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Johnni Langer

MITOLOGIAS CELESTES
Fontes selecionadas para o ensino
fundamental e médio

Planisfério celeste, século XVII d.C.


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ELEMENTOS BÁSICOS SOBRE MITOLOGIAS CELESTES

Definimos mitos celestes como as narrativas envolvendo o firmamento celeste


para os povos antigos, envolvendo dois tipos básicos de fenômenos: os atmosféricos
(que compreendem os parélios solares e lunares, halos solares e lunares, tempestades e
chuvas, arco-íris, luzes e brilhos atmosféricos, auroras boreais) e os astronômicos
(estrelas e constelações, Sol, Lua, planetas, conjunções e ocultações entre os astros,
passagens de cometas e meteoros). Essa separação é meramente didática e é baseada na
Astronomia moderna (Verdet, 1987: 25-26, 99-100). Para os povos antigos, muitas
vezes esses dois tipos de fenômenos eram associados em uma mesma mitologia celeste.
E outros modelos de narrativas míticas, como as cosmologias e cosmogonias, muitas
vezes estavam muito mais relacionadas aos fenômenos astronômicos. O estudo
etnoastronômico e arqueoastronômico procura tanto perceber as diferenças quanto as
semelhanças entre os diversos mitos celestes das culturas pelo. No caso de
interpretações semelhantes, elas não possuem uma base em comum devido a um
suposto caráter universal ou arquetípico dos mitos, mas porque alguns fenômenos são
observados em várias partes do mundo (ou ainda, por terem uma mesma origem mítica
pelo contato ou difusão cultural). Porém, o mais comum é os fenômenos astronômicos
serem interpretados por concepções diferenciadas ao longo da história.

Tomamos como exemplo as constelações. Apesar das estrelas serem um


fenômeno natural de características objetivas, as figuras ou desenhos que foram criados
a partir das ligações entre as estrelas – as constelações e asterismos – são definidas
culturalmente: seu recorte, sua nomeação, sua descrição, sua dramatização é arbitrária
conforme o contexto em que foram criadas (Verdet, 1987: 31). Os nomes e atributos das
constelações em grande parte dos povos antigos eram definidos em torno de alguns
critérios: figuras mitológicas; animais e objetos inanimados; analogias geográficas e
políticas; associações com fenômenos sazonais.

Apesar de alguns asterismos serem reconhecidos em grande parte do mundo e em


muitas épocas – citando aqui o exemplo das Três Marias da constelação de Órion – elas
receberam inúmeros significados míticos ou sentidos astronômicos diferenciados
conforme cada cultura: para os gregos e romanos, eram o cinturão do caçador Órion; no
folclore italiano e espanhol moderno eram os Três Reis; na área finlandesa, era
conhecido como cinturão de Vainamoinen; para os maias, estavam associadas a pedras
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de fogo do forno da criação cósmica. Outro exemplo da variedade cultural em torno das
constelações é a respeito do zodíaco: apesar de muitos povos da Ásia, Oriente e
Mediterrâneo utilizarem os conceitos advindos da Mesopotâmia, elas tiveram variações
em número e forma (8 entre os hindus, 13 entre os maias). Por sua vez, entre alguns
povos que possuíam mitologias celestes, como os indígenas sul-americanos, celtas e
nórdicos da Era Viking, não existem comprovações de que eles conheciam ou
desenvolveram constelações zodiacais.

Referência:
LANGER, Johnni. Constelações e mitos celestes na Era Viking. Roda da Fortuna 1(4).
2015, pp. 107-130. Disponível em: www.academia.edu/14285645

NOTA: As fontes selecionadas a seguir não constituem em sua maioria traduções


acadêmicas de fontes primárias. São adaptações de versões, com o objetivo de serem
utilizadas para popularização científica ou no ensino fundamental e médio, tanto na
disciplina de Ciências das Religiões quanto História, Geografia e Ciências em geral.
Não constituem absolutamente um inventário completo de mitologias celestes, nem um
levantamento cultural razoável de culturas com repertório mítico celeste. Trata-se
apenas de um primeiro contato com o tema, que pode ser aprofundado pela bibliografia
constante ao final da apostila. Futuramente realizaremos um material mais consistente,
incluindo tradições folclóricas do estado da Paraíba e Nordeste em geral.

