Você está na página 1de 5

O extrativismo do Ucides cordatus nos manguezais protegidos do Delta do

Parnaíba, Nordeste do Brasil


The extractivism of the Ucides cordatus in the protected mangroves of the Parnaíba
Delta, Northeast Brazil.

CRESPO, Maria de Fátima Vieira1; GOMES, Jaíra Maria Alcobaça2; SILVA, Regina
Oliveira³; CRESPO, Flávio Luiz Simões4
1
Universidade Federal do Piauí, fatimavcrespo@ufpi.edu.br; 2 Universidade Federal do Piauí
jaira@ufpi.edu.br; 3 Museu Paraense Emílio Goledi, oliveira@museu-goeldi.br; 4 Instituto Federal do
Piauí, flavio.crespo@ifpi.edu.br

Eixo temático: Biodiversidade e Bens Comuns dos Agricultores, Povos e


Comunidades Tradicionais

Resumo: O presente estudo objetivou revelar os acontecimentos que elevou o extrativismo


do caranguejo-uçá de uma atividade de subsistência para uma atividade de relevante
importância para a economia local do Delta do Parnaíba. O histórico do extrativismo foi
construído a partir de conversas informais com catadores de caranguejo, atravessadores
com idade entre 68 e 83 anos, e por meio de oficinas participativas com beneficiadores da
carne de caranguejo. A partir de acontecimento chaves, foram anotados em folhas de papel
madeira formando uma linha do tempo e a partir deles preencheram-se as lacunas de tempo
com outros fatos citados. Foi revelado significativo número de fatos, de atores e de
instituições envolvidas na organização da atividade, especialmente a partir da criação da
RESEX Delta do Parnaíba. Conclui-se que a extração do caranguejo é de grande relevância
para a economia regional e para a conservação da biodiversidade local.
Palavras-chave: Caranguejo-uçá; RESEX Delta do Parnaíba; Conservação da
Biodiversidade.

Abstract: The present study had as objective to reveal the events that elevated the
extractivism of crab-uçá from a subsistence activity to an activity of relevant importance for
the local economy of the Parnaíba Delta. The history of extractivism was constructed from
informal conversations with crab pickers, between the ages of 68 and 83, and through
participatory workshops with recipients of crab meat. From key events, they were annotated
on sheets of wood paper forming a timeline and from there the time gaps were filled with
other facts cited. It revealed a significant number of facts, actors and institutions involved in
the organization of the activity, especially since the creation of the Delta do Parnaíba
Extractive Reserve. It is concluded that the extraction of the crab is of great relevance for the
regional economy and for the conservation of the local biodiversity.
Keywords: Crab-uçá; Delta do Parnaíba Extractive Reserve; Conservation of the
Biodiversity.

Introdução

A utilização dos recursos dos manguezais brasileiros remonta a pré-história, datados


de 7.000 a 10.000 anos atrás, quando tribos nômades capturavam recursos
alimentares da fauna associada ao manguezal, como pode ser comprovado pela
existência dos sambaquis espalhados pelo litoral (ALVES; NISHIDA, 2003).
Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de
Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.
Os manguezais são considerados Áreas de Preservação Permanente (APPs) e o
Ucides cordatus (Linnaeus, 1973) é um dos recursos pesqueiros mais importantes
em toda sua área de ocorrência que vai do Amapá a Santa Catarina, com destaque
para a região Nordeste (OLIVEIRA; MANESCHY, 2014). A cadeia produtiva do
caranguejo-uçá é essencial para grande parcela de trabalhadores residentes nas
comunidades do Delta do Parnaíba (LEGAT et al., 2005; FOGAÇA et al., 2018)

Salienta-se que a captura do caranguejo-uçá é uma das atividades extrativistas mais


antigas realizadas por pescadores artesanais, entretanto, poucos são os estudos
que apresentam um histórico da atividade no sentido de entender a sua evolução.
Alicerçada nessa realidade, o presente estudo objetivou revelar os acontecimentos
que elevou o extrativismo do caranguejo-uçá de uma atividade de subsistência para
uma atividade de relevante importância para a economia local do Delta do Parnaíba.

Metodologia

O Delta do rio Parnaíba tem o seu território protegido por duas unidades de
conservação de uso sustentável sobrepostas, como forma integrada e participativa
na conservação da biodiversidade, a Área de Proteção Ambiental (APA) Delta do
Parnaíba e a Reserva Extrativista (RESEX) Marinha Delta do Parnaíba (ASSIS
SILVA et al., 2016).

