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Leituras Filosóficas Iii Tomás de Aquino
Leituras Filosóficas Iii Tomás de Aquino
TOMÁS DE AQUINO
PROF. LUIZ ASTORGA
Presidente da Mantenedora
Ricardo Benedito Oliveira
Reitor:
Dr. Roberto Cezar de Oliveira
Pró-Reitoria Acadêmica
Gisele Colombari Gomes
Diretora de Ensino
Prof.a Dra. Gisele Caroline
Novakowski
PRODUÇÃO DE MATERIAIS
Diagramação:
Alan Michel Bariani
Edson Dias Vieira
Thiago Bruno Peraro
Revisão Textual:
Camila Cristiane Moreschi
Danielly de Oliveira Nascimento
Fernando Sachetti Bomfim
Luana Luciano de Oliveira
Patrícia Garcia Costa
Produção Audiovisual:
Adriano Vieira Marques
Márcio Alexandre Júnior Lara
Osmar da Conceição Calisto
Gestão de Produção:
© Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Fernando Sachetti Bomfim
UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
01
DISCIPLINA:
LEITURAS FILOSÓFICAS III: TOMÁS DE AQUINO
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................................5
1 CAPÍTULOS I A III....................................................................................................................................................... 7
1.1 CAPÍTULO I: É PRÓPRIO DO SÁBIO ORDENAR..................................................................................................... 7
1.2 CAPÍTULO II: O OFÍCIO DO SÁBIO.........................................................................................................................8
1.3 CAPÍTULO III: HÁ VERDADES QUE TRANSCENDEM A RAZÃO...........................................................................8
2 CAPÍTULOS IV A VI....................................................................................................................................................9
2.1 CAPÍTULO IV: CONVÉM QUE VERDADES ACESSÍVEIS À RAZÃO TAMBÉM SEJAM REVELADAS...................9
2.2 CAPÍTULO V: CONVÉM QUE VERDADES SOBRENATURAIS TAMBÉM SEJAM REVELADAS.......................... 10
2.3 CAPÍTULO VI: CONVÉM À RAZÃO CRER EM VERDADES QUE A TRANSCENDEM.......................................... 11
3 CAPÍTULOS VII A IX.................................................................................................................................................. 12
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
3.1 CAPÍTULO VII: VERDADES ACESSÍVEIS E INACESSÍVEIS À RAZÃO NATURAL NÃO PODEM SER
CONTRADITÓRIAS ENTRE SI...................................................................................................................................... 12
3.2 CAPÍTULO VIII: OS TIPOS DE ARGUMENTOS QUE CONVÊM ÀS VERDADES SOBRENATURAIS.................. 12
3.3 CAPÍTULO IX: SOBRE O MODO DE ARGUMENTAR E SOBRE O PLANO DA OBRA.......................................... 13
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................ 15
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
INTRODUÇÃO
A Suma contra os gentios foi terminada provavelmente antes de 1265, quando seu
autor tinha por volta de 40 anos. É um escrito voltado para autores cristãos, que
precisavam refutar posições de origem pagã ou islâmica. Trata-se de uma síntese
impressionante, realizada em quatro livros.
O primeiro contempla a existência de Deus e os seus atributos; o segundo, dos
seres criados, com destaque para o ser humano, formado por corpo e alma; o
terceiro livro explica a providência e o governo divinos sobre o univreso; finalmente,
o quarto livro se volta a temas teológicos, como a Trindade e os sacramentos.
Tomás gostava muito desta sua obra, pois nela conseguira expor parte importante
do seu pensamento de maneira organizada e profunda. Ele apenas a superará
com a Suma teológica.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Inicialmente, pois, vê-se qual o ofício do sábio (isto é, o que é a sabedoria em sentido
universal), o que é o sábio e o que lhe compete. Vê-se ainda por que a sabedoria é algo bom em
si para se buscar e as dificuldades em defendê-la. Finalmente, explica-se por que devemos aceitar
que há verdades que transcendem a razão.
Em seguida, comenta-se porque as verdades acessíveis à razão são mesmo assim propostas
aos homens pela fé, porque verdades que transcendem a razão também devem ser propostas, e
porque não é leviano crer nessas verdades sobrenaturais.
