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A ECONOMIA PORTUGUESA

NA PRIMEIRA IDADE MODERNA

CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL (macro)

O que é que há de novo e de mais importante na economia portuguesa da primeira


Idade Moderna?

Numa caracterização global, forçosamente simplificadora, poderíamos dizer que


esta é a época dos 6 “ãos”:

 Internacionalização

 Imperialização

 Mercantilização

 Estatização

 Dinamização

 Assimetrização

O que eu quero dizer com isto é que quando tentamos extrair as grandes linhas de
força da economia deste período, e quando a comparamos com o período
anterior, verificamos:

1. Uma internacionalização crescente da economia portuguesa, no sentido em que


há:

 um alargamento do espaço económico (quase globalização),

 maior dependência dos mercados internacionais,

 maior dependência das relações comerciais com outros países,

 maior interferência dos agentes económicos externos.

2. Uma “imperialização” da economia, i.e., perde o seu carácter estritamente


metropolitano, assume uma dimensão/escala imperial, está cada vez mais
condicionada pelos tráficos ultramarinos e pela articulação entre estes e os tráficos
europeus.
J. V. Serrão, A economia na Primeira I. Moderna, 2

3. Uma “mercantilização”: o sector comercial (e financeiro) adquire uma


importância crescente, uma proeminência, relativamente aos restantes sectores da
economia.

4. Uma “estatização”, no sentido em que há uma crescente interferência do Estado


na vida económica, fenómeno que acompanha o próprio crescimento do Estado e
os progressos da centralização do poder. O crescimento do Estado na economia
dá-se:

 como organizador e regulador da vida económica (mais legislação, mais


“política económica”, cobrança de impostos, etc.),

 como agente económico (com participação directa na economia, em


concorrência com outros agentes económicos).

5. Uma “dinamização”, i.e., um evidente dinamismo da economia, quando


comparada com o período anterior. As razões são óbvias:

 O espaço da economia portuguesa internacionalizou-se e mundializou-se,


obrigando-a a responder aos desafios dos mercados internacionais;

 Além disso, é um dinamismo verificado ao nível micro-económico (é a


própria vida económica a mexer na sua base).

6. Uma “assimetrização” regional, no sentido em que as diversas regiões do país


participaram de modo desigual e assimétrico nas tendências acima assinaladas.

EVOLUÇÃO CONJUNTURAL

1500-1570 = crescimento forte

1570-1600 = crescimento moderado

1600-1620 = depressão

1620-1640 = crescimento moderado

1640-1670 = depressão
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CARACTERIZAÇÃO SECTORIAL

A – Agricultura

Apresenta, com cronologias variáveis, 4 características principais: arroteamentos,


importação de cereais, introdução do milho, progresso das culturas comerciais.

 Arroteamentos

i. fins séc. 15, princípios séc. 16: movimento intenso por todo o país,
embora tenha sido mais uma recuperação dos limites aráveis
anteriores à crise do séc. 14 do que novas conquistas.
Utilização cultural dos novos solos: vinha, olival, milho maís.

ii. viragem para o séc. 17: desaceleração dos arroteamentos


(explicável pelo comportamento da população e pela perda de
importância macro-económica da agricultura metropolitana).
Modalidades: florestação (max. pinhais), ocupação de baldios, drenagem
de pauis e lezírias (Tejo e Mondego), limitação das coutadas.

 A importação de cereais torna-se cada vez mais constante (fica mesmo


isenta de direitos desde 1502), sinal de que a cerealicultura tradicional não
respondia às necessidades da população (em crescimento).

i. Uma prova dessas dificuldades são as várias “fomes” de que há


registo: 1556, 1561, 1582, 1596, 1621, 1627, 1632, 1655, 1659.

 O milho maís, vindo da América, foi introduzido em Portugal c. 1515-25.


Começa aí a “Revolução do Milho” (O. Ribeiro).

i. No final deste período é já a cultura dominante no Minho e já tinha


chegado tão a Sul quanto Alcobaça e Leiria.

 Progresso das culturas comerciais (vinho, azeite, fruta):

i. A oliveira expandiu a geografia da sua implantação (chega ao


Douro no s. 16 e ao Minho no s. 17),

ii. A vinha foi “puxada” pelo comércio externo → 2 novos produtos


de exportação: vinho do Minho no s. 16, vinho de Lamego no s. 17.

iii. Maior progresso da fruticultura: introdução da laranja doce da


China (c. 1635), depois expandida para a Europa.
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B – Indústria

 dependência crescente dos fornecimentos externos, facilitados pela


existência de meios de pagamento e pelo próprio movimento comercial.

 sectores mais desenvolvidos: ourivesaria, metalurgia (armas e equipamento


militar ou naval), e as indústrias régias de construção naval e biscoito.

 de qualquer modo, quanto à estrutura organizacional era


predominantemente artesanal/oficinal [explicar].

