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Copyright © 2020 Adalberto Cardoso

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1ª edição – 2020
Preparação de originais: Sandra Frank
Projeto gráfico de miolo e diagramação: Abreu’s System
Revisão: Fatima Caroni
Capa: Estúdio 513
Desenvolvimento de eBook: Loope – design e publicações digitais | www.loope.com.br
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV
Cardoso, Adalberto Moreira, 1961-
Classes médias e política no Brasil : 1922-2016 / Adalberto Cardoso. – Rio de Janeiro : FGV Editora, 2020.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5652-000-1
1. Classe média – Atividades políticas – Brasil. 2. Movimentos estudantis – Brasil. I. Fundação Getulio Vargas. II. Título.
CDD – 305.55
Elaborada por Amanda Maria Medeiros López Ares – CRB-7/1652
Para Liam e Noah
Sumário

Capa
Folha de Rosto
Créditos
Dedicatória
Agradecimentos
Introdução
Uma política de classe?
Sobre a definição de classes médias
Uma palavra sobre as fontes e o método
Capítulo 1 | A política das classes médias
“O radicalismo das classes médias”35
Capítulo 2 | O longo ciclo de Vargas
Introdução
Os “tenentes” em marcha
Em busca de distinção
As classes médias contra Getúlio Vargas
O “presidente bossa-nova”
O moralismo das classes médias em chave popular
Às voltas com o espectro de Vargas
Capítulo 3 | As classes médias encaram (e enfrentam) a ditadura
Introdução
Estudantes em marcha
Um espírito de época
Cem mil nas ruas do Rio
As classes médias em armas
O “milagre” brasileiro e a aquiescência das classes médias
Contra ditadores, eleições
Classes médias e a “distensão”
A classe média estudantil, de novo
Coda
Capítulo 4 | Classes médias e o golpe parlamentar de 2016
Introdução
Breve crônica de um golpe anunciado
Uma hipótese de trabalho
Classes médias em pugna
Antecedentes
Distinção
A matriz discursiva
Matriz discursiva e identidade de classe
Identidades excludentes
Coda
Conclusão
Fontes primárias consultadas
Acervos de jornais e revistas
Pesquisas de opinião
Referências
Lista de tabelas, gráficos e figuras
Agradecimentos

Em maio de 2016, ao discutir com Edmond Préteceille versão preliminar do


livro que estávamos escrevendo juntos sobre classes médias no Brasil, ele
me perguntou: “Mas e a política? Não podemos escrever um livro sobre
classes médias sem discutir sua atuação política”. Comecei, então, a
escrever um capítulo sobre isso para nosso livro conjunto (Cardoso e
Préteceille, 2020). Contudo, o que era para ser um capítulo curto acabou se
avolumando, e o resultado é o livro que o leitor tem em mãos. Agradeço ao
meu amigo Edmond pela generosidade em permitir que eu publique aqui a
versão preliminar (antes da intervenção dele) do capítulo IV, sobre a
atuação daquelas classes durante a crise de 2013-2016 no Brasil.
Meu colega e amigo Cesar Guimarães leu partes do texto, e seus comen‐
tários sempre agudos e eruditos são um brilho para qualquer analista da
realidade brasileira. A interlocução com Wanderley Guilherme dos Santos
sobre vários dos temas tratados aqui foi igualmente decisiva. Sou muito
grato à generosidade e ao rigor intelectual de ambos.
Expus migalhas dos argumentos nos almoços regulares com Maria Regina
Soares de Lima, Fabiano Santos, Breno Bringel, Argelina Figueiredo,
Fernando Guarnieri, Christian Lynch, Letícia Pinheiro, João Feres Júnior,
Carlos Antônio Costa Ribeiro, Fernando Fontainha, Luiz Augusto Campos
e José Szwako, todos muito simpáticos diante de minha obsessão
monotemática, e recebi sugestões de leitura e comentários sobre meus
achados que, dispersos no tempo, não poderão ser devidamente creditados
ao longo do texto. Espero que cada um se reconheça no resultado final,
mesmo que discorde dele.
Versão preliminar do capítulo sobre o “longo ciclo de Vargas” foi
discutida no Groupe de Réflexion sur le Brésil Contemporain, coordenado
por Afrânio Garcia na École des Hautes Études en Sciences Sociales
(EHESS), em novembro de 2017 em Paris. Agradeço particularmente os
comentários de Afrânio e de Marcelo Ridenti, que ajudaram a aperfeiçoar o
argumento. Com Afrânio tive longas conversas durante os almoços
conjuntos quando de sua estada no Iesp-Uerj em 2016 e 2017. Grande
conhecedor da história das ideias do país, brindou-me com generosa
atenção, que me obrigou a ser mais cuidadoso do que normalmente sou na
abordagem de certos temas. Versão já mais elaborada do mesmo capítulo II
foi apresentada em março de 2018 no IV Simpósio Nacional sobre
Democracia e Desigualdades, promovido pelo Grupo de Pesquisa sobre
Democracia e Desigualdades (Demodê), do Instituto de Ciência Política da
UnB, sob coordenação de Carlos Machado. Agradeço em especial os
comentários de Flavia Biroli, Carlos Machado e André Kaysel.
No Núcleo de Pesquisas e Estudos do Trabalho (Nupet) apresentei versões
dos três primeiros capítulos. Agradeço a Alexander Englander, André Luís
de Carvalho, Cecília Soares, Daniel Soares, Jana Leal, Jefferson B. Freitas,
Julián Gindin, Miriam Starosky, Pedro Cazes, Roberto Di Benedetto,
Thiago Brandão Peres e Tomás Garcia pelas leituras atentas e os generosos
comentários. Tenho orgulho da companhia intelectual de estudantes e agora
colegas de alto nível, e espero que nossa interlocução seja longa e
produtiva.
Dedico a Lucas Page Pereira agradecimento especial. Sua leitura atenta e
minuciosa me obrigou a rever extensamente o capítulo IV, revisão que,
espero, terá correspondido ao menos em parte às suas expectativas. Muitas
de suas sugestões de revisão demandariam novas pesquisas em novas
fontes, bem como novos métodos de análise de dados e documentos. Estão
devidamente registradas na nuvem, à espera de conjuntura mais propícia.
Agradeço à Faperj pela bolsa Cientista do Nosso Estado, ao CNPq pela
bolsa de Produtividade em Pesquisa, à Capes e ao Cofecub pelo
financiamento da cooperação com Edmond Préteceille e Marco Oberti,
origem da ideia desta investigação, e à Finep pelo financiamento
institucional do Iesp-Uerj até 2015. Agradeço muito especialmente ao
CNPq pela bolsa de Pesquisador Sênior concedida no segundo semestre de
2018, que permitiu que eu terminasse o livro em Paris, no conforto do
Observatoire Sociologique du Changement. Agradeço novamente a Marco
Oberti, então diretor do OSC, pela gentil e amiga acolhida.
Não posso deixar de agradecer aos servidores do Iesp-Uerj, que, em
condições muito adversas, tendo em vista a crise do estado do Rio de
Janeiro, foram leais ao Instituto nos momentos mais agudos de penúria,
mantendo os serviços essenciais mesmo quando o governo atrasou salários
por 3 meses. Agradeço particularmente a Alessandra Moreira Fonseca, que
secretariou com competência e carinho os quase cinco anos em que fui
diretor do Instituto, reduzindo o fardo da tarefa.
Por fim, agradeço a Marieta de Moraes Ferreira, da Editora FGV, por ter
acreditado no projeto.
Que se sintam, todos e todas, isentos de responsabilidade pelo resultado.
Introdução

Em junho de 2013, uma série de mobilizações de rua transformou


profundamente a cena política brasileira.1 Inaugurou-se inegável ciclo de
protestos (Tarrow, 1995), cujo estopim foi aceso pelo Movimento Passe
Livre (MPL),2 que saiu às ruas de São Paulo entre 6 e 13 de junho em
reação ao aumento de R$ 0,20 (vinte centavos) nas tarifas de ônibus. A
violenta repressão policial que se abateu sobre os manifestantes, que
resultou na prisão de centenas de ativistas, além de provocar ferimentos em
outros tantos, trouxe às ruas levas de pessoas de início solidárias aos jovens
do MPL, mas que em seguida ampliaram sobremaneira os temas em
disputa. O ápice das mobilizações ocorreu em 20 de junho, quando pelo
menos um milhão de brasileiros/as tomou as ruas em mais de cem cidades,
portando cartazes e faixas com os mais diferentes dizeres, alguns coletados
por André Singer:
“Copa do Mundo eu abro mão, quero dinheiro pra saúde e educação”, “Queremos hospitais
padrão Fifa”, “O gigante acordou”, “Ia ixcrever augu legal, maix fautô edukssão”, “Não é mole,
não. Tem dinheiro pra estádio e cadê a educação”, “Era um país muito engraçado, não tinha
escola, só tinha estádio”, “Todos contra a corrupção”, “Fora Dilma! Fora Cabral! PT =
Pilantragem e Traição”, “Fora Alckmin”, “Zé Dirceu, pode esperar, tua hora vai chegar” [Singer,
2013:25].

Os movimentos de junho politizaram a vida cotidiana de maneira


imprevista em sua dimensão e pluralidade, e logo ficou claro que a
população estava nas ruas por muito mais do que os vinte centavos de
aumento dos ônibus paulistanos.3 Análises mais finas dos acontecimentos
mostraram que o tema da corrupção ganhou crescente visibilidade nos
protestos, e, nas grandes marchas de junho de 2013, ao menos em São
Paulo metade dos manifestantes disse estar ali para protestar contra a
corrupção nos governos do Partido dos Trabalhadores (Tatagiba, 2017).
Pesquisas feitas no calor da hora em várias cidades do país durante as
manifestações construíram o perfil dos participantes. Singer (2013)
sintetizou algumas delas. Em São Paulo e Belo Horizonte mais de 50%
tinham 25 anos de idade ou menos, contra 41% no Rio de Janeiro. Pesquisa
do Ibope em oito capitais encontrou a cifra de 43% com idade entre 14 e 24
anos. Logo, em 20 de junho os manifestantes eram majoritariamente jovens.
Além disso, na pesquisa Ibope, 43% tinham diploma universitário, e era
residual a presença de pessoas com ensino fundamental. Em São Paulo a
proporção de pessoas com educação superior se aproximou de 80%, e 66%
em Belo Horizonte. E mais, apenas 15% dos que foram às ruas nas oito
capitais cobertas pelo Ibope tinham renda familiar de dois salários mínimos
ou menos. Isso levou Singer a concluir pela “virtual ausência da base da
pirâmide social brasileira nas manifestações” (idem:28). As ruas foram
tomadas por jovens de famílias de classe média e alta, particularmente em
São Paulo e Belo Horizonte.
O caráter majoritário de classe média dos movimentos de junho se
aprofundaria nos meses e anos seguintes. Aumentaria, também, a
polarização e a radicalização dos movimentos, que culminariam nas
grandes manifestações pró e contra o impeachment da presidenta Dilma
Rousseff em 2015 e 2016, todas elas com nítido perfil de classe média,
segundo as pesquisas disponíveis e que serão detidamente analisadas aqui.
O que teria levado as classes médias uma vez mais às ruas para afirmar,
nelas e não pelos canais da institucionalidade democrática, suas
preferências políticas?
A pergunta tem elementos que cabe esclarecer. É fato que as classes
médias foram “uma vez mais” às ruas, e novamente mobilizando milhões
de pessoas. Eventos semelhantes ocorreram em 1964, nas “Marchas da
Família com Deus pela Liberdade”, nos protestos contra a ditadura militar-
civil em 1968, no movimento pelas “Diretas Já” em 1984 e nas
mobilizações pelo impeachment de Fernando Collor de Melo em 1992. Em
todos esses casos os movimentos foram liderados por segmentos das classes
médias, ou foram por eles encampados logo que ganharam visibilidade
pública. E as classes médias não se bateram pelas mesmas causas: em 1964
apoiaram os militares contra João Goulart, em 1968 parte delas estava com
as esquerdas contra a ditadura, em 1984 marcharam com as demais forças
populares pela democracia, em 1992 expressaram sua indignação moral
contra a corrupção, algo que voltaria a mobilizá-las de 2013 em diante.
Se os temas e as motivações variaram, assim como a composição interna
das classes médias, a ida às ruas teve sempre o mesmo propósito: forçar os
incumbentes do poder a mudar o curso das políticas públicas, ou tentar
destituí-los caso a mudança não se mostrasse viável. Na experiência
brasileira recente, as classes médias que se mobilizaram e foram às ruas
conseguiram seu intento (destituir governos) sob a democracia (Jango,
Collor e Dilma), mas não conseguiram mudar o curso das políticas, ao
menos no caso da ditadura de 1964 (protestos de 1968 e Diretas Já).
O segundo elemento da pergunta é mais complexo, e é o motivo pelo qual
resolvi escrever este livro. Ele opõe, como formas distintas de participação
política, as ruas e os movimentos que nela expressam interesses,
identidades, visões de mundo e poder de arregimentação e mobilização
coletiva; e a institucionalidade democrática, isto é, o acesso a instâncias
decisórias no aparelho de Estado por meio de eleições, a alternância no
poder que isso eventualmente proporcione, a formulação de políticas
públicas nas instâncias representativas daí decorrentes etc. As duas coisas
não são, obviamente, excludentes. É fácil demonstrar que o povo nas ruas
foi ator central no aprofundamento e consolidação das democracias do
ocidente como regimes políticos mais inclusivos e ordenamentos
econômicos mais igualitários (Thompson, 1987; Pateman, 1992; Feres
Júnior e Pogrebinschi, 2010). Isso inclui o Brasil (Oliveira, 2002). Mas é
fácil demonstrar, também, que as mobilizações coletivas (as ruas) nem
sempre têm no horizonte o aperfeiçoamento, o aprofundamento ou a
melhoria da ordem democrática. Vivemos o contrário disso no Brasil em
conjunturas dramáticas como o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, o golpe
militar-civil de 1964 e novamente os golpes parlamentares de 1992 contra
Collor e de 2016 contra Dilma Rousseff4, todos apoiados por segmentos
muito mobilizados das classes médias. Nesses casos de derrubada de
governos, esses segmentos se bateram contra a institucionalidade
democrática, e fizeram-no convocando agentes do próprio aparelho de
Estado (os militares, o parlamento, o judiciário) a voltar-se contra os
incumbentes do poder executivo, ao passo em que, nas ruas, procuraram
arregimentar o apoio de outras classes sociais, sobretudo as classes mais
altas. Apenas a luta contra a ditadura militar-civil de 1964 teve no horizonte
a restauração das “liberdades democráticas”, lema da resistência à ditadura
a partir de meados da década de 1970, como veremos. São esses distintos
engajamentos de diferentes setores das classes médias e seus impactos na
vida política da nação que cumpre explicar.
Dizendo mais enfaticamente: defendo o ponto de vista de que as classes
médias foram atores decisivos nas conjunturas mais críticas da construção
nacional. Contudo, sua importância para a dinâmica política e a evolução
social do país esteve muito longe de ser devidamente reconhecida por
nossas ciências sociais. Contam-se nos dedos os estudos que têm na relação
dessas classes com a política o objeto principal de análise. Este livro se
pretende modesta contribuição a esse campo, por injustiça, tão pouco
atraente. Espero trazer elementos que contribuam para elucidar aspectos
que julgo centrais da tensa relação das classes médias com a política, tanto
no que respeita à identidade dessas classes como para os processos sociais e
políticos que delas se alimentam.

Uma política de classe?


As classes médias têm sido tratadas por parte da literatura mais tradicional
sobre as lutas de classes no país, como segmentos ou estratos de classe que
nunca dispuseram de projeto político próprio, estando, por isso, disponíveis
para engajamentos múltiplos e variáveis segundo as conjunturas,
posicionando-se de forma pragmática em relação ao que Décio Saes (1984),
por exemplo, nomeia de conflito principal no capitalismo, que opõe
burguesia e proletariado5. Além disso, para Saes, autor da mais importante
contribuição sobre o tema no país6, a ação política das classes médias seria
autoritária por natureza, já que, ocupando posições de mando nas empresas
ou no aparelho de Estado, considerariam hierarquia, subordinação e coerção
de trabalhadores subordinados elementos “naturais” do funcionamento
também das sociedades, estando, por isso, mais propensas a dar suporte a
regimes e movimentos autoritários.
Essa leitura já não pode ser sustentada. Primeiro, porque trata de forma
homogênea universo muito heterogêneo de posições de classe, como
mostrado em Cardoso e Préteceille (2020) e aprofundado no capítulo I desta
publicação. Como tal, as classes médias (ou “camadas médias” como
prefere Saes, que emprega o termo “classe” apenas para burguesia e
proletariado) são uma construção artificial e vazia. Em segundo lugar, o
sentido de “projeto político próprio” é devedor de certa leitura da luta de
classes que supunha que o operariado era o sujeito portador da história, isto
é, da transformação revolucionária do capitalismo, sendo este seu projeto
histórico próprio, ou ancorado em sua condição objetiva de classe. E os
capitalistas também teriam o seu, baseado na manutenção da propriedade e
da exploração do trabalho, para o que necessitavam controlar o Estado e
seus mecanismos de dominação. Este seria o “conflito principal” do
capitalismo. O projeto político “próprio”, pois, era em grande medida uma
construção do analista.
Depois da crítica de Edward P. Thompson (1987), esse ponto de vista
perdeu valor heurístico. O historiador marxista mostrou que a consciência e
os projetos políticos (no plural) da classe operária inglesa tiveram que ser
construídos na luta de classes, bebendo nas tradições de organização e luta
coletiva de artesãos, agricultores e demais segmentos que foram compor a
classe operária nos séculos XVIII e XIX. Não existiam de antemão como
“projeto político próprio”. A classe operária precisou construir seus projetos
e lutar por eles, e no processo incorporou segmentos decisivos das classes
médias emergentes, sobretudo a partir do final do século XIX (que não está
no livro de Thompson, obviamente, sua análise termina nos anos 1830).
Mesmo a ideia de uma consciência de classe dotada de conteúdos
homogêneos e indisputados caiu por terra, já que diferentes partidos
políticos passariam a competir pelo voto e pelo engajamento dos
trabalhadores, tornando-se eles mesmos (os partidos) agentes da construção
de interesses e identidades, de tal modo que a consciência da classe operária
passou a ser mediada pela dinâmica política eleitoral. E a classe, com o
passar do tempo, tornou-se mais heterogênea e múltipla, como reconheceu,
por exemplo, Friederich Engels (s.d.p. [1895]), o que o levou a considerar a
via eleitoral (e social-democrata) como alternativa à revolução no acesso ao
poder pelo proletariado.
Em terceiro lugar, porque as gerências autoritárias identificadas por Saes
ficaram, ao menos idealmente, no passado. Os novos ambientes de trabalho
dependem da cooperação de todos, inclusive subalternos, na execução não
de produtos, mas dos projetos horizontalmente integrados etc. A luta de
classes na fábrica e na empresa contemporânea já não é a mesma de 40 anos
atrás, como mostraram Boltanski e Chiapello (2002). E por fim, é
incontestável que segmentos das classes médias compuseram as bases das
esquerdas em todo o mundo, inclusive o Brasil, estando, por exemplo, na
vanguarda da luta contra a ditadura militar, incluindo a luta armada (Reis
Filho, 1989; Ridenti, 2010), e sendo bastiões inequívocos dos estados de
Bem-Estar em todo o mundo (Przeworski, 1989; Korpi, 1983).
Proponho aqui que ao menos alguns segmentos claramente identificáveis
das classes médias se têm afirmado na esfera pública, ao longo de nossa
história recente, com projetos políticos solidamente assentados em seu
modo de inscrição na estrutura de classes e em seu etos coletivo. O mais
articulado desses projetos, sustentado por setores politicamente mais coesos
daquelas classes, não teve e não tem compromissos com a superação das
desigualdades sociais e o caráter excludente da dinâmica capitalista
nacional. Muito ao contrário. Ele se alimentou e se alimenta das
desigualdades, as valorizou ao longo da história e se contrapôs com
veemência a projetos alternativos. Um projeto propriamente conservador,
assentado em estilos de vida e concepções de mundo próprios, ancorado
numa ética burguesa do trabalho de tipo weberiano, liberal, individualista,
meritocrática e elitista. Outro projeto, também claramente identificável em
diferentes conjunturas, teve por base ideias como igualdade, solidariedade e
justiça social, podendo ser nomeado progressista, com raízes também em
estilos de vida e concepções de mundo próprios. Em seu lastro, encontra-se
uma ética do trabalho assalariado, fruto das lutas sociais do século XX, de
que foram protagonistas, primeiro, o operariado, e depois, frações das
classes médias em processo de crescimento, sobretudo as classes médias
baixas dos serviços e aquelas vinculadas ao serviço público e às atividades
culturais e intelectuais, que constituíram, ao lado da classe operária, as
bases de sustentação dos estados de Bem-Estar no ocidente e também no
Brasil. As frações de classe que deram sustentação a esse projeto nunca
tiveram a mesma coesão das que serviram e ainda servem de base ao
projeto conservador. O próprio projeto tampouco teve unidade interna,
variando muito ao longo da história, sendo mais ou menos radicalmente
igualitarista, mais ou menos democrático, mais ou menos libertário segundo
as diferentes quadras históricas analisadas aqui. Mas conjunturas
específicas, que denomino “momentos serendípicos” de nossa dinâmica
social e política, transformaram os dois projetos, pela radicalização e
polarização da luta de classes características desses momentos, em polos de
atração de outros, mais ou menos claros, mais ou menos explícitos,
formulados por outras coletividades, tais como frações de classe,
movimentos sociais e partidos políticos, polarização e radicalização que
pressionaram o ordenamento político e institucional mais geral, resultando
em soluções de continuidade e redefinições dos rumos do incessante
processo de construção estatal e das instituições de mediação do conflito de
classes no país. A tese central deste livro é a de que as classes médias foram
agentes decisivos, obviamente não únicos e nem sempre os mais
importantes, nesses momentos cruciais nos quais os destinos da nação
estiveram em disputa pelas classes sociais e seus representantes.

Sobre a definição de classes médias


Este livro foi escrito em paralelo com o já mencionado Cardoso e
Préteceille (2020). Ali, construímos sólido argumento sobre a estrutura,
composição interna, mobilidade social e ação política das classes médias no
Brasil, neste último caso restrita à conjuntura 2013-2016, também objeto do
último capítulo desta publicação. Para evitar redundâncias, neste passo serei
telegráfico na definição de classes médias aqui adotada. Ao resenhar parte
da literatura internacional sobre classes médias e política, no capítulo I, os
contornos da definição que orienta a análise ficarão mais claros.
Antes de tudo, estabeleço um princípio: este trabalho filia-se à tradição de
estudos sociológicos que, no Brasil e alhures, compreende a estrutura de
classes como expressão da complexa rede de posições sociais resultantes (e
constitutivas) dos processos econômicos e sociais de produção, circulação e
distribuição da riqueza, dos bens culturais, dos serviços públicos, do poder
político e do prestígio social que, em seu movimento, que é também o
movimento da acumulação capitalista e da disputa pela distribuição da
riqueza produzida, constituem e delimitam as oportunidades de inscrição
social de homens e mulheres que vivem de seu trabalho. Esses processos
não são indiferentes a clivagens sociais de raça, gênero, idade, habilidades
físicas ou qualificações adquiridas ao longo da vida. Nem à distribuição das
pessoas pelos espaços urbanos e rurais e pelas regiões do país. Ao contrário.
Em muitos sentidos, a acumulação capitalista se alimenta dessas clivagens e
da competição entre os que elas classificam e ordenam. E homens e
mulheres atuam diretamente sobre essas classificações e ordenamentos para
construir e transformar suas oportunidades de vida e também de sua prole.
Essa estrutura de posições configura distintas oportunidades de acesso a
condições de vida e de obtenção de meios de existência, de exercício de
estilos de vida, de acesso a recursos culturais e de poder, que são, segundo
os países ou as regiões de um mesmo país ou mesmo segundo regiões de
um mesmo espaço urbano, mais ou menos desiguais, mais ou menos abertas
à mobilidade social, mais ou menos hierarquicamente organizadas, de tal
modo que permitem, ao analista, construir hipóteses sobre probabilidades
de comportamento, construção de estilos de vida e ação política, diante de
situações típicas, das classes assim definidas. Dizer que “a classe conta”,
como escreveu Erik Olin Wright (1997), é dizer que a ação social não é
aleatória, nem ocorre em ambientes sociais isentos de estruturas, limites,
restrições e oportunidades à ação, que se apresentam de forma desigual às
pessoas. É dizer que essa desigualdade tem na estrutura de classes um dos
principais determinantes. Afirmar a persistência da classe como mecanismo
relevante de explicação das dinâmicas sociais em geral e da ação social em
particular é afirmar, contrariamente ao que queriam Bauman (2001) e a
maioria dos autores pós-modernos, que a modernidade não é líquida.
Dentre os muitos textos clássicos da tradição sociológica à qual este
estudo se filia, cabe pôr em relevo o de Charles Wright Mills sobre a “nova
classe média americana”, ou os trabalhadores de “colarinho branco”,
publicado em 1951. O compreensivo estudo recupera trabalhos do autor
escritos ao longo da década de 1940, além de pesquisas de colegas
produzidos nos anos 1920 e 1930 nos Estados Unidos, Alemanha, França e
Inglaterra, mostrando que o interesse pelas classes médias vinha de muito
antes7.
A atenção desse autor foi despertada tanto pelo surgimento de novas
ocupações no capitalismo industrial quanto pela erosão da classe média
tradicional americana, a pequena burguesia proprietária de pequenos
negócios no campo ou na cidade, responsável pela construção da nação e
esteio do liberalismo constitutivo da política e das relações econômicas e
sociais do país, erosão que é recuperada com certa nostalgia pela sociologia
americana do entre guerras, de que Wright Mills é uma expressão. Ele vê na
grande empresa e na crescente regulação estatal da vida econômica e social
do país um processo (inelutável) de burocratização da vida, à moda da
“jaula de ferro” de Weber. E apesar de expressar um pessimismo de matiz
tocquevilliano (Wright Mills critica a pequena estatura intelectual e cultural
dos estratos mais baixos da nova classe média funcionária), seu trabalho é
uma extensa e detalhada análise das muitas dimensões constitutivas da nova
classe média.
Mills define classes sociais nos termos de Weber, isto é, como
componentes causais de oportunidades de vida, comportando três
dimensões: a situação de classe (posição na estrutura econômica, ou na
divisão social do trabalho, e a renda a ela associada), do poder que essa
situação permite ao indivíduo, tanto sobre outros (subordinados) dentro das
empresas quanto em sociedade, e do prestígio que aquela situação confere
ao membro da classe, tanto no trabalho quanto fora dele. “Para
compreender as ocupações que integram a nova classe média”, diz Mills,
“devemos analisá-las em cada uma dessas dimensões” (Wright Mills,
1976[1951]:91).
A nova classe média identificada por ele se distinguia da antiga (a
pequena burguesia na tradição marxista) pelo fato de depender de um
emprego para ganhar a vida. Em relação à propriedade, os trabalhadores de
colarinho branco se encontravam na mesma situação de classe dos
operários, sendo igualmente subordinados aos proprietários dos meios de
produção. Os elementos distintivos da nova classe média estavam, nos
estratos mais altos, na renda que sua situação de classe permitia e, no caso
dos trabalhadores de colarinho branco menos qualificados, nas outras duas
dimensões definidoras da classe social, o prestígio e o poder. Ou seja, para
ele, pessoas com a mesma renda (e.g. um funcionário público de escritório,
um policial semigraduado ou um operário qualificado) podem ter, e
frequentemente têm chances muito distintas de adquirir, manter e reproduzir
seu status, por exemplo no que se refere a acumular um pecúlio ou
transferir sua posição de classe aos filhos ou mesmo sustentar projetos de
ascensão social8, sem falar nos estilos de vida distintos decorrentes dos
processos de construção social de identidade profissional. Foi essa
heterogeneidade estrutural das classes de renda, já presente em seu tempo,
que levou Wright Mills a descartar abordagens do problema baseadas
exclusivamente na renda, como é corrente em boa parte dos estudos mais
recentes, no Brasil e no mundo9. É claro que ele dá a devida importância à
renda, já que é ela que faculta acesso a estilos e padrões de vida nos
mercados de consumo, sendo, portanto, constitutiva do prestígio das classes
médias. Mas o prestígio é um dos elementos definidores da “nova classe
média”.
Mills se debruça sobre imenso conjunto de ocupações surgidas com o
crescimento dos serviços de apoio à produção, como transporte,
armazenagem, comunicação, intermediação financeira, comércio etc.; com
a multiplicação dos serviços sociais ofertados pelo Estado; com a
burocratização da gestão das grandes empresas; com a ampliação da
indústria cultural etc., ocupações que já não são a “nova classe média”,
mas, hoje, o que conhecemos, justamente, por classes médias, um conjunto
muito heterogêneo e hierarquizado, que comporta desde trabalhadores
dotados de grande autonomia de ação em seu trabalho, alto prestígio e
reconhecimento social, capacidade de transferência de sua posição aos
filhos ou mesmo de financiar sua ascensão social etc.; até os assalariados de
escritório, cujo trabalho, subordinado, precário, rotineiro, inseguro e de
baixa remuneração, se distingue apenas tenuemente do de um operário
industrial, categoria, hoje, minoritária na estrutura de classes do país10.
O clássico de Wright Mills continua pautando, de um modo ou de outro, a
pesquisa sociológica recente. Estão lá temas como a heterogeneidade
estrutural dos white collar e a vulnerabilidade de seus estratos mais
baixos11, o medo da desclassificação (ou perda de status) e a ansiedade
associada a ele, ansiedade que se manifesta nos estilos de vida e nos
padrões de consumo12, o anseio de mobilidade social13, a inflação de
credenciais educacionais provocando insegurança de renda14, fontes e
mecanismos de obtenção e garantia de prestígio e distinção15, relação com
as outras classes16, participação e valores políticos17 e muito mais. É curioso
que Mills utilize o termo “classe média” no singular, já que sua análise fina
dos muitos estratos dessa classe (dos intelectuais aos gerentes, dos
vendedores do comércio aos trabalhadores de escritório e muito mais) deixa
claro que suas oportunidades de vida são muito distintas, o que o deveria ter
levado a falar de “classes médias”, como faço neste estudo.
Erik Olin Wright pode ser colocado como herdeiro dessa tradição, embora
procure enquadrar as classes médias, agora não mais “novas”, numa
estrutura de classes inspirada nos estudos de Marx. É notável, por exemplo,
sua reconstituição da história do conceito de “posições contraditórias de
classe” no livro de 1985, no qual ele tenta reintroduzir, na definição da
estrutura de classes, a exploração como constitutiva da concepção marxiana
das classes e de sua luta. As posições são contraditórias, segundo ele,
porque as classes médias não são proprietárias dos meios de produção, mas
tampouco são operárias. Estão subordinadas ao capital (como em Mills),
mas supervisionam, subordinam e exploram o trabalho de outros. Logo, a
posição é contraditória, sendo ao mesmo tempo exploradora e explorada.
Parte do esforço de Olin Wright é justamente demonstrar por quais
mecanismos elas exploram os operários, e dentre eles estão o monopólio de
determinados nichos de mercado por meio da formação universitária e,
dentro das empresas, as posições de supervisão e controle do trabalho
manual. Mecanismos, desde logo, presentes na caracterização do weberiano
Wright Mills.
Por fim, cabe mencionar o esforço de Oliveira (1987), também uma
tentativa de teorização das classes médias que escape da armadilha
marxiana clássica, que via nos setores médios de seu tempo (a pequena
burguesia) grupo social transitório, destinado, cedo ou tarde, ou à
proletarização ou à ascensão a posições burguesas, num movimento, para
Marx inexorável, de simplificação da estrutura de classes no capitalismo
que terminaria por opor explorados e exploradores, sem setores
intermediários18. Oliveira reconhece a complexidade da dinâmica capitalista
contemporânea, a emergência dos estados de bem-estar e seus exércitos de
servidores públicos com status diverso dos proletários clássicos, a
consolidação dos estratos profissionais, das gerências capitalistas etc., e,
portanto, a metamorfose dos setores médios, não mais proprietários, mas de
modo algum destinados a sucumbir ante o crescimento fagocitário das
classes típicas do capitalismo (proletários e burgueses). O interesse do
exercício de Oliveira está na tentativa de delimitar as classes médias em
suas relações com as demais classes e, portanto, nas relações de
identificação, alteridade, negação e conflito que tornam seus interesses, em
determinado momento de sua constituição, irredutíveis aos das outras
classes. Ele tenta, pois, fundar a necessidade teórica das classes médias no
momento atual do capitalismo, e com isso a importância de estudá-las em
suas muitas dimensões e heterogeneidade, sem considerar “contraditória”
sua posição de classe, como em Olin Wright. Ao contrário, ela se define por
sua irredutibilidade às outras duas classes, portanto, em seu próprio direito.
Esse é o ponto de vista adotado neste estudo.
Essa definição leva a delimitar as classes médias segundo sua posição na
divisão social do trabalho (Cardoso e Préteceille, 2017). Neste trabalho
distingo três estratos médios, agregando posições de classe bem
delimitadas. No topo, composto por posições de classe média alta,
encontram-se os gerentes que não são responsáveis pela concepção da
organização do trabalho e pela supervisão de sua execução (pois estes não
são claramente distinguíveis dos proprietários dos meios de produção,
sendo classificados entre as classes superiores); profissionais liberais
assalariados das empresas e do serviço público em funções de concepção e
desenho de processos e produtos; profissionais graduados da função
pública; profissionais liberais que dirigem os próprios empreendimentos
(consultórios e escritórios), desde que com menos de 5 ocupados e
ocupações assemelhadas. Essa classe média alta se distingue das classes
superiores por não serem proprietárias de grandes negócios, nem serem
altos executivos em funções de mando, responsáveis pela supervisão do
trabalho de outros ou exercendo altos cargos da função pública (como
magistrados, legisladores e chefes dos executivos em geral). Logo abaixo
estão as posições de classe média “média”, compostas por professores e
instrutores em geral, profissões intermediárias da saúde e do trabalho social,
profissões intermediárias administrativas das administrações pública e
privada, técnicos em geral e agentes de supervisão do trabalho manual.
Distinguem-se das classes médias altas por sua menor autonomia e
qualificação profissional, e das classes médias baixas por suas posições
idealmente mais estáveis, ou mais distantes do risco de proletarização. Por
fim, as ocupações classificadas como classes médias baixas compõem-se
dos assalariados e agentes pouco graduados da função pública, dos
auxiliares de escritório dos setores público e privado e dos empregados
menos graduados dos serviços em geral, com exceção dos serviços
pessoais, empregados domésticos e vendedores do comércio, que devem ser
classificados entre as classes populares, estando fora do universo de
interesse deste estudo. As classes médias baixas ocupam posições não
manuais menos qualificadas e de rotina e, no setor privado, de maior
rotatividade, o que as torna mais vulneráveis, mas distintas da classe
operária e demais classes populares por serem suas ocupações ao mesmo
tempo não manuais e um pouco mais qualificadas.
No que se segue, parto da hipótese geral, já formulada em Cardoso e
Préteceille (2020), de que essas distintas e heterogêneas classes médias
precisam se haver com pelo menos três desafios identitários. O primeiro
deles é que as classes médias precisam construir e então proteger suas
posições das intempéries da existência. E elas fazem isso de duas maneiras
principais.
1. No caso das classes médias “médias” e altas, por meio do fechamento
de suas posições às outras classes e camadas médias, por exemplo via
reconhecimento das profissões e fechamento dos mercados de trabalho
aos não profissionais. É o caso de medicina, engenharia, direito,
arquitetura, psicologia e uma infinidade de profissões regulamentadas
seja pelo Estado, seja por associações profissionais, ou os dois, de tal
modo que pessoas não dotadas das credenciais aceitas por essas
organizações ou pelos regulamentos estatais são impedidas de competir
por essas posições. Outra maneira muito eficaz foi e continua sendo a
construção e reprodução de privilégios no serviço público, e a
blindagem desse ambiente em relação à disputa política, por exemplo
por meio da inscrição de seus privilégios na legislação e mesmo nas
constituições dos países19.
2. Garantindo a seus filhos a reprodução dessas posições, por meio da
transferência da herança de classe, usando para isso seu patrimônio (no
caso de filhos que prefiram seguir carreiras empresariais) ou seus
meios materiais para assegurar aos filhos educação de qualidade, da
pré-escola à universidade. Refiro-me, pois, ao investimento, pelas
classes médias, no futuro de seus filhos. É o que Marialice Foracchi
nomeou, ainda nos anos 1960, de reprodução de classe por meio dos
projetos de carreira (Foracchi, 1965; tb. Bourdieu e Passeron, 1994 e
2010). No caso das classes médias baixas, o investimento nos filhos é
ainda mais estratégico como projeto de ascensão intergeracional, com
os pais transferindo aos filhos, e particularmente às filhas, o próprio
sonho de mobilidade, como mostrado no capítulo IV de Cardoso e
Préteceille (2019).
O segundo desafio pode ser lido como dimensão do primeiro, mas não é
idêntico a ele: proteger-se contra o risco da proletarização. Nem todos os
segmentos das classes médias têm condições de fechar seus mercados de
trabalho, como os profissionais liberais, ou de garantir seus privilégios,
como parte dos servidores públicos. Tocqueville e depois dele C. Wright
Mills mostraram que as classes médias vivem, sempre, a angústia do risco
de perder o que amealharam com seu esforço e risco, e isso é constitutivo
de seu etos de classe. O desafio é central também para as classes médias
baixas, cujas posições recentemente galgadas são mais frágeis e muito
sujeitas à vulnerabilidade de mercados de trabalho instáveis como o
brasileiro (como mostrado em Cardoso e Préteceille, 2019, caps. II e III).
Isso as leva constantemente a afirmar as distâncias econômicas, por
menores que sejam, em relação às classes populares e operárias, de onde
muitas vezes procederam.
O terceiro desafio, relacionado com o anterior, mas também
analiticamente distinguível, é o de proteger-se contra a desclassificação. O
sentimento de perda de status e de prestígio social relativamente às outras
classes pode decorrer tanto da decadência econômica quanto da sensação de
que as classes inferiores lhes estão mordendo os calcanhares. A promoção
econômica dos mais pobres solapa esse importante elemento identitário de
parte das classes médias, que é o prestígio decorrente de seus padrões
diferenciados de consumo e estilos de vida (Wright Mills, 1976 [1951];
Bourdieu, 1979). Espaços semipúblicos como os shopping centers e os
aeroportos, assim como algumas praças em bairros nobres, praias
exclusivas em resorts etc., sempre foram tratados como áreas privativas, de
circulação restrita e controlada. Com isso, a desclassificação pode ser real,
por meio da perda de renda, ou pode ser um sentimento de relativa privação
de seus privilégios, tendo por referência não as classes mais altas (como na
formulação clássica de Runciman, 1966), mas as classes de que as classes
médias melhor posicionadas se esforçam por se distanciar, incluindo as
classes médias baixas em processo de ascensão social.
Os temores de proletarização e desclassificação são prenhes de
consequências políticas, de modo algum unívocas. Eles fazem com que
frações das classes médias (variáveis segundo os países ou mesmo as
regiões de um país tão desigual quanto o Brasil) construam relação bastante
pragmática com o regime político. Como eleitores, alguns tenderão a
favorecer candidatos, partidos ou projetos políticos que, de forma crível,
garantam suas posições, por exemplo combatendo a inflação, promovendo o
desenvolvimento econômico que gere empregos de classe média e, muito
particularmente, mantenham as classes populares em seu devido lugar.
Como massas mobilizadas, têm se mostrado dispostas a passar por cima da
democracia em várias partes do mundo, se esta não entrega o que promete,
isto é, progresso e bem-estar para si e para os seus. Outras frações dessas
classes, em especial aquelas mais ligadas ao serviço público e ao mundo
intelectual, tenderão a favorecer partidos e candidatos associados à
promoção desse serviço ou mesmo à expansão do papel do Estado na
economia, aproximando-se de partidos e projetos mais claramente
associados à esquerda e, eventualmente, valorizando a competição
democrática que, ao menos em tese, pode abrir a possibilidade de acesso ao
poder por parte desses partidos.
Veremos que as distintas frações das classes médias que se mobilizaram
no Brasil ao longo da história personificaram de distintas maneiras esses
modelos muito gerais, mas nunca de forma unívoca, menos ainda como
resultado direto de sua posição de classe. Alinhamentos políticos e
identitários foram definidos nas conjunturas mesmas, a partir de recursos
materiais, simbólicos, culturais, discursivos e políticos disponíveis em cada
momento da luta de classes. Ainda assim, os três desafios identitários
mencionados estiveram claramente presentes na ação das classes médias em
todos os momentos “serendípicos” da construção nacional.

Uma palavra sobre as fontes e o método


Em boa parte das análises sobre a ação política das classes médias lanço
mão de pesquisas do Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibope)
disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp, realizadas a
partir da segunda metade da década de 194020. Em suas muitas e por vezes
minuciosas pesquisas, o Ibope costumava apresentar os resultados segundo
classes de renda, que variaram ao longo do tempo. No início do período
analisado aqui o Instituto empregou três estratos, nomeados classes A, B e
C (que em muitas pesquisas são nomeadas “rica”, “média” e “pobre”,
respectivamente). Mais tarde foi incluído um estrato D (nomeado “classe
pobre inferior”), e outras vezes, quando as amostras eram maiores e as
pesquisas mais complexas, o instituto abriu o estrato B em B1, B2 e B3.
O interesse primordial do Ibope era a capacidade de consumo dos
diferentes estratos de renda, já que surgiu como uma empresa de pesquisa
de mercado para atender à demanda de diferentes produtores de
mercadorias e serviços em busca de conhecimento sobre seus
consumidores. Os eleitores foram tratados como qualquer outro
consumidor, nesse caso de “mercadorias políticas”, caso dos candidatos aos
mais diversos cargos públicos. Mas o Instituto realizou pesquisas de cultura
política, participação social e perfil dos eleitores ao longo do tempo,
cobrindo temas candentes da conjuntura política, tais como preconceito
racial, papel da mulher na sociedade, movimento estudantil e muitos outros,
solicitados por veículos de imprensa e outros grupos interessados em temas
da dinâmica cultural mais geral. Algumas dessas pesquisas foram utilizadas
para compor o “clima” dos momentos investigados aqui.
Veremos que a definição dos estratos de renda do Ibope se foi sofisticando
para refletir de forma mais acurada a efetiva apropriação da renda pelas
famílias, no interesse da maior fidedignidade de seus prognósticos
eleitorais. Ou seja, ao entrar no “mercado eleitoral”, o Ibope viu-se
obrigado a refinar continuamente sua metodologia de pesquisa
mercadológica, para oferecer aos partidos e candidatos previsões
confiáveis. Para isso, a partir de meados dos anos 1950 o Instituto passou a
realizar pesquisas de padrão de vida nas principais capitais do país e
algumas cidades selecionadas do interior de vários estados das regiões
nordeste, sul e sudeste. Utilizando amostras representativas dos locais
pesquisados, passou a classificar as famílias por classes de “sobra” de
recursos, depois de descontadas as despesas obrigatórias com moradia,
alimentação, transporte, saúde e educação. As famílias da “classe A”, por
exemplo, passaram a ser aquelas nas quais pelo menos 50% da renda estava
disponível para consumo, uma vez subtraída a despesa compulsória. A
“classe B” teria entre 20% e 50% de sua renda disponível, sendo por vezes
distinguida em B1 (40% a 50% da renda disponível), B2 (30% a 40%) e B3
(20% a 30%). A “classe C” teria menos de 20% de sua renda disponível,
sendo por vezes dividida em duas, dando origem à classe D, com renda
disponível inferior a 10%.
Isso quer dizer que os estratos de renda das classes eram definidos
empiricamente segundo a renda efetivamente disponível às famílias em
cada cidade pesquisada e, em alguns casos raros, de todo um estado ou,
mais raro ainda, de todo o país. As “classes” de renda eram definidas rentes
ao universo pesquisado, o que resultou em crescente acurácia dos resultados
das pesquisas eleitorais, atestada por extensos relatórios nos quais, a partir
de fins dos anos 1950, o Ibope passou a comparar seus prognósticos com os
resultados das urnas.
O modo como os resultados do Ibope são apresentados não permite
adaptar a definição de classes médias a partir da divisão do trabalho aqui
sugerida. Mas procurei elaborar correspondências entre divisão do trabalho
e estratos de renda sempre que possível, o que permitiu assumir que a
maioria dos segmentos médios se situou, com variações ao longo do tempo,
nos estratos A e B de renda, ainda que o estrato A incluísse também parte
das classes superiores, diminuta, porém, já que os mais ricos, por serem
fração muito pequena da população, raramente eram (e são) capturados
pelas pesquisas de opinião, como reconhece o próprio Ibope.
Para dar um exemplo da parcial (mas importante) sobreposição entre
estratos de renda e classes sociais definidas com base na divisão do
trabalho, em 1960, em pesquisa Ibope realizada em Belo Horizonte sobre
padrões de consumo de homens de 18 anos ou mais, as classes de renda
foram assim definidas: classe rica (ou A), renda familiar acima de Cr$ 33
mil (6% do total); classe média (ou B), renda entre Cr$ 10 mil e Cr$ 33 mil
(19% do total); classe pobre (ou C), entre Cr$ 5 mil e Cr$ 10 mil (32%);
classe pobre inferior (ou D), renda até Cr$ 5 mil (43% do total)21. Tomando-
se o Censo Demográfico de 1960 e construindo-se classes sociais com base
na divisão do trabalho, a partir dos parâmetros gerais definidos em Cardoso
e Préteceille (2017)22, chega-se à seguinte distribuição das classes médias
por estratos de renda (tomando-se o estado de Minas Gerais como um
todo)23.
Tabela 1: Classes médias segundo estratos de renda nominal.
Minas Gerais, 1960 (em %)

Classe média Classe Classe média


Estratos de renda Total
alta média baixa
Até Cr$ 6 mil 10,0 21,6 59,8 38,5
De Cr$ 6 mil a Cr$ 10 mil 17,0 34,2 23,7 28,4
De Cr$ 10 mil a 20 mil 27,7 28,5 10,9 19,4
De Cr$ 20 mil a Cr$ 50
33,2 13,5 3,0 10,1
mil
Mais de Cr$ 50 mil 11,8 1,6 0,2 2,1
TOTAL 100 100 100 100
Fonte: Microdados do censo demográfico de 1960

Os dados do Censo não permitem agrupar a renda segundo os mesmos


estratos do Ibope, pois foram coletados com agrupamento em intervalos
fixos, incompatíveis. Mas a aproximação é bastante razoável, e permite
sustentar a hipótese de que, quando o Ibope falava de “classe média” (ou
B), ele se referia, nesse momento, aos segmentos médios e altos das
camadas médias, deixando de fora a maioria das classes médias baixas,
enquadradas na “classe pobre inferior”. Vale repetir que a definição das
classes do Ibope era empírica, dependente do padrão de consumo das
famílias em cada momento e lugar pesquisado. Quis apenas mostrar a
parcial mas importante sobreposição das classificações.
A análise sobre o período mais recente utiliza também as pesquisas do
Datafolha disponíveis no acervo do Instituto, e este também costuma
apresentar seus dados por classes de rendimento. Contudo, como, por vezes,
o valor de corte dos estratos de renda é informado, é possível fazer com
maior precisão a correspondência entre a estrutura de classes que guia esta
análise e a distribuição dessa estrutura segundo os estratos de renda. Além
disso, parte do acervo está disponível em microdados, o que permitiu fazer
análises mais refinadas.
Nos dois casos (Ibope e Datafolha), analisei os relatórios finais das
pesquisas, isto é, as tabelas tal como disponibilizadas pelos institutos. No
caso do Ibope o material é composto de microfilmes digitalizados dos
relatórios elaborados para os clientes (partidos políticos, veículos de
imprensa, candidatos a cargos eletivos, empresas ou o próprio Ibope),
encadernados em volumes contendo dezenas de pesquisas, por vezes
atingindo mais de mil páginas. Analisei 78 volumes e, neles, quase 2.000
pesquisas, incluindo as mercadológicas onde a metodologia de construção
das classes de renda eram regularmente explicitadas. As pesquisas do
Datafolha estão disponíveis no sítio do Instituto. Analisei 37 pesquisas.
Além das enquetes de opinião, o estudo lança mão de pesquisas nos
acervos dos jornais O Globo, Correio da Manhã, Folha da Manhã, Folha
de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil, além das revistas Veja
e, em menor medida, IstoÉ, todos disponíveis na internet. E se beneficia da
imensa e crescente literatura historiográfica, econômica, sociológica e de
ciência política que se vem acumulando sobre os temas tratados aqui.
Contudo, o recorte feito nessa literatura não pode ser senão seletivo e
pessoal, já que, na maior parte dos casos, a produção é grande o suficiente
para soterrar as boas intenções até mesmo do especialista.
O livro tem quatro capítulos, além desta introdução e da conclusão. O
primeiro, breve, recupera uma pequena parcela da discussão internacional
sobre a relação entre classes médias e política, num olhar de longa duração
em modo “voo de pássaro”, fazendo dialogar argumentos de autores tão
díspares quanto Aristóteles, Alexis de Tocqueville, Karl Marx, Charles
Wright Mills, Scott Lash e Klaus Eder, dentre outros, para trazer à
superfície da análise sociológica a centralidade das classes médias nas
dinâmicas social e política da ordem burguesa, bem como suas
metamorfoses no tempo.
O capítulo II investiga a ação política das classes médias no que denomino
“longo ciclo de Vargas”, que tem início com as revoltas tenentistas de 1922
e termina com o golpe militar de 1964. Investigo, primeiro, o caráter de
classe do tenentismo e seus desdobramentos, incluindo a Revolução de
1930, o Estado Novo e o primeiro golpe contra Getúlio Vargas, em 1945.
Chamo a atenção para os múltiplos engajamentos dos setores médios,
divididos entre o liberalismo autoritário das classes médias tradicionais,
ligadas às oligarquias agrárias, o desenvolvimentismo autoritário dos
tenentes, os pendores totalitários de esquerda e de direita associados,
respectivamente, ao PCB e ao Integralismo, a democracia limitada das
classes médias intelectualizadas, dentre outros. As pesquisas do Ibope
entram em cena na análise da eleição de Vargas em 1950. Os dados
permitem sustentar, com evidências empíricas até aqui raramente
mobilizadas pela literatura, que o apoio a Vargas teve inequívoco viés de
classe, com as classes médias sendo majoritariamente arredias ao projeto
desenvolvimentista com inclusão social do operariado emergente. Contudo,
deixo claro que parcela minoritária, mas não desprezível dessas classes,
esteve com Vargas nas conjunturas críticas, o que torna reducionistas
análises que oponham, preto no branco, o operariado como base de apoio ao
varguismo e as classes médias como base social do elitismo golpista
(capitaneado, dentre outros, por Carlos Lacerda) que desestabilizou e por
fim trouxe abaixo o segundo governo Vargas. Obviamente, o golpismo de
parcelas da imprensa e dos militares encontrou eco em segmentos
expressivos das classes médias, traduzido na linguagem moral do combate à
corrupção. Num ambiente político oligárquico, dominado por minorias
economicamente muito poderosas e que mantinham sob férreo controle as
massas rurais, que sustentavam seus esquemas de clientela política, o início
de incorporação das massas urbanas à dinâmica eleitoral colocou na
trincheira as parcelas das classes médias dependentes, justamente, das
posições de poder associadas ao domínio oligárquico do aparelho de Estado
e das atividades comerciais, financeiras e de serviços ligadas aos mercados
dos produtos agrícolas. Essas classes médias demonstraram ter pouco
apreço pela democracia, e estiveram disponíveis para o engajamento nas
fileiras oligárquicas que resistiram à ampliação dos canais de participação
política aos trabalhadores urbanos.
A passagem de Juscelino Kubitschek pelo poder central revelou outras
facetas do heterogêneo engajamento político das diferentes parcelas das
classes médias. As pesquisas do Ibope não deixam dúvidas sobre a enorme
rejeição do candidato JK pela maioria dessas classes na eleição de 1955, em
razão de sua associação ao projeto varguista, de quem Juscelino se
apresentou como herdeiro. A maioria parece ter votado nos candidatos
concorrentes (Juarez Távora, Adhemar de Barros e, minoritariamente,
Plínio Salgado). Mas as políticas por ele adotadas, em especial a
industrialização acelerada e, muito particularmente, a construção de
Brasília, terminaram por granjear-lhe o apoio dos segmentos médios da
nação. Brasília parece ter mesmerizado a maior parte das classes médias por
seu caráter elitista e demofóbico, uma capital moderna e monumental
plantada no coração do país, distante das mazelas da política local e,
obviamente, da pobreza. Mas ela foi também um projeto de futuro, um
sonho de “Brasil grande” que a industrialização e o crescimento acelerado
do PIB permitiam prefigurar. Mesmo o fato de ter mantido o salário mínimo
em patamares muito superiores aos governos Vargas não melindrou os
setores médios como antes. JK parece ter conseguido se sustentar num
arranjo político e econômico em que todos ganharam, e mesmo a inflação
alta dos dois últimos anos de governo não impediu que ele deixasse o poder
como mais de 70% de aprovação entre as camadas médias.
O período Jânio Quadros é analisado muito rapidamente, para mostrar
que, contrariamente à leitura mais corriqueira sobre a persona popularesca
do presidente, ele era extremamente popular entre as classes médias, tendo
vencido os candidatos adversários (marechal Enrique Teixeira Lott e
novamente Adhemar de Barros), por larga margem, em todos os lugares
onde o Ibope fez prognósticos eleitorais. Na verdade, as classes médias
votaram em Jânio em maior proporção do que as classes mais pobres, tendo
sido ele o primeiro candidato a presidente a colocar os temas da corrupção e
da inflação como estruturantes de sua propaganda eleitoral.
Detenho-me com mais detalhes no governo João Goulart, em parte para
fazer justiça à literatura que vem se avolumando sobre o período, e em parte
porque seu governo foi eleito por esta análise como o segundo momento
serendípico da relação entre classes médias e política no Brasil. A
polarização que se avolumou à medida que o governo radicalizava suas
posições e perdia base de sustentação no Congresso Nacional, expôs uma
vez mais as entranhas da luta de classes à brasileira. As classes médias se
dividiram entre a sustentação dos movimentos golpistas capitaneados pelos
militares e a radicalização de esquerda no movimento estudantil e na
intelectualidade mais ou menos ligada a Jango, incluindo parte da imprensa,
que apostaram no aprofundamento da inclusão social dos trabalhadores por
meio das “reformas de base”. Um difuso “anticomunismo” alimentou a
rejeição das camadas mais conservadoras das classes médias ao projeto
redistributivista de Jango e aliados, e os dados do Ibope não deixam dúvidas
quanto ao apoio majoritário daquelas classes não apenas ao golpe militar,
como também aos expurgos que se lhe seguiram, com cassações de direitos
políticos, prisões e deportações de lideranças operárias, estudantis,
partidárias, camponesas e também militares. Aproveito a seção para me
perfilar com os autores que criticam o termo “populismo” para qualificar a
República de 1946, mas não pelas mesmas razões. Sugiro que o termo foi
utilizado pelas oligarquias conservadoras para desqualificar opositores
políticos cujos projetos e carreiras políticas dependiam do voto popular
urbano, num momento em que a competição eleitoral se tornava real no
mundo urbano, como nunca o fora no campo, onde os eleitores eram
controlados pelas oligarquias agrárias.
O capítulo III aborda a relação entre classes médias e política durante a
ditadura militar-civil. Prefiro esse qualificativo para o regime inaugurado
em 1964 porque, ainda que o golpe tenha sido arquitetado por civis e
militares, o regime tornou-se cada vez mais militar, no sentido de que a
lógica da caserna (hierarquia, disciplina e coesão) passou a dominar as
decisões de governo já a partir do segundo Ato Institucional (AI-2). Mas
figuras importantes do mundo civil (empresarial e político) deram
sustentação e participaram ativamente da administração pública sob
comando militar, justificando o qualificativo militar-civil. Mostro que as
classes médias estiveram majoritariamente com os militares por todo o
período, mas proporção não desprezível se opôs a eles. Foco minha atenção
no movimento estudantil de classe média e na luta armada, também
majoritariamente de classe média, ambos derrotados pelo exílio, a tortura e
os assassinatos que, hoje sabemos, eram comandados pelo Palácio do
Planalto mesmo sob a presidência de Ernesto Geisel, o “pai” da transição
política. Sugiro ainda que o “milagre brasileiro” seduziu uma vez mais as
classes médias, com o retorno da promessa do “Brasil grande” como
elemento de legitimação do arbítrio, mas mostro como o assassinato sob
tortura de um membro eminente dessas classes, o jornalista Vlado Herzog,
alimentou a resistência da sociedade civil à ditadura, que já havia se
manifestado em 1974 com a vitória dos candidatos do MDB nas eleições
para o Senado em 16 dos 21 estados da federação. Ofereço contribuição
original ao debate sobre a “derrota” do MDB em 1970 e sobre o papel das
classes médias na compreensão da “distensão por via eleitoral”, conceito
originalmente formulado por Bolivar Lamounier. Entre os principais
motores do voto contra os ditadores esteve, sugiro, a frustração das
expectativas das classes médias urbanas, que viram o sonho de um país
pujante ser suplantado uma vez mais pela crise econômica e a inflação. O
capítulo termina com breve análise do renascimento do movimento
estudantil de classe média, que, por fugaz momento, galvanizou a oposição
à ditadura, embora não com o mesmo ímpeto do período pré-1968. Isso se
deve, em parte, a dificuldades internas ao próprio movimento dos
estudantes, e em parte ao ressurgimento do movimento operário em 1978,
que carreou para ele as energias opositoras, apressando o fim do regime.
O último capítulo é uma incursão no debate sobre o golpe parlamentar que
derrubou Dilma Rousseff em 2016, do ponto de vista do papel das classes
médias no processo de polarização que também qualifico como momento
serendípico de nossas relações de classe. Argumento que a conjuntura
2013-2016 foi típica dos processos de formação de classe, nos quais
coletivos em luta constroem identidades coletivas referenciadas nos
adversários e na disputa pela determinação dos rumos a serem dados ao
país, isto é, no âmbito da política como lugar de definição dos fins da ação
pública. Uma vez mais estiveram em disputa visões bastante distintas sobre
a relação Estado x mercado, sobre o caráter das políticas públicas
redistributivas, sobre o próprio regime político democrático representativo,
sobre o caráter e a validade da Constituição de 1988 etc. Mostro como as
mídias sociais contribuíram para a cristalização de posições cada vez mais
polares, excludentes e autorreferentes, alimentadas pela campanha eleitoral
de 2014 e a atuação, nela, dos candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves. A
criminalização das administrações lideradas pelo PT pela imprensa e pelo
judiciário tornou cada vez mais irredutíveis as posições defensivas do
campo “petralha” e as posições do campo “coxinha”, que queria a
destituição da presidenta Dilma. E ambos os campos tinham perfil de classe
média, ao menos tomando-se aqueles que foram às ruas se manifestar
contra ou a favor do governo.
Na conclusão retomo o argumento principal do livro, sobre a centralidade
das classes médias para a dinâmica política do país, chamando a atenção
para a multiplicidade e heterogeneidade de seus engajamentos, deixando
claro que, também no que respeita à sua ação política, não faz sentido falar-
se em “classe média” no singular.
1 Este parágrafo e os três seguintes reproduzem um trecho do capítulo V de Cardoso e Préteceille
(2019).
2 O MPL nasceu em inícios dos anos 2000 para lutar pelo transporte gratuito nas cidades brasileiras.

A primeira grande mobilização data de 2003, com a “Revolta do Buzu” em Salvador. Em 2006 o
movimento realizou sua terceira plenária nacional, com participação de representantes de 10 cidades.
O MPL se define como horizontal, apartidário e independente. Ver http://tarifazero.org/mpl/
(acessado em novembro de 2017).
3 Dentre as tentativas de atribuir significado aos protestos destaco Singer (2013), Domingues (2013),

Maricato et al. (2013), Moraes et al. (2014), Bringel e Pleyers (2015) e Alonso e Mische (2015).
Minha contribuição é Cardoso (2013).
4 Estou de acordo com a fina análise de Wanderley Guilherme dos Santos (2017), para quem o

impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe de Estado perpetrado por um parlamento hostil a seu
governo. O afastamento de Collor de Mello seguiu rito semelhante, embora neste caso o presidente
estivesse pessoalmente implicado nos escândalos de corrupção.
5 Essa concepção está também em Weffort (1980) e nas formulações teóricas de Nicos Poulantzas
(1974), referência de Décio Saes, e Erik Olin Wright (1985).
6 Contribuição sem dúvida mais influente é Souza (2017). Não dialogarei com esse texto aqui, menos

ainda com o livro mais recente, Souza (2018). A pretexto de expor a “verdade nua” sobre as classes
médias no Brasil, e não obstante ocasionais e interessantes reflexões sobre o tema, Souza expõe o
leitor mais exigente a uma série infindável de argumentos e afirmações sem nenhum lastro empírico
ou teórico.
7 Destaco aqui o estudo pioneiro de Halbwachs (1939). Estudos alemães e britânicos serão analisados

no capítulo seguinte.
8 Ver também o igualmente clássico Dahrendorf (1962), que se debruça longamente sobre as novas

classes médias e seu estatuto teórico. No Brasil, Bresser-Pereira (1962) é estudo pioneiro, que
também toma as classes médias a partir de sua posição na divisão do trabalho de nosso capitalismo
industrial emergente.
9 Ver Milanovic e Shlomo (2002); Neri (2010); Bussolo et al. (2014); Wietzke e Sumner (2014);

Clément e Rougier (2015)


10 Na verdade, o operariado industrial sempre teve participação diminuta na estrutural social

brasileira. No pico do período de industrialização (1980), 16% dos ocupados eram operários
industriais (se incluirmos a construção civil chegava-se a 25%), e a partir daí a proporção caiu
constantemente, chegando a 11% em 2010. Depois cresceu lentamente, tendo chegado a 12,3% em
2014 (21,5% incluindo-se a construção civil). Fonte dos dados: IBGE (2003), para o dado de 1980, e
tabulações do Censo de 2010 e da PNAD 2014 para este estudo.
11 Tema central nos estudos sobre as classes médias latino-americanas, como em López-Calva et al.

(2014), Franco et al. (2010) e Birdsall et al. (2000), neste último caso analisando também outros
países emergentes.
12 Tema de grande saliência nas literaturas francesa e americana, como em Chauvel (2006), Maurin

(2009), Peugny (2009), Sullivan et al. (2001), Pressman (2007), e também no Brasil, como em Grün
(1998) e Diniz (1998). Diniz contesta a tese da proletarização dos profissionais de classe média, mas
o importante é que ela se coloca a questão clássica proposta por Mills. Interessante best-seller dos
anos 1980 sobre o tema nos EUA é Ehrenreich (1994).
13 Que se tornou tema específico de investigação na tradição de estudos de mobilidade social.

14 Como em Boudon (1981) ou Bourdieu e Passeron (1994).

15 Tema central em Bourdieu (1979).

16 Como na vasta literatura sobre estrutura de classes e mobilidade social, com exemplos expoentes

em Erikson y Golthorpe (1992) e Wright (1985), e no Brasil, Pastore e Silva (2000), Scalon (1999),
Ribeiro (2009), Santos (2002), dentre muitos outros.
17 Como no importante artigo de Eder (2001) e nos estudos sobre a primavera árabe e os movimentos

de 2013 no Brasil, de que são exemplos Vainer et al. (2013) e Castells (2013).
18 Ver uma vez mais o estudo pioneiro de Bresser-Pereira (1962).

19 Sobre isso, ver o clássico de Miceli (1979). Também Bonelli (2002).

20 Durante a pesquisa realizada por algum tempo pela internet, o computador do AEL, onde o acervo

do Ibope estava hospedado, apresentou problemas e foi desligado. Agradeço a presteza e


generosidade com que o responsável pelo acervo, Emerson Luis Marques da Costa, permitiu que eu
copiasse os arquivos de meu interesse num HD externo, o que viabilizou a continuidade do estudo.
21 Arquivo ibope_opp_pe_031_mr_0269 no arquivo AEL, p. 72.
22 O Censo não apresenta todas as variáveis necessárias à construção das classes tal como feito em
Cardoso e Préteceille (2017). O que ofereço é uma aproximação razoável, destinada a esclarecer a
relação entre renda e classe social.
23 Dados calculados apenas para homens de 18 anos ou mais, como na amostra do Ibope para a cidade

de Belo Horizonte.
CAPÍTULO 1

A política das classes médias

Devemos a Aristóteles a ideia de que sociedades muito desiguais são mais


instáveis do que aquelas onde a classe média constitui a maioria da
população, ou ao menos da população que importava do ponto de vista da
dinâmica política do mundo grego. Isso porque
A causa universal e principal do […] sentimento revolucionário […] é o desejo de igualdade,
quando os homens pensam que são iguais a outros que têm mais do que eles; ou, de novo, o
desejo de desigualdade e superioridade, quando se imaginam superiores e pensam não ter mais,
mas o mesmo ou menos, do que seus inferiores; pretensões que podem ou não ser justas. Os
inferiores se revoltam para que possam ser iguais, e os iguais para que possam ser superiores. É
esse o estado mental que cria revoluções [Aristóteles, Política, Livro 5, disponível em http://class
ics.mit.edu/Aristotle/politics.5.five.html, acessado em março de 2017, tradução livre].

Ou, formulando em termos mais modernos, o sentimento de privação


relativa, seja dos inferiores em relação aos superiores (que leva os primeiros
a demandar igualdade, por considerarem injusta sua posição na sociedade
desigual), seja destes em relação àqueles (que os leva a exigir desigualdade,
por se acharem superiores, mesmo que isso pareça injusto), seria o
combustível do “estado mental” que alimentaria as revoluções. Uma
sociedade dominada pelos extremos seria turbulenta, e nela a democracia
não floresceria. A virtude, como formulado na Ética e repetido ad nauseam
na Política, estaria no meio. Isso valeria também para a ordem social e a
estabilidade política:
É óbvio, pois, que a melhor comunidade política é formada por cidadãos da classe média, e que
os estados nos quais a classe média é ampla e, se possível, mais forte que ambas as outras
classes, ou ao menos do que cada uma delas individualmente, serão provavelmente bem
administrados; pois o advento da classe média afeta o equilíbrio, e impede que qualquer dos
extremos se torne dominante. É grande, pois, a sorte de um estado no qual os cidadãos têm
moderada e suficiente propriedade; pois onde alguns possuem muito, e os outros nada, pode
surgir uma democracia extrema, ou uma oligarquia pura; ou uma tirania pode evoluir a partir dos
extremos – seja a partir da mais vívida democracia, ou a partir de uma oligarquia; mas não é tão
provável que surja de constituições médias e semelhantes […]. E democracias são mais seguras e
mais permanentes do que oligarquias, porque têm uma classe média mais numerosa que partilha
maior proporção do governo; pois quando não há uma classe média, e os pobres estão em número
excessivo, surgem problemas, e o Estado logo perece [Aristóteles, Política, Livro 4, disponível
em http://classics.mit.edu/Aristotle/politics.4.four.html, acessado em março de 2017, tradução
livre].

Impedir que os extremos da estrutura social (os muito pobres e os muito


ricos) se tornassem dominantes era a melhor garantia de um bom governo.
Aristóteles denomina politeia a comunidade política composta por pelo
menos dois terços de pessoas de classe média. É claro que por esse termo
ele se referia aos cidadãos da polis grega, isto é, proprietários de terra e
escravos, porém apenas em tamanho e quantidade suficientes para atender
às suas necessidades, algo difícil de dimensionar com o olhar de hoje, já
que o necessário para uma vida digna é sempre uma construção social e
histórica. Com isso as ideias de “muito ricos” e “muito pobres” (escravos?)
também são relativas, embora parecessem evidentes ao filósofo grego,
assim como a classe média como estrato intermediário entre ricos e pobres.
Aristóteles refletia sobre as condições sociais mais propícias à estabilidade
social mais geral e da democracia em particular, e o argumento sobre
centralidade da classe média na garantia desse propósito teve longa vida.
No seu A democracia na América, Alexis de Tocqueville constrói elegante
teoria sobre a democratização como inexorável “marcha da igualdade”,
obra da providência divina que nada mais era do que o processo de
equalização contínua das condições de vida dos povos, fruto da diluição das
fronteiras e hierarquias de classe típicas do ancien régime. Os Estados
Unidos seriam o território onde esse processo epocal teria assumido feição
mais acabada e explícita. O jovem aristocrata francês não encontrou miséria
naquele país, nem grandes fortunas. Os americanos, escreveu ele, tinham a
vantagem de “terem chegado à democracia [como igualdade de condições]
sem ter que suportar revoluções democráticas, e terem nascido iguais em
vez de iguais se tornarem” (Tocqueville, 1977:388). Eles ambicionavam ser,
e eram, em sua maioria, pequenos proprietários de terras para arar ou de
pequenos negócios industriais e comerciais nas cidades. Os ecos de
Aristóteles não poderiam ser mais evidentes.
Essa classe média proprietária de pequenos e médios negócios esposava
férrea ética burguesa do trabalho, era apegada às instituições da república e
à democracia representativa, além de dedicada à “arte da associação”, ou à
participação cidadã nos locais de moradia. Seu interesse era “bem
compreendido”, isto é, o caminho da retidão era perseguido por terem os
norte-americanos concluído, pela experiência (decantada no hábito), que, ao
fim e ao cabo, aquele era “o mais feliz e o mais útil” dos caminhos24, pois
trilhá-lo produzia o bem-estar coletivo e a paz. E o bem-estar não estava
fundado em virtudes públicas, ao contrário, a felicidade relacionava-se com
a prosperidade material, cujo horizonte era temperado pela religião, e o
bem-estar coletivo era visado porque era útil ao indivíduo. Quando bem
compreendido, o interesse formava “uma multidão de cidadãos corretos,
temperantes, moderados, previdentes, senhores de si mesmos” (idem:402).
Essa era a base sobre a qual assentava a democracia política norte-
americana, longamente louvada por Tocqueville na primeira parte do livro.
Mas A democracia na América foi escrito em dois momentos distintos. A
primeira parte, que louva a democracia estadunidense, nasceu em 1835, em
seguida à visita de Tocqueville aos Estados Unidos, para onde viajara em
missão do governo francês para estudar o sistema prisional do país. A
segunda parte é de 1840, e agora o aristocrata argumenta de maneira mais
abstrata, confrontando o tipo ideal “aristocracia” com o tipo ideal
“democracia” para chamar a atenção para os riscos e problemas desta
última. Dentre os muitos que enumera sobressai a ditadura da maioria,
semente de provável e temível tirania, resultado que lhe parecia tão
inexorável quanto a marcha da igualdade. “Acreditam os americanos que,
em cada Estado, o poder deve emanar diretamente do povo; uma vez,
porém, que esse poder é constituído, não imaginam, por assim dizer, que
tenha limites; de bom grado, reconhecem que tem o direito de tudo fazer”
(idem:513). Em última análise, o interesse bem compreendido seria
perfeitamente compatível com “um poder imenso e tutelar, que se
encarregaria sozinho de garantir o seu prazer e velar sobre sua sorte”. Um
poder “absoluto, minucioso, regular, previdente e brando” (idem:531), por
isso mesmo tirânico. Ou seja, para ele uma sociedade igualitária assentada
nas classes médias, com estas trilhando um caminho de retidão guiadas
exclusivamente pelo interesse privado, corria sério risco de, mesmo quando
república democrática, solapar a liberdade de maneira imperceptível,
embora inconscientemente desejada. Seria, porém, e como queria
Aristóteles, um governo estável, “previdente e brando”25.
John Stuart Mill compartilhava com seu contemporâneo o desprezo pela
massificação da cultura resultante do crescimento das classes médias. No
seu On Liberty essas classes são descritas como intolerantes com ideias
desviantes, particularmente as religiosas; sua opinião era a “opinião
pública” pouco ilustrada, rasa, alimentada pelos jornais dirigidos e escritos
por membros das próprias classes médias, e elas “são sempre uma massa,
ou seja, mediocridade coletiva” (Mill, 2009:111). Ora, o governo da
mediocridade só pode ser “um governo medíocre” (idem:112)26. John Stuart
Mill, como Tocqueville, temia a ditadura da maioria, mais ainda de uma
maioria medíocre.
O termo “classe média” não designava, em Mill, o mesmo que no
Tocqueville de A Democracia na América. Nessa quadra da história, e na
Inglaterra de Mill, classe média, “tal como a palavra francesa bourgeoisie”,
designava
[…] a classe proprietária, especificamente a classe proprietária que é distinta da chamada
aristocracia, ou seja, aquela classe que, na França e na Inglaterra diretamente e na Alemanha
indiretamente, envolta sob o manto da “opinião pública”, detém o poder estatal [Engels,
2010[1845], Locais do Kindle 486-488].