O histórico do extrativismo foi construído a partir de conversas informais


(BRANDÃO; BORGES, 2007) com três catadores de caranguejo de Ilha Grande/PI,
com idade entre 68 e 71 anos, e com um atravessador (83 anos) residente em
Barreirinhas, município de Araióses/MA. Além de oficinas participativas
(THIOLLENT, 2009) com beneficiadores da carne de caranguejo nas comunidades
de Carnaubeiras e Barreirinhas, no Maranhão e de Ilha Grande/PI.

Salienta-se que para o uso dos dados e imagens foi solicitado autorização dos
atores envolvidos por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) aprovado no Conselho de Ética da Pesquisa (CEP) sob Nº
112669/2017.

Para redigir o histórico foram identificados acontecimentos chaves, como o fim do


fornecimento de caranguejo para Chico do Caranguejo pelos catadores de Ilha
Grande, a criação da RESEX Delta do Parnaíba e de empreendimentos na atividade
(cooperativa e fábrica). Estes eventos foram anotados em folhas de papel madeira
formando uma linha do tempo e a partir deles preencheram-se as lacunas de tempo
com outros fatos citados.

Resultados e Discussão

Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de


Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.
A principal atividade desenvolvida no território deltaico era a pesca e a agricultura.
Conforme Crespo, Araújo e Silva (2006), os manguezais eram constantemente
desmatados e os caranguejos considerados ameaças para a rizicultura eram
combatidos com agroquímicos.

Entretanto, a captura do caranguejo-uçá para fins comerciais já era realizada por


extrativistas residentes na maior ilha do Delta, Ilha Grande de Santa Isabel, antes da
década de 1960, mas não foi possível definir quando foi iniciada.

Já na comunidade de Barreirinhas, foi relatado que as mulheres se deslocavam para


os igarapés para dar banho nas crianças e lavar roupas, e aproveitavam para
capturar os caranguejos que saíam das tocas e os preparavam para as refeições de
sua família. Os homens tinham medo dos crustáceos.

Um dia de trabalho do catador rendia o quanto conseguiria carregar (120 a 160


caranguejos) até o porto da comunidade, no igarapé Mãe da Lua, nos Morros da
Mariana em Ilha Grande, onde guardavam a produção. Na madrugada seguinte,
caminhava até 8km transportando os animais para vendê-los diretamente no centro
de Parnaíba/PI.

A atividade era considerada difícil e humilhante, todavia atrativa já que o pagamento


era imediato e havia a certeza da venda, fato que atraiu os intermediários locais e da
cidade de Parnaíba. Na década de 1970 os crustáceos já eram levados para o
mercado de Fortaleza/CE, esse aumento da demanda fez surgir novos catadores de
caranguejo que adentraram os mangues das ilhas do Delta. O local de
desembarque dos crustáceos foi alterado para o porto dos Tatus, mais próximo às
residências dos extrativistas.

Como estratégia de venda, o principal distribuidor em Fortaleza criou a “Quinta do


caranguejo” que incentivou o consumo entre os turistas e levou a uma rápida
expansão econômica na década de 1980. Devido ao autoritarismo de funcionário
local, em 1987 os trabalhadores de Ilha Grande/PI deixaram de fornecer caranguejo
para compradores de Fortaleza.

Desse modo, foi intensificada a cooptação de catadores nas comunidades deltaicas,


aumentando a pressão sobre os manguezais, resultante da crescente demanda
decorrente da entrada de novos compradores, da falta de alternativas de renda nas
comunidades e do imediatismo no retorno financeiro. Esse contexto justificou a
criação da RESEX Marinha Delta do Parnaíba no ano 2000, que proibiu o
desmatamento de áreas de mangue e buscou a organização do extrativismo.

Desde então, várias iniciativas podem ser listadas, o debate da atividade em seis
Fóruns organizados por instituições de pesquisa no período de 2002 a 2006,
formalização de uma cooperativa de catadores de caranguejo em 2005, realização
de pesquisa pela EMBRAPA Meio Norte visando criar metodologia de transporte que
reduzisse os desperdícios da cadeia produtiva entre 2004 e 2005 (LEGAT;

Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de


Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.
PUCHNICK-LEGAT, 2009) e que resultou na criação da Instrução Normativa
nº9/2013 que regulamenta e normatiza o transporte aquático e terrestre de
crustáceos vivos (BRASIL, 2013). Além da elaboração participativa do plano de
gestão do caranguejo-uçá na APA e na RESEX Delta do Parnaíba (Diagrama 1).

