Você está na página 1de 32

CAPÍTULO 1

TRAJETÓRIA DA POLÍTICA AMBIENTAL FEDERAL NO BRASIL


Adriana Maria Magalhães de Moura

1 INTRODUÇÃO
A política ambiental brasileira iniciou sua trajetória a partir da década de 1930,
quando foram dados os primeiros passos na elaboração de normativos pioneiros
afetos à gestão dos recursos naturais, tais como o Código de Águas e o Código
Florestal, ambos instituídos em 1934. Desde então, o país tem avançando
gradualmente tanto no estabelecimento de importantes marcos legais na temática,
como no processo de institucionalização das políticas públicas de meio ambiente.
Neste capítulo busca-se contribuir na reflexão sobre os caminhos escolhidos
nesta trajetória, com ênfase no período atual – correspondente aos últimos 10 anos.
O conceito de governança apoia a análise, considerando-se que um meio ambiente
saudável, como bem público, é de responsabilidade comum tanto dos governos
como da sociedade e de suas instituições. Nesse sentido, nossa Constituição Federal
reconhece a preservação do meio ambiente como uma questão pública, que não
depende apenas da atuação do Estado para seu equacionamento:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
(Capítulo do Meio Ambiente, Art. 225, caput, grifo nosso).
A governança compreende a multiplicidade dos atores sociais, cujas categorias
são infinitas e abarcam, além dos governos e instituições formais que compõem o
Estado, organizações e grupos de indivíduos, tais como: setor privado, organizações
não governamentais (ONGs), instituições de financiamento e consumidores.
Os referenciais para a boa governança são complementares entre si e incluem, entre
outros: accountability (responsabilização, transparência e prestação de contas), lega-
lidade, equidade e inclusão, processo decisório participativo e a tríade (eficiência,
efetividade e eficácia). Estes princípios aplicam-se ao processo de governança das
capacidades estatais e das políticas públicas como um todo. Ou seja, o avanço em
cada um deles tende a se refletir de forma simultânea em todas as políticas públicas
e na responsividade por parte dos governos, isto é, na capacidade de dar resposta
aos problemas e prover os bens públicos necessários para a sociedade. Contudo,
o avanço pode ser assimétrico em cada política e apresentar especificidades, como
no caso das políticas ambientais (Brasil, 2012).
14 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

Além de seguir princípios orientadores, uma governança bem-sucedida deve


cumprir algumas funções fundamentais: o estabelecimento de objetivos e metas, a
coordenação das metas, a implementação das ações necessárias para atingir as metas
e a avaliação. A identificação destas funções permite compreender as origens de
possíveis falhas no processo e orientar os mecanismos para aperfeiçoar a qualidade
do desempenho da governança (Peters, 2013).
Sem a pretensão de proceder a uma análise exaustiva, o texto reflete sobre a
evolução da política ambiental brasileira e seu panorama atual, considerando-se a
aplicação de princípios vistos como indispensáveis para uma governança ambiental
bem-sucedida. Na seção 2, são destacados elementos do quadro histórico que
compõem a evolução institucional e dos principais marcos legais afetos à gestão
ambiental; a seção 3, apresenta a análise da atual estrutura institucional de gestão
ambiental no nível federal; por fim, a seção 4 sumariza considerações sobre os
desafios e as perspectivas para a política ambiental brasileira.

2 HISTÓRICO – EVOLUÇÃO DO MARCO LEGAL E INSTITUCIONAL DA POLÍTICA


AMBIENTAL BRASILEIRA
A política ambiental federal brasileira começou a ser delineada a partir da década
de 1930, tendo evoluído, principalmente, a partir da pressão de organismos
internacionais e multilaterais (Banco Mundial, sistema ONU – Organização das
Nações Unidas, e movimento ambientalista de ONGs) e em função de grandes
acontecimentos internacionais ocorridos a partir da segunda metade do século XX.
Tais acontecimentos influenciaram o curso das políticas ambientais em todo o
mundo. O histórico a seguir destaca os principais marcos institucionais1 e legais no
caminho percorrido. Estes últimos são sintetizados ao final desta seção (quadro 1).

2.1 Décadas de 1930 a 1960


Nas décadas de 1930 a 1960 não havia propriamente uma política ambiental no
Brasil ou uma instituição gestora da temática ambiental. Havia políticas setoriais que
consideravam tangencialmente a questão ambiental, tendo como foco a exploração
dos recursos naturais. A principal preocupação no período era a administração
ou o “controle racional” dos recursos naturais, visando o melhor uso econômico.
Ao final da década de 1960, a temática ganhou impulso quando algumas
demandas ambientais da sociedade começaram a surgir, tendo como precedente a
poluição gerada por atividades produtivas, principalmente a poluição industrial.
Neste período, surgem as primeiras legislações voltadas para a administração
dos recursos naturais: o Código de Águas (Decreto no 24.643/1934), afeto à gestão

1. As instituições ambientais criadas no âmbito federal serão abordadas mais detidamente na parte 3 deste capítulo,
que traz uma análise do arcabouço institucional atual.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 15

do Ministério das Minas e Energia (MME), devido ao interesse no aproveitamento


hídrico para hidrelétricas; o Código Florestal (Decreto no 23.793/1934),2 cuja
gestão, inicialmente, cabia ao Ministério da Agricultura, visto que o foco era a
proteção de solos para uso agrícola e a Lei de Proteção a Fauna (Lei no 5.197/1967).
A política de estabelecer áreas ambientalmente protegidas iniciou-se em
1937, com a criação do Parque Nacional do Itatiaia. A partir daí, foram criados
diversos Parques Nacionais, cuja administração e fiscalização estavam submetidas ao
Serviço Florestal Federal, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura. Em 1967
foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), também
vinculado à pasta de Agricultura. A administração das áreas protegidas passou a
ser atribuição do IBDF, que tinha, também como competência prioritária, fazer
cumprir o Código Florestal e toda a legislação pertinente à proteção dos recursos
naturais renováveis.

2.2 Década de 1970


Na década de 1970, é publicado o relatório Limites do Crescimento organizado
pelo Clube de Roma e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), o qual
enfatizava a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais (Meadows,
1972). Em 1972 é realizada a Conferência de Estocolmo (Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente Humano). O Brasil participou da conferência com
a posição de defesa à soberania nacional. Argumentava-se que o crescimento
econômico e populacional dos países em desenvolvimento não deveria ser sacrificado
e que os países desenvolvidos deveriam pagar pelos esforços para evitar a poluição
ambiental – posição que foi endossada pelos países do chamado Terceiro Mundo.
Pouco depois, em 1973, é criada a primeira instituição a tratar da temática
ambiental no nível federal: a Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), vinculada
ao Ministério do Interior. A agenda da Sema se concentrou no problema do
controle da poluição industrial e urbana, em uma ação orientada, principalmente,
em função de denúncias. O IBDF continuou com a função de órgão fomentador das
ações para as florestas e gestão das áreas protegidas (Unidades de Conservação – UCs),
enquanto a Sema acabou estabelecendo um programa próprio de áreas protegidas
que ficaram a ela subordinadas.
Seguindo o modelo federal, alguns estados começam a criar seus órgãos
estaduais de meio ambiente (OEMAs) neste período: a Companhia de Tecnologia
de Saneamento Ambienta (Cetesb) em São Paulo (1973) e a Fundação Estadual
de Engenharia do Meio Ambiente (Feema) no Rio de Janeiro (1975). Na esfera
do planejamento, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) incorporou
algumas diretrizes ambientais.

2. Substituído pela Lei no 4.771/1965 e, atualmente, revogada expressamente e substituída pela Lei no 12.651/2012.
16 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

2.3 Década de 1980


Na década de 1980, o marco principal foi o estabelecimento da Política Nacional
do Meio Ambiente (Lei no 6.938/81), que criou o Sistema Nacional do Meio
Ambiente (Sisnama) e estabeleceu os princípios, as diretrizes, os instrumentos e
atribuições para os diversos entes da Federação que atuam na política ambiental
nacional. O documento foi considerado inovador para a época, não somente por
tratar de um tema ainda pouco discutido, mas por seu caráter descentralizador.
Em geral, as normas ambientais federais aprovadas na década de 1980 estavam
ligadas principalmente à organização institucional, ao controle da poluição e da
degradação ambiental e ao fortalecimento dos mecanismos de participação social
na área ambiental (Ganen, 2013).
Em 1985 foi criado o Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente, com a função de definir políticas e coordenar as atividades governamentais
na área ambiental. No que se refere à qualidade ambiental,3 o Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama) aprovou resoluções relativas ao licenciamento
ambiental, que regulam a aplicação do instrumento até a atualidade, já que ainda não
foi aprovada uma legislação específica sobre o tema – Resoluções no 001/1986 e
no 009/1987, que tratam, respectivamente, do Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
e do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) e das audiências públicas prévias ao
licenciamento (quadro 5).
O movimento ambiental formou a Frente Verde, que trabalhou pela inclusão
do Capítulo do Meio Ambiente (Art. 225) à Constituição Federal de 1988 (CF/88).
O capítulo trouxe avanços significativos ao declarar o “meio ambiente ecologica-
mente equilibrado” (Art. 225, caput) como direito do cidadão, especificando-se
várias atividades a serem desenvolvidas pelo poder público para garanti-lo.4
Além disso, a CF/88 apresentou outras referências ao tema nos princípios gerais da
atividade econômica (Art. 170, inciso VI) e em diversos dispositivos esparsos, tais
como os referentes ao direito de propriedade, à gestão urbana e ao gerenciamento
dos recursos hídricos.
Para o cumprimento destas novas garantias constitucionais, foi necessário o
desenvolvimento de legislação federal específica, bem como o fortalecimento da
ação dos estados. De fato, na Constituição anterior, a temática ambiental (águas,
florestas, fauna) era prerrogativa legislativa da União e, apesar da criação do

3. Na temática de qualidade ambiental, o Conama também instituiu neste período o Programa de Controle da Poluição
do Ar por Veículos Automotores (Proconve), por meio da Resolução no 18/1986, e o Programa Nacional de Controle da
Poluição do Ar, pela Resolução no 005/1989.
4. Essas atividades incluem proteção ao patrimônio biológico e aos processos ecológicos; exigência de estudo
prévio de impacto ambiental, no caso de implantação de empreendimentos potencialmente degradadores; controle da
produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida e o
meio ambiente; e educação ambiental (Ganen, 2013).
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 17

