senso crítico, para anunciar seus reais .
benefícios e denunciar com severidade sua cumplicidade
com esquemas manipulativos e allenántes.
OR ENTE'
Por que ela procura atender apenas a demanda de uma
A
H-- .••
parcela mais ou menosinhileglada da sociedade, menos--": .
prezando o corpo dosNsondenados da tona? .•. 1-.- • • 44. • ••••• tr; •• • •

Multiplicam-se, em 'nossa bibliografia, obras técnicas (de ., , •.



cultura física. Todavia,' não surgem obras para discutir a ' ;^ •
razão de ser de tais técnicas, para refletir filosoficamente'.
(e descomplicadamente) sobre esta Interessante área; da.
atividade humana. 1

O presente livro, escrito por um dos mais categorizados
professores e preparadores fIslcos da atualidade, é con-
tribuição nova, no sentido de propor uma análise crítica
e
do que se tem feito com o nome de Educação Física.
seguindo a tal análise uma reflexão orientadora de uma
transformação radical desta prática educativa. Incentivan-
do J aparecimento de consciências capazes de conceber
urna Educação Fisica Revolucionária, não preocupada
apenas com o "físico" das pessoas, mas com o ser total,
Integral e social que é o humano"

rEtip
as
popywA 7
6? Eur;Ão
Um
iniin DAM n c nncruktit
INTRODUÇÃO

Procurei, durante algum tempo, uma obra que desse fun-


damentação d chamada, "cultura do corpo" (*) — e, por con-
sequência, à disciplina Educação Física — dentro do con-
texto cultural dinâmico e mais amplo em que vive a sociedade
brasileira. Por não encontrá-la, resolvi estudar o assunto por
formas indiretas, desenvolvendo algumas idéias que apresento
neste pequeno ensaio.
Por reiteradas vezes, colegas e amigos incentivaram-me a
escrever um livro que tratasse dos problemas em minhas ati-
vidades práticas, dentro do esporte profissional e na carreira •
docente universitária. Embora decidido a fazê-lo, adiei o pro-
jeto por longo tempo, pois me intimidavam dois aspectos
básicos. Primeiro, por não me sentir em totais condições de
realizar uma missão que sempre considera da mais alta res-
ponsabilidade. E segundo, por achar que a matéria necessa-
riamente deveria superar a superficialidade e pobreza que tern
caracterizado a maioria 'dos escritos sobre cuittera física cot
nosso pais, ao longo de sua história.
O significativo crescimento do interesse de certas camadas
da população pelas atividades do corpo, nos tíltintos anos,
criou condições mais favoráveis para a reflexão nesta área c
tornou urgente a necessidade de se encontrar um sentido mais
humano para a nossa cultura física. Se as pessoas estão cada
vez mais interessadas pelo assunto, é sinal evidente que na
trajetória histórica de nossa cultura — por mais inatitétilien
e condicionada que ela possa ser — começa a surgir é mo-
men. to para se repensar com mais Seriedade o problema do
corpo. Mesmo porque os problemas pertinentes a educação, tu;
comportamento. geral do honrem e à sua própria liberdarie.
estão diretamente afetos ao sentido hüMand dedo a ele. ,,Illna 1
1') Trato neste texto os lermos CULTURA DO CORPO. CULTURA FÍSICA.
CULTURA CORPORAL e CULTURA SOMÁTICA como sinônimo..


II
é bom que se entenda desde já que nós não temos um cor- E neste sentido OU ti- nossa cultura está necessitando de
po; anta, nós somos o nosso corpo, e é dentro de todas as uma revolução, ¡Urna. ritioluç lio que comece com uma 'crise'.
suas dimensões energéticas, portanto de forma global, que Mas 'umacrise que, através do choque das contradições, amplie
devemos buscar razões para justificar uma expressão legítima as nossas possibilidades enquanto humanos. Uma crise que,
do homem, através das manifestações do seu pensamento, do com o tempo, ¡permita a elaboração de projetos-indispensá-
seu sentimento e do seu movimento. Entre estes três aspec- veis à superação de nossas alarmantes limitações na direção
tos, ainda tem prevalecido em nossa cultura a ênfase sobre de uma realização existencial e profissional, pessoal e cole-
pensamento. Contudo, de uma forma tão pobre e utilita-
tiva de maior iuttplitude.
rista, que não seria exagero comparar o sentido desta trilogia Alguém Mi disse que quando a evolução cultural do ho-
com o original grego desta palavra: *um poema dramático mem não pode seguir o seu caminhá natural e efetivo, no
composto de três tragédiatur Na verdade, esta falsa super- sentido de umn promoção verdadeiramente humana, só uma
valorização do pensamento, protnovida por uma sociedade revolução é atm de fazê-la.
tecnológica, não passa de uma' trag' édia em três capítulos. No
ild pessoas que costumam ter prevenção e receio diante
momento em que o pensamento, acanhadamente cristalizado
da palavra revhtção. E o período terrivelmente obscurantista
abstrato, amordaça as nossas concretas manifestações cor- do qual agora parece que começamos a sair não nos deixa
pórea, impede, ao mesmo tempo, as expressões mais livres e
dúvidas sobre tt razão de ser desses temores. A chamada'revo-
espontâneas do movimento, do sentimento e do próprio pensa-
mento, enquanto fenômenos tipicamente humanos. luçõe, que acaba de atingir a sua maioridade, não nos pareCe
melhor modèlo de verdade e justiça para todos os brasilei-
E é justamente esta hipertrofia das manifestações intelec- ros. Os promotores e responsáveis por este tipo de 'revolu-
tuais, uma das fortes razões pela qual a cultura do corpo — ção' não demonstraram muito interesse em desencadear ver-
em especial a Educação Física — desde o início de nossa
dadeiras, justas, profundas e radicais transformações no seio
história, vem sendo colocada em planos inferiores na escalc de nossa sociedade. O que se reforçou, isto sim, foi a super-
de valores, que foi se formando em nossa Nação. Basta obser- ficialidade, a ingenuidade, o imobilismo e a visão de que cada
varmos o que ocorre na maioria das escolas de segundo grau brasileiro devi desempenhar obedientemente a função que lhe
para constatarmos o desprezo e a discriminação que a Edu- é mais ou menos determinada pela meta da produtividade.
o
cação Física ainda sofre em relação à outras disciplinas. Entre- Estes nada mais são do que os requisitos básicos para a manu-
tanto, o que mais assusta não é o desprezo e a discriminação tenção de uma certa "ordem" e de um certo "progresso".
em si, mas sim a passividade com que ela aceita todos os seus
condicionamentos. O problema do corpo em nossa sociedade Uma revolução verdadeira exige uma participação crítica
tem que ser repensado, e esta é uma tarefa urgente dos pro- de toda urna coletividade interessada em melhorar o padrão
fissionais ligados à área da Educação Física. cultural de todos os seus membros. Uma revolução cultural do
corpo igualmente exige esta participação crítica, que busque
Lamentavelmente, é comum entre nós encontrarmos indi-
víduos que prqam coisas que absolutamente não entendem, a promoção efetiva do homem brasileiro em todos os seus
aspectos. E não seria este também o papel da nossa Educação
outros que às vezes chegam a compreendê-las mas — o que e, por extensão, o da Educação Física?
é ainda pior — não acreditam naquilo que estão pregando.
Tais fatos fazem com que nossas ações se transformem em Assim senão, essa revolução cultural é uni projeto a ser
mentiras que nada valerão para uma promoção do homem a abraçado por todos aqueles que começam a perceber a neces-
níveis superiores de vida. sidade de se recuperar o sentido humano do corpo. E nunt ent-

12 13
prndimerito como este, o profissional da Educação Física vós de uma cultura do corpo mais sólida, e "agitar" as cons-
tem unta função relevante a exercer, pois ocupa uma posição
ciências daqueles que estão (ou deveriam estar) de certa
institucionalizada já há longo tempo; logo, privilegiada para
forma envolvidos ou preocupados em ampliar as nossas pos-
dar respaldo de cunho educativo e social junto a escolares, sibilidades como agentes de renovação e transformação do
atletas e um grande número de pessoas explicitamente preo- meio em que vivemos.
cupadas com o seu corpo.
Uma tal revolução não pode, contudo, ser um projeto Os qtié eiPeram uma "proposta pronta" deste ensaio tal-
exclusivo de profissionais da Educação Física. Ela necessita vez se decepcionem. Apresentá-la aqui seria negar as próprias
4 uma crescente participação de todos as camadas da po- idéias, expostas ao longo do nosso discurso. Não acredito
pulação ao nível da reflexão e ao níVelida ação. Neste último, nestas *propostas acabadas", tipo "receita de bolo", tão co-
ela deve estar voltada para todos indistintamente. No nível muns e valorizadas em nosso ambiente- As verdadeiras pro-
da reflexão porém, o projeto precisaiestar aberto aos filó- postas. (práticas) de trabalho na Fdteraçso Física, e em outros
sofos, educadores, teólogos, sociólogos; sexólogos, psicólogos, tantos ramos, são um projeto a ser construído em cada situa-
assistentes sociais, psiquiatras, médicos e, enfim, àqueles que ção concreta onde elas pretendem se realizar por intermédio
querem entender o corpo humano através de todas as suas dos valores que conscientemente aceitam todos os participan-
dimensões e também dispostos a lutarem para lhe conceder tes do processo. E para ser legítimo, tem que ser necessaria-
menor repressão e maior dignidade. mente um projeto coletivo. (Não seria esta participação a base
para uma revolução?). E nesse sentido é preferível até que
por estes meandros que retendo caminhar desde o seja um projeto coletivo cheio de contradições, ao invés de
primeiro capitulo, buscando subsídios para uma reflexão mais um projeto coerente, mas individual.
aprofundada no desvelar de nossa realidade e, em especial,
da Educação Física. Partindo de um questionamento progres- Estou consciente que a maioria dos profissionais voltados
sivamente mais amplo, profundo e maduro dos antigos e atuais para as atividades do corpo tem ficado obsessivamente preo-
conceitos e valores, por certo surgirá um ambiente favorável cupada em arranjar um punhado de procedimentos que per-
ao aparecimento de caminhos mais claros a trilhar. A isto mita dar cabo às suas tarefas e sem tempo para se preocupar
chamamos conscientizacão. em descobrir, de forma crítica, o real sentido de suas ações.
Assim é que, neste ensaio, tentarei sensibilizar os leitores E é talvez, por isso, que existam tantas obras que falam
sobre técnicas especificas e rarissimas que as justifiquem na
quanto à necessidade de se buscar alguns fundamentos meto-
sua globalidade. O uso metodológico das técnicas nada mais
dológicos de uma pedagogia tanto lúcida quanto avançada,
preocupada com um processo de aprendizagem que nos leve é do que um meio para se atingir determinados fins. Certa-
a desenvolver a nossa animalidade racional de forma mais mente estas técnicas estarão isentas de real significado para
humankante. Serão considerações que pretendem se constituir o nosso desenvolvimento se deixarem escapar unta visão gera
de sua contribuição na totalidade do fenómeno humana .4%
num referencial teórico para o desenvolvimento de algumas
posições que precisamos assumir diante da Educação Física, De qualquer forma, esta é uma situação angus:hitt) e
da escola, da sociedade e da própria vida. alguém tem que começar a falar, mesmo correntio certgs.,,ds-
cos. E com este propósito, estou preparado para ser chastido
Não pretendo, neste trabalho, discorrer sobre técnicas de de "idealista", -"sonhador", "poeta", "utópico" ou de qualikir
treinamento ou técnicas de ensino, mas apenas tecer comen-
outra coisa que signifique acreditar em tern futuro que perirrita
tários sobre alguns fundamentos para a Educação Física, atra- uni presente menos desumano.
14
15
i de 'Si ensaio dita natureza costuma ser
A intródução
quase sempre uma espécie de apri entação do trabalho que
vem a seguir, com uma justificatii; para "amarrar" o texto
de tal forma que evite a garra dai "eriticas que porventura a
obra possa receber. Pelo que foi ditb, entretanto,- não é exata- "Nas sociedades alienadas, as gerações oscilam
mente esta a minha intenção. •Sendo assim, retomo o que i
comentei no início. A resolução de elaborareste texto não foi • entre o otimismo ingânuo e a desesperança.
determinada pela superação dos dois aspectos básicos ali ano- Incapazes de projetos autônomos de vida,
tados. Primeiro, porque ainda hoje não me sinto em 'totais
condições de realizar uma missãojque sempre considerei da buscar nos transplantes inadequados a solu-
mais alta responsabilidade'. E é bom que esteia pens,arido
assim. Admitir o contrário,' ou seja; admitir estar em .condi- ção para os problemas de seu contexto".
ções plenas pára discorier.sobteasántos compiá:tos e dinâ- ido pedagogo Paulo Freire, em Educação como Prática da
micos como os que envolvem iedatiplo, a cultUra e a socie-
dada, seria ao mamo taipa não 'aceitar verdadeiramente a Uberdade)
mia própria com . plexidade e o. seu próprio dinamismo. Em
segundo, acredito que para crescermos como sujeitos e seres
sociais, precisamos, entre-outras coisas, aprender a criticar e
ser criticados, buscando transformar progressivamente os nos-
sos valores. Isto vale dizer que inarporaido a humildade, o "A situação tem que melhorar. Não é possível
desprendimento, o profundo respeito às pessoas, a confiança que is mais jovens não consigam perceber e
e a esperança, estaremos aprendendo a ser 'pedra' e "vidra-
ça' com a mesma facilidade e dainibição; o que significa fazer :aquilo que nós velhos não conseguimos".
reconhecer as regras de um verdadeiro diálogo — um dos
meios para uma revolução que abra caminhos definitivos à (do poeta Carlos Drummond de Andrade. em entrevista,
superação de nosso subdesenvolvimento, do qual fazem parte ao completar 80 anos)
a nossa cultura do corpo e a Educação Fisica.
Entretanto, não é sensato achar que com apenas discur-
sos e idéias sejamos capazes de destruir o errado, o antiquado
o absurdo, e substitui-los pelo certo, pelo moderno e pelo
coerente. As mudanças mais radicais não ocorrem espontanea-
mente, sem revoluções. Mas é preciso, antes de mais nada, se
dispor a assumir um compromisso consigo mesmo, com os
outros, com o mundo e com a vida. O resto começará a acon-
tecer a partir dai.
João Paulo Subirá Medina
fundirá, janeiro de 198.:.

16
‘•
CAPITULO I

EDUCAÇAO. PIeICA PRECISA ENTRAR EM CRISE

1. um limaram, de siossa Realidade

Parece um tanto estranho acreditar que uma crise possa


fornecer algum tipo' de auxílio no desenvolvimento de urna
área qualquer de •atuação, em uma sociedade como a nossa.
Já dto chi4a delâs. Mas é exatamente Isto que e nossa cultura
e a Educação Fisica parecem estar precisando, caso preten-
dam evoluir.
A crise é um instante decisivo, que traz à tona, pratica-
mente, todas as anomalias que perturbam um organismo, uma
instituição, um grupo ou mesmo uma pessoa. E este é o mo-
mento crucial onde se exige decisões e providências rápidas
e sábias, se é que pretendemos debelar o mal que nos aflige.
Muitas vezes por trás de certas situações de aparente norma-
lidade, escondern-se as mais variadas distorções ou patologias,
que devido àquela aparência não são colocadas cm questão.
Vejamos uma situação concreta. O futebol — considerado
por alguns sociólogos como uma representação simbilinf da
própria vida em sentido mais amplo — nos dá exemples
e marcantes neste aspecto. Basta que uma equipe vtliet&..ti: ,
perder as possibilidades ou esperanças de chegar ao
.
campeonato na posição em que o consenso dos .grupos.
micamente euvulvidos na competição, considera provável pi.
o seu nível técnico, que numa proporção mais ou rrseof,s Cl 1•4;
começam também a aparecer as justificativas que expt:vt.n
as derrotas: o jogador X não anda motivado porque cstá que-
rendo mudar de clube, os jogadores Y e Z estão behrotio ex-
cessivamente; a equipe não tem treinado conto demi:1: o
O panorama brasileiro pode ser visto dentro deste eido, -
treinador tem escalado mal a equipe; os diretores não têm
que. A predisposição ao conformismo é algo característico
dado o apoio devido aos atletas e à Comissão Técnica, e assim
entre nós. No. geral, assume-se posições totalmente descora-
por diante. A situação piora ainda mais quando o fracasso
promissadasí com os caminhos que deveríamos tomar coletiva-
definitivo se consolida: o treinador é demitido, alguns joga-
mente. Vivemos desempenhando falsos papéis Via-de-regra, o
dores são colocados *à venda", os diretores realizam inúme-
que prevalece nas circunstâncias triviais é a acusação ingênua
ras reuniões, a .torcida exige reforços no elenco; e está ai
configurada a crise. Bastaria que os-resultados não fossem tão do tipo: "Isto não está certo"; "Aquilo não deve ser assim";
Insatisfatórios para que todos estes problemas — consideran- "Você errou"; "Eles não sabem nada"; etc. Para efeito de rela-
cionernegt
:Wos erros começam constantemente da nossa pele
do-os como reais — deixassem de ser significativos, ou seja,
muito provavelmente eles seriam devidamente ameniza.dos. para fora. q outro é quase sempre um inimigo em potencial
até que se Trove o contr4rie.
O exemplo apresentado deixa patente que certos aspectos *tias pinturas assumidas são, muitas vezes, apenas uma
da realidade ficam com seus contornos mais nítidos, pratica- técnica hianzantias de se relacionar com os outros e o mundo.
mente na mesma proporção em que as situações também O que mole comumente é que cada um, conhecendo suas
ficam mais críticas, caracterizando-se, assim, uma crise que limitações deficiências, não as quer revelar, pois, assim
Impõe certas medidas de mudança. Este lado positivo da crise agindo, acredita perder terreno na acirrada competição 4tte
é que pretendo destacar e até reivindicar — no final do capi- se estabelece entre as pessoas. Pensar numa inversão desta
tulo — para a Educação Física e para uma cultura do corpo. ordem estalr-lecida em nossa sociedade de consumo parece
estar fora dg cogitação para a maioria.
Nas relações sociais mais amplas, entretanto; as situações
semelhantes às apresentadas não são tão fáceis de se perceber, A supericialidade e a inautenticidade têm caracterizado
nem tão pouco as mudanças mais radicais ocorrem com tanta a maior pare de nossas relações sociais. E, no mínimo, inte-
simplicidade. Todo poder constituído de uma Nação exerce ressante perceber que determinados assuntos relevantes, e
naturalmente sua influência no sentido da manutenção de mesmo decisivos para a realização plena do homem e da so-
ciedade, são simplesmente marginalizados, como se houvessem
uma ordem estabelecida. Qualquer tentativa de mudança nes-
coisas mais importantes. A 'própria Escola é uma instituição
ta ordem é problemática. Das pressões mais sutis às repres- que permite um exemplo marcante a este respeito. Durante
sões mais violentas, o critério fita por conta de um poder todos os meus anos de bancos escolares, posso contar nos
mais autoritário ou menos autoritário, de relações mais demo- dedos as vezes em que os educandos (educandos?) tiveram
cráticas ou menos democráticas. Em outras palavras: a ten- oportunidade de refletir e agir concretamente no propósito de
dência natural de qualquer sociedade — desenvolvida ou não uma expensa° de suas potencialidades e interação com os ou-
— para equilibrar o seu funcionamento é a de padronizar os tros e com .a natureza. Embora seja este um testemunho
seus valores, cobrando de acordo com a estrutura e natureza particular, bem, poderia ser o da maioria dos estudantes de
de suas instituições o cumprimento de certas regras por parte primeiro, segundo ou terceiro grau. O que se viu e o que se vê
das pessoas que compõem esta mesma sociedade. Tal reali- são programes com conteúdos quase sempre frios, desinteres-
dade determina, de certa formas es :jogas ações. Contrariar santes es.St4tigost'que tratam õ mundo e «homem que estão
os valores estabelecidos é sempre unta temeridade. Constitui- aí como se este mundo não tivesse nenhuma relação conosco
se em um eterno risco. E nem sempre as pessoas estão dis- e como se o homem não fosse nós mesmos. A ênfase tem
postas a enfrentar tais situações. recaído sempre — e cada vez mais — nas iãnicas. nas cita-

20 21
7
madas "recitá culinárias", "paCotel",; ou nas informações
abstratas qub servem, quando muito, para instruir, mas nunca à inferioridade e de tal maneira moldados por uma
Ideologia
para educar de verdade. daqueles 'seres superiores", que fazem com que os próprios
"seres inferiores" assim se considerem. Falo também do An-
Constatações deste género são intrigantes na medida que gulo que pode incluir os "opressores", os 'dominados', os
concluímos que aquela que deveria ip. teade meta do ser
"Independentes" otos "exploradores" como sendo seres lige-
humano, ou seja, a de se realizar en4Ubt6 etim ser-no-inundo, rioies por MS' thiálderem — ou não terem interesse em enten-
é constantemente escamoteada, obstaatilizidit, cerceada, impe- der — a verdadeira dimensão do que é humano.
dida, driblada, evitada, reprimida, clesenCorajada.
Assim, pelos motivos já expostOS; dqvernos concordar que
falar, escrever e dialogar sobre nosiade não tem sido 2. A Miséria do Mundo: Uma Miséria das Consciência:
tarefa muito tranquila e pacifica -.S..Noodedade brasileira.
Embora estejamos atravessando um p~ de transição na O que diferencia fundamentalmente os seres humanos dos
vida política e social pdo surgimentO ai; chamada "abertura outros seres vivos conhecidos são as possibilidades dè suas
democrática', a verdadeira democracia ainda está por ser Oono• consciênchis. A consciência do homem pode ser entendida
, quinada. - Estou convencido de jquè :Ce'ila
—r i:Ohquista não se como o estado pelo qual o corpo percebe a própria existência
alcança apenas por medidas governamentais hicilitadoras, mas e tudo o mais que existe. Aceitar este conceito é concordar
também por meio dç mudanças no comportamento dos res-
com o filósofo Maurice Merleau-Ponty, quando diz que a
ponsáveis pelas nossas instituições e pôr todos aqueles que consciência é percepção e percepção é consciência (2) . Esta
representam as diversas camadas sociais, e que no seu con-
junto fazem dinamicamente a vida de Iam país. Poderíamos colocação parece-me básica no desenvolvimento de certos pon-
dizer, portanto, que esta verdadeira dehiocracia se consubs- tos de vista que defenderei neste ensaio. A partir dai, pode-
tancia fundamentalmente através das relações' entre as pes- mos trabalhar mais desimpedidos a idéia de que a consciência
o é um fenómeno que se aproxima muito mais do corpo ()rebola)
soas. Relações que de forma efetiva Precisam ser melhor
trabalhadas. concreto que das abstrações — enquanto considerações iso-
ladas — de espírito, mente ou alma. Na verdade, qualquer
nessa perspectiva que se torna neassária, antes de mais aspecto do homem é manifestado, e assim precisa ser aten-
nada, a nossa determinação em participOr deste processo de dido, através da unidade de seu corpo, se é que pretendemos
transformação do homem e da sociedade brasileira. As insti- dar a ele uma dimensão humana.
tuições não mudarão se as pessoas qu6 as constituem não o-.
mudarem. Um governo não se transforma ou se aperfeiçoa Em suma, a.consciência . só pode ser interpretada ecirrom
espontaneamente, senão por pressões diMmicas e complexas. uma manifestação m —ental na medida que esta, em última eijk
A chave desta transformação parecei estar na capacidade lise, seja entendida" como uma manifestação somática. DeZ
de superação de certos níveis de vida Para outros mais ele- forma, poderíamos dizer que a coe-soga-fida. esid gravada no corpo.
vados. E não se trata aqui somente de Firisiderar, por um lado, O próprio conceito de liberdade não pode deixar de In%
aqueles que têm o poder em suas mãos, como sendo serei esta referência. É nas manifestações do nosso corpo, al;
superiores. Nem por outro lado, reconhecer que os demais — vés da consciência, que podemos situar mais concretamente-4
chamados pelos especialistas de "oprimidos", "dominados", problema da liberdade (aspecto básico quandonrertd nasidoerarapmaorsa'.
"dependentes" ou "explorados" — sejam seres determinados por exemplo, a importância de uma educação
sociedades do terceiro mundo).
22
23
I• •
Sob este prisma, a consciência pode representar a nossa sição-exiite.naal. Má vejamos kiç;én.as aquilo que possa aten-
liberdade Ou a nossa prisão. Sejamos mais claros: voltando à der mais diteis:tente aos nosso propósitos.
comparação do homem com outros seres vivos, em especial
com outros animais, vamos notar que a racionalidade do ho- Recorri às teses de mestrado em Educação: "Educação e
mem lhe dá a oportunidade de transcender, de ultrapassar o Dominação pulturar e *Consciência Crítica e Universidade',
determinismo biológico característico dos demais seres. Ao defendidas kespectivamente por Dulce Mara Critelli e Reinai-
homem é possível, portanto, a opção de escolha. Pode, até do Matias euri na PUC de São Paulo (1978), para sintetizar
certo ponto, escolher o seu caminho. E igib é liberdade. as iddità. siél
' 1tes de Paulo Freire e Alvaro Vieira Pinto, rela-
tivas' et:ia griurs de consciência e aos fundamentos do diálogo.
esta, possibilidade de interfrzencia na realidade como .
sujeitos com os outros e o mundo, com capacidade de trans- .A-Tedyst reir
dekaina distingue três graus de consciência em
formá-los à todos, que caracteri# os homens verdadeiramente relação AS— mies que as pessoas têm de interpretar e
de sitiar. Muncio em iam de suas existências.
Fica estio claro que, a, exemple da democracia, a liber- primfiro uivei de consciência caracteriza aqueles indi-
dade não se ganha, mas sé concntista por Intermédio desse víduos iIICATIZeS. de percepções além das que lhes são biolo-
inultkelacioniunento complexo • e dinAmico entre as pessoas gicamente Mis. Vivem praticamente sintonizados no atendi-
com o mundo. Surge, assim, a situação onde a consciência mento básiqo de suas necessidades de sobrevivência como:
se expande pelo conhecimento, e o conhecimento se expande alimetitaçãetrelacionamento sexual, trabalho e repouso- Assim,
peia consciência processo natural pelo qual o homem se hominiza e se cons-
homem só pode amar — isto é, ser cada vez mais — titui em animal capaz-de conhecer a realidade fica aqui redU-
através da expansão gradual e contínua da percepção de si tido às surta necessidades biológicas vitais. Usando uma ert-
em relação a si mesmo, em relação aos outros, em relação ao pressão de Manha Heidegger, diríamos que este tipo de ho-
mundo. Como ser incompleto e inacabado que é, sua vida mem se constitui em um "ser no mundo" plenamente "pos-
deveria se constituir em uma constante busca de concretiza- suído pelo inundo' 0). Esta consciência é chamada intransitiva.
ção de suas potencialidades e, desta maneira, humanizar-se a Superado este nível de consciência, aparece a consciência
todo momento. Este deveria ser o papel de todo o processo transitiva ingênua. Os portadores desta modalidade de cons-
de construção dos seres humanos, quer seja por meio da edu-
ciência são ?apares de ultrapassar os seus limites vegetativos
cação formal, informal ou pessoal (auto-educação). Coisa que, ou biológicos. Restringern-se, entretanto, às interpretações
efetiva e lamentavelmente, não tem ocorrido. simplistas 'dos problemas que os afligem. Suas argumenta-
A vida concreta dos indivíduos tem se revelado, em gran- ções são inconsistentes. Acreditam em tudo que ouvem, lêem
des proporções, de forma exageradamente determinada, con- vêem ou, por outro lado, assumem posições tendentes ao
dicionada e alienada do mundo em que vivem, com poucas fanatismo. Igualmente aos que possuem a consciência intran-
chances de superação desta situação a partir da qual os ho- sitiva, estes indivíduos são dominados pelo mundo como obje-
mens poderiam se realizar. tos, ou porque náo conseguem explicar a realidade que os
Claro que, se fôssemos efetuar urg estudo mais amplo envolve, ott porque seguem, prescrições que não. entendem (4).
sobre nossa consciência, poderíamos Penetrá-la por vários Finalmente, ternos o terceiro nível de consciência, caracte-
outros aspectos que se constituiriam por si sós em ensaios rístico dos indivíduos capazes de transcender amplamente a
interessantes para a compreensão mais completa de nossa po- superficialidade dos fenómenos e de se assumirem como su-
24
25

jeitos de s4us próprios atos. Apo1am4 Cm princípios causais alguém assume a situação dos homens è se compromete com
na explicação dos problemas. 'Eliminam as influências de. seu processo de humanização". O compromisso com o outro
preconceitos. Percebem claramente os' fatos que os condicio- Implica em reconhecer-lhe igualmente o papel do sujeito do
nam em suas relações existenciais, tornando-se capazes de processo de conseliatização (processo de formação da consciên-
transformá-los. Esta é a consciência ,MinsItiva• ~int. cia crítica) e de libertação (e. Cal Costa sintetiza isto com ma-
•• ravilhosa CliativiOncia quando canta: `Porque de amor para
Só é possível alcançar este últlifir ttait crítico de cons- entender, í pitibisci amar..."
ciência por intermédio de um pfojein coletivo de hnmanivação
do próprio homem. A consciência Saca : percebe. que o ho- Um segundo fundamento para. tornar possível o diálogo
mem não é um ser que se constróiatIlitarlamente para, numa é a hatõ'êtle,'6u seja, "a atitude pela qual o sujeito se reco-
fase posterior, jtmtaree aos atire tornei:14 ao mundo. Esta nhece iiiáijils
‘- ado- e percebe a necessidade de dialogar e cola-
construção se faz de forma efetiv.a 4ciiw dá. todas as contra- borar 'Pira transformação do untado que o en-
dições em que vivemos econjimthinen1L'Podinto, significada
volite e desenvolver-se como pessoa. Esta atitude se exprime
continuar na ingenuidade, conchrclaftintit a. existência destes na disponibilidade. e abertura para com o outro e para com
três níveis de conadênda, mas aeháf igte..rleite separam niti- a realiditde"(1/. --
ciantente_uns _dos antros. _klardarle; into4ão - clara
no* é -Ciúme sempre impossfiel fazer.illá pessoast profunda- Outro fundamento importante é a espentnça na possibi-
mente críticas em .determinadas situações é ingênuas em lidade que todo homem tem de assumir-se como sujeito. Na
outras. A caracterização de cada nível tem o seu sentido "Pedagogia do Oprimido" Paulo Freire nos sugere que 'se os
prático, na medida que sirva de referencial à conquista de sujeitos do diálogo nada esperam do seu que fazer não pode
consciências cada vez mais lúcidas e dakaies de entender os ' haver diálogo'. Interessante também é o que nos diz Alvaro
seus determinismos e de superar os Seus condicionamentos. Vieira Pinto a este respeito: "Todo homem que participa do
Isto, segundo a teoria freireana, torzt&se viável fundamental- processo de produção social é apto para formular um parecer
mente pelo diálogo entre as pessoas: ,. Mas um diálogo que crítico sobre a realidade, desde que conheça o condidionamcn.
ultrapasse as limitações que normalmehte são impostas a ele to de seu pensar. Neste sentido, a erudição é um fator secun-
nas relações entre as pessoas. Um diálogo alimentado pela dário. Por mais claro que seja o seu pensamento, ao faltar-lhe
reflexão e pela ação, e que obrigue à "stIperação constante das reconhecimento dos motivos e das condições que o deter-
formas opressoras de . conquistar, manipular e dominar os mina, será marcado pela ingenuidade" ("3.
outros". (a) Para que isto ocorra, a pMmoção e manutenção
do diálogo requerem certas atitudes e condições indispensáveis. A confiança no homem em geral, e concretamente nas
pessoas com quem se convive e trabalha, é outro fundamento"
Uma primeira atitude e condição pára que o diálogo acon- para o diálogo. "De fato, se a confiança implica em contar t.
teça é o amor. Sem ele não é possível tirn verdadeiro compro- com as capacidades e meios reais de que o outro dip5c
41
misso com os outros e com o mundo. Mas o amor não pode ao querer assumir um problema comum, ela nasce e crescc Pfle
— como. vemos frequentemente — ser, considerado abstrata- a parar da constatação de fatos que manifestem cfáliva-
mente. A palavra amor anda meio gasta pelo uso e, às vezes, mente suas intenções e comprovem suas capacidade para'rea-
pode até parece* ingênuo falar sobre Se tema. Contudo, o lizá-las"- (93.
fato é que sem o amor fica difícil se pensar em humanização. O ato de dominação implica na busca dc realização pró-
Para Paulo Freire, o amor é "um ato de coragem pelo qual pria mediante alguma forma de anulação do outro. Desta
26
27
turma, o cliálogo necessita também daquilo que Paulo Freire
chamou de serviço. O serviço supõe que a busca da auto-rea- desenvolirnento da vida nas vidas que se revelarem capazes
lização se faça por meio da promoção humana do outro, o de progredir. Somos° chamados a viver: nossa vocação funda-
que por sua vez implica na renúncia ao modo de realização mental é Ifiver. Temos que respeitar essa força, e toda it—nossa
individualista, típica do opressor, para trabalhar em função ação e atividade devem ser orientadas no sentido de reverên-
do outro, ou da solução de problemas comuns. O homem que cia pela +da. Respeito pela vida é assim o primeiro ato de
serve, porém, trabalha e se reconhece como autor de sua ação Consciente da vida em face de si mesma" ou..
reconhece-se como sujeito. Como opção,. própria e consciente, ' de em favor da vida tem que "mergulhar nela
tal ato de servir não implica, conto tiodnat parecer para alguns, em -sua i4Mlii4afr. E quem decide mergulhar não pode espe-
no alienar-se, mas ao contrário, em libertar-se (0), !penas urna parte de seu corpo. Quem mergulha
rar
corno último fundamento pam.que•o diálogo se efetive irttdrus. Ou Se acredita no homem ou não se acre-
Coso lateamailio, que 6* forma mais elevada de serviço. .??.; assumir posições --quaisquer que sejam
Esta atui* decorre de uma mção. radicad e coerente, pela dai: jitt criticamente e defendê-la Mas é
qual ire exige tudo de ai, Sqtut dos outra O teste- ievé4as, dobrar-se humildemente diante de
munho 40 ato - que se faz EUS sobre si mesm,o (opção) e alteStivps entendidas como sendo reais significativa E.
sobre o mundo (ação) e se constitui," posteriormente, num acdmidóãdo, há de.se respeitar as pósições contrárias. dão
convite a que o outro assuma, por opçâo própria, uma ação é jõssfr4 conviver sem estes conflitos e contradições, se é
transformador* da realidade, em favor da promoção do outro que pretepaim —os buscar um projeto coletivo de condi-tida
e do corpo social. Assim, o testemunho desperta a solidarie- mais humana. Um projeto coletivo que comece no respeito
dade, suscita a união e a organização" ao indivíduo como pessoa.
E neste sentido que qualquer cidadão ou profissional não.
pode ficar alheio às situações que o envolvem e o condicio-
3. Pdagedbando na Realidade Humana da Vida
nam cotidianamente.
A simples observação contemplativa dos fenômenos so- Conforme já mencionamos anteriormente, uma participa.
ciais que nos envolvem é insuficiente para compreendê-los. ção que se pretenda renovadora e transformadora no seio da
Enquanto ficarmos como espectadores mais ou menos estáti- sociedade; das instituições e mesmo em grupos e relações me-
cos da vida que está aí, nenhuma transformação significativa nores, é 4mpre problemática.
poderá ocorrer. Cabe a cada um procurar ascender a níveis
cada vez maiores de consciência, desenvolvendo e enriquecen- Todo j indivíduo que depende do seu trabalho vive num
do um processo de consciência coletiva que leve o homem, contexto sócio-cultural, político e econômico, e a ele está con.
dicionado: Não pode, portanto, ficar alheio — repito — a est:
através da ação a buscar sempre a sua realização plena, me-
realidade 'se sua pretensão é a de compreender estes condicio
lhorando a qualidade de sua vida, conjuntamente com os namentos.e por meio.deles transformar o injusto e desumano
outros. É como diz o médico e filósofo Albert Schweitzer, refe- que lhe afetam.
rindo-se ao que ele entende por bem e mal: "O bem é conser-
var a vida, promover a vida e elpy44- 4ct máximo possível o -.99415cy que seja a especialidade do homem que traba-
teor de valorização das vidas que se revelarem capazes de pro- lha, sua Xereta deve ser percebida dentro da totalidade em
gredir. O mal é destruir a vida, oprimir a vida, impedir o livre que funciona. Caso contrário, torna-se atividade alienante
fazendo com que aquele que a desempenha se caracterize mair
28
29
como objete Ido que como sujeito, dono do seu próprio pro- privilégios. Esta postura é sustentada por toda urna ideologia
cesso existencial.
que procura justificar-se e defender-se de todas as formas.
Em algumas profissões, talvez mai.a do que em outras, E. no processo desta luta desigual entre as diferentes ca-
esta percepção do todo, este desvelar do mundo considerado
madas sociais de nossa sociedade de consumo, privilegiando
através da interação do sujeito com os Ouros sujeitos, torna-
a extratificação econômica, que a:estrutura de poder se esta-
se ainda mais fundamental. E este o cdío dó professor e em
especial, do professor de Educação Física. belece, determinando e fazendo prevalecer grande parte do
autoritarismo, da repressão, da corrupção e das injustiças exis-
que pretendo evidenciar a esta altura, é que não se tentes entre nós.
pode entender o papel da Educação, e igualmente o da Edu-
Não se trata aqui de confundir a Educação com á Política.
cação Física, distante dos fatores que o condicionam estrutu-
A este respeito, comenta Moacir Gadotti na introdução de um
ralmente. Disso se depreende também, que não é possível par-. dos livros de Paulo Freire: "Não se pode separar o ato peda-
ticipar de .uma educação libertadora e verdadeiramente huma-
gógico dci ato político, mas também não se pode confundi-los.
niz.ante se os seus agentes não se percebem gomo sujeitos Tenta-se compreender o pedagógico .da ação política e o polí-
capazes de lutar contra os condicionamentos que os bis tico da ação pedagógica reconhecendo-se que a educação é
queiam, impedindo-os de valorizar o social, sendo cada vez essencialmente um ato de conhecimento e de conscientização
mais pessoas. Seria o 'mesmo que enfrentar um inimigo que e que, por si só, não leva urna sociedade a se libertar da
simplesmente não existe.
opressão... Depois de Paulo Freire ninguém mais pode negar
por estas e outras razões que a Poaias, entendida co- que a educação 4 sempre um ato político. Mesmo aqueles que
mo instituição de poder constituído — legalmente ou não — tentam argumentar o contrário afirmando que o educador não
exercendo influência na maneira de ser !dos indivíduos, não pode 'fazer. política', estão defendendo urna certa política, a
pode ficar ausente das preocupações de ninguém. E se é ver- política da despolitizaçãO... pe a educação brasileira semPre
dade que a instituição política, através dessa estrutura consti- Ignorou a polida, a política nunca Ignorou a educação. Não
tuída de poder, procura controlar, ntold4e preservar a socie- estamos politizando, a educação.: Ela .sempre- foi política. Ela
dade em todas as suas manifestações cciro algum significado sempre esteve a serviço das classes dominantes' o'n.
direto ou indireto aos interesses e aspirlirções de seus repre- caradie-rístico dás consciências ingénuas pensar que o
sentantes, fica claro que é necessário parecer melhor neste educador ^ podén.,Se constituir em verdadeiro agente de reno-
entendimento para saber até que ponia estes - interesses e vação e traiir~çéo„ Promarpantimse exclusivamente com
aspirações vão act encontro daqueles de -104- as outras pes-
soas e grupos qua compõem o corpo soitolg tia Nação. as Part1014.1
._ :(SUS,f10 ProFemo podagagiço. ou, por outisçdo..
acreditar quál pi4krá situação Mai). Cultural, .política taco:
Quando as pessoas começam a perdeoprmats amica; aynnstniiiiHproblemas qoars4 -o _gitsrento, atritest de ji;
nitidamente
uras relações com suas discrepAnclas e! contrad195es; vão se políticósrerteabetirás,-Poderia resolver c discutir,• e til:Mem

tornando mais capeies de atuar no somhdp_rk uma superação
desses problemas. Os homens como um todo Lens que. se•fazer• sujeitaU da%ar
A classe dominante, detentora do poder institucionalizado, história, Pião objetas. Devem faier-se livres; e não alienrdos.
se satisfaz na medida que consegue manter mais ou menos Entretanto, é bom frisar que não entendoa política corno
intacta a ordem social por ela projetada em defesa de seus a última instância -Como pode parecer devido à ênfase dada *\(\\?!
30
31
a ela neste capítulo — capaz de permitir finalmente ao homem rias para uso ou prática de certos hábitos, é explorada ar
penetrar em todos os seus problemas, resolvendo-os indistin- seus limites máximos de lucratividade, na dependência direta
tamente. Nossos problemas existenciais extrapolam o âmbito de uma cultura que a assimila. Ainda assim, a moda não dei)._
politico-económico, como provam as nações com processos de ser urna. manifestação que, estabelecendo-se nessa culta
democráticos e contornos político-económicos mais adiantados que a assirqila, transforma-se em fenómeno cultural e socii
e claros. Em outras palavras, a moda também é cultura. Costuma-r
distinguir, entretanto, essa manifestação efêmera, passageb%
Ela se constitui no instrumento de superação das dificul- de outras cie caráter mais permanente ou duradouro, est
dades mais vitais à sobrevivência, libertando e liberando o chamadas Ror alguns de verdadeiramente culturais.
homem para investidas mais efetivas na busca de sua real
identidade 'e de sua mais autêntica felicidade, ou seja, quer As atiVidades físicas, quer enquanto expressão de !az
no seu sentido Individual, quer no sentido coletivo. quer enqu9ato expressão de trabalho, quer enquanto expr.-
são de valorização genuinamente humana, têm sido motivo tse
Portanto, o contexto político deve ser 'entendido como maior atenlio nos últimos tempos por parte de psicólog. ,
ponto de passagem decisivo; mas não necessariamente defini- psiquiatras, sociólogos, educadores, filósofos e, obviamen
tivo para a nossa realização plena como seres humanos. políticos.
De repente, curtir, moldar, cuidar do corpo passou a
4. ULD3 Crise para ai Educação raiei moda. E mil providências foram tornadas e, claro, colocacit
no mercadci, para que estas mais "recentes neretsidades"
Por tudo que ficou dito, podemos começar a concluir que pessoas fossem atendidas. Dal o surgimento de inúmeros'
a Educação e a Educação Física não se realizam de forma portes" esi reticrs e de lazer, como agasalhos, ramisetwt, tê: -
neutra e independente. Não se tornam práticas educativas se calçados is, quadras, raquetes, bolas, e ainda: zned
distantes dos costumes, das classes sociais, da política, de uma mentos energéticos, alimentos "naturais', revistas es
ética, dís uma estética e, enfim, do contexto existencial mais zadas, maiores espaços nos meios de comunicação, grupos -
amplo que as. ~Ovem, - dança. aCatiemias de ginástica, clinicas de emagrecimento.1 .
Por outro lado, numa sociedade de consumo tal qual a seminação das atividades físicas mais exóticas e até dar
que Vivinioi;fortemente condielentida Por interesses de lucro, de Faculdira de litftiação Fisica.
s—,e fica evidente que os educadores, os verdadeiros educadores, De relute ,é preciso cuidar do corpo. preciso tira—
Mio podem deixar de atentar para os desvios a que estamos
X . ig3 sujeitos em termos de busca. dar nossa Valores de vida mais
-• „iam. expressivos. Elo se pode esquecer que Citamos todos envol-
excesso de gordura. preciso melhorar a "performance' a
xual. preiáso melhorar o visuaL É preciso competir. II pia—
0 5) vidos pela mentalidade dr).* aillA.Snini"n que Isto implique
-; em serigati 11/4elatetar Pnia:::030t.ii*.:sjué? para quem se
so, ac4nii-4,tudó; vencer. \Teimai no esporte é vencer
' na v
Mas acOnttWtjuitittmcii péi juntamos a nós mesmos o qt
= dirige a 'Ethicagilo_T se_ Imptie ticininlikéfa fundamental. As
1/4,1
Ô respostaiaaó4fritit eif, is ,iaélaSes incorporadas 1),Eia Este panorama.
- a Educação Física se desenvt
x % > e utilizadas no nosso agir
A moda, ente-ada óomo fenómeno social típico das socie-
IT tn- dada de àonsámo, ile•taidéeànt comPortamentais temporã-
e sqpíólIf4aem nosso pais. E hoje, mais do que em nenhv
outra época, ela vem atendendo a toda essa demanda da soa«
dade de consumo. Desta forma, são os seus profission4
32


c_ orientados a preencher este enorme campo que se abre; um
campo de trabalho sem precedentes na história da Educação gido muito mais fora do círculo da Educação Física do que de
Física nacional, e que já ultrapassa em muito o âmbito esco- dentro dele. Os movimentos que defendem o valor educativo
lar a que basicamente se restringia o licenciado tempos atrás. — e até curativo de certas atividades como a anti ginistica •
hatha-yoga, o Cai chi chuan, a dança, a "expressão corpore4",
Formado o profissional — ou mesmo antes de completar a dramatização, a bioenergética, entre outras técnicas, não
seu curso — vai como professor ou taiiied em busca de mer- têm espaço nas .Escolas de Educação Física e não preinutipam
cado. E, encontrando o seu lugar, procura desempenhar fiel- muito seus profissionais. Nas Escolas, com raríssinias eXCe-
mente a função técnicaaqiie dele se cobra. Procura dar exata- ções, nem se discute. seriamente o valor desses movimentos.
mente aquilo que se pede a ele. Este é um traço do perfil gene- num confronto com a validade de suas próprias técnicas.
ralizado do profissional da Educação Física no Brasil. E é Mesmo as críticas cada vez mais acentuadas que se faz às
por meio deste tipo de relação que, segundo me parece; pode- atividades militarizadas, como a calistenia e algumas modali-
mos analisar parte da falência desta disciplina como proposta dades de ginástica, ou ainda aspectos como a monocultura do
de real valor: aquela Educação Física entendida como disci- futebol em nosso país, a musculação ou halterofilismo femi-
plina que se urtlint do corpo, através de seus movimentos, para nino, a especialização precoce, o real valor de esportes como
desenvolver um processo educativo que contribua para o cres- o atletismo, o basquetebol, o ténis e o boxe, e muitos outros
cimento de todas as dimensões humanas. assuntos que deveriam dizer respeito ao profissional da Edu-
E nesse sentido que entendemos que a crise que costuma cação Física, não são devidamente pesquisados nas Escolas
atingir quase todos os setores da sociedade que clamam por através de seus currículos ultrapassados. k é assim que os
desenvolvimento, parece não estar perturbando muito a Edu- seus profissionais ou futuros profissionak não se posicionam
cação Física. Ela vem cumprindo de maneira mais ou menos criticamente, a favor ou contra em relação a muitos assuntos
que lhes deveriam preocupar.
eficiente, disciplinada c comportada a função que a ela foi desti-
nada na sociedade. • A Educação Físlea precisa entrar em crise urgentemente.
Se na Educação começam. a surgir inquietações com as Precisa questionar aiticarnente seus valores. Precisa ser capaz
mazelas de nosso ensino institucionalizado; se na Educação de juttificar-se- a sf mesma. -FecEt procurar a sua identidade.
preciso- que seus profissionais diminuam o etiuttutit.
aparecem os primeiros movimentos para Se repensar toda
nossa estrutura educacional, gerando 'consequentemente pro- abastante, o ftmdaincntal do supérfluo de suas tarefai. E pie•
postas concretas de mudança, lamentavelmente o mesmo ainda ciso, sobretudo; - discordar mais, rdentro, é 'claro, dartcfaTts
não começou a ocorrer no âmbito Cm:jeca-leo da Educação construtiiiii'do-idglago. "0: programar, o desenvoittearto. II
Física, pelo menos de forma significativa. A crise que começa crescinieítO'ailinzão muito inahtde 'Ma estiendinteettopreersi
a se instaurar na Educação brasileiratfriató das reflexões, do ficado das »ilbflldades "dit iEditiação Física do ticktelatec"
debate, das discordlincias, das frusliigeet da confrontação cie cet~mollticas. que. rtaygircititie não plantam,... brnezse3-
de stiParfialTs oniniões oú S
ideológica, dos erros e acertos de sttepotiab e práticas, pouco
tem perturbado a Educação Fisicamno se ela não fosse em A kalavra crise tem muitos significados. DestafflreinoX
última análise um processo educativo, três deles. No seu sentido mais popular, a ct-ise t lernpre •
Por mais paradoxal que possa parecer, as propostas alter- entendida como uma perturbação que aliem o eurepordiaerio
nativas de abordagem do corpo e seus movimentos têm sur- das coisas: crise económica, crise politica, crise existencial.
e etc. Já a sociofogia a entende como uma sitvecão sedai ,
34
)_\ t
decorrente da mudança de padrões culturais, e que se supera
na elaboração de novos hábitos por parte do grupo. Ë. a fase
de transição em que, abaladas as antigas tradições, não foram
ainda substituídas por novas ("). Já no seu sentido médico- Anatnle France crn
psiquiátrico ou psicológico, não só representa uma mutação de I"— Que é a verdade?
valores, do conceito filosófico do mundo ou da atitude perante ;siderava essa interrogação a mais prnin-
a vida, mas também a eleição ou mudança na profissão, uma
orientação no modo de viver ("). que ainda se formulou na terra. Na realich
Para a Educação Física, poderão ser todos estes os sen- !todas as demais questões dependem dela.'
c,

tidos de lima crise. Não só precisamos alterar o curso ordi-


nário — aliás bem "ordinário" — que ela vem seguindo, como I (de Will Durant, em Filosofia da Vida)
também buscar a sedimentação de novos padrões culturais
e, afinal, lutar por novos padrões de vida. Para uma Educação
Física realmente preocupada com o ser humano não basta "VERDADE — a palavra tem uma magia ,
concordar plenamente com a sociedade. E neentsrlo que faça ! comparável. Parece prometer o que realmtÁ
uma permanente critica social; seja sensível às diversas for-
mas de repressão a que as pessoas estão sujeitas e as ajudem conta para nós. A violação da verdade en
a entender os seus determinismos e superar os seus condicio-
namentos, tornando-as cada vez mais livres e humanas. ! nena tudo aquilo que se obtém pela viol
Se a "moda do corpo", como fenômeno passageiro, pode A verdade pode causar dor e ¡iode leva.
i
trazer saldos positivos para a formação de uma verdadeira desespero. Mas é capaz — pelo fato muari.
"cultura do corpo» mais perene e consistente, vai depender mui-
a to de airoveltarmos ou não o momento histórico que estamos de ser verdade, independentemente do
vivendo, de .valorização — autentica ou não — do soma. Pro- •
, contei*. -7 de oferecer uma satisfação -tz
mover _uma vezdadeira_revolução: do corpo fundamentando
uma "adiem ineake, reavallandd aquilo que foi profunda-
mente desprezado durante séCuld's, é jato que não surgirá
1 funda: a verdade existe, apesar dos pew

esPontanaimeate- Isto sã poderkOcorrer, através -de conseiên- ((de Kari 'aspeis, em Filosófica da Exigência)
du al!ket4a, num esforço coq crescente, criarão con- a
e que certamente
01.4ariO4.1eeeinQa construçAo , todas as suas dimensões
ido6táá efetivamente? Pro-
vitieltizerilei&imis de :ais.

O PENSAMENTO SOCIAL EM UMA JOÃO PAULO SUBIRA MEDINA


PA0.- ÉPOCA DE CRISE
direção e coordenação:
J. F. Regis de Morais
Carlos Rodrigues Brandão
volumes desta coleção
ENTRE A EDUCAÇÃO E A BARBÁRIE
1. E Regis de Morais
CRISE CULTURAL E
SUBDESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
Antônio Muniz de Rezende
MORAL REVOLUCIONÁRIA
Otavinno Pereira :,
LAZER E :HUMANMAÇÃO
Nelson C. Mareellino
ARDO. DA ORDEM:
CAMINHOS:E ARMADILHAS DA
EDUCAÇÃO POPULAR
A EDUCAÇÃO FÍSICA
Carlos Rodrigues Brandão
A EDUCAÇÃO FISICA CUIDA DO CORPO...
EMiomwt~. CUIDA DO CORPO...
Paulo &Ma Medina
A POLITICA DA LOUCURA
(A ANTIPSIQUIATRIA)
E "MENTE"
lodo-Francisco Duarte Ir.
UMA FLOR. PARA OS MALDITOS BASES PARA A RENOVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO
(HOMOSSEXUAUDADE NA LITERATURA)
Mira Lúcia Fato, DA EDUCAÇÃO FISICA
CENTRO POPULAR DE CULTURA DA UNE
Manoel T. Berlinck
CINEMA A MARGEM
Luiz Carlos Borges
LIÇÕES DA NICARÁGUA
(A EXPERIÊNCIA DA ESPERANÇA)
Org.: Carlos R. Brandão
DIALETICA DA DOMINAÇÃO
(DOMINAÇÃO IDEOLÓGICA E CONSCIÊNCIA
DE CLASSE) .
Adalberto Patinhos.
CAPITALISMO E A SAODE POBUCA
Emerson Elias Meblig
VIDA DE CASADA
Carmen. Gania de:Almeida Moraes
FAZER ESCOLA CONHECENDO A VIDA
Paulo Freire. Adriano Nogueira, Débora Mana

Çd
ti-
Capa: Francis Rodrigues

Sou grato aos professores e amigos


Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional Regis de Morais, Nelson Marcellino, Milton
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Cornacchia, Laureie Godoy, Edson Claro, José
Elias de Proença, Wagner Wei Moreira, Antonio
Medina, João Paulo Subirá, 1945 — Carlos Martinazzo, Agostinho Guimarães,
M443e . A educação física cuide ao corpo ... e "mente" : bases
para a renovação e transformação da educação física / João Reincido Alves da Silva e Moacir Gadotti,
6. ed.-
Paulo Subirá ?declina. — 3. ed. — Campinas : Papiros, peiastilticas e sugestões, pelo apoiõ e,
1986.
(Coleção Krisis) sobretudo, pela confiança
1 :Bibliografia! !,

I. Educação Filosofia 2. Educação física e treina-


mento 3. Educação física e treinamento — Brasil 4. Edu-
cação física e treinamento — Estudo e ensino 5. Política
e educação I. Titulo. 11. Série: Vaiais.

CDD-6I3.7
-370.1
-379
-613.707
86-0080 -613.70981

o
Indica para catálogo sistemático:
Brasil : Educagio física: Higiene 613.70981
Orneara corporal : Higiene 613.7
Ceava : Higiene 613.7
Educação : Filosofa 370.1
Educação (bica : Ensino 613.707
Edação (bica : Higiene 613.7 Para Rosana e Patricia
Peaks educacional 379 que sentiram a ausência d
marido e do pai durante r
tempo dedicado à elabora çãr
deste ensaie
Todos os direitoi list:vadia
Lel papirW LIVRARIA E EDITORA
Rua Sacramento. 202
Fones: (0192) 32-7268 - 32-5753- 8-6422 - 2-9438
13.100 - Campinas - SP.
CAPITULO II

o A EDUCAÇÃO FISICA CUIDA DO CORRO...


E "MENTE"

1. A Falta de Autenticidade pode ser uma Forma de Mentira

Todos devem concordar ser bastante difícil falar sobre


algo que se conhece mal. O simples fato de se conhecer algo
não é o bastante para discorrer sobre ele com sabedoria. O
verdadeiro conhecimento é aquele que penetra em nosso ínti-
mo e passa a fazer parte de nossa maneira de ser. Em outras
palavras, o conhecimento adquire significação quando é "incor-
porado", quando se dissolve no corpo. Somente desta forma
conhecimento altera a qualidade de ser do homem. Segundo
George Gurdjleff, por exemplo, há uma diferença básica entre
conhecer e entender: `O conhecimento — a aquisição de fatos,
• dados, informações — é útil ao desenvolvimento humano ape-
nas até o Ponto em que aquilo que foi adquirido é absorvido
93g aatámilado:peloznossoLserristo_é; s6 até o ponto em que é
entendido. Se alguma coisa é sabida mas não entendida, ha- .
verá mentiras sobre ela porque não podemos transmitir uma
verdade que nlio conhecemos* (").
Sá não bastássem as naturais dificuldades que a lutara- •
gem verbd tece-a uma anta:aliar comunicação, as próvidas v
relações.erMai-pessoas .aão -quase 'Sempre envolvidasibirtor e
disfateesi-jognirihos de esccinde-escoride. Ambos s5Ortstos f
.que f.cereefatiriritidap mais aS , possibilidadeS de eiPiutsbijar
nossas COisciScias,- impedindo- o- verdadeiro conheciiiientrom ‘,..
como cgrii0pg, impedindo o .entendimento e, por et‘nse- t1/4
e vriõénciairíad liiido o, crescimento- humano: E por Szis ra-
'iões gire ine confesso um tanto arredio g ,conceitos e defini-
ções emitidos de maneira formal. Tais formulações só servem
para embaçar aindat mais a percepção que temos das Coisas. ,


39
1 A constatação desta tendência das ciências em face da
prejudicando-nos em nossas relações mais fundamentais. Po-
dem, quando muito, alimentar contatos e conversas, porém, atual situação do homem no mundo nos faz crer que a ver-
sempre pobres de conteúdo. dade das partes não conduz nossa razão obrigatoriamente à
verdade última do todo. O raciocínio lógico particularizado
Existem professores e, por extensão, alunos — geralmente parece, nesse sentido, mais bloquear do que abrir perspectivas
os mais aplicados — com verdadeira obsessão por conceitos e para a compreensão do universo e de nossa existência. Faz-se
definições. Esses enunciados que procuram representar aquilo necessária uma cosmovisão que divida menos e una mais.
que as coisas são, se desvinculados de uma interpretação cri- Toda especialização distante de urna compreensão — tãe
tica transformam-se em verballsmos, pois são isentos de subs- ampla quanto possível — da unidade total em que se constitui
tância e vazios de sentido. o homem contendo ou. 'doado todas as suas dimensões, coas

A escola, como Instituição oficial, é fértil em produzir titui-se num problema crucial para uma existência verdadei
esse tipo de conhecimento. Sem maiores comprometimentos ramente humana
com a verdadeira natureza, do ser humano e, portanto, sem A redução do corpo a uma de suas áreas de concentraçãr
maiores preocupações com os aspectos mais ,significativos do — fato comum nas Ciências H:Imanas — é, ao mesmo tempr
seu crescimento, pouco contribuem para que os alunos se que esclarecedora de certas particularidades, perigosa, m.
realizem como pessoas, embora, ks vezes, auxiliando-os em sua medida que nos distancia dessa compreensão do todo harrnt
formação profissional. Mas de que valem as profissões e o nioso em que deveríamos viver.
próprio trabalho, se não contribuirr.m para dar soluções aos Nesta perspectiva o corpo humano, salvo raras exceçõe
nossos problemas mais Periciais e em melhorar a qualidade é tratado pura e simplesmente como um objeto em nada dife-
de nossa existência? rente de uma máquina qualquer: um carro ou, na melhor da..
hipóteses, um computador mais sofisticado. Assim, elimina.:
Nosso mundo vive hoje uma situação curiosa. Nunca na dele todas as peculiaridades do animal racional capaz de fala'
história da humanidade se acumulou tanto conhecimento como sorrir, chorar, amar; odiar, sentir dor e prazer, brigar e brit--
nos dias anais. Este fato, embora tenha permitido ao homem car. capaz de ter fé e transcender, com sua energia, a própra..
um domínio cada vez mais implacável sobre o meio ambiente, carne. I
não lhe permitiu a realização mais plena. E não é que o ho-
mem tenha se voltado para o exterior e esquecido de si, como Visite uma dessas grandes clinicas médicas especializa&
em algum Sdaço do corpo e a situação se tornará evident
podem alegar alguns. As Ciências Humanas ou Sociais, através
Outro dia, uru pai, necessitando de uma radiografia do estlà
de sais diversos ramos, ai estão, empiabigicsimas em des- 1
mago, foi ~uh ha dó ponto atue chegamos: sentado ilY
vendar nossos mistérios. E dia após descobrem:ia mais. algum_ teippó na sala de espera, ouviu a seguinte frase t
Acontece, por,iny que a evolução .d$. saber cientifico tem se radiologish4ara - sua assistente: "OK, mande entraro pré
dado em. topti do cada vez mais agride:Co. Em outras pala- mo est6iitajto". O caso parece episódico, mas na verdade
vras, sabArg cada vez mais apegai-sol:ui •o particular. Esta bem "slátoStiCO e crescente, não só na Medicina como tark,
tendência. Metodológica das ciências nos leva a perder mais bém its profissões especialhadas, entre elas a Ed
e mais o contato com o geral, mim o mdversal, com a unidade cação'Ffslõg-Eitemplos alarmantes de desrespeito à totalidatr
do todo, com-uma visão mais ampla do ser humano em seu e à dignidade do ser humano são observados a todo moment-
Falta a todas essas especializações um referencial básico que

40
valorize o homem. O que ocorre é que esta valorização parece
ultrapassar os limites do científico e adentrar no terreno escol.
diluir-se gradativamente, na medida que tentamos compreen-
regadio da crença ou da fé. Não é este o escopo do ensaio
der o todo a partir das partes. O grande denominador comum
em questão. Se voltar a falar em crença ou fé será da crença
das ciências numa sociedade consumista como a que vivemos
ou da fé no ser humano apenas. Não desejo transpor esta
parece ser muito mais a sua lucratividade e muito menos
nossa qualidade de vida. linha demarcatória. O que pretendo é, tão somente, demons-
trar a necessidade de uma compreensão tão global quanto
E não se trata aqui simplesmente de nos posicionarmos possível da nossa existência enquanto fenômeno essencial-
contra a especialização, contra o 'sistema ou contra o lucro. mente) humano, recuperando. assim, os seus mais legitimes
Trata-se, isto sim, de tentarmos resgatar os valores mais essen- valõres, entre eles a própria dimensão do corpo. Pois será
ciais à nossa humanização. A especialização não pode deixar de desta visão do homem em seu mundo concreto que dependerá
levar em conta este referencial básico de valorização do ho- a atuação mais efetiva de todos aqueles que pretendem escr.
mem para, em cima dele, crescer. Só assim, acredito, os conhe- cer coletivamente o papel de agentes renovadores e transfor-
cimentos poderão sutilmente transformar-se em verdadeira madores da cultura em que vivem. E por acaso não seria
sabedoria. exatamente este o papel de todo verdadeiro educador, portan-
to, também o do próprio professor de Educação Física?
A Filosofia e a Teologia, através dos tempos, têm dado
2. O Homem Explicado é sempre um Homem Fragmentado diferentes interpretações ao significado de corpo, mente, ra-
zão, espirito e alma. E embora exista uma distância signifi-
A noção vulgar do corpo humano recebe as mesmas cativa entre o discurso dos filósofos e teólogos e aquilo que
influências maléficas do vfrus que divide as ciências. Ao tentar pensam as pessoas comuns, temos que admitir uma influên-
explicar todas as suas dimensões, o hOmem se retalha em duas, cia daqueles sobre estas. Dependendo do grau de dependência
três ou quatro partes e depois se torna incapaz de perceber de.stasselações e do momento histórico que se atravessa, estas
a totalidade em que elas se realizamn Uma totalidade que
inclua o outro e a natureza. influências serão mais ou menos fortes. Neste particular, é
de se nliéntar- o-pariel - cp.* a religião tem exercido ao longo
Há aqueles que acreditam, por ekemplo, em um dualismo dos séados, em grande número de pessoas, com reflexos em
corpo e alma, corpo e espirito ou Carpo e mente; outros já suas visões de homem e de mundo. O dualismo corpo-alma
preferem vislumbrar três entidades aistintas: corpo, mente e é um exemplo vivo de inculcação, do qual o resultado tem sido
espírito, ou corpo, mente e ahna,è itssim por diante. Servin-
uma imagem distorcida e pecaminosa do corpo cultura
do-me de algumas reflexões de grandes pensadores a respeito
• do homem, tentarei resumir certos pitintos de interesse a todos
que, de uma 'forma ou de outra, Citam da problemática do
corpo humano.
ocidental.
Embora,. nas classes sociais mais altas, a m~rciene
clge se.fakt-paeictdde do-corpo até Com certa olbútiAsão, 'a
4 - verdade 0que ..ele ainda é profundamente reprimidtU, diga-
Entretanto, é bom que desde já se esclareça que não tenho se de passawat esta repressão não apenas é o refilt.dirctin
a intenção de penetrar numa diSaigSása: filosófica estéril ou dos tempos da sacrossanta inquisição, como também-é fruiu
numa abstração teórica de fáidairientação, sem qual- da influência dos intelectuais, que sempre insistiram em ntib-
quer sentido prático. Afirmar, por exemplo, que a alma é uma fiar o que consideravam — e consideram até hoje
substância independente do corpo, irredutível e imortal, é "um
simples objeto que a nossa-mente e/ou o nosso espírito tem
42 •
43
a obrigação de carregar", pelo menos durante esta nossa vida Fica evidenciado, portanto, que embora o dualismo (t
telúrica (18). Tudo isso sem levar em conta a situação das pluralismo) não preveja estas repercussões práticas, tem
classes mais baixas da sociedade, onde a repressão do corpo que concluir que elas ocorrem muito frequentemente e sur-
é ainda mais patente. consequências têm sido, muitas vezes, desastrosas, não 5,
Mesmo particularmente, vendo mais coerência na teoria depreciando o corpo como também desconsiderando a própi
ou perspectiva filosófica que afirma Ser o homem redutível a totalidade da dimensão humana.
uma unidade, a um elemento único que o constitui (monis- Vejamos agora a outra posição. Aquela que considera
mo) ("), do que a teoria — mais aceita entre nós — que afir- homem dentro de uma unidade irredutível, de uma lin'
ma ser o homem composto por dois ou mais princípios ou substância. Também aqui surgem limitações de ordem prity,
substAnaás independentes e essencialmente irredutíveis (dua- Dois dos principais tipos de monismo são o anateriallda
lismo ou pluralismo) ("), tenho críticas a fazer às duas posições, — que interpreta a realidade fundamentalmente em funç
pois a onitstimação do corpo se concretiza a partir do momento da matéria — e o idealista — que reduz a matéria a uma si
em que qualquer uma delas assume uni sentido prático. pies aparência mental. No monismo idealista, a realidr
.ftmdamentid é o espírito. No primeiro caso, suas consequ.._-
Consideremos, inicialmente, a posição dualista ou plura- cias têm desembocado no senso comum em posturas que
lista, que interpreta, respectivamente, a alma e o corpo, ou o pobrecem a própria dimensão corpórea do homem, excluiu('
corpo, a mente e o espírito como substancias nitidamente dis- se suas potencialidades e expressões mais significativas. 1'.'
tintas e irredutíveis. Tal concepção tem levado o homem, segundo, igualmente desconsidera-se o corpo, entendendt. J
através dos ftmdamentos que o norteiem, à sua fragmentação. como um simples instrumento acessório do espírito.
Neste particular concordo com Delbert Oberteuffer e Celeste
Ulrich, quando. em sua obra "Princípios da Educação Física", O que ilesejo deixar claro é que estas e outras perpectiv,
observam que: "Este conceito persiste, em virtude das fortes muitas vezes brilhantemente defendidas por filósofos e ir
crenças na noção de divisibilidade do homem. Daí resulta !coutais, se esvaziam na concretude das ações humanas
olmo conceito historicamente velho e profundamente enrai- intuis. E como são essas ações comuns, as ações do diá-e-cii- -
zado de'que a educação tratadas atividades mentais, a reli- que constituem o centro de nossas preocupações, cabe real-
gião das atividades espirituais, e as atividades físicas não só mensioná-les- Melhor.
têm pOuco interesse para o educador e o teólogo, mas são
também, na realidade, de nível inferior e não merecem a aten- Acredi
a tp que a Filosofia, enquanto disciplina de con
ção dos que se preocupam com as atividades 'mais elevadas' mento,- etnte sua função mais nobre quando ultrapassaW
e 'mais significativas' do espírito e da mente". Concordo seu he*tetádtõ elitista e penetra no senso comum, democ
ainda quando afirmam que mesmo na .Educação Física há os dante s "O ¶ Tiritamo, sendo útil às pessoas Po.
que ageoz pensando nesta noção de divisibilidade do homem: biãii; É7. ouvirmos afirmações como a que enfatize ç
MesealikilVer o corpo parece, para esses profissionais, um ser h di Muito mais do 4ízéro seu corpo. Creio, porei,
trabalho relativamente simpled, que étexecuta através de exer- que cate a. ta: Que corpo á-6W Se pensarraos em Ir"
T. cicios e treinamentos contínuos, E se o exercício é o objetivo =Int. de carne, pele, ossos -e alguns órgãos acessórica.
principal da 'Educação Física,- então, por que se incomodar
chegaremos à conclusão de que o homem
com outras coisas? E a linha de argumentação é sempre muito meitdo sue isto. Da mesma forma, se consideram
deste teor* Po.
homem como, um ser compOsto de. 'corpo, mente e alma
44
5
não o percebermos através de sua unidade e totalidade, esta- 3. Em busca da Essência do Ato Educativo
remos, quando muito, percebendo particularidades significa-
tivas. Também neste caso o corpo não recebe a dignidade Observamos, ainda há pouco, que o homem é um ser por
que lhe cabe. Continuará sendo um amontoado de carne, ossos, se fazer. Um ser incompleto, inacabado, e que só é viável
pele e alguns outros acessórios, só se mantendo vivo enquanto através de suas relações com os outros seres e cum o mundo.
houver urna alma ligada a ele. it.- sob este prisma que o processo educativo se realiza. Nesta
O homem é um ser incompleto e inacabado, e são as suas linha de raciocínio, poderíamos dizer que a educação seria tifis
relações com os outros e o mundo o que o torna possível. O processo pelo qual a seres humanos buscam sistemática ou assiste-
homem isolado é uma abstração. O homem concreto é aquele maticamente o desenvolvimento de todas as suas potencialidades, sem-
entendido no seu contexto, inseparável de suas circunstâncias, pre no sentido de uma auto-realização, em conformidade com a pró-
onde suas relações se fazem dinâmica e reciprocamente. Isso pria realização da sociedade. Nas palavras de Saviani, ela seria
quer dizer que o mundo, por meio da Cultura, do ambiente, "O processo de promoção do ser humano que, no caso, significa tor-
do momento histórico e dos valores, enfim, forma ou de- nar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de soa
forma — os homens que, por sua vez, constroem — ou des- situação para Intervir nela, transformando-a no sentido de uma am-
troem — o mundo. Portanto, na unidade em que se constitui o pliação da comunicação e colaboração entre os homens (28) . Isto ocor-
homem, deve-se inevitavelmente incluir a inserção na socie- re, conforme já foi colocado por diversos pedagogos, - através
dade e na natureza. A este respeito, os trabalhos de Karl Marc
de transformações nos nineis de habilidades, conhecimentos e
foram bastante expressivos. Ele valorizou definitivamente o
ideais (atitudes) das pessoas. E por intermédio dessas trans-
papel social do homem e percebeu o'seu vinculo com a natu-
reza, chegando a afirmar até que 'a 'natureza é o corpo inor- formações que se atende à grande finalidade da Educação
gânico do homem" ("). E isto pode ser comprovado já a partir enquanto processo: tornar as pessoas cada vez mais humanas.
das necessidades mais básicas do homem e também dos outros Não é, entretanto, o que tem ocorrido com . frequência.
seres vivos. O ar e o alimento, indispensáveis à sobrevivência, Ettamos perdendo "de vista este referencial básico de valori-
são exemplos marcantes dessa apropriação feita pelo homem, zação do humano. Ele esvazia-se, na proporção em que obje-
tornando a natureza parte de seu Orpo. Se o homem é um tivos menorea Sio tomados como as grandes metas do pro-
ser de relação por excelência, deixa de ser homem concreto a cesso educativo.
partir do momento em que não mais existe essa relação.
Na caracterização do significado da Educação, Ficou implí-
Quando se fala em corpo, a idélit que prevalece costuma cito que o ato edticativo só se completa quando se provira
ainda ser a de um corpo que se opõe oti se. contrapõe a uma

• mente ou a uma alma. E preciso abala° essa construção


realizada por 'nossas consciências. TlHóhão representa, a meu
ver, um erro. de percepção cotia peefditóilt compreensão do
uma mudantiã
. tio. co
, riaportainento. Conforme Paul Chaierd,'
o comportainento; é entendido como as reações de coninnto
do orgaiaismó, em-resposta aos sinais que o individuO réeébe r
do MeiO:.:anibierite; somados a -certos estados internos Int t
ser humano. Apesar de serem essas 4ivis'Oes interpretadas co-
mo procedimentos didáticos que prebendam auxiliar o entendi- essenclaWeiat
ig-ct.intensidade de uma mudança interierr que ‘...;
mento, na verdade o prejudicam -se ieirtacionarmos neste pro- deperdettas n6i.sas atitudes. :0 ato educativo não se contliti
cesso divisório. A divisão stS' é -Váfidasna
. medida que não enquanto processo apenas da fora para dentro. Pelo Contrário,
se perca de vista a totalidade na qual a particularidade se das deriva a frustração natural de tantos quantos assim enten-
manifesta. dem e procedem. 14 pluc. sso, incompleto para a educação

46 47 \4
• consideração dessas situações práticas que ocorrem no gir=
do homem, só tem sentido como forma de adestramento ou sio, no campo, na quadra, na piscina, na pista, no salão ne
treinamento, sem conteúdo genuinamente educativo. A este danças, no tablado de tatami, no pátio, no bosque, na sala
propósito, parece-me correta a conclusão de Buytendijk, em aula, ou mesmo na rua, que ficam anuladas as abstrações s.
sua obra "0 Homem e o Animal", de que "a contração mus-
sentido.
cular só tem significado educativo quando é a expressão de
uma significação vivida e de urna atividade intencional ("). Tomemos Como exemplo o ato de andar ou correr, inst •
mento dos mais naturais utilizado pela Educação Física. S
Todos nós deveríamos: entender que a palavra; por exem-
profissional da área, seja ele educador em uma escola ou ri
plo, seja escrita ou falada, por si só não provoca mudanças
nador em um -clube esportivo, considerar este ate em AU
n-3 acomportamento. Pode, quando muito, desencadeá-las. Logo, forma abiuta", isto é. no seu sentido fisiológico Mais intim,
não é a palavra nem o gesto, ou mesmo a imposição do
— como é comum, sem interpretá-lo em toda a sua esi.
professor sobre o aluno, o que vai educá-lo verdadeiramente.
cia, estará a empobrecê-lo substancialmente. O correr de
Neste sentido, ninguém educa ninguém. O contato do. mestre
criança não é o mesmo de um adulto, como o andar de t
com o discípulo pode ser. uma riquíssima troca • de energias,
mulher ligo é o mesmo de um homem. Da mesma forma
onde o primeiro tem * as Suas responsabilidades especificas e,
portanto, age como incentivador e organizador do processo
andar e n correr de um homem não é igual ao de um
educacional sistematizado mas, ao mesmo •tempo, poderá re- homem. O caminhar da pessoa de uma classe social can
não tem op mesmo significado do caminhar de alguém V 1
ceber estímulos igualmente educativos, se assim ci decidir.
Poderfamoó dizer, então, que nume efetiva interação pro- de uma lasse social mais favorecida. O mesmo podr
dizer a reepetto de cada movimento humano, que não se rem,
fessor-aluno, ambos se educam. O profissional de Educação
de fortim ¡mecânica e Idêntica, não só de uma pessoa pE,..
Fisica que percebe esta relação afetiva transforma a sua ação
em um gesto de amor, onde todos se beneficiam.
outra mas também se diferencia na mesma pessoa em
• mentos distintos. Hoje eu posso correr. sentindtame disrx
As sinergias musculares que caracterizam Mitologicamente leve e alegre. Amanhã, por um motins qualquer oa me---
o movimento humano serão tanto mais ricas quanto mais sem motivo . aparente, talvez esteja me sentindo indispcmt
trouxerem no seu bojo uma expressão significativa da própria pesado e !triste, embora possa estar melhor fisiologicam....
vida. Caso contrário, tornam-se gestos mecânicos em nada (mais treinado ou adestrado) em relação há algum te À
diferentes daqueles de que é capaz um robe° ou uma outra atrata.
máquina qualquer. Ampliar caie signifieação é papel de uma I
Educação Fisica plentunente consciente :de seu valor humano. ,COrreettrés - mil metros em dez minutos pode ser
Esta não &eontudo, uma tarefa fáCiLi- objetivo imediato, particular ou especifico de um prog
de ,E~ rItisici, mas nunca uma finalidade em si, -
ta* as finalidades mais; autántitas e legitimas da Edu- meitno:: :espotite de alta competição.
cação Física e sua realização,prática, Onde o seu profissional
se coloca face a face — ou co e toipo — diante daqueles luuntinó se Movimenta .sempre de uma forma 1
--4:4 a-
bÓl ca. é Piessiva. Aquele que não procura interpretar —41
que estão sob sua orle-inação--; rire' se interpõem as barrei- •
ras que precisam ser vencidas: E é também ai que aparecem significações pão pode estar sabendo exatamente o que ..et
as verdades e as mentiras de cada uma de nossas ações. É da fazendo.' '

48.

4. As Vítimas da Educado Brasileira não são só aquelas


que não têm acesso à escola semi-alfabetizado;
incapaz de explicar com dal eia n que se piopue n (1ke '-
A falta de um volume de séria reflexão em torno do sig- Mina Educação Física;
nificado mais amplo e profundo da Educação Física tem tira-
do dessa disciplina a oportunidade de se estabelecer definiti- noção pouco ampla das finalidades da Educação;
vamente corno uma verdadeira arte e- ciência do movimento
humano. Conforme já abordamos no Capítulo I, o momento visão mais voltada para alguns esportes, em detrimento cle
que atravessamos é propício para um repensar e para uma outras práticas educativas;
tomada coletiva de posição mais clara nesta área, possibili- dificuldade em entender a importância de uma fundamen-
tando assim a modificação e a ampliação considerável, não tação teórica em relação à prática;
só de seu campo de estudo como também de seu campo de
ação. . E) supervalorização do sentido de competição das atividades,
com ênfase no resultado e na vitória;
O aumento indiscriminado do número de escolas de Edu-
cação Física no período de 1968 a 1975, embora tenha sido g) visão essencialmente individualista, em prejuízo de uma
um sintoma de abertura do mercado de trabalho, provocou visão mais social do processo educativo;
uma inevitável queda da qualidade de ensino, obrigando estas
possuidor de uma consciência caracteristicamente ingênua;
escolas à absorção de pessoal docente sem os requisitos míni-
mos necessários para exercer as suas funções. Aliás, esta foi extrema dificuldade de comenicação e manutenção de um
a política orientada para todo o ensirio de 3.° grau, baixando diálogo efetivo.
sua qualidade a níveis alarmantes. A imiversidade e o ensino
superior de uma forma geral, como todos sabem, encontram- A falência e a falácia da Escola ficam patentes ao r.e per-
• ceber que ela faz muito pouco no sentido de aliciar este
se hoje numa situação simplesmente lamentável, clamando
por soluções urgentes. estado dos alunos, em sua trajetória do primeiro ao último
dia de aula. Ao contrário, é comum se ver reforçar oirtos
De quatro escolas de Educação,F(sica existentes em 1968, aspectos negativos que os estudantes truuxerant dc
no Estado de São Paulo, chegou-se a!36 em 1975 (hoje exis- rimes para o superior.
tem 32), sendo que em todo o território nacional este número
•• • 1111

atingiu em 1977, perto de 100 escolas em funcionamento. Au se constatar que estes universitários ;querelai-ato• 'ger I)
Como resultado, foram — e estão !elido jogados no mer- noa de 2%. de privilegiados da população com condiWcs , de.,
cado profissionais totalmente desqualificados para a realiza- alcançar o tcipo ,da, pirâmide educacional (29) . não fica 'fora de. :
ção de papéis com cunho educativoi-4 -m. resultados estão PrePdsito ÇO(detlitrarse a Escola, corno instituiçavoficial, temi(
ai para quais -quiser ver. aliptma. razão -de ter no sentido de promover o 'anuem, bra-
Quem procurar, por exemplo, trinar um perfil do nível sileira. Só- mesmo uma firine convicção e a esperança rias
reais possibilidades do homent é que podo*" manter vivas as
de formação de um aluno médio em :ima escola de Educação
farpas capazes de transformar a. Escola em um templo onde
Física do primeiro ao último ano, provavelmente vai encon-
trar um quadro mais ou menos assim: se cultive o efetivo saber e que colabore com os aspectos afe-
tivos e psicomotores plOs educandos.
50
"Maneira ideal de proporcionar bem estar físico e
5. Uma Pequena Amostra do Nosso Nível de Ensino
também mental a um indivíduo. Através da educaçã-
física o indivíduo além de se tornar mais saudável fé
A títuto de ilustração, quero relatar, parte da pesquisa
camente, está fazendo lazer, trazendo assim mellzorit
realizada com alunos em fase de conclusão do curso de Edu-
também a sua mente".
cação Física que me permitiu chegar a algumas constatações
aqui apresentadas quanto ao seu nível de formação em uma "Para mim Educação Física significa edicação ('
-tradicional instituição paulista de ensino. Esta pesquisa, com- que através da atividade física a pessoa possa ajudar,s&t
pletada com informações colhidas de estudantes de outras no que diz respeito a corpo e psicologia (cabeça). A a_
instituições igualmente conceituadas, nos permite chegar à vidade física é um complemento do que temos dia,
conclusão de que o significado da amostra não representa mente". •
apenas um fenómeno isolado. "Na minha opinião, Educação Física é a arte de -
Uma das questões da pesquisa se constituiu em indagar educar; pelo movimento".
quanto ao sentido, pano aluno, da disciplina Educação Física. "Educar o indivíduo fisicamente. Nem todos concrm-
Objetivamente a pergunta era: "Em sua opinião, o que é Edu- dam, 7t . cts nosso corpo é o que temos de mais importan,,
cação Física?". As respostas aqui apresentadas foram selecio- é neceissdrio educá-lo corretamente através de movim, •
nadas, não em função do conteúdo em si, mas em função do tos, exercícios adequados à cada ser humano.
que considerei representar a média do pensamento dos alunos, "f eu ter em mãos um grupo de pessoas ou pes' :
Incluindo-se desde as mais fracas até as mais elaboradas — e selins dosiirde maneira científica e pausadamente es- - .
excluindo-se, portanto, aquelas, que apresentavam certa seme- pessofts seguindo uma estrutura técnica e tática de ttis
lhança entre as ja escolhidas. A grafia e a acentuação originais mimando de acordo com a idade, sexo e composição . J
foram mantidas nas respostas. lógicr4 deste indivíduo'.
"A Educação Física ela é um curso que nos ens
PERGUNTA: Em sua opinião, o que é Educação Física?
conheor nosso corpo, a saber de ~SUS limitações r-t
RESPOSTAS: • "Acho que é saber de urna maneira mais correta, eus e;também conhecer e praticar vários esportes".
.,
mais adequada e precisa em como educar o físico". "'Educação Física — E educação através do orou
p
"A Educação Física não serve só para educar o físico VIEMO onde o faz um melhor aproveitamento do -...si
sim os movimentos que são ferramentas do professor ~Eximis estará trabalhando iodos os moseolos obte
de Educação Física'. matei Estimulo para levar o dia a dia'.
N4uma matéria importante vista nos dias de hoje * ."f t4 educa, ção dos gestos. É o aperfeiçoamento - I
com mais afinco, ela é !ainda mais a sério, é debate inter- Oto -naturais. E uma aplicação de movimento corge
tWiliii!".- . . .
niipional que pode ajudar hontem, a humanidade atual-
mente'. .. -g o orá de educar • rido -sõ -fisicamente mas no ',az
- ,..4otadiducaç5o do movimento) — afeta os fatores „,..;
'Educação Física: ¡Ws* dizer que é uma união de calágicos, social, eiC.".
pessoas e povos onde -Ocorre competição onde aparece
niternrje. 1• 1 Observação dolduno: "m educação fisica não e .6 movimento".
52

"Educação Física na minha opinião seria a Educa-
ção dos movimentos para que se produza ou melhor se "Educação Física é você como professor saber edu-
desenvolva exercícios corretos para que não se execute car o físico de zuna pessoa".
os movimentos errados".
"Educação Fisica é mais do que aquela imagem de
"A Educação Física não desempenha um professor de Colégio. Ela não só tem a finalidade tle
um papel exclu-
que as pessoas façam esportes e sim que todas .se cons-
sivo de educar o físico, como o nome sugere, mas sim de
cientizem da necessidade da prática esportiva".
auxiliar a educação em todas os níveis preparando
aluno para a vida em sociedade". "Educação Física é realmente uma forma de educar
o físico, bem como educar o indivíduo em todos os aspec-
"Educação Física na minha opinião é uma maneira
tos psíquico, social, etc., por intermédio dos meios da
de poder Educar todas as partes do corpo ter um melhor
Educação, e mesmo por intermédio do físico. Pois, nas
entendimento através do movimento, melhorar todas as
aulas de" Educação Física é que encontramos os indiví-
qualidades, desenvolver o sentido de competição, treinar
duos extravazando tudo que precisam, e por conseguinte
para ter uma saúde melhor".
também ajudando na sua saúde".
"É um ramo profissional Esportivo que requer de seu "Educação Física em minha opinião é a Educação do
educador qualidades e aptidões física, para que o mesmo movimento: o Prof. tem que saber educar o movimento
tenha condição de assumi-la e transmiti-la com segurança dos alunos, pois o mesmo são leigos dentro da técnica
ou clareza. Ou pelo menos não ser praticante da área aprerdido e com boa didática".
esportiva mas saber transmitir seus fundamentos, diante
dos seus alunos". "Educação Física é um dos cursos mais importantes,
• pois ele nos mostra como podemos cuidar um pouco mais
"Não é só a educação dos movimentos ou a arte de e da nona saúde, do nosso corpo e do nosso espírito, é
educar os movimentos. Mas trunbém educar — social. um curso que abre a mente de todos e muito proveitoso
mente, mentalmente ou psicologicamente tentando fazer para:mure .
com que todas pessoas vivam bem ou se sintam bem "A a educação pelo movimento, pois o homem
fisicamente, É a arte de educar o Físico". só educação por outros fatores mas o ntovimen
N

"Eu acho que a Educeglo Física é uma disciplina corá_ qui ele- também se eduque nos aspectos
onde o indivíduo tem a psiixagicai" •
de praticar esportes
e
corretamente, fazer gituístiCati; atletismo para uns bom
:
condicionamento físico e m iitdesenvolvimento da
entender, Educação Físico é um ato=da: c;
cle
_,rattlt,O-tnats. complexo. do -que inmginom Os 1.14.10£
saúde?. kiftE*21, itliProptiedãde de educar o intelecto do inditri- >:'

"Educação Física co Ü'noJnfld diz é a educação do 4‘.-. 44y4.t. da trabalho física recreativo e conrpetitfro.
físico, há Onde (4* fortizidaridei Universidade educa- proPidendo- - o melhores Condições de partfeiptção urna
dores físicás, liaurriiiir" aos seus futuros edu- Ciedirde,lEducar alguérri através do físico é ensinarlhe a
candos tudo aquilo sobre todos os Esportes, modalida- conhecer-se, conhecimento este que lhe propiciam( uma
des, regras, etc. Nunca tsquecer que-és itin 'educador". ...autorntima --que será- o complemento -para stilidificaçãO
• /los seus valores físicos, pstquieets e sociais".
54
cs
"bla, minIta opinião a Educação Física é uma prepa- "E a atividade que trabalha cri prol da saúde dos
ração de além do físico e da mente também do espírito, indivíduos, ajudando-os não só esteticamente como tan,
de jovens, velhos adultos e crianças que possam nos inte- bém é um meio de lazer para crianças, adultos e idoso
ressar, também é um meio de levar um pouco de bem Qual o ser humano hoje em dia que não pratica algur
estar e alegria à outros seres humanos". esporte, mesmo o Cooper que se tornou tão COMUM"
Todo indivíduo necessita praticar algum esporte, pai -
"E educar o físico visando saúde e bem estar".
que esteja sempre em forma, sempre de bom humor, po
"Educação Física é educar pelo movimento, usar o ela influência também psicologicamente".
corpo para adquirir, transmitir, uma educação melhor, e
"Educar o corpo e . ainzertte. Dar maior saúde ao fi
manter uma boa saúde física". o co e ao bem estar geral".
"Educação Física para mim é fazer dela um trabalho
consciente, proporcionando aos meus alunos todo tipo de "Educar o físico parçz qualquer atividade física".
atividade; para isso é preciso estar sempre atualizando "É a boa maneira para sairmos do sedentarisn
meus conhecimentos, praticando, aprendendo e buscando Essencialmente vital para nossa saúde, dando nos bo-
cada vez mais minha realização pessoal. Para isso sei que habitos á Serem desenvolvidos. É de grande importélitc-:
tenho muitas barreiras ainda a enfrentar. 'Mas querer é para aliviar as tensões do dia a dia e nos ajudando assi-,
poder'". a prolongarmos ou envelhecermos mais difícil".
'E fundamental para a construção do indivíduo, "É o desenvolvimento físico, mental, psíquico e
agindo sobre ele não apenas no aspecto físico, mas sim, rdter de um indivíduo; e que os professores dão para
servindo 4 base e de acabamento em seu todo". maior desenvolvimento do indivíduo".
"Edne-flçan Física é PelUrOr através dos movimen-
'• "Educar os movimentos, através do conItecinzei
tos. Dá ao a, um preparo físico. Auxilia o jà no seu
adquirido, procurar corrigir os movimentos da mel!'
maneira possível, para evitar acidentes, e desvio de pez-
•"Seria a educação através do mOvimento, desenvol- drão da educação física, evitando p. lordose,
vendo todas as qualidades físicas necessárias ao rendi- etc. Assim sendá nada mais é de que ensinar e procw
mento e a saúde do indiatittio".
com os Seres &manos".
E a educação geral através do movimento".
'11 a educação através do movimento, dando ao t
'A nível educacional a erlitnição física funciona como no owittelhor favorecendo-lhes fatores, não só fisiok
um meio para se atingir O fim último que é a educação cos, çang0 também biológicos, psicológicos e morais"
integral (física, espiritual, 4.414 mensal, psicológica) do
aluno. Deve ser usadaite[initneka a levar o aluno a de- car O. físico (e a mente), não podemos nos
seni7Olverese integralritente como meio da Edu- UTriiit:Waiiiruis
. . a educar e desenvolver o indivíduo apet
cação» A nível- de. aprimqrainqqo técnico, considero-a ffficanwitte temos também que educar a mente de.te
conto uma maneira 55141/já Ide rninistrar as mais 4lin1ii4ue nos chegam em pleno período de transie-.4
variadas técnicas visandriímazs perfeito aprimoramento _fido existe 36 o corpo, temos também a raheça, céreh .
físico, tático e técnico do atleta". 'Os movimentos não podem ser mecânicos, sem vida

56
hd um' motivo para fazer o que esta fazendo, e eles de-
vem saber o que estão fazendo e porque. O que o esporte regiões durante os Cursos, Encontros e Congressos c, final-
pode fazer para ajudá-los a viver melhor e mais produ- mente, naquilo que se observa nas atividades práticas, torna-
tivamente". se possível inferir sobre o que os profissionais pretendem
alcançar com o seu trabalho e como surgem os equívocos cm
Os autores destas frases são, conjuntamente com a quase torno do sentido verdadeiramente educativo desta disciplina. .
totalidade dos estudantes de nosso país, nada mais do que
Se, como vimos, definir a Educação Física parece ao estu-
vítimas de urna estrutura fossilizada e Perversa de ensino que dante uma tarefa tão complicada, isto talvez seja um sinal
pouco se preocupa com uma verdadeira educação que crie indicativo de que os próprios professores e demais técnicos
condições para que o aluno se torne sujeito de sua própria especializados também não tenham deixado muito clara a no-
história; ao contrário, o que faz é promover urna instrução ção de seu significado. Nada é mais revelador da carência de
que leva suas vítimas, na melhor, das hipóteses, a uma produ-
tividade alienante... reflexão e fundamentação. nesta atividade profissional do que
,.• •.• tentar posicionar os papéis da Educação Física, ou seja, situar
Mas, apesar de tudo, fiquemos tainda• com a esperança os seus propósitos.
externada por ttra desses alunos que, na simplicidade de suas Toda manifestação humana é movida por valetes que de-
palavras, não deixa de demonstrar uma certa frustração com terminam certos ideais, certas finalidades e certos objetivos.
aquilo que a Escola lhe proporcionou:.
'A Edurnção Física é Evidentemente, esses valores são culturalmente moldados e
um artifício não muito bem• utilizado por,
todos nós profes- se modificam de acordo com as variáveis que o momento
sores, futuros professores e mesmo pais è demais pessoas. histórico lhes impõe. É neste contexto que os objetivos da
Apesar disso, acredito no valor da Educação Física como Lr:
meio muito bom de desenvolvimento físico e mental, que auxi- Educação Física tem variado em gênero e número através dos
tempos. Na. época do Império, por exemplo, a nossa educação
lia no desenvolvimento total do homem... Só que para auxi-
era 'nitidamente dividida em uma educação intelectual, outra
liar nós precisamos melhorar muito o-nosso preparo. Espero
que consigamos'. moral e, outra física, que correspondiam respectivamente às
dimensões da mente, do espirito e do corpo. A Educação
Física daquele tempo tinha como pra:WM:1800 básica melho-
6. A Educação Física Mente rar o nível de saúde e higiene da população escolar. Conside-
rar, de foínitt-Idéiatica,. que a aqúlii4O e manutenção da
Embora pectisoa'restritas cornoMnegocabamos de ver saúde demitia de ptieceitos de higiene que incluam algpipite
nos déem alippps Pistas. ientRs sessões senti:inala-de ginástica Seja ainda hoje a grande natio
e t
Insuficientes gurs-S ecerdoser da Educação: Flitieta' 'significa estar „atrasado um século.; NI
ProJe nessi
elas
o.
"fie"' • tarangfil

nal de Educação ruam Sua clencitiaProliredIiitiii; e tão- podemos desprezar este PI
em todas as mrte,—...„.4,
tuas1 exisáreas de 3

atuação e diante de todas as hiios~las


.„». eig Boja part~tun' cabedal de conhecimentos muito malva-
nosso vasto neste do que o de 4P6cat Passadas e, portanto, as noções em In?
pais...Entretanto?, , que
pesquisas
amplas, baseindri-iOs iextos das leis e decretos dos mesmos 'fen6inencis eVoluiratit consideravelmente. Torpe-
regu-
livros e revistas mos como exemplo o termo saúde. O que as ciências revelam
lamentamo setor, nos artigos publicados em
especializados, no parecer dos vários como verdade sobreca •saúde em 1882 rifto passa de superficia-
espodolípiírs de diversas
• lidade, ingenuidade ou mesmo equivoco em 1982. O próprio
58
59
conceito da palavra evoluiu de uma idéia de "ausência de A preocupação fundamental da Educação Física seria ai.
doença" para a de "um estado de completo bem-estar físico, nas com um bem-estar físico? Se a resposta for negativa, qt
mental e social" ("). é o exato significado de um bem-estar mental e social? C •
estado de completo bem-estar social é estar de pleno acortn
Este aspecto da evolução do conhecimento, entretanto, com as regras que a sociedade nos impõe?
não é o único a ser incluído em urna análise da situação da
Educação Física modernamente. A grande falha da Escola Contestar uma sociedade doente como a nossa não seu.:
como instituição oficial não está só naquilo que eia se propõe por acaso uma atitude profundamente saudável? Sc conk. ,
a ensinar, mas também na irresponsabilidade e descompro- ciarmos os valores vigentes não seremos taxados de desci
naisso com que os estudantes aprendem efetivamente. Se librados, ou mesmo loucos 9u alienados? O que é, na verclts.
verificarmos a gama de objetivos que são colocados oficial- ser alienado? São perguntas que deyern ser respondidas cnc
mente nos currículos, nas leis e decretos que regulam a Edu- cemente por todos aqueles que estão a procura de um
cação e a Educação Física, nos livros didáticos, nos estatutos, educativo autenticamente democrático, libertador e, portai
nos programas de ensino, veremos que, na prática, muita coisa humano.
simplesmente não acontece. Há uma distância quilométrica Enquanto não se repensar com mais clareza e profur tS
que separa os objetivos estabelecidos para a Educação Física dade as situações como estas da vida estudantil braillen
daquilo que realmente é assimilado pela maioria dos profes- com todas as suas Variáveis de caráter sócio-político-eco-4
sores e, na sequência, pela guise totalidade dos estudantes. mico e cultural em que se processa o aprendizado com sen
Por outro lado, não resta a menor dúvida de que existe uma educativo, sua pobreza estará seguramente garantida.
enorme defasagem entre o discurso e a ação. Como foi citado Não resta a menor dúvida que a Educação Física es
na introdução, nem sempre estamos entendendo aquilo que sempre envolvida em lamentáveis equívocos enquanto -
estamos fazendo. Logo, as ciências podem ter progredido rftsneitar o momento histórico-evolutivo por que passam
substanciahnente como de fato progrediram em vários setores, sociedade e as pessoas que a compõem. Esta disciplina -A
mas as nossas ações podem ainda estar apoiadas ou influên- pode continuar desprezando o atual conhecimento eludia
ciadas por proposiçh'es de décadas atrás e quando não, apoia- não pode continuar pregando postulados que por venturr
das em modernismos que pouco acrescentam ao desenvolvi- nham si& verdades outrora mas que hoje não passam 4
mento integral do homem. -- - estreitas Visáen clã que sejam o homem e Sul educação.
Retomemos mais uma vez o termo "saúde", tão utilizado E não se trata aqui de minimizar ou mesmo ridiculann
como expressão ligada aos objetivos da Educação Física. os personagens e pioneiros que, no passado, trabalharas.
Mesmo considerando o moderno . conceito de "um estado de lutaram pela ginástica, pelo esporte ou pela Educação E
completo bem-estar físico, mental e social*, este seu sentido e, datunaterma mais ampla, por unwt cultura física. Se,
podo Mo estar contribuindo em nada pára um ato educativo exiettípi&S.Henilli Ling possila uma visão acentuadanr
mais efidii. Se algo não se prgeess_ayint. consciência do pro- anat~"iiieriviiiiento do liOm — cm isto não quer dizer ró
fessor adi; aluno, tal concebe tizientinuárá tão vago quanto sita-engilição- innInt sido pouco relevante Fira (1/MI2%i
qualquer nutro de épocas interie.trea,4 preciso, antes de mais da, fia o-PUIS em lodo ó mamilo ocidental. Este int
nada, que se entenda visteralmesite o que é este estado de com- sutce foi dê fato um dos decisivos precursores de a t.
pleto bem-estar físico, mentate social. caçãõ Física realmente cientifica, preocupada em amplhr
possibilidades da atividade física e educativa de sua época. tuir num objeto especifico da Educação Física enquanto unia
Como igualmente importante foi o papel do pedagogo inglês ciência do movimento. Só entendo o corpo na posse de todas
Thomas Arnold, ou do francês Pierre de Coubertin para o as suas dimensões. Diante de todas as suas potencialidades
desenvolvimento do esporte como fenômeno educativo e cul- é que o profissional da Educação Física poderá realizar um
tural, apesar das críticas que se possa fazer hoje às posições trabalho efetivamente humanizante. Mesmo no caso do es-
político-sociais de ambos à luz dos conhecimentos atuais. Da porte de alta competição, onde os objetivos se voltam para
mesma forma temos que reconhecer e reverenciar a lucidez de o rendimento e o resultado, a vida mais plena do homem não
um Rui Barbosa que há cem anos atrás, em tom profético pode, em hipótese alguma, ficar comprometida. Qual o sen-
para a época, já defendia a necessidade da atividade física para tido de um esporte que se esqueceu que existe para melhorar
a formação mais plena dó homem brasileiro: "dee dúvida po- a qualidade de vida dos homens, e não para robotizá-la na
derá subsistir de que a vida do cérebro e, conseguintemente, busca obsessiva e indiscriminada do recorde ou do primeiro
a da inteligência tenham como fatores essenciais a vida mus- lugar, transformando-os, às vezes, em monstros humanos?
cular, a vida nervosa e a vida sanguínea, isto é, a regularidade
harmoniosa de todas as funções e a saúde geral de todos os O profissional da Educação Física tem que estar sempre
órgãos do corpo? Quão deplorável não é que verdades desta atento ao seu papel de agente renovador e transformador da
comezinha singeleza sofram ainda contestação entre nós, e por comunidade de onde ele, via-de-regra, se apresenta corno um
homens que figuram nas mais altas eminências do país" (31). lider natural. As pessoas e os grupos sociais — dependendo
da classe a que pertençam — apresentam características espe-
Cada época deve ser analisada pela ótica da realidade que ciais de comportamento, interesses e aspirações que os deter-
a circunscreve e não faz sentido a aplicação de princípios minam ou condicionam. A superação dos estágios mais bai-
antes 'prevalentes mas que atualmente se mostram superados xos existentes não ocorre espontaneamente, conforme exami-
pelos novos conhecimentos estabelecidos. Nas ciências não namos no Capitulo I. As consciências precisam ser agitadas e
existem verdades eternas. Tudo ocorre de maneira dinâmica, estimuladas no sentido de uma ampliação de suas possibili-
e é assim que a Educitção, Física deve evoluir, enriquecida
dades. E isto a Educação Física não tem levado em consi-
constantemente por elementos mais significativos ao cresci- deração. O seu papel tem sido muito mais o de urna &mina-
mento humano. Basta apenas_ que não nos percamos na ex- ação, reforçando as consciências intransitivas c ingênuas, do
tensão das particularidades, deixando escapar gradativamente que de unia superação (libertação) das limitações e bloqueios
a compreensão da totalidade em que os fenarnenos acontecem. com os quais estamos envolvidos em termos de pensamento,
sentimento e movimento.
Entendo que a Educação Física deve ocupar-se do corpo r*:
e seus movimentos voltados paíra a ampliação constante das Enquanto as Escolas de Educação Física não stLeGnvence-
possibilidades concretas dos Seres humanos, ajudando-os rem de que, á par das informações técnicas dad
assim na -sua realização mais plena e autêntica. Claro que tal . SCUS
alunos, devem dar a eles subsídios - que os erisinznY viver
finalidade educativa torna-se inviávl Sé reduzirmos o corpo a mais plenamente, dentro de todas as suas ditnensõessintelisk
uma de suas dimensões apenas_tomo
. também terá extrema- tuais,'Sen.:til- is, afetivas, gestuais e expressivas, tittri; Senb,
mente difícil alcançar este propósito se separarmos os aspec- inautênticas, pobres e insignificantes no sentido de usittiovitp
tos físico, mental, espiritual e'emocional do homem e não os vidas mais cheias de vida. .r .t
percebemos dentro de sua unidade e totalidade. Acredito que Enquanto os profissionais da Educação Física Mio abri-
somente de uma maneira integral o corpo poderá se consti- rem os olhos procurando penetrar em sua realidade cle forma
62
63
concreta através da reflexão critica e da ação, não serão
capazes de promover conscientemente o homem a níveis mais
altos de vida, contribuindo assim com sua parcela para a
realização da sociedade e das pessoas em busca de sua pró-
pria felicidade. . . . e de repente, naquele simples aperto de
Toda ação que nos faça distanciar destes propósitos esta-
mãos, na troca reciproca de uma espécie de
rá desservindo ao homem e diminuindo-o. Uma Educação Físi-
ca preocupada exclusivamente com seus objetivos particulares energia que fluía naturalmente entre dei:-
consequentemente, desvinculada de suas finalidades mais
gerais, não pode estar' atendendo às nossas necessidades mais corpos humanos, percebi enfim o que signift
caras. Uma Educação Física assim delineada estará procuran. cava SER, que os dicionários de filosofia —
do cuidar de um corpo isento de suas totais significações e,
portanto, mentindo ao homem integral. Esta sua ação no plano excessivamente preocupados com as palavra
educacional — entendido em toda a sua extensão — tal qual -- e os falsos filósofos — descompromissadoo
a Educação Física vem se desenvolvendo, constitui-se por
assim dinr, numa verdadeira mentira. com a vida — jamais conseguiram me explicar.,
com clareza.

. . . Fixar-se apenas nos valores do SER. en


.tretanto, pode ser nada além do que um
inculcagão a mais no sentido de se preservar
miséria e o desnível sócial existente nos pai:J.6_
subdesenvolvidos. Eu só posso começar a SEL..
na medida que também posso TER um mi-
.- 'Mino para viver — ou sobreviver -- com diç
itickide humana.

64
CAPITULO III

UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A


o EDUCAÇÃO FISICA

1. Não apenas Pensar, mas Pensar: a Relação Teoria/Prática

Se concordarmos que a diferença básica entre os seres


humanos e os outros seres vivos conhecidos se prende às
possibilidades de suas consciências, fica claro que toda ativi-
dade será mais ou menos humana na medida que vincula ou
desvincula a ação à reflexão. Só ao humano é permitida a per-
cepção de si mesmo, dos outros, dos seus próprios atos, do
mundo e de toda uma realidade que o caracteriza, ao mesmo
tempo que pode ser modificada artificial e intensionalmente
por ele.
., • Mas apesar de toda a modificação a que temos submetido
• a natureza, através do progresso cientifico c tecnológico carpe-
teristico desta era industrial, têm sido poucos aqueles que
conseguem ascender- a uma consciência que supere o senso
comum e mesmo uma consciência filosófica idealista — am-
bos prevalentes entre nós — passando a atuar mais p ena-
mente como senhores de suas vidas e contribuindo p a
formação de novos valores culturais. Pelo contrário, há=
até acreditam ser isto absolutamente impossível, afi •é
que os nossos condicionamentos não podem ser alterado.
que haja antes uma mudança radical de fatores "allt
nossa vontade": São Justamente posturas como esta ---
çadas por uma ideologia-que até certo ponto orienta aç rnverts
ações — que nosimpedem de sair da superfície alicnante o es-
tagnada na qual conduzimonos.sa existência. Assim o homem
é levado a acreditar em sua completa impotência no sentido de
•41 alterar significativamente o curso de sua própria história. São

674
também estas consciências que tlicotomizam de maneira es- tanto mais seremos capazes de transformar esta mesma reali-
tanque as relações entre teoria e prática. Não conseguem per- dade. A superação de uma consciência comum, couve! tendo-a
ceber a importância do processo de reflexão em comunhão em uma consciência filosófica '"' cada vez mais critica e, por-
com as nossas ações. tanto apta à transformação, implica necessariamente em se
Delimitando nossa área de análise à realidade brasileira, perceber, implícita ou explicitamente, que as relações entre
podemos dizer que, no caso da Educação Física, esta tem sido nossas ações e reflexões são fenômenos que se completam e
incapaz de justificar a si mesma, quer como disciplina formal que, embora possam ser consideradas de maneira distintas.
e predominantemente educativa, quer como atividade que auxi- não se excluem. E no equilíbrio desta unidade fundamental
lie alguns aspectos do desenvolvimento humano fora da esco- que o ser humano pode ascender a níveis superiores de
la e, em especial, no esporte de alta competição ou de rendi- consciência, permitindo alirpentar não apenas os seus poderes
mento. Isto se deve preponderantemente à falta de disposição de imitação, estes característicos também aos animais em
critica que tem caracterizado este campo específico do conhe- graus difeitntes, mas essencialmente tornando-o um ser capaz
cimento. Muito pouco se tem refletido — pelo menos de ma- de fazer cultura,, ou seja, capaz de criar; criar objetos, situa-
neira séria e profunda — sobre o real significado de uma cul- ções, valores. E é este poder de criação e a capacidade de
tura do corpo que fundamente a Educação Física, propiciando questionar o seu valor que se constitui na marca "registrada"
por parte de seus profissionais uma atuação coletiva mais da espécie humana.
comprometida com um real estado de bem-estar físico, men-
Reforçando e completando estas idéias, parece-me opor-
tal e social de toda a comunidade nacional, e não apenas da
tuno citar aqui alguns trechos do texto "O QUE E TEORIA".
parcela privilegiada representante de uma minoria.
de Otaviano Pereira, onde o autor nos demonstra, entre outra
Evidentemente, a tarefa do nosso profissional da Educação coisas, o significado da palavra PRAXIS (conceito que no ser
Física em sua função básica como agente renovador e trans- sentido moderno evoluiu justamente da compreensão desta
formador da cultura subdesenvolvida em que vive só será pos- unidade existente na relação entre teoria e prática):
sível de se concretizar por intermédio de uma prática. Somen-
e te as nossas ações é que poderão efetivar mudanças numa " ... não podemos esquecer que esta relação implica numa
determinada situação. Aliás, seja qual for a área de atuação, fundamental dependência da teoria com referência à prática.
nada acontecerá de fato à realidade existente se não houver Uma dependência de fundamentação, já que a elaboração d
uma prática dinamizando - esta mesma realidade. Contudo, teoria não 'pode dar-se fora do horizonte da prática. Só a prf
qualquer prática humana, sem uma teoria que lhe dê suporte, tica é fundamento da teoria ou seu pressuposto. Em que sen-
torna-se uma atitude tãO estéril (apenas imitativa) quanto tido? No, sentido de que o homem não teoriza no vazio, fora
uma teoria distante de uma prática que et.sustente. da relação-de transformação tanto da natureza do mundo (eu.
Mas para que serve à Ediimição Física nacional uma dis- turalisiitial) • &mio, conseqüentemente, de si mesmo. E a lei
cussão desta natureza? Acredito peeli‘ilmente que ela seja 'ria que-.0.40.-88-énrafra neste pressuposto não é teoria porqu
ponto deérsivO para a elaboração de tonis:inetodologia que con- permatianti horizonte da abstração, da eunielurn, porque-
duza, de tima forma mais ou menta 52a e organizada, qual- não aseerda nível de ação. Pcir .conseguinte, não permitia
quer processo de alteração dos valoria.áóélo-culturais vigentes, ao hoMiniiainçar em direção à práxis. Práxis entendida com.
para outros mais compatíveis ceifei- obenvolvimento das po- o corintinerito da relação teoria/prática e corno questão eni
tencialidades humanas. Claro que quanto mais as nossas cons- nentemenie humana. O animal absolutamente não pode ser
ciências captarem a realidade, ou seja, descobrirem a verdade,
ser da práxis."
68
E Otaviano continua em sua exposição: " .. é no fazer Seus currículos não se preocupam em fundamentar esta impor-
que (o homem) se faz constantemente, e nesta relação entre tante área do conhecimento humano, dando-lhe uma base
fazer e fazer-se ele cresce e se 'define' como homem. O que teórica mais sólida. Mais do que nunca se tem reforçado a
implica dizer: como ser da ação (da práxis), da cultura e do idéia de ser ela uma disciplina exclusivamente prática, sem
discurso (da teoria, da 'meditação'), num dinamismo sem maiores necessidades de reflexões que questionem o valor de
precedentes, numa definição aberta, 'problemática', e não aca- suas atividades para a formação integral da mulher e dc ho-
bada. Af acontece uma mútua dependência: se por um lado o mem brasileiro. Por outro lado, nossa Educação Física não
homem só se faz à medida que faz (ação.prática), por outro conseguiu ainda desatrelar-se da ginástica com espírito militaOsta
lado ela só faz (como ação consciente)'à medida que se faz. que norteia sua prática, daquela prática do "1, 2, 3, 4" mecâ-
E perigoso entendermos só o primeiro lado desta relação. nico, domesticador e autoritário. Embora esta relação com
Determinado concretamente pela ação prática, o homem, é a caserna seja explicada historicamente, e sem querer menos-
agente e paciente do processo. Não há como os resultados de prezar a importância da influência militar na institucionali-
sua ação não recairem sobre si mesmo." (84) E arremata dizen- zação desta disciplina, não só em nosso país, como em muitos
do: " ... Com isto finalmente, fica-nos fácil definir a práxis. outros: e mesmo sem deixar de reverenciar os inúmeros mi-
O que é práxis? Não sendo prática pura é a prática objetivada litares que dedicaram parte de suas vidas à causa da Educa-
(individual e socialmente) pela teoria. É a prática aprofun- ção Física — a verdade é que atualmente, numa concepção
dada por esta 'meditação' ou reflexão que não deve ser solta, moderna e revolucionária da educação, esta influência tem
mesmo na consciência da relativa autonomia da teoria, na desempenhado um papel anestesiante se considerarmos a meta
capacidade do ato teórico em antecipar idealmente a prática libertadora de uma Educação Física voltada. para as contra-
como objetivo da mesma. A práxis, enfim, é a ação com sen- dições e desníveis econômicos e sociais num país de 3, mundo.
tido humano. E a ação projetada, refletida, consciente, trans-
formadora do natural, do humano e tio social: (") O que tem sido preservado com muita eficiência é um
determinado conjunto de atividades (conteúdo) que' talvez
Isto posto, voltemos à análise de noisa realidade subde- atenda aos fins utilitaristas e funcionalistas de todo um dis-
senvolvida. Conforme já tive a oportunidade de comentar no tem, mas que pouco ou nada tem contribuído para as fina-
segundo capítulo, em função do aumento (quantitativo) indis- lidades de uma autêntica educação brasileira.
criminado de escolas de nível superior an nosso país a partir
da segunda metade da década de 60, sem maiores preocupa- Ainda que seja incontestável um certo desprezo da cons-
ções com os aspectos qualitativos de uma formação profissio- ciência comuna pela reflexão ou pela formulação teúriCa, con-
forme nos- aflija A. S. Vasquez em sua Filosofia da ~xis ".
nal mais humana do estudantelibrasiteiro, encontramo-nos também pari* que este desprezo chega às vias de ar, " !mal":
hoje numa_ situação bastante delkasla.$ sentido de viabilizar dade em algOns.. setores - da atividade supostamente ,Numani..
um projeto de- ensino que prov9tá..3Ssfveis modificações Esta atingle,a4:baseia no fato desta, pessoas vcrenv asativi-
educacionais e sociais a curto `p dadc prática mo uzq.. simples dado que não exigtk maiores,:
Foi neste cenário que a E4iyr,2são Física cresceu nos últi- explicaçôça,:êlão sentem necessidade dc rasgar a Tina de.
mos 15 anos. Hoje temos ern.tOdo o Brasil dezenas e dezenas precotnCé.itos; hábitos mentais e lugares-comuns na al pro-
de Escolas Superiores de Educação Física, em sua grande maio- jetam seus aios práticos? in)
ria despreparadas para formar profissionais competentes, ca- Neste sentido não é exagero concluir que estames-diante
pazes de perceber claramente as finalidades de suas tarefas. de uma Educação Física quase acéfala, divorciada quê tstá
• „
de um referencial teórico que lhe dê suporte enquanto ativi- E quando digo que a Educação Física não é capaz de jus-
dade essencialmente — mas não exclusivamente — prática. tificar a si mesma, ou que não é capaz de encontrar a sua
própria identidade, isto na verdade quer dizei que os seus
Sob este prisma, se torna fundamental que todos os envol- profissionais não são capazes de justifica-la ou de dar uma
vidos na causa da Educação Física nacional pensem e repen- identidade a ela (e por conseqüência não conseguem defini-la
sem constantemente as suas bases filosóficas, buscando resga-
satisfatoriamente). Trocando em miúdos: quem faz a Educa-
tar a essência do ato verdadeiramente humano e para que,
ção Física são as pessoas nela envolvidas de unia forma ou de
dentro de nossa realidade, possamos encontrar novos cami-
nhos, fatalmente diferentes daqueles trilhados até aqui. outra. Assim, as finalidades, os objetivos, os conteúdos, os
métodos e o próprio conceito desta disciplina são condicio-
nados pelo grau de consciência individual e coletiva dos que
trabalham nesta área da atividade humana. Portanto, em fun-
2. Três Concepções de Educação Física
ção das diferentes visões de homem e de mundo que porven-
tura possamos ter, diferentes serão as nossas concepções a
Ao se falar em renovação e transformação, algumas ques-
seu respeito.
tões devem ser colocadas: Renovar o quê? Transformar o
quê?- Ou mais: Como renovar? Como transformar? Para que É também verdade que determinada concepção, por mait
renovar? Pará que transformar? brilhante que possa parecer, não é suficiente para garantir
el• uma atuação igualmente brilhante por parte daqueles defen-
Circunscrevendo estas indagações à nossa área de concen- sores de tal concepção, se faltar autenticidade na concretiza
tração,perguntariamos: O que deve ser renovado ou transfor- ção do processo. Um professor, por exemplo, precisa se cora
mado na Educação Física? Como renovar ou transformar a prometer com a sua visão educacional para poder desenvolver
Educação Fisica? E para que renová-la ou transformá-la? o seu trabalho eficientemente, contribuindo com o crescimente
Sem dúvida alguma, estas são questões que, para serem de seus alunos. Neste sentido limitado vale mais até aquel
e
respondidas adequadamente necessitam de um embasamento mestre tradicional gue se utiliza de métodos considerado
filosófico critico. Entendendo-se Fliosofia como a reflexão ultrapassados mas vocacionado para a sua missão do qt7-
radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a reali- aquele que, embora usando técnicas modernas de ensino, não
dade nos apresenta lu), poder-se-ia dizer que estas questões sabe ao-Cerni o que está fazendo.
supra colocadas, para terem um cunho critico filosófico, re- Este, não se comprometendo com o que faz, não exala à
querem uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os energia necessária ao seu relacionamento com os alunos e ck
problemas que afetam a realidade :da Edueação Física. É jus- mais pessoas qae participam indiretamente do ato edil...mixt(
tamente desta consciência filosófiCat CritiCa que a Educação Poresteradocfnio, qualquer atividade pode perder ou wirehr
Física está a carecer. E tanto itattior,441 seu valor quanto em- valeeffependendo da atitude que temos ou tomamos aõ
mais se aproximar deste tipo OaTieitiAfelia. O certo é que a reali*lat4.Cenjunto de atitudes que tornamos caracteriza
Educação:410a não sairá de:itiat s44icialidade enquanto nossa' -E esta postura isó é„válida quando implic
não se posicionar criticainertiein:Wtiaci. aos seus valores, em as.ii¡e-áitiíritiquondssos (e não apenas em "assumir" cern,-
ou em outras palavras, não se 4tieitiiitil'-quanto ao real valor
de sua prática para as pessoas e pàà a comunidade a que Urna -análise criteriosa das variadas concepções da Edt,-
serve. cação:Fisica deve, envolver, evidentemente, o contexto bisa,-
..
72
rico-cultural (sócio-político-econômico) onde se insere a cul- pério Romano, foi desprezada na Idade Média, ressurgiu no
tura do corpo e a própria Educação Física. Uma tal análise Renascimento e adquiriu contornos característicos a partir
também não pode deixar de levar em conta que os seres hu- da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, cm face,
manos, apesar de guardarem certas semelhanças fundamen- entre outros aspectos, de um considerável desenvolvimento
tais entre si, são muito diferentes uns dos outros. Nas pala- científico. A partir do século passado, com a ascensão da bur-
vras de Oswaldo Porchat Pereira, "eles são diferentes fisica- guesia, é cristalizada uma nova ordem social e sedimentada
mente, economicamente, culturalmente, moralmente." Podem toda uma nova escala de valores que, calçada na ideologia
ser mais ou menos fortes ou fracos, ,ricos ou pobres, explora- burguesa, determina e condiciona a culatra do corpo nesta
dores ou explorados, ativos ou ociosos, cultos ou ignorantes, nossa era tecnológica. Mas a par de tOdo o progresso cienti-
inteligentes ou medíocres, honestos ou perversos. Possuem fico (e pedagógico) que a cultura ocidental alcançou recente-
valores comuns, mas possuem também valores que diferem de mente, não se pode afirmar em absoluto que a nossa Edu-
um para outro indivíduo, de um para outro grupo social. cação Física seja hoje, na prática, superior a de décadas
Assim é que podemos encontrar em nossa sociedade os mais passadas. Igualmente não podemos assegurar que toda a evo-
variados pontos de vista, opiniões, crenças, doutrinas ("). Cada lução do conhecimento do homem tenha sido suficiente por
pessoa percebe o mundo, os outros e a si mesmo, à sua ma- si só para permitir que obtivéssemos benefícios diretamente
neira, e, embora condicionada e determinada pela cultura em
proporcionais no que se refere à promoção humana. Ninguém
que vive, age basicamente de acordo com a sua consciência.
pode afirmar que os professores de Educação Física de hoje
De outra parte, a experiência humana — principalmente são melhores que os do passado simplesmente porque agora
a dos povos subdesenvolvidos — tem-se caracterizado exage- se sabe mais do que antigamente. Mesmo a nível de rendimen-
radamente em favor do sofrimento, da violência, da explora- to ou competição, apesar do fantástico crescimento das cha-
ção, da opressão e da repressão. Estes fatos têm provocado madas Ciências do esporte, contam-se nos dedos os especialis-
uma situação na qual se toma Men o aparecimento de con- tas efetivamente capazes de acompanhar :todo este desenvol-
cepções (de Educação Física, de Educação e da própria vida) vimento, colocando-o, de maneira adecluada, a serviço de seus
mais autênticas, porque sempre. envolvidas por ideologias atletas. Embora estas ciências tenham evoluído a níveis nunca
cujos interesses estão, via-do-1 era,em defesa de uma hegemo-
antes igualados em termos de rendimento (performance),
nia, vale dizer, de uma minoria privilegiada, e em detrimento
creio ser válido questionar se todo este "progresso" tem com
de uma considerável maioria submetida e com escassas opções
existenciais. tribuído de fato para o verdadeiro progresso humano, na
medida que ele estiver condicionado por elementos . que o
Por estas constatações podemos concluir que a evolução torna mardestação alienante ou dirigida para o interesse de
da Educação Física não depende tão omente da evolução uma pequene:"casta" social. O que se vê, hoje em cilã, é que.
1
natural, objetiva e neutra que as- derreias; que lhe dão suporte, na bitiCieintliScriMiOada - do recorde, do primeiro ,loww, dá
alcançam com o passar do tempo. Está me parece urna visão vitóni, je 'Vezes ganhamos a competição e perder/em a vicei,
muito simplista do problema Fft .qtrestão, e que tem influen- (querfflçaijíj.geórre de perdermos os dois), po . ii"attafamos
ciado negativamente e Educação 'e a Educação Física. Se as manifestações mais sinceras de respeito aos riosarraçoncer.
fizermos- um rápido reboam:ao histórico da cultura do corpo rentes, amor pelas pessoas, solidariedade entre osAtomens.
através dos séculos, Veremos que, a grosso modo, ela foi justiça social- pare todos, crença no ser humano e c7:7**romis,
enaltecida na Grécia Antiga decaiu com a decadência do Im- so com a vida; em sua mais pura acepção.
14

1

Para se perceber a distância entre o conhecimento "co- Não é preciso muita reflexão para se perceber que a busca
nhecido" atualmente e o conhecimento "praticado", basta com- destes objetivos não se tem constituído em prioridades para
parar alguns dos objetivos gerais de nossa Educação, trans- a Educação ou para a Educação Física brasileira. Na verdade,
critos nas leis que norteiam a Política Educacional Brasilefra, esta busca muitas vezes nem existe. Não há empenho sério,
com aquilo que concretamente ocorre nas instituições ditas ou melhor, não há compromisso das instituições para que tais
educacionais. Mesmo que o Sistema às vezes não possa deixar propósitos sejam de fato atingidos.
de admitir certos princípios, o que se constata é que "na prá- Dentro desse cenário e sob esta ótica, pretendo apresen-
tica a teoria é outra". Isto é, o discurso, muitas vezes é dife- tar suscintamente três concepções fundamentais da Educação
rente da ação. Tomemos corno exemplo a Lei de Diretrizes e Física. Na caracterização de cada uma delas, procurarei rela-
Bases (Lei n.° 4.024 de 20-124l )° que estabelece, entre outros, cioná-las com os Ires níveis de consciência colocados pela
os seguintes Objetivos Gerais da Educação: Teoria Freireana e citados no primeiro capítulo deste ensaio.
Respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do Por se tratar de um estudo exploratório, estou ciente de suas
homem; limitações, principalmente porque na prática os fatos que dão
origem às caracterizações são sempre dinâmicos. Concreta-
Desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua mente, portanto, não há como se separar, de uma forma mais
participação na obra do bem comum; nítida, uma concepção da outra. Entretanto, acredito que a
Condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de tentativa seja válida no seu sentido pedagógico, isto é, na
convicção filosófica, politica ou religiosa, bem como a quais- medida que nos permite compreender melhor a nossa reali-
quer preconceitos de classe ou de raça (Art. 17) ("). dade e, em particular, possibilite que, em trabalhos futuros,
O mesmo se pode dizer de nossa Educação Física em face se trace um perfil mais claro dos profissionais desta área de
do total descompromisso de certos documentos oficiais. O atuação. É muito provável também que a tJaitativa de desvelar
trecho extraído do documento elaborado pela Secretaria de a realidade permita direcionar melhor um projeto de humani-
Educação Física e Desportos , do /VI.E.C.: Diretrizes Gerais para zação autêntica cja Educação Física, à luz dos conhecimentos
a Educação Física/Desportos, 1980/85, em sua página 7, é mais recentes. Por at talvez se perceba que, através de uma
outro exemplo típico: 4.1 1,10 caso brasileiro é preciso realizar participação coletiva, é possível superar certas contradições
uma revolução nos espíritos -e -no-itarti5S, -e- que para isso, a atuais -de.no—ssa-íáciedade., permitindo que um número cada
primeira condição é criar, -ou recriar, uma — concepção sã e vez maior de profissionais substitua sua visão vulgar de corpo,
clara da Educação Física, do Desporto e do Esporte para de homem e de mundo, e adquira uma consciência mais cri-
Todos, baseada em conscientização honestif e atual e derivada tica, único caminho para que aquele projeto de humanização
de uma mudança de comportamento sodate político.' (41) 4" se efetive.•
(9 NOM: Ent um outro eacamento antefiennaiiteeitatto•peto Secretariado
Geral dbatioo Internatiatutle:Dtdatrirffikale, 01140 Porto. a) A Eciusaantica Convencional
guta publicado em separata dó Bolialititnrvohime 44 mimem 1-2,
jan./lini.;1971; Seita 4.! ateomMrióitii-OMItioto "... Porque é
-preckSo realizar urna verdadeira r e-notespiritos e nos factos, con- Est%initileins concepção está apoiada na visão do senso
tra poderes que séo consideráveis (in loolitiats e econômicos, pai- comumrSensticomum aqui entendido como a visão mais cor-
xões Iscais e aleionate..mottoa e báblu,$):::1E-b;•-•no entanto, a verdadeira
finalidade a atingir. A primeira coodiefto- de êxito t criar — ou recriar riqueira: nanica, simplista e vulgar que se faz do ser hu-
— uma concepção sé e citei da Educação Fisica, paia finalmente desen- mano e do mundo De Maneira que ela recebe forte influência
volver uma outra corrente social."
76 77
da tradição e, de certa forma, da pedagogia tradicional. E
já que comumente a orientação é que a mesma atividade deva
com esta pedagogia possui uma visão dualista ou pluralista do
ser realizada identicamente por todos.
homem, e tendo como uma de suas características a produção
de um "espírito" superior, erudito, culturalmente intelectua- O perfil apresentado nos permite concluir que aqueles
lizado, tende a desvalorizar o corpo, ou considerá-lo num pla- que ainda hoje, mesmo diante de toda evolução alcançada
no secundário, embora não admita isto tão explicitamente. pela ciência e pela pedagogia, continuam entendendo a Edu-
Por esta razão, quando trabalha o corpo, faz isto de maneira cação Física através desta concepção convencional, é porque
fragmentada e não se consegue pere.ebê-lo além dos seus limi- possuem um grau de percepção da realidade bastante baixo ao
tes biológicos. Assim é que os profissionais portadores desta qual poderemos chamar de Conscienéla intransitiva; num sen-
tido semelhante àquele dado pelo pedagogo Paulo Freire. Os
concepção se sentem muitas vezes constrangidos ao assumi-
profissionais portadores deste nível de consciência não são
rem o papel de educadores, desvalorizando-se a si próprios e capazes -cle percepções além das que lhes são biologicamente
sendo desvalorizados pela comunidade na qual trabalham. O vitais. Estes profissionais são totalmente envolvidos pelos seus
seu conceito básico é que a Educação Física se constitui numa contextos existenciais ou, em outras palavras, pelo meio em
"educação do físico". Claro está que tuna tal educação é muito que vivem. São objetos, e não sujeitos de sua própria história.
mais um adestramento 'do que educação propriamente dita,
no sentido apresentado no Item 3 do capítulo II. Sua preo-
cupação fundamental é com o biológico, com os aspectos aná-
b) A Educação Física Modernizadora
tomo-fisiológicos. Preocupa-se com os aspectos físicos da saú-
de ou do rendimento motor do homem. Os adeptos desta con- Sem dúvida alguma, esta segunda concepção amplia o
significado da Educação Fisica, distanciando-se daquela visão
cepção definem a Educação Física simplesmente como um con-
junto de conhecimentos e atividades espectlicia que visam o aprimo- mais comum e vulgar estabelPcida pela concepção convencio-
nal e, muitas vezes, opondo-se a pia. Uma diferença radical
ramento físico das pessoas. Os gpectos . psicológicos e sociais entre as duas concepções é que umas considera a Educação
aqui ocupam um papei periférico, secundário ou mesmo irre- Física como a "educação do físico", enquanto que a outra a
levante. Há ainda os que argumentam_que esses aspectos inte- considera como uma "educação_ através do físico". Pelo ângulo
lectuais, morais, espirituais e sociais devam ficar a cargo de da Educação Física Modernizadora, a Ginástica, o Esporte, os
outras instâncias da Educação. Jogos e a própria Dança podem ser meios específicoè da
Historicamente, a Educação Física Convencional se con-
Educação em seu Sentido mais amplo. Contudo, apesakVas
solidou através dos antigos métodos de ginástica (Ling. Ber- diferenças, ela igualinente possui uma visão dualista ou piska-
bere, Jahn, Demeny, Baden Powell, etc.) e_ secundariamente lista do homem. Considera o ser humano como sendo ytEIV-
através de algumas práticas desportiirisé (Kingsley, Arnold. posto por substâncias essencialmente irredutíveis (como)
Coubertin, etc.), a parfir da segizüdTI.ietade do século mente ou espirifeiTodavia, ainda que continue a dar uma
prioridade euriniasnio anátomo-fisiológico, não só na'albor- ;
dageni .deaPelithra -tine leva ao adestramento, como também na
Certas doutrinas natunlistas;:riaél6iálistas e outras de abordagenréa4iónal, esta concepção considera ser seu papel
origem militá. - tiveram influtncia maratnie nesta concepção. atender ai iíecias
- idades psíquicas e/ou espirituais dos indivi-
Este fatO ajiida'n justificar algumas de Mias características, deveu. Além rio:biológico; PrecicUpn-Se . coin o pSlcológico. Entre-
inclusive a de não se respeitar muito as diferenças individuais, tanto, entende a Educação mais a nível individual. As trans-
formações devem ocorrer sempre neste plano. No social, acre- conclusões são simplistas e superficiais. Suas consciências
pautam pela ingenuidade. São, portanto, portadores da Cons-
dita-se que os indivíduos devam moldar-se às funções e exi-
gências que a sociedade lhes impõe. Não faz parte de suas ciência Transitiva Ingênua, conforme nos mostra Paul.) Freire.
preocupações atentar para os aspectos que interferem na Apesar de urna certa evolução em relação à Concepção Con-
transformação social. Desta forma fica patente o incentivo à vencional, não se pode dizer que sejam donos de seu próprio
processo histórico. Na verdade, como ria outra, os adeptos
preservação das relações sociais, deixando-se de perceber o
desta concepção, por possuírem uma consciéncia ingentia. sãc
significado da infra-estrutura estabelecida na determinação do
de certa forma dominados pelo mundo.
'modus vivendi' da comunidade. Qualquer conotação de alte-
ração deste contexto através da Concepção Modemizadora é • 4

quase sempre ingênua. Na verdade, o que ela faz é promover c) A Educação Física Revolucionária
uma falsa democracia, sustentando o privilégio dos que po-
dem, mascarando as desigualdades entre os homens. a concepção mais ampla de todas. Procura interpretar
realidade dinamicamente e dentro de sua totalidade. Nãr
Esta concepção parece ser a mais prevalente entre as pes- considera nenhum fenômeno de uma forma isolada. O ser
soas mais ligadas à área. Basta fazer uma PÉnAlica. da 'pesquisa humano é entendido por meio de todas as suas dimensões, t.
sumariada no item 5 do capitulo II para se constatar a vera- no conjunto de suas relações com os outros e com o mundt
cidade desta afirmação. Quase todas as referencias à-saúde, Está constantemente aberta para as contribuições das dêr
por exemplo, se prendem ao biológico e ao psicológico. Os cias, na medida que o próprio conhecimento humano evolvi
aspectos sociais, quando citados, o são geralmente no sentido como um todo. Procura primar sempre pela autenticidade
de conservação mais ou menos estática diante dos valores coerência, ainda que compreenda as dificuldades inerentes
vigentes. Pela 'Concepção Modernizadora poderíamos dizer, contradições da sociedade.
então, que a Educação Física 6 °disciplina que, através do movi-
mento, cuida do corpo e da mente. Numa definição mais elabo- O puóprio corpo, por sua vett é considerado através Í
borada, esta disciplina poderia ser interpretada como sendo a todas as suas. manifestações e significações, não sendo 'apenr
área do ambeeimento humano que, fundamentada pda interseção de parte do homem . , mas o próprio homem. Pode teorizar sobre
diversas Sedas e através de movimentos esPeettleos, objetiva desen- os aspectos biológicos: psicológicos e sociais, mas age Fund.
volver o rendimento motor é e Saúde dos Indivíduos. Retomando o mentalmente 'Sobre o todo.
conceito mais atual de saúde, que -a interpreta como-sendo o Por esta concepção é possível entender a Educação Eis'
— tal e social', veremos
'estado de completo bem-estiar físico, inen como unia 'educação do movimento' e. ao mesmo tempo, un
que a noção de Saúde obtida p‘or;:esitit concepção privilegia o leduitladtPelenovimente. Kb Basta para isto que esta 'ed.-
- —Sof Seita
aspecto físico, e de Certa grma, cação,do ribinifizente não comprometa os nossos valores tilam
Est,,,wacterização perMliviOitollstrar que os profissio- humaittás:Msim compreendendo, o próprio esporte de 'alto
nais de g..ducaçâo Fisica po.rtatte.oncepçáo Moderniza- vd podeitkiginst -1 'derado atividade de valor educativo. A EcT
dont possuem uma 'Sisão ritíá'I'ljü:Witio . que a do senso co- cação. Fiei% Bevolucionária pode se definir como a arte e -
nflua, em relação não só a& fiãçsíSjoSOCativo, como também eiênckasigadmento humano que, através de atividades especulam
it própria realidade de uma .f mia Mais geral. Mesmo assim, anzilingi Sto• -deseartiivitieento Integral das seres humanos. rrnovan&
não consegue compreender" a' fundo is causas de seus proble- os e tratisforimendeMs'io sentido -de soa auto-realização e em a
mas. &MS argumentições são frágeis e inconsistentes. Suas totalidade coma prápda ~rompia de .tuna sociedade usais justa


