As consultas do Dr. Serafim e a bronquite da senhora Adriana
Naquela manhã, a chuva fazia ploc, ploc com
tanta força que chegou aos ouvidos do Dr. Serafim poucos minutos antes do trrrrim do despertador, interrompendo o seu ruidoso ressonar. Ao ver as horas, o Dr. Serafim lamentou-se para a mulher: «Ai, ai... Hoje vou dar consultas o dia inteiro...» E, como a única resposta que escutou foi o zzzzzzz de quem estava a dormir um sono descansado, desistiu de desabafar e deu um salto da cama no preciso momento em que o ribombar de um trovão o avisava de que o tempo não estava para brincadeiras. Duas horas antes, nos arredores da cidade, o cocorocó do galo anunciava que a noite tinha terminado. A senhora Adriana não acordou bem-disposta. Era o dia da sua consulta, tinha de estar no médico às nove horas em ponto para ver se conseguia curar aquela bronquite. Na verdade, há mais de uma semana que a sua respiração produzia um sibilo forte que mais parecia o sopro do vento. A senhora Adriana era conhecida pelo seu mau feitio. E também por estar sempre a dar ordens ao marido (…). Antes de sair, abriu a porta que dava para a rua e, já com um pé fora de casa, gritou: - Hoje vou ter de ir à cidade, à consulta do Dr. Serafim. Agora tu toma-me conta da criação: se escutares alguma vaca a mugir, ou uma galinha a cacarejar, um pinto a piar, um pato a grasnar, uma ovelha a balir ou até mesmo um burro a zurrar, corre a ver o que se passa! Ouviste? Estarei cá antes do almoço, espero eu… Rosário Alçada Araújo, As consultas do Dr. Serafim e a bronquite da senhora Adriana, Texto, 1.ª edição, 2010 (Texto com supressões). Grupo IV – Educação Literária
O Gigante Egoísta
Todas as tardes, quando vinham da escola, as crianças costumavam ir brincar
para o jardim do Gigante. (...) Um dia, o Gigante voltou. Ele tinha ido visitar o seu amigo ogre da Cornualha e tinha ficado com ele durante sete anos. Passados sete anos, já tinha dito tudo o que tinha para dizer, pois a sua conversa era limitada, e decidiu voltar para o seu próprio castelo. Quando chegou, viu as crianças a brincar no jardim. “O que é que vocês estão aqui a fazer?”, gritou ele com voz grossa, e as crianças fugiram. “O meu jardim é o meu jardim”, disse o Gigante; “e eu não permito que ninguém brinque nele a não ser eu.”
Então, construiu um muro alto a toda a volta do jardim e pôs um aviso:
QUEM ENTRAR SERÁ CASTIGADO
Era na verdade um Gigante muito egoísta.
Agora as pobres crianças não tinham lugar para brincar. (...) Depois veio a Primavera, e por todos os campos se viam pequenas flores e passarinhos. Só no jardim do Gigante Egoísta é que ainda era Inverno. Os pássaros não estavam interessados em cantar lá, pois não havia crianças, e as árvores esqueciam-se de florir. (...) Os únicos que estavam contentes eram a Neve e a Geada. “A Primavera esqueceu este jardim”, gritavam elas, “assim podemos viver aqui durante todo o ano.” (...) Depois convidaram o Vento Norte para ficar com elas, e ele veio. (...) “Este lugar é encantador”, dizia ele, “temos de convidar o Granizo para nos visitar.” E assim, o Granizo chegou. (...) Ele ribombava no telhado do castelo até partir a maior parte das telhas, e depois corria o mais depressa que podia à volta do jardim. (...) “Não percebo porque é que a Primavera está tão atrasada”, dizia o Gigante Egoísta (...). Oscar Wilde, O Gigante Egoísta, Vega, 2005 (Texto com supressões).