Você está na página 1de 112

Bem me quer

SINÉIA RANGEL
Direitos autorais do texto original © 2016 Sinéia Rangel
Todos os direitos reservados

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos descritos sãos produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

São proibidos o armazenamento e/ ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios –
tangível ou intangível – sem o consentimento escrito da autora.
Sumário
Lembranças
Por essa eu não esperava
Revelações
O que fazer?
Coração confuso
Montando o quebra-cabeças
Acerto de contas
Ponto e vírgula
Na contramão
Um copo pela metade, encontra-se meio cheio ou meio vazio?
Viver é improvisar
Epílogo
Lembranças

− É só uma viagem, Clara.

− Uma viagem com a minha turma. – me jogo na cama. – Não posso ir.

− Por que não? – minha irmã deita ao meu lado.

− Porque ele vai.

− E daí? – ela entrelaça as nossas mãos.

− Você sabe! – digo frustrada.

− Clara, mesmo que nossos pais concordem em muda-la de colégio no próximo


ano, estamos em julho. Você vai se esconder do Arthur pelos próximos cinco meses?

− Esse é o plano.

− Sabe o que acho? A forma como você está reagindo só torna as coisas piores.

− Você está de brincadeira comigo? – viro o rosto para encará-la. – Isabella


espalhou cópias do meu diário para todos do colégio, ela expôs os meus sentimentos,
Arthur e todo mundo sabe que sou apaixonada por ele.

− Exatamente, Clara. – Leth diz. – Qual o problema de estar apaixonada? Por que
você não aproveita e conversa com Arthur?

− Você ficou louca, Letícia? – sento, cruzando as pernas sobre a cama. Minha
irmã está surtada, se acha que vou me declarar para o Arthur. – Não basta ele ter lido
as minhas confissões patéticas, agora devo dar a ele e a Isabella munição para aumentar
a curtição com a minha cara?

− E se ele não aprovou o que a Isabella fez com você? Já pensou nisso?

− Eles são namorados! – exclamo. – Devem fazer piadas sobre mim enquanto se
beijam. – ironizo.
− Não é o que andam dizendo.

− O que andam dizendo?

− Você sabe que o irmão do Arthur é amigo do Léo, e ele comentou que o Arthur
ficou puto com essa história e terminou com a Isabella.

− Ai, meu Deus! O seu namorado e os amigos dele sabem sobre o meu diário?
Que vergonha! – deito, virando de bruços e afundado o rosto no travesseiro. – Você
pode me matar, por favor?

Choro baixinho, as lágrimas se acumulam no travesseiro. Leth me abraça e move


a mão nas minhas costas, confortando-me.

− Clara, o Álvaro só falou com o Léo porque sabe que ele é meu namorado e
imaginou que ele estava sabendo da história.

− Por favor, Leth, me ajuda a convencer os nossos pais que não posso ir nessa
viagem. – imploro entre soluços.

− Ainda acho que você deve ir. – ela beija os meus cabelos. – Mas se é o que
você quer, te ajudo.

− Obrigada, Leth. – sussurro.

Minha irmã tem dezoito anos, ela não se parece comigo em nada, a não ser a pele
clara; seus olhos são azuis, cabelos negros e ondulados, assim como os da minha mãe.
Eu puxei ao meu pai, por isso apesar de dois anos mais nova, sou bem mais alta; tenho
olhos amendoados, cabelos ruivos e lisos e algumas sardas no rosto e busto.

Nós ficamos deitadas, abraçadas e em silêncio pelos minutos seguintes. Leth sabe
que falar só me fará chorar mais e nos últimos dois meses chorar tornou-se mais comum
do que gostaríamos. Não sei em que ponto a minha vida desencarrilhou, tenho
começado a pensar que foi antes do meu diário tornar-se público, afinal quando a sua
melhor amiga age como uma vadia egoísta e vingativa só pode significar uma coisa: ela
nunca foi sua amiga.
Quando Isabella ficou com o Arthur, eu a odiei. Ela sabia da minha paixonite e o
beijou sem se importar, tudo por causa de uma droga de jogo da verdade. Nós tínhamos
catorze anos, eu fantasiava com um beijo dele há dois anos e a minha melhor amiga
estava trancada no quarto da Malu com ele, o primeiro beijo dele seria dela e não meu;
não conseguia continuar ali, sabendo que eles estavam se beijando no quarto ao lado.
Levantei, sentindo as lágrimas nas maças do meu rosto e saí correndo.

Era noite e minha casa ficava longe, parei de correr algumas casas depois, peguei
o celular e liguei para a Leth. Ela não entendeu o que havia acontecido, não estava
conseguindo ser coerente, os soluços e a dor no meu peito me impediam. Senti uma mão
tocar o meu ombro e o pânico me fez gritar, virei rápido, e através da nebulosidade dos
meus olhos, embaçados pelas lágrimas, vi que era o Ian, ao mesmo tempo em que ele
me puxou para um abraço e me acalmava. Acho que ele ouviu os gritos da minha irmã,
porque pegou o celular da minha mão e explicou para ela que deveria ir me buscar.

Fiquei surpresa pelo gesto do Ian, ele foi o único que foi atrás de mim, o único
que se preocupou comigo naquele momento. Nós nem erámos próximos, no entanto
aquele abraço era tudo o que precisava e foi só o que ele fez, me abraçou e esperou a
minha irmã ir me buscar. Nunca falamos sobre o que aconteceu, lembro que ele me
mandou uma mensagem no dia seguinte, perguntando se estava bem, respondi que sim e
agradeci por ele ter ficado comigo.

Na segunda-feira, tive medo que ele quisesse saber o porquê da minha crise de
choro, no entanto foi ele quem mais uma vez me salvou. Isabella e alguns meninos e
meninas da sala estavam me enchendo querendo saber porque fui embora correndo. Ian
se enfiou entre eles e mandou que me deixassem em paz, jogando na cara de todos que
ninguém tinha deixado o jogo idiota de lado para ver se eu precisava de algo. Enfim,
todos saíram, menos Isabella, ela arrastou uma cadeira e sentou na minha frente.

Eu queria gritar e brigar, mas não fiz nada, esperava que ela me pedisse
desculpas ou desse alguma explicação. Tudo o que ela fez foi perguntar se tinha a ver
com o Arthur, dei de ombros e ela sorriu debochada, dizendo que aquilo era ridículo,
tinha sido só um beijo, sem nenhuma importância. Não discuti, não chorei, o único som
que deixou os meus lábios foi um “ok” e Isabella começou a tagarelar sobre a porcaria
do beijo.

Ela me contou em detalhes tudo o que havia acontecido, cada palavra que eles
trocaram, cada movimento até que os lábios dele deslizaram sobre os dela, mantive
meus olhos fixos no nada, sentindo o meu corpo afundar na cadeira e o choro entalado
na minha garganta. Nunca fiquei tão feliz pelo sinal bater, anunciando o fim do
intervalo.

Talvez tenha sido esse o ponto de descarrilamento: a constatação de que a minha


melhor amiga podia ser cruel. Não havia outra forma de descrever o que Isabella fez
comigo, aquilo era tortura. Quando contei a Leth, ela ficou revoltada, disse que Isabella
era falsa e manipuladora; infelizmente não acreditei, preferi pensar que ela não sabia o
quanto estava me machucando.

Os meses passaram e Isabella tocou no assunto "Arthur", ela disse que não se
importava se ficasse com ele, afinal antes deles terem se beijado, eu já era apaixonada
por ele, e por isso iria fazê-lo me notar. Desse dia em diante, Isabella não perdia uma
oportunidade para se aproximar de Arthur. Estranhei o fato dela sempre ir atrás dele
quando eu não estava por perto e interromper todas as vezes que ele puxava papo
comigo, sem falar que ela se desmanchava em sorrisos perto dele, todavia, mais uma
vez acreditei que Isabela era minha amiga. Não tem para ninguém, o troféu de trouxa do
ano é meu.

As férias chegaram e viajei com minha família. Na véspera de voltarmos fui com
Leth e Léo para um luau, eles iriam encontrar alguns amigos e ganhei a minha noite ao
ver Arthur entre eles. Leth bateu o ombro no meu ao vê-lo, o que me fez dá um sorriso
bobo. Ele estava tocando violão, os cabelos acobreados espalhados pela testa, os olhos
fechados e a voz rouca vibrando ao som das palmas. Léo puxou Leth para dançar.
Joguei meu casaco na areia e sentei na roda onde Arthur estava cantando.

A música acabou cedo demais, queria ouvi-lo mais. Ele abriu os olhos e o
pessoal pediu que tocasse outra, sugestões foram sendo lançadas, estava envolvida pelo
clima e falei sem nem perceber: "Hoje a noite não tem luar". O pessoal curtiu a minha
sugestão e meu pedido foi reforçado por um coro, todavia, as vozes pareciam distantes,
porque naquele momento o Arthur estava sorrindo para mim.

Fiquei feliz que o pessoal estava animado, cantando e batendo palmas, porque do
contrário os sons dos meus suspiros e as batidas descompassadas do meu coração
seriam a atração da noite. Arthur entregou o violão para uma garota loira quando
terminou a canção, levantou e meus batimentos congelaram no instante que o vi sentar
ao meu lado.

Nós conversamos, sem ninguém para atrapalhar ou interromper, curtindo a música


e a fogueira, mal conseguia desviar os meus olhos dele. Por causa do barulho, manter
uma conversa exigia que estivéssemos bem próximos, Arthur falava sussurrando no meu
ouvido, podia sentir os arrepios que a sua respiração despertava no meu corpo. Quando
ele perguntou se queria andar um pouco, tive que contar até dez, inspirando e
respirando devagar, para conseguir emitir uma resposta.

Avisei a Leth que iria caminhar com o Arthur, ela deu um sorriso malicioso e Léo
exigiu que ele se comportasse. Revirei os olhos e dei língua a ambos, quando Arthur
não podia ver.

Distante do barulho da galera, podíamos ouvir a música baixinha. Paramos de


caminhar e sentamos próximo ao mar, as ondas tocando os nossos pés. Arthur sorria de
alguma bobagem que falei. Eu estava vendo a hora de vomitar arco-íris, passei a língua
sobre os lábios para ter certeza que não estava babando. Ele tem algumas sardas
próximo aos olhos verdes, e tem olhos bem pequenos, quando sorri ficam ainda
menores, é quase impossível enxergar a sua íris.

Viajei, observando-o sorrir, e despertei no melhor dos mundos. Arthur afastava


os fios de cabelo do meu rosto e o seu polegar deslizou sobre os meus lábios,
acariciando-o tão leve que não tinha certeza se ele estava mesmo fazendo isso, ou era
minha imaginação. Ele estava inclinando o rosto em direção ao meu, uma onda de
precipitação desceu a minha espinha e o meu coração trepidava no peito. Fechei os
olhos e senti os seus lábios sobre os meus, movendo-se lentamente, aconchegando os
meus lábios em beijos serenos.

Arthur tinha uma mão na minha nuca, o seu toque parecia brasa sobre a minha
pele. Minhas mãos ganharam vida própria, agarram o seu pescoço e bíceps, e os seus
lábios aplicaram uma leve pressão sobre os meus, pouco antes da sua língua mergulhar
entre os meus lábios.

O meu primeiro beijo e com o Arthur, eu era uma explosão de fogos de artifício e
purpurina. Nós ficamos o restante da noite, que se estendeu pela madrugada. Como
estava com minha irmã e Léo não tinha toque de recolher e eles não queriam cortar o
clima, assim fomos ficando e ficando, até que o Álvaro disse que estava cansado; ele e
o Arthur foram embora, e nós também.

De volta a Porto Alegre, liguei para Isabella e a convidei para ir dormir na minha
casa; nós não tínhamos nos encontrado desde o início das férias, estava com saudades e
ansiosa para contar sobre o meu primeiro beijo. Não sabia ainda, mas Isabella deveria
ser atriz, reagiu como se estivesse mega feliz por mim, perguntou se tínhamos
combinado de ficar novamente. Eu disse a verdade, que aproveitamos o momento, foi aí
que ela se escalou para sondar o Arthur quando as aulas voltassem e descobrir se ele
tinha interesse em ficar comigo outra vez. Fiquei feliz, porque é óbvio que eu queria
ficar com ele de novo, mas sou muito tímida para tomar uma atitude.

Aconteceu que no fim de semana anterior ao início das aulas, rolou a festa de
aniversário de um amigo nosso, fui com Isabella e Malu. Vi o Arthur assim que
chegamos e trocamos alguns olhares. Isabela o avistou e disse que iria falar com ele
primeiro, para eu não criar expectativa e ele não está a fim. Concordei e fiquei
dançando com Malu. Quando Isabella retornou, disse que não iria me falar o que Arthur
comentou sobre mim, porque não queria me deixar chateada. O que você faz quando
alguém diz algo assim? Você exige saber a merda toda e foi o que fiz. Antes de Isabella
terminar de falar, saí correndo e chorando.

Isabella e Malu não me deixaram ir embora, ficamos conversando no jardim em


frente à casa. Isabella me convenceu que não deveria deixar o Arthur estragar a minha
noite e voltamos para a festa; antes ela me fez prometer que não iria aceitar conversar
com ele. Depois do que ele havia dito, por mim ele poderia morrer.

Não demorou muito para Arthur se aproximar e perguntar se podíamos conversar.


Dei as costas e continuei dançando. Ele me olhou com uma expressão confusa e
perguntou qual o problema, respondi apenas que não estava interessada. Quando Arthur
se afastou, Isabella me empurrou em direção ao Caíque. Podem me chamar de burra,
idiota, ingênua e tudo o que conseguirem pensar, só entendi qual era a intenção da
Isabella quando senti as mãos do Caíque me envolverem e os seus lábios esmagarem os
meus.

Espalmei as mãos no peito do Caíque, tentando interromper o beijo, contudo ele


interpretou como se fosse uma dica para intensificar o amasso e as suas mãos desceram
para a minha bunda. Estava entrando em pânico, sem saber como pará-lo, nem podia
culpar o garoto, porque Isabella, praticamente, me jogou nos braços dele. Sem saber
mais o que fazer, mordi a língua dele com força. Ele me soltou, gemendo de dor,
enquanto eu pedia inúmeras desculpas, falei que ele tinha entendido errado, que não
estava a fim e ele saiu resmungando.

Virei para procurar as meninas e vi uma Malu com olhos esbugalhados, parada
alguns passos de distância. Imediatamente, meus olhos acompanharam o olhar da Malu,
e lá estava Isabella, no maior amasso com Arthur. Foi assim que a minha melhor amiga
desde a infância se tornou minha inimiga no ensino médio, e mais uma vez o troféu
trouxa do ano é meu.

Dois meses depois, Isabella e Arthur estavam namorando. O que para mim não
fez diferença nenhuma, ambos haviam brincado comigo e queria distância deles. Leth e
Malu acreditam que Isabella arquitetou tudo para ficar com o Arthur; não sei em que
acreditar, às vezes, acho que elas têm razão, outras penso que eles estavam juntos desde
o início e só queriam rir da minha cara.

Meu coração não quer desapegar do troféu de trouxa do ano e continuo


apaixonada pelo Arthur, mesmo após um ano e dois meses que eles estão juntos.

Três meses atrás, Isabella foi a minha casa, pediu desculpas por ter se afastado,
disse que ficou surpresa quando Arthur a beijou naquela festa, mas que havia se
apaixonado por ele e ficou tão feliz quando ele confessou que a amava que não foi
capaz de recusar o pedido de namoro. Eu na minha conhecida ingenuidade, me limitei a
dizer que deveríamos esquecer essa história.

No mês seguinte a essa visita, Isabella fazia questão de me cumprimentar no


colégio; com o Arthur agarrado ao seu lado, ela agia feito uma miss simpatia, me
convidado para sair com eles. Quase engasguei no primeiro convite. Estava cansada de
ter mágoa e decidi abstrair o que tinha acontecido, recusava os convites inconvenientes
para sair com o casal, mas interagia com eles no colégio, inclusive cheguei a passar o
intervalo conversando com os dois.

Imaginem a minha surpresa ao chegar no colégio, numa bela manhã ensolarada, e


descobrir que a vadia havia distribuído cópias do meu diário, centenas de cópias, para
todos os alunos. Malu não queria me deixar ver um dos diários fotocopiados, o que me
fez perceber que havia mais ali do que apenas as minhas confissões. Fiquei furiosa e
quando ela me deixou ver, minha cara foi no chão com o que aquela megera colocou na
capa.

"Vadia mantém paixão platônica por namorado da ex-melhor amiga e finge


retomar a amizade para tentar seduzi-lo"

Abaixo da frase estúpida, havia uma foto em que o Arthur está sentado na grama e
eu agachada ao lado dele, a foto dava a impressão que estava sussurrando no ouvido
dele, mas só estava amarrando o cadarço do meu tênis e a vadia estava em pé bem na
nossa frente, o que óbvio não apareceu na merda da fotografia.

Folheei o diário sem acreditar que ela o havia copiado na íntegra e o que é pior,
ela só me procurou pedindo desculpas para conseguir o meu diário, porque não é uma
versão antiga, é o meu diário atualizado, o que significa que há muitos desabafos meus
sobre o quanto odeio vê-los juntos. Coincidentemente, ela distribuiu o diário no dia que
eles completaram um ano de namoro, deve ser a forma mórbida que encontraram de
comemorar o amor doentio deles e tripudiar sobre os meus sentimentos.
Os últimos dois meses têm sido um inferno, trechos do meu diário viraram piada,
algumas pessoas, realmente, acreditam que eu estava tentando destruir o namoro da
Isabella e Arthur. E o motivo pelo qual busco refúgio na biblioteca durante o intervalo
das aulas, é que não há subterfúgios, Arthur sabe que sou apaixonada por ele por quatro
malditos anos. Não vou conseguir olhar para o sorriso irônico dele, por isso fujo.

− Podem parar as duas, não há justificativa para você não ir nessa viagem. – meu
pai declara.

− Pai, por favor, não estou em clima de curtição, o que vai adiantar ir e ficar
escondida em um canto qualquer?

− Clara, você precisa para de se esconder. – minha mãe argumenta. – Você foi
vítima da Isabella, pare de agir como se fosse culpada.

− Concordo com os nossos pais, Clara. – Leth diz.

− Você deveria ficar do meu lado, lembra?

− Clara, esquece a Isabella, vá nessa viagem e se divirta. – Leth pede. – E se o


Arthur tiver terminado com ela mesmo, não perca tempo, agarra o gato. – ela pisca.

− Melhor conselho. – minha mãe me abraça.

− Sério? Vocês deveriam querer me ver a quilômetros do Arthur.

− Se quiser virar a página, devem ter outros garotos interessantes no seu colégio.
– meu pai deposita um beijo na minha testa.

− Isso aí, o que não pode é ficar fugindo do mundo por causa daquela bruxa
asquerosa. – Leth argumenta, nos fazendo rir.
Por essa eu não esperava

Minha família me odeia. Desativei o despertador ontem à noite, meu plano era
perder o horário e, consequentemente, a viagem, no entanto meus pais estavam um
passo a minha frente, e ás cinco horas da manhã, minha mãe estava me arrastando da
cama. Demorei o máximo possível no banho e escolhendo uma roupa, contudo Leth e
minha mãe perceberam que a lerdeza era proposital e decidiram escolher por mim; elas
só faltaram me enfiar dentro da roupa.

Eu ainda tinha esperanças de ter conseguido estar atrasada demais, contudo a


decepção se apossou de mim quando avistei o ônibus em frente ao colégio. Droga! Meu
pai pegou a minha mala e foi me rebocando em direção ao ônibus, me abraçou e pediu
mais uma vez que aproveitasse a viagem. Dei um sorriso murcho e ele apertou a minha
bochecha, dizendo que não adiantava fazer aquela cara de resignada, porque eles
estavam insistindo na viagem para o meu bem.

