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Inventário de Traços Calosos-Insensibilidade Emocional / Inventory of


Callous-Unemotional Traits (ICU)

Chapter · December 2017

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Pedro Pechorro Ricardo Barroso


University of Coimbra Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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João Maroco Rui Gonçalves


ISPA Instituto Universitário University of Minho, Braga
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Inventário de Traços Calosos/
/Insensibilidade Emocional (ICU)
Pedro Pechorro, Ricardo Barroso, João Maroco e Rui Abrunhosa Gonçalves
5
Psicopatia

5.1. Indicações

O Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional (Inventory of Callous­


‑Unemotional Traits – ICU; Essau, Sasagawa, & Frick, 2006) procura avaliar a presença
de traços calosos/insensibilidade emocional (frieza emocional/ausência de emocio-
nalidade) em jovens (e.g., ausência de culpa, de empatia, de investimento afetivo nos
outros). Existem cinco versões: Autorrelato do Jovem (Youth Self-Report), Relato Pais,
Relato Pais (idade pré-escolar) [Parent Report, Parent Report (Preschool Version)] e Re-
lato Professores, Relato Professores (idade pré-escolar) [Teacher Report, Teacher Report
(Preschool Version)].

A versão de Autorrelato do Jovem, aqui apresentada, pode ser aplicada a adolescentes


entre os 12 e os 18 anos de idade. Trata-se de uma escala com 24 itens (e.g., “Não mos-
tro as minhas emoções às outras pessoas”; “Pareço ser muito frio e insensível às outras
pessoas”). Evidenciam-se neste inventário três subescalas:

„„ Calosidade/Frieza Emocional (Callousness) – estão inseridos nesta dimensão


itens que procuram averiguar a competência de demonstrar preocupação pelo
sofrimento de outros (e.g., “Não me importa quem magoo para conseguir o que
quero”);
„„ Insensibilidade Emocional (Unemotional) – os itens desta dimensão centram-se
no funcionamento emocional do jovem, concretamente na preocupação que este
tem em relação aos sentimentos de outros e de si próprio (e.g., “Tento não ma-
goar os sentimentos das outras pessoas”);
„„ Indiferença Emocional (Uncaring) – estão inseridos nesta subescala itens relacio-
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nados com a expressão e gestão emocional (e.g., “Não mostro os meus sentimen-
tos aos outros”).
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5.2. História

O ICU teve origem no Dispositivo de Despiste de Processo Antissocial (Antisocial


Process Screening Device – APSD; Frick & Hare, 2001), um instrumento psicométrico
projetado para avaliar traços psicopáticos em crianças e adolescentes que foi original-
mente modelado a partir da Escala de Psicopatia de Hare – Verão Revista (Psychopathy
Checklist – Revised – PCL-R; Hare, 2003), já validada em Portugal (Pechorro, Hidalgo,
Nunes, & Jiménez, 2016), com base em amostras clínicas e da comunidade. No decor-
rer dos estudos, os autores verificaram que os traços calosos/insensibilidade emocional
emergiam como fatores distintos em amostras forenses, clínicas e da comunidade de
rapazes e raparigas (Frick, Bodin, & Barry, 2000; Vitacco, Rogers, & Neumann, 2003).
Nos últimos anos têm vindo a ser progressivamente feitos estudos para desenvolver
e aperfeiçoar medidas psicométricas de traços calosos/não emocionais em crianças e
adolescentes (e.g., Essau et al., 2006; Frick, Ray, Thornton, & Kahn, 2013; Kimonis et al.,
2008; Roose, Bijttebier, Decoene, Claes, & Frick, 2010).

5.3. Fundamentação teórica

A presença de traços calosos/insensibilidade emocional (e.g., de frieza emocional) tem