Contatos:

- Prof. Johnni Langer (PPGCR-UFPB): johnnilanger@yahoo.com.br

- Associação Paraibana de Astronomia: www.apapb.org


www.facebook.com/apastronomia

- Programa de Pós Graduação em Ciências das Religiões: www.ce.ufpb.br/ppgcr

FONTES SOBRE MITOLOGIAS CELESTES


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VIA LÁCTEA

A Via Láctea é a faixa clara no fundo do céu

1.1 A Via Láctea entre os gregos:

Faixa brilhante e difusa quer circunda a esfera celeste. Entre os antigos gregos, a
Via Láctea era a estrada dos deuses, ladeada por palácios das divindades olímpicas.
Conta-se que foi originada pelo leite esguichado do seio de Hera, quando a deusa
amamentava o guloso Hércules ainda menino.

Referência:
AZEVEDO, Rubens de. No mundo da estelândia. São Paulo:
Editora do Brasil, 1968, p. 94.

1.2 Poema dos indíos Hiawata (Estados Unidos)

“Estrada dos espíritos e das sombras


Correndo sem desvio, no céu imenso
Repleta de fantasmas e de sombras
Que se vão à casa de Pomenah,
Nas longes terras do além”.
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Referência:
AZEVEDO, Rubens de. No mundo da estelândia. São Paulo:
Editora do Brasil, 1968, p. 94.

1.3 Península Ibérica (Caminho de São Tiago de Compostela)

Na península Ibérica, a Via Láctea é conhecida também como Caminho ou


Estrada de Santiago. São Tiago, um dos apóstolos de Jesus, foi para o norte da atual
Espanha para evangelizar. Muito depois de sua morte, começaram peregrinações para o
local onde hoje fica a cidade de Santiago de Compostela, a partir de relatos de milagres
e aparições. Os peregrinos, à noite, utilizavam a Via Láctea como guia para chegarem à
cidade, razão pela qual a galáxia também recebe esta denominação: Compostela, feito
de estrelas. Assim: caminho de São Tiago de Compostela.

Camino de Compostela. (Hino de Laudes del Oficio del Apóstol Santiago 25 de


Julho). Letra de Bernardo Velayo. Música de Juan Jauregui e Bernardo Velayo:

Camino de Compostela,
va un romero caminando,
y es el camino de estrellas
polvareda de sus pasos.

Referência:
CENTELHA, Ramón. Camino de Santiago: tras la estela del Apóstol,

http://www.muyhistoria.es/edad-media/articulo/camino-de-santiago-tras-la-estela-del-
apostol

1.4 Índia antiga:

Um dia, a deusa Ganga caiu do céu numa torrente de água e ficou presa na
emaranhada cabeleira de Xiva, de onde, depois, caiu mansamente à terra. Daí, nasceu o
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rio Ganges. O nome da Via Láctea entre os antigos hindus era Akash Ganga, o leito do
Ganges.

Referência:
AZEVEDO, Rubens de. No mundo da estelândia. São Paulo:
Editora do Brasil, 1968, p. 95.

1.5 China antiga:

Há muito tempo, vivia às margens do rio Azul um pobre pescador. Numa bela
manhã, ele navegou em seu barquinho na direção do Oeste e foi apanhado por violenta
tempestade. Naquelas circunstâncias, fez uma prece ao deus do rio. Dentro em breve
avistou uma ilha para a qual dirigiu o barco. Ali chegando, foi recebido por gentis
nativos que lhe deram roupas secas e arroz. Quando o pescador lhes perguntou quem
eram e a que raça pertenciam e qual o nome da ilha que habitavam, não souberam dizer.
Só sabiam que ali estavam porque haviam fugido da China, onde eram mal tratados pelo
imperador. O pescador estranhou que eles se referissem a um monarca que havia
morrido há muitos anos. Nesse mesmo dia, depois de restabelecido, o pescador pôs-se
ao largo em seu bote e navegou para o Leste, guiado pela Lua. Pouco depois, alcançava
a sua aldeia. Ali falou a um velho sacerdote de sua aventura, vindo a saber que navegara
na Via Láctea...

Referência:
AZEVEDO, Rubens de. No mundo da estelândia. São Paulo:
Editora do Brasil, 1968, p. 96.