Soltei um suspiro pesado e me arrastei para o ônibus, me arrependi de estar


atrasada no segundo que coloquei os pés no corredor e todos os olhares voltaram-se
para mim. Engoli o nó que se formou em minha garganta e procurei pela Malu; um braço
se ergueu quase no fundo do ônibus e suspirei aliviada, Malu tinha guardado o meu
lugar.

Ignorei os olhares, mas não antes de interceptar os olhos verdes do Arthur,


desviei rápido e abaixei a cabeça, apressando o passo. Malu sorriu e encolheu as
pernas, dando espaço para que pudesse passar por ela e sentar na poltrona ao lado da
janela.

− Estava começando a pensar que você havia conseguido fazer os seus pais
mudarem de ideia. – Malu sussurra e me oferece um dos seus fones de ouvido.

− Eles estão agindo como se essa viagem fosse mudar a minha vida. – reviro os
olhos e recosto a cabeça no ombro dela.
− A vadia teve coragem de vir. – Isabella comenta alto, algumas poltronas atrás.

− Ignora, Clara. – Malu pede.

− É o que tenho feito todo o tempo.

Os professores estavam sentados logo nas primeiras fileiras, por isso não podiam
ouvir as provocações da Isabella. Eu tentava ignorar, cantarolando baixinho com Malu,
todavia a garota sabe como ser irritante e os risos esganiçados dela e da Amanda, sua
mais nova melhor amiga, estavam me dando dor de cabeça.

− Ei, vadia, como é ser apaixonada por um cara que nunca olhou para você? –
Isabella pergunta debochada.

− Eu me mataria se fosse ela. – Amanda diz entre risos. – Quatro anos, que
ridícula.

− Vadia? – Isabella chama. – Conta como é, estamos curiosas.

− Cala a boca, Isabella! – Ian exige.

− Fica na sua, Ian! – Isabella diz.

− Não. – ele rebate. – Você não cansa de ter inveja da Clara?

− Você não sabe de nada, idiota. – ela vocifera. – Parece que a vadia tem um fã. –
comenta rindo. – Não precisa mais dá em cima do meu namorado, vadia, arrumou um
babaca que te quer.

− Chega, Isabella. – Arthur diz.

O silêncio reina, ninguém faz nenhum comentário. Malu dá um sorriso, sei o que
ela quer dizer: "ele te defendeu". Não, ele não fez, defendeu o amigo, mas o que
importa é que Isabella calou a boca.

Chegamos ao acampamento no início da tarde, o monitor nos conduziu por uma


visita rápida. O lugar é imenso: piscina olímpica, quadra de vôlei, futebol, tirolesa,
cama elástica, slackline, paredão para escalada e o que mais gostei, uma cachoeira,
apenas alguns metros de distância dos alojamentos. Garotos e garotas ficarão em
alojamentos separados e iremos dividir o quarto com mais três colegas, a notícia boa é
que os professores permitiram que nós escolhêssemos com quem iremos compartilhar o
quarto. Eu e Malu vamos ficar com Bruna e Andressa.

Os professores e monitores nos liberaram o restante do dia, podíamos aproveitar


como quiséssemos. Minha ideia para essa viagem era ficar o mais invisível possível, o
que não seria nada fácil, porque os professores e monitores deixaram claro que todos
deveríamos estar preparados para participar das atividades em turma, que teriam início
na manhã seguinte.

− O que você quer fazer? – Malu pergunta, remexendo na mala.

− Dormir.

− Não, Clara. Tem tanta coisa legal, você adorou a cachoeira.

− Você vai, eu fico. – tiro um moletom da mala.

− Não vou te deixar ficar pelos cantos se lamentando.

− Não estou me lamentando, amanhã serei obrigada a entrar no clima do


acampamento. Quero curtir o sossego por algumas horas antes de encarar o inferno.

− Por favor, Clara, vamos. – ela puxa o moletom da minha mão, enfia na mala e
pega um vestido. – Vamos?

− Só um pouco, ok?

− Ok. – ela me abraça.

Malu é baixinha, tem olhos verdes, longos cabelos encaracolados, castanho com
luzes, e tem um piercing no supercílio. Ela vestiu um biquíni com estampa étnica, short
jeans e uma regata lilás, colocou um maxi brinco e óculos com lente azul espelhada. Eu
coloquei um biquíni cortininha, preto, e o vestido que ela havia pego, branco e soltinho.
Peguei meus óculos aviador com lentes degradê e calcei uma sandália com pedrinhas.

− Arthur vai ficar sem ar. – brinca.


− Nem brinca com isso, Malu, vai que a louca colocou escutas nas nossas malas.
– digo entre risos.

− Adorei ele ter feito ela calar a boca. – sorri.

− O silêncio dela não vai durar muito, aprendi que aquela ali está sempre
armando algum bote.

− Se ela vir para cima de você, vou dá na cara daquela vadia, estou de saco cheio
das merdas da Isabella, Clara. – ela pendura a bolsa no ombro e enlaça o braço no meu.
– Vamos explorar o acampamento. – anuncia, sorrindo.

Depois de uma volta pelo hotel, nós compramos alguns lanches e seguimos para a
cachoeira. Sentamos em uma pedra grande, sombreada por uma árvore e ficamos
conversando enquanto comíamos. Três colegas tiveram a mesma ideia que nós e
estavam curtindo a cachoeira. Isabella não era um deles, felizmente.

− Vocês não vão entrar? – Daniel pergunta, jogando água onde estávamos.

− Você molhou nossos sanduíches, seu ogro. – Malu reclama.

− Vocês comem muito devagar. – Daniel provoca.

− Você não tem mais o que fazer? – Malu pergunta.

− Não. – Daniel dá um sorriso malicioso. − Estava esperando que você pudesse


me ajudar a pensar em algo. – pisca para Malu.

Daniel é alto, olhos castanhos, cabelos negros e lisos, um pouco compridos, e tem
a pele da cor do pecado, segundo Malu; não posso discordar, ele tem descendência
indígena e o tom de pele de quem vive bronzeado de janeiro a janeiro.

− Que tal você mergulhar por dez minutos. – Malu sorri irônica.

− Ficar dez minutos sem olhar para você? – ele finge pensar. – Nem! Prefiro que
você desça dessa pedra e venha me fazer companhia.

− Vai sonhando, Daniel!


− Vem, Malu. – ele pede, mordendo o lábio. – Se você tiver medo, posso te
segurar.

− Vai logo, amiga. – sussurro baixinho, segurando o sanduíche em frente à minha


boca.

− Não tenho medo e vou entrar assim que terminar de comer. – Malu comenta e
Daniel sorri. − Mas não é para te fazer companhia, que fique entendido. – ela olha para
mim, os olhos brilhando, enquanto finge ignorar o Daniel.

− Ok, te faço companhia então. – ele diz e mergulha.

− Se você perceber que estou dando muito mole me arrasta de perto dele – ela
avisa, embrulhado o restante do sanduíche e jogando na bolsa.

− Por quê? – pergunto. − Você é a fim dele.

− Quanto mais difícil atingir o objetivo, mais valorizado ele é.

− Ok. – sorrio. – Agora vai.

Malu tira a regata e levanta, desabotoando o short. Daniel emerge do mergulho,


passando a mãos nos cabelos molhados e fixando os olhos na Malu.

− Minha nossa! – ele exclama.

− Não vai babar. – Malu ironiza.

− Fecha a boca, Dan. – brinco.

− Sua amiga está querendo me torturar, Clarinha. – Daniel passa a mão nos
cabelos, de novo.

− Daniel, nada de mão boba para o meu lado. – Clara avisa

− Pode atar minhas mãos. – ele nada, parando abaixo da pedra onde estamos. –
Vem. – estende os braços para ajudá-la a descer.

− Posso descer sozinha. – ela senta na pedra e pendura as pernas.


− Sei que pode. – ele a olha com intensidade.

– Obrigada. – ela apoia as mãos nos ombros dele e faz um pequeno impulso,
deslizando o corpo para a água, quando ele a segura pela cintura.

Sorrio, ouvindo a minha amiga sorrir. Olho ao redor e vejo que chegaram mais
algumas pessoas, alguns conversam sentados na grama, outros estão nadando. Abro
minha bolsa e pego um livro, deito, apoiando minha cabeça na bolsa e deixando minhas
pernas flexionadas. Estou na metade do livro quando sinto algo úmido tocar o meu
tornozelo. Abaixo o livro e vejo o Ian sorrindo, ele está com os bíceps apoiados sobre
a pedra e desliza um dedo no meu tornozelo. Sento rápido, lembrando que estou de
vestido e por pouco ele não está parado no meio das minhas pernas.

− Te assustei?

− Não.

− Algo contra a cachoeira? – pergunta. Os fios molhados estão esparramados na


sua testa e gotículas pingam sobre os cílios, refletindo o azul dos seus olhos.

− Gosto da cachoeira. – volto minha atenção para a água e vejo Malu sorrindo
com Daniel. Penso nos motivos que me fazem escolher ficar quietinha, onde não possam
me notar e sinto as lágrimas querendo dar as caras. − Obrigada por me defender.

Ele planta as mãos sobre a pedra e faz força nos braços, movendo o corpo para
cima da pedra. Meus olhos acompanham os músculos do bíceps e mordo o lábio
quando ele fica em pé na minha frente, as panturrilhas definidas me deixam de queixo
caído. Desde quando ele tem músculos definidos?

Ian é alto, muito alto, ele sempre foi bonito, com seus cabelos castanhos
desalinhados, o sorriso largo, meio torto, e os olhos azuis tão claros que podem ser
confundidos com cinza. Tudo bem, o Ian é lindo, do tipo de arrancar suspiros e ter uma
fila, maior que a do SUS, de garotas interessadas.

− Fecha a boca, Clarinha! – Daniel grita entre risos, revidando a brincadeira e as


minhas bochechas queimam.

− Tá perdendo o foco, Danny boy. – Ian provoca, sentando ao meu lado.

− Nunca, brother! – Daniel exclama, e em um movimento rápido, gira, abraçando


Malu por trás e dando um beijo no pescoço dela.

– Daniel, para com isso! – Malu tenta se desvencilhar do abraço dele. – Vou te
bater tanto quando conseguir me livrar de você. – ela ameaça.

− Você é pequena demais para ser tão enfezadinha. – Daniel move as mãos que
estavam sobre o abdômen da Malu e a pega no colo.

Malu bate no peito dele, mas não resiste e começa a rir, assim como eu e o Ian.

− Sinto muito pelo seu diário. – Ian diz baixinho. – Não li. – completa, depois de
alguns segundos em silêncio.

− Você sabia, não é? – pergunto, olhando a água caindo em cascata sobre as


pedras.

− Sim.

− Obrigada por ter guardado o meu segredo.

− Era seu segredo, não tinha o direito de me intrometer.

− Mas você descobriu sozinho e ele é seu amigo, então obrigada.

− Às vezes, me pergunto se teria sido melhor, para você, se eu tivesse contado ao


Arthur.

− Não, definitivamente não.

− Clara, preciso que você saiba que fui egoísta ao manter o seu segredo. – ele
suspira. – Desculpa.

− Ian, não entendo o que você quer dizer. – viro para ele. – Não há motivos para
pedir desculpas, quando você manteve em segredo que sou apaixonada pelo seu melhor
amigo por dois anos. – argumento. Ele toca o meu rosto e enxuga uma lágrima. – Sabe o
que mais está doendo desde que o meu diário tornou-se público? – questiono. Ele nega,
balançando a cabeça. – É o fato dele saber.

− Ele não leu, Clara. − Ian coloca um braço na minha cintura e deito no seu
ombro. – Você deveria conversar com ele.

− Diz que você não veio falar comigo porque ele pediu, por favor.

− Não, vim falar com você porque eu quis. – ele beija os meus cabelos. – Tem
tanta coisa que você não sabe sobre essa história, desde o início, desde aquele maldito
jogo da verdade.

− Só quero esquecer.

− Você precisa saber a verdade, Clara. – ele segura o meu queixo e olha nos
meus olhos. – Eu poderia te contar, mas essa história não é minha. Você precisa saber
que as coisas não aconteceram como ela te fez acreditar. – ele morde o lábio. – Arthur
vai te procurar, escute o que ele tem a falar.

− Se é tão importante, me fala você.

Ele balança a cabeça devagar e beija a minha testa. – É uma merda que seja
assim.

− Do que você está falando, Ian?

− Ele é meu melhor amigo, amo o cara, ele é como um irmão para mim, Clara. –
Ian passa a mão nos cabelos. − E você... – ele remove a mão da minha cintura e apoia
ambos os braços sobre o joelho. – Você é a garota que amo.

Fico parada, meu olhar segue uma lágrima que percorre o rosto dele. Meu corpo
não reage, minha respiração falha. Não tenho palavras.

− Eu não podia mais manter esse segredo. – ele cruza os dedos e deita a cabeça
sobre os joelhos. – Não pense que espero algo com essa confissão, nunca me enganei,
sei dos seus sentimentos pelo Arthur e é por isso que te peço, Clara, escuta o que ele
tem para falar. – Ian levanta o rosto e olha para mim, sua mão acaricia o meu rosto. –
Não aguento mais te ver sofrer.

− Vou pensar, prometo. – sussurro.


Revelações

O que quer que seja essa sensação que vagueia pelas minhas células desde que a
frase "você é a garota que amo" deixou os lábios do Ian, sinto como se estivesse fora
de mim, submersa em uma nuvem letárgica.

O que deveria dizer ou fazer? Permito que ele me abrace, afagando os meus
cabelos, enquanto o meu corpo pende sobre o seu ombro. É injusto e egoísta, sei que
não sou a garota certa para o Ian, ele merece alguém que o ame, que cuide dele e que o
conforte quando ele estiver sofrendo, como agora; como ele sempre fez comigo.

− Você é...

− Não, Clara. – ele me interrompe. – Eu não sou ele, isso é tudo. – sussurra. –
Vou ficar bem, se você estiver bem.

Fecho os olhos, sentindo os seus lábios nos meus cabelos.

− Você merece mais do que isso, Ian.

− A gente não escolhe por quem vai se apaixonar.

− Mesmo assim. – tento argumentar.

− Eu escolheria você. – diz e ficamos em silêncio. – Se eu te jogar na água de


vestido, você vai ficar muito chateada? – pergunta, minutos depois.

Ergo o rosto para ameaça-lo, mas é tarde demais, ele abraça as minhas pernas e
levanta.

− Ian, não! – grito, ao mesmo tempo em que sinto a água envolver o meu corpo.

Meu grito é abafado pela gargalhada dele. Adeus letargia, a adrenalina espalha-se
pela minha corrente sanguínea e meu coração está pulsando aos trancos e barrancos. Ian
está sorrindo, há um pequeno arco-íris nos seus olhos, provocado pela refração dos
raios solares nos respingos de água, e então percebo que estou agarrada a ele,
abraçando-o pelo pescoço. Tomo consciência das suas mãos ao redor das minhas
costas e coxas. Afrouxo o abraço e os meus olhos desviam dele; quer dizer, não
exatamente, estou olhando despudoradamente para o tórax dele, me obrigo a desviar e
sinto o queimor nas maças do meu rosto, ao constatar que meu vestido branco está,
completamente, transparente.

− É melhor tirar isso aqui. – digo, pulando dos braços deles.

− Eu ia dizer, exatamente, isso. – diz e suas bochechas coram. – Não sabia que
iria ficar transparente e... – ele morde o lábio. – Inferno! – passa a mão no cabelo.

− Acho que entendi. – seguro a bainha do vestido, tirando-o pela cabeça. – O


biquíni é mais inocente.

− Isso aí. – ele concorda, pega o vestido da minha mão e arremessa na pedra onde
estávamos sentados.

− Ian, concorde comigo, brother. – Daniel grita. – Se não fosse por nós, Malu e
Clara ficariam apenas sentadas naquela pedra e admirando a cachoeira. – ele aperta os
braços ao redor da Malu. – Elas deveriam nos beijar, certo, brother? Eu e Malu, você e
Clara, não é perfeito?

− Se essa é sua tentativa de ser romântico, foi um fracasso. – Malu dá um


beliscão na bochecha do Daniel e nada ao nosso encontro, sendo seguida por ele. Eu e
o Ian sorrimos, sabendo que não vai demorar para rolar um beijo entre eles.

− Malu, você precisa pegar leve, estamos em um acampamento. – Daniel


argumenta. – Onde vou conseguir flores?

− Não gosto de flores. – ela diz entre risos.

− Que mulher é essa? – ele bate as mãos na água. – Romance. Nada de flores.
Mais alguma informação que me ajude a te conquistar?

− Vou fazer uma lista de pré-requisitos e te passo depois. – ela brinca.

− Malu, Malu. – Daniel agarra as pernas dela e a ergue, deixando-a na altura


dele.

− Beija logo, Malu. – Ian provoca.

− Se você e a Clara se beijarem. – Malu revida.

− Brother, beija aí. – Daniel diz. − Clarinha, por favor.

− Foi mal, cara, vou ficar te devendo essa. – Ian se desculpa.

− É, Dan, foi mal. – digo.

− Droga de amigos vocês são. – Daniel diz, entre risos. – Vou ter que suar para
conseguir um beijo. – comenta. – Um não, muitos beijos. – ele corrige e beija o pescoço
da Malu.

− Daniel, está achando que não tenho nada melhor para fazer? – Malu provoca.

− Melhor do que me beijar? – ele solta as pernas dela e a envolve pela cintura. –
Certeza que não, Malu. – Daniel rouba um selinho.

− Daniel! – ela dá um tapa no ombro dele.

− Troco tapas por beijos. – ele propõe.

− O caso é grave. – Ian diz, gargalhando.

− É o amor. – Daniel pisca.

− Nada de beijos. – Malu segura os braços dele e solta-se do abraço.

− Vocês me divertem. – declaro.

− O que só prova que sou o namorado perfeito para sua melhor amiga.

Malu arregalou os olhos ao ouvir Daniel falar "namorado", mas disfarçou


rápido, dando algumas braçadas, se afastando.

− Tem algum rito pelo qual devo passar? – Daniel pergunta, olhando Malu.

− Você está indo bem, Dan. – incentivo. – Esse lance de namorado é sério? –
investigo, porque se não fizer, Malu vai arrancar os meus cabelos.

− Deixei escapar. – ele passa a mão nos cabelos. − É o que quero, Clarinha. –
confessa. − Não vejo a Malu como uma ficada, gosto dela pra valer.

− Vou gostar se vocês namorarem.

– E vocês, hein? – ele sonda.

− Amigos. – respondemos em uníssono.

− Clarinha, posso dizer o que penso?

− Sempre, Dan.

− Não fica chateada. – ele me olha sério. – Arthur é brother, mas vocês não têm
nada a ver, Clarinha. Desencana do cara e olha a sua volta, acho que você pode se
surpreender.

− Valeu, Dan. – sorrio, meio sem graça, evitando olhar o Ian.

− Pula nas minhas costas, Clara. – Ian diz. – Vou te levar para conhecer o outro
lado da cachoeira.

− Outro lado? – pergunto confusa.

− Você vai gostar. – ele sorri.

− Ok. – envolvo meus braços no pescoço dele.

− Vou ali, tentar amolecer aquele coração de gelo. – Daniel brinca.

− Boa sorte, brother. – Ian comenta. – Nade comigo, Clara.

Ian dá longas braçadas, o acompanho, sincronizando as nossas pernas e sentindo a


musculatura dos seus ombros sob os meus dedos. Ele interrompe o nado quando nos
aproximamos do véu da cascata e avisa que vamos subir nas pedras. Depois de me
ajudar a sentar, Ian emerge da água, colocando-se em pé nas pedras e me estendendo a
mão. Ele passa o braço na minha cintura e seguro forte no seu ombro, para me
equilibrar, enquanto caminhamos em direção ao véu.