Por fim, argumenta-se que as verdades conhecidas mediante o esforço da razão natural
não podem ser contrárias às verdades naturais; explica-se também como a razão deve proceder
com relação às verdades exclusivamente de fé, e como as argumentações relativas aos tipos
distintos de verdade se refletem na própria estrutura da Suma Contra os Gentios.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
1 CAPÍTULOS I A III
É próprio do sábio ordenar as coisas, ou seja, dirigi-las aos seus devidos fins. Esse
primado da finalidade das coisas é visto também entre as diversas artes, na medida em que uma
está subordinada à outra (como a engenharia naval está subordinada às finalidades traçadas pela
navegação) e, portanto, é dirigida pela outra. Por isso, são chamados mais propriamente de sábios
os que dominam artes ou ciências mais abrangentes e arquitetônicas.
E vemos que o sábio em sentido puro e simples é aquele que não domina esta ou aquela
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=1OhTlwiHOJI.
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=sfqgGRNr2ws.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
No capítulo III, é mostrado porque devemos aceitar que há verdades que transcendem
a razão. Ou, posto de outra maneira, que é razoável aceitar que algumas coisas transcendem a
razão.
O primeiro princípio a se aceitar é o de que a apreensão e a demonstração do que uma coisa
é estão mensuradas pelo próprio ser da coisa. O modo de apreensão e o modo de demonstração
de algo correspondem à natureza deste algo. Assim, há aquelas verdades que estão ao alcance
da razão natural e, por isso, podem ser demonstradas por ela, como a existência de Deus. E há
aquelas outras que transcendem a razão natural, como a Trindade de Deus.
A argumentação é bastante interessante e desenvolvida essencialmente com três
argumentos principais. Primeiro, que o princípio da inteligibilidade de algo é o seu ser. É o
modo de ser de uma coisa que determina como ela se dá a conhecer, a ser percebida. E o ser de
algo é primeiramente e fundamentalmente o ser de sua substância. Ora, Deus é imaterial, logo
não temos conhecimento direto de sua substância por nossos meios naturais, que partem dos
sentidos. O conhecimento que temos d’Ele é por meio dos seus efeitos. E o ser dos efeitos, embora
nos permita inferir alguns atributos de Deus, não é o ser divino.
O segundo é que não devemos afirmar a priori a inexistência do que nos escapa – uma
tendência cada vez maior em qualquer sociedade que tem o hábito de se orgulhar e se vangloriar
das coisas que sabe. Ele começa por mostrar que o que é percebido por uma pessoa com maior
capacidade (seja por treino, seja por talento etc.) muitas vezes não o é por outra de menor
capacidade. Ele compara o filósofo treinado a uma pessoa sem qualquer ensino.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Logo depois, ele fala da distância ainda maior que há entre o menor dos anjos e o mais
excelente dos filósofos. (Essa etapa envolve a aceitação da existência dos anjos, o que, se precisasse
ocorrer mediante a razão natural, nos exigiria um esforço paralelo de demonstração, mas que
pode ser dispensado no presente contexto).
Em seguida, lembra que nem o maior dos anjos consegue abarcar com seu intelecto a
substância divina – e aqui observe-se que, embora o conhecimento angélico não dependa de
sentidos, que eles aliás não possuem, nenhuma espécie que esteja no intelecto angélico, por ser
criada, consegue ser um espelho do ser infinito de Deus. Santo Tomás então arremata essa escala
de intelectos mostrando como são semelhantes o filósofo que nega a existência daquilo que sua
razão não consegue demonstrar e o homem sem ensino que nega a existência de realidades que
o filósofo consegue captar.
O terceiro ponto, finalmente, é que nosso intelecto nem sequer esgota a inteligibilidade
das naturezas sensíveis (que são adequadas ao nosso modo de conhecimento natural), mas nem
por isso nega que ainda haja verdades por descobrir nestas coisas sensíveis.