Diagrama 1. Linha do tempo do extrativismo do caranguejo-uçá no Delta do Parnaíba.

A crescente visibilidade da atividade de extração do caranguejo na década de 1980


fez surgir o beneficiamento da carne do caranguejo, primeiro no município de Ilha
Grande com a organização de uma associação. Nesta experiência o aproveitamento
era completo, as cascas dos caranguejos eram trituradas por uma máquina para
compor ração. No entanto, essa máquina foi furtada da sede da associação,
desarticulando o grupo fazendo com que o empreendimento fechasse, mas a
atividade foi reiniciada na década de 1990.

Outra experiência foi na comunidade de Carnaubeiras, município de Araioses/MA.


Uma associação com 235 membros foi criada visando implantar uma fábrica de
beneficiamento da carne de caranguejo, de pescados e da ostra. O empreendimento
funcionou entre os anos de 1997 e 1998, falindo pela falta de engajamento
organizacional entre os associados (SOARES; GOMES, 2014).

Conclusões

A construção participativa do histórico do extrativismo do caranguejo-uçá no Delta


do Parnaíba revelou a importância de vários acontecimentos referentes à extração, a
comercialização e ao beneficiamento do caranguejo, entretanto, apresentaram
dificuldades em datar os fatos.

O significativo número de eventos, de atores e de instituições envolvidas na


organização e no impulsionamento da atividade, especialmente a partir da criação
da RESEX Delta do Parnaíba, leva a concluir que a extração do caranguejo é de

Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de


Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.
grande relevância para a economia local e regional e para a conservação da
biodiversidade desse território singular.

Referências bibliográficas

ALVES, R. R. N.; NISHIDA, A. K. Aspectos socioeconômicos e percepção ambiental


dos catadores de caranguejo-uçá, Ucides cordatus cordatus (Linnaeus, 1763)
(Decapoda, Brachyura) do Estuário do Rio Mamanguape, Nordeste do Brasil.
Interciência, v. 28, n. 1, p. 36-43, 2003.

ASSIS SILVA, E. G.; SILVA FILHO, F. P.; SANTOS, B. R; SOARES, E. D.M.


Mosaicos geográficos e ecoturismo de base comunitária na APA delta do Parnaíba.
In: ASSIS SILVA, E. G. de (Org.). Meio ambiente, comunidades turismo.
Parnaíba: EDUFPI: SIEART, 2016.

BRANDÃO, C.R; BORGES, M. C. A Pesquisa Participante: um momento da


Educação Popular. Revista de Educação Popular, v. 6, p. 51-62, 2007.

BRASIL. Ministério da Pesca e Aquicultura. Instrução Normativa nº 9, de 2 de


julho 2013. Dispõe sobre normas de acondicionamento e transporte do caranguejo-
uçá. Disponível em: http://www.mpa.gov.br/legislacao/instrucoesnormativas/221-
instrucoes-normativas-2013. Acesso em: 16 de fevereiro de 2017.

CRESPO, F.L.S.; ARAÚJO, M. C.; SILVA, F. M. M. Utilização indevida de


agrotóxicos na atividade de rizicultura em área da Reserva Extrativista Marinha do
Delta do Parnaíba. In: II Simpósio Desenvolvimento do Trópico Ecotonal do
Nordeste. Teresina, 2006. (CD ROOM)

FOGACA, F. H. S. et al. Monitoring mangrove crab Ucides cordatus Linnaeus, 1763


(Crustacea: Ucididae) landing in the Parnaíba River Delta: fishing characteristics,
social and economic aspects. Nauplius, v. 26, 2018.

LEGAT, J.F.A.; PUCHNICK-LEGAT, A. Metodologia para o transporte de caranguejo


vivo com baixos índices de desperdício. Boletim Técnico Científico, CEPENE,
v.17, n. 1, p. 115-121, 2009.

OLIVEIRA, M. V.; MANESCHY, M. C. A. Territórios e territorialidades no extrativismo


de caranguejos em Pontinha de Bacuriteua, Bragança, Pará. Boletim Museu
Paraense Emílio Goeldi - Ciências Humanas, Belém, v. 9, n. 1, p. 129-143, 2014.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2009.


.
SOARES, J. C. C. GOMES, J.M.A. A pobreza e as condições de trabalho dos
catadores de caranguejo no povoado de Carnaubeiras, Araioses - MA. O Social em
Questão, Ano XVIII, n. 31, 2014, p. 179-202.

Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de


Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.

Você também pode gostar