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Ética Na Pós-Modernidade
Ética Na Pós-Modernidade
1
Ética na pós-Modernidade
Introdução
nossa sociedade dão impressão de que a ética foi esquecida. Veremos, no entanto, que
a ética continua presente, embora tenha assumido características novas. São
flagrantes as manifestações e iniciativas de caráter ético por parte dos mais distintos
segmentos sociais. Naturalmente, não podemos ver nisso uma autêntica renovação
ética. De acordo com Lipovetsky, ganha espaço uma ética “indolor”,
descomprometida e fortemente individualista. A ética torna-se um negócio
interessante, principalmente em relação às iniciativas de empresas e setores do
mercado obstinados pelo lucro. Abordaremos, também, outros aspectos da vida
humana, onde é fomentado um minimalismo ético que não exige sacrifício, mas
tranqüiliza o sujeito e alivia sua consciência. Assim são os novos tempos.
Sem ignorar os aspectos negativos da era do vazio, o autor percebe que ela
está relacionada a uma situação de libertação e abertura, onde o sujeito humano
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rejeita os esquemas impositivos, e almeja gozar sua autonomia. Nessa realidade, onde
tudo se move, tudo se transforma, tudo é fluxo, surgem novas liberdades,
acompanhados de novos problemas, novas angústias e novas expectativas.
“Na era do vazio, estamos menos carregados e mais livres, mais lúcidos e menos
dependentes, mais exigentes e menos submissos, mais flexíveis e menos
engessados por engrenagens de poder em nome de verdades que se apresentavam
como transcendentais ou universais, embora não passassem de formas locais de
controle. Em termos de moral, menos é mais. O moralismo caracteriza-se pelo
excesso de valores que não podem ser discutidos. A ética numa sociedade
liberada do sacrifício faz-se do mínimo indispensável à coesão social e ao
respeito ao outro. O vazio salva do excessivo”.3
1
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo, São Paulo,
Manole, 2005, x (a introdução da obra é em numeração romana).
2
Ibid, XI.
3
Ibid., X.
16
“Quem continua acreditando no trabalho, quando o frenesi das férias, dos fins de
semana, dos lazeres, não cessa de se desenvolver, quando a aposentadoria se
torna uma aspiração de massa, um ideal? Quem continua acreditando na família
quando os índices de divórcio não param de subir, quando os velhos são exilados
para casas de repouso, quando os casais se tornam ‘livres’, quando o aborto, a
contracepção, a esterilização se tornam legais? Quem continua acreditando no
exército quando escapar do serviço militar não é uma desonra? Quem continua
acreditando nas virtudes do esforço, da economia, da consciência profissional, na
autoridade, nas sanções? A onda de desafeição se propaga por todo lado,
despindo as instituições de sua grandiosidade e do seu poder de mobilização
emocional”.4
4
Ibid., pp. 18-19.
5
VALADIER, P., Moral em Desordem: um discurso em defesa do ser humano, São Paulo, Loyola,
2003, p. 158.
6
LIPOVETSKY, G., op. cit. p. 33.
7
Ibid., pp. 57-58.
17
dos homens, então reconhecidos como iguais.8 Uma sociedade que acredita
profundamente na ciência, e se re-inventa constantemente, de acordo com a razão
humana. Segundo Lipovetsky, o endeusamento/absolutização da liberdade na
modernidade não elimina por completo as marcas do rigorismo moral, do sacrifício e
do determinismo que, muitas vezes, impedem a escolha pessoal.
8
Ibid., p. 66.
9
Ibid., p. XI.
18
10
LYON, D., Pós-Modernidade, São Paulo, Paulus, 1998, p. 35.
11
Ibid., p. 37.
12
LIPOVETSKY, G., op.cit., p. 73.
19
13
LYON, D., op. cit., p. 57.
14
Ibid., p. 46.
15
Ibid., p. 57.
16
Ibid., p. 56.
17
LIPOVETSKY, G., op. cit. p. 75.
20
18
David Lyon estabelece uma distinção entre pós-modernismo e pós-modernidade. No pós-
modernismo, a ênfase recai sobre o cultural, e se refere aos fenômenos culturais e intelectuais. Aí, um
dos fenômenos é o abandono do ‘fundacionalismo’, onde o pós-modernismo questiona todas as
premissas básicas do Iluminismo. Outro fenômeno é o colapso das hierarquias de conhecimento, de
gosto e opinião e o interesse pelo local em lugar do universal. Aparece também a substituição do livro
pela TV, a migração da palavra para a imagem, do discurso para a representação. Na pós-modernidade,
por sua vez, a ênfase recai sobre o social, e se concentra no esgotamento da modernidade, relacionada
com mudanças putativas. Significa que uma nova sociedade está surgindo, com a proeminência das
novas tecnologias de informação e comunicação, bem como do consumismo. LYON, D., op. cit. pp.
16-17.
19
LIPOVETSKY, G., op.cit. p. 79-80.
20
LYON, D., op. cit., p. 48. No mundo da produção, Marx encontrou capitalistas exploradores e
trabalhadores alienados. Durkheim detectou uma profunda sensação de ansiedade, de incerteza com
relação ao andamento das coisas. Weber temia que a racionalização talvez abatesse o espírito humano.
Simmel sentiu que a sociedade de estranhos produziria novo isolamento e fragmentação social.
21
LIPOVETSKY, G., op. cit. p. 90.
