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DE IPATINGA
1
Suelen Martins
Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em
Estudos de Linguagem pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais,
Especialista em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e
graduada em Letras Português/Inglês e suas respectivas literaturas pelo Centro Universitário
de Belo Horizonte. Dedica-se ao estudo da divulgação científica em matérias jornalísticas
brasileiras e norte-americanas a partir dos aspectos que constituem essa prática textual,
principalmente, no que tange à perspectiva das metáforas cognitivas utilizadas para
esclarecer conhecimentos.
1ª edição
Ipatinga – MG
2022
2
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL
Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização
escrita do Editor.
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.
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Menu de Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo
aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles
são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um
com uma função específica, mostradas a seguir:
4
INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA UNIDADE
APLICADA
01
Neste capítulo, conceitua-se a linguística aplicada (LA) como uma área que
se ocupa de investigar a linguagem como prática social contextualizada. A seguir,
é mostrado o percurso histórico da linguística aplicada desde o seu primeiro curso
em 1946 até a contemporaneidade. Por fim, são apresentadas as noções de
linguagem e de gramática à luz da linguística aplicada.
7
oralidade na produção de textos escritos em situações mais formais da língua (como,
por exemplo, crônicas, relatos científicos, editoriais) por alunos do 9.º ano do Ensino
Fundamental II. Ao analisar os textos escritos por esses alunos, esse pesquisador pode
encontrar algumas marcas de oralidade, tais como gírias, abreviaturas, expressões
de menos prestígio e desvios de norma em um gênero de texto escrito, como uma
carta do leitor. As pesquisas em linguística aplicada, de praxe, tentam propor
sugestões para “solucionar” as problemáticas envolvendo o uso social da língua.
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fenômenos relativos à dificuldade de transposição de uma modalidade a outra assim
como a proposta de um projeto de intervenção para auxiliar os alunos com
dificuldades perfila o trabalho desenvolvido pela linguística aplicada.
Apesar de a grande concentração dos trabalhos realizados em linguística
aplicada ser voltada para as questões de ensino e de aprendizagem,
contemporaneamente, essa área tem se mostrado cada vez mais interdisciplinar.
Segundo Moita Lopes (2009, p.18), a linguística aplicada “ao espraiar para outros
contextos, aumenta consideravelmente seus tópicos de investigação, assim como o
apelo de natureza interdisciplinar para teorizá-los”. Dessa forma, a linguagem tem
sido analisada a partir do prisma da filosofia, da sociologia e da psicologia, a saber.
Ao longo do livro, essa vertente interdisciplinar da LA é delimitada com afinco e com
detalhes.
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Figura 2: Charles Fries
10
(2017), foi nessa época que os primeiros congressos em linguística aplicada surgiram.
Em 1965, no Rio de Janeiro, entre os dias 12 e 23 de julho, houve o 1º Seminário
Brasileiro de Linguística, uma iniciativa do Instituto de Idiomas Yázigi. Um dos
destaques desse seminário foi o curso ministrado por Francisco Gomes de Mattos e
intitulado Orientação de Linguística Aplicada.
A linguística aplicada ganhou destaque no mundo a partir da segunda
metade do século passado. Na década de 1970, os linguistas dessa área
questionaram, a título de ilustração, a aplicação das teorias linguísticas sem a devida
preocupação com os sujeitos aprendizes de uma língua estrangeira. Nesse caso, o
indivíduo, usuário da língua ou aquele que a fazia funcionar no mundo real, deveria
ser também objeto de estudo. Há, para Menezes, Silva e Gomes (2009), alguns
marcos da expansão da LA a partir da década de 1970. O primeiro deles foi a
abertura, em 1970, do Programa de Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O segundo é a criação do
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)
em 1980 e do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP).
A partir da década de 1980, a linguística aplicada que, até então era
associada às discussões sobre o ensino e a aprendizagem de línguas, amplia o seu
escopo de debate e começa a ter contornos interdisciplinares. Emergem, assim,
pesquisas focando nas temáticas do bilinguismo, da análise do discurso, da
tradução, dentre outras, como mostra os artigos publicados no periódico Applied
Linguistics de 1980. Essa revista tinha o propósito de incentivar o diálogo entre
diferentes campos e diversas teorias que envolvem a linguagem, problematizar a
linguagem em seu uso no mundo real além de mostrar diversos métodos de pesquisa.
A autonomia da linguística aplicada no Brasil veio na década de 1990 com a
fundação da Associação de linguística aplicada no Brasil (ALAB) que se deteve a
compreender as questões sociais relacionadas à linguagem. Com a LA ganhando
força no cenário brasileiro, muitos congressos, revistas e programas de pós-
graduação surgiram.
De acordo com Menezes, Silva e Gomes (2009), se os programas de pós-
graduação se destacaram entre os anos 80 e 90, somente em 2004 houve o
reconhecimento sobre a necessidade de contratação do profissional da LA para um
curso de graduação. A Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais
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(UFMG) foi a pioneira na abertura de concurso público para esse fim. Em 2007, essa
mesma instituição propôs duas áreas para a linguística aplicada: 1) LA e ensino de
línguas estrangeiras e 2) LA e tradução.
Atualmente, a pesquisa em linguística aplicada apresenta estudos em
potencial, voltados para diferentes áreas como análise do discurso, aquisição de
segunda língua, letramento, fluência e precisão, psicologia educacional e
educação linguística. A tendência é que a linguística aplicada se diversifique em
temáticas. Uma área que vem crescendo, em LA, é a relacionada à observação da
aprendizagem de línguas mediada pelo computador. Nesse tipo de pesquisa, o
computador é uma ferramenta, um médium, para que a aprendizagem ocorra; isso
significa que ele seja apontado como mais importante (ou menos importante) do que
as figuras do professor e do aluno. Leffa (2006) afirma que essa pesquisa é,
certamente, a mais interdisciplinar daquelas que compõem o hall de estudos em LA.
Do ponto de vista metodológico, adota-se o estudo de caso (estratégia ampla de
pesquisa científica sobre um fenômeno atual em seu contexto real, no caso, o
impacto do uso de computadores na aprendizagem de língua). Para tanto, o
pesquisador se utiliza de questionários, entrevistas, testes de proficiência, dentre
outros.
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de linguagem e de gramática pertinentes a esse campo de investigação.
A linguagem pode ser compreendida sob três ópticas: a) linguagem como
espelho do pensamento, b) linguagem como instrumento de interação, c) linguagem
como processo de interação. A primeira concepção prevê que a linguagem tem
caráter monológico e é a materialização do pensamento em forma de palavras. A
concepção de gramática adotada é a normativa ou tradicional. A segunda diz
respeito à preocupação com os elementos de comunicação. A terceira diz respeito
à linguagem como importante instrumento para o processo de interação em uma
situação comunicativa.
Sob o viés da linguística aplicada, a linguagem é definida pelo contexto e
pelos sujeitos envolvidos na interação. Para Mulik (2019), a discussão sobre língua e
linguagem é central para a linguística aplicada, já que a forma como o professor lida
com esses conceitos pode determinar o direcionamento pedagógico adotado por
ele.
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gramática internalizada diz respeito ao conjunto de regras dominadas pelos falantes,
os quais são dotados de uma gramática internalizada. Já a gramática descritiva visa
descrever como a língua ocorre sem, entretanto, como conduz a gramática
normativa, prescrever regras a serem seguidas.
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As gramáticas descritivas não são doutrinárias, como as gramáticas normativo-
tradicionais. Pelo contrário, esses manuais se ocupam da descrição e da análise do
português em uso. Se por um lado as gramáticas normativas são excludentes, as
gramáticas descritivas são includentes por abarcarem as diversas manifestações da
língua em uso. Afirma-se, então, que a perspectiva de gramática descritiva rompe
com a tradição das regras impostas pela gramática normativa.
A gramática, para os linguistas aplicados, deve ser trabalhada em uma
perspectiva contextualizada e precisa estar a favor da linguagem em uso e das
necessidades reais dos estudantes. A seguir, são apresentadas algumas gramáticas
descritivas mais conhecidas no mercado editorial brasileiro.
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FIXANDO O CONTEÚDO
2. (ENADE) Tomando por base o trecho escrito que representa a fala de Nhinhinha:
“Mas, não pode, ué...”, assinale a opção correta a respeito dos processos de
transposição da linguagem oral para a linguagem escrita.
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3. Leia a placa a seguir atentamente.
a) F-F-F-V.
b) V-V-V-F.
c) F-V-V-F.
d) V-V-V-V.
e) V-F-V-F.
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4. (FUMARC) Leia o texto a seguir.
NÃO E NÃO
Antônio Prata
Assistindo a "Nemo" pela quinquagésima nona vez, meu filho enfia o dedo no nariz. "Não,
filhote, dedo no nariz não pode", digo - e sou tomado por um desconforto. Alguns nãos eu
falo com convicção: não pode mamar às três da manhã, não pode regar o aparelho da
Net, não pode comer bola de gude, por mais que elas insistam em imitar lindas uvas ou
jabuticabas. Essas não são proibições vazias: se meus filhos não tivessem só dois e três anos,
eu lhes explicaria direitinho as razões.
"Não pode mamar às três da manhã, porque se tiver tudo que quiser a hora que bem
entender você vai crescer achando que a vida é um Club Med 'allinclusive' e quando o
mundo começar a te negar todas as mamadeiras que inevitavelmente te negará você vai
ficar deprimidíssima e desorientada e vai terminar viciada em crack, em Negresco com
Nutella ou coisa pior, tipo bingo – então abraça esse coelhinho e vamos dormir bem
gostoso até amanhã, tá?"
"Não pode regar o aparelho da Net, porque ele é elétrico e vai causar um curto circuito e
talvez pegue fogo no prédio e embora eu entenda que você queira regar todos os objetos
à sua volta com o regador da vovó Tuni pra ver se eles crescem ou florescem, melhor se
restringir ao vaso de girassol. (Além do mais, te garanto por experiência própria que os
botões do aparelho da Net não são do tipo que se abrem em flores)." "Não pode comer
bola de gude porque, embora o Homo sapiens seja onívoro, na ampla lista que inclui
alface, boi, ouriço, ovo, alga, cogumelo e gafanhoto, não se encontra o vidro."
Com relação a enfiar o dedo no nariz, contudo... Convenhamos: eu, você, o papa
Francisco e o Wesley Safadão enfiamos, só não saímos por aí, tipo, admitindo aos quatro
ventos num grande jornal de circulação nacional. Para ser coerente eu deveria dizer: "Filho:
dedo no nariz é uma coisa que todo mundo acha nojento nos outros, mas não em si
próprio, de modo que só se faz escondido. Esse é um pacto silencioso da nossa espécie.
Um segredo guardado pelos 7 bilhões de habitantes do planeta."
O problema de tal confissão é que ela me obrigaria a dar um segundo passo. "É o que
chamamos de hipocrisia. Muito do que ensinamos a vocês é isso: hipocrisia. Quando a
gente fala que tem que emprestar as coisas pros outros, por exemplo. Os adultos não agem
assim. Veja: 1 bilhão de adultos têm um monte de coisas e 6 bilhões de adultos não têm
porcaria nenhuma, mas esse 1 bilhão não empresta as coisas pros descoisados nem a pau.
Quando a gente diz que só ganha sobremesa se comer brócolis, por exemplo, é outra
tremenda hipocrisia. Ontem o papai e a mamãe saíram pra jantar e racharam um
cheesecake do tamanho de um jabuti depois de comerem x-salada e batata frita,
bebendo cerveja. Quando a gente diz que tem que falar sempre a verdade, então, é a
maior hipocrisia de todas. A gente mente a torto e a direito. Se todos falassem a verdade
teríamos que admitir, por exemplo, que 1 bilhão de pessoas têm todos os brinquedos e não
deixam os outros 6 bilhões brincarem, que a Gisele Bündchen põe o dedo no nariz ou que
a mamãe do Nemo não está no trabalho, como sempre te digo, ela é devorada por um
tubarão na primeira cena do filme, por isso toda vez nós começamos pelo minuto sete. Um
mundo assim seria impraticável, não?"