Sisnama, em 1981, grande parte de nossa política ambiental ainda era concentrada
na esfera central de governo (Araújo, 2013). A partir da CF/88, ocorre uma
maior descentralização da política ambiental e uma consequente estruturação de
instituições estaduais e municipais de meio ambiente, com a criação de órgãos e/ou
secretarias, bem como de conselhos estaduais e municipais de meio ambiente,
resultado da definição da temática ambiental como competência executiva comum
entre União, estados e municípios.
A introdução do Capítulo de Meio Ambiente à CF coincidiu com a
intensificação, em nível internacional, dos debates sobre meio ambiente, uma vez
que ocorreu logo após a realização, pelo PNUMA, do Relatório Bruntland, mais
conhecido como Nosso Futuro Comum, em 1987, que estabeleceu o conceito de
desenvolvimento sustentável.5
Outro marco institucional importante no período foi a reestruturação dos
órgãos federais encarregados da questão ambiental, por meio do programa Nossa
Natureza, em 1989, com a unificação dos órgãos que tratavam a questão ambiental
setorialmente – Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe),
Superintendência da Borracha (Sudhevea), IBDF (desenvolvimento florestal) e
a Sema – em torno de um único órgão federal: o Ibama – Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Lei no 7.735, de 22 de fevereiro de 1989).
Ainda em 1989 é criado o Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA
(Lei no 7.797 de 10 de julho de 1989),6 atualmente uma unidade do Ministério do
Meio Ambiente (MMA), com a missão de contribuir, como agente financiador, por
meio da participação social, para a implementação da Política Nacional do Meio
Ambiente. A seleção de projetos para o fundo, por meio de editais, é feita por um
conselho deliberativo composto por representantes do governo e da sociedade civil.

2.4 Década de 1990


Em 1990 foi criada a Secretaria de Meio Ambiente da Presidência da República
(Semam/PR), tendo em vista que a questão ambiental ficou em alta com a pers-
pectiva de se organizar a Rio-92 no Brasil. O Brasil se preparou para a conferência
por meio da Comissão Interministerial de Meio Ambiente (CIMA), coordenada
pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), com representantes de 23 órgãos
públicos, a qual resultou na elaboração de um relatório que explicitava o posicionamento
brasileiro frente à temática ambiental.

5. O Relatório Brundtland foi realizado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada em
1983, em decorrência da reunião de avaliação dos dez anos da Conferência de Estocolmo.
6. Até a criação do MMA, o FNMA era administrado pela Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da
República (Seplan/PR), e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
18 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

A Rio-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol-


vimento – CNUMAD) foi realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Na conferência
foram assinados importantes acordos ambientais que refletem sua influência
até a atualidade. São eles: i) as Convenções do Clima e da Biodiversidade;
ii) a Agenda 21; iii) a Declaração do Rio para o Meio Ambiente e Desenvolvimento;
e iv) a Declaração de Princípios para as Florestas.
O Programa Nacional de Meio Ambiente (PNMA) iniciou sua atuação em
1991, como o primeiro grande investimento (com empréstimo do Banco Mundial)
realizado pelo governo federal para investir na área ambiental. O programa está
vigente até hoje e tem tido um papel fundamental na melhoria da capacidade
institucional dos órgãos ambientais federais e estaduais para a formulação de
políticas e para a gestão ambiental. A primeira etapa do PNMA (1991 a 1999) teve
como linhas de ação o desenvolvimento institucional (principalmente estruturação
do Ibama e do MMA), a gestão de UCs federais, a proteção de ecossistemas (Pantanal,
Mata Atlântica e Zona Costeira) e os Projetos de Execução Descentralizada (PEDs),
estes últimos executados pelos municípios que apresentavam projetos de melhoria
de qualidade ambiental. Como os estados candidatos a participar do programa
deveriam cumprir uma série de requisitos, comprovando avanços quanto à instituição
de instrumentos de gestão ambiental, a etapa de qualificação ao programa também
alavancou o desenvolvimento institucional nas Unidades da Federação (UFs).
O MMA foi criado em 1992, com a extinção da Semam/PR. Nesta década,
o MMA operou com poucos recursos humanos e financeiros, a maior parte
oriunda de empréstimos via agências multilaterais (Banco Mundial, Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID, Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento – Pnud). Como estes recursos eram de difícil utilização,
em vista da necessidade de uma contrapartida nacional e da rigidez das regras
dos financiadores, havia uma morosidade na execução dos projetos que faziam
parte de programas como o PNMA e o Programa Piloto para Proteção das
Florestas Tropicais no Brasil (PP-G7). Neste período, o ministério operou
apenas com alguns poucos funcionários cedidos de outros órgãos (como o
Ibama) e terceirizados com contratos temporários intermediados pelo Pnud,
agência que intermedia recursos dos financiadores externos nos empréstimos
realizados para os programas do órgão.
Em 1998 foi estabelecida a Lei de Crimes Ambientais (Lei no 9.605/1998); com
isto o Brasil tornou-se um dos poucos países a possuir um direito penal ambiental.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 19

2.5 De 2000 a 2012


Em 2000 foi criado o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza –
SNUC (Lei no 9.985/2000), o qual contribui para organizar e uniformizar as
categorias de UCs e os instrumentos de proteção, anteriormente dispersos em
diversas leis.
No mesmo ano, iniciou-se a segunda etapa do Programa Nacional do Meio
Ambiente (PNMA II), que estendeu-se até 2006 e atuou em duas linhas principais.
A primeira linha, de gestão integrada de ativos ambientais, apoiou projetos de
melhoria de qualidade ambiental em áreas consideradas prioritárias pelos estados
participantes, nos quais se colocava em prática a ideia de reunir todos os atores
(stakeholders) relacionados ao equacionamento dos problemas priorizados. A segunda
linha atuou no desenvolvimento institucional dos estados, em três áreas: licencia-
mento ambiental, monitoramento da qualidade da água e gerenciamento costeiro.
Após um intervalo para avaliação da etapa anterior e preparação da seguinte, o
PNMA iniciou sua 3ª etapa em 2009, com os componentes de gestão integrada de
ativos ambientais e de desenvolvimento institucional em três linhas: instrumentos
econômicos para a gestão ambiental, monitoramento ambiental e licenciamento
ambiental. Desta forma, o PNMA tem sido, ao longo de mais de 20 anos de atuação,
um programa estratégico do MMA, com impacto principalmente na estruturação
dos órgãos estaduais de meio ambiente.
Em 2002 foi realizada a Conferência Ambiental Rio+10, em Joanesburgo,
África do Sul, tendo como um dos principais objetivos a avaliação dos acordos
e convênios ratificados na Rio-92. No encontro, as questões de enfrentamento à
pobreza mobilizaram os debates. Os principais focos ambientais da conferência
foram as mudanças climáticas (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL,
Protocolo de Kyoto) e a discussão sobre fontes energéticas renováveis.
A Conferência resultou em um Plano de Implementação, porém, desprovido
de meios de execução ou de cronogramas rígidos.
A Agenda 21 brasileira, cuja preparação iniciou-se em 1997, foi lançada
apenas em 2002. O processo envolveu consultas públicas e a realização de seis
estudos temáticos – cidades sustentáveis; redução das desigualdades sociais;
agricultura sustentável; gestão de recursos naturais; ciência e tecnologia para o
desenvolvimento sustentável e infraestrutura e integração regional – que deram
origem ao documento final. Apesar dos méritos do documento, que refletiu uma
visão própria dos problemas ambientais do país, a Agenda 21 brasileira vem sendo
obscurecida por novas prioridades, não cumprindo seu papel de direcionar a política
ambiental brasileira e de orientar as políticas de desenvolvimento para o país.
20 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

O processo de elaboração de Agendas 21 locais também perdeu fôlego – quase 2 mil


municípios elaboraram suas agendas, entretanto, em sua maioria, estas não têm
sido consideradas como documento orientador para o planejamento municipal.
No quadro institucional, foi criada em 2000 a Agência Nacional de Águas
(ANA), autarquia federal vinculada ao MMA, com o objetivo de implementar,
em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei
no 9.433/97). A ANA vem trabalhando, principalmente, na implementação do
Plano Nacional de Recursos Hídricos, no gerenciamento de bacias hidrográficas
federais (por meio dos comitês de bacias), no enquadramento e monitoramento
de rios e na outorga e na cobrança para o uso da água.
Em 2007, foi criado o Instituto Chico Mendes para Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), autarquia vinculada ao MMA que surgiu a partir do
desmembramento do Ibama e de uma separação de função entre os dois órgãos.
O Ibama focou sua atuação nas ações de licenciamento e fiscalização, enquanto o
ICMBio passou a responder pelo gerenciamento do Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC). Cabe ao ICMBio gerenciar e fiscalizar as UCs federais,
o que compreende 887 unidades de proteção integral e de uso sustentável, as quais
abrangem 754.854 km2 do território nacional.7 O instituto também fomenta e
executa programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade.
Em 2012, o marco principal foi a realização da Conferência Rio+20
(Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – CNUDS),
de 13 a 22 de junho de 2012 no Rio de Janeiro. A conferência marcou os 20 anos
da realização da histórica Rio-92 e teve como objetivos: i) assegurar a renovação
do compromisso político para o desenvolvimento sustentável; ii) avaliar os avanços
e os hiatos nos processos de implementação das principais decisões quanto ao
desenvolvimento sustentável; e iii) identificar desafios novos e emergentes.
Além desses objetivos, foram estabelecidos dois temas para a conferência: economia
verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, e
a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável.
Considerado o maior evento já realizado pelas Nações Unidas, a Rio+20
contou com a participação de chefes de Estado ou seus representantes oriundos
de cerca de 190 países. Além do evento oficial no Riocentro, restrito apenas aos
delegados dos países participantes, a conferência suscitou a realização de inúmeros
eventos paralelos em outros locais da cidade, organizados pela sociedade civil, tais
como a Cúpula dos Povos (realizada no Aterro do Flamengo), seminários e debates
em universidades, bem como eventos culturais.