2 CAPÍTULOS IV A VI
2.1 Capítulo IV: Convém que Verdades Acessíveis à Razão Também Sejam
Reveladas
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Portanto, foi salutar que a clemência divina apresentasse também como matéria de fé as
verdades em si acessíveis à razão. Assim, todos – pois são todos que precisam salvar-se – podem
facilmente, sem dúvida e sem erro, participar do conhecimento destas coisas divinas.
Em suma, os artigos da fé têm o objetivo de proporcionar à alma os recursos que levam à
salvação, que são necessários a todos. Seria absolutamente contrário à razão revelar à humanidade
apenas aquelas verdades salvíficas que nenhum gênio tivesse descoberto sozinho, pois muitos
seriam privados delas.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
O capítulo VI expõe por que não é leviano crer nessas verdades sobrenaturais. É
interessante que o conteúdo deste capítulo não se destina propriamente a ser usado na conversão
de gentios, mas, em certa medida, no auxílio e fortalecimento dos fiéis em sua fé, nos termos do
que o leitor poderá ver na seção 3 do capítulo IX. Esse conteúdo de fato não consiste exatamente
numa exposição (que seria voltada ao gentio) da autoridade da Escritura ou dos próprios milagres.
E, para o fiel, embora ela tampouco seja uma apresentação de argumentos verossímeis
para o esclarecimento das verdades de fé, ela se presta à convicção do fiel e à defesa contra a
acusação de que, em sua consciência, ele creria levianamente em verdades sobrenaturais. O fiel
não se julga confiar em verdades sobrenaturais sem motivos razoáveis para isso.
Explica-se justamente que a revelação de verdades que excedem a razão foi acompanhada
e confirmada por ações visíveis que em si superam a natureza, como curas milagrosas e
ressurreições. Além disso, homens totalmente rudes e ignorantes adquiririam eloquência,
sabedoria e conhecimento inimagináveis por meio da inspiração divina. Tudo isso também fora
anunciado com antecipação em profecias numerosas.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
3 CAPÍTULOS VII A IX
Nesta sessão, que conclui esta Unidade I, veremos que as verdades naturais e sobrenaturais
não podem ser contraditórias entre si, veremos de que modo a razão deve argumentar com
respeito às verdades sobrenaturais, e como a defesa destas duas ordens de verdades se reflete na
estrutura da Suma Contra os Gentios.
O capítulo VII se trata justamente de que, a priori, as verdades que a razão natural pode
alcançar não podem ser realmente contraditórias àquelas que só podem ser alcançadas pela fé,
pela revelação divina.
O argumento inicial dá continuidade ao capítulo anterior: o extenso conjunto de razões
O capítulo VIII esclarece de que modo a razão deve argumentar com respeito às verdades
sobrenaturais. E esse tema se estende ao início do capítulo 9, que também esclarece a quem se
destina adequadamente cada tipo de exposição das verdades de fé.
Primeiro, Tomás retoma um ponto já estabelecido anteriormente: que as coisas sensíveis
conservam em si vestígios de Deus. Por um lado, são imperfeitas para esclarecer tudo sobre a
substância divina; por outro lado, o efeito guarda em seu modo de ser alguma semelhança com
sua causa, visto que o agente produz efeitos semelhantes a si próprio. Assim, os efeitos são fonte
de algum conhecimento sobre Deus, embora não Lhe sejam perfeitamente semelhantes.
Assim, as semelhanças verdadeiras que nos auxiliam a compreender as verdades de fé não
são capazes de nos levar demonstrativamente a elas, ou a conhecer essas verdades como quem as
contempla diretamente em sua origem.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
No entanto, essas semelhanças são verdadeiras e úteis para a compreensão dessas verdades,
desde que (como já se disse anteriormente) se mantenha afastada a presunção de querer abarcá-
las completamente ou demonstrar sua existência.
Neste sentido o Aquinate cita as palavras de Santo Hilário de Poitiers (De Trinitate, 10):
“Quem busca piedosamente a verdade infinita, mesmo que algumas vezes não a alcance, progride
sempre na sua busca. Mas não queiras penetrar naquele segredo (...) presumindo compreender a
suprema inteligência: entende que há coisas incompreensíveis”.