"Ei, Dani. Tira esse dedo do nariz. Isso."
Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3qb59rY. Acesso em: 23 jan. 2022.
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c) “Quando a gente fala que tem que emprestar as coisas pros outros, por exemplo.”
d) “Se todos falassem a verdade, teríamos que admitir, por exemplo, que 1 bilhão de
pessoas têm todos os brinquedos [...]”.
e) “esse 1 bilhão não empresta as coisas pros descoisados nem a pau”.
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7. Sobre o percurso histórico da linguística aplicada no Brasil, assinale a alternativa
incorreta.
No que diz respeito aos diferentes conceitos de gramática, analise os itens a seguir.
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falante acionasse hipóteses que foram interiorizadas de maneira equivocada.
21
LINGUÍSTICA APLICADA NA UNIDADE
CONTEMPORANEIDADE
02
Neste capítulo, discute-se como a linguística aplicada tem sido compreendida
atualmente. A LA é hoje tida como uma área interdisciplinar e dinâmica que porta
diferentes concepções em si. Em seguida, é debatida a relação entre linguística
aplicada e formação docente. Por último, é mostrado como a linguística aplicada
se comporta socialmente em uma dinâmica de mundo globalizado.
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O caráter dinâmico da LA diz respeito à superação da ideia de ela ser uma
subárea da linguística ou um campo que se dedicava a estudar basicamente a
aplicação dos conhecimentos linguísticos. Essa afirmação se justifica pelo fato de a
linguística aplicada ter passado por inúmeras mudanças que incluem pesquisas que
se debruçam sobre questões de linguagem cada vez mais contemporâneas.
A linguística aplicada é considerada imprevisível, uma vez que, além de
refletir sobre a linguagem, também pondera o papel dos sujeitos que produzem essa
linguagem. Uma pesquisa que investiga o processo de aprendizagem de uma língua
deve levar em consideração o perfil dos usuários da língua, o contexto em que eles
estão inseridos, as ferramentas e a metodologia usadas no processo de ensino e de
aprendizagem. Por mais que se prevejam hipóteses e resultados, esses fatores que
impactam no ensino e na aprendizagem podem trazer diferentes conclusões
daquelas tiradas a priori. Esse fato ocorre, pois a pesquisa em LA não é linear e, no
seu decurso, vários instrumentos, por exemplo, podem influenciar os resultados
obtidos.
Como foi possível verificar no capítulo 1, desde a década de 1980, a linguística
aplicada tem se preocupado com pesquisas para além do estudo da aquisição de
língua materna e estrangeira. A partir das características básicas da LA
apresentadas nesta seção e do marco histórico de 1980, nota-se que a área recorre
a outros quadros teóricos, o que a confere perfil interdisciplinar. Para Moita Lopes
(2006), a linguística aplicada ganhou status “de disciplina mestiça ou nômade” que
articulou múltiplos domínios do conhecimento (educação, antropologia, sociologia,
filosofia) sob um viés integrador.
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Esquema 1: Áreas de interesse da LA
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de materiais didáticos, à reflexão sobre metodologias de ensino e de aprendizagem
e à discussão sobre formação de professores. Conforme Mulik (2019),
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No que concerne à linguística aplicada, a formação reflexiva está
contemplada em pesquisas sobre crenças dos professores sobre ensino-
aprendizagem, estudo sobre conhecimento prático e profissional, além de cultura do
ensinar a aprender. Exemplo de pesquisa em LA com base na perspectiva reflexiva é
a dissertação “Crenças de professores de espanhol sobre a avaliação no ensino-
aprendizagem de LE”, de autoria de Mariana Rabelo Rocha, defendida em 2019, na
Universidade Federal do Amazonas (UFAM). No trabalho, a autora investiga quais são
as crenças dos professores egressos do curso de Letras – Língua e Literatura Espanhola
sobre a avaliação no ensino-aprendizagem de língua estrangeira. Rocha (2019)
chegou à conclusão de que as avaliações são pautadas em práticas tradicionais
como a avaliação somativa. Essas pesquisas, em resumo, focavam em reflexão sobre
a práxis do professor na escola.
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constantes e cabe ao docente o movimento de buscar sempre alternativas que
possam agregar. Para Gimenez (2005), há, no campo da LA, sete desafios como
mostra o esquema 2 a seguir.
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pessoas e as nações estejam cada vez mais interconectadas. O mundo
globalizado é caracterizado pela diminuição espacial, isto é, as pessoas são
afetadas tanto por eventos locais quanto por eventos mundiais. As fronteiras
geográficas, então, apresentam-se como fluídas cada vez mais. Além disso,
no mundo globalizado, há uma redução temporal em razão da tecnologia
que torna tudo mais ágil.
Figura 5: Globalização
Um mundo globalizado exige o uso de uma língua que seja comum, a fim de
facilitar a comunicação entre os sujeitos de diferentes comunidades de fala como
é o caso do inglês. Essa área contribui também para a problematização sobre o
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papel da língua inglesa em uma dinâmica de sociedade em rede. Muitas pesquisas
surgem para discutir o processo de aquisição do inglês por parte de não falantes e
por parte de pessoas que estão aprendendo a língua para fins empresariais. Por fim,
a LA coopera para o debate sobre a sobreposição do inglês em se tratando de
outras línguas e como o domínio da língua inglesa pode colocar o falante em uma
posição de prestígio no mercado de trabalho.
A LA se preocupa com os estudos culturais, o que se relaciona com o conceito
de globalização. Na aprendizagem de uma língua, os aspectos linguísticos são
importantes para o processo de aquisição, mas é preciso considerar outros como os
pontos de vista cultural, social e discursivo. As pesquisas sobre a indissociabilidade
entre a língua e a cultura são características da linguística aplicada e vem
ganhando força no âmbito acadêmico. As pesquisas interculturais também são
representativas da linguística aplicada. Neste tipo de investigação, o linguista
aplicado estuda as relações e as trocas que se dão entre culturas diferentes. A sala
de aula, laboratório para esse linguista, vira, então, um espaço intercultural para a
observação de vários aspectos: o papel da língua e as escolhas dos falantes
envolvidos na comunicação, a valorização da língua por parte dos usuários da
língua, a abertura desses participantes da comunicação aos aspectos da cultura do
outro e a construção de identidades.
29
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (ENADE)
Muitas vezes, os próprios educadores, por incrível que pareça, também vítimas de uma
formação alienante, não sabem o porquê daquilo que dão, não sabem o significado
daquilo que ensinam e quando interrogados dão respostas evasivas: “é pré-requisito para
as séries seguintes”, “cai no vestibular”, “hoje você não entende, mas daqui a dez anos
vai entender”. Muitos alunos acabam acreditando que aquilo que se aprende na escola
não é para entender mesmo, que só entenderão quando forem adultos, ou seja, acabam
se conformando com o ensino desprovido de sentido.
(VASCONCELLOS, C. S. Construção do conhecimento em sala de aula. 13ª ed. São Paulo: Libertad, 2002, p. 27-8.)
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a) I e III.
b) I e IV.
c) II e IV.
d) I, II e III.
e) II, III e IV.
2. (UNB- CESPE)
(Paulo Freire. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 13. Adaptado)
a) 0.
b) 1.
c) 2.
d) 3.
e) 4.
I. A teoria não dita a prática; em vez disso, ela serve para manter a prática ao
alcance de todos, de forma a se mediar e a se compreender, de maneira crítica,
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o tipo de práxis necessário em um ambiente específico e em um momento
particular.
II. O exercício da docência, enquanto ação transformadora que se renova tanto
na teoria quanto na prática, requer necessariamente o desenvolvimento de uma
consciência crítica.
III. Dentro do processo pedagógico, teoria e prática precisam dialogar
permanentemente, fugindo da ideia tradicional de que o saber está somente na
teoria, construído em um local distante ou separado da ação/prática.
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linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também
do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses
dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita
__________________ e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema
em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita ________________.
a) o letramento / a alfabetização.
b) a alfabetização / o letramento.
c) o letramento / a codificação.
d) Nenhuma das alternativas.
e) Todas as alternativas.
a) I e II, apenas.
b) II e III, apenas.
c) I e III, apenas.
d) I, apenas.
e) I, II e III.
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7. (CETREDE - ADAPTADA) A formação de professores no contexto contemporâneo
está permeada de muitos desafios, face às exigências de um mundo globalizado
que exige, cada vez mais, profissionais capacitados e multifuncionais. Nesse
sentido, analise as afirmativas a seguir.
a) I – II – V.
b) I – III – IV.
c) II – III – V.
d) I – II – III.
e) I – II – III – V.
34
c) São áreas de interesse da LA a análise do discurso, a análise da conversa, a história
e a ergonomia.
d) Nas pesquisas transdisciplinares, em linguística aplicada, quase sempre os
resultados são contextualizados.
e) A pesquisa em LA é linear e só alguns instrumentos podem influenciar os resultados
obtidos.
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GÊNEROS TEXTUAIS UNIDADE
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materialização de um texto, que, de modo geral, apresenta “conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI, 2007, p.
23). Cabe destacar que os tipos textuais são em número limitado, enquanto que os
gêneros são incontáveis. O quadro 2, a seguir, delimita as características do tipo e do
gênero textual:
Quadro 2: Tipo e gênero textual
Tipo textual Gênero textual
Definido por propriedades linguísticas Realizações linguísticas concretas
Sequências linguísticas Textos que cumprem determinadas funções
comunicativas
Conjunto limitado de categorias teóricas Conjunto aberto e ilimitado de manifestações
determinadas por tempos verbais, concretas marcadas por estilo, composição,
aspectos sintáticos, lexicais, expressões função
Divididos em: narrativo, descritivo, Divididos em: carta, artigo, e-mail, post, prova,
dissertativo, argumentativo, expositivo e piada, fábula, edital, bilhete, monografia,
injuntivo crônica, etc
Fonte: Elaborado pela autora (2022) com base em Marcuschi (2007)
37
De modo a explicar o esquema 3, toma-se como exemplo a clássica fábula
“A cigarra e a formiga”, de Esopo, famoso escritor da Grécia Antiga. O enredo conta
a história de uma cigarra que, durante o verão, vivia a cantar, sem se preocupar em
guardar alimentos para o inverno; diferentemente da formiga, que era muito
trabalhadora e esforçada. A cigarra sempre criticava a formiga por ela não se divertir
durante o verão. Com a chegada do inverno, a cigarra passa por necessidades (frio
e fome), enquanto a formiga, providente, aproveita os frutos de seu trabalho
(alimento).
No que concerne aos elementos da narrativa, nesta fábula, as personagens
são a cigarra e a formiga; o tempo da narrativa é o verão e o inverno; a história se
passa no bosque e o foco narrativo é de 3ª pessoa (aquele que observa tudo sem,
entretanto, participar da história).
Por fim, um conceito relevante para o ponto de vista do gênero como sócio-
histórico é o de domínio discursivo. Os domínios são as esferas da atividade humana.
Eles não são textos nem discursos; todavia, são a matéria-prima para a constituição
de discursos bem específicos tais como o discurso publicitário (propaganda, folder,
classificado, post), o discurso jurídico (procuração, lei, ofício, sentença), o discurso
religioso (oração, ladainha, mantra), o discurso literário (poema, fábula, romance,
mito), discurso acadêmico (projeto, monografia, apostila, artigo científico). Os
gêneros textuais reportagem, notícia, editorial, entrevista, título, crônica, por exemplo,
pertencem ao domínio discursivo jornalístico, que é definido por privilegiar a
exposição de fatos de maneira imparcial e objetiva.
38
interação. Por outras palavras, os gêneros podem ser compreendidos como
enunciados relativamente estáveis de cada uma das esferas da atividade humana
(cotidiana, científica, ideológica, escolar, jornalística, publicitária, religiosa, escolar
etc.). Em relação a essas esferas, de acordo com Wachowicz (2012, p. 24), “cada
época, cada cultura, cada comunidade e, no fim, cada esfera do comportamento
social têm suas opções de comunicação”.