7. Disponível em: <http://goo.gl/8Sj5Ez>. Acesso em: 20/05/2014.


Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 21

No entanto, diferentemente da Rio-92, que alcançou grande mobilização


da opinião pública e uma convergência positiva da atenção internacional para
a temática, a Rio+20 se deu em um contexto internacional pouco favorável.
Muitos países encontravam-se em uma conjuntura econômica ou política difícil.
A Europa em grave crise financeira e os Estados Unidos em processo de prévias
para as eleições presidenciais não deram prioridade à conferência em suas agendas –
o presidente americano e a chanceler alemã eram aguardados até o último
momento, mas não compareceram, apenas enviaram representantes. Além disso,
o próprio sistema das Nações Unidas vinha sofrendo uma erosão do seu poder
real de intervenção.
Na época em que os desafios foram colocados na Rio-92, os países pareceram
tomar nota dos alertas e, por conseguinte, muitas promessas foram feitas sob a
forma de convenções e protocolos. Mesmo as multinacionais, grandes agentes da
degradação ambiental, pareceram ter ficado em guarda. No entanto, o cenário da
Rio+ 20 era outro, visto que os Estados Unidos, principal país poluidor per capita,
recusou-se a assumir qualquer compromisso vinculante para reduzir as emissões
que causam o aquecimento global. Enquanto isto, os países menos desenvolvidos
reivindicaram o seu direito a poluir enquanto os mais desenvolvidos não assumissem
a dívida por terem poluído tanto há tanto tempo.
É interessante notar que a Europa foi, talvez, o continente que tenha mais
refletido sobre a gravidade dos problemas ecológicos que enfrentamos, tendo
liderado, inicialmente, o debate sobre desenvolvimento sustentável. No entanto,
toda esta reflexão foi colocada de lado, face à atual crise financeira, como um “luxo
insustentável”. O processo que antecedeu a conferência também foi marcado pela
ausência de foco e por discussões conceituais e teóricas pouco produtivas sobre o
que significaria a economia verde, as quais não foram agregadoras aos objetivos do
evento, no sentido de avançar em “como” fazer as mudanças substantivas necessárias
(Dowbor, 2012).
Assim, a Rio+20 não logrou sucesso em colocar-se como uma oportunidade,
para os países que passavam por crises financeiras, para questionar o crescimento
econômico pautado em bases insustentáveis e pouco equitativas.
O documento de contribuição brasileira à Rio+208 também não teve um foco
específico e apresentou desafios do desenvolvimento sustentável em um amplo
leque de 24 pontos, que envolviam temas que iam desde a erradicação da pobreza
extrema, segurança alimentar, trabalho, cidades, o papel do Estado, produção e
consumo sustentáveis, até os temas ambientais tradicionais como água, florestas,
biodiversidade e mudança do clima. O documento tratou o tema economia verde

8. Disponível em: <http://goo.gl/4nB3Fl>.


22 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

sob a ótica da inclusão social e abordou a necessidade de reformas na estrutura


institucional internacional para avançar no desenvolvimento sustentável. Trouxe,
ainda, um elenco tentativo de propostas que refletiam pontos em discussão nos
debates que antecederam a conferência, entre os quais: a criação dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), novos indicadores para a mensuração do
desenvolvimento, ênfase na produção e consumo sustentáveis (selos verdes e
compras públicas sustentáveis) e propostas para aperfeiçoar a estrutura de governança
ambiental das Nações Unidas.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) também
contribuiu com um documento preparatório para a conferência, o Acordo para
o Desenvolvimento Sustentável, que contou com a participação dos membros do
conselho, de diversas organizações da sociedade civil, de ministérios, de acadêmicos, e
de instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ipea.
O documento sistematiza uma série de propostas e estratégias para o desenvol-
vimento sustentável (roteiro para transição) e foca na questão da governança do
processo (CDES, 2011).
Os resultados da conferência foram, em geral, analisados como insuficientes e
mesmo decepcionantes. O documento final aprovado na conferência, The future
we want (O futuro que queremos),9 foi considerado frágil e tímido, pois não
estabeleceu compromissos obrigatórios e um duro consenso foi obtido a partir
da retirada de todos os pontos divergentes que deveriam ser superados. O texto
foi visto mais como uma declaração de intenções, ou o “mínimo denominador
comum” possível de ser alcançado entre os 188 países signatários (Dawbor, 2012).
No plano do avanço institucional para o desenvolvimento sustentável o
documento final da conferência propõe a criação de um “fórum político universal
intergovernamental de alto nível”, o fortalecimento do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma), e reafirma a importância de fortalecer e ampliar a
participação dos países em desenvolvimento no processo internacional de tomada
de decisão. A economia verde, inicialmente definida como um dos temas centrais,
foi colocada no documento apenas como um dos muitos caminhos rumo a um
desenvolvimento sustentável.
Sobre o criticado documento, o governo brasileiro colocou-o como o “consenso
possível”. Representaria um “ponto de partida e não de chegada” que deixava uma
agenda de trabalho para o século XXI (Ângelo, 2012). Contudo, o discurso não
foi animador frente ao esforço gigantesco de mobilização para a conferência, em
um cenário internacional desfavorável. Ainda mais considerando-se que o ponto
de partida havia ocorrido há, pelo menos, 40 anos, na Conferência de Estocolmo,
em 1972, que colocou a questão ambiental em destaque em nível internacional.

9. Disponível em: <http://goo.gl/6m71Bu>.


Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 23

Outro fator a se destacar é que a agenda de trabalho para o século XXI também
já havia sido estabelecida há 20 anos, na Rio-92.
A ausência de progresso foi sentida quando compromissos e medidas concretas
para operacionalizar as intenções (ou seja, recursos financeiros), entre as quais a
criação de um fundo verde para ajudar na transição de países emergentes e pobres
para um modelo de desenvolvimento sustentável, mais uma vez foram rejeitadas,
principalmente pelos países desenvolvidos, como os Estados Unidos. O próprio
secretariado-geral da ONU esperava que o encontro adotasse medidas mais firmes
para garantir que os mais pobres tivessem acesso à água, à energia e a alimentos.
No entanto, sua emblemática iniciativa Energia Sustentável para Todos foi apenas
citada no texto, em vez de receber apoio enfático dos líderes.
O que resultou como positivo na conferência foi a mostra de uma maior
consciência ambiental por parte da sociedade, o que significa que uma semente,
ou um “fermento” havia sido colocado na sociedade ao longo das últimas décadas,
levando a uma maior mobilização social. As iniciativas e declarações assinadas além
do Riocentro foram numerosas. Por exemplo, em paralelo às principais negociações
no Rio de Janeiro, empresas e governos firmaram mais de duzentos compromissos
de ações voluntárias em diferentes áreas, tais como energia, água e alimentos.
A iniciativa de contratação pública sustentável internacional se comprometeu com
critérios de compras públicas; o índice de riqueza inclusiva buscou ampliar o
sistema de contas para além do produto interno bruto (PIB); o princípio de seguro
sustentável foi o compromisso com a sustentabilidade assinado por 27 grandes
empresas seguradoras (área que maneja grandes recursos). A Cúpula dos Povos
também reuniu milhares de pessoas e deixou uma extensa lista de reivindicações
entregue à ONU.
Este movimento, que faz parte do conjunto que se chama de governança
ambiental, é visto de forma otimista por Dawbor (2012) como um impacto difuso
fundamental, pois “só quando se fortalecer bastante o movimento na base da socie-
dade haverá suficiente força política nas esferas superiores, governos, organizações
multilaterais e corporações mundiais”. No entanto, observa-se que este movimento
está, em geral, separado do poder político, visto que as reivindicações feitas são
raramente ouvidas e incorporadas na agenda decisória dos governos.
Apesar de o governo brasileiro não ter priorizado o evento em sua agenda
política – visto que não enfatizou a pauta em reuniões prévias bilaterais com outros
países que garantissem avanços e mesmo a presença de chefes de Estado importantes –
para o Brasil fica o mérito de, mais uma vez, ter aceitado o desafio de ser anfitrião
e organizador de uma conferência de porte, a qual fluiu sem maiores percalços
logísticos, e de oferecer uma plataforma de discussão. Oportunidade que, infe-
lizmente, não foi utilizada em todo o seu potencial pelos países participantes e
signatários do documento final.
24 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

QUADRO 1
Evolução da legislação ambiental brasileira por períodos (1930-2015)10
Legislação Ementa
Período - décadas de 1930 a 1960
Decreto no 24.643/1934 Decreta o Código de Águas.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
Decreto-Lei no 25/1937
Inclui como patrimônio nacional os monumentos naturais, sítios e paisagens de valor notável.
Lei no 4.771/19651 Institui o novo Código Florestal.
Lei no 5.197/1967 Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências.
Período - década de 1970
Dispõe sobre discriminação, pelo Ministério da Agricultura, de regiões para execução
Lei no 6.225/1975
obrigatória de planos de proteção ao solo e de combate à erosão e dá outras providências.
Decreto-Lei no 1.413/1975 Dispõe sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades industriais.
Decreto Legislativo no 56/1975 Aprova o Tratado da Antártida.
Dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal
Lei n 6.453/1977
o
por atos relacionados com atividades nucleares e dá outras providências.
Período - década de 1980
Dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de
Lei no 6.803/1980
poluição, e dá outras providências.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação
Lei no 6.938/19812
e aplicação, e dá outras providências.
Dispõe sobre a criação de Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental e dá outras
Lei no 6.902/1981
providências.
Lei no 7.661/1988 Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências.
Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio
Lei no 7.347/1985 ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico e dá outras providências.
Regulamenta as atividades garimpeiras, tornando obrigatória a licença ambiental prévia
Lei no 7.805/1989 e passíveis de suspensão as atividades de pesquisa ou lavra que causarem danos ao
meio ambiente.
Lei no 7.797/1989 Cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o
transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização,
Lei no 7.802/1989 a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a
classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes
e afins, e dá outras providências.
Período - década de 1990
Dispõe sobre a política agrícola.
Lei no 8.171/1991
(inclui a proteção do meio ambiente entre seus objetivos e como um de seus instrumentos)
Lei n 8.723/1993
o
Dispõe sobre a redução de emissão de poluentes por veículos automotores.
Estabelece normas para a engenharia genética e organismos geneticamente modificados
Lei n 8.974/1995
o 3
(OGM) no país.
(Continua)