Mirando a Europa revolucionária de 1848, Hobsbawm vai um pouco


além, afirmando que na parte ocidental do continente aquela classe era
composta por
[…] banqueiros nativos, mercadores, empresários capitalistas, os praticantes das “profissões
liberais” e oficiais graduados (incluindo professores), embora alguns desses se sentissem como
pertencendo a um estrato superior (haute bourgeoisie) pronto para competir com a nobreza
territorial, ao menos em termos de consumo [Hobsbawm 1975, Locais do Kindle 258-260,
tradução livre].
Na parte oriental do continente o equivalente de tal classe eram os
proprietários de terra e pequenos nobres mais educados e/ou de mentalidade
empreendedora (idem). A classe média, pois, nada mais era do que a
burguesia nascente, aquela a quem se atribuiu a maternidade da Revolução
Francesa e a quem Marx nomeou, acertadamente, de classe revolucionária,
posto que responsável por trazer abaixo o ancien régime e, mais importante,
colocar algo em seu lugar. Nas palavras do mesmo Tocqueville, de uma
sociedade assentada na honra e nas virtudes públicas, sucedeu-se uma
sociedade guiada pelo interesse e as virtudes privadas. Marx, na verdade,
distingue a “sociedade de classe média” que emergiu das entranhas do
antigo regime, destruindo-o, da “sociedade plenamente burguesa” da
segunda metade do século XIX27. A primeira tinha por agente uma classe de
fato revolucionária e portadora do futuro, enquanto a que dava identidade à
segunda era eminentemente reacionária e obstáculo à emancipação
proletária. Marx nutre nítido fascínio pela primeira e grande desprezo (ele e
Engels, aliás) pela segunda.
Nessa chave de interpretação, a classe média revolucionária da primeira
metade do século XIX, urbana ou rural, era elemento de modernização e
progresso. Mas, se em seu O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Marx
atribui à classe média a posição de esteio da república burguesa que se
estava consolidando na França, ela não o era da democracia burguesa. Bem
ao contrário. Sua classe média não era a mesma de Engels, tinha outras
frações além das burguesias industrial e comercial. Estavam nela
intelectuais que Gramsci denominaria “orgânicos”, como advogados,
jornalistas e literatos, espécies de porta-vozes do etos e dos interesses
burgueses na esfera pública. Paladinos do liberalismo econômico e das
liberdades políticas, viram sua base social atuar decididamente para
respaldar a instauração da ditadura de Luis Bonaparte, abdicando de seu
poder político, da liberdade e da democracia para garantir seu poder
econômico.
Na mesma linha, Polanyi (2000[1944]) narra a resistência da classe média
britânica à extensão do sufrágio aos trabalhadores, demanda do movimento
cartista. E conclui que “o conceito de democracia era estranho às classes
médias inglesas” da primeira metade do século XIX. O voto só foi
estendido à camada mais qualificada do operariado depois “que a classe
trabalhadora aceitou os princípios de uma economia capitalista e os
sindicatos profissionais fizeram do pleno funcionamento da indústria a sua
preocupação máxima” (idem:208).
Nomear “classe média” a burguesia industrial e comercial e seus porta-
vozes na esfera política deixa patente a herança, nos conceitos marxianos e
também em Polanyi, de elementos de uma sociedade em transição. A
burguesia era de fato a posição intermediária numa estrutura de classes
europeia que tinha, em suas posições superiores, na visão de Marx, a
aristocracia funcionária (na Inglaterra e na França, a nobreza gestora do
Estado), a aristocracia agrária, a aristocracia financeira e rentista e a alta
burguesia industrial; as posições inferiores eram ocupadas, no mundo
urbano, pela pequena burguesia (que em O Capital aparece também como
“pequena classe média”), o proletariado e o lumpem proletariado, e pelo
campesinato no mundo rural28. Ou seja, a burguesia estava em processo de
tornar-se classe dominante na França e na Inglaterra, desbancando das
posições de poder as classes superiores (aristocratas) e impedindo a
ascensão das classes inferiores, por isso ser “média”, ou intermediária.
Mas os elementos típicos do que, cem anos depois de Marx, Charles
Wright Mills denominaria “classe média tradicional”, eram os segmentos
que aquele qualifica, justamente, de pequena burguesia: comerciantes,
industriais, proprietários de terra e empreendedores em geral, que tinham na
pequena propriedade o pilar de seu sustento e identidade social. Nessa
configuração, essa classe está presente em O 18 de Brumário de Luís
Bonaparte como integrante da Montanha na Assembleia Nacional pós-
1948, e Marx expõe seu desdém pelo apego desse estrato ao projeto
socialdemocrata de harmonia entre capital e trabalho formulado por seus
representantes “políticos e literatos”. Ao mesmo tempo, reconhece que a
ambiguidade da posição da pequena burguesia, uma “classe de transição”
entre as outras duas posições, podendo ascender ou descender, torna-a
possível aliada do proletariado em conjunturas específicas, como ocorreu
nas eleições de 1850 para a Assembleia Nacional, na qual a aliança entre as
duas classes em Paris “elegeu somente candidatos social-democratas”
(Marx, 2011:83).
Marx via na democracia um mecanismo moderno, mas deturpado de
conciliação de classes, que negava o conflito estrutural entre capital e
trabalho. Os democratas das classes médias pequeno-burguesas, e com eles
sua ideologia e seu projeto político, estavam destinados ao lixo da história.
Para ele a dominação burguesa sobre as demais classes sociais exigia a
república, mas não era compatível com a democracia, ao menos não na
França de meados do século XIX, e a social-democracia pequeno-burguesa
não passava de ingênua e nem sempre bem-intencionada quimera. Apenas a
ditadura do proletariado seria capaz de confrontar a dominação burguesa.
À medida que a burguesia revolucionária ascendia e seus representantes
assumiam posições de comando no aparelho de Estado, ela, obviamente,
deixou de ser considerada “classe média”. Isso borrou a percepção dos
contemporâneos sobre a estrutura de classes. Já na segunda metade do
século XIX as camadas sociais identificadas como de classe média eram
uma espécie de “resíduo”, seja da ascensão dos elementos mais industriosos
da pequena burguesia às posições superiores, seja da decadência de
pequenos proprietários no campo e na cidade, vitimados pelos movimentos
de concentração de capital, resultante inelutável da competição
intercapitalista detectada, já em 1839, por Louis Blanc no seu memorável
libelo socialista Organisation du Travail.
Marx estava atento à emergência, no mundo urbano, de frações de classe
que não podiam ser adequadamente classificadas em seu esquema dual,
característico do tipo ideal de “modo de produção capitalista”29. Marx
critica especialmente David Ricardo por não perceber o “constante
crescimento no número [de pessoas] das classes médias, aquelas situadas
entre o trabalhador, de um lado, e o capitalista e proprietário de terras, de
outro. As classes médias se mantêm, de forma crescente, diretamente da
renda [mais valia], são uma carga que pesa duramente sobre a base operária
e aumenta a segurança social e o poder dos dez mil [membros das classes]
superiores” (Marx, 1968:573. Termos entre colchetes acrescentados por
mim). Essa nova classe de assalariados não estava, como a pequena
burguesia, destinada a desaparecer, mas sim a crescer “constantemente”.
Não é por acaso que, embora crítico à “pequena classe média” n’O 18 de
Brumário, Marx não dirige a ela as palavras ácidas destinadas à alta classe
média, ou burguesia. Em 1852, momento da redação do texto, a pequena
classe média de então era, imaginava ele, o proletariado de amanhã e, como
tal, potencial aliado na luta contra a opressão burguesa. Essa possibilidade
seria reinterpretada como necessidade por Friedrich Engels em 1895, na
Introdução ao extraordinário As lutas de classes na França de 1948 a 1850,
de Marx. Ao afirmar que, em razão da vigência do sufrágio universal na
Alemanha, o socialismo se tornaria, até o fim do século XIX, uma força
diante da qual todos os poderes teriam que se dobrar, agregou que isso
ocorreria porque os social-democratas conquistariam “a maior parte das
camadas médias da sociedade, tanto os pequenos burgueses quanto os
pequenos camponeses” (Engels, s.d.p.[1895]:108). Depois das muitas
derrotas da classe operária nas inúmeras insurreições que marcaram o
Oitocentos, Engels, em parceria com Karl Kautsky, passou a considerar
seriamente a possibilidade de acesso ao poder por meio de eleições
democráticas, e contava, para isso, com alianças com as novas camadas
médias da sociedade.
As mudanças tecnológicas e o aprofundamento da industrialização na
segunda metade do século XIX produziram aumento substancial das
posições assalariadas não diretamente produtivas (ou operárias). Marx, em
sua habitual presciência, tendo assinalado o crescimento “constante” dos
assalariados médios, já identificava um processo de depreciação da renda
dos ocupantes desses postos de trabalho, que dependiam da educação. A
incipiente expansão do ensino público na Inglaterra, na Alemanha e na
França, projeto caro ao liberalismo burguês, parira a consequência não
antecipada de desvalorizar as credenciais das novas classes médias
assalariadas que ocupavam as posições de mando nas fábricas e as posições
inferiores nos serviços comerciais e de apoio ao “capitalista produtor”,
classes intermediárias entre estes e os operários que, por isso, viam suas
condições de vida degradadas pelo aumento da competição intraclasse.
Marx, portanto, antecipou em algumas décadas a discussão sobre a
proletarização dessas classes, que marcou os anos 1920 e 1930 na
Inglaterra, nos Estados Unidos e na Alemanha, e que voltaria ao debate nos
anos 1970 e 1980, inclusive no Brasil.
O interesse pela desclassificação da nova classe média assalariada na
primeira metade do século XX deveu-se menos à realidade objetiva de sua
eventual perda de status (a classe estava na aurora de sua existência, e
continuaria crescendo nas décadas por vir), do que ao seu possível papel
político como aliada da classe operária na revolução socialista. Na verdade,
essa possível conexão dominou por mais de meio século a compreensão das
nascentes ciências sociais sobre a classe média assalariada30. Francis
Klingender argumentou, em 1935, que desde 1870 os trabalhadores de
escritório (clerks) da Inglaterra sofriam processo de mobilidade
descendente rumo à proletarização. Mudanças na escala de produção nos
escritórios, que se multiplicaram em todos os segmentos da economia; e
mudanças tecnológicas como a introdução de máquinas de escrever e fazer
contas, permitiram a racionalização e rotinização do trabalho, que passou a
ocupar, de forma crescente, mão de obra feminina e com menor
qualificação. Com isso os salários se foram depreciando e se aproximando
dos da classe operária. Além disso, a estabilidade no emprego, um dos
principais diferenciais desse tipo de trabalho, havia se tornado um mito e a
nova classe média vivia a mesma insegurança dos trabalhadores manuais de
fábrica, com altas taxas de desemprego e rotatividade. Isso explicaria o
aumento substancial da organização dos clerks em sindicatos e tornava
natural sua aliança política com a classe operária (Klingender, 1935)31.
Klingender não estava sozinho em sua apreciação sobre a perda de status
desses trabalhadores. Com o sugestivo título de The crisis of the middle
class, também publicado em 1935, Lewis Corey argumentou que tanto os
operários quanto os trabalhadores da “nova” classe média assalariada norte-
americana (as aspas são de Corey) estavam engajados na luta pela
sobrevivência em bases igualmente vulneráveis. Despossuídas elas mesmas,
as “novas” classes médias não tinham razão para defender a propriedade.
Estando suas condições de vida próximas às dos proletários, seriam
forçadas a adotar formas proletárias de ação, como o sindicalismo, as
greves, as demonstrações de massa e a atuação partidária, todas
convergindo na luta pelo socialismo. Mais do que aliadas da classe
operária, e contrariamente à pequena burguesia proprietária, as “novas”
classes médias assalariadas eram parte daquela classe (Corey,
1992[1935]:237). Como tal, ambas teriam papel importante na luta contra o
fascismo, que servia muito bem à classe média tradicional e era servido por
ela, que via em Mussolini e em Hitler tábuas últimas de salvação de sua
pequena propriedade diante do avanço da grande empresa monopolista
(idem:291 e ss.).
Esses dois autores empregam os termos clerks e clergerie para se referir à
nova classe média. Escrevendo sobre a Alemanha, Speier (1934) utiliza,
pioneiramente, tanto o termo “white collar” quanto a expressão “nova
classe média”. Como seus contemporâneos anglo-saxões, e citando farta
literatura alemã produzida nos anos 1920, além de muitos dados, Speier
afirma que a nova classe média “ocupa posição chave na moderna
sociedade industrial” (p. 133), mas também identifica o processo de
proletarização dessa nova classe em razão do grande crescimento de postos
de trabalho mal remunerados, inseguros e majoritariamente femininos; e em
razão das altas taxas de desemprego entre os white collar. Mas considera
apressadas as análises que, por causa disso, inferem que esses trabalhadores
seriam aliados naturais do proletariado. Ao contrário. Enquanto os
sindicatos operários estavam mais próximos do partido social-democrata, a
principal organização que reivindicava a representação dos interesses da
nova classe média era a Deutschnationaler Handlungsgehilfen-Verbandse
(DHV), que tinha relações estreitas com o Partido Nazista (Speier,
1934:125). Além disso, o operariado reconhecia na classe média assalariada
posição social superior em termos de prestígio e status, posição que esta
última fazia questão de afirmar no dia a dia das relações de classe. E seu
maior prestígio decorria: (i) do fato de ela compartilhar a autoridade com
aqueles que dirigiam os negócios; (ii) de sua maior educação; e (iii), do fato
de compartilhar “a autoridade oficial como resultado de seu sentimento
nacionalista” (idem:132), para não dizer nacional-socialista. Os white
collar, então, demarcavam claramente sua distinção em relação aos
trabalhadores manuais, mesmo que sua própria atividade de trabalho fosse,
naquele momento, rotineira, altamente fragmentada e precária, tal como a
dos operários. Importante assinalar que Speier não vê no fascismo a opção
“natural” dos white collar, apenas afirma que eles tinham essa preferência
na Alemanha nazista, por contingências históricas próprias do país.
É provável que Charles Wright Mills tenha se inspirado em Speier ao
empregar a expressão white collar já no título de seu clássico de 195132. E
tal como Speier, ele também rejeita os termos do debate anterior,
alforriando teoricamente a nova classe média de sua condição de possível
aliada do operariado na luta contra a opressão burguesa. Escrevendo no pós-
guerra e descartando, por isso, o fascismo, o engenhoso Wright Mills
enumera os dois principais (ou mais familiares) “modelos de consciência
política” de seu tempo: o liberalismo e o marxismo. O primeiro partiria do
princípio de que, “uma vez reconhecidos os seus direitos, o cidadão
individual se torna atuante e age de acordo com seus interesses políticos”
(Wright Mills, 1976:343). O outro modelo, centrado mais na classe do que
no indivíduo, descreveria um processo de tradução de condições materiais
semelhantes em consciência política de classe (a classe em si que se torna
para si). A consciência denota o “conhecimento racional dos interesses de
uma classe e a identificação com eles; […] o conhecimento dos interesses
das outras classes e sua rejeição como ilegítimos; […] a consciência e a
disposição para usar meios políticos coletivos para o fim político de
defender os interesses de uma classe” (idem:343).
Ora, esses dois modelos não serviriam para compreender a ação política
da nova classe média norte-americana, porque não admitiam “a ideia de que
uma camada social possa não ter nenhuma orientação política, mas ser
politicamente passiva” (p. 344).
Para os homens de menor discernimento e menos segurança em suas posições de classe, a
indiferença muitas vezes coincide com uma atitude de sacrificar um mínimo de tempo e de si
mesmos para realizar um trabalho desprovido de significações, e consagrar todo o resto a
atividades particulares que encontram um sentido imediato nas emoções, sensações e prazeres
animais (p. 345).

É verdade que esse mal não seria exclusivo da classe média, mas
acometeria toda a sociedade norte-americana, com exceção dos muito
mobilizados por lealdades partidárias ou por sentimento de revolta. Mas na
massa da nova classe média ele seria muito mais evidente e “natural”. As
causas seriam muitas: os estupefacientes meios de comunicação de massa e
a cultura por eles moldada, a prosperidade econômica de todas as classes, a
pequena importância atribuída à política e a desconfiança do público em
relação aos políticos etc. Em consequência, nem a classe média como um
todo,
nem qualquer de seus setores, dispõe de símbolos comuns de fidelidade, exigência ou esperança.
[…] Não há nada em suas experiências profissionais diretas que incite os colarinhos-brancos a
formar organizações políticas autônomas […], falta-lhes até a consciência mais rudimentar de
seus interesses econômicos e políticos: eles não se dão conta de qualquer crise profunda e
específica de sua camada social (idem:369).

A que bloco ou movimento político, então, essas classes se aliarão?


Wright Mills não tem dúvidas: “Ao bloco ou movimento que mostre
indícios mais evidentes de ser o vencedor” (p. 371). Nesse sentido, são a
retaguarda da ação política das outras classes, estando “à venda no mercado
político da sociedade americana”.
Nesse diagnóstico há evidente conjunção de duas grandes linhas
interpretativas sobre a modernidade, tal como percebida por Wright Mills.
A primeira tem origem em Tocqueville e seu resignado desprezo pelo
caráter mesquinho do homem médio norte-americano, dotado de espírito
rasteiro, de aspirações mundanas moldadas pelo interesse material e a
religião, desinteressado das artes e das ciências, vivendo as incertezas de
sua posição de classe, sempre ameaçada de desclassificação, razão pela qual
destina a maior parte de seu tempo à luta pela manutenção do pouco que
aquinhoou, ou então para acumular mais e transferir a seus filhos a
segurança assim construída etc. E muito particularmente, como visto acima,
a apatia política como corolário do “interesse bem compreendido”. Tudo
isso está no retrato pintado também por Wright Mills ao longo de seu livro,
inclusive o risco da tirania, implícito na afirmação que fecha o texto, de que
a classe média norte-americana está “à venda” para quem fizer “uma oferta
séria”. A outra linha interpretativa tem origem em Weber e sua crítica à
burocratização da sociedade e ao processo de racionalização das relações
sociais, cujo resultado mais palpável ele traduziu na metáfora da jaula (ou a
crosta33) de ferro, isto é, os produtos da intervenção humana “ganharam
poder crescente e por fim irresistível sobre os seres humanos como nunca
antes na história” (Weber, 2004:165). A isso Mills junta, como elemento
essencial da apatia política das classes médias estadunidenses, a cultura de
massas, individualista, competitiva, hedonista, opressiva e mesquinha,
formulada e divulgada por gananciosos e incontroláveis meios de
comunicação de massa.
Dentre os elementos comuns encontráveis nessa literatura, o mais saliente
é a constatação de que as classes médias não desenvolverão consciência de
classe nem terão projeto político próprio. Elas se alinharão à classe operária
na revolução proletária, ou à classe ou movimento político que as consiga
“comprar” (como o fascismo), mas não formularão elas mesmas projetos de
transformação social. Nesse sentido, elas até podem ser “ganhas” para as
causas da liberdade e da democracia (e eventualmente da igualdade), mas
isso não está dado em sua condição de classe. O mais provável seria sua
adesão ao que Herbert Marcuse qualificou de capitalismo “unidimensional”,
porque “sem oposição”: uma sociedade de classe média dominada pela
ciência, pela técnica e pela razão instrumental, militarizada, marcada pela
prosperidade geral e pelo consumismo individualista (Marcuse, 1964).
No entanto, movendo-se na contracorrente desses argumentos,
encontramos a proposição de Lipset, evocando Aristóteles, de que apenas
[…] numa sociedade rica em que relativamente poucos cidadãos vivessem em verdadeira
pobreza poderia haver uma situação na qual a massa da população poderia participar
inteligentemente da política e desenvolver o necessário autocontrole para evitar sucumbir aos
apelos de demagogos irresponsáveis [Lipset, 1959:75].

Sociedades divididas entre grandes massas empobrecidas e uma pequena


elite favorecida resultariam em ditaduras oligárquicas ou tiranias. Logo, as
classes médias voltavam à cena como esteio das democracias ocidentais,
por sua capacidade de autocontrole, que as impediria de sucumbir aos
apelos de “demagogos irresponsáveis”. Navegando no pacificado oceano
das teorias da modernização, com sua concepção etapista do progresso das
sociedades humanas (as sociedades se tornariam democráticas à medida que
se tornassem mais ricas e afluentes), Lipset inaugurou uma linha de
investigação que ainda gera frutos (e críticas), correlacionando nível de
desenvolvimento econômico (em seu tempo o termo mais comum era
“industrialização”), urbanização, educação e outras medidas
socioeconômicas, com a estabilidade das democracias34. Nesse quadro, a
apatia das classes médias não seria necessariamente um problema, já que
nas democracias liberais representativas o voto resumiria o que se espera,
em termos de participação política, de cidadãos responsáveis e capazes de
autocontrole. A apatia não seria sintoma de malaise político, mas sim de
acomodação das massas médias à rotina das sociedades democráticas
pacificadas.

“O radicalismo das classes médias”35


Enquanto parte da ciência social via as novas classes médias como produto
inerme e apático da modernidade capitalista, Allen Ginsberg publicava
Howl (em 1956), inaugurando um movimento literário que revelaria o Jack
Kerouac de On The Road (em 1957) e o William Burroughs de Naked
Lunch (em 1959). Kerouac escreveu um livro autobiográfico, isto é, ele era
um outsider vivendo experiências libertárias na estrada no mesmo ano em
que, na mão inversa, Shmuel Eisenstadt publicava From generation to
generation, que “desvendava” os mecanismos integradores da sociedade de
classe média norte-americana, como a família, a escola e o trabalho
(Eisenstadt, 2002[1956]). Como se a afrontar antecipadamente Eisenstadt,
Marilyn Monroe estrelara Niagara (em português, Torrente de Paixão) em
1953, e desfilara seu glamour pelo mundo promocional do filme com
roupas curtas e decotes que, mais do que chocar as audiências e granjear a
Norma Jean a fama de vulgar, sugeria que algo de novo estava em curso na
moral puritana das classes médias norte-americanas, fustigadas pelo
comportamento sexual “escandaloso” da estrela de Hollywood. James Dean
morreu como um ícone em 1956, aos 24 anos, depois do estrondoso sucesso
de East of Eden (Vidas Amargas) e Rebel Without a Cause (Rebelde Sem
Causa), ambos de 1955 e ambos incendiários da cena cultural local e logo
mundial, ao retratar uma juventude de classe média “transviada” e de futuro
incerto.
Também em 1956, Françoise Sagan publicaria Un Certain Sourire, um
clássico narrando a ansiedade e a angústia de uma jovem de classe média de
20 anos, amante de seu tio quadragenário e casado, num ambiente
universitário (a Sorbonne) de grande liberação sexual. E Jean Paul Sartre e
Simone de Beauvoir viviam um casamento aberto, ela tendo publicado o
clássico feminista O Segundo Sexo em 1949, expondo as mazelas da
condição feminina numa sociedade machista, um libelo libertário de grande
acolhida em todo o mundo. Esses exemplos da cena artística e cultural de
meados dos anos 1950, muito mais rica e efervescente do que é possível
enumerar aqui, foram tomados como “desvios” de conduta de “rebeldes
sem causa”, portanto, como manifestações individuais “fora do padrão”.
Mas eles, na verdade, eram expressão de um mal-estar civilizatório que
Wright Mills estava longe de ser capaz de apreender com sua imagem da
classe média como apática e “à venda”, e da sociedade norte-americana
como oprimida pela indústria cultural.
Esse mal-estar explodiria socialmente na revolução cultural dos anos
1960. O maio de 1968 na França, que incendiou os países ricos (e também o
Brasil, como veremos mais tarde neste livro) neste e nos anos seguintes, foi
principalmente uma revolta da classe média estudantil. Mas foi também
uma revolta operária contra a modernidade fordista e seu padrão de
exploração da força de trabalho. André Gorz, um dos muitos intérpretes
daquele momento, escreveu, no calor da hora, que uma sociedade
democrática não podia conviver com o despotismo vigente no mundo do
trabalho, sobretudo na fábrica fordista, onde o trabalhador abria mão de sua
cidadania ao trocar a roupa diária pelo macacão de trabalho (Gorz, 1973).
Todas as teorias que haviam celebrado o “fim das ideologias” em razão da
prosperidade fordista e do “fim do proletariado”36, também foram postas em
questão pelo ressurgimento da luta de classes na Europa no fim dos anos
1960 e inícios dos anos 1970, que resultou num grande ciclo grevista que só
arrefeceria na década seguinte37. A luta de classes à moda antiga estava de
volta à cena.
Mas as classes médias e a classe operária não se bateram pelas mesmas
razões, nem marcharam unidas, ao menos não no início. O operariado
queria mais autonomia, queria democracia nos locais de trabalho, queria
empregos menos alienantes, repetitivos e cansativos. Queria melhores
condições de trabalho, compatíveis com os níveis de bem-estar material que
vinha acumulando desde o pós-guerra. A classe média estudantil queria
uma sociedade mais aberta, mais criativa, mais democrática nos costumes,
menos chauvinista, menos racista.
Pela primeira vez na história – escreveu Eisenstadt (2002[1956]:169) – ao menos partes desses
movimentos tendem a se tornar inteiramente dissociados dos movimentos sociais ou nacionais
mais gerais, do mundo adulto38, e tendem a não aceitar quaisquer associações ou modelos
adultos – com isso expressando descontinuidade e conflito intergeracional sem precedentes.

Dentre outras coisas, o autor argumentou que os pais não teriam


conseguido transmitir às novas gerações os significados dos traumas do
passado (relacionados às duas guerras); sua “permissividade” teria aguçado
a criatividade dos jovens; mas o mundo burocratizado e rotinizado teria
frustrado essa criatividade e as expectativas criadas pelas promessas de
liberdade e autonomia do “capitalismo organizado”. Para ele, os jovens das
classes médias não se sentiriam parte dos compromissos assumidos por seus
pais, que resultaram na guerra e numa reconstrução que teria
institucionalizado a promessa da revolução socialista em estados de bem-
estar que, contudo, eram incapazes de cumprir aquelas promessas para os
jovens, particularmente os das classes médias ilustradas, sendo um mundo
burocrático fechado e controlado pelos mais velhos.
Marcuse foi um dos inspiradores dos segmentos revoltosos das classes
médias de 1968. Sua teoria crítica mesclava Marx e Freud para propor a
possibilidade de uma civilização não baseada na repressão da sexualidade
(Marcuse, 1955), repressão que estava na base da interpretação de Freud
sobre a origem e a natureza da civilização ocidental. Refletindo sobre o
maio de 1968, em Contrarrevolução e revolta (de 1972), vê nos
movimentos juvenis de classe média as possibilidades libertárias da nova
revolução social. Os movimentos teriam mostrado a viabilidade de
finalmente se reconciliar natureza e cultura, restaurando o caráter
multidimensional da experiência humana. Claro que Marcuse não
compartilhava do otimismo de um Eisenstadt quanto à “pureza” da
juventude e sua identificação com ideais últimos da sociedade, pureza que
teria vindo à tona em 1968 para resgatar as promessas civilizatórias de
liberdade e autonomia, soterradas pela burocratização dos estados de bem-
estar fordistas. A revolução cultural que pregava Marcuse tinha no
horizonte a reeducação dos sentidos dos jovens, socializados de maneira
“unidimensional” na sociedade dominada pela técnica. Isso, obviamente,
conferia papel demiúrgico ao filósofo crítico, capaz de abrir as portas e
guiar os jovens pelos caminhos da liberdade.
As revoltas de 1968 colocaram segmentos intelectualizados das classes
médias no centro da cena política das democracias ocidentais, na vanguarda
do que a literatura nomearia de “novos movimentos sociais”. Agora, o que
estava em disputa já não era a apropriação da riqueza produzida pelo
trabalho, conflito originário do capitalismo. O que estava em questão eram
“as orientações culturais mais gerais da sociedade”, para usar a clássica
expressão de Touraine (1969). Já não era mais a classe operária a portadora
do futuro, à qual as classes médias se aliariam por ideologia ou
pragmatismo. Agora eram as classes médias as que tinham disposição,
recursos e capacidade de ação coletiva para conferir um rumo às mudanças
sociais.
Estava nascendo, segundo essa literatura, a “sociedade pós-industrial”,
que teria retirado de uma vez por todas as massas do “reino da
necessidade”, parteiro de tensões e revoluções sociais, tornando-as
“afluentes” e aderentes à ordem burguesa39. Nesse novo ambiente, as
identidades coletivas já não teriam no mundo do trabalho o principal
momento de unidade. Ao contrário. Perdendo participação relativa e
absoluta nas estruturas de classes das nações mais desenvolvidas, o mundo
do trabalho industrial já não parecia capaz de tornar universal o interesse
particular da classe operária por emancipação. O mundo vivia o risco de
uma guerra atômica, e as classes médias estariam construindo na esfera
pública o interesse universal pela paz e pelo fim da ameaça nuclear (Parkin,
1968). A catástrofe ecológica já mostrava sua face cruenta, e foram
segmentos das classes médias que protagonizaram os movimentos em
defesa do meio ambiente, que colocaram na agenda decisória mundial a
necessidade de medidas de salvaguarda do planeta para as futuras gerações
(Cotgrove e Duff, 1980). O movimento feminista foi e continua sendo
principalmente de classe média, assim como a luta contra o racismo e pelos
direitos civis nos Estados Unidos teve como líderes expoentes figuras
dessas classes (Martin Luther King, Angela Davis e tantos/as outros/as).
É questão relevante saber se a massa das classes médias se sentia
representada ou se identificava com as vanguardas desses movimentos. O
tema é central e estará presente em toda a análise dos próximos capítulos.
Isto é, até que ponto é possível ver nos movimentos da vanguarda social e
política das classes médias mecanismos de identificação típicos dos
processos de formação de classe? Os direitos civis levaram milhões de
pessoas às ruas dos Estados Unidos no final dos anos 1960. O pacifismo
antinuclear fez o mesmo na Europa nos anos 1970 e 1980, e o movimento
feminista está, hoje, entre as mais importantes contestações à ordem social
dominada pelos homens, e embora corte transversalmente a estrutura de
classes, é um movimento de massas com nítido viés de classe média40.
Em face de movimentações como essas, Klaus Eder (2001) propôs a ideia
de que os movimentos sociais seriam um mecanismo pelo qual as camadas
médias se constituiriam como classe social, agora não mais por sua posição
na estrutura econômica, mas por sua disposição à ação por agendas
culturais. O argumento é distinto dos encontráveis na maioria da literatura
sobre os novos movimentos sociais, que em geral abandona o quadro
analítico referenciado nas classes sociais, tendo em vista o caráter quase
sempre policlassista desses movimentos. Eder não tem dúvida de que são as
classes médias que dão sustentação a movimentos como o antinuclear, o
ambientalista ou ecológico, o feminista e outros. Para ele, as classes médias
(em especial a nova classe média ligada aos serviços), ao se porem em
marcha a partir de “estruturas de oportunidade cultural” específicas,
batendo-se por agendas relacionadas com ideais de “boa vida” ancorados
em “relações sociais consensuais” (idem:16), se produzem como classe e
definem uma estrutura de classes enquanto uma estrutura de posições
delimitadas pelas demandas identitárias de seus movimentos coletivos.
Essas demandas, ao definirem conteúdos identitários irredutíveis e
inegociáveis no plano institucional ou político, terminam por estabelecer
um “nós” e um “outro” estritamente sociais. Isto é, os novos movimentos
sociais, assim como o movimento operário no passado,
são movimentos que lutam por mais justiça, por mais direitos e liberdade, e são simultaneamente
movimentos que opõem categorias de pessoas a outras categorias, criando assim uma arena de
conflito sobre questões nas quais os ganhos de alguns são necessariamente casados com as
perdas de outros [Eder, 2001:6].

E ele acrescenta:
Contrariamente à imagem de uma sociedade de pessoas extremamente individualizadas distintas
umas das outras e envolvidas em demarcar tais distinções, defenderemos a imagem de uma
sociedade organizada em torno da tentativa de refazer-se, de tal modo que a exclusão dos meios
de produção não mais seja o critério dicotomizante. A dicotomia social que é inventada e em
última instância defendida é uma na qual o critério dominante é a exclusão de uma sociedade que
permite a identidade e o individualismo expressivo. A cultura dos novos movimentos sociais
contém um elemento de dicotomização da realidade social, a saber, a ideia de exclusão dos meios
sociais de realização de identidade [idem:13].

O radicalismo das classes médias já não teria a ver com a ansiedade com
que procura se distanciar das classes subalternas, associada à frustração por
não conseguir atingir a posição de classe dominante (como em Parkin,
1968), mas sim com o controle dos meios sociais de realização de
identidade e com a demarcação de espaços identitários de exclusão dos
outros, que podem ser segmentos das próprias classes médias que não
compartilhem interesses, normas e valores daquele coletivo assim
constituído. Resulta disso uma estrutura de identidades culturais
referenciadas umas nas outras, irredutíveis entre si e dispostas
hierarquicamente, já que as diferenças de poder “se referem ao modo como
a oportunidade de realizar identidade é definida e seus ativos são
desigualmente distribuídos” (idem:18).
Eder, nessa construção, coloca as classes médias no centro da dinâmica
social contemporânea, atribuindo a elas o poder de democratizar as relações
sociais (em razão da proeminência das “relações sociais consensuais” e,
nestas, da centralidade da comunicação) e, de maneira mais ampla,
transformar a realidade. É verdade que o argumento é, por vezes,
tautológico. Ele afirma, por exemplo, que “[o]s novos movimentos sociais
preocupados com a realização de uma existência ‘identitária’ são, portanto,
aqueles que alimentam a construção de novas relações de classe. Nesse
sentido a classe tem importância nos novos movimentos sociais” (idem,
ibidem). A classe tem importância por ser definicional, isto é, ela é parte do
conceito de novos movimentos sociais, que, se não alimentarem novas
relações de classe, embora sejam ação coletiva, não podem ser nomeados
movimentos sociais. Ainda assim, é louvável o esforço de recolocar a classe
de volta no debate sobre esses movimentos, e de ressaltar a centralidade das
classes médias neles.
A construção de identidade dessas classes interessará de perto a esta
investigação, muito particularmente no capítulo IV, no qual analiso a
conjuntura de 2013-2016 como processo de construção de classe. Estão lá
as mobilizações coletivas e as reivindicações identitárias típicas de
processos classistas, mas veremos que, contrariamente ao que queria Eder,
os conteúdos foram fornecidos pela disputa política em torno do controle do
poder de Estado, recolocando um tema que, como pretendo mostrar daqui
por diante, esteve sempre na agenda das classes médias brasileiras, sendo
constitutivo de seus processos de construção de identidade ao longo da
história.
24 A referência aqui é Montagne, citado em Tocqueville (1977:401).
25 Tocqueville via na grande indústria o germe da emergência de nova aristocracia, agora capitalista.
Seus poderes econômico e político punham em risco a marcha da igualdade. O tema da nova
aristocracia industrial está também no Durkheim de A Divisão do Trabalho Social.
26 Escreve Mill em sua autobiografia: “It is the character of the British people, or at least of the higher

and middle classes who pass muster for the British people, that to induce them to approve of any
change it is necessary that they should look upon it as a middle course: they think every proposal
extreme and violent unless they hear of some other proposal going still farther, upon which their
antipathy to extreme views may discharge itself” (Mill, 1981:280).
27 As duas formas de se referir à sociedade capitalista estão nas versões em inglês e francês de A

guerra civil na França, de Marx, ambas encontráveis em vários sítios na internet. Consultei a versão
em inglês em https://www.marxists.org/archive/marx/works/1871/civil-war-france/ch05.htm e a
francesa em http://classiques.uqac.ca/classiques/Marx_karl/guerre_civile_france/guerre_civile_franc
e.html, em novembro de 2018. Na versão em português disponível nas obras escolhidas de Marx e
Engels, da Alfa Ômega, cuja origem é a edição russa, essa distinção não aparece, é sempre da
sociedade burguesa que se trata.
28 Embora a oposição central em O Capital de Marx seja entre a “classe dos capitalistas” e a “classe

operária”, expressões mais comuns nos três volumes, há variações, sendo “burguesia industrial” e
“classe dos assalariados” os termos alternativos mais recorrentes. Entre esses polos aparece, com
alguma frequência, a “pequena classe média”, que na Seção VIII do Livro I sobre a “acumulação
primitiva” é descrita como sendo composta de vendedores, pequenos comerciantes, artesãos e
pequenos camponeses, enquanto na Seção IV do mesmo Livro I (nota 239) ele agrega as “jovens
mulheres de serviço”. No Livro III aparecem os trabalhadores comerciais que pertencem à “classe
dos assalariados bem pagos, que fazem serviço qualificado superior ao trabalho médio”; uma classe
de “agentes comerciais diretos do capitalista produtor, como compradores, vendedores, viajantes”; e
uma “classe cada vez mais numerosa de diretores industriais e comerciais”, isto é, a gerência das
fábricas. Estratos médios, pois, que podem perfeitamente ser hierarquizados em classes médias baixa,
média e alta, compostas pela “nova classe média” e por estratos da pequena burguesia urbana. E no
Capítulo VI, inédito, a extensa discussão sobre trabalho improdutivo tem como alvo o trabalho
assalariado dessas classes médias, incluindo intelectuais, professores e administradores a serviço do
capitalista etc.
29 Ver tb. Abercrombie e Urry (1983, cap. 4).
30 Nesses mesmos termos o problema já aparece em Kautski (1899), por exemplo, e também na já
citada “Introdução” de Engels, de 1895.
31 Klingender se baseia, frequentemente, em documentos produzidos por sindicatos de trabalhadores

de escritório, mas sua tese da “desqualificação” desses trabalhadores na época Vitoriana foi
corroborada pelo historiador Gregory Anderson (1976). Mais tarde a interpretação de ambos foi
criticada e nuançada pelo também historiador Michael Heller (2011).
32 Dois trabalhos de Speier estão listados entre as fontes consultadas por Mills.

33 Flavio Pierucci, em sua tradução de A Ética protestante... de Weber (edição de 2004 pela

Companhia das Letras), reivindica essa solução como mais adequada e rente ao texto original, em
lugar da “jaula de ferro” proposta por Talcott Parsons ao traduzir o texto para o inglês em 1930.
34 Przeworski e Limongi (1997:156) afirmam que o argumento de Lipset (1959) deu origem “ao

maior corpo de pesquisa sobre qualquer tópico em política comparada”.


35 Parafraseado do título do livro de Parkin (1968).

36 Depois do trabalho de Wright Mills, o crescimento das classes médias foi ainda objeto de pelo

menos dois outros estudos clássicos. Bell (1960) chama a atenção para a mudança na estrutura de
classes no capitalismo avançado, com o enxugamento do operariado industrial e o crescimento
vertiginoso dos empregos nos serviços, razão pela qual ele decreta o “fim das ideologias”. E
Lockwood (1959) está entre os que descartam a ideia de proletarização da nova classe média de
escritório.
37 Ver a coletânea também clássica de Crouch e Pizzorno (1978), que tem o sugestivo título de O

ressurgimento do conflito de classes na Europa Ocidental.


38 A referência, obviamente, eram os movimentos juvenis patrocinados pelos adultos, como as várias

juventudes totalitárias europeias da primeira metade do século XX, o escotismo, as fraternidades


estudantis etc.
39 Além do já citado Daniel Bell, ver Goldthorpe et al. (1968).

40 Sobre a radicalidade da crítica feminista à democracia burguesa e às teorias sobre a democracia, ver

Biroli e Miguel (2014).


CAPÍTULO 2

O longo ciclo de Vargas

Introdução
O historiador Hélio Silva define as primeiras revoltas tenentistas de 1922
como o início do “ciclo de Vargas”. Ele tem razão, pois os tenentes que se
bateram contra a ordem oligárquica no Forte de Copacabana e em outras
partes do Brasil vocalizaram interesses e disposições que, num crescendo,
desembocariam na Revolução de 1930, que traduziu em políticas públicas
muitos dos anseios tenentistas quanto à industrialização e à autonomia do
país no contexto geopolítico da época. Os “tenentes” foram artífices
incontestes do primeiro governo Vargas, que mudaria por completo a face
da nação ao iniciar a construção de um projeto que, depois, ficou conhecido
como nacional-desenvolvimentismo.
A Revolução de 1930 não foi, obviamente, uma revolução burguesa em
sentido estrito. Os chefes revolucionários, incluindo Getúlio Vargas, eram
oriundos de oligarquias agrárias respaldadas pela classe média militar e
segmentos das classes médias urbanas, e tinham contra si as oligarquias
agrárias tradicionais e parte das classes industriais para quem as políticas de
valorização do café, principalmente a política cambial, favoreciam os
produtores internos de mercadorias, ao tornar dispendiosas as importações;
e também as classes médias tradicionais, cujas posições dependiam de suas
estreitas relações com as oligarquias agrárias que haviam dominado o poder
central e nas províncias durante a Primeira República. Essas classes médias
ocupavam posições de comando no aparelho de Estado nos três níveis de
governo, e gozavam de privilégios que lograram proteger por meio de
legislação e relações de patronagem, e se opuseram vivamente ao
lentíssimo, mas persistente processo de modernização da administração
pública iniciada por Vargas. A Revolução, pois, sofreu oposição de
industriais e das classes médias superiores, mas os projetos dos tenentes,
por exemplo expressos em documentos do Clube 3 de Outubro
mencionados mais adiante, eram claramente industrializantes e
desenvolvimentistas, atribuindo ao Estado a tarefa de guiar o
desenvolvimento por meio do financiamento às indústrias de base, de bens
de capital, transportes e produção de energia, que teriam como
consequência a ampliação das bases de reprodução de novas classes médias
urbanas, além, é claro, de um novo e crescente operariado. A vasta
literatura a respeito não diverge na interpretação de que o golpe oligárquico
de 1930 deve ser lido como Revolução porque, com ele, o Brasil de fato
mudou o rumo de seu desenvolvimento econômico, tornando-se, a passo,
mas irrecorrivelmente, menos dependente dos capitais agrários e comerciais
para o financiamento do próprio Estado e da acumulação. A
industrialização se completaria fora do “ciclo de Vargas” em sentido estrito,
já que parte substancial das indústrias de bens de consumo durável se
instalou nos anos seguintes ao suicídio do presidente. Mas assim como os
tenentes prenunciaram aquele ciclo, os governos que o sucederam até o
golpe de 1964 viveram sob a moldura institucional e o projeto
industrializante costurados por Vargas (Santos, 2006, cap. 1). Por isso a
ideia do “longo ciclo de Vargas”, abrangendo do tenentismo ao golpe
militar, ou cerca de 40 anos de nossa história recente. Utilizarei,
alternativamente, a fórmula mais consagrada “Era Vargas” para me referir
ao período.
As classes médias, em seus distintos e heterogêneos segmentos, foram
decisivas nos momentos cruciais desse momento histórico, como mostrou,
pioneiramente, Décio Saes (1984). O que elas pensaram e o modo como
agiram (ou deixaram de agir) foram aspectos inarredáveis das dinâmicas
políticas e seus desdobramentos, tendo em vista as restrições à participação
política das classes subalternas (como a proibição do voto dos analfabetos e
a repressão à organização operária autônoma) e a proximidade dos
segmentos superiores das classes médias dos círculos de poder. A lenta, mas
persistente abertura dos canais de participação política, sobretudo depois de
1945, configura-se, aqui, na principal chave de interpretação das
metamorfoses da ação política das classes médias no longo ciclo de Vargas.
Não é meu objetivo propor análise exaustiva das sucessivas conjunturas.
Este não é um trabalho de historiografia. O que apresento em seguida é uma
sociologia historicamente informada, em contribuição à literatura existente.
Tomo o ponto de vista das classes médias, tendo como âncora os dados
empíricos mencionados na introdução a este livro, dados que só muito
recentemente têm encontrado guarida nas interpretações sociológicas e
reconstruções históricas sobre o período41. Contudo, pretendo oferecer
interpretações e evidências empíricas originais (e muitas vezes divergentes
de consensos estabelecidos) sobre momentos decisivos das dinâmicas sob
escrutínio.

Os “tenentes” em marcha
As classes médias estiveram em tensa relação com a democracia no Brasil
no longo ciclo de Vargas. Lemos em Santa Rosa (1963[1933]), Carone
(1972), Forjaz (1977) e Saes (1984)42, que o tenentismo, para eles expressão
do descontentamento das classes médias urbanas, foi decisivo na dinâmica
política da Primeira República, tendo contribuído mais do que qualquer
outra camada social para trazer abaixo a ordem oligárquica. Mas Weffort
(1980) é bem menos assertivo. Para ele os movimentos das classes médias
foram “pouco audazes”, embora tenham representado “a primeira fissura
importante no equilíbrio liberal-oligárquico e o começo de sua decadência
como ordem política” (p. 117). Indo além, Fausto (1986[1970]) constrói
longo argumento historiográfico e teórico para negar a associação direta
entre o tenentismo, principal fração média a lutar contra as oligarquias
tradicionais, e os interesses e a ideologia das classes médias urbanas.
O escrutínio da alentada literatura sobre o tenentismo (incluindo a
importante objeção de Boris Fausto) dá razão aos quatro primeiros autores,
e levará necessariamente à conclusão de que o movimento, expressão
saliente de insatisfação ao mesmo tempo estritamente militar mas também
de classe média, embora não necessariamente representativa das classes
médias em geral, de fato desempenhou papel desestabilizador daquela
ordem, tanto como corrente de opinião antioligárquica e anticorrupção num
emergente mundo urbano marcado por agudas clivagens e opressão de
classe, quanto como movimento armado propriamente dito que, num
crescendo, engrossou a corrente de lava que desaguou na Revolução de
1930. Os tenentes queriam “republicanizar a república” (Owensby,
1999:152), afastar do poder as oligarquias corruptas, sanear a competição
política das fraudes eleitorais, ampliar e moralizar o sistema eleitoral,
construir o Brasil para os brasileiros (Silva, 2004 e 2005). Essas, pelo
menos, eram as demandas dos revoltosos de 1922 no Rio de Janeiro e 1924
em São Paulo, e também da Coluna Prestes43, embora o tenentismo que
chegou ao poder com Vargas tivesse nítido pendor autoritário (Fausto,
1986[1970]).
Não é ociosa a discussão sobre ser o tenentismo um movimento das
classes médias ou não. A relação entre as classes sociais e os indivíduos ou
grupos que dizem representar seus interesses na esfera pública e na arena
política está no cerne das teorias da representação, e tratar do tema
específico do tenentismo ajudará a elucidar aspectos do modo de inserção
das classes médias na dinâmica política do país. Para dizer desde logo, as
classes médias não eram “um saco de batatas”, e sua identidade não era
dada apenas pelos que diziam representá-las, embora isso fosse sem dúvida
importante44. Elas estavam na retaguarda dos movimentos da vanguarda
militar que trouxeram ao chão a parcela dominante das elites oligárquicas, e
que colocaram no poder estratos das parcelas oligárquicas dissidentes, por
elas apoiadas com fervor. No retrovisor da ação das classes médias e seus
representantes, estava o temor do levante popular45, e em seu horizonte, um
projeto autoritário de construção da nação que, se estava ciente do que se
deveria destruir, não sabia muito bem o que pôr no lugar. Mas ter claro o
que não se queria era em si um projeto político importante, num ambiente
no qual o poder dos oligarcas agrários parecia inexpugnável.
O radicalismo dos tenentes tinha como pano de fundo as muitas tensões
decorrentes do início da desestruturação de uma ordem social cindida,
historicamente, entre massas rurais miseráveis e oligarquias agrárias muito
poderosas e encasteladas no poder estatal, cujas posições estavam vedadas
às outras classes. Ainda que o país se urbanizasse muito lentamente, na
alvorada da terceira década do século XX as cidades já abrigavam massas
expressivas dos nacionais. Em 1920, segundo dados do Censo
Demográfico, viviam nas capitais dos estados federados nada menos do que
3,5 milhões de pessoas, ou mais de 11% de uma população total de 30,6
milhões. Daquelas, 1,16 milhão viviam no Distrito Federal (cidade do Rio
de Janeiro), e 580 mil na cidade de São Paulo. Números portentosos para
uma ordem social dominada com mão de ferro por oligarquias agrárias.
Em algumas capitais, parte expressiva dos habitantes era composta de
operários fabris. Nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro a proporção de
operários entre os ocupados ultrapassava os 27% em 192046. As duas
cidades viram a agitação operária escalar na década de 1910 até explodir
numa onda de greves que estarreceu as classes médias e dominantes entre
1917 e 1919, o rastilho da revolta se espalhando por outras cidades do
interior desses estados e também a Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul
(Fausto, 1977; Pinheiro, 1991). A partir de então o temor da “agitação
bolchevique” assombraria as elites dirigentes e fustigaria os brios e os
temores das classes médias urbanas, presentes também em grande número.
Com efeito, as administrações pública e privada (ocupações de escritório)
e as profissões liberais, ou seja, os loci que acolhiam o grosso das novas
classes médias urbanas, respondiam por 314 mil postos de trabalho no
Brasil em 1920, sendo 66,5 mil no Rio de Janeiro, 23,2 mil em São Paulo.
Se incluirmos o comércio e o setor financeiro, teremos outros 500 mil
postos de classe média (88 mil no Rio e 30,6 mil em São Paulo), já que
parte dos comerciários e bancários eram, nos anos 1920, camada
indiscutivelmente intermediária, melhor posicionada do que o operariado
fabril, a massa urbana desempregada e subempregada e os trabalhadores
dos campos. Em termos relativos a participação das camadas médias não
era pequena: chegava 14,4% dos ocupados no mundo urbano, ultrapassando
os 21% na cidade de São Paulo e atingindo 31% no Rio de Janeiro, contra
36,6% de operários em São Paulo, 27,2% no Rio e 19% no Brasil47. E seu
peso numérico no mundo urbano não era negligenciável, contrariamente ao
que sustenta conhecimento convencional sobre o período48.
Ainda assim, Boris Fausto, em seu influente clássico de 1970, não crê que
o tenentismo tenha sido um movimento dessas classes médias emergentes.
Para ele as revoltas de 1922, 1924 e 1926 tiveram nítido componente
militar, não de classe, e a Revolução de 1930 teve viés multiclassista,
agregando a oligarquia não ligada ao café e os militares, “com apoio das
classes médias e com a presença difusa das massas populares” (Fausto,
1986[1970]:103). E embora ele concorde que a origem social da maioria
das lideranças tenentistas era nitidamente de classe média, sobretudo média
baixa, não encontra correspondência entre a ideologia tenentista, “elitista” e
“centralizadora”, e a ideologia das classes médias, defensoras do
regionalismo e, em muitos casos, das elites agrárias locais, de quem
dependiam para seus empregos e segurança. O radicalismo de algumas
posições tenentistas seria francamente avesso ao apreço das camadas
médias por soluções “pelo meio”, ou de compromisso.
O argumento de Fausto é ambíguo. Para sustentar a tese de que os tenentes
não representavam as classes médias, incorre num reducionismo movediço.
Para ele os tenentes “eram e não eram” membros das classes médias. Como
parte das Forças Armadas “participam de uma categoria específica –
parcela do aparelho de Estado – que não é diretamente determinada pelo
critério de classe”, critério que ele, de resto, não explicita49. E prossegue:
“Mas a vinculação de classe não é indiferente e introduz uma variável
importante na compreensão do comportamento tenentista, ao possibilitar
um certo tipo de ação e ideologia cujo exemplo mais claro são as
formulações desenvolvimentistas” (Fausto, 1986[1970]:81). Ou seja, eles
não são classe, e sim um estamento militar. Mas estão vinculados às classes
médias por sua origem social, o que explica parte de sua ação e sua
ideologia desenvolvimentista. O problema é que, para o autor, essa
ideologia seria, sim, cara à pequena burguesia urbana, juntamente com a
demanda por plena realização da democracia formal através do voto secreto
(p. 83), aspiração do tenentismo liberal dos levantes de 1922, 1924 e, em
menor medida, 192650. Logo, não eram apenas “elitismo” e “centralização”
que caracterizavam a ideologia tenentista (tal como afirmado nas pp. 63 e
ss.).
Por outras palavras, no texto a ideologia dos tenentes expressa a ideologia
das classes médias nas páginas 81 e seguintes, ao passo que aquela
apresentada nas vinte páginas anteriores é usada para mostrar que as duas
camadas estavam apartadas ideologicamente. O argumento é inconsistente.
Ademais, se os tenentes estavam vinculados às classes médias por sua
origem, então é possível qualificar o movimento como de membros de uma
fração dessas classes. Se o exército treinava e reeducava os cadetes, criando
interesses e visões de mundo exclusivamente militares, ainda assim os
tenentes tinham vida doméstica com padrão de classe média, e viviam as
vicissitudes dessas classes quanto à carestia de vida, os problemas de
habitação, educação dos filhos etc. Mais ainda, para Fausto a Revolução de
1930 seria impossível “sem a sua [das classes médias] larga adesão, tendo-
se em vista o caráter muito limitado da intervenção do proletariado”
(idem:82). O “policlassismo” tinha, portanto, protagonismo das classes
médias. Por fim, toda a argumentação não deixa dúvidas de que, se os
tenentes não tinham, por óbvio, “delegação” das classes médias para agir
(eles não eram um partido político, mas um movimento), estas, ou parte
expressiva delas, se sentiram representadas na ação dos tenentes contra a
oligarquia agrária que, além de autoritária51, sufocava as outras classes com
sua política de controle do câmbio para salvar o café (a “socialização das
perdas”, na conhecida interpretação de Celso Furtado) e a si mesma, o que
encarecia os bens importados que abasteciam todas as classes, como mostra
o mesmo Boris Fausto. O “medo da proletarização” assombrava as classes
médias, inclusive o estamento militar, que via seu padrão de vida cair ano a
ano corroído pela inflação (Fausto, 1986[1970]:94; Saes, 1984:16).
Nessa ordem de razões, Forjaz (1977) argumenta, a meu ver corretamente,
que o tenentismo foi ao mesmo tempo um movimento militar, com os
tenentes se insurgindo também contra a cúpula das Forças Armadas
aderente à oligarquia agrária; e um movimento que, sobretudo depois dos
levantes de 1924, se alimentou do descontentamento das classes médias,
que afetava também os militares enquanto classe. Os tenentes
representaram (e eu acrescentaria, interpretaram) os interesses das classes
médias urbanas por mais democracia e pelo fim da dominação oligárquica52.
De todo modo, Décio Saes, Boris Fausto e Maria Cecília Forjaz deixam
claro que o tenentismo teve pelo menos três vertentes: a liberal democrata
dos levantes iniciais, inclusive a Coluna Prestes, o autoritarismo
conservador do pós-1930, e o radicalismo de esquerda cuja expressão mais
saliente foi a Aliança Nacional Libertadora.
O medo da proletarização como um dos esteios da ação política
circunscreve a potência e também os limites dessa ação. Ele sugere que
parcelas importantes das classes médias emergentes estavam em posição
vulnerável no mundo urbano, e como tal dispostas a apoiar saídas extremas
para a crise, até mesmo uma revolução. Mas não uma revolução proletária
tal como a ensaiada nas greves de 1917 a 1919, que ameaçasse suas
posições, ainda que vulneráveis. O medo da proletarização, na verdade,
impedia que as classes médias, em processo de ascensão social ou em luta
para manter suas posições, se identificassem com as classes abaixo delas.
Seu “representante” eram os tenentes, com seu reformismo elitista,
centralizador e moralizante que, em aliança com as oligarquias dissidentes,
pareciam anteparo sólido contra as pressões do operariado emergente, tendo
ao mesmo tempo um projeto de nação com pilares no mundo urbano. Nesse
sentido, o tenentismo pareceu expressar os anseios do citadino médio,
mesmo que este visse no movimento apenas uma tábua de salvação para sua
vulnerabilidade, não estando disposto, por exemplo, a perfilar-se com os
“heróis” nas batalhas que travaram.
O tenentismo, como afirmei, não era um só. Seu higienismo político (era
preciso sanear a república) travestido de republicanismo e nacionalismo não
era toda a história. Virgínio Santa Rosa, por exemplo, lamentava os
pendores democráticos dos tenentes (mas nem todos o tinham), já que a
democracia havia servido, até ali, para manter no poder oligarquias agrárias
corruptas e opressoras, que faziam do Estado comitê executivo de seus
interesses, em detrimento de todas as outras classes e muito particularmente
da “pequena burguesia”, termo mais comumente empregado por ele para
referir-se à nova classe média urbana. Mas Santa Rosa viu mais democracia
do que de fato havia. Os tenentes se julgavam portadores do interesse
genuíno da nação, e, se estavam com Getúlio Vargas na revolta armada que
pôs fim à Primeira República, sendo decisivos no suporte ao novo regime, a
democracia não era propriamente o forte de parcela expressiva desse grupo.
Diante, por exemplo, da pressão da dissidência oligárquica que apoiara a
Revolução para o restabelecimento das eleições e a convocação de uma
assembleia constituinte, os tenentes fundaram o Clube 3 de Outubro em
1931, defendendo a prorrogação do Governo Provisório (que Santa Rosa,
Martins de Almeida e seus contemporâneos qualificavam de ditatorial) e o
adiamento da constitucionalização do país. O Clube foi muito influente por
alguns anos, tendo intermediado a nomeação de vários tenentes como
interventores federais nos Estados, e veria boa parte de seu programa
divulgado em 1932 ser adotado por Vargas depois de 1937, sob a ditadura
do Estado Novo (Silva, 1966; Fausto, 1986[1970]; Tavares de Almeida,
1978). Dentre os pontos centrais do programa estava a construção de um
estado forte e centralizado, em contraposição ao federalismo oligárquico; a
intervenção estatal na economia para industrializá-la e modernizá-la (estava
na pauta a construção de infraestrutura siderúrgica, por exemplo); a defesa
da representação corporativa de categorias profissionais reconhecidas pelo
Estado, ao lado da representação parlamentar clássica (medida que seria
adotada na Constituinte de 1934); eliminação do latifúndio; instituição de
conselhos consultivos e técnicos de auxílio à administração pública;
nacionalização de alguns setores estratégicos, como a exploração hídrica e
mineral e muito mais, temas que de fato figuraram entre as principais
políticas do longo ciclo de Vargas, que, nesse sentido, pode mesmo ser
pensado, ao menos em parte, como triunfo do projeto desse segmento das
classes médias. Mas, sabemos, Vargas, ao dar passagem a partes do
programa do Clube 3 de Outubro, não elegeu as classes médias como base
de sustentação de seu projeto político53.
Virgínio Santa Rosa execrava a democracia oligárquica, visão que
contaminava sua percepção da democracia em geral. Tal como boa parte
dos tenentes depois de 1930, ele preferia um governo de sábios escolhidos
entre elites ilustradas, liderando uma “ditadura nacional, forte e enérgica,
apta a transformar a sociedade brasileira com a decretação de reformas
profundas e radicais, para assegurar o domínio mais ou menos duradouro
das classes médias urbanas e rurais” (Santa Rosa, 1963[1933]:115). Para
ele, Vargas, com sua atitude hesitante e conciliatória com as oligarquias,
estava longe de ser a liderança adequada para tarefa tão hercúlea e urgente.
Essa inclinação animava também Plínio Salgado, mentor de outro
importante movimento das classes médias nos anos 1930, a Ação
Integralista Brasileira (AIB). Salgado era filho de pai farmacêutico e mãe
professora, autêntico representante das novas classes médias urbanas, e
achava, como Santa Rosa, que o liberalismo democrático levava à “negação
de si mesmo, pela hipertrofia oligárquica e o domínio dos mais fortes”
(Salgado, 1955[1934]:73). A AIB, ramificação do tenentismo, foi além ao
lograr a mobilização de vastas camadas médias em favor de seu
totalitarismo tropical. Apesar da simbologia que evocava o nazismo (como
o sigma, símbolo do “ser integral” bordado na manga do uniforme verde, a
saudação com o braço estendido e o “anauê” substituto do “heil Hitler”), em
seus fundamentos o integralismo esteve mais próximo do fascismo italiano,
além de manter relações estreitas com seus congêneres português e
espanhol (Bertonha, 2011). Foi o primeiro movimento a apelar diretamente
às classes médias urbanas (Trindade, 1979), conseguindo de fato atraí-las
em grande número. Fundada em 1932, em 1937 a AIB dizia contar com 400
mil adeptos em todo o país, ainda que Robert Levine sustente que o
montante não devia ultrapassar metade disso (Levine, 1970:83). Ainda
assim o número era expressivo, permitindo qualificar o Integralismo como
o primeiro movimento de massa das classes médias urbanas no Brasil.
O caráter massivo da AIB é indicador da atração de segmentos das classes
médias pelo autoritarismo como solução: para os dilemas da nação; para
seus próprios temores, entre eles o comunismo e o medo da proletarização;
e para seus anseios e aspirações, entre eles os de ascensão social e bem-
estar para si e para suas famílias. Vale chamar a atenção para o fato de que a
maioria dos habitantes do país era composta de brasileiros natos, isto é,
pessoas e famílias que haviam construído entre nós suas trajetórias de vida,
suas aspirações e sua ação política. Mesmo nos dois maiores municípios
receptores de imigrantes a partir de meados do século XIX, Rio de Janeiro e
São Paulo, em 1920, respectivamente 80% e 65% de seus moradores
haviam nascido no país. Nos anos 1930 as proporções eram ainda maiores.
A maioria dos habitantes, pois, se havia confrontado, por gerações, com
rígida ordem senhorial privada, cujos interesses e ação política a muitos
pareciam, por sua própria experiência pessoal, inexpugnáveis. Isso incluía
as classes médias, que, no Rio, tinham não mais que 33% de estrangeiros
em suas hostes em 1920, segundo o Censo Demográfico. Como pensavam
Santa Rosa e tantos outros intelectuais de classe média como ele, tal
ordenamento só poderia ser dobrado com mão de ferro. A democracia não
parecia uma saída, dentre outras coisas porque não estava no passado (ou na
tradição), e seu presente era opressivo e excludente. Nesse quadro, a
alternativa militar, ou a “revolução”, palavra que era moeda corrente nos
círculos antioligárquicos, civis ou militares, estava na experiência cotidiana
dos nacionais como caminho possível para a superação de suas mazelas.
Deve-se enquadrar nessa perspectiva outra vertente importante do
tenentismo, igualmente autoritária, que desaguaria na militância de
esquerda, como o Partido Comunista do Brasil (PCB)54 e, muito
particularmente, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento
efêmero, mas cujas ações seriam decisivas para o desfecho do primeiro
período Vargas. A ANL foi a maior organização de massas do país até
então, suplantando a AIB. Fundada em março de 1935, atraiu a militância
de pessoas das classes média, operária e populares, com numerosos adeptos
no interior das forças armadas (Levine, 1970). Em três meses estava
organizada em todo o território nacional, tendo no Rio de Janeiro parte
substancial de seus núcleos. A organização reivindicou para si, como a AIB
antes dela, a herança dos levantes tenentistas de 1922, 1924 e, obviamente,
da Coluna Prestes e da Revolução de 1930, que teria sido traída por Vargas,
que não teria enfrentado o latifúndio e o domínio das oligarquias rurais
(Vianna, 2007).
A ANL foi fechada em julho de 1935 pelo governo Vargas, alarmado com
seu radicalismo e enorme popularidade. Atuando a partir de então na
clandestinidade, em novembro a organização patrocinou, sob liderança de
Luís Carlos Prestes, levantes em quartéis do Rio de Janeiro, Natal e Recife,
que foram esmagados por militares legalistas. Em resposta ao que passaria
para a história como a “intentona comunista”55, em 3 de dezembro o
governo criou a Comissão de Repressão ao Comunismo, sob chefia de
Filinto Miller, que colocaria na cadeia, torturaria e mataria comunistas,
democratas e opositores do regime de todas as colorações políticas e
ideológicas. A violenta reação dos militares e do governo Vargas à
“intentona” deitou raízes profundas nas estratégias das elites dominantes
dali por diante. Para os trabalhadores de todos os matizes, incluindo os
setores sindicalmente organizados das classes médias urbanas, o Estado
Novo começou em 1935, como assinalou Werneck Vianna (1999[1976]).
Lembre-se que o Partido Comunista havia sido proscrito pouco depois de
criado em 1922, mas quando Vargas editou a primeira de suas leis de
ordenamento sindical em 193156, os comunistas estavam no comando de
vários sindicatos importantes no Distrito Federal e em São Paulo. O novo
regime foi implacável contra o sindicalismo de esquerda, mas a
obrigatoriedade de registro dos sindicatos no recém-criado Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio instituiu mecanismo nem sempre eficaz de
controle sobre o surgimento de novas agremiações no mundo urbano em
crescimento (Gomes, 1988). E a repressão pura e simples aos sindicatos de
trabalhadores tornou-se menos atrativa num regime que caminhava para a
normalização constitucional. A Constituinte de 1934, afinal, contou com
representantes classistas eleitos nos e pelos sindicatos de patrões e
empregados, que legislaram ao lado dos representantes eleitos pelo voto
popular, e a nova Constituição consagrou a liberdade sindical57. Nada disso
sobreviveu a novembro de 1935, momento inaugural da ditadura do Estado
Novo, que só se institucionalizaria em 1937.
O golpe de 1937, que instaurou o Estado Novo, foi perpetrado em nome
da governabilidade. Em sua “Proclamação ao povo brasileiro”, de 10 de
novembro de 1937, Vargas falou contra a ordem constitucional de 1934,
liberal e “antedatada em relação ao espírito do tempo” (Vargas, 1938:23),
contra os partidos políticos, a paralisia decisória do Congresso e o caos
político que as perigosamente próximas eleições de 1938 já estariam
provocando na nação. Ecoou, nesse sentido, os anseios dos segmentos
autoritários dos tenentes e seus apoiadores em todas as classes, muito
particularmente os segmentos médios, que não viam nas eleições
mecanismos eficazes de representação política de seus interesses58. Tudo
indicava que se caminhava, nas eleições de 1938 agora suspensas por
Vargas, para uma repetição das disputas intraoligárquicas anteriores a 1930,
que as classes médias se haviam mobilizado para pôr abaixo. Para muitas de
suas frações, o golpe de 1937, que fechou o Congresso, baniu os partidos
políticos e manietou o judiciário sem sofrer resistência, veio finalmente
cumprir o projeto da Revolução de 1930. Com o Estado Novo, os
segmentos mais mobilizados das classes médias pareciam estar, finalmente,
representados no poder. Mas era mera aparência, que a história cuidaria de
desmistificar.

Em busca de distinção
Cabe aqui um parêntese. A militância autoritária de esquerda ou direita não
exaure as formas de inscrição das classes médias na emergente ordem
burguesa brasileira. Parte substancial de suas hostes aderiu ao status quo
oligárquico, por razões que variaram ao longo do tempo. Nas primeiras
décadas da República, o “adesismo” de suas camadas superiores decorria do
fato de elas serem, em boa medida, oriundas das classes agrárias
dominantes. “O bacharelismo é uma das opções encontradas pelos
fazendeiros para seus filhos”, escreveu Edgard Carone (1972:177), e estes
se formavam em direito, medicina ou engenharia para ocupar as principais
posições na burocracia estatal, às quais acediam por indicação de algum
mandatário oligárquico. O acesso a tais posições não exigia o diploma,
obviamente, o sistema de preenchimento de cargos por meio de relações
pessoais e de patronagem era a norma. O indicado não precisava de outra
qualificação além da de ser apadrinhado por alguém suficientemente
poderoso. É verdade que a instituição de concursos públicos para
preenchimento de vagas na burocracia federal é obra do primeiro governo
Vargas. A regulamentação das profissões liberais tem início em 1939. Mas
Miceli (1979:137 e ss.) afirma que os concursos públicos serviam apenas
para prover as posições médias e inferiores do funcionalismo. A indicação
política para cargos superiores continuou a norma, e em 1939 havia quase
1.200 cargos comissionados no governo federal (idem:138, nota 5)59.
Ainda assim, o diploma era almejado, pois granjeava a seu possuidor
posições também no mercado privado e protegido das carreiras
profissionais, que eram reguladas, primeiro, pelas organizações
profissionais autônomas (como o Instituto dos Advogados do Brasil, no
caso dos advogados), e mais tarde, pelo Estado por meio da regulamentação
pública das profissões. Esta última, que levou ao efetivo fechamento de
mercado para os portadores de diploma superior de um sem número de
carreiras, teve atuação decisiva das classes médias lotadas nas posições de
poder do aparelho de Estado (Bonelli, 2002).
Não se deve negligenciar a importância política desses movimentos no
âmbito do aparelho de Estado para blindar algumas posições de classe
média da competição aberta no mercado de trabalho (no que concordo com
Coelho, 1999). Menos ainda a gradativa construção de privilégios
propriamente estamentais pelas várias carreiras do serviço público com
acesso aos mecanismos decisórios oligárquicos nos executivos ou nos
parlamentos nacional e estaduais, como regimes próprios de aposentadorias
e pensões, estabilidade no emprego, planos de carreira, seguros saúde e
outros (e aqui estou de acordo com Miceli, 1979). Os dois movimentos
devem ser lidos como resultado da ação política coordenada de segmentos
médios para garantir, em lei, sua distinção de classe conseguida por
mecanismos clientelistas; e a segurança estatutária de que seus padrões de
vida seriam resguardados da disputa fratricida no mercado de trabalho.
Por outras palavras, enquanto estratos mais mobilizados das classes
médias vinham à praça pública combater poderosas oligarquias em nome de
projetos mais ou menos republicanos, mais ou menos democráticos, mais
ou menos autoritários, e estavam dispostos a morrer por isso, as camadas
aderentes dessas classes construíam posições de poder econômico e social
que as transformavam em estamentos protegidos contra as intempéries das
conturbadas conjunturas políticas, impedindo, com isso, que
experimentassem a vulnerabilidade e a pobreza das camadas subalternas.
Parte da atuação política das classes médias, então, foi quase invisível, pois
ocorrida nos parlamentos e na burocracia estatal. Mas foi altamente
eficiente em assegurar privilégios estatutários que estabeleceram fortes e
permanentes linhas de demarcação entre suas posições e as da maioria da
população.

As classes médias contra Getúlio Vargas


Essa breve discussão sobre alguns aspectos da atuação política das classes
médias brasileiras nos anos 1920 e 30 deixa patente a heterogeneidade de
seus engajamentos, num ambiente de grandes transformações econômicas,
políticas e sociais. O tenentismo impôs importante fissura nos mecanismos
tradicionais de dominação, principalmente depois de 1924, abrindo os
horizontes de expectativas e trazendo à cena projetos e programas políticos
que passaram a disputar a construção do futuro, e os projetos dos tenentes,
heterogêneos por sua vez, estavam entre eles. Entre a democracia e os
diferentes autoritarismos, os tenentes expressaram anseios de parcelas
expressivas das classes médias, parte delas abraçando, com o golpe de
1937, o autoritarismo como solução para os dilemas nacionais. A repressão
ao comunismo em 1935 e o controle dos sindicatos a partir de então conteve
o “perigo vermelho”, que assombrava tanto os militares quanto a massa das
classes médias (Motta, 2002), ainda que parcelas delas estivessem na ANL,
no clandestino PCB e outras organizações de esquerda, inclusive os
sindicatos.
Com efeito, sindicatos de professores, bancários, jornalistas, advogados e
outras categorias médias foram criados em todo o Brasil durante o primeiro
período Vargas, e quando veio a descompressão pós-Estado Novo, vários
deles fizeram greves por aumentos de salários. Tavares de Almeida
(1978:277) registra uma greve bancária em Santos em 1932, reivindicando
melhores condições de trabalho e gratificações semestral e quinzenal.
Houve outra em 1934 (idem:280) também registrada por Décio Saes
(1984:112), demandando e conseguindo do Estado a criação de instituto
próprio de aposentadoria. No mesmo ano telegrafistas fizeram uma greve
nacional por aumento de salários, e escreventes de escritório pararam por
dois dias no estado de São Paulo pedindo equiparação com os escreventes
do Rio de Janeiro (Tavares de Almeida, 1978:280 e 281). Weffort (1972)
lista as greves ocorridas no Brasil entre 1945 e 1964, dentre elas a greve
nacional dos bancários de 1946 demandando abono de natal e salário
profissional; a greve de médicos e engenheiros do setor público
demandando equiparação salarial com os advogados em 1948 (ocorrida em
local não informado), dentre outras, que mostram que a mobilização
sindical esteve entre os engajamentos políticos de alguns setores médios.
Mas se segmentos das classes médias usaram a estrutura sindical legada
por Vargas para se organizar e lutar por seus direitos, o eventual apoio
desses setores era pleno de desconfiança e ambiguidade. Já em 1938 o
ditador voltou a acenar às classes trabalhadoras urbanas, mesmo sob a dura
repressão do regime. No dia 30 de abril daquele ano o presidente editou o
Decreto-Lei 399, regulamentando lei de 1936 que instituíra o salário
mínimo. A constituição de comissões para a realização de estudos
econômicos sobre consumo das famílias nas diferentes regiões do país foi
propagandeada por Vargas no dia primeiro de maio de 1938, inaugurando
uma prática que se repetiria nos anos seguintes, quando o ditador
anunciava, no Dia do Trabalho, novos itens da legislação social e trabalhista
“outorgada” pelo Estado. Os discursos começavam, invariavelmente, com o
bordão “Trabalhadores do Brasil”.
Além disso, a partir daquele ano o regime deu início a extenso projeto de
reconstrução da identidade da Revolução de 1930 como movimento feito
em nome do “povo trabalhador”, sendo o primeiro que teria tomado em
suas mãos, na pessoa “magnânima” do presidente, o equacionamento da
questão social. A esse respeito, cabe lembrar a análise de Angela de Castro
Gomes sobre os discursos semanais do Ministro do Trabalho, Indústria e
Comércio, Alexandre Marcondes Filho, entre janeiro de 1942 e julho de
1945, parte importante da enorme máquina de propaganda responsável pela
consolidação da imagem de Vargas como “pai dos pobres”, do “mito da
outorga” dos direitos trabalhistas, do mito de que a questão social antes de
1930 era caso de polícia, tendo sido solucionada por Vargas etc., Com o
sugestivo título de Falando aos trabalhadores brasileiros, a inserção
semanal de Marcondes Filho na “Hora do Brasil” tinha como eixo
fundamental “a legislação social e trabalhista do Estado Novo” (Gomes,
1988:230). Para o ministro, como essa legislação não tinha sido
“conquistada ao longo de uma epopeia de lutas, e sim outorgada pela
sabedoria do Estado, […] [ela] exigia divulgação e esclarecimentos”
(idem:231).
Vale relembrar que, embora o Estado Novo tenha reprimido duramente a
militância sindical não afinada com o regime, depois de 1943 Vargas
conclamara os sindicatos que ele controlara e reprimira a se mobilizarem
em sua defesa. Isso levou a leve afrouxamento nos mecanismos de controle
sobre as eleições sindicais, e os comunistas e outras vertentes de oposição
tomaram alguns sindicatos importantes. O PCB, agora com acesso à
estrutura sindical, foi essencial no apoio a Vargas em 1944 e 1945, estando
à frente do “queremismo”. Quando o ditador foi deposto, o movimento
sindical se reestruturou rapidamente, os comunistas à frente. Isso fez de
1946 um ano de intensas e numerosas greves, só compreensíveis se
tivermos em conta que a estrutura sindical já vinha sendo ocupada por
militantes não controlados pelo Ministério do Trabalho60.
A identificação de Vargas com os trabalhadores e a agitação sindical
posterior a seu governo afastariam dele as camadas superiores das classes
médias, e também uma parte de seus estratos intermediários mais
graduados. E o colocaria sob suspeição vigilante das forças armadas que,
ironicamente, ele ajudara a promover ao dar passagem a seu nacionalismo,
seu desenvolvimentismo e suas demandas por melhores soldos e
equipamentos, em função da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Como se sabe, dentre os acordos entre Vargas e Roosevelt que
sacramentaram o apoio do Brasil aos aliados na guerra estavam a concessão
de empréstimos para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional
(projeto, recorde-se, do tenentista Clube 3 de Outubro), o reequipamento
das forças armadas e o reajuste dos salários, demandas militares
permanentes, mas sempre adiadas (ver Coelho, 1976). E a desconfiança dos
militares aumentaria com a adesão dos comunistas a Vargas no final de seu
governo (Weffort, 1972; Gomes, 1988; Sodré, 2010[1965]). Ainda assim, é
provável que boa parte dos trabalhadores urbanos das camadas médias
menos graduadas (incluindo o baixo oficialato militar) tenha votado nele
nas eleições de 1950.
Assim, pesquisa de opinião do Ibope na cidade de São Paulo em 1948
encontrou que exíguos 3,7% da “Classe A” de renda pretendiam votar em
Vargas em 1950. Na “Classe B”, equivalente aos segmentos médios de
renda, a intenção de voto atingiu 15%, e 25% na “Classe C”, ou popular. A
proporção de eleitores que não sabia em quem votaria se aproximava de
40% nos três estratos61. No Rio, em enquete de outubro do mesmo ano, as
proporções foram de 8%, 20% e 48% respectivamente, sendo a “Classe A”
a mais indecisa, com 50% não sabendo em quem votariam. Nas classes B e
C os indecisos foram 29% e 27% respectivamente. Essas pesquisas se
basearam em manifestação espontânea dos eleitores. Quando os cariocas
foram apresentados aos nomes dos possíveis candidatos, o estudo encontrou
16,6% de intenção de voto em Vargas na Classe A, 25% na Classe B e 56%
na classe C62. Dois anos antes da eleição, Eduardo Gomes tinha 40% das
intenções de voto da Classe B de renda, ainda que boa parte das classes
médias superiores estivesse também na classe A63. E a memória social
certamente jogou seu papel na busca, por essas camadas médias e
superiores, de alternativas ao projeto varguista de falar para e pelos
trabalhadores.
Tome-se o caso do salário mínimo. Decretado em 1940, foi reajustado em
1943, conforme previa a lei, e novamente em 1944 para repor perdas
daquele ano. Durante todo o período e principalmente após 1943, a inflação
alimentou a insatisfação de todas as classes, e particularmente as classes
médias, cujas camadas intermediárias e altas não tinham sua renda atrelada
ao salário mínimo. Mas as camadas mais baixas tinham. Com os aumentos
de 1943 e 1944, os segmentos médios mais abastados viram o salário do
operariado e das classes médias baixas aproximar-se perigosamente do seu,
o que explica ao menos parte da perda de sustentação política de Vargas
entre esses segmentos (Owensby, 1999), e sua disposição para apoiar os
movimentos para apear o ditador do poder. E isso mesmo considerando seu
aceno a essas camadas mais altas, com a regulamentação das profissões e,
como já mencionado, a contratação de servidores por concurso público, sem
tocar nos mecanismos de nomeação de “apadrinhados” nas posições
hierárquicas superiores. Ao menos os estratos médios dependentes do
emprego público não foram abandonados pelo Estado Novo, e os estratos
menos graduados no mundo privado tinham sido protegidos pela política de
valorização do salário mínimo, e se estavam organizando na estrutura
sindical parcialmente controlada pelo Estado. E ainda assim, as classes
médias estavam distantes de Vargas em 1948.
O salário mínimo não sofreria reajuste algum durante o Governo Dutra
(1946-1950), e seu valor real foi corroído pela inflação de mais de 182%
entre 1944 e 1951 (Cardoso, 2010:235). Com o congelamento, o mínimo
deixou de ser referência para a maioria dos salários da economia nas
regiões mais desenvolvidas do país, mas continuou importante no comércio
e nos serviços urbanos dos estados mais pobres. Às portas das eleições de
1950 os assalariados em geral estavam bastante insatisfeitos com a
“carestia”, termo empregado então para nomear o processo inflacionário
que os salários não conseguiam acompanhar. Ela afetava todas as classes
sociais, muito particularmente os trabalhadores mais vulneráveis, neles
incluída a baixa classe média em sua luta permanente contra a
proletarização.
Assim, em pesquisa do Ibope entre operários paulistanos da região
suburbana pouco antes das eleições de outubro de 1950, à pergunta “Qual a
medida mais importante que o nosso governo deveria adotar agora no
Brasil”, entre itens como reduzir o custo de vida, baixar os aluguéis, reduzir
preços, acabar com o mercado negro e outras relacionadas com o custo de
vida, temos 32% das respostas. Em Porto Alegre, na mesma época, à
pergunta sobre quais medidas o governo deveria adotar para melhorar a
vida na cidade, 21,3% dos entrevistados responderam “Baixar o custo de
vida”, sendo que o segundo item mais escolhido, “Resolver o problema da
habitação”, teve apenas 11,4% das preferências. À pergunta “Se o senhor
fosse governo e pudesse resolver apenas três dos problemas seguintes, quais
procuraria resolver primeiro?”, 58% colocaram em primeiro lugar “Carestia
de vida”, vindo em seguida escolas e hospitais, com 45% e 44%
respectivamente64.
Para que se tenha uma ideia aproximada da defasagem do salário mínimo,
dois parâmetros de comparação bastarão. Em 1949 as empresas pagaram
aos vendedores do comércio, em média e em termos nominais, Cr$ 622,00
por mês, ou menos de dois salários mínimos, enquanto ao operariado
industrial foram pagos, também em média, Cr$ 833,00 mensais. A um
trabalhador de escritório na indústria pagou-se, em média, duas vezes esse
valor (ou 4,2 mínimos). Nas empresas de crédito, os gastos salariais médios
com os “Chefes de serviços e categorias superiores” (classes médias altas e
classes superiores) foram de Cr$ 3.800,00 (ou dez mínimos); em seguida
vinham os “Empregados de escritório”, com gastos de Cr$ 1.900,00; e
“Outros empregados”, com gastos médios de Cr$ 1.600,00. Logo, o setor
bancário pagava ao pior segmento remunerado o mesmo que a indústria
pagava a seus trabalhadores de escritório (4,2 mínimos) em média, e isso
era menos de duas vezes o que se gastava com um operário fabril, diferença
que chegava apenas a 1,5 vezes no comércio atacadista na mesma categoria
“Outros empregados”. Pode-se supor que massa não quantificável desse
total ganhava bem menos do que a média, mas é provável que a mediana da
renda dos trabalhadores industriais e de boa parte do comércio e dos
serviços estivesse próxima do salário mínimo nas regiões mais pobres do
Brasil, mesmo estando este bastante corroído pela inflação65. A média por
trabalhador dá uma ideia das desigualdades de renda do trabalho, que eram,
entre as categorias médias e o operariado, bastante modestas, e muito
sujeitas à variação no valor nominal do salário mínimo.
O segundo parâmetro de comparação é o custo de vida. Pesquisa de
padrão de vida realizada pelo Ibope na capital paulista em julho 1946 junto
a 1.091 pessoas, encontrou que o gasto médio per capita de famílias da
“Classe A” foi de Cr$ 1.163,00; na “Classe B”, de Cr$ 458,00, e na “Classe
C”, Cr$ 337,00. Logo, o salário mínimo de Cr$ 380,00 mal dava para cobrir
os gastos de um único membro das famílias mais pobres. Estas gastavam,
em média, Cr$ 824,60 apenas com alimentação. O gasto médio total de uma
família da “Classe B”, ou média para os critérios do Ibope, foi de Cr$
2.782,00, contra Cr$ 1.375,00 da “Classe C” e Cr$ 10.172,00 da “Classe
A”66.
A inflação continuada da segunda metade dos anos 1940, aliada ao
congelamento do salário mínimo, teve efeitos devastadores sobre as
pretensões eleitorais dos adversários de Vargas. As camadas médias
empobrecidas e os trabalhadores urbanos em geral ouviram deste, na
campanha eleitoral de 1950, as promessas de revalorização do salário
mínimo e de combate à inflação. O candidato respondia, em seu discurso, a
demandas sempre desestabilizadoras, sobretudo porque estiveram na pauta
de quase todos os movimentos militares até então e, obviamente, do
movimento sindical. Criador do salário mínimo, sua promessa talvez tenha
soado crível para parte substancial dos que tinham no valor arbitrado pelo
governo sua fonte principal de renda, e também para as camadas sociais que
tentavam se distanciar desse piso salarial, como era o caso das classes
médias (que por isso mesmo temiam o retorno de Vargas).
Ainda assim, a informação disponível não permite afirmações categóricas
sobre o voto dessas classes. O mesmo Ibope computou, em pesquisas
encomendadas por dois diferentes clientes, a intenção de voto em São Paulo
entre 5 e 15 de setembro de 1950 e novamente entre 21 e 27 do mesmo mês.
Na primeira, 49% da “Classe B” pretendiam votar em Vargas, e na segunda,
62%. A diferença nas proporções só pode ser explicada pelo baixo rigor dos
desenhos amostrais, que levavam o Instituto a “errar bastante nas
proporções”, como reconheceu num documento confidencial citado em
nota. Em 1952, com desenho amostral provavelmente mais acurado,
pesquisa realizada em 8 capitais e nas cidades de Campinas e Ribeirão
Preto encontrou 38,2% de pessoas da “Classe média” (ou B) que disseram
ter votado em Vargas dois anos antes (contra 60% da “Classe pobre” e 26%
da “Classe rica”, que na verdade era composta, talvez em sua maioria, por
pessoas das classes médias superiores, tal como definidas em Cardoso e
Préteceille, 2017). Eduardo Gomes teria tido pouco mais de 36% dos votos
da “Classe média”67. Logo, proporção majoritária desse estrato parece não
ter votado em Vargas em 1950, ao menos nesse agregado de cidades
investigadas (que incluía São Paulo).
Porém, em 1953, nova pesquisa junto ao eleitorado de algumas cidades
paulistas, incluindo a capital, voltou a perguntar em quem o eleitor havia
votado em 1950. Entre os mil entrevistados de São Paulo, 52% dos
membros da classe B disseram ter votado em Vargas (contra 40% da classe
A e 70% da classe C). Em que pesem os conhecidos problemas de
pesquisas retrospectivas desse tipo (que levam, por exemplo, à revisão, pelo
eleitor, do voto efetivamente consignado em função do desempenho do
governante eleito, além da memória seletiva), o fato é que, entre os que
disseram ter sufragado Vargas na classe B, 63% disseram que não votariam
nele novamente, contra 74% da classe A e 51% na classe C68.
Tudo sugere que parte minoritária das classes médias esteve com Vargas
na eleição de 1950. E seu conturbado mandato afastaria dele,
definitivamente, os segmentos melhor posicionados dessas classes. Se as
políticas econômicas varguistas tendiam a favorecer a industrialização e
tinham no nacionalismo sua pedra de toque, como bem marcou a literatura
sobre o período, isso tinha como contrapartida as políticas sociais e o
aumento da renda do operariado, por meio da valorização do salário
mínimo. Ora, essa não era uma política pública que tivesse as classes
médias no horizonte. Assim, o governo reajustaria o salário mínimo em
janeiro de 1952, o valor nominal saltando de Cr$ 380,00 para Cr$ 1.200,00,
com isso aproximando-o da renda das camadas médias menos graduadas (e
em alguns casos, como o dos vendedores do comércio varejista,
ultrapassando o valor médio por eles recebido). Pode-se imaginar a
comoção social dessas classes quando Vargas dobrou o valor do salário
mínimo em julho de 1954, que passou a valer Cr$ 2.400,00 no Rio de
Janeiro, aumento que vinha sendo postergado pelo presidente desde o início
de 1954.
Com efeito, o burburinho em torno da possibilidade desse aumento já
havia agitado os militares e setores importantes das classes médias. Em
fevereiro de 1954 veio a público um manifesto no qual 82 coronéis e
tenentes-coronéis do Rio de Janeiro demandavam, dentre outras coisas, o
fim da corrupção, o reequipamento das forças armadas e o restabelecimento
das hierarquias salariais, valorizando aquelas forças vis-à-vis o operariado69.
O “Memorial dos Coronéis”, como ficou conhecido, tinha forte componente
corporativo, e mencionava explicitamente os riscos, para a disciplina militar
e a ordem na caserna, do projeto de aumento de 100% do salário mínimo
anunciado pelo ministro do Trabalho João Goulart em janeiro do mesmo
ano70. O documento foi entregue ao ministro da Guerra Ciro do Espírito
Santo Cardoso no dia 8 de fevereiro. Num furo de reportagem, o jornal O
Globo publicou minúscula nota no centro da primeira página no dia 12/02,
dando ampla cobertura sobre a repercussão do “Memorial” nos meios
militares nos dias 13 e 14. Ninguém sabia ao certo o conteúdo do manifesto,
e a imprensa empreendeu verdadeira batalha em busca de notícias, deixando
claro que os veículos de comunicação, já naquele momento pregando contra
Vargas, julgaram que o tema tinha potencial para incendiar os quartéis e
aprofundar a crise do governo.
Nesse tenso ambiente, no dia 16 o Correio da Manhã publicou editorial de
primeira página com o nome “Advertência Cívica”, resumindo os
argumentos dos coronéis, com ênfase na questão salarial, nas más condições
materiais das forças armadas e nas menções à corrupção, sem, contudo,
transcrever o texto original. O jornal informava que os sargentos recebiam
CR$ 1.800,00 por mês, e os segundos-tenentes, CR$ 2.500,00. Logo, um
faxineiro que recebesse salário mínimo teria a mesma renda desses oficiais
graduados, informação formulada em tom alarmista71.
O “Memorial” era de fato explosivo, pois provocou a queda tanto do
ministro da Guerra, no dia 18 de fevereiro, quanto de João Goulart no dia
22 (Silva, 2004:164-167). Como afirmou Skidmore (1969:165), a propósito
desse episódio, “o nervosismo [dos militares] sobre o problema de status
era evidente”72.
Jango caiu antes de conseguir seu intento, mas o próprio Vargas decretaria
o aumento de 100% do salário mínimo no dia primeiro de maio de 1954, no
que foi visto como provocação pelos círculos militares e como mais uma
“manobra demagógica” pela imprensa conservadora73.
Na verdade, aos analistas contemporâneos não passou despercebida a
enorme sensibilidade dos militares e das classes médias a estes três temas,
salário mínimo, inflação e corrupção. Em artigo nos Cadernos do Nosso
Tempo, provavelmente de Hélio Jaguaribe74, publicado pouco antes do
suicídio de Vargas em agosto, lemos que,
Enquanto os salários do proletariado urbano, embora com atraso em relação aos preços, foram
tendo reajustamentos parciais, os ordenados da classe média permaneceram estacionados. É certo
que durante o atual governo Vargas já houve um reajustamento dos vencimentos dos servidores
públicos, civis e militares. Mas esse reajustamento beneficiou, quase exclusivamente, as camadas
inferiores da classe média, hoje semiproletarizadas [Jaguaribe, 1954:152].