80
livre. Os adeptos desta idéia são, portanto, verdadeiros agen- O que deve ficar claro é que uma Educação Física mais
tes de renovação e transformação da sociedade, pois ao com- genuína e significativa implica uma cultura do corpo e uma
preender os nossos determinismos e condicionamentos, são cultura popular igualmente mais genuínas e significativas. de-
capazes de agir sobre eles. Consideram a unidade entre o pen- simpedidas de condicionamentos que dificultem a realização
samento e a ação. Vivendo numa sociedade repressiva, opres- de um projeto de vida mais humana e digna.
sora e domesticadora sabem que precisam lutar em defesa de
Um tal projeto (de libertação) só será possível, como ia
uma educação que verdadeiramente vise a libertação. Enten- ficou dito e segundo me parece, através de uma verdadeira
dem que, para isto, não poder deixar de ser seres políticos. revolução capaz de mudar as consciências e buscar subsídios
Enxergam os problemas de sua área à luz do seu contexto novos para a transformação de nossas ações práticas, utili-
histórico-cultural (sócio-político-econômico) mais amplo. Não zando-se de uma metodologia questionadora, crítica, com-
pretendem, contudo, reduzir todo o processo existencial ao bativa. Não uma revolução concebida a partir de abstrações,
económico ou ao político Veem estes aspectos como ,ponto mas da própria prática que está ai situada em nossa realidade.
de passagem ao crescimento humano. • deste elo entre ação e reflexão que os profissionais vão retirar
os elementos que servirão de alavanca na mudança desta rea-
Estas características evidenciam que só é possível con- lidade por uma outra.
ceber revolucionariamente a Educação Física por intermédio
da chamada Consciênda Transitiva Critica. Aquela capaz de trans- Foi por isso que eu disse, na introdução deste ensaio,
cender a superficialidade dos fenômenos, nutrindo-se do diá- que iria decepcionar todos aqueles que estivessem à cata de
logo, e agindo pela práxis, em favor da transformação no seu "propostas prontas" no sentido de mudarmos o errado pelo cer-
sentido mais humano. to, o antiquado pelo moderno, o absurdo pelo coerente.
Qualquer proposta pronta é sempre acritica e se constitui, sob
• este ângulo, na própria negação de uma mudança radical e
• efetiva dos nossos posicionameneos. Sem o comprometimento
3. Uma Nova Perspectiva para a Educação Física
que nos engaje coletivamente na luta revolucionária em prol
das reais finalidades da Educação ou iiiaii -es-pec
- ificamcnte
Ao longo deste texto creio ter levantado alguns pontos da Educação Física, qualquer proposta não passará de dis-
críticos (geradores de crise), decisivos para tomadas de posi- curso vazio; simples "blâ-blá-blá" que, quando muito,
ção por parte de todos aqueles envolvidos com a causa da ser enriquecido com algumas frases de efeito e palavras
Educação Física e que começam a se preocupar com o desen- tas, mas que concretamente se diluem e se perdem na coix
volvimento integral da mulher e do hoingait brasileiro. Há plexidade de nossa éxistência. - .044
entre nós aqueles que alimentam a eapetrint5a em participar 10.111~

coletivamente e elaborar com a criaCãoide Uma cultura na- Tomemos um exemplo. Talvez se perguntássemos a um\
profissional cw Edir4itção Física o que significa esta disciplina. ,
cional ou mesmo' latino-americana zna :i4 acijêntica e significa- a mais- bela: e bem; construída resposta pudesse ser a mais
tiva. Há aqueles, entretanto, que laine4ivelmente parecem pobre, se eitivesse desprovida de sentido autêntico. Isto ocor-
constituir maioria absoluta, que ainda não despertaram para rerá se a resposta se limitar a ser um simples conceito despro-
esta necessidade, se é que pretendemos conquistar uma certa vido de senso crítico por parte daquele que o emite, e, por- st
liberdade existencial e superar a condição de povo subdesen- tanto, descompromissada do agir presente, passado c futuro
volvido que somos. deste profissional. Por outro lado, alguém que responda lumes. 1

82
as pessoas. Parece existir uma cegueira generalizada em re-
Lamente: não sei! pode estar dando o primeiro passo para lação à realidade em que vivemos. Enquanto permanecermos
penetrar no real significado da Educação Física, pois estará insensíveis ao desvelar dessa realidade, enquanto estivermos
reconhecendo a realidade de sua ignorância e abrindo espaço com os olhos vendados, impedidos de perceber a nossa situa-
para a sua superação. Esta atitude sincera de abertura para ção no mundo, o verdadeiro compromisso de luta será impos-
com a verdade e de reconhecimento das nossas deficiências é sível e a transformação autêntica também. Não haverá con-
decisiva no sentido de caminharmos em busca de nosso cres- cepção alguma que possa nos ajudar.
cimento. Entretanto, diante da prevalência do comodismo,
quebrar essas estruturas é missão quase impossível. As concepções surgem e se estabelecem urnas após as
outras com o passar do tempo. O mesmo fenômeno não ocorre,
As mudanças radicais geralmente causam mal-estar. Todo entretanto, em relação ao nível de consciência das pessoas. A
processo de transformação exige uma certa dose de sacrifício. Educação Física Modernizadora nem conseguiu destruir a
São as sensações de desconforto, angústia, frustração e dor Educação Física Convencional, tão pouco foi destruída pela
que caracterizam os Sintomas da crise. A crise se instaura a Educação Física Revolucionária. Todas elas estão ai, influen-
partir da crítica que põe à tona toda sua realidade escondida ciando diferentemente os profissionais que trabalham nesta
ou não percebida. E este pode ser também o seu lado positivo, área. É bem verdade que a Concepção Convencional, a do
aventado no primeiro capitulo deste pequeno ensaio, pois traz senso comum, está cada vez mais passando por um interro-
no bojo desta experiência dolorosa a energia potencial que gatório severo por não estar atendendo às necessidades bási-
fornecerá a luz necessária para iluminar o nosso caminho. cas humanas mais legitimas. No outro extremo, a Concepção
Neste ponto é preciso saber negociar com a realidade. Não Revolucionária, filosoficamente elaboraaa, começa a germinar
se muda as estruturas simplisNca e ingenuamente. Embora ao sabor do surgimento, ainda esparso, de consciências pouco
tenhamos que lutar sempre, às Vezes esperar também faz par- a pouco mais criticas; fato frvorecido pelo abrandamento do
te desta luta. Entre a insatisfação e a frustração existe uma autoritarismo castrador que caracterizou o nosso sistema só-
diferença sutil e decisiva. A primeira pode nos empurrar à cio-educacional nas duas últimas décadas.
frente, a outra pode nos paralisar indefinidamente. 1.o colo-
car em *cheta" os nossos valores, propiciamos o clima indis- Por este quadro, podemos notar que uma Educação Física
pensável para a aquisição de outrós noyoS, Sob este prisma, a verdadeiramente revolucionária ainda está por se fazer: Ela
crise é algo fundamental tio processo de renovação e transfor- apenas existe ein estada potencial (em concepção) para aque-
mação. O desconforto, a angústia e a insatisfação são mani- les que não se conformam com a triste e sombria perspectiva
festações que podem alimentar os germes que conduzem à colocada diante de nós, caso não comecemos a questionar de
evolução da consciência indhridull (qtili40 agimos individual- maneira- radicali-rigorosa e global, os atuais valores culturais
mente) e coletiva (gonu& Tez Organiiiiriios e agimos coleti- que nos Céesdkionam. Esta última concepção ainda não se
vamente). S6 poderemos ereirgei 49íédida que aprendermos caracterizou côjio um projeto organizado capaz de agir cole
a superar,e, ao mesmo teinisõ; ai_cfaighter com todas as &emente,. pr,•ovendo o ser humano a melhores níveis exis
contradições em que estamOkeniálitdditztonstantemente em tenciais atai:Saí:do movimento
nossa cultura. Se ti situação a. lte66nte eui que vive a nossa Na evo&ção histérica pela qual vem passando a Educaçã(
Educação e nossa Educação Efaktz4iitela não foi percebida Fisica;Wri-thienSferência de ênçase do físico para o psicofisice
por muitos de seus profissionks, é "anal que algo de bas- - total, integral, existem diferenças que não
e dai para O'hoinem
tante grave está ,ocorrendo:' muitis "mairgrave e incontornã- se limitará apenas• em distinguir os diversos aspectos do set
vel do que a própria crise 'que tanto assusta e desequilibra
ftr
humano. Trata-se, antes de tudo, de uma mudança radical no
modo de existir das pessoas. sionais não deverão seguir caminhos diferentes daqueles ne-
cessários para que o homem, como ser imperfeito, se aperfei-
Os profissionais de Educação Física, quaisquer que sejam çoe corno indivíduo e como ser social.
as suas áreas de atuação, só se realizam na medida que assu-
mem plenamente o seu papel como agente renovador e trans- Vivendo uma realidade que supervaloriza a vitória, nossa
formador. Procuram atingir os seus objetivos específicos, mas tendência é a de não enxergar nada além. Para nós, a vitória
ao mesmo tempo, são capazes de auxiliar e abrir novas pers- (muitas vezes a qualquer preço) passa a ser sinónimo de
pectivas para que cada um e todos sejam donos de seus des- sucesso na vida. E é exatamente o que ela representa numa
. sociedade neurótica como a nossa. Tal postura provoca inevi-
tinos. Devem agir come sitjeitos de sua própria história e não •
corno peças de uma engrenagem, determinados a realizar fun- táveis distorções no nosso processo de desenvolvimento social,
r,
ções específicas em face de uma educação domesticadorw e cultural e educacional. Não é dado ao homem o direito de
autoritária que chega a anestesiar os seus anseios de conquista falhar,-de errar, de ser derrotado. •
da liberdade.
., O movimento deveria, em qualquer circunstância, ser
O fato de se assumir uma Educação Física preocupada entendido como um modo para o homem e a mulher serem
com o ser total pode significar a passagem da alienação para mais. E nem sempre ser mais é ganhar um título, bater um
a libertação. recorde, vencer uma competição. Muitas vezes o que ocorre
é que para se alcançar atas metas se faz qualquer sacrifício,
A Educação Física sempre será subdesenvolvida, enquanto qualquer imoralidade, qualquer coisa... Para os que pensam
estiver eminente ou exclusivamente voltada para o físico. e agem assim, não faz sentido afirmar que às vezes também
Quando este passa a representar o fim último de suas tarefas crescemos através da falha, do erro e da derrota.
não se pensa em mais nada.
A motricidade humana traz consigo toda uma significação
Mas o que dizer da área da Educação Física que trata do de nossa existência. Há uma extrema coerência entre o que
esporte de alta competição? Não seria, neste caso, o desen- . somos, pensamos, acreditamos ou sentimos, e aquilo que ex-
volvimento físico um fim em si mesmo? O que mais interessa pressamos através de pequenos gestos, atitudes, posturas ou
não é a "performance*? O que fritareis-á Mio é que os músculos movimentos - mais artiplos: - -
sejam mais fortes, mais rápidos, mais resistentes, mais elas-
ticos e mais coordenados entre si para a realização dos movi- Como já disse anteriormente, a Educação Física está a
mentos mais precisos e eficientes? Atingida esta meta, não reclamar por uma redefinição de seu quadro teórico. Quadro.
seria o resto supérfluo? teórico que deve surgir da reflexão de cada profissional atento
Creio que. e preocupado (Compromissado) com a, sua responsabilidiade 0'1
Educação Física centraria numa antropo- social, e não imposto ou assimilado de turma superficial, pou- A
3
logis, numa çj4dcin ciência humaiiiiailora, precisa enxer- co contribuindo" Para uma prática efetivamente valiosa, „:
gar além, transcender o rendimento_nisj4tor. Embora, no es-
porte, seus -ofijetivos possam estar,: tiffntrados no saltar Neste ponto; a Escola de .Educação Física poderia assu-
mais alto ou Mais longe, no conter* nadar: mais rápido, no mir um jpe1 _révolUCionário. Não que ela em si possa traiu- .
marcar mais gols ou mais pontos; o sentido humano destas formar tcidit a Sociedade, mas não deve ficar fora deste pro- •
cesso de • transformação.- Ela faz parte dó sistema. Mas pode-
atividades delta ser preservado:" A integridade humana não
pode ficar comprometida. Os objetivos esportivos ou profis- contribuir para a sua mudança. É até ingá-- privilegiado para
que o processo de transformação se desencadeie".
86 _
O currículo de uma Faculdade de Educação Física deveria sino, permitindo que os alunos aprendam a se coniprorn-1.
servir como referencial básico para a formação do Fun!! o com o conteúdo proposto.
profissional, incluindo as disciplinas fundamentais considc
radas de forma dinâmica e flexível. Isto significaria um cur- A Educação Física, tal qual vein sendo realizada ent
rículo aberto às constantes transformações e à evolução do irás, tem-se caracterizado pela pobreza. Ela é reflexo de til
conhecimento científico e pedagógico voltado para a arte e a cultura igualmente pobre em suas manifestações. Portanto,
ciência do movimento humano. evolução de Uma cultura do corpo que fundamente a Edue,
ção Física deve ser trabalhada em duas frentes:
O que temos visto no interior das Escolas de Educação
Física, entretanto, não passa de uma saricatura cientifica e 1.1) no sentido de rever criticamente seus princípios e p.
pedagógica. O próprio conhecimente do corpo, que ela pro- postas enquanto atividade preocupada com o verdade
move em seus cursos através de seus currículos é, na melhor desenvolvimento humano integral;
das hipóteses, decepcionante. Além de não se poder compreen- 2.') no sentido de democratizá-la permitindo que todos (p •
der com propriedade o corpo humano e o homem por meio motores e beneficiários) possam ter acesso mais fácil zaç
de estudos exclusivamente setoriais ou isolados de Anatomia, conhecimentos necessários e condizentes com este desc.*
Psicologia, Biometria, Fisiologia, Sociologia, etc., estes estu- volvimento integral da mulher e do homem brasile_
dos, por sua vez, são comprovadamente mal assimilados pelos através do movimento:
estudantes, que não conseguem perceber muita-relação entre
estas ciências e a sua futura atuação prática. Não se percebe
qualquer sentido de totalidade. Ê bem verdade que mais tarde, 4. Não apenas Sonhar, mas Sonhar: a Necessidade da Utopia
o contato com a realidade profissional provoca retomadas de
posições, recuperando e adaptando até certo ponto alguns Será possível realizarmos uma Educação Física nos n—t
princípios teóricos que fundamentam a prática. Mas no geral des aqui propostos? Dito de outra forma: Seremos capazes
aqueles estudos realizados se revelam quase que totalmente sair de uma Educação Física Convencionai e Moderniza&
inúteis. Representam, em última análise, uma enorme perda para uma Revolucionária? Ou tal propósito não passa de .
de tempo. As disciplinas não se Idearam com a Educação sonho, de uma utopia no significado mais comum e vuh--,
Física. Não- abordam, mesmo quesob- ózseu ângulo, a proble- destas -paIatits?
mática mais ampla do corpo. Muitas vezes os professores de
certas cadeiras importantes. co - Unia Concepção verdadeiramente revolucionária só prN4
PsiCologia. Sociologia e
Pedagogia, nem ao menos têm utna noção mais exata do que ser concebida por categorias críticas de pensamento. isirhy
seja Educação Física, partriitídeeM ádirifSlas às necessidades seáta nova perspectiva utilizando-se de t
de seus alunos Não se predcíMiá.eíii:Àasenvolver com seus forma de 'raciocino apoiada no senso comum preValente
alunos ima Psicologia dó MOVilifielii&liàía Sociologia do Mo- nossiViOciedide." -Esta constatação nus permite concluir -
vimento,-Uxiía Pedagogia doMôvIffieftlo. . uma mnità ih 'de concepção implica uma gradualmudarr
de perta::Ptiftildri 'nossa realidade, vale dizer de urna graé...e
rodai-ria- MO 'idiiinta coloca
"- at'..eilcUtrítrulo num pedestal O mu mei e consciêncm. E preciso caminhar da consciéla ,
que faz uma disciplina torriar:W..OlítOtrativa não é só o valor ;
do O'COM-UIII em direção à consciência crítica I n'. E
intrínseco do seu conteúdo,niaa- tamloem a vibração que os
é uro-procesSo-AUC não ocorre de maneira isolada e indivi& -
seus responsáveis colocam nó desenrolar: do processo de en- ou seja, distante do mundo e dos outros. Adquirir urna viíri
88
ampla e profunda dos problemas de nossa realidade é uma
tarefa coletiva e que se constrói fundamentalment e E preciso, sobretudo, ter finalidades. Somente um projeto
através do (utópico), levado às suas últimas conseqüências práticas será
diálogo e da práxis, promovendo a solidariedade, a união, e
organização necessárias ao crescimento humano "". Portanto, capaz de mudar o nosso destino. A este respeito dou razão
para Teixeira Coelho quando comenta: "
transformar nossa consciência significa transformar o sentido é a imaginação
da nossa própria existência. Sem esta predisposição é impos- utópica, ponto de contato entre a vida e o sonho, sem o qual
sível qualquer mudança radical. o sonho é urna droga narcotizante como outra qualquer
ea
vida, uma seqüência de banalidades insípidas. E ela que, até
Mas exploremos, neste final, um pouco o terna da utopia. hoje pelo menos, sempre esteve presente nas sociedades hu-
Em seu sentido vulgar ela é entendida como um zonho impos- manas, apresentando-se com o elemento de impulso das inven-
sível. Algo irrealizável, fruto de nossa imaginação apenas. Uma ções, das descobertas, mas, também, das revoluções. E ela
simples projeção de imagens e idéias. Em princípio seria algo que aponta para a pequena brecha por onde o sucesso pode
que não está presente aqui e agora. Nossa sociedade tem repe- surgir, é ela que mantém a crença numa outra vida. Explo-
lido a utopia. Dizem que o homem moderno não pode ser dindo os quadros minimizadores da rotina, dos
hábitos cir-
utópico. Sem dúvida que se pensarmos exclusivamente sob o culares, é ela que, militando pelo otimismo, levanta a única
Angulo apresentado, estaremos fugindo da realidade, do aqui hipótese capaz de nos manter vivos: mudar de vida." (")
e do agora, e seu valor pode ser questionado. Vejamos, po-
rém, o outro lado da questão. Se vivemos numa realidade que Sabemos que qualquer tentativa de mudança radical, que
não nos satisfaz, há necessidade de pensarmos numa nova. E pretenda mexer com as estruturas da sociedade, esbarrará
esta sempre com as críticas e demais mecanismos que atuam em
nova perspectiva da realidade só -pode começar com a
utopia, como um sonho. Quando - sua defesa. Tais tentativas serão quase sempre devidamente 4.
coloramos à nossa frente eliminadas ou amenizadas. Os canais por onde deveria fluir
algo a ser perseguido estamos diante de um projeto utópico.
Aliás; todo projeto enquanto projeto é a energia das pessoas, necessária à procura de novos rumos,
ou seja, é algo.que ainda não sempre uma utopia, são apropriadamente obstruídos. E é por aí que muitos de-
existe. Quanto mais claro e ela
boraáo for este projeto, mais força reuniremos para direcio- sistem ao longo do caminho. Tornam-se acomodados alheios
nar r nossas ações na consecução daquela _meta. a muitos aspectos básicos à sua própria vida. Perdem a aspe- .
_._ rança. Enfiam "_Testatio4e2coma-!-Morterif.
s
—Se
- let concordaram que o homem é um ser social incom-
po-, inacabado e imperfeito, percebemos que ele só pode se Lamentavehnente a Educação Física tem vivido em de- -,
nealizar, individual e coletivamente, através de projetos utó- masia, ao sabor da moda. Ela tem sido prática condicionada -.,--,
picos que o levem na direção do completo, do acabado e do a uma estrutura que a estrutura maior montoir paia
perfeito. E por acaso não será estofttiomeno a mola propu profissionais alio possuem uai pffijitti aiksgaLl
- la a serviço dá nossa ttiritionitrp~ociF.- -_
--- ff.
:—sora
'
dono
sso agir coai: aaittidainimazabtante? -tiolta;ridadi,* itiloitzin-doSSia.Liii
Um totalidade-de !linTe . eerS-onSke-40an
.•-•• base para uma coita a natureza. gysta:kre b, "ttottiLotatarcia;t::---...r.
1
~ Eadkialigi-a
g4.::
1 :41vidade,-kuMana.:_ '
- liandOt.,9lisesiivamiiia~
iiit *fl t 4 etiPM" Ti
av.wwinnina eterna utopia titatea
t 5-y,WaiW;5 avta;jma }
vez Étaise melhor do que é. maneira Como o nosso Sistema deiCambou obsessivamente
para o lucro.
.a41,1?,:‘sutleiejate.:E preciso agir.
-t ccura predso ter objetivos. Portanto, antes de um desafio prófissional, estainoi clian-
ntst de
desafio existencial. Estaremos aptos ar-reztlizar-as

mudanças necessárias, dando urna nova dimensão à Educa
ção FIsiea?

A palavra está com aqueles que ligados à área ainda


acreditam no ser humano. Com aqueles que ainda são capazes
de ter esperança, apesar de tudo. A eles cabe o papei de assu•
mir o movimento que redimensione as possibilidades da Edu- NOTAS BIBLIOGRAFICAS
cação Física. A eles cabe, enfim, desencadear á revolução, lutan-
do em favor da autêntica humanização desta disciplina. Mesmo Aurélio BUARQUE DE HOLLANDA Ferreira, Pequeno Dicionário 1
porque parece não restar outra opção. sileiro da Língua Portuguesa, p. 1203.
• Maurice MERLEAU-PONTY, Fenomenologia da Percepção.
Cfr. Dulce Hata CRITELLI, Educação e Dominação Cultural . tentativa.
reflexão ontológica, p. 38.
Paulo FREIRE, Educação e Mudança, p. 40.
Cfr. Raiara° Matias FLEURI, Consciência Crítica e Universidade. p. 411-
ibid, p. 41.
ibid.
ibid.
ibid.
ibid.
ibid, p.
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mimeografado). '
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Enciclopédia Barra, vol. 9,, p. 79.
.
ibitt vat p. -409.
GearsaiiI01212Elt, trina-pios Findoniedadt '4•4710zOtta, p. Is e I
-mural SAVIA141,‘Edinsain Do rtr'Ci onscithaskt, Figueira
P. e e- k;:c''' rz- -
É. • ar: ribn SivitiVOiaskinilogittitWaiiset L4gnn leite •

26.: DennaltarSAVIANCEduciapilm d-Conschbecen Fi


fica, P. St.
Cfr. rviravado NELS019. Coéréa _1‘,149de?, ipayito danai si,"EdilICIL Á

Filitatab!;: lar o- *

*Hf 76.
Cfr. álmanaque Abril. 'ri. 453.

-511
30 Cp. Lauricio NEUMANN e Oswaldo DALPIAZ, Realidade Brasileira.
p. 100.
31 Cfr. Mauro Soares TEIXEIRA e Júlio MAZZEL Coleção C.E.R.. vol. 1,
pág. 134.
Dermeval SAVIANI, Do Senso Comum à Consciência Filosófica. p. 10.
Otaviano PEREIRA, O que é Teoria, p. 70.
ibid. p. 73. BIBLIOGRAFIA BASICA
3$. ibid. p. 77.
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r. IML


tarjado, sempre fundamentado no marxismo, mais precisamente em
O Capital e em Salário, preço e lucro, além da teorização quanto
ao fenômeno recreativo, abordando classificações da recreação, o
recreador e elementos determinantes da recreação. Pode-se desta-
car ainda uma pequena análise da literatura usual de recreação nas
faculdades de educação física. Nesta pesquisa de análise critica dos
conteúdos dos livros de recreação, constatou-se, dentre outras ques-
tões, as posturas ingênuas quanto à visão social. o conservadoris-
mo político e pedagógico, a alienação subliminar iriserida eos jo- I/ ett
gos e'proposiçõe.s recreativas, a falta de exemplos bpados: na rea-
lidade concreta etc.
v,0 -
Finalmente propõe-se, como forma de participação sócio-
política mais efetiva da cultura física no meio social, a alternativa -fr-d-
da cultura física popular. Uma concepção centrada nas múltiplas
determinações da cultura física, notadamente nas suas dimensões
fisiológicas, educativa, políticas e recreativas. E a cultura física po-
pular assenta-se na participação social, consciente, na exercitação
física permanente e na opção cultural de exercitar-se fisicamente 1. A CULTURA E A CULTURA FÍSICA
no lazer. E também para não ficar somente na crítica, sem temer
idealismo moral, propõem-se alternativas, a curto e a longo pra-
zo, para popularizar a prática da cultura física.
Quanto à forma dada ao conteúdo deste tato, esta é condi-
cionada pela estruturação do mesmo, que se apresenta, a princi- 'Cada pino dado no caminho da culatra é
pio, como uma obra pedagógica. Assim, as repetições e as retoma- um passo no caminho da liberdade'
das, de temas similares em capítu!os subseqüentes são necessárias Engels (1820-11195)
para a fundamentação de cada item. Didaticamente poder-se-ia
encará-las como reforços, "realimentação". -Mas, coerentes com a
pedagogia marxista, não deixamos que a forma venha a prejudicar L1 A CULTURA
corsaórlo, ainda sabendo que ambos são condicionantes recípro-
cos. Como ensinamos aos nossos alunos, somente erra quem tensa O termo cultura é bastante amplo, ponha aqui parte da seguinte
acertar; somente é derrotado, ainda que parcialmente, quem pro- definição:
cura vencer; os que tudo temem e nada ousam podem não sentir
sabor da derrota — pois são derrotados por omissão —, mas ja- ~É o conjunto doe adores materiais' e espirituais criados pela.bn-
mais sentirão o gosto da vitória. manidade notaste de sua ihisoitil. Acalmia dum fendmeno so-
dai que representa o abei alcançado Me sociedade em determina-
da «aná bittddcr progresso, técnica. apagadas de produção e de.
trabalbg inana educa"alada, literatura, arte e instituições
onreispondentes.13qt ~São noi s rendez compteendose sob o ter-
mo adturai o conjunto de tonna; da vida espiritual da sociedade
gut naseenie sé desenvolvem sobre a base do modo de produção
dos bens materiais bistmicamente ~nade)

L E ⋛ And-Ddltriag. Rio de Janeiro. Paz e '11:na. LM. P. it


2. Id. Rosana), it P. ludia. PequenofrtiObitiO filosófica Sb Paulo, Livraria a-
podo*. do Liam. 1959. pp. 114 s15.
18 •
Salientando-se a cultura como um fenômeno social, ela é con- mento da individualidade corporal, ações predominantemente fí-
dicionada pela evolução do modo de produção material, sendo en- sicas. A atual cultura física é decorrente da educação social e se
tão decorrência da satisfação de necessidades primárias, tais co- embasa no movimento; ocorre no lazer, como nos eventos cultu-
mo: trabalho, alimentação, repouso, vestuário, habitação etc que, rais desportivo-recreativos; nas atividades profissionais, corno no
atendidas, deixam espaço para se usufruir do tempo livre disponí- Ca50 da ação docente de professores de dança ou instrutores mili-
vel. A existência material determina a existência cultural. Natural- tares, ou como atividade atlética, no caso de jogadores de futebol;
mente que as próprias formas de trabalho e suas relações também e ainda serve como elemento educativo, quando se operacionaliza
implicam cultura. peciagogicamente a atividade física em meios de educação social.
Caracteristicamente estabeleCida'pela evolução social, ern'clr:- na educação física escolarizada.
terminados períodos históricos, de modo dinâmico, a cultura im- , Atualmente a cultura física implica, fundamentalmente, exer-
plica, a grosso modo, urna totalidade de fenômenos, em conjuntos cícios físicos, atividades corporais culturalmente estruturadas, que
de acontecimentos sociais, políticos, econômicos etc. Assim, todos no sentido educativo, utilitário, profissional, atlético ou lúdico, se
possuem variados graus de cultura, diferenciando-se, na atualida- voltam para o corpo humano na perspectiva de manter ou melho-
de, em seu conteúdo, em qualidade e quantidade, em padrões e for- rar a condição física e mental dos indivíduos, tratando do corpo
mas de utilização, principalmente em função das condições mate- em situações de "normalidade' corporal, tratando com pessoas sau-
riais, fatores econômicos; e suas conseqüências, como tempo livre, dáveis. E que, também, salvo no caso de atividades profissionais,
instalações materiais, implementos e conhecimentos. _ não visem à obtenção de benefícios pecuniários imediatos, e não
Isto estabelece diferenciações de mentalidade de comportamen- impliquem atividades produtivas.
tos, que acontecem por intermédio da educação, escolarizada ou Apesar da proximidade fenomenológica da moderna cultura
informal, em função da divisão social do trabalho e de fatores de física com as atividades produtivas, com as atividades cotidianas
poder. Em sociedade de classes, existem culturas de classes, e a cul- de trabalho, que objetivara a sobrevivência, como o trabalho bra-
tura das camadas opressoras se diferencia da cultura das camadas çal, se explicitam as diferenças, a saber:
oprimidas por ser mais complexa; mais. ampla, abrangendo maio-
res setores do conhecimento, de maneira que seja facilitada, mes- tO Na cultura lisica, salvo as exceções profissionais, como por exemplo,
mo que indiretamente, a realização da sua ideologia. -% • as atividades de adergue professores de educação física, durante a ac-
Da divisão social em classes, tem-se diferentes níveis culturais. eitação fisica .não erige a preocupação específica .com retribuições pe-
'Panto que, convencionalmente, existe "o costtune de se rcferir a cul- cwtiárias imediatas, ou seja, as pessoas se aceitam não por necessida-
tura como sinónimo de erudição, sendo relativa a coisas mais "ele- des econômicas.
vadas", como polidez, amhecimentos; aceitando que pessoa culta A.ndium física também salvo as exceções, caracteriza-se por ser um
acontecimento de tempo livra uma prática cultural espontânea, ainda
é aquela que se apressa corretamente, fala vários idiomas, aprecia
que se levem em CPBM as induções culturais do ambiente social.
artes, como pintura, escultura, teatro,- intim clássica, esportes so- Notadamente nas formas esportiva a cultura fisica fundamenta-se na
fisticados e, em geral, possui uma atividade não braçal, de nivel comperipió, na superação reguhmentada de índices ou de adversários.
. universiuirio.
• Para exemPlificar, pode-se tomar as ações de um estivador, um
trabalhador. Maçai, um carregador; em confronto comas ativida-
FÍSICA des de tieinarnento de um atleta amadorjal como-um halterotilis-
.- i ta c¥Provits Oirtnpacat, arranque e anenteiso. As atividades do eme-
tísica,' a teimimilogia rung Milizada para designar toda rárig aincfa:que movimente toneladas de peso, dentro de uma jor-
iparceln da cultura universal queornt o exercido físico, como na& de trabalho, e mesmo que seus movimentos se prestem iam-
. a educação list,* i ginástica, o titinaMénto desportivo, a saem- - béni paia que posá realizar competições com seus colegas, tais co-
"çlict tisk:6~ a dsmça etc: rno levantar Maior volume, ou movimentar cargas com mais velo-
A cultura física é, fundamentalmente, uma prática cultural cidade, e que seu trabalho esteja regulamentado legalmente por leis
sócio-biológica. É rima Prática sodal,porque envolve o ser huma- trabalhistas, nãq miem ser classificadas como cultura física. Es-
no em relação aos demais; é biológica pelzesaliência do envolvi- ta,atividades iírofissionais não ocorrem çar. prazer, ainda que o
4 , 21
20
estivador goste de sua profissão, pois objetivam satisfação de ne- malidadê corporal, de boa saúde. Já as atividades físicas ligadas
cessidade pecuniária, de sobrevivência; não acontecem como recrea- à medicina, como as fisioterápicas, tratam com pessoas em condi-
ção, lazer, mas por período de trabalho determinado; irão estabe- ções de debilidade ou comprometimento fisiológico ou funcional.
lecer relações sócio-económicas entre capital e trabalho, e geração Naturalmente que também existem íntimas relações e semelhan-
de riquezas. ças entre os fenômenos de cultura física e os de objetivos medici-
Já o halterofilista, que também movimenta toneladas de peso nais. Apesar de um exercício ginástico servir tanto à cultura física
em sessões de treinamento, o faz como típica opção cultural, de como à reabilitação, as finalidades são diversas. Por exemplo: no
tempo livre, não visando ao recebimento direto de benefícios pecu- exercício ginástico com sobrecarga, utilizando um halter, destina-
niários, mas objetivando condicionamento atlético para a partici- do aos músculos flexores do antebraço sobre o braço. a sabe:: bí-
pação em competição com esportistas de mesma categoria. Ainda ceps braquial, braço-radial e braquial anterior, exercício demoni-..
que tenha um treinador que se submeta a horários e regulamentos, nado "Rosca Direta".
não ocorre geração de lucro a partir dc suas atividades.
Existem proximidades fenomenológicas entre o trabalho pro- Para um atleta, um judoca, que necessita desenvolver "qualidades físi-
fissional, de operários e assalariados, com as atividades de cultura cas "fdrça explosiva ", "potência", para tracionar para si os adversá-
física: rios, a carga, o peso do implemento poderá ser de 60 a GO% de sua
força máxima para o gesto em velocidade
— Na lida de campo de um trabalhador rural, a cavalo; e os exercícios Para um paciente, um indivíduo que necessita tonificar a musculatura
de um atleta de hipismo, de prova de adestramento; anterior do braço e ativar a articulação do cotovelo, pois o membro
— No trabalho de um carteiro, distribuindo correspondência, deslocando-se ficou atrofiado devido à necessidade de imobilização no tratamento de
a p4 e um atleta treinando para a prova de marcha atlética; uma fratura, a carga, o peso do halter com que fará exercícios será so-
No trabalho de outro carteiro, agora utilizando uma bicicleta; e um atleta '1 mente o suficiente para a normalização funcional.
de ciclismo, treinando para provas de estrada;
Na ação desertar, de um operário de construção civil; nu exercício de Simplificando, pode-se diferenciar os exercícios físicos de cul-
ginástica de Anão e extensão do cotovelo com um &tensor, de um tura física das atividades físicas de cunho fisioterápico pelas seguin-
boxeador; tes característicu:
No remar de una pescador, que se desloca num barco com dois remos
para revisar redes; e os treinos de um remador de skif. — Na cultura física: exercícios com dosagem, cargas com grau determina;
damente elevado, objetivando manter ou melhorar qualidades fincas;
Nestes casos, como em muitos outros, a cultura física e o tra- finalidades culturais, educativas, competitivas ou lúdicas: e tratando com
balho braçal possuem vários pontos em comum, como: similarida- pessoa: saudbeis:
de genial, uso de implementos e de animais de modo parecido, — Na reabilitação: exercícios com dosagem de cargas com nível somente
repetição de movimentos, necessidade de utilização de habilidades medicinal, de dosagem fraca em comparação aos pesas movimentados
e qualidades físicas, solicitação de mesmos grupamentos muscula- por um atleta, objetivando à normalização funcional; e obviamente,
tratando de pessoas com problemas de saúde
res, etc. Porém, as ações de trabalho irão obviamente gerar capi -
tais, riquezas, e não ocorrem espontaneamente ou no período de
Porém, ainda que a cultura física trate fundamentalmente com
lazer, bem comp tato possuem caracteristicamente objetivos
com indivíduos sai:dáveis, objetivando prática cultural de lazer, a edu-
cação física é Sabidamente indicada na terapia e educação de ex-
. Wo se tratar de esportistas profissionais, a cultura cepcionais, parapessoas com comPrómetimento de desenvolvimento
física possibilita, ainda que não seja uma atividade produtiva, es-
mental é ffsfc&ltantb&niii prática da Culinra física, como a parti-
sencial, como; metalurgia ou a agricultura,- que, por exemplo, ci- ciPadieWCZifilliCSÓI.Captirtist óSnisi o acervo Cultural de
clistas CM futebolistas percebam piálisIn e3 sua maneira ajudem indhddimainin defidênciiis físicas, com limitações funcionais. co-
. a circulação de capitais e tambéin" de Mais-valia.
mo Pliaplégic05 Essas pessoas, mesmo em cadeiras de rodas, po-
Diferencia-se também a cultura física das atividades físicas de der' joéelsasiliftitkOii bõficlie, praticar arco-e-flecha ou atletismo
=bis biomédico porque a prática da cultura física, além dos pres- etc. Assim;tittiks grausdeTdeficiência funcional, como a decorri-
supostos vistos anteriormente, salienta a condição. .necessária de nor- da de amputi*ão de uni membro ã aluna da porção medial do R-
22
•• 23

ioz.tt .3
mur, não impedem que uma pessoa possa ter na cultura física uma mem podia lançar ou bater com eficiência, diferenciando-se das ou-
opção saudável de lazer. E, a instrumentalização pedagógica da cul- tras espécies antropóides também pelo domínio corporal e por suas
tura física, sob a forma de educação física, meio de educação so- habilidades manuais.
cial devido a sua ampla abrangência humanistica, não pode deixar Então, o domínio do esquema corporal, conseguido por meio
de lado indivíduos excepcionais, paraplégicos, ou quem quer que do treinarnemto gestual, possibilitou aos homens primitivos o do-
seja. mínio sobre o ambiente natural, ou seja, por meio do movimento.
do trabalho, é que o homem desenvolveu o seu corpo, e, com uni
i>
corpo mais habilidoso, mais aperfeiçoado. no sentido operativo, é
13 A EVOLUÇÃO DA CULTURA FÍSICA O • que conseguiu dominar a natureza.
Do domínio da natureza, decorrente da possibilidade de usar
O exercício físico, a atividade corporal, é o meio de interação o corpo na implementação da inteligência, da criatividade huma-
do ser humano com a natureza, com as outras pessoas, enfim, com na, advinda da interação corpo-mente, pensamento e ação,
a vida. Para a própria sobrevivência humana, o movimento, as ati- estabeleceu-se considerável melhora nas condições de vida, como
vidades físicas, o desenvolvimento corporal foi, e é, fundamental. abundância e variações alimentares, não mais dependendo das si-
Desde a pré-história que o homem não pode prescindir do exercí- tuações comuns às dos demais animais. A maior quantidade de ali-
cio físico, sendo que, em verdade, o botem não pode vir — não mentos c as melhores condições de sobrevivência possibilitaram o
pode existir vida --sem movimento! — aumento populacional.
Antropologicamente, o movimento, _entendido também como Com- o aumento do número de indivíduos, dos aaWitoamen-
atividades físicas, gatos motores humanos realizados em resposta tos, surgiu a vida social; a neçessidade de comunicação eficiente
a necessidades de sobrevivência do homem primitivo, o trabalho entre os vários componentes dos grupos tornou obsoleta a-expres-
manual, está intimamente relacionado com o desenvolvimento so- são mímica — a qual também se realiza por meio de movimentos
cial, com o progresso cultural. — surgindo, assim, com o aperfeiçoamento e especialização do apa-
O relacionamento entre as atividades físicas, o trabalho cor- relho fonador, a comunicação verbal.
poral, a evolução da espécie humana e o desenvolvimento social, E da vida social, possibilitada pelo domínio da natureza, via
sob a perspectiva dialético-antropológica, é abordador; pbr F. En- trabalho, atividades físicas, e com a comunicação sonora,
gels (1876),3 quando salienta que se o homem realiza traballt,¶no- desenvolveu-se a vida cultural. Assim, devido às repetições gestuais,
vimentos, ele próprio é fruto de seu trabalho, de seus movimentos. ao desenvolvimento corporal, ao aperfeiçoamento das habilidades
E, ainda conforme End.% os antepassados simiescos, ao abando- manuais, é que o homem se tornou humana Afinal, o controle ges-
narem as árvores, e passarem a deslocar-se ein dois apoios, por meio tual permite ao homem, até os dias de hoje, o uso das mãos, desde
do trabalho manual, das atividades físicas, como manipulações di- as demonstrações de afetividade, no afago, até a ação dos punhos,
versas, desenvolveram habilidades então possibilitadas pela posi- ao soca
ção ortostática; e os movimentos repetidamente treinados determi- A relação entre a especialização de movimentos e o aperfei-
naram aperfeiçoamento nas ações de. respostas às necessidades de çoamento corporal do ser humano, isto é, o desenvolvimento par-
sobrevivendo, com o desenvolvimento corporal e mental, modifi- ticular de órgãos e sistemas, também pode ser observada no estudo
cações morfofuncionais de músculos, tendões, ossos e de sistema de anatomia e fisiologia do sistema nervoso, levando-se em consi-
nervaci, que, evoluindo através de geraçõeá, jiermitiram que se es- deração especialmente a proposição esquemática do "Homúnculo
tabelecessem de alimento*, com maior ingestão de Penfidd.8s Rassnussern", (1950).' Nate esquema de participa-
de • tmkro nas mais consumo de carne e, tom- çãe das— difere:MS regiões do Corpo humato; representadas no cór-
•( bém pelo fr•s dó, o homem primitivo peide alar e efetiva- tex motor primário, tem-se que o aparelho fonador e as mãos ocu-
', mente til t gmas, cóm lançailítiiachitdos de pedra, usados na pam uma grande área na zona motora cerebral. As áreas destina-
casa eilecdeiteitiginpal de modo facilitado pela posição em dois das ao comando das mãos e da•boca são maiores do que as áreas
apoia: Pois,'matadora ereto,:com as duas mãos • livres, o ho- destinadas ao comando do nisto do corpo.
. ._
1981.
4- AC. cápiva. Fisiologia humana. 5! ed., Rio debocho, Intensmeriama.
3. F. Engds, A ~ética da natureza. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. p. 21$ ss. p. 277.
• 25
24
A região motora cortical, situada no giro pré-central, à frente Historicamente, nota-se que na antigüidade o homem ocupava-
do sulco central de cada hemisfério cerebral, destinando grandes se apenas em sobreviver; correr, nadar, lutar, saltar, trepar, lançar,
áreas ao comando das mãos, torna isto sintomático ao relacionar caçar, pescar eram atividades cotidianas fundamentais para suprir
com a grandiosidade, quantitativa e qualitativa, de gestos motores, as suas necessidadevrimárias. O que na atualidade é realizado em
com altos graus de precisão e especialização de movimentos per- tempo livre, por opção cultural, como a prática esportiva, antes era
mitidos ao hcmem. A interação corpo-mente, de sistema nervoso feito motivado pela sobrevivência. A moderna cultura física nada
e de sistema motor, possibilita somente ao ser humano a implemen- mais é que decorrência das primeiras formas de trabalho, do uso
tação eficaz da inteligência, na. criação 'cultural e no trabalho corporal Pará Âotireviver.
produtivo. •.
Evoluindo no tempo, com a fixação do homem na terra, aban-
A impartáncia do movimento, das atividades •fisicas, do trei- donando o nomadismo e a vida da coleta e da caça, domesticando
namento corporal para o ser humano, também pode ser notada na animais, aproveitando novas forças e meios para o transporte, de-
antropologia funcional de Malir.owski (1941), e percebida especial- senvolvendo técnicas de cultivo de alimentos e de fabricação de ar-
mente na esquematização das necessidades básicas humanas e das mas e de utensílios, com a divisão social do trabalho, e com a im-
. resptetivas respostas culturais: plementação da escravidão, os exercícios físicos deixaram paulati-
namente de ser atividades primarias, de sobrevivência, e passaram
A B principalmente para o campo bélico e a ser atividades culturais de-.
senvolvidas no lazer.
NECESSIDADES RESPOSTAS CULTURAIS As camadas social e economicamente dominantes, que aos pou-
BÁSICAS cos diferenciaram-se dos estamentos ligados às tarefas produtivas,
possuíam maiores oportunidades de práticas de tempo livre, incluin-
Metabolismo I. Aprovisionamento do as atividades de cultura flsica, as quais mantinham também co-
Reprodução Parentesco mo privilégio de Classe, como a caça, o hipismo, certas técnicas de
Confortos corporais Abrigo combate corpo. a corpo e exercícios com armas.
Segurança Proteção A cultura fácil também caracteriza-se por ser um fenômeno
Movimento Atividades cultural universal, pois pode-se ter exemplos de práticas de der-i-,
Crescimento Treinamento cios físicos em vários estágios civilizatifirios e em diversas regiões
Saúde Higiene's do globo. Por exemplo:

— No continente asiático: a natacio, em estilo semelhante ao mai ea


Observe-se que "movimento", "atividades", "crescimento", caça com arco e flecha e em carros puxados por cavalos, na antiga civi-
"saúde e "treinamento" são elementos constitutivos da cultura fí- lização assíria; o hipismo, atividade marcantemente característica dos
hititag o ~chá tes4 forma de ginástica com niassas ainda bois
sica ainda na atualidade. E, ainda de acordo com Malinowski: "o praticada pelos bania" a ioe indiana; o bramal,antigo jogo á bo-
verbete movimpato estabelece, no caso, que a atividade é tão ne- ja ;aponte e o wo-sào, forma ginástica de cunho terapêutico-utilitário.
cessária ao organismo como indispensável à cultura2n 'atoabdco dos chinesa.
Então, tanto pela antropologia dialético-materialista de En- — No continente atempar na antiga civilização aetense, a prática do bo-
gels. como
taitEse - anátomo-fisiológica do sistema nervoso, ou sz, já então cajá a utilização de luvas e protetores cranianos.
logá funcional, de uma teoria cientifica de cul- —To sinta
-4844cazgás
POSO° da chilinção egípcia. a luza line, cuja vada-
ailiN
tura, . pode-se peresber qu o trabalho físico, as ati- ddia' didática das técnicas de combate ainda bole pode ser
vidades, o treinamento, enfim, q mqvimento, foram, e ainda são, "Wriánas de Beni Hassan.
,vitais parto ser humano.. NI) 410•19,49 Note 0 Finda, facrosse, jogo de bola com bastão,
I dos indigeauáligaziee
Nai AméricatenHat ojogir ne pelota, comum à civilização dos tapo-
S. B. Malinowald. Uma teoria científica de adiara. Rio -de Janeiro, Zahar, 1975. tecia•e main, és suba cai tonna dei (i mahisado) sobrevivem
a $9. is reinas de hicinté Albán e de °lichen há
‘. Mun, ident. p. 90.
e!8* 27 •
Na América do Sul: a ucE.-uca, luta corpo a corpo, e as corridas a pé, teres e implementos. Pilostrato, na sua obra Ginástica, do século
carregando toras de madeira, dos cerimoniais religiosos dos indígenas II a.C., preconizava que:
do Brasil Central.
Na Ártico: jogos bom bolas dos esquimós, usando as mãos, à seme- "Os halteres longos fortalecem os ombros e as mãos, os esféricos tam-
lhança de treinos de fundamentos de handebol; e com os pés, similar bém os dedos. Podem ser utilizados tanto por arieras çue pratiquem
aos fundamentos do futebol.
jogos pesados como os que pratiquem jogos ligeiros, e em qualquer
— Na Polinésia: o boxe às mãos nuas, das cerimônias dos antigos nativos classe de exercício e em qualquer ocasião, exceto nos períodos de
das ilhas de lbnga, registrado em viagens do navegador inglês J. Cook.
repousá."'
no século XVIII. .
Organização desportiva •
Faz parte do aparato cultural das civilizaçõt.s aos diversos po- A divisão dos atletas em categorias, com Classificação em crian-
vos, e, por assim dizer, em todo o mundo, fenômenos, notadamen- ças, jovens e adultos. Jogos com distribuição de prêmios aos ven-
te de cunho religiosó em períodos mais antigos, com rituais de exer- cedores, como coroa de louros. Competições regulamentadas,. vi-
citação física, marcantemente valorizando atividades de caráter sando à imparcialidade dos juízes e à eliminação de possíveis sub-
gímnico-desportivo, cóm regulamentações peculiares. Estes acon- jetivismos nos resultados. Eventos atléticos, seqüências e periódi-
tecimentos variam conforme o interesse e valorizações particulares cos, tais como: Jogos Olímpicos, Jogos Nemeus, Jogos Pítias e ou-
de cada povo, e também quanto a cond,ições ambientais e de acor- tros. A data de 776 a.C., da primeira edição das Olimpíadas, tam-
do com o estágio de progresso sócio-econômico. bém é a primeira dafa registrada da história grega.
Porém, o verdadeiro berço da cultura física encontrou-se na
Península Grega, onde pela primeira vez o homem se voltou para
Biomecânica
o desenvolvimento e valorização corporal, com finalidades estéti- Aristeles (384-322 a.C.), afora dedicar-se à filosofia, tratou
cas, educativas, competitivas, enfim, caracteristicamente na Gré- também das ciências naturais, onde abordou pela primeira vez o
cia Antiga 'a cultura física tinha uma posição de destaque. movimeiuo, em suas obras O movimento dos animais e Pari= dos
anima A aplicação dos conhecimentos de física nas atividades
atléticas, já então demonstrados pelos gregos, tem um exemplo nos
1.4 A CULTURA FÍSICA NA GRÉCIA ANTIGA
sulcoi no solo, isto é, as zonas de partidas das provas de corridas
de velocidade do atletismo, encontrados nas ruínas de Olimpia. Ou
A história "neutra" da educação física e do esportes já foi seja, os antigos gregos já consideravam o atrito e as forças ineren-
há muito relatada, porém Mo nos basta. Assim, a história da cul- tes para vencer a inércia.
tura Mica não pode reduzir-se a simples crónicas de reis, de feitos
heróicos e lendários, a futilidades pitorescas de feitos atléticos, co- Medicina desportiva
mo se não ocorressem sobre os ombros dos oprimidos, às-expensas Hipócrates (460-377 a.C.), o chamado "pai da medicina", tam-
dos sistemas políticos. bém cuidava de atletas, indicando inclusive a prática. de corridas
A Hélada Clássica legou de modo muito marcante para a cul- a pé, lenta%) de "duplo estádio", como forma de se acostumar is fa-
tura da civilização universal os fundamentos políticos da democra- diga e com isto manter a saúde; era também um critico dos aces-
da mecânica, da geometria, das artes, como do sos esportivos de MAN que incorriam em problemas de saúde e
tura etc., e também as bases da cultura física. Na de dau~ do espírito de lealdade das competições. Galeno*
briginaram-se os fundamentos de atividades gímnico- (131.400) ~avia dietas it base de carnes magras e frutas aos gla-
desportivas e de outros demento% ligados à cultura física, tais como: dia!~ ersiintainíta dos banhos fria e de massagens; e em sua
obrina cosaação da sadde aconselhara a prática de jogos com
a) Deimunento ffsico-desportivo porém com moderação.
Os dstesnas de tetas, quatro dias.seqüenciais de treinos fisi-
00s; treinamentos sistemáticos e metódicos por longos períodos de 7. ELeuego Y Los Deporta, ignoras" coleai& de enciclopédias monografias.
tempo e tarimbando com competições organizadas e periódicas; volt Barcelos% Montam: y Sinum. sd. P. 60.
dessobrecarga na preparação físico-desportiva, com hal- Ainda que foge Ério, -Galeno conviveu e trabalhou no império Romano.
29

1
c) Esportes e. atividades atlético-recreativas Os antigos Jogos Olímpicos, que ocorreram ininterruptamen-
Fundamentos e formas clássicas do atletismo, principalmente te por onze séculos, tinham um caráter pan-helênico, de coesão cul-
de provas de corridas, de velocidade e de meia distância; de lança- tural e nacional dos gregos. Possuíam também uma caracterização
mentos, como o dardo e o disco; e de salto em extensão. Eram tam- religiosa e secundariamente comercial. Sua força era tanta que as
bém praticados nos diversos jogos lutas como o boxe, já então com constantes guerras entre as cidades-estado eram suspensas quando
a utilização de implementos, como os treinamentos de socar uni das competições.
saco pesado, e o uso de protetores na'S mãos: Tinham grande pres- Os efeitos da valorização cultural das atividades atléticas dos
tígio as provas hípicas, notadamente Corridas de carros puxados por antigos gregos iábre a cultura ocidental, e universal. ainda, hoje se
parelhas de cavalos. Havia também jolos diversos com bolas con- pode perceber. Atente-se para a origem, e para certos terooís espe-
feccionadas de bexigas de animais e de outros materiais, e que eram cíficos utilizados cotidianamente no âmbito desportivo, tais como:
praticados inclusive por crianças e mulheres. Já então existia como halteres, atleta, ginástica, pentatlo, dentre outros.
divertimento infantil a brincadeira de rolar um arco com um bastão. A cultura física era marcante no universo cultural grego, sen-
do usual a otercitação física conjunta, entre amigos, em suas pró-
f) Especialistas em cultura física prias residências, ou seja, homens reuniam-se para a prática de exer-
A valorização da cultura física na Grécia Antiga levou à dife- cícios, como atividade social; a "vida atlética" dos cidadãos gre-
renciação institucional dos elementos mais ligados a ela. Houve a gos estendia-se até a velhice; os ginásios viviam tomados de pes-
criação de corpos de especialistas em questões atléticas, como os soas exercitando-se; os jogos eram ttnômenos culturais caracteris-
Gymnastai, dirigentes, semelhantes aos atuais presidentes de clu- ticamente dos helenos, sendo que deles somente participavam ho-
bes esportivos, que tinham postos de caráter honorifico, e em de- mens livres e de conduta ilibada. Para estes acontecimentos cultu-
terminadas cidades era pré-requisito possuir mais de trinta anos de rais, porém, havia um preço bem alto. Na chamada "democracia"
idade para o exercido do cargo; e os PedOtribai, instrutores que, grega, apenas uma pequena parcela da população tinha esse privi-
e tal como os modernos professores de educação física, necessitavam légio, eram os cidadãos. Pessoas que faziam cultura sobre os om-
conhecer os efeitos da ~citação física de modo cientifico. Eram bros dos que sofriam a cultura, pois para que uns se deliciassem
os monitores desportivos, técnicos que supervisionavam os treinos nas práticas atléticas, outros proviam a sociedade de sua subsistên-
portando urna vara, como símbolo de sua autoridade, e eram equi- cia. Tal como agora, a grande maioria trabalhava, enquanto uma
parados em status aos médicos de seu tempo. Ambos,s- cargos, minoria privilegiada usufruia dos bens por aqueles produzidos. E
de treinadores e de dirigentes, eram fruto também dypnvilégio de a proporção entre os escravos e cidadãos era elevada. Conforme
classe dos cidadãos gregos, que pertencianYàs elites das Enjels:
cidades-estado. .,
mo
A-cultu i na civilização helênica antiga, era de tal ma-
física, "No seu tempo de maior florescimento, Atenas contara com 9a000
mie valt que o ginásio era um dostdificios mais importan- ddadáos livres, ai compreendidas as naulheses e as criança os a-
tes das es. Como componente marcante da vida cultural de camas de ambos os secos no entanto sommarn 361000 penou, e
osimigrantes e libertos chegavam a 45.000. Pan cada ddadioadub.
_então,
, _.,as práticas atléticas eram tambãm meios de elevação social, to avia, ao mbino, dezoito escravos e mais nes metem"
1 jtopfiltiddochpltção do ócio dos cidadãos, podendo estes usufruir "Em Corinto, na últimos tempos de grandeza da cidade, eram
da cultura fisica desde a infinda até a velhice. A gymnasia possi- 46(1000 em atina de 470.04 nos dois casos o número de escrava
bilitava que os "atktas-cidadlos" fossem exemplos de homens de «a de dez mel o de cidadãos livres."
elevada posiçãt, iodai, exemplos de rettlização da cidadania.
Em Espana, os vocábulos xelim e jogador de bola equivaliam.
E toda a elite grega, para ser corwidentda "educada", alinhava a Mas com o declínio do poderio grego e a conseqüente domi-
música, a filosofia, a oratória ao ladci da ginástica. O filósofo Pla- nação romana, tambént. a cultura grega sofre processos de desatara-
tão (429-347 a.C.) tinha esse nome devido aos seus ombros largos.
E os próprios sofistas de maior influência eram admirados como S. E Eia" Ãodpni da Ama da propriedade privada e do Estada Rio de
os heróis do atletismo, ou seja, filósofos e atletas de destaque .3aneirk Brasileka, 1977. p. 132.
equiparavam-se em prestigio. 9. Idem. kin R. '
30 31.
gação, de involução. Acentuam-se os aSpectos negativos da cultura
física, sendo que os próprios Jogos Olímpicos se deturpam, che-
gando até a aceitar o profissionalismo e a premiação em dinheiro.
Não-gregos, como os romanos, tomam parte dos jogos, constando
que até g imperador Nero (37-ó8 chegou a sagrar-se campeão olím-
pico, ainda que seu Carro tenha corrido sozinho...
Em 393, como conseqüência da conversão do imperador Teo-
dósio (347-395) ao credo cristão, foram abolidas as festividades atlé-
ticas, inclusive os Jogos Olímpicos, Permanecendo, entretanto, co-
mo instituição prestigiada, o hipismo, pois q hipódromo de Bizân-
cio foi por muito tempo palco das celebrações de conquistas do Im-
pério Romano do Oriente

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43,

Ph História da EducaçãoiFfsica e do orte Gianr!ero Grifi


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II — O PERÍODO CLÁSSICO: A GRÉCIA

1— A CIVILIZAÇÃO GREGA E A GINASTICA

Falar da Grécia pareceria, à primeira vista ocioso ou então demasiada-


mente superficial, tanto é sabido e difundido entre nós, o "culto ao mundo
helénico"; todavia, devemos imediatamente evidenciar que o nosso estudo
sobre a-civilização grega é essencialmente voltado e aliado à problemática da
Educação Ffsica e esportiva que teve tants vida na cultura e civilização grega.
De fato, o primeiro e verdadeiro "florescer" da Educação F (alce,
mesmo se com precisas influências cretenses, foi iniciado na civilização grega.
Este povo, decididamente desenvolvido no campo cultural-polfdco e econó-
mico, encontram no esporte uma necessidade que não podia ser desligada dai
outras manifeststies.
Os exercfcbs ffsicos ~MT ummi importância fundarnanal na vida
dos homens, dada os tempos mais remotos. No Emendo helénico, a consoe-
ti* nasceu indubitatimente, primeiro da ginástica, que teve origem di-
retarnente, aio somente as estipendia utilitaristas que a natureza impunha
ao honz ate nramo ti ntemos- visto precedentemente:idas motivaçtes cul-
turais, -
Ao tater midarnente das origens, vemos que a Grécia foi Wibitada,
desde a Idade ped-bistórica, por povos da civilização nalftice. No iesmindo
milénio a.C. houve migraçães das estirpes Cedas, eólica e &ricas, que pene-
traram na Me Menor. nas ilhas. Em tomo de 1600 a.C., floresceu na Grécia
a civilização "Mates" e, mim, lasse as grandes dinastias de Argo, Esper-
ta, Atenas e I**.
A orgenbaçáo polfticoeodal da Grécia, na Idade hondrice, era caracte-
rizada par lorotas de mona:guia patriarcal, sucedida anteriormente por es-
truturas feudais e por governos dtadinos à base de oligarquia e, posterior-
mente, de governo democrático da polis. A religião primitiva dos gregos,
transmiti* ainda da época homérica, era de aniter'politersta-antropomór-
fico: o deus supremo era Zeus, seguido por uma série interminável de deuses,
como GIWOOC. APOIO, VIOUS, Mercúrio e assim por diante. Os gregos adora-
vam também os assim chamados semideuses, isto é, heróis *tintados Por
suas gloriosas ações, como ~e, Temo, Paseo, Orfeo. Foi na atmosfera
de cultua* ás divindades e aos heróis que surgiram os logos: manifestação

• 37

de vida universalmente difundida junto a toda a gente da península, das


acima citada), cada esforço e cada atividade eram a esse fim subordinadas e
ilhas e das colônias. O culto aos mortos, em auge na idade micénica, pare-
ceu de menor proliferação na civilização grega; a morte dos heróis gregos, ordenadas.
Em um período no qual os valores individuais e sociais equivalem-se,
paulatinamente, ficou somente ocasião de execuções solenes e jogos atléti-
como também valores físicos e morais, somente a capacitada de triunfar
cos.
sobre outros homens (enfim a virtude guerreira que, resumida em uma única
palavra, é o "aretê"), permitia ao homem superar e transcender a própria
2 — O PERÍODO ÁUREO condição humana e participar quase do divino.
Então, na Grécia do períodoarcaico (850 a 750a.C.), o exercício físico
terá uma importância que perdarará posteriormente, permitindo à ginástica
a) A Ginástica nos Tempos de Homero um lugar de destaque no sistema educativo grego a partir do século VI a.C.
em diante.
Os gregos fizeram da ginástica um mito e os poetas gregos cantaram nas
suas óperas os fatos e as peripécias dos jogos. Em particular, Homero, deixou
através da //fada e da Odisséia um testemunho altamente válido, que tem per- b) A Função da Educação Física na Civilização Grega
mitido aos estudiosos a fiel reconstrução das atividades gímnico-esportivas
daquele tempo. A educação grega comportava uma ulterior exigência moral: domínio de
Como diz Ferretti — "os poemas homéricos com seus heróis, seus reis, si e dos próprios atos. A cultura física organizava-se e, assim, a educação fí-
seus guerreiros, tão corajosos nas batalhas como nas competições atléticas, sica entrava honrosamente a fazer parte da pedagogia de base. No período
aparecem como história, história verdadeira", quando o arqueólogo E. áureo, a educação física era difundida em todo o mundo belénieo, enquanto
Schliemann, de 1871 em diante, "com o fervor de apóstolo e com a fantasia era expressão característica do espírito grego, propensa ao desenvolvimento
de poeta", revelou os mistérios dos Atrides. de cada dote pessoal, físico ou moral, como afirmação do indivíduo defron-
Portanto, é certo que somente em época posterior, os jogos adquiriram te à comunidade, que outro não era senão o princípio do "aretê".
um significado religioso; inicialmente, eram realizadas as competições para Inicialmente, a atividade física era reservada às classes sociais mais ele-
tomar mais solenes os ritos fúnebres. São exemplos típicos os jogos organiza- vadas; o povo, demos, viria a participar somente no perícdo de Atenas demo-
dos para as exéquias de Patrodo, descritos por Homero na Ilíada, que ve- crática, muito mais tarde, poranto.
remos, freqüentemente, nas "competições funerárias" que Atenas e Esparta, A ginástica tinha conexão tarabém com as normas higiênicas: os atletas,
como também as outras maiores cidades da Grécia, celebravam em honra aos em particular, ungiam-se com óleo e aspergiam-se com um pó destinado à re-
mortos caídos nos campos de batalha. Os jogos, todavia, não ocupavam os gularização da transpiração e à proteção corporal contra as intempéries,
heróis homéricos somente em celebrações religiosas. Basta recordar a festa como também era de muito uso o banho, seja ele quente ou frio.
de "Alcino" junto aos "Feaci", em ocasião da chegada de Ulisse na ilha de Todos, todavia, tinham um grande cuidado pelos seus corpos; também
"Beberia", após o naufrágio do herói. nos poemas homéricos, os.heróis, após os fatigantes combates e competições,
Em uma época, durante a qual a atividade bélica era, diríamos, con- freqüentemente efetuavam banhos restauradores com subseqüentes fricções
tínua e constante, os jogos representavam um momento de repouso e tam- de óleo para tornar a pele menos seca.
bém uma alternativa após os cruéis e sanguinários combates e, ao mesmo
tempo, preparavam os atletas para novas lutas.
Nos poemas homéricos existem amplas descrições de exercícios atléti- c) A Educação em Espana e Atenas
cos, dirigidos sobretudo à avaliação atlética (física) dos guerreiros: tratava-se,
portanto, de atividade agonística prevalentemente pré e pós-militar. Já no século VII .a.C., Espana e Atenas começavam a delinear unia rela-
1 Os jogos então praticadSeram o pugilato, a luta, o rogo de bola, o ção de corpo com critérios pedagógicos. Esparta batem o seu ideal educativo
lançamento do disco, o tiro com o arco, a corrida, a dança e, sobretudo, a no reforço do corpo e da moral dos seus citadinos para fazé-los bons solda-
corrida automobilística. dns; Atenas preocupou-se, ao invés, de Uma completa formação de personali-
As cerimônias e as competições atléticas tinham uma característica ex- dade humana. Conseqüentemente, os exercícios praticados pelos espartanos
clusivamente aristocrática: para os heróis homéricos, os -intrépidos cavalei- eram muito diversos dos exercícios atenienses. As atividades físicas esparta-
ros", descritos prevalentemente na Ilíada, *Virtude guerreira" e -areté" con- nas ficaram ancoradas ao conceito de citadino, isto é, soldado a serviço de
fundiam-se, constituindo um todo; e após terem conseguido esse fim (a fusão polis; as de Atenas procuraram a formação e o desenvolvimento das qualida

38 •

des pessoais como a graça, a harmonia dos gestos, a habilidade e a destreza.


A educação ateniense, em particular, era entendida como necessidade forma- As crianças, até aos sete anos, eram educadas e crescidas junto à famí-
tiva: educação completa e integral, onde finalidade física e espiritual comple- lia; depois dos sete anos, o Estado as educava junto aos instrutores públicos,
tavam-se reciprocamente. ou seja, o "pedonomo" e o "irene", que era um rapaz mais velho que os
demais.
Vinham exercitados em toda espécie de jogos gímnicos e, ao mesmo
tempo, deviam manter e observar a mais severa disciplina: deviam mos-
d) A Educação em Esparta trar-se indiferentes ao frio, à fome, à sede e a todo tipo de fadiga. Era hábito
espartano atirar em uma voragem, dita Taigete, as crianças nascidas defor-
madas, porque consideradas inúteis à Pátria.
necessário dizer antes que a cultura espartana, fundamentada na guer-
ra como tradição, não foi uma constante e que também teve momentos fe- Do ponto de vista cultural-intelectuai, os jovens aprendiam um míni-
mo de cultura, como ler e escrever, o estritamente necessário às exigências
1 lizes ligados às atividades gímnico-esportivas.
da vida. Os espartanos não consideravam grandemente a cultura no senso
Poderíamos delinear as vicissitudes desse povo em três momentos:
especifico, porque era inútil a um guerreiro.
O primeiro período entre os séculos VIII e VII a.C., quando a cidade
de Lacómia classificou entre 80 vencedores olímpicos, 46 atletas. Nesta épo- Os jovens, próximos aos dezoito anos, transformavam-se em "irene"
ca, a dança e, em particular, a música, foram muito cultivadas e seguidas. e treinavam-se no uso das armas; aos vinte anos, eram admitidos na milí-
cia; aos trinta anos, então, citadinos de Esparta, onde tomavam parte das
Remontam de fato a este período, as duas primeiras escolas de aéom-
panhamento vocal e instrumental, unidas ao coro lírico. assembléias populares para eleger e votar as leis propostas pelo próprio
Senado.
O segundo período, com Licurgo, no ano de 550 a.C., a educação
física veio relegada à resolução de problemas militares: poucas foram as vitó- Assim, em Esparta, nasceu e desenvolveu-se a ginástica militar, na ver-
rias nas Olimpíadas e escassa a atividade musical. dadeira acepção da palavra, justamente porque aí encontrou suas melhores
O terceiro período verificou-se quando, gradualmente, os espartanos, condições ideológicas. Esparta transformou-se, com tais instituições, muito

i
nos séculos sucessivos, tendiam à aproximação do costume ateniense e à aguerrida e potente, de ser capaz e pronta para promover guerra onde e com
Grécia no geral. quem quer que fosse.
Portanto, é oportuno precisar que aquilo que será tratado sucessiva- Unida à ginástica e aos exercícios militares, continuou a ser praticada
mente, tratar-se-á sobretudo do que aconteceu em Esparta após as refor- a dança e a música, mesmo ocupando um lugar secundário com respeito à
mas de Licurgo, período esse que coincide com o florescer em Atenas do nducação militar. Sucessivamente, também Esparta considerou o exercício
conceito clássico de Educação Física. f ísicomma atividade recreativo-esportiva; de fato, recomeçou-se a valorizar
Esparta, então, representava a poliS guerreira por excelência e desde o prazer do jogo e da competição e o valor moral e religioso da ginástica.
os tempos arcaicos, estava envolvida em reforçar e estender a própria po- A extraordinária importância que teve a ginástica na educação do ci-
tência e também em defender-se dos contínuos perigos e ameaças provin- dadão espartano, remonta a tempos bastante longínquos: a tradição indica
das dos povos que lhe faziam divisa. Era dotada do melhor exército da Gré- como sendo os espartanos os primeiros vencedores de muitos jogos competi-
tivos e também como inventores de alguns deles como, por exemplo, o pugi-
cia e então educava os jovens ao exercício físico dirigido à atividade guer-
lato e o pancrácio (competição que compreendia a luta e o pugilato).
reira. O ideal dos heróis homéricos veio, portanto, substituído por aquele
do cidadão-soldado, crescido e educado para o ministério das armas. Também parece ter sido de origem espartana, a extensão dos exercí-
cios físicos às mulheres, as quais vinham virilmente educadas com a meta de
A ginástica para os espartanos tinha o compromisso de fortificar o
preparar o corpo, para torná-las mães fortes e robustas. •
corpo, preparando-o à guerra: o fim último era sempre a batalha, a defesa
da polis; a polis
era tudo para os citadinos espartanos, porque contribuía
no crescimento de homens fortes e valorosos. A educacão espartana preocu-
pava-se em habituar os jovens às fadigas, às privalsões, à obediência; em tor-
e) A Educação em Atenas
ná-los robustos, vigorosos e astutos ao afrontar-se com qualquer perigo; em
preparar bons soldados habituados ao sacrifício na defesa da pátria. Procu-

Até o século VI a.C. entre Atenas e Esparta, por quanto concerne a
rava-se formar uma personalidade submissa à obediência e à supermacia do
Educação Física, não se notava grandes diferenças de impostação, salvo o
Estado sobre o indivíduo. Conseqüentemente, ao Estado era reservado o
exclusivo direito de educar a juventude. caráter militar mais acentuado do sistema educativo espartano, se posto em
confronto com o sistema educativo "mais aberto" das estruturas atenienses.
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Por volta do ano 550 a.C., as cidades gregas e, em particular Atenas, iniciou-se um processo de decadência do original atletismo grego e acen-
orientavam-se em direção a uma forma de governo democrático, com exce- tuou-se a "vulgarização", se assim podemos chamar, do esporte em geral e
ção de Esparsa, que persistiu em manter um governo aristocrático de caráter dos exercícios gímnicos.
oligárquico. Gradualmente, veremos decair a potência de Esparta e afirmar-se A propósito, Marrou prossegue: "com a prática do atletismo, em Parti-
a supremacia de Atenas. cular, todo o velho ideal homérico do 'valor', da emulação e da ação passava
Com a reforma de Solone, veio introduzida em Atenas, a educação cor- dos valheiros ao demos--
pórea, segundo um novo costume: a ginástica perdeu aquele caráter especí- A adoção de um modo de vida civil e não mais militar, tinha, de fato,
fica e exclusivamente militar que tinha caracterizado a atividade gímnica transposta e reduzido ao plano somente da competição esportiva este ideal
em Esparsa. Em Atenas, entre os séculos VII e V a.C. a própria vida, a cul- heróico. A obra de F3 índaro (521-441 a.C.) é a esse respeito altamente signi-
tura, a educação adquiriram um caráter antes de tudo "civil".
ficativa.
Naturalmente, o elemento militar não desapareceu completamente; as Confirma Marrou "as suas odes triunfais (...) celebram o 'valor' dos
incessantes guerras que a república de Atenas sustentou contra os seus vizi- campeões da Grécia, como o aedo' homérico celebrava os gestos dos he-
nhos (...) fizeram com que o património cidadãos-soldados não fosse extin-
róis (.i. O olimpianismo parecia digno de ser honrado como somente são os
guido. Porém, parece que a atenção em preparar diretamente o cidadão aos olímpicos nos anos a eles consagrados".
seus deveres de combatente tenha cessado de ser parte importante na educa- O ulterior processo de transformação a que foi acometida a ginástica
ção do jovem grego", como diz argutamente Marrou, na História da Educa- entre os séculos VI e V a.C., não lhe representou na realidade um momento
ção na Antigüidade. de declínio. Ao contrário, podemos dizer que a fé no valor exemplar da vir-
Enquanto que a democracia suplantava o velho regime aristocrático, a tude continuou, ainda, por um certo período de tempo, a ser o ideai comum
atii.idade gfmnica — mesmo continuando sempre a representar na educação dos homens livres, o ideal supremo da civilização helênica. Neste período4 o
dos gregos uma disciplina de primeiro plano (neste período, com o advento ginásio de esportes e a "efebia" transformaram-se em uma instituição públi-
das escolas, ao ensino da educação física veio acostado o da música e o da ca. A efebia representava um completo programa de educação, enquanto no
gramática) — até então somente monopólio das classes ricas, torna-se acessí- ginásio encontrava-se todos os materiais e aparelhos adequadoS à execução.
vel a todos, inclusive ao demos, isto é, ao povo, onde a todos os cidadãos As crianças eram educadas na família, que utilizava-se de um mestre pri-
vêm reconhecidos os mesmos direitos e deveres, quando então só era reser- vado e, após, eram levadas às escolas. A educação baseava-se em três discipli-
vado aos aristocratas. Além dos motivos de caráter histórico-cultural, acima nas fundamentais: a ginástica, a gramática e a música. As crianças eram con-
acenados, outros fatores influenciaram, tomando possível, sobretudo ao que fiadas aos "Oedótriba", isto é, mestre de ginástica que lhes educava o físico;
se refere à ginástica e ao esporte em geral, aquele processo de democratiza- ao "citarrista", oti seja, maestro de música que lhes dava lições de dança e de
ção do qual estávamos falando. música sobre a lírica e a flauta; ao "gramático", de quem as crianças apren-
A extensão e o desenvolvimento do atletismo profissional, por exemplo, diam a escrever e a ler. Tal sistema educativo favoreceu o desenvolvimento da
influenciou notavelmente nesta direção. função dos mestres de ginástica, os pedotribas, que ensinavam no ginásio de
O atletismo profissional começou a desenvolver-se na Grécia após a ins- esportes, os exercícios gímnicos que constituíam uma verdadeira educação
tauração dos jogos olímpicos 776 a.C. fisiológica adequada à idade das crianças. Os exercícios que faziam parte do
No século VI a.C., aos jogos olímpicos juntaram-se os jogos Delficos, programa eram: a corrida, o salto, o lançamento do disco e do dardo, a luta
Ist
micos e Nemeos. A introdução na vida grega destes jogos, que além do e, após, também o pugilato, o pancrácio e a equitação.
aspecto militar exaltavam também outros aspectos (o prazer do jogo, da Esses maestros, pedótribas, miravam criar um homem sadio, corajoso,
compefição, o valor particular de caráter quase sempre religioso dados aos completo, isto é, que unisse os dotes da beleza física às qualidades morais.
exescfcios físiccs), se de uma parte não desencadearam o entusiasmo da mul- Quando o jovem completasse os 18 anos, após um exame avaliativo, tra •
tidão, que reservavam aos vencedores verdadeiras e próprias manifestações inscrito nas listas de uma primeira chamada, dita "efebia" e a educação a par-
triunfais, de outra parte, favoreceram inevitavelmente o desenvolvimento da- tir desse momento era dever do Estrio. A educação do efebo era.de caráter
gude atletismo profissional, tão virtuperado e desprezado por uma série de prevalentemente militar e consistia de treinamento as armas, de evoluções
autores que vai de Senofane a Galeno. Deste momento, de fato, sempre em por grupos, de exerciução ao aberto, de simuladas batalhas e de outros exer-
maior numero serão os atletas que, sendo particularmente dotados para os cícios. Os efebos eram confiados a um magistrado primeiramente chamados
vários tipos de competição, começarão a dedicar-se ao atletismo, a ponto d. "sofrenista" e, mais tarde, "cosmeta".
utilizar todo o seu tempo à preparação física-técnica, fazendo desta ativida-
de o único objetivo de sua existência. Com o atletismo profissional, então,
7— Aedo =cantor éPICO da Grécia antiga.

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"aquela coisa" capaz de dar e manter agilidade, destreza e robustez ao físico
A educação física e a prática esportiva eram, portanto, ainda considera-
humano.
das fundamentais à formação de uma personalidade ideal e esse conceito per- "O objetivo principal dos exercícios físicos — disse Valletti — era o de
maneceu inalterado por um longo período de tempo, ainda se intervalado auntàntar as forças corporais; dar-lhe simetria e harmonia de formas; torná-lo
por grandes e interessantes acontecimentos. mais apto às manifestações artísticas e preparar a juventude às provas mais
rudes e difíceis da ginástica militar e ao uso das armas".
Se bem que estivesse em continua evolução, perdurava ainda, de certo
f) Festas Panatenéias
modo, c ideal homérico do "areté". O ensino da educação física não objeti-
vava, todavia, dar aos jovens só e exclusivamente uma preparação técnica,
Antes de concluir, é oportuno recordar que em Atenas a maior festa ci- mas sim preocupava-se em dar-lhes uma formação ética e moral. Uma cons-
tadina, religiosa e civil era a "Panatenéia" celebrada em honra de "Atenas
tante e escrupulosa prática gímnica e esportiva, devia visar à formação tanto
Polida" (deusa protetora da cidade) e efetuada no mês de ecatombeone (ju- do caráter como do corpo do jovem. Tanto é verdade que o ideal da educa-
lho/agosto). ção em geral e, em particular, o da educação física, era resumido e acentuado
A tradição a atribuía à instituição de Teseu, após restaurado por Pi• e bom,
na conceituação da teoria da katokagathia, que significava ser bonito
sístrato. A antiga festa dividia-se em duas grandes manifestações: grandes pa- ou então "beleza e virtude". Bonito corno beleza física e bom como validade
natenéias celebradas a cada quatro anos e as pequenas panatenéias, celebra-
moral.
das a cada ano. O princípio da kafokagathia exortava o homem grego a buscar a "per-
A grande festa panatenéia continuou a crescer de importância e de es- feição" que culminava no mito, sinônimo de "arar e enquanto assim, assu-
plendor a partir do período de Pigstrato em-diante, tendo sido acrescenta- mia.° significado específico de equilíbrio harmônico entre físico e espírito.
do competições musicais, poéticas e de novas competições gímnicas e hipi• Existia, portanto, uma grande relação entre educação física e educação Cri
cas. Os atletas participavam das competições gímnicas, divididos em três ca- geral. Ao ideal da kalokagathia uniu-se toda a concepção humanfstica grega
tegorias: crianças, jovens (16-20 anos) e adultos, que se fundamentavam do colgo do físico que se distinguia, seja da concepção militarística da edu-
em corridas, pentatlo, luta, pugilato, pancrácio. Os vencedores recebiam cação física, que da concepção médico-profilática.
corno premiação um certo número de ânforas de óleo, feito com as olivas Apesar de todas as tentativas, não foi, todavia, possível conciliar segun-
sagradas de Atenas. As competições hípicas consistiam de: competições de do este ideal, a beleza com a virtude e nem mesmo foi possível a fusão da gi-
bigas, quadrigas, corrida de carros cerimoniais e de carros bélicos. nástica atlética com a militarística e nem mesmo com a médica.
Durante essa festa, desenrolava-se também uma competição de dan- Somente Platão, mais tarde, eliminará estes contrastes, que certamente
ça pírrica e uma espécie de campeonato de "perfeição física" coletiva: cada não foram favoráveis à educação física em geral,
time apresentava jovens devidamente escolhidos pela estatura, robustez e
beleza dos membros e aos vencedores, seja da dança ou do concurso, era da-
do em prêmio um boi. h) Os Sofistas
As festividades prosseguiam noite adentro e no dia seguinte desenrola-
va-se uma procissão de agradecimento à Deusa Atena. A organização e dire- Em torno da segunda metade do século V a.C., os sofistas operaram
ção dos jogos e das competições era confiada a dez anotaras, que tinham uma verdadeira e própria revolução pedagógica, que levou a uma profunda
mais ou menos as mesmas características dos juizes olímpicos, os El/ano- transformação nos valores tradicionais da civilização helênica. A sofística in-
dites. troduziu um sistema político-educativo, que difundiu-se maiormente em
Atavas', centro político e cultural da Grécia.
Era o período em que a democracia assumia formas sempre mais claras
g) A Teoria da Kalokagathia e evidentes; o desejo de participar direta e ativamente da vida política do Es-
tado, de modo pârticular em Atenas, transforibando-se em uma exigência
Como já vimos, no século V a.C., à educação física era ainda atribuída sempre mais sentida não somente entre os aristocratas, mas também entre
uma função importantísssima na formação da "personalidade ideal". Esta- e
todas as classes sociais.
va-se ainda em uma época em que o conceito de alma não tinha sido ainda G velho ideal do herói guerreiro foi, paulatinamente, enfraquecendo-se,
definitivamente separado do conceito de corpo. A "personalidade idear, perdendo seu significado, finalizando por materializar-se no atleta, visto
portanto, era ainda uma "coisa qualquer" estritamente conexa ao desenvolvi- como símbolo, modelo, figura exemplar. Com os sofistas, a "virtude" deixou
mento harmonioso do corpo, não totalmente como fim a si mesma, mas sim
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de representar um ideal heróico, guerreiro ou esportivo; esta veio caracteri-


e que para preparar o homem para formular uma opinião, não era mais sufi-
zar-se como "abertura de horizontes" e como capacidade de "fazer valer as
ciente a música e a ginástica da educação tradicional.
próprias opiniões". Consciente, Marrou afirma "o exercício do poder, a di-
reção cos -afazeres" convertem-se em ocupação essencial, a atividade mais É óbvio, portanto, que os sofistas, com a acentuação da educação in-
telectual, não se interessem pelas atividades corporais e, portanto, o deslei-
nobre e mais estimada do homem grego, o objetivo supremo oferecido à sua
xo com a educação física. O comportamento dos sofistas a respeito da edu-
ambição". E acrescenta: "trata-se sempre, para ele, de prevalecer, de ser su-
cação física não foi outro senão de indiferença, mas não de desprezo, como
perior e potente, mas não é mais no campo do esporte e da vida elegante que
defendem muitos autores, entre eles Ullmann. Conseqüentemente, a educ:á.
seu "valor', o seu "ereto" procura afirmar-se; é na ação política que de
ção física começou a ser abandonada e posta em segundo plano no sistema
agora em diante encarna-se. Os sofistas colocam o seu ensino a serviço deste
pedagógico grego. Todavia, os "ginásios continuaram a ser bem freqüenta-
novo ideal, o "areti" político: preparar o espírito para uma carreira de ho-
dos, mas somente porque, como afirma Ullmann, isso tinha-se transformado
mem do Estado, formar a personalidade do futuro líder da cidade, esse é o
em hábito".
programa de ensino dos sofistas".
A acentuação do aspecto intelectualístico, em prejuízo do esportivo,
Os sofistas exaltavam, portanto, a dialética, a retórica, sobretudo a arte
assinalou o declínio deste Ultimo, que sobreviveu somente para fins higiêni-
da "persuasão". A sua intenção era de secularizar e racionalizar a civilização
cos e espetaculares. Contribuiu fortemente para desclassificação do compo-
em todos os aspectos: da vida moral ã social e desta à política. Objetivavam,
nente esportivo no âmbito da educação grega, o excessivo desenvolvimento
aincfa, desviar o interesse, até então voltado à natureza, ao homem; revalori-
do atletismo profissional, isto é, o nascer de um verdadeiro profissionalismo.
zar o pensamento; tratar a ética cientificamente, inserindo-a em um sistema
Já entre os séculos VI e V, tinha-se manifestado e começava a formar raízes
filosófico orgânico, trazendo presente, assim, o valor do estudo das letras.
fenómeno profissionalístico, vindo em tão breve tempo a assumir dimen-
"A solística representa - para Padovani - a fase em que a consciência •
sões e aspectos tecnicos maiores. "O excesso de espírito competitivo - pros-
cultural grega denuncia a crise dos seus próprios valores tradicionais, adver-
segue Marrou - acumulou consigo a seleção de campeões estritamente es-
tindo a falta do absoluto e a presença do relativo. Todavia, foi nesse período
pecializados, simples "empreiteiros", destinados a uma função rigorosamente
que o poder da educação foi exaltado". O seu objetivo principal era o de
determinada". Os atletas exasperados recorriam a esta atividade em exte-
fazer dos alunos homens de sucesso na vida.
nuantes e meticulosos treinamentos, regulados segundo técnicas particulares
Os sofistas intencionavam desenvolver, fortificar e preparar a mentalida-
a regime especial de caráter dietético. O esporte transformava-se, a cada dia
de dos jovens à carreira política, assim a educação adquiriria um caráter in- to
mais, num ofício, numa profissão. A diferença e o destaque entre ideal espor-
telectualístico, em cuja base existiria a dialética e a retórica: dialética como
tivo e ideal intelectualístico transforma-se em insanável e o equilíbrio, já ins-
arte de persuadir, retórica como arte de falar. Os sofistas declararam, cini-
tável entre as duas concepções, rompe-se. Praticar-se-a, ainda, esportes em
camente, ser importante somente o sucesso e fizeram da dialética e da retó-
Atenas e em toda a Grécia, mas não será mais o esporte o objetivo principal
rica a sua doutrina cujo fim explícito era o triunfo da habilidade oratória.
da educação grega, nem mesmo da juventude.
Com a sofística, a ética grega superou definitivamente o ideal univer-
saltstico do caráter democrático, que tencionava impor, em lugar da honra,
a consciência do dever, do respeito, dos princípios universais e a exigência do
Os Filósofos Gregos
saber aplicado à vida prática.
Na determinação deste processo evolutivo, os sofistas tiveram uma
Aceito o pressuposto de que existe uma forte relação entre teorias fi-
função importante: esses giravam de cidade em cidade para recrutar novos
losóficas e concepções sobre a educação física, pegaremos em exame o
discípulos, inviituindo escolas em cada um desses lugares. Os sofistas diri-
pensamento de alguns entre os filósofos mais representativos da antigüida-
giam-se a todos que tivessem ambições políticas e que quisessem adquirir •
de e esses seriam: Sócrates, Platão e Aristóteles, para ver como inicialmente
os dotes necessários para afirmarem-se na carreira política. Todavia, suas foi imposto o problema da educação física, como tal:disciplina posteriormen-
clientelas eram formadas de tiristocratas e ricos, os quais riensavam encon- te desenvolveu-se se através de quais acontecimeAtos a educação física perdeu .1
trar no ensino desses mestres sofistas os instrumentos para continuarem a seu significado e impottância.
sobressaírem-se na sociedade ou mesmo para iniciarem-se em uma brilhante Os problemas filosóficos acima acenados agiam e determinavam as teo-
carreira política.
rias da educação física. Obviamente, tanto umas como as outras, surgiam e
Entre os mais famosos sofistas recordamos Protágoras e Gorgia. Frota- desenvolviam-se no interior de contextos históricos, dos quais eram insepará-
goras, em particular, afirmava que o "homem é a medida de todas as coisas-,
veis e onde diversos fatos interferiam uns sobre os Outros, sofrendo influên-
cia conforme o acontecimento.

46 •
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Como afirma justamente Perrotto "a tomada de posição dos filósofos


Sócrates
para com a ginástica, enquanto define o seu valor e sua função na paidea,
ao mesmo tempo coloca-a em crise, redimensionando-a em relação às exigên- A virtude como conhecimento
cias de uma vida agora mais sensível aos interesses culturais e às atividades Cem Sócrates (Atenas, 469-399 a.C.), o destaque entre ideal esportivo
especulativas. O ginásio acolhe sempre a juventude interessada e empenhada e inteiectual assumiu formas mais distintas e evidentes.
nos exercícios físicos, mas não é mais como no passado, isto é, aquele giná- Quase que contemporaneamente aos sofistas, a sua procura filosófica
sio que absorve todas as energias e todos os ideais. O jovem grego é absorvido baseou-se essencialmente no homem: o problema antropológico prevalecia
pelos sofistas, sofre o fascínio de um Sócrates, de um Platão, de um Aristó- sobre o cosmológico, a unidade do saber não era procurada na unidade da na-
teles, que acordam sua alma ao gosto das coisas mais profundas e maiores, à tureza, mas na unidade do homem, na sua conduta prática, nas suas relações
reflexão e à procura em um mundo que nada ou bem pouco tinha para divi- com a sociedade e como Estado, com todas as suas aspirações e ambições.
dir com aquele dá força e da destreza. A filosofia de Sócrates era, porém, bem diferente daquela dos sofistas.
Todavia, a coexistência entre atletismo e instrução conservou um certo Os sofistas visavam à persuasão, ao fazer-se dar razão; à obtenção do sucesso
equilíbrio e estabilidade durante todo o período helênico, mesmo se a pro- a qualquer custo, não preocupando-se nem com a verdade, nem com a justi-
gressiva sobressaliência dos interesses literários e filosóficos faziam prever o ça. Sócrates, por sua vez, não procurava o sucesso, não pretendia impor urna
surgimento de um antagonismo entre cultura do corpo e do espírito, antago- doutrina, mas somente estimular o interesse dos seus interlocutores, a fim
nismo que, afirma não totalmente errado Le Boulch, apesar de todos os es- de fazê-los procurar a verdade e a justiça, que representavam a verdadeira fi-
fprços teóricos, desfiará os séculos para reencontrar-se intacto também nas nalidade do homem.
sociedades contemporâneas. Ao fundamental utilitarismo dos sofistas, Sócrates contrapunha a exi-
Paulatinamente, com a mudança das condições políticas, psicológicas e gência do eomportar-se e agir moralmente. Por isso,ele afirmava que o prin-
sociológicas do povo grego, a ginástica não terá mais o poder de expressar cipal problema do homem era o de conhecer-se e de conhecer para procurar
os seus valores e de manter a sua presença qualificante no curso da paidea: a "verdade".
os grandes e os pequenos ideais dos quais estavam a serviço, não mais cone- Somente através do conhecimento, o homem podia chegar ao conheci-
xos por uma unitária concepção da educação, ou cairão ou assumirão uma mento da "verdade", à distinção do bem e do mal e à percepção — no verda-
fisionomia independente e especialista, aliada a motivações particulares. deiro sentido etimológico da palavra —, daquela ordem geométrica que estava
Em efeitos, nota-se nas doutrinas filosóficas, com exceção da doutri- 4
à base de cada coisa e que tudo regulava. Conhecer, segundo Sócrates, signifi-
na de Platão, um fundamental contraste entre educação intelectual e edu- cava agir moralmente: somente quem era n4scio podia pecar.
cação física. No complexo interno da educação, quando essa encontrava-se Sócrates afirmava, constantemente, que Mb sabia e que portanto, não
em fase de predomínio, a ginástica foi, gradativamente, perdendo significa- poderia ensinar. Poderia somente ajudar os seus interlocutores, oferecen-
do enquanto crescia a importância do conhecimento filosófico e do conhe- do-lhes situações estimuladoras no plano intelectual e dialogando até alcan-
cimento em geral. çar a verdade. Este método de ensino, logo, não consistia na concessão de
Somente Platão tentou colocar junto, isto é, conciliar o aspecto físico lições que dessem noções sobre o saber, como faziam os sofistas, mas tinham
intelectual, aspectos estes considerados importantes na formação do ho- o escopo de desenvolver e aumentar no homem a capacidade de reflexão e da
mem. Infelizmente, porém, foi uma conciliação momentânea: o equilíbrio pensar. Justamente por isso, Sócrates foi acusado de estragar os jovens e foi
rompeu-se quase que imediatamente. Já com Aristóteles, a educação física condenado à morte: tomou a cicuta para não desrespeitar, inclusive, os prin-
a formação intelectual surgiram claramente distintas. Mesmo que este con- cípios legais do Estado.
traste esteja presente- em grande parte da filosofia antiga, por vezes mascara- As preocupações fundamentais do homem deviam ser aquelas do co-
da, por vezes evidente, tica o fato de que já na antigüidade tinham sido ca- nhecer, portm antes e, sobretudo, aquela do conhecer-se a si mesmo, porque
çadas e delineadas as principais formas de educação física, isto é, a ginástica somente dentro de si o homem podia encontrar aquela ordem e harmonia
militar, a ginástica atlética profissional e a ginástica médica. Cada uma dessas due regulava a própria exisféritia. Conhecer-se a si mesmo tkignificava, para
ginásticas encontrou seus teóricos e seus sustentadores. Justamente esse no- Sócrates, conhecer a própria alma. Portanto, sua filosofia preocupava-se prin-
tável grau de evolução conseguido constituiu para a História da Educação Fí- cipalmente com o conhecimento da essência íntima do homem, por isso o
sica um de seus grandes patrimónios. O problema ficou sempre aquele rle conhecimento não era mais intelectualismo ou cLIturismo, mas sim intros-
conciliar educação física e formação intelectual, isto é, aquele de inserir no- pecção.
vamente a ginástica na estrutura interna da educação e de atribuir a ela uma O conhecimento se interiorizava e se espiritualizava: o corpo era subor-
função específica na formação do homem. dinado à alma, a qual devia dominar a si mesma e ao corpo e, conseqüente-
mente, não havia muito espaço à Educação Física. Com Sócrates, a educação
48 • 49
o •

começou a ser entendida, essencialmente, como cultura do espírito, ficando


1

O Estado é idealizado por Platão, como aquele organismo dividido em


cada vez mais acantonada a educação física e corpórea. Outros filósofos re- classes correspondentes a virtudes tais como: a sabedoria, correspondia a
pensaram a consideração sobre a educação do corpo: o primeiro dentre eles classe dos guardiões, isto é, dos "sábios e dos filósofos", destinada a exercer,
foi Platão, que também não pôde ir muito além, dada a enorme importância mediante a razão, a função de guia na vida do Estado; à força correspondia a
que a educação do espírito já tinha assumido na filosofia grega, trazendo em classe dos guerreiros destinados à defesa do Estado; a temperança correspon-
conseqiiência enormes desvantagens à educação física.
dia a classe dos "produtores", isto é, dos artesãos, dos comerciantes, destina-
dos a satisfazer as necessidades da comunidade.
I) Platão Justamente para que cada cidadão pudesse desenvolver a sua função na
o vida interior do Estado, necessário era que ele fosse educado e era função do
Estado o favorecimento de possibilidades para que cada criança recebesse a
A Ginástica Subordinada à Procura da Verdade devida instrução.
Piado 'Atenas, 427/428-348 a.C.), discípulo de Sócrates, foi fiel ao A educação, segundo Platão, devia ajudar o homem na realidade da or-
espírito educacional de Seicrates. dem moral para alcançar o seu próprio ideal dentro do mundo inteligível for-
mado pela verdade e pela justiça.
"A herança do ambiente donde provinha — diz Marrou — e o seu tem-
A ginástica e a música exerciam uma importância fundamental na fase
peramento pessoal, colocava Platão aliado ao ideal do século precedente, o
inicial da educação das crianças e eram duas disciplinas, uma complemento da
qual punha no "valor político" o maior fim do destino humano. Sabe-se mui-
outia, que porém, concorriam a um único fim: a formação dium harmonio-
to bem como a ambição (política) de Platão foi comprometida, dado a derro-
so desenvolvimento da personalidade humana. A ginástica servia para robus-
ta definitiva daquela aristocracia reacionária da qual pertencia: seu primo
Crizia e seu tid Carmine. que teriam, avidamente, sido protetores da sua car- tecer o corpo, tornando o indivíduo corajoso e resistente à fadiga e, portan-
to, satisfazer o temperamento "ardente", enquanto que a música servia para
reira política, desadeceram desonrados por terem colaborado com a Tira-
conferir graça e sensibilidade à alma, satisfazendo o temperamento "f ilo-
nia dos Trinta (404-403 a.C.), na qual a velha direita ateniense teria credi-
sof ico".
tado na restauração dos seus domínios, favorecida pelo desastre da Guerra
A ginástica era um instrumento para a formação da personalidade, que
do Peloponeso. A democracia renasce e triunfa definitivamente. Na nova
não dizia respeito somente ao corpo, mas também à alma. O exercício
Atenas não existe mais lugar para um homem do ambiente e com idéias de a
físico era eficaz ao desenvolvimento do temperamento ardente e aos "dons"
Platão". Foi assim que Platão retirou-se de Atenas e procurou realiza:- seus
de coragem dos protetores do Estado,
"planos de governo" na Sicília, junto com Dionísio, o velho; porém, também
aí caiu, rapidamente, em desgraças. A partir deste momento, -Platão abando-
A ginástica segundo Piado
nou as cidades reais para refugiar-se nas teorias e na utopia".
Piado, com sua nova filosofia, veio dar à Grécia Antiga a sua mais alta Platão, na República, afirmada a necessidade e o alto valor educativo
concepção religiosa. O tema fundamental do seu ensino, nas obras onde apa- da educação física, questionou-se sobre estas duas questões:
rece a problemática da educação física, permanece contudo, aquela da po- — o que se deveria entender por ginástica;
lítica e não podia ser diferente. A grande parte dos seus assuntos tratam des-
— que lugar teria a ginástica na educação e na organização do Estado.
te argumento mas, para o presente trai:olho, nos interessarão somente as Para responder ao primeiro quesito, Platão quis esclarecer, primeiramen-
idéias platônicas e, em particular, as duas obras de maior atinência à educa-
ção física, as quais são República e Timeo. te, quantos tipos de ginástica existiam e quais relações concorriam entre elas.
De fato, a ginástica estava subdividida em militar, atlética-prpfissional e mé-
De fato, mesnao encontrando diferentes referências nas obras de Platão, dica.
a respeito da ginástica, somente na República e no Timeo
essa é objeto de O nosso filósofo tentou fazer uma comparação entre a ginástica militar,
exposição sistemática, porém, tratada de maneira diferente.
Na República, que considerava a forma mais útil ao exercício físico, porque servia à defesa
um tratado políticô, Piado falou da ginástica emNermos 'do Estado, e as outras duas formas de ginástica, atlética e médica.
práticos, levando em consideração sua utilidade como preparação à guerra e,
A ginástica militar, sempre no Conceito Platônico, baseada em exercí-
portanto, como defesa ao Estado e na formação de guerreiros.
No 7 imeo, cios aptos no preparar "os guardiões" do Estado, devia mirar em manter os
uma obra mais filosófica. Platão falou da ginástica sob o guerreiros sempre prontos e em ótima saúde e prepará-los, sobretudo, para
ponto de vista físico, levando em consideração a importância que essa tem suportar as fadigas da guerra.
no desenvolvimento e na formação harmoniosa da personalidade humana; o Outrossim, devia ter um caráter natural, espontâneo, simples, como sim-
seu intento, enfim, era ode dar à ginástica uma base metafísica. ples devia ser o regime dos guerreiros; tinha não somente uni valor prático,
50 51

mas também moral na educação e na formação dos citadinos. Anteriormente,


O excesso de desenvolvimento da alma ou do corpo, um em detrimento
na República, o exercício da ginástica era representado quase exclusivamente
como prerrogativa destes últimos. do outro, danificam a harmoniosa proporção do indivíduo.
A própria ginástica foi entendida, unicamente ou quase que unicamen- A ginástica e a música, então, formavam o homem bonito e bom; con-
te, como preparação à guerra. Os exercícios físicos que Platão mencionou cretiza-se, assim, o conceito da kalokagathã.
com o escopo de adestramento militar, compreendiam: a luta (momento pri- E interessante, a tal propósito, um trecho do Jaeger onde diz: "(...) não
vilegiado, pela preparação direcionada ao combate), a dança guerreira, o ma- é correto aquilo que muitos crêem e que o próprio Platão, a princípio, parece
• admitir, que a ginástica deva educar somente o corpo, e a música a alma. Am-
nejo das armas, as manobras táticas, as marchas militares, o tiro com o arco,
a esgrima, as corridas atléticas em geral, como aquela do stadio e do duplo bas têm, antes de tudo, a finalidade de formar a alma. Esta finalidade eles a
stadio.* desenvolvem sob dois ângulos diversos ri a obra educativa desequilibra-se e
Todos esses exercícios eram sempre associados a celebrações de festas transforma-se unilateral, se uma dessave atendida em detrimento da outra.
religiosas (entendidas como culto dos deuses, coligados à defesa da pátria). Uma educação feita de pura ginástica gera dureza exagerada e selvage-
Esses exercícios deviam ser efetuados coletivamente e realizados freqüente- ria, como de outra parte, um excesso de formação musical transforma o ho-
mente, sem levar em conta as condições climáticas (frio intenso, calor tórri- mem demasiadamente indolente e plácido".
do) e serviam para a preparação de corridas e competições. A ginástica mili- Para demonstração doequanto foi dito por Jaeger, parafraseando Platão,
acrescenta: "a quem deixa que a melodia de flautas inspire continuamente
tar, na República, assim terminava, a fim de identificar-se com a ginástica no
sobre sua alma, advém, primeiramente, como um duro aço, que somente se
geral, a qual tinha, portanto, para Platão, um grande valor psicológico e éti-
amaciado transforma-se apto para ser trabalhado. Porém, delongando-se, as-
co, seja para o corpo, seja para o Estado.
senta-se! dissipa-se e assim a alma não possui mais vigor e fusão.
A ginástica atlética de caráter profissionalistico impunha aos atletas
Quem, em ânfronto, submete-se a treinamento ginástico e segue urn
um regime de vida que permitia demasiado tempo para o sono e ao repouso,
acurado regime de nutfição sem, porém, ocupar-se primeiramente de algum
terminando por deixar esses atletas fisicamente frágeis e expondo-os, conse-
estudo musical ou filosófico, por causa da-força física conseguida, abundará
qüentemente, a graves doenças.
de energia e felicidade e sentirá crescer em si a coragem guerreira. Mas mes-
A ginástica médica era considerada válida por conservar o corpo em boa
mo se no início existia, naturalmente, uma qualquer sede de saber, esta ate-
saúde, mas era mal aplicada, embora de grande importância do ponto de vista
nuar-se-á no fim e a mente far-se-á surda e cega pela força de abster-se de
espiritual-metafísico.
Segundo Platão, muitos médicos pretendiam obter da medicina o im- cada cognição ou estudo. E eis que ele transforma-se-á em desprezador do
intelecto, inimigo das musas, misólogo, não mais capaz de persuadir com a
possível, esquecendo que a função a ela atribuída não era a de curar corpos.
já irremediavelmente doentes, mas sim a de ocupar-se dos corpos sãos para palavra, recorrerá, como um único meic, para alcançar os seus objetivos, à
preservá-los das doenças. À ginástica podia-se exigir que mantivesse os corpos violência brutal como uma fera".
em boa saúde, mas não de procrastinar-lhe a morte. Nem para o indivíduo Se adequadamente acompanhada pela música, a ginástica pode condu-
nem para o Estado era oportuno viver uma vida desregrada. zir a um harmonioso desenvolvimento da personalidade humana, tornan-
Quanto aos corpos gravemente enfermos, o médico devia deixá-los mor- do-se, assim, extremamente útil à própria vida do Estado, que propriamente
rer, assim como o juiz condenava à morte os homens cujas almas estivessem nos seus melhores homens encontra a força para defender-se dos inimigos.
insanamente enfermas. E está aqui a resposta para o segundo quesito, posto Eis por que a ginástica, para Platão, exerce uma importância fundamen-
por Platão. tal na educação dos "guerreiros". Entretanto, para Platão, a ginástica adqui-
Portanto, sobretudo na República, Platão concluia que a ginástica mili- riu uma função verdadeiramente educativa e a nova concepção filosófica
tar era preferida aos outros tipos de ginástica. Considerava-a ginástica por veio, assim, superar rdistinção entre as três ginásticas, eliminando aquele an-
excelência, a de maior validade e a mais completa, aquela que melhor forma- tagonismo que exíátia entre elas, procurando harmonizá-las e coordená-las
va o espírito e o corpo e que dava maiores garantias para o Estado. entre si, mesmo se esta função, repete-se, não teve grande duração.
Em últirria análise, para Platão, a ginástica tinha um único conteúdo:
Todavia, a ginástica militar, segundo Platão, nãO devia agir isoladamen-
te, mas devia ser acompanhada pela música, para não enrudecer a alma, fa- essa era constituída de um conjunto de exercício tradicionais de caráter pre-
e valentemente atlético, e de competição, mas, contemporaneamente, tinha
zendo com que o temperamento ardente e aquele filosófico se desenvolves-
um grande valor para o Estado, para a saúde r. para a moral.
sem em harmonia.
Exclusa estava a ginástica profissionalística, criticada e desprezada pelo
8— Corrida de srailio era a corrida realizada no periodo grego e que correspondia a seiscentoS Pês de então mundo cultural.
comprimento, de valor variável, conforme a medida doi pês nas diversas localidades e épocas. Platão transformou, assim, com a Paidea a teoria da kalokagathia: às
tentativas de unir virtude e beleza, ele substituiu, gradativarnente, uma con-
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cepção que a fundamentava intimamente sem, porém, a mediação da cora- corpo tem outra. Separadamente, nem o corpo nem a alma podem desen-
gem. volver a própria. Se a alma é impedida na sua função pelos apelos do cor-
Estes dois últimos elementos eram reflexos do bem e, portanto, eram po, esse corpo oui não observa a medida, não poderá ser bonito. Vice-
unidos entre eles e no bem encontravam a sua unidade. Portanto, "ainia e varsa, se a alma, preocupando-se em demasia consigo, transcura o corpo, es-
corpo", um é complemento do outro. Aparece óbvio, portanto, a essa altu- tará sujeita a perturbações e transformar-se-á desregulada. Está excluído que
ra, a grande contribuição da ginástica para o processo formativo do homem. alme e corpo possam alcançar separadamente a perfeição. A alma é indiscu-
fli tivelmente superior ao corpo. Porém, tal superioridade não conseguirá reali-
zar em si um modelo ideal se o corpo não realiza o próprio. Assim estando
m) O Fundamento Metafísico da Ginástica as coisas, a ginástica tem uma influência favorável, por um duplo ponto de
vista. Antes de tudo, sobre o corpo, que essencialmente, graças à ginástica,
Para Platão existiam dois mundos: o mundo corpóreo (material, ca- será colocado em condições de exercer a sua própria função. Após, pela
duco e imperfeito) e o mundo incorpóreo (espiritual, eterno, perfeito). O mesma alma, a qual tem necessidade de um corpo sadio para fazer-se obede-
mundo incorpóreo era sede de puras essências — AS IDEIAS, no inicio cer por ele e atender às suas próprias ocupações".
das quais estavam a idéia do bem e a idéia do ser absoluto que se identifi- No Timeo, Platão trata a ginástica sob uma perspectiva indiscutivelmen-
cam com Deus. O mundo corpóreo tinha sido construído por um deiniurgo, te diferente daquela encontrada na República.
qual tinha imitado com a matéria o mundo das 'Idéias", criando a sua se- Na República, Platão preocupou-se em definir, sobretudo, a função que
melhança outros tantos objetos corpóreos. a ginástica exercia na defesa do Estado, enquanto que no Timeo a ginástica
Platão afirmava que o corpo e a alma tinham duas funções distintas encontrou o seu fundamento metafísico: exercitar corpo e alma juntos, a fim
separadamente, porém, nem uma nem a outra podiam desenvolver a própria de evitar que a força do corpo termine por enfadar a alma e subordiná-la ao
função. Alma e corpo podiam alcançar a perfeição somente em conjunto. domínio da razão.
Entrando no mais íntimo e vivo significado da filosofia platónica, a Platão completou e aprofundou, no Timeo, o discurso já acenado na
alma era incontestavelmente superior ao corpo, porém, não obstante, tal República a respeito da ginástica. Somente colocando juntos os dois diferen-
superioridade não podia realizar em si um modelo ideal, se o corpo não reali- tes modos de tratá-la, é possível ter uma idéia acabada e completa da função
zava o seu próprio. e da importância que Platão atribuía a tal disciplina.
Em efeitos, aquilo que dava ao homem a beleza, a virtude e saúde era Assinalou de fato à educação física uma função não transcurkel, no
a proporção entre alma e corpo, o justo equilíbrio entre as exigências do cor- desenvolvimento da personalidade humana, seja por razões sociais e políticas
po e as da alma, a assim dita "medida". O excesso de um levava a um des- (ver República), seja por razões estritamente filosóficas (ver Timeo).
compenso do outro e vice-versa. Com Platão, a ginástica passa a sofrer um processo de reavaliação, tor-
Para alcançar a virtude, a beleza e a saúde era preciso realizar a justa nando a ocupar seu lugar específico na Paidea. Mas, não obstante, este pro-
"medida". O homem, como queria o demiurgo, devia ser imagem do uni- cesso de reavaliação, à ginástica era reservado um lugar em segundo plano na
verso e refletir a natureza do todo. "A alma e o corpo do mundo (esta reali- educação, ficando de qualquer maneira subordinada ao conhecimento, isto
dade inteligível não sujeita aos acontecimentos) ofereciam à alma e ao corpo é, à cultura dos literatos, que levava ao absoluto domínio da razão, na qual
do homem um exemplo, onde se podia encontrar mais de um reflexo do Platão, como também Sócrates, identificava o fim último do homem.
bem", diz Ullmann.
O exemplo do bem indicava, indubitavelmente, a intima união existen- ••
te entre a alma e o corpo: uma boa educação não podia consistir em um exer- n) A Ginástica: Hábito de Exercitação
cício.físico-espiritual, que separava um do outro. Dado que a alma humana,
comó a Alma do corpo excede o Seu corpo, era incontestavelmente superior O compromisso de Platão, posteriormente à geração dos Sofistas e de
ao corpo, conseguia com isso que o fim do homem não fosse senão procurar Socrates, foi aquele de reorganizar e sistematizar a educação antiga. Esta
a verdade. tarefa de sistematização operada por Platão tinha permitido &ginástica de
A ginástica tinha como conseqüência uma favorável influência, seja so- tornar a ocupar um lugar específico na Paidea. Não obstante essa situação,
bre o corpo, que graças a essa estava em condições de realizar a própria fun- a ginástica perdeu quase que definitivamente aquela função que lhe foi atri-
ção, seja indiretamente sobre a alma, a qual tinha necessidade de um corpo buída em primeiro lugar na educação dos tempos mais antigos. O caráter in-
sadio para fazer-se obedecer e atender às próprias ocupações. telectualístico impresso à educação, primeiro pelos sofistas e após por Só-
Nestas considerações, a ginástica encontrou uma precisa justificação fi- crates, já tinha assinalado ao "conhecimento", caracterizado pelos estudos
losófica, que podemos resumir assim em Ullmann: "A alma tem uma função,
- - SS
filosóficos, a função prevalente. Platão procurou reunir os dois aspectos da
Verificou-se, portanto, um fato muito importante que caracterizou,
formação do homem: o atletismo e a instrução. Esta união, porém, de.i-se
infelizmente, o futuro da Educação Física. Não obstante, Aristóteles tivesse
sobre uma base de evidente subordinação da ginástica. Foi assim que, após acrescentado na educação do citadino a ginástica ao mesmo nível da gramá-
Platão, começou-se a não reconhecer mais à ginástica qualquer finalidade tica, da música e da medicina, paulatinamente, afastou-se deste conceito e
prática; nem mesmo a do desenvolvimento harmonioso do corpo.
a educação física perdeu grande parte do seu valor formativo e assim entrou
Podemos concluir com Perotto, que a "ginástica torna-se hábito de
em uma primeira, mesmo se disfarçada, fase de decadência.
exercitação sempre mais brando e sempre menos consciente; perde, seja no
Os conceitos filosóficos de Platão sobre a ginástica estavam muito longe
sentido de um finalismo físico e estatuário, seja na sensibilidade estética, seja
daqueles de Aristóteles. Esje último fê-la reentrar em uma filosofia naturalis-
no conteúdo metafísico unificante e se reduz à mecânica, cópia de um certo
ta; mais que um verdadeiro e próprio valor formativo, reconhecia na ginásti-
modelo no qual se acreditava identificar o homem civilizado".
ca um valor médico, útil para a conservação da saúde (ginástica médica) e
também para a defesa do Estado (ginástica militar), mas de qualquer manei-
ra, não suficiente para a realização da natureza humana.
o) Aristóteles
Assim, mesmo se ele não chegou ao ponto de excluir a ginástica da edu-
cação, por causas múltiplas (sociais, filosóficas, humanas, militares), tal ma-
A ginástica à margem da educaylo
téria tornou-se urna técnica para fins secundários e, sucessivamente, foi posta
Com Aristóteles (Estagira 384-322 a.C.), que viveu no alvorecer da épo- à parte.
ca Alexandrina, já é possível divisar, mesmo se não bem delineada e marea- A educação baseou-se, sobretudo, no estudo das boas letras e na arte
da, alguma manifestação daquela tendência tão deletéria para a educação da oratória.
física, já apontada na época de Platão, que irá afirmando-se sempre mais, na Durante o período helênico, de fato, a ginástica militar, a ginástica pro-
época da idade helênica. fissional, a ginástica médica, assim que foram adquirindo sempre mais um ca-
Aristáteles, contrariamente à doutrina platônica das idéias transcenden- ráter de especialização, foram separando-se entre elas.
tes, afirmava a imanência das formas ideais na matéria sensível. Para Aristo- Tal separação levou a um notável prejuízo do vdor formativo atribuído
tees, o ser era constituído da realidade, que era síntese de matéria e de for- à ginástica em si. Esta começou muito vagarosamente a sair dos ginásios, ou
ma: o amanhã era a passagem da potência ao ato. Somente Deus (intelecto se continuou a ser praticada nas escolas, como já falamos, foi devido, quase
separado do mundo e de qualquer matéria) era puro ato e forma. Conside- que exclusivamente, a-a fato de que já era moda tal ixistume e por continua-
rava que a alma era forma de um corpo orgânico que tinha a vida em potên- rem fiéis a uma certa tradição que, ao menos no passado, tinha influenciado
cia e a distinguia entre alma vegetal, sensitiva e intelectiva. totalmente a educação grega.
A ética aristotélica considerava a felicidade como o fim da ação humana,
felicidade alcançada com o exercício da atividade racional (virtudes éticas da
vida contemplativa) e com o exercício da atividade prática guiada pela razão 3 — COMPETIÇÕES E JOGOS DA EPOCA CLÁSSICA
(virtudes éticas, da vida ativa).
Sendo esta a concepção que Aristóteles tinha do homem, ele punha, Não obstante, os contrastes e as problemáticas que se acentuarão sem-
pelo que diz respeito à educação, a atenção sobretudo na formação inte- pre mais em confronto com a atividade gímnico-esportiva, como temos já
lecutal dos homens. percebido, após o advento dos sofistas, os jogos esportivos continuaram a ser
A educação devia ser ministrada pelo Estado e ter tomo escopo a for- muito praticados e ficaram indubitavelmente ainda por muitos séculos, as
mação do citadino, formáção baseada essencialmente em princípios culturais- manifestações mais espetaculares e mais acompanhadas pelo povo grego e
espirituais. também pelo povo romano.
Pelo que concerne à educação física, mesmo cofisiderando o ensinamen- Trataremos dos jogos principais, sobretudo aqueles referidos no Papiro
to da ginástica e das letras inseparáveis, Aristóteles recomenda a execução, de Ossirinco. de 222 a.C., relativos ao sécuto V a.C..
por parte dos jovens, de exercícios leves, considerando nocivo desfrutar atra
vês de exercícios atléticos, as energias dos jovens dedicados ao estudo. Criti-
cava, de fato, a ginástica atlética que esforçando o corpo, lhe impedia o de- a) A Corrida
senvolvimento normal; a ginástica devia ter simplesmente um caráter forma- A Corrida a pé — Fez sempre parte das competições atléticas e nunca
tivo no primeiro período da educação.
isentou-se de nenhuma das numerosas festas citadinas ou nacionais. Foi a pri-

56 N7
meira competição disputada em Olímpia e ficou a única da l@ a XVII Olim- É interessante recordar, enfim, que ao menos nos tempos mais felizes,
píada. Os atletas disputavam nus e descalços e esta especialidade distinguia- as corridas do stadio eram reservadas a cinco categorias de participantes;
se em:
garotos, pequenos efebos, médios efebos, grandes efebos e adultos.
Corrida de velocidade ou "Stadion" — O Stadion era urna unidade de "Diatilos" ou duplo "stadio" — Consistia de uma prova semelhante
medida correspondente a aproximadamente 192,27 metros, não fixa, mas ha- àquela do stadio, com a diferença que o percurso era duplo.
bitualmente melhor definida tendo como base o comprimento do retilíneo, Corria-se sempre em reta e os atletas giravam sobre o terminal posto ao
onde efetuava-se a prova, que consistia, evidentemente, em percorrer uma só fundo do estádio.
vez o comprimento daquele que seria posteriormente definido o Stadio. A lenda diz que os Eléos, após os sacrifícios do ritual, desejavam que
Esta prova, como o resto das demais corridas, 'tinha origem religiosa também os convidados às competições, de outras cidades, se sacrificassem
porque, segundo a lenda, nasceu em Eléa, onde os atletas disputavam a hon- juntamente com eles, para confirmar a unidade moral do povo grego, mesmo
ra de acender o fogo sobre o altar de Zeus. que dividido étnica e politicamente. E, naturalmente, na cerimónia do con-
Segundo Junther, de fato, tal hipótese afirmadas por Filostrato, foi su- vite, os arautos percorriam uma vez o estádio para convidar os presentes ao
gerida ao escritor pelo fato que o vencedor, na competição do Stadio, cujo ritual e após o repercorriam, nc sentido oposto, para anunciar que toda a
limite era colocado aos pés do altar de Zeus em Olímpia, gozava do privi- Grécia estava chegando para participar da festa.
légio de acender o fogo sagrado em honra do deus, tradição essa que se soli-
i'Doiikos" ou corrida de resistência — Consistia em percorrer o estádio
dificou, embora modificada até os nossos dias, durante a cerimônia de aber-
tura das Olimpíadas Modernas. em certo número de vezes, de um mínimo dei estádios (1.346m) e um má-
ximo de 24 estádios (4.614m).
A partida das competições, bem como das demais que veremos mais
Tratava-se de uma corrida de velocidade e de resistênciáo mesmo tem-
adiante, acontecia a partir de um cipó ou melhor, de uma linha sobre a areia,
demarcada por pedras, ditas balbis, utilizada, provavelmente também, como po; o numero de estádios a serem percorridos era, de mais a mais, pares e o
"já" devia ser colocado sobre a linha de chegada para a corrida do simples
"estrado" para os lançamentos. Os atletas colocavam-se, para a partida, sobre
stadio. É também provável que, como sempre diz Ferretti, "a cada estádio
sulcos naturais extraídas sobre a areia, semelhantes aos nossos "buracos", e
ímpar completado, os competidores tocavam o terminal — talvez constituído
a seleção, para a "final" de quatro, advinha com 'baterias" eliminatórias.
O "já" (dito àpite) era dado com um ressoar de tromba e um dos juízes de uma estaca cravada em um buraco da faixa de pedras terminal do percurso
(ditos ellanodices) — e começam aqueles pares sucessivos, como advém hoje para as provas de
puxavam uma corda fixada em. (luas estacas que delimi-
tavam e isolavam as raias, permitindo, assim, que os atletaepartissem. natação em piscinas".
Para esta competição não existiam baterias e todos os concorrentes
Afirma justamente Ferreti, nas suas "Olimpíadas": "Como o vaso do
museu de Londres reproduz, melhor do que qualquer outro, o estilo dos cor- disputavam simultaneamente. Foi introduzido na XV Olimpíada.
redores de tal corrida, aquele do museu de Monique, com os seus quatro A corrida armada ou militar, "oplítica" ou "oplitódromo" Consistia
velocistas alinhados em brevíssimo espaço, nos dá uma imagem viva do esti- em percorrer dois ou quatro estádios e os concorrentes disputavam armados
lo dos concorrentes do stadio e do duplo stadio. de escudo, elmo e armadura de pernas. Também para esta prova a partida era
O movimento das pernas
e dos braços e também da posição do tronco (mesmo que ligeiramente mais dada contemporaneamente a todos os participantes e, na maioria das vezes,
vertival), são muito semelhantes àqueles dos nossos campeões de 100 e 200 a corrida assumia as características de uma horda guerreira. A lenda remonta
metros. O pé da perna, que se encontra alternadamente em contato com o a instituição desta especialidade, devido à guerra entre Eleos e Demeos. Esta,
solo, toca o terreno apenas com a ponta; e a outra perna é, talmente, ele- tinha objetivos, naturalmente, bélicos, desenvolvendo-se, não após as outras
vada para cima, que um autor alemão. ao observar um sarcófago no Museu competições de corrida, mas ao término de todas as demais Competições
de Louvre, formulou a hipótese, verdadeiramente audaciosa e dificilmente gímnicas. É de salientar que, se na Grécia não existiram competições de cor-
aceitável, que se desenvolvessem também corridas com obstáculos (destas. com obstáculos, ao menos nas manifestações oficialS;Igrandavalor assu-
ao menos por quanto refere-se aos Jogos de Olímpia, não existe nenhuma . miram, ligadas a motivos profundamente religiosos, as lampadedromie, ou
recordação). seja, competições de corrida com estafetas,9 com jovens pertencentes a mes-
a - ma tribo. No lugar do bastão, que hoje é utilizado, os corredores se passavam
Mas retornamos ao estádio com os seus velocistas na espera do 'já':
em qual posição, em qual estilo, os atletas preparam-se para executar o im- um facho aceso, da mão esquerda à direita: fase esta mais característica e,
pulso inicial? O como á frente, apoiado sobre a perna esquerda com o joelho
flexionado e à freme, também, o braço esquerdo; o direito alinhado para trás
com a perna direitatesta é a partida 'clássica', ou ao menos considerada, dada 9— As corridas com estafetas, aqui ciladas, são, para nás, as corridas de revezamento.
a retomada atlética dos tempos modernos".
58 59
..--••••••••••\

contudo, mais olvidada da competição. Não é possível precisar nem o núme- A distância média que os "discóbolos" conseguiram com o aparelho,
ro dos participantes, nem as distâncias a serem cobertas pelas várias catego- não tardou a tornar-se unia medida de comprimento sancionada pelo uso e,
rias dos atletas (pode-se falar de oito ou dez concorrentes), mesmo porque antigamente, cada um sabia o que queria dizer um tiro de disco, como no
as manifestações variavam conforme a zona onde eram efetuadas as compe- medievo, dir-se-á distância de um "tiro de arco".
tições. Mesmo não fazendo parte das provas olímpicas, estas competições O lançamento do disco foi também c tema predileto dos artistas daque-
tiveram grande popularidade e merecedoras de grande espetacularidade, es- la época. Como já foi dito, a Odisséia narra que Ulisses era mestre no lança-
pecialmente em Mica, em Atenas durante as festas panatéias. Fizeram parte, mento do disco, enquanto o escultor Mirone tratou deste assunto esculpindo
também, dos programas de jogos de muitas localidades na inteira Grécia. uma admirável estátua de "discóbolo", por volta do ano 432 &C. A obra ori-
Termina-se, assim, o quadro completo das atividades esportivas, atinen- ginal nunca chegou até nós, mas existem muitas cópias; a melhor delas en- o "
tes norrida, que tanta importância teve na Grécia e em todo o mundo anti- contra-se no Museu de Berlim. Também poetas da Roma Antiga, como Lu-
go, como primeira e mais natural expressão motora do homem. ciano e Quintiliano, nos deixaram entusiásticas descrições de tal exercício
atlético.
Pelo que concerne a técnica de lançamento, os espertos ainda não se pu-
b) O Lançamento do Disco
seram de acordo, sobre o modo de como o mesmo era lançado. Segundo al-
guns, o lançamento era efetuado, baseando-se em precisas regras de ordem e
As duas únicas especialidades do atletismo que rilo foram redescober-
mesmo de estética que, porém, limitava amplamente as distâncias alcançadas.
tas pelos anglo-saxónicos ou celtas britânicos, nos dois séculos compreen- Tinham lugar em um pequeno estrado retangular, em plano inclinado, cha-
— didos entre 1665 e 1860 são o disco e o dardo que, indubitavelmente, junto —
mado balbis, qt.Te tinha o comprimento de aproximadamente 90 centímetros
à corrida, representam as mais antigas manifestações esportivas próprias e e a largura de 70 centímetros, elevado 20 centímetros na parte mais alta,
verdadeiras e que retornaram à nova vida com os escandinavos, somente pró- que era utilizado também para o lançamento do dardo e, presumivelrnente
ximo ao fim de 1800.
também, como já temos visto, para a partida das corridas.
conhecimento do lançamento do disco parece remontar ao ano de Colocado sobre este pequeno estrado, o atleta dispunha de um espaço
970 a.C. com os gregos, porém, pa:ece que tenha sido conhecido, se não pra- reduzido para adquirir o impulso necessário para obter uma boa distância;
ticado profissionalisticamente, também pelas civilizações ancestrais. portanto, tinha que contar sobre a força de seus músculos e não sobre a força
De qualquer maneira, já nos poemas homéricos fala-se mais de uma vez dos movimentos preparatórios, que lhe teriam oferecido uma maior dinâmi-
do 'disco, em particular, o modo na descrição dos jogos em honra a Patroclo ca. Todavia, segundo outros estudiosos, a balbis não era assim tão limitada;
e àquele.% junto aos Fecis, onde Ulisses aventurou-se com maravilhosos lan- era fechada frontal e lateralmente, mas não posteriormente, sendo que o atle-
çamentos. ta tinha a possibilidade de impulsionar-se, incrementando, assim, a força de
A popularidade que o lançamento de disco tinha no mundo grego é tes- inércia. Uma descrição da balbis, deste modo, vem feita por Filostrato, em
temunhado pelas inúmeras representações figurativas sobre os relevos mar- um trecho onde descreve a morte de Giacinto, assassinado por Apoio com
móreos, nas estátuas, nas pinturas vasculares que representam vários "discó- um disco. Nós não conhecemos nem as medidas médias nem os primatos rea-
bolos" em diferentes posições e das múltiplas citações encontradas na lite- lizados pelos discóbolos de Mica ou de Peloponeso.
ratura. Também por este motivo nos deteremos, particularmente, na descri- Existem documentos históricos, nos quais relata-se que o atleta Faillo
ção desta especialidade atlética. lançou ó disco a 95 pés (28,17 m), que o herói Protesilao superou os 100
disco, chamado solos, cuja tradução é "pedra", segundo Gardiner, cúbitos'° (com um disco duas vezes mais pesado do que aquele de Olím-
era um aparelho gímnico difei.ente do atual, de peso e proporções variáveis pia) e que um certo Flegía, com um fantástico lançamento, ultrapassou o
de, no mínimo, 1 quilo e de, no máximo, 3 quilos (com o objetivo de melhor curso do rio Alfeo, no seu ponto mais largo (50-60 metros).
adaptá-lo à forca e à idade dos lançadores), inicialmente formado de uma las- A luz desses dados, pode-se considerar, excluindo o primeiro, que os ou-
tra de pedra ou de madeiraj posteriormente, de metal (de ferro ou de bron- tros dois resultados são retirados da lenda, pelo fato que as medidas obtidas
ze), muito mais achatado do que aquele moderno e de diâmetro maior. (Nio por esses atletas, transportadas àquelas dos dias de hoje, por óbvias razões,
é de excluir que os solos originariamente tenham sido de pedra polida, de
não são muito atendíveis.
modo a favorecer o lançamento como o do peso que, sucessivamente, tenha Se é lícito julgar certas interpretações feitas por um estudioso qualquer
cedido o lugar ao disco.) A forma do aparelho, que se aperfeiçou sempre mais consciente, pode-se deduzir que os limites mais ousados daquela época
mais com o tempo, pelo que se pode revelar dos achados arqueológicos en-
contrados em Olímpia, Corfu, Gela, Egina, Cefalonia, podem ser confronta-
dos a uma lente biconvexa. 10 — Antiga unidade de medida para comprimento.
60 •
61 a
são aqueles da ordem de 36-37 metros. Tese entretanto aceitável, se concor- O aparelho provavelmente foi mais utilizado para o "tiro ao alvo" que
damos que as técnicas daquele tempo manifestavam-se desta maneira. O atle- para o "tiro a distância", mesmo porque não chegaram até nós provas de me-
ta, primeiramente, colocava-se sobre a balbis com as pernas afastadas, a perna didas excepcionais. De fato, vê-se que de acordo com Stazio, o lançamento
direita à frente e a esquerda atrás ligeiramente flexionada, ombro à frente; o médio tivesse sido de 46,22 metros.
disco, envolto de areia, a fim de que não deslizasse das mãos, era segurado na É de notar que o dardo é um dos poucos aparelhos que não derivou do
mão direita, com a mão esquerda colocada sobre a face oposta. O lançador ginásio, mas da caça e da guerra e que este tipo de competição quase nunca
levantava os braços acima da cabeça, flexionava um pouco as pernas, fazia a foi efetuado singularmente, mas sempre no âmbito das competições do
rotação do tronco à direita levando o braço direito com o disco pelo lado de "pentatlon".
fora e, a partir desta posição, iniciava o lançamento. No momento em que o
disco partia, o atleta, devido à perda de equilíbrio, era levado para fora da
balbis. O regulamento helênico, porém, permitia sair do estrado quando o O) O Salto
disco não estava mais em posse do lançador.
O lançamento do disco, à maneira grega, foi mantido até os primeiros Outra especialidade que nos poemas homéricos era única, isto é, inde-
jogos olímpicos atenienses de 1896, onde o finlandês Jarvinen ultrapassou pendente e que na época histórica entrou a fazer parte do "pentatlon", é o
com esta rudimentar técnica, os 36 metros. salto.
Na Itália, o lançamento helênico do disco teve uma primeira fugaz Foi apurado que esta competição consistia somente da prova do "salto
aparição em 1906 e mais precisamente nas eliminatórias havidas em Roma em distância" e não do "salto em altura", mesmo tendo anotações históricas
para selecionar os representantes nacionais nos jogos olímpicos. nas quais fala-se do "salto para baixo", típico da prepawção militar ou do
Os resultados foram de um todo irrelevantes, tanto é que se perdeu "salto parado" (o assim chamado -salto de impulsão").
qualquer recordação. A melhor marca conseguida atualmente através desse No salto, os atletas usavam alguns aparelhos chamados "halteres" ou
modo, foi do grego Nicolas Syllas, com 42,98 metros, em 1937. "alteres": manilbrios em pedra ou em metal, com o peso de um quilo a qua-
De qualquer modo, mesmo adotando o "estilo helênico", o alemão Ne- tro quilos e meio, de formas diferentes, que eram empunhados em ambas as
bert lançou o disco a 37 metros exatamente, em 1885, e esta é a medida, mãos, tem buracos ou fendas que permitiam aos atletas de ali inserirem os
para nós, mais conhecida.
dedos, mediante pressão e que serviam para dar maior impulso ao corpo e
Somente nas segundas Olimpíadas de Paris, em 1900, será aprescntado após, provavelmente, freiar a queda.
pela primeira vez, oficialmente, o lançamento do disco moderno, de um es- Sobre a validade dos "halteres", os pareceres são muito dissonantes:
trado circular com o diâmetro de 2,50m, sobre o qual o atleta terá a possi- após experimentos feitos por hábeis saltadores, tem quem afirma que os ma-
bilidade de movimentar-se com mais liberdade, sob condição de não tocar o núbrios não ofereceram nenhuma vantagem, tem quem, pelo contrário, diz
terreno circunstante e que o aparelho seja lançado entre um setor que então que ao menos nesses últimos tempos, os "halteres" podem ser úteis na ativi-
era de 90 graus. dade propedêutica do salto em distância.
De qualquer maneira, é muito provável, se levarmos em consideração as
medidas trazidas pela crónica das Olimpíadas (o fabuloso Faillo bateu o pri-
c) O Lançamento do Dardo mato do campeão olímpico Ohiomide em 52 pés, alcançando 55 pés, seme-
lhante aos nossos 16,31 metros), que esta prova correspondesse ao nosso
O disco chamado ákon era lançado de duas maneiras: ou como tiro a "salto tripo".11 E, evidentemente, dadas as diferenças de terreno do antigo
distância, que consistia em fazer superar a arma lançada a um término fixo estádio em relação ao moderno (a forma para saltar era definida scamma,
e lançá-lo o mais distante possível, ou como tiro ao alvo, de preparação tipi- cuja medida era de aproximadamente 15,50 metros), as menores possibili-
'camente bélica. dades de stitcão dos atletas e as diferentes disponibilidades técnicas e cientí-
Constituído de uma haste, de abeto ou freixo, na qual vinha inserida ficas, é certo que o resultado de Faillo é somente' aceitável se se considerar
urna longa ponta aguçada e afiada, alguma vez recoberta para proteção, o este atleta, como diz também Ferretti "um autêntico fenómeno" que, po-
aparelho tinha um cordão de couro enrolado ao' centro do bastão que servia rém, permanece nos limites das possibilidades humanas.
para imprimir a este, um movimento rotatório (fazendo-se força com o dedo
indicador e o dedo médio), que permitia adquirir melhor direção de lança-
11 — Cate leintirar aqui, o recorde mundial. no salto triplo, conseguido pelo nosso Jogo Carlos de Oli-
mento. Por este motivo, o disco era chamado também mesakylion, isto é,
veira em 1975 e que foi de 17,97m, somente superado 10 anos depois pelo americano Willie Bania.
"com a cilha no meio". com a marca de 17,99m.

