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UNICEPLAC

FACULDADE DE DIREITO
DISCIPLINA: JOGOS VIRTUAIS NO DIREITO
Prof. Dr. Ivan Cláudio Pereira Borges
ATIVIDADE: LEITURA, INTERPRETAÇÃO E “RODA DE CONVERSA”.
TEXTO: “Questões fundamentais de Direito Digital no Juízo Cível.”.
AUTOR: Frederico Meinberg Ceroy. (Promotor de Justiça).
DISPONÍVEL EM: www.migalhas.com.br
ACESSO EM: 15/07/2023.

Orientações:

I. O que é uma “roda de conversa” utilizado nas universidades? É um


instrumento de trabalho proposto por C. Warschauer (Rodas e narrativas:
caminhos para a autoria de pensamento, para a inclusão e formação.
Petrópolis: VOZES, 2004), que remete ao movimento cíclico de voltar-se
constantemente para o colega ao lado, com a intenção de explorar uma
ideia, aperfeiçoar sua compreensão e tirar uma conclusão;
II. Afirmou Warschauer: “As Rodas promovem... a reflexão individual e coletiva
sobre o caráter processual da formação ... e da íntima relação com as
histórias de vida de cada um, rompendo-se assim com ciclos de reprodução
da concepção de escola e de ensino vigentes e promovendo a construção de
novos conhecimentos.”;
III. Formação de grupos de “conversa”. Nome e RA. Divisão para conter de 5 a 6
pessoas em cada grupo. Um(a) secretário(a) para resumir as ideias do
grupo. Um controlador de tempo (20 minutos de leitura + 20 minutos para
síntese de ideias principais). Entrega do texto.
IV. Pontuação: 0,25 pontos.
V. Orientação de leitura e interpretação: 1. Como o autor dividiu o texto? 2. O
que é “Internet Protocol ou IP e para que serve? 3. Qual a utilização prática
do IP no Direito Cível? 4. Qual a relação entre “Internet Protocol” e “Nome
do domínio”? 5. O que é o “diretório Whois” e para que finalidade prática
serve no Direito digital cível? 6. De que se trata o “Uniform Resource
Locator” ou “URL” e qual sua importância para autoria de “ato ilícito” e
prova no Juízo Cível? 7. Sobre o que prevê a Lei n. 12.965/14 a respeito dos
“provedores de conexão e aplicação da internet”? 8. O que são os
“provedores de conexão e aplicação da internet” e qual sua
responsabilidade no Direito digital? 9. Quais os tipos de “provedores de
internet” atualmente identificados pela Lei? 10. Qual a importância da “Ata
Notarial” para o Direito digital Cível?
Questões fundamentais de Direito Digital
no Juízo Cível
O presente artigo traz uma abordagem sobre questões fundamentais de Direito Digital
com o objetivo de permitir ao operador do direito entender as demandas que
envolvem a rede mundial de computadores. O foco do trabalho é o juízo cível. O texto
tem início pela compreensão básica da internet, ou seja, o funcionamento do
protocolo TCP/IP. Em seguida, explica a mecânica dos nomes de domínio e do Uniform
Resource Locator (URL). As várias espécies de provedores são objeto de análise para,
ao final, apresentar o conceito e os usos da ata notarial.

Fundamental Issues of Digital Law in Civil Court

This paper presents an approach on key issues of Digital Law with the aim of allowing
the operator to understand the demands of law involving the world wide web. The
paper focus is civil court. The text begins by basic understanding of the Internet, in
other words, the operation of the TCP/IP protocol. Then explains the mechanics of
domain names and the Uniform Resource Locator (URL). The various kinds of providers
are object of analysis for, to the end, present the concept and uses of notarial minutes.

I - Introdução

Há décadas o juízo criminal vem julgando as demandas envolvendo delitos praticados


na internet ou por meio dela. O sucesso do juízo criminal nestes casos se deve, em
grande parte, aos Institutos de Criminalística e aos Peritos Criminais que elaboram os
laudos periciais. Normalmente, não há grandes dificuldades para interpretar tais
laudos, muito menos existe uma necessidade de conhecimentos técnicos sobre o
funcionamento da rede mundial de computadores por parte dos magistrados
criminais.