21
“É a anexação cada vez mais ostensiva das esferas da vida social pelo processo
de personalização e o recuo concomitante do processo disciplinar que nos leva a
falar de sociedade pós-moderna, ou seja, de uma sociedade que generaliza uma
das tendências da modernidade inicialmente minoritária. Sociedade pós-moderna,
maneira de significar a virada histórica dos objetivos e das modalidades de
socialização, no momento sob a égide de dispositivos abertos e plurais; maneira
de dizer que o individualismo hedonista e personalizado tornou-se legítimo e já
não encontra oposição; maneira de dizer que a era da revolução, do escândalo, da
esperança futurista, inseparável do modernismo, está acabada”.23
“Não se trata mais de criar um novo estilo, mas, sim, de integrar todos os estilos.
A tradição se torna uma fonte viva de inspiração, do mesmo modo que o novo.
Os valores até então proibidos de permanecer são tocados à frente, no contrapé
do radicalismo modernista: tornam-se preeminentes o ecletismo, a
heterogeneidade dos estilos no seio de uma mesma obra, o decorativo, o
metafórico, o lúdico, o vernacular, a memória histórica”.26
22
Ibid., XIX.
23
Ibid., XVII
24
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, São Paulo, Editora Barcarolla, 2004, p. 16.
25
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p. 83.
26
Ibid., 98.
22
27
Ibid., 99.
28
Ibidem.
29
Ibid., XII.
23
30
Ibid., XVI.
31
Ibid., XV.
24
“De fato, foi a ação conjugada do Estado moderno e do mercado que permitiu a
grande fratura, que hoje nos separa para sempre das sociedades tradicionais, e o
aparecimento de um tipo de sociedade na qual o indivíduo se considera
finalidade última e não existe a não ser para si mesmo. Pela centralização efetiva
e simbólica que operou, o Estado moderno desempenhou um papel determinante
na dissolução, na desvalorização dos laços anteriores de dependência pessoal e
32
Ibid., XVII.
33
Ibid., p. 05.
34
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, p. 23.
35
Ibid., p. 20.
25
36
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p.162.
37
Ibid., p.101.
38
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, p.19.
39
TOCQUEVILLE, de A., De la démocratie en Amérique, Oeuvres completes. Paris, Gallimard, t. I,
vol. II, p. 101-104. Apud LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p.92: “Face à afirmação de Tocqueville
de que os povos democráticos demonstravam ‘um amor mais ardente e mais durável pela igualdade do
que pela liberdade’”.
26
ensino, na paixão pelo lazer e pelo aumento do tempo livre, nas terapias novas
que têm por finalidade a libertação do eu”.40
40
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p. 92.
41
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-Moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos
novos tempos democráticos, São Paulo, Manole, 2005, p. 70.
42
Ibid., 61.
43
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p.169.
27
46
todo fenômeno religioso instituído de forma coercitiva. O “trânsito religioso” é
próprio deste tempo em que, movido pelas buscas subjetivas, o indivíduo procura
beber das mais distintas fontes, sempre na intenção de auto-satisfação. A religião
entra na onda do self-service.
44
Ibidem.
45
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p. 170.
46
FERNANDES, Sílvia Regina Alves (org.), Mudança de Religião no Brasil – desvendando
sentidos e motivações, Coleção CERIS, Salesiana e Palavra e Prece, 2004.
47
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p.95.
28
música rock ou pop, paixão pela fotografia e pelo vídeo, entusiasmo pela dança,
pelas profissões artísticas e artesanais, pelo estudo de um instrumento, pela
escrita; essa bulimia só se iguala à do esporte e das viagens.”49
48
Ibid., pp. 95-96.
49
Ibid., p. 101.
50
Ibid., p. 102.
51
Ibid., p. 105.
29
suave das antinomias: por um lado rejeita regras e imposições modernas e por outro
lado impõem “regras” que assumem caráter social determinista; por um lado suaviza
os costumes da maioria e por outro endurece as condutas criminosas, favorecendo o
surgimento de ações bárbaras e estimulando a escalada aos extremos no uso da
violência. Em muitos aspectos, o processo de personalização redefine a sociedade,
dando uma importante contribuição para a efetivação da sociedade pós-moderna. Seu
desenvolvimento, elevado ao extremo, configura aquilo que Lipovetsky denomina
“hipermodernidade”.
1.1.3. A hipermodernidade
52
Ibid., p. 110.
30
a) A temporalização
53
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, p. 52.
54
Ibid, p. 53.
55
Ibid., p. 52.
56
Ibid., p. 57.
31
57
Ibid., pp. 60-61.
58
Ibid., p.77.
32
59
Ibid., p. 74.
60
Ibid., p. 70.
61
Ibid., p. 72.
62
Ibid., pp. 72-73.
33
“Os modernos queriam fazer tábula rasa do passado, mas nós o reabilitamos; o
ideal era ver-se livre das tradições, mas elas readquiriram dignidade social.
Celebrando até o menor objeto do passado, invocando as obrigações da memória,
remobilizando as tradições religiosas, a hipermodernidade não é estruturada por
um presente absoluto; ela o é por um presente paradoxal, um presente que não
pára de ‘redescobrir’ o passado”.63
presente.
b) O Narcisismo
63
Ibid., p. 85.
64
Ibid., p. 90.
65
Ibid., p. 80.
66
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p. 32.
34
67
Ibid., p. 34.