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(")\
e

f) A Luta
E de recordar, enfim, uma particular característica e diria curiosa; as
competições dos saltos eram sempre acompanhadas pelos sons de flautas. A luta era considerada, na antiga Grécia, não somente como uma das
disciplinas gímnica mais apaixonantes, mas também como um exercício in-
dispensável para o reforço do físico e do caráter dos jovens; em outros ter-
e) O Pugilatoa2 mos, um dos principais exercícios gímnicos. Escritores, filósofos, soberanos
na uma grande honra. Xenofonte assevera que os
e estadistas consideravam-
Como a luta, emanam do mito também as origens do pugilato que, gregos tinham adquirido sua proverbial esperteza, devido à prática deste es-
como já foi dito, teve vida, provavelmente, em Espana. porte. (bola), da qual teve-origem a moderna expres-
Aquele disputado em Olímpia foi regulamentado por um certo Hono- E no mais, a palavra pala
masto de Esmirne, primeiro olímpico desta competição, instituída por oca- são "palestra", indica, em um dado tempo, "a luta" ou então "o pó finíssi-
sião da 23? Olimpíada (688 a.C.). Todavia, os gregos atribuíram a Teseu a mo do qual se aspergiam os lutadores". E assim, "palaistra" era o lugar onde
paternidade, e a lenda narra as rivalidades entre Apoio e Ares; entre Poluce e exercitava-se e aprendia-se a luta; "palaitas" era o lutador; "Palaistike", a
Amigo. arte da luta; o verbo palaio significava lutar.
Homero narra sobre Eurialo, carregado para fora do combate em con- Entretanto, independentemente das questões etimológicas, as formas de
dições de piedade, no curso dos jogos em honra de Patroclo. Também Vir- luta que se praticava na Grécia eram, substancialmente, quatro e todas ra-
gílio, em Eneida, descreve um vivaz combate entre Darate e Entali°. zoavelmente distantes, esteja bem claro, da luta que, hoje diríamos arbitraria-
Para todos os efeitos, o pugilato sempre fez_ parte dos jogos públicos e mente, chamamos "grego-romana".
das exercitações nos ginásios e nas academias. Era considerado de alto valor Por muito tempo, acreditou-se — de maneira um pouco superficial —
educativo e de muito valor formativo em todos os aspectes. que o termo "grego-romana" indicasse naturalmente um tipo de combate de
Substancialmente, a técnica do pugilismo era quase que igual àquela origem grega, oportunamente modificado pelos romanos. E baseando-se so-
moderna, mas era, indubitavelmente, muito mais perigosa. Os disputantes co- bre o fato de que a posição do lutador com as palmas das mãos e os joelhos
briam-se o antebraço e a não, deixando livres os dedos, com tiras de couro pousados sobre a terra e o corpo levantado, como para caminhar com quatro ,
com lâminas metálicas incorporadas, sobre as quais eram aplicadas tachinhas pés, vem até hoje denominada grega. Considerou-se que a luta grega fosse
afiadas, de couro e mais tarde também tachinhas de chumbo. Era esta a terrí- aquela da posição deitada e que a romana fosse aquela em pé (perpendicu-
vel "cesta" e como se não bastasse, era permitido aos pugilistas conservar no lar).
Daqui teria surgido a denominação de "grews-romana" para a nossa
punho bolas de pedra ou de metal.
Os pugilistas de competição lutavam completamente nus, os socos eram luta, que se desenvolve tanto de pé como deitada.
dirigidos às partes superiores do corpo e especialmente na face. Nada mais distante do que a verdade. Os gregos praticavam, de fato, o
Era proibido o uso de meios ilícitos e gravemente punido o homicídio combate, seja de pé como deitados, como nos mostram milhares de pinturas
premeditado por parte do adversário, porque em efeitos, desde os melhores e de estátuas. E o mesmo farão mais tarde os romanos, que combaterão, seja
a luta deitada (lucta volutatéda).
tempos, os gregos pouco apreciavam o derramamento de sangue, mas antes com a luta em pé (lucta erecta), seja COM
se deliciavam com "a arte das fintas e dos esquivos, até que o atleta, exauri- A denominação de "grego-romana" é, portanto, um produto moderno;
do, se prostasse ao solo ou se declarasse vencido". nascendo somente no fim de 1800 e parece que deva ser atribuída ao lutador
Quando a luta delongava-se, dada a resistência dos dois pugilistas, esses romano Basilio Bartoletti.
adotavam uma posição fixa, seja para atacar, ou para-defender-se, a fim de A 'luta em pé ou perpendicular tinha por finalidade derrubar à terra o
do verbo
que um ou outro se declarasse vencido. Os mais famOsos pugilistas da antigüi- prortio adversário. A essa era dada a denominação de katattedké,
que significava então "arte de atirar à terra".
dade continuam sendo os míticos Poluce, Daipos de Crotone, Pithagoras de grego katazallein,
Samo, Tisandros de Masso e Teagene de Tês°, que reouviremos nominar no (is estilos de combate dos antigos gregos eram, pelo contrário, muito di-
alindissis ou klissis, o acroch iria-
"pancrácio". ferentes entre eles. Esses eram o orthopali, o
Desses, somente os dois primeiros tinham normas técni-
mos e o pankration.
cas similares, salvo pelo que concerne à conclusão do combate.
As regras precisas para tais exercícios — que certamente existiam, dado
que eram sempre praticados nos mais famosos "jogos de Elade" — infeliz-
mente nunca foram encontradas. O único documento existente, cuja auten-
ii
12— O pugilato a luta com os punhos, muito violento, se equivale ao atual boxe.
• 65
3
ticidade não nos é totalmente confiável, é a tradução em francês de um pres-
socos, era de fato consentido dar cabeçadas, morder e até mesmo atacar com
suposto código de dito, rei de Elide, que teria sido emanado durante a pri-
meira Olimpíada. Este texto foi publicado na França, em 1848, com as ine- os dedos os olhos do rival.
vitáveis retificações necessárias para adequá-lo às modernas exigências. Afirma argutamente Ferretti: "E muito duvidoso que nos nossos tem-
Podemos, todavia, afirmar que a luta daqueles tempos era sensivelmente pos, o rugby tenha nascido de uma infração das regras do futebol executado
diferente daquela praticada hoje, mais dura e mais violenta. por um colegial (o qual teria tocado a bola com as mãos), em uma pequena
cidade inglesa, que a este jogo deu o nome. Parece certo que de qualquer
Através das descrições dos jogos a nós transmitidas pelos antigos escrito-
res, podemos, entretanto, reconstruir com uma certa aproximação, as princi- coisa semelhante tenha tido origem o pancrácio na antiga Grécia. E certo
que a luta era um exercício duríssimo, mas os regulamentos proibiam aos
pais normas técnicas então em vigor. Jacques N. Caryotakis, ex-secretário da
federação grega de luta, as refere com absoluta competência. seus cultores de desferrar punhos no adversário. Urna vez que.; porém, infra-
O ordwpali ções a esta norma verificavam-se muito freqüentemente, pensou-se em
era o tipo de combate mais interessante e mais técnico e
era aquele que vinha praticado em todos os jogos oficiais. Podemos, portan- dar vida a um novo combate olímpico, que entrelaçasse luta e pugilato".
to, considerá-lo como o mais clássico e o mais difundido dos métodos, ao A brutalidade e a periculosidade do pancrácio eram tais que o famoso
menos até quando não pôs raízes o pankration médico do Imperador Julian°, Oribásio (que, além de tudo, tem o mérito
que, justamente pela sua de haver-nos feito conhecer as obras de Galeno), enquanto aceita a validade
maior dureza, encontrará o favor popular nos regimes das "polis helénicas
mais.., guerras fundiárias". educativa da "luta em pé", pronuncia-se sobre os graves riscos e perigos para
orthopali organismo que a "luta no tapete" encerra.
era um tipo de luta mais afim à moderna luta estilo livre, A história cronológica dos jogos, reconstruída por Ferretti, através de
porque consentia os cambapés e o uso das pernas.
inúmeros documentos recolhidos por ele mesmo .g pelos estudiosos que o
O fim último do combate era aquele de tentar jogar ao chão por três precederam, nos informa que a primeira competição, de luta deu-se em
vezes o próprio adversário, de qualquer maneira, ou então
de fazê-lo tocar 708 a.C. por ocasião da XVIII Olimpíada.
solo com qualquer parte do corpo, excetuando os pés. Como se vê, trata-
O mais celebrado de todos os lutadores, talvez de todos os atletas gre-
va-se de um gênero de luta muito simples e rápida, muito mais veloz do que a
gos, foi Milone de Crotone, homem de força sobre-humana. Conseguiu seis
moderna, que requer não somente jogar à terra as costas do adversário, mas, vitórias consecutivas na luta em Olímpia; seis nas Pfticas, nove nas Neméias
de um tempo para cá, também um certo tempo de detenção no solo.
No caso de que ambos os lutadores estivessem caídos por terra, a ação e dez nas átmicas.
Os mais famosos "pancracistas" da antigüidade permarecem Teagene de
era atribuída a tavor daquele que conseguisse ficar sobre o seu adversário,
Taso e o Tessalo Polidamo, que emulavam por glória esportiva o próprio Mi-
enquanto que se ambos caíssem sobre um lado e se não conseguissem o do-
mínio, era anulada. lone. Em Teagene, a lenda atribui, 1.600 coroas, conquistadas no pancrácio,
Após cada queda, o combate era interrompido e o árbitro na luta e no pugilato.
(agonothete),
fazia recomeçar de pé. Na terceira queda do mesmo atleta, ao invés, o en-
contro considerava-se terminado, com a vitória de seu adversário.
Não existiam nesse combate distinções de categoria segundo o peso,
subdividia-se os atletas somente segundo a idade, isto é, jovens e adultos. h) O Pentathlon

Prossegue Ferretti: "A terceira e a última tarde vivida no estádio dos es-
9) O Pancrácio' 3 pectadores dos jogos é. quase toda ocupada pela competição, na qual melhor
se airime e culmina a paixão atlética dos gregos: o pentatlo. Desse, falou
Divergia do próprio e verdadeiro pugilato, pela ausência dos "cestos" ti sinteticamente e eficazmente Aristóteles, em Retórica: Quem sabe impul-
porque os pugilistas combatiam com o punho nu, enquanto as presas do cor- sionar-sitapitiarnente para a frente córn os pés e resistir é um bom corredor.
Guem tem a força de esborrachar Um adversário e de resistir à sual pressão,
po o aproximavam à própria e verdadeira luta, pelo contrário, essa os deixa-
é um lutador. Quem sabe manter distante com os próprios socos o adversá-
vam exasperados, tanto que era muito mais perigoso. Já que os comperidores
rio, é um pugilista. Quem sabe fazer tanto uma como a outra é campeão no
podiam continuar batendo o adversário caído por terra, sem limitações de
pancrácio. Mas quem é campeão em todas essas provas, é umpentatleta".
13 — A corrida, a luta, o salto, o lançamento do disco e do dardo consti-
gostos,Pancrácio é uma luta combinada com o pugilato, onde tudo vale e o mais duro de todos os des-
se equivale tuíam, portanto, os cinco exercícios fundamentais que formavam o penta-
com a nossa atual luta livre. •
thlon, que a lenda atribuiu sua prática a Jason, durante a permanência dos
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participantes na expedição dos Argonautos na ilha de Lenno. São cinco pro-


vas, da palavra athla Conhecemos, com certeza, que a corrida dos carros (quadrigas) foi in-
(prêmio na sua origem) que se presumia inspiradas a troduzida na 25 Olimpíada e que as várias provas hípicas mudaram e se
partir do constante ideal helênico da harmonia e da graça, do desejo e da
avolumaram com o tempo, até a necessidade de construir-se um lugar apro-
consciência de evitar excessivas especializações, a propósito das quais subsis-
priado para o desenvolvimento das manifestações ligadas aos cavalos: o hipó-
tem ainda muitas incertezas sobre as particularidades técnicas do desenvolvi-
dromo, que aparecerá sempre vizinho ao estádio.
mento das competições e, sobretudo, sobre os critérios da compilação das
classificações para a atribuição da coroa. A corrida dos carros (quadrigas puxadas por cavalos adultos, quadrigas
com poldros e bigas) era a mais assistida e desenvolvia-se.com, no máximo,
Se pularmos a um passo de Plutarco, porque é totalmente difícil consi-
doze giros no hipódromo (sendo cada giro composto de quatro estádios: dois
derar o caso que um atleta saísse vencedor em todas as cinco provas; é pre-
sumível que pudesse ser declarado vencedor e, portanto, "pentatleta" aquele na ida e dois no retorno — aproxinciadamente 4.614 metros) e, no mínimo,
que tivesse ganho a palma da vitória em três das cinco provas. oito giros sem baterias eliminatórias e até quarenta quadrigas (como lembra
O pentathlan Pinclaro), admitidas contemporaneamente para darem a largada sobre a pista,
entrou na 18? Olimpíada (708 a.C.) primeiramente diri- normalmente com a largura de meio estádio, o que dava aproximadamente
gida aos adultos e sucessivamente, em casos excepcionais
jovens. . também com os
100 metros.
Aquelas a galope tinham pouco de diferentes das atuais. Todavia, nem
todas as competições desenvolviam-se com a tradicional partida. Em Olím-
i) O Jogo da Bola • pia, deram-se também corridas, durante as quais cavaleiros em compostura
bélica, desciam com o cavalo e daí retornavam "em vôo": esta última prova
evoca, de maneira inequívoca, acorrida "(Mítica", com finalidades não so-
As atividades espetaculares, e podemos dizekr também as profiláticas li-
gadas à bola, eram particularmente praticadas na Grécia. mente esportivas, mas essencialmente militares. Com o tempo, puderam par-
ticipar das competições não somente os adultos, mas também os adolescentes
Como se pode inferir também dos poemas homéricos, em particular
da cena de Náusica," que joga bola com as companheiras, tal objeto era co- e os rapazes.
Fato único, também as mulheres entraram no mundo eqüestre, não
nhecido já nos tempos remotos, não somente na Elide, mas como temos visto
anteriormente, em toda a Bacia do Mediterráneo. como "amazonas", mas como proprietárias dos cavalos: de fato, nas competi-
ções hípicas, não era declarado vencedor o auriga ou o jóquei, mas sim o
Muitas pinturas, como também testemunhas literárias, revelam a paixão
por este jogo: basta recordar nomes ilustres como Sófocie e Dionísio. proprietário do animal; premiava-se, portanto, quem tinha criado o cavalo
e não quem o tinha guiado, mais ou menos como se verifica modernamente.
Galeno, o famoso médico grego, do qual posteriormente falaremos mais
As maiores e mais espetaculares manifestações eqüestres então ligadas
amplamente, recomendava tal prática para fins higiênicos e até mesmo escre-
ao mundo romano, reouviremos falar sobre o argumento, particularmente,
veu um tratado específico sobre "o jogo da pequena bola".
com o Imperador Nero.
Muitos e vários eram os modos de utilizar e jogar a bola, seja individual-
mente, ou em duplas, ou mais pessoas ou também com equipes; como mui-
tos foram os tipos de bolas usadas pelos antigos gregos, mas transferimos o
I) Os Esportes Aquáticos
aprofundamento do argumento para a idade romana, onde esta atividade será
mais especificamente tratada.
Em um país talmente característico, sob o aspecto geográfico, como a
Grécia, os esportes aquáticos e a arte de navegar, mesmo se não fizeram parte
j) As Manifestações Eqüestres dosligos tradicionais, representaram, todavia, um- fato utilitário e natural,
• higiênico, recreativo e agonístico. Não obstante não se tenha muitas testemu-
nhas sobre estas atividades, indubitavelmente, podemos afirmar que o conhe-
Como o dardo e o disco, também a atividade eqüestre, em parliaslar a
cimento da natação, na Gdcia Antiga, teve uma origem Muito remota. Parti-
corrida Mas carros de guerra, entrou diretamente no mundo esportivo da Gré-
cia Antiga. cipava do normal sistema de vida, era de extrema necessidade às atividades
Quando as exigências bélicas não mais as requererão, o carro ficará um bélicas e era, também, fonte alimentícia (a Odisséia é a mais valiosa testemu-
instrumento de esporte e de espetáculo. nha). Da fase utilitária, onde já se conheciam o nado em imersão e os mergu-
lhos, passou-se a uma prática recreativa e de diversão, com uma particular
14— procura pelos estilos. E certo, dada a documentação arqueológica e os tes-
Náusica. personage.rn da peça "As lavadeiras" do grande trágico Sef ocles.
temunhos literários, que os jovens, desde de pequenos, fossem habituados na
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arte da natação. O maravilhoso afresco de Paestum nos confirma que a ativi-
4 — OS EDIFICIOS PARA AS VÁRIAS ATIVIDADES
dade da natação era bem organizada, não somente em mar aberto, mas tam-
bém em piscinas equipadas, até mesmo, de trampolim artificial. GIMNICAS-ESPORTIVAS
Das descrições de Nonno e de Pausania podemos evidenciar que exis-
tiam, em águas relativamente calmas de mar ou de rio, competições públicas al Ginásio e Palestra
de natação, mesmo se essas testemunhanças fossem limitadas ao período do
Considerando o desenvolvimento sempre crescente da ginástica, jul-
P

Império e se refiram a uma pequena cidade do Peloponeso, a Ilha de Nasso.


Pelo que concerne à arte de navegar, ou melhor, as regatas, temos testemu- gou-se necessária a instituição de lugares apropriados, que pudessem satis-
nhas, ainda maiores: a estrela de Elvídio, algumas passagens de Virgílio, a sua fazer todos os desejos dos cultores do f ísiço: nasceram assim os "ginásios".
presença nos programas dos jogos Panatenaicos e nas festas atenienses de A palavra "ginásio" deriva do temo gymnós (nu) e a construção foi
Diisoteria, Aiateia e Munichia. Várias eram as competições de canoa, de assim chamada porque os jovens aí exercitavam-se e competiam completa-
remo, de velas, com diversos tipos de embarcação, com um ou mais remado- mente nus.
Nos tempos de Homero, o ginásio consistia de uma simples pista para
res (até 8 com leme) e, indubitavelmente, não se tratava de embarcações para
uso militar, mas construídas, apropriadamente, para fins agonisticos. O de- as corridas a pá e de áreas de solo de areia para a luta e o pugilismo, ambos
senvolvimento das competições, era, provavelmente, muito parecido àquele ao aberto.
atual, e, a arte de navegar, talvez, mais ainda do que o jogo da bola, consti- Paulatinamente, o ginásio aperfeiçou-se com a construção de uma rudi-
tuiu o principal "esporte de equipe" do mundo helênico. mentar palestra e com uma primitiva implantação balnekia. Por volta c.ta
segunda metade do século IV a.C., transformou-se em um complexo arquite-
tõnico composto de várias construções e pistas de pedras e cal, dispostas en-
m) O Tiro com o Arco tre árvores, prados e vales, assumindo um signjficado muito amplo e repre-
uma das instituições mais
sentando, como e muito mais do que a "efebia",ls
Também esta especialidade, que nunca. importantes dos gregos.
entrou nas clássicas festas espor- Inicialmente, nos ginásios eram exclusivamente preparados os jovens
tivas gregas, teve relevante existência, se não por outros motivos, por aqueles
para as competições nacionais; sucessivamente, além das atividades corpó-
bélicos seguramente. Já nos jogos em honra à morte de Patroclo, elas apare-
reas juvenis, a construção hospedou centros de instrução, de educação espi-
cem junto às outras competições de tiro ao alvo, como nos contam Pfndaro e
ritual e transfonnou-se em lugar de reuniões da melhor sociedade helênica.
Teócrito. Como vimos, este tipo de competição, vinha unida, como também,
Os ginásios transformaram-se em lucares onde o esporte e o estudo mar-
às provas de lançamento de dardo, a uma prova eqüestre, que consistia em
chavam lado a lado, onde o citadino grego preparava os membros, a mente e
acertar o alvo em corrida, com estes dois tipos de armas. Reservada, preferen-
o espírito para os compromissos políticos e militares que o esperavam.
cialmente, aos efebos, teve uma destinação, muito maior, bélica, ou seja,
De fato, no ginásio, além do pedotriba, ali ensinavam também mestre da
militar. A descrição de Céo (século III a.C.) nos permite concluir que o alvo
música e da oratória, gramáticos, filólogos e filósofos.
tinha no centro uma pomba e a cordinha representava as margens do alvo,
Guando no período helênico o ginásio assumiu a forma de um comple-
mais ou menos, como os anéis concêntricos das atuais provas de tiro ao alvo
xo arquitetõnico, também a palestra desenvolveu-se e aperfeiçoou-se total-
fixo, que se tornava-se móvel, sempre que a cordinha que segurava a pomba,
mente, a ponto de transformar-se a parte principal do ginásio, tanto que
fosse cortada. Podemos dizer que, neste ponto, os antigos se aproximassem
muitos escritores chamavam este último de "palestra" e vice-versa.
muito, às incivilizadas e cruentas provas de tiro às pombas. Tanto a regula-
Não obstante, aí existiram também pqlestras isoladas, que não faziam
mentação que bem precisava diversos tiros para cada concorrente, o sistema
parte da instituição pública do ginásio e eram dirigidas por privados ou por
de pontuação, a classificação seja para o tiro ao alvo fixo que a cavalo, como
a competição de tiro à distância, estão demonstrando o extremo valor que famílias de atletas.
tinha à aplicação esportiva do arco. Vitrúvio," no seti)pe Ardiltectura, descreveu o tipo ideal do ginásio
; que não era somente ligado a fatores e da palestra grego-helênica, indicando as partes essenciais que formavam
nitidamente militares, mas entrou, com toda a força, no patrimônio esporti-
vo da atividade esportiva grega. esse complexo.

escola de preparablo fisica, intelectual, social e moral, de maior prestigio em Atenas,


E febia,
do nascimento do ginásio da efebia temos o efebo que desde a infáncia, ali, é orientado.
Vitrúvio arquiteto militar de César e de Augusto.

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4 -'
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Este consistia principalmente de um "peristilio" de forma quadrada e fossa d'água. Aquele de Olímpia parece que media 211 metros de compri-
retangular, com um perímetro de 384 metros (equivalente a dois estádios), mento e 32 metros de largura.
com pórticos de colunas simples sobre três lados e com colunas duplas sobre difícil de calcular a capacidade dos estádios gregos: supõe-se que o es-
o quarto. Debaixo dos pórticos simples abriam-se amplas "exédras", muni- tádio de Atenas pudesse conter 47 mil espectadores, aquele de Olímpia, 45
das de bancos, onde filósofos e oradores falavam aos jovens. Ao fundo do mil e aquele de Efeso, 76 mil.
pórtico duplo, a centro orgânico da palestra, apareciam- No estádio, além das corridas, desenvolviam-se todos os jogos, com
- o etébeum,
uma grande sala para os exercícios gímnicos dos efebos; exceção dos eqüestres, que se efetuavam no hipódromo.
— o coryceum,
uma sala destinada à custódia dos sacos de couro para a
exercitação do pugilismo;
— o conisterium,
o lugar onde os lutadores aspergiam-se de areia finíssi- c) O Miiex5dromo
ma para neutralizar o efeito do óleo, do qual primeiramente haviam se un-
tado;
Desde os tempos de Homero, a civilização helênica possuía campos des-
— a frigida lavado, um tinados às corridas de carros e de cavalos. Não é fácil reconstruir a estrutura
tanque, no qual os ginastas, terminados os exer-
cícios, refrescavam-se, isto é, uma espécie de banho frio, para detergirem-se dos hipódromos gregos porque poucas são as informações que nos deram os
do suor, do óleo e da areia; vários escritores. Deduz-se, todavia, que o hipódromo tivesse a forma de um
— o elaeothesium, grande ferro de cavalo, com pistas delimitadas por metas, em torno das quais
um lugar onde conservava-se o óleo para as fricções;
— outros locais serviam, além disso, para as unções de óleo, para as mas- giravam os carros.
sagens, para Após a metade do século III a.C., foram construídos pequenos recintos
os banhos quentes e também para os vapores secos.
A este complexo que era a palestra, seguia-se pórticos e calçadas para cada carro, colocados ao longo das linhas de partida, que serviam para
para os
espectadores e, enfim, atrás erguia-se o estádio de modo tal a fechar a área dar o "já" às competições.
central do ginásio. Existiam hipódromos em Olímpia (comprimento de dois estádios, isto
O ginásio de Olímpia, edificado por Tolorineo Filadelfo, no século II l é, 384,54 metros), em Delfi, em Nemea, no istmo de Corinto, em Tebe, em
a.C., do qual chegaram até nós as suas ruínas, parece ser o mais significativo e Atenas, em Esparta e também em outras cidades.
que mais responde às descrições de Vitrúvio.
A administração dos ginásios era confiada a um "ginasiarca", o qual
contribuía pessoalmente nas despesas necessárias, e, acima de tudo, adminis- d) Outros Edifícios Ligados à Atividade Motora,
trava os fundos conseguidos através das doações, das taxas e das multas que Parti%darmente em Olímpia
deram entranda, as quais serviam para a manutenção do complexo arquitetô-
nico e para cobrir as despesas das cerimônias que ali desenvolviam-se. Também os teatros, freqüentemente, hospedavam manifestações espor-
Cada cidade ou colônia grega possuía ao menos um ginásio; as maiores tivas de menor importância, sobretudo, a luta, o pugilato, o pancrácio. Cons-
possuíam diversos: por exemplo, Atenas tinha três famosos ginásios: a tituído de um aterro no terreno, dividido em cávea para o público, de orq-
demia (onde ensinou Platão); o Liceu Aca-
(onde ensinaram Sócrates e Aristó- questra e da cena ou do palcoscénico, o teatro utilizava como campo de com-
telas) e o Ouinosargo;
a estes, uniram-se outros seis no curso dos séculos. petição, na maioria das vezes, a platéia.
As termas, encontradas também na estrutura de Olímpia, além de se-
rem ocupadas para a higiene e para o tratamento do corpo, eram usadas
b) Estádio
et.inbém para a recreação e para o jogo da bola ou para as atividades gímni-
cas em geral.
Seja as competições de corrida a pé, ou o lugar onde desenvolviam-se Pelo que concerne, particularmente Olímpia, é oportuno e interessante
estas competições, foi chamado, com o decorrer do temei) recordar edifícios que, somente ocasionalmente, encontraremos em outras
- mo stadion, " "stadio", do ter-
que era a corrida-príncipe das Olimpíadas. cidades. Queremos referirmos ao Theokoleon, onde alojava os Theokolot
Originariamente, o estádio consistia de um espaço livre, mas bem cedo os sacerdotes e os seus assistentes, que viviam, constantemente, em Olímpia,
assumiu uma forma arquitetõnica mais consoante às exigências dos especta- escolhidos entre as classes sacerdotais de Elide, mais visada, como os lamidi e
dores. O estádio grego tinha normalmente uma forma retangular, com um os Clitidi, que se ocupavam dos templos, dos sacrif (cios, do culto dos deuses,
dos lados menores curvo.
em geral; ao Bouleuterion, onde se arquivava a crônica, a documentação, os
Os dois lados compridos compridos eram destinados às filas dos lugares regulamentos das Olimpíadas, onde atletas e os Ellanodices faziam o solene
para os espectadores, a pista era delimitada por um parapeito ou por uma
72 73
juramento: praticamente o Parlamento de Olímpia; ao Leonidaion, o hotel nham sido sede de convergência entre as várias cidades ou de Anfizionié, isto
do santuário (assim chamado pelo seu doador, um tal de Leonidas Nasso, que é, grupos de povos que, habitando na vizinhança de um santuário, se coliga-
ordenou a sua construção em honra a Zeus, em torno do ano 350 a.C.), que vam para a defesa do mesmo ou para celebrar em comunidade as festas reli-
hospedava, além dos Ellanodices, as personalidades de maior respeito que vi- giosas.
nham assistir aos jogos; ao Prytaneion, onde eram preparados os banquetes Suas famas foram, assim, aumentando cada vez mais com a força dos
enriquecimentos das narrações de lendas, até que as festas conseguiram seu
em honra aos vencedores olímpicos e dos ilustres hóspedes, ao interno do
qual ardia continuamente o "fogo perene" sobre o altar da deusa Estia Ia máximo esplendor.
Os jogos públicos, chamados também nacionais, já que eram baseados
atual chama olímpica); enfim, ao Laboratório de Filia que tinha as mesmas
sobre o sentimento de comunidade e fraternidade entre todos os gregos, de-
dimensões da cela do templo de Zeus, de modo tal que o artista pudesse ter,
constantemente, presente as dimensões do ambiente que teria hospedado as senrolavam-se, respectivamente:
suas obras.
as festas Píticas, em Delfos;
as festas lítmicas. em Corinto;
as festas Neméias, em Nemea;
5— FESTAS E JOGOS NACIONAIS as festas Olímpicas, em Olímpia;
as festas Panatenéias, em Atenas (já comentada no capítulo A Edu-
Do estudo até agora conduzido, nos foi possível revelar que os jovens cação em Atenas).
eram preparados para competir e não somente para executar exercícios bem
A tais jogos, convergiam citadinos de todas 35 partes da Grécia, que ti-
estudados e controlados. Um gênero diferente de educação recebiam as ado-
nham assim ocasião de encontrarem-se e de tratarem também de seus inte-
lescentes. Também essas, porém, executavam exercícios físicos e aprendiam
resses públicos e privados, além de assistirem a manifestações não somente
a dança, mas não participaram por muito tempo, nem como artista, nem
como espectadores nas competições oficiais. de caráter esportivos, mas também musieais e culturais em geral.
Os jogos consistiam de exercícios gímnicos, como corridas a pé, saltos,
Provavelmente, estas manifestações desenvolviam-se em um primeiro
momento, entre os alunos do mesmo ginásio (eis por que nunca faltava o lançamentos, competições de luta e pugilato, manifestações eqüestres.
Durante todo o período dos jogos, era proclamada a "trégua sacra" e
estádio perto das palestras); após, entre os alunos de diferentes ginásios,
também nas várias cidades, por ocasião das festas religiosas, de comemo- eventuais guerras em curso cessavam.
As três p.iimeiras festas tinham caráter de rito fúnebre ou celebrações
rações ou de cerimônias fúnebres; enfim, durante as celebrações pan-helé-
em honra dos guereiros, heróis e deuses e, portanto, iniciavam com sacri-
nicas, as quais convergiam todas as cidades da Grécia. Tanto no ginásio como
f ícios propiciatórios e processões, às quais eram seguidas de competições
nas competições eram admitidos somente os gregos, isto é, os descendentes
dos conquistadores clóricos, sempre pela concessão que pretendia manter gímnicas, hípicas e também musicais.
As festas e os jogos olímpicos eram os de maior renome e mais impor-
somente aqueles que tivessem o direito de supremacia sobre os demais, como
estime predileta dos deuses. Será necessário esperar a conquista romana, para tantes e, pelo lado atlético, mais espetaculares.
Muito seletivas, como diziam, eram as normas de admissão dos concor-
que os jogos transformem-se em ecumênicos, isto é, universais e somente eram
rentes aos jogos: num primeiro momento, somente os nascidos na poli is
pouco antes da definitiva extinção das festas olímpicas, figurará entre os
aceitos; posteriormente, alcançou-se aquela unidade ideal do povo helênico,
vencedores um armeno, isto é, um dos assim chamados "bárbaros", como os
através da qual deu-se oportunidade a mais cidades em reunir-se nos lugares
gregos costumavam chamar os outros povos. Isto nos explica por que a con-
sacros, onde desenrolavam-se as competições e, portanto, toda a população
cepção agonística na Elade, além do seu caráter religioso e estético, ficou,
até afirmar-se no Demos, sempre ligada ao mundo aristocrático. grega pôde competir nas festas nacipnàis.
Os atletas vencedores recebiam uma coroa de oliva e eram carregados
As classes inferiores, em geral descendentes das populações indígenas ou
pré-dóricas, não recebéi- triunfalmente pela cidade, considerados como "salvadores da pátria".
am por um longo tempo a' instrução física, inte- A suprema aspiração de cada jovem grego era a de receber a coroa em
lectual e moral, que era ensinada nos ginásios e, portanto, não eram admiti- período-
todas as quatro festas pan-helénicas; isto lhes conferia o título de
dos aos jogos citadinos e naqueles que se celebravam durante as festas pan-
helénicas. As festas principais eram quatro: as Píticas, as 1-stmicas, as Nernéias nikès e assim era chamado também o período que se interpunha entre uma
e as Olímpicas. Não sabemos qual foi o preciso motivo pelo qual essas Olímpica e outra.
tenham se sobrepujado sobre as outras celebrações. É muito provável que,
ao Menos nos primeiros tempos, as localidades onde se desenrolavam, te-

• 75
74
a) Festas P(ticas
gundo a tradição histórica, foram fundadas por Teseo, em honra de Posidão,
As festas Píticas eram as mais importantes após as Olímpiadas e eram após a sua vitória sóbre Sinide.
O mármore de Paro fixa a data da instituição de Teseo, em 1259 a.C.,
celebradas na Planície de Crísea, aos pés do Monte Parnaso, na honra de enquanto que a tradição oficial as faria remontar a 589 a.C. (48P Olimpíada).
Apolo Pitio, que o mito rectrdava como fundador da festa, que ele teria ins- A festa realizava-se a cada dois anos, no segundo e no quarto ano de
tituído após o assassinatc da Serpente Pitone. maio e
cada Olimpíada, provavelmente entre o fim de abril e o inicio de
Após a vitória de Deifos sobre Crisa, os jogos tinham lugar no estádio
e no teatro de Delfos e celebravam-se regularmente a cada quatro anos, no tinha a duração de muitos dias.
Os jogos ístmicos assumiram um caráter prevalentemente mundano,
terceiro ano olímpico, no mês de "Bocado", correspondente aos nossos porque eram celebrados em Corinto, sobre o istmo, cidade que gozava de
r" agosto/setembro.
uma ótima posição geográfica e exercia um notável apelo à maioria dt.s gre-
A era pítica iniciou-se em 586 a.C. gos, à causa do luxo e dos prazeres que oferecia aos espectadores. "
Tratando-se de uma festa em honra de Apollo, essa consistia, a priori, A festa, sendo dedicada a Posidão, iniciava com um sacrifício e ritos
essencialmente de uma competição musical entre citarristas, em forma de propiciatórios. Nos dias sucessivos, continuava com as competições atléticas,
homenagens fúnebres; após, foram introduzidas, depois de 582 a.C., compe- eqüestres, musicais e também náuticas (uma espécie de regata). Existiam,
tições de flautistas e de auletes e, sucessivamente, competições gímnicas e como nas outras pan-helênicas, competições reservadas aos adultos, aos jo-
hípicas, sempre mais numerosas e importantes, entre elas, as famosas corri-
das das bigas. vens e aos adolescentes.
Muita importância era dada à corrida das carruagens, porque Homero
A festa que, num primeiro momento, durava apenas um dia, foi esten- transmitiu, nal! (ada, a figura de Posidão sobre uma carruagem puxada por
dida com o tempo a seis ou sete chias. untas vinha impressa urna biga
cavalos e, além disso, sobre as moedas cot-
Segundo a lenda, o primeiro vencedor foi Crisotemo de Creta.
em corrida.
Esta manifestações repercutiam muito favoravelmente, sobretudo no A partir sie 228 a.C., também os romanos puderam participar dos jo-
mundo cultural grego, porque junto às competições típicas desenvolveram-se gos; são conhecidas, as mais ou menos engraçadas, vitórias de Nerone.
numerosas orações de retóricas e disputas entre filósofos e poetas, que pro- Estas festas já eram já celebradas nos tempos de Solão; Plutarco, de fa-
cediam, tm grande número, de Delfos. to, escreveu que Solão designava aos vencedores dos jogos (stmicos 100 drac-
Outra particular característica das festas Píticas era aquela de incremen- mas, enquanto eram dadas em prêmio 500 dracmas àqueles que brilhavam
tar as competições dos adolescentes e dos jovens, os quais participavam dos
°jogos em número muito maior, em relação às competições olímpicas; além em Olímpia.
Os vencedores recebiam também uma coroa de folhas de pinheiro (plan-
de tudo, esses, desde 344 a.C., tiveram a possibilidade de competir até mes- ta sacra para Posidão), com exceção de um primeiro breve período, durante
mo no pancrácio, coisa que nas Olimpíadas verificou-se muito mais tarde o qual era designada uma coroa de aipo, com um preciso significado funerá-
(145, Olimpíada em 200 a.C.).
1
A festa encerrava-se com um grande sacrif feio a Apoio e com a premia- rio.
ção dos vencedores, os quais recebiam a coroa de !ouro.
Os atletas que participavam destes jogos eram chamados de "epime-
letes". c) Festas Neméias
Sejam os vencedores das competições atléticas, sejam os das competi- A lenda atribuía a sua instituição aos sete heróis que tinham guiado a
ções mus'cais ou culturais, podiam erguer sua estátua no sacro recinto de expedição contra Tebe; naquela ocasião, o pequeno filho do Rei Licurgo, Ar-
Crisa. O próprio Gorgia teve uma estiltda no recinto Criseo. quemoro ou Ofelte, foi assassinado por uma serpente e, em sua honra, os sete
eróis instituíram então a festa.
Segundo uma outra lenda. Hércules após ter assassinado o leão Nemeu,
b) Festa; fstmicas
tinha criado ou renovado os jogos em honra a Zeus.
Os jogos, originariamente instituídos após a morte de Arquemos°, eram
Sobre suas origens existem várias lendas: uma atribui sua fundação a é considerados jogos fúnebres e, para tanto, os atletas vestiam-se de luto.
Posidão, que as teria instituído para honrar a memória de Melicerte; uma A primeira festa Neméia reconhecida oficialmente foi aquela celebrada
outra atribuía a Sisifo a instituição dos jogos em honra de Melicerto que, se- no ano de 573 a.C. (52? Olimpíada).

75 77
A festa era celebrada a cada dois anos, provavelmente nos primeiros dias tinidos "pan-helénicos" foi estendida também às colônias gregas, até mesmo
de agosto e desenrolava-se junto ao santuário de Zeus Nemeu, que se erguia àquelas da Sicília e da Ásia Menor.
Mais tarde, como veremos, Roma também entrou no contexto olímpi-
no pequeno vale do Rio Neméia, junto à cidade homônima.
co, a tal ponto que, em 80 a.C., Silla convidou todos os competidores para
As festas Neméias celebravam-se de modo, mais ou menos, semelhante
irem a Roma, de maneira que os jogos foram sediados em Urbe, ao invés de
às demais festas pan-helênicas; compreendiam sacrifícios e ritos propiciató-
rios, competições gímnicas (para adultos e jovens) e hípicas. Somente mais serem em Olímpia.
Não eram admitidos às competições aqueles que tivessem sido defini-
tarde coligou-se, também, provas musicais.
O vencedor recebia um prêmio que consistia de um ramo de palmeira e dos como -indignos", com a "certidão penal" maculada — diríamos no
sentido moderno — e as mulheres, não somente como atletas, mas também
uma coroa de aipo ou de carvalho.
como espectadoras.
Salvo as sacerdotisas, às quais era designado um lugar especial no está-
dio, as mulheres eram exclusas. A tal propósito, os históricos são dissonan-
d) Festas Olímpicas
tes: tem quem afirma, como A. Enrile, que as mulheres eram excluses como
Esta festa adquiriu o nome da antiga cidade de Olímpia, situada no espectadoras mas, contrariamente ao que comumento acredita-se, existiam
provas também para adolescentes femininas (uma breve corrida de velocida-
Peloponeso, às margens do rio Alfeo.
A lenda fazia remontar a instituição desta festa a Pélope, em honra do de), as quais competiam pela ritual coroa de oliva, mas recebiam também,
Rei flenómau, o qual suicidou-se após ter perdido, com o próprio Pélope, como prêmio, um pedaço de vaca sacrificada em Era. Essas, porém, corriam
uma corrida com as carruagens, cujo prêmio consistia em receber a mão de em datas diferentes, visto que era severamente proibido a todas as mulhe-
res, com exceção Cie sacerdotisa de Dernetra, assistirem aos jogos olímpicos.
sua filha Hipodama.
Sucessivamente, Hércules passou a substituir Pélope, na celebração dos De fato, narra a lenda que a filha defamoso campeão olímpico, Diágora, ves-
tida de homem, em veste de treinador, acompanhou seu filho Pisidoro às
fogos competições. No momento da vitória deste, a mulher não resistiu ao entu-
Mais tarde, a festa caiu no esquecimento, mas ífito — rei de Élide — tal-
vez em 880 a.C., restaurou a manifestação que teve início oficial somente siasmo e correu ao encontro do filho. Infelizmente, o manto, emaranhan-
100 anos mais tarde, ajudado pelo Rei Espartano, Licurgo, firmando este do-se na barreira móvel, caiu-lhe dos ombros e o seio nu testemunhou a sua
acordo com diversas prescrições, entre as quais aquela relativa à trégua sacra, verdadeira identidade. A partir deste episódio, parece que veio prescrito aos
.
a ser respeitada em ocasião da festa, que foi gravada até mesmo sobre um dis- rcompanhadores e aos treinadores de apresentarem-se com o tronco nu. Uma
co de bronze (o assim chamado "disco de alto"), descoberto mil anos mais outra nota histórica, por outro lado, justifica que a exclusão das mulheres
nas competições tivesse sido motivada pelo fato de que, a partir de 720 a.C.,
tarde por Pausania, em um templo de Olímpia.
Todo o interesse do país voltava-se a esta festa e até mesmo as lutas e as na 15? Olimpíada, os atletas tivessem competido nus, por uma simples coin-
guerras que naquele período eram demasiadamente freqüentes entre as várias cidência. De fato, o MegareselOrrhippos perdeu, por acaso, numa corrida,
o seu cinto e teve a impressão de ter tido vantagem sobre os demais. O espar-
cidades gregas, eram suspensas, para que assim todos os citadinos pudessem
tano Akanthos o imitou, partindo nu e venceu a competição do Mico.
assistir às manifestações litirgicas e atléticas.
De fato, um decreto estabelecia a suspensão, sobre o solo grego, de to- Aquele ponto, todos o imitaram.
Tornamos às características da manifestação e notamos que a denomi-
das as hostilidades. Tempos, indubitavelmente, maravilhosos, nos quais po-
nação de "atléticas" que assumiram as competições, deriva etimologicamen-
dia-se ordenar a paz por decreto.
Todas as cidades adequavam-se, tamanho era o interesse pelas compe- te de athla, que significa "prêmio"; os concorrentes ao prêmio eram chama-
os vencedores das diferentes competições recebiam inicialmente
tições e era tão forte o sentimento religioso nacional, que superava qualquer dos athleti;
contraste interno. Em Olímpia, nenhum armado podia aproximar-se, sob pe- prêmios in natura, que consistiam de cabeças de animais, armaduras.
Todavia, estes jogos podiaPn ser considerados também ifprovas fúne-
na da grave multa de 200 dracmas de prata. porque parece que o motivo fundamental
Inicialmente, os não gregos eram exclusos das competições, bem como bres", do termo agones epitaphoi,
aqueles ou as suas cidades que tivessem violado o regulamento dos jogos. tivesse sido aquele de honrar aos defuntos.
As festas olímpicas eram "pentetéricas", isto é, desenvolviam-se a cada
Paulatinamente, aumentando a fama e o prestígio das festas olímpicas,
quatro anos completos, durante o período central do verão, correspondente
todas as cidades do mundo grego desejavam aí serem representadas, sendo •
que a partir do século VII a.C., a participação nos jogos, que então foram de-
17 — Mega', — antiga colónia grega na Secilta.
A
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aos meses de julho/agosto (verão na Itália).! ' Os jogos mais tarde foram na 659 Olimpíada (520 a.C.) — a corrida comas armas ou o oplittpdro-
chamados também "Olimpíada" e este termo assumiu o significado de "pe- mo.
ríodo interposto entre uma manifestação e outra", e ficaram assim famosos,
que vieram tomados como bine para computar os anos na cronologia grega. Nc início, podiam participar somente os adultos, mas, a partir da 37?
O tempo, de fato, era d;vidido em Olimpíada, ou seja, em períodos de qua- Olimpíada (632 a.C.), foram admitidos também os jovens (18-20 anos) que
tro anos e o ponto de partida da era grega é precisamente o ano da primeira se apresentavam nas competições de corrida a pé, na luta e, a partir da 419
Olimpíada, isto é, 776 a.C. Olimpíada (616 a.C.), também no pugilismo.
O mundo grego, colocou o início dos jogos olímpicos, no vértice da Para arbitrar as competições, eram designados juízes supremos que se
própria história, reconhecendo-os corno o máximo acontecimento, comum chamavam "Elanodices": inicialmente, eram um ou dois, após, prowessiva-
a todas as estirpes, entre elas em contínua guerra, mas irmanadas no perío- mente, chegaram a dez e até mesmo parece que tivessem chegaco a doze.
do da trégua sacra, por um mesmo ideal de perfeição física e moral. Os "Elanodices" eram escolhidos entre os citadinos da Elide, ao menos du-
Estas espetaculares festas celebravam-se em honra a Zeus, na cidade rante o período clássico, de alta condição e de declarada fama, dos quais
de Olímpia, que viveu quase Que exclusivamente das usanças religiosas fosse conhecido o caráter incorruptível.
(verierações sobretudo a Zeus) e das periódicas celebrações dos Jogos Olím- Estes eram encarregados de selecionar e de inscrever os atletas, fazê-
picos, tanto que, mais do que uma cidade, poderíamos defini-la como um los prestar juramento para o respeito das regras da competição, designar
santuário, um lugar sagrado, um ponto de convergência. os prêmios, cuidar da elevação das estátuas na "Altis Sacra", dedicadas .
Em Olímpia, a maior parte das construções eram sacras e encontra- aos atletas.
vam-se na área cingida pela "Altis" que tinha a forma de um quadrilátero Os "elanodices" eram ajudados pelos "alútai" que tinham a precisa ta-
irregular (200 metros x 175 metros). O complexo arquitetõnico da "Altis" refa manter a ordem pública durante a festa.
compreendia muitos e belíssimos templos (das últimas escavações arqueoló- O desenvolvimento da manifestação era longo e complexo.
gicas contam-se muito bem uns oitenta, o principal dos quais permanece Um mês antes do início da festa olímpica, os araldes conduziam-se em
aquele dedicado a Zeus, todo de mármore branco, grande como o Parte- todas as cidades gregas para anunciar a trégua sacra e convidar os citadinos
non, em Atenas), e construções como a palestra, o lugar mais importante para participarem ou presenciarem as cerimônias e competições.
para as competições, a planta quadrada com um grande pátio central e vá- Primeiramente, chegavam à Olímpia os incumbidos da preparação dos
rios ambientes para uso dos atletas; o ginásio para os exercícios de atletis- vários ritos religiosos e dos jogos, após chegavam os atletas, os espectadores
mo- o estádio para as corridas a pé e o hipódromo para as competições h í- e os peregrinos e, por último, as delegações oficiais das cidades gi egas.
. •
picas. Nas proximidades da "Altis" existiam também as habitações para os Os treinamentos dos atletas eram particularmente duros e extenuantes.
guardas e os sacerdotes. Após a vitória dos Eléos sobre os Pisanos, a região Os jovens reuniam-se na Elide trinta dias antes das competições; no 259 dia
do santuário foi considerada sacra e foi chamada "Altis Sacra". dirigiam-se a pé para Olímpia, onde chegavam dois dias após, marcando apro-
Parte essencial da festa eram as competições gímnicas: da primeira à ximadamente 58 km.
décima terceira 00mi:tê:ias, o programa era muito simples, porque compre- Tinham três dias de repouso e ainda eram treinados no início da Olim-
endia somente a corrida de velocidade ou o stadio. Progressivamente, aumen- píada, que se desenvolveria nesta ordem:
tou o número dos participantes aos jogos, aumentou também o número de — o primeiro dia era consagrado aos ritos religiosos e aos sacrifícios pro-
competições, nas quais se expunham os atletas. As manifestações que até piciatórios a Zeus e aos outros deuses; após seguia com o juramento à frente
d(k72 a.0 tinham a duração de apenas um dia, estenderam rapidamente para da estátua de Zeus, seja por parte dos atletas, ou por parte dos Elanodices:
uma duração de cinco dias. Além &Corrida a pé, as principais competições os primeiros garantiam suas nacionalidades gregas, a integridade moral, de
que se aliaram foram em ordem de tempo: luta honesta e leal e terem se preparado ao menos por dez meses; os segun-
xna 149 Olimpíada (724 a.C.) T, a corrida dupla ou diaulo; dos de julgar com justiça._
lia 159 Olimpíada (720 a.C.) — a corrida de resistência ou dólico; — o segundo dia era idedicado às competições dânclolescentes e ainda
vh na 18? Olimpíada 908 a.C.) — a luta e o pentatlo; não "efebos", isto é, menores de dezesseis anos, que se mediam na corrida,
vs. na 23? Olimpíada (628 a.C.) — o pugilismo; luta, pugilismo e, a partir do século II a.C., também, esporadicamente, ro
ei na 259 Olimpíada (680 a.C.) — a corrida das quadrigas; pentatIon e no pancrácio.
.• na 33? Olimpíada (648 a.C.) — a corrida de cavalos e o pancrácio; — o terceiro dia era reservado às competições dos adultos que compe-
tiam, como já dissemos, nus e com a cabeça untada de óleo. O programa ti-
nha início com três competições distintas de corrida a pé: a corrida simples
18— Correspondente aos oneses de janelio.fevereiro, ner rode central do veolo no Brasil.
sobre a reta do estádio, após a corrida dupla (isto é, duas vezes o estádio),

.R11 R1

"diaulos" e enfim, a corrida de resistência, o dobo°, na qual os ginastas fazendo incendiar todos os templos pagãos. A obra de destruição de dois
percorriam até 24 vezes a reta do estádio semelhante a aproximadamente terremotos, culminou no fim de Olímpia, reduzindo a "Altis" em um amon-
5000 metros. toado disforme de ruínas.
Estas corridas eram muito extenuantes e também difíceis porque na "Por isso — afirma A. Enrile — muitos atribuíram ao Cristianismo a res-
pista era espalhada urna camada de areia. ponsabilidade do fim da mais gloriosa manifestação esportiva daquele mundo".
Seguia-se, posteriormente, à luta, o pugilismo e a jornada terminava Na verdade, os jogos já tinham sido suspensos a mais de um século (de
com o pancrácio.. 277 a 369 d.C.) dado que Olímpia — uma vez berço de sentimentos de paz,
no quarto dia desenvolviam-se as competições mais espetaculares: de religiosidade e de elevação espiritual — estava já magoada por uma invo-
corridas de cavalo e de carros efetuadas no hipódromo, muito assistidas e lução degenerativa, a qual tinha sugerido a certos escritores (com o exemplo
apreciadas pelo público. As competições hípicas seguia-se o pentatlo. de Senófone, Eurípide, Aristófone, Galeno, etc.) palavras de fogo.
A última competição era o oplitódromo, isto é, a corrida dos guerreiros Especulações, corrupções, partidarismos tinham-se transformado em
completamente armados, num percurso de dois estádios. pano de fundo de uma manifestação que estava sempre mais perdendo o
. Na tarde do quarto dia, já se começava a festejar os vencedores, embora seu primeiro significado moral. Recorde-se que Santo Ambrósio era um
não tivesse sido ainda dada a proclamação oficial. esportista, um ardente sustentador do jogo da bola, que pessoalmente prati-
o quinto dia era dedicado ao triunfo dos venderes. Com a indivação cava; ele não teria certamente solicitado uma providência contra Olímpia,
dos juízes, os arautos proclamavam o nome dos vencedores, seguidos pela se não tivesse sentido o dever de chamar a atenção sobre certas degenerações
indicação do pai e da sua cidade, enquanto que o primeiro dos Elanodices que, inelutavelmente, empurravam os jogos ao fundo degradante da perver-
punha sobre o cabeça dos vencedores uma coroa de oliva selvagem. são mais imprudente".''
Os vencedores se conduziam, então para homenagear Zeus, efetuando. Desaparecia assim um dos lugares mais interessantes do mundo antigo,
ritos de sacrifício em agradecimento. Seguiam-se, posteriormente, manifes- onde pela primeira vez o esporte, mesmo que sob o ponto de vista prevalen-
tações e procissões de júbilo de seus citadinos festantes e, à tarde, desenvol- temente étnico e religioso, tinha brilhado com suas próprias luzes, deixando
viam-se vários e suntuosos banquetes. uma marca indelével e indestrutível na história da civilização.
Mo podemos esquecer que após a 813? Olimpíada foram acrescentadas
às competições gírnnicas, provas literárias e artísticas; provinham de Olím-
pia artistas, literatos, filósofos e poetas. Também o próprio Heródoto, na 1. 6— A NOVA EDUCAÇÃO E A AFIRMAÇÃO DO
ocasião de uma Olimpíada, leu, na "Altis", pane da sua história das guerras PROFISSIONALISMO: O TREINADOR E A
persianas; ali falavam Gorgia e Lisia e, sempre em Olímpia, tiveram sucesso MEDICINA ESPORTIVA
e sorte Bacchíl ide, Simónide e Píndaro.
vencedor olímpico era muito considerado na Grécia, era por todos A educação grega e, em particular a ateniense, como já foi exposto,
admirado, apontado como exemplo e considerado objeto de um próprio e perda.pouco a pouco, o conceito de um harmonioso equilíbrio entre corpo
verdadeiro culto. As recompensas aos vencedores eram muitas e quase ina- e espirito, para transformar-se sempre mais intelectualista, dialética.
creditáveis: a isenção dos impostos por toda a vida; a elevação de colunas e A educação física começou a manifestar os primeiros sinais daquela
estátuas na "Altis Sacra" em sua honra; seu sustento estava, às vezes, por crise que investirá o inteiro mundo sócio-político da Grécia. A decadência
conta da polis natal; lugares gratuitos no teatro e, talvez, até o culto após da antiga educação era inevitável, porque não podia não descambar com a
a moi-te. polis na qual nasceu. Em efeito, no período helênico, a ginástica não mais
inder° disse: "Quem vence em Olímpia, gozará por toda a vida de tima progrediu, seja pelo diferente modo de interpretar a educação de base do
prosperidade doce como o mel". Hoje, um ótimo profissional esportivo, jovem, seja porque ressentiu a influência negativa do atletismo profissio-
não é retribuído como um campeão ol imole° de então. nal. Os exercícios físicos perderam, gradativamente, c seu caráter educati-
Muito tempo duraram as festas olímpicas, em 1169 anos históricos, vo-formativo para atender uniamente aos objetivos utilitaristas e de efei-
conta-se, muito bem, 293 edições de jogos. tos prevalentemente fisiológicos.
Mas o estender-se do profissionalismo acelerou o fim dos jogos e, com
advento do Cristianismo, foram suspensos. De fato, em 393 d.C., o Impe- 19 — A popularidade e o esplendor da EdUC•40 Fisica, junto ao povo grego, entra em decadéncia.-
rador Teodósio 1, a pedido de Ambrosio, bispo de Milão, pedido motivado pela prática desvirtuada dos exercícios, pela ascendia do profissionalismo desportivo. pela insubordi
nação pregada pelos sofistas, pelo ateísmo, pela anarquia social e clecadencia em que se encontrava
pela revolta de TessalCinica, ordenava a abolição dos Jogos Olímpicos e em a Grécia quando foi dominada pelos romanos e daí, também e, principalmente, peia dominação ow
426 Teodósio II executava a obra, destruindo a ”Altis" de Olímpia e cente do cristianismo.

8$
No novo contexto da educação física foram muitos os que criticaram a
Os melhores atletas transformaram-se em profissionais idolatrados exaltação dos atletas e as suas façanhas, mas também disso colheram os me-
pela inultidão que reservavam aos vencedores dos jogos, próprios e verda- lhores aspectos.
deiros triunfos; deiprezados, porém, pelos homens de cultura, da ciência, Senófane, entre os filósofos, Filostrato, como expert treinador; Hipó-
serão
como os médicos e os filósofos, em particular. crates e Galeno, que representam o nascimento da medicina esportiva,
Mas mesmo se criticado e contrastado, o profissionalismo, nascido qua- os personagens principais que esclarecerão a passagem definitiva do ideal atlé-
se logo após a instauração dos jogos olímpicos, desenvolveu-se constantemen- tico ao deletério crescimento do profissionalismo esportivo.
te, até alcançar níveis de alta popularidade.
O atletismo profissional afirmou-se sobretudo porque os atletas não
competiam mais pela satisfação de atingir aoexceléncia, a virtude, nem pelo a) Senófane
orgulho de adquirir glória para si e para as cidades que representavam, mas,
sobretudo, eram impelidos pelo desejo de altos ganhos, que se podiam reali- Senófane (século V a.C.) foi um dos últimos filósofos gregos a ocupar-se
zar em breve tempo. As coroas de oliva, de pinho, de aipo ou de carvalho da ginástica e sustentava que o exercício físico, mesmo dando harmonia aos
rpm somente uma lembrança e não chegavam mais a satisfazer as necessi- membros, perseguia a força e esta era inútil e danosa se não governada pela
dades dos vencedores, que ambicionavam, ao invés disso, dons e prêmios razão. De qualquer maneira, mais que contrariar a atividade física em si mes-
em dinheiro. ma, Senófane criticava as fáceis honras e a fama que gozavam os atletas por
Com esta nova visão, evidentemente, o profissionalismo maculou o vezes até definidos "heróis".
- atletismo como arte para um harmonioso_ desenvolvimento do corpo, po- Poder-se-ia notar, com modesta ironia, como este termo aparece, ainda
rém a educação física e a ciência em geral foram enriquecidas por especiais hoje, nos meios de comunicação de massa. •
norrhas dietéticas, que eram estudadas para os atletas; e as técnicas de treina- Os intelectuais deviam, ao invés, segundo ele, ter maior consideracáb e
mento influenciaram positivamente a educação física, utilizáveis também sob prestígio do que os atletas ou dos vencedores olímpicos, porque aqueles (os •
o aspecto médico-preventivo, porque os profissionais recorriam a intensos e intelectuais) ocupavam-se em fazer triunfar a verdade e a justiça e, portanto,
profundos treinamentos, para uma preparação racional válida, seja do pnnto suas forças "morais" eram superiores à força física daqueles que limitavam
de vista atlético, observando um regime de vida especial, que científico por suas atividades ao somente exercício físico e descuidavam as atividades cul-
uma certa constante pesquisa fisiológica. turais, as únicas que contribuíam em beneficio do progresso da civilização.
Neste período, nasceu assim a figuratiPica do treinador. Esse devia pos-
suir específicas noções técnicas de caráter fisblérgico e dietético, mas devia
b) Filostrato
ter também um bom intuito psicológico para poder adequar e harmonizar o
ensinamento técnico ao caráter individual de cada atleta. Poder-se-ia pensar A figura de Filostrato, as suas vicissitudes, a sua morte, são argumentos
que sob a direção dos treinadores, que queriam ter conseguido a deificação, ainda obscuros e ainda hoje não
se chegou a conclusões definitivas, talvez
os atletas obtivessem um alto grau de perfeição; infelizmente, isso nem sem- pelo contraste que existe entre os vários autores.
pre verificou-se, pelo contrário, chegou-se a formas degenerativas. Parece Segundo o Junther, se o El ice, do qual fala Filostrato no capítulo XLVI
que a prática da super-alimentação (a base também de carne) e o esforço capítulo LXXIX
de Ginástica, é o mesmo Elice que Cássio Dione recorda no
físico produzissem nos atletas efeitos contra-indicados e danosos, aos mem- capitolinos que se desen-
da sua História Romana, aquele vencedor dos jogos
bros, pela hipertrofia e atrofia. volveram em Roma, sob o Império de Eliogábalo, no ano 219 d.C. e ao qual
. " A prevalência do profissionalismo, paulatinamente, desnaturou tam- vêm atribuídas outras vitórias em Olímpia rio Eroicus, a
Ginástica *apode
bém as últimas características morais da ginástica, que proarrava, muito fre- ter sido escrita antes de 250 d.C, no momento em que Filostrato fala deste
qüentemente, os seus.atletas nas regiões menos civilizadas e, por sua vez, re- último atleta, não como um contemporâneo, mas como uma pessoa-vivida
3. dezenas de anos antes e transformada em exemplo às novas gerações: "Deste
crutava indivíduos de 'duvidosa moral.
Assim, com a degeneração do atletismo profissional desapareceu a ver- modo foi treinado o fenício Elice, não somente quando era gurizinho, mas
dadeira educação física grega e nos aperceberemos, muito rapidamente, que também quando tornou-se adulto, objeto de admiração bem maior a respei-
inércia" (cap. XLVI). Se assim for a
os exercícios corpóreos não tinham mais nada a ver com aquela ginástica to de tantos outros, que preferiram a
que Platão tinha concebido como parte integrante da educação, mesmo se os identificação do Elice de Filostrato com o Elice do qual fala Cássio Dione,
gregos, e mais tarde os romanos, continuarão a entusiasmar-se com os espe- a Ginástica não pode ser anterior ao ano 230 d.C., mas muito posterior e o
táculos esportivos. seu autor não pode ter vivido senão entre 220 e 300 d.C., considerando-se

• 85
el A

também o fato de que a obra revela-se escrita por um homem que já tem Os demais dezesseis dizem respeito ao caráter histórico que a ginástica
muita experiência, mais do que a de um jovem que há pouco defrontou-se tinha assumido no passado, a progressiva decadência que se delineava, as
Dam as vicissitudes da vida. origens das várias competições e seu aparecimento em Olímpia (estas últimas
Em contraposição ao Junther, o Colona, na sua "literatura grega", data amplamente tratadas precedentemente).
nascimento de Filostrato a Lemno em 160-170 d.C., e parece, que sob o Segundo Filostrato, o pedotriba ensinava aos jovens uma ginástica apta
nome de Flávio, dita o "Atenense". para um harmonioso desenvolvimento do corpo, mas insuficiente para pre-
Segundo esses, Filostrato teve como mestres os retóricos Damiano de parar os atletas que ambicionavam a vitória nos jogos nacionais; por isso,
Efeso e Antipatro de Hierápolis e chega a Roma sob o Império de Setímio era necessário um treinamento específico que podia ser feito somente
Severo (193-211 d.C.), cuja esposa Júlia Domna apreciou o seu ensinamento: • por um especialista.
após o trágico fim do imperador e do filho Caracala, Filostrato foi para Ate- O autor atribui, de fato (no 29 capítulo da obra), aos errôneos sistemas
nas, onde viveu até o tempo de Felipe, o Árabe (244-249 d.C.). De talento de treinamento, não aptos ou ineficazes, a decadência da ginástica, que não
instável e pronto para acolher as tradições históricas, étnicas e religiosas dos é mais praticada pelos atletas considerados como tais nos tempos passados.
vários países, Filostrato foi um narrador retórico, que amava em sua prosa, De fato, todas as disciplinas esportivas daquela época, sejam leves ou pesadas,
misturar a história e a fábula. que se sucederam, gradativamente, no tempo, foram, segundo o autor grego,
Ficaram algumas obras atribuídas a Filostrato, mesmo se não é total- aperfeiçoadas pela ação dos instrutores e pela ação da ginástica, vista como
mente certo que tenham sido escritas por ele; além do Tratado sobre a arte do desenvolvimento físico e atlético, que encerrava em si todas as qua-
ginástica, que é o tema principal do nosso estudo; as demais obras de Fi- lidades, não somente estéticas, mas também morais.
Para fazer com que o treinamento atlético leve a um aperfeiçoamento
lostrato, são: Vida de Apoiânio, Vida dos Sofistas, O Heróico, As Imagens,
Coleta de 73 Cartas, Hero. • das disciplinas isoladas, é necessário, portanto, que um atleta usufrua de bons
O tratado a respeito da arte da ginástica pressupõe-se que tenha sido • mestres: Filostrato chega até a afirmar que a vitória no campo atlético depen-
'redigida em tempos anteriores ao ano 250 a.C., escrita, portanto, no final do de não tanto do atleta, mas do treinador e, portanto, as maiores atenções de-
'perfodo grego, período que, por si só, foi escassamente conhecido e estuda- vem ser dirigidas à formação de bons treinadores.
do, sobretudo na Itália, e é a única obra de argumento atlético e esportivo O instrutor, de fato, deve ser capaz de reconhecer através do aspecto ex-
que tenha chegado até nós e, como tal, de particular valor na história da edu- terior, o estado de saúde dos atletas, individualizar suas particulares atitudes
cação física do mundo antigo, valor que na França e na Alemanha foi ade- frente a uma determinada especialidade atlética e, conseqüentemente, saber
quadamente posto em relevo com edições, traduções e comentários, o últi- escolher a forma de treinamento mais idônea para desenvolver determinadas
mo dos quais, do Junther, prestigiado pela amplitude de informações e saga- qualidades físicas do sujeito, aptas à obtenção de sucessos esportivos: conse-
cidade crítica. guir, além do mais, manter os jovens nas melhores condições físicas e morais
A obra, única no seu gênero, foi traduzida para o francês em 1852, pelo possíveis e, como o médico, conhecer as dietas e os efeitos que os exercícios
estudioso de origem grega Mynas, que encontrou o manuscrito em um inde- produzem sobre cada indivíduo particularmente.
terminado convento no monte Athos ou em Bisâncio; ele fez duas cópias da Estes instrutores, com maior preparação do que os pedotribas, "purif i-
tradução e entregou aos cuidados de um seu amigo francês o manuscrito ori- ram os humores dos atletas, eliminam a obesidade supérflua, dão forma às
ginal, que ficou perdido por um longo tempo. Quando então reencontrou-se partes corporais demasiadamente magras, engordam, modificam ou dão vida
texto, foi feita deste, em 1909, uma nova tradução muito precisa e atendi- a qualquer outra parte corporal"; fala-se, também, de dietas e massagens para
vel por Junther, um estudioso nórdico da educação física, do qual já faiamos. os atletas gregos, não diferentemente do que se faz hoje aos nossos atletas.
Filostrato, no seu trabalho, considera a ginástica uma ciência não infe- O treinador desenvolve seu trabalho vestido com um manto (em Delfos) ou
nus (em Olímpia) para provar a sua resistência, munido de almofaça para
rior à filosofia, à poesia, à música e a todas as demais ciências reconhecidas
como tais na Grécia, nascida da fusão da medicina com a "pedqtribia". O detergir o atleta.
seu trabalho foi escrito com o intuito principal de Miar deste argumento para Para cff.xercício físico, com escopo puramente militar, como em Espar-
ta, é indispensável que o treinador conhM também as táticas da guarda e as
uso e vantagem de todos aqueles que pensavam em tornar-se instrutores gím-
nicos. competições devem ser, diríamos, propedêuticas do treinamento militar pró-
De fato, a importância e a função do treinador são os argumentos fun- prio e verdadeiro.
Até mesmo a dança, "a mais tranqüila de todas as atividades que se de-
damentais sobre o qual gira o interesse de Filostrato, que dedicou à figura do
senvolvem em tempos de paz", é necessário que seja desenvolvida em relação
instrutor gímnico, bem 42 capítulos dos 58 que compõem a obra. JU

86 87
st
1
ao seu potencial de combate, denominada, como já vimos, "dança pírrica", tal, de uma importância verdadeiramente excepcional à história da educação
isto é, baseada sobre a imitação bélica dos movimentos.
física e dos esportes do mundo grego-romano".
O treinador deve ser experto em noções de fisiologia, anatomia e deve Filostrato tratou a ginástica, seja sob o aspecto histórico como técnico,
Ler dotes de bom psicólogo para melhor poder assistir os seus atletas. isto á, sob o seu completo e verdadeiro aspecto, aquele que, efetivamente,
Diz, de fato, o escritor grego que, além de saber aconselhar tecnicamen- devia condicionar todos os outros, contrariamente àquele feito por Platão
te o atleta, precisa também saber compreendê-lo, tolerá-lo nas suas ações, e Galeno, os quais vêem a ginástica somente sob o aspecto pedagógico, meio
ser-lhe um amigo e não um estranho. para formar o caráter dos futuros citadinos, para o Estado idealizado Por
Além disso, um bom treinador não deve ser demasiadamente loquaz e Platão, ou sob o aspecto médico, porque para Galeno, a ginástica devia pôr-se
nem demasiadamente embaraçado no expressar-se, mas deve conhecer a arte a serviço da medicina para o normal e sadio desenvolvimento físico do indi-
de julgar, pela fachada dos homens, as suas características morais, além de víduo. Praticamente, para Platão e Galeno, a ginástica era um dos tantos
saber classificar as características físicas do atleta. O treinador deve conhecer meios válidos para a disciplina do indivíduo, mas priva de autonomia, en-
tudo do atleta, até mesmo o estado de saúde de seus pais, seja o atual ou quanto que para Filostrato essa era um fim em si mesma, era, portanto, urna
aquele do momento do matrimônio e, portanto, aquele da concepção, por- arte.
-que o melhor atleta será aquele concebido por pais jovens e sadios; a boa "Talvez num assim válido Olimpo de intelectos, como percebe justa-
constituição física do jovem pode ser revelada também através do exame de mente A. Enrile — Filostrato foi o homem que exaltou um hino de pureza e
sangue. de incontaminação à ginástica, às suas formas perfeitamente plásticas e à sua
Filostrato, posteriormente, dá uma série de requisitos básicos, os quais utilidade prática, sem deixar-se sugestionar pela importância médica e mili-
treinador deve ter presente para escolher os atletas para as diversas compe- tar das atividades físicas.
tições e se detém ainda sobre as causas da decadência da ginástica nos seus Talvez aquilo que Filostrato conseguiu entender foi, propriamente, a
tempos; ;ndividuando-as na decadência moral dos treinadores e atletas que geral corrupção moral que se inf arou também entre as sadias malhas do
transformaram-se, paulatinamente, em mercadorias do esporte, verdadeiros esporte: oriundo de um estágio perfeitamente puro e refinado também eti-
profissionais. camente, caiu-se, fatalmente, em um embrutecimento que, devido às cir-
Filostrato, de fato, condena decisivamente o profissionalismo, consi- cunstâncias, era impossível não carregar consigo também a ginástica para o
derado a primeira causa da decadência da ginástica, porque o atleta não era interior de um contexto que, fatalmente, estava destinado a um envolvimen-
excitado à vitória pela glória, mas pelos ganhos que conseguia; já então os
to irreparável".
atletas, pelas suas excessivas venalidades, se prestavam à corrupção e ao en- O tratado de Filostrato tem outrossim — finalmente — o mérito de ter
gano, chegando até à vender a vitória pelo lucro. levado ao conhecimento histórico os problemas técnicos, morais, higiénicos e
O treinador ideal, portanto, devia saber "qual é a condição ideal para psicológicos que, desde a antiga Grécia, a ginástica tinha feito surgir e pro-
ter o melhor homem ideal, qual é o melhor para o homem comum e qual o curou, também, fazer reviver, de modo completo, o mundo atlético e espor-
melhor para o homem na condição de indivíduo". (Conceito expresso tam-
tivo grego.
bém por Aristóteles.) A obra escrita a muito tempo atrás ainda apresenta muitos aspectos mi-
Outras responsabilidades dos treinadores são individualizadas nos horrí- nentes à atual vida esportiva e alguns princípios enunciados por Filostrato
.:
veis sistemas de treinamento (as tétrades) que, baseados em esquemas dema- são ainda hoje de extrema atualidade e levados em consideração, mesmo que
siadamente fixos e rígidos, não levavam em conta a idade, os hábitos e as obviamente revistos e adequados à natural evolução dos tempos.
condições dos próprios atletas e para os mesmos, comumente, não eram fel- Em particular: o treinador, a nós descrito por Filostrato, é, portanto,
teiaa, Massagens. Para evitar tal situação o autor dá uma série de conselhos um homem da antigüidade que não se deturparia, entretanto, nem mesrric•
para o treinamento de diferentes tipos de atletas.
nos nossos tempos. ,
Para fazer renascer os atletas como no passado, Filostrato encerra a sua
obra dando alguns conselhos de ordem técnica; o treinador deve voltar a usar
os aparelhos como subsídios às atividades atléticas — os manúbrios, a areia, c) A Ginástica Médica Grega e as suas Origens
saco e, enfim, o tratamento helioterápico, sempre adequado, como de
costume, às características psicof Nicas dos atletas. A educação física para fins médicos-salutares era muito levada em conta
Para concluir, podemos afirmar com V. Nocelli, que a Ginástica é obra junto ao povo chinês, indiano e egípcio; serão, todavia, os gregos que aper-
de um conhecedor profundo e de um apaixonado do atletismo, especialmen- feiçoarão a ginástica médica, fundamentando-a sobre bases científicas.
te do atletismo pesado, ao qual é dedicada a maior e melhor parte; e, como

88
Com o surgimento das Escolas de Alcmeone de Cretona (século V a.C.; quem, por outro lado, condena os abusos da prática esportiva e preocupa-
e de Pitágoras, o conceito de exercício físico como meio de saúde consolida- va-se com as suas conseqüências.
se e torna-se parte integrante da medicina. Entretanto, a medicina, gradativamente, reconheceu os méritos e os va-
De fato, a ginástica não somente plasma harmoniosamente as linhas do lores da ginástica, soube apreciá-la e, portanto, pô-la ao justo serviço da ciên-
corpo, dando-lhe graça, vigor, bem-estar e saúde, mas segundo a nova medi- cia Médica.
cina grega, que atribui o surgimento das doença pela falta de equilíbrio
entre os humores internos do organismo, é, justamente, o movimento, junto
a uma dieta adequada, que tem a capacidade de eliminar a desarmonia cor- a) Hipócrates
pórea e, portanto, de conferir novamente a saúde.
Assim, também a atividade atlética, de jogo torna-se aliada da medici- O nascer da primeira e verdadeira medicina esportiva
na, mesmo em meio às polémicas e às revoltas que já vimos. A história da ginástica médica não inicia certamente com Hipócrates
Durante as competições, os médicos assistem os atletas infortunados, (460-377 a.C.), cuja presença no mundo grego foi determinante no envolvi-
mesmo se — em um primeiro tempo — a função do médico é, unicamente, mento da verdadeira e mais significativa medicina ligada ao mundo espor-
voltada à cura das lesões mais graves, enquanto que em atividades normais é tivo.
sempre o ginasta possesso de discutíveis conhecimentos médicos traumatoió- A figura de Hipócrates é a primeira que se afirma com contornos pró-
gicos, que se ocupa dos atletas. prios, no mundo confuso da medicina em geral, aquela que, distanciando-se
Como advento do atletismo profissional, a ginástica médica supera o as- das formas taumatúrgicas e religiosas do passado, procura assumir sua pró-
pecto puramente curativo e entra na prática esportiva como ciência capaz de • pria identidade.
indicar ao atleta um racional costume de vida e uma preparação baseada em As obras de Hipócrates, de fato, representam um ponto de chegada para
um treinamento estudado cientificamente. todos os estudos feitos até aquele momento no campo da medicina.
Justamente sobre estes conceitos baseia-se a obra de Imo de Taranto e O médico de Cós reúne e integra seus estudos feitos em uma obra en-
de Heródico de Lentini, os mais importantes "iatrolitec" do século V, isto é, ciclopédica: o Corpos Hippocraticum que, mesmo não atribuída completa-
mestres de ginástica que fundaram e dirigiram as primeiras palestras. mente a ele, revela em muitas partes a sua constante presença e as marcas
O próprio Imo, médico e também atleta (472 a.C.) é, talvez, o primeiro da sua intervenção mais ou menos indireta.
que se preocupa em presaever ao atleta continência e moderação e. também, Além disso, Hipócrates representa também um preciso ponto de lar-
de preparar uma dieta particular. gada para uma nova concepção da medicina, vista como mera arte médica,
Imo é um convicto defensor da ginástica como uma completa e verda- que vem ordenada e sistematizada segundo novos princípios científicos e me-
deira educação do físico, da psique humana e de uma atividade global, onde todológicos autônomos e pode, finalmente, elevar-se à posição das demais
os exercícios físicos devem ser dados para um desenvolvimento racional de atividades culturais da sua época.
todo o corpo e de maneira harmônica às singulares panes do corpo. Em particular, a ginástica médica inseriu-se de maneira determinante na
Posteriormente a Imo, Heródico, ex-pedotriba, do qual fala Platão na -7.:rilização grega, com princípios científicos, cuja validade é reconhecida ain-
República, indica a importância de uma vida baseada em determinadas re- da hoje, justamente pelos estudos de Hipócrates e Galeno que não somente
gras e em um minucioso tratamento do próprio físico. foram os grandes mestres de seu tempo, mas foram seguidos por muitos sé-
Heródico, que viveu somente para tratar-se com exercícios físicos, é culos: pode-se dizer que quase até aos nossos tempos.
chamado a atenção por Platão, pela "descomedida preocupação com o cor- Basta pensar que a classificação dos exercícios gímnicos de Hipócra-
po" que, naturalmete, desvia o conceito da ginástica médica, entendida não tes e de Galeno, como base terapêutica, foi retomada no Renascimento por
tanto com meio de prevenção, mas como meio para prolongar a vida. 114ercuriali, no De Arte Ginástica e por Marsílio Cagnati, no De Sanitate
Também o próprio Hipócrates fará polemica com Her6dico, acusan- Tuenda.
do-o de "assassinar os febricitantes com a corrida, com a luta e com o calor Sobre a vida de Hipócrates sabemos muito pouco, nada mais do que o
aplicado exteriormente". Atinente a isso, recorda-se que Heródico prescre- fato de ele ter existido. Somente uma "VIDA", escrita por Sorano, médico
via aos doentes, acometidos de febres agudas, um passeiozinho de Atenas a que exerceu a sua atividade no tempo de Traiano e de Adriano, nos fornece
Nlegara, passando por Eleuse e retorno: ao todo uns quarenta quilómetros! notícias suficientemente atendíveis.
Naturalmente que destas notícias evidencia-se o quanto fossem diver- Hipócrates, filho de AscleMade Eraclide e Asclepíade, o próprio, nas-
sificadas a aplicação e o uso dos exercícios gímnicos e quanto fosse vivaz a ceu em Cós, ilha que ele posteriormente, devia tornar centro do seu ensina-
polémica entre os defensores de uma prática esportiva indiscriminada e mento, provavelmente em 460 a.C. ‘+' /

91
A este propósito, esse último aceita um comportamento não crítico:
Os seus primeiros mestres foram o pai e Herodico de Selímbria e se-
gundo algumas fontes, também os filósofos Górgia e Demácrito, mesmo "A resignação de ignorar".
Acreditamos não ser esse o lugar para se estender sobre estes estudos.
se no sxr estilo, não se verificam notáveis influências da retórica gorgiana
Basta dizer que esses deram resultados em direção dos dois; os demais pare-
o seu interesse pela etiologia enquadra-se perfeitamente na tradição do
e, 53 cem convergir optando por uma séria seleção de corpos, ou seja: analisar
pensamento médico, não deve por isso ser reduzida a influências democra-
danas. Viajou muito e visitou não somente a Grécia, mas a Rússia Meridio- singularmente os escritos do Corpus com base às suas linhas ideológicas,
reunir aqueles que mostram afinidades internas, precisar as relações crono-
nal, o Egito e a Ubia, seja atraído pela necessidade de sua profissão de mé-
lógicas e de conteúdo destes grupos, procurar entender a personalidade cien-
dico itinesante, seja pela fresca e atenta curiosidade que conduziu para aque- a
tífica que está por detrás dos escritos e determinar se uma tal personalidade
les meshicis lugares o histórico Herádoto. Exercitou a sua profissão também
pode ser identificada com o grande Hipócrates" (Pohlenz).
em Tesalha e os seus restos mortais estariam repousando em larissa. Antes de entrar "no vivo" do conceito hipocratino, é oportuno recor-
Com o nome de Hipócrates, nos chegaram 53 obras em 72 livros redi-
dar que, devido à extensão do Corpus, nos limitaremos a tratar das relapties
gidos em dialeto jônico, o assim chamado Corpus Hippocradcum. que o médico de Cós delinea entre medicina e ginástica.
. Os argumentos tratados nestas obras são os mais variados e os mais dis- apresenta-se sob
Com Hipócrates, pela primeira vez, o exercício
?arados: o regime das doenças agudas, as fraturas, os instrumentos para reco- o aspecto médico, não sobreposto a uma disciplina, mas determinado por
locação de ossos, as articulações, as feridas na cabeça, os tumores, a natureza essa. A ele pode-se atribuir o mérito de ter, por primeiro, tratado a patolo-
do homem, as hemornSidas, os sonhos, o setimino, a superfetação, a reten- gia profissional do atleta e de ter considerado a ginástica não somente corre-
ção do respiro, o coração, o médico e o seu reto comportamento. lata à medicina curativa, mas também e, especialmente, à medicina preventi-
É evidente que essas obras não possam pertencer todas ao mesmo va. O método científico, base de sua pesquisa, o qual emerge do seu esforço •
autor; todavia, 'o conjunto do trabalho parece guiado pela mesma mão. constante de interpretação da experiência, está baseadc sobre conceitos de
Algumas são obras de grande valor, de empenho estilístico e de firme e forte
causa (aitía), de potencialidade (dynamis) e de natureza lfysis).
construção conceituai; outras são puras e simples coletas de anotações de- A noção de "causa" natural não vem referida a algum elemento ou fator
sordenadas. predeterminado: é a situação concreta que define precisas mas móveis rela-
Alguns são próprios e verdadeiros tratados especialísticos, outros con-
ções de causalidade; a dynamis define o nível da máxima atividade dos cons-
ferências de divulgação escritas por pessoas não propriamente do ramo e di- tituintes do organismo, aqueles que se manifestam assumindo uma própria e
rigirias a um público não especializado. Também o período no qual foram es- especifica capacidade de "determinar efeitos"; a "natura" expressa atravits
critas é limito confuso e incerto, porque enquanto algumas obras possam das potencialidades aquilo que, de vez em quando, na situação deve ser o o
ser datadas no último trentênio do século V, para outras faz-se necessário
objetivo.
até mesmo cair à metade do século sucessivo. A teoria dos quatro elementos exposta por Empedocle, certamente,
Não se sabe, nem mesmo, quando e como tenha sido feita essa coleta
à--fluenciou Hipácrates, mesmo se nos diversos escritos que compõem o
tão heterogênea, que, entretanto, era já conhecida na sua forma atual, em
Corpus Hippocradcum emergem interpretações diferentes entre elas.
tomo de 300 a.C. Pensa-se que essa não seja que não uma coleção de obras Segundo Hipócrates, a natureza age e guia o corpo humano, indepen-
da biblioteca da Escola de Cós, na qual, como em qualquer outro ambiente dente da sua vontade, porque essa tende a própria conservação e à própria
cientificamente vivo, deviam ser recolhidas, lidas, comentadas e discutidas, reconstituição. Graças a essa, o corpo pode autogovernar-se e autodefen-
não somente as obras dos fundadores e dos seus seguidores, mas também der-se, dado que possui meios próprios para defender-se das doenças.
aquelas dos.opositores. A tarefa do médico é aquela de seguir a natureza, a única verdadeira for-
Se explicaria assim também a presença, entre as obras do Corpus, da ça curativa.
coleta de anotações que podiam servir de base para as lições. Já os antigos No tratado "Sobre o Regime", Hipócrates dedica amplas descrições so-
comentadores' de Hipócrates, haviam-se colocado o problema da autentici- bre a relação homem e natureza, saúde e natureza e sobre ‘. origem das
dade, mas suas opiniões não têm valor determinante, porque como consta doenças: aquelas que não podem ser evitadas e aquelas que, ao invés, do
nos comentários de Galeno, que ainda existem, os critérios utilizados para evitáveis mediante uma boa aplicação de normas higiênicas e dietéticas.
separar as obras autênticas das espúrias não eram seguros. Hipócrates, portanto, elabora a doutrina dos humores e das substâncias
Os estudos sobre as obras de Hipócrates deram lugar a muitas pesqui- opostas. É oportuno se referir sobre as propriedades dos humores essenciais,
sas visando fidedignidade e identificação. Mas não obstante, o longo traba- cuja equilibrada fusão é princípio de saúde, o desequilíbrio é doença. Segun-
lho da filologia antiga e moderna, de excelsos estudiosos como Pholenz e do a concepção hipocrática, o corpo é formado por quatro elementos: ar,
. . •
Jaeger, não se chegou a um método satisfatório de segura determinação.
• 93 •
terra, água e fogo, cada um dos quais possui uma qualidade particular, isto é, Na primeira, era proibido segurar o adversário pelo corpo, era somente
o frio, o seco, o úmido e o quente. permitido agarrá-lo pelos antebraços; a segunda forma, ao invés, era uma
O humor do organismo é determinado pelo pneuma, um ar incandescen- luta, a qual se limitava em impedir os socos do adversário. Após Hipócrates,
domina também o jogo do "corisco". Este era composto de uma bola sus-
te cuja sede é no coração, circula através dos vasos sangüíneos e tem a tarefa
pendida que se fazia oscilar com força para após pará-la com as mãos e, além
de compor a justa medida dos humores. Estes humores são: o sangue, o fleu-
disso, é necessário recordar a gesticulação, a retenção do respiro. O autor
ma, a bile amarela e a bile preta e que são a base do corpo e da vida.
fala, enfim, da importância do uso da areia e da unção com o óleo, antes e
Guando estes se encontram em justa relação de força e de quantidade,
após os exercícios de ginásio, e, também, da função das fricções. Cada um
a "medida" é perfeita e o homem é sadio; a doença aparece quando não
destes exercícios tem efeitos particulares. O médico deve conhecê-los de mo-
existe proporção entre os humores (quantidade insuficiente ou excessiva ou
do tal, de poder, após, prescrever um ou outro exercício com cognição de
não corretamente misturada aos outros) e sob o perfil do exercício físico,
quando existe desequilíbrio entre a assimilação dos alimentos e o consumo
Não deve maravilhar a descoberta da íntima ligação que estes exercícios
das energias.
têm com a prática gímnica própria e verdadeira, quase corno se tratasse dos
As linhas diretrizes da terapia hipocrática, até aqui falando, são, essen-
treinamentos para os profissionais de então. Pelo contrário, pode-se afirmar
cialmente, duas:a ginástica e a dietética. Mesmo se nas obras de Hipócrates, a
que a ginástica médica inicia-se, justamente, a partir da atividade gímnica,
'primeira apareça claramente subordinada à segunda, esta, certamente, não
assim como os pedotriba de então a dirigia aos seus numerosos alunos. Jus-
constitui um elemento marginal da medicina hipocrática; pelo contrário, o
paciente deve seguir paralelamente um regime de vida congruente e praticar tamente por isso verificou-se uma interferência de tarefas, no campo médico,
por parte do pedotriba que na Grécia começava a curar também os doentes.
exercícios físicos.
Para Hipócrates, o exercício físico e a ciência do regime alimentar são Sem tratar as numerosas disquisições surgidas desta ingerência de fun-
• ções, Hipócrates designa como exercícios todas as duas práticas, embora tão
inseparáveis.
Nasce assim o atual problema da dietética e a necessiJade de prir, em • diferentes: as segundas, propriamente ginásticas, foram retomadas pelos mes-
paralelo, uma dieta alimentar com a ginástica, que intervém em duas partes tres da ginástica e pelos pedotribas, como no caso da corrida e da luta; mas
da medicina: a preventiva (ou higiene) e a curativa (ou medicina própria e as primeiras não somente não figuram entre os exercícios gímnicos tradicio-
verdadeira). nais, como não satisfazem nem mesmo as condições fundamentais desses
Para Hipócrates, o escopo da ginástica é aquele de manter o homem em exercícios, porque não podem ser praticados por homens nus, como no caso
boa saúde mediante exercícios naturais e forçados. do passeio, que, todavia, Hipócrates recomenda vivamente.
Os exercícios,naturais referem-se à visão, a audição, à palavra e ao pen- A distinção entre as duas práticas gímnicas é fundamental. Hipócrates
samento e nós não devemos nos maravilhar, se Hipócrates chama naturais, fala de panos e gymnasia. O seu conteúdo não é certamente igual. Ponos faz
atividades que, no fundo, são ações perfeitamente normais e, portanto, na- pensar sobretudo em uma fadiga, em uma prova. Gymnasia é a designação do
dos exercícios corpóreos. Os exercícios ginásticos são certamente fatigosos,
turais.
nas nem todos exercícios fatigantes são ginásticos.
No que tange aos exercícios físicos forçados, esses são numerosos e vá-
Assim os gregos, já na época de Hipócrates, distinguiam claramente
rios. O autor examina-os, nos detalhes, com a minúcia que os médicos gregos
sempre usarão ao tratar de tais matérias. aqueles dois conceitos de Panos e de Gymnasia e Galeno, mais tarde, subli-
nhará tais distinções, servindo-se delas como fio condutor para classificar os
Existem, primeiramente, os passeios para serem feitos antes e após as
exercícios físicos.
. refeições, com percurso reto ou curvo; existem corridas simples ou "diaulos",
Hipócrates considerava estes exercícios somente do ponto de vista mé-
corrida dupla que consiste em percorrer o estádio até p fim, após, repercor-
dico-curativo. Para ele, aquilo que contava das provas físicas, às quais o ho-
rê-lo em sentido inverso; e corridas circulares (segundo válidas interpretações
mem estava submetido, não era a classificação tradicional, nem que fossem
históricas, estas eram corridas durante as quais agitava-se os braços lateral-
colocadas, ou não, entre os exercícios gímnicos ou que fossem enfrentadas
mente); corridas para serem executadas com ou sem manto, para favorecer
somente por homens nus; antes importava-lhe que esses fossem fatigantes a
ou não o ato de suar.
quem se sujeitava a eles.
Hipócrates, posteriormente, menciona as corridas a cavalo com rédeas Na realidade, a fadiga tem efeitos físicos sobre os quais Hipócrates, que
soltas, os "levantamentos e as sacudidelas", os "saltos e quedas" e a luta nas
é médico, fala.
suas várias formas: a luta propriamente dita, em pé ou no chão, a "acroqui-
Utiliza, portanto, os exercícios gímnicos e incorpora-os na sua medici-
ria" e a "quironomia".
na preventiva. Não considera um aspecto, ao qual os gregos em geral eram

95
94 •

Após, prescreve o tipo de exercício físico mais oportuno com base às
por demais sensíveis: a ele pouco importa que a corrida ou a luta empenhe exigências do indivíduo, sendo tarefa somente do médico ao qual cabe acon-
homens nus e que as provas recomendadas não sejam somente aquelas que selhar, controlar e endereçar a atividade física com o fim de obter um sadio
figuravam nos jogos olímpicos. Os exercícios físicos devem custar sacrif (cio,
equilíbrio entre nutrição e exercícios físicos.
fadiga. Este é o principal caráter de distinção dos exercícios. Compreende-se, Hipócrates, de fato, concluindo o tratado "Sobre o Regime" fornece al-
então, como os exercícios possam compreender também o passeio, visto que guns conselhos práticos àqueles que se cansaram após uma prática intensa
este pode ser fatigoso. dos exercícios de ginásio, fazendo, por exemplo. Linhos quentes, passeios,
Pela mesma razão entende-se por que Hipócrates chama exercícios, fun-
camas mórbidas, etc.
ções as quais hoje nós não vemos como se possa aplicar tal nome: a visão, a Outros tratados ainda, de caráter mais terápico, como aquele "sobre as
audição, a palavra e o pensamento. doenças e sobre as infecções internas", descrevem a função que a ginástica
No século XVI, um fiel seguidor de Hipócrates, Marsílio Cagnati, com deve ter na cura das doenças e que exercícios são mais aconselhados para os
tetou-se com tal inserimento e chegou a justificar o mestre por não ter in-
vários tipos de pacientes.
cluído no campo dos exercícios naturais o tato, o paladar e o olfato. Para concluir, é certo que as teorias hipoaáticas são ricas de visões em-
Se a idéi3 que Hipócrates faz do exercício físico é de ordem médica, píricas, esporadicamente, também, errónea; mas, é também verdadeiro, que
. a sua distinção entre exercícios naturais e exercícios forçados e violentos nessas encerram-se sólidas bases para o futuro da arte da saúde.
deriva mais da filosofia do que da medicina, mesmo se para ele uma discipli- Nas suas obras, após 24 séculos, encontram-se, ainda, os princípios
na era estritamente conexa à outra. gerais da verdadeira medicina, fruto de profunda observação e de raro espí-
Os exercícios naturais são mais espontâneos do que os outros e esses rito de intuição, princípios que são, ainda hoje, aplicáveis, como disse
dizem respeito sobretudo à atividade intelectual. Mas esses podem tornar-se M. Levi, "esses têm como fundamento a verdade e a verdade é eterna".
também forçados quando voluntários e quando a alma se impõe ao corpo. A atualidade da sua medicina é reconhecida sobretudo em dois aspectos
Hipócrates, falando dos exercícios naturais, considera somente os seus efei- verdadeiramente inovadores na prática médica: o "prognóstico" e a "tera-
tos sobre a alma, porque eles a movem, a fazem trabalhar, a esquentam e a pia", sobretudo mediante o "Regime", práticas ainda quase desconhecidas na
dissecam. Ao invés, no caso dos exercícios forçados. Hipócrates observa uni-
época do médico de Cós.
camente os seus efeitos sobre o corpo: o passeio "disseca o corpo", a corrida Todavia, o valor da obra hipocrática permanece sobretudo na "dieté-
"aquece as carnes". Assim, não há dúvida de que, se todos os exercícios pro- tica", entendida como uma sábia alimentação e como um adequado uso do
duzem igualmente, com o esforço que requerem, o calor e a sequidão, os . corpo através de exercícios físicos que servem para aumentar a força e o
exercícios naturais dizem respeito à alma, assim como os exercícios forçados comportamento; são somente estes os meios dos quais dispõe o médico, visto
ao corpo. a
que o médico hipocrático não usa produtos farmacêuticos ou drogas.
Os exercícios naturais têm, assim, essas duas características: são espon- A educação física, em particular, não é mais elemento acessório, mas
tâneos e influem sobre a alma. Os exercícios forçados, ao invés, comportam sim essencial, essa intervém, assim, nos dois setores da medicina: o preventi-
uma constrição e fadigam o corpo. Para justificar esta oposição, é necessário vo e o curativo, ou da medicina propriamente dita.
retornar à "teoria da alma". A alma, para Hipócrates, é caracterizada pela sua
autonomia, determina-se por si mesma. Para a alma, o corpo é um simples
instrumento que ela deve dirigir. Mesmo sem ser imaterial, a alma está já
desligada da realidade sensível. São próprias à alma, atividades como a visão e) Galeno
e a audição, porque desenvolvem-se sem um contato corpóreo, além daquelas
que são definidas, por si mesmas, como respiração e corno pensamento. Não A educação física contra o profissionalismo
está incluído:por outro lado, o paladar e o olfato que, para realizarem-se, ne- Cláudio Galeno, nascido em 129 d.C., em Pérgamo, sede de um famoso
cessitam de corporalidade. Além do mais, a alma tem as características da templo de Esculápio, iniciou os seus estudos com a filosofia aristolica e
"natura" porque guia o corpo. Assim, a distinção ientre exercícios naturais, nessa prosseguiti na Arte Médica, com os mestres Solivo e Estrontórico.
que são aqueles interessantes à alma, e os exercidos forçados, que perten- Com a morte do pai, que era arquiteto. Galeno aperfeicoou os seus co-
cem ao corpo, deriva de uma concepção de alma como uma realidade, na nhecimentos científicos em Esmirne — Corinto —, e sucessivamente em Ale-
qual a espontaneidade une-se a não participação do corpo. xandria. Retornando a Pérgamo, assumiu, com apenas vinte anos, a ambicio-
Em última análise, ele considra a autonomia da alma com relação ao nada posição de médico da ginástica dos gladiadores. Tendo-se transferido a
resto do corpo; além do mais defende que cada indivíduo necessite de um Roma, em 162 afirmou-se, seja como médico ou como anatomista; o que lhe
certo tipo de exercício adequado ao seu temperamento, ao tipo de vida que
leva e a estação na qual o exercício é executado. 97

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"Pelo contrário, esses não sabem nem mesmo se têm alma, nem se preo-
foi ao encontro não poucas inimizades, pelo qual foi obrigado, muito rapi-
damente, retornar a sua pátria. cupam com isso. Obviamente, não se apercebem de sua estupidez, donde de-
Em 169, chamado novamente a Roma, tornou-se médico particular, rivam as suas presunções e arrogâncias. Ousam, até, atacar Hipócrates, re-
primeiramente, do Imperador Marco Aurélio e após, de Comodo. Morreu em preendendo-o de enganar-se no tocante às fricções; negam-lhe o direito de
Roma ou talvez em Pérgamo, no ano de 201 d.C. falar porque não tinha uma experiência pessoal das coisas do estádio e
Galeno representou para a medicina aquilo que Aristóteles foi para a f i- talvez não soubesse nem mesmo derramar o óleo como era conveniente. Com
losof ia. As obras de Galeno, segundo alguns estudiosos, foram 400, segundo tal presunção, expressa-se, também, aquela de ter uma força e uma saúde
muito superior daquela dos demais homens. Nisso, eles iludem-se muito. Não
outros, 600; dessas nos chegaram 83, das quais 49 considera-se obras origi-
são belos: a beleza êxula daquelas suas faltas de medidas, daqueles seus mem-
nais, 19 dúbias e 15 são comentários de obras hipocratianas. A obra de Gale-
no, fundada, essencialmente, sobre os princípios experimentais desenvolvi- bros luxados, daqueles seus voltos desfigurados. Não são verdadeiramente „
dos, sobretudo pela escola alexandrina, foi totalmente original. fortes nem corajosos, porque suas forças e suas coragens começam e termi -
nam nas arenas, na técnica do combate. A parte isso, não são bons para nada;
Todavia, após ter coletado todo o material de estudo concernente à arte
nem para serviços, nem para marchas, nem para exercícios militares.
médica e de tê-lo examinado e avaliado, agiu de árbitro próprio sobre todo o
Em uma palavra, são uns verdadeiros suínos. Têm ao menos uma boa
saber científico, separando o bom do ruim, o verdadeiro do falso e realizan-
saúde? Mas quê! Suas carnes são excesso, seus sangues são densos: são frágeis
do, ecleticamente, de acordo com as suas qualidades pessoais de observação
a mercê de qualquer mudança de vida: não apenas deixam a profissão, mor-
e de método, uma síntese dos elementos válidos de cada escola, além de apre-
rem. Os atletas devem este estado a um insensato treinamento! Galeno, en-
sentar uma nova e original concepção sobre a fisiologia, com urna ousadia e
tretanto, procura dissuadir os jovens da ginástica profissionalística considera-
genialidade até então desconhecidas. A sua fé profunda na existência de um
da fim por si mesmo que, contra a natureza humana, levava o homem a im-
ser supremo, criador e regulador de cada coisa, fê-lo afirmar no De asa par-
dum: "A verdadeira piedade não consiste nos sacrifícios da hecatombe, nem por somente a lei da força bruta e da violência: o profissionalismo é contra o
nos nos perfumes da cássia ou de outro aroma estrangeiro, mas na consciên- intelecto e a razão.
Galeno torna então a reivindicar o valor da ginástica pura e a criticar du-
cia e confissão da sapiência, da onipotência, do amor e da bonoade infinita
do Pai de todos os seres. Veneramos, portanto, e exaltamos a bondade do ramente a incompetência dos pedotribas, os quais, prescrevendo regime de
Criador". vida e de dieta aos atletas, invadiam o campo da medicina, para a qual a ati-
Fica assim aceita toda a obra galênica, também para os outros cristãos, vidade física e o tratamento do corpo estavam estritamente ligados: redi-
hebreus e árabes; ficou, por esta razão, o mestre dos séculos futuros, a auto- mensiona-se, assim, a função dos treinadores e dos pedotribas. Esses, segun-
['idade, cujos dizeres ressoaram como dogma por mais de quinze séculos. do o médico de Pérgamo, devem operar somente sob controle do médite,
Ao estudar as suas obras, notamos, imediatamente, que Galeno foi, en- porque este último, somente conhecendo os efeitos dos exercícios físicos so-
tre outros, um que condenou asperamente o atletismo profissional, conside- bre o organismo humano, pode prescrever os regimes particulares e os exer-
rado forma degenerativa, seja do exercício físico, ou da educação intelectual cícios físicos adequados a cada indivíduo: enquanto que o pedobriba ou
e moral dos jovens. qualquer outro especialista do setor deve-se preocupar, unicamente, com a
Ao comentar os seus tratados "A Transibulo" e "Exortação ao Estudo aplicação prática das prescrições médicas.
das Artes", percebemos quão ásperas foram as críticas galênicas para com o Mas qual é, afinal, a ginástica médica que Galeno procura em substitui-
profissionalismo. ção à antiga? Antes, porém, de aprofundar este argumento, é necessário, mes-
.1a Hipócrates, do qual Galeno se pronunciava discípulo, tinha depreca- mo se em linhas gerais, conhecer os fundamentos gerais da medicina de Gale-
do um regime que omitia uma nutrição abundante, solicitando, suplementar- no, que se diz discípulo de Hipócrates e, como tal, se fundamenta na nature-
za, embora possa parecer que se mova entre duas _diversas concepções da
mente, exercícios mais fatigantes. "A dieta atlética não é natural: é muito
própria natureza. De vez em quando, de fato, ele faz desta uma substância
melhor ter uma constituição sadia", tinha rebatido o médico de Cós.
universal, constituída da união de quatro elementos; em tal caso, trata-se de
Muito antes de Galeno, também Solone, Senófane e Eurípede foram
uma "naturalidade" e, de vez em quando., essa é uma força ativa, de caráter
críticos do profissionalismo. ••
biológico: no tratado "Da formação do feto , mostra-a como criação do
Galeno individualiza o problema denunciando a nulidade intelectual do
jovem animal. De qualquer maneira, a natureza, existente em toda a parte, é
"profissional": juntando-os, uma grande quantidade de carne e de sangue
posta por Galeno em oposição à teoria epicurista do caso; ele não perde a
que são, suas almas submergem em uma vasta estrumeira; não podam ter
ocasião de mostrá-la em ação nas suas particularidades e, utilizando-se da
nenhuma lucidez no pensar, são obtusas como aquelas dos brutos".
máxima de Aristóteles, no De usa partiam, diz: -A natureza nunca admitiu
e nunca impendeu nada de supérfluo" (tradutor Deremberg).

98 99

1JJ
Segundo as teorias galênicas — como traz fielmente Ulmann — esta tes. Portanto, é necessário levar em consideração a importância fundamental
"natura" pode derivar de um "Deus poderoso e sábio que a priori decide que Galeno atribui à alma. A alma tem um caráter material; esta é a doutrina
como é bom que o corpo de cada animal seja constituído e, a posteriori, básica de Galeno, mesmo se de vez em quando ele dela se afaste, como quan-
determina a força mediante a qual poderá realizar aquilo a que se é propos- do afirma que para a alma o corpo não seria mais do que um simples instru-
to", ou também "de uma outra alma". Estudando, posteriormente, o corpo mento.
humano ver-se-á como a "natura" opera e, disso, poder-se-á melhor colher Não existe dúvida de que Galeno tenha mudado diversas vezes de idéia
a sua essência... O corpo humano é constituído pelos elementos; Galeno re- sobre a alma, mas o princípio predominante que nele ficou, é que a alma tem
torna a Aristóteles: esses provêm da ação sobre a matéria primordial de qua- um caráter material e que é estritamente condicionada pelo corpo humano,
tro pares de qualidades contrárias, que podem co-existir aos pares: "quente do qual emanam todos os movimentos; por isso logicamente pode-se com-
e seco" (fogo); "quente e úmido" (água); "frio e úmido" (terra); "fresco e preender corno os temperamentos e os humores possam influenciar a psique.
seco" (ar). O predomínio de uma destas quaticlâtdes, a nível dos elementos E "se para Galeno — como disse Ulmann — como para todo pensamento
explica-se tendo em vista uma realidade mais complexa, aquela das suas grego, a razão de ser da alma consiste em dirigir os movimentos, como devem
ser entendidos os movimentos aos quais dão lugar aquelas três almas? Galeno
misturas (krasis) nas qualidades secundárias que ferem os sentidos, como o
sabor, o olfato, a dureza, a morbidez e assim por diante. No corpo existem não inventou o conceito de 'pneuma'; este conceito de origem médica pro-
quatro humores essenciais: o "sangue", o flegma" (ou pituitária); a "bile" vém da escola siciliana a qual, por sua vez, inspirou-se em Eráclito. Cada ser
(a bile verde), a "atrabilis" (a bile preta). Como todas as coisas, esses pro- vivente tem um calor inato que é difundido em todo o corpo, mas que no
vém das qualidades fundamentais e dos elementos. Em cada ser humano pre- coração tem a sua sede principal: esse age em todas as operações biológicas,
domina um destes elementos: a água, na "pituitária"; a terra, na "atrabilis", tendo por veículo "o ar quente que se encontra no interior do organismo, ao
fogo, na "bile". O sangue ao invés, contém somente as qualidades primá- qual é dado o nome de épneuma l".
rias, sem nenhum elemento que predomine. A doutrina dos humores, segun- - Galeno, portanto, não foi original ao coligar a atividade da alma com o
do Galeno, estaria já presente no tratado "Sobre a natureza do homem" de "pneuma". Nos parece que tenha sido mais original quando aplicou ao
Hipócrates; todavia, ele dela conservou simplesmente a idéia fundamental, "pneuma" as distinções feitas no que tange à alma.
isto é, a importância que todas as massas líquidas do organismo têm sobre a As três almas devem corresponder três géneros de "pneuma" e é certa-
saúde. Para compreender a concepção de Galeno sobre o corpo, prossegue mente mérito de Galeno procurar definir este "pneuma" com o auxílio dos
Ulmann, "além dos humores", é necessário fazer intervir certas faculdades, seus conhecimentos de anatomia e de fisiologia.
Segundo a doutrina galênica, o pneuma que representa a essência da vi-
funções ou potências (dynameis). Segundo o seu modo de pensar, que o ins-
(espírito animal) com
tigava a procurar no simples aquilo que se pode constatar no complexo e da, apresenta três qualidades: o pneuma psychicón
pneuma zooticein
Vice-versa, Galeno atribui estas forças da matéria ovivente às partes elementa- sede no cérebro, centro das sensações e dos movimentos; o
pneuma
res dos animais e das plantas. A força atrativa atrai o alimento adapto; a for- (espírito vital), que reside no coração e manifesta-se no pulso; o
ça expulsiva elimina os resíduos. Este é o segundo princípio da filosofia ga- physicon (espírito natural) cujo centro situa-se no fígado e nas veias. A vida
lênica. Esse não se priva da relação com o primeiro. Parece, de fato, ser per- psíquica, aquela animal e vegetal, apresenta funções diferentes e é guiada
suasão de Galeno que a predominância do humor, de uma ou de outra vísce- por forças em urna própria esfera de ação.
ra, leve esta víscera atrair um alimento, cujas qualidades elementares se asse- "O movimento destes três 'pneuma' tem uma dupla orientação: ascen-
melhem às da víscera. Tendo dita isso, não é difícil explicar as idiossincrasias dente é descendente.
que derivam, em parte, da predominância de um ou de outro humor. A diver- O fígado envia o sangue ao coração, que é uma cavidade pneumática:
sidade dos temperamentos encontra a sua explicação no fato de que um dado sangue, tendo-se purificado no ventrículo direito e o ar que vem dos pul-
humor tem um carátor mais decisivo (em efeitos, temperies quer dizer m3es ali encontram o calor vital que tem sede no mesmo coração e aí são
reaquecidos. Assim, forma-se um 'pneuma vital'. Por sua vez, este 'pneuma'
krasis, ou seja, "m1Stura"). Donde a diversidade dos quatro temperamen-
tos: sangüíneo, bilioso, flegmático, atrabiliário. Dado a importância do corpo é conduzido pelas artérias ao cérebro, onde purifica-se e destila-se no longo
e sinuoso percurso das artérias cerebrais, transformando-se, portanto, em
pai-a a explicação das disposições psicológicas (ver o título de um famoso
tratado de Galeno: "os modos da alma como conseqüência do temperamento 'pneuma animal'."
Retornando, após, à relação entre natureza e alma, Galeno assevera que
do corpo"), "os quatro temperamentos determinarão os quatro caracteres.
a alma age e executa, quando ditada pela natureza imanente, a qual opera
Naturalmente, Galeno julgou que o corpo do homem era condicionado por
todos aqueles fatores que são aptos para modificar, nele, a proporção das para atuar, através da alma, aquele dinamismo finalístico do universo.
Para compreender o significado mais profundo da ginástica galênica,
qualidades elementares". Também sobre este ponto ele se reporta a 1-lipócra-
é necessário ter presente que a ginástica é ligada estritamente à saúde e ores-
101
100
supõe um bom equilíbrio dos •
humores. Se for alterada a mistura dos humo-
res, subentra a doença, que perturba e obstaculiza as funções do copo huma- Concernente ao "jogo da pequena bola", em particular. Galeno escreveu
no. Segundo Galeno, a ginástica consiste de movimentos aptos para modifi- até mesmo um tratado inteiro sobre o argumento, evidenciando as inumerá-
car a respiração e, por isso, ele considera estes precisos exercícios ginásticos. veis vantagens deste simples jogo e adaptado a todos, já que se põe em movi-
Contrariamente ao que tinha feito H ipócrates, o qual subdividiu os mento o corpo inteiro, em cada uma de suas partes, sem, por outro lado, ser
exercícios por razões metafísicos, em naturais e forçados (artificiais), Galeno um jogo fadigoso ou perigoso.
prefere diferenciá-los tendo como base o tipo de movimento que esses impli- A obra dividida em cinco partes, é algo de extremamente vivo e atual.
cam e subdivide-os em ativos, passivos e mistos. Trazemos a tradução dos "passos" mais significativos traduzidos por No-
Os exercícios ativos,
isto é, aqueles que dependem da vontade de quem celli:
os efetua são, por sua vez, subdivididos em três categorias: I — -Os melhores filósofos e médicos já demonstraram, suficientemen-
— de força te, quanto favorecem à saúde os exercícios físicos e quanto esses sejam'inais
(cavar, segurar freiados quatro cavalos todos juntos, levantar
pesos, caminhar em subida, trepar usando cordas); importantes do que a própria alimentação; mas nenhum deles até agora colo-
— rápidos cou em evidência quanto o jogo da pequena bola seja superior a todos os de-
(vários géneros de corrida, saltitos, jogo do "corisco" e da pe-
quena bola); mais esportes. E, portanto, o caso de dizer, sobre isso, tudo aquilo que pen-
— violentos so. Daquilo que escreverei, tu, que mais do que qualquer outro, és proficua-
(exercícios de força e de rapidez em conjunto, como lança-
mento de discos e do dardo, luta, pancrácio, saltos e saltitos contínuos). mente exercitado em tal jogo, poderás ser juiz e, de outra parte, o meu pen-
samento poderá ser útil a quem tu o farás conhecer. Ao meu parecer, os exer-
Os exercidos passivos,
isto é, aqueles nos quais uma força estranha age cícios tísicos mais profícuos são aqueles que não somente treinam o físico,
sobre o indivíduo, do representantes do navegar, cavalgar e, para as crianças, mas que também dilatam o espírito. Aqueles que, por primeiro, praticam a
a partir do movimento do berço ou do ser embalado no braço da nutriz. En- caça nas suas várias formas, moderando a fadiga com o prazer, com o dileto e
tre esses exercícios, insere-se também a fricção, a qual atribui-se grande im- cem o amor próprio, mostram-se homens sábios e conhecedores profundos
portância, seja por parte de Galeno ou por parte de toda a medicina em gera'. oa natureza humana: muito exercem, no homem, as sensações da alma, já
Os exarados mistos
reagrupam um conjunto de movimentos ativos e que muitos são curados somente em virtude da grande alegria provada, en-
passivos.
quanto muitos outros adoeceram por causa de uma simples aflição! Os sofri-
A fim de que estes exercícios ginásticos tenham o melhor resultado, mentos físicos, por mais graves que sejam, nunca podem ser superiores aos
d
medicina galênica impõe a observação de algumas normas como: não efe- sofrimentos morais; não é preciso desconsiderar as funções do espírito, sejam
tua-los após as refeições e sem um idôneo aquecimento, mediante leves mas- quais forem suas naturezas, mas é necessário estudá-las com muito maior
sagens e fricções, de maneira gradual e moderada. atenção do que as funções físicas, dado a evidente superioridade oa alma so-
Estes exercícios podem ser efetuados em pé, sentados, deitados em bre o corpo. Se, porém, todos os exercícios físicos tem em comum a prerro-
supinaçáo ou pronação, para frente, para trás, variados e adaptados a cada gativa de produzir dileto ao espírito, o jogo da pequena bola oferece outras
indivíduo em particular, com relação às circunstâncias e as suas necessidades. particulares vantagens, das quais agora falarei:
Muitos dos exercícios elencados por Galeno são antiqü íssimos e já apa- II — Primeiramente, é evidente que tal jogo é de fácil acesso a todos. Se
recem no tratado "Sobre o Regime" de H ipócrates, enquanto que de propria- considerares os preparativos e o tempo que requer, por exemplo, a arte da
mente galénico resta somente o uso que destes se faz. A doutrina galénica caça, parecer-te-á claro que à tal atividade não podem dedicar-se nem aqueles
atribui muita importância aos benefícios que o organismo pode tirar do exer- que exercem cargos públicos, nem os trabalhadores.
cício físico moderado, enquanto fortifica e enrijece os músculos, tonifica os Atividades de tal género impõem grossas despesas e destinam-se, somen-
nervos, dá uma boa forma às partes sólidas do corpo, favorece a transpiração, te, à pessoas que tenham bastante tempo disponível. Somente o jogo da pe-
a expulsão de resíduos e das substâncias nocivas, ajuda a respiração, melhora quena bola, ao invés, é talmente acessível, que também os pobres podem
a assimilação e a digestão dos alimentos, facilita o aumento da temrratura, ofaticá-lo; não se precisa de redes, armas, cavalos, cães de caça, mas somente
etc.
uma bola (e pequena!) para a empunha dura. E este jogo é tão pouco invasor,
Como flipócrates, Galeno incorpora a ginástica à ciência médica, apre- a respeito das nossas demais atividades, que não nos 'obriga abandonar ne-
sentando-a, sobretudo, como uma forma preventiva e higiênica. E. sobretu- nhuma. O que pode existir de mais vantajoso do que Um jogo que satisfaça
do, torna a afirmar que também o espírito tira enorme vantagem dos exer- as exigências do homem? O exercício da caça não é, ao contrário, tão fácil:-
cícios físicos, sempre -
moderados"; é evidente que adaptados ao indivíduo pressupõe abundãncia de meios para a aquisição de aparelhos necessários e
pelo médico, porque não somente fortificam o corpo e o mantêm sadio, mas de tempo livre para poder caçar no momento oportuno.
contribuem também no desenvolvimento das faculdades intelectuais. Ao invés, o quanto se faz necessário para o jogo da pequena bola está
102 à disposição também dos bolsos dos mais pobres; e a possibilidade de exerci-
103 n

5
tar-se é oferecida, também, àqueles que são oberados a ocupações de todo e mesmo tempo, segundo, é evidente, a sua peculiar natureza! Não é difícil
qualquer género. Vantajoso é, portanto, pela sua aplicabilidade. E que dentre entender que se trata de treinamentos não dissímeis pelas suas utilidades, da-
todas as atividades gímnica, esta seja a mais salutar, poderás compreendê-lo queles que se propõe, como as leis do Estado prescrevem, aos comandaates
se considerares as características de cada uma delas. Verás que estes despor- de exércitos.
tos ou são por demais violer tos ou por demais monótonos, ou ainda treinam, próprio de um ótimo doce projetar emboscadas ao inimigo em tempo
de preferência, somente a metade superior ou inferior do corpo ou, até mes- oportuno, finalizar, rapidamente, o cargo recebido, fazer suas, as coisas do
mo, outra parte, corno os quadris, a cabeça, as mãos, o tórax; mas não encon- inimigo, ou, com um assalto violento e improvisado, fazer conservar aquilo
trarás nenhuma que consiga fazer movimentar igualmente, como o jogo da que se conquistou e para dizê-la em breve, saber ser hábil ladrão e hábil
pequena bola, todas as partes do corpo. Este jogo, às vezes, é velocíssimo, custódio: este é o requisito principal para um bom comandante de exército.
às vezes é lentíssimo, ora é frenético, ora é tranqüilíssimo, conforme como E existe, talvez, qualquer outro esporte que, como o jogo da pequena bola,
desejas ou como o teu físico pareça desejar. saiba, igualmente, ensinar a Vefender as posições conseguidas, a salvar-se de
Assim, é possível movimentar, ao mesmo tempo, todas as partes do cor- uma situação difícil ou a prevenir os propósitos do adversário?
maior parte dos
po, se parecer conveniente, e, também, somente alguma com preferência às Seria estranho que existisse alguém para defendê-lo! A
outras, se assim tu o quiseres. exercícios físicos leva a resultados totalmente opostos; torna a mente ignava
Quando, de fato, os jogadores entram em contato entre eles e, tentando e sonolenta e a entorpece. Aqueles que se exercitam nas palestras, treinam-se
bloquear a ação, procuram impedir que aquele posicionado no centro agarre para serem obesos, mais que para amar a virtude; e muitos tornam-se tão
a bola, chega ao máximo da tensão agonística, devido às múltiplas flexões --,-complacentes
‘, que, com dificuldade, conseguem respirar. Homens desse tipo
do pescoço e aos múltiplos agarrões próprios da luta; tanto é que, como a não poderiam ser, utilmente, postos na chefia de exércitos, nem receberem
cabeça e o pescoço, assim também os quadris, o tórax e v ventre são severa- cargos públicos, tanto na monarquia como na república: é melhor nutrir
mente solicitados, em conseqüência das flexões e extensões do pescoço, das porcos a esse tipo de gente. Talvez pensarás — a este ponto — que eu seja
batidas e rebatidas e de todas aquelis 'pegadas' que são próprias da luta. E, entusiasta da corrida ou daqueles esportes que entusiasmam o corpo. Não é
igualmente, são solicitados os quadris e as pernas. De fato, é necessário, so- assim. Ao meu parecer, tudo aquilo que é exagerado é danoso e toda arte
bretudo, segurança motora: o impulsionar-se à frente e o saltar obliquamente deve ser exercitada com c devido senso de medida: quando esta falta, nada
me apraz as várias espécies
favorecem o exercitar em particular as pernas. Pelo contrário, para dizer a pode ser, verdadeiramente, belo e bom. Por nada,-
verdade, somente o jogo da pequena bola faz movimentar igualmente todas de corrida que exaltam o físico e não habituam o ser forte. A vitória não to-
as partes das pernas: quando, de fato, avançamos ou retrocedemos, são pos- cou aos grandes porque sabiam correr, mas porque sabiam resistir ante ao
tos mais em função ora uns, ora outros nervos e músculos; aqueles que movi- adversário. Se após me peiguntares o quanto ajuda a coráda para a sanidade
mentam as pernas, de uma só maneira, como aqueles que correm, treinam física, responder-te-ei o quanto 'exercita de Maneira desigual as várias partes
as várias partes da perna de maneira desigual. do corpo; por isso, não é considerada útil. Em tal esporte, alguns órgãos são
III — É natural que o jogo da pequena bola exercite tanto as parnas supertreinados, outros ficam totalmente inativos: ambas as coisas não favore-
como os braços, no momento em que habitua a agarrar a bola de todas as cem em absoluto, pelo contrário, são causas de doença e de enfraquecimento
posições. Necessariamente, a grande variedade destas posições tende, em tísico.
maior intensidade, ora a um, ora a outro músculo, de modo que trabalhando IV — Por isso, as minhas preferências recaem sobre aqueles exercícios
alternativamente, podem usufruir da pausa para repouso, porque enquanto que estejam aptos em favorecer o harmonioso desenvolvimento dos mem-
alguns trabalham, outros repousam; e assim, trabalhando e repousando alter- bros e de favorecer a saúde física e moral, como no caso da pequena bola.
nativarnente, não são deixados totalmente em inércia e nem são, em con- Este jogo pode ser útil em qualquer sentido, ao ânimo, que exercita,
seqüência, de um ininterrupto afa.diêar-se, enfraquecidos pelo cansaço. ao máximo, todas as partes do corpo; o que confere saúde física e harmo-
Também a vista é exercitada com tal jogo: vale recordar que, obriga- nioso desenvolvimento corporal: não com excessiva corporatura nem com
toriamente, será falha a pegada Ia recepção) daquele que não tiver seguido excessiva graça; pelo contrário, torna-o idôneo àquelas atividades que não re-
atentamente a trajetória da bola e a reflexão deve ser paralela à prontidão. querem muito vigor, nem muita agilidade. No que tange à dinamicidade, este
e,
em nãa fazer cair a bola, em impedir, a quem está no centro, de agarrá-la, de jogo não é inferior a nenhum outro, mas pode ser, também, repousante
agarrá-la, por sua vez, no vôo. A prontidão, por si só, leva à fadiga, mas se é essa sua última face, é a que mais agrada, ou pela idade que não permite mais
disciplinada pelo exercício, pelo amor próprio e se tem como finalidade o suportar grandes fadigas ou porque queremos nos relaxar após um intenso
simples dileto, muito pode favorecer à saúde física e moral. Não são poucas trabaho ou ainda, porque convalescemos de alguma enfermidade. Também a
as vantagens, quando um desporto consegue ser útil ao corpo e à alma ao esse respeito, esse jogo faz-se preferir, desde que praticado, moderadamente,

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104
com relação a qualquer outro. Naturalmente, é necessário que durante tal coexistir com aquela tradicional, mesmo se desenvolvendo em sua substi-
jogo se evite qualquer excesso em qualquer sentido, alternando moderados tuição. Teve também o mérito de influenciar, com as suas novas teorias,
movimentos com pausas para repouso; após o exercício, que não deverá ser o mundo científico do seu tempo, dando brilho à educação física, renovan-
de longa duração, usar-se-á de recursos como doces fricções com óleo e ba- do-a nos modos e nos tempos, a ponto tal que o seu "sistema" virá retoma-
nhos quentes. O jogo da pequena bola é tão repousante que consegue favore- do no Renascimento. Criador da fisiologia experimental e fundador da me-
cer a todos aqueles que tem necessidade de relaxacão: é muito apto para res- dicina sistemática, Galeno, como afirma justamente Ulmann — "é unidos
taurar as forças e útil tanto aos velhos quanto aos jovens. Pode ser conduzi- grandes nomes da história da ginástica".
do a ritmo rápido, mas nunca, excessivamente, convulso; e, naturalmente, é
necessário conhecé-lo também sob este aspecto se queremos praticá-lo bem.
Se, como freqüentemente sucede, somos obrigados a afadigar excessiva-
mente a parte superior ou a parte inferior do corpo ou até as mãos ou os
pês, poderemos sempre repousar os membros afadigados e pôr em movimen-
to aquelas outras que até então estiveram inativas.
O lançamento, por exemplo, vigoroso da bola a uma certa distância sem
servir-se das pernas ou servindo-se pouco, beneficiará o repouso dos membros
inferiores e a exercitar, em compensação, mais intensamente os membros su-
periores. Se após, correndo freqüentemente em velocidade, lançarmos rara-
mente a bola sem movimentar-nos velozmente, ajudará em muito a reforçar
os músculos; no outro caso, o jogo torna-se tão movimentado, que reforçará
igualmente o corpo e o fôlego, até o pOnto (segundo as necessidades indivi-
duais), em que o jogo deva ser jogado com Mocidade ou não (não é possível
determinar, a priori, a quantidade), mas será a experiência a indicá-lo.
certamente, na duração do exercício que reside a sua eficácia: de nada
adianta a qualidade sem a quantidade e é tarefa do pedótriba determinar esta
última, no momento de iniciar o treinamento.
V — Concluir-se, nesse momento, o nosso discurso. Além das vantagens
já recordadas, quero mencionar uma outra: este jogo esá isento dos perigos

aos quais são expostos os outros esportes. A excessiva velocidade na corrida
já causou a morte de não poucos atletas pela ruptura de importantes vasos
sangüíneos; igualmente, a emissão de altos e violentos sons vocais causou gra-
víssimos danos; o cavalgar não moderado provocou rupturas nos rins e no
tórax e danificou também os órgãos reprodutores (para não falar da morte
de tantos caídos da sela pela impetuosidade dos cavalos). O mesmo se pode
dizer do salto, do lançamento do disco e daqueles exercícios que comportam
flexões da cabeça. O que dizer daqueles que se exercitam nas palestras? Fi-
, cam lesados em toda parte do corpo, não diversamente das Ladainhas Homé-
ricas,
Corno, de fato, claudicantes, cheias de rugas e estrábicas são as idéias
das quais fala o poeta, assim podes muito bem ver ou coxos ou aleijados, ou
complexados ou totalmente co . mplexados, aqueles que se' exercitam nas
palestras e, por isso, o jogo da pequena bole, porque além das vantagens
acima recordadas, une-se aquela de não expor a nenhum perigo, podendo,
igualmente, ser praticado por todos."
Ao concluir, devemos afirmar que Galeno pós em estreita relação
ginástica, higiene e medicina, para dar vida â ginástica médica, que devia

106 107
• I\
III — O PERÍODO CLÁSSICO: ROMA

— NOVA CISÃO DA GINÁSTICA GREGA E PRIMEIROS


SINTOMAS DA SUA TRANSFORMAÇÃO EM ROMA

Ao encerrar este período ligado à civilização grega, observamos que


Platão e Aristóteles dentre os filósofos, e Hipócrates e Galeno, dentre os mé-
dicos, foram os principais fautores da ginástica moderna.
Infelizmente, porém, após Hipócrates e Platão, também pelo advento
dos conceitos galênicos, as várias ginásticas unidas entre elas, mesmo que de
maneira instável, tornarão a cindir-se novamente e, portanto, autônomas.
Assim:
— a ginástica militar continuará a ter como único escopo a formação de
guerreiros para a defesa do Estado;
— a ginástica atlética-profissional representará a atração principal dos
jovens, graças à fama, à glória e ao dinheiro que ela traz;
— a ginástica médica será sempre mais subordinada à medicina, que
com a progressão do tempo, envolver-se-á e seguirá vias totalmente diferen-
tes laquelas até agora percorridas;
— ó esporte tradicional será praticado, como no passado, puramente
por divertimento e distração.
Com Perrotto, podemos afirmar que "a ginástica foi, essencialmente,
um modo com o qual o homem grego intencionou preparar-se para a luta e
para vida, no contexto de uma sociedade, que lhe propunha ou lhe impunha
a aspiração, a motivação, as leis; foi, também, a congenial expressão de urna
civilização que, com a sigla de uma excelente natureza e espírito, única na
história do mundo, procurou e, encontrou, no culto do próprio físico, a
felicidade biológica com um perfeito exercício das funções, a distensão da
sua fresca-vitalidade, a liberação do medo, a emoção estética na harmonia
motora a solar compenetração nas forças da natureza, a tensão em direção
ao divino como mito ou como virtude".

2— O CCSTUME ESPORTIVO ROMANO

A educação física romana tem, indubitavelmente, as suas origens na


civilização etrusca, mas certo é que também a influência da Grécia foi deter-

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„ r

minante para o desenvolvimento da atividade gímnico-esportiva em Roma, Os ludos, que no início eram de endereçamento aceitável e sob o perfil
mesmo se somente em 146 a.C. Roma conquistou e subordinou a Grécia. gímnico-esportivo, terminaram por tornar-se manifestações espetaculares
As diversas formas de ginástica, na Grécia, já tinham assumido um ca- às quais os citadinos assistiam simplesmente como espectadores; os atletas,
ráter, acentuadamente, especialístico. tornando-se, assim, monopólio quase mas este termo é impróprio, davam prova de suas virtudes, combatendo con-
exclusivo de poucos eleitos e de próprios e verdadeirosProfissionais. tra as feras e entre eles estrenuamente e, com freqüência, até a morte.
Decaído o valor educativo, os romanos praticaram a atividade motora Se na Grécia o fundamento do esporte foi o puro atletismo de palestra
de maneira pragmática ou por motivos higiénico-sanitários (como comple- e de estádio, Roma preferia o "circo" à prática ativa do exercício físico: o
mento da atividade desenvolvida nas termas) ou como profissão, no sentido espetáculo romano está para o esporte grego como o anfiteatro e o circo es-
literal da palavra. tão ao estádio e à palestra.
A ginástica estava, no entanto, conhecendo o seu declínio em todo o O povo romano não soube jamais apreciar o espírito que animava os
mundo antigo e também por isso não teve uma forte influência sobre a ideo- jogos gregos: levou em grande consideração o vigor físico, mas endereçado,
logia educativa do mundo romano. de um lado, ao alcance da força e do bem estar individual e, de outro lado,
Com isso, a educação física, em Roma, teve uma linha e um caráter pre- voltado às exigências do espetáculo circense; a mesma crueldade ocasional de
ciso e inconfundível. A ordem política, social e, sobretudo militar, influen- alguns jogos helênicos tomou-se uma regra.
ciaram, de modo determinante, a formação do citadino romano. A educação Os próprios jogos de bola e o exercício da natação, que tiveram um
física, mesmo se considerada parte não negligenciada na preparação dos jo- particular desenvolvimento em Roma, jamais saíram do âmbito do passatem-
vens, não alcançou jamais a importância atribuída a ela pela civilização grega. po gratuito. O esporte entrou na Urbe somente como "espetáculo", do qual
O próprio esporte profissional geralmente ficou ofuscado nas classes inferio- a violência era matriz essencial e, como tal, ficou até o tramonto do Impé-
res. A preparação que recebiam os jovens tinha finalidade prevalentemente rio, com aspectos acentuados de profissionalismo.
militar e os exercícios que efetuavam estavam destinados somente à aquisi- De resto, as manifestações esportivas romanas ficaram, mesmo na virada
ção de vigor físico, resistência às fadigas da guerra, habilidade no manuseio dos tempos, substancialmente aquelas mesmas que eram conhecidas desde
das armas, destreza no cavalgar; o lançamento do disco e do dardo, a esgrima, as origens, como certamente os "lodos dos gladiadores" e outros espetáculos
a corrida, a ração em ordem de combate, o tiro com o arco, o levantamen- de proveniência etrusca.
to de peso, a luta, o salto; em uma só palavra, todas as atividades esportivas A caça, talvez, foi uma das poucas especialidades a continuar íntegra,
tinham como finalidade a preparação bélica. mesmo não alcançando aquele grau de intensidade que conseguiu junto a
Poderíamos dizer que sob muitos pontos de vista, os romanos opuse- outros povos da antigüidade, desenvolveu-se no princípio do século II a.C.
ram-se e, foram tenazmente adversos, a certos aspectos da ginástica grega, de e foi sempre crescendo até chegar ao seu ápice nos primeiros séculos dos Im-
modo particular, ao atletismo. périos. A venatio, fapidamente (186 a.C.), também entrou a fazer parte dos
Nota bem Marrou: "o atletismo não entrará jamais no costume latino; espetáculos do circo e do anfiteatro.
restará para os romanos o atributo específico do helenismo”. Os romanos, de Tal oposição, todavia, além do motivo do costume, usos e hábitos, foi
fato, não concebiam o exercício físico, fim em si mesmo, nem como meio devido, também, ao fato de que, como já acenamos, a importância da ginás-
para conseguir um desenvolvimento harmonioso do corpo: em Roma, o exer- tica na educação de base foi sempre mais, é evidente, diminuindo durante o
cício físico devia ter caracteres e finalidades práticas, a educação em geral período helénico e romano, de modo que os romanos, mesmo ressentindo
dada aos jovens romanos tinha um caráter, prevalentemente, utilitarístico. fortemente a influência da educação helenística sob muitos pontos de
Ainda Marrou: "de Plutarco sabemos aquilo que o velho Catone fazia vista, mesmo adotando-a, assinalaram um lugar sempre mais marginal à gi-
aprender a seu filho: a esgrima, o lançamento do dardo, os exercícios com a nástica.
espada, os volteios, a equitação e o manejo de todas as armas e, após, comba- O exercício físico foi sempre considerado elemento, exclusivamente,
ter com os punhos, suportar o frio e o calor, atravessar, nadando, a fria e im- higiênico-recreativo e pré-bélico e não mirava, certamente, à unidade psico-
petuosa corrente de um rio". físicia da pessoa humana.
"A oposição dos romanos à ginástica grega e ao atletismo, em particu- Todavia, o .tcitadino romano continuou 2 praticar diversos esportesk
lar, foi sempre constante e é até acentuada. E também quando a prática dos como a natação, que teve particular desenvolvimento em Roma, a equita-
exercícios gímnicos entrou na vida romana, ali entrou por motivos de higie- ção e jogos próprios e verdadeiros — ainda de extrema atualidade — como
ne e, não de esporte, como acessório à técnica dos banhos a vapor." a "munda" (mosca cega), o °sediado (balanço) e, sobretudo, a bola, da qual
A atividade esportiva própria e verdadeira foi reduzida a um puro e se conhecem vários tipos: a folia, a "fila", a "pagâmica", o "harpasto", dos
mero espetáculo. quais falaremos mais adiante.

