Análises Laboratoriais Bioquímicas e Hematológicas

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ANÁLISES LABORATORIAIS BIOQUÍMICAS E HEMATOLÓGICAS

Fernando Marques Rodrigues

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seõçatona reV
CONHECENDO A DISCIPLINA
Olá, estudante!
A atuação em análises clínicas envolve o conhecimento de uma série de exames
laboratoriais distintos, no que diz respeito tanto à sua execução como à sua
interpretação e aplicabilidade prática no contexto clínico-epidemiológico do
paciente. A presente disciplina propõe-se a fornecer os protocolos corretos para a
realização de procedimentos laboratoriais em hematologia, sendo essa uma das
áreas mais exigidas do ponto de vista de diagnósticos laboratoriais, além de
fundamentar o conhecimento teórico adquirido ao longo do curso a partir dos
testes laboratoriais aprendidos.
Neste curso, aprenderemos a identificar e diferenciar células maduras de células
precursoras, elencando suas características morfológicas para caracterização de
sua reatividade fisiológica ou patológica na amostra do paciente. Em um segundo
momento, executaremos os testes integrantes do hemograma em etapas,
abordando inicialmente os padrões de normalidade e atipias da série vermelha
sanguínea por meio da avaliação do eritrograma e dos índices hematimétricos.
Posteriormente, enfatizaremos a execução e interpretação do leucograma, por
meio das contagens totais e diferenciais de leucócitos. Por fim, abordaremos a
avaliação da hemostasia do paciente por meio de testes laboratoriais de função
plaquetária e testes de coagulação.
Uma vez que a disciplina é de suma importância para o amadurecimento
profissional e a plena atuação em rotinas de análises clínicas ambulatoriais e
hospitalares, convidamos você a embarcar nos estudos dos testes laboratoriais
hematológicos e aproveitar a disciplina como uma oportunidade de solidificar seus
conhecimentos em medicina laboratorial.
Bons estudos!
NÃO PODE FALTAR
PRECURSORES E MATURAÇÃO DAS CÉLULAS SANGUÍNEAS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
CONVITE AO ESTUDO
É cada vez mais relevante e necessária a existência de profissionais de saúde, no
mercado de trabalho, que saibam não somente executar, mas também
compreender plenamente o teste laboratorial realizado. Fatores interferentes pré
e pós-analíticos exercem grande influência sobre a interpretação de exames
laboratoriais em hematologia, particularmente no que diz respeito a um exame tão
solicitado como o hemograma.
Assim, fazemos um convite à reflexão: mesmo sendo um exame rotineiro tão
comum, será que os parâmetros citológicos do hemograma são bem avaliados
pelos profissionais laboratoristas? Será que os procedimentos de confecção de
lâminas e análise celular, como diferenciação de células jovens e maduras, são
executados com base em controle de qualidade pleno?
Tendo como objetivo a resolução dessas questões, a primeira seção almeja
apresentar todas as etapas necessárias para a correta maturação das células
hematológicas, desde sua produção nos órgãos hematopoiéticos até seu
amadurecimento e sua liberação na corrente sanguínea. Para tanto, a análise
microscópica e o treino de confecção de esfregaços sanguíneos serão
fundamentais.
Em seguida, na segunda seção, as células hematológicas serão diferenciadas
quanto às suas linhagens evolutivas, respeitando-se os critérios citomorfológicos
apresentados anteriormente. Aspectos como tamanho, complexidade e
presença/ausência de alterações estruturais serão levados em consideração,
mediante microscopia ótica.
Por fim, considerando já existir certa afinidade com o manuseio do microscópio e
com a morfologia das células hematológicas, praticaremos diferentes técnicas de
coloração e confecção de esfregaços sanguíneos, de maneira a verificar, na prática,
o quanto a correta execução de técnicas hematológicas influencia a qualidade da
interpretação de resultados de exames laboratoriais.
Portanto, iniciaremos a unidade com a avaliação das células jovens, passaremos
para as células maduras e, por fim, analisaremos a influência da técnica
laboratorial sobre essas células. O objetivo é que você compreenda o que deve ser
analisado em uma célula hematológica, sob microscopia ótica, e perceba o quanto
uma técnica bem executada fundamenta uma adequada avaliação laboratorial.

PRATICAR PARA APRENDER


Em análises clínicas, os exames laboratoriais do setor de hematologia, assim como
os executados no setor de bioquímica, estão entre os mais solicitados na prática
médica. Tanto no ambiente hospitalar como ambulatorial, é grande o número de
informações sobre o estado de saúde do paciente que se pode obter mediante a
análise desses exames, principalmente no que diz respeito ao exame hematológico
mais conhecido, o hemograma.
O hemograma é considerado uma extensão do exame físico para pacientes com
suspeita de doenças hematológicas. Nele, a avaliação da quantidade e das

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características morfológicas das hemácias, dos leucócitos e das plaquetas traz

seõçatona reV
informações relevantes sobre o correto funcionamento da medula óssea (SANDES,
2020 ).
Para contextualizar, imaginemos: você está trabalhando como laboratorista em um
hospital com serviço de referência em hematologia na sua região de atuação.
Portanto, a rotina de exames solicitados, particularmente hemogramas, é bastante
extensa. Você precisa organizar seu trabalho de maneira que os resultados não
sejam liberados com atraso. Como você pode priorizar o bom andamento dos
hemogramas? Que itens-chave da análise celular nos esfregaços podem ser
priorizados, já que se trata de um processo trabalhoso?
A execução de exames laboratoriais é um processo trabalhoso, porém
extremamente útil no contexto da assistência à saúde, devido ao número de
informações fornecidas aos clínicos. Assim, vejamos ao longo da unidade os
conceitos iniciais que permeiam um dos mais requisitados desses exames.
Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE

A ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE NA HEMATOLOGIA.


O sangue é definido como um tecido composto por uma fração celular ao redor de
uma fração líquida denominada plasma. A porção acelular, ou plasma, é
constituída principalmente por água, ainda que algumas substâncias, tais como
proteínas, sais e outros constituintes orgânicos, encontrem-se dissolvidas nela. Por
sua vez, a fração celular é quase totalmente formada por hemácias, associadas a
uma pequena porção de leucócitos e plaquetas.
As células componentes do sangue, portanto, constituem três linhagens ou séries
diferentes. Tais células, contudo, se originam de uma célula-mãe única e
indiferenciada, denominada stem cell ou célula-tronco (LORENZI, 2006). Certos
autores, ainda, preferem as denominações célula pluripotente ou totipotente.
Essas células-tronco, responsáveis pela formação de todas as células sanguíneas,
expandem-se ou dividem-se, guardando sempre a característica de
pluripotencialidade. No entanto, algumas células-filhas evoluem em um sentido
mais avançado, guardando ainda a indiferenciação (isto é, são capazes de
multiplicação), mas já orientadas para uma única ou apenas para algumas
linhagens celulares. Essas células recebem a denominação de células
comprometidas: posteriormente, elas atingem um grau de diferenciação ainda
maior que as torna unipotentes, sendo então capazes de dar origem a apenas uma
determinada série sanguínea.
A diferenciação ou maturação das células-tronco é feita por influência de fatores
provenientes do meio externo e que agem diretamente sobre as células. A
interação dessas células com tais fatores desencadeia vias de transdução de sinais
que afetam determinados genes no núcleo celular, sendo essa interação
responsável pela gradual caracterização das células-tronco em células cada vez
mais diferenciadas. Por esse motivo, convenciona-se dizer que o ciclo de divisão
celular trata-se do processo central da hematopoese, a partir do qual a célula-
tronco consegue sofrer sucessivas divisões em células cada vez mais diferenciadas

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e maduras.

seõçatona reV
Recentemente, os avanços em epigenética, no que diz respeito às alterações no
DNA e na cromatina que afetam a expressão de outros genes, possibilitaram uma
nova compreensão dos mecanismos hematopoiéticos. As histonas situadas ao
redor de sequências específicas de DNA podem ser modificadas por processos
químicos, ocasionando aumento ou diminuição da expressão de genes envolvidos
com o ciclo celular normal de células-tronco hematopoiéticas. O conhecimento
aprofundado de tais interações já possibilitou o entendimento da patogênese de
várias doenças hematológicas, notadamente de neoplasias.

ASSIMILE

As células-tronco são fundamentais para o processo de hematopoiese


fisiológica, porém estão presentes em baixíssimas concentrações na
medula óssea. Dessa forma, uma vez que sua capacidade de renovação é
limitada, é importante que tais células sejam influenciadas pela quantidade
exata e pelos fatores estimulantes direcionados à correta diferenciação e
proliferação celular, de acordo com a linhagem celular exigida pela medula
óssea naquele momento.

O DESENVOLVIMENTO DE CÉLULAS TRONCO E SUA FUNÇÃO


Todas as células-tronco originam-se no embrião: a partir do saco vitelínico, essas
células caem primeiro na circulação embrionária e depois na circulação fetal. Uma
vez na corrente sanguínea, as células-tronco atingem os tecidos que formarão os
chamados órgãos hematopoiéticos, dos quais destacam-se o baço, o fígado e,
posteriormente, a medula óssea.
O órgão central formador de células sanguíneas é a medula óssea, na qual se
localizam as células-tronco que sofrerão processos de diferenciação e proliferação
em células maduras que atingirão a corrente sanguínea. Para tanto, a medula
óssea tem uma estrutura muito específica, com um microambiente que favorece o
pleno desenvolvimento das células-tronco.
As primeiras células sanguíneas humanas surgem no período embrionário, por
volta da sétima ou oitava semana de vida: desse momento até o quarto mês de
gestação, a formação das células ocorre em agrupamentos celulares no saco
vitelínico, no que se convenciona chamar de período embrionário da
hematopoiese.
Do quarto ao sexto mês de vida fetal, as células sanguíneas são formadas no baço
e no fígado (período hepatoesplênico) até que, gradualmente, a medula óssea
localizada nos ossos esponjosos passa a superar esses órgãos como produtores de
células sanguíneas. Esse último período é conhecido como período medular da
hematopoese, no qual a medula óssea é dita vermelha, pela intensa produção
celular.
Conforme envelhecemos, a medula óssea vai perdendo sua capacidade de
hematopoiese, devido à sua gradual substituição por tecido adiposo, recebendo o
nome de medula amarela. Quando atingimos a senilidade, o mesmo tecido
adiposo medular é substituído por tecido fibroso, passando a ser denominado
medula cinzenta e caracterizado por pouca atividade hematopoiética.

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seõçatona reV
MATURAÇÃO CELULAR NOS DIFERENTES TIPOS DE CÉLULAS SANGUÍNEAS
A hematopoiese se processa fisiologicamente por meio de um mecanismo
regulador baseado no equilíbrio entre fatores estimulantes e fatores inibitórios da
proliferação celular, ambos em ação. Tal mecanismo regulador permite a saída
contínua de células sanguíneas maduras ou diferenciadas da medula óssea para a
circulação. Quando há alguma falha nessa regulação, o sangue periférico se altera,
conforme observado em várias doenças hematológicas.
As células-tronco têm localização preferencial junto ao tecido ósseo da medula
óssea, tornando-se cada vez menos numerosas à medida que aumenta a distância
que as separa do osso. Por sua vez, nas regiões centrais do espaço medular
predominam os precursores já mais diferenciados, as células comprometidas e as
células maduras. Essas últimas células passam à circulação por meio dos capilares
sinusoides que saem da medula óssea (RODRIGUES et al., 2019).
Desse modo, a medula óssea é considerada um órgão hematopoiético primário, e
os demais órgãos citados anteriormente são órgãos hematopoiéticos secundários.
Contudo, vale destacar que o timo também é considerado órgão primário para os
linfócitos T; já os linfócitos B são produzidos na medula e nos órgãos linfoides
secundários.
As hemácias, em condições fisiológicas, são formadas apenas na medula óssea,
assim como os granulócitos e os monócitos. No entanto, cada uma dessas células
exibe um comportamento distinto após sua maturação medular: os granulócitos
são armazenados na medula até serem necessários no sistema circulatório, ao
passo que as hemácias vão sendo continuamente produzidas e liberadas na
circulação.
Cerca de três vezes o equivalente de granulócitos circulantes no sangue periférico
são armazenados na medula óssea. Agranulócitos específicos, tais como linfócitos
T e linfócitos B, são produzidos e armazenados nos órgãos linfoides, incluindo
linfonodos, baço, timo e tonsilas. Os megacariócitos também são formados na
medula óssea e ali se fragmentam, sendo que seus fragmentos (plaquetas) caem
na circulação posteriormente.

EXEMPLIFICANDO

Utilizam-se células-tronco hematopoiéticas como a base de transplantes


de medula óssea para tratamento de neoplasias hematológicas, tais como
leucemias. Também é comum a utilização dessas células como parte
integrante de terapias gênicas de repovoamento medular para tratamento
de imunodeficiências, tais como as observadas na infecção pelo HIV-1.

MORFOLOGIA CELULAR
A morfologia das células do sangue periférico, da medula óssea e dos órgãos ou
tecidos linfoides é reconhecida por meio de esfregaços obtidos por punção venosa,
no caso de sangue periférico, ou por meio de biópsias, no caso de medula óssea e
órgãos linfoides. Aspectos fundamentais, como tamanho celular geral, relação

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núcleo-citoplasmática, condensação de cromatina nuclear, afinidade ácida/básica

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do citoplasma e regularidade de contorno membranar, são todos fatores que
devem ser levados em consideração, não somente para diferenciação entre células
jovens, mas também para diferenciação entre as três linhagens celulares
fundamentais.
A partir de uma célula-tronco indiferenciada, sob ação de fatores específicos, pode
haver um comprometimento inicial em uma de duas linhagens: a linhagem
mieloide e a linhagem linfoide. A linhagem mieloide engloba todos os precursores
medulares que darão origem a hemácias, granulócitos, monócitos e plaquetas, ao
passo que a linhagem linfoide engloba somente as células precursoras que darão
origem aos linfócitos, conforme demonstrado nas Figuras 1.1 e 1.2.

Figura 1.1 – Esquema geral da hematopoiese

Fonte: adaptada de Lorenzi (p. 5,2006).

Figura 1.2 – Hematopoiese humana com progenitores e células maduras

Fonte: Wikimedia Commons .


REFLITA

O fato de as células-tronco serem indiferenciadas e possuírem elevada


capacidade de multiplicação as torna muito parecidas, em termos de
atividade, com células cancerosas ou neoplásicas. Contudo, no caso das

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células hematopoiéticas, essas características são inatas, já que não foram
adquiridas mediante mutações genéticas. Ainda assim, a linha que separa

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uma dessas células de outra neoplásica é bem tênue.

REFERÊNCIAS
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia - Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3JMwGbC. Acesso em: 27
abr. 2022.
MARQUES, A. da C. B. et al. Hematopoietic stem cell transplantation and quality of
life during the first year of treatment. Revista Latino-Americana de Enfermagem,
v. 26, e3065, out. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3bIlkcn. Acesso em: 2 maio
2022.
RODRIGUES, A. D. dos et al. Hematologia básica. São Paulo: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3vUg9N7. Acesso em: 27 abr. 2022.
SANTOS, P. C. J. de L. Hematologia - Métodos e Interpretação. Série Análises
Clínicas e Toxicológicas. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2012. Disponível em:
https://bit.ly/3bLWTe4. Acesso em: 27 abr. 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
PRECURSORES E MATURAÇÃO DAS CÉLULAS SANGUÍNEAS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
SEM MEDO DE ERRAR
Na situação-problema exposta anteriormente, foi proposta a seguinte hipótese:
você, enquanto profissional laboratorista, está trabalhando em um laboratório cuja
rotina de exames hematológicos é bastante extensa, sendo necessário organizar
seu trabalho de maneira que os resultados não sejam liberados com atraso.
Nesse contexto, para não atrasar a liberação de resultados e otimizar a leitura de
esfregaços sanguíneos, caso o laboratório disponha de um equipamento
automatizado, você pode estabelecer parâmetros para confecção de esfregaços.
Qualquer amostra analisada por automação que apresentar indícios de
anormalidades morfológicas, dentro de critérios definidos por você com base em
sua experiência profissional, deverá ser submetida à confecção de esfregaço
seguida de leitura manual por microscopia ótica.
Adicionalmente, certos postos-chave das células contidas no esfregaço podem ser
priorizados por você no momento da leitura microscópica: quantidade e tamanho
de células dispostas no esfregaço, compatibilidade com células jovens e acúmulo
celular em ilhotas.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ANÁLISE DE POPULAÇÕES CELULARES EM MIELOGRAMA


Você está realizando um estágio em laboratório especializado em hematologia,
objetivando uma qualificação em leitura e interpretação de mielograma. Mesmo
sendo experiente em diferenciação celular no hemograma, você nota que os
padrões celulares do mielograma diferem consideravelmente dos tidos como
usuais em um hemograma, no que tange aos tipos celulares e a suas respectivas
quantidades.

RESOLUÇÃO 

É preciso sempre ter em mente que a distribuição de células hematológicas na


medula óssea é diferente da observada no sangue periférico: a medula óssea é
o ambiente preferencialmente habitado por células jovens. Portanto, quanto
mais jovem for o precursor celular, maior será a chance de encontrar essa
célula em um esfregaço de medula óssea (mielograma) do que em esfregaço
de sangue periférico (hemograma).
Similarmente, a quantidade de células jovens e maduras é diferente segundo o
ambiente sanguíneo considerado: células jovens são maioria na medula, na
qual células maduras estão presentes em baixíssimas concentrações, e o
padrão contrário é observado no sangue periférico. Por fim, salienta-se que
esses padrões não são estáticos, podendo alterar-se dependendo do estado de
saúde do paciente de quem a amostra de medula ou sangue é proveniente.

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seõçatona reV
NÃO PODE FALTAR
IDENTIFICAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO DE CÉLULAS SANGUÍNEAS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Olá, estudante!
A análise morfológica de células sanguíneas é um dos pontos vitais para a
adequada interpretação de um hemograma. Pelo fato de, na rotina laboratorial da
atualidade, a confecção de lâminas ser plenamente necessária para a confirmação
ou exclusão de achados hematológicos indicados pelos equipamentos
automatizados, a correta identificação de células sanguíneas é crítica para o
processo como um todo.
As células sanguíneas possuem características diferenciais entre si que permitem
não somente sua contagem, mas também sua diferenciação e avaliação do seu
grau de maturação. Com base nesses parâmetros, pode-se ter uma clara indicação
do possível diagnóstico do paciente, em associação com os demais itens
componentes do hemograma e os exames complementares.
Assim, o exame da lâmina por um profissional capacitado e habituado é
fundamental na análise hematológica. Nesse processo, a qualidade da lâmina
confeccionada é primordial, podendo comprometer o diagnóstico (SANTOS, 2012).
Para contextualizar o que foi exposto, vamos imaginar a seguinte situação: você é o
responsável pelo controle de qualidade analítico dos setores de um laboratório
clínico. Ao avaliar os resultados do controle de qualidade externo
interlaboratorial, você repara que os resultados da diferenciação celular
hematológica divergiram muito dos expostos pelos demais participantes, levando-
o a verificar como os profissionais do setor de hematologia estão analisando a
citomorfologia em esfregaços. Que critérios devem estar sendo observados pelos
profissionais ao realizarem a diferenciação celular? Somente células normais
devem ser consideradas na análise?
A microscopia celular fornece muitas informações adicionais ao diagnóstico do
paciente, porém deve ser executada com calma e cautela, para que não sejam
confundidas células entre si. Guardando-se essas precauções, os parâmetros
citomorfológicos compreendem uma grande oportunidade de aprendizado.
Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE

A FUNÇÃO DAS HEMÁCIAS


As hemácias, também denominadas eritrócitos ou glóbulos vermelhos,
possuem cerca de 7 um de diâmetro e um formato de disco bicôncavo. Graças a
essa morfologia, as hemácias exibem as bordas mais coradas e os centros mais
claros (Figura 1.3). Trata-se de células com excesso de membrana citoplasmática
para o conteúdo hemoglobínico que transportam.
Figura 1.3 – Morfologia das hemácias

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seõçatona reV
Fonte: Wikimedia Commons .

À medida que circulam, as hemácias perdem porções da membrana, adquirindo o


formato de esferócitos. Esses esferócitos são bem menos deformáveis que
hemácias normais e acabam sendo retidos nos capilares sinusoides do baço, onde
são então fagocitados por macrófagos, em um processo denominado
hemocaterese.
As células jovens ou precursoras da linhagem eritroide são encontradas apenas
na medula óssea, representando cerca de 20 a 25% do total de células nucleadas
do mielograma (LORENZI, 2006). Essas células jovens estão em número bem
menor que os precursores granulocitários na medula, sendo descrita uma
proporção de três precursores granulocíticos para cada um precursor eritroide
(relação G/E = 3/1).
Além de variações quantitativas nos eritroblastos, essas células podem exibir
alterações morfológicas de importância variável, sendo mais frequentes o aumento
do tamanho das células, o predomínio das formas mais basófilas (indicando
dificuldade de amadurecimento ou diferenciação da série eritroide) e a
manutenção de resquícios nucleares. Na sequência de maturação dessas células
observam-se (do mais imaturo ao mais maduro): pró-eritroblasto, eritroblasto
basófilo, eritroblasto policromático, eritroblasto ortocromático e reticulócito,
até a diferenciação em hemácia.
Por sua vez, a diferenciação dos granulócitos e dos linfócitos do sangue se faz por
meio de células intermediárias ou precursoras com características mais bem
definidas, permitindo sua pronta diferenciação.

ASSIMILE

A maturação das linhagens hematopoiéticas é diferente em termos de


número de células componentes e função celular adquirida, porém certos
parâmetros-chave sempre caracterizam maturação celular,
independentemente da linhagem. São eles: diminuição gradual do tamanho
celular conforme a maturação progride, condensação da cromatina e ganho
de complexidade citoplasmática.

ELIMINANDO INFECÇÕES DO ORGANISMO


Os granulócitos são as células que predominam em esfregaços de medula óssea,
representando cerca de 60 a 65% das células nucleadas (LORENZI, 2006). Nessa
faixa, predominam nitidamente os neurófilos, já que os eosinófilos e basófilos
jovens raramente atingem mais de 8% daquele total. Esse fato também é

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observado no sangue circulante, onde os neutrófilos são os mais frequentes

seõçatona reV
leucócitos detectados.
Na circulação sanguínea, observam-se apenas as células maduras das linhagens
leucocitárias, isto é, os bastonetes e os segmentados. Formas imaturas, tais como
metamielócitos, já indicam que existem necessidade na periferia e eliminação na
corrente sanguínea, por parte da medula óssea, de formas jovens que
normalmente não são circulantes.
O primeiro elemento celular da linhagem granulocítica é o mieloblasto, cujo
diâmetro tem em torno de 20 μm e cuja capacidade de multiplicação é grande.
Esse precursor tem forma e núcleo redondos, com cromatina delicada e um ou
mais nucléolos. O citoplasma é escasso e basofílico, contendo granulações
grosseiras ditas azurófilas ou primárias. A detecção de tais granulações indica a
diferenciação das células mais jovens em direção à linhagem granulocítica.
Um método simples de detecção das granulações primárias é o da coloração das
enzimas que as compõem, já que estas consistem em lisossomos ricos em enzimas
oxidativas celulares, sendo a mieloperoxidase a mais importante.

CLASSE DOS GRANULÓCITOS


O promielócito também é uma célula de grande tamanho (equivalente às
dimensões do mieloblasto), com morfologia redonda e núcleo contendo nucléolos.
O citoplasma é um pouco mais abundante do que o do mieloblasto, além de ser
mais basofílico e conter granulações primárias grosseiras, bem como granulações
secundárias ou específicas. As granulações secundárias ou específicas definem ou
diferenciam os granulócitos neutrófilos de eosinófilos e basófilos, cujos pHs das
granulações são ácidos ou básicos, respectivamente. Contudo, na prática, todos os
promielócitos de um esfregaço de medula óssea são pertencentes à linhagem
neutrofílica.
O mielócito, no que diz respeito ao tamanho, é um pouco menor que o
promielócito. Trata-se de uma célula redonda, com núcleo ligeiramente ovalado e
que possui cromatina mais condensada. Não se visualizam nucléolos na maioria
dessas células e o citoplasma é neutro, com pouca basofilia residual, além de já
apresentar granulações específicas. Os mielócitos são bastante numerosos em
esfregaços de medula óssea normal, onde a maioria deles morre e somente uma
parcela completa sua diferenciação. Por sua vez, os mielócitos eosinófilos e
basófilos são muito raros.
Seguindo esse padrão, no metamielócito o tamanho da célula se reduz ainda
mais (aproximadamente 15 μm). Essa célula é redonda e possui núcleo reniforme
com cromatina bastante condensada. Seu citoplasma é acidofílico, abundante e
tem apenas granulações específicas. Em condições patológicas nas quais haja
necessidade de excesso de elementos de defesa no sangue periférico, essas
células podem aparecer em pequenas proporções, juntamente, mas não
obrigatoriamente, com mielócitos.
REFLITA

A quantidade de células sanguíneas presentes no sangue periférico nem


sempre é equivalente à quantidade e ao padrão de células presentes nos
órgãos hematopoiéticos. Isso se deve ao fato de os órgãos constantemente

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produzirem e maturarem células para a distribuição via corrente sanguínea.
Por isso observamos, em indivíduos sadios, maior proporção de

seõçatona reV
precursores na medula óssea do que no sangue periférico, ao passo que
esse padrão é o inverso para as células maduras.

SEGMENTAÇÃO CELULAR OU CLIVAGEM


O bastonete é uma célula totalmente madura que mede cerca de 12 μm. Seu
núcleo, em formato de ferradura ou bastão (sem lobulações), possui cromatina
grosseira e citoplasma acidofílico, com somente granulações específicas. Podem
também ser encontrados em pequenas quantidades no sangue de indivíduos
saudáveis.
O segmentado também é denominado polimorfonuclear devido ao fato de seu
núcleo ter aspecto irregular, com duas ou três lobulações, em média. Os lóbulos
nucleares são formados por constrições da cromatina nuclear, que os limitam. Ele
não apresenta nucléolos e seu citoplasma é semelhante ao do bastonete. As
granulações primárias persistem até essa fase, mas são pouco visíveis pelos
corantes panóticos, sendo evidenciadas somente pela reação da peroxidase.
Os segmentados podem ser de três tipos: neutrófilos, eosinófilos ou basófilos.
Os segmentados neutrófilos possuem todas as características elencadas no
parágrafo anterior, além da presença de granulações secundárias bastante finas.
Seu núcleo é bastante visível, com lobulações bem definidas.