A água atinge o meu corpo, numa oscilação entre quente e frio, a força do impacto
sendo substituída por uma sensação reconfortante. De olhos fechados, levo a mão
direita aos seios, de modo a segurar o biquíni, e aperto os dedos no bíceps do Ian. De
repente, não há mais água caindo sobre mim, abro os olhos e nem um som sai dos meus
lábios, olho do lago límpido a minha frente para o Ian e de novo para o lago. Ele tem
um sorriso imenso nos lábios e posso afirmar que o meu sorriso dever ser um espelho
do dele. Solto o Ian e caminho, olhando as formações rochosas que se estendem do
chão ao teto, a clareira acima do lago permite que feixes de raios solares incidam sobre
o lago.

− Como você... – viro para olhá-lo.

− Conheço esse lugar desde criança. – ele explica, adivinhando o que iria
perguntar.

− É fantástico. – sussurro.

− Minha mãe adorava vir aqui. – ele agacha à beira do lago e faz pequenos
círculos na água. – Ela morreu quando eu tinha seis anos. – diz, a voz carregada por
tristeza.

− Eu não sabia. – sento, colocando os pés na água.

− Não converso sobre ela ou o meu pai, a maioria dos meus amigos só conhece os
meus avós.

− O seu pai também está morto?

− Não e sim. – ele afirma. − O senhor Alexandre Montserrat está mais vivo do
que nunca, quanto ao meu pai, morreu quando abandonou a mim e a minha mãe.

Estou em choque. Ian é filho de Alexandre Montserrat? O cara é dono da maior


cadeia de hotéis, resorts e acampamentos da América Latina, inclusive o que estamos
hospedados. Ele está sempre estampando capas de revistas ao lado da esposa, uma
modelo internacional. Nas entrevistas, comumente, faz referência a um filho e do desejo
que este assuma a gestão dos seus negócios, e apesar das revistas o listarem entre os
jovens mais cobiçados, nunca vi nenhuma foto dele e achei que seu nome fosse
Alexandro.

− Seu nome não é Ian?

− Ian Alexandro. – ele suspira. − Faz alguns anos que deixei de usar o Alexandro,
odeio esse nome.

− Você é um dos caras mais cobiçados do país!

− Minha sorte é que ninguém sabe que esse cara sou eu. – ele dá de ombros. –
Odeio o Alexandre, me recuso a manter qualquer relação, a única coisa que ele quer é
um herdeiro para a porra do nome dele. – Ian bate a mão na água. − Minha mãe se
matou por causa daquele imbecil.

− Sinto muito, Ian. – digo baixinho, massageando o ombro dele e tentando


disfarçar o meu espanto.

− Desculpa, Clara. – ele sussurra. − Queria te trazer aqui porque achei que iria te
deixar feliz , não pensei que eu fosse ficar chateado.

− Tudo bem, Ian, estou feliz de estar aqui, é lindo. – aliso os cabelos dele. − E
você pode ficar chateado, entendo. Quantas vezes chorei no seu ombro? Deixa retribuir
um pouquinho. – peço.

− Eu a encontrei. – ele sussurra. – Ela estava na banheira, com os pulsos


cortados, vários vasos de remédios jogados no chão. – suspira. – Eu a chamei e ela não
respondia, a água estava manchada pelo sangue, fiquei com medo, mas fiquei ali,
agarrado ao seu rosto e chamando por ela, sem resposta. Não entendia porque ela não
acordava, dormi ali, no chão do banheiro, esperando que ela acordasse; ela nunca
acordou.

Ian chora, o abraço, puxando-o para o meu colo. Ele deita a cabeça nas minhas
pernas e me debruço sobre ele, depositando um beijo na sua têmpora.
− Você é muito especial, Ian. – sinto uma lágrima nos meus lábios. – O tipo de
pessoa que guarda a sua própria dor para cuidar da dor de um amigo, mesmo quando a
sua é, inimaginavelmente, maior.

Afago o seu rosto e os cabelos, confortando o garoto que está sempre sorrindo,
brincando, animando a todos, estendendo a mão ou oferecendo o ombro a um amigo,
sem fazer julgamentos ou perguntas, apenas doando-se. O garoto que carrega no
coração uma dor imensa, que aprendeu, ainda criança, que a vida pode ser cruel, e que
de alguma forma conseguiu trazer à tona o seu melhor. O garoto que poderia ter o que
quisesse, sem nenhum esforço, e que, no entanto, passa as férias ajudando os avôs na
confeitaria da família.

− Minha avó me encontrou na banheira, deitado sobre o corpo dela, dois dias
depois.

− Nem consigo imaginar como foi para você. – confesso.

− Eu nunca vou esquecer, Clara. – ele soluça. – Nunca vou esquecer.

− Me conta sobre ela.

− Ela era linda. – ele sorri em meio as lágrimas. – Alegre, carinhosa, gostava de
flores e música, estava sempre cantarolando, até que ele foi embora. – respira
profundamente. − A primeira vez que ela me trouxe nessa gruta disse que era um lugar
mágico; na primeira vez que estive aqui sem ela, chorei tanto, implorei para que ela
estivesse certa e a mágica deste lugar a trouxesse de volta, não funcionou como
desejava, mas de alguma forma a mágica aconteceu, entendi que precisava aprender a
viver sem ela e que os meus avós precisavam de mim para continuar vivendo.

− Não existe ninguém mais altruísta do que você, Ian. – enxugo as lágrimas dele.
– Para de ser perfeito, tá? É feio humilhar os outros desse jeito. – sorrio.

− Perfeito. – ele olha nos meus olhos, parecendo pensar. − Uma palavra com
significado complexo e relativo, o que é perfeito para um não é para o outro. – levanta
a mão e afaga o meu rosto. – Eu queria. – pausa. Os olhos azuis me observam. – Ser
para você. – completa, ao mesmo tempo em que ergue a cabeça do meu colo.

Ian fica em pé e entra no lago, não me dando tempo de responder, não que fosse
fazê-lo, porque, evidentemente, não há o que dizer. Permaneço sentada sobre as pernas
cruzadas, assistindo o lago cobri-lo até o pescoço.

− Vem nadar. – diz. – Quem sabe assim não desfaço a péssima impressão que
causei desde que chegamos a gruta.

− Péssima impressão? – levanto. – Você está enganado. – mergulho no lago. – Te


admiro mais do que antes. – comento, quando emerjo ao lado dele. − Desejo que você
se apaixone por alguém que te ame, Ian.

− Seja feliz, Clara. – ele me abraça. – Isso é tudo o que preciso.


O que fazer?

− Onde você e o Ian estavam? – Malu pergunta, assim que nos despedimos do Ian
e Daniel, na entrada dos alojamentos.

− Uma gruta.

− Vocês ficaram? – ela arqueia a sobrancelha.

− Não.

− E o que vocês ficaram fazendo numa gruta?

− Tem um lago na gruta, ficamos conversando e nadando.

− Ian ou Arthur? – ela faz uma expressão pensativa. – Páreo pesado.

− Esqueça.

− Você é quem precisa fazer algo: esquecer ou atacar o Arthur. – comenta. – Ele e
a Isabella terminaram mesmo, Daniel me contou.

− Falando em Daniel, quando você vai parar de se fazer de difícil?

− Ah, sim! Me conta. – ela diz animada. – Ele falou que quer ser meu namorado
mesmo? Você perguntou, né? O que ele disse? Conta logo, Clara!

− Você nem me deixa falar. – sorrio.

− Fala, estou muda. – ela coloca a mão nos lábios.

− Ele disse que gosta de você pra valer. – destranco a porta do quarto.

− Ai, amiga! – Malu dá gritinhos histéricos.

Paraliso na porta, sem entender porque as nossas malas e roupas estão jogadas no
chão. Malu estava atrás de mim e sua animação é convertida em fúria ao entrar no
quarto.
− Que porra aconteceu aqui? – Malu inquere.

− Hello, vadias. – Isabella surge, dando risinhos na porta do banheiro.

Eu e Malu nos entreolhamos, ela avisa em silêncio "vou matar essa vadia", e
antes que agarre a Isabella pelos cabelos, a seguro pelo braço.

− Como você entrou no nosso quarto? – pergunto.

− Nosso quarto, vadia. – ela debocha. – Não gostei de onde havia ficado e
troquei com a Andressa e Bruna.

− Qual o seu problema, Isabella? – Malu vocifera. – Sua vida é tão infeliz que
você precisa atormentar a Clara? Vai aproveitar o fim de semana e some da nossa
frente!

− O meu problema é que essa vadia não deixa meu namorado em paz.

− O quê? Você é louca?

− Que namorado, Isabella? – Malu provoca. − Arthur deu um chute nessa sua
bunda gorda, vadia! Aceita que ele não te quer.

− Ele é meu e acho bom você ficar longe dele. – Isabella me encara.

− Ou o quê, Isabella? – Malu a enfrenta. – Se o Arthur quiser ficar com a Clara e


ela com ele, você que se foda.

− Você não sabe do que sou capaz. – Isabella ameaça.

− Acho que sei sim, tenho assistido as suas maldades por anos. – comento.

− Durma com os olhos abertos, vadia. – Isabella me dá um empurrão e sai do


quarto.

− Vou sufocá-la com o travesseiro. – Malu diz entredentes, batendo a porta com
força.

− Quero ir embora. – jogo minha bolsa de lado e sento no chão, recolhendo


nossas roupas.

− Não, Clara! Você não vai se intimidar, entendeu?

− Não entendo porque ela me odeia.

− Porque ela é uma vadia. – Malu senta, me ajudando a dobrar as roupas. – Juro
que se fosse você, ficaria com o Arthur na frente da Isabella, só para fazê-la morrer
engasgada com o próprio veneno.

− Ian disse que o Arthur vai me procurar para conversar. – suspiro. – Não sei se
quero ouvi-lo.

− Como não? Clara, é o Arthur, o cara por quem você é apaixonada.

− Malu, não posso ficar com o Arthur. – sinto as lágrimas aflorando. − Mesmo se
concordar em conversar com ele, não vai acontecer nada entre nós.

− Clara, esquece a Isabella, o Arthur está livre.

− Não tem nada a ver com a Isabella. – penso no Ian, em tudo o que ele viveu. – É
pelo Ian.

− Perdi o quê? Você está gostando do Ian?

− Ele gosta de mim.

− Eu sei, Clara. – ela sorri. – Por que você acha que não fui atrás de você quando
Isabella e Arthur entraram no meu quarto naquela noite? Eu sabia que o Ian iria cuidar
de você, vi como ele te olhou e achei que você pudesse vir a se apaixonar por ele.

− Se eu ficar com o Arthur, vou estar fazendo com o Ian, o mesmo que Isabella fez
comigo. – enxugo minhas lágrimas. – Sei como dói assistir seu melhor amigo com quem
você gosta, não vou fazer o Ian passar por isso, Malu.

− É diferente, Clara.

− Ele é incrível, pensa primeiro nos outros, é amigo, fiel, tem aquele sorriso que
contagia o mundo, é doce e atencioso.
− Não sabia que você conhecia o Ian tão bem.

− Nem eu. – confesso. – A verdade é que o Ian sempre esteve presente quando
precisei. Ele esteve ao meu lado, me protegendo ou me deixando chorar, e assumi que
aquele era o lugar dele, por isso nunca prestei muita atenção.

− Acho que o Ian iria entender se você e o Arthur ficassem juntos.

– Ele me pediu para conversar com o Arthur.

Malu me lançou um olhar do tipo "não disse?". Desconversei, perguntando sobre


o Daniel e ela não parou mais de tagarelar, até que tínhamos terminado de arrumar as
nossas roupas.

Nós tomamos banho, nos arrumamos para ir à festa na piscina, pois Daniel
mandou inúmeras mensagens insistindo para irmos. Quando estávamos saindo do quarto
para ir jantar, encontramos Isabella e Amanda na porta. Tenho que me acostumar que
nos próximos três dias verei a cara delas muito mais do que gostaria.

− Se você mexer no nosso lado do quarto, irei arrebentar sua cara. – Malu avisa.

− Acha mesmo que tenho medo de uma duende de jardim? – Isabella revira os
olhos.

− Experimente bagunçar as nossas coisas de novo e vou tatuar a minha mão na sua
cara. – Malu empina o nariz e entrelaça os nossos braços. – É melhor você lembrá-la
do meu aviso, se não quiser apanhar por causa da sua amiguinha, Amanda.

Nós nos servimos e sentamos em uma mesa de dois lugares, meio escondida, ao
canto do refeitório. Malu estava animada, planejando como aproveitaríamos os nossos
momentos de liberdade nos próximos dias, quando de repente parou abruptamente e me
fitou, com um meio sorriso nos lábios. Não, não, não, repeti em pensamentos, me
negando a aceitar que o Arthur estive em pé atrás de mim.

− Boa noite.

− Boa noite. – Malu sorri.


− Clara, queria saber se podemos conversar? – Arthur pergunta, em pé, ao meu
lado.

Meus olhos estão fixos na comida, o meu corpo rígido. Não consigo evitar o
pensamento de que estão todos nos observando, o que vai dá credibilidade a história
que a Isabella inventou sobre eu estar dando em cima do namorado dela. Um nó se
forma em minha garganta, dificultando a minha respiração.

− Clara? – Malu chama minha atenção.

A voz da minha amiga parece distante. Minhas mãos estão suando frio, sinto o nó
crescendo na minha garganta, minha respiração falha, uma espécie de formigamento tem
início nos dedos dos meus pés e avança pelas minhas pernas. Estou nauseada, minha
cabeça gira e o meu coração acelera na mesma proporção que a minha respiração se
enfraquece.

− Clara? Clara? Clara?

Ouço o meu nome, mas não consigo distinguir as vozes.

− Clara, respira comigo.

Alguém segura minha mão e envolve o meu corpo com o braço, massageando
minhas costas.

− Inspira. Respira. Devagar. De novo, Clara. Inspira. Respira.

− Clara, você está me vendo?

Ergo o rosto e vejo Malu, me olhando assustada.

− Continua, Clara. Respira. Inspira.

É a voz do Ian. Obedeço. As palpitações diminuem, o formigamento nas minhas


pernas cessa, assim como a tontura, mas a sudorese nas mãos se mantém.

− Você está bem?

Viro o rosto e encontro um par de olhos verdes. Arthur está agachado ao meu
lado, segurando minha mão. Meu coração acelera de novo e inspiro pesadamente,
sentindo novas ondas de tontura.

− Clara, respira devagar. – Ian pede.

Me concentro na voz do Ian e na minha respiração. Consigo controlar meus


batimentos e percebo que há duas mãos segurando as minhas e outra nas minhas costas.
Puxo as minhas mãos, nervosa, e me viro para o lado esquerdo, jogando meus braços ao
redor do Ian.

− Não quero ficar perto dele. – choramingo.

− O quê? – Malu pergunta.

− Estão todos olhando, não quero que digam que sou uma vadia.

− Você não é vadia. − Ian sussura, alisando meus cabelos.

− É melhor você ir, Arthur. – Malu sugere.

− Desculpa, Clara. – Arthur diz e ouço-o se afastar.

− Você está se sentindo melhor? – Ian pergunta.

− Sim.

− O que houve? – Malu questiona.

− Não sei. – digo, com o rosto enterrado no pescoço do Ian.

− Você teve um ataque de pânico. – Ian explica.

− Como você sabe? – Malu inquere.

− Já tive ataques de pânico. – ele diz baixinho. – É a primeira vez que acontece,
Clara?

− Sim. – levanto o rosto e me endireito na cadeira. – Só conseguia pensar que se


me vissem com o Arthur, iriam acreditar em tudo que a Isabella inventou.
− Não acredito que aquelazinha conseguiu te atingir assim. – Malu diz, irritada. –
Vou ter que me controlar para não matar aquela vadia enquanto dorme, a vontade de
enfiar um travesseiro na cara dela é enorme.

− Vocês estão dividindo o quarto com a Isabella?

− A vadia trocou de quarto com a Bruna e a Andressa. – Malu responde.

− Tenham cuidado com ela. – Ian pede.

− Eu sabia que era uma péssima ideia vir nessa viagem. – comento. – A melhor
coisa que posso fazer é ficar invisível pelos próximos meses e implorar para os meus
pais me mudarem de colégio no próximo ano.

− Claro que não, Clara. – Malu rebate. – Você precisa é colocar a Isabella no
lugar dela, pare de dá importância as merdas dela.

− Malu está certa, Clara.

− Não consigo. – afirmo. – Foi o meu diário que ela compartilhou, meus
desabafos, minhas confissões. – digo irritada. – Merda, as mentiras dela têm como base
a minha verdade! – suspiro frustrada. – Não foi ela quem contou que sou apaixonado
por ele, fui eu. As minhas palavras.

− Clara, ser apaixonada por ele, não faz de você uma vadia. – Ian argumenta.

− Isso aí, Ian. – Malu concorda.

− Entendo que você não queira conversar com o Arthur na frente de todos, mas
acredite em mim, você precisa saber como tudo começou, isso pode mudar a forma
como você irá decidir enfrentar essa história. – Ian afaga o meu rosto. – Será que vale
mesmo a pena desistir do cara que você gosta por causa da Isabella?

− Eu meio que quero te bater agora. – dou um soco de leve no peito do Ian. – Por
que você sempre sabe o que dizer? Vou ouvir o Arthur.

− Assim que se fala. – ele pisca.


Malu olha de mim para o Ian com uma expressão indecifrável, sobrancelha semi
arqueada, olhos estreitos e atentos, nos analisando minunciosamente.

− Se é para falar, que seja logo. – Malu comenta. – Podemos marcar em algum
lugar reservado, longe dos olhares da galera. – sugere. – Ian pode avisar ao Arthur do
local.

− Vocês podem se encontrar durante a festa, Clara.

− Pode ser.

− Clara, pode ser é pouco convincente. – Malu diz. – Nós achamos que é o
melhor a fazer, mas é você quem tem que querer. – ela aperta a minha mão. – Amiga,
esquece a Isabella e pensa em você. O que você quer, Clara? Se você descobrir que o
Arthur quer ficar com você, como vai ser?

− Vamos manter o foco nas probabilidades reais. – me esquivo.

− Você não acha possível o Arthur querer ficar com você? – Ian dá um sorriso
murcho. Aceno, confirmando a minha descrença nessa possibilidade. – Ele quer, Clara.
– completa.

Se me falassem ontem que o Arthur queria ficar comigo, eu reagiria de duas


formas: primeiro, duvidaria e pensaria que era mais uma armação da Isabella; segundo,
iria achar que estava sonhando. Sabe-se lá como, hoje só consigo pensar que é uma
grande piada de mau gosto. O que mais posso pensar nessa situação? Passo quatro anos
apaixonada por um cara, ele namora minha melhor amiga, que se revela uma bruxa má,
e quando descubro que ele a dispensou e quer ficar comigo, não posso viver essa
história sem machucar o cara mais doce que conheço. Definitivamente, alguém tem um
senso de humor tenebroso.

Ian pegou o jantar, puxou uma cadeira e sentou-se conosco. Conversamos sobre o
que faríamos nas férias: Malu vai viajar com os pais na última quinzena de julho; eu
vou com meus pais e irmã para a serra; e Ian vai viajar com alguns amigos, incluindo o
Arthur e o Daniel, vão fazer trilha e depois curtir um fim de semana na casa de campo
de um amigo.

− Vocês devem aprontar muito. – Malu comenta.

− Nem, a galera é de boa. – Ian diz. – Toda as férias tiramos uma semana para
viajarmos juntos.

− Devem pegar geral por onde passam. – Malu revira os olhos.

− Eles não precisam viajar para isso, Malu. – digo entre risos.