vindo cada vez mais a ser associada a uma importante trajetória desenvolvimentista
explicativa do comportamento antissocial e agressivo nos jovens, tal como já acontece
nos adultos (Hare, 1999), nos quais a presença destes traços indica um tipo particu-
larmente grave e violento de delinquência. Barry et al. (2000) focaram-se na utilização
dos traços calosos/insensibilidade emocional para identificar um subgrupo de crianças
com Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção e com Perturbação da Oposição
ou Perturbação do Comportamento que demonstravam ter características semelhantes
a adultos com psicopatia. Os resultados indicaram que as crianças com traços calosos/
/insensibilidade emocional elevados demonstravam características tipicamente associa-
das a psicopatia (e.g., ausência de medo, estilo de resposta dominado pela recompensa)
e pareciam menos perturbadas com os seus problemas de comportamento. Os autores
concluíram que apenas a impulsividade e os comportamentos antissociais são insufi-
cientes para classificar pessoas cuja conduta se enquadra no diagnóstico de psicopatia.
Loney, Frick, Clements, Ellis e Kerlin (2003) analisaram a reatividade emocional de
adolescentes com problemas de comportamento antissocial utilizando um paradigma
de decisão lexical, dado que em amostras forenses de adultos os traços psicopáticos
estão relacionados com anormalidades no processamento de estímulos emocionais.
Os resultados indicaram que a dimensão de traços calosos/insensibilidade emocional
estava associada a reações mais lentas a palavras negativas, enquanto os problemas de
Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional (ICU) 89

controlo de impulsos estavam relacionados com reações mais rápidas. Os autores suge-
rem que os diferentes padrões de reatividade emocional podem caracterizar subgrupos
distintos de jovens com problemas de comportamento antissocial. Pardini, Lochman e
Frick (2003) analisaram a relação entre os fatores traços calosos/insensibilidade emo-
cional e impulsividade/perturbação do comportamento em adolescentes detidos. Os
resultados apoiaram a natureza bidimensional dos dois fatores, sendo que os traços ca-
losos/insensibilidade emocional estavam fortemente associados a défices na empatia
emocional e cognitiva, enquanto o fator impulsividade/perturbação do comportamento
estava mais fortemente relacionado com desregulação do comportamento.

Kimonis, Frick e Barry (2004) examinaram a associação entre os traços calosos/insen-


sibilidade emocional e a afiliação a grupos de jovens delinquentes, tendo concluído que
os jovens com pontuações mais altas nos traços calosos/insensibilidade emocional e nos
problemas de comportamento eram os que demonstravam ter maior afiliação com gru-
pos de pares delinquentes. Frick, Stickle, Dandreaux, Farrell e Kimonis (2005) procura-
ram investigar se a presença de traços calosos/insensibilidade emocional caracterizava
crianças com problemas de comportamento e com um padrão especialmente grave e
crónico de delinquência. Os resultados indicaram que as crianças com traços calosos/
/insensibilidade emocional elevados eram as que tinham níveis mais elevados de Per-
turbação do Comportamento, delinquência autorrelatada e contactos com a polícia.
Na sua revisão de literatura sobre a importância dos traços calosos/ insensibilidade emo-
cional, Frick e White (2008) apontaram fortes evidências da relação entre os traços ca-
losos/insensibilidade emocional em particular (e dos traços psicopáticos em geral) com
problemas do comportamento mais graves, delinquência, agressão e violência. Existe
um número crescente de evidências segundo as quais os traços calosos/insensibilidade
emocional caracterizam um subgrupo de jovens com um padrão particularmente mar-
cado de comportamento antissocial e agressivo, que emerge precocemente na sua vida e
os torna particularmente suscetíveis a tornarem-se delinquentes persistentes.

Os comportamentos antissociais e agressivos dos jovens com estes tipos de traços ele-
vados parecem estar menos relacionados com fatores de adversidade (e.g., más práticas
parentais, baixa inteligência), sendo que estes jovens aparentam ter características qua-
litativamente distintas a nível emocional e cognitivo (e.g., ausência de medo a punições
e perigos, busca persistente de sensações e novidades) que levam a que a sua trajetória
delinquencial seja qualitativamente diferente.
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90 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

5.4. Estudos realizados em Portugal

5.4.1. Objetivos

O estudo psicométrico do ICU à população portuguesa iniciou-se durante os anos de


2012 e 2013. Para além do estudo aqui apresentado, foram divulgados internacional-
mente os primeiros dados referentes à análise psicométrica do instrumento no contexto
português (Pechorro, Ray, Barroso, Maroco, & Gonçalves, 2016), inclusivamente os da
sua versão curta (Pechorro, Hawes, Gonçalves, & Ray, 2017). Pretendia-se a validação
do instrumento numa amostra de população forense.