No juízo cível a situação é totalmente diversa. Normalmente o magistrado conta,


apenas, com as informações técnicas trazidas pelas partes e, em alguns casos, com a
ajuda dos peritos oficiais.1

Por tais razões, este artigo objetiva trazer alguns conceitos básicos sobre temas
técnicos afetos à internet e, principalmente, os aspectos práticos ligados a estes
conceitos que possam levar os operadores do direito a compreenderem melhor as
demandas digitais que vem aumentando de forma avassaladora em nosso país.

A publicação do Marco Civil da Internet 2 ajudará a aumentar as demandas ligadas às


relações travadas no mundo virtual e ao que parece os operadores do direito não
estão preparado tecnicamente para lidar com estes problemas.

II - Internet Protocol/ Protocolo IP


A internet, como a conhecemos, é definida como uma rede internacional de
computadores conectados entre si.

A base que torna viável a internet é o denominado protocolo TCP/IP (Transmission


Control Protocol/Internet Protocol). Ele permite que diferentes computadores se
comuniquem entre si. O TCP/IP é a "linguagem" universal entendida por todos os
computadores conectados à rede, algo como o Esperanto na língua dos humanos.

É o Protocolo de Controle de Transmissão (TCP) que divide os dados a serem


transmitidos em pequenos pedaços nominados pacotes. Após a transmissão dos
pacotes, este mesmo protocolo os reúne para formar novamente os dados
originalmente transmitidos.

O Protocolo de Internet (IP), por sua vez, adiciona a cada pacote de dados o endereço
do destinatário para que eles alcancem o destino correto. 3

Vamos exemplificar. Eu desejo enviar um arquivo no formato Word, por meio de e-


mail, para determinado endereço eletrônico do TJDFT. 4 O Protocolo de Controle de
Transmissão irá dividir este arquivo Word em vários pedaços. A cada um dos pedaços
serão acrescentados o IP do destinatário, ou seja, o Protocolo de Internet vinculado ao
TJDFT. Quando todos estes pacotes chegarem ao TJDFT o mesmo Protocolo de
Controle de Transmissão (TCP) irá reuni-los para formar o arquivo Word com o
conteúdo original.

O que torna a internet única e eficaz é que cada um dos pacote de dados será enviado
a seu destino pela melhor rota possível. Ainda que os pacotes de informações não
trafeguem pelos mesmos caminhos, todos chegarão ao mesmo destino, no nosso
exemplo o endereço eletrônico do TJDFT.

Imponte frisar que o Protocolo de Internet (IP) diz respeito, em regra, à conexão e não
a uma máquina específica. Um endereço IP identifica determinada conexão à internet
em um dado momento.

Toda as vezes que um usuário se conecta à rede, o seu computador recebe


automaticamente do provedor de conexão 5 um endereço IP que é único durante
aquela conexão.6

Assim, em regra7, quando conseguimos identificar o número de determinado IP o que


realmente descobrimos foi o número de uma conexão efetuada em alguma parte do
planeta.

Aspecto Prático do Internet Protocol / IP

Entender o funcionamento básico do protocolo IP é indispensável para a devida


compreensão das relações jurídicas originadas na rede mundial de computadores, suas
consequências jurídicas e responsabilizações judiciais.
A identificação de autores de ilícitos passa, muitas vezes, pela identificação inicial do
protocolo IP usado durante uma conexão à internet.

É sabido que para a criação de contas de e-mails gratuitos, como Hotmail e Yahoo, os
dados indicados no ato do registro podem ser de outra pessoa ou mesmo falsos.
Assim, uma pessoa que cria uma conta de e-mail objetivando a prática de ilícitos,
dificilmente utiliza de seus próprios dados.

A requisição judicial dos dados do titular da conta de e-mail enviada ao provedor de


aplicações de internet, na maioria das vezes, não consegue atingir o objetivo de
identificar o usuário autor do ilícito.

Por isso, a identificação do endereço IP se faz necessária para sabermos de onde se


originou a conexão. De posse do endereço de IP podemos identificar o provedor de
conexão usado, a região aproximada da conexão, dentre outros dados.

Identificado o provedor de conexão8 poderá o juízo oficiar, por exemplo, requisitando


os dados cadastrais do contratante dos serviços de internet.