1.6 África medieval (África pré-colonial):

Muitas etnias africanas chamam a Via Láctea de caminho de estrelas, e dizem que
ela organiza o céu e faz com que o Sol retorne ao lado leste ao amanhecer. De acordo
com um dos mais famosos mitos africanos, a via Láctea foi criada por uma menina da
raça antiga que, há muitos e muitos anos, jogou as cinzas de sua fogueira para cima,
fazendo uma estrada na escuridão do céu, para guiar de volta para casa um caçador que
estava perdido. Depois, a menina criou as estrelas brilhantes lançando raízes no céu,
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sendo que as estrelas brancas estão presentes para serem comidas, mas as vermelhas são
raízes velhas, não comestíveis.

Referência:
AFONSO, Germano Bruno. Relações afro-indígenas. Scientific American, edição
especial 14, Etnoastronomia, pp. 76.

AS PLÊIADES

As Plêiades junto à constelação do Touro; ampliação do aglomerado das Plêiades

PLÊIADES: Popularmente conhecida como Sete-estrelo ou Sete-cabrinhas, são um


aglomerado estelar pertencente à constelação do Touro, são facilmente visíveis a olho
nú e de cor azulada.

2.1 As Plêiades na mitologia grega:

As Plêiades são filhas de Pleione e Atlas. Seu pai foi punido por Zeus porque
inventou a Astronomia e trouxe para o homem o conhecimento do céu. Atlas foi
obrigado a sustentar o céu sobre os ombros durante toda a eternidade. As filhas
choravam dia e noite e nunca se conformaram com o castigo. Penalizado, Zeus levou-as
para o céu e transformou-as em estrelas. As Plêiades eram Maia (de onde se originou op
mês de maio), Taígeta, celeno, Astérope, Alcíone, Electra e Mérope. Consta que esta
última é quase invisível porque casou com um mortal, Sísifo. O nome Mérope significa
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mortal. Sísifo encontra-se no Hades, rolando, montanha acima, uma pedra que, ao
chegar ao topo da montanha torna a cair.

Referência:
AZEVEDO, Rubens de. No mundo da estelândia. São Paulo:
Editora do Brasil, 1968, p. 61.

2.2 As Plêiades na Bíblia:

Jó 9:9

“(...) sozinho desdobra os céus e caminha sobre o dorso do Mar,

Criou a Ursa e o Órion, as Plêiades e as Câmaras do Sul”

Jó 38:31

“Pode atar os laços das Plêiades, ou desatar as cordas de Órion?”

Amós 5:8

“Ele que faz as Plêiades e o Órion”

Referência:
ANÔNIMO. Bíblia de Jerusalém: nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus,
2002.

2.3 Indígenas brasileiros:

XERENTES (TOCANTINS)

Ceiuci era um fada indígena que vivia perseguida por uma fome eterna, como
relata o General Couto de Magalhães, que recolheu a lenda durante os quatro meses que
passou no Tocantins em 1865. Segundo o relato, a jovem virgem Ceiuci era a mãe do
Jurupari, que fora concebida pelo sumo do curura-do-mato que escorreu pelo ventre da
rapariga distraída. Tal sumo constitui um mero agente do Sol, Coaraci, que encontrou
em Ceiuci, a mão-modelo que deveria dar à luz o índio encarregado de modificar e
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corrigir os defeitos e males que assolavam o mundo, e, em particular, acabar com o


domínio das índias sobre os índios. Depois de eliminar a influência das mulheres,
Jurupari estabeleceu uma série de cultos e festas sagradas, proibidas ao sexo feminino.
Caso ouvissem os cantos ou ruídos dessas festas, as mulheres morriam imediatamente.
Embora conhecessem este perigo, Ceíuci desobedeceu ao filho e procurou assistir a um
dos rituais. Faleceu por causa disso. Não podendo restituir-lhe a vida, Jurupari conduziu
a mãe para o céu, onde ela se transformou nas Plêiades, conjunto de estrelas que os
índios chamam de Ceiuci.

Referência:
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Astronomia do Macunaima. RJ: Francisco
Alves, 1984, pp. 37-38.

GUARANI MBYA (RIO DE JANEIRO)

Houve um tempo em que os Guarani estavam passando grandes dificuldades para


conseguir alimentos. Nessa época nasceu na tribo Mybya uma criança muito bonita
chamada Keraná, considerada a deusa do sono porque passava a maior parte do tempoo
dormindo. Ela ensinou ao seu povo como a observação das estrelas podia ajudar nas
atividades de caça, pesca e coleta de vegetais.