CÉLULAS DE DEFESA
Os segmentados eosinófilos possuem granulações específicas muito
características, menos numerosas e bem maiores do que as dos neutrófilos.
Coram-se muito bem por corantes ácidos, como a eosina, o que explica o nome
que recebem. Seus núcleos costumam ter somente dois lóbulos, em aspecto de
óculos.
Os segmentados basófilos possuem granulações metacromáticas bastante
grosseiras, pouco numerosas e com afinidade por corantes básicos. As
granulações são tão grosseiras que, muitas vezes, a visualização dos lóbulos
nucleares fica dificultada.
Os monócitos são células que circulam durante poucos dias e deixam a circulação,
fixando-se nos tecidos, onde diferenciam-se em macrófagos. Distinguem-se os
seguintes precursores da série monocítica na medula óssea: o monoblasto,
encontrado apenas nos esfregaços de medula óssea, de diâmetro semelhante ao
do mieloblasto, núcleo redondo e cromatina delicada, acompanhada de nucléolos
evidentes e citoplasma escasso; e o promonócito, que costuma ter o mesmo
tamanho do seu antecessor, porém com núcleo oval e mais citoplasma, já podendo
ser detectadas projeções delicadas.
O monócito maduro tem basicamente o mesmo tamanho (20 μm) do
promonócito. Seu núcleo é de contorno irregular, com chanfraduras marcadas e
citoplasma abundante, levemente basofílico. Seu citoplasma apresenta
granulações finas, muito menos numerosas do que as encontradas nos
granulócitos neutrófilos. Por esse motivo, tecnicamente, os monócitos são
granulócitos. Em suma, a morfologia dessas células é bastante variável, sendo essa

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uma de suas características, além dos vacúolos citoplasmáticos.

seõçatona reV
Os linfócitos são encontrados em número considerável no sangue periférico,
sendo mais raros nos esfregaços de medula óssea. Constituem mais de 90% das
células dos órgãos linfoides. Seus precursores são: linfoblasto, a forma mais jovem,
contendo nucléolos mais ou menos marcados, núcleo redondo ocupando toda a
célula, com cromatina frouxa e algumas condensações; e prolinfócito, que é um
pouco maior do que o linfócito maduro circulante e possui estrutura cromatínica
não tão frouxa como a do linfoblasto, mas também não tão condensada quanto a
do linfócito maduro.
Quando maduro, o linfócito possui de 7 a 10 μm de diâmetro. O núcleo é muito
grande em relação ao tamanho das células (relação núcleo-citoplasmática grande).
A cromatina nuclear é disposta em porções (“cascas de pão”), não sendo
observados nucléolos nem granulações citoplasmáticas. Para se ter uma boa
noção da morfologia celular, é preciso que os esfregaços tenham sido corados
com cuidado, porque os linfócitos corados em excesso ficam extremamente
retraídos.
A partir da célula-tronco indiferenciada originam-se os megacariócitos, na medula
óssea. Essas células são elementos de grande tamanho e, por isso, facilmente
reconhecidos nos esfregaços colhidos para a realização do mielograma. As células
mais jovens dessa série são menores, e geralmente não é fácil o seu
reconhecimento.
As células que se tornam reconhecidas pela microscopia ótica como pertencentes
a essa linhagem são as que tiveram síntese de DNA e se tornaram poliploides:
quando o grau de poliploidia é menor do que 8N, pode-se ficar em dúvida quanto à
orientação celular. Os megacariócitos seguem a sua diferenciação por meio da
síntese de DNA, tornando-se 8N, 16N, 32N e até 64N. Entretanto, não há divisão
celular antes de ser atingida a poliploidia, o que confere à célula um grande
tamanho e massa cromatínica bastante desenvolvida, sem que haja divisão
nuclear.
As plaquetas se formam no interior do citoplasma megacariocitário e não
possuem material nuclear. Podem ser vistas na periferia do citoplasma quando
estão sendo lançadas na circulação, isoladas ou em agrupamentos. São células
pequenas, na verdade incompletas, pois não possuem material nuclear.
Apresentam de 3 a 4 μm de tamanho, tendo, portanto, uma forma bastante
variável. Quando são examinadas em microscópio ótico, tingidas por corantes
panóticos, têm aspecto pouco preciso: observa-se uma coloração de fundo,
praticamente homogênea, sobre a qual se reconhecem pequenas granulações.

EXEMPLIFICANDO

Os valores de referência para hemácias no sangue periférico variam de


acordo com o sexo do paciente: para homens, situam-se entre 4,5 e 6,0
milhões de células/mm3, enquanto, para mulheres, situam-se entre 4,0 e
5,5 milhões de células/mm3.
Similarmente, a quantidade total de leucócitos, em indivíduos sadios, varia
de 4 mil a 10 mil células/mm3, lembrando que os valores de referência
podem mudar de laboratório para laboratório, segundo o perfil

0
populacional atendido.

seõçatona reV
REFERÊNCIAS
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia - Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3bQF51f. Acesso em: 27 abr.
2022.
RIBA, V. C. J. et al. Interference of blood storage containing K2EDTA and
K3EDTA anticoagulants in the automated analysis of the hemogram. Jornal
Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 56, e2012020, maio 2020.
Disponível em: https://bit.ly/3SSRp1Z. Acesso em: 4 maio 2022.
RODRIGUES, A. D. dos et al. Hematologia básica. São Paulo: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3dl5yEP. Acesso em: 27 abr. 2022.
SANTOS, P. C. J. de L. Hematologia - Métodos e Interpretação. Série
Análises Clínicas e Toxicológicas. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2012. Disponível em:
https://bit.ly/3SFIzEx. Acesso em: 27 abr. 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
IDENTIFICAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO DE CÉLULAS SANGUÍNEAS

0
Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
SEM MEDO DE ERRAR
Na situação-problema anteriormente apresentada, posicionamos você como o
responsável pelo controle de qualidade analítico dos setores de um laboratório
clínico, percebendo discrepâncias entre os valores relatados pelos profissionais do
laboratório no controle de qualidade externo em hematologia.
Nesse caso, enquanto profissional atuante no controle de qualidade laboratorial,
você deve verificar com os profissionais do setor de hematologia quais critérios de
análise citomorfológica eles estão observando. Tamanho celular, formato e
número de lóbulos nucleares, condensação da cromatina, presença/ausência de
granulações e outros fatores devem ser levados em consideração para a
comparação entre células de um esfregaço sanguíneo. Ademais, tal análise não
deve somente ser realizada para células com características normais: células com
atipias e irregulares também devem ser avaliadas quanto a esses mesmos
critérios.
Uma vez verificado se os critérios de análise são satisfatórios, deve ser feita uma
minuciosa avaliação dos dados estatísticos referentes ao controle de qualidade.
Caso os valores apresentados estejam dentro do desvio-padrão aceitável, de modo
que não comprometam a eficácia e a reprodutibilidade do exame, cabe somente
uma orientação e reciclagem dos profissionais do setor de hematologia. Por outro
lado, se os critérios forem insatisfatórios, cursos de reciclagem são imperativos.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ANÁLISE MORFOLÓGICA DE AMOSTRAS SANGUÍNEAS ANTIGAS


O laboratório-clínica onde você trabalha coletou uma amostra de sangue de um
paciente ambulatorial não complicado, porém sua amostra não foi analisada no
mesmo dia da coleta. O tubo de amostra permaneceu na bancada, sob
temperatura ambiente, até o dia posterior, quando foi percebido pelo analista e
então processado no equipamento automatizado de hemograma.
Na análise, notou-se leucopenia discreta, e avisos, emitidos pelo equipamento,
indicaram atipias leucocitárias. Na leitura do esfregaço, foram notadas granulações
atípicas nos leucócitos, além de grande quantidade de hemácias com espículas,
compatíveis com crenação. Sua dúvida recai sobre a possibilidade ou não de
liberação dos achados microscópicos em laudo.

RESOLUÇÃO 

Nenhum dos achados laboratoriais do esfregaço descritos deve ser relatado


em laudo. Sabe-se que hemácias crenadas podem ser observadas em
determinadas doenças, mas com o conhecimento de que a amostra
permaneceu por um dia sob temperatura ambiente, considera-se a crenação
como decorrente desse erro pré-analítico. Portanto, tal achado não deve ser
relatado em um laudo, para não atrapalhar a interpretação médica do

0
diagnóstico. Similar raciocínio aplica-se às granulações leucocitárias, que

seõçatona reV
podem ser observadas em algumas infecções, mas que também podem ser
decorrentes do armazenamento incorreto de amostras de sangue total.
NÃO PODE FALTAR
CONFECÇÃO E COLORAÇÃO DE ESFREGAÇOS SANGUÍNEOS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Olá, estudante!
A análise São josé dos camposde lâminas hematológicas adequadamente
coradas constitui uma parte importante do hemograma. É durante a avaliação
microscópica das células sanguíneas que se consegue confirmar resultados de
parâmetros obtidos por meio dos testes automatizados e que se obtêm
informações que antes passariam desapercebidas pelas análises manuais.
No entanto, o processo de avaliação de uma lâmina hematológica requer alguns
cuidados básicos, a começar pela sua confecção. O esfregaço exige determinados
cuidados para que seja corretamente estendido sobre a lâmina e para que as
células não fiquem todas sobrepostas umas às outras, atrapalhando sua adequada
caracterização. Adicionalmente, outra etapa pré-analítica fundamental para o
processo é a correta coloração do esfregaço, segundo a bateria de corantes
hematológicos escolhidos.
Como exemplo do que foi exposto, imagine a seguinte situação: você é um analista
de laboratório e solicita ao técnico de laboratório que confeccione um esfregaço
sanguíneo de uma amostra cujos hematócrito e hemoglobina apresentaram
valores diminuídos. O técnico realiza a manipulação conforme preconizado nos
procedimentos operacionais padrão do laboratório. Porém, no momento de
visualizar a lâmina, percebem-se algumas hemácias com coloração ligeiramente
mais arroxeada do que o normal. Você solicita ao técnico que refaça o esfregaço, e
novamente é observado o mesmo padrão de coloração, ainda que ele confirme
que a técnica está sendo executada adequadamente. Será que está ocorrendo um
erro pré-analítico na coloração não detectado pelos profissionais? Em caso
contrário, esse achado é coerente com alguma situação patológica?
A leitura bem executada de uma lâmina hematológica deve ter seus achados
reportados em laudo e, portanto, figura como uma análise fundamental à
interpretação clínica dos achados do hemograma. Dessa forma, veremos nesta
seção quais fatores influenciam a qualidade dessa análise.
Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE

ANÁLISE HEMATOLÓGICA
Os principais pontos a serem analisados e interpretados no hemograma são: a
série vermelha, representada pelas hemácias e por seus componentes estruturais
e funcionais; a série branca, indicada pelos leucócitos; e a série plaquetária,
composta pelas plaquetas. Todos esses três pontos podem ser avaliados a partir
da análise de esfregaços sanguíneos.
A análise de um esfregaço de sangue devidamente confeccionado e bem corado,
com o auxílio de um microscópio óptico, é um dos exames mais eficientes para a
avaliação e detecção de anormalidades dos componentes do sangue. A contagem
de leucócitos e plaquetas pode ser estimada por meio da avaliação microscópica
da lâmina e posterior verificação do resultado fornecido pelo analisador

0
hematológico automatizado. A contagem diferencial leucocitária também pode

seõçatona reV
ser obtida por esse meio, e a morfologia das séries vermelha, branca e plaquetária
pode ser avaliada quanto à presença de alterações. No entanto, apesar dos
avanços da automação no laboratório de hematologia, ainda é necessária a
presença de profissionais habilidosos e experientes para revisar sistematicamente
as lâminas selecionadas.
A avaliação do esfregaço sanguíneo compreende três partes: análise da porção
espessa, em que as células se encontram aglomeradas; análise da porção mediana,
com as células em quantidade e qualidade ideais para a visualização microscópica;
e análise da parte fina, na qual poucas células se encontram presentes.
Comumente, no meio laboratorial, é costume utilizar os termos cabeça, corpo e
cauda, respectivamente, para se referir a essas porções do esfregaço sanguíneo.
Além da disposição ideal do material sobre a lâmina, outro fator essencial para a
evidenciação correta do material refere-se ao procedimento de coloração,
efetuado com a utilização de corantes específicos, tais como Leishman, Giemsa,
May-Grünwald e Wright.

REFLITA

A avaliação macroscópica da lâmina pode fornecer indicativos da


alteração que será observada na microscopia ou do resultado da contagem
a ser verificada. Uma extensão de sangue que é mais azulada que o normal
pode sugerir a presença de determinadas proteínas no plasma ou
policromasia; uma extensão com aparência granular pode indicar
aglutinação eritrocitária, evidenciando a presença de crioaglutininas;
buracos na extensão podem significar que o paciente tem hiperlipidemia e
que os parâmetros de série vermelha devem ser revisados quanto à
possível interferência da lipemia no hemograma.

COMPREENDENDO A TÉCNICA DE ESFREGAÇO DE SANGUE


Para que se possa confeccionar uma extensão sanguínea adequada, o primeiro
cuidado que se deve ter é com a qualidade da lâmina onde o procedimento será
realizado. As lâminas de vidro ideais geralmente medem 75 mm de
comprimento/25 mm de largura/1 mm de espessura. Essas lâminas devem ser
transparentes, planas e livres de imperfeições, tais como ranhuras e ondulações.
Quando lâminas novas são adquiridas no comércio, podem vir limpas ou sujas: as
limpas geralmente têm um pedaço de papel entre cada uma delas, enquanto as
sujas não têm. Ainda que sejam limpas, no entanto, as lâminas novas devem ser
mantidas mergulhadas em etanol absoluto por um período mínimo de 24 horas.
Em seguida, é preciso realizar sua secagem com gaze estéril, e seu armazenamento
deve ser feito em caixas fechadas, de onde as lâminas serão retiradas somente
antes do uso.
Por sua vez, as lâminas novas sujas devem ser imersas em detergentes de uso
laboratorial e, em seguida, passar por enxaguamento em água corrente. Enquanto
as lâminas estão sendo enxaguadas, é possível observar se estão desengorduradas
– se estiverem, a água escoará facilmente por elas. Posteriormente, as lâminas
também devem ser mergulhadas em etanol absoluto por 24 horas e, após esse

0
tempo, secas com gaze estéril antes de seu armazenamento, de forma a

seõçatona reV
minimizar a formação de umidade em suas superfícies.
As lâminas que serão reutilizadas (lâminas com extensões não coradas, lâminas
com extensões coradas, lâminas com ou sem óleo de imersão) devem ser
mergulhadas em solução detergente quente (60°C) por um período mínimo de 30
minutos. Em seguida, com uma esponja macia, a extensão sanguínea deve ser
retirada de cada lâmina, e posteriormente as lâminas são enxaguadas e
novamente mergulhadas em detergente (temperatura ambiente) por 30 minutos.
Por fim, as lâminas devem ser lavadas em água corrente, para visualização da
eficácia da retirada de gorduras residuais, seguindo-se as etapas já descritas de
mergulho em etanol e armazenamento em caixas até o uso.
Uma vez que as lâminas se encontram devidamente viáveis para utilização, para
minimizar os efeitos da distribuição celular irregular, recomenda-se utilizar
extensoras um pouco mais estreitas que a lâmina de vidro, de modo que as partes
laterais da extensão não se encostem nas bordas da lâmina de vidro. Na prática,
uma segunda lâmina de vidro é frequentemente utilizada como extensora, e esse
procedimento é aceitável desde que a extensora tenha bordas arredondadas ou
chanfradas.

PREPARAÇÃO DA LÂMINA
Uma boa lâmina extensora contribui muito para que se forme uma satisfatória
distribuição celular no final da extensão. Extensoras podem ser preparadas no
próprio laboratório, e para isso deve-se utilizar lâminas novas e lixar suas bordas,
de modo que fiquem levemente arredondadas. Caso a extensora tenha ranhuras
na borda, o final da extensão terminará em prolongamentos tipo franja, o que
dificulta a contagem diferencial. Também podem ser adquiridas comercialmente
lâminas extensoras, inclusive fabricadas em acrílico, que fornecem excelentes
resultados.
Consideremos uma lâmina com certo volume de sangue depositado em uma de
suas extremidades. A lâmina extensora deve ser colocada na frente do sangue;
posteriormente, deve ser puxada para trás, estando com toda a superfície de seu
dorso encostada na outra lâmina. Quando a extensora tocar o sangue, deve-se
esperar que ele se espalhe, por capilaridade, por toda a sua superfície de contato.
Em caso de distribuição desigual do sangue pela extensora, deve-se, com um
movimento delicado e sem levantá-la, movê-la para a esquerda e a direita, para
que o sangue se distribua uniformemente.
O volume de sangue a ser utilizado deve permitir a confecção de uma extensão
com espessura e comprimento adequados: quanto maior a quantidade de
sangue a ser estendida, mais grossa ficará a extensão, e quanto menor a
quantidade de sangue, mais fina será a extensão. A gota de sangue deve ser
posicionada a aproximadamente 1 cm de um dos lados da lâmina.
A velocidade do movimento determina o comprimento da extensão: quanto mais
rápido ele for, mais curta ficará a extensão, e vice-versa. O ângulo formado
entre a extensora e a lâmina que receberá a extensão influencia também o seu
comprimento: quanto menor for esse ângulo, mais comprida será a extensão, e
vice-versa. Da mesma forma, a suavidade e a uniformidade no movimento

0
determinam a qualidade da extensão: quando se coloca muita força, a extensora

seõçatona reV
vai parando, e isso leva o esfregaço a apresentar falhas ao longo de sua extensão.
O processo completo de extensão da lâmina pode ser visualizado na Figura 1.4.

Figura 1.4 – Passos da confecção de um esfregaço sanguíneo

Fonte: Wikimedia Commons .

Adicionalmente, condições pré-analíticas decorrentes do preparo e estado do


paciente também influenciam a qualidade das extensões sanguíneas, sendo elas:
anemia, policitemia, uso do sangue de cordão umbilical, presença de agregados
plaquetários, crioaglutininas, anticorpos ,anti-hemácias presentes em anemias
hemolíticas autoimunes e amostras de recém-nascidos.

EXTENSÃO SANGUÍNEA
Em uma extensão sanguínea bem executada, as células se distribuem
aleatoriamente ao longo da lâmina, conforme o seu tamanho: as células maiores,
tais como neutrófilos e monócitos, tendem a localizar-se nas bordas da extensão,
enquanto as menores, tais como linfócitos, se localizam mais ao centro. Extensões
mal executadas interferem na distribuição ao acaso das células e podem levar a
erros, tanto nos resultados das contagens diferenciais quanto na avaliação
morfológica das células sanguíneas.
O ideal é que a extensão sanguínea seja confeccionada no momento da coleta e
sem anticoagulantes. Contudo, excelentes resultados são obtidos com amostras
em EDTA preparadas entre 2 e 4 horas após a coleta, sendo este o padrão adotado
pela maioria dos laboratórios clínicos no Brasil. Tais amostras em EDTA devem ser
sempre homogeneizadas após o armazenamento prolongado por um mínimo de
20 inversões completas dos tubos ou durante 5 minutos em homogeneizadores
automatizados, haja vista que podem ocorrer alterações morfológicas significativas
decorrentes de tempo e temperatura de armazenamento inadequados para
extensões, dificultando o reconhecimento da morfologia celular.
Distintamente, para a avaliação plaquetária em lâmina, é preferível a extensão com
anticoagulante, uma vez que o EDTA evita a agregação plaquetária. Desse modo,
as plaquetas distribuem-se isoladamente, facilitando sua identificação e
caracterização. Caso as extensões sanguíneas não sejam coradas no mesmo dia ou
tenham sido enviadas de locais distantes para análise, o ideal é que sejam fixadas
com metanol, mergulhando-se as lâminas nesse reagente durante 3 minutos
seguidos, com secagem ao ar.
As extensões sanguíneas também podem ser confeccionadas de modo
automatizado com o emprego de equipamentos extensores, podendo ser
associados ou não a coradores de lâminas. Os principais modelos existentes

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funcionam acoplados aos analisadores hematológicos.

seõçatona reV
Uma vez que o esfregaço sanguíneo foi confeccionado, ele deve ser
adequadamente corado para visualização microscópica. As técnicas de coloração
hematológica classificam os corantes como ácidos, básicos e neutros, sendo que as
combinações desses corantes se tornaram a base para as colorações de
Romanowsky, Giemsa, Wright, May-Grünwald e por panótico.
Os corantes hematológicos podem ser divididos em corantes tradicionais e
corantes rápidos. Atualmente, as extensões de sangue periférico coradas pelos
métodos e corantes de Wright, May-Grünwald-Giemsa e panótico rápido são as
mais utilizadas no Brasil, devido à praticidade de uso e por propiciarem grande
discriminação das morfologias celulares hematológicas.

ASSIMILE

Os artefatos decorrentes do preparo de extensões sanguíneas, tanto


manuais como automatizadas, podem ocorrer devido a falhas técnicas na
confecção da extensão, secagem lenta em condições de umidade, fixação
insuficiente ou tardia e contaminação dos fixadores e corantes com água,
bem como utilização de lâminas engorduradas ou extensoras contendo
ranhuras. Alguns tipos celulares também podem ser danificados no preparo
inadequado da extensão.

MÉTODOS DE COLORAÇÃO HEMATOLÓGICA


A base de todos os métodos de coloração hematológica é similar,
independentemente da técnica considerada. Os corantes são misturas de sais
ácidos (eosina) e sais básicos (azul de metileno e derivados). O complexo eosina-
azul de metileno tem afinidade por estruturas celulares citoplasmáticas ácidas
(eosinofílicas) ou básicas (basofílicas), ao passo que os corantes eosina-derivados
de azul de metileno apresentam afinidade por componentes citoplasmáticos e
nucleares.
A característica fundamental dos métodos tradicionais de coloração é que eles
foram extensivamente padronizados ao longo dos anos e são solidamente aceitos
como referências no âmbito laboratorial. No entanto, alguns são trabalhosos,
exigem o uso de reagentes custosos e demandam treinamento intensivo do
profissional executante. Por outro lado, o que deve ser entendido a respeito dos
corantes rápidos é que eles são limitados quanto à capacidade de fornecer
informações mais acuradas sobre a disposição da cromatina e de revelar detalhes
de estruturas citoplasmáticas e nucleares. Contudo, a coloração rápida pode ser
bastante adequada, desde que seja realizada com rigor técnico.
O tempo de coloração deve ser padronizado e/ou cronometrado, para que todas
as lâminas tenham a mesma qualidade de coloração, não importando o
profissional que realize esse procedimento. Os tempos podem ser modificados
conforme a preferência tintorial, mas uma vez estabelecido o tempo ideal para o
laboratório, ele deve ser seguido por todos.
Uma vez que os corantes e tampões sejam selecionados, o laboratório pode
determinar os tempos ideais, segundo suas exigências, para que seja produzida
uma coloração desejável para as plaquetas, os eritrócitos e os leucócitos.

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Geralmente, é de comum acordo que uma extensão sanguínea bem corada mostre

seõçatona reV
eritrócitos com tonalidade rosa salmão, linfócitos e neutrófilos com núcleo de
coloração púrpura intensa e monócitos com núcleos corados em púrpura mais
leve.
O corante 1 é à base de metanol e possui a função de fixar as lâminas. Assim,
cuidados devem ser tomados para que ele não evapore, tais como manter seu
recipiente sempre fechado quando não estiver sendo usado. Já os corantes 2 e 3,
diferentemente do corante 1, não devem ser completados, e sim trocados
conforme forem sendo usados. O laboratório deve estabelecer a periodicidade
dessa troca, o que varia em função do número de lâminas coradas diariamente.
Para colorações com corantes tradicionais ou rápidos realizadas com cubas e
berços, antes de se iniciar a coloração, o berço deve estar completamente seco;
caso não esteja, os eritrócitos podem sofrer crenações e até hemólise.
Adicionalmente, é sabido que o corante 3 pode formar um sedimento no fundo do
frasco, e por esse motivo é aconselhável que, antes de colocar o corante na cuba,
ele seja homogeneizado. Antes de se iniciar a coloração, o corante 3, que está na
cuba, deve novamente ser homogeneizado.
Os melhores resultados em relação à coloração costumam ser obtidos em
extensões recém-confeccionadas, em virtude de o sangue fresco agir como um
tampão no processo de coloração. Extensões coradas após uma semana ou mais
adquirem coloração azulada intensa.
Por fim, o controle de qualidade dos corantes hematológicos é intimamente
associado ao controle de qualidade da confecção das extensões, visto que esta
última impacta diretamente sobre a qualidade das colorações. Portanto, somente
partindo-se do pressuposto de que uma extensão foi devidamente confeccionada,
não se pode afirmar com certeza que o esfregaço se encontra viável para leitura
microscópica. Assim, a qualidade das colorações é um componente fundamental
para que uma lâmina seja satisfatória para a análise microscópica visual.

EXEMPLIFICANDO

Contagens de leucócitos e de plaquetas extremamente altas podem ser


detectadas por meio da presença de pequenos pontilhados azuis nos
arredores da cauda da extensão, ao passo que extensões extremamente
finas e com tonalidade clara podem sugerir uma amostra de paciente com
anemia.

REFERÊNCIAS
DA SILVA, P. H. et al. Hematologia Laboratorial. São Paulo: Grupo A,
2015. Disponível em: https://bit.ly/3zISXTn. Acesso em: 11 maio 2022.
FAILACE, R.; PRANKE, P. Avaliação dos critérios de liberação direta dos resultados
de hemogramas através de contadores eletrônicos. Revista Brasileira de
Hematologia e Hemoterapia, v. 26, n. 3, p. 159-166, 2004. Disponível em:
https://bit.ly/3vUhdRa. Acesso em: 11 maio 2022.
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia - Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3bNKjej. Acesso em: 11
maio 2022.

0
RODRIGUES, A. D. dos et al. Hematologia básica. São Paulo: Grupo A,

seõçatona reV
2019. Disponível em: https://bit.ly/3Pb05xn. Acesso em: 11 maio 2022.
SANTOS, P. C. J. de L. Hematologia - Métodos e Interpretação. Série
Análises Clínicas e Toxicológicas. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2012. Disponível em:
https://bit.ly/3Qsa1E0. Acesso em: 11 maio 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
CONFECÇÃO E COLORAÇÃO DE ESFREGAÇOS SANGUÍNEOS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
SEM MEDO DE ERRAR
Anteriormente, expusemos uma situação-problema na qual você, enquanto
analista de laboratório, solicitou ao técnico a confecção de uma lâmina
hematológica cuja coloração das hemácias apresentou padrão mais arroxeado do
que o normal.
Uma vez que essa amostra apresentou hematócrito e hemoglobina diminuídos,
existem duas explicações possíveis para essa coloração atípica nas hemácias: erro
pré-analítico na coloração ou condição patológica. Na primeira situação,
assegurada pelo técnico como inexistente, poderíamos inferir que ele manteve a
lâmina mergulhada por muito tempo no corante basofílico, causando uma
coloração excessivamente roxa das hemácias.
Todavia, seguindo a posição do técnico de que o controle de qualidade não foi
falho, podemos considerar que tais hemácias na verdade são reticulócitos, que se
coram mais arroxeados do que hemácias maduras devido aos resquícios de RNA
em seus citoplasmas. Assim, deve-se reportar no laudo o achado de policromasia,
acompanhado de sua semiquantificação correspondente. Por fim, esse achado é
coerente com hemoglobina e hematócrito diminuídos, tratando-se de uma
resposta adaptativa da medula óssea.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ESFREGAÇOS SANGUÍNEOS QUE NÃO SE FIXAM NA LÂMINA


Você solicita a um estagiário que confeccione as lâminas de esfregaços sanguíneos
das amostras de pacientes que apresentaram alterações em parâmetros do
hemograma na análise automatizada. O estagiário utilizou 10 μL de sangue total
com anticoagulante EDTA para a distensão sanguínea, e logo após esse processo já
procedeu à coloração pelo método panótico. No entanto, ele percebeu que, ao
mergulhar as lâminas no fixador metanol (corante 1), os esfregaços sanguíneos se
dissolviam, impossibilitando a continuação do processo de coloração.