II - Nome de Domínio

Para que a comunicação entre os computadores9 na internet se estabeleça é


necessário que cada conexão de computador à rede esteja identificada. O responsável
por essa identificação é o protocolo IP (Internet Protocol), conforme já estudado.

Quando um usuário da internet insere em seu navegador 10 um nome de domínio, seu


computador remete ao servidor DNS imediatamente superior uma consulta. Em
termos simplificados acontece o seguinte:

1) O navegador pergunta se há algum endereço IP associado ao nome de domínio


digitado;

2) Em caso positivo, o servidor informa ao navegador o número IP associado ao nome


de domínio;

3) Logo em seguida, o navegador se dirige ao endereço IP informado e solicita a página


da web buscada e exibe o conteúdo no terminal do usuário. 11

As conexões ocorrem por meio do número de IP. O nome de domínio é o "rosto


amigável" da web que introduz um vocabulário mais próximo da realidade das
pessoas.

Na ausência deste sistema de vinculação entre o nome de domínio e número IP, seria
necessário digitar o número de IP para acessar uma determinada página.

No Brasil, a instituição responsável pelo registro dos domínios com final ".br" é o
Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Entretanto, é importante pontuar que o "CGI.br"
nunca assumiu por si mesmo a função. Desde 2005 a gestão do registro de domínios
foi delegada ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), pessoa
jurídica de direito privado, sem fins lucrativos.

Deste modo, o registro de um nome de domínio pode ser realizado diretamente junto
ao NIC.br, por meio do serviço "Registro.br", ou através de provedores credenciados
como UOL ou Locaweb.

Todo o procedimento de registro, no Brasil, é feito de forma on-line.

No ato do registro são exigidos dos requerentes uma série de informações como:
nome; CPF ou CNPJ; endereço físico; e-mail; nome do responsável e número de
telefone.

Aspecto Prático do Nome de Domínio

Uma ferramenta extremamente útil para identificar o detentor de um determinado


domínio é o diretório "Whois".12

No Brasil, para os domínios com o final ".br", o mencionado diretório é gerido pelo
Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). A consulta ao diretório
"Whois" brasileiro é totalmente aberta podendo ser consultada por qualquer pessoa.

A titulo de exemplo, vamos mostrar os caminhos para a consulta sobre a titularidade


de determinado domínio nacional. Para descobrirmos a titularidade do domínio
"tjdft.jus.br" devemos digitar o seguinte endereço no navegador do terminal:
"https://registro.br/cgi-bin/whois/". Após, devemos digitar o domínio a ser consultado,
no nosso caso "tjdft.jus.br".

O resultado obtido será o seguinte:


Em conclusão, de posse, apenas, de um determinado nome de domínio podemos
obter informações importantes sobre sua titularidade, tudo sem a necessidade de
ordem judicial, afinal a consulta às informações é pública conforme diretrizes traçadas
pelo próprio NIC.br.

III - Uniform Resource Locator (URL)

O nome de domínio está inserido dentro de uma estrutura chamada de Uniform


Resource Locator (URL). Ela é formada por uma sequência de caracteres que nomeia
recursos como documentos e imagens na internet.

Esta sequência de caracteres indica o protocolo utilizado para a comunicação na


internet;14 a autoridade, consistente em um nome de domínio ou endereço IP; e a rota
que pode ser empregada para especificar a localização de um arquivo. 15

Vamos usar a URL abaixo para exemplificar:

https://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/pgj

Em nosso exemplo, o "https://" diz respeito ao protocolo de comunicação


nominado Hyper Text Transfer Protocol.

Já o "mpdft.mp.br" informa sobre a autoridade, neste caso um nome de domínio que


identifica o titular da fonte de informação.

O "portal/index.php/pgj", por sua vez, é a rota que indica a localização da página


dentro da fonte identificada pelo nome de domínio.
Por fim, "www" (Word Wide Web) significa que os dados buscados formam um
documento com hipervínculos e que contém textos, imagens, sons ou outro conteúdo
multimídia.

Aspecto Prático do Uniform Resource Locator (URL)

A indicação do URL em demandas envolvendo o Direito Digital é de suma importância.

Em casos em que há a necessidade de se requisitar informações, ou mesmo em


situações de retiradas de conteúdos de redes sociais, a indicação da URL é
provavelmente mais importante que o e-mail cadastrado pelo usuário infrator ou a sua
identidade virtual (ID).