Quando adulta, Keraná foi raptada e forçada a se casar com Taú, o espírito do
mal, e os dois geraram sete filhos monstros: Tejú-jaguá (um grande lagarto com sete
cabeças de cachorro); Mboi-tu-i (uma enorme serpente com bico de pagagaio), Moñai
(monstro com forma humana), Jasy-Jatereé (um menino com cabelos dourados e
enrolados que tinha o poder de ficar invisível); Aó-aó (um animal com aspecto de
ovelha, mas com garras terríveis), Kurupi (que tinha os pés virados para trás, para
confundir seus inimigos) e Huichó (um homem feio e pálido, de cabelos longos e sujos).

Como os sete irmãos causaram uma confusão danada na tribo, os sábios da aldeia
reuniu os caciques e pajés para discutir o problema e elaborar um plano a fim de destruir
os monstros. Vendo a gravidade da situação, a jovem Porásy, considerada a mãe da
beleza, se ofereceu para namorar com um dos irmãos e, na festa de casamento,
embriaga-los, de modo que não oferecessem resistência e pudessem ser derrotados.
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Na ocasião escolhida, o plano funcionou e os sete monstros foram conduzidos


para uma caverna, na qual seria ateado fogo assim que Porasy conseguisse sair. Porém,
um deles percebeu a armadilha e não deixou a mãe da beleza fugir. Ela, então, escolheu
sacrificar-se por seu povo. Seus amigos mesmo sofrendo com o sacrifício da moça,
fecharam a entrada da caverna com pedras, juntaram lenha e atearam fogo, matando
todos que estavam presos na gruta.

O espírito de Porasy saiu da gruta em forma de uma perfumada fumaça colorida,


transformando-se no planeta Vênus, conhecido pelos guarani como Mbyjá´Ko´, que
quer dizer “estrela matutina”. Já os sete irmãos monstros subiram ao céu em forma de
nuvem e, reunidos formaram o aglomerado estelar das Plêiades, chamado de Eichú, que
significa ninho de vespas.

Referência:
FONSECA, Omar Martins da. Uma viagem ao céu dos índios Guarani-Mbya. Ciência
Hoje das Crianças n. 277, 2016, p. 8-19.

2.4 As Plêiades no folclore dinamarquês

Era uma vez uma jovem que tinha sete filhas ilegítimas. Uma vez, um homem
encontrando-se com ela, disse-lhe: “Bom dia, bela jovem; para onde vai com as suas
sete bastardas? Para puni-lo, Deus o transformou em cuco. As crianças foram
transportadas para o céu em forma de estrela. Durante a estação em que as Plêiades
aparecem – dizem – o cuco perde o seu canto.

Referência:
AZEVEDO, Rubens de. No mundo da estelândia. São Paulo:
Editora do Brasil, 1968, p. 61-62.

2.5 Ditos populares brasileiros sobre as Plêiades

‘Os setes estrelos vão alto


Menina vá se deitar
Que eu também farei o mesmo
Que tenho de madrugar”
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“O Sete Estrelo vai alto


Mais alto vai o luar,
Mais alto vai a ventura
Que deus tem para me dar”

“O Sete Estrelo caiu


Numa pedra ficou coxo
O lírio com saudades
Logo se vestiu de roxo”

“Estrelas do céu, vinde à Terra


Eu quero escolher a minha
Das quatro quero a maior
Das três a mais pequenina”

“Sete Estrelo caiu


No espelho da viola
Compadeça-se menina,
Deste rapaz que te adora
O Sete Estrelo vai alto
A Lua já embarcou
Abra-me a porta, menina
Que há sete horas aqui estou
Se o Sete Estrelo falasse
Ele diria o que viu
E quantos beijos e abraços
O Sete Estrelo assistiu”

“As estrelinhas são ponto,


A Lua Cheia novelo,
Para bordar o teu nome,
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Nas letras do Sete Estrelo”

“Os Sete Estrelos vão altos


Eles muito alto vão!...
E a Lua é o celeiro
Onde o Sol guarda o pão!”

Referência:
TAHAN, Malba. As Plêiades. Diário de Notícias, rio de Janeiro, 1 de agosto de 1965, p.
36.