RESOLUÇÃO 

O estagiário não estava aguardando a secagem da lâmina antes de iniciar o


processo de coloração. Para realizar a coloração de lâminas hematológicas
logo após a distensão sanguínea, deve-se aguardar que o esfregaço seque em
temperatura ambiente antes de mergulhar a lâmina no corante inicial. Por
mais que esse corante seja um fixador, ele necessita da secagem prévia da
amostra na lâmina para que seja adicionado ao esfregaço.
NÃO PODE FALTAR
HEMATÓCRITO, DOSAGEM DE HEMOGLOBINA E CONTAGEM DE
ERITRÓCITOS

0
Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
CONVITE AO ESTUDO
Olá, estudante!
Você provavelmente já sabe que o setor de hematologia de laboratórios clínicos é
responsável pela execução de exames laboratoriais vitais não somente para o
diagnóstico de doenças, como também para o acompanhamento e avaliação do
tratamento de pacientes. Dentre esses exames, o hemograma destaca-se como um
dos mais solicitados, já que a quantidade de informações obtidas por meio de seus
resultados é mais abrangente.
Assim, convido você a refletir brevemente sobre os seguintes questionamentos:

Quais os impactos da interpretação do hemograma no diagnóstico de doenças?

Como correlacionar os achados laboratoriais dos diferentes parâmetros do


hemograma entre si?

Para responder a essas perguntas, a primeira seção desta unidade de


aprendizagem propõe-se a apresentar três análises que compõem o eritrograma,
o qual, por sua vez, constitui-se como a parte do hemograma em que é analisada a
série vermelha hematológica. Nessa etapa de estudos, serão estudadas as
técnicas de execução manual de tais análises, bem como a harmonização dessas
técnicas com os métodos automatizados existentes.
Uma vez que as técnicas manuais e automatizadas tenham sido examinadas, será
necessário associar os resultados dessas análises com parâmetros calculados,
conhecidos como índices hematimétricos, analisando-os em conjunto com os
resultados obtidos anteriormente. Tais índices devem sempre ser correlacionados
com achados microscópicos visualizados nas lâminas de esfregaços sanguíneos.
Portanto, o conhecimento adquirido na unidade anterior sobre os esfregaços
também será retomado nessa fase de estudos, desta vez com aplicações práticas
direcionadas de forma mais específica.
Por fim, na última seção, serão abordadas as alterações laboratoriais mais
comumente observadas em doenças hematológicas que afetam a série vermelha,
bem como a avaliação da gravidade dos quadros por meio dos índices
hematimétricos e a classificação da doença em categorias. Essas associações são
de grande valia ao clínico, pois agilizam o processo de diagnóstico e tornam o
prognóstico mais favorável ao paciente.
Dessa forma, iniciaremos esta unidade tratando da análise do hematócrito,
dosagem de hemoglobina e contagem de hemácias; em seguida, aprenderemos a
calcular e interpretar os índices hematimétricos; e, por fim, avaliaremos os padrões
laboratoriais típicos desses índices e análises em doenças selecionadas. O objetivo
é fazer com que você compreenda tanto a execução das técnicas como as
aplicações clínicas desses testes laboratoriais.
PRATICAR PARA APRENDER
A série vermelha hematológica constitui um dos mais importantes parâmetros a
serem avaliados em um eritrograma. Tal série celular inclui as hemácias e seus
progenitores medulares, desde as unidades formadoras de colônia BFU-E e CFU-E

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até os proeritroblastos e eritroblastos em seus diferentes níveis de maturação.

seõçatona reV
Conhecer a maturação eritroide facilita o entendimento de algumas situações
práticas que acontecem diariamente no laboratório clínico. Inúmeras anemias
manifestam-se, laboratorialmente, por meio de: alterações em parâmetros
citomorfológicos, tanto qualitativos quanto quantitativos, das hemácias e suas
formas imaturas; distúrbios mieloproliferativos, como policitemias. Além disso,
respostas fisiológicas do organismo frente a situações ambientais diversas
também se refletem em alterações nos parâmetros do eritrograma.
Para contextualizar, vamos exercitar nosso raciocínio a partir da seguinte situação:
você recebe uma amostra de sangue total em EDTA cujo sangue apresenta,
visualmente, lipemia intensa (presença de gorduras). Depois de solicitada a
execução de hemograma para essa amostra, você obtém um resultado bastante
baixo de hematócrito, o que levanta uma suspeita de anemia aguda por perda de
massa eritrocitária. Essa interpretação da possível causa para o baixo hematócrito
é válida? Mesmo com a amostra apresentando-se lipêmica, o hematócrito deve ser
executado conforme os procedimentos operacionais padrão de uma amostra
normal?
Algumas das maiores virtudes de um bom profissional de laboratório são a
capacidade de abstração dos problemas e a tomada de decisões rápidas. Nesse
contexto, o conhecimento que você está prestes a adquirir neste material
fornecerá uma excelente base para exercitar essas virtudes. Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE
Denomina-se eritropoiese o processo de produção e maturação das hemácias ou
eritrócitos que ocorre na medula óssea, em adultos sadios. Esse procedimento
também acontece no baço e fígado durante o estágio fetal, bem como em
pacientes com doenças hematológicas graves. A eritropoetina é o fator estimulante
responsável por iniciar esse processo, agindo sobre as células-tronco para formar
proeritroblastos (células jovens nucleadas, precursoras das hemácias).
Posteriormente, o processo de maturação eritropoiético, que dura cerca de 7 a 8
dias, segue por meio de divisões celulares, sob efeito estimulatório de várias
substâncias obtidas da dieta, como ácido fólico e vitamina B12, até a geração de
hemácias maduras.
As hemácias são células únicas e executam funções vitais no organismo. Seu
objetivo primário é exercido a partir da hemoglobina citoplasmática, visto que essa
proteína é responsável pelo transporte de oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2)
no sangue. Tais funções estão intimamente relacionadas com a manutenção da
morfologia celular e o transporte ativo de substâncias para dentro e fora da célula,
requerendo energia constante das hemácias sob a forma de ATP (adenosina
trifosfato).
Além de apresentar formato semelhante a um disco bicôncavo, as hemácias
maduras, diferentemente da maioria das células, não possuem núcleo nem
organelas; portanto, elas não sintetizam ácidos nucleicos ou proteínas. A perda das
organelas, principalmente a mitocôndria, durante a maturação resulta na
impossibilidade de a célula realizar processos comuns para a geração de energia,
tornando-se necessária uma produção energética por meio de vias específicas

0
distintas da maioria das demais células do organismo.

seõçatona reV
No interior das hemácias, em seus citoplasmas, observam-se hemoglobina,
enzimas, íons, glicose e água, viabilizando uma vida média de 120 dias para que
uma hemácia execute suas funções. No entanto, para que possam manter o
transporte dos gases no sangue, as hemácias utilizam duas vias metabólicas
restritas à degradação enzimática e anaeróbica da glicose.
A primeira via metabólica, chamada de via de Embden-Meyerhof, degrada 90% da
glicose que entra na hemácia, convertendo-a em piruvato e lactato: esses dois
compostos produzem tanto energia na forma de ATP quanto NADH (nicotinamina
adenina dinucleotideo) e 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG).
A segunda via, denominada shunt das pentoses, degrada os 10% restantes de
glicose da hemácia. Para que o metabolismo energético ocorra por essa via, as
enzimas glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), glutationa redutase e glutationa
peroxidase são fundamentais no processo. O desequilíbrio enzimático e dos
demais constituintes das vias pode estar associado a diversos distúrbios e
patologias eritrocitárias.
Adicionalmente, o conhecimento da membrana eritrocitária é fundamental para a
compreensão da fisiologia das hemácias. Ela representa uma barreira biológica
seletiva, que assegura a composição interna constante da célula. Contudo, para a
manutenção da forma e da estrutura da hemácia, é necessário que ela esteja
íntegra, sendo composta, principalmente, por uma bicamada fosfolipídica e
proteínas.
O componente proteico da membrana é representado por diversas proteínas
constituintes do citoesqueleto membranar, que é uma verdadeira malha para o
material intracelular. Essas proteínas são divididas estruturalmente em duas
porções: proteínas transmembranas ou integrais, que atravessam a bicamada
lipídica; e proteínas periféricas ou extramembranárias, situadas na base da
bicamada lipídica.
As proteínas integrais estão incorporadas na parte mais profunda da bicamada
lipídica, dentre as quais se destacam a glicoforina A e a proteína banda 3. A
glicoforina A possui um carboidrato na porção externa da molécula, o que confere
carga elétrica negativa às hemácias e impede a aglutinação entre essas células
(potencial zeta). Por outro lado, a proteína banda 3 está inserida na membrana e
funciona como um canal pelo qual passam ânions e água para a célula. Essa
proteína também mantém uma ligação importante com as proteínas periféricas
anquirina e as espectrinas α e β, fixando a membrana celular ao citoesqueleto. Por
fim, dentre as proteínas periféricas, a principal é a espectrina, que recebe esse
nome por dar sustentação à membrana, sendo a mais abundante do
citoesqueleto.
De todas as substâncias eritrocitárias, a hemoglobina é a principal. O termo deriva
da associação do grupo heme com globina, denotando sua dupla estruturação. A
hemoglobina tem como principais funções o transporte das moléculas de oxigênio
dos pulmões aos tecidos, a condução de CO2 dos tecidos para os pulmões e a
preservação do pH sanguíneo. Sua estrutura é esferoide e globular, possuindo
quatro subunidades: cada molécula de hemoglobina normal dos seres humanos
apresenta dois pares de conjuntos de cadeias globínicas, cada uma com seu

0
próprio grupo heme.

seõçatona reV
Os grupos heme estão ligados a átomos de ferro, os quais são responsáveis pela
ligação da hemoglobina às moléculas de oxigênio por meio de seu anel pirrólico. O
ferro utilizado na síntese de hemoglobina é transportado do plasma para o interior
das hemácias via transferrina. Logo, além do ferro, para a síntese adequada de
hemoglobina, é necessária a produção intracelular de porfirina e das cadeias
globínicas.
As porfirinas atuam como compostos intermediários na biossíntese do heme e,
estruturalmente, correspondem a quatro anéis pirrólicos ligados por pontes
metenil. A maioria das porfirinas está associada a íons metálicos, de modo que
essas moléculas são denominadas metaloporfirinas, as quais, quando conjugadas
a proteínas, formam, além da hemoglobina, outros compostos importantes para o
organismo, como a mioglobina e a catalase.
Por sua vez, as cadeias globínicas associam-se sempre aos pares, de forma que a
produção sempre acontece numa relação 1:1, objetivando evitar o excesso ou a
falta dessas estruturas. Em cada fase da vida, existe uma variação nos tipos de
cadeias globínicas produzidos e, consequentemente, da hemoglobina presente nas
hemácias. Assim, as hemoglobinas identificadas podem ser embrionárias (Gower I,
Portland e Gower II), fetal e adultas (A e A2).
As combinações dos pares de cadeias são sempre do tipo α2, incluindo sua
variante zeta (ζ) com o tipo não α2, que pode ser β ou suas variantes gama (γ),
delta (δ) ou épsilon (ε). As hemoglobinas embrionárias podem ser ζ2ε2 (Gower I),
ζ2γ2 (Portland) ou α2ε2 (Gower II). Para a hemoglobina fetal, só existe um tipo
(α2γ2). As hemoglobinas adultas, por sua vez, podem ser de dois tipos: α2β2 (A) ou
α2δ2 (A2), sendo que, na fase adulta, ainda há uma pequena quantidade de
hemoglobina fetal.
A síntese do heme ocorre, principalmente, nas mitocôndrias, quando as células da
série vermelha são imaturas e ainda têm organelas. Ao final dessa síntese, é
produzida a protoporfirina, que se auto-oxida facilmente à porfirina e se combina
com o ferro no estado ferroso para formar o heme.
A hemoglobina presente nas hemácias possui afinidade variável pelo O2. Nos
pulmões, onde a concentração de oxigênio é muito alta, a hemoglobina liga-se
mais facilmente às moléculas de O2: à medida que a primeira molécula de O2 se
liga, sua afinidade com o O2 aumenta, o que torna mais rápida e fácil a ligação das
demais moléculas às cadeias globínicas. No entanto, quando a hemoglobina chega
aos tecidos, a quantidade de oxigênio é menor, fazendo com que o O2 presente na
hemoglobina se desligue em direção às células teciduais, oxigenando-as, como
pode ser observado na Figura 2.1, a seguir.

Figura 2.1 | Estrutura da hemoglobina complexada ao O2 e CO2


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seõçatona reV
Fonte: Wikimedia Commons.

Esse processo é caracterizado pela modificação da conformação das cadeias


globínicas. Na ligação das moléculas de O2, as cadeias globínicas ficam mais
próximas, conferindo maior estabilidade à hemoglobina; quando o O2 é
descarregado nos tecidos, as cadeias β são separadas, permitindo a entrada do
2,3-DPG e diminuindo, assim, a afinidade da molécula por O2.
Podemos avaliar todos esses aspectos estruturais e funcionais das hemácias e,
portanto, da série vermelha por meio de inúmeros parâmetros componentes do
eritrograma, os quais podem ser avaliados após a execução de uma série de
técnicas, manuais ou automatizadas, que trazem resultados qualitativos e
quantitativos da série vermelha. São eles: contagem de hemácias, hematócrito e
dosagem de hemoglobina.
A contagem de hemácias é realizada, na maioria dos contadores hematológicos,
pelo método de impedância. Nessa abordagem, as hemácias são contadas e
medidas a partir dos impulsos elétricos gerados quando células em meio condutor
passam por um orifício pelo qual flui corrente contínua. Cada célula gera um
aumento de impedância, que é proporcional ao tamanho da célula. Manualmente,
o procedimento pode ser executado a partir da diluição da amostra de sangue com
líquido de Hayen, que preserva as hemácias e elimina células da série branca,
processo seguido pela contagem das hemácias restantes em câmaras de
Neubauer. Tal contagem é expressa em milhões/μL, sendo o valor de referência
situado entre 4,5 a 6,1 milhões/μL para homens adultos e entre 4,0 a 5,4 milhões/
μL para mulheres adultas.
Na dosagem da concentração de hemoglobina, os eritrócitos são lisados e a
hemoglobina de seu interior é diretamente dosada por espectrofotometria em
comprimento de onda de 540 nm. O método mais utilizado é o da
cianometahemoglobina (reagente de Drabkin), que estabiliza a hemoglobina para
que sua absorbância seja mensurada. Os valores são expressos em g/dL, sendo o
valor de referência para homens adultos situado entre 12,8 a 17,8 g/dL enquanto
que, para mulheres adultas, fica entre 12,6 a 15,6 milhões/μL.
O hematócrito equivale à porção ocupada pelas hemácias em uma coluna de
sangue centrifugado, sendo expresso em valor percentual. Para a determinação do
micro-hematócrito manual, utiliza-se um capilar não graduado, com dimensões
definidas, e, após a centrifugação em alta rotação, obtém-se uma coluna de sangue
com separação entre células (eritrócitos, leucócitos e plaquetas) e plasma. Esse
método tem sua capacidade reduzida em casos de perdas sanguíneas agudas ou
transfusões de sangue, pois o hematócrito estará normal por causa da redução
proporcional do conteúdo de hemácias e plasma. Em analisadores automatizados,
o hematócrito é determinado de maneira indireta, por meio de uma fórmula. O

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valor de referência para homens adultos é situado entre 39 a 53% e, para mulheres

seõçatona reV
adultas, varia de 36 a 48%.

ASSIMILE

As hemácias possuem uma vida útil plasmática bem maior do que a de


leucócitos e plaquetas, que duram poucos dias na corrente sanguínea.
Assim, hemácias maduras tendem a apresentar um maior número de
alterações morfológicas por envelhecimento do que as demais células
sanguíneas. Geralmente é possível observar tais alterações em seu
contorno membranar e/ou na distribuição em um esfregaço de sangue
periférico.

REFLITA

Pelo fato de as hemácias serem as células mais abundantes da circulação


sanguínea e sua função primordial ser o transporte de oxigênio aos tecidos,
uma das principais consequências da diminuição dessas células no sangue
é a hipóxia tecidual, seguida da gradual morte das células componentes do
tecido que está deixando de ser oxigenado apropriadamente. Dificuldade
respiratória também costuma ser um achado clínico comum em pacientes
anêmicos em virtude da baixa e/ou ineficaz massa eritrocitária, que diminui
a oxigenação sistêmica.

EXEMPLIFICANDO

Pacientes com ingestão reduzida de ferro em longo prazo podem


apresentar maior número de células eritroides imaturas na circulação
periférica, como uma tentativa da medula óssea de compensar a falta de
hemácias maduras que contenham hemoglobina funcional. Deve-se sempre
lembrar que a hemoglobina possui ferro em sua composição e, portanto, a
falta de ferro no organismo afeta a adequada síntese de hemoglobina e,
consequentemente, a maturação correta das células da série vermelha.

REFERÊNCIAS
DA SILVA, P. H. et al. Hematologia laboratorial: teoria e procedimentos. Porto
Alegre: Artmed, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3QyHKeJ. Acesso em: 11 maio
2022.
LORENZI, T. F. Manual de hematologia: propedêutica e clínica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3Qyg6yv.
Acesso em: 11 maio 2022.
PONE, S. M. Sinais clínicos e laboratoriais para o dengue com evolução grave
em crianças hospitalizadas. Jornal de Pediatria, v. 92, n. 5, p. 464-471, set./out.
2016. Disponível em: https://bit.ly/3A8rJqx. Acesso em: 16 maio 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo: Grupo A, 2019. Disponível
em: https://bit.ly/3p802aX. Acesso em: 11 maio 2022.
SANTOS, P. C. J. de L. Hematologia: métodos e interpretação: série análises clínicas
e toxicológicas. Rio de
Janeiro: Roca, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3BSTOn6. Acesso em: 11 maio
2022.

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seõçatona reV
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
HEMATÓCRITO, DOSAGEM DE HEMOGLOBINA E CONTAGEM DE
ERITRÓCITOS

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seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Anteriormente, expusemos uma situação-problema na qual observou-se um
resultado bastante baixo de hematócrito em uma amostra de sangue lipêmica.
Essa ocorrência suscita a seguinte dúvida: a técnica de execução do hematócrito
deve ser igual à indicada para uma amostra convencional, bem como a
interpretação clínica de seu resultado?
Em amostras lipêmicas, o hematócrito pode apresentar-se falsamente diminuído
pelo fato de o excesso de lipemia ocupar uma parte do espaço destinado à massa
eritrocitária. Dessa forma, o plasma lipêmico toma um percentual do tubo que
deveria ser das hemácias, aparentando uma queda no hematócrito que pode ser
interpretada como causa de anemia por perda sanguínea, tal como ocorre em
hemorragias. Uma maneira de se excluir essa interpretação é analisando o achado
em conjunto com a dosagem de hemoglobina.
A execução da técnica do hematócrito também deve ser adaptada à lipemia
evidente, pois esse achado não reflete fielmente a proporção de plasma presente
na amostra do paciente. Assim, existem cálculos de correção que levam em
consideração a influência dessa alteração sobre o percentual de hemácias no
sangue e, portanto, sobre o hematócrito.
Diante disso, fica claro que o conhecimento da técnica, bem como de seus fatores
interferentes, é crucial para que você esteja apto a resolver problemas rotineiros
que podem tomar o seu precioso tempo no laboratório. Avaliando os achados
como um todo, juntamente com os resultados de demais análises do hemograma
ou de outros exames, pode-se chegar a conclusões mais coerentes com o real
estado de saúde do paciente.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

DOSAGEM DE HEMOGLOBINA SEM UTILIZAÇÃO DE SOLUÇÃO-


PADRÃO
Você está no laboratório de hematologia estabelecendo uma curva de calibração
para a dosagem de hemoglobina, por solicitação do setor de controle de
qualidade. Para tanto, determinou-se que você ficaria responsável por plotar os
dados experimentais em uma curva e estabelecer a linearidade do método.
Durante a execução da dosagem de hemoglobina das amostras, você percebeu
que não há solução-padrão para o processo, o que inviabilizaria a condução da
calibração. Como resolver essa situação?

RESOLUÇÃO 
Como forma de contornar o problema, você pode obter algumas amostras
recentes de sangue de pacientes da rotina do laboratório e efetuar a dosagem
da hemoglobina conforme os protocolos-padrão de execução. Em seguida,

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deve-se calcular a média de valores obtida e os desvios-padrão referentes a
esse valor, o que lhe dará segurança para avaliar se o método encontra-se

seõçatona reV
dentro ou fora da linearidade preconizada pelo fabricante do reagente de
dosagem, sem precisar recorrer a uma solução-padrão comercial. Outra
alternativa seria recorrer à comparação dos resultados alcançados na
metodologia manual com a metodologia automatizada, caso esteja disponível e
encontre-se devidamente calibrada.
NÃO PODE FALTAR
CÁLCULO DE ÍNDICES HEMATIMÉTRICOS E CONTAGEM DE
RETICULÓCITOS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Em laboratórios de análises clínicas, certos exames laboratoriais são conhecidos
por fornecer inúmeros dados e informações clínicas que precisam ser
interpretados por meio de correlação com demais achados clínicos,
epidemiológicos ou mesmo laboratoriais. Sob um ponto de vista de
complementariedade, uma análise confere segurança tanto ao profissional
executante do procedimento laboratorial como também ao profissional que
laudará os resultados emitidos.
Em um hemograma, as informações obtidas a partir da análise da amostra devem
ser avaliadas à luz da correlação citada previamente, especialmente no que tange à
série vermelha hematológica. O grande número de doenças que afetam os
parâmetros componentes dessa série, bem como a variedade de itens que são
dosados e/ou analisados qualitativamente nessa etapa, torna extremamente
necessária a avaliação conjunta. Além disso, exames adicionais, como a contagem
de reticulócitos, também podem fornecer valiosas informações complementares
aos achados de um hemograma.
Para exemplificar esse raciocínio, imagine a seguinte situação: você está
analisando o hemograma de um paciente encaminhado por uma clínica de
medicina do trabalho. Esse paciente trabalha em uma indústria de manufatura de
produtos elétricos, onde constantemente fica exposto a metais pesados, como
cobre, chumbo e cromo. No hemograma, percebe-se que seus valores de HCM e
VCM estão abaixo da normalidade, ao passo que o RDW e CHCM encontram-se
normais. O clínico também solicitou a contagem de reticulócitos, cujos valores
mostraram-se no limite superior de normalidade. Suas dúvidas como laboratorista
são:

Os achados laboratoriais são compatíveis com anemias por exposição a metais


pesados?

Quais parâmetros do hemograma devem ser avaliados em conjunto com os


índices aqui expostos para comprovar a existência de uma eventual anemia
nesse paciente?

Nesta seção de estudos, discutiremos sobre como são obtidos os índices


hematimétricos e sua relevância para a composição do hemograma. Ao longo
dessa discussão, enfatizaremos a importância da análise conjunta desses
parâmetros, bem como a influência das boas práticas laboratoriais (BPLs) durante
a fase analítica para a obtenção de valores confiáveis desses índices. Por fim,
avaliaremos, também, a correlação desses com outros índices obtidos somente
por meio de análises automatizadas, além de tratarmos dos testes auxiliares ao
processo de diagnóstico de distúrbios da série vermelha. Ao término desta etapa
de aprendizagem, você possuirá ferramentas suficientes para efetuar uma análise
precisa e coerente do eritrograma de pacientes normais e alterados. Bons estudos!

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CONCEITO-CHAVE

seõçatona reV
No hemograma, a classificação microscópica da variação dos tamanhos, padrões
de coloração e morfologia das hemácias geralmente é realizada em termos
semiquantitativos (leve, moderada ou acentuada) ou a partir da análise dos índices
hematimétricos. Quando realizada apropriadamente, contribui para a obtenção de
um diagnóstico correto na maioria dos casos.
A análise do volume e, por extensão, do tamanho das hemácias é parte
fundamental do hemograma, refletindo a capacidade normal de amadurecimento
celular e, portanto, o funcionamento do compartimento de maturação
eritropoiético da medula óssea. Para avaliar o tamanho eritrocitário e defini-lo
como normocítico, microcítico ou macrocítico por meio de microscopia óptica,
primeiramente é necessário localizar um linfócito maduro, normal e não atípico,
para fins de comparação e análise da extensão. Posteriormente, a análise global do
volume predominante deve ser feita mediante a análise do índice hematimétrico
VCM (volume corpuscular médio).
O VCM obtido nos contadores hematológicos é parâmetro fundamental para a
classificação das anemias na busca da sua possível causa. Trata-se de uma medida
direta do tamanho da população eritrocitária, podendo ser apanhado por meio da
fórmula VCM = Hematócrito (Ht) × 10/contagem de hemácias ou a partir de
equipamentos automatizados baseados em impedância elétrica ou dispersão a
laser. Nesse último caso, as hemácias são contadas e medidas com base nos
pulsos elétricos que geram. Em seguida, faz-se a somatória de todos os volumes
contados e divide-se pelo número de hemácias. Assim sendo, o VCM normal varia
entre 80 e 100 fL.
A maioria dos analisadores hematológicos determina o VCM das hemácias e, a
partir dele e da contagem de hemácias, um segundo índice, denominado volume
globular. Nesse índice, a diferença básica entre o volume globular e o hematócrito
é que o último possui uma pequena quantidade de plasma aprisionado que
representa cerca de 1 a 2% do total, ao passo que no volume globular esse fator
interferente é inexistente. Alguns analisadores determinam o volume globular
diretamente pelo método da detecção dos pulsos gerados para cada hemácia que
passa pela zona de detecção. Nessa abordagem, para definição do volume
globular, somam-se os volumes de todas as células que passam pela zona de
detecção, considerando a diluição da amostra e o volume injetado durante um
tempo determinado.
O termo microcitose corresponde ao predomínio de hemácias pequenas, ou seja,
micrócitos, na extensão sanguínea, podendo ser avaliada sistematicamente pelo
VCM, que expressa sua média. Por sua vez, o termo macrocitose, inversamente,
refere-se à presença de hemácias de grande volume na corrente sanguínea, sendo
que cada uma dessas variações de volume eritrocitário exibe correlação com
diferentes doenças.
Um fator pouco conhecido entre os profissionais que realizam o eritrograma é a
influência que a análise dos eritrócitos por impedância possui sobre os outros
parâmetros do eritrograma. Nos contadores que utilizam a impedância elétrica
como método de contagem, existem algumas imprecisões inerentes ao método, as
quais aumentam quando as células são anormais: o pulso elétrico produzido por

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uma célula pode ser considerado uma “sombra” elétrica da célula, que é

seõçatona reV
proporcional ao seu tamanho e forma. Dentro da zona de contagem do aparelho,
uma hemácia normal passa pela abertura em forma fusiforme, o que origina uma
sombra elétrica próxima ao seu tamanho real. Isso significa que o valor do VCM de
um eritrograma não reflete exatamente o tamanho fisiológico do eritrócito, mas
sim um tamanho próximo ao real.
Outro importante índice hematimétrico a ser considerado é a hemoglobina
corpuscular média (HCM). A HCM indica, em média, o peso de hemoglobina interno
das hemácias, sendo um valor absoluto calculado a partir da fórmula HCM = Hb
(g/dL) × 10/contagem de hemácias. Esse índice sofre influência direta do VCM e da
CHCM: células grandes (VCM elevado) influenciarão a HCM para cima, refletindo o
peso aumentado dessa célula; células pequenas (VCM diminuído) diminuem a HCM
por causa do baixo peso celular. Desse modo, a HCM é um parâmetro que deve ser
analisado dentro do contexto geral do hemograma e nunca de forma isolada.
Mais um índice relacionado ao conteúdo hemoglobínico das hemácias é a
concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM). Esse índice pode ser
calculado de duas maneiras distintas: a partir de automação, com a fórmula CHCM
= Hb × 100/VCM × contagem de hemácias/10; ou por meios manuais, com a
fórmula CHCM = Hb/hematócrito × 100. A elevação da CHCM é relacionada à
presença de hemácias com morfologias anormais (como esferócitos, drepanócitos,
eritrócitos desidratados), à fragmentação eritrocitária e ao excesso de
anticoagulante na amostra.
A CHCM é um parâmetro muitas vezes negligenciado na maioria dos laboratórios.
Em parte, isso pode ser explicado pelas influências que esse parâmetro sofre
quando determinado por equipamentos automatizados baseados em impedância
elétrica. Nesses equipamentos, hemácias com concentração de hemoglobina
adequada (eritrograma normal) sofrem deformações na zona de contagem do
equipamento. Contudo, tal deformação, denominada “efeito forma”, não é
suficiente para alterar a interpretação do VCM e da CHCM, já que células
normocrômicas, que se deformam apropriadamente em função de sua
maleabilidade normal, geram VCMs exatos. Consequentemente, há produção de
hematócritos exatos e, por fim, CHCMs com valores os mais próximos possíveis do
valor verdadeiro.
Os termos adotados para a variação do conteúdo de hemoglobina nas hemácias
são hipocromia e policromasia/policromatofilia. Evita-se utilizar o termo
hipercromia, uma vez que as hemácias são delimitadas por uma membrana e,
portanto, possuem um volume limite de hemoglobina que cabe em seus
interiores.
A hipocromia é definida morfologicamente quando os eritrócitos possuem halo
central maior que 1/3 do seu volume, mas também pode ser determinada pela
concentração (relação soluto/solvente em g/dL) de hemoglobina intraeritrocitária,
ou seja, pela CHCM, e não simplesmente pelo seu conteúdo (valor absoluto do
peso do soluto em picogramas) de hemoglobina, a HCM. Contrariamente ao senso
comum, a HCM reflete a concentração de hemoglobina de cada hemácia. Por isso,
pode-se dizer que uma hemácia de tamanho pequeno tem menos hemoglobina
que uma hemácia grande, o que não quer dizer que ela seja hipocrômica por essa