Sendo assim, os gêneros textuais não são fixos, dado que, para cada situação
comunicativa e segundo cada uma das esferas da comunicação, há diferentes
enunciados (unidades efetivas de comunicação verbal). De acordo com Bakhtin
(2010),
39
Fora do âmbito escolar, há vários gêneros discursivos. O esquema 4, a seguir,
mostra algumas dessas formas relativamente estáveis de organização da
materialidade textual. Evidentemente que a lista de gêneros é incontável e não se
esgota no esquema seguinte; sendo, pois apenas uma referência sumária de alguns
textos que possuem uma satisfatória aderência social.
Esquema 4: Gêneros
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cronista sobre um fato cotidiano. A sinopse é uma descrição sintética de um produto
cultural com a intenção de antecipar informações sobre esse produto. O resumo é
um texto que apresenta de maneira abreviada o conteúdo de um acontecimento.
A resenha é um gênero que mescla resumo e crítica com o objetivo de estimular ou
desestimular o leitor a consumir um bem cultural (livro, filme, música, peça de teatro,
exposição de arte, etc). A história em quadrinhos é uma narrativa organizada em
quadros que associam linguagem verbal e não verbal. Os fatos, nas histórias em
quadrinho, são sequenciados e organizados sob uma relação de causa e
consequência. O manual de instruções é um texto cuja intenção é instruir o usuário a
montar, a usar e a conservar um produto.
Os gêneros são um modo de organização das experiências com a linguagem
e com as relações dialógicas estabelecidas entre os usuários da língua que
interagem. Aqueles são considerados instrumentos de interação social os quais
revelam agentes desta comunicação dotados de vozes diversas (polifonia). É
interessante lembrar que esse conceito de gênero tem estreita conexão com o de
linguagem a qual também supõe essa polifonia e a existência de cosmovisões (visões
de mundo).
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solicitação) fazem parte da composição desses textos. As unidades fraseológicas
“este trabalho tem como propósito”, “procedimentos metodológicos” e “nosso
embasamento teórico” sinalizam uma construção composicional típicas do gênero
artigo científico
Por fim, cabe afirmar que os gêneros discursivos alteram-se constantemente,
segundo Fiorin (2006, p. 65), “à medida que as esferas de atividade se desenvolvem
e ficam mais complexas”. Esses gêneros então aparecem, desaparecem, se
transformam, ganham novo sentido por estarem inseridos em um processo dinâmico.
Para exemplificar isso, é preciso refletir sobre os gêneros surgidos com o advento da
internet, como é o caso do post, do chat, do blog e do e-mail. Se antes a
comunicação se processava por meio de uma carta, um bilhete ou diário, hoje, ela
acontece por meio virtual por intermédio de e-mail ou de blog.
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Essa transformação de um gênero a outro é o que se denomina hibridização
e, segundo Pagano (2001, p. 88), “o hibridismo parece surgir, assim, da práxis ou da
produção textual, que, se bem participa de um gênero específico ou se vincula a
ele, está sempre ativando outros gêneros”. A língua e a linguagem mudam o tempo
todo; conforme arranjos sociais, marcos ideológicos, históricos e culturais; e isso
justifica o fenômeno da hibridização dos gêneros, que ocorre na materialização da
linguagem em uso.
Os gêneros híbridos colocam em questionamento a clássica dicotomia entre
os gêneros orais e os escritos, dando espaço para a ideia de um contínuo existente
nessas duas modalidades da língua. Com a inserção de novas tecnologias e com a
ocorrência contextos multidisciplinares, por exemplo, os gêneros passaram a
observar novas linguagens (verbal, não-verbal, som, formas, dentre outras) e se
tornaram híbridos.
O hibridismo, para alguns estudiosos, tais como Koch e Elias (2008) e Marcuschi
(2008), pode ser denominado intergenericidade (apropriação de um gênero por
outro). Marcuschi (2008) vaticina que a intergenericidade é um fenômeno muito
mais natural e normal do que se possa imaginar. Os estudos da língua, nas instituições
escolares, vêm abordando a mescla de gêneros assim como as provas de larga
escala como a do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). A habilidade de se
identificar a mescla de gênero tem sido cada vez mais incentivada e cobrada na
prática cotidiana de leitura e de escrita textual. O texto da figura 6, a seguir, fez
parte da prova do Enem de 2020, aplicada no início de 2021, e destaca como o
hibridismo ou a intergenericidade se processa.
43
Figura 6: Gênero híbrido
44
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (ENADE)
Uma playlist comentada conta com texto de apresentação, que descreve ou relata algo
envolvendo as produções em questão, e trechos apreciativos, que podem envolver
argumentação, contemplando assim diferentes sequências textuais. Além disso, supõe a
produção de um roteiro e sua leitura oral/falada, o que requer observar a adequação da
linguagem oral, tendo em vista as condições de produção dadas. Em termos de ações,
práticas e procedimentos próprios da web, a produção de uma playlist comentada
permite vivenciar o papel do curador: alguém que seleciona exemplares entre muitos, no
caso músicas ou canções, a partir de algum critério, organiza-os de determinada forma e
destaca, a respeito das canções escolhidas ou de seus autores ou executores, algo para
comentar. Além disso, supõe a escrita de um roteiro e o manuseio de um editor de áudio.
Pode também supor a disponibilização desse arquivo na internet, o que poderia ensejar
ações de curtir e/ou redistribuir.
ROJO, R.; BARBOSA, J. P. Hipermodalidade, multiletramento e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola editorial, 2015 (adaptado).
a) II, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) I e III, apenas.
e) I, II e III.
45
2. (ENEM - ADAPTADA)
A trajetória de Liesel Meminger é contada por uma narradora mórbida,
surpreendentemente simpática. Ao perceber que a pequena ladra de livros lhe escapa,
a Morte afeiçoa-se à menina e rastreia suas pegadas de 1939 a 1943. Traços de uma
sobrevivente: a mãe comunista, perseguida pelo nazismo, envia Liesel e o irmão para o
subúrbio pobre de uma cidade alemã, onde um casal se dispõe a adotá-los por dinheiro.
O garoto morre no trajeto e é enterrado por um coveiro que deixa cair um livro na neve.
É o primeiro de uma série que a menina vai surrupiar ao longo dos anos. O único vínculo
com a família é esta obra, que ela ainda não sabe ler. A vida ao redor é a
pseudorrealidade criada em torno do culto a Hitler na Segunda Guerra. Ela assiste à
eufórica celebração do aniversário do Führer pela vizinhança. A Morte, perplexa diante
da violência humana, dá um tom leve e divertido à narrativa deste duro confronto entre
a infância perdida e a crueldade do mundo adulto, um sucesso absoluto – e raro – de
crítica e público.
(Disponível em: www.odevoradordelivros.com. Acesso em: 21 nov. 2021.)
Os gêneros textuais podem ser caracterizados, dentre outros fatores, por seus
objetivos. Esse fragmento é um(a)
a) Instrução, pois ensina algo por meio de explicações sobre uma obra específica.
b) Reportagem, pois busca convencer o interlocutor da tese defendida ao longo do
texto.
c) Resenha, pois apresenta uma produção intelectual de forma crítica.
d) Resumo, pois promove o contato rápido do leitor com uma informação
desconhecida.
e) Sinopse, pois sintetiza as informações relevantes de uma obra de modo impessoal.
3. (ENEM)
Isaac Newton nasceu em 4 de janeiro de 1643, no condado de Lincolnshire, Inglaterra.
Filho de fazendeiros, o cientista, físico e matemático nunca conheceu seu pai, morto três
meses antes de o filho nascer.
Estudou na escola King’s School, onde era um aluno mediano. Entretanto, depois de uma
briga com um colega de classe, começou a se esforçar mais nos estudos. Passou então a
ser um dos melhores alunos da escola. O sucesso nos estudos levou Newton a entrar na
Faculdade Trinity, em Cambridge, onde auxiliava outros alunos em troca de uma bolsa de
estudos paga pela faculdade.
Newton se interessava pelos pioneiros da ciência, como o filósofo Descartes e os
astrônomos Copérnico, Galileu e Kepler. Depois de formado, fez estudos em matemática
e foi eleito professor da matéria em 1669. Em 1670, começou a dar aulas de ótica. Nessa
época, demonstrou como, através de um prisma, é possível separar a luz branca nas cores
do arco-íris.
Em 1679, o cientista inglês voltou-se para mecânica e os efeitos da gravitação sobre as
órbitas dos planetas. Em 1687, publicou o livro Principia mathematica, em que demonstrou
as três leis universais do movimento. Com esse livro, Newton ganhou reconhecimento
mundial.
(Disponível em: www.invivo.fiocruz.br. Acesso em: 21 nov. 2021. Adaptado).
46
A análise dos elementos constitutivos desse texto, como forma de composição,
tema e estilo de linguagem, permite identificá-lo como
4. (ENADE - ADAPTADA)
Texto I
Em nosso dia a dia, no contato com outras pessoas e com as diversas informações que
recebemos, estamos expostos a várias situações comunicativas, cada uma situada em
seu devido contexto. Na escrita e na fala, existem algumas estruturas padronizadas que
recebem o nome de gêneros textuais.
No simples ato de abrir um jornal ou uma revista, já estamos expostos aos diversos gêneros
textuais: nesses dois meios de comunicação é possível encontrar artigos, cartas de leitor,
artigos de opinião, notícias, reportagens, charges, tirinhas, ensaios, e-mails e tantos outros
textos que se adéquam às necessidades de que os escreve, apresentando finalidades
distintas e definidas. Assim são os gêneros, eles existem em grande quantidade justamente
porque as práticas comunicativas são dinâmicas e variáveis.
Texto II
As reflexões teóricas sobre a noção de gênero do discurso (ou de texto, conforme a
perspectiva) têm sido ampliadas em vários campos de estudo e assumem especial
importância para a metodologia do ensino e da aprendizagem de língua portuguesa,
considerando os objetivos atualizados nas propostas curriculares contemporâneas.
(FURLANETTO, M.M. Gênero do discurso como componente do arquivo em Dominique Maingueneau. In: MEREU, A.B; BONINI, A; MOTTA-
ROTH, D. Gênero: teorias, métodos debates. São Paulo: Parábola, 2005. Adaptado).
47
É correto o que se afirma em
a) I, II e III.
b) I, apenas.
c) II, apenas.
d) I e III, apenas.
e) II e III, apenas.
5. (ENADE)
Tanto a fala como a escrita se dão num contínuo de variações, surgindo daí
semelhanças e diferenças ao longo de dois contínuos sobrepostos, tal como ilustra
a figura a seguir.
48
modalidades, tais como: descontextualização (na fala) x contextualização (na
escrita), não planejamento (na fala) x planejamento (na escrita).
III. De acordo com o contínuo apresentado, está equivocada a perspectiva teórica
que considera a fala como dialogada e a escrita como monologada, já que o
diálogo e o monólogo correspondem a formas de textualização presentes nas
duas modalidades de língua.
a) I, apenas.
b) II, apenas.
c) I e III, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
6. (ENEM)
49
Os quadrinhos exemplificam que as Histórias em Quadrinhos constituem um gênero
textual:
7. (ENEM)
A DIVA
50
d) Descreve uma ação típica de uma mulher sonhadora.
e) Defende um ponto de vista relativo ao exercício teatral.
A partir do texto e dos seus conhecimentos, é possível afirmar que Luiz Antônio
Marcuschi diferencia gêneros e tipos textuais, respectivamente, por critérios
a) Semânticos e sintáticos.
b) Linguísticos e estilísticos.
c) Estilísticos e sócio-comunicativos.
d) Sócio-comunicativos e linguísticos.
e) Estilísticos e semânticos.