Importa pontuar que para post na rede social Facebook e para


cada tweet no Twitter existe um URL específico.

Deste modo, no caso de retirada de conteúdo ofensivo das Redes Sociais há


necessidade imperiosa de indicar o URL específico do conteúdo danoso. Se existirem,
por exemplo, 40 tweets com conteúdo ilícito deverá o requerente indicar o URL de
cada um dos tweets sob pena de não efetivação da ordem judicial.

IV - Os Provedores e a Guarda dos Registros

A Lei n. 12.965/14, também conhecida como Marco Civil da Internet, 16 estabelece


princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

O capítulo III da norma traz disposições a respeito dos provedores de conexão e de


aplicação de internet. A devida compreensão do capítulo, e do Marco Civil como um
todo, passa, necessariamente, pela conceituação destes provedores.

O professor Marcel Leonardi, do Programa de Educação Continuada do DIREITO GV


(GVlaw), em texto17 anterior ao Marco Civil, conceituou os chamados provedores de
serviços de internet.

Para Leonardi, provedor de serviços de internet é gênero do qual as demais categorias


são espécies. Assim, provedor de internet é a pessoa natural ou jurídica que fornece
serviços relacionados ao funcionamento da internet, ou por meio dela.

Como se verá à frente, a qualidade de pessoa natural ou jurídica será essencial para
caracterização da obrigação da guarda automática dos registros de acesso a aplicações
de internet.18

A primeira espécie de provedor, na doutrina de Leonardi, é o chamado Provedor de


Backbone ou Provedor de Estrutura. Ele é a pessoa jurídica proprietária das redes
capazes de administrar grandes volumes de informações, constituídos por roteadores
de tráfego interligados por circuitos de alta velocidade. O Marco Civil da Internet não
faz referência a este provedor, afinal o usuário final da internet dificilmente terá
alguma relação jurídica direita com ele. No Brasil, a Embratel é o principal provedor de
estrutura.

Já o Provedor de Acesso ou Provedor de Conexão é a pessoa jurídica fornecedora de


serviços que consistem em possibilitar o acesso de seus consumidores à internet. Para
sua caracterização, basta que ele possibilite a conexão dos terminais 19 de seus clientes
à internet. Em nosso país os mais conhecidos são: Net Virtua, Brasil Telecom, GVT e
operadoras de telefonia celular como TIM, Claro e Vivo, estas últimas que fornecem o
serviço 3G e 4G.

Quanto a este provedor, é importante frisar que o Marco Civil da Internet operou certa
alteração no mencionado conceito ao afirmar que, na provisão de conexão à internet,
cabe ao administrador de sistema autônomo o respectivo dever de manter os registro
de conexão.20 Tendo, ainda, definido como administrador de sistema autônomo a
pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço IP específicos e o
respectivo sistema autônomo de roteamento devidamente cadastrado no ente
nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente
referentes ao País.21

O Provedor de Correio Eletrônico é a pessoa jurídica fornecedora e serviços que


consistem em possibilitar o envio de mensagens do usuário a seus destinatários,
mediante o uso de um nome de usuário e senha exclusivos. Os provedores de correio
mais populares são Gmail (Google), Yahoo e Hotmail (Microsoft). Importante frisar que
alguns provedores de hospedagem também oferecem o serviço, entretanto, de forma
remunerada, na maior parte dos casos.

O Provedor de Hospedagem,22 por sua vez, é a pessoa jurídica fornecedora de serviços


que consistem em possibilitar o armazenamento de dados em servidores próprios de
acesso remoto, permitindo o acesso de terceiros a esses dados, de acordo com as
condições estabelecidas com o contratante do serviço. Um provedor de hospedagem
oferece dois serviços distintos: o armazenamento de arquivos em um servidor e a
possibilidade de acesso a tais arquivos. Em nosso país os provedores de hospedagem
mais conhecidos são o UOL Host e a Locaweb.

Os provedores de hospedagem podem, também, oferecer plataformas prontas para


seus usuários, objetivando acessar websites (Google), blogs (WordPress), publicação
de vídeos (YouTube), acesso a músicas (Spotify), criação de websites (Wix) e redes
sociais (Facebook, Twitter, Google+, etc).

