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1 Silva - O Brasil Colonial
1 Silva - O Brasil Colonial
POSSIBILIDADES INTERPRETATIVAS*
Artigo
Abstract: this article suggests to analyze two interpretative possibilities about colonial
Brazil. Initially we’ll understand the traditional interpretations, such as Caio Prado Júnior
and Fernando Novais, then we’ll present the new studies, associated to the Rio’s School,
the purpose is to provide to the Portuguese America’s researcher a methodological and
bibliographic support base alternative to classical studies.
N
os últimos anos, inúmeros historiadores têm se destacado por suas pesquisas em Bibliotecas
e Arquivos públicos principalmente da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e
Pernambuco – fiéis depositários de manuscritos, memórias e outros documentos do Brasil
dos séculos da colonização. Segundo Russel-Wood (2001, p. 84), essas instituições são o ‘bred and
butter’ para os historiadores do Brasil colonial, ou seja, provedores vitais de fontes para se conhecer
a História não apenas por meio da discussão historiográfica, mas também por meio de suas fontes
primárias, o que lhes oferece novas possibilidades de análise e de interpretação histórica.
ABORDAGENS CLÁSSICAS
Os estudos de Caio Prado Júnior formaram a base para o entendimento do período colonial,
marcando presença em grande parte dos livros didáticos ainda hoje. A teoria de sentido da colonização,
segundo a qual o desenvolvimento da economia brasileira esteve vinculado desde os primórdios às
necessidades do mercado externo, consolidou-se em uma historiografia que se estendeu até a década
de 1980, de maneira pouco contestada (MENDES, 2011, p. 88).
Até a década de 1960, acreditava-se que para compreender os problemas enfrentados pelo Brasil
seria necessário recorrer à história e, mais especificamente, ao período colonial, encontrando em sua
superação a chave para solucioná-los. Era uma característica da historiografia brasileira não trabalhar
com um período específico, mas inter-relacionar passado, presente e futuro (MENDES, 2011, p. 88).
É o que chamamos de ensaio3.
Já na Introdução da obra Formação do Brasil contemporâneo, Caio Prado (1961, p. 7) afirma que,
em função da organização econômica e social do Brasil colonial, nossa produção era – ainda em 1942,
quando escreveu - “extensiva para mercados do exterior” e que se sentia “a falta de um largo mercado
interno solidamente alicerçado e organizado”. O historiador via na deficiência do mercado interno
um problema histórico, fruto do passado colonial, e na superação deste passado o melhor caminho
para o desenvolvimento da nação. Nas palavras do historiador Claudinei Mendes, “é a posição do
autor diante das questões de sua época que explica sua interpretação, e não ao contrário” (2008, p. 23).
Vejamos a seguir um trecho em que Prado Júnior (1961, p. 123, grifos do autor) resume sua
percepção da economia colonial:
Uma vez que a economia colonial se organizava de maneira submissa aos interesses que lhe são
exteriores, é inevitável a contradição de interesses entre os polos. Caio Prado, com a teoria de sentido
da colonização, quis mostrar que tudo, ou pelo menos os fatores de primeira ordem, teria girado em
torno de uma mola mestra, que é a economia, que se volta ao mercado externo. Nas suas palavras:
“tudo mais que nela existe, e que é aliás de pouca monta, será subsidiado e destinado unicamente a
amparar e tornar possível a realização daquele fim essencial” (1961, p. 113). Desta maneira, as pequenas
propriedades, o trabalho autônomo e a produção para subsistência seriam de importância ínfima se
comparadas às grandes propriedades, de monocultura e mão de obra escrava, destinadas a fornecer
minérios e gêneros tropicais para a Europa.
Também Fernando Novais é expoente desta historiografia e compartilha da visão de que o
desenvolvimento da colônia depende dos fatores externos, mas avança a discussão sugerindo que a
exploração correspondeu à acumulação primitiva de capital na Europa4. Em suas palavras,
O monopólio do comércio das colônias pela metrópole define o sistema colonial porque é através
dele que as colônias preenchem sua função histórica, isto é, respondem aos estímulos que lhes
deram origem, que formam a sua razão de ser, enfim que lhe dão sentido (NOVAIS, 1969, p. 51,
grifos do autor).
uma parte significativa da massa de renda real gerada pela produção da colônia é transferida pelo
sistema de colonização para a metrópole e apropriada pela burguesia mercantil; essa transferência
corresponde às necessidades históricas de expansão da economia capitalista de mercado na etapa
de sua formação (NOVAIS, 1969, p. 52).
