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Ética, Direito e Política – Liberdade e Justiça social;


Igualdade e diferenças; justiça e equidade.

3.1 A articulação entre Ética e Direito


O grande desafio da experiência de vivermos uns com os outros é, sem dúvida, a construção
de uma sociedade organizada, estável e justa. As normas morais instituídas na sociedade não
permitem resolver todos os conflitos e problemas que surgem nas relações dos indivíduos
entre si. Por isso, para além da esfera ética, mas em estreita relação com ela com ela, é
necessário criar um conjunto de regras que regulem o comportamento dos indivíduos no
espaço público de forma clara e eficaz. Estas regras encontram-se formalizadas em leis escritas
que vinculam os indivíduos ao seu cumprimento e prevêem sanções, através de penas
igualmente definidas.
Ética Direito

Política

O Direito corresponde a este conjunto de normas (jurídicas) que regulam o comportamento


dos indivíduos de uma dada comunidade através do poder (coercitivo) organizado e
institucionalizado pelo Estado, uma comunidade politicamente organizada que nasce das
necessidades de compatibilização, da regulação dos conflitos e da organização da vida social.
Esta organização e gestão da vida social, realiza-se a partir da política – enquanto actividade
de um conjunto de agentes políticos – que governa essa mesma vida colectiva, no sentido de
tornar o Estado o mais justo possível.

3.2 O problema da organização de uma sociedade justa: “A teoria da


justiça” (1971) de John Rawls.

A liberdade é um valor indiscutível do ser humano. Todavia, como sabemos, a vida em


sociedade impõe limites a esta liberdade. Estabelecendo tais limites, as leis, por princípio,
devem ser justas e garantir os direitos de todos os indivíduos na sociedade. Uma sociedade
que discrimina os seus indivíduos, que não os considera igualmente, não poderá, portanto ser
uma sociedade justa. Sem igualdade não há justiça.
Mas o que significa exactamente a igualdade?
 Em sentido ético, a igualdade pode ser entendida como o direito de todo e qualquer
indivíduo a realizar-se enquanto pessoa, enquanto ser livre e autónomo, sendo
necessário que a lei e o Estado protejam o indivíduo e assegurem os seus direitos.
 Em sentido político e jurídico, a igualdade será, antes de mais, o reconhecimento de
que todos os cidadãos são iguais perante a lei.
Mas, se os indivíduos são diferentes, como pode garantir-se a igualdade?
Somos, pois, levados a perguntar pelas diferentes formas de aplicação da igualdade, isto é, a
perguntar, por exemplo, se as igualdades de condição económica e social são possíveis. Como
devem ser repartidos ou distribuídos os bens sociais, a riqueza, os encargos, as
oportunidades e os cargos políticos?
Baseado na cooperação social como forma de garantir aos indivíduos os meios mínimos que
permitam a realização dos seus projectos de vida, John Rawls (1921-2002) apresentou uma
concepção de justiça como equidade.
O tipo de sociedade que serve de modelo à sua reflexão é a sociedade norte-americana, uma
sociedade plural e rica em termos culturais, mas também social e economicamente desigual.
Rawls, considera necessário repensar a estrutura e o funcionamento básico da sociedade, isto
é, reflectir sobre a forma como são distribuídos os direitos e os deveres e sobre as
implicações que essa distribuição acarreta em termos de vantagens e desvantagens para os
cidadãos.
O ponto de partida da sua teoria da justiça é o seguinte: uma sociedade só será justa na
medida em que confirme a inviolabilidade dos direitos do indivíduo enquanto pessoa e
proporcione, através da cooperação de todos, o máximo de vantagens mútuas possível. Isto
não significa que Rawls defenda um princípio utilitarista. Pelo contrário, Rawls rejeita o
utilitarismo: uma sociedade justa não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos
sejam compensados pelo aumento de vantagens usufruídas por um maior número.
A metodologia adoptada por Rawls na exposição das suas ideias acerca da justiça segue a
linha dos pensadores contratualistas. O filósofo propõe-se apresentar um conjunto de
argumentos a partir da ideia de um contrato ou escolha consensual e comprometida entre
todos os indivíduos que pretendam formar uma sociedade justa. Para isso, é necessário que
todas as partes contratantes se encontrem em condições de o poderem fazer com sucesso,
isto é, é preciso que a escolha dos princípios da justiça seja feita com total imparcialidade, ou
seja, numa situação de equidade.
Rawls define essas condições de equidade através da posição original e do véu de ignorância.
Na posição original, todos os indivíduos se encontram hipoteticamente, cobertos por um véu
de ignorância que os impossibilita de ver as suas características particulares e,
consequentemente, de escolher em função dos seus interesses pessoais. Em resultado dessa
situação, as partes envolvidas no contrato original, para não correrem riscos, irão seguir a
regra maximin, estratégia de decisão que, existindo uma condição de incerteza, permita
maximizar o mínimo. Ou seja, os indivíduos procurarão maximizar o mínimo de bens sociais
primários (as liberdades, as oportunidades, a riqueza) a cada membro da sociedade a partir de
alguns princípios fundamentais. Estes princípios terão o mérito de não favorecer nenhum
indivíduo em detrimento de outros.
Os princípios da justiça:
Primeiro princípio – princípio da liberdade ou liberdades fundamentais:
este princípio assegura e protege os direitos fundamentais dos indivíduos (liberdade de
pensamento e de consciência; liberdade expressão e de reunião; direito à propriedade privada,
à protecção; à integridade física e psicológica, ao voto, etc.). Este conjunto de liberdades
básicas e iguais para todos os indivíduos não pode, sob qualquer condições ou circunstância,
ser posto em causa. A liberdade do indivíduo não deve ser nunca sacrificada em proveito de
qualquer outra coisa. Assim, este princípio da justiça tem prioridade sobre os que se seguem.