68
Ibid., pp. 35-36.
69
Ibid., p. 42.
35
se busca mais a forma física e a saúde do que a proeza e a força.70 Já não é o conceito
de virtude que orienta o esporte, mas a emoção, o êxtase corporal. Esse narcisismo,
no entanto, revela uma clara ambigüidade: por um lado o corpo se torna sujeito, mas
por outro lado se impõem novos e severos padrões.
mesmo fonte de prazer para o sujeito narcisista. O investimento nele não visa
necessariamente ser melhor, mas sentir-se melhor. Além de produtos de higiene e
bem-estar, surge uma grande variedade de ornamentos e artes que personalizam o
corpo: piercings, tatuagens e acessórios diversos. A idade não é mais limite para o
narcisismo, como aponta Lipovetsky: “Narciso envelheceu e, se ainda vê o seu
reflexo no espelho, não é mais para enxergar os rastros de sua legendária beleza, mas
para angustiar-se com as rugas que começam a aparecer, com o excesso de peso, com
a aproximação da morte”.72 Aí se justificam os temores e angústias que assolam
tantas pessoas ante o inevitável envelhecimento.
c) A indiferença
73
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, pp. 53-54.
74
TOCQUEVILLE, A., apud LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p. 167: “nos séculos democráticos
raramente os homens se devotam uns aos outros, mas demonstram uma compaixão geral por todos os
membros da espécie humana”.
37
“Hoje em dia, a palavra do Mestre deixou de ser sagrada, tornou-se banal e situa-
se em pé de igualdade com a palavra da mídia e o ensino se transformou em
máquina neutralizada pela apatia escolar feita de atenção dispersa e de ceticismo
desenvolto em relação ao saber. Grande confusão dos Mestres. A escola, onde os
jovens vegetam sem grande motivação ou interesse, é um corpo mumificado e os
professores compõem um corpo fatigado e incapaz de lhe insuflar vida”.75
Essa situação nos mostra que o saber não é mais uma busca vital que
engrandece a pessoa, e sim uma necessidade profissionalizante. Além do pouco
comprometimento por parte de estudantes, embora se busquem sempre novas
metodologias de ensino, há investimento público relativamente baixo na educação.
A indiferença ou apatia atinge também o campo político, onde é evidente
um desencanto generalizado. Levando em consideração os elevados níveis de
abstenções, podemos dizer que o interesse dos cidadãos pelos partidos políticos e
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pelas eleições se comparam ao interesse pela loteria, pela previsão do tempo no final
de semana ou pelos resultados esportivos.76 Seguindo a lógica midiática, onde a
qualidade do divertimento determina a audiência, a política é obrigada a adotar um
estilo de animação na tentativa de mobilizar a população.77
Vários outros aspectos sociais poderiam ser abordados para confirmar que
a indiferença de nossa época é fruto do excesso, da saturação. Condicionado à
velocidade das transformações, o homem hodierno se apega e desapega facilmente.
Assim, o paradoxo hipermoderno assume nova fisionomia, onde co-existem gostos e
comportamentos mais diversos.
75
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, pp. 21-22.
76
Ibid., p. 22.
77
Ibidem.
78
Ibid., p. 26.
38
79
Ibid., p. 34.
80
Ibid, XIX.
39
81
Ibid., p. 03.
82
Ibid., p. 01.
83
Ibid., p. 02.
84
Ibid., p. 09.
40
85
LIPOVETSKY, G., Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo, São Paulo
Companhia das Letras, 2007, p. 69.
86
LIPOVETSKY, G, Os Tempos Hipermodernos, p.24.
41
87
LIPOVETSKY, G., Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo, pp. 81-82.
88
Ibid., p. 92.
89
Ibid., p. 109.
42
90
Ibid., p. 118.
91
Ibid., p. 122.
92
Ibid., p. 127.
93
Ibidem.
43
Nessa lógica, a mídia busca estar sintonizada com aquilo que atrai e
encanta o sujeito em cada tempo histórico. Atenta aos índices de audiência, ela
procura ser atraente, chamativa, impactante, não necessariamente com a má intenção
de enganar, iludir ou explorar, mas com o intuito de manter ligado aquele que não é
apenas um sujeito a ser informado, mas um potencial cliente. A informação, então, é
veiculada sempre de uma maneira atraente e inovadora. E, embora seja perceptível
um esforço em busca de uma atuação mais comprometida com a ética, engana-se
quem pensa que a imprensa sensacionalista está em vias de se refrear. Segundo
Lipovetsky, a corrente ética poderá seccionar ainda mais a galáxia midiática.95
Mesmo que se atribua à mídia uma grande responsabilidade pelo fracasso da
informação, ela irá sempre justificar seus erros, buscando resguardar o supremo
direito da informação.
Pela sua poderosa influência popular, a mídia é reconhecida como o
“quarto poder”. Mesmo sem impor claramente, ela pode favorecer no público
comportamentos bons ou maus, responsáveis ou irresponsáveis. Também é
94
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 215.
95
Ibid., p. 216.
44
perceptível na mídia a “febre ética” presente nos mais diversos recantos da sociedade
atual. “A demanda de uma informação responsável caminha paralelamente à falência
de todas as religiões seculares”.96 O anseio por uma mídia mais imbuída de valores
éticos e responsabilidade social revela o reconhecimento do poderio midiático, que
não pára de crescer. Numa época onde tudo é “hiper”, nos deparamos com a
“hipertrofia midiática”, onde o essencial é “ver tudo” o mais rapidamente possível,
como se fosse possível abolir a distância entre os fatos e sua representação na tela. No
império do presente, como vimos anteriormente, tudo é instantâneo, “ao vivo”.
