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ENG. Gestão Comercial e Marketing, 2º Ano. II Semestre, 2020/2021. SANDEL, Michael. (2012).

O que o
Dinheiro Não Compra? Os Limites Morais do Mercado, trad. de Clóvis Marques. RJ: Civilização Brasileira.

Texto 1: “Muitos dos nossos debates mais acesos sobre a justiça giram em torno do papel dos mercados. O
mercado livre é justo? Existem produtos que o dinheiro não pode ou não deve, comprar? Se assim for, quais
são eles e que mal tem comprá-los e vendê-los?
A defesa dos mercados livres normalmente assenta em dois pressupostos — um em relação à liberdade e o
outro em relação ao bem-estar. O primeiro é o argumento libertário a favor dos mercados. Segundo este,
deixar que as pessoas participem em transações voluntátias respeita a sua liberdade; as leis que interferem
com o mercado livre violam a liberdade individual. O segundo é o argumento utilitário a favor dos
mercados. Afirma que o mercado tivre promove o bem-estar geral; quando duas pessoas fazem um negócio,
ambas ganham. Desde que o negócio as beneficie e não prejudique ninguém, deverá aumentar a utilidade
geral. Os céticos em relação ao mercado questionam esses pressupostos. Alegam que as escolhas do mercado
nem sempre são tão livres como podem parecer. E afirmam que determinados bens e práticas sociais são
corrompidos ou aviltados se forem comprados e vendidos a troco de dinheiro”. in SANDEL, Michael (2011
[2009]). Justiça. Fazemos o que Devemos?, trad. de Ana C. Pais. Lisboa: Presença, Cap. 4, p. 84.

Texto 2: “Vivemos numa época em que quase tudo pode ser comprado e vendido. Nas últimas três décadas,
os mercados — e os valores do mercado (ganância, eficiência, lucro, consumo, útil...) - passaram a governar
a nossa vida como nunca. Não chegamos a essa situação por escolha deliberada. É quase como se a coisa
tivesse se abatido sobre nós.
Quando a Guerra Fria (l947-1989) acabou, os mercados e o pensamento pautado pelo mercado passaram a
desfrutar de um prestígio sem igual, e muitos compreensivelmente. Nenhum outro mecanismo de
organização da produção e distribuição dos bens tinha se revelado tão ben-sucedido na geração de influência
e propridade. Mas (enquanto isso acontecia)...algo mais também acontecia. Os valores do mercado passavam
a desempenhar um papel cada vez maior na vida social. A economia tornava-se um domínio imperial. Hoje,
a lógica de compra e venda não se aplica nais apenas a bens materiais: governa crescenternente a vida como
um todo. Está na hora de perguntarmos se queremos viver assim.
Hoje ..., a era do triunfalismo do mercado (iniciada por volta de 1980 com Ronald Reagan e Margaret
Thatcher e continuada com Bil1 Clinton e Tony Blair nos anos 1990, mas sempre acompanhada da ideia da
desregulamentação, na medida em que o mercado se autoregularia) chegou ao fim. A crise financeira (de
2008) não serviu apenas para pôr em dúvida a capacidade de mercados de gerir os riscos com eficiência.
Generalizou também a impressão de que os mercados devinculararn-se da moral e que de alguma a forma
precisamos restabelecer esse vínculo.
Há quem diga que a falha moral no cerne do triunfalismo do mercado era a ganância (avareza), que levou a
assumir riscos de maneira irresponsável (...) Trata-se na melhor das hipóteses, de um diagnóstico parcial.
Embora seja verdade, que a ganância desempenhou um papel na crise financeira, o que está em questão é
algo maior. A mudança mais decisiva ocorrida nas três últimas décadas não foi o aumento da ganância
(avareza), nas a extensão dos mercados, e de valores de mercado a esferas da vida com as quais nada
têm a ver.
Para enfrentar essa situação, não basta invectivar a ganância; devemos repensar o papel a ser
desempenhado pelos mercados em nossa sociedade. Precisamos de um debate público sobre o que
significa manter os mercados no seu devido lugar. Para que ocorra esse debate, precisamos de analisar os
limites morais do mercado. Precisamos perguntar se não existem certas coisas que o dinheiro não pode
comprar (...) O grande debate que está faltando na política contemporânea diz respeito ao apapel e ao
alcance dos mercados. Queremos uma economia de mercado ou uma sociedade de mercados? Que papel
os mercados devem desempenhar na vida pública e nas relações pessoais. Como decidir que bens devem ser
postos à venda e quais deles devem ser governados por outros valores que não os de mercado? Onde não
pode prevalecer a lei do mercado?” (Ibidem, pp. l l -17).

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