C – Comércio interno

 Declínio progressivo das feiras (sintoma de declínio dos fluxos


metropolitanos inter-regionais?).

 Importância crescente dos mercados locais (ligados aos progressos do


urbanismo, e mais regulares e constantes do que as feiras).

 Progressiva concentração das actividades comerciais nas cidades portuárias


mais ligadas ao comércio externo, maxime Lisboa).

 Tentativas (fracassadas) de uniformização de pesos e medidas, embora se


tenham reduzido as disparidades no tempo de D. Afonso V, D. João II e D.
Manuel → efeitos (negativos) sobre a constituição do mercado nacional.

D – Comércio externo

 O comércio externo é um sector em crescimento (sobretudo no séc. 16),


beneficiando muito da expansão ultramarina → Portugal começa a assumir
uma função de “transitário” entre a Europa e as áreas ultramarinas.

 Principais exportações/reexportações ultramarinas – fases:

i. séc. 15: ouro, açúcar, escravos, marfim, corantes.

ii. 1500-1560/75: especiarias da Índia, Ceilão e Molucas.

iii. >1560/75: lacas, porcelanas e chá da China e do Japão; açúcar,


madeiras exóticas e tabaco do Brasil.

 Principais exportações metropolitanas: sal, vinho, fruta, cortiça.


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i. as exportações metropolitanas recuperam alguma importância na 1ª


metade séc. 17, em consequência da crise relativa do Império do
Oriente e da concorrência comercial de outros países.

 Principais importações: cereais, produtos manufacturados (maxime


têxteis), metais (como matéria-prima e como prods. acabados para
consumo no Reino e para reexport. para África), metais preciosos.

 Principais praças de comércio externo (avaliadas pela presença de


corretores): Lisboa, Porto, Setúbal (?), Tavira, Faro, Loulé e dois portos
secos, Évora e Elvas.

i. Na época áurea do Império do Oriente, tendência para concentração


nos grandes portos: Lisboa e a grande distância Porto e Setúbal.
Razões: comércio de grande envergadura de capitais.

 Os principais parceiros comerciais estavam na Europa Atlântica: Inglaterra,


Flandres, França, “Alemanha”, cidades hanseáticas do Báltico. Outros
estavam no Mediterrâneo: Itália, Marrocos, Castela.

 Papel das colónias de mercadores portugueses no estrangeiro e das feitorias


– estas eram as grandes organizadoras do comércio externo português.

i. feitoria mais importante: Bruges (séc. 14), mudada para Antuérpia


em 1488.

ii. mas não esquecer (desde fins s. 15) as feitorias em Inglaterra,


Veneza e Espanha (Málaga/Cádiz/Sevilha).

iii. >1550 – Amsterdão e Sevilha tornam-se os grandes entrepostos


portugueses no estrangeiro.

 Não esquecer também as feitorias e colónias de mercadores estrangeiros


em Portugal: flamengos, ingleses, alemães, genoveses, venezianos,
florentinos, milaneses, franceses, castelhanos, aragoneses, bascos.

i. >1550 → renovação dos capitais estrangeiros em Portugal:


mercadores e financeiros espanhóis, ingleses e franceses
superiorizam-se aos italianos, flamengos, alemães.

 Quanto à organização comercial:


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i. na primeira fase da expansão, os negócios eram partilhados entre as


sociedades particulares e a Coroa.

ii. progressivamente, passaram a dominar os monopólios régios.

iii. mais tarde, c. 1570-80, a Coroa passa a privilegiar o sistema de


contratos individuais com particulares e com companhias.

iv. criação de algumas companhias: Cia. Portuguesa das Índias


Orientais (1587), Cia. de Navegação e Comércio da Índia (1619,
1628, faliu em 1633) → sua fragilidade empresarial e em capitais.

 Referência a algumas crises internacionais com impacto em Portugal:


1545-52, 1571-78, 1595-1600, 1606-07.

i. estas crises não afectavam apenas o com. externo – espalhavam-se


pelo interior do País em função da sua maior ou menor ligação aos
tráficos internacionais.

 Ref. às implicações da Inquisição e da fuga de judeus e cristãos-novos.

