Você está na página 1de 5

POESIA TROVADORESCA

Cantigas de Escárnio e Maldizer


As cantigas de escárnio e maldizer constituem um dos três gêneros em que se divide a Satírica
Galego-portuguesa. Foram escritas, assim como todos os textos populares da época, em
galego-português. As cantigas de escárnio e maldizer, subgénero da lírica galego-portuguesa,
incluem sirventeses provençais morais e políticos, sátiras literárias e maledicências pessoais, como
“tenções”, prantos e paródias. Em resumo, os textos que não se encaixam como cantiga de amigo e
de amor. O trovadorismo galego-português aperfeiçoou uma canção satírica proveniente da
Provença, que lhe davam o nome de sirventês, que, chegada à Galiza, acabou por influenciar os
trovadores para que estes, apoiando-se, talvez, numa tradição satírica autóctone, transmitida
oralmente e anterior à conveniência com as formas occitânicas, criam-se uma nova forma de trovar:
A cantiga de escárnio e mal dizer. No ponto de vista linguístico, histórico-social e ainda literário a
cantiga d’escarnio e de maldizer tem valor inapreciável. Era para lamentar que ela constituísse até
agora o capítulo menos estudado da poesia trovadoresca. Por duas razões fundamentais: o fundo
lexical, mais pitoresco e variado, andava menos legível nos velhos apógrafos; muitas dessas
composições contêm soezes obscenidades e dificilmente poderiam ser publicadas, por razões de
decoro, muito discutíveis, aliás. Vencendo estes obstáculos, foi precisamente uma senhora quem
melhor e mais desenvolvidamente tratou desde género de cantigas. Antes da publicação do
Cancioneiro da Ajuda, em 1904, D.Carolina Michaeilis iniciou uma serie de investigações, com o fim de
esclarecer alguns passos mais difíceis dos Cancioneiros. (…) Nestas notas, que não foram de modo
nenhum desvalorizados pela publicação do seu grande cancioneiro, interpreta a ilustre filóloga
sobretudo as cantigas satíricas, alumiando alguns pontos obscuros com o confronto das fontes
históricas. (…) Os trovadores encarregam-se de fazer a reportagem dos
acontecimentos mais ou menos escandalosos da época. É precisamente este critério, dum lado o
facto político e social, de outro a critica mordaz incidindo sobre ele, que nos vai servir de norma para
uma sistematização, de outro modo difícil, do escárnio do seculo XIII. Ora os factos que levantaram
entre os trovadores maior celeuma e que constituem o interesse capital das cantigas d’escarnio são
as seguintes: A entrega dos castelos ao Conde de Bolonha, a cruzada da Baltei, o escândalo das
amas e tecedeiras, as impertinências do jogral Lourenço e a tradição dos cavaleiros na Guerra de
Granada, etc.

Cantigas de Maldizer: através delas, os trovadores faziam sátiras diretas, chegando muitas vezes a
agressões verbais. Em algumas situações eram utilizados palavrões. O nome da pessoa satirizada
podia aparecer explicitamente na cantiga ou não.

Cantigas de Escárnio: nestas cantigas o nome da pessoa satirizada não aparecia. As sátiras eram
feitas de forma indireta, utilizando-se de duplos sentidos.

Cantiga de escárnio e maldizer


• A cantiga de escárnio distingue-se da cantiga de maldizer pelo facto de na primeira a sátira ser
menos direta, baseando-se em trocadilhos e ironias, sem identificar a pessoa satirizada, ao
contrário do que sucede nas cantigas de maldizer, que por vezes chegam a ser grosseiras.