Entendemos, com isso, que estes historiadores elaboraram uma tradição historiográfica que
tem como princípio entender a história do Brasil em sua relação com a história de Portugal. Mais que
isso, entendem que as estruturas econômicas da colônia desenvolveram-se em prol da Metrópole e da
conjuntura histórica na qual esta se inseria. Para Novais, “é desta estrutura básica que, a nosso ver,
NOVAS INTERPRETAÇÕES
A partir de 1970, e com maior veemência após a década de 1990, alguns historiadores, vinculados
à denominada Escola do Rio, buscaram analisar o período colonial de modo a repensar algumas con-
siderações de autores como Caio Prado Júnior e Fernando Novais. Um dos principais objetivos destes
pesquisadores foi o de demonstrar que “a empresa colonial fez aparecer sociedades com estruturas
internas que possuem uma lógica que não se reduz à sua vinculação externa com o comércio atlântico
e com suas respectivas metrópoles políticas” (CARDOSO; BRIGNOLI apud FRAGOSO, 1998, p. 28).
De acordo com tais estudos, a colônia teria desenvolvido mecanismos que asseguraram
certa independência ao mercado externo e, além disso, notou-se que o controle exercido pela
Metrópole não era total, sendo frequentemente contrariado pelos órgãos políticos locais5. Nas pala-
vras de Russel-Wood (2001, p. 14):
O que os historiadores têm demonstrado é que a visão de pacto colonial, baseada em posições
dualistas, polarizadas, ou mesmo bipolarizadas, necessita ser recolocada a partir de uma pers-
pectiva mais aberta, mais holista e flexível, que seja mais sensível à fluidez, permeabilidade e
porosidade dos relacionamentos pessoais, do comércio, da sociedade e do governo dos impérios,
assim como da variedade e nuança de práticas e crenças religiosas.
CONCLUSÃO
Neste trabalho buscamos fornecer uma visão geral de duas possibilidades interpretativas acerca
da América portuguesa. Não pretendemos analisar detalhadamente a historiografia relacionada ao
tema, mas apenas apontar algumas de suas características, sem esgotar as contribuições proporcio-
nadas pelas correntes aqui mencionadas.
Em um primeiro momento, a historiografia buscou analisar a relação entre a Metrópole e sua
possessão no Atlântico Sul com base em uma contradição de interesses, a primeira seria a melhor
beneficiada, criando mecanismos autoritários de extração de riquezas. Historiadores preocupados com
o desenvolvimento da nação encontraram no passado uma explicação para os problemas enfrenta-
dos pela sociedade, para eles a economia brasileira esteve por muito tempo subordinada a interesses
exteriores e não aos de sua população.
Para historiadores como Fernando Novais (1969), por exemplo, a análise de nossa história só
pode ser realizada se inserida no contexto mercantilista da Europa. A colônia possui uma razão de
ser, que é enriquecer sua Metrópole, e sua lógica e instituições realizam-se neste sentido.
Contudo, pesquisas mais recentes acerca do período colonial, sobretudo aquelas realizadas
por historiadores da Escola do Rio, propõem compreendê-lo lançando mão de novos conceitos e
metodologias. Não consideram ser suficiente para entender as estruturas da América portuguesa sua
relação com a Europa mercantilista, até porque a legislação metropolitana não exercia um poder total
Notas
1 Destacamos como obras referentes ao tema: Homens de grossa Aventura (FRAGOSO, 1998); A Cidade e o
Império (BICALHO, 2003); Na Encruzilhada do Império (SAMPAIO, 2003); Em Costas Negras (FLOREN-
TINO, 1992); Elites e Poder (MONTEIRO, 2003) e Poder e Instituições no Antigo Regime (HESPANHA,
1992).
2 Como “antigas abordagens” compreende-se aqui aquelas feitas a partir da interpretação de Caio Prado Junior
e de seus “discípulos” – como se costuma dizer – entre os quais se coloca Fernando Antônio Novaes. Em
contrapartida, as “novas abordagens” seriam aquelas oriundas dos novos estudos mencionados.
3 Para se aprofundar na questão relativa aos ensaios recomendamos a leitura do artigo “O ensaísmo na his-
toriografia brasileira” (MENDES, 2012).
4 Segundo Claudinei Mendes, é comum “atribuir-se a Caio Prado a afirmação de que as colônias eram ins-
trumento de acumulação primitiva de capital nas metrópoles, o que é específico de Novais”. (MENDES,
2011, p. 99).
5 Se referindo às abordagens clássicas, Júnia Furtado esclarece que “para eles, a Metrópole não podia permitir
que a classe dominante colonial usufruísse das riquezas locais, drenadas para a burguesia mercantil me-
tropolitana. Nesta medida, um conflito latente se estabelecia entre as duas classes, intercedido pela Coroa,
que buscava a transferência dessas riquezas para dentro dos limites da nação, o que só podia ser feito por
meio de uma política despótica e autoritária” (FURTADO, 2006, p. 17).
Referências
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Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e o comércio das minas
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MENDES, Claudinei M. M. A historiografia brasileira relativa à colonização: novas tendências. In:
MENEZES, Sezinando L.; PEREIRA, Lupércio A.; MENDES, Claudinei M. M. (orgs.). Expansão e
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