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A ORIGEM DA LAVOURA

 
A princípio a Terra não era boa nem farta. Não tinha peixes nas águas, animais nos matos e pássaros
nos céus. Não se conhecia o fogo. Não existiam frutos e legumes. Os homens alimentavam-se de
farelo de palmeira em decomposição, de lagartas e orelhas-de-pau. Certo dia, um jovem, andando
pelo mato, viu sentada no seu caminho uma linda moça.
 
- Quem é você? De onde veio? - perguntou ele.
- Vim do céu - respondeu ela - Meu pai e minha mãe ralharam comigo, e vim embora, descendo com
a chuva....

Como todos os índios tinham descido do céu, embora por outro caminho, o rapaz não duvidou
daquelas palavras e muito se alegrou com a ideia de encontrar uma moça bonita para ser sua noiva.
A moça era acanhada e mostrava receio de encontrar-se com as outras pessoas. Por isso, ambos
esperaram que o dia fosse embora e, sob a cortina da noite, chegaram à casa da mãe do rapaz, onde,
sem que ninguém visse, o jovem escondeu a moça num enorme cesto de palha cuja boca fechou com
cera. Assim, ela passava os dias escondida, esperando a noite, quando o namorado vinha e a fazia
sair do grande cesto. Mas a mãe do jovem ficou curiosa em saber o que tinha dentro daquele cesto e
descobriu ali a filha do céu. Quando a história foi revelada, o rapaz abriu o cesto de palha em plena
luz do dia. Mas a menina não queria sair de lá. Baixou a cabeça e custou a levantar. Todos
admiraram a beleza da filha do céu, a fizeram sair de dentro do cesto e trataram de enfeitá-la com a
cabeça raspada no alto e o corpo pintado de urucum e jenipapo.
A moça gostava de falar do céu e da fartura de frutos e legumes. Certo dia, queixou-se ao marido de
que estava enjoada de comer lagartas e manifestou o desejo de voltar ao céu, a fim de trazer algumas
sementes. Ensinou como ele devia fazer uma roçada, limpando a terra e preparando-a para receber as
sementes trazidas do céu. De manhã, dirigiram-se os dois ao campo onde a filha do céu indicou uma
árvore alta e flexível. Subiram até o último galho, e o peso de ambos fez que o tronco vergasse até o
chão.

- Pule! - mandou a filha do céu.

O rapaz pulou e a árvore se esticou novamente levando a moça para o seu lar. Seu marido fez a
roçada e um dia encontrou a moça sentada no meio dela, cercada de mudas de bananeira, de batatas e
inhames. Do céu, nessa mesma ocasião, veio o primeiro beiju, embrulhado em folhas de bananeira,
em forma de estrela.
A moça fez uma nova viagem ao céu para mostrar aos pais o filho que lhe nascera aqui na Terra.
Subiu por uma altíssima casa de cupim. Depois de criado o menino, a mãe tornou a subir para o céu,
mas de lá nunca mais voltou.
Os índios continuaram fazendo suas roçadas, ano após ano, cabendo às mulheres plantar a terra
preparada. E, quando fazem seus beijus, ainda arranjam as folhas de bananeira em forma de estrela,
como a Mãe da Lavoura e Filha do Céu ensinou a fazer.
 
Adaptação de Augusto Pessôa
COMO APARECEU A REDE DE DORMIR
 
Antigamente não existiam redes de dormir.
Homens e mulheres dormiam no chão por cima das folhas, ou pendurados em árvores, como os
macacos.
Um pajé chamado Tamaquaré, ia se casar e não queria mais dormir no chão como os homens. Tinha
medo de que os animais o machucassem. Também não queria dormir no alto das árvores porque
tinha medo de cair de lá com sua mulher.
Ele resolver falar com o tucano para ver se ele arrumava uma solução.
O tucano nessa época tinha o bico curto e falava pelos cotovelos. Tamaquaré encontrou o pássaro e
pediu:

- Tucano, vou me casar e não quero mais dormir no chão, nem pendurado como um macaco. O
senhor pode me ajudar a resolver esse problema?

O tucano pensou muito. Até que teve uma ideia: pegou um monte de cipós e começou a trançar.
Depois de trançar bastante aquilo ficou bonito de dar gosto de olhar. O tucano amarrou o trançado
entre duas árvores e chamou o pajé. Tamaquaré ficou satisfeito, mas disse ao tucano:
 
- Gostei muito do seu trabalho! Mas não quero que ninguém saiba como eu consegui esse trançado.
Você entendeu? Não conte para ninguém se não eu vou me zangar com você!
 