51
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO UNIDADE
04
No campo da linguística aplicada, muitas pesquisas vêm se preocupando
com os processos de aquisição e de uso social da leitura e da escrita. Vários
estudiosos exploram como se processa a alfabetização e o letramento tanto na
língua materna quanto na língua estrangeira. Neste capítulo, conceitua-se, em
primeiro lugar, o que é alfabetização como uma prática de decodificar letras sem o
compromisso com as práticas sociais de leitura e de escrita. Em segundo lugar, é
apresentado o conceito de letramento como a apropriação das práticas de leitura
e de escrita para interpretar o mundo e ser um sujeito crítico atuante na sociedade.
Por último, são apontados alguns caminhos da prática de letramento na escola.
4.1 ALFABETIZAÇÃO
52
Atualmente, a alfabetização tem sido estudada sob vários prismas conforme
o campo profissional que investiga esse processo. Para Soares (2017), o processo de
alfabetização pode ser analisado sob a perspectiva psicológica, psicolinguística,
sociolinguística e linguística. O quadro 3 apresenta de uma maneira resumida cada
uma destas vertentes e suas respectivas características. Ainda que didaticamente
seja efetuada a divisão proposta no quadro 3, os estudos voltados para a
alfabetização estão exigindo a articulação entre as características a seguir
enfatizadas.
53
Figura 7: Criança sendo alfabetizada
54
forma de alfabetizar tem vínculo com a concepção teórica adotada pela escola, a
qual determina as práticas pedagógicas a serem seguidas pelos docentes.
55
aprender a juntá-las com o intuito de formar palavras. O professor do ponto de vista
didático conta com a cópia, a leitura e o ditado das sílabas estudadas e das palavras
formadas. Segundo Micotti (2012, p. 67), no método silábico, “em cada lição, os
textos, em geral muito pequenos (quando não são substituídos por algumas
sentenças isoladas), restringem-se às palavras compostas pelas sílabas já estudadas”.
Essa situação impõe o uso de textos artificiais e distantes das vivências do aprendiz.
Após um breve resumo sobre os métodos sintéticos, é necessário refletir sobre
os métodos analíticos expostos resumidamente no esquema 5. Posteriormente, cada
um dos métodos é explicado.
56
pode, a partir da fala das crianças, extrair sentenças simples, estimular a
memorização dessas frases, escrevê-las em papel e afixá-las na sala de aula. O
docente pode solicitar que as crianças ilustrem essas sentenças.
Por fim, o método global adota textos escritos que sejam interessantes,
possuem significado para a criança que está sendo alfabetizada e apresentam uma
sequência (começo, meio e fim). Nesse sentido, o aluno, ao analisar o todo, chega
às partes que o compõem (sentença e palavra). Esse método, também conhecido
como de historietas ou de contos, consiste em uma ampliação do método de
sentenciação, pois o aluno parte de historinhas para chegar às sentenças, palavras,
sílabas e letras.
4.2 LETRAMENTO
57
sido alfabetizada na escola. Na figura 8, vê-se uma criança que não tem idade para
estar alfabetizada, mas está inserida no mundo do letramento por meio de um livrinho
infantil colorido com textos e cheio de imagens.
Esquema 6: Letramento
58
prática do indivíduo. Um indivíduo letrado matematicamente consegue calcular
quais são os juros aplicados sob o valor à vista de um tênis.
O letramento linguístico diz respeito à utilização de conhecimentos da língua
e da linguagem para interpretar, ler e escrever textos enquanto o letramento literário
diz respeito à apropriação da literatura como uma linguagem subjetiva. Por exemplo,
uma pessoa que consegue interpretar e escrever poemas, bilhetes e e-mails é
considerada letrada. O letramento acadêmico considera os conhecimentos
adquiridos no âmbito escolar e como esses conhecimentos podem se somar às
questões sociais. Por exemplo, alguém pode, a partir de conhecimentos sobre a
transmissão de vírus Sars-Cov2, prevenir o seu contato com o agente infeccioso,
usando máscaras e álcool em gel. Por fim, o letramento digital tem relação com o
uso proficiente de recursos digitais e como estes impactam na vida em sociedade.
O conceito de letramento pode ser interpretado a partir de duas dimensões:
a individual e a social. A dimensão individual prevê o letramento como um atributo
pessoal enquanto a dimensão social sugere o letramento como um fenômeno
cultural, “um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita, e de
exigências sociais de uso da língua escrita” (SOARES, 2007, p. 66). O sujeito, ao se
apropriar dessas dimensões, ocupa um lugar diferenciado na sociedade, como
profissional, como cidadão e como consumidor de bens culturais.
O letramento individual considera o desenvolvimento de habilidades
cognitivas (capacidade de adquirir conhecimento) e metacognitivas
(conhecimento que o indivíduo possui dos próprios produtos cognitivos) de escrita e
leitura, visto que alguém só pode ser considerado letrado se possui habilidade de ler
e escrever quaisquer categorias de texto para diferentes situações sociais. O
letramento social diz respeito ao que as pessoas fazem socialmente com as
habilidades de leitura e de escrita adquiridas. Essa dimensão letramento trata-se de
uma arma utilizada para responder às exigências sociais e é um meio para a
mudança social ao promover a consciência crítica frente às contradições sociais.
O letramento é um direito do ser humano e, para que aquele se efetive, são
necessárias algumas condições, conforme Soares (2007). A primeira condição diz
respeito ao direito à escolarização eficaz. Isso implica afirmar que as pessoas
precisam sair da escola sabendo ler e escrever para atender às diversificadas
demandas sociais. A segunda condição é a de haver material de leitura disponível
para a população. Para Soares (2007, p. 58), haveria um problema em relação à
59
manutenção da cultura letrada, pois, no país, “não há material impresso posto à
disposição, não há livrarias, o preço dos livros e até dos jornais e revistas é inacessível,
há um número muito pequeno de bibliotecas”. Atualmente, alguns estudiosos podem
creditar a essa argumentação certa fragilidade frente a um contigente interessante
de materiais de leitura disponibilizados gratuitamente on-line. No entanto, o fato de
terem vários livros dispostos na web não significa que a população em sua totalidade
tenha acesso à internet para lê-los, por exemplo. Há inúmeras pessoas no país à
margem da tecnologia digital por várias dificuldades de acesso e de infraestrutura.
A medição do letramento ocorre por meio de contexto escolar, censo
demográfico nacional e pesquisa em amostragem. Mesmo com essas tentativas de
observar o letramento, há falhas na metodologia adotada. Como o letramento, no
sistema escolar, é um processo e uma finalidade, é a escola que possui meios para
mensurá-los de forma gradual e contínua. Os testes aplicados, no entanto, para
medir o letramento, são padronizados e não atendem à necessidade de um
letramento multifacetado.
Os censos querem colocar a análise do letramento sob uma perspectiva
única, o que é um equívoco, pois as variáveis do letramento são sensíveis e contínuas.
Além disso, na ocasião do censo, as pessoas ficam intimidadas pela figura do
recenseador que possui como referência as informações prestadas pelo
entrevistado. No censo, uma única pessoa da casa pode responder para todos que
possuem graus de letramento bem diferentes por serem indivíduos diferentes.
60
As pesquisas de letramento por amostragem fornecem dados não
apenas para a estimativa dos níveis de letramento, mas também, e
sobretudo, para a formulação de políticas educacionais e a
implementação de programas de alfabetização e de letramento
(SOARES, 2007, p. 105).
61
deslocado do seu tempo e do seu espaço.
A prática de escrita precisa ser situada com o intuito de atender às
necessidades de letramento fora do ambiente escolar. No cotidiano, o indivíduo vai
acionar a escrita para atender às heterogêneas situações de comunicação. Por
exemplo, alguém que vai dar uma festa de aniversário precisa escrever convites
eletrônicos para enviar aos seus convidados via mensagem de whatsapp. Assim
sendo, o usuário da língua precisa não apenas ser alfabetizado como também
necessita se apropriar das características dos gêneros convite e mensagem via
aplicativo. Cabe nesse caso, preparar o aluno não somente para lidar com a escrita
de gêneros “de instituições de prestígio na sociedade” (KLEIMAN, 2005, p. 27), mas
também prepará-lo para a produção de textos que atendam às situações
corriqueiras de comunicação.
Por fim, na prática escolar, o letramento deve se voltar para o acesso e o uso
de novas linguagens típicas das novas tecnologias digitais. Sendo assim, faz
necessária a inclusão de gêneros que pertençam a esse universo, como blog, vlog,
twitter, posts, fanfics, já que o aluno está inserido em um mundo tecnológico. Nesta
nova era, emergem textos multissemióticos ou multimodais, caracterizados pela
convergência de diferentes modos de representação (imagem, cores, músicas,
língua escrita e língua falada).
62
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (ENADE)
Um olhar histórico sobre a alfabetização escolar no Brasil revela uma trajetória de
sucessivas mudanças conceituais e, consequentemente, metodológicas. Atualmente,
parece que, de novo, estamos enfrentando um desses momentos de mudança – é o que
prenuncia o questionamento a que vêm sendo submetidos os quadros conceituais e as
práticas deles, decorrentes que prevaleceram na área da alfabetização nas últimas três
décadas. Pesquisas têm identificado problemas nos processos e nos resultados da
alfabetização de crianças no contexto escolar, além de insatisfações e inseguranças
entre alfabetizadores, motivando propostas de reexame das teorias e práticas atuais de
alfabetização. Um momento como este é, sem dúvida, desafiador, porque estimula a
revisão dos caminhos já trilhados e a busca de novos caminhos, mas é também
ameaçador, porque pode conduzir a uma rejeição simplista dos caminhos trilhados.
(Fonte: Adaptado de: SOARES, M. Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos. Pátio Revista Pedagógica. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 2004.)
PORQUE
63
2. (ENADE - ADAPTADA)
O conceito de letramento é muito difícil de ser especificado, porque remete tanto a um
estado que acede um sujeito quanto às habilidades deste mesmo sujeito de movimentar-
se num mundo povoado de textos, tanto como leitor quanto como autor de novos textos
a enriquecer o patrimônio de enunciados concretos disponível em diferentes esferas da
comunicação social de uma dada sociedade. Ainda que o conceito teórico não se limite
aos processos de iniciação ao mundo da escrita, é particularmente estes processos de
iniciação que têm sido aplicados por nós, como se “letramento” fosse o nome a se dar à
iniciação dos sujeitos sociais num mundo a que, por este processo, passaria a ter acesso.
Uma escola, qualquer que seja a escola, não poderia adotar níveis de letramento distintos
para sujeitos sociais distintos, trabalhando para que alguns apenas cheguem a “respostas
adequadas” ao seu contexto e levando outros a um letramento que lhes permita
compreender as relações sociais, aprofundá-las ou trabalhar para modificá-las de forma
crítica. Uma escola jamais poderá pôr como seus objetivos “respostas adequadas”, mas,
sim, respostas críticas e, para chegar ao nível da crítica, é preciso definir-se como lugar de
ensino-aprendizagem não da totalidade dos campos das atividades humanas (e,
portanto, introdutora dos sujeitos sociais a todos os gêneros de discurso), mas de áreas
socialmente privilegiadas que levem à constituição de sujeitos sociais críticos e
eticamente responsáveis, no sentido de responsabilidade tal como cunhado por Bakhtin
(2010): não uma responsabilidade moral para consigo mesmo, mas uma responsabilidade
ética fundante da relação com a alteridade.
(GERALDI, J. W. A produção dos diferentes letramentos. Bakhtiniana, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 25-34, 2014. Adaptado).
a) I e II.
b) I e III.
c) III e IV.
64
d) I, II e IV.
e) II, III e IV.
3. (ENADE)
Com base em estudos recentes, podemos afirmar que alfabetização e letramento
são processos construídos independentemente um do outro, de modo que cada
um deles deve ser assumido em sua particularidade e de forma independente,
especialmente
PORQUE
65
a) A convivência do aluno com muitos materiais escritos.
b) A leitura e escrita de letras, sílabas e palavras.
c) A aprendizagem das letras e sílabas.
d) A orientação sistemática da leitura e da escrita.
e) Respeito às variantes linguísticas dos estudantes.
a) Somente I e III.
b) Somente I, Ill e V.
c) Somente a I.
d) Somente a II.
e) Somente I, Il e IV.