− Que ideia vocês fazem de nós! – ele finge estar ofendido.

− Ah tá, vai dizer que não pega ninguém? – ela arqueia a sobrancelha.

− Fico com uma ou outra menina em festas, fora isso, sou sossegado. – ele
argumenta. – Vocês sabem que não sou de balada, minha avó vive brigando comigo, me
mandando sair; ela diz que tenho espírito de velho, porque passo mais tempo na
confeitaria do que em qualquer outro lugar.

− Fala a verdade. – ela pede. – Vai muita menina atrás de você na confeitaria?
Elas te dão o telefone ou você as pega na dispensa?

− Não! – Ian gargalha. – Malu, sua mente é fértil demais.

− Você nunca pegou nenhuma cliente? Nunca deu uns amassos nos fundos da
confeitaria? Ou escondido na cozinha?

− Não, não e não. – repete, sem conseguir conter o riso.

− Como assim? Precisamos resolver isso, vou enviar uma menina para você -dar
uns amassos na confeitaria. – ela comenta, fazendo Ian rir mais alto.

− Se prepare, porque ela faz mesmo. – aviso ao Ian, dando risada.

− Fica tranquila que eu mesmo cuido disso, Malu. – ele pisca. – Se quiser posso
ceder o espaço para você e o Daniel se pegarem. – provoca.

Malu dá um tapa no bíceps do Ian. – Dispenso. – ela finge esnobar, o que faz nós
dois gargalhamos.

– Sei. – Ian provoca.

– Pare de dificultar a vida do Dan. – perturbo.

– Sua sorte é que sou solidária ao momento que você está vivendo, Clara. – Malu
deixa o comentário pairando no ar.

– Não entendi.

– Nem eu. – Ian diz.

– Vão continuar sem entender, por enquanto. – ela dá um sorriso maléfico.


Coração confuso

A área da piscina está movimentada com a festa, o pessoal está na maior


animação. Dois casais estão dentro da piscina, as garotas montadas no pescoço dos
garotos, disputando quem será a última a cair, e uma galera grita ao redor da piscina,
torcendo e esperando a sua vez de jogar. A música eletrônica está alta e outra galera
dança numa tenda.

− Quero jogar! – Malu exclama.

− Boa sorte, amiga.

− Você vai comigo! – ela agarra o meu braço.

− Eu não.

− Ah, por favor, amiga. – faz manha. – É divertido. – diz e agarra o Ian pelo
braço. – O Ian vai com você e arrumo alguém para ir comigo.

− Não estou a fim de me molhar. – Ian argumenta.

− Mas estou a fim de jogar e vocês vão jogar comigo. – ela rebate.

− Não podemos deixar o jogo para mais tarde? – tento ganhar tempo.

− Não! – Malu diz, nos arrastando para perto do Henrique, que está servindo de
juiz. – Queremos jogar. – ela sorri.

− Queremos não. – eu e o Ian dizemos em uníssono.

− Queremos sim! – ela insiste. – Só preciso de um par, alguém sobrando? – ela


pergunta.

− Não, todos estão em pares.

− Pode colocar os nossos nomes aí, vou procurar alguém para ir comigo.
− Ok, mais três partidas e é a vez de vocês. – Henrique avisa.

− Beleza. – Malu sai nos puxando, um de cada lado. – Cadê o imprestável do


Daniel quando se precisa dele? – ela resmunga.

− Imprestável? – Ian ironiza. – Malu, você não engana ninguém.

− Só o Dan. – sorrio.

− Fato. – Ian concorda e sorri.

Malu nos obrigou a rodar toda a área onde estava acontecendo a festa,
vasculhamos centímetro por centímetro, nem sinal do Daniel. Ela estava tentando
disfarçar a sua irritação, mas estava fracassando feio.

− Vou ligar e perguntar onde ele está. – Ian diz, puxando o celular do bolso.

− Ele quem? – Malu se faz de desentendida.

− Quem, Malu? – arqueio a sobrancelha, fitando-a. – Daniel é óbvio!

− Deve estar se agarrando com alguma vadia. – ela revira os olhos. – Olha ali o
Vítor, ele vai jogar comigo.

Malu corre em direção ao Vítor. Troco um olhar com o Ian e ele exibe o visor do
celular com uma mensagem do Daniel, pedindo que ele leve a Malu para a tenda.

− Como faço para levar essa maluca para a tenda?

− Ela não vai antes de cair na piscina.

− Vou avisar. – Ian diz, já digitando uma mensagem.

Quando Malu e Vítor nos encontram, seguimos para a piscina.

− Vocês são os próximos! – Henrique grita.

− Ok, estamos prontos. – Malu diz.

Os garotos tiram as camisas e colocam na bordada piscina, eu e Malu não


estamos de biquíni, portanto permanecemos com nossas roupas e colocamos apenas os
nossos celulares junto ao dos garotos. Contamos até três e saltamos os quatro ao mesmo
tempo, a água está gelada; dou um grito, Ian solta um "puta que pariu", Vítor
um "merda, que gelo!" e Malu dá vários gritinhos. Nos posicionamos no pescoço dos
garotos e a partida tem início, Ian segura firme minhas pernas, enquanto troco pequenos
empurrões com Malu. A agitação do jogo, os risos e a movimentação dos nossos corpos
faz com que a temperatura da água fique em segundo plano, nem sinto mais o frio,
apenas o calor das mãos do Ian nas minhas coxas e os dedos da Malu apertando meus
braços.

− Pausa! – Um grito nos faz parar.

Olho e vejo o Daniel ao lado do Henrique, a galera grita pedindo para voltarmos
ao jogo.

− Calem a boca um minuto, é importante, galera. – Daniel diz alto, tira a camisa e
salta na piscina. – Porra! – exclama ao sentir a água gelada. Ele dá alguns pulinhos na
água, esfregando as mãos e então nada até o meio da piscina, onde estamos. Ian dá um
espaço entre nós, a Malu e o Vítor. – Planejei isso diferente, mas você não quer mesmo
facilitar as coisas. – Daniel diz, com os olhos fixos na Malu. – Poderia ficar esperando
você aparecer na tenda, aí te puxaria para dançar comigo e o DJ tocaria a música
combinada, mas não quero mais esperar, logo fui obrigado a improvisar. Você pode
descer dos ombros do Vítor? – ele pede e Malu cruza os braços, o encarando. − Tenho
algo a dizer. – completa.

− Anda logo, Malu! – grito.

− Vai, Malu! – alguém exclama e um coro de vozes segue, acompanhado por


gritos.

Daniel dá a volta e a segura pela cintura. Vítor solta as pernas dela e mergulha,
fazendo a Malu deslizar para os braços do Daniel.

− Vem, Malu. – Daniel a vira de frente, envolvendo-a em um abraço. – Espero


que isso seja romântico o suficiente. – ele diz entre risos. – Você é maluca, mandona.
− Nada romântico. – Malu o interrompe, sorrindo.

− Ainda não terminei. – ele argumenta. – É uma baixinha enfezada e impaciente,


acho que todos vão concordar comigo. – provoca e leva um tapa. – Isso pode assustar
muitos caras, afinal você é uma garota de personalidade forte e briga com unhas e
dentes pela última palavra numa discussão, mas é isso o que acho, terrivelmente, sexy
em você.

− Beija, beija, beija. – a galera entoa.

− Calem essas malditas bocas! – Malu grita. Eu, Ian e Vítor gargalhamos.

− É disso que estou falando. – Daniel comenta e solta uma gargalhada. – Quer
namorar comigo, Malu?

Assobios, gritos e aplausos inundam o ambiente, no instante em que Malu joga os


braços no pescoço do Daniel e o beija.

− Quer fugir antes que ela interrompa o beijo e decida recomeçar a partida? – Ian
pergunta, inclinando o rosto para trás. Fico constrangida com o atrito dos seus cabelos
na parte interna de minhas pernas e sinto o sangue se aglomerar nas maças do meu
rosto. – O que foi?

− Nada. – minto. – Vamos fugir. – retomo a primeira pergunta, evitando que ele
insista em saber porque estou ruborizada.

Ian afasta as mãos das minhas pernas e segura a minha cintura, me ajudando a
descer dos seus ombros. Malu e Daniel ainda estão se beijando, nós saímos da piscina,
Ian veste a camisa e corremos, nos afastando da festa. Quando estamos longe o bastante
para poder conversar sem a música estourando os nossos tímpanos, reduzimos a marcha
para uma caminhada. Minhas roupas estão molhadas e o vento provoca arrepios na
minha pele; cruzo os braços, tentando me aquecer.

− Toma. – Ian me oferece a camisa, despindo o tórax.

− Você vai congelar.


− Vou não. – ele joga a camisa no meu ombro. – Ela vai ficar chateada quando
não nos encontrar?

− Não. – visto a camisa. – Dan vai mantê-la ocupada.

− Verdade. – ele sorri. – Posso te fazer uma pergunta?

− Outra? – perturbo. – Pode sim. – sento em um banco, cruzando as pernas sobre


o assento.

− Nunca te vejo com ninguém. – ele senta ao meu lado. – Sei que você ficou com
o Arthur uma vez, porque ele me contou, e também sei do Caíque, porque vi, mas isso
faz tempo. – ele mexe na bainha da bermuda. – Você não fica com ninguém por causa
dele? O que você sente é tão forte assim?

− Eu não fiquei com o Caíque, quer dizer, rolou um beijo, mas não foi porque eu
quis. – explico. – Isabella me empurrou, ele entendeu errado e me beijou, acabei
mordendo a língua dele e o empurrando. – conto e o Ian ri baixinho. – Não lembro de
ter te visto naquela festa.

− A primeira coisa que vi quando cheguei, foi você beijando o Caíque. – ele se
remexe no banco e me olha. – Nem passei da porta, dei as costas e fui embora. –
confessa. – Ainda estava tentando digerir que você e o Arthur tinham ficado, te ver com
outro cara era demais para aguentar. – ele morde o lábio.

Fico olhando o azul acinzentado dos seus olhos, tentada a acariciar o seu rosto, e
com medo de machucá-lo mais. Com o Ian sinto que estou andando em um campo
minado, morro de medo do estrago que posso fazer, no entanto não consigo me afastar,
ele me acalma e sou egoísta demais, não quero perder a sensação de aconchego que ele
me dá.

− Você não respondeu a minha pergunta.

− Ah, desculpa. – digo. – É verdade que não fico com ninguém, mas não sei se é
por causa dele, acredito que não, pelo menos não conscientemente. – argumento. –
Prefiro pensar que apenas não rolou uma oportunidade.
− Clara! – ele estreita os olhos.

− Tá, não oportunidade. – corrijo. – Nunca rolou química ou algo desse tipo.

− Atração?

− É. – mordo o lábio. − Não sei, Ian. Não rolou com ninguém.

− Acho que você não faz ideia da força do que você sente por ele.

− Por que você diz isso?

− Porque... – ele olha para o céu. – Porque eu faria qualquer coisa por você,
durmo e acordo pensando em você, desejo a sua felicidade acima da minha, e apesar de
ser assim, consigo ficar com outras garotas. – ele não me olha. – E você não consegue.
– completa.

− E o que você sente quando fica com elas?

− É físico, não consigo me conectar emocionalmente.

− Sinto que deveria me afastar de você.

− Não faz isso, Clara, por favor. – ele pede, segurando minha mão. – Não espero
nada além do que você me oferece, pode ficar tranquila.

− E se um dia conseguir me envolver com alguém? Como vai ser para você? Não
quero te machucar, Ian.

− Você não vai me machucar. – ele beija minha mão. − Eu aguento, Clara.

− Eu nem tinha percebido que éramos tão próximos. – confesso. – Nunca estive
presente quando você precisou.

− Você me deixou ficar, Clara. – ele afasta alguns fios de cabelo, que estavam
grudados no meu rosto. – Você poderia ter recuado quando me aproximei, mas você me
permitiu chegar junto.

− Eu permitir porque você me faz bem, Ian.


− E você me faz bem me deixando ficar. – ele move o polegar no meu rosto,
tocando de leve os meus lábios.

Fecho os olhos, sentindo o seu toque. Empurro a razão para o escanteio e levo
uma mão ao seu rosto, acariciando-o. Inclino o meu corpo um pouco em direção a ele,
sinto a sua respiração soprando nos meus lábios, resvalo minha mão para o seu
pescoço, mantendo apenas o polegar nas maças do seu rosto. Nossas testas se tocam, a
ponta do meu nariz desliza sobre o dele, sentindo o friozinho da temperatura. Contorno
os seus lábios e ele deposita um selinho no meu polegar.

Meu coração quase para quando o som de uma música inicia, me afasto rápido do
Ian, cruzando minhas mãos no colo. Que merda eu ia fazer? Eu ia beijá-lo?

− Droga. – ele resmunga, puxando o celular do bolso. – É o Arthur. – sussurra,


quase inaudível.

− Pode atender. – murmuro.

− Você queria?

Ele está perguntando se eu queria beijá-lo? Não, por favor. Levo as mãos ao
rosto, escondendo-me, estou envergonhada. A música para de tocar.

− Clara, tudo bem. – ele segura minhas mãos. – Foi coisa de momento, avancei e
você está em um momento delicado, ficou confusa. – ele justifica. Que fiquei confusa é
verdade, mas ele não avançou, eu quis. – Me perdoa.

– Nã...

– Juro que não foi premeditado. – ele me olha aflito. – Me perdoa?

Queria explicar que não foi nada disso, a culpa não foi dele, mas tudo o que
consigo responder é "sim".
Montando o quebra-cabeças

– Vou deixar vocês a sós. – Ian coloca as mãos no bolso da bermuda e abaixa os
olhos. – Boa noite.

– Boa noite. – Arthur diz.

Levanto rápido e abraço o Ian. Ele é pego de surpresa pelo meu gesto, titubeia e
então retribui o abraço.

– Tem certeza que você vai ficar bem com isso? – sussurro.

Ian afrouxa o abraço e afaga o meu rosto. – Tenho, Clara. – ele beija a minha
testa. – Faça o que te fizer feliz. – acaricia o meu queixo e vira, indo embora.

Assisto o Ian ir se afastando, até desaparecer na penumbra da noite. Uma


sensação estranha faz meu coração bater alquebrado. Inspiro sofregamente.

– Sei que você só aceitou conversar comigo porque ele pediu. – Arthur quebra o
silêncio. – Obrigado.

– O que você quer conversar? – pergunto, virando para encará-lo.

– Primeiro, devo dizer que sei que o Ian gosta de você, ele me contou faz alguns
meses. Segundo, odiei o que a Isabella fez; e terceiro, não posso negar a minha culpa.

– Arthur, sinceramente, não sei o que dizer. – sento ao lado dele.

– Não precisa dizer nada, você tem todos os motivos para nem querer falar
comigo, mas quero que você entenda que nunca concordei com nada que a Isabella fez,
contudo de alguma forma fui cúmplice dela.

– Não entendo.

– Meu primeiro beijo foi com você.

– O quê? – pergunto perplexa. – E aquela noite na casa da Malu?


– Não ficamos. – ele diz sério. – Contei a Isabella que gostava de você, ela
sugeriu que ficássemos um tempo no quarto para ninguém desconfiar que não tínhamos
nos beijado e disse que contaria para você o que realmente aconteceu.

– Não acredito! – respiro pesadamente. – Aquela vadia me contou detalhes do


beijo.

– Detalhes que ela inventou. – Arthur comenta. – Eu não sabia.

– Ela é louca!

– Depois que ficamos, nos encontramos naquela festa, então Isabella veio falar
comigo e contou que você estava a fim do Caíque, não acreditei, mas aí tentei falar com
você e fui ignorado, depois te vi beijando o Caíque. – Arthur explica. A raiva cresce
dentro de mim. – Isabella apareceu e me beijou, de início recuei, ela falou que tinha um
plano para me ajudar a te conquistar e acreditei, então a beijei de volta. Isabella disse
que deveríamos fingir estar namorando para te fazer ciúmes, conversei com o Ian e ele
disse que era uma péssima ideia, recusei, entretanto a Isabella continuo insistindo nessa
ideia e topei.

– Você está de brincadeira. – o encaro furiosa.

– Desculpa. – Arthur diz e abaixa os olhos. – O namoro era de mentira e foi assim
por três meses. Ian ficou puto comigo, disse que você não merecia ser enganada, mas
não o ouvi. – confessa. – Um dia, estava sozinho em casa e Isabella apareceu lá, ela
estava chorando, disse que havia se apaixonado por mim e que não podíamos continuar
fingindo. Foi tudo confuso aquele dia, ela estava chorando, eu tentava consolá-la, ela
começou a me beijar e rolou a nossa primeira vez. – ele me analisa. Estou chocada
demais para demonstrar qualquer reação. – Não usamos camisinha e ela engravidou.

– Ok, pode parar! – levanto, confusa. Isabella, Arthur, gravidez. Ela nunca
apareceu grávida, nunca se afastou do colégio, logo não preciso ser um gênio para
deduzir que eles fizeram um aborto. Ando de um lado a outro, em frente ao banco. – É
meio óbvio que vocês não decidiram constituir uma família feliz, então por que
continuaram o namoro de mentira?
– Depois da nossa primeira vez, Isabella disse que manteria o nosso namoro de
mentira por mais algum tempo. – ele aperta as mãos. – Quando descobrimos a gravidez,
ficamos desesperados, não queríamos contar a mais ninguém, por isso acabamos nos
aproximando e começamos a ficar. – comenta. – Fomos juntos à uma clínica clandestina
fazer o aborto e depois de tudo resolvido, estávamos envolvidos; os amassos foram a
nossa válvula de escape e decidimos namorar de verdade.

– Minha cabeça está um nó.

– Gostei da Isabella, não nego, mas nunca te esqueci, Clara. – ele ergue os olhos
para mim. – Só percebi que o Ian tinha razão, ao falar que a Isabella era manipuladora,
quando ela distribuiu o seu diário no colégio, e terminei com ela no mesmo dia.

– Ela nunca foi minha amiga. – murmuro. – O tempo todo ela me manipulou.

– Clara.

– Arthur, por favor, me deixa sozinha. – peço, deixando meu corpo desabar no
banco. Ele tenta argumentar, mas o interrompo. – Vai embora, por favor.

Arthur levanta e vai embora, sem discutir. Estou pasma, não posso acreditar que
Isabella tenha fingido todo o tempo; nós nos conhecemos desde os quatro anos, ela foi
minha melhor amiga por uma década, uma década de mentiras e falsidade. Será que ela
gostava mesmo do Arthur ou só queria me magoar? Ela é sórdida e perversa, inventou
detalhes de um beijo que nunca aconteceu, manipulou a minha vida, fui apenas um
joguete nas mãos dela. Lágrimas caem sem pedir permissão. Não sei como me sentir em
relação ao Arthur, porque meus pensamentos estão na Isabella, no tipo de relação
doentia que desenvolvemos. Mentiras e mais mentiras.

– Você é patética.

Viro e vejo Isabella gargalhando e batendo palmas, enquanto se aproxima. Ela


estava me espionando? Queria entender de onde surgiu tanto ódio? Não me preocupo
em esconder as lágrimas, deixo que elas caiam.
– Era insuportável fingir ser sua amiga. – debocha. – Você é chata, irritante,
chorona. Olha para você. – ela me olha dos pés à cabeça. – Quatro anos de quatro pelo
Arthur e quando descobre que é de você que ele gosta, simplesmente, não consegue
parar de chorar e o manda ir embora? – ela ri alto. – Começo a pensar que tive tanto
trabalho para ficar com ele à toa, bastava ter dito que o queria e você se encolheria no
seu canto e me deixaria agarrá-lo, bem na sua frente.

– Por quê?