Em seguida, Santo Tomás relembra que a divisão das verdades entre aquelas que
conseguimos alcançar apenas por nossos esforços e aquelas que necessitamos que sejam reveladas
para nós não diz respeito a seu caráter de verdade em si, nem insere qualquer tipo de duplicidade
intrínseca à natureza da verdade e do ser. Tal divisão, meramente extrínseca, existe devido à nossa
limitação, como criaturas, de abarcar todos os modos do ser, o qual em Deus é ademais infinito.
Tomás observa então que, quanto às verdades divinas naturalmente atingíveis pela razão,
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Santo Tomás conclui a introdução à Suma Contra os Gentios anunciando que o tema do
livro I – Deus em si mesmo – iniciará com a demonstração da verdade mais fundamental sobre
Deus em si mesmo: sua existência. Sem isso, diz o próprio Aquinate, toda a consideração sobre as
coisas divinas careceria de valor.
Disponível em:
http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/uniao_
filosofia_teologia.pdf.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta unidade, pudemos fazer uma visita introdutória aos primeiros artigos da Suma
Contra os Gentios, que não nos dão apenas uma visão do plano da obra, mas um mapa de como
Santo Tomás define o seu próprio ofício, como entende o alcance da razão com relação à verdade
e com que recursos se deve expor e defender uma verdade, conforme ela seja ou não plenamente
acessível à razão.
Este ponto importante é articulado recordando o leitor de que a verdade sobre cada coisa
deve ser procurada e apreendida na medida em que a própria coisa permite, e que isto não é
diferente na relação entre fé e razão enquanto meios para se chegar a verdades.
Especialmente importante é sua explicação de como, a priori, duas verdades quaisquer
não podem ser contraditórias entre si – o que já depõe veementemente contra a posição, tão
comum em nossa contemporaneidade, de afastar a fé e a razão a título de “libertar a ambas”. Uma
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
02
DISCIPLINA:
LEITURAS FILOSÓFICAS III: TOMÁS DE AQUINO
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................ 17
1 QUESTÃO I: SE A ALMA PODE SER FORMA E ALGO CONCRETO......................................................................... 18
2 QUESTÃO VI: SE A ALMA É COMPOSTA DE MATÉRIA E FORMA.........................................................................20
3 QUESTÃO XI: SE AS ALMAS RACIONAL, SENSÍVEL E VEGETATIVA SÃO NO HOMEM UMA SÓ
SUBSTÂNCIA................................................................................................................................................................23
4 QUESTÃO XIV: SE A ALMA HUMANA É IMORTAL.................................................................................................26
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................30
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
INTRODUÇÃO
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
➢ Inicialmente, ler o título (no caso, “Se a alma humana pode ser forma e algo concreto”);
➢ Ver a resposta provisória dada pelo autor (no caso, “E parece que não”). O leitor deve
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Ao seguirmos para a resposta propriamente dita, vemos a defesa de que alma é algo
concreto. Para ser algo concreto, para ser uma substância, ela deve subsistir por si mesma e ser
algo completo numa espécie e no gênero da substância. Não pode ser um acidente, ou seja, não
deve estar em outro como num sujeito, tampouco pode ser uma parte integral do indivíduo,
como uma mão ou um pé – que, embora não sejam acidentes, não se encontram numa espécie
senão por redução ao próprio indivíduo e, por isso, não são verdadeiras substâncias.
Pela mesma razão, a alma não pode ser uma harmonia entre elementos ou algum tipo de
composto. Ademais, se o fosse, não se poderiam explicar as capacidades vegetativas, sensitivas
e (principalmente) intelectivas que uma alma possui, pois elas transcendem as capacidades dos
meros elementos.
Aliás, quanto à alma intelectiva, apresenta-se a base de um argumento que veremos
desenvolvido mais plenamente em aula seguinte, mas que é importante considerar desde já: se o
entender é em si uma operação imaterial, a faculdade que o opera é também, em si, uma faculdade
imaterial. Ela brota de uma alma que está unida a um corpo, mas opera e subsiste imaterialmente.