Reconhecidamente, a mídia influencia comportamentos, nem sempre
edificantes e humanizantes, ajudando, assim, a configurar uma sociedade
problemática. No entanto, temos que reconhecer também sua positiva contribuição
para a sociedade humana. Aos olhos de Lipovetsky, na história do individualismo
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96
Ibid., pp. 211-212.
97
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, p.42.
45
“No período anterior ao século das Luzes, irradiava-se a idéia de que, sem o
Evangelho e a crença em um Deus que pune as faltas e recompensa as virtudes,
nada seria capaz de frear o homem na senda dos crimes. Despojadas da religião,
as virtudes são algo ilusório: somente a revelação e a fé num Deus justiceiro são
capazes de assegurar eficazmente a moralidade”.99
98
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 01.
99
Ibid, p. 08.
100
Ibid, p. 01.
47
Deus, então, regra a própria vida do homem, por ter em mãos o poder de premiar ou
castigar, de acordo com as obras humanas.
Do pensar ao agir, o dinamismo religioso perpassava todas as dimensões
da vida humana, e a maneira de viver melhor e mais autenticamente a própria vida era
adequando-a aos desígnios de Deus. Todas as regras morais deviam estar baseadas no
ensinamento revelado e só tinham eficácia mediante a fé, sem a qual nenhuma virtude
tinha valor.101 Fomentada nos átrios religiosos, a moral se torna uma obrigação para
com Deus, assumindo os moldes de “dever”. O homem se torna capaz de praticar o
bem e promover a justiça na medida em que é impelido por Deus. Sem esse
“impulso” divino, o relacionamento humano bom e moralmente certo não seria
possível. Nessas circunstâncias, de submissão aos preceitos divinos, se condenava
veementemente toda moral dissociada da religião.
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101
Ibidem.
102
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, xv.
103
Ibid., p. 02.
48
104
Ibid., XXVIII.
105
Ibid., XXVIII.
49
106
Bayle apud LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-Moralista, p. 08.
107
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-Moralista, p. 09.
108
Ibid., p. 09.
109
Segundo Lipovetsky, na concepção de Locke, por exemplo, a tolerância não abarca os ateus; por
estes negarem a existência de Deus, no caso ficariam demolidos os próprios fundamentos da vida
moral e da vida civil. As obras de Bayle, por sua vez, semearam dúvidas acerca dos princípios da
moral e da religião, e foram atacadas por isso. Wolff escandaliza e é destituído de sua cátedra por
50
sejam criticadas por alguns autores, como Voltaire e Rousseau, a linha de pensamento
deísta permanecerá fiel ao imperativo de um “Deus que premia e castiga”, conceito
indispensável para obrigar os homens a honrar seus deveres, como nos relata
Lipovetsky.
haver sustentado que os chineses haviam conseguido descobrir os princípios da verdadeira moral sem
o concurso da Revelação. Ibid., p. 10.
110
Ibidem.
111
Ibidem.
112
Em 1925, numa declaração da assembléia dos arcebispos e cardeais da França sobre ‘as chamadas
leis de laicidade’, consta a afirmação de que ‘o laicismo em todas as esferas da vida social é um erro
fatal para o bem público e privado’. Ibid., p. 10.
113
Na própria Sagrada Escritura encontram-se passagens que levam os pensadores deístas e muitos
cristãos a reconhecerem essa concepção. Podemos citar: Os 6,6: “Porque é amor que eu quero e não
sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos”; Mt 9,13: “Ide, pois, e aprendei o que
significa: Misericórdia quero, e não o sacrifício”; Mt 12,7: “Se soubésseis o que significa:
Misericórdia é que eu quero e não sacrifício, não condenaríeis os que não têm culpa”. Fonte: BÍBLIA
DE JERUSALÉM, São Paulo: Paulus, 2002.
51
exercício dessa obrigatoriedade já não irá exigir um auxílio transcendente nem uma
coerção do Céu.115 Suprimida, assim, a desigualdade, socialmente institucionalizada,
entre crentes e não-crentes, a responsabilidade humana se libertou da tutela religiosa.
114
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 11.
115
Ibid., p. 08.
116
Ibidem.
117
Segundo observação de Lipovetsky, uma coisa é verificar a existência de um movimento de
emancipação da moral em face das crenças religiosas; outra, bem diversa, seria admitir, a exemplo de
seus promotores, que a moral possa encontrar sustento unicamente na razão, universal e invariável,
52
traz no bojo essa inversão histórica de prioridades: o dever humano, antes submetido
à religião, fica submetido à lei da razão moral, segundo a qual, as leis naturais estão
acima de qualquer outra lei exterior à realidade humana. Para os modernos, então, a
procura da felicidade, por exemplo, é a primeira e mais fundamental das leis naturais,
o que não o isenta de uma moral do dever, embora esse dever seja para consigo
mesmo.