Para esse analista, menos do que reajuste de ordenados, às classes médias


mais graduadas interessava o controle do processo inflacionário, que
corroía sua renda. Mas seu ressentimento em relação à melhoria de vida dos
trabalhadores alimentava seu radicalismo oposicionista e seu
anticomunismo:
Educada pelas tendências fascistas da era 40, tradicionalmente hostil ao proletariado, do qual se
sente psicológica e socialmente tanto mais afastada quanto mais, economicamente, dele se está
aproximando, a classe média vê o governo agitar as mesmas bandeiras que, anos atrás, eram
consideradas subversivas e contra as quais o mesmo Sr. Getúlio Vargas, em 1937, a convocou
para lutar, instituindo o Estado Novo (idem:154).

O texto de Hélio Jaguaribe elabora importante argumento sobre o papel do


moralismo das classes médias e sua cruzada contra a corrupção na
desestabilização do governo Vargas. É preciso lembrar que o tema da
corrupção fora onipresente na crítica dos tenentes ao liberalismo
oligárquico. Estivera, por exemplo, na defesa da saída revolucionária para
os dilemas da Primeira República por parte de ninguém menos do que
Juarez Távora, que, na já mencionada resposta ao manifesto de 1929 de
Prestes, dissera que o “saneamento” político da nação exigia “a eliminação
desta atmosfera de corrupção, que nos envolve” (Juarez Távora, transcrito
em Silva, 1972:422).
No caso do segundo governo Vargas não foi diferente. Na leitura de
Jaguaribe, a cruzada moralista das classes médias se teria iniciado com a
denúncia de Carlos Lacerda contra o jornal Última Hora, de Samuel
Wainer, tido por aquele como órgão de imprensa do governo Vargas. Em
meados de 1953 Lacerda publicou na Tribuna da Imprensa, jornal
concorrente e antivarguista, que o Banco do Brasil financiara, por meio de
empréstimos fictícios, o projeto de Wainer de criar o jornal para apoiar o
governo75. A descoberta deu a Lacerda elementos para fundamentar sua
cruzada contra a honra do presidente, que vinha desde a campanha eleitoral
de 1950, tornando crível o “mar de lama” no qual o governo se teria
chafurdado, tendo como chefe dos esquemas de corrupção o próprio Vargas.
Assis Chateaubriand, dono do império midiático “Diários Associados”,
encampou o escândalo, e a disputa aparentemente local entre jornais
concorrentes tomou dimensões nacionais, ganhando o apoio dos militares e
de estratos majoritários das classes médias urbanas. “Todos os problemas
nacionais foram transferidos para o campo moral. E nesse plano,
polarizados em termos de mal e de bem absolutos” (Jaguaribe, 1954:150).
Vargas passou seus últimos meses de mandato sob intenso tiroteio
midiático, com Lacerda e os Diários Associados convocando,
diuturnamente, a intervenção militar76. Inquérito Policial Militar concluiu,
em tempo recorde, que a guarda pessoal do presidente tramara com seu
irmão o assassinato de Lacerda. Como se sabe, Gregório Fortunato, chefe
da guarda pessoal de Vargas, confessou ter sido mandante do crime que
vitimou o major Rubens Vaz, que fazia a segurança de Lacerda, que saiu do
episódio com um ferimento no pé77. Os militares exigiram a renúncia de
Vargas no dia 23 de agosto de 1954, ao que ele respondeu, na madrugada do
dia seguinte, com um tiro no coração.
Hélio Jaguaribe sustenta que o moralismo das classes médias era, no
fundo, alienante, já que elas haviam assumido, na esfera pública, a defesa
intransigente do fim de um governo democraticamente eleito usando como
argumento exclusivo o tema da corrupção, quando o que estava em causa na
crise do governo Vargas era, segundo o autor, a insatisfação das burguesias
comercial, industrial e agrária com as políticas de governo, dentre elas as
que promoviam o bem-estar dos trabalhadores, penalizavam com impostos
as classes produtoras, limitavam as remessas de lucros das empresas
estrangeiras, tornavam monopólio estatal a exploração do petróleo etc.78. As
classes médias teriam agido sem dúvida em nome próprio, já que a inflação
que Vargas prometera domar as penalizava, e seu moralismo de fato
identificava no governo o mal a se combater (era preciso dizer não ao “mar
de lama”). Mas os interesses realmente em jogo, na leitura de Jaguaribe,
ultrapassavam em muito a capacidade de compreensão dessas classes, e eles
tinham a ver com a dinâmica profunda da disputa pela direção a ser
conferida às políticas econômicas do governo. Isto é, diziam respeito à
gestão do capitalismo e à regulação do conflito de classe num momento de
crise econômica. É como se Jaguaribe dissesse que a tradicional luta
fratricida entre frações da burguesia pelas benesses do estado cartorial
tivesse sido posta em suspenso diante do objetivo comum de depor um
presidente que, imaginavam, se havia tornado impopular e corrupto, e uma
vez mais se aproximara perigosamente do comunismo. As burguesias
contaram, para isso, com o beneplácito moralista de parte das classes
médias urbanas, muito particularmente seus braços midiático e armado.
O suicídio de Vargas abortaria o golpe militar em curso, e mostraria que,
contrariamente à leitura superficial da dinâmica política nacional por parte
dos estratos golpistas das classes médias, que Jaguaribe identificara, Vargas
era muito popular. A comoção social que se seguiu ao seu suicídio obrigou
Carlos Lacerda ao exílio, os militares a se recolherem aos quartéis
(recolhimento que não foi imediato, já que os militares golpistas tentaram
impedir a posse de JK e Jango, que não tinham atingido maioria de votos na
eleição de 1955, mas a vertente legalista liderada por Henrique Teixeira
Lott abortou o golpe militar em novembro de 195579) e as classes médias a
se mirarem no espelho da nacionalidade. E este não era o “espelho de
Próspero”80. O Brasil que foi às ruas prantear Vargas era pobre e vulnerável,
antítese do sonho de prosperidade e distinção dos setores médios mais
conservadores. E o espectro do presidente morto, estranho à maior parte
deles, os assombraria nos anos vindouros.
A dinâmica política do país teve no suicídio de Vargas seu primeiro
momento serendípico. O suicídio foi o trágico desenlace da disputa intestina
entre elites econômicas e políticas pelo controle do poder de Estado no
Brasil republicano. O sistema político do país continuava, em grande
medida, dependente de oligarquias solidamente encasteladas no mundo
agrário. As elites industriais ainda eram “recessivas”, no sentido de
subsidiárias ao segmento que gerava as maiores divisas para o país, a
despeito dos grandes esforços industrializantes de Vargas. E o capital
comercial, fiel das relações de troca entre o país e o mundo, tinha grande
poder desestabilizador da relação entre essas duas forças econômicas. Com
a ampliação da participação popular nas eleições (em 1950, 44% da
população adulta se inscreveram para votar, embora apenas 31% tenham
efetivamente comparecido às urnas81), os conflitos entre essas elites
deixaram de ter em seus interesses econômicos o referente exclusivo da
legitimidade de seu controle do aparelho de Estado. O conflito interno às
forças capitalistas passou a ter que se haver com o voto popular, e com ele a
(relativa) incerteza dos resultados das disputas eleitorais (volto a isso em
mais detalhes adiante). Ao apoiar o golpe contra Vargas, as parcelas
moralistas das classes médias expuseram sua aversão a essa incerteza,
constitutiva da dinâmica democrática.
Dito de outra maneira, e mais enfaticamente: uma crise de regulação do
capitalismo, enxergada por segmentos das classes proprietárias como
decorrente, dentre outras coisas, da abertura do Estado a políticas
redistributivas que penalizavam aquelas classes, e por setores conservadores
das classes médias como ameaça à manutenção de seus padrões de vida,
expôs a aversão destes últimos a projetos, ainda que tímidos como o foi o
varguista, de inclusão e promoção social e econômica dos trabalhadores.
E mais. Os comunistas, que se haviam oposto tenazmente a um governo
visto por eles como vendido ao imperialismo americano e às forças feudais
do mundo rural brasileiro, deram-se conta da adesão decidida do operariado
à utopia varguista de inclusão na dinâmica política e social por meio da
“cidadania regulada”82. No dia do suicídio, os comunistas se tornaram,
todos, varguistas, e passaram a defender o legado da Era Vargas daí por
diante (Weffort, 1972)83. Além disso, parcelas das elites políticas filiadas ao
PSD, ao PTB e a poderosos partidos regionais, como o PSP paulista, se
deram conta das políticas protecionistas e nacionalistas de Vargas, e de seu
projeto de consolidação do capitalismo no país assentado na burguesia
nacional (Benevides, 1989). E o sentimento difuso de deriva das classes
médias nesse projeto nacionalista voltado para a burguesia e o operariado
ganhou materialidade no espelho das massas nas ruas pranteando Vargas.
Ou seja, ao dar um tiro no peito, Vargas permitiu que viessem à luz as
entranhas da luta de classes à brasileira, e nela, o papel dos segmentos mais
conservadores das classes médias. Ficava claro que eles haviam edificado
sua identidade em duas frentes. Olhando para cima e para os lados,
buscaram construir mecanismos de manutenção de seus privilégios e suas
posições estatutárias, contando que o desenvolvimento econômico
controlado pelas elites capitalistas por elas apoiadas garantisse seu padrão
de vida e, a seus filhos, chances reais de mobilidade social. Olhando para
baixo, viveram as tensões e o medo da potencial proletarização, medo que
era tanto maior quanto menos graduada a posição de classe média, e quanto
menos o governo conseguia controlar a inflação. Na oposição a Vargas, as
duas frentes identitárias mostraram a ambiguidade e a instrumentalidade de
sua relação com a democracia. Sem nenhuma identificação com o poder
instituído, e encontrando na corrupção elemento moral que justificasse sua
defesa da deposição de Vargas, apostaram na subversão das regras
constitucionais, e se perfilaram entre os que apoiaram a deposição do
presidente pelos militares.
É difícil, obviamente, construir bases empíricas cabais para essa
afirmação. Décio Saes (1984:109-110), por exemplo, está convicto dela,
mas não apresenta as evidências empíricas que embasam sua convicção.
Seja como for, os elementos aqui expostos sobre comportamento eleitoral e
preferências políticas dos estratos de renda, indicadores aproximados de
posições de classe, me parecem bastante persuasivos.
O “presidente bossa-nova”
O desfecho traumático da campanha moralista de Lacerda, apoiada pela
maioria da imprensa e por parcelas expressivas das classes médias, parece
não ter abalado o julgamento destas últimas sobre o líder tombado, menos
ainda sobre seu legado político, ao menos não nos centros político (o Rio de
Janeiro) e econômico (São Paulo) da nação. Em pesquisa do Ibope de julho
de 1955 sobre a intenção de voto nas eleições previstas para 3 de outubro,
Juscelino Kubitscheck, que se apresentou como herdeiro do legado
varguista (tendo como competidores dois “tenentes”84, Juarez Távora e
Plínio Salgado, além do ex-governador paulista Adhemar de Barros), tinha
meros 10% da preferência dos eleitores das classes A e B do Rio de Janeiro,
contra 26,5% de Juarez Távora e 25,4% de Adhemar de Barros (Távora
tinha 47% de intenção de voto na classe A). Em São Paulo a penetração de
Juscelino na classe B era ainda menor, de 6,5%, contra 37% de Adhemar e
27% de Távora. Na classe A ele perdia até mesmo para Plínio Salgado
(7,5% deste contra 5% de Juscelino). Tendência semelhante foi encontrada
em Campinas, Guaratinguetá, Mogi das Cruzes, Taubaté e São Carlos, no
interior paulista, sendo Adhemar de Barros o mais preferido, com Juscelino
obtendo entre 5% e 10% das intenções de voto da classe B, e menos ainda
da classe A. Em Curitiba e Porto Alegre ele perdia para Juarez Távora na
classe B por 31% a 25% e 35% a 29% respectivamente85, e na classe A, por
arrasadores 50% a 33%, e 63% a 18% respectivamente86. Vale repetir que
parte expressiva das classes médias, tal como concebidas neste estudo,
estava, de fato, também na classe A de renda das pesquisas do Ibope87. Os
resultados oficiais das eleições apontaram que apenas 13% dos paulistanos
e 29% dos cariocas votaram em Juscelino, e além dessas duas, ele perdeu
por larga margem também nas outras cidades mencionadas.
A identificação, pelo eleitorado, de Juscelino como herdeiro do projeto
varguista, pode ser apreendida pela importante informação de que, entre os
que pretendiam votar nele em outubro de 1955 em São Paulo, 75%
afirmaram ter votado em Vargas em 1950, mesma proporção encontrada em
Curitiba, atingindo espantosos 95% em Porto Alegre. No Rio a proporção
foi de 64%, e de 63% em Belo Horizonte88. Tudo indica que o espectro de
Vargas elegeu Juscelino Kubitscheck, o que ajuda a explicar a rejeição da
maioria das classes médias a ele nas cidades mais importantes do país, com
exceção, obviamente, de Belo Horizonte, onde ele era extremamente
popular.
Mas, diferentemente de Vargas, oriundo inconteste, embora trânsfuga, das
oligarquias agrárias, Juscelino era um homem das classes médias urbanas.
Nascido em Diamantina, interior de Minas Gerais, filho de pai caixeiro
viajante, financiou seus estudos de Medicina em Belo Horizonte com o
próprio trabalho e o sacrifício da família. Caso clássico de ascensão social
pelo mérito e o apoio familiar. Mas seu trânsito pela vida política esteve de
muitas maneiras associado às elites dominantes. Tendo escolhido a Polícia
Militar para seguir a carreira médica, foi nomeado pelo governador
(interventor) Benedito Valadares prefeito de Belo Horizonte em 1940,
portanto sob o Estado Novo e contando com o beneplácito de Vargas, e daí
por diante escolheu a política como destino. Foi eleito deputado federal por
duas vezes, e pelo voto chegou ao governo de Minas. Trajetória
irrepreensível de um político que poderia eventualmente encarnar os
anseios da nação89.
Eleito presidente com apenas 35,7% dos votos do país em 1955, tendo
perdido para Adhemar de Barros em São Paulo, Distrito Federal (cidade do
Rio de Janeiro), Paraná, Amazonas e Rondônia, e para Juarez Távora em
cinco estados do Nordeste, o início de seu segundo ano de mandato foi
marcado por expectativas positivas das classes médias. No Rio, onde fora
derrotado na eleição, em janeiro de 1957 40% da classe A e 60% da classe
B (percentual semelhante ao da classe C) achavam que o de Juscelino era
“um governo dinâmico e [faria] grandes realizações”90. A maioria era
favorável à mudança da capital para Brasília, projeto modelar do desafio de
avançar “50 anos em 5”, mas poucos acreditavam que isso ocorreria ainda
no mandato do presidente. Metade ou mais das classes A e B achavam que
ele estava governando bem o país. Mas 67% da classe A e 44% da classe B
achavam que ele não conseguiria estabilizar o custo de vida91, flagelo
permanente de todas as classes.
Apesar desse “namoro” inicial, o discurso desenvolvimentista e as
políticas efetivamente praticadas de abertura ao investimento estrangeiro,
que inauguraram o padrão de ordenamento da economia com base no tripé
composto pelo capital nacional voltado para a produção de bens salário, o
capital estatal destinado à infraestrutura, e o capital estrangeiro dedicado à
produção de bens de capital e de consumo durável (Conceição Tavares,
1972), parecem ter demorado a cativar as classes médias. A inflação
continuava a fustigar o padrão de vida de todos, e o sonho do “Brasil
grande”, a promessa dos “50 anos em 5”, a construção de Brasília e o
efetivo crescimento econômico demoraram a abrir os horizontes de
expectativas de boa parte dos segmentos médios, que tinham razões
materiais para serem cautelosos quanto ao futuro.
Em agosto de 1957, por exemplo, pesquisa do Ibope no Rio de Janeiro
encontrou que 70% da classe A e 83% da classe B não tinham conseguido
fazer nenhum tipo de economia nos seis meses anteriores. Em São Paulo as
proporções foram de 79% e 81% respectivamente92. Não surpreende que
70% das classes A e B paulistanas considerassem a administração
Juscelino, naquele momento, regular ou má, enquanto o governador paulista
Jânio Quadros, por exemplo, tinha 56% de avaliação “ótima” ou “boa” na
classe A (45% na classe B) em São Paulo. No Rio a administração
Juscelino era julgada regular ou má por 62% dos cariocas da classe A, e por
51% daqueles da classe B.
Mais ainda, aos paulistas foi perguntado quem tinha sido o melhor
presidente, se Vargas, Dutra ou Café Filho. Dutra teve 69% das preferências
na classe A e 45% na classe B. E dentre estes, 71% e 78% respectivamente
preferiam o governo Dutra ao de Juscelino93. E mesmo os poucos eleitores
de Getúlio na classe B o preferiam ao mineiro na proporção de 67% a 3%
(19% achavam que ainda era cedo para julgar, proporção que atingiu 42%
da classe A). O mesmo padrão se repetiu nas cidades de Ribeirão Preto e
Tietê, também incluídas na pesquisa94. Por fim, em janeiro de 1958,
portanto no início do terceiro ano de mandato de JK, a maioria das classes
médias de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador
consideravam que “O governo não conseguirá nem manter nem baixar os
preços atuais; eles vão subir ainda muito mais”, uma das alternativas de
resposta à pergunta formulada pelo Ibope. Setenta por cento ou mais das
classes A e B concordavam com essa afirmação (chegando a 100% da
classe A em Salvador). Isso ajudou a alimentar a ação coletiva para
proteção dos salários de várias categorias profissionais. Weffort (1972), por
exemplo, em levantamento que ele mesmo reconhece não ser exaustivo,
contou 205 greves ocorridas durante o governo Juscelino, 148 a mais do
que no segundo governo Vargas. Daquelas, 47 foram no setor público
(federal, estadual ou municipal), quase sempre por aumento de salários. Dez
greves ocorreram em segmentos das classes médias do setor privado, como
bancários, jornalistas, aeroviários e aeronautas95.
Esses segmentos das classes médias reticentes quanto ao governo eram
bastante avessos à extensão do voto aos analfabetos. No momento da
mencionada pesquisa do Ibope estava em tramitação no Congresso
Nacional emenda constitucional proposta pelo deputado Armando Falcão
sobre aquela extensão. A UDN de Carlos Lacerda e a maioria dos partidos
de oposição ao PSD de Falcão e Juscelino se postaram na trincheira contra a
emenda constitucional, assim como o jornal O Globo, que, embora tenha
publicado em suas páginas opiniões contrárias e favoráveis à reforma, com
pretensa isenção jornalística, militou intensamente contra ela, porque
considerava “evidente que, se aprovada a concessão do direito de voto aos
analfabetos, teremos um eleitorado fantasma de milhões de votantes
pesando na balança política”96.
Em novembro de 1958 o mesmo jornal adiantou os argumentos de um
estudo produzido por comissão de juristas do Instituto dos Advogados do
Brasil, sob a manchete “O voto analfabeto viria interromper o progresso de
nossa legislação eleitoral”. Entre os argumentos transcritos estava o do
advogado do IAB Oto Gil:
O analfabeto, não podendo ler o mínimo necessário para formar juízo seguro sobre os problemas
que interessam ao país, sobre os problemas dos partidos e diretrizes dos candidatos aos postos
eletivos, não está habilitado a fazer uma seleção criteriosa e indispensável97.

O Globo não estava sozinho. Na edição de 10/11/1957 a Folha da Manhã


paulista, em editorial na p. 2, considerou insensata a extensão do voto aos
analfabetos (o acervo do jornal também está disponível na internet). Já o
Correio da Manhã, em editorial à p. 6 de 11/05/1956, afirmara que, numa
democracia, “não convém escoimar e sim ampliar o número de cidadãos
ativos”. Mas pouco mais de um ano depois, em 27/08/1957, em editorial
denominado “Censura e voto” publicado na p. 6 em meio ao intenso debate
sobre a emenda Falcão, posicionou-se contra, pois o rádio e a televisão
estariam sob censura do governo JK, o que impediria que os analfabetos se
informassem adequadamente98. Vale marcar que o tema não tinha cores
partidárias. Em todos os partidos havia pessoas contrárias e favoráveis à
extensão do voto aos analfabetos.
Oto Gil e a imprensa escrita expressavam opinião cara a parcelas
expressivas das classes médias. Setenta e quatro por cento da classe A e
53% da classe B eram contrários ao voto dos analfabetos em setembro de
1957 no Rio de Janeiro. Na classe B paulistana 69% eram contrários (74%
na classe A). Essa opinião elitista e demofóbica, respaldada pelos principais
órgãos de imprensa do país, as distinguia de forma clara da classe D, ou
“pobre inferior” na definição do Ibope, a mais numerosa e na qual 37% no
Rio e 40% em São Paulo eram contrários ao voto dos analfabetos99. Ainda
assim tratava-se de proporções muito altas, se considerarmos que era nessa
classe de renda que se encontrava a maioria dos brasileiros sem instrução,
obviamente não incluídos nas pesquisas, invariavelmente restritas a
eleitores, isto é, pessoas alfabetizadas de 18 anos ou mais. Temos aqui
importante indicador de que a visão de mundo dos segmentos mais
conservadores das classes médias, diuturnamente bombardeada no rádio,
principal meio de informação das classes subalternas, se estava fazendo
valer na esfera pública, a ponto de convencer parcelas não negligenciáveis
dessas classes de que seus segmentos iletrados não tinham direito de votar10
0.

Nesse ambiente, o nacionalismo e o desenvolvimentismo, centrais na


conformação da ideologia de partes expressivas das esquerdas, como o
PSB, o PTB, e mesmo o PSD e parte do PCB (Brandão, 1997), porções
majoritárias do movimento sindical (Garcia, 2016), sem falar no principal
instituto de reflexão sobre o país naquele momento, o ISEB101, não parecia
mobilizar da mesma maneira as classes médias. Indicador disso era a
atitude de parcelas dessas classes em relação à Petrobras. Pesquisa de
janeiro de 1958 em várias capitais perguntou qual deveria ser a política
sobre o petróleo no Brasil. Em São Paulo, somente 13% da classe B (e
ninguém da classe A) achavam que “o petróleo deve continuar a ser
explorado apenas pela Petrobras”. Mesmo as classes C e D achavam que ele
poderia ser explorado também por empresas privadas brasileiras, junto com
a Petrobras (50% e 54% respectivamente). No Rio a exploração exclusiva
pela Petrobras era apoiada por 27% da classe A e 22% da B. Em Porto
Alegre, 35% e 19% respectivamente. Em Recife, 42% e 31%, e 17% e 47%
em Salvador102. Ou seja, apenas em Salvador a classe B estava
majoritariamente ao lado do presidente nesse tema crucial para a identidade
de um projeto nacional de desenvolvimento, formulado ainda no governo
Vargas103.
A construção da nova capital foi a menina dos olhos do governo JK.
Prevista em seu Plano de Metas elaborado sob orientação das ideias
desenvolvimentistas e nacionalistas da CEPAL e do ISEB, Brasília
mobilizou e galvanizou o sonho do Brasil grande, e terminaria por
mesmerizar as classes médias do país104. Elas se viram e se reconheceram
nesse espelho, e por todo o Brasil, inclusive no Rio, segundo as pesquisas
do Ibope, as classes médias estavam majoritariamente entre os que
julgavam que a capital devia se mudar logo para lá. Lynch (2017) mostra,
com precisão e elegância, que o projeto de transposição da capital era
simplesmente demofóbico, autoritário e oligárquico, deixando claro que JK
queria se livrar das pressões dos interesses organizados na complexa Rio de
Janeiro de então e, muito particularmente, da herança varguista que a
presença incômoda de João Goulart na vice-presidência da República
teimava em reiterar. E parcelas majoritárias das classes médias parecem ter
apoiado esse movimento. Como mostra a tabela 2, com exceção de
Salvador, nas outras quatro capitais pesquisadas em janeiro de 1958,
portanto no início do terceiro ano de mandato de JK, 60% ou mais da classe
A e 50% ou mais da classe B eram favoráveis (porcentagens entre
parênteses) à mudança da capital para Brasília. As proporções foram muito
menores na classe C e, onde a informação foi coletada, na classe D. O apoio
ao projeto era claramente enviesado em direção às classes médias em São
Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife.
Tabela 2: Proporção dos que eram contrários e favoráveis
(valores entre parênteses) à mudança da capital para Brasília,
segundo as classes de renda em algumas capitais.
Janeiro de 1958 (em %)

Capital Classe A Classe B Classe C Classe D


São Paulo 29 (64) 26 (52) 38 (44) 32 (40)
Rio de Janeiro 29 (62) 22 (60) 26 (54) 34 (46)
Porto Alegre 29 (58) 35 (52) 31 (32)
Salvador 83 (17) 49 (35) 43 (31)
Recife 25 (75) 39 (59) 45 (36)
Fonte: Ibope, arquivo do AEL “ibope_opp_pe_025_mr_0266”:48 e ss.
Valores entre parênteses somam as proporções dos que concordam que a capital deve mudar imediatamente e dos
que acham que a mudança pode ser “sem pressa alguma”.
Obs.: Nas três cidades com classe D em branco os resultados são apresentados apenas para três estratos de renda
(juntando classes C e D).

Juscelino construiu Brasília com olhos na eleição de 1965, quando


pretendia retornar ao poder, e a aposta parece ter sido, desse ponto de vista
específico, acertada. Apesar da inflação sempre em alta e da fragilidade
fiscal do Estado legada pela aventura planaltina, ele terminaria seu mandato
com 70% de avaliações “Ótimo” ou “Bom” na classe B (57% na classe A e
62% na classe C) no estado do Rio de Janeiro105. Sua imagem também foi
pacificada, e ele deixaria o cargo como o “presidente bossa-nova” (Cohen,
2005), movimento musical iniciado ainda em 1959 e que embalaria o final
de seu mandato.
O período JK foi o menos conturbado da República de 1946, que Carone
nomeou Quarta República (talvez por ter transcorrido sob a égide da quarta
constituição desde 1889). Nela, Benevides (1976) viu “desenvolvimento
econômico com estabilidade política”. Parte da estabilidade deve ser
creditada ao apaziguamento dos segmentos mais conservadores das classes
médias, que se reconheceram na aura de modernidade e progresso que
envolveu o projeto desenvolvimentista ambiguamente nacionalista de JK. O
projeto era ambíguo porque, a um tempo, promoveu a industrialização
acelerada por meio de políticas de atração de investimento direto externo
nos setores de bens duráveis (automóveis, linha branca, eletrodomésticos),
enquanto o Estado investiu pesado em indústrias de base, sozinho ou em
associação com capitais externos, sempre com financiamento do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) criado por Vargas
(Lafer, 2002). Ou seja, o projeto varguista de fortalecimento da indústria
para dar ao Brasil autonomia e capacidade de levar adiante por si mesmo a
acumulação capitalista, com isso reduzindo nossa dependência externa e
fragilidade geopolítica, encontrou em JK tradução jamais pensada por
Vargas, já que baseado na forte atração de capital estrangeiro. Ao final do
período o Brasil havia mudado substancialmente, com o PIB industrial
saindo de 25% do PIB total em 1950 para atingir mais de 33% em 1960
(Cardoso, 2010:254). Com crescimento industrial não igualado até então
(ou depois) e taxa média de crescimento do PIB de 8%106, criou-se, pela
primeira vez, a ilusão de que o país poderia deixar para trás o
subdesenvolvimento e promover o bem-estar de todos, particularmente das
classes médias, sem recorrer a “medidas demagógicas”.
O curioso é que as classes médias aplaudiram o choque de capitalismo
promovido por JK, mesmo diante de sua política de manutenção do valor de
compra do salário mínimo em patamares historicamente elevados, algo que
irritara os militares sob Vargas a ponto de eles conspirarem para um golpe
de estado. Em valores de março de 2018, nos cinco anos de mandato de JK
o salário mínimo montou, em termos médios reais, a R$ 1.058,00, com
picos em agosto de 1956, janeiro de 1959 e outubro de 1960, quando foi
reajustado em 50% ou mais (gráfico 1). A média do mandato esteve bem
acima dos R$ 670,00 do período 1940-1945 (fim do Estado Novo), e dos
R$ 630,00 do período 1951-1954, antes do aumento de 100% concedido por
Vargas semanas antes do suicídio. Logo, JK combinou crescimento
econômico com valorização do salário mínimo, enquanto acenava às classes
médias com o bem-estar da sociedade de consumo de produtos made in
Brazil.
Um dos indicadores da “paz” vigente no período foi o reduzido número de
greves. Como já informado, nos cinco anos do governo JK, Weffort (1972)
computou 205 delas, sendo que dois terços ocorreram nos anos
inflacionários de 1959 e 1960107. No primeiro ano a inflação chegou a 39%,
a maior registrada até então, e a 30% em 1960. A agitação grevista esteve
longe de ser desimportante108.
Gráfico 1: Evolução mensal do salário-mínimo real
(em reais de mar/2018) nos governos Vargas e JK

Fonte: IPEADATA

Apesar da política de valorização do salário-mínimo e da relativa paz nas


relações de classe durante o governo JK, o presidente entregou ao sucessor
um país bastante desigual. Como mostra a tabela 3, em 1960 os 40% mais
pobres abocanhavam apenas 11,2% da renda do trabalho, praticamente a
mesma renda apropriada pelo 1% no topo da distribuição. Os 10% mais
ricos ficavam com quase 40% do total. Os 5% mais ricos tinham mais renda
do que o conjunto dos 60% mais pobres. E a renda dos 10% mais ricos era
34 vezes a dos 10% mais pobres.
Isso colocava o Brasil entre os países muito desiguais do mundo em 1960.
Segundo dados do Banco Mundial o índice de Gini teria sido de 0,53109
naquele ano. Hoffman e Duarte (1972) encontraram 0,50. Aplicando a
fórmula do índice de Gini aos dados da tabela 3 chega-se a 0,52110. Esse
valor era superior ao encontrado em países como Estados Unidos (0,35),
Reino Unido (0,40), Polônia (0,27), Índia (32,6), Grécia (0,41), Taiwan
(0,44) e Alemanha (0,50), estando abaixo de Colômbia (0,59), África do
Sul (0,55) e a maioria dos países africanos para os quais havia informação.
O desenvolvimentismo de JK parece ter produzido bastante desigualdade, e
favorecido o topo da distribuição de renda, onde se encontravam os
segmentos mais graduados das classes médias.
Tabela 3: Distribuição de renda no Brasil, 1960

População com renda renda


% % acumulada % % acumulada
40% 40% 11,2 11,2
10% 50% 6,49 17,69
10% 60% 7,49 25,18
10% 70% 9,03 34,21
10% 80% 11,31 45,52
10% 90% 15,61 61,13
10% 100% 38,87 100
5% mais ricos 27,35
1% mais ricos 11,72
10%+ricos/10%+pobres* 34
Fonte: Hoffman e Duarte, 1972, exceto *
* Fonte: Barros e Mendonça (1995)

Apesar de popular, JK não transferiria votos suficientes para o (não tão


claro) herdeiro de seu projeto político, o marechal Henrique Teixeira Lott,
candidato de seu partido. Nem este nem Adhemar de Barros conseguiram
fazer frente à avassaladora onda Jânio Quadros, que, como Vargas em 1950,
teve perto de 50% dos votos válidos em 1960, tendo sido sufragado por
quase seis milhões de eleitores, um recorde até ali.

O moralismo das classes médias em chave popular


Quadros encarnou personagem que, surpreendentemente, apelou aos
sentidos das classes médias urbanas. O símbolo de sua campanha foi a
vassoura, que varreria a corrupção para o lixo da história do país. Dizia o
famoso jingle de propaganda: “Varre, varre, varre, varre vassourinha/ varre,
varre a bandalheira/ que o povo já tá cansado/ de sofrer dessa maneira/
Jânio Quadros é a esperança/ desse povo abandonado/ Jânio Quadros é a
certeza/ de um Brasil moralizado”111.
Jânio inaugurou a primeira campanha eleitoral televisiva. O vídeo da
propaganda eleitoral, de 21 segundos, tocou no ponto mais sensível dos
brasileiros (e particularmente das classes médias) então: o custo de vida.
Nele, um casal de classe média reclama, à mesa de refeição, do aumento do
preço do leite. O marido encara a câmera e diz: “É, o jeito é votar no Jânio.”
A campanha bombardeou sem trégua o eleitorado com o jingle nas rádios
de todo o país, e secundado pela grande aprovação de sua gestão no
governo paulista nos quatro anos anteriores, Jânio atraiu o voto de parte
substancial das classes médias, apesar de leituras da época que viam na
persona criada pelo candidato uma forma de aproximação com a massa
trabalhadora: a caspa falsa nos ternos baratos, os sanduíches de mortadela
nos bolsos do paletó, os sapatos Vulcabrás de uso popular, os hábitos
pretensamente simples como o gosto pela cachaça etc. Primeiro candidato a
presidente a colocar os temas da corrupção e da inflação como estruturantes
de sua propaganda eleitoral, ao mirar no voto das classes populares, Jânio
parece ter atingido mais certeiramente as classes médias.
Nas pesquisas pré-eleitorais do Ibope em dezenas de cidades do país,
Jânio vencia Lott e Barros, quase sempre, em todas as classes de renda. Mas
sua vitória era, em geral, bem mais expressiva nas classes A e B. Em Porto
Alegre, por exemplo, em julho de 1960, 58% da classe A disseram que
votariam nele, assim como 41% da classe B, contra apenas 30% da classe C
(na qual ele empatava com Adhemar de Barros). Em São Paulo, em agosto
do mesmo ano, 60% da classe B e 61% da A pretendiam votar nele, contra
51% da classe C e 49% da D. Em Santos, a intenção de voto era de 75% na
classe A e 59% na classe B. A tendência foi a mesma em Campinas,
Piracicaba, Araraquara, Ribeirão Preto e mais 9 entre as demais 11 cidades
do interior paulista pesquisadas: as intenções de voto nas classes A e B
suplantavam as da classe C em 20 pontos percentuais ou mais112.
Isso não se restringia a São Paulo, onde Jânio fora governador bastante
popular. Em Curitiba a diferença nas intenções de voto em favor dele nas
classes médias, vis-à-vis as classes mais pobres, era superior a 40 pontos
percentuais em junho de 1960113. Diferenças de 20 pontos ou mais se
repetiram em Juiz de Fora e Uberaba e em várias cidades do interior do
Brasil cobertas pelo Ibope. E também em Salvador (52% na classe A contra
22% na classe D), Recife (64% a 31%) e outras capitais. A cruzada
moralista de Jânio pareceu crível a largos setores das classes médias,
particularmente seus segmentos superiores agregados na classe A de renda
do Ibope, que declararam massivamente intenção de voto nele.
Esses resultados não corroboram a conclusão de Owensby (1999:201)
segundo a qual as classes médias tinham, nesse momento da história,
“generalizada desafeição pela política”. O fato de os analfabetos, maioria da
população, não poderem votar, tornava o voto arma poderosa nas mãos das
minorias que participavam do jogo eleitoral e decidiam as eleições. A
constituição de 1946 tornara o voto obrigatório (sendo vedado aos
analfabetos, doentes mentais e detentos, além das posições menos
graduadas das forças armadas), e o comparecimento eleitoral em 1960, por
exemplo, foi de 18,1% da população total, o mais alto numa eleição
presidencial até ali. Os 12,5 milhões de brasileiros que compareceram para
votar representavam 81% dos eleitores aptos (pessoas alfabetizadas de 18
anos ou mais), enquanto em 1950, na eleição de Vargas, apenas 69% dos
aptos a votar compareceram, e 56,5% na eleição de Juscelino em 1955114.
Os brasileiros estavam, em 1960, mais engajados eleitoralmente do que
nunca, e não era diferente no caso das classes médias.
Além disso, quinze anos passados desde a instituição do sistema partidário
de 1945, e contrariamente à conclusão do clássico de Schwartzman (1970),
ele parecia estruturar de maneira coerente as preferências eleitorais dos
brasileiros de todas as classes urbanas, ao menos nas principais capitais do
país, mais frequentemente pesquisadas pelo Ibope115. Em maio de 1960, por
exemplo, 67% dos homens e 59% das mulheres fluminenses expressaram
simpatia por algum dos partidos existentes, proporção espantosa116. Entre os
eleitores da classe A, a proporção foi de 61%, de 62% da classe B e de 66%
da classe C. PSD e UDN tinham 43% das preferências da classe A, e a
dupla PTB e PSD, que elegera Vargas e Juscelino, era simpática a 45% dos
membros da classe B e a 53% dos da classe C117.
São montantes expressivos, sobretudo porque havia clara associação entre
a preferência partidária e a intenção de voto. Em pesquisa junto a quase três
mil eleitores no estado da Guanabara em junho de 1960118, a maioria dos
que preferiam o PTB e o PSD disse que votaria em Lott, e era residual
nesse contingente a intenção de voto em Jânio Quadros. Enquanto isso, os
simpatizantes da UDN pretendiam votar, em sua esmagadora maioria
(80%), em Jânio Quadros. É verdade que Jânio não era da UDN, fundara
partido próprio para se candidatar, mas foi ungido por ela quando a UDN
decidiu não lançar candidato119. Note-se que, na mesma pesquisa Ibope,
entre os que não tinham simpatia por partidos, 36% continuavam indecisos,
proporção que era de 13% ou menos entre os que preferiam algum partido.
Alinhamento partidário a esse nível não é compatível com a imagem de
uma classe média apática ou “desafeita” à política. O moralismo de parcelas
expressivas dessas classes, na verdade, tornava-as muito ativas na cena
eleitoral, talvez para tentar afastar dela o fantasma do “populismo corrupto”
representado, em sua avaliação, pela herança varguista.
Vale notar que a adesão também engajada de parcelas importantes
(embora minoritárias) dessas classes ao projeto nacionalista e
desenvolvimentista representado pela candidatura Lott foi decisiva para os
desdobramentos dessa eleição. Seu candidato a vice era João Goulart
(Jango), e aos votos recebidos por ele em função de sua chapa com Lott,
somaram-se parte dos votos dos eleitores de Adhemar de Barros e também
de Jânio, no que na campanha ficou conhecido como voto Jan-Jan. Jango
foi eleito vice-presidente com 36% dos votos, vencendo em 18 dos 26
estados e territórios, além de Brasília. Perdeu em estados importantes para a
dinâmica política de então, como São Paulo, Minas Gerais, Guanabara e
Rio Grande do Sul, mas venceu em todos os estados do Nordeste exceto
Pernambuco120.
Jânio Quadros, sabe-se, renunciaria oito meses depois de tomar posse,
frustrando seu eleitorado tendencialmente de classe média (com exceção de
São Paulo, a classe C votou majoritariamente em Lott e Adhemar, segundo
as pesquisas do Ibope) e inaugurando a crise política que desembocaria no
golpe militar-civil de 1964121.
Parte da crise aberta pela renúncia de Jânio decorreu da circunstância de
que sua eleição foi a primeira efetivamente nacional (Lima Jr., 1999). A
eleição de 1960 teria inaugurado a necessidade de os candidatos a
presidente conquistarem “um eleitorado mobilizável mais bem distribuído
por estados e regiões” (idem:17). Foi o caso de Jânio, cujos votos se
distribuíram de forma homogênea pelo país (idem:18), fato inédito até ali.
Como inédito foi o comparecimento eleitoral, como já se disse, o que
significa que a campanha efetivamente cativou os eleitores, que
depositaram em Jânio esperanças de contenção do custo de vida, combate à
corrupção e retomada do crescimento econômico, algumas de suas muitas
promessas de campanha. Se a nação ficou assustada com a renúncia, seus
eleitores, entre eles a maioria das classes médias, devem ter se sentido,
simplesmente, traídos.

Às voltas com o espectro de Vargas


É sabido, e não vou detalhar, que os ministros militares de Jânio Quadros
tentaram impedir que Goulart tomasse posse, pois ele representava e
reivindicava para si a herança do projeto varguista, varrido do poder em
1954 por uma conspiração militar de fim trágico. Só lhe foi dada a posse
depois de renhida resistência de Leonel Brizola, apoiado pelo III Exército
no Rio Grande do Sul e por forças populares e das classes médias (dentre
elas a UNE, analisada no próximo capítulo), e de apressada reforma
constitucional que instituiu o parlamentarismo, com isso retirando do
presidente o poder de governar. A reforma previa para inícios de 1965 um
plebiscito para decidir sobre o sistema de governo, mas Jango conseguiu
aprovar no Congresso sua antecipação para janeiro de 1963, quando o
parlamentarismo foi derrotado nas urnas.
Não eram apenas os militares que viam em Goulart o herdeiro de Vargas.
O voto nele foi, tudo indica, um voto de classe em boa parte do país. A
tabela 4 mostra alguns resultados de pesquisas de intenção de voto do
Ibope, de junho e setembro de 1960, para cidades selecionadas e para o
estado da Guanabara. É muito evidente como a intenção de voto no
candidato do PTB cresce quanto mais se descende nas classes de renda, e
seu maior eleitorado estava nas classes mais pobres. Para o que interessa
aqui, parece claro que a maioria das classes médias não pretendia votar em
Jango. Tendo preferido outros candidatos a vice, esses segmentos médios
não devem ter se sentido representados no presidente que os militares
tentaram barrar.
Tabela 4: Intenção de voto em João Goulart, 1960

Cidade ou Estado Classe A Classe B Classe C Classe D


São Paulo (set/1960) 13,0 24,0 39,0 40,0
Santos (jun/60) 11,0 17,0 26,0
Curitiba (jun/60) 7,5 35,4 57,0 76,7
Feira de Santana (jun/60) 18,0 22,0 35,0
Itaperuna (jun/60) 23,0 41,0 48,0
Niterói (jun/60) 7,0 29,0 31,0 44,0
Estado da Guanabara (set/60) 7,0 22,0 28,0 30,0
Fonte: Ibope, arquivos do AEL “ibope_opp_pe_032_mr_0270”:228 e ss.; “ibope_opp_pe_033_mr_0270”:379 (para
São Paulo); e “ibope_opp_pe_034_mr_0270”:76 (para Guanabara).
Obs.: Nas três cidades com classe D em branco os resultados são apresentados apenas para três estratos de renda.

A subida de João Goulart ao poder foi o segundo momento serendípico da


República de 1946 no que diz respeito ao papel das classes médias em
nossa dinâmica política. Em muitos sentidos, é como se os militares e as
parcelas das classes médias que os apoiavam estivessem à espreita,
vigilantes em relação ao incumbente da vez (Juscelino, Jânio e então Jango)
para impedir que ele se desviasse da rota percebida por esses grupos como
aceitável ou mesmo necessária para o “progresso da nação”. O espectro de
Vargas, que elegera Juscelino, mas que parecera definitivamente exorcizado
pelo governo ambiguamente nacionalista do mineiro (posto que aberto ao
capital estrangeiro, enquanto construía Brasília como o grande símbolo da
nacionalidade), estava de volta com Jango. E com ele a polarização entre a
herança de Vargas, agora radicalizada, e a oposição a ela, seria levada ao
paroxismo.
Em termos muito sumários, o campo da herança varguista, de modo algum
unívoco, reivindicava pelo menos três pilares da obra de Vargas: o
nacionalismo, expresso na política externa independente, na afirmação dos
valores da nacionalidade e na industrialização do Brasil; o correspondente
projeto de desenvolvimento autóctone, ou o nacional-desenvolvimentismo;
e o liberalismo mitigado, surpreendentemente moderno tendo em vista suas
origens autoritárias e corporativistas122, que constitucionalizara os direitos
sociais e do trabalho e considerava o Estado artífice central do
desenvolvimento econômico, conferindo às classes subalternas assento no
arranjo social daí resultante, incluindo o direito de voto dos analfabetos e,
muito especialmente, a reforma agrária. É bom lembrar que o PTB, fundado
por Vargas para, nas palavras dele, “servir de anteparo entre os sindicatos e
os comunistas”, como assinalou Benevides (1989:9), defendia enquanto
partido o direito de voto dos analfabetos, ainda que alguns de seus
membros fossem contrários123. Mas esse não era o caso da reforma agrária,
bem mais consensual no partido e na população como um todo, como
veremos.
Na literatura tradicional sobre o período, esse projeto ganhou o nome de
“populismo”, mas estou de acordo com os que propõem o conceito de
trabalhismo como mais adequado124. Isso porque, neste polo, estavam
setores da burguesia industrial, segmentos progressistas das classes médias
(incluindo o baixo oficialato militar, intelectuais, estudantes universitários e
outros menos visíveis na esfera pública), o operariado fabril e a baixa classe
média proletarizada, a emergente liderança camponesa em luta pelos
direitos do trabalho e pela “revolução”, parte da imprensa fiel à democracia,
como o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil e o Última Hora etc.125. O
campo do trabalhismo, embalado por uma ideologia que poderíamos
denominar nacional-desenvolvimentismo126, era bem mais heterogêneo do
que o denotado pelo conceito de “populismo”, e o PTB (e o PSD em menor
medida) era sua expressão partidária mais clara.
No campo oposto, que tampouco era unívoco, estavam as múltiplas
formas do liberalismo autoritário, que também conferia papel central ao
Estado na condução da modernização, mas não era nacionalista nem
desenvolvimentista, e tinha nos subalternos o inimigo a conter. Estavam
nessa aliança as burguesias financeira, comercial e agrária, os segmentos
reacionários das classes médias, os Diários Associados de Assis
Chateaubriand e parte da imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo
(particularmente O Globo e O Estado de S. Paulo), a maioria do alto
oficialato militar das três forças armadas, parte das massas empobrecidas do
campo e da cidade etc. Esse polo esteve sempre “em guarda contra o perigo
vermelho” (Motta, 2002) e tinha pouco apreço pela democracia. Dentre os
partidos políticos nacionais, a UDN era a expressão mais saliente desse
núcleo político.
A polarização entre desenvolvimentistas (mais ou menos autoritários) e
liberais (mais ou menos autoritários) se acirraria no decorrer do governo
Jango.

Brevíssimo excurso sobre o termo “populismo”.


Mencionei na nota 124 a literatura que julgo mínima, mas fundamental para a
constituição do campo de debate sobre o populismo no Brasil. Não vou entrar em
detalhes sobre ele aqui. Mas gostaria de marcar minha posição sobre o porquê da
eleição do termo “trabalhismo” em lugar da noção tornada quase canônica a partir dos
trabalhos de Francisco Weffort e Otávio Ianni sobre a República de 1946. Além do que
já está no texto, isto é, a heterogeneidade da composição de classes e interesses do
campo trabalhista (que era desenvolvimentista), há razões analíticas mais profundas.
De meu ponto de vista, o termo populismo serviu, por décadas, para turvar a
compreensão do período. Há dois motivos principais a sustentar essa afirmação. Em
primeiro lugar, “populismo” foi expressão nativa, para usar uma fórmula cara à
antropologia. Isto é, foi empregado pelos detratores dos “populistas” Vargas, Jango,
Arraes, Brizola, à esquerda, e Adhemar de Barros e Jânio Quadros, à direita, além de
muitas outras lideranças do longo ciclo de Vargas, num processo típico de
estereotipagem e redução do outro à condição de menoridade política. Os “populistas”
eram trânsfugas de classe, membros das oligarquias dominantes que se teriam
desvirtuado do bom caminho ao promover o interesse das classes subalternas às
quais não pertenciam, e em relação às quais não deveriam se colocar como porta-
vozes ou defensores. Isto é, o termo “populismo” foi mobilizado na luta política nativa,
pelos contemporâneos, como denúncia contra traidores de classe, anjos oligarcas
caídos, poluídos por sua proximidade com o “povo”. Como tal, o termo era e continua
sendo profundamente demofóbico, e parte substancial da literatura sobre a República
de 1946 que o emprega para caracterizá-la carrega esse ranço.
Em segundo lugar, o termo serviu aos propósitos também da esquerda no pós-1964,
na caracterização do processo de abertura do sistema político às classes subalternas
como inautêntico, e como tal, fadado desde sempre ao fracasso. Além de Weffort e
Ianni, Décio Saes (1984), por exemplo, definiu populismo como o processo pelo qual
elites oligárquicas no controle do poder de Estado se associaram a parcelas
mobilizadas das classes médias (sobretudo militares e intelectuais) para impedir o
acesso das classes populares aos sistemas decisórios, com isso garantindo a
acumulação capitalista com um mínimo de concessões aos subalternos. O populismo
teria sua origem no tenentismo, primeira manifestação desse arranjo, que levou
Vargas ao poder em 1930, inaugurando, para Saes, um Estado populista. O arranjo
teria ruído quando o trabalho organizado e o campesinato pressionaram esse pacto
elitista e excludente, exigindo efetiva participação nele. Diante da pressão popular, as
elites oligárquicas, em associação com os militares e setores das classes médias
urbanas, deitaram fora o oligarca caído, João Goulart, que ameaçava dar passagem
às reformas que poderiam de fato promover os interesses subalternos. A tese corre
na mesma seara, portanto, da formulada por Weffort (1980), segundo a qual o
populismo foi uma forma de manipulação das massas para favorecer os interesses
das oligarquias dominantes, só que em versão mais radical ao incluir o próprio Estado
como fruto e agente do pacto oligárquico populista. Os mecanismos tradicionais de
expressão de interesses dos trabalhadores, isto é, os sindicatos, seriam eles mesmos
elementos desse pacto, posto que controlados pelo Estado para impedir a livre
organização operária, elemento de potencial desestabilização do equilíbrio populista
oligárquico. Essa foi a essência da crítica de esquerda à experiência de restrita
inclusão das massas na dinâmica política da República de 1946. Dizer que foi
populista quer dizer que não foi genuinamente popular, nem autônoma, nem
autêntica. A adesão das massas aos líderes populistas tinha, segundo essa leitura,
algo de irracional e mágico, já que o carisma era elemento central do processo de
identificação entre massas e lideranças127.
Com isso, os processos de ampliação da participação eleitoral a partir de 1945 e de
organização dos trabalhadores nos sindicatos oficiais e fora deles ficou nas sombras,
pois, rotulados como elementos do pacto populista, não foram vistos como o que de
fato eram: aspectos do restrito, mas persistente processo de democratização do país
e de inclusão dos trabalhadores urbanos em nossa dinâmica política e sindical.
Esse último arrazoado requer maior precisão. Ele denota adesão a uma
interpretação mais rigorosa do processo político brasileiro, que, nessa quadra da
história, deve ser caracterizado como de lento, mas constante aumento da
competição intraoligárquica pelo controle do aparelho de estado, que teve na lenta,
mas contínua extensão do sufrágio a parcelas crescentes da população aspecto
decisivo. Vimos que, até a eleição de 1934, porção diminuta da população tinha direito
a voto, e parcela ainda menor comparecia às eleições, que, ademais, eram sempre
fraudadas para favorecer os candidatos previamente ungidos pelas oligarquias
agrárias. Nesse ambiente de domínio oligárquico com verniz eleitoral, as classes
médias podiam imaginar que detinham poder efetivo de influenciar os rumos da
política, já que havia poucos eleitores além de suas hostes. Mas os candidatos não
precisavam disputar os votos desses parcos eleitores, já que o resultado das eleições
estava dado de antemão. Houve exceções, como a campanha de 1919, na qual Rui
Barbosa correu o país como um Don Quixote tentando convencer as classes médias a
votar em seu projeto civilizador, que incluía o reconhecimento da “questão social”
(Cardoso, 2010). Mas foram exceções. Na Primeira República a competição eleitoral
era mero teatro das oligarquias agrárias para entretenimento das classes médias.
Dentre as novidades trazidas pela República de 1946, que Wanderley Guilherme
dos Santos (2007) nomeou “oligarquia representativa”, temos o início da ampliação
(muito lenta, mas persistente) da participação eleitoral. O direito de voto das mulheres
data de 1932, mas só se pôde efetivar para valer nas eleições parlamentares e
presidenciais de 1945. Houve ainda o crescimento do operariado e das classes
médias baixas ligadas aos serviços do Estado, à administração das empresas e aos
serviços privados. E não podemos esquecer a lenta, mas constante redução do
analfabetismo, principalmente no mundo urbano. Tudo isso resultou no crescimento
constante das pessoas habilitadas a votar, isto é, pessoas alfabetizadas de 18 anos
ou mais das quais a legislação excluía praças, cabos e sargentos das forças armadas,
detentos e alienados, sendo que lei de 1950 tornou facultativo o voto das donas de
casa. Em 1945 o eleitorado equivalia a 16,2% da população brasileira total. Em 1962
chegara a 25,2% (Santos, 2007:56).
Santos coloca a população total no denominador da taxa de inclusão eleitoral, útil
para comparações internacionais, já que é nessa forma que ele encontrou dados
disponíveis para um número substancial de países. Contudo, para o que me interessa
aqui, o cálculo de Santos requer alguma precisão. Do ponto de vista das elites em
disputa pelo voto, menos do que a população total, interessava a proporção de
eleitores entre os efetivamente aptos a votar, isto é, a população adulta alfabetizada,
que compunha o eleitorado potencial segundo a legislação então vigente. A estimativa
do IBGE para a população total em 1945 era de 46,2 milhões de pessoas128. Em 1940
a população de 18 anos ou mais chegava a 21 milhões (50,7% do total), o que
permite projetar a população adulta a algo em torno de 23,4 milhões em 1945,
aplicando a ela a mesma taxa de crescimento da população total estimada pelo IBGE.
Além disso, em 1940 os alfabetizados eram 44% da população adulta, ou 9,1 milhões
de pessoas. Aplicando a esse montante a taxa de crescimento de 2,5%, levando a
taxa a 46,5% em 1945129, chega-se a um eleitorado potencial de perto de 10,9 milhões
de pessoas. Como o eleitorado real foi de 7,4 milhões de pessoas em 1945, temos
que os eleitores efetivos foram 68% do eleitorado potencial130. Fazendo-se o mesmo
exercício para 1960, chega-se a 73% de eleitores efetivos131. Note-se que não estou
falando dos eleitores que compareceram para votar, mas dos eleitores inscritos. A
taxa de comparecimento foi sempre menor do que o número de inscritos (Nicolau,
2012:97)132. Ainda assim, Limongi, Cheibub e Figueiredo (2015:38) informam que “as
taxas de comparecimento registradas no Brasil não diferem significativamente das
verificadas nos demais países democráticos que adotam o voto obrigatório”.
A inscrição eleitoral não quer dizer, necessariamente, expressão de desejo de
participar das eleições, isto é, pode não expressar demanda real por representação
por parte da população. Na interpretação de Limongi (2015b:382), governo e oposição
“fizeram” seus eleitores em 1945 e novamente em 1950, isto é, cada partido “buscou
usar os meios à sua disposição para filiar o maior número de adeptos e, dessa forma,
vencer as eleições. As incertezas quanto aos resultados do pleito alimentaram a
mobilização dos eleitores”. Os gráficos reproduzidos na p. 385 do artigo citado
parecem não deixar dúvidas sobre o intenso alistamento eleitoral ocorrendo às
vésperas das eleições. Em 1950, quando Vargas foi eleito, o alistamento montou a 2,6
milhões de pessoas, quando a média dos anos não eleitorais anteriores ficou sempre
abaixo de 500 mil, e abaixo de 200 mil em 1951 e 1952. Há importantes evidências de
que os partidos se mobilizavam intensamente para alistar seus eleitores, e vencer as
eleições era função do número de eleitores por eles alistados e levados à votação no
dia das eleições, em geral com as cédulas já preenchidas fornecidas pelos próprios
partidos. Além disso, os partidos controlavam a competição eleitoral por meio da
oferta controlada e restrita de candidatos aos cargos eletivos, principalmente no caso
da Câmara Federal (Santos, 2007).
Vale assinalar, porém, que essa era a realidade, sobretudo, do mundo agrário. No
mundo urbano, que em 1945 acolhia 33% da população total e 27% dos eleitores
inscritos133, o alistamento era menos controlado, tendo em vista a fragmentação da
experiência urbana no imenso território nacional. É verdade que parte da inscrição
eleitoral ocorrida em 1945 foi ex officio, quer dizer, o Estado alistou eleitores a partir
de registros administrativos próprios e recolhidos nas empresas e nos sindicatos, o
que deu margem a fraudes e inscrição de analfabetos e estrangeiros, queixa
persistente da UDN, partido de oposição que teria sido prejudicado, já que o
alistamento teria favorecido os candidatos do governo (Limongi, Cheibub e
Figueiredo, 2015:31-33). As maiores proporções de alistamento por esse método
ocorreram nas capitais. Nelas, 47% das inscrições eleitorais foram ex ofício
(chegando a 54% no Rio de Janeiro), contra 11,1% no interior do país (Limongi,
2015b:379).
Contudo, embora alistados de forma involuntária em grande proporção, os eleitores
compareceram para votar, como expressam as altas taxas de comparecimento
reproduzidas anteriormente. Logo, não importa o modo como os partidos ou o Estado
“faziam” seus eleitores134, o que importa é que a partir de 1945 passou a haver
competição pelo voto, algo inexistente até então. Os partidos não precisavam cativar
seus eleitores, ou ao menos parte substancial deles (as classes médias e o
operariado mais mobilizado provavelmente votavam voluntariamente), já que os
alistavam e os muniam de cédulas eleitorais e, no campo, de transporte até o local de
votação. Mas os partidos competiam entre si para maximizar o alistamento, e os que
mais alistavam eram os que se saíam melhor nos pleitos, como mostrou Fernando
Limongi.
A expansão do eleitorado ocorreu in tandem com o progresso do letramento na
população, progresso lento, mas persistente, como se tenta chamar a atenção aqui. E
o crescimento foi maior no eleitorado urbano. No pleito de 1950 o alistamento ex
officio foi abolido, aumentando os custos de “fazer eleitores” pelos partidos,
particularmente no mundo urbano. Com isso, o controle dos partidos sobre o voto dos
citadinos tendeu a se reduzir, e o sucesso ou fracasso das carreiras políticas
assentadas no voto do eleitorado urbano, menos sujeito às fraudes de todo tipo que
sustentavam as carreiras das oligarquias agrárias, passou a ser função também da
capacidade de os candidatos cativarem o eleitor.
Nesse quadro, os famigerados (pelos contemporâneos) “populistas” nada mais eram
do que as lideranças políticas cuja clientela eleitoral já não se restringia aos
segmentos tradicionais de sustentação do jogo oligárquico, isto é, as classes médias
tradicionais e as bases agrárias que haviam sustentado o teatro eleitoral anterior e
continuavam sustentando o arremedo de competição eleitoral no mundo rural, no qual
os partidos controlavam inteiramente à vontade popular (Limongi, 2015b), além de
controlar e manter restrita a oferta de candidatos (Santos, 2007). Populistas eram os
políticos que responderam positiva e ativamente à demanda por representação das
novas camadas da população incorporadas à dinâmica eleitoral, compostas, em sua
maioria, pelos trabalhadores urbanos. E essa resposta foi lida, nos anos 1950, como
obra de “demagogos”, e no final da década e nos anos 1960, de populistas. A grande
novidade da campanha de Jânio Quadros à presidência foi, justamente, a de competir
de forma aberta pelo voto dos eleitores urbanos não controlados pelas máquinas
partidárias, permitindo que ele fosse sufragado em todo o país, como mostrou Lima Jr.
(1999). E ele concorreu por um pequeno partido, ou por fora das máquinas partidárias
tradicionais (UDN, PSD, PTB e PSP, este último forte apenas em São Paulo), embora
tenha sido apoiado pela UDN.
O termo, pois, serviu para demonizar o processo de incorporação eleitoral dos
trabalhadores urbanos por elites de extração oligárquica que, precisando competir por
esses eleitores, acenaram e, quando eleitas, efetivaram políticas que tiveram como
lastro o reconhecimento da questão social e do direito dos trabalhadores à cidadania
social, ainda que isso tenha sido feito sob o jugo de uma legislação sindical que
manteve o controle sobre outras dimensões da organização dos trabalhadores, caso
dos sindicatos atrelados ao Estado135.
A proscrição do PCB em 1947 pode ter impedido eventual processo de construção,
de baixo para cima, de lideranças políticas de extração operária e da baixa classe
média assalariada, sindicalmente bastante mobilizada136, mas isso jamais saberemos.
Não é desprezível que um partido proscrito desde sua fundação, tenha conseguido
conquistar 10% das cadeiras no Congresso que escreveu a constituição de 1946, e
eleito representantes nas assembleias legislativas e câmaras municipais em todo o
país. O potencial de crescimento do partido, caso se pudesse organizar nas fábricas,
era provavelmente alto. Sem um partido com lideranças de origem popular, a
possibilidade de representação dos interesses das massas urbanas emergentes
repousava nas elites oligárquicas em disputa pelos votos existentes e nos poucos
egressos das classes trabalhadoras abrigados no PTB. Os partidos tradicionais
tinham rígidos controles sobre a seleção dos que competiriam na cena eleitoral cada
vez mais renhida. Isso limitou, e mesmo impediu que a demanda por representação
pelos recém-incorporados ao processo eleitoral tivesse resposta simétrica na oferta
de candidatos, que continuou sob férreo controle das cúpulas partidárias nas diversas
instâncias representativas dos três entes federativos. O arranjo foi flexibilizado nas
eleições de 1962, mas ainda assim a competitividade para a câmara federal foi muito
baixa (Santos, 2007).
Chamar de populismo esse processo, significando manipulação das massas por
lideranças comprometidas com os interesses dominantes é perder o essencial do que
estava em jogo: a lenta, mas persistente abertura da dinâmica política pela
competição eleitoral, numa situação em que a expressão dos interesses dos
trabalhadores pelo movimento sindical também se tornava cada vez mais aberta e
competitiva por sua vez137. Competição eleitoral e competição no mundo sindical
foram as duas variáveis centrais dessa dinâmica de incorporação das massas à
dinâmica política na democracia que se consolidava. Chamá-la de “república
populista” é, simplesmente, equivocado, como sustenta, dentre outros, Reis Filho
(2010).

Embora tenha vencido sua primeira refrega no Congresso ao derrotar o


parlamentarismo, Jango praticamente não conseguiria governar138. Embora
Ferreira e Gomes (2014) procurem contestar a tese de Wanderley G. Santos
de que seu governo viveu processo típico de paralisia decisória, o
argumento não é convincente. Boa parte do que Jango conseguiu “aprovar”
no Congresso foram decretos presidenciais (e mesmo assim, em alguns
casos ele precisou voltar atrás), não projetos de lei. Temas importantes
como a regulação da remessa de lucros, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (profundamente conservadora e que contrariava interesses da
UNE, como veremos), o décimo terceiro salário para os trabalhadores do
setor privado, a criação da Eletrobras e a constituição da SUDENE e da
Superintendência de Política Agrária (SUPRA), são todos de 1962
(idem:124-25), portanto sob o parlamentarismo. Logo, sob o governo dos
primeiros ministros Tancredo Neves (até junho), Brochado da Rocha e, por
fim, Hermes de Lima, ainda que este último fosse apenas uma negociada
peça na transição para o presidencialismo. Os próprios autores, quando
tratam de medidas aprovadas em 1961, as veem como políticas de Tancredo
Neves (por exemplo, página 92 do mesmo livro de Ferreira e Gomes). Mas
o que foi aprovado em 1962 é tratado como de Jango, o que é inconsistente
com a análise anterior. E eles mesmos admitem que o governo Jango
começou, na verdade, em janeiro de 1963, com o plebiscito que derrotou o
parlamentarismo. O único projeto realmente importante de autoria do
governo aprovado no Congresso foi o Estatuto do Trabalhador Rural, de
março de 1963, que estendeu a CLT ao campo. Foi sem dúvida um grande
feito, já que nem mesmo Vargas havia conseguido vencer as resistências do
parlamento, dominado por oligarquias agrárias, à extensão dos direitos do
trabalho aos assalariados rurais, e o Estatuto permitiu o surgimento de
centenas de sindicatos no campo (Stein, 2008). Nesse momento, como
reconhecem Ferreira e Gomes, o parlamento ainda estava em paz com o
presidente, que recebera avassaladora votação na rejeição ao
parlamentarismo e era bastante popular, como veremos. Mas isso durou
pouco.
O projeto do governo Jango era ambicioso, a linha mestra consistindo nas
estruturais “reformas de base”, conjunto de políticas que compunha uma
espécie de espírito de época, estando na agenda do país desde os anos 1950
e tendo sido encampado pelo PTB em seu programa partidário em 1959
(D’Araujo, 1996:126-127). Elas incluíam as reformas bancária, fiscal,
universitária, administrativa, urbana e, muito especialmente, a reforma
agrária, projeto dos tenentes e da Revolução de 1930, sempre frustrado pelo
poder das oligarquias rurais. Estava no horizonte, ainda, limitar o
investimento estrangeiro no país e ampliar a intervenção do Estado na
economia. E estender o direito de voto aos analfabetos e às baixas patentes
militares (como marinheiros e sargentos).
A ambição do projeto, como ficou claro depois, não era compatível com a
configuração institucional da luta política no país. Como mostrou
cabalmente Santos (2003), em 1963 Jango não teve base de sustentação no
Congresso para tocar as reformas, muitas delas exigindo mudar a
Constituição. Ademais, e como mostrou Bandeira (2001[1978]), seu
governo foi sabotado desde o início pela CIA e pelo governo dos Estados
Unidos, que, em momento de grande acirramento da guerra fria em razão da
crise dos mísseis de Cuba e da iminência da terceira guerra mundial,
passaram a ver nele um agente do comunismo internacional. Jango fora
bem recebido pelo presidente John F. Kennedy em 1962, que, depois de
longas conversas e de afirmar que Brasil e Estados Unidos já não tinham
“desentendimentos”, despediu-se chamando-o de seu “grande amigo”
(Ferreira e Gomes, 2014:99). Contudo, com a evolução da crise de Cuba e a
reiteração da posição de não alinhamento do Brasil, diante de insistentes
pedidos e ameaças do governo norte-americano, Kennedy voltou-se
violentamente contra Goulart (Dreyfus, 1987). Além da CIA Jango tinha
contra ele os poderosos Diários Associados e sua influente revista O
Cruzeiro139, os principais jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro e boa
parte da imprensa do país (Morais, 1994140) e, obviamente, os militares e os
setores mais conservadores das classes médias.
Esses setores tinham, de seu enviesado ponto de vista, motivos para
alarme. Embora governasse em estreita conexão com as principais
lideranças sindicais, o governo Jango foi sacodido por inúmeros
movimentos grevistas e por grande resistência social ao Plano Trienal
formulado por San Tiago Dantas e Celso Furtado em 1963, que
desvalorizou o câmbio e, dentre muitas outras medidas de austeridade
fiscal, previa a contenção dos salários e a redução dos gastos com a
máquina pública. Jango não resistiu à pressão das ruas e de seus aliados à
esquerda, que viram no plano uma concessão inaceitável ao “grande
capital”, já que punia os trabalhadores num momento de escalada
inflacionária. Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, qualificou o
plano como “antipopular, antinacional e pró-imperialista”. O presidente da
UNE, Vinícius Caldeira Brant, condenou o que via como um plano que
servia “aos interesses dos monopólios estrangeiros” (Ferreira e Gomes,
2014:153).
A inflação terminaria 1963 em quase 80% (Munhoz, 1997:61). Em menos
de quatro meses o presidente abandonaria as diretrizes mestras do Plano,
cedendo tanto ao funcionalismo, com aumentos salariais importantes,
quanto aos empresários que demandavam aumento de preços controlados
pelo governo (caso da CSN) e crédito para o consumidor (caso das
montadoras de automóveis)141.
E as greves marcaram profundamente a conjuntura. O já mencionado
levantamento feito por Weffort (1972) computou 205 delas nos cinco anos
de Juscelino, enquanto nos três anos de Goulart (excluindo-se 1964) foram
encontradas 437 ocorrências, mais de 300 delas apenas em 1963142. Destas,
50% ou mais ocorreram em redutos das classes médias urbanas, como
administração pública, bancos e empresas estatais (idem:IV.33), a maioria
por aumentos de salários.
Em julho de 1963, portanto seis meses após o plebiscito que restituíra a
Goulart o poder de governar, o Ibope fez extensa enquete em quinze cidades
de nove estados do país inquirindo sobre a agenda de reformas do governo.
A pesquisa mereceria um tratamento mais minucioso do que é possível
aqui, pois ela denota as ambiguidades das atitudes das classes médias em
relação ao projeto que elas próprias nomeavam “populista” e, mesmo,
“vermelho”. Mas procurarei tocar em alguns pontos centrais. Vale insistir,
aqui, na limitação desses dados como refletindo as posições dos muitos
segmentos das classes médias, já que o Ibope utilizava, em 1963,
exclusivamente o critério de renda para estratificar a população pesquisada.
O que se segue deve ser lido como possíveis posições de setores das classes
médias, tal como sociologicamente definidas, abrigadas nos estratos
superiores de renda.
A agrária era, de longe, a principal reforma de base nos horizontes do
governo Jango. Tinha potencial para incendiar o mundo rural já bastante
mobilizado em 1963143, sendo motivo de intensa oposição das oligarquias
agrárias ainda fortemente representadas no Congresso Nacional, da
imprensa em geral e de parte das classes médias. Mas contrariamente ao
que seria de se esperar, tendo em vista o comportamento eleitoral dessas
classes, que não sufragaram Jango, elas parecem ter se posicionado, em sua
maioria, favoravelmente a essa explosiva política pública, embora não sem
ambiguidade. A pesquisa em questão encontrou que, de metade a dois
terços (em alguns casos superando os 70%) das classes A e B (no relatório
da pesquisa as duas classes de renda aparecem somadas), eram favoráveis à
reforma agrária. E desse total, dois terços ou mais consideravam que ela era
urgente144. Trata-se, nunca é demais lembrar, de eleitores das classes médias
urbanas, objeto das pesquisas de opinião do Ibope.
O ponto essencial aqui, contudo, é que o apoio à reforma agrária era
ambíguo, pois não significava apoio a aspecto central da política proposta,
qual seja, a mudança da Constituição para permitir ao Estado pagar as terras
desapropriadas com títulos públicos. A carta de 1946 determinava, em seu
artigo 141, que qualquer desapropriação deveria ser feita “mediante prévia e
justa indenização em dinheiro”145. Isso limitava sobremaneira o escopo de
qualquer reforma, já que um dos principais problemas do governo Jango era
a sempre presente crise fiscal do Estado, agravada pelas muitas políticas
desenvolvimentistas de JK, incluindo a construção de Brasília. Pois 40% ou
mais das classes A e B se posicionaram a favor do pagamento das
desapropriações de terra em dinheiro, sendo que, na maioria das cidades
pesquisadas, a proporção dos que não tinham opinião era maior do que a
dos que concordavam com a proposta governista, de pagamento com títulos
públicos. Logo, apoiar a reforma agrária não significava apoiar o
mecanismo proposto para efetivá-la. A reforma agrária era considerada
necessária e urgente pela maioria das classes médias, desde que respeitasse
não apenas o direito de propriedade, mas que tratasse a terra como uma
mercadoria, um bem líquido que o empresariado rural pudesse transacionar
no mercado à sua discrição.
Ora, os altíssimos índices de concentração fundiária do país, pelos quais
1,4% dos imóveis rurais respondiam por pelo menos 46% da área ocupada14
6, sugerem que a grande propriedade, o latifúndio improdutivo visado por

Jango, não estava à venda. Era, em si mesmo, a fonte do poder dos donos de
terra que, ao exigir pagamento em dinheiro, sabiam que tornariam
inexequível a compra pelo Estado em crise fiscal. Ao apoiar a compra em
dinheiro, a maioria das classes médias, no fundo, acabava defendendo os
interesses dos segmentos contrários à reforma. Não deixa de ser irônico que
uma das primeiras medidas do governo Castelo Branco tenha sido a emenda
constitucional No 10, regulamentando a reforma agrária, que permitia
indenizações com títulos públicos no caso dos latifúndios sem benfeitorias.
Medida inócua, claro, a radicalização da ditadura impediria a efetividade da
nova norma constitucional, como veremos.
O governo Jango pretendia, ainda, estatizar os serviços de utilidade
pública (luz, gás, telefone, transporte público), e nisso ele parecia ter o
apoio de todas as classes, incluindo as classes médias. Nas mesmas quinze
cidades pesquisadas em julho de 1963, diante da pergunta se as empresas
que prestam serviços públicos deviam ser estatais ou poderiam ser
particulares, 45% ou mais das classes médias e superiores de renda
(chegando a 61% na Guanabara), e 50% ou mais das classes C e D
(chegando a 68% na classe C da Guanabara) achavam que elas deveriam ser
estatais147.
Contudo, a intenção de Jango de estender aos analfabetos o direito de
votar contribuiu para manter longe dele parcelas expressivas dos setores
médios da nação. O jornal O Globo, que estivera na trincheira contra a
medida desde sua primeira manifestação em 1957, com a emenda Falcão,
voltou à carga na edição de 17 de janeiro de 1964, transcrevendo um
protesto de Elmano Cardim, membro da Academia Brasileira de Letras,
contra o projeto do governo concedendo aquele direito. Na manchete da
página 2 da edição matutina lia-se: “O que ao Estado cumpre não é fazer do
analfabeto um eleitor, mas dar-lhe os meios para deixar de ser analfabeto”,
mesmo argumento de Carlos Lacerda durante a polêmica de 1957. O
acadêmico protestava porque achava que o analfabeto tinha o direito de sair
“das trevas da ignorância”, e considerava criminosa a “evasão do Estado”
do dever de alfabetizar a população. O direito de voto seria um “prêmio ao
analfabetismo”148. É provável que boa parte das classes médias, tal como
em 1957, continuasse contrária ao voto dessas pessoas, sobretudo porque o
argumento do dever do Estado de alfabetizar a população se difundira no
debate público. Às portas do golpe militar-civil (entre 20 e 30 de março),
pesquisa do Ibope em São Paulo encontrou que 55% das classes A/B
(somadas no relatório da pesquisa) eram contrários ao voto dos analfabetos.
Em junho de 1964, pesquisa do mesmo instituto no estado da Guanabara
encontrou que 57% das mesmas classes eram contrários, embora 78%
fossem favoráveis ao voto dos sargentos, como queria Jango149.
Mas em pelo menos dois temas centrais do projeto de reformas do
governo Jango havia nítido apoio de parcela expressiva das classes médias
urbanas. Isso explica, ao menos em parte, o fato de que sua administração
tenha sido julgada, majoritariamente, como de “regular” para “boa” por
parcelas majoritárias das classes médias na mesma pesquisa do Ibope. A
intensa crise do ano de 1963, com aumento de inflação, grande onda
grevista, bombardeio diuturno da imprensa contra as reformas de base,
denúncias de que Jango pretendia fundar aqui uma “república sindicalista”
em aliança com Juan Domingo Perón, tudo isso afetou a avaliação do
governo, mas não a ponto de as classes médias julgarem-no inteiramente
mal.
Se isso é plausível tendo em vista o retrato parcial proporcionado pelas
pesquisas (repita-se, restritas quase sempre às capitais dos estados, vez por
outra incluindo o interior das unidades mais abastadas da federação), boa
parte das classes médias parecia não o querer no poder. Perguntadas se
votariam em João Goulart se ele pudesse se candidatar à presidência, em
apenas três de quinze cidades pesquisadas pelo Ibope em julho de 1963 o
presidente atingiu 45% ou mais das intenções de voto das classes A e B.
Nas demais cidades a proporção que votaria nele era igual ou inferior a um
terço, sendo que na maioria era inferior a um quarto. Note-se, pela tabela 5,
a clara dimensão de classe da aprovação do presidente, se considerarmos
que a intenção de votar nele era medida mais apropriada de
aprovação/desaprovação do que o mero julgamento de ser o governo
considerado bom ou mal. Na classe D, a mais pobre, com três exceções, ele
teria votos suficientes para vencer essa eleição fictícia. Em Belém e Belo
Horizonte ele foi mal avaliado por todas as classes, inclusive a mais pobre,
enquanto em Caxias do Sul a quebra na dimensão de classe da intenção de
voto decorre da grande proporção de pessoas da classe D que se disseram
indecisas. Nos demais casos, quanto mais pobre a classe, maior a proporção
dos que votariam em Jango se ele pudesse se candidatar, chegando a 71%
na classe D de Porto Alegre. João Goulart tinha clara aprovação dos mais
pobres, e forte rejeição das classes médias nos principais centros urbanos,
com exceção de Porto Alegre.
Tabela 5: Proporção que votaria em Goulart se ele pudesse se candidatar a presidente, em
cada estrato de renda das cidades pesquisadas em julho de 1963 (em %)