– Porque você é medíocre, Clara. – ela me lança um olhar de desdém. – Incapaz


de lutar pelo que quer, você foge, recua diante do mínimo empecilho, prefere acreditar
em mentiras do que dá a cara a tapa. Você é tão insignificante e eles se apaixonaram
por você! – diz com raiva. – Não podia deixar você tê-lo, era injusto.

– Injusto? Eu acreditava que éramos amigas.

– E por isso você se escondeu? – arqueia a sobrancelha. – Você me viu beijando-


o e não fez nada! Ou melhor, saiu correndo para casa, chorando, como a menina
patética que é.

– Você mentiu, inventou histórias, me manipulou!

– E foi tão fácil, você tirou toda a emoção da coisa. – ela sorri.

– Você precisa se tratar. – digo, levantando e dando as costas a Isabella.

– Vadia medíocre! É assim?

– O quê? – paro, virando para olhá-la.

– Você não vai fazer nada? Apenas vai embora?

Dou de ombros, viro e me afasto, seguindo na direção oposta à festa. Minha


primeira ideia é voltar para o alojamento, mas lembro que Isabella pode aparecer por
lá e decido me refugiar na cachoeira. Meu celular está descarregado e não tenho como
avisar a Malu onde estou, espero que ela esteja distraída o bastante com o Daniel, para
não se preocupar. Enrosquei-me na camisa do Ian, sentada recostada no tronco de uma
árvore e me debrucei sobre os meus joelhos, chorando até adormecer.

Uma claridade incide sobre meus olhos, levo a mão ao rosto, protegendo-me dos
feixes de luz, ao mesmo em que me sento, sentindo a grama pinicando a minha pele.
Relembro a conversa com o Arthur e a Isabella, o choro sem fim. Droga, a Malu deve
estar louca por que não voltei para o alojamento. Corro para o quarto, antes que Malu
decida reportar o meu sumiço aos professores, o que, certamente, ela irá fazer assim
que descobrir que não estou com o Arthur.

Encontro alguns colegas no percurso, mexendo nos celulares, cochichando e


dando risinhos enquanto me olham. Estou usando a mesma roupa de ontem e por cima a
camisa do Ian, coberta por folhas e gravetos, imagino que esteja engraçada.

− Clara! – Malu grita.

Olho e vejo a Clara, o Daniel e o Ian correndo ao meu encontro.

− Desculpa, meu celular descarregou. – começo a explicar, mas Malu me


interrompe.

− Você estava com o Arthur?

− Não.

− Ninguém vai me impedir de bater na Isabella, portanto, nem tentem. – Malu diz
séria e sai pisando duro.

− Malu, espera! – Daniel sai correndo atrás dela.

− O que houve? Por que ela achou que eu estaria com o Arthur? O que a Isabella
aprontou?

− Desculpa, Clara. – Ian passa a mão no cabelo. – Ela enviou fotos para o celular
de todos.

− Que fotos?

− De ontem à noite. O ângulo da foto parece que estamos nos beijando e também
têm fotos com o Arthur, ela espalhou que você ficou com nós dois e que não dormiu no
quarto, logo...

Ele não precisa concluir a frase, aquela vaca armou para mim, de novo. Estou
cansada de ser o saco de pancadas daquela vadia! Ela quer me fazer parecer uma
vadia? Vou dar a ela uma vadia furiosa.

− VACA! – exclamo entre dentes. – É hoje que vou realizar o sonho da Isabella.
Acerto de contas

− Clara, o que você vai fazer? – Ian me acompanha.

− Responder as provocações da Isabella.

− É o que ela quer.

− Eu sei. – paro e olho nos olhos dele. – Estou cansada, Ian. Ela nunca vai me
deixar em paz, preciso parar de me esconder e enfrentá-la.

− Você pode se meter em encrenca, Clara.

− Estou encrencada. – dou de ombros. – Quanto tempo você acha que vai demorar
para os professores ficarem sabendo que não dormi no alojamento?

− Ok. Estou do seu lado.

− Valeu.

− Vimos a Isabella no refeitório, Malu deve ter ido até lá.

Quando estávamos passando pela quadra avistamos o Daniel segurando a Malu


sobre o ombro, levando-a no sentido oposto ao refeitório, aguentando os xingamentos,
tapões e pontapés dela, enquanto argumentava que estava fazendo isso para o bem dela,
pois ela poderia ser advertida ou expulsa da viagem. Ian me olhou, como se perguntasse
se estava disposta a enfrentar tais consequências, dei um leve balançar de cabeça,
confirmando. Daniel nos viu e refez a trajetória, de modo a nos encontrar. Acenei,
pedindo que ele levasse a Malu para longe, não queria a minha amiga encrencada.

− Sério? – Daniel questiona. – Clarinha, deixa pra lá.

− Me solta, Daniel! – Malu grita.

− Ian, me ajuda a levá-las para longe da Isabella. Elas vão ser expulsas da
viagem, brother.
− Eu não me importo, Dan. – digo. – Garanta que a Malu vai ficar longe da
confusão.

− Nem pensar! – Malu rebate. – Você finalmente vai reagir e acha que vou ficar
de fora? Quero estar do seu lado, amiga!

− Vamos apoiar essa ideia louca mesmo? – Daniel pergunta ao Ian.

− A decisão é da Clara. – Ian diz.

− Ok. – ele coloca Malu no chão. – Vou ter que me meter numa briga também,
para ser expulso com você. – diz, abraçando-a. – Assim voltamos juntos para casa.

− Pensamos nessa parte depois, agora quero acertar a cara daquela vadia. – Malu
agarra o meu braço. – Vamos, amiga.

Entramos no refeitório e os olhares voltam-se para nós. Isabella está sentada com
Amanda e mais quatro colegas nossos, ela faz um comentário malicioso e os risos soam
alto.

− Levanta, vadia! – Malu esbraveja.

− A vadia está em pé, bem ao seu lado. – Isabella debocha. – Se fosse você
tomava conta do seu namorado, Malu. Acho que você viu as fotos, certo? – ela dá um
sorriso. – A vadia não se satisfez em pegar o Ian, agarrou o meu namorado e passou a
noite com sabe-se lá quem.

− Isabella, o Arthur te chutou! – Malu ergue as mãos. – Quer que ele te dê um fora
público? Por que ele acabou de chegar. – ela aponta para a porta. Olho e vejo o Arthur
parado, cabisbaixo.

− Não diga que não avisei quando for você a ser traída por essa vadia. – Isabella
arqueia a sobrancelha.

Malu faz menção de ir para cima da Isabella, seguro a mão dela e faço um sinal
com o olhar, dizendo que essa briga é minha.
− A verdade, Isabella, é que não é da sua conta quem beijei ou onde dormi, mas
diferente de você, não tenho um armário cheio de esqueletos. Estive com o Ian ontem,
conversamos, porque ele é meu amigo. Desculpe, você desconhece o que isso significa.
– ironizo. – Encontrei com o Arthur, ele tinha algumas coisas para me contar. Acho que
você é capaz de adivinhar o quê, certo? – pisco e dou alguns passos até o Arthur. – O
beijei uma noite, anos atrás, antes de você. O que te incomoda tanto? Que eu tenha sido
a primeira a beijá-lo?

− Você é insignificante. – ela desvia os olhos.

− Acho que não. – sorrio. – Se fosse verdade, você não perderia o seu tempo
criando histórias sobre mim. – apoio a mão no ombro do Arthur. – Resolvi simplificar
o seu trabalho árduo. – olho diretamente para a Isabella. – Quer que eu beije o seu
namorado? Ops, ex-namorado. – mordo o lábio e viro de frente para o Arthur,
deslizando os braços nos seus ombros. − Considere feito!

Fecho os olhos, inspirando devagar e os meus lábios convergem com os lábios do


Arthur. As suas mãos envolvem a minha cintura e a língua resvala entre os meus lábios,
aninhando-se a minha com desenvoltura. A galera grita, fazendo-me lembrar que o Ian
está presente, interrompo o beijo tão rápido quanto comecei. Arthur me dá um selinho e
sorri, mantendo as mãos na minha cintura, dou um leve empurrão nos ombros dele,
suficiente para ele entender e me soltar. Volto minha atenção para Isabella a tempo de
vê-la caminhando e parando próximo a Malu, Daniel e Ian.

− Preste atenção, Clara. – Isabella diz com indiferença. – Vamos ver o que você
acha disso.

Isabella termina a frase com as mãos circundando o pescoço do Ian e os lábios


chocando-se aos dele. Quero vomitar!

− Que porra é essa? – Ian empurra a Isabella.

− E agora, vadia? – Isabella diz entre risos. – Quer saber qual o gosto do beijo
dele? – provoca.
− Quero saber qual a sensação de enfiar a mão na sua cara. – esbravejo,
avançando sobre a Isabella e acertando um tapa na cara dela. – Deixa o Ian fora dessa
merda, entendeu? – vocifero, ficando as unhas nos braços dela.

Assobios e apostas de quem ganha a briga são lançadas. Isabella puxa meu
cabelo, a empurro, ela tropeça numa das cadeiras e cai. Abaixo-me rápido, montando
por cima dela. Isabella arranha meus braços, enquanto desfiro vários tapas no rosto
dela, ao som dos gritos da galera. Sinto alguém me agarrar pela cintura, afastando-me
da Isabella.

− Vadia! É só isso o que você tem? – Isabella provoca.

− Clara, chega. – Ian sussurra, apertando os braços envolta da minha cintura,


evitando que consiga me soltar. – Ela só está tentando te irritar.

Uma gargalhada ecoa. Os gritos param. Olho perplexa para Isabella, sem
acreditar que ela está gargalhando. Qual o problema dessa garota?

− A viagem acabou para você, vadia. – Isabella diz entre risos. – Sem chance de
pegar o meu namorado de novo e, quando voltarmos, ele nem vai lembrar de você, vai
ser como da primeira vez que vocês se beijaram, sem nenhuma importância.

− Isabella, você está se humilhando. − Arthur intervém. − Nós terminamos e não


vamos voltar.

− Vamos sim, porque estou grávida.

− Puta que pariu! – Ian exclama.

− De novo? – Arthur pergunta, com olhos esbugalhados.

− Como assim de novo? – Ian, Daniel e Malu perguntam ao mesmo tempo.

− Se fosse você, iria exigir um teste sanguíneo. – digo ao Arthur. – Aposto que
ela nunca engravidou.

− O que está acontecendo aqui? – alguém pergunta, atrás do cerco feito pela
galera.

Todos se afastam, sem querer ser cúmplices da briga, ficando apenas o Arthur,
Malu, Daniel e o Ian, que me libera do abraço quando o monitor se aproxima.

− Fui agredida por essa garota. – Isabella faz voz de choro.

− Foi você quem começou. – Malu me defende.

− Eu? – Isabella choraminga. – Pode perguntar a qualquer um que estava aqui, foi
ela quem começou a me bater, apenas tentei me defender.

− Não vou negar que acertei a mão na cara dela, mas foi ela quem enviou fotos
minhas para todos, insinuando que fiquei com dois colegas ontem e que passei à noite
com um deles.

− Os outros estão envolvidos na briga? – o monitor inquere.

− Não. – digo.

− Sendo assim, podem ir. Quanto as duas, vamos à coordenação. – o monitor


oferece a mão para Isabella levantar.

− Não podemos esperar? – Ian questiona.

− Não. Vão logo, o pessoal está se reunindo para a primeira atividade, terá início
dentro de vinte minutos.

Isabella foi chorando até a coordenação e não parou de chorar um único segundo.
Ela nem precisa fazer teatro, é uma atriz nata. Meus olhos reviraram tanto na última
hora que fiquei tonta. O monitor e uma professora conversara, conosco, tentando
entender o que desencadeou a briga, como o Ian havia me entregue o celular antes de
nos deixar, pude provar as insinuações que a Isabella fez e fomos ambas punidas.
Nossos pais foram notificados que havíamos nos envolvido em uma briga e por essa
razão eles deveriam vir nos buscar ou autorizar o nosso embarque de volta.

A professora nos acompanhou até o alojamento para que pudéssemos fazer as


nossas malas, ela esperou que tomasse banho e me trocasse, então voltamos para a
coordenação. Deixei o celular do Ian com a professora e pedi que avisasse a Malu que
mandaria uma mensagem assim que estivesse em casa; estava impedida de falar com
eles, era parte da punição. Eu não aguentava mais olhar para cara da Isabella,
estávamos ambas na sala da coordenação, sentadas de frente uma para outra e a
professora nos monitorando.

Quase não consegui almoçar, a imagem da Isabella beijando o Ian me dava


náuseas e comer assistindo à encenação melodramática dela foi de matar. Quando
minha irmã chegou para me buscar, no meio da tarde, ao invés de tristeza por estar indo
embora, senti um alívio imenso. As informações sobre a briga haviam sido passadas
por telefone, assim não houve conversa, peguei minha mala e saí da sala acompanhada
pela Leth.

− No final você estava certa. – Leth comenta, ao entrar no carro.

− Apesar de estar indo embora no segundo dia, aconteceu tanta coisa ontem que a
verdade é que vocês estavam certos.

− Mesmo?

− Sim, conversei com o Arthur. – conto. – Isabella mentiu desde sempre. Acredita
que o primeiro beijo dele foi comigo?

− Conta tudo, Clara. – Leth pede.


Ponto e vírgula

Viajei com minha família conforme havíamos planejado, assim não menti quando
respondi a mensagem do Arthur, pedindo para conversarmos, dizendo que não seria
possível até o final das férias, pois viajaria no mesmo dia que ele retornaria da viagem
do colégio.

Malu queria pedi para os pais irem buscá-la, mas insisti que ela deveria ficar no
acampamento e aproveitar o tempo com o Daniel, logo eles teriam que ficar dias
afastados, por causa da viagem que ela faria com os pais para Bariloche. Apesar de ter
concordado com meus argumentos, ela exigiu que nos falássemos todos os dias, assim
trocamos centenas de mensagens; os pais da Malu são do tipo aventureiros e viajam
com um roteiro de atividades e passeios, por isso diminuímos a frequência das
mensagens quando ela embarcou para Bariloche.

Ian me enviou duas mensagens: a primeira no dia que fui embora do


acampamento; a segunda uma semana depois, perguntando como estava, respondi que
bem e desejei que ele aproveitasse a viagem com os amigos. Daniel também me enviou
mensagens, assim com a Malu, uma das primeiras coisas que ele perguntou foi sobre o
beijo no Arthur. Disse a verdade: "não sei, nem sei se deveria tê-lo beijado". Esperei
que ele me respondesse com alguma piada, não aconteceu, segundos depois o toque do
meu celular soou e vi o nome dele no visor.

− "Oi, Dan."

− "O que você sentiu?" – perguntou de supetão.

− "O quê?"

− "O que você sentiu, Clarinha? Seu coração bateu mais rápido? O chão
desapareceu dos seus pés? Você esqueceu de tudo e todos?"

− "O que você quer dizer, Dan?"


− "Você sabe, Clarinha. – ele faz uma pausa. − Quando beijou o Arthur, você
pensou ou não no Ian?"

− "Eu não quero machucá-lo, Dan." – confesso.

− "Então não faça, garota.

Leth estava me enlouquecendo, de dez frases que ela falava, oito incluíam Arthur
ou Ian. Quando Léo chegou neste fim de semana, quase caí de joelhos e o reverenciei
como se fosse uma espécie de Deus, sem nenhum esforço ele me libertaria das
aporrinhações da minha irmã irritante. O que não estava esperando é que o meu
cunhado se unisse a minha irmã na tentativa de me fazer tirar a cara dos livros e ir à
uma festa. Meus pais anormais demonstraram total apoio a iniciativa e nem fui ouvida,
se quer me deram qualquer maldita informação sobre a festa. Pisquei e estava enfiada
em um vestido preto, com saia volante, coturnos e um casaco, sentada no banco de trás
do carro do Léo, assistindo ele e minha irmã trocarem olhares suspeitos.

− Clara, chegamos.

Ouvi Leth me chamando, no entanto escolhi fingir que estava dormindo, quem
sabe assim eles não me deixariam ficar no carro.

− Clara, pare de fingir, vamos. – Leth dá um tapa no meu braço.

− Estou com sono, me deixa dormir um pouco. – peço.

− Vamos, Clara, dê uma chance para a festa. – Léo sugere. – Três músicas, se
tiver chato, você pode ir dormir em um dos quartos.

− Ela vai inventar que está chato só para fugir, Léo. – Leth reclama.

− Por que eu iria fugir? – arqueio a sobrancelha.

− Porque é o que você tem feito há meses e nos últimos quinzes dias você
conseguiu elevar o nível de fuga drasticamente. – Leth argumenta.

− Estou de férias e gosto de ler, isso não é fuga.


− Sei. – Leth abre a porta do carro e sai.

− Você a conhece, ela vai passar a noite irritada se você ficar amuada em um
canto. – Léo comenta. – Vamos, Clara, apenas tente se divertir.

− Vamos logo, Clara! – Leth abre a minha porta.

Léo ainda está me olhando, em súplica. Assinto, pego minha bolsa e saio do
carro. A casa é grande, maior que a que estamos hospedados, com uma grande varanda,
dois andares, toda em madeira com janelas e portas de vidro. Paramos na varanda em
frente à casa para cumprimentar algumas pessoas

Sorrio, trocando algumas palavras com Lena, uma das amigas da minha irmã, ela
tem cabelos longos, tingidos de roxo, um piercing no supercílio e outro no nariz, é
baixinha e tem olhos bem escuros. Ela é engraçada e está sempre fazendo piada, o que
me levou a esquecer que deveria estar irritada por ter sido arrastada para aquela festa,
pelo menos até que os meus olhos esbarraram nos volumosos cabelos loiros e
ondulados esparramados na rede. Paralisei, sentindo o formigamento na ponta dos meus
dedos e a respiração pesada.

− Clara, tudo bem? – Lena toca a minha mão. – Você está gelada, garota. – ela me
abraça. – Leth, vem cá.

O abraço de Lena é reconfortante. Inspiro e respiro devagar, como o Ian me


orientou no outro dia. A nuvem que cobria meu olhar se dissipa, volto a examinar a
pessoa na rede e percebo que não é Isabella, mas sim Anita, sua irmã mais velha. O que
não muda muita coisa, não que Anita seja má pessoa, não é, contudo é possível que
Isabella também esteja nesta festa.

− Oi, Lena. – Leth diz, se aproximando. – O que foi, Clara? Você está pálida!

− Foi só um mal-estar. – justifico.

− Tem certeza? – Leth coloca a mão na minha testa.

− Sim, só preciso pegar uma água.


− Quer que eu vá com você? – Leh pergunta.

− Não, por favor! – uno as mãos. – Já basta você ter me obrigado a vir, não
preciso de babá.

− Tudo bem, mas se sentir qualquer coisa me avisa e conseguimos uma cama para
você deitar. – Leth comenta.

− Pode deixar. – pisco. – Sou capaz de encontrar a cozinha sozinha. – digo e


aceno para elas, me despedindo.

Será que consigo algum lugar para me refugiar por algumas horas? Deixo a
varanda e adentro a enorme porta de vidro, aberta na sua totalidade, uma galera está
reunida dentro da casa, espalhados pelos sofás ou dançando em um cômodo anexo a
sala de estar. Transito pela sala, cumprimentando aqueles que conheço e procurando a
cozinha. Avisto uma garota de vestido de onça, justo, passando a mão nos cabelos
loiros e ondulados, jogando-os de lado, ela está de costas, mas as chances de ser a
Isabella são enormes, por isso mudo a minha rota, afastando-me antes que ela possa me
ver.

Apresso os passos quando vejo a entrada para a cozinha, apenas para estacar na
porta ao dar de cara com o Arthur, sentado no balcão com um copo na mão. Penso em
recuar, mas é tarde demais, ele me viu.

− Clara.

− O-oi. – gaguejo.

− Não sabia que você viria.

− Nem eu. – sorrio sem graça.