10. O quadro 1 busca destacar alguns dos principais marcos legais da legislação federal na temática ambiental.
Cabe mencionar, no entanto, que existem diversas outras normas sobre temas correlatos, como ordenamento urbano e
desenvolvimento regional, bem como sobre gestão de desastres naturais, com forte interface com a questão ambiental,
no que se refere ao uso do solo e à gestão do território.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 25

(Continuação)
Legislação Ementa
Período - década de 1990
Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento
Lei no 9.433/1997
de Recursos Hídricos.
Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades
Lei no 9.605/19984
lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
Lei no 9.795/1999 Dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental.
Período - 2000 a 2012
Lei no 9.985/2000 Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).
Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento
Lei no 9.966/2000
de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.
Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento
Medida Provisória
tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência
no 2.186-16/2001
de tecnologia para sua conservação e utilização.
Dispõe sobre o acesso público aos dados e às informações existentes nos órgãos e
Lei no 10.650/2003
entidades integrantes do Sisnama.
Estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam OGMs e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS),
Lei no 11.105/2005
reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e dispõe sobre a
Política Nacional de Biossegurança (PNB).
Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; institui, na
Lei no 11.284/2006 estrutura do MMA, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB); cria o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Florestal (FNDF).
Lei no 11.428/2006 Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica.
Dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de
Lei no 11.460/2007
conservação (UCs).
Lei no 11.445/2007 Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.
Lei no 11.794/2008 Estabelece procedimentos para o uso científico de animais.
Trata de medidas tributárias aplicáveis a doações destinadas a prevenção, monitoramento
Lei n 11.828/2008
o
e combate ao desmatamento.
Lei no 12.114/2009 Cria o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.
Lei no 12.187/2009 Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
Lei no 11.959/2009 Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca.
Lei no 12.305/2010 Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Fixa normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios
Lei Complementar no 140/2011 nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativa à
proteção do meio ambiente.
Institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às
Lei no 12.512/2011
Atividades Produtivas Rurais.
Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa
Lei no 12.651/2012
(revogou o antigo Código Florestal, Lei no 4.771/1965).
Institui a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca
Lei no 13.153/2015
e seus instrumentos; prevê a criação da Comissão Nacional de Combate à Desertificação.
Elaboração da autora.
Notas: 1 A Lei no 4.771/1965 foi revogada expressamente e substituída pela Lei no 12.651/2012.
2
Regulamentada pelo Decreto no 99.274/1990.
3
Revogada pela Lei no 11.105, de 2005.
4
Regulamentada pelo Decreto no 6.514/2008.
26 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

3 A ESTRUTURA INSTITUCIONAL DE MEIO AMBIENTE NA ATUALIDADE

3.1 Federalismo e meio ambiente


Para a compreensão do atual arcabouço institucional desenhado para a implementação
das políticas de meio ambiente no Brasil, um aspecto crucial é a consideração sobre a
própria estrutura federativa do país, desdobrada em seus três níveis de governo.
Na organização adotada pelo Estado brasileiro, as UFs e os governos municipais dispõem
de autonomia para estabelecer políticas de acordo com suas próprias prioridades,
dentro de suas áreas de competência e nos limites fixados por seus territórios.
Como a questão ambiental possui a particularidade de permear todos os
níveis de governo, não se equacionando em um único deles, as políticas ambientais
federais dependem da adesão dos demais entes da Federação – seja na participação
necessária no processo de formulação, seja pelo fato de que são estes que as
executam. Assim, as políticas federais, para serem efetivas, necessitam de uma boa
estrutura de relações e de cooperação entre as diferentes esferas de governo, visto
que os governos estaduais e locais estão obrigados a cumprir as legislações nacionais,
mas participam apenas em caráter voluntário de programas propostos pelo governo
federal. Sem o envolvimento e a real disposição por parte dos estados e municípios
de colocar as políticas federais em prática, elas não alcançam a almejada efetividade.
Desta forma, torna-se imprescindível a harmonização de interesses
e o compromisso entre as diversas instâncias do governo com a chamada
“corresponsabilidade” ou interdependência negociada. Como as competências
ambientais de cada esfera já estão definidas, este enfoque diz respeito ao padrão
de relacionamento entre as instâncias decisórias, de modo a compatibilizar as
ações autônomas que cabem aos estados e municípios com a necessária articulação
global, por parte do governo federal.
A CF/88 estabelece, em seu Artigo 23, que a atuação em matéria administrativa11
ambiental é competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios. A Lei Complementar no 140/201112 veio disciplinar o Artigo 23,
fixando normas para a cooperação entre os entes federados, no intuito de
harmonizar e uniformizar a atuação entre eles, evitar sobreposições e tornar a
gestão ambiental mais eficiente.
A lei buscou tornar mais claro o papel de cada ente ao definir as atribuições
específicas e as comuns, além de trazer os conceitos de atuação supletiva e atuação

11. As competências estabelecidas pela CF de 1988 para os entes federativos podem ser, quanto à natureza, executivas,
administrativas ou legislativas. As administrativas, das quais trata a LC no 140/2011, incidem sobre os aspectos de
implementação e fiscalização das medidas relativas ao meio ambiente, tais como o caráter de polícia. As competências
executivas dizem respeito às diretrizes ou estratégias para exercer o poder relacionado ao meio ambiente; as legislativas,
por fim, tratam das possibilidades que cabem a cada ente de legislar sobre questões ambientais (Machado, 2012).
12. A LC também altera o Artigo 10 da Política Nacional de Meio Ambiente – Lei no 6.938/81, adequando-a às novas disposições.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 27

subsidiária. Previu, ainda, os instrumentos de cooperação, os quais não apresentam


inovações, mas a previsão expressa da possibilidade de utilizá-los como ferramentas
para a cooperação (quadro 2).

QUADRO 2
Instrumentos de cooperação entre os entes federativos
Consórcios públicos
Convênios e acordos de cooperação
Comissões Tripartites Estaduais (formadas pela União, estados e municípios) e a Bipartite do Distrito Federal (DF e União) – com o
objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre esses entes federativos
Fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos
A possibilidade de delegação das atribuições e de execução de ações administrativas, desde que observados requisitos legais específicos

Fonte: LC no 140/2011, Art. 4º.

Entre as atribuições da União, a LC estabelece, no Art. 7º: i) formulação e


execução da Política Nacional do Meio Ambiente; ii) integração e articulação entre
os demais entes federativos e outras políticas setoriais para implementar a PNMA;
iii) informação, educação, estudos e pesquisas; iv) ordenamento territorial;
v) controle da qualidade ambiental; vi) gestão florestal; vii) proteção da biodiversidade
(fauna e flora) e do patrimônio genético; e viii) controle do transporte de produtos
perigosos. No quadro 3 são apresentadas as 25 atribuições de responsabilidade da
União agrupadas por temas.

QUADRO 3
Ações administrativas em meio ambiente de responsabilidade da União
Atribuições da União
Política Nacional do Meio Ambiente
Formular, executar e fazer cumprir, em âmbito nacional, a Política Nacional do Meio Ambiente.
Exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições.
Promover ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente nos âmbitos nacional e internacional.
Integração e articulação da PNMA
Promover a integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração pública da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e à gestão ambiental.
Articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio à Política Nacional do Meio Ambiente.
Promover a articulação da Política Nacional do Meio Ambiente com as de Recursos Hídricos, Desenvolvimento Regional, Ordenamento
Territorial e outras.
Informação, educação, estudos e pesquisas
Promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos.
Organizar e manter, com a colaboração dos órgãos e entidades da administração pública dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima).
Promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente.
(Continua)
28 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

(Continuação)
Atribuições da União
Ordenamento territorial
Elaborar o zoneamento ambiental de âmbito nacional e regional.
Definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos.
Controle da qualidade ambiental
Controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente, na forma da lei.
Exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for
cometida à União.
Promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades em áreas de sua competência (tais como o que envolvam
empreendimentos binacionais ou em áreas de fronteiras, em terras indígenas, em UCs Federais (exceto APAs) e as que envolvam
dois ou mais Estados).
Gestão florestal
Aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: florestas públicas federais, terras devolutas
federais ou unidades de conservação instituídas pela União, exceto em APAs; e atividades ou empreendimentos licenciados ou
autorizados, ambientalmente, pela União.
Proteção da biodiversidade (fauna e flora) e do patrimônio genético
Elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção e de espécies sobre-explotadas no território nacional,
mediante laudos e estudos técnico-científicos, fomentando as atividades que conservem essas espécies in situ.
Controlar a introdução no País de espécies exóticas potencialmente invasoras que possam ameaçar os ecossistemas, habitats e
espécies nativas.
Aprovar a liberação de exemplares de espécie exótica da fauna e da flora em ecossistemas naturais frágeis ou protegidos.
Controlar a exportação de componentes da biodiversidade brasileira na forma de espécimes silvestres da flora, micro-organismos e
da fauna, partes ou produtos deles derivados.
Controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas.
Proteger a fauna migratória e as espécies em extinção.
Exercer o controle ambiental da pesca em âmbito nacional ou regional.
Gerir o patrimônio genético e o acesso ao conhecimento tradicional associado, respeitadas as atribuições setoriais.
Controle do transporte de produtos perigosos
Exercer o controle ambiental sobre o transporte marítimo de produtos perigosos.
Exercer o controle ambiental sobre o transporte interestadual, fluvial ou terrestre, de produtos perigosos.

Fonte: LC 140/2011, Art. 7º.