AS TRÊS MARIAS

O cinturão de Órion, conhecido popularmente como as Três Marias

3.1 Folclore brasileiro e ibérico sobre as Três Marias

Três Marias é o nome popular das estrelas Alnitek, Anilam e Mintaka, que
formam a Cinta ou Talabarte da constelação de Órion. De acordo com a mitologia
grega, Órion ou Oríon era um caçador gigantesco, filho de Poseidon (deus do mar).
Artemis (deusa da caça) fez com que um escorpião o picasse sendo então transformado
em constelação, junto com o artrópode.

A cristianização se deu por analogia às três mulheres de nome Maria, postadas,


segundo a tradição, lamentosamente, aos pés da cruz de Cristo: Maria Madalena - a
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pecadora arrependida, Maria de Cléofas e Maria de Salome, ou Maria Salomé, como


chegou-nos.

Explica o texto apócrifo “História de José, o Carpinteiro”, que Santa Ana


(Santana) casou-se três vezes. A primeira com São Joaquim, gerando Maria de Nazaré,
mãe de Jesus; a segunda com Cléofas, irmão de São José, nascendo outra Maria, dita
“de Cléofas” e a terceira vez com Salome, dando a terceira Maria. Maria de Cléofas
esposou Alfeu, gerando Tiago Menor e o apóstolo São Filipe. Maria de Salome teve
com Zebedeu os apóstolos São Tiago Maior e São João Evangelista. Estas três Marias
geraram a tradição da Maria Beú.

Maria Beú é um personagem do mais solene préstito religioso do ciclo quaresmal,


a Procissão do Enterro, da Sexta-feira da Paixão. No preto do luto se vestem, véu à
cabeça, lamentando de tanto em tanto a morte do Senhor com uma plangente expressão
latina:

Heu! Domine,

Salvator noster!

A dolorosa interjeição soando "héuuu..." inspirou a corruptela "beú".

Outra via de cristianização denomina as estrelas de “Três Reis Magos”. Talvez


neste sentido em especial, se liguem os seguintes versos de folias de Reis, que ouvi nos
anos noventa de dois memoráveis foliões de São João del-Rei, Luís Santana, no Bairro
São Dimas, e "Luís Candinho", no povoado do Fé:

Encontrei com as Três Marias


Numa noite de luar,
procurando a Jesus Cristo
sem nunca poder achar...
Foram dar com ele em Roma,
revestido no altar,
com o cálice bento na mão,
missa nova ia cantar.
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Na verdade estas duas quadras são muito tradicionais, conhecidas em várias


regiões, de plausível procedência ibérica.

Referência:
PASSARELLI, Ulisses. Três Marias, Tradições Populares das Vertentes, 2013.
http://folclorevertentes.blogspot.com.br/2013/10/tres-marias.html

Minas Gerais

Lá no céu tem três estrelas,


todas três em carreirinha,
uma é Cosme e Damião,
outra é Mariazinha."
(São João del-Rei, 2014)

Referência:
PASSARELLI, Ulisses. Estrelas: o brilho das tradições, 2015.
http://folclorevertentes.blogspot.com.br/2015/03/estrelas-o-brilho-da-tradicao.html

ESTRELAS CADENTES (METEORITOS/METEOROS)

4. Folclore português sobre meteoritos


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Quando pequeno me levavam às novenas de N. S.a dos Remédios de Tuizelo, na


madrugada dos primeiros dias de Setembro, observei frequentes vezes as mulherzinhas
a rezar à Virgem ao vê-la, e tenho observado hoje que quando vêem pela primeira vez a
lua nova e vêem fugir uma estrêla cadente rezam uma Salvè-Rainha e esta oração:

Estrêla brilhante,
qu’ó céu subistes,
e menino achastes;
quem seria, quem não seria,
Filho da Virgem Maria,
cobertinho c’um véu,
levai a minh’alma
d’reitinha p’ró céu
(Salvè-Raínha).
Referência:
Padre Firmino Martins, Portugal, 1987. A estrada de Santiago,
http://www.lendarium.org/narrative/a-estrada-de-santiago/?tag=349

4.2 Folclore nordestino sobre meteoritos

Na crença popular as estrelas que correm no céu são espíritos errantes, zelações,
que estão pagando os seus pecados antes de entrar no Paraíso, como nos relata Pereira
da Costa em Folclore Pernambucano.

Referência:
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Astronomia do Macunaima. RJ: Francisco
Alves, 1984, p. 45.