E – Finanças públicas

 As finanças públicas constituem uma matéria de estudo e de análise


privilegiada, porque aí confluem e se cruzam outras importantes matérias:

i. a questão do Estado e dos poderes,

ii. as características da economia,

iii. a relação entre o Estado e a economia.

 Todo o período é atravessado por uma tendência: o aumento crescente das


despesas públicas e, portanto, das necessidades financeiras da Coroa. Esse
aumento resultava:

i. do alargamento das funções do Estado e do consequente


alargamento do seu aparelho,

ii. do acréscimo de novas responsabilidades, como o exército, a


marinha, as fortificações, etc.
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iii. do sistema de tenças (patrocinato régio à nobreza).

iv. dos custos de manutenção do império.

v. Em suma: tinha a ver com a expansão e, sobretudo, com os


progressos da centralização política e da absolutização do Estado.

 Aumento da despesa significa sempre necessidade de aumento da receita.

 Ora, as formas de o Estado se financiar são, basicamente, sempre as


mesmas:

i. impostos

ii. endividamento

iii. eventual participação directa na exploração económica

iv. operações patrimoniais (apropriação ou venda).

 Todas estas soluções foram utilizadas durante este período. Vejamos:

 Impostos:

i. Principais: sisas (primeiro imposto nacional, 1387), consulado de


3% (1593), real-de-água sobre o vinho e a carne (desde João I, mas
generalizado a todo o Reino em 1635), impostos sobre o sal.

ii. Notar a prevalência dos impostos indirectos (não há praticamente


impostos directos) e sobretudo dos impostos alfandegários.

iii. Não esquecer o significado político dos impostos → reflexo da


absolutização do poder e da centralização política.

 Endividamento (ver Quadro 1, no final):

i. Destaque para a criação em 1500 (D. Manuel) dos padrões de juro.


Eles marcam a tendência para uma certa massificação e para a
consolidação da dívida pública. [precocidade portuguesa].

ii. A dívida flutuante, essa, começa por volta de 1522, na forma de


empréstimos contraídos por letras de câmbio sobre as feiras de
Antuérpia e de Medina del Campo.
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 Participação na exploração económica:

i. várias indústrias (biscoitos, construção naval).

ii. sobretudo monopólios régios dos tráficos ultramarinos ou das


operações das Feitorias na Europa (situação que se altera >1570).

 Operações patrimoniais:

i. Incorporação de bens da nobreza por motivos políticos,

ii. Incorp. de bens da nobreza por virtude da Lei Mental (1434),

iii. Incorp. de bens dos judeus e cristãos-novos (via Inquisição),

iv. Incorp. de bens das O. Militares (“incorp.” na Coroa c. 1550).

v. Venda de bens fundiários e de foros (ex. no Algarve, meados s. 16).

 Quanto à estrutura das receitas públicas (ver Quadro 2), notar:

i. predomínio das “externas” sobre as “internas”,

ii. predomínio das comerciais sobre as produtivas.


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QUADROS

Q1: Montantes da Dívida Pública, séc. 16


(valores absolutos e em %)
1534 1557
cruzados % cruzados %
Dívida consolidada 1.620.500 80 1.881.720 48

Dívida flutuante 400.000 20 2.000.000 52

Q2: Estrutura da receita pública em Portugal, 1506-1619


(valores em % do total)
1506 1518 1588 1607 1619

“internas” 35 32 31 29 30

1
“externas” 65 68 69 71 70

Orientação bibliográfica:

COSTA, Leonor Freire; LAINS, Pedro; MIRANDA, Susana Münch – História Económica de
Portugal, 1143-2010, 2ª ed., Lisboa, Esfera dos Livros, 2012.
DIAS, João Alves (coord) – Portugal do Renascimento à Crise Dinástica, vol V de Nova História
de Portugal (dir. de J. Serrão e A.H.O. Marques), Lisboa, Presença, 1998, pp. 161-276.
MARQUES, A. H. de Oliveira – História de Portugal, (várias edições).
MATTOSO, José (dir) – História de Portugal, vols. 3 e 4, Lisboa, Estampa e C. Leitores, 1993.
MAURO, Frédéric – Portugal, o Brasil e o Atlântico (1570-1670), 2 vols., Lisboa, Estampa, 1989.
SOUSA, Ivo Carneiro de – História de Portugal moderno: economia e sociedade, Lisboa, U.
Aberta, 1996 (espec. pp. 83-178).

1
Com origem no comércio externo, nas alfândegas, no Império.

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