Antes da LC no 140/2011, a atuação na esfera ambiental trazia, na prática,


diversos conflitos de competência entre os entes federativos, por exemplo, autuações
cumulativas (multas) do Ibama, do órgão ambiental estadual e municipal
de meio ambiente e aplicação de diversas sanções administrativas a um único
empreendimento, decorrentes da mesma infração ambiental. Estas sobreposições
implicavam em insegurança jurídica aos empreendedores e ineficiência na atuação
do Sisnama. A LC, além de estabelecer o conceito de licenciamento ambiental,
traz a determinação expressa de que os processos de licenciamento ambiental dos
empreendimentos e atividades de significativo impacto ambiental serão submetidos
a um único crivo, sendo que os demais entes que integram o Sisnama continuam
com o poder de manifestar-se sobre a concessão da licença ou autorização.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 29

Considera-se que, de modo geral, a LC no 140 não inova significativamente o


conteúdo do direito ambiental brasileiro, mas principalmente reforça o ideal coope-
rativo e estabelece que os três entes federativos são solidariamente responsáveis pela
gestão ambiental no âmbito do Sisnama. Além disso, reforça normas antes existentes
(como resoluções do Conama sobre licenciamento), traz maior objetividade e trans-
parência na definição das atribuições de competência ambiental comum dos entes
federativos, evitando a sobreposições de papéis e possibilitando uma maior segurança
jurídica. Contudo, também traz alguns pontos polêmicos, tais como a imposição de
um rol muito amplo de funções de licenciamento aos estados e a possibilidade de estes
intervirem nas competências municipais de licenciamento, já que cabe aos estados
conceituar o “impacto local” nos empreendimentos (Gomes, 2012; Marrara, 2012).
Como enfatiza Araújo (2013) diante do disposto na LC no 140/2011, torna-se
especialmente relevante o fortalecimento dos órgãos ambientais estaduais e
municipais, visto que a descentralização de atribuições para os órgãos ambientais
estaduais e municipais, por si só, não assegura resultados positivos em termos de
política ambiental. Isto é, para o funcionamento adequado do Sisnama devem-se
garantir, aos entes federados, recursos condizentes (humanos e materiais) com a
magnitude e a complexidade dos diferentes problemas ambientais em foco.

3.2 Evolução da institucionalização da política ambiental


Conforme descrito no histórico apresentado, a partir da década de 1930 já ocorriam
ações pontuais de política e gestão ambiental, como demonstram as legislações
de caráter ambiental criadas no período. Ou seja, já se praticava algum tipo de
regulação pública ambiental, mesmo antes da criação de órgãos exclusivos para
esta finalidade.
A institucionalização da função pública relativa ao meio ambiente iniciou-se
em 1973, com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema).
A criação de um locus institicuonal específico para tratar das questões ambientais,
a partir da absorção de algumas funções de outras instituições existentes, deu mais
foco à atuação na temática, que passou a ter “assinatura institucional” e endereço
determinado para as políticas públicas ambientais. Cabe notar que o crescimento
do papel do Estado na regulação do meio ambiente ocorreu mesmo na contramão à
tendência geral de redução de intervenção pública na época (Bursztyn e Bursztyn, 2013).
A partir daí, o arcabouço institucional voltado à política ambiental foi estru-
turado gradativamente. A Política Nacional de Meio Ambiente (Lei no 6.938/1981)
foi o principal instrumento para estruturar o conjunto de instituições, nas três
30 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

esferas de governo, que passou a se organizar sob a forma de um Sistema Nacional


de Meio Ambiente – Sisnama (Quadro 4).

QUADRO 4
Estrutura do Sisnama
1. Conselho de Governo – órgão superior
2. Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) – órgão consultivo e deliberativo
3. MMA – órgão central
4. Ibama – órgão executor
5. Órgãos estaduais de meio ambiente – órgãos seccionais
6. Órgãos municipais de meio ambiente – órgãos locais

Fonte: Lei no 6.938/81.

Milaré (2009) observa que o Sisnama representa a articulação da rede de órgãos


ambientais existentes em todas as esferas da administração pública, mas que ele não
existe por si só: mistura abstração e concretude, pois o todo funciona a partir de
partes reais e a alma do sistema seria a comunicação ou interação entre as partes.
Apesar de ter sido instituído há mais de três décadas, o Sisnama ainda não
se encontra efetivamente estruturado e articulado como um sistema nacional.
Araújo (2013) aponta alguns exemplos das disfunções existentes no Sisnama,
como a centralização histórica de atribuições na esfera federal, ou seja, no MMA
e no Ibama – nem sempre justificável. Além disso, a ocorrência de sobreposição
nas atuações do MMA/Ibama e dos órgãos seccionais (estaduais), indefinição do
papel dos órgãos municipais e conflito entre estes e os órgãos estaduais – conflitos
que se espera sejam atenuados como as regras de cooperação colocadas pela LC
no 140/2011, a qual, como mencionado, visa tornar mais claro o papel de cada
ente federativo.
O avanço da organização institucional no nível federal se deu ora a partir da
extinção e da fusão de instituições (como na criação do Ibama), ora a partir do
desmembramento de instituições (como no caso do ICMBio, que surgiu a partir
de uma repartição do Ibama). Foram criados, ainda, órgãos novos que viessem a
suprir lacunas ainda não atendidas pelas instituições existentes, tal como a ANA,
criada para implantar os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Estes movimentos de estruturação institucional, por vezes conflitivos, exigiram
sempre uma nova acomodação para o atendimento das funções ou missões institu-
cionais recém criadas e o trabalho de desenvolvimento institucional (contratação e
treinamento de pessoal, estrutura física, logística de equipamentos, entre outros)
que continua até a atualidade. O quadro 5 traz uma síntese sobre o atual arcabouço
institucional de gestão ambiental no nível federal.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 31

QUADRO 5
Arcabouço institucional de meio ambiente no nível federal
Instituição/criação Finalidade/missão Características
O Conselho de Governo, órgão superior do Sisnama,
Conselho de Assessorar o presidente da República na formulação integrante da Presidência da República, é constituído
Governo da política nacional e nas diretrizes governamentais por todos os ministros de Estado, pelos titulares
Criado pela Lei no para o meio ambiente e os recursos ambientais essenciais da Presidência da República e pelo Advogado
6.938/1981 (PNMA) (Lei no 9649/1998). Geral da União. Contudo, o mesmo está praticamente
inativo até a atualidade.
O Conama é o órgão colegiado de caráter deliberativo
e consultivo do Sisnama. O colegiado é um dos maiores
constituídos no nível federal, com o total de 108
Assessorar, estudar e propor ao conselho de governo conselheiros, distribuídos em cinco setores: governo
Conselho Nacional
e demais órgãos ambientais diretrizes e políticas federal, governos estaduais; governos municipais;
do Meio Ambiente –
governamentais para o meio ambiente e deliberar, entidades empresariais e entidades de trabalhadores
Conama1
no âmbito de suas competências, sobre normas e e da sociedade civil.
Criado pela Lei no padrões para um meio ambiente ecologicamente Suas competências abrangem a responsabilidade de
6.938/1981 (PNMA) equilibrado2 (Decreto no 3.942/2001). estabelecer critérios e padrões ambientais (normal-
mente expressos na forma de resoluções) e o papel
político-estratégico de articular as políticas ambientais
e promover os objetivos da PNMA.
As principais finalidades do MMA são a de planejar,
coordenar, supervisionar e controlar as ações relativas
ao meio ambiente, bem como formular e executar a
política nacional do meio ambiente, tendo em vista a
preservação, conservação e uso racional dos recursos
naturais renováveis (Lei no 8.746/1993).
Ministério do Meio Suas áreas de competência compreendem:
Ambiente (MMA)
a) política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos;
Criado pela Lei Alguns dos principais programas em andamento no
b) política de preservação, conservação e utilização
no 8.490/1992, MMA são apresentados no quadro 7.
sustentável de ecossistemas, e biodiversidade e florestas;
que transformou
a SEMAM/PR em c) proposição de estratégias, mecanismos e instrumentos
MMA. econômicos e sociais para a melhoria da qualidade
ambiental e do uso sustentável dos recursos naturais;
d) políticas para integração do meio ambiente e produção;
e) políticas e programas ambientais para a Amazônia Legal;
f) zoneamento ecológico-econômico.
(Lei no 10.683/2003).

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente
e dos Recursos Entre suas competências está a de executar e fazer A partir da criação do ICMBio, a atuação do Ibama
Naturais Renováveis executar a política nacional do meio ambiente, como se concentra, principalmente, nas ações de controle,
(Ibama) também, promover a preservação, a conservação, o monitoramento, fiscalização e licenciamento ambiental.
Autarquia federal uso racional, a fiscalização, o controle e o fomento É responsável, ainda, pela elaboração do Relatório de
vinculada ao MMA. dos recursos naturais. Qualidade do Meio Ambiente, entre outras atividades.
Criado pela Lei no
7732/1989.

Serviço Florestal O SFB tem a missão de promover o uso econômico Entre outras funções, gerencia o Fundo Nacional de
Brasileiro (SFB) e sustentável das florestas e atua exclusivamente na Desenvolvimento Florestal (FNDF), apoia programas
Criado pela Lei gestão das florestas públicas. de capacitação em atividades florestais, estimula a
no 11.284/2006 e prática de atividades florestais sustentáveis, promove
O órgão tem autonomia administrativa e financeira
aprovado na estrutura estudos de mercado para produtos florestais, propõe
assegurada por Contrato de Gestão.
regimental do MMA planos de produção florestal sustentável, mantém o
pelo Decreto Atua em parceria com os seus congêneres estaduais Sistema Nacional de Informações Florestais e gerencia
no 6.063/2007. e municipais. o Cadastro Nacional de Florestas Públicas.

(Continua)
32 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

(Continuação)
Instituição/criação Finalidade/missão Características

O ICMBio é responsável pela gestão de 887 UCs


Instituto Chico federais de proteção integral e uso sustentável, as
Mendes para Autarquia federal vinculada ao MMA que executa as quais abrangem 754.854 km2 do território brasileiro.13
Conservação da ações da política nacional de unidades de conservação O Instituto também mantém unidades descentralizadas,
Biodiversidade referentes ao gerenciamento das UCs federais. Também formadas pelas Coordenações Regionais, Centros
(ICMBio) tem a função de realizar programas de pesquisa e Nacionais de Pesquisa e Conservação e pela Academia
Criado pela Lei conservação da biodiversidade e de educação ambiental. Nacional da Biodiversidade (Acadebio), criada em
no 11.516/ 2007 2009 e responsável pela formação dos analistas
ambientais. Realizou o 1o concurso público em 2008.

A ANA atua principalmente na implantação dos


instrumentos da PNRH, visando o uso sustentável
Agência Nacional de Tem como finalidade implementar, em sua esfera de da água, dentre os quais: a outorga dos direitos
Águas (ANA) atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, de uso da água (em corpos d´água de domínio da
Criada pela Lei integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de União), implantação do Plano Nacional de Recursos
no 9.984/2000 Recursos Hídricos. Hídricos, enquadramento dos corpos de água em
classes, implantação da cobrança de uso da água e
do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.