Classe
Cidade
A/B C D
Porto Alegre 49 63 71
Vitória da Conquista 46 71 63
Caxias do Sul 45 51 26
Curitiba 33 57 64
Salvador 30 40 56
São Paulo 28 33 41
Fortaleza 23 32 39
Guanabara 23 41 46
Belo Horizonte 22 28 31
Recife 22 35 57
Ribeirão Preto 19 42 44
Niterói 16 32 39
Belém 15 27 28
Uberaba 15 36 40
Juiz de Fora 11 35 50
Fonte: Arquivo Ibope “ibope_opp_pe_053_mr_0275” do AEL

Jango não conseguiria aprovar reforma alguma. O Congresso encontrava-


se prisioneiro de radicalizada polarização, da fragmentação dos recursos
de poder, da instabilidade das coalisões partidárias, de poderosas coalizões
de veto das forças cujos interesses seriam contrariados pelas reformas,
resultando no que Santos (2003) denominou “paralisia decisória”. Tendo o
Congresso e os interesses econômicos contra si, Jango foi às massas em
busca de apoio às reformas. Encontrou guarida num sindicalismo urbano
altamente mobilizado, tendo à frente o PCB e as alas radicais do PTB,
lideradas por Leonel Brizola; no sindicalismo rural que ele mesmo tornara
legal ao estender a CLT ao campo em 1963; nas ligas camponesas e sua
pregação revolucionária; no baixo oficialato militar, que se sentia
desprestigiado pelos superiores e com soldos corroídos pela inflação, além
de impedido de votar; no movimento estudantil, segmento mais importante
e visível das classes médias a apoiá-lo; na intelectualidade de esquerda ou
simplesmente democrática. Apoios que podem ter dado a ele e aliados a
impressão de que a sociedade estava pronta para resistir às forças contrárias
às reformas.
O apelo às massas, em lugar de romper a paralisia decisória do Congresso
ou mudar a dinâmica política em favor de Jango, jogou contra ele as forças
reacionárias da nação (tendo à frente os militares), que sempre o tinham
visto como o que ele, do ponto de vista delas, agora se revelava a céu
aberto: um “agente do comunismo internacional”. Era o que pensava a CIA,
que conspirara contra seu governo desde a conturbada posse em 1961. Era o
que pensavam os militares que deram o golpe no dia 1o de abril de 1964, em
grande medida respaldados pelos serviços de inteligência norte-americanos1
50. Era o que pensavam os segmentos das classes médias que organizaram as

“Marchas da Família com Deus pela Liberdade” (Simões, 1985), que


reuniram centenas de milhares de pessoas nas ruas de São Paulo e do Rio de
Janeiro e se espalharam pelo interior do país, tema, como mostram Ferreira
e Gomes (2014), ainda pouco estudado. Até mesmo a imprensa democrática
que apoiara Goulart durante toda a crise voltou-se contra ele depois do
grande comício de 13 de março na Central do Brasil151, embora não por seu
“comunismo”, mas por considerar que a instabilidade política chegara a um
ponto por ela percebido como irremediável, ou de não retorno.
O Comício da Central deu argumentos aos que viam em Jango e
apoiadores (muito particularmente Leonel Brizola) agentes “comunistas”.
Em pesquisa do Ibope de fevereiro de 1964 em São Paulo, 57% das classes
A/B (somadas no relatório da pesquisa) achavam que o comunismo vinha
aumentando no Brasil (valores semelhantes foram encontrados em 30 de
março na mesma cidade), embora 56% achassem que a maioria da esquerda
não era comunista152. Em maio de 1964, ainda em São Paulo, para 42% das
classes A/B Jango havia caído porque estava levando o Brasil para o
comunismo, opinião compartilhada por apenas 19% da classe D.
No palanque do Comício da Central, falando a duzentas mil pessoas e
tendo ao seu lado os ministros militares de Jango, Brizola pregou que o
presidente deveria abandonar a política de conciliação com os setores
“reacionários” e convocar uma assembleia constituinte “com a eleição de
um congresso popular, de que participem os trabalhadores, os camponeses,
os sargentos e oficiais nacionalistas, homens públicos autênticos, e do qual
sejam eliminadas as velhas raposas da política tradicional”. E
complementaria: “O nosso caminho é pacífico, mas saberemos responder à
violência com a violência”153. E Goulart concordaria com Brizola: “Essa
Constituição [de 1946] é antiquada, porque legaliza uma estrutura
socioeconômica já superada, injusta e desumana”154. Difícil imaginar que a
legalista cúpula militar presente no palanque endossasse essas falas.
Aqui também o clima de radicalização falou mais alto. A Mensagem ao
Congresso Nacional enviada dois dias depois do Comício foi tomada como
afronta pelos parlamentares e pela imprensa, pois pedia ao parlamento que
tomasse a frente na adoção da agenda completa das reformas de base, e
sugeria a delegação de poderes legislativos ao presidente, o que foi lido
como tentativa de instaurar uma ditadura. Mesmo a imprensa democrática
(em especial o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil) se posicionou
contra o presidente.
O Comício da Central deu aos adversários do governo Jango o motivo
para levar adiante a conspiração para depor o presidente. Não discursara ele
num comício organizado por “comunistas”? Não se pusera, segundo a
leitura de seus adversários, frontalmente contra a ordem legal do país, muito
particularmente a Constituição, que ele jurara defender ao tomar posse em
setembro de 1961 e novamente em janeiro de 1963? Como bem argumenta
Figueiredo (1993), a bandeira da legalidade garantira a posse de JK em
1955, a posse de Jango em 1961, ainda que num regime parlamentarista, e
novamente em 1963, com a derrota do parlamentarismo no plebiscito. As
parcelas golpistas dos militares (e sempre as houve) tinham, até ali, sido
dissuadidas diante dos apelos das parcelas legalistas das mesmas forças
armadas de que era preciso respeitar a Constituição. Ao se colocar, segundo
a interpretação oportunista dos que deram o golpe, contra a ordem
constitucional, Jango deu a eles o pretexto que aguardavam desde sua
posse. O arremate viria com dois outros episódios, percebidos pelos
militares como inaceitável quebra de hierarquia: a “revolta dos
marinheiros”, demandando aumento salarial e direito de voto, em 25 de
março, sucedida de anistia aos revoltosos pelo presidente no dia 28; e o
discurso de Jango no Automóvel Clube no dia 30, no qual ele falou a
sargentos na cerimônia de posse de sua Associação, rechaçada pelos
superiores, com isso afrontando, como Comandante em Chefe das Forças
Armadas, a hierarquia militar. No dia 31 de março o jornal Correio da‐
Manhã trouxe, em sua primeira página, em letras garrafais, a palavra
Basta!, convocando, em editorial na mesma página, a intervenção militar,
como já vinham fazendo os demais jornais fluminenses e paulistas desde o
Comício da Central (Abreu, 2006).
Nesse ponto não há como concordar com a tese guia do trabalho de
Ferreira e Gomes (2014), segundo a qual Jango poderia ter evitado o golpe.
É claro que “a história poderia ter sido outra”, como eles reiteradamente
afirmam. A contingência é constitutiva do devir histórico (cf. o trabalho
pioneiro de Figueiredo, 1993). Mas a narrativa que constroem em seu
importante livro não é convincente. Os militares que deram o golpe
conspiraram contra Jango muito antes de sua posse. Derrotados em suas
intenções diante de poderosas forças legalistas, esperaram para ver onde ele
chegaria, e encontraram na brecha da ilegalidade do Comício seguida de
quebra de hierarquia militar os pretextos sempre buscados. Os autores
mesmos deixam claro que, muito antes do Comício da Central, já estava nos
planos de Golbery do Couto e Silva, Castelo Branco, Costa e Silva, Ernesto
Geisel e outros, depor Jango em meados de abril de 1964. Na narrativa do
livro o golpe poderia ter sido evitado se Jango tivesse levado adiante o
conservador Plano Trienal elaborado por San Tiago Dantas e Celso Furtado;
se, tendo abandonado esse caminho, tivesse aceito o Programa Progressista
de San Tiago Dantas, cujo desenho das reformas de base era palatável ao
PSD, portanto mais modesto; se tivesse cedido aos militares que, em inícios
de 1963, sugeriram a ele decretar estado de sítio diante das investidas de
Carlos Lacerda, ao que ele respondeu pela manutenção da ordem
constitucional. Jango sabia que os militares visavam, além de Lacerda,
aliados do presidente, como Miguel Arraes e Leonel Brizola, ambos tidos
como perigosos comunistas. Ou seja, a história poderia ter sido outra se
Jango tivesse agido contra as forças que o haviam levado ao poder. Se
tivesse, enfim, traído seus aliados e a si mesmo. Ou se tivesse dado o golpe
com os militares de sua confiança. Ora, está claro no detalhado relato do
livro que Jango sabia das muitas dimensões da conspiração golpista que se
articulara desde o dia em que tomara posse. Assim como está claro que
esquerda e direita viam nos militares solução possível para o impasse que
foi seu governo. Isto é, tanto a esquerda radical (incluindo aqui Brizola)
quanto a direita radical o queriam fora do poder, e ele selou seu destino ao
escolher a fidelidade à sua trajetória, com isso dando pretexto à direita, por
se ter posicionado contra a Constituição e a tão valorizada hierarquia
militar. A narrativa de Ferreira e Gomes não dá devido peso ao elemento
trágico (no sentido grego) da situação de Jango naquela conjuntura, nem às
suas escolhas trágicas, como a de não resistir ao golpe quando ainda tinha à
mão seu “dispositivo militar”, para evitar, segundo avaliação do próprio
presidente, uma guerra civil.
41 As pesquisas do Ibope de que lanço mão foram utilizadas de forma sistemática, até onde tenho
conhecimento, apenas por Lavareda (1991), na ciência política, e por Owensby (1999) e Ferreira e
Gomes (2014), na historiografia.
42 O livro de Décio Saes é normalmente citado como tendo sido publicado em 1985. Essa é a data que

está no pé da página de créditos da edição. Contudo, a ficha catalográfica traz a data de 1984, por
isso a adoto nesta publicação.
43 Entre os muitos desdobramentos da mobilização tenentista encontra-se a Coluna Prestes, que

correu o vasto território nacional durante dois anos. Importante testemunha ocular e analista dos fatos
afirmou, talvez com certo exagero, que sem ela “o Brasil ainda seria uma colcha de retalhos, dividido
em domínios das oligarquias, submergido em uma servidão humana que não tinha sido possível
sacudir em nenhuma das revoltas periodicamente dominadas” (Silva, 2005:26-27).
44 A referência aqui, obviamente, é o Marx de O 18 de Brumário e sua análise dos camponeses como

uma classe incapaz de consciência de classe, portanto incapaz de construir projeto político próprio,
com o que eles precisavam ser representados por outros, no caso, Napoleão III.
45 “Façamos a revolução antes que o povo a faça”, teria dito o presidente de Minas Gerais Antônio

Carlos de Andrada, um dos líderes da Aliança Liberal que levou Vargas ao poder.
46 Os homens eram maioria entre os/as operários/as, com exceção das indústrias têxtil e do vestuário,

nas quais as mulheres compunham cerca de 60% dos/as ocupados/as. Para o cálculo das proporções
de classe, ver nota seguinte.
47 As proporções foram calculadas com base no Censo Demográfico de 1920, disponível na
Biblioteca virtual do IBGE (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv6478.pdf), acessado
em janeiro de 2019. Trata-se de valores aproximados. O censo distribui a população total por 48
“profissões”, mas numa delas lê-se “Profissão não declarada e sem profissão”. O item compreendia
68% da população recenseada do Brasil, o que permite supor que a maior parte desse contingente era,
na verdade, composta de pessoas fora da População Economicamente Ativa (PEA). Nesse total a
publicação distinguiu pessoas de 0 a 14 anos de idade, 15 a 20 e mais de 20 anos. No país como um
todo, a maior parte (60%) estava na primeira faixa etária (em São Paulo atingia 56%, 55% no Rio).
Ainda que o trabalho infantil ou adolescente fosse corrente nos anos 1920, ele era mais comum no
mundo agrário. O emprego urbano era escasso, e uma das principais ações do movimento operário de
então visava limitar ou proibir o trabalho de menores de 14 anos, justamente para reduzir a
competição no mercado de trabalho, além de preservar a vida dos próprios filhos (segundo o Censo
Industrial do mesmo ano, entre os operários jornaleiros, apenas 8,6% eram menores de 14 anos).
Ademais, mesmo que jovens de 14 anos trabalhassem, a maioria estava na faixa de 0 a 10 anos de
idade. Isso leva à suposição de que a maior parte dessas pessoas, na verdade, não trabalhava. É
bastante plausível sustentar, também, que a maioria das mulheres de 21 anos ou mais não trabalhasse.
Isso porque, na faixa de 0 a 14 anos, a razão entre homens e mulheres listados na categoria “Profissão
não declarada e sem profissão” era próxima à razão entre os sexos na população total, ao passo que,
na faixa de 21 anos ou mais, as mulheres eram 5,5 milhões, contra apenas 193 mil homens. Ou seja,
entre eles é maior a probabilidade de que a profissão não tenha sido declarada, enquanto entre elas é
mais provável que a maioria estivesse fora da PEA. Note-se que essa categoria (Profissão não
declarada e sem profissão) correspondia a 90% do total da população feminina (77% no Rio). Com
isso, as proporções apresentadas no texto são construídas somando-se o total das ocupações típicas de
classe média, mais os trabalhadores do comércio e finanças, divididos pelo total da população, da
qual se excluiu o grupo de pessoas 0 a 14 anos sem informação e as mulheres maiores de 21 anos
dessa categoria. Isso quer dizer que a participação das classes médias no total do emprego pode estar
levemente superestimada, mas o erro não deve superar os dois pontos percentuais. O comentário vale
para a proporção de operários.
48 Nem Boris Fausto (1986[1970]) nem Paulo Sergio Pinheiro (1978), que também mobilizam os

dados do Censo Demográfico, realizam a operação por mim sugerida, de modo que suas estimativas
(acatadas, por exemplo, por Saes, 1984:5, nota 4) subestimam fortemente a presença relativa das
classes médias no Brasil de então.
49 Sem citar Boris Fausto, Coelho (1976) também argumenta que o tenentismo foi um movimento

militar, devendo ser explicado exclusivamente a partir das injunções internas às forças armadas. Nun
(1970) é bastante persuasivo ao associar, sem hesitação, a sedição militar na América Latina à
insatisfação das classes médias.
50 A esse propósito, ver Forjaz (1977).

51 Na república oligárquica a proporção da população apta a votar variou muito pouco em torno de

5%, e o comparecimento às urnas não ultrapassou os 3% ao longo das décadas. Pará, Paraná e Rio
Grande do Sul foram os únicos estados em que os aptos a votar superaram os 7% da população em
1910, por exemplo. Os demais ficaram quase sempre abaixo de 4% (dados em IBGE, 1916:228). As
classes médias estavam entre os eleitores, mas seu voto não tinha validade, pois as eleições eram
invariavelmente fraudadas em favor do candidato ungido pela elite dominante. A frustração eleitoral
era um dos motivos do ressentimento das classes médias em relação às oligarquias agrárias. Ver
Nicolau (2002).
52 Ver também Jaguaribe (1969:173-74) e Sodré (2010[1965]:313 e ss.).
53 Em seu discurso de posse Vargas foi enfático na defesa da reforma agrária, elemento central do
projeto dos tenentes e também do Clube 3 de Outubro, mas ele nunca enfrentou o poderio dos
grandes proprietários de terra. Ver Gomes (1988) e Cardoso (2019).
54 Em 1929, antes portanto das eleições de 1930, Luís Carlos Prestes lançou um manifesto no qual

afirmava que não se mudaria o Brasil pelo voto, e que só a revolução socialista e a “ditadura
democrática do proletariado” poderiam salvar o país. Juarez Távora, até ali aliado e amigo fraterno
de Prestes, rompeu com o agora comunista, levando com ele boa parte dos tenentes que haviam
marchado na Coluna Prestes. O manifesto de Prestes e a resposta de Távora podem ser encontrados
em Silva (1972:417-426).
55 É obra dos militares a qualificação dessas quarteladas como levantes comunistas. Prestes

reconheceria, mais tarde e talvez retoricamente, que em 1935 ele era um tenente, não um marxista ou
comunista. E tanto a rebelião espontânea de Natal quanto a mais organizada de Recife foram sedições
típicas dos tenentes, com forte componente de insatisfação das camadas militares médias com suas
condições de vida e serviço. Ver Vianna (2007).
56 Trata-se do Decreto No 19.770, de 19 de março de 1931, disponível em http://www2.camara.leg.br/

legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19770-19-marco-1931-526722-publicacaooriginal-1-pe.html,
acessado em setembro de 2017.
57 “Art. 120. Os syndicatos e as associacções profissionaes serão reconhecidos de conformidade com

a lei. Paragrapho unico. A lei assegurará a pluralidade syndical e a completa autonomia dos
syndicatos,” Constituição Federal de 1934, disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/const
i/1930-1939/constituicao-1934-16-julho-1934-365196-publicacaooriginal-1-pl.html, acessada em
setembro de 2017.
58 Críticas à política partidária e à corrupção publicadas em órgãos de imprensa voltados para as

classes médias, bem como em clubes profissionais (como o de Engenharia do Rio de Janeiro),
sindicatos e associações de classe média, podem ser encontradas em Owensby (1999:151 e ss.).
59 Ver tb. Coelho (1999).

60 Ver, dentre outros, Weffort (1972b); Gomes (1988), French (1995); Werneck Vianna (1999[1976]);

e Santana (2001).
61 As pesquisas do Ibope estão disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, no link http

s://www.ael.ifch.unicamp.br/ael-digital?destination=node/55 (acessado em setembro de 2017). A


pesquisa em questão está no arquivo “ibope_opp_pe_007_mr_0255”:128, no link “Pesquisas
especiais”. Foram ouvidos 600 eleitores. O Instituto não informou como construiu as “Classes” nesta
e em parcelas das demais pesquisas comentadas aqui, mas como informado na Introdução a esta
publicação, a análise das muitas pesquisas de mercado do Ibope no período mostra que o critério
variava de acordo com o tipo de enquete realizada, e combinava renda da família e a profissão do
chefe. Mas não são oferecidos maiores detalhes. No caso da pesquisa sendo analisada, a “Classe rica”
perfazia 16% do total, a “Classe média” 37% e a “Classe pobre” 47%. O Instituto reconhecia que
havia “um pequeno exagero para a classe rica”. Na verdade, havia grande superestimação dessa
classe e da classe média, e enorme subestimação da “classe pobre”, como veremos. A primeira
utilização sistemática dos dados do Ibope no estudo da dinâmica política do período é Lavareda
(1991). Ver também Owensby (1999). Esses documentos são muito pouco usados na historiografia
sobre o período.
62 A pesquisa está no mesmo arquivo da anterior, p. 157.
63 A metodologia de construção de amostras do Ibope era, neste momento, muito frágil. O próprio
instituto reconheceu, em 1950, que as pesquisas, “embora errando bastante nas porcentagens, tem
logrado acertar nas colocações” dos candidatos. Ver “Comunicado estritamente confidencial sobre as
eleições”, no arquivo “ibope_opp_pe_009_mr_0256” do AEL, p. 227, grifo meu.
64 A primeira pesquisa mencionada inicia na página 194, e a segunda, na página 232 do arquivo

“ibope_opp_pe_009_mr_0256” do AEL.
65 Esses dados foram calculados a partir do censo industrial e do censo do comércio e dos serviços de

1950 (disponíveis da biblioteca virtual do IBGE), dividindo-se o total de salários pagos pelo total do
pessoal ocupado em cada categoria ocupacional, tal como declarados pelas empresas de cada setor.
Os censos trazem informação sobre salários pagos ao longo de todo o ano de 1949. No caso do censo
industrial há informação para os mesmos “Chefes de serviços e categorias superiores”, “Operários” e
“Outros empregados”, dos quais é possível separar o “Pessoal de escritório”, ou segmentos inferiores
das classes médias de renda, já referida no texto.
66 A pesquisa em questão está nas páginas 48 e ss. no arquivo de nome
“ibope_opp_pe_004_mr_0254”, no AEL. Ver também Cardoso (2019, Cap. IV).
67 Ver arquivo “ibope_opp_pe_011_mr_0257”:354, no AEL. Como afirmei na Introdução a este livro,

a necessidade de fazer prognósticos eleitorais mais acurados levou o Ibope a melhorar


constantemente sua metodologia de pesquisa de mercado. Em 1953 a classe A havia caído, nas
pesquisas no Rio e São Paulo, para 5,5% do total, a classe B para 45,4% e a C para 49,1% (esses
valores variavam de pesquisa para pesquisa). Em 1955 a configuração se consolidou em torno de 8%,
34% e 58% respectivamente, mais próxima da realidade do Brasil urbano de então. A metodologia só
voltaria a mudar em 1960, com a criação das “Categorias Socioeconômicas”, de desenho bem mais
sofisticado. Nas pesquisas de mercado, as famílias passaram a ser classificadas segundo a renda que
sobrava depois das despesas mensais com alimentação, habitação, transporte e remédios. A família
rica tinha sobras de 50% ou mais, a média variava de 20% a 50% (e era dividida em média superior,
intermediária e inferior, com intervalos de 10 pontos percentuais entre cada estrato), a pobre tinha
sobras entre 10% e 20%, e a pobre inferior menos de 10%. Isso quer dizer que os estratos de renda
variavam de lugar para lugar, de acordo com as pesquisas socioeconômicas feitas regularmente, que
mediam o padrão de consumo das famílias e orientavam o desenho das categorias socioeconômicas,
ou classes de renda que, por sua vez, eram utilizadas nas pesquisas eleitorais e de opinião. Essas
informações foram deduzidas a partir da análise detalhada de centenas de pesquisas nos arquivos do
Ibope encontráveis no Arquivo Edgard Leuenroth.
68 A pesquisa está nas páginas 111 e 112 do arquivo “ibope_opp_pe_013_mr_0285”, no link

“Pesquisas especiais” do AEL.


69 Coelho (1976:135) revela que as despesas do Ministério da Guerra como proporção da despesa

total do governo Vargas caíram de 15,1% em 1952 para 11,8% em 1954, ainda que em proporção do
PIB a queda tenha sido bem menor, de 2,6% para 2,3% entre 1953 e 1954 (idem:137).
70 Entre os líderes do movimento dos coronéis estava Golbery do Couto e Silva, que teria papel

central no golpe de 1964 e nos governos militares que se lhe seguiram.


71 O acervo do Correio da Manhã está disponível no site da Biblioteca Nacional, e o de O Globo na

página web do jornal.


72 A íntegra do Memorial de seis páginas pode ser encontrada em
http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?
bib=CorrespGV4&pasta=GV%20c%201954.02.20/5, arquivo Getúlio Vargas no CPDOC, acessado
em novembro de 2017. Os cariocas só conheceriam o conteúdo do explosivo documento no dia 24,
com Jango já fora do governo, quando o Correio da Manhã o publicou em sua primeira página sob a
manchete “Eis o memorial dos coronéis”. Deixando claro que o tema era caro à imprensa, a íntegra
do manifesto foi também publicada em O Estado de S. Paulo no dia 25 (o arquivo do Estadão
também está disponível na página web do jornal).
73 O Correio da Manhã de 4 de maio de 1954, em editorial na p. 4, trata o aumento como “paroxismo

demagógico” de “dois estancieiros”, Vargas e Jango, que teria como consequência a quebra de
empresas, desemprego e convulsão social. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=089842_06&pasta=ano%20195&pesq=. O jornal O Globo colocou na boca de outros a
manchete de primeira página do dia 3 de maio: “Preparando a catástrofe que o arrastará consigo”,
frase sobre Vargas atribuída ao deputado Raul Pilla. Nas outras três páginas de cobertura são ouvidas
apenas opiniões contrárias ao aumento. Ver http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=pa
gina&ordenacaoData=relevancia&allwords=sal%C3%A1rio+m%C3%ADnimo&anyword=&noword
=&exactword=&decadaSelecionada=1950&anoSelecionado=1954&mesSelecionado=5&diaSelecion
ado=3 (Ambas as páginas foram acessadas em novembro de 2017). A reação de O Estado de S.
Paulo está em Silva (2004:164). É bom sublinhar que, na imprensa em geral, Jango era tratado, nesse
momento, como um político radical, estreitamente ligado aos comunistas. Essa percepção teria
consequências no desenrolar da conjuntura anterior ao golpe de 1964.
74 A atribuição de autoria decorre, dentre outras coisas, da equivalência nas interpretações do golpe

contra Vargas em 1954 encontrável nesse texto e em Jaguaribe (1969). O golpe militar que levaria
Vargas ao suicídio teria sido perpetrado pela aliança entre a burguesia comercial, a burguesia
latifundiária e a pequena burguesia radical, “esta última, como sempre, inserida nas forças armadas”
(idem:179). Além disso, Jaguaribe usava “tática” e “estratégia” como chaves analíticas para
compreender a ação das classes sociais e dos governantes, termos empregados nos dois textos. Por
fim, um dos aspectos estruturais do que ele entendia por “inautenticidade” do governo Vargas era o
“estado cartorial”, conhecido conceito cunhado por ele e igualmente empregado nos dois textos. Ver
tb. Schwartzman (1981).
75 Detalhes da disputa entre Assis Chateaubriand e o que ele imaginava fosse um projeto de Vargas de

criar conglomerado midiático concorrente aos Diários Associados, que terminou por vitimar Vargas,
podem ser encontrados em Morais (1994:549-556).
76 A empresa Diários Associados contava, em 1954, com pelo menos 19 jornais, 11 emissoras de

rádio, a popularíssima revista O Cruzeiro e a TV Tupi, monopolista e que transmitia para Rio de
Janeiro e São Paulo. Dados em https://pt.wikipedia.org/wiki/Diários_Associados, acessado em
outubro de 2017.
77 Tentativa recente e detalhada de esclarecer o episódio, que levou ao fim do governo Vargas, é Neto

(2014, caps. 15 e 16). Mas a literatura sobre isso é imensa.


78 Nelson Werneck Sodré (2010[1965]) vê aqui a mão dos Estados Unidos, interessados em explorar

nossas riquezas minerais e energéticas, particularmente o petróleo.


79 Ver Sodré (2010[1965]) para os detalhes do golpe militar fracassado.

80 A referência aqui é o livro de Richard Morse (1988).

81 Ver Nicolau (2012:129). O gráfico, bem como o da p. 97 do mesmo livro de Jairo Nicolau, está

com as legendas invertidas, o correto é que a linha superior indica os inscritos e a inferior os que
compareceram para votar.
82 Ver Cardoso (2019), que revê e amplia o conceito de Santos (1979).

83 Reis Filho (2007:87) sustenta que os comunistas apoiaram “ostensivamente” a chapa de Juscelino

Kubitschek e João Goulart na eleição de 1955.


84 Nesse momento Juarez Távora já era general e Salgado havia abandonado o exército, por isso as
aspas.
85 A pesquisa em Porto Alegre é de agosto de 1955.

86 A exceção, na pesquisa em tela, foi Belo Horizonte, onde Juscelino, ex-governador do estado de

Minas Gerais, tinha mais da metade das intenções de voto em todas as classes de renda, e venceu
todos os outros candidatos por larga margem de votos. É provável que as cidades de Minas Gerais
tenham seguido o padrão de sua capital.
87 As classes proprietárias eram amplamente minoritárias no Brasil, e dificilmente figurariam nas

pesquisas de opinião. Nas enquetes em questão, na confecção das amostras o Ibope empregou uma
classificação com 5 categorias: A, B1, B2, B3 e C, sendo que os resultados foram apresentados para
o agregado da classe B. As pesquisas estão no arquivo “ibope_opp_pe_019_mr_0261” do AEL,
iniciando na p. 87.
88 Idem, ibidem.

89 A literatura sobre JK é, obviamente, imensa. Sugiro Benevides (1976), Gomes (1991), Lafer (2002)

e Cohen (2005) para abordagens iniciais sobre temas que discutirei aqui.
90 A pesquisa está no arquivo “ibope_opp_pe_022_mr_0264” do AEL, p. 7 e ss.

91 Idem:22.

92 Idem:535 para o Rio e 553 para São Paulo.

93 Idem:560.

94 Essas perguntas foram feitas também no Rio, mas as páginas respectivas não constam do relatório

do Ibope disponível no AEL.


95 Dados computados a partir da listagem das greves ao final da tese de Weffort.

96 Jornal O Globo, 03/09/1957, edição matutina, p. 2, disponível no acervo digital do jornal. Nessa

edição havia duas opiniões contrárias (do ex-presidente Dutra e de Rodrigo Otávio Filho) e duas
favoráveis (de Odilon Andrade, político mineiro, e do jurista Sobral Pinto). Em 05/07/1957 a
manchete da p. 2 da edição matutina do jornal era “Total condenação ao voto do analfabeto”.
97 Jornal O Globo, 03/11/1958, edição vespertina, p. 7.

98 O acervo do jornal está disponível na página da Biblioteca Nacional (http://memoria.bn.br/).

99 Arquivo “ibope_opp_pe_022_mr_0264” do AEL, p. 598 para os dados do Rio e p. 600 para São

Paulo.
100 A emenda Falcão, de No 15, não teve sucesso. Em 1961, Fernando Ferrari e outros deputados

propuseram a emenda constitucional No 27 sobre o mesmo tema, também derrotada no Congresso,


como o foi o Projeto de Emenda à Constituição No 3, do general presidente Castelo Branco, que
propunha o voto facultativo aos analfabetos. O direito só seria reconhecido por emenda
constitucional em 1985 (Nicolau, 2012).
101 Sobre a ideologia nacional-desenvolvimentista do ISEB, ver Bresser-Pereira (2010) e Côrtes

(2003).
102 Arquivo “ibope_opp_pe_025_mr_0265” do AEL, p. 3-7.

103 Sobre a Petrobras nesse projeto, consultar o clássico Cohn (1968).

104 Para perspectivas muito distintas sobre a construção de Brasília, ver Moreira (1998), Santos

(2002), Ribeiro (2008) e muito particularmente Holston (1989). Mais recentemente, Lynch (2017).
105 Arquivo “ibope_opp_pe_032_mr_0270” do AEL, p. 112. A pesquisa é representativa da

população do estado do Rio de Janeiro.


106 Estatísticas históricas básicas do país podem ser encontradas no IPEA, por exemplo em http://repo

sitorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3532/9/cc13_serieshistoricas.xls (acessado em maio de 2018). As


de PIB estão na primeira tabela da planilha Excel.
107 Esses dados estão bastante subestimados. Marcelo Badaró Mattos (2004) encontrou, apenas na

cidade do Rio de Janeiro, 112 greves no período de 1956-1960. O balanço das greves no período,
para todo o Brasil, ainda carece de pesquisa histórica rigorosa.
108 Dados sobre inflação em IPEADATA, citado na nota 106. Para detalhes sobre as greves mais

importantes, ver Ioris (2009) e Garcia (2016).


109 Os dados do Banco Mundial estão em http://microdata.worldbank.org/index.php/catalog/1790/dow

nload/28428 (acessado em maio de 2018). A base oferece 13 valores diferentes do Gini para aquele
ano, citando diferentes autores. O Banco considera o de Fields (1989) o mais aceitável.

110 O índice ou coeficiente de Gini é dado por , onde Y é a proporção


da renda acumulada apropriada, e X a proporção da população acumulada.
111 O jingle está disponível em vários canais do youtube. Como neste: https://www.youtube.com/watc

h?v=Jet9pi5AxyQ (acessado em setembro de 2017).


112 Arquivo “ibope_opp_pe_033_mr_0270” do AEL. A pesquisa em 17 cidades paulistas começa na

p. 156.
113 Arquivo “ibope_opp_pe_032_mr_0270” do AEL. A pesquisa em 10 estados começa na p. 228, e a

intenção de voto em Curitiba está na p. 357.


114 O dado sobre os inscritos está de IBGE (2003), primeira tabela do item “Representação Política”

do CD-ROM da publicação. O dado sobre votantes está em https://sites.google.com/site/atlaseleicoes


presidenciais/1960, acessado em outubro de 2017.
115 Conclusão semelhante pode ser encontrada em Lavareda (1991), pioneiro em chamar a atenção

para a estruturação das escolhas do eleitorado em linhas partidárias no período. O estudo de


Schwartzman (1970) foi criticado de forma competente por Souza (1990).
116 Cabe lembrar, contrastando, a lamentação de C. Wright Mills sobre a apatia da classe média dos

Estados Unidos dos anos 1950, discutida no capítulo I.


117 Arquivo “ibope_opp_pe_032_mr_0270” do AEL, p. 126. A pesquisa é representativa do Estado do

Rio de Janeiro.
118 Idem:197 e ss., sendo representativa do estado da Guanabara.

119 Ver Lavareda (1991:137) para a relação entre identificação partidária e voto em 1964 nas

principais capitais do país, segundo os estratos de renda.


120 Dados calculados a partir de http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/13037/dados_e

statisticos_vol5.pdf?sequence=5, p. 13, acessado em outubro de 2017.


121 Prefiro esta denominação à que se tornou majoritária na literatura mais recente sobre o regime de

1964, que o nomeia civil-militar, para chamar a atenção para a participação da elite oligárquica civil
no golpe e na condução do regime. De meu ponto de vista, como veremos no capítulo seguinte, o
golpe foi mais militar do que civil, e o regime foi se militarizando com o tempo, com os civis que
serviram o (e se serviram do) governo sendo inteiramente submetidos aos comandos militares.
122 Sobre o caráter moderno dos direitos sociais, ver Bobbio (1992:70-73).

123 O PTB registrou seu Plano de Ação Política no TSE em 1959, em preparação para a eleição de

1960. O direito de voto dos analfabetos “e a todas as classes sociais” figurou no topo da lista de 12
itens programáticos. Ver D’Araujo (1996:126-127).
124 Sobre o conceito de populismo no Brasil, ver os artigos de Angela de Castro Gomes, Jorge

Ferreira, Fernando Teixeira da Silva e Hélio da Costa, e particularmente o de Daniel Aarão Reis
Filho em Ferreira (2010). Weffort foi, de longe, o pensador mais importante sobre o tema, e seus
muitos artigos publicados a partir de meados dos anos 1960 gravaram fundo no debate sobre o
pré-1964 no Brasil a conexão teórica entre o nacionalismo como ideologia e o populismo como
prática política de massas. Os principais textos foram reunidos mais tarde em Weffort (1980). Ver
ainda Ianni (1971) e Saes (1984). Já o termo trabalhismo como categoria analítica das relações de
classe no Brasil foi proposto pela primeira vez por Fausto (1977), a propósito das relações entre
sindicatos e partidos no Rio de Janeiro no início do século XX, e ganhou densidade conceitual e
inteligibilidade histórica em Gomes (1988). A coletânea de Ferreira (2010) é uma defesa desse
legado. Volto a isso em seguida.
125 Sobre a imprensa no período, ver Abreu (2006).

126 Prefiro essa denominação à proposta por Daniel Aarão Reis Filho, “nacional-estatismo” (por

exemplo, em Reis Filho, 2014b). O desenvolvimentismo sempre foi “estatista”, no sentido de que viu
e vê no Estado agente central do desenvolvimento econômico e da redistribuição de renda.
127 O termo serviu para nomear a relação entre massas populares urbanas e líderes políticos em toda a

América Latina a partir dos anos 1930. Estrutura, por exemplo, o importante argumento de Collier e
Collier (1991), dentre muitos textos clássicos sobre a incorporação dos trabalhadores na dinâmica
política do continente.
128 Todos os cálculos a seguir, exceto quando indicado, foram feitos a partir das tabelas de população

encontráveis no CD-ROM de IBGE (2003).


129 Apliquei aqui a metade da taxa de crescimento do total de alfabetizados entre 1940 e 1950,

segundo o mesmo IBGE.


130 Usando dados do TSE, Limongi (2015b:380) oferece a cifra de 9,1 milhões de eleitores potenciais,

com os 7,4 milhões de inscritos compondo 80,9% daqueles. Mas o dado do TSE refere-se ao Censo
Demográfico de 1940, sem o ajuste que proponho aqui. Considero meus cálculos mais rentes aos
fatos.
131 Os cálculos foram feitos a partir do censo demográfico de 1960, https://biblioteca.ibge.gov.br/bibli

oteca-catalogo.html?id=768&view=detalhes:16 (acessado em maio de 2018), de onde extraí a


população adulta alfabetizada; do Repositório de Dados Eleitorais do TSE, de onde extraí os votos
dados aos três candidatos à presidência (Jânio Quadros, Henrique T. Lott e Adhemar de Barros); e do
Almanaque de Dados Eleitorais, produzido por Wanderley Guilherme dos Santos e armazenado pelo
Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON), do Iesp-Uerj, disponível em http://necon.iesp.uerj.b
r/index.php/almanaque-de-dados-eleitorais/ (acessado em maio de 2018), de onde extraí os dados
sobre abstenções.
132 Jairo Nicolau usa a população adulta no denominador de seus cálculos, o que tampouco é

adequado ao argumento desenvolvido aqui.


133 Ver Limongi (2015b:379). O autor cita as cifras de urbanização de Kinzo, 1980, mas elas estão

equivocadas. Pelo censo demográfico de 1940, eram 31% os brasileiros residentes nas cidades e não
15,1%, como aparece na p. 382 do artigo em tela.
134 Nicolau (2012:96) mostrou que a taxa de inscritos sobre a população adulta caiu 9 pontos

percentuais entre 1954 e 1958, em razão do recadastramento eleitoral realizado a partir de 1956.
Além disso, até 1955 não havia cédula oficial de votação. O eleitor levava consigo a cédula eleitoral
já preenchida e a colocava num envelope oficial, que era depositado na urna. O autor sustenta que as
eleições foram mais limpas na segunda década da República de 46 (p. 102-103), mas não oferece
evidências. Ver ainda Limongi (2015b).
135 Sobre o caráter demofóbico da legislação trabalhista legada por Vargas, em razão dos controles

autoritários sobre a organização sindical, ver Englander (2018).


136 Os bancários estiveram entre as categorias que mais fizeram greves na República de 1946, como
mostrou Saes (1984).
137 Santana (2001) mostra como os comunistas passaram a competir pelas direções dos sindicatos

oficiais a partir de 1952 e, mais intensamente, depois da Declaração de Março de 1958. Em Cardoso
(2016, cap. 3) chamo a atenção para a importância do fim do atestado de ideologia em 1952 para o
aumento da competição no campo sindical, fato pouco atentado pela literatura.
138 A literatura sobre o governo Jango é também imensa. Ver os clássicos Bandeira (2001[1978]),

Santos (2003), que retoma sua tese de doutorado e estudos dos anos 1960 e inícios da década de
1970, Dreyfus (1987) e Soares (1973). Este último foi reeditado em 2001com o nome de A
democracia interrompida, e teve todos os seus capítulos reescritos pelo autor, mantendo, porém, a
essência dos argumentos. Mais recentemente, merecem menção a biografia de Jango por Ferreira
(2011) e o importante estudo de Ferreira e Gomes (2014).
139 Em pesquisa Ibope de 1961 em São Paulo, 46% da classe A de renda e 53% da classe B

declararam ler a revista regularmente. Na classe C a proporção foi de 44%, e 19% na D. Arquivo
ibope_opp_pe_035_mr_0271.pdf no AEL.
140 Com exceção dos órgãos de imprensa mais conservadores (como o Estado de S.Paulo, os Diários

Associados, O Globo e outros), a imprensa “esperou para ver” onde Jango estava disposto a levar o
país. Isso vale para veículos importantes como o Jornal do Brasil, o muito lido e respeitado Correio
da Manhã e, em menor medida, Folha de S.Paulo e Última Hora. Ver Abreu (2006), Ferreira e
Gomes (2014).
141 Ver Ferreira e Gomes (2014:159).

142 Payne (1994:34) oferece números diferentes, 154 greves em 1962 e 302 em 1963, totalizando 457

greves apenas nesses dois anos. De todo modo, está clara a escalada do movimento grevista em 1963.
143 O mundo agrário se juntara às mobilizações grevistas de 1963, com destaque para Pernambuco

(Sigaud, 1979; Stein, 2008). Sobre as mobilizações das Ligas Camponesas, ver Bastos (1984).
144 A pesquisa está no arquivo “ibope_opp_pe_053_mr_0275” do AEL.

145 Constituição Federal de 1946, Cap. II, § 16, disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/co

nsti/1940-1949/constituicao-1946-18-julho-1946-365199-publicacaooriginal-1-pl.html (acessado em
outubro de 2017).
146 O dado é de 1967. Ver Silva (1978:41).

147 A pesquisa está no arquivo “ibope_opp_pe_053_mr_0275” do AEL.

148 Jornal O Globo, 17 jan 1964, edição matutina, p. 2.

149 As pesquisas estão no arquivo “ibope_opp_pe_061_mr_0277” do AEL.

150 A centralidade do IPÊS (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais), dirigido por Golbery do

Couto e Silva, e do Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) na desestabilização do governo,


ambos com influência direta da CIA, foi esmiuçada por Dreyfus (1987).
151 Caso do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil. Ver Abreu (2006).

152 Ver arquivo “ibope_opp_pe_061_mr_0277” do AEL.

153 A íntegra do discurso de Brizola pode ser encontrada em https://upassos.wordpress.com/2011/04/1

8/o-discurso-de-brizola-no-comcio-da-central-do-brasil-13-de-maro-de-1964/, acessado em outubro


de 2017.
154 O discurso de Jango pode ser encontrado em http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/discurso-d

e-jango-na-central-do-brasil-em-1964, dentre muitos outros sítios na internet. Acessado em outubro


de 2017.
CAPÍTULO 3

As classes médias encaram (e


enfrentam) a ditadura

Introdução
O Golpe militar-civil de 1964 respondeu às aspirações de amplo conjunto
de forças, incluindo a quase totalidade da imprensa (Abreu, 2006) e,
certamente, a maioria das classes médias, que não se sentiam representadas
no trabalhismo, visto por elas como cada vez mais radicalizado, ainda que
Jango tivesse apresentado a agenda das reformas, em seu longo discurso no
Comício da Central, como futuros projetos de leis e emendas
constitucionais a serem enviados ao Congresso Nacional155. E as classes
médias parecem ter apoiado inclusive a escalada autoritária do novo regime.
Assim, no início de maio de 1964, pouco mais de um mês após o golpe,
pesquisa do Ibope em São Paulo encontrou que 73% das classes A/B
(somadas no relatório disponível) achavam que a deposição do presidente
fora benéfica para o país. Uma vez mais deixando claro o viés de classe das
opiniões, as proporções foram de 55% na classe C e 31% na D. Além disso,
78% da mesma classe A/B achavam que a situação do país tendia a
melhorar, e 81% achavam que a prisão de sindicalistas ligados aos
comunistas tinha sido acertada. No fim de maio, na mesma capital paulista,
nada menos do que 69% das classes A/B, 57% da classe C e 42% da classe
D se declararam favoráveis “à supressão de direitos políticos em geral”,
embora apenas 37% das classes A/B fossem favoráveis à cassação dos
direitos de JK (30% não tinham opinião), sendo que as outras classes de
renda eram majoritariamente contrárias. Mais ainda, 64% das classes A/B
consideraram que a maior parte das cassações até ali (última semana de
maio de 1964) tinha sido justa, contra 50% e 38% dos outros dois
estratos156. Claramente, ainda que as demais classes de renda também
apoiassem algumas dimensões do golpe de estado, segmentos majoritários
das classes médias estavam indiscutivelmente na vanguarda da defesa dos
expurgos e medidas autoritárias adotadas contra a ordem anterior, ao menos
em São Paulo e na Guanabara, locais mais frequentemente pesquisados pelo
Ibope.
De fato, é provável que o apoio fosse menor no Rio Grande do Sul, reduto
sólido do projeto varguista (Love, 1971), e nos estados do Nordeste nos
quais Jango tivera ampla votação em 1961. Medida aproximada do último
ponto é a baixa penetração de Carlos Lacerda no Nordeste, ele que era o
principal governador a pregar, diuturnamente, o golpe militar. Em 26 março
de 1964, portanto às portas do golpe, ele tinha 17% das intenções de voto
para presidente (eleição prevista para 1965) em Recife e Salvador e 16%
em Fortaleza, contra 33% no Rio de Janeiro (Lavareda, 1991:154). E a
preferência tinha nítido perfil de classe. Em maio de 1965, a intenção de
voto em Lacerda foi de 37% na classe A/B no estado de Pernambuco,
contra 29% na classe C e 17% na D. No Rio Grande do Norte, 32%, 19% e
18%. Na Guanabara, onde as classes médias eram mais claramente
lacerdistas, em setembro de 1965 (portanto às portas da prevista eleição de
outubro), 53% da classe A/B e 42% da classe C, contra apenas 28% da
classe D, pretendiam votar em Lacerda para presidente. Em São Paulo, no
mesmo mês, a preferência de classe também era clara, embora as intenções
fossem bem menores (24% 20% e 10% respectivamente). Os paulistas de
todas as classes de renda preferiam Carvalho Pinto157.
Embora apoiassem, em proporção elevada, os expurgos, cassações de
mandatos parlamentares nos três níveis de governo e também de membros
dos executivos estaduais, além de direitos políticos de personalidades da
vida pública sempre que considerados “comunistas”, título genérico para as
esquerdas em geral, as classes médias não tardariam a se decepcionar com o
governo militar-civil. Em abril de 1966, dois anos após o golpe, cerca de
70% dos paulistanos (de todas as classes) se diziam pouco ou nada
satisfeitos com a administração Castelo Branco158. Em Curitiba as
proporções segundo as classes eram de 66%, 61% e 53%, semelhantes às
encontradas em Santos159. A explicação não parecia estar apenas no
progressivo endurecimento do regime (que, por meio do Ato Institucional
No 2, de outubro de 1965, extinguira os partidos então existentes, criara o
sistema bipartidário, adiara as eleições presidenciais e decretara que o
presidente seria eleito pelo Congresso e não pelo voto direto160), mas
também em seu desempenho na economia. Ao menos no estado da
Guanabara, em outubro de 1966, 70% dos entrevistados de todas as classes
consideravam o aumento do custo da alimentação como o principal
problema do país161. Uma vez mais o fantasma da inflação, que corroía o
poder de compra dos salários e rebaixava o padrão de vida de todos,
comandava o julgamento do desempenho dos governos.
Isso não queria dizer que as classes médias nutrissem qualquer nostalgia
em relação ao governo Jango. Em abril de 1966 o Ibope entrevistou 1.400
eleitores no estado de São Paulo, e perguntou qual dos dois últimos
presidentes o eleitor considerava melhor, Castelo Branco ou João Goulart.
Castelo teve 60% das preferências da classe A/B, contra 43% da classe C e
34% da classe D. Jango teve 19%, 31% e 35% respectivamente162. Em
quatro cidades de Pernambuco pesquisadas em julho e agosto do mesmo
ano, as proporções a favor de Castelo Branco foram de 76%, 58% e 52%
respectivamente163. Vê-se, novamente, clara estruturação das preferências
do eleitorado pelas classes de renda em São Paulo, e talvez um pouco
menos em Pernambuco164.
Se a proporção majoritária das classes médias parecia apoiar o regime,
mesmo com a progressiva destruição das prerrogativas democráticas, e
ainda que desaprovasse o governo Castelo Branco por seu desempenho na
economia, parcelas daquelas classes que não apoiavam o golpe se
mostraram dispostas a resistir, se necessário com as armas. O foco
prioritário de repressão da ditadura, em seus inícios, foram os sindicatos
urbanos e rurais, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), nas mãos dos
comunistas, as ligas camponesas, as lideranças comunistas em geral, o PTB
e os políticos de um modo ou de outro taxados de “comunistas”, quase
todos agrupados na Frente de Mobilização Popular que organizara o
Comício da Central. A eficiência e rapidez da ação repressora mostrou que
os dispersos serviços de inteligência das Forças Armadas vinham
monitorando há tempos as redes “comunistas”, a maior parte delas
desmantelada nos primeiros dias do golpe. Entre os alvos prioritários da
repressão estava o movimento estudantil de classe média e os partidos e
movimentos cujos membros eram majoritariamente dessas classes.

Estudantes em marcha
O movimento estudantil, interlocutor privilegiado de Jango quando este
abraçou de forma mais decidida as reformas de base, foi proscrito em 1964,
tendo sido a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) incendiada no
dia 1o de abril por partidários de Carlos Lacerda (Sanfelice, 2008). Mas a
UNE continuou atuando na (quase sempre ruidosa) clandestinidade até seu
desbaratamento em 1968, no XXX Congresso “clandestino” de Ibiúna165.
Vale a pena olhar um pouco mais de perto a atuação da UNE e do
movimento estudantil, pois os universitários eram, em sua maioria, filhos
das classes médias, e a dura repressão por eles sofrida contribuiu para voltar
parte dessas classes contra a ditadura.
Antes de prosseguir, cabe rápida discussão sobre o caráter de classe dos
estudantes universitários do período. Em seu clássico de 1965, relatando
pesquisa de campo com estudantes da USP realizada em 1963, Marialice
Foracchi não tem dúvidas em situar o estudantado na “pequena burguesia
urbana”. Eles seriam predominantemente filhos da “nova classe média
assalariada” em busca de ascensão social, e sua identidade seria dada,
sobretudo, por seu projeto de carreira, que era deles e também de seus pais.
Para Foracchi a pequena burguesia vivia uma situação ambígua de classe.
Se sua condição assalariada “a vincula, positivamente, às camadas
populares, fazendo-a, não raro, compartilhar das suas reivindicações”, essa
mesma condição “vincula-a, em termos de dependência e subordinação, à
experiência acumulada e visão histórica das camadas dominantes,
incapacitando-a para qualquer efetiva tomada de posição que exija ruptura
desses vínculos”. Contudo, para a autora, é nessas mesmas condições que
repousam os “requisitos essenciais para que, no comportamento de rebelião
que a singulariza como classe, esteja incubado o germe de uma atuação
radical que se polarizará em algum dos extremos que delimitam a opção
política na sociedade brasileira do presente” (Foracchi, 1965:222). É isso
que explicaria a “singular radicalização do comportamento político da
pequena-burguesia brasileira” (idem:222-223), tanto à direita quanto à
esquerda.
A radicalidade do movimento estudantil seria, então, decorrência direta de
sua extração de classe: o comportamento político do estudante seria o
produto revolucionário da frustração das aspirações da classe média,
acrescida, em alguns casos mais radicais, da ilusão de que, como
estudantes, estariam, tal como os intelectuais, descolados das determinações
de classe (idem:290-291). Para Foracchi, pois, os estudantes não fariam
mais do que responder a automatismos estruturais, e suas escolhas e sua
ação estariam determinadas de antemão por sua condição pequeno-
burguesa.
Outro importante estudioso do movimento estudantil que também atribui
os universitários à classe média no período é João Roberto Martins Filho
(1987). Na mesma chave de Foracchi, e lançando mão do hoje clássico
estudo de Cunha (1983), sustenta que a enorme expansão do número de
matrículas nas universidades, que saltaram de pouco mais de 27 mil em
1945 para mais de 140 mil em 1964, com crescimento anual de 12,5%,
deveu-se à entrada massiva dos filhos (e filhas em menor proporção) das
novas classes médias lotadas nas burocracias do capitalismo urbano em
crescimento e dos serviços públicos igualmente em expansão. O autor não
compartilha com Foracchi a ideia dos determinantes estruturais sendo
traduzidos em ação necessária de classe, estando mais próximo da
concepção de Décio Saes (1984), para quem a classe média pode, em
conjunturas específicas, agir em aliança com um ou outro polo do que ele
qualifica como “conflito principal” do capitalismo, aquele que opõe
burguesia e proletariado. Mas não tem dúvidas de que os universitários
eram membros das novas classes médias urbanas.
Contraponto a esse argumento, mais propriamente conceitual do que
analítico, pode ser encontrado em Ridenti (2010). Analisando outro estudo
de Foracchi (1982), que encontrou 59% de estudantes da USP trabalhando
em 1963, enquanto 33% frequentavam o turno da noite, o autor argumenta
que esses dados
põem em questão a tese de Foracchi sobre a origem estudantil de classe média, pois a efetiva
classe média tem condições de manter os filhos com dedicação exclusiva à universidade. Parece
que Foracchi sinonimiza classe média a estratos médios, quando talvez fosse mais correto ver nos
“estratos médios”, de onde vem a maioria dos universitários, diversos componentes de classe,
inclusive o de uma efetiva classe média [Ridenti, 2010:143-144]166.

Marcelo Ridenti, parece claro, distingue a “efetiva classe média” dos


“estratos médios”, a primeira sendo definida por funções “como as de
controle e de organização da produção em nome do capital”, enquanto o
segundo grupo seria “potencialmente constituinte da classe dos
trabalhadores assalariados” (idem:144). Ou seja, o autor adota visão mais
restrita de classe média, aquela que a identifica com seu estrato superior ou
mesmo, no caso dos agentes do capital, com as classes superiores urbanas
na definição adotada neste livro, abordagem, de resto, típica dos estudos
sobre classes médias no Brasil (ver Cardoso e Préteceille, 2017). Isso,
porém, não impede que o autor afirme, corroborando Foracchi e Martins
Filho, que “[o] que realmente parece ter mobilizado as massas estudantis,
nos anos 1960, foi a frustração das perspectivas criadas durante os governos
populistas, isto é, o aparente bloqueio de suas perspectivas de ascensão
social, mas também de manifestação cultural e política” (idem:142).
A menção à manifestação cultural e política é importante, e já estava
presente de forma alusiva em Foracchi, ao lado do “projeto de carreira”
como elemento identitário primordial das classes médias. Seja como for, a
objeção conceitual de Ridenti põe em relevo o argumento implícito em
Foracchi segundo o qual o sonho de mobilidade social pelo ensino superior
era acalentado não tanto pelos filhos das classes médias superiores, mas
principalmente pelas novas classes médias assalariadas, cujo montante
crescia com a urbanização e o temporalmente concentrado processo de
industrialização do país. Como mostrou Foracchi (1982:53), 76% dos
estudantes da USP por ela entrevistados eram a primeira geração de
universitários de suas famílias. A universidade era, pois, novíssima
experiência de classe para a maioria dos estudantes no período em apreço, o
que torna plausível incluir as frustradas expectativas e ansiedades com ela
relacionadas entre os elementos explicativos do radicalismo estudantil.
Assim, julgo adequado sustentar que o mundo universitário era composto,
primordialmente, por filhos das classes médias. Pois foi uma parcela não
desprezível destes filhos (e filhas em menor proporção) que se bateu contra
a ditadura.
A UNE nasceu pouco antes do golpe militar que instaurou o Estado Novo
em 1937, no âmbito da primeira assembleia do recém-criado Conselho
Nacional dos Estudantes, órgão do Ministério da Educação. Na segunda
assembleia do Conselho, realizada em 1938, formalizou-se como entidade
independente, com estatuto próprio e um conjunto de reivindicações que
incluíam autonomia universitária, eleições livres de reitores e diretores
universitários por docentes e discentes, “liberdades de pensamento, de
cátedra, de imprensa, de crítica e de tribuna” (Fávero, 1995:19; v. tb.
Müller, 2016:193), dentre outras medidas de democratização da vida
universitária, todas de difícil exercício sob a severa ditadura varguista, mas
que continuariam como elementos centrais da pauta do movimento nos anos
por vir. Em 1942 um decreto de Vargas a reconheceu como entidade
representativa dos estudantes universitários, e a UNE realizaria seus
congressos anuais de forma regular, inclusive durante a guerra. E com
exceção de breve período em que foi tomada por grupos estudantis de
direita sob patrocínio, ao que parece, do Departamento de Estado norte-
americano (Poerner, 1995:170), foi quase sempre dirigida por estudantes de
esquerda. Em 1956 setores de esquerda da Juventude Universitária Católica
(JUC), associados a socialistas e comunistas, ganharam as eleições
nacionais para não mais deixarem o comando da entidade, a partir de 1963
já na pele da Ação Popular (AP)167.
A UNE teve presença destacada na conjuntura que precedeu o golpe de
1964. A agenda da reforma universitária, em pauta desde sua fundação, foi
o principal tema a mobilizar o movimento estudantil, mas em 1961, após a
renúncia de Jânio Quadros, e diante da tentativa de golpe contra Jango, a
entidade decretou greve geral dos estudantes e deslocou sua sede do Rio de
Janeiro para Porto Alegre, associando-se à Campanha da Legalidade de
Brizola (Poerner, 1995:176; Costa, 2011:58-80), com isso compartilhando
os louros pela vitoriosa campanha e colocando-se na linha de frente da cena
política do país.
Nesse mesmo ano, tramitava no Senado, em fase final de votação, o
projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que fora enviado ao
Congresso em 1948, ainda no governo Dutra. Decidida a influir no
conteúdo do projeto, a UNE organizou em Salvador, em maio, o 1o
Seminário Nacional da Reforma Universitária. Ali os temas da
democratização do ensino e da garantia da escola pública e gratuita em
todos os níveis ganhou centralidade. Mas houve muito mais. A Declaração
da Bahia, documento resultante do encontro, é um extenso libelo (46
páginas) pregando autonomia universitária, fim da cátedra vitalícia,
abertura da universidade “ao povo” por meio da criação de cursos
acessíveis a todos, incluindo alfabetização de adultos, cursos para “mestres
de obras” e para lideranças sindicais, além da prestação de serviços
advocatícios, médicos e odontológicos gratuitos para a população, dentre
outros temas. Definia diretrizes sobre a administração universitária, carreira
docente, participação dos estudantes nos órgãos colegiados, ampliação do
número de vagas nas escolas públicas etc.168 A Declaração, ademais,
colocava o movimento estudantil na vanguarda da revolução brasileira,
pensada como a
mudança de uma estrutura sociopolítica ultrapassada e injusta para outra que seja um passo a
mais no sentido da eliminação da injustiça, das explorações, das competições.
Aos jovens brasileiros, principalmente a partir da Universidade, cabe iniciar essa grande tarefa.
[…] Tomar consciência da realidade brasileira a partir de uma atuação política concreta ao lado
dos operários e dos camponeses por uma revolução brasileira [Declaração da Bahia, em Fávero,
1995, Apêndice I:XVI].

O seminário sobre a reforma universitária foi, assim, plataforma na qual a


UNE firmou suas posições sobre a realidade brasileira e a necessidade de
transformá-la, em aliança com as forças populares.
Para surpresa dos estudantes, o presidente João Goulart e o primeiro
ministro Tancredo Neves promulgaram a LDB em dezembro de 1961, sem
tomar em conta as resoluções da Declaração da Bahia em defesa da escola
pública, tendo inclusive se recusado a conceder audiência à direção da
UNE, que lutara pelo direito constitucional de Jango ocupar a presidência
(Cunha, 1983:227). De qualquer modo, a LDB previa que as faculdades e
universidades encaminhariam ao Conselho Federal de Educação (CFE), até
27 de junho de 1962, seus novos estatutos, adequados às novas diretrizes,
dentre elas a obrigatoriedade de representação estudantil nos órgãos
colegiados, com direito a voto. A lei não estabelecia o percentual dessa
representação, e a UNE demandava um terço para os estudantes, outro terço
para os professores recém-contratados e o restante para os professores
antigos. A entidade definiu o dia 1o de junho como data limite para a adoção
da diretriz legal (Poerner, 1995:182; Mattos, 2013:370), mas como as
universidades não enviaram os novos estatutos ao CFE, convocou uma
greve nacional. Naquele dia os estudantes pararam na maioria das 40
faculdades e universidades do país, mantendo-se em greve até meados de
agosto169.
A literatura sobre o tema salienta que a greve, se malsucedida, já que não
conseguiu o que foi demandado exceto em faculdades isoladas, serviu para
chamar a atenção do país para a crise da universidade brasileira, que não se
restringia ao problema da representação estudantil em suas estruturas
decisórias. A universidade que os estudantes queriam democratizar seria
elitista, já que apenas uma minoria dos brasileiros conseguia prestar o
vestibular, e nem todos os que passavam por esse filtro rigoroso
conseguiam uma vaga170; autoritária, pois os sistemas decisórios eram
autocráticos e não participativos; desconectada de seu tempo, oferecendo
conhecimento alheio às exigências dos mercados de trabalho e ao objetivo
de emancipação do país; e, para os mais à esquerda, alienada, pois não tinha
no horizonte a solução dos problemas do povo. Para os estudantes mais
radicalizados das classes médias, a universidade não era, nem de longe, o
ambiente sonhado por seus pais, e oferecia enormes barreiras aos projetos
de emancipação popular esposados por boa parte das correntes do
movimento estudantil.
Não se deve menosprezar o impacto da Declaração da Bahia e dos outros
documentos que se lhe seguiram, resultantes do 2o e do 3o seminários sobre
a reforma universitária ocorridos em Curitiba e Belo Horizonte,
respectivamente em 1962 e 1963. Cunha (1983:247) por exemplo, informa
que a Declaração (que ele nomeia Carta da Bahia) foi publicada na
“prestigiada Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos”. Sugere ainda que
os reitores das universidades brasileiras realizaram um seminário sobre a
reforma seis meses depois do feito pelos estudantes, “muito provavelmente
induzidos pela ampla divulgação da Carta da Bahia”.
A força do movimento estudantil deve ser creditada, dentre outras coisas,
ao modo como se estruturou em todo o país. Nos congressos anuais da
UNE, assim como nessas discussões sobre a reforma universitária,
participavam delegados dos Centros Acadêmicos, representantes de
faculdades; dos Diretórios Centrais de Estudantes (DCE), que falavam em
nome das universidades, quando era o caso; e das Uniões Estaduais de
Estudantes (UEE), que na Guanabara tinha o nome de União Metropolitana
dos Estudantes (UME), já que a UEE representava os estudantes do estado
do Rio de Janeiro. Essa estrutura capilarizada fazia com que os documentos
resultantes das reuniões de cúpula chegassem às faculdades de todo o país,
alimentando discussões, engajamentos e dissensos locais171.
Além disso, depois do 2o seminário realizado em Curitiba, por meio da
UNE-Volante, a UNE levou às bases a Carta do Paraná, documento
doutrinário nas trilhas da Declaração da Bahia e que também colocava a
reforma universitária no centro da pauta estudantil, além de radicalizar um
pouco mais as posições em favor da aliança estudantil-operária-camponesa
em prol da revolução. A UNE-Volante era composta pela direção da
entidade e pelo Centro Popular de Cultura (CPC), e realizou caravanas por
todo o Brasil. A se crer nos documentos da organização, foram realizadas
mais de 200 assembleias em quase todos os estados da federação, e mais de
50 mil estudantes assistiram às apresentações das peças de teatro do CPC
(Martins Filho, 1987:56), sempre de cunho político, seguidas de debates
sobre os problemas nacionais, incluindo os da universidade. Um autêntico
“trabalho de base”, que deu caldo à construção de sólida solidariedade e
espírito de corpo. Isso ajuda a explicar a grande capacidade de mobilização
da UNE em âmbito nacional, ainda que houvesse fortes divergências entre
as várias instâncias de base em razão das muitas e conflitivas filiações e
afinidades políticas de seus militantes.
É claro que a UNE e suas estruturas inferiores não eram um monólito
ideológico. Como mostra Mattos (2013:377 e ss.), com grande riqueza de‐
detalhes, grupamentos como a anticomunista Frente da Juventude
Democrática e o Movimento Anticomunista (MAC), ambos financiados
pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS)172, disputavam de
forma renhida o poder nas instâncias estudantis. No XXV Congresso da
UNE, ocorrido em 1962 no Quitandinha, em Petrópolis, foi eleito Vinícius
Caldeira Brant, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes e
oriundo da JUC, mas por apertada margem de votos (Martins Filho,
1987:48, nota 35), o que mostrava que a hegemonia da esquerda não estava
firmada. Ademais, os documentos e declarações produzidos durante e ao
fim do Congresso, tidos por muitos como “subversivos”, levaram à
desfiliação de inúmeros centros acadêmicos tanto das UEEs quanto da
UNE, por todo o país, alguns deles em faculdades de grande peso nacional.
Foi o caso dos centros acadêmicos das faculdades nacionais de Medicina,
de Engenharia e de Odontologia, na Guanabara, de CAs de várias
faculdades da PUC-Rio, da Escola Superior de Agricultura e de boa parte
dos CAs do Mackenzie em São Paulo. As esquerdas perderam as eleições
na União Metropolitana dos Estudantes (da Guanabara) em 1962, perda
com importante simbolismo, já que a conquista da UME em 1955 servira de
trampolim para a ascensão da JUC ao poder na UNE em 1956. Perderam
também em Pernambuco naquele mesmo ano para uma chapa financiada
pelo IPÊS (uma vez mais segundo Dreifuss, 1981:286) e no Paraná em
1963, seguida das perdas das UEEs de Minas Gerais e do Rio Grande do
Sul. Ou seja, a greve por um terço foi o auge da capacidade de mobilização
da UNE, mas a radicalização à esquerda da cúpula da entidade explicitou
agudas divergências internas, sobretudo o radicalismo anticomunista.
Exemplo disso foi o ataque do Movimento Anticomunista (MAC) à UNE
em janeiro de 1962. A sede da entidade foi metralhada e a parede da frente
pichada com os dizeres “Casa dos lacaios de Moscou”, tendo MAC por
assinatura173. Eram tempos de polarização no Brasil, como vimos, e o
movimento estudantil de classe média não ficou imune.
Em 1963, em meio ao relativo enfraquecimento da hegemonia das
esquerdas nas instâncias inferiores do movimento, e à efervescência que
desembocaria no golpe militar-civil, a liderança estudantil perfilou-se com
as forças populares que tentaram empurrar Jango para a radicalização. No
Congresso da UNE daquele ano, que elegeu presidente o militante da AP
José Serra com espantosos 92,5% dos votos, a entidade deu mais um passo
na direção da ação política mais ampla. Naquele momento a AP entendia
que “o movimento [estudantil] deveria se engajar diretamente nas lutas de
todo o povo, das quais a reforma universitária seria mais uma consequência
do que um fator de impulso” (Cunha, 1983:246). Sanfelice (2008)
transcreve em detalhes os documentos do congresso da UNE de 1963, em
que a solução da crise universitária é subsumida à revolução socialista, na
qual os estudantes se aliariam ao proletariado e ao campesinato como força
subalterna, mas ativa174.
E, de fato, a UNE participaria ativamente da fundação da Frente de
Mobilização Popular, levaria seu Centro Popular de Cultura ao campo, às
favelas e ao interior do Brasil, atuaria nas greves que incendiaram o ano de
1963. Além disso, os estudantes “participavam em massa das campanhas
sanitárias no campo, promovidas pelo Departamento Nacional de Endemias
Rurais do Ministério da Saúde” (Dreifuss, 1981:285)… Em suma, e como
afirma Martins Filho (1987:61-63),
Com novos lemas e outros objetivos, a UNE da Ação Popular abandonou as batalhas pela
reforma universitária e engajou-se integralmente nas lutas da frente anti-imperialista popular,
passando a figurar como parceira obrigatória do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em
todas as manifestações e movimentos reivindicatórios do período. […] Nos meios direitistas, a
UNE passou a ser encarada como perigosa “Célula Vermelha”.

No Comício da Central, do qual a UNE figurou entre as entidades


organizadoras, José Serra também defendeu as reformas de base e as
mudanças na constituição exigidas por Brizola e acatadas em parte por
Jango. E a UNE pregava abertamente a aliança estudantil-operária-
camponesa que faria a revolução socialista no Brasil, o real objetivo,
segundo sua liderança máxima, a ser alcançado pelas mobilizações que,
contra suas expectativas, desaguariam no golpe de 1o de abril de 1964.
Para os militares e para boa parte das forças golpistas nas mais diversas
frentes, do IPÊS aos meios de comunicação e à imprensa, das classes
médias que foram às ruas nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade
às organizações estudantis anticomunistas, dos reitores universitários de
velha estirpe aos catedráticos visados pelo projeto de reforma universitária
da UNE, e também para a massa não claramente discernível dos brasileiros
que, silenciosamente, apoiaram o golpe, a UNE era mesmo uma “célula
vermelha”, e o movimento estudantil, um celeiro de comunistas. A paranoia
anticomunista que alimentou o golpe de 1964 incluía a UNE, e com o
golpe, como afirmou Poerner (1995:204), os estudantes “passaram,
automaticamente, à condição de elementos de alta periculosidade para a
segurança nacional […]. Ser estudante equivalia a ser ‘subversivo’”. É
exemplar, nesse sentido, a tira humorística de Henfil reproduzida em Dirceu
e Palmeira (1998:44.). Uma criança brinca com seu carrinho no quintal de
casa e sua mãe grita “Bebeto, vem estudar!!”. O garoto se aterroriza, coloca
o dedo na boca pedindo PSSS!, mas é tarde. Dezenas de policiais aparecem
do nada com seus enormes cassetetes para reprimir o garoto.
A paranoia anticomunista ajuda a compreender a violência empregada
pelo golpe contra a Universidade de Brasília, por exemplo, ocupada por 400
soldados da polícia militar de Minas Gerais no dia 9 de abril de 1964,
resultando na prisão de dezenas de estudantes e professores (Oscar
Niemeyer encabeçava a lista, mas não estava no campus), quando o
Inquérito Policial Militar posterior, de maio do mesmo ano, concluiu que
não havia irregularidades na UnB (Poerner, 1995:209). E esse é apenas um
exemplo. A repressão se abateu sobre a universidade em todo o país, de
forma intensa e concentrada em espaço muito curto de tempo. Comissões
Especiais de Investigação Sumária (CEIS), compostas por reitores,
professores e funcionários foram instaladas em todas as universidades para
identificar e expulsar os “subversivos” (Moreira Alves, 1984:56175).
Inquéritos Policiais Militares investigaram JUC, UNE, AP e PCB. “Apenas
no IPM da UNE foram indiciadas 750 pessoas” (Martins Filho, 1987:83).
Segundo avaliação da UNE, 3.000 estudantes teriam sido presos, expulsos
ou expatriados entre março de 1964 e dezembro de 1965176, número, vale
notar, quatro vezes superior ao montante de delegados ao XXVI Congresso
da UNE, ocorrido em 1963. E aquele número aumentaria bastante nos anos
seguintes.
Os militares, não há dúvidas, temiam o radicalismo dos filhos das classes
médias. Ainda em 1964, foram inúmeros os pronunciamentos do general
Humberto Castelo Branco e de seu ministro da educação e cultura, Flávio
Suplicy de Lacerda, sobre o “problema da universidade”, e esse problema
era, em essência, o fato de ela se ter tornado, na visão dos golpistas, uma
das pontas de lança da sedição comunista no Brasil. Disse Castelo Branco
no V Fórum Universitário ocorrido em outubro de 1964177:
Natural […] que a mocidade estudantil, com os transbordamentos e os entusiasmos tão próprios
da juventude, se sinta chamada para participar e influir nos rumos do país. Por isso mesmo o
dever dos que têm a seu cargo orientá-la não deverá ser o de tentar sopitar-lhe os anseios, e sim
fazer com que estes não sejam desviados para rumos perniciosos à própria vida universitária
[apud Sanfelice, 2008:91].