4.3 Folclore nordestino sobre meteoritos II

Nome popular do meteorito. O mesmo que estrela-de-rabo, devido ao rastro


luminoso que deixa ao riscar o céu velozmente. Ver uma estrela cadente é sinal de boa
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sorte. Neste átimo de luz efêmera deve-se fazer um pedido para ser atendido, desde que
não se conte a ninguém. O povo crê, tanto aqui quanto no Nordeste, que é uma estrela
comum que muda de lugar no céu. Esta quadra cantada no reis de boi (reisado, bumba-
meu-boi) potiguar registra a crença:

"A estrela no céu corre,


eu também quero correr;
ela corre atrás da lua,
eu atrás de um bem querer!"
(São Gonçalo do Amarante/RN, 1997)

Cascudo registrou em seu dicionário superstições ligadas à estrela-cadente, vestígios de


cultos astrolátricos que recebemos da Europa, via Portugal.
Referência:
PASSARELLI, Ulisses. Estrelas: o brilho das tradições, 2015.
http://folclorevertentes.blogspot.com.br/2015/03/estrelas-o-brilho-da-tradicao.html

VÊNUS

Vênus e Júpiter fotografados acima das ruínas de Stonehenge em 2008, Inglaterra (um dos mais
antigos sítios astronômicos do mundo)
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5.1 Oração à estrela da tarde (Planeta Vênus, deusa Inanna-Ishtar, Mesopotâmia


antiga)

“Aquela que chegou do alto, aquela que chegou do alto,


Eu louvarei!
A santa, que chegou do alto,
Eu louvarei!
A grandiosa rainha do Céu, Inanna
Eu louvarei!
A rocha pura incendiada no Céu, a luz divina iluminando o dia,
A grandiosa rainha do Céu, Inanna
Eu louvarei!
A santa, rainha carregada de terror dos Anunnaki
A mais nobre do céu e na terra, coroada com grandes cornos,
Filha mais velha da Lua, Inanna
Eu louvarei!
Da sua grandeza, da sua grandeza, da sua nobre excelência
Da sua brilhante chegada no céu noturno,
Da sua iluminação no céu, uma tocha pura
Da sua caminhada pelo céu, como Lua e Sol,
Vista por todas as terras do Sul ao Norte,
Da sua grandeza da santa no céu,
Para a jovem senhora eu cantarei!
A sua chegada é a de uma guerreira”.

Referência:
BARBAS, Helena (Tradutora). A saga de Inanna (antologia de poemas).
http://helenabarbas.net/traducoes/2004_Inanna_H_Barbas.pdf

5.2 Poemas a Ishtar (Planeta Vênus, autoria da sacerdotisa Enheduana, Mesopotâmia


antiga)
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“Senhora de todas as essências, cheia


de luz, boa mulher, vestida de esplendor,
que possui o amor do céu e da terra,
amiga de templo de An,
tu usas adornos maravilhosos,
tu desejas
a tiara da alta sacerdotisa
cujas mãos seguram as sete essências.”
“A primeira senhora da sala do
Trono aceitou a canção de Enheduana.
Ishtar a ama novamente.
O dia foi bom para Enheduana, pois ela
vestiu-se de jóias.
Como os primeiros raios
de luar sobre o horizonte,
Quão exuberantemente ela se vestiu!
Quando Nana, pai de
Ishtar, fez sua aparição, o palácio abençoou Ningal,
mãe de Ishtar. Da soleira da
porta celeste veio à
palavra: ‘Bem-vinda’!”

Referência:
SILVA, Flávia. Poemas sobre a deusa e o feminino.
https://peppertouch.wordpress.com/2009/05/17/poemas-sobre-a-deusa-e-o-feminino/

5.3 Folclore brasileiro sobre a Estrela D´Alva (Planeta Vênus)


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Nome popular do planeta Vênus, visto a leste, ao alvorecer. Estrela matutina.


Inspira a poesia popular, sendo citadíssima nos versos folclóricos:

"Estrela d'Alva alumiou,


coroa do rei, relampiou!"
(Congo, São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei/MG), 2014)

Sua aparição vespertina ("Estrela Vésper), a mais nítida "estrela" do cair da noite,
muitas vezes a primeira visível, ganha o nome de "Papa-ceia":

"Te arretira, Papa-ceia,


que a d'Alva quer brilhar..."
(Enunciado popular, Santa Cruz de Minas, 1995, (*))

Referência:
PASSARELLI, Ulisses. Estrelas: o brilho das tradições, 2015.
http://folclorevertentes.blogspot.com.br/2015/03/estrelas-o-brilho-da-tradicao.html

5.4 O planeta Vênus na mitologia indígena brasileira

PLANETA VÊNUS – CAIUANO-GUE

O planeta Vênus é chamado de estrela matutina, que desponta antes do nascer do


sol. Tal designação provém da lenda narrada por Akúli, índio arekuna, ao escritor
alemão Koch-Grunberg.