Elaboração da autora.
Notas: 1 Para uma análise da atuação do Conama, ver capítulo 3, desta publicação.
2
Lei no 6.938/1981, regulamentada pelo Decreto no 99.274/1990, com alterações feitas pelo Decreto no 3.942/2001,
que disciplina as finalidades consultivas e deliberativas, bem como as competências do Conama

Observa-se que, além das instituições ambientais referidas no quadro 5,


alguns programas ambientais do Plano Plurianual (PPA) têm a participação de
outros ministérios e instituições do governo federal. O Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MP) definiu, para o PPA 2016-2019, quatro programas
temáticos ambientais: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade; Mudança
do Clima; e Qualidade Ambiental e Recursos Hídricos. Observa-se que o programa
Recursos Hídricos tem, além do MMA, a participação do Ministério de Minas e
Energia (MME) em ações como a realização de estudos sobre recursos hídricos e
do Ministério da Integração (MI), responsável, principalmente, pelo desenvolvi-
mento de obras de infraestrutura hídrica, as quais não se constituem, estritamente,
em gastos ambientais – isto é, o objetivo principal dos investimentos do MI é o
abastecimento da população, portanto, são de cunho predominantemente social.
O programa Mudança do Clima tem a participação do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI). Além disso, algumas ações em resíduos sólidos,
que fazem parte do programa Qualidade Ambiental, são desenvolvidas também
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O quadro 6 traz os programas temáticos ambientais do PPA, bem como seus
respectivos responsáveis14 e valores globais a serem aplicados ao longo do período
2012/2015.

13. Fonte: MMA. Disponível em: <http://goo.gl/8Sj5Ez>. Acesso em: 20 maio 2014.
14. No formato do atual PPA, não existem órgãos responsáveis pelo Programa Temático, mas por cada um de seus objetivos.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 33

QUADRO 6
Programas temáticos do PPA 2016-2019 na área ambiental
Programa temático Valores globais (2016/2019)
Órgãos responsáveis
(código/descrição) (Em R$ mil)
2084 – Recursos Hídricos MMA, MI e MME 14.717.497
2050 – Mudança do Clima MCTI e MMA 2.559.400
2078 – Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade MMA 2.944.856
2083 – Qualidade Ambiental MMA e MTE 513.044
Total 20.734.797

Fonte: Brasil (2016).

Entre os principais programas15 do MMA em vigência, existem aqueles de


caráter abrangente (ou transversais) voltados para a gestão ambiental, desenvolvimento
institucional, educação e participação e outros orientados para temáticas específicas.
Destacaram-se alguns destes programas no quadro 7.
QUADRO 7
Programas ambientais desenvolvidos pelo MMA
Temática Programas
Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA): apoia o desenvolvimento institucional e projetos de melhoria
Programas de qualidade ambiental nos estados;
abrangentes
Agenda 21: voltado para o desenvolvimento de agendas 21 locais, nos municípios; Educação Ambiental.
Água Doce: visa o acesso à água em comunidades do semiárido;
Gestão dos Águas Subterrâneas: voltado à gestão integrada deste recurso;
recursos hídricos Revitalização de Bacias Hidrográficas: visa ações para o aumento da quantidade e para a melhoria da qualidade
da água para os diversos usos nas bacias.
Programa Nacional de Florestas: busca conciliar o uso com a conservação das florestas brasileiras;
Proteção das Florestas Tropicais: antigo PPG7, em fase de encerramento;
Gestão de
recursos florestais Mais Ambiente: voltado à regularização ambiental das propriedades rurais de acordo com o que determina
o Código Florestal;
Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM).
Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA): voltado à proteção das florestas da Amazônia por meio de UCs;
Bolsa Verde: concede benefícios às famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas consideradas
Biodiversidade e prioritárias para conservação ambiental;
gestão de áreas
protegidas Cerrado Sustentável: tem o objetivo de promover a conservação e recuperação do bioma Cerrado;
Corredores Ecológicos: busca reduzir a fragmentação de florestas, promovendo a conectividade ecológica
nos biomas Amazônia e Mata Atlântica.
Projeto Orla: busca o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União; Zoneamento Ecológico
Ordenamento
Econômico: busca planejar e ordenar o território brasileiro, harmonizando as relações econômicas, sociais
territorial
e ambientais.
Gestão de solos
Combate à Desertificação: busca identificar as causas da desertificação e as medidas para o seu combate e
e recuperação de
à mitigação dos efeitos da seca.
áreas degradadas
Elaboração da autora.

15. Os programas mencionados não correspondem aos programas temáticos ambientais do PPA. São programas
desenvolvidos pelo MMA, que podem estar inseridos no PPA como ações.
34 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

Pesquisa conduzida pelo Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento


da Câmara dos Deputados (Cefor) analisou o desempenho dos programas de meio
ambiente executados pelo MMA no período de 2001 a 2009. O desempenho
orçamentário dos programas foi analisado com base no Siga Brasil,16 enquanto a
análise dos resultados obtidos fundamentou-se nos relatórios anuais que acompanham
o Balanço Geral da União (BGU), nas avaliações dos PPAs e em relatórios do
Tribunal de Contas da União (TCU) e da CGU – Controladoria Geral da União
(Silva et al, 2013).
No período analisado, verificou-se o decréscimo dos gastos orçamentários
(valor empenhado) ligados à Função Gestão Ambiental (FGA). O valor empenhado
caiu de 0,47% do orçamento do Poder Executivo, em 2001, para 0,29%, em 2009.
Além da queda relativa da participação da FGA em relação ao orçamento global,
também houve redução em termos absolutos ao longo dos anos, com retorno ao
nível inicial apenas no final do período.
Verificou-se que a concentração dos recursos financeiros estava em programas
“administrativos” (principalmente para pagamento de pessoal ativo e inativo) os
quais chegaram a alcançar mais de 70% dos gastos ambientais, em detrimento
do financiamento das atividades finalísticas dos programas em implantação.
O estudo identificou, também, dificuldades de execução orçamentária que
repercutiram negativamente no desempenho das atividades planejadas, tais como a
falta de correspondência entre os valores planejados e realizados a cada ano, devido
a contingenciamento dos recursos orçados ou liberação apenas no final do ano.
No que se refere à eficácia dos programas (grau de alcance das metas
programadas), a pesquisa selecionou, dos 62 programas executados no período, um
conjunto daqueles considerados mais significativos para análise detalhada: Amazônia
Sustentável; Brasil Joga Limpo; Resíduos Sólidos Urbanos; Mudanças Climáticas
e Meio Ambiente; Recursos Hídricos e Zoneamento Ecológico-Econômico.
Em alguns casos houve dificuldades de quantificação dos resultados devido a deficiências
no estabelecimento de indicadores e à descontinuidade dos programas. A pesquisa
relata os resultados alcançados em cada programa no período, concluindo que, de
modo geral, evidenciou-se uma “escassez de resultados, apesar do caráter laudatório
dos relatórios oficiais”, ou seja, uma baixa eficácia dos programas executados por
meio da função gestão ambiental no período.
Por fim, o estudo aponta para a aparente inexistência de retroalimentação do
processo, no sentido de que as deficiências operacionais e organizacionais destacadas
em relatórios oficiais tendem a persistir nos anos seguintes. Ou seja, observa-se baixa
capacidade de absorção ou aprendizagem, frente às análises e recomendações realizadas
para o aprimoramento e correções de rumo dos programas (Silva et al, 2013).

16. O SIGA Brasil é um sistema de informações sobre orçamento público mantido pelo Senado Federal, que permite
acesso amplo e facilitado ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) e a outras bases de dados sobre
planos e orçamentos públicos, por meio de uma única ferramenta de consulta.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 35

No que se refere à dificuldade de se evidenciar os resultados alcançados


pelos programas, observa-se que esta deficiência deve-se, também, ao fato de que
o MMA17 ainda se encontra pouco estruturado tanto para o planejamento, como
para a função avaliativa de suas políticas e programas. Esta dificuldade deve-se,
em parte, ao processo de fortalecimento e desenvolvimento institucional ainda em
curso no órgão, sendo uma das principais dificuldades a formação de um quadro
técnico próprio qualificado. Criado em 1992, apenas em 2004 o MMA realizou
o seu primeiro concurso para servidores efetivos. Antes disso, o ministério
funcionava por meio de contratos operacionalizados por organismos internacionais
(Pnud, por exemplo). Em 2003 foram realizados contratos temporários a partir de
processos seletivos feitos diretamente pelo órgão, visto que os contratos feitos pelos
organismos internacionais estavam sendo questionados pelo Ministério Público
por não arcarem com os direitos trabalhistas e não respeitarem a forma de ingresso
no serviço público mediante concursos. Tal política de pessoal causou prejuízos ao
desempenho do órgão, com problemas de falta de estabilidade nas equipes e perda
de pessoal técnico, que persistem até a atualidade.

4 DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA


A trajetória percorrida pela política ambiental federal indica que ocorreram evidentes
avanços, tanto no que se refere à estruturação institucional, quanto no estabelecimento
de importantes marcos legais. Ainda assim, não há dúvidas de que permanecem
grandes desafios a serem superados no que se refere ao aperfeiçoamento das funções da
governança ambiental e da aplicação de seus princípios – os quais, em seu conjunto,
contribuem paro o aumento da capacidade de resposta do Estado aos problemas
ambientais. A seguir, busca-se sintetizar alguns destes desafios que apontam,
também, para um horizonte de trabalho a ser trilhado no aperfeiçoamento da
política ambiental brasileira.

4.1 Investimento em planejamento, avaliação e mecanismos de accountability


As dimensões planejamento e avaliação ainda são frágeis na área ambiental. Necessita-se
de maior investimento no estabelecimento de planos de médio a longo prazos,
com objetivos e metas embasados na identificação de áreas estratégicas a serem
enfocadas. Estas áreas prioritárias de atuação deveriam considerar não apenas os
aspectos ecológicos, mas também o impacto dos problemas ambientais na esfera
social – número de pessoas afetadas, efeitos sobre a saúde humana e custos sobre
a produtividade e o crescimento econômico.