110
A pedagogia romana, em última análise, não renunciava ao princípio a) O Estoicismo: Sêneca
mens sana in corpore sano, mas subordinava a educação do corpo à educação
A ginástica como simples passatempo
da mente. A tendência, de fundo, ficava aquela de identificar a educação
com o desenvolvimento das belas letras e da arte oratória. No último perío- Com o advento do estoicismo,2° desenvolvido em Roma, justamente
do de Roma Republicana, Cfcero rebatiz, com impetuosidade, este conceito no início da cidade imperial, os interesses espirituais do homem e o problema
influenciava, notavelmente, com a própria respeitabilidade, a cultura ro- religioso predominavam sobre qualquer outro. Para os estóicos, a vida devia
mana. A educação romana mirava, prevalentemente, fornecer aos jovens, ser estendida como um destaque das coisas terrenas e uma preparação àquela
os instrumentos necessários para iniciarem-se e afirmarem-se na vida pública suprema, concebida a partir do nascimento à imortalidade.
política e entre estes instrumentos, os principais eram a "retórica" (a arte Este conceito é claramente expresso em uma das "Cartas" de Séneca
de saber falar) tinida a um profundo conhecimento do "direito", do qual os (3-65 d.C.), indubitavelmente o expoente mais representativo e de maior vali-
romanos tinham um culto particular. Indubitavelmente, toma a ser atualida- dade do estoicismo romano. Em uma de suas Cartas a Lucilio, de fato, ele
de, na estrutura cultural romana, a influência do conceito de Paideia dos so- afirma: "A alma não é, nunca, mais divina de quanto pensa a sua mortalidade
fistas. e sabe que o homem nasceu para exercer o ofício da vida, mas que o corpo
As escolas romanas, então, ensinavam aos jovens a ler e escrever (escola não é sua casa, mas somente um passageiro hotel... A maior prova da prove-
primária), depois a conhecer as obras dos maiores autores latinos e gregos niência da nossa alma, de mais alta sede, está em julgar, baixas e augustas, as
(ensinamento secundário) e, enfim, a apoderarem-se da arte retórica (ensina- coisas nas quais é obrigada e não temer de sair delas. Sabe, de fato, onde irá
mento superior). quem recorda donde veio. Não vemos... quão desagradavelmente nos con-
Em Roma existiam, portanto, três graus sucessivos de ensinamento, aos vém este corpo: Isto acontece a quem habita em casa estranha".
quais correspondiam três tipos de escola, confiadas a três mestres-especializa- -O corpo assim — contrariamente ao quanto afirma Ulmann — para Sé-
dos, respectivamente: o litterator, o grammbtiars e o rhetor. Em todas as neoa não estava, só e simplesmente, subordinado à alma, mas sim este era
três fases de ensinzmento, acima mencionadas, Et educação física era negli- considerado, como uma "casa estranha" à alma, uma forma de cárcere, do
genciada total ou parcialmente. Somente no início do período imperial, qual esta última devia mirar libertar-se.
Augusto, fundando os Collegia Juvenum, instituição semelhante aos colé- O homem devia viver para a alma e segundo a alma.
gios efébicos da Glécia helenística, procurará — mais por escopos políticos A ginástica e os exercícios físicos revestiam-se, portanto, de uma impor-
que educativos — reaproximar, sobretudo os jovens da classe aristocrática, tância limitada e relativa: para ele não existia nenhuma razão em dedicar de-
à prática da educação física e da ginástica. masiados cuidados e atenções ao corpo, porque não tinha sentido preocupar-
Com a instituição e a difusão das Termas, a cultura física recebeu um se com o físico e com o desenvolvimento harmonioso do mesmo.
notável impulso e os romanos, mesmo continuando hostis ao atletismo, ao -A ginástica, afirma Sêneca, cultivada além da medida, não somente é
qual exprobavarn pela imoralidade do nudismo, aprovavam todos aqueles ridícula, mas é também nefasta: o espírito é engajado pelos exercícios físicos
jogos que, ao invés de serem oferecidos para espetáculos e praticados por si e corroído pela supemutrição."
mesmos, pareceram subordinarem-se aos mesmos fins salutares dos banhos, O exercício motor, portanto, devia somente recriar o espírito e assegu-
dos quais se pensava que preparassem a ação benéfica e que consentissem um rar ao corpo o quanto lhe fosse necessário para ser eficiente. Um conceito
efeito útil à saúde corporal. semelhante, naturalmente, excluía não somente a ginástica da educação, mas
Em última análise, as termas imperiais atuaram na transformação da- até mesmo considerava-a um impedimento à vida espiritual que permitia ao
queles costumes que Augusto, Nero e Domiciano tinham, em vão, procurado homem de ser feliz e que podia ser praticada somente como passatempo e
operar, transplantando para Roma competições semelhantes àquelas gregas. nada mais.
Todavia, a ginástica e o esporte sempre vieram considerados como um Assim, com o estoicismo, aquela concepção que tinha feito da ginástica
obstáculo à formação e à educação do homem: conceito defendido por quase um elemento essencial da educação, assiste ao seu tramonto. Eloqüência e
todos os filósofos, os primeiros dentre todos, foram os estóicos. Sapiência, entendida como conhecimento filosófico e especulação metafísica,
constituem os pontos cardeais da nova educação, da qual já Cícero, em seu
tempo, fez-se intérprete e sistematizador.

20 — Doutrina da Escola Filosófica fundada, em Atenas, por Zenon de Chio no século III a.C., cujo
ideal é representado pela apatia alcarçada através do exercício da virtude, da lineraçáo das Pilizbes e
do viver segundo a natureza.

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tude e com a moralidade. O influxo da doutrina estóica, através das obras de
Quintiliano Cícero e de Sêneca, e também o estudo dos antigos estóicos é reconhecido
Educaçãb entendida como formação filosófica e literária em muitos particulares do tratado que respondia inteiramente à importância
da retórica em Roma, como informante da educação e da instrução e, com-
Quintiliano, nascido na Espanha Tarragonese, entre 35 e 40 d.C., trans- pletando a obra de Cícero, dava às perspectivas da arte do dizer uma verda-
feriu-se, definitivamente, para Roma, em 68 d.C., onde abriu uma escola par- deira e própria ftwrna didática e retórica, sem porém, atribuir aos próprios
ticular de oratória, que em 74 d.C. foi convertida em escola pública. Quinti- preceitos um valor geral e absoluto e sem unir-se, em particular, a nenhum
liano foi, assim, o primeiro professor de eloqüência pago com fundos do Es- dos mestres e a nenhum dos antigos endereçamentos hoje estudados e ava-
tado.
liados conscienciosamente.
Após uma brilhante carreira, primeiro como advogado e após como Quintiliano pois, nata última e mais significativa dentre as suas obras,
mestre de retórica, morreu no final do Império Domiciano, em torno de procurou, admiravelmente, resumir, harmonizar entre elas e elaborar as mais
96 d.C. importantes teorias pedagógicas da antigüidade, demorando-se, como é lógi-
As suas mais importantes obras do: o De Causis Corruptae Eloquentiae, co, com particular atenção, sobre as principais tendências e interpretações
escrito entre 87 e 89 d.C. e que, infelizmente, perdeu-se e o Institutio Orato-
manifestadas em Roma, no último século.
ria, a obra mais significativa de Quintiliano, composta entre 93 e 96 d.C. Tentou, mesmo se não o conseguiu plenamente, sobre a linha de Cícero
Destas obras, em particular, do Institutio Oratoria nota-se como Quinti- e do último estoicismo romano, recoligar, reunir novamente educação literá-
liano tinha uma concepção do ensino muito semelhante àquela de Cícero, ria e educação filosófica, negligenciando, completamente ou quase, a ginás-
seja sobre a formação ou sobre a educação dos jovens: de fato, para ambos, tica que, segundo uma tendência que se manifestou no início do período he-
eloqüência e sapiência não podiam sofrer cisão e, unidas, constituíam os ei- lenístico, estava acabada, sobretudo, no período romano e, em especial mo-
xos sobre os quais basear-se-ia a formação do futuro citadino. do, na última fase, às Targens da própria educação.
Para Quintiliano, a eloqüência sem uma válida preparação filosófica, à Significativamente. Ul(nann, falando do primeiro período imperial con-
qual devia estar conjugado um notável conhecimento do direito e da história cluiu: "naquele tempo, doi; motivos se uniam para negar à ginástica qualquer
(verdadeiro enriquecimento da experiência humana) desembocava, inevita- parcela na educação: O sábio estava ao lado do orador para rejeitá-la. Ambos
velmente, na retórica, no vazio e abstrato virtuosismo oratório. Eis que en- o caráter específico da humanida-
eram consoantes em recoahecer no logos
tão, junto a essa procura formal, mais de uma vez manifestavam-se os con- de, mesmo que cada um dos dois lhe desse uma finalidade diversa. O sábio
ceitos já debilitados, motivo este que induziu Quintiliano a escrever o De requeria dessa, virtude; o orador, a inspiração para os seus discursos voltados
CaLfSiS Corruptae Eloquentiae: um tratado sobre a verdadeira eloqüência, isto aos citadinos e para a sua participação ativa nas coisas públicas. Tinha-se em
é, aquela que poderíamos definir a "sábia eloqüência" e que, segundo o " tiista, em um caso, uma sapiência mais metafísica, em outro caso, mais social,
autor, se poderia alcançar somente com urna séria preparação e um válido porém sempre de maneira tal, a excluir a educação física ou ao menos negli-
processo educativo.
No outro texto Institutio Oratória, Quintiliano, por outro lado, preocu- genciá-la".
A tendência que, claramente, tinha-se manifestado no início do período
pou-se em, primeiramente, estabelecer as etapas da educação que o futuro helenístico, encontrava assim a sua lógica conclusão.
orador deveria percorrer desde os primeiros estudos da infância até a com- Todavia, não obstante a isenção da educação física da educação de base,
pleta formação de adulto, mediante a aprendizagem de todas aquelas artes essa continuou a ser praticada mesmo posteriormente a Séneca e a Quinti-
que lhe ajudariam na conquista de uma perfeita eloqüência; portanto, tra-
tou no Ars Dicendi, das qualidades e dos requisitos que deve possuir um liano.
Como já notamos, de modo particular, a ginástica médica no século II
bom orador, que, posteriormente, constituirão o Trivium e o Quadrivium do d.C., com Galeno, conheceu ainda momentos de apreço; todavia, não estará
Medievo
em condições de se daf à educação do físico aquela função do passado e,
O orador que ele deseja formar, de fato, era destinado, a priori, a ser infelizmente, continuará a distanciar-se sempre mais das escolas. O valor edu-
advogado.
cativo da ginástica, como veremos, será redescoberto somente durante o Hu-
"O compromisso do advogado (na Institutio Oratoria) é elevado à manismo: a partir daquele mimento, a ginástica tenderá nokçamente a reinse-
missão altamente civil e humana e a perfeição moral deve ser pressuposto rir-se como disciplina escolar, isto é, retomar o seu lugar específico no âmbi-
indispensável da perfeita oratória, em conformidade à definição catoniana do
to'cla educação e da formação do homem.
orador Vir bonus dicetzdi peritus e em harmonia com a doutrina estóica, se-
gundo a qual a retórica era a ciência do bem falar e se substanciava com a vir-

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3— LUDOS ROMANOS dos aos sucessos bélicos — começaram a ser celebrados em Roma, talvez até
final do século VI a.C.
a) A origem A tradição os atribui ao etrusco Tarquínio Prisco. Os etruscos, como
já vimos, desde o seu aparecimento na Itália Central, foram grandes apaixo-
Os espetáculos públicos que a generosidade de magistrais ou de privados nados peio atletismo, pelos jogos gímnicos espetaculares e pelas danças e fo-
ofereciam generosamente ao povo romano eram cnamados, em geral, de "Lu- ram de influência notável sobre o costume romano, favorecendo o apareci-
dos", sinônimo das provas de circo e também das festas que ali se desenvol- mento do culto do circo é — em geral — das competições em Roma. Os su-
viam. cessivos contatos que as lendas nos fazem divisar entre Roma e o mundo
Ludus, em latim, significava distração, jogo e também escola; no plural, etrusco, como foi observado no primeiro capítulo do tratado, eram nova-
assumia, ao invés, um sentido mais concreto de jogos públicos corn etins cla- mente reforçados pelo aparecimento em Roma da magistratura etrusca, mas
ramente espetaculares. sobretudo pelas grandes manifestações gímnicas voltadas ao puro espetáculo.
Eram chamados stati, quando anuais e com data fixa: vos/vis se efetua- Foram somente estes os jogos que continuaram por muito tempo a desenvol-
dos por específica determinação do Senado, do povo e mais tarde, também ver-se sob o nome de "Ludas Romanos": corrida de cavalos e combates de
do exército, para honrar determinados acontecimentos; e magni, se acompa- pugilistas, solicitadas propositalmente da Etrúria.
nhados da "pompa circense", isto é, daquela esplêndida procissão que Hora- Em efeitos, desde a época da primeira Guerra Púnica, o povo romano
cio definiu "áurea". não abusou certamente de festas e de divertimentos porque, não obstante
No período régio, os ludos eram dirigidos e ordenados por sacerdotes, desenvolver-se dos ludos romanos, os históricos não falam de outras formas
justamente pela estrita conexão com os cultos das divindades. Na idade re- de espetáculo. As próprias competições dos gladiadores, também pela escas-
publicana, a partir de 366 a.C., o ano que representou a pacificação entre o sez dos escravos, não tinham a solenidade e a importância que tiveram poste-
patriciado e a plebe, a responsabilidade de organizas os jogos foi confiada riormente moral do povo romano.
aos chamados ediii cunili. Enfim, na idade imperial, tal encargo tornou-se Mesmo assim, Roma sempre amou o espetáculo e grandioso! Na maturi-
monopólio do príncipe, que nominava os curatores ludorum e providen- dade dos anos também os romanos se adequaram aos gregos: a multiplicação
ciava as despesas, quando não eram cobertas pelo erário. das celebrações festivas e junto, o incremento contínuo de suas pomposida-
Os ludos, surgidos com as mesmas origens de Roma, desenvolveram-se, des e de suas atrações espetaculares representaram, de fato, a característi-
a priori, no período da idade republicana et aposteriori, sobretudo na Impe- ca de maior relevo da religiosidade e, em geral, da vida romana, a partir dos
rial. Inicialmente, satisfaziam às duas finalidades fundamentais: ressaltar o séculos III e II a.C.
sentimento religioso através de adequadas manifestações e divertir o povo Incremento para o qual contribuiu notavelmente o alto tenor de vida da
que repousava nos dias festivos. Paulatinamente, porém, as conwpções reli- Urbe, a riqueza pública e privada e, em particular, as somas enormes da de-
giosas dos gregos penetravam no Olimpo romano e transformou-se também predação da guerra, o desenvolvimento do comércio como conseqüência da
culto, principalmente, pelo efeito do progresso da civilização. guerra e o desfrutamento, sempre mais nojento, dos vencidos e que con-
Assim, enquanto o povo romano era iniciado em novos cultos, com fluíam ao erário público, às casas privadas dos militares vitoriosos e a todos
ritos e cerimônias inéditas, ao mesmo tempo multiplicavam-se e aperfeiçoa- os enriquecidos pela guerra.
vam-se ca divertimentos oferecidos ao povo, em ocasião de manifestações Além disso, as relações com a civilização grega, em particular, e com o
e festas religiosas. Mas, assim, as novas formas de divertimento divergem mui- Médio Oriente, em geral, fez com que se procurasse imitar o mais possível a
to das antigas distrações e começam a destacar-se da religião: os Iodos, mes- pomposidade e o luxo dos divertimentos públicos, lá tão em voga e que eram
mo continuando, formalmente, ligados às festas em honra aos deuses, não instrumentalizados, outrossim, por obra dos governantes e dos jovens ambi-
são mais crignos de verdadeiro culto, senão de maneira indireta ou mediata. ciosos das mais potentes famílias, de tal modo a conquistar o favor do povo,
Além do mais, justamente porque as inúmeras festas do calendário romano, para a "escalada" aos mais elevados cargos sociais.
assim como os jogos que as acompanhavam, são ligadas à vida de todos os Os primeiros jogos por excelência, entretanto, permaneceram aqueles
instituídos corno reza, primeiramente, a lenda
dias, como à indústria pastoril, à agricultura e à guerra; é óbvio que com a do circo: — lodos circenses,
progressão do tempo e com a importância sempre maior que a guerra adquire por Rômulo e;posteriormente, por Tarquínio, que tiveram sempre um ca-
na vida e no envolver-se do estado romano, desaparecerão, gradativamente, ráter religioso e sagrado. Eram jogos simples e reduziam-se ademais em cor-
as antigas manifestações e que predominarão então aqueles ludos e solenes, ridas de quadrigas, semelhantes àquelas que tiveram lugar em Olímpia ou em
posteriormente chamados "Romanos ou Magnos" que, diretamente conexa- Delfos.

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que do início ao fim do ano, todo dia, após a sesta, não tinham o que fazer
Ainda durante esta fase, também em Roma, é possível divisar algum senão ficarem de braços cruzados e, por outro lado, nem podiam ocupar o
vestígio do conceito helênico que nos leva às relações interpessoais e àquela seu tempo livre na política —, os espetáculos ocupavam o tempo, aliciavam
com os deuses, relação que devia conduzir, através da competição, os atle-
paixões. distraíam os instintos, aliviavam a atividade.
tas próximo aos deuses, não, porém, com o caráter e o escopo que esta sele- Os césares não deixavam a plebe romana ao ócio: dedicando aos espetá-
ção tinha na Grécia. A competição esportiva grega, de fato, devia determi-
culos todo o cuidado, d'Iapidando somas fabulosas, esses providenciavam,
nar a escolha do melhor, porque quem vencia as competições, de quaisquer
tipos que fossem, devia ser considerado o "excelente" — física e intelectual- conscientemente a segurança de seus poderes.
Os jogos foram, portanto, a tarefa mais importante da política interna
mente — dentre os representantes das cidades gregas que participavam dos imperial. O cume da grandeza Romana Imperial — no início do século li d.C.
jogos e, pois, o de maior semelhança e o mais próximo aos deuses. Era, por-
— coincidia com aquele da sua munificiência nas competições dos seus lodos,
tanto, o indivíduo mais idôneo para oferecer e ser aceito por uma divinda-,
nas representações dos seus teatros, nos combates autênticos e simulados das
de, um sacrifício feito no nome de toda a Elade. Argumento esse já ampla-
arenas, nos concursos literários e musicais dos seuiagones.
mente tratado na educação do jovem grego.
No conceito romano, porém, existem resíduos religiosos muito mais pri-
mitivos e, portanto, o espírito grego foi em parte adulterado: de fato, a com-
14 Os vários Tipos de Ludos e o Desenvolvimento dos Jogos
petição e, em particular, a corrida dos cavalos que constituía a forma mais
antiga dos "lodos circenses", consistia praticamente de uma seleção dos me- Os jogos, dos quais já tratamos, distinguiam-se conforme o lugar onde
lhores cavalos, dos quais os citadinos deviam tirar a energia vital que anima- aqueles de teatro;
aqueles de circo; cénicos,
va o sangue do animal vencedor. De fato, em algumas competições eqüestres, eram celebrados, em: circenses,
o cavalo vencedor era sacrificado para Deus Marte e todo o seu sangue reco- gladiadores, aqueles de anfiteatro
representavam a expressão mais antiga e solene dos
lhido do vestal, era utilizado para ritos, dos quais tiravam benet (cios propi- Os lodos circenses
espetáculos latinos. Segundo ;tradição, como já dissemos, foram instituídos
ciatórios para os seres humanos e animais. por Fibmulo, logo após a fundaçãO de Roma, em honra a Netuno, na festi-
A religião, todavia, continua presente, mesmo se sempre menos visível,
nos jogos que a República instituiu sucessivamente em honra a Giove, Apoio, vidade dos "Consualia". -se na
Estes lodos, chamados "Consuales" ou "Magnos" desenvolviam
Cerere, Cibele e Flora. Na origem de cada uma destas festas romanas, de fato, planície Múrcia, entre o Palatino e o Aventino. Após Tarquínio Prisco, fo-
renasce, constantemente, o costume religioso que oferecerá o pretexto sagra- ram representados no Circo Máximo. Foi justamente durante um dos espetá-
do das suas tradições, ao engrandecimento dos espetáculos na idade tardo-re- culos circenses que teria acontecido o célebre "rapto das sabinas". Os lodos
publicana e imperial. (pompa), que do Templo Capito-
eram precedidos por uma solene processão
Entretanto, mesmo se a celebração dos ludos pertencia ao culto e era lino descia ao Circo Máximo e fazia o giro do circo em torno da coluna prin-
uma festividade de acordo com o calendário oficial, este não excluía que se cipal. Participava a juventude romana, pane a cavalo e parte a pé, seguiam
pudesse anunciar ludos públicos excepcionais ou ludos oferecidos por pri- os amigos com os cavalos e as carruagens, os lutadores, os dançarinos acom-
vados. Em seguida, de fato, os ditadores alongaram a lista dos lodos públicos, panhados por tocadores de lira e de flautas. Terminada a procissão, os magis-
em ocasião de suas vitórias, para torná-las mais belas e significativas. Enfim, trados que a tinham guiado, procediam aos sacrifícios propiciatórios em hon-
os imperadores utilizaram festas introduzidas em Roma através da religião,
ampliando-as para consolidar os seus domínios sobre as massas de cidadãos, ra às divindades. a parte mais longa e junto com o sacri-
nutrindo-as e distraindo-as. A procissão constituía, a priori,
fício, a mais importante da cerimônia: com o passar do tempo, porém, os
Com as distribuições mensais do pórtico de Minúcio, o povo romano ti- jogos sofreram um desenvolvimento muito grande, enquanto que a procissão
nha assegurado o pão quotidiano; as representações no Foro, no teatro, no
continuou uma pomposa fortn . fflidade, seguida pelo público em tediosa es-
estádio, no anfiteatro, lotavam e organizavam o seu ócio, já constante, e o
pera dos jogos próprios e verdadeiros.
seguram, diríamos, em exercício, com festas e divertimentos sempre novos. Após os sacrifícios do rito, iniciava-se os jogos com as competições de
Afirma Carcopino oue no "apogeu do império não existia ano romano carro e de cavalo, que representavam a Parte essencial dos ludos do Circo,
que não conferisse dois dias de festa para um dia de trabalho. E, assim, os intermediadas e seguidas pelas competições gímnicas ou de caça de feras e
espetáculos, sem serem parte integrante de regime imperial, sustentavam a Comua-
pelas lutas a pé ou a cavalo. Fazia parte dos
estrutura do regime e representavam um obstáculo à revolução. Na Urbe, de animais (venationes`., celebrado por Virgflio, na Eneida, que consistia
onde as massas contavam com ao menos 150.000 ociosos, exonerados do les também o Lodos Troiae,
de evoluções de jovens a cavalo.
serviço às custas da assistência pública e talvez outros tantos trabalhadores —
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De vez em quando, o espetáculo encerrava-se com uma fictícia batalha Existiam, outrossim, numerosas outras festas menores e combates de
naval (naumaquia) na arena inundada de água ou com exercícios efetuados
gladiadores-
por mimos, saltadores, charadas. Pode-se afirmar que os dias festivos no tempo de César eram sessenta e
Os ludos Cornija/es ou Magnos eram celebrados do dia 04 ao dia 19 de cinco ao ano; no século IV d.C., passaram para cento e setenta e cinco dias,
setembro e o prêmio consistia de uma coroa ou de um ramo de palma.
isto é, pouco menos da metade do ano inteiro.
Dentre os outros ludos — eqüestres e cániccs — que surgiram em um Durante esses dias haviam sempre festas e jogos, enquanto que os ludos
segundo tempo, instituídos sempre em honra dos deuses e, em seguida, en- eram celebrados, não somente em solenidades religiosas, mas também em
trados no calendário das manifestações imperiais, devemos recordar: ocasiões de aniversários dos imperadores e de seus familiares e aniversários de
vitórias militares.
Ludos ~Unários — instituídos em honra de Apoio, em 212 a.C.,
Em efeitos, qualquer ocasião era boa para convocar "jogos".
durante a 2a Guerra Púnica, celebrados dos %lias 05 a 13 de julho. Termina- Com o passar do tempo, o circo aumentou a sua superfície e aperfei-
vam com um grande espetáculo no circo. De caráter claramente aristocráti- çoou os seus aparelhos e, em conseqüência, também as competições amplia-
co e eram anuais. ram-se completamente. Aos ludos de um dia sucederam-se jogos de semanas,
— Ludos Plebeus — primeiramente realizados por votação e após, es- de nove, quinze dias; o número de corridas de um dia expandiu-se da repú-
tabelecidos ("estados") anualmente; efetuavam-se de 04 a 17 de novembro
blica ao império e, sob o império, de um reinado a outro.
e eram anunciados pela comunidade plebéia. Mas os romanos nunca se cansavam e, por outro lado, a variedade de lu-
Ludos Seculares — celebrados pela primeira vez em 509 a.C. nos en-
dos oferecidos prevenia a saciedade. O interesse pelas corridas simples de
tão Campos de Tarquínio, por ele consagrados a Marte, para invocar a pros- cavalo era renovado pelas acrobacias que eram, portanto, pretexto. Algumas
peridade e a liberdade do povo romano. Devia-se renová-los no final de cada vezes, os jóquies conduziam, contemporaneamente, dois cavalos, saltando de
século e tinham a duração de três dias, mesmo se em efeLtos, foram celebra- em outros casos, deviam, estando
um para outro: eram chamados desultores;
dos não no final de cada século, mas somente à grande distância,de anos. a cavalo, manobrar armas e simular combates; deviam, sobre o cavalo, ajoe-
Ludos Capita//nos — queridos, segundos algumas fontes, por %mu-
lharem-se/ou deitarem-se sobre o cavalo em galope; deviam ajuntar, no
lo, em 390 a.C., após a caçada dos Gales. Celebrados sobre o Campidtiglio e "vôo", do chão, um tecido disposto sobre a pista ou superar, com o cavalo,
presididos pelos "magistrados" de um colégio, formado pelos habitantes da um carro unido a quatro cavalos. A multidão romana apreciava as dificulda-
zona do Campidógiio. Consistiam de competições de pugilato, de corrida e des que excitavam as emoções e apaixonavam-se por aqueles espetáculos, nos
de corrida com o odre.
quauis tudo contribuía para mantê-los despertos e a suscitarem os seus en-
Lemos Cerca/es — em honra a Cerere, desde 202 a.C., desenvolviam-se
de 12 a 19 de abril; originalmente, talvez tivessem sido realizados por vota- tusiasmos.
Quanto às corridas dos carros, divergiam segundo os diversos tipos de
ção e, posteriormente, tornaram-se anuais. Iniciavam com uma pompa do substituições: com dois cavalos, as bigas; com três cavalos, as trigas; com qua-
Campicloolio ao Circo Máximo e tinham caráter e significado expiatório. (decemiu-
tro cavalos, as quadrigas e até mesmo com seis, oito, dez cavalos
Ludos Megalenses — celebrados em honra de Mater Magna (Cibele), Cada uma delas sobressafa-se pela solenidade de início e pela suntuosi-
ges).
era 191 a.C.; desenvolviam-se de 04 a 10 de abril. Consistiam primeiramente dade da cenografia. O sinal de partida era dado ao som de uma tromba, pelo
de ludos cênicos e após também circenses. cônsul ou pelo prefeito, ou pelo edil da cúria que presidia os jogos, jogando
Lodos Flora/es — organizados em honra da deusa Flora, em 174 a.C.,
do alto da tribuna um pano branco na arena.
que fo-
eram anuais, duravam do dia 28 de abril ao dia 03 de maio e consistiam de Cada substituição representava uma das escudarias ou factiones,
ludos cénicos e circenses. ram criadas para suprirem as enormes despesas necessárias para o treinamen-
Ludos Victoriae Sullanae — instituídos em recordação da vitória de to, seja dos homens ou dos cavalos e para pagarem os.prémios dados aos ven-
Silia, realizavam-se de 27 de outubro a 19 de novembro. • cedores pelos magistráveis presidentes, algumas vezes aumentados pela gene-
r Ludos Victonae Caesaris — criados por César e, sucessivamente, cele-
rosidade do príncipe.
brados para recordar as proezas do conquistador dos Gales e da Bretanna, mais importantes eram quatro e distinguiam-se pelas cores:
As factiones
tornaram-se, posteriormente, tixos e realizavam-se de 20 a 30 de julho. Os factio veneta (azuis) e factio
factio albata (brancos), factio prasina (verdes), (amarelo
últimos quatro dias destes ludos eram destinados às competições no circo.
russata (vermelhos). A estas, Domiciano uniu uma outra: aurata
Ludos Augusta/es ou Fortunae Reducis — -eál izavam-se de 05 a 12 de
ouro).
outubro em recordação do retorno de Augusto do Oriente. Foram celebrados além dos cocheiros, chamados "áurigos",
Cada uma destas factiones,
pela primeira vez em 11 a.C. e tornaram-se estáveis e anuais. mantinha um numeroso pessoal, como por exemplo, veterinários, treinado-
res, alfaiates, seleiros, palafreneiros, etc.
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O público extasiava-se, já antes das competições começarem; cada um Coligados, não somente às SU3S origens, mas por muito tempo além da
olhava com ansiosa admiração o número preferido. Mas o entusiasmo geral idade republicana, às honrarias fúnebres, estes mais tarde não mais tiveram
desencadeava-se assim que a competição tinha início e, até o final, os es- este caráter e foram igualados aos demais.
pectadores trepidavam de esperança e de medo, de incerteza e de paixão. No que tange à origem dos jogos gladiadores, a mais provável teoria é
Os vencedores eram, calorosamente, aclamados e a multidão envolvia, aquela que lhe dá origem etrusca, também porque relevos de urnas cinerárias
no impulso do seu entusiasmo, também os jóqueis e os cavalos. da seguricla metade do século III a.C. nos mostram representações de comba-
Os áurigos conheciam assim a fama e a glória. A maior parte deles era de tes de gladiadores, como já praticados contemporaneamente e antes da intro-
origem humilde, mas graças às suas numerosas vitórias conseguida; podiam dução de tais espetáculos em Roma, introdução que advém em 264 a.C., em
resgatar-se das suas condições sociais. Aqueles áurigos que tinham conseguido ocasião das honrarias fúnebres feitas pelos filhos a Décimo Júnio Bruto Pero.
mil vitórias em uma ou mais facções, era dado o nome de murados.
Os munera, no início, foram anunciados, exclusivamente, por privados;
A extraordinária consideração que os áurigos gozavam em Roma era após, começou a cogitar interesse ao Estado. Já no tempo da República, den-
devido também às suas qualidades físicas e psíquicas: prontidão e força, tre os jogos de Estado oferecidos pelos magistrais às suas custas (munus),
post-
agilidade e sangue frio, pelo duro treinamento a que eram submetidos e pelos como dizia-se acima, figurava ?também a venatio (venação); na idade
perigos inerentes à sua profissão, à qual, freqüentemente, sucumbiam ainda as lutas de gladiadores e as caças aos
augustea uniram-se em um único munus
muito jovens. animais. Data de 105 a.C. a primeira celebração dos ludos gladiadores, sob os
A tal propósito, pode-se notar que a "torcida", aquela particular paixão cuidados dos cônsules, porque se esperava que o povo, assistindo-os, não per-
que induz a defender um atleta ou um time à preferência de outros ou contra desse, dentre os contínuos ócios da capital, aquele sentimento guerreiro.
outros, tem origens antiqüíssimas e com esta, as suas degenerações, que E isso, pois, foi repetido também pelo mansueto e sábio Plínio, o Jo-
determinam a perda do verdadeiro sentido esportivo e dos seus valores. vem, sob justificação e exaltação dos atrozes jogos gladiadores, oferecidos
E necessário, porém, precisar que o favor que estes personagens encon- por Troiano onde, corno provam ós fasti ostiensi," não é fábula, combate-
travam junto ao povo era inspirado por sentimentos não totalmente puros: ram cinco mil pares de gladiadores. •
era, sobretudo, devido á paixão pelo jogo, do qual as corridas eram a oca- A paixão por estes jogos cresceu no final da idade republicana e no
sião. Os espetáculos, dos quais os romanos participavam, eram inseparáveis curso da idade imperial, em razão inversa ao espírito guerreiro; as freqüentes
das sponsio, isto é, das apostas Sobre o factio guerras e as contínuas vitórias fizeram confluir à Roma imensas riquezas, que
por eles escolhida, sobre as
cores de uma escudeira, seja os ricos ou os pobres, punham em apostas os desenvolveram vaidades, ambições, luxos desenfreados, corrupções e toda e
seus pertences. Em conseqüência, quando era pror;lamado o vencedor, o pú- qualquer manifestação de decadência moral, assim que os ludos gladiadores
blico deixava-se perder às manifestações de júbilo ou de stlera reprimida. receberam, conseqüentemente, um notável incremento.
Os Césares, jogadores insensatos, chegavam até a fazer executar os con- Anota ainda com amargura Carcopino: -Penetrando nas arenas, após
correntes adversários de uma outra factio. Temos que dizer, em honra da ver- quase dois mil anos de Cristianismo, temos verdadeiramente a impressão de
dade, que porém outros Imperadores de Traiano a Adriano, não cometeram descer ao inferno da antigüidade. Para honra dos romanos, nós gostaríamos
semelhantes loucuras; pelo contrário, Marco Aurélio vangloriou-se pela sua de rasgar do livro da sua história esta página, a qual ficou turvada — mancha-
indiferença ás corridas. da de sangue indelével — a imagem daquela civilização da qual esses criaram
Mas a grande parte dos governantes e dos súditos foi sempre dominada as vozes significativas e propagada a vivente realidade".
pelos jogos, sinal este de decadência moral e social, e também os melhores No século II a.C., os ludos gladiadores não constituíam ainda o perigo
imperadores aproveitaram-se desta debilidade, direcionando tudo isso à van- público que, posteriormente, começaram a representar gravemente no pri-
tagem de suas estabilidades políticas e da paz do Estado. meiro século; seja pela insurreição dos infelizes prisioneiros condenados
àquela horrível missão, seja pelas bandas armadas que os chefes das facções
ganhavam atirando, entre os gladUores, seja pela eficácia que a celebração
c) Ludos Gladiadores ou "Munera" de ludos, assim feitos, podia ter como meio de propaganda, ou melhor, como
corrupção eleitoral, baixando o nível dos eleitores dos eleitos, contribuía,
A origem assim, à queda da liberdade. Como já acontecia para os espetáculos de circo,
Os ludos gladiadores ou munera gladiatória derivam de
munus, isto é,
presente, doação, porque os espetáculos eram oferecidos pelos ricos patrí- na Roma antiga, calendário oficial, preenchido pelo Pont itice
cios ou imperadores, ambiciosos em mostrar a potência económica, ou de- 21 — De Ostia — comuna italiana. Fut:,
Máximo e que indicava os dias nos quais era permitido discutir causas, tratar assuntos públicos e seme-
sejosos de conquistarem, para si, o favor do povo.
lhantes.

122 123 -cj


• e A

••••11 4•9
CH se os combates no sentido literal da
os imperadores não hesitavam em utilizar os jogos gladiadores para os seus controle das armas e, então, iniciavam-
fins de domínio, lisonjeando propositalmente a multidão para adquirirem palavra. Na arena, desenvolviam-se dois tipos de espetáculos:
este gosto homicida. Nos tempos de Augusto, os munera já constituíam um venationes (venações), po-
— os combates entre homens e feras, ditas
espetáculo muito mais oficial e obrigatório, tanto quanto os ludos do circo dendo ser também entre feras;
duelos até o último
e do teatro. Ao mesmo tempo, o Império destinou, a estes espetáculos, cons- — os combates dos gladiadores, ditos hoplomaquia:
truções grandiosas e particularmente adaptadas, cuja estrutura aparece hoje sangue.
como uma criação nova e pujante e de génio arquitetõnico: os anfiteatros, As venationes desenvolviam-se em diversos modos: existiam aquelas
dos quais falaremos mais adiante. inofensivas entre homens e animais domesticados (que assumiam o caráter
de urna caça e consistiam da apresentação de animais domesticados e de
Os gladiadores animais amestrados: panteras que puxam, docilmente, as bigas às quais são
submetidas; leõs de cujos fuços deixavam viva a lebre presa entre as patas;
O crescente favor que tais espetáculos, como já notamos, tinham en- tigres que vinham lamber a mão do domador que os açoitavam; elefantes que
contrado no povo e a paixão que desses suscitou, favoreceu a introdução, se ajoelhavam, com gravidade, diante do pórtico imperial, aqueles entre ho-
em Roma, de prisioneiros de guerra, escravos, condenados à morte por a posteriori, duelos
mens escarsamente armados e animais ferozes; existiam,
delitos comuns, mercenários em busca de honras e riquezas ao caro preço terríveis e mortais entre animais ferozes: ursos contra búfalos, búfalos contra
da vida, propositalmente adquiridos e instruídos para medirem-se na arena.
Os gladiadores tinham o nome de Dladius, uma curta espada em forma elefantes, elefantes contra rinocerontes.
nas quais os homens se punham por detrás
Não faltavam as venationes
de faca, da qual eram munidos. Esses eram adestrados ao manuseio das armas de adequadas e oportunas proteções, donde disparavam as suas flechas contra
em escolas apropriadas, ditas familiae, onde vigorava urna férrea disciplina,
as feras, que rugiam, furiosamente, devido à dor e inundavam a arena com o
sob a guia de instrutores, ditos lanisti. Freqüentemente, o "Ianista" era o mais emocionantes, embelezadas
seu sangue. Existiam também venationes
proprietário e o empresário das escolas e do time dos escravos que prolifera- por uma cenegraf ia de floresta e enobrecidas pela coragem e agilidade dos
vam em todas as partes. Famosas são as escolas de Pompéia, de Capua, de gladiadores. E evidente, que esses arriscavam a vida nesta luta contra os leões,
Ravena e de Preneste.
ursos, touros, panteras, leopardos e tigres, mas, freqüentemente, acompanha-
Existiam várias espécies de gladiado, es, distintos segundo o modo de dos de uma junta de cães escoceses, sempre armados de tições ardentes e
combater: eram destinados em funções das suas atitudes físicas à armas dife- de alabardas para caça, de arcos, de lanças e de punhais, corriam somente os
rentes.
riscos os mesmos que os imperadores se expunham na pequena guerra que
Os mirmillones oo gallus combatiam com elmo, sobre o qual estava pin- era apenas uma imagem das
tado um peixe do mar, a 'Turma, escudo gálico e lança; os thraces, com escu- era a caça de então. Pelo contrário, esta venatio
do redondo e espada curta; os ratiarii eram munidos de uma rede, com a qual duras validades da caça antiga.
Esvetonio conta que o próprio Nero descia à arena armado de uma só
procuravam enrolar o adversário, para após batê-lo com um tridente; os la- dava para enfrentar e matar um leão; este último porém, estava já preparado
quearii serviam-se do lançamento para enlaçar o rival; os "securitos" comba-
para não causar-lhe danos e, portanto, fazer-se matar. A quantidade de ani-
tiam contra os retiarii, utilizando espadas afiadíssimas protegidos por uma
mais que eram sacrificados e oferecidos à avidez sanguinária dos romanos era
armadura muito leve, os sanmites armados de uma curta espada reta, de elmo
enorme: em um só dia foram matados 5.000 animais, por ocasião dos ludos
em calota e de um escudo oval.
com os quais o Imperador Tito inaugurou o Anfiteatro Flávio (Colosseu), no
Os gladiadores eram adestrados, igualmente, para baterem-se seja sobre
a terra firme do anfiteatro ou sobre a água, nas naumaquias (combates navais ano 80 a.C.
A "hoplomaquia" era o próprio e verdadeiro combate entre os gladia-
simulados).
A escola de esgrima e gladiadores era confiada a especialistas e os alunos dores.
Algumas vezes, o ataque era simulado com armas inofensivas, como nos
alcançavam, paulatinamente, diversos graus: do grau de "tiro" (recruta) pas- proiúsio ou Iúsio,
nossos encontros de esgrima e, em tal caso, chamavam-se
savam a spectatus, isto é, gladiador já cpresentado ao público e enfim a se-
segundo o que prefaciava o verdadeiro combate e tratava-se de uma antecipa-
cundus e primus palus, isto é, gladiador escolhido. sucessão interminável de duelos autênticos, nos quais as armas
ção do munus,
não eram recobertas nem os golpes abrandados, nos quais cada gladiador pro-
Desenvolvimento dos jogos.
curava fugir da morte, tentando assassinar o próprio adversário.
O espetáculo (munus) era precedido por uma procissão, após o editor Os gladiadores procuravam agrupar-se na vigília do combate para um
muneris, isto é, quem oferecia o espetáculo às suas despesas — procedia no banquete que, para muitos deles, podia ser a última refeição. Era admitido

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ao público de assistir esta janta livre e
muitos curiosos circulavam em torno Existe urna boa, dita por Cícero, referindo-se aos combates gladiadores
às mesas com uma alegria doentia.
que "mesmo que pudesse existir um melhor ensinamento ao desprezo da dor
No dia da manifestação, os gladiadores desfilavam na arena e próximos
e da morte, certo era que não existia nenhum que melhor falasse aos olhares
ao palco imperial, voltavam-se e saudavam com o braço direito estendido o
Imperador, dirigindo-lhe a famosa frase: de um munas ou de um 'Plínio, o Jovem", que tais massacres eram "essen-
rant-. "Ave, Imperator, morituri te saiu- cialmente propícios a excitar a coragm, mostrando que o amor à glória e o
Alguns misturavam imprecações a esta aclamação. Seguia-se após a
desejo de vencer podem hospedar até mesmo nos corpos dos escravos e dos
ordenação das armas, a junção das duplas e, ao som da música, dava-se início
à série de duelos. delinqüentes". A nossa consciência rejeita-se em encarar seriamente estas
O público assistia, se divertia, trepidava, apostava (sponsiones), apologias e considera somente a perversão de um povo que em tais espetácu-
aplaudia los vergonhosos não pode aprender que um degradante desprezo da dignida-
ou investia segundo a alternada sane dos resultados.
de e da vida humana. E necessário, todavia, reconhecer que a parte mais sa-
No caso em que o vencido "não fosse ferido à morte, este dispunha as ar-
dia dos romanos continuou aterrorizada pelo contínuo progresso desta insa-
mas e pedia graças; geralmente, era poder do vencedor deferir, ou não, a gra-
ça, porém, às vezes, ele abdicava de seu direito em favor do imperador, o na paixão pelos manetas e esforçou em atenuar-lhes a violência.
qual, antes de decidir ele mesmo, pedia o parecer do povo. Portanto, a graça, Já Augusto tentou introduzir em Roma, os jogos gregos, nos quais a
luta, concebida de maneira mais valiosa, tonificava os corpos, ao invés de
na maioria das vezes, dependia do humor do público: se os espectadores le-
vantassem o polegar gritando Mine aniquilá-los, e nos quais o espírito tinha a sua parte. Para oferecer urna sede
(reenvia-o) e o imperador se adequasse a
esse desejo, o vencido era agraciado e mandado embora vivo da arena. Se, ao aos esportes, construiu um estádio especial, o Circus Agonalis, sobre a área
da Praça Navona." Para as competições intelectuais do Agone, edificou o
contrário, o público decidisse que o vencido merecesse ser admoestado, abai-
xava o polegar gritando lugula Odeon, cujas ruínas encontram-se sob o Palácio Taverna, no Monte Giorda-
(mata-o) e o imperador, tranqüilamente, orde-
nava, virando o polegar (pai/ice verso), no. Durante o seu Reinado, os jogos gregos conheceram um sucesso efémero.
a imolação do gladiador aterrado.
Solene e teatral era
o momento no quai o gladiador vencedor assolava o Basta recordar a instituição das Aujustalle, em Nápoles, que foram cha-
golpe de graça ná adversário, provocando sua morte, entre o unânime júbilo madas, significativamente, de lsolympia, istd é, competições semelhantes
do povo. àquelas de Olímpia, organizadas no século II d.C., com o nome de Italica
O vencedor era premiado com uma palma e uma compensação em di- romana ou Isolympio, festas qüinqüenais e, esta nova era, foi chamada hen-
nheiro: conhecia, assim, glória e riqueza. Dado que a maior parte dos gladia- de.
dores eram prisioneiros e escravos, esses podiam com a vitória de mais com- O próprio Nero, instituindo os "Neronias" pretendeu dar festas perió-
dicas do tipo helênico, que compreendessem jogos físicos combinados com
bates, alcançar suas condiçõesnsociais e obter a liberdade ou, então, ser dis-
competições de poesia e canto. Também Dominciano, em 86 d.C., instituiu o
pensados do serviço gladiatório. Nãb era raro, todavia, que os gladiadores re-
nunciassem à magnanimidade do príncipe e preferissem reprender a sua pro- Agone Capitolinus, onde desenvolviam-se competições de corridas a pé, pu-
gilato, lançamento do disco e do dardo, unidas à poesia e à música.
fissão de assassinos: e nós possuímos o epitáfio de um deles chamado Fiam-
ma Os próprios atletas vitoriosos gozavam de grandes privilégios; eram reu-
que, tendo conseguido 21 palamas, tinha renovado o seu alistamento qua-
tro vezes. nidos em corporações ditas xystoi, que eram presididas por um xystarca e
No anfiteatro desenvolvia-se também os Gladiatores Meridiani mantidas pelo Estado.
que con- Mas os jogos, do tipo grego, nunca conseguiram fazer concorrência com
sistiam de processos públicos e execuções de condenações à morte de delin-
a brutalidade dos ludos gladiadores e não vingaram muito junto aos romanos.
qüentes de qualquer gênero. Entre as mais famosas execuções punitivas, eram
Sobreviveram seus fundadores, mas embora estando provado que Ju-
de relevância aquelas onde os condenados à morte eram expostos à fúria das
lian°, o Apostata, muito tenha se interessado e, não obstante, os juristas te-
feras ou ao ferro dos gladiadores e as grandes perseguições aos mártires cris-
tãos. nham cohtinuado e assinalar-lhes uma alta rionorabilidade, esses nunca cria-
De fato, as condenações dos cristãos e suas execuções foram sempre ram sérios problemas aos maneta, pelo Contrário. foram desdenhados como
escândalo e motivo de uma lenta degeneração estrangeira, infetada de nu-
mais inseridas-,no bárbaro programa dos Jogos, mas também nos circos, nos
dismo e de imoralidade. Entre a earitrnia dos jogos gregos e a bnitalidade dos
teatros e em outros lugares públicos. Em recordação de seus martírios, foi
elevada uma cruz, no centro do Colosseu e combates gladiadores existia, evidentemente, uma irredutível incompatibi-
-como silencioso protesto contra as
barbáries de um povo tão grandioso quanto celerado em escolher para diver- lidade.
timento próprio a morte violenta do homem: infame mancha, inapagável no
tempo que ofuscou a civilização romana. 22— praça %voas a urna das inúmeras praças. situadas em Roma (Itália), onde. atualmente. tem
como sede a Embaixada Brasileira.

126
• 127

Q
do banho, isto é, era uma integração a esse. O ginásio grego era freqüentado
Diversos eram os jogos e os exercícios que se realizavam nas termas.
pela juventude citadina mais refinada e escolhida, com a finalidade de refor-
O jogo de bola era muito difundido e muitas as maneiras de jogá-lo:
çar o físico e elevar o espírito; as termas romanas eram inspiradas em uma a bola ao muro,
concepção de massa e tinham escopos eminentemente práticos: o repouso trigo° (uma partida de bola em três), o vôlei, o harpastum,
e a distração após as fadigas quotidianas. a bola ao salto, etc.
Em particular, os diversos tipos de bola usadas pelos romanos eram:
Em 33 a.C., após um censo ordenado por Agripa, contava-se já 170
estabelecimentos balneários públicos e privados e o número foi sempre mais harpastum (bola de pequenas dimensões. talvez correspondente à originá-
acrescido até chegar a mil. ria "pila arenária"; a paganica (bola de tamanho médio enchida de penas);
(boião cheio de
a pila trigonalis (bola pequena de forma triangular) e a (o/lis
Para ter acesso a estes estabelecimentos devia-se pagar uma taxa de in- vitrae, isto é, bolas de
ar). Algumas inscrições latinas falam também de bolas
gresso; Agripa fez construir, após, termas que tomaram o seu nome e nas
quais o acesso era gratuito. vidro freqüentemente também coloridas.
A estes jogos que habitualmente precediam o banho, se unia o exercício
Como Rema, cada cidade do império teve edifícios termais. Também
com a espada contra o muro, as corridas, os exercícios com os manúbrios,
Nero, Tito e Traiano fizeram construir termas. Mais tarde, foram construí-
disputados entre homens e mulheres vestidos com uma leve túnica ou cem
das as grandiosas termas de Caracalla, de Dioclesiano e de Constantino.
um simples manto adaptado aos esportes, a "endromide". A luta, ao invés,
Para fornecer toda a água às termas, contribuiu a Água Vigo que Agripa
tinha conduzido a Roma. efetuava-se entre os concorrentes nus, que se espalhavam sobre a pele a "ce-
roma", um ungüento feito de óleo e de cera e era praticada na palestra do
edifício central, próximo às salas que, nas ruínas das termas de Caracalla, os
Funcionamento das Termas
arqueólogos identificaram como sendo a olioteria e a conisteria, onde não
As termas melhor conservadas são aquelas de Dioclesiano e, sobretudo, somente os lutadores mas também as lutadoras eram submetidos a unções e a
aquelas de Caracalla, uma das maravilhas da antiga Roma. Nestes últimos • tratamentos regulares.
tempos, também as termas de Traiano foram trazidas suficientemente à luz, O atletismo estava em tão direta relação com o banho, que habitual-
para permitir-nos de seguir suas linhas mestras e de constatar que coincidem mente o banhante se aquecia o corpo com os exercícios executados na pales-
com aquelas de Caracalla. tra e com uma massagem; após, entrava em um dos "sudatória", ao lado do
Dos restos arqueológicos podemos, cem certeza, inferir que as termas calidarium e naquela atmosfera de vapores superaquecidos ativava a transpi-
não eram somente edifícios nos quais se encontravam reunidas as mais di- ração: tratava-se de um banho a seco, após fazia o banho quente no tenda-
tepidarium para
versas formas de banho: exsudação a seco e o banho propriamente dito, o dum, onde a temperatura era sempre elevada; daí parava no
para o
banho frio e o banho quente, as piscinas e zs banheiras individuais. Essas en- graduar a passagem da temperatura e, enfim, terminava no frigidarium
cerravam, no enoro banho frio.
me quadrilátero, jardins e passeios, estádios, saiões de re-
pouso, palestras e locais para massagem e até mesmo bibliotecas e próprios Terminado o banho, submetia-se à massagem do corpo com uso de
e verdadeiros museus. No centro, se elevavam os edifícios da termas pro- óleos e ungüentos.
priamente ditas. Eram estas as três fases do banho higiênico, recomendado por Plínio.
Próximo à entrada, estavam dispostos os vestiários; seguia-se o Velho.
dum (uma sala em temperatura tépida) que era deslocado entre o tepida-
rium e o calidarium frifida-
(sala para o banho quente, precedido pelas salas suda- As Termas como fato social
tórias). Lateralmente a estas salas, tinha a palestra na qual os banhistas po- Terminada a prática do banho, os citadinos entretiam-se nas termas até
diam dedicar-se aos exercícios físicos.
seu fechamento, já que os estabelecimentos termais não serviam somente
Os banhistas eram acompanhados por um certo número de escravos, para fazer o banho, mas tinham-se transformado o lugar preferido para reu-
encarregados de assistirem o patrão durante o banho, massageá-lo e depi- niões, passeios: eram úteis para aproximar amigos e conhecidos, discutir e
lá-lo. Os mais pobres serviam-se dos massagistas e depiladores que se aglo- ccincluir negócios, receber noticias e trocar opiniões. Participava-se, assim,
meravam nas termas.
da vida social e pública, sem exclusão entre os diversos níveis sociais.
Nenhuma proibição impedia que as mulheres fizessem o banho ou Os enormes edifícios termais, tornados cada vez mais grandiosos, luxuo-
praticassem os exercícios na palestra com os homens; algumas preferiam, sos e pomposos, representavam, portanto, um serviço público e um fato so-
porém, freqüentar as [mime
reservadas exclusivamente a elas. Somente mais cial de extrema importância.
tarde foi necessário separar os banhos de acordo com o sexo para evitar a As termas de Caracalla e de Dioclesiano podiam abrigar de mil a três
promiscuidade e os escândalos conseqüentes.
mil banhistas, mas é significativo o fato de que as termas eram frequenta-
132
133

das também por pessoas de alta posição social que, sem dúvida, dispunham Os elementos constitutivos do modelo típico romano eram compostos
nas suas casas e mansões das instalações necessárias para todos aqueles tipos pelo proscaenium, praticamente a inteira área de ação e o fundo ornamenta-
de banhos e para aqueles tratamentos físicos que se efetuavam nas termas. do de nichas e de colunas; a scaena frons que surgiam atrás dos atores, e, em
Até mesmo o Imperador Adriano fazia muitas vezes o banho nas termas jun- geral, de proporções majestosas; a cávea de forma Hemicilfridrica reservada
to aos demais banhistas. aos espectadores, subdividida em corredores e de rampas (vornitoria). A or-
As termas foram os edifícios nos quais os romanos adquiriram o gosto questra, fechada por um muro perimetral, era utilizada também para os com-
pela higiene do corpo, pelos esportes úteis e pela cultura desinteressada. bates dos gladiadores e, quando cheia de água, utilizada para as naumaquias.
As termas tinham-se transformado o centro da vida mundana, por ve- Inovação romana foi o vefum ou veladura que servia como protetor solar
zes o lugar do vício, do ócio e da imoralidade e os cidadãos romanos aí pas- para toda a estrutura; o auleum, uma cortina frontal passível de ser deixada
savam muitas horas. De fato, as termas funcionavam do meio-dia até o tra- ° cair e, então, uma vez de novo erguida, para servir de orquestra; o siparium
montar do sol. Tiveram, portanto, uma retardada e lenta decadência, graças multo semelhante àquele atuai, que era usado para cobrir algumas zonas da
também ao velho ideai que tinha inspirado a sua grandeza e que Juvenal fachada, atrás dos atores.
nunca cansou-se de chamar "Orandum est ui. sit mens sana ir; coroara sano".
Na tardo-romanidade iniciaram as críticas a estes lugares de reunião
acessível seja aos homens que às mulheres. e) O Campo de Marte
Com a queda do Império Romano, as termas foram deserdadas por um
complexo de fatores. Já a igreja, a qual condenava tudo aquilo que ainda Como as termas, constituíram o centro social, político e higiénico-es-
tivesse um sabor de paganismo, não via com bons olhos que os fiéis freqüen- portivo, assim foi o Campo de Marte, núcleo da vida militar e civil dos ro-
tassem as termas públicas. O Cristianismo, levando uma completa renovação manos. Para subir à carreira estatal, de fato, o jovem devia freqüentar o Cam-
religião, à moral e aos costumes, considerou as termas como centros imo- po de Marte Mais tarde, o Foro. Com a idade de 18 anos, depois de vestir a
rais. toga viril, o jovem era conduzido, pelo pai, a este centro-caserma, ao ar livre,
As correntes ascéticas puseram em má luz o costume de fazer o banho na parte baixa de Roma, circundado de edifícios públicos e por templos,
somente por prazer e em geral tudo aquilo que fosse atinente aos cuidados onde ai-a adestrado à arte militar e formado na moralidade e no respeito da
exclusivos do corpo. Admitia-se, todavia, o banho como simples limpeza pes- lei, para, posteriormente, ser iniciado à carreira política. No mesmo Campo,
soal. Is
de fato, tinha lugar os conhecidos comícios por cúrias e também as votações
A profunda modificação nas condições de vida, conseqüência das inval para eleger os candidatos (assim chamados devido a túnica cândida que ves-
sões bárbaras, junto com o geral empobrecimento da população e com a tiam).
ruína dos aquedutos, conduziram ao abandono e ao desbaratamento dos edi- Atém das atividades de base, os jovens eram adestrados ao lançamento
fícios termais. do dardo, ao tiro com o arco e, sobretudo, ao uso da espada (o famoso gia-
rios). Os militares tinham vida dura, quotidianamente, marchavam 25-30 km,
além das corridas prolongadas; os jovens eram habituados, também, a caval-
gar, a nadar: atravessavam o rio Tevere com a armadura completa. Acostuma-
d) O Teatro dos ao frio e ao calor, a desceimodos aposentos eram submetidos às mais du-
ras privações, tudo isso com a finalidade de obter-se uma formação completa.
De origem grega, como já dissemos, também a paixão pelo espetáculo Após esta experiência, os jovens eram iniciados à guerra e, portanto, à carrei-
teatral e, portanto, também os edifícios que o hospedava. Os primeiros tea- ra militar ou civil.
tros, em madeira, foram instalados nas colônias gregas (Siractisa, Agrigento); Infelizmente, também esta instituição, após esplêndidos inícios, diri-
em Roma, inteiramente, de pedra, foi construído um em 55 a.C. por Porm giu-se ao inevitável declínio: o Campo de Marte sofreil'a decadência moral e
oco, junto ao templo de Flora, no Campo das Flores. Muito semelhante , civil do mundo romano, até desaparecer, completamente deixando lugar acs
àouele ‘4.
Mitilene, este podia hospeda 40 mil pessoas sentadas. Foi inaugu- edifícios termais, assim desejados por Nero.
rado com competições lúdicas-esportivas e com apresentações teatrais. Su-
cessivamente, Roma hospedou outros edifícios do 'gênero, o mais conhecido
toi o Teatro de Marcelo, inaugurado em 11 a.C. Quase toda cidade ou país,
dos territórios de influtincia romana, teve o seu teatro, também porque este
era utilizado para inúmeros usos.

134 135
jA
IV — A IDADE MÉDIA

1 — CRISE DO IMPÉRIO ROMANO: A AFIRMAÇÃO DO


CRISTIANISMO E A CRISE DA ATIVIDADE MOTORA

Para concluir este particular momento histórico ligado à civilização


romana, podemos tranqüilamente afirmar que a Educação Física em Roma
limitou-se — ao menos na fase mais alta do Império — a faustosas festas e a
grandiosos espetáculos que eram o motivo dominante da vida romana e se
sucediam em ritmo de perseguição. •
Em particular, as manifestações atléticas perderam, paulatinamente,
também o aspecto originário e as corridas oas bigas tornaram-se o terna pre-
vai ente dos ludos romanos e, pouco a pouco, os espetáculos que ^realiza-
vam nos anfiteatros transformnam-se em uma atividade prevalentemente es-
petacular que nada tinha de educativo nem de esportivo.
Indubitavelmente, mesmo se o advento do Cristianismo acelerou o fim
o
da atividade Gímnico-esportiva — como veremos mais adiante no período me-
dieval — concebida de acordo com todas as normas da mentalidade grega, a
causa primeira que levou ao fim quase total da educação física no mundo ro-
mano deve ser atribuída com toda a objetividade, à nova situação sécio-po-
lítico-econômica que estava desagregando os últimos restos de um grande
e único Império.
É oportuno rebater ainda uma vez que, como para o passado, a educa-
ção física — filha da civilização do país que a hospedava — como sempre,
acompanhou seja os momentos felizes ou infelizes de UlT13 civilização.

Idade Média

Para compreender o significado da Idade Média, é necessário acenar às


problemáticas que animaram as relações entre o absolutismo imperial, o pa-
ganismo político e o Cristianismo, em constante desenvolvimento temporal
e ideológico.

O Império Romano e o Cristianismo

As invasões bárbaras, a decadência dos costumes, o advento do Cris-


tianismo culminaram na destruição do Império Romano.

C.:l
d 137

O Cristianismo, a nova e potente religião, incide profundamente sobre a


história da educação física, mesmo se, como já foi dito, não representou o
único motivo da transformação substancial que a mesma I igião com o edito de Constantino (313 d.C.); mais tarde, com Teodósio, ins-
perrodo medieval. teve durante o tituído como religião do Estado, até a perseguição do paganismo.
"I
ndubitavelmente, a nova religião foi responsável pela desvitalização da O triunfo da religião crista não se realizou somente como inspiração da
ginástica, já consumida pela degeneração hedonística, e pela oposição ideoló- fé, mas também a partir da concomitância de todos os fatores que estavam
gica do mundo intelectual. caracterizando a decadência romane.
Em efeitos, a oposição do Cristianismo à vida e aos ideais do mundo A cultura grego-romana, no momento em que os bárbaros se apressa-
clássico foi decisiva e absoluta. vam em espalhar-se sobre o mundo civil, era já bem distante da grandeza e
O mesmo Tertuliano, apologista da civilização primitiva, em particular, dos faustos antigos; tinha enfraquecido paralelamente à longa e grave crise
condenava tudo aquilo que era atinente ao exercício e ao valor físico do cor- política, econômica e moral que o Império tinha atravessado no sécub III e,
po humano. Esta drástica condenação e os princípios deste comportamento portanto, ao Cristianismo foi fácil impor as aias escolhas. Assim, o exercí-
eram imutáveis na doutrina crista: as atividades corporais diziam respeito so- cio físico e os espetáculos ligados ao velho mundo pagão desaparecerann: cir-
mente à esfera do mal (a danação) e não do bem (a salvação): o bem da alma cos, anfiteatros e termas foram levados às ruínas. Pelo contrário, foram exas-
prevalecia sobre aquele do corpo e tudo aquilo que era corpóreo era conside- perados até chegaram ao misticismo, ao desejo de salvar a alma; daqui a
dência deca-
rado danoso para conseguir-se a vida ultra-terrena. dos valores do físico, a quase completa ausência do elemento kidico:
Para a religião cristã, a solução dos problemas morais não devia ser pro- a educação física, como já escrevemos, perdia sempre mais significado e va-
curada na natureza ou na "razão", mas unicamente na relação entre espírito lor, subordinada já então aos cuidados da alma que, na mortificação do
e Ser Supremo, na fé, na liberação da alma de qualquer servidão daquilo que corpo, encontrava o incentivo para uma grande ascensão moral.
é humano e terreno. Para coroar uma tamanha política contra o exercício físico, em 393
O ideal da educação cristã realizava-se, assim, através da mortificação do d.C., o bispo de Milão, Ambrósio, como já recordado anteriorefente. aprovei-
corpo para alcançar o bem do "além" e este tipo de educação condicionou, tando a ocasião dos movimenta que explodiram em Tesblônica,
*pediu, e
decisivamente, seja a vida cultural que polftico-militar do país. obteve de TeOdósio, a supressão das Olimpíadas, já reduzidas a uma pobre
A Igreja que abençoará os cavaleiros do Medioevo, os quais bater-se-ão exibição que nada mais tinha a ver com as n6beis competições do passado.
com as armas em defesa da fé e, portanto, de um bem supremo, já condenava
O inicio do Medioevo
os jogos e as manifestações públicas romanas, porque os "ludos" eram bem
diversos
já e distantes das novas concepções morais e religiosas. As termas eram
Após a queda do Império Romano do Ocidente, inicia em 476 d.C., o
freqüentadas por vagatundos cultores do hedonismo» to Campo Nlarzio verdadeiro medioevo, isto é, o período histórico intermediário entre a idade
transformou-se em uma só palestra de adestramento
para manusear as armas, antiga e a moderna; e este período nos fará conhecer o novo vulto que a Edu-
mas era condições piores mostravam-se as manifestações de circo e de anfi- cação Física estava assumindo, após o advento do Cristianismo.
teatro, pelo cruel derramamento de sangue e pela corrupção moral dos es-
pectadores. cuja participação era sempre mais degradante pelo progressivo sa- A atividade motora, golpeada — diríamos "a morte"— pelo esfacelo do
Império e rejeitada nas escolas monacais do Medioevo, todavia, mesmo te
dismo das multidões, as quais chegam às horrendas cenas dos mártires cris-
por muito tempo disfarçadamente, permaneceu viva em ambientes particu-
tãos dilacerados pelas feras, crucificados, queimados vivos ou assassinados, lares e cola especificas e novas motivações.
usando meios privados de qualquer humanidade. Também os espetáculos de
circo transformavam-se sempre mais degradantes, não somente pelas corridas Rejeitado pela ideologia dominante, o exercício físico foi utilizado na
tradição educativa militar e no gosto pelo jogo, para reaparecer em urna so-
de cavalos
berrava, se em si mesmas, como também pelas reações do público: gente que
excitava ciedade nova, em lenta e fatigosa evolução. O Nledioevo representa o ponto
rente, com trabalhoeduro.
jogava, em apostas, todo o dinheiro ganho, freqüente- de partida para o nascimento dos jogos de equipe, para o nascer de uma infi-
nita gama de jogos esportivos (sobretudo com a bola) e para o fomentar do
O Cristianismo que, não obstante as lutas e as perseguições, tinham-se
s •triunfalmente, saiu dai catacumbas e o novo culto tbrna-se livre re- espirito de "provincial" que, envolvendo toda, a comunidade, dará inicio à
afirmado expressão folclorNtica.
A expansão das hordas bárbaras tinha propagado uma prática operosi-
24 dade, que devia reascender a nova sociedade "feudal", isto é, uma criação
— Hedonismo
o fundamento — Doutrina
da vida moral. f ilosóf ia segundo a quo o prazer individual constitui o bem mais alio e
política-económica-social-religiosa que caracterizou o Medioevo influencian-
do, assim, notavelmente, também a cultura ligada à atividade corpórea.
138 Com Carlos Magno, este ordenamento encontrou unânime aplicação em
toda a Europa. A escravidão transformou-se em servidão. Os senhores ti-

qt,p9
nham em suas próprias dependências os vassalos — em geral, eram livres mas difundir-se a instituição universitária: as primeiras universidades surgiram no
podiam ser também servos — os quais defendiam-lhes a vida a custa de qual- século XII e XIII.
quer sacrifício e deles recebiam em troca a manutenção, proteção e terras Enquanto que no feudalismo um específico juramento de fidelidade li-
concedidas em benef(cio, cultivadas pelos servos da gleba. gava o vassalo ao senhor, que lhe dava em compensação a proteção e o gozo
Os vassalos de certos senhores eram, por sua vez, senhores de outros vas- de um certo número de bens em concessão, o cavaleiro medieval tinha so-
sales. O senhor era o protagonista, mesmo se subordinado, por sua vez, ao mente o juramento de fidelidade com aqueles supremos princípios de justiça,
Rei ou ao príncipe da nova ordem económica e social: podia-se definir um de honra, de reverência a Deus, de defesa às mulheres e aos débeis, princípios
pequeno monarca.
que inspiração todas as suas atiles
Cada vassalo, pela obrigação de servir o próprio senhor, pegou para si A Igreja, apoiada ao Estado, educava-lhe e moralizava-lhe suas rudes
jovens bem preparados na arte mility e, portanto, temperada pelos exerci- energias, endereçando-as ao serviço do bem. Pouco a pouco a cavalaria foi
dos físicos. O cuidado com o co.'po começou a reconquistar uma fachada colocada a serviço da Igreja: formava-se assim a nova alma do cavaleiro ou a
particular e a realizar-se, sobretudo, para fins bélicos. nova moral caveleiresca, já transformada — quase q..re em todos os preceitos
Os Carolíngeos, por exemplo, amavam os exercícios violentos e criaram — na época da primeira Cruzada. A Cavalaria deu, de fato, UMa notável con-
o mito dos "Paladinos", que inspiraram as famosas
Chansons de Gene. Tam- tribuição às Cruzadas: a primeira expedição para a libertação dos Lugares
bém os Normandos exercitavam o físico e cuidavam de seus corpos na con- Santos foi essencialmente composta por cavaleiros pertencentes às maiores
vicção de que a força física e a boa saúde constituíssem a base fundamental famílias feudais européias. Toda a Cavalaria colocou-se à disposição da igre-
para a sobrevivência e para as conquistas coletivas. ja para a "Guerra Santa", proclamada por Urbano II e nessa, encontrou 6.
terreno adequado para pôr em prática os nobres princípios que a haviam ani-
mado.
Justamente do ponto de vista da educação física, a figura do cavaleiro
2 — A CAVALARIA representava o fruto espontâneo dos novos valores sociais e morais a educa-
ção do corpo adquiriu, portanto, no Medioevo, notável importáncia, contra-
Como instituição política e social, a cavalaria teve o seu mais completo riamente ao que foi afirmado per algtins, mesmo se, como já dito, Se tratava'
desenvolvimento durante a idade medieval, na qual nasceu e, viçosamente, de educação física de caráter pré e pós-militar.
desenvolveu-se com próprias ordens. Esta abrigou, dignamente, na sua estru- Com o fim do séculeJSV, a Cavalaria começou a perder parte da sua
tura, a cultura física que em parte, distanciou-se do preconceito da imorali- importância e supremagia também coma ordenamento militar, porque-a in-
dade, na qual a havia relegado o advento do Cristianismo. venção da pólvora e das armas de fogo levou a uma radical mudança, a arte
A cavalaria, que tinha precedents históricos, seja na Grécia, seja em da guerra, razão pela qual diminuiu, sempre mais, a proeminência das tropas •
Roma, somente no medioevo adquiriu, especialmente na França e na Ale- de cavalaria em favor da infantaria.
manha; delineamentos mais precisos e de maior importância. Os cavaleiros
franceses, em partigular, exercitavam uma notável influência sobre todo o
Ocidente.
Originariamente, a cavalaria era uma casta militar aberta a todos e aco- a) A Éduceção Cavaleresca
lhia gente de toda classe social, não somente cavaleiros não nóbeis, mas tam-
bém servos; bastava ter armas e cavalos para ser cavaleiro; com o passar dos A educação cavaleresca teve essencialmente finalidades militares-mun-
anos e com o rápido progresso das instituições feudais, chegou a um natural danas e religiosas. O slogan do cavaleiro era: "A minha alma para Deus, a mi-
processo de seleção, devido a qual cavaleiro significou sempre mais perten- nha vida ao Rei, o meu coração para a Dama e a honra para mim".
cer a uma classe social elevada e possuir qualidades e meios de UM3 O cavaleiro, de fato, devia defender a fé, pôr-se a serviço dos débeis e
certa
relevância. Assim, a cavalaria tornou-se privilégio somente das classes nobres. dos oprimidos, elevar o seu espírito ao culto da mulher, consagrando-lhe
A sua importância ultrapassou 'o caráter puramente militar. Mesrnb se pensamentos e obras dignas; bravura nas armas, coragem &amor de aventu-
originariamente o sistema tinha estrita necessidade de manter em eficiência ras fundiam-se com o culto platônico-romântico-formalfstico da mulher e
um corpo de cavaleiros. de fato, os nobres mais poentes e os reis tinham in- tudo era idealizado pela consciência de ser militantes de Cristo e da sua
teresse em recrutar e em preparar um certo número de cavaleiros e, portanto, Igreja. Outra característica da educação cavaleresca era a importância dada à
hospedá-los em seus castelos. Todavia, a cavalaria tomou-se, com o transcor- "costesia", unida ao sentimento de honra: dessa derivava um conjunto de fi-
rer dos tempos, crisol de novas ideologias. O Medioevo vê, além do mais, nezas, baseada no respeito a todos, na benignidade aos inferiores, mas tem-

140 141
bém
*à na fidelidade
glória militar. à palavra dada, no desdenho para qualquer vileza, no amor

A educação do futuro cavaleiro era extremamente rígida, com um ende- à cerimônia limpo de corpo e de alma. O dia da consagração, após ter pres-
reço claramente prático. O menino, até aos sete anos, era educado no âmbito tado juramento, lhe era conferida a armadura, as esporas de ouro e a espada.
familiar e iniciava a cavalgar e executar certos exercícios que visavam sobre- Tornava-se cavaleiro após ter recebido três fortes batidas sobre as costas,
tudo a enrobustecer e tornar ágil o corpo. Aos doze anos, era hospedado em dada pelo celebrante, o qual pronunciava a fórmula ritual.
um castelo feudal e até mesmo na corte real, corno "pagem". Longe da sua
casa, As batidas, dada com a palma das mãos, encerravam a cerimónia de
devia uniformizar-se conforme as exigências e hábitos do senhor que maneira violenta, dado que o cavaleiro teria se servido da violência, embora
dominava o feudo, aprender os usos da corte e as boas maneiras e exercitar-se que para fins merecidos. Além disso, o cavaleiro aceitava estes golpes sem
nos exercícios físicos preparatórios à guerra, para tornar-se um experto das reagir, como sinal da sua submissão ao próprio senhor, mas também, e sobre-
tudo, ao poder religioso.
armas, da vida e da missão de cavaleiro. Um predeptor cuidava da formação
do cavaleiro também sob o perfil intelectual: em dada unia instrução elemen- O cerimonial encerrava-se, freqüentemente, com uma prova de habill-
tar e uma discreta cultura que se estendia à música e à poesia; era freqüente dade do neocavaleiro, que, de costume, devia correr a "quintana", urna pro-
também o ensinamento da língua francesa como meio indispensável para a va eqüestre da qual falaremos mais adiante.
leitura dos romances cavaleirescos. Todavia, a instrução era considerada um A armadura do cavaleiro consistia de uma corra Carme,
isto 4, unia es-
luxo de distração e danoso, que desviava a prática física que, ao invés, enro- pécie de timica sobre a qual eram aplicadas lâminas de metal ou de couro;
bustecia
lo, para e tornava os jovens com maior aptidão para o confronto, para o due- esta veio, posteriormente, substituída por outra feita de malha de aço; num
a guerra. As exercitações físicas, por isso, tinham um programa mais segundo tempo, enfim, foi reforçada por lâminas metálicas para proteçNo das
rico: o pagem devia saber correr, saltar, lutar, lançar pedras e hastas, trepar, costas, dos antebraços e das pernas. Em 1400, aproximadamente, a armadura
atirar de esgrima e, sobretudo, cavalgar.
foi feita completamente de ferro batido, com lâminas metálicas articuladas.
Alcançadas os quatorze anos, era chamado "escudeiro" e recebia um O cavaleiro usava, após, um cobre-cabeça de malha de aço ou de carro e o
caveto,
sos COM*esporões de prata, lança, escudo, elmo e couraça. Os seus elmo; para defender-se usava o escudo; ga
dada em ferro. eralmeme de lenha reforçada ir bbr--
o feudatário adquiriam, a partir deste momento, um caráterCompromis-
mais
viril: destreza
com devia aperfeiçoar a sua corrida vestindo a pesada armadura, manejar
a lança, usar - As armas ofensiva mais utilizadas eram a lança, a espada, a ciava e o
a machado.
espada, atirar corno arco, cavalgar perfeitamente
conseguindo saltar sobre o cavalo em galope; algumas vezes lhes eram atribuí- A vida do cavaleiro mi regulada por um preciso decálogo de normas.
das tarefas de confiança ou então postos a serviço de uma dama.
a A educação e a preparação do futuro cavaleiro tinha pois, uma relevante -
centuação-físick o que demonstra que não se prescindia do tratamento do 3 — OS JOGOS ECIDESTRES

corpo, mas pelo Contrário, esse era urna base itriportante pare a formação dos
Nenen, que deviam possuir o domínio motor para harmonizarem-se às fa- As manifestações atléticas e esportaas que tiveram maior sucesso no
digas da guerra, se pretendiam servir aos nobres ideais da cavalaria. Retor- Medioevo foram, sobretudo, os jogos taipleirescos, nos quais os cavaleiros
nou-se às concepções gregas sobre o valor da educação física que não era so- combatiam e lé aventuravam em exerckTbi que lhes davam 5 possibilidade de
mente
indivíduo.preparação exterior para um corpo viril, mas também formação do mostrar a.stra cornem, as
sua bravura no manuseio das armas e de melhorar
em geral a sua posição bélica. Estes jogos foram um produto do feudalismo e
É oportuno salientar como a cavalaria indica, de modo emblemático, a dda cavalaria e podem ser confrontados pelo que diz respeito à finalidade,
passagem ideológica, que no período histórico em exame, está enfrentando que ficava sendo sempre a exercitaçâo militar, aos jogos guerreiros próprios
a igreja
ca" católica através da contraposiçãfo da filosofia "escolástica" à "místi-
agostniana. de quase todos os povos. Os principais e mais famosos jogos cavaleirescos
eram: o torneio, o bigordo, o giostra, o carosello, o passo d'arme, a gualtiana,
Após um longo treinamento, o jovem, com aproximadamente 21 anos, a quintana, a corrida dall'anello.
estava pronto para ser nomeado "cavaleircei, investidura que advinha segun-
do um ritual bani preciso, A Igreja, que muito considerava a cavalaria, sem- Torneio
pre pnacurou impregnar de espírito religioso a cerimônia de investidura, a
ponto de chegar a conferir-lhe uma espécie Os torneios, chamados pelos cronistas também
de caráter sacramental. - prolutiones ou bdli praeludia, imaginarke bellorum
madaOvegua
escudeiro, aspirante cavaleiro, passava a noite da vigília Ia assim cha-
Carme) constituíram as
mais importantes manifesta-
ções esportivas medievais, reservadas aos nobres cavaleiros. As origens dos
142 em jejum e oração para, no dia seguinte, apresentar-se torneios do antiquíssima; mas a França foi a nação na qual o torneio teve a
mais vasta difusão: dos francos, se diz, terem aprendido a arte de fazer tor-

143

neios todos os outros povos. Os torneios eram realizados em ocasiôes de fes-
tas religiosas, de acontecimentos políticos e de matrimônios. O combate terminava de tardezinha, quando os juízes decretavam o fim
"
A iniciativa para o desenvolvimento de um torneio era tomada por um das hostilidades ou então a segunda parte do número dos contendentes, o
senhor que desafiava um outro nobre; se este aceitava o desafio, era marcada encontro era suspenso e retomado no dia seguinte.
a data das competições e os nomes dos quatro jufzes responsáveis Na conclusão do torneio, desenvolvia-se uma suntuosa festa no castelo
contro, escolhidos dentre oito cavaleiros selecionados. pelo en-
e o vencedor era premiado — com um preciso cerimonial — pela dama pela
Os editais anunciavam pois, publicamente, o torneio e passavam de lu- qual tinha combatido, prêmio que de costume consistia de uma coma, de
gar em lugar lendo o edital, no qual estavam indicados os nomes dos senho- urna armadura ou de um cavalo.
res que convocavam o espetáculo, a localidade para o confronto e também, Criou-se o mito do vencedor do torneio; um combatente corajoso, hábil
ás vezes, as condições do combate, convidando todos os citadinos para pre- e forte.
senciar as manifategies. Os torneios se sucediam com uma freqüência tal que muitos cavaleiros
A escoll.a do terreno cabia aos juizes; nos primeiros tempos era usado habilfssimos se dedicavam exclusivamente a tal atividade, para acumular in-
um espaço qualquer, apôs, com um desenvolvimento sempre maior desses gentes riquezas constituídas dos prêmios que recebiam para cada encontro,
jogos, foi necessário escolher um terreno adequado às novas exigências. Tra- prêmios que, com o passar do tempo, tornaram-se sempre mais remuneráveis.
ta-se, isto é, de uma zona fechada quadrangular munida de uma dupla balaus- Se no melhor perfodo da cavalaria, o prémio que os torneadores cobiçavam
trada, que servia para distanciar os espectadores da disputa e para consentir era a gloria, muito rapidamente interesses privados, de bem outro gênero,
aos servidores de assistirem os seus cavaleiros fora do campo de batalha. O ofuscaram a limpidez das intenções. Transformava-se, assim, uma luta leal
confronto desenvolvia-se em uma área chamada "liça", pome retirado dos e desportista em um confronto baseado em motivos de mera especulação. O
recintos de delimitação. E de salientar que ainda hoje está em us6 a frase torneio degenerou-se gradativamente em urna manifestação profissional (nica,
"entrar em liça", que deriva -e remonta da área dentre a qual fazia-se os tor- em claro contraste com os princípios que deveriam ter caracterizado a cava-
neios. laria. A decadência do torneio foi decretada além do exasperar-se dos objeti-
Os cavaleiros participantes do torneio chegavam na cidade estabelecida vos profissionalfsticos dos participantes, também pelo caráter sempre mais
quatro dias antes do confronto, alojavam-se nos palácios ou sob tendas e fa- cruel e perigoso que assumiram estes espetáculos.
ziam pendurar os seus escudos e suas insígnias em lugares convenientes, a fim Também a igreja, já em 1139, posicionoe-se contra os torneios, pelas
de que os juízes pudessem controlá-los para serem admitidos às competições. mortes que causavam e chegou até mesmo a negar a sepultura religiosa a
Além disso, os juizes tinham a tarefa de verificar, cuidadosamente, não so- quem morresse em torneio.
mente as ermas, mas também as armadura e os cavalos, para certificarem-se Mas os anátemas e as excomungações não conseguiram fazer cessar
4
de que toda; os disputadores combatessem lealmente e em igualdade de con- á aqueles perigosa espetáculos tifo apreciados universalmente. Todavia, seja
diçiães. e por estas oposições, seja pela evolução dos tempos, os torneios foram, pouco
. a pouco, perdendo as suas primitivas ferocidades e foram substitufdos pelas
4 vigília das competições, os cavaleiros prestavam ligamento de compe-
tirem Irialments e de respeitarem, no encontro, todas as regras da cavalaria. "giostras".
No dia do torneio, após terem assistido a missa, todos os cavaleiros e a
sua pequena corte de servos e ajudantes dirigiam-se em pompa magna ao lu- Giostras
gar do encontro; os arautos, esplendidamente vestidos, cuidavam para que
A giostra era um combate menos violento que o torneio, porque eram
tudo procedesse em ordem, seja no campo ou nas tribunas onde afluía o
Público. usadas "armas corteses", isto é, armas desapontadas ou cobertas por uma de-
fesa.
Sobre alguns palcos sentavam-se os príncipes, os cavaleiros ancições e os O encontro advinha em qualquer espaço livre das cidades e necessitava
juízes; sobre outros palcos assistiam as damas. As damas gozavam, então, de de. urna "liça" muita pequena, dado que a giostra era disputada somente en-
um respeito profundo e tinham o direito da graça: podiam conceder a graça tre dois cavaleiros, diferente do torneio que era um combate em times.
ao cavaleiro que, encontrando-se em dificuldade, pecha-na a elas, a tal ponto Os concorrentes eram selecionadosidentre os nobres de antigas descen-
que o combatente agraciado não podia mais ser golpeado pelos adversários. dências caalerescas e devia-se certificar que a atendessem, em absoluto, aos
Ao sinal de início, entre o rufar dos tambores e ao som das trombas, as seus deveres para com a Igreja e com o próprio senhor e que não tivessem
Mapas opostas de cavaleiros se lançavam uma contra a outra, desferindo gol- transgredido o código cavaleresco.
pes violentos para amassar a cai-
raça, para romper as lanças, desequilibrar o O confronto consistia de uma corrida a cavalo de um contra o outro,
adversário ou• mamo abater cavalo e cavaleiro. O vencido era excluído da com a lança em riste; devia-se atacar o adversário procurando desequilibrá-lo,
contenda e entregava ao vencedor um penhor, as vezes, até o próprio cavalo. ou melhor ainda, de fazer cair, ao mesmo tempo, cavalo e cavaleiro adversário.
144
145
Per volta de 1460, no centro do recinto foi posta uma barreira separató-
ria que servia para "blindar" melhor e para evitar os ataques inúteis que ti- contendentes, gentil-mens a cavalo, munido de lanças pesadas e
nham caracterizado os primeiros duelos. isto é, a três pontas, até a desistência de um dos cavaleiros. tripuntite,
A arma costumeiramente empregada era a lança, sobre cuja ponta era
aplicada uma "coroazinha" para torná-la menos perigosa. Passo d'Arme
Junto aos solenes espetáculos oferecidos pelos príncipes e pelos senho-
res, não faltaram as giostras populares, das quais tomavam parte somente os O
burgueses e os artesãos. passo d'arme era um confronto de armas entre duas fileiras contra-
postas: tratava-se de defender ou de expugnar um ponto obrigatório contro-
De qualouer modo, também a giostra permaneceu sempre cheia de insí- lado pelos adversários. Praticamente, era uma transposição pacifica, lúdica de
dias, tanto com as lanças munidas de defesa para uma giostra prevalentemen- uma fase da vida bélica. Os cavaleiros deviam ser hábeis, seja no manuseio das
te esportiva, quanto com as lanças aguçadas. De fato, em torno do século armas
que no predispor um oportuno plano de ataque ou de defesa ao lugar
XIV espalhou-se o mau costume de usar lanças ou armas apontadas, sobretu- assinalado aos adversários, que geralmente era um castelo, uma ponte ou urna
do por imprudência ou por desdém ao perigo. Também as giostras foram localidade de trânsito.
gradativamente substituídas pelo espetáculo faustoso do
ncarosello".
Carosello. Gualdana

O Também a gualdana assistia fileiras de cavaleiros enfrentarem-se em es-


carosello era um espetáculo onde os cavaleiros, enquanto guiavam
carros ou carruagens deviam girar em torno de um alvo central e executar caramuças bélicas para dar vida a simuladas batalhas, enquanto percorriam
jogos de destreza e de habilidade. Freqüentemente, eram representados epi- estradas de campanha ou de montanha. Um time fingia assaltar um outro
grupo armado e o perseguia em todo o território que se
sódios heróicos da antigüidade, com alarde de vestuários luxuosos e fausto- presumia inim igo. •
sos, de armas esppendas e de ginetes de grande valor. Efetuava-se em ocasião de caças ou para festejar a chegada de algum grande
senhor.
&gordo A gualdana não teve, porém, nem o desenvolvimento, nem a importân-
cia dos demais espetáculos porque, desenvolvendo-se em um amplo territó-
O
bigordo era a manifestação mais semelhante ao torneio, porém, me • rio, não tinha a moldura do público que lhe assegurava a difusão e a popula-
nos carregado de cerimônias e menos violento. ridade.
Era um exercício dentre os mais amados e difundidos na Itália, porque
permitia aos cavaleiros mostrar a sua maestria no cavalgar, fazendo alarde de Quintana ou Giostra do Sarraceno
vestimenta, de equipamentos e de cavalos; era urna espécie de parada de
honra 'feita em homenagem de um ilustre personagem ou para a celebração A quintana era um exercício de muita brincadeira e de destreza, no qual
de alguma festa. O bigordo desenvolvia-se nas adjacências da cidade sobre um o cavaleiro, empunhando uma lança, tentava acertar um alvo que, costumei-
campo aberto, com fossos, árvores, tapumes, cercados; usavam-se armas sem ramente, era um fantoche de dimensões humanas, representando o inimigo
pontas e o encontro assumia o caráter de um espetáculo militar-agonistico de (o sarraceno), ao qual era fixada uma espada ou um bastão. Se o fantoche
grande ressonância. não era ferido no meio do peito, esse girava sobre si mesmo e a arma conse-
O confronto era regulado por poucas normas, pelo qual o êxito final era guia percutir e desequilibrar o incompentente cavaleiro. Sucessivamente, para
incerto e deixado ao acaso, diversamente do torneio, cujo valor competitivo complicar e tomar mais interessante a exibição, foi colocado sobre o fanto-
era mais exaltado e controlado, dado que os contendentes lutavam em con- che um escudo com cinco alvos: conseqüenterr.ente, o cavaleiro devia efetuar
dições idêntica,.
a tentativa com a maior aceleração e habilidade possível para evitar de ser,
Sucessidamente, por sua vez, percutido. Estavam desqualificados os cavaleiros desequilibrados
lhor gozar o espetáculo o terreno foi cercado para consentir ao público de me-
as exibições• dos cavaleiros. 't ou que tinham deixado cair a lança.
ij
e44 sjk
Tjost ou Gim-na a Demenini
Corrida do Arco
O tjost
era um espetáculo semelhante, porém mais fatigoso e perigoso, A corrida do arco consistia de corridas a cavalo, lançado a galope, du-
aos torneios e ao bigorno; tratava-se de um combate que empenhava os dois rante as quais os cavaleiros deviam enfirar a lança ou a espada em um arco
suspenso. Vencia quem conseguia enfiar o maior número de arcos.
146

c? 0. (.2 147
4 — AS OUTRAS ATIVIDADES ESPORTIVAS MEDIEVAIS •
presumia-se, portanto, uma grande preparação individual, porque tais ativida-
As manifestações cavalerescas foram monopólio da classe mais elevada; des requeriam muita força e um prolongado exercício físico, Os duelos, co-
todavia, também os jovens do povo se divertiam Com jogos os mais variados. rno método de justiça e ponto de honra, eram freqüentíssimos e regulamen-
Muitas foram as atividades desportivas praticadas no medioevo e dentre as tados por normas bem precisas e, em um certo período, autorizados pela lei.
mais importantes citamos:
Os cluelos judiciários, com o progresso da civilização, com as mudanças das
— O tiro ao alvo,
efetuado sobretudo com o arco e após co condições de vida e também pela decidida condenação da Igreja a este bárba-
• m a besta.
Este jogo teve grandíssimo desenvolvimento, seja do ponto de vista militar ro meio de justiça, desapareceram gradativamente. Prosperavam, ao invés, os
como esportivo, em muitos países, dentre os quais a Itália, a Alemanha e a duelos como ponto de honra, isto é, aqueles efetuados pelos contendentes
Suíça. Arqueiros habilíssimos que deixaram uma indelével marca das suas para reivindicarem, com as armas, a sua própria honra ofendida.
ações legendárias foram os famosos Robin Hood e Gulhielmo Tell. As armas usadas eram a espada, a lança (sobretudo cavalg:ndo), os ma-
o
A importância bélica do tiro ao alvo com o arco era sufragada por diver- chados, a dava ferrada.
sas vitórias trazidas por homens do povo sobre forças da cavalaria. Utiliza- O pugilato — que tinha conseguido grandes favores no mundo grego-
va-se, portanto, tal atividade esportiva e recreativa também para preparar os romano — ficou, ao invés, urna atividade escassamente praticada no período
cidadãos a uma especialidade que pudesse servir à guerra. medieval.
— Muito significativos foram os jogos com a bola: bola ao vento, bola à A caca era uma atividade em auge, seja porque era considerada por
corda, bola à rede, bola ao chute, etc., que estavam ao centro dos interesses parte do povo Urt13 necessidade, como a nutrição, seja porque era utilizada
juvenis e ocasião de cruéis encontros, um pouco, por toda a Europa. Aque- pelos nobres e pelos cavaleiros como passatempo e exercício de equitação.
les jogos eram também um elemento socialmente positivo, porque uniam as As armas essencialmente usadas eram o arco, as flechas, a funda, o punhal,
várias a espada: mas freqüentemente a caça espetacular era efetuada a cavalo, com
classes sociais: esses, de fato, eram jogados por todos, nobres e popula-
res, estudantes e servos, eclesiásticos e homens das armas e serviam, portanto, auxilie de cães e de- falcões, acompanhada de pitorescos e luxuosos cor-
para fraternizar os homens. A bola era lançada e relançada com o auxilio de teos. •
vários aparelhos (bastões, clava (maça), raquete, etc.) ou, ando, mediante Foram aladas, propositalmente, reservas de caça; não se conseguiu
golpes COT a mão
ou com o pé. Pode-se afirmar que os jogos medievais com evitar, todavia, aquela caça de contrabando que exercia o povo, mais para
a bola foram os progenitores de muitos esportes modernos. sustento do que para divertimento, não obstante as graves penas às quais
— Até mesmo praticado era o lançamento das bolas, entre as quais o eram submetidos os transgressores.
"truque" (uma espécie de moderno gol!) Pode-se concluir que, não somente os jogos cavaleirescos mas também
que consistia em fazer passar em
um arco cravado ao sola uma bola de madeira um centímetro menor do que as atividades motoras lúdicas e agonfsticas, conseguiram nu Medioevo, indu-
o diâmetro do arco. bitavelmente, sinais de interesse e de vitalidade, mesmo se mitos cultores
—*Jamba% a luta tinha algum cultor, tratando-se de especialidade co- desta matéria desleixaram este período, para eles irrelevante.
natural para o homem, nascida do seu instinto de agressividade e de óbvias
exigências de defesa. No Medioevo, a luta era considerada uma subespécie As Comunas
do esgrima, isto é, um duelo sem armas, assim como a esgrima era uma luta
com armas. Efetuava-se em ocasião de festas religiosas ou durante o interva- Na Idade Média, o mundo saía da letárgica sucedidas andadas dos bár-
lo das festas das armas, entre uma giostra e outra. De qualquer maneira, a baros. Advertiu-se a constante imigração do campo em direção aos muros do
luta foi praticas seja pelo povo como por altos dignatários e até mesmo pelo castelo. O fenômeno do urbanismo deu vida nova aos centros de câmbio e
rei. O interesse dos espectadores era vivíssimo, seja porque os protagonis- de atividades comerciais. Formava-se, assim, um outro organismo tipicamen-
te medieval .— as Comunas — que se punha como antítese à velha sociedade
tas do encontro fossem mercenários, seja porque fossem os próprios nobres
que tivessem organizado a manifestação. fiel à terra.
Junto aos religiosos e aos nobres — detentores do poder — evidencia-
— A esgrima afirmou-se e teve unânimes concessões no Medioevo por
vam-se, nas cidades, homens livres do "burgo", ditoNburgueses, que se uniam
diversos fatores: pela contribuição que deu ao adestramento militar, sobre-
na defesa dos seus direitos e interesses e que determinavam novos endereços,
tudo dos cavaleiros, pela influência que exerceu no campo religioso, moral e
dedicando-se às artes e profissões várias. Cada arte ou profissão era regulada
judiciário. A esgrima não teve somente vida bélica; participava também,
por normas e estatutos que protegiam aqueles que exerciam uma atividade
como um número de relevo, nas festas populares e nas competições cavalares- ou uma profissão.
cas; no fundo, cada batalha reduzia-se na reiteração de duelos em dupla e
As Comunas assinalaram a passagem a uma nova fórmula de vida, seja
148 política como econômica, mediante uma lenta transformação que viu a luta

149
• •
entre o feudatário, que defendia extremamente os seus privilégios, e a co-
muna que começa a ditar, peremptoriamente, as suas instâncias, por meio
É certo que a maior parte das manifestações folclóricas italianas adquiri-
de disputas mediadas, freqiientemente, com o auxílio conciliador dos Bis- ram o atual aspecto espetacular no Medioevo, mesmo se redimensionadas à
pos e do Império.
realidade contemporânea.
Nas comunas foi mantida uma clara subdivisão de classes: existiam ci- As pessoas, sabiamente, mantiveram vivas estas tradições e costumes
dadãos ch velha nobreza feudal, ricos burgueses populares da média burgue-
que são ainda expressões competitivas e protraklas até hoje, expressão de
sia, plebeus e colonos. A nova divisão adquirirá, após, com o progredir do clara história e de relativo costume.
tempo, urna própria importância, conforme o lugar que os cidadãos ocupa- A Itália possui um rico patrimônio de festas folclórica; prevalenternen-
vam e as possibilidades econômicas que conseguiram possuir. A nova realida te de caráter militar.25
de punha-se realisticamente sobre o plano de um capitalismo incondicionado.- A Toscana, em particular, é a região mais rica e mais famosa no mundo
-Por iniciativa dos burgueses institu(ram-se as escolas para os jovens, pelos seus espetáculos populares.
onde eram dadas as primeiras noções rudimentares de educação (leitura, Em Firenze, devemos recordar o Gioco dei Caldo
escrita, aritmética, geografia) e aquelas especializadas para o adestramento na, o internacional Palio; em Arezzo e em Sarteano em fantasia; em Sie-
profissional do futuro artesão ou operário. em Pisa, o Gioco dei Ponte; em Pistola, a La glosa-a dei Saracino;
Glosa-a dell'Orso; e também opálio
No século XI, surgiu a primeira Universidade de Salerno, como escola dell'Argentario e o Bakstro dei Girifalco,
Balestrieri, em San Sepolcro. em Massa Maríttima e o Palio dei
de medicina. Nos dois séculos sucessivos, XII e XIII, surgiram as universi-
dades de Bolonha, Pádua, Pavia, Paris, Cambridge, etc. No século XIV, as Na região de Umbria, a Quintana di Foligno,
que se desenvolve também
maRoma,
de Pisa, Perugia e Florença e enfim, no século XV; as de Turim, Par-
e Cadmia. em Ascoli Piceno, nas Marcas, e em Asti, no Piemonte; e o
Palio dei bales-
trieri, em Gúbbio.
Também a .atividade física incrementou-se notavelmente com a difusão Dos "Torneiso", o mais famoso ficou aquele do Belvedere In Vaticano,
dos jogos e das manifestações, que perderam o seu originário caráter aristo- mas existem ainda outros sempre interessantes
crático, mas que contribuíram para a preparação dos jovens cidadãos no ma-
Veneza permanece famosa pela sua "Regata", mas, aqui, é quase que
nejo das armas e em prepará4os às fadigas da guerra, dado que a defesa das impossível elencar as tantas manifestações que unem, felizmente, esporte e
Comunas estava, então, reservada não mais aos cavaleiro; mas às milícias ci-
tadinas. tradição, competição e folclore.
Para encerrar este período que — tornamos a repetir — para muitos é
A Comuna transformou-se, após, em Senhoria, isto é, uma nova fórmu- só tradição, reivocamos, com prazer, as sábias palavras de Enrile: "O esporte
la absolutista do poder e os ideai& medievais desabam em ruínas para dar lu- no período medieval, mesmo sendo ressentido da letargia geral, da segurança
gar ao Renasciniento.
existencial, das precariedades econômicas, das dificuldades instrumentais da
carência de uma propensão extensiva, isto é, popular, soube manter tépido,
a) O Nascimento do Folclore sob uma cinza escura, o fogo que os antigos confiaram ao tempo para trans-
miti-lo às gerações futuras-.

Será justamente no período medieval, na Itália, as Comunas antes e as


Senhorias após, a criarem uma ponte entre folclore e esporte, dando vida à
páginas de historia, onde até mesmo o folclore, prevalecerá sobre o fato pró-
prio e verdadeiramente esportivo. A diferença de outros países, onde o fator
prevalente do folclore é aquele de dar vida aos espetáculos esportivos, autó-
nomos e em geral talais e distantes de heranças, na Itália, as festas folclóri-
cas, sempre delicadamente populares, tiveram um caráter prevalentemente
reevocativo e tiradas do passado. 1-
t
Estas manifestações não encontraram justificativas somente em motivos
religiosos, agonísticos, coreográficos, mas, sobretudo, no constante fermento
do espírito emulativo inserido na alma de cada homem, sempre inclinado a
qualquer confronto de força, de habilidade, de destreza, de coragem e sobre-
tudo de inteligéncia. 25— amam-se-ia, aqui, aprofundar o argumento. naja vista o interesse pelo mesmo dedo as imigrecoes
italianas caça terras brasileiras. Nilo o faremos para nao desviara caráter do livro. O mesmo diga-se do
150 folclore brasileiro. alit. nouissimo, ido obstante não se possa dizer ter nascido no Medioevo.


V — O RENASCIMENTO

a) As Origens e os Ideais do Renascimento

Entre o Medioevo e a idade moderna insere-se a fase histórica do Renas-


cimento, que deve ser entendido como um preciso movimento de idéias, um
período cultural que começa a edificar urna nova civilização.
Com o termo RENASCIMENTO é geralmente indicado todo o perfect°
que vai do início de 1400 até o fim do século sucessivo, mas, usa-se também
chamar mais precisamente de HUMANISMO o movimento espiritual que se
afirmou no século XV (1400) e que assinalou o momento de retorno ao das-
sismo. Humanismo e Renascimento são, portanto, duas essências concepções
históricas, que se inserem uma com a outra, até formar um período único da

nossa civilização.
O período renascimentista diferencia-se do período medieval, pelo mo-
do de conceber o homem e, portanto, a vida. Até a metade 1300 urna cultu-
ra laica acena, de fato, a um direcionamento, muito diverso daquele do pas-
sado; tal iniciativa, toma o nome de Humanismo, para indicar, entro, o pre-
valecer, neste, da idéia de "humanidade".
Substancialmente, o Humanismo, mesmo não negligenciando o aspecto
religioso, dirige a atenção sobre o homem e sobre a.reavaliação da vida terre-
na, em contraste com as concepções medievais que davam, ao invés, muito
destaque à vida celeste, despreocupando-se daquela terrena, com uma clara
separação entre alma e corpo.
Com o afirmar-se do Humanismo e do Renascimento (o primeiro é pre-
missa fundamental do outro) a situação muda radicalmente: começa-se a
sentir a exigência de formar um "Homem" completo e, conseqüentemente
também, as relações entre alma e corpo mudaram sensivelmente.
Nesta nova dialética, com os seus ideais de beleza e de harmonia, a na-
tureza, e nessa a sua expressão mais completa, e o "Homem", tornam-se os
protagonistas do novo período.
• Com o nome de Humanismo, termo cunhado pelos homens de 1400,
os quais tentam fazer reviver a cultura antiga grego-romana, designa-se, por-
,
4 tanto, aquela época literária que corresponde ao aspecto filosófico do Renas-

cimento.
O Humanismo, que se manifestou, originariamente, na Itália, difun-
diu-se e afirmou-se, posteriormente, em toda a Europa, operando grandes
transformações culturais nos vários povos.

153
• ,
'

b) A Pedagogia do Renascimento e a Educação Física
1 — OS PEDAGOGOS DO HUMANISMO
Com o início do período que, como já vimos, costuma-se denominar
Humanismo e Renascimento., também o problema da educação assume um Nos séculos XV e XVI foram as cortes principescas os centros de maior
novo aspecto. Em contraste com a cultura de caráter extraordinariamente re- desenvolvimento da pedagogia humanística: essas, de fato, dispunham dos
ligioso do Medioevo (cultivada de preferência pelo clero), surge uma escola ambientes, dos meios e das condições de vida aptas para consentir aos peda-
de pesquisa baseada na redescoberta do antigo. Este orientamento trouxe, gogos de realizar os seus métodos educativos.
primeiramente, o reflorescimento dos estudos clássicos e a divulgação dos Vergério em Pádua, Vittorino da Feltre em Mantua e Guarino em Ferra-
textos das obras antigas. ra, foram aqueles que, nas respectivas cortes onde operavam, deram forma e
Com o estender-se da cultura, por obra do Humanismo, determinou-se puseram em ação as suas concepções educativas.
também um notável incremento das esColas: as casas principescas assumiram Mais tarde, Baldassar Castiglione conseguiu atrair para si na corte de
mestres para a educação dos filhos, as Universidades multiplicaram-se e insti- Urbino, uma das mais famosas e brilhantes da Itália, a imagem do homem ci-
tuíram-se novas escolas em muitas cidades. vil e do perfeito cortesão do seu tempo.
A uniformidade metódica e doutrinal do Medioevo subentrou uma gran- Também outros pedagogos ocuparam-se da educação dos jovens, enten-
de variedade de endereços: a educação humanística era caracterizada pela as- dida como cultura para enriquecer o espírito, enobrecer a alma e formar a
piração de cada mestre em criar sua escola; em formular novas concepções e personalidade do indivíduo: a educação do espírito estava em perfeita har-
em impor os próprios métorms didáticos; as escolas, até mesmo, se identifi- monia com a educação do corpo porque o homem devia ser sadio, de espírito
cavam-se, freqüentemente, com a pessoa do seu mestre. e de corpo, para enfrentar os problemas da vida ativa.
Somente os pedagogos tinham uma característica que as confundiam: a Todos se proptinham a alcançar, mediante a educação física, fins éticos,
sua finalidade era aquela de ministrarem uma educação completa e harmó- sociais e higiénicos; mais precisamente:
nica para a formação do homem, desenvolvendo nela todos os aspectos de um fim ético enquanto os-exercícios eram considerados um válido
sua personalidade. instrumento de disciplina e de formação para a juventude;
O renovamento do pensamento filosófico e pedagógico e uma nova con- um fim social e, prevalentemente militar, dado que os exercícios físi-
cepção da vida, fizeram sentir a importância de corpo e, portanto, a exigên- cos forticavam o corpo e o tornava mais resistente às fadigas da guerra e,
cia da educação física, como formação integral e livre da personalidade. portanto, útil ao serviço da Pátria;
A ginástica de fato, veio revalorizada como parte essencial da educação um fim higiénico, enfim, porque os exercícios eram considerados,
do homem e como fonte harmônica do desenvolvimento corpóreo, reinvo- também, um indispensável meio para enrubustescer o organismo e para man-
cando-se e reintegrando-se ao ideal educativo grego. ter o reconquistar a saúde do corpo.
O corpo reconquistou, portanto, aquela importância que no Medioevo Analisaremos, assim, o pensamento dos maiores pedagogos, que com as
tinha perdido; de fato, mesmo se naquele período os jogos medievais e os suas obras, trataram e reavaliaram a educação em geral e a educação física em
exercícios físicos ainda gozavam de uma certa sorte, sobretudo junto aos no- particular.
bres, a atividade motora, Vista no contexto educativo, como escrevemos, era
deixada ao léu e excluída das escolas porque o fim principal ficou sempre e
somente aquele de cuidar da alma e não do físico. a) Vergado Pier Paolo — O teórico precursor de Vittorino
Também a Igreja foi obrigada a adequar-se às novas e mais atuais con-
cepções renascimentais dos pedagogos e dos médicos em atribuir um grande Vergerio Pier Paraio (1370-1444) foi o primeiro humanista que deu con-
valor ao corpo, considerando, tanto a alma como o corpo, criações de Deus cretização aos ideais culturais da nova época.
e, portanto, ambos dignos de respeito e de atenção. Professor na Universidade de Pádua, sustentava a superioridade da ins-
E é justamente era uma das razões pelas quais à ciência pedagógica da trução pública sobre aquela privada e a necessidade de estudar o caráter do
idade do Renascimento, atribuia o grande mérito da ação dorenovameato rapaz para endereçá-lo e segui-lo nos esutdos, segundo às suas inclinações.
integrai dessa conduta: o haver, isto é, defendido a reavaliação do homem na Escreveu entre 1400 e 1402 o primeiro tratado pedagógico do Huma-
sua inseparável unidade psico-física. nismo, o "De ingenuis ~ribas et Liberalibus Studiís Adulescentiae", dedi-
cando-o ao príncipe libertino, filho de Francisco Novello senhor de Pádua de
1390 a 1403.
Como nos faz ver do título da obra, ele ocupou-se dos nobres costumes
e dos estudos livres dos adolescentes, isto é, daqueles estudos com os quais
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exercitava-se ou se cultivava, conjuntamente com a alma, o corpo para a for- Para o Estado é de sumo interesse ter jovens prontos, não somente para
mação mais verdadeira e completa do homem. exercitarem as várias profissões, mas para ocuparem-se das coisas públicas.
O primeiro mérito de Vergério é aquele de ter estabelecido o equilíbrio Vergério — como é fácil observar — é fiel ao ideal civil que anima as
ao ser humano, rejeitando o dissídio entre alma e corpo, sustentado pelo as- primeiras gerações humanísticas; para tanto ele rejeita o conceito que a edu-
cetismo dos séculos precedentes. cação do homem nossa ser separada da educação do citadino ou que se possa -
conceber uma cultura avulsa dos compromissos que cabem a cada indivíduo
Ele afirma. 'Sendo o homem constituído de a!ma e de corpo, me pare-
ce que tenham saído da natureza, um grande dom, aqueles que têm vigor f í- na sua constante participação na vida social.
sico e força de engenho. E óbvio que uma semelhante concepção levasse, o nosso pensador, a
Vendo, de fato, muitíssimos, que sem culpa, nascem retardados mental- uma completa revalorização do corpo e, não é de se maravilhar, se ele, fer-
mente e fisicamente débeis, quanta gratidão lhe devemos, se em ambos, os voroso cristão, procurasse uma conciliação — do resto plenamente consegui-
da — entre educação romana (freqüentes são, de fato, as Mn reinvocações à
respeitos sejam sadios e válidos" ... e mais adiante afirma que educação libe-
rai é aquela que "faz apelo, guia e desenvolve os maiores dons do corpo e da Seneca e a Guintiliano) e cristianismo.
mente humana que enobrecem os homens e são, justamente ccnsiderados,
conforme somente a virtude".
A educação do corpo, para Vergerio, era estritamente coligada àquela
militar, porque ocupando-se ele da formação de um príncipe, devia levar em b) Vitorino de Feltre — O verdadeiro criador da educação física
conta que estes deveriam ser destinados, futuramente, a comandar tropas e
a desenvolverem uma função importante em paz ou em guerra no seu Esta- O mais insigne dentre os educadores do Humanismo é, indubitavel-
do. Para tanto, seguindo o exemplo da tradição espartana, o autor conside- mente, Vitorino de Feltre. Vitorino Rambaldoni (13781446) pode set. de-
rava os exercícios físicos, corno a corrida, o salto, a luta, o tiro com o arco, finido "o verdadeiro criador da educação física" e pode-se dizer que tenha
a equitação, a natação, o carregar pesos, meios indispensáveis para a prepara- antecipado, com os seus métodos pedagógicos, na distância dos séculos, os
ção à vida militar; os jovens aristocráticos deviam, desde da infância, serem princípios da educação física moderna.
adestrados, gradativamente, nas artes militares mediante uma oportuna pre- Teve a sorte de estudar e de ser discípulo de grandes mestres, como o
paração física, alternada com o ensinamento das letras, passatempos, jogos Vergério, o Barsizza, o Guarina e, seguindo seus exemptos, fez as primeiras
e danças. experiências de educar em Pédua, hospedando na sua casa um grupo de estu-
dantes para dirigi-los aos estudos e segui-los na mia formação moral.
Para-tal propósito citamos o seguinte passo, no qual Vergério refere-se
aos -antigos: "os legisladores cretenses e espartanos acostumavam os jovens, Vitorino preocupou-se, também, em hospedar, quita gratuitamente, os
não-somente às fadigas do corpo, mas também ao domínio de si mesmos e estudantes mais pobres, aos quis providenciava a manutenção, com as pen-
os faziam exercitarem-se na caça, na corrida, no salto de modo que, adequa- sões, freqüentemente elevadas, impostas aos filhos dos ricos.
damente adestrados, rendessem bem no serviço militar". E escreve sobre Em 1423, o duque Gianfrancesco Gonzaga o convidou à titaritua para
exercícios necessários sob o ponto de vista militar: "É necessário ensinar aos educar os seus filhos, colocando-lhe a disposição uma esplêndida vila, La
jovens o necessário para que saibam golpear o inimigo, de espada, com a di- Gioiosa para destiná-la como escola. Vitorino rebatizou, significativamente,
reita, e defenderem-se com o escudo, com a esquerda; manobrar com as duas a vila como "Casa Giocosa" termo que na sua mente de preceptor humanis-
mãos a adaga, o bastão e a lança, ora investir, ora protegerem-se como escu- ta assumiu um significado simbólico de distração educativa, em contraste
do, ferir sem dificuidade de ponta e de talho, exercitarem-se o quanto for com o precedente nome que para ele cheirava ócio e moleza.
necessário na corrida, no salto, na luta e no pugilato; atirar as flechas, vibrar A Casa Giocosa, criação tipii:amente expressiva da pedagogia huma-
bastões apontados, rolar massas, domar e enforcar cavalos". n istica, transformou-se um centro de educação, que constituiu o anel renas-
A educação física, Conclui Vergério, tem portanto o escopo de manter cimentai entre o ginásio grego da antigüidade e o college inglês dos tempos
modernos.
ou tomar sadio e robusto o organismo dos jovens, habitua-los a suportar as
fadigas da milícia, \isto é, preparar bons citadin(n,para a Pátria, que sejam ca- Muito rapidamente, a escola de Mántua, instituída no início para so-
pazes de observar, no melhor dos modos, os deveres para com essa. mente os filhos dos Gonzagas, admitiu também os jovens de famílias nobre
O valor formativo dos exercícios físicos foi colocado em estrita coliga- de outras cidades, dentre eles os filhos de Guarino, Poggies, Filelfo e, poste-
riormente, terminou-se admitindo por vontade de Vittorino — também
ção com a eduz-ação em geral, que está toda fundamentada, para Vergério,
sobre os Studia Humanitatis, que têm um fim eminentemente social. alunos de condições modestas.

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Vittorino usou os exercícios físicos não como fim em si mesmos, nem Ii
A Casa Giocosa consistia, além de uma escota própria e verdadeira,
para um objetivo superficial, mas sim cru relação de apurada cooperação
de todo um complexo de edifícios e de anexos que, em um certo sentido,
podia-se considerar como uma restauração do antigo ginásio grego, porque co w a instrução doutrinal dos jovens: ele fez, de modo tal, que a formação
mental e aquela corpórea fossem, harmonicamente, consoantes.
tanto aquela como esse serviam para os cuidados e à formação, seja do espí-
Introduziu no seu método educativo todos aqueles exercícios que po-
rito que do corpo dos jovens. diam aumentar tanto a força física como a energia moral: ginástica, jogos,
necessário precisar, a tal propósito, que antes de Vittorino, não
corridas a pé e a cavalo, jogo de bola, salto, esgrima, natação, tiro ao arco,
existiram, certamente, na Itália edifícios destinados aos usos escolásticos nos
quais fossem reservados lugares apropriados para a ginástica e, após ele, foi longas marchas.
A tal propósito Platina nos disse, outrossim, que Vittorino "dividia o
necessário passar muito tempo antes que surgissem outros semelhantes.
tempo de modo tal que todos pudessem passar do estudo aos exercícios f í-
Vittorino voltou todas as suas atenções em promover e disciplinar o
sicos: de maneira que assim procedendo, em paz e em guerra, fossem bons ci-
espontâneo desenvolvimento da personalidade dos seus alunos através do
jogo, dos exercícios físicos, da cultura literária e científica e da música. dadinos".
Dizia de fato que "se destina, ao bom cidadão, o sato, a corrida, o ca-
Preocupou-se em individualizar as singulares atitudes dos jovens para
valgar, o lançamento ido dardo, o exercício da espada e o uso do corpo".
encaminhá-los às profissões para as quais eram destinados. Ele considerava
Vittorino assistia e, por vezes, participava, ele mesmo, dos jogos dos
fundamental à saúde, o exercício físico, feito todos os dias ao ar livre, com
seus alunos, exigindo que todos tomassem parte das exercitações gímnicas e
qualquer tempo e a saúde, condição indispensável para a atividade mental.
De fato, antes de iniciar, os seus alunos, ao estudo das letras e dos clássi- dos jogos.
Ele como perceptor da corte de Mántua, preocupou-se, também, de
cos, providenciava em revigorar e em reforçar os seus corpos.
adestrar e de preparar o físico dos seus alunos à guerra: segundo ele, todo
Vittorino-rnirava à formação completa e harmónica do homem e, na
educação dos jovens, considerava importante três fatores: o corpo, a enge- bom cidadão devia estar em—condições:em- paz e em guerra, de-defender o _
Estado, em raso de necessidade. Estes exercícios quotidianos, feitos ao ar
nhosidade e o coração. livre em meio à natureza aberta, miravam, muito mais que fazer bons solda-
A harmonia entre o corpo e a alma, mira dos humanistas, tornou-se,
dos, preparar o corpo dos jovens para suportar fadigas e dificuldades, refor-
por obra de Vittorino, uma realidade educativa.
çar os seus caráteres e habituá-los ao domínio, deles mesmo, nas várias com-
Todos os seus biógrafos são unânimes sobre esta ligaçáo entre corpo e
alma na concepção pedagógica do feltrense. petições.
Na famosa Casa Giocosa, observava-se, além disso, um minucioso e es-
Diz Prendilacqua: "O mestre exortava os escolares à fadiga com promes-
crupuloso regime de vida: Vittorino ocupa-se, além da instrução propria-
sas de glória e esperanças de"prêmios, insistindo em distraí-los como quoti-
mente dita, das distrações, do sustento, do vestuário, das normas higiênicas,
diano exercício físico, a fim de qUe, mais robustos, retornassem, após algum do asseio corporal, de um apto regime alimentar; o movimento, o repouso, o
parentese, aos estudos com maior alacridade". trabalho intelectual e o jogo eram organizados e regulados, diariamente, com
Assim De' Rosmini: "Quem intensiona fazer, de uma criança, um ho-
atenção, com base na constituição física dos alunos, de modo que cada um
mem perfeito, antes de cultivar o espírito, deve previnir-se em fazer que o desses — segundo suas próprias exigências — goze de boa saúde e esteja sem- •
corpo deste se encontre e se mantenha naquele estado de sanidade e de ro- pre empenhado, afastando assim os vícios e o ócio. Ressalta, sobretudo, a
bustez que é necessário àquilo que o espírito, com a sua natural energia, pos- importância moral da ginástica: essa distanciava os jovens dos vícios provin-
sa exercitar sobre os seus órgãos e as aras faculdades".
Ele teve, para com os rapazes, uma atitude rigorosa e inflexível: em ca- dos da ociosidade.
O método de Vittorino tinha, assim, a vantagem de integrar, de modo
sos graves, não evitava os castigos corporais, pretendendo que, entre os alu- harmonioso, as várias fases da existência.quotidiana dos alunos: a atmosfera
nos, reinasse sempre a concórdia, a lealdade e a ajuda recíproca. típica da escola, permeada de austeridade, mas também de júbilo, era domi-
Vittorino teve o grande mérito de ter revalorizado o exercício físico, nada pela exigência grega do equilíbrio da vida física e intelectual, da vida
não somenteicomo distração e recreação, mas inserinao-o como exigência de individual daquela social.
harmonioso desenvolvimento do seu sistema educativo. A concepção pedagógica e a obra desenvolvida por Vittorino da Feltre,
De fato, o desenvolvimento da mente, dos dotes do coração e do corpo teve uma importância verdadeiramente considerável para a Educação Física
eram, para ele, postos sobre o mesmo plano, porque afirmava que um corpo e mesmo que, a diferença de todos os demais, não tenha escrito nenhuma
sadio e robusto exercitava uma benéfica influência sobre a alma. obra teorética, de caráter pedagógico, foi o primeiro grande intérprete da
Atribuiu, portanto, grande importância às atividades físicas que ajuda- nova intuição educativa; foi um mestre genial que realizou completamente
vam a reforçar e a manter em plena eficiência o organismo.
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o seu ensinamento, traduzindo, na verdade, os preceitos teóricos da educa- humano: o desenvolvimento da mente era considerado, por Guarino, fusão
ção que ele tinha aprendido e estudado. com o desenvolvimento do corpo que devia ser ágil e vigoroso.
Ressalta-se, também, que a profundidade do sentimento religioso de Ele não rejeitava nada o que pudesse contribuir "na promoção e na so-
Vittorino, influenciou o seu ideal educativo: ele, de qualquer modo, soube licitação da personalidade como Um todo harmônico e divino".
conciliar perfeitamente o conflito entre o culto grego da forma e o ascetismo Jogos, danças caça e natação eram, para ele, elementos indispensáveis
da Igreja. para o desenvolvimento do espírito humano.
Como bem viu Woodward; "Guarino da Verona, endereçava os seus Se considerares com que entusiasmo fala da natação: "Oh, a natação,
esforços, antes para criar escolares cultos e eloqüentes; Vitorino, ao invés, além de refrigerar o corpo, lhe doa elasticidade. Corno é belo, de um barran-
mirava a preparação dos jovens que pudessem servir Deus na Igreja e no Es- co ervoso e verdejante, atirar-se em um rio de ondas cristalinas e ora atirar-se,
tado, seja qual for a posição que esses devessem ocupar". ora deixar-se transpertar supino pela corrente, ora romper a água com os
A Casa Giocosa foi, verdadeiramente, a escola que soube, de maneira braços. O homem" que sabe nadar tem, pode-se dizer, natureza dupla: aque-
formidável, equilibrar todas as exigências vitais do Humanismo. la dos animais da terra e aquela dos peixes".
O Guarino muito amou também a caça. Dessa ele nos fala com vivos
acentos: "Acorda-se de manhã, por gosto, enfrenta-se os 'gelos, os ardores, a
fome e a sede; os ataques verdadeiros e simulados emboscadas e lutas, golpes
c) Guarino Veronese — O "Contubernium", a escola aberta a todos de flecha e de dar do; enfim uma batalha".
Corpo e alma foram, assim, restituídos às suas sínteses, à unidade, mes-
Como na corte de Mántua, a educação física se adaptava ao ensinamen- mo se esta era concebida, esteticamente, como observa, justamente, Saitta;
to de Vittorino da Feltre, assim em Ferrara na corte dos Estensos operou um citando o De Ordine Docendi et Discendi.
outro grande humanista de 1400: Guarino Veronese (1374-1460). A educação humana devia servir, primeiramente, para fazer um citadi-
Guarino, após um longo peregrinar em Pádua, em Florença e também no dotado das virtudes necessárias para contribuir na administração pública e
em Constantinópolis (onde estudou o grego), deu aula, primeiro em Verona, para defender a Pátria.
em Veneza e em Florença e, finalmente, já ancião, estabeleceu-se em Ferrara, A escola clássica de Guarino foi bem diferente, porém, daquela de Vito-
chamado pelo Marches. Niccoló III d'Este, para aí educar o seu filho Leo- rino porque, enquanto este último fazia da escola um meio para uma educa-
nello, fazendo, de Ferrara, um dos centros de maior irradiação do Humanis- ção mais completa, para Guarino ficou quase sempre um instituto para
mo, levando à sua afamada escola, estudantes de toda proviniência, que por formar professores e eclesiásticos e, por isso, teve maiores relações com a
sua vez, difundiram nos seus países de origem o saber adquirido. Universidade e rnenores ligações com a educação da corte e militar.
A escola, até aquele tempo reservada aos filhos das maiores famílias,
era aberta, pela primeira vez, a todos e, o objetivo de Guarino era aquele
de formar e preparar os jovens para tornarem-se, por sua vez, professores, ou
então, para iniciarem-se na carreira eclesiástica ou aquela de funcionários d) Leon Battista Alberti — A ginástica para a saúde e para a moral
públicos.
Denominada contubemium em igualdade àquela de Vittorino, era um Bem mais prático e, essencialmente ligado a preocupações mundanas,
convicto, onde mestres e discípulos viviam em comum e diuturno colabo- foi Leen Battista Alberti (1404-1472), uma das figuras mais representativas
ração, onde o exercício do corpo e a atividade da mente pareciam harmoni- de 1400 porque ninguém, como ele, soube explicar de maneira assim alta,
zarem-se quase por si. significativa e sistemática, a sua função de intelectual, seja pela rica comple-
Tirando proveito do ideal clássico, afirmava a exigência de alternar o xidade dos seus temas, que pela vastidão dos seus horizontes.
estudo e a distração, conçjliándo os exercícios físicos, os passeios, a natação, Foi aluno do "ginásio" de Barsizza em Pádua, uma das mais importan-
a caça, a dança, o jogo de bola, porque desses os jovens podiam tirar notáveis tes escolas humanísticas do tempo, que incluía dentre os seus aiunos Guari-
k vantagens seja para o espírito. no, Vittorino da Feltre e muitos outros estudiosos.
Do ensinamento de dirarino aparece evidente, todavia, o conceito da Alberti partia do pressuposto que se podia realizar o fim da natureza
atividade motora como necessária pausa à tensão intelectual, antes que como humana, como criação divina, somente educando-a em todas as suas partes
disciplina de ser cultivada por si só. corporais e espirituais.
Ele deu muita importância aos exercícios harmônicos do corpo que No seu tratado de educação De/Ia Famiglia após ter elogiado a função
eram, para ele, elementos indispensáveis para o desenvolvimento do espirito da família, entendida como realidade humana perfeita e como núcleo funda-

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mental da estrutura do Estado, deteu-se sobre a validade do exercício físico mosthene, orador ateniense, também ele, não fez através do exercício, a lín-
necessário a todas as idades, mas primeiramente ao jovem. gua tornar-se ágil e versátil, o qual tendo as palavras, por natureza, arrastadas
Assim disse: "Porém se quer começar usar as crianças em coisas laborio- e agrupadas, enchia a boca de pedrinhas e as questbes com muita voz decla-
sas e árduas, onde com união e fadiga procurem e esperem verdadeira laudes mava? Ajudou-o tanto esse exercício que ninguém mais era tão suave e nin-
e muita graça. E nisso favorece exercitar-lhe a pessoa e o engenho; nem se guém melhor que ele tão claro e nitidamente proferia. Pode, portanto, o
poderia, facilmente, louvar o quanto seja útil e necessário o exercício em exercício ser benéfico tanto à alma quanto ao corpo, fazendo de um lângui-
cada coisa. Dizem os físicos, os quais por um longo tempo notaram com dili- do e caduco, um galhardo e fresco e além disso, de um mal-educado e viciado,
gência e conheceram o quanto, nos corpos humanos, valha o exercício, o fazê-lo honesto e continente, de um debote de gênio e de fraca memória, tor-
qual conserva a vida, acende o férvido e vigoroso natural, escuma as supér- ná-lo tenaz e firme. Ninguém, assim, será vezamente estranho e endurecido,
fluas e más matérias, fortifica toda virtude e nervos; e aquele que, não so- que, quando solicitado, nada possa emendar, isto é, acrescentar, enriquecer."
mente não faça exercido, não quer viver alegre, jocoso e sadio. Costumava Recomendava, pois, aos jovens o jogo antiquíssimo da bola e os exercí-
55c:rates, pai dos filósofos, para exercitar-se, não rarissimo, e em casa e como cios físicos como a nau*, a esgrima, a corrida, a luta e a equitação.
descreve Senofonte, em convites, dançar e saltitar, tanto ficava estimado Alberti, após ter dito que os antigos usavam o arco, assim continua.
por exercitar-se naquilo que era lícito e honesto e que, por certo, de outro "Usem, °hl jovens, a bola, jogo antiquíssimo, o qual é próprio à destreza
lado, seria licencioso e inepto. E é o exercício uni daqueles medicamentos e que enobrece a pessoa... Não me desagradaria se as crianças tivessem, por
naturais, com os quais cada um pode, por si mesmo, sem perigo nenhum, me- hábito, e cavalgar, que a prendessem a arte das armas, correr, girar e dominar
dicar-se, como o dormir e o sestear, saciar-se e abster-se, ficar quente e fres- cavalo, para poderem quando solicitadas e quando for necessário, lutar
co, mudar de ares, sentar-se, relaxadamente, e exercitar-se, mais ou menos, contra os inimigos e à Pátria serem úteis".
onde for necessário. E podem os enfermos, somente com a dieta e com o Renasce aqui o motivo que, precedentemente, foi tratado por Vittori-
exercício, purgar-se e reafirmarem-se. As crianças, que são pela própria idade, no da Feltre. •
débeis que quase suportam a si, mais louva-se o jazer na mansidão e em longo Alberti assim concluí: "Como amaria se os nossos pequenos, desde de
()cio, porém aqueles que, por muito permanecem demasiadamente retos so- suas mais tenras idades, aprendessem cavalgar, esgrimar, nadar e todas as
frendo fadigas, enfraquecem-se. Mas, às criancinhas, mais reforçadinhas e a CoiSEIS semelhantes...".
todos os demais, o ócio faz, por demais, mal. Enchem-se, devido ao ócio, as Como pode se observar, Alberti preocupou-se do homem em todo o
veias de flegma, ficam permeadas d'água e pálidas, e o estômago desdenhoso, seu complexo, na sua totalidade, tendo em vista, contemporaneamente, de
os nervos preguiçosos e todo o corpo relaxado e adormecido; e mais, a enge- fazê-lo um bom citadino e conseqüentemente um bom soldado, cuidando,
nhosidade pelo demasiado ócio obscurece e ofusca-se e toda a virtude de particularmente, do seu corpo.
espírito toma-se inerte e'débole. E, pelo contrário, muito ajuda o exercício. Estes exercícios serviam, também, como preparação militar, porque era
A natureza se vivifica, os nervos acostumam-se às fadigas, cada membro se oportuno que todo citadino se adestrasse nas armas, para ser útil e pronto
fortifica, afina-se o sangue, as carnes tomam-se duras, e engenhosidade fica na defesa do Estado.
pronta e alegre.
Não cabe aqui referir o quanto seja utilíssimo o exercício e muito ne-
cessário a todas as idades, primeiramente ao jovem".
A educação das crianças devia compreender os exercícios ginásticos Enea Silvio Piccolomini — A ginástica utilitadstica
para endurecer e adestrar o corpo, habituando-o à fadiga e ao trabalho.
Era necessário, portanto, cuidar da saúde do corpo tanto quanto àquela Sobre a mesma linha de Vergério, moveu-se também Enea Silvio Picota-
da mente e habituar os jovens, desde a adolescência, a observar as práticas hi- lomini 11405-14641, o futuro Papa Pio II. •
giênicas e a executar exercícios físicos. Também ele escreveu em 1450 um n'actarus pedagógico "De Libero-
A educação de Alberti era uma educação ativa e viril: o exercício físico rum Educatione:', dedicando-o ao jovem Ladislau Póstumo, futuro rei da
potencializava as facilidades psíquicas, expulsava o' ócio e distanciava os jo- Hungária e da Polônia e duque da Áustria. '•
vens dos vícios dos maus costumes. Este tratado, como aquele do Vergério, tem um caráter, prevalentemen-
"Não são eles, dentre nós, alguns destros e fortes transformados, os tr. militar. É. óbvio que da preparação militar se ocupassem especificamente
quais anteriormente eram débeis e incapazes e, alguns por veemente prática os educadores humanistas, dado que os alunos eram em geral filhos de prín-
física, conseguiram ser ótimos corredores, saltadores, lançadores, arremessa- cipes destinados, por isso, inevitavelmente, a encontrarem-se, muito freqüen-
dores, os quais antes de todas essas coisas, eram rudes e inutilíssimos? De- te, em campos de batalha.

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Portanto, também PiccolOmini, ocupou-se do corpo e dos exercícios ff- uma importância particular, sobretudo, para aqueles que intencionavam de-
sicos, que considera indispensáveis, especialmente, sob o aspecto militar. dicarem-se à atividade guerreira.
A tal propósito, após ter dito que "Duo sunt in pueris erudienda, cor- A ginástica devia, porém, ser praticada com uma certa medida, porque
puser anima", o futuro Pio II, no capítulo V, dirigindo-se a Ladislau afirma
exagerado exercício físico podia ser danoso. Os jovens deviam iniciar a par-
que "um físico, oportunamente trabalhado na infância, constitui também a tir da puberdade realizarem exercícios leves e adaptos para aumentarem as
base de unia boa velhice". C porque, muito freqüentemente, um rei deve en- energias e conservar a saúde, alternando o exercício da mente como aquele
contar-se em meio às batalhas, convém exercitar em competições de guerra do corpo.
uma criança destinada ao reino. A guerra não quer um corpo educado à som- Dentre os jogos, Maffeo Vegio preferiu aqueles ligados, de qualquer
bra. Um soldado delicado, porém habituado a guerra, segura "a barra" entre modo, à ginástica, sobretudo, o jogo de bola.
pugilistas violentos e entre fileiras, em ordem de guerra. Vegio aflimou, também, que os exercícios físicos ofereciam a vanta-
Não causará maravilhas que tu, com a perspectiva de dever, freqüente- gem de conservar nos jovens, fresca e viva, a índole infantil e de evitar suas
mente, combater contra os Turcos, na infância, intenciones o arco, mires depressões psíquicas ou de, pelo menos, sufocá-las desde o inicio, não pernil.
com a flecha ao alvo, faças regirar a funda, arremesses a haste, montes a ca- tindo que se desenvolvam.
valo, corras, saltes, participes a caças, adquiras perícia na natação"; e mais Vegio teve, indubitavelmente, o mérito de enfrentar, entre os primeiros,
adiante "Aprovo-te e louvo-te, porque jogas bola com os teus amigos, como as problemáticas psicológicas ligadas à juventude.
tem te prescrito o sábio João Hinderbach. Existe o jogo da argola e muitos
outros jogos infantis, nos quais nada existe de mal, e os mestres devem, por
vezes, concederte-os, para que, assim, exista uma pausa no mico e que a vi- g) Baldassar Castiglione — O perfeito cortesão
vacidade seja então estimulada".
Indubitavelmente, com esta precisa finalidade, Piccolomini, fortemente, Baldassar Castiglione (1478-1529), viveu nas Cortes de Mántua e Urbi-
acentuou a necessidade de unif à educação literária, filosófica e científica, no, em contato com pontífices, reis e imperadores.
a educação física, afirmando, ainda, sitie um corpo oportunamente preparado Escreveu O Cortes5o, entre 1508 e 1518, um dos livros que melhor di-
e estimulado nos anos juvenis, constituía a base para uma boa saúde seja du- fundiu, no mundo, o tipo de vida principesca do 1500 italiano. Castiglione
rante a fase adulta como na velhice. tentou delinear, na sua obra, o perfil drc, perfeito homem de corte, inspiran-
Tedavia, a visão do Piccolomini sobre a educação física, não somente do-se nos usos de uma das mais esplêndidas cortes italianas, aquela dos Mon-
permanece ligada às necessidades de caráter militar mas, em geral, vêm redu- tefeltros de Urbine.
zida nos seus componentes essenciais, porque ele não leva muito em conta a Ele atribuía grande importância à preparação física para a perfeita for-
relação do desenvolvimento harmónico da alma com o corpo, da psique com mação do COrtaãO e tratou os exercícios físicos tendo em vista somente o
físico, adestramento militar e o mundo cavaleresco, porque Castiglione considerava
Portanto, à diferença de Vergério, a sua ginástica é claramente utilitarís- que a principal ocupação do cortesão devia ser aquela das armas e também
tina, isenta, completamente, das problemáticas sociais e da vida em geral. tornar-se um ótimo cavaleiro. A tal propósito mandou dizer ao conte de
Canossa: "E por isso quero que ele seja bem disposto e de membros bem for-
mados e mostre força, leveza e desenvoltura e, saiba, pessoalmente, de todos
fl Vegio Maffeo — Os exercícios para a psique os exercícios que pertençam ao programa de guerra e desses, eu penso, que o
mais importante seja o de saber bem manusear toda e qualquer arma a pé ou
Vegio Maffeo 11407-14581, humanista e estudioso de dialética e juris- a cavalo...".
prudência, interessou-se, também, da educação escrevendo um tratado pe- Recomendava a educação do corpo e os exercícios pré-bélicos, por ele
dagógico, o "De Educationes Libetorum et Eorum Claris Moribus" isto é, enumerados, eram: o manuseio das armas a pé ou a cavalo, a equitação, o
tratava da educação dos filhos e Os seus bons costumes. tiostrare e torneare, a luta, a caça; acenou, todavia, também às atividades
Em sua obra concedeu muito espaço à ginástica, reconhecendo nela três atléticas e lúdicas do Renascimento corno a natação, o salto, a corrida, o jogo
importantes utilidades: exercitar os jovens na arte militar, preservar isaúde, da bola. Prossegue: "Conveniente'é também saber nadar, saltar; correr, arre-
recrear os espíritos cansados. messar pedras, porque além das utilidades que disto se pode tirar em período
Até mesmo Vegio atribuiu grande importância à preparação física, de guerra, muitas vezes é necessário provar a si mesmo, nessas provas"; e mais
tendo em vista o adestramento dos príncipes para o serviço militar. Ele, na
verdade, afirma que a ginástica era de grande utilidade para todos, mas tinha 26— Ver joycs cavalerescen. czoitulu IV.