O cérebro não é o órgão do entender, embora o processo de abstração necessite das imagens que
ele fornece. O intelecto, uma faculdade da alma, opera o entender.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Disponível em:
https://www.academia.edu/38789327/Forma_Substancial_Subsistente_e_
Intelectual_A_Natureza_da_Alma_Humana_em_Tomás_de_Aquino.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
O hilemorfismo universal parte do pressuposto de que deveria haver matéria onde quer
que se encontrem as propriedades da matéria, como o receber, o ser sujeito de algo, o estar em
potência. (O “ser sujeito de algo” é, fundamentalmente, ser um substrato subsistente de acidentes
– algo sobre o qual eles advêm, por assim dizer.)
E Tomás trata essa tese não só como equivocada, mas como impossível. Todas essas
realidades acima (receber, ser sujeito, estar em potência) se dão na alma e nas coisas corpóreas de
modo equívoco, porque, nas coisas corpóreas, elas envolvem mutação e movimento, o que, como
aponta Aristóteles, se reduz ao movimento local como ao primeiro e mais comum. A recepção
nas coisas corpóreas não se dá no mesmo modo que as incorpóreas. Qualquer ente que não ocupe
lugar não pode participar dessas realidades da mesma maneira; a recepção, a sujeição e a potência
existem de modo diferente. Falar de matéria para coisas que não ocupam lugar é usar o termo de
modo equívoco.
O próprio Aristóteles dá testemunho contrário ao hilemorfismo universal no terceiro
livro Sobre a Alma, em que trata o inteligir como certo “padecer”, mas um padecer distinto do
das coisas corpóreas. Ademais, como observa Aristóteles na Física, a alma recebe sabedoria e
prudência (ou seja, sofre mudanças) justamente em repouso, separando-se do movimento e das
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Nas réplicas 11 e 12, por exemplo, retoma o fato de que é equívoca e inadequada a
denominação de “intelecto material” (νοῦς ὑλικός) para o intelecto possível, utilizada por
Alexandre de Afrodísias.
Na réplica 8, atende a uma objeção importante. O oitavo argumento citava Aristóteles
(Metafísica VII) para dizer que a ação do agente não produz apenas a forma, mas o composto de
matéria e forma. Por isso, a agência de Deus não poderia senão produzir uma alma composta de
matéria e forma. Há que se considerar, porém, o contexto da afirmação do sábio grego: o intuito
não era indicar que todo efeito de um agente deve possuir matéria e forma, mas que um agente
não produz uma realidade incompleta.
No entanto, reconhece-se, na réplica, que Aristóteles de fato não concebia transcender a
geração como modo de produzir algo (a criação não estava presente em seu pensamento, ou ao
menos não se pode indicá-la confiavelmente em suas obras) e, portanto, lhe era difícil explicar
o “vir a ser” de uma substância plenamente imaterial. Tomás, em sua réplica, indica que a alma
humana não é produzida mediante geração, mas mediante criação – o que, aliás, a confirma,
coerentemente, como efeito direto de Deus.
No caso da alma humana, em verdade, isso não poderia ser de outra forma, porque ela
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
A esse ponto, nós poderíamos dizer que o conteúdo da Questão XI já atingiu seu objetivo
dentro da sequência principal desta unidade, que é o de dar a estrutura essencial e operativa
da alma enquanto forma do homem – cuja natureza individual e cuja imaterialidade já foram
estabelecidas nas partes anteriores dessa unidade – para que se possa apreciar melhor os
argumentos em prol da sua imortalidade. E é fato que o aluno poderia apenas consolidar o que
foi explicado na resposta central da questão com a leitura das réplicas aos argumentos 11 até 20.
E também é fato que as réplicas 1 a 10 poderiam ser deixadas de lado por lidarem com
noções de embriologia que hoje já não se sustentam: o conhecimento nessa área – é óbvio –
expandiu-se imensamente. Hoje, por exemplo, não se atribui mais às capacidades do gameta
masculino – muito menos apenas a elas – o poder que inicia o processo gerativo do embrião.
