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Histórias breves_ por Maria Helena Brandão

A Toupeira.

A toupeira cinzenta espreitou para fora da toca e viu que já tinha amanhecido. Os campos repletos
de flores anunciavam a Primavera e a toupeira decidiu sair em busca do pequeno-almoço.
O que será que me apetece hoje?- perguntou-se a toupeira curiosa por descobrir o que lhe
encheria o estômago.
-Não sei.- replicou o mesmo.
Saiu para fora da toca e rumou em busca de comida.
Um festim de minhocas era o que me convinha- disse para consigo. Onde será que as posso
encontrar em número suficiente?
Correu por entre a erva e as flores viçosas e coloridas pelo sol da Primavera enquanto pensava em
minhocas gordas e suculentas.
Foi então que um musaranho lhe saltou ao caminho e curioso perguntou.
Onde vais?
Quem falou?- perguntou a toupeira intrigada em busca do falante.
Eu- respondeu a vozinha quase inaudível.
Onde estás?
Aqui!
Foi então que a toupeira vislumbrou o musaranho de 3 centímetros.
És tão pequenino, mal te vejo.
Tu és bem grande. Onde vais?
Não sei. Disse a toupeira.
Ando em busca de minhocas gordas e suculentas para o meu pequeno-almoço.
Posso ir contigo?
Podes.
Foram então os dois em busca de comida, pelo campo fora.
Quando chegaram ao bosque o musaranho foi em busca de insectos enquanto a toupeira foi
procurar minhocas gordas e suculentas que no seu entender deviam estar junto ao riacho em terra
húmida. Sem demora precipitou-se naquela direcção já com bastante apetite e alguma excitação.
Teve sorte, tal como previra encontrou muitas minhocas prontas a serem degustadas com
formigas a acompanhar, petisco que também contava encontrar nos arredores.
O musaranho por seu turno tinha encontrado um enxame de insectos o que muito o animou, pois
apesar do seu tamanho tinha também um apetite voraz. Ia devorá-los a todos assim que os
apanhasse. Partiu à caça dos mesmos e ficou satisfeito com tal manjar. Nisto foi ao encontro da
toupeira sua amiga e deu com ela refastelada na margem do riacho de barriga cheia e de patas
para o ar. Toupeira- exclamou- como te encontro relaxada! Já comeste!
E muito- respondeu a sua amiga. Estava aqui a descansar o estômago. E tu?
Eu devorei um bando de insectos inteiro e quase dupliquei de tamanho. Sou um super-musaranho.
Levantar voo não consigo devido ao peso, mas faço frente a qualquer musaranho adversário que
me apareça. Vou juntar-me a ti enquanto faço a digestão.
Ali ficaram ao Sol durante o resto da manhã refastelados na margem do rio e de patas para o ar.
Ao meio-dia regressaram a casa e o musaranho agradeceu à toupeira a companhia.
– Ao lanche regresso para mais uma aventura! Sair contigo foi divertido e proveitoso!
– Está combinado.- disse a toupeira.
Aqui se despediram os personagens desta história com fim e sem moral.