O Provedor de Conteúdo é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na internet


as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação (ou autores),
utilizando servidores próprios ou os serviços de um provedor de hospedagem para
armazená-las. São diversos os exemplos de provedores de conteúdo, já que englobam
desde pessoas naturais que mantêm um website ou blog pessoal a grandes portais de
imprensa.

Finalmente, o Provedor de Informação é o efetivo autor da informação.


Doutrinariamente a melhor nomenclatura para este agente é, simplesmente, autor.
Assim, a pessoa natural que mantenha um website, ou mesmo uma conta em uma
rede social, é um provedor de conteúdo. Se esta mesma pessoa insere informações no
site, ela passa a ser, também, um provedor de informação ou autor.

O Marco Civil da Internet, por sua vez, não traz nenhuma definição específica sobre os
provedores. A Lei brasileira trata, especificamente, de duas espécies de provedores, os
de conexão e de aplicação de internet.

Quanto aos primeiros, Provedores de Conexão à Internet, não há maiores dificuldades,


pois correspondem à definição clássica de provedor de acesso ou provedor de conexão
(Marcel Leonardi); provedores de serviço de acesso - PSAs (Ronaldo Lemos) e internet
service provider - ISP, este último na língua inglesa.

A dificuldade conceitual ocorre ao se analisar os chamados Provedores de Aplicação de


Internet (PAI). Estes, grosso modo, se assemelham aos provedores de serviços online -
PSOs ou online service provider - OSP.

O Marco Civil da Internet, em seu artigo 5°, trouxe algumas definições, entretanto não
tratou de conceituar as espécies de provedores.

Neste ponto, acredito importante trazer os ensinamentos da professora Patrícia Peck


Pinheiro ao lecionar sobre os Contratos na Era Digital. Segundo Peck, o primeiro
diferencial dos Contratos na Era Digital é a necessidade do emprego de um glossário
em seu bojo, que estabeleça o significado dos termos técnicos empregados no
contrato. Isso para possibilitar um menor grau de interpretação, diminuindo o risco de
duplo sentido ou de má compreensão do que está sendo contrato. 23

Seguindo esta linha de pensamento, o Marco Civil da Internet, também, deveria ter
trazido em seu texto alguns conceitos indispensáveis, como por exemplo, o de
provedores de aplicação da internet. Infelizmente este conceito não veio e poderá
gerar, em um futuro próximo, discussões jurídicas totalmente dispensáveis e teses
judiciais protelatórias.

Entretanto, o inciso VI, do mesmo artigo 5°, nos dá uma pista sobre o conceito de
provedores de aplicação da internet. Diz o mencionado inciso que se considera
aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por
meio de um terminal conectado à internet.

Consequentemente, podemos chegar a um conceito inicial de provedor de aplicação


da internet (PAI) pela conexão das definições expostas no inciso VI, do artigo 5° e
na Webopedia sobre Online Service Provider (OSP).

Provedor de Aplicação de Internet (PAI) é um termo que descreve qualquer empresa,


organização ou grupo que forneça um conjunto de funcionalidades que podem ser
acessadas por meio de um terminal conectado à internet.

Em primeira análise, o conceito já exclui o provedor de infraestrutura (backbone) e o


provedor de conexão (provedor de acesso ou PSAs), este último pela clara separação
realizada no bojo do próprio Marco Civil entre provisão de conexão e provisão de
aplicações de internet.

Em um segundo momento, concluo que o conceito de PAI inclui o provedor de correio


eletrônico, o provedor de hospedagem e o provedor de conteúdo. Por óbvio, o
provedor de serviços online (PSOs) também está incluído no conceito, mesmo porque
os dois estão intimamente entrelaçados.

Continuando o estudo, nota-se que o artigo 15, caput, ajuda na tarefa de chegar a um
conceito final de provedor de aplicação de internet. Diz o citado artigo que:

O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que


exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos
deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo,
em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do
regulamento.

Uma análise apressada da disposição poderia nos levar à conclusão de que somente as
pessoas jurídicas, organizadas, profissionais e com fins econômicos estariam abarcadas
pelo conceito de PAI. Nada mais equivocado.