O tucano ficou quieto por um tempo.
No dia do casamento de Tamaquaré houve uma festança danada. O tucano estava animado e
orgulhoso. Comeu e bebeu tudo que podia. No meio da festança o pássaro disse bem alto:

- O pajé se casou! E ele não vai dormir no chão como os outros! Vai dormir na rede que eu fiz! Vai
dormir bem confortável!
 
Disse o que disse e mostrou a rede. Toda a tribo ficou encantada com aquilo. Mas Tamaquaré se
aborreceu. Cuspiu no chão com raiva. Pegou o tucano pelo bico e começou a puxar. Puxou com
força e ainda disse:
 
- Agora você vai ficar com esse bico comprido para deixar de ser linguarudo. Não vai mais falar e
ainda vai voar curto para aprender!

Desde esse tempo os homens passaram a usar redes para dormir. E o tucano ficou com aquele bicão,
falando um nhé-nhé-nhé e voando pequeno.

Adaptação de Augusto Pessôa


COMO SURGIU A LUA
 
 
Num tempo de outro tempo não existiam estrelas ou lua. A noite era tão escura que todos tinham
medo de sair. Ficavam nas ocas com pavor da noite escura.
Na tribo, uma índia não tinha medo. Ela era linda e tinha a pele muito clara diferente de todo mundo.
Por causa dessa diferença todos olhavam para ela com desconfiança. Os homens não queriam
namora-la e as mulheres nem conversavam com ela. A jovem vivia numa solidão terrível.
Sentindo-se muito só, começou a andar pela noite escura. Todos da tribo ficavam espantados.
Principalmente quando ela voltava de seus passeios e dizia que não tinha perigo. Não tinha nada para
temer.
Nessa mesma aldeia tinha outra índia. Uma criatura feia e estranha que tinha muita inveja da bela
jovem. Com raiva da outra, resolveu sair a noite também. Mas não conseguia enxergar naquela
escuridão e terminou cortando os pés nas pedras e espinhos. Ficou com mais raiva da outra. Cheia de
rancor e inveja ela foi conversar com a cascavel.

- Cascavel, quero que me faça um favor. Você conhece aquela índia de pele clara?

E a cobra respondeu enrolada em um galho:

- Aquela que anda pela noite?


- Essa mesmo! – respondeu a invejosa – Quero que você morda os seus pés para que ela fique feia e
velha!

Por pura maldade a cascavel aceitou o pedido. Ficou de tocaia esperando o passeio da bela jovem.
Quando ela passou, deu o bote. Mas a cobra não sabia que a moça tinha os pés calçados com duas
conchas. A cascavel mordeu as conchas e seus dentes se quebraram. A cobra ficou com muita dor e
começou a gritar e a xingar muito. E a jovem perguntou:

- O que está acontecendo? Por que quis me morder?

E a cascavel respondeu com raiva:

- Porque uma mulher me pediu. Ela não gosta de você e quer que você fique feia e velha como ela.
Ninguém gosta de você!

A bela jovem ficou muito triste. Não queria viver junto de pessoas que não gostassem dela. E não
aguentava mais ser diferente dos outros. Querendo resolver essa situação ela fez uma escada com
cipós trançados. Depois pediu para sua amiga coruja que voasse muito alto e amarasse a ponta da
escada no céu. A ave fez como ela pediu. A mulher começou a subir. Subiu muito até chegar ao alto
da escada. Chegando ao céu estava tão exausta que dormiu numa nuvem. Num passe de mágica a
moça se transformou num dos mais belos astros. Redonda, clara e iluminada. Era a lua que encheu
de luz a noite escura. A mulher invejosa olhou para o raio de luar e ficou cega. Ficou com tanta
vergonha que foi se esconder com a cascavel em um buraco.
Os índios se arrependeram de desprezar a bela moça. Eles passaram a adorar a lua que enchia de luz
a noite. Alguns apaixonados sonhavam em construir outra escada de cipós para poder ir ao céu
encontrar a linda moça.

Adaptação de Augusto Pessôa


COMO NASCERAM AS ESTRELAS
A noite chegava e o céu ficava escuro. Só a lua iluminava a noite. Não existiam estrelas.
Durante o dia os homens iam caçar, enquanto as mulheres cultivavam e coziam o milho para fazer a
comida que só os homens podiam comer.
Num dia, as mulheres foram colher o milho para preparar o alimento, mas não encontraram nem uma
espiga. Choraram muito. Um menino que tinha ido com as mulheres disse:
 
- Eu sei onde tem milho!
 
E as mulheres pediram:
 
- Mostra! Mostra pra gente!
 
E o menino mostrou. Com muitas espigas as mulheres voltaram para aldeia. Começaram a preparar o
milho para fazer a comida que só os homens podiam comer. E o menino só olhando. Deu uma
vontade grande de provar daquela comida. O menino foi com o dedo para tirar uma lasquinha, mas
as mulheres brigaram:
 
- Sai pra lá, menino! Isso não é comida para você!
 