O próprio embrião é entendido adequadamente hoje, com os dados atuais da Biologia,
como um indivíduo próprio a partir do momento da concepção, em que o encontro dos gametas
propicia o instante do início de uma nova vida.
No entanto, a apreciação dessa questão nos seus argumentos 1 a 10 (e respectivas réplicas)
ainda pode ser muito útil ao aluno, e sua compreensão adequada pode inclusive dispersar certas
interpretações erradas que se tentaram fazer da posição de Santo Tomás.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
No que tange aos elementos biológicos sugeridos para o processo e o contexto em que
aplica sua solução metafísica atemporal, é claro que eles hoje não vigoram. Não tendo à mão
dados mais detalhados, Tomás sugeria que várias formas substanciais colaborariam em sequência
no processo formativo, cada uma substituindo a outra, e que, num determinado momento, a
forma final humana, com todas as potências, seria individualmente criada e infusa naquele ente
em formação, em substituição à forma que lhe fosse imediatamente anterior.
Em certos momentos, Tomás admite chamar de “almas” às formas substanciais prévias à
infusão da alma humana, porém, entende-se que todas essas formas substanciais não eram entes
de outra espécie, mas etapas formativas do próprio processo reprodutivo da espécie humana,
que então culminavam no topo metafísico do processo: a criação e infusão da alma racional por
Deus, o único agente capaz de criar algo dotado de uma potência que opera de modo totalmente
imaterial.
Ou seja: Tomás enfatizou a necessidade de que a alma humana, por ser intelectiva, fosse
efeito de um ato criativo de Deus (o que é metafisicamente necessário), mas infundida sobre um
composto vivo e operante que estivesse propício para possuí-la. E o fez, por um lado, porque uma
virtude totalmente imaterial não poderia brotar das forças corpóreas do material reprodutivo; e,
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Ao aluno que ainda não houvesse iniciado seus estudos filosóficos sobre a alma, deparar-
se com uma questão em que se demonstra pela razão natural a sua imortalidade poderia causar
alguma surpresa. No entanto, considerando que já se tenham estudado previamente alguns
pressupostos metafísicos fundamentais e considerando que a presente Questão XIV é um ponto
desta obra ao qual se chega após diversas outras demonstrações (relativas à sua origem, natureza
e operações, por exemplo), o passo que aqui se dá é natural e esperado.
Como se anteviu parcialmente nas Questões I e VI, o argumento de Santo Tomás se
baseia na imaterialidade da operação intelectiva e, por isso, é tão antigo em sua essência quanto a
conhecida passagem do Fédon de Platão (79a-80b), em que o sábio grego conclui que, por captar
as Ideias, a alma (que possui ser próprio) é imaterial e imóvel. Santo Tomás, porém, constrói
esse argumento com maior precisão, valendo-se de desenvolvimentos conceituais posteriores
(sobretudo aristotélicos).
O aluno verá, logo no início da questão, muitos argumentos em contrário, alguns inclusive
retirados da Escritura. Ao chegar ao Sed contra, expõem-se quatro afirmações em favor de sua
tese. A primeira delas traz a autoridade da própria Escritura e afirma que Deus criou o homem
inexterminável. A segunda explica a incorruptibilidade da alma pela sua própria imaterialidade
visto que ela carece de princípios pelos quais possa corromper-se estruturalmente. A terceira nos
relembra diretamente o Fédon de Platão: a alma é absolutamente imaterial pelo fato de que recebe
imaterialmente as espécies das coisas. A quarta cita duas posições de Aristóteles no tratado Sobre
a Alma, já de certo modo sintetizando o argumento de Tomás: 1 - o intelecto é separado tal como
o perpétuo o é do corruptível; 2 - o intelecto é parte da alma. Logo, a alma é incorruptível.
Na resposta da questão, Tomás começa por delinear que as características essenciais de
algo não podem ser retiradas desse algo sem corrompê-lo, ou seja, sem destruí-lo. Não se pode,
por exemplo, remover a animalidade do homem, porque o homem é essencialmente animal. O
homem não é um vegetal com potências adicionadas. Onde está o homem, ali está sua animalidade,
ao menos no que diz respeito à sua natureza.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Quanto às características essenciais, o mesmo vale para a forma: visto que a racionalidade
não é um adorno, mas uma característica essencial, a forma é per se vegetativa, sensitiva e racional.