− Quer algo para beber? – ele desce do balcão. − Tem coquetel de frutas.

– Vim pegar água. – pego um copo na mesa. – Obrigada. − abro a geladeira.

Tomo a água virada de costas para ele, coloco o copo na pia e me viro sem jeito,
querendo encontrar uma desculpa para sair correndo.

− Seu silêncio está me matando, Clara. − diz baixinho, olhando nos meus olhos.

− Arthur.

− Escuta. – ele me interrompe. – Merda, Clara, diz qualquer coisa. – ele dá dois
passos e para na minha frente. – Sei que é muita coisa para processar, também sei que
apesar da Isabella ter mentido, permiti que ela te ferisse quando concordei em fingir o
namoro. – ele segura as minhas mãos. – Mas a verdade, Clara, é que só entrei nessa
porque sou apaixonado por você e a Isabella não foi capaz de destruir esse sentimento.

− Tanta coisa aconteceu, Arthur. – suspiro. – Soube que é verdade sobre a


gravidez.

− Sim. – ele aperta as minhas mãos. – Vou assumir o bebê, mas não irei ficar com
ela, não posso. – sussurra. Os olhos verdes não desviam dos meus. – Ela ficou puta e
jogou na minha cara que mentiu da primeira vez, debochou, dizendo o quanto foi fácil
me enganar.

− Ela é uma manipuladora, enganar é o que faz de melhor.

− Sim. – ele leva uma mão ao meu rosto. – Diz que não é tarde para nós. – afaga a
minha bochecha. – Não paro de pensar naquele beijo. – ele toca os meus lábios com as
costas da mão. – Na sensação de ter os seus lábios nos meus, seu corpo entre os meus
braços e o meu coração querendo rasgar o meu peito.

− Arthur.

Ele coloca o dedo sobre os meus lábios, me silenciando, com a outra mão segura
a minha cintura na medida em que seus lábios se aproximam dos meus, o rosto
levemente inclinado, a respiração quente soprando contra minha pele.
Na contramão

Ergo a mão e pouso sobre os lábios do Arthur.

− Sinto muito. – murmuro. – Não sei quando ou como aconteceu.

− Você me esqueceu. – ele me interrompe.

− Sinceramente, não tenho certeza, Arthur. – confesso. – O que sei é que os meus
sentimentos mudaram ou se perderam no meio de tantas mentiras, e no momento estou
tentando ouvir o meu coração, acho que pela primeira vez.

− Sinto muito que tenha te feito sofrer. – Arthur beija a minha testa. – Se sentir
que ainda tenho alguma chance, me avisa, ok? – ele segura meu rosto entre as mãos. – E
se o seu coração estiver batendo mais forte pelo Ian. – pausa, olhando nos meus olhos.
− Não perde mais tempo.

− Obrigada, Arthur. – beijo a bochecha dele.

− Vamos dançar?

− Não sei, acho que vi a Isab...

− É, ela está aqui, mas nós podemos fazer o que quisermos. – ele diz e sai me
arrastando. – Chega, Clara, ela já jogou demais com as nossas vidas.

− É, né? – mordo o lábio e permito que ele me guie.

Arthur só para quando alcançamos a sala onde está rolando a música. Ele me
puxa, segurando-me pela cintura, sorri e leva as mãos aos meus ombros, fazendo o
casaco escorregar pelos meus braços. Sou pega de surpresa e solto um suspiro. Ele
pisca, estende o braço e coloca meu casaco no cabideiro, logo atrás de onde estamos.

− Agora você está pronta para dançar. – comenta, fazendo-me girar e cair nos
seus braços.
No final, acho que não preciso de três músicas para saber que essa noite não será
de todo ruim. Olho para o Arthur, os olhos verdes carregam um ar de travessura, seu
sorriso é largo e me flagro sorrindo das suas piadas bobas. Ele quase me faz cair numa
tentativa de fazer uma pirueta. A gargalhada irrompe os meus pulmões, provocando-o
pelo fracasso da manobra, ele agarra a minha cintura e jogo os meus braços no seu
pescoço, incapaz de interromper a gargalhada.

− Se continuar me provocando, vou te fazer cair de propósito. – diz entre risos.

− Se eu cair, você vai junto. – sussurro.

− Quem disse que me importo? – provoca.

− Não se atreva!

− Precisamos conversar. – Daniel coloca as mãos nos nossos ombros.

− Dan. – sorrio, soltando Arthur e abraçando-o.

− Bom te ver sorrindo, Clarinha. – Daniel beija os meus cabelos. – Malu vai ficar
feliz de saber que você saiu da sua toca.

Arthur pergunta se aconteceu algo e somente neste momento percebo o tom que o
Daniel usou quando nos cumprimentou. Olho aflita e seus olhos castanhos me acalmam,
ao mesmo tempo em que sinaliza para o acompanharmos. Saímos por uma porta lateral
que dá acesso a varanda e Daniel caminha até uma parte isolada da varanda, longe do
barulho das conversas e da música. Ele se vira e olha de mim para o Arthur, como se
buscasse as palavras.

− Dane-se! – suspira. – Vocês podiam ter conversado com o Ian, ele não merecia
saber assim. Porra, o cara é brother, passou por cima dos próprios sentimentos um
milhão de vezes para ficar do lado de vocês.

− Daniel, a gente não. – Arthur tenta explicar.

− Não, porra! Eu vi como ele saiu com a expressão desolada quando encontrou
vocês dois juntos, agarradinhos, dançando na frente de todos. Custava alguma merda
conversar com o cara primeiro?

− A gente não... – sinto um nó na minha garganta. − Não estamos juntos, Dan.

− Que merda! – Arthur dá um soco na grade da varanda.

− Do jeito que vocês estavam dançando ninguém apostaria nessa possibilidade. –


Daniel argumenta.

− Temos que encontrá-lo. – digo.

− Eu fui atrás dele antes de ir vir falar com vocês, mas ele não quis conversar,
pediu a chave da moto ao Álvaro e saiu.

− Meu irmão colocou um rastreador na moto, ele pode verificar a localização


através do celular. – Arthur comenta.

Álvaro entregou o celular ao Arthur e pedi ao Léo para nos levar. Não dei
maiores explicações, minha preocupação era encontrar o Ian e desfazer o mal-
entendido, sabia por experiência própria o quanto ele estava sofrendo naquele
momento. No carro, Arthur sentou no meio do banco de trás, esticando-se para frente,
entre Leth e Léo, e dando as coordenadas. Ian estava em movimento, mas ele não estava
indo muito rápido e poderíamos alcança-lo.

Eu podia ver os olhos de Leth brilhando, imaginando o momento em que me


jogaria nos braços do Ian, confessando o meu amor e selando os nossos lábios em um
beijo apaixonado. Ela não fazia ideia que nossa corrida automobilística nada tinha de
romântico, apesar dos batimentos desenfreados do meu coração.

− Ele parou. – Arthur anunciou.

− Estamos perto. – Léo comentou.

Alguns quilômetros e o encontraríamos. Podia ver o alívio e a alegria no rosto do


Arthur e do Daniel, todavia estava com medo, meu coração batia mais depressa a cada
segundo e um calafrio descia e subia a minha espinha, disseminando pequenas ondas de
pânico. Por que o Ian pararia no meio do nada? O medo assombrava os meus
pensamentos e de repente lágrimas percorriam o meu rosto, acompanhadas por um
choro baixinho.

− Clara? – Leth me observa pelo retrovisor. – Por que você está chorando?

Arthur, Daniel e Léo me olham sem entender. Nem eu entendo.

− Não sei, ok? – esfrego os olhos. – Vai mais rápido, Léo. – peço, fungando.

Cerro os olhos, tentando conter as lágrimas, mas elas continuam a cair. Leth dá
um grito no mesmo instante em que sinto um solavanco, provocado por uma freada
brusca. Aperto os olhos com força, o pavor na voz de Leth está me causando náuseas.
Destravo a porta rápido, saindo apressada e paro em frente ao carro. Mais lágrimas
percorrem o meu rosto, corro, sentindo as lágrimas anuviarem a minha visão. O meu
corpo para, aperto os olhos, tentando ver além das lágrimas e sinto os meus joelhos
dobrarem, lançando-me ao chão.

− Ian. – sussurro. – Ian? – levanto minha mão trêmula para tocar o seu rosto. −
Fala comigo.

− Não toque nele. – Léo segura minha mão. Ergo os olhos e não sei o que os olhos
do Léo querem me dizer, ele me abraça e o choro rasga o meu peito. – Leth está ligando
para o SAMU.

Ouço o choro dos garotos atrás de mim, seguido por xingamentos e o som de
pedras sendo chutadas.

− Vai ver se a Leth conseguiu. – peço.

Léo assente e levanta. Inspiro e volto o meu olhar para frente, a moto está caída
alguns metros de distância. Inspiro e respiro devagar, mantendo o controle sobre as
minhas reações, não posso ter um ataque de pânico agora. Abaixo os olhos, examinando
o Ian, ele está de calça, mas há um rasgão próximo ao joelho, provocado por uma
fratura exposta. Coloco a mão sobre a boca, abafando o choro. Seus braços estão
arranhados, muito arranhados e cobertos de sangue, ele está de capacete, mas posso ver
alguns arranhões no rosto, seu lábio está sangrando.
− Você vai ficar bem. – digo baixinho. – Você precisa ficar bem. – suspiro,
tomando fôlego. – Pensa nos seus avós, eles precisam de você para continuar vivendo,
lembra? – soluço. – Você não pode nos deixar. – engulo o choro, limpando a minha voz.
Quero que ele possa me ouvir, entender o que estou dizendo. – Se você prometer que
vai ficar bem, prometo que vou deixar de ser egoísta. – enxugo as lágrimas que não
param de cair. – Vou cuidar da minha própria dor e te deixar livre para encontrar
alguém que possa te amar de todo coração. – mordo o lábio, sentindo o calor das
lágrimas tocar o meu busto. – Prometo, Ian.

− Clarinha. – Daniel afaga o meu ombro. – O SAMU está a caminho. – ele senta
no chão e entrelaça nossas mãos. – Que merda, cara. – suspira frustrado.

− Acho que o Dan quer te dá uma bronca. – sussurro, sem desviar os olhos do Ian.

− Quero mesmo, brother! – Daniel diz entre lágrimas. – Você tinha que sair
pilotando, porra? Não dava para sentar e conversar? – ele aperta minha mão. − Merda,
Ian! Juro que vou te socar quando você tirar os pontos e o gesso que, com certeza, vão
te acompanhar pelos próximos meses.

− Serei a primeira a assinar no seu gesso, depois você pode deixar todas as
garotas deixarem mensagens fofas, indecentes e seus números de telefone. – brinco,
sentindo o gosto das lágrimas nos meus lábios. – Vão fazer uma lista telefônica no seu
gesso. – completo.

− Nem vou poder roubar alguns números, Malu é meio violenta. – Daniel dá um
riso fraquinho, em meio as lágrimas. – Você pode liberar algumas das minas para o
Arthur, ele está precisando, não pega ninguém.

A sirene da ambulância chama nossa atenção, ergo os olhos do Ian, vejo a


ambulância parar, os paramédicos saltarem. Aperto com força a mão do Daniel,
buscando esperança nos olhos dele, ele olha nos meus olhos e sussurra "ele vai ficar
bem". Balanço a cabeça, concordando, e volto meus olhos para o Ian, mas os
paramédicos pedem que nos afastemos. Levanto, amparada pelo Daniel e deixo que ele
me leve, mas paro quando percebo que ele me trouxe de volta para o carro.
− Alguém precisa ir com ele. – comento.

− Eu vou. – Daniel diz.

− Vocês vão com o Léo, vou na ambulância com o Ian. – Leth intervém. – Arthur
não está nada bem, você precisa ficar com ele. – ela diz ao Daniel.

Só agora percebo que o Léo e o Arthur não estão em nenhum local visível, olho
em volta, procurando-os. Meus olhos interrompem a busca quando recaem sobre o Ian,
sendo imobilizado e posto na maca. Leth corre para o acostamento e a vejo se abaixar
ao lado de duas silhuetas, então ouço um choro inconstante, entrecortado por urros e
palavrões raivosos. Leth não volta, de lá mesmo ela vai para a ambulância e os meus
olhos seguem a sirene, até que as luzes tornam-se pontos diminutos e o zunido fica cada
vez mais distante.

Entendo que o Arthur esteja sofrendo, possivelmente, ardendo em culpa, assim


como eu, contudo, no momento, não dou a mínima para o que ele está sentindo, porque é
o Ian que está em perigo e não vou ficar parada no meio da estrada, esperando que
minha irmã ligue para dar notícias.

− VAMOS AGORA!

− Clara. – Daniel toca o meu ombro.

− LÉO, ARTHUR! – grito. − AGORA! – urro.


Um copo pela metade, encontra-se meio cheio
ou meio vazio?

Três dias. Foi esse o tempo que o Ian ficou na UTI, foi esse o tempo que meu
coração permaneceu em pausa. A cada vez que o telefone tocava, o medo assolava a
minha alma e a esperança gritava no meu peito. Ian sofreu trauma tóraxico, com ruptura
do baço e hemorragia interna, fratura de três costelas, fratura exposta da tíbia e
escoriações. Ele passou por uma cirurgia para retirada do baço e duas transfusões de
sangue.

Na noite do acidente, passei a madrugada no hospital, na companhia da Leth e do


Arthur, enquanto o Léo e o Daniel foram contar aos avós do Ian sobre o acidente. Nós
só tivemos informações sobre o estado clínico do Ian por volta de duas horas da
madrugada, quando ele foi levado para a UTI. Nenhum de nós pode vê-lo e o Arthur
não parava de chorar e resmungar, dizendo que a culpa era dele, o que só aumentava o
meu próprio sentimento de culpa.

No início da manhã, Léo e Daniel retornaram com os avós do Ian. Nós estávamos
sentados no sofá da recepção, quando os avós dele entraram abraçados, o senhor
Augusto com os olhos lacrimejando, sustentando a dona Júlia em um abraço. Arthur
levantou, puxando os cabelos e sumiu pela porta que levava à cantina do hospital. Não
fui capaz de me mover, o peso da culpada caiu sobre o meu corpo, afundando-me no
assento e as lágrimas dos avós dele, golpeavam-me feito chicotes.

Leth foi a única que levantou e abraçou-os, confortando-lhes. A avó dele sentou-
se ao mau lado, no lugar que o Arthur deixou vago e passou os braços por meus
ombros, afagando-os. Ela não me consolaria se soubesse que a responsabilidade pelo
que aconteceu é minha e do Arthur. Léo e o senhor Augusto se dirigiram ao balcão de
atendimento, mas foram informados que o horário de visita na UTI é às dez horas e
trinta minutos, com duração de uma hora, sendo permitida a entrada apenas de duas
pessoas, desde que maiores de idade.

Fui ao hospital todos os dias em que ele esteve na UTI, mesmo sem poder vê-lo.
Hoje, seria o dia quatro, estava pegando minha bolsa para ir ao hospital quando recebi
uma ligação do Arthur, contando que o Ian teve alta da UTI e estava no quarto. A
felicidade não cabia em mim, por outro lado não sabia se a minha visita faria bem a ele.
Joguei a bolsa de volta a escrivaninha e me sentei aos pés da cama, sem saber o que
fazer.

− Clara! Anda logo! − Leth gritou mais algumas vezes, quando não obteve
resposta, invadiu o meu quarto. – Está surda? – ela resmunga. − O que há com você?

− Não vou.

− Não vai? Por quê? – ela senta na cama. – Ele foi para o quarto.

− Eu sei. – murmuro.

− Sabe?

− Arthur ligou para contar.

− E por que você não vai, Clara? Se vier com aquela história de culpa, vou enfiar
a mão na sua cara. – diz séria.

− Não acho que me ver será bom para ele.

− Deixa de besteira e vamos logo. – ela levanta e me puxa.

− Não vou, Leth. – resisto ao puxão. – Preciso pensar no que vou dizer a ele.

− Oi, Ian. Sou uma idiota teimosa, que tem medo de viver, e descobri que sou
apaixonada por você. – Leth dá um sorrisinho.

− Não, obrigada. – reviro os olhos. – Acho que esse é um péssimo momento para
criar ilusões.
− Acho que esse é um excelente momento para você deixar de mimimi e perceber
que viveu anos obcecada por uma paixão que murchou com o tempo, enquanto outra
florescia dia após dia, através de gestos sutis.

− Não vou, Letícia. – digo com determinação. – Não agora.

− Eu vou, tchau. – Leth me dá um aceno e sai, com um sorriso irônico no rosto.

Deito na cama e fico remoendo as minhas angústias. Não vou oferecer ao Ian um
coração quebrado. Fiz uma promessa e irei cumpri-la, por mais que me doa. No
entanto, não posso fugir de ir visitá-lo, sem falar que quero olhá-lo, vê-lo sorrindo,
quero ver aqueles olhos azuis e vívidos, apagar as lembranças do seu corpo
inconsciente e ensanguentado.

Meu celular toca, levanto para procurá-lo na bolsa, pego e volto para cama, já
atendendo.

− Oi, amiga.

− Clara, você quer que eu volte de Bariloche para te encher de tapas? – Malu
esbraveja.

− Bom dia para você também.

− Nem tente desconversar! Você não vai mesmo ver o Ian?

− Você e minha irmã se tornaram melhores amigas e esqueceram de me contar?

− Maria Clara! – ela grita.

− Oi! Eu disse que não ia agora.

− Aposto que ele está esperando a sua visita, os avós devem ter contado que você
ia ao hospital todos os dias, durante a visita da manhã e da tarde.
− Me faça sentir melhor. – ironizo.

− Quero que você se sinta péssima mesmo. – diz séria. – Droga, Clara. O que te
impede de ir?

− O que vou dizer a ele? – sinto as lágrimas caindo.

− Você não precisa dizer nada, Clara. – Malu suspira. − Apenas vá vê-lo. A
primeira coisa que ele perguntou ao Dan foi se você estava lá.

− Quero que ele possa ser feliz e isso não vai ser possível se eu continuar me
agarrando a ele, como se fosse o meu bote salva-vidas.

− Isso não vai ser possível se você desaparecer como em um passe de mágica. –
ela argumenta.

− Só preciso de um tempo, algumas horas, juro que mais tarde irei vê-lo.

− Se não for, se prepare que vou chegar sentando a mão na sua cara.

Malu se despediu, porque os pais estavam esperando por ela para fazer uma
passeio. Assim que coloquei o celular sobre o travesseiro, o som de mensagem soou.
Um frio revirou o meu estômago ao ver o nome do Ian, deslizei o dedo sobre a tela para
abrir a mensagem.

“Ei.”

Ei? Droga. Ele está online. Forço os meus dedos a se moverem e digito uma
resposta. O meu coração está acelerado, minha respiração oscila, fazendo-me arfar.

“Oi.”

“Tudo bem?”

“Sério, Ian?”
“Pensei que iria te ver hoje, estava ansioso.”

“Desculpa.”

“Diz que você não acabou de me pedir desculpas, por favor?”

“Pelo acidente.”

“Você também? Prometi uma surra no Arthur se ele não parasse com essa merda,
não sei o que fazer com você. Então para com isso, ok?”

“Não posso, tudo o que não queria era te machucar e foi, exatamente, o que fiz.”

“Clara, escolhi a forma errada para processar o que vi.”

“Achou que viu.”

“É, Arthur me contou.”

“Você ainda está muito machucado?”

“Sim, lábio inchado, rosto com arranhões, perna engessada, faixas cobrindo meus
braços e abdômen, sou uma espécie de múmia.”

“Alguém já assinou no seu gesso?”

“Daniel, me contou que uma garota aí queria ser a primeira.”

“Será que a Malu vai se importar se eu arrancar a língua do namorado dela?”