17. No MMA, a Coordenação de Planejamento Institucional do Departamento de Gestão Estratégica (DGE) é responsável
pela coordenação do processo de planejamento estratégico, bem como pelo monitoramento e avaliação das ações
executadas pelo órgão.
36 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

Neste sentido, cabe resgatar a função do Conama em estruturar uma agenda de


planejamento, visto que o conselho é responsável por formular a Agenda Nacional
de Meio Ambiente, a ser proposta aos órgãos e às entidades do Sisnama sob a forma
de recomendação. A agenda foi realizada apenas uma vez (2007-2008), tendo sido
criticada por ser muito extensa e pouco objetiva, e não tem sido considerada como
efetivo instrumento de planejamento para o Conama ou para os órgãos ambientais
federais (Ipea, 2011).
O MMA elaborou, por meio de processo participativo, o seu primeiro plane-
jamento estratégico, com horizonte temporal de 2014 a 2022, no qual estabelece
missão, visão, valores e grandes objetivos estratégicos. A iniciativa é um passo inicial
importante no processo de planejamento do órgão (Brasil, 2014). Contudo, apenas
para exemplificar o quanto ainda se faz necessário avançar nesse ponto, a agência
ambiental norte-americana (United States Environmental Protection Agency – EPA)
elabora, desde 1995, os seus planos estratégicos quadrienais, nos quais as prioridades
da agência para o período, submetidas previamente ao Congresso, são delimitadas.
Estes planos são desdobrados em planos de ação anuais, os quais são avaliados, após
seu período de execução, por meio de relatórios de progresso.
Para a eficácia do planejamento e de coordenação e avaliação das metas propostas
percebe-se a importância de sistemas de monitoramento e avaliação eficientes.
Ainda há dificuldades em medir avanços e retrocessos devido à falta de mecanismos
de avaliação estruturados – com indicadores confiáveis e metodologias perenes, que
permitam a formação de séries históricas – nos órgãos responsáveis pelas políticas
ambientais. Tal dificuldade, que não é exclusiva da temática ambiental, torna
o quadro de desempenho da política ambiental pouco claro, tanto para o gestor
quanto para avaliadores externos.
Sem estes mecanismos de prestação de contas e transparência (accountability)
não se pode responsabilizar os inadimplentes ou faltosos na condução das políticas
e nem tomar decisões com eficácia. Esta não é uma preocupação nova, mas a
questão continua sendo um ponto de fragilidade, na qual se percebe avanços
ainda limitados. Sem estas ferramentas, a resposta à pergunta sobre a efetividade
que vem sendo alcançada pela política ambiental brasileira – a qualidade do meio
ambiente no Brasil indica que estamos no caminho da sustentabilidade? – mostra-se
imprecisa ou parcial.

4.2 Estrutura de governança fragmentada


De forma geral, necessita-se avançar no desenvolvimento das instituições federais
de meio ambiente, as quais, relativamente recentes, quando se trata de tempos
institucionais, ainda não alcançaram a almejada consolidação e maturidade.
Estas instituições necessitam melhorar seu desempenho, investir mais na formação
de seu quadro de recursos humanos (com carreiras estruturadas e atrativas) e
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 37

aumentar sua capacidade de enforcement, ou seja, de cumprimento da lei e das


decisões emanadas dos órgãos ambientais.
O governo federal precisa, ainda, apoiar a melhor estruturação e capacitação
de órgãos ambientais nos níveis estadual e local (municípios), visto que deficiências
nesses níveis ainda se constituem em grandes obstáculos para o sucesso da imple-
mentação das políticas emanadas da esfera federal. Ineficiências burocráticas também
devem ser sanadas, visto que ainda persiste, em muitos órgãos do Sisnama, uma
“cultura cartorial”, focada em processos (como a emissão de licenças ambientais)
e não em resultados relacionados à melhoria de qualidade ambiental.
No entanto, a complexidade inerente às questões ambientais exige não apenas
o desenvolvimento das instituições ambientais stricto sensu, ou seja, das instituições
que compõem o Sisnama. É imprescindível uma razoável articulação e comu-
nicação entre as demais instituições cujas políticas afetam o meio ambiente.
Não apenas no Brasil, os órgãos responsáveis pelas políticas ambientais (ministérios)
frequentemente se tornam ilhas burocráticas, isolados de outros órgãos que afetam
o meio ambiente. Desta forma, há a tendência de os demais ministérios assumirem
que a preocupação com a questão ambiental não é sua tarefa.
De forma geral, os órgãos ambientais raramente são suficientemente poderosos
para influenciar a maioria das decisões de caráter econômico que gera impactos
significativos sobre o meio ambiente. A área ambiental sofre, particularmente, com
os conflitos entre interesses públicos e privados. Muitas vezes, a “rivalidade” se dá
entre as próprias instituições governamentais, de braços diferentes do governo.
Em arenas como o Conama, nas quais participam instituições do governo, do setor
produtivo e da sociedade civil, é possível perceber que os interesses muitas vezes
não são apenas conflitantes, mas francamente opostos e irreconciliáveis.
Assim, instituições mais eficientes na área ambiental não são, necessariamente,
sinônimo de instituições cada vez maiores, com mais recursos, mais pessoal, mais
estrutura, etc. Pela especificidade da temática ambiental, o desejável é que as funções
ambientais também sejam absorvidas e internalizadas nos outros órgãos federais
que tomam, cotidianamente, decisões que afetam o meio ambiente e possuem
recursos orçamentários18 de magnitudes muito superiores, tais como os setores de
energia, transporte e agricultura.
A eficiência institucional na área ambiental passa por uma forte capacidade
de articulação estratégica entre as instituições ambientais com os demais órgãos
governamentais e pela capacidade de aquelas coordenarem ações transversais, sem

18. No que se refere aos recursos disponíveis – o que impacta diretamente a questão da eficiência e da capacidade
de cumprir as metas propostas (eficácia) – estudos indicam que, apesar do agravamento dos problemas ambientais,
estes têm sido decrescentes, proporcionalmente, no orçamento federal destinado às políticas ambientais brasileiras
(Silva et al., 2013).
38 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

o risco de se perderem no gerenciamento de inúmeros conselhos e comissões


interministeriais. Isto é, unificar ação e discurso, para dar coerência ao Sisnama
e orientar as diversas pastas ministeriais do Executivo em busca da chamada
“visão integrada”, no que se refere à política ambiental brasileira.

4.3 Federalismo ambiental


Observa-se que, no Brasil, a capacidade de resposta aos problemas ambientais está
assentada sobre uma estrutura institucional de governança complexa, com diversos
entes federativos que devem ser articulados para a implementação das políticas
ambientais, visto que a degradação e a poluição dos recursos naturais transcendem
fronteiras políticas. No caso brasileiro, as dimensões continentais do território, as
desigualdades inter-regionais e a forma federativa assumida pelo Estado impactam
a condução da política ambiental federal.
Assim, no âmbito do Sisnama, a política ambiental federal só se torna efetiva
se os entes estabelecerem um acordo de vontades para cooperar uns com os outros.
Como diz Neves (2012), a interdependência que demanda regras compartilhadas
é a contraface da autonomia (autorregulação) em regimes federativos. Isto implica
em uma gestão tripartite, voltada para o objetivo comum da proteção ao meio
ambiente, e pressupõe a coordenação de esforços – também denominada de “pacto
federativo ambiental” – para uma gestão compartilhada (Silva, 2013).
Neste sentido, como visto, a LC no 141/2011 veio disciplinar o Art. 23 da
CF/88, fixando normas para a cooperação entre os entes federados e definindo
alguns instrumentos para tanto. Contudo, a lei em si não resolve a questão da
cooperação intergovernamental, mas funciona principalmente como diretriz do
caminho a ser seguido. Os avanços necessários nas medidas propostas dependem
da vontade política dos gestores, isto é, do desenvolvimento de uma “cultura
cooperativa.”19 Formalmente, a federação brasileira é cooperativa, mas ainda
predomina um perfil não cooperativo na prática, visto que os laços entre os níveis
de governo são considerados difusos e contraditórios, marcados por tensões entre
tendências centralizadoras e descentralizadoras (Almeida, 2001).
Assim, a cooperação intergovernamental coloca-se como condição sine qua
nom para a viabilização da política ambiental. Para enfrentar os obstáculos à ação
cooperada é fundamental buscar mecanismos de coordenação de alto nível dentro
da própria estrutura do Sisnama, papel que caberia fundamentalmente ao
Conselho de Governo e ao Conama. Não seria necessária a criação de mecanismos
novos, apenas a “revitalização” do Conselho de Governo e do Comitê de Políticas

19. Um exemplo prático de dificuldade neste sentido refere-se à gestão dos resíduos sólidos. É vantajoso, principalmente
para municípios pequenos, que equipamentos como aterros sanitários ou centrais de triagem de recicláveis sejam
construídos e operacionalizados de forma consorciada. Contudo, os municípios muitas vezes não conseguem entrar em
acordo para definir qual deles receberá os resíduos do outro, o que dificulta o estabelecimento deste tipo de consórcio.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 39

Ambientais do Conama (Cipam) para que trabalhem em estratégias convergentes,


de estímulo à ação conjunta, para o enfrentamento das questões ambientais das
diversas esferas de governo.