Conta esta lenda que um índio arekuná, ao sentir muito frio, pediu a Caiuano-gue,
a estrela da alvorada, que lhe desse fogo ou o levasse para o céu. A estrela respondeu
“Não te quero ajudar! O Sol que te ajude, pois é ele quem ganha os bolos de mandioca”.

Assim falando, Caiuano-gue desapareceu deixando ao Sol o domínio do céu. Com


efeito, é velho hábito dos índios colocarem os bolos de mandioca, depois de assados,
sobre o teto de casa, com o fim de secarem ao Sol.

Referência:
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MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Astronomia do Macunaima. RJ: Francisco


Alves, 1984.

OUTROS MITOS CELESTES

6.1 Folclore nordestino sobre o Cruzeiro do Sul

Constelação cujas principais estrelas se dispõe em forma de cruz latina, marcando


nitidamente o polo sul celestial, referência importante para os viajantes e navegadores.
Para o povo é uma prova concreta do poder de Deus, que marcou de forma perene no
céu o símbolo da redenção cristã. Os pastoris nordestinos lembram-se dessa constelação
ao saudar as dançantes do cordão azul (em oposição ao cordão encarnado, que é a outra
fileira de pastoras, de vestidos vermelhos):

"Estrela do Norte,
Cruzeiro do Sul,
vamos dar um viva
ao cordão azul!"
(Apodi/RN, 1994)

Referência:
PASSARELLI, Ulisses. Estrelas: o brilho das tradições, 2015.
http://folclorevertentes.blogspot.com.br/2015/03/estrelas-o-brilho-da-tradicao.html
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6.2 Narrativa escandinava sobre a estrela Polaris

A narrativa de Aurvandil (estrela Polar, constelação da Ursa Menor)

Inicialmente temos o diálogo de Hrungnir com Odin, onde ambos entram em


disputa para saber qual cavalo é mais rápido. Ambos acabam chegando em Asgard e o
gigante é convidado a entrar e beber com os deuses em Asgard. Ali Hrungnir fica
bêbado e pronuncia que irá matar a todos e levar a deusa Freyja embora consigo.
Cansados do visitante, mas sem poderem expulsá-lo diretamente, invocam o nome de
Thor. Os dois acabam marcando um duelo e como reforço, os gigantes produzem um
gigantesco homem de barro (Mokkurkalfi). O ajudante de Thor, Tialfi, vence o gigante
de barro, enquanto Thor consegue destruir Hrungnir. Mas metade da arma de pedra de
Hrungnir fica acidentalmente depositada no crânio de Thor, além do fato do deus ficar
preso nas pernas do gigante após o combate acabar. Seu filho de apenas três dias,
Magni, consegue libertar seu pai (Sturluson, 1998, pp. 20-24).

Após o ocorrido, Thor retorna a sua casa, em Trudvángar, com a lasca em sua
cabeça. Thor é auxiliado pela feiticeira Groa, esposa do gigante Aurvandil, o valente.
Por meio de sons mágicos (galdra), a pedra começa a se mover no seu crânio. Neste
instante, acreditando que a operação seria bem sucedida e como sinal de agradecimento
para Groa, Thor comenta que antes de chegar a sua casa, pelo caminho de volta do norte
(do reino de Jotunheimr), transportou o seu esposo Aurvandil em uma cesta. Um dos
dedos do pé do gigante, que havia ficado de fora do cesto, acaba se congelando e Thor o
parte e o arremessa ao céu, transformando-o em uma estrela, chamada O dedo de
Aurvandil (Aurvandilstá). O deus proclama para Groa que seu marido não tardará em
retornar para casa, fato que deixa a feiticeira feliz e transtornada, impedindo que o
restante da magia seja cumprido e como consequência, a lasca acaba não saindo da
cabeça do deus. Isso seria a explicação porque não se deve retirar de uma casa nenhuma
pedra de amolar, pois do contrário, fará com que a lasca do crânio de Thor se mova
(Sturluson, 1998, p. 20-24).