66
alfabetização”.
a) Aprendizagem significativa.
b) Alfabetização.
c) Linguagem.
d) Letramento.
e) Expressividade.
(1) Alfabetização.
(2) Letramento.
A sequência correta é:
a) 2 - 2 - 1 – 2 – 2 – 1 – 2.
b) 1 - 2 - 1 – 2 – 2 – 1 – 2.
c) 1 - 2 - 1 – 2 – 2 – 1 – 1.
d) 1 - 1 - 1 – 2 – 2 – 1 – 2.
e) 1 - 2 - 1 – 1 – 2 – 1 – 2.
67
8. (AMAUC) Uma professora do Primeiro Ano do Ensino Fundamental está em
dúvidas quanto ao uso de estratégias pedagógicas que possam auxiliar seus
alunos lerem e escrever de forma segura e autônoma.
Nesta direção, buscando auxiliá-la nesta reflexão, leia as alternativas que se
referem à leitura e escrita no contexto escolar e assinale (V) para a afirmativa
Verdadeira e (F) para a afirmativa Falsa:
a) V –F – F – V
b) F – F – V – V
c) F – V – F – F
d) V – V – F – V
e) F – V – V – F
68
LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO UNIDADE
DE LÍNGUA MATERNA
05
Neste capítulo, faz-se uma reflexão sobre o ensino de língua portuguesa. Em
primeiro lugar, é debatida a gramática normativa como um parâmetro que foi,
durante muito tempo, norteador do ensino de língua materna, mas que hoje perdeu
espaço para uma abordagem voltada para o uso. Em segundo lugar, há, no
capítulo, a discussão sobre o ensino atual da língua portuguesa calcado em estudo
dos textos. Por fim, as diversas concepções de avaliação são apresentadas com o
intuito de ponderar qual é a mais articulada com os propósitos de ensino
contemporâneo.
Durante muito tempo, o ensino de língua portuguesa, que passou a fazer parte
do currículo brasileiro somente no final do século XIX, era voltado para o ensino da
norma culta e das regras gramaticais. Sendo assim, o principal foco era a gramática
tradicional, cujo objetivo era instituir parâmetros normativos para que os alunos
lessem e escrevessem bem. Essa concepção é, hoje, insuficiente e muito criticada,
pois as regras não são capazes de suprir as dificuldades de interpretação e de
produção de texto. Outra crítica que se faz ao ensino da GT diz respeito aos exemplos
(sentenças) descontextualizados e com pouca relação com o cotidiano do aluno.
Atualmente, o ensino de língua pautado no ensino de Gramática Tradicional
vem sendo revisado e dando lugar às práticas discursivas relacionadas à oralidade,
à escrita e à leitura. Se na concepção de ensino essencialmente gramatical a língua
era tomada como um sistema inflexível e invariável, nos estudos linguísticos atuais, a
língua deve ser considerada em uso. Os exemplos forjados de outrora dão lugar
àqueles contextualizados e circulantes em textos veiculados na sociedade. A
gramática escolhida para ser trabalhada hoje na escola é a em funcionamento e
relacionada às práticas de linguagem.
A gramática em uso, contemporaneamente escolhida para ser trabalhada
em sala de aula, não prescreve regras. Estas são consideradas variáveis, pois a língua
69
é heterogênea e dinâmica. Essa concepção de gramática se ancora na análise de
textos de gêneros diversos, analisados em sua integralidade e não como meros
pretextos para o estudo puramente gramatical. As regras constantes na gramática
são baseadas no uso e na gramática internalizada que o sujeito traz para a sala de
aula. Esse indivíduo, assim, é considerado um sabedor das regras gramaticais.
A gramática de uso tem no texto a sua manifestação (pois é nele que se usa
a língua). Sendo assim, é emergencial refletir sobre como seria uma tarefa de língua
portuguesa em que a gramática é contextualizada. No site da Revista Nova Escola,
consta um plano de aula em que o tópico gramatical Concordância Verbal é
abordado à luz do gênero discursivo anúncio publicitário. A prática de linguagem
envolvida é a de análise linguística e análise semiótica.
O professor deve solicitar que os alunos produzam anúncios publicitários,
prestando a atenção na concordância. A dificuldade prevista pelo docente na
realização da atividade é a de os alunos não conseguirem realizar as concordâncias
verbais nos anúncios publicitários. O material disponibilizado para a produção dos
textos é o caderno, lápis, cartolina, revistas, jornais e canetinhas.
O primeiro passo é apresentar um anúncio para os alunos e perguntar a eles
em que locais o texto costuma circular, com qual intenção, quem são os produtores
e os leitores de anúncios. O segundo é perguntar aos alunos se há algum desvio de
concordância no anúncio (figura 10).
Logo após, o professor deve dividir os alunos em grupo e pedir a eles que
planejem anúncios sobre a importância de se frequentar a escola. Os estudantes
70
precisam pensar em um título chamativo e interessante e precisam usar expressões
como “a maioria de”, “a maior parte de” e “grande parte de”. Ao final, os alunos
devem apresentar os cartazes e comentar os casos de concordância verbal nos
anúncios dos colegas.
71
aluno e pelo ensino de técnicas de revisão textual tais como rasurar, substituir e
desprezar trechos.
72
Para Fiorin (2006, p. 60), esses parâmetros ou PCNs “(...) estabeleceram que o ensino
de português fosse feito com base nos gêneros”. Essa visão volta-se mais para a
produção e recepção de textos de diferentes gêneros e propõe um ensino menos
voltado para os aspectos normativos da língua. Nesse sentido, é de suma importância
que o aluno tenha contato com o máximo de diversidade de gêneros que circulam
socialmente. O trabalho na escola deve ser sistemático e deve contar sempre com
a retomada, o aprofundamento e a ampliação das características básicas com os
gêneros, respeitando o grau de maturidade dos alunos para a compreensão desses
textos.
73
(psicomotor) é atrelado às habilidades físicas, reflexões e percepção. As categorias
desse domínio são a imitação, a manipulação, a articulação e a naturalização.
A noção de como um estudante aprende traz subsídio para a discussão sobre
o processo avaliativo. A avaliação é uma forma de repensar a prática pedagógica,
acompanhar a aprendizagem do aluno e contribuir para melhores condições de
ensino-aprendizagem. No que concerne a esse processo, a avaliação é dividida em
diagnóstica, formativa e somativa. Cada uma delas é organizada de tal maneira que
apresenta métodos e instrumentos para que se efetivem. Na figura 11, essas
avaliações são resumidamente caracterizadas.
74
produção de texto, dentre outros.
75
A avaliação somativa ou classificatória, diferentemente da diagnóstica,
ocorre no final do processo educativo. Essa avaliação faz um “balanço” sobre o que
se aprendeu durante o ano letivo. Além disso, a avaliação somativa objetiva
selecionar aqueles aptos ou não para avançar para outra etapa, ou seja, para
Guimarães (2017, p. 64), “por essa avaliação, os alunos são aprovados ou reprovados
para o ano, série ou ciclo seguinte”. Por outras palavras, se o aluno alcançou os
objetivos propostos pelo professor e pela escola, então, ele está aprovado, caso não
tenha atingido os objetivos, logo, é reprovado e precisa estudar novamente os
conteúdos daquela série. A somativa tem caráter definitivo, por exemplo, a
reprovação de um aluno é irreversível bem como a sua aprovação.
76
FIXANDO O CONTEÚDO
2. (AEVSF/FACAPE)
Avaliação educacional é um ato eminentemente político, pois sempre está alicerçado e
a serviço de um modelo de sociedade. O que denota constantes reflexões política-
pedagógica sobre a avaliação do ensino-aprendizagem, em uma perspectiva
emancipadora e numa visão pedagógica libertadora e epistemológica sócio-histórica
que se concretiza numa dinâmica avaliativa mediadora do processo de desconstrução
e reconstrução da práxis pedagógica.
77
É correto o que se afirma em:
a) III, apenas.
b) II, apenas.
c) I, apenas.
d) IV, apenas.
e) V, apenas.
I. Cabe ao professor afirmar que o ato de examinar é uma das etapas do ato de
78
avaliar disciplinarmente o aluno.
II. Cabe o professor informar, através do diálogo, o processo de aprendizagem do
seu aluno.
III. O diálogo pode vir em forma de conversas, de comentários escritos nos trabalhos
dos alunos ou ainda nos relatórios.
IV. Cabe ao professor alimentar um debate inicial a respeito da avaliação
classificatória.
a) I.
b) III.
c) I e II.
d) I e III.
79
e) II e III.
a) F, V e V.
b) V, V e F.
c) F, F e V.
d) V, F e V.
e) V, F e F.
7. (IDHTEC) Leffa afirma que a leitura com atribuição de sentidos atinge alguns
pressupostos, como:
a) Deve-se estabelecer uma prática padrão, sempre igual, para todos os tipos de
leitura.
b) A leitura depende majoritariamente de informações visuais.
c) O conhecimento prévio deve ser acionado sempre que necessário.
d) A previsão na leitura dificulta o processo.
e) O processo de leitura independe do conhecimento das normas gramaticais.
80
( ) As práticas de ensino da língua que a vinculam às circunstâncias concretas e
variadas de sua atualização são evidenciadas no estudo das regularidades de
seu uso, na produção e interpretação dos discursos.
( ) O trabalho didático com os gêneros textuais de diferentes esferas de circulação
implica o reconhecimento do papel central do texto como instrumento de
trabalho na sala de aula.
( ) O estudo dos recursos linguísticos nessa concepção é realizado por meio de
questões metalinguísticas de definição e classificação, para que o aluno
reconheça as unidades da língua.
( ) As práticas discursivas vão sendo desenvolvidas ao longo do ensino e
aprendizagem da língua a partir de uma distribuição e complexidade gradativas
do estudo dos gêneros textuais.
a) F – V – F – V.
b) V – V – F – V.
c) F – F – V – V.
d) V – V – V – F.
e) V – F – V – F.
81
PESQUISA EM LINGUÍSTICA UNIDADE
APLICADA
06
Neste capítulo, discute-se como é feita a pesquisa na área da linguística
aplicada, uma área interdisciplinar, e quais são as tendências contemporâneas
dessa área no que tange à língua materna. São apresentados alguns campos da
pesquisa em linguística aplicada e quais os seus principais questionamentos. Por fim,
uma breve noção de pesquisa quali-quantitativa, uma tendência na área de
linguagens, é dada.
82
O linguista aplicado precisa ponderar sobre as bases epistemológicas, em
constante revisão, da LA, uma área híbrida e mutável. Essas bases procuram a
compreensão de três aspectos: a) a linguagem é uma prática social, portanto, deve
ser estudada sob o viés da cultura; b) as práticas discursivas são atravessadas por
questões político-ideológicas, logo, não podem ser estudadas como neutras; c) a
construção de sentido engloba a multimodalidade (diferentes modalidades de
comunicação como texto, gesto, fala, imagem, etc).
83
obtidos possam ser usados para a melhoria escolar.
84
inicial, de Zamboni (2013). Nessa pesquisa qualitativa de cunho etnográfico (estuda
pessoas a partir dos comportamentos delas), a autora analisa a concepção
subjacente à formação de professores língua estrangeira em uma instituição de
ensino superior e toma como objeto de estudo as Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Letras e o documento curricular. Uma das conclusões a que Zamboni (2013)
chega é a de que a definição de proficiência em língua estrangeira que direciona a
formação de professor não é clara nos documentos oficiais.
As pesquisas na área de letramento digital são bem coerentes com a proposta
da linguística aplicada e constituem uma vertente bastante forte entre os linguistas.
Por letramento digital, entende-se a habilidade de usar ferramentas
computadorizadas em rede e de compreender e escrever informações por meio de
tecnologias digitais. Paiva (2021), por exemplo, investigou trechos de 28
tecnobiografias escritas no primeiro semestre de 2018 durante uma turma ministrada
na graduação de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) disciplina
sobre recursos tecnológicos e ensino. Foi proposto, para os alunos, que, seguindo um
roteiro de Barton e Lee (2013), fosse escrita uma tecnobiografia multimodal sobre o
primeiro contato dos alunos com o mundo digital. Ao final da pesquisa, Paiva (2021)
chegou à conclusão de que os narradores das tecnobiografias tiveram o seu primeiro
contato com a tecnologia digital por meio dos jogos, mesmo alguns relatando que o
contato com essas tecnologias tivesse ocorrido nas aulas de informática na escola.