Segundo princípio (divide-se em duas partes):


Princípio da Oportunidade justa – É o princípio que garante a oportunidade de
todos acederem a funções/cargos sociais, em pé de igualdade. Uma sociedade justa terá de
permitir que todos os indivíduos possam ter oportunidade de conquistar uma posição social a
partir das suas próprias escolhas e não do acaso. Assim, o Estado deve garantir as mesmas
oportunidades para todos ao nível da saúde, da educação, da cultura, etc.
Princípio da Diferença - É o princípio que garante vantagens para todos e cada um, seja
qual for a posição – mais ou menos privilegiada – que cada indivíduo venha a ocupar na
sociedade. Pressupõe que a riqueza seja distribuída tendo em conta as desigualdades sociais: a
riqueza deve ser distribuída de forma equitativa, permitindo que todos, dos menos
favorecidos aos mais favorecidos, melhorem a sua situação, e assegurando que as vantagens
conseguidas pelos mais favorecidos acarretem sempre vantagens para os mais
desfavorecidos. Uma sociedade justa não poderá permitir que as vantagens dos mais
favorecidos sejam apenas para esses.

A concepção de justiça proposta por J.Rawls é uma referência fundamental no âmbito da


Filosofia Política contemporânea, sendo também objecto de críticas.
Vamos ter aqui em conta as críticas de libertista (de Robert Nozick) e comunitarista (de
Michael Sandel).

Robert Nozick (1938-2002) foi um defensor do libertismo, perspectiva que sustenta a


concepção do Estado mínimo, isto é, um tipo de Estado que procura intervir o mínimo possível
na economia e na vida das pessoas, limitando-se a assegurar os direitos básicos da população,
seja promovendo a segurança, a justiça, o poder de polícia, seja criando legislação que torne
isso possível. Neste sentido, Nozick, embora aceitando quase inteiramente o princípio da
liberdade de Rawls, considera que o princípio da diferença viola a liberdade porque interfere
directamente na vida das pessoas. Um padrão na distribuição dos bens em que os menos
favorecidos fiquem na melhor situação possível exige uma intervenção constante do Estado
e a sua intromissão abusiva nas vidas individuais. O facto de os mais ricos pagarem mais
impostos é considerado por Nozick uma injustiça, já que o Estado nos força a trabalhar para
os outros, se queremos trabalhar, e nos força a ajudar, quer queiramos ou não. E assim,
esses impostos minam a liberdade e a autonomia das pessoas, instrumentalizando-as e
tratando-as (como diria Kant) como meios e não como fins.

Vejamos agora a crítica de Michael Sandel (1953). Defendendo que o bem comum (que só em
comunidade se pode encontrar) tem prioridade em relação às preferências individuais e que a
construção da nossa identidade só se efectiva no âmbito social. Sandel considera que a
metodologia proposta por Rawls para encontrar os princípios da justiça está condenado ao
fracasso. Com a “posição original” e o “véu da ignorância”, Rawls pretendia garantir a
imparcialidade na escolha dos princípios da justiça. Mas o facto de as escolhas serem
imparciais não implica que sejam boas e justas. Cobertos por um véu de ignorância, numa
situação anterior à própria moral (que define o que é bom ou mau), desenraizados de
qualquer comunidade concreta, centrados apenas nos seus interesses pessoais e esquecidos
dos laços sociais, os indivíduos não teriam a noção daquilo que é bom e, por conseguinte,
também não teriam verdadeira noção daquilo que é justo.

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