Cantigas de amigo
São assim chamadas as cantigas trovadorescas medievais para os poetas que punham na boca das
amigas ou namoradas os amores que viviam, podendo falar deles a confidentes que podiam ser as
mães e as amigas como os seres e as coisas da Natureza. O tema dominante é o amor não
correspondido, origem de todo o sofrimento, da “coita” e causa de desconforto e lamento. Com efeito,
a mulher que se lamente pela ausência ou indiferença do amigo é a donzela do campo, simples e
ingénua, sinceramente apaixonada, vulnerável a qualquer desilusão. Como protagonista, move-se
num ambiente de natureza que ela convoca como testemunha dos seus sofrimentos e muitas vezes
refletindo-os por semelhança ou por contraste. Vários elementos da natureza assumem papel de
cenário, de testemunhas ou interlocutores e, ainda, valor simbólicos (o mar, as ondas, as arvores, a
fonte, o cervo, o papagaio, a alba e o vento). São também cantigas de tradição popular, que
apresentam uma variedade temática inquestionável: cantigas de romaria, barcarolas ou marinhas,
albas ou alvoradas, bailias e bailadas, tenções (cantigas dialogadas), cantigas de cenas venatórias
(caça). Do ponto de vista formal, as cantigas de amigo apresentam, na sua maioria, refrão, sendo
denominadas, por isso, como cantigas de refrão. As que não têm refrão, muito raras, denominam-se
cantigas de mestria, revelando complexidade formal e semântica semelhante às cantigas de amor.
Além desta classificação, há a considerar as cantigas paralelísticas simples e as paralelísticas
perfeitas com leixa-pren como dominantes.

As Cantigas de Amigo, de forma mais simples, apresentam-nos, em geral, a mulher integrada no


ambiente rural: na fonte ou na romaria, lugares de namoro; sob as flores do pinheiro ou de avelaneira;
no rio, onde lava a roupa e os cabelos ou se desnuda para tomar banho; na praia, onde aguarda o
regresso dos barcos.
O trovador usa o artifício de falar como uma menina enamorada, do povo, que se dirige ao amigo ou
amado, que fala dele à própria mãe, às irmãs, às companheiras ou ao Santo da sua devoção.
Estas cantigas são postas na boca de uma mulher solteira (sujeito poético), donzela, que exprime os
seus pequenos dramas e situações da vida amorosa.
O paralelismo constitui a característica formal mais importante deste tipo de cantigas)
Nas cantigas de amigo nota-se: o eu-lírico é feminino, apesar de escritas por homens; ao contrário da
cantiga de amor, onde o sentimento não se realiza fisicamente, na cantiga de amigo (entende-se por
amigo, o amado) há nítidas referências à saudade física do amigo ausente.
Cantigas de Amigo: o eu-lírico é uma mulher (embora os escritores fossem homens). A palavra amigo
nestas cantigas tem o significado de namorado. O tema principal é a lamentação da mulher pela falta
do amado.

Cantigas de amor
O poema é em voz masculina, onde o sujeito exprime o seu amor. O amor é tratado como segundo o
ideal do amor cortês, de influência provençal, mas adaptado à nossa sensibilidade. A acentuação é
feita nos aspetos contraditórios dos sentimentos amorosos. A invocação é feita nos aspetos
contraditórios dos sentimentos amorosos. A invocação da senhora é feita numa atitude de súplica e
submissão. Repete-se bastante e nota-se bastante os poderes e da beleza da dama, de acordo com o
código de amor cortês.
O retrato da senhora surge sempre hiperbolizado. A senhora parece ser idolatrada por ele, ela
também exerce um certo poder sobre ele, ela também parece ser dotada sobre todos os seus dons e
atributos. Os sentimentos dominantes na cantiga de amor são: a devoção amorosa, prazer em
aceitar as decisões ou caprichos da dama, qualquer que seja; desejo e esperança de que as suas
súplicas sejam ouvidas e atendidas.
Coita de amor com várias origens: deixou de ver a amada, sente dificuldade em viver sem ela, um
sentimento amoroso que provoca “loucura”. Num caso mais extremo ou grave, a coita de amor
aumenta para a coita de morte, ou para a morte dele.
Em resumo:
• Elogio superlativo da dama (de elevada estirpe social); • Amor cortês (distância respeitosa
do trovador em relação à Senhora, cuja identidade, por princípio, não revelará);
• Vassalagem amorosa;
• Queixume pela desgraça de amor devido aos rigores, indiferença ou desamor da dama; (A
dama não deixa, por esse motivo, de ser, a todos os títulos, digna de amor e louvor).
• Quem nestas cantigas fala é um homem (sujeito poético) que se dirige ou se refere a uma
dona, oriunda de um estrato social superior (residindo em ambientes palacianos).
• O trovador imaginava a “dona” como um “suserano” a quem “servia” numa atitude
submissa de “vassalo”.
Cantigas de Amor: neste tipo de cantiga o trovador destaca todas as qualidades da mulher amada,
colocando-se numa posição inferior (de vassalo) a ela. O tema mais comum é o amor não
correspondido. As cantigas de amor reproduzem o sistema hierárquico na época do feudalismo. pois
o trovador passa a ser o vassalo da amada (suserana) e espera receber um benefício em troca de
seus “serviços” (as trovas, o amor dispensado, sofrimento pelo amor não correspondido).
Análises de textos