0
razão, pois a quantidade de hemoglobina em seu interior é proporcional ao seu

seõçatona reV
tamanho.
A influência da deformação eritrocitária sobre o CHCM é claramente percebida nas
situações de hipocromia e hipercromia. Células com baixa deformabilidade fazem
com que o VCM seja superestimado, ou seja, eleve-se. Com isso, teremos aumento
espúrio do hematócrito e diminuição espúria da CHCM, não abaixo dos valores de
referência, mas com CHCM subestimada em relação ao valor real. Na hipocromia,
o grau de deformação é maior e a sombra elétrica citada anteriormente fica menos
evidente, o que resulta em VCM menor do que o real, diminuindo o hematócrito e
elevando falsamente a CHCM, que deveria ser mais baixa. Por sua vez,
equipamentos que utilizam tecnologia de laser em vez de impedância elétrica
normalmente têm foco hidrodinâmico, que praticamente elimina o efeito forma.
Ou seja, a CHCM é confiável e possui sensibilidade e especificidade, mesmo em
condições de hipocromia e hipercromia.
A variação do tamanho eritrocitário pode ser estimada quantitativamente com a
avaliação do índice RDW (sigla em inglês para red cell distribution width), obtido
somente mediante análises automatizadas. Hemácias normais são redondas e
possuem uma área de palidez central que ocupa 1/3 da célula, o que nos permite
utilizar o termo poiquilocitose para descrever a variação na morfologia das
hemácias. As poiquilocitoses geralmente estão associadas a anemias graves com
regeneração eritrocitária ativa ou hematopoiese extramedular. Muitos
poiquilócitos possuem seus nomes baseados em características específicas e, por
isso, recebem inúmeras denominações, bem como podem estar vinculados a
inclusões citoplasmáticas indicativas de resquícios nucleares, RNAs ou corpos
estranhos.
Os analisadores hematológicos calculam as variações de tamanho da população
eritrocitária, liberando dois valores em relação ao RDW. O RDW-CV é a relação da
curva de distribuição com um desvio-padrão, dividida pelo VCM previamente
calculado; já o RDW-SD é simplesmente a medida da largura da curva de
distribuição a um nível de frequência de 20%. Além disso, certos autores sugerem
que o RDW-CV é mais sensível para indicar anisocitose em casos nos quais o VCM
aponte microcitose, enquanto o RDW-SD é mais sensível para designar anisocitose
diante de VCMs indicativos de macrocitose.
O aumento do RDW pode ser o primeiro indício de um distúrbio na eritropoiese,
seja em decorrência do surgimento de células microcíticas ou macrocíticas ou,
ainda, da mistura de duas populações de hemácias com tamanhos diferentes
(dupla população). A interpretação do RDW se dá pela análise dos histogramas de
distribuição dos tamanhos dos eritrócitos.
Os histogramas são importantes para que o profissional de laboratório tenha uma
visão da distribuição de todas as células contadas pelo analisador hematológico. A
correta análise dos histogramas pode sugerir determinadas situações que, antes
do advento da automação, eram impraticáveis. A presença de reticulócitos,
fragmentação eritrocitária, mistura de populações eritrocitárias e a indicação da
existência de drepanócitos constituem exemplos de situações que podem ser
previstas pelos histogramas celulares.
As hemácias policromáticas do hemograma, isto é, com coloração atípica pelos

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corantes convencionais, correspondem aos reticulócitos corados pelo método azul

seõçatona reV
de cresil brilhante.
Quanto mais imaturos forem os reticulócitos, mais intensa e de fácil distinção será
sua tonalidade azul-acinzentada na lâmina. Os reticulócitos quase maduros, com
poucos grânulos de RNA remanescentes, possuem aspecto policromático de difícil
identificação e, às vezes, não são facilmente visíveis ao olho humano. Por esse
motivo, a contagem de reticulócitos é mais exata que a policromasia em lâmina.
Aproximadamente 1% das hemácias do sangue de uma pessoa normal é
policromática e, portanto, trata-se de reticulócitos.
Nos analisadores hematológicos, a classificação das células depende de uma
discriminação, com base na forma e na amplitude dos sinais gerados em
decorrência das interações físicas das células que ocorrem na região de detecção.
Os resultados fornecidos por esses analisadores podem ser reportados para o
laboratório por meio de contagens numéricas, histogramas e citogramas.
Os resultados numéricos são apresentados na forma de números simples, os quais
representam a concentração celular em número por unidade de volume. Os
histogramas são exibidos graficamente, ilustrando, por meio de uma distribuição
de frequência, a concentração de células em função da distribuição do tamanho
dessas unidades estruturais. Nos casos de contagem de células com método
óptico, em que um detector é usado para determinar a luz dispersa de cada célula
e o outro, para indicar a luz absorvida, os dois sinais podem ser usados para gerar
um gráfico chamado citograma. Nesse contexto, cada célula é um ponto no gráfico,
cuja distância do ponto de origem é representada pela amplitude do sinal em cada
um dos dois canais de detecção. Um resumo dos métodos empregados pelos
equipamentos automatizados encontra-se disponível no Quadro 2.1, a seguir.

Quadro 2.1 | Metodologias de análise do eritrograma empregadas pelos analisadores hematológicos


automatizados
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seõçatona reV

Fonte: Da Silva et al. (2015).

Existe um dilema entre a complexidade dos métodos para tratar e modificar as


células sanguíneas e a complexidade da tecnologia de detecção: quanto mais
canais e reagentes são utilizados para a identificação das células, menos complexo
é o sistema; contudo, os analisadores se tornam menos compactos e exigem vários
reagentes. Por outro lado, quanto menos canais e reagentes são usados, mais
complexo é o sistema, o que implica elevados custos de pesquisas para o seu
desenvolvimento.

ASSIMILE
A análise conjunta dos índices hematimétricos depende da correta
execução do hematócrito, da dosagem de hemoglobina e da contagem
global de hemácias, seja manualmente ou de forma automatizada. Se esses
parâmetros não forem analisados de forma precisa, os índices

0
apresentarão falsos resultados, o que atrapalhará o diagnóstico.

seõçatona reV
REFLITA

É constante a evolução das metodologias de análise empregadas pelos


analisadores hematológicos automatizados, possibilitando que, com o
passar dos anos, as análises sejam mais sensíveis, específicas e
reprodutíveis. Além da melhoria da capacidade de análise, os
equipamentos têm incluído, gradualmente, novos índices e/ou parâmetros
em seus processos, como contagem de eritroblastos, cálculo de fração de
reticulócitos imaturos e índices reticulocitários.

EXEMPLIFICANDO

Pacientes com anemia ferropriva costumam apresentar valores de VCM e


HCM baixos por causa dos efeitos que os níveis inferiores de ferro dietário
exercem sobre a maturação eritrocitária e a hemoglobinização celular. Por
sua vez, pacientes com anemia falciforme podem apresentar VCM e HCM
normais, apesar dos valores alterados no RDW, pelo fato de a presença da
poiquilocitose do tipo drepanócito ser predominante no sangue periférico
desses indivíduos.

REFERÊNCIAS
DA SILVA, P. H. et al. Hematologia laboratorial: teoria e procedimentos. Porto
Alegre: Artmed, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3QeknYk. Acesso em: 11 maio
2022.
LORENZI, T. F. Manual de hematologia: propedêutica e clínica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3p7rea3. Acesso
em: 11 maio 2022.
MELO, M. R. et al. Uso de índices hematimétricos no diagnóstico diferencial de
anemias microcíticas: uma abordagem a ser adotada? Revista da Associação
Médica Brasileira, v. 48, n. 3, p. 222-224, set. 2002. Disponível em:
https://bit.ly/3Pdxise. Acesso em: 11 maio 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo: Grupo A, 2019. Disponível
em: https://bit.ly/3zMarOK. Acesso em: 11 maio 2022.
SANTOS, P. C. J. de L. Hematologia: métodos e interpretação: série análises clínicas
e toxicológicas. Rio de
Janeiro: Roca, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3zMqN9X. Acesso em: 11 maio
2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
CÁLCULO DE ÍNDICES HEMATIMÉTRICOS E CONTAGEM DE
RETICULÓCITOS

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seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Na situação-problema exposta anteriormente, mostramos as alterações nos
índices hematimétricos, mais precisamente no HCM e VCM, que estão abaixo da
normalidade, no exame ocupacional de um paciente exposto a metais pesados.
Nossa dúvida residia na possibilidade de os resultados apresentados serem
compatíveis com anemias por exposição a metais pesados e na definição dos
outros exames laboratoriais com os quais a análise conjunta dos dados dos índices
deveria ser feita.
Nesse contexto, o paciente apresenta alterações em índices laboratoriais que
devem ser avaliadas juntamente com os valores de hematócrito e a dosagem de
hemoglobina do hemograma, até mesmo para confirmar se o cálculo dos índices
foi bem realizado. No entanto, as anemias por exposição a metais pesados,
principalmente chumbo, costumam cursar com normocitose e normocromia,
achados que não foram observados no presente caso (hipocromia e microcitose).
Os achados do contexto analisado são mais compatíveis com anemia ferropriva,
porém devem ser avaliados juntamente com marcadores bioquímicos, como
dosagem de ferro, ferritina, saturação de transferrina e capacidade total de ligação
do ferro (TIBC), para conclusão do diagnóstico.
Como profissional de laboratório, pode-se sugerir ao médico a realização de
exames complementares, como contagem de reticulócitos e dosagem de chumbo
sérico e/ou urinário, para a avaliação dos eventuais efeitos da exposição aos
metais pesados sobre a hematopoiese, o que demonstra que o laboratório clínico
exerce um papel de suma importância sobre a definição da propedêutica médica.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ALTERAÇÕES NOS ÍNDICES HEMATIMÉTRICOS EM CASOS DE ANEMIA


FALCIFORME
Realizou-se um hemograma da amostra de um paciente previamente
diagnosticado com anemia falciforme, cujo resultado foi questionado pelo clínico
por não ser compatível com a sintomatologia apresentada. O paciente deu entrada
no pronto-socorro queixando-se de dores nos joelhos, dificuldade respiratória e
vermelhidão em extremidades inferiores. No hemograma, constataram-se valores
de hemoglobina e hematócrito baixos, porém sem alteração nos demais índices
hematimétricos, exceto pelo RDW, que apresentou valor de 18%. Não foi realizada
análise microscópica do esfregaço sanguíneo. O que pode ter acontecido?

RESOLUÇÃO 
Nesse caso, o clínico possui um motivo plausível para questionar o laboratório,
já que a análise do esfregaço não foi realizada, ainda que o RDW tenha
apresentado valor elevado (os valores de referência desse índice situam-se em

0
torno de até 12 a 14%, dependendo do laboratório). A alteração apresentada
sinaliza uma grande variação de anisocitose nas hemácias circulantes do

seõçatona reV
paciente, o que pode indicar a presença de poiquilocitoses.
Como o paciente já possui diagnóstico de anemia falciforme, é natural que ele
passe por acompanhamento médico periódico em virtude das constantes
crises de falcização, compatíveis com os sintomas apresentados. É nesses
momentos que a poiquilocitose do tipo drepanócito (hemácias em forma de
foice, características dessa anemia) são mais visualizadas em esfregaços
sanguíneos. Portanto, nesse caso, a provável causa da elevação do RDW reside
na poiquilocitose, que acompanha os períodos de manifestação da doença e
que deveria ter sido confirmada mediante microscopia óptica no laudo do
hemograma.
NÃO PODE FALTAR
POLICITEMIAS, ANEMIAS ARREGENERATIVAS E REGENERATIVAS

0
Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Caro estudante, temos discutido, ao longo das unidades de aprendizagem desta
disciplina, sobre a importância da correlação entre os parâmetros do hemograma
para o diagnóstico de doenças. A análise conjunta de vários itens avaliados nas
diferentes etapas de execução do hemograma contribui muito para a precisão do
diagnóstico clínico, assim como fundamenta a conduta terapêutica.
Tal raciocínio se aplica precisamente às doenças hematológicas da série vermelha,
especialmente anemias e policitemias. Essas doenças podem se apresentar de
diferentes maneiras, distintas entre si em termos de causas, patogenia,
sintomatologia e tratamento. O laboratório clínico, por sua vez, ao analisar
amostras de sangue de pacientes com essas condições, permite ao clínico
diferenciar os vários tipos existentes, o que viabiliza a individualização do
tratamento e da propedêutica.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, avalie a seguinte situação-
problema: você recebe a amostra de sangue de uma paciente no primeiro
trimestre de gestação, como parte de sua rotina pré-natal. Na análise, nota-se que
a gestante apresenta valores de hemoglobina e hematócrito normais, ao passo que
o índice VCM encontra-se elevado. As dosagens de vitamina B12 e ácido fólico
estão baixas, apesar da suplementação diária recomendada pelo médico, a qual
vem sendo seguida à risca pela paciente. Quais outros achados do hemograma
podem ser analisados para concluir se há uma alteração hematológica na
paciente? Tais análises correlacionam-se somente a exames do setor de
hematologia ou exames de outros setores também seriam úteis?
Nesta seção de estudos, serão abordadas as principais anemias arregenerativas e
regenerativas que acometem os seres humanos, bem como os diferentes tipos de
policitemias existentes. Ao discutir sobre essas condições, daremos ênfase à sua
respectiva fisiopatologia e ao seu impacto sobre os parâmetros laboratoriais,
principalmente os itens do eritrograma e os índices hematimétricos. Por fim, vale
ressaltar que nosso objetivo, nesta etapa de aprendizagem, é traçar uma distinção
laboratorial entre as principais condições patológicas estudadas, para
fundamentar a assertividade do diagnóstico diferencial. Ao término, você terá um
sólido embasamento teórico-prático para interpretar um eritrograma com
confiança. Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE
Anemia é definida como a diminuição do número de hemácias circulantes,
acarretando uma diminuição de oxigenação tecidual. Essa condição sempre
representa um quadro patológico subjacente que deve ser investigado e tratado.
Várias condições levam ao aparecimento de anemia por meio de dois mecanismos
básicos: redução da sobrevida das hemácias (exemplo: hemólise ou sangramento)
ou diminuição da capacidade de produção dessas células pela medula óssea.
Eventualmente, ambos os mecanismos estão presentes.
Assim, se há redução da vida das hemácias, a medula óssea responde com o

0
aumento da eritropoiese e a consequente elevação do número de reticulócitos. Por

seõçatona reV
outro lado, se o problema relaciona-se à produção, o paciente apresentará
reticulócitos normais ou baixos, mesmo na presença de anemia.
A investigação de casos suspeitos inicia-se com a verificação adequada da história
clínica, especialmente quanto à velocidade de evolução do quadro (ou seja, se é
agudo ou crônico). Pacientes com anemia crônica podem ser mais tolerantes a
níveis mais baixos de hemoglobina, salientando-se que a presença de
sangramento requer especial atenção: fluxo menstrual excessivo e presença de
sangramento nas fezes podem ser subestimados pelos pacientes. Dessa forma,
ocorrência de sangramentos, histórico familiar, exposição a medicamentos,
doenças reumatológicas autoimunes, indícios de infecção, viagens a locais com
predominância de doenças endêmicas e hábitos alimentares são aspectos que
devem ser ativamente questionados.
A manifestação clássica dessa condição envolve o fato de o paciente estar
hipocorado. No exame físico, deve-se procurar ativamente a presença de gânglios,
hepatoesplenomegalia e outros sinais que indiquem redução de demais elementos
figurados do sangue, como a presença de petéquias indicando plaquetopenia.
A investigação laboratorial deve iniciar com o hemograma e a contagem de
reticulócitos. Pacientes que apresentam reticulocitose devem ser investigados no
que diz respeito a hemorragias ou causas hemolíticas. A pesquisa de sangramento
precisa incluir os tratos gastrintestinais alto e baixo (endoscopia, verificação de
sangue oculto nas fezes e colonoscopia podem ser necessários). Em mulheres, o
sangramento uterino anormal por disfunção hormonal, miomatose ou mesmo
neoplasias malignas são causas frequentes de anemia ferropriva e devem ser
investigadas ativamente.
Na presença de hemólise, podem ser encontradas as seguintes alterações:
aumento de LDH, elevação de bilirrubina indireta por degradação da hemoglobina,
diminuição de haptoglobina, VCM e RDW aumentados pela presença de
reticulócitos, esquizócitos em casos de hemólise intravascular e teste de Coombs
direto positivo, diante de hemólise autoimune.
No caso de contagem reticulocitária normal ou baixa, o próximo índice a ser
avaliado é o tamanho da hemácia, laboratorialmente indicado pelo VCM. A maior
parte das causas de anemia apresentará VCM normal (anemias normocíticas). No
entanto, a presença de VCM baixo (microcítica) ou alto (macrocítica) geralmente
sugere um número restrito e específico de diagnósticos diferenciais, facilitando o
raciocínio clínico. A deficiência de ferro, causa mais comum de anemia
ambulatorial, é caracteristicamente microcítica, tendo como principal diagnóstico
diferencial a talassemia. A deficiência de folato ou vitamina B12 é tipicamente
macrocítica.
No caso de anemia normocítica, os exames subsequentes deverão ser pautados
pelas informações clínicas e outros achados laboratoriais, os quais terão que
determinar se o quadro está correlacionado a problemas primários da medula
óssea ou secundários a outras condições. Em algumas situações, apenas os
exames de sangue periférico serão suficientes para o diagnóstico e, em outras, os
exames de medula óssea poderão ser necessários.
Uma das situações mais desafiadoras é a investigação de anemia secundária à

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doença crônica. A atividade inflamatória persistente induz a secreção do hormônio

seõçatona reV
hepcidina, que dificulta a transferência de ferro das células de depósito para a
transferrina sanguínea e, portanto, diminui a biodisponibilidade de ferro. A análise
do RDW pode ser útil, apesar de não ser definitiva. O RDW quando normal,
favorece a doença crônica; se aumentado, sugere deficiência de ferro. Nessas
circunstâncias, a análise do perfil ferrocinético costuma diferenciar as duas
situações, mas pode haver dificuldade nos casos de anemia combinada.
Em ambiente hospitalar, é comum a dúvida diagnóstica envolvendo a anemia de
doenças crônicas e doenças medulares, especialmente síndromes mielodisplásicas.
Nesses casos, a presença de anemia antes da internação, a deficiência de outros
elementos figurados, o mielograma, a biópsia de medula óssea e, principalmente,
o estudo citogenético da medula óssea podem fornecer dados importantes para o
diagnóstico. Além disso, o seguimento clínico após a resolução/tratamento da
doença de base é fundamental.
Didaticamente, as anemias podem ser divididas em dois grandes grupos: anemias
arregenerativas e regenerativas. As anemias arregenerativas são aquelas nas quais
a causa-base localiza-se na medula óssea (defeito central), geralmente por
deficiência de algum fator nutricional essencial à eritropoiese adequada. Incluem-
se nesse grupo as anemias carenciais, como a anemia ferropriva e as anemias
megaloblásticas, assim como as anemias por depósito anormal ou acúmulo, como
a anemia sideroblástica.
Por sua vez, as anemias regenerativas possuem causa periférica, isto é, a
diminuição da massa eritrocitária é decorrente não de problemas na medula
óssea, mas sim de defeitos intrínsecos aos eritrócitos ou de fatores externos que
levam à diminuição de sua sobrevida. Destacam-se, nesse contexto, as anemias
por anomalias de membrana, hemoglobinopatias, enzimopatias e anemias
hemolíticas imunomediadas.
A anemia por deficiência de ferro é uma condição na qual a carência de ferro
impede a formação do anel heme e, consequentemente, de hemoglobina e
eritrócitos para transportar oxigênio aos tecidos. A carência de ferro ocorre em
três estágios: depleção de ferro (estoque de ferro baixo ou ausente); deficiência de
ferro (estoque de ferro baixo ou ausente com concentração sérica de ferro e
saturação de transferrina baixas); e anemia ferropriva (estoque de ferro baixo ou
ausente com concentração sérica de ferro e saturação de transferrina baixas, além
de redução da hemoglobina e do hematócrito). Os eritrócitos estarão diminuídos,
microcíticos (VCM diminuído) e hipocrômicos (HCM reduzido e CHCM variável, pois,
se a anemia for recente, pode ser normocítica); anisocitose (RDW aumentado),
ovalocitose moderada, codocitose e eliptocitose também podem ser observadas.
As anemias megaloblásticas constituem um grupo heterogêneo de doenças
provocadas por defeitos na síntese de DNA e caracterizadas pela presença de
hemácias macrocíticas (VCM elevado) no sangue periférico. Na medula, observam-
se alterações morfológicas peculiares dos precursores eritroides, com eritroblastos
de tamanho celular elevado e cessação da maturação nuclear (eritropoiese
megaloblástica). As principais causas de anemia megaloblástica são as deficiências
de vitamina B12 e/ou ácido fólico, sendo que o motivo mais comum para a
deficiência clínica de vitamina B12 é a ausência de fator intrínseco nas secreções

0
gástricas, provocada por gastrite atrófica autoimune, historicamente conhecida

seõçatona reV
como anemia perniciosa.
O hemograma é um exame fundamental para a avaliação inicial das anemias
megaloblásticas, uma vez que alterações no sangue periférico são encontradas em
todas as linhagens celulares. As hemácias apresentam alterações no tamanho
(anisocitose) e forma (poiquilocitose), normalmente são grandes e ovais e, em
casos avançados, podem apresentar pontilhado basofílico e restos nucleares
(corpúsculos de Howell-Jolly e anéis de Cabot). A anemia é macrocítica e o aumento
do VCM é proporcional à diminuição da concentração de hemoglobina. A alteração
nuclear em neutrófilos é um sinal precoce de megaloblastose, consistindo na
presença de hipersegmentação nuclear com neutrófilos de seis ou mais lobos
nucleares.
As anemias sideroblásticas caracterizam-se pela presença de sideroblastos em
anel, que são frutos do depósito anormal de ferro nos eritroblastos evidenciados
pela coloração de Perls ou azul da Prússia em esfregaços de aspirado de medula
óssea. A confirmação desses sideroblastos requer a presença de pelo menos cinco
grânulos sideróticos, cobrindo 1/3 ou mais da circunferência nuclear. Além disso,
tais células também podem ser observadas em outras condições patológicas e não
devem ser confundidas com depósitos de ferritina em sideroblastos (poucos
grânulos de ferro esparsos pelo citoplasma), situação considerada fisiológica.
No grupo das anemias regenerativas, as hemoglobinopatias são condições
hereditárias caracterizadas por mutações nos genes que codificam as cadeias
globínicas. Essas mutações resultam em alterações que podem ser qualitativas,
como a substituição de aminoácidos culminando no aparecimento de
hemoglobinas variantes observadas na anemia falciforme; ou quantitativas,
quando há redução na síntese de cadeias, como nas talassemias.
Talassemia é o nome dado às alterações do gene da globina associadas à
diminuição da síntese de uma ou mais cadeias globínicas (alfa, beta, delta) e à
consequente redução da síntese da(s) hemoglobina(s). As talassemias vinculadas à
cadeia delta não possuem significado clínico, ao passo que mutações nos genes da
cadeia alfa (alfa-talassemia) e beta (beta-talassemia) podem ter significância clínica,
já que há impacto na síntese da hemoglobina A (alfa-2-beta-2), a principal
hemoglobina na vida adulta. Laboratorialmente, há anemia microcítica e
hipocromia de moderada a acentuada, com a concentração de hemoglobina
podendo variar. Esfregaços de sangue periférico mostram anisocitose acentuada
com microcitose, hipocromia e poiquilocitose com presença de células em alvo,
dacriócitos e hemácias fragmentadas. Há reticulocitose e pode haver inclusões
basofílicas e, raramente, eritroblastos circulantes. Eletroforese de hemoglobinas e
cromatografia líquida de alta performance (HPLC) mostram hemoglobinas
anormais em concentrações que podem variar de 10 a 40% do total de
hemoglobinas.
A anemia falciforme é uma hemoglobinopatia caracterizada pela hemoglobina S
em homozigose, enquanto pacientes heterozigotos são assintomáticos. A
hemoglobina S resulta de uma mutação de ponto no gene da beta-globina que
conduz à substituição do ácido glutâmico pela valina na posição 6 (Glu6→Val). A
hemoglobina S está sujeita à polimerização quando submetida a baixas tensões de

0
oxigênio, levando à falcização da hemácia em pacientes homozigotos. As hemácias

seõçatona reV
falcizadas são rígidas e expressam maior quantidade de moléculas de adesão,
fatores que contribuem para a oclusão vascular responsável por grande parte das
manifestações clínicas associadas à doença. Ao longo do primeiro ano, conforme
aumenta a concentração de hemoglobina S, começa a haver diminuição da
concentração de hemoglobina e elevação da contagem de reticulócitos: em geral, o
VCM fica normal e o RDW é aumentado. A morfologia em sangue periférico
também é normal ao nascimento. Eletroforese de hemoglobinas e HPLC costumam
mostrar concentrações de hemoglobina S baixas, porém esse dado é variável. No
primeiro ano de idade, as alterações morfológicas já são evidentes, com células
falcizadas (drepanócitos), hemácias em alvo e corpúsculos de Howell-Jolly.
As anomalias de membrana eritrocitária herdadas são denominadas conforme a
morfologia característica do eritrócito, observada no esfregaço de sangue
periférico: por exemplo, esferocitose (esferócitos), eliptocitose (eliptócitos),
estomatocitose (estomatócitos), etc. Os defeitos de membrana englobam grupos
heterogêneos de anemias hemolíticas causadas tanto por alteração na organização
estrutural da membrana celular (exemplos: esferocitose hereditária, eliptocitose
hereditária, piropoiquilocitose hereditária e ovalocitose do sudeste asiático) como
por alteração na função de transporte da membrana (exemplos: hidrocitose e
xerocitose hereditária). Podem ser adquiridas ou herdadas, assim como primárias
ou secundárias, sendo que, nesses casos, as poiquilocitoses representam um dos
achados laboratoriais mais significativos, além da reticulocitose variável.
O eritrócito contém muitas enzimas cruciais para a manutenção de sua
integridade, sendo que deficiências em qualquer uma dessas vias podem causar
anemias hemolíticas hereditárias, denominadas como enzimopatias. Há várias
doenças que alteram o funcionamento da via metabólica de Embden-Meyerhof,
sendo que a forma mais comum de anormalidade enzimática nessa via é a
deficiência de piruvato quinase (PK ou PVQ). Também é válido destacar a
deficiência da enzima glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD), atuante no shunt da
pentose: sua escassez é a principal causa de defeito enzimático associado à
hemólise, sendo comum em muitos grupos étnicos, incluindo africanos, cujos
portadores demonstram anemia hemolítica crônica ou episódios hemolíticos
desencadeados por situações de estresse, como quadros infecciosos, cirurgias, uso
de medicamentos, etc.
A anemia hemolítica autoimune (AHAI) é uma síndrome adquirida, caracterizada
pela destruição precoce dos eritrócitos e de etiologia imune. A doença se
desenvolve pela ligação de autoanticorpos à membrana eritrocitária, levando à
hemólise extravascular por fagocitose pelos macrófagos esplênicos, com ou sem
participação do complemento. Esses anticorpos podem ser do tipo IgG (anticorpos
quentes) ou IgM (anticorpos frios, também conhecidos como crioaglutininas),
tendo origem idiopática (primária, geralmente IgG) ou secundária a doenças
sistêmicas. Além da diminuição dos níveis da hemoglobina, é comum a presença
de inúmeros esferócitos, pontilhado basofílico e policromasia, mas a existência de
esquizócitos é rara. Pode haver um grande número de eritroblastos circulantes, de
morfologia normal, além de hemoaglutinação (rouleaux eritrocitário),
principalmente diante da presença de crioaglutininas. O VCM pode estar

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levemente elevado pelo excesso de reticulócitos.

seõçatona reV
ASSIMILE

A grande variedade de etiologias das anemias torna o papel do laboratório


clínico essencial no diagnóstico inicial e acompanhamento de pacientes
com tais condições. Para tanto, é necessário que o profissional de
laboratório esteja familiarizado com a terminologia técnica das alterações
eritrocitárias, a fim de que, desse modo, os laudos dos exames laboratoriais
possuam informações coerentes.