O presidente mencionou explicitamente os “setores vinculados à


subversão” no movimento estudantil, e disse que cumpria “localizá-los e
detê-los”, cabendo a reitores e professores “tornar irrelevante […] a ação
deletéria dos que se encontram […] inspirados pelo desejo de subverter e
destruir” (ibidem)178. Castelo Branco pensava ser suficiente eliminar a
liderança “comunista” para sanear as universidades, e contava, para isso,
com o apoio de reitores e professores, do seio dos quais a sedição estaria
sendo igualmente extirpada.
O ditador estava equivocado. A luta pela “revolução brasileira” de fato
animara a cúpula e parcelas expressivas do movimento estudantil, mas a
queda dos que alimentavam esse projeto não impediu que o tema da
reforma universitária continuasse a mobilizar a massa dos estudantes, ao
lado dos anseios revolucionários de parcelas não desprezíveis deles. Nunca
é demais lembrar que, a cada ano, novas gerações de jovens de classe média
acediam ao ensino superior (Sampaio, 1991), e outro tanto ficava de fora
em razão da escassez de vagas. O problema dos excedentes continuava a
comprometer o sonho de ascensão social de proporção significativa desses
jovens. Para que se tenha uma ideia da gravidade do tema e do potencial
explosivo da frustração de expectativas das classes médias por não
conseguirem colocar seus filhos na universidade, apesar de estarem
habilitados, basta notar que, em 1960, o número de inscritos no vestibular
chegou perto de 65 mil jovens. Mas apenas 36 mil conseguiram uma vaga.
Ou seja, 44,4% dos jovens que, egressos do ensino médio, tentaram uma
vaga na universidade, ficaram de fora. Em 1966 os excedentes chegaram a
52,4% do total, e a quase 60% em 1968 (dados em Martins Filho,
1987:125). Note-se que o autor, citando Cunha (1975), trata como
excedentes todos os inscritos que não lograram acesso, quando os reais
excedentes eram os aprovados no vestibular, mas deixados de fora por falta
de vaga (ver Santana, 2014). Seu número também montava às dezenas de
milhares.
Além do problema dos excedentes, os temas que haviam embalado o
movimento estudantil desde os anos 1930 continuavam em pauta:
democratização da gestão universitária, melhoria da qualidade do ensino (e
dos professores), ampliação do número de vagas e, obviamente, liberdade.
E, de fato, o movimento estudantil não tardou a se reestruturar depois da
primeira ofensiva dos militares contra a universidade. Ainda em junho de
1964 o governo enviou ao Congresso projeto de lei propondo a criação de
entidades de representação estudantil atreladas ao Estado. Aprovada em
novembro do mesmo ano, a Lei No 4.464, conhecida como “Lei Suplicy de
Lacerda”, criou uma estrutura piramidal composta por Diretórios
Acadêmicos (DAs) no âmbito de cada faculdade; Diretórios Centrais dos
Estudantes (DCEs), no âmbito das universidades; Diretórios Estaduais dos
Estudantes (DEEs) nos estados; e por fim o Diretório Nacional dos
Estudantes (DNE). A eleição dos representantes dos DAs se daria pelo voto
obrigatório de todos os estudantes179. Apresentava-se, assim, uma estrutura
que, segundo o ministro autor da lei, permitiria “salvar a universidade,
instituir uma elite autêntica e deixar de lado a UNE”180. Em seu art. 14 a lei
proibia manifestações de caráter político-partidário e também as greves
estudantis.
Fávero (1995:64) lembrou que, com o art. 22, a Lei Suplicy extinguiu
legalmente a UNE, já que ele revogou o Decreto-lei No 4.105 de fevereiro
de 1942, pelo qual o governo Vargas a reconhecera. Mas Martins Filho
(1987:88) sustenta que o governo “não tomou medidas complementares
imediatas no sentido de impedir o funcionamento da UNE também como
entidade civil” (na verdade, a lei de fato a extinguiu como entidade civil). A
expectativa do governo era a de que, sem os recursos do Estado, a UNE
desaparecesse.
Paradoxalmente, a Lei Suplicy deu o mote para a restruturação do
movimento estudantil. Em julho de 1965, contra as expectativas do
governo, a UNE realizou novo congresso, desta vez em São Paulo, e elegeu
Altino Dantas seu presidente. A principal resolução do congresso foi o
boicote à Lei Suplicy. Em março a entidade havia realizado um plebiscito
sobre o tema, e a maioria dos estudantes parece ter sido contrária à adesão
aos novos organismos criados pela lei181. Em 5 de setembro do mesmo ano
o Correio da Manhã publicou extenso artigo assinado por Luís Carlos
Bonfim informando que, no Brasil inteiro, e com raras exceções, os
estudantes boicotaram a constituição dos DEEs, por meio da recusa dos
Diretórios e Centros Acadêmicos em se adequarem aos termos da lei e
elegerem as diretorias dos Departamentos Estaduais. Com isso, a Lei
Suplicy, segundo a matéria, tornou-se “letra morta e parece evidenciar a
presença de uma organização universitária em âmbito nacional […] – a
União Nacional dos Estudantes”182. O jornalista estava certo em parte, a
UNE apenas começava a se reestruturar, embora já mostrasse sua força
entre as direções das entidades de base. No pano de fundo da insatisfação
estudantil estavam as restrições à liberdade e a eterna pauta da reforma da
universidade183.
O ano de 1966 começou sob o signo da revolta. O DCE da Universidade
do Brasil (atual UFRJ) orientou seus representados a não pagar a anuidade
escolar prevista na LDB aprovada ainda sob o parlamentarismo. Fruto dos
acordos MEC-USAID (Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional), a reforma visava à transformação das
universidades federais em fundações, com os estudantes assumindo
paulatinamente o financiamento de seus cursos. Passeata contra a medida
ocorrida em Belo Horizonte em março foi brutalmente reprimida pela
polícia, o que gerou passeatas de solidariedade no Rio de Janeiro e São
Paulo, mobilizando milhares de estudantes e sendo igualmente reprimidas
pela polícia (Poerner, 1995:246). Greves e passeatas contra o fechamento de
restaurantes universitários e o pagamento de anuidades pipocaram pelo
país.
Talvez em resposta a essas mobilizações, em maio e junho de 1966, pouco
antes do XXVIII Congresso da UNE marcado para julho em Belo
Horizonte, o Ibope realizou extensa pesquisa com 800 estudantes
universitários e 200 secundaristas do Rio de Janeiro e de São Paulo. A
pesquisa traz novos e importantes elementos para a compreensão da
insatisfação estudantil no período184.
Para começar, a universidade estava bem aquém das expectativas de
todos. Noventa por cento dos alunos de universidades públicas e 92% dos
de escolas privadas consideravam que o ensino superior não estava à altura
das necessidades presentes e futuras do país185. E não havia variação
segundo classes de renda dos estudantes, nem segundo a cidade. Entre as
principais falhas estava a “falta de professores competentes”, apontada por
60% ou mais dos alunos do ensino superior. Sessenta e quatro por cento dos
alunos de escolas públicas e 78% dos de escolas privadas apontavam como
falha principal o fato de que “o dinheiro que devia ser gasto em educação é
desviado para outros fins”186. Mais ainda, no momento em que o governo
começava a implantar a cobrança de anuidades nas universidades públicas,
81% do alunado do Rio e de São Paulo achavam que o ensino superior
deveria ser público e gratuito. Mesmo os 19% que aceitariam o ensino pago
achavam que os alunos deveriam ter bolsas de estudos187. Cerca de 40% dos
estudantes de escolas públicas e privadas julgavam que os professores
“conhecem mais ou menos o que estão ensinando”, e perto de 30% se
diziam pouco satisfeitos ou decepcionados com o curso que estavam
realizando188.
Contrariamente ao que esperava o ministro da Educação Flávio Suplicy de
Lacerda, para quem os estudantes deveriam se dedicar exclusivamente aos
estudos189, 85% dos universitários do Rio e de São Paulo achavam que eles
deviam dedicar-se também aos problemas do país190, proporção que não
variou segundo as classes de renda, a cidade, o sexo e a escolaridade do pai,
dimensões para as quais o Ibope abriu boa parte das respostas. E apesar das
intensas mobilizações estudantis do ano de 1966, 60% dos universitários
paulistas achavam que os estudantes participavam “menos do que deviam”
da vida política do país (no Rio a proporção foi de 42%)191, isto é, deveriam
participar ainda mais. O curioso é que apenas 28% dos universitários de
escolas públicas das duas cidades afirmaram que não participavam da
política estudantil. Vinte e cinco por cento diziam participar “ativamente”.
Se esses números pudessem ser expandidos para a população universitária
total, de cerca de 100 mil universitários do ensino público em 1966192,
teríamos em torno de 25 mil estudantes afirmando participar “ativamente”
da política estudantil na universidade pública. A direção da UNE não
estaria equivocada ao afirmar que o movimento que liderava era “de
massa”193. E mais, dentre esses estudantes ativamente engajados no
movimento, metade se dizia de “esquerda”, contra 35% que se colocavam
no “centro” e 6% à “direita”. No total dos estudantes das duas cidades a
direita congregaria 18% e a esquerda, 27%, com o centro agrupando 44%
deles194.
Se esses números corroboram a autoavaliação que a UNE fazia de sua
atuação, na direção contrária encontra-se que 52% dos universitários da
escola pública julgavam que a liderança estudantil representava uma
minoria (nas faculdades privadas a proporção foi de 72%). Somando-se o
total dos entrevistados das duas cidades, 61% acreditavam que a liderança
representava uma minoria. Ainda assim, mesmo considerando inicial o
processo de reconstrução da UNE, aquela liderança era considerada
autêntica por 34% deles (43% nas escolas públicas)195. É pouco provável
que algum outro movimento social ou mesmo algum partido político tenha
atingido tal grau de identificação com suas bases no período196.
Os estudantes encaravam a evolução do Brasil com pessimismo na
economia e na política no curto prazo (65%), mas no longo prazo com mais
otimismo (62% deles na economia e 52% na política). Além disso,
comparando com a geração de seus pais, eles se consideravam mais
inteligentes (51%), mais cultos (75%) e mais idealistas (65%), e achavam
que sua geração seria chamada a desempenhar papel mais importante na
história do Brasil do que a de seus pais (62%)197. Por fim, mais de 70%
deles afirmaram que, para casar, procurariam uma pessoa com “um padrão
educacional igual ao seu”198. Isso denota sólida identidade de classe, tanto
no projeto de carreira quanto no de vida.
Esses números deixam claro que a ditadura, em sua sanha anticomunista,
tinha razão em temer o movimento estudantil de classe média. Os
estudantes estavam, claramente, engajados nas questões de seu tempo,
atribuindo a si as tarefas da construção da nação. A maioria achava que a
universidade não atendia aos desafios do país nem aos seus anseios, ou seu
“projeto de carreira”, o que a tornava potencialmente mobilizável para o
tema da reforma universitária e para a melhoria da qualidade do ensino. E
parcela significativa se declarava de esquerda e ativa no movimento
estudantil. Eram, pois, ingênuas as declarações dos golpistas, que
imaginaram que, calando, prendendo, matando ou exilando as lideranças de
1964, ganhariam controle sobre os estudantes. Como os eventos de 1965 em
diante demonstrariam, o movimento estudantil era um enorme berçário de
lideranças radicais, à esquerda e à direita.
O Congresso da UNE em Belo Horizonte foi “clandestino”. Os cerca de
400 delegados conseguiram despistar os mais de 5.000 homens do
destacamento da PM mineira convocados para impedir o encontro, que
ocorreu não no anunciado DCE da UFMG, mas no interior de um convento
de padres franciscanos da capital (Poerner, 1995:248 e ss.; Gaspari,
2002a:240)199. As diretrizes votadas ali alimentaram uma onda de protestos,
greves e passeatas que desembocaria no que ficaria conhecido como a
“setembrada” (Valle, 2008) ou, para Poerner (1995:251 e ss.), como
“setembro heroico”. Martins Filho (1987:107-108) sistematiza as
mobilizações que Artur Poerner, antes dele, descrevera com riqueza de
detalhes. Entre os dias 15 e 22 de setembro, milhares de estudantes foram às
ruas em todo o Brasil, sofrendo dura repressão policial, com centenas de
prisões. O dia 22 fora declarado “Dia Nacional de Luta Contra a Ditadura”,
e em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Goiânia os estudantes
entraram em greve geral. No dia 23, após a invasão do prédio da Escola
Nacional de Medicina pelo exército e o espancamento brutal de dois mil
estudantes ali reunidos e a prisão de centenas deles, no que ficou conhecido
como o “massacre da Praia Vermelha”, a UNE decretou greve nacional dos
estudantes200.
O massacre foi o ápice da repressão naquele ano em que o governo
Castelo Branco tratou o movimento estudantil como guerrilha urbana. E é
provável que esse tratamento tenha minado ainda mais o apoio das classes
médias ao regime, algo que vinha acontecendo desde 1965. De fato, e como
apontou Décio Saes, através dos Atos Institucionais (AI) os canais de
participação política das classes médias foram se estreitando. Já vimos que
estas aprovaram os expurgos e a violência política permitida pelo AI-1. O
Brasil estaria sendo limpo dos “comunistas”. Mas o AI-2, de outubro de
1965, deu um passo adiante: conferiu ao presidente da República plenos
poderes para cassar direitos políticos “de qualquer cidadão, pelo prazo de
10 anos” e intervir nos estados e municípios em caso de “subversão da
ordem”. Suspendeu as garantias constitucionais dos servidores públicos,
como vitaliciedade e estabilidade no emprego, com isso tornando
vulneráveis as posições de segmentos expressivos das novas classes médias
urbanas. Excluiu de apreciação judicial os atos do “Comando Supremo da
Revolução”, e tornou indireta a eleição para presidente da República201. O
Ato Complementar No 4, de novembro do mesmo ano, extinguiu os partidos
existentes até ali e deu prazo para o Congresso criar apenas dois novos
partidos.
Em fevereiro de 1966 foi a vez do AI-3, que tornou indiretas as eleições
para governadores e vice-governadores dos estados, e tornou prerrogativa
dos primeiros a indicação dos prefeitos das capitais. E em dezembro do
mesmo ano veio o AI-4, convocando o Congresso para analisar e votar nova
Constituição, que seria encaminhada à casa legislativa pelo presidente da
República202. Esse processo de progressiva militarização do regime e
centralização do poder no executivo federal retirava da competição política
os principais postos de comando da nação, e a nova Constituição, que
incorporou os atos institucionais editados até ali, conferiu roupagem legal
ao arbítrio dos militares.
Em outubro de 1966 o Ibope realizou pesquisas de avaliação do governo
Castelo Branco. Amostra representativa dos eleitores do estado de São
Paulo encontrou que 66% da classe A/B de renda (agrupadas no documento
que relata os resultados) estavam pouco ou nada satisfeitos com o governo.
A proporção na classe C foi de 58% e na D, 55%. A variação segundo a
classe de renda não decorreu de que os mais pobres aprovassem mais o
governo, e sim de que era bem maior entre eles a proporção dos que
preferiram não opinar (15%, 21% e 31% respectivamente)203. Logo, era
entre as classes médias que o desempenho governamental era mais mal
avaliado. Pesquisa do mesmo gênero realizada em setembro, em Curitiba,
encontrou 63% da classe A/B, 61% da classe C e 53% da classe D
avaliando mal a gestão Castelo Branco204.
A reprovação do crescente insulamento dos mecanismos decisórios no
comando militar instalado no executivo federal transparece em outra
pesquisa Ibope realizada em janeiro e fevereiro de 1967, portanto já com o
novo ungido pelo regime, marechal Artur da Costa e Silva, no poder
central. Perguntados sobre “de que tipo deverão ser as futuras eleições para
presidente da República, governadores dos estados e prefeitos das capitais”,
mais de 80% dos 1.500 eleitores de cinco capitais (São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife) disseram que elas deveriam
ser diretas. Não houve variação relevante segundo as classes de renda205.
Ademais, 80% ou mais gostariam que, no fim de seu mandato, Costa e
Silva passasse o governo a quem fosse eleito, não importando se da
oposição ou não206. Claramente, havia a expectativa do retorno à
normalidade democrática, com eleições diretas e competição política
podendo resultar em alternância no poder.
Quarenta e quatro por cento consideravam que Costa e Silva deveria
adotar, como orientação política, uma linha “mais suave” do que a de
Castelo Branco. Apenas 15% preferiam que a linha fosse mantida. E nada
menos que 23% eram favoráveis à volta do regime anterior a 1964,
proporção que atingia 33% nas classes A/B e C no Rio de Janeiro, com
Porto Alegre e Recife apresentando as menores taxas de eleitores
nostálgicos da República de 1946 (13%)207.
O descontentamento de setores crescentes das classes médias com a
ditadura era evidente, e ganhou expressão política na proposição, por Carlos
Lacerda, de uma frente oposicionista para lutar pelo retorno da democracia.
O ato coincidiu com a conjuntura violenta de setembro de 1966, e em
outubro ganhou forma no manifesto que lançou o que ficaria conhecido
como Frente Ampla, defendendo a volta dos civis ao poder e a retomada do
desenvolvimento. Era assinado por Lacerda, mas mencionava negociações
em curso com JK e outros políticos expurgados em 1964, incluindo João
Goulart. Lacerda e Juscelino se encontrariam em novembro em Lisboa,
onde JK se exilara, e ali assinariam a “Declaração de Lisboa” selando a
cooperação oposicionista. Jango, exilado no Uruguai, se associaria aos dois
em setembro de 1967, com isso atraindo para a Frente parlamentares do
MDB oriundos do PTB e também a ala mais “radical” do partido, conhecida
como “grupo dos imaturos”, porque chegados pela primeira vez ao
Congresso (Kinzo, 1988:108). E a Frente ganharia as ruas nos meses
seguintes promovendo três comícios, um deles em Maringá, congregando
15 mil pessoas. A associação de Lacerda e parlamentares com Goulart, “um
proscrito”, parece ter sido demais para a ditadura. Em seguida ao comício
de Maringá, em abril de 1968, e em meio aos agudos conflitos de rua
organizados pelo movimento estudantil, a Frente Ampla teve suas
atividades proibidas. Em dezembro o AI-5 cassou os direitos políticos de
Carlos Lacerda por 10 anos208.
Trago a Frente Ampla a esta análise porque os militares (e não apenas
eles) cuidaram de associar sua emergência ao clima de revolta que tomou
conta do movimento estudantil em 1967 e 1968209. Até o lançamento do
manifesto de Carlos Lacerda, o governo militar tratara os estudantes como
minorias subversivas que afrontavam de forma inadmissível o regime,
quase como se eles fossem parte da hierarquia militar. Como se fossem,
pois, insubordinados. Não por outra razão os discursos do general Castelo
Branco sobre a universidade sempre colocavam sob a responsabilidade de
professores e reitores a manutenção da ordem nos campi, como se estes
fossem casernas e como se professores e reitores, de cujo seio a sedição
comunista, imaginava-se, já teria sido devidamente extirpada, fossem
superiores hierárquicos dos estudantes. Parece-me que hierarquia, disciplina
e coesão, além do apego à segurança nacional, todos elementos centrais da
doutrina militar, devem figurar em qualquer tentativa de explicação da
violência com a qual os estudantes foram reprimidos. Voltarei a isso.
O manifesto da Frente Ampla tornou mais densa o que Daniel Aarão Reis
Filho (2014:66 e ss.) nomeou “nebulosa oposicionista”. Os estudantes já
não estavam sozinhos nas ruas. Até ali Lacerda tivera o beneplácito dos
segmentos mais duros das casernas. Antes de lançar seu libelo pela
devolução do poder aos civis, pedira àqueles segmentos o endurecimento da
ditadura, por considerar Castelo Branco incapaz de levar adiante os ideais
da “revolução”210. Não sendo acolhido pelos setores que sempre apoiara,
suas críticas ao regime devem ter soado àqueles como traição. Dentre outras
coisas, porque elas abriram um clarão na densa atmosfera de medo e
recolhimento das forças políticas que tentavam conviver no novo partido de
oposição criado como decorrência do AI-2, o MDB. Depois que Jango
aderiu à Frente, os militares parecem ter julgado que ela possuía potencial
para crescer como força aglutinadora das dissidências. Políticos proscritos
em 1964 convergiam para a Frente, como JK e, muito particularmente, João
Goulart, além de vários parlamentares reconhecidamente “janguistas” e
mesmo alguns oriundos do antigo PSD, leais a Juscelino (Costa, 2006).
A Frente Ampla não era “aliada” do movimento estudantil radicalizado,
ainda que os militares vissem clara sinergia entre eles. Ambas eram forças
que extrapolavam e colocavam em risco duas das muitas instituições que o
regime julgava ter manietado: o parlamento e a universidade. Atuavam num
ambiente, a sociedade civil, temido por uma organização muito particular,
assentada em hierarquia, disciplina e coesão que encarava a “sociedade
civil” nas ruas como problema de ordem pública, ou de polícia. Mas agora,
a insubordinação estudantil de classe média seria alimentada não por
descontentamento talvez genuíno211, fruto da frustração com a universidade
e da revolta contra a contínua e violenta repressão policial, mas pela nova
fonte de sedição liderada pelos mesmos elementos que, segundo avaliação
militar, tinham levado o país ao caos. E esses elementos, sobretudo
Juscelino, manifestavam o projeto de criação de um novo partido político,
por fora do bipartidarismo imposto pelo AI-2.
Cabe aqui um parêntese. Nunca é demais ressaltar que o regime instalado
em 1964 era uma ditadura militar-civil, na qual o componente militar
adquiriu, a cada novo ato institucional, prevalência crescente sobre o
elemento civil, subjugando-o e obrigando-o a adequar-se à disciplina
militar. O cerceamento do papel dos legislativos nos três entes federativos
visou a restringir o âmbito da competição política e aumentar o controle dos
executivos sobre os resultados da dinâmica decisória.
Ora, a luta política, se democrática, é um campo de ação no qual os
competidores agem sempre estrategicamente, a partir das ideias que
constroem sobre o eventual poder de intervenção dos adversários no
ambiente onde a disputa se desenrola, e das expectativas sobre as possíveis
ações recíprocas. Como na guerra, um lado pode estar muito bem
informado sobre as intenções e reais possibilidades da ação do outro, ou dos
outros, mas isso não levará necessariamente a diagnóstico adequado ou
certeiro sobre como ele ou eles agirão nas situações concretas. O outro pode
surpreender completamente por meio da constituição de alianças não
previstas, do emprego de meios para fins constituídos na própria disputa
política, e não previamente, isto é, fins que estarão, agora, em desacordo
com a informação que fora trazida à disputa inicial etc. Mas diferentemente
da guerra, o objetivo da disputa nunca é aniquilar o outro ou destituí-lo
completamente de seus recursos de poder. A disputa é democrática quando
os contendores reconhecem uns nos outros o direito a agir desta ou daquela
maneira segundo seus interesses e seus projetos políticos, sustentados em
seus recursos de poder, que devem ser reconhecidos como legítimos e
equivalentes em seus fundamentos, ainda que uns possam dispor de muito
mais recursos do que outros. Isso quer dizer que a incerteza é inerente à luta
política democrática, o que não é o caso da guerra contemporânea, por
exemplo, na qual um poder como o dos Estados Unidos sabe de antemão
que vencerá quem quer que se coloque em seu caminho. Na disputa
democrática, ninguém, nenhum partido, nenhum grupo de pressão é capaz
de prever com precisão, antes de iniciada a disputa, como será seu
desenrolar ou qual seu resultado final. Não por acaso, é tirânica a condição
na qual uma pessoa ou grupo tem certeza, de antemão, que seu interesse,
vontade ou visão de mundo prevalecerão, independentemente dos
adversários ou competidores, ou apesar deles.
Cassações de mandatos parlamentares em todos os níveis de governo
visaram à redução do dissenso em relação às políticas do regime cada vez
mais militarizado, e com ele a incerteza da disputa política nas casas
legislativas212. Isso não quer dizer, porém, que não houvesse dissenso entre
os próprios militares. Em 1966 o general Mourão Filho, um dos mais ativos
agentes do golpe, que descera com sua IV Divisão de Infantaria as serras de
Juiz de Fora para invadir o Rio de Janeiro e depor Jango, pregava a volta da
democracia, eleições diretas para presidente e o retorno dos militares aos
quartéis. Nos inícios de 1967 o recém-empossado marechal Costa e Silva
permitiu o retorno ao Brasil de políticos banidos em 1964, dentre eles JK
(que voltou voluntariamente do autoexílio português em fins de 1967), e
sinalizou aos estudantes e ao operariado que pretendia iniciar o processo de
distensão (ou de “diálogo”) rumo à redemocratização. Mas essas posições
não eram unânimes nas Forças Armadas. Como veremos mais adiante, a
“linha dura”, de que Emílio Garrastazu Médici, chefe do Serviço Nacional
de Informação (SNI) a partir de março de 1967 era um expoente,
continuava “em guarda contra o perigo vermelho” (para usar a expressão de
Motta, 2002), certa de que a missão da “revolução” de sanear o país da
ameaça comunista estava longe de consumada. A linha dura preferia que a
militarização do regime se aprofundasse, isto é, que a competição política
fosse finalmente extirpada dos processos decisórios, e que as linhas de
comando, se sofressem resistência, fossem defendidas como se na guerra:
com prisões, banimentos ou execuções dos traidores213.
Não se está dizendo que o que dividia as forças armadas, neste momento,
era devolver imediatamente o poder aos civis ou aprofundar a militarização.
A primeira alternativa não parecia estar em pauta no aceno de Costa e Silva
à classe política, ao operariado e aos estudantes em inícios de 1967. A
disjuntiva residia em duas formas de ditadura, uma relativamente aberta à
competição política, desde que tutelada para impedir a volta dos
“comunistas”, e outra inteiramente militarizada.
Fechado o parêntese, é indubitável que a emergência da Frente Ampla
introduzia novo elemento de incerteza em relação à capacidade de o grupo
liderado por Costa e Silva levar adiante seu projeto de democratização
tutelada de modo tal que mantivesse o dissenso autoritário sob controle, isto
é, que a “linha dura” não julgasse que a “ameaça comunista” estava de
volta. O movimento estudantil era variável igualmente importante nessa
equação, por suas demonstradas capacidades de arregimentação
oposicionista e mobilizações de rua, amplamente divulgadas pela imprensa,
o que expunha a truculência dos militares, responsáveis por prisões e
mortes de lideranças das classes médias. Em 1968 ainda entrariam em cena
o movimento operário, artistas e profissionais do meio cultural, parte da
imprensa, a Igreja Católica e outras forças com importante enraizamento na
sociedade, como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação
Brasileira de Imprensa, numa escalada de radicalização política e de
demanda por ampliação dos canais de participação tal que, mesmo para os
militares adeptos da democracia tutelada, talvez parecesse excessivamente
excitada. A decretação do estado de sítio esteve na pauta das reuniões da
cúpula dirigente militar durante todo o ano de 1968.
Vejamos, então, como se deu a escalada da radicalização entre os militares
e o movimento estudantil.
Ao anúncio por Costa e Silva de que procuraria “dialogar” com os
estudantes e levar em conta suas demandas, alunos de Medicina das três
principais faculdades de São Paulo (USP, Santa Casa e Escola Paulista de
Medicina) responderam com uma greve ainda em abril de 1967 em protesto
contra o eterno e agora agravado problema dos excedentes. Neste ano, nada
menos do que 56,5% dos candidatos que prestaram vestibular para ingresso
na universidade não conseguiram vaga (Cunha, 1975:34). No mesmo mês,
greves, assembleias estudantis, passeatas (novamente duramente
reprimidas) e manifestações envolvendo a queima regular da bandeira
norte-americana, além de um protesto na UnB contra a presença do
embaixador norte-americano no campus universitário (que resultou em
muitas prisões) mobilizaram estudantes em todo o país contra a Política
Educacional do Governo – PEG – que estabelecia a progressiva
privatização do ensino superior, alegadamente para atender ao aumento da
demanda. Outro alvo prioritário foi a renovação dos acordos MEC-USAID,
prevista para maio. Os estudantes denunciavam a “infiltração imperialista
no ensino” (Martins Filho, 1987:132)214, enquanto os militares agiam contra
a “infiltração comunista” nas fileiras estudantis.
Em agosto de 1967 a UNE realizou seu XXIX Congresso, novamente
clandestino e novamente num convento, desta vez em Valinhos, interior de
São Paulo (Gorender, 2003:158; Santana, 2014:151 e ss.). A Carta Política
da UNE resultante do Congresso praticamente não mencionou a crise
universitária. A UNE liderada pela AP pregava a aproximação dos
estudantes com o operariado e o campesinato para combater a ditadura e
fazer a revolução socialista (Sanfelice, 2008). Essa posição era hegemônica,
mas não era isenta de oposição. Santana (2014:153) lembra que às vésperas
do XXIX Congresso da UNE surgiu a Frente Universitária Progressista
(FUP), que também pregava a ação estudantil de massa, mas voltada aos
temas da universidade abandonados pela UNE. Para a FUP, a revolução
socialista só mobilizava estudantes politizados. Para chegar à massa
estudantil era preciso discutir seus problemas acadêmicos e econômicos
(como bolsas para estudantes do ensino privado, restaurantes e alojamentos
universitários etc.).
Essas manifestações não tiveram repercussão relevante além das fronteiras
da universidade, ou até mesmo do próprio movimento estudantil
radicalizado (Poerner, 1995; Martins Filho, 1987; Mattos, 2013). Mas a
repressão policial, que continuaria crescendo ao longo do ano, esteve nas
páginas dos principais jornais do país, o que, além de irritar e alimentar a
paranoia anticomunista dos militares, certamente afligia centenas de
milhares de pais e mães de classe média que temiam por seus filhos, tanto
os que estavam nas ruas quanto os que se opunham ou eram omissos, aqui
incluídos os que sonhavam com a universidade mas se encontravam na
condição de excedentes. O ambiente universitário deu caldo de cultura ao
radicalismo dos filhos das classes médias, que os projetos longamente
gestados pelos militares em acordo com especialistas dos Estados Unidos
(como o Relatório Atcon, que serviu de base aos acordos MEC-USAID e à
reforma universitária de 1968215) não apenas se mostraram incapazes de
conter, como ajudaram a insuflar.
A escalada de confrontos entre a ditadura e os estudantes chegou a um
ponto de não retorno com o assassinado do secundarista Edson Luís Souto
em 28 de março de 1968216. Filho de família pobre, vindo de Belém para o
Rio para viver o sonho da ascensão social para si e a família, foi morto com
um tiro no peito durante a repressão policial que desabou sobre mobilização
estudantil contra o aumento dos preços da comida no restaurante do
Calabouço, no centro do Rio, frequentado sobretudo por estudantes
secundaristas, mas também por universitários com menor poder aquisitivo
de várias partes do Brasil. A ditadura já havia assassinado muitos
estudantes desde 1964 em confrontos nas ruas e fora delas, mas o caso de
Edson Luís comoveu os meios de comunicação e o país. O secundarista não
era combatente de esquerda, não era militante partidário. Era um inocente
com um futuro diante de si, o futuro que a ditadura dizia oferecer aos jovens
que recusassem o caminho da “subversão”. É provável que mais de 100 mil
pessoas tenham acompanhado o cortejo que levou o estudante ao cemitério
São João Batista, em Botafogo. Segundo testemunha privilegiada, que
estava nas duas manifestações, o cortejo teria sido “comparável ao séquito
fúnebre de Getúlio Vargas” (Poerner, 1995:271)217.
O assassinato do estudante foi um dos muitos eventos dramáticos de 1968,
que impuseram importantes fissuras na moldura autoritária do regime. Em
março daquele ano o Ibope realizou extensa pesquisa de avaliação da
“Revolução” em dez capitais do país (Guanabara, São Paulo, Porto Alegre,
Curitiba, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Brasília)218.
À pergunta “Durante o ano de 1967, a situação do povo brasileiro melhorou
ou piorou em comparação com os anos anteriores?”, o Ibope obteve as
respostas segundo as classes de renda que aparecem na tabela 6.
Brasília e Belo Horizonte apresentaram altíssimas taxas de avaliação
negativa do primeiro ano do governo Costa e Silva, sem grande variação
segundo as classes de renda exceto entre os mais pobres de Brasília, um
pouco menos insatisfeitos do que os mais ricos. Em Salvador e São Paulo a
população se dividiu, com a mesma proporção se distribuindo entre as duas
alternativas. Em Belém, Fortaleza, Porto Alegre e Curitiba vemos um viés
de classe mais marcado, com os mais ricos considerando que a vida
melhorara em maior proporção, sendo que quanto mais pobres maior a
chance de considerarem que a vida tinha piorado. E na Guanabara foram os
mais ricos que avaliaram que a situação estava pior em maior proporção,
com as demais classes de renda divididas entre uma e outra alternativa. Os
dados sugerem, portanto, que a avaliação da situação do país era filtrada
sobretudo por questões regionais, mas a clivagem de classe se mostrou
importante em pelo menos quatro das dez capitais pesquisadas, onde os
mais pobres consideraram em maior proporção que a vida tinha piorado.
Essas respostas são coerentes com outra forma de medir a avaliação do
governo Costa e Silva, décima pergunta do questionário. Perguntados sobre
como avaliavam o governo por suas realizações até aquela data, em Belém,
Curitiba e Porto Alegre a população estava dividida ao meio entre “bom” (e
alguns “ótimo”) e a soma das duas avaliações negativas, indiferente à classe
social. Em Recife e Fortaleza, houve nítido viés de classe na avaliação do
governo. Quanto mais pobres, menor a proporção de ótimo e bom e maior a
de regular e mau: queda de 65% para 50% de avaliações positivas em
Recife, das classes A/B para a D, e de 60% para 34% em Fortaleza. Nesta
cidade a proporção de regular e mau sai de 40% na classe A/B para atingir
66% na classe D. Nas outras capitais, 60% ou mais dos entrevistados
consideravam o governo “regular” ou “mau”, chegando a 89% em Belo
Horizonte (sem grande variação segundo as classes de renda). Por fim, 80%
ou mais dos moradores das dez capitais consideravam que as próximas
eleições para a presidência da República, governos estaduais e prefeituras
das capitais deveriam ser diretas. Aqui também não havia clivagem de
classe.
Ou seja, as respostas eram semelhantes às encontradas um ano antes,
analisadas mais acima. Com exceção das capitais do Norte e do Nordeste,
completados quatro anos de ditadura o regime continuava dando mostras de
exaustão de sua capacidade de galvanizar a lealdade das classes médias
urbanas, que haviam apoiado com entusiasmo o golpe e alimentado
esperanças de melhores dias durante o período Castelo Branco. As posições
daquelas classes estavam, em março de 1968, mais próximas das demais
classes de renda no Sudeste, em Brasília e Salvador, e todas pareciam ansiar
pelo retorno da normalidade democrática, ou ao menos da democracia
eleitoral. A Frente Ampla, ao que parece, respondia a efetiva demanda
popular ao pregar a volta dos civis ao poder, e sua proscrição em abril
daquele ano provavelmente alimentou o temor e a frustração dos que ainda
imaginavam possível impedir o claro processo de endurecimento da
ditadura.
Tabela 6: Avaliação sobre a situação do país em 1967, comparando com os anos
anteriores

Estratos de renda
Capitais Situação
A/B C D
Melhorou 65 58 52
Belém
Piorou 33 40 47
Melhorou 71 51 46
Fortaleza
Piorou 28 49 51
Melhorou 57 46 50
Recife
Piorou 33 40 43
Melhorou 45 42 46
Salvador
Piorou 42 47 46
Brasília Melhorou 23 26 34
Piorou 75 72 63
Melhorou 16 9 13
Belo Horizonte
Piorou 83 90 86
Melhorou 39 52 49
Guanabara
Piorou 57 44 46
Melhorou 47 45 42
São Paulo
Piorou 46 45 44
Melhorou 54 38 37
Curitiba
Piorou 39 58 56
Melhorou 57 47 29
Porto Alegre
Piorou 32 33 50
Obs: São Paulo e Guanabara, 500 entrevistas; Brasília, 300; demais cidades, 350.
Fonte: Arquivos Ibope no AEL citados em nota

A pesquisa do Ibope foi feita no momento em que protestos pela morte do


estudante Edson Luís Souto pipocavam em todo o país, sendo duramente
reprimidos e levando a novas mortes219. A mobilização estudantil continuou
crescendo, obtendo como resposta repressão cada vez mais violenta, e
recebendo dos estudantes reação renhida. No aniversário do golpe de 1964
em 1o de abril, no Rio, mais de 15 mil estudantes marcharam no centro da
cidade, na maior passeata estudantil contra o golpe até ali, reprimida por 5
mil policiais e agentes do Exército, deixando saldo de dois mortos (um
estudante e um trabalhador), 60 populares e 39 policiais feridos e mais de
300 presos. Foi a primeira vez que a população do centro do Rio se aliou
aos estudantes na resistência à repressão220. No dia seguinte houve uma
morte e ferimentos a bala de estudantes que protestavam em Goiânia contra
a violência e as prisões no Rio (Poerner, 1995:271-272; Valle, 2008:54-58).
Na missa de sétimo dia de Edson Luís, com o centro da cidade tomado por
tanques do Exército, a PM lançou os cavalos contra os manifestantes e
invadiu com os cavalos a igreja da Candelária, onde a cerimônia se
realizava. Novamente dezenas de feridos e 380 prisões. Houve missas e
repressão em Belo Horizonte, João Pessoa, Recife e Porto Alegre. Nesta
última, uma bomba explodiu à saída da missa.
No balanço do que Dirceu e Palmeira (1998) denominaram de “semana
sangrenta”, 680 estudantes foram presos apenas no Rio de Janeiro (v. tb.
Valle, 2008:61). Como afirmou Vladimir Palmeira, “aqueles dias marcaram
uma ruptura na questão da violência: até então sempre fugíamos da polícia,
nosso objetivo era apenas recolher apoio junto à opinião pública. Em [19]68
decidimos enfrentar a repressão” (Dirceu e Palmeira, 1998:94). Ou nas
palavras de José Dirceu, “[e]m São Paulo já era comum a polícia apanhar, e
agora começava a acontecer a mesma coisa em outros lugares” (idem:111).
Maria Ribeiro do Valle (2008) está certa ao afirmar que, em 1968, “o
diálogo é a violência”. A autora se referia à cobertura do jornal Correio da
Manhã do dia 21 de junho, que publicou, em sua tradicional página 4,
normalmente dedicada aos editoriais, um conjunto de fotos ocupando toda a
página, retratando a violência policial contra os estudantes, sob o título “As
Armas do Diálogo”. E na página 14, novo conjunto de fotos também em
página inteira, sob o título “O Diálogo é a Violência”221.

Um espírito de época
Difícil aquilatar até que ponto o movimento dos estudantes brasileiros
antecipou ou se colocou em sintonia com certo espírito de época que
desembocou no maio de 1968 francês e nas revoltas estudantis por todo o
mundo. Como mencionado no capítulo I, na Europa e nos Estados Unidos a
revolta teve, entre seus motores centrais, semelhante embora não idêntica
frustração de expectativas dos filhos das classes médias diante da
inesperada realidade do ensino superior. Não havia por lá o problema dos
excedentes, claro, mas o autoritarismo das estruturas universitárias era
igualmente surpreendente, e alimentou as demandas por participação
estudantil nos processos decisórios sobre a vida coletiva universitária.
Além disso, os universitários brasileiros, jovens como seus congêneres de
outros países, viviam num mundo que começava a massificar padrões
culturais sob hegemonia da indústria cultural norte-americana. A juventude
contestava a cultura e o comportamento herdados das gerações anteriores
desde pelo menos meados dos anos 1950, e nos anos 1960 o rosto de suas
manifestações culturais e políticas era libertário em boa parte do mundo,
incluindo a América Latina (Albuquerque, 1977). Os referentes identitários
eram a revolução cubana, a revolução cultural chinesa, a contracultura e
tudo o mais que se parecesse com algum tipo de contestação ao capitalismo.
Nos Estados Unidos estavam ativíssimos o movimento feminista, o
movimento pelos direitos civis, que lutava pelo fim do racismo, os
movimentos pacifistas e a sociedade em geral, que exigiam o fim da guerra
do Vietnã (bandeira dos estudantes também no Brasil). A contracultura
ganhava expressão no movimento hippie, nas drogas e no rock’n roll, a
pílula anticoncepcional promovia enorme onda de liberação sexual. O
momento era de afirmação da liberdade juvenil nas múltiplas frentes de sua
existência222.
No Brasil o cinema, a música popular, o teatro e as artes plásticas também
compartilhavam valores e comportamentos afinados com seu tempo.
Cinema Novo, festivais da canção com músicas de protesto, teatros Oficina
e Opinião, artistas performáticos como Hélio Oiticica, Lygia Pape e Lygia
Clark, literatos como Antônio Callado e seu Kuarup, são apenas alguns
exemplos de uma cena cultural altamente transgressora. O espírito do tempo
era de esquerda, as novas gerações tinham certeza de poder mudar o
mundo, e isso significava, para boa parte delas, pôr fim ao capitalismo223.
Pesquisa do Ibope já citada, realizada em 1966, mostra que alguns desses
valores tinham penetração na massa estudantil, apesar da divergência de
opiniões em alguns temas-chave, e da diferença marcante entre Rio e São
Paulo e entre homens e mulheres quanto ao comportamento sexual. Os
estudantes de classe média preferiam o cinema (53% deles) e o teatro (33%)
à televisão (12%)224. Estavam, portanto, bastante expostos à cultura de
massa veiculada pelo cinema norte-americano, e também ao Cinema Novo
e sua crítica social, além do cinema europeu “transgressor”, sobretudo
francês e italiano. E estavam expostos à cultura de elite representada pelo
teatro, onde imperavam comunistas como Oduvaldo Vianna Filho e Dias
Gomes.
Em termos comportamentais, 77% dos homens e 92% das mulheres das
duas cidades disseram não ser verdade que eles eram mais inteligentes do
que elas225. No Rio, 59% dos homens e 79% das mulheres consideravam
que estas eram capazes de seguir as mesmas carreiras que os homens, com
as mesmas possibilidades de sucesso. Em São Paulo as proporções eram
menores, 49% e 68% respectivamente226. De qualquer modo, na soma das
duas cidades, metade dos estudantes homens achava que as mulheres
deviam seguir carreiras “mais de acordo com suas características”, contra
apenas 30% delas. Os homens estavam mais dispostos a aceitar a
segregação de gênero no mercado de trabalho, vendo as mulheres mais
aptas ao magistério e aos serviços domésticos do que a engenharia,
medicina ou direito por exemplo.
O estudantado em geral e o feminino em particular eram bem mais
conservadores em São Paulo do que no Rio. À pergunta se “a moça
moderna deve gozar da mesma liberdade sexual que os moços da sua
idade”, 53% dos homens e 44% das mulheres do Rio responderam que sim,
mas 58% dos homens e 68% das mulheres paulistas disseram que não
(pesquisa citada na nota 224:169). No Rio, 43% dos homens e 45% das
mulheres achavam mais importante que a mulher chegasse virgem ao
casamento do que com experiência sexual anterior, enquanto em São Paulo
57% dos estudantes de ambos os sexos preferiam a virgindade (idem:171-
172). Ter experiência sexual anterior atraía apenas 25% das estudantes
paulistas, contra 46% das cariocas. Considerando que a pílula
anticoncepcional era uma invenção recente, e que o Brasil era um país
majoritariamente católico e conservador (embora apenas 60% dos
estudantes da pesquisa se tenham declarado católicos, a maioria não
praticante), a abertura de proporção tão grande de homens e mulheres para
o sexo antes do casamento é digna de nota, especialmente no Rio de
Janeiro. E 40% ou mais de homens e mulheres do Rio e de São Paulo
concordavam que a pílula deveria ser cada vez mais difundida, embora
outro tanto considerasse que seu uso deveria ser limitado (46% delas no Rio
e 37% em São Paulo) ou mesmo proibido (12% deles no Rio e 13% em São
Paulo). Por fim, 83% das estudantes do Rio e 50% das de São Paulo
achavam que deveria ter divórcio no Brasil (contra 79% deles no Rio e 67%
em São Paulo).
As diferenças marcantes entre Rio de Janeiro e São Paulo impedem a
generalização para o país de temas como liberação sexual dos/as estudantes
e adesão a relações de gênero e valores familiares mais abertos. Mas eles
certamente estavam adiante da geração anterior, que 60% ou mais
consideravam mais autoritária e mais conservadora do que a sua, segundo a
mesma pesquisa. E nunca é demais lembrar que a implosão dos costumes
ocorreria mais adiante, tendo em 1968 importante ponto de ruptura.
De qualquer modo, os dados sugerem que proporção significativa dos
estudantes das duas cidades mais importantes do país estava antenada com
seu tempo em termos comportamentais, e o radicalismo demonstrado pela
vanguarda do movimento estudantil nas manifestações que se seguiram ao
assassinato de Edson Luís não destoava do que se viu no mundo a partir de
maio de 1968.

Cem mil nas ruas do Rio


O governo Costa e Silva cogitou várias vezes decretar estado de sítio
durante os protestos estudantis, que continuariam intensos até pelo menos
setembro de 1968. E foi surpreendido com três greves operárias, uma em
Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, decretada em 16 de
abril numa siderúrgica reivindicando aumento de salários; outra em Osasco,
decretada em 16 de julho; e outra, novamente em Contagem, em outubro227.
Greves bancárias ocorreram em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Belo
Horizonte e outras cidades, também em outubro (Saes, 1984:209)228. O
sindicalismo, que sofrera intensa repressão desde 1964, parecia renascer das
cinzas.
Em junho o movimento estudantil foi às ruas em várias partes do Brasil,
protestar contra a política educacional da ditadura. No Rio de Janeiro,
depois de mais uma frustrada convocação do governo ao “diálogo”, a União
Metropolitana dos Estudantes (UME) organizou outra passeata de protesto
para o dia 21, uma sexta-feira, a concentração devendo ocorrer em frente ao
prédio do MEC no centro da cidade. Em extensa cobertura no dia 22, sob o
título de “Um longo dia de massacre e morte”, o jornal Correio da Manhã
informou que “a polícia chegou atirando” (reportagem na p. 2). A violenta
repressão, primeiro aos estudantes e, depois, quando estes já se tinham
dispersado, contra populares nas ruas do centro, resultou, provavelmente,
em 28 mortos, incluindo quatro estudantes e um PM, este atingido por um
objeto atirado de um dos edifícios229. A jornada entrou para a história como
a “Sexta-Feira Sangrenta” (Valle, 2008:110 e ss.), e motivou protestos em
solidariedade por todo o país. Em resposta, a UME convocou para o dia 26
nova passeata em protesto contra a repressão e as mortes, convocatória que
foi encampada por associações de professores, jornalistas, artistas,
religiosos e mães de estudantes, estas últimas tendo lançado um manifesto
convocando a população para a passeata (Valle, 2008:123).
No dia 26, entre 80 e 100 mil pessoas deixaram a Cinelândia rumo à igreja
da Candelária. Entre 120 e 150 mil pessoas teriam participado da
manifestação que cortou a Av. Rio Branco, segundo estimativas do jornal
Correio da Manhã230, na hoje lendária “Passeata dos Cem Mil”. O apoio
popular à manifestação ganhou ainda a forma de chuvas de papel picado
caindo dos edifícios da Av. Rio Branco. Milhares de estudantes marcharam
em Fortaleza, Brasília, Recife, Salvador e Porto Alegre nos dias seguintes e
ao longo do mês de julho231. Em agosto, com a prisão do então presidente da
UME Vladimir Palmeira no início do mês, vários protestos se sucederam,
levando 8 mil PMs às ruas do Rio, deixando estudantes e populares feridos
a bala (Martins Filho, 1987:162). Como afirmou José Dirceu,
Aqueles três meses – junho, julho e agosto de 1968 – foram o período de auge do movimento
estudantil. As ruas e faculdades pegavam fogo em todo o Brasil: São Paulo, Rio, Brasília,
Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Goiânia e muitas outras cidades foram
palco de inúmeras manifestações e enfrentamentos [Dirceu e Palmeira, 1998:138].

Na pauta dos protestos, agora ampliados a outros setores da população,


estava a política educacional do governo, a violência policial e a luta contra
a ditadura. Nas palavras de Elio Gaspari (2002a:309), “[a]s manifestações
de rua indicavam que o regime perdera apoio da classe média e até de
parcelas da elite. Para uma Revolução que se considerara abençoada pelas
Marchas de 1964, a Passeata dos Cem Mil fora uma excomunhão”.
A afirmação de Gaspari está correta apenas em parte. Em agosto de 1968,
em resposta à Passeata dos Cem Mil, o governo Costa e Silva determinou
que as manifestações estudantis estavam proibidas, e que cabia aos
governos estaduais impedi-las. O Ibope foi a campo no mesmo mês na
cidade de São Paulo e entrevistou 500 eleitores sobre o tema. Dentre as
perguntas formuladas estava a seguinte: “Se os estudantes decidirem
realizar novas passeatas e o governador Abreu Sodré não permitir,
utilizando para isso toda a força necessária, inclusive a prisão de
manifestantes, o governo estará agindo certo ou errado?”. Na classe A/B de
renda, agregada no relatório da pesquisa, 52% consideraram que o
governador estaria agindo errado se reprimisse os estudantes, mas 39%
aprovariam a ação. Na classe C as proporções foram de 42% reprovando e
46% apoiando uma possível ação repressiva (na classe D 39% não
souberam responder). Ou seja, 40% dos paulistanos das classes A e B de
renda não demonstravam simpatia pelos estudantes nas ruas232. Mais ainda,
54% dos membros dessas classes consideravam que as passeatas e
manifestações prejudicavam a população (contra 49% da classe C e 38% da
classe D)233. O fato já demonstrado aqui de as classes médias paulistanas
(incluindo seus filhos) se mostrarem sempre mais conservadoras do que
aquelas do Rio ou de Salvador, não deve eclipsar fato igualmente relevante
de que o movimento estudantil era encarado como “baderna” por proporção
significativa da população de todos os estratos de renda, e mais
intensamente pelas classes A e B.
Tanto quanto suas classes de origem, a juventude universitária estava
cindida, e a radicalidade das clivagens que animavam o movimento
estudantil ganhou notas trágicas em inícios de outubro de 1968, no que
passaria para a história do Movimento Estudantil (ME) como a “batalha da
Maria Antônia”. Em relato de José Dirceu, estudantes secundaristas que
realizavam pedágio na rua para arrecadar dinheiro para o Congresso da
UNE, marcado para poucos dias depois, foram atacados com violência por
estudantes do Mackenzie e se esconderam no prédio da Faculdade de
Filosofia. As duas unidades ficavam uma em frente à outra na rua Maria
Antônia, centro de São Paulo. A batalha que se seguiu durou dois dias, no
início sob olhares indiferentes da polícia (Dirceu e Palmeira, 1998:149 e
ss.). Coquetéis molotov, bombas de fabricação caseira, granadas, armas de
fogo de grosso calibre (incluindo metralhadoras) e até ácido sulfúrico foram
usados pelos estudantes uns contra os outros, numa luta fratricida opondo
os que defendiam e os que combatiam a ditadura, sendo o Mackenzie e a
Faculdade de Filosofia os quartéis-generais das respectivas facções234. No
segundo dia de batalha campal a polícia tomou partido, respaldou a invasão,
depredação e incêndio do prédio da USP pelo Comando de Caça aos
Comunistas, e prendeu estudantes “subversivos”. A batalha deixou como
saldo a morte de um secundarista, José Guimarães, atingido por uma bala
que pode ter vindo da arma de outro estudante.
Em outubro a UEE paulista dirigida por José Dirceu, estando responsável
pela organização do próximo congresso da UNE, levou toda a cúpula do
movimento estudantil para Ibiúna, um vilarejo no interior de São Paulo. Ali
deveria ocorrer o XXX Congresso da entidade. Apesar das muitas medidas
de segurança adotadas pelos estudantes, aprendidas durante a realização dos
dois congressos anteriores, ambos clandestinos e ambos exitosos, a ditadura
conseguiu chegar ao local e prender cerca de 800 militantes, dentre eles
toda a liderança do ME235. A UNE faria outros congressos, cada vez
menores, na mais estrita clandestinidade, até se dissolver em 1973 depois
do desaparecimento de seu último presidente, Honestino Guimarães, que
mais tarde se saberia ter sido assassinado pela ditadura, provavelmente sob
tortura236.
Nesse quadro, parece inútil procurar atribuir apenas à radicalização da
classe média estudantil, incluindo a luta armada, a explicação para o
fechamento do regime ocorrido em dezembro de 1968, com o AI-5237.
Assim como é inútil eximir o movimento dos estudantes de classe média de
contribuição para a crescente radicalização da luta política em 1967-1968 e
pelo crescimento, entre os militares, do sentimento de que a “revolução”
estava perdendo o controle da situação238. Tudo indica que o movimento
estudantil não foi apenas “pretexto” para que os militares da linha dura
levassem adiante planos sempre adiados por “vacilações” de Castelo
Branco ou Costa e Silva. Havia mesmo dissenso na cúpula militar opondo
os que defendiam uma democracia tutelada e os favoráveis a uma ditadura
“escancarada”, para usar a expressão de Elio Gaspari (2002b). Mas não
restam dúvidas de que o ME foi um dos elementos que, no tabuleiro no qual
forças militares divergentes disputavam o rumo a ser dado à sua
“revolução”, alimentaram a decisão da cúpula militar, apoiada pelos
ministros civis, de fechar o regime239.
O movimento estudantil expressou o repúdio de setores das classes médias
à crescente militarização do regime imposto aos brasileiros em 1964. Aos
saltos, os estudantes demandaram a democratização da universidade, então
o fim da ditadura militar e a democratização da sociedade, em seguida a
revolução brasileira, para alguns socialista, para outros nacionalista240. Mas
nunca é demais marcar que a bandeira da reforma universitária, que
mobilizou para valer as massas estudantis, era uma bandeira de classe. Na
base da luta pela ampliação do número de vagas no ensino superior estava a
solidariedade com os pares de classe média que, passando no vestibular, não
conseguiam vaga. Eram “excedentes”, e muitos universitários devem ter se
reconhecido nesse espelho excludente. A promessa liberal de
reconhecimento e premiação do mérito esbarrava num limite que à maioria,
incluindo os pais dos jovens em busca de ascensão social, parecia injusto. E
se a luta por ampliação do número de vagas parecia extravasar os limites da
classe ao exigir que todos os que terminassem o ensino médio deveriam ter
acesso automático à universidade, na verdade banhava de aparente
universalidade uma realidade ainda muito excludente. No Brasil dos anos
1960 o ensino médio também era vedado à maior parte da população. A
maioria de brasileiros e brasileiras deixava a escola ao completar o ginásio,
equivalente ao ensino fundamental de hoje, ou mesmo antes disso. O ensino
médio era um pouco mais inclusivo do que o ensino superior, mas ainda era
bastante elitizado, sendo inacessível para a maior parte dos brasileiros. Em
1970, a população de 15 a 19 anos no país era de pouco mais de 10 milhões
de pessoas. Destas, apenas 3,6 milhões (ou 36%) estavam estudando, sendo
2,2 milhões (ou 22%) no ensino médio, que naquele ano compreendia
quatro anos de ginásio (primeiro ciclo) e três anos de secundário (segundo
ciclo). O segundo ciclo, que permitia acesso ao vestibular e abrigava o
movimento estudantil secundarista, congregava apenas 6,6% dessa
população, ou 662 mil jovens. E 45% das matrículas nesse ciclo em 1970 se
deram em escolas privadas241. A luta por universalização do acesso à
universidade pelos egressos do ensino médio ainda era, em suas
consequências práticas, uma demanda de classe.
Em 1968 os estudantes em marcha contra a ditadura ganharam a
solidariedade de setores mais amplos da população. Sintoma disso foram as
dezenas de populares presos ou mortos no Rio de Janeiro nas manifestações
estudantis de junho e julho, e também a enorme adesão à Passeata dos Cem
Mil e às muitas outras do mesmo gênero ocorridas em várias capitais do
país em agosto. A Igreja Católica também aprofundou sua crítica às
violações de direitos humanos durante as manifestações e prisões, abrindo
espaço em seus templos para reuniões de opositores da ditadura. Parte da
imprensa, muito particularmente o influente Correio da Manhã, era
francamente simpática aos estudantes, e o alarme com o qual cobriu as
arbitrariedades, os espancamentos e as mortes deixou claro que a
solidariedade não era apenas de classe, embora isso também estivesse em
pauta. Eram filhos e filhas das classes médias que estavam sendo
espancados e mortos nas ruas. Mas a “sexta-feira sangrenta” revelou que o
descontentamento não era apenas estudantil. Poderia se alastrar facilmente
para setores até ali desorganizados da população, e também aos mais
organizados, caso dos bancários em várias partes do país, que fizeram
greves por aumentos de salário e melhores condições de trabalho em
outubro (Saes, 1984:209). E o Correio não abandonou sua postura de
condenação da violência da PM e do exército. Reconheceu que os
estudantes estavam de fato na vanguarda da luta contra a ditadura e, como
tal, representavam os anseios de amplas parcelas da população,
descontentes com um regime que, prometendo democracia, se tornava cada
vez mais ditatorial, e prometendo desenvolvimento econômico, até ali ainda
não mostrara a que viera, ou ao menos era o que pensavam os que não
estavam atentos ao vigoroso crescimento da economia já em curso242.

As classes médias em armas


Enquanto os estudantes marchavam nas capitais brasileiras e alguns deles se
organizavam para pegar em armas, em 2 de setembro de 1968 o deputado
Marcio Moreira Alves, do “grupo dos imaturos” do MDB, fez duro
pronunciamento no Congresso contra o que ele denominou “militarismo” da
cúpula das forças armadas, que, para ele, não representaria a corporação. O
pronunciamento ocorreu em seguida à invasão e depredação da UnB pela
polícia do DF em 29 de agosto, quando um estudante foi morto com um tiro
na testa. O jovem deputado exortou as mães a não permitirem que seus
filhos estudantes desfilassem com “seus algozes” (militares “que os
massacravam nas ruas”) na parada militar de 7 de Setembro, e que as moças
“que dançam com cadetes e namoram oficiais” também os boicotassem243.
O Ministério da Justiça solicitou à Câmara licença para processar o
deputado por ofensa à honra militar. A negativa do Congresso, votada em
12 de dezembro por diferença de 73 votos, incluindo muitos do partido do
governo, a Arena, deu aos militares o pretexto para decretar o AI-5 no dia
seguinte. O Ato fechou o Congresso por tempo indeterminado, suspendeu o
habeas corpus e deu poderes ao presidente para cassar mandatos, intervir
nos estados, decretar estado de sítio, censurar a imprensa etc. Ao longo de
1969 medidas mais duras seriam decretadas, entre elas o AI-13, que
permitiu banir qualquer brasileiro considerado nocivo à segurança pública,
e o AI-14, introduzindo a pena de morte. Uma infinidade de Atos
Complementares deu respaldo legal às ações decorrentes dos muitos AIs, e
nenhuma destas poderia ser alvo de apreciação judicial (Velasco e Cruz e
Martins, 1983:38).
É preciso não esquecer que a luta armada contra a ditadura teve início
antes do AI-5. Sistematizando dados colhidos na literatura especializada e
fontes primárias, Elio Gaspari (2002a:306) sustenta que, entre 1966 e 1968,
cerca de cinquenta ações armadas ocorreram no país, entre explosões de
bombas, ataques a pessoas, assaltos a bancos etc., sem que, de início, os
militares atribuíssem a guerrilheiros o que lhes pareciam ações de bandidos
comuns. No mesmo período, com apoio de Cuba, Leonel Brizola havia
constituído, a partir do exílio no Uruguai, o Movimento Nacionalista
Revolucionário (MNR), congregando militares de baixa patente cassados
em consequência do golpe militar. Em 1966 o MNR tentava organizar três
focos guerrilheiros em diferentes partes do país, um deles na Serra do
Caparaó, iniciado em fins daquele ano e desbaratado depois de alguns
meses sem disparar um único tiro. Consta que o MNR enviou 26
combatentes para treinamento em Cuba, e tinha os movimentos
monitorados pela CIA e pelos serviços de inteligência do Exército (Gaspari,
2002a:190-208; Tavares, 2005:211 e ss.; Rebello, 1980). Brizola ordenaria
o fim da aventura guerrilheira em 1967, justamente quando os estudantes
estavam ganhando protagonismo na resistência ao golpe com seus
movimentos de rua.
Com o AI-5, e mais ainda com o Decreto-Lei 477 de fevereiro de 1969,
voltado especificamente para as universidades e que punia com a expulsão
estudantes, professores e servidores que se opusessem ao regime, a ação
armada, que há muito figurava como horizonte de possibilidade das
principais organizações no âmbito do ME, se impôs como saída “natural”244.
Houve, segundo Jocob Gorender, “imersão geral na luta armada”. A
afirmação é exagerada, já que o mesmo autor termina o capítulo que a traz
no título dizendo que o “engajamento total na luta armada afastava
militantes e simpatizantes, por falta de aptidões pessoais ou disposição
ideológica. O número de adeptos baixava dos milhares às centenas e às
dezenas” (Gorender, 2003:173).
Vale notar que a resistência armada à opressão capitalista estava nos
horizontes das esquerdas em várias partes do mundo. É famosa a introdução
de Jean Paul Sartre ao livro de Franz Fanon, Os condenados da terra, de
1961, na qual ele sustenta que à violência do colonizador o colonizado
deveria responder “passando o colono pelas armas”, única forma de se
livrar da “neurose colonial” (Sartre, 1968:14). A exaltação à violência,
embalada pelas guerras anticoloniais na África e na Ásia, estava no maio de
1968 na França, e o pensamento de esquerda em torno do tema parece ter
servido de lastro à opção armada também no Brasil (Araújo, 2000).
Entre os que permaneceram na clandestinidade armada, os estudantes
encontraram muitas pessoas (a maioria) oriundas de outros estratos médios
da população. Nos dados sistematizados por Marcelo Ridenti a partir do
projeto Brasil Nunca Mais245, da Arquidiocese de São Paulo, os estudantes
eram 30% ou mais dos militantes processados por participarem de
organizações armadas como ALN, Colina, Molipo, PCBR, VPR, MR-8 e
VAR-Palmares (Ridenti, 2010:278). Tomando-se todos os processados
judicialmente que pertenciam a alguma organização de esquerda (armada
ou não) nos anos 1960 e 1970 (mais de quatro mil pessoas), dentre os que
tinham ocupação conhecida (3,7 mil), 24,5% eram estudantes. Ou seja, um
em cada quatro militantes processados era do ME. Somando-se a eles os
funcionários públicos, os militares de baixa patente, os professores, os
profissionais liberais e outros de nível superior, os religiosos e os técnicos
médios, chegava-se a 63% dos processados. Por fim, entre as pessoas
atingidas nos processos judiciais contra opositores do regime entre 1964 e
1979 e que tinham grau de instrução conhecido (7,8 mil em 17,4 mil
atingidos), 60% tinham instrução superior completa ou incompleta
(idem:279). Ou seja, os opositores ao regime que foram apanhados e
processados ou que serviram de testemunhas ou participaram de audiências
eram, em sua maioria, membros dos muitos segmentos das classes médias
urbanas. Mesmo a única experiência de guerrilha rural efetivamente
empreendida, a do Araguaia, que mobilizou entre três e quatro dezenas de
militantes do PCdoB entre 1966 e 1974, era composta, em sua maioria, por
egressos do movimento estudantil (Ridenti, 2007b:44), portanto, por filhos
das classes médias urbanas.
Não há espaço para uma análise mais aprofundada da experiência da
esquerda em armas. A literatura sobre isso é imensa246. Aqui vale reter que a
guerrilha era uma atividade de pequena vanguarda radicalizada, aguerrida e,
por que não dizer, heroica, já que em pouco tempo tornou-se a única
oposição à ditadura. No auge da adesão às suas fileiras, a VAR-Palmares
contava com 300 guerrilheiros (Vieira, 2008; Gorender, 2003). A VPR de
Lamarca, a ALN de Marighela, o MR-8, os COLINA e outros grupos
menores não chegaram a mobilizar, no conjunto, mil pessoas em todo o país
(Gaspari, 2002a:352). É verdade que boa parte deles foi treinada em Cuba
(Paz, 1996 e 1997; Rollemberg, 2001). Consta que a ALN, que também
chegou a ter 300 combatentes, teria treinado um terço de suas fileiras,
muitas delas compostas de estudantes secundaristas, na ilha de Fidel
(Rollemberg, 2001:35; Gaspari, 2002b:191, nota 2). É também verdade que
a guerrilha urbana, que se acentuou a partir de 1969, “justiçava” militares,
empresários e colaboradores do regime, além de assaltar bancos, sequestrar
diplomatas estrangeiros e agitar o cotidiano das grandes cidades em busca
de recursos para financiar a sempre adiada guerrilha rural (Paz, 1996:60).
Mas não se vivia momento de insurgência de massa, nem de risco real ao
enorme poderio militar do regime. E, no entanto, a diminuta, mas ruidosa
resistência armada mobilizou a contraofensiva de dezenas de milhares de
efetivos policiais e das três forças armadas a partir de 1969, incluindo os
órgãos voltados para o encarceramento, tortura e morte dos militantes nas
três armas. Como mostra Fico (2001), enquanto até este ano a repressão
política estivera a cargo das secretarias estaduais de segurança e do
departamento de polícia federal, em 1969 entram em operação os centros de
informações das três forças: o CIE, do Exército, o SISA, da aeronáutica e o
CENIMAR, da Marinha. Eles vieram se somar ao SNI, sendo secundados
pelos Departamentos de Operações e Informações-Centros de Operação e
Defesa Interna (Doi-Codi) e muitos órgãos paramilitares, como a Operação
Bandeirantes (OBAN) paulista.
Esse monumental efetivo policial e militar desencadeou repressão cruenta
e implacável, que incluiu dezenas de assassinatos durante infindáveis
sessões de tortura, e mostrou que os militares temiam as classes médias em
armas, muito particularmente os estudantes, “fonte de recrutamento da
maioria dos militantes” da ALN, por exemplo (Paz, 1996:141), que era a
organização mais bem estruturada e temida pela ditadura, mas também do
MOLIPO e do MR-8 (UNE, 2015, Parte III).
Os militares brasileiros inauguraram uma versão tropical de “tolerância
zero” com a dissidência civil e militar. O SNI e os órgãos de repressão
como um todo tinham como meta simplesmente dizimar o “vírus” (termo
utilizado mais de uma vez pelo ministro de Castelo Branco, Suplicy de
Lacerda, para se referir aos estudantes) ou o “câncer” do comunismo e da
“subversão” (termos comumente empregados pelos militares). Ademais,
muitos guerrilheiros eram antigos oficiais de baixa patente do exército,
dentre eles o capitão Carlos Lamarca, mas não se pode esquecer o grupo
mais amplo de sargentos e marinheiros que deixara o MNR de Brizola para
compor a POLOP e depois os COLINA e a VPR247, o que, para o organismo
militar, era simplesmente inadmissível. Sargentos e capitães não
desobedecem generais ou marechais, menos ainda os combatem. Em 1970 o
regime decretou a pena de morte de todos os membros da ALN (Paz, 1997),
e o último cerco à guerrilha do Araguaia a partir de dezembro de 1973, foi
realizado com a ordem de não deixar sobreviventes. Várias execuções
ocorreram com os guerrilheiros já presos e subjugados, e muitos deles
foram degolados (Gaspari, 2002b:453 e ss.).
A ferocidade com que o regime combateu os guerrilheiros, rotulados de
terroristas e caçados como inimigos do Estado, não foi exclusiva do Brasil.
A Operação Condor (objeto de um Grupo de Trabalho específico da
Comissão Nacional da Verdade criada por lei no Brasil em 2011 e instituída
em maio de 2012) irmanou ditadores de vários países da América do Sul248,
que, com apoio dos Estados Unidos, cooperaram para aniquilar o inimigo
comum, para isso empregando os métodos mais bárbaros249. E narrativas
como as de Tapajós (1977), Paz (1996, 1997), Tavares (2005), Vieira (2008)
e tantos outros combatentes de classe média que sobreviveram às agruras da
luta armada deixam claro o progressivo distanciamento dos que
sobreviviam à repressão em relação aos próprios pares, militantes em risco
de cair e delatar os demais nas cruentas sessões de tortura, e também em
relação à população em geral, a quem a resistência armada foi vendida,
pelos meios de comunicação de massa e pela propaganda do regime, como
uma horda de terroristas perigosos, inimigos da família e do Brasil “que vai
pra frente”. Diferentemente do que imaginavam Marighela e Lamarca, o
acirramento da luta armada não resultou na adesão das massas à contestação
ao regime. Ao contrário. A contestação tornou-se mais e mais clandestina e
sufocada pela repressão.
O caráter heroico e também trágico da resistência transpira no
contundente relato de Paz (1997:101, 115 e passim), que, diante da redução
crescente do número de membros da ALN, mortos em combate ou na
tortura, obrigou-se a continuar na luta por se sentir em dívida com os
correligionários tombados, estando consciente de que a luta era inútil250.

O “milagre” brasileiro e a aquiescência das classes


médias
Se ínfima, mas aguerrida parcela das classes médias aderiu à luta armada,
sua resistência heroica não parece ter encontrado guarida nos amplamente
majoritários segmentos médios que, ou aderiram ao regime (por ideologia
ou pragmatismo), ou o temeram, ou se opuseram pelos canais institucionais
de participação por ele abertos, ou a ele se mostraram indiferentes,
construindo suas trajetórias de vida como se o arbítrio e a militarização do
país não lhes dissessem respeito. Setores majoritários das classes médias
haviam apoiado o golpe de 1964 em razão da “ameaça comunista”. Para
eles, os “terroristas” talvez não passassem de sobrevivência extemporânea
daquela ameaça. O país estava crescendo, afinal. Havia paz, afinal. O
“terrorismo” raramente era notícia em razão da censura prévia à
imprensa251, e quando aparecia nos jornais ou na televisão, era porque o
regime queria anunciar alguma vitória sobre “a subversão”, como no caso
paradigmático do assassinato de Carlos Marighela. No dia quatro de
novembro de 1969, emissoras de rádio e TV que transmitiam o jogo entre
Corinthians e Santos no Pacaembu deram a notícia da morte do “famoso
terrorista” (Gorender, 2003, ver p. 196). Consta que o triunfo do delegado
do Deops, Sergio Fleury, que comandou a operação e participou do tiroteio,
foi anunciado nos autofalantes do estádio no intervalo do jogo (Betto,
1982:4).
Sob o comando de Emílio Garrastazu Médici, empossado em outubro de
1969 depois de breve governo da Junta Militar que assumira o poder em
agosto em razão da doença e morte de Costa e Silva, parte substancial da
imprensa escrita, meios de comunicação e governo se associaram em eficaz
sistema de propaganda política, que teve importante papel na construção da
imagem da ditadura como um regime que, com ordem e segurança, estava
trazendo o progresso à nação e, alegava-se, preparando o terreno para o
retorno da democracia plena, agora livre da “subversão”.
Um dos muitos veículos desse arranjo foi a Assessoria Especial de
Relações Públicas (AERP), da Presidência da República, criada ainda no
governo Costa e Silva para centralizar os órgãos oficiais de propaganda.
Sob Médici a AERP tornou-se a agência “de R[elações] P[úblicas] mais
profissional que o Brasil já vira. Uma equipe de jornalistas, psicólogos e
sociólogos decidia sobre os temas e o enfoque geral, depois contratava
agências de propaganda para produzir documentários para TV e cinema,
juntamente com matéria para os jornais.” (Skidmore, 1988:221). RP, aqui,
deve ser lido como um eufemismo para propaganda política, a real função
da agência. Seu objetivo manifesto era “motivar a vontade coletiva para o
esforço nacional pelo desenvolvimento” (Fico, 1997:94), usando para isso,
além de imagens, filmes e documentários, enérgicas mensagens de
otimismo. São da lavra da equipe da AERP frases como “Ninguém segura
este país”, “Brasil, conte comigo”, “Povo desenvolvido é povo limpo” (esta
acompanhada pelo personagem “Sujismundo”), que marcaram
profundamente a identidade do governo Médici e do “milagre brasileiro”. A
AERP e seu ufanismo foram, ainda, inspiração para agências de publicidade
e para a propaganda de inúmeras empresas, ajudando a construir a
identidade do “milagre”252.
Como foi dito, os meios de comunicação em geral e a imprensa escrita em
particular tiveram papel relevante na construção dessa identidade. O jornal
paulista Folha da Tarde tornou-se porta-voz da Operação Bandeirante
(OBAN), centro paramilitar de tortura financiado por empresários paulistas,
apresentando como matéria jornalística própria os boletins oficiais da
OBAN, que noticiavam os “atropelamentos” e “suicídios” de “subversivos”
mortos na tortura ou assassinados (Kushnir, 2004). A revista Manchete
esteve entre os principais divulgadores do regime, louvando seus feitos de
maneira ufanista e bombástica (Martins, 1999). Uma vista d’olhos nas
capas de Veja no ano de 1972 revela que, com exceção de uma capa sobre a
má distribuição de renda e outra sobre inflação, 33 das remanescentes 50
capas tinham mensagens positivas sobre o país, as 17 restantes sendo
neutras ao retratar, em sua maioria, temas da política internacional. Sete
capas são ocupadas por agentes do governo: Médici em duas ocasiões,
Costa e Silva em outra, Delfim Netto e outros ministros, sempre
apresentados de forma favorável e por vezes reverente. Os feitos do país no
comércio exterior, o desempenho da Petrobras, a grande celebração do
retorno dos restos mortais de Dom Pedro I ao país no Sesquicentenário da
Independência comemorado naquele ano, o aumento do consumo pelas
classes médias, se nada disso é apresentado no mesmo tom ufanista de
Manchete, o jornalismo de Veja não era neutro, estando quando menos,
afinado com o clima de otimismo difundido pela AERP, que era, como dito
em nota, secundado pelo material publicitário privado publicado na revista25
3.

Já se apontou que 1968 deu início ao “milagre brasileiro”, e o crescimento


econômico sob Médici (que chegou a quase 14% em 1973) foi fruto de um
conjunto de políticas de investimento ancorado, prioritariamente, na grande
agricultura de exportação, responsável pela geração das divisas necessárias
ao financiamento da expansão industrial (Macarini, 2005). O plano
desenhado por Delfim Netto incluiu política monetária expansionista (e
inflacionária), política fiscal tal que garantisse liquidez às empresas, taxas
de juros reais abaixo de 10%, farto crédito rural (que dobrou entre 1970 e
1973), isenção de impostos na importação de máquinas e equipamentos sem
similares nacionais, dentre outras medidas de estímulo ao investimento
privado, enquanto o investimento público crescia 12,2% ao ano e o das
empresas estatais, 27,7% ao ano (idem:76). E é preciso acrescentar pelo
menos dois aspectos decisivos da política de crescimento, não mencionados
pelo autor citado: o arrocho salarial, pelo qual o salário mínimo foi mantido
estável em torno de R$ 700,00 (em valores de março de 2018254) entre
janeiro de 1969 a dezembro de 1974, valor 30% inferior à média do período
JK, apresentada no capítulo anterior; e a vista grossa do Ministério do
Trabalho e da Justiça do Trabalho em relação à burla da legislação
trabalhista pelas empresas, aspectos centrais da superexploração da força de
trabalho num plano de desenvolvimento que, paradoxalmente, se dizia
voltado para o crescimento do mercado interno.
Em 1973, perto de 63% da população ocupada recebiam até um salário
mínimo por mês. Até dois mínimos, ou menos de R$ 1.500,00 em valores
de março de 2018, ganhavam 80% dos ocupados. A renda concentrou-se de
forma espantosa, como mostra a tabela 7. Os 10% mais ricos se
apropriaram, neste ano de auge do “milagre”, de mais da metade da renda
total do trabalho. Os 1% mais ricos abocanharam um quinto do total.
Enquanto isso, os 40% mais pobres se apoderaram de apenas 8% do total. E
70% dos ocupados se apropriaram de apenas 24% da renda do trabalho255.
Ou seja, o 1% mais rico detinha quase a mesma renda de 70% dos
brasileiros.
A expansão econômica jamais igualada na história do país alimentou, uma
vez mais, o sonho de “Brasil grande” e a expectativa de que, até o ano
2000, o país entraria no rol dos países desenvolvidos (Macarini, 2005). E
esse sonho de prosperidade econômica, ancorado na superexploração do
trabalho, era embalado por discursos de valorização da família e de
exaltação ao “patriotismo” e ao dever cívico, valores que apelavam aos
setores mais conservadores das classes médias. O autoritarismo era
justificado pela necessidade de paz e segurança para o desenvolvimento,
quem estava contra era “inimigo do Brasil”.
Tabela 7: Distribuição da renda do trabalho em 1973

Renda apropriada pelos: %


1% mais ricos 20
5% mais ricos 38
10% mais ricos 54
70% mais pobres 24
60% mais pobres 17
40% mais pobres 8
Fonte: Tabulado a partir dos microdados da PNAD 1973

Ao mesmo tempo, o crédito fácil facultava às classes médias ascendentes


acesso ao bem-estar material, e não por acaso uma das capas de Veja de
1972 traz os dizeres “Carro: uma escolha cada vez mais difícil”; outra traz a
foto de uma dona de casa muito bem-vestida diante de uma gôndola de
especiarias, com o texto “A sedução do supermercado”; outra ainda informa
que os voos charter são a solução para o turismo, em alusão à demanda
crescente por viagens no país, não atendida pelos voos regulares das poucas
empresas em operação; e outra promove o sonho da TV em cores… Com
adesão da mídia impressa e televisiva, a ditadura seduzia as classes médias
ascendentes com os confortos da sociedade de consumo256, enquanto a
censura à imprensa e à cultura de um modo geral dificultava (ainda que não
impedisse completamente) que temas como pobreza, desigualdades sociais
e opressão política ganhassem o debate público257.
Em agosto de 1972, portanto em meados do quarto ano consecutivo de
crescimento econômico igual ou superior a 10%, o Ibope foi a campo medir
a satisfação dos paulistas com o governo Médici. E captou a mudança de
humor das classes médias em relação ao regime. As duas mil entrevistas
representativas da população do Estado revelaram que 90% da classe A/B,
86% da classe C e 80% da classe D estavam “Muito satisfeitos” com a
atuação do governo. Houve viés de classe na medida de satisfação, mas
muito pequeno: apenas 10 pontos percentuais distinguiam as classes mais
ricas da classe mais pobre, sendo que o grau de satisfação era muito alto em
todas elas. O viés de classe apareceu mais claramente na pergunta sobre
como a pessoa classificava o governo. O resultado está na tabela 8. A soma
dos que responderam “Ótimo” ou “Bom” em cada classe de renda resulta
em proporções quase idênticas aos que se disseram “Muito satisfeitos” na
pergunta anterior.
Tabela 8: Como classifica o governo Médici (ago. 1972)

Classes de renda
Estado de São Paulo
A/B C D
Ótimo 65 53 44
Bom 25 32 36
Regular 7 10 10
Fonte: Arquivo ibope_opp_pe_125_mr_0298 do AEL, p. 9

Mas o viés de classe fica mais evidente na queda das avaliações “Ótimo”
da classe A/B para a D, e no aumento da proporção de “Bom”. Na classe
A/B, que agregava a maioria das classes médias urbanas, “Ótimo”, com
65% das respostas, suplantou todas as outras opções somadas, mas na classe
D, a mais pobre, a soma de “Regular” e “Bom” suplantou “Ótimo” por dois
pontos percentuais. Esse padrão se repetiu em abril, julho e outubro do
mesmo ano, quando o Ibope fez a mesma pergunta a eleitores de Campinas,
Guarulhos, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e sete outras
cidades importantes do interior Paulista, além de Joinville e Blumenau, em
Santa Catarina. As classes médias estiveram, sempre, muito mais inclinadas
a considerar ótimo o governo Médici, a diferença da classe A/B para a D
podendo ultrapassar os trinta pontos percentuais258.
A boa avaliação do governo se refletia também na preferência partidária
dos paulistas de classe média. No interior do estado, 52% dos membros das
classes A e B pretendiam votar na Arena nas eleições para prefeito,
previstas para outubro de 1972. Na classe D a proporção foi bem menor, de
37% apenas. Na Região Metropolitana de São Paulo as proporções foram
46% e 36% respectivamente. Em ambas as regiões a proporção de pessoas
que não sabia em qual partido votaria era muito alta, estando acima de 40%
na RMSP. Ainda assim, a adesão à Arena não era desprezível, e a
alternativa “MDB” perdia de longe para os que não tinham opinião. E em
novembro de 1973, no auge do “milagre brasileiro”, mesmo no estado mais
tradicionalmente oposicionista, palco das maiores manifestações estudantis
de 1966 a 1968, 41% dos membros da classe A/B pretendiam votar na
Arena nas eleições para o Senado, previstas para 1974, contra 36% que
pretendiam votar no MDB. Na classe D as proporções foram de 29% e 56%
respectivamente259. A adesão ao regime, expressa na preferência partidária e
na avaliação do governo Médici, tinha evidente viés de classe, e eram as
classes médias as mais aderentes260.
Ainda assim, a adesão não era completa. Na mesma pesquisa de agosto de
1972, que avaliou o governo Médici, perguntados se, depois da
“Revolução”, o Brasil havia melhorado muito, pouco ou nada em áreas
como educação, saúde, habitação etc., na maioria dos temas relacionados
com infraestrutura econômica (energia, transportes, estradas e
comunicações) 80% ou mais dos paulistas consideraram que havia
melhorado muito, independentemente da classe de renda. Mas no quesito
“custo de vida”, 62% da classe A/B, 77% da classe C e 79% da classe D
consideraram que o país havia melhorado “pouco ou nada”. A inflação, que
Delfim Netto considerava um mal menor diante do desafio do
desenvolvimento (Macarini, 2005:68), continuava a fustigar as condições
de vida da população, e o repúdio a ela irmanava todos os estratos de renda,
sendo mais intenso entre os mais pobres.