“Ondas do mar de Vigo”


É uma cantiga de amigo, uma vez que, a vos que manifesta sentimentos e fala é feminina. O sujeito de
enunciação (a donzela) dirige-se às ondas do amor, revelando que a natureza, além do cenário que a
emoldura é sua confidente. Toda a confidência exteriorizada transmite a preocupação o cuidado e o
sofrimento por motivo de ausência do amigo. A ansiedade acentuada verifica-se nas perguntas sobre
a data do seu regresso tão desejado. A incerteza traduz-se no refrão, bem como o seu amor
constante que requer vê-lo. Desconhecendo o paradeiro do amigo/amigo, a preocupação e o desejo
aumentam a uma escala tão grandiosa quanto o das ondas do mar, oscilantes e perturbadoras.
Classifica-se, quanto à variedade temática, como barcarola, pela simples referência ao local onde se
encontra. Formalmente, é uma cantiga paralelística com leixa-prem.

“Sedia’m eu na ermida de Sah Simion”


É uma cantiga classificada também como barcarola ou marinha, misturando o motivo da ida à
ermida para rezar e, sobretudo, encontrar o amigo. A moça canta e narra o seu “isolamento” na ilha
galega, situada na ria de Vigo, encontrando-se lá à espera do seu amigo, dentro da ermida, e
sentada, junto ao altar, porventura, rezando ao santo para que o seu amigo venha ao seu encontro.
Distraída, apercebe-se subitamente assediada pelas “ondas grandes do mar”. Numa primeira leitura,
esta história de amor indica-nos que a moça receia ser arrebatadora pelas águas do mar, cujo nível
cresceu. Numa leitura mais atenta, o leitor
percebe que o mar, as ondas e o barqueiro são metáforas que traduzem proporcionalmente, que
quanto mais tempo se arraste, quanto mais ela espera, mais ela desespera, chegando mesmo a
levantar-se do lugar e assistir já lá fora, a dificuldade ou a impossibilidade de encontro, ao mesmo
tempo que se confirma as possibilidades de a donzela se sentir afogando na grandeza de uma
desilusão. O mar e o tempo equivalem-se como elementos oponentes e angustiantes, vincando a
separação.

“Vaiamos, irmão, vaiamos dormir”


Formalmente é uma paralelística perfeita e tematicamente é uma cantiga de amigo que se pode
situar nas barcarolas (pela alusão às “ribeiras do lado”) e nas cantigas de cenas venatórias (pela
alusão à “caça”). Nesta cantiga, o amigo convida a irmã/amiga irem dormir nas margens do lado,
onde ela tinha visto o amigo a andar com o seu arco à caça das aves. Ferindo as asas, a moça repara
que ele deixou viver as que cantavam, entendendo-se nessa atitude uma sensibilidade grande do
amigo por poupar as aves que estavam em estação amorosa ou de acasalamento. O canto das aves
simboliza sempre o início da primavera, que os poetas identificam como a estação do amor. A cantiga
contém elementos inovadores, como o lago. Num sentido simbólico, dir-se-ia que as moças vão,
inocentemente, substituir tais peças de caça. A moça sente uma admiração maior pelo viril amado ao
reconhecer nele uma meiguice para o amor. Essa visão pode desencadear um estado amoroso de
enleio e de imaginativo prazer (um namorado viril e meigo).
“Bailemos nós já todas três, ai amigas”
É uma cantiga de amigo pertencente ao subgénero das Bailadas ou Bailias, tal como o nome indica,
sugerem o convite para o baile, para o ato de dançar. A ação decorre num espaço que é a Natureza e
que serve de palco no ato de bailar – a ação. A Natureza surge como um quadro, um cenário
envolvente onde a rapariga se desloca, apaixonada. No caso presente, a Natureza encontra-se
representada pelas “queleneiras trolidas” sob as quais a menina e as suas amigas se propõem a
dançar. Podemos referir que, neste gênero, o mundo exterior- a Natureza – participa/está em
consonância com as alegrias/tristezas da menina. A
estação da Primavera aqui, simboliza a alegria, a força da vida, está diretamente relacionada com a
situação das personagens – a amiga e as suas companheiras – visto tratarem de jovens raparigas e,
por isso, também elas na força da vida. Esta cantiga é uma paralelística perfeita.