REFLITA

Independentemente da causa (genética ou adquirida) ou mecanismo básico


(primário ou secundário) que levou às alterações fisiopatológicas, a
consequência básica de um processo anêmico é a hipóxia tecidual, a qual
pode desencadear sérios danos celulares caso a medula óssea não consiga
compensar a deficiência de massa eritrocitária circulante.

EXEMPLIFICANDO

Pacientes portadores de anemias hemolíticas genéticas podem apresentar


hemogramas de rotina com parâmetros situados dentro da normalidade.
Diante disso, é importante que o laboratório mantenha o registro dos
exames anteriores desses pacientes para a comparação da evolução do
quadro clínico e a eventual detecção de anormalidades hematológicas
compatíveis com tais anemias, em caso de manifestação de sintomas.

REFERÊNCIAS
DA SILVA, P. H. et al. Hematologia laboratorial: teoria e procedimentos. Porto
Alegre: Artmed, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3QB2nH8. Acesso em: 24 maio
2022.
HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. A. H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand.
São Paulo: Grupo A, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3vTVFEp. Acesso em: 24
maio 2022.
LORENZI, T. F. Manual de hematologia: propedêutica e clínica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3bJoH2J. Acesso em:
24 maio 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo: Grupo A, 2019. Disponível
em: https://bit.ly/3bRbWmB. Acesso em: 24 maio 2022.
SHAFIQUE, F. et al. Talassemia, uma doença do sangue humano. Brazilian Journal
of Biology, v. 83, e246062, 2022. Disponível em: https://bit.ly/3AcWMS8. Acesso
em: 24 maio 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
POLICITEMIAS, ANEMIAS ARREGENERATIVAS E REGENERATIVAS

0
Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
SEM MEDO DE ERRAR
Na situação-problema anterior, abordou-se o recebimento da amostra de sangue
de uma paciente no primeiro trimestre de gestação cujos valores de hemoglobina
e hematócrito estavam normais, porém o VCM encontrava-se elevado e as
dosagens de vitamina B12 e ácido fólico estavam baixas.
Nesse caso, a primeira suspeita que se aventa é a possibilidade de uma incipiente
anemia megaloblástica, pelo fato de o VCM estar elevado. Possivelmente, ainda
não ocorreram efeitos significativos decorrentes da falta relativa de folatos e
vitamina B12 sobre a capacidade reprodutiva da medula óssea, fato que explicaria
os valores normais de hematócrito e hemoglobina. No entanto, já é possível
perceber efeitos sobre a reprodução individual da linhagem eritroide por meio do
VCM elevado. Deve-se procurar, no esfregaço sanguíneo, por achados
complementares que fundamentem essa suspeita, como neutrófilos
hipersegmentados e inclusões eritrocitárias do tipo Howell-Jolly, que são comuns,
mas não obrigatoriamente associados a essas anemias.
Uma vez estabelecido o diagnóstico, a causa dessa deficiência deve ser investigada,
pois a paciente é gestante e apresenta maior demanda tanto de folatos como de
vitamina B12. Vale ressaltar, também, que a gestante está suplementando, sem
efeitos favoráveis, esses dois compostos. Dosagens bioquímicas de fator
intrínseco, além de exames protoparasitológicos de fezes e investigações de
doenças intestinais autoimunes, seriam de grande valia para o diagnóstico, pois
confirmariam ou excluiriam a possibilidade de defeitos de absorção dos folatos
e/ou vitamina B12 em nível intestinal. Seu papel como laboratorista pode incluir a
sugestão, a critério clínico, dessas investigações complementares.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

POIQUILOCITOSES VARIADAS SIMULTANEAMENTE DETECTADAS EM


UMA MESMA AMOSTRA
Ao analisar o esfregaço sanguíneo de um paciente de 15 anos do sexo masculino,
você nota a presença abundante de poiquilocitoses dos tipos esquizócitos,
eliptócitos e dacriócitos. O único índice que apresentou alteração foi o RDW, que se
mostrou elevado. De acordo com os demais parâmetros do eritrograma, não há
anemia, aspecto confirmado clinicamente. A eletroforese de hemoglobina do
paciente demonstrou uma proporção de 38% de hemoglobina S predominante.
Com base nessas informações, o que é possível constatar?

RESOLUÇÃO 
Os achados clínicos, apesar de assintomáticos, são compatíveis com os
achados laboratoriais típicos de um paciente heterozigoto para a hemoglobina
S, popularmente conhecido como portador do traço falcêmico. O diagnóstico
dessa condição geralmente é realizado durante a adolescência, em exames de

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rotina, após uma triagem familiar como parte de aconselhamento genético de

seõçatona reV
portadores em famílias com casos conhecidos de anemia falciforme. O fato de
o paciente apresentar inúmeras poiquilocitoses mas não manifestar a
morfologia eritrocitária característica dessa anemia, isto é, o drepanócito, no
esfregaço sanguíneo, indica que o paciente não é sintomático; as
poiquilocitoses isoladas somente sugerem uma diseritropoiese. A grande
proporção de hemoglobina S detectada na eletroforese não é alarmante e não
chega a afetar a oxigenação tecidual do paciente, já que, pelo fato de ser
heterozigoto, uma das cópias cromossômicas do gene da hemoglobina é
funcional e proporciona síntese de hemoglobina suficiente para manter uma
vida normal.
NÃO PODE FALTAR
CONTAGEM GLOBAL E CONTAGEM DIFERENCIAL
RELATIVA/ABSOLUTA DE LEUCÓCITOS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
CONVITE AO ESTUDO
Olá, estudante! É cada vez mais patente o papel essencial do laboratório clínico na
elucidação de doenças. O grande número de condições patológicas e a virtual
infinidade de diagnósticos possíveis para os quais os médicos podem recorrer são
cada vez maiores, tonando fundamental a precisão dos resultados dos exames
laboratoriais. Adicionalmente, é de suma importância a compreensão plena e
precisa do impacto que os resultados de exames laboratoriais complexos, tais
como o hemograma, representam ao médico e ao paciente.
Dentro desse cenário, vamos nos posicionar como profissionais atuantes em
análises clínicas: como executar e interpretar adequadamente resultados de
exames laboratoriais? Como identificar falhas nas etapas pré-analítica, analítica e
pós-analítica?
Para ter sucesso nos processos elencados, a primeira seção destaca os
procedimentos de execução e análise de células sanguíneas no leucograma,
enfatizando a contagem global de leucócitos e as contagens diferenciais relativa e
absoluta deles. Ao aprender a técnica manual de execução desses procedimentos,
fundamenta-se a compreensão dos métodos automatizados empregados por
laboratórios na atualidade, possibilitando a comparação e complementação dos
resultados manuais com aqueles automatizados na prática laboratorial rotineira.
Uma vez que as técnicas manuais e automatizadas tenham sido estudadas, faz-se
necessária a correlação destas com as alterações patológicas mais comumente
observadas em doenças não malignas, assunto este tratado na segunda seção.
Nessa seção, serão abordadas as alterações citomorfológicas mais comuns nos
processos inflamatórios e infecciosos, enfatizando os critérios laboratoriais
exigidos para relato e descrição em laudos de exames.
Contudo, na atualidade, as doenças hematológicas malignas, tais como leucemias,
linfomas e mielomas, são cada vez mais frequentemente diagnosticadas no dia a
dia, exigindo do profissional laboratorista e analista de laboratório bons
conhecimentos de micromorfologia de células jovens e alterações citomorfológicas
malignas. Assim, na terceira seção, trataremos da análise e correlação dessas
alterações com demais sinais característicos delas em um hemograma, de forma a
facilitar a compreensão e a elucidação diagnóstica do quadro do paciente.
Dessa forma, iniciaremos a unidade tratando das contagens global e diferenciais
de leucócitos; em seguida, apresentaremos as alterações leucocitárias benignas e,
por fim, discorreremos sobre as alterações leucocitárias malignas. O objetivo é que
você compreenda tanto a execução dos procedimentos do leucograma como seus
fatores interferentes e eventuais desvios da normalidade vistos na prática clínica
diária.
PRATICAR PARA APRENDER
Os exames laboratoriais encontram-se cada vez mais inseridos no dia a dia dos
profissionais de saúde, tanto no contexto de análise de seus resultados como de
avaliação de novas metodologias e avanços tecnológicos na área. No primeiro

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contexto, o número cada vez maior de doenças conhecidas, aliado ao

seõçatona reV
conhecimento de seus mecanismos fisiopatológicos e à cultura de saúde integral,
justificam tal aplicabilidade dos exames laboratoriais. No segundo contexto, o
profissional de saúde que conhece as técnicas laboratoriais de execução dos
exames conhece, por extensão, o controle de qualidade por trás do resultado
disponível no laudo.
Apesar de esses contextos apresentados servirem de estímulos para que os
profissionais de saúde compreendam e estudem a fundo o significado dos termos
lá dispostos, ainda assim nota-se resistência devido à aparente facilidade de
interpretação que certos exames denotam. Desses, o exemplo clássico é o
hemograma, muito solicitado como auxílio diagnóstico para uma série de
condições patológicas distintas, contudo muitos menosprezam a quantidade de
informações que podem ser obtidas a partir desse exame, particularmente na
análise focada da série branca hematológica, também conhecida como
leucograma.
O leucograma traduz as características dos leucócitos presentes no sangue
periférico do paciente de forma quantitativa e qualitativa. Os dados quantitativos
dos leucócitos variam dentro de certos limites, ditos padrões normais, para os
mais variados grupos humanos, ao passo que as características qualitativas são
reportadas, se presentes, na forma de observações em um laudo. As modificações
fisiológicas do leucograma costumam ser discretas e estão relacionadas com a
idade e o sexo do paciente; repouso ou exercício físico previamente à coleta de
sangue; estresse ou depressão; período do dia em que a coleta de sangue é
efetuada; gestação ou menstruação e condições ambientais (LORENZI, 2006). Para
contextualizar, imaginemos a seguinte situação: você é contratado para trabalhar
em um laboratório de análises clínicas como plantonista no setor de hematologia.
Durante seu plantão, você recebe uma amostra de sangue de um paciente
internado na UTI com sintomas compatíveis com meningite, acompanhada da
solicitação de um hemograma. Você executa a contagem global e diferencial de
leucócitos da amostra, constatando que o paciente possui leucocitose e grande
quantidade de metamielócitos em seu esfregaço sanguíneo, achado este último
que não foi apontado pela leitura automatizada da amostra do paciente. Você
reportaria esse achado no laudo de exame laboratorial? Se sim, esse achado é
compatível com a hipótese diagnóstica apresentada de meningite?
Observe, nessa situação, a importância da leitura manual para a resolução do
diagnóstico de uma doença potencialmente fatal para o paciente. Perceba também
a relevância da correlação dos achados manuais com os achados do procedimento
automatizado, além do número de informações técnicas que podem figurar em um
laudo de leucograma, e não somente números para comparação com valores de
referência.
O valor das informações dispostas em um laudo de exame laboratorial é imenso
nas mãos de um clínico consciente e bem-informado. Dessa maneira, o diagnóstico
é facilitado e o tratamento pode ser instaurado o quanto antes, aumentando a
sobrevida do paciente. Para tanto, estudar conteúdos relacionados ao tema é um
excelente caminho para conseguirmos esse objetivo.

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CONCEITO-CHAVE

seõçatona reV
O leucograma é composto pelas contagens global e diferencial dos leucócitos, uma
vez que o foco dessa parte do hemograma é, conforme citado previamente, a
análise qualitativa e quantitativa dos leucócitos presentes no sangue periférico de
um paciente.
A avaliação quantitativa, que inclui as contagens global e diferencial, é baseada em
valores de referência, estabelecidos por idades (recém-nascidos, crianças e
adultos), porém independentes do sexo, ao passo que a maioria dos dados
qualitativos que podem ser obtidos no leucograma não possui referências
descritas na literatura (LORENZI, 2006).
As alterações quantitativas leucocitárias podem ser analisadas na contagem global
e compreendem a elevação do número total de leucócitos, bem como sua
diminuição: essas situações são conhecidas como leucocitose e leucopenia,
respectivamente. Por sua vez, as alterações quantitativas específicas para cada tipo
de leucócito são observadas em lâminas coradas na contagem diferencial.
As leucocitoses podem ser fisiológicas ou patológicas: no primeiro caso, essa
situação é observada de forma transitória como resposta do organismo humano
frente às condições benignas, tais como gravidez e estresse, enquanto, no segundo
caso, as leucocitoses são observadas em doenças mieloproliferativas ou
linfoproliferativas. Ainda há um terceiro tipo de leucocitose, dita reativa,
tipicamente observada em processos infecciosos e inflamatórios. Em contraste, a
leucopenia pode ter causa fisiológica ou pode ser induzida por drogas, além de
exibir caráter reativo devido a imunodeficiências (RODRIGUES et al., 2019).
As contagens globais são realizadas após a diluição da amostra de sangue coletada
com EDTA em uma câmara de contagem ou hemocitômetro, sendo posteriormente
contada em microscópio ótico. Uma das câmaras de contagem mais utilizadas para
essa finalidade é a câmara de Neubauer (Figura 3.1).

Figura 3.1 | Exemplo de câmara de Neubauer para contagem global de leucócitos

Fonte: Wikimedia Commons.

ASSIMILE
Existem outras aplicações da câmara de Neubauer para contagem de
elementos celulares em outros líquidos corporais diferentes do sangue, tais
como urina. Nesses casos, a contagem envolve visualização das células em
quadrantes diferentes da câmara, bem como cálculos de correção

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diferentes daqueles aplicados para leucócitos.

seõçatona reV
Para essa diluição, são usadas soluções ácidas que rompem as hemácias, ao
mesmo tempo que preservam os leucócitos e outras células nucleadas que
possam estar no sangue. Um exemplo de solução empregada é o líquido de Turk,
cujo uso, em proporção 1/20 com o sangue, é perfeitamente aplicável à contagem
global de leucócitos. Um exemplo dessa diluição encontra-se na Figura 3.2.

Figura 3.2 | Diluição de amostra de sangue total em líquido de Turk para contagem global de leucócitos

Fonte: Wikimedia Commons.

Como a série leucocitária é composta por células originárias de diferentes


linhagens hemopoéticas, é sempre importante avaliar separadamente os tipos de
leucócitos presentes no sangue do paciente, sendo esse o objetivo da contagem
diferencial relativa e absoluta.
O procedimento de contagem diferencial inicia-se com a confecção do esfregaço
sanguíneo delgado, conforme descrito previamente em unidades anteriores. O
procedimento de coloração por meio do método panótico ou corantes distintos
possibilita a coloração do núcleo e citoplasma dos leucócitos, destacando suas
granulações, lobulações nucleares e morfologia membranar.
Os leucócitos podem ser separados em dois grandes grupos: os granulócitos, que
apresentam granulações específicas ou secundárias em seus citoplasmas, e os
agranulócitos, que não possuem tais granulações. A quantidade de leucócitos
disponíveis no sangue periférico é sempre menor do que a de hemácias, portanto
a contagem diferencial de leucócitos é bastante viável para ser empregada
rotineiramente.
Dentre os granulócitos, podemos citar os neutrófilos, eosinófilos e basófilos. Como
diferença fundamental entre eles, pode-se destacar o número de lobulações
nucleares, bem como a coloração da granulação secundária exibida em seus
citoplasmas. Já dentre os agranulócitos, destacam-se os linfócitos e os monócitos,
cuja característica-chave é a ausência de granulações e a variação de tamanho

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geral exibida por essas células. Exemplos dessas células podem ser observados na

seõçatona reV
Figura 3.3.

Figura 3.3 | Exemplos de leucócitos visualizados em lâminas de esfregaço sanguíneo delgado Fonte:
Wikimedia Commons.

Fonte: Wikimedia Commons.

Uma vez que o esfregaço delgado tenha sido confeccionado e esteja seco, para
proceder à contagem diferencial de leucócitos, deve-se percorrer a lâmina em
movimentos de zigue-zague, sob aumento de 1000x, e contar 100 leucócitos
durante esse processo. A contagem deve diferenciar qual a quantidade de cada
tipo de leucócito maduro e/ou imaturo foi visualizado. Para isso, pode-se utilizar
um contador de células hematológicas, tal como demonstrado na Figura 3.4.

Figura 3.4 | Exemplo de contador de células para contagem diferencial leucocitária

Fonte: Wikimedia Commons.


O número de leucócitos contados dessa maneira representa a contagem
diferencial relativa, uma vez que se relaciona a somente 100 leucócitos do universo
total de leucócitos que o paciente possui em sua circulação. Portanto, para uma
avaliação mais geral da quantidade de cada tipo de leucócito que o paciente tem

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em sua circulação, pode-se realizar a contagem diferencial absoluta.

seõçatona reV
Nessa contagem, a quantidade relativa de cada tipo de leucócito contado ao longo
da análise do esfregaço deve ser multiplicada pelo valor da contagem global de
leucócitos, seguido da divisão do valor obtido por 100. Dessa forma, pode-se
estimar a quantidade de cada tipo de leucócito presente na circulação do paciente,
tendo por base a quantidade global de leucócitos exibidos por ele.
Além de se identificar as populações relativas de leucócitos, as células devem ser
analisadas em microscopia ótica durante a contagem diferencial para identificação
de alterações qualitativas, tais como anormalidades morfológicas do citoplasma e
do núcleo (SANTOS, 2012).
Por fim, salienta-se a necessidade de revisão das lâminas mesmo em caso de
análise automatizada do leucograma, uma vez que os equipamentos
automatizados ainda não possuem capacidade plena de diferenciação de
linhagens celulares imaturas, bem como não conseguem identificar alterações
morfoestruturais nos leucócitos.

REFLITA

Determinadas linhagens celulares, especialmente os agranulócitos, são


conhecidas pelos seus tamanhos bastante variáveis. Para tanto, os
equipamentos automatizados de hemograma devem ser capazes de lançar
mão de metodologias altamente precisas e, muitas vezes,
multiparamétricas para realizar a contagem e diferenciação dessas células.
Da mesma forma, linhagens celulares imaturas são bastante confundíveis
entre si, até mesmo para profissionais treinados e experientes, o que torna
as tecnologias emergentes de contagem de células altamente necessárias
para os desafios diagnósticos atuais.

EXEMPLIFICANDO

Uma grande quantidade de pacientes portadores de leucemias costuma


descobrir que possuem alterações hematológicas em hemogramas de
rotina, notadamente quando suas contagens globais de leucócitos apontam
leucopenia ou leucocitose. Nesses casos, é comum o médico solicitar
exames complementares que, em conjunto com os achados do leucograma,
ajudarão a excluir ou fundamentar o diagnóstico da neoplasia.

REFERÊNCIAS
DALANHOL, M. et al. Efeitos quantitativos da estocagem de sangue periférico nas
determinações do hemograma automatizado. Revista Brasileira de
Hematologia e Hemoterapia, v. 32, n. 1, p. 16-22, 2010. Disponível em:
https://bit.ly/3pbnGDw. Acesso em: 27 abr. 2022.
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia: Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3vTCtqe. Acesso em:
27 abr. 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo, SP: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3JMlw6X. Acesso em: 27 abr. 2022.
SANTOS, P. C. J. de L. Hematologia: métodos e interpretação. Série Análises

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Clínicas e Toxicológicas. Rio de Janeiro, RJ: Grupo GEN, 2012. Disponível em:

seõçatona reV
https://bit.ly/3p9qmSd. Acesso em: 27 abr. 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
CONTAGEM GLOBAL E CONTAGEM DIFERENCIAL
RELATIVA/ABSOLUTA DE LEUCÓCITOS

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seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Na situação descrita anteriormente, descrevemos um leucograma executado em
amostra de paciente com suspeita de meningite, no qual se constatou leucocitose
e presença de grande quantidade de metamielócitos no esfregaço.
O achado de leucocitose é compatível com meningites, em especial, aquelas de
origem bacteriana, contudo não se trata de um achado exclusivamente observado
nessa doença, já que outras infecções, processos inflamatórios de etiologias
inespecíficas e até mesmo leucemias podem cursar com tal alteração laboratorial.
Da mesma forma, o achado de metamielócitos no esfregaço é significativo, já que
raramente metamielócitos são diferenciados de demais células em equipamentos
automatizados, e seu achado em amostras indica processos inflamatórios agudos
graves. Esses achados, portanto, fundamentariam uma eventual meningite
bacteriana se os sintomas do paciente realmente forem condizentes com os
indícios laboratoriais.
Não obstante, destaca-se o papel do profissional na execução de procedimentos
manuais, plenamente necessários para a adição de informações relevantes ao
laudo de exame laboratorial.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

COLETA DE AMOSTRA DE SANGUE COM ANTICOAGULANTE HEPARINA


PARA LEUCOGRAMA
Um técnico de laboratório realizou a coleta de uma amostra de sangue total
destinada à realização de hemograma para um paciente em acompanhamento de
quimioterapia, com diagnóstico de leucemia mieloide crônica. Contudo, o técnico
confundiu-se com os tubos de coleta e obteve uma amostra de sangue em tubo
com tampa verde (heparina), identificando-o e encaminhando-o para o setor de
hematologia. Como analista de laboratório responsável pela orientação dos
profissionais técnicos, você consegue identificar o impacto que a troca de tubos de
coleta pode trazer para a adequada execução do leucograma?

RESOLUÇÃO 

Um técnico de laboratório realizou a coleta de uma amostra de sangue total


destinada à realização de hemograma para um paciente em acompanhamento
de quimioterapia, com diagnóstico de leucemia mieloide crônica. Contudo, o
técnico confundiu-se com os tubos de coleta e obteve uma amostra de sangue
em tubo com tampa verde (heparina), identificando-o e encaminhando-o para
o setor de hematologia. Como analista de laboratório responsável pela
orientação dos profissionais técnicos, você consegue identificar o impacto que
a troca de tubos de coleta pode trazer para a adequada execução do
leucograma?

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seõçatona reV
NÃO PODE FALTAR
REAÇÕES LEUCEMOIDES E DESVIOS RELACIONADOS AOS
PROCESSOS INFLAMATÓRIOS E INFECCIOSOS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Olá, estudante!
Na área da saúde, é muito comum compreender-se a importância de
determinados exames laboratoriais como auxiliares no diagnóstico de doenças.
Dentre esses exames, o hemograma possui um lugar de destaque, uma vez que
inúmeras condições patológicas costumam ser inicialmente detectadas através da
solicitação de hemogramas de rotina, ou até mesmo em caso de ocorrência de
doenças menos complicadas.
Ao se realizar a análise do leucograma, parte integrante do hemograma como um
todo, inúmeras informações acerca de estado imunológico do paciente podem ser
obtidas, sendo de particular interesse a verificação da intensidade da resposta
inflamatória frente a agentes agressores, tais como microrganismos infecciosos. A
análise cuidadosa do leucograma permite não somente a avaliação da possível
causa do processo infeccioso como também da gravidade do quadro, servindo de
guia fundamental ao clínico para o diagnóstico e a conduta terapêutica a serem
adotados.
Para contextualizar sua aprendizagem, imagine que você executou a leitura de
uma lâmina de leucograma de um paciente com diagnóstico de infecção pelo vírus
da imunodeficiência humana (HIV-1), sob tratamento antirretroviral. Na leitura,
foram observados linfócitos atípicos em grandes concentrações, além de
neutrófilos com vacuolização citoplasmática e granulações tóxicas em abundância.
Será que ambas as alterações são condizentes com aquelas observadas em
pacientes HIV-positivos sob regime terapêutico adequado, ou são alterações
indicativas de infecções oportunistas, comuns a esse grupo de pacientes?
Questões como essa permeiam a prática diária de profissionais atuantes em
análises clínicas. Por esse motivo, é de suma importância a plena compreensão dos
mecanismos e das situações que levam à ocorrência de alterações benignas na
série leucocitária, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo.