Rejeitada a subordinação da moral à religião, a democracia foi tomando o
espaço de outras formas de poder e o homem moderno foi assumindo para si
responsabilidades fundamentais no decurso da história, reconhecendo-se como
condutor da sua própria vida. Sustentadas pela idéia de soberania individual e
igualdade civil, as sociedades modernas deixaram de lado os deveres provenientes de
Deus para abraçar os direitos emergentes dos homens. Se antes era Deus, agora o
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próprio indivíduo, com seus direitos subjetivos, é parâmetro para todo agir humano.
fora de toda e qualquer raiz cristã. Nisso reside o que se poderia chamar de ilusão original do espírito
laico. Esse aspecto será fortemente frisado, de modo especial por Nietzsche, que colocará os valores
morais laicos na continuidade milenar da mensagem cristã. Ibid., p. 12.
118
Ibid., p. 03.
119
Ibidem.
53
120
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 24.
121
Ibid., p. 26.
54
122
Ibidem.
123
Ibid., p. 28.
124
Ibid,, p. 29.
55
narcisista.
125
Entre as décadas de 1960-1970, a difusão das idéias marxistas, freudianas, nitzcheanas e
estruturalistas deu especial relevo à negligência pela religião do dever. Em bloco, os problemas
referentes à revolução, às aspirações pessoais, à vida libertária ocuparam o lugar da retórica do dever;
os temas da livre manifestação individual e emancipação sexual tomaram a dianteira em relação aos
parâmetros de virtude; o referencial psi preencheu aquele espaço antes reservado à fraseologia
condenatória. Por todas as partes, grandes expressões inaugurais da crítica filosófica da modernidade
foram invocadas, citadas e comentadas, no sentido de levar ao descrédito os princípios autoritários e de
promover os valores liberais na vida particular. Ibid., p. 30.
126
Ibid., p. 33.
56
“Ao longo de meio século, cada vez mais o sexo foi sendo dissociado das noções
de mal e de pecado; uma vez que a cultura repressiva dos sentidos se
desacreditou, Eros se tornou uma das manifestações mais expressivas do mundo
do pós-dever. O que era sinal característico da infâmia adquiriu direito de
cidadania. O sexo-pecado foi substituído pelo sexo-prazer”.128
127
Idem, p. 34.
128
Ibid., pp. 36-37.
129
Ibid, p. 38.
130
Ibid., p. 41.
57
131
Cita-se, segundo o autor: o incesto, a exploração de menores, a prostituição, atos hediondos,
práticas sadomasoquistas, dentre outras. Ibidem.
132
Ibid., p. 40.
133
Ibid., p. 49.
58
134
Ibid., p. 61.
135
Ibid., p. 62.
136
Ibid., p. 64.
137
Ibid., p. 66. Na França, a Associação pelo Direito de Morrer com Dignidade foi fundada em 1980.
Desde que foi criada, reúne em seus arquivos mais de 30 mil adesões. No mundo inteiro, calcula-se um
total aproximado de 500 mil militantes, espalhados em mais de trinta associações do gênero, todas
vinculadas a uma federação internacional.
59
Esse embate revela que, para o homem de nosso tempo, o sofrimento físico tornou-se
algo psicologicamente intolerável, e a morte voluntária é vista como seu último ato de
liberdade.138 Em consonância com o processo de legitimação social da eutanásia,
como “declaração da vontade de morrer com dignidade”, vários outros aspectos
relativos à própria pessoa fazem eco, como a escolha do próprio corpo.
Cada um faz o que quer com o próprio corpo, indiferente às reações que
podem suscitar à sua volta. É apenas mais um aspecto nessa progressiva supremacia
do direito de cada um dispor de si mesmo sobre os ditames incondicionais. Revela-se,
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“O bem-estar e os prazeres são exaltados, mas a sociedade civil anseia por ordem
e moderação: os direitos subjetivos dominam nossa cultura, mas ‘nem tudo é
permitido’. A dissolução do sistema moralista não conduz à devassidão total. O
neo-individualista é simultaneamente hedonista e regulamentado, sedento de
autonomia e avesso aos excessos, hostil aos mandamentos sublimes e também ao
caos ou às transgressões da libertinagem pura e simples”.144
142
Ibid., p. 29.
143
Ibid., p. 37.
144
Ibid., p. 28.
145
Ibidem.
61
146
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, p. 21.
147
LYON, D., p. 95.
148
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 248.
149
Ibid., p. 31.
62
“Enquanto antes o que prescrevia regularidade e disciplina era a moral, hoje esta
é um instrumento de flexibilização da empresa. Antes havia um sistema de
autoridade, constrangimento e direção obrigatória, hoje há menos hierarquia e
disciplina, maior iniciativa, maior abertura às mudanças e à agilidade com vistas
a uma maior competitividade”.150
150
Ibid., p. 247.
151
Ibid., p. 100.
152
Ibid., p. 108.
153
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, p. 39.
63
154
Ibid., p. 40.
155
Ibid., p. 39.
156
LIPOVETSKY, G., Metamorfoses da Cultura Liberal, p. 24.
157
Ibid., p. 25.