O menino e o passarinho

O menino ia na rua, quando um passarinho se acercou dele a voar. Castanho, discreto e pequenino
voou a acompanhá-lo no seu caminho. Surpreendido o menino ignorou-o a principio convicto que
era voo de pouca dura. Mas não, o passarinho seguia-o incansavelmente onde quer que fosse
como se fosse um passarinho de estimação. Curioso, o menino interrogou-se acerca do que
quereria o passarinho a voar assim para todo o lado. O passarinho era tímido e chilreou baixinho
«Tu és uma ave rara com asas que nunca abres. Não compreendo essas asas sem penas.» O
menino respondeu que eram braços que os abria para abraçar ou segurar objectos junto ao peito
ou pessoas. O passarinho ficou muito intrigado. E não voam? Para isso existem os aviões, os
helicópteros e os balões. O passarinho ouviu isto e pensou para consigo que estas aves raras eram
exóticas quanto a voar. Quentinho pelas suas penas, aterrou confortável nas suas patas na mesa
do pequeno-almoço e debicou todas as migalhas que encontrou. Era um passarinho perseverante.
O menino nunca tinha tido um passarinho a voar ao seu lado o dia inteiro. Era o primeiro menino
de companhia do passarinho e era uma ave rara. O passarinho confiava que havia de impressionar
a sua espécie com esta ave rara que tem asas sem penas e não levanta voo. Iria entrar nos anais
ornitológicos, peculiar era sem dúvida e quanto ao resto havia de preencher pelo menos um
volume. Iria no mínimo ser homenageado com um ninho numa árvore de grande porte graças aa
este seu contributo para a ciência. Até já tinha um nome para a sua futura moradia «Aristóteles»
em homenagem ao filósofo que foi o primeiro a contribuir para a ornitologia. Quanto à arvore
tinha preferência por um embondeiro, mas estando na Europa um freixo já lhe bastava.
O menino alheio às intenções do passarinho perguntou se ele queria ir com ele a um churrasco ao
almoço. O passarinho estremeceu com esta possibilidade gelou-se-lhe o sangue a ponto de quase
congelar as penas e respondeu peremptório que não. Ia prestar uma justa homenagem aos
pássaros falecidos para enchimento da almofada de penas do menino. Estas aves raras têm um
lado cruel- pensou para consigo- entre churrascos e almofadas de penas, os corações destas aves
raras devem pesar muito mais que uma pena, devem ter o peso de um abutre. O passarinho
retirou-se para o quarto a voar com a cauda a meia haste.
Voltaram a encontrar-se à tarde, à hora do lanche e o passarinho convidou o menino para ir até à
floresta conhecer os anciãos do bando. Estava certo que em todos os seus anos de vida e horas de
voo nunca teriam encontrado tão rara ave. Ia impressioná-los e quem sabe receber uma medalha
de mérito, por ser o mais jovem do bando a descobrir a mais exótica das aves.
O menino acedeu. Perguntou se podia levar o seu chapéu de festa com uma pena e o passarinho
achou melhor não. Podia ferir susceptibilidades. Rumaram à floresta onde encontraram os anciãos
da tribo em sonora conversa nas árvores da clareira. Quando o passarinho voou a cumprimentá-los
ficaram um pouco incomodados com a interrupção. O passarinho apressou-se a anunciar a sua
descoberta, em exposição no meio da clareira. Houve um «PIIIIIUUUUUU» colectivo de assombro
e olhares de estranheza e curiosidade. Que ave era áquela? Nunca tinham visto semelhante. Ainda
por cima depenada. Iria ser churrascada? Oh terror! Até a fénix renascida das cinzas tinha penas.
Procuraria abrigo? A agitação entre os anciãos foi grande. O passarinho acalmou-os, era uma das
características exóticas da ave rara, tinha também asas que não voavam. «Ohhhh!» nunca tinham
ouvido falar de algo assim. Seria algum defeito de fabrico? Era mesmo assim, respondeu o
passarinho. Voaram das árvores e em breve o menino estava rodeado pelos anciãos. Após uma
cuidadosa observação os anciãos decidiram convidar o menino para jantar e conversarem sobre a
sua curiosa condição. À noite enquanto observava os anciãos a jantar o menino respondeu às suas
perguntas os anciãos decidiram que iam criar um volume especial para os anais da ornitologia
sobre esta ave rara chamada «menino». De regresso a casa, o passarinho estava muito feliz por
ter sido reconhecido pelos anciãos do bando devido à sua descoberta. Tal como tinha imaginado
foi-lhe oferecido um ninho de luxo num freixo na floresta. O menino estava esfomeado, isto de ser
descoberta cientifíca para análise abria o apetite.
Quando chegaram a casa o menino e o passarinho recordaram os momentos especiais do dia. O
passarinho ia continuar a acompanhar o menino e relatar ao pormenor um dia na vida desta ave
rara, para incluir nos anais e quem sabe este relatório poderia dar direito a um ninho de férias
numa qualquer árvore exótica.
O menino sorriu, começara a afeiçoar-se a esta companhia esvoaçante diária que quando o ouvia
dizer que tinha dores de cabeça voava à volta da sua cabeça a chilrear como nos desenhos
animados e a dor passava mais depressa. O passarinho por seu turno apreciava ter um menino de
companhia com quem conversar e até tinha melhorado da sua timidez, o seu chilreio estava mais
forte. A sua ideia de o seguir tinha sido das melhores que já tinha tido na vida.
O menino concordou que fizesse o registo de um dia na vida dele que ia passar a voar e o
passarinho era o repórter perfeito para o acompanhar. O passarinho perguntou se o dia tinha asas
muito grandes para voar é que se tivesse o passarinho não poderia acompanhar.
O menino respondeu que eram asas invisiveís feitas de tempo. Como as de todos os dias passados
até então. O passarinho perguntou-se como seria este tempo invisivel feito de ar e compreendeu
que era o que o sustentava para voar e respirar. Era a perspectiva do voo de pássaro.
O menino foi-se deitar e no dia seguinte começou mais uma jornada de tempo de vida agora a ser
registada com uma pena do passarinho. Este achou que era melhor observar tudo, e à noite ditar
ao menino o relatório. O menino concordou. Quando no final da semana o passarinho entregou o
seu relatório, os anciãos propuseram um ninho de férias num embondeiro em África. O passarinho
não cabia em si de contente. Só uma questão o incomodava não tinha porte para voar até lá.
Disseram que ia no dorso de uma andorinha uma vez que o voo charter de ida e volta estava
incluído na oferta. O passarinho voou aos circulos de alegria. Sim, sim. Era perfeito, era tudo o que
sonhara.
O menino ficou feliz por ele. Agora que já tinham passado várias semanas e tudo acerca do
menino estava registado para a história, este perguntou-se se os seus caminhos se iam separar
aqui. Afinal o passarinho conseguira tudo aquilo com que sonhara e já não havia muito mais a
descobrir acerca do menino. O passarinho respondeu que agora eram amigos, que as horas de voo
que lhe tinha dedicado, bem como de tempo de vida, o tinham aproximado dele como de mais
ninguém. E que ia continuar a voar com ele o resto da vida dele, assim ele permitisse com pausa
para as férias. Com este pássara na mão o menino sentiu-se grato por tudo o que tinha recebido
através dele, companhia, diversão e uma amizade para a vida.
O passarinho chilreou de contente e voou feliz para sempre ao lado do menino.
O bando de borboletas.