“Levantou-s’ velido”
Em termos gerais, a “história” é simples: uma donzela levanta-se ao romper da manhã e dirige-se a
uma nascente para lavar camisas (brancas); aí chegado, o vento começa a soprar, fazendo voar as
camisas e a donzela zanga-se com essa perturbação inesperada. O termo “alua” aplica-se à manhã,
à donzela, às camisas e mesmo à nascente. Podemos também ter em conta o valor simbólico do
vento. Esta cantiga não se consegue classificar exatamente como uma cantiga de amigo, uma vez
que a voz feminina não está presente. Mas, no entanto, o protagonista e o cenário são típicos de uma
cantiga de amigo.

“Quer’ eu maneira de provençal”


É uma cantiga de amor que consequentemente se traduz num louvor “à maneira provençal”, o que se
pode dizer num louvou superlativo à sua senhora: a mais formosa, a mais bondosa, a mais nobre, etc.
A composição da cantiga confirma o seu perfeito conhecimento da lírica provençal, mas também a
consciência que tinha de ser “a maneira provençal” a matriz do género galego-português, a que
pertence esta composição. Formalmente, a cantiga segue igualmente o modelo provençal, sendo de
mestria, com estrofes uníssonas e ainda com inclusão de palavra-rima.

“Como morreu quem nunca bem”


A constituição anafórica e a descrição do sofrimento do trovador através da sua inclusão num caso
típico geral singularizam retoricamente esta cantiga. O trovador faz uma referência ao desespero do
casamento da sua amada. Esta cantiga acrescenta um sentido e força dramática ao lamento. Se é
impossível a aderirmos a sinceridade deste lamento, também é certo que nos abre uma porta para os
“bastidores” do “amor cortês”.
“Se eu pudesse desamar”
Nesta cantiga de amor é bastante simples e retoricamente muito elaborada. Podemos ver que o
autor exprime o seu desejo de vingar-se daquela que sempre o tratou mal, pagando-lhe na mesma
moeda: deixando-a de amar, procurando o seu mal e fazendo-a sofrer. Mas este é um desejo
impossível, até porque a culpa é do seu próprio coração, que o fez desejar quem nunca desejou.

“Roi Queimado”
Dirigida ao trovador Rui Queimado, esta cantiga é uma das mais célebres paródias ao cliché da maré
do amor, tão repetidamente, jurada nas cantigas de amor galego-português. A sátira que aqui
desenvolve-se talvez tivesse sido propiciada por uma particular cantiga de Rui Queimado na qual
este trovador, por amor da sua senhor, lhe diz que se arrepende da sua anterior decisão de querer
morrer. Os dotes poéticos de Rui Queimado, cujo problema seria querer “meter-se” a fazer aquilo que
não sabe.

“Ai, dona fêa, foste-vos queixar”


Nesta cantiga de escárnio proposta para análise, o trovador critica uma “dona”, que, segundo ele se
foi queixar de lhe nunca lhe ter trovado. O trovador decide então “loar” esta “dona” como “fêa, velha e
sandia”. Estas três características negativas atribuídas à “dona” possuem uma grande importância,
na medida que o número 3 é o símbolo da perfeição, da totalidade, sendo a “dona” o exemplo de
perfeição nestas três categorias “fêa, velha e sandia”.

Você também pode gostar