A pesquisadora conclui que, apesar de os alunos não fazerem parte de um sistema
educacional que prezou pelo letramento, eles estão bem à vontade com o uso de
tecnologias digitais, pois sabem baixar jogos, arquivar e salvar documentos e fazer
transações bancárias por meio de aplicativos.
85
exemplo, a narrativa e a construção da imagem de uma professora em formação.
Exemplo disso é a pesquisa desenvolvida por Faria e Silva (2012) que analisam a
narrativa escrita por uma aluna do curso de Letras Português-Inglês de uma
universidade federal mineira. Essa narrativa versava sobre o ensino e a aprendizagem
de língua estrangeira e sobre a influência dos professores na vida profissional da
aluna. Foi realizada a análise discursiva da narrativa da aluna com ênfase na
influência da significação discursiva e os efeitos de linguagem na construção do
ethos do professor.
86
entre qualitativas e quantitativas. A primeira considera o sujeito e a sua relação com
o mundo (vista sob o ponto de vista da subjetividade) e a segunda se baseia em
dados amostrais, contagem, percentuais e estatísticas. Contemporaneamente, há
uma tendência em conduzir uma pesquisa mesclando os dois métodos.
87
Os dados precisam ser gerados. Para tanto, o pesquisador escolhe um
instrumento de coleta de informações: diários, gravação em áudio e vídeos,
autorrelatos e/ou narrativas e desenhos, notas de campo, questionários, entrevistas,
etc. Apesar da relevância desses e de outros métodos para a pesquisa em LA, serão
caracterizadas as coletas de dados por meio de diários, entrevistas e questionários.
Na linguística aplicada, os diários vêm sendo cada vez mais utilizados como
uma ferramenta de reflexão sobre a realidade circundante. São utilizados na
formação inicial e na continuada e podem ser escritos em cadernos, em meio
eletrônico, bem como podem também ser gravados em forma de podcast, por
exemplo. Além de estarem à disposição de pesquisadores para análise, os diários
representam uma boa ferramenta que promove o debate sobre os desafios do
cotidiano escolar.
Fonte: https://gartic.com.br/thalyasantos/desenho-livre/diario
88
A entrevista é um método de coleta de dados que consiste em uma
conversação face a face ou qualquer outro meio de comunicação instantânea
(aplicativos de troca de mensagens, por exemplo). A entrevista precisa ser gravada,
transcrita, e o entrevistador pode selecionar partes que lhe sejam interessantes de
acordo com os propósitos da pesquisa em linguística aplicada. Sua construção pode
ser organizada em estruturada, semiestruturada e livre. A entrevista estruturada se
parece com um questionário, o que minimiza a possibilidade de incompreensão do
item proposto. São comuns, nesse tipo de entrevista, as perguntas de alternativa fixa,
as perguntas de sim e não e as perguntas abertas. A semiestruturada é mais flexível
do que a estruturada; o entrevistador não precisa seguir o roteiro, podendo, inclusive,
inserir outras perguntas no momento da entrevista. As entrevistas livres são bem
informais e não apresentando estruturada prévia.
89
Figura 15: Questionário
90
FIXANDO O CONTEÚDO
91
b) A etnografia tem a preocupação de elaborar descrições dos eventos, fenômenos
e fatos sociais a partir do olhar dos próprios sujeitos em análise.
c) Apenas é possível realizar pesquisas etnográficas em realidades tradicionais.
d) Por ser uma descrição pura do objeto analisado os dados etnográficos são uma
importante coleção de informações.
e) Necessariamente a pesquisa etnográfica é realizada por via de dados
secundários.
a) I, II e IV.
b) I, IV e V.
c) II, III e V.
d) II e IV.
e) III e IV.
92
( ) A problemática da pesquisa refere-se a uma dúvida teórica ou prática
objetivando encontrar as respostas.
( ) As pesquisas acadêmicas, em sua maioria, não utilizam da problemática para
as suas investigações.
a) Cronograma
b) Hipótese
c) Justificativa
d) Metodologia
e) Objetivos
a) Discussão.
b) Monografia.
c) Pesquisa.
93
d) Objetivo.
e) Resenha.
a) F-F-F-V.
b) V-V-V-F.
c) F-V-V-F.
d) V-V-V-V.
e) V-F-V-F.
94
UMA BREVE REFLEXÃO UNIDADE
07
LINGUÍSTICA
7.1 INTRODUÇÃO
Petter (2006) diz que o desenvolvimento dos estudos linguísticos levou muitos
estudiosos a proporem diferentes definições do que é a “linguagem”, sendo elas
muito próximas em alguns pontos, mas também muito diferentes em outros. Isso
significa dizer que não há como “fechar” uma definição ou uma conceituação sobre
o que é a linguagem, pois, automaticamente, perguntas como “para quem?”, “em
qual época?”, “sob qual perspectiva?” surgem à medida que se avança nos estudos.
Tampouco há a pretensão de se fazer uma definição fechada sobre a linguagem.
Ao contrário, a ideia principal deste material é a de proporcionar diferentes visões,
em diferentes momentos históricos, de maneira introdutória, sobre como os fatos
linguísticos foram percebidos pela humanidade.
Por isso, o pensamento linguístico de hoje é baseado e formado a partir de
diferentes princípios metodológicos de décadas e séculos atrás, que já se
preocupavam com essa questão, mesmo que não da mesma forma que atualmente
– afinal, as preocupações também eram outras, por isso os estudos tiveram outros
objetivos. Contudo, reforça-se que os estudos linguísticos atuais, ainda que derivem
parcialmente dos antigos, não dão conta de serem explicados e totalmente
relacionados com a antiguidade, pois não há dados científicos suficientes para
comprovar uma estreita ligação e relação de dependência entre povos geográfica
e temporalmente distintos.
Logo, todos os períodos e fatos históricos relacionados aos estudos linguísticos
devem ser compreendidos como momentos da história do pensamento linguístico,
não necessariamente como uma linha do tempo em que um fato sucede o outro.
Assim, é possível compreender como esse tema sempre esteve presente na vida dos
seres humanos, de uma maneira ou de outra, sem que haja a necessidade de
“esgotá-lo” como se só existisse essa possibilidade de olhar para os fatos da língua.
95
7.2 A LÍNGUA(GEM): ALGUMAS REFLEXÕES
Como será discutido, a Linguística não era considerada uma área autônoma,
pois carecia de cientificidade, método e objeto próprios. Por isso, se apoiava em
outras áreas de estudo, como a lógica, a filosofia e a retórica para trazer a base
científica para suas contribuições. Contudo, o que sempre houve nesses estudos,
apoiados ou não em outras áreas, foi a preocupação em definir o que é a linguagem,
tema este que não recai só sobre a linguagem humana, mas também sobre a
linguagem animal, como demonstra o estudo de Karl von Frisch, em 1959, sobre o
sistema de comunicação utilizado pelas abelhas. Ou seja, não só um tipo de
linguagem, mas quando o tema se volta aos seres humanos e ao sistema de
comunicação por eles utilizado, geralmente, a noção de “língua” está estritamente
vinculada.
Com base em Cunha, Costa e Martelotta (2011), identifica-se que a linguagem
é um termo polissêmico, isto é, apresenta mais de um sentido, uma vez que é possível
utilizá-lo para referir-se a qualquer processo de comunicação. Por isso, existe a
linguagem dos animais, a linguagem corporal, a linguagem das artes, a linguagem
da sinalização, a linguagem escrita, dentre outras, como aponta os autores. A língua
falada por um grupo de pessoas, dessa forma, é uma forma de linguagem. Nesse
sentido, para os autores, a linguagem é uma habilidade, ao passo que a língua é um
sistema de signos utilizados entre os membros de um grupo.
96
A língua(gem) é algo que exerceu e continua a exercer interesse nos homens,
seja pelo seu caráter de evolução, seja pelo seu caráter de comunicação. Petter
pontua que a linguagem “[...] permite não só nomear/criar/transformar o universo
real, mas também possibilita trocar experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir
a existir, e até mesmo imaginar o que não precisa nem pode existir” (2006, p. 12). Ou
seja, a possiblidade que a língua(gem) tem de transmitir o mundo é o que a faz única,
do ponto de vista de um artefato cultural, pois utilizado por diversas culturas, em
diferentes épocas.
97
Cunha, Costa e Martelotta (2011) ressaltam que há diferentes formas de
compreender o fenômeno da linguagem, por isso, é possível apreendê-la como (1)
uma técnica articulatória complexa, relacionada aos sons que produzem a fala; (2)
uma base neurobiológica composta de centros nervosos que são utilizados na
comunicação verbal, em que o funcionamento da linguagem está relacionado a
uma estrutura biológica que o veicula; (3) uma base cognitiva, que rege as relações
entre o homem e o mundo biossocial e que representa esse mundo em termos
linguísticos; (4) uma base sociocultural que atribui à linguagem humana os aspectos
variáveis no tempo e no espaço; e (5)uma base comunicativa que fornece os dados
que regulam a interação entre os falantes.
Nota-se que dentro dessas 5 (cinco) possibilidades, há muitos e diferentes
estudos e pesquisas que foram e podem ser desenvolvidos. Ou seja, tratar da
(língua)gem não é uma tarefa simples nem que pode ser esgotada, por isso há muito
feito, mas também há muito a se fazer em relação aos fatos linguísticos.
98
objetivos. Uma boa definição do que seria um estudo nesta perspectiva e o papel de
quem a estuda, seria o de que
99
considerado o mais adequado, por isso, pode ser caracterizada como normativa. Por
sua vez, a Linguística analisa e descreve o funcionamento da língua, sem se
preocupar com regras de uso.
A segunda diferença importante apontada pelos autores é a de que os
linguistas, diferente do que se concebe na gramática tradicional, consideram a
língua falada como primária, não escrita. Eles afirmam que “qualquer atividade de
escrita representa um processo mais sofisticado e adquirido mais tardiamente”, pois
eles afirmam que “[...] começamos a falar antes de aprender a escrever, falamos
mais do que escrevemos em nossa rotina diária, todas as línguas naturais foram
faladas antes de serem escritas” (CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2011, p. 26).
Compreende-se, então, que ambas as abordagens se assemelham por
trazerem a linguagem, de uma maneira ou de outra, para seu interior, mas se
distinguem de maneira bem clara com o que fazem a partir deste tema: prescrever
o bom uso da língua, como um gramático tradicional o faz, está em uma situação
diferente da descrição da língua, como um linguista o faz. Reforça-se, então, que
essas distinções existem e, sobre elas, algumas reflexões são feitas, a fim de que cada
área de estudo tenha as condições ideais para realizar seus objetivos acerca da
(língua)gem.
Por fim, há de ressaltar que o trabalho proposto por uma gramática, seja de
qual caráter for, não deve ser ignorado tampouco desvalorizado. É preciso
reconhecer o lugar e a contribuição que este tipo de estudo tem para os estudos
linguísticos, principalmente quando falamos de tempos mais antigos e de povos mais
distantes, que não possuíam o mesmo tipo de objeto nem conhecimento científico
do qual se dispõe os dias atuais. A ressalva do que é o trabalho de um(a) linguista é
100
uma forma de mostrar como esse profissional atua e pode continuar atuando na
sociedade, contribuindo com o fazer científico ético e de qualidade, sem
desvalorizar, contudo, o trabalho de um(a) gramático(a), que muito tem a contribuir
também com esse fazer científico, dentro das suas especificidades.
101
FIXANDO O CONTEÚDO
102
Adaptado de ORLANDI, Eni. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 1999.
a) Gramática Prescritiva.
b) Gramática Descritiva.
c) Gramática Internalizada.
d) Linguística.
e) Gramática Comparada.