CONCEITO-CHAVE
Os leucócitos podem apresentar inúmeras alterações quantitativas e qualitativas,
dependendo da doença que o paciente apresentar. Em geral, as alterações
leucocitárias podem ser divididas em benignas ou malignas, ainda que o termo
benigno não tenha conotação depreciativa ou que diminua a gravidade do quadro
clínico apresentado pelo paciente.
A maioria das alterações benignas é observada em processos inflamatórios e/ou
infecciosos, já que os leucócitos, por serem as células responsáveis, em parte, pela
resposta imunológica, são mobilizados para combater agentes estranhos aos quais
o organismo humano tenha sido exposto. Nas respostas inflamatórias, existe a
necessidade de eliminação do corpo agressor para que as funções fisiológicas
sejam restauradas, enquanto em um processo infeccioso o corpo agressor é,
conhecidamente, um patógeno microbiano de origem bacteriana, viral, fúngica ou
parasitária. Outros exemplos de respostas leucocitárias comuns no organismo

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humano ocorrem frente a fármacos, reações de hipersensibilidade, imunização e

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doenças autoimunes.
As patologias reacionais leucocitárias envolvem todos os tipos de leucócitos, mas
são, na maioria das vezes, processos mieloides (reações neutrofílicas), linfoides ou
eosinofílicos. As células da série branca participam de muitos tipos de respostas
imunológicas e inflamatórias, interagindo entre si e modulando as respostas
imunes por meio da liberação de citocinas, quimiocinas, enzimas e substâncias
vasoativas (RODRIGUES et al., 2019).
Nos processos infecciosos, existe resposta muito intensa da medula óssea, com
leucocitose muito elevada e presença de leucócitos jovens, tais como mielócitos e
metamielócitos. Tais casos de reação intensa são denominados reações
leucemoides devido à similaridade com quadros de leucemia mieloide crônica, em
que a contagem de leucócitos também é intensa e com presença de células jovens
na circulação, contudo, nos quadros leucemoides, a elevação dos leucócitos
raramente ultrapassa 50.000 células/mm3, ao passo que em certas leucemias a
leucocitose pode facilmente superar 100.000 leucócitos/mm3.
Além da leucocitose, outro aspecto significativo da avaliação da série leucocitária é
a presença de desvio à esquerda, entendido como a detecção atípica de células
jovens da linhagem leucocitária na circulação. O termo desvio à esquerda faz
menção à sequência de maturação das células leucocitárias: quanto mais à
esquerda da leucopoiese, mais jovem é o leucócito e, portanto, mais imaturo. Da
mesma forma, quanto maior a imaturidade dos leucócitos presentes na corrente
sanguínea, mais grave é o quadro reacional que levou a esse desvio populacional
dos leucócitos. Contrariamente, o excesso de leucócitos maduros na circulação
recebe o nome de desvio à direita, achado este raramente observado nas reações
leucemoides, em contraste com o desvio à esquerda.
Segundo o grau de imaturidade das células da linhagem leucocitária presentes na
corrente sanguínea, os desvios à esquerda podem ser classificados como
escalonados ou não escalonados. O escalonamento diz respeito à sequência de
maturação leucocitária, a saber: mieloblasto → pró-mielócito → mielócito →
metamielócito → bastonete → leucócito maduro (neutrófilo, eosinófilo ou basófilo),
lembrando que a maturação dos granulócitos envolve a gradual lobulação nuclear
e o ganho de granulações secundárias.
Para os agranulócitos, a sequência de maturação é um pouco diferente: linfoblasto
ou monoblasto → pró-linfócito ou pró-monócito → linfócito e monócito maduros.
Nesse caso, a maturação envolve o ganho de complexidade nuclear (condensação
da cromatina) e diminuição da basofilia citoplasmática.
Para que se tenha um desvio à esquerda escalonado, deve sempre haver detecção
gradual de maior número de células com maturação na circulação. Exemplo:
contagem diferencial apresentando um mielócito, três metamielócitos e seis
bastonetes. Não é normal encontrar nenhuma dessas células, em tal quantidade,
no sangue periférico de pacientes, no entanto nota-se que há uma escala de
amadurecimento celular, com as células mais maduras da linhagem (bastonetes)
presentes em maior quantidade do que os mais imaturos na sequência
(metamielócitos). Padrões de escalonamento, tais como o exemplificado, são
comumente observados em reações leucemoides, nas quais quanto maior a

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quantidade de células imaturas, maior a intensidade do quadro.

seõçatona reV
Em contraste, quando o desvio à esquerda não apresenta lógica de maturação
celular nas células presentes no sangue periférico, entende-se como não havendo
escalonamento. Exemplo: contagem diferencial apresentando cinco mielócitos,
dois metamielócitos e quatro bastonetes. Repare que a quantidade de mielócitos
(células mais jovens aqui listadas) é maior do que a das demais células, que são um
pouco mais maduras do que os mielócitos, portanto não há escala lógica de
amadurecimento, o que é característico de reações leucêmicas e não
leucemoides.
A contagem global e diferencial de leucócitos e suas alterações quantitativas são as
principais informações fornecidas no leucograma. Os leucócitos totais são
expressos em células/mm3, enquanto a contagem diferencial é de grande
importância, pois pode definir perfis patológicos. Ela é fornecida pela análise
conjunta dos equipamentos automatizados e pela leitura do esfregaço corado, que
avalia as diferentes formas leucocitárias e as expressa de forma percentual
(relativa) e em mm3 (absoluta).
Adicionalmente, conforme o tipo de infecção, as células que atuam em cada fase
podem variar: na infecção bacteriana, é mais comum a primeira fase ser
neutrofílica, a segunda fase ser monocítica e a terceira fase ser linfocítica. Por
outro lado, na infecção viral, geralmente, a primeira fase é linfocítica, a segunda
fase é monocítica e a terceira fase é neutrofílica (RODRIGUES et al., 2019).
Ao se detectar leucocitoses ou leucopenias, é fundamental a cuidadosa análise da
morfologia leucocitária em lâminas coradas, já que diversas alterações qualitativas
podem acompanhar as alterações quantitativas leucocitárias. Dentre essas,
destacam-se as granulações tóxicas e a vacuolização citoplasmática, a hiper e
hipogranulação e as atipias linfocitárias.
As granulações tóxicas são formações granulares que aparecem no citoplasma dos
neutrófilos e refletem uma perturbação em sua maturação normal, bem como a
endocitose de agentes agressores externos, tais como bactérias e proteínas
desnaturadas. Exemplos de condições que cursam com essa alteração são
infecções sistêmicas, coma diabético, envenenamento químico e processos
inflamatórios agudos intensos. Tratamentos medicamentosos também podem
levar à manifestação dessas granulações. A Figura 3.5 exibe um exemplo de tais
granulações.

Figura 3.5 | Exemplo de granulações tóxicas em neutrófilo


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seõçatona reV
Fonte: Wikimedia Commons.

A vacuolização citoplasmática é caracterizada pela presença de vacúolos nos


neutrófilos devido à atividade fagocítica exagerada deles, com aumento de seus
conteúdos lisossomais. Essa vacuolização é comum em infecções e, não raro, tal
alteração acompanha a degranulação dos neutrófilos (neutrófilos hipogranúlicos).
Todavia, deve-se levar em consideração o fato de que tanto neutrófilos como
monócitos podem exibir vacuolização citoplasmática quando se utiliza uma
amostra de sangue conservada em tubo com anticoagulante EDTA por períodos
superiores a quatro horas, em temperatura ambiente. Um exemplo de neutrófilo
vacuolizado encontra-se na Figura 3.6.

Figura 3.6 | Exemplo de vacuolização em neutrófilo

Fonte: Wikimedia Commons.


A hipersegmentação neutrofílica é observada quando o número de lóbulos
nucleares é acima de cinco, sendo observada na anemia megaloblástica, na
síndrome mielodisplásica e em uma série de defeitos genéticos. Outra alteração
qualitativa em que podem ser observadas infecções graves é a presença de uma

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inclusão citoplasmática denominada corpúsculo de Döhle, apesar de sua

seõçatona reV
ocorrência não ser restrita às infecções; queimaduras graves, gravidez e
tratamento com G-CSF podem ocasionar sua detecção na circulação.
Em quadros infecciosos de etiologia viral, células ativas relatadas como linfócitos
atípicos podem ser vistas no esfregaço sanguíneo. Essas células apresentam
contorno basofílico, citoplasma grande e núcleos deslocados para a periferia,
denotando intensa atividade metabólica e secreção dos anticorpos anteriormente
presentes em suas membranas.

ASSIMILE

Muitas alterações qualitativas leucocitárias refletem anomalias genéticas


caracterizadas por granulações irregulares e/ou anormalidades na
lobulação nuclear. Dentre essas anomalias, pode-se destacar a anomalia de
Pelger-Huët, na qual os neutrófilos apresentam hipossegmentação ou
ausência de segmentação nuclear, aparecendo como células bilobuladas
(núcleos em óculos), e a síndrome de Chediak-Higashi, na qual os
neutrófilos apresentam granulações gigantes coradas em roxo intenso.

REFLITA

A observação de alterações qualitativas nos leucócitos somente é possível


mediante a visualização microscópica da lâmina de esfregaço sanguíneo
corada por um profissional laboratorista. Ainda que equipamentos de
automação recentes disponham de mecanismos que fotografam alterações
microscópicas, a análise final e a interpretação do achado laboratorial
sempre é do profissional, que avaliará se a alteração observada deve ou
não constar no laudo do exame laboratorial.

EXEMPLIFICANDO

Médicos comumente solicitam, durante a internação, a realização de


hemograma para pacientes com quadros de septicemia. Nesses casos, é
muito comum a observação de várias das alterações qualitativas e
quantitativas descritas ao longo do texto, todas juntas na mesma lâmina:
leucocitose com desvio à esquerda escalonado, neutrofilia, granulações
tóxicas e vacuolização. Cabe ao profissional laboratorista avaliar tais
informações antes da liberação do resultado, de maneira a auxiliar na
elucidação do diagnóstico e na definição da abordagem terapêutica mais
eficaz.

REFERÊNCIAS
GRUNEWALD, S. T. F. Manifestações hematológicas na COVID-19.
Hematol Transfus Cell Ther., v. 42, n. 1, p. 542,
2020. Disponível em: https://bit.ly/3PjEhj8. Acesso em: 28 abr. 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo, SP: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3PegqRZ. Acesso em: 28 abr. 2022.
SANDES, A. F. Diagnósticos em hematologia. 2. ed. São Paulo, SP: Manole,
2020. Disponível em: https://bit.ly/3zN7vBs. Acesso em: 28 abr. 2022.
SILVA, P. H. et al. Hematologia Laboratorial. São Paulo, SP: Grupo A,

0
2015. Disponível em: https://bit.ly/3daAJ5p. Acesso em: 28 abr. 2022.

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FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
REAÇÕES LEUCEMOIDES E DESVIOS RELACIONADOS AOS
PROCESSOS INFLAMATÓRIOS E INFECCIOSOS

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seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Na situação-problema anterior, descrevemos a leitura de uma lâmina de
leucograma, na qual foram observados linfócitos atípicos e neutrófilos com
vacuolização citoplasmática e granulações tóxicas em abundância.
Sabendo que a infecção pelo HIV-1 causa imunossupressão, seu papel como
laboratorista é o de informar ao clínico o estado imunológico do paciente,
indicando se ele possui alterações significativas na série leucocitária que sugiram
uma eventual troca de regime terapêutico ou até mesmo informem sobre a
ocorrência de infecções oportunistas. Nesse caso, a presença de linfócitos atípicos
pode ser interpretada como decorrente da própria infecção pelo HIV-1, como
também de outra infecção viral oportunista que o paciente apresente;
adicionalmente, as alterações neutrofílicas indicam uma possível infecção
bacteriana grave, que deve ser investigada pelo médico, já que o paciente é
imunodeprimido.
Assim, percebe-se o grande número de informações acerca do status imunológico
do paciente que podem ser obtidas a partir da leitura diferencial e concisa do
leucograma, facilitando a conduta terapêutica e a melhoria da qualidade de vida do
paciente.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

RELATO DE ALTERAÇÕES CITOMORFOLÓGICAS LINFOCITÁRIAS EM


LAUDO DE HEMOGRAMA
Percebeu-se, ao realizar a leitura de um leucograma automatizado, que a amostra
de sangue de uma recém-nascida apresenta leucocitose sem desvio à esquerda,
com linfocitose reativa significativa e sinalização da presença de linfócitos atípicos.
Sabendo que a paciente, por ser recém-nascida, pode apresentar eritroblastos
fisiológicos na circulação, cuja morfologia é passível de ser confundida com
linfócitos atípicos, o profissional laboratorista questiona se deve relatar as
alterações apontadas pelo equipamento no laudo ou se realiza a leitura da lâmina
de esfregaço sanguíneo.

RESOLUÇÃO 

Nesse caso, é mandatória a realização da leitura do esfregaço sanguíneo, para


que se evidencie se as células com atipia apontadas pelo equipamento
realmente se tratam de linfócitos ou eritroblastos. A morfologia deles pode ser
similar, mas o significado clínico não: linfócitos atípicos suscitam suspeita de
infecção viral aguda, enquanto a presença de eritroblastos sugere imaturidade
na série eritrocitária.

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seõçatona reV
NÃO PODE FALTAR
LEUCEMIAS, LINFOMAS, MIELOMAS E DISTÚRBIOS
MIELOPROLIFERATIVOS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Olá, estudante!
Vimos nas seções anteriores a importância da execução e da interpretação
corretas do leucograma para o diagnóstico de condições patológicas diversas, tais
como infecções e processos inflamatórios. Verificamos também o grande número
de informações que podem ser obtidas a partir de lâminas de esfregaços
sanguíneos corados, nos quais as alterações citomorfológicas dos leucócitos são
evidentes, sob o olhar crítico de um profissional laboratorista treinado. O mesmo
pode ser dito sobre as leucemias e demais neoplasias hematológicas, tais como
linfomas, mielomas e síndromes mieloproliferativas.
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) divulgou, em 2020, que existe uma
estimativa de quase 11.000 novos casos por ano de leucemia no Brasil, com um
leve predomínio de casos masculinos em relação aos femininos. Destes, quase
7.000 casos evoluem para óbito em decorrência direta da doença ou devido às
suas complicações. Dessa forma, torna-se plenamente necessário o conhecimento
fundamentado, por parte dos profissionais de saúde, desse grupo tão heterogêneo
de doenças, cuja prevalência é significativa no país.
Nessa seção, você aprenderá quais são os critérios laboratoriais para classificação
das leucemias e demais neoplasias hematológicas, bem como a aplicabilidade do
leucograma para a triagem diagnóstica dessas condições patológicas. Não
obstante, você também compreenderá a base fisiopatológica das alterações
leucocitárias observadas em esfregaços e demais parâmetros do hemograma,
assim como poderá associar esses achados laboratoriais a outros resultados de
exames, tais como mielograma, imunohistoquímica/citoquímica e
imunofenotipagem.
Para finalidade de contextualização, imagine a seguinte situação: você é um
profissional de saúde atuante com aconselhamento genético e atende a um casal,
cujo filho de 3 anos de idade apresenta sintomas compatíveis com anemia
refratária às reposições nutricionais convencionais, além de sangramento gengival
constante. Durante o levantamento dos demais exames da criança, notam-se
outros resultados que sugerem fortemente uma leucemia mieloblástica aguda
(LMA), sendo que você deve traçar detalhadamente o heredograma familiar do
casal para rastreamento de eventuais doadores de medula óssea para transplante.
Quais as causas associadas a essa leucemia? Existe um componente genético
importante que justifique a elaboração do heredograma? Quais seriam os outros
exames e os achados laboratoriais mais importantes para conclusão do
diagnóstico de LMA?
Questões críticas, como as levantadas no parágrafo anterior, permeiam a atuação
dos profissionais de saúde na atualidade, principalmente em face dos avanços
tecnológicos no tratamento e diagnóstico das leucemias.
Portanto, vamos nos debruçar mais sobre as características laboratoriais desse
grupo de doenças.
Bons estudos!

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seõçatona reV
CONCEITO-CHAVE
As neoplasias da hematopoiese são doenças clonais que derivam de uma única
célula da medula óssea ou do tecido linfoide periférico que tenha sofrido uma
alteração genética. Essas alterações genéticas conferem às células duas
características fundamentais: proliferação desenfreada, já que o ciclo celular
normal se apresenta desregulado devido às alterações em genes-chave para
controle desse ciclo, e indiferenciação celular, uma vez que as células
hematológicas perdem sua capacidade de autocontrole e suas funções
homeostáticas normais.
Fatores, como herança genética e estilo de vida, influenciam o risco de
desenvolvimento de determinadas neoplasias, apesar de a maioria dos casos de
leucemias e linfomas resultarem de alterações citogenéticas aleatórias. Além dos
fatores herdados, é notável a variedade de fatores ambientais relacionados à
ocorrência de neoplasias hematológicas.
Dentre os fatores ambientais de destaque, podemos citar agentes químicos (ex.:
benzeno), fármacos alquilantes, exposição à radiação ionizante, infecções por
alguns vírus oncogênicos (ex.: vírus linfotrópico de células T humanas – HTLV, vírus
Epstein Barr – EBV e herpevírus humano tipo 8 – HHV-8) e, mais raramente,
determinadas infecções bacterianas e por protozoários.
A transformação das células ocorre devido ao acúmulo de alterações genéticas em
regiões genômicas críticas para o controle adequado da proliferação e
diferenciação celulares. Dois grupos de genes costumam ser afetados por tais
mutações:

Proto-oncogenes: esses genes estão presentes nas células hematológicas e


são funcionais para essas células em condições normais. Contudo, uma vez
que, em decorrência de mutações, esses genes tenham sua atividade
aumentada ou adquiram novas funções, passam a ser denominados
oncogenes e podem levar à proliferação descontrolada da célula sanguínea,
afetando os processos de sinalização, diferenciação e sobrevida celulares.

Genes supressores tumorais: tais genes são expressos nas células


hematológicas como forma de controle da atividade celular normal, evitando o
descontrole do ciclo celular normal. Quando esses genes adquirem mutações
de perda de função, a célula sofre uma transformação maligna, já que não
consegue mais controlar sua expansão e funções normais.

Quando qualquer um desses genes apresentar acúmulo de mutações que


ocasione tais escapes do funcionamento normal, a célula que possuir essas
alterações passa a se expandir mediante inúmeras mitoses na medula óssea ou
nos tecidos linfoides, em um processo conhecido pelo nome de expansão clonal.
Nesse, as várias células derivadas da célula contendo as mutações originais, ditas
clones, também carregam essas mutações e estão sujeitas a sofrer ainda mais
alterações genéticas. Esse desequilíbrio na população celular progride até o ponto
em que a maioria ou todas as células exibem comportamento anormal, advindo,
dessa forma, os sintomas decorrentes desse funcionamento inadequado das
células sanguíneas.

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É muito comum com que as mutações afetem células jovens, ainda imaturas, que

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estejam presentes na medula óssea ou em tecidos linfoides. Essas células, por já
exibirem um comportamento proliferativo maior do que as células maduras, se
tornam bastante propícias para o acúmulo de mutações em proto-oncogenes ou
genes supressores tumorais. Por esse fato, é muito comum com que alguns tipos
de leucemias e linfomas exibam grande quantidade de células imaturas,
predominando nos órgãos hematopoiéticos e no sangue periférico.
No entanto, não há uma regra para que somente células jovens exibam mutações
genéticas; células maduras, plenamente desenvolvidas, também podem
apresentar mutações que as tornem indiferenciadas e com comportamento
proliferativo exagerado; não obstante, certas mutações parecem favorecer o
amadurecimento celular, ainda que associado a uma taxa mitótica absurdamente
elevada.
A classificação das neoplasias hematológicas leva em consideração dois fatores
fundamentais:

Capacidade de proliferação celular: proliferação anormal, com predomínio


de células jovens, ou proliferação normal, com predomínio de células maduras.

Linhagem leucocitária afetada: linhagem mieloide ou linhagem linfoide.

As leucemias mieloides podem ser agudas (LMA) ou crônicas (LMC). Nas leucemias
mieloides agudas, o aspecto-chave de sua etiopatogenia é a dificuldade de
maturação celular com leucopenia, acumulando-se células jovens que nunca
chegam ao amadurecimento completo (Figura 3.7). Essas células indiferenciadas,
chamadas por alguns autores de blastos, são a base para a classificação dessas
leucemias em tipos distintos, de acordo com a linhagem blástica predominante e o
grau de indiferenciação deles. Tal classificação é chamada de FAB (franco-
americano-britânica) e separa as LMAs em sete grupos distintos, confirmados
segundo critérios citoquímicos (presença ou ausência de enzimas e marcadores
intracelulares) e do mielograma.

Figura 3.7 | Exemplo de hemograma com leucopenia e blastos compatíveis com LMA
Fonte: Wikimedia Commons.

As leucemias mieloides crônicas (LMC) são caracterizadas por proliferação de


células mieloides granulocíticas, mantendo sua capacidade de diferenciação. Em

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mais de 90% dos casos, há detecção de uma translocação cromossomal t(9;22)

seõçatona reV
induzida por vários fatores ambientais distintos. Tal translocação origina atipias
nos cromossomos 9 e 22, sendo que este último passa a ser denominado
cromossomo Philadelphia (Ph), devido ao local de sua primeira caracterização. Do
ponto de vista laboratorial, essa leucemia é caracterizada por leucocitose variável,
desvio à esquerda não escalonado e raros blastos no sangue periférico.
As leucemias linfoides agudas (LLA) são caracterizadas pela grande presença de
linfoblastos no sangue periférico e medula óssea, enquanto nas leucemias
linfoides crônicas (LLC) as células predominantes são linfócitos mais maduros, sem
aspecto de blastos. Ambas as situações diferem dos linfomas, cuja definição é a de
doenças neoplásicas originárias em linfócitos localizados nos linfonodos. A partir
dessa localização, esses linfócitos anormais se propagam para outros órgãos e
tecidos, disseminando-se pelo sangue e infiltrando a medula óssea.
Os linfomas costumam ser classificados em linfomas do tipo Hodgkin e não-
Hodgkin. O primeiro grupo inclui certos linfomas causados pelo vírus EBV e
costuma ter localização inicial predominante nos linfonodos, ao passo que o
segundo grupo inclui linfomas frequentemente compostos por linfócitos B do tipo
histiocítico. Contudo, mesmo o grupo dos linfomas não-Hodgkin também inclui o
vírus EBV como causador do linfoma de Burkitt, além do HTLV-1 como agente
infeccioso comumente associado. A diferenciação laboratorial dos linfomas
costuma envolver biópsias de linfonodos ou de medula óssea, além de ensaios de
imunofenotipagem para caracterização do tipo de linfócito envolvido, ainda que
certas células sejam indicadores clássicos dessas neoplasias, tais como a célula de
Reed-Sternberg (célula com núcleos em “olhos de coruja”) vista nos linfomas
Hodgkin (Figura 3.8).

Figura 3.8 | Células de Reed-Sternberg observadas em linfomas Hodgkin


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seõçatona reV
Fonte: Wikimedia Commons.

Os mielomas também são classificados como doenças linfoproliferativas, assim


como os linfomas, porém, nesse caso, são restritos aos linfócitos B e plasmócitos
monoclonais, que apresentam principalmente sua função secretora de anticorpos,
também chamados de gamaglobulinas, alterada. Os tipos mais comuns de
condições dessa categoria incluem o mieloma múltiplo e gamopatias monoclonais
mais raras. Em todos esses casos, é comum a detecção de plasmócitos ou
linfócitos atípicos em grande quantidade no sangue periférico, além de proteinúria
de Bence-Jones (cadeias kappa e lambda) nos casos de mieloma múltiplo.

ASSIMILE

Note que não existe um padrão de alteração laboratorial fixo que seja
sempre observado nas leucemias: por convenção, os quadros agudos
tendem a ser mais observados em crianças, ao passo que quadros crônicos
são mais comumente observados em indivíduos de idade mais avançada,
apesar de isso não ser uma regra. Adicionalmente, mesmo leucemias
mieloides crônicas podem eventualmente exibir células blásticas em
amostras de sangue periférico, dependendo da fase evolutiva que a doença
se encontra; um exemplo é durante a fase de crise blástica terminal.

REFLITA

Muitas alterações leucocitárias, quando visualizadas em grande proporção


no esfregaço sanguíneo, podem ser descritas e relatadas em laudos de
hemogramas. Exemplos significativos dessas alterações são os bastões de
Auer (inclusões citoplasmáticas de origem lisossomal), observados no
interior dos blastos de alguns tipos de LMA; células linfomononucleares
com núcleos em forma de flor (flower cells), característicos de linfomas e
leucemias associadas ao HTLV-1, e linfócitos com projeções citoplasmáticas
em forma de franja (hairy cells), visualizados em certos tipos de LLC.
EXEMPLIFICANDO

A caracterização de células que podem ser observadas em neoplasias


hematológicas deve ser realizada com cautela no laboratório clínico.
Usualmente, a identificação de anomalias leucocitárias, bem como

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leucopenias ou leucocitoses extremas, devem ser confirmadas mediante
uma segunda leitura, efetuada por um segundo observador. Da mesma

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forma, deve-se realizar a descrição detalhada das células observadas, como
no exemplo a seguir: “Grande número de células de tamanho grande, com
elevada relação núcleo-citoplasmática, cromatina frouxamente condensada
e citoplasma fracamente basofílico, sugestivas de células jovens da
linhagem linfoide, foram observadas na contagem diferencial leucocitária”.

REFERÊNCIAS
HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. A. H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand.
São Paulo, SP: Grupo A, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3pa88jv. Acesso em: 28
abr. 2022.
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia: Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3vUWtci. Acesso em:
27 abr. 2022.
OLIVEIRA, R. A.; PEREIRA, J.; BEITLER, B. Mielograma e Imunofenotipagem
por Citometria de Fluxo em Hematologia: prática e interpretação. Rio de Janeiro,
RJ: Grupo GEN, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3p8c6sS.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo, SP: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3vXhDGF. Acesso em: 27 abr. 2022.
SILVA, P. H. et al. Hematologia Laboratorial. São Paulo, SP: Grupo A,
2015. Disponível em: https://bit.ly/3AbW8nN. Acesso em: 28 abr. 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
LEUCEMIAS, LINFOMAS, MIELOMAS E DISTÚRBIOS
MIELOPROLIFERATIVOS

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seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Na situação-problema anteriormente apresentada, foi exposto um caso suspeito
de LMA durante uma consulta de aconselhamento genético, prevendo o eventual
rastreamento de um possível doador de medula óssea familiar que exiba
compatibilidade com o paciente.
Nesse caso, antes de mais nada, o diagnóstico de LMA deve ser completado: a
repetição do hemograma, com a confirmação dos achados iniciais, indicará ao
clínico a necessidade de condução de exames complementares. Assim, exames,
como mielograma e citoquímica, serão necessários, pois definirão se a suspeita
diagnóstica de LMA é correta ou não, além de fornecer informações sobre o tipo
de célula e o grau de diferenciação predominantes nesse caso.
Uma vez em posse dessas informações, o profissional do aconselhamento genético
poderá definir se tal leucemia possui componente genético ambiental que viabilize
um eventual transplante de medula óssea, em associação com a avaliação médica
paliativa do clínico e tratamento sintomático eficaz.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

ALERTA DE CÉLULAS JOVENS NO HEMOGRAMA AUTOMATIZADO


Um profissional de laboratório, ao realizar a análise automatizada de uma amostra
de sangue total de um paciente de 65 anos, depara-se com um alerta emitido pelo
equipamento de hemograma automatizado, no qual constam os seguintes dizeres:
“leucocitose – blastos imaturos”. O profissional, então, decide realizar a confecção
de uma lâmina de esfregaço sanguíneo com as amostras, de maneira a confirmar o
achado da automação e, assim, confirmar ou não os achados do equipamento.