“Eu diria que a língua é bem importante, muitas utilidades, então suponho que ela
não vai curtir a ideia”.

“Que pervertido!”

“Ué! Estava me referindo a importância da língua para o paladar e beijos. Se tem


algum pervertido nessa conversa, não sou eu.”
“Sei bem!”

“Vem me ver quando puder?”

“Sim, prometo.”

“Saudades do seu sorriso.”

“Não o tenho visto por alguns dias.”

“Só me apareça aqui acompanhada dele.”

“Ok.”

“Meu recreio acabou, hora de ser torturado por agulhas”.

“Seja bonzinho com as enfermeiras, Ian.”

“Mande elas serem boazinhas comigo. Beijos”

“Beijos.”

Decido sair de casa antes que minha irmã volte do hospital e me encha a
paciência. Vou ao shopping, quero dar uma volta, espairecer e estar pronta para
encontrar o Ian. Passo por um stand de flores e acabo comprando um cone de flores, no
início finjo que estou comprando para mim mesma, com a desculpa de colocar no meu
quarto, mas assim que saio do stand com as flores na mão, sei que comprei para o Ian.
Espero que ele não ache muito brega, penso, analisando a mensagem impressa no cone:
“Para nós, todo o amor do mundo”. Se tivesse admitido que estava escolhendo flores
para o Ian, poderia ter escolhido uma mensagem mais apropriada, agora já foi.

Almoço no shopping, depois dou mais algumas voltas, admirando as vitrines e


compro um vestido floral, rodado e de alças. Não tinha intenção nenhuma de comprar
nada, mas o vestido é bem fofo e a cor predominante é um azul claro, meio acinzentado,
que me fez pensar no Ian. Sentada na janela do ônibus, meus olhos vagam pelas ruas e
me pergunto o que deu em mim para comprar um vestido, única e exclusivamente,
porque a cor me lembrou os olhos do Ian.

− Flores? – Leth pergunta.

− São para o Ian.

− Você comprou flores para ele? – ela esboça um sorriso.

− Não é nada demais, são apenas flores.

− Deixa eu ver. – ela salta pelo braço do sofá e toma o cone da minha mão. –
Para nós todo o amor do mundo? – arqueia a sobrancelha.

− Não escolhi se é o que você está pensando, só tinha cones com essa frase. –
minto em partes, não escolhi de fato.

− Não pensei nada. – sorri.

− Você pode me levar ao hospital?

− Sim.

− Vou tomar banho e não demoro, vê se não destroí as flores.

Subo para o meu quarto, tomo banho e pego o vestido que comprei na sacola.
Mordo o lábio, pensando em usá-lo, então imagino o sorriso presunçoso da Leth; se eu
descer usando esse vestido, ela vai supor que comprei para o Ian. Não! Jogo o vestido
na cama e abro o guarda-roupa, pegando outro vestido qualquer. Talvez tenha
escolhido, só um pouquinho. Vai me dizer que você fecha os olhos, enfia uma roupa
pela cabeça e sai de casa, sem nem dá uma olhadinha no espelho?

Diferente dos outros dias que estive no hospital, os avós do Ian não estão
sentados na recepção. Leth avisa que vai ficar me aguardando na recepção, com a
desculpa de tê-lo visitado mais cedo. Entro no elevador e meus olhos não desgrudam
do letreiro, indicando os andares; a cada andar meu coração dá um solavanco. Paro em
frente a porta do quarto 813, inspiro profundamente e dou três batidas. A recepcionista
havia interfonado e eles sabem que sou eu, o senhor Augusto abre a porta, me
cumprimenta e diz que vai tomar um café.

Fico tensa, em pé na porta, e vejo dona Júlia acenar, pedindo que entre. Minhas
bochechas devem estar vermelhas, porque sinto uma quentura no rosto. Caminho sem
jeito para dentro do quarto, sem saber se paro para cumprimentar dona Júlia ou se me
aproximo da cama, por fim, decido que a visita é para o Ian, logo ele é prioridade.

− Oi. – sinto meu peito arfar.

− Oi. – ele diz. – Você pode chegar mais perto?

− Claro. – digo, saindo dos pés da cama em direção a cabeceira. – São para
você. – sussurro.

− Você está me dando flores? – pergunta, os lábios curvados em um sorriso. Ele


apoia a mão sobre o peito para falar e sua voz soa baixo, o que me faz pensar se dói
quando ele fala. Ian tem um timbre de voz grave e meio rouco, e sussurrado parece
ainda mais grave. – Assim vou me apaixonar mais.

− Ian! – o repreendo. Se antes minhas bochechas estavam ruborizadas, neste


momento elas estão ardendo em brasa.

− Ela sabe. Coloca na cômoda, por favor? – diz, me entregando o cone de flores.

− Clara, você pode ficar de olho nesse menino por alguns minutos? – dona Júlia
finge não ter nos ouvido e aproveito a ida a cômoda para desviar dos olhos dela.

− Menino, vó? – Ian revira os olhos.

− Sim. – respondo a dona Júlia, sorrindo.


− Não se preocupe, volto antes que você precise ir. – ela me diz. – É menino
mesmo, ainda mais depois dessa que você me aprontou.

Dona Júlia sai, nos deixando sozinhos. Estou rindo pela forma que ela trata o Ian
e pela careta que ele fez com o comentário dela. Ele está em silêncio, os olhos em mim.
Abaixo os olhos, sentindo as maças do meu rosto quentes, de novo.

− Nunca te vi tão envergonha. – comenta. Abro a boca para responder, mas fico
muda quando encontro os olhos dele, fecho a boca, mordendo o lábio. − Viu? Muito
tímida. – ele sorri. − Minha versão mumificada provoca esse efeito? Eu estava
esperando que fosse sexy.

− Não consigo ignorar a minha responsabilidade...

− Quieta! – diz com autoridade. – Eu queria tanto te ver. – ele umedece o lábio. –
Por favor, promete que você vai esquecer essa bobagem.

− Não é bobagem, Ian. – falho na tentativa de represar as lágrimas. − Você podia


ter morrido.

− Sim, e daí? – ele percebe a minha perplexidade diante de tamanha indiferença.


− Eu provoquei o acidente.

− O quê?

− Foi minha culpa. – ele levanta o braço devagar, está todo coberto por faixas,
com excessão da ponta dos dedos, e enxuga minhas lágrimas. – Era aniversário da
morte da minha mãe, Clara. Foi um dia ruim, só fui aquela festa porque os caras
insistiram, e achei que seria melhor do que ficar sozinho na casa onde estávamos.
Quando vi você e o Arthur não pensei em nada. – ele pausa e respira pesadamente. –
Estava pilotando e as imagens da minha mãe giravam na minha cabeça, pensei em você,
no Arthur, em tudo o que poderia ser diferente na minha vida. – ele afaga os meus
lábios. – Não é sua culpa, é minha culpa, porque naquele momento decidi que poderia
acabar com tudo.
− Eu vou embora. – beijo a ponta dos seus dedos. – Desculpa, Ian. – deslizo os
meus dedos pelo rosto dele. – Nunca quis te magoar, nunca nem percebi o mal que
estava causando para você.

− Não, Clara.

− Abre o seu coração, deixe que alguém entre. – beijo a bochecha dele. – De
corpo e alma, com um coração inteiro. – suspiro. – Não pela metade, como o meu.
Viver é improvisar

Um mês passou desde que saí correndo do hospital. Tem sido um mês de merda,
as aulas retornaram na segunda-feira seguinte a minha conversa com o Ian, o lado bom é
que a gravidez da Isabella e o acidente do Ian ganharam todos os cartazes da rádio
corredor e assim pude viver a minha dor pela ausência dele, sem que isso se tornasse
um evento no colégio. Ele ainda não voltou a frequentar as aulas, está sob regime
especial, até o próximo mês, de acordo com Malu.

Ian me enviou inúmeras mensagens, as quais deletei sem ler, para não correr o
risco de respondê-las. Sinto uma falta imensa dele e questiono a minha decisão de me
afastar a cada vinte e quatro horas. Contei a Malu, Leth e Daniel que o motivo pelo qual
me afastei é para que ele possa me esquecer e encontrar o amor, o que é verdade, mas
não nego o peso que a confissão dele teve nessa decisão. O meu coração fica apertado
sempre que lembro que ele quis pôr fim a própria vida, e mesmo ele negando, nunca
deixarei de assumir a minha responsabilidade.

− Posso falar com você?

Isabella pede que Amanda nos deixe a sós e cruza os braços, esperando o que
tenho a dizer.

− Sinto muito por ter te batido, não que você não tenha pedido por isso, mas não
sabia sobre o bebê e espero que esteja tudo bem com vocês.

− Estamos bem. – ela dá de ombros. Isabella me dá as costas, ameaçando ir


embora, então faz uma pausa e se vira. Seu olhar é confuso, como se suas emoções
estivessem embaralhadas. – Eu queria ser você. – ela morde o lábio. – No início a
nossa amizade era verdadeira, com o tempo comecei a desejar tudo o que você tinha, a
sua relação com seus pais e com a Leth. – ela joga o cabelo de lado. − Até a minha irmã
se dava melhor com você do que comigo. – suspira. – Eu gostava do Ian. – confessa.
Arregalo os olhos sem acreditar no que estou ouvindo. – Não faça essa cara.
− É só que não entendo. – olho a Isabella, como se olhando-a pudesse
compreender o nó que se deu nas nossas vidas. – Se você gostava do Ian, porque
escolheu o Arthur?

− Porque o Ian gostava de você. – ela dá um sorriso nervoso. – Ele nem minha
via, eu era apenas a melhor amiga da Clara. – Isabella revira os olhos. − Fiquei tão
irritada por ele me ignorar. Decidi que se não poderei tê-lo, você não teria o Arthur. –
ela comprime os lábios em uma linha reta, como se não quisesse chorar. – Claro que
descobrir que Arthur também gostava de você não estava nos planos. Fui obrigada a
improvisar.

− Eu não tinha culpa. – murmuro.

− Não tinha, eu sei, mas você estava no meu caminho, Clara. Não ia deixar você
ser feliz com o Arthur enquanto chorava pelo Ian, não quando era você quem me
impedia de ficar com ele. – Isabella limpa o canto dos olhos com o polegar, impedindo
as lágrimas de vir à tona. − Quem imaginaria a reviravolta que nossas vidas teria? – ela
sorri. – Eu me apaixonei pelo Arthur, acho que de alguma forma ele gostou de mim, um
pouco, mas você continua lá, ocupando o coração dele. – ela arfa e vejo uma lágrima
rolar. − Preciso ter algumas aulas com o Ian, afinal ele conseguiu, você se apaixonou
por ele.

− Eu não...

− Sim. – ela me interrompe. – Não estou dizendo que você esqueceu o Arthur, não
tenho como saber, mas você está apaixonada pelo Ian.

− Como você soube que havia se apaixonado pelo Arthur?

− Nos assuntos do coração, as coisas são ou não são, não há meio termo. –
Isabella coloca a franja atrás da orelha. – Você beijou o Arthur para me provocar, não
porque queria; você não está com o Arthur por causa do Ian, não porque ele não quer;
você não assume que está apaixonada pelo Ian, porque tem medo de ter fantasiado os
seus sentimentos por ele para esquecer o Arthur e não quer fazê-lo sofrer. Beijei o Ian
porque queria te deixar com ciúmes, consegui.
− As coisas não são assim, tudo preto no branco.

− Elas são sim, nós é que metemos o nosso dedo e bagunçamos tudo. Tchau,
Clara.

Caminhando pelo pátio, penso em tudo o que Isabella falou. Sento no primeiro
banco que encontro desocupado. Não sou completamente idiota, reconheço que sinto
algo pelo Ian, o que me incomoda é só ter percebido quando ele confessou o que sente
por mim. Posso ter criado uma ilusão, afinal é fácil encontrar razões para amar o Ian e
seria bom para mim gostar dele, ter a certeza da reciprocidade.

− Tudo bem, Clarinha? – Daniel senta ao meu lado.

− O que você estava conversando com Isabella? – Malu repousa o corpo nas
pernas do Daniel.

− Tudo bem, não foi nada demais. – minto.

− Você é uma péssima mentirosa. – eles dizem ao mesmo tempo.

− Pedi desculpas pelos tapas. – confesso.

− Você não está falando sério. – Malu diz furiosa.

− Ela está grávida, Malu, poderia ter machucado o bebê. – argumento.

− Ela mereceu cada tapa, Clara. – Malu rebate.

− Sei e disse isso a ela.

− E o que mais vocês falaram? – Daniel inquere. – Você está muito pensativa.

− Sobre tudo, ela me deu respostas para as perguntas que carrego há anos.

− Ela te contou o porquê? – Malu me olha perplexa.

− Sim.

− E você está triste porque ela te deu as respostas que sempre quis? – Daniel
questiona.

− Ela deixou novas perguntas no lugar das antigas. – digo.

− Clara, não deixa ela te envenenar. – Malu segura minha mão.

− Dessa vez conversamos de verdade, Malu, sem mentiras ou artimanhas.

− Ok, quais as novas perguntas? – Daniel me olha sério.

− Ian. – sussurro.

− Ah, não! – Malu se revolta.

− Clara, o que a Isabella inventou agora?

− Nada, ela só me fez pensar nele.

− Ah, é, porque você nem lembra que o Ian existe. – Malu ironiza.

− Nunca disse que não penso nele. – mordo o lábio. – Estou tentando fazer o
melhor.

− Ele vai embora. – Daniel comenta. – O pai dele queria há algum tempo que
fosse estudar no exterior e ele aceitou a proposta.

− Ele fez as pazes com o pai? – pergunto.

− Você sabia que ele é filho do Alexandre Montserrat? – Malu estreita os olhos.

− Ele me contou.

− O pai concordou em deixá-lo ter sua própria casa, desde que ele assuma uma
cadeira no conselho diretivo da empresa quando completar dezoito anos. – Daniel diz.

− Vai ser bom.

− Bom para quem, Clara? – Malu arqueia a sobrancelha. – Você sabe que tem
algumas centenas de garotas loucas para pôr as mãos nele pelos motivos errados, certo?

− O que você quer que eu faça? – levanto as mãos. − O pai dele é milionário, não
dá para fugir do que isso representa.

− Juro que você está testando a minha paciência, amiga. – ela diz entredentes. −
Dan sabe o quanto tenho pensando em te dar umas porradas no último mês e tenho me
segurado, mas você está dizimando a minha força de vontade.

O sinal toca. Sorrio e faço um comentário sarcástico sobre ela ter que guardar as
porradas para outra hora, mas o olhar de fúria que ela me lança é um aviso de que não
está brincando. Na saída do colégio, fujo da Malu, não tenho argumentos para discutir
com ela hoje, não depois da conversa com a Isabella e dos milhares de interrogações
que estão brotando na minha cabeça. Não depois de saber que o Ian está indo embora e
uma enxurrada de "se" está inundando as minhas certezas, que já eram bem poucas,
diga-se de passagem.

Leth me pega no colégio na saída da faculdade, mas como ela ainda não chegou,
pego um táxi e mando uma mensagem, avisando que estou a caminho de casa. Esperá-la
ou ir para o ponto de ônibus dará a Malu a chance de me encontrar. Chego em casa e
vou direto para o banho, estou enxaguando os cabelos quando Malu invade o meu
banheiro.

− Pergunte! – ela exclama.

− Se você ficou maluca? Não preciso, tenho certeza. – passo a mão pelos
cabelos, eliminando os resquícios do condicionador.

− Pergunte, Clara. – ela repete. − Não direi, se você não perguntar.

− É um jogo? – fecho o chuveiro e pego a toalha. − Pergunte a Malu?

− Um jogo com tempo determinado para acabar. Você tem dez minutos, Clara. –
diz, saindo do banheiro.

Abro o box e a vejo deitada na minha cama. Fecho a porta do banheiro e visto a
roupa que deixei sobre o armário, então vou para o quarto, penteando os cabelos.

− Quando?
− O quê? – Malu sorri.

− Quando ele vai?

− Ele quem? – Malu se finge de desentendida.

− Merda, Malu! – faço cara de brava e ela sorri. – Quando o Ian vai embora?

− Ahhh. – ela finge surpresa, para me pirraçar. − Pensei que você não queria
saber. – ironiza.

− Curiosidade. – sento na cama, deslizando as cerdas da escova nos meus


cabelos.

− No próximo fim de semana.

Minha tentativa de parecer desinteressada foi por água a baixo, viro em um pulo e
minha voz é um semi grito quando pergunto: − Já?

− É.

− Ele não está de repouso?

− Sim, mas o médico liberou a viagem, considerando que ele vai no jatinho do
pai.

− E o colégio? Ele não deveria esperar o semestre terminar?

− Pai milionário, como você disse. – Malu ironiza. − Não dá para fugir do que
isso representa. – ela está se esforçando para me provocar. Tento ignorar o tom de
deboche. − Ele deve ter feito uma ligação e o problema estava resolvido. Ian vai
concluir o semestre em um colégio em Vancouver. Imagina se ele começar a namorar
uma top model. A madrasta dele deve ter tipo uns vinte e três anos? – Malu emenda uma
frase na outra, nem me dando tempo de processar o que está falando. – Com certeza ela
deve ter muitas amigas que adorariam dar uns amassos no Ian. Minha nossa, ela é uma
angel da Victoria Secrets, né? Você está certa, vai ser muito bom para ele ir embora.
Quem sabe ele não tem algumas noites quentes com algumas angels? – ela arqueia a
sobrancelha. − Qual cara não ia querer isso? Me lembre de proibir o Dan de visitar o
Ian sem mim. Sou uma boa amiga e por isso vou fazer uma listinha das angels que são
amigas íntimas da madrasta dele, assim ele pode...

− Cala a boca!

Sou surpreendida pelo meu próprio grito. Malu morde o lábio, escondendo o
sorriso. Quero matá-la! Estou apertando a escova entre os dedos, os nós rijos e
brancos, meu coração pulsa em um compasso frenético e desregrado, socando o meu
peito e a minha respiração é apenas um fiapo esbaforido.

− Te odeio, vaca. – acerto um tapa na coxa dela.

− Levanta a porra dessa bunda da cama e vai logo atrás dele. – ela diz entre risos.
– Você precisava ver sua cara. – debocha. – Ai, meu Deus, por que não gravei isso?

− Pode deixar que vou providenciar uma montagem do Dan com algumas angels,
para você ter uma ideia da imagem que projetou na minha mente.

− A culpa é sua. – acusa, sem esconder o sorriso. – Se não fosse tão teimosa, eu
não precisaria ter criado esse cenário de amassos do Ian com angels super gostosas. –
ela dá uma gargalhada. – Você me parou segundos antes do que seriam detalhes
sórdidos de como ele faria sexo com elas.

− Você não iria sobreviver a isso. – dou um beliscão na sua panturrilha.

− Ai!!! – Malu senta e me dá um tapa no braço. – Quer fazer o favor de ir logo?


Ou posso continuar de onde parei. – ela ameaça.

− Relaxa, ok? – suspiro. – Não preciso ir hoje, aliás não posso ir hoje. –
comento. − Tenho que pensar no que irei dizer, montar um scriptizinho.

− Que mané script, Clara? – ela me empurra da cama. − Vai ser na base do
improviso, amiga!

− Malu, você está me deixando nervosa. Não posso aparecer na casa do Ian do
nada. – argumento. – E se não conseguir falar?
− Você não vai na casa dele, e sim na confeitaria. – ela pisca. – Meu super
namorado está me mantendo atualizada sobre a localização do alvo.

− Você é maluca.

− Há controvérsias. – ela levanta e abre o guarda-roupa. – Dizem por aí que


maluca é você, que iria deixar um gato daquele escapar. Vestido ou calça?

− Sei lá, Malu. Isso importa?

− Oh, sim! – ela me olha com malícia.