64
“Nossa cultura cotidiana desde os anos 1950 e 1960 não é mais dominada pelos
grandes imperativos do dever sacrificial, mas pela felicidade, pelo sucesso
pessoal, pelos direitos do indivíduo. Essa evolução se revela especialmente na
antes chamada esfera da moral individual, a dos deveres para consigo mesmo
(castidade, temperança, higiene, trabalho, poupança, interdição de suicídio). No
fundo, todos esses imperativos transformaram-se em opiniões livres, em direitos
individuais, tendo sido, no passado, pensados, ao contrário, como deveres
absolutos do homem para consigo”.158
moralista:
“Sociedade pós-moralista quer dizer sociedade que se nega a inscrever em
caracteres de bronze os supremos deveres do homem e do cidadão ou a entoar
hinos de exaltação à renúncia pessoal. Isso não significa que os objetivos morais
tenham definhado. De fato, no mesmo momento em que a escola do dever
declina, testemunhamos por toda parte uma redescoberta da preocupação ética,
um reavivar da problemática e da ‘terapia’ moralizadora. As grandes odes
moralistas caem em desuso, mas a ética volta à ordem do dia”.159
158
Ibid., p. 27.
159
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 185.
65
a gerir seu próprio mundo como artista de sua própria escultura. Diante dessa
configuração social marcantemente personalista, pode-se dizer que o individualismo
não é uma opção, mas um caminho do qual o sujeito tem dificuldades para fugir.
160
Ibid., p. 02.
161
Ibid., p. 61.
162
Ibidem.
67
com a finalidade de atenderem aos interesses de seus membros. Quando deles fazem
parte, os indivíduos o fazem por reconhecerem aí uma possibilidade de satisfação de
seus próprios interesses.
Nessa lógica individualista, o sujeito pertence primeiramente a si, e não há
princípio algum acima de seu direito de dispor até mesmo da própria vida. Claro está
que essa concepção é fruto de um considerável enfraquecimento da noção religiosa,
aliado à crescente legitimação dos valores da liberdade pessoal. Emancipados da
tutela da Igreja e das tradições, como já vimos anteriormente, os indivíduos ficam
mais entregues a si mesmos, e então a busca do interesse pessoal e a obsessão pelo
dinheiro o corroem tendenciosamente.165
Seria um erro enfatizar unicamente a face bruta do individualismo, não
reconhecendo também seus aspectos positivos. Paradoxalmente, o individualismo traz
consideráveis problemas, mas também apresenta um significativo avanço na busca da
autonomia individual.
163
Ibid., 107.
164
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, xxiii.
165
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 125.
68
permitido pensar e agir livremente, desde que não cause danos a terceiros.167 Essa é a
lógica do individualismo de nosso tempo, um misto de tolerância e precaução. E o
paradoxo se fortalece.
166
Ibid., 254.
167
Ibid., 127.
168
Ibid., p. 127.
69
169
LIPOVETSKY, G., Os Tempos Hipermodernos, p. 38.
170
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 129.
171
Ibid., p. 70.
70
se que, após um período de relativo ocaso, a ética é reconduzida ao pedestal, mas não
se trata precisamente de uma volta idêntica ao que era antes, e sim de “um
distanciamento do sistema em que a moral funcionava no passado, uma diferença no
registro social dos valores”.172 Não seria um retorno, mas uma renovação, que traz em
si uma novidade própria que diferencia substancialmente os valores ético-morais
atuais daqueles tradicionais. Na cultura individualista pós-moralista a renovação ética
encontra uma de suas mais típicas manifestações, que lhe dá um impulso vital.
‘retorno da moral’ serve apenas para acelerar a saída da época moralista das
democracias, já que se trata do estabelecimento de uma ‘moral sem obrigações
nem sanções’, segundo as aspirações da massa, que se mostra inclinada por um
individualismo-hedonista democrático”.173
172
Ibid., xxvi.
173
Ibid., p. 105.
174
Ibid., p. 26.
71
Sacrificar-se por uma causa superior coletiva? Não se acha mais quem defenda
isso”.175
“Por detrás de toda revitalização ética, vê-se o triunfo de uma moral indolor,
última fase da cultura individualista democrática, desvinculada, em sua lógica
mais profunda, tanto das conotações de moralidade como de imoralidade. (...)
Em nossos dias, o que desperta maior reprovação não é a norma ideal, mas sim
uma eventual reativação do conceito de dever absoluto, a tal ponto que o
moralismo ficou sendo equiparado, socialmente falando, ao terrorismo e à
barbárie”.177
175
Ibid., p. 136.
176
Ibid., p. 211.
177
Ibid., p. 27.
72
178
Ibid., p.109
179
LIPOVETSKY, G., Metamorfoses da Cultura Liberal, p. 32.
73
um mundo melhor a partir de uma nova forma de poder, idealizados nos partidos e na
revolução. O sucesso da ética minimalista se deve, também, à grande decepção do
sujeito com as estruturas sociais e políticas de seu tempo. No entanto, se antes o
comprometimento era um dever, hoje a solidariedade é expressão de uma
sensibilidade pessoal. A configuração de uma ética indolor traz consigo suas
preocupações.
b) Ética midiática
180
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, xxv.
181
LIPOVETSKY, G., Metamorfoses da Cultura Liberal, p. 28.
74
midiática dos valores, isto é, de uma reciclagem destes nas leis do espetáculo da
comunicação de massa”.182
182
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 110.
183
Bob Geldolf teve a idéia de pôr o rock a serviço do Terceiro Mundo, acossado pela fome. Assim,
uns quarenta astros de rock ingleses fazem o registro dos direitos autorais do disco sem finalidade de
lucro. Ibidem.
184
Ibid., p. 211.
185
Ibid., p. 113.
75
186
Ibid., p. 115.
187
Ibid., p. 116 – nota de rodapé 06.
76
consumidor precisa ser levado em conta, sem abrir mão dos interesses empresariais.