RESOLUÇÃO 

Equipamentos automatizados nos indicam que há alterações na amostra,


porém não nos dizem com clareza a natureza dessas alterações. Nessa
situação em particular, a leitura da lâmina, por meio da contagem diferencial e
da anotação das eventuais alterações estruturais observadas, é fundamental
para a caracterização de uma eventual leucemia crônica em estágio avançado,
cuja leucocitose característica poderá vir acompanhada de células imaturas.
Por meio da descrição dessas células no laudo, o clínico poderá avaliar a
compatibilidade dos sintomas com alguma neoplasia hematológica e indicar
exames complementares para elucidação diagnóstica.
NÃO PODE FALTAR
CONTAGEM DE PLAQUETAS, TESTE DE AGREGAÇÃO
PLAQUETÁRIA E ÍNDICES PLAQUETÁRIOS

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
CONVITE AO ESTUDO
Olá, estudante!
Você deve ter percebido, ao longo das unidades anteriores, que existem inúmeras
células no sangue e que a presença/ausência de cada uma delas leva a uma
interpretação distinta, impactando consideravelmente na saúde do paciente. A
variedade celular, os inúmeros diagnósticos possíveis e a necessidade de
correlação dos resultados com outros exames, por sua vez, ilustram bem a
importância do setor de hematologia na elucidação de doenças.
Contudo, vale a pena refletir sobre o seguinte: a coagulação sanguínea também é
estudada no âmbito da hematologia? Quais os métodos laboratoriais de estudo
dessa função fisiológica fundamental à nossa homeostasia?
Na primeira seção dessa unidade, abordaremos os métodos manuais e
automatizados disponíveis para avaliação da função plaquetária no hemograma, já
que as plaquetas são os componentes celulares vitais para uma eficaz coagulação
sanguínea. Serão avaliadas também as variantes morfológicas das plaquetas e o
impacto de fatores interferentes pré-analíticos sobre a avaliação da funcionalidade
delas.
Após a avaliação da função plaquetária disponível no hemograma, estudaremos,
na segunda seção, tanto a execução como a interpretação dos resultados de
provas laboratoriais adicionais para análise dos mecanismos vaso-plaquetários de
controle da coagulação sanguínea. Essas técnicas serão executadas em aula prática
e correlacionadas com distúrbios nos quais elas costumem apresentar-se
alteradas.
Por último, correlacionaremos as provas laboratoriais de avaliação da hemostasia
química com os achados laboratoriais mais comumente observados no
hemograma e nos testes de avaliação vaso-plaquetária. Essas provas podem ser
executadas por meio de métodos manuais ou automatizados, sendo que, em
ambos os casos, os fatores pré-analíticos observados de maneira controlada e
consciente possibilitam a otimização da execução delas e, portanto, auxiliam
sobremaneira no diagnóstico.
Assim sendo, iniciaremos com a avaliação da função plaquetária no hemograma e
em esfregaços sanguíneos; em um segundo momento, complementaremos com a
prova do laço, tempo de coagulação e tempo de sangramento; por fim,
abordaremos os testes de avaliação dos mecanismos intrínseco e extrínseco da
hemostasia química. O objetivo é que você compreenda a execução das técnicas,
bem como as aplicações clínicas desses testes laboratoriais.

PRATICAR PARA APRENDER


A avaliação da coagulação sanguínea compreende uma série de testes
laboratoriais do setor de hematologia de laboratórios clínicos, cada qual com sua
aplicabilidade prática específica. Uma vez que, didaticamente, a coagulação
sanguínea ou hemostasia pode ser dividida em vários mecanismos distintos, mas,

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ao mesmo tempo, simultaneamente ativos, o conhecimento das ligações

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existentes entre esses é de grande valia ao profissional de saúde laboratorial.
A hemostasia divide-se em três frentes: mecanismo vaso-plaquetário, que inclui
os eventos de vasoconstrição e adesão/agregação plaquetária nos focos
hemorrágicos do organismo; mecanismo químico, no qual participam os fatores
de coagulação de maneira coordenada até a formação do tampão de fibrina; a
fibrinólise, que atua em conjunto com os mecanismos de regeneração e
cicatrização para retorno da funcionalidade tecidual antes lesionada. Cada uma
dessas frentes possui inúmeros testes laboratoriais para avaliação.
Exemplificando, considere a seguinte situação: chega ao laboratório onde você
trabalha, no setor de hematologia, uma amostra de sangue total de um recém-
nascido colhida em tubo com anticoagulante EDTA padrão. Visualmente, nota-se
que há coágulos macroscópicos na parede do tubo de coleta, mas mesmo assim o
técnico de laboratório executa a análise automatizada do hemograma dessa
amostra, que exibe baixa contagem de plaquetas (plaquetopenia). Há possibilidade
de algo na coleta da amostra de sangue ter afetado o resultado do exame? Quais
parâmetros do hemograma podem ser avaliados em conjunto com a contagem
plaquetária para confirmação ou exclusão de fatores interferentes?
Situações como essas, corriqueiras em laboratórios, nos fazem refletir sobre as
boas práticas laboratoriais e o quanto é importante com que os profissionais sigam
essas atitudes. O primeiro passo começa com a compreensão das bases teóricas
que fundamentam essas práticas, aspectos esses que você obterá a partir de
agora. Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE
A hemostasia pode ser definida como o equilíbrio entre a hemorragia e a formação
de trombos, ou seja, o sangue deve circular nos vasos sanguíneos de maneira
fluida. Caso ocorra uma das duas situações expostas, o organismo humano deve
ter mecanismos que inibam tanto o extravasamento sanguíneo como a trombose.
Pode-se dividir a hemostasia em primária e secundária, de acordo com o momento
de ativação de cada um de seus mecanismos. A hemostasia primária ocorre na
microcirculação, com a participação dos vasos sanguíneos, plaquetas e células
endoteliais; já a hemostasia secundária ocorre nos vasos de grande calibre, e os
fatores que dela participam são as plaquetas, as células endoteliais, os fatores da
coagulação, os inibidores fisiológicos da coagulação, o sistema fibrinolítico e os
mecanismos antifibrinolíticos. Não obstante essa divisão, as alterações na
hemostasia primária caracterizam as doenças hemorrágicas denominadas
púrpuras, ao passo que as alterações na hemostasia secundária caracterizam as
doenças hemorrágicas chamadas de coagulopatias.
A resposta hemostática normal ao dano vascular depende da íntima interação
entre a parede vascular, as plaquetas circulantes e os fatores de coagulação do
sangue. Um mecanismo eficiente e rápido para estancar o sangramento em locais
de lesão vascular é essencial à sobrevivência. No entanto, essa resposta precisa ser
estritamente controlada para evitar o desenvolvimento de coágulos extensos,
assim como os desfazer após a reparação do dano: por esse motivo, o sistema
hemostático é um equilíbrio entre mecanismos pró-coagulantes e anticoagulantes,

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aliado a um processo de fibrinólise. Dentre esses, o principal componente celular

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são as plaquetas.
As plaquetas são produzidas na medula óssea por fragmentação do citoplasma
dos megacariócitos, uma das maiores células do organismo. O precursor do
megacariócito, dito megacarioblasto, surge após diferenciação da célula-tronco
hematopoética.
O megacariócito amadurece por replicação endomitótica sincrônica, isto é,
replicação do DNA sem haver divisão nuclear ou citoplasmática, aumentando o
volume do citoplasma à medida que o número de lobos nucleares aumenta em
múltiplos de dois. Já nas formas precoces, são vistas invaginações da membrana
plasmática, chamada de membrana de demarcação, que evoluem durante o
desenvolvimento do megacariócito, constituindo uma rede altamente ramificada.
Em um estágio variável do desenvolvimento, o citoplasma torna-se granular. Os
megacariócitos maduros são enormes, com um único núcleo lobulado excêntrico e
baixa relação núcleo-citoplasmática.

Figura 4.1 | Megacariócito em meio às demais células sanguíneas

Fonte: Wikimedia Commons.

As plaquetas formam-se pela fragmentação das extremidades das extensões do


citoplasma do megacariócito, sendo que cada megacariócito dá origem de 1.000 a
5.000 plaquetas. As plaquetas são libertadas através do endotélio dos nichos
vasculares da medula onde os megacariócitos residem. O intervalo entre a
diferenciação da célula-tronco humana e a produção de plaquetas é de 10 dias, em
média.
O valor de referência para a contagem de plaquetas situa-se entre 150 e 400 ×
103/mL, sendo que a sobrevida plaquetária normal é de 9 a 10 dias. Curiosamente,
até um terço das plaquetas liberadas a partir da medula podem ser retidas em
qualquer momento no baço normal, apesar de essa retenção poder chegar a 90%
em casos de grande esplenomegalia.

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As plaquetas são muito pequenas e discoides, contendo em seus citoplasmas três

seõçatona reV
tipos de grânulos de armazenamento: grânulos densos, grânulos α e lisossomos.
Os grânulos específicos α, mais numerosos, contêm fatores de coagulação, fator de
Von Willebrand (FVW), fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), β-
tromboglobulina, fibrinogênio e outras proteínas. Os grânulos densos, menos
numerosos, contêm difosfato de adenosina (ADP), trifosfato de adenosina (ATP),
serotonina e cálcio, ao passo que os lisossomos contêm enzimas hidrolíticas em
seus interiores. Externamente às membranas, as glicoproteínas do revestimento
da superfície plaquetária são particularmente importantes nas reações de adesão
e agregação de plaquetas, que são os eventos iniciais que levam à formação do
tampão plaquetário durante a hemostasia. A adesão ao colágeno é facilitada pela
glicoproteína Ia (GPIa), enquanto as glicoproteínas Ib e IIb/IIIa são importantes na
ligação das plaquetas ao FVW e, em seguida, ao subendotélio vascular. O sítio de
ligação de IIb/IIIa também é o receptor de fibrinogênio, importante na agregação
plaqueta-plaqueta. Os fosfolipídios na membrana (antes conhecidos como fator
plaquetário 3 – PF3) têm importância particular na conversão do fator X da
coagulação em Xa (X ativado) e da protrombina (fator II) em trombina (fator IIa)
(Figura 4.2).

Figura 4.2 | Estrutura esquemática das plaquetas

Fonte: adaptada de Hoffbrand e Moss (2018).

A principal função das plaquetas é a formação de um tampão mecânico durante a


resposta hemostática normal frente à lesão vascular: na ausência de plaquetas,
costuma ocorrer vazamento espontâneo de sangue de pequenos vasos. A função
plaquetária pode dividir-se em reações de adesão, agregação, liberação e
amplificação. A imobilização das plaquetas nos sítios de lesão vascular requer
interações específicas plaqueta-parede vascular (adesão) e plaqueta-plaqueta
(agregação), ambas parcialmente mediadas pelo FVW.
A plaqueta normal caracteriza-se por ser um corpúsculo discoide, de coloração
azulada, com grânulos púrpura em seu interior, o que caracteriza a presença das
organelas plaquetárias (Figura 4.3). Em extensões sanguíneas confeccionadas com
sangue sem anticoagulante, é comum encontrar pequenos grumos plaquetários,
resultado da agregação plaquetária. Alterações de morfologia, como ausência de
grânulos e aumento do volume plaquetário (macroplaquetas ou plaquetas
gigantes), bem como alterações na morfologia discoide (plaquetas de formas
anômalas ou bizarras), estão correlacionadas com patologias plaquetárias.

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Figura 4.3 | Exemplo de plaquetas coradas pelo método panótico

seõçatona reV
Fonte: Wikimedia Commons.

As plaquetas devem ser avaliadas quanto ao número, à função e às suas


morfologias. A avaliação numérica é obtida a partir da contagem de plaquetas,
podendo ser feita de forma manual ou automatizada. A contagem manual de
plaquetas deve ser feita com muito rigor técnico e, muitas vezes, é difícil realizá-la;
para tanto, podem ser utilizados líquidos diluentes para essa finalidade.
Os líquidos diluentes para a contagem de plaquetas podem ser hemolisantes e não
hemolisantes: os primeiros causam hemólise eritrocitária (oxalato de amônio e
líquido de Stavem), o que minimiza o efeito de confusão entre hemácias e
plaquetas em hemocitômetros. Exemplos de diluentes não hemolisantes são o
líquido de Hayem, Rees-Ecker e citrato de sódio.
Quando se tem uma dúvida quanto ao resultado da contagem de plaquetas, elas
podem ser avaliadas, numericamente, a partir de extensões sanguíneas. Vários
métodos que permitem essa avaliação econtram-se descritos na literatura, dentre
os quais destaca-se o método de Fônio. À título de curiosidade, pode-se citar como
outros métodos com essa finalidade o método de O´Connor e o método de
Nosanchunk, Chang & Bennett.
No método de Fônio modificado, diferentemente do método original, que emprega
sulfato de magnésio a 14% para evitar a agregação plaquetária do sangue obtido
por punção digital, o método modificado utiliza extensões sanguíneas
confeccionadas a partir de amostras de sangue total coletadas com anticoagulante
EDTA. Aparte à coleta diferente, o restante da técnica original é mantido, no qual,
para se realizar a avaliação plaquetária em lâmina, contam-se, no microscópio
óptico, com aumento de 1.000 vezes, todas as plaquetas morfologicamente
normais em cinco campos contendo 200 eritrócitos cada, o que totaliza 1.000
eritrócitos: o valor obtido é multiplicado pela contagem de eritrócitos seguido da
divisão por 1.000.
Adicionalmente ao exposto, os analisadores hematológicos atuais fornecem, além
da contagem de plaquetas, índices plaquetométricos, a saber: volume plaquetário
médio (VPM); índice de variação do tamanho das plaquetas, análogo ao RDW dos
eritrócitos (PDW – do inglês platelet distribution width); plaquetócrito (PCT),
indicador da massa plaquetária e análogo ao hematócrito.
Alguns analisadores fornecem, ainda, um quarto índice denominado P-LCR
(platelet large cell ratio), que demonstra a proporção de plaquetas com volume
superior a 12 fL em relação à contagem total de plaquetas. A análise desse
parâmetro acaba sendo útil na detecção de macroplaquetas, plaquetas gigantes e
agregados plaquetários presentes na amostra.

0
ASSIMILE

Os parâmetros de volume plaquetário são determinados por analisadores

seõçatona reV
que utilizam os métodos ópticos ou baseados em impedância. Esses
mesmos métodos também possibilitam a avaliação de parâmetros
eritrocitários, porém normalizados para os tamanhos e as particularidades
morfológicas das células da série vermelha.

REFLITA

Sempre que possível, recomenda-se que a contagem de plaquetas seja


realizada por automação, pois o coeficiente de variação intrateste é em
torno de 2%, enquanto, na contagem manual, o mesmo coeficiente é de
22%. Essa variação é muito maior na contagem manual devido ao pequeno
tamanho apresentado pelas plaquetas, que torna difícil sua caracterização
e diferenciação de demais células pelos métodos manuais.

EXEMPLIFICANDO

Nas trombocitopenias adquiridas, um VPM aumentado evidencia uma


produção aumentada das plaquetas e função megacariocítica normal
(exemplos: púrpura trombocitopênica imunológica e coagulação
intravascular disseminada), ao passo que um VPM normal ou diminuído
sugere um defeito na produção de plaquetas, tal como na aplasia medular,
em leucemias agudas e uso de quimioterapia. O VPM também é útil para
monitorar a recuperação da concentração de plaquetas nas
trombocitopenias por ocorrer seu crescimento precoce quando a
concentração de plaquetas começa a aumentar.

REFERÊNCIAS
DUAYER, I. F. et al. Dialysis-related thrombocytopenia: a case report. Brazilian
Journal of Nephrology, v.
44, n. 1, p. 116-120, 2022. Disponível em: https://bit.ly/3SEQDW1. Acesso em: 28
jun. 2022.
HOFFBRAND, A V.; MOSS, P. A H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand.
São Paulo, SP: Grupo A, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3dp99le. Acesso em: 24
maio 2022.
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia: Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3zRe9X4. Acesso em:
24 maio 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo, SP: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3p8dQ5o. Acesso em: 24 maio 2022.
SILVA, P. H. da et al. Hematologia Laboratorial. São Paulo, SP: Grupo A, 2015.
Disponível em: https://bit.ly/3pd8lma. Acesso em: 24 maio 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
CONTAGEM DE PLAQUETAS, TESTE DE AGREGAÇÃO
PLAQUETÁRIA E ÍNDICES PLAQUETÁRIOS

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seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Anteriormente, foi exposta uma situação de recebimento de uma amostra de
sangue total de um recém-nascido colhida em tubo com anticoagulante EDTA
padrão. Nesse caso, percebeu-se a presença de coágulos macroscópicos na parede
do tubo, acompanhado de plaquetopenia após análise automatizada.
Aqui, percebe-se um claro caso de fator interferente pré-analítico que deve ser
minimizado pelo laboratório às vistas de um controle de qualidade abrangente e
garantia de resultados precisos. Amostras de sangue de recém-nascidos devem ser
colhidas em tubos de EDTA pediátricos, pois a proporção de anticoagulante nesses
é suficiente para impedir a coagulação sanguínea e não haver formação de
coágulos, já que os acessos venosos costumam ser difíceis, e o volume de sangue
colhido, portanto, é bem inferior ao de um indivíduo adulto.
Nesse caso, a plaquetopenia, provavelmente, explica-se devido a essa proporção
falha de anticoagulante e amostra sanguínea no tubo impróprio para esse
paciente: as plaquetas foram “consumidas” nos coágulos e, quando contadas pelo
analisador, poucas delas restavam para compor a contagem, resultando em
plaquetopenia. Não obstante, para assegurar a inexistência de uma
trombocitopatia, deve-se avaliar os índices plaquetométricos, notadamente o VPM,
em conjunto com a varredura do esfregaço sanguíneo.
Salienta-se, com base no exposto, mais uma vez, a importância da correlação de
informações do hemograma na análise conjunta dos dados laboratoriais do
paciente. Uma correta interpretação de casos clínicos sempre deve levar em
consideração tal tipo de análise e, assim, consegue-se garantir a qualidade dos
procedimentos laboratoriais executados.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

DIFERENÇAS NAS CONTAGENS PLAQUETÁRIAS SEGUNDO O


ANTICOAGULANTE UTILIZIADO
Um laboratório dispõe a seguinte observação em seu laudo de hemograma: “A
critério médico, sugere-se a solicitação de avaliação da contagem de plaquetas
colhidas com anticoagulante citrato em casos de plaquetopenia”. Ciente dessa
observação, um médico questiona os resultados da contagem de plaquetas de um
paciente com púrpura trombocitopênica idiopática, (PTI) que, segundo ele, se
apresenta muito elevada para um paciente com tal doença.

RESOLUÇÃO 
Nesse caso, deve-se avaliar, inicialmente, se houve solicitação da contagem de
plaquetas em citrato e, em caso positivo, qual foi o índice de variação entre as
contagens de citrato e EDTA: se a variação for superior a dois desvios-padrão,
deve-se solicitar uma nova coleta, pois algum fator interferente não detectado

0
está presente. Se a variação for inferior ao valor apresentado, deve-se verificar

seõçatona reV
se o paciente não está realizando terapia com agonistas de receptores de
trombopoietina (TPO), um tratamento comum para pacientes com PTI e que
pode causar uma leve elevação dos níveis de plaquetas já em curto prazo.
NÃO PODE FALTAR
PROVA DO LAÇO (PL), TEMPO DE SANGRAMENTO (TS) E TEMPO
DE COAGULAÇÃO (TC)

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Olá, estudante!
A coagulação sanguínea compreende uma série de mecanismos que atuam em
conjunto para controlar sangramentos e, assim, evitar que o organismo perca
parte da massa sanguínea. Para tanto, o primeiro mecanismo ativado em caso de
necessidade de controle de hemorragias envolve uma série de alterações
conformacionais e funcionais nos vasos sanguíneos e nas plaquetas circulantes.
O conhecimento dos fatores desencadeantes do mecanismo vaso-plaquetário da
hemostasia permite compreender a fisiopatologia da hemorragia, bem como
inúmeras doenças qualitativas e quantitativas das plaquetas. Dessa forma, aplicar
o conhecimento sobre essas púrpuras e trombocitpatias para a execução de testes
laboratoriais diagnósticos é de suma importância para a condução de uma
propedêutica eficaz.
Imaginemos a seguinte situação: o técnico do laboratório onde você trabalha como
analista realiza uma prova do laço de um paciente febril, apresentando cefaleia
intensa e gengivorragia. Logo no início do teste, nota-se o surgimento de inúmeras
petéquias no antebraço do paciente, associadas a um intenso dolorimento local. O
paciente irrita-se com o técnico, dizendo que ele “deixou seu braço roxo” por ter
executado inadequadamente o procedimento e decide queixar-se junto a você.
Como você explicaria o mecanismo causador do sangramento periférico ao
paciente? Existe alguma doença que poderia ser uma das suspeitas primárias para
tal alteração fisiopatológica?
A adequada compreensão de que a hemostasia não é composta por apenas um,
mas por vários mecanismos concomitantemente relacionados entre si, é de suma
importância para a correta avaliação dos resultados de testes de coagulação. Não
obstante, iniciar o estudo desses mecanismos com a atividade vaso-plaquetária lhe
fornecerá as bases fundamentais para iniciar essa jornada. Bons estudos!

CONCEITO-CHAVE
Hemostasia é o processo pelo qual o organismo procura controlar a perda
sanguínea por um vaso lesado, evitando o prolongamento desse sangramento. A
resposta hemostática normal ao dano vascular depende de uma íntima interação
entre a parede vascular, as plaquetas e os fatores de coagulação, além da atuação
conjunta de inibidores da coagulação e fatores fibrinolíticos (Figura 4.4).

Figura 4.4 | Componentes da hemostasia primária e secundária


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seõçatona reV
Fonte: adaptada de Silva et al. (2015).

A integridade do endotélio vascular é o elemento essencial que permite a


circulação apropriada do sangue. A constrição dos vasos arteriais ajuda a manter a
velocidade normal do fluxo sanguíneo e evita a estase, dificultando o
estabelecimento de um evento de trombose.
Conhecer as estruturas histológicas que compõem os vasos sanguíneos contribui
para a compreensão do mecanismo vaso-plaquetário da hemostasia primária. O
revestimento mais interno dos vasos sanguíneos é formado por uma camada
contínua de células epiteliais ditas endoteliais, que formam uma superfície lisa sem
solução de continuidade e que favorece a passagem do sangue em sua forma
líquida, impedindo eventuais turbulências que podem ativar as plaquetas e os
fatores de coagulação. Em direção à luz do vaso, uma membrana basal com alto
conteúdo de colágeno e uma camada de tecido conjuntivo, rico em fibroblastos,
dão sustentação às células endoteliais.
Não obstante essa estrutura elaborada, as células endoteliais dos vasos secretam
o fator von Willebrand, uma proteína necessária para que as plaquetas possam se
aderir ao colágeno subendotelial. As células musculares lisas dos vasos, por sua
vez, se interconectam com os fibroblastos e contraem-se na ocorrência de uma
perda de solução de continuidade, a fim de diminuir o fluxo sanguíneo no local
lesionado; esse evento é conhecido pelo nome de vasoconstrição.
Adicionalmente, quando um vaso é lesionado, o subendotélio, com colágeno
subjacente, é exposto e as plaquetas se ativam, iniciando uma série de fenômenos
que têm por finalidade evitar a hemorragia. As plaquetas ativadas se ligam
diretamente ao subendotélio por interação com o colágeno ou mediante o fator
von Willbrand. O primeiro sinal de ativação plaquetária é sentido na sua
membrana externa, onde os fatores capazes de promover essa ativação (fatores
agonistas) se ligam aos seus receptores específicos: consequentemente, a plaqueta
modifica sua forma, que passa de discoide a irregular, graças à emissão de
pseudópodes.
Várias glicoproteínas de membrana, denominadas GPs, atuam como receptores
nesse processo: a GPIb atua como receptor para o fator von Willebrand, que se fixa
à superfície plaquetária, formando uma ponte ou ligação entre as plaquetas e o
subendotélio vascular, onde as células endoteliais possuem receptores para esse
fator. A união do fator von Willebrand à GPIb forma um canal na membrana
plaquetária, permitindo o fluxo de cálcio do exterior para o interior da célula: esse
evento ativa a GPIIB/IIIa, induzindo a agregação de várias plaquetas ao tampão que
está se formando.
A ativação plaquetária também ativa outras moléculas de superfície das plaquetas,
tais como a GPIIB/IIIa, com isso, ocorre estabilização da adesão das plaquetas no

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vaso lesado, devido ao aumento da afinidade da GPIIb/IIIa pelos seus ligantes

seõçatona reV
colágeno e fibronectina. Em razão da capacidade de ligação do fibrinogênio às
integrinas plaquetárias ativadas, ocorre aumento da ativação, com recrutamento
de novas plaquetas ao tampão recém-formado em um sistema de feedback
altamente coordenado.
O fibrinogênio plasmático também se liga ao receptor GPIIb/IIIa, permitindo que as
plaquetas permaneçam ligadas entre si; essa ligação é facilitada pelo cálcio
plasmático e plaquetário. O aumento dos íons cálcio no interior das plaquetas
promove uma série de alterações nas plaquetas: elas emitem pseudópodes, ocorre
movimentação dos grânulos para o interior do citoplasma, há secreção dos
grânulos e aumento da aderência das plaquetas entre si por modificação física da
própria membrana externa, evento esse conhecido como agregação.
O evento de secreção, que consiste na liberação, ao meio externo, do conteúdo
dos grânulos alfa e corpos densos plaquetários, requer a reorganização do
citoesqueleto plaquetário. A secreção inicia quando um agonista, que pode ser a
trombina ou colágeno, se liga à membrana celular da plaqueta, ao mesmo tempo
em que a agregação plaquetária é estimulada. A partir desse momento, as
plaquetas ativadas e agregadas ao tampão dependerão da ativação dos fatores de
coagulação em cascata na hemostasia secundária para que haja completo controle
da hemorragia.
Sabendo-se, então, que a hemostasia primária é composta pelos eventos de
adesão e agregação plaquetária, podemos estudar laboratorialmente os distúrbios
relacionados a esses mecanismos por meio de provas funcionais e dosagem de
determinadas substâncias. Os exames que avaliam tais aspectos são: prova do laço
(PL), tempo de sangramento (TS), contagem de plaquetas e provas de avaliação da
função plaquetária, tais como dosagem do fator von Willebrand e teste de
agregação plaquetária.
A PL trata-se de uma prova funcional simples, porém inespecífica, que permite a
avaliação da fragilidade capilar. O método mais recomendado é o descrito por
Rumpell-Leede: mediante a compressão do esfigmomanômetro no braço na
pressão média (diferença entre a pressão sistólica e diastólica do paciente) por
cinco minutos, ocorrerá aumento da pressão nos capilares e anóxia, sendo que,
nos casos positivos, surgirão petéquias no antebraço (Figura 4.5). Um teste positivo
pode ser observado em trombocitopenias, reações vasculares tóxicas para
anormalidades vasculares hereditárias, bem como na maioria das disfunções
plaquetárias. O teste também é de grande valia como auxílio diagnóstico de casos
de dengue hemorrágico. No entanto, medicamentos contendo ácido acetilsalicílico
e outros antiinflamatórios não-esteroidais podem causar falsos-positivos.

Figura 4.5 | Exemplo de petéquias na prova do laço positiva


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seõçatona reV
Fonte: Wikimedia Commons.