164 165

C1V:
'

adiante: "ainda mais nóbil e, convenientíssimo exercício de corte, é o jogo deve preparar o 'cortesão', ou seja o homem do mundo, de boas maneiras,
de bola, no qual muito se observa a disposição do corpo, a presteza e desen- adapto a urna estrutura mais definida, mas também mais delimitada e mais
voltura de cada membro e tudo aquilo que em quase todos os demais exercí- definida, mas também mais delimitada e mais angusta.
cios se observa. Não de menor louvor é o voltear a cavalo, o qual, não obstan- Assim, aquela totalidade, aquela harmonia que em Alberti miravam ao
te seja fadigoso e difícil, torna o homem ágil e destro, mais que qualquer ou- homem universal, para Castigiione se precisa em direção de urna elegância e
tra coisa... Sendo, portanto, o nosso cortesão nesses exercícios muito me- de orna refinada estética".
diocremente esperto, penso que eu deva deixar os demais de lado; corno o
voltear na terra, andar sobre a corda e outros que muito pouco convenientes
são aos gentis-homens". h) Erasmo da Rotterdam — O corpo instrumento da alma
Castiglione afirmava que as acima ditados e:Zercícicit deviam ser execu-
tados com graça e destreza e que os jovens já deviam, a tempo, terem inicia- Não somente na Itália, mas também na Europa se verificou a tendência
do a atividade física para tornarem seus corpos prestativos e galhardos. de uma renovação pedagógica. O holandês Erasmo da Rotterdam (1466-
No seu livro, Castiglione prefixa-se o objetivo de delinear a figura de 1536), concebeu o Humanismo como meio de renova.* moral e combateu,
perfeito homem de corte, mas não deixa de ocupar-se, também, da mulher sobretudo, os aspectos retóricos e cortesães do IVIedioevo. Autor dos Coló-
de corte. Declarou que a gentil-mulher deve possuir algumas virtudes em co- quios conheceu de perto as escolas do seu tempo e dessas nos deixou um
mum com o gentil-homem, mas é de importância fundamental que essa seja quadro verdadeiramente desconfortante.
dotada de doçura feminina e que tenha, acima de qualquer outra coisa, uma Duro, de fato, é o' seu juízo para com os gramáticos do seu tempo
certa afabilidade prazeirosa, qualidade essa de base a todas as demais caracte- "Esses (os gramáticos) estão sujeitos não somente às cinco maldições indica-
r(sticas a ela requerida. das no epigrama grego, mata milhares: sempre-famélicos, lúridos naquelas
Portanto, também a mulher de palácio deve fazer exercícios corporais, suas escolas — que digo, escolas? casas de retiro, ou melhor, moinhos ou luga-
mas com suprema graça; é óbvio, porém, que não se dedique aos exercícios res de tortura — envelhecem nas fadigas e em meio de bancos de crianças,
convencionais aos homens: os exercícios com as armas, a luta, o cavalgar e o tornam-se surdos pelo barulho, definham no fedor e na sujeira. Todavia, por
jogo de bola. Todavia, aqui parece evidente, que o Castiglione não entenda a mérito meu, acreditam-se os homens mais importantes deste mundo: tanto é
simples equitação, o passeio que as senhoras do Renascimento, certamente, a satisfação deles, quando aterram com cara e voz ameaçadoras, a pávida tur-
praticavam, mas o cavalgar para fins de combate; e, assim mesmo, os jogos de ba dos seus estudantes e, maltratam os desgraçados com varinhas, vergas,
bola, desaconselhados às mulheres, teriam sido aqueles mais violentos como o açoites e assolam de todas as maneiras, de livre arbítrio, imitando o famoso
paliamos/ia" Outros interlocutores se opõeni dizendo que mesmo assim, ex is- burro 'cumano".
tem mulheres que se dedicam a exercícios de tipo 'Masculino, como exemplo, Estas poucas linhas são suficientes para fazer-nos entender e pensamen-
manuseio das armas, mas De Medici rebate dizendo que a verdadeira gen- to de Erasmo e com ele deseje uma reforma radical no campo da educação.
til-mulher, refinada, disse muito bem deve precaver-se. Segundo ele, a educação era um problema social e individual e devia ser
Todavia, naquele tempo, não faltavam evidentemente mulheres inclina- para os genitores uma obrigação para com a sociedade. Escreveu, a tal pro-
das.à prática de ~rateios mais vigorosos, até mesmo na classe signorile, mes pósito, um tratado sobre os problemas educativos, o De Pueris Statim ac
mo se em geral as senhoras adaptavam-se muito bem às normas de doçura e Liberaliter Instituendis", dedicando-o ao duque de Cleves.
de "senhoridade". O próprio Castiglione admira a Marquesa Pavese Ipolita Nesta obra considerou fatores determinantes na educação: a natureza,
Fioramonda "valente mulher nas armas". exercício, e a prática.
Castiglione concebia a cultura física sob duas formas: como instrumen- A "natureza", que é, em parte, tendência inata §0 estudo e. em parte,
to para o adestramento militar e como meio para conseguir o domínio motor inclinação natural a melhorar-se: o "exercício", imo é, a fiel aplicação das
e a robustez do corpo; concepção esta que se destacou do ideal humanístico normas educativas e das diretivas disciplinares; e a "prática", isto é, a aplica-
de Vittorino da Feltre e de Guatino e, em particular modo, da concepção ção espontânea daquela atividade que foi sugerida pela natureza e potenciali-
edutmtiva de Alberti. . . .
zada através do exercício., -
Nota a tal propósito, justamente Garin: "Para Alberti a educação devia Foi levado a colocar em primeiro plano o exercício, mediante o qual,
formar homens e citadinos capazes de serem tudo; pera -Baldassar Castiglione julgava possível plasmar a natureza humana e assim, obter da educação óti-
mos resultados.
27— Parbiorgrio = antigo jogo de origem renascimen tal que se jogava com uma espécie de martelo de Erowito aconselhou também às mães, a atenção e os critérios que de-
bane, muito longa, contra uma bola de madeira. (Ver final desse capitula.) viam seguir e usar para parturirem e fazerem crescer filhos sadios e robustos.

166 i 167
Afirmava que "o corpo era o instruMento da mente", esse era indispensável Erasmo, veio a ter assim um caráter universal e uma larguíssima expansão em
à alma, por isso era necessário cuidá-lo ao máximo. Era necessário, portanto, toda a Europa e muitos foram os seus discípulos.
desde de início, cuidar do físico da crianca, antes que se estragasse.
Lamentava, ainda, a negligência dos pedagogos, que comprometiam a
saúde e o desenvolvimento das crianças, porque não prestava atenção às nor- O François Rabelais — A educação de Gargântua e Pantagruel
mas higiênicas e físicas. A exigência de ocupar-se da alimentação das crian-
ças, do banho, das massagens e das fricções, que cabia também às mães, era Discípulo de Erasmo foi também François Rabelais (1494-1553). Com
de inspiração claramente hipocratiana e galênica. Rabelais a polêmica entre a velha educação medieval e os novos métodos do
Nos Colóquios, disse Eutrapelo: "E difícil executar uma semelhante Renascimento, faz-se sempre mais acirrada, o contraste torna-se mais violen-
obra em um corpo já envelhecido, que já ameaça estragar. Alcançamos, ao to.
—invés, ótimos resultados, se assim que nascer um filho, cuidarmos, como se Na sua obra-prima Gargântua e Pantagruel, expõe os seus princípios
deve, do seu físico". educativos, tratando argumentos relativos à infância, à adolescência, à ju-
E mais adiante, assim aconselha a urna mãe: "Gostaria até mesmo, que ventude, à educação do corpo, da mente e da vontade e aos efeitos da sábia
tu te ocupasses daquilo que diz respeito à quantidade e à qualidade da ali- educação na vida de Gargântua.
mentação e das bebidas, do movimento, do sono, dos banhos, das massagens, Descreve, minuciosamente, como ele entendia a educação física do seu
das fricções e do vestuário. Não sabes quanta gente é torturada por gravíssi- herói durante a jornada. Gargântua era confiado aos cuidados de um novo
mas doenças ou por imperfeições físicas, quantas são epilépticas ou magras, mestre, Ponocrates, o qual lhe faz esquecer tudo o que havia aprendido dos
idiotas ou surdas, coxos ou tortos, loucos ou abobados, somente pot que as precedentes preceptores, que lhes haviam propinado somente uma cultura
nutreizes os maltrataram de pequenos". escolástica, mnemônica e estafante, propondo-se de dar-lhe, gradativamente,
Entretanto, é sempre Eutrapelo que se dirige à Fabulla: "Se desejas ser, um novo tipo de educação, a base natural ística, que dissesse respeito ao cor-
em tudo e por tudo, medo teu filhe, cuida do corpinho dele, de modo que, po, à mente e à vontade do seu aluno.
quando a luz do intelecto se manifestará, Me possa dispor de órgãos bem fei- Por educação do corpo o mestre prescreveu urna escrupulosa higiene
tos e eficientes". pessoal e do vestuário e exercícios físicos como a equitação, a caça, manejar
Assim ele conclui: "Por isso não considere terminado a tua tarefa de armas, o jogo de bola, a esgrima, a lançamento do disco e do dardo, a natação,
mãe, até que não tiveres tornado sadios, com uma boa educação, primeiro o os mergulhos, os saltos, o levantamento de pesos, o subir cordas, a navega-
tenro corpinho do teu filho e, após, a alma dele, que é outro tanto delicada". ção. Estes exercícios eram realizados, quotidianamente, alternados com os
Sempre nos Colóquios, Erasmo inseriu o problema da saúde, sempre em erzudos das letras, da aritmética, da geometria, da astronomia e Siri o ouvir
.- um discurso mais amplo, aproximando-se também a isso de Vittorino da Fel- pessoa& cultas. Rabelais nos dá a entender que quisesse evidenciar a necessi-
tre e de Leon Battista Alberti. De fato, no colóquio, "A mal casada" manda dade da educação do corpo e formulou, como vimos, um vasto programa de
dizer a Gabriela: "Seria indispensável que quem é destinado a governar o es- atividades físicas, talvez para ser contraposta à educação formalfstica que su-
tado gozasse de urra saúde perfeita, a fim de que as condições do corpo in- focava corpo e alma, de maneira tal que parece irrealizável também por parte
fluam sobre as qualidades da alma". A ele assim responde Petrônio: "Quem um gigante, como era o seu imaginável Gargântua.
tem na mão a direção do Estado, não somente deve ter a mente no lugar e o Rabelais, porém, não atribuiu à educação física um significado pedagó-
corpo sadio, mas também um bom aspecto, digno e agradável". gico, mas a considerou um válido meio para o desenvolvimento do organismo
De notável modernidade é a seguinte afirmação de Petrônio: "Maravi- e para manter sadio o corpo. De fato, sendo um médico, levou em particular
lha-me que os governantes, os quais têm o dever de providenciar ao Estado consideração a saúde e tratou a cultura física do ponto de vista galênico, con-
aquilo que diz respeito ao corpo dos citadinos, não tenham encontrado ne- siderando-a a única que podia garantir saúde e robustez.
nhum remédio a essa situação, visto. que nada é mais importante do que a A obra de Rabelais ilustrou então, de modo muito particular, os exercí-
saúde". cios físicos de 1500, sempre acompanhados pelas normas de higiene, sim-
Particular importância assumiram, para Erasmo, o problema da saúde e ples, mas importantes.
a plena eficiência do corpo: um corpo vigoroso j em boa saúde representava Rabelais,1pôs em crise a velha educaçãci escolástica do Medioevo, ele foi
para ele uma condição necessária, seja para desenvolver uma profícua ativida- um dos primeiros a propor aquele ideal educativo (."educar significa rea-
de da mente, que para criar no indivíduo uma sadia conduta moral. Ele foi, lizar a essência do homem seja nos poderes do corpo que naquele da al-
de fato, particularmente sensível ao problema do estudo e do trabalho, ele ma"...), que tinha um caráter inovador destinado a tomar posição seja no
aconselhava, sobretudo, passeios e jogos ao ar livre. A educação, vista por seu século, que naqueles sucessivos.

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Negligenciando alguns exercícios, recomendados por outros pedagogis- O foot-ball — diz em Positions — reforça e revigora todo o corpo, é
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tas, nos parece oportuno determo-nos sobre a natação. Até mesmo indica- de grande ajuda aos débeis devido o seu contínuo movimento e endurece as
ções estilíticas, nos é dado: nado de lado, nado movendo todo o corpo, carnes como o cavalgar."
nado movendo somente os pés, fala-se até mesmo de mergulhos com a cabe- A atividade física devia, para ser eficaz e para fazer saúde e força, ser
ça à frente. Outras novidades são, trepar nas cordas, nas varas e os exercícios adequada ao efeito que produzia sobre o indivíduo, ,sto é, era necessário
com os manúbrios. programá-la e atuá-la com exercícios oportunos, adaptados às várias circuns-
Até mesmo Rebelais nos fala de transferências em suspensão de uma tâncias, conforme as condições e o estado do corpo.
grossa vara ereta no ar, para exercícios de indubitada eficácia formativa e que "A natureza do exercício que nós usamos para readquirir a saúde e a
encontram alguma referência com aqueles efetuáveis na moderna escada hori- força, quando se está enfraquecido ou para preservá-la quando não se está
zontal. De fato, como foi justamente notado por Garini: "A experiência de débil — porque o exercício é muito eficaz para obter este salutar efeito —
Gargântua descreve, nos seus•sanguinosos sarcasmos, o primeiro afirmar-se tem necessidade de uma avaliação muito ponderada na aplicação e na ade-
das escolas humanfsticas quatrocentescas contra a resistência dos doutores de quação, segundo o efeito (pretendido); assim que, o exercício treino, na sua
Sorbone, os "sorbonistas" e "sorbonagri"." intensidade de movimento, possa corresponder a parte (do corpo) segundo a
função, para evitar que com a discrepância excessiva, as várias partes caiam
em uma desarmonia muito maior" e acrescenta: "Alguns exercícios prece-
j) Richara Mulcaster — O novo método científico à educação dem a exorcitação para preparar o corpo e outros a seguem para reconduzi,
lo, gradativamente, à sua posição inicial; alguns são muito intensos, empenha-
A Inglaterra foi o berço de um grande educador, Richard Mulcaster tivos e fadigantes; outros muito brandos, lentos e moderados e cada um
11530-16111,_que primeiramente estudou em Eton, e após em Cambridge e deve ter? sua aplicação, conforme a condição e o estado do corpo ao qual
Oxford, onde conseguiu o Máximo título universitário da época, para tor- devem ser aplicados". — •
nar-se mais tarde em 1596, reitor da famosa St. Paul's School. Amigo da Era necessário, portanto, levar em conta o grau de adestramento, a ida-
regina Elisabete, dedicou-lhe a sua mais importante obra, Positions, publi- de, a temperatura, os hábitos de vida e alimentares dos sujeitos, em particu-
cada em 1581. lar. Dentre os pedagogos cinqüecentescos. Mulcaster foi, indubiiavelmente,
Ele foi um dos primeiros a aplicar o novo método dc pensamento Cien- aquele que se ocupou, de maneira séria e escrupulosa, da educação do corpo,
tífico à educação. Para ele a mente e o corpo deviam assistirem-se reciproca- mesmo porque considerava que os exercícios físicos tivessem urna grande im-
mente na justa execução dos seus deveres; não se devia "tornar uma pronta portância no processo educativo e, portanto, na construção unitária da per-
e bem qualificada e deixar, a outra, débil e presa de enfermidades". sonalidade. Esses, além do mais, são formas de adestramento necessárias a to-
Reconhecia nos exercícios tísicos também escopos recreativos e milita- dos os homens e, particularmente, aos estudantes, homens de negócios, in-
res, mas, sobretudo, os considerava um válido meio para manter a saúde dos telectuais, que conduzem uma vida sedentária.
indivíduos, a qual devia ser tratada desde a infância para prevenir também Dizem justamente Alda e Stelvio Dal Piaz: "Mas onde ele adquire o
as doenças. total direito de ser considerado um "ginasiarca"? É quando afirma que a ati-
"E interessante notar — comentam os irmãos Dal Piaz — que mesmo vidade motora não deve ser deixada de lado, mas, pelo contrário, sujeita a
que Mulcaster reconhecesse que os exercícios físicos podiam egregiamente uma disciplina metódica e consciente, programada e dirigida com exercícios
servir também a objetivos recreativos e militares, ele estava muito mais in- bem estudados e adaptados às várias circunstâncias".
teressado em usá-los como meio para manter e promover a saúde do indiví- Em Mulcaster nos parece suficientemente evidente, o conceito, segundo
duo que devia ser educado. o qual, a educação física é urna disciplina experimental, que tira a sua valida-
Mulcaster lamentava que a ausência de saúde dinâmica, impedisse a mui- de somente da prática aplicação e da concretização dos finsoaspecíficos, de
tos homens de desenvolverem, plenamente, as suas potencialidades. Além vez em quando, prefixadas. Mas justamente porque o objetb da experimenta-
disso os exercícios eram necessário a todos, mas, em particular modo, àque- ção é o homem, a educação não se presta a esquemas rígidos e a fórmulas
les que levavam'bma vida sedentária. Consegdentemente, dava muita impor2 prefixadas:'
tância ao jogo, na educação dos jovens, especialmente, o foot-ball, e acon-
selhava caminhar, saltar, correr, nadar, cavalgar, caçar e jogar bola.
I) Michel de Montaigne
Digno seguidor da Mulcaster na revalorização do corpo e em atribuir à
— SOrbooagri =da Universidade de Sorbonne de Paris.
educação física uma parte relevante no processo educativo foi Michel Ey-

170 171
quem, Senhor de Montaigne (1533-15921:ele dedicou-se, prevalentemente, As escolas, para Rotero, deviam ser lugares de cultura, mas circundadas
ao estudo da natureza humana. Nos seus Essais ocupou-se mais dos proble-
de amplos espaços verdes para dar a possibilidade aos estudantes de dedica-
mas filosóficos que pedagógicos, mas em alguns capítulos, tratou da educa- rem-se à atividade física, Aos rapazes, aconselhava os exercícios ffsicos,
ção intelectual, moral e física. Para Montaigne a educação moral e intelectual
como a corrida, o salto, a luta e os jogos com a bola que eram úteis, segundo
devia estar estreitamente unida àquela física, enquanto considerava que o ele, também para o endurecimento do físico e habituavam o organismo 8 su-
aluno devesse estar fortificado não somente sob o aspecto da alma, mas tam- portar as provas mais difíceis.
bém a nível muscular. Sustentava a idéia que se devia educar um homem 'e
Rotero insistia muito sobre os jogos em geral, efetuados sempre ao ar
.não somente uma alma ou um corpo, e, como dizia Piado, era necessário livre, que serviam, não somente para permitir aos jovens de recrearem-se e de
educar, simultaneamente, corpo e alma. Ele insiste na interdependência entre distraírem-se, mas para habituá-los, também, no que diz respeito ao próximo,
alma e corpo e que, devido isso, é inconcebível uma educação que não dê à honestidade, à retidão e, sobretudo, à sociabilidade.
lugar ao exercício físico. "0 corpo exerce grande influência sobre a nossa Indubitavelmente Rotero, sub este perfil, é de uma atualidade, naqueles
existência, ocupa um grande lugar; assim, a sua estrutura e a sua constitui- tempos, inacreditável.
ção são dignas de uma apurada consideração. Errados estão aqueles que que-
rem dividir essas nossas duas partes principais, separando uma da outra. De-
ve-se, isso sim, recombiná-las e conjuga las". 2— REFORMA E CONTRA-REFORMA
Montaigne foi um voraz sustentador de uma única educação popular,
entendida no seu mais amplo significado pedagógico e formativo, onde a Como vimos nos capítulos precedentes, o período medieval, caracte-
educação física, aquela intelectual e aquela moral não podiam existir separa- rizou-se por uma educação claramente religiosa tencionada a assegurar so-
damente, mas, ao contrário, deviam formar uma totalidade. O jovem devia mente a salvação da alma. A exigência dos cuidados para com o espírito re-
habituar-se a suportar fadigas e dificuldades oriundas dos exercícios físicos, legava o corpo em um segundo plano e, conseqüentemente, menosprezava
a fim de fortificar-se e de enfrentar as divergis vicissitudes da vida. Portanto, a educação física.
os jogos e os exercícios físicos deviam fazer parte tas suas atividades de estu- Com o Renascimento teve-se uma notável revalorização da atividade
do, e dentre estes, a luta, a corrida, o manuseio das armas e dos cavalos, a motora: de fato, será este o período que reconduzirá, gradativamente, a edu-
música e a dança. Deu, outrossim, alguns conselhos relativos à higiene do cação do corpo ao mesmo plano àquele do espírito,
corpo. sobretudo, recomendava lavar-se, quotidianamente, para manter-se Não é necessário ignorar, porém, que a educação renascimentista ficou
com boa saúde.
ancorada, sobretudo, às classes mais elevadas e, somente mais tarde, alcan-
- Montaigne representou, ao menos sobe° aspecto histórico, um momen- çou, também, os estratos mais populares.
.; , to; particularmente significativo e digno da maio% consideração, no desenvol- Será, somente, a nova concepção religiosa, criada pela Reforma Protes-
Viniento da educação física. Após tantos séculos de decadência, de atletismo, tante, que previdenciará a uma radical mudança aos endereçamentos e aos
de ludos gladiatores, de mortificação do corpo, a sua concepção da função da
institutos educativos. A relação entre educação e cultura, no quadro da Re-
atividade física tornou a reevocar aquela relação de equilíbrio e harmonia forma, criou notáveis melhoramentos no sistema educativo em geral, como a
própria da educação ateniense. Diz Ulmann: "Com Montaigne, não somente criação de escolas destinadas aos de menor poderio, a instrução administrada,
alma e corpo aparecem solidificados, mas nem mesmo sob o plano profano é seja para meninos que para meninas, o controle laico sobre a instrução, novas
concebida a sua separação. Assim estando as coisas, é claro que a educação impostações didáticas e metodológicas ao ensinamento. O objetivo principal
física, intelectual, moral ou social não podem existir uma separada da outra. da Reforma protestante, de qualquer maneira, foi aquele de levar inovaçbes
Existe, ao invés, uma única educação. Contribuindo com a educação, a Edu- e mudanças profundas na vida do Estado e da Igreja e de tolher, desta última,
cação Física adquire todos os direitos de ser considerada educação". o monopólio da leitura e da interpretação dos textos sacros. Para consentir
a todos os homens de ler e interpretar as Sagradas Escrituras, evidenciou-se,

portanto, pela primeira vez, o problema da instrução popular e do ensina-
nil Giovanni Botem -- As escolas com os espaços verdes manto gratuito. O saber e a cultura tornara-se uma necessidade universal,
À
que cada indivíduo tinha ès direito de procurar-se e, a sol:iedade, a obrigação
Giovanni Botem (15331617), examinou muitos problemas educativos, de dispensá-las.
especialmente nos anos em que foi preceptor dos, filhos de Carlos Ema- E necessário, imediatamente, esclarecer que algumas razSes da exigên-
nuele 1.
cia reformadora eram tão pouco teóricas, quanto mais se preocupavam das
mudanças na estrutura econômica (a renda fundiária sofre uma grave crise

172
173

Cir
4

e a riqueza da Igreja era, essencialmente, fundiária), na mudança do poder Naquela problemática, tem origem a pedagogia moderna porque "cons-
político e da crise da "hierarquia", enquanto a indiferença da nascente bur- ciência reflexa". A Reforma acentua os problemas, os exalta, enquanto que a
guesia produtiva, em direção do "tradicionalismo religioso", evocava o Igreja Católica tenta a resolução harmônica das contradições presentes na
advento do espírito laico. nova sociedade, avocando para si, z educação dos jovens na tentativa de for-
As lutas entre o poder do Estado "como organização que conserne a mar uma classe dirigente disponível em manter viva a existem. Com isso, a
convivência real dos homens" e o poder da Igreja (motivo este de grande res- unidade substancial do mundo ocidental, garantia daquilo que, por longo
sonância nas obras de Maquiavel e de Hobbes) sancionam o fim da contem- tempo, foi a unidade do cristianismo, está, definitivamente, rompida.
poraneidade, ingênua, de história e de história sagrada. "A reforma — como precisa M. Pepe — com o rompimento da unidade
Mas já "a palavra alemã Beruf (vocação) ..., pelo menos, ecoa um con- universal da Igreja e com a promoção do individualismo da fé, colaborou,
ceito religioso — aquele de urna tarefa imposta por Deus — ...", como afirma inconscientemente, com os sábios do Renascimento em difundirem aquele
Max Weber. espírito laico e racionalfaico que Lutero odiava, ao menos, segundo a 'su-
Para Lutem, o conceito de "vocação", cortados os pontos de qualquer perstição romana'."
visão "escolástica", tomar-se-á afirmação "que o cumprimento dos deveres
do mundo, em todas as circunstâncias, é a única maneira de ser aceitos pelo
Senhor, que esse, e somente esse, corresponde ao querer de Deus...". a) trlartinho Lutero e outros Reformistas
Os nascentes estados europeus encontram, na radical impostação indi-
viduallstica, no senso de responsabilidade subjetiva, presente na Reforma Neste novo contexto religioso, empurrados pela exigência de dar, ao
Protestante, a própria justificação formal e, também, a ruptura com a velha culto do espírito, uma dimensão mais individualista, isto é, mais próxima ao
e potente hierarquia eclesiástica católica. homem e às suas exigências sociais, mostraram-se, à história, os reformistas, o
Da mesma maneira, as Senhorias encontram na neoconsagração da primeiro de todos, Lutero, do qual já falamos e que deu vida e forma, ao --
"hierarquia", operada pelo concilio "contra-reformístico" de Trento, o assim dito, protestantismo.
respaldo ideológico para a parcial derrota da burguesia italiana. Martinho Lutero (1483-1546), frei agostiniano, foi o teórico e o promo-
Não obstante a análise peque de esquematismos, é possível reconhe- tor da Reforma. A revolução de Lutero, com o rompimento da unidade hie-
cer uma confirmação justamente naquilo que aqui mais nos interessa, isto é, rárquica da Igreja romana e com o promover o individualismo na vida da fé,
no pensamento pedagógico. colaborou — junto com os mestres do Renascimento — na decadência do
Em geral, a educação da Reforma mira ao estudo da Sagrada Escritura, mundo espiritual do Medioevo e na difusão do espírito laico. Do ponto de
reduzindo todo o resto "ao annexum axercitii religionis", a fé, sendo o úni- vista educativo, Lutero•voltou todo o seu interesse, à criação de novas esco-
co elemento do qual o homem deve se preocupar. A educação da Contra- las, porque considerava que o problema educativo não podia ser atuado, so-
Reforma quer "reconduzir e incluir a personalidade do educando, no âmbi- mente, pela família, mas deviam intervir, também, o Estado e a lerei&
to da Igreja, considerada como única objetividade espiritual, e não simples- A instrução devia ser difundida e intensificada em todas as populações
mente no seu aspecto religioso, mas na sua concreta realidade social aderen- e em todas as ciasses sociais, estendendo-a, também, às mulheres, se se que-
te e dominante junto a toda vida" (A. Banfi). No afastamento da escola da ria formar uma nova personalidade, completa e autônoma, do citadino. A
vida, se consuma a péssima retórica de C(cero, da erudição, fim em si mes- freqüência às escolas devia ser obrigatória a todos os rapazes, sem, todavia,
ma, dos "métodos mnemônicos" e disciplinares. monopolizar a vida da juventude, mas procurando harmonizá-la com outras
Assim, como dizíamos pouco antes, as exercitações físicas terão, espe- atividades.
cialmente na Itália, uma parte importante nos projetos educativos mas, mes- Afirma Lutero: "... O mundo agora está mudado e caminha diversa-
mo assim, é verdadeiro que a ginástica conexar-se-á à aprendizagem das nor- mente. A minha idéia é a de fazer os rapazes freqüentarem a escola uma
mas da vida corteses, deixando, para outros tempos, a hereditariedade da ou duas horas por dia e, após, deixá-los trabalhar em casa, o resto do dia;
contribuição científica inauguradas por Hipócrates e Galeno. de adestrá-los em uma profissão ou aquilo que se queira, mas, de maneira
Em última análise, o problema pedagógico, nas Senhdrias italianas, con- tal, que, esses, possani cultivar as duas coisas, contamporaneamente, e por- 1̀1.
sente o desenvolvimento harmonioso entre físico e espiritualidade, praxi e que são jovens, tanto a uma como a outra, podem atender, com zelo e aten-
saber; outro é o empenho pedagógico dos estados nascentes europeus: aqui ção. Assim também uma menina pode ter tanto tempo disponível, de poder
se está formando o estado moderno, a Reforma se entrelaça aos interesses e ir uma hora por dia à escola e, após, atender aos afazeres domésticos... E
aos motivos da nova classe emergente: a burguesia. Trata-se, para o pedagogo, necessário que existam escola em todo o lugar, tanto para meninos como
de meditar sobre uma compostura sócio-econômica problemática. para meninas, a fim de que o homem torne-se capa de exercitar, como mis-

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são, a profissão na qual se dedica e que a mulher saiba dirigir a casa e criar FORMA CATOLICA; essa tinha como objetivo principal aquele de obsta-
bem os filhos".
; culizar a expansão do protestantismo e de reformar o costume e a religio-
O rebelar-se dos reformadores contra a doutrina católica, daquele tem- sidade do mundo católico. A Contra-Reforma realizou-se, porém, de duas
po, despertou, também, a educação física. A Reforma, de fato, compreendeu maneiras totalmente contrastantes: a Inquisição, que representou o ládo
a cultura física nos seus programas educativos, mesmo se, se distanciou do negativo e repressivo, e a Educação que, ao invés, foi um elemento positi-
ideal e das teorias escolásticas ditadas por Vittorino da Feltre. Dentre as ma- vo. O Concílio de Trento (1545-1563) representa, portanto, a máxima ex-
térias de ensinamento, Lutar° deu um lugar de destaque à educação física, pressão da Contra-Reforma.
à música e ao canto, revalorizando o jogo e as distrações em geral. Não so- O problema educativo se impôs como contragolpe à propaganda pro-
mente os meninos mas, também, as meninas deviam exercitar seus corpos testante e a Igreja de Roma preocupou-se, também essa, do programa pe-
com a ginástica, para torná-lo sadio, Ione e ágil. Além do mais a ginástica dagógico e vê, na instrução dos jovens, um válido meio para restaurar o
contribuía para o desenvolvimento harmônico de todas as disponibilidades princípio da autoridade eclesiástica. Trata-se ainda de uma educação subs-
dos jovens, com a finalidade de formar um caráter forte e volitivo. Para tan- tancialmente conservativa se não repressiva, de caráter classista, destinada a
to, contrariamente à concepção ascética católica, o corpo não devia ser negli- justificar e a consolidar a divisão em classes sociais e tendente à repressão
genciado, pelo contrário valorizado. das novidades e das mudanças.
Um semelhante atitude favorável à ginástica e aos exercícios físicos, A educação da Contra-Reforma, uma educação religiosa por excelên-
encontra-se, também, em Felipe Melantsne 71497-1560), colaborador e ami- cia, espelha unicamente um certo tipo de sociedade, de ideais, de condições
go de Lutar°, que conseguiu realizar um justo equilíbrio entre a tendência e de situações sociais do tempo. Com o Concílio de Trento, surgem, também,
realística de Lutero e a procura da forma e da harmonia literária, típica associações para o ensinamento da doutrina cristã e tem-se, também, a fun-
dos humanistas. dação de institutos religiosos voltados à educação dos jovens. A educação
de não esquecer, também, Valentim Fri%Iland dito Trozdendorf da Contra-Reforma vêm, portanto, monopolizada pelas ordens religiosas.
71490-1556) que, na sua escola de Golberg, valorizou, ,porn amasso, a ati- Dentre estas, a mais importante e representativa foi a COMPANHIA DE
vidade física, como a corrida, a luta, o pugilato e os jogos em geral, sobre- JESUS, fundada por Santo Inácio de Loyola em 1534, que cujos membros
tudo aqueles-ao ar livre. Também Giovani Sturm (1507-1589) que escre- foram chamados Jesuítas. Estes hegemonizaram a educação cias classes di-
veu: "As recreações e os exercícios corporais de ginástica são indispensáveis rigentes: os seus colégios eram freqüentados pelos jovens das famílias de
e representam uma recreação liberal das almas. Esses desenvolver-se-ão fora condições sociais e econômicas mais elevcadas. Tratava-se de uma educação
da escola, usufruindo de praças e vales". Enfim, Giovani Calvino, que predi- rígida, classista, codificada, privada de iniciativas individuais. A Companhia
cou a Reforma, na Suíça, dirigitra sua obra, sobretudo, ã educação univer- de Jesus, melhor do que qualquer outra instituição, contrapcs ao ideal de
'Sal, ou melhor popular. • emancipação indiv dual ística da Reforma, o ideal oposto, aquele da obediên-
Pode-se afirmar, entretanto, que a Reforma protestante contribuiu no cia e da disciplina incondicionada, em claro contraste com os princípios hu-
impulso decisivo à educação e, no seu âmbito, à educação motora, mesmo manísticos. Todavia, pela notável formação técnica dos mestres, pelo rígido
se, naturalmente, alguns reformistas como o suíço Uirico Zwingli (1484- ordenamento disciplinar e didático, pela higiene dos locais, pela prática dos
1531), embora aceitando os princípios sociais da Reforma, não deixaram de exercícios físicos, as escolas dos Jesuítas tiveram um notável sucesso.
relegar a educação física e os jogos para fora da escola. Entretanto, exceto Pelo que concerne a relação entre alma e corpo, os Jesuítas davam ao
esses casos particulares, podemos afirmar que a Reforma dará Uma nova linha corpo um lugar de relevo pondo-o em igualdade ao espírito e não somente
e um novo espírito à educação em geral, mesmo se os seus principais objeti- resgataram a condição corpórea de toda idéia de inferioridade, mas susten-
vos realizar-selo de maneira adequada, somente quando confluírem com as taram a necessidade de que o corpo — criado por Deus com a alma — esti-
idéias do Renascimento, na nova corrente cultural do Iluminismo. A educa- vesse em boas condições, porque tinha uma parte determinante em acres-
ção física e a atividade lúdica, em geral, serão, suficjen'temente. inseridas na centar ou em enfraquecer as capacidades intelectuais e o equilíbrio moral
prática educativa de base, encontrando os favores dos reformistas que per- dos jovens. A obra fundamental de educação jesuística ressaltava a impor-
mitirão a essa uma sucessiva e adequada afirmação. tância da saúde física e dos meios aptos para alcançá-la e para ccinservá-la.
Nos seis colégios, praticava-se, de fato muitos exercícios gímnicos, vários
jogos com a bola, longos passeios, e o ano escolástico, encerrava-se com
b) Os Jesuítas e as Escolas Católicas • exibições e competições atléticas, no término das quais acontecia a premia-
ção dos vencedores.
A Reforma protestante, a Igreja Católica contrapôs, com energia, um Substancialmente, com os Jesuítas a educação física não somente en-
movimento de atividades e de idéias que levou o nome de CONTRA-RE- trou oficialmente nas escolas religiosas, mas constituiu, também, parte im-
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C\I

portante na vida do estudante: não mais somente estudo e meditação, não Nesta cidade ideal, é dado relevante espaço aos cuidados do corpo e aos
mais somente preparação da mente, mas também tomada de consciência do exercícios físicos.
fato de que o homem não se identificava somente na atividade cerebral, que "Os habitantes das Cidades do Sol -- nota Di Donato praticam todos
corpo e alma eram um todo, que eram cultivados juntos. Tais idéias tinham os três endereços fundamentais dos exercícios; se de fato o exercício físico
tomado valor também pela mudança de vida e pelo surgimento da burguesia, é importante, não é dada a menor importância àquele militar; nân que os
não mais atra(da, somente, pela educação espiritual e nem pelo adestramen- solares sejam guerreiros profissionalmente ou partidários de guerra, prontos
to puramente militar. Começou-se a delinear a figura do homem completo, à agressão. A preparação bélica, na qual participam também as mulheres e as
cuja educação não terminava somente no aspecto cultural, mas dizia respei- crianças, é pelo contrário, essencialmente de caráter defensivo ou de prestar
to, do mesmo modo, ao corpo, que devia adquirir um aspecto harmônico socorro aos vizinhos, eventualmente, agredidos. Com os .dois precedentes
para dele poder-se servir em qualquer momento da vida. Junto à predomi- exercícios, está presenn, também, aquele educativo-recreativo, o qual encon-
nante presença dos Jesuítas, surgiram outras instituições educativas, como tra lugar na organização da vida dos solares, sejam esses homens, mulheres
as Escolas Pie Degli Scolopi, fundadas por José Calasanzio, as quais se pre- ou crianças."
fixaram de dar uma iniciação prática aos jovens para inseri-los no mundo O autor recomenda entreter as crianças com os exercícios de bola, com
do serviço. a corrida, com a luta, com o tiro ao arco, com a caça, 'COM a natacão (em
Giovani Batista de Sales fundou, também ele, uma Congregação de Es- apropriadas piscinas fora da cidade).
colas Cristãs e ideiou a Escola Normal e a Escola Profissional: a primeira ser- A educação dos filhos da "Cidade do Sol", deve acontecer em contato
via para a preparação dos professores, a segunda, para inserir os jovens da com a natureza, ao ar livre, caminhando, exercitando-se nos campos e nas
burguesia nos afazeres e nas indústrias. oficinas, com livre explicação de atividades que conferem ao aprendizado
Também a obra dos Giansenistas, adversários dos Jesuítas e por estes quase o caráter de um jogo. Os jovens, de ambos os sexos, são também adr-
últimos sempre contrastados, contribuiu para a renovação pedagógica-edu- trados por apropriados atletas, no uso de armas e no exercício da guerra, so-.
cativa, acontecida na Reforma e ria Contra-Reforma. mente para fins defensivos dada a instabilidade política daquele período. Na
Fundaram junto aos seus conventos de Port Royal e de Paris, "pe- cidade campanlliana, a educação do físico adquire um valor fundamental seja
quenas escolas"- para a educação da juventude, onde os professores, além por motivos bélicos, seja porque o movimento faz bem à saúde.
de tudo, se preocuparam em tomar os rapazes serenos e de bom humor, Esta cidade ideal, onde os pontos essenciais são a instrução, o trabalho,
deixando muito espaço para a recreação, distrações e exercícios físicos. a supressão das propriedades privadas, a comunhão dos bens, a abolição da
família, nos parece ser a mais clara expressão política e, junto, utopfttica
do Campanella. •
c) Tommaso Campanella — O Estado ideal

Em uma diferente perspectiva e avaliação coloca-se a obra de Tomma- 3 — A EDUCAÇÃO FISICA E A MEDICINA
so Campanella (1568-1639), calabrês, frei domenicano, grande reformador,
seja no campo religioso que político. Como já foi dito, no século XVI, redescobriu-se a cultura dos antigos
Escreveu no cárcere em Nápoles (onde foi encarcerado pelo governo sob as mais diversas formas, da arte à literatura, da ciência à filosofia e junto
espanhol, por 27 anos, devido a tentativa de rebelião e heresia), obras poéti- retomou-se a medicina antiga e com essa a ginástica.
cas, polfticas e filosóficas, que miravam a uma renovação política e social Observa Ulmann: "No século XVI descobriu-se seja a medicina grega,
da humanidade. seja a literatura grega. Descobrir a medicina grega significa retornar a Hipó-
No seu plano de reforma delineado na obra Cidade cio Sol, em 1602, crates e a Galeno. E retornar a Hipócrates, e, sobretudo, a Galeno, queria di-
representa um Estado ideal perfeitamente organizado que se regula segundo zer tomar conhecimento da ginástica médica dos antigos na sua forma mais
as puras leis naturais, onde não existam divisão de classes sociais e, portan- elaborada e sistemática".
to, todos à citadinos têm direitos e deveres iguais. Campanella teria dêseja- Foi, portanto, necessário que chegasse o Renascimento para que se no-
do que a educação dos jovens fosse confiada, completamente, à comunida- tasse o despertar de estudos e obras sobre a ginástica médica, como sinal de
de; o saber devia nascer da experiência, da observação individual, do jogo, das revolta, também nesse campo, pelo dogmatismo e pela obscuridade medieval.
leituras do comércio, isto é, da relação com as coisas e com os homens. Para os pedagogos de 1400 e de 1500, a saúde era um meio para obter
Também em Campanella já sente-se, fortemente, a exigência de que corpos uma ótima educação intelectual, enquanto que, para os Médicos, a saúde era
e espíritos devam ser, simultaneamente, adestrados com exercícios aptos ao um fim e a ginástica o instrumento que podia concorrer para mantê-la ou
desenvolvimento psico-f ísico dos jovens. para recuperá-la.
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No Renascimento, o emprego do movimento, que dia ginástica é a parte
principal, foi higiênico maismue terapêutico. Muitos médicos redescobriram educação das crianças e dos adolescentes é livre e modesta: está longe
a medicina grega e inspirando-se nas teorias de Hipócrates e de Galeno, de- daqueles, o vício comum dos adolescentes da nossa idade: a arrogância e a
fenderam, estenuantemente, a tutela da saúde dos indivíduos, mediante a indolência. Amam-se entre eles e são benévolos; não são suficientemente de-
educação do físico. dicados aos jogos, coisa que é um mal comum e danoso nos nossos tempos".
Tudo isso contribuiu para fazer com que na formação completa do ho- Também sobre o jogo das taquaras" — naquele tempo muito em voga
mem se evidenciassem, também, as exiciências do corpo e que, portanto, as — o parecer do nosso médico é negativo, ao contrário de Castiglione.
escolas se iniciassem no interesse da saúde dos alunos. Diz De Ferraris: "Depois de tê-lo visto, eu o desprezei (mesmo se eu o
Os médicos mais ilustres que se ocuparam da educação física, dos quais admirasse antes de tê-lo visto); que o diga o jogo das taquaras, no qual não
analizaremos o pensamento nas páginas seguintes, foram unânimes em acres- existe nada além de certos estrídulos, incompreensíveis clamores e uma certa
centarem aos exercícios Csicos transmitidos nas obras de Hipócrates e de forma de venda, de barrete e de barba e aquela perseguição enquanto eu fujo
Galeno, outros exercíciós físicos novos e modernos, e, portanto, mais aptos e se tu foges, perseguir-te, e opor o escudo, não na frente do peito como se
'para atenderem às exigências do tempo. Ou melhor, os exercícios antigos convêm, mas por detrás e/ou fugir ou perseguir quem foge, do qual, uma coi-
perderam, sempre mais, aquela sua posição previlegiada, dando lugar àqueles sa, é de um vilão e, a outra, de um homem ponto fraco, ambos dos leves
de origem espontânea e natural. moros".
Para concluir, é fácil observar, que De Ferraris trata de uma educação
voltada somente aos nóbeis, aos cortesões, e voltada sempre para os fins
a) Antonio de Ferraris — A educação dos italianos bélicos. Sua concepção é rígida, severa, não admitindo nenhum relaxamento.
No que tange à sua convicção sobre a bondade da força das armas, vistas po-
Antonio de Ferraris (1444-1517), dito o "Galateo", médico famoso, vi- rém, em função defensiva, é suficiente esta sua breve afirmação: "Os impé-
veu em Nápoles onde escreveu muitas obras; a mais importante. foi De Educa- rios se asseguram através das armas, as armas nos asseguram a liberdade".
tione Puerorum Nobdium, composta em 1504 e a dedicou ao príncipe Ferdi- Não é necessário, porém, esquecer que esta contínua preocupação de hi-
nando, filho do rei Federico gona, do qual gozava de benevolência. potéticos inimigos, espelha as tristes condições da Itália daquele tempo e a
Os tradutores, mais tarde, intitular-Ia-Ao — como diz Saitta — "A edu- rebouçante e incerta situação política. Basta pensar que o pai da criança a
cação dos italianos", justamente porque este livro "é expressão da consciên- quem ele dedicou o De educadone, o rei Federico d'Aragona, nos primeiros
cia orgulhosa da superioridade imensa da civilização italiana, oposta, conti- anos do mil e quinhentos, perderá o trono e deverá exilar-se. Isso explica
nuamente, àquela barbárica dos outros povos". também porque em De Ferraris, faça cada vez mais estrada a convicção de
Na acima menciciinada obra, o autor trata de uma educação endereçada, que a vida contemplativa é superior àquela ativa.
sobretudo, aos nóbeis e aoi: cortesões, tendente sempre aos fins bélicos dada
a incerteza da situação política da Itália, daquele período. Discute os vários
modos que usavam os antigos atenenses, espartanos, macedonios, persianos Gerolamo Cardano — Nova ginástica, novos esquemas
na educação dos jovens e se bate em gerar, nos seus conterrâneos, a consciên-
cia da própria dignidade e da personalidade naciona! justamente, para rife- Gerolamo Cardano (1501-1576), matemático, físico, astrônomo e mé-
reciar-se daquela dos estrangeiros que tinham, profundamente,
s corrompido dico, escreveu diversas obras a respeito das acima mencionadas matérias.
os costumes. No que tange à educação, com a sua obra Opus de San/late Tuenda
O "Galateo", dava muita importância à educação em geai, e àquela do (1586), considera a ginástica uma co-adjuvante para manter o corpo em boa
corpo, em particular, e se interessa também da higiene das crianças, reco- saúde, enquanto se adapte ao esforço nos exercícios em relação aos vários
mendando-lhes continência, seja na alimentação que no sono. No que diz períodos da infância e ao desenvolvimento físico dos rapazes. Alguns exercf-
respeito aos exercícios físicos, econselhavas, sobretudo, a taça, pela sua ati- cios, segundo ele, têm qualidades terapêuticas notáveis para a cura de di-
nência à preparação militar, o salto, a esgrima, a equitação, o tiro com o versas doenças.
arco, e desejava que osexercícios físicos fossem acompanhados por música, Cardano, sem, abandonar as idéias galênicas, teve o mérito de desligar
para lenir a severidade da ginástica. Permaneceu, porém, contrário ao jogo a ginástica do rígido esquematismo no qual a havia posta o antigo Galeno e
em geral, com exceção dos jogos da bola, porque afastava os jovens do estu-
do das letras. De fato, na já citada epístola Ad Petrum Summentium, descre-
vendo a cidade de Gallipoli e elogiando os seus habitantes. assim diz: "A 29— O jogo das taquaras. assemlha-se ainda que de maneira mais violenta ao hodierno jogo ,"maca-
cega', ou aquele de 'se-pega?.

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um corpo sadio e se esforça de gerar, nesse, uma boa constituição e de con-.
contribuiu para dar a essa um cunho médico com exercícios novos e moder-
servá-la, considerando-a como parte da sanidade ou como causa corroboran-
nos, cuja validade, obviamente, não podia haver a sanção, nem de Galeno
nem dos gregos. Pode-se colocar o autor muito próximo a Cagnati, que te dessa".
No descrever os exercícios físicos, que eram praticados na antiguidade,
veremos mais adiante, justamente por esta sua crítica a galeno e porque com
Mercuriali citou todos aqueles que deles se ocuparam de Platão a Hipocrates,
as suas afirmações aproximava-se de Hipocrates.
de Aristóteles a Galeno, Oribásio, Anulo, Celso, Avicena e Clemente de Ale-
De qualquer maneira já em Cardano, evidencia-se a gradual, mas subs-
xandria, mas entre as teorias médicas antigas, o autor mostrou preferência
tancial transformação da ginástica, em geral, e daquela médica, em parti-
cular, que abandonam os esquemas clássicos tradicionais para assumir formas por aquelas galênicas.
Os diversos tipos de ginástica da antigüidade — aquela médica, militar e
de maior validade e atuais.
atlética — foram. distinguidas por Mercuriali segundo esta concepção: a *ginás-
tica militar e .atlética tinham o mesmo objeto daquela médica, mas diferen-
ciavam-se pela finalidade que cada uma delas perseguia; a. ginástica médica
Girolamo Mercuriali — Restauração do galenismo
mirava a aquisição e conservação da saúde, aquela militar mirava tornar os
homens fortes, hábeis à guerra, aquela atlética tornar os homens robustos e
Oirolamo Mercuriali (1530-1606), foi o primeiro a dedicar à ginástica
aptos para vencer as provas e competições atléticas.
uma inteira obra, o De Arte Gymnastica (publicado em 1569). Esta obra ''A ginástica — diz Mercuriali — que é fim em si mesma e que faz parte
pode ser definida como o primeiro tratado histórico-médico da educação da ciência médica, tem como objetivo, que os homens, com a ajuda de regu-
física e o autor quer com esta obra, restituir à ginástica médica, a importân- lares exercícios, adquiram a sanidade e a conservem, formando uma robusta.
cia que essa tinha tido no mundo clássico. De fato a ginástica grega foi relan-
constituição."
çadaeno Renascimento, por mérito do Mercurilli, o qual recordava como os Mercuriale apreciava, sobretudo, a ginástica-médica porque as outras---
antigos tinham dado importância à saúde e à cultura do corpo, construindo duas— Militar e atlética, preferiam o corpo à alma, Um 3 com a finalidade da
na Grécia e em Roma, ginásios e termas. guerra e a outra com o fim da vitória na competição. A ginástica médica, ao
No De Arte Gimnastica, dedicada ao imperador Maximiliano II (que foi invés, contribuía para a cura do espirito o qual tinha necessidade da susten-
cuidado, em Viena, por Mercuriali), com aprofundado e vasto conhecimento tação de um corpo sadio para realizar qualquer coisa de digno e de impor-
das fontes gregas e romanas, Mercuriali trouxe à luz a ginástica nas suas divi-
tante. "Nossa atenção principal — prossegue Forlivese — deve ser aquela do
sões e nos seus aspectos fundamentais, para, posteriormente, passar a uma
espirito; mas este, se privado da sustentação do corpo, não pode realizar
natação mais especificamente médica do mesmo argumento sobre as bases
nada de importante ou de digno. E necessário preocupar-se, então, da saúde
da teoria de Galeno. De fato, a obra escrita com critérios científicos, com-
e da boa constiauição física, de modo que, essas possam servir ao espírito e
põem-se de 6 livros: os três primeiros são de caráter, sobretudo, históricos e
de ajudá-lo nas suas operações e não impedi-las".
tratam dos ginásios, das formas de ginástica e dos aspectos mais importantes
Não obstante isso, diz J. Ulmann, "Mercuriale raciocina como se o Cris-
da ginástica antiga (agonística, orquéstica3° e esferística); os outros trás têm, tianismo não tivesse nunca existido; ele o ignora. A sua filosofia é de um mé-
sobretudo, um caráter médico e analisam as vantagens e as desvantagens de
dico, de um médico que cuida de não ir muito além daquilo, que segunda
cada exercício considerado para fins de conservação da boa saúde.
ele, a experiência ensina. Esta experiência, de caráter puramente médico, pa-
Para Mercuriale "ginástica é a disciplina que tem por objeto a natureza
rece atestar o finalismo da natureza. Para Mercuriale, a natureza asseme-
e a propriedade dos exercícios físicos, e que prescreve a maneira e as regras
lha-se a uma sábia governadora". Todas as coisas, por ela dispensadas, são
de como usá-los com a finalidade de uma boa saúde e de uma sadia consti-
perfeitas e sob medida, para os homens e para os animais Mercuriale cha-
tuição física". A ginástica, segundo Mercuriale, reentra na medicina conser-
ma-a rerum parem optima que magister rasura". •
vativa, nuis precisamente da dietética, que contitui a quarta parte (as outras
"Dentre os vários meios colocados à disposição pela natureza, aos ani-
três são: as subministração, as evacuações, as circunstâncias externas). Falan- mais para a conservação da própria existência, a faculdade de correr-ocupa
do da diferença entre ginástica e medicina, Mercurial e afirma que "esta tem primeiro lugarr também o homem "possui lb capacidade de servir-se dos
como seu sujeito a sanidade e a doença do corpo humano e, como fim, a con- dons da natureza, duplamente, com o fim de conservar a própria existência
servação da primeira e a eliminação da segunda; ao invés, a ginástica supõe de transcorrê-la, com prazer e boa saúde. De tal capacidade pode confron-
tar-se um sábio na faculdade de correr". A natureza, de fato, nos deu os pés
"com os quais podemos caminhar e, caminhando, executar todas as ações
para as quais nascemos".
30 — Orquêstica =atinente à dançai

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Mercuriali nada acrescenta, de substancialmente novo à fisiologia galé- gências individuais. G médico forninese.31 considerou que todo o sujeito sa-
nica, e atribui á exercício físico as mesmas finalidades de Galeno.
dio devesse submeter-se aos exercícios físicos "muito mais porque não exis-
"O exercício físico que interessa à ciência médica — diz Mercuriale — é, te, no mundo, coisa mais perciciosa e fatal à saúde, seja para o homem que
Segundo o nosso parecer, um movimento enérgico e voluntário do corpo hu- para os animais, do que a abstenção de qualquer movimento e o ócio conti-
mano, com conseqüente alteração do hábito respiratório, movimento dirigi- nuado; tanto um como o outro resfriam todo o organismo, atenuando o ca-
do seja à conservação da Loa saúde, seja à aquisição de urna ótima constitui- lor natural, aumentando as secreções supérfluas e - determinam um entorpeci-
ção física."
mento fastidioso de toda a energia".
Mercuriali concorda, em tudo, com Galeno, em considerar a ginástica Mercuriali divide os sujeitos em sadios, doentes e neutros (nem comple-
como parte da medicina conservativa ou da higiene, muito mais que aquela tamente sadios, nem completamente doentes) e distingue três categorias de
curativa. Ele não considera a ginástica uma ciência, mas sim, uma arte, para doenças: aquelas que são conseqüência de um desequilíbrio, no qual "todo o
a qual as finalidade eram atribuídas, justamente pela ciência médica. Tam- corpo ou uma parte das suas partes, torna-se quente ou frio; ou se umidece
bém Mercuriali afirma que o corpo se compõe de humores. de espíritos e de ou se resseca; ou torna-se frio e junto seco; ou torna-se frio e junto úmido;
partes sólidas; a saúde consiste de uma proporção de humores. Portanto, a ou torna-se quente e seco"; as outras duas derivam de uma malformação ou
ginástica reentra na higiene, ou seja, naquela parte da medicina que tem por do coligamento de certos órgãos.
objeto a manutenção da saúde. De fato, os objetivos da ginástica eram aque- Antes de considerar a possibilidade de submeteir cr- doente ao exercício
les de conservarem a saúde e de manter em duração um bom estado geral do físico, o médico deve diagnosticá-lo levando em consideração os tempera-
corpo.
mentos, para que tipo de doença e em que formas o exercício pode ser con-
Segundo Mercuriali, os exercícios físicos, oportunamente praticados, siderado útil e eficaz.
eram um dos meios mais idôneos para o melhoramento do organismo porque Por exemplo, exclui-se exercícios físicos para quem tem febre e para
. produziam uma perfeita assimilação dos alimentos, eliminavam os resíduos do quem é muito magro. Mercuriali, dá diretivas médicas por demais minucio-
corpo e concorriam, assim, para a manutenção da saúde. Mercuriali em sin- sas: "não faz bem, de modo algum, exercitar os corpos quentes e secos: aque-
tonia com Galeno, afirma: "É sabido que o corpo humano está sujeito a urna les quentes e úmidos estão aptos aos exercícios físicos com quanto que sejam
.. exalação ou dispersão, ininterrupta, de partículas ou corpúsculos, cuja perda, moderados, não intensos e nem rápidos: aqueles frios e secos devem exercita-
quando não for reintegrada, provocaria o fim da vida: razão pela qual, até rem-se em vista das suas qualidades frias, porém tendo em vista as suas quali-
. que se vive, somos, constantemente obrigados a regenerar e suprir, mediante dades secas, não requerem movimentos rápidos e enérgicos, mas somente mo-
o alimento, as partículas perdidas.
vimentos moderados, ou melhor, lentos; os corpos frios e úmidos são ajuda-
O alimento, porém, por quanto dosada e cuidada for a escolha, não é dos, mais de todos os outros, pelos exercícios intensos e rápidos os quais eli-
nunca assimilada com tal perfeição, de não 'dar lugar a formação de escre- minam o excesso de unidade e, excitam e acrescentam o calor congênito".
--mentos ou de secreções supérfluas que, por sua vez, se não não fossem elimi- O médico deve considerar muitos fatores: as idiossincrasias, os aspectos
nadas, poderiam, facilmente, com o passar do tempo, acumular-se, a ponto gerais dos exercícios físicos, a natureza dos exercícios e as formas de como
de sufocar o calor nativo. E é justamente para impedir tal inconveniente, que se deve praticar. Mercuriali faz isso, com muita sutileza e escrúpulos, atento
a natureza tem, com muita sapiência, munido o organismo humano de vários como é a particularidade dos vários casos e ao cuidado que ele dedica no
canais e condutos, destinados à eliminação de tais escrementos. Dado, po- indicar os exercícios preparatórios, o lugar onde vem ser executados, o tem-
rém, e indiscutível insuficiências dos ditos canais, para uma completa evacua- po adapto, os sinais de fadiga.
ção dos escrementos, é necessário, obrigatoriamente, recorrer aos exercícios, Qualquer exercício será executado levando em conta certa gradualida-
a fim ele que sejam liberados, seja por meio do suor, seja por meio de outras de: 'Todo início de exercício físico deve ser conduzido lenta e docemente,
.
expirações sensíveis ou insensíveis: perque se tais escrementos fossem, por para, após, aumentar gradualmente a intensidade, até chegar ao limite que
sedenterismo ou torpor retidas, correr-se-ia o risco de procurar;se. doencas parecerá sempre mais oportuno; sucessivamente diminuir-se-á, novamente,
mortais de qualquer gênero". E mais ainda, assim conclui: "A isso se acres- pouco por vez, o ritmo, até que, quem se exercita, se considere treinado o
centa que o calor animal, liberado mediante o exercício, dos escrernentos, re- suficiente, tendo por base a sua própria experiência". Mercuriali sustenta a
forçane: os membros adquirem maior solidez e todas as demais capacidades eficácia e a utilidade dos exercecios físicos para os anciãos: "grande é o bene-
do organismo, tomam-se mais livres e.de muito maior desempenho, nas fun- fício que os velhos tirarão do exercício físico, não somente pelos efeitos da
ções que lhes foram prescritas". A ginástica, porém, devia ner executada por eliminação de tais superficialidades, mas, também, como meio eficaz para
todos, seja pelos doentes que pelos sadios, pelos jovens que pelos velhos, com
quanto que seja adaptada a cada sujeito, segundo a natureza e as várias exi-
31 — Forlinese =quem nasceu em Forli — Itália.

184
185

preservar, suscitar e manter aceso o. calor, que, de outro modo, correria o No seu tratado, indicou os vários exercícios gímnicos, as suas utilidades
risco de extinguir-se, devido a uma excessiva e prolórigáda inércialt- Certa- e as relações entre ginástica e medicina para manter o corpo em boa saúde e.
mente, tais exercícios devem ser mais leves e menos empenhativos. para dar-lhe maior vigor e energia: ,
Para os sujeitos sadios, especialmente àqueles robustos e treinados, Mer- O médico, segundo Cagnati, devia, porém, dar ao paciente, também
curiali aconselha exercícios acelerados e impetuosos, como a luta, o lança- uma orientação moral, não somente preocupar-se do estado físico. Conside-
mento do disco, o jogo de bola e semelhantes e, para os demais, movimentos rava a dietética, uma das duas partes da medicina, mais convi demonstração
mais moderados. Os sujeitos gordos, devem fazer contínuos exercícios; aque- de vontade e de caráter que como ciência médica, também para efeitos mo-
les débeis devem observar um maior repouso. "Nos sujeitos sadios —diz Mer- rais e a reconhecia como um útil meio para o domínio das paixões que ti-
curiali — as exercitações são praticadas com o fim exclusivo de conservar a nham, sobre o corpo, os mesmos efeitos negativos que as doenças.
boa mude e de formar uma ótima constituição física; nos doentes, ao invés, Port:nto, seja a orientação moral que o exercício físico deviam manter
do colocadas em obra da mesma maneira que qualquer outro medicamento, e harnionizar a natureza do indivíduo, endereçando-o em direção ao bem e
com o único objetivo de combater a doença". à saúde.
Mercuriali merece, indubitavelmente, uma posição notável na história Seguindo o exemplo de Hipócrates, Caganti distinguiu os exercícios em
da educaçáo física, seja por ter reconstruído a história dos exercícios físicos naturais e violentos, aconselhando o uso moderado dos mesmos; dentre
na Grécia e em Roma, reevoncando, em memória, o culto que aqueles anti- todos os exercícios, elogiava o jogo da bola e o salto porque exercitavam
gos povos sentiram pelas atividades corpóreas, seja pela preciosa interpreta- todo o corpo.
ção humanística da educação física, embora vista sob o perfil médico. A importante obra desenvolvida poi Cagnati, além da restituição das
Mercuriali tem o mérito de ter dado um respiro mais amplo à ginástica concepções hipocráticas, consiste em ter conjugado, harmonicamente, a ten-
médica iniciando-se em uma "interpretação positiv(stiCido galenisTno, livre — dência-dos médicos que viamí na atividade física, um instrumento para pro-
de especuláções". O autor do De Arte Gymnasdca, extrai da ginástica a eti- curar e manter a saúde do corpo e aquela dos educadores, que viam na ativi-
queta de "ciêntia"; afirma a origem natural da ginástica, cujo início não dade física um meio para a formação da personalidade. Para elas a saude não
pode ser codificado, dada a tendência, já inserida, na natureza do homem; era um fim, mas um meio para uma educação moral e intelectual.
tem, além disso, o mérito de redescobrir a ginástica grega, de adaptá-la à E de citar, também, como muito próximo às linhas de Cagnati, Laurent
vida presente com o seu conseqüente enriquecimento. Joubert, autor do De Gymnasts et Generibus Exercitationum apud Antiquos
Talvez tivessem sido justamente as divergências de Galeno que deram à Celebrium Liber Unus (1582), Petrus Faber, que em 1592 escreveu Anonisti-
obra de Mercuriali, validade e modernidade. con, Jiulius Alexander von Neustein, autor da obra Libri Salubrium Sive de
Graças a ele nasceu uma ginástica moderna que cessando de ser tratada San/ate Tuenda (1575), todos médicos que, embora criticando Galeno, não
como uma disciplina de escarso relevo, readiquiriu aquela grande importância abandonarem totalmente e, enfim, Joseph Du Chesne, grande defensor,
que tinha tido na antiguidade. A obra de Mercuriali -constitui, portanto, um na França, de Paracelsi.
ensaio aprofundado de todo o campo da arte ginástica e permanece, funda- Também esses consoantes, ainda que próximos a Hipócrates e Galeno,.
mentalmente, na história da ginástica médica. gradativamente, superaram o conceito da atividade motora clássica, dando
lutar, àquela de origem espontânea e natural.

d) Marsílio Cagnati e outros — Primeiras críticas a Galeno

Sobre a estrada percorrida por Mercuriali, um outro médico que se ocu- 4— AS ATIVIDADES GIIVINICO-ESPORTIVAS
pou da ginástica foi Marsílio Cagnati 11543-16121; publicou em 1580 o De DO RENASCIMENTO
San/iate Tuenda, uma obra muito importante seja pela descrição dos vários
exercícios gímnicos efetuados pelos gregos, seja pela imposta* antigalêni- É oportuno dizer que &Renascimento, mesmo se sob Certos aspectos li-
ca que a caracteriza. gados á atividade motora foi mais teórico que prático, mais pedagógico que
O autor, de fato, preferia as teorias de Hipócrates, embora citando, realista, nos deixou, todavia, um significativo e indelével sinal de renascimen-
muitas vezes no texto, também galeno. A sua obra é dividida em dois livros: to na concepção do esporte. Consolidaram-se os conceitos da educação física
primeiro dedicado à dietética e o outro à ginástica, justamente como se ar- seja como formação de vida que ODIT10 preparação militar, mas, sobretudo,
ticulava a medicina preventiva de Hipócrates. realizaram-se, com regulamentos, mais claros e mais técnicos, os jogos de

186 187
equipe-
em geral, com particular referência àqueles da bola. A Itália,„a França,
a Suíça, a Inglaterra, a Escócia, a Alemanha, mesmo se de maneiras diferen- hockey, no cricket, no first of all sports, como o definiu A. Lang jogo tipi-
tes cuidaram dos exercícios gímnicos. no seu sentido mais estreito, como das camente inglês, mas de origem francesa.
corridas, dos saltos da luta, do pugilato, das atividades de funambolismo, do Das-atividades medievais ligadas à bola derivaram outros jogos, defini-
uso do arco e da funda: nos séculos XIV, XV e XVI destacou-se sabre todos, dos pelos médicos de então, recomendáveis e úteis à saúde. Extraímos de
jogo da bola, que se fundiu às manifestações folcloristicas, no novo con- Scaino, que três eram os tipos de esfera: a bola grande ou grossa, a média ou
texto das estruturas renascimentais. a pelota, e a pequena. A grande era usada no jogo da bola com argolas, de-
Na França, particularmente, a bola Ide dimensões maiores da noirnall, finido como o jogo clássico dos italianos do renascimento. Inicialmente, era
nascido na tardo-rnedioevo, como instrumento de contenda incruenta, tor- praticado somente com faixas às mãos, sucessivamente, com as argolas, de-
na-se. momento lúdico e agonfstico, aberto 3 nominado também escano, um instrumento de madeira perfurado, para a-
todos. Os jogos mais conheci.
dos são a paume, a sou/e, a crosse, guns chamado nbussolo", para outros chamado "rnanopolo"; jogado, a prio-
tio-fiocen.rino, o aos quais seguiram-se, na ltália, o cai-
pallone ai bracelete, a pallacorcia, a paha ai vento, a palla- ri, em campos livres e, a posteriori, em edifícios construídos especialmente
maglio, o tamburello. para o jogo, chamados, pelos gregos de esferistérios, com o assim chamado
A paume (jeu de paume) muro de apoio, que favorecia a remessa da bola, até a conquista do pomo.
consiste em bater a Ela com a mão e substi-
tuiu os ludus pilae cum palma romano; Muito semelhante ao ta.mburello, que mais tarde com a evolução da pelota,
conhecido já no século XII for joga-
do melhor no período sucessivo, até dar vida ao atual tênis. De fato, a bola, será muito conhecido, que se jogava com o escano próprio e verdadeiro, uma
primeiramente, jogada com a mão desprotegida, foi, em seguida, batida com espécie de pá, elegantemente entalhada e munida na empunhadura de listas
punho protegido com panos ou com luvas e depois com um aparelho, o de pele, que permitiam segurá-la fortemente. Com a bola pequena, compacta
battoir, e cheia de tosa de iã, se jogava a ~acorria e a palia ai vento. Da pallaconia
muito semelhante a um batedor de panos, largo, de forma redonda
ou quadrada, recoberta de um pergaminho muito duro. Nasce, posteriormen- nasce o tênis, da palia ai vem o futebol. Particularmente, não se deve esque-
te, a necessidade de fechar os campos de jogo, dimensionando-os errl dois se- cer do pallamaglio, que muito parecido ao nosso hodierno golf,
consistia,
tores de diferentes medidas, mediante urna corda, curvada ao centro, até che- com o auxilio de um aparelho semelhante ao martelo, em fazer passar uma
garmos à rede. A dimensões do setores, condicionaram o modo de jogar em bola de madeira entre arcos, fazendo-a superar as variações do terreno, sem
relação ao comprimento do campo; nasceram, assim, a longue paume tocar àquela do adversário a não sei que fosse para distanciá-la do campo de
coorte paume ea competição, tomando mais difkil a recuperação.
(esta última teve mais sucesso do que a outra, por ser menos
violenta e mais facilmente adaptada a todos), É de notar que já existiam os O !esporte mais conhecido foi, contudo, o cakio tiorentino, jogado
juízes da competição, o paumier, pelos rábeis, na Toscana. Diz Scaino "dividido o campo em duas partes
41 e a contagem dos pontos era semelhante
: àquela atual (15-30-40-jogo) com a distância de seis jogos. iguais, e no meio colocada a bola, distintos os jogadores, de dois times, com
. soule, dita também choute ou cholle farda diferente, paia que, ao combater, se possam reconhecer, dado o sinal,
htegi4 tani (prcaravelmente oriunda de
no cénico que indica sol; parece, de fato, que os Druidi tivessem se ao som de um tambor ou de uma trombeta, um dos jogadores, a quem toca
dedicado a esse jogo para honrar ao astro), derivou de de ser o primeiro, ou por eleição, ffulSor *te, bife alida tom dm Pon-
HaMenum fOrnertO, e ta-pé, o que, uma - vez feito, entendam começa& a contenda. É licito, após,
as leis que chegaram até nós alo de confusas, que não nos permite a sua re-
constituição. Parece, contudo, que o jogo consistia em bater a bola com as seja de uma parte, que da outra, pegar a bola, batte-la e atirá-la em arrio
mãos e com os pés com o fim de levá-:a além da meta estabelecida no campo ao sinal dos adversários. Desse rito de começar o jogo, talvez, tenha sido no:
adversário, representada por diversos elementos como um muro, um tapume. minado o "jogo do cálcid". '
a porta De um escritor, posterior a Giovanni de Bardi, provedor do jogo de
de um campanil, ou simplesmente, um buraco ou uma linha traçada
no chão. Muito parecido ao nosso rugby, cálcio em Firenze, extrafinos que o palco dos encontros era a Plana S.
em quando, o time os jogadores estabeleciam, de vez
que devia atacar e aquele que devia defender-se. Violento Croce, de 6 de janeiro até o finai do carnaval, Irtardnhe de todos os dias.'
e perigoso (chega-se, até mesmo, falar-se de cartas de perdão do século XIV, As equipes' eram compostas de 27 elementos, subdivididos em 5 lançadores,
enviadas a jogadores que tinham atingido o adversário, antes de atingir a 7 defensores (4 na frente e 3 atrás), 15 corredores (da fossa, do meio e do
bola), foi regulamentado, com precisão, em 1412. muro), dispostos sobre um terreno de 50x 100 ta,
A trone era, ao invãs, jogada com uma espécie de bastão recurvo na Este jogo teve tanto sucesso que ta nominado no vocabulário da Crus-
extremidade, e consistia em bater com a bota, um alvo, constituído de um ca, que na edicação veneziana de 1612, assim o define "é cálcio também
bastão cravado na terra ou de um círculo ou de um buraco traçado sobre a nome de um jogo, próprio e antigo da cidade de Firme, à guisa de batalha
terra. Indubitavelmente, uma especialidade, que desembocou no ordenada com uma bola jogada ao vento, assemeihando-se esferomaquia,
golf, no
188
189
-

-110t?
passada dos 'gregos aos latinos e esses para nós". A referência ao harpasturn e
ao episciro, é evidente. O jogo, como dizíamos, teve sucesso e se propagou
em toda a Itália, de Pisa a Bolonha, de Livorno a Pádua e a Veneza, até a
. amalgamar-se ao hurling at go& e ao hurling ovar country. semelhante até
a soule que se propagou o caldo em toda a Grã-Bretanha, mãe indiscutível
do Mor-bati moderno.

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!\./D, CA AO Fi$ICA-RgízesfüràpOlas Carmen Soares


Conselho Editorial: Casettüro dos Reis Filho,
Dernieval Saviani, Gilberta S. de M. Jannuzzi,
Walter Esteves Garcia

Diretor Executivo Carmen Soares


Flávio Baldy dos Reis

Diretora Editorial
Heloisa Reis
Educação Física
Raizes Européias e Brasil

Composição
Rubens Queiroz
Heloisa Reis

Capa
Lay-out
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Ate Final
Vlad Camargo
COLECÁO EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA.

re C.plig.a0fisibylkimaDastaidelea

,.. . ,
Cç EDITORA AUTORES ASSCCIAtCS .
71, .. Caiu Poita16164 .i2,- - -
CEP.: 13081-970 -1,'
Campinas - SP -
Fone/Fam (0192) 39S4SÕ
--
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Soares, Carmen Lúcia
Educação Esica : raizes européias e Brasil /
Carmen Lúcia Soares ; 'prefácio Dulce Maria Pompéo
de Camargo .— Campinas. SP: Autores Associados,
1994. — (Coleção educação contemporânea)

Bibliogralia. PREFÁCIO 7
1. Educação fisica — Aspectos sociais 2. AS BASES POLÍTICAS, ECONÔMICAS E SOCIAIS DA
Educação física — Brasil — História1. Camargo, EDUCAÇÃO FÍSICA 9
Dulce Maria Pompeo de. li. Título. HL Série.
A Ciência e a Construção do Homem Novo
94-1814 CDD-613.70981
Necessário ao Capital: Homem Produtivo/Homem
Indicas para catálogo sistemático: Biológico. 9
1. Brasil: Educação física : História 613.70981 Da Saúde do "Corpo Biológico" à Saúde do "Corpo
Social": O Pensamento Médico Higienista e a
Definição dos Hábitos da Família Moderna 27
"EM NOME DA SAÚDE DO CORPO SOCIAL..»' 43
o
1. Instituição escolar e Educação Física: "contribuição"
para manter e prevenir a saúde do corpo social 43
i 2.0 espaço da Educação Física na Educação 58
I 3. M Escolas de Ginástica: Saúde, Disciplina e Civis- X
i .. 64
mo.
I
I A EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL: SAÚDE, HIGIENE, (D
RAÇA E MORAL- ..-... 85 si
1. Construindo um Brasil novo: a Educação Física 0
• como instrumento da ordem 35


2. A Educação Física na educação das elites: um distin-
tivo de classe 96
A educação das elites, a educação do povo e o papel
da educação física 101
Em busca da educação e da saúde do povo... as "olhares"
se voltam para a Educação Física .107 PREFÁCIO
Pensamento médico higienista e Educação Física na
Primeira República, o reforço "científico" a um in-
strumento da ordem 115
Educação Física e eugenia: algumas idéias de Fernan- Ao desvendar com o sabor do saber as entrelinhas escrita:
do de Azevedo 142 por Carrninha sinto como se estivesse, ao mesmo tempo, acom
panhando a sua trajetória acadêmica, sua vibração, seu rigo
CONSIDERAÇÕES FINAIS 159
metodológico, sua insistência e consistência. E nesse caminha
BIBLIOGRAFIA 163 ora ouvindo, ora lendo o seu texto o que eu sempre soube fo
ficando cada vez mais claro. Como escrever um prefácio é
mesmo que escrever um manifesto, considero oportuno aqui
registrar, manifestar minhas sensações frente à obra. Perplexa
intrigada fiquei imíginando porque a sua leitura amp:iou o met
campo _de percepção. A resposta veio imediata. Como pioro
sional da área de Ciências Sociais me acostumei hignálises
têm como referencial as relações sociais e as idéias, e não
perspectiva do corpo. De repente, percebi o homem fragrnentad
de uma outra forma. Em alguns momentos da leitura o óbvi
passou a ser mais óbvio. Corpos separados na simultaneidad
espaço-temporal, corpos separados entre si, preparados para
trabalho, distantes do prazer— Mas, a reconstrução polftia
económica e social apresentada pela autora foi dando ao "corp
individual a-histórico" uma história. Ao buscar a gênese d
Educação Física nos ideais burgueses do século XVIII, conte;
tualizou as "bases científicas" que nortearam a inclusão (testi
como disciplina, nos Colégios brasileiros a partir do sécul
passado. Ao longo do trabalho percebe-se a utilização criterios

fontes documentais pouco exploradas na área, o que sugere a
abertura de novas vertentes de análise ao profisional de Educação
Física. A própria Carminha vem realizando pesquisa para a sua
tese de doutorado, sob a minha orientação, acerca do "Método
Francês" que muito influenciou a Educação Física Escolar no
Brasil.
Outro mérito do livro foi ode nos lembrar que é conhecendo AS BASES POLÍTICAS, ECONÔMICAS E
e compreendendo que transformamos. Hoje a Educação Física SOCIAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
busca no movimento corporal uma forma de libertação do homem,
em contraposição à servidão preconizada pelos ideais liberais.
Nesse processo, este estudo apresenta grande contribuição. Ele
nos dá elementos para percebermos que o que devemos descartar
em nossa perspectiva metodológica, seja na Educação Física ou 1. A Ciência e a Construção do Homem Novo
fora dela, é o mecanicismo do pensamento positivista e não a Necessário ao Capital: Homem Produtivo/Homem
observação, a experimentação e a comparação que podem ser Biológico.
instrumentos fundamentais de crítica se utilizados de uma forma
dinâmica e processual. Esperamos que esta iniciativa sirva como O Século XIX é particularmente importante para o enten-
um incentivo de reflexão aos leitores. Para que as atividades dimento da Educação Física, uma vez que é neste século que se
ffsicas deixem de ser apenas agentes de instrução, de treinamento elaboram conceitos básicos sobre o corpo e sobre a sua utilização
de disciplinarização" é necessário que na organização dos enquanto força de trabalho.
movimentos sejam considerados não apenas o corpo mas também Na Europa e em especial na França, este 4 o período no qual
os sentimentos e as relações sociais. Por ter percebido F., se consolidam o Estado burguês e a burguesia enquanto classe,
importância e o valor da História Social para a Educação Física, criando condições objetivas para que as suas próprias
a professora Carrninha realizou um estudo inédito naárea, que no contradições de classe no poder apareçam, e seja inevitável o
entanto, como ela bem sabe, é apenas o primeiro passo... reconhecimento da existência de seu oponente histórico —a classe x

DULCE MARIA POMPÈ.0 DE CAMARGO


operária. Para manter a siia hegemonia, a burguesia necessita,
então, investir na co~so de um homem novo, um homem que th
possa suportar uina iirWirdem política, econômica e social, um W
a
novo modo de tijkóciiiiin vida sob novas bases. A construção ent s
desse homem noxoaikilihto, será integral, ela "cuidará" igual- rj
mente dos as . " ba:,Is intelectuais
, culturais e físicos. prni
É nesta pé , a
r que podemos entender a Educação "
Física, como a disciplina necessária a ser viabilizada em todas as
instâncias, de todas as formas, em todos os espaços onde poderia
ser efetivada a construção deste homem novo: no campo, na de liberdade, igualdade e fraternidade, uma sociedade onde
fábrica, na família, na escola. A Educação Física será a própria haveria um mercado livre, uma venda livre da força de trabalho.2
expressão física da sociedade do capital. Ela encarna e expressa Estava se consolidando o triunfo do capitalismo que ocorre sob
os gestos automatizados, disciplinados e, se faz protagonista de a direção da burguesia a partir da dupla revolução3, triunfo este
um corpo "saudável"; toma-se receita e remédio ditada para curar que rompe e abole as relações feudais em toda a Europa Ociden-
Os homens de sua letargia, indolência, preguiça, imoralidade, e, tal, e cria, com seu ideário, as condições objetivas para a
desse modo, passa a integrar o discurso médico, pedágógico... construção desta nova sociedade regida pelas leis do capital, e
pautada na abordagem positivista de ciência.
Na consolidação dos ideais da Revolução Burguesa, a Esta abordagem de ciência, calcada nos princípios da
Educação Física' se ocupará de um corpo a-histórico, indeter- observação, experimentação e comparação, é aquela que realizou
minado, um corpo anátomo-fisiológico, meticulosamente es- ao longo dos séculos XVII a XIX aquilo que poderíamos chamai
tudado e, cientificamente, explicado. Ela negará o funambulismo, de uma naturalização dos fatos sociais, 'criando um "soda.
os acrobatas, a especulação e buscará as explicações para o seu biologizado".
proceder na visão de ciência hegemônica na sociedade burguesa: Nesse processo de (re)construção da sociedade, o homem
a visão positivista de ciência. um ser que se humaniza pelas relaittir...s_ sociais que estabelece
A mesma visão de ciência que fornecerá respostas para as passa a ocupar o centro de criação desta nova sociedade. Porém
indagações que se coloca à burguesia no poder. A mesma visão passa a ser explicado e definido nos limites biológicos. É •
de ciência que constituir-se-á em canal para a veiculação da visão homem biológico e não O homem antropológico o centro da nov
de mundo desta classe e que fornecerá as justificativas para o seu --
soc—iedide. E é o—homem biológico que çe .aarna o ponto d
modo de ser e de viver. nó-ia: tudo o que o envolve, .tta:i; o.. que Se- altera, ser
refere-
A Educação Física integra, portanto, de modo orgânico, o entendido comq.domínio seu sobre o mundo. Não evitem mal
nascimento e a construção da nova SOCiedade, onde os privilégios milagres divinos pata explicar o curso doa aconteebtientót[ea
conquistados e a ordem estabelecida com a Revolução Burguesa
não deveriam mais ser questionados. Estava sendo criada pelo
homem, sujeito que conhece; uma Sikiedade calcada nos ideais "...Pot força de trabalho ou capacidade de trabalho couipteendenion
; 2
conjunto das faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e
personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação todirs
1 Ao longo .deste trabalho, o terma,Edueatão Fisica escrito com leoa que produz valores-de-uso de qualquer espécie." Karl blARX, O CaPit
midtásriabierrtaá :reide; Militei% quitithrtapireferitmoir is sitematizacées V1, p. 187.
danificas ocorridas em torno doStrisicos, jogos e esportes. O 3 ...Chião seria exagerado considerarmos esta dupla revolução— a franca
termo "gbdrstica" que aparece "em • , épica pode ser com ideado bem mais política, e a industrial (inglesa) — não tanto como coisa q
corno sinónimo de Educação Miai, e em alguns momentos ele será por pertença a história dos dois países que foram seus principais suportes
nós utilizado, assim conto aparecerá core freqüência em citações de símbolos, mas sim como a cratera gêmea de um vulcão regional be
diferentes autores. Prie J. HOBSBAWN, A Era das revoluções, p. 18.

n 1(k
O modelo de conhecimento adotado por esta corrente de
tem leis próprias que o mundo físico e humano deve obedecer e
pensamento que se baseia ainda na física, mas sobretudo na
que a ciência deve descobrir.
necanicista5,
1 12gjA e na história natural é o mocgT
212. - no qual a
As descobertas cientificas da época se, por um lado, per-
tríade formada pelo sujeito que conhece, pelo objeto do
mitem ao homem construir novos instrumentos de trabalho e
conhecimento e pelo conhecimento como produto do processo
assim aumentar o seu domínio progressivo sobre a natureza,
transformando-a para melhor dela usufruir, por outro lado; Criam cognitivo, não possui uma, relação dinâmica. O conhecimento é
as condições para sedimentar a burguesia contra-revolucionária cópia do objeto, é reflexo cuja gênese está em relação com a ação
no poder. mecânica do objeto sobre o sujeito, razão pela ,qual este modelo
Existe urna clara consciência de classe por parte 'da bur- é qualificado de mecanioista.6
guesia, ela tem a certeza que é dona de seu próprio destino e que Este modelo de conhecimento que serve de base para a
são os homens que transformam a natureza e criam as leis da abordagem positivista de ciência é de natureza individualista.
sociedade, leis essas que seriam descobertas pela ciência. É a Nele o indivíduo — sujeito que conhece — aparece como que
razão absolutizada que determina todos os passos a serem dados isolado da sociedade e alheio a sua ação, ou, em outras palavras,
para que seja possível atingir a "plena felicidade". aparece como um ser independente da cultura, podendo deste
O desenvolvimento e a cornplexificação desta-sociedade, modo ser
"... reconduzido à sua existência biológica que determina de uma
das leis da economia, da exploração desenfreada do capital em maneira natural os seus caracteres e as suas propriedades.. o
relação ao trabalho, exigiam novas formas de pensar a natureza, indivkluo •humano é biologicamente determinado e introduz esta
a Sociedade e as relações dos homens entre si. Era necessário que determinação no processo do conhecimento por intermédio do seu
aparelho perceptimapestas registra e transforma os impulsos vindos
hOuvessem explicações absolutamente irrefutáveis, portanto, do mundo exterior".'
científicas sobre a nova sociedade e sobre as exigências de um A abordagem positivista de ciência, pautada por este modelo
homem novo ainda em construção. do conhecimento, vai produzir um conjunto de teorias que
O pensamento social da época, através das disciplinas passarão a justificaç as. desigualdades sociais pela via das
socials4everia preocupar-se com estas relações e com o perfil desigualdades biológiCá, C; como tal, "desigualdades naturais".

1
deste homem novo necessário ao capital. Uma vez abstraído o elemento histórico-social na determinação
Nas disciplinas sociais que se estruturaram ao longo .do dó sujeíttiqiié Conliee, o qtié resta dum ser deteiminado pelas
séctslo
WC, predriniinatá o Peai-intento . naturalista
. do
, positIvis- leis biológicas, mijas: jeriáçócs humanas não vão além daquelas
ailiPIC4 assim a disciplina que terá comi) objeto de enun- que estabelece a 06pilã iiiiiüreza.
Chtdos positivos (científicos) a própria sociedade miguanto tal e
suas leis4 .
5 t lar ileary LEFEBVRE, Lógica Formal. Lógica
Sobre o assunto consji
Dialética; AdairaigtZliistória e verdade. E
6 Ver Mata SCHAFF, op. ciL especialmente p. 73-4.
4 Sobre o assunto ver Markt 1'. LUZ Natural, Racional, Social, p. 74. 7 Ibident. p. 78


12 13

A sociedade passa, então, a ser comparada ao orgânico e


Nas primeiras décadas do século XIX, a economia européia
vista como um grande organismo vivo que evolui do inferior ao
encontra-se em plena expansão. A necessidade de um grande
superior, do simples ao complexo. Consolida-se a idéia de que é
contingente de mão-de-obra se faz presente para atuar em diferen-
regida por leis naturais, invariáveis e independentes da ação
tes setores da produção, em diferentes ramos do capital inerentes
humana, porque até mesmo o homem fica redUzido aos seus
à divisão do trabalho que a cada momento se fragmenta, se
determinantes biológicos. Organicismo, evolucionismo e
parcelariza mais e mais.
mecanicismo unem-se e conferem à racional idade'moderna os
As desigualdades sociais devem sá justificadas em nome
traços característicos do século XIX, o século da grande
do progresso e da necessidade de diferentes indivíduos para
revolução científica dos laboratórios, da industrialização e do
ocuparem —de acordo com suas "aptidões naturais" —as diferen-
crescimento das disciplinas e instituições sociais.3
tes posições e cargos dentro da nova ordem social estabelecida,
M ichel Lowy evidencia em seus estudos sobre os pressupos-
posições estas que vão sendo hierarquizadas para as diferentes
tos básicos da abordagem positivista de ciência a idéia de serem
classes sociais em função do lugar que ocupam na produção.
as ciências da sociedade idênticas às ciências da natureza, deven-
A nova sociedade "igualitária", "fraterna" e "livre", não o
do ambas, de igual modo "... limitarem-se à observação e à
era para a maioria da população, para estes, o "progresso" advin-
explicação causal dos fenômenos de forma objetiva, neutra e livre
do dos "benefícios" da indústria crescente, nada mais era do que
de julgamento de valor ou de ideologias,. descartando previa-
miséria, degradação da vida, descaracterização do que ainda
mente todas as pmnoções e preconceito."'
restava de humano na sociedade, uma sociedade na qual, segundo
A elaboração de uma concepção naturalizada do social se
Marx e Engels..."todas ai nossas invenções e todos os nossos
colocava como necessária, na medida em que amova sociedade
progressos parecem não provocar outro resultado senão o de dotar
se apresentava de modo cada vez mais contraditória. Nunca se
de vida e de inteligência as forças materiais e de embrutecer o
viu tanta riqUen acumulada e nunctas_ populações ativaram
homem rebaixandO-0 ao nível de uma força pampa- ffslcCi°
• sujeitas a uma miséria tão generalizada, e absolutamente
A urbanização e a proletarização da Europa, decorrente da
desprovidas de qualquer defesa do ponto de vista social. Os Revolução Industrial, especialmente nos países centros da dupla
Ftç grandes triunfos da indústria eram acompanhados de uma
revolução (França e Inglaterra), demonstra e exporta para c
;a. 'degradação social jamais, vista: e MOS por civilizações mundo:Ma • tipo-de vida .degtadante a que foi !ajeita parcela
a I antenores.
.-a •
-
re significIMS 40 Sua- população. O Pescimanto rápi49 e ckg_tr
-eitr
- • detItid0 das cidades e áreas industriais não foi acompanhado ppla
ampliriMa serviços mais elementares nas cidades, como pot
-8 Madd Terezinha LUZ,op., p. 784 metbir, Endie DURKIIIMM, exene aiimpezii das ruas e os serviços sanitários. C
Da divido do trabalho sodal. aparecimento das grandes epidemias como wcólera, o tifo e a
9 ?atei LOWY, As aVenturas de Karl Mn contra o Barão de
Munchhausea : Manias e positiVismo na sociologia do conhecimento, 10 Karl MARX e Frederich ENGELS, Crítica da educação e do ensino, p.
p. 17. 150-1. -
\

febre recorrente entre 1831 e 1840 evidencia de forma contun- dos instrumentos capazes de promover uma assepsia social, de
dente a deterioração do espaço urbano. viabilizar esta educação higiênica e de moralizar os hábitos.
Todavia, os terríveis efeitos desta deterioração não eram Segundo P. Singer, O. Campos e E. M. Oliveira 12, fazia-se
sentidos pelas classes média e alta a esta época, pois o desenvol- necessário, sobretudo, justificar um quadro social onde a
vimento urbano empurrava os pobres para as grandes prostituição, o alcoolismo„ o infanticídio e a demência eram
concentrações de miséria distantes dos centros de governó e das comuns. Do mesmo Modo, utra necessidade se fazia visível: a
novas áreas residenciais da burguesia. Como afirma de "domestica?' as massas urbanas submetidas a jornadas de
Hobsbawn..."o desenvolvimento urbano foi um , gigantesco trabalho que variavam de 13 a 16 horas *diárias, incluindo mul-
processo de segregação de classes"...11 heres e crianças, recebendo salários insuficientes até mesmo para
Em 1848, as massas desesperadas que cresciam nos cortiços, lhes proporcionar uma nutrição adequada.
alijadas de um processo "civilizatório" que ajudavam a construir Estavam dadas as condições para que a força de resistência
enquanto força de trabalho, começam a tomar consciência de si e de revolta das grandes massas se transformassem num grande
enquanto classe, evidenciando através da revolução social sua movimento operário, conátituindo-se como resposta ao grito do
resistência e sua-força. Os miseráveis eram agora uma dupla homem pobre. Em 184E, havia algo de novo no movimento
ameaça à burguesia no poder. De um lado, a organização da classe operário que era a consciência de classe e a ambição de classe.
operária e, de outro, as suas epidemias, as quais, embora nascendo A burguesia, ameaçada com a possível perda de privilégios
net:cortiços, começavam tainbém a atingir os ricos. Este quadro adquiridos com a exploração desenfreada da força de trabalho,
de ameaça é que exigiu a tomada de algumas providências para reforça o seu aparato ideológico e científico. Busca explicações
a reconstrução e o aperfeiçoamento urbano de forma mais "científicas" e reforça os aspectos hereditários e genéticos nas
sistemática justificativas que elabora sobre a miséria que se desenvolve
A moralização sanitária na Europa, em meados °do século e
justaposta ao progresso — a miséria que parte constitutiva das
tratará de reorganizar o espaço de vida dos indivíduos. Seu leis do capital. -- • ---
cliseursenorrnativo veiculará a idéia de que as classes populares Conter os avanços do movimento operário e desenvolver um
tiainpial por estarem impregnadas de vícios, de imoralidade, conjunto de crenças., idéiai e Valores capaz de determinar "cien-
éptirtveren; sem regras. O discurso das classes hojoder:sierá tificamente" o lugar_de Cada um" torna-se Imperioso para a
lemic-qne afirmará a necessidade de garantir lis (*manjais burguettla contra-rejáriaMija no puder.
pobres não somente a saúde,: mas também -uniq :$4.'" - Para está classe, n'ClinCia, em sua abordagem positivista,
higiênica, e através dela a formação de hábitos m4rajsiteste deveria descobrir as kifirnitilis" e as "leis" capazes de manter a
discurso que incorpora a Educação Física e a penkii eirtíti um "ordem natural" cirtittitik e o desenvolvimento, também
"natural", da sociedadi: M metáforas organicistas dão mostras
,
4.

Erich HOBSBAWN, op. cit. p. 224. 12 P. SINGER, O. CAMPOS e E. M. OLIVEIRA Prevenir e trotar, p.21.

16 17
(

da compreensão que a classe no poder tinha da sociedade e dos cada um não obedece senão à força, se bem que o orgulho
homens. revolucionário deplore o pretendido jervilismo de nossos antepas-
sados, que sabiam amar seus chefes". I
As revoltas, as crises pelas quais passava a sociedade
deveriam ser "curadas", assim como se Curam doenças. Afinal, De que degradação fala Comte? Da exploração do trabalho
este grande organismo vivo —a sociedade — não poderia ceder às pelo capital? Da descaracterização humana do operário urbano?
suas enfermidades. E as suas "enfermidades" seriam curadas Da vida miserável nos cortiços lamacentos, das fábricas escuras,
através de urna meticulosa reorganização e adequação de espaços, úmidas, sem ventilação? Da fome que gr:içava livre na sociedade
de indivíduos, onde cada um receberia uma ocupação de acordo da abundância? Evidentemente, A. Comte considerava
com suas possibilidades individuais e com suas "aptidões "degradação atual" o fato de o operário se fazer classe, ameaçar
a burguesia, desencadear crises num sistema que deveria...
naturais"? Além, é claro, de uma boa dose de hierarquia.
"transcorrer sem elas". "Degradação atual" era também o traba-
Para o pensamento social predominante — o positivismo — o
lho de outros intelectuais, como por exemplo Karl Marx, que
bom funcionamento da sociedade estaria garantido se esta
buscava explicar a sociedade pelo seu modo de produzir e
reorganização e adequação de espaços e de indivíduos fosse
reproduzir a vida, ou seja, pelo trabalho.
acentuadamente hierarquizada. Augusto Comte acreditava na
Com sua "filosofia positiva" 15, Comte acreditava estar
necessidade da hierarquia, à qual submeter-se-iam todos os
proletários para que o progresso seguisse seu curso normal. Para elaborando uma sólida reorganização social, reorganização esta
que deveria por fim ao permanente estado de crise que vivem as
Comia, a organização da sociedade, o seu regime público consiste
na nações civilizadas há tanto tempo.
t. dupla nutrima: dedicução dos fones pélas fraca; veneração dos Para A. Comia, a sociedade deveria ser estudada pela "física
fracos pelos fones Nenhuma sociedade pode 'perdurar se os in- social", pois é ela que tem a sociedade clamo seu objeto poSprio de
feriores não respeitarem os superiores. Nada confirma melhor estudo. Pana 'Laica soda?, os fenômenos sociais deveriam
semelhante lei do que a degrockção amai em qa4 por falta de antór, ser
entendidos 'a - pare" do. mesmo referencW dos tetitimeãos
astronômicos, físicos) químicos e fisioldizicos. Isto porque, os
Ia

13 Nor.& BISSERETafinna que ".:.a história da palavra "aptidão" revela fenômenos sociais assim como os fenômenos da natureza, estarbá
descontinnidadaradicaisdesentidomainninhaerpeéapartirdosécalo
)(Ui alaP aptidão se iiraularponaiis, ao ao anienbr COM as a

actieldi ted
instada. "SPQN""4,t4~~dakkaiPsia
illteVelaçãO as:imiltia
; kin! permanece centeal 14 Augusto ,C914313 and Antônio C. BERGO, O Positivismo como
nesseskaarkideológico, a funditiltirre1i..ezenmi
irlijológia no Brasil ema inthatnela na Educação, p.48-9.
noção de aptidão, a partir d4 scrae-at .,tlania attParta Pata 15 A "fi
Justificar a manutenção das desinat de A. Comte, encontra-se dividida em cinco
IS e escolares que as tient* anieUtais"...cuja sucessão é determirsda peia subordinação
traduzem e perpetuam. Coino a nova ajudada-Se as inatittaiçõeseicolates necessária e invariável, fundada, independentemente de toda opinião
são colocadas como jpalitáriaa, asnas das desigualdades 'a nde ser hipotética, na simples comparação aprofundada dos fenômenos
atribuída a- um dadO tilar". A "Ideologia das aptidões naturais in
correspondentes: a astronomia, a física , a guinda% a filosofia e, enfim, a
Educação e hegemonia de classe. Introdução, p.
física social". Augusto COMTE, OUSO de Filosofia Positiva, p. 33.

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As idéias evolucionistas sobre as espécies de plantas, con-
mentais são hereditárias e que dependem da mesma ordem de
chas, moluscos, aves.., e seres humanos, já eram aceitas nos
fatores dos quais dependem as diferen2as de estatura. Galton
meios científicos da primeira metade do século XIX e davam
desenvolveu o método das correlações 1 e, através dele, pode
sustentação a inúmeros trabalhos sobre seres humanos. medir, de um lado, a intensidade das ligações existentes entre as
Em 1852 por exemplo, Gobineau publica, a partir de estudos
aptidões mentais e as aptidões físicas, e, de outro lado, as aptidões
biológicos, hereditários e genéticos, uma obra claramente racista, dos pais e dos filhos. Essa "mer.suração" (isenta de paixões) é
o "Essa i sur 1'1 negalité des races ilumines", onde procura
que permite a "verificação" do caráter natural e hereditário das
''... demonstrar cientificamente que a hierarquia dos povos e das
classes sociais se fundamenta em diferenças biológicas. A dominação aptidões.
de uns por outros é, portanto, natural e legítima. Certos povos têm As leis biológicas ao longo de todo o século XIX subor-
uma "aptidão para um desenvolvimento intelectual indefinido"; os dinam as leis sócio-históricas. A "ideologia das aptidões naturais"
que são privados dessa aptidão podem, certamente imitar os outros,
mas a imitação não indica necessariamente uma séria ruptura com as permeia os estudos científicos e as práticas sociais deles decor-
tendências hereditdrias."19 rentes. As leis biológicas aprisionam o homem ao seu organismo,
É preocupante a redução que faz Gobineau das diferenças percebem as suas necessidades apenas como necessidades
sociais, seja entre povos ou classe, a "diferenças biológicas" que orgânicas e biológicas, "esquecendo-se" que, embora algumas
supõe, sejam determinantes. Esta é a ideologia igualitária da nernsidades sejam desta ordem, elas são satisfeitas socialmente.
burguesia. E é esta ideologia igualitária que se alimenta constr. n- É o pagamento da força de trabalho que permite au homem
temente da ciência. Uma ciência que contraditoriamente con- prover sua existência e reproduzir a vida., é o trabalho que
stitui-se em "força estranha" para. a classe operária, um deus determina, pelo quinhão pago na produção e reprodução das
oculto. relações econômicas, as condiçc3cs que permitem ao homem se
Todas as desigualdades sociais, todas as diferenças de classe perceber humano es. constituir em classe... ser operário, médico,
tomam, "assitá; a aparência de difereikattséreditárias; ¡patéticas, artista e doas seus predicados genéticos e heredítiftioè áõmó
portanto, naturais, transmitidas de geração à geração, sem pos- advogam as teorias raciais aqui brevemente discutidas.
sibilidade histórica de serem alteradas. Afinal, são as pesquisas Estas teorias constituíram-se em instrumentos de poder da
científicas que "demonstram; peke dados apresentados, esse burguesia, uma vez que. "demonstrando" dados biológicos
quadro absolutailsente inalterkel. - - isolados da Vida em sociedade doa indivíduos, ideologicamente
Fran:ration" torocum-demonstrir com _ • seus estudos, e confirmavam a superioridade de uns sobre os outros como sendo
com a aj _ , • um novo rnétodo_dentífico que as diferenças
,
cmxtitalutisquele tempo uma reduzida minoria, onde as tarantas se
19 Noelle BISSERET. Up. p. 43. litivm CO;istantemente pelo easaluyito e o facto social de que as
20 Francis Gabos': estudando a hereditariedade ãe britânicos de talento probabilidades de Exilo, mesmo intelectual, estavam e continuam a estar
excelicidisil, ve.rificonque Silos deles Ohm aparentados e que esmagadoramente desequilibradas a favor dos filhos de famílias cultas e
pertenciam a um reduzido número de (ameias. Preocupado pela biologia, bem instaladas na vida". J. D. BERNAL Op. cit., p. 1118-9.
esqueceu-se do facto histórico de que a classe dirigente da Grã-Bretanha 21 Noelle BISSERET. op. cit. p. 44. \ 00
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As evidências da "superioridade racial" da classe
dominante eram apontadas pela ciência, que com suas 2. Da Saúde do "Corpo Biológico" à Saúde do "Corpo
explicações e justificativas, dadas exclusivamente a partir
Social": O Pensamento Médico Higienista e a
do "observável", do "demonstrável" e do "quantificável",
Definição dos Hábitos da Família Moderna.
eram absolutamente irrefutáveis. O dado isolado, parcial,
unilateral é que explicava a complexidade das relações A Europa do século XVIII e início do século XIX — espe-
sociais e econômicas, é quç determinava o lugar a ser cialmente nos países cenf,ros da "dupla revolução" política e
ocupado pelos indivíduos ha produção. O particular ex- econômica, ocorrida respe
' ctivamente na França e Inglaterra —vai
plicava o geral como mão única, sem revezes, sem desenvolver através de determinadas políticas de saúde26 formas
contradições. Desse modo, os homens surgem como que explícitas de controle das populações urbanas, onde o corpo dos
determinados por uma natureza biológica que os aprisiona indivíduos e o "corpo sticial" são tomados como objetas
num terrível fatalismo hereditário. mensuráveis, passíveis de classificações e generalizações isentas
Com a certeza da determinação biológica se de paixões e impregnadas da neutralidade própria da abordagem
delimitavam os espaços de classe, se determinavam positivista de ciência.
funções de classe e papéis sociais, e se garantia, desse O corpo individual enquanto unidade produtiva, máquina
modo, a continuidade "harmoniosa" da ordem social menor da engrenasiem da indústria capitalista, passa a ser então
vigente. uma mercadoria '.., será um objeto socializado pelas novas
Se o homem é um ser biológico e todas as suas ações se relações de produção, uin instrumento a mais que deverá ser
explicam a partir de causas também biológicas como postulam meticulosamente contrigado para ser útil ao capital.
as teorias cientificas desenvolvidas ao longo do século XIX, Este instrumento a mais no conjunto das forças produtivas
ganharão espaço naquela sociedade profissionais que —o corpo individual constitui-se em bicudo Investimento do
dominem o conhecimento sobre o corpo biológico, assim poder que a nova sociedade exerce, uma vez que
como práticas que possam, através dele, intervir na sociedade.
26 No livro "Mit:púbica do Podes", Midtd FOUCAULT desaeve as
putialarMatiat dos projetosdemedidna social daraliolVidosna França,
Inglaterra e Alemanha, p.199& Ver também "De %Ma Médica
Medicina Social" de George ROSEM.
27 "...A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa
as pesquisas e todo modo de que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for
siir r4onstrução da civilização
a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Nio
ocidental... "Ordem e Progresso", tracirz-se na marcha da civilização que
imporia a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se
deve ser dinintica, mas inalterivel nas lações de poder. Em
diretamente, como meio de subsistencia, objeto de consumo, ou
conseqüência, focaliza-se a repulsão is revoluções violentas, que sio
indiretamente como meio de produção". Karl MARX, O Capital, V.1, p.
entrave ao progresso. Para que exista o progresso é necessário ordem e
41-2. No caso do "corpo", ele tomará a forma de mercadoria de modo
vice-versa". António Carlos BERGO, op. cit. p. 41.
• indireto, au seja, enquanto raio de produção.
"... o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simples- Podemos afirmar que o conhecimento médico, ao curar
mente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com
corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que antes de tudo doenças, conter epidemias, e neste sentido aumentar o tempo de
investia it sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio- vida útil dos indivíduos, significou uma certa "libertação" para o
política".' homem e para a sociedade. Entretanto, não podemos deixar de
Em sendo o corpo dos indivíduos elemento constitutivo das apontar o caráter contraditório deste conhecimento que, ao
forças produtivas da nova ordem, e constituindo-se desse modo mesmo tempo que liberta, aprisiona; transforma-se em mecanis-
em realidade bio-política, o poder de que se reveâteiii certas mo de controle por parte do Estado que o reconstrói em poder
práticas sociais que nele investem é quase absoluto. Particular- disciplinar e de modo ora sutil, ora acintoso utiliza para o controle
mente, poderíamos nos referir àquelas que se constituem a partir das grandes massas. urbanas. Portanto, o contraponto que nos
de um "conhecimento" deste corpo... biológico e orgânico tais
interessa analisar é tudo o que se ousou fazer em 1.`nome da saúde"
como a medicina, e as formas que aprimora para influir de para a manutenção da "ordem burguesa" e, neste particular, pelo
maneira coercitiva e repressiva na sociedade e no seu "modus "... efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os
vivendi", formas estas fundamentais pam a manutenção da nova exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo
ordem. corpo... através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que
Foucault29 observa que-dentro de lima maquinaria-de poder
poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o
corpo sadio ":31
estatal que tende a se estender e se afirmar durante o século XVIII, Se houve um investimento sobre o "corpo sadio", uma
a medicina, já entendida como técnica geral de saúde, assume exaltação até, como se refere M. Foucault, as concepções de
lugar cada vez mais destacado e de importância. Por sua vez, o "corpo doente" também não podem ser negligenciadas, uma vez
Médico passa a consagrar uma parte cada vez maior de seu tempo que também desempenham um determinado papel na construção
às tarefas mais gerais do ponto de vista administrativo as quais do indivíduo moderno e, sobretudo da sociedade.
lhes foram fixadas pelo poder. Essas tarefas dizem respeito à Segundo Madel T: Luz, a concepção de
prõpria dinâmica da sociedade, pois contemplam: preocupações "a...crupe doente como corpo imilviduat objeto, de intervenção
aceiCi da saúde e da doença dos indivíduos, de suas condições médica, ajuda a constimir o indivíduo moderno, este átomo de um
corpo mais amplo que a razão social ordena. A medicina, elaborando
de vida, de suas habitações, seus costumes e seus hábitos. É Reste
no discurso a artegoria, e na prática social — através da clbrica — o
momento que tem início a . formação de um saber niédico sujeito *paciente; daviante de unr quadro gerai de normalidade
addliVatmtivo... "o médico se ipaij o gimidg conselheiro e o Nédia), ajuda • eonssitstir o aMo individual como objeto de
ordenação da racionaildade social".3f
gPs_0442011:4 se mie na arte dc goyernar, pelo nienOO. na de
observar, Corrigir, melhorar o "corpo! social e manaLlo em
permanente estado de saúde."
higienista mais do que (os) prestígios de terapeuta, que (assegura aos
médicos) esta posklo politicamente privilegiada no século XVIII, antes
de econômica e soçielmente no século XIX", p. 203.
28 Mkbel FOUCAULT, Microfisica do poder, p.80. r. 4.
31 Ibid. p. 146.
29 Ibidein. p.202-3. 32 Madri Terezinba LUZ Natural, racional, social: razão médica e
30 Ibid.Michel FOUCAULT Anna ainda que é a função de racionalidade científica moderna, p. 92..

28 ORIGINIQ
De fato, as concepções, os valores e os hábitos que a ciência determinação da doença era a realidade social, absolutamente
médica desenvolveu tiveram um papel significativo na opressora, do capitalismo, a partir do século XIX. A fome, a
construção e na ordenação da racionalidade social, racional idade miséria e a dominação tinham, para esta concepção de medicina,
esta que nasce colada às exigências de saúde do "corpo biológico" uma relação direta com a origem das doenças, não sendo sufi-
para a manutenção da saúde do "corpo soCial", ou seja, para a ciente, portanto, apenas a intervenção médica no corpo individual
produção e reprodução do capital. ou no coletivo social para o restabelecimento ou o estabelecimen-
A ciência médica, porém, não possui uma homogeneidade to da saúde, corno postulava a medicina clínica. Não pode haver
de discurso e de prática. Em seus diferentes ramos, apresenta saúde sem que se mude a sociedade, pois é a estrutura social que
diferentes conceitos sobre a doença 33, a saúde, a cura. Do mesmo explica o surgimento das doenças.
modo também, constrói diferentes formas de intervenção no Este discurso da medicina social mais identificado com
"corpo social" e no "corpo biológico", chegando até a conceber os "direitos do cidadão" da Revolução Francesa ou com o
o homem para além dos limites dados pela biologia, pela química ideário socialista presente no movimento revolucionário de
e pela fisiologia, aproximando-se de um entendimento da 18405, não será dominante. Segundo M. T. Luz, serão
medicina como ciência social. Esta compreensão da medicina deu dominantes as "... concepções, teorias e categorias higienis-
origem à formação de um novo ramo no interior da ciência tas, com profundas implicações moralizadoras, com propostas
médica: a medicina social. políticas implicando adaptação de sujeitos, grupos e classes às
A medicina social34 , que se estrutura a partir do século XIX, regras médicas num processo racionalizador civilizatório".36
procurará demonstrar que a verdadeira "origem", "causa" ou No conjunto das concepções apontadas como dominantes
pela autora, terão,ainda espaço àquelas que tematizarn o meio
circundante ao homett2 (meio natural, material ou institucional),
33 Segundo George ROSE "... a doença é um processo biológico mais
adigittipto o homem. Antigo conto agdpritykla, porque é um atributo como o alvo da intervenção médica, tais como o sanitarismo,
da vida. Um organismo vivo é ama entidade lábil má um mundo de fluxo policia médica e engenharia sanitária.
e mudança. A doença e a :nade do aspectos desta instabilidade A feição da sociedade era por demais grotesca. Assumir
onipresente, do expressões das relações matáveis cum os vários concepções de medicina próprias .1t medicina social, que
componentes do corpo, atm o empoe o ambiente externo negue, existe. veiculavam:à:miséria, as condições de habitação entre outros
Como fadem biológico, aa camada doença são pomadas no reino
da milinem; na no bomma a doença poiXtai ainda uma outra dimensão:
nele &gomo Mo exime ; trata", Miado iitediada e
modilicarda nti
getavidadeabeialSer . •' 'enlatai quedai atividade liottcla Sitie& I medicina sedai, .
edite; polieWndifies?(MiXitehaji:77. • 35 PIM làã anele !Mit dittilliada sopre a participação dos médicos no
34 CriOnlitGSEttallinia qie desde rA7tTakotyrn vários médicos ' revolucionário de 1848 e da medicina como aquela capaz de
reconlietaint a recesiddade de~rmicina e a higiene levando TI TI cotia m aenças políticas própáta daquele movimento, ver
eciaillthntelo aná liaserçáo'aociãe.. inaaXque) coube ao século XIX Geoige ROSEIS op. cit., especialmente o capítulo intitulado "O que é
—4çtS dá MSS -mio cllncia social e finalmente Medicina Social? Uma análise genética do conceito", p.77-141.
lor precido e clareza o conceito de medicina social". 36 Madd Terezinba Lug. op. cit p. 94.

1
31
fatores como causadores das doenças, poderia comprometer a tomada, não haveria homens disponíveis para o serviço militar.39
reprodução do capital. Degeneração progressiva, diminuição de peso e estatura,
Mas, contraditoriamente, esta reprodução ficava com- morte. Esta era uma das faces mais horripilantes (e que se tentava
prometida exatamente porque toda esta gama de fatores apon- ocultar) da nova sociedade. Ela expressava de modo contundente
tados, inequivocamente, atacam a força vital das nações em suas a própria contradição do capital, a riqueza e a miséria. Tornava-se
próprias raízes." imperioso amenizar este quadro, não apenas com leis trabalhistas
A industrialização ocorrida na Inglaterra, Pita e por volta pois, afinal, os exércitos deli; iam ser preservados.., e a indústria,
da metade do século XI Xpa Alemanha foi acompanhada, segun- ela também se alimentava do vigor físico dos seus operários. Os
do George Rosen, de' uma "... matança de inocentes, (pois "corpos saudáveis" eram uma exigência do capital.
aqueles) que sobreviviam ao berso eram abandonados aos ternos Se, por um lado, os "corpos saudáveis" eram uma exigência
cuidados da fábrica e da mina"?' do capital, os "corpos doentes" não deveriam ser considerados
Os "cuidados" da fábrica e da mina poderiam ser como produto das condições de vida, condições essas geradas
traduzidos, ou melhor, se expressavam nas periódicas pelas relações de produção inerentes a esse modelo econômico.
epidemias, na mortalidade infantil, assim como também na Era de fundamental importância para a classe no poder, encontrar
falta de soldados para os exércitos. A debilidade física era tal outras causas que não as sociais para dar conta de explicar a
que os homens não mais atingiam a altura mínima exigida para degradação social, física e intelectual da classe operária.
o ingresso na tropa, problema que obrigou o exército francês Se as causas não podiam ser sociais, elas seriam biológicas,
e alemão, ao longo do século XIX, a diminuir, paulatinamente, físicas (meio físico), "naturais" e... morais. O discurso e a
a altura mínima exigida, pois, caso essa medida não fosse prática médica oriundos da medicina social em suas concepções
predominantes, ou seja, naquelas higienistas de forte caráter
moralizador, itorulativo e adaptativo—educativo, irão constituir-
37 s... Os problemas de saúde suscitados pela Revolução Industrial não se em instrumentos de intervenção na sociedade. Nela irão impor-
afetavam apenas o proletariado mas também as data dombutntes. Em se no sentido de altenitliábitoli, costume?, crenças-e valores. Tem
primeiro lugar, elas não ficavam imunes is epideniiiis que grassavam nos a pretensão de realizar uma assepsia neste meio rtsico — fonte de
novos centros industriais. Em segundo lugar, as mis condições de vida e todas as misérias — na Mesma medida que pretendem impor-se à
de saúde devedant reduzir significativatnesiej á produtividade do
trabalho. E, em tenreiro lugar, a sitnaçlq:daesperrultira: ara que se
encontrava a classe operária era terreno féttilparaiírarlaiiata de revolta,
que punham em perigos ordem constitufda..CoritM alar dato para •
a própria classe dominante que urgia :entediar mando-se 39 Dados ataca deste assunto podem ser encontrados no Capitel, V. I, de
condições nibbas pararpl9919r0 de Ifill4W9 IlbIT99‘.!.
_ e dar de nwd° Karl MARX. fala doa inspetores de fhladea, Man vai
:-sistemático e para que a capacidade de lialrallto:-Makoperários fosse mostrando através.datufWa %latos, como a altura dos soldados tanto em
preservada". P. SINGER, O. CAMPOStRWrie OLIVEIRA. França quanto 9:a. "AI enliaba, foi diminuindo desde o final do século
••op. dt. p. 21. - XVIII, fato ate aersparthado, por decorrenda da diminuição no nún
XI George ROSEN, op. cit. p.87. de soldados aptos para o serviço militar,°Ri
P. PP.
GINI\
32 Xe ÇP
família, ditando-lhe uma educação física 48, moral, intelectual e manutenção da ordem. A fimilia moderna burguesa bem como a
sexual. família operária desempenham uma função determinante na
O discurso higienista na Europa do século XIX veiculava a estruturação dos papéis que seus membros, individualmente,
idéia de que as classes populares viviam mal por possuírem um deverão desempenhai: na sociedade. .
espírito vicioso, uma vida imoral, liberricia de regras e que, Urna das fOrMas medicalizantes de intervenção do Estado
portanto, era premente a necessidade de garantir-ihes não so- sobre a família ocorre através da Puericultura 42, que traduzida
mente a saúde, mas fundamentalmente a educação higiénica e os como prática málica, terá um relevante papel na normatiração
bons hábitos Morais. do "corpo soc:ial-, uma vez que ela (a Puericultura) deseja uma
Poderíamos afirmar que o pensamento médico higienista, atuação sobre a forma de vida dos indivíduos em sua intimidade
elegendo a família como locus privilegiado de intervenção, na família, no trabalho, no cotidiano.
"auxilia" o Estado num processo de reorganização disciplinar da Atuando diretamente sobre a família, a Puericultura tem,
classe trabalhadora, reorganização está que é complementada portanto, um interlocutor privilegiado dentro desta estrutura. Ela
pela educação escolar e por toda o conteúdo de classe que ela conversa com a mãe sobre a criança, uma criança que precisa ser
veiculará. educada, disciplinada, cuja responsável — a mãe —, deverá
Foucault observa que, desde o final do século XVIII, a dominara conjunto de medidas médicas, que se tornam "normas"
"medicalização da familia" foi uma das formas intervencionistas de como educar as crianças, cuidar de casa, do- marido e de um
utilizadas pelo Estado para moralizar e domesticar as classes espaço que, de um outro ângulo, a sociedade vai delimitando à
trabalhadoras cujo mulher. ktransmissão de conhecimentos e valores, bem como a
"... corpo sadio, limpo, válido, o espaço purificado, límpido,
estabilização, a harmonia da família, ',usam a ser de sua respon-
arejado, a distribuição medicamente perfeita dos indivíduos, dos
lugares, dos leitos, dos utensílios.. constituem algumas das leis sabilidade, e a figura da mulher mãe aparece como ideal. Eia será,
morais essenciais da fatitifialltdestkeesti apago a família se tar-
iota agente mais conálantidirinergealfraçãant
A ênfase dada pelas inStituiiixieS à família no decorrer do 42 "A Puericultura... surge em fins do século XIX, na França, e propõe-se
século XVIII, acentuada no -séCulo XIX é fundamental para a a nonnatirta todos os aspectos que dizem respeito à melhor forma de se
cuidardasèdenças,_ com vistas"-à obtenção Os uma saúde sed
-•
suta prlitéiaihtrinte atrard# da voz dosenérlicss, dingisse4 ã todas
40 2o l adene trabalho o.ternin. o (bica" escrito com letra criaKet,laliniatiniente, Más se colocará como mais necessita àquelas
i— aos é higiénicos considerados qú1àis às meio SSI désfiniavel; aia intlieni riscos paia
pia-adie mmaio -c i r 4-
ss doença e manutenção ilaildeMste Sm to que se podeapootar o seu caráter
, • q.- -
da iiate. importante acatua que, para os Médicos, os exercícios porchiïianiunia situação que é efeito e a transforma em causa: pensa as
- física aia entisideraditest krgienica, portanto integravam istkarNItes de saúde como conseqüência de uma falta de
asa "educação flaica".Trodavia; figis seda prudente afinnar que toda vez inforonções por parte das pessoas e não como reflexo de uma
que Os:nédias acrania-ha; oé Iinj4einentam medidaspaia viabilizar situação devida em que a aí saúde e a ignorarias fazem pane de
a altraçãO (Uca, os exercidos fidas estejam presentes. uma única condição de inferioridade social...". Maria D. NOVAES, A
41 Michel FOUCAULT, op. cit. p. 199-200. Puericultura an questão, p.11.

• •
I
35
portanto, a peça fundamental no interior das estratégias sociedade industrial, que lhes permitia no máximo alimentar-se,
elaboradas para a domesticação da classe operária. Para isto, acabavam não dispondo de tempo algum para cuidar de seus
deverá ter um lugar apropriado "dentro do lar", ela será a "mulher filhos, perdendo-os muitas vezes pela total falta de cuidados
"... Essa exploração irrefletida do trabalho das mulheres ameaça a
do lar", a "mãe dedicada", a "salvação do homem".., será o longo prazo as forças produtivas da nação. Ela se faz cúmplice de
instrumento privilegiado para desencadear o processo tuna destruigo da família através de um odioso abuso do poder
racional izador civil izatório da classe operáriá43. patriarcal."
O pensamento positivista irá reforçar, ou melhor, respaldar A necessidade de se criar em torno da mulher um conjunto
esta concepção de mulher. de tarefas qme ideologicamente só poderiam ser por ela
Augusto Comie" afirmava que a mulher deveria ser susten- executadas tomava-se absolutamente indispensável. E é dentro
tada pelo homem, pois somente assim ela seria capaz de preencher de um quadro de ameaça à produção, que a "educação" da mulher
convenientemente seu "santo destino social", uma vez que, para torna-se fundamental para a manutenção da ordem.
oculto positivo, a mulher enquanto "sexo afetivo", é considerada Segundo J. Donzelot46, a mulher passa a ser preparada para
como a providência moral da espécie. É ela que, sistematiza a a vida familiar e para o casamento, e as carreiras profissionais que
família, "base moral da sociedade", fazendo nela prevalecer a a ela se abrem nada mais são do que um prolongamento de suas
influência feminina, "... transformada; enfim, em supremo atividades domésticas.
árbitro privado da educação universal." O enquadramento da mulher como "mulher mãe", "esposa".;
Este discurso positivista sobre a mulher se colocava como "dona de casa", fundamentava-se em descobertas científicas41
resposta aos problemas inerentes às relações de produção próprias
do capitalismo.
O valor pago pela força de trabalho feminina era infinita-
45 Jacques DONZELOT, A Policia das Fandlias, p. 39.
46 Ibidem. p. 41-2.
mente inferior àquel,t, pago pela força de 'trabalho masculina, 47 E. DURICHEIM descreve pesquisas nas quais, ao serem comparadas uns
criando assim uma aparente rivalidade entre ambos, rivalidade grande número 4, crânios selecionados em sociedades e raças distintas,
esta necessária para ocultar o verdadeiro rival do trabalhador, o pode-ie chegar a segaranii —tiehittio:"... O volume do Moio do homem
e da mulher mesmo rpm:idoso amparam pessoas de igual idade, estrutura
capital.
e peso iguais, apresais diferenças considedveis em favor do bornal c
O capital impunha detertninadas condições de trabalho, ata desigualdade vai Ipalrneide casando cont a civilização, de maneira
visando o lucro e a sua própria reprodução, fazendo com que os -que, do paro de viaia di Itinsa e. por conseguinte, da inteligência, a
lidarem perdessem seus empregos para as Mulheris, uma vez que munia barde a difenirrekiruire Ceda vez mais do homem". Da divisão do
eg.executando a mesma tarefa, recebiam salários menores. As trabalho social, p na À ià&tÕmla frenológica de GO "comprovava"
muilieres além de exploradas pelo propg„,^4.141pithiPalho na também a inferioridade ai: -Otillier em relação ao homem. Sn
infetioddade portealei'jfeeridida-pda ptedominbacia, na malar, das
"faculdades afetiva:e, enr-40Mieriro das "faculdades intelectuais" nas
43 Nilson do Rosã rio COSTA, Estado, educação nOCiççjviet a higiene da "...Cal! observekire eirtiiibities tern geralmente a cabeça asais volumosa
vida colidiana. C.adernos CEDES 84 1983,p. 8, na pane posteriOr e a finde mais atreita, (e Gall) atribui as panes
44 Atipsto COMTE, Catecismo positivista, p. 131. posteriores do cérebro às faculdades afetivas c as Fanes anteriores às

• 37
36
que imputavam à "natureza", e não à sociedade, as diferenças A habitação passa então a construir-se neste quadro em espaço
entre homens e mulheres em relação ao espaço que ambos privilegiado da mulher, essa "salvadora" da moral e dos bons
poderiam ocupar na produção. O espaço da mulher seria o lar, costumes. É a habitação que lhe permitirá, enfim, tirar o homem
pois esta era uma exigência da produção. O que se cria em torno das ruas, dos cabarés, do vicio.., moralizá-lo e afastar dele todos
dela e sobre ela tem a função prescípua de pres-ervar a capacidade aqueles que forem estranhos ao ambiente doméstico.
de trabalho da classe operária e fazer da mulher um indivíduo Segundo N. R. Costa50, os higienistas da Europa do século
capaz de veicuktr valores e de internalizar e disseminar práticas XIX lutavam ferrenhamente contra a "insânia e a imoralidade"
higiênicas moralizadoras. do que foi herdado do antigo regime naquilo que se refere às
Com seu "trabalho doméstico", revalorizado e colocado à habitações populares, locais assumidos até então pela classe
altura de profissão, a mulher poderá operária como abrigo, refúgio, local de defesa e de autonomia...
"... introduzir na vida operária, elementos de higiene relativos a
Era necessário, portanto, organizar um outro espaço, um
criação das crianças, a alimentação, a regularização dos compor-
tamentos cuja ausência aplicava a freqüência das mortes espaço que fosse amplo o suficiente para ser higiênico, porém
prematuras, das doenças, das insubordinações: o hábito de viver em pequeno o bastante para que não mais que uma família nele
casas de cómodos, de fazer as refeições em tavernas, de preferir, em
pudesse morar. E este era o novo "reino" da mulher popular... o
suma, viver na rua, viver em cabarés, não está no princípio dessa
decadência,. física e dessa independência moral da classe ambiente que ela, através de sua competência doméstica, deveria
operária?' tornar atraente e dele ser vigilante... "Se o homem preferir o
São esses hábitos a "fonte de toda a miséria" da classe exterior, as luzes do cabaré, se as crianças preferirem a rua, seu
operária. É preciso reorganizar suas vidas, alterar radicalmente espetáculo e suas promiscuidades, será culpa da esposa e da
seus hábitos... redefinir o seu espaço de vida. As propostas mãe...51 •
sanitaristas49 se encarregarão de executar esta "nobre" tarefa lhes Desse medo, a classe no poder isentava-se de qualquer
outorgada pelo
. Estado. E em nome. da "saúde"
, que se fará uma responsabilidade,. e o agravamento da decadência física e da
assepsia no meio físico.., e será promovido o uso higiênico da degradação moral da classe operária passava a ser sempre
habitação. atribuída a ela mesma, quer seja através da culpa sobre os ombros
E é assim que os programai de habitação popular surgem da mulher, queilleja sobre toda a família:a sua resistência a novos
corno mais um instrumento de coetroie social da classe operária. hábitos, a Sig§~lis a strainsensatei -
At ettial:Wiiide inclitininititildade, sempre mais altas
katlaWisetietnahr, lélf•JOitellán apue, brandir Freire no aiiiiitAiró; jiiiásani a ser de- responsabilidade da
COSTA:tina Inediaí tern figaray?li 2%38. família CL partieldarmente.
_ da mulher. E é assim que coo-
48 lacqueiD~fr.e. Hãs: _ traditoriamente num mesmo momento de grandes . des-
49 'V sanitarismo representou uma IN: "4~ de forças em nulos do -- .
&gado que pramMa a possibilitlide é empreender (...) reformas e o
desanrolvimento dokseniços de saúde representou uma concentração de
poder em mãos dos médicos". Gerson Zanetta UMA, Saúde escolar e 50 Nilson do Rosário COSTA, op. cit. 8, p.9.
educação;p183) ; 51 Jacques DONZEIDT, op. cit. p.46.
„ (s
:

29 4, • 3' . 39
operária, cujas reivindicações principais seriam atendidas através
cobertas científicas52 como foi o final do século XIX, venha
de medidas que não atingissem o essencial, ou seja, o modo de
a ser reforçada a
"Tendência ideológica de pensar a doença... como resultado da
produção capitalista. Em contrapartida às medidas "concedidas",
responsabilidade individual, (outorgando-se), à classe dominante... Estado se encarregaria de desenvolver novas formas de controle
uma tarefa humanitária e filantrópica — educar, esclarecer, civilizar ideológico. A extensão da escolarização primária, assim corno
enfim esses "novos bárbaros" Rtja ignorância e incúria seria a
própria causa de sua vitimação."'
dos serviços de saúde, representariam duas importantes formas
São os médicos higienistas que, investidos de uma de controle ideológico inovadas pelo Estado.
autoridade que lhes outorga o Estado pelo conhecimento que Em nome da saúde, da ordem e do progresso, o poder médico
detêm sobre o "corpo biológico" dos indivíduos, vão pensar e esqtiadrinha os espaços de vida dos indivíduos e as suas próprias
implementar estratégias de "bem viver", uma vez que"... adoecer vidas ao definir normas... regras necessárias para a manutenção
deixava de ser uma problemática social e passava a ser uma da saúde de seus corpos biológicos, individuais. O poder médico
questão de conhecimento, de boas práticas de vida, de limpeza e não mais irá perder-se em elucubrações e tergiversações sobre a
de higiene individual"» causalidade entre pobreza e enfermidade "... cada pessoa é
Não pairam dúvidas sobre a intensa queda da mortalidade tratada como indivíduo a ser higienizado".56
observada nos países europeus em fins do século XIX após As tecnologias políticas que investirão sobre o corpo, sobre
"medidas de saneamento."5 Entretanto, a grande melhoria da a saúde, sobre as formas de se alimentar e morar serão traduzidas
qualidade de vida da classe operária neste período não se deve, pelo discurso da boa higiene que irá postular as "regras de bem
exclusivamente, ao saneamento, mas sobretudo a sua própria viver, as quais, uma vez "conhecidas", permitiriam o alcance da
resistência e organização enquanto classe. tão almejada "saúde". Entretanto, o que este discurso omite é que
O último quartel do século XIX traz uma importante são g condições sociais e as diferenças de classes que impedem
transformação nas relações entre o Estado burguês e a classe pleno acesso às tão decantadas regras de "bem viver e não o
seu simples "(des)conhecimento". ID pensamento médico
higienista vai criar um universo de modos, atitudes e saberes (que
52 "O desenvolvimento da medicina bacteriológica (por exemplo) permite a devem ser conhecidos) e que são requeridos pela civilização
recondução da prática média aos limita do orgânico (e assim) o burguesa para a manutenção da ordem. Dentro deste quadro
desenvolvimento do estudo das doenças infecciosas (não seda) político, social e:econárnia) é. elaborado mais uma forma de
_ perturbado por considempies sociais e reflexões sobre política
intervenção MI realidade social, a qual operará tanto ao nível
Ma" Maria Cecilia F.DONNANGELO. tLálz PEREIRA, Saúde corporal dos indbilduos isoladamente, quanto ao nível do "corpo
e sociedade, p. 58.
53 Gerson Zanetta de LIMA: op. cit. p.84-5. social", quando tornada hábito. Estamos nos referindo à
54 Ibid. p.84. Educação Física, que já no sáado XIX chega aos foros científicos
55 Sobre o; índices de queda de mortalidade, qusldgç 9ç *II, condições
de trabalho, ver?; SINGER, CL CAMPOS e Eltdé OLIVEIRA. Op.
cit., especialmente o capitulo intitulado "Da revolução vital à
mal icalinção da sociedade", p.37-62. 56 [Mem. p. 25.

1O)-5d •
40
com seu conteúdo médico-higiênico e com sua forma disciplinar
vortada ao "corpo biológico" (individual) para, a partir dele,
moralizar a sociedade além de "melhorar e regenerar" a raça.
A Educação Física construída por uma sociedade
naturalizada e biologizada será então tomada como a "educação
do físico", e associada diretamente à saúde do "corpo biológico"
(leia-se Os médicos higienistas, imbuídos da certeza que "EM NOME DA SAÚDE DO CORPO SOCIAL..."
detinham uma maior competência para redefinir os "hábitos" da
família moderna, não poderiam ter deixado de influenciar de
maneira decisiva o referencial de conhecimentos necessários para
o desenvolvimento da Educação Física, um mecanismo a mais
utilizado na construção do homem novo, cste sujeito do capital. 1. Instituição escolar e Educação Física:
"contribuição" para manter e prevenir a saúde do
corpo social.
No segundo quartel do século XIX, a burguesia européia,
particularmente aquela dos pa:ses centros da dupla revolução, já
dispunha de elementos suficientes para afirmar que a força física

de uma nação interfere em sts prosperidade. Já havia, naquele
• momentó, o entendimento por parte dos proprietários dos meios
deprcduSque,q vigor físico
_ dos trabalhadores
= era essencial
paraoavançoi capital.
O corpo 40as indivíduos, enquanto mais um instrumento da
produção, passava a constituir-se em locas de preocupação da
CS se net- Tornava-se neceasário_nele investir. Todavia,
esseilnãfl3fl-deVCila ser limitado para 'que o corpo nunca
1 Era prtsciso
Pudes4WaléJ de_ um corpo de um «bom animar.
Inrelhe o vigor
_ físico desde cedo. discipliná-
,
lo enfim; para sua função na produção e reprodução do capital.

1 Esta expressiio 6 utilizada por Herbert SPENCER, apud Rui Barbosa,


Obras Completas, V.10 p.75.