Contra ditadores, eleições


A ditadura, como é sabido, manteve um verniz democrático. Os sindicatos
estavam sob severa vigilância (o “atestado de ideologia” para candidaturas
a eleições sindicais havia sido reinstituído por Jarbas Passarinho, quando
ministro do Trabalho e Previdência Social, em seguida à greve de
Contagem, de abril de 1968261), mas as eleições sindicais não foram
suspensas262. Do mesmo modo, ainda que milhares de cidadãos estivessem
com seus direitos políticos cassados263, houve eleições regulares para os
legislativos nos três níveis de governo e para as prefeituras municipais,
exceto as capitais e as cidades consideradas de “segurança nacional”
(próximas a fronteiras, estâncias hidrominerais etc.). Não se deve jamais
menosprezar o papel do teatro eleitoral como mecanismo de legitimação do
regime. Era em nome dele que os militares afirmavam que o país
caminhava para a normalidade democrática. Mas tampouco se deve
negligenciar o potencial disruptivo das energias sociais liberadas pelos
processos eleitorais, mesmo quando controlados.
Ora, havia sérios limites ao alistamento de candidatos “banidos”.
Ademais, o controle do regime sobre as máquinas administrativas nos três
níveis de governo era monumental. Com isso, em 1970, e com exceção da
Guanabara, a Arena venceu as eleições legislativas em todo o país, com
larga margem de votos, tanto para o Senado quanto para a Câmara Federal,
e também para os legislativos estaduais. Contudo, e este é o ponto decisivo,
aquele foi o ano de maior “alienação eleitoral” na eleição para a Câmara
Federal desde 1945 (Santos, 1987:44-45). A soma dos eleitores que se
abstiveram de votar, votaram em branco ou anularam o voto atingiu 45,8%
dos eleitores inscritos, chegando a 60,8% na região Norte do país264. Parte
da explicação para a altíssima taxa de alienação eleitoral, jamais igualada,
reside, segundo interpretação corrente, na apatia do MDB depois de 1969,
quando os militares reabriram o Congresso e o partido optou por exercer
oposição moderada que, na prática, teria tornado o partido indistinto da
Arena. Ele não era, pois, oposição real (Kinzo, 1988:128 e ss.; Velasco e
Cruz e Martins, 1983:47). Parece ter sido muito importante, também, a
pregação pelo voto nulo por parte das esquerdas clandestinas (tal como o
fizera o movimento estudantil em 1966) e de setores mais radicais do
mesmo MDB (Kinzo, 1988:134-135). A autora menciona ainda a repressão
dias antes da eleição, quando apenas em São Paulo pelo menos duas mil
pessoas foram presas, dentre elas candidatos do MDB (idem:246, nota 37).
Aceitando como plausíveis essas razões para a alienação eleitoral, eu
gostaria de trazer contribuição original ao debate. Em seu Crise e castigo,
Wanderley Guilherme dos Santos analisa a evolução da alienação eleitoral
tomando por base a eleição para a Câmara dos Deputados. Porém, parece-
me que a dinâmica subjacente ao comportamento eleitoral daquele ano
torna-se mais clara quando se avaliam as eleições para o Senado. Os
brasileiros não podiam escolher os governadores dos estados nem o
presidente da República. Votavam para compor os legislativos e as
prefeituras municipais, com as exceções já mencionadas. Ora, a única
eleição majoritária realmente importante era a senatorial. Mas havia muitas
limitações à livre expressão da vontade popular, como a censura à imprensa,
a proibição de debates públicos entre os candidatos, a reiterada cassação
dos direitos políticos de milhares de cidadãos e a constante ameaça de
intervenção no parlamento, em caso de desvio dos objetivos da
“revolução”, ameaça reiteradamente cumprida. Tudo isso parece ter
reduzido a “confiança no significado político das eleições” (Santos,
1987:46).
Essa última interpretação denota que o eleitor deixou racionalmente de
exercer seu direito de escolha, tendo em vista a ineficácia prevista do voto
como mecanismo de seleção de elites políticas. Parece-me, porém, que o
argumento se aplica muito bem a uma parte das abstenções (que
denominarei voluntárias, sendo as involuntárias tratadas mais adiante) e aos
votos em branco, sendo estes últimos uma forma de abstenção (igualmente
voluntária) dos que, estando obrigados por lei a votar, apenas apanham a
cédula das mãos do mesário e a colocam na urna, com isso desobrigando-se
de uma tarefa da qual de outro modo se absteriam. Mas o argumento de
Santos não se adapta bem ao voto nulo. Nele, não é apenas o significado
político da eleição que está em jogo. O voto nulo é um voto que contesta o
próprio mecanismo eleitoral como meio de seleção de elites políticas, num
ambiente no qual esse mecanismo foi desvirtuado pelas restrições
ditatoriais, tornando impossível a real manifestação da soberania popular. O
voto nulo, numa palavra, é o protesto do eleitor soberano, de quem a
soberania foi conspurcada. Sugiro aqui que a alienação eleitoral de 1970
deve ser lida não apenas como julgamento racional sobre a ineficácia do
voto num ambiente de restrição de liberdade, mas também como protesto
mudo, nem por isso ineficaz, contra o estado de coisas do regime. Ela teve o
mesmo caráter do voto nulo numa eleição “normal”. A tabela 9 é o
principal suporte a essa interpretação.
Por ela vê-se que a alienação eleitoral nas eleições para o Senado em 1970
chegou à espantosa cifra de 68% dos eleitores registrados. Destes, 10%
foram votos nulos, 35% brancos e 22,5% abstenções. A proporção de votos
nulos na Guanabara chegou a 30%, e a 21% em São Paulo. Ou seja, brancos
e nulos compuseram 66% da taxa de alienação, o outro terço sendo
composto pelas abstenções. A Arena elegeu 41 senadores e o MDB cinco,
sendo três na Guanabara, um no Rio de Janeiro e um em São Paulo. Em
1966 a Arena havia eleito vinte senadores e o MDB 4. Com isso, após a
eleição de 1970 o regime passou a contar com uma base no Senado de
quase 90% (59 de 66 senadores). Tal massacrante maioria foi obtida, porém,
com os votos de apenas 32% dos eleitores.
As cifras de 1970 são muito distintas das obtidas nas eleições de 1966 e
1974, tanto no que respeita ao montante da alienação eleitoral quanto à
distribuição interna das categorias “alienadas”. Em 1966 a taxa de alienação
foi de pouco menos de 40%, ainda bastante alta num país de voto
obrigatório. Porém, 58% desse total decorreram de abstenções. Os votos em
branco foram 9,7% do total, e os nulos, 5,8%. A campanha pelo voto nulo
por parte do movimento estudantil, naquele ano, teve apelo apenas onde o
ME era mais forte: Guanabara (15,3%), São Paulo (14,3%) e Rio de Janeiro
(10,4%). As abstenções responderam pela maior parte da alienação também
em 1974. Com taxa de alienação de 31%, 61% dela deveram-se aos que não
compareceram para votar, sendo os votos nulos apenas 15% do total, e os
brancos, 24%.
Ou seja, nessas duas eleições a alienação foi, sobretudo, resultado do não
comparecimento do eleitor às votações. Num país de altíssimas taxas de
migração interna como o Brasil, a abstenção eleitoral nem sempre denota
recusa do eleitor em votar. Ela nem sempre é voluntária. Boa parte dela é
composta de eleitores fora do domicílio eleitoral no dia da eleição: eleitores
em viagem, migrantes que não regularizaram sua situação eleitoral no
destino etc. Por exemplo, em 1970, segundo dados do Censo Demográfico,
cerca de 32% dos brasileiros moravam fora do município onde haviam
nascido. Destes, 18% estavam há um ano ou menos no município
atualmente habitado.
É provável que parte considerável dessas pessoas não tivesse regularizado
sua situação eleitoral, sobretudo porque metade dos migrantes era de
origem rural (dados do Censo tabulados para este estudo). Além disso,
migrantes rurais talvez estivessem alistados em suas regiões e participassem
dos pleitos mesmo sendo analfabetos, nos conhecidos esquemas de
clientelas partidárias que marcaram a história do país. Uma vez nas cidades,
esses eleitores dificilmente conseguiriam se alistar ou mudar seu domicílio
eleitoral. Seu não comparecimento também era computado como abstenção.
Proporção de abstenções difícil de mensurar compunha-se de eleitores
mortos, mas ainda constantes das listas da Justiça Eleitoral, de correção
morosa e complexa, sobretudo nos estados mais pobres e regiões
geográficas menos acessíveis. Outra proporção incluía os muito velhos, os
doentes e outros incapacitados, e pessoas encarceradas que ainda não
tiveram seu registro suspenso pela Justiça Eleitoral.
Para todas essas pessoas, que provavelmente compunham a maioria dos
que não compareceram às urnas, a abstenção não era manifestação de
preferência ou protesto eleitoral. Ela era (e é ainda hoje) involuntária. Pois
nas eleições de 1966 e 1974 as abstenções responderam por 60% ou mais da
alienação. Deu-se o inverso em 1970.
Tabela 9: Taxa de alienação eleitoral nas eleições para o Senado Federal.
Brasil, 1966, 1970 e 1974

Taxa de alienação eleitoral


Unidade da Federação
1966 1970 1974
Norte
Acre 31,0 37,5 25,8
Amazonas 51,0 71,5 47,7
Pará 48,8 81,1 40,7
Centro-Oeste
Mato Grosso 45,3 66,2 41,5
Goiás 38,6 65,7 33,4
Nordeste
Alagoas 41,9 60,9 37,2
Bahia 43,9 78,5 48,0
Ceará 55,7 65,9 31,2
Maranhão 31,3 56,1 56,3
Paraíba 32,0 43,3 31,0
Pernambuco 40,1 71,6 32,3
Piauí 39,3 71,4 38,5
Rio Gde. do Norte 35,4 67,2 28,5
Sergipe 37,4 68,9 29,7
Sudeste
Espírito Santo 37,5 53,4 33,5
Guanabara 34,9 71,6 26,8
Minas Gerais 46,4 78,8 39,6
Rio de Janeiro 43,8 72,5 33,2
São Paulo 37,7 67,0 21,2
Sul
Paraná 31,0 70,2 33,4
Rio Gde. do Sul 32,0 41,5 21,2
Santa Catarina 28,5 68,2 24,3
Brasil 39,6 67,5 31,3
Fonte: TSE

Por fim, lembre-se que em 1970 foram renovados dois terços do Senado,
enquanto em 1966 e 1974 estava em jogo apenas um terço das cadeiras. O
eleitorado “alienou-se” no momento crucial de definição da maioria naquela
casa, numa circunstância em que o voto de cada qual talvez tivesse mais
chance de “vencer”, ou ser eficaz, já que seriam eleitos dois senadores. Isso
quer dizer que, se a Arena obteve “vitória esmagadora” entre os que
votaram, o regime foi obviamente derrotado, já que mais de dois terços dos
brasileiros se recusaram a participar da farsa eleitoral. Fenômeno
semelhante parece ter ocorrido em 1972, quando o partido da ditadura
obteve vitória avassaladora nas eleições municipais, conquistando mais que
o dobro dos votos do MDB e elegendo 90% dos prefeitos do país e
proporção semelhante de vereadores265. Ambas as vitórias, porém, foram
maculadas pelo descrédito da maior parte do eleitorado nas eleições, num
regime no qual estas eram a única forma permitida de participação política.
Participar não fazia pouca ou nenhuma diferença nos destinos de cada qual,
naquilo que eles dependiam das decisões políticas do regime, que eram
totalmente indiferentes aos “eleitos”.
Essa interpretação exige que se leia cum grano salis o argumento corrente
segundo o qual o MDB foi “fragorosamente derrotado” nessas eleições (e.g.
Kinzo, 1988:133 e ss.). A vitória eleitoral do regime (e consequente derrota
eleitoral do MDB), mais claramente no Senado, mas também na Câmara
Federal, na qual, como vimos, a taxa de alienação ultrapassou os 45% (com
a Arena arrebanhando 72% das 310 cadeiras), trouxe com ela inequívoco
sabor de derrota política. As eleições tinham sido mais propriamente um
teatro farsesco, incapaz de cumprir a função que o regime dela esperava:
sua legitimação como uma “democracia”.
Seja como for, as classes médias jogaram o jogo da ditadura em maior
proporção que as outras classes, ao menos no estado de São Paulo. Como já
visto, era muito maior entre elas a propensão em votar na Arena nas
eleições de 1972. Mas também entre elas era grande a parcela que não sabia
em quem votaria, enquanto porção minoritária pensava em votar no MDB.
Também aqui, a heterogeneidade interna a essas classes impede que se as
trate como um ator coletivo coeso ou homogêneo.

Classes médias e a “distensão”


Depois das derrotas eleitorais em 1970 e 1972, e em resposta a pressões de
novas lideranças da ala dos denominados “autênticos”, o MDB mudaria sua
estratégia oposicionista, lançando em 1973 o “anticandidato” Ulysses
Guimarães à “eleição” presidencial, que na verdade não passava do
referendo, pelo parlamento dominado pela Arena, do presidente
previamente escolhido pelos militares. O objetivo não era disputar a
eleição, mas expor, agora sim de maneira intencional, a farsa da
“democracia” do regime. O discurso de Ulysses na convenção do partido
que aprovou seu nome e o de Barbosa Lima Sobrinho como vice, “em uma
reunião considerada pela imprensa como ‘a principal manifestação política
da oposição desde 1968’” (Kinzo, 1988:146), foi contundente. O
“anticandidato” anunciou que correria o país
para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o
Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e
condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta
clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a Nação pela censura à
Imprensa, ao Rádio, à Televisão, ao Teatro e ao Cinema [apud Kinzo, 1988:146-47].

E a campanha parece ter sido bem-sucedida ao criar “um meio de


comunicação com a opinião pública” (idem:151) que participou dos
comícios e reuniões promovidos pelos “anticandidatos”.
O fato de a ditadura Médici ter permitido a campanha (embora tivesse
alertado os canais de rádio e televisão de que não permitiria contestação
aberta ao regime, o que impediu que ela tivesse a visibilidade que
eventualmente obteria) mostrou que talvez fosse crível a intenção manifesta
pelo “candidato” e depois presidente “eleito” em janeiro e empossado em
março de 1974, Ernesto Geisel, de iniciar um processo de distensão política.
É sabido que Geisel temia que o Brasil passasse ao mundo a imagem de
uma “ditadura de partido único” (Gaspari, 2003:453-54), ou totalitária. Essa
foi uma das razões pelas quais ele preferia que as eleições gerais de 1974
não repetissem as de 1970. Mas no início do ano e ao longo do primeiro
semestre, não apenas o presidente, mas também a imprensa tinha certeza de
que a Arena venceria novamente as eleições, e igualmente por larga
margem de votos.
Certo da vitória, Geisel investiu pesadamente [nas] eleições [de 1974], que deveriam
desempenhar um papel crucial na efetivação de seu projeto: confirmado nas urnas o apoio
popular à “obra da revolução”, o ano seguinte seria dedicado à tarefa de institucionalização do
regime, às esperadas reformas. […] [Para isso], era necessário que a oposição se envolvesse sem
reticências no pleito e, dadas as garantias oferecidas, aceitasse de bom grado as evidências de sua
futura derrota [Velasco e Cruz e Martins, 1983:49].

O governo investiu no convencimento da população, veiculando intensa


propaganda sobre a importância das eleições e do comparecimento às urnas.
Os controles sobre a mídia foram relaxados e a campanha eleitoral
transcorreu em ambiente de relativa liberdade de expressão, incluindo
debates entre os candidatos ao Senado em vários estados. O “novo” MDB
do contundente discurso de Ulysses Guimarães de 1973 ganhou as ruas. E
seguindo à risca a tese de Santos (1987:45), segundo a qual “quanto maior a
credibilidade do processo político formal, menor será a taxa de alienação
eleitoral”, a população foi em peso às urnas, produzindo diminuta taxa de
alienação na eleição para o Senado, com votos brancos e nulos
representando apenas 12% do total e as abstenções, 19%. Para surpresa dos
que haviam vaticinado nova “derrota fragorosa”, o partido oficial de
oposição conseguiu 16 das 22 vagas em disputa no Senado, e 160 das 364
vagas em disputa na Câmara Federal. Nesta casa, o número de cadeiras do
MDB quase dobrou, e de insignificante minoria atingiu 44% da
representação, proporção que chegou 32% no Senado266.
A ampla alienação eleitoral de 1970 permite sustentar a hipótese de que
parcela expressiva das classes médias também participou da ação coletiva,
não coordenada, de repúdio à farsa daquelas eleições. Do mesmo modo, a
enorme participação nas eleições de 1974 também permite supor que
segmentos importantes daquelas classes sufragaram os candidatos
oposicionistas, tanto para a Câmara quanto para o Senado. No caso desta
última Casa, Orestes Quércia recebeu 73% dos votos dos paulistas e Danton
Jobim, 71% dos votos dos eleitores da Guanabara. No Rio de Janeiro e no
Rio Grande do Sul, Roberto Saturnino Braga e Paulo Brossard foram
sufragados por mais de 60% dos eleitores, conforme dados do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE).
A grande votação no MDB acendeu uma luz amarela nas intenções da
ditadura Geisel de distender o regime. O voto fora, claramente, plebiscitário
(Lamounier, 1988:111 e ss.). O regime havia sido julgado e perdera no
coração econômico e político do país, e também em boa parte de sua
periferia.
É indubitável que setores das classes médias engrossaram o manancial de
onde o MDB obteve seus votos, estando, portanto, em linha com o
emergente espírito de época constituído pela perspectiva de abertura do
regime267. Por que as classes médias, ou uma parcela delas, decidiram votar
nos candidatos de oposição à ditadura? A pergunta exige escrutínio
cuidadoso, pois as classes médias, sobretudo seus estratos superiores, se
mostraram, em momentos-chave da história do Brasil, dispostas a trocar sua
liberdade pela garantia de segurança material268. O medo do “comunismo”
(sinônimo de qualquer projeto desviante do conservadorismo liberal) deve
ser lido também nesta chave. Para parcelas menos esclarecidas e também
para setores mais conservadores das classes médias, os “comunistas” eram
ateus fanáticos que as obrigariam a distribuir sua renda e propriedade, além
de proibirem sua devoção religiosa, três preciosos pilares de sua muito
estimada segurança ontológica. Se, para manter sepultada essa ameaça, o
preço a pagar fosse a perda de liberdade numa dimensão de resto pouco
valorizada, como a da participação política, paciência269. A adesão à
democracia tinha, para essas parcelas médias, dimensão estritamente
pragmática.
Pode ser o caso de que esses segmentos médios tenham imaginado que,
em 1974, os “comunistas” tivessem sido dizimados, já que era o que
pregava a propaganda ufanista do regime. De outro modo este não teria
permitido a liberdade de expressão, mesmo que vigiada, que vigorou na
campanha eleitoral. E se havia candidatos de oposição que a ditadura não
cassara, matara, prendera ou banira, então era porque eles não eram
“comunistas”. O comparecimento massivo às urnas e o voto dessa parcela
das classes médias nos candidatos do MDB (onde mais provavelmente
ocorreu, isto é, nos quatro estados mencionados), podem ser lidos como um
recado: as restrições à liberdade das próprias classes médias e seus filhos
talvez já não fossem necessárias. O jogo eleitoral estava sendo jogado
dentro das regras do próprio regime e nos limites impostos por ele. Desde
que a ditadura continuasse oferecendo segurança material e garantia contra
o risco de proletarização, essas classes médias pareciam dispostas a
referendar a democracia tutelada oferecida por Geisel, com seu projeto de
distensão “lenta, gradual e segura”. Para estas, o voto teria sido de apoio ao
projeto político mais geral de distensão, ainda que esse apoio se tenha
expressado na negação do apoio eleitoral aos candidatos do regime.
Formulando de forma mais precisa: sugiro a hipótese de que o projeto de
“distensão lenta, gradual e segura” de Geisel e seu grupo, particularmente o
general Golbery do Couto e Silva, representava os interesses das parcelas
mais conservadoras das classes médias que sufragaram os candidatos do
MDB em 1974. Para elas a liberdade de escolha era muito bem-vinda e
talvez valorizada, e isso não queria necessariamente dizer que estivessem
descontentes com os rumos do regime. Ao contrário. Poder votar na
oposição mostrava que o governo não era tão ditatorial assim. Era possível
votar na oposição e ao mesmo tempo ser leal à direção dada à distensão,
isto é, ser leal ao “projeto da revolução”. Há aqui uma dialética do
consentimento, trazida a lume pela dinâmica eleitoral, forma efetiva de
participação política. A preferência por um candidato de oposição expressa
adesão política aos destinos da “revolução”, por meio da valorização de um
procedimento: eleições competitivas, desde que tuteladas.
Ainda assim, esse voto não deixa de surpreender. Os controles do regime
sobre a imprensa e as manifestações culturais, ao lado da intensa
propaganda em torno do “Brasil grande”, em conjunto com os mecanismos
de repressão oriundos dos Atos Institucionais e de decretos como o 477, que
amordaçava a classe média universitária, devem figurar em qualquer
tentativa de dar inteligibilidade à (nem sempre constrangida) aquiescência
de amplos segmentos das camadas médias (e também populares) ao regime
militar-civil270. Mas não são suficientes. Parte adicional da explicação
repousa, como já se disse, na sedução da sociedade de consumo e no bem-
estar material que as classes médias começavam a desfrutar. Mas havia
mais.
A ditadura deu passagem ao mais profundo processo de mudança social da
história do país, num espaço muito curto de tempo. A exuberância do
capitalismo oligopolista, dominado por grandes corporações multinacionais
em associação com grandes capitais nacionais e com o Estado, que gerou
quase uma década de crescimento “em marcha forçada” (Castro e Souza,
1985), produziu uma revolução na estrutura econômica, na divisão social do
trabalho e, com elas, na estrutura de classes. O crescimento das classes
médias foi vigoroso, como mostrou Quadros (1985), e ele decorreu da
ocupação das novas posições médias assalariadas do capitalismo em
expansão por parte de pessoas oriundas das classes populares que
conseguiram galgar o sistema educacional, por filhos dos segmentos mais
abastados da burguesia rural e também por filhos das classes médias
urbanas tradicionais, que tinham trajetórias urbanas há muitas gerações
(Pastore 1981; Pastore e Silva, 2000). O regime militar, ao promover o
crescimento do emprego de classe média, tanto público quanto privado,
abriu amplas oportunidades de ascensão social, permitindo, com isso, que
as parcelas da população beneficiadas pelo “progresso” associassem seu
próprio destino ao destino do “Brasil que vai pra frente”. O sonho do
“Brasil grande” representava o projeto individual e familiar de amplos
segmentos das classes médias em ascensão (Velho, 1973; Salem, 1986). E
tal como ocorrera nos anos 1960 e voltará a ocorrer nos anos 2010, a
frustração dessas expectativas desempenharia papel central na estruturação
do julgamento dessas classes a respeito do próprio regime e seus métodos
de construção da prosperidade271, ancorados na restrição da liberdade.
A frustração de expectativas das classes médias se acentuaria nos anos
seguintes, mas tudo indica que já estava presente nas eleições de 1974. É
fato que, apesar do primeiro choque do petróleo ter provocado mudanças
nos planos governamentais de continuar crescendo de forma vigorosa,
naquele ano o país ainda cresceu 8,2%. É fato, também, que, enquanto o
mundo começava a se ajustar às restrições adicionais impostas pelo
rompimento do padrão ouro pelos Estados Unidos, o Brasil de Geisel
decidira “fugir para a frente”, na feliz formulação de Fiori (1989).
Cresceríamos a todo custo por meio do investimento público financiado por
endividamento público e poupança internacional, ainda disponível a juros
baixos. E esse crescimento, obviamente, apelava aos anseios das classes
médias urbanas. Mas havia um problema sério para a sustentação da
legitimidade do regime no âmbito dessas classes: a inflação. Sempre ela.
Em 1974 o índice de preços chegou a 27%, contra 15,5% do ano anterior272.
Para as classes médias assalariadas ou autônomas que não tinham sua renda
indexada ao salário mínimo, o ano foi de arrocho salarial. Sua segurança
material estava em risco. A ditadura já não garantia um dos pilares mais
importantes de sua segurança ontológica.
Para essas camadas médias, e para seus segmentos mais esclarecidos e
intelectualizados, assim como para amplas parcelas da população, incluindo
as classes médias assalariadas mais baixas, que sofriam com o arrocho
salarial e com a repressão aos sindicatos, a “democracia” eleitoral tutelada
pelo AI-5 era, ainda, uma ditadura273. Para essa maioria, o voto no MDB foi
propriamente plebiscitário, expressão de repúdio ao regime. Mas o
plebiscito, vale repetir, não esgota o significado do voto de classe média na
oposição. Parece ter havido, também, a sugerida dialética do consentimento.
A “distensão lenta, gradual e segura” arquitetada por Geisel e seu grupo
parecia ter encontrado nas eleições trilha segura por onde marchar‐
(Lamounier, 1988), e se ela havia se provado arriscada em 1974, tratava-se,
do ponto de vista de seus artífices, de impedir que o risco se materializasse
nas eleições seguintes, sem, contudo, deixar de levar adiante o projeto de
transição controlada. Como a literatura sobre o tema não cansou de
demonstrar, o principal inimigo desse projeto não era a oposição
consentida, nem a luta armada agora derrotada, muito menos as forças
sociais ainda contidas pelo AI-5, como os movimentos estudantil e sindical,
e também a imprensa274. O principal inimigo era a “linha dura” das forças
armadas, que conspiraram de muitas maneiras para impedir que o projeto
tivesse êxito (Velasco e Cruz e Martins, 1983; Lamounier, 1988; Gaspari,
2003).
Apesar de evidências oferecidas pioneiramente por D’Araujo e Castro
(1997), foi preciso esperar a publicação da importante pentalogia de Elio
Gaspari sobre a ditadura para que o país tivesse acesso a provas materiais
(na forma de diálogos registrados por interlocutores, notas e bilhetes de
próprio punho e outras) de que Geisel, Golbery e demais artífices da
“distensão” sabiam do (e aprovavam o) emprego generalizado e sistemático
da tortura e dos assassinatos de dissidentes nos “porões” do regime. Até a
revelação dos diálogos de Geisel com interlocutores nos quais ele afirma
que torturas e assassinatos de “subversivos” “são uma barbaridade, mas
precisam continuar”, era comum a interpretação de que a cúpula militar
governante havia “perdido o controle” sobre os órgãos e os agentes da
repressão, que agiam por conta própria. O próprio Gaspari, no segundo
volume de sua importante obra (A ditadura escancarada) usa o termo
“caótico” para se referir ao modo de operação dos Doi-Codi e demais
organismos das três forças armadas, incluindo o Serviço Nacional de
Informação (SNI) e o Centro de Inteligência do Exército (CIE), tocados
pelo que ele chama de “tigrada”. Porém, ao revelar, no volume terceiro (A
ditadura derrotada) que o Planalto conhecia e aprovava os métodos dos
“porões” (por exemplo, Gaspari, 2003:387-388), termos como desordem,
descontrole e autonomia empregados pelo autor para se referir à ação dos
“porões” deixam de fazer sentido. As forças armadas se consideravam em
guerra contra a “subversão” e o “terrorismo”, que, por “sedicioso”,
clandestino, guerrilheiro, não podia, para os militares, ser combatido como
numa guerra convencional. E com essa interpretação cometeram crimes
que, numa guerra convencional, levariam muitos deles à corte marcial e à
condenação internacional por crimes contra a humanidade. Afirmar que os
“porões” eram “autônomos” e agiam “informalmente” é eximir de
responsabilidade o comando militar do país instalado no Planalto, em nome
de quem assassinos e torturadores como o então major Carlos Alberto
Brilhante Ustra e o delegado Sergio Paranhos Fleury agiam275.
Esta parte do livro já estava escrita quando, em maio de 2018 e pelas mãos
do jornalista Matias Spektor, veio a público documento da CIA onde se lê
que no dia 30 de março de 1974, portanto no início de seu governo, Geisel
foi informado pelo general Milton Tavares de Souza, que deixava o
comando do Centro de Inteligência do Exército (CIE) que, “durante o
último ano mais ou menos”, derradeiro da ditadura Médici, 104 presos
políticos tinham sido sumariamente executados no CIE. O general João
Baptista Figueiredo, recém-nomeado chefe do SNI por Geisel, disse que a
política deveria continuar. Geisel hesitou, mas no dia 1o de abril disse a
Figueiredo que concordava com os assassinatos, que deveriam se restringir
a “subversivos perigosos”. E ordenou que, antes das execuções, o CIE
deveria consultar diretamente Figueiredo276. Esse documento joga por terra
a distinção de Gaspari e da maioria dos analistas do regime até então, entre
os “porões”, violentos e autoritários, e o comando da “revolução” instalado
no Palácio do Planalto.
Trago esse tema porque os mecanismos de repressão foram o campo
privilegiado de atuação da “linha dura” do regime, que, nesse sentido, foi
diretamente alimentada por Geisel, em lugar de combatida por ele. O
ditador caminhava no fio da navalha. Ao mesmo tempo em que procurava
impedir que os “duros” pusessem abaixo seu projeto de distensão, permitia
que agissem nos “porões” para dizimar, pelos meios necessários da “guerra
suja”,277 o inimigo interno, com isso dando musculatura e recursos
institucionais para a oposição intestina ao projeto de distensão. E foram os
“excessos” da repressão que contribuíram para aprofundar o clima de
repúdio ao autoritarismo, inclusive entre amplos setores das classes médias.
Um dos mais importantes (por sua repercussão) “excessos” foi o
assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do Doi-Codi de
São Paulo em 25 de outubro de 1975. Vencida a guerra civil contra a
esquerda armada, o regime desencadeou a Operação Jacarta contra o que
restava do PCB, que sempre condenara a opção armada e, desde o final da
década de 1960, pregava a aliança das esquerdas com o MDB para
fortalecer a oposição institucional e forçar por vias eleitorais a abertura
política278. Vários jornalistas foram presos no mês de outubro, dentre eles
Vlado, nome de batismo do croata naturalizado Brasileiro, que não tinha
militância clandestina, era membro não militante do PCB e dirigia a TV
Cultura por indicação de José Mindlin, membro influente da alta burguesia
nacional e então secretário de Cultura do Estado. Morto sob tortura, a foto
(revelada ao sindicato dos jornalistas já no dia 27, como relatou Jordão,
1979) de seu corpo pendurado pelo pescoço num cinto amarrado na grade
de uma janela, presumivelmente de sua cela, foi a insígnia da ignomínia dos
métodos dos “porões”279. A morte provocou reações da Igreja Católica, de
jornalistas e seus sindicatos, de alguns políticos e, para surpresa da cúpula
militar, dos estudantes. Passeatas estudantis irromperam em vários estados,
muito particularmente em São Paulo, revelando que o movimento estudantil
não estava morto. Na verdade, ele vinha se organizando lentamente,
clandestinamente e em todo o país, apesar do Decreto 477, como veremos
mais adiante (v. tb. Cancian, 2010:63 e ss.; Müller, 2016:100-101).
Zuenir Ventura não tem dúvida “de que foi a partir do choque causado
[pelo assassinato de Herzog] – com toda a indignação e revolta que
espalhou – que a imprensa brasileira tomou coragem de avançar até o
horizonte do possível”280. Isto é, passou a testar os limites da “distensão” de
Geisel. Ele está certo em parte e errado em parte. A ditadura já vinha
acenando com o afrouxamento da censura à imprensa, e em janeiro
suspendera a censura prévia contra os jornais O Estado de S. Paulo e Jornal
da Tarde, da família Mesquita, e em março contra O Pasquim281. Jornais e
revistas continuavam sujeitos à ação repressiva uma vez disponíveis nas
bancas, e edições eram recolhidas sempre que algum membro da repressão
achasse que era o caso. Além disso, o regime continuava expurgando das
redações jornalistas considerados subversivos ou responsáveis por notícias
julgadas inaceitáveis. A revista Veja, por exemplo, cuja edição no 374 traria
uma cobertura sobre o assassinato de Herzog e a crise política que se
seguiu, foi proibida de fazê-lo. Nem mesmo a nota do II Exército pôde ser
publicada282. Com isso os grandes veículos continuaram acuados, ações
repressivas podiam representar prejuízos financeiros e prisões. A mudança
nas linhas editoriais dos órgãos da grande imprensa foi tímida. Kucinski
(2001), por exemplo, sustenta que Otávio Frias, proprietário do Grupo
Folha (editor de Folha de S.Paulo, Folha da Tarde e outros), temendo o
dissenso que se instalara na cúpula militar entre os adeptos da “distensão” e
a “linha dura” e tornara, na visão do empresário, imprevisível a reação
militar em relação à imprensa, preferiu não mudar a linha editorial
favorável ao regime. O mesmo pode ser dito de Veja, como mostrou
Gazzoti (1998). E já vimos que a Folha da Tarde, do mesmo grupo Folha,
era um porta-voz da OBAN.
A mudança tampouco atingiu os veículos da assim chamada imprensa
alternativa, ou “nanica”, que se multiplicaram nos interstícios da cena
jornalística e intelectual a partir de 1964 e que, em meados dos 1970, eram
a voz de muitos segmentos das classes médias de esquerda283. Jornalistas,
literatos, cientistas sociais e muitos outros profissionais da classe média
intelectualizada que haviam sido expurgados dos outros veículos, boa parte
ligados a clandestinos partidos de esquerda, encontraram nas páginas desses
jornais, espalhados por todo o Brasil, espaço para sobreviver e tentar se
opor ao regime militar-civil, tendo como audiência outros segmentos das
classes médias letradas. Eles também foram reprimidos. O mais popular foi
sem dúvida O Pasquim, que viveu por cinco anos sob censura prévia depois
da publicação, em 1968, de longa entrevista com a atriz Leila Diniz, que
falou com total desprendimento sobre sua intensa e libertária vida sexual. O
jornal Opinião, que, segundo Kucinski (2001:161), teve seu projeto inicial
submetido ao comitê central da Ação Popular (AP) em 1972 (fato
presumidamente ignorado por seu proprietário, Fernando Gasparian), viu
um censor ocupar sua redação já no segundo mês de existência, dezembro
do mesmo ano, e a partir de abril de 1973 passou a ser censurado
diretamente de Brasília, para onde a edição semanal tinha que ser enviada
para cortes antes de ir às bancas (Ferreira, 2001). Também o jornal
Movimento, fundado em 1975, fruto de um “racha” no Opinião, sofreu
censura prévia desde sua fundação até ser extinto em 1978284. O mesmo
ocorreu com a maioria dos que ganharam alguma expressão no arremedo de
esfera pública retoricamente aerada pela “distensão”, mas na prática
duramente policiada e reprimida.
Nenhum desses jornais pôde escrever sobre o assassinato de Herzog em
outubro de 1975. Os veículos da imprensa tradicional noticiaram o
“suicídio”. Na edição de 27 de outubro o jornal O Globo resumiu, na
primeira página, a versão oficial do II Exército: depois de admitir ser
membro do PCB, o jornalista, deixado a sós para escrever sua confissão,
teria se enforcado com um pedaço de pano. A Folha de S.Paulo deu muito
mais destaque à notícia no mesmo dia 27, em sua página 3. A cobertura
trazia uma foto 3x4 de Herzog e uma pequena biografia elaborada pelo
também jornalista e amigo de Herzog, Fernando Pacheco Jordão, e
distribuída aos jornais no dia anterior (Jordão, 1979); a nota do II Exército;
e também o manifesto do sindicato dos jornalistas de São Paulo, que
reclama das autoridades um fim a esta situação, em que jornalistas profissionais no pleno, claro e
público exercício de sua profissão, cidadãos com trabalho regular e residência conhecida,
permanecem sujeitos ao arbítrio dos órgãos de segurança, que os levam de suas casas ou de seus
locais de trabalho […] e os mantêm presos incomunicáveis […] em flagrante desrespeito à lei.
Trata-se de uma situação, pelas suas peculiaridades, capaz de conduzir a desfechos trágicos,
como a morte do jornalista Vladimir Herzog […]285.

Em editorial do dia 28 o jornal O Estado de S. Paulo afirmou que “é de


terrorismo que se trata quando se multiplicam as prisões sem mandado
judicial, ao arrepio da lei, à margem da ordem e baldadas todas as
possibilidades de habeas corpus” (apud Jordão, 1979:57). O jornal O Globo
voltou ao tema no dia 30, noticiando na página 5 o culto ecumênico
marcado para o dia seguinte na Catedral da Sé de São Paulo, convocado
pelo sindicado dos jornalistas e que recebeu apoio do cardeal dom Paulo
Evaristo Arns e do rabino Henry Sobel. Cerca de oito mil pessoas
conseguiram furar as quase 400 barreiras montadas pelo Exército e pela PM
no centro da capital paulista, na primeira grande manifestação desde o AI-5
(Dantas, 2012:299 e ss.). Ao final do culto, com a multidão deixando a
Catedral e a praça da Sé em completo silêncio, com isso evitando o
confronto previsto pelos militares, dom Helder Câmara, também presente
ao evento, teria comentado com dom Paulo: “A ditadura começou a cair
hoje” (idem:319). A repercussão nacional e internacional foi imensa
(idem:282-284).
Em dezembro os jornais veiculariam o resultado do Inquérito Policial
Militar que concluiu que Herzog havia se suicidado. Baseado em laudo
pericial forjado, o IPM foi contestado pela viúva Clarice Herzog, pela Igreja
Católica e parte da imprensa, movimentos que cresceram em dimensão nos
meses seguintes e se tornaram mais intensos em janeiro de 1976, quando
outro preso político, o operário Manoel Fiel Filho, foi torturado até a morte
nas dependências do mesmo Doi-Codi paulista (Gaspari, 2014:210 e ss.). O
assassinato não teve repercussão imediata na imprensa, mas coincidiu com
o manifesto assinado por 1.004 jornalistas, “Em Nome da Verdade”, no qual
se denunciava a farsa do IPM e se reclamava o esclarecimento do crime
contra Herzog286. Ou seja, os veículos de imprensa se abriam muito
timidamente, mas a categoria profissional dos jornalistas constituía sólida
corrente oposicionista, em nome da memória de Herzog.
A sequência de eventos levou Geisel, finalmente e depois de dezenas de
assassinatos sob tortura e desaparecimentos de presos políticos que, como
hoje se sabe, eram de seu conhecimento e aprovação, a afastar o
comandante do II Exército, Ednardo D’Avila Mello, a quem o Doi-Codi
estava subordinado. Pode ser que o ditador se tenha irritado com a morte de
dois “subversivos” sem prévio conhecimento de seu chefe do SNI, o
general Figueiredo. Nesse caso, a demissão do general Mello seria uma
forma de retomar o controle dos “porões”, o que permite ler com outros
olhos o editorial do jornal O Estado de S. Paulo, que, ao associar o
afastamento do general à morte do operário, condenou “a avalanche de
descalabros” finalmente contida pelo “gesto destemido do presidente”
(apud Gaspari, 2014:223-224). A imprensa empresarial, ao contrário de
testar os limites da “distensão”, como queria Zuenir Ventura, na verdade se
associava de forma explícita ao projeto gradualista de Geisel, eximindo o
ditador de responsabilidade pelos “excessos”. De qualquer modo, pela
primeira vez foi estampado nas páginas de um jornal até ali sob censura
prévia, que um general, comandante do II Exército havia sido responsável
por assassinatos sob tortura287.

A classe média estudantil, de novo


O assassinato de presos políticos não ligados à luta armada (um deles da
elite intelectual do país) expôs fissuras na arquitetura do regime. Ainda que
os “porões” estivessem sob o comando do Planalto, duas mortes em menos
de três meses, num país “em paz”, pareceu um risco para os artífices da
abertura “lenta, gradual e segura”, justamente pelo potencial que
apresentavam de galvanizar a oposição ao regime e a luta pelas “liberdades
democráticas”, lema que ganharia as ruas a partir do assassinato de Herzog
(Müller, 2016:101). E foi o que ocorreu: estudantes, igreja católica,
políticos e lideranças do mundo cultural se uniram, no culto ecumênico por
Herzog, num protesto mudo, mas contundente contra o assassinato do
jornalista.
Em 1975, passeatas e greves estudantis voltaram à cena da ditadura, ainda
que timidamente. Greves já vinham ocorrendo na USP desde o início do
ano contra cortes no orçamento da universidade, houve outras em Salvador,
Porto Alegre, Belo Horizonte e várias capitais, quase sempre contra os
jubilamentos de cunho político permitidos pelo decreto 477, mas também
em razão de aumentos de mensalidades (no caso de escolas privadas),
currículos defasados, cortes de verbas para a educação etc.288. E a
organização estudantil era visível. Os promotores do culto ecumênico da Sé
em favor da memória de Herzog, por exemplo, temiam que os estudantes
chegassem à Catedral em passeata, ou saíssem dela protestando contra a
ditadura, e o coronel Erasmo Dias, responsável pelo aparato repressivo,
tinha dado ordens à PM para atirar em quem se manifestasse (Gaspari,
2014:196). Pois os estudantes mostraram grande organização e disciplina:
eram a maioria dos presentes no culto ecumênico, e, seguindo orientação
dos organizadores do culto, saíram da igreja em grupos de cinco,
dispersando-se em silêncio (Dantas, 2012:317-319).
Apesar do crescimento do número de universitários no Brasil depois de
1968, em razão do aumento da oferta de vagas tanto nas escolas públicas
quanto nas privadas (Motta, 2014), o ensino superior continuava destinado,
majoritariamente, às classes médias e altas. Segundo a PNAD de 1976,
tabulada para este estudo, 80% dos estudantes universitários naquele ano
viviam em famílias com renda entre as 20% mais ricas da população,
estrato de 78% dos vestibulandos. Eram, pois, os filhos das classes médias e
altas que voltavam novamente às ruas em protesto contra o regime.
Parte da insatisfação da massa universitária de classe média tinha raízes
semelhantes às de dez anos antes: a deterioração da qualidade do ensino
superior e as restrições ao que agora passaria a ser demandado como as
“liberdades democráticas”. Assim, o Ibope foi novamente a campo em seis
capitais em maio e junho de 1976, ouvindo 500 universitários de
instituições públicas e privadas em cada cidade sobre os mesmos temas
investigados na pesquisa de 1966 analisada antes. À pergunta “Na sua
opinião, o ensino superior do Brasil está à altura das necessidades presentes
e futuras do país?”, a maioria (78,8% na média das seis capitais) respondeu
que não (tabela 10). Os mais críticos eram os estudantes das áreas
tecnológicas (engenharias, física, matemática etc.).
Tabela 10: O ensino superior está à altura das necessidades do país?
Seis capitais, 1976

Estudantes das áreas


Capitais % de “não”
tecnológicas
Recife 75,1 79,1
Salvador 84,7 93,5
Rio de Janeiro 74,0 78,0
São Paulo 81,6 79,3
Curitiba 80,3 85,8
Porto Alegre 77,0 74,6
Total 78,8 81,7
Fonte: pesquisa Ibope no AEL, arquivo ibope_opp_pe_140_mr_0303.pdf, várias páginas

Perguntados sobre as principais falhas do ensino superior, mais de 40%


reclamaram que os cursos não estavam adaptados às exigências do mercado
de trabalho, proporção que chegou perto de 50% no Rio de Janeiro. Mas tal
como na pesquisa de 1966, a má qualidade dos professores e das instalações
e equipamentos também foram apontadas como falhas do sistema,
respectivamente por um quarto e um quinto dos estudantes (tabela 11). Em
Curitiba a falta de professores competentes foi salientada por quase um
terço dos alunos. Desconectada do mercado de trabalho e deficiente em
recursos materiais e humanos, a universidade talvez não conseguisse
oferecer aos estudantes as qualificações necessárias para o sonho de
inserção econômica virtuosa e eventual mobilidade social.
Segundo a mesma pesquisa, a maioria dos estudantes achava que os
professores tinham boa formação cultural (71%), estavam atualizados com
a matéria que ofereciam (65%) e tinham boa formação técnica (61,5%).
Ainda assim, parece claro que entre 30% e 40% deles achavam o contrário,
ou seja, proporção bastante alta estava insatisfeita com a qualificação dos
professores. E apenas 57% achavam que eles demonstravam interesse em
transmitir conhecimento, enquanto 83% disseram que os professores não se
envolviam pessoalmente com os problemas dos alunos. Por fim, para 86%
da classe média estudantil pesquisada, os professores universitários
deveriam ser melhores do que eram. As piores avaliações em todos os
quesitos foram dos universitários de Salvador (média de 52% concordando
com os itens sobre qualidade dos professores) e Curitiba (58%), e as
melhores, do Rio de Janeiro (75%).
Tabela 11: Principais falhas do ensino superior brasileiro, segundo os universitários. Seis
capitais, 1976

Falta de Instalações e
Cursos não adaptados ao
Capitais professores equipamentos
mercado de trabalho
competentes inadequados
Recife 26,7 27,5 30,8
Salvador 19,2 25,9 41,9
Rio de
18,5 22,0 48,2
Janeiro
São
24,9 18,2 42,5
Paulo
Curitiba 31,4 18,0 42,1
Porto
27,4 19,8 43,1
Alegre
Total 24,7 21,9 41,4
Fonte: pesquisa Ibope no AEL, arquivo ibope_opp_pe_140_mr_0303.pdf, várias páginas
A insatisfação com o sistema universitário levava os estudantes a construir
perspectiva bastante realista sobre suas oportunidades de emprego e renda.
Às perguntas “Na sua opinião, o atual nível de desenvolvimento do Brasil
está permitindo aos profissionais universitários iguais possibilidades de
emprego” e “...iguais possibilidades de remuneração”, cujas alternativas de
resposta eram “Para todos”, “Para a maioria” e “Apenas para alguns deles”,
55% apontaram esta última no caso do emprego, e 64% no caso da
remuneração. Se, para a maioria, a universidade estava desconectada do
mercado de trabalho, este, por outro lado, era visto como recompensando
desigualmente as qualificações.
Isto não seria necessariamente um problema, tendo em vista o etos de
classe que valoriza a recompensa ao mérito, mecanismo de produção e
justificação das desigualdades sociais. Etos, aliás, que aflorou na pesquisa
em tela, mas não de forma unívoca. O Ibope fez a seguinte pergunta aos
estudantes das seis capitais: “Na sua opinião, o atual nível de
desenvolvimento econômico do país deveria permitir iguais possibilidades
de remuneração para todas as carreiras?” Quarenta e oito por cento dos
entrevistados responderam que não, as menores proporções ocorrendo em
Recife e Salvador (45%) e as maiores no Rio de Janeiro e em Curitiba
(51%). Os mais “igualitaristas” foram os estudantes das ciências humanas
(em torno de 56% responderam que as possibilidades de remuneração
deveriam ser iguais), e os menos igualitaristas os das áreas tecnológicas
(53% responderam que não deveriam). Ainda assim, é digno de nota que
cerca de metade da classe média estudantil das seis capitais mais
importantes do país (Belo Horizonte ficou de fora da enquete) considerasse
que o Brasil deveria dar possibilidades iguais de remuneração para todas as
carreiras universitárias.
Frustração de expectativas no presente em razão das percebidas
deficiências do ensino superior; perspectivas frustrantes quanto ao futuro
profissional tendo em vista o nível atual de desenvolvimento econômico do
país; visão de mundo ainda informada por projetos de superação das
desigualdades, possível combustível da militância política de esquerda: tudo
indicava que o espírito de 1968 continuava a rondar a vida universitária,
alimentando o mal-estar de segmentos da classe média estudantil no
momento em que o regime avançava, muito lentamente, em seu projeto de
abertura política. O assassinato de Vlado, que fora professor da Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da USP, acendeu o estopim, o de Manuel Fiel
Filho lançou o combustível.
Em março de 1976 estudantes da USP reconstruíram seu DCE, dando a
ele o nome de Alexandre Vannucchi Leme, estudante de geologia ligado à
ALN morto sob tortura pela ditadura em 1973. As tendências políticas mais
e menos à esquerda “Refazendo” (com origem no MR-8, na Ação Popular
Marxista Leninista (APML) e na ALN, “Caminhando” (ligada ao PCdoB),
“Liberdade e Luta” (trotskista), “Organizar a Luta” e “Alternativa” (ambas
com origem na POLOP e no Movimento de Emancipação do Proletariado,
MEP) disputaram a direção, vencida pela chapa “Refazendo”, num pleito
que mobilizou mais de 12 mil alunos da USP (Müller, 2016:104-123). As
correntes de esquerda derrotadas na luta armada voltavam novamente suas
energias para o movimento estudantil, e encontravam nele novos militantes
críticos tanto da ação pelas armas quanto do “pacifismo” do PCB que, nesse
momento, considerava que a resistência aberta ao regime poderia provocar
reação incontrolável da repressão e penalizar desnecessariamente a
militância estudantil que sobrevivera aos expurgos (Cancian, 2010:51-53).
Sob olhares atentos de agentes do SNI, das Assessorias Especiais de
Segurança e Informação do Ministério da Educação e Cultura (MEC-Aesi)28
9, dos Dops estaduais e de segmentos do próprio estudantado fieis à

ditadura, o movimento estudantil conseguiu realizar dois encontros


nacionais em 1976. O II Encontro Nacional dos Estudantes (ENE) ocorreu
em outubro na USP, e entre suas deliberações, que incluíam mais verbas
para a educação e o fim do arbítrio, esteve a campanha pelo voto nulo nas
eleições municipais daquele ano (Romagnoli e Gonçalves, 1979:21),
repetindo mobilizações anteriores, porém em conjuntura mais complexa e
desafiadora.
Isso porque a distensão “lenta, gradual e segura” provou-se projeto
sinuoso, embora não hesitante, sendo ponteado por medidas truculentas
com anuência do Planalto, como a caça permanente aos “comunistas”, que
teve no “Massacre da Lapa” ponto saliente. Nele, dois membros da cúpula
do PCdoB foram assassinados (Pedro Pomar e Ângelo Arroyo), e outros
oito foram presos e torturados no mesmo Doi-Codi onde morreram Herzog
e Fiel Filho. Esses mesmos órgãos de repressão estavam de olho nos
estudantes, tolerando o lento processo de reorganização em âmbito nacional
enquanto ele esteve confinado pelos muros das universidades. Mas em 1977
o movimento estudantil voltou às ruas, e a repressão a ele foi novamente
violenta e sangrenta.
Desfraldando a bandeira da volta das “liberdades democráticas”, o ME
deixou momentaneamente para trás o “abaixo a ditadura” de 1968. Como
bem marcaram Gaspari (2003), Cancian (2010) e Müller (2016), a nova
geração de estudantes já não tinha compromissos com as tradições da
esquerda oriunda dos rachas do PCB. Este partido, contrariamente ao que
imaginava o Dops paulista, por exemplo290, há muito perdera a ascendência
sobre os universitários. A maioria havia crescido sob o autoritarismo, não
trazia a memória da democracia anterior a 1964 e tinha os olhos voltados
para o futuro. Mesmo que as organizações da esquerda clandestina tenham
servido de esteio às “tendências” que dominaram o ME até a refundação da
UNE em 1979, seu objetivo maior passou a ser a democratização do país.
Isso ficou claro num manifesto de maio de 1977, distribuído no centro da
cidade de São Paulo pelos participantes da primeira passeata contra o
regime desde os idos de 1968, organizada pelos DCEs livres da USP e da
PUC-SP. O documento demandava o fim do AI-5, anistia ampla e irrestrita,
libertação dos presos políticos (dentre eles oito estudantes-operários presos
dias antes por serem membros de uma pequena organização operária e
terem distribuído convites para uma manifestação no dia 1o de maio), fim às
torturas, prisões e perseguições políticas, terminando com “pelas liberdades
democráticas”. Sinal dos tempos, o manifesto foi publicado na íntegra pela
Folha de S.Paulo no dia 6 de maio (p. 21), e também pela revista Veja, que
produziu extensa reportagem sobre as lideranças estudantis emergentes291.
Mas o Jornal do Brasil considerou, em editorial, que o Brasil
não está em condições de absorver testes de alta-tensão subversiva como esse, de comando
oculto que utiliza os universitários de São Paulo e que tem o objetivo de desencadear a
solidariedade violenta em todo o país para manter aquecida a atmosfera social [Jornal do Brasil,
07/05/1977:10].
Os estudantes estavam de volta às ruas, e com eles a repressão policial.
Mesmo estando as emissoras de rádio e televisão sob censura, tendo sido
proibidas, do dia 5 de maio em diante, de divulgar qualquer notícia sobre o
movimento estudantil em todo o país292, o ME convocou um “Dia Nacional
de Luta” pela anistia e as liberdades democráticas para 19 de maio,
conseguindo mobilizar cerca de 50 mil estudantes em várias partes do
Brasil (Cancian, 2010:103, citando reportagem da Veja). O governo federal
proibiu passeatas e protestos, instando os governadores dos estados a
reprimir atos públicos. A maioria das concentrações ocorreu dentro de
faculdades e universidades sitiadas pela polícia, mas onde ganharam as ruas
foram violentamente reprimidas. Novo dia nacional de luta foi convocado
para junho, mas teve menor adesão, depois do fracasso da tentativa de
realizar o III ENE em Belo Horizonte, que mobilizou as polícias e o
exército em vários estados para evitar a saída de caravanas estudantis rumo
à capital mineira. Mesmo com o enorme aparato repressivo montado pelo
então governador Aureliano Chaves, cerca de 400 estudantes conseguiram
se reunir no prédio da faculdade de Medicina da UFMG, cercada pela
polícia. Conseguiram sair depois de muita negociação, mas tiveram que
enfrentar um corredor polonês de 600 policiais (Cancian, 2010:105).
A reação da grande imprensa à retomada das mobilizações estudantis
demandando muito mais do que melhores condições de ensino deixava
claro que, ao sair às ruas “pelas liberdades democráticas”, segmentos da
classe média estudantil testavam novamente os limites do regime militar-
civil. Os jornais mais conservadores temiam que o resultado fosse o
recrudescimento da repressão política, uma espécie de retorno a 1968.
Assim, a Folha de S.Paulo alertaria, em editorial do dia 8 de junho, que
[a] somatória dos problemas com que se defronta [o governo], agravada por uma postura “à
outrance” dos universitários, levaria, inevitavelmente, não ao regime democrático reclamado
pela maioria sem dúvida sincera dos estudantes, mas talvez a uma situação de ainda maiores
restrições políticas. Nem o Governo pode permitir que escape ao seu controle o poder de
iniciativa, nem pode, na conjuntura, vacilar na reafirmação desse poder perante comportamentos
que considera ameaças ou desafios [Folha de S.Paulo, 8 de junho de 1977, p. 2].

Louvando a “maioria sincera” dos estudantes, o jornal não hesitava em


afirmar que os militares não podiam vacilar na reafirmação de seu poder
diante das “ameaças”.
A mais importante parecia estar na UnB. O reitor da universidade, José
Carlos Azevedo, decidira punir 16 estudantes apontados como
organizadores dos protestos do Dia Nacional de Luta. A suspensão dos
alunos (por períodos de 3 a 29 dias) motivou a convocação de uma greve
geral para 31 de maio. A greve paralisou completamente a universidade. O
reitor antecipou o recesso escolar para 22 de junho, montando uma
Comissão de Inquérito para apurar as responsabilidades pela greve. Em 22
de julho, antes do reinício das aulas, 30 estudantes foram expulsos com
base no Decreto 477, e outros 34 foram suspensos por períodos de 5 a 90
dias (Cancian, 2010). Tropas federais invadiram a UnB no dia 25 de julho
para garantir o reinício das aulas, e a violência policial foi generalizada,
com mais prisões e enquadramento de estudantes na Lei de Segurança
Nacional. Reeditando o padrão de 1968, a violência provocou a
solidariedade do estudantado em todo o Brasil. Mobilizações convocadas
para o Largo São Francisco, local da faculdade de Direito da USP, contaram
com a presença de juristas e advogados de presos políticos. O reitor
Azevedo foi “enterrado” simbolicamente por estudantes de todo o país.
Novo Dia Nacional de Luta foi convocado para 23 de agosto, e em São
Paulo a PM mobilizou 20 mil homens, reprimindo duramente a passeata
estudantil e prendendo quase 200 pessoas (Müller, 2016:138). Protestos
ocorreram no mesmo dia em diversas capitais. A polícia voltaria ao campus
da UnB ao longo do ano para impedir assembleias e encontros devotados à
reconstrução de um DCE-Livre na Universidade.
Embora a interpretação corrente seja a de que as mobilizações do segundo
semestre de 1977 foram mais esvaziadas do que as do semestre anterior, é
preciso não perder de vista que o ME estava em processo de reconstrução
de suas entidades. DCEs livres foram criados em cascata ao longo do ano
nas universidades públicas e privadas. Em setembro, depois de eficazes
estratégias de despistamento, conseguiu-se realizar clandestinamente o
proibidíssimo III ENE na PUC de São Paulo, onde foi constituída a tão
aguardada Comissão Pró-UNE composta por um colegiado de todos os
DCEs livres e Diretórios e Centros Acadêmicos presentes ao Encontro
(Müller, 2016:154). A realização do ENE enfureceu o secretário de
Segurança Pública do Estado, coronel Erasmo Dias, que afirmara, em
junho, que tinha 72 mil homens nas ruas e que “a possibilidade de os
estudantes se manifestarem é nenhuma” (Gaspari 2014:448-449). O coronel
soube da realização do ENE pelo noticiário das rádios, que ademais
convocou os estudantes para um ato público na mesma PUC para a noite
daquele dia 22 de setembro. A universidade foi invadida e depredada pela
polícia, num ato que a muitos pareceu represália à ala progressista da Igreja
Católica e sua luta pelos direitos humanos293. Cerca de 1.700 estudantes,
homens e mulheres foram detidos no estacionamento da PUC, e mais de
500 foram presos e fichados pela polícia paulista, tendo alguns se ferido
gravemente (Cancian, 2010:165). Trinta e sete foram enquadrados na Lei de
Segurança Nacional, sendo 32 no mesmo dia 22 e outros 5 no dia 26 (Folha
de S.Paulo, 27 de setembro de 1977, p. 16).
A memória de 1968 estava mais viva no principal agente da repressão, o
coronel Erasmo Dias, do que nos próprios estudantes. O coronel estava
seguro de que o Partido Comunista estava de volta e que os estudantes eram
ingênua massa de manobra de agitadores externos às universidades. Ele
afirmaria, sem pestanejar, que “não há mais dúvidas de que está de volta a
guerra subversiva. […] [P]osso assegurar que estamos no limiar daquilo que
aconteceu em 1965 e 1968: o Partido Comunista Brasileiro está agindo”
(idem, 24/09/1977, p. 11)294. Ele procurava motivos contundentes para
justificar a desastrada ação contra a PUC e a extremada violência contra os
estudantes, que levou a Assembleia Legislativa paulista a instaurar uma
Comissão Especial de Inquérito para apurar o caso. A CEI concluiria que
Erasmo Dias cometera crime de responsabilidade e abuso de poder. Mas em
dezembro de 1977 o procurador-geral de Justiça do Estado, Rui de Freitas
Camargo, arquivou o relatório da CEI. Para o procurador a invasão teria
sido justificada, porque “se realizava clandestinamente no interior daquela
Universidade o III Encontro Nacional dos Estudantes”, o que violava a Lei
de Segurança Nacional (Folha de S.Paulo, 30/12/1977, p. 1).
A PM paulista afirmou ter reprimido dez manifestações estudantis nos
doze meses anteriores à invasão da PUC, sendo sete delas nos três primeiros
meses do segundo semestre de 1977 (idem, 24/09/1977, p. 11). O do dia 22
de setembro foi o último grande confronto entre estudantes e policiais
naquele ano na cidade de São Paulo, a mais mobilizada até ali. A escalada
de radicalização prevista pelo secretário Antônio Erasmo Dias não ocorreu,
e deve-se atribuir o menor ímpeto dos estudantes à vigência plena do AI-5,
da Lei de Segurança Nacional e do Decreto 477. Com os três instrumentos a
ditadura continuava expulsando estudantes e professores das universidades
(muitas vezes em razão de denúncias de colegas, mas em geral fruto da
ação de agentes infiltrados pela polícia), prendendo e torturando os que
considerava mais “subversivos” e ocupando ostensivamente as ruas e, em
menor medida, universidades, ante ameaças de passeatas e mobilizações295.
A Comissão Pró-UNE, ainda como resolução do III ENE, convocara novo
Dia Nacional de Luta para o dia 28 de março de 1978, para lembrar os 10
anos do assassinato de Edson Luís Souto e os 5 anos do assassinato de
Alexandre Vannucchi Leme. Atos públicos ocorreram nas principais
capitais e algumas cidades do interior. Em São Paulo os pais de Vannucchi
Leme compuseram a mesa do ato convocado para a faculdade de Medicina,
no qual a oposição sindical metalúrgica também se fez representar296,
presença mais do que simbólica, já que foi a primeira vez que os
movimentos sindical e estudantil juntaram forças desde a eclosão das
mobilizações do ME um ano antes. Tropas de choque cercaram os locais
dos eventos na maioria das universidades, e em Belo Horizonte houve
confronto direto com a polícia em razão de passeatas anteriores ou
posteriores aos atos, com pelo menos 20 prisões e 12 estudantes fichados.
No entanto, em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Recife
não houve confrontos297.
A simbologia dos atos de 28 de março não deve ser menosprezada. Por ela
o movimento estudantil em processo de restruturação iniciava minucioso
movimento de reconstrução de sua identidade, por meio da recuperação de
seu passado e, muito especialmente, de seus mortos, agora transformados
em heróis ou mártires. Langland (2006) tem razão ao afirmar que as mortes
de Edson Luís e Vannucchi Leme tinham significados muito diversos. O
primeiro fora vítima de repressão policial a um movimento em ascensão do
qual o garoto não fazia parte. Seu assassinato (um inocente) chocou o país e
teve ampla repercussão nacional e também internacional, contribuindo para
o clima de radicalização que culminou no AI-5. Vannucchi Leme morreu
sob tortura no Doi-Codi paulista por ser considerado “subversivo perigoso”
pelo regime, sendo de fato militante da ALN, mas como membro “político”,
uma ligação entre a organização e a USP (Langland, 2006:49). Edson Luís
foi vítima inocente, Vannucchi Leme um combatente da resistência. Ambos,
porém, passaram a figurar no panteão da memória do ME como mártires de
uma causa comum, a luta pelas liberdades democráticas. O passado foi
ressignificado para servir ao projeto de luta, no presente, por um futuro sem
autoritarismo298. A reconstrução da UNE seria um passo na direção desse
futuro.
A Comissão Pró-UNE convocou o IV ENE para os dias 3 e 4 de outubro,
a ser realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
Dessa vez a polícia ficou à distância, e os estudantes não realizaram
passeatas ou atos fora dos muros da universidade. Não houve repressão ao
Encontro, que definiu os parâmetros para a refundação da UNE, cujo
congresso foi marcado para 29 e 30 de maio de 1979, em Salvador. Dentre
as poucas manifestações de caráter político, os delegados presentes
decidiram, por maioria, que os estudantes deveriam ser orientados e votar
“nos candidatos populares do MDB”, em lugar de votarem nulo, bandeira
do ME desde 1966 e ainda defendida no ENE pela Libelu299. Segmentos
expressivos das classes médias já haviam feito esse movimento em 1974,
como espero ter deixado claro, e agora, parte importante de sua vanguarda
cultural e intelectual, encastelada na universidade e até ali arredia à ideia de
aceitar o jogo eleitoral controlado e tutelado pelo regime, com o argumento
de que isso o legitimaria e perpetuaria, parecia aderir à ideia de que as
eleições poderiam ser canais de expressão da vontade popular, ou ao menos
um canal de protesto contra a ditadura.
É curioso que essa mudança de perspectiva dos estudantes em relação ao
papel das eleições tenha ocorrido sob a vigência do “pacote de abril”,
conjunto de emendas constitucionais impostas ao país em 1977 para evitar,
justamente, que eventual vitória das oposições na eleição para o senado em
1978 se traduzisse em maioria parlamentar oposicionista que obrigasse os
artífices da “abertura lenta, gradual e segura” a interromper o processo de
distensão, ou então aceitar o inaceitável: que a oposição assumisse suas
rédeas. O pacote criou a figura do “senador biônico”, eleito por colégios
eleitorais compostos por delegados das assembleias legislativas estaduais e
das câmaras municipais, dominadas por ampla margem pela Arena depois
da eleição de 1976, como já vimos. Esses colégios eleitorais deveriam
referendar ou não os nomes indicados pelo general Geisel. Um terço das
cadeiras da casa passaria a ser ocupado por pessoas assim “eleitas”. Com
isso, em lugar de colocar em disputa dois terços das cadeiras, como previsto
pela legislação em vigor até abril, apenas um terço seria oferecido à
competição pelo voto popular. Mesmo que a oposição elegesse todos os
senadores para os postos trazidos à competição, a Arena continuaria com
folgada maioria no Senado. Além disso, o pacote reduziu o quórum para
aprovação de emendas constitucionais de dois terços para maioria simples,
já que desde 1974 a Arena não detinha maioria qualificada. O mandato do
presidente da República passou de cinco para seis anos, foram instituídas
sublegendas na eleição para o Senado, permitindo à Arena aumentar o
número de competidores e acomodar conflitos regionais; e, no caso da
Câmara, foram ampliadas as bancadas dos estados mais pobres e
periféricos, onde a Arena tinha ampla vantagem eleitoral300. As eleições de
1978 seriam novamente um teatro farsesco, já que os resultados estavam de
antemão controlados pelo regime. Mas, para alguns, a decisão de participar
expressava “maturidade” da juventude estudantil de classe média301.
Parte da perda de centralidade do IV ENE na cobertura jornalística
decorreu de seu caráter pouco conflitivo. O ano de 1978 não trouxe de volta
as tensões de 1968, mesmo a tutelada disputa eleitoral parecia palatável aos
estudantes. Mas parte substancial da perda relativa de interesse midiático
decorreu de que, enquanto o ME se reorganizava de forma
surpreendentemente pacífica, “novos personagens entraram em cena”, para
usar o título de um clássico dos anos 1980 (Sader, 1988). Em maio daquele
ano uma greve na montadora de caminhões Scania, no ABC paulista, que
aos desavisados pareceu espontânea, desencadeou enorme onda grevista,
que se espalharia pelo Brasil como um rastilho de pólvora, colocando o
movimento operário no centro da dinâmica política a partir dali. O conflito
capaz de pressionar os limites do regime já não parecia emanar do
estudantado de classe média. A classe operária, que, para a esquerda em
geral, era indubitavelmente portadora do futuro, uma vez nas ruas poderia,
imaginava-se, trazer abaixo não apenas a ditadura, mas o próprio
capitalismo302.
Em consequência, a mobilização estudantil em torno da reconstrução da
UNE perdeu centralidade na arena pública. Os militares continuaram
espionando os estudantes, como mostram os documentos do SNI analisados
por Müller (2016), mas prisões e violência física foram reduzidas e depois
eliminadas, e o XXXI Congresso da UNE ocorreu em Salvador nos dias 29
e 30 de maio, sem oposição do regime. Se os militares temiam os estudantes
de classe média, a repressão ao movimento sindical de 1978 em diante
mostrou que eles temiam ainda mais os trabalhadores organizados.

Coda
Entre a criação da UNE em 1979 e a deposição de Dilma Rousseff por um
golpe parlamentar em 2016, analisado no próximo capítulo, as classes
médias protagonizariam ou se aliaram a outras classes em dois outros
importantes momentos da história do país: a campanha pelas eleições
diretas de 1984 e o impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992. A
campanha das diretas foi mais propriamente um movimento policlassista303,
mas as classes médias também se mobilizaram. Já vimos que em todas as
pesquisas do Ibope feitas durante a ditadura, entre 80% e 90% dessas
classes prefeririam que a troca dos ocupantes do poder se desse por eleições
diretas, sempre frustradas pelos militares. Não foi diferente no caso da
campanha das “Diretas Já”. Em novembro de 1983, com a Emenda Dante
de Oliveira ainda tramitando no Congresso304, o Ibope ouviu 2.000 eleitores
em sete estados (SP, MG, RJ, BA, PE, RS e PR). Na classe A os que
apoiavam as diretas eram 77%, e 83% na classe B305. Mas não há dúvidas de
que, nos 33 comícios organizados pelo Comitê Pró-Diretas entre janeiro e
abril de 1984, alguns deles contando com mais de um milhão de
manifestantes, a audiência era policlassista e não majoritariamente de classe
média (Eugênio, 1995).
O caso do golpe parlamentar contra Fernando Collor de Mello foi
diferente. As denúncias de corrupção atiçaram uma vez mais o moralismo
das classes médias, particularmente o estudantado secundarista e
universitário, os “caras-pintadas”, além de associações profissionais das
classes médias tradicionais, e as grandes manifestações que tomaram conta
do país foram nitidamente de classe média (Weyland, 1993). Contudo, a
análise detalhada desse evento precisará esperar outra oportunidade. A
literatura sobre ele é extensa e, a meu juízo, o golpe contra Dilma Rousseff
obrigará à revisão das interpretações correntes (como a importante
contribuição de Sallum Jr., 2015). É nele que me detenho no próximo
capítulo.
155 Ver Ferreira e Gomes (2014:284-289).
156 As pesquisas estão no arquivo “ibope_opp_pe_061_mr_0277” do AEL, pp. 284, 289, 330 e outras.
157 As pesquisas estão no arquivo “ibope_opp_pe_063_mr_0278” do AEL.

158 Arquivo “ibope_opp_pe_063_mr_0278” do AEL, p. 312.

159 Arquivo “ibope_opp_pe_066_mr_0280” do AEL, p. 191.

160 O AI-2 pode ser lido em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-02-65.htm, acessado em

outubro de 2017. Nele é mencionado o “Poder Constituinte originário da Revolução de 31.03.1964”.


161 Arquivo “ibope_opp_pe_066_mr_0280” do AEL, p. 289.

162 Arquivo “ibope_opp_pe_063_mr_0278” do AEL, p. 315.

163 Arquivo “ibope_opp_pe_071_mr_0280” do AEL, p. 61.

164 Digo “talvez” porque as pesquisas não são estritamente comparáveis. Em Pernambuco os eleitores

foram perguntados quem era o melhor presidente, Castelo Branco “ou o presidente anterior”, sem
mencionar o nome de Goulart, enquanto em São Paulo este foi explicitado.
165 A cobertura, pela Folha de S.Paulo, das prisões de centenas de estudantes presentes no congresso

pode ser encontrada em http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_13out1968.htm (acessado em


outubro de 2017). As aspas na palavra “clandestino” são um comentário à ingenuidade dos dirigentes
da UEE paulista, responsável pela organização do evento, que imaginaram ser possível não chamar a
atenção numa cidade do interior com seis mil habitantes, invadida por cerca de 800 jovens de um dia
para o outro, que exauriram rapidamente os estoques do pequeno comércio local de víveres e de
artigos como escovas e pastas de dente... A ingenuidade é narrada com certa dose de humor no site
oficial da UNE (http://www.une.org.br/2015/03/ibiuna-guarda-marcas-do-30o-congresso-clandestino-
da-une-contra-a-ditadura/, acessado em outubro de 2017). Mas o preço pago por ela foi alto, já que
toda a cúpula do Movimento Estudantil foi presa, num momento de escalada da repressão. A
literatura sobre a UNE é imensa e continua crescendo.
166 Pesquisa do Ibope junto a 800 universitários das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo

realizada em maio e junho de 1966 encontrou que metade dos alunos das escolas públicas estava
trabalhando, contra 45% dos que frequentavam escolas privadas. Não há informação sobre o desenho
da amostra, então não é possível saber se as proporções são representativas do universo. A pesquisa
está no acervo do Ibope no AEL, arquivo Ibope_opp_pe_068_mr_0279, p. 112.
167 Sobre a JUC, ver Souza (1984). Em 1963 membros mais engajados da JUC, juntamente com

grupos estudantis de outras tradições, intelectuais, políticos e dirigentes da UNE, fundaram a Ação
Popular (AP), cujos militantes venceriam todas as eleições na UNE até sua dissolução em 1973. A
trajetória da AP está, entre outros, em Lima e Arantes (1984) e Ridenti (2007a).
168 A Declaração da Bahia pode ser lida na íntegra em Fávero (1995, Anexo I).
169 Cf. Poerner (1995:183-184); Sanfelice (2008:49 e 54); Santana (2014:99); Martins Filho (1987:54-
57). Este autor se equivoca ao situar em maio o início da greve. A UNE definiu 1o de junho como
data limite para a adoção da regra de um terço, e nesse dia foi decretada a greve. V. tb. Fávero
(1995:42).
170 A questão dos excedentes, isto é, alunos que obtinham nota suficiente para entrar na universidade,

mas não o conseguiam por falta de vagas, foi candente na conjuntura e também no pós-1964. Análise
detalhada do problema está em Santana (2014).
171 Exemplos de estudos sobre a diversidade do movimento estudantil no período são Silva (1989),

Zachariadhes (2009) e os capítulos da coletânea organizada por Martins Filho (1998) sobre o
movimento de 1968 em alguns estados da federação. Ver também Mattos (2013).
172 A informação está em Dreifuss (1981:283-284).

173 Cobertura sobre o atentado pode ser encontrada na primeira página do jornal Correio da Manhã de

7 de janeiro de 1962.
174 Ridenti (2010:28) chama a atenção para o fato de que a AP, em 1964, tentava construir alternativa

revolucionária assentada em valores humanistas cristãos, longe do comunismo tradicional e mais


próxima da revolução cubana.
175 A repressão não se restringiu aos estudantes, claro. Segundo Moreira Alves (1984:59), cerca de 50

mil pessoas teriam sido presas nos primeiros meses do regime, incluindo sindicalistas, trabalhadores,
estudantes, intelectuais, artistas, militantes partidários e políticos. Isso para não falar dos milhares de
trabalhadores demitidos por sua associação ao “sindicalismo comunista”. Apenas no sindicato dos
metalúrgicos de São Paulo, dirigido por sindicalistas ligados ao PCB, mil e oitocentos delegados de
base foram demitidos nas primeiras semanas do golpe. Ver Cardoso (1999).
176 A íntegra do manifesto da UNE, no qual ela recusa o diálogo proposto pelo governo Costa e Silva

e menciona os 3.000 estudantes afetados, foi publicada no Correio da Manhã de 17 de dezembro de


1965, p. 2. Favorável à deposição de Jango, como vimos, o jornal seria um dos primeiros a se colocar
na oposição ao arbítrio da ditadura. O acervo do jornal, como já informado, está disponível no site da
Biblioteca Nacional.
177 O Fórum Universitário foi criado por portaria do Ministério da Educação em fevereiro de 1962,

para servir de assessoria ao ministro. Era constituído pelos reitores de todas as universidades, pelo
Diretor de Ensino Superior e um representante da UNE, depois substituído pelo presidente do
Diretório Nacional dos Estudantes (DNE), órgão criado pela ditadura após a proscrição da UNE. A
informação está em Cunha (1983).
178 Para outros discursos no mesmo sentido, ver Sanfelice (2008:88-93).

179 Martins Filho (1987:87-88) informa que as eleições para UEEs e DNE eram indiretas, com os DAs

elegendo a direção das UEEs e estas elegendo a direção do DNE. Mas a lei é confusa quanto às
eleições para os DCEs e DEEs. O art. 7o reza que “O Diretório Estadual de Estudantes será
constituído de representantes de cada Diretório Acadêmico ou grupos de Diretórios Acadêmicos
existentes no Estado, havendo um máximo de vinte representantes”. Denota, pois, um processo
restrito de escolha das direções. Já no art. seguinte lê-se que “A eleição para o Diretório Central de
Estudantes e para o Diretório Estadual de Estudantes será regulada nos respectivos regimentos,
atendidas, no que couber, as normas previstas no art. 6o e seu parágrafo único”. Ora, o art. 6o regula o
processo de eleição direta para os DAs. Por fim, o art. 11o reza que “Aplicam-se ao Diretório
Estadual de Estudantes, ao Diretório Central de Estudantes e ao Diretório Nacional de Estudantes as
normas estabelecidas no art. 5o e seus parágrafos desta Lei”. O art. 5o determina voto obrigatório na
eleição direta pelos estudantes regularmente matriculados. A lei pode ser encontrada em https://presr
epublica.jusbrasil.com.br/legislacao/128637/lei-4464-64 (acessado em fevereiro de 2018).
180 Declaração do ministro Suplicy de Lacerda a O Estado de S. Paulo, apud Martins Filho (1987:87).

181 Poerner (1995:240) dá a cifra de 92,5% contra a lei, mas Martins Filho (1987:95-96, nota 39)

considera essa proporção “bastante improvável”, embora não justifique sua avaliação. No Rio, um
terço dos universitários foi às urnas, sendo 81,3% contrários à lei. Segundo depoimento de Altino
Dantas em 1978 (em Santos, 1980:33), o plebiscito teve início em São Paulo, espalhando-se “por
quase todo o Brasil”.
182 A reportagem está disponível no acervo do jornal no site da Biblioteca Nacional: http://memoria.b

n.br/DocReader/docreader.aspx?bib=089842_07&pasta=ano%20196&pesq=Congresso%20da%20U
NE (acessado em fevereiro de 2018).
183 Martins Filho (1987) chama a atenção para o fato de que setores do estudantado que haviam

apoiado o golpe, que ele qualifica de “liberais elitistas”, já estavam, em 1965, na oposição aos
militares. Eles também teriam sido contrários à Lei Suplicy de Lacerda. Ver também Poerner
(1995:235 e ss.).
184 Nenhum dos trabalhos utilizados nesta reconstituição lança mão desses dados. Logo, esta é uma

efetiva contribuição ao conhecimento sobre o período.


185 Arquivo ibope_opp_pe_068_mr_0279 no AEL, p. 60.

186 Idem:65.

187 Idem:58.

188 Idem:34 e p. 30 respectivamente.

189 Ver a declaração do ministro nesse sentido ao jornal Correio da Manhã de 28 de agosto de 1964,

reproduzida em Fávero (1995:61).


190 Arquivo Ibope citado:97.

191 Idem:98 e 99.

192 Em Sampaio (1991:17), lê-se que eram 180 mil os matriculados no ensino superior em 1966, dos

quais 81 mil estavam em estabelecimentos privados. Daí o número aproximado de 100 mil no ensino
superior público.
193 Ver o depoimento de Aldo Arantes em Santos (1980).

194 Arquivo ibope_opp_pe_068_mr_0279 no AEL, p. 109.

195 Idem:103 e 106.

196 Finalizada três dias antes do fechamento do Congresso pela ditatura, ocorrido em 20 de outubro de

1966, pesquisa do Ibope no estado de São Paulo, representativa do eleitorado, encontrou que 48%
não sabiam em candidatos de qual partido, Arena ou MDB, votariam para deputado federal ou
estadual. Na classe D de renda o percentual foi de 60%. Ver arquivo ibope_opp_pe_071_mr_0280 no
AEL, p. 272.
197 Arquivo ibope_opp_pe_068_mr_0279 no AEL, p. 131, 138 e 141.

198 Idem:165.

199 Gaspari (2002a:240-243) lembra que, enquanto a cúpula da AP realizava o XXVIII Congresso da

UNE, facção minoritária tentava assassinar Costa e Silva. Uma bomba foi deixada no aeroporto de
Guararapes em Recife, e detonou às 8h:50, vinte minutos depois da chegada esperada do ditador.
Matou um almirante da reserva e um jornalista. Quinze pessoas se feriram. Outras duas bombas
explodiram no mesmo dia, uma no consulado dos Estados Unidos e outra na sede da UEE, então em
mãos da oposição à UNE. Gorender (2003:134 e ss.) descreve as primeiras tentativas de luta armada
no país, incluindo a malograda guerrilha da Serra do Caparaó, em Minas Gerais, iniciada em
novembro do mesmo ano de 1966. A resistência armada à ditadura começou cedo, e uma fração
radicalizada dos estudantes de classe média, a AP, estava na vanguarda.
200 Os sórdidos detalhes da invasão e destruição da Faculdade de Medicina estão em Poerner

(1995:254-255).
201 O texto completo do AI-2 pode ser encontrado em http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AIT/ai

t-02-65.htm (acessado em fevereiro de 2018).


202 O AI-3 pode ser consultado em http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AIT/ait-02-65.htm. O AI-

4 está em http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AIT/ait-04-66.htm (ambos acessados em fevereiro


de 2018).
203 Ver arquivo Ibope_opp_pe_071_mr_0280 no AEL, p. 277.

204 Idem:191.

205 Ver arquivo Ibope_opp_pe_075_mr_0281 no AEL, p. 2.

206 Idem:42.

207 Idem:13.

208 Baseio-me no verbete “Frente Ampla” do CPDOC, de autoria de Sergio Lamarão e disponível em

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/frente-ampla, acessado em fevereiro de


2018. Ver também Kinzo (1988:110-114). O estudo mais detalhado sobre o tema é Costa (2006).
209 “A existência e o desenvolvimento da Frente contribuíram para aguçar a combatividade do

movimento estudantil que já optara, com a campanha do voto nulo em [19]66, pelos métodos não
convencionais de luta política” (Cruz e Martins, 1983:33).
210 Lacerda esperava ser candidato a presidente em outubro de 1965, mas Castelo Branco adiou as

eleições para o ano seguinte. Foi o que motivou o movimento de Lacerda em direção aos militares da
linha dura, para garantir o pleito e sua candidatura (Cruz e Martins, 1983:25), gesto classificado por
esses autores como ingênuo. E Lacerda seria derrotado ainda outra vez. Embora tenha adiado as
eleições presidenciais de 1965 para 1966, Castelo Branco manteve os pleitos para os governos
estaduais e o parlamento. Nas eleições para o governo da Guanabara os candidatos de Lacerda e da
ditadura a governador e vice, Flecha Ribeiro e Danilo Nunes, ambos da UDN, perderam para a dupla
Negrão de Lima/Rubens Berardo, da opositora coligação PSD/PTB. Isso acendeu a luz amarela em
certos círculos militares, pois parecia que o espectro “populista” estava vivo. A UDN perdeu também
em Minas Gerais para o PSD de Israel Pinheiro.
211 Motta (2014b) revela que os militares reconheciam os limites e deficiências das universidades

públicas.
212 Como lembra Wanderley G. dos Santos (1999:115), “[o] sonho mais caro do autoritarismo [é]

reduzir a imprevisibilidade social a zero”, sonho obviamente irrealizável, mas que alimenta medidas
repressivas por vezes muito violentas.
213 A distinção, prenhe de consequências analíticas, entre “militares como instituição” e “militares

como governo” está em Stepan (1975, cap. 12). Coelho (1976) também explora o tema.
214 A lista de mobilizações do ME no período pode ser encontrada nas p. 151 e ss. do mesmo livro,

Quadros I e II (este cobrindo o primeiro semestre de 1968).


215 O “Relatório Atcon” foi um conjunto de recomendações para a universidade latino-americana

elaborado por um “misterioso personagem” (no dizer de Poerner, 1995:220) de nome Rudolph Atcon,
de nacionalidade norte-americana que, reconhecendo que os universitários seriam a elite da nação,
prescrevia um modelo universitário sem participação estudantil nos órgãos colegiados, transformação
das universidades públicas em fundações privadas, cobrança de mensalidades de modo a torná-las
rentáveis, com foco na formação de “capital humano” para o mercado de trabalho de elite etc. A
reforma universitária da ditadura, realizada em 1968, levou em conta essas diretrizes, mas a cobrança
de mensalidades nas universidades públicas não vingaria. Ver Fávero (2006).
216 Em diferentes fontes somos informados que o estudante teria 16, 17 ou 18 anos. Poerner

(1995:270) talvez seja fonte mais segura ao relatar que o estudante completara 18 anos em 24 de
fevereiro de 1968.
217 Outra testemunha ocular, o então líder estudantil Vladimir Palmeira, fala em 50 mil pessoas no

cortejo. Ver Dirceu e Palmeira (1998:85 e ss.). Tanto Poerner quanto Palmeira, citados, são relatos
detalhados dos antecedentes e desdobramentos do assassinato. Mas o estudo mais minucioso é Valle
(2008).
218 O questionário tinha 70 perguntas, e o relatório para cada capital tem mais de 100 páginas. Os

relatórios encontram-se em três arquivos do AEL: ibope_opp_pe_086_mr_0286,


ibope_opp_pe_087_mr_0286 e ibope_opp_pe_088_mr_0286.
219 Martins Filho (1987:154-156) enumera os protestos pelo país, que duraram de 29 de março a 8 de

abril. Ver também Valle (2008).


220 Valle (2008:57) transcreve reportagem indignada do Correio da Manhã, então principal jornal de

oposição ao regime, sobre a “violência nunca vista” empregada pela PM. Em editorial do mesmo
jornal lia-se que a polícia “caçava pelas ruas estudantes, intelectuais e homens do povo, como se
fossem representantes de uma nação inimiga” (idem:58).
221 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=089842_07&pasta=ano%201

96&pesq=di%C3%A1logo%20%C3%A9%20a%20viol%C3%AAncia (acessado em fevereiro de


2018).
222 Em Cardoso (2015) discute-se em mais detalhes esse momento.