O arco-íris de cor do bando de borboletas alado rumou em direcção ao oceano. As asas bateram
em uníssono na suave brisa do Verão. A luz realçava a cor das asas e as borboletas sentiam o
calor a difundir-se sobre os seus dorsos. O apelo do mar dirigia o seu voo e subitamente avistaram
a costa.
A areia escaldava as patas e as borboletas deslumbraram os veraneantes com as suas cores e
asas majestosas. Eram lindas, enormes e únicas. O bando dispersou pela praia e foi ao encontro
das crianças que riram de alegria e perseguiram algumas com entusiasmo. Sentir as asas das
borboletas ao redor do rosto, das pestanas era uma experiência única. As borboletas divertiram-se
com estas brincadeiras e pousavam na cabeça das crianças quando estavam cansadas.
Dali rumaram às ondas para refrescar as asas com os salpicos da água. A brisa era mais forte e
bem-vinda. Ao longe o colorido das asas contrastava com o azul do mar, o branco da espuma e
das gaivotas. Estas surpreenderam-se com a presença de tantas borboletas na praia, era a
primeira vez que tinham visto tal invasão e congratularam-se por não se alimentarem de peixe.
Cumprimentaram-nos com os seus gritos sonoros e as borboletas responderam com um voo mais
próximo de reconhecimento. Pousadas sobre algumas gaivotas as borboletas descansavam da
viagem e do frenesim das ondas. As gaivotas eram fofas, macias e vastas para uma borboleta.
Como era bom voar e descansar as asas ao mesmo tempo. Em breve desembarcaram na praia e
agradeceram às gaivotas o passeio. Nunca tinham viajado de gaivota e este era um acontecimento
que havia de ser relatado geração após geração. As gaivotas despediram-se das borboletas e
voaram em busca de almoço. As borboletas por seu turno foram em busca de flores para se
nutrirem de néctar e relaxarem.
Quando chegaram ao parque distribuíram-se pelas flores do jardim e trouxeram ainda mais cor ao
lugar. As flores eram deliciosas e variadas, após satisfazer o apetite as borboletas voaram até às
árvores. Estas eram confortavéis, frondosas, e era uma diversão ondular nas folhas movidas pelo
vento. Após dormirem uma sesta as borboletas voaram de volta ao mar. A praia estava repleta e as
borboletas aventuraram-se entre chapéus de sol coloridos, páraventos plantados na areia, redes
de voleibol, pranchas de surf à espera de ondas maiores, enquanto os banhistas as observavam
maravilhados. A maré estava baixa e as borboletas decidiram molhar as patas. A água estava
quente e acariciou-as com suavidade e salpicou as asas. As borboletas descobriram os prazeres da
praia, iriam voltar mais vezes. Sentiram-se transformadas pela experiência. Rumaram ao paredão
para contemplar a rebentação das ondas sobre as rochas, fascinava-as observar a água a fluir por
entre as pedras. Voaram mais próximo para observar. Dali saíram para ver os pescadores a
recolher as redes. Vinham repletas de peixe a rabear, em luta pela sobrevivência impossível. As
borboletas compadeceram-se pelos peixes enquanto os pescadores se congratularam pela sua
pesca. As gaivotas voaram em bando para se alimentarem e as borboletas debandaram dali.
Em breve estavam a ser perseguidas por crianças aos risos e gritinhos. A visão das borboletas era
surpreendente para elas e as borboletas rodearam-nas para brincar com elas. Em breve estavam
aos saltos e aos círculos a divertirem-se com as borboletas.
As borboletas seguiram dali ao encontro dos banhistas. Interessava-lhes participar no que estavam
a fazer. Distribuíram-se pela praia. Uma pousou numa banhista que estava a ler, a senhora ficou
encantada com ela, a borboleta fez uma pequena vénia de agradecimento e humildade, e voou
sobre o livro repleto de borboletinhas nocturnas minúsculas. Nunca tinha visto um bando tão
grande e calculou que ali fosse o seu cemitério.
Outra pousou num banhista a dormir. Passeou pela sua testa quente e dura, ali nenhuma flor havia
de nascer. Observou com curiosidade uma especie de asas pretas em franja que nunca tinha visto
antes, duvidou que voassem naquele estado e partiu rumo a outro banhista.
Uma terceira pousou num banhista que lia o jornal. Nunca tinha visto um maço tão grande de asas
juntas, a tentar esvoaçãr para a liberdade sem sucesso, pois o banhista prendia-as firme nas
mãos. Então, aproximou-se uma segunda borboleta e em conjunto voaram à volta do banhista até
ter soltado o jornal que mesmo assim não voou para longe.
Assim andava o bando dividido pela praia toda a entreter-se com a espécie humana em férias.
Finalmente voltaram a juntar-se para regressar a casa e quando partiram deixaram para trás uma
multidão grata pela visita.

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