O menino ficou chateado. Dizia consigo mesmo:
 
- Para achar o milho eu sirvo, mas não posso comer?
 
Ele saiu de lá e juntou toda criançada da aldeia. Pegaram mais espigas de milho e foram até a maloca
da mulher mais velha da tribo. E o menino pediu:
 
- Vó, faz aquela comida que só os homens podem comer?
 
A velha coçou a cabeça e achou que devia fazer. Começou a preparar a comida. Deu um trabalho
danado. A mulher ficou cansada e foi se deitar. As crianças comeram da comida que só os homens
podem comer. Comeram bastante. De repente deu um medo grande nos pequenos. As mulheres
podiam descobrir que eles comeram a comida que só os homens podem comer. O papagaio da
aldeia, que viu tudo, disse que ia contar a verdade para as mulheres. As crianças com medo da
denuncia cortaram a língua do papagaio. Mas o medo não passou. Eles olharam para o céu e
decidiram fugir. Pegaram um cipó e pediram para o beija-flor levar a ponta para o céu. O passarinho
bateu as asas com força voando cada vez mais alto. Enquanto o beija-flor subia, os pequenos
amarravam várias cordas ao cipó. O passarinho chegou lá no alto e amarrou a ponta do cipó numa
árvore. As crianças começaram a subir até o céu.
Quando as mulheres terminaram de trabalhar, estranharam o silêncio das crianças. Perguntaram por
eles para a velha, mas a coitada dormia pesado de tão cansada que estava. Perguntaram ao papagaio,
mas com a língua cortada o pássaro nada podia dizer.
Desesperadas, as mulheres saíram como loucas procurando as crianças. Até que encontraram o cipó
pendurado e viram as crianças que já iam muito alto. As mulheres gritaram para os pequenos
descerem, mas as crianças já estavam chegando ao céu. E as mulheres continuaram a gritar:
 
- Desce criançada que estamos mandando!
 
Mas os pequenos olhavam para elas lá do alto das nuvens. As mulheres começaram a chorar:
 
- Desce criançada que estamos pedindo.
 
Mas os pequenos só olhavam.
Algumas mulheres resolveram subir pelo cipó. As crianças cortaram a corda e as mulheres caíram na
mata e se transformaram em feras.
E do alto do céu, as crianças ficaram olhando.
Estão lá até hoje olhando e piscando como estrelas.
 
A LENDA DA MANDIOCA
 
Naquele tempo tudo corria bem até que a filha do cacique ficou grávida. Quando a notícia se
espalhou o cacique ficou muito triste. Ele desejava que sua filha casasse com um forte e bravo
guerreiro. Não queria que a moça ficasse com qualquer um. Mas a verdade é que a jovem estava
esperando um filho de um desconhecido. Por causa disso o cacique decidiu não falar mais com a
filha. Uma noite, o chefe da aldeia sonhou com um homem branco e luminoso que disse:
 
- Volte a falar com sua filha. Sua tristeza não tem sentido. Ela continua pura.
 
No dia seguinte o cacique acordou satisfeito. Voltou a ser alegre e a tratar bem sua filha.
O tempo passou e a jovem deu a luz a uma linda menina de pele muito branca e delicada. A filha do
cacique ficou muito feliz e deu para criança o nome de Mani.
Mani era uma menina muito inteligente e alegre. Todos do lugar gostavam dela. Tudo corria bem,
até que um dia Mani não acordou cedo como de costume. Sua mãe estranhou e foi acordar a menina.
E o desespero foi grande porque a mulher encontrou a filha morta. A jovem mãe chorando muito
resolveu enterrar a criança ali mesmo dentro da maloca. Todos os dias a mãe sofrida regava a cova
de Mani com lágrimas de saudade.
Um dia quando a jovem foi chorar na cova da filha ela encontrou uma bela planta que tinha nascido
naquele local. Era uma planta que ela não conhecia. Aliás, ninguém da aldeia conhecia aquela
planta.
A jovem mãe começou a cuidar da planta com todo carinho como se cuidasse da própria filha.
Até que um dia ela notou que a terra em volta da planta estava toda rachada. A pobre mulher pensou
com alegria que sua filha estava tentando voltar a viver. Começou a cavar a terra na esperança de
reencontrar a menina. Mas no lugar de Mani ela encontrou uma raiz muito grossa e branca como o
leite. Logo essa raiz tornou-se o principal alimento de todos os povos indígenas.
Para homenagear a menina deram o nome de MANDIOCA a raiz, que quer dizer Casa de Mani.
 

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