4^ 43
1177111 sociedade de classes. "2
não é um fenômeno acidental dentro de
Concorrerão para este adestramento e disciplinarização Concordamos com A. Ponce e reafirmamos que a educação
diferentes instituições sociais. Ao longo deste trabalho, já fizemos é um fenômeno não isolado das demais políticas sociais. Não
referência ao investimento realizado pelo Estado (em associação ocorre por acaso, descuido ou acidente. Ela integra de modo
aos interesses estabelecidos), no corpo dos indivíduos através de orgânico as formas de difusão de uma determinada mentalidade,
urna medicalização da sociedade. O significado político- homogeneizando as vontades, os hábitos e criando uma certa
ideológico que assume essa medicalinção no contexto europeu
coesão social.
de fins do século XVIII e século XIX é inegável. Referimo-nos
. Calcado no liberalismo, aqui entendido como liberdade de
ao que se cuseou fazer, e se fez concretamente em nome da saúde 'pensamento e ação individuais em oposição a ação social or-
do povo, para a manutenção da ordem burguesa. ganizada, o fenômeno educacional e a escola - enquanto espaço
Ao tratarmos neste capítulo de instituições sociais que institucionalizado para sua difusão - vão adquirir diferentes con-
contribuíram para a disciplinarização da classe trabalhadora, não tornos em função dos interesses de classe no poder. Isto porque
podemos deixar de fazer referência à Instituição Escolar, a qual o liberalismo, enquanto ideologia que dá sustentação à burguesia
complementa de modo orgânico o processo de construção do não foi sempre o mesmo em seu processo de estruturação e
homem novo idealizado pelo Estado burguês. As políticas de difusão. Ele foi progressivamente se alterando e ajustando-se às
educação escolar, juntamente com as políticas de saúde em suas necessidades que se colocavam como expressão do avanço e da
expressões higienistas e sanitaristas, completam o cerco ao consolidação do capitalismo na Europa: seja para dirigir a luta de
trabalhador. toda a sociedade para derrubar a antiga ordem (aristocracia,
Particularmente no âmbito da Instituição Escolar, interessa- clero), seja para criar condições subjetivas de aceitação da nova
nos analisar como um determinado conteúdo - o exercício físico ordem política, econômica e social, identificada pelos ideais de
- vai sendo construído a partir de conceitos médicos. Neste progresso, liberdade, democracia e desenvolvimento.
sentido, é importante
, saber como ele contribui para veicular, entre Os direitos básicos que aparecem nas declarações
outrak a idéia da saúde vinculada ao corpo bielOgico; corpo revolucionárias norte-americanas e francesas, do século XVIII e
a-histórico, não determinado pelas condições sociais que demar- XIX, tais como: o direito à liberdade, de trabalho, de crenças, de
cam o espaço que irá ocupar na produção... corpo de um "bom
¡aluir expressão de pensamento e de justiça, direito que engloba os
_ _. demais e afirma o caráter jurídico como dominante, são armas
japansão da aseplajanária, Juntamente com as ri!edidas burguesas na conteillçãO dá ordem existente (o antigo regime).
Ougas çle inteMpção np. !Iteio físico e -C!*!-,ri-;gia da
' vel", A sociedadr: igtálitária apregoada pela burguesia
"ima higiene" através de puas "regiaa -cde-14 ?Má revolucionária esittbelecetse apenas por princípio jurídico de
donatitittrarOe 0~04 de iontroleaódiagililado e,
direito, mas não i,tiii4:Mesmo porque igualdade não significa.
de outro, -de difusão de um saberPitiprio'deNt.41asse - a
de modo algum; rigurgada material, uma vez que os direitos
burguesia, pois, como assinala A. Ponce,
a educação é um processo mediante o qual as classes dominan-
tes preparam na mentalidade e na conduze &is CSiaitças as 2 Anibal PONCE, Educaçiío e luta de classes, p. 169-77.
condições fundamentais de sua própria existência... it educação


• 45
fundamentais são independentes do status ou função social. Para Vejamos como se expressam, nos diferentes países da
o pensamento liberal clássico, os homens não são iguais em seus Europa, pensadores sociais da época - aqueles que formularam as
"talentos" e "capacidades individuais", logo, não poderão sê-lo bases da educação liberal.
em relação às riquezas materiais, porque estas nada mais são do A referência aos pensadores liberais clássicos coloca-se
que a recompensa de seus talentos.
como fundamental para este trabalho, uma vez que são as suas
Sendo todos os homens dotados individual e naturalmente icaléias sobre a Educação Física que irão servir de base filosófica
detalentos e vocações, sua posição na sociedade será determinada e pedagógica para o seu desenvolvimento ao longo dos séculos
pela sua condição individual/natural, independentemente da XVIII e XIX.
classe social ou credo religioso a que pertençam.
John Locke (1632-1704), teórico político liberal inglês, é
A educação escolar, na fase em que a burguesia é ainda aquele pensador que "de fato" reconhecia a igualdade -de
classe revolucionária, preocupar-se-á com esse homem abstrato, direitos" entre os homens, fossem eles ricos ou pobres. Entretanto
universal e natural, procurando desenvolver nele suas aptidões, para ele, a ordem social já se encontrava estabelecida: existem
talentos e vocações, para que, a partir desse desenvolvimento, ele ricos e pobres. Sendo assim, a instrução que cada um deveria
possa participar da vida em sociedade na exata proporção de seus receber é tudo quanto fosse necessário para que esta ordem se
valores intrínsecos. Desse modo, a educação escolar estará con- mantivesse. Para os ricos, a instrução deveria ser de tal ordem que
tribuindo para a justiça social, uma vez que, com base no mérito estes pudessem ser governantes do estado e bons administradores
individual e não mais no nascimento ou fortuna, levará a de seus negócios particulares; para os pobres, a instrução deveria
sociedade a ser hierarquizada.
ter por finalidade devolver-lhes a obediência, extremamente útil
. Uma sociedade hierarquizada, com indivíduos desempe- para uma existência virtuosa. Locke foi preceptor do neto de um
nhando funções absolutamente distintas na produção, era uma conde, um jovem "gentkman", figura que sempre aparecia em
necessidade do capitalismo um modo de produção que cria suas formulações,- pedagógica-E- é tendo por-referência- cise
necessidades. A instruçãO do povo era Uma delas, uma vez que jovem que Locke chegou a discutir o conteúdo da educação, o
os avanços da indústria e das novas técnicas introduzidas
no qual deveria fornecer conhecimentos mais úteis para a vida em
maquinário exigiam um mínimo de instrução. Para
manejar o sociedade4 .
instrumental do seu tempo, o operário Ou camponês deveriam
çon1e410 4aeducação PeeconizadP Porçogke deveria
dominar osrudinientos da What ó Sei In:ia-Mos de acordo com iikkir o Medo. consideradti útil em escritórios, oficinas e até
a fbagatherria
, r pára-a quifestkdetffl----tia
- dos.
- Muni& nt 4uastânss !miras da Vida cotidiana. Ele também
./-• A itkOlogia daraptidõerSialit, 'dos talentos, das achoprbeÍflacÕnselhara introdução da escrituração cometeial,
)71ilás-CiO:iiidiVidual-bereditário- conliectr
.• éaiteõessário e bastante útil para se obter uma correta
caPacidad:Sti"""-
'biológico, estavam ntt baseadás
oc-"S~ . Heducitc jr-
we • 1•

••••••••
final noçao dos gastos e conhecer seus limites Além do cálculo e da
, do .século-XVIllysinicio ^do século XIX Estas concepções, escrituração 'conte:tia!, o estudei da Geografia, Aritmética,
, embora inteieilteni algiiinaidiferinças em suas formulações, na História e Direit.O.Civil deveriam completar O conteúdo da
'sua essência postulavam urna educação de classe. E é nelas que educação. Uma educação que deveria preparar técnica e politica-
vamos encontrar a preocupação com a "Educação Física". mente os quadros para, a consolidação de um outro Estado, um
. •

44
Al
estado liberal cujo livre comércio e a livre produção seriam Para Locke, um aspecto importante da educação cava-
garantidos. lheiresca deveria ser incluida a essa nova noção de educação: o
Estas formulações de Locke sobre a educação completavam cuidado com o corpo, que figurará nas concepções pedagógicas
conjunto de argumentos por ele utilizados na crítica ao Estado liberais, ganhando maior destaque e sistematização na segunda
monárquico absoluto, cuja existência se converte em obstáculo fase do liberalismo, fase da burguesia enquanto classe contra-
ao desenvolvimento das forças produtivas necestrias à revolucionária.
implantação de uma nova ordem política, econômica e social que, Se Locke interpretou as idéias pedagógicas da burguesia na
baseando-se na liberdade, igualdade e prosperidade, consolida, Inglaterra, Rousseau foi aquele que, na França, deu suporte aos
comi' natural a acumulação capitalista. ideais de educação sustentadas pela Revolução Burguesa de
Segundo A. Ponce, a incorporação dos conteúdos propostos 1789. As formulações teóricas de Rousseau contribuíram, de
por Locke à educação do "jovem gentleman" indicava uma modo decisivo, para o desenvolvimento das idéias educacionais
mudança de orientação da nobreza em relação aos negócios do do fim do século XVIII e século XIX. Grande teórico da
Estado, urna vez que democracia liberal, Rousseau, assim como Locke, postulava uma
comércio e a indústria haviam diminuído as distâncias que exis- educação de elite, uma educação para um aluno ideal - o seu
- riam entre o burguês--e o nobre, haviam introduzido a necessidade de
novos métodos na educação, e, acelerando o processo científico,
"Emílio" =um indivíduo suficientemente abastado para poder
minavam cada vez mais dogmas veneráveis. Mas, não se tratava manter um preceptor que o acompanhasse por todos os lugares e
apenas disso, eles afrouxavam cada vez mui os entraves que o que o orientasse em todos os momentos de sua vida.
feudalismo impunha a sua própria expansão...
Não havia em Rousseau urna preocupação com a educação
Era necessário, sobretudo, lutar contra todas as barreiras que da população em geral, do mesmo modo que em suas formulações
feudalismo impunha. Liberdade de comércio, de crenças e de pedagógicas não existe a preocupação da preparação da criança
idéias.
para a sua vida de adulto, no sentido de moldá-la de uma deter-
Particularmente no que se refere à liberdade de crenças e minada maneira. Para ele seria preciso ter em conta a criançt,
idéias, a burguesia tinha como interlocutor a igreja. Os- seus fonte primeira da educação; são suas necessidades, seus impulsos
dogmas seculares precisavam ser rejeitados e, assim lentamente, e sentimentos que estabeleceriam as linhas gentis do seu "vir a
tomar-se-ia possível para a burguesia separar a fé da lei.
ser", um "vir a ser" que ocorreria, evidentemente, com o auxílio
Essa rejeição à igreja se expressa no conteúdo da educação
inteligente do mestre. ..
quelibiarguesia quer construir: uma educação utilitiriatiirática,
Em á. 0 "Erniiip", obra na qual coloca as suas impressões
egimenecessidadcsda indústria e do comércio, urna ttcaÇão
sobre a eduCação ditCliatiça do jovem, Rousseau se refere a unots5(
que cOjtiriponda às necessidades da sociedide, eifillitAtte seja
-- nova maneira _cleAte4xluixtr; exclui os estudos especulativ
útil -paina Vicia. •
evidencia a neces4dti4e4eensinar não muitas coisas mas aquela.'(
que são úteis, cq'ititeniiiiiicesso de livros para as crianças que,yes
segundo ele, matam a ciência, advoga um maior ~tato com a"
3 Anibal PON.CE, op. cit. p. 107 natureza, preconiza uma vida ao ar livre e a prática de exercício.1101


48 49
Tais postulações nos permitem afirmar que em Rousseau está instrumento de ascensão social e prática capaz de promover uma
contida uma proposta de redescoherta da educação dos sentidos. igualdade de oportunidades.
Quanto à questão específica da importância dos exercícios A França revolucionária constitui-se em espaço onde a
físicos na educação, Rousseau foi aquele que, como Locke, crença na educação como prática capaz de promover mudanças
dedicou-lhe especial atenção. PodemoS afirmar que é Locke, num é radicalizada, transformando-se em propostas que, no limite, se
primeiro momento, e Rousseau, num segundo, aqueles que for- tornam leis.
necemos elementos essenciais que serão desenvolvidos no século A expressão desse radicalismo liberal com relação •à
XIX sobre a necessidade e a importância do exercício físico na educação pode ser sentida através daqueles teóricos que vieram
educação do homem. Nas páginas do seu "Emílio" Rousseau não a participar de modo mais direto na Revolução Francesa, dos
deixou de contemplar os exercícios físicos, sugerindo que, se há quais o protagonista mais significativo desta nova fase na França
o desejo de cultivar a inteligência da criança é necessário cultivar foi, sem dúvida, Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de
as forças que a regulam. Assim, o exercício contínuo do corpo Condorcet (1743-1794).
tomará a criança forte e saudável e, por conseqüência, a criança Mesmo não sendo um profissional da educação, Condorcet
será inteligente e cheia de razão. Sugere ainda que é preciso deixar dela se ocupou, elaborando propostas práticas para a solução dos
a criança correr, gritar, fazer, trabalhar, enfim, deixá-la ser um ser problemas a ela inerentes. Para ele, as soluções seriam efetivadas
de vigor e prontamente o será de razão.4 através de um plano de ensino, o que visava a construção de um
Os princípios político-democráticos formulados por Rous- sistema público, gratuito e laico de educação, cuja finalidade seria
seau, nos quais estão presentes a sua concepção de Homem como estabelecer uma igualdade de oportunidades.
ser universal, liberado e pleno - o homem total que se expressa A laicização, democratização e politização da instruão
em Emílio - tiveram grande influência nos educadores da época passa a sa objeto de discussões políticas nas grandes assembléias
e, particularmente, mis primeiras sisteMatizações sobre a legislátit;Ak.: declitiriçÕes- revOlueimiliiail na França e na
Educação Física. América" trazem consigo a exigência diurna instrução universal.
Com Rousseau, de modo mais evidente que em outros Corxiorcet será aquele que, cont o advento da Revolução
pensadores liberais, a qtaestãO do exercício físico ganha espaço e
Frau9Ss1Q c 17899. COMO deputado For Paris à
Paz?" !MT ”Is OCT do liárado burguês. Essa Assembliii4itidativa e -será encarregado Pdo Legislativo de
Pn~ 0%.de

vamos eartióigrar., mais tarde, com
tal PrOPM.9.1!Ç. redigir uni /Mio ieliitivO à Instrução-pública na Fiança Onze
LoPPelkfia Coodorc4OMMMIEttffaco_CoMo Porte integrante anos =lá tard.4
: em abril de 1792, o projeto de Condorcet torna-se
da fontaastio moral e intelectual do ciadão. famoSOrat . como "Raport sul; Pinstruction publique"?
Piii p'pensamentO liberal,Ott , iscgrOlos físicos fazem Parle projeto Condorcet concede ao Estado o poder de
da educação. A educação paimVa ter considerada como • cóntnla(p etiáino e o obriga a dar ao povo instrução. Ele
. -
_
5 Sobre o assunto consultar E. BADINTEFt e R. BADINTER, Condorcet
4 Jean Jacques ROUSSEAU, Emílio, 1990 V.I. un intelectuel dans la politique.
• •

e•

diferencia a instrução da educação e enfatiza como dever do as crianças. Daí a necessidade de "adequar" o ensino em graus,
Estado a primeira, deixando a segunda, mais voltada às crenças de modo a que todas as crianças tivessem acesso a algum grau,
filosóficas, religiosas e morais, a cargo dos padres. de acordo com os seus "talentos", o que, em outra perspectiva,
Enfatizando a instrução laica sob o domínio do Estado, o nada mais é do que classificá-las de acordo com a sua condição
Marquês acreditava que nenhum "talento" passaria desaper- de classe.
cebido, e que todos os recursos até então somente ao alcance dos As escolas laicas, públicas e gratuitas que Condorcet
ricos estariam agOra ao alcance de todos. Difundindo 'às luzes, propunha para todos não eram freqüentadas por todos. Apenas a
seria possível multiplicar as descobertas científicas e, desse pequena e média burguesia tinha acesso a elas. As crianças do
"modo, o poder do homem sobre a natureza. povo não as freqüentavam por uma razão multo simples: elas
As ciências deveriam tomar o lugar até então importante precisavam trabalhar para sobreviver.
ocupado pelas letras, as faculdades de teologia deveriam ser A proposta de Condorcet, nos moldes em que pensou a
suprimidas, pois o estudo das ciências é mais eficaz que o da educação, não foi a única. Outros pensadores liberais também
filosofia no combate aos preconceitos e a mesquinhez. A. Ponce fizeram projetos na mesma perspectiva.
observa que "... como orientação geral, não era possível inter- Louis Michel Leppelletier de Saint Fargeau (1760-1793),
pretar de melhor maneira o espírito da burguesia nesse instante: — político francês eleito em 1789 como presidente do Parlamento
científica, cética e prática...". de Paris e deputado da nobreza aos Estados Gerais, elaborou,
O espírito científico e prático da burguesia revolucionária, assim como Condorcet, um Plano Nacional de Educação, trans-
bem interpretado por Condorcet, pode ser apreendido num dos formando-o em projeto que foi votado no ano de 1793. Em seu
objetivos do seu Rapport: plano, o sistema nacional de educação é concebido como peça
"Assegurar a cada um a cultura que desenvolverá plenamente os chave para o desenvolvimento do novo regime político e social.
diversos talentos pessoais. Para isto, é necessário que a instrução
o
varie segundo a natureza e potencial, que ela se diversifique, por
Pela educação formar-se-ia o homem novo, liberto da sujeições
assim dizer, de acordo com cada indivíduo. É neceiérlrio, For outro da antiga ordem e da fortuna de nascimento.
ládo, que ela seja Propordes& ati-teripo que Cadaste-lindo sua Assim como outros teóricos liberais de seu tempo,
situação econômica, passa dar aos estudos É necessário então obser-
var essas diferenças e estabelecer diversos grani de instrução de
Leppelletier fala da igualdade, gmtuidade e
acordo com elas de modo que cada aluno percorrikintris áf menos obrigatoriedade do ensino e postula a sua laicidade.
segundo o grupo de que tapada s e sua maior ou uretra, futilidade de Em relação ao conteúdo educacional, será Leppelletier o
teórico quó abrirá espaço pan. os exercícios físicos em suas
;•ibildentemente, o tempo pata percorrer os dikájtlett,!!graus
propostas pedagógicas, as quais passam a ter caráter de lei. Sobre
de enaltior e a "facilidade" para aprender não era filial tora todas
os exercícios físicos, assim se expressa:

6 Anibal PONCE, op. cit. p. 140.


O objetivo da eduCaplo -nacional será fortificar o corpo e
desenvolva-kg* pieis de exercícios de ginástica; acostumar as
crianças ao tilItirdas; mãos: endterecê-las contra toda espécie
*
7 Luis Antonio CUNHA. Educação e desenvolvimento social no Brasil.
p. 42.
de cansaço, dobrá-las ao jugo de tema disciplina salutar, formar-
lhes o coração e o espírito por meio de instruções úteis; e dar co-
ó'
P

52 53
nhecimentos necessários a todo cidadão, seja qual for sua
profissão... "8
De fato, o pedagogo alemão contemplou a ginástica na
Esta seria a educação capaz de formar homens completos, escola, organizando o currículo de tal modo que ela viesse a
necessários para desenvolver e aprimorar a nova sociedade e, figurar como parte integrante da educação escolar. Suas
portanto, deveria ser um "direito" de todos os Cidadãos. Porém as atividades eram assim distribuídas ao longo do dia: "...5 horas
por dia para o estudo; 3 horas para a recreação, que compreendia
propostas teóricas não são colocadas em prática para todos e este
"direito" mantém-se apenas no discurso, assim como a liberdade a prática de esgrima, da equitação, da dança e da música, e 2 horas
e a igualdade. para os trabalhos =nua is."1° •
As propostas pedagógicas liberais refletem as contradições Um currículo tão diversificado e rico poderia destinar-se a
do poder e a tomada deste mesmo poder em nome do Homem todos? Basedow realmente desejava uma escola para todos. Só
Universal. que esta escola não seria a mesma para todos.
Assim como a França, a Alemanha também busca criar as A. Ponce, analisando a obra de Basedow, evidencia a super-
ficialidade das ca
. locações de Accioly acerca do pensamento do
condições institucionais para educar o homem universal. Seus
pedagogo alemão, do seu Philantropinum e de sua concepção de
pedagogos foram formados e influenciados pelos ideais fran-
ceses, particularmente pelo naturalismo romântico de Rousseau educação. Ao abstrair a importância dada por Basedow à
ginástica, Accioly coloca-o numa posição mitificada, o que lhe
e a educação de "Emílio".
Johan Bernard Basedow (1723-1790), um pedagogo impede de perceber, por exemplo, a visão de classe -do autor em
alemão, cria em 1774,o Philantropinum, uni estabelecimento de questão. Vamos verificar como Basedow pensava sua escola para
ensino para aplicar em maior escala as idéias de Rousseau, o qual "formar os cidadãos do mundo"; segundo os estudos de A. Ponce:
"Antes de tudo, ele distinguia dois tipos de escolas, uma pata os
exerce grande influência em seu pensamento pedagógico. O pobres e outra pira os filhos dos cidadãos mais eminentes. "Não Itã'
objetivo do Philatropinum seria o de formar os cidadãos do qualquer inconveniente eu separar as escolas grandes (populares)
mundo tornando-os aptos a unia vidá ,Maik.fitil e também mais daspequatattpain-ostrian e também paina classemétrad-porqwe é
muito gritada st diferença da hábitos e de Sedição eristeates entre as
feliz. Na histotiografla da Educação Fisica,' particularmente no classes a que se deitintini essas escolas. Os filhos das dana sapa-
trabalho de Aloisio Ramos Accioly, Basedow figura como aquele dores derem começar bem cedo a se instruírem, e como devem ir
ttrif iONÉÇ 4.08 os outros, estilo obrigados a estudar mais- As
Pedatogo !PM criou cristnçuttihrt.randes eseilat (polietlitiesjdeVák Por asse Aidtt de
Mineira escola dos tensos astideritixtïe
que teve) um cunho aeorditíionutilinTtlidgiditique deve abdiee a sua Nuns" dedicar
~4mM:à demoaitico, íeis - será Ornai pirovinhant indiferente- pelotisfintiaidado seu tempo aos trabalhos mamais, poro que
mente &idas às camadas sociais, far primeira ciada a não ta tieetieptattitem ama atividade *e não é tão necessária, a
ilightiCII no arrkul, p4444vii plano das matérias
chamadas
• teóricas ou intehiáriitis."

consultaisJuno ROUYER. Pesquisas sobre o significado humano do


8 Ibid. p.43. desporto e dna tempos livres e problemas da história da Educação Fisica.
9 Aluísio Rimos ACCIOLY, Basedow e sua contribuição à Educação ha: Desporto e desenvolvimento humano; Manuel SÉRGIO. A Prática e
Física, p. 5. Ver também luza Fauna MARINHO, História geral da a Educação Física.
Educação Fisica, em especial Cap. 10. Para unia leitura mais crítica 10 Ibid. p. 6.

C .1 SS
não ser por motivos de saúde, às classes que trabalham mais com o sentidos das crianças, incluindo nos currículos a música e a
cérebro do que com as mãos... Nas grandes escolas - diz Basedow, em ginástica. Quanto a ginástica, Pestallozzi procurava evidenciar a
seguida - além de ensinar a ler, a escrever e a contar, os mestres sua inegável utilidade para o corpo e o enorme proveito moral
também devem cuidar daqueles deveres que são próprios das classes
populares... (pois) felizmente, as crianças plebéias necessitam menos que dela se podia retirar.
instrução do que as outras, e devem dedicar metade do tempo aos Mas ao mesmo tempo em que propunha a ginástica,
trabalhos manuais." II atividades então desconhediatts na educação popular tradicional.
Ao afirmar que as crianças plebéias necessitam de 'menos Pestallozzi acreditava que a ordem social havia sido criada por
e instrução", Basedow justifica de modo preconceituoso uma Deus e concordava com a idéia da existência de "tantos homem":

dificuldade de ordem técnica existente nas grandes escolas. e tantas educações quanto classes... o filho do aldeão deve .ser
populares:. um único professor e turmas imensas constituídas por
aldeão e o filho do comerciante, comerciante".13
alunos de idades distintas. Pestallozzi interpreta com "sabedoria" as necessidades que
Qual das escolas formaria "os cidadãos do mundo"? A se caracterizam pela divisão do trabalho e pela criação de funções
resposta parece óbvia quando pensamos o lugar ocupado pelos cada vez mais específicas a serem desempenhadas por indivíduos
estudos nas chamadas escolas populares. Eles não deveriam "treinados" para tal, quer física, mental ou moralmente.
predominar sobre os trabalhos manuais e seu tempo seria exígua Certamente este pedagogo possuía grande- benevolência
Esta leitura preconceituosa das necessidades das classes para com os pobres. Porém, considerando a sua concepção de
populares é ainda mais cruel quando se pensam castigos e educação, como educação de classe, não podemos deixar de
punições para ccrrigir vícios e defeitos: as horas de estudo concordar com Anibal Ponce quando afirma que Pestallozzi
transformam-se em horas de trabalhos manuais.12 "...nunca pretendeu outra coisa a não ser educar os pobres para
Desse modo, alargado o preconceito contra a classe traba-
que estes aceitassem de bom grado a sua pobreza."'"
lhadora, o pensamento pedagógico deixa claro em qual destas Pestallozzi é aquele que apresenta propostas pedagógicas tA
escolas, a dança, a música, a equitação e a esgrima figurariam
com° componentes cumcularesiem qual deSsás ~se-estaria virada -do século XVIII pára o século XIX, período já de
confroatação ou meiMO de antagonismo da burguesia enquanto
resgatando a "educação dos sentidos" de que tanto falara Rous- classe no poder com á mala nova força política da sociedade
sea0+ capitalista: o proletariado. 15 século XIX representa este novo
propostas de ,Ba s°!. para a educação em que se
momento DD qual a !migue-sia já, começa a deixar de ser "classe
inatitori
, _ os exerokies aia se eixeseollyáit . ~ cem
eraiscoàpartilhadas. no revolucionária". Suas, Idéias sobre a sociedade e sobre os homem X
nítIdÕtátiterde clane»SSIRsProPeegas
mesmo'pe-F iíodo," pelo ámí0 .1.li. Pestallotrill74&102 que em
vão sendo adaptadas'pau! suportar as novas lutas que se travam
pela manutenção deSeistiihis
CD.0
suas formulações pedagógicas considerava importante educar os

11 Anibal PONCE, op.cit. p.136-137. 13 Ibid. p.143. Xil


12 Ibid. p. 137. 14 Ibki. p. 143. ira


57
56
creio, (e onde) o saber continuava livresco e bastante divorciado da
2. O espaço da Educação Física na Educação vida real. "16
Enquanto proclamava o trabalho como a "virtude fun-
A Revolução operária de 1848 exige modificações entre o damental do homem", a burguesia reservava para os seus finos
Estado e a sociedade civil. E este é o Momento no qual o um ensino tõtalmente divorciado do trabalho. Considerado como
liberalismo passa a ter outra função. único "digno das classes superiores", no qual figuravam todas
Segundo M. J. Warde 15, este é o momento no qual começa o as ciências e as técnicas mais modernas, mas ande as
a existir uma ampliação dos direitos políticos aos não humanidades e as letras, porém, não poderiam deixar-de se fazer
proprietários, ao mesmo tempo em que o tema da democracia presentes porque elas "são o próprio homem". Essa era a
passa a ser incorporado. A Revolução de 1848 faz surgir também educação dada nos liceus e direcionada para aqueles que
uma legislação trabalhista e o direito de organização dos traba- poderiam apenas estudar até os.22 anos de idade.
lhadores em sindicatos. Neste quadro, redefinem-se as relações Ao construir o seu sistema educacional diferenciado, a bur-
entre Estado e sociedade civil, porque outras necessidades estão guesia mesmo assim se depara com um grave conflito: de um lado
colocadas na sociedade. a necessidade de que o trabalhador, para manejar qualquer
A própria necessidade de instrução, nesta segunda metade instrumento, soubesse ler; de outro, a consciência de que esta
do século XIX passa a ter uma importância jamais sentida. As instrução poderia tomar o trabalhador mais independente e menos
transformações introduzidas no processo produtivo neste humilde.
"A burguesia solucionou esse conflito oure os seus temores e os seu
período, graças aos avanços técnico-científicos, exigem da força interesses dosando com parcimónia o ensino primário e impregnan-
de trabalho nas fábricas, nas indústrias e no comércio, do-o de um cerrado espirito de classe como para não comprometer,

modificações substantivas na formação dos recursos humanos com t'pretexto das "licuts", a etpforação é operário, que constitui a
necessários para garantir a acumulação do capitai. ~de base ofrfflia
EfiltittiatiVitte- aieSjitoresta exploriçãO-começa- a- ser con-
Em fins do século XIX, vamos encontrar uma burguesia . ência de que asna
—ia, que Sina Consci
trolada pela própria burgues
contra revolucionária, que tinha plena convicção da importância
"galinha de ovos de °Uni", conforme expressão de Anibal Ponce,
e da necessidade de uma instrução elementar seletiva e or-
era cupslituida pelo "lar operário", o mesmo lar que ela desar-
ganizada, de modo a acentuar a divisão entre trabalho intelectual
ticulou dá -Sã*" delibanidõ; .pdoirizandO as necessidades da
e manual.: uma instrução pie não:am —etiçasse
: os privilégios _e a
caPilak _
ordéni Cita it - . .'roam
.' :". da aPéS O iiiditointína-de Paili. 'Foi
Através de seus teóficos, a burguesia se apressa neste
assim que a . , ,. . . pensou initsitilet —... . . .,.
/ '- - *::?iffi;cmit1ia 'Mirada partiriiitititwiitna momenOtbm_ proclamaras
. necessidades de reorganizara família,
-stechijaçãO superior para
"en't os técnicos (reservando porém) RaturtUrsipts filhos outra forma de -
preser3(kblça perigos do "mundo do vicio", da prostituição, do
educação - o ensino médio - tem, gfititÁ Citisociquivam
lke lotar dir-
. .....: :. - -'
16 'Anibal PON'CE. op. cit. p.146.
15 Miriam Jorge WAFtDE. Liberalismo e Educação-p. 58-9. 17 Ibidem.

II rei
59
crime, ao mesmo tempo em que proclama os "sagrados direitos pelo obscurantismo religioso. Desse ponto de vista, só podemos
da infância", criando leis para protegê-la, julgando sua criação louvar as teses dos pedagogos liberais por voltarem sua atenção
suficiente, não verificando sequer o seu cumprimento que, na também ao corpo.
verdade, nunca ocorreu. Entretanto, quando analisamos a ótica sob a qual esse
Reorganizar a família, depois de tê-la destruído em nome do "olhar" para o corpo se deu, deparamo-nos com seu carater
capital; criar dentro desta reorganização familiar um espaço conservador e utilitário. O estudo do corpo dos indivíduos, este
próprio e "respeitado" para a mulher depois de tê-la feito importante instrumento da Produção, passou a ser rigorosamente
degenerar-se fisicamente, quer pelo trabalho na fábrica, quer pela organizado sob a luz da ciência, mais especificamente das
prostituição ou por ambas as alternativas apontadas; regenerar ciências biológicas.
fisicamente o trabalhador depois de tê-lo aniquilado pelas Este conhecimento do corpo biológico dos indivíduos, se de
condições de trabalho com suas intermináveis horas sem repouso, um lado teve um significado de libertação, na medida em que
alimentação ou descanso. evidenciou as causas das doenças (agora não mais entendidas
Corno afirmamos no início deste segundo capítulo, a classe como castigo de Deus), bem como sistematizou alguns cuidados
no poder, em meados do século XIX, tinha plena consciência da para com o corpo, entre os quais o exercício físico, de outro lado
importância da força física do trabalhador. "Regenerar", limitou, profundamente, o entendimento do homem como um
"revigorar" esse corpo debilitado e aviltado, devolver-lhe a ser de natureza social, cuja "humanidade" provém de sua vida
"saúde risica", sem, entretanto, alterar substantivamente suas em sociedade.18
condições de vida e de trabalho era o seu discurso nesta nova fase Na medida em que o método científico utilizado para dar
do capitalismo, na qual necessitava criar novos mecanismos conta da explicação da sociedade é tomado das ciências faiais e
jurídicos e institucionais para "controlar a liberdade':, para biológicas, o fato social co sujeito que o constrói -.o homem -
"garantir a igualdade" e para "assegurar a propriedade". aparecem como que aprisionados nos limites dessas ciêtrias.
exteasão da escolarização primária roj colocada, então, As questões sociais passam a ser "naturais" e o "homem
corno:uni
' dos mecanismos privilegiados pira o controle das social" passa a ser "iitimein biológico". Essas concepções, em
formas de pensamento e de ação do "corpo social", e, dentro da última análise, desembocam nas absurdas teorias raciais, por nós
escola, ganhava espaço uni conteúdo bastante enaltecido pelo já abordadas ao longo deste trabalho.
pagamento médico e pedagógico ao loa) de. todo o século Evidenciar os ~tos da biokmização e naturalização do
XVIII.: atamos nos referindo aoixercktó ffsicti Sino eterna' nto homem e da sociedade .se:faneéeráário, uma vez que a EducaçãoNd
da o4t.t4ção. tão onal 19.10 por R9ossOott, Física, no século XIX, 44 aquela que se constitui, basicamente. zr‘
S peltitií3,olítzcos fess:M*44os 'fraticeieit tp4i4:. &eram da a partir de um comeittil,nnát‘o-fisiológico do 'corpo e dm (1)
echicaçúti,lei; Oónio Coridiírneke LePpelletiet, , movimentos que esti realiZà. O seu referencial estará carregado as
O 'exercício físico denominado ginástiit.;tiedif o século
XVIII, com maior ênfase, porém, no século XIX, foi aquele 18 Sobre a detenninnio sócio-histórica no desenvolvimento humano. 0
conteúdo curricular que introduziu na escola um tom de laicidade, consultar Alexis LEONITEV, O desenvolvimento do psiquismo.
uma vez que passava a tratar do corpo, território então proibido

61
de intenções do tipo: regenerar a raça, fortalecer a vontade,
desenvolver a moralidade e defender a pátria. As ciências para um bem estar geral e, neste sentido, aprimorar a saúde, que
biológicas e a moral burguesa estão na base de suas formulações não é um dado natural, um a prióri. Ao contrário, saúde é
práticas. resultado, porque mais que o vigor físico ao nível corpóreo,
Desta forma, torna-se indispensável frisar que o espaço dado compreende o espaço de vida dos indivíduos, daí não ser possível
à Educação Física, se por um lado representa avanço à Educação, medi-la, nem avaliá-la apenas pela aparência de robustez ou de
fadiga.
constituindo-se em mais um elemento laico na sua estrptàração,
por Outro, representou atraso, significando disciplinarização de Sempre vinculada à saúde biológica a EdUcação Física será
movimentos, dornesticação, na medida em que se configurava protagonista de um projeto maior de higienização da sociedade.
como mais um canal, absolutamente dominado pela burguesia O corpo, do qual se ocupa, é o corpo anátomo-fisiológico. É ele
para veicular o seu modelo de corpo, de atividade física, de que será a referência fundamental de seu desenvolvimento en-
saúde.., a sua visão de mundo. quanto prática social.
A Educação Física, filha do liberalismo e do positivismo, Entretanto, uma Educação Física assim construída toma-se
deles absorveu o gosto pelas leis, pelas normas, pela hierarquia, a-histérica, pois
pela disciplina, pela organização da forma. Do liberalismo, "... na medida em que a multiplicidade das determinações que mar-
forjou cam o corpo dizem respeito à forma pela qual o homem se relaciona
suas "regras" para os esportes modernos (que, não por acaso, com o meio Pico e com outros homens, e ainda às formas assumidas
surgiram na Inglaterra), dando-lhes a aparência de serem "univer- histot•icaitsénte por asa relações, o corpo and:cimo-fisiológico
sais"; deste modo, permitindo a todos ganhar no jogo e vencer aparece como um corpo investido socialmente. É através das normas
elaborada no vida coletiva .que o corpo se dimensiona e adquire o
na vida pelo seu próprio esforço. Do positivismo, abscrveu, com significada por referência à especialidade da estrutura sociaL.. o
muita propriedade, sua concepção de homem como ser pura Mente corpo é dispostos sociedade anta de tudo como agiote do trabalho,
biológico e orgânico, ser que é determinado por caracteres o que remete c). idéia de que ele adquire seu significado P4 estrutura
históricae
dgiro_dstção~eadoque se apressa-na-quantidadado
genéticos e :hereditários, 4úe Mie i:1 sei "adestrado . ", "dis- corpos siscialiitaite:-Pecessdrios" no modo pelo qual serão
ciplinado". Um ser que se avalia pelo que' resiste. milizadqt itospadnfés de ação piá e cubar& a eme deverá* ojus-
tar-a."-"».
Uma Educação Física pautada por estes pressupostos deixa-
A Eche:ação_ Física, construída de maneira autónoma em
nos muitas indagações, espedalménte quando o saia° ganha relação 4, 4,iiMarde,-que objetiva o corpo doe indivíduos em
O contextm. a Europa cOnsolidiMtoriosa a "Dupla
Revolução" e o. modo de podu00;,.400iiitia.-. configures& treCisas e determinadas historicamente, coloca-se
•• como ,umtipultiCa "neutra", capaz de alterar a saúde, os hábitos
Podai sifirmaique, á `Íztitifaiiiiiielm década do século e a ~ia-414 &is indivíduos. E é assim que ela começa a ser
XIX,- a -EdtiCação'lifiicit é eiStenia-tiladn'tin "Métodos'', ganha
veicula (mio uma necessidade, passando a integrar o conjunto
foros científicos e é diaternitiede4M0ígmede bem" para todos.
os "males", como protagonista de UnícoipO saudável... saudável -
porque fazia exercícios físicos., Entre-tanto, á exercício físico não
é saudável em si, não gera saúde em si, é apenas e tão somente 19 Maria Cecilia F. DONNANGELO e Luiz PEREIRA, Saúde e Sociedade,
um elemento, num conjunto de situações, que pode contribuir p.25-26.

-1
1
de normas que tratam dos "cuidados com o corpo", cuidados esses disciplinar.., e disciplina era algo absolutamente necessário à
que, no discurso, passam a ser um problema de Estado. ordem fabril e a nova sociedade.
Particularmente, o exercício físico seria aquele "cuidado O aprofundamento dessa temática, certamente
somo corpo" dotado de poderes capazes de resolver os problemas necessária para uma maior compreensão da Educação
colocados pela sociedade industrial, seria aquele elemento capaz Física, não se constitui em objeto de investigação do
de neutralizar os conflitos sociais e "equilibrar" a vida no mundo presente trabalho. Nossa intenção ao trazer a discussão dos
"métodos ginásticos" no âmbito deste trabalho, deve-se ao
do trabalho.
Vale ressaltar que, em plena Revolução Industrial, o traba- fato de estarem eles sempre presentes nos discursos de
lhador se transforma em simples acessório das máquinas e neces- estadistas, médicos e pedagogos brasileiros. Para além de
sua presença naqueles discursos, o seu conteúdo se revela
sita, cada vez mais, atenção e saúde para suportar as intermináveis
horas sem descanso e em posições absolutamente nocivas ao seu marcadamente medicalizante, afirmação que pode ser
corpo. Daí, a importância atribuída ao exercício físico, este novo traduzida, sobretudo, pelas ciências que lhes servem de
"remédio" para os males "necessários" da nova ordem. base.
Isto posto, passaremos a fazer referência àquelas
3. As Escolas de Ginástica: Saúde, Disciplina e escolas de ginástica que tiveram maior penetração _no
Civismo. Brasil, procurando destacar o viés médico higienista que
expressam, as ciências pelas quais se pautam e a moral
,A partir do ano de 1800. vão surgindo na Europa, em que proclamam. Não nos ocuparemos das questões
diferentes regiões, formas distintas de encarar os exercícios pedagógicas que estas escolas certamente suscitam.
físicos. Essas "formas" receberão o nome de "métodos Apresentando algumas particularidades a partir do país
ginásticos" (ou escolas) e correspondem, respectivamente. aos de origem, essas escolas, de um modo gemi, possuem
qitatro países que deram origem às primeiras sistematizações finalidades semelhantes: regenerar a raça (não nos
-Ore a ginástica nas sociedades burguesas: a Alemanha, a Suécia, esqueçamos do grande número de mortes e de doenças);
afrança e a Inglaterra (que teve um caráter muito particular, promover a saúde (sem alterar as condições de vida); desen-
desenvolvendo de modo mais acentuado o exporte). Emas mes- volver a vontade, a coragem, a força, a energia de viver (para
adassistematizações serão transplantadas para outros países fora servir à pátria nas guerras e na indústria) e, finalmente, desen-
do continente europeu. , . volver a moral (que nada Mais 4 do que uma intervenção nas
b,A ginástica, considerada a partir de entilOplentifica, desem- tradições e nos costumados povos).
penhou importantes funções na sociedade inchatifiaVapresentan- Assim é que passeares a situar o seu surgimento na
Áig4e como apaz-de:dorrigir •VíclosfipOitural‘Oundos das Europa e sua implantação no Brasil, de forma apenas
Sdotadas no riábalhO; “demoiiiiindoaSiim, as suas descritiva, tencligli011iiietivo trazer um maior número de
vinculações com a medicina e, desse modanquistando status. informações qtre.- perniitam a compreensão da presença do
A essa feição médica, soma-se outra à ginástica.. aquela de ordem pensamento médico higienista na Educação Física.


65
64
A ESCOLA ALEMÃ Rousseau, Basedow e Pestallozzi, teorias que justificam a idéia
de formara homem completo (universal) e onde o exercício físico
Na Alemanha, a ginástica surge para atingir as finalidades ocupa lugar destacado.
apontadas anteriormente, particularmente a da defesa da pátria, Outro iciehlizador da ginástica na Alemanha que acompanha
uma vez que, este país, no início do século XIX, não havia ainda as idéias dos pedagogos liberais é Friederich Ludwig Jahn (1778-
realizado a sua unidade territorial. Era preciso, portanto, criar um 1825).
forte espírito nacionalista para atingir a unidade, que seria con- Jahn refórçará, para além da saúde e da moral, o caráter
seguida com homens e mulheres fortes, robustos e saudáveis. militar da ginástica. Ele acreditava que para formar o "homem
Acreditavam os idealizadores da ginástica alemã que este total" g ginástica deveria estimular a aplicação dos jogos, pois
"espírito nacionalista", e este "corpo saudável", poderiam ser eles se constituem em verdadeira fonte de emulação social, assim
desenvolvidos pela ginástica, construída a partir de "bases como dava, também, especial atenção às lutas uma vez que lhe
científicas", ou seja, das ciências que dominavam a sociedade da em sempre presente a possibilidade de uma guerra nacional. Em
época: a biologia, a fisiologia, a anatomia. suas formulações práticas para a execução dos exercícios físicos,
Guts Muths, um dos fundadores da ginástica na Alemanha, Jahn cria "obstáculos artificiais", obstáculos esses que mais tarde
assim se expressa sobre o que deve dar fundamento à ginástica: sedadenominados "aparelhos de ginástica".
"... eu bem sei que uma verdadeira teoria da ginástica deverá ser fim-
Com forte orientação de teor cívico e patriótico, a ginástica
dada sobre bases fisiológicas:e que a prática de cada exercício
ginástico (verá ser calculada segundo a constituição de cada de Jahn encontra grande respaldo na classe dirigente, que acaba
indivíduo.' por reforçar o caráter milítar e patriótico de seu movimento de
Baseada nas leis da fisiologia, a ginástica pais este autor ginástica denominado de "Tumen". Este movimento era
deveria ser organizada pelo Estado e ministrada todos os dias para constibtido dá
tióinens, mulheres-e criiinçaS. Nóte. -se que no início do a-Jia-Met festa O:pinicas, grandes encontros de massas emito diss.
século XIX, já aparece uma preocupação com o corpo da mulher, ciplinado4 (e) são organizados a punir de 1814, mos sobretudo
depitirik . 1860 Entenda-se (no Ttenten)... ume primeira forma de
pois ela é que gera os "filhos de pátria". A ginástica, então, batrução física militar, destinada 41 mar," que corresponde as
ministrada todos os dias, seria o meio educativo fundamental da necessidades pritticeideitetrptesia.""
unto, disseminando cuidados higienktrit como corpo e com o I6rzfi a de, 14~ _física militar, destinada far massa;
esparso onde se vive. embOtiotaemintisse, do ponto de vista ideológico, a moral e o
ND. - As eocupações que ...Ottani os ideal izadores da piei*-6;21 7Pipác
- Siava um forte conteúdo higiênico e tinha por
ginástica 5a Memaiha deigafrea tias tepriztáPedegágicits de finiliartgpiniteirti tornar os corpos ágeis, fortes e robustos Em
morpító :_tum, a saúde Mica deixou de pontuar aquelas propos-
tas, á o corpo anátomo-ftsiológico sempre foi seu objeto de
20 Os MOTHS, aptid buil Pearia Marinho, História geral da Educação
atenção. O viés médico-higiênico emprestava o caráter científico
Física, p. 119. Ver também, Jayr Jordão RAMOS, Os exercícios rtsicos
ta história c na arte.
21 Jacques ROUYER, op.cit. p. 117
que, juntamente com a moral burguesa, completava o caráter De um modo geral, o movimento de ginástica na Alemanha
ideológico. caracterizou-se por um forte espírito nacionalista, tendo os
Se Guts Muths e Jahn preocuparam-se com os exercícios famosos "Turnen" de Jahn desenvolvido-se a partir de 1870 sob
destinados as massas, Adolph Spiess (1810-1858) será aquele que quatro orientações: nacionalista, socialista, ultranacionalista e
se preocupará com a ginástica nas escolas e, assim como racista.
Basedow, propõe que um período do dia seja dedicado ao Já no século 2ÇX, particularmente após a primeira guerra
exercício físico. mundial e a derrota da Aléfrianha, a tendência ultranacionalista
A. R. Accioly assim esquematiza o sistema de ginástica irá, segundo J. Rouyer,
escolar de A. Spiess: "... servir os apetites de espaço vital do árpe.rialismo alemão e o
movimento é utilizado para mobilizar a juventude, servindo-se da
ginástica e das técnicas dos desportos individuais. Depois de 1935...
Exerc. livres I membros superiores o movimento gintitico contti para a formação do jovem fascista,
(sem aparelhos) membros interiores rigorosamente controlado.
O investimento no corpo dos indivíduos, através da ginástica
SISTEMA Exercícios de lhanas de massas, ou daquela ministrada nas escolas, no limite, considera
suspensao paralelas
mudai cada indivíduo como um soldado, que repete na disciplina um
DE gesto idêntico.
Exercícios de apoio propriamente dito O exercício físico, então, apresenta-se como uma aplicação
GINÁSTICA apoio
'
superada
realista das teorias educacionais24 que exaltam o desenvol-
balanceamentos
vimento completo do homem universal. Sob uma teoria da
Ginástica marchas e exercido Educação Física idealista e individualista, que em outras
Coletiva !ou ordem atida circunstâncias passaria ao largo das preocupações da burguesia
alemã, ela satisfaz uma necessidade prática: Proporcionar uma
Como podemos verificar, o sistema de ginástica de A. Spiess instrução física de massas entender, por esta via, a necessidade
é absolutamente mecânico e funcional, muito embora a his- histórica da unidade nacional para a defesa da pátria, e, mais tarde,
toriografia da Educação Física enalteça valores "pedagógicos" de para a defesa contra a tigres:98o imperialista.
sai sistema.
Conforme observa A. R. Accáoly, Spiess era aquele que
a... conceituava st-edacaçãO aintO indivitívei, -abraçando
44_ a natureza da crÏ&ija e snuando a tira como
respqSvel, a Parekão do corpo piá a poda erra _equilíbrio Alemãs p.9.
datçÍitima. 23 Jacques ROUYER; op. ejh ir. 179:
24 Sobre teorias edatimeionala consultar B. SUCHODOLSKI, A pedagogia
4'
e as grandes cimentes filosóficas; B. CHARLO]; A mistificação
22 Miai° Ramos ACCIOLY, Adolpb Spiess e a ginástica nas Escolas Pedagógica.


68 69
No Brasil, segundo o professor I nezil Penna Marinho25, a
implantação da ginástica alemã ocorre na primeira metade do A ESCOLA SUECA
séculoIXX.
A historiografia da Educação Física brasileira registra que a A sistematização da ginástica na Suécia ocorre no início do
implantação da ginástica alemã, neste período, deve-se ao grande século XIX. Voltado para extirpar os vícios da sociedade, entre
número de imigrantes alemães que aqui §e instalaram, e que os quais o alcoolismo, O método sueco de ginástica se colocava
tinham, naquela ginástica, um hábito de-vida. Sua implantação como o instrumento capaz de criar indivíduos fortes, saudáveis e
livres de vícios, porque preocupados:com a saúde física e moral.
também é atribuída aos soldados da Guarda Imperial que eram de
origem prussiana e que, ao deixarem o serviço militar, não mais Esses eram os indivíduos necessários já que seriam úteis à
produção e à pátria.
regressavam ao país de origem, preferindo permanecer no Brasil.
Bons operários, uma vez que a esta época a Suécia dá início
Esse contingente populacional de origem alemã cria
ao seu processo de industrialização, e bons soldados uma vez que
inúmeras sociedades de ginástica com as características básicas
traçadas por Jahn, Guts Muths e Spiess.26 a ameaça de guerras era sempre presente.
Pehr Henrick Ling (1776-1839), poeta e escritor, propõe um
Por volta de 1860, o método alemão é consagrado como
método de ginástica impregnado de nacionalismo e destinado a
método oficial do exército brasileiro, sendo que, em 1870,
regenerar o povo; formar, enfim, homens de bom aspecto que
Ministro do Império determina a tradução e publicação do
pudessem preservar a paz na Suécia.
"Novo Guia para o Ensino de Ginástica nas Escolas Públicas
Seu método ou escola, de ginástica se baseia na ciência,
da Prússia". O método alemão permanece como oficial da
deduzindo de uma análise anatômica do corpo uma série racional
Escola Militar até o ano de 1912, quando pntão é substituído
• 27 de movimentos de formação. •
pelo método francês.
Ling28considerava que a sua ginástica poderia ser dividida
Quanto às escolas-primárias, o método alemão não foi
em 4 partes, de-aCordo com os diferentes fins visados. Assim; ela -
considerado pelos brasileiros como o mais adequado. Rui
poderia ser. ..
Barbosa o combateu para as escolas preferindo que as mesmas
a) Ginástica pedagógica ou educativa - aquela que todas as
adotassem o método sueco.
pessoas, independentemente de sexo ou idade e ai mesmo, de
coodklo Matai:Ma Soolid postariam praticar. O seu mais elevado
objetivo setia o de desenvolver o individuo normal e harmoniosa-
25 1°411:Pena MA891110.11isária Eilagnao -- Ff*. no BrasiL p. 39.
25 Estrigo: Pankt,S12tleelczerefiíR4:1888,4 findada a "Uniãode Ginástica
Ler Aienir,qrie Mais-tarde; ei°1458;Sera nacionalizadapor força do Decreto
Lei n°383/38 c denominadanacia -13.0 de Cultura Física dc São Paulo,
1938". Ali de abrilde 1892, Cá Porto Alegre, foi criada á Sociedade de 28 Utilizo aqui a estrutura de danificação elaborada pelo professor inezil
Ginástica lurnerbuntl, segundo os moldes preconizados na época por Penna MARINHO no livro Sistemas e Métodos de Educação Física,
Ibidem. p. 40. especialmente as páginas 183 a 188. Ainda sobrei Ginástica Sueca ver
27 Ibid. p. 40. Neils BUICH.Çyitunasia basica daitesa.

71
mente, assegurando a saúde e evitando a instalação de vícios, 7 2 - Movimentos dos músculos dorsais
8° - Movimentos dos músculos abdominais
defeitos posturais e enfermidades. 92 - Movimentos laterais do tronco
h) Ginástica militar - deveria i nclu ir a ginástica pedagógica, 100. Movimentos das pernas
acrescida de exercícios propriamente militares tais como o tiro e 119 - Suspensões mais intensas que as do n° 4°
12 2 - Marchas ou Movimentos de pernas, executados mais rapida-
a esgrima cujo objetivo era preparar o guerreiro que colocaria fora mente que os outros para preparar para os saltos
de combate o adversário. 13° - Saltos
Ginástica médica e ortopédica - que também deveria estar 749. Movimentos de pernas
159 - Movimentos respiratórios
baseada na ginástica pedagógica, visar:do eliminar vícios ou A ginástica feminina era idêntica à mdsculina, com as seguintes
defeitos posturais e curar certas enfermidades através de restrições:
movimentos especiais para cada caso encontrado. I - Evitar movimentos muito acentuados para trás;
11 - Não realizar movimentos que possam congestionar a bacia;
Ginástica estética - que assim como as demais estaria 111 - Abster-se do trabalho físico durante a menstruação;
baseada na ginástica pedagógica e, para além dela, procuraria o Os principais aparelhos utilizados pelo método sueco eram e ainda
desenvolvimento harmonioso do organismo e seria completada são:
barra móvel para exercício de suspensão e equilíbrio;
pela dança e certos movimentos suaves os quais proporcionam cavalo de pau, plintos, carneiros
beleza e graça ao corpo. espaldares ebanco sueco."
Com essa divisão da ginástica feita por Ling, na qual detalha Como podemos verificar através dessa lição, bem como
os objetivos a serem por ela alcançados, toma-se evideste o viés através dos objetivos da ginástica em suas quatro divisões, o
médico higiênico, assim como a concepção anátomo-fisológica "método de Ling" é pautado essencialmente na anatomia e na
do homem. A:ginástica aparece como um conteúdo dotado de fisiologia. Através dessa "ginástica pedagógica e higiênica" se
uma "magia" que a faria atingir seusdiferente.s fins propostos. poderia "assegurar a saúde (pois ela é) essencialmente
Vejamos como é utilizada uma lição do método sueco29: respiratória", assim como a "beleza, por seus efeitos corretivos e
"P Ererdcios de °Man ortopédicos". Além, é claro, do seu papel na formação do caráter,
2* - Exercícios de pernas on movimentos prqUiristórios formando por ser "enérgica e viril", empregando econotnicamante as forças
uma pequena série. Esta série se decompõe assim:
a) movimentos de pernas; do indivíduo. E, finalmente, essa panacéia universal chamada
b)movimentos de cabeça; ginástica é também profundamente "... social e patriótica (pot
c)movintenkts de ~das braços; contribuir para uma) educação disciplinada da Célula humana
4 movimentos do vpsoo pare frase e pira miá
4 movimentos Inkraischstrostco; (chamando-a) a serviço da sociedade. Por meios simples ela
fintoviõestiati oiniedtpensets; assegura resultados certos?"30
• -Extenstlo da coluna venebrid
Resultados tão . certos que passam a integrar o conteúdo
• Suspatsões sinqrks
5* -Equilíbrio escolar. Segundo 1,, et Marinho, em 1807, na Suécia, certamente
6* -Passo ginástico ou marcha

29 Inezil Puna MARINHO, op. cit. p.188. 30 Ibid. p. 183.


73
X

pela influência de Ling, os estabelecimentos de ensino deveriam


A ESCOLA FRANCESA
destinar um local apropriado para Os exercícios físicos, bem como
deveriam ser nomeados professores especiais para ministra-los. A França é o berço das concepções liberais clássicas de
Esse método terá grande penetraçãO ha França, Alemanha, educação, Concepções essas que incluíam também o exercício
Estados Unidos, Inglaterra, assim como chegará ao Brasil. físico como elemento indispensável à educação do "Homem
Como é um "método de ginástica"pautado pela ciência, com universal". •
fins não acentuadamente militares, mas "pedagógicos" e A2 idéias pedagógicas de Rousseau, assim como as de
"sociais", será utilizado sempre que as nações se encontrarem em Condorcet e Leppeiletier conferem um espaço considerável às
paz. O fluo de apresentar uma "base científica", a partir da
questões do corpo.
anatomia e fisiologia, desperta o interesse dos meios intelectuais, Na França, a ginástica integra a idéia de uma educação
que acabam justificando, seja pelo idealismo ou pela razão, a voltada para o desenvolvimento social, onde são necessários
necessidade de sua prática.
homens completos: todo cidadão tem "direito à educação".
No Brasil, Rui Barbosa foi um grande defensor da ginástica É nesta perspectiva que a ginástica será organizada não
sueca de Ling fundamentalmente por ela basear-se na "ciência" somente para militares, mas também para toda a população,
e relacionar-se com a medicina e com os médicos, grandes magos colocando-se como uma prática capaz de contribuir para a
do Brasil republicano.
formação do homem "completo e universal".
A sua divulgação no Brasil parte, portanto, da defesa que faz A ginástica na França desenvolveu-se na primeira metade
dela Rui Barbosa, num primeirq momento, e Fernando de do século XIX, baseada nas idéias dos alemães (Jahn, Guts
Azevedo décadas mais tarde. Estes -pensadores atribuem à Muths), contendo, desse modo, além das preocupações básicas
Ginástica Sueca uma maior adequação aos estabelecimentos de com o- Copo:- anátonto-fisoldgico, uro forte traço moral e
ensino, dado o seu caráter SteriCiáliiienti -pedagógico. Esta
patriéstitilk ' •r: •
defesa por parte destes intelectuais de épocas subseqüentes serviu Pará seu -fundador, D. Francisco de Amarás y Ondeano
para disseminar a Ginástica Sueca no Brasil. Com isto, lenta- (1770-1848), g:ginástica na França deveria abranger
mente, a ginástica alemã vai se restringiado aos estabelecimentos
'4,002ft de oda oe-exescidoe- que sormas o Ama'— saab
militarese. ginástica sueca vai SO toritarido a Saia adequada para cefekikádigrid. ozák~ mit ittbP,C .jsátt peod e :il
a Física civil, guri sektpo: litahità escolar, quer seja suaS adsspatM —u veloz, ada í
fora di ....4-44-3=‘;:tc:x.-&,--. : . kii~iel-dis andes, a todas
soda coe-
a salatras dificailtades,era
a31;S frdi do vid-e. • a vencer Prin nfar
s de
- = to4c igos e de todas os obstem:os que entonsa, a prestar,
Oltaajitinios assinalados ao Estado e a humanidade.

31 Em São Nilo; ent 1901, o Dr. Donsingos,Jagnaribe funda o Instituto


Jaguaribe. Esta instituição, adotando o método sueco, alcançou a
32 F. AMOROS apud Imã! Peara MARINHO, op. cit. p. 102. Ainda sobre
sociedade paulista, disseminando-se no attiblio extra- escolar. Inezil
a Ginástica Francesa ver Silva& V. GOELLNER. O Método Francas c a
Pcnna MARINHO. História da Educação FisiCa no Brasil, p. 41.

1,1 75
4
1'
A ginástica civil é aquela que mais despertou interesse entre
Toda essa gama de qualidades físicas, psicológicas e morais
os brasileiros e foi, desse modo, mais disseminada. Vejamos
seriam desenvolvidas e aprimoradas por este mágico conteúdo -
como é desenvolvida uma lição de ginástica, conforme preconiza
a "ginástica" - que, para além de desenvolver essas qualidades,
teria ainda por finalidade o alcance da "saúde", o prolongamento o método francês de Amoros:
"19 - Exercícios elementares ritmados e sustentados por cantos, com o
da vida e, conseqüentemente o melhoramento da espécie humana. objetivo de desenvolver a Voz e ativar os movimentos respiratórios.
Tudo isto seria conseguido sem alterar absolutamente nacta em 2° - Exercícios de marCliár e correr em terrenos os mais variados, es-
relação à ordem política, económica e social. Através da corregar e patinar, habituar-se às corridas de fluido e de velocidade.
39 - Exercícios de saltar em profundidade, altura e largura, em todas
ginástica, que "em si" promove a salicle, cria homens fortes, seria as direções, para a frente, para os lados,. e para trás, com ou sem
possível aumentar a riqueza e a força, tanto a do indivíduo quanto armas, com o auxílio de uma Vara ou de um bastão, ou de um fuzil ou
a do Estado. lança.
49 - Exercícios de equilíbrio ou de passagem sobre pinguelas, barra
Da flexão muscular ao sucesso nas lutas industriais e nas fixa ou oscilante, horizontal ou inclinada, a cavalo ou de pé,
guerras, este era o slogan da ginástica na Europa do século XIX. progredindo para frente ou para irás, afim de habituar-se à passagem
De fato, as preocupações com a debilidade física das populações de ribeiros ou precipícios, utilizando-se de ramos de árvores ou de
uma vara.
era procedente. No que tange ao alistamento militar, por exemplo, 5° - Exercícios de transposição de obstáculos naturais, como bar-
a França teve na primeira metade do século XIX sérias dificul- reiras muros, fossos, etc. conduzindo ou não uma carga.
6° - Exercícios das mais diversas lutas para desenvolver a força mus-
i dades em arregimentar soldados para a sua infantaria. Manc
observa que, de 1818 a 1832, as leis que regulamentavam a altura cular, a destreza, a resistência afadiga e subjugar o adversária
7° - Exercícios de trepar em escada vertical ou progredir em escada
mínima exigida para o alistamento na tropa sofreu grandes horizontal, fixa ou oscilante, com o auxílio dos pés e das mãos, ou
alterações. Foi necessário diminuir a altura exigida para se ter então ao longo de uma corda cheia de mis, ou descer escorregando ou
de qualquer mttra maneira.
soldados na tropa." 8° - Exercícios de nadar, ne ou vestida, com ou sem carga, sobretudo
Para além dos exércitos, o problema da produção também armado, de mergulhar e manter-:r longo tempo em equilíbrio sobre a
se colocava. Os corpos saudáveis eram também urna exigência superfície limitada, de aprender a salvar uma penca, sem, entretanto,
do capital. E a ginástica. "receitada" para todos em como um se deitar agarrar-partia.
- Exercícios pára transpor um espaço determinado com suspensão
remédio que teria a capacidade de extirpar a fraque= e devolver varitfvd de braços, mien e pés, ou somente COM O auxilio das mãos ou
a virilidade ao povo. ainda com o auxílio de uma vara ou corda estiada..
— Amoras, imbuído dos ideais patrióticos c morais, criou um kr' Ezerckiii.:0044. .Pli ela" habilidade,
Segurança, desseenkfterpgs.dectirforraMeiiibia; brOmodos e
9 de giikástim bastante semelhante _Aritrelb Ung na pendo; alginini,Sorirensoucriarkintialwfankm perigo: ar-
a.. Sua de acordo Com a tinirikrsiíkjiMeria ser: rastatorr empirithrjülnifera IMIMMY consideráveis liara poder aplicd-
MI e industrial, militar, médica e cénica otiírriiiirrbulesca. los aos casos de utilidade militar ou de interesse público.
.,: Exerckios'dePrifticri da .esfertstias antiga e ~ema, atlética c
militar em todastrg nas modalidades de lançar bolas, balãeç apela
de diferemes'int~inanhos e arremessar toda espécie de projéteis
sobre pontoi determinados.
Educação Física no Brasil: da caserna a escota: Exercícios de tiro ao alvo, fixo ou móvel.
33 Karl MARX, °Capital, V.I, p. 270. ,
131 Exercícios de esgrima, a pé ou a cavalo, exercícios para num*
-
de toda espécie de arma branca.


77
142 - Exercícios de equitação; fazer o treinamento no cavalo de pau e
repeti-lo depois, com o animal. O desenvolvimento da ginástica na França, na segunda
15 9 - Exercício para a prática das danças pírricas ou militares e das
metade do século XIX, será pontuado por questões militares,
danças de sociedade, dando a estas o mais amplo desenvolvimento.
Existe aqui esta observação: '...La danse scénique ou théatrale ap- certamente, mas estará mais próximo de cientistas, médicos
partient au fitnambulisme et na peu entrar ans notre plan. '1.34 higienistas e laboratórios, do que de generais e batalhas.
Dessas quinze séries de exercícios propostos por Amoros A partir dos trabalhos de Amoros, ocorre um crescente
podemos apreender o seu caráter,utilitário, absolutamente con- envolvimento de estudiosos da biologia, fisiologia, assim como
forme a ideologia da época. Asgim também é possível apreender de médicos em torno da problemática do exercício físico. Foram
a sua preocupação com o desenvolvimento da força física, da os estudos e as pesquisas oriundos da biologia, fisiologia e
destreza, da agilidade e da resistência, qualidades físicas essen- medicina que contribuíram para "elevar" o nível dos exercícios
ciais, tanto para o trabalho fabril quanto para as lutas pela defesa físicos na França. Em todos os debates sobre a questão, ressal-
da pátria na ótica de uma burguesia ascendente. tava-se o valor higiênico e o conteúdo anatômico do método
A partir de 1850, a ginástica amorosiana integrará os sueco de Ling, único que partia de um estudo "racional e
currículos de todas as escolas primárias e será obrigatória para as científico".
escolas normais, mesmo sem contar com pessoal capacitado para Estes estudos e pesquisas deram origem a um movimento de
ministrar as aulas, que eram dadas por suboficiais do exército, sistematização do 'exercícios físico na França que se pauta pela
absolutamente desprepamdos do ponto de vista pedagógico e conteúdo médico-higiênico, cujos representantes são George
científico.35 Demeny (1850-1917), Philipe 1"tssié (1852-1935), Femand
A Obrigatoriedade da ginástica nas escolas de um lado, e a Lagrange (1845-190?) e Eiteban Marey (1830-1904).
ausência de profissionais capacitados para ministrá-las de outro, Particularmente os trabalhos de G. Demeny e P. Tissié senic
criaram uma reação nos meios científicos, reação essa que acen- bastante citados no Brasil por Rui Barbosa e Fernando de
tua-se na segunda metade do SictilO•MX, Oiti& no qual a Aievidtijusiiido deTeliderni.i"blaes dentfficas" de Educaçk
burguesia européia já não é S única "Protagonista da história Física, bem como a sua inclusão na escola.
moderna. Uma novíssima força política surge: o moderno George Gemem,, biologista, fisiologista e pedagogo
proletariado industriai, que, na: França, instaura a primeira acreditayttpsessEducação Física deveria abandonar procedimen.
experiência mundial de Poder ()Penh*? em 1871, a Comuna de tos- ~frias e inspirat-se em leis fritem e biológicas pari
Paris á faz nascer concepções
. . inovadoras na educação. . constrttli;tióaJdoutrina a. partir dis resultados de experiências
art.,7e- • feiMs,
--t—i sttixílio do "método científico".
Paira Demeny, o problema da Educação Física deve sei
34 luzi! Pena MA12114110, op.cip,a02,4 tratgii‘t_ todos os meios de que a ciência dispõe, vez que é
35 A. LANGLADE e ti. L LANGLADE. Teoria General de ta Gimnasia, susceifvel de precisão. a& vez que um problema é tomado e
p278. - , tratado de forma experimental, a partir de medidas, as noções em
36 Sobre esse assunto consultar P. O. LISSAGARAY, Histoire de Ia
Connuune de 1971; Karl MARX, A Guerra gyit em França. relação a ele tomam-se mais claras.
Portanto, aproximar novos instrumentos de medida significa

para Demeny, contribuirde modo muito mais significativo à
causa da Educação Física, do que simplesmente formular críticas Com relação à saúde física da mulher, além de preconizar
37 exercícios físicos próprios, procurou combater os ditos "hábitos
e opiniões pré-concebidas.
Medir, comparar, experimentar. Demeny era um seguidor elegantes", por julgá-los absolutamente nocivos à saúde da mu-
do positivismo e buscava naquela abordagem de ciência e no lher. Condenava o uso de saltos altos, de porta-seios, cintas,
"método cientifico", as respostas para a Educação Física, a qual enfim, todos os meios de sustentação que fossem artificiais,
definia como sendo: "...o conjunto de meios destinados a ensinar porque eles apenas atentimvam "... a flacidez das paredes
ao homem executar um trabalho mecânico qualquer, coma maior naturais, facilitando hérnias, a prisão de ventre, a má circulação
economia possível no gasto de força muscular." Em Demeny e contribuindo para partos dificeis.""
podemos encontrar, a partir dessa sua definição de Educação Essas preocupações sobre a "saúde" da mulher, particular-
Física, os elementos que mais tarde serão desenvolvidos sobre o mente com sua função de reprodutora, estarão • marcadamente
gesto do trabalhador, gesto esse que a ciência se ocupará a partir presentes nos discursos e nas propostas de intelectuais brasileiros.
da crescente complexificação do maquinário moderno, e da Tanto Rui Barbosa quanto Fernando de Azevedo, em momentos
necessidade de uma maior e mais rápida produção. distintos, articulados, porém, ao nível ideológico, não pouparão
Demeny apresenta algumas preocupações em seus trabalhos páginas em seus trabalhos, para enaltecer os efeitos higiênicos
sobre a ginástica que não estavam presentes, de modo tão mar- dos exercícios físicos sobre as "formas feminis".
cante, em seus precursores. Para ele o movimento a ser executado Se de um lado Demeny pode ser considerado como
devia ser completo, contínuo, ondulado e basear-se na inde- "inovador", dada suas preocupações mais totalizantes em relação
pendência das contrações musculares. Conclusão que é obtida a ao exercício físico, por outro ele continua sendo consecvador,
partir de profundos estudos de fisiologia, os quais lhe permitiriam uma vez que com o seu método
discordar do método sueco de Ling, cuja característica central são t. Propõe-se (a) aumentar a energia Pica do indivkluo e acrescen-
tar-lhe rendibilidade.- Tal método diz respeito ao homem universal
os movimentos analíticos. Tamtlém afirmava que urna lição de isolado da prática real e de todas as relações sociais, tendo como
ginástica deveria ser tão interessante a ponto de prender a atenção objetivo entidades, abstratas, a motricidade, o movimento, a ac-
.dialunõ, e, desse modo, fazê-lo, voluntariamente, desejar um tividade humana."' -
Desse ponto de vista, os "métodos de ginástica", até agora
esforço mais acentuado.
por nós discutidos, assemelham-se. Diferenciam-se apenas na
Demeny teve uma notável preocupação com os exercícios
forma, umas mais analíticas, nubla mais sintéticas. Todavia, o
ffsicos destinados à mulher. Seus estudos sobre o movimento
anadado, contínuo e também com ritmo, influenciados pela
~levaram-no a trabalbargom a ginástica feminina. -

39 barril Pema MARINHO, op. cit. p.I08.


tt; 41) Refiro-ate especiahneute mi Pataca de a* 224 relativo à Retoma do
Ensino Primário c •várjaa Instituições C.omplememasea da lonoução
ao
37 George DEMENY apud A. LANGLADE e N. R. LANGLADE, op. cit. Pública, profen* pra. api BARBOSA a 12 de setembro dc 1882 e
p.259. limo intitulado "Da Educação Física" de Fernando de AZEVEDO.
38' Ibid. p. 261-2. 41 Jacques ROUYER, op. cit. p.184.


RI
O anteprojeto em questão recebeu severas críticas da
conteúdo anátomo-fisiológico ditado pela "ciência", constitui o
Associação Brasileira de Educação (ABE), que desde a sua
núcleo central das distintas propostas, além do que é claro, a
fundação, em 1924, dedicava especial atenção à Educação Física,
moral de classe, o culto ao esforço (individual), a disciplina,
possuindo em sua estrutura organizacional um Departamento de
obediência.., ordem, adaptação, formação de hábitos...
Educação Física e H igiene.45
Orientados para o desenvolvimento físico e para a saúde, o
As críticas que fez a ABE foram dirigidas tanto ao órgão
que se evidencia é que esses métodos ginásticos convém à bur-
burocrático do governo, considerado incapaz de "resolver um
guesia porque trazem, rharcadamente, a possibilidade de enal-
problema educativo nacional", quanto às finalidades e incon-
tecer o indivíduo abstrato, descolado das relações sociais, e serem
venientes de se transplantar, para o Brasil, um sistema estrangeiro
porta vozes de uma prática neutra, cultuando ainda o "mito do
de ginástica, tomando-o obrigatório.
homem natural e biológico". No Brasil, a ginástica francesa foi
oficialmente implantada a 12 de abril de 1921, através do Decreto
n° 14.784. Sua chegada, porém, deu-se no ano de 1907 através da
Missão Militar Francesa que veio ao país com a finalidade de
ministrar instrução militar à Força Pública do Estado de São
Paulo, onde fundou uma "Sala de Armas" que deu origem, mais
tarde, à Escola de Educação Física do Estado de São Paulo.42
Anos mais tarde, em 1929, 0 Ministério da Guerra, através
de uma comissão formada por civis e militares, elabora um
ante-projeto de lei, cujo conteúdo de seus artigos determinava
que..." a Educação Fisica fosse praticada por todos os residentes
no Brisa e com obrigatoriedadi ein iodos os estabelecimentos de
ensino".43 Definia, também, eni Seu artigo 41, o método a ser
adotado:
— Enquanto mo for criado o 'Método Nacional de Educação
Fbica; fica adoudo eis toda ir terM6Sk beasikiro o denominado
sob o *dedo lbskulasnenso Geral de Educação

42 !nein Pe.... IstAkIN14.0:4; Of~lbeim CANTAWNO FILHO,


A Bdreação Fkies lo'Hisiadnoyik. história e doutrina; Uno
CASTffllAuIIJiflfl adnettígo Faies no Brasil a história que não se

43 Mario Ribeiro CANTARINO FILHO, opxit P.95. 45 Mario Ribeiro CANTARINO FILHO, op.eit. p.92. '
44 Inezil Penna MARINHO:op. cit. p.57.

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nos auxiliem na compreensão de uma Educação Física como
do período analisado, tiveram na contenção das doenças, das
sinónimo de saúde física e mental, como promotora de saúde,
epidemias e do grande índice de mortalidade. Conforme assinala
como regeneradora da raça, das virtudes e da moral.
Jurandir Freire Costa
A partir de conhecimentos e de teorias gestadas no mundo ".... (não) se trata de negar ou desvalorizar a importância destes
europeu, os médicos desenharam um outro modelo para a fatos. O que importa é notar que a própria eficiância cientifica da
sociedade brasileira e contribuíram para a construção de uma higiene funcionou como auxiliar na política de transformação dos
nova ordem econômica;política e social. Nesta nova ordem, na indivíduos em fioção das razões de Estado. Foi porque a medicina
era, de fato,-empírica e conceitualmente científica ene sua avlo
qual os médicos higienistas irão ocupar lugar destacado, também política foi mais operante. Diante de um saoer colonial, estribado em
se colocava a necessidade de se construir, para o Brasil, um novo noções médicas dos séculos XVI, XVII e XVIII, pré-experimentais e em
sua quase totalidade filosóficas e especulativas, a higiene surgiu
homem, sem o qual a nova sociedade idealizada não se tornaria
arrasadoramente convincente. No entanto, é preciso sublinhar que
realidade. sua força foi impulsionada pelo interesse político do Estado na saúde
O pensamento médico higienista, como pudemos observar da população. No caso brasileiro esta evidência é incontestável. O
Estado brasileiro que nasce com a abdicação é o moto-propulsor do
ao longo deste trabalho, construiu um discurso normativo, dis- súbito prestígio da higiene. A atividade médica coincidia e reforçava
ciplinador e moral. A abordagem positivista de ciência2 e a moral a solidez de seu poder, por isso recebeis seu apoio. "3
burguesa estiveram na base de suas propostas de disciplinarização Apoiada pelo poder de Estado que "... medicaliza suas ações
dos corpos, dos hábitos e da vida dos indivíduos. Tudo em nome políticas, reconhecendo o valor político das ações médicas"4, a
da SAÚDE, da paz e da harmonia social-. em nome da medicim melai, em sua vertente higienista, vai influenciar e
civilização! condicionar, de modo decisivo, a Educação Física, a educação
É evidente que não compartilhamos da idéia maniquetsta escolar em geral, e toda a sociedade brasileira.
que supõe estarem os inéditos higienistas pensando, a todo Expressão desta influência pode ser apreendida através do
momento, uma nova tática_deÁntervenção_na realidade_ social a pensamentAiedagógico brasileiro, veicUlado por autores repre-
serviço do Estado, no sentido de auxiliá-lo a exercer, de modo sentativos deite pensamento, tais como Rui Barbosa e Fernando
mais pleno e eficaz, o seu poder e/ou chegar ao "consensus". São Azevedo, por meio de publicações, discursos e conferências.
‘I. * inegáveis os avanços que asdescO4artatit Científicas e, particu- Estes autores revelam estreita e orgânica A/jaculação de seus
P'• OP.- discam' petiagégiesi—aos dhas médico-bigienistas. Quanto
E. larmente, o progresso ciegitifioo 4.11l- jesiej Sorridos ao longo
... x ... ItEducaçêiiilfsic : 0;partioslarmente a escolar, priVilegiam em suas
propostailetkiSgicasi aquela :de base anittoMo-fisktlõgica,
st; X•
conveigt‘s, leiisttattlia. firmes _e :retirado4144..clo:persouttento médico higienista. time
"4: n!.•••• isiediatir.Littiataia
- colhi ak sideratiMia tilirthillosp componente curricular cOm acentuado
2 Sobre o processo de begemoniz4i 4 psiàvismo na formação dos caráter higiênico, eugêrico e moral, caráter este desenvolvido
médicos brasileiros, vez M.T. leias e ordem politica
.,,ségyip.i
nsPécralmériti: a" te
1, t-iftulaãã: Iltnatitnições
médicasdoséculo XIX aos'anos 20: Os projetos de medicina social e saúde Jurandir Freire COSTA. Ordem médica e norma familiar, p32.
3
pública".
4 Ibid. p.29.

f. •
Esta opção reforçou e incentivou o racismo e os preconceitos
segundo os pressupostos da moralidade sanitária, que se instaura a ele ligados, contribuindo para a manutenção dos pólos de
no Brasil a partir da segunda metade do século XIX. exploração de uma. formação social escravista que, conforme
Essa moralidade sanitária, em cujo interior está presente
assinala Octavio lanni estão,
urna Educação Física higiênica, eugêriica e moral, teve um longo "... organizadas de maneira a - prorhair e reproduzir ou criar e
processo de desenvolvimento_po Brasil até, de fato, instaurar-se recriar, á escravo e o senhor, a mais-valia-absohaa, a cultura do sen-
hor (da casa grande), a Minara do escravo (da senzala), as técnicas
com o advento da República, significando o "litwo", o de controle, repressão e tortura, as doutrinas jurídicas, religiosa ou
"científico" e emaressando, desse modo, os traços da moder- de cunho tr,winista sobre as desigualdades raciais e outros el-
nidaCte que por ela.são trazidos; suas origens, porém, são ementos...".
No que se refere às desigualdades raciais, devemos acentuar
coloniais.
É no Brasil colonial que as questões relativas à saúde, à a papel desempenhado pelaciência, que por meio de
higiene, ao corpo dos indivíduos, começam a fazer parte das comparações e generalizações- , absolutamente descontex-
preocupações das elites dirigentes. E o locus de atuação definido tua lizadas, "comprovava" a superioridade da raça branca em
pela higiene, naquele momento, foi a família de elite. relação à raça negra, assim como do homem em relação à mulher.
s... Não interessava ao Estado modificar o padrão familiar dos As pesquisas que foram desenvolvidas no continente
escravos que deveriam continuar obedecendo ao código punitivo de europeu, e por nós já tratadas no capítulo I deste trabalho,
sempre. (Os escravos) juntamente com as desclassificados de todo
tipo, serão trazidos à cena como aliados na luta contra a rebeldia contribuíram de modo significativo para cristalizar, a nível mun-
familiar. Escravos, mendigos loucos vagabundo; ciganos, dial, esta visão na sociedade, reforçando, desse modo, a
capoeiras etc, servirão de anti-norma, de tesos - limite de infração
hegemonia burguesa.
higiénica. A eles vão ser dedicadas outras políticas médicas. Foi No Brasil, por volta da segunda década do século XIX, já
sobre as elites que a medicina fez incidir sua política familiar,
criticando aranalia colonial nos seus crimes contra a saúde." em momento posterior à conquista de sua independência, é
Uma "política familiar", entabulada pelos médicos higienis- desencadeado um vigoroso projeto de eugenização da população
tas, poderia ser justificada. As precárias Condições de saúde dos brasileira. Este projeto se coloca como possibilidade de alteração
adultos e os altos índices de mortalidade infantil eram indicadores de um quadro onde a metade da população do Brasil era
constituída de escravos negros, índice que permanece até por
suficientes.
Foi, portanto, para viabilizar de modo mais eficaz sua volta de 1850, quando psm uma populasão de 5.5213.000 penoas O
"iiblítica familiar" e, através dela deSenvolver
_ "ações livres, encontram-Só 2.500.000 negros.
pedagógicas" na sociedade, que os higienistasse valeram também X
1ln-chamada- ginástica. Com ela julgavam:-poder responder à 6 Octávin IANNI, asaav_idão e racismo. p.27-8.
co
necetáidade
__ de uma construção anatômica que pudesse repte- unalinvant
7 "Em 1872Oseleift~iii 1.510.000.ao passo que es
sentir a classe dominante e a raça branizOitribuindo-lhe supe- 8.601.255. No inod abolição, cm 1888, a população escrava cmava cm
rioridade. cerca de 500.001 população livre continua a crescer de forma
acelerada devido a intensificação da intigaçio européia nas tliiimas
décadas do século XIX. Én 1.890, a população total do Brasil alcançava
5 Jurandir Freire COSTA, op. cit. p. 33.


go
88
Tornava-se necessário para as elites das colônias neste
Para tal, a "apurada educação das elites" pensada pelos higienistas
quadro populacional, acentuar o caráter "irracional", "bárbaro" e
deveria associar a educação física à educação sexual, transfor-
"primitivo" dos negros, reforçar a idéia de sua inferioridade,
mando homens e mulheres em reprodutores potenciais e, ao
configurá-los como ameaça.
mesmo tempo, vigilantes da pureza de sua própria raça.
Geradas que foram nos quadros do mercantilismo europeu,
A Educação Física é então valorizada pelas elites dirigentes
as colônias do novo mundo, baseadas no trabalho escravo, foram,
e figura em publicações que tratam de questões de saúde em geral,
segundo Octávio lanni .....influenciadas e mesmo determinadas
de mora) ou de educação.")
(em graus e v.ariáve is, é certo) pelas exigências da reprodução do
capital europeu, primeiramente o mercantil e em seguida o in-
Escritas em sua ,grande maioria por médicos, estas obras
dustrial."8 buscavam conferir "cientificidade" à Educação Física,
reforçando a sua importância na obtenção de uma vida mais longa
A independência de muitas colônias (como é o caso do
e mais "feliz".
Brasil), com a posterior emancipação dos escravos, são processos
É possível afirmar que os trabalhos escritos por médicos
que respondem, por um lado, às determinações expansionistas do
capitalismo europeu, particularmente o inglês, e por outro ao sobre o tema Educação Física foram importantes canais de
aumento das contradições internas entre uma formação social veiculaçâo de algo bem mais amplo, foram, por assim dizer,
escravista em decadência e uma formação social capitalista em veículos de divulgação daquilo que poderíamos chamar de
"pedagogia da boa higiene". Aquelas obras imiscuiram-se na
ascensão, que, no caso do Brasil"... foi se constituindo (...) por
dentro e por sobre a fonnaçiSioc intimidade das famílias, e, em nome de uma educação aia!,
Hal escravista.”9
moral, sexual, intelectuaF e social, ditaram normas de vida
E é dentro do quadro das contradições internas destas duas
refefindo-a à conduta de mulheres e homens, aos cuidados coa
formações socieis que podemos situar a política populacionista
os recém-nascidos, ap asseio, aos banhos, aos exercícios físicos,
do Estado Nacional, na_,qualse. _ insere. o controle familiar pós- chegandosa*sitiinents e aos hábitos alimentares.
tulado pelos higienistas. Tal política tinha por meta estabelecer
Que atiro -tinha 'em mira esta "pedagogia higiênica" nc
um equilíbrio de forças entre a populaçãà branca e a população
Brasil? Como já afiriitalos, este alvo foi a família de el ite agrária.
negra, desenvolvendo, na /*lincha,. através de uma apurada
num pdaseiro momento, e a família burguesa citadina, nua
"educação; elementos de ideritifiCSOP racial e social com a elite
dirigente branca. seggacIÓ MOm..04iiP• 444 a P6FulaWki enitegg a higiene só id
•••:, •
cometas 3prepeptus.
L- -se no ocaso do Império. Daquele momente
Iltylt de um lado a_oeéeSaidadOe garantia da procriação e
em 4laurko.discurso normativo C disciplinador da higiene st
de ouÇrk como consequers4Ornialkórjamento da geração atual.
estenderáti-toda população, ou seja, quando o trabalho assalaria
-
dgSe imiti- predominante.
um pouco naisie 14 milhões deppsoaser Petõvio IANNI, op. cit. p.44, •
ver.i;alo PRADOir., IBM.* F,conõinica do Brasil.
8 Octivio IANNI, op. cit. p.32.
9 Ibid. p.41. 10 Sobre as publicações acerca desta temática, consultar Meai, Penni
MARINHO, História da Educação Física no Brasil.

nA
Lá, é possível perceber o enquadramento do corpo dos
As razões de escolha deste alvo eram óbvias, já que eram as
indivíduos de elite num espaço disciplinar determinado pela
famílias de elite que geravam os "filhos da pátria", ou seja, os
educação física, a qual incluía, entre os cuidados higiénicos, o
quadros do governo. Além do que, assimilando a educação
higiênica, ela mesma, elite, se encarregaria de veiculá-la ao exercício físico.
Aquele enquadramento disciplinar do corpo dos indivíduos
conjunto da população. passava a ser visto pelos médicos higienistas como um fator
Segundo urandir Freire Costa, os higienistas passaram a
considerar que a família de elite era incapaz de criar os sãs filhos capital na transformação soCtil.
F. F. Padilha, em 1853, traduz com muita propriedade o
e de cuidar dos adultos. Mais especificamente, a partir da terceira pensamentoadico higienista sobre a importância da ginástica
década do século passado, começaram a ser mais incisivos nestas
afirmações, propondo até que as crianças fossem retiradas, o mais na educação física dos indivíduos:
"... O benefício e a utilidade comuns são o objetivo principal da
cedo possível, do ambiente familiar, tão nocivo para os ginástica; a prática de todas as virtudes sociais, de todos os
"benéficos esforços da higiene."Il sacrifícios mais difíceis e generosos são os seus meios; e a saúde, o
riqueza
Assim, entre a família e a criança são colocados os interesses prolongamento da espécie humana; o aumento daforça e a
individual i público são seus resultados positivos."
veiculados pelos médicos, e os interesses médicos que são as- Essa educação física (que incluía os exercícios físicos sob a
sumidos pelo Estado. A natureza da criança e a representação das forma de ginástica), pensada pelos médicos, só poderia ser desen-
suas características físicas, morais e sociais, são transformadas. volvida a contento, se os Colégios que lhe reservavam espaço
Qual o produto dessa pedagogia higienizada, aplicada por considerável fossem reorganizados. Eles não poderiam ser um
sucessivas gerações? Seguido JurandirFreire Costa, esse produto prolongamento da desordem familiar e, muito menos ainda, o
6 0 típico indivíduo urbano de nosso tempo. espaço de reprodução das idéia:s dos pais sobre a educação de seus
"— Indivíduo física e sexualmente obsa.-ado pelo seu corpo; moral e
sentimentalmente centrado em sua dor e seu prazer; socialMente
filhos. Aquelas idéias eram absolutamente. nocivas" conforme
racista e burilas an suas crenças e condutas; finalmente, poli- observa o médico Joaquim José de Oliveira Mafra, em tese
_acamem convicto de que da disciplina repressivasua vida apresentada h Faculdade:de Medicina do Rio de Janeiro, no ano
depende a grandeza e o progresso do Estado brasileiro."'
de 1855. Para ele, os Colégios deveriam ser contrários às idéias
Mu, quem formaria este típico indivíduo urbano? Que
educacionais dos pais, porque~ desejam que seus filhos sejam
instjáitição poderia contribuir para acentuar seus traços
caritiiterísticos absolutamente necessários à construção da superalimentados onde co paladar• é mais importante; exigem
ontrin Qual conteúdo deveria ser ensinado? leitos confortáveis, ninais iiilatiesso de agasalhos; temem pela
_ responder a is= gamas; toráase necessário fazer fadiga dos filhos sçl su tidasa passeios longos onde a
refedIncia à estrutura erlticacionat no Brasil, particularmente aos exposição ao sol e/our-a:eèháVa(lieria. inevitável; por Mn, negam a
- íveis acidentes.I4
exercitar ginástica' ktit'ièrtákposs
Colégina,' locais ondeiterain &incidia adi ahea. "

13 F.F. PAD1LHA, apud. J.F. COSTA, op.cit. p.179.


II Aturdir Freire COSTA, op. cit p.2. Freire COSTA, op. eis. p. 172.
12 ltoidau. p. 214. 14 JJ. de Oliveira MAFRA, apud. jusrandir

e 93
92
Ora, era exatamente o contrário o que pensavam os médicos. conforme expressão de J.F. Costa. Neste sentido, o pensamento
A higiene protegia os Colégios da influência nefasta familiar para médico, passou a ditar, meticulosamente, o proceder dos
construir o indivíduo rijo e saudável. Colégios, desde sua arquitetura até o conteúdo curricular.
Embora os Colégios fossem pensados como o espaço ideal Tempo e espaço, conteúdo e forma foram pensados. O
para a construção do novo homem e da nova sociedade, ainda não estudo, o descanso, o exercício físico, a alimentação.., tudo
o eram concretamente, pois faltava-lhes, sobretudo, um com- passou a ser regulado, controlado e vigiado, e a utilização "ótima"
promisso Com os problemas relativos à unidade nacional, uma do terripo passou a ser determinante na metodologia utilizada.
vez que foram criados com o espírito regionalista, que na abdi- Tornava-se imperioso não deixar margem à ociosidade pois o
cação foi a tendência majoritária. "... ócio (induz) à vagabundagem, à capoeiragem e aos vícios
A tendência regionalista consegue expressiva vitória através prejudiciais ao desenvolvimento físico e moral."17
do Ato Adicional de 1834, que deixava ao encargo das Quanto aO lazer, este só passou a existir nos Colégios como
Assembléias Provinciais, a responsabilidade de regular a recompensa 40 trabalho, sendo que a higiene procurou dar-lhe
instrução primária a secundária, cabendo à administração um novo conceito. Exigiu que a recreação fosse também for-
nacional somente o ensino superior." mativa; que fosse estímulo ao corpo e ao espírito; que influisse
Com essa estrutura, voltada, então, exclusivamente aos in- na escolha adequada e "correta" das brincadeiras; dos exercícios
teresses provinciais e locais, os Colégios (que não eram mantidos e do entretenimento.18 Vinculou o tempo de recreação ao tempo
pelo poder público), não ofereciam condições adequadas para de trabalho, fazendo deste o seu oponente necessário, ao mesmo
educar as elites. tempo em "que disseminou a idéia da recreação como aquela capaz
Some-se ainda o fino de que seus diretores, sendo expressão de recuperar as forças que o trabalho exigiu.
das arreais políticas regionalistas que criaram os Colégios, não Higiene física e mental, então, passou a ser sinônimo de
se sentiam comprometido mim a formação da consciência pela htzer_._,_eattitassomaer, obrigatório, porém, é claro, devida-
unidade nacional. Eles estavam atentes somente aos SCUS próprios mente ditClOinado, uma vez que só poderiam dele usufruir
interesses, ou, quando muito, àqueles particulares das famílias de aqueles que, de Ni?, trabalhassem?
seus alunos. Havia uma espécie de_lacuna cívica" que Segundo 4. F, costa, esta "moral do lazer" correspondia a
gen:lida e apcit,iiiiiieSiisbui kigiéefea:giedicação.- (e a) higiene uma súbita. r. dq ttalxdho que começava a despontar na
(coto) propôs-.w a "agárr . go:Ideai dos tutores, sociedade iijàfleka, Midóráitção esta que procurava incutir nas
erigia*, at regras de lowagdoFeeorpo sadio do adulto e da
eodieitacia nadamo:int"' criançO`4)Siitái-"cilinensão utilitária do tempo". Perder
Die modo, grasdativanteritt eit2.0égios foram deixando tetneeMO.fiteSinoque perder forças, energia.
de ser_o espaço dos interesses I i e bvmciais, que reproduzia
a desordem familiar, para te_ 1êtri44 o "espaço da ordem",
_ 17 Ibident. p. 181.
15 Jurandir Freiíe COST
. A, ci. cit. p. 180. 18 Ibid. p. 183.
16 lbideni.p.181. 19 Ibid. p. 184.

143
95

Encontramos aqui elementos bastante evidentes de momento para o Brasil, um Brasil que nascia para as atividades
inculcação de valores característicos do universo urbano capita- financeiras e onde um capitalismo incipiente dava seus primeiros
lista. e modestos passos."
Nesse ideário, que contempla uma súbita valorização do ---- São essas mudanças estruturais da sociedade brasileira,
trabalho e no qual está contida uma ênfase aos valores tipicamente acompanhadas de urna renovação cultural de influência européia
urbanos, é que vamos encontrar indícios de uniá renovação trazida da corte, que tornava á 'cidade o locus privilegiado dos
cultural da sociedade brasileira. acontecimentos. Era lá que estavam os empreendimentos moder-
nos, as ebricas, as indústrias, as atividades financeiras.
2. A Educação Física na educação das elites: um Pára entender este universo urbano, sempre mais complexo
distintivo de classe e mais valorizado, é que se colocava a necessidade da escola.
Impunha-se, assim, às elites um determinado tipo de educação-
A chegada da corte portuguesa dá inicio a um processo de uma educação em que disciplina, tempo e ordem eram elementos
renovação cultural, colocando novas necessidades para a fundamentais.
sociedade brasileira como, por exemplo, a escola e a vida nas Neste conjunto, disciplina-tempo-ordem, em que se fun-
cidades. Até a chegada-da-corte, tanto a escola quanto-as-cidades damenta a educação das elites--(educação a ser ministrada-pelos
não despertavam interesse ou preocupação por parte das famílias Colégios), é que ganha espaço a Educação Física, uma vez que o
nativas de elite. Foi, portanto, a partir daquele momento que ffsico disciplinado era uma exigência da nova ordem em
cidade e escola pontuam o universo de preocupações das elites. formação. Disciplinar o físico, portanto, era o mesmo que dis-
A cidade passa a se constituir em espaço de preocupações, ciplinar o espírito, a moral e, assim, contribuir para a construção
pois transforma-se em locus de grandes investimentos, outrora daquela nova ordem.
aplindes no tráfico de escravos. Conforme afirmações dos médicos higienistas, a disciplina
A prhibição do tráfico, em 1850, medida.intemacional que do físico seria apenas...go irestrumento, e a Educação %km
Via ateadcr aos lata:ti:sés do capital, desencadeia- nni processo passaria então a cOnstattnr-se dibitintiin Validade
de substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. A para colocar em prática O processo disciplinar dos corpos- .
modernização das lavouras de café pelo investimento de capitais, Vejamos como, ksso 6 . posSíVel, a partir de ont aspecto
outrora aplicados no tráfico, bem como O aparecimento e conSiderado pelos médicos corno básico para o desenvo . lvimento
.iintralação das primeiras indústrias no país são- SIgumas das dessa "Educação fiiianriniíe.littil: a separação por- dade e por
profundas nuadançaaosoitidas na sociedade sexo.
A alxdição tot áficOdOescinvotafaiírnincadeia um
'
conjunto de PrOcesSirenivari‘es,lançaniãgAim
o n período
de prosperidade e de grande impulso de m:yiçimpAlômica. São 20 Sobre o assuutu ç.çntrt outros, Caio PRADO Jr. História
ecouomica do
fundadas inúmeras empresas industriti, T bancos, caixas
21 A separação por sexo Para o desenvolvimento da Educação Fisica na
econômicas, caixas de seguros, de mineração, de transporte ur- escola permanece até boje conto= atesta kgislaçio específica, o
bano, de dis, bem como estradas de ferro. - Este era um novo


97
96
Segundo a argumentação médica para o cumprimento desta
gauleses, germanos e mil outros povos reputados cultos, heróicos
regra considerada básica, toda e qualquer prescrição de exercícios
e guerreiros eram chamados como testemunhas do valor do
físicos dar-se-ia sempre em função das características sexuais e
cultivo do corpo."23
da faixa etária das crianças, sendo que o único modo de exercitar
O excessivo valor atribuído aos exercícios físicos pelos
o corpo, comum a todas, seria a ginástica. Observando-se apenas
médicos teve funções muito particulares e importantes no proces-
as variações de intensidade e complexidade em relação às
so de transformação da sociedade e formação das elites num
caracter&sticas citadas. É conveniente assinalar que, a definação . p.
rimeiro momento, assim como para a "educação" da população,
de ginástica - "uma série de movimentos simples e combinados,
em geral, num segundo momento. Através de conhecimentos
dispostos em uma certa ordem, e próprios para fazerem desen-
específicOs, oriundos da biologia, da anatomia e da fisiologia, os
volver, gradualmente, as peças de que se compõem o nosso
médicos higienistas conseguiram argumentos 'suficientes para
organistno"22 - era aquela formulada pelos franceses, particular-
creditar em suas palavras e ações a confiança neregsária das
mente o trabalho desenvolvido por Amoros e por nós já tratado
famílias de elite, ou seja, do Estado. Cada medida tomada, cada
no capítulo II deste trabalho.
proposta executada, tudo repercutia na estrutura daquela nova
A ginástica podia ser comum a todos dada a sua definição sociedade em desenvolvimento.
genérica e utilitária; ela era como que um trabalho de base.
O exercício físico era, objetivamente, mais um valioso canal
Entretanto para o completo trabalho de educação do corpo, eram pam a medicalização da sociedade. Era necessário adequá-lo,
necessários também exercícios específicos. Exercícios que discriminá-lo por idade e por sexo, atendendo, assim, exclusiva-
pudessem desenvolver os &gruis- dos sentidos; que pudessem mente ao reconhecimento da existência das diferenças biológicas
atender aos preceitos da elegância e, portanto, variar entre os das crianças. Quem detinha o conhecimento sobre estas diferentes
sexos. • capacidades biológicas das crianças senão os médicos? Ora, se
- Canto, declamação, piam? _fqi_g_indicado para as meninas. -eram---t*-médicolv
- tlus--detinham- •aquele- saber-somente.eles
Salto, carreira, natação, equitaçãófi esgrima foi o iediCado aos poderianit.p'
itscrevetmaiir
' este remédio: o exercício físico, com
meninos. Dança, para meninos e móhinas. "' • todas as suaS•partieularidades e para todos os corpos particulares.
Das atitudes respeitosas que Cobionicavam para o corpo ao dos arerckias&particularidades dos corpos servia
fortalecimeigo morfofunciciiatl,, tiálliriótf, pelos lisonjelos ap dOscouluxim . mãos intdecusais *da Mrcaçáo
espfritp,43teileiefólói. (faleci:ti* jaados Si luas inter- barato e tró espirita Da acima forma
t.SMOtentás ou aressiitil prejudicaránt a criança,
mioáVeiatiffiréii jelOr'iiiiittSjle j ga saiba mais ..4S-itpes morais ou o esfrço ~emasl exorbitante
variados arÉittíOs peta justifltvardadc e importância saelf~iiià boa avançam
da atenção dó vcbrpS.•MsiiiiftIjiios, romanos, celta; Paraiisrip4 criava-se nela o hábito de aprender a olhar, admirar
e Aprjr&iss . ecápo próprio desde cedo. O ginasta infantil não
c.- professor do corpo, quando adulto. Ele mesmo cuidaria
com desvelo de todas suas faltas e acessos, ele mesmo saberia cai-
Decreto 09450/71. Título 11,. 13at caracterização dos objetivos,
pingara do art. 3°.
22 3.8. de ANDRADE Jr., apud. J. F. COSTA, op. cit. p. 185. _ 23 Jurandir Freire COSTA, op. cli. p. 185.

no
nn
Eivar com carinho sua anatomia e reclamar do meio ambiente quando necessário ao "estafante trabalho intelectual", este sim con-
as condições ideais para este cultivo viessem a lhe faltar. "2
siderado digno.
Na verdade, o exercício físico, dimensionado devidamente,
Quanto à educação do povo, os elevados índices de anal-
acentuava em certa medida posturas narcisistas e individualistas
fabetismo constituem indicadores de análise do descaso das elites
nas crianças e jovens de elite, exacerbando-lhes as preocupações
para cora aquela significativa parcela da população.26
coma sáude física. Some-se ainda as finalidades pretendidas com
os exercícios físicos de tipo específico, os quais foáleciam o 3. A educação das elites, a educação do povo e o papel
distintivo de classe burguês tais como: a natação, a esgrima, a
da educação física
equitação, o canto, a dança e o piano.
Conforme observa J.F. Costa, fazer crer que estes exercícios Durante o Império, principalmente a partir da segunda
eram benéficos ao desenvolvimento físico, foi a maneira de tornar metade do século XIX, a escola elementar ainda era restrita aos
conformes à natureza os sinais de classe da burguesia. A educação
higiénica, mediante essa manobra, procurava fazer com que as filhos das elites, assim como também não se haviam estabelecido
crianças aprendessem a retirar do comportamento social burguês as bases de organização e construção de uma escola secundária,
benefícios físicos.
que buscasse objetivos não exclusivamente direCionados para a
O dispositivo normalizador da higiene oferece neste caso, uma
amostra eremplar de seu funcionamento. Os indivíduos são levadosag preparação ao ingresso no ensino superior. Todavia, mesmo
compactuar com a ordem dominante extraindo prazer da servidão. nestas condições, eclode um debate em torno da orientação
E a educação, particularmente a escolar, constitui-se em curricular mais adequada, e as reformas educacionais que se
locas privilegiado de veiculação destes valores e normas de "bem sucedem buscam expressar as duas orientgões presentes naquele
viver. A influência exercida pelos médicos no pensamento e na debate: a orientação literária e científica.
prática educacional brasileira, de fido, foi marcante e acentuou-se Cabe ressaltar que ambas as orientações eram sensíveis à
ao longo de todo o século XIX, para tornar-se determinante nas necessidade da Educação Física, porém, a sua incorporação no
primeiras décadas do século XX. ensino regular não ocorreu de forma tranquila. Nem sempre os
_ A educação higiênica das elites, valendo-se da Educação
Fica, pode ditar as normas do "comportamento saudável", e,
26 Conforme registra José Murilo de CARVALHO, o índice de
através dele, inculcar valores de urbanidade, racismo, superio- analfabetismo da população escrava em 1872 atingia 99,9%, temia o
ridade masculina, entre outros. Pode, também, desenvolver nas número destinta matriadadósan escolas primárias e:mandrias muito
afitai o gosto pelo trabalho fkico. diferenciado de trabalho físico baixo. "De secado ao 000 d6 1872, apaisane 16,85% da pograbção
laudativo, acentuando, taduçação Física (e com li a "recreação ame 6 e IS anos , frapnit~ esecrla..E havia menos de 12.000 abam
mátrieubdos miridenlaisandirigneurim MirdaçãpfiMe de 8490.910
fomiativa") como o descanso merecido, coma O cóntraponto„ habitantes." A con_a4ruçair ddiridériii a elite polida imperial, p. 645.
27 &Mie o assunto.affiiir 'freia R. Soara MACHADO, Poliemia,
mula unitáriaepg .
.MI fria Loira S. RIBEIRO, História da Educação
Brasileira; Vau'. .it .PPAP)A, Educação popular e educação de adubas;
24 Ibid. p. 186. José Ricardo de ALMEIDA, História da instrução pública no Brasil
25 ibid. p37. (1500-1889).

100 ' 101


argumentos médicos foram suficientes para romper com os deta I hamento do espaço escolar, incluindo-se aí os componentes
preconceitos que ainda cercavam a Educação Física, que era curriculares. O final deste período é também marcado por uma
julgada imoral, especialmente no que diz respeito a sua aplicação certa preocupação das elites em relação à educação da população
às mulheres.
em geral e, portanto, à educação pública.
Entretanto, se de um lado existiam aqueles que a con- Um adequado funcionamento da educação pública,
sideravam imoral para as mulheres, de um outro, vamos encontrar entretanto, apresentava sérios problemas para ser viabilizado. Os
'aqueles que a defendiam porjulgá-la necessária. Estes afirmavam problemas iam do incipiente número de escolas públicas existen-
que o corpo feminino devia ser fortalecido pela "ginástica", tes passando pelas precárias condições de seu funcionamento, até
adequada ao seu sexo e às peculiaridades femininas, pois era a à distribuição dos Cargos de professor, o que na maioria dos casos
mulher que geraria os filhos da pátria, o bom soldado e o elegante resultava na indicação de profissionais absolutamente
e civilizado cidadão.
despreparados para a função.
Em que pesem as vozes favoráveis e os argumentos Este universo de problemas enfrentados na organização de
"científicos", muitos legisladores, temerosos das resistências, já um ensino público a ser destinado ao povo não colocou em
antepunham em seus projetos educacionais e nas leis que os segundo plano a Educação Física. Mesmo neste momento as
regulamentam as restrições feitas às mulheres no que se refere à preocupações em relação a ela se fizeram presentes.
ginástica. É o caso da província do Amazonas, que no ano de Em 1881, Silva Pontes já se referia em seu "Compêndio de
1852, através de seu presidente Toureiro Aranha, expede um Pedagogia para uso dos alunos da:Escola Normal" à necessidade
Regulamento para a instrução pública primária no qual determina da Educação Física na escola -Freira as crianças oriundas da classe
que, embora a educação rtsica e moral seja ministrada nas escolas, trabalhadora, afirmando que _•

Compondo os currículos como matéria de ensino, "... as meninas '1 _ O professor primário, posto que não tenha os meninos sob sua
farão exercícios .ltatatriti,_sendit:durante,tuna pane do dia, deve todavia continuar o
O Império é um período pnkfigt:e em formulações legais eeccech que não pede ceder lugar
absolutamente a educação intelectua4 e antes velar pela preservação
sobre a Educação Física nas escolar, abarcando proibições e
• liberações bastantes distintas. No In!pério, especialmente a partir
da :arida e desenvolvimento do corpo dos meninos, tendo em vista que
dos subas #éconcorrem a escola a maior pane é destinada a ga-
de 1/350, is preocupações com editCaçãO das elites (no sentido nha,. vila colai mi& do ser rosto ent trabalhos que exigem antes de
indo salde **or.'
utilizado por Locke) se
' ticettittaiii4i4teram propostas médicas
f. Nas afirmações de Silva Pontes-sábrc a educação do povo,
e (que i uslve retpaldaM'otãápottaa legais) . sobre o é posiske1aPreender o caráter instrumental da Educação Física,
e po.Mailt.eSercíciO físico aparece como sendo o antídoto para
a 28 PIIUIIIIV0MOACY&ipW SkTI todc4ajtaj0 além de ser potencialmente capaz de prevenir e
O,lilstÓrja da Educação
e Fisien tio 13ap, 'curar dOetiças..
. . de construir um corpo robusto e saudável,

29 A esse'irespelto ver- lutai! pena MARINHO, op. cit., Mulo Ribeiro
CANTAREM FILHO, A Educação Física no Estado novo: história e 30 Antonio Matcelino Silva PONTES, apud Cristina BRUZZO, Em nome
doutrina. da saúde, da ordém e do progresso, p. 19.
— t- 4'

colocando, assim, a responsabilidade da saúde sobre o próprio também no campo. Para solucioná-lo, o Brasil precisava entrar
indivíduo e adestrando-o para os trabalhos manuais (físicos). na era do trabalho livre, pago, e quebrar, de uma vez por todas,
Sendo a cidade o locus privilegiado dos acontecimentos as amarras da servilidade própria das relações escravistas.
políticos, econômicos e sociais da nova sociedade brasileira, que Mas como viabilizar o trabalho no campo com máquinas
tímida e tardiamente vai ingressando no modo capitalista de mais modernas, com técnicas agrícolas novas e mais producen-
produção, a homogeneização das mentes e dos corpos, bem como tes? Como tocar as pequena fábricas nas cidades? Como, ingres-
a sua adequação a esta nova ordem que privilegia este novo sar, efetivamente, nesta era do trabalho livre, numa sociedade
c.spaço, deviam ser promovidas. A educação, neste sentido, era o constituída por uma população de maioria escrava ou saída do
meio mais eficaz de promover essa "adequação" e essa escravismo; uma população desqualificada profissionalmente '
homogeneização das mentes e dos corpos. Através dela, pelos séculos de expropriação do conhecimento a que foi sujeita;
particularmente da educação escolar, era possível transmitir ao uma população analfabeta e servil, em sua maioria?
povo certos valores, como, por exemplo, o da urbanidade, fazen- A solução buscada por esta nova classe dirigente (situada
do-o prevalecer, uma vez que o modo urbano de ser e de viver geograficamente na região sul do Brasil) foi, de um lado a
passou a ser o dominante num país quase que exclusivamente imigração de europeus e de outro a educação do povo.
rural. No ano de 1872, por exemplo, apenas 10% da população A imigração atendia a duas preocupações básicas desta nova
total vivia nas cidades. Mas a cidade e a vida urbana tornaram-se, classe no poder. De um lado dava conta do trabalho, propriamente
de fato, o centro de preocupações, de investimentos.., o centro de dito, de modo mais "competente" e até certo ponto criativo e de
poder. A constituição dessa vida urbana no Brasil vai se outro contribuía para aumentar, no Brasil, a população branca,
dando, num primeiro momento, conforme observa O. lanni ainda pequena ao final do Império.
"... no espírito e no interior da formação social escravista."31 Povoar este imenso território com trabalhadores europeus
Lenta e progressivamente, entretanto, vão surgindo nas alfabetizados, tementes a Deus e, sobretudo, brancos, foi um dos
cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, grandes empreendimentos desta nova classe dirigente, muito
kik& e outras, interesses distintos, autônomos e divergentes embora, décadas mais tarde, ela própria, fosse perceber que esse
daqueles hegemônicos no escravismo, e uma classe dirigente imigrante europeu branco idealizado, não trazia somente o que
mais moderna, mais "preparada" para viabilizar no Brasil uma ela desejava. Trazia, também, e principalmente, idéias, idéias
novjordem social capitalista, dando continuidade aos interesses revolucionárias, idéias de liberdade e de luta contra a opressão.
externos e internacionais. Não nos propomos, neste trabalho, á uma discussão deta-
!ma nova classe dirigente procurouatacãróspiblemas lhada sobre o pmceistr imigratório-SM-ido no Bnsil, a partir das
cornos quais se defrontava a nova sociedade brasileira, entre eles últimas décadas do. 'Século XIX. Todavia, é preciso situar tal
a difiMildade da mão obra, presente 1110 a penaíná Cidade, mas processo como unihnportante elemento de conjuntura da época,
e assinalar o seu papel nas inmsformações da sociedade brasileira.
De um lado, á imigração contribuiu de modo decisivo para
31 Octivio IANN1, op. cit. p. viabilizar no Brasil a construção da nova ordem. Foi, por assim


G
dizer, o motor do capitalismo pascente. De um ou ro lado fez

1 im °Ri 1NA ias


etW--
nascer, no pequeno operariado brasileiro, as idéias de liberdade, vida, era uma população marginal. Isto porque, para a população
as idéias revolucionárias, as idéias de luta.32 livre, mas pobre, não havia lugar num sistema que ainda se
O processo imigratório é parte constitutiva do grande impul- reduzia ao binômio "senhor e escravo."
so que ganha a economia do Brasil, a partir de 1870. Em ritmo Urna das soluções buscadas pelas elites dirigentes para
acelerado, multiplicam-se os empreendimentos comerciais, in- promover a integração e a incorporação dessas populações mar-
dustriais e, sobretudo, agrícolas e já é possível observar, com ginais ao processo civilizatórin imposto pelo capital, foi a
° certo vulto, a concentração de capitais. educação.
Este é o período no qual o Brasil também é tecnicamente Assim, se a imigração foi buscada para acelerar o processo
aparelhado. Estradas de ferro são construídas, a navegação a civi firo Indo imposto pelo capital, a educação do povo foi buscada
vapor e a rede telegráfica estendem-se largamente, além do que para consolidá-lo.
também é possível constatar um progresso industrial,
4. Em busca da educação e da saúde do povo... os
particularmente das manufaturas têxteis, que se instalam nos
locais de maior concentração populacional, ou seja, nos centros "olhares" se voltam para a Educação Física
urbanos, onde, portanto, é possível encontrar uma mão-de-obra
Nos últimos anos do império, a nova classe dirigente mais
abundante e barata.
identificada com as idéias de progresso e de desenvolvimento,
Esta mão-de-ohm disponível que habitava os centros ur-
passa a vincular a essas idéias a necessidade de uma educação
banos foi fator detárminante de "prosperidade" da incipiente.
pública e estatal para o povo, uma vez que, a ignorância deste
indústria brasileira, contribuindo, de inOdo decisivo, para a
impedia a entrada do país no mundo da modernidade. A
celebração da vitória do capital sobre o trabalho em novas
eliminação da ignorância do povo, portanto, passava a ser a chave
'relações de produção.
para todos os problemas da nação.
Os centros urbanos, se de tira lado podiam ser considerados NOt tiabalhoS datti Barbosa, inúmeras são as passagens
o espaço dos empreendimentos modernos e da consolidação da nas quais ele se refere tt ignorância popular como sendo
nova ordem capitalista, de outro, e enquanto parte constitutiva do a mãe da senilidade e da miséria (cano) a grande ameaça contra
mesmo processo, eram a expressão concréta da degradação da a Salada constitucional e livre da nação; (como) o formiddvel
vida humana. . inanis* ti !Snake isttestisa que se asila nas entranhas do
Paa
Num atenta econômico7etn kattárialOmbta a .lavoilm, Sua. titywn,otação acerca da difusãO da escola em países
trabalhada -% escravos mi 'Sua"quás iititioria, a população
considetidos itaift cultos como a Inglaterra, França, Alemanha,
urbana que i0o- possuísseocupaçãõ ria4.11:1" meio regular de
. Estadokunidis, buscadas sempre em dados estatísticos, per-
mitiaM;S:liCet, em sua obra uma teia de infortnaçÕes que
32 ArespeitodOprocesao iniigrateisio Mi Brasil, considtar Manuel NEGUES comprovavam e relacionavam instrução com produção, com
Ir. knigirição, pitianiáção, induatrialização. Centro Brasileiro de
-Repprisati ?shit:acima. 1NEP/MEC, 1964 (Série Sociedade e Educação,
Y•i-str 33 Rui BARBOSA. Obras completas, V. 10,T. 1, p.121-2.
• •
'X I
107
É neste quadro que a idéia de educação enquanto instrumen-
desenvolvimento moral, com diminuição da delinquência, com
to capaz de transformar o país se faz presente de modo marcante
"amor à pátria" e com outras tantas virtudes, afirmando ser a
no pensamento das elites identificadas a)m o novo. E Rui Bar-
"... educação do povo (...) o primeiro elemento de ordem, a mais
bosa é. um de seus porta vozes mais expressivos.
decisiva condição de superioridade militar e a maior de todas as Todavia em Rui Barbosa, enquanto representante das elites,
34
forças produtoras." Para Rui Barbosa, a educação escolar teria a idéia da educação como algo capaz de transformar a sociedade
a função do artífice, e moldaria, conforme os mais caros ideais
caótica que se mostra aos seus olhos, não aparece sozinha.
de liberdade humana, a grande massa que era constitiúcla pelo
Juntamente com ela e, principalmente, por meio dela, surge a
povo. idéia da saúde e de como ser saudável. Para se alcançar este :ser"
Rui Barbosa dialoga com um Brasil que reflete de modo
saudável seria necessário recorrer a Higiene e, sobretudo, acen-
marcante os seus três séculos de regime colonial, tendo nascente
um incipiente processo de transformação política e econômica tuar a sua. importância na escola.
Higiene e educação juntas poderiam mudar a face do país,
com seu início no Império e que se acentua, sobretudo, com a
promover o seu desenvolvimento, viabilizar o progresso. Higiene
proclamação da República. Em outras palavras, a República seria
e educação passam a ser os remédios adequados para "curar" as
próprio "passaporte" para o desenrolar "natural" desse novo
doenças do povo e do_pais. Dessa união bem conduzida nasceria
processo em cutici:—
Uma economia urbano-comercial é desenhada, uma elite um outro Brasil..
A elite dirigente, da qual Rui Barbosa é representante, passa
com idéias "burguesas", européias se projeta; a miséria e a
a acentuar a importância da saúde e da educação, e a pensá-las
prostituição crescem nas cidades; as doenças e as epidemias, de
juntamente com toda a sociedade, a partir de um processo de
mãos dadas com a morte, são o cartão de visitas dos portos... O
importação de teorias, oriundas dos países centrais.
capitalismo está nascendo no Brasil. Essas teorias passam a instrumentalizar as diferentes
Mas com que olhos, intelectuais como Rui Barbosa olham
práticas sociais, entre elas a educação e a saúde, através de uina
novo modo de produção? Como pensam eles ser possível ruptura com o contexto de origem e uma adequação/adaptação
viabilizar este novo modo de produção no Brasil? Cotim seria aos padrões de desenvolvimento das relações capitalistas no
possível viabilizar uma sociedade nova, capitalista com um povo
doente? Com a insalubridade dos portos? Com um enorme con- Brasil.
É importante frisar que não há, por parte da elite brasileira,
tingente populacional impregnado dos valores PróPdos das uma assimilação distraída, indiferenciada ou simplesmente
reWa esaavagistas de trabalho, desqualificadas, portanto,
pata a indústria nascente? Como falar de tithitliditde, asseio, . das teOrias sociais que se encontram plenamente desen-
imitativa
volvidas na Europa do século XIX, as quais tratamos brevemente
saOrl‘ frigresso, desenvolvimento para untità-liopulação
no capítulo primeiro Oeste trabalho. O que existe é uma
ariasadajtente analfabeta, aprisionada fieldmisticismo? hierarquizada de apropriação/difusão
assimilação selOrta Olik
do ideário euroVeu peça elite brasileira mais identificada com o
34 Ibid. p.140. AMO.
GINAL
ORI

108 X enrYX
Nesse quadro de assimilação seletiva e hierarquizada do Era dever primário, como bem diz Rui Barbosa, da
ideário europeu, o liberalismo compõe o pano de fundo, já que
existência humana "cuidar do corpo", "da saúde", e a ginástica
representa a própria visão de mundo da burguesia. Esta, por sua
seria o elemento capaz de promover a saúde através do "saudável"
vez, é traduzida por diferentes correntes, tais como o positivismo,
exercitar dos músculos, atividade esta que deveria tornar-se
evolucionismo, organicismo, correntes que, em diferentes
hábito. Portanto, a ginástica não poderia ficar fora da escola,
momentos, tiveram maior ou menor espaço na construção da
e também alertava Rui Barbosa, afirmando ser a sua
sociedade brasileira.35 • obrigatoriedade universalmente aceita. Uma educação popular
As metáforas organicistas pontuam o pensamento de es-
que não contemplasse a ginástica seria considerada indigna desse
tadistas, pedagogos, literatos, juristas, cientistas, médicos, e o
nome, porque a ginástica deveria acompanhar todo o ensino e
positivismo comteano confere, na exata medida, a idéia de uma
plantar no homem o sentimento de sua necessidade, assim como
realidade absolutamente externa ao observador. Ao mesmo
"... do pudor, da urbanidade e do asseio."36
tempo, o evolucionismo mais grosseiro respalda a idéia da
A Educação Física no Brasil, quando de suas primeiras
concorrência, da competição e da vitória do mais forte, do mais
tentativas para compor o universo escolar, surge como promotora
saudável, daquele que, em outras palavras, seria mais adequado
da saúde física, da higiene física e mental, da educação moral e
ao progresso e à nova ordem.,
da regeneração ou reconstituição das raças.
A educação e a saúde, enquanto práticas sociais, foram,
Higiene, raça e moral pontuam as propostas pedagógicas e
portanto, fortemente influenciadas por estas correntes de pen-
legais que contemplam a Educação Física, e as funções a serem
sarnento e receberam funções muito particulares e importantes no
por ela desempenhadas, nãó poderiam ser outras -senão aquelas
processo de transformação da sociedade brasileira, no final do
Império. higiênicas, eugênicas e morais.
A argumentação utilizada por Rui Barbosa para justificar o
Para nossos estudos e nos limites deste trabalho, destacamos ingresso da: EduCição - Física no universo escolar traduz com .
um conteúdo que, na ótica da elite dirigente fortemente defen- muita propriedade as funções apontadas, evidenciando o viés
dido por Rui Barbosa, viria a se constituir na Síntese perfeita das médico higienista presente no ideário dos estadistas brasileiros.
duas práticas sociais apontadas et conSeZução dos objetivos Rui Barbosa observa que
propostos. "Estamos nos" referindo 11;:gdra4iii-ãO Física, a qual, ii-girthdc4 além de se r o resina fandataattai pare a
ministra escolas, cOntribuirilira hírjár o" indivichio forte, reconstiatipló de um povo cuja virilidade.se depaupens e desaparece
robusto, Ver 11W:1MT-h; carecia- á nova de diii'en• tlia 'a olhas vistos, é ao manto arpo, um eterckio
émittatatiaitm insuperavelmente moralizador, as gamem de ordens
sociedade laia triizaiOd . . , - • e laN .4wao alintento da Iliterdade,•Pando`O Maça uma presença
iTa.i -varonit passo firme e regi dar, predsáo e rapidez de
itoWlitatos,:prontidáo no obedecer, asseio no pautai° e no corpo,
35 Para uma maior compreensão sobre as teorias que embasarain o assentanice insmaiVelmatte a base de hábitos morais, relacionados
pessaittieto
—diselitestnálilehisboãultirB.LAMOURNIER,Founasto peio modo mais Intimo com o conforto pessoal e a felicidade da finura
des,,ne pamento politico autoritário na Primeira República. Unia
A
~04. In História Geral da Civilização Brasileira. V. 3 cap. 10. 36 Rui BARBOSA. Obras Completas, V. 9, T. 1, p. 174.
11 inerP :

111
família, damos lições práticas de itiorsl, talvez mais poderosas do que Rui Barbosa assim sintetiza o conjunto de medidas que considera
os preceitos inculcados verbalmente. necessárias para que a ginástica se integre aos currículos es-
Como podemos observar, para o autor, os "benefícios" que colares.
se podia auferir da ginástica eram inúmeros e, decididamente, de "P - Instituição de uma secção especial de ginástica em cada escola
enorme importância para a "educação", não apenas "física" do normal.
29 - Extensão obrigatória de ginástica a ambos os sexos na formação
povo brasileiro, mas para a sua "educação plena", ou seja, moral do professorado e nas estiras primárias de todos os graus, tendo em
o as
e intelectual. vista, em
Das inúmeras reformas do ensino que buscaram incorporar exigências da maternidade fugurk(grifos nossos)
- Inserção da ginástica nos programas escolares como matéria de
a ginástica nos currículos escolares, reformas estas que faziam?, estudo, em horas distintas das do recreio, e depois das cuias.
parte do universo de informações de Rui Barbosa, é preciso 49 - Equiparação, em categorias e autoridgee, dos professores de

destacar o Decreto n° 7.247 de 19 de abril de 1879. Este Decreto ginástica aos de todas as outras disciplinas.
Essa síntese clara e objetiva evidencia o seu caráter
ou esta reforma do ensino assinado por Carlos Leôncio de Car-
obrigatório, distingue-a das horas de recreio, confere aos profes-
valho trazia já em sua grade curricular o espaço obrigatório para
sores dessa matéria igualdade aos demais que compõem o univer-
o ensino da ginástica nas escolas primárias e secundárias do
so escolar e estende a ginástica a amboa os sexos, preservando,
município da Corte.38
A orientação de obrigatoriedade para o ensino da ginástica porém, para a mulher, as "funções" a serem por ela desem-
penhadas na sociedade, quais sejam as de "mulher/mãe", de
será seguida por Rui Barbosa em sua argumentação sempre
reprodutora dos filhos da pátria. A ginástica destinada à mulher
eloquente acerca do exercício físico e da sua efetiva integração
deveria, então, acentuar as suas formas feminis e, desse modo,
aos currículos escolares.
compor o ideário burguês sobre as diferenças da mulher em
Em seu Parecer de n° 224 sobre a Reforma Leôncio de
Carvalho, sob o título "Reforma do Ensino Primário e várias relação ao homem. •

Instituições complementares da Instrução Pública", proferido na " Os elementos apontados por Rui Barbosa expressam as
preocupações da elite brasileira:com a regeneração da raça, com
ses ~da- Oámara dos Deputados em 12 de setembro de 1882,
a procriação, com a saúde física de homens e mulheres, entendi-
dos como soldados da pátria. A Educação Física no âmbito destas
preocupações surge como instrumento ideal para forjar
37 Roi BARJ30SA, op. cit., V. 10,7.2, p.98.
38 Decseto n°7.247 de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário e _ penar funções específicas na
indivíduos saudáveis e fileis para
" saainglario do manielpio da Cone e otaiperior an loto império. "M. produção. Expressai", aii4.o acentuado interesse_do capital na
4a.„. O tanino nas acolá pdmirias de le grado município da Corte preservação da força de hábalho através de discursos e práticas
cenisfigslas segnimesslisciplinam lastntção moral, bitioçáo religiosa, - nhadns p"7
que definem papéis e tenções a serem desempe
Siem, Estrita; Noções de cismá, Noções:eiseiicia de gramática.
Pinélplos elementares de Mitmétlea, Sistema litgal-tle pelos e medidas, homens e mulheres.
noções de bistõria e geografia do Brasil, Bleme dasenho linear,
Rudimentos de música, com exercícios de rolrejo e canto, Ginástica,
39 Rui BARBOSA, op. eit., V. 10,T. 2, p.98.

ORIGINA
Costura simples para atteninas".R. BARBOSÃ, op. cit., V. 4, T. 1, p. 276.

112

Xerox
Profundamente moralistas, as idéias sobre os "benefícios" importância na construção da ordem; conferiu-lhe cientificidade
da ginástica são oriundas do pensamento médico higienista, e de e neste sentido, status. A "ginástica científica", respaldada nas
uma visão medicalizada da sociedade. Este pensamento nor- ciências biológicas e recomendada mundialmente por médicos,
mativo, disciplinador e moral teve papel determinante nas reforçava o reducionismo biológico presente na sociedade, trans-
primeiras sistematizações sobre a ginástica.., sobre a "educação formando-se em importante canal de veiculação da moral bur-
física" dos indivíduos, e Rui Barbosa o captou de modo surpreen- guesa através de um exacerbado cuidado higiênico com o corpo.

dente, procurando ampliar-lhe o espaço, disseminando-o, por E Rui Barbosa teve habilidade, diplomacia e "coMpetêncian
assim dizer. para fazer da ginástica, mágica divina, ser integrada aos
Considerando como fundamental a voz dos médicos, dos currículos escolares! Ele procurou sempre, em nome do novo, do
anatomistas e fisiologistas para o desenvolvimento da ginástica, moderno, do científico, colocar a ginástica como potencialmente
Rui Barbosa reitera em sua argumentação a importância destes capaz de, em si mesma, desenvolver corpos saudáveis em meio
profissionais nas primeiras sistematizações sobre a ginástica, a miséria física e social do povo, em meio a doença, epidemia e
ocorridas na Europa após a Revolução Burguesa. Ele refere-se morte.
aos trabalhos desenvolvidos por Ling, na Suécia, e Spiess, na Sendo porta voz de uma determinada facção da elite
Alemanha, destacando os importantes estudos anatômicos e brasileira, aquela identificada como capitalismo nascente, muito
fisiológicos realizados nesses países para o desenvolvimento mais vigorosa e em expansão do que aquela indentificada ainda
"científico" da ginástica. Rui Barbosa faz alusão especial ao com o escravisnih, Rui Barbosa se faz presente nos embates
diploma de "médico ginasta" que é conferido àqueles que passam travados Por estas facções do poder. Percebe a necessidade de
pela Real Academia de Ginástica de Estocohnd. Quanto à transformação na sociedade, que pudesse viabilinr o capitalismo
Alemanha, observa que neste país indústria!, às novas forças produtivas em expansão. Dar sua
—ti.— a medicina tem feitcsiartavacenada- aplicagOo da ginástica às preocu aç4osçqma.4cdoPrin-eteanktOr"
idéias da higiene eda terapêutica, tais Indicado os meios mais con- mente, &int ieducação física do trabalhador e da mulheilMãe.
venientes de fonfficar todos os órgãos, OIMPOUIll a energia das Rui BarbaSa participa ativamente de um momento da
propriedades vitak e, guiados pelos COMCMO: dela, os ginasiarcas,
istsagmarron erterckios acomodados act_êtt de imprimir tua ação so
qucar:doixtom
de:inaii ra„z
_ jelde ipltismasisdacentua oscoitorn
tas décdaodas do sécuos ciue
no
404 a ceda mia das Partiik"..do CO"- prácipkado pdos mais lo para que
morkentot iíst ir,'• 000 kirgigressivamatie mos mais novas relaçõá políticas e um novo rpgime de governo, final-
mente, conerehzera-se. .
E54141*tica fueeleflii~lejittda, atrayeasada pelo -
t!gtistPQ eeej!gde de 5. Pénissinento médico higienista e Educação Fiske na
normai—iiiinnis e 4iaapliriado4M,çaitressão da sociedade na
Primeira República, o reforço "científico" a um
qual foi gerada, e Rui Barbosa soube- captar sua singularidade e
Instrumento da ordem '

As incompatibilidades existentes no interior da elite


40 RflfrgRBb$op. dt., V.9,T.1,p.77.
brasileira, clara-mente dividida entre uma formação social 4.

i3rd
115
capitalista e uma formação social escravista, acentuam-se no final Gerson Zanetta de Lima afirma que
"... morria-se de uma infinidade de pragas naquela época co interior
do Império. As tensões resultantes dessas incompatibilidades não se diferenciava muito das capitais, quanto a variedade. A varíola,
consequentemente passam a refletir-se nos aparelhos de Estado a febre amarela, a malária, a tuberculose e a lepra eram doenças
e novas relações políticas, um novo regime de governo, tornam-se comuns (...) A concentração urbana facilitava a disseminação dessas
doenças (...) (e de outras) menos comentadas na literatura a respeito
necessárias para "administrar" as tensões, assim como para con- da situação de saúde da época, (tais como) o sarampo, a coqueluche,
cretizar o tipo de desenvolvimento desencadeado no Brasil nos a difteria, o tétano, à polioinielite, as diarréias infantis, a desnutrição
últimos anos de Império. e aparto que também fazitim inúmeras vítimas sendo que a tradução
geral do quadro era uma elevada mortalidade geral, uma altíssima
O advento da República, liderado por uma elite declara.da- mortalidade infantil, da ordem de Imenso: a quatrocentos por mil, e
mente liberal, burguesa e, portanto, capitalista, nada mais foi do uma baixa expectativa de vida ao nascer. 2
que um novo estímulo às atividades econômicas brasileiras. Este quadro, se mantido por um longo tempo, poderia
Embora difícil de ser avaliada, a proclamação do novo ameaçar as forças produtivas da nação, impedindo, pelas doenças
regime teve grande impacto ao nível das mentalidades. Ela foi e mortes, a reproduçãO da força de trabalho necessária à
para as elites como que um sinônimo de libertação de idéias, de reprodução do capital e à efetiva implantação do novo regime.
sentimentos, atitudes e, sobretudo, mudança. Essa mudança pode É no contexto republicano, portanto, que podemos situar
ser sentida de modo mais acentuado no que se refere aos padrões com maior ênfase o discurso médico higienista e os seus pres-
de moral e honestidade. supostos de moralidade sanitária, discurso este apropriado e
José Murilo de Carvalho, analisando este momento da difundido por pedagogos e estadistas, tais como Rui Barbosa.
histeria brasileira, observa que Se este discurso vem acompanhando e de certo modo
"— se deu uma vitória do espírito do capitalismo desacompanhado da dirigindo a sociedade brasileira durante todo o Império, conforme
ética protestante. Desabrochou o espírito aquisitivo solto de qualquer
peio de valores éticos, ou mesmo de cálculo racional que garantisse a observamos neste capítulo, particularmente no que diz respeito à
sustentação do lucro a médio prazaarta um capitalismo predatório, educação das elites, é com o advento da Repúbljca que será
fruto *ias do espírito bandeirante."' colocado em prática através de atjães intervencionistas apoiadas
tharegime assim, se por um lado "desenvolve" a sociedade pelo &ilide; core" O Objetiti'dé; "ein Sane da saúde, manter a
brasileira, iniciando ainda que tardiamente a sua Integração ao ordem, ampliando para o conjunto da população a determinação
capitalismo mundial, por outro, e como face do mesmo processo, de normas para conseguir uma vida saudável, e o "pleno fun-
acentua a miséria, degrada a vida e destrói os laços mais singelos cionamento da socigieder Nilo porque, é Com a República que
e ternos que unem os indivíduos, atirando-os, desde muito cedo os médicos começaiíí aiiieriiii"cirgos e a Se imiscuir na vida
a uni tipo de trabalho degradante e mal pago. administrativa de país:
Como testemunho da miséria do povo eido oã altos índices Com uma forinaçãk5ettropéia (francesa), de acentuado
de doenças e de mortalidade nas primeiras duas - décadas da caráter científico, dado particularmente pela revolução bacterio-
República.