E ela mesma, por ser imaterial, não pode se corromper per se: o que ocorre é a corrupção do
indivíduo corpóreo, ou seja, a corrupção do composto de matéria e forma. No caso dos animais
irracionais (cuja alma é sensitiva e vegetativa) ou das plantas (cuja alma é apenas vegetativa), a
alma cessa de existir, porque, embora ela seja um princípio imaterial, não possui o ser em si: o
ato de ser que o composto possui mediante a sua forma (a alma) é, não obstante o ato de ser do
composto. No caso do homem, é a alma que possui o ser em si e, instantânea e diretamente, o
comunica ao corpo. Porque o modo de ser de algo é determinado pela sua forma. O ser é dado
mediante a forma.
E por que o ser precisa, no homem, radicar-se primeiro na alma? Porque o modo de
operar segue o modo de ser, e o homem é o único animal que possui uma operação realizada
diretamente por uma potência da alma, sem o intermédio de um órgão corpóreo. As operações
das faculdades vegetativa e sensitiva são operações de órgãos, mas não as operações racionais
(a vontade e o intelecto): elas dependem de outras indiretamente – pois precisamos estar vivos
e precisamos dos sentidos para chegar ao entendimento, seja dos sentidos externos, seja dos
Não se poderia encontrar nenhum órgão corporal que fosse receptivo a todas
as naturezas sensíveis; principalmente porque o recipiente deve estar despojado
do recebido. (...) Ora, todo órgão corporal possui alguma natureza sensível;
no entanto o intelecto – pelo qual nós inteligimos – é cognoscitivo de todas as
naturezas sensíveis (TOMÁS DE AQUINO, 2013).
Assim, é impossível que sua operação seja exercida por algum órgão corporal. E um
pouco mais abaixo, Tomás agrega mais um argumento: o de que o intelecto recebe os universais,
que justamente são considerados em abstração da matéria e das condições materiais.
Portanto, o princípio pelo qual se dá essa operação – o intelecto – necessita ser uma
forma, e uma forma cujo ser é independente da matéria. É por isso que Aristóteles mencionava
no Tratado da Alma que o intelecto é algo divino e perpétuo. E, visto que esse princípio é uma
parte da alma – até porque a intelecção é uma operação natural ao homem e, portanto, deve
competir-lhe por seus próprios recursos – e visto que o ser que mantém esse princípio é o ser
substancial da alma, conclui-se que a alma inteira possui ser imaterial.
Tomás, então, conclui sua resposta com dois indícios que confirmam sua conclusão.
Primeiro, o de que aquelas coisas que são corruptíveis na sua natureza – ou seja, em si
mesmas – são incorruptíveis ao serem recebidas no intelecto. Ao contrário da maçã, o conceito
de maçã é incorruptível. Porque o intelecto recebe o universal, sobre o qual não recai corrupção.
Segundo, o de que apetites naturais não são vãos, porque a natureza é obra de uma
inteligência perfeita. E o ser humano tem um apetite natural pela contemplação intelectiva,
ou seja, pela apreensão do ser das coisas. Ora, o ser é apetecível ao intelecto por si mesmo,
independentemente de quaisquer delimitações do aqui e do agora em que ele se apresente. Por
isso, é natural que o desejo do homem de contemplar o ser transcenda os limites do tempo.
Em outras palavras (e resumindo o argumento de maneira aproximada), o ser, em si, é
inesgotavelmente desejável de se contemplar; logo, é natural à criatura dotada de intelecto que ela
deseje contemplá-lo inesgotavelmente. Para fazê-lo, por natureza ela não pode ser perecível, ou
seja, não pode ser corruptível, ao menos no princípio pelo qual ela realiza essa operação.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=NTSQPDOn0xc.
Outros vídeos sobre a alma são de Gregory Pine – Body and soul
e Powers of the soul. Como todos os vídeos do Thomistic Institute,
esses são simples e esclarecedores. Nos três, há legendas em
Português.