− Sai daí, sua maluca! – a empurro de volta para a cama. – Um, sou virgem. –
pontuo, revirando os cabides. − Dois, Ian está de repouso. − pego o cabide com o
vestido que combina com os olhos dele. Nunca usei. – Três, o que você está pensando?
Vou chegar lá e ir arrancando as roupas dele? – exibo o vestido, aguardando a
aprovação dela.

− Essa é uma ideia. – ela sorri. – Vestido, hein? – provoca.

− Ok, vou de calça. – enfio o cabide de volta no guarda-roupa.

− Estou te zoando, Clara. – diz, gargalhando. – O vestido está lindo.

Claro que Malu e Leth fizeram questão de ir comigo até a confeitaria. O que elas
estavam pensando? Que eu iria desistir? Certamente. Essa ideia passeou
sorrateiramente pelos meus pensamentos enquanto estava sentada no banco de trás do
carro da minha irmã. Eu não estava nervosa, estava surtando.

Leth parou o carro no início da rua da confeitaria, nem sei porque fiquei surpresa
quando o Daniel abriu a porta do carro. Ele estendeu a mão para mim com um sorriso
gigante e os olhos tinham uma pitada de travessura, mas ele deve ter percebido que o
limite entre sair correndo e ir encontrar o Ian era quase imperceptível e optou por uma
abordagem mais tranquilizadora, me abraçando ao invés de fazer alguma gracinha.

− Você consegue, Clarinha.


− Se ele não estiver no balcão?

− Ele está na cozinha, mas os avós dele sabem o que fazer.

− Você contou aos avós dele? – arregalo os olhos.

− Foi necessário, eles precisavam liberar a área. – ele pisca. – Agora vai.

Meu coração chacoalha. Mordo o lábio e caminho para a confeitaria. Se tiver um


ataque de pânico? Ah, não, por favor! Paro na porta e vejo o senhor Augusto no balcão,
dona Júlia está conversando com um casal e há outros clientes nas mesas; uma moça
transita entre eles e o balcão, atendendo aos pedidos. Me aproximo do balcão e
cumprimento o senhor Augusto, ele sorri e aponta para uma porta na lateral do balcão.

Paro com a mão na maçaneta. Isso não está certo, eu deveria ter um plano. Não
deveria ter deixado Malu me convencer dessa história de improviso, agora não tenho
tempo para um plano, então... Vamos lá! A cozinha é grande e não o vejo de imediato,
dou um giro tentando encontrá-lo e lá está ele, sentado, de costas para onde estou.
Quando estou na metade do percurso, noto que ele está usando fones de ouvido,
interrompo as passadas e penso um pouco sobre o que fazer a seguir. Minha mente está
um branco, sem ideias, portanto retomo o plano inicial, ou seja, hora de improvisar.
Paro atrás da banqueta onde ele está sentado, com a perna engessada apoiada sobre um
puff, e levo minhas mãos aos seus olhos. Não sei porque fiz isso. Quantos anos tenho?
Droga!

− Me dê um minuto. – Ian sussurra e suas mãos seguram as minhas, colocando-as


sobre seus ombros. Ele tira o fone, jogando-os sobre uma mesa e segura, novamente,
minhas mãos, cobrindo os seus olhos. – Estou com medo de ter desejado tanto te ver,
que estou começando a sofrer de alucinações olfativas e táteis. – ele faz pequenos
círculos sobre as costas das minhas mãos. – Você me perdoa, Clara? Fui um idiota,
disse que queria te ver feliz e quando vi, meio que surtei. Não por sua causa, mas
porque tudo na minha vida parecia fora de tom.

− Você me perdoa? – sussurro, sentindo o calor das suas mãos me aquecerem. –


Por todo sofrimento que causei, mesmo que sem querer.
− Nenhum sofrimento perdura quando se ama, Clara.

Afasto minhas mãos do Ian e dou à volta na banqueta, parando em frente a ele,
entre suas pernas.

− É estranho como, ás vezes, não percebemos a importância que algumas pessoas


têm na nossa vida, até o momento em que elas se fazem ver. – afago o rosto dele. –
Você esteve ao meu lado todo o tempo, me fez rir, enxugou minhas lágrimas e me
abraçou em silêncio, eu apenas presumi que era ali que você deveria estar, sem nunca
olhar de fato para o quanto você significa para mim. – olho dentro dos seus olhos,
assistindo o azul ficar cada vez mais claro, até que um tom cinza sobressai, trêmulo e
lacrimejante. – Precisei que você olhasse nos meus olhos e revelasse a sua alma, suas
dores e o seu amor, para que pudesse ver que me sentia diferente em relação a você. Eu
não sabia que sentimento era esse, por isso me afastei e neguei o quanto pude, porque
não podia te oferecer um coração incerto. – suspiro e ele acaricia o meu rosto. – A
verdade é que sinto sua falta. Não apenas do ombro amigo, sinto falta da sua
companhia, do que você representa na minha vida, porque me apaixonei por você. –
contorno os lábios dele. – Se você me perguntar como ou quando, não sei dizer,
entretanto, se quiser saber porquê, posso ficar dias enumerando os motivos que me
fizeram te amar, porque...

− Clara. – Ian me aperta entre os braços. – Você acabou de dizer que me ama? –
ele sorri. Assinto, mordendo o lábio e sinto o calor se concentrando nas minhas
bochechas. – Acho que não me importo de saber porquê.

Ele sorri e seus olhos perscrutam os meus. Sinto o seu corpo me abraçando, meus
seios arquejantes de encontro ao seu tórax, suas mãos esquadrinhando as minhas costas.
Posso sentir todas as células do meu corpo, pulsando junto com o meu coração,
ansiando por um beijo.

− Só vou te beijar com uma condição. – diz, acariciando meus lábios com sua
respiração.

− Quê?
− Se você aceitar ser minha namorada.

Ah, merda, ele deve estar sentindo o meu coração explodir nesse momento.
Mantenho meus olhos fixos nos dele e sussurro, encostando nossos lábios: − Sim.

− Eu te amo, Clara.

Não sei o que veio primeiro, o fechar de pálpebras ou o afago dos seus lábios
sobre os meus. Minhas mãos avançaram por sua nuca, sentindo a textura dos seus
cabelos entre os meus dedos, na mesma medida com que as suas mãos precingiam
minha cintura e lombar, afunilando o espaço entre nós. Os seus lábios firmes moldaram-
se aos meus, sugando-os morosamente e provocando-me com a ponta da língua. Nossas
línguas se aninharam, incitando fervor ao beijo.

Ian leva uma mão a minha nuca e os seus lábios resvalam pelo meu pescoço,
mordiscando-o e arranhando a minha pele com os dentes. Sinto meu peito arfar, jogo a
cabeça para trás e gemidos escapam por meus lábios. Ele geme contra minha pele e
beija todo meu pescoço e queixo, retomando o domínio sobre os meus lábios.

− Humrum. – soa um coçar de garganta. − Manera aí, brother! – Daniel diz entre
risos.

Enquanto enrubesço, Ian sorri. Ele segura o meu rosto entre as mãos e me dá
vários selinhos, em seguida volta a envolver minha cintura em um abraço.

− Danny boy, você está passando mais tempo comigo do que com sua namorada.
– diz, sem parar de me olhar.

− Namorada presente! – Malu exclama.

− Que isso? Vocês não têm nada melhor para fazer? – Ian vira o rosto para olhá-
los.

− Lembra que disse que iria mandar uma garota para você dar uns amassos na
confeitaria? – Malu pisca. – Missão cumprida.
− Perdoados pela interrupção. − Ian comenta e volta a me beijar.

Não tenho tempo de pensar ou sentir vergonha, porque no momento que os lábios
do Ian unem-se aos meus, estou perdida para o resto do mundo. Palmeio minhas mãos
no seu tórax e mergulho a língua entre os seus lábios, sentindo as suas mãos
pressionando os meus quadris.

− Stop. – Malu esfrega um cupcake nos nossos rostos.

Os lábios do Ian se curvam em um sorriso, ele mordisca meu lábio, então lambe a
minha bochecha, onde Malu espalhou cupcake, e me dá um selinho com gosto de
baunilha.

− Está bom. – sugo a sua língua. – Quero mais. – seguro o rosto do Ian e dou uma
lambida na sua bochecha, devorando a cobertura do cupcake.

− Você está vendo isso, Dan? – Malu pergunta.

− Sim, minha Maluquinha. – Daniel dá um pequeno rosnado. É um barulho que ele


faz quando a beija no pescoço. − Estou ficando com vontade de te lambuzar todinha de
cupcake.

− Ei! – viro e acerto um tapa no Daniel. – Vocês não estão sozinhos. – reclamo.

− Nem vocês. – Malu dá um tapa na mão do Ian, que repousava sobre a minha
bunda.

− Opa! – Ian levanta ambas as mãos, sorrindo. − Foi sem querer.

− Claro. – Malu arqueia a sobrancelha. – Sem querer, querendo.

− Namorados? Ficantes? Amigos com benefícios? Já decidiram? – Daniel


pergunta.

− Namorados. – Ian responde, me abraçando.

− Ian. – mexo no seu cabelo.

− Você não vai terminar comigo no nosso primeiro dia de namoro, certo?
− Não, só quero dizer que se ir morar em Vancouver for o que você quer, eu
entendo.

− Ahm? Vancouver? – ele me olha confuso.

Ouço a gargalhada estrondando atrás de mim, viro boquiaberta e vejo Daniel e


Malu curvados, com a mão sobre o abdômen, sem conseguir parar de gargalhar.

− Vocês são dois cretinos!

− Eles falaram que eu iria embora? – Ian pergunta, começando a gargalhar.

− Sim. – cruzo os braços, decidindo se fico puta ou agradecida pela mentira.

− Não fica irritada. – Ian descruza os meus braços e apoia sobre os seus ombros.
– Foi uma mentirinha do bem. – ele beija o meu queixo. – Ela me trouxe você.
Epílogo
Acordei radiante, cantarolando com os passarinhos. Vesti meu casaco azul
petróleo que o Ian diz que combina com o meu tom de pele, fiz uma maquiagem
discreta, coisa que nunca faço para ir ao colégio, e depois de não conseguir decidir se
entregava o presente a ele no colégio ou não, optei por seguir o planejamento dele; o
que significa que coloquei o presente na minha mochila, para o caso dele me presentear
no colégio, então eu faria o mesmo, do contrário, guardaria para mais tarde, embora não
tivéssemos planejado nada em especial.

Quando ele chegou no colégio, estava esperando por ele no nosso banco, faltava
poucos minutos para o sinal tocar. Levantei, com um sorriso maior do que o gato da
Alice quando o vi, e corri para abraça-lo. Ele me abraçou pela cintura, me erguendo do
chão e me deu um selinho rápido; tecnicamente, beijos são proibidos dentro das
instalações do colégio.

− Bom dia. – ele sussurra, me colocando no chão.

− Bom dia. – sorrio.

− A aula foi cancelada? – pergunta, entrelaçando nossas mãos e me guiando para


a sala.

− Não. – respondo confusa.

− E por que você está sorrindo assim? Algum motivo especial?

− Não. Nada. – minto, abaixando os olhos.

Não podia acreditar que ele esqueceu o nosso primeiro aniversário de namoro.
Não comentei nada, esperei que ele lembrasse, o que não aconteceu. No intervalo,
ficamos conversando com alguns amigos. Malu percebeu meu desânimo e perguntou
quais os planos para o nosso dia, dei de ombros e ela se ofereceu para bater no Ian;
sorri e menti, dizendo que estava tudo bem.
Ainda tinha esperança que ele recordasse o nosso dia, no entanto, na saída do
colégio, quando ele combinou de sair com Arthur, Daniel e os mais alguns amigos no
final da tarde, meu desânimo se transformou em irritação. Inventei uma desculpa que
precisava resolver algo em casa e me apressei, deixando-o para trás com o restante do
pessoal. Malu me ligou, perguntando se havia mudado de ideia, porque ela estava super
disposta a esmurrar o Ian, quando recusei, de novo, ela me convidou para ir ao cinema
no final da tarde.

− Estou bem, Malu, só fiquei desapontada porque ele não lembrou.

− Isso significa que vamos ao cinema?

− Não, prefiro ficar em casa.

− Te ligo mais tarde para combinar o horário.

− Você me ouviu? Não quero sair, de verdade.

− Filme de zumbis ou terror, para extravasar a raiva que estou sentindo do seu
namorado.

− Se eu mudar de ideia, te ligo.

− Juro que se você ficar em casa depressiva, vou te bater.

− Não ficarei, beijos.

− Vou ligar mais tarde. Beijos.

Desligo o celular e empurro de lado na mesa, voltando a me empanturrar com


uma fatia de torta de chocolate com damasco.

− Que cara é essa? – Leth pergunta, abrindo a geladeira.

− Ian esqueceu nosso aniversário de namoro.

− Merda.

− Um ano de namoro e ele esqueceu. – choramingo.


− Garotos são péssimos com esse lance de datas, Clara.

− É para isso que servem os calendários e lembretes do celular. – resmungo.

− Você poderia ter colocado um lembrete no celular dele. – Leth senta numa
cadeira a minha frente, segurando uma garrafa de água. – Essa é uma ótima ideia, vou
usar com o Léo.

− Não quero ter que lembrar algo que deveria ser importante para nós.

− Brigue, grite, reclame, faça ele saber que você não quer ser a única a lembrar.

− Me sinto ridículo por estar irritada por ele ter esquecido.

− Se decida, Clara.

− O que você faria?

− Não deixo o Léo esquecer, passo os quinze dias anteriores ao nosso aniversário
listando todos os presentes que ele pode escolher para mim.

− Não me importo que ele não me dê um presente, só quero que ele lembre.

− Qual a graça?

− Saber que é um dia importante para ele, assim como é para mim.

− Clara, ele não lembrar não significa que o que vocês têm não é importante. Não
esqueça que vocês estão em ano de vestibular, Ian deve estar com mil coisas na cabeça.

− Leth, isso não é desculpa. Temos estudado juntos, pensado sobre como
conciliar nosso namoro se formos para universidades distantes, tenho tantas coisas na
cabeça quanto ele.

− Não sei mais o que dizer.

− Tudo bem, acho que isso nos leva para nossa segunda briga em um ano. – dou
de ombros. – É um número bom, certo?

− Sim, Clara. – Leth pega meu prato. – Vocês são irritantemente perfeitos um para
o outro, agora para de descontar na comida. Quando foi a primeira briga e por quê?

− Alguns meses, basicamente foi uma confusão provocada pelo Arthur.

− Achei que estava tudo bem entre vocês e o Arthur.

− Sim, não foi por causa dele. – explico. – Arthur estava em um daqueles surtos
de “viva la vida”, aí Ian acabou contando que ainda não transamos, Arthur comentou na
minha frente, e surtei porque Ian falou com Arthur, e não comigo, sobre isso.

− Vocês são confusos.

− É.

− E como vocês se entenderam?

− Supus que ele estava reclamando com Arthur, porque queria sexo, mas não foi
assim que aconteceu; depois de muita discussão e mal-entendidos, ele me explicou
como surgiu o assunto, conversamos e percebemos que apesar de querermos, nós
sentimos que não é o momento e por isso nunca havíamos tocado no assunto.

− Estou impressionada, vocês foram muito maduros. – Leth levanta e coloca


minha torta na geladeira. – Não se preocupe, Ian vai encontrar um jeito de se desculpar
pelo esquecimento.

Fiquei o restante do dia no quarto, assistindo filmes. Claro que Malu ligou, como
prometido, entretanto, consegui convencê-la que poderia ficar em casa sem que isso
fosse considerado um indício de depressão. Era quase dezenove horas quando Daniel
me ligou, perguntando se podia ir a casa do Ian, porque eles haviam feito uma aposta,
envolvendo algum jogo idiota de videogame, que consistia em levar o perdedor a algo
parecido com coma alcoólico, já que eles deveriam ingerir três doses de vodca para
cada partida perdida.

− Clarinha, você precisa vir, fala com seus pais, é sério. Eu e os brothers
entramos com Ian pelos fundos da confeitaria, mas não dá para subir com ele para casa,
porque os avós dele vão ver e ele está trilouco.
− Vocês são imbecis! – esbravejo. − Por que você não fica aí com ele?

− Porque Arthur e Fred estão no carro, mais bêbado que Ian, tenho que dá um
jeito nele com os outros brothers, não posso deixar eles na mão, Clarinha.

− Vocês enchem a cara e sobra para mim? Não mandei ninguém participar dessa
aposta ridícula, não tenho porque aguentar sessão de vômitos.

− Clarinha, ele está apagado, se você não vem, beleza. – Daniel diz em tom de
lamento. – Vou ter que deixa o brother sozinho, amanhã de manhã passo aqui, antes dos
avôs dele descerem para ver como ele está. Tchau.

− Eu vou! – digo irritada. – Me espere aí, ouviu?

− Vem logo, porque estou achando que vamos ter que levar Arthur para o
hospital.

− Merda, Daniel! Quero matar vocês todos! – vocifero. – Estou indo. – desligo o
telefone na cara dele.

Não contei aos meus pais que estava indo encontrar um Ian para lá de Badgá,
perguntei apenas se podia ir dormir na casa dele; como às vezes durmo lá aos fins de
semana, eles concordaram sem mais perguntas. Leth tinha saído com Léo e não queria
incomodar meus pais, por isso peguei um táxi.

O táxi me deixou na rua atrás da confeitaria. Bato na porta dos fundos, mas
ninguém responde e todas as luzes estão apagadas. Olho ao redor e não vejo nenhum
carro por perto. Malu que me perdoe, mas irei trucidar o namorado dela se ele deixou
Ian sozinho. Bato novamente e nenhuma resposta. Coloco a mão na maçaneta e giro, a
porta abre e entro na confeitaria; está mais escuro do que na rua, um verdadeiro breu.

− Daniel? – chamo baixinho. – Daniel? DROGA! – resmungo. – fecho a porta,


trancando-a. – Ian?

Toco as paredes, buscando o interruptor, mas não faço ideia de onde fica e tenho
medo de começar a andar e esbarrar nos objetos, o que vai chamar a atenção dos avós
do Ian. Não posso ficar parada, no escuro, enquanto Ian esta apagado em algum lugar.

− Ian? – chamo um pouco mais alto. – Ian? Vou curar seu porre com porrada, seu
imbec...

Minha ameaça se perde quando um ponto luminoso brilha no escuro, seguido por
outro e outro. Cubro a boca com as mãos, sem acreditar no que os meus olhos veem. Ian
está em pé, ao lado de uma mesa, iluminada por três velas, suficientes para deixar a
confeitaria numa penumbra suave.

− Você acreditou mesmo que esqueci? – ele se aproxima e estende a mão. – Foi
aqui, exatamente onde está aquela mesa. – diz, circundando minha cintura. – Onde meu
sonho se tornou realidade. – ele beija os meus lábios docemente. – Há um ano, quando
achei que havia perdido você por completo, senti o seu perfume preencher essa
cozinha, depois senti as suas mãos sobre os meus olhos e pensei: “ela voltou, cara,
não faz mais merda”. Nem imaginava que era mais do que isso, estava acostumado a
ter apenas a sua amizade e achava que isso era tudo o que poderia ter, então você
começou a falar e disse que estava apaixonada por mim, puta que pariu, nunca senti
nada parecido. Eu te amo, Clara. – ele segura meu rosto entre as mãos. − Mais a cada
dia.

− Golpe baixo. – sussurro nos seus lábios. – Te amo, Ian. – o abraço pelo
pescoço. – Seu presente ficou em casa.

− Errado. – ele me aperta entre os braços. – Esse é o meu presente. – ele roça o
nariz no meu, sorrindo, e une os nossos lábios em um beijo apaixonado.

Você também pode gostar