5.4.2. População e amostra

A amostra foi obtida junto de jovens institucionalizados nos Centros Educativos geri-
dos pelo Ministério da Justiça de Portugal. Duzentos e vinte e um participantes do sexo
masculino com idades compreendidas entre os 13 e os 20 anos de idade (M = 16.75,
DP = 1.41) concordaram em participar voluntariamente do estudo. Os participantes
eram maioritariamente portugueses caucasianos (54.3%) e residentes em contexto ur-
bano (92.8%). Em média, os participantes relataram que os seus primeiros problemas
criminais ocorreram aos 11.33 anos (DP = 2.24), e que a maioria foi detida antes dos
16 anos (M = 15.46, DP = 1.31) e condenada a uma média de 21 meses de detenção
(M = 20.67, DP = 6.69), a maior parte deles (87.6%) por crimes graves e violentos (e.g.,
homicídio, roubo, assalto, violação). Todos foram detidos por decisão do tribunal.

5.4.3. Metodologia

A tradução inicial, do inglês para o português europeu, foi concluída pelo primeiro e
segundo autores deste texto, tendo como objetivo a correta compreensão, por parte dos
jovens do significado dos itens. O questionário foi então traduzido novamente para
o inglês por um tradutor independente, com experiência profissional considerável na
tradução de textos científicos relacionados com a psicologia. Não foram encontradas
diferenças significativas entre a tradução e a versão original, o que demonstra que os
itens traduzidos tinham um significado igual ou semelhante aos itens originais em in-
glês. A autorização para avaliar os jovens foi obtida a partir da Direção-Geral de Re-
inserção e Serviços Prisionais (DGRSP) do Ministério da Justiça. Os jovens estavam
institucionalizados num dos centros educativos existentes em território português que
admitem jovens do sexo masculino, tendo sido informados sobre a natureza do estudo
Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional (ICU) 91

e convidados a participar dele voluntariamente. Nem todos os jovens concordaram ou


puderam participar: alguns recusaram-se, outros estavam impossibilitados devido à
não compreensão da língua portuguesa ou, nalguns casos, foram impedidos devido a
questões de segurança (e.g., isolamento).

5.4.4. Resultados relativos à validade e precisão

O primeiro passo na análise das propriedades psicométricas da versão portuguesa do


ICU tentou reproduzir, através de uma Análise Fatorial Confirmatória (AFC) com re-
curso ao método da Máxima Verosimilhança (Maximum Likelihood – ML), as diferen-
tes estruturas fatoriais previamente identificadas neste instrumento (Essau et al., 2006;
Kimonis et al., 2008; Roose et al., 2010).

Na Tabela 5.1 podem ser observados os índices de ajustamento obtidos para os diferen-
tes modelos: modelo de um fator de primeira ordem, modelo de três fatores de primeira
ordem intercorrelacionados e modelo de três fatores de segunda ordem hierárquica (em
que um fator de segunda ordem justifica as relações entre os três fatores de primeira
ordem). Foi possível encontrar um bom ajustamento para o modelo intercorrelacio-
nado de três fatores de primeira ordem, mas o modelo de três fatores de segunda ordem
hierárquica teve um ajustamento que pode ser considerado adequado.

Tabela 5.1: Índices de ajustamento para os diferentes modelos do ICU

RMSEA
S-Bχ2/df IFI CFI
[90% CI]
Um fator de primeira ordem 6.33 .77 .76 .16 [.15, .16]
Três fatores de primeira ordem 1.85 .96 .96 .06 [.05, .07]
Três fatores de segunda ordem 1.85 .90 .90 .06 [.05, .07]
Nota. S-Bχ = qui-quadrado de Satorra-Bentler; IFI = Incremental Fit Index; CFI = Comparative Fit Index;
2

RMSEA = Root Mean Square Error of Approximation; CI = Intervalo de Confiança; ML = Máxima Vero-
similhança.

A Tabela 5.2 apresenta o peso dos itens para os três fatores de primeira ordem de acordo
com a estrutura intercorrelacionada estimada com o método ML. Todos os itens tive-
ram valores acima de .30, pelo que nenhum foi removido do modelo, mas vale a pena
mencionar que o item 10 teve o menor valor. Embora este modelo não seja inteiramente
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consistente com investigações anteriores – ao não identificar um fator de traços calosos/


/insensibilidade emocional abrangente como a melhor opção, como pode ser verificado
92 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

a partir da tabela –, as saturações dos itens são consistentes com fatores identificados em
pesquisas anteriores (e.g., Essau et al., 2006; Kimonis et al., 2008).