4.5 Estabelecimento de prioridades domésticas e foco em uma agenda própria


Sabe-se que a questão ambiental é tema cada vez mais corrente na agenda inter-
nacional e nas agendas multilaterais. Sob a égide da ONU, o tema entrou mais
fortemente no Brasil a partir da década de 1970. O financiamento internacional
de instituições como o Banco Mundial tem moldado, durante um longo tempo,
as políticas ambientais brasileiras. Pode-se dizer que a criação de muitos órgãos
ambientais foi resultado da busca em dar uma resposta às pressões externas. Sob esta
pressão externa, o Brasil vem se pautando por uma agenda de interesse internacional.
Nas últimas décadas, houve, também, uma proliferação de acordos ambientais
internacionais. Meio ambiente é a segunda área mais comum para acordos entre
os países,20 ficando atrás apenas de comércio exterior, ainda que alguns acordos
ambientais tendam a ser mais declaratórios (intenções, princípios) do que regras
a serem seguidas. A política externa ambiental brasileira tem se saído bem nestes
acordos – o país tem assumido, inclusive, o papel de um ator importante
(key player) nas negociações multilaterais ambientais, passando de “estado-veto” a
“estado-promotor” (Barros, 2011).
Contudo, não se pode esquecer que a extensa agenda criada pelos diversos
acordos internacionais ambientais é construída com a participação de países com
capacidades muito assimétricas, o que coloca em questão sua legitimidade, e, além
disso, pode ofuscar as prioridades nacionais. Como observa Barros (2011), ainda
hoje a liderança nos acordos é dos países desenvolvidos, que definem a agenda
global em função dos seus interesses domésticos. O Brasil tem se organizando
para responder às agendas de temas ambientais globais, os quais, a despeito de sua
importância, podem ofuscar a dimensão de graves problemas ambientais internos
que ainda não foram equacionados no Brasil e que nos países mais desenvolvidos
não entram mais em pauta, por já estarem bem encaminhados ou resolvidos.
Assim como no final da década de 1980 uma Comissão de Desenvolvimento
e Meio Ambiente da América Latina e do Caribe foi criada para pensar sob uma
visão regional a problemática do meio ambiente – tendo elaborado o documento
Nossa Própria Agenda (Pnud, 1991)21 – o Brasil necessita pensar em estratégias

20. Desde 1940, o Brasil assinou 33 acordos multilaterais ambientais nos mais variados temas. É importante lembrar
que tais acordos não tratam apenas de aspectos ambientais, mas envolvem importantes questões da política externa
brasileira: comerciais, tecnológicas, estratégias e de segurança, entre outras (Barros, 2011).
21. O documento conclamava: “Temos que definir nosso próprio programa de ação. Se não conseguirmos avaliar
objetivamente os problemas e oportunidades apesentados pelo patrimônio natural da região, não saberemos estabelecer
as prioridades para a ação e certamente cometeremos erros no planejamento das estratégias que acreditamos capazes
de nos proporcionar o desenvolvimento sustentável” (Pnud, 1991, p. 5).
40 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

próprias para enfrentar seus problemas ambientais prioritários. Ou seja, uma


agenda doméstica, que oriente, inclusive, as negociações com os demais países.
Por exemplo, é desnecessário enfatizar o atraso brasileiro na questão prioritária
de acesso ao saneamento básico, que é a degradação ambiental mais frequente nas
cidades brasileiras, gerando enorme impacto adverso na saúde da população (IBGE, 2012).
Quando o Brasil organiza sua agenda ambiental interna apenas em função
das agendas internacionais, temas significativos, como as questões hídrica e de
saneamento, ficam em segundo plano, pois estas têm menor destaque na agenda
global por serem consideradas mais de cunho doméstico. Enquanto isto, agravam-se
no país os problemas de poluição dos corpos d´água, perda de nascentes e avanço
da desertificação, levando a situações de escassez de água em algumas áreas, com
enorme prejuízo social.
O Brasil tem um perfil de destaque no cenário internacional, por ser um
grande detentor de riquezas naturais (provavelmente a maior riqueza natural do
planeta) e uma potência emergente. No entanto, o país continua com um “jogo de
subtração”, exportando recursos naturais – biodiversidade não patenteada, madeira
e commodities agrícolas (Strautch, 2008). Assim, o Brasil necessita desenvolver uma
agenda própria que permita conjugar seu potencial de riqueza natural com níveis
adequados de saneamento e desenvolvimento tecnológico (menos intensivo e
impactante no uso e extração de matérias primas). Este é um passo importante para
o país evitar perdas aceleradas de seus recursos, algumas irreversíveis, as quais, cedo
ou tarde, terão grande impacto na economia interna e no comércio internacional.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. H. T. Federalismo, democracia e governo no Brasil: ideias, hipóteses
e evidências. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais,
São Paulo, n. 51, p. 13-34, 2001.
ALVAREZ, A. R.; MOTA, J. A. Direito ambiental brasileiro: princípios e limites
de implantação. In: ______. (Org.). Sustentabilidade ambiental no Brasil:
biodiversidade, economia e bem-estar humano. Brasília: Ipea, 2010.
ARAÚJO, S. M. V. G. Os fundamentos legais da política nacional do meio ambiente.
In: GANEN, R. S. (Org.). Legislação brasileira sobre meio ambiente: fundamentos
constitucionais e legais. Brasília: Edições Câmara, 2013. v. 1.
BARROS, A. F. G. O Brasil na governança das grandes questões ambientais
contemporâneas, país emergente? Brasília: Cepal; Ipea, 2011. (Texto para
Discussão, n. 40).
BRASIL. Documento de contribuição brasileira à Conferência Rio+20. Brasília:
MMA, nov. 2011. Disponível em: <http://goo.gl/7uyUQd>.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 41

______. Ministério do Meio Ambiente. Planejamento estratégico – gestão para


resultados 2014-2022. Brasília: MMA, jul. 2014.
______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Plano Plurianual
2016-2019 – Anexo I. Brasília: MP, 2016. Disponível em: <http://goo.gl/47VAZl>.
BURSZTYN, M. A.; BURSZTYN, M. Fundamentos de política e gestão
ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.
CASTELLO, L. Psicologia ambiental e política ambiental: estratégias para a
construção do futuro. Psicologia USP, São Paulo, v. 16, n. 1-2, p. 223-236, 2005.
Disponível em: <http://goo.gl/0sMtA9>.
CDES – CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL.
Acordo para o desenvolvimento sustentável: contribuições para a Conferência
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20. Brasília: CDES,
2011.
DAWBOR, L. Entender a Rio+20: balanços e compromissos. Ladislau Dowbor,
3 set. 2012. Disponível em: <http://goo.gl/MmzbYO>.
DE LOË, R. C. et al. From government to governance: a state-of-the-art review
of environmental governance. Guelph: Rob de Loë Consulting Services, 2009.
(Final Report).
GANEM, R. S. (Org.). Legislação brasileira sobre meio ambiente. Brasília:
Câmara dos Deputados, 2013. v. 1. (Fundamentos constitucionais e legais).
GOMES, B. M. E. H. Breve análise da Lei Federal Complementar 140/2011 –
a regulamentação da competência ambiental comum. Natal: Afauna, 2012.
IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Processo
político e decisório no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente –
Conama. Brasília: Ipea, 2011. (Relatório de pesquisa). Disponível em: <http://
goo.gl/mja6T2>.
______. Nota Técnica: experiências de monitoramento dos resultados de conferências
nacionais. Brasília: Ipea, 2013.
LOPEZ, F. G.; ABREU, R. A participação das ONGs nas políticas públicas: o ponto
de vista de gestores federais. Brasília: Ipea, 2014. (Texto para Discussão, n. 1949).
MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2012.
MARINHO, Y. R. A lei de crimes ambientais frente à evolução do direito
ambiental: sanções versos incentivos. In: ALVAREZ, A. R.; MOTA, J. A. (Org.).
Sustentabilidade ambiental no Brasil: biodiversidade, economia e bem-estar
humano. Brasília: Ipea, 2010. v. 7, p. 227-245.
42 | Governança Ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas

MARRARA, T. Cooperação federativa ambiental: inovações da Lei Complementar


140/2011? Jornal Carta Forense, São Paulo, 23 jul. 2012. Disponível em:
<http://goo.gl/MFo2Ob>.
MEADOWS, D. L. et al. Limites do crescimento: um relatório para o Projeto
do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo: Perspectiva, 1972.
MILARÉ, E. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009.
MOURA, A. M. M. A. auditoria ambiental como instrumento de políticas
públicas no Brasil: análise e perspectivas. In: ALVAREZ, A. R.; MOTA, J. A. (Org.).
Sustentabilidade ambiental no Brasil: biodiversidade, economia e bem-estar
humano. Brasília: Ipea, 2010. v. 7, p. 327-358.
______. Financiando o desenvolvimento sustentável: o papel das compras públicas.
In: MOURA, A. M. M. A. Brasil em desenvolvimento 2011: Estado, planejamento
e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2011. v. 2, cap. 17.
______. Governança das políticas ambientais no Brasil: desafios à construção
de um sistema integrado de avaliação. Brasília: Ipea, 2013. (Texto para Discussão,
n. 1904). Disponível em: <http://goo.gl/XWLs8a>.
NEVES, E. M. S. C. Política ambiental, municípios e cooperação intergovernamental
no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 26, n. 74, p. 137-150, 2012. Disponível
em: <http://goo.gl/xVcaqI>.
NEVES, M. A constitucionalização simbólica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
p. 43.
OLSON, M. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos
grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999.
PETERS, B. G. O que é governança? Revista do Tribunal de Contas da União,
Brasília, ano 45, n. 127, maio/ago. 2013. Disponível em: <http://goo.gl/iRTzwH>.
PNUD – PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO.
Nossa própria agenda – Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente da
América Latina e do Caribe. Nova Iorque: BDI; Pnud, 1991.
SILVA, C. S. G. Federalismo cooperativo ambiental no Brasil – notas sobre a Lei
Complementar n. 140/2011. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3544, 15 mar. 2013.
Disponível em: <http://goo.gl/6r17t5>.
SILVA, E. F.; JURAS, I. A. G. M.; SOUZA, S. M. A política de meio ambiente como
ela é. In: MIRANDA, R. C. R.; SOUZA, J. R. C. (Org.). O processo legislativo,
o orçamento público e a casa legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados, 2013.
Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil | 43

SIQUEIRA, L. C. Política Ambiental para quem? Ambiente e Sociedade, Campinas,


v. 11, n. 2, p. 425-437, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://goo.gl/VIylUY>.
STRAUCH, M. Instrumentos da política ambiental. In: STRAUCH, M.;
ALBUQUERQUE, P. P. (Org.). Resíduos: como lidar com recursos naturais.
São Leopoldo: Oikos, 2008. p. 191-212.
TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Governança no setor público:
fundamentos. Brasília: TCU; ISC, 2012.
VEIGA, J. E. Indicadores para a governança ambiental. In: ENCONTRO DA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA, 7., 2007,
Fortaleza, Ceará. Anais... Fortaleza: Ecoeco, 2007.
VIANA, M. B. Exercício da cidadania ambiental. In: GANEM, R. S. (Org.).
Legislação brasileira sobre meio ambiente: instrumentos da Política Nacional
do Meio Ambiente. Brasília: Edições Câmara, 2013. v. 2.

Você também pode gostar