O parágrafo primeiro do próprio artigo 15 desfaz o equívoco ao afirmar que:

Ordem judicial poderá obrigar, por tempo certo, os provedores de aplicações de


internet que não estão sujeitos ao disposto no caput a guardarem registro de acesso a
aplicações de internet, desde que se trate de registros relativos a fatos específicos em
período determinado.

Diante de todas estas informações, podemos chegar a um conceito derradeiro sobre a


provisão de aplicação de internet.

Provedor de Aplicação de Internet (PAI) é um termo que descreve qualquer empresa,


organização ou pessoa natural que, de forma profissional ou amadora, forneça um
conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal
conectado à internet, não importando se os objetivos são econômicos.

Do conceito acima exarado diversas situações práticas e controvertidas podem surgir:

A primeira conclusão do mencionado conceito diz respeito à possibilidade de pessoa


natural figurar como provedor de aplicação de internet. Assim, por exemplo, se uma
pessoa natural mantém um blog onde exista página interna com fórum de discussão
entre os usuário da plataforma, gerida pela pessoa natural, não há dúvida sobre sua
configuração como PAI. Pelo disposto no Marco Civil, ordem judicial poderá
determinar que esta mesma pessoa natural, não profissional, que mantenha o blog
sem fins econômicos, guarde registros de acesso a aplicações de internet. No exemplo,
registro de acesso ao fórum.
Outra consequência versa sobre a impossibilidade de determinados administradores
de sites ou aplicativos, como Wikipédia, argumentarem que não são PAI por não
auferirem lucros com a manutenção do site. Como visto, a finalidade econômica não é
requisito para configuração do PAI e estes sites poderão, por meio de ordem judicial,
serem obrigados a guardar os registros de acesso a aplicação de internet.

V - Ata Notarial

Uma das grandes dificuldades em se fazer prova no juízo cível diz respeito à
formalização dos conteúdos multimídia oriundos da rede mundial de computadores.

No juízo penal o encargo, na maioria das vezes, fica a cargo da autoridade policial que
possui o Instituto de Criminalística como auxiliar das investigações.

No juízo cível, em grande parte das demandas, a prova pré-constituída deve ser
formalizada pelo advogado suplicante.

Como então formalizar páginas de websites que no próximo segundo pode ser retirada
do ar? Os posts em redes sociais que num piscar de olhos são apagados. E as
mensagens por meio do comunicador WhatsApp?

A solução para estes problemas na seara cível é dada pelo uso da chamada Ata
Notarial. Ata Notarial é definida pela doutrina como:

Ata notarial trata-se de uma das espécies do gênero instrumento público notarial, por
cujo meio o tabelião de notas acolhe e relata, na forma legal adequada, fato ou fatos
jurídicos que ele vê e ouve com seus próprios sentidos, quer sejam fatos naturais quer
sejam fatos humanos, esses últimos desde que não constituam negócio jurídico. 24

Através da Ata Notarial qualquer pessoa pode, através de um tabelião, documentar


tudo que está disponível na rede mundial de computadores ou mesmo na tela de um
celular.

O requerente indicará o endereço eletrônico onde é encontrado o conteúdo ilícito e o


tabelião irá relatar em documento próprio o que viu e ouviu, neste último caso quando
existir material em áudio. A ata notarial poderá conter imagens referentes ao
conteúdo relatado.

O mesmo procedimento pode ser adotado para comunicadores que usam os


chamados SmartPhones como plataforma. Na atualidade o mais conhecido é o
comunicador WhatsApp. Por meio da Ata Notarial o tabelião poderá relatar o
conteúdo de mensagem ilícita recebida, indicando o nome do usuário e o número do
telefone usado para o envio.

VII - Conclusão

As relações sociais tem cada vez mais migrado para a rede mundial de computadores.
Esta migração vem acompanhada de diversos problemas, mormente na seara cível.
O judiciário em um futuro próximo será inundado por demandas originadas do
ambiente virtual. O Marco Civil da Internet é a primeira de muitas leis de virão para
normatizar as relações jurídicas cibernéticas.

Concluo que o juízo cível, ao contrário do juízo criminal que é auxiliado pelos Institutos
Criminalística, não estão preparados para julgar as citadas demandas de Direito Digital.