Tabela 5.2: S aturações dos itens no modelo confirmatório de três fatores intercorrelacionados de primeira
ordem do ICU

Itens Fator 1 Fator 2 Fator 3


Calosidade/Frieza Emocional
2 – O que eu penso ser certo ou errado é diferente do que as outras
.53
pessoas pensam
4 – Não me importa quem magoo para conseguir o que quero .68
7 – Não me preocupo em ser pontual .64
8 – Preocupo-me com os sentimentos das outras pessoas .72
9 – Não me importo de me meter em problemas .68
10 – Não deixo os meus sentimentos controlarem-me .34
11 – Não me preocupo em fazer as coisas bem-feitas .67
12 – Pareço ser muito frio e insensível às outras pessoas .56
18 – Não sinto remorsos quando faço coisas erradas .73
20 – Não gosto de gastar tempo a fazer as coisas bem-feitas .66
21 – Os sentimentos das outras pessoas não são importantes para mim .69
Insensibilidade Emocional .64
3 – Preocupo-me com o meu desempenho na escola ou no trabalho .72
5 – Sinto-me mal ou culpado quando faço algo de errado .59
13 – Admito facilmente quando estou errado .50
15 – Tento sempre fazer as coisas o melhor possível .72
16 – Peço desculpa quando magoo outras pessoas .81
17 – Tento não magoar os sentimentos das outras pessoas .46
23 – Trabalho duramente nas coisas que faço .82
24 – Tento fazer com que as outras pessoas se sintam bem
Indiferença Emocional
1 – Expresso os meus sentimentos abertamente .78
6 – Não mostro as minhas emoções às outras pessoas .90
14 – As outras pessoas percebem facilmente como eu me sinto .64
19 – Sou uma pessoa muito sentimental e emocional .81
22 – Escondo os meus sentimentos das outras pessoas .71

A Tabela 5.3 apresenta as correlações entre a pontuação total do ICU e as suas dimen-
sões que se apresentaram de moderadas a fortes.
Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional (ICU) 93

Tabela 5.3: Matriz de correlações para o ICU e as suas dimensões

ICU Calosidade/ Insensibilidade Indiferença


Total /Frieza Emocional Emocional Emocional
ICU Total 1 – – –
Calosidade/Frieza Emocional .83*** 1 – –
Insensibilidade Emocional .80*** .43*** 1 –
Indiferença Emocional .66*** .30*** .46*** 1
Nota. *** p < .001

O passo seguinte consistiu em calcular os alfas de Cronbach, as médias das correlações


interitens e as amplitudes de correlações item-total corrigidas (Tabela 5.4). Importa sa-
lientar que o item 10 teve a menor correlação item-total.

Tabela 5.4: A
 lfas de Cronbach, médias das correlações interitens e amplitudes das correlações item-total
corrigidas do ICU

α MIIC CITCR
ICU Total .90 .28 .23 – .64
Calosidade/Frieza Emocional .88 .39 .30 – .69
Insensibilidade Emocional .86 .44 .50 – .71
Indiferença Emocional .87 .59 .61 – .82
Nota. α = alfa de Cronbach; ICU = Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional; MIIC =
médias das correlações interitens; CITCR = amplitudes de correlações item-total corrigidas.

A validade convergente do ICU e das suas dimensões com o Dispositivo de Despiste


de Processo Antissocial – Versão de Autorresposta (Antisocial Process Screening De-
vice – Self-Report Version – APSD-SR; Pechorro, Maroco, Poiares, & Vieira, 2013), o
Inventário de Traços Psicopáticos em Jovens (Youth Psychopathic Traits Inventory – YPI;
Pechorro, Andershed, Ray, Maroco, & Gonçalves, 2015; Pechorro, Ribeiro da Silva, An-
dershed, Rijo, & Gonçalves, 2016) e a Escala Taxonómica para Crianças e Adolescentes
(Child and Adolescent Taxon Scale – CATS; Pechorro, 2011; Quinsey, Harris, Rice, &
Cormier, 2006) revelou, maioritariamente, correlações positivas significativas modera-
das a altas, enquanto a validade discriminante com a Escala de Autoestima de Rosen-
berg (Rosenberg Self-Esteem Scale – RSES; Pechorro, Maroco, Poiares, & Vieira, 2011)
revelou as baixas correlações esperadas (Tabela 5.5).
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94 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