41 José Mutilo de CARVALHO, Os bestializados, p. 26-7. 42 Gerson ?fletia de LIMA. Saúde escolar e etturnio, p. 89-90.

ORIGIMM"
116 xèrOX
lógica, desenvolvida a partir dos estudos de Pasteur, os médicos
arbitrariedade e autoritarismo do pensamento médico higienista
higienistas, de fato, se mostraram eficientes no combate a al-
a favor do Estado. Foram medidas que expressaram, de modo
gumas doenças e, especialmente, aos efeitos perversos das
inegável, o caráter civi I izatório do capitalismo e foram; até certo
epidemias, estas bem mais frequentes e arrasadoras no âmbito das
ponto, benéficas à população, na medida em que contribuíram
cidades, centro de poder decisório da nova sociedade brasileira.
para o rompimento com idéias e práticas milenaristas. Elas faziam
Não é, portanto, por acaso que os médicos higienistas
o parte do projeto burguês de modernidade e civilidiade idealizado
elegem a cidade, este locus contraditório de riq,ueza e miséria o
para o Brasil.
coma um dos alvos principais de seu controle, objeto de
O que é preciso ressaltar neste projeto burguês é o fato de
meticulosa intervenção higiênica. Quanto ao meio rural, o campo,
que, para a sua consecução, não bastava apenas controlar
embora apresentasse os mesmos problemas de saúde encontrados
racionalmente a saúde, mas também e, principalmente, tornava-se
nas cidades e as mesmas taxas de mortalidade, não foi objeto de
necessário controlar a moral das classes subalternas, conter e
preocupação e intervenção da medicina social em sua vertente
domeãiicar a irraciónalidade das paixoes populares, modificar o
higienista, a qual se mostrou intimamente ligada ao âmbito do
seu modo de vida, a sua habitação, assim como os seus cuidados
urbano, mencionando a zona rural,
com o corpo.
"... apenas para louvar a pureza de suas condições atmosféricas
quando comparadas com a das cidades, as suas belezas naturais, a Para além deste forte viés moralizador, há que se ressaltar
sua paz. A cidade ao contrário duma fome de desordent, de doamos, também o significado da higiene pública sob a ótica da produção
I e é por Soque deve ser o objeto privilegiado da ação médica. 'I'
da força de trabalho e da adequação à nova ordem que se instala
Esta ação médica, que será implementada pela higiene, irá
sob a égide do capital.
justificar todas as grandes transformações das cidades como uma
Para Gerson Zanetta de Lima, é possível resumir este sig-
questão de saúde uma vez que, neste momento, a higiene torna-se
nificado
"..._Ciêntias Sociais, (e integra),,saa_ _lógica à Estatística, à "-. a um conjunta-de -Matulas- de intervenção-que stestabelecem
Geografia, à Demografiii2 à Topografia, (toma-se) instrumento de sobre o meio, de modo a diminuir mia influencia patogénitá sobre os
planejamento urbano.' corpos. Na evolução das sociedades capitalistas, seu desesivolvimento
se dá quando as fortes taras de mobbsortalidade da população,
As medidassanitárias a serem tomadas objetivavam, portan-
ameaçam paralisar à daenvolvimento das forças materiais de
to, implemeáta. r estratégias de .con' le higiênico das cidadeste produção4uSsin, se cotistimir ent smia ameaça aros abaneis
alterar radleahriente a Miá est-reit:rã iiihanS, hem como o modo de da classe dirige:estes,. são matulas tomudas, portos" ao nitrido de
impe& á detertorpção da força de triiballto, a mais . afetada pela
vida de setiirliabitantes.- 1
"*. , 1 Os, .Principaháentesnas cidades,: locais de grande concentração
ásiàI46 s: vacinação populaclorial; C Mercado por excelência para a incorporação da
-
obrigatória[enife-o-Uhtà, eiivitmeirte, fruto da força-de —abati- o, as medidas sanitárias foram fundamentais para
. .
,
43 Maria D. - NOVAES. A pueriadtura ein questl. p. 38.
44 Niko', dó Rostrio 'POSTA. Estado, Educação e Sociedade. p. 47. 45 Gerson Zanetti de LIMA, op. cit. p.47.

i 33
•n
a sua preservação. A cidade precisava alterar a sua imagem, uma redentoras tarefas da higiene pública, tare fas essas que associadas
ima,gem tétrica de causar horror. a uma educação higiênica do povo, criariam as condições
O Rio de Janeiro, jovem capital da República podia ser a necessárias e suficientes para a consolidação da ordem. Em nome
síntese da imagem da cidade no Brasil republicano, e sobre ela dessa purificação, dessa assepcia do meio ambiente urbano, o
assim se expressava um jornalista da época: saber e a autoridade médica (estatal), invadem a intimidade dos
A cidade é um monstro onde as epidemias se albergam dançando lares, destroem os seus valores, suas práticas e desejos e impõem,
sabitu magníficos, aldeia melancólica de prédios iféllios e
acaçapados, a descascar pelos 'rebocos, vielas sórdidas cheirando
no seu imaginário, o ideário burguês de civilidade: a ordem, a
mal, erceção feita da que se chama rua do Ouvidor onde (...) o limpeza, a disciplina, a autoridade, a família, a moral, a
homem do "burro-sem-rabo" cruza o elegante da regido repicai, que propriedade privada... •
traz no mês de fevereiro sobrecasaca preta de lã inglesa, e (...) dilui-
se em cachoeiras de suor (...) O povo está sem instrução! A indústria
Aquele ideário colocado em prática pela Higiene, separa os
desprotegida. Os serviços públicos, de molas puras (...) só o corpos, designando para cada um deles lugares específicos, quer
comércio progride, o "honrado comércio desta praça" cog o comen- seja na sua casa (na qual, deve viver apenas a família, devendo
dador a frente, o quilo de 800 gramas, o metro de 70 cm. estar fechado aos "outros"), na fábrica, na escola, e na própria
Este é o retrato não apenas da cidade, da jovem capital
cidade onde se vive. Em nome da saúde, fala-se em metros
republicana, mas é também o retrato desta nova sociedade que
cúbicos de ar, de ventilação e de luz necessários ao espaço da casa
está se construindo, a sociedade do lucro fácil, do negócio gran-
e do trabalho, e, desse modo, processa-se um rigoroso
dioso a curto prazo, não importam as consequências. esquadrinhamento da população trabalhadora, exercendo-se,
A intervenção médico-higiênica, que ocorre neste cenário
assim, um controle "científico-político" do meio.
c:tadino e que expressa, sobretudo, a voracidade do novo regime,
Impõem-se uma disciplina corporal que seria, evidente-
não se dará no sentido de alterar as relações sociais ali presentes.
mente, mais adequada ao trabalho fabril, que pudesse tomar os
Aquela intervenção estará voltada exclusivamente para o meio
corpos mais dóceis e submissos sob a ótica 'do Ritter e, ao mesmo
ambiente, ele é que será considerado o responsável dilato pela
tempo (e por isso mesmo), mais ágeis, fortes e robustos sob a ótica
Saütle, tanto do corpo individual, corno do "corpo social". Assim,
da produção- enquantd afira:são do poder e da ordem. Esta
sanear o meio ambiente significava para os médicos higienistas disciplina corporal foi elemento constitutivo da educação
(e, portanto, para o Estado), garantir, de fato, a formação de higiênica do trabalhador, a qual deveria se dar na escola, caso ele
indivíduos fortes, saudáveis e úteis à pátria.
viesse a frequentá-la. Etiegnentar a escola tornava-se necessário
Desse modo, planificar e restaurar meticulosamente o
para o tipo 4e nesenvolvenierito que se encaminhalt »vem
espaço das cidades, hiOenizar casas, ruas, demolir antigos
sociedide republican14»
casarões, rasgar largas avenidas em meio a vielas somhrias, matar
A higiene, e corno par_tesiela a Ginástica ou Educação Física,
insetos através de contínuas desinfecções, promover earhortnhas
continuam a jrbpos pedagógicas, sendo coo-
de vacinação em massa, etc; passam netas. grandes e
.sideradas em leis retjairátedu6iCionaii. Elas sé- tornaram,
desse modo, a exp.réssão'Concreta dos "cuidados corporais"
46 Lois EDMUNDO. "Um jornalista vê o Rio". Nosso Século (1), p21. normatizados pelo pensamento médico-higienista, que concede

ORIGINAL
120
Xercoe'
I; um maior espaço em seus congressos aos temas e teses relativos alunos das escolas primárias, particularmente, destinados às
à Educação Física e, particularmente, a sua importância na escola. profissões manuaes. "48
A Educação Física preconizada pelo pensamento medico- E possível apreender neste discurso médico, a visão fun-
higienista era aquela estruturada em bases fisiológicas e cionai que é atribuída à Educação Física na construção da ordem
anatômicas, as únicas consideradas "científicas". A partir, por- imposta peio capital, uma vez que os corpos ágeis passavam a ser
tanto, de um entendimento anátomo-fisiológico do movimento uma necessidade.
humano, os médicos colocavam o estudo-da higiene elementar Sob bases científicas fornecidas 'exclusivamente pelas
como complemento preparatório da Educação Física tornando-a, ciências biológicas, e fortemente determinados pela hipócrita
particularmente na escola, um procedimento higiênico a ser moral burguesa (da qual compartilharam e ajudaram a construir),
adotado naquela instituição e incorporado como hábito para toda os médicos higienistas formularam suas teses sobre a importância
a vida. do exercício físico na "educação popular', buscando com estas
O Dr. B. Vieira de Mello em seu livro, A Hygiene na Escola, formulações uma adequação dos corpos aos novos padrões
escrito em 1902, dedica um capítulo especial à ginástica, alertan- exigidos pela sociedade de mercado. Neste sentido, eles procura-
do para a sua importância na escola; ram acentuar a necessidade de sua presença no interior da insti-
"... (a ginástica) além de que influe no crescimento. e na tuição escolar. Afirmavam, por exemplo, que cada aluno deveria
esthéticz é um excellente meio de educação moral, porquanto se fazer examinar por um médico, e que este médico determinaria
forma o caracter, torna o homem corajoso, ensina-lhe a dominar- a natureza dos exercícios aos quais este aluno poderia se entre-
se e agir rapidamente, se as circunstâncias o exigirem."' ; gar-49 Desse modo, segundo os médicos, seriam evitados os
O hábito da ginástica traria, então,"itiestilnáveis benefícios" "excessos", os "exageros", e o exer:ício físico de fato, viria
aos indivíduos em todas as idades, mas, sobretudo, na juventude. contribuir para o engrandecimento da pátria, à medida que,
O Dr.-Jorge- de Souzn;-em-ptOnunciamento sobre o- tema 'Da segunde: PeillvPla--01)Prt:Jerfle de Seige, através deken~os
educação physica e inspecção médica nas escolas", durante o VI físicos bem orientadoy(pelos médicos, é claro), seria possível
Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, realizado em São melhorar e regenerar a 'nossa raça. Afirmava ele, em 1907, que
Paulo, em 1907, assim se expressa sobre os "inestimáveis benefí- seria necessário . •
"— accentstan
. com todo o vigor da mais profunda condeplo, qat
cios" a serem conseguidos pelos exercíciés
• físicos; ama nénisidade gim se impõem e se ressalta à eWelincia,p4sitante e
"... (ps) etercicios physiess te;secetsdrios ao desenvol- inatlidét ti:Oplicaptst é uma refoniia, no sentido de promova. o
visite*, ds mascalatatit ern pr aNee4 dont& écrianças
de INOWMOW e
lieérnrérig tifigiminnés. 48 Jorge de SOU'LA."Da educação physica inspeçio média ias escolu".
à sede:tinida* - qiumé UM-- próprks: à desenvol- 01/N9BESSO BRASILEIRO DE MEDICINA E CIRURGIA, 6, Sio
ver eitalidailei é-der:Mis —, a ' de ligeiras e de força, Paulo, 1907. Annaes. p. 136-137.
~ppm" ent :urdia s dSsd sia-dada, mas àdispenséeis aos 49 CONGRESSO BRASILEIRO DE .• MEDICINA E CIRURGIA, 6,
e
Annaes, p. 156. Essa posição defendida pelos médicos sai anos mais
t tarde defendida também por aqueles que pensavam a educação escolar

• 47 B. Vicie.;
_ be . A hygiene na escota. p.36. COMO é O CaS0 de Fernando de Azevedo.
figos corporais. Todo esse quadro era controlado pelas forças de re-
niclhoran nhYsicsi de nos_sa rara lida Sã) Emulada doa pressão, o que vem a ilustrar ironicamente a tese da maioria dos
exercícios corporaes com a_suncrvieilância incessante por parte do
dirigentes de então, de qe4 a questão operária não é questão social c
inédito (grilos nossos). Em nenhum paíz - forçoso é confessa/-o - a
sim questão de polícia...."
educação physica é mais necessária do que em nosso, pois talvez em
nenhum outro povo se notem signaes tão manifestos de uma precoce Tais condições de trabalho vividas pelos adultos, cujas
degeneração physica, que o vae amesquinhando e que já tem affec- formas coercitivas idealizadas e realizadas a partir de um modelo
tado, sem dúvida sua virilidade civil e política, tornando-o (recessivol disciplinar dos dominantes, proliferavam, eram também parti-
ao fatalismo absorvente que domina as consciências, à devastadora e
pertinaz invasão do scepicismo político, que vae atrophianda as ener- lhadas pelo trabalhador infantil. Sua jornada de trabalho nunca
gias e entibiando o sentimento nacional." ' O era inferior a 12 horas diárias, durante as quais executava tarefas
Mas, o que determinava este estado de. coisas tão bem das mais nocivas a um desenvolvimentó harmonioso.
descrito neste discurso médico? O que determinava esta Ocaso do trabalho realizado pelas crianças na indústria têxtil
degeneração física do brasileiro? Quais os elementos objetivos e é bastante elucidativo de nossas afirmações. No dizer dos in-
subjetivos que o tornavam "acessível" ao fatalismo, que afetavam dustriais existiam "certos trabalhos que só as crianças podiam
a sua virilidade, que o tornavam descrente de leis, de homens... e fazer.„.51
de sua própria necessidade de viver? Certamente não era a falta Esgueirar-se entre teares em espaços exíguos para recuperar
de exercícios físicos ou_o simples (des)conhecimento de formas fios_ou bolas de algodão, permanecer horas e horas em posições
"saudáveis" de viver. absolutamente incômodas e perniciosas ao seu desenvolvimento
O que tornava o povo miserável, doente, degenerado física físico, movimentando-se contínua e cansativamente entre
e mentalmente eram as condições de vida e de trabalho impostas máquinas perigosas, respirando flocos de algodão e odor de
pelo capital, e que somente mais tarde, na década de 20 deste dejetos.53
século passam a ser denunciadas pelos médicos em seus relatórios ., E, enquanto o trabalhador infantil vivia esta realidade no
e em seus congressos como ameaça à "saúde" da sociedade e da inundo do trabalho, os médicos detalhavam o espaço escolar de
nova ordem, denúncias estas que tinham o cuidada() de isentar de forma meticulosa, alertando para os problemas advindas de vícios
culpa o Estado brasileiro. Um Estado que não possuía leis de posturais, para a necessidade de se adequar o mobiliário escolar
trabalho, ou qualquer dispositivo legal que obrigasse o patrão a à anatomia infantil, para que se pudesse tuim, "prevenir os
efetuar pagamentos de indenização por acidentes de trabalho ou distúrbios de coluna."'”
mesmo a simples preocupação de evitar tais acidentes nas
filadas.
"Quanto à remuneração, das variavam de acordo coei o patrão, que
também estipulava as narina da produção, ~num! "exentpk:
51 Madel Tereziaba LUZ, i.*_c14 p. 65.
qualquer erro cometido pelo operário obrigava-o apagar multa, o
52 Estas palavras Mirim pronunciadas pelo médico e industrial Jorge
gete Muitas vezes diabrura sensivelmetue seu salino. Seis - falar no STREET, ia GersodZinietla de UMA. Saúde emular e educação, p.104.
tratamento disciplinar dos mesmos, muitas vats suboteridoi a ais- 53 Gerson Za orna de UMAdiptoit. p. 104.
54 Ibid., ver tambó:Ri P galiZZO. Em nome da saúde, da ordem e du
progtmo: dEsetitab e prática dos médicos do Serviço Sanirárin paulista
50 Jorge de SOUZA, op. cit. p. 158. no final do século XIX.
ORIGINAL
124

xerox2,
Dizia o Dr. Vieira de Mello que espaço de vida, a sua dignidade perdida. Significava resistir ao
-... Ao educador cumpre não só evitar que os a Ittmnos adquiram modelo disciplinar/h igiênico imposto pelas classes dominantes. ,
a (lindes viciosas, como ainda corrigir as que apresentem. Porque, Essa resistência popular foi um dos fatores que contribuiu
força é dizei-o, grande cópia de defeitos physzcos observados em es-
colares tem sua origem no seio da família, onde se permáte às decisivamente para que, pouco a pouco, o modelo disciplinar
creanças escreverem em mesas desproporcionais à sua estatura, adotado pelo Estado fosse alterando seus contornos e mudando
quando não sobre cadeiras e outros móveis provadamente impróprios sua direção. Neste quadro de alteração de práticas e discursos, os
e até nocivos. "55
médicos (alarmados com os altos índiees de mortalidade infantil)
Ocorre que não era exatamente 'no seio da família, mas no
atentos aos interesses do Estado, passam a alertar as autoridades
seio da fábrica (mundo do trabalho) que os defeitos e a
sobre a necessidade de se cuidar da infância e de "educá-la".
degeneração física da inffincia tinham sua origem e se per-
. O Dr. Moncorvo Filho, um dos mais ilustres representantes
petuavam na vida adulta. E, lentamente, então, passa a existir uma
do pensamento médico voltado à proteção da infância, chamava
percepção por parte da classe operária em formação no Brasil, da
a atenção das autoridades afirmando que... "os pequeninos de
necessidade de mostrar tudo isso à sociedade, de responder ao
hoje serão os grandes de amanhã, é nela (inffincia) que ponho as
aparato repressivo e sempre violento do Estado, de se levantar
esperans de grandeza atual do regime pela regeneração da
contra às miseráveis condições de vida e de trabalho. A partir
pátria.'
dessa percepção, diferentes formas de resistência vão se consti-
tuindo, é uma profusão de manifestações combativas ocorrem, Essa mudança de direção que assumem os médicos higienis-
tas em seu discurso e sua prática, voltando-se aos "cuidados com
alterando o figurino que a sociedade oficial - a elite republicana
- desenhava para a sociedade brasileira.S6 a infância" e para com a educação higiênica do povo, traduz-se
em diferentes formas de intervenção na sociedade, as quais
A revolta da vacina, em 1904, rio Rip de Janeiro", foi uma
passam a ser implementadas ao longo da década de 20 deste
mostra da resistência que deu o povo a todas as medidas inter-
vencionistas que vinham ocorrendo; a troda-eipécieda invasão a século.
Não são mais formas violenta; coercitivas. Again- são for-
que estava sujeito, quer seja na privacidade de seus lares, quer
mas sutis, "educativas", através das quais, os médicos denunciam
seja na intimidade de seus corpos. A vacina obrigatória era o
as condições de trabalho na indústria, passam a fazer propostas
elemento que se colocava concretamente como objeto possível
de revolta, a ravt:digese. significa S1I resgatar o seu próprio sobre medidas higiênicas a serem tomadas para o bom ftm-
cionamentp das filbricas, das escolas e dos locais públicos em
. • geral, recomendam a ginástica para toda a população, responsabi-
55 •EL --ditt~olL lizam ..,4! 04S:et-rios pelo estado de degeneração Eska e moral
56 gal,;" da disse °perfila era rorinaigo no Brasil, consultar da classe Pegúria, evidenciam de modo cuidadoso o descaso do
Aziz SIMÃO, Siadirtnittie Estado; Parderitesio PINHEIRO e M. HALL, govemn-para com o estado de miséria do povo, e não deixiiin de
A classe opesida. no Brasil - 1889/1930. Documentos, v. 1; Ricardo
At/nRIESS-PaSse-trperfria, sindicato e partido no Brasil.
57 Sobre o etptsOltar Nicolau SEVCENKO, A revolta da vacina: 58 MONCORVO FILHO, apud M. RAGD, Do cabaré ao lac a utopia da
InentserMa inrrpos rebeldes. cidade disciplinar, p. 120.

127
da sociedade civil que reunia, no momento de sua ctiação, os
se referir "... à má educação do operário que não tem orientadores
piincipais nomes da Higiene e Saúde Pública do pais. Os seus
sinceros e inteligentes nas suas reivindicações."59
quadros eram formados. por funcionários públicos. em sua
Estes "sinceros orientadores" seriam, evidentemente, os
maioria pertencentes ao Departamento de Saúde Pública, ou a
médicos, uma vez que eles, mais do que ninguém sabiam o que
órgãos e instituições de Saúde Pública em vários estados da
era mais adequado ao povo, desde à criança até ao adulto, sem
distinção. Suas ações, portanto, não deveriam mais recair so- federação.
Pelo lado da educação, este é o momento no qual tem inicio
mente sobre os focos de contágio e contaminaçãO, ela deveriam
a assimilação de um novo referencial oriundo do que se chamou
recair sobre toda a população e toda a sociedade.
O campo de atuação dos médicos patiltaristas redefine-se, a Escola Nova62,que terá, na Associação Brasileira de Educação
neste período, sob a influência da escola norte-americana, cujo (ABE), um importante canal de v.eiculação deste ideário.
A ABE, criada em 1924 no Rio de Janeiro e reunindo
representante no Brasil é o médica sanitarista Geraldo Horácio
educadores, médicos, advogados, engenheiros e outros profis-
de Paula Souza que reorganiza o Serviço Sanitário de São Paulo,
sionais, buscava aglutinar os esforços de todos aqueles que
tecendo críticas ao trabalho autoritário desenvolvido até então por
Emílio Ribas, substituindo as campanhas obrigatórias de vacinas acreditavam ser possível transformar o país pela educação,
promovendo através de campanhas educacionais uma reforma na
e desinfecções do meio, por um trabalho de constante e
meticulosa educação dos indivíduos. Segundo Emerson E. mentalidade das elites, "... convencendo-as da necessidade de
Merhy, a concepção que Paula Souza tem de saúde pública é regenerar, pela educação, as populações brasileiras, moldando-as
como povo saudável e produtivo", e divulgando, assim, um novo
aquela que afirma ser a higienização do meio e a aquisição da
consciência sanitária por parte dos indivíduos, elementos sufi- ideário educacional.63 Assim como outras organizações cívico-
cientes para que ninguém adoeça.60 nacionalistas, a ABE se constituiu em espaço onde diferentes
O período em que ganham espaçcas idéias de Paula Souza
é aquele no qual ocorre grandes debates eat tomo da saúde, da
doença e da educação do povo. Pelo lado da saúde, este é o resumem apenas em se constituir nom espaço de diwu.csrin e de
ca ta lisação dos agentes envolvida; com a higiene. Bem Maiores parecem
momento da realização dos Congressos Brasileiros de Higiene,
as preteriras da S.B.H., e claramente, através da Higiene e da Saúde
organizados pela Sociedade Brasileira de Higiene61, instituição Pública, exercer maior controle sobre o conjunto da sociedade...", M. T.
LUZ Ordem médica e política brasileira, p. 175.
59 Ibid.p. 41-42. 62 Sobre o amam remeto o kitor ao trabalho de Jorge NAGLE. "A
60 EXUMA Elas MERHY. Ação participativa: perspectivas de atuação dos educação na Primeira República"; Morada PAIVA, Notação popular e
educadores sanitários. Animes. Ver rantb6n O capitalismo e a saúde educação de adulou': Marta M. C. de CARVALHO. A esrola e a
pública, do MESMO autor. república; Anisio TEIXEIRA, Educação não é privitégio; Manuel
61 "A Sociedade Brasileira de Higiene (S.B.H.), fundsrls, em 1923, Beq;s1mm LOURENÇO PILHO. latmduçãO ao estudo da Escola Nova:
pema:meteu sempreunia instituiçãoda sockdadegyptaffifscus laços bases, sistemas .rrdirtrigmc da pedagogia contemporãnea: Raquel
com o aparelho estatal, sobretudo os aparelhos dl:finde pública tenham GANDINI, Teeptiái-eáN: pita lisnin e educação em Anisio Teixeira.
sidol...iintemosi.„1 (quanto as) pretensões da S.B.H., I..., (elas) não se 63 Marta M. Chagas CARVALHO. A escola e a república. p. 55.

ORIGINAL
128

xerox
dispositivos de controle, regulação e produção do cotidiano das Este ideário educacional, fortemente influenciado pelo pen-
populações pobres foram forjados. Elucidativo de nossa samento médico higienista, é amplamente veiculado e debatido
afirmação é o conteúdo que se depreende de suas Conferências em seus congressos. Médicos e pedagogos, em perfeita harmonia
Nacionais, semanas de Educação, palestras e festividades, nas e identidade conceituai, buscam viabilizar na prática suas crenças
quais são cultuados "... signos de autoridade e hierarquia e (são) na transformação social através da educação, este poderoso (e
ritualizados no espetáculo cívico, modelos de comportamento único) instrumento por eles considerado como capaz de formar,
„da •
exemplar.
desde a infância, os hábitos de Vida saudável, o amor ao trabalho,
A ABE, hem como a Sociedade Brasileira de Higiene, a ordem e a disciplina.
também teve a "formação de hábitos saudáveis” como objeto de
Os Congressos Brasileiros de Hygiene, realizados ao longo
preocupações e atenções especiais, e a saúde não só foi um dos da década de 20, pela Sociedade Brasileira de Hygiene, são
temas preferidos das preleções cívkas nas festividades, como
também objeto de celebraçõt em inúmeras competições esportivas testemunhos da preocupação médica com a educação escolar, e
oferecidas etn espetáculos como modelos exemplares de comporta- da importância que lhe atribuem na construção da ordem.
mento. O esporte e a vida saudável simbolizavam a energia, o vigor, a Naqueles Congressos, a escola e, particularmente, a escola
força, a prosperidade, sigilos de progresso inscritos no forpo que
conhece o movimento adequadamente útil para cada ato. "6 primária, aparece como o instrumento mais adequado para
Nesse novo modelo de educação que estava sendo as- viabilizar uma boa educação higiênica61, o que nada mais era do
similado, que a aquisição de um sistema de hábitos que, uma vez integrados
• (a) prática educativa, articulando-se com a prática de saúde, não na vida dós indivíduos viriam favorecer a sua saúde individual,
apenas incorporeis no currículo escolanovista cenas disciplinas, mas e, ao mesmo temporpreservar a saúde daqueles gut: o cercam.
concedeu-lhes também prioridude. É o caso das noções de higiene, "Isto pasto, facilmente se deduz que o único apparetho em condições
dos trabalhos manuais e da educapo física. Através do domínio de de diffimdir painbmies e efficarmente a educação hvgifnica é a es-
cenas técnicas corporais,. impilams lig3MS discWina4 buscava-se cola Pilmaria, (grifar nossos) por meio do respectivo professor (—) a
- formar Hm conipemamento-adequide- do ponto de vista- bio-psieo-so- Solirffirg-riairirstitue o 'agente fundamental- de tõir torattierdvel
cid Todas elas veiculam ~ta representações eme a sociedade fazia tarefa."'
de si mama, como o aperfeiçoamento da raça" e o sentimento
nacionalista(,..) A esCola, então, é vista como o terreno que propicia a
A Escola Nova introduzia uma nova constnação social do corpo, implantação de hábitos de viver sadiamente. E é neste conjunto
mitificais' ipartir de estio no eneredtrpo'cla "regeneração da raça". de hábiMiTitiatittiveis que compõem o ideário da educação
O carpi; deveria tornar-se saudável istiti‘irionWuldvet MIA multi- higiênica 'aink Ministrada na escola -espaço que economicamente
pli~de forças 4.0 mesmo trapet t:arteriorizar as qualidades
In' interiorizadas pelo ~: 4irS técnicgst corporais: a poderia- diOnttlier essa educação higiénica para o conjunto da
de de previsão
. e de treisetereittialiontade."" _ sociedádi 4-AâisVareis encontrar as exercício-5 Tísicos.
-,c1,::-ea


64 11!ident. 67 CONGRESSO BRASILEIRO DE IiYGIENE, 1. Rio de Janeiro, 1923,
65 Idem p: '- Annaes.

3‘
66 Claticei•IONEM -
pmnans numa perspeciora histórica. p. 543. 68 lbidem. p. 819.


científicos e ministrada aos moços é um importante meio para
O 1° Congresso Brasileiro de liyuiene, realizado em 1923,
difundir princípios higiênicos.
dedica um espaço considerável ao exercício físico no conjunto de
As teses sobre Educação Física defendidas pela ACM na-
temas ali tratados, que figura entre as contribuições que as
quele congresso apresentam as seguintes conclusões:
instituições particulares poderiam oferecer para a educação
69 47° - A educação physica é um meio efficaz de propagar a hygiene e
higiênica do povo. A Associação Cristã de Moços (ACM) alcançar a saúde.
empresta, então, a sua "contribuição" à educação higiênica do 22. A educação physica dête ter por escopo desenvolver no indivíduo
povo, apresentando naquele congresso tese específica. sobre a quantum de vigor physico essencial ao equilíbrio da vida humana, á
felicidade da alma, á preservação da pátria e á dignidade da espécie.
educação física. 39 - A educação physica, rdinistrada de accórdo com um programa
J.H. Si nns e Oswald M. Rezende, falando pela ACM, repor- scientlfico bem organizado, é, para a maioria dos humanos, uma
tam-se às "geniais palavras de Rui Barbosa" e ao seu "monu- necessidade vital, exigida pela vida artificial que caracteriza assim a
cidade moderna, como os mediados pelos quaes os homens de hoje
mental Parecer sobre a instrução primária em 1882", no qual Rui ganham os meios de subsistência.
Barbosa dedica um capítulo inteiro à educação física. Tendo em 49 - As aulas de gymnástica e os desportos promovem, assim, o que
mente as recomendações de Rui Barbosa, os dois representantes mais essencial para o bom exito na vida - a saúde.
59 - A propaganda hygienica pessoal, v.g., no exame physico ves-
da ACM afirmam que uma educação baseada em princípios tibular, produz os melhores resultados, sendo de se lhe aconselhar a
prática a todas as organizações.
6* - Nestes exames physicos, verificam-se as condições precárias dos
69 Segundo Inezil Pena MARINHO, a "história das Associações Cristãs de moços, ignorantes dos mais comesinhos princípios de hygiene, de pos-
Moças desponta coro o trabalho de um clérigo inglês: Georgcs Williams tura defeituosa, dentes descuidados e grande porcentagem já infec-
que, em 1844, organiza um clube religioso ao qual deu o nome de Young cionados pelas doenças venenos.
men Cristian Association (Y.C.M.A.). Esta organização londrina serviu 79 • As conferencias sobre hygiene e educação physica despertam
de modelo para muitas outras, que se espalharam pelo mundo inteiro. A grande interne e são de ,grande valor no ensino da prophylaxia in-
! ni?ada em Boston, em 1851. Em
primeira associação desse tipo foi orga dividual e sociakaprbscipaIntente quando feitas com anilho do
1856, foi proposto à Convenção nacional que as Y.M.C.A. estabelecem cinematographo."'" •
uso da ginástica c dos banhos. Os primeiras ediffeina Y.M.C.A., As teses e conclusões da ACM, apresentadas neste 12 Con-
equipados para essas exigências, foram construídos dá São Francisco, gresso Brasileiro de Higiene, expressam uma concepção de
New York e Washington, em 1869. A primeira Associação Cristã de Educação Física como sinônimo de saúde Mim e moral, forçando
Moços açulada no Brasil, data de 1893, quando foi fundada ido Rio dc uma relação entre exercício risitxt e saúde e acentuando a idéia
Janeiro, com orientação norte-americana, primeiro Mano &Calistenia
Maplantado no país. A A.C.M. teve papel :elevaste ein:desaMnivimento de que a "aplicação correta" do exercicb ffsico gera, em si, e de
de vários desportos, matadamente do Basqueltird cYc9c 1. Dez anos imediato, a tão almejada saúde. Expressam -também-a extasiamça
mais tarde, nos mesmos moldes e com MOI@ firealidi&À de suas dos médicos nos poderes do exercício físico, confiança esta
congêneres no Rio de lancho, é fundada a ACM. d s Saio, que
juntamente com o IIIAS617iC aflige, cca;linir Piaderanktonic de
disseminação da Calistenia 1.-1 As A.C.M. fundadas-91i tias cidades,
dentre as quais Belo Horizonte e Porto Alegre,- c41-424411 ãifundir a 70 CONGRESSO 0148114M0 DE HYGIENE, 1, Rio de Janeiro. 1923. p.
21-22. Existem ao todo 10 teses, can reta nto tratserevenws apenas aquelas
Calistenia, que teve o seu período áureo aptS a Segunda Guerra
Mundial..." 'Estória da Educação Nina no Brasil, p.60.41. mais diretamente relacionadas ao exercido Mico.


ORIGINAL
132
Xego>e
traduzida por uma visão triunfalista e moralista do exercício relativo à "Formação de hábitos sadios nas crianças, estudo
Físico, entendido como capaz de curar todos os males da socieda- psicológico e higiênico".
de, quer sejam eles de ordem física, quer sejam de ordem moral. Afirmava o doutor Wa Idom iro de Oliveira que
Esse poder quase mágico atribuído ao exercício físico "Só o hábito pode dar elementos indestructíveis para a
figurará nos demais Congressos Brasileiros de Higiene, 'formação da consciência sanitária'. Sem o hábito sadio, não é
realizados ao longo da década de 20 deste século, variando apenas possível garantir a defesa da saúde da creança e garantir cellula
o seu enfoque ou forma 4 abordagem. Esta afirmação pode ser capaz de melhorar a raça lie amanha."
constatada através da leitura dos "Annaes do 22 Congresso Brasi- E para que os bons sejam, de fato, incorporados é preciso
leiro de Hygiene", realizado em 1924 na cidade de Belo espaço para que possam ser ensinados, portanto,
Horizonte, no qual se enfittizou de modo acentuado o caráter "... estender à rede escolar primfria por todos os núcleos
técnico das ações higienistas, evidenciando o patriotismo das onde se encontrem crianças em idade escolar é obra do mais alto
mesmas, assim como o seu significado para a "melhoria da raça". patriotismo e é sólido fundamento da instrução sanitária e da
Foi aí que o binômio Educação Física ^ e Higiene tomou-se fun- formação de hábitos de hygiene."73
damental. O Dr. Amaury Medeiros, em discurso inaugural na- Ainda sobre o mesmo tema, o Dr. Colombo Spinola fala
quele congresso, assim se expressa sobre o assunto: especificamente sobre o "valor da saúde" e acentua a necessidade
"Cum a visão do Brasil de amanhã urge prover inadiável, à do exercício físico para a sua manutenção e prevenção.
educação nacional nos seus tríplice aspecto - physico, intelectual "Sabemos hoje (afirma de) ...que a sadde pode ser conquistada, bas-
tando pára iitá nos cingir às suas leis, estudar e conhecer o nosso
e moral - reservando-se à educação hygiênica função essencial
próprio organismo, contribitindo para munido em hygitle; que sertl
na formação eugênica da-raça."71 certamente o remitido de uma maneira sadia de viver, isto 4 de um
E a ginástica é parte constitutiva da "Educação higiênica", repouso suniciente, e° um trabalho methasfica, de exerckios
moderados ao ar livrc de uma nutrição intdligattemente escolhida e
CO seu "complemento ~rio"-, eonforme expressão util irada ade~eititeahned te-esta-fora de drividw-tniértristair precioso
pelos higienistas, é um complemento que desde o Século XIX é capital de upt lanem é a sua reserva de força e sua perfeita
prescrito pelos médicos como receita, uma receita que deveria
tornar-se hábito e constituir-se em uma ',Segunda natureza". CUidardesaa "raie
' rve de força" e "vitalidade", preservando,
O exereício físico, entendido corno hábito saudável de vida, então, esStrap
'liaossó Mi,pitititque é a saúde, pisava a ser uma
será antgamente debatido& no, yi COtigresso Brasileiro de retiPõjitiribEht.$ individual - e; fundaMentalinente, • exigia
Hyidenki reitlizado em São PitiliCe.;142 ._ &. Na leitura de seus obediatieírjérait de higiene, ditadas pelos "Serviços Oficiais".
Anais, en*tittatneis que dos dorui iéíiu.s apresentados, o que
caí:ganhai - um maior número dá trabalhos e teses foi aquele
72 %Moinho de OLIVEIRA. CONGRESSO BRASILEIRO DE
HYGIENE, 3, São Paulo, 1926. Annie; p. 801.
73 Ibidem. p. 805.
71 CeNG littAgLEIRO DE HYGIENE, 2, B. Horizonte, 1924, 74 Colombo SMOLA, CONGRESSO BRASILEIRO DE HYGIENE, 3,
Annaesrpe São Paulo. 1926. Animes, p. 861.
• •

135
Ter saúde seria possível, desde que o indivíduo possuisse saberá fazê-lo adequadamente em função da idade e da consti-
"conhecimentos", que ele fosse "educado higienicamente". tuição de cada criança.78
Os serviços oficiais de higiene enfatizavam as suas funções Entre os cuidados com a saúde, destaca-se a Educação Física
de orientação e fiscalização da execução dos "bons preceitos de que temo médico como tutor do professor, aquele que ministrará
higiene", envolvendo professores e auxiliares de ensino na nobre a matéria na escola ou nas instituições particulares. Essa tutela é
tarefa de formar higienicamente as crianças. São estabelecidas tal, que a promoção funciohal dos professores está diretamente
normas para os serviços oficiais. Transcrevemos aqUi i as prin- ligada aos cuidados por eles destinados à Educação Física, à
cipais normas: saúde das crianças e à higiene da classe. Esses são os elementos
"... o exame physico de^ cada aluno, pelos menos uma vez a serem considerados nakua avaliação, os quais são privativos do
por ano, exercícios physicos diariamente e ao ar livre, (grifos médico escolar, conforme previsto no Decreto n°2.008, de 14 de
nossos) nutrição boa e adequada, repouso sufficiente e trabalho agosto de 1924?9
methúdico, escolas higiênicas e apropriadas."75 Uma vez mantido o professor sob sua tutela, através de
Na opinião dos médicos e por extensão dos pedagogos, os diferentes mecanismos de controle, os médicos higienistas
exercícios físicos ao ar livre tornam-se indispensáveis, pois a tratarão de buscar formas de controlar e fiscalizar também as
"vida escolar" com.suas exigências tem agido desfavoravelmente crianças, e, para tal, criam os chamados Pelotões de Saúde.
sobre o desenvolvimento das crianças. Assim os médicos acon- Estes Pelotões possuíam estatutos que deviam ser rigorosa-
selham a "ginástica natural", traduzida por jogos ao ar livre, mente seguidos para a sua organização e constituição, bem como
corridas, saltos, passeios, patinação, natação, remo, etc."76Quan- deveres, os quais seriam cumpridos diariamente pelos seus
do se referem à "ginástica metódica", sugerem a ginástica Sueca membros e registrados em fichas que ficariam sob a guarda da
de Ling, por corresponder mais adequadamente aos princípios da professora. Mensalmente essa ficha, devidamente registrada,
higiene. seria visada pela diretora da escola, pelo inspetor escolar e pelo
Conforme o Dr. Colombo Spínola, "... os exercícios físicos médico. Os deveres do Pelotão de saúde, eram os seguintes:
de [Ling:desenvolvem as forças physicas das criah2Ste dão aos Lavei as ndos nono ao acordar.
movimentos maior amplitude com a menor força?'" TnnS um bonlwcSág$tmM0
Penteei os cabelos e Empei as unhas
Um aspecto que deve ser salientado e. que figura com 4. Escovei os dentes.
-
froaqgncia nos discursos médicos é aquele relatiVo aosienidados E1LtalM~~(1,if os nossos)
pata que não se cometam exageros e abusos traloaagern" dos 6. Fix am. ~ampla kiestinist /amado depois as mios com água r
sabda
exemktos NICOS. Estg devem ser.preserisis petáligiliéo, que 7; &impei mais deitei@ hera ao ar that.
Tomei um copo de Sé .

75 CONGRESSO BRASILEIRO DE HYGIENE, São: Paulo, 1926.


Amua. p. 866. 78 Ibid. p. 868.
76 lbidmu. p. 868. 79 CONGRESSO BRASILEIRO DE HYGIENE, 3, São Paulo, 1926.
77 Colombo SP1NOLA. Ibid. p. 868. Annaes. p.872.
ORIGINAL 1
136 •
.xerog
Bebi mais de 3 copos d'agua. Ao finai dos trabalhos do 3'à Congresso Brasileiro de
Fiz respiração profunda ao ar livre. Hygiene, o relator geral do tema "formação de hábitos sadios nas
Estive sempre direito, quer de pé, quer sentado. Só li e escrevi em
boa posição.
crianças", Dr. J.P. Fontenelle, apresentou um parecer no qual, não
Só bebi agua no meu copo e só limpei os olhos e nariz com o meu apenas evidencia a evolução da higiene, que de "coercitiva" passa
lenço. a ser "educativa", como também acentua a necessidade do
Dormi a noite passada ti horas, pelo menos, em quarto ventilado.
exercício físico como elemento fundamental da educação higiê-
Comi fracas ou hervas bem lavadas. Lavei as mãos antes de
comer e mastiguei *migar tudo o que comi. nica e enquanto hábiío saudável, que a escola deveria ajudar a
Is. Andei sempre calçado e com roupa limpa. formar. Afirma ele que
Não beijei nem me deirei beijar.
"... (a) escola tem de actuar de varias formas: pelo meio, como pos-
Não cuspi nem escarrei no chão. Ao espirrar ou tossir usei o meu sibilidade da execução dos actos sadios (perfeito fornecimento de
lenço.
água, Mas installações de latrina, lavatórios convenientemente ap-
Não colloquei na bocca, no nariz e nos ouvidas, nem os dedos, parelltados, etc); pelo exemplo da professora instruido em hygiene e
nem o lapis nem nada que estivesse sujo ou pudesse machucar-me. educada sanitariamente pela organização dos trabalhos sem atten-
Não tomei alcoot Não fitmejh tado aos dogmas da hygiene; e, muito particularmente, pelo esforço
Mio menti nem brincando.'
ali feito para inculcar bons hábitos de saúde, physica tpsiquica, entre
Neste conjunto de deveres a serem cumpridos pelas crianças os quais incluidos os ceerckios physicos ao ar livre.
e fiscalizados pelo Pelotão, entre os quais encontramos a 05°
5° e último Congresso Brasileiro de H igiene83, promovido
ginástica, é possível perceber toda uma disciplina corporal/hi- pela SBH nesta sua primeira fase e realizado em Recife, no ano
giênica cujos novos hábitos vão Se enraizancio. Em nome da
saúde, a higiene consegue incutir Urna tal disciplina corporal
cujos princípios da moral burguesa figuram através das noções 82 J. P. FONTENFLLE. CONGRESSO BRASILEIRO DE HYG1ENE, 3,
de bem e de mal, de certo berrado, contribuindo, assim, para uma São Paulo. 1926. Anta, p. 937. Em 1929,0 Dr. Fontenelle publica o
livro "Fundamentos fisiológicos da Educação Física", que demostre a
aceitação tspacífice piorio dejete viyedwrguês; e a disciplina preoaTapo e o intereastdoa médicos consesta área do-conbecimento.
corporal, através das normas higiênicas, é tratada como a grande 83 Quanto ao "Quarto Congresso Brasileiro de Hygiene", não encostamos
responsável pela pátria de amanhã, em nossa pesquisa registros sobre os ttabalbos e temas lã Spreauttados.
"Não pode deixar de ser particular preocupação dos paes e dos Na leitura da pesquisa realizada por M. T. LUZ, Intitulada Medicina e
educadores a colocação das aianças sob Nitro constante da vida ao Ordem política Brasileira, constata meia mama dificuldade da autora
grande géS isdionSo ~Sio' • do. filáltialeglin os que, entretanto; nos az algas dados sobre aquele Congressoobtidos nos
trdehnidez.
e • bscomerveis recursos pare o mais perfeito e duradouro "Azebivos flygleae.! O Quarto Congresso, Esmalteis° de Hygiene foi
realizado ai:Balda, no pe_tiodo de 14 a 20 de janeiro de 1924 e lã "—
foraiii-SYSSiéslados 67 pabalbss. Peba poucas moções que o texto
apresentai percebe-se a iéportincia do combatei peste, à bouba, à luta
80 Odetalbamento da constituição ele* Mitlki de Saúde, bem comoosen apthreitérà [A o que sugere a profundidade da situação endêmica e
i'aparelbamemit, pode ser encomiado em Carneiro LEÃO, Congresso epidémica no país es nexssidade política de seu controle." M. T. LUZ
Basimr4 3, Sio Paulo. 1926, Annie*, p;873.873. também registra um acentuado debate em torno da idéia de um certo
81 MON. .4 , CONGRESSO BRASILEIRO DE HYGIBNE, 3, "nacionalismo patriota" presente na doutrina sanitarista, "mais ligado
São Pa . • Amues, P. 908. 'eugenia', imelboria da raça', reconbecedor da universalidade das

10
139
de 1929, também confere destaque à temática do exercício físico, Física deve ocupar um lugar de evidência e isto se faz necessário
apresentando-o como importante fator eugênico no contexto da uma vez que ela,
"... racionalmente dirigida, aformosea, fortifica e disciplina
educação do povo.
O Dr. Waldomiro de Oliveira, debatendo o tema "Problemas o caráter e o corpo, dirige a população para diversões sãs e assim
de Saúde Pública", refere-se à ginástica como importante fator de e por tudo isso constitue fonte de profilaxia real."85
higiene pessoal, e aos campos de recreação e.esportes como Quanto aos parques destinados à prática da Educação Física,
elementos constitutivos de um efetivo saneamento db meio. Em afirma o Dr. Waldomitt$ que eles devem ser
... distribuídos pelos núcleos da população, (pois) garantem não só
seu pronunciamento, acentua a importância da educação, permanente e efetiva atuação, como podem trazer a melhor
transcrevendo as idéias 'do Dr. Miguel Couto - um dos mais cooperação nas campanhas sanitárias, pelo atrativo que exercem
eminentes médicos da época - para dar conta desta importante principalmente sobre as crianças e a mocidade, que para frequentd-
los submwr-se-iam facilmente as exigências de assistència
questão nacional. sanitária.'
"Sem educação não há superioridade moral, não há Pátria (...) Por- Congresso traz ainda as conclusões votadas no II
que não lançamos nós, pacífico; de vez em quando, um vasto O 5°
programa de Educação Nacional, para termos amanha à Pátria mais Congresso de Educação, conclusões estas que também tratam da
baila, dessa beleza moral que irradia a cultura, a mais próspera por- Educação Física, colocando-a a serviço da educação sanitária.
que da cultura nasce a ambição, da ambição a atividade da atividade Elucidativa de nossa afirmação é a conclusão de n° VI, cujo teor
a riqueza, e desta multiplicada a prosperidade coletiva (...) Eis o que
é a saúde da raça, a saúde da Pátria. É a sua cultza (...) no Brasil só transcrevemos:
há um problema nacional - a educação do povo.' "VI - Para orientar a Educação Sanitária no pai; é
Estas idéias sobre a educação como fator de regeneração e indispensável que sejam criados institutos de Educação Physica,
renovação nacional, defendidas pelos médicos, serão incor- destinados ao preparo de instrutores técnicos."'"
poradas no discurso de pedagogos e estadistas em torno da Os profissionais ligados h Educação Física seriam os arautos
bandeira da Escola l•Iova, movimento de renovação do país peia da saúde, vegdedores de força e beleza, robustez e vigor.
educação: uma educação física, intelectual e moral. A Educação Física, portanto, passa a integrar as propostas
- - Ainda sobre a Educação Física, o 5'1 Congresso Brasileiro discursivas - diaS Médicos higienistas e fica gravada em seus
de Ilygiene, através do pronunciamento do Dr. Waldomiro, escritos, em seus pronunciamentos e em seus congressos. É
atribue-lhe relevante papel. Afirma este médico que a Educação veiculada tanto nas propostas de tipo eugénico, quanto naquelas
que tomam a higiene moral e a educação como fundamento da
: ordens sanitária e, Portanto, da ordem estatal.
!panda insdtuiçõis' 1.4 entretanto (sanei* a autora), nem as
mterfacias aos discursos nem as mogtereiptesti-ritarlis nos permitem
'concluir sobre a tatuem das pdadpait linhas- SIViiiiikTiinte campo",
p. 182483. — 85 Dr. Waidontim de Dlivein, ibid. p. 140.
86 CONGRES.50 BlrAtSWEIRO DE HYG1ENE, 5, Recife, 1929. Amures.
84 CONGRESSO BRASILEIRO HYG1ENE, 5.k - rOP: Munes, P-
133. Ver também Miguel COUTO. No B' 86 b tua problema p. 140. ' -
87 Ibid. p. 141.
nacional: a educação do povo.
ORIGINAL
140 Xerox 14,

6. Educação Física e eugenia: algumas idéias de sarnento pedagógico representado por intelectuais como Fernan-
Fernando de Azevedo do de Azevedo, é bastante elucidativo desta afirmação.
O pensador brasileiro, autor de vasta obra sobre a educação
A leitura das Actas e Trabalhos apresentadas no 1° Congres- nas primeiras décadas do século, obra que inclui minucioso e
so Brasileiro de Eugenia, realizado no Rio de Janeiro, no ano de extenso trabalho sobre a Educação Física, manteve estreita
1929, permite-nos étpreender o destaque dado à Educação Física relação com e movimento eugenista brasileiro, tendo sido um dos
como fator fundámental na regeneração e revigoramento da raça 140 membros da Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada a 15
brasileira. de janeiro de 1918.89
Apresentando o tema "Da educação physica como fator Fernando de Azevedo secretariou sessões daquela entidade,
eugênico e sua orientação no Brasil", o Dr. Jorge de Moraes proteriu conferências, assim como inscreveu-se para tomar
registra as seguintes conclusões: parte do 1° Congresso Brasileiro de Eugenia" ao qual já nos
117 - A bem da saúde e desenvolvimento da raça, o le Congresso referimos.
Brasileiro de Eugenia appella para a classe médica afim de aprofun-
Na conferênca proferida na Sociedade Eugênica de São
dar a cultura nacional no que diz respeito às bases e orientações
scientificas da Educação Physica a começar pela escolha do mel/todo Paulo, Fernando de Azevedo estabelece estreita relação entre
apropriado aos brasileiros e ao seu clima. Atlética Ou Educação Física e Eugenia, considerando a cultura
2' - O I* Congresso Brasileiro de Eugenia incita o Governo da "atlética ou Educação Física "... como um dos problemas mais
Repdblica a que com máxima urgência:
organize Escolas Superiora de Educação Pltysica para Con- importantes da eugenia."92 Para ele, a eugenia é
veniente preparo dor professora indispensáveis à cultura physica a ciência ou discWina que tem por objetivo 'o emulo dos fatores
nacionaL que, Sob o, controle social, panam melhorar ou prejudicar mental-
instinto o Conselho Superior de Educação Physka Nacional orgdo mauç as qualidades raciais das gerações Muras', ou por outras
consultivo arientadorBo_grainkpablensammenico. 3. pelara; o estudo das medidas sociais, - econômicas, sanitárias e
estabettis de melhor maneira possível a facelizaçâo apecialisada
do caso em todos os estabekcirnesios de ensino, associações despor-
tivas e outros centros de aduna physica, 89 ibid. p. 54. Sobre o movimento engenista no Bati!, consultar Renato
4 prosara o pqero de GpmeasiiM e campos apropriados a gym- "Porque sou eugenia," e "Lições de eugenia".
nades aaeJjgka eJagos ao ar &taperá Soda povo em gerai 90 "Aforlaladit Eregtoicur de Sio Pulo promova virias antfereadas de
P - o -anal Congresso projatstrokit.) (a) litiorrirs confestacia (protedda a 25 de ;inebria de
Pin all flungps
ralidegleagi rdáva àEdiffiktkPl*Siegn povo . brasileira 1919j C9100 °Mios o DL remando de Azevedo, anal diretor geral
O pentinfleaki médico bijenkment Mia vertente eugênica, tiJF44Nb&s Ati_Oetpal'issi iNtilab‘a 10 segredo de liam diais'.
-
atravessa 9 pensamento pedaffléglet influencia fortemente a discorras brilhantemente sobe a necessidade do
."lorriétrOSOntO , inteiti44 bobem afim de constmirrani nacional idade
construção e estruturatãb da Edis:ação- &Ca no Brasil. O pen-
5 3.
--,,,~. cotpkostqe hidividneisios e patriotas". Renato ICEHL A Eugenia ao
Brasil. -lb CONGage BRASILEIRO DE EUGENIA, 1, Rio de
Janeiro, Actis 'e latina); 56.
PCOpiGRESIRS 91 As inscrições feitas paniparticipar daquele Congresso estio registadas
, pibisILFIRO DE EUGENIA, I, Rio de Janeiro, 1929.
Acuse :regida rt 320. no Boletim de Eugenia, 4, 1929.
92 Fernando de AZEVEDO, op. cit. p231.

13'1
C-2 educacionais que influenciam, física e mentalmente, o desenvolvimen- desse estiolamento e degeneração do povo é, para Kebi, a
to das g:T ildadas hereditárias dos indivíduos e, portanto, das aplicação das leis eugénicas. Afirmava ele ser necessário
gerações. "v3 -... restringir a proliferação de infra-homens, de semi•alienados e de
Fernando de Azevedo entendia a eugenia como uma ciência dementes, pela higiene do corpo e do espírito (...) (além de) fazer com
capaz de intervir no meio ambiente físico, intervenção essa que, que as pessoas fortes, equilibradas, inteligentes e bonitas, tenham um
valendo-se dos avanços conseguidos pela engenharia sanitária, maior número de filhos, perigue o número médio destas pessoas (...)
se eleve progressiVamente."
permitiria a esta ciência ser capaz de exercer uma açãó higiênica, Num quadro de "plariejamento familiar", planejamento esse
educacional e sexual; através da eugenia, via possibilidaãe de se necessário para a proliferação de "bons exemplares da espécie",
adotar medidas que viessem a "... proteger a procriação contra a é importante registrar a atenção especial que passa a merecer a
degenerescência e pela privação aos reprodutores doentes, dos mulher. Ela deve ser "educada", preparada de modo cientifico
meios de serem prejudiciais a raça."94 para contribuir nesse processo de regeneração da raça, exercendo
Sobre esse tema, é preciso registrar as idéias do Dr. Renato de modo competente a sua grande tarefa bio-social, qual seja:
Kehl, fundador e presidente da Sociedade Eugênica de São Paulo, gerar e criar filhos robustos e saudáveis.
da qual Fernando de Azevedo foi membro. Kehl foi grande Em Fernando de Azevedo, a temática da mulher se revela
articulador e incentivador do movimento eugenista no Brasil, sempre voltada pan as questões da maternidade. Segundo suas
divulgando o pensamento eugênico através de um grande número palavras "... é preciso ver na menina que desabrocha, a mãe de
de obras publicadas sobre o assunto, cuja relação encontra-se no amanhã: formar fisicamente a mulher de hoje é reformar a
livro "Porque sou eugenista."95
geração futura?"98
Segundo ICehl, "... um povo se estiola e degenera quando,
Essa formação física, ou educação física da mulher, deve
no seu seio, os tios inferiores tem mais filhos do que os capazes
abranger os "... trabalhos manuais, os jogos infantis, a ginástica
e bem dotados.' A única solução para evitar o aprofundamento 1_
educativa e os esportes menos violentos (os quais são) de todo

incompatfveis com a delicadeza do organismo das mães.""
Enquanto medidaveugênica, os exercícios físicos teriam
93 Ibidem. p. 231. então por função, construir urticorpo feminino apto a suportar a
94 ibid. p.231. nobre tarefa da reprodução.
95 A relação dos títulos das obras publicadas é a seguinte: A Fada Hkia - 1° Assim, tendo a maternidade futura como horizonte para as
livro. Higiene pata uso dm escolas pringrias, 1925, Bíblia da saúde mulheres, Fernandóde Azevedoa classe refere como as "obreiras
(111ffiene para Iodos), a %miado da beleza, 1927; Litões de
~a (edição eaptuabolaadagOgla seaSSett civilização da vida" evidenciapdo."„iniporiancia de uma cultura Mica que
(política eugenia); Eugenia e Medicina acicial(Pitiblenia'SÕS Vida), 1923; convenha ao organistnii feminino e a sua função.
Mdboremos e prolongam, ai vida (AvalitrizaçãOS*11Chrià 'Ornem),
1924;Amita da fealdade, 1923;COrno eseniberantbenthisridn (Conselho
is meças); Como escolher tina boa esposa (Amor appliétirntilital), 1925; 97 lbidem. p. 2146.
Conduta (Lições de ética, 1934; Camila da higiene:J.4' 98 Fernando Je AZEVEDO, op. cit. p.85.
96 Renato ICHEL Porque sou eugenista. p. 35. 99 Itsidem. p. 82-83.
ORIGINAL
144

• Xeripx
Como exemplo de exercícios físicos e esportes mais ade- educação da mulher, preparando-a para ocupar o seu lugar na
quados a "delicadeza do organismo das mães" cita, entre outros, sociedade e desempenhar, a contento, a sua função bio-social,
a natação e a dança. Quanto à dança, evidencia o fato de ela propagando, no interior da família, as idéias eugênicas e higiê-
desenvolver também a "graça", um dos maiores encantos da nicas.
mulher. As danças, afirma Fernando de Azevedo, Para os intelectuais da época que acreditavam nos poderes
"... feitas de extensões e flexões continuas (...) farão mais tarde, a da eiência galtoniana, colocava-se a necessidade de sua
mulher de.maternidade fáceis e de belos filhos, aumentado-lhe a
flexibilidade do tronco, (dando-lhe) como reflexo natural sólidas d ivu I ga ão e propagação para além do espaço familiar, num outro
paredes 0%bdominais e o desenvolvimento completo da bacia pel- espaço também homogeneindor - a escola. Isto porque, em
viana."1
países como os Estados Unidos, tal fato já vinha ocorrendo,
Essas considerações de Fernando de Azevedo sobre conforme atestam eminentes eugenistas brasileiros, tais como o
adequação do exercício físico ao organismo da mulher/mulher- Dr. Renato ICehl.
mãe, reportam-nos àquelas feitas no final do século por Rui Fernando de Azevedo é um desses intelectuais que explicita
Barbosa que, de modo semelhante, advogava uma Educação em seu discurso a crença nos poderes da eugenia, e, ao mesmo
Física para a mulher, que acentuasse as suas "formas feminis", tempo, revela uma preocupação "pedagógica" em traduzi-la para
construindo daquele modo, boas condições físicas para uma que a sociedade, de um modo geral, a compreenda e possa
maternidade finura.
dimensionar a sua importância.
Em Rui Barbosa também estavam presentes teses eugênicas Afirmava ele ser necessário entender que a eugenia
voltadas à regeneração da raça e a Educação Física da mulher
como importante instrumento de educação eugênica.
Enquanto membro da Sociedade Eugênica de São Paulo,
Fernando de Azevedo sugere àquela entidade, yoltada à apl ¡cação primeira viga ,(...) ser s eugenia aise admirável da instituiçio
da ciência pltoniana, a necessidade de se criar, no Brasil, amerrapeir~iifflo cerca de 50 a 70 mil moças .itcbamadai
jokÇiinp-pire :4. já usufruem oa ineltip)os benefícios do arnbleale
sociedades de educação física para moças aos moldes das exis- higiénieladoCámPo; partilhando° tempo entre os exercícios da bola, remo
tentes, já há muito tempo, em países como os Estados Unidos da e. nalijilp.gs 'estuda ¡Itálicos sobre a foz:n.00 e direçãO do lar,
América?' Segundo ele, aquelas sociedadée davam conta da diftimieWitszuttos ometeiloa imediatos do sidos abica mie eu
1 - pelas eiratmidaelas do tempo de :janeira a
Selermlandair

100 Fernottlod*AZIIVEDO, op. dt.. p. I33.. •


t eli1 lobillkalkOltudiiimipdmornmeatodocarkere editara
eaphIE:Minartie a 'albina de tens 'deveres e responsabilidades. São
101 Fanando4 - 541M~ tufe*" atlõtáS sociedades de educação física 4t.euat das OS:Miá botim em que germinem 1...) a citada
para ai44.---eilsielies• eõeSitad9::a4004;ciaixiiiclis tainp-Fire. do lar:. boine-sdenee doi frigi-Mei; quacm exatamente por firo utilizaras
Segado de, - sepaetts• sociedades- N.lblitáiiio um de seus intuitos otitiquiátaii • nas vários ramos de nossos conhecimentos para obter a
ptimadalutesenvolver,poimelyeatâáiene e uabalbus de campo, corpos mulher, com o mínimo esforço o Máximo de predicados físicos e morais
- sadios e bens trabalhados, nervos postos à• prova pua a realização do para o preenchimento cabal da misiáo de mie e educadora circunscritos
propáslAo dt; daySpei bio-eduticavo que lhes está destinado. Estes à órbita que lhe balizaram a amurem e as funções que lhe incumbem. Ibid.
oblelhkg1904 • .riam visecrainiente com a Maternidade, mostram p. 86-87. - •

147
Atribuindo papel de destaque ao médico nos debates em
"... é também a aplicação enérgica para a conquista da
torno de qualquer problema nacional, particularmente naqueles
plenitude das forças físicas e morais (...), é o revigoramento do
referentes à educação e à Educação Física, Fernando de Azevedo,
povo por uma sábia política de educação; de defesa sanitária e de
assim como Rui Barbosa, em conjunturas específicas, acreditava
cultura atlética."102
ser possível viabilizar o progresso e o desenvolvimento do país
A cultura atlética ou Educação Física é entendida por Fer-
nando de Azevedo como medida eugênica e, portantOt como através de um rígido Contrèle da saúde, e de uma ampla campanha
de educação do povo, campanha esta que se traduziu no
elemento da educação eugênica e higiênica do povo. Há uma
afinidade de suas idéias com as teses eugênicas presentes no movjmento escolanovista. Dedicando especial atenção à
interior do debate médico higienista, nas primeiras décadas deste Educação Física, Fernando de Azevedo esboça, com apurado
século no Brasil. Ele traduz, também, a identidade de suas idéias requinte intelectual, uma obra sobre a importância da Educação
com as outras propostas discursivas presentes naquele debate, Física pam toda a sociedade e, particularmente, para a instituição
quais sejam, aquelas que tomam a higiene moral (bons hábitos, escolar.
bons costumes) assim como a educação, como o fundamento da Neste trabalho, publicado pela primeira vez em 1916104 e
recebendo cornplementações e revisões posteriores, sendo
ordem sanitária. Ou seja, é possível perceber uma determinação r
das teses médico-higienistas nas formulações de Fernando de reeditado ainda por mais duas vezes, em 1920 e 1960, en-
contramos um denso referencial baseado nas ciências biológicas
Azevedo sobre a Cultura Atlética ou Educação Física. O trecho
como o suporte para o desenvolvimento da Educação Física
que segue é elucidativo de nossa afirmação:
a... lima vez introduzida pela educacãe nos hdbitos do pais. a prática brasileira.
(dal evitam física sustentada durante unia larga série de =rações Nesta obra, Fernando de Azevedo estabelece estreita relação
depuraria nossa gente de (filisteus mórbidas fortificando-a e enri- entre Educação Física e Medicina, e valendo-se das palavras do
auccendo-a. oroermmiyamente pela criação incessante de indivíduos
robustos (...) As Remeta de amanhã apuradas cor sistema. pela edu- •
cado física - afinadora da raca e colaboradora do PIMICSSO imprimi-
riam assim nas ou lhes sucedessem. e Submetidas alai mesmo 104 No prefácio da teraira c última edição desta obra, datada de 1960,
galanteai°. o cunho de seu caráter. tara gpe podem. dentro das
limites do patrimônio biol6clea hereditário. aperfeicaar ainda mais g Fanando de AZEVEDO assim se expressa: "...Quando apareceu este
aturem humana (grilos nossos) (—) O país que não tem educação liana, em 1920, era ainda muito jovem e já contava com cinco ara de
física (tentada esta apresado no sentido meã aritplol não poderá atados ache a educação física e de lutas pela sua organização e dando
Jamais erguer seu povo te dans da miado *e Pie tabc na cons- no país. Essa CS iniciara cons Iodo °calor doa vinte um anos.
trução de ama sociedade natO eme a tete a4 irketle. em 1915, propondo e obtendo a criação de uma cadeira de educar física
;rotineira, contínuo plagisto_sie processos anmiceottaMbotalkos no Ginásio do Estado da Capital de Minas Gerais e disputando-a em
". SIM não terá soldo de orresmnrse para a dôre&iod*Mo cami- conauso como prova pública da importincia que atribui:ta essa pane, tio
nho em que se dtomán.mt etimpetiçãaufa es ititiakttgïite é de menospremda da virente geral. Referindo-se a eme ruidoso concluso,
„energia e tenacidade,,rigor pnwisão."1."
, - • escreveu Lindolfoberedo ent."0 País', do Rio de Janeiro, um belo Artigo
que, depois dc haVerapreciado a tese que eu defendera, terminava ele com
4 Nmedo de igaVEDO,
10. . Rp. p. 231-232. asas palavras: 'a cadeira não lhe foi dada, mas o livro ficou? F. de
103 .fenis udu de AZEVEDO, op. cit. p.21& AraVEDO, op.cit. p.9.

ORIGINAL
>.(p±roxi49

148
.
médico francês Philipe Tissié, afirma que o professor de enquanto profissionais e portadores "legítimos" daquele conheci-
Educação Física mento considerado "cientifico".
"... deve ter quase os mesmos conhecimentos que o higienista, não Por seu lado, Fernando de Azevedo demonstra profundo
bastando ser um pedagogo, mas sendo mister que seja um médico,
não bastando que a sua competência se estenda aos mais sólidos conhecimento destas ciências ao discutir a superioridade de uma
conhecimentos didáticos, mas importando vitalmente que a sua escola em relação a outra, assim como demonstra, também, uma
propedêutica abranja noções seguras de higiêne e amítomo-ftsiologia estreita vinculação e concordância com as conclusóes de
(...) porque na sua fgrmula precisa (...) a educação física é higiene e
higiene é medicina.' 3 Médicos, fisiologistas e anatomistas que se dedicavam ao seu
A partir da definição dos conhecimentos necessãrios à estudo.
formação do professor de Educação Física, colocada pelo Dr. A aproximação com estes profissionais e a apropriação
Tissié e assumida por Fernando de Azevedo, é possível perceber daquele conhecimento podia ser justificada pela "busca de status
a determinaçãoe hegemonia dos conhecimentos a ná tomo- fisiolõ- cientifico" para a Educação Física, fazendo com que Fernando de
gicos e higiênicos oriundos do pensamento médico, naquela Azevedo acentuasse as virtudes das ciências biológicas quando
formação profissional. Este fato é também perceptível em outros fazia referência às escolas de ginástica.
momentos da obra de Fernando de Azevedo sobre a Educação Esta "busca de status cientifico" para a Educação Fica não
Física. pode ser tratada como via de mão única e positiva, em si, porque
Nossa afirmação pode ser constatada na minuciosa análise cientifica. Se de um lado esta busca contribuiu para conferis
que faz o autor citado acerca das escolas ou métodos de ginástica credibilidadó e aceitação para a Educação. Física, quer seja nt
surgidos na Europa do século XIX. . âmbito escolar, quer seja fora dele, de um Outro lançou as bases
Em suas análises sobre a escola alemã, francesa e sueca 106, paia a elaboração de uma concepção de Educação Física
11(1nsideuldaS " gige'Matizações cientificas sobre o biologicistae. itteilicsitzada, tendo, portanto, como objeto ck
Miercícin— trabttipa
li¥,- . blotWO destituído de -historíaSde.
KSICia, esboçam-só os contornos de uma Educação
Física COMO Neste sentido a argum
— caiação que faz Fernando de Azeveck
sinônimo de saúde física e Moral, contorno esse
fornecido pela fisiologia, anatomia, biologia enquanto ciências, sobre a e~k Os ginástica sueca em relação a ginástica
assim como peleis médicos, bidlOgos, fisiotogistas e anatomistas aleá4e.44*égqi eqçiopiliipssg.01.1, 40.t.TOmand0 FT base Pau
a sui-'41-iiiii.ttilLOWtili:Ánai4e!ações Mias por anatomistas
taiolUghtMs*tut especial, peio- médico -Testi s.- para quem a
supcW4ddó4àjInásdca sueca em relação às 'outras deve-semi
105 Philip TM& faic jái'444E-e;tiácentada em bases fiaiolágicas educativas
apaSt E de AZfinp9, Da Bebi:ação Física, p. 91.
106 Fernand;&" de AZEVEDO refete-‘,
hiábéin a outras manifestações e FàinúdiAicvedo ass;ns se expressa: •
estias inbie e-reinkekie físico, assinalando o trabalho desenvolvido - ginástica) de LM& educador e poeta sueco é essencial.
htttleiWiobro$ afrorres e pelos americanos sobrei calistenia mente lisiOldgidii; (...-;) teve sutiã longa gestação e originou-se de
voltas pari a naiiiher. Alta nossos estudos, delimitamos apenas as suas mai:iradas experiências e do desejo de restituir a sadde ao povo
eailisea-emioiãocEts 4'6g:sedes escolas, ou seja aquelas que constituem escandinavo (...) (de) educar a juventude escolar restaurando-
a génese iiti.*oVinjX10 ginástico europeu e mundial. lhe as forçãs, desenvolvendo-lhe o organismo a fim ' de, antes de

ï‘'
tudo, tornar o homem, na frase de Emerson, "um bom animal. »107 As vantagens e desvantagens da utilização de uma ou outra
Estes argumentos - próprios a uma concepção anátomo- escola de ginástica são levantadas a partir de minuciosa análise
(is iológica da Educação Física - pontuam as análises de Fernando elaborada com argumentos oriundos das chamadas ciências
de Azevedo sobre as escolas de ginástica, quer seja para consagra- biológicas. O conhecimento sobre o corpo humano em movimen-
las como receitas de saúde, quer seja para criticá-las como to limita-se à verificação de possibilidades musculares e articula-
maléficas e prejudiciais ao desenvolvimento "haritonioso" dos res estando, portanto, redimido a apenas um de seus aspectos: o
indivíduos". biológico.
Observando as diferenças existentes entre a ginástica sueca As análises de Fernando de Azevedo sobre as diferencas
e alemã, Fernando de Azevedo explica porque a primeira é existentes entre as escolas de ginástica concentram-se também
superior à segunda: nas possíveis contribuições das mesmas para o avanço da
"a) (...) a ginástica alemã tende a fortalecer, sobretudo, os músculos Educação Física. Neste sentido procura evidenciar na escola
dos braços e do peito, descurando os segmentos inferiores, de cujo
francesa num primeiro momento, as idéias centrais da obra de seu
desenvolvimento o método de Ling cuida tanto como dos superiores,
de acordo com os princípios da estética e da fisiologia; fundador Amoras por considerá-la bastante completa e por vol-
(-.) a ginástica de aparelhos (barra fira, paralelas, trapézio e
e
tar-se para a "renovação" física e viril" do povo francês.
anéis), desenvolve a musculatura soba forma de mamilos curtos (...)
sobretudo os peitorais, atrai as omoplatas para diante, prejudicando
A ginástica como fator de regeneração física e viril de um
a amplitude da caixa torácica, ao passo que a sueca, desenvolvendo povo aparece, nesta análise inicial, como um dos aspectos
os másculos sob a forma de músculos compridos (9 com exceção dos relevantes da obra de Amores.
fixadores da omoplata contribui admiravelmente para a função
respiratória.
Contudo, no desenvolvimento de sua análise desta obra,
(...) na ginástica de aparelhos (alemã) predomina o trabalho Fernando de Azevedo incorpora os conselhos da medicina e sem
estático, que anquilosa e tende a imobilizar as aniadaçães, enrijando it negar os esforços e as idéias de Amores em torno do exercício
ias milseulos em posição determinada, que vai produzir mais tarde os físico como meio moralizador, registra aspectos que sugerem um
movii.ientas de contração dinâmica; na ginástica sueca, ao contrário,
e Mn exercícios de mãos livres em geral WS arengo, rotação, olhar mais "científico" ao exercício físico. É o caso, por exemplo,
ciramdação, pronação e aspirtação), prepondera vitrabalho dinami- da utilização de todos os aparelhos de ginástica e de aportes
to, que é o mais vantajoso de todos, porque do mesmo tipo do
movimento natural utilizado para os diferentes atos da vida;
violentos, contra indicados aos meninos segundo a medicina.
4 e, futaIntentç porque o sistema de aparelho; (ginástica alemã) Pari complementar estas idéias acerca da ginástica amomsiana,
congestionando as rama duras, defonnu e abobada o coto, con- Fernando de Azevedo valeu-se dos estudos do fisiologista francês
: vilntindo para o abairantatto da estatura, qittiiáka ¡inebrias sueca, George Demeny, pira quem . aquela ginástica era excessivamente
longe de ter estes efeitos coUgesdonantesi deteitialver atados
nodoso; maciçca- tintes** que o aparelho: aletathade, ao militar e atlética devendo modificar-se para melhor atender a
eontsdrio, ao deta
—trvoltamemp harnático do empoe à-redil:ação da infância e as mulheres.1°9
miada elegante e esfreluir

107 Fernando de AZEVEDO, op. ch. p. 125-126.


108 Ibideta. p. 128-129. 109 Ibident. p. 100. ORIGINAL

Xerox
53
152
Estes breves registros das idéias centrais de Fernando de
Azevedo acerca das diferenças entre as escolas de ginástica, reivindicações. Para ele, a aula de Educação Física na escola não
demonstram, sobretudo, o enorme e quase único espaço ocupado poderia acontecer sem a presença do médico. A sua concordância
pelas ciências biológicas, assim como pelas opiniões e conclusões com a necessidade do médico na escola, e em especial como
de médicos e fisiologistas em suas considerações. orientador dos trabalhos a serem desenvolvidos pela Educação
A importância que assumem estas ciências e estes profis- Física, encontra respaldo nas formulações votadas no Congresso
sionais no pensamento de Fernando de Azevedo sobre a Internacional de Educação Física, reunido em Paris, em 1913, as
quais transcrevemos:
Educação Física não se fazem exclusivamente em suas análises
a/2- antes de serem submetidos à educação física todos os meninos e
sobre as escolas de ginástica. Esta importância, como já pudemos meninas serão examinados pelo médico-inspetor, que os classificarã
observar em outros momentos deste trabalho, está na base da em normais e retardados;
concepção de Educação Física que tem o autor, quer seja no 2'- os meninos normais (ou por outra parte, os regulares físicosJ
serão confiados ao educador físico sob a vigilSncia efetiva do medir(
âmbito escolar, quer seja fora dele. insnetorggrifos nossos)
Conforme preconizavam ilustres pedagogos dos anos 20, e 39 - Entre os retardado; aquela acts quais for recomendável un
Fernando de Azevedo era um deles, a Educação Física na escola tratamento cinésicg, serão confiados ao médico especialisu
cinesioterapeuta. ali..
deveria ter na fisiologia o seu ponto de apoio, "sua pedra de
Estas formulações nos confirmam a idéia de que a Educaçãc
toque", pois a partir de um conhecimento seguro desta ciência,
Fica na escola para Fernando de Azevedo, é uma questic
poderia ser o professor "-. o mensageiro feliz e certo (dos) médica e não pedagógica, na medida em que, quem define c
grandes benefícios da ginástica."10
conteúdo e "permite" a criança participar ou não de urna aula, é
A colaboração incessante entre o médico e o professor, o mádico. O professor desempenhã um papel secundário
especialmente o professor de ginástica, toma-se fundamental, digamos assim, Mn papel de auxiliar direto, um papel de executo)
PaiteaRtaa Pois- - - de tarefas:0e~ clisailizadas pelo médico.
coso conhecer o Perfeite estado fisiológico da criança (pergunta
Fernando), sem a introdução do médico na escola, que é aliás, 'objetivo a ser alcançado através desse mtitur
absoltas:atente ilidi:pot:ave& mio só do ponto de vista higiénico ou aUxilb MitinImédícõs i professores det ginástica, onde tanto a
profilático; como ~Ou sob apegodevista educativo? priinnhonWeitant Conhecer os métodos de ensino, como a
!,ç1. aqui itunbtim s. identidade entre, o discurso segnes16414iditi. exanitieirnente as:Citadas biológicas, coo
PeICOJSdICO Isto Porisiic Médicos também reivin- forme Penando de'Ateved6, era assegurar com eficácia c
dicaram, di: 0-4 espaço escolar, o melhetatinentki da raça.113
Ceder indki-pitáViiirnitisetin sir-Vkin-iitira o "bom desenvolvi- :f!finiiileialiteitto da raça, todavia, implicava em questões
"---1 formação dos
mento" dó essinC;;Para —hábitos
_ sadios
. nas crian- não SetliOt 4e ordem biológica, mas, também, e, principalmente,
ças.., etc. E Fernande de Azev.éd6 foi .grande defensor dessas questões de Ordem moral (bons costumes, bons hábitos, inclusive

110 Ibid. p. 188. • t ;


111 Ibidein. p. 1911. ' 112 Ibid. p. 197.
113 Ibident. p. 199.
sexuais), questões essas a serem especialmente tratadas na puber- "folha biológica", cuja finalidade seria aperfeiçoar e corrigir as
dade "... período das ilusões perigosas, dos desejos inconfessados condições dos educandos que foram observadas.
e inconfessáveis", conforme afirma Fernando de Azevedo, que Os resultados empíricos do número de vezes que urna
assim como Rui Barbosa percebe a Educação Física como ex- criança, um adolescente ou um adulto são capazes de executar de
celente instrumento de educação não apenas física mas, um determinado exercício - "resultado que a folha biológica
fundamentalmente, moral, registra" - viriam a constituir-se na referência fundamental para
"... a educação física torna-se uma salvaguarda da moralidade essa Educação Física, referência essa que serviria de paradigma
privada sobretudo no momento da puberdade, nesta idade crítica, em para todo o seu desenvolvimento na escola. E o professor, esse
que as forças por longo tempo armazenadas fazem, de repente, simul-
taneamente, a explosão de uma seiva exuberante que tende a con- "médico auxiliar" deveria, então, ser alguém capaz de
centrar-se sobre os órgãos da geração e que o exercício reparte por "... constatar (...) pelos processos vários de mensumções
todas as partes do corpo humano, destruindo ou prevenindo, pela corporais, os resultados de seu ensino (...) fazer (...) o registro dos
fadiga dos membros e pela excitação muscular, as perigosas
tendências da época pubertária.(...)
benefícios que provieram dos exercícios, e dos inconvenientes
Mão se fazendo (na puberdade) uma derivação enérgica pelos espor- que determinaram."116
tes e pela ginástica nas horas que o estudo aleira livre, a excitação Dentro desta concepção biologicista de Educação Física,
genital criaria todas as perversões sexuais. "II'
baseada na abordagem positivista de ciência e no seu método da
A partir destas colocações feitas por Fernando de Azevedo,
observação e comparação de resultados, a formação das5éries de
é possível perceber as razões que o levam a acentuar as ciências
alunos para as aulas daquela matéria deveria, também, obedecer
em que deve basear-se o professor de ginástica. Ele nos diz que
a critérios biológicos, ou seja "--.0 critério da equivalência fikica,
são muitas as ciências, sendo que o professor"... não deve atender
resultante da idade, do coeficiente de mbutez. do índice do
apenas L5 exigências da anatomia e da estética, mas também as
perímetro toráxico e da conformação constitucional de cada
da fisiolosia elementar, da higiene dos exercícios coçograis, da
jun. (ginfos nossos)
anallise dos movimentos, da pedagogia e da moral."112 (grifos
A idéia de homogeneização das classes escolares, a partir de
nossos)
critérios biológicos e psicológicos, critérios esses mensuráveis e
Esse amplo espectro de saber deveria, então, formar um
comparáveis, não foi exclusivamente da Educação Física. Foi,
professor que pudesse ser a um só tempo psicólogo e higienista.
pelo contrário, o critério adotado na construção de uma outra
Reunindo tão amplos conhecimentos, o professor de 'Dinástica
escola a partir do ideário escolanovista.
poderia, desse modo observar cientificamente as colidições tanto
A escola, e particularmente a escola primária, passou a ser
psíquicas quanto físicas de seus aluam •
o espaço da homogeneização a partir de resultados obtidos com
Quanto a essas observações, eles não lxiárgliMi-ier obras do
as fichas médicas, pedagógicas, com os testes psicológicos e de
acaso, ou _do espontaneismo. Deveriam ser:regi:* ris. em uma
escolaridade. Os resultados deste volumoso número de fichas e
'

114 Ibldem. p.44 e 189. 116 Ibidem. p.91.


115 lbidem. p. 151. 117 Ibidem. p. 185.
ORIGINAL.
156
• Xerox
testes classificavam as crianças em débeis, inteligentes, retar-
dados, distribuindo-as em lugares e espaços sociais determina-
dos, na escola e na sociedade. 118
A Educação Física, quer seja aquela desenvolvida no âmbito
escolar, quer seja fora dele, acentua as representações que a
sociedade tem dos indivíduos, seja do seu corpo - entendido como
corpo biológico, a-histórico; seja de sua moral - entendida como CONSIDERAÇÕES FINAIS
amor ao trabalho, à ordem, à disciplina; seja de seu espaço na
sociedade - entendido como resultado do esforço individual, da
tenacidade, .da vontade.
Fruto da biologização e medicalização das práticas sociais,
a Educação Física foi estruturada a partir do ideário burguês de Um projeto burguês de civilidade é esboçado para o Brasil
civilidade, significando, de um lado conquista individual e a partir da segunda metade do século XIX. Seu desenho, porém,
mágica de saúde física, e de outro disciplinarização da vontade e, torna-se de fato visível com a proclamação da República, e
desse modo, constituindo-se em importante instrumento de somente nas décadas iniciais deste século é que podemos apreciar
construção da ordem, uma vez que, como afirma F. Azevedo, os contornos finais desse projeto. São os médicos higienistas
."... um organismo sadio e de másculos adestrados é de certo mais quem, através de seu discurso e de sua prática, auxiliam de Sina
fácil a moralizar do que uma máquina humana enfraquecida e decisiva na sua concepção e execução, por meio de intimair -
emperrada."119 mecanismos de controle das populações. Tudo em nortie‘
SAÚDE, da ordem e do progresso. Entre os mecanismos por eles
utilizacka~ a-Educação Física, disciplinadora dos oi*;'-
pos e da vontade.- apologia da saúde (bica enquanto raspem-
sabilldade iedítidual.
iNs~:lklucação !Nies, idealizada e realizada pelos _
rnédiceeldgitild5res, teve por bastias tdinciaa biológicas, a motar
ae:À-terão. de modo orgânico o conjunto de procedi?
mentkériSplatites dos corpos e, das mentes, necessáriir 1-.
conseettigiodarain ordem capitalista em formação. Acentuou de
fornitiiii-44;o traçado de uma nova figura para o trabalhador
- adequado àquela nova ordem:• um trabalhador mais produtivo,
disciplinado; moralizado e, sobretudo, fisicamente ágil. Fruto da
118 Clarice NUNES, op. cit. p$45. t biologização e naturalização que dirige a construção da nova
119 Fernando de AZEVEDO, op. cit. p. 238. sociedade, foi Militada pelos médicos higienistas como instru-

mento de aprimoramento da saúde física e moral, acoplada aos. _

-"NáLlisark-4
de status e eram assimiladas como hierarquicamei.
ideais eugênicos de regeneração e purificação da raça. Ela se fez idade
Atendeu no seu tempo e espaço aos critérios de c
protagonista de um corpo saudável, robusto, disciplinado, e de
propostos pela abordagem positivista de ciência (hegen. „iça no
uma sociedade asséptica, limpa, ordenada e moralizada,
período), e foi respeitada e aclamada por assim se aprebentar.
enquadrada, enfim, aos padrões higiênicos de conteúdo burguês.
Cabe salientar que expressões do pensamento pedagógico
Podia ser a "receita" e o "remédio" para a cura de todos os "males"
brasileiro tais como Rui Barbosa e Fernando de Azevedo, não
que afligiam a caótica sociedade brasileira capitalista em
pouparam páginas em seus escritos sobre a Educação Física, para
formação. evidenciar o caráter "científico" a ela emprestado pelas ciências
Objeto do saber e do fazer médico, a Educação Física atuou
biológicas e pelos médicos higienistas. Sintonizados com os
na "preparação" do corpo feminino para o desempenho de sua
valores dominantes do seu tempo, o tempo da crença na ciênéla
nobre tarefa: a reprodução dos filhos da pátria, reforçando, assim,
que experimenta, comprova, generaliza e descobre leis, estes
ideário burguês sobre espaços e papéis sociais permitidos à
pensadores, de fato, promoveram a Educação Física e
mulher ocupar e desempenhar. Atuou, também, tanto na
tematizaram o corpo biológico ao mergulharem nas propostas
"preparação" do corpo do soldado, fazendo-o útil à pátria, quanto
higienistas de forte caráter disciplinar. Mostraram assim o corpo
no corpo do trabalhador manual, tornando-o mais útil ao capital.
à sociedade que passa a querer "educá-lo" e a direção dada à
A Educação Física das crianças - e isso é possível afirmar
Educação Física no período analisado não merece elogios.
tendo em vista os documentos e obras analisados - sempre foi um
Todavia precisa ser compreendida de modo mais abrangente e
pólo de atenção especial dos médicos higienistas. Exigindo a sua
rigoroso para que não seja reproduzida nos dias de hoje valendo-
obrigatoriedade desde os primeiros anos de escolaridade,
se, apenas, de nova roupagem. E perguntamos se os apelos da
desejaram fazer do eititício físico um hábito capaz de gerar
mídia às fórmulas frenéticas de "cuidar do corpo" hoje não seriam
Saúde em si mesmo, disciplinar os gestos e a vontade através dos
a nova roupagem de um higienismo e eugenismo pós-moderno?
„ exercícios Mima; doa& cedo e em nome da SAÚDE, incutir a
Aqui colocamos o nosso ponto final.., mas a resposta a esta
idéisf,de gize da distiplipa física individual depende o futuro da
pergunta indica que a problemática tratada apenas começa a ser
discutida.
-Nat página:s.-de-St& trabalho, são evidenciados os elementos
. titutivos de unmyisão biologizada da Educação Física. Na
roer
!to "o destai visão, o pensamento
Como a espMssãO:rimis acabada da
-

1-jiló:apesarada Edatilciiiitica; mas


tiéde::-WÉPtiat- e:¥4:0:.*##1~ -
Men ' " Stmento dteipsalk nuadial
e £5, a adál$03es hoBtaSjr e
.a-..OducaçãO.
4-$051,0ígéttoris-
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analisado (1850-1930),
'Siehtífieur e, po_rtanto, convincente,
- uma
ORIPINAL
,tegAuffet práticas soclidique se aprestritagSêffi Caritó ta‘ gozavam
zrn- , • - Xérok
• 161,
160
,
UCACAO FSICA NO BRASIL
iii\ S -TÓRIA QUE •NÁ-10 SE CONTA',
EDUCKAOH5SICA NO BRAS'',
A HISTÉ.IFIPAyttig NÃO.: SE COkl", Cafframs, rdAp
rdiçõ
1
s

45 Edição
-
Apoiada numa concepte_histórico-crítica da educação, esta
és procura dar indícios .dem
Ome prática transformadora da Edu-
5o Física no Brasil. Cornapoimentos e relatos de fatos multo 1
nificatIvos; Uno tastellani.
Filho procura, a tpdo Momento,
gater a criticidado. .triteis
t lmento humano.
vezes auseitta nesta ártuedb •ao-
— . •
Inspirando-sei-em Ad
haff. o autor não vê a história
libo verdade absoluta,
mente •acabada, mas Como pro-
Oso •sujeito a constantes:Mnterpretações.

••••

RIM
parYTA
ds DEPOIMENTOS •

com o dos rapazes daquela época, no Rio. Procurei,


Professor La Torre de Faria... A respeito de sua então, uma academia de ginástica. Havia a do Profes-
origem e da origem de seu interesse pela sor Ernesto
Campeio. Ele era um cidadão muito forte,
Educação Física... tinha os bigodes retorcidos, era professor do Colégio
Militar e nas horas vagas dava aula de Educação Física
"...Meu nome é Alberto La Torre de Faria. Nasci na Rua das Marrecas, hoje Rua Ju.an Pablo Duarte, em
no Estado da Bahia, na cidade de Cachoeira, numa frente ao passeio público. Ele era chamado de 'o avô das
plantação de fumo. Meu pai era fumageiro, mas fuma- Marrecas'. Eu fui lá. A ginástica dele era mais baseada
geiro que não trabalhava, pois era o dono da terra. em halteres, subir corda, barra fixa, paralela... Era
Plantava o fumo e o vendia aos alemães. Na minha uma ginástica mais de força, levantamento de peso.
cidade só tinha o curso primário. Assim, quando che- Mas eu, com meu físico pobre, tinha pouco futuro ali.
guei à idade de 10 anos, tive que sair de Cachoeira. Fui Tive até dificuldade de arranjar uns halteres pra mini.
então pra Salvador, onde cursei o Ginásio, transferin- A grande dificuldade foi achar um de meio quilo, por-
do-me depois pro Rio de Janeiro. que não se encontrava no comércio. Depois de um certo
• tempo, o Professor Ernesto me arranjou um de meio
Me interessei pela Educação Física por uma razão quilo, pois com o de um quilo eu não conseguia acom-
de saúde. Como todo bom baiano, eu tive impaludismo. panhar a turma. Num terço da lição, eu já pedia pra
Sofri desse mal dos 12 aos 16 anos, porque o impaludis- parar. Eu também tinha muita dificuldade em pular
mo não tinha, como até hoje não tem, um remédio corda. Assim mesmo, com todas as deficiências meto-
específico. Tinha remédios que tratavam mais dos sin- dológicas da época, obtive resultados. Fui melhorando
tomas do que da causa. Me empanturrei de quinino. físico. Dormia melhor. Fui aumentando de peso. Mes-
Então, tinha aquela sistemática, que me enfraquecia
muito. mo assim, eu via que precisava de mais alguma coisa.
Já que eu era débil fisicamente — eu pesava em torno
Saí da Bahia para o Rio de Janeiro, junto com mi- de 54 quilos — tinha que fazer alguma coisa. Por sorte
nha família, por questões políticas. O Presidente Ber- minha, caiu nas minhas mãos, um livro escrito por um
nardas interveio na Bahia, depondo o governador, um francês que era 'manager' de um grande lutador fran-
grande brasileiro, José Joaquim Seabra. Minha família cês, que disputou o título de campeão mundial e per-
apoià.va e por causa disso foi perseguida.
deu no 4.° round. Eu tive a felicidade de visitar esse.
Quando cheguei no Rio de Janeiro, eu era um rapaz homem em 1948, em Paris. Ele ficou sendo meu ídolo.
débil, 16 para 17 anos. Tinha uma altura razoável, 1,71m Então, quando terminava a aula do Professor Campeio,
aproximadamente, mas era muito magro, principal- eu ia pra frente do espelho e ficava fazendo os movi-
mente o pescoço, muito fino. Eu procurei, então, um mentos do boxe. E aí me apaixonei pelo boxe. Havia no
meio de melhorar o meu físico, que não estava de acordo Rio de Janeiro, um clube de boxe que se chamava 'São
Januário Boxing Club'. Todos os clubes tinham esse
I 30
\

nome, toxing club", nome inglês mesmo. Então, quando tas Flamengo. A luta terminou empatada, desconfio
já fazia a caricatura das posições, pulava corda, fazia as que por vontade dele.
esquivas, fui para aquele clube de boxe, e de lá comecei a
praticar o boxe amador, como peso pena. Nosso ídolo era Esse foi o meu interesse pela Educação Física, em
Rodrigues Alves, campeão brasileiro de peso leve, um particular, por aquilo que se chamava, na época, de
homem que aprendeu a jogar boxe em Marselha. Ele era Esportes de Ataque e Defesa..."
dessa família Rodrigues Alves, que deu até um presiden-
te da república. Ele era um homem muito fraco fisica- A respeito da Educação Física no Rioede Janeiro.. .
mente, mas era invencível, tal a sua técnica. E eu o copia- E a Escola Nacional de Educação Física. . .

va. A bem da verdade, era um "papel carbono" do Rodri-
gues Alves e cheguei a ter alguns resultados. Apesar de " A Educação Física sempre existiu no Rio de
fraco, eu me defendia no boxe amador. Mas o boxe era Janeiro. Onde eu morava, existiam muitos centros onde
muito mal visto. Boxeur, no Brasil, era sinônimo de se praticava a Educação Física, sob a orientação de
vagabundo. Só havia uma categoria que era mais des- professores que não tinham o curso, pois não existia
prezada: era o capoeira. Esse era caso de cadeia. Sem- na ép&ca. Não era difícil você encontrar um local pra
pre diziam que capoeira era sinônimo de moleque, assal- praticá-la: Naquele tempo não se usava esse nome, mas
tante, era o fim. Depois da capoeira, vinha o boxe. sim Ginástica. Era o nome mais usual, principalmente
no exército. Aliás, deve-se ao Exército Nacional — é uma
Bem... aí meu físico se desenvolveu. Fiz algumas lutas
coisa que ninguém me tira — o papel de precursor da
como peso pena, como peso leve. Depois, à medida que
Educação Física metodológica. Não s5 face à necessi-
meu físico se desenvolvia, cheguei a meio-médio. Mas
dade de preparo do soldado, pois o soldadà brasileiro se
aí me dei mal, porque eu tinha os braços curtos e, mes- apresentava na caserna muito fraco, como hoje, porque
mo nos treinos, eu me machucava muito. Então resolvi vem do povo, come mal, dorme mal, vem com doenças,
cortar minha carreira de boxear e passei a fazer parasitas. Então, era necessário fortalecer esse soldado,
luta-livre. Mas era uma luta-livre brasileira, não era senão era impossível fazer a preparação militar. Mesmo
a luta-livre que se fazia nas Olimpíadas. Ela se definia, porque o fuzil, naquela época, era pesado, além do que
chegava ao fim, por desistência ou perda de sentidos. soldado usava mochila e tinha que marchar com ela
Era igual ao Jiujitsu sem quimono. Eram a gravata, a às costai. Aliás, era interessante notar como os oficiais
chave de pé, a chave de braço, os golpes que decidiam da infantaria se interessavam mais pela Educação Físi-
a luta. Então eu senti necessidade de completar os ca do que os outros oficiais das outras Armas, pela
meus conhecimentos de luta-livre com aulas de Jiu- própria natureza da infantaria, que tinha marcha de
jitsu. Já naquela época, havia por aqui um japonês 4, 8, 12, 16, 20 e 24 quilômetros. E essa marcha era feita
muito famoso, que me ensinou tudo o que eu aprendi acrescentando-se, gradativamente, peso à mochila. En-
de Jiujitsu, na época. Acabei lutando com ele na inau- tão precisava robustez. E a Educação Física se propagou.
guração da seção de Ataque e Defesa do Clube de Rega- Eu quero render homenagens a 5 homens que presta-
132 133
ram graia' des serviços à Educação Física: o Major João
Barbosa Leite, o Capitão Jair Dantas Ribeiro, que che- homem de formação direitista, mas dei uma enorme
gou a ser ministro da guerra do governo João Goulart; paixão pela Educação Física. Era um heaem curioso.
o então Primeiro-Tenente Inácio de Freitas Rolim; um Enquanto esportista, tinha uma grande sensibilidade.
médico, Dr. Gomes Ferreira, que morreu também como Goétava de conversar sobre Educação Física, sobre
general e que se dedicou ao estudo da fisiologia da Edu- esportes, tinha 'mil' livros importados que empres-
cação Física, na época pouco conhecida; e o major do tava... Já na política era Um homem de direita, multo
rigoroso. Foi o executor do Estado Novo, um anti-comu-
exército francês, Comandante (naquele tempo não exis-
nista ferrenho, mas gostava dos desportistas e dos ginas-
tia o termo 'major' no exército francês, era 'comandan-
tas. A esse homem eu devo um grande favor. Graças a
te') Pierre Seguir, o "verdadeiro instrutor de todos nós. ele, o Brasil se fez representar, no ano de 1950, no I
Bem... nós estamos em 1928. Quando se funda o Congresso Sul-Americano de Educação Física, em Mon-
Centro Provisório da Educação Física, na antiga Escola tevidéu. Esse homem colocou à minha disposição — pois
de Sargentos de Infantaria da Vila Militar, sob a orien- fui eu que organizei a delegação brasileira — um avião
tação' técnica do então Primeiro-Tenente Inácio de militar, além de financiar a viagem com recursos for-
Freitas Rólim. Nesse Centro se matriculam professores, necidos pela Casa Militar. Não fosse por isso, nos não
mandados peio grande educador, Professor Fernando de estaríamos representados no Congresso. O Professor
Azevedo. Aí se forma a primeira turma de professores. Inezil também fez parte da delegação brasileira, mas
Penso que a maioria, infelizmente, está morta. Eu tive por conta do Ministério da Educação. Esse Congresso
ocasião de trabalhar, de ajudar nesse Centro Provisó- foi importante porque dele participaram, inclusive, pro-
fessores da Europa. E dele só pudemos participar, por
rio, dado os meus conhecimentos de Luta, de Ataque e
causa do General Newton de Andrade Cavalcante. Por -
Defesa, um pouco de Boxe, um pouco de Luta-Livre e
isso eu presto essa homenagem a ele, embora eu discor-
rudimentos do então Jiujit,su, hoje Judô. Esse curso
de integralmente das suas idéias políticas. Ele sabia que
durou um ano letivo, 8 meses, se não me falha a memó-
eu era um homem de tendências de esquerda, no en-
ria. Os professores ali formados foram então espalha-
tanto ele me olhava como desportista, como' amigo, me
dos pela rede escolar, principalmente para a Escola
recebia na casa dele. A verdade tem que ser dita. Então
Normal, que funcionava na Rua Martins de Barros —
ele foi o Comandante do Centro Militar de Educação
um grande estabelecimento, de grande valor na época Física, que mais tarde veio a se transformar na Escola
—e para outras Escolas da rede do Distrito Federal.
O Exército tomou gosto por essa tarefa e esse Centro de Educação Física do Exército, na qual eu trabalhei
7 anos. Saí de lá para ser instrutor de Ginástica e Es-
Provisório foi transformado em Centro Militar de Edu-
grima na Escola Militar. Isso em 1937. A Escola de
cação Física, sob o comando do General Newton de
Andrade Cavalcante, que foi chefe da Casa Militar do Educação Física do Exército, inteligentemente, agasa-
lhava civis. Vários civis e vários oficiais da polícia iam
governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra. Era um
fazer o curso lá. Civis de todos os Estados brasileiros.
134
135
Tinha o curso de Educação Física e também o de Me- Escola na Universidade, pois não tinham interesse em
dicina Especializada em Educação Física. serem professores de uma escolinha vinculada à uma
Divisão. Pelo contrário, ambicionavam a cátedra uni-
Por sua vez, a Escola Militar deu um grande im-
versitária. Inclusive, também eu desejava a Escola vin-
pulso à Educação Física. Tinha um Departamento de
Educação Física modelar, quando eu ali trabalhei. Isso culada à Universidade, pois naquela época um professor
universitário ganhava muito bem, Basta dizer que eu.
nos anos de 37, 38 e 39. Era 1939 eu saí e fui pra Escola
na Escola Militar, ganhava cerca dei 'um conto e qui-
do Exército.
nhentos', como se dizia, pois passei a ganhar na Escola
Naquela mesma época, é criada no Ministério de Nacional de Educação Física 'oito contos e quatrocen-
Educação e Saúde, a Divisão de Educação Física. Essa tos', multipliquei o meu vencimento praticamente por
Divisão, criada pelo Ministro Capanema, sendo Presi- sete. Pra mim foi uma beleza. Felizmente o Ministro
dente do país o Dr. Getúlio Vargas, prestou grandes ser- Capanema foi sensível a essa Última tese, e .apesar de
viços à Educação Física. Inclusive, ela é a matriz da certa resistência na Universidade — não podia havéi
Escola Nacional de Educação Física. um professor catedrático de calção dentro da Universi-
A Escola Nacional de Educação Física e Desporto dade, o calção em 1939 não se usava nem nas praias
nasce, eu poderia resumir, por pressão de 3 forças: em andar de calção era uma coisa que não recomendava
primeiro lugar, pela necessidade premente da época. bem — a Escola acaba, no ano de 1939, sendo criada
com vários cursos particulares querendo virar curso de pelo Decreto-lei n.° 1.212, vinculada à Universidade do
Educação Física; destacando-se nesse particular, inclu- Brasil, na época, padrão de todas as universidades do
sive, a presença da Associação Cristã de Moços, ACM, país. Essa foi a grande vitória ..."
que tinha uma grande seção de Educação Física, res-
ponsável pela divulgação da Ginástica calistênica e de Quanto à relação da Educação Física cora o
práticas esportivas, voleibol, basquetebol, judô... Em Estado Novo...
segundo lugar, pela pressão da Divisão de Educação
Física. O Major Barbosa Leite tinha em mente, que era "...O Estado Novo era muito complexo. Eu que sou
imprescindível a criação de uma Escola de Educação mais interessado em assuntos políticos (. ) cheguei à
Física padrão, embora no seu conce!to, devesse ela ser conclusão &que, o país, entregue ao capitalismo selva-
vinculada à Divisão de Educação Física e não à Uni- gem não tem o menor futuro. É precise que ,o governo
versidade. E uma terceira força, da qual era líder `ci seja realmente um governo popular, um governo oriun-
Major Inácio de Freitas Rolim, que tinha sido tenente do do povo pra servir o povo. Mas o Estado Novo foi um
no Centro Provisório de Educação Física. Com grande regime que eu chamaria de troto fascista', um regime
prestígio nos meios militares da época, porque ele era autoritário, violentamente repressivo, que tinha tam-
um ardoroso rã. do Estado Novo, o Major deixou-se en- bém as suas contradições. Tinha um Ministro da Edu-
volver por um grupo de pessoas que ambicionavam a cação como Gustavo Capanema — sem desmerecer os

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que o suceddram, até hoje não vi melhor —, um intelec-
tual completo. Não um intelectual esnobe, que acha ressante. A Professora Maria Lenk, que era professora
que intelectual é ter pescoço fino, ter tosse e viver como assistente da Cadeira de História e Organização da
traça nos livros. Era um homem de grande visão artís- Educação Física, consegue, fazendo uma visita ao Pre-
tica, visão cultural no sentido mais completo da palavra. sidente Vargas, o desdobramento da Cadeira de Natação
Foi ele quem chamou Portinari — um comunista mili- em masculina e feminina, por causa do seu desempe-
tante — pra fazer os murais do Palácio da Cultura. E nho na Natação. Ela pediu diretamente ao Presidente
tinha um Caricia Drumond de Andrade no gabinete, qUer e ele deu instruções para que se finbsse o desdobramen-
dizer, era um homem de visão, um intelectual no sen- to, fato que a Escola recebeu com muito agrado, porque
tido em que a palavra deve ser bem vista ( ) E o Dr. era mais uma Cadeira... Então, a Educação Física era
Getúlio era também um intelectual. Quem conhece a muito prestigiada, não só pelo Dr. Getúlio como tam-
sua história, sabe que ele era um homem que lia auto- bém pelo Ministro Capanema...
res franceses no original. Na política, ele tinha posições O que eles queriam da Educação Física? Por que
de força, mas era um intelectual, de maneira que ele desse seu prestígio? Olha, é difícil você: penetrar fiei
comPreendia o seu Ministro de Educação ao mesmo intenções dos Homens. No que concerne ao Dr. Capa-
tempo em quh, através de seu Ministro da Guerra e nema, ao Major Barbosa Leite, as intenções eram as
seus chefes de polícia — me lembro da figura tenebrosa melhores possíveis. Eu que fui o primeiro titular da
do Capitão Felinto Muller — se praticava os maiores Cadeira de Esportes de Ataque e Defesa, nunca recebi
desmandos, espancamentos, torturas. Criou, inclusive, a menor restrição contra os programas que fiz e as aulas
a Polícia Especial, que descia a borracha no povo p que que dei. Até pelo contrário. Fui convidado para dar
contava com muitas professores de Educação Física, aulas de Ginástica e Ataque e Defesa à guarda pessoal
Professor Inerll Penne Marinho, Professor Colombo, do Dr. Getúlio. Essss aulas eram dadas no jardim pos-
Professor Evaldo Gonçalves, Professor Vitor Macedo terior do Palácio Guanabara — que era a residência do
Soares, foram todos da Policia Especial. Dr. Getúlio — e ele, prazerosamente, as assistia. Aquela
...Se existia naquela época, por parte desses pro- capangada toda a correr, saltar, a fazer movimentos de
fessores, consciência de que a Educação Física estava ginástica inteiramente desencontrados, mas tentando
sendo utilizada como instrumento de força, de auxílio fazer alguma coisa, mesmo porque o chefe estava lá
a um Estado forte, repressivo? Não. Não havia essa assistindo, fumando charuto ..."
concepção, poreque o esporte no Brasil, até bem pouco
tempo, era um grande fator de alienação política ( À . ) Quanto à Greve ocorrida na Escola Nacional
naqueles tempos, a alienação política era muito grande, de Educação Física
o esporte absorvia a totalidade da vida da pessoa. Difi-
cilmente se encontrava um desportista de valor que " ...Pois é. depusemos o Diretor da Escola. Isso
fosse ligado à política. Eu quero contar um caso inte- deve-se ao Professor Vinicius Ruas que era, na época.
Presidente do Diretório Acadêmico, O Diretor da Escola,
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por uma dessas manipulações políticas, era uma pessoa condição de professor, me limitei a dar cobertura. Inclu-
ilustre, mas não tinha nada a ver com a Educação Físi- sive, na Congregação, veiculava toda doetunentação que
ca. Chamava-se Peregrino Júnior. Era membro da Aca- me chegava ès mãos, o que me causava um grande cons-
demia Brasileira de Letras, médico, e por possuir bas- trangimento, porque minhas relações pessoais com o
tante prestígio no meio universitário, conseguiu se Dr. Pele grino eram de cortesia. Eu tinha passado o cargo
fazer Diretor da Escola, o primeiro diretor a não ter a ele, não tinha nenhuma queixa pessoal dele. Apenas
curso de Educação Física. Não digo que tenha sido um entendia que os estudantes %UM" com a razão. Meus
mau diretor, mas era um homem estranho ao meio da colegas viam de maneira diferente, tanto que eu era
Educação Física e que não tinha muito apreço por ela. uma voz isolada...
Isso trouxe um certo descontentamento entre os estu-
dantes. Os estudantes postulavam certas coisas e não Com relação à Educação Física na Escola e
tinham um atendimento adequado Isso os levou a assu- à Educação Moral e Cívica...
mirem posições que estabeleceram o confronto. Os estu-
dantes, então, declararam-se em greve. Eu, examinando "mA Educação Moral e Cívica, se fosse bem dada,
as suas reivindicações, achei-as justas e tomei posição como filosofia morai, teria importância. Se ela não fosse
a favor deles. Até fiquei numa posição incômoda, por- apologista dos Homens do poder e sim uma preparação
que éramos em 18 professores e somente eu assumi aber- ética, moral, um estudo honesto dos heróis brasileiros,
tamente minha posição, embora houvessem professores homens como Tiradentms, Frei Caneca e outros, gim
que sirapatinwm com a postura dos estudantes. sonharam com este país livre, independente, seria per-
Minhas convicções políticas, então, me antagoniza- feitamente cabível. Agora, o "mal é que se criou uma
ram com a direção ' do Professor Pelegrino e eram simpá- Comissão de Moral e Civismo composta por uns quadra-
ticas aos estudantes, 'que já começavam a se interessar dões, que transformaram a Cadeira numa apologia dos
por política, inclusive pela política estudantil, passando governantes do momento e numa forma de justificar o
golpe militar de 64. O erro não está em haver uma
a atuarem na própria UNE. Criaram, inclusive, naquela Cadeira de Educação Moral e Cívica, porque sem moral
época, a União Nacional dos Estudantes de Educação Fí- e civismo não se constrói uma nação. Eu mesmo ensinei,
sica. Os estudantes de Educação Física tomaram um pra ganhar a vida, Moral e Cívica no Colégio Franco-
grande impulso depois dessa Greve, liderada pelo Vini- Brasileiro, mas hunca dei o programa que a tal Comis-
cius e uma sobrinha minha, também aluna. A greve du- são mandava que desse. Era elogio dos chefes do Estado,
rou 6 meses, só terminando quando o Professor Pelegri- generais: eu não dava isso. Eu dava Filosofia, da Moral,
no, numa atitude elegante, vendo que os estudantes dava Ética, e fazia uma investida sobre os grandes no-
mantinham-se firmes, pediu aposentadoria. A Greve re- mes da História do Brasil, inclusive os precursores da
percutiu nacionalmente, tendo sido prestigiada pela independência ( ) preparava o estudante pra ter
UNE e contando, também, com o apoio do Diretório Cen- consciência de que ele era participe da vida nacional,
tral dos Estudantes da Universidade do Brasil. Eu, na que ele trazia uma aragem nova à política, que à me-
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141
dida que os pOlíticos envelheciam, infelizmente iam
ficando um pouco empedernidos, daí a necessidade de aqui no Rio de Janeiro. Duas matrículas no Estado e
uma força nova, uma força jovem. Essa força teria que uma no Município, ou duas no Município e uma. no
ser a mocidade acadêmica, preparada já a partir do 2.° Estado. Outros são professores no Estado e nos Clubes.
grau. Porque se ela entrasse cega
na Universidade, difi- Não há quem agüente urna carga de trabalho tão
cilmente abriria os olhos. Então, a partir do 2.° grau, grande..."
estudante já deveria tomar contato com os problemas
do seu país.
De inteira que eu me felicito por ter dado O episódio do AI-5. . .
essa Cadeira no Colégio Franco-Brasileira Eu até vou
lhe dar de presezate, unia apostila que achei aí, onde "...Ah; Esse episArlio foi muito interessante! Eu
trato da axiologia, ou seja, da teoria dos valores. É pre- estava em Itu, SP. Quando o ISEB fechatt, eu fui trans-
ciso que os estudantes encarem os valores. Havia na ferido para o Ministério da Educação e atproveitado na
época quem dizia 'estudante é pra estudar, operário é Divisão de Ensino Superior, onde reawnva inspeções e
pra tnthalhar ...' Claro, estudante é pra estudar o que fiscalizações nas Universidades. Minha presença eM Itu
ele .precisa estudar e não o que lhe querem empurrar tinha a ver com a intenção de se fundar, naquela cidade,
pela garganta abáln.
uma Faculdade de Direito. O diretor da Faculdade era
Bem... a aula de Educação Física tinha certas um ex-deputado federal, casado com a filha do Plínio
característácas militares. As formaturas, as evoluções... Salgado. Loureiro Junior era o seu nome. Um homem
Mas isso, longe de ser um mal, naquele momento era extremamente simpático. Mas era integralista. Basta
um bem, porque os espaços eram restritos e 6 professor dizer que ele esteve na cadeia porque foi um dos chefes
tinha tilais comando sobre a turma. Agora, estavae muito do golpe integralista contra o Presidente Vargas. Pois
na preparação do professor. Um professor de mentalida- bem.., ele estava tentando organizar a Faculdade de
de aberta, até poderia servir dessa disciplina no sentido Direito de Itu, cidade tradicional, berço do Partido Re-
de colocar certos valores, por exemplo, a disciplina do publicano do Brasil. Eu, então, fui designado para fazer
trabalho, o respeito à lei — à lei originária de fonte legí- a inspeção. Já tinha acabado de realizar o meu traba-
tinaa, que emane do consenso popular, não o decreto-lei lho — já havia, inclusive, mandado o relatório para o
da ditadura. Agora, ela tinha um aspecto, era muito Rio — e tinha aceito um convite do Professor Loureiro
carregada de 'ordem unida'. Porque isso facilitava o Junior para jantar. Nós estávamos, então, tomando uns
trabalho do professor. Já uma Educação Física mais aperitivos e aguardando o início da 'Hora do Brasil' —
liberal, mais aberta, solicitava um trabalho maior do no interior tinha-se o hábito de ouvi-la. À certa altura,
professor, o que às vezes se tornava incompatível, dado ouvimos referências ao AI-5: '...foram incursos no Ato
número grande de aulas dadas pelo professor. Por Institucional n.° 5, os senhores Alberto La Torre de
exemplo, no Colégio Franco-Brasileiro eu dava 42 aulas Faria ...' Foi um espanto, inclusive para mim. Eu, dele-
semanais. Até hoje, alguns professores tem 3 cargos, gado do Ministério da Educação, organizando uma
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Faculdade de Direito em Itu e sendo cassado em Brasí-
." 143
lia! E dizia mais... relacionava uma série de pessoas bém dos meus colegas. Disse-lhe, então, que estava me
eminentíssimas. Eu era fichinha. O Professor Loureiro
apresentando porque não era do Partido. Dos outros.
Junior, muito espirituoso, disse assim: ...Eu não sabia
disse não saber nada, se eram ou não. '...O senhor não
que o senhor era um homem tão importante, o primeiro é vermelho?', perguntou ele.'...Não, eu sou cor-de-rosa.
da lista...' Lembro-me de ter-lhe dito não ser pela im-
portância, mas sim pelo fato de meu nome iniciar-se Sou Trabalhista', respondi. Na época eu era Trabalhista.
pela letra `A'. Aí todo mundo caiu na gargalhada. Nós Eu me fiz Socialista depois.
r)

fomos jantar, naturalmente, eu, preocupado. Depois, . . . Da Universidade fui aposentado antes do AI-S,
voltei pro Rio de Janeiro, limpei a gaveta e me retirei. pelo Munis Aragão. Mesmo assim fui convida& para
Era o que eu tinha pra fazer, ir pra casa, cuidar da vida, dar algumas aulas, até que surgiu um fato lastimável.
tratar de arranjar emprego... Acabei ficando aqui Foi assim- o Dr. Waldemar Areno, me convidou pra
mesmo pelo Brasil. Recebi pressões, mas não tenho quei- continuar a dar aula, apesar de já estar aposentado.
xas do exército,, sabe. Inclusive o exército foi muito mais Aulas sobre Esporte. E eu não ganhava um tostão. Só
liberal comigo, do que o meio civil. Eu sou oficial da re- — me dava trabalho, mas eu as dava pelo meu amor à
serva, nunca me tiraram os documentos militares. Não, ~a onde estive tantos &nos e que ajudei a fundar. Um
não tenho queixas a fazer do exército. O que é verdade
belo dia, eu vou entrando e notei o porteiro, Riolando,
eu tenho que dizer. uma pessoa muito simpática, meio constrangido. Eu
Aquele período desbaratou a vida de todo mundo. fui para sala de aula. Entrei. Os médicos — era um
Eu acho que foi um golpe, um período de autoritaris- curso de medicina esportiva — estavam lá, sentados.
mo .. . Eu mesmo tive minha casa vasculhada várias Antes mesmo que eu começasse a aula, entrou na sala
vezes pela polícia. Tive minha biblioteca saqueada. Eu um hincionário e me disse: ' ...Professor, o senhor está
tenho hoje cerca de 2.500 livros. Tinha muito mais. In- proibido de dar aula na Escola. A Dona Maria Lenk já
clusive uma obra que me foi presenteada pelo Ministro se entendeu com a Universidade e não quer que o senhor 1

da Educação de Cuba, as obras completas de José Marti, dê aula aqui, porque o senhor é subversivo'. Me dirigi, 4

desapareceu. A minha casa era sempre importunada. então, aos médicos, explicando-lhes que a aula havia
Mas o exército sempre me tratou com muito respeito. sido suspensa. E fui pra casa..:"
Inclusive, houve uma gafe do Conselho de Segurança
Nacional, que me indiciou num inquérito como dirigente
do Partido Comunista do Brasil. Eu nunca pertenci a Os caminhos da Educação Física, hOje...
esse Partido Eu me apresentei ao General, naquele tem-
po Coronel Fernando de Carvalho, e ele achou estranho. " . Olha, eu não estou a par da prática dos pro-
Ele havia convocado pelo jornal, em edital, os dirigentes fessores modernos, por isso tenho mais fé nos estudan-
daquele Partido e somente eu apareci. Aí ele me per- tes. Eu só lastimo estar muito velho. Quisera estar mais
guntou se eu estava me apresentando. Perguntou tam- moço e quisera estar na Escola de Educação Física com
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o nível de consciência.que tenho hoje. Meu sonho hoje,
de velho, é, antes de morrer, criar um Instituto Man- teia, salto em altura, subida na corda...) , que tinham
EngeLs. Eu estou lutando pra concretizá-lo, para levar a função de sentir se realmente o candidato possuía
a mocidade brasileira a entender a obra desses gigan- alguma aptidão para Educação Física, e 'intelectuais',
tes, de Marx, o maior peivoi dor do século XIX ainda não que consistiam em urna prova de português versando
superado em nosso século ..." sobre um tema da História do Brasil, uma prova de
Biologia e unia prova de Matemática. As provas Inte-
lectuais foram res limada* na Faculdade de Direito, por
Professor Viniciats Ruas Ferreira da Silva. ser urna escola de nível superior, e as provas físicas
Sua origem. O movimento estudantil no interior foram feitas na pista de Atletismo do Estádio General
da Educação Física em sua época de estudante... Osório. Teve ainda a prova de Natação que pra mim
foi fácil — embora competisse com candidatos também
"...Eu sou Amazonense. Devo ao Professor Deo- muito bons — porque eu participava costumeiramentç
dom dé- Alcantara Filho, formado- da travessia a nado da Bala do Rio Negro. Tendo sido
na Bélgica, minha aprovado na seleção de isolas, em Manaus, vim para o
aproximação com a Educação Física. Foi ele que, por
volta de 1946-48, construiu una velódromo em Manaus. Rio de Janeiro submeter-me ao vestibular da Escola de
Educação Física. Se não passasse nessas novas - provas,
Esse velódromo tinha em sua área interna, dependên-
eu teria que retornar a Manaus. Era bonito. Tinha bol-
cias para a prática do Judô. Luta-livre, enfim, uma
sista de todo o país concorrendo a uma vaga.
série enorme de lutas. Pude assim pratica-las todas. Fui,
inclusive, Vencedor de várias provas ciclisticw,3 realiza- ...Ah! A Escola! A Escola era muito bonita. Ficava
das naquela época, em Manaus. Anos depois, em 1953, no lugar mais bonito do Rio de Janeiro, entre o Pão-
fui ao Rio de Janeiro, onde .visitei a Escola Nacional de de-Açúcar e o Corcovado. Ali onde ela se situava, na
Educação Física. Engraçado era que eu não tinha, até Praia Vermelha, podíamos vê-los ao mesmo tempo...
então, nenhuma relação mais forte com a Educação Fí- E tinha &Professor Alfredo Colombo, um entusiasta da
sica, a não ser o fato de ser Educação Física. De porte olímpico, alto, 1,86 m, por
um esportista. Eu fiz Direito
até o 3.° ano, em Manaus. Fiquei então sabendo da exis- aí, já era um senhor com uma certa idade. Impunha
tência de bolsas de estudos que eram oferecidas pela respeito. Confundia-se mesmo com a Escola. Faço esse
Escola de Educação Física a outros Estados. Resolvi resgate porque eu fiz uma campanha muito grande
concorrer a uma delas quando, em 1954, a Escola Na- contra ele, mas não contra sua pessoa; mas sim contra
cional de Educação Física destinou 3 bolsas para o as atitudes por ele tomadas em relação às 'ruas de
Estado do Amazonas Fiz o concurso seletivo para uma recreio'. Mas naquela época, eu não tinha conhecimento
delas e passei em 1.0 lugar. As provas eram divididas das coisas, mas tinha uma intuição que me levava a
em 'físicas' (corrida de 100 e 800 metros, salto em dis- detectar imediatamente aquilo que era contrário aos
interesses da Educação Física. Era uma espécie de
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auto-defesa, pois eu defendia a Educação Física como


sala de Ginástica de Aparelhos, por exemplo, era obso-
que se estivesse defendendo a mim mesmo; sem que
leta. O material era antigo, maltratado. Os únicos giná-
existisse uma consciência política que me desse maior
sios que eram bons, eram os de Lutas e o de Dança. Na
respaldo. Mas eu já questionava, eu era um pouco dife-
Universidade, ninguém dava a mínima importância pra
rente da maioria. Me juntei a um grupo que também
questionava, 'e essa turma, que se formou em 1957, foi Escola, deixando-a num descrédito danado. Foi então
que houve eleição para os Representantes de turma
uma turma extraordinária.
junto ao Diretório Acadêmico. Não sei por que cargas
Lembro-me do meu primeiro dia de aula... Está- d'água me elegeram um dos Representantes. O outro
vamos sentados num banco comprido, grande, conver- era uma moça, a Esteia. Quando nós chegamos no Dire-
sando, conhecendo os colegas. Nesse momento, entra tório Acadêmico, ele estava dividido. De um lado, o
um cidadão na porta; as pessoas se levantam, e eu não pessoal que apoiava o Emerson, dono de uma postura
me -levantei, não por indelicadeza, mas sim por estar reacionária, entreguista (chamávamos de `entreguis-
atento a uma outra coisa, eu estava fazendo não sei tas' aqueles que ficavam ao lado da Direção) ; do outro,
bem o que, lendo parece, distraído, e não me apercebi um grupo progressista, que lutava contra a adminis-
da pessoa que passava nem tampouco dos outros que tração do Peregrino. A maioria do grupo era do último
se levantaram do banco, quase em posição de sentido. ano, já maduro. Intuitivamente, simpatizei com o grupo
nisso essa pessoa se dirige a mim e pergunta: ' ...O opositor. Foi aí que começaram as nossas — minha e
senhor não se levanta por quê?" ...Não sei — eu disse de Esteia — lutas políticas, travando nosso primeiro
—, mas se é preciso levantar eu me levando sim, senhor'. contato com a política estudantil. Mas a luta era tími-
me levantei. ...0 senhor fique sabendo de unia coisa, da. Os estudantes, naquela época, tinham medo do peso
quando o Diretor da Escola entrar, todos têm de levan- da suspensão. Os alunos eram punidos severamente, 30
tar. Se levanta!' Recebi uma reprimenda muito grande dias suspensos das aulas, não podendo fazer as provas,
na presença de todos, e eu pedi desculpas por não enfim.., os estudantes tinham realmente medo, que-
conhecer a praxe da casa. '...0 senhor daqui a pouco riam apenas se formar e sair fora. Não demorou muito
suba lá no gabinete do Diretor', disse o cidadão. Era o para eu ser escolhido representante do Diretório Aca-
Peregrino Junior, o Diretor da Escola. Professor João dêmico junto ao DCE. O Diretório Central dos Estudan-
Peregrino da Rocha Seabra Fagundes Junior, nome tes era uma beleza. Funcionava no prédio da UNE.,Você
bonito, um grande literato, membro da Academia Bra- tinha a Sensação que estava no Senado. Todas as uni-
sileira de Letras, Diretor da Escola. dades da Universidade estavam ali representadas. O
Representante de uma unidade tinha um peso muito
...Foi assim que eu e minha turma fomos travando
grande, era um Representante político mesmo, você
contato com a estrutura da Escola. Fomos vendo que a
tinha que ter uma postura política definida. Você tinha
Escola não era bem aquilo que nós imaginávamos. A
que ver a ação dos teóricos da luta política estudantil,
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a força da UNE, na efervescência do Nacionalismo. Mas
damente o estudante da Escola, e nós começámos a par-
a verdade é que a Educação Física nunca tinha partici- ticipar, a perceber as posições retrógradas que o Pere-
pado dessas lutas. O outro colega indicado junto comigo grino tomava; coisas anacrônicas, desligadas de uma
para representar o nosso Diretório junto ao DCE, não época de lutas políticas, de nacionalismo. 'Petróleo é
agüentou a barra e pediu pra sair. Eu, então, indiquei a nosso', enfim... Toda aquela agitação da UNE e a
Esteia para o seu lugar e eles concordaram como quem
nossa Escola parada, técnica: um, dois, três, quatro;
diz: 'não significa nada ser representimte da Escola ginástica pra lá, ginástica pra cá, e 'em forma', e canta
junto ao DCE'. Mas nisso aí é que eles se enganaram. Hino... Então, a primeira coisa que fizemos foi des-
O tiro saiu pela culatra, porque foi dali da UNE, daquela militarizar a Escola. Isso foi consciente, nós sentamos
efervescência toda, que nós trouxemos a prática política em torno da mesa do Diretório Acadêmico e dissemos:
pra dentro da Escola de Educação Física, que se dizia 'olha, de hoje em diante nós não vamos cantar o Hino
apolítica. Foi nessa época também que começamos a Nacional de manhã cedo'. Isso porque nós passamos a
fazer o curso do ISEB aberto para a área estudantil. identificar aquilo tudo com a herança a nós legada
ImagWiervocê: nós saíamos de manhã da Escola, íamos
pelos militares. O Peregrino era o segundb Diretor civil
de tarde para o .LSEB e à nbite à UNE! Se você visse os da Escola, antes dele só o Carlos Sanches de Queirós e
estudantes da Faculdade de Direito se dirigirem a seus três outros diretores militares, e nada tinha sido' modi-
Diretores, ver como eles tinham consciência daquilo
• tudo, enquanto o pessoal da Educação Física... era
como b. La Torre dizin. naquela época, 'o estudante de
ficado até então, a Escola era realmente uma Escola
Militar. E nós fomos, pouco a pouco, alterando as
coisas, eliminando da Escola os ranços milita:res. E
Direito tem o pescoço fininho, mas levanta o dedo e fala quem fez isso? Foram os estudantes. Isso não partiu dos
grosso ccim o diretor; nós não, nós temos o pescoço gros- professores. Partiu das deliberações tiradas em reuniões
so, os ombros largas e falamos fino diante dos direto- que nós fazíamos.
res!' Aquelas palavras tocaram muito forte nos
dantes de Educação Física. Aquela musculatura estu- toda Depois, nós descobrimos que o óbice da Escola era
dos alunos da Escola não representava nada diante do Diretor, extremamente personalista, um 'cabide de
empregos', ele tinha sei lá quantos empregos, uma
poder da argumentação, da consciência política. Foi o
quantidade enorme, que inviabilizava sua dedicação às
La Torre que ao dizer aquilo; nos ajudou a retirar a
catarata dos nossos olhos. Nós tínhamos o pescoço e os coisas da Escola. Fomos gradativamente entendendo que
a Escola para ele não era fundamental e buscamos ter
braços grossos, mas não tínhamos capacidade de argu2
uma conversa com ele. /arilos conversar e ele sempre
mentação. Certa ocasião, levamos o Presidente do DCE,
desconversava. Aí, outras coisas foram acontecendo.
aluno de Direito, à uma de nossas reuniões do Diretório
da Escola. Rapaz franzino, mas de fala forte. Embora Um colega nosso, fazendo exercício na barra fixa, foi
pareça uma coisa muito simples, aquilo tocou profun- lançado longe junto com ela, pelo fato dela ter se des-
prendido por causa de má conservação. Doutra feita,
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151
nós não tínhamos piscina e fazíamos aula de natação
no Clube Guanabara. Acontece que nós tínhamos um
colega negro, o Floriano Manhães, que vinha sendo
reprovado em natação já há algum tempo. Sabe por
AINDA SEM SOLUÇMAJREVE,
quê? Porque ele era negro! Porque no Clube Guanaba-
ra, os estatutos diziam que negro não podia nadar na NA .ESCO.LÃ DE -EDUC490-ASICA
piscina. E nós todos entrávàmos pra aula e ele ficava Os alunos iiiiiSl"tOarãOt. Ás 'aidaii
do lado de fora do portão, porque nem pelo portão dei- professor, l'Orege:iiio JdOlor não
xavam-no pusar. Um dia perguntei pra ele por que não tar do cii.to de Min:toei.
Continua sem isrducão a ireve IndivIduos,d_
entrava, pois pensava que ele não entrava porque dos alunos Ca Esteai& Nacional
tzendo-se Divertia.-
dores da lar9IM estivera= em atl-
não sabia nadar. Cheguei mesmo a, na brincadeira, de Educação Fisica. Ai autorida- tudo agalapelva nalMoria dabra-
des que podiam fazer alguma coi- aldencio do presidenta ido direta-
tentar arrastá-lo pra _dentro do Clube e jogá-lo na pis- sa estio paralisadas. Ninguém rio acad~sr. Jtbdclusila 311-•
quer dar um arrasto- prof. va. Irrstre~,o, ao sen-lhos pedf-
cina, quando então ele falou: ...não, eu não posso Peregrino Junior._ &ah:inalo, da A. necaparia ldentlficaCa0, não
eu técnicosem e 'Edu . PIOU Met, ao que Uses sol panda
entrar, não sou eu que não quero, eu estou doido para não colarão grau Este ano. a icirtsrna Cata.
0 DIA, que 1i „teve • nportunl- Na tilinta reunião do Conselho
Cons
elho
estar lá com vocês!' '...Como?', dissemos. '...é que não klade de noticiei. tino. & Entrou Departamental dis Escola Nacio-
Departamento!
:em •contato com .OrDiretetio Aca- nal de •E,ducacao Artlical foi titã
pode, o estatuto do Clube não permite que preto entre', démico denuda estola, que Infor-
num estar n cnnmel Afonso, da
lato Ventilado,. telulk",CrItretatilk
Prot. Perra-MO Junior 41Mmen-
(1955). Você já imaginou o significado disso? Então, Presicitnela. stajtepOblica, estar-
:regado de prOne~ . er UM encontro
tlao qualquer intertertrida de tua
parte, ao mamo tempo que se
naquele dia, a turma parou na porta, recusando-se a entre az presidente Juscelino e .os
estudantes.
aolidarizara com o - sino ames.
cado.
fazer a aula. Depois de amt4to conversar, o Amêndola, I Por sua vis*. nal licisflémicon se
mantém irredutivciss. não volta-
professor de natação, foi convencido a fazer a aula na rio as autos enluto% lã perros-
' necer n prof. Peregrino 'h:Cif/1' co-
A COMPANHIA. DRAMÁTI-
praia da Urca. Foi quando o Floriano conseguiu fazer as lmo diretor. t• .
FARTOS DO DIRETOR
CA NACIONAL 'FICARÁ SU-
provas e passar. Mas não paramos por aí. Começamos , Olmo lá 4 do dominio público.
los alunos da Escola Naclon
BORDINADA-RO S.N.T. •
O ministro da Educa/tolo @Cantis
a fazer um movimento dentro da Escola e entendíamos Educarão Fisica. fartos do seu
oireme„ o prOttillOr Peregrino Jo- ri, em portarWontem assinada.
subordinou a canpanbla ,Dramit-
que o culpado daquela situação toda era o Peregrino, 'Mor, presidente'.(14: Academia Bra-
slieira de Letras, solicitaram ao Uca Nacional. criada. pais Porta-
ria Ministerial, de 14 de marco
que não destinava à Escola, o tempo necessário para mearso que renunclassOesio/carzo
em Virtude dd sua taitúde zéin
de 1953. an Tilatro Nacional de
Cume41a do ServiCo National de
bem Mministrá-la. Ele ia lá 15, 20 minutos por dia. pelos misonlo dfi E e° si /que dl-
lite. O referi Do di iint.P.rnnlyleu
Teatro. Órgão que deve emstituir-
Agora; nas horas de ir pro Conselho Universitário... aos estudantes %ata em- se de urna ou Mais companhias
de teatro declamado. A; assinta-
.penhou a sua Palavra: c- eia técnica, e IsrUstica da Copa-
ah!, nessas ele não faltava. E aí então, a greve eclodiu! olo voltou atrás: não rentzrvMib
mais. tialLniunds, •furtosost estira-
panhia Dramático Nacional cabe-
rá á achnlnlatraCtio do natioq rfa-
Forte. Contando com o apoio do 'Pentágono' — era ram em Breve a tsermanerem até
agora' nesta ataúde . •
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assim que chamávamos as 5 Escolas da Praia Verme- AMEAÇADO., LA e701.1CIA
nOlgai repnrtflftm.
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o. teatral
d o era conjunto e éi é041
nt
(I ainda
lha: Medicina, Arquitetura, Odontologia, Farmácia e ao, teve emitir arãori; pe cju dois •
Educação Física — o movimento ganhou as ruas, as
manchetes dos jornais. . Arquivo particular do prof. Vinicius Ruas Ferreira da Silva

152 153
Mas aquilo tudo foi um desgaste muito grande,
pegou as férias todinhas, foi até julho; foram 6 meses
de luta sem absolutamente nenhuma aula. Não era
uma greve do tipo em que os estudantes não estão pre-
sentes, cámo hoje em dia eu vejo, não digo totalmente,
que a gente não vai fazer urna afirmação leviana des-
sas, mas eu tenho visto greves em que os estudantes
vão embora pra casa, ficando só os dirigentes dos dire-
tórios Acadêmicos. Pelo contrário. A Escola estava cheia
de comitês, todo mundo pintando faixas e cartazes, A
Escola amanhecia com um tiroteio terrível -de fogos de
artifício. Era um sinal que acordava todog os outros
restaidelet - ima ires ao Palácio
estudantes daquela área da Praia Vermelha. Cada um
---- • - do Cateto .•
-
traria 4,5 fogueies, não custavam caro. Depois do fogue-
antes .de 'Educação1 tório, o pessoal ia jogar volei, futebol, nas dependências
da Escola. Dez horas da manhã, parava tudo, todo
mundo se dirigia à Assembléia Geral. Aos poucos
:4áka
pedem a* JK I
porém, foi se dando um desgaste natural da greve, as
l• Assembléias passaram a se realinr só 3 vezes por sena-
irtfivique
t afaste diretor na, depois 2 vezes; não tinha -nenhum fato novo que
4:tis caranna d• etiaadeai da tio "ocupado" • ~balneado di-
abola Nacional, d• iteittenao
sacudisse o movimento. Até que, um belo dia, o Pere-
e ridos, empoe por VIII l- reto,. com o mu retOrno à oate-
ícita San. José Sobrinho. Ste tini que iiiea trar-me-t o ea-
grino resolveu ir à Escola. Aí foi uma beleza, porque
ente &irmane Menta, esteve thoulo e artilho de ~nos de
tine no Cata. Quitem talar livre, uma Universidade dertiOeltdes, nós conseguimos mobilizar todo mundo de novo. Quan-
ativa, vibrante e sincera
com JR, mas fortim recebidos na- obra qu
:10 ar.'.7ostie Monteio, subchefe da da e Mo pode atar preludies. do ele chegou na Escola, as moças deitaram-se no chão,
Usa Civil. Cia estudantes foram na
Pelar • interfentimea de .71C para
teimosa vaidade, obstl-
de (Meia busca Ilant~1
impedindo a sua passnem. Era um tipo de greve
afastar o atual Diretor da Escola, op prestigiar em um inardtestaflo
follopanarino da Rocha Pasqn- qualquer pessoa de sensibilidade
pacífica, sem violência, coberta pelos jornais como a
auto-estica evitaria.
dez . -- "que no cargo (ou
malhar dito. mo "geme do cargo)
'Imprensa Popular', do Partido comunista, que dava
"infelizmente esta • ¡tatua-
como dem em manifesto Mo — nialthim o inarafesto —
tem - ellunoisetnitio o menor triste • que GUMMI* elel IMMO
destaque de página inteira; até 'O Globo*, por incrível
zelo pelou interesses desta Remia. MIL PelieMa aturraeastoos our-
a Me ser nas vinculaçõenetver- am como ostras, finghzdomerifl-
que possa parecer, além da 'Gazeta Esportiva' em São
aliarias para fins de prestigio e cios e sensibilidade mis diaconisa-
vantagens"
Paulo. Nos mo-mentos em que a greve deixava de ser
atm. Sé, pensam em prestigio •
O manifesto apresenta várias ir; vantagens",
cularldades comendas pelo dire-
notícia, nós íamos pra rua, botávamos barricas nela e
A pós a naipe to no Catem. .rst
, concluindo; i•Drrtos estamos estudantes realizaram vaia ¡las-
que • rerleinalt.ou a/a
recolhíamos dinheiro para a construção da piscina. Um
stamento de acata pelar ruas do centro.
Arquivo particular do prof. Virticius Ruas Ferreira da Silva
dia, nós ficamos sabendo que a Universidade tinha
verba. Fomos então ao Pascoal Carlos Magno — asses-
154 •
155
sor de assuntos estudantis do Presidente da República juntos, entramos em seu gabinete, dando de cara com
— e através dele conseguimos urna entrevista com ele sentado em sua mesa, bem ao fundo da sala. Lem-
Juscelino, a qual demorou um pouco a acontecer porque bro-me bem daquela cena. Ele estava descalço, só de
ele vivia viajando por causa da construção de Brasília. meias, com seus sapatos jogados pro lado, debaixo da
Mas um dia, cansados de esperar, resolvemos que mesa. Ele se espantou: ';..Mas o que vocês querem?
iríamos falar com ele, e não só a Escola, mas todo o Já não está autorizado?' Dissemos que sim, mas que
'Pentágono', foi ao seu encontro. Nós fomos dali até o ...e aí contamos a ele toda a história da firma ameri-
Catete, de "bonde. Descemos com faixas e cartazes e cana e de suas máquinas Após ter-nos deixado falar,
pressionamos o Presidente a receber-nos, em comissão. deu alguns telefonemas, autorizou a liberação daquele
Eu, Esteia e mais uns dez de nós fomos então recebidos material sem praticamente nenhuma exigência maior
por ele que, ali mesmo, no nosso ofício, despachou no e ...a piscina foi construída.
sentido de que fosse providenciado imediatamente, a Quem escolheu o lugar de construí-la, fomos nós.
retirada, darfundo patrimonial, da quantia necessária Ali era proibido porque feria os interesses do patrimô-
para a construção da piscina. De lá nos dirigimos ao nio histórico; lá não podia porque pão sei o que ...um
Calmou, que nos disse não • poder mexer no fundo patri- dia, nós resolvemos cavar um buraco por nossa conta;
monial. Telefonamos então,• imediatamente, ao Pascoal, buraco esse que as máquinas depois aprofundaram,
qual transmitiu ao Calmon as orientações presiden- continuando o serviço que iniciamos. Deu aquela pis-
ciais no sentido de que a piscina fosse construída. Mas cina que você viu. Tá lá, ela, construída.
nós precisávamos que a piscina fosse construída ime-
diatamente, para que pudéssemos fazer as provas de
outubro, sem as quais perderíamos o ano letivo. O tempo
era escasso. Estávamos em Julho. Foi quando ficamos I
i

sabendo da existência de uma firma norte americana


que possuía um sistema de construção bastante mo-
derno que daria conta de construí-la em tempo hábil,
desde que suas máquinas, retidas na alfândega portuá-
ria, fossem liberadas. Fomos então, de novo, falar com
Presidente. Mas nesse dia, nós tivemos que usar uma
1
outra estratégia, porque não tínhamos condições de
mobilizar o 'Pentágono' como forma de pressão para
sermos recebidos. Fomos então, falar com o Pascoal, e
enquanto conversávamos com ele, a Esteia, `de fininho',
foi até o gabinete do Juscelino. Também eu, num outro
momento, consegui driblar a vigilância do Pascoal e,
rafava particular do prot. rinicius Ruas Ferreira da SsIt.”