A preparação dos operadores do direito no âmbito civil passa necessariamente pela


obtenção de conhecimentos técnicos básicos sobre o funcionamento da internet e as
consequências jurídicas e fáticas deste funcionamento.

O operador do Direito Digital não poderá desconhecer aspectos técnicos como


tradicionalmente ocorria. Tais conhecimentos são de suma importância para o êxito de
demandas envolvendo a rede mundial de computadores e as relações jurídicas
oriundas delas.

_______________

Referências

LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

LEONARDI, Marcel. Internet: elementos fundamentais. in Responsabilidade Civil na


Internet e nos demais meios de comunicação, coordenado por Regina Beatriz Tavares
da Silva e Manoel J. Pereira dos Santos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARTINS, Rafael Tárrega. Internet - nome de domínio e marcas: aproximação ao tema


e notas sobre a solução de conflitos. Campinas: Servanda Editora, 2008.

PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

_______________

1 Artigo 145, caput, do Código de Processo Civil: "Quando a prova de fato depender de
conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto
no art. 421".

2 Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014.

3 LEONARDI, Marcel. Internet: elementos fundamentais. in Responsabilidade Civil na


Internet e nos demais meios de comunicação, coordenado por Regina Beatriz Tavares
da Silva e Manoel J. Pereira dos Santos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 80.

4 exemplo@tjdft.jus.br

5 O conceito de provedor de conexão será, ainda, analisado neste artigo.


6 LEONARDI, Marcel. Internet: elementos fundamentais. in Responsabilidade Civil na
Internet e nos demais meios de comunicação, coordenado por Regina Beatriz Tavares
da Silva e Manoel J. Pereira dos Santos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81.

7 Duas são as espécies de IPs: os estáticos e os dinâmicos. Os IPs dinâmicos, que se


alteram a cada conexão, são os mais comuns.

8 São exemplos de provedores de conexão: Net Virtua; GVT e Operadoras de Telefonia


celular como Tim e Vivo.

9 O Marco Civil da Internet usa a terminologia "terminal". Segundo o inciso II, do artigo
5°, do Marco Civil da Internet, terminal é o computador ou qualquer dispositivo que se
conecta à internet.

10 São exemplos de navegadores o "Internet Explorer" da Microsoft e o "Safari" da


Apple.

11 MARTINS, Rafael Tárrega. Internet - nome de domínio e marcas: aproximação ao


tema e notas sobre a solução de conflitos. Campinas: Servanda Editora, 2008, p.35.

12 Who is?

13 Consulta realizada em 22/10/2014.

14 Como por exemplo o http quando envolver páginas na web.

15 MARTINS, Rafael Tárrega. Internet - nome de domínio e marcas: aproximação ao


tema e notas sobre a solução de conflitos. Campinas: Servanda Editora, 2008, p. 40.

16 Alguns de forma exagerada nominaram o Marco Civil da Internet como a


Constituição da internet. Posição esta que discordamos.

17 LEONARDI, Marcel. Internet: elementos fundamentais. in Responsabilidade Civil na


Internet e nos demais meios de comunicação, coordenado por Regina Beatriz Tavares
da Silva e Manoel J. Pereira dos Santos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

18 Artigo 15, caput, do Marco Civil da Internet.

19 Terminal, segundo o Marco Civil da Internet, em seu artigo 5°, inciso II, é o
computador ou qualquer dispositivo que se conecte à internet, como tablets e
celulares.

20 Artigo 13, caput, do Marco Civil da Internet

21 Artigo 5°, inciso IV, do Marco Civil da Internet

22 Marcel Leonardi observa que o jargão informático consagrou a utilização do termo


"provedor de hospedagem", tradução direta da expressão "hosting provider" em
inglês. Para Leonardi, o serviço prestado não guarda qualquer relação com o contrato
típico de hospedagem, pois é, na realidade, cessão de espaço em disco rígido de
acesso remoto.

23 PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 433.

24 SILVA, João Teodoro da. Ata Notarial Sua utilidade no cenário atual Distinção das
Escrituras Declaratórias. In: SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de (coord.), Ideal Direito
Notarial e Redistral. São Paulo: Quinta Editorial, 2010, p. 33.

_______________

*Frederico Meinberg Ceroy é promotor de Justiça do MP/DF e presidente do Instituto


Brasileiro de Direito Digital - IBDDIG.

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