223 Para uma excelente análise da efervescência cultural no período, no Brasil e no mundo, e sua

relação com o movimento estudantil, ver Langland (2013). A autora oferece importante perspectiva
de gênero na análise do ME, e está atenta à enorme diversidade política que caracterizava o
movimento.
224 Arquivo Ibope_opp_pe_068_mr_0279 do AEL, p. 198.

225 Idem:155.

226 Idem:157.

227 As greves de Contagem e Osasco foram analisadas por Weffort (1972). Gorender (2003) critica a

análise que viu nelas movimentos espontâneos. Weffort não teria tido olhos para ver a ação de
partidos de esquerda nos sindicatos de metalúrgicos das duas cidades, e seu importante trabalho de
organização. Ver também Ridenti (2007b).
228 É curioso que a literatura sobre as greves de 1968 nunca mencione as greves bancárias aludidas

por Saes (1984), mas consta que foram duramente reprimidas em Belo Horizonte e Fortaleza. Este é
um tema ainda carente de estudos.
229 A estimativa do número de mortos é de Luís Raul Machado, então vice-presidente da UNE, e está

em Santos (1980:60). Vladimir Palmeira fala em 17 mortos, talvez “muitos mais” (em Dirceu e
Palmeira, 1998:132).
230 No dia 26 o jornal estampara em sua primeira página a manchete: “Governo autoriza passeata.

Polícia ficará nos quartéis”, com isso estimulando a participação popular. O cálculo do número de
participantes está em Correio da Manhã, 27/06/1968:15, disponível em http://memoria.bn.br/DocRea
der/docreader.aspx?bib=089842_07&pasta=ano%20196&pesq=100%20mil (acessado em fevereiro
de 2018). Vladimir Palmeira declarou que, se a passeata teve apenas 100 mil pessoas, então o
comício das Diretas, de 1984, alegadamente agregando um milhão de pessoas, não teria passado de
120 mil (Dirceu e Palmeira, 1998:140).
231 Boa análise do movimento estudantil na Bahia, importante centro formador de lideranças para a

UNE e sede de várias reuniões e seminários, em Brito (2008).


232 Arquivo ibope_opp_pe_077_mr_0282 do AEL, p. 68.

233 Idem:63.

234 José Dirceu alerta para certo maniqueísmo na interpretação da batalha, que levou à demonização

de todo o estudantado do Mackenzie. Como ele assevera, a maioria dos centros acadêmicos da
universidade participava da UEE e da UNE. Apenas quatro CAs davam sustentação ao Comando de
Caça aos Comunistas (CCC), um dos agentes responsáveis pela violência naqueles dois dias. Ver
Dirceu e Palmeira (1998:150).
235 Jean Marc von der Weid, que presidiria a UNE no ano seguinte, e alguns poucos conseguiram

escapar ao cerco de Ibiúna, mas a maioria seria presa mais tarde. José Travassos, presidente da UNE
em 1968, José Dirceu, presidente da UEE paulista (e candidato a presidente naquele congresso) e
Vladimir Palmeira da UME, presos em Ibiúna, estariam na lista de 15 militantes de esquerda trocados
pelo embaixador norte-americano em 1969. Elio Gaspari (2002a, legenda da foto superior esquerda
da 4ª página de fotos iniciada após a p. 256) estima em três mil o número de estudantes presos em
1968. Ele fala em doze pessoas mortas nas manifestações de rua em 1968, mas no balanço de Valle
(2008), teriam sido 28 apenas na “sexta-feira sangrenta”, como vimos.
236 Honestino Guimarães foi dado como desaparecido em 1973, e em 1996 o Estado liberou seu

atestado de óbito, que não trazia a causa mortis. Em 20 de setembro de 2013, a Comissão Nacional
da Verdade aprovou a anistia post-mortem de Honestino. Na certidão de óbito passaria a constar que
ele foi morto “nas mãos da ditadura militar”. Jornal O Globo de 21/09/2013:8 (o acervo do jornal está
disponível na internet, em http://acervo.oglobo.globo.com).
237 Leitura que Martins Filho (1987:138, nota 32) atribui a Fernando Henrique Cardoso (1972:77 e

ss.). Este autor, contudo, está longe de ter escrito o que se lhe atribui. Tampouco Cruz e Martins
(1983), também citado por Martins Filho na mesma nota. Ambos os textos deixam claro que houve
mútua radicalização, e que o AI-5 foi uma derrota da parte mais fraca. Marcelo Ridenti, no posfácio
da segunda edição de seu clássico publicada em 2010, também ressalta a mútua alimentação dos
radicalismos de esquerda e direita na escalada da violência no período.
238 Como fez Martins Filho (1987:138 e ss.).

239 Sobre a cizânia na cúpula militar, ver Martins Filho (1993:158 e ss.).

240 A clivagem na esquerda estudantil e, depois, armada, entre os que queriam a revolução socialista e

os que queriam uma revolução democrática e nacional-desenvolvimentista está em Ridenti (2010).


241 Fonte: IBGE 2003, diretórios “População” e “Educação” no CD-ROM com as bases de dados.

242 O ano de 1968, na verdade, foi o primeiro do “milagre brasileiro”: o crescimento chegou perto de

10%, marca repetida em 1969 e ultrapassada nos três anos seguintes. Dados em
www.IPEADATA.gov.br.
243 O discurso pode ser encontrado em https://www.youtube.com/watch?v=F2Gs_ZrU-bY (acessado

em fevereiro de 2018). Inicia-se a 3’10’’ do documentário narrado por Paulo Markun.


244 “O movimento estudantil de São Paulo – ou melhor, a vanguarda, os dirigentes – não tinha medo

de tiro. Afinal, sabíamos que estávamos nos encaminhando para a luta armada”. Depoimento de José
Dirceu, em Dirceu e Palmeira (1998:110). Ele complementa que muitos membros da Dissidência
paulista, da qual ele era militante, foram ou para a Aliança Libertadora Nacional (ALN) ou para a
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
245 Daniel Aarão Reis Filho (1989) foi pioneiro na análise desses dados, mas a análise de Ridenti é
mais detalhada.
246 Um apanhado dos mais de 200 títulos surgidos depois da publicação da primeira edição de seu
clássico de 1993 pode ser encontrado em Ridenti (2010, posfácio). Ele menciona, por exemplo, mais
de 30 livros de memórias ou depoimentos de combatentes, além de teses e dissertações por todo o
Brasil. A Comissão Nacional da Verdade, cujos trabalhos se encerraram em 2014, parece ter
originado nova onda de estudos por todo o país, já que arquivos dos aparelhos de repressão foram
abertos em cidades pelo Brasil inteiro, em instituições públicas e privadas. Pesquisa no banco de
teses da Capes com as palavras-chave “Ditadura Militar” retornou mais de 9,3 mil títulos de teses de
doutorado e dissertações de mestrado. Pouco mais da metade (4,8 mil) foi defendida entre 2010 e
2016, sendo perto de mil apenas neste último ano. Muitos dos trabalhos não se referem à ditadura
iniciada em 1964, porém mais da metade sim. Pesquisa com as palavras “ALN ditadura militar”
retornou quase duas mil teses de doutorado... Esse campo de estudos é, hoje, destinado a
especialistas.
247 As composições internas dessas organizações, suas dissidências, alianças, recomposições etc., são

detalhadamente apresentadas, dentre outros, por Gorender (2003[1987]), Reis Filho (1989) e Ridenti
(2010). O organograma completo e minucioso das muitas dissidências do PCB está em Reis Filho
(1989). Sales (2015) traz novos estudos sobre diferentes regiões do país. E Maciel (2009) é
competente diagnóstico da esquerda militar entre 1961 e 1974.
248 A cooperação entre Argentina, Brasil e Chile na repressão à dissidência já ocorria desde 1974. A

Operação Condor foi formalizada em 1975 numa reunião secreta no Chile, entre Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, “para a realização de atividades coordenadas, de forma clandestina
e à margem da lei, com o objetivo de vigiar, sequestrar, torturar, assassinar e fazer desaparecer
militantes políticos que faziam oposição, armada ou não, aos regimes militares da região”. Citado de
http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/index.php/2-uncategorised/417-operacao-condor-e-a-ditadura-n
o-brasil-analise-de-documentos-desclassificados (acessado em fevereiro de 2018). O site da CNV
disponibiliza vários documentos do departamento de Estado norte-americano, da CIA, do exército
brasileiro e até da Itaipu Binacional, este sobre “subversivos paraguaios em Foz do Iguaçu”.
249 São conhecidas as ações da ditadura argentina de lançar ao mar, de aviões e ainda vivos,

dissidentes do regime. O último presidente da UNE Honestino Guimarães pode ter sido vítima de ato
semelhante. Carlos Eugênio Paz, no seu Nas trilhas da ALN, narra casos das vítimas dos métodos de
tortura do sinistro chefe do Deops paulista e comandante do Esquadrão da Morte, Sergio P. Fleury,
dentre elas o Bacuri (Eduardo Colem Leite), fundador da Resistência Democrática (REDE) que
depois se fundiria com a ALN. O jovem militante foi torturado por cerca de 100 dias, e empalado ao
final com um bastão com ranhuras de aço na ponta, especialmente projetado para dilacerar as
entranhas das vítimas. As coisas não eram diferentes no Rio de Janeiro. Caso aberrante foi o de
Aurora Maria Nascimento Furtado, cuja trajetória na guerrilha foi narrada em forma de romance por
seu cunhado Renato Tapajós (1977). A advogada de presos políticos Eny Moreira, que desobedeceu a
ordem dos assassinos e liberou o corpo da guerrilheira no IML paulista, descreve seu estado de
destruição resultante das doentias torturas, fruto de sanha vingativa dos torturadores, em https://pt.wi
kipedia.org/wiki/Aurora_Maria_Nascimento_Furtado (acessado em maio de 2018).
250 Relato semelhante está em Tapajós (1977).

251 A censura à imprensa no Rio de Janeiro é estudada por Acselrad (2015). V. tb. Marconi (1980),

Dassin (1982), Araújo (2000), Fico (2002) e Kushnir (2004), dentre muitos outros. Em 1970 a
ditadura inseriu um parágrafo na Constituição de 1967 tornando legal (constitucional) a censura
prévia à imprensa e às manifestações culturais em geral. Geisel, que iniciou seu governo falando em
“distensão” e fim da censura, realizou o primeiro concurso público para censores. Naquela quadra da
história (1974) o país contava com 220 desses profissionais. Ver Kushnir (2014).
252 Ver o interessante estudo de Oliveira (2014) sobre a publicidade na revista Veja, inspirada na

propaganda da AERP.
253 As capas de Veja foram consultadas em http://oespiritoqueanda-tudohqparavoce.blogspot.com.br/2

014/07/capas-da-veja-ano-1972.html (acessado em fevereiro de 2018). Ver ainda Gazzoti (1998) para


uma análise de conteúdo das matérias de Veja durante a ditadura. A análise da autora é superficial,
mas a transcrição de longos trechos das matérias e das entrevistas com editores de então, dentre eles
Mino Carta, deixa claro a submissão de Veja às imposições do regime, com o alegado objetivo de
“sobreviver” e “impedir a censura” (por meio da autocensura, está claro). Ver tb. Kushnir (2004).
254 A evolução do salário mínimo real desde a década de 1940 pode ser encontrada em www.ipeadata.

gov.br. Singer (1972) talvez tenha sido o primeiro a demonstrar que o arrocho salarial foi decisivo
para o “milagre” brasileiro. Ver também Oliveira (1972) e Luna e Klein (2014).
255 Os microdados da PNAD 1973 foram tabulados especialmente para este estudo. A informação

sobre a renda não é boa, pois vem em intervalos em lugar da renda nominal das pessoas. A renda foi
informada por semana ou por mês, dependendo do caso. Tirei a média dos dois valores de cada
intervalo, o que é metodologicamente factível porque os intervalos são bastante estreitos. Por
exemplo, o segundo intervalo da renda semanal vai de Cr$3,93 a Cr$7,84. Neste caso, atribuí a média
de Cr$5,89 à renda declarada neste intervalo. Para chegar à renda mensal, multipliquei esse valor por
52 (número de semanas do ano) e dividi por 12 (número de meses do ano). Isso porque, em média,
cada mês tem 4,33 semanas. Isso tornou comparável a renda dos que informaram por mês com a dos
que informaram por semana. A distribuição de renda é, portanto, aproximada, e subestima a
apropriação da renda pelos muito ricos, já que o último intervalo da renda semanal, por exemplo, é
aberto à direita (“Cr$1.888,61 ou mais”). Qualquer média atribuída a esse intervalo será arbitrária.
Na renda semanal usei a média de Cr$3.000,00 e na mensal, Cr$10.000,00 (neste caso o último
intervalo é de Cr$8.064,01 ou mais). Agradeço a Carlos Antônio Costa Ribeiro por ter me cedido os
microdados da PNAD 1973.
256 Décio Saes (1984:180 e 223) contesta os argumentos de que as novas classes médias teriam

aquiescido ao regime militar por se terem corrompido pelo consumo e o bem-estar material. Para ele
a natureza das ocupações da nova classe média, de comando na empresa capitalista, tornaria
“natural” a percepção de que, tanto quanto a racionalidade empresarial exige hierarquia de comando,
disciplina e autoritarismo organizacional, o desenvolvimento de um país também o exigiria. Ou seja,
para ele aquelas classes apoiavam o autoritarismo por serem elas mesmas autoritárias. O argumento é
de evidente determinismo tecnológico, e deixa nas sombras as novas classes médias que não
exerciam posições de comando para o capital, tanto no setor privado quanto no público, e apoiavam
igualmente o regime, assim como aquelas que, mesmo em posições de mando na empresa capitalista,
ansiavam pela volta da democracia.
257 A desigualdade e a pobreza resultantes do crescimento econômico foram destacadas em Brant e

Singer (1976), livro que teve grande repercussão ao ser lançado, sendo imediatamente rechaçado pela
ditadura como obra de “comunistas”. Tb. Bresser-Pereira (1977). A censura à cultura é longamente
analisada por Ortiz (1987).
258 A fonte dos dados é a mesma da tabela 8.

259 Fonte: arquivo ibope_opp_pe_135_mr_0301 do AEL, p. 50.


260 Boas análises sobre o lento processo de construção de consentimento, pela ditadura, junto à
população, particularmente as classes médias, são Chirio (2006), Almeida (2009) e Cordeiro (2015).
Müller (2016) rastreia a resistência estudantil entre 1969 e 1979.
261 Weffort (1972).

262 Não custa lembrar que Lula chegou pela primeira vez à direção do Sindicato dos Metalúrgicos de

São Bernardo do Campo em 1969, sendo eleito secretário em 1972 e presidente em 1975. Muitos dos
dirigentes que liderariam o “novo sindicalismo” a partir de 1978 foram eleitos sob o AI-5 e o jugo do
“atestado de ideologia”.
263 O projeto Brasil Nunca Mais estima que 4,7 mil pessoas (entre civis e militares) tiveram seus

direitos políticos cassados entre 1974 e 1985.


264 Corrigi os dados de Santos (1987:44), pois o TSE reviu recentemente os dados eleitorais desde

1945. Os cálculos para os valores que apresento foram feitos a partir das planilhas originais
encontráveis em http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/
repositorio-de-dados-eleitorais (acessado em fevereiro de 2018).
265 A informação está em http://memorialdademocracia.com.br/card/eleicao-silenciada-da-vitoria-a-ar

ena (acessado em fevereiro de 2018).


266 Os dados são do TSE. A ditadura venceu apenas em seis estados: Alagoas, Bahia, Maranhão, Mato

Grosso, Pará e Piauí. Com exceção da Bahia, todos de diminuta expressão eleitoral.
267 Infelizmente não há, nos arquivos do Ibope disponíveis no AEL, pesquisas sobre intenção de voto

para o Senado em 1974. Contudo, em novembro de 1973, em pesquisa na Guanabara, perguntados


sobre em qual partido votariam se tivessem que votar na legenda, se a eleição para o senado “fosse
hoje”, 35,6% dos entrevistados da classe A/B escolheriam o MDB (contra 48,5% da classe C e 50,6%
da classe D). Dados no arquivo ibope_opp_pe_135_mr_0301.pdf:39 e ss., disponível no AEL.
268 Como já vimos, isso ocorreu em 1937, 1954 e novamente 1964.

269 Como vimos no capítulo I, essa predisposição foi identificada tanto na apatia das classes médias

norte-americanas quanto na adesão ao fascismo e ao nazismo europeu, bem como às ditaduras latino-
americanas.
270 Como já foi dito, a literatura sobre a ditadura tem adotado, de forma quase unânime, o

qualificativo “civil-militar” para deixar claro que os civis foram parte ativa tanto no golpe de 1964
quanto na dinâmica geral do regime. Prefiro utilizar militar-civil, já que, até o fim do AI-5 em
outubro de 1978, a lógica militar (hierarquia, coesão e disciplina) presidiu a dinâmica política mais
geral.
271 Como vimos anteriormente, Foracchi (1965) atribui a isso o radicalismo das classes médias na

conjuntura pré-1964. Tourraine (1961) constrói engenhoso argumento sobre a “consciência de


mobilidade” dos migrantes vindos dos campos para as cidades, e seu caráter utópico, que pode
alimentar a ação coletiva contestatária em caso de frustração de expectativas de mobilidade, que
sempre foi uma das principais promessas do desenvolvimentismo.
272 Dados consolidados sobre evolução da inflação, do PIB e da dívida externa brasileira podem ser

encontrados em http://www.r7.com/r7/media/2014/20140331-info-ditadura/20140331-info-ditadura.h
tml (acessado em fevereiro de 2018).
273 Em sua primeira reunião ministerial, Geisel afirmou que o AI-5 seria mantido como salvaguarda

do projeto da “revolução”. A distensão “lenta, gradual e segura” não dispensaria seu cão de guarda
institucional. Ver http://atlas.fgv.br/verbete/2304 (Verbete sobre Geisel no Atlas Histórico do Brasil
do CPDOC-FGV, acessado em fevereiro de 2018). Nessa mesma reunião o ditador apelou à
“imaginação criadora” dos políticos para que o ajudassem a superar os instrumentos excepcionais do
regime (Figueiredo e Cheibub, 1982:30).
274 É límpida, nesse sentido, a opção política de um jornalista como Marcos Sá Correa, então repórter

de Veja: “você tinha duas linhas, realmente, de ação, quer dizer, quem não era governo, no Brasil,
mas também não era oposição da luta armada, não tinha outra oposição a fazer senão apostar na linha
mais branda do governo, você apostava em alas do governo que supunha que fossem contra o regime,
que indicassem a tendência de abrandamento do regime” (Gazzoti, 1998, página não identificada no
arquivo virtual). A mesma opinião é manifestada por Mino Carta, então diretor de redação da revista.
275 Ver Gaspari (2003:234 e ss. e passim). D’Araujo, Soares e Castro (1994) deixam claro, em sua

introdução aos depoimentos de militares sobre a repressão, que havia linhas de comando
responsáveis, claramente identificáveis que, diante dos “excessos”, não agiram para coibi-los. Os
autores não chegam a mencionar Geisel e a cúpula do governo, mas não eximem os ministros
militares comandantes das três forças armadas aos quais os órgãos de repressão estavam
subordinados, e os ministros respondiam, por óbvio, ao presidente, Comandante em Chefe das Forças
Armadas.
276 O memorando encaminhado ao Secretário de Estado Henry Kissinger pelo diretor da CIA W. E.

Colby está em https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99 (consultado em


maio de 2018).
277 O termo “guerra suja” foi empregado primeiramente pela literatura sobre a ditadura chilena. No

Brasil aparece como categoria analítica importante em D’Araújo, Soares e Castro (1994).
278 Ver Reis Filho (1989).

279 Há muita coisa escrita sobre a vida e o assassinato de Vlado Herzog. Dentre os trabalhos mais

importantes estão Jordão (1979), Markun (2005) e Dantas (2012). Ver também Gaspari (2014).
280 Depoimento ao Instituto Vladimir Herzog, disponível em http://vladimirherzog.org/quem-era-vlad

o-por-zuenir-ventura-em-25102000/ (acessado em março de 2018).


281 O Pasquim (que perderia o artigo em 1976, chamando-se apenas Pasquim até desaparecer em

1991) foi um importante tabloide humorístico carioca, famoso pelas charges de Henfil, Claudius,
Millôr, Ziraldo e Jaguar, pelas longas e polêmicas entrevistas com figuras culturais expoentes e pelos
textos mordazes de Tarso de Castro, Sergio Cabral, Paulo Francis, Ivan Lessa e outros. No auge de
seu sucesso chegou a vender 200 mil exemplares por semana (mais do que a revista Veja), sendo lido
por mais de um milhão de pessoas em todo o país. Ver Braga (1991) e Buzalaf (2009).
282 A informação está na coluna dominical de Alberto Dines na p. 6 da Folha de S.Paulo de 9 de

novembro de 1975. Disponível em https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=5663&keyword=A


LBERTO%2CDINES&anchor=4382235&origem=busca&pd=297da94babcde6a4fb0cd7eaf9330a5b
(acessado em maio de 2018). Na coluna do dia 2 o jornalista lamentara a “autocensura” dos
principais veículos noticiosos brasileiros no caso Herzog.
283 “Imprensa alternativa” foi o nome que se deu a um sem-número de jornais e tabloides nascidos
durante a ditadura, que procuraram furar o cerco da censura. Dentre os mais importantes e de maior
circulação estavam o já mencionado O Pasquim, Movimento, Versus, Coojornal e Opinião. Sobre a
imprensa alternativa de um modo geral, ver Kucinski (2001), que traz, ao final, extensa lista dos
jornais por ele levantados, por ano de fundação, local de edição, editor responsável e outras
informações.
284 O jornal atraiu um sem número de ativistas de esquerda libertados a partir de 1975, como ex

militantes de POLOP, Colina, ALN, AP e outros, assim como Versus era ligado ao clandestino
Partido Socialista dos Trabalhadores (Kucinski, 2001). Sobre os jornais Versus e Em Tempo, ver
também Araújo (2000).
285 A matéria pode ser encontrada em https://acervo.folha.com.br/leitor.do?
numero=5650&keyword=Herzog&anchor=4634575&origem=busca&pd=8def152821da449778bb88
c5d2bdefe5 (acessado em abril de 2018).
286 A notícia sobre o manifesto está na dedicatória do livro de Jordão (1979).

287 O mesmo Zuenir Ventura, a propósito da atmosfera de distensão trazida pelo fim da censura em

1978, reconhece que o pior problema para os jornalistas foi a introjeção da paranoia, da censura. Não
era necessário ninguém do lado para coibir ou reprimir o trabalho nas redações. A censura estava
introjetada. Ver Ventura (1999:130).
288 Cancian (2010:80-86) sistematizou as mobilizações estudantis ocorridas entre 1974 e 1979,

usando como fonte as “Apreciações Sumárias” do SNI, encontráveis no Arquivo Ernesto Geisel do
CPDOC. Estas são, provavelmente, as fontes mais confiáveis para um levantamento sistemático
desse tipo, já que os serviços de informação estavam infiltrados na universidade em todo o país e a
imprensa estava sob censura.
289 Criadas a partir de janeiro de 1971, as Aesi “exerceram tarefas de vigilância, censura,

contrapropaganda e triagem ideológica dos membros da comunidade universitária, o que implicou, às


vezes, a demissão de professores e a expulsão de estudantes” Motta (2008:67).
290 Cancian (2010:71) reproduz documento do Dops paulista no qual se lê que “o Movimento

Estudantil, dirigido pelo Partido Comunista Brasileiro, e apoiado por outros setores da esquerda,
caminha para a primeira vitória neste ano de 1976”.
291 A mesma Folha de S.Paulo já havia publicado, em fins de janeiro, um manifesto com mais de mil

assinaturas de intelectuais contra a censura. Ver http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/4/03/brasil/2


7.html (acessado em maio de 2018).
292 Em 10 de fevereiro de 1978 o Jornal do Brasil publicou, na p. 6, a lista de proibições imposta pela

censura no ano de 1977 ao rádio e à televisão. Dentre as 20 proibições (que incluíam notícias ou
comentários sobre as relações Brasil x Estados Unidos, o acordo nuclear brasileiro, manifestos de
jornalistas e intelectuais pronunciados em duas oportunidades, o desabamento de um edifício no
Estácio, Rio de Janeiro, dentre outros temas), duas se referiam ao ME: a referida no texto e a
proibição de qualquer notícia ou comentário sobre os estudantes da UnB, em 25 de julho, analisada
em seguida.
293 A PUC de São Paulo acolhera a 29ª Reunião Anual da SBPC em julho de 1977, reunião que fora

proibida na Universidade Federal do Ceará e na USP (Gaspari, 2014:417-418).


294 A cobertura do Jornal do Brasil, na p. 17 da edição do mesmo dia 24, é bem mais informativa,

com longas transcrições de entrevistas do coronel Erasmo Dias, além de trechos de seu relatório
sobre a invasão. Nele fica clara a associação, no discurso do secretário de Segurança, entre os
estudantes e a Igreja Católica progressista para desestabilizar o governo. No JB o coronel não
menciona o PCB, e sim as tendências da esquerda do ME, como a Libelu.
295 Em 1o de novembro de 1977, a Folha de S.Paulo, p. 12, noticiou nova invasão do campus da UnB,

considerada pelos estudantes, em carta aberta à população, “a mais violenta de todas” até ali,
objetivando reprimir as reuniões para a construção do DCE-Livre. Em 14 de janeiro de 1978 o Jornal
do Brasil noticiou na p. 7 o protesto do DCE da UFRGS contra o Dops e a Brigada Militar, que
ficharam estudantes que distribuíam o jornal da entidade. São apenas dois exemplos da ação reiterada
da repressão a ameaças de mobilização estudantil.
296 O Movimento de Oposição Sindical ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, conhecido como
MOMSP, é longamente analisado em Cardoso (1999).
297 A Folha de S.Paulo dedicou duas páginas de sua edição de 29 de março de 1978 aos atos pelo

país, e o Jornal do Brasil uma página inteira. Nos dois periódicos os protestos foram a manchete
principal da primeira página.
298 Ver também Müller (2016:175 e ss.).

299 Folha de S.Paulo, 04/10/1978, p. 20; Jornal do Brasil, mesmo dia, p. 16. A folha colocou pequena

chamada sobre a reportagem na primeira página, mas o JB não. Sinal dos tempos: o ME não
mobilizava mais a repressão, e com isso deixava as manchetes principais.
300 Ver Velasco e Cruz e Martins (1983), Skidmore (1988).

301 Cf. matéria da revista IstoÉ (ano 2, n. 94:11) com o título “Estudantes, acreditem: eles se reuniram

sem repressão (e decidiram que, apesar de tudo, o MDB merece votos)”.


302 A literatura sobre o “novo sindicalismo” surgido nas entranhas da ditadura é imensa. Estudos de

referência são Maroni (1982), Antunes (1988), Santana (1998), Abramo (1999) e Rodrigues (1999).
Dentre minhas contribuições destaco Cardoso e Comin (1997) e Cardoso (2015b).
303 Ver, dentre outros, Kotscho (1984); Meyer e Montes (1985); Rodrigues (2003); e Bertoncelo

(2009).
304 O deputado Dante de Oliveira, então do PMDB de Mato Grosso, apresentou em abril de 1983 a

Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 05/1983, alterando a Constituição de 1967 e instituindo


eleições diretas para a Presidência da República. A emenda foi apreciada e rejeitada pelo Congresso
em abril de 1984.
305 Pesquisa em ibope_opp_pe_apa_010_mr_0420.pdf, p. 383, disponível no acervo do AEL.
CAPÍTULO 4

Classes médias e o golpe parlamentar de


2016

Introdução306
Como em conjunturas anteriores, o Brasil viveu momento de intensa
polarização política durante o processo que resultou no golpe parlamentar que
destituiu Dilma Rousseff do poder em agosto de 2016307. Como mostrarei
mais adiante, é possível recuar a cadeia causal dos eventos que levaram a esse
desfecho pelo menos a 2005, quando o escândalo do “mensalão” afastou
parcelas das classes médias das bases eleitorais do Partido dos Trabalhadores
(PT). Mas foi a partir de 2013 que as mobilizações mencionadas na
introdução a este livro mostraram que os mecanismos de inclusão social dos
mais pobres pelo mercado e pelo consumo haviam esgotado seu potencial de
coesão social e de apoio ao projeto político liderado pelo PT, que alguns
denominaram “lulismo”308. Depois da repressão feroz ao Movimento pelo
Passe Livre (MPL) pela Polícia Militar paulista e da prisão de centenas de
manifestantes no início daquele mês, as ruas foram tomadas por jovens em
sua maioria de classe média indignados, dentre muitas outras coisas, com as
más condições de transporte, saúde, educação, moradia e com as mazelas da
vida urbana, que em seguida foram ressignificadas contra o pano de fundo das
obras para a Copa do Mundo de 2014, nas quais as exigências quanto à
qualidade dos estádios e condições de infraestrutura urbana por parte da FIFA
a muitos pareceram desproporcionais e fora da realidade do país. Dentre as
centenas de demandas, cobrava-se “educação e saúde padrão FIFA”, como
lemos em Singer (2013). E de forma crescente ao longo do mês de junho, a
grita contra a corrupção foi ganhando o centro dos protestos (Tatagiba, 2017).
É claro que os gastos com os estádios “padrão FIFA” previstos para os
quatro anos do projeto de construção ou reestruturação das arenas esportivas
(entre R$ 10 e R$ 15 bilhões) representavam uma fração diminuta do que se
gastava no Brasil em saúde e educação (mais de R$ 160 bilhões anuais309),
mas isso era irrelevante do ponto de vista do que estava em jogo. As frações
das classes médias que foram às ruas em junho de 2013 não eram, em sua
maioria, usuárias da saúde e da educação públicas. Como chamei a atenção na
Introdução a este livro ao citar André Singer (2013), a base da pirâmide não
esteve presente nos protestos senão de forma minoritária.
À primeira vista, a indignação da juventude de classe média pareceu movida
por critérios de justiça distributiva, já que via nos estádios (cujas obras
sofreram desde o início denúncias de superfaturamento e corrupção) enorme
desperdício de dinheiro, que deveria, ao contrário, financiar políticas públicas
que beneficiassem os mais pobres. É indiferente que os estádios não
estivessem sendo construídos pelos governos locais, e sim por consórcios que
envolviam o poder público em associação com capitais privados. Não importa
se eram projetos com potencial de exploração lucrativa por agentes privados
ou públicos, e não investimentos públicos diretos, embora utilizassem
empréstimos do BNDES a juros subsidiados. E importa menos ainda que os
recursos desse banco não proviessem do tesouro, mas sim do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), um fundo privado gerido pelo banco, o que
quer dizer que os recursos para a Copa do Mundo não competiam com o
orçamento constitucionalmente destinado à saúde e à educação. A aparência
de justiça distributiva da indignação da juventude que foi às ruas tinha, na
verdade, fundo moral: um país pobre não deveria sediar um circo esportivo
percebido, obviamente com razão, como perdulário, elitista e corrupto310. E
essa indignação se voltou contra os partidos políticos, principalmente os de
esquerda, os sindicatos, os movimentos sociais organizados, todos vistos
como artífices da política tradicional, sem representatividade e alheia aos
interesses da maioria. Os gastos para a Copa do Mundo acabaram levando à
condenação da política de um modo geral, e as manifestações de 2013 em
diante tiveram forte caráter de repúdio à institucionalidade democrática como
um todo.
Em março de 2013, meses antes das manifestações, a popularidade da
presidenta empossada em 2011 estava na casa dos 60% (soma de avaliações
“ótimo” e “bom” nas pesquisas citadas em nota). Na semana seguinte às
manifestações havia caído para a casa dos 30%, só retornando a 40% durante
a campanha eleitoral de 2014, apenas para voltar a cair, vertiginosamente,
quando novas manifestações tomaram as ruas a partir de março de 2015
pedindo seu impeachment, até atingir 10% às vésperas do golpe
parlamentar311. A mobilização das classes médias, incendiando as ruas, teve
papel central nesse desfecho.

Breve crônica de um golpe anunciado


Uma das consequências da radicalização das posições políticas a partir de
2013 foi a violenta polarização da campanha eleitoral de 2014, que esteve
entre as mais disputadas desde a redemocratização312. Os dois candidatos
Aécio Neves e Dilma Rousseff se alternaram na liderança das pesquisas de
opinião e chegaram às portas do segundo turno tecnicamente empatados,
como jamais acontecera313. E a candidata do PT venceu por pequena margem
de votos, 51,6% contra 48,4% do candidato da oposição, ou 3,5 milhões de
votos a mais.
As mídias sociais tiveram papel crucial no processo de radicalização, como
detalharei mais adiante. Análises dos posts na rede social Twitter, por
exemplo, mostraram que apoiadores e detratores da incumbente em busca de
reeleição constituíram dois grupos fechados em si mesmos, no sentido de que
as mensagens postadas por um apoiador ou detrator eram lidas apenas por
quem compartilhava das mesmas opiniões. Não houve, nessa rede social ou
no Facebook, mais popular, debate efetivo de ideias, confronto de opiniões ou
abertura a argumentos de adversários314. As postagens serviram: (i) para que
os contendores reforçassem as próprias convicções, já que eles só recebiam
respostas dos que pensavam igual (cada “tribo” falou apenas ou
majoritariamente para si mesma); (ii) para reforçar em cada grupo a ideia de
que a maioria (ou parte considerável) da população pensava da mesma
maneira, já que raramente comentários divergentes eram tolerados ou
manifestos; (iii) para consolidar a oposição excludente “nós” e “eles”,
alimentada, como se verá, pelas campanhas dos candidatos Dilma e Aécio, e
também pela imprensa315. É o que alguns autores denominaram “câmaras de
eco”, nas quais os “amigos” reverberam as vozes uns dos outros de forma
especular e reiterativa (Zuckerman, 2013; Pariser, 2011). Este último autor
introduziu, ainda, o termo “bolha de filtro” (filter bubble), resultante do
algoritmo do Facebook que seleciona o que cada qual verá com base em suas
“curtidas”, escolhas e interações do passado (mais sobre isso adiante).
Os responsáveis pelo marketing das campanhas de Dilma Rousseff e Aécio
Neves apostaram na polarização que tomava conta do Brasil, alimentando-a e
aprofundando-a. Na propaganda eleitoral gratuita, Aécio associou sua
imagem, desde o início, às cores da bandeira nacional, que também tomaram
as ruas nos protestos contra o governo. Vários programas mostraram o
candidato nos braços dos manifestantes, em comícios e passeatas com
predomínio das cores verde e amarelo. No Facebook e no Twitter a campanha
tucana buscou associar o PT ao comunismo, ao bolivarianismo, ao castrismo,
à cor vermelha e a tudo que tivesse relação com a esquerda latino-americana31
6. Insistiu, até o fim, no tema da corrupção na Petrobras. E a partir de meados

da campanha, elegeu como seu adversário não a candidata Dilma, mas o PT,
que teria um “projeto de poder” totalitário, corrupto e criminoso, enquanto
Aécio seria o candidato não de um partido, o PSDB, mas de todos os
brasileiros. Como ele afirmaria em peça de propaganda de 22 de outubro de
2014, “pessoas” (de referente indeterminado) que, na campanha do primeiro
turno, haviam atacado os candidatos Marina Silva e Eduardo Campos,
agora se voltam contra mim, e se voltarão contra qualquer um que ameace a permanência do PT no
poder […]. Hoje, em função de tantas mentiras, milhões de brasileiros estão com medo. Mas eu
digo a vocês, nós não precisamos ter medo do PT. Eu não tenho medo do PT […]. O Brasil que vai
nascer das urnas no próximo domingo não pode ser o Brasil do terrorismo, do medo, da chantagem,
do ódio, da mentira. Nós não merecemos isso. Nós queremos libertar o Brasil no medo [Aécio
Neves, no programa eleitoral noturno do dia 22 de outubro de 2014]317.

A circunscrição não da candidata Dilma, mas do PT como adversário, ou


seja, um partido com um projeto político autoritário, corrupto e “comunista”
tendo em Lula o grande “manipulador” por trás da presidenta, irmanou a
mídia conservadora que deu apoio ao candidato ao longo de toda a campanha.
Manchete do jornal O Globo na internet de 26 de outubro, dia do segundo
turno da eleição, não deixa dúvidas a respeito: “Aécio: fé na ‘onda final’ para
bater PT”318.
Por seu lado, a campanha de Dilma Rousseff investiu na “desconstrução” do
adversário, criticando duramente sua gestão no governo de Minas Gerais, com
o bordão “quem conhece Aécio, não vota em Aécio”319; mostrando as
contradições de seu provável ministro da fazenda Armínio Fraga, que
colocaria à venda o patrimônio público; insinuando nas redes sociais que
Aécio seria violento com as mulheres; e, muito importante, mobilizando o
medo do eleitor ao lembrar o passado de miséria e fome dos governos do
PSDB, problemas que teriam sido finalmente resolvidos pelos governos do
PT. Foram essas peças de campanha e muitas outras que levaram o candidato
à reação indignada do dia 22 de outubro, na qual ele afirmou, ainda, que
segundo “um importante jornal nacional, neste segundo turno, de 22 peças de
campanha da minha adversária, 19 foram para me atacar”.
Aécio não nomeia o “importante jornal”. A campanha de Dilma Rousseff
não atacou diretamente o candidato nos comerciais de 10 minutos, veiculados
pela manhã e à noite no horário eleitoral gratuito. Nestes eram apresentadas as
realizações dos governos Lula e Dilma e os projetos para o futuro. Mas as
inserções de um minuto ao longo do dia nas rádios e TVs eram quase todas
para “desconstruir” a imagem de “bom moço” que Aécio tentou manter ao
longo do horário eleitoral. Dentre as muitas mensagens, dizia-se que Aécio
acabaria com o Bolsa Família e com o Minha Casa Minha Vida. O jornal O
Globo, claro aliado da oposição ao governo Dilma, reconheceu que a
campanha tinha sido eficiente em aumentar a rejeição ao candidato320.
A polarização culminou nos programas partidários do dia 24 de outubro,
últimos da campanha eleitoral gratuita, quando o PSDB deu destaque, nos
minutos finais, à capa da revista Veja levada às bancas de jornal no mesmo
dia, uma sexta-feira, com as fotos de Lula e Dilma lado a lado, digitalmente
manipuladas para sugerir que estivessem na penumbra ou numa zona cinzenta
tramando coisas, com os dizeres “Eles sabiam de tudo”, em referência à
presumida (e depois negada) afirmação do doleiro Alberto Yussef de que os
dois eram os mentores da corrupção na Petrobras, escândalo que estourara ao
longo de 2014. Dilma, por sua vez, passou metade de seu último programa de
10 minutos contestando a matéria, dizendo que processaria a revista por
calúnia e se defendendo das acusações. Por fim, no último debate entre os
candidatos, na noite da mesma sexta-feira, 24 de outubro, perguntado sobre o
que era precioso fazer para acabar com a corrupção no Brasil, Aécio
respondeu: “Tirar o PT do poder.”
Trazer à discussão esses episódios serve ao propósito de chamar a atenção
para a aposta dos candidatos na polarização e mostrar que a corrupção ganhou
o centro do debate eleitoral, num ambiente político no qual o tema era caro
sobretudo às classes médias e altas, como analisarei mais detidamente em
seguida.
Diante desse quadro mais geral de polarização, é difícil atribuir a um evento
específico o ponto de não retorno da disputa política que desembocaria no
golpe parlamentar de 2016, com apoio de segmentos expressivos das classes
médias e de toda a imprensa empresarial. Mas qualquer análise acurada dos
acontecimentos deve incluir, entre os eventos decisivos e para além da
polarização da campanha eleitoral, a recusa do PSDB e do então senador
Aécio Neves aceitarem a derrota. O resultado da eleição (vitória de Dilma
Rousseff por uma margem de 3,5 milhões de votos) foi homologado no dia 27
de outubro de 2014, e no dia 30 o PSDB protocolou no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) um pedido de auditoria nos resultados, alegando que a votação
através de urna eletrônica era vulnerável a fraudes (Avritzer, 2017). Não
conseguindo sucesso, no dia 18 de dezembro, dia em que a chapa
Dilma/Temer seria diplomada pelo TSE, o PSDB entrou com novo pedido de
cassação de Dilma e posse de Aécio como presidente, agora sob acusação de
abuso de poder econômico e corrupção na campanha eleitoral. O Tribunal
aprovou as contas da campanha, mas num ato insólito e monocrático, o
recém-empossado presidente do TSE, Gilmar Mendes, reabriu o caso
alegando que novas provas pareciam vincular as contas já aprovadas a
denúncias de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato321. O ano de 2015 se
iniciou com a presidência sob a espada de Dâmocles.
Não houve a esperada “lua de mel” que costuma caracterizar os primeiros
meses dos novos governos (Feres Jr. e Sassara, 2018). Mais de uma dezena de
pedidos de impeachment aguardava o pronunciamento da presidência da
Câmara dos Deputados, um deles protocolado pelo PSDB em março de 2014.
No TSE, tramitava o pedido de cassação da chapa Dilma/Temer por
corrupção. O parlamento eleito em 2014 foi o mais conservador desde a
redemocratização (Avritzer, 2017). Fragmentado em mais de vinte partidos,
teve presença maciça de representantes de frações retrógradas da burguesia
financeira, de interesses ligados ao agronegócio e à grande propriedade
fundiária, de religiosos com agenda regressiva em termos de direitos
humanos, da indústria bélica nacional e internacional e de interesses mais ou
menos pragmáticos segundo o caso, quase sempre contrários ao que os
governos liderados pelo PT haviam logrado nos anos anteriores, tanto em
termos de distribuição de renda quanto de promoção dos direitos de minorias
e aumento dos gastos estatais em políticas sociais.
A par desse cenário politicamente conservador, fragmentado e crítico, em
2015 os efeitos da crise econômica mundial que, em seu repique a partir de
2011, levara de roldão os países europeus (Streeck, 2014), mostrou sua face
cruenta também no Brasil. Desde 2012 o governo Dilma vinha tentando
conter seus efeitos por meio de medidas anticíclicas que estimulassem o
consumo das famílias e o investimento privado, ao tempo em que municiava o
BNDES com recursos do tesouro para empréstimo subsidiado às empresas.
Fez isso ao preço do crescimento do déficit público e da dívida pública
interna. Cada nova medida agradava parcelas do empresariado e contrariava
outras tantas, e isso terminaria por afastar a maioria delas, gradativa mas
decididamente, da base de apoio da coalisão governista (Singer, 2016). As
contas públicas apresentaram déficit pela primeira vez desde 2002 (de 0,63%
do PIB, contra superávits elevados nos três anos anteriores, iguais ou
superiores a 2% do PIB322). O país crescera perto de zero em 2014, e entraria
em recessão em 2015, com queda de 3,8% do PIB neste ano e de 3,6 em 2016.
A crise econômica resultou de feixe complexo de razões, dentre elas a
“greve de investimento” dos empresários num cenário de grande incerteza
política e fragilidade do governo federal; a operação Lava Jato, que paralisou
obras de infraestrutura por todo o país, provocando efeitos a montante e a
jusante nas cadeias produtivas de petróleo, gás, construção civil e obras
públicas323; a paralização da maioria dos investimentos públicos em razão de
draconiana política de austeridade iniciada em 2015; a queda drástica nos
preços das commodities e o consequente impacto nas contas públicas, dentre
outros. O desemprego, que fora de 4,3% em dezembro de 2014, começou a
subir, e chegou ao fim de 2015 a perto de 7%, a maior taxa em oito anos, e
atingiria mais de 11% em 2016 (Nunes e Melo, 2017).
Em meio à crise econômica, em fevereiro de 2015 o deputado Eduardo
Cunha elegeu-se presidente da Câmara Federal. Membro do PMDB, partido
da base aliada do governo Dilma, venceu a eleição por larga margem contra o
candidato do PT324. E apesar de dizer, em sua posse, que não faria oposição ao
governo, sua atuação foi francamente oposicionista. Nesse mesmo mês de
fevereiro a aprovação do governo Dilma, que chegara a 42% em dezembro de
2014, despencou para 23%, em meio a intenso noticiário contrário à virada
programática do governo, que vencera as eleições negando a necessidade de
um ajuste fiscal, mas que nomeara como ministro da Fazenda o liberal
ortodoxo Joaquim Levy, a quem a presidenta solicitou projeto de ajuste nos
moldes da ortodoxia monetarista que tentara evitar até ali (Coggiola, 2016;
Singer, 2016).
Em março, quando mobilização convocada pelos oposicionistas MBL
(Movimento Brasil Livre), Vem Pra Rua e Revoltados On Line, todos com
origem nas classes médias conservadoras e autodeclarados de direita
(Tatagiba, 2017), levou 210 mil pessoas à avenida Paulista em protesto contra
a corrupção e pelo impeachment da presidenta325, a aprovação do governo
desceu a 13%. Em abril os mesmos movimentos levaram mais 100 mil
pessoas àquela avenida, e mais 135 mil em agosto, quando a aprovação do
governo estava na casa de 10% (proporção avaliando-o como ótimo ou bom),
e a reprovação, de 65% (proporção avaliando-o como ruim ou péssimo)326.
Como veremos, esses movimentos tinham claro perfil de classe média, as
pessoas vestindo camisetas da CBF e trazendo o “pixuleco” (boneco inflável
de Lula com roupa de presidiário) e o pato inflável da Fiesp às ruas e exigindo
o impeachment da presidenta (alguns pediam a volta dos militares ao
poder)327.
Em resposta, partidos de esquerda e movimentos sociais convocaram
manifestação de apoio a Dilma e contra o impeachment para 20 de agosto,
levando 37 mil pessoas ao Largo da Batata em São Paulo328 e outras 40 mil em
39 cidades de 25 estados e Distrito Federal329. Nessa manifestação em apoio
ao governo, a atuação do presidente da Câmara foi avaliada como “ruim ou
péssima” por 78% dos presentes, segundo a pesquisa citada em nota. Essa foi
a manifestação com maior presença de simpatizantes do PT entre as três
pesquisadas pelo Datafolha (60%), e a com menor proporção de voto em
Dilma (83%). E, como voltaria a contecer ao longo dos meses seguintes, as
duas manifestações, pró e contra o governo, abusaram da violência verbal
contra o grupo adversário (Meneghelli e Ferré-Pavia, 2016).
O senador Aécio Neves apoiou os protestos de março e abril de 2015, e
contrariando orientação de seu partido, o PSDB, engrossou o coro dos que
pediam o impeachment de Dilma Rousseff. Em maio o jurista Miguel Reali
Júnior respondeu negativamente à consulta do PSDB sobre o fundamento
jurídico de um pedido de impeachment contra Dilma, com base em denúncias
sobre possíveis “pedaladas fiscais”330. Diante do parecer negativo, o PSDB e
Aécio afirmaram que não havia base material para um pedido de
impeachment. Mas todos eles, incluindo o jurista mencionado, mudariam de
opinião à medida que as investigações no âmbito da Lava Jato avançavam e a
crise do governo se aprofundava.
Em maio o empresário Ricardo Pessoa, da construtora UTC, afirmou ter
doado R$7,5 milhões à campanha de Dilma “por medo de retaliação”331. Foi a
primeira vez que um delator da Lava Jato mencionou a presidenta como
beneficiária de esquemas de corrupção (a denúncia não seguiria adiante). Em
19 de junho Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo, presidentes
das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez, foram presos, juntamente
com outros altos executivos das empreiteiras. Em 2 de julho foi a vez do ex-
diretor da Área Internacional da Petrobras, Jorge Zelada, que teve dez milhões
de euros bloqueados por um banco em Mônaco. Já em fins de junho o senador
Aécio Neves voltara a falar em impeachment, e ao ser eleito presidente do
PSDB em convenção do partido, em inícios de julho, afirmaria que “Dilma
não concluirá o mandato”. E emendaria que “não perdemos a eleição para um
partido político, e sim para uma organização criminosa que se instalou no seio
do Estado nacional”332. O PSDB passou a apostar na criminalização da gestão
petista.
Em agosto o procurador-geral da República enviou ao STF denúncia de
corrupção passiva e lavagem de dinheiro contra Eduardo Cunha. Visando a
ganhar tempo e tentar salvar seu mandato, o presidente da Câmara deu início a
intenso processo de chantagem contra o governo (Limongi, 2015), colocando
em pauta de discussão e votação no Congresso, em ritmo acelerado, o que
ficou conhecido como “pauta bomba”, composta por projetos de reajuste do
funcionalismo federal, derrubada de vetos presidenciais a leis que
aumentavam gastos, engavetamento de medidas que permitiriam aumentar a
arrecadação (como o fim da desoneração das folhas de pagamento333), dentre
outros, que inviabilizariam o esforço fiscal tentado por Dilma Rousseff, já que
significariam gastos adicionais de mais de R$200 bilhões334. Além disso,
ameaçava constantemente o governo de aceitar um dos muitos pedidos de
impeachment que dormiam na “gaveta” da mesa da Câmara ou que lhe
haviam chegado desde que tomara posse. A oposição passou a colocar todas
as suas fichas na admissibilidade de uma denúncia em particular, protocolada
em primeiro de setembro pelos juristas Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e
Miguel Reali Júnior (agora já com opinião contrária ao próprio parecer de
meses antes), pedindo a destituição da presidenta por “crime de
responsabilidade” por não observância da Lei de Responsabilidade Fiscal335,
as já mencionadas “pedaladas fiscais”. Durante todo esse período, a Câmara
Federal não permitiu que Dilma governasse, já que nenhum projeto de
interesse do governo entrou na pauta de votação.
Em razão da denúncia do PGR ao STF, no dia 13 de outubro o PSOL
(Partido Socialismo e Liberdade) representou contra Cunha no Conselho de
Ética da Câmara, pedindo a cassação de seu mandato por suspeita de
recebimento de U$ 5 milhões em propina e por mentir sobre a propriedade de
contas bancárias na Suíça, o que, pelo regimento da Casa, configura quebra de
decoro parlamentar336. O deputado tentou por todos os meios impedir que a
representação prosperasse, e deixou claro que só rejeitaria a denúncia dos
juristas Paschoal, Bicudo e Reali contra Dilma se os três membros do PT no
Conselho de Ética votassem pela não admissibilidade da abertura de inquérito
contra ele. Em 2 de dezembro a bancada do PT decidiu que o partido votaria
contra Cunha na sessão do Conselho marcada para o dia 8. No mesmo dia
Eduardo Cunha aceitou o pedido de impeachment contra Dilma, que também
era apoiado pela oposição337. Em resposta, no dia 13 de dezembro novas
manifestações a favor do impeachment ocorreram em 22 estados da
federação, sendo a maior, uma vez mais, em São Paulo, com 40 mil pessoas
na avenida Paulista338. A imprensa e os organizadores reconheceram que “a
adesão foi menor” do que no caso das anteriores, mas que se tratava apenas de
um “esquenta” para o que viria em 2016339.
Uma vez mais os movimentos sociais e a militância favorável à permanência
de Dilma no poder responderam, e provavelmente levaram 100 mil pessoas às
ruas em todo o país no dia 16 de dezembro, segundo estimativas da PM340.
Quase 90% dos que foram à Paulista e à praça da República em São Paulo
tinham votado em Dilma em 2014, contra 84% de eleitores de Aécio na
manifestação a favor do impeachment. A cena política tomava, nas ruas, o
rosto de um “terceiro turno”, com eleitores de Aécio querendo reverter o
resultado das eleições por meio da destituição da presidenta, e os eleitores de
Dilma defendendo-a no mesmo tom. Raiva, medo e ansiedade foram os
sentimentos predominantes nas mensagens dos dois grupos no Twitter (Malini
et al. 2017), expressões da radicalidade e da crescente irredutibilidade das
posições mútuas.
Parte do radicalismo dos apoiadores da presidenta tem a ver com o fato de
que Dilma perdera a batalha da opinião pública. Análises da cobertura
jornalística realizadas por diferentes autores não cansaram de marcar que a
imprensa escrita e televisiva foi parceira incondicional (com raríssimas
exceções) do movimento por sua destituição. Oliveira (2016), por exemplo,
mostrou que os grandes jornais abriram sessões específicas para os eventos
pelo impeachment, com
imagens aéreas, fotos abertas em grandes proporções, além dos destaques para os números de
manifestantes, como forma de sugerir amplo apoio da maioria da população à deposição da
presidenta. Em contrapartida, os protestos favoráveis ao governo Dilma tiveram cobertura enxuta,
sem ênfase nas primeiras páginas e aos números, indicando pequena participação e reduzido apoio
da população à presidenta [idem:83].

Vários dispositivos de mídia (revistas, jornais escritos e televisivos)


contribuíram decisivamente para a construção do bloco opositor ao governo.
Correia (2017) mostrou como a cobertura do jornal O Globo tornou-se
intensamente negativa antes das manifestações de março de 2016, com foco
na Lava Jato, ajudando a convocar a militância antigovernista para as ruas, no
que o autor qualificou como “jornalismo de guerra”. Van Dijk (2017) não tem
dúvidas em utilizar o termo “manipulação” da opinião pública por parte das
Organizações Globo, que, dentre outras coisas, teriam “instigado as grandes
manifestações da classe média conservadora em 2016” (idem:200).
Constatação semelhante englobando ainda os jornais Folha de S.Paulo e O
Estado de S. Paulo está em Feres Jr. e Sassara (2018), que não deixam
dúvidas sobre o viés antigovernista e o apoio ao impeachment por parte da
grande imprensa (vide tb. Santos, 2017).
O maior de todos os protestos ocorreu em 13 de março de 2016, um
domingo. Segundo o Datafolha, pelo menos 500 mil pessoas marcharam na
avenida Paulista pedindo o impeachment de Dilma, e a PM computou 3,6
milhões de manifestantes em todo o país341, no que foi qualificado por parcela
da imprensa como a maior mobilização da história342. Nesse dia, 77% dos
manifestantes paulistas tinham ensino superior, e 37% renda familiar de mais
de dez salários mínimos, 67% mais de cinco mínimos. Ao menos no caso de
São Paulo, a mobilização foi claramente dominada pelas classes médias e
superiores. Essas classes voltariam às ruas no dia 16 de março, batendo
panelas e exigindo a saída de Dilma, em resposta à tentativa de nomeação de
Lula para a Casa Civil da Presidência da República e ao vazamento, pelo juiz
Sergio Moro, instrutor da Lava Jato, de uma conversa entre a presidenta e
Lula na qual a nomeação apareceu como estratégia para evitar a prisão do ex-
presidente343.
Por fim, a manifestação pró-Dilma de 18 de março teria levado 95 mil
pessoas à avenida Paulista, segundo o mesmo Datafolha344, e desta vez o perfil
dos manifestantes era mais claramente de classe média (78% com nível
superior), menos petista e majoritariamente composto de eleitores de Dilma
no segundo turno. Menos de um mês depois, 16 de abril, a Câmara autorizou a
instauração do processo de impeachment contra Dilma, que foi afastada do
cargo à espera da votação pelo Senado345. Este confirmaria a admissibilidade
do impeachment em 12 de maio, e a votação final que destituiu a presidenta,
configurando o golpe parlamentar, ocorreu no dia 31 de agosto. Todos os 81
senadores votaram, sendo 60 favoráveis à perda do mandato de Dilma
Rousseff.
Wanderley Guilherme dos Santos (2017) sugere que o golpe foi um dos
desenlaces possíveis do fato de que, numa democracia de massas que precisa
processar uma infinidade de interesses em competição na arena política,
qualquer política pública tende a contrariar mais interesses do que aqueles que
ela favorece, mesmo que essa política vise à constituição de bens públicos de
amplo alcance. Interpreto essa hipótese no seguinte sentido: as políticas
anticíclicas voltadas para a garantia do emprego e da renda dos trabalhadores,
bem como a dar solvência à economia real em meio à crise mundial, ao
produzirem a percepção, nos mercados, de que o próprio governo se tornaria
insolvente num futuro qualquer visto por eles como próximo o suficiente para
causar prejuízos nos credores da dívida do país, levou esses credores, ou seja,
os bancos e os interesses a eles associados, incluindo o maior conglomerado
midiático do país (as Organizações Globo) e parcelas das classes médias
rentistas e portanto credoras do governo, a se mobilizarem para retirar do
poder o agente que estava colocando seus interesses e sua riqueza em risco.
Como não conseguiam fazer isso pela via eleitoral, patrocinaram o golpe de
Estado. Foram muitos os pretextos e mecanismos utilizados para isso, alguns
deles elencados aqui, estando no topo da hierarquia a corrupção e a diuturna
criminalização da prática política em função dos desdobramentos da Lava Jato
e, obviamente, a profunda crise econômica que a crise política ajudou a
alimentar. O fato é que elites políticas ligadas a variados interesses, muitos
deles escusos e associados a práticas históricas de corrupção, aceitaram o
desafio e depuseram a presidenta Dilma Rousseff. O processo político
democrático foi interrompido por interesses econômicos muito claros, que
fizeram valer seu poder de veto às políticas públicas que os contrariavam por
meio da subversão das regras do jogo. E as classes médias estiveram no
âmago da disputa política que levou a esse resultado346.

Uma hipótese de trabalho


A conjuntura 2013-2016 foi outro “momento serendípico” da ação política das
classes médias brasileiras, último a ser objeto desta análise. Considero-a
período ímpar de constituição e afirmação de identidade de classe por parte de
diferentes parcelas daquelas classes, que teve como principal eixo
organizador, como das outras vezes, as práticas e processos de construção de
significado referenciados no exercício do poder de Estado. Uma fração
daquelas classes elegeu como o outro de seu processo identitário os governos
do Partido dos Trabalhadores, o próprio partido e o que ela imaginou fossem
as bases de sustentação dos governos que combatiam, compostas por outros
segmentos das próprias classes médias, além de setores populares
organizados, como os sindicatos e os movimentos sociais, aos quais se
opuseram por razões ideológicas, práticas, valorativas e morais, que
confluíram para a consolidação de sólida imagem de si, que alimentou sua
ação coletiva, que foi, ela mesma e recursivamente, o principal elemento de
construção de sua consciência e identidade. Uma identidade de uma fração da
classe média referenciada, em grande medida, nas posições de outros
segmentos das próprias classes médias, que operou com reduções
estereotipadas das posições e intenções do outro, de tal modo que a relação de
identidade/alteridade que se constituiu ao longo do processo, em momentos-
chave da disputa política, procurou negar ao outro (e a negação foi mútua) o
direito de afirmar-se no espaço público em seu próprio direito e segundo seu
interesse, seus valores, seus projetos políticos, suas crenças mais profundas.
A hipótese se desdobra na ideia de que os coletivos assim constituídos o
foram numa relação excludente de alteridade, cada grupo se apresentando ao
público e convocando lealdades enquanto antítese daquele contra o qual se
contrapunha. A relação, em boa parte das vezes, não foi de antagonismo, que
supõe ao menos a possibilidade de solução negociada das diferenças, mas de
negação do outro em sua integridade e identidade. Portanto, como inimigo a
ser destruído. Não se compreende o grau de radicalidade da conjuntura sem se
levar em conta a percepção recíproca de defensores e detratores dos governos
liderados pelo PT, de que o Brasil estaria melhor sem a existência do outro
assim constituído. Mais ainda, a existência do outro (sua permanência no, ou
sua conquista do poder de Estado), representaria para o perdedor algo muito
próximo do fim dos tempos. Era como se todos estivessem jogando todas as
suas fichas num único lance, e estivessem dispostos a qualquer movimento, a
mobilizar qualquer recurso, lícito ou não, violento ou não, para fazer valer seu
cacife, de uma vez e para sempre, para destruir o inimigo. Como numa guerra
na qual todos os códigos de guerra, inclusive a salvaguarda dos direitos
humanos dos não contendores, estivessem em suspenso. Uma guerra de
extermínio, não uma guerra de conquista de território ou de recursos de poder.
Não se tratou de uma “luta democrática de classes”347.
Pretendo sugerir que a férrea hierarquia das posições de classe de indivíduos
e famílias detectada nos capítulos I, II e III de Cardoso e Préteceille (2020),
conferiu o lastro estrutural para a radicalização das posições em jogo, por
meio de um conjunto de mediações que incluíram estilos de vida ameaçados,
lealdades políticas (menos ou mais explícitas) frustradas nas eleições de 2014
(no caso dos detratores do PT), valores morais e éticas do trabalho irredutíveis
uns aos outros, estereótipos construídos nas novas mídias sociais,
transformação da esfera pública num ambiente de beligerância e não de
formação e confronto de opiniões (para o que foi fundamental o papel da
mídia e das redes sociais). Incluíram ainda a emergência das juventudes na
cena pública reivindicando espaço de participação num ambiente visto por
eles e elas como controlado por velhas gerações de corruptos, violência nas
ruas, múltiplos e pulverizados centros de constituição de identidades políticas
ou, o que dá no mesmo, fragmentação dos mecanismos tradicionais de
coordenação da ação coletiva, crise da institucionalidade democrática,
emergência da corrupção como catalizadora dos muitos temas da agenda do
mal-estar civilizatório. O impeachment de Dilma Rousseff foi outro momento
serendípico de nossa história política, que revelou a centralidade das classes
médias e suas divisões internas no delineamento dos limites e possibilidades
dos destinos da nação, bem como de nossa democracia.
Nesse sentido, e tal como nas outras conjunturas analisadas antes, os
diferentes segmentos das classes médias construíram suas identidades pela
mediação do Estado e da política institucional. Não se constituíram como
movimentos sociais orientados por questões culturais, como na construção de
Eder (2001) discutida no capítulo I. Muito ao contrário, seu ímpeto
mobilizador foi alimentado por questões do mundo da política, e os signos
produzidos, bem como seus significados, só ganham inteligibilidade no
âmbito da luta política pelo controle do poder de Estado. Isso distingue
claramente os movimentos das classes médias no Brasil dos “novos
movimentos sociais” de classe média escrutinados por Alain Touraine ou
Klaus Eder, brevemente resenhados no capítulo I. E distancia a ação coletiva
dessas classes de qualquer ideia de apatia política tal como a encontrada na
leitura de Wright Mills sobre as classes médias norte-americanas, discutida no
mesmo capítulo. Entre nós o radicalismo das classes médias tem aflorado na
disputa pelos destinos da nação, em especial quando o Estado toma a frente
como seu artífice ou liderança maior, e não foi diferente na conjuntura sob
escrutínio.
Essas hipóteses dialogam com a literatura sobre movimento sindical,
movimentos sociais e outras do gênero que chamaram e chamam a atenção, de
maneira obviamente correta, para a importância desses movimentos para a
dinâmica democrática e para a abertura do regime político em diferentes
conjunturas no Brasil (como, por exemplo, o seminal ensaio de Oliveira,
2002). Mas sugerem que essa literatura apreende apenas parcialmente a
dinâmica política do país, ao deixar de lado as classes médias como agentes
sempre presentes, sempre decisivos nas conjunturas críticas, por vezes agindo
no sentido de impedir que as pressões populares tenham impactos relevantes
nos processos decisórios e na formulação de políticas públicas, por vezes
sendo decisivas em momentos cruciais da ampliação dos direitos políticos e
sociais, como a resistência à ditadura militar-civil de 1964 ou a defesa do
legado dos governos liderados pelo PT.
Classes médias em pugna
Retomemos, então, a principal evidência da disputa entre setores das classes
médias urbanas na conjuntura que interessa. A tabela 12 sistematiza as
informações fornecidas anteriormente, e traz o perfil social dos manifestantes
contra e a favor do governo Dilma Rousseff entre março de 2015 e março de
2016 na cidade de São Paulo, segundo o Datafolha. A amostra não é de modo
algum representativa do país. Reflete a polarização que tomou conta de São
Paulo, estado responsável pelas maiores manifestações no período. Mas é
exemplar do processo que tento reconstituir aqui.
Foram oito grandes manifestações em um ano, cinco contra e três a favor do
governo. O público das manifestações a favor foi, em cada uma isoladamente
e tomando-as em seu conjunto, bem menor do que o dos protestos contrários à
presidenta Dilma Rousseff. Pelas contas do Datafolha, estas teriam reunido
mais de um milhão de pessoas, e aquelas, perto de 200 mil, e isso apenas na
cidade de São Paulo.
A primeira constatação, inequívoca, é a de que, ao menos no início, os
públicos tiveram perfil bastante distinto um do outro, e ambos estavam muito
distantes do perfil dos moradores da cidade de São Paulo. Tomando-se as
faixas de rendimento, nos quatro primeiros protestos contra Dilma, mais de
40% dos presentes ganhavam dez salários mínimos ou mais. O último evento,
de março de 2016, foi a única exceção. Ainda assim, 37% dos presentes
estavam nessa faixa de renda. Na população paulistana a proporção nesse
estrato não passava de 11%. Se incluirmos a faixa de cinco a dez salários
mínimos, chega-se a quase 70% dos que foram às ruas contra o governo,
comparando com os 26% da população da capital nessa faixa de renda. A
“base da pirâmide” mencionada por Singer (2013), de pessoas ganhando até
três salários mínimos, foi de 14% nos cinco protestos, mas era 52% dos
paulistanos. Tal como em junho de 2013, os mais pobres eram minoria nas
ruas contra o governo.
Setenta por cento ou mais se declararam brancos, quando na população da
cidade a proporção não chegava a 50%. Setenta e seis por cento ou mais
tinham ensino superior, contra 28% na população, e aqui é sempre bom
recordar o achado do capítulo II de Cardoso e Préteceille (2020), segundo o
qual a probabilidade de um diplomado estar ao menos na classe média
“média” era de 75% em 2014, e de 86% de estar ao menos na classe média
baixa. E a idade média dos manifestantes era muito mais alta do que a dos
habitantes da cidade.
Enquanto Aécio Neves teve 34% dos votos na cidade no segundo turno da
eleição de 2014 (como mostra a mesma tabela), em três das cinco
manifestações contra Dilma, mais de 80% declararam ter votado no tucano.
Por fim, a preferência pelo PSDB entre os manifestantes era pelo menos três
vezes maior do que a encontrada entre os moradores. Ainda assim, em um
único caso (março de 2015) ultrapassou um terço dos manifestantes. Ou seja,
a preferência partidária identificou apenas parte dos presentes nas ruas contra
o governo, o que sugere que o voto em Aécio Neves teve, para a maioria,
caráter plebicitário, ou contrário à candidata do PT, e que o repúdio ao
governo era apenas parcialmente filtrado pela afinidade com o PSDB. Isto é, o
voto em Aécio foi mais claramente multipartidário, assim como o foi o
alinhamento dos manifestantes antigovernistas.
O público que apoiou Dilma nas ruas foi bem distinto, e variou ao longo do
tempo de uma maneira que não se viu entre os detratores do governo. A “base
da pirâmide” (renda de até três salários mínimos), por exemplo, englobou
41% dos presentes na manifestação de agosto de 2015, caindo para 30% na de
dezembro e para 21% na de março de 2016. No primeiro evento os mais
pobres presentes estavam próximos de sua participação na população, de 51%,
mas nos demais o perfil se deslocou para os setores médios e, em menor
proporção, médio-altos de renda.
Pessoas com rendas de cinco a vinte salários mínimos eram 36% na primeira
manifestação pró-Dilma, e 46% na última. Houve, portanto, progressiva
“medianização” dos que foram às ruas em apoio ao governo, e os com renda
de mais de dez salários não passaram de 23% nos três eventos. As classes
médias mais altas estavam também presentes no apoio a Dilma, mas em
menor proporção do que entre seus detratores.
Enquanto 70% ou mais destes últimos se declararam brancos nos cinco
eventos contra o governo, entre os defensores de Dilma o perfil foi se
tornando mais branco, saindo de 49% de pretos e pardos na primeira
manifestação (próximo do perfil da população da cidade), para 34% no
último, com os brancos indo de 46% para 62% do total.
Outra diferença notável entre a dinâmica dos dois públicos é o fato de que a
maioria dos defensores do governo declarou preferência pelo PT, mas a
proporção foi decaindo com o tempo (de 60% no início para 48% no final),
enquanto cresceu a proporção que declarou ter votado em Dilma. De todo
modo, mesmo na primeira manifestação, 40% não declararam preferência
pelo PT, sugerindo expressiva adesão supra ou multipartidária.
Temos, neste caso, movimento chiástico. Da primeira à última mobilização
pró-governo, as ruas foram ficando menos “petistas” e menos “populares”,
tornando-se mais pluralistas em termos partidários e mais de classe média em
termos de renda e escolaridade: o pessoal com nível superior sai de 52% na
primeira manifestação para atingir 78% na última, tornando o perfil dos dois
públicos idêntico nesse pormenor. Como, porém, a renda média dos
defensores de Dilma era bem mais baixa e a proporção de não brancos maior,
pode-se alimentar a hipótese de que os diplomas destes universitários davam
acesso a ocupações menos valorizadas (em termos de acesso à renda) do que
os do público antigovernista.
Dizendo de outra maneira, e mais enfaticamente: o perfil da última
mobilização pró-governo era mais próximo (embora de modo algum idêntico
exceto na escolaridade superior) do perfil dos detratores do governo em
termos demográficos. Mas o que os aproximou e os opôs, quanto mais se
aproximava o desfecho do processo de impeachment, foi a defesa ou o
repúdio ao governo, de forma cada vez mais independente do perfil partidário
dos manifestantes. As ruas opuseram, de forma crescente, aecistas e dilmistas,
mais do que petistas e tucanos, com isso reproduzindo a polarização do
segundo turno eleitoral, quando as forças políticas se alinharam a um dos dois
candidatos. Às portas da votação do impeachment, era como se as classes
médias reproduzissem nas ruas suas preferências eleitorais, uns defendendo o
voto vencedor, outros buscando reverter o resultado eleitoral a seu favor.
Diferença importante, obviamente. Uns defendiam um mandato concedido nas
urnas, outros, ao demandar o impeachment da presidenta, tentavam subverter
as regras do jogo democrático, forçando, com manifestações massivas
amplamente apoiadas pela mídia escrita e televisiva, a derrubada da
presidenta eleita. Essa foi a marca da polarização na conjuntura. Resta
explicar como as classes médias chegaram a esse ponto.
Tabela 12:
Perfil dos manifestantes contra e a favor do governo da presidenta
Dilma Rousseff em 2015 e 2016, na Cidade de São Paulo (em %)

Contra Dilma A favor


População
Perfil dos/as da cidade
A B C D E F G H
manifestantes de SP em
29/10/2015
Até 2 S.M. 29 7 6 6 6 6 24 16 9
Mais de 2 a 3 S.M. 23 7 8 8 8 8 17 14 12
Mais de 3 a 5 S.M. 20 15 14 13 12 17 16 20 23
Mais de 5 a 10 S.M. 15 27 24 25 25 26 21 25 28
Renda
Mais de 10 a 20
8 22 25 25 26 24 15 15 18
S.M.
Mais de 20 a 50
2 16 13 14 14 11 5 6 5
S.M.
Mais de 50 S.M. 1 3 3 3 4 2 0 0 1
Branca 48 69 73 75 80 77 46 52 62
Parda 33 20 18 17 12 15 32 25 20
Cor
Preta 14 5 4 3 2 4 17 18 14
Outra 5 5 5 5 5 3 4 4 4
Masculino 47 63 56 61 58 57 59 60 57
Sexo
Feminino 53 38 44 39 42 43 41 40 43
De 12 a 20 anos 16 6 5 5 3 4 5 5 9
De 21 a 25 anos 9 9 6 6 4 5 7 8 12
De 26 a 35 anos 19 28 19 19 16 19 22 21 27
Idade (a)
De 36 a 50 anos 16 36 30 30 30 33 34 30 26
51 anos ou mais 29 21 41 40 47 40 32 35 26
Idade média (anos) 35,5 39,6 45,2 45,3 48,2 45,5 42,7 43,4 38,9
Fundamental 27 2 3 4 4 4 18 12 5
Esolaridade Médio 45 21 20 20 16 18 30 26 18
Superior 28 76 77 76 81 77 52 62 78
Partido Nenhum 71 51 56 52 55 68 20 23 25
preferido
PSDB 10 37 32 33 30 21 0 0 0
PT 11 1 1 1 0 1 60 58 48
Aécio Neves 34 82 83 77 84 79 5 3 2
Dilma Rousseff 40 3 3 5 3 3 83 88 90
Voto
Segundo Não votou 13 6 7 10 7 9 6 5 5
Turno 2014
Branco/nulo/nenhum 9 8 6 7 5 8 6 3 3
Não sabe 3 1 1 1 1 1 1 1 0
Fonte: Datafolha e PNAD 2015 para idade na RM paulista
(a) Idade dos moradores da Região Metropolitana de São Paulo, calculada a partir da PNAD 2015
A: Av. Paulista 15/03/2015; B: Av. Paulista 12/04/2015; C: idem 16/08/2015; D: idem, 13/12/2015; E: idem, 13/03/2016; F:
Largo da Batata 20/08/2015; G: Av. Paulista e Pça. República, 16/12/2015; H: Av. Paulista, 18/03/2016