Em seguida, Santo Tomás vai responder às diversas objeções da questão. E algumas são de
maior relevância. Numa delas, a segunda, faz-se uma observação interessante: Aristóteles ensina
que o corruptível e o incorruptível diferem em gênero. A objeção alega, então, que a alma do
homem e a do animal irracional não poderiam diferir em gênero, porque tampouco o homem e
o animal irracional diferem em gênero. Por isso, nossa alma deveria ser corruptível.
Na resposta, Tomás explica que, consideradas apenas logicamente, as duas almas até
poderiam pertencer a um mesmo gênero, porque se reduzem ao gênero da substância, uma vez
que são partes integrantes da essência, respectivamente, do homem e do animal irracional – já
que, tanto em um quanto em outro, a essência completa é alma e corpo. Mas, na ordem do ser,
não pertencem a um mesmo gênero, porque uma é incorruptível, e a outra, corruptível – ainda
que o composto de alma e corpo seja corruptível em ambos os casos, tanto no do homem quanto
no do animal.
No sétimo argumento, vem a objeção de que, se ela é incorruptível, deveria possuir a
virtude de existir sempre. Mas, considerando que, segundo a fé, ela deve ter começado a existir
(pelo ato criativo de Deus), e o começar a existir implica que em algum momento anterior ela
não existia, a alma não deveria ser corruptível. A resposta é que, de fato, a alma possui o poder
de existir para sempre, mas não possuiu sempre esse poder, somente a partir de quando começou
a existir – assim, justamente em razão dessa capacidade, dura para sempre uma vez que tem ser.
Com isso, Santo Tomás está respondendo ao argumento de origem aristotélica segundo
o qual a alma, sendo uma substância imaterial, não deveria começar a existir no tempo, porque
não pode ser gerada por nenhum processo que envolva movimento. De fato, para Tomás não há
nenhum impedimento para que uma substância imaterial (e, portanto, incorruptível) comece a
existir, porque Deus a produz mediante criação, e não geração.
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Prosseguindo nas réplicas às objeções, a décima primeira serve como um resumo excelente
da própria resposta de Tomás no corpo da questão: a unidade do ser do homem não conflita com
a subsistência da alma, porque o ser pertence a essa natureza humana concreta a partir da alma,
que não é ela mesma uma natureza completa e, por isso, não é sozinho o ente humano. Embora
subsistente e redutível à categoria da substância, ela não é a substância, mas parte essencial sua.
Só que, no caso da alma humana, ela não é só aquilo pelo qual o composto tem ser, mas aquilo
que dá ao composto um ser que é, primeira e efetivamente, seu.
Na décima segunda réplica, vê-se a recompensa de haver-se estudado previamente a
Questão XI. O argumento contrário parte da premissa (correta) de que o homem na verdade
possui apenas uma alma, dotada de três potências fundamentais: vegetativa, sensitiva e racional
— e que, quando dizemos que num mesmo indivíduo há uma “alma vegetativa”, uma “alma
sensitiva” e uma “alma racional”, o que se está significando é que há ali três potências de uma
mesma alma.
Pois bem: o argumento quer concluir que, sendo corruptível a alma sensível (ou seja, as
potências sensíveis), e sendo ela una em seu ser com a alma racional, a racional também deveria
corromper-se.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ENSINO A DISTÂNCIA
REFERÊNCIAS
THOMAS AQUINAS. Disputed questions on the soul. Edição bilíngue inglês – latim. Disponível
em: https://aquinas.cc/la/en/~QDeAn. Acesso em: 27 out. 2022.
THOMAS AQUINAS. Summa contra gentiles. Edição bilíngue inglês – latim. Disponível em:
https://aquinas.cc/la/en/~SCG1. Acesso em: 27 out. 2022.
TOMÁS DE AQUINO. Questões disputadas sobre a alma. Tradução de Luiz Astorga. São Paulo:
É Realizações, 2013.
TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios. Tradução de D. Odilão Moura. Porto Alegre:
Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1990. v. 2.
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