156
157
Então, piscina construída, sairtios da greve, fizemos
as provas, aquele negócio. O Peregrino Junior encon-
trou uma saída honrosa para ele, a aposentadoria. Se
aposentou e acabou o movimento grevista na Escola.
Mas, por causa do movimento, ganhamos participação
no Conselho de Curadores e reativamos a Associação
dos antigos alunos, cot o Pedro Gomes. Passamos a ter 1 Congresso de Estudantes de Educação Física
uma atividade política completamente consciente. AS IMPORTANTES RESOLUÇÕES DO ULTIMO CERTAME
NACIONAL
Foi quando, no •Congresso da UNE, em Priburgo,
criamos a UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES DE
EDUCAÇA0 FÍSICA, UNEEF. Elegemos a primeira
diretoria e com a presença maciça dos Representantes
doe; Diretórios Acadêmicos das Escolas de Educação
Fisica de todo ó país, fizemos nosso I Congreiso. Foi
uma .lielezal O realizamos nas dependências da Escola
de Educação Física. A maior dificuldade, era você fazer
um COngresso de estudantes dentro da Universidade. Usis empo dr congressistas.

Pois ele foi realizado na Universidade e possuiu uma Ralhou-se no Dislate Fritai exempla do que M e faz nas Es- Tatue assim cano a eziOntIa de
conotação
" totalmente progressista, nacionalista.
no perlado de IS a 21 de Matitbet
últsap. O 1 Carreto Nacional dt
cola* do Paraná e de São Paulo. atividades 'Mansa que requerem
tua Cadeira viria ampliar ainda grande dbidniio de energia quan-
Estudantes de Educação ruim. mala os ma/saimento* doa futuros do anais forte a faz sentir o adir.
O certame. que teve temo sede
a Escola Nacional. reuniu :somem
professares, abrmda-lhes novo
campo
mentosde ativ sic aspe
orneis; assureos
idad4acam o en
tni,eina
nina d; Gonenaie de .661sas de estudos.
tante, do Rio Grande do Sul, Pa- segures contra tacidénten assistCa-
raná. São Carlos. Minas Gelais t reat nossa titia titia at..eis da tia médica. alimentação. equiçn-
Distrito Federal. flanela. mento. livra path:rafes, etc., fo-
ELEVAÇÃO DO NIVEL DO CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO' ram outros adornos ventilados du-
rante o conclave.
ENSINO O Congresso elaborou um anil-
Finalmente, foi eleita a nova Di-
Urre das resoluções dos erengies- projeto no sentido de SUbstiMir. em retoria da União Nacional das Es-
s...ta foi • de se encetar um Rabe- caráter precário, o Curso de Tecni- tudantes de Educao Fisica
io° de ambito nacional. obletivando <a Desportiva por Cursos dc Es-
UNEEF).
a el.s.v.:90 do nivel do casino na: pecialização O objetivo devia mm. silISMA AO MINISTRO DA
Escolas de Educação Fisica. A in- dida per fim coa projetos de lei EDUCAÇÃO
ci
lei
usi
ereroc
cogn r.itrim pniuo,
iarain''habitltai p
ç' teiticul D,
tegração da Escolas nas Universi-
is ta veia
r:r ateohr
d osds
Bnoilmipto
roi
r .davU
edoro
i-
dades foi e ponto mais debatido
peio, adiam os fiaicul 000 que 'U- pretendem diplomados, pondo em
d.eo ainda a própria cansa fb Edu. Calmais. os congressistas avistaram-
mente assim poderiam ser molho-
rui., eucóo Fisica se com o prof. Clóvis Salgado, mi-
enndiçoes do ensino. Um
'Ntlieb detalhado dos assunta Per nistro da Educação e Cultura, a
- CONDIÇÕES CLIMÁTICAS
atentei á Educação Fisica e is cxi. quem foram apresentar as resolu-
Resolveram ainda os membros de ções aprovadas no Congresso. Na
ltflciflvr,titaulare para ingresso
• °ingressa enviar ia Escolas de
.:os estabelecimentos. earesern dr Educação Fisica uma moça* suge- oportunidade, falaram os represen-
scsi elcza universitário, para a Per- rindo modificações em eme regi- tantes de cada Estado, levando ao
furmscao dos futuros educa- mentos internas. a hm renheeintento de S. Esia, as difi-
de que se culdades deficiências com que lo-
deres. possa processar uma distrinu.çt.o de tam as nossa Escolas e fazenda uni
CAPTI/lA DE RECREACIONISTA aulas mais de acórdo cern os Can- 'pala no sentido de Uses ser dispen-
dosara de clima. nas deserms 40.- sado o amparo de ice necessitam,
tinir. resolução de grande alcan- ms do ano. Foram estadas a Mein-
ce •mrml foi a que sugere ar-is- „,,,jo,,ea per exemplo dar aulas algumas na iminência de cerrarem
suas atividades. dada a carência de
:ao Ia Cedeu. de Reme:trio...ia. :. de notaçào em plano rigor do os-
recursos materiais.
1

Arquivo particular do prot. Vinicius Ruas Ferreira da Silva


158

Eu fui o 1.° Presidente da UNEEF, depois veio o
nós também dávamos atenção aos seus filhos. Nesses
Rolim, de Minas Gerais, que por sua vez passou a presi-
Núcleos, os operários se reuniam talvez esteja aí
dência para o Thiago de Melo, irmão do poeta. Bem
. .. depois veio essas coisas todas, eu me formei, me uma célula de formação das Associações de moradores.
afastei das lutas estudantis e passei a militar no sindi- Sabe por quê? Porque tinha um Núcleo em Ipanema,
outro em Olaria... 'seu pai é operário? E. Então ama-
cato dos professores. Aí veio a Revolução de 64, minha
saída do país... )1 nhã tem uma reunião com os pais das crianças que
participaram das atividades programadas pelo Núcleo'.
Então eles vinham, conversavam e passaram a formar
A respeito de sua passagem pela direção da
Divisão de Recreaçdo Operária e dos os Conselhos de Operários, que diziam o que eles deseja-
acontecimentos que o levaram a sair do vam de nós como recreação. Eles é que fadam. Nós
país... e o regresso... encnrninhhvamos as verbas, era o dinheiro deles, reco-
lhido através do imposto sindical. Por isso eu traballiei
com todos aqueles caras comunistas, não comunishit
"...2. Fui convidado pelo Pascoal Barroso para ser
nacionalistas Passávamos filmes — passei "O encou-
professor da Divisão de Recreação Operária do lanis-
raçado Poternkin" no sindicato dos metalúrgicos — e
tério do Trabalho. Ele havia lido o meu discurso de
essa atividade foi uma das coisas que me levou pro
formatura e gostado. Então, eu fui nomeado professor
de práticas educativas no Ministério do Trabalho. Isso exílio. Eles queriam me prender porque achavam que
em 1959. Lá chegando, encontrei o Serviço de Recrea- eu estava colaborando com aqueles distúrbios no sin-
ção Operária dominado por pelegos, que promoviam dicato dos metalúrgicos, com os marinheiros. Na reali-
atividades, de cunho a.ssistencialista, de acordo com a dade, foi uma determinação do Ministro. Ele mandou
força do sindicato, em nada contribuindo para a orga- que se entregasse as máquinas pro sindicato dos meta-
nização dos Trabalhadores. Com o passar dos anos, já lúrgicos. Mas de qualquer maneira, nós íamos lá e
no governo Jango, recebi um convite do Almino Afonso dávamos toda a assistência. E aquilo foi se modificando.
para ser o Diretor da Divisão. Um belo dia, vi meu nome Conclusão: veio a revolução de 64. Eu vi a UNE pegan-
no Diário Oficial. Havia sido nomeado Diretor da Divi- do fogo, aquele negócio todo, e quando voltei pra minha
são. Nunca reivindiquei ser o Diretor daquela Divisão. casa lá na Urca, eu a encontrei invadida. Fui entrando
Bem... na condição de Diretor, buscamos instrumenta- vi que a porta estava aberta, os caras 'sentados no
lizar o operário para que ele pudesse realmente reivin- sofá esperando que eu chegasse. Mas eu continuei su-
dicar o seu lazer, de como ocupar o seu fim de semana, bindo, passei direto como se não morasse lá. Aí saí e Me
do tempo que dispunha depois que saísse da fábrica, de dirigi pra embaixada da Bolívia. Antes disso, fui à casa
como deveria repousar, enfim.., essas coisas todas. de um primo e de lá fui ao Ministério do Trabalho. Foi
uma dificuldade sair de lá. Foi de lá que fui pra embai-
Criamos, então, os Núcleos de Recreação operária nas
f avelas, nos lugares onde moravam os operários. Neles, xada e através dela, saí do país. Eu fui pra Bolívia,
depois pro Chile. Quando cheguei no Chile, por incrível
160
161
que pareça, éramos perseguidos tanto quanto o éramos coisas, da sua formação cultural. O meu pai, alemão
aqui no Brasil. Aí nós fomos para a França. Depois eu naturalizado brasileiro — chegou ao Brasil antes da
voltei pelo Pedi, pra Bolívia de novo e de lá vim pra Primeira Guerra Mundial — acompanhava a formação
São Paulo, por Santa Cruz de la Sierra. Depois de 4 dos jovens, dando aulas, gratuitamente, de Ginástica
anos fora do país, eu voltei e me reintegrei à Universi- no meu colégio. A certa altura, eu aprendi a tocar piano
dade em 1970. Não houve perseguição quando da minha e então passei a acompanhá-lo em suas aulas. Fasi-‘ cor-
volta. Fui recebido pelo Tetônio Vilela e o Marcelo
Cearqueira, que me deram uma certa cobertura; tinha responderiam, hoje, à Ginástica rítmica, composta de
movimentos livres, sem aparelhos, caracterizandõ-se
aquele negócio dos presos políticos... Fui incluído no assim, a iniciação da Educação Física em colégios par-
Ato Institucional n.° 2. Dizia 'exonerado' do Ministério ticulares na cidade de São Paulo.
do Trabalho. Já o AI-5, pra mim, era uma novidade. Eu
praticamente tinha acabado de retornar, estava quieto, Meu pai me levou a praticar ginástica pra ver se
mudo, não podendo dizer nada, nem `bolacha maria'. ela me ajudava a superar meu frágil estado físico, pois
Foi exatamente nessa época que Maria Lenk assumiu eu havia passado por várias doenças infantis, sendo que
a direção da Escola, arrasando com todo imundo, fechan- uma delas, a tosse comprida, aliada à uma pneumonia
do o Diretório Acadên3ico... Na volta, fomos ao Minis- dupla que me deixou bastante enfraquecida, pois coin-
tério da Marinha. O ministro pediu ao Calmon que me cidiu com a minha fase de crescimento agudo, 11, 12
reintegrasse, e ele me reintegrou. O Calmon mandou anos, por aí. Me levou, então, para uma associação ale-
fazer um levantamento pelo consultor jurídico, direiti- mã de Ginástica, onde se cultivava até mesmo a Ginás-
tica Olímpica, na intenção de me proporcionar ginás-
nho, se não havia nada contra mim. Ele me reintegrou.
tica além daquela escolar. Mas eu não tinha muita
Passado uma semana, já estava dando aula. E estou
até hoje dando aula..." simpatia pela Ginástica. Nos aparelhos eu era meio
desengonçada — no período de crescimento a gente não
tem tanta habilidade motora, o que me levou a alguns
Professora Maria Lenk. O despertar de seu interesse
tombos — de maneira que eu não sentia atração pela
pela Educação Física, pelo Esporte...
Ginástica. Então ele procurou outro meio e me levou
"...Bem ...Nós temos que nos situar nos anos 30. para uma associação de natação, também alemã. Nata-
ção no rio Tietê, porque, na época, não havia piscinas.
Era então, o Estado Novo no Brasil, e até aquele mo- Aí, dentro de pouco tempo eu aprendi a nadar, quase
mento a sociedade em geral funcionava de acordo com
que por mim mesma, isso porque o professor dava umas
as iniciativas individuais das pessoas, variando em fun- aulinhaz, me pendurava numa espécie de anzol e can-
ção da formação dessas pessoas, da mentalidade delas. tava os comandos para eu fazer. Mas, na realidade, eu
Não é novidade pra ninguém, que em São Paulo havia aprendi depois, brincando dentro d'água depois das
uma colônia alemã muito pronunciada e que na época aulas. Num instante apareceram competições, ainda
procurava, inclusive, fazer uso do seu modo de ver as infantis, mas que eles chamavam de competições de
162 • •
163

I
provas femininas. Aí começou a minha participação em Raça', comemorado dia 5 de setembro, 2 dias antes do
competições. Fui evoluindo, participei do 1.° Campeo- Dia da Independência. Então, no dia 5 de setembro se
nato Interestadual — São Paulo e Rio de Janeiro — fazia o desfile do dia da juventude e no dia 7 se fazia
ganhando a prova e garantindo minha escalação na o desfile militar.
equipe que foi aos Jogos Olímpicos em Los Angeles, onde Então, vê-se por esses fatos, que começou a haver
fui a única e a primeira mulher sulamericana a parti- uma preocupação com a saúde, com a aptidão física, e
cipar. Essa parte do histórico da Natação você vai en- essa, naturalmente, seria um reflexo pra haver Educa-
contrar no meu livro Braça/Inc e Abraços, editado pelo ção Física nas escolas, o que levou a uma maior procura
Bradesco, numa primeira edição de distribuição gra- de professores, fazendo com que as pessoas que estavam
tuita, já esgotada, partindo para uma segunda edição conscientes do assunto, começassem a procurar Escolas
que possivelmente será posta à venda. Nele você vai en- para se formarem em Educação Física. Os homens con-
contrar, também, o quadro que a situação do esporte e seguiram abrigo na Escola de Educação Física do Exér-
da Educação Física, principahnente feminiba, apresen- cito, que começou a projetar os seus reflexos sobre a
tava naqueles momentos, porque como você disse ainda sociedade brasileira, passando a admitir errn seu curso,
a pouco, as coisas sucedem em função da situação do a presença de civis, mas como exi disse, reservado aos
meio, dos fenômenos ocorridos socialmente No que diz homens. Mas, olhando mais adiante, esse punhado de
respeito à Educação Física, foi a partir desse momento idealistas que existia na Escola de Educação Física do
que começou a haver interesse de introduzi-1a nas esco- Exército — que eu chamo de 'Célula Mater da Educa-
las, justamente com toda uma divulgação sobre a sua ção Física no Brasil' — achon que deveria haver uma
importância, isso porque se procurava a higidez física abertura para a mulher ingressa: na profissão. Então,
do cidadão brasileiro, mesmo porque — mais uma vez se nós feministas, hoje, achamos que os homens se
vem ai os reflexos das circunstâncias — o Brasil estava opõem, eu acho que, pelo contrário, eles nos estimula-
acompanhando os acontecimentos na Europa. Lá, o na- ram a penetrar nesses afazeres, sobretudo do magisté-
zismo dava muito valor à aptidão física projetando a rio, porque o magistério, mesmo na época, era típico
juventude, a Juventude Ilitlerista, por exemplo, que da mulher. A mulher ensinava, alfabetizava, mas a
serviu, até certo ponto, de incentivo para nós também, Educação Física não lhe era permitido ensinas. A Esco-
porque veio para o Brasil o reflexo da necessidade de la de Educação Física do Exército, então, 'estimulou
uma pessoa saudável. Isso sem entrar em profundida- alguns dos seus alunos de São Paulo, a fundarem uma
des filosóficas e políticas, porque essas não tiveram Escola de Educação Física. Isso coincidiu com o final
repercussão aqui no Brasil, com raras exceções, natu- da minha adolescência, momento em que estava come-
ralmente. Mas o princípio de um jovem são, de um çando a procurar um caminho para a minha vida pro-
jovem bonito, também os desfiles da juventude, isso até fissional, e foram exatamente os meus pais — sobretudo
certo ponto o governo brasileiro copiou e nós tivemos o minha mãe, que estava preocupada, ansiosa para que
Dia da Juventude, também conhecido como 'Dia da eu encontrasse meu caminho — que leram nos jornais

164 165
notícia a respeito da fundação da Escola, de kducação
Física. Foi, portanto, em São Paulo, que disparou-se o Se a Universidade do Brasil recebeu bem a Educa-
tiro de partida para a Educação Física civil, notada- ção Física? Na verdade eles a aceitaram mais por im-
mente feminina, e eu acabei por fazer parte da primei- posição do governo. Eu tenho a impressão de que se não
ra turma a ser formada pela Escola. Essa Escola, como fosse a situação política daquela época, as dificuldades
você já sabe, depois de muita luta, conseguiu o ingresso teriam sido maiores. Apesar deles terem admitido a
na USP, porque, na época, havia o preconceito de que a criação da Escola, eles não admitiam, na época, que se
Educação Física e Esporte era um assunto exclusiva- fizessem concursos para que os professores de Educação
Física ficassem em igualdade de condições com os demais
mente muscular e não intelectual, não merecendo en-
professores da Universidade. Eles admitiram:ia a contra-
tão, abrigo dentro da Universidade. E, mzds unta vez,
tação que seria sempre por um ano, e cada princípio de
veio em nosso socorro, a Escola de Educação Física do ano era sempre uma dificuldade burocrática muito
Exército que, através de seus oficiais professores da Es- grande renovar o contrato. Depois, uma vez que tinha
cola — e os militares tinham um poder muito grande também no curso, uma parte de matérias científicas,
junto ao governo — conseguiu sensibilizai õ Ministério Fisiologia, Anatomia, Psicologia, isso tudo naturalmen-
da EdUcação para fundar uma Escola de Educação Fí- te, preenchido por médicos, e esses médicos, dentro do
sica dentro da Universidade, criando-se, assim, a Escola conceito intelectual, se achando em igualdade de con-
Nacional de Educação Física na Universidade do Brasil. dições com os professores das outras Escolas, admitiu-se
Quer diu,r, um processo acima daquele que se fez em a hipótese de se fazer concurso para eles, médicos, mas
São Paulo. Nisso eu tive a felicidade de ser também não para o professor de Educação Física, sempre colo-
pioneina., porque estava me destacando na natação e cado em segundo plano. Justamente nós, os professores
quando 'terminei o curso em São Paulo, imediatamente que muitas das vezes ajudávamos a eles: médicos, a se
depois vieram os Jogos Olímpicos de Berlim, e aprovei- projetarem, e os médicos muitas vezes nem eram despor-
tei a oportunidade para fazer um curso de aperfeiçoa- tistas na alma e usavam a Educação Física mais como
mento na Academia de Educação Física na Alemanha, trampolim, porque eles, sendo alguma coisa dentro da
recebendo por ocasião de minha volta, um convite do Congregação da Escola de Educação Física, tinham
governo, através do Ministro Capanema, para fazer par- acesso aos Colegiados superiores da Universidade, e era
te do corpo docente de um curso preliminar, anterior à isso que eles queriam, projetarem-se lá e não na Educa-
fundação da Escola de Educação Física, para auscultar ção Física. Tanto é que a própria medicina desportiva,
o mercado de trabalho paulatinamente, foi caindo ( ) prejudicando assim
Esse curso chamou-Se 'curso de emergência'. Dele ti que havia sido hem idealizado pelos oficiais da Escola
saíram alguns elementos que depois integraram o corpo de Educação Física do Exército. Então, a Escola Nacio-
docente da Escola de Educação Física, fundada logo a nal de Educação Física, começou a passnr por estágios,
seguir. acompanhando, naturalmente, a situação política e so-
cial do país, como todas as demais instituições. Ela foi
166 •

167
dirigida nos primeiros anos por oficiais. O mais entu-
do governo anterior ao governo revolucionário e ele foi
siasmado e que se colocou como marco histórico da Edu-
cação Física do Brasil, era o nosso Major Inácio de Frei- eleito como o cabeça da lista tríplice. Então, como eles
sabiam que ele tinha problemas políticos, pra não haver
tas Rotim. Ele, durante 5 anos, foi o nosso diretor e só dúvidas quanto à possibilidade de sua nomeação, sim-
deixou de sê-lo porque teve que seguir a sua carreira
plesmente colocaram 2 nomes feminiruis na lista; o da
militar. Muito nacionalista, organizava aqueles desfiles
Helenita Saiá e o meu, isso porque éramos as duas ími-
da juventude, movimentava na todos e tinha um grande
cas catedráticas, e ser catedrático era um pré-requisito
amigo, também nacionalista, querendo projetar as coisas
pra ser diretor Esses 3 nomes foram, então, encaini-
nossas dentro do seu setor, que era Villa Lobos. Villa
nhados ao governo para que ele escolhesse um deles.
Lobos ia à nossa Escola e nos ensinava os cantos patrió-
Esse processo rolou, rolou, eu até fui aos Estados Unidos
ticos. Então, quando nós desfilávamos e acompanháva- visitar meus filhos que lá estavam, e quando voltei, vim
mos, também com nossos alunos cantando, os grandes sem a menor preocupação com aquilo tudo, pensando
coros juvenis, todos dotados de uma imensa iribração ', mesmo em me retirar pra poder me juntar à minha fa-
projetávamos o Brasil, expressando um nacionalismo milia nos EUA_ Um belo dia — foi até um sábado de
'talvez até extremo, mas que se refletia sobre toda a manhã, como hoje — telefonaram avisando-me de
mentalidade do povo.. Porque o povo ia lá e aplaudia, minha nomeação. ' ...Nomeada pra quê?, eu disse, pois
gostava de ver essas coisas. Assim como hoje, talvez vá havia até esquecido que estava naquela lista. E foi um
ver -uma corrida de maratona ou qualquer outra mani- choque muito grande, inclusive para o próprio Colombo,
festação esportiva, na época interessava-se por isso. que nunca me perdoou, pensando que .eu tinha mexido
meus palizinhos, quando não era isso. Era que o gover-
Os anoi 60. .. no, depois de tanta viravolta, ainda insuflados pelos
médicos que diziam que nós nem éramos concursados,
Pois é...então aconteceu uma coisa interessante
além do fato da lista conter os nomes de 2 mulheres,
nos anos 60.. .Com o limiar novamente de um governo
não queria nomear o novo diretor, e deixou o tempo
revolucionário, quer dizer, em 64, começou a haver nova
passar. Eventualmente, superou-se tudo isso e nomea-
atenção do governo pela Educação Física. Isso se refle-
ram simplesmente um nome daqueles. Não sei porque
tiu na própria Escola de Educação Física...Houve um
caiu no meu, deveria ter caído no da Helenita, pie era
hiomento em que surgiu a necessidade de fazer uma • o segundo, mas escolheram o meu, não sei porquê, tal-
eleição, por unia lista tríplice, para que se nomeasse um
vez porque eu tivesse maiô projeção pública. Na época,
novo diretor. Aí, pela primeira vez na história, compu-
eu já era recordista mundial e essas coisas todas. Então
seram a lista três professores de Educação Física, e
me escolheram e eu achei que não podia recusar. Acei-
nenhum médico. Isso foi mais ou menos em 1966. Mas
tei até certo ponto uma conquista muito grande, por-
aconteceu uma coisa curiosa. O Professor Alfredo Co-
que era uma conquista dupla, não só de ser, pela primei-
lombo tinha sido Diretor da Divisão de Educação Física
ra vez, um professor de Educação Física o escolhido
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169
para dirigir a Escola, como pelo fato de ser, também
pela primeira vez, uma mulher a eleita. Então, nesse tendo lançado mão daquele dinheiro todo, queria saber
duplo papel, eu assumi consciente do que eu teria que se ele estava sendo bem aplicado. Formou lá, então, um
enfrentar, porque ao mesmo tempo havia um desassos- setor encarregado de vigiar as obras e mensalmente
sego muito grande dentro das Universidades; basta queria um relatório do que estava acontecendo, de ma-
dizer que ao asslimir e tomar posse, os alunos estavam neira que inauguramos nossa nímia, poucos meses de-
em greve e até certo ponto temia-se alguma baderna, pois de ter terminado o meu mandato, que foi de 1968
alguma coisa, e eu, nesse clima de guerra, assumi e tive
a 1972. Nós inauguramos a Escola com a presença do
que vencer muitos obstáculos, dentre eles, a posição dos Presidente Médici, o qual homenageamos dando o seu
médicos, que não se conformaram com aquela situação nome ao Ginásio de Esportes.
. •apesar de eu ter escolhido um médico, o Profes- Se foi coincidência esse impulso dado à Educação
sor Maurício Rocha, um grande cientista, muito conhe- Física em dois momentos de regime forte no país? Não.
cido no Brasil, até os dias de hoje, para ser o vice-dire- Be você analisar a história, você concordará comigo que
tor. Com ele, consegui superar uma série de dificulda- o Esporte e a Educação Física receberam sempre maior
des, inClu.sive a de criarmos, pela -primeira vez no país, impulso nos regimes militares. Isso porque o regime mi-
um laboratório de Fisiologia do Esporte para o que Con-. litar se preocupa, sobretudo, com a higidez e a aptidão
tamos com o auxílio do governo que via a iniciativa com física, por estarem os militares sempre atentos ao risco
muito bons olhos. de unia nova guerra. A gente faz, realmente, com muito
Também foi através do grande apoio do governo mais ênfase, aquilo que é necessário fazer num deter-
que pude tirar a Escola da Praia Vermelha e levá-la minado momento imposto pelas circunstâncias, e as cir-
cunstâncias de guerra ssãoosempre de maior imposição.
para o campus universitário da Ilha do Fundão. Rece-
bendo a Escola em condições precárias de funciona-
Eu diria, então, ter sido, talvez, uma coincidência, mas
mento consegui convencer a Reitoria a incluir em seus uma coincidência que se explica..."
planos de transformar a Ilha do Fundão num campus
universitário, a mudança da Escola para aquela locali- Sobre a Educação Física no Ensino Superior.
dade. E isso tudo foi bastante apoiado pelo governo, in- O Movimento Estudantil . . .
clusive a ponto do então Presidente Médici se interessar
pelo assunto e suspender a EXPO-70 — Exposição In- "...Bom.., eu posso dizer isso de vivência própria,
ternacional de Produtos Industriais — que iria absolver porque exatamente nesse período eu estava na direção
uma soma imensa de recursos financeiros, e transferido da Escola. Estava, por conseguinte, dentro do Conselho
essa verba para a UPRJ transformar e mudar a sua sede Universitário, estava em ligação direta com o governo,
da Praia Vermelha para o Fundão. e ele, através da Divisão de Educação Física, convocou
todas as Escolas de Educação Física para que se estu-
A Escola foi projetada dentro do que naquele mo- dasse um novo currículo para seus cursos e também
mento existia de mais moderno. O Presidente Médici. nomeou uma comissão — da qual fiz parte — para dar

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171
forma a um documento que visava difundir a Educação competição, que a CBDU continuasse a existir. E ela.
Física e tomá-la obrigatória em todos os níveis de esco- CBDU, contou, naquela época, com substancial apoio
laridade, quer dizer, alcançava inclusive a Universidade. militar. Foram realizados grandes JUBs — Jogcs Uni-
E na UFFtJ foi exatamente eu quem implantou essa lei.
versitários Brasileiros — bem organizados porque os
Então eu conheço a fundo todos os senões desse assunto
militares deram uma mãozinha aos estudantes na orga-
e posso dizer com respeito a este, político, que quando
nização dos Jogos, dando a eles aquele cunho patrióti-
eu assumi em 68, a preocupação do governo era a de
acabar com as cata — assim chamavam os centros co, com desfiles, etc., dentro dos moldes olímpicos. Mas
comunistas — que estavam mais ou menos velados em muitas vezes as Universidades, inclusive a Escola de
forma de diretórios acadêmicos, e que não Se preocupa- Educação Física, eram obrigadas, por questões políti-
vam com o ensino, mas sim com assuntos políticos, revo- cas, a fecharem os Centros Académicos, mas não a fechar
lucionários ou contra-revolucionários, vamos chamar a seção esportiva, essa continuava... (
assina. Apesar de estar na testa disso, eu jamais fui infor-
.Acontecia ainda, uma outra coisa interessante. Na mada pelo governo que a intenção era essa. Pode. ser
época, nós da Educação Física, estávamos defendendo a que como conseqüência uma vez que os alunos tinham
tese de que viesse a existir, na Universidade, a Ginástica desviadas suas atenções para o esporte, já não tinham
obrigatória, quer dizei, o preparo físico e e, preocupação mais aquele impulso de se reunirem nos Centros Aca-
com a saúde de todos os estudantes, mas também que dêmicos. Eles tiveram no Esporte, uma outra forma de
se continuasse a cultivar o esporte universitário. Então se reunirem. Porque o estudante gosta de ter o seu agru-
havia a Confederação Prasileira de Desportos Univer- pamento, o que, aliás, é muito saudável e é muito bom
sitários, CBDU, que existe até hoje, composta por que seja assim E eles foram passando suas atenções
associações de desporto de competição, existentes nas para a Educação Física e deixando de ter maiores inte-
Universidades como departamentos dos diretórios aca- resses nas expressões políticas e talvez se tenha conse-
dêmicos, departamentos essas que não tinham nada guido isso. Mas nós que estávamos organizando não
com política. Então ocorria uma coisa interessante, por- pleiteávamos isso, eu digo de coração, porque realmente
que você também vai perceber que quem está ligado ao eu não tinha nenhuma preocupação com isso .. ."
esporte raramente se interessa por política. Eu mesma,
se você
. me perguntar se sou a favor da ditadura ou da Quanto à sua participação e entendimento a respeito
democracia, se sou a favor de regime x, y ou z, eu res- da greve promovida pelos 'estudantes na
ponderei que não me interesso pela forma política, eu me Escola Nacional de Educação Física...
interesso é em saber o que eles já conseguiram fazer em
função da Educação Física e do Desporto. Então, o que " ...Eu posso dizer que não me envolvi naquilo. Na
nós queríamos era preservar os departamentos esporti- época, eu era titular da Cadeira de Natação, e nós não
vos, que eles continuassem a fazer os seus esportes de
tínhamos lugar na congregação. Isso foi uma conquista

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173
posterior, de maneira que nós estávamos realmente em
segundo plano, e eu nunca me meti em política de es- como um regime democrático, acho que a preocupação
pécie alguma em toda a minha vida. Eu sou lançada, existe e nós vamos mesmo ao fundo da questão que é
às vezes, em postos políticos. Agora, recentemente, por a Educação Física em si. O que esse indivíduo faz, por
exemplo, acabei assumindo, na condição de intervento- exemplo, dentro da política, é assunto completamente
ra, a Confederação Brasileira de Natação, que estava independente..."
com problemas. Mas isso, não porque eu tivesse atuação
política, mas sim porque coincidiu; quando se precisa Um pouco da 4, tatória da sua presença no CND:.
de uma pessoa totalmente neutra, lá estou eu, sabe. e os dias' de hoje. . .
Neutra por um lado, no assunto político, e por outro,
em evidência no Esporte. Então, aí, escolhem pessoas "...O CND foi criado também por um governo dita-
assim..." torial, pelo Getúlio, em 41. Isso em conseqüência de um
desentendimento que houve entre grupos de dirigentes
A respeito de sua percepção da presença de fatores e que -finalmente o governo achou que deveria botar a
Político-ideológicos nos episódios por ela vividos • mão e colocar em ordem, porque eram escandalosos os
e aqui renzentorculos. reflexos internacionais, e um governo forte não podia
admitir isso. Interveio e criou, então, o CND -- Conse-
"...Não assim acentuados... É verdade que naque- lho Nacional de Desportos — que durante algum tempo
la fase, no início da Revolução, procurava-se os líderes funcionou sempre em mãos de civis. Um dos grandes
comunistas; não é, e muitos foram encettrados no meio precursores, aliás quem redigiu a lei, foi o João Lira
dos professores, intiusive de Educação Física, os quais Filho. Pra mim eu sou a maior a dele -- ele é a
foram, inclusive, cassados. Na Educação Física até que maior expressão intelectual do esporte brasileiro, gran-
foi muito pouco, sabe. Havia um que realmente assumia de filósofo e, naturalmente, por ser advogado, conhece-
uma liderança, mas ele, por natureza, era realmente dor das leis. Um sociólogo que soube catar os elementos
assim muito exuberante; queria se projetar, muito mais que existiam no momento pra criar aquilo, que foi tão
do que por convicção política. Infelizmente ele teve que bom que durou muito mais do que deveria durar. Quan-
arcar com as conseqüências. Mas de uma maneira geral, do entrou o governo revolucionário de 64, aí o CND pas-
os professores de Educação Física não se envolvem em sou a ser conduzido por militares. Nomeou-se, então, o
política. Porque também temo seguinte, isso eu até tive General Elói Menezes, um dos grandes competidores
ocasião de dizer numa reunião que houve recentemente olímpicos, praticava hipismo, e foi nessa época que eu
no Conselho Nacional de Desporto: Esporte e Educação fui convidada. Curiosamente, porque a gente poderia
Física, principalmente a Educação Física Escolar, que esperar que os militares fossem anti-feministas, vamos
se preocupa com a eugenia da raça, são comuns a qual- dizer assim, mas eles estavam interessados na época,
quer regime político, isso tanto faz ser um regime forte em procurar figuras de projeção nos esportes de compe-
tição, então me jogaram nessa coisa. Eu fui, então, a

174
175
11-1-
• •

primeira mulher a fazer parte do CND, porque coincidiu Professor Jarbas Gonçalves
de eu estar destacando-me no esporte e também na
administração. Então, já sabendo que eu tinha capaci- " ...A minha sensibilidade para a Educação Física.
dade. .. Se eu conheço outras mulheres que fizeram foi despertada quando, ainda jovem, estudava em Casa
parte do CND? Não. Eu sou a única. Isso porque o re- Branca, uma cidadezinha do interior do Estado de São
crutamento é feito no meio dos dirigentes, através de Paulo. Tive a felicidade de ter um professor, leigo em
conexões políticas, c a mulher não se mete muito nisso.
Educação Física, mas um apaixonado por ela. Porque
Quando ela trabalha, o faz mais a nível de assessoria
naquela época não havia local para a formação de pro-
aos maiorais, de uma, forma muito humilde, muito apa-
fessor de Educação Física. O Alberto Grum — era esse
gada, não ficando em evidência. As vezes se procura um
o seu nome — era filho de alemão e guardou consigo
mérito esportivo, como por exemplo, o acontecido recen-
temente com a Maria Ester Bueno Mas ela nunca se todo o respeito e consideração que seus velhos tinham
dedicou à administração nem ao estudo administrativo, para com a Educação Física. Ele era telegrafista dass-
pedagógico e filosófico da coisa, faltando-lhe, então, trada mogiana e obteve uma nomeação para ser profes-
essa base: Ela poderia, talvez, ser nomeada para o CND, sor de Educação Física, conseguindo, através dela, sensi-
bilizar a população para a sua importância. A Educação
mas aí seria mais uma figura dessas que não trazem
consigo todo o cabedal de conhecimentos que precisa- Física era de fato urna atividade não puramente educa-
ria ter.. cional. Era uma atividade mais 'de fachada', em que os
festivais, as concentrações e o desfile tinham uma im-
Professota, se pudesse voltar no tempo, portância capital na vida cívica e social da cidade. Após
faria
A tudo de novo? esse período, o governo do Estado de São Paulo começou
a olhar a Educação Física com mais carinho. Designou, 4(
" ...Ah! Sem dúvida. Eu me sinto totalmente rea-
através de uma portaria, diversos professores, por indi-
limuils profissionalmente porque sou muito grata ao des-
cação não se sabe de quem, para fazerem um curso de
tino e a Deus, de ter me posto no momento certo no
lugar certo, porque isso é muito importante pra pessoa especialização na Escola de Educação Física do Exérci-
ter sucesso. Não basta ter competência. É preciso que, to, no Rio de Janeiro, para ao retomarem, organizar e
4
num dadç Momento, a gente tenha realmente a opor- fundar em São Paulo, uma Escola de Educação Física.
tunidade de fazer as coisas. Eu atravessei muitos anos Nós tínhamos aqui, a influência bastante positiva da
e muitas oportunidades sem estar perfeitamente Cons- Escola da Força Pública, que importava Mestres-de-
ciente do que estava acontecendo. Se eu voltasse no arma da França para ministrar esgrima. Tanto é que
tempo, com o que eu sei hoje — isso me lembra aquela nós tivemos alguns professores da Força Pública no
canção famosa ' ...se eu soubesse, naquele dia o que sei início das nossas atividades aqui na Escola. E entre esses
agora ... ' — talvez fizesse algumas coisas um pouco professores — eu não posso dizer pra você quais foram
diferente, mas o final teria sido mais ou menos este.. " os argumentos utilizados para que eles fossem indica-
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dos — nós tivemos 4 de Casa Branca. Quatro profes- que, concomitante ao curso de licenciatura em Educa-
sores normalistas que foram pra Escola de Educação ção Física, havia um de normalistas, e o Professor Anto-
Física do Exército para conseguir subsídios para a for- nio Boaventura, que• já lecionava em Guarating-uetá,
mação cultural na área da Educação Física, para depois veio para a Escola fazer o curso para normalistas, que
vir aqui ministrar aulas. Isso foi em 1932/33, por aí... tinha a duração de 1 ano. Acontece que logo de início,
Eu era contemporâneo desses professores na Escola Nor- ele se ajustou bem na nossa turma, vivia na Escola,
mal lá em Casa Branca e até a minha formatura pas- demonstrando 'tuna perfeita adaptação à área. de Edu-
saram-se 3 anos, aproximadamente. Mas isso consti- cação Física e um desejo de continuar, que levou os
tuiu-se num estímulo muito grande para aquela juven- alunos matriculados no curso de licenciatura, ‘a fazerem
tude que lá estudava e que não tinha maiores opções de um pedido à direção da Escola, no sentido dei permitir-
trabalho. Formava-se professor normalista e ia lecionar lhe terminar o curso de licenciatura após o de norma-
na roça, porque nem lugar pra lecionar na cidade tinha, lista, cursando mais um ano, no que foram prontamen-
era pegar a charretinha e ir pra roça. Então, houve um te atendidos ..."
_ esforço muito grande e aqueles que se reuniram e vie-
Tam para cá, eram todos indivíduos sempre bem dispos-
A Escola de Educação Física
tos... Então nós viemos em 6 professores, formados na
"'Escola Normal de Casa Branca, tentar conseguir ma-
trícula aqui na Escola de Educação Física. Entre esses "...A Escola de Educação Física, naquela época,
5, estava um irmão do Professor Jarbas Figueiredo — era muito bem caracterizada. Nós tínhamos 3 tipos de
um dos professores de Casa Branca que foram ao Rio de professores bastante distintos, que se distinguiam pelas
Janeiro fazer o curso na Escola de Educação Física do diferenças de área em que atuavam. Eram os 'professo-
Exército — professor 'da casa'. res-médicas', os 'professores-jornalistas', especializados
em jornalismo esportivo e 'professores-professores', os
Nós nos matriculamos em 1936. Fomos praticamen- oriundos dos cursos normais. Eram esses últimos os que
te a terceira turma. E ao chegar aqui em São Paulo, mais se dedicavam à Escola e que, através de uma maior
buscamos nos adaptar de acordo com nossas condições convivência, transmitiam muito mais nos intervalos das
econômicas...viver em pensões, sofrendo todos os pro- aulas do que os demais, que passavam correndo pela
blemas que os atuais alunos que vem do interior enfren- Escola. Fases 'professores-professores', eram ligados dire-
tam aqui em São Paulo, provavelmente em circunstân- tamente à área esportiva. Porque a formação daquela
cias um pouco diferentes, mas parecidas. Aqui encon- época, era puramente desportiva. Os professores e os
tramos um grupo de professores idealistas. A Escola alunos tinham uma característica marcante, tinham
funcionava em 2 anos, foi praticamente o início da sido sensibilizados para a Educação Física, pela prática
Educação Física. A nossa turma tinha quase 100 alu- esportiva em algum clube, alguma associação, algum
nos. Um aspecto importante que vale a pena ressaltar é reduto que não o colégio.
178
179

Já os 'professores-médicos', embora indivíduos de
sensibilidade e muito abertos a qualquer tipo de diálogo, A respeito da influência da obra de
Fernando de Azevedo...
eram professores que passavam rapidamente pela Esco-
la. Além disso, eles, em termos didático-pedagógico, "...Olha, tendo em vista que a Escola de Educação
eram uma coisa bárbara. O professor de Anatomia, por Física de São Paulo já possuía uma filosofia bem defi-
exemplo.., as aulas dele eram organizadas de forma nida, posso dizer que Fernando de Azevedo não sensibi-
estafante. Ele pegava um osso minúsculo, de meio mi- lizou muito os estudantes e professores. Todos tomaram
límetro quadrado, e falava 2 horas sobre aquele osso, conhecimento do seu livro, todos tiveram oportunidade
ranhura que se dirige da esquerda pra direita, outra da de discutir em classe, inclusive, mas não foi de notória
direita pra esquerda, não seio que mais.. .Depois joga- persistência e profundidade a sua influência. A impor-
va aquele osso num monte de cacos de ossos e mandava tância que ele teve sobre os Homens do governo foi
você procurar o ossinho que ele havia descrito e nunca muito maior do que sobre a direção da Escola propria--
mais que você achava ele na vidal ..." mente dita, porque a direção da Escola já estava com
uma linha política definida, voltada para a questão es-
A Educação Física chegando nas Escolas portiva..."

: primárias e secundárias_ • A respeito da influência militar na Educação Física. .. 4


"...De início houve uma reação negativa da Esco-
la Particular. Dizia-se que a Educação Física não "...A influência militar se fez sentir pela adoção
acrescentaria nada na formação do aluno, que o aluno do regimento francês e pela presença da Força Pública,
precisava mesmo era das disciplinas básicas que consta- de onde vieram nossos primeiros professores. No mais,
vam no currículo mínimo, e que a Educação Física não houve oportunidade pra ser tão marcante em nós,
seria, de fato, um esforço a mais a ser feito pela direção a Educação Física militar. O único resíduo que sobrou,
das Escolas. Tinha também o problema do espaço físico. é que na época do Estado Novo, firmou-se um culto à
Naquela época, os espaços existentes dentro da área pátria com muito mais seriedade do que hoje. A Escola
global do Colégio, já eram absorvidos por salas de aula quer por essa filosofia imperante na época, quer por
e achava-se 'que seria exigir demais das escolas parti- termos na direção, quase sempre, um militar — tinha
culares, fazê-las dedicar uma área livre de tantos me- uma participação muito ativa em todas as manifesta-
tros quadrados para prática da atividade física. Só não ções esportivas fora do âmbito escolar. Os professores e
conseguiram vencer a luta travada inicialmente nos ga- alunos eram convocados para, uniformizados, partici-
binetes, porque o esforço do governo foi maior, por estar parem de aniversários de clubes, semana da pátria...
convencido de que a Educação Física deveria entrar, nós desfilamos no Parque São Jorge, num aniversário
cuidando da preparação física da juventude do Brasil..." do Corinthians, com toda a Escola presente, professores
e alunos. Sete de setembro era tradicional, a Escola toda
180
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desfilava. Isso tudo veio desse culto alimentado no Es-
tado Novo..." estar solicitando muitas coisas. Hoje nós sentimos que
o aluno descobriu-se totalmente, ele vem a público e
A Educação Física no Ensino Superior... apresenta os seus pontos de vista, as suas críticas e a
maior parte deles faz sempre até de forma não política,
"...A impressão que temos é que o que levou a porque criam conflitos antes de procurar solução. Mas
Educação Física ao ensino superior, foi o espírito imita- isso entende-se como a ansiedade própria de um indi-
tivo, porque outros países fazem, nós temos que fazer víduo que taxi muita vitalidade e tem que desabrochar
também. Eu acho que mudança não se faz por decreto. de qualquer forma . . . Eu sempre julguei os jovens muito
Devb ser uma conseqüência natural de uma exigência puros. Se eu não parto desse princípio, eu não' sei dialo-
da gociedade. Eu acreditava que seria excepcional um gar com eles, porque se eu julgasse que eles são deso-
3.° grau com a sua Educação Física, se nós tivéssemos nestos em suas pretensões, papo encerrado, mas não, eu
um 19 e 29 graus e até o pré-primário com a Educação sempre julguei que um jovem, como o filho da gente,
2r,
Física num crescendo, orientada para os aspectos edu- tem que dialogar pra perceber o que deseja realmente,
cacioniàs e fisiológicos. Se assim fosse, o aluno, ao in- pra onde quer caminhar, quais são os subsídios que ele
gressar no 39 grau, a exigiria também na universidade. • pode apresentar para a modificação. Mas você observa
Mas não. Como é imposto, é mal recebida. 0 aluno já izue houve dentro da USP, um aspecto falho na Educa-
não gostava dela, veio pra universidade e é obrigado a ção Física: os estudantes que ocupavam as Associações
freqüentá-la, a fazer atividade física. Não pode gostar Atléticas Acadêmicas e a Liga das Associações Atléticas
dela..!'.. Acadêmicas da USP, eram elementos políticos que fa-
ziam uma Mítica não em benefício do desenvolvimento
Os estudantes universitários. .. esportivo da Universidade, mas uma política contra
A militando estudantil... alguém. A LAAAUSP queria tomar conta do Centro de
Práticas esportivas da USP, CEPEUSP, achava que ele
".. . O jovem sempre foi um insatisfeito, mas a forma deveria ser gerenciado por ela e não por uma entidade
de transferir, de jogar pra fora, de tornar pública essa com corpo diretivo separado pra poder oferecer a toda
insatisfação, sempre esteve limitada pelos valores da comunidade universitária, a oportunidade de se bene-
época. No meu tempo, nós podíamos ser inconformados, ficiar da praça esportiva..."
mas a forma de solicitar alguma coisa era quase que
pedindo favor. Não que não houvesse essa oportunidade, A respeito de seu conhecimento da existência da
é que nós fomos criados dessa formi e nós vínhamos de UNEEF e da greve de 56 na Escola Nacional
uma geração em que o jovem tinha que aguardar um de Educação Física...
momento oportuno pra poder reagir como adulto. Então,
nos convenceram a acreditar que não tínhamos a expe-
" ...Você está me surpreendendo com essa notícia!
riência suficiente, nem a cultura desejada pra poder
Porque às vezes, o estudante incorre em um erro grave,
182
183
-
a divulgação dos seus movimentos é feito muito entre Física do Estado, por exemplo. Proporcionava verbas,
eles, entre colegas, entre associações e nem sempre oportunidades pra participar de cursos... A APEEI/SP
chega a transparecer e a ganhar outros espaços. Então, como classe, como politização dos professores de Educa-
muitas vezes, as pessoas que deviam ser mais atingidas ção Física, foi sempre um órgão mais ou menos inex-
por essas discussões, chegam a ignorá-la... Quanto à pressivo, nunca houve uma preocupação nesse sentido.
Greve, eu acórapanhei muito por cima. Como eu estava Tenho a impressão que, ultimamente nós tivemos a
dizendo a você, essas greves nem sempre têm por parte, oportunidade de reunir ao seu redor, elementos que
da imprensa O destaque desejado. Além disso, o relacio- foram sentir na pele os problemas políticos atuais de
namento das 2 Faculdades, Universidades, através de mudança de governo, então deram uma conotação mais
seus corpos discentes, não era tão íntimo, porque se política, procuraram arregimentar um número maior de
fosse suficientemente íntimo, talvez essa greve pudesse professores, no sentido de discutir os problemas da clas-
ter gerado tuna greve geral pelo Brasil. Se os motivos se e houve até um esboço pra se formar urna 'Ordem
fossem elogiáveis e dignos de se levar em Consideração, dos Professores de Educação Física', um 'Sindicato',
isso deveria-ocorrer. Aqui não chegou a atingir a Escola. que lastimavelmente fica sempre 'em estudo', nunca se
Eu não sei porque ela ocorreu. O Peregrino era um pro- efetiva.
fessor de muita personalidade, de renome nacional e até
internacional..." Eu acho que, hoje inclusive, esse estudo deva ser
reiniciado no sentido de ativar a defesa da classe, prin-
Um pouco da sua visão a respeito da Associação dos cipalmente agora que a Educação Física, através desse
Professores de Educação Física do Estado de São Paulo. conceito ligado à saúde, interessa muito mais à popula-
APEF/SP, a mais antiga do país. . . ção do que antigamente ..."

" ...A APEF/SP sofre as conseqüências de atitudes


que são muito características dos Homens, não sei se
só dos da área ou não. Lastimavelmente, nós observa-
mos que, durante todos esses tempos, quem geriu prati-
camente a APEF/SP foram os seus presidentes e alguns
abnegados que og cercam. A diretoria por si só não dá
solidez à instituição. A instituição é o povo,é o profes-
sor de Educação Física e o professor de Educação Física
está muito afastado disso.
Eu sinto que nós tivemos diversas fases boas na
APEF/SP, e essas fases foram aquelas em que ela con-
tava com o beneplácito do Departamento de Educação
184
185.
Vitor Marinho - 39
O
Instituto Nacional de Alimentação (Inan) concluiu, após estudo en-
comendado pelo Ministério da Saúde, que as crianças norte-americanas
e as brasileiras nascem com a mama altura: passado uru ano, as brasi-
leiras estão em média 4.5 cm mais baixas. Não é por acaso a desvanta-
gem das crianças de classes desfavorecidas no que toca ,•.) desempenho
e nas atividades fisicas. Em pesquisa realizada com estudantes da Baixada
Fluminense. Anjos constata que "quando fazem um esforço físico mais
prolongado, o ritmo de seu batimento cardíaco é 12% maior que o das
crian s
jar mais bernnutridas, submetidas à mesma carga de exercícios
fisi s" (1990. p. 18).

O imobilismo diante da situação de um quadro dessa natureza não


pode ser creditado apenas à utilização de atitudes repressoras por parte
das classes beneficiadas. É necessário que se crie uma cultura de con-
AS PEDAGOGIAS senso, de modo a desenvolver um nível de
tolerância bastante elevado
DO CONSENSO E DO CONFLITO nas classes desfavorecidas. As pessoas aprendem a aceitar a impossibi-
lidade de uma verdadeira transformação social.

A Historia do Brasil não tem no imobilismo o seu único enredo. O


e
engajamento também acompanha a vida dos cidadãos, especialmente
O chamado Terceiro Mundo vive um momento bastante difícil neste fi- da classe trabalhadora. O agravamento da exploração no plano mate-
nal de milênio, em especial os países da América Latina. A incorporação rial dou as condições subjetivas favoráveis sempre criam espaços de
desses países às práticas mercantilistas, prenúncio do capitalismo, é o resistência e não-aceitação de valores estabelecidos. A identificação
de determinantes históricos, ou seja. não-modificáveis por um ato de
resultado da divisão internacional do trabalho iniciado nos primórdios
do século XVI"'. Com isso, tem inicio a produção de novas desigualda- vontade, impele à ação, à verdadeira premis.
des sociais no âmbito internacional, que tende a se agravar no decorrer A educação é uma prfitica social que colabora tanto para a manutenção
dos quase cinco séculos que se seguem. Entre as nações periféricas, o do status quanto para encontrar brechas para uma
premis pedagógica
Brasil é um dos paises que mais se ressentem: concentração de terras, transformadora. A Educação Física também participa desse processo.
' danos lucros empresariaisa) são.
transferência de renda e margem exagera Seus professores ora transmitem valores consensuais ora procuram des-
entre outros, fatores que colocam o pais numa desconfortável situação de velar as contradições da sociedade. Estas refletem desigualdades sociais
miserabilidadeoi. Os fatores de ordem económica interrelacionam-se com que podem se constituir no objeto da Sociologia. É o que afirma Demo
todas as dimensões da sociedade, apesar de não esgotar as possibilidades quando concorda que esta ciência seja a responsável pelo "tratamento
de entendimento do real. Refletem-se, entretanto, em todos os âmbitos,
teórico e prático da desigualdade social" (1989, p. I I ). A definição
inclusive na eduçação. assumida pelo autor leva em consideração que as posições ideológi-
cas se fundamentam desde aquelas representadas pelo funcionalismo e
38
Vitor Marinho -41
40 - Consenso e Conflito
de um sistema social equilibrado, estável e em perfeito funcionamento.
pelo sistemismo, até as posições que dão relevância à mudança social.
da sociedade sem classe, do paraíso na terra" (ibidem. p. 142).
Duas correntes sociológicas ficam caracterizadas: a) a ótica institucio-
natista, orientada pela interpretação iuncionalista-sistêmica: b) a -ótica Autores nacionáis têm aplicado à educação os pressupostos teóricos
do consenso e do conflito. Apesar de não fazer referência explícita às
do conflito, com possibilidades de interpretações tanto marxistas como
histórico-estruturais. citadas teorias. Silva anota a existência de dois modelos principais na
Sociologia da Educação: o primeiro sugere algum tipo de influência
Há importantes pensadores contemporâneos que se dedicam às teo-
rias do consenso e do conflito. Dahrendorf é urn. dos seus expoentes. marxista. apesar de não tomá-la absoluta, enquanto o segundo radica-
-se em métodos funcionalistas. O autor aponta ainda para um terceiro
Situa-se como um teórico do conflito e entende que negá-lo ou
modelo que rejeita os dois primeiros e. conseqüentemente. não leva em
considerá-lo como enfermidade não leva à compreensão dos aspec-
conta os processos sociais gerais. Ele se fixa em fenômenos produzidos
tos idiossincrásicos das sociedades históricas. Entende que o conflito
em unidades sociais como a sala de aula, como os estudos de natureza
tem um caráter social, isto é, supra-individual. Adverte, porém. para a
fenomenológica. entre outros. Neste trabalho vou situar-me com Silva.
necessidade de se "evitar generalidades sem conteúdo" do tipo "toda
quando afirma que o grande tema da Sociologia da Educação é procurar
sociedade conhece conflitos sociais" P981, p. 136). O mesmo vale
entender qual a contribuição que a educação e a escola dão à "repro-
para simpiificaçèes "empiricamente insustentáveis" (idem) cujo maior
dução das desigualdades fundamentais de uma sociedade de classes"
exemplo é a formulação de Marx e Engels no Manifesto do partido
comunista. Nele afirma-se que "até hoje, a história de todas as socie- (1990. p. 6).
como nortea-
dades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de Gomes enuncia os paradigmas do consenso e do conflito
classes" (s.d., vol. 1, p. 2 I ). dores dos enfoques teóricos em, Sociologia da Educação. O paradigma
o
do consenso tem inspiração positivista e enfatiza que "a educação é um
Dahrendorf propõe dois critérios classificatórios que, combinados, pro-
dos subsistemas integradores, responsáveis pela socialização" (1985.
duzem muitas espécies de conflitos sociais "que vão desde a resistência
p. 24). O paradigma do conflito tem no marxismo uma de suas fontes
do soldado à sua obrigação de obedecer e as tensões entre meninos e
clássicas, apesar de poder apoiar-se em outra construção. porquanto
meninas dentro de uma sala de aula, até as lutas religiosas e as guerras
esse paradigma "não é sinónimo de radicalismo e mudança revolucio-
entre nações" (1981. p. 138). O autor apresenta teses que caracterizam
nária" (ibidem. p. 33).
as duas orientações sociológicas que, de uma forma bem aproximada.
e do
apreenderiam a essência das sociedades.húmanas: a) a teoria do consen- Sander. por sua vez, também faz alusão às pedagogias do consenso
so da integração social: b) a teoria coativa da integração social. Cada uma conflito. A primeira "fundamenta-se nos conceitos liberais da sociologia
dessas teorias está fundamentada em princípios totalmente distintos. A do consenso" (10,4. p. 61) e "encontra nó funcionalismo positivista;
teoria do consenso da integração social pode ser entendida a partir de associado à teoria dos sistemas. o seu desenvolvimento mais destaca-
pedagogia do cryisenso opõe-se a pedagogia do
quatro teses: estabilidade. equilíbrio. funcionalismo e Consensom. A teo- do" (ibidem. p. 51). A
ria coativa pressupõe outras tantas, que se lhe opõem, respectivamente: conflito. remotamente enraizada no pensamento marxista. Preocupa-se
-
historicidade, explosividade, disfuncionalidade e coação'. com a função emancipatória da educação "através do equacionamen
to adequado dos fenômenos do poder e da mudança social" (ibidem.
O autor acaba por considerar o conflito como necessário para todos os
p. 52). O autor elabora uma matriz-analítica com os indicadores que
processos de mudança, apesar de não incluir aí "o pensamento utópico
47 - Consenso e Conflito Vitor Marinho '43

considera mais significativos para caracterizar as duas pedagogias. (Veja poder de Estado. de dominação política, mas num sentido mais am-
Quadro 1 na página 118) plo, como possibilidade. hegemonia: projeto" (1987, pp. 118-119).
Tanto Gomes como Sander admitem uma espécie de síntese entre Deixa bem cl3ro a necessidade de- o educador atuar também fora da
as duas pedagogias. Gomes aponta para uma possível convergência. escola. As armas de que dispõe são "a formação da consciência e a
enquanto Sander caminha em busca de um paradigma que denomi- organização de sua categoria, associando as lutas políticas do opri-
mido com as lutas pedagógicas" (ibidem. pp. 120-121). Para isso, a
na global. Essa não será a minha perspectiva neste trabalho. Pontos
concepção dialético-marxista da educação é a norteadora da pedago-
de convergência existem, sim, na medida em que a educação é obje-
gia do conflito.
to de preocupação das duas pedagogias. Convergem ainda por serem
ambas produtos de um mesmo modo de produção: o capitalismo. No Mahler parece ter sido um dos que melhor possibilitaram a compre-
entanto, isso não induz a reconhecer as pedagogias do consenso e do ensão dos diversos matizes das pedagogias do consenso e do con-
conflito como conciliáveis, em seus aspectos essenciais, em suas pro- flito. Critica o modo de pensar dominante, funcionalista, subordina-
postas políticas. dor da educação aos domínios utilitaristas e pragmáticos, presentes
em concepções pedagógicas de ordem tradicionalista e modernista.
Gadotti é outro autor que também aponta algumas características para
Encaminha uma propdsta que conduzirá à emancipação•do homem,
o que charr.a pedagogia do conflito. Esta é a que procura evidenciar as
abrindo espaço para a participação. Para tal é necessário "reformar
contradições da sociedade, em lugar de ocultá-las. A prática educacional
não só a educação como a própria sociedade, que deve deixar de ser
fundamentada no conflito parte do homem concreto e das relações que
um mercado" (1986. p. 522).
se estabelecem numa sociedade historicamente determinada. Gadotti
parte do pressuposto de que não é possível uma educaçáb neutra. A Será preciso elaborar um modelo global no plano teórico (na esteira das
pedagogia do conflito opta pela contestação da ordem estabelecida. relações entre educação e cultura, mediada pela cultura) que represente
motivo pelo qual a desobediência e o desrespeito devem estar presen- as tendências atuais da Sociologia da Educação. ( Ver Quadro II na pá-
tes. O autor reconhece também os limites da educação no processo de gina 119) Mahler considera a existência de dois paradigmas principais.
transformação social. Apesar de não ser a alavanca dessa transforma- O paradigma 1 observa a educação e a escola em função dos conceitos
de equilíbrio. consenso e desenvolvimento exógeno; o paradigma 2. por
ção, a educação, no entanto, "não reproduz integralmente a sociedade
sua vez, fundamenta-se nos conceitos de mudança, conflito e desen-
da qual depende" (1978, p. 12). A ocupação dos espaços por uma
volvimento endógeno. Cada um desses paradigmas dá origem a duas
postura de conflito passa pela questão professor-aluno. Não se restrin-
metateorias. O par.adigma I produz uma primeira metateoria adaptativa
ge. contudo, a esse aspecto. É necessário que se considere a relação
"cujo principal objetivo é preparar mão-de-obra, através da formação
educação-sociedade cOmo problema central. Embora Gadotti não fale
profissional e científica" (ibidem, p. 523). A segunda metateoria do
claramente sobre o consenso, este encontra-se presente nas qualifica-
primeiro paradigma é responsável por "promover interiorização de um
ções da pedagogia contestada: colonizadora, conservadora, reacionária
sistema de valores e inculcar o respeito à ordem estabelecida" (ibidem.
e reprodutora.
p. 524), por intermédio de um processo de adesão social: dá à educa-
Mais recentemente Gadotti explicitou a sua pedagogia do conflito. ção um papel eminentemente socializador e considerado nos moldes
situando-a na ótica da luta de classes. Define, assim, a sOciedade de- do capital simbólico (cultural). O paradigma 2 engendra uma primeira
sejada (socialista). Recoloca a questão do poder, -não apenas como metateoria que considera a educação como capital social, macrointe-
Vitor Marinho - 45
44 - Consenso e Conflito

grativa, em que "a escola, cuja função é conferir um status, tem como Ainda na esteira de Gruneau. os mesmos autores desenrolam indicado-
papel principal a seleção e promoção sociais" (idem). A segunda me- res para a abordagem funcionalista do esporte. Vejamos: a) o esporte
tateoria "visa ao desabrochamento da personalidade e à transformaZão competitivo reflete uma série de valores tidos como importantes pela
das estruturas sociais" (idem), aqui localizando os teóricos marxistas e sociedade: por isso, o recrutamento para o esporte cumpre a função
a concepção de educação na forma de capital político. Com o objetivo de integração social: b) o esporte ou determinados esportes podem
de explicitar os principais aspectos da escolarização. Mahler elabora funcionar como símbolos de estratificação social e. ao longo clo
li tempo.
uma matriz analítica com os principais indicadores dos dois paradigmas oferecem espaço para a aprendizagem de importantes papéis sociais:
e as respectivas teorias. (Ver Quadro III na página 120) c) o esporte funciona como um mecanismo de mobilidade social nas
sociedades industriais ocidentais (ibidem. 1978).
Na área da Sociologia da Educação Física existem autores que também
se utilizam do referencial que vou adotar. Loy. McPhearson e Kenyon A PEDAGOGIA DO CONSENSO
estão entre estes. Eles aflmiam que a desigualdade social tem recebido
"Em 494 a.C. ocorreu o primeiro grande choque entre patrícios
duas abordagens básicas: o modelo do conflito e o do consenso. O
e plebeus. Segundo a saga, o patrocínio Menênio Agripa conse-
primeiro modelo condena a desigualdade sceicial g propõe alterações na
guiu com uma parábola convencer os plebeus a aceitar a reconci-
estrutura da sociedade para minimizar essa desigualdade. É adotado por
radicais críticos sociais e reformadores. Apoiado na perspectiva marxis- liação. A sublevação dos plebeus assemelhar-se-ia a uma recusa
dos órgãos do corpo humano em permitir que o estômago re-
ta, o modelo do conflito também se baseia em algumas formulações
cebesse alimento, tendo como conseqüência o emagrecimento
weberianas sobre o poder:Para Lay et alii o modelo do consenso é
destes mesmos órgãos. A recusa dos plebeus de cumprirem seus
exemplificado pelo funcionalismo de Davis e Moore. que consideram as
deveres levaria o Império Romano ao declínio." (Marx. 1867.)"
desigualdades sociais de certa forma justas e necessárias para a aloca-
ção e à motivação de papéis sociais. Pelas observações feitas por Loy. McPbearson e Kenyon. percebe-se
quase sempre que o liberalismo e o positivismo podem ser conside-
Os autores citados aceitam pressupostos da tradição marxista arro-
rados fundadores do consenso. Esta seção discorrerá sobre algumas
lados por Gruneau para caracterizar o modelo do conflito na Edu-
correntes que se encontram entre as mais representativas do ideário
cação Física. Entre outros: a) o esporte precisa ser compreendido
kberal-positivista/funcionalista: a) a Filosofia Política Liberal formulada
no contexto mais amplo das condições objetivas das sociedades
por John Locke: b) a Economia Liberal Clássica elaborada por Adam
capitalistas: b) o esporte está intimamenee relacionado com classes
Smith: c) o Positivismo traçado por Augusto Comte: d) o Funciona-
que existem fundamentadas na. ampliação de diferenças* tanto em Teoria Geral dos Sistemas.
riqueza quanto em poder c) o esporte é alienante para atletas pro- iísmo inspirado por Émile Durkheim: e) a
fundamentada em pressupostos funcionalistas. Esses pensadores foram
fissionais incorporados formalrnente pelo processo produtivo: e d)
escolhidos por serem emblemáticos representantes das respectivas cor-
o esporte verdadeiramente igualitário, fonte de auto-realização, so-
rentes. que têm sido desdobradas. O resgate das fontes justifica-se na
mente pode ser alcançado em urna sociedade que detém o controle
tentativa de recuperar a sua originalidade.
democrático sobre a vida econômica da sociedade: uma sociedade
sem classes e igualitária. na bkial o esporte competitivo, num senti- Ainda em relação à escolha dos pensadores. parti do entendimento de
do racional. .é inexistente (Loy et alii. 1978). que a educação é uma prática social. Recorri, dessa forma, àqueles que,
46 - Consenso e Conflito Vitor Marinho -41

não sendo eminentemente didatas, apontam para os valores fundamen- que "levam para a mente várias e distintas percepções das coisas" (Locke,
tais do que está sendo chamado pedagogia do consenso. 1983. p. 159). A reflexão é o resultado do processamento que esses
dados sofrem na consciência individual, possibilitando a percepção de
A filosofia política liberal operações da nossa mente. Locke não vislumbra qualquer outra fonte
"A maior parte dos homens são bons ou maus, úteis ou inúteis do conhecimento humano. pois afirma: "Estas duas, a saber, as coisas
à sociedade, pela educação que tecebem. Daí é que provém a materiais externas, como objeto da sensação. e as operações de nossas
grande diferença entre os homens." (Locke. 1693.) próprias mentes, como objeto de reflexão, são, a meu ver, os únicos
dados originais dos quais as idéias derivam" (ibidem. p. 160).
John Locke (1632/1704) é um dos mais importantes teóricos do Libe-
ralismo e sua filosofia política sintetiza as lutas da burguesia contra a Ao enfatizar a experiência pessoal no processo de formação do conheci-
monarquia absolutista. A Revolução Inglesa (1688-1689) instaura uma mento, Locke autoriza-nos a identificar a idéia do individualismo como
monarquia constitucional identificada com princípios da doutrina lockea- fundamental na concepção do seu empirismo.
na. A chamada Revolução Gloriosa. na Inglaterra, derrota o Absolutismo A teoria da tábula rasa contém outras idéias que vêm cimentar a ideo-
e consolida a hegemonia econômica da burguesia. logia liberal. Se o homem'. ao nascer, é uma folha de papel- em btanco.
Locke constrói um ideário liberal que atravessa a sua produção teóri- tocos os homens são iguais. rjoisflei e escravo, rico e pobre, o simpló-
ca nos âmbitos da teoria do conhecimento, da filosofia política e da rio e o gênio — todos começam a vida no mesmo ponto, e as enormes
educaçãook A disputa filosófica presente no século XVII revela-se no diferenças entre os homens são causadas por suas experiências e peia
confronto entre o racionalismo e o-empirismo. sendo que a Woria do educação. O empirismo de Locke colocava todos os homens num nível
conhecimento elaborada por Locke criti'ca os princípios racionalistas comum". (Eby. 1962. p. 254.)
de inspiração cartesiana. Locke toma-se o líder, juntamente com David É a idéia de igualdade. do cara ao Liberalismo.
Hume (1711/1776). do empirismo em sua versão inglesa. Descartes
O pensamento político de Locke baliza pressupostos para o Liberalis-
(1596/1650) defende o princípio das idéias inatas, não no sentido de
mo. Assim como no processo de produção de idéias. Locke também
que as idéias já nascem com os homens, e sim no sentido de que são
não aceitava a doutrina do poder inato, e por aí encaminha sua luta
produtos da razão. É o cogito cartesiano: "Penso, logo existo" (1983.
contra o Absolutismo. A partir daí o conceito de pacto, emergente
p. 46). Locke considera que as idéias não podem ficar aprisionadas no
das teorias conUatuáistas. aparece em quase todos os pensadores
espaço da razão e situa o Jacus do conhecimento humano na expe-
políticos até Rousseau 712/1778), em Do contrato social. escrito
riência sensível. O homem, ao nascer, é uma tábula rasa, uma folha
-,em 1762. Hobbes (158811679). em seu Leviatã. publicado em 1651.
de patiel em branco, sendo conduzido para qualquer destino a partir
aludira à necessidade de um pacto, porém, ainda defendendo a mo-
das experiências às quais for submetido. Dessa forma. Locke. apesar de
narquia absolutista, principal alvo da produção lockeana. Locke con-
racionalista, substitui as amarras da razão cartesiana pelos grilhões da
substanciava suas criticas a essa forma de governo nos seus Tratados
experiência sensorial.
sobre o governo civil. de 1689-1690. quando passa a defender uma
A produção de idéias deriva da experiência e se dá por intermédio de nova ordem que garanta uma relação mais democrática entre os cida-
duas fontes: a sensação e a reflexão. A sensação é de origem externa, dãos e o Estado. Partindo do principio de que o homem, como tal, é
sendo responsável pelos dados fornecidos pelos órgãos dos sentidos, livre. Locke pergunta:
VitOf MO011hO -49
- Consenso e Conflito

"Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme abandonam estado da natureza, no qual são naturalmente livres e
dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e pos- proprietários. e começam a viver em sociedade.
ses igual ao maior e a ninguém sujeito. por que abrirá -ele A concepção de educácdo em Locke encontra-se influenciada pelos
mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e pressupostos da sua filosofia política, bem como pelos princípios da
sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder?" sua teoria do conhecimento. Embora não tenha sido, stricto senso.
(Locke. 1983, p. 82.) sk, x
um professor, suas atividades como preceptor prodthem reflexões
A resposta encontra-se na possível invasão de terceiros nos interes- pedagógicas que passam a ter papel relevante na sua filosofia.
se de cada um. Locke considera a formação do caráter como a função precipua da
É necessário que os direitos sejam legitimados por um pacto. em educação. não desqualificando o trabalho intelectual que, no en-
que os homens estabelecessem uma relação de confiança entre si, tanto. fica secundarizado em relação à moral. O importante é que
escolhendo um governo que mediasse seus interesses individuais. tanto a formação moral como a intelectual estejam adaptadas aos
Locke propõe urna monarquia parlamentar - com um poder supre- interesses aos quais Locke se vinculava: os da burguesia* comercial
mo. o Legislativo -. na qual os governantes seriam eleitos pelo voto ascendente. A concepção de educação contém. assim, um forte tra-
e não escolhidos pela sua condição de nascimento. õs homens as- ço de classe que define a sua opção diante dos conflitos sociais do
sociado dessa maneira não abrem mão dos seus direitos naturais, século XVII.
visto que sempre resta a alternativa da insurreição quando esses As preocupações pedagógicas centram-se na educação do gentlemar..
direitos são violados. Locke é explicito, quanto à finalidade desse expressando as aspirações da classe emergente que "rapidamente
pacto, ao afirmar que "o objetivo grande e principal, portanto, da oporá todo o resto em ordem" (Locke. apud Eby. (962. p. 257). Sua
união dos homens em comunidades, colocando-se eles sob gover- crítica à educação escolástica, ainda predotninante. Fez com que
no, é a preservação d propriedade" (Locke, 1983, p. 82). recomendasse conhecimentos práticos ao gentil-homem. Em lugar
O conceito de propriedade em Locke tem uma conotação ampliada do Latim, era necessário o aprendizado do que fosse útil. como
pois considera que "cada homem tem uma propriedade em sua pró- Geografia. História. Direito. Aritmética e. pelo menos, um ofício ma-
pria pessoa: a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. nual. Ponce (1983) entende que a escrituração comercial, também
O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode-se dizer, sã recomendada, completa o quadro desse utilitarismo educacional,
propriamente dele" (ibidem. p. 45). O conceito de trabalho determi- pois a burguesia deve contabilizar seus gastos. sem o esbanjamento
na o de propriedade. O homem em seu estado natural é proprietário característico da nobreza tradicional. Esses conhecimentos práticos
d tudo o que a nàtureza oferece. É uma dádiva. pois Deus "deu-o • constituem o que Locke chama de sabedoria.
(o mundo) para uso do diligente e racional - e o trabalho tinha de
P, ênfase que Locke dispensa à moral se consolida na busca da vir-
servir-lhe ao direito de posse" (ibidem. p. 47). Nessa medida, a au-
toridade divina concede autoridade para a apropriação e "a condição tude. Esta arete dos tempos modernos é sinónimo de formação do
caráter, sem a educação guerreira dos helenos e com um adequado
da vida humana, que exige trabalho e material com que trabalhar,
pano de fundo religioso. A virtude lockeana identifica-se com a pri-
necessariamente introduziu a propriedade privada" (ibidem. p. 48).
vação e com o bom uso da razão no controle, dos desejos.
A função do governo é regular a vida dos cidadãos, quando estes

50- Consenso e Conflito Vitor Marinho- 51

Além da sabedoria e da virtude, a educação e o conhecimento com- encarna um momento de transição que conserva, em grande parte, os
pletam o quadro espiritual que os gentlemen devem deixar para seus valores antigos. ao mesmo tempo que descobre novos pontos de vista"
filhos. Educação tem a conotação de polidez, com uma importância (1977. p. 331).
fundamental na formação dos gentis-homens, que devem aprender a
Locke pondera sobre a importância da educação integral. Além da for-
não se amesquinhar diante de si mesmos e nem em relação aos outros.
mação moral e intelectual, propõe a prática de atividades físicas: dança,
O conhecimenio aparece por último, na medida em que se deve subor-
música, jogos, esgrima, equitação, ginástica. etc. Inspira-se ern Juvenal.
dinar a sabedoria, a0 virtude e a educação: •
poeta satírico do século II d.C.. que rogou aos céus a saúde da alma
"Ficareis, talvez, maravilhados ao ouvir que eu coloque a instru- com a saúde do corpo. É o mens sana in corpore sano, início de seus
ção no fim, especialmente afirmando que a considero realmente Pensamentos.
a última parte da educação [...]. Admito que o ler, o escrever e o
A formação médica de Locke leva-o a uma concepção higienista da
saber sejam necessários, mas não acho que seja a coisa mais im-
portante [...1. Deve-se ter cultura, mas essa deve estar em segun- Educação Física, em que as atividades corporais ajudam a desencadear
do lugar e subordinada a qualidades superiores" (Locke. apud um processo de enrijecimento característico dos homens ditos civiliza-
Manacorda. 1989. p. 226). dos: ginástica, regime, abstenção alcoólica, roupas leves, sono... Estes
são os ingredientes para que os futuros gentlemen não se: tomem — aí
Locke recomenda a ludicidade e a austeridade como ingredientes que,
novamente Platão — frouxos e efeminados. Locke é um dos primeiros a
aplicados racionalmente, orientam a educação do gentil-homem. Ao
recupe.-ar. na Idade Média, o mérito e o teor que as atividades físicas ti-
mesmo tempo, devem ser diluídas as fronteiras entre o brinquedo e
nham na Antiguidade. A Educação Física, tal qual os trabalhos manuais.
estudo. Este deve desenvolver-se de forma que o futuro gentleman
possui um nítido traço de classe, servindo ora para o enriquecimento
submeta-se à vontadeodos adultos, especialmente ao seu professor, que
moral, ora como hobby.
será o maior exemplo. Dessa forma, o educador tem o poder de docili-
zar o aluno, justificando o que Monroe chama de "conceito disciplinar O plano de educação“) previsto por Locke para as crianças das classes
de educação" (1969. p. 231). menos favorecidas recomenda que os seus filhos fossem recolhidos às
escolas de trabalho (workhouse-schools) até os 14 anos. Nesse local.
É preciso que, desde cedo, a criança saiba o lugar que lhe cabe na socieda-
essas crianças desenvolveriam habilidades manuais simples para aten-
de. motivo pelo qual a educação lockeana prescreve uma rígida disciplina.
der à demanda da principal indústria inglesa da época (têxtil), além
até que a razão Comece a encontrar maior espaço no espírito infantil.
do ensino da religião oficial. Locke entende que a estada das crian-
tomando-o igual ao dos adultos. Para atingir os desígnios da educação
almejada, pode-se chegar em última instância ao castigo físico. ças nas escolas de trabalho liberaria suas mães para trabalhar, além de
disciplinar as crianças desde cedo Para o trabalho. Os internos teriam
Locke recomenda a educação individual, feita por um preceptor, em pão e mingau para se alimentarem no inverno. Os filhos do operariado
lugar daquela oferecida nas'escolas. Os hábitos e costumes são melhor deveriam ser atendidos em escolas dessa natureza, garantindo a forma-
vigiados, o que não é possível em agrupamentos infantis. Estes são. ção da força de trabalho indispensável ao desenvolvimento industrial.
para Locke, o locus do "contágio do mal" (apud Snyders. 1977. p. 331).
A educação do lúmpen e do proletário, portanto, completa o quadro
A educação moral preconizada apresenta uma aparente ambigüidade, educacional pintado para a nobreza e a burguesia: para os gentlemen. os
lúdico e o austero. r.esolvida por Snyders quando afirma que "Locke professores particulares (preceptores): para os postergados.
52 - Consenso e Conflito

as escolas de trabalho. Eis a base da pedagogia lockeana: sua posição


aristocrática não privilegia a educação pública e universal. Muito pelo
contrário, é bem diferente a educação para os que vão mandar e pira os
que vão obedecer.

o
B2 - Consenso e Conflito Vitor Marinho -83

sua aplicação à pedagogia. Gramsci e Charlot são os dois autores


escolhidos para representar a pedagogia do conflito na perspectiva
deste trabalho.

O Marxismo
"A teoria materi
` alista de que os homens são produtos das cir-

• cunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modifi-
cados são produtos de circunstâncias diferentes e de educação
modificada esquece que as circunstâncias são modificadas pre-
cisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser
educado: (Marx. 1845.)
As modificações científico-tecnológicas que se sucederam- na Europa
Ocidental ao longo do século XIX tpmaram dominante o modo de pro-
dução capitalista e levaram a burguesiaao poder. O não-cumprimento
dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade produziu formas de
resistência política. Entre outras: a Conspiração dos Iguais (1797); o
Luddismo inglês (em tomo de 1810); as Sociedades Conspirativas
A PEDAGOGIA DO CONFUTO de Blanqui. após 1830; as Ligas Operárias dos alemães exilados; e o °
"O; filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes Cartismo. entre 1836 e 1850 (Paulo Netto. 1986). Junte-se a esc2s,
maneiras. Cabe transformá-lo." (Marx. 1845.) a prática e a teoria dos anarquistasm e dos socialistas utópicos'".
mais rigorosa crítica ao capitalismo e aos seus mecanismos de explo-
A pedagogia do conflito, conforme já visto no início deste capítulo.
ração partiu do filósofo alemão Karl Marx (1818/1883). cuja obra não
pode ramificar-se, de acordo com Mahler. em duas metateorias. A
pode ser entendida sem a presença do seu maior colaborador Friedrich
primeira confere à escola a função de seleção e promoção sociais.
Engels (1820/1895).
A segunda metateoria. engendrada pela ótica do conflito, tem um
projeto político comprometido com a transformação social. É nesta A prática política e a reflexão teórica de Marx geraram a criação de uma
última que vou me deter. Aqui. é significativa a contribuição do so- doutrina que atravessa praticamenté todo o terreno das ciências huma-
cialismo utópico e das idéias libertárias do movimento anarquista. nas e sociais: Filosofia. Antropologia. Economia, Sociologia e História..
O comunismo, especialmente com a liderança de Marx e Engels. é a Considerado o maior teórico da luta de classes, ele mesmo não se con-
culminância 'do questionamento às estruturas dominantes da época, cede o mérito de havê-la descoberto, o que se observa por intermédio
e traz em seu bojo estratégias para a tomada do poder. Nessa perspec- de um depoimento pessoal:
tiva política insere-se o pensador e educador italiano Antonio Gramsci. "... No que me concerne. não me cabe o mérito de haver desco-
um dos maiores intérpretes do marxismo-leninismo. Em época mais berto, nem a existência das classes, nem a luta entre elas. Muito
recente. Bernard Charlot é um dos herdeiros da tradição marxista em antes de mim, historiadores burgueses já haviam descrito o de-
Vitor Marinho- 85
84 - Consenso e Conflito

senvolvimento histórico dessa luta entre as classes, e economis- po de trabalho gasto além do necessário para a reposição da força de
tas burgueses haviam indicado sua anatomia econômica. O que trabalho. Enquanto existirem classes sociais, as dominantes (proprie-
eu trouxe de novo foi: 1) demonstrar que a existência das classa tárias dos meios de produção) sub;neterão as demais a esse processo
está ligada somente a determinadas fases de desenvolvimento de espoliação. A compreensão desse mecanismo é fundamental para a
da produção: 2) que a luta de classes conduz, necessariamente. superação do modo de produção capitalista, mas não é suficiente. Só
à ditadura do proletariado: 3) que essa própria ditadura nada a próxis. "ação projetada, refletida. consciente" (Pereira, 1982, p. 77).
mais é que a transição à abolição de todas as classes e a uma • é capaz de produzir transformações sociais. É a categoria da atividade.
sociedade sem classes..." (Marx, s.d.. vol. 3. pp. 253-254.) numa perspectiva marxiana. •

O Marxismo implica uma filosofia e um método. Aquela, o mate- O método dialético é revolucionário quando propõe a busca da essência
rialismo dialético, e este, o materialismo histórico. O materialismo dos fenômenos. Não se contenta com as aparências. A apreensão do
marxista contrapõe-se a todas as formas do idealismo filosófico, na real implica a necessidade de superar o conhecimento imediato das coi-
medida em que não acredita que a consciência dos homens determina sas. pois. como afirmou Marx, "toda a ciência seria supérflua se a forma
a sua existência. Marx considera que-aí-esteja o fio condutor dos seus de manifestação e a essência das coisas coincidissem imediatamente"
estudos, pois é: (1988. vol. V p. 253). O método dialético utiliza-se, para esse efeito.
de abstrações que levam passo a passo à compreensão do real. É um
"o modo de produção da vida material (que) condiciona o pro-
método de aproximações: infinitas aproximações.
cesso da vida social, político e espiritual, em geral. Não é a cons-
ciência do homem que determina o seu ser, mas pelo contrário, Marx e Engels não foram, propriamente, teóricos da educação. É ine-
o seu ser social é que determina a sua consciência." (Marx. s.d.. gável. contudo, as suas influências para a elaboração dos princípios
vol. I. p. 301.) e norteadores de uma pedagogia do conflito. É possível, assim, conside-
rar a existência de uma pedagogia rharxiana, o que se constata pelos
Em última, porém, não em única instância, a infra-estrutura ou base inúmeros pensadores marxistas que se dedicaram ao tema: Manacorda.
econômica da sociedade determina a superestrutura jurídico-política e Suchodolski e Ftossi, entre outros. Manacorda (1991) recomenda iniciar
ideológica. A citação acima tem recebido leituras aligeiradas que a iden- com a análise de fontes primárias, em especial aquelas relativas aos
tificam com uma dinâmica positivista-funcionalista. Tal argumentação programas políticos que tiveram a participação de Marx dou Engels".
não se sustém. todavia, quando recordamos a afirmação epigrafada de Suchodolski (1976) desvela a presença, explicita ou tácita. de princípios
Marx sobre o primado do homem na criação das circunstâncias históri- educativos em praticamente toda a produção de Marx e Engels. desde
as. O homem é o responsável pelas transformações histórias. No ato A sagrada família, publicada em 1845. Rossi sintetiza os princípios
de transformar, transforma-se. Ainda remetendo à citada epígrafe, fica da Contribuição marxiana à Pedagogia por ele denominada revolucio-
impossível considerar funcionalista quem afirma que o educador tem nária: a) a associação entre trabalho e educação num único proces-
de ser educado. so: b) a educação politécnica que leva à geração do homem omnilateral:
A proposta política de Marx é a superação da sociedade burguesa e a c) a inseparabilidade da educação e da politica, ou da educação e da to-
supressão das classes sociais, na medida em que a sua existência pres- talidade social, incluindo o que poderia ser chamado de critica da edu-
supõe a exploração do homem pelo homem. Na sociedade capitalista, cação burguesa: d) uma projeção da relação entre tempo livre e tempo
essa exploração é expressa pela extração da mais-valia, ou seja, o tem- de trabalho, ou entre trabalho e lazer,(1981. pp. 118-119).
86 - Consenso e Conflito Vitor Marinho - 87

Antonio Gramsci (1891/1937) é um daqueles que se inspiraram em uma análise isolada. Vou considerar o bloco histórico como ponto de
Marx na sua prática político-filosófica. A questão da cultura tem um partida. A partir de sua análise, surgem todas as demais categorias gra-
destaque pronunciado no seu arcabouço teórico. A educação, por con- mscianas, ao mesmo tempo em que- o bloco histórico se constitui pela
seguinte. como bem cultural, sobressai em sua obra, quase toda escrita interação das categorias que dele emergiram. Ele produz e é produzido
nos cárceres fascistas. pelos elementos que o constituem. É uma categoria-síntese.
O capitalismo liberal passava por uma fase de estabilidade após a A noção de bloco histórico é a formulação de Gramsci para‘o en-
Grande Depressão de 1873 a 1896. Não foi por aca.so que Os 15 tendimento das relações entre estrutura econômica e superestrutura
anos entre 1896 e o começo da Primeira Grande Guerra Mundial, em jurídico-política e ideológica. É a recuperação da "unidade entre a
1914, foram chamados de Belle Époque. As contradições inerentes natureza e o espírito (estrutura e superestrutura), unidade dos con-
ao capitalismo estavam mascaradas pela prosperidade de um modo trários e dos distintos" (Gramsci. 1991. p. 12). em que "o conjunto
de produção, que gerava riquezas como jamais se conseguira. A complexo — contraditório e discordante — das superestruturas é o
implantação de políticas liberais permitia não só o crescimento de reflexo do conjunto das relações sociais de produção" (Gramsci.
partidos da classe trabalhadora, como também o surgimento de sen- 1987. p. 52).
timentos nacionalistas exacerbados. juntam-se ao nacionalismo os
Gramsci contesta a interpretação positivista/funcionalista adotada por
interesses de expansão capitalista de caráter imperialista. e o mundo muitos em relação ao materialismo histórico. Estes intérpretes enten-
viu criadas as condições para o Primeiro Grande Conflito Mundial
dem que Marx houvera afirmado que as superestruturas seriam um
(1914-1918).
mero reflexo da estrutura económica. Apresentada como postulado
Após o término do conflito, surge na Europa um movimento ditrac9n- fundamental do materialismo histórico, essa visão mecanicista deve ser
senador que, sem rejeitar os fundamentos do capitalismo, desabona as refutada peremptoriamente "como um infantilismo primitivo, devendo
políticas liberais então hegemônicas. É o nazi-fascismo, com um perfil ser combatida praticamente com o testemunho autêntico do próprio
antiliberal e and-socialista. Na Alemanha, passaram-se dez anos entre Marx" (ibidem. p. 117). Aqui radica. talvez, a maior contribuição
a publicação de Mein Kampf à subida de Hitler ao poder. em 1933. Na do pensador italiano ao marxismo ou filosofia da premis. como di-
Espanha, uma guerra civil (1936-1939) implantou um regime totalitário zia Gramsci. A articulação estrutura/superestrutura é o ponto nodal
sob a liderança de Franco, Em Portugal. Salazar manteve-se no poder para o entendimento da correlação de forças em um determinado
durante quase meio século. Mas foi na Itália que o movimento fascista momento histórico. Gramsci resgata o ponto de partida para essa
iniciara, culminando com a ascensão de Mussolini ao poder. em 1922. É compreensão quando remete a Marx: •
a pátria de Antonio Gramsci que, umano antes, havia ajudado afundar "Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvol-
o Partido Comunista Italiano.
vam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais apare-
Gramsci foi para a prisão, em 1926. sob a alegação da pro.-notoria de cem relações de produção novas e mais altas antes de amadure-
que é preciso impedir este cérebro de funcionar. De lá só saiu três dias cerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais
antes de morrer. em, 1937. e com uma volumosa produção filosófico- para a sua existência. Por isso, a humanidade se propõe, sem-
-política. As suas idéias fundamentam-se em tomo de diversos con- pre. apenas aos objetivos que pode alcançar, pois, bem-vistas as
ceitos que, dialeticamente articulados, praticamente impossibilitam coisas, vemos sempre que esses objetivos só brotam quando já
=
.1" N':"IN Marcto - 3:7
88 - Consenscre Conflitó n7'

stem oti.j5elo rife-nos, estão eni gestatio a'S condrçoe; Mate- Pis superestruturas do bloco histórico permitem a identificação meto-
.- • -
riais para sim realização." (Marx s d vol. I. p.,30.):1;,;:- - dológica de dois planos: a sociedade civil, constituída pelos órgãos que
norrtralrüente se chamam privados.' e a sociedade política ou Estado.
Uma das grandes questões teórico-práticas da reflexão- grarnseianall. A sociedade civil cabe a "função de hegemonia que o grupo dominan-
-
a vinculação entre as dimensões do bloco histórico, ou :seja., te ererce em toda a sociedade" (idem). A sociedade política, por sua
a estrutura. econômica :e as superettrutora. Essa vinculação é orgá- vez tem o papel de exercer o "domínio direto ou de comando que se
gt
nica. • não Se dando apenas pela aceitação a priori. de uma simples - 'expressa no Estado e no governo jurídico" (idem). Gramsci critica as
justaposição de duas partes. No âmbito infra-estrutural existem is doutrinas econômicas do Liberaliimo que, a seu ver. incorrem em grave
condições objetivas, que independem da vontade dos homens e que erro teórico. A separação entre sociedade civil e política tem um caráter
não podem ser alteradas a curto ou médio prazo, muito menos por um eminentemente didático que "de distinção metódica se transforma e é
desejo de mudança. Qualquer formação social tem, a cada momento. apresentada como distinção orgânica. Assim, afirma-se que a atividade
características que sintetizam toda a sua história até aquele instante: econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir
são os seus determinantes, que impedem o homem de fazer a história na sua regulamentação" (Gramsci. 1991. p. 32). Gramsci aponta que
como bem entender. A análise das relações de Força atuantes em uma, a separação entre sociedade civil e sociedade política só interessa ao
dada sociedade não pode deixar de levar em conta que: liberalismo que como expressão ideológica do capitalismo. "é urna re-
"à base do grau de desenvolvimento das forças materiais de gulamentação de caráter estatal, introduzida e mantida por caminhos
produção estruturam-se os agrupamentos sociais, cada um legislativos e coercitivos: é um fato de vontade consciente dos próprios
dos quais representa uma função e .ocupa uma posição de- fins, e não a expressão espontânea. automática, do fato econômico"
terminante na produção. Esta relação é a que é uma realidade (idem).
rebelde: ninguém pode modificar o número de fazendas e dos Para Gramsci, o Estado pode sersinônimo de sociedade política apenas
seus agregados, o número de cidades com as suas populações quando entendido em seu stricto sensu. Na realidade, existem elemen-
determinadas. etc" (Gramsci. 1991. p.49). tos que são comuns às duas esferas superestruturais. Significa dizer.
em última análise, que o "Estado = sociedade política + sociedade civil.
A compreensão de bloco passa necessariamente pela análise das con-
isto é, hegemonia revestida de coerção" (ibidem. p. 149). Em outras
dições objetivas (materiais). Mas não basta. É preciso ir além. São
palavras, o conceito de Estado inclui não só um aparelho governamen-
convenientes mais duas abordagens para o seu completo entendi-
tal (sociedade política) como também o aparelho privado de hegemo-
mento. A primeira revela a historicidade que não abandona nenhuma.
nia (sociedade civil).
análise efetivamente marxista. É condição sine qua non para o estudo
das condições históricas' que determinam cada fontiação sociaLA se- Já se pode perceber a importância de uma categoria que é fundamen-
gunda abordagem é aquela em que Gramsci dedicoui os seus maiores tal no pensamento gramsciano: a hegemonia. Convém compreendê-la
esforços: as superestruturas. Sendo um reflexo das relações sociais identificada com a sociedade civil Esta representa. com o caráter que
de produção, a sua análise "permitirá o estudo indireto da própria lhe foi dado por Gramsci. urna inovação no terreno da teoria política.
estrutura" (Portelli. 1977. p. 47). É o estudo, assim': das superestru- A sociedade civil, além de ser o espaço para o exercício da hegemonia.
turas, que permitirá explicitar o seu vínculo orgânico com a estrutura representa a "esfera de mediação entre a infra-estrutura econômica e d
Estado em sentido restrito" (Coutinho. 1989. p. 73). Pode-se ver a im-
econômica.
90-ConsensoeConflito Vitor Marinho -9%

portáncia que a sociedade civil assume na composição do bloco históri- Marxismo-Leninismo. Redefine-a considerando o grau de complexidade
co. A sociedade civil é um momento da superestrutura, e é responsável apresentado pelas sociedades mais desenvolvidas da sua época. Essa
pela interação da estrutura económica com o Estado. é a razão pela qual defende um trajeto revolucionário que passe pelo
Hegemonia é uma palavra que vem do grego. Sua conotação politica momento de hegemonia. Antes de serem dominantes, as classes que
não se afasta das raízes etimológicas: conduzir, guiar, dirigir,:As clas- pretendem ascender, devem tomar-se dirigentes. Devem ir produzindo
ses dominantes se mantêm, como tais, num primeiro ,momento, por outro consenso de forma a elaborar uma contra-hegnitonia (contra-
meio do consenso espontâneo. O consenso acontecê pela adesão das -ideologia). A construção de outro consenso é processualistica. na
"grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fun- medida em que deve responder aos conflitos que. concretamente, a
damental dominante à vida social, consenso que nasce historicamente História impõe. Esse consenso, portanto, é sempre provisório, cons-
do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém tituindo uma sucessão infinita de conflitos. Chegando ao poder, o
por causa de sua posição e de sua 'tinção no mundo da produção." grupo dirigente toma-se dominante, sem abdicar da condição de di-
(Gramsci, 1982. p. 11). rigente. •
Não conseguindo o consentimento espontâneo dos grupos subalter- A hegemonia é efetivada na sociedade civil não apenas pela direçãO cul-
nos, é acionado o aparato de coerção estatal. A supremacia de um tural. mas também pela ideologia. A ideologia tem em Gramsci uma co-
determinado grupo social objetiva-se tanto em forma de domínio, mo- notação ampliada em relação àquelas de Marx. Engels e Lenine. apesar
mento de força, quanto de direção, organização do consenso. A hege- de este último haver dado um passo à frente, considerando a existência
monia é. portanto, a liderança moral e intelectual que a burguesia es- de uma ideologia revolucionária.
tabelece. nó caso do capitalismo como modo de piodução dominante,
Até os Manuscritos. em 1844. Marx não se utilizava explicitamente
para manter a sua dominação. A classe dominante di;ige o conjunto
do termo ideologia, embora já estivesse presente a idéia de inversãO
da sociedade na medida em que vai produzindo o consenso no pro-
da realidade sem, contudo, considerar a compreensão política dessa
cesso de construção da hegemonia. Esta cria as condições favoráveis
para a direção política. Em nenhum momento Gramsci perde de vista realidade. A essa altura, a ideologia é um discurso repleto de vácuos
a formação do bloco histórico e o espaço ocupado pelas questões de (lacunas), de forma que só permite captar as aparências do fenómeno
ordem económica..A hegemonia. nessa medida, não se esgota na sua (Brasil. 1988). A partir de A ideologia alemã. de 1845-1846. já em par-
dimensão superestrutural. Os grupos sobre os quais as classes dirigen- ceria com Engels. Marx busca mostrar que o problema ideológico não
tes exercem sua direção têm de ter os seus interesses atendidos. "pois pode ser separado da questão política da dominação. tendo em vista a
se a hegemonia é ético-política. também é económica. Não pode deixar afirmação de que:
de se fundamentir na função decisiva que ;' grupo dirigente exerce na "as idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias
núcleo decisivo da atividade econômica" (Gramsci. 1R91, p."33). dominantes: isto é, a classe que é a força material dominante da
A tomada do poder pelas classes desfavorecidas constitui o pano de sociedade é. ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A
fundo da filosofia da próxis. Existe um longo percurso até se chegar classe que tem à sua disposição os meios de produção material
a uma sociedade sem classes, comunista, ou, como diz Gramsci. re- dispõe. ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual."
gulada. Ele não despreza a ditadura do proletariado pereconizada pelo (Marx E7 Engels, 1986, p. 72.)
Vítor Marinho - 93
92- nsertso e Conflito

Trata-se, portanto, do papel que a ideologia cumpre na manutenção - ideológica'de tOdó o bloco social, que está cimentado e unificado justa-
da ordem estabelecida, assumindo uma função de negatividade. Criai mente por 'aquela determinada ideologia" (Gramsci, 1987, p. I 6).
uma realidade ilusória, provocadora de reconhecimentos falsos ou de Por urna divisão meramente de ordem didática. considera as ideologias
falsa consciência Até esse momento. Marx percebia a ideologia apenas como a forma :dada às forças materiais (conteúdo). Na realidade. "as
com a função de encobrir a exploração económica e a alienação a que forças materiaiSt não seriam historicamente concebíveis sem forma -g
estão sujeitas as classeS subalternas da sociedade. Essas caractzdsticas as ideologias seriam fantasias individuail . Sem as forças materiais"
mantêm-se até o final de sua obra, apesar de, no prefácio à Contribuição (ibidem. p. 63). .
critica da economia politica. em 1859, ficar evidente um significativo É necessário fazer uma distinção entre ideologias que se resumem às
avanço na concepção de ideologia. Aqui, a ideologia não se resume "elucubrações arbitrárias de determinados indivíduos" (ibidem. p. 62)
a urna questão meramente psicológica e moral, ascendendo ao plano daquelas que Gramsci denomina historicamente orgânicas. Estas são
gnoseológico. Ao comentar as relações entre a estrutura econômica e as que cimentam o bloco histórico e correspondem à "toda concepção
as superestruturas num determinado momento histórico de revolução particular dos grupos internos da classe, que se propõem a ajudar a
social, Marx considera que: resolver problemas imediatos e restritos" (ibidem. pp. 226-227). 'Nessa
"com a transformação da base econômica, toda a enorme su- medida, as ideologias orgânicas têm um caráter organizacional. impe-

perestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na lindo os homens a adquirir consciência de sua posição de classe. Con-
consideração de tais transformações é necessário distinguir sem- seqüentemente. se são concepções da classe dominada, criam condi-
pre entre a transformação material das condições econômicas ções para a transformação da sociedade que a oprime e explora.
de produção — que pode ser objeto de rigorosa verificação da Gramsci acredita que todos os homens são filósofos. Essa filosofia es-
ciência natural — e as formas juridicas, políticas, religiosas, artís- pontânea está conàda [-ião 2.6 na linguagem como também no senso
ticas ou filosóficas, ou seja, as formas ideológicas pelas quais os comum e no folclore. O folclore tem sido estudado como algo pitoresco
homens tomam consciência deste conflito e o conduzem-até o e bizarro, e não como concepção de mundo. Gramsci o entende no
fim: (Marx. 1978, p. 130.) sentido dessa última acepção, o que leva a identificá-lo com o senso

Marx suscita profundas reflexões em Gramsci com relação ao proble- comum (folclore filosófico).
ma do conhecimento, É a criação de um espaço ideológico, surgido O senso comum é a filosofia das massas populares. constituindo-se
a partir de um aparato hegemônico. que determina as possibilidades numa concepção de mundo desarticulada. desagregada e inconseqüen-
de um novo campo de saber. Aparecem oportunidades para a toma- te. elaborada pelo grupo social hegemônico e, quase sempre. por meio
da de consciência sobre as contradições da estrutura social. das religiões. As classes populares assimilam Pç-5es valores, mas não
chegam propriamente a reconhecer tal filosofia, apesar de ela exercer
Gramsci chama de catarsis a passagem para o estado mais elevado do
uma influência histórica considerável "como força política externa,
conhecimento. O momento catártico é fundamental para uma filoso-
como elemento de força coesiva das classes dirigentes, como elemento
fia que se pretende transformadora: a filosofia da práxis. Em nenhum
de subordinação a uma hegemonia exterior" (Gramsci. 1987. p. 144).
momento, Gramsci perde de vista a formação do bloco histórico, em
que a ideologia aparece como tendo "o significado mais alto de uma A dialeticidade do pensamento gramsciano introduz uma categoria que
concepção do mundo E...1. isto é. o problema de conservar a unidade explica e é explicada pelas*demais: a dos intelectuais. Estes têm sido
94 - Consenso e Conflito Vítor Marinho - 95

identificados com as classes possuidoras. Associado à idéia de ilus- lectuais tradicionais são representantes de grupos que não assimilaram
tração e em nível de escolaridade, o intelectual seria o autêntico homo o desenvolvimento e a complexidade cultural das sociedades capita-
sapiens. O homo faber seria o representante da classe trabalhadora. - listas. São organizadores. sem dúvida, corno qualquer intelectual, mas
Dicotomização que é determinada, sem dúvida, pela divisão do traba- não se atualizaram na compreensão do real. São geralmente ligados ao
lho. Indissociável do surgimento da propriedade privada, a divisão do ambiente rural, "ligados à massa social camponesa e pequeno-burguesa
trabalho referenda a existência das classes sociais. As ciasses dominan- das cidades (notadairnente dos centros menores), ainda não elaborada e '
tes seriam portadoras de um conhecimento suirtriOr e veiculariam suas movimentada pelo sistema capitalistas' (Gramsci. 1982. p. 13). Gramsci
idéias, universalizando-as. Na sua função organizativa de hegemonia, não descarta, todavia, a participação, e até o engajamento. dos inte-
os intelectuais embandeiram a ideologia oficial, no seu esforço de asse- lectuais tradicionais: entre outros, professores, advogados, jornalistas.
gurar a realização do bloco histórico. escritores, artistas e religiosos (Nosella. 1992).
Gramsci contrapõe-se à polarização homo sapiens/homo faber. Cons- Os intelectuais orgânicos, por sua vez, são aqueles que levam em
tata que ela se justifica pela observação imediata das diversas práticas conta "o movimento, que é o modo orgânico de se revelar à realidade
profissionais. A observação da relação entre o esforço intelectual-cerebral histórica e não se enrijece mecanicamente na burocracia e. ao mesmo
e o muscular-nervoso tem sido o critério utilizado. Essa relação não é rigo- tempo, !eva em conta o que é estável e perrnanenfe. ou que, pelo
rosamente igual, o que permite afirmar a existência, em qualquer situa- menos, move-se numa direção fácil de prever. etc." (Gramsci, 1991.
ção profissional, de um determinado esforço intelectual. Nessa medida. p.83.)
não se pode falar de não-intelwttraii, inclusive, porque. independente
Os intelectuais °remitas estão vinculados aos grupos sociais funda-
da sua profissão, todo homem:
. • mentais. As classes dominantes produzem os seus intelectuais para a
"desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um tarefa de construção e manutenção da hegemonia. Na medida em que
filósofo, um artista, um homem de gosto, participa de urna con- as sociedades forem se desenvolvendo, a luta de classes toma-se mais
cepção de mundo, possui uma linha consciente de conduta mo- explícita e os movimentos de resistência também começam a produzir
ral. contribui assim para manter ou para modificar uma concep- os seus intelectuais. Estes são encarregados da construção de outro
ção de mundo" (Gramsci. 1982. pp. 7-8). consenso: ode veiculadores de uma contra-hegemonia. de uma contra-
A função dos intelectuais é, para Gramsd, essencialmente política. Atuam -ideologia. A busca de um novo consenso. portanto. é construída
no espaço da sociedade civil, onde são os agentes dos grupos hegemô- com a ajuda da critica às utopias e às ideologias que vêm forjando as
nicos na produção de consenso. A hegemonia exercida pela classe do- vontades coletivas. Por meio dessa crítica "obtém-stum processo de
minante — burguesia, no caso do capitalismo — não é, entretanto, um distinção e de modificação no peso relativo que os elementos das ve-
espaço fechado. Salvo em momentos em que a coerção invade todo o lhas ideologias possuiam" (Gramsci. 1991. pp. 90-91). Esse consenso
espaço da sociedade civil (ditadura), os antagonismos manifestam-se. tem de ser reelaborado constantemente, dada a dinâmica das socieda-
Os intelectuais não podem, dessa forma, ser observados monolitica- des modernas. Ao contrário da cristalização funcionalista, o consenso
mente. gramsciano é o resultado de urna sucessão de conflitos.
Gramsci examina a questão dos intelectuais pela posição que podem Muito mais do que indivíduos isoladamente. os interesses das classes
assumir na sociedade. Dividem-se em tradicionais e orgânicos. Os inte- fundamentais são representados por instituições. O maior organiza-
Vitor Marinho - 97
;t. - Consenso e Conflito
. •

dor Politico-cultural é, como chaniout 1&'i. "ô moderno príncipe, - conceito de Escola Unitária, que virá articular a foimação profissional e
mito-príncipe, e não pode ser uma pes.sOtreal, itm indivíduo con- . sino-humanista vinha caracterizando a pedagogia tra-
" humanista: -0.en
que cciineçaVa a ser questicinada pelos educadores progressis-
creto; só pode ser organismo" (ibidem. p. 6). A Igreja, a família e o
sindicato, entre outros, são instituições que exercem função intelectual. tas- da época. No-bojo desse humanismo, apareciam expressões como
O partido é, todavia, o intelectual mais importante para a elevação do Oulturà desintereSsackuou escola desinteressada. Gramsci não descarta
nível de conciência das massas. É o pártido, intelectual coletivo) que a importância do desinteresse na questão cultural. mas este deve ser en-
pode neutralizar o "elemento da espontaneidade [...]. característico da tendido no sentido italinno do termo. Interesse, no vocabulário italiano
história das classes subaltemas" (Gramsci. 1978. p. 269). É a passagem da época. tinha um.a 'conotação pejorativa. correspondendo, na língua
de classe em si à dasse para si. É a categoria da catarsis. em Gramsci. portuguesa. a "interesseiro, mesquinho, individualista, de curta visão.
que permite a instalação da hegemonia da classe operária. Ele destaca. irnediatista e até oportunista" (Gramsci, apud Nosella. 1992. p. 18).
porém. "o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis" Em contrapartida. o sentido italiano de cultura desinteressada traduz
(1982. p. 9): a escola. "em todas as suas graduações, e a Igreja são "uma cultura de ampla visão, séria, profunda. universal e coletiva, que
interessa a todos os homens: (Nosella, 1992. p. 18.) o.
as duas maiores organizações culturais em todos os países" (Gramsci.
apud Nosella. 1992, p. 126). Os pensadores liberais propunham uma educação dita humanista, de-
A discussão acerca da escola e dos problemas pedagógicos atravessa sinteressada, para as classes favorecidas, e uma outra, profissionalizan-
toda a obra de Gramsci. Desde os chamados escritos da juventude até te. para o proletariado. Essa discriminação provoca repulsa em Gramsci.
cárcere: Cartas e Cadernos. A concepção educacional do filósofo- Para ele, os proletários necessitam de:
-educador italiano deve ser observada pela possível colaboração da edu- "uma escoIR desinteressada. Urna escola que dê.à criança a pos-
cação para construir uma outra sociedade. Toda a ação teórico/prática sibilidade des se :ormar. de se tomar homem, de adquirir aqueles
de Gramsci aponta para a possibilidade do socialismo. critérios gerais necessários para o desenvolvimento do caráter
[...). Uma escola de liberdade e livre iniciativa e não uma escola
A reflexão pedagógica grairtsciana desemboca no que chama Escola
Unitária, fundamentada no trabalho como princípio educativo, confor- de escravidão e de mecanicidade [..1. A escola profissional não
me já enunciado por Marx e Engels. Essa escola irá sintetizar as forma- pode se tomar uma encubadeira de pequenos monstros mes-
ções profissional e humanista de maneira original. contrapondo-se ao quinhamente instruídos para um oficio, sem idéias gerais, sem
tratamento que a pedagogia tradicional vinha dispensando ao tema. cultura gerai. sem alma, possuidores apenas de um olhar infalível
Remontam à Primeira Guerra Mundial as preocupações de Gramsci com e de uma mão firme" (Gramsci. apud Nosdla. 1992. p. 20).
a formação de quadros para enfrentar tarefas da pós-ruptura definitiva Gramsci observa que emergem dois tipos de formação da civilização
(Revolução). Nosella (1992) registra. desde o inicio, a existência de moderna. Uma clássica, tradicional, de cunho humanista e voltada
duas palavras-chave para o entendimento dessa pedagogia revolucioná- para atender à formação dos intelectuais representantes dos interesses
ria: desinteressado e trabalho. das novas classes dominantes. Esses intelectuais são os responsáveis
Na Itália dos primeiros anos do século XX já estava presente a polêmica pela produção de consenso necessário à aceitação da ordem politica-
-económica. A outra, profissional. destina-se às classes instrumentais.
escola de trabalho (profissional) versus escola de cultura geral (do saber
desinteressado). A essa altura, Gramsci ainda não havia concebido o O desenvolvimento,da's forças produtivas e a configuração de um novo
• •
98 - Consenso e Conflito Vitor Marinho - 99

bloco histórico criam, especialmente no meio urbano, a necessidade de de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente)
de um novo tipo de intelectual. A conseqüência é o surgimento das e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual.
escolas técnicas. A proliferação de tais escolas suscita uma aparência' Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de
democrática quando, na verdade, elas destinam-se à cristalização das orientação, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao
desigualdades sociais, na medida em que estão "preocupadas somente trabalho produtivo." (Gramsci, 1982, p. 118.)
em satisfazer interesses práticos imediatos" (Gramsci, 1982, p. 136).
A Escola Unitária corresponde ao que hoje denominamos ensino de
Não se tem escolas do trabalho, e sim estolas do emprego.
primeiro e segundo graus. Os estudos iniciais não podem prescindir
A escola, cabe reafirmar, é apreciada como Lotus da formação dos in- de algum dogmatismo. contendo não só um caráter instrumental (ler,
telectuais. Gramsci observa que, naqueles tempos, existia a tendência escrever, etc.) com noções de direitos e deveres. A educação gramscia-
de se abolir a escola desinteressada. Esta fica cada vez mais restrita a na aponta para um mundo socialista e livre, não dispensando, contudo,
pequenos grupos que não precisam preocupar-se com a sobrevivência. a exigência (afetuosa) do "uso da disciplina para vencer os instintos
Para a maioria, disseminam-se "escolas profissionais especializadas. e ensinar às crianças os automatismos da cultura moderna" (Nosella,
nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predetermina- 1992, p. 130). Por meio desses automatismos (estudo, horário. gramá-
dos" (ibidem. p. 118).
tica. postura física. leitura, escrita, desenho, drama, etc.) forja-sg o ca-
Gramsci não despreza a escola humanista tradicional apoiada na cultura ráter infantil para o exercício pleno da liberdade. A disciplina, na lingua-
desinteressada. Ao mesmo tempo, não consegue negar a evidência de gem gramsciana, é um trabalho de coerção ou conformismo. Não tem.
desenvolvimento industrial moderno, que assume pape! de relevância contudo, a intenção de anular o caráter do aluno, e sim de fortalecê-lo.
na pedagogia gramsciana. É a categoyia do americanismo ou industria- Fortalecendo-o, cria disciplina (Garcia, 1992). Sobre o assunto. indaga
lismo que justifica a necessidade.da :esacila politécnica e tecnológica Gramsci:
de manufatura e de grande indústria" (Nosella. 1992, p. 127). em con-
"Um estudioso de 40 anos seria capaz de passar 16 horas se-
traposição à:
guidas numa mesa de trabalho se. desde menino, não tivesse
"escola pré-industrial da monoutcnia (..4 facilmente perceptível assumido, por meio de coação mecânica, os hábitos psicofisicos
quando se pensa no mundo do trabalho representado pelas ofi- apropriados?" (Gramsci. 1982, p. 133).
cinas artesanais, pelo campo feudal, pela catequese dogmática e
Bertolt Brecht (1898/1956) foi outro intelectual que, no bojo da mesma
eterna da meiafísica, enfim pela vida da Escola Monástica secular
luta de Gramsci, refletiu sobre a questão das fronteiras entre autoritaris-
pré-renascentista? (Nosella. 1992. p. 127.)
mo e disciplina. Em um panfleto clandestino, publicado em 1934 contra
A Escola Unitária concebida por Antonio Gramsci propõe a recuperação nazismo. afirma: "Onde existe opressão, a palavra disciplina deve ser
da unidade teoria/prática no campo da educação. É uma tarefa histórica. substituída pela palavra obediência porque a disciplina também é possí-
coletiva, a ser conduzida pelo intelectual oigânico coletivo mais impor- vel sem o déspota e. conseqüentemente, tem o significado mais nobre
tante: o partido. A síntese da educação desinteressada com a formação que obediência" (Brecht, 1967. p. 27).
profissional atenderia a urna orientação básica:
Na adolescência substitui-se o dogmatismo pela autodisciplina. Após
"a escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, ensino de segundo grau, Gramsci entende ser necessária a primazia
que equilibra equanimemente ti desenvolvimento da capacida- do principio educativo do trabalho sobre aquele da cultura desinteres-
Ator Marinho - 101
:CO - Consenso e Conflito
É necessário um processo de intervenção pedagógica. em que não se
sada que, no entanto, não é totalmente abandonada. O dogmatismo
cede espaço "à fase criadora ou de trabalho autónomo e independen- renuncie à tarefa de formação.
te: da escola como disciplina de estudo imposta e controlada autorita- 'Associada à questão do espontaneísmo. Gramsci investe contra a ex-
riamente passa-se a urna fase de estudo ou de trabalho profissional na cessiva liberdade preconizada pelos modernos métodos pedagógicos.
qual a autodisciplina intelectual e a autonomia moral são teoricamen- Será que a tentativa de generalização desse ensino não traz inconveni-
te ili}nitadas" (Gramsci. 1982,1p. 123). formando pessoas capazes de ências não-confessadk como, por exemplo, a elitização da educaçãO?
Constata-se que as chamadas escolas progressistas (escola-novistas)
pensar, dirigir e controlar, ou seja, habilitar os cidadãos a se tomarem
não resoliteram a contradição entre o trabalho manual e o intelectual. A
governantes. Trata-se do resgate da categoria marxiana da omnilate-
concomitância desses trabalhos não leva a concebê-los unitariamente.
ralidade. Para esse resgate, e analisando a sociedade em que vivia.
Muito pelo contrário, pode dar-lhes um perfil de esnobismo quando es-
Gramsci via um espaço insubstituível para a educação. A elevação
sas escolas vangloriam-se de grandes intelectuais que "divertem-se tra-
cultural das massas levaria o proletariado italiano a "participar não
balhando corno torneiros. carpinteiros, encadernadores de livros. etc:
apenas da política reivindicativo-salarial e sim dar a direção da polí- (Gramsci. 1982. p. 149). Mesmo na educação das classes trabalhado-
tica produtiva nacional [...I. Produzir armas ou produzir tratores não - ras. a simples oferta de atividades manuais não atende aos princípios da
é a mesma coisa" (Nosella, 1992, pp. 27-28). A tarefa consiste em Escola Unitária. A escola do trabalho não se concretiza com a existência
elevar o nível de consciência dos trabalhadores: do patamar egoísta- de uma pequena horta no jardim da escola. O trabalho escolar serve
-passional ao ético-político (catarsis). para criar valores — laboriosidade, disciplina, solidariedade. etc. — além
Gramsci critica a educação tradicional (católica e jesuítica). Entende de ensinar os alunos a entender a fábrica e a organização produtiva.
que lhe faltam elementos fundamentais do convívio humano, como lembrtse. todavia, de que. em última anális& escola é escola e fábrica
é fábrica. A- primeira produz trabalho intelectual: a segunda. trabalho
solidariedade e liberdade. A pedagogia moderna (ativa), de traço
rousseauístico, também merece críticas. Apesar de ter sido um avan- material (Nosella, 1992).
ço em relação ao jesuitismo, acabou desembocando em posições que Em uma ótica revolucionária não se pode perder de vista a habilita-
não se coadunam com as necessidades do mundo desenvolvido. O es- ção das classes subordinadas para assumirem a função de dirigentes.
pontaneisrno, por exemplo, tomou-se uma de suas características. Esse Formar intelectuais orgânicos é a grande tarefa da escola. Não se pode
wpontanelsmo não responde ao conceito de educação defendido por esqueces de que. para Gramsci. "toda relação de hegemonia é necessa-
Gramsci. pois: riamente uma relação pedagógica" (1987. p. 37). Cabe aos professores.
vinculados a interesses coletivos, elevar o nível cultural das massas no
"toda geração educa a nova geração, isto é. forma-a: a edu- processo de construção de um outro bloco histórico. Gramsci lembra
cação é uma luta contra os instintos ligados às funções bio- que o fascismo. na Itália, produziu consenso com o apoio das camadas
lógicas elementares, uma luta contra a natureza, a fim de populares e da pequena burguesia. No seu país, o papel pedagógico dos
dominá-la e de criar o homem atual à sua época" (Gramsci. intelectuais orgãnicos seria de luta cultural para transformar a mentali-
1982.p. 142). dade popular e divulgar as inovações filosóficas que se revelem histori-
A criança não pode ser exposta à caoticidade do meio ambiente, na es- camente verdadeiras" (ibidem. p. 36). Deparamos. sem dúvida, com a
questão da çontra-hegemonia (contra-ideologia).
perança de que, como se diz em nível de senso comum, a vida ensine.
102 -.Conselso e Conflito Vitor Marinho- 103

Uma contra-ideologia ou contra-hegemonia não é algo a ser imposto de nais. Libâneo (1983). ao classificar as tendências presentes na nossa
fora, sob pena de se incorrer no erro que se critica. Depende de um pro- educação, opõe duas pedagogias: a liberal e a progressista.Esta últi-
cesso de construção com o trabalhador, consistindo numa tarefa cole- ma manifesta-se, entre outras correntes. na pedagogia dos conteúdos.
tiva. Aqui, é fundamental a ação do intelectual orgânico comprometido mais tarde (1985) designada crítico-social dos conteúdos. A pedagogia
com a transformação social. Ao professor cabe a tarefa de "mediador progressista dos conteúdos teria sua inspiração mais remota em Maka-
entre a sociedade global e a personalidade do jovem em desenvolvimen- renko. Entre os autores mais recentes. Libâneo (1983 4e 1985) destaca
to. apoiando e mediando o processo dê evolução histórica, e buscando Schodolski, Snyders, Manacorda e Charlot, todos alinhados com o que
um equilíbrio dinâmico e dialétic
.o entre a pressão social e a autonomia estou considerando de pedagogia do conflito. A aplicação dos pressu-
individuar (Lombardi. apud Jesus. 1989. p. 93). postos do conflito à Educação Física revela poucas referências a Charlot
O papel dos educadores é ajudar a superação do senso comum (folclore Há exceções, todavia. Entre estas. Ferreira (1984) e. especialmente, Ca-
filosófico), que é a filosofia das camadas subalternas. O senso comum valcanti (1980), em um artigo pouco divulgado nos meios da Educação
contém um núcleo sadio (bom senso), no qual "existem elementos. Física.
embora inconscientes, de direção" (Manacorda. 1990, p. 209). A iden- Charlot propõe-se a estudar a pedagogia numa perspectiva que deno-
tificação desse núdeo é o ponto de partida para o processo pedagógico mina ideológica. Logo no início da obra citada, encaminha sua anâli-
na transformação de "um conjunto de agregado de idéias e de opiniões se afirmando que "a educação é política' (p. 11). Tal setença assume •
[...1 em algo unitário e coerente" (Gramsci. 1987. p. 16). Essa passagem um caráter de pressuposto. a partir do qual desenvolvem-se reflexões
é denominada persuasão e sintetiza o trabalho educacional. da maior importância para a pedagogia ideológica. O reconhecimen-
A escola da sociedade burguesa não é um espaço monolítico que só to da função política no ato educacional, contudo, não esgota a ques-
permite a circulação da ideologia dorflinante. A educação pode, des- tão. Para que se possa conceber outra pedagogia. urge entender os sen-
sa forma, desempenhar funções tanto para a reprodução como para a tidos em que a pedagogia é política.
transformação da sociedade. Hegemonia ou contra-hegemonia. eis a Ao afirmar que a educação é política. Charlot põe por terra os argu-
opção ideológica para o ato pedagógicomn. mentos que procuram dar um cunho de neutralidade à ação educacio-
nal. Na escola, esta ação "só se define em função de um postula-
A pedagogia socialista do, ele próprio, político" (p. 12). A proposta educacional emergente
"É a sociedade que fez de mim um professor e minha personalida- da revolução burguesa. por exemplo, é paradigmática. jules Ferry, ao
de é social: mas isso não significa que eu não possa impedir- me referir-se à função da escola, recomenda que deve, desde cedo. "p.re:
de me conduzir como um canalha ou um sádico com meus alu- parar para o consenso dos cidadãos" (apud Charlot. 1979. p. II) sob
k
nos." (Charlot. 1979.) o novo regime.
Bemard Charlot é um dos teóricos mas influentes na educação brasilei- A afirmação de que educação é política pode conter vários sentidos.
ra desde a tradução de sua obra A mistificação pedagógica — realidades devidamente articulados. Um deles constata o caráter político da edu-
sociais e processos ideológicos na teoria da educação (1979). Faz mais cação, pois esta "transmite às crianças os modelos que prevalecem
de dez anos, por conseguinte, que suas idéias encontram-se presentes numa sociedade" (p. 13). A assimilação dos modelos, todavia, não se
mais implícita do que explicitamente:em trabalhos de autores nacio- dá de forma absoluta. A sociedade, por sua vez, reage prontamente aos
Vítor Marinho - 105
‘. C4 - Consenso e Conflito

conportamentos desviantes que se manifestam em forma de desobe- Apoiado nas reflexões precedentes. Chariot analisa o funCionamento
diência. Os modelos e os seus inevitáveis desvios são conseqüência dessa ideologia pedagógica. Ao considerar que a pedagogia oculta o
da forma conflitiva de organização social, em que o conflito básico é papel da educação na dominação cie classe. Chariot adota o conceito
a luta de classes. As classes sociais têm interesses e necessidades não marxista tradicional de ideologia (falsa consciência). Este aponta para
só diferentes como também antagônicos. Concepções de mundo, de um processo que "permite a dissimulação e a justificação das realidades
trabalho, etc. trazeni um definido traço de classe, apesar de que não se sociais através de um sistema de idéias que se coloca como autônomo"
deve esquecer que "os modelos da classe dominante são os modelos (p. 204). Apesar de a educação ser um processo social e individual, o
dominantes" (p. IS). problema 'social é reduzido à cultura indiuiduai. Está oculto, dessa for-
ma, o social, pela exaltação do individual.
Num outro sentido, afirma que a "educação é política porque forma
a personalidade segundo normas que refletem as realidades sociais e Essa redução ao individual acontece em diversos momentos. Ao aban-
políticas" (p. 16). No âmbito psicológico, ou seja, na estruturação da donar os conflitos e as desigualdades sociais, o processo ideológico
da educação promove uma ruptura com a realidade social. Transita por
personalidade da criança, também se constata o caráter político da edu-
um desvio no qual só existem os indivíduos. e "pensa que a sociedade
cação. Formam-se personalidades com características de dependência e
vale'o que valem seus membros individualmente" (p. 197). Os insuces-
renúncia. Reprimem-se ou sublimam-se as pulsões sexuais e agressivas
sos educacionais são subsumidos por deficiências de ordem intelectual.
que não se coadunam com as normas sociais hegemónicas.
Esse desvio educativo absolve a organização social dos insucessos indi-
A educação é política, ainda. pois "transmite às crianças idéias políticas viduais. A totalidade social passa a ser o somatório das capacidades de
sobre a sociedade, a justiça, a liberdade, a igualdade, etc." (p. 17). A cada um. Essa visão fragmentada de mundo e de-sociedade impele-nos
classe dominante se utiliza da educação para impor os valores domi- à falsa crença de que a transformação da sociedade é o resultado da
nantes. No caso da escolha profissional, o indivíduo aprende que é soma das transformações individuais.
livre para escolher a sua atividade. Essa possível autonomia cumpre o
A pedagogia ideológica intui, ainda, um conceito naturalístico da
papel de camuflar a realidade social. Devemos compreender que não é
educação. Ao preocupar-se, quase exclusivamente. com a cultura in-
a vontade individual que determina o mercado de trabalho. São as leis
dividual, nesta encontra-se o lugar do desabrochamento da natureza
do regime capitalista.
humana, tal qual o cultivo de uma planta. Charlot investe contra essa
Ao afirmar e constatar a especificidade política da educação. Chariot concepção pedagógica, pois segundo ele:
levanta uma questão fulcral do seu pensamento. Trata-se de investigar
"não desabrochamos no abstrato [...]. Não desabrocho quando
"se é a cultura individual que determina o lugar do indivíduo na socie-
trabalho numa linha ke montagem [...]. Mas desabrocho quando
dade, ou se é o lugar do indivíduo na sociedade que determina a cultura
faço um trabalho que me interessa, quando encontro pessoas
individual" (p. 26). Fiel ao seu pressuposto inicial. Chariot responde
que me agradam, quando tenho tempo para me dedicar aos
que, na sociedade de classe, a situação social é o fator determinante. Os
meus filhos num ambiente agradável" (p. 58).
indivíduos tendem a ocupar os espaços definidos pela divisão do tra-
balho. A educação colabora para o mascaramento dessa determinação, Charlot adverte contra o perigo de se perder a perspectiva da luta de
assumindo uma função ideológica. classes ql.; nome de uma luta contra si mesmo.
106 - Cçosenso e Conflito Vitor Marinho ;107

Esse desvio educativo faz Charlot refletir sobre a idéia de infância. Faz pois mascaram a verdadeira causa da alienação. Esta tem origem no
criticas tanto à Pedagogia Tradicional, de inspiração jesuítica. quanto "modo de produção econômico e (nas) estruturas sociais opressivas
à Nova, de raízes rousseauísticas. A primeira considera a criança um que engendra. é a divisão capitalisla do trabalho, é a dominação de
adulto em miniatura. Cabe à educação livrá-la de Lima tendência natu- classe" (p.212).
ralmente corruptível, por meio da ordem, da disciplina e da resignação. Ao criticar aqueles que desejam a supressão da escola. Charlot a reafir-
A Pedagogia Nova cuida de preservar a bondade natural da criança
ma como instituição social. Recomenda Ifterar-lhe a feição ideológica
num ambiente socialmente idealizado: a escola. Cabe defendê-la do que, historicamente, se lhe tem conferido. Trata-se, portanto, de ela-
ambiente social corruptor, integrando-a num local que representa a mi- borar uma pedagogia não-ideológica. Esta outra pedagogia também é
niaturização da sociedade: a sala de aula. Ambas as pedagogias são ide- denominada social ou socialista. Ndo-ideológica, social ou socialista,
ológicas. A tradicional ajusta a criança na ordem existente, ratificando representa a negação do seu perfil mistificador, repensando-a no quadro
desigualdades que teriam sua origem na própria natureza. A Pedagogia da luta de classes.
Nova é. também, ideológica, à medida que defende a existência de uma
igualdade e uma bondade naturais, consoante os ideais burgueses sur- Na busca da elaboração de uma pedagogia socialista, Charlot toridena
gidos no século XVIII. o perfil metafísico que caracteriza a pedagogia ideológica. Em lugar de.
se começar estudando a cultura, a infância e a escola. "a perspectiva
Na sua ânsia anticorruptiva, ambas as pedagogias concebem a escola
central de uma pedagogia não-ideológica deve, ao contrário, ser a da
como espaço de clausura. Charlot reage contra essa função protetora.
socialização da criança no meio social adulto" (o. no). Para tal, deve-
pois "não é da sociedade que a criança tem necessidade de ser prote-
-se, inicialmente, identificar as finalidades sociais que nortearão os fins
gida, mas da exploração que a dominação de classe nela faz reinar"
(p. 190). Mesmo a Pidagesigia, Nova, na sua busca de identificar educa- educativos. A definição destes depende das definições de sociedade, de
cultura e do homem que queremos educar.
ção e vida, não o faz concretamente. Neill. de uma certa forma. sinteti-
za tal isolamento quando afirma que "meu destino não é reformar a so- Ao compreender a educação como fenómeno social, as suas finalidades
ciedade, mas trazer a felicidade para um número reduzido de crianças" terão um caráter da mesma natureza. Elaborar finalidades educacionais
(apue( Charlot 1979. p. 158). não significa abandonar a questão dos métodos, mas, antes. correspon-
Charlot discute a questão da alienação sob um ângulo original. Ao der estes com aquelas. A preocupação exclusiva com aspectos meto-
mesmo tempo que à escola atende aos interesses da classe dominante dológicos "acaba por não ser mais do que uma trapaça pedagógica de
(adaptação), não tem acompanhado a evolução das sociedades mo- liberdade" (p. 22 1 ).
dernas (inadaptação). Essa adaptação/inadaptação favorece "tanto a No caso das sociedades capitalistas é preciso introduzir propostas anti-
transmissão da ideologia domidante quanto sua contestação" (p. 151). burguesas, o que não significa introduzir a política na educação. A edu-
Sendo uma instituição social, a escola reflete as contradições da socie- cação sempre foi política: é política, e "urna pedagogia social kl será
dade, contendo elementos de continuidade, mas também de ruptura. necessariamente uma pedagogia que denuncie o sistema social atual"
Ela não se reduz, desse modo, a uma função reprodutora, o que leva (p. 233). Cabe, portanto, não fazer abstração da luta de classes, contes-
Charlot a rejeitar as teses de desescolarização que consideram a escola tando as pedagogias burguesas inspiradas no consenso fudamentado
como fonte de alienação. .Essas teorias são, elas mesmas. alienantes. em valores universais.
Vitor Marinho' 109
loa- Consenso e Conflito

Charlot chama a atenção para o fato de não existir uma natureza huma- privada dos meios de produção levará, automaticamente, a uma socie-
na, e sim uma condição humana. O ser humano é, concomitanternen- dade justa. A perspectiva marxista ampliada, finalmente, não nega a
te. biológico e social. Assim como não existe uma natureza humana, anterior, considerando, contudo, que ai não se esgota a questão.
também não existe uma natureza infantil. mas. antes uma condição Diante dessas opções, Charlot posiciona-se. A libertação do homem
infantil. Aqui, cumpre a necessidade de se observar a criança em sua não se dará sem a destruição do capitalismo e a supressão da proprie-
relação com o adulto. Desconsiderar essa relação é ofuscar a realidade
dade privada. A denúncia das imposturas, que se criam em nome da
da condição i'nfantil.
propriedade privada, é necessária para qualquer pedagogia que não
O ser h'umano, compreendido à luz de princípios marxistas, inicia um seja ideológica. Propõe a ampliação do conceito de propriedade pri-
processo de diferenciação dos animais "tão logo começam a produzir vada, diante da complexidade das sociedades modernas. Não basta
seus meios de vida" (Marx & Engels. 1986. p. 27). Sem desprezar a
trocar o controle das fábricas, passando-as das mãos dos capitalistas
consciência e a religião, o homem humaniza-se com e na produção da
para o Estado. Sugere formas autogeridas de organização social, nas
sua vida material. Mas tal não se dá com a criança. Incapaz de sub-
quais os conflitos não desapareceriam. O homem seria educado para
sistir autonomamente, é no contexto com o adulto que se humaniza.
essa nova realidade. pois "a vida social é feita de conflitos tanto quan-
Quando a criança toma-se capaz de atuar na transformação das coi-
sas, já o faz segundo modelos sociais. A educação é, portanto, um ato to de cooperação" (o. 240).
de intervenção do adulto. São inaceitáveis, pois, as formas ilusórias
A educação é um bem cultural. Charlot. na mesma proporção. procura
de definir o desenvolvimento infantil como um desabrochar natural.
aprofundar a discussão sobre a cultura. Adota, por coerência, uma
A educação é a construção de uma personalidade social que só acon-
concepção marxista de cultura. Entendida como criação humana, a
tece num ambiente humano. A socialização da criança dá-se pela sua
interação Com os adultos: juntos, tomam-se parceiros sociais. cultura é "expressão das realidades sociais e a denúncia da injustiça'
e da desigualdade sociais deve muito logicamente levar à da cultu-
Nessa empreitada política, a psicologia infantil não definirá os fins edu-
ra burguesa que as camufla ideologicamente" (p. 263). A pedagogia
cacionais. Charlot não despreza o estudo das condições de desenvolvi-
burguesa assume um caráter ideológico quando define o homem e a
mento da criança. Chama a atenção para o ritmo desse desenvolvimen-
cultura partindo da idéia de natureza humana. Conhecer o homem.
to, que não é igual para todos. A pedagogia burguesa veicula a idéia do
respeito ao desenvolvimento infantil, ocultando que esse respeito serve segundo critérios que aceitem o pressuposto de uma natureza hu-
para "camuflar ideologicamente o fato de que esse desenvolvimento mana ou infantil. é conferir um caráter ideológico à educação. Sendo
se desenrola em condições sociais desigualitárias" (p. 226). a sociedade, capitalista uma sociedade de classes, a cultura humana
também é de classe. Dessa forma. "não existe definição eterna e uni-
Charlot avança em direção à pedagogia socialista, discutindo as diver-
versal do homem, uma vez que o homem não é senão o que pode
sas propostas 2e" superação da opressão social. Enfim, identifica três
tornar-se em condições sociais determinadas" (p. 272). É a condição
perspectivas: a) reformista: b) marxista-economicista: c) marxista am-
humana que permite ao homem construir a sua personalidade social
pliada. A primeira propõe transformar a sociedade sem desordenar os
seus fundamentos. A segunda aposta que a supressão da propriedade no processo histórico.
110-ConsenmeGmffito

A pedagogia de Charlot é, antes de tudo, antiburguesa. Não é por


intermédio da educação que se transformará a sociedade numa socie-
dade de classes. A educação, todavia, pode deixar de ser um instru-
mento de mistificação e tornar-se um instrumento de luta.

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