103
e) consiste numa abordagem científica de todos os tipos de linguagem utilizadas
pelos seres humanos, desde as primeiras gramáticas até os autores modernos do
Império Romano que influenciam diversos idiomas por conta do latim.
104
7. (UNICENTRO 2017 - adaptada) Leia o texto a seguir para responder à questão:
105
Disponível em: https://ifhistoria.wordpress.com/2014/05/18/a-semana-de-arte-moderna/. Acesso em: 01 out. 2018.
106
OS PRIMEIROS ESTUDOS UNIDADE
08
LINGUÍSTICOS
8.1 INTRODUÇÃO
No início dos tempos, não havia uma Linguística como nós temos hoje, com
seu objeto e métodos próprios e bem definidos. Mas os estudos sobre a linguagem
humana existem muito antes da fundação da Linguística como uma ciência, no fim
do século XIX e início do século XX, pelo estudioso genebrino Ferdinand de Saussure.
Os seres humanos, com a necessidade básica da comunicação, sempre fizeram uso
da linguagem (em suas mais diferentes formas, verbal, sonora ou visual). Por isso, os
estudos acerca da linguagem acompanham toda a evolução humana, mesmo que
sem o rigor científico que hoje temos na área da Linguística, até pelo fato de não ser
uma preocupação de outras épocas.
O caminho percorrido pela Linguística para ganhar seu status científico e seu
objeto e métodos bem definidos é relativamente atual, em comparação com outras
áreas da ciência humana. Contudo, o interesse pela linguagem sempre existiu,
mesmo que uma disciplina que se preocupasse especificamente só com isso ainda
não existisse. Um exemplo de quão antigo é o interesse pela linguagem está no século
IV a. C., quando a preocupação dos povos hindus era a de fazer uma manutenção
da Gramática com propósitos religiosos, baseados no princípio de ler e escrever
corretamente. Mais à frente, já no século I a. C., os latinos tentaram implementar a
gramática grega no seu idioma (língua latina), pois acreditavam que, assim, a
interpretação literária (leitura e produção de poemas) seria melhor para todo o povo.
Percebe-se que a humanidade possui um interesse pelo tema “linguagem”
desde a antiguidade, ainda que cada povo possuísse traços de interesses distintos.
Portanto, contextualizar a linguagem como ciência é um trabalho anterior ao fim do
século XIX e início do século XX. Logo, para entender o que Saussure fez (um marco
histórico para a área), é preciso entender também o que veio antes dele e o que os
povos estudavam e buscavam a partir da temática da “linguagem”.
107
Traçar uma linha do tempo, linear, que dê conta de destacar todos os fatos,
cronologicamente, sobre os acontecimentos acerca dos estudos linguísticos é uma
tarefa difícil, uma vez que o seu desenvolvimento não ocorreu dessa forma. Como
diz Weedwood (2002):
Com base no que é dito pela autora, pode-se perceber que o interesse pela
linguagem é muito antigo, de modo que há acesso a mitos, lendas, cantos, rituais e
trabalhos eruditos que refletiam sobre e buscavam entender essa capacidade
humana, como também diz Petter (2006)
O crescente interesse dos povos pela linguagem, não é de se estranhar que
diferentes e variadas culturas, em diferentes e variados tempos, tenham se dedicado
a essa questão que está presente na vida cotidiana de todos os seres humanos, de
maneira mais sistematizada ou não. Há de se considerar, nesse momento de primeiros
estudos linguísticos, que eles foram desenvolvidos de maneira isoladas, em cada
cultura, mas que também, em alguns momentos, o desenvolvimento ocorre numa
relação de certa dependência.
108
cronológica oferecerá um arcabouço adequado (WEEDWOOD, 2002,
p. 23 – destaques da autora).
109
em um momento importante para os estudos linguísticos, um século antes da
sistematização feita por Saussure na área da Linguística, em 1916.
Considera-se que a língua grega foi bastante estudada ao que tange aos
procedimentos de estilo e de adequação da linguagem ao pensamento. No
contexto da cultura ocidental, a Grécia Antiga voltou sua atenção aos aspectos
linguísticos a partir de estudos com base lógica e natureza filosófica, de modo que
Câmara Jr. (2011) afirma que a principal abordagem, na Grécia, aos estudos
linguísticos foi por meio da filosofia, o que significa que quase todas as preocupações
e as investigações incluíram a linguagem como um de seus objetos de investigação.
A preocupação inicial era a de estabelecer um paralelo entre o pensamento
e a palavra. Para eles, o problema filosófico relativo à linguagem era a definição
entre a noção e a palavra que a designa. Para isso, esse tema era observado a partir
das questões da naturalidade e da arbitrariedade da linguagem, o que significa que
os fatos linguísticos eram observados pela natureza ou pela convenção na língua
grega, de modo que muito se especulava a respeito disso.
Durante vários séculos, esse tipo de preocupação dominou todos os estudos
sobre a origem da língua, com ênfase na relação entre as palavras e o seu
significado. Weedwood (2002) diz que, com isso, duas escolas opostas surgiram na
época: anomalistas e analogistas. A primeira considerava que a linguagem era
irregular, justamente por refletir a própria irregularidade da natureza. A questão
equivalia a dizer que tinha sua origem em princípios eternos e imutáveis fora do
próprio homem.
Já os analogistas pensavam na regularidade básica da linguagem, baseados
na convenção. A questão significava dizer que ela era o resultado de algum acordo
tácito, um tipo de contrato social entre os membros da comunidade. Ressalta-se,
com isso, que ambas as visões eram importantes para a época e foram responsáveis
pela sistematização da gramática grega, ou seja, não havia, para a época, um lado
“certo” ou “errado”, mas visões que se complementavam e contribuíam para ao
avanço dos estudos sobre a língua.
Outras contribuições foram feitas por Protágoras, no século V a. C., ao
estabelecer a distinção de três gêneros. Já Platão fez a importante distinção de
“substantivos” e “verbos”, ao passo que Aristóteles, seu discípulo, acrescentou
110
também as “conjunções”. Contudo, como aponta Camara Jr. (2011), seus principais
trabalhos se voltam ao diálogo de Crátilo (um filósofo seguidor de Heráclito) e
Hermógenes (seguidor de Demócrito). Segundo o autor, Platão se identificava com
Heráclito e, Aristóteles, com Demócrito:
São os chamados estóicos, com uma base de estudo anomalista, que mais se
dedicaram à questão da língua, dentre todas as escolas. Eles consideravam a língua
fundamental, principalmente em termos de lógica, além de terem sido os
responsáveis pela distinção entre forma e significado (o que será chamado de
significante e significado por Saussure).
Por sua vez, os gramáticos da Escola de Alexandria, que eram analogistas,
deram continuidade aos estudos feitos pelos estóicos e, nesse momento, a
“gramática grega”, de fato, foi convencionada. A perspectiva era mais filológica e
os textos estudados eram de antigos poetas, originado um movimento de estudar os
textos literários como fonte de um bom e correto uso da língua. No final do século II
a.C., a gramática de Dionísio Trácio acrescentou algumas questões às já tratadas
pelos estóicos, como o advérbio, o pronome, a preposição e o particípio. Já Apolônio
Díscolo, no século II, tratou da gramática com ênfase na sintaxe, em que ele propõe
a análise linguística como composto da análise, que compreende a definição das
partes da oração, e a síntese, que corresponde à sua disposição em um todo
coerente.
111
Figura 1: Representação moderna do interior da Biblioteca de Alexandria
112
8.4 ROMA E A LÍNGUA LATINA
Como dito, os estudos linguísticos em Roma tiveram forte influência dos gregos,
de modo que a sua gramática serviu de modelo, uma vez que, segundo Lyons (1979),
as duas línguas eram bastante semelhantes em sua estrutura geral, o que os levou a
pensar que as categorias gramaticais, elaboradas pelos gregos, eram universais.
Neste momento,
113
Dentre os estudiosos da língua no Império Romano, pode-se destacar Marcos
Terêncio Varrão, no século II a. C., autor dos 25(vinte e cinco) originais do compêndio
intitulado “De Língua Latina”, que apresentava forte influência dos estóicos. Também
dividiu os estudos linguísticos em etimológicos, morfológicos e sintáticos. Por sua vez,
o retórico Marco Fábio Quintiliano, no século I d. C., contribuiu com temas
educacionais na sua obra “Instituto Oratória”, ao passo que Élio Donato, por volta do
século IV d.C., escreveu sua gramática “Arte Menor” que, por muitos anos,
permaneceu como o modelo mais autorizado de gramática expositiva, além de
fazer uma descrição minuciosa das letras, o que contribuiu em termos fonéticos, e um
compilado dos traços estilísticos de autores clássicos.
114
uma tendência que foi prosseguida na Idade Média por estudiosos
que exerciam a exegese bíblica (WEEDWOOD, 2002, p. 40).
Por fim, segundo Lyons (1979), o latim não era só uma língua utilizada com fins
religiosos, mas também era considerada a língua universal da diplomacia, da cultura
e da erudição. Daí surgirem vários manuais de língua latina, pois era uma língua
estrangeira que deveria ser aprendida nas escolas por diversos outros povos.
Contudo, tomavam especial cuidado com essa língua, pois valorizavam o seu
aspecto intocável, que buscava sempre ser preservado à medida em que outros
povos começavam a falá-la e, assim, davam sentidos linguísticos diferentes a ela.
A língua latina continua a ter sua importância durante anos, de modo que
chega até à Idade Média como a mais estudada e expandida, em particular, por
ser o idioma oficial da igreja ocidental. Camara Jr. (2011) diz que a mais completa
expressão da gramática normativa na Idade Média foi a “Doctrinale Puerorum”, de
Alexandre de Villedieu, no século XII. O caráter pedagógico deu lugar ao tom
filosófico, com base na gramática de Prisciano.
Quando os escolásticos ganharam espaço na sociedade, a abordagem
filosófica da língua voltou a se desenvolver também, com influência dos
ensinamentos de Aristóteles, a partir da ideia de que a gramática era “auxiliar da
lógica”. Na Idade Média, então, desenvolveu-se um estudo lógico da linguagem,
que até os dias atuais possui a sua relevância, tamanho foi o impacto não só no
período, mas também nos séculos posteriores. Também nesse período a disputa entre
analogistas e anomalistas se mantém presente, agora com outro nome (realistas e
nominalistas) e com uma abordagem filosófica da linguagem, com ênfase ao papel
do gramático.
Segundo Camara Jr. (2011), é também parte do pensamento medieval a ideia
de que existe uma estrutura gramatical comum a todas as línguas, sendo mais
evidente no latim: “[...] encontramos aqui a ideia de uma gramática geral que tem
dominado o pensamento dos homens, acerca da linguagem, por muitos séculos”
(CAMARA JR., 2011, p. 31).
Os estudos gramaticais latinos continuaram avançando no período medieval,
mas disputaram “forças” com as línguas faladas que, neste momento, começaram
a despertar certo interesse e curiosidade, devido à expansão do cristianismo. E,
115
justamente pelo avanço dos motivos religiosos, a necessidade de comunicação para
evangelizar outros povos com a doutrina cristã tornou-se um ponto a ser explorado.
Estudiosos da área consideram este momento da história como o embrião dos
estudos de línguas estrangeiras. Nesse sentido, o trabalho de Aelfric, um abade, no
século XI, mostra o interesse entre o anglo-saxão e o latim, na obra “De Grammatica
Latino-Saxonica”, seguida de um “Glossarium”.
Exemplos de estudos nessa direção são sobre as línguas orientais e indígenas
americanas, como os desenvolvidos por Victorinus, Caninius e Pizza, ao longo do
século XVI. Ao mesmo tempo, também surgia um interesse crescente pelas línguas
faladas no mundo que, segundo Camara Jr. (2011), era consequência da
curiosidade do homem do Renascimento, diante de tudo que o circundava na
natureza e na sociedade.
