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Os bagos de trigo tinham ficado na escuridão de uma velha arca durante meses, pois
António Seareiro tinha-os guardado lá para semente. Quando a Maria Rita levantou a tampa da
arca, eles ficaram muito alegres por finalmente verem a luz do dia. Até o Serrano, um bago
gordo e sempre resmungão, saltou de alegria. Maria Rita sentou-se ao sol e colocou as
sementes num tabuleiro.
A Sementinha ficou triste e indignada com a Despedida-de-Verão, uma flor com pintinhas
vermelhas, que muito vaidosa se gabou da sua beleza, gozando com a Sementinha ao dizer que
ela era feia. Quando a viu chorar, O Amarelo de Barba Preta veio em seu auxílio, dizendo que a
Sementinha era mais bonita do que a flor, porque não era vaidosa. Entretanto, passou um
passarico que roubou a Sementinha, levando-a no seu bico.
O rapto da Sementinha
Inicialmente, a Sementinha pensou que iria viajar de avião. O seu raptor era um Rouxinol
vagabundo com plumagem cinzenta, muito ruiva por cima e amarela por baixo. Ele era professor
de Música dos pássaros sedentários e raptara a Sementinha porque não tinha que comer.
Quando ele se preparava para a comer, a Sementinha foi inventando pretextos para afastar o
pássaro da ideia de a devorar, usando a sua voz muito meiga, fazendo com que este se
comovesse. Pediu-lhe que ele cantasse para poder avaliar os seus dotes musicais. Mal ele
iniciou o seu cântico, apareceu o Chapim alcoviteiro, dizendo que era hora do ensaio geral. A
Sementinha manifestou interesse em assistir ao ensaio, conseguindo convencê-los. O Rouxinol
e o Chapim Azul desentenderam-se, porque ambos queriam transportar a Sementinha. Ela
acalmou-os, decidindo que o Rouxinol a levaria para o ensaio, enquanto o Chapim Azul a traria
para casa.
Quando O Rouxinol ordenou que o coro cantasse a Toada da Primavera, todos recusaram
porque não havia sol, não havia flores, estava frio e a coruja queixou-se que estava rouca. O
Rouxinol ficou irritado com a atitude dos alunos e ameaçou abandonar o ensaio, mas com a
insistência da Sementinha, que estava deitada numa teia de aranha a ouvi-los, acabou por
cantar. Com o seu canto mágico e apaixonado a primavera despertou prematuramente: o sol
apareceu, as flores cresceram e vieram os pássaros. Aproveitando a distração geral, um pardal
esfomeado raptou a noiva do Rouxinol. Um grito de terror encheu o bosque e matou a
primavera.
Ao ver o Espantalho do António Seareiro, o Pardal ficou tão assustado que largou a Sementinha
do bico e fugiu. A Sementinha caiu nas terras do António Seareiro, perdendo os sentidos. De
manhã, acordou com o sol e o Amarelo de Barba Preta a dar-lhe os bons-dias. Este decidiu
contar a história dos seus avós, que era bonita.
Em poder da Feiticeira
Estava escuro e a Sementinha sentia-se presa… não percebia o que se estava a passar.
Passaram-se dias, a Sementinha começou a ficar irritada e desatou a dar punhadas nas paredes
que pareciam esmagá-la. Questionou-se quem seria aquela feiticeira que lhe falara. Como se o
pensamento tivesse voz, a Terra respondeu-lhe e começaram uma longa conversa. A
Sementinha apercebeu-se que teria que trabalhar muito e iria passar por muitas transformações.
Um Bicho de Conta disse-lhe que ela se iria transformar na flor mais bela do mundo.
Depois de muitas dificuldades e várias transformações, conseguiu libertar-se e ver
novamente a luz do sol. Emocionada agradeceu à Terra.
O grande mistério
Ressurreição
A Sementinha parecia uma menina com tranças com caracóis verdes. O Sol disse-lhe que
as suas flores voltariam a ser bagos. No dia seguinte, com o calor do Sol as suas tranças verdes
começaram a secar e a mudar de cor, ficando amareladas, loiras. Foi através da Sra. Cegonha
que ficou a saber que já não era uma semente, mas sim uma espiga loira.
Entretanto, o Amarelo de Barba Preta informou a Sementinha que estava a chegar a época
da ceifa. As ceifeiras iriam cortar as espigas, que seriam levadas para a eira, sendo aí
debulhadas, dando origem ao trigo, que iria para a moagem, donde sairia em farinha.
O Sr. Agrónomo escolheu levar a Sementinha, porque tinha amadurecido primeiro e era um
belo exemplar. Arrancou uma espiga dos braços da Sementinha, desfez as palhas com os dedos
e espalhou os bagos de trigo na palma da mão.
A Sementinha ficou preocupada, sem perceber o que se estava a passar, mas a Terra-
Feiticeira sossegou-a, dizendo para ficar descansada porque ela e os seus filhos tinham sido
escolhidos para o destino mais belo que podem ter os bagos de trigo.
A Sementinha é esquartejada
Após a colheita, a Sementinha foi levada para um sítio que nunca tinha visto. Numa espécie
de laboratório, a Sementinha foi esquartejada, dando origem a dezenas de bagos de trigo, os
seus filhos.
No ano seguinte, seriam semeados e passariam pelo mesmo trajeto da Sementinha, desde
semente, bagos de trigo, até se transformarem em farinha.
Até ali, a fecundação das suas avós e da sua mãe fizera-se ao acaso. Eram noivados feitos
com quem aparecia. Mas agora os homens de bata branca queriam escolher o seu par, tal como
antigamente os chineses casavam com noivas escolhidas por outrem. De igual modo, o seu
casamento foi de conveniência, foi um casamento científico e os seus filhos seriam híbridos,
novas plantas feitas pela mão do homem.
A Asa de Corvo conseguiu vencer o Vento Suão e este feito glorioso foi noticiado nos meios
de comunicação e de todo o lado surgiram pedidos para a estudarem e casarem com trigos
doutras espécies.
No último capítulo, o narrador acredita que a Ciência pode ajudar a mudar o mundo e dá os
exemplos de Carleton, que fez dos Estados Unidos da América um celeiro prodigioso de trigo e
de pão, e de Mitchurin, que, com o cruzamento de espécies de frutos do seu pomar, inventou as
escolas de sementes, como a que frequentaram as filhas da Sementinha.
Carleton e Mitchurin foram dois investigadores que tiveram um papel importante na luta
contra a fome.
Neste capítulo, Alves Redol, através da voz do narrador, apresenta-nos algumas das ideias
em que mais acreditava. Através do aumento da produção de cereais, há a esperança de se
conseguir eliminar a fome no mundo. A Humanidade deve continuar a lutar para pôr fim à fome e
às desigualdades sociais. A Ciência tem um papel muito importante na melhoria das condições
de vida das sociedades, sendo através da Ciência e do conhecimento que os sonhos da
Humanidade se vão realizando.