Num tempo em que o indivíduo se mostra bastante sensível aos valores humanos, às
práticas inclusivas, solidárias, enfim, a toda iniciativa que lhe pareça de bom grado,
as empresas assumem a bandeira da preocupação social em seus negócios,
conquistando consumidores e admiradores. Surge, assim, a “responsabilidade social
da empresa”.188 Se na modernidade a empresa era regida pelo anonimato e pela
disciplina, a empresa pós-moderna assume uma nova configuração, buscando ser
“portadora de uma mensagem de sentido e valor humanos”.189 No entanto, seria
exagero dizer que as empresas se tornaram mais “humanas”, ou mais altruístas.
188
Ibid., p. 221.
189
Ibid., p.224.
190
Ibid., p. 225.
191
LIPOVETSKY, G., Metamorfoses da Cultura Liberal, p. 43.
192
“Ética é bom negócio” - LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 228.
77
O parâmetro ético se torna mais uma arma nas batalhas comerciais, dando
uma nova “personalidade” à empresa, mais atenta às exigências dos consumidores.
193
LIPOVETSKY, G., Metamorfoses da Cultura Liberal, p. 51.
194
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 229.
195
Ibid., p. 240.
78
Numa época em que a qualidade dos produtos tende a se nivelar, a ética é mais uma
estratégia do mercado, que atua como instrumento de diferenciação e de
personalização da empresa, criando condições para sua boa aceitação social.196 Tantas
estratégias revelam uma obstinação sedutora por parte do mercado e marcam o
surgimento de um consumidor mais exigente. Mais do que oferecer inovações, com
qualidade e eficiência, é preciso transmitir confiança, ressaltando o senso de
responsabilidade social e ecológica das firmas. Nesse sentido chama atenção em
nossa época o “empenho” de tantas empresas em transmitir uma imagem de “empresa
ecológica”, empenhada em cuidar do meio ambiente.197 É importante para a empresa
criar novas alternativas de sedução, transmitindo uma imagem sintonizada com as
preocupações e problemas que assolam a sociedade. Se os consumidores e
protagonistas econômicos, de modo geral, fazem suas opções baseadas no nexo com
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710445/CA
196
Ibid., p. 244.
197
Vide anúncio sobre Responsabilidade Socioambiental do Banco Bradesco, no Brasil: “Transformar
o mundo em um lugar melhor é tarefa de todos. Mas, para isso, é preciso mudar primeiro a consciência
humana. Ao longo dos tempos, o Bradesco se tornou uma das principais referências brasileiras em
comprometimento socioambiental e hoje é a instituição financeira que mais investe nessa área. Foram
anos na construção de valores que agora fazem a diferença. Atualmente, a organização ocupa na
sociedade um espaço que vai além da atividade comercial. Por meio de produtos, serviços e parcerias,
contribui para a formação de valores de todos que, mesmo indiretamente, participam do seu cotidiano.
Aperfeiçoar constantemente a qualidade no atendimento ao cliente faz parte dessa formação. Por isso,
no decorrer de sua história, o Bradesco consolidou sua base organizacional e tecnológica, criando
produtos e serviços com foco na sustentabilidade, evidenciando, assim, a importância do cliente.
Afinal, ele é o grande propulsor das ações do banco. No entanto, responsabilidade socioambiental é
mais que isso. É ter cidadania, é praticar a inclusão social, é contribuir com o meio ambiente. Em
1956, o banco plantou uma importante semente na tentativa de alcançar esses ideais. Nascia nesse ano
a Fundação Bradesco, considerada hoje o maior projeto social do país. Com essa iniciativa foi possível
oferecer a milhares de alunos de todo o Brasil um ensino gratuito e de qualidade. (...) O banco ainda
alinhou as eficiências dos serviços a uma atitude responsável em relação ao meio ambiente. O uso de
papel reciclado; a coleta seletiva de metais, vidros e plásticos; a utilização de sacos plásticos
biodegradáveis, são algumas das atitudes ambientais adotadas. Além disso, associa alguns de seus
produtos a iniciativas de auxílio ao meio ambiente. Um recente exemplo é o Programa
Ecofinanciamento de Veículos, uma parceria com a S.O.S Mata Atlântica, em que mudas de árvores
são plantadas a cada veículo financiado. Essas são apenas algumas das iniciativas do Banco Bradesco.
Mesmo participando ativamente desse compromisso, a Organização acredita que é preciso ir além,
fazendo sempre mais e aumentando sua contribuição na busca de um mundo melhor. Faça você
também a sua parte, afinal, cuidar do meio ambiente é cuidar da própria vida!” Fonte: acessado em 26
de agosto de 2008. In:
http://www.bradescorural.com.br/site/conteudo/resp_socioambiental/default.aspx
198
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 244.
79
199
Ibid., p. 193.
200
Ibid., p. 195.
201
Ibid., p. 196.
80
202
Ibid., p. 198.
203
Dentre tantos, podemos destacar: a diminuição da camada de ozônio, a poluição atmosférica, a
emissão de gás de efeito estufa, a destruição da floresta amazônica.
204
LIPOVETSKY, G., Metamorfoses da Cultura Liberal, p.43.
205
Ibid., pp. 44-45.
206
Ibid., pp. 46-48.
207
Ibid., pp. 48-49.
81
a) A Família
208
LIPOVETSKY, G., A Sociedade Pós-moralista, p. 137.