Tabela 5.5: Validade convergente do ICU com APSD-SR, YPI e CATS e validade discriminante com RSES

APSD-SR YPI CATS RSES


ICU Total r = .62*** r = .49*** r = .20** r = -.11*
Calosidade r = .58*** r = .59*** r = .22** r = -.13*
Insensibilidade Emocional r = .53*** r = .33*** r = .15* r = -.09ns
Indiferença Emocional r = .25*** r = .05ns r = .05ns r = -.02ns
Nota. ICU = Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional; APSD-SR = Dispositivo de Des-
piste de Processo Antissocial – Versão de Autorresposta; YPI = Inventário de Traços Psicopáticos em
Jovens; CATS = Escala Taxonómica para Crianças e Adolescentes; RSES = Escala de Autoestima de Ro-
senberg; r = correlação de Pearson.
*** p < .001; ** p < .01; * p < .05; ns não significativo.

A validade concorrente do ICU e as suas dimensões com a Perturbação do Compor-


tamento evidenciada no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais
(5.ª ed. – DSM-5) (codificada 0 = Não, 1 = Sim), a idade de início da prática de crime, a
gravidade do crime e o uso de violência física (codificada Não = 0, Sim = 1) revelou uma
correlação significativa moderada (Tabela 5.6). Em relação à Perturbação do Compor-
tamento, foi encontrada uma elevada taxa de prevalência (94.1%).

Tabela 5.6: V
 alidade concorrente do ICU com diagnóstico de Perturbação do Comportamento do DSM-5,
idade de início criminal, gravidade de crimes cometidos e uso de violência física

DSM-5 CD IIC IGC UVF


ICU Total rpb = .22** r = -.21** rS = .24** rpb = .19**
Calosidade rpb = .19** r = -.18** rS = .26*** rpb = .23**
Insensibilidade Emocional rpb = .18** r = -.21** rS = .14* rpb = .08ns
Indiferença Emocional rpb = .13ns r = -.07ns rS = .10ns rpb = .07ns
Nota. ICU = Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional; DSM-5 CD = Perturbação do
Comportamento segundo o DSM-5; IIC = idade de início criminal; IGC = índice de gravidade do crime;
UPV = uso de violência física; r = correlação de Pearson; rpb = correlação bisserial; rS = correlação de
Spearman.
*** p < .001; ** p < .01; * p < .05; ns não significativo.

As correlações do total do ICU e as suas dimensões, como consumo de álcool, canábis


e/ou cocaína/heroína e relações sexuais desprotegidas (codificadas como escalas ordi-
nais de cinco pontos), revelaram, principalmente, correlações estatisticamente signifi-
cativas moderadas. A exceção foi a variável sexo sem proteção (isto é, relações sexuais
sem uso de preservativos), que foi sempre não significativa (Tabela 5.7).
Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional (ICU) 95

Tabela 5.7: C
 orrelações do ICU e as suas dimensões com consumo de álcool, canábis e/ou cocaína/heroína
e sexo sem proteção

Sexo sem
Álcool Canábis Cocaína/Heroína
Proteção
ICU total rS = .26*** rS = .32*** rS = .17** rS = .04ns
Calosidade rS = .29*** rS = .37*** rS = .24*** rS = .07ns
Insensibilidade Emocional rS = .21** rS = .24*** rS = .09ns rS = .04ns
Indiferença Emocional rS = .15* rS = .14* rS = .08ns rS = .05ns
Nota. ICU = Inventário de Traços Calosos/Insensibilidade Emocional; rS = correlação de Spearman.
*** p < .001; ** p < .01; * p < .05; ns não significativo.