Por sua vez, o TS é um teste que avalia a função plaquetária in vivo, contudo, para
que ele tenha valor clínico, deve ser feito com bastante rigor técnico. Nesse teste,
perfura-se a pele cerca de 1 mm de profundidade com o uso de uma lanceta,
lesando apenas os pequenos vasos onde atuam os processos envolvidos na
hemostasia primária; em seguida, coleta-se com um papel filtro as gotas de sangue
eliminadas naturalmente, sem pressionar a pele ao redor do ponto de perfuração.
Recomenda-se cronometrar a cada 30 segundos a coleta das gotas de sangue e,
com base na quantidade de gotas coletadas, calcular o tempo gasto para estancar
a hemorragia. Apesar da fácil execução, na atualidade, o teste vem caindo em
desuso, devido à falta de padronização, baixa sensibilidade e variabilidade dos
fatores interferentes individuais, tais como espessamento da pele e idade do
paciente.
A metodologia de TS, segundo Duke, é realizada preferencialmente por meio de
punção no lóbulo da orelha, já que a polpa digital é mais sujeita a variações
determinadas pelo tônus vascular. É importante lembrar que a sensibilidade da
técnica de Duke é baixa, eventualmente não detectando alterações da hemostasia
primária: de maneira a melhorar a sensibilidade do teste, pode ser realizada a
técnica de Ivy, na qual a punção é feita no antebraço, com o manguito de
esfigmomanômetro insuflado a 40 mmHg, realizando um corte padronizado, com
lâmina especial; sua limitação é inerente ao procedimento, que é ligeiramente mais
complicado de se executar do que a técnica de Duke.
O TS está aumentado nas alterações plaquetárias quantitativas e qualitativas e
pode estar alterado nas púrpuras vasculares, sendo o prolongamento em seu
tempo proporcional à plaquetopenia, entretanto, em pacientes com plaquetopenia
autoimune, o TS é desproporcionalmente curto, refletindo a função exacerbada
das plaquetas jovens em circulação. Ademais, uma das importantes limitações do
teste é que ele não diferencia as alterações plaquetárias das vasculares.
O teste de agregação plaquetária pelo método de Born (agregômetro de plaquetas)
está indicado na investigação de anormalidades qualitativas das plaquetas,
principalmente nas desordens congênitas. É usado também na investigação
laboratorial de pacientes com manifestações clínicas hemorrágicas ou trombóticas
e no acompanhamento de indivíduos em uso de antiagregantes plaquetários.
Nesse teste, verifica-se a resposta agregativa das plaquetas à adição de agentes
agregantes, notadamente a adenosina difosfato (ADP), adrenalina, colágeno e
ristocetina, comparando-se o tempo de agregação gasto após a adição de cada

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uma dessas substâncias.

seõçatona reV
Para a execução do teste de agregação, colhe-se o sangue do paciente para obter
um plasma rico em plaquetas e coloca-se no agregômetro. Através do tubo em que
está o plasma rico em plaquetas, passa um feixe de luz, cuja transmitância será
medida por uma fotocélula: quando as plaquetas estão em suspensão (plasma), a
transmitância é baixa; quando se adiciona o agente agregante, se houver
agregação, os grumos plaquetários tendem a sedimentar e a transmitância
aumenta. Comumente, na doença de von Willebrand e na doença de Bernard-
Soulier, a agregação frente à ristocetina é caracteristicamente anormal; já na
trombastenia de Glanzmann, a agregação está diminuída com todos os agregantes,
exceto com a ristocetina. Vale a pena destacar que a ristocetina não é agente
agregante plaquetário, pois produz apenas aglutinação das plaquetas na presença
de fator von Willebrand e da GPIb da membrana plaquetária.
Em suma, destaca-se que a utilidade do teste de agregação resume-se a identificar
o local do defeito da hemostasia primária, já detectado por meio de história clínica
e prolongamento do TS: embora muito pesquisado, o papel da hiperagregação
plaquetária no diagnóstico de doenças trombóticas é precário.
Em pacientes normais, após a coagulação completa do sangue, o coágulo começa a
retrair, deslocando-se gradualmente da parede do tubo e separando-se
claramente do soro. Esse evento pode ser detectado e mensurado mediante o
teste de retração do coágulo pelo método de Aggler-Lucia, cujo resultado depende
do número e da função plaquetária.
A principal indicação do teste de retração do coágulo é como auxílio diagnóstico na
trombastenia de Glanzmann, na qual a retração é praticamente nula. Também,
encontra-se reduzido nas plaquetopenias graves, na doença de Von Willebrand e
na hiperfibrinogenemia. Contudo, devido à baixa reprodutibilidade e à precária
padronização do método, trata-se de um teste em desuso na atualidade.

ASSIMILE

Existem poucos testes laboratoriais destinados a avaliar o mecanismo vaso-


plaquetário da hemostasia, e mesmo esses poucos testes possuem
inúmeros fatores interferentes de natureza pré-analítica que devem ser
levados em consideração durante sua execução: estresse do paciente e uso
de medicamentos com potencial anticoagulante costumam ser os mais
frequentes desses fatores. A utilização de anticoagulantes inadequados
(notadamente o EDTA) também costuma ser um fator interferente grave,
salientando a necessidade do citrato como anticoagulante de escolha.

REFLITA

Repare que somente as plaquetas e a vasoconstrição não são suficientes


para controlar uma hemorragia: uma vez que as plaquetas se agregaram ao
local do vazamento sanguíneo, ainda existem espaços entre elas, por onde
o sangue pode continuar fluindo. Ademais, a ligação relativamente instável
das plaquetas não é capaz, por si só, de ativar os mecanismos de reparo e
regeneração do endotélio lesionado. Por esse motivo, os fatores de
coagulação da hemostasia secundária também são ativados pelas

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substâncias secretadas pelas plaquetas ativadas, sendo capaz de regular a

seõçatona reV
atividade dessa ativação e agregação por feedback.

EXEMPLIFICANDO

Pacientes portadores de hemofilia apresentam um defeito no fator VIII da


hemostasia secundária, que impede sua coagulação eficaz. No entanto, ao
executarmos uma contagem de plaquetas nesses pacientes, podemos
obter contagens normais, ainda que exista uma coagulopatia presente:
nesses casos, o teste de triagem mais comumente empregado para
fundamentar a hipótese diagnóstica são os testes de avaliação da função
plaquetária, que apresentam alterações mesmo sendo o defeito primário
da doença relacionado a um fator de coagulação defeituoso.

REFERÊNCIAS
HOFFBRAND, A V.; MOSS, P. A H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand.
São Paulo, SP: Grupo A, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3pddv1w. Acesso em: 24
maio 2022.
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia: Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3p9jXpY. Acesso em:
24 maio 2022.
MELO, L. M. M. P. de et al. Estudo de fatores pró-trombóticos e pró-inflamatórios
na cardiomiopatia chagásica. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 95, n. 5, p.
655-662, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3pafKT7. Acesso em: 7 jun. 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo, SP: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3SGGhoE. Acesso em: 24 maio 2022.
SILVA, P. H. da et al. Hematologia Laboratorial. São Paulo, SP: Grupo A, 2015.
Disponível em: https://bit.ly/3vVxANm. Acesso em: 24 maio 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
PROVA DO LAÇO (PL), TEMPO DE SANGRAMENTO (TS) E TEMPO
DE COAGULAÇÃO (TC)

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seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Na situação-problema citada anteriormente, foi realizada a prova do laço em um
paciente febril com cefaleia intensa e gengivorragia. Como o procedimento levou à
intensa dor durante sua execução e o paciente sentiu-se prejudicado com a
vermelhidão intensa no local do teste, ele encaminhou uma queixa ao analista
responsável, que precisa explicar a ele sobre os motivos para tal desfecho
incômodo.
Segundo os sinais clínicos apresentados pelo paciente, existe compatibilidade com
um quadro de dengue, potencialmente hemorrágico: nessa doença, há aumento
da fragilidade capilar devido ao dano vascular induzido pela replicação viral, além
de alterações significativas na contagem de plaquetas serem frequentemente
observadas.
Com base na suspeita diagnóstica, é perfeitamente plausível, portanto, que o
paciente apresente uma prova do laço positiva e não raramente sejam vistas
extensas hemorragias capilares em seu antebraço. A ocorrência desses resultados
é documentada na literatura e é perfeitamente coerente com a fisiopatologia da
doença, que deve ser explicada ao paciente pelo analista como justificativa tanto
para a vermelhidão no local como para a dor sentida por ele.
Situações como essas são comuns em laboratórios clínicos e devem ser
contornadas com paciência e empatia: o paciente está doente e incomodado com a
situação. É papel do profissional de saúde, em uma situação como a exposta,
confortar o paciente e explicar a ele, em linguagem acessível, as causas de seu
desconforto durante a execução do procedimento.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

EXECUÇÃO INCORRETA DO TEMPO DE SANGRAMENTO


Você é o analista de controle de qualidade laboratorial e percebe que um técnico
de laboratório contratado há pouco tempo têm registrado resultados
excessivamente prolongados de tempo de sangramento nos pacientes.
Suspeitando de uma falha de execução do procedimento padrão, você decide
revisar a execução da técnica desse exame. Dessa forma, o técnico lhe descreve a
técnica e informa que permanece pressionando o lóbulo da orelha após perfurá-lo
com a lanceta.

RESOLUÇÃO 

O técnico deve ser orientado de que, ao puncionar com a lanceta o lóbulo da


orelha, este não pode ser pressionado. O mecanismo vaso-plaquetário da
coagulação deve ser avaliado de forma natural, sem a interferência da pressão
no local da hemorragia, para que não haja tanto dificuldade de coagulação,
como hipercoagulabilidade no local. Por fim, sugere-se ao técnico que leia os

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documentos constantes no Procedimento Operacional Padrão (POP) da técnica

seõçatona reV
de TS e tire eventuais dúvidas com o analista da qualidade antes da execução
de novos exames, evitando-se falsos resultados.
NÃO PODE FALTAR
TEMPO DE PROTROMBINA (TP) E TEMPO DE TROMBOPLASTINA
PARCIAL ATIVADA (TTPA)

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Fernando Marques Rodrigues

seõçatona reV
PRATICAR PARA APRENDER
Olá, estudante!
Os eventos químicos que compõem a hemostasia envolvem uma série de
substâncias plasmáticas distintas que atuam em conjunto para auxiliar o tampão
plaquetário no controle da hemorragia. O mecanismo vaso-plaquetário da
hemostasia primária inicia o processo de contenção da saída de sangue dos vasos
sanguíneos, porém a participação dos fatores de coagulação é vital para a
continuidade do processo.
O objetivo final da coagulação plasmática consiste na formação de um tampão de
fibrina a partir da ativação do fibrinogênio circulante. A fibrina formada compõe
uma intrincada rede que entremeia as plaquetas fixadas no vaso sanguíneo
lesionado, com grande coordenação com a ativação e agregação plaquetária.
Contudo, a formação da fibrina não é produto de uma reação química simples; ao
contrário, os fatores de coagulação passam um complexo processo de ativação em
cascata para formar a fibrina, que deve ser dissolvida pelo processo de fibrinólise
ao término da hemorragia e início da cicatrização.
Tomando por base essa miríade de eventos químicos, imagine-se na seguinte
situação: você é um profissional de pesquisa atuante no estudo das anormalidades
de coagulação observadas em pacientes vacinados contra o SARS-CoV-2 (Covid) e
está desenvolvendo um projeto de pesquisa que avaliará a adequabilidade da
coagulação sanguínea de pacientes pediátricos para uma nova vacina. Você é
questionado por um clínico sobre como ele, enquanto clínico praticante, pode
diferenciar laboratorialmente um paciente com distúrbios coagulativos Covid-
relacionados de outros pacientes com distúrbios similares, porém de outra
etiologia. Quais os testes laboratoriais que você sugeriria para análise por parte do
clínico? Quais as correlações que podem ser feitas entre a hemostasia química e
algumas infecções virais?
O conhecimento que você adquirirá sobre os mecanismos dessa unidade lhe
fornecerá bases fundamentais não somente para compreender os testes
laboratoriais restantes do coagulograma, como também para propor abordagens
terapêuticas que possibilitem o controle de importantes coagulopatias. Bons
estudos!

CONCEITO-CHAVE
A fase secundária da hemostasia engloba os eventos que levam à formação de um
coágulo consistente, capaz de cessar a lesão vascular, graças à deposição de uma
rede de fibrina entre as plaquetas agregadas. A fibrina se forma pela ativação dos
fatores da coagulação sanguínea, que se ativam pelas próprias plaquetas e por
estímulo das células endoteliais. O mecanismo da coagulação química é regulado
por uma série de fatores que impedem a formação irregular de trombos, ou
coágulos, no interior dos vasos. Dessa forma, ao término da hemostasia, o vaso
deve ser recanalizado para que o fluxo sanguíneo se restabeleça normalmente. Por
esse motivo, a última etapa da hemostasia compreende a fibrinólise, ou seja, a

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dissolução da fibrina formada por ação enzimática. Dentre essas enzimas, a

seõçatona reV
plasmina também circula em condições normais sob a forma inativa ou
plasminogênio. Assim, a coagulação consiste numa cadeia de reações, que têm por
finalidade a transformação do fibrinogênio em fibrina. Nessa conversão participam
três grupos de substâncias: enzimas ativas, ditas fatores da coagulação, que se
formam a partir de proenzimas ou fatores inativos; íons Ca++; fosfolípides
presentes nas membranas plaquetárias e endoteliais. A formação da trombina é o
ponto mais importante do mecanismo da coagulação, já que essa molécula
interfere na ativação das plaquetas e na formação de uma rede de fibrina que
transformará o plug plaquetário instável da hemostasia primária em um coágulo
firme, que impedirá uma perda hemorrágica importante. Durante muito tempo,
considerou-se a existência de duas vias independentes no mecanismo da
hemostasia secundária: a via intrínseca e a via extrínseca. Na atualidade, sabe-se
que ambas as vias são relacionadas entre si, formando uma série de
acontecimentos ou reações sequenciais ditas “em cascata”. As proteínas que
atuam nessas vias, ditas fatores de coagulação procoagulantes, circulam no
plasma, participando na formação da trombina, importante para a transformação
do fibrinogênio em fibrina. Notadamente, a via intrínseca consiste numa série de
proteínas que circulam sob forma inativa ou precursora, denominadas zimogênios,
formando dois grupos: enzimas do tipo serina protease (ex.: fatores XII, XI, X, IX, VII,
II e XIII); e cofatores (ex.: fatores V, VIII e cininogênio de alto peso molecular -
HMWK). Em contraste com a via intrínseca, a via extrínseca da coagulação é capaz
de gerar trombina a partir do fator tissular, que se liga ao fator VII e o transforma
em fator VII ativado (VIIa), por sua vez capaz de ativar o fator X (Xa): a partir desse
ponto, as duas vias acabam por gerar trombina, convergindo em uma via comum.
Os fatores da coagulação são designados por algarismos romanos de I a XIII,
conforme mostra a Figura 4.6.

Figura 4.6 | Nomenclatura dos fatores de coagulação plasmáticos

Fonte: adaptada de Lorenzi (2006).

A ativação da via intrínseca da coagulação tem lugar após o contato do plasma com
uma superfície carregada negativamente: experimentalmente, reproduzimos essa
interação colocando em contato vidro, caolim ou colágeno com a amostra de
plasma e, consequentemente, há ativação dos fatores XII e XI. Por outro lado, a via
extrínseca da coagulação envolve o fator VII e o fator tissular: o fator VII possui
atividade proteolítica própria e pode atuar diretamente na ativação do fator X, que,
por sua vez, pode também ser ativado por outras enzimas proteolíticas, tais como
os fatores XIIa, XIa, Xa, IXa e a trombina. Em suma, esses eventos demonstram que

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a separação da hemostasia secundária em vias intrínseca e extrínseca não possui

seõçatona reV
razão de ser mantida, exceto para fins didáticos.
A vitamina K é necessária para a síntese de quatro fatores com ação
procoagulante: protrombina, fator VII, fator IX e fator X; além de três proteínas que
são anticoagulantes, ditas proteínas C, S e Z. Não obstante, a vitamina K também é
necessária para a síntese da proteína M, cuja ação ainda obscura parece ser a de
auxiliar na conversão da protrombina em trombina. A transformação da
protrombina em trombina envolve reações enzimáticas que se processam em
cadeia. A ação do fator Xa sobre a protrombina permite a formação de dois
fragmentos moleculares e de alfa-trombina ativa, porém ele precisa de três
cofatores para sua atividade plena. A associação do fator Xa com fosfolípides
plaquetários e o fator Va, na presença de íons Ca++, forma um complexo designado
protrombinase, o que aumenta muito a atividade de conversão da protrombina em
trombina pelo fator Xa.
Durante muito tempo, admitiu-se que o mais importante para desencadear a ação
dos fatores da coagulação seria a ativação da fase de contato, em especial, a
ativação do fator XII; na atualidade, considera-se igualmente importante a ativação
do fator VII pelo fator tissular III ou tromboplastina, com a consequente formação
de um complexo que, por sua vez, ativa os fatores IX e X na presença de Ca++.
Adicionalmente, considerava-se que o fator VII atuava apenas na via extrínseca da
coagulação: sabe-se hoje que o fator VII é capaz de ativar o fator IX e seria,
inclusive, capaz de iniciar por si mesmo o mecanismo da coagulação. Não
obstante, o fator VII tem como uma de suas características o fato de não precisar
ser ativado por proteólise como a maioria dos demais fatores de coagulação.
Complementando o exposto até o momento, o fator X é ativado pelo complexo IXa
+ VIIIa + Ca++ + fosfolípides, assim como pelo fator VIIa + fator tissular; nesse ponto,
as vias intrínseca e extrínseca da coagulação seguem um caminho comum.
O fator V é cofator do fator Xa e facilita o acúmulo do fator X na membrana
plaquetária para a ocorrência das ativações em cascata. Não obstante, o ponto
importante de transformação da protrombina em trombina, ou seja, a ativação da
protrombina (fator II) depende da ação conjunta de Va + Xa + Ca++ + fosfolípides.
O fator VIII é um complexo glicoproteico formado por dois componentes: fator VIII
coagulante (VIII:C), também dito fator anti-hemofílico; e fator von Willebrand (fvW).
O VIII:C possui baixo peso molecular, é ativado pela trombina e inativado pela
plasmina na fibrinólise, sendo que a deficiência do fator VIII:C é encontrada na
hemofilia A, ao passo que a deficiência do vWF é observada na doença de von
Willebrand. Por sua vez, o fator XIII é importante para a formação de um coágulo
firme e estável, atuando também sobre a fibronectina, proteína presente no
plasma, no tecido conjuntivo e nas células endoteliais. O fator XIII promove a
ligação da fibrina ao colágeno por intermédio da ação de moléculas da
fibronectina. Tal atividade contrasta com a ativação do fator XII, que não está
totalmente esclarecida: sabe-se que, quando a clivagem da molécula do fator XII
ocorre em um ponto diferente daquele que origina o XIIa, forma-se um produto,
cuja atividade coagulante é muito pequena, dito fator alfa XIIa (αXIIa), mas que é
capaz de ativar a precalícreína em calicreína.
Do outro lado do espectro dos fatores de coagulação, a proteína C, de ação

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anticoagulante, quando ativada, inibe os fatores Va e VIIIa. Essa proteína possui

seõçatona reV
ação estimulante também sobre a fibrinólise e somente é ativada pela trombina
quando está ligada à trombomodulina. Adicionalmente, a proteína S é um cofator
da proteína C, responsável por intensificar a ação anticoagulante da proteína C
ativada. A molécula do fibrinogênio é central na hemostasia secundária, sendo
clivada pela trombina e pela plasmina em pontos diferentes para conversão em
fibrina. Ao ser clivada, liberam-se dois peptídeos, denominados fibrinopeptídeos A
e B, a partir da porção terminal das cadeias alfa e beta. Em seguida, a plasmina
digere o restante da molécula do fibrinogênio, liberando dois fragmentos
resistentes a essa digestão, denominados fragmentos D e E. O resultado dessas
clivagens é a fibrina, que se intercala às plaquetas no tampão plaquetário. Uma vez
formada a fibrina e estancada a hemorragia, é necessário que o coágulo se desfaça
pelo processo de fibrinólise, um mecanismo de dissolução enzimática do coágulo
que se forma após a lesão do endotélio vascular sobre a qual se deposita a rede de
fibrina. A fibrinólise permite a recanalização do vaso antes lesado e tamponado, a
fim de que o fluxo sanguíneo seja restabelecido. Dessa forma, a enzima
responsável pela lise do coágulo é a plasmina, que se ativa a partir de um
precursor chamado plasminogênio. Na circulação sanguínea, existem substâncias
que são ativadoras do plasminogênio e outras que são inibidoras, de modo que,
como acontece com a coagulação, na fibrinólise também deve haver um equilíbrio
entre esses dois tipos de substâncias. Todavia, ocorrerá fibrinólise fisiológica
sempre que na circulação houver formação de coágulo, salvo em distúrbios
patológicos. A ativação do plasminogênio ocorre após a clivagem da molécula na
ligação que separa as cadeias A e B. Essa clivagem pode ser mediada por uma
enzima, a uroquinase, ou por outros ativadores do plasminogênio, que se torna
plasmina. Essa ativação é controlada por outras substâncias, cujo papel é inibir o
excesso de produção da plasmina, tais como as antiplasminas e as substâncias
antagonistas do plasminogênio, como o PAI-1 e o PAI-2. Sob a ação da plasmina, o
fibrinogênio e a fibrina sofrem proteólise, dando origem aos chamados produtos
de degradação do fibrinogênio/fibrina ou PDFs. A plasmina resultante da ativação
do plasminogênio atuará em três pontos no esquema da coagulação: clivagem dos
fatores V e VIII:C; fibrinólise e fibrinogenólise. Laboratorialmente, podemos avaliar
a hemostasia secundária por meio de vários testes distintos, tais como o tempo de
protrombina (TP). Nesse teste, cronometra-se o tempo necessário para a
coagulação do plasma após a adição de extrato de cérebro com atividade
tromboplástica padronizada e de cálcio. Quando se usa tromboplastina de cérebro
humano, o TP mostra valores normais, geralmente expressos em porcentagem
relativa à normalidade com base em uma curva de equivalência elaborada a partir
de plasmas diluídos: os valores normais variam de 12 a 15 segundos e entre 50-
100% da normalidade. O TP mede a via extrínseca da coagulação, prolongando-se
nas deficiências seletivas ou conjuntas dos fatores II, V, VII, X e fibrinogênio. Como
os quatro fatores citados são sintetizados no fígado e três dos quais são vitamina
K-dependentes, o TP é usado para auxiliar no estudo das coagulopatias
secundárias às doenças hepatobiliares, para acompanhamento do tratamento com
dicumarínicos e quando há suspeita de deficiência de vitamina K.
Um outro teste laboratorial que avalia o mecanismo secundário da hemostasia é o

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tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA). Esse teste avalia a via intrínseca

seõçatona reV
da coagulação, com valores normais variando entre 30 a 50 segundos. Trata-se de
um tempo gasto para coagulação corrigido pela adição de fosfolípides, que
substituem aqueles de origem plaquetária, e do caolim, que padroniza o início da
coagulação pela rápida ativação do fator XII. O TTPA é usado na triagem pré-
operatória de pacientes do sexo masculino, em casos de suspeita de hemofilia e
quando a história clínica não fornece subsídios para afastar tal hipótese. Esse teste
exibe prolongamento em 98% dos casos de hemofilia e na maioria das demais
coagulopatias, com exceção das deficiências dos fatores VII e XIII. Inicialmente,
deve ser feito com o tempo de protrombina em pacientes com síndrome
hemorrágica a esclarecer. Também, altera-se na presença de inibidores da
coagulação e de anticoagulantes, assim como nas disfibrinogenias, na insuficiência
hepática e na coagulação intravascular disseminada (CIVD).

ASSIMILE

Outro exame laboratorial que complementa a avaliação do mecanismo


intrínseco é o tempo de coagulação (TC), feito com sangue total. Nesse
teste, mede-se o tempo que o sangue total venoso colhido leva até́
coagular, após ser transferido para um tubo de ensaio colocado a 37 °C.
Entretanto, não é um teste muito sensível e não se altera quando há́
deficiência do fator VII, costuma estar prolongado quando há́
anticoagulantes naturais (ex.: inibidor do fator VIII ou lúpico) e na
deficiência do fator XII. Seu tempo normal varia de cinco a 10 minutos.

REFLITA

Muitos dos fatores de coagulação descritos nessa unidade ainda possuem


seus mecanismos de ação exatos não compreendidos em sua totalidade.
Uma vez que muitos deles agem de maneira codependente entre si, torna-
se difícil a caracterização exata de suas funções individuais. Prova dessa
dificuldade é a necessidade de correlação de vários testes laboratoriais em
conjunto para compor um diagnóstico assertivo e coerente.

EXEMPLIFICANDO

A hemofilia é uma coagulopatia hereditária ligada ao sexo masculino. A


transmissão se faz pelo cromossomo X, manifestando-se praticamente
apenas nos homens; entretanto, as mulheres atuam como portadoras. O
termo hemofilia é usado para indicar a deficiência do fator VIII (hemofilia A)
ou do fator IX (hemofilia B), sendo a primeira muito mais frequente (85%
dos casos) do que a segunda (15%).

REFERÊNCIAS
HENNEBERG, R. et al. Avaliação do pool de plasma caseiro como controle
normal para o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTP). Jornal Brasileiro
de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 47, n. 1, p. 39-42, 2011. Disponível em:
https://bit.ly/3QhYFCI. Acesso em: 14 jun. 2022.

0
HOFFBRAND, A V.; MOSS, P. A H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand.

seõçatona reV
São Paulo, SP: Grupo A, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3Qf2Qzh. Acesso em: 24
maio 2022.
LORENZI, T. F. Manual de Hematologia: Propedêutica e Clínica. 4. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Grupo GEN, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3BTzpy7. Acesso em:
24 maio 2022.
RODRIGUES, A. D. et al. Hematologia básica. São Paulo, SP: Grupo A,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3QC8bQY. Acesso em: 24 maio 2022.
SILVA, P. H. da et al. Hematologia Laboratorial. São Paulo, SP: Grupo A, 2015.
Disponível em: https://bit.ly/3AfDThC. Acesso em: 24 maio 2022.
FOCO NO MERCADO DE TRABALHO
TEMPO DE PROTROMBINA (TP) E TEMPO DE TROMBOPLASTINA
PARCIAL ATIVADA (TTPA)

0
seõçatona reV
Fernando Marques Rodrigues

SEM MEDO DE ERRAR


Anteriormente, expusemos uma solução-problema na qual você é um profissional
de pesquisa desenvolvendo um projeto de avaliação da adequabilidade da
coagulação sanguínea de pacientes pediátricos para uma nova vacina contra o
SARS-CoV-2. Aqui, você recebe o questionamento de um clínico sobre como ele,
enquanto clínico praticante, pode diferenciar laboratorialmente um paciente com
distúrbios coagulativos Covid-relacionados de outros pacientes com distúrbios
similares, porém de outra etiologia.
Muitas doenças virais afetam a coagulação sanguínea, causando estados de
hipercoagulabilidade ou hipocoagulabilidade. Os mecanismos interferentes sobre
a coagulação são variados, porém podem envolver aumento do consumo de
fatores de coagulação por ativação exagerada da resposta
imunológica/inflamatória ou efeitos diretos sobre a expressão de proteínas e
ligantes dos fatores de coagulação nas células endoteliais e plaquetas.
A diferenciação desses estados virais que afetam a coagulação das coagulopatias
sempre deverá envolver a realização de testes sorológicos e/ou moleculares para
complementar os achados dos testes hemostáticos convencionais. Uma vez que
esses últimos testes avaliam genericamente os mecanismos intrínseco e extrínseco
da coagulação, a investigação aprofundada de quais fatores de coagulação
encontram-se afetados é de suma importância para a diferenciação entre os
quadros de etiologias distintas.

AVANÇANDO NA PRÁTICA

REALIZAÇÃO DE TESTES DE HEMOSTASIA EM SITUAÇÕES DE


URGÊNCIA
Durante seu plantão no laboratório de análises clínicas de um hospital, você
recebe a solicitação de um TP para uma paciente gestante que se queixa de fortes
dores abdominais e sangramento genital difuso. Ao realizar esse exame, você
percebe que o tempo de coagulação está curto, o que lhe faz questionar a
calibração do equipamento e a qualidade dos reagentes.

RESOLUÇÃO 

A avaliação dos possíveis fatores interferentes deve ser feita de forma rápida e
precisa, pois pacientes gestantes com essa sintomatologia e resultados
laboratoriais são compatíveis com aborto, levando à CIVD, condição essa
potencialmente fatal para a paciente. Deve-se avaliar se o reagente utilizado
para o teste se encontra aberto há mais de 24 horas, o que diminui sua
viabilidade de uso e pode causar resultados falsamente baixos. Outro
importante item a ser observado é se a coleta de plasma da paciente foi feita
respeitando-se a proporção de anticoagulante citrato do tubo de coleta

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seguida de adequada centrifugação para separação entre plasma e

seõçatona reV
componentes celulares: caso essa proporção ou centrifugação não tenha sido
bem executada, constitui importante fonte de erro para a interpretação dos
resultados.

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