Referência:
STURLUSON, Snorri. Edda Menor, século XIII. Texto adaptado da tradução
espanhola de Luis Lerate, Madrid: Alianza Editorial.
22

VÍDEOS NO YOUTUBE:

- A lenda das Três Marias na tradição ibérica-portuguesa (em português, projeto visual
desenvolvido por crianças do Colégio Marista santa Maria), um minuto

https://www.youtube.com/watch?v=UDvX44efNhA

- As Três Marias e a constelação de Órion, português, oito minutos

https://www.youtube.com/watch?v=Z2RqvxC9ngo

- Tapi'i'rapé: o Caminho da Anta (Céu dos índios Aikewára), português, oito minutos

https://www.youtube.com/watch?v=1mHm3B2WHCs

- A origem da noite (mitologia celeste indígena), dublado português, seis minutos

https://www.youtube.com/watch?v=8Uo7Gn_wjgU

- As constelações dos índios brasileiros, português, 1 minuto

https://www.youtube.com/watch?v=iCtyh1nxVn8

- Mitología de las constelaciones zodiacales (mitos celestes mesopotâmicos e


clássicos), dublado em espanhol, cinco minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=ykTETMQYjC4

- Muitos povos, muitos céus: palestra com o astrônomo Valmir Cardoso sobre
Etnoastronomia, em português, uma hora e dezoito minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=YpOUYdaatK4

- Etnoastronomia: mitologias celestes indígenas, português, vinte e seis minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=iANzY4Hb4Oc

- Zodíaco, episódio da série ABC da Astronomia, português, cinco minutos

https://www.youtube.com/watch?v=DAEdMe2GfAk
23

BIBLIOGRAFIA

Aveni, A. (1993). Conversando com os planetas: como a ciência e o mito inventaram o


cosmos. São Paulo: Mercuryo.

Azevedo, R. (1968) No mundo da estelândia. São Paulo:


Editora do Brasil.

Fonseca, O. (2009). Uma viagem ao céu dos índios Guarani Mbya. Ciência Hoje das
Crianças 198, 2009, pp. 2-5.

Galdino, Luis. A Astronomia indígena. São Paulo: Nova Alexandria, 2011.

Jalles, Cíntia et al. Olhai pro céu, olhai pro chão: Arqueoastronomia. RJ: MAST, 2013.

Langer, J. (2015). Estrelas e mitos nórdicos. In: Dicionário de Mitologia Nórdica:


símbolos, mitos e ritos. São Paulo: Hedra, 2015 (Disponível na biblioteca setorial
do Centro de Educação da UFPB).
Langer, J. (2015). Constelações e mitos celestes na Era Viking. Roda da Fortuna 1(4).
Disponível em: www.academia.edu/14285645
Langer, J. (2013a). Cometas, eclipses e Ragnarök: uma interpretação astronômica da
escatologia nórdica pré-cristã. Mundo antigo 4, pp. 67-91.
www.academia.edu/7526655
Langer, J. (2013b). Eram os vikings astrônomos? Uma revisão crítica dos mapas
celestes da Etnoastronomia Escandinava. X Encontro Internacional de Estudos
Medievais, pp. 27-35. www.academia.edu/6254170
Langer, J. (2013c). O céu dos vikings: uma interpretação etnoastronômica da pedra
rúnica de Ockelbo (Gs 19). Domínios da Imagem 6(12), pp. 97-112.
www.academia.edu/4476383
Langer, J. (2013d). O zodíaco viking: reflexões sobre Etnoastronomia e mitologia
escandinava. História, imagem e narativas 16, pp. 1-32.
www.academia.edu/3384824
Mourão, R. (1984). Astronomia do Macunaima. RJ: Francisco Alves.
Ridpath, Ian. Astronomia. São Paulo: Zahar, 2011.
Scarpi, P. (2004). Politeísmos: as religiões do mundo antigo. São Paulo: Hedra.
Verdet, J. (1987). O céu: mistério, magia e mito. São Paulo: Objetiva.
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Principal bibliografia acadêmica em português sobre mitologias celestes (Verdet,


1987):

Principal recurso literário infanto-juvenil sobre mitologias celestes, ideal para o


Ensino Fundamental I:

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