82
209
Ibid., p. 138.
210
Ibid., p.139.
211
Ibidem.
212
Ibid., p. 141.
83
a centralidade, agora tudo converge para os filhos. Segundo Lipovetsky, embora a era
pós-moralista enfraqueça os deveres em seu conjunto, ela amplia o espírito de
responsabilidade dos pais em relação aos filhos.213 Agora, os filhos têm mais direitos
e os pais mais deveres.
“A ingratidão dos filhos causa menos escândalo do que a indiferença dos pais em
relação a seus rebentos. A violência exercida contra as crianças passou a ser um
dos delitos mais graves, mais intoleráveis aos olhos da opinião pública”.214
deveres não significa uma freada brusca na hipertrofia individualista.216 Isso porque
esse gênero de obrigações paternas diz respeito à esfera privada, onde a obrigação
tem menos a ver com um imperativo categórico e inflexível e do que com um vínculo
emotivo. Lipovetsky não vê nisso uma “imolação” ou “sacrifício” por parte dos pais,
pois em suas obrigações não se vê qualquer pressuposto de mandamento impositivo
em relação a si mesmo: “realizar-se na vida também significa compartilhar alegrias,
constituir família, doar-se aos filhos, vencer o desafio de saber educá-los, sustentá-
los, fazê-los felizes”.217 A realização dos pais geralmente está condicionada à
felicidade dos filhos. Sua dedicação já não é concebida como uma renúncia de si
próprio, mas como instrumento integral de auto-realização, como uma necessidade de
ser útil, de amar e ser amado.
b) O trabalho
213
Ibid., p. 142.
214
Ibid., p. 144.
215
Citam-se os seguidos casos de abandono de crianças recém-nascidas, bem como flagrantes de
violência e outros fatos que causam repugnância e revolta pública.
216
Ibid., p. 146.
217
Ibidem.
84
218
Ibid., p. 150.
219
Segundo Lipovetsky, naquele século, burgueses puritanos e espíritos laicos, socialistas e liberais
comungaram dos mesmos ideais do trabalho, declamaram todos o mesmo refrão “em honra do deus
Progresso, filho primogênito do trabalho”, nas palavras de Paul Lafargue. Os puritanos protestantes
tinham o serviço profissional em conta de um dever indicado por Deus ao homem, uma atividade em
honra da glória de Deus, o meio mais adequado para se ter certeza de receber a graça divina. As
diversas correntes republicanas glorificaram o trabalho, expressão cotidiana da solidariedade de cada
um em relação aos demais, imprescindível para a consecução do progresso indefinido da humanidade.
Ibid., p. 149.
220
Ibid., p.151.
221
Ibid., p.152.
85
222
Ibid., p. 152.
223
Ibid., p.155.
224
Ibid., p.161.
86
c) Outros aspectos
social.228 Apesar disso, Lipovetsky não defende a hipótese de que a democracia esteja
desgastada.
com a legalidade, com os direitos, são fatores que crescem e confirmam a sociedade
democrática. Se antes o dever era o ponto central da existência, agora temos o
“cidadão jurista”.231 A exigência de moralização do povo foi substituída pela
exigência de moralização do poder público.
Também na questão religiosa é flagrante a incidência da lógica
individualista. Visto que as sociedades pós-moralistas resistem a toda imposição que
não leve em conta a subjetividade pessoal, crescem as seitas religiosas voltadas
estritamente para a satisfação pessoal, fortemente marcadas pela dimensão emotiva.
As orientações religiosas tradicionais enfraquecem quando não remodeladas de
acordo com os anseios de seu tempo. A rejeição de certos princípios e valores
tradicionalmente apregoados pela religião, de certa forma deixa o sujeito humano sem
direção, completamente perdido.
Em seu relacionamento com a natureza, o indivíduo pós-moderno passa a
vê-la não mais simplesmente como uma força a ser explorada, mas como um
interlocutor a ser ouvido e respeitado. Toda renovação ética tem uma preocupação
com o meio ambiente e o futuro humano. O interesse ecológico trabalha no sentido de
228
Ibid., p.181.
229
Ibid., p.182.
230
Ibid., p.183.
231
Ibid., p.184.
88
1.4- Conclusão
232
LIPOVETSKY, G., A Era do Vazio, p. 11.
89
que se opõe à liberdade humana ou que não considera os direitos subjetivos. A pós-
moralidade não é sinônimo de imoralidade, e o relativismo de valores não contribuiu
para o niilismo moral. A partir de um referencial humano, novos valores e critérios
éticos são dinamizados socialmente, fundados no individualismo e na moral
subjetiva. Dessa forma, uma atitude individualista dificilmente causa espanto.
Tudo isso representa, para Lipovetsky, uma renovação ética. Não um
retorno à religião tradicional do dever, mas a instauração de uma ética indolor, que
rejeita toda lógica do dever, do imperativo categórico, do cerceamento da liberdade
individual. No mundo dos negócios esse despertar do interesse ético evidencia sua
dimensão utilitarista. A própria “ética do meio ambiente”, que propaga a idéia de
obrigação moral em relação ao futuro do planeta, para a maioria das pessoas não
implica sacrifícios e nem um verdadeiro compromisso. No embalo das profundas
transformações que envolvem nossa sociedade atual, configuram-se novas relações
que, muitas vezes, representam uma ameaça à sobrevivência humana e refletem uma
carência ética preocupante.