5.5. Procedimentos de aplicação e correção

Como qualquer instrumento de autorrelato, o ICU deverá ser aplicado num contexto
propício, de uma forma clara e objetiva, típica num processo de avaliação psicológica
(Aiken, 2002), seja este clínico ou forense. A sua aplicação deverá ser feita, preferen-
cialmente, em formato individual, devendo ser previamente esclarecidas as dúvidas em
relação ao seu preenchimento. Em casos específicos (e.g., dificuldades de compreensão
dos itens), o preenchimento poderá ocorrer com o auxílio do psicólogo ou psiquiatra.
Em circunstâncias normais, é preenchido entre 5 a 10 minutos. O ICU é um instru-
mento com 24 itens que remetem para três subescalas:

„„ Calosidade/Frieza Emocional (Callousness) – inclui 11 itens: 2, 4, 7, 8, 9, 10, 11,


12, 18, 20 e 21;
„„ Insensibilidade Emocional (Unemotional) – inclui oito itens: 3, 5, 13, 15, 16, 17,
23 e 24;
„„ Indiferença Emocional (Uncaring) – inclui cinco itens: 1, 6, 14, 19 e 22.

Cada item é pontuado numa escala de quatro pontos (0 = Totalmente falso, 1 = Por vezes
falso, 2 = Por vezes verdade e 3 = Totalmente verdade). Doze itens, formulados pela posi-
tiva (1, 3, 5, 8, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 23, 24), requerem inversão antes de se proceder ao
cálculo das pontuações totais. A soma de todos os itens providencia a pontuação total,
sendo que pontuações mais elevadas indicam a maior presença de traços calosos/insen-
sibilidade emocional. Para obter as pontuações de cada dimensão soma-se os respetivos
itens após se ter revertido os itens enunciados de forma positiva. Pode também obter-se
uma nota global somando as pontuações das três dimensões.
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96 PSICOLOGIA FORENSE – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

5.6. Interpretação dos resultados

Trabalhos recentes (Frick et al., 2013) têm destacado o equívoco de alguns investi-
gadores e profissionais em entenderem este constructo como sendo conotado com a
presença imediata de psicopatia no adolescente. Parece-nos relevante salientar que a
interpretação dos resultados deve ser efetuada de modo prudente, tendo presente que
os traços calosos/insensibilidade emocional se referem a um estilo afetivo (e.g., ausên-
cia de culpa, contenção emocional) e interpessoal (e.g., dificuldades na demonstração
de empatia, uso de outras pessoas para proveito próprio), o que é especialmente im-
portante para predizer um padrão comportamental de agressividade mais grave e per-
sistente. A presença deste tipo de traços não é equivalente a fazer um diagnóstico de
psicopatia. Ademais, é recomendável que não se utilizem etiquetas como “psicopata”
quando se avaliam crianças e jovens – que, por definição, continuam em pleno desen-
volvimento biopsicossocial –, dados os malefícios que daí poderão advir em termos de
rejeição social e interpessoal.

5.7. Avaliação crítica

Como foi referido, o ICU possibilita a avaliação de traços calosos/insensibilidade emo-


cional em adolescentes, que constitui um constructo psicológico de grande utilidade
para a prática clínica e forense. As características psicométricas apresentadas neste es-
tudo permitem assegurar aos profissionais de saúde mental a utilização de um instru-
mento com boas condições psicométricas.

Bibliografia

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Material

O ICU é um instrumento constituído por 24 itens e cinco versões: Autorrelato do Jovem


(Youth Self-Report), Relato Pais, Relato Pais (idade pré-escolar) [Parent Report, Parent
Report (Preschool Version)] e Relato Professores e Relato Professores (idade pré-escolar)
[Teacher Report, Teacher Report (Preschool Version)]. O instrumento ICU aqui investi-
gado corresponde à versão Autorrelato do Jovem, um instrumento de autorresposta,
constituído por 24 itens (uma folha).

Edição e distribuição

Encontra-se disponível, gratuitamente, em http://labs.uno.edu/developmental-psycho-


pathology/ICU.html, a versão em inglês do ICU e outra documentação associada. A
versão portuguesa poderá ser solicitada ao primeiro autor deste capítulo (ver contactos
abaixo).

Contacto com os autores

Pedro Pechorro – Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria (PsyAssess-


mentLab), Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra,
Rua do Colégio Novo, 3000-115 Coimbra. Escola de Psicologia, Universidade do Minho,
Campus de Gualtar, 4710-057 Braga. Endereço eletrónico: ppechorro@gmail.com.

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