Antecedentes
Em 2009, num texto bastante influente, André Singer afirmou que, na eleição
de 2006, teria ocorrido importante “realinhamento eleitoral” da população. O
“subproletariado”, que, segundo ele, sempre se mantivera distante de Lula,
“aderiu em bloco à sua candidatura depois do primeiro mandato, ao mesmo
tempo em que a classe média se afastou dela” (Singer, 2009:83, grifo meu). O
autor transcreve pesquisas do Ibope de 2006, nas quais, segundo ele, seria
nítido o viés “de classe” do voto em Lula: no primeiro turno, 55% dos
eleitores com renda familiar de até dois salários mínimos (o
“subproletariado”) pretendiam votar nele, contra 29% dos eleitores com renda
familiar superior a dez salários mínimos (a “classe média”) (idem:85). No
segundo turno, 64% e 36% respectivamente.
Estranhamente, Singer não oferece os dados da eleição de 2002 para
sustentar o argumento do “realinhamento eleitoral” da população. Em lugar
disso, recorre a outro momento do que ele denominou “polarização por renda”
das intenções de voto, a eleição de 1989, na qual Lula aparecia com 41% das
preferências no segundo turno entre os com renda de até dois salários
mínimos, e 52% entre os com renda de mais de dez salários, segundo o
mesmo Ibope, enquanto as intenções de voto em Collor de Mello eram de
51% e 40% respectivamente. Em 1989 Lula era mais preferido entre eleitores
das classes médias do que entre os mais pobres, algo que se teria invertido em
2006.
Se tivesse oferecido ao leitor os dados disponíveis para 2002, Singer se veria
obrigado a matizar suas conclusões sobre o realinhamento ocorrido em 2006.
Ocorre que, segundo o mesmo Ibope, às vésperas do primeiro turno de 2002,
Lula tinha menos de 43% das intenções de voto dos eleitores com renda
familiar de até dois salários mínimos, mesma proporção encontrada entre
eleitores com renda de mais de dez salários. Portanto, em 2002 a proporção de
pessoas com renda mais alta disposta a votar em Lula era 10 pontos
percentuais inferior à encontrada em 1989. E a proporção de intenção de voto
entre os mais pobres era equivalente, pouco superior a 41%. Ou seja, o
realinhamento eleitoral da “classe média” se expressou já em 2002. Ele se
aprofundaria em 2006, quando apenas 30% dos eleitores com renda de mais
de dez salários pretendia votar no candidato petista, contra 55% dos com
renda de até dois mínimos. Entre 2002 e 2006, pois, doze pontos percentuais
dos votos dos mais ricos abandonaram o “lulismo”, enquanto doze pontos
percentuais dos votos dos mais pobres migraram para Lula.
Esse deslocamento, se de fato expressa um realinhamento eleitoral, não é
suficiente para sustentar o argumento de que “a classe média” (no singular) se
teria afastado do “lulismo”. A afirmação é uma generalização que não
encontra suporte nos dados oferecidos pelo autor. Lula teve a intenção de voto
de 30% das pessoas de renda mais alta, e 45% dos de renda mais baixa não
pretendiam votar nele. Logo, o mais correto seria dizer que uma parcela
minoritária das classes melhor remuneradas abandonou o “lulismo”, parcela
correspondente a menos de um terço desses eleitores: eles eram em torno de
42% em 2002, caindo para 30% em 2006. Isso quer dizer que 70% dos
eleitores melhor remunerados, muitos deles pertencentes às classes médias,
permaneceram com Lula apesar do escândalo do “mensalão”, principal
“causa” apontada por Singer para a revoada da “classe média” das hostes do
“lulismo”. E o “subproletariado” não aderiu “em bloco”, como afirma o autor,
já que 45% dos mais pobres não pretendiam votar em Lula no primeiro turno.
Dizendo de outra maneira: ao contrário do que quer Singer e muitos outros
analistas que seguiram seus passos, parcela expressiva das classes médias
permaneceu com Lula mesmo diante do bombardeio que se abateu sobre sua
administração, em função do escândalo do “mensalão”. Generalizações sobre
o “afastamento da classe média” e a “adesão em bloco do subproletariado”
estão simplesmente equivocadas, porque não consideram que apenas 43% dos
mais bem remunerados parecem ter votado em Lula em 2002 (o que estava
longe de configurar adesão generalizada das classes médias a ele então), e que
45% dos mais pobres não pretendiam votar nele em 2006 (o que também está
longe de configurar adesão generalizada dos mais pobres ao “lulismo” em
2006). Entre 2002 e 2006 Lula parece ter perdido apoio de 30% do eleitorado
de classe média que esteve com ele no primeiro instante, mas reteve 70%
desse mesmo eleitorado.
Em 2010, ainda segundo o mesmo Ibope, as intenções de voto em Dilma
Rousseff na véspera do primeiro turno eram praticamente as mesmas: 30%
entre os com renda superior a dez mínimos, e 52% entre os com renda de até
dois mínimos. O cenário só mudaria em 2014, quando 25% dos eleitores
melhor remunerados (acima de 10 salários mínimos) pretendiam votar na
candidata do PT no primeiro turno, mantidos os mesmos 52% de intenções de
voto entre os mais pobres. O “lulismo”, pois, perdeu outros 5 pontos
percentuais entre as classes médias melhor remuneradas, mas ainda assim
estamos falando de uma perda de 40% em relação a 2002 (25%/42%), e não
de um “afastamento geral” das classes médias das bases eleitorais do PT348.
O processo de radicalização política da conjuntura de 2013-2016 só pode ser
compreendido se levarmos em conta que as classes médias se dividiram ao
longo do processo, com uma parcela antes aderente ao PT se lançando na
oposição (à direita e à esquerda, é bom ressaltar) às administrações lideradas
pelo partido, enquanto outra parcela se colocou na trincheira em defesa dessas
administrações. E uma parcela não desprezível, majoritária já em 2002,
nunca sufragou Lula. Nem André Singer nem os partidários da tese do
“realinhamento eleitoral” de 2006 estão atentos a esse último aspecto. Ele
quer dizer o seguinte: (i) uma parcela das classes médias manteve sua lealdade
ao PT, apesar dos escândalos de corrupção. Essa parcela era equivalente a
60% das hostes originais dessas classes que antes (2002) tinham votado no
partido. Esse contingente pode ser compreendido como mais “petista” do que
“lulista”349; (ii) o partido ampliou suas bases de sustentação para incluir
eleitores mais pobres, atraídos em função das políticas públicas de promoção
social que ganharam o rosto do “lulismo”. Esse contingente foi mais “lulista”
do que “petista”, no sentido de que respondeu mais pragmaticamente ao bem-
estar econômico vivido nos dois primeiros governos Lula. Parte substancial
das novas classes médias, que viveram processo de ascensão social no
período, tal como identificado em Cardoso e Préteceille (2020), deve ser
enquadrada nesse contingente. Foi ele quem sofreu os efeitos da crise
econômica latente em 2013 e profunda a partir do segundo semestre de 2014,
vivendo processo de frustração de expectativas de tipo tocquevilliano; (iii)
parcela majoritária das classes médias nunca votou no PT, e foi engrossada
pelos segmentos médios que abandonaram o “petismo” em 2006 e novamente
em 2014.
Em suma, o afastamento de parcelas distintas das classes médias das bases
eleitorais do PT é inegável, e teve início antes do “mensalão”, tendo se
ampliado em razão do escândalo e se aprofundado em 2014 em meio à maré
montante de novas denúncias, apurações, prisões e a generalizada
criminalização das administrações petistas pelos meios de comunicação de
massa e o sistema de justiça como um todo. As razões para essas tomadas de
posição não podem ser apreendidas por generalizações simplificadoras.
Sigamos, pois, a passo.
Distinção
Em Cardoso e Préteceille (2020) revelamos incontestável hierarquização da
sociedade brasileira segundo a estrutura de classes ali proposta. E as classes
médias e superiores revelaram dinâmica populacional e educacional muito
distinta das classes urbanas mais baixas, para não falar das classes rurais.
Migraram menos, ou seja, construíram suas redes sociais e oportunidades de
vida de forma bastante menos desterritorializada do que as outras classes,
sobretudo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. E sua hierarquia interna
mostrou-se claramente estruturada segundo linhas de gênero, raça e geração,
que não encontramos nas outras classes urbanas. Isso sugere que as barreiras à
entrada nas posições de classe média reproduzem, de forma mais intensa do
que nas outras classes, as linhas de força que estruturam a sociabilidade
desigual no país de um modo geral. É como se essas classes, contrariamente
ao que seria de se esperar, não estivessem no controle dos mecanismos de sua
reprodução, já que sujeitas, em sua hierarquia interna, a automatismos
estruturais e culturais, como o racismo e as discriminações geracional e de
gênero. Nossa análise sugeriu que a hierarquia presente nas classes médias e
superiores é tão fortemente estruturada por aqueles automatismos porque as
posições de classe média, sobretudo as das classes médias “média” e alta, são
protegidas contra o avanço de jovens, mulheres e não brancos/as em suas
hostes. As mulheres estão muito presentes apenas na classe média baixa. Uma
das barreiras de proteção é, justamente, a escolaridade. Mas ela não é a única,
já que as mulheres têm, no Brasil de hoje, mais anos de estudos do que os
homens, e estão em menor proporção nas posições que exigem diploma
superior; e os não brancos chegam às posições superiores em proporção muito
menor do que sua presença na população, mesmo quando mais escolarizados.
Logo, parece haver outras barreiras, nem sempre explícitas, associadas a
gênero e raça. No caso da idade, a hierarquia parece ordenar o ciclo de vida
das pessoas, e tudo indica que a ascensão social seja condicionada, nas classes
médias e superiores, também à experiência na força de trabalho, além da
escolaridade.
Ou seja, indivíduos e famílias das classes médias estão ordenados em sólida
hierarquia de posições, claramente distinta das demais classes urbanas. Isso
pode estar associado a alguma estabilidade e exclusividade de estilos de vida,
o que, por seu lado, pode estar por trás da violenta reação desses segmentos
diante da ascensão social, pela renda, das classes mais baixas ao longo dos
governos da coalisão liderada pelo PT, sobretudo no período 2003-2014,
incluindo as classes médias baixas identificadas em Cardoso e Préteceille
(2019). A inclusão de partes dessas classes nos ambientes de consumo e
sociabilidade antes exclusivos das frações mais altas das classes médias e das
classes superiores foi vivido como espécime tropical de invasões bárbaras.
Algumas das políticas sociais dos governos liderados pelo PT tocaram em
pontos muito sensíveis da identidade social e dos valores das frações médias e
superiores das classes médias. Em Cardoso e Préteceille (2020, cap. IV)
mostrou-se que o investimento na educação dos filhos é um dos principais
mecanismos de transmissão de suas posições de classe, ou de realização,
neles, do sonho de ascensão social que não foi possível a pais e mães das
classes médias baixas, em razão da pequena oferta de ensino superior no
passado. E o acesso ao ensino superior de qualidade, característico da
universidade pública, continua sendo garantia de reprodução da hierarquia de
posições: a posse de um diploma universitário colocava a pessoa, homem ou
mulher, numa posição pelo menos de classe média “média” em 76% dos casos
em 2014, como já dito350. Trata-se de inequívoco ativo nos mercados de
trabalho, que dá aos portadores de diploma condições mais vantajosas do que
aos não portadores. E as classes médias brasileiras nasceram e cresceram num
ordenamento social que limitou, e muito, o acesso dos mais pobres a esse
nível educacional (Beltrão e Teixeira, 2005).
Esse ordenamento isolou de muitas maneiras os estilos de vida das classes
médias e superiores das demais, em especial nos grandes centros urbanos.
Proporção considerável habita “comunidades fechadas” (Caldeira, 2003)351,
condomínios protegidos e por vezes dotados de infraestrutura tal que insula
parte substancial da sociabilidade de seus habitantes, reduzindo as
oportunidades de contatos sociais com o outro de classe social inferior. E
quando o contato ocorre, frequentemente é na forma da prestação de serviços
pessoais, como o emprego doméstico, portanto na forma de relações de
subalternidade e hierarquia. Os filhos frequentarão escolas privadas desde a
mais tenra idade, e também nesse momento crucial da construção da
personalidade e da identidade individual e coletiva o contato com crianças de
outras classes é limitado. A verdadeira alteridade é rara, todos transitam a
maior parte do tempo entre iguais em termos de classe. E permanecerá assim
até o momento da escolha da carreira e a entrada, ou na universidade pública,
que, até a adoção de políticas de promoção social pelos governos Lula e
Dilma, era mais provável para os que tinham estudado nos ensinos
fundamental e médio privados; ou numa das poucas universidades privadas de
qualidade.
Como reflexo disso, em 2003 os brancos eram 49,5% da população do país,
mas respondiam por 73,8% das matrículas no ensino superior, e 80% das
matrículas de mestrado e doutorado (Schwartzman, 2005:188).
As universidades tornaram-se ambientes bem mais inclusivos nos anos
recentes. Durante os governos Lula, várias políticas de incentivo à adoção de
cotas raciais e sociais por parte das universidades públicas redundaram na
criação, mais ou menos voluntária por instituições de todo o país, de medidas
de ação afirmativa, que permitiram que filhos das classes médias baixas e
populares, particularmente os negros, tivessem acesso a elas (Feres Jr. et al.,
2012). Em 2012 o governo Dilma Rousseff propôs e o Congresso aprovou
uma lei que reserva metade das vagas das universidades federais a egressos de
escolas públicas do ensino médio. Parte dessas vagas deve ser destinada a
pretos, pardos e indígenas na proporção em que figurem na população de cada
estado da federação, tal como medida pelo Censo Demográfico do IBGE.
Além disso, o ProUni e o Fies aumentaram sobremaneira as chances de acesso
dos mais pobres ao ensino superior privado352.
Como consequência, pretos, pardos e indígenas já eram maioria nas
universidades federais em 2017, estando próximos de sua presença na
população: 53% nas universidades, contra 55,5% na população em 2016,
segundo a PNAD-Contínua353. É verdade que os negros e demais beneficiados
pelas políticas de ação afirmativa continuam sub-representados nas carreiras
de maior prestígio, como medicina, engenharias, arquitetura, design e direito,
estando muito mais presentes nas carreiras que configuram ocupações de
classe média “média” e baixa, como o serviço social e a licenciatura em
letras354. Ainda assim, o fenômeno recente da convivência entre classes
distintas nos ambientes universitários antes exclusivos das classes médias
“médias” e superiores não pode ser negligenciado quando tratamos do medo
da desclassificação desses estratos, algo que foi largamente estudado por
Pierre Bourdieu nos anos 1970 e está na importante obra de Roberto Grün
sobre o Brasil (1994, 1996 e 1998)355.
Deve-se colocar nessa mesma chave interpretativa a reação aos “rolezinhos”
ocorridos em várias partes do Brasil a partir das primeiras manifestações em
São Paulo, em dezembro de 2013 e janeiro de 2014356. Tratou-se, inicialmente,
de manifestação de jovens das periferias paulistanas que, por meio das redes
sociais, se organizaram para “dar um rolê” em shopping centers da capital,
iniciando por um localizado em Itaquera, bairro periférico. A administração
do shopping chamou a polícia com medo do que a ela pareceu um “arrastão”,
houve tumulto e violência e a cobertura da imprensa criminalizou a prática,
que foi proibida por alguns estabelecimentos comerciais, o que gerou ações na
justiça em torno do direito de ir e vir, além de intenso debate público. Os
rolezinhos se multiplicaram pelas capitais brasileiras nos dois anos seguintes,
como mostra Stangl (2016), e a polêmica prosseguiu.
O rolezinho é uma manifestação cultural estreitamente associada ao funk
ostentação, movimento juvenil que tem entre suas práticas a circulação pelos
espaços da cidade (Caldeira, 2014; Trotta, 2016). Nesse aspecto, não
representaria novidade, já que os jovens que ocuparam os shoppings são os
mesmos que ocupavam praças, ruas e espaços públicos para ouvir música e se
divertir, às vezes com violência. Se São Paulo é uma metrópole fortemente
segregada, com as classes sociais mais abastadas vivendo em bairros com
diminuta presença de classes mais baixas (Préteceille e Cardoso, 2008), o rolê
dos jovens é uma forma de romper ou fluidificar as barreiras simbólicas e
físicas da segregação espacial. A novidade, no caso desses rolezinhos, estava
no espaço escolhido para a festa: shopping centers “de elite”, espaços das
classes médias que foram “invadidos” por jovens de maioria negra, ou, nos
termos de Caldeira (2014), afrodescendente, e de classes populares.
Tereza Caldeira sustenta que o rolezinho é expressão, ainda, de mudanças
nos hábitos de consumo das classes populares, de um padrão mais coletivo e
familiar, restrito aos espaços periféricos e em grande medida voltado para a
autoconstrução da casa própria e seu posterior aprimoramento, para um
padrão mais individualizado, com os filhos não compartilhando com os pais
os compromissos com a estabilidade habitacional. A individualização dos
hábitos de consumo, a melhoria de renda das classes populares e a tradição
cultural da juventude periférica de ocupar os espaços da cidade, resultaram na
eleição dos shoppings centers como óbvios alvos de lazer e consumo, agora
mais acessíveis a esses jovens.
A “invasão”, então, desafiou a histórica divisão, nas metrópoles brasileiras e
muito particularmente a paulista, entre os espaços de consumo das classes
médias e superiores e os das demais. A reação contrária de alguns segmentos
mais elitizados daquelas ganhou a forma, nas redes sociais e na imprensa, de
evidente preconceito racial e de classe (como mapeia Stangl, 2016).
As reações ao rolezinho não foram eventos isolados. Quatro anos antes um
conhecido colunista do jornal Folha de S.Paulo escreveu que detestava
aeroportos “e classes sociais recém-chegadas a aeroportos, com sua alegria de
praças de alimentação. Viajar, hoje, é quase sempre como ser obrigado a
frequentar um churrasco na laje”357. Preconceito de classe em sentido puro, o
lamento do colunista pranteia um mundo perdido, no qual aeroportos eram
ambientes de sociabilidade de “iguais”. É difícil aquilatar até que ponto ele
vocaliza opinião apenas pessoal, ou expressa um sentimento mais geral das
classes médias suas leitoras. Se considerarmos que a Folha, como qualquer
outro veículo da mídia empresarial, produz informação para público por ela
muito bem conhecido358, é provável que o lamento do colunista fosse
compartilhado por larga audiência de classe média.
Mas, como venho sugerindo aqui, as classes médias são heterogêneas, e
segmentos distintos disputaram o significado da prática cultural da juventude
negra. Outro colunista, igualmente conhecido dos paulistanos, criticando o
ponto de vista acima, sugeriu que as classes médias estavam sofrendo de
“aporofobia”, uma espécie de “intranquilidade em relação à manutenção
daquilo que é tido como privilégio próprio de uma classe”. E foi além:
Os aporofóbicos temem sobretudo uma “contaminação” de seu mundo por essa legião de pobres
alçados, de uma hora para outra, à categoria de “consumidores” dos mesmíssimos bens outrora
reservados à “velha” classe média. Os aeroportos tumultuados e o excesso de carros nas grandes
cidades parecem ter se tornado os elementos simbólicos dessa guerra359.

Esses dois pontos de vista resumem bem o espírito de época: dois


articulistas de classe média manifestando opiniões divergentes sobre o
fenômeno da ascensão social dos mais pobres. Ambos operavam no âmbito da
matriz discursiva que caminharia para a polarização e a radicalização que
marcaram os anos 2015 e 2016.
A matriz discursiva
O “anticomunismo” foi elemento central dessa matriz. Coloco entre aspas
para chamar a atenção para o caráter “nativo” de um termo que denota mais
propriamente um sentimento, não podendo ser enquadrado como conceito ou
interpretação racional sobre o mundo. As frações das classes médias que se
bateram contra a invasão de seus espaços de exclusividade e distinção
classificaram como “comunistas” as políticas de transferência de renda aos
mais pobres, as ações afirmativas que permitiram acesso ao ensino superior
por parte de pessoas que de outra maneira não chegariam ali, as políticas de
combate à violência contra a mulher, as muitas secretarias e mesmo
ministérios voltados para a defesa dos direitos humanos, a legislação de
proteção dos/as trabalhadores/as domésticos/as, a valorização do salário
mínimo e o crescimento econômico, que tornaram muito mais caros os
serviços domésticos, tanto em função dos salários quanto da escassez de mão
de obra numa economia aquecida etc.
O anticomunismo tem longa história no Brasil, como espero ter deixado
claro nos capítulos anteriores. No pré-1964 esteve associado ao
conservadorismo católico, ao nacionalismo militar e ao liberalismo das
oligarquias agrárias e industriais que terminariam por patrocinar o golpe
militar de 1964, com apoio da imprensa e de amplos setores das classes
médias urbanas (Motta, 2002; Abreu, 2006; Ferreira e Gomes, 2014). Getúlio
Vargas, João Goulart, Leonel Brizola, Miguel Arraes e tantas outras lideranças
políticas que construíram suas carreiras com discursos e práticas que tinham
em vista a melhoria das condições de vida das classes subalternas, foram
taxados de comunistas, ou, enquanto “populistas”, de aliados de comunistas,
“lacaios de Moscou”, como era moda dizer-se entre as elites conservadoras de
então. Eram tempos de Guerra Fria, o anticomunismo não era apenas
brasileiro, menos ainda exclusivo das parcelas mais conservadoras das classes
médias. Era, como hoje, um sentimento, um temor: os comunistas eram ateus
degenerados que expropriariam as pessoas de bem. Para muitos, invadiriam
suas casas, “comeriam suas crianças”, destruiriam suas famílias e tomariam
posse de suas propriedades.
Na conjuntura radicalizada que desaguou nos grandes protestos de 2015 e
2016, o “anticomunismo” assumiu significados muito mais amplos. Como
ponderou Kaysel (2018), o termo “comunismo” passou a ser associado a toda
e qualquer prática identitária ou de demanda por direitos: movimentos
feministas, LGBTs, negros; sem-terra, sem-teto, sindicatos… Uma “cadeia de
equivalências” incluiu ainda temas como aborto, controle de armas e direitos
sociais em geral, dentre eles os direitos trabalhistas. Os governos da coalisão
liderada pelo PT foram rotulados de comunistas, “bolivarianos”, vermelhos,
configurando redução propriamente autoritária do significado da inequívoca
promoção social dos mais pobres levada a cabo por aquela coalizão. Os
“comunistas” o eram por promover políticas que ameaçavam os espaços de
distinção de parte das classes médias, seus estilos de vida e também seus
valores.
Além do “anticomunismo”, a rejeição das frações mais conservadoras das
classes médias ao projeto político do PT ganhou a forma de repúdio à
corrupção. O tema é central para a correta compreensão do argumento sobre a
identidade dessa fração das classes médias.
Com efeito, a percepção da corrupção não deve nunca ser negligenciada no
comportamento dessa fração de classe. Como vimos, seu moralismo foi
decisivo em conjunturas políticas cruciais, como a crise que levou ao golpe de
Estado sustado pelo suicídio de Vargas em 1954 (Jaguaribe, 1954), e a que
desembocou no golpe militar de 1964. Nos dois casos houve a percepção de
que governos corruptos e “comunistas” (ou “populistas” servis ao
comunismo) estariam destruindo a economia e o padrão de vida das classes
médias, além de se locupletarem no poder, como vimos no capítulo II.
Mas o repúdio à corrupção é caro a setores das classes médias não apenas
por sua dimensão moral. Há um componente racional que não pode ser
negligenciado. Se aceitarmos que os interesses desse segmento das classes
médias se definem no entrecruzamento dos três desafios mencionados na
introdução a este livro, então suas expectativas em relação ao ordenamento
social exigem dele o reconhecimento do (e a recompensa pelo) mérito. A boa
sociedade será aquela na qual o investimento das pessoas em si mesmas e em
suas famílias e o esforço pessoal devem ser devidamente reconhecidos. E na
qual o acesso às melhores posições sociais e às recompensas a elas associadas
não pode obedecer a outro critério que não o mérito. Trata-se de critério de
justiça distributiva que está no âmago da justificação do capitalismo como
ordem desigual. A condenação da corrupção na chave do mérito baseia-se na
ideia de que ninguém deveria aquinhoar da riqueza socialmente produzida
algo além daquilo para o que investiu em si mesmo e em sua família.
A condenação à corrupção, nessa chave, não tem e não precisa ter substrato
republicano, como a condenação (quase sempre de fundo moral) da
apropriação da coisa pública para fins privados, por exemplo. Na verdade, as
classes médias, ou parcelas expressivas delas, fazem isso sempre que podem,
e a aversão ao ilícito carrega inarredável componente de cinismo ou má-fé, já
que, no cotidiano de um país como o Brasil, no qual não raro as instituições e
seus representantes operam de forma idiossincrática, discriminatória e
seletiva, por vezes é preciso convencer o guarda de trânsito de que não se está
estacionado em vaga proibida, ou municiar um despachante de meios para que
ele desembarace um entrave burocrático usando um “jeitinho” etc. A má-fé e
o cinismo estão em todos aqueles que, de um modo ou de outro, se enredam
na sociabilidade pouco republicana de nosso dia a dia vendo nela obstáculo a
seus interesses e desejos. Cada qual faz o que é preciso fazer para proteger a si
e aos seus, porque “todos agem assim”. A corrupção, nesse recorte, é sempre
do outro. Na leitura típica de parte das classes médias brasileiras, essa atitude
pode ser cínica, mas não seria imoral.
A aversão à corrupção tem, obviamente, substrato material. A partir de
2005, quando teve início a crise do “mensalão”, o tema frequentou
diuturnamente o noticiário, que, em momentos decisivos, como o julgamento
da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, foi praticamente
monotemático. O escândalo do “mensalão”, que afastou parcelas das classes
médias do PT, decorreu de denúncia de um deputado federal, segundo a qual o
governo Lula, em seu primeiro mandato, estaria comprando apoio parlamentar
para garantir maioria de votos no Congresso, usando para isso recursos
públicos. Em junho de 2007 o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou a
denúncia formulada pelo procurador-geral da República (PGR) contra 40
acusados, entre eles políticos com foro privilegiado (por isso o julgamento
pelo STF) e empresários, dando início à Ação Penal 470. Em 2011, já no
primeiro mandato de Dilma Rousseff, o PGR pediu a condenação de 37 dos
40 acusados. O julgamento começou em agosto de 2012 e estendeu-se até
dezembro, com todas as sessões sendo por vezes transmitidas ao vivo,
integralmente, pelos canais de TV, além de ocupar as primeiras páginas dos
grandes jornais impressos quase todos os dias. A cobertura continuou
ininterrupta após as sentenças que condenaram 25 dos 37 réus, pois todos
entraram com recursos, cuja apreciação tomou todo o segundo semestre de
2013 até a prisão de 12 condenados em dezembro360.
Em março de 2014, quando o STF ainda apreciava alguns recursos, foi
deflagrada a Operação Lava Jato da Polícia Federal, uma investigação, de
início, sobre presumidos esquemas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas
oriundas de tráfico de drogas, contrabando de pedras preciosas e dinheiro
público. As conexões do doleiro responsável pelo envio de recursos ao
exterior chegaram às maiores empreiteiras do país, e trouxeram a público
esquemas de corrupção envolvendo superfaturamento de obras da Petrobras e
pagamentos a partidos políticos (na ordem por número de denunciados, PP,
PMDB e PT), administradores da petroleira e mais de uma centena de pessoas
ligadas às empreiteiras e outras empresas. Ainda em curso (janeiro de 2019), a
operação se estendeu para a atuação das empreiteiras em obras por todo o país
e também no exterior, estando ou não relacionadas com a investigação
original. A operação, ademais, teve desdobramentos em vários estados,
levando a novas denúncias, investigações e prisões de políticos e empresários3
61.

As duas operações tiveram como principal alvo, no noticiário televisivo e


impresso, o Partido dos Trabalhadores, que, como indicou Singer (2016),
passou mais de dez anos sendo retratado na mídia, dia após dia, como o mais,
se não o único partido corrupto do país. E mais do que o PT, a Lava Jato
conseguiu implicar o ex-presidente Lula, apontado por um dos procuradores
responsáveis pelas investigações, num famoso power point, como o
“personagem central” do esquema de corrupção na Petrobras362. Lula foi
condenado no início de 2018 a mais de 12 anos de prisão, num processo que
juristas de várias partes do mundo solidários com o ex-presidente qualificaram
como lawfare, ou perseguição política por meios jurídicos363.
O bombardeio midiático em torno da corrupção terminou por interferir
decisivamente nas atitudes das pessoas em relação aos problemas do país. Em
dezembro de 2014 o Ibope realizou pesquisa de opinião pública sobre vários
temas da agenda daquele momento, véspera do início do segundo mandato da
presidenta Dilma Rousseff. Uma das questões pedia para o/a entrevistado/a
indicar quais tinham sido as duas principais notícias sobre o governo
veiculadas na imprensa “nas últimas semanas”. A resposta era espontânea. O
tema mais mencionado foi a Operação Lava Jato e a corrupção na Petrobras,
com 31% das ocorrências, seguido por notícias sobre prisões de diretores da
Petrobras na mesma operação, com 19% das menções. Outros 6% lembraram
a prisão de diretores de empreiteiras na mesma operação. Ou seja, mais da
metade (56%) das notícias mais lembradas tinham a ver diretamente com a
Operação Lava Jato. A inflação foi lembrada por apenas 8% dos entrevistados
(tabela 13).
A tabela revela ainda o inequívoco viés de classe da sensibilidade das
pessoas ao noticiário sobre corrupção. Entre os entrevistados com renda acima
de 5 salários mínimos, que incluía a maioria das classes médias “médias” e
altas, nada menos que 73% das referências apontaram a corrupção entre as
notícias mais lembradas, contra apenas 39% na faixa até um salário mínimo e
56% entre um e dois, mesmo valor encontrado na faixa imediatamente acima.
Do mesmo modo, em questão sobre quais os principais pontos negativos do
primeiro mandato da presidenta Dilma, não combater a corrupção ocupou
o primeiro lugar nas menções espontâneas, com 17% do total, seguido de
“poucos investimentos na área de educação”, com 16%. Uma vez mais o viés
de classe se mostrou evidente, com 21% das menções à corrupção no estrato
de renda familiar de mais de cinco salários-mínimos, contra apenas 11% entre
os com renda de até um salário364. As classes médias e superiores não apenas
eram mais sensíveis ao noticiário sobre o tema, como nutriam expectativas
mais intensas do que as camadas mais pobres quanto à atuação do governo no
combate à corrupção.
Tabela 13:
Principais notícias lembradas pelo/a entrevistado/a veiculadas “nas semanas anteriores”,
segundo faixas de renda familiar mensal (em salários-mínimos). Brasil, dez/2014365

Renda familiar em no sal.


mínimos
Temas selecionados +
Até 1 + de 1 + de 2
Total de
SM a2 a5
5
Operação Lava Jato/ Investig. da Polícia Federal sobre
31 18 30 32 43
irregularidades Petrobras
Prisão de diretores da Petrobras na operação Lava Jato 19 14 20 20 23
Prisão de diretores de empreiteiras na operação Lava
6 7 6 5 7
Jato
Inflação/aumento de preços 8 5 7 10 9
Fonte: Ibope. Pesquisa com amostra nacional de 2002 pessoas, realizada entre 5 a 8 de dez/2014365

Na mesma ordem de evidências, em novembro de 2015 o Datafolha


perguntou a uma amostra de 3,5 mil pessoas de 16 anos ou mais qual era o
principal problema do Brasil então. Trinta e quatro por cento responderam que
era a corrupção, sendo aquela a primeira vez nos levantamentos do instituto
que o tema figurou no topo das menções. O gráfico 2 mostra a evolução dos
três principais problemas apontados pelos/as brasileiros/as entre 2011 e 2015
nas pesquisas regulares daquele instituto.
A saúde variou em torno de 40% das respostas até dezembro de 2014,
estando violência e segurança pública quase sempre em segundo lugar, com
média inferior a 20%. A violência é suplantada pela primeira vez pela
corrupção em junho de 2013 (a pesquisa foi a campo em 27 e 28 de junho,
portanto uma semana depois da grande manifestação do dia 20).
Em fevereiro de 2015 a segurança pública já figura em terceiro lugar, e em
novembro de 2015 a corrupção aparece como “o principal problema do país”.
Vale notar, uma vez mais, que a opinião dos entrevistados variou segundo a
renda (informação que não está no gráfico). A corrupção figurou como
principal problema para 25% das pessoas com renda familiar de até 2 salários
mínimos, mas a proporção foi de 37% para renda de dois a cinco salários
mínimos, 44% de cinco a dez salários, e 49% dos de renda familiar superior a
dez mínimos. Quanto maior a renda, pois, maior a percepção de que este era o
principal problema do país.
Gráfico 2: Evolução da menção ao principal problema do país. Brasil, 2011-2015.

Fonte: Datafolha

A tabela 14 apresenta evidências adicionais. Vê-se que, em dezembro de


2015, era muito maior a proporção de brasileiros que considerava que a
maioria dos políticos do PT estava envolvida com corrupção do que a que
pensava o mesmo a respeito do PSDB ou do PMDB, em todas as faixas de
renda familiar e nas três faixas de escolaridade. Além disso, quanto maior a
escolaridade e a renda, maior a proporção que nutria aquela percepção. Entre
os com renda familiar de dez salários mínimos ou mais, que incluía boa parte
das classes médias altas e também uma parcela das “médias”, a proporção
atingia 74%, a maior entre todas as faixas de renda. Note-se que a percepção
da corrupção no PSDB, bem menor do que no PT, é indiferente às duas
dimensões, enquanto no caso do PMDB também aumenta segundo a
escolaridade e a renda familiar, sendo também inferior à do PT. A tabela não
mostra, mas mesmo entre os entrevistados que se declararam simpatizantes do
PT, 30% consideravam que a maioria dos políticos do partido estava
envolvida com corrupção366.
Tabela 14:
Proporção de pessoas que acreditam que a maioria dos políticos do partido está envolvida
com corrupção (em % segundo escolaridade e renda familiar mensal). Brasil, dez/2015367
Partido Escolaridade Renda familiar mensal
Funda- Até 2 Mais de 2 a Mais de 5 a Mais de 10
Médio Superior
mental S.M. 5 S.M 10 S.M. S.M.
PMDB 41 44 49 42 45 49 52
PSDB 35 40 40 39 37 41 37
PT 54 61 65 56 59 68 74
Fonte: Datafolha367. Foram entrevistadas 2.810 pessoas de 16 anos ou mais em 172 municípios brasileiros

Assim, a prática de corrupção pelo sistema político nos governos liderados


pelo PT, envolvendo as grandes empreiteiras do país e a Petrobras, uma das
maiores petroleiras do mundo, tal como apresentada diuturnamente nos meios
de comunicação e assimilada como principal problema nacional por parcelas
expressivas (e crescentes) da população adulta, contribuiu para a construção
da matriz discursiva do “antipetismo”, que é também “antilulismo”, tendo na
corrupção um de seus eixos estruturantes. E parte expressiva das classes
médias era a mais sensível e a que mais repudiava esse estado de coisas.
A condenação da corrupção não é exclusiva das classes médias
conservadoras, obviamente. Parcelas não desprezíveis de outros segmentos
dessas classes, em boa medida simpatizantes de partidos de esquerda e até
mesmo do PT, a condenam igualmente, embora, talvez, não pelas razões
relacionadas com o discurso meritocrático ou o cinismo dos valores morais
flexíveis (de que as forças progressistas não estão necessariamente isentas). A
condenação da corrupção associa-se à denúncia das mazelas do capitalismo
brasileiro, como as desigualdades sociais, a superexploração do trabalho, a
violência, a má qualidade dos serviços públicos etc. Condena-se nas
administrações petistas o não enfrentamento das causas mais profundas das
desigualdades, a corrupção estando entre elas enquanto constitutiva do padrão
das relações entre o Estado e os capitais privados368, que impediu,
historicamente, que se construíssem instituições e salvaguardas capazes de
frear as esperadas investidas dos agentes privados sobre o fundo público e
sobre os responsáveis pela formulação e implementação de políticas públicas.
Nessa leitura, a corrupção é um desvirtuamento das funções do Estado, que
deveria voltar-se para a produção de bens públicos, ou de bem-estar para a
população em geral, em lugar de enriquecer ilicitamente gestores e favorecer
interesses privados por meios ilícitos.
Matriz discursiva e identidade de classe
A condenação das administrações petistas, porém, não assume, para essas
frações das classes médias, a forma de “antipetismo”. Ou melhor, o
distanciamento em relação aos governos liderados pelo PT não chegou a se
constituir no seu elemento identitário principal. Isso se deu, em parte, porque
os segmentos mais à esquerda, incluindo as classes médias intelectualizadas,
recusaram desde logo a simbologia e o ideário trazidos às ruas pelas classes
médias conservadoras: a camisa verde e amarela da CBF junto a dizeres como
“queremos nosso Brasil de volta”, “nossa bandeira nunca será vermelha” etc.;
o gigantesco e inflável “pato” amarelo da Fiesp, símbolo da campanha
empresarial contra a carga tributária, a corrupção e o “gigantismo” do Estado;
o boneco inflável de Lula vestido de presidiário, batizado de “pixuleco”
etc.369. E em parte porque o antipetismo, num processo de simplificação típico
das visões estereotipadas e autoritárias do outro, terminou por colocar toda a
esquerda no mesmo campo do PT (Kaysel, 2018). A esquerda é vermelha, e se
é vermelha é “petralha”370. Com isso, as frações das classes médias não
identificadas com o PT nem com as parcelas conservadoras daquelas classes,
estivessem elas mais ao centro ou mais à esquerda do espectro político, não
conseguiram saltar fora da armadilha da polarização que tomou conta da
dinâmica política do país, que mostraria sua face cruenta na campanha
eleitoral de 2014.
Estamos no âmago do processo de construção de alteridade que opôs os
grupos agora pejorativamente qualificados como “coxinhas” e “petralhas”.
Como não poderia deixar de ser, o termo “coxinha” também é uma
simplificação estereotipada, por parte de “petralhas”, da oposição aos
governos liderados pelo PT. Assim como o centro e a esquerda não petista
foram acantonados no campo “petista” pelo antipetismo, assim também
grupos não identificados com as classes médias conservadoras, mas ao mesmo
tempo opositores dos governos “petistas”, tampouco conseguiram construir
um espaço de identidade fora da polarização. Também foram identificados
como “coxinhas”, mesmo quando recusando essa qualificação.
Porém, como afirmei, esse processo de construção de alteridade não é
simétrico. O antipetismo, cujos elementos centrais são o discurso contra a
corrupção e o “anticomunismo”, é elemento constitutivo da identidade da
fração conservadora das classes médias. Organizou sua visão de mundo e sua
apreensão da luta política, alimentou sua disposição para a ação coletiva para
destituir do poder o inimigo comum, visto como a encarnação do mal. Está-se
diante de fração de classe média claramente identificável, com uma identidade
coesa de classe, celebrada nas ruas com simbologia muito própria, de modo
algum presente no outro contra o qual se bateu.
Isso porque o outro não apenas não é “petralha” (assim como nem todo
“coxinha” pertence às classes médias conservadoras), como sua identidade de
classe não é tão evidente. O campo “petralha” é muito mais heterogêneo. A
cor vermelha, por exemplo, identifica MST, MTST, PT, CUT e uma
infinidade de outros movimentos e partidos que têm suas bases no operariado
urbano, nos trabalhadores rurais, nos sem-teto, nos negros, nas mulheres etc.
Frações das classes médias estão nesses movimentos, mas não são, de modo
algum, definidoras de sua identidade. Contudo, e esse ponto é muito
importante, nos protestos de 2015 e 2016, foram elas que foram às ruas em
defesa do governo Dilma, ou melhor, elas foram se tornando a maioria entre
os manifestantes, como vimos.

Identidades excludentes
A polarização nas redes sociais refletiu e alimentou a radicalidade assumida
pelas manifestações contrárias e favoráveis ao governo em 2015 e 2016.
Ribeiro et al. (2016), por exemplo, a partir de estudo minucioso das
interações, no Facebook, das pessoas que manifestaram a intenção de
participar dos protestos de 13 e 18 de março de 2016 (410 mil no caso dos
pró-impeachment e 24 mil no caso dos pró-governo, respectivamente) e seu
padrão de acesso a páginas selecionadas provedoras de informação,
mostraram que, enquanto os antigovernistas leram mais Veja, Folha de
S.Paulo e O Estado de S. Paulo, veículos que apoiaram decididamente o
golpe, os pró-governo acessaram mais G1, UOL, BBC e R7, portais que
funcionam mais propriamente como agências de notícias sem clara linha
editorial. A divisão é nítida também no que respeita às páginas de
comentaristas políticos e blogueiros. Enquanto os antigovernistas visitavam e
curtiam as páginas de Kim Kataguiri (líder do MBL), Danilo Gentili, Marco
Antônio Vila e Reinaldo Azevedo (comentaristas de direita), os pró-Dilma
visitavam os blogs de Socialista Morena, Tico Santa Cruz e Leonardo
Sakamoto (comentaristas de esquerda). Assim também no caso de páginas
institucionais de movimentos e ONGs: manifestantes pró-governo visitaram
Não me Khalo e Feminismo Sem Demagogia (coletivos feministas), Não
Fechem Minha Escola (que dá voz a movimentos estudantis), Geledés (ONG
ligada a movimentos negros) MST, MTST (Sem-Terra e Sem-Teto). Contra o
governo: Anti-PT, Vem Pra Rua, MBL, Revoltados On Line, estes últimos
tendo sido os organizadores dos primeiros protestos contra o governo em
2015. Idem quanto a páginas de políticos: Lula, Jean Willys, Dilma, Suplicy,
Haddad; do outro lado, Ronaldo Caiado, Jair Bolsonaro, Aécio Neves,
Fernando Henrique Cardoso. Quanto aos partidos, PT e PSOL de um lado,
PSDB e Partido Novo do outro. E não se tratou apenas de escolha de um lado
da disputa, visitado majoritariamente pelos manifestantes. Tratou-se de
posições excludentes. Um exemplo da não intersecção entre as preferências
dos dois grupos pode ser visto na figura 1.
A figura é emblemática da relação inteiramente extrínseca dos circuitos de
identificação dos dois grupos. Com raríssimas exceções, quem “curtiu” um
movimento ou página do Facebook situado num dos polos de oposição não
curtiu nenhum outro que ocupasse o polo oposto. Não “curtir” não quer
necessariamente dizer que a pessoa não visitou alguma das páginas prediletas
dos adversários, mas é grande a probabilidade de que visitas sorrateiras não
tenham ocorrido (a legenda do gráfico indica a manifestação de 13 de março
contra o governo, colunas mais escuras à direita, e 18 de março a favor do
governo, colunas mais claras à esquerda).
Figura 1: Páginas mais populares de movimentos e/ou campanhas, visitadas por pessoas que
manifestaram interesse em participar das manifestações pró e contra o governo em 13 e 18
de março de 2016
Fonte: Ribeiro et al. (2016:8)

A evidência mais forte nessa direção está na figura 2, que reproduz análise
de França et al. (2018) e apresenta a interação entre posts no Twitter durante o
período de discussão da admissibilidade do impeachment pela Câmara (abril
de 2016). Trata-se de uma amostra do total de posts analisados pelos autores,
composta por pessoas que se retuitaram entre si pelo menos três vezes, o que
configurava, segundo a análise, debate político. Os pontos da nuvem esquerda
indicam as interações entre pessoas favoráveis à saída de Dilma, e os da
nuvem direita, as contrárias. Ao centro, em tom mais claro, aparecem as
mídias das quais cada grupo extraiu os conteúdos reverberados nos tuítes
(como os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo) além de
jornalistas blogueiros (como Ricardo Noblat). As interações mostram que o
polo direito foi muito mais coeso, no sentido de que as mídias utilizadas para
a extração da informação objeto da comunicação entre pares eram mais
exclusivas, e a informação nunca circulou para além das fronteiras do próprio
grupo. O polo esquerdo bebeu de forma levemente mais pluralista nas fontes
noticiosas disponíveis, em alguns casos replicando notícias de noticiosos
próximos ao polo oposto. Mas ainda assim sua interação teve grande grau de
exclusividade, com duas fontes noticiosas respondendo pela maioria dos
tuítes371.
Figura 2: Rede de usuários com interações frequentes de retuítes, formando padrões de 2 e 3
usuários que sistematicamente se retuítam

Fonte: França et al. (2018)

O que é relevante, contudo, é que nenhum tuíte de um polo interagiu com o


polo oposto, e vice-versa. Os dois grupos compartilharam conteúdo apenas
entre os que comungavam das mesmas ideias.
Como, nas duas pesquisas, os objetos das interações foram as manifestações
de março de 2016; e como, nessas manifestações, as classes médias eram
ampla maioria; parece-me plausível sustentar a hipótese de que o processo de
construção de identidade dessas frações de classe, ao se referenciar na disputa
pelo poder de Estado, opôs dois projetos políticos claros. Num caso como
noutro, frações distintas das classes médias se posicionaram contra ou a favor
de um projeto de ordenamento político e social que, ao menos em suas
intenções, tinha na justiça social e na participação democrática seus elementos
constitutivos primordiais. O fracasso atual desse projeto, expresso na derrota
do candidato do PT, Fernando Haddad, na eleição de 2018 para o candidato da
extrema direita, Jair Bolsonaro, não é relevante aqui. O que interessa é o fato
de o projeto ter ordenado o espaço das disputas políticas de modo tal que
configurou, de forma inequívoca, dois polos antagônicos e irredutíveis um ao
outro. E em cada polo estiveram, majoritariamente, frações mobilizadas das
classes médias, umas pelo #foradilma, #forapt, elementos do campo
antipetista; outras pelo #nãovaitergolpe, articulado não propriamente em
defesa do PT, mas principalmente das conquistas democráticas e do legado
social das administrações lideradas pelo partido.

Coda
A polarização que tomou conta das ruas e do debate público nos últimos anos
cobertos pela análise, tendo como objeto de referência os governos liderados
pelo PT, operou uma simplificação artificial e reducionista tanto à esquerda
quanto à direita. O campo “petralha” não continha apenas petistas. Incluía
segmentos de várias classes sociais, dentre elas frações das classes médias,
muitas das quais críticas a aspectos centrais das administrações petistas, como
o “reformismo fraco” (Singer, 2012), a conciliação de classes e a corrupção
(Coggiola, 2016), a “acomodação com a política tradicional” (Miguel, 2017),
estando, portanto, mais à esquerda do espectro ideológico. Sendo contrárias
ao impeachment, visto como golpe de Estado, não eram propriamente pró-
governo. O campo “coxinha” tampouco era todo pró-impeachment (não
encarado pela maioria como golpe). Sendo críticas ao governo e querendo sua
deposição, frações das classes médias que foram às ruas queriam eleições
antecipadas como solução para a crise política, com isso distanciando-se dos
segmentos mais conservadores que viam na deposição de Dilma a solução
para a corrupção e o projeto “comunista” do PT.
A crise política favoreceu a polarização, mas esta se agravou, em grande
medida, em função da reação, por parte dos “petralhas”, à campanha de
criminalização do partido e suas administrações e lideranças, tanto pela
imprensa quanto pelas frações conservadoras das classes médias que foram às
ruas a partir de 2013, para não falar no sistema de justiça do país. Mas a
posição defensiva do polo “petralha” foi tudo menos passiva. Os dois campos
inundaram o mundo virtual com manifestações mútuas de raiva e ódio,
ensimesmando-se em “câmaras de eco” e “bolhas” que amplificaram a
sensação de pertencimento a comunidades coesas.
Por isso é possível tratar a dinâmica política iniciada em 2013 como um
processo de formação de classe, no qual segmentos distintos das classes
médias se reconheceram em projetos também distintos de ordenamento social
e econômico, e agiram coletivamente em sua defesa. O fato de terem sido os
governos do PT o centro dos processos de identificação (a favor e contra), ao
tempo em que contribuiu para tornar explícitas posições que raramente
vinham à esfera pública enquanto elementos de um projeto político excludente
e elitista (como o preconceito de classe, o racismo, a homofobia, a
demofobia), escamoteou, por outro lado, as nuanças desse projeto, e também
dos elementos de identificação mais à esquerda, como a maior ou menor
radicalidade da crítica ao capitalismo, à exploração e à injustiça social. O que
importa, porém, é que segmentos das classes médias se viram e se
identificaram como partícipes desses dois campos, indo às ruas e se
congraçando ao bater-se por eles contra o campo oposto, visto pelo que se
imaginava que ele representava, ainda que de forma estereotipada e
reducionista. Mais ainda, ao ir às ruas, as frações mobilizadas das classes
médias propuseram sistemas de signos e palavras de ordem que convocaram o
engajamento dos outros setores da sociedade, seja por ação ou por omissão,
com isso contribuindo decisivamente para dar forma ao campo das disputas
políticas no país. As classes médias foram centrais, portanto, na configuração
do político enquanto campo de disputa pelos destinos da nação e pelos
significados da ação pública. Não foi a primeira vez na história, como tentei
mostrar ao longo da análise, mas as novas tecnologias de informação e as
múltiplas possibilidades de acesso a interesses, desejos, ações, mobilizações
coletivas, interpretações sobre elas, cobertura da mídia etc., trouxeram à
superfície da arena pública o que, nas conjunturas anteriores, esteve, muitas
vezes, inacessível mesmo ao observador mais atento.
Quando afirmo que a conjuntura de 2013-2016 configurou processo típico
de formação de classe, não quero dizer que os coletivos assim constituídos o
foram de uma vez por todas. A luta de classes é constitutiva do capitalismo, e
os projetos políticos são revistos, repostos, redefinidos diante de conjunturas
sempre em transformação, assim como são redefinidos os atores e as coalisões
entre eles. Mas parece-me que esse curto período explicitou, de forma para
mim inconteste e radicalizada, a clivagem central que animou a ação política
das classes médias ao longo da história: o apoio ou o repúdio a políticas de
promoção social das classes subalternas, que ganhou expressão, como tentei
mostrar aqui, em projetos antagônicos de ordenamento da sociedade,
sumariamente nomeados de liberalismo autoritário e desenvolvimentismo
democrático com inclusão social, polos de um contínuo recheado de nuanças
ideológicas, valorativas, morais e práticas.
A eleição de 2018 confirmou a força estruturante dos termos dessa
polarização, sobretudo o “antipetismo” e sua eficaz redução das esquerdas ao
“petismo”372. Depois de longo e tortuoso caminho traçado pelo PT na tentativa
de fazer de Lula o candidato do partido à presidência, no final de agosto
daquele ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou-o inelegível com base
na Lei da Ficha Limpa. Fernando Haddad, candidato a vice-presidente na
possível chapa encabeçada por Lula, só teve sua candidatura oficialmente
registrada pelo PT no dia 11 de setembro, menos de um mês antes do primeiro
turno da eleição.
No dia 10 de setembro o Ibope registrou 8% de intenção de voto no até ali
apenas possível candidato Haddad. Anunciado como concorrente oficial do
PT, pesquisa do mesmo instituto em 13 e 14 de setembro registrou 13% de
intenção de voto nele, e 19% na enquete dos dias 16 a 18. Mais quatro dias e
22% dos brasileiros declararam que votariam no candidato petista no primeiro
turno, percentual que se manteve até às vésperas da eleição nas pesquisas
tanto do Ibope quanto do Datafolha373.
Vale lembrar que em 21 de agosto de 2018, última enquete do Datafolha em
que Lula figurou entre os candidatos à presidência, 39% dos brasileiros
haviam declarado intenção de sufragá-lo em outubro374. A expectativa do PT e
aliados era a de que esse manancial eleitoral se transferisse para seu
substituto, como ocorrera nas duas eleições de Dilma Rousseff. Isso de fato
aconteceu, mas em proporção muito menor do que o esperado. O “lulismo”
sem Lula mostrou-se bem menos solidamente arraigado: às vésperas do
primeiro turno da eleição, segundo o Datafolha, apenas 33% dos eleitores com
renda familiar de até dois salários mínimos pretendiam votar em Haddad.
Entre os com renda de dez mínimos ou mais a proporção não passou de 13%,
e 14% entre os com renda entre cinco e dez mínimos375. O PT continuou
perdendo eleitores nas classes mais altas de renda, e perdeu um terço do
eleitorado mais pobre.
Todos os candidatos ao Palácio do Planalto elegeram Haddad como o
inimigo a combater, e a arma utilizada foi, justamente, o antipetismo e os
significados a ele associados desde a crise do “mensalão” em 2005, ampliados
na conjuntura 2013-2016. Estiveram presentes as pechas de “comunismo” (em
sua caótica polissemia), “organização criminosa”, “corrupção”, além de um
adendo importante: “o PT quebrou o Brasil”, referência à profunda crise
econômica dos anos 2015-2016. Jair Bolsonaro, sobretudo, elegeu unicamente
o PT como adversário em sua campanha eleitoral no primeiro turno,
apostando todas as fichas no antipetismo das parcelas majoritárias das classes
médias e de crescentes segmentos das classes populares, que viveram a crise
econômica como frustração de expectativas de seus sonhos de melhoria de
vida. Pessoas que teriam eventualmente votado em Lula, mas que rejeitaram o
candidato do PT.
O antipetismo, com os significados que assumiu em anos recentes, é criação
genuína das parcelas mais conservadoras das classes médias, que tiveram na
imprensa empresarial aliado decisivo e nas redes sociais o elemento onde
pôde vicejar e se radicalizar376. A condenação à corrupção, de fundo moral ou
racional (respaldada em valores meritocráticos), parece ter impedido que o
candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, alvo ele também de denúncias,
ocupasse o lugar sempre destinado ao PSDB, desde 2002, de opção eleitoral
ao PT. Com isso, o antipetismo radicalizado (e por vezes irracional) de
parcelas expressivas das classes médias mostrou-se disponível a nova
aventura antidemocrática: o candidato Jair Bolsonaro tinha, na véspera do
segundo turno da eleição de 2018, 58% das intenções de voto dos/as
brasileiros/as com ensino superior completo, e mais de 62% entre aqueles com
renda familiar acima de dez salários mínimos, segundo o Datafolha, 63% dos
com renda entre cinco e dez salários377. Isso incluía boa parte dos segmentos
médios e superiores das classes médias. E, desta vez, proporção diminuta
destes figurou entre as bases do “petismo”, para muitos sinônimo de
“comunismo” e “corrupção”.

306 Versão distinta deste capítulo é parte do livro Classes médias no Brasil: estrutura, perfil,
oportunidades de vida, mobilidade social e ação política, escrito em coautoria com Edmond Préteceille.
Como a versão aqui publicada foi escrita exclusivamente por mim, sendo anterior à nossa coautoria no
livro citado, achei por bem não o responsabilizar por minhas interpretações.
307 Estou de acordo com a fina análise de Wanderley Guilherme dos Santos sobre o processo de

destituição de Dilma Rousseff, tratado por ele como golpe parlamentar. Ver Santos (2017). Ver também
Avritzer (2017) e Domingues (2017).
308 O termo ganhou popularidade na imprensa e também entre analistas políticos, como é o caso de

Singer (2009 e 2012) e Ricci (2013).


309 Dados em https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-

legislativos/bol26 (acessado em março de 2018). A receita líquida da união naquele ano, em valores
nominais, foi de R$ 991 bilhões, sendo de 16,4% a participação de saúde e educação nos gastos federais.
No ano seguinte o valor subiria para 18,6%.
310 As denúncias de corrupção contra agentes da FIFA e da CBF na escolha do Brasil como sede da copa

de 2014, que resultaram na prisão do então presidente da entidade, Joseph Blatter, e de outros altos
dirigentes, dão razão à indignação da juventude em 2013 e 2014, no emblemático movimento “Não vai
ter Copa”, que procurou mobilizar a população para impedir a realização da competição. Dentre os
muitos estudos disponíveis sobre o movimento, destaco Prudencio e Kleina (2017).
311 As cifras são das pesquisas CNI/Ibope e referem-se à proporção de pessoas que considerava o

governo ótimo ou bom. Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1755532-so-10-aprovam-gove


rno-dilma-rousseff-aponta-pesquisa-cni-ibope.shtml (acessado em novembro de 2017).
312 Remeto a Avritzer (2017), Feres Jr. E Sassara (2018) e, particularmente, Santos (2017). Para uma

visão mais à esquerda, Coggiola (2016).


313 Na pesquisa do Datafolha na véspera do segundo turno os candidatos Aécio e Dilma estavam

empatados no limite da margem de erro, com Dilma com 52% das intenções de voto e Aécio, 48%. Ver
http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/10/1538369-dilma-52-e-aecio-48-chegam-empatados-ao
-dia-da-eleicao.shtml (acessado em abril de 2018).
314 Ver, por exemplo, Souza (2015). Sobre a polarização durante o processo de impeachment que

resultou no golpe parlamentar, França et al. (2018).


315 Ver Zuckerman (2017), sobre a emergência de bolhas nas redes sociais no caso da eleição norte-

americana de 2016.
316 Por exemplo, https://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/10/aecio-usa-medo-comunismo-contra-

dilma.html, no qual aparece o “Godzilla Cubano” entre os “monstros de Dilma”, postagem do PSDB no
Facebook (acessado em março de 2018).
317 O vídeo da campanha está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KwdHuHzg1DU

(acessado em abril de 2018).


318 Ver https://oglobo.globo.com/brasil/aecio-fe-na-onda-final-para-bater-pt-14361700 (acessado em

abril de 2018).
319 Aécio Neves governou Minas Gerais por dois mandatos consecutivos, mas perdeu para Dilma no

Estado tanto no primeiro quanto no segundo turno.


320 Ver https://oglobo.globo.com/brasil/aecio-fe-na-onda-final-para-bater-pt-14361700 (acessado em

abril de 2018).
321 O TSE só julgou a ação do PSDB em junho de 2017, dando ganho de causa à chapa Dilma/Temer por

quatro votos a três. O voto de desempate foi do mesmo Gilmar Mendes, em favor da chapa vencedora
das eleições. Ver https://g1.globo.com/politica/noticia/por-4-votos-a-3-tse-rejeita-cassacao-da-chapa-dil
ma-temer-na-eleicao-de-2014.ghtml (acessado em abril de 2018).
322 Ver https://www.efe.com/efe/brasil/brasil/brasil-registra-em-2014-primeiro-deficit-contas-publicas-de

sde-2002/50000239-2524274 (acessado em abril de 2018).


323 Ver https://jornalggn.com.br/noticia/Lava Jato-travou-cadeia-de-petroleo-gas-e-construcao-civil-apon

ta-ipea (acessado em novembro de 2017).


324 Ver http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/02/eduardo-cunha-e-eleito-presidente-da-camara-dos-d

eputados.html (acessado em abril de 2018).


325 A Polícia Militar paulista estimou o público em um milhão de pessoas, mas o Datafolha, ao contrário
da PM, explicita o método de contagem com base na densidade de pessoas por metro quadrado em
diferentes momentos das manifestações.
326 Todas as estimativas de público são do Datafolha, assim como as pesquisas de avaliação do governo.

Ver também Limongi (2015).


327 Os movimentos, sua cobertura na imprensa e a repercussão nas redes sociais chamaram a atenção de

pesquisadores de todo o mundo. São inúmeros os estudos de especialistas nas novas mídias e em análise
de discurso e imagens, no Brasil e no mundo. Exemplos salientes são van Dijk (2017), Meneguelli e
Ferré-Pavia (2016) e Malini et al. (2017).
328 A estimativa é do Datafolha. Ver http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2015/

08/1671765-manifestacao-de-movimentos-sociais-reune-37-mil-na-capital-paulista.shtml (acessado em
abril de 2018).
329 Dados em http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/manifestantes-protestam-favor-do-governo-dil

ma-em-cidades-do-brasil.html (acessado em abril de 2018).


330 O termo pejorativo refere-se à denúncia de que o governo estaria maquiando o déficit público por

meio de empréstimos junto a bancos públicos. Ver https://oglobo.globo.com/brasil/parecer-de-jurista-par


a-psdb-descarta-pedido-de-impeachment-contra-dilma-1-16216460 (acessado em abril de 2018).
331 Ver http://especiais.g1.globo.com/politica/2015/Lava Jato/linha-do-tempo-da-Lava Jato/ (acessado

em abril de 2018).
332 Transcrito de https://oglobo.globo.com/brasil/em-convencao-aecio-diz-que-dilma-nao-concluira-man

dato-faz-apelo-por-unidade-no-psdb-16667961#ixzz5CylcmGu1 (acessado em março de 2018).


333 Dentre as medidas de estímulo ao investimento privado adotadas no primeiro mandato da presidenta

esteve a redução da carga tributária das empresas, cujo ponto principal e mais polêmico foi a redução da
contribuição previdenciária patronal, que, até então, correspondia a 11% do salário pago ao trabalhador,
e foi convertida em 1% do faturamento das empresas de alguns setores selecionados. Segundo cálculos
do próprio governo, a renúncia fiscal seria de 25% a 30% da contribuição previdenciária total. As
estimativas podem ser lidas em http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/arre/RenunciaFiscal/Desonera
caodafolha.pdf (acessado em fevereiro de 2017).
334 Ver http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1664711-saiba-o-que-sao-as-pautas-bomba-nas-

maos-do-congresso-contra-o-governo.shtml (acessado em abril de 2018).


335 A denúncia foi retirada em seguida por determinação do presidente da Câmara, que deu 14 dias para

que os juristas a corrigissem. Foi reapresentada no dia 17 com as correções sugeridas por Cunha. Ver htt
p://politica.estadao.com.br/noticias/geral,miguel-reale-jr-e-helio-bicudo-protocolam-pedido-reformulado
-de-impeachment,1764110 (acessado em abril de 2018).
336 Ver https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/10/13/cunha-e-denunciado-ao-conselho-

de-etica-da-camara.htm (acessado em abril de 2018).


337 Ver http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,eduardo-cunha-aceita-pedido-de-impeachment-contra

-dilma-rousseff,10000003662 (acessado em abril de 2018).


338 A estimativa, uma vez mais, é do Datafolha. Ver http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/02/eduardo

-cunha-e-eleito-presidente-da-camara-dos-deputados.html (acessado em abril de 2018). A PM estimou


que, em todo o país, 83 mil pessoas foram às ruas. Ver http://especiais.g1.globo.com/politica/mapa-mani
festacoes-no-brasil/13-12-2015/ (acessado em abril de 2018).
339 Ver https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/12/13/esquenta-para-2016-protes

tos-marcados-para-hoje-prometem-pressionar-congresso.htm (acessado em abril de 2018).


340 Trata-se da soma das estimativas divulgadas, que excluíram várias cidades. Ver http://especiais.g1.glo

bo.com/politica/mapa-manifestacoes-no-brasil/16-12-2015/ (acessado em abril de 2018). Infelizmente


não encontrei estimativas do Datafolha para esses eventos. É bom lembrar que esse Instituto e a PM
divergem sempre em suas estimativas, não havendo parâmetro externo confiável para decidir entre umas
e outras.
341 Dados em http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/manifestacoes-contra-governo-dilma-ocorrem

-pelo-pais.html (acessado em abril de 2018).


342 O jornal O Estado de S. Paulo chegou a essa conclusão em razão dos quase 7 milhões de pessoas que

os organizadores dos protestos diziam ter ido às ruas. A PM, como vimos, computou metade desse total.
Ainda assim tratou-se de manifestação monumental, às portas da votação da admissibilidade do
impeachment pela Câmara. http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,manifestacoes-em-todos-os-esta
dos-superam-as-de-marco-do-ano-passado,10000021047 (acessado em abril de 2018).
343 Imagens e palavras de ordem estão em http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/manifestacoes-co

ntra-governo-sao-registradas-pelo-pais-nesta-quarta.html (acessado em abril de 2018).


344 Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1751748-manifestacao-pro-dilma-reune-95-mil-pes

soas-em-sp-diz-datafolha.shtml (acessado em abril de 2018).


345 Ver http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/507325-CAMARA-AUTORIZA-

INSTAURACAO-DE-PROCESSO-DE-IMPEACHMENT-DE-DILMA-COM-367-VOTOS-A-FAVOR-
E-137-CONTRA.html (acessado em abril de 2018).
346 Em Cardoso (2017) ofereço interpretação mais estrutural sobre o processo de impeachment de Dilma

Rousseff.
347 A referência aqui é o clássico de Korpi (1983) sobre a social-democracia sueca.

348 As pesquisas do Ibope utilizadas aqui estão todas disponíveis na internet.

349 Para essa distinção, ver Singer (2012). Uma crítica é Maciel e Ventura (2017).

350 Dados da PNAD tabulados para este estudo. Se a pessoa tinha um diploma universitário, tinha 32%

de chance de estar na classe média “média”, 27,1% de estar na classe média alta, e 16,2% de estar nas
classes superiores urbanas.
351 Aspecto de modo algum exclusivo do Brasil. Para o caso argentino, ver Svampa (2001).

352 O ProUni foi criado no primeiro mandato de Lula, para financiar o acesso ao ensino privado por parte

de egressos do ensino médio que não conseguissem passar no vestibular das universidades públicas, ou
não conseguissem acesso a ela pelo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Dependendo da renda
familiar do estudante a bolsa pode corresponder a 100% do valor da mensalidade. O Fies é um
mecanismo de financiamento ao estudante por meio de empréstimo da Caixa Econômica Federal, a ser
restituído após a formatura. Ver Feres Jr. et al. (2012).
353 Os microdados da PNAD contínua, do IBGE, foram tabulados especialmente para este estudo.

354 A esse respeito ver a sistematização dos dados do Censo da Educação Superior do INEP, de 2017,

disponível em https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/12/13/Gênero-e-raça-de-estudantes-do-ensin
o-superior-no-Brasil-por-curso-e-área (acessado em março de 2018).
355 Ver também Velho (1973), Salem (1986), Diniz (1998) e Barbosa (1998).

356 A atenção das ciências sociais foi atraída pelos rolezinhos. Ver, dentre muitos outros, Caldeira (2014),

Vargas (2014), Stangl (2016), Trotta (2016) e Barbosa-Pereira (2016).


357 Luiz Felipe Pondé no jornal Folha de S.Paulo de 15/11/2010, disponível em http://www1.folha.uol.co

m.br/fsp/ilustrad/fq1511201016.htm (acessado em março de 2018).


358 A Folha de S.Paulo é proprietária da empresa de pesquisa Datafolha, que, além de levantamentos

políticos e eleitorais, realiza pesquisas de mercado para aferir a aceitação do jornal e ajustar sua linha
editorial, que, como se lia na propaganda do jornal nos anos 1990, estava “de rabo preso com o leitor”.
359 Marcos Guterman no jornal O Estado de S. Paulo de 10/12/2010, disponível em http://politica.estad
ao.com.br/blogs/marcos-guterman/o-governo-lula-e-a-aporofobia/ (acessado em março de 2018).
360 A detalhada cronologia da AP 470 e sua cobertura por veículos das Organizações Globo estão em htt
p://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/mensalao/acao-penal-470.htm (acessado
em março de 2018). A melhor e mais profunda análise da AP 470 é Santos (2017).
361 A operação já é objeto de dezenas de estudos, em várias áreas do conhecimento. Um eficiente resumo

está em https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato (acessado em março de


2018).
362 Ver, por exemplo, https://veja.abril.com.br/brasil/lula-perde-acao-contra-dallagnol-por-causa-de-powe

r-point/ (acessado em março de 2018).


363 Por exemplo, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1829175-professor-de-harvard-ve-presunc

ao-de-culpa-contra-lula-na-Lava Jato.shtml (acessado em março de 2018).


364 Dados em http://www.ibopeinteligencia.com/arquivos/antigos/JOB_2084-12_BRASIL%20-%20Rela

t%C3%B3rio%20de%20tabelas%20(imprensa).pdf:68 (acessado em abril de 2018).


365 Disponível em http://www.ibopeinteligencia.com/arquivos/antigos/JOB_2084-12_BRASIL%20-
%20Relat%C3%B3rio%20de%20tabelas%20(imprensa).pdf (acessado em abril de 2018).
366 Pesquisa disponível em http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2015/12/22/corrupcao-politica_expec

tativa_economica_1.pdf:27, (acessada em março de 2018).


367 Dados extraídos da pesquisa citada na nota anterior:25.

368 “A corrupção da esquerda governamental não é uma decorrência ‘natural’ da corrupção geral, nem

uma manifestação de uma desonestidade peculiar da esquerda do país, mas uma evidência da integração
dessa esquerda ao Estado burguês, cuja estrutura é inseparável da corrupção, assim como o crime é
inseparável do capitalismo, sendo uma fonte de lucros para o capital (através da indústria do seguro, da
segurança etc.)” (Coggiola, 2016:68).
369 Para a simbologia dos protestos no período em apreço, ver Tatagiba (2017:88).

370 Petralha é corruptela de petista com Metralha, sobrenome de uma conhecida gangue de irmãos

larápios das histórias em quadrinho. Alguns atribuem a origem do termo ao livro de Azevedo (2008).
371 Ortellado e Ribeiro (2018) apresentam grafos com informações mais detalhadas sobre o acirramento

crescente da polarização nas redes sociais, comparando o padrão de antes de 2013 com o que aconteceu
até 2016. São analisadas as interações de 12 milhões de pessoas com interesse em política. Os dois polos
estão claramente delimitados, sendo que as nuanças têm a ver com a construção mais complexa (em
termos de temas de interesse dos grupos de esquerda e direita) das duas tipologias polares.
372 Sobre o petismo e o antipetismo como estruturantes das disputas políticas no Brasil pós-autoritário,

ver Samuels e Zucco (2018).


373 O comparativo das intenções de voto nos principais candidatos no Ibope e no Datafolha está em http

s://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/01/pesquisas-ibope-e-dataf
olha-comparativo-da-evolucao-de-intencao-de-votos-para-presidente.ghtml (consultado em dezembro de
2018).
374 Ver https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/08/22/pesquisa-dat

afolha-lula-39-bolsonaro-19-marina-8-alckmin-6-ciro-5.ghtml (consultado em dezembro de 2018).


375 Ver relatório da pesquisa em http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/10/07/c72465490b0aa06aa

8c10651efe9fbdc.pdf:36 (consultado em dezembro de 2018).


376 Samuels e Zucco (2018) sugerem, com vasto material empírico à mão, que petismo e antipetismo

estruturam as disputas eleitorais no Brasil, nos diversos níveis de governo, desde os anos 1980. O que
estou sugerindo é que os significados adquiridos na conjuntura recente são produto do processo de
construção de identidade das parcelas radicalizadas das classes médias.
377 Dados tabulados a partir dos microdados da pesquisa n. 04578 do acervo do CESOP-Unicamp,

realizada em 26 de outubro de 2018 com amostra de 18.371 pessoas, disponível em https://www.cesop.u


nicamp.br/por/banco_de_dados/v/4393 (acessada em dezembro de 2018).
Conclusão

Este livro encerra ambição modesta: inquirir, em momentos selecionados de


nossa história, as condições de possibilidade e a ação real das classes
médias em nossa dinâmica política. A ambição é modesta porque, dentre
outras coisas, não empreendi estudo comparado, necessário a qualquer
tentativa de construir modelos explicativos mais gerais. O argumento é em
grande medida idiográfico, sem ser propriamente historiográfico, ainda que
lance mão de métodos caros à história, como uma narrativa dotada de
sentido, o cuidado no uso das fontes, o diálogo crítico com narrativas
concorrentes e a busca de evidências cabais para os encadeamentos causais
identificados em determinadas conjunturas, evidências e narrativa não raro
divergentes de interpretações convencionais ou muito consolidadas na
literatura. O texto, em sua ambição modesta, pretende ter lançado dúvidas e
tornado incerto parte do conhecimento acumulado sobre as conjunturas
escolhidas para escrutínio detalhado. Se o leitor se sentir estimulado a
escancarar as portas apenas entreabertas aqui, estarei recompensado pelo
esforço. Sobretudo, espero ter deixado claro que nossa dinâmica política é
incompreensível se, na análise das lutas de classe e dos processos de
construção institucional ao longo da história, não estivermos atentos ao
papel central desempenhado pelas classes médias, em sua heterogênea
configuração.
A grande heterogeneidade interna às classes médias impede que se as
tome como grupo coeso também em sua participação política. Mas a análise
identificou uma clivagem central, que organizou o campo das disputas
políticas entre seus diferentes segmentos: o apoio ou o repúdio a políticas
de promoção social das classes subalternas, expresso em projetos
antagônicos de ordenamento da sociedade, sumariamente nomeados de
liberalismo autoritário e desenvolvimentismo com inclusão social, polos de
um contínuo recheado de nuanças ideológicas, valorativas, morais e
práticas.
Essa clivagem estava presente nas mobilizações tenentistas, com os
tenentes expressando um projeto de desenvolvimento nacional com
reconhecimento da questão social que foi francamente rechaçado pelas
classes médias tradicionais aliadas das oligarquias agrárias. Estava presente
no “moralismo alienado” de segmentos majoritários das classes médias
durante a crise que levou ao suicídio de Vargas em 1954, cuja face visível
foi a condenação da corrupção do “demagogo”, mas que teve como
substrato material a percepção, pelas classes médias urbanas, de que suas
posições e sua distinção de classe estavam ameaçadas. Estava presente na
louvação a Juscelino Kubitscheck e seu “choque de capitalismo”, expressão
de uma modernidade que apelou diretamente aos anseios e desejos de
segmentos inteiros das classes médias, ao oferecer a eles, pela primeira vez,
o sonho, acessível, do “Brasil grande”. A ansiedade e o conservadorismo
dos segmentos mais conservadores daquelas classes ficaram em suspenso,
pois, embora desenvolvimentista, JK não era “populista”, menos ainda
“comunista”. Muito da “paz social” de seu governo deve ser atribuída à
dormência do antagonismo interno às classes médias, que encontrou
importante válvula de escape na dinâmica eleitoral e na identificação
partidária, portanto no lento processo de construção democrática amparado
pela Constituição de 1946. Ademais, os sindicatos tiveram liberdade para se
organizar, o mundo sindical tornou-se altamente competitivo em razão da
decisão do PCB de ocupar a estrutura sindical corporativa, tomada em
meados da década de 1950. As tensões sociais resultantes de rápido
desenvolvimento econômico com crise inflacionária puderam ser
processadas pela institucionalidade legada por Vargas, que, como mostrei
em Cardoso (2019, cap. 5), esteve sempre em transformação enquanto parte
do processo mesmo de construção estatal no país.
A mesma clivagem mostrou sua face radicalizada na crise do governo
Jango, uma vez mais opondo de forma transparente os projetos polares,
sendo que o polo conservador armou-se da bandeira estereotipada do
“anticomunismo”, termo polissêmico que denotava todo e qualquer tipo de
projeto redistributivo, enquanto o polo oposto, no poder, tentava aviar uma
receita (as reformas de base) que estava muito distante de qualquer ideia de
expropriação dos capitalistas ou de instauração de uma ditadura do
proletariado. A receita era nacional-desenvolvimentista: desenvolvimento
econômico com inclusão (subordinada) das classes trabalhadoras urbanas
emergentes e dos miseráveis trabalhadores rurais. Numa situação de aguda
crise econômica na qual a um governo fraco cabia arbitrar perdas e ganhos
entre classes dominantes e dominadas, o lado mais poderoso aliou-se aos
militares, contando com o apoio decidido de extensos setores das classes
médias urbanas. O golpe militar foi a solução longamente adiada para o
renhido conflito entre os dois projetos que se digladiaram ao longo da
República de 1946, empregada diante da percepção, pelas forças mais
poderosas, de que a “ameaça comunista” tinha plantado suas raízes no país.
E parte substancial das classes médias se perfilou com os que convocaram
os militares para pôr fim à “baderna”, termo que os mesmos militares
empregaram, depois e 1964, para qualificar o regime de 1946.
Segmentos expressivos das classes médias apoiaram os expurgos políticos
que se seguiram ao golpe militar. Aplaudiram a prisão, o exílio e a perda de
direitos políticos dos “comunistas” (isto é, todos que, na estereotipação
típica das polarizações radicalizadas, personificavam alguma concessão às
“classes perigosas”, operária e camponesa) e de todos os que se aliaram de
um modo ou de outro ao projeto das reformas de base. Contudo, setores
também importantes daquelas classes se puseram desde logo em oposição
ao golpe e ao que ele representou como ruptura da institucionalidade
democrática. Intelectuais, estudantes, servidores públicos, funcionários das
empresas estatais, militantes de esquerda e democratas de vários matizes
repudiaram o golpe e se colocaram na trincheira contra as medidas de
restrição das liberdades políticas que se sucederam, à medida que o regime
se militarizava e a ditadura se aprofundava. Surgiram das classes médias e
particularmente de seus filhos os movimentos mais veementes de
contestação ao regime, movimentos que já em 1966 mostravam sua face
radicalizada e disposta a lutar, se preciso por meio das armas.
Dedico atenção especial ao movimento estudantil de classe média, porque
ele foi um dos protagonistas do processo de radicalização política que
culminou com a infame decretação do AI-5 em dezembro de 1968, que deu
início ao terrorismo de Estado que resultou na prisão e tortura de milhares
de brasileiros e brasileiras, e na morte de mais de 400 deles/as, muitas das
quais, talvez a maioria, ocorridas sob tortura, portanto com as pessoas sob
custódia do Estado ditatorial, subjugadas e indefesas. O movimento
estudantil encarnou, de forma muitas vezes heroica, o radicalismo de
esquerda das classes médias, e a extensa análise de sua atuação cumpriu o
propósito de mostrar que qualquer generalização a respeito dessas classes,
que as qualifique no singular (a “classe média”), incorre em grave equívoco
de interpretação sobre seu papel na dinâmica política do país. Enquanto a
maioria da população se recolhia em suas casas, a resistência à ditadura era
liderada por estudantes de classe média, que recorreriam também às armas e
à guerrilha.
A conjuntura de 2013-2016, que culminou no golpe parlamentar contra
Dilma Rousseff, expôs uma vez mais a fratura dos projetos polares que
animaram as classes médias ao longo da história. Defensores e detratores
dos governos liderados pelo PT que foram às ruas a partir de junho de 2013
eram, em sua maioria, das classes médias urbanas. A conjuntura foi
marcada por crescente radicalização das posições, cujo elemento identitário
principal foi o exercício do poder de Estado, que opôs pessoas contrárias e
favoráveis às gestões petistas num processo típico de construção de
identidades coletivas referenciadas num outro construído na própria luta
política. Por isso qualifico o período como “serendípico”, já que as classes
médias se viram e se reconheceram entre iguais, assim delimitados contra
outros segmentos das mesmas classes médias aos quais o nós assim
constituído negou direito à existência, num processo de alteridade
excludente, portanto antidemocrático e, muitas vezes, simplesmente
autoritário. E o neoliberalismo autoritário das frações mais poderosas e
conservadoras das classes médias mostrou-se decisivo no desfecho da crise
política iniciada em 2013, isto é, o golpe parlamentar de 2016. Ressurgiram
o “anticomunismo”, o racismo de classe, o moralismo, a demofobia, o
desapreço pela democracia, significados abraçados por milhões de pessoas
nas ruas. E a defesa da democracia foi também protagonizada nas ruas por
segmentos distintos das mesmas classes médias.
David Samuels e Cesar Zucco, em livro publicado em 2018, já citado,
afirmam que
a divisão entre petistas e antipetistas não pode ser reduzida a fatores sociológicos ou
demográficos, ou a diferenças de opinião sobre importantes políticas públicas. Em lugar disso, a
divisão é produto de distintas visões normativas sobre como a política deveria funcionar –
particularmente sobre o valor e o propósito da democracia. [Samuels e Zucco, 2018:160-161].

Parece-me conclusão precipitada. Dispondo de informação sobre renda e


escolaridade dos respondentes das pesquisas de opinião por eles analisadas,
os autores não tiveram olhos para ver a fissura identitária que, ao opor
segmentos muito claramente identificáveis das classes médias, explica boa
parte dos processos subjacentes à polarização entre “petismo” e
“antipetismo” nas diferentes conjunturas. Um “fator” propriamente
sociológico, como pretendo ter demonstrado aqui.
O radicalismo das classes médias descortinado pela análise torna difícil
subscrever a percepção, de origem aristotélica, das classes médias como
esteios da democracia, percepção que alimentou e continua alimentando a
pesquisa científica aqui e alhures. As classes médias conservadoras no
Brasil se mostraram bastante permeáveis ao discurso autoritário ao longo da
história, sempre que julgaram em risco suas posições dominantes, seus
privilégios de classe ou seu estatuto diferenciado. As esquerdas de classe
média que pegaram em armas contra a ditadura de 1964 tampouco eram
democráticas, nos métodos ou nos projetos políticos.
A democracia é construção árdua, diuturna, constantemente ameaçada por
forças centrípetas que o jogo democrático procura domar, ou colocar sob
controle da luta política baseada em maiorias ocasionais e eventuais
consensos. O golpe parlamentar de 2016 mostrou que frações inteiras das
classes médias estão sem dúvida entre aquelas forças, pois se revelaram
capazes de mobilizar suas energias para interferir decisivamente no
desfecho da luta política, ao preço das regras da convivência democrática e
da possibilidade de negociação não beligerante, na esfera pública, de
posições políticas divergentes. A adesão de parcelas expressivas dessas
classes à aventura autoritária do governo Bolsonaro não passa de corolário
esperado de um processo identitário longevo, de raízes profundas em solo
pátrio.
Fontes primárias consultadas

Acervos de jornais e revistas


Correio da Manhã
Jornal do Brasil
O Globo
O Pasquim
Folha de S.Paulo
Folha da Manhã
Folha da Tarde
O Estado de S. Paulo
IstoÉ
Veja

Pesquisas de opinião
Pesquisas do Ibope de meados dos anos 1940 até fins da década de 1970,
disponíveis no acervo do Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade de
Campinas (Unicamp).
Pesquisas do Ibope disponíveis no sítio da internet do instituto, cobrindo o
período de 2002 a 2016.
Pesquisas do Datafolha disponíveis no sítio da internet do instituto,
cobrindo o período de 2002 a 2016.
Bancos de dados das pesquisas do Datafolha e do Ibope disponíveis no
acervo do Cesop-Unicamp.
Os demais sítios na internet foram citados em notas de rodapé ao longo do
texto. Destaco a Biblioteca Virtual do IBGE (https://biblioteca.ibge.gov.br/)
e a hemeroteca da Biblioteca Nacional (://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-di
gital/).
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Lista de tabelas, gráficos e figuras

Figuras
Figura 1:Páginas mais populares de movimentos e/ou campanhas, visitadas
por pessoas que manifestaram interesse em participar das
manifestações pró e contra o governo em 13 e 18 de março de
2016.
Figura 2:Rede de usuários com interações frequentes de retuítes, formando
padrões de 2 e 3 usuários que sistematicamente se retuítam.
Gráficos
Gráfico 1:Evolução mensal do salário mínimo real (em reais de mar/2018)
nos governos Vargas e JK.
Gráfico 2:Evolução da menção ao principal problema do país. Brasil,
2011-2015.
Tabelas
Tabela 1:Classes médias segundo estratos de renda nominal. Minas Gerais,
1960 (em %)
Tabela 2:Proporção dos que eram contrários e favoráveis (valores entre
parênteses) à mudança da capital para Brasília, segundo as classes
de renda em algumas capitais. Janeiro de 1958 (em %)
Tabela 3:Distribuição de renda no Brasil, 1960
Tabela 4:Intenção de voto em João Goulart, 1960
Tabela 5:Proporção que votaria em Goulart se ele pudesse se candidatar a
presidente, em cada estrato de renda das cidades pesquisadas em
julho de 1963 (em %)
Tabela 6:Avaliação sobre a situação do país em 1967, comparando com os
anos anteriores
Tabela 7:Distribuição da renda do trabalho em 1973
Tabela 8:Como classifica o governo Médici (ago. 1972)
Tabela 9:Taxa de alienação eleitoral nas eleições para o Senado Federal.
Brasil, 1966, 1970 e 1974
Tabela 10:O ensino superior está à altura das necessidades do país? Seis
capitais, 1976
Tabela 11:Principais falhas do ensino superior brasileiro, segundo os
universitários. Seis capitais, 1976
Tabela 12:Perfil dos manifestantes contra e a favor do governo da
presidenta Dilma Rousseff em 2015 e 2016, na Cidade de São
Paulo (em %)
Tabela 13:Principais notícias lembradas pelo/a entrevistado/a veiculadas
“nas semanas anteriores”, segundo faixas de renda familiar mensal
(em salários mínimos). Brasil, dez/2014.
Tabela 14:Proporção de pessoas que acreditam que a maioria dos políticos
do partido está envolvida com corrupção (em % segundo
escolaridade e renda familiar mensal). Brasil, dez/2015.
Table of Contents

1. Capa
2. Folha de Rosto
3. Créditos
4. Dedicatória
5. Sumário
6. Agradecimentos
7. Introdução
1. Uma política de classe?
2. Sobre a definição de classes médias
3. Uma palavra sobre as fontes e o método
8. Capítulo 1 | A política das classes médias
1. “O radicalismo das classes médias”35
9. Capítulo 2 | O longo ciclo de Vargas
1. Introdução
2. Os “tenentes” em marcha
3. Em busca de distinção
4. As classes médias contra Getúlio Vargas
5. O “presidente bossa-nova”
6. O moralismo das classes médias em chave popular
7. Às voltas com o espectro de Vargas
10. Capítulo 3 | As classes médias encaram (e enfrentam) a ditadura
1. Introdução
2. Estudantes em marcha
3. Um espírito de época
4. Cem mil nas ruas do Rio
5. As classes médias em armas
6. O “milagre” brasileiro e a aquiescência das classes médias
7. Contra ditadores, eleições
8. Classes médias e a “distensão”
9. A classe média estudantil, de novo
10. Coda
11. Capítulo 4 | Classes médias e o golpe parlamentar de 2016
1. Introdução
2. Breve crônica de um golpe anunciado
3. Uma hipótese de trabalho
4. Classes médias em pugna
1. Antecedentes
2. Distinção
3. A matriz discursiva
4. Matriz discursiva e identidade de classe
5. Identidades excludentes
6. Coda
12. Conclusão
13. Fontes primárias consultadas
1. Acervos de jornais e revistas
2. Pesquisas de opinião
14. Referências
15. Lista de tabelas, gráficos e figuras

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