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António Torrado escreveu e Cristina Malaquias ilustrou

Esta galinha tinha-se distraído e avançara para longe do pátio do quintal. Bica
aqui, bica acolá, à cata do escaravelho cascudo ou da minhoca tenra, perdera-
se das companheiras e ai que desceu a noite.
Por prudência, não se aventurou por descaminhos, ao calhar, apesar de a Lua
prometer boa companhia.
– Mais depressa chegarei amanhã, à primeira luz do alvorecer – disse de si
para si a galinha. – Ainda se tivesse pintos à minha espera, arriscava, mas
como os últimos que tive já cantam de galo, não me ralo.
Procurou poleiro num ramo alto de uma árvore e, lá chegada, aninhou-se, nem
que estivesse em casa.
Ela a fechar os olhos de sono, quando sentiu uma restolhada, na base do
tronco. Por prudência, saltou para um ramo mais acima e esperou, de olhinho
alerta.
Era a raposa, que farejava presa de apetite.
– Senhora galinha, onde está que não a enxergo?
– Estou onde estou e bem muito obrigada – respondeu a galinha, que não
estava para conversas.
– O seu estado põe-me em cuidado – persistia a velhaca. – Com esta aragem
da noite, ainda apanha um resfriamento.
– Não se preocupe e vá à sua vida, senhora raposa.
– Preocupo-me e muito. Anda tanta humidade no ar, que não há melhor abrigo
do que a capoeira. Quer que lhe indique o caminho?
A galinha nem respondeu. Teimava a raposa:
– Além do mais há o perigo das cobras… Se fosse a si descia donde está.
A galinha nem tugiu.
– O que mais me aflige é a sua saúde. Aí em cima, parada ao frio, constipa-se,
engripa-se, ganha febre… Não terá já?
– Sou capaz de ter – disse a galinha, só para dizer qualquer coisa.
– Então desça que eu lhe tiro a temperatura e ausculto e examino a garganta.
Tenho estudos de medicina veterinária, não sabia?
– Desculpe, senhora raposa, mas eu só me consulto com o meu médico –
disse a galinha, rindo-se por dentro.
– E quem é que a assiste, pode-se saber?
– É o Fiel, o cão da quinta, que eu mandei chamar e está aí não tarda.
A raposa alarmou-se:
– E ele virá?
– Já o oiço - disse a galinha.
– Sendo assim, vou-me embora eu, que não gosto de fazer concorrência a
colegas de profissão.
E a raposa fugiu, de rabo entre as pernas.
Mais sossegada, a galinha escondeu a cabeça na asa e adormeceu. Nem
sempre a raposa é a mais matreira…
FIM

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