Por fim, o período medieval é marcado por uma concepção de linguagem
como um espelho, em que se deu importância ao significado (aspectos semânticos)
da língua. Dessa forma, a partir do século XV, a tradição de gramáticas gregas e
romanas começou a perder o seu valor, na medida em que estudos de outras
naturezas começaram a ganhar relevância, como o de línguas vernáculas e
exóticas.
116
Para Camara Jr. (2011), as principais manifestações da gramática filosófica no
século XVI foram as obras “De Causis Linguae Latinae”, de Julius Caesar Scaliger, e
“Minerva”, do espanhol Francisco Sanchez de las Brozas. Ambos buscaram
desenvolver uma estrutura lógica que julgavam inerente a todas as línguas.
A valorização da língua latina começou a perder sua força, ao passo em que
as línguas estrangeiras ganharam espaço nos estudos linguísticos europeus, pois cada
país começou a ter interesse e entusiasmo por sua própria língua, resultando nos
louvores em francês, italiano etc., como pontua Camara Jr. (2011). Também crescem
os estudos linguísticos com orientação lógica e preceitos do que é certo e errado,
como as gramáticas francesas e castelhanas, que tinham como objetivo ensinar
cada qual a sua língua para os estrangeiros.
O autor também pontua que o aspecto oral da linguagem começou a ganhar
espaço e uma teoria fonética, preocupada com os sons e com os órgãos envolvidos
na fala, também começou a ser desenvolvida (estudos de cunho biológico), algo
que não ocorreu com tamanha sistematização entre os gregos e romanos,
tampouco na Idade Média.
O ápice do século XVII foi a publicação da “Gramática de Port-Royal”, em
1660, dos autores Claude Lancelot e Antoine Arnauld. O trabalho é considerado
pioneiro nos estudos da filosofia da linguagem e representou um corte
epistemológico (mudança radical de pensamento) e uma ruptura com o modelo
latino de conceber a linguagem. A ideia principal, difundida ao longo de todo o
117
estudo, é a de que a gramática é um conjunto de processos mentais e universais,
logo, a gramática é universal. Chomsky, nos estudos modernos da Linguística,
classifica este período como a “linguística cartesiana”, pela forte influência de René
Descartes e do racionalismo francês.
O caráter do estudo era racional e filosófico e entrava em embate com os
estudos linguísticos da época, voltados ao bom uso da linguagem, que enfatizavam
a parte estilística, sem se interessar pelas causas e fundamentos que estruturam a
linguagem. Segundo Ranauro (2003),
118
Considera-se o contato com o sânscrito um grande marco para os estudos
linguísticos, principalmente no campo das pesquisas de cunho histórico-
comparativista, pois foi graças a essa língua que os estudos comparativos entre uma
língua e outra teve seu início. Estudiosos europeus tiveram contato com o sânscrito e
com a cultura indiana e puderam perceber, a partir de reflexões, que essa língua
possui graus de parentesco com o latim, o grego, o germânico e o persa. Uma língua
distante, originária do dialeto penjabi no nordeste da Índia, foi a responsável por
impulsionar diversas pesquisas acerca de sua origem e de suas relações
genealógicas, como ser membro linguístico de uma família indo-européia.
119
120
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Observe a imagem:
Com base nos seus conhecimentos sobre os primeiros estudos linguísticos pela
humanidade, é correto relacionar a imagem com
121
I. Havia a preocupação em explicar a relação entre o conceito e a palavra utilizada
para designá-lo. Uma questão importante era: havia alguma relação entre a
palavra e seu significado?
II. Ocorreu um embate entre Naturalistas e Convencionalistas, que discutiam se o
processo da língua era algo “normal” ou obedecia a determinadas “convenções”
estabelecidas pela sociedade.
III. Platão e Aristóteles são dois pensadores que exemplificam os estudos
paralinguísticos, tratando da linguagem a partir de uma análise filosófica.
IV.Não houve discussões sobre os processos de funcionamento das línguas.
122
d) Anomalistas (convenção): a linguagem é o reflexo dos princípios eternos e
mutáveis do homem. Analogistas (natureza): a regularidade básica da linguagem
é resultado de um tipo de contrato social entre os membros da comunidade e a
natureza.
e) Anomalistas (natureza):sua origem está em princípios imutáveis dentro do próprio
homem. Analogistas (convenção): sua origem é a linguagem como resultado da
mistura dos membros de uma mesma comunidade.
123
c) Filosófica / Escolásticos / Aristóteles
d) Etimológica / Gramáticos / Aristóteles
e) Lógica / Gramáticos / Protágoras
124
c) A abordagem “particular”, com ênfase nos fenômenos gramaticais que
diferenciam as línguas, e a abordagem “universal” que, concentra-se nos
preceitos filosóficos e lógicos.
d) A abordagem “universal”, com ênfase nos fenômenos físicos ligados à natureza, e
a abordagem “anomalista”, ligada às expressões gramaticais que existem em
todas as línguas.
e) A abordagem “anomalista”, com ênfase nos fenômenos universais que
diferenciam as gramáticas, e a abordagem “universal” que, concentra-se nos
princípios particulares à linguagem, com preceitos filosóficos e lógicos.
125
OS ESTUDOS HISTÓRICO- UNIDADE
09
COMPARATIVOS NO SÉCULO XIX
9.1 INTRODUÇÃO
126
moderna com o estudo das línguas indo-europeias e propunha a “gramática
comparada”, que visava à reconstituição da “língua-mãe”.
Orlandi (2009, p. 11) pontua que no início dos estudos, antes das investigações
de cunho histórico-comparativista, a ênfase estava no racionalismo: “os pensadores
da época concentram-se em estudar a linguagem enquanto representação do
pensamento e procuram mostrar que as línguas obedecem a princípios racionais,
lógicos”. Esse estudo lógico da linguagem buscou estabelecer a relação do
pensamento com a linguagem, utilizando a filosofia e a linguística para tal finalidade.
Já em um segundo momento, no século XIX, Orlandi (2009) diz que o ideal
universal não possui a mesma credibilidade e validade dos séculos anteriores. O foco
dos estudos se volta para o fato da linguagem se transformar com o passar do tempo.
O que é preciso e exato não importa como antes e cede o lugar para que a
mudança seja o principal aspecto nesses novos estudos. Como dito pela autora, nos
estudos históricos “[...] se procura mostrar que a mudança das línguas não depende
da vontade dos homens, mas segue uma necessidade da própria língua, e tem uma
regularidade, isto é, não se faz de qualquer jeito” (ORLANDI, 2009, p. 13).
Adiante, são apresentados o surgimento desses estudos histórico-
comparativos, bem como os pressupostos teóricos e os principais autores desse
movimento. Como pontuado anteriormente, tais estudos possuem relevância para a
constituição da área da Linguística enquanto ciência. Deste modo, é importante
olhar para esses momentos históricos dos estudos da linguagem como uma
continuidade, não como uma ruptura entre um momento e outro.
127
A primeira notícia que se tem sobre o surgimento dos estudos histórico-
comparativos é do final do século XVIII pela identificação das semelhanças lexicais
entre o sânscrito e algumas línguas europeias, o que já havia sido observado e
descrito, inclusive, por um italiano chamado Filippo Sassetti, no século XVI, ao
comparar o sânscrito e o italiano. Pouco antes disso, um jesuíta inglês chamado
Thomas Stephens, em 1583, escreveu sobre a existência de semelhanças entre o
côncani, o grego e o latim. Em 1768, Gaston Coeurdoux, um jesuíta francês, também
apresentou seus estudos comparativos sobre o sânscrito, o grego e o latim,
apontando que as semelhanças derivavam de uma origem comum.
Considera-se que William Jones, um estudioso de origem inglesa, foi o
responsável por apontar as semelhanças entre o grego, o latim, o persa e o sânscrito
e, assim, dar início aos estudos histórico-comparativos pelo continente, de maneira
oficializada, no ano de 1786. Ele reconheceu a existência de uma relação
(parentesco) entre essas línguas, de maneira que fez um estudo descritivo sobre, não
evoluindo tal descrição para um sistema comparativo que explicasse as semelhanças
e diferenças entre as línguas descritas. O seu objetivo não era abordar a questão da
proximidade entre essas línguas, mas de demonstrar a antiguidade dos povos
indianos, examinando as suas línguas, sua filosofia e religião, e, também suas artes,
de modo que estendeu os estudos comparados também a estes outros aspectos da
cultura desses povos.
Após este apontamento de William Jones, um estudioso alemão, em 1808,
chamado Friedrich von Schlegel, publicou a obra Über die Sprache und Weisheit der
Indier (em português, “Sobre a linguagem e a sabedoria dos indianos”). Nela, o
estudioso faz comparações sistemáticas e pontua critérios que auxiliam na
classificação das e entre as línguas. Para ele, existem três tipos de línguas: (1) isolantes,
sem flexões, (2) sintéticas, com flexões, e (3) aglutinantes, sequências de unidades
presas.
Seguindo essa distinção de Schlegel, as línguas isolantes são o chinês, o
tailandês e o vietnamita, pois não possuem fragmentos menores, como as línguas
sintéticas. Estas, por sua vez, apresentam diferentes morfemas e são possíveis de
serem flexionada, como o português e as línguas de base indo-europeia. Já as línguas
aglutinantes são como o japonês, o turco e o húngaro, pois utilizam na formação de
palavras muitos morfemas aglutinados (unidos).
Em 1816, um estudioso alemão chamado Franz Bopp publicou a obra Über das
128
Conjugationssystem der Sanskritsprache in Vergleichung mit jener der griechischen,
lateinischen, persischen, und germanischen Sprache (em português, “Sobre o sistema
de conjugação da língua sânscrita em comparação com o das línguas grega, latina,
persa e germânica”). Considerado o fundador da gramática comparada, nela, o
autor conseguiu defender a hipótese de uma origem comum para as línguas, a partir
de correspondências sistemáticas em sua estrutura gramatical, com análises
baseadas em dados comparativos.
Como apontado por Faraco: “Com isso, podemos [....] explicitar o parentesco
entre línguas (isto é, dizer se uma língua pertence ou não a uma determinada família),
[...] determinar, por inferência, características da língua ascendente comum de um
certo conjunto de línguas. (2005, p. 134). Embora a visão ainda fosse considerada um
pouco romântica e pouco científica, a contribuição de Bopp para os estudos
comparativos é inegável e influenciou diversos outros trabalhos na área, direta ou
indiretamente.
129
schengeschlechts (em português, “Sobre a diversidade da estrutura da linguagem
humana e sua influência sobre o desenvolvimento espiritual da humanidade”) para,
dentre outras contribuições, identificar a linguagem humana como um sistema
governado por regras e não um agrupamento de palavras e frases.
Em seguida, o estudioso August von Schleicher publica, em 1861, a obra
Compendium der vergleichenden Grammatik der indogermanischen Sprachen (em
português, “Um compêndio da gramática comparativa das línguas indo-européias,
sânscritas, gregas e latinas”). Nela, são apontadas as características comuns das
línguas com a tentativa de reconstruir a língua original proto-indo-europeia. Sua
hipótese era a de que a linguagem é um organismo vivo e, por isso, passa por
períodos de desenvolvimento, maturidade e declínio.
Para tanto, ele desenvolveu um sistema de classificação de linguagem
próximo à taxonomia botânica, em que traçou grupos de línguas relacionadas e fez
a organização em uma árvore genealógica. Seu modelo ficou conhecido como
ostammbautheorie (em português, “teoria da árvore genealógica) e se transformou
em uma grande contribuição para os estudos em linguística histórica. Segundo o
modelo, há uma língua antepassada que, ao se modificar, gerou diversas
ramificações.
O autor teve influência dos estudos desenvolvidos na área das ciências
biológicas, de modo que aproveitou e utilizou nos estudos linguísticos o que
metodologicamente aparecia em pesquisas das ciências naturais, por isso, inclusive,
alguns nomes são “emprestados” da biologia. Com isso, ele foi o responsável por
aplicar o modelo da árvore filogenética (utilizada na biologia) para representar
famílias linguísticas.
Em 1870, a Lei das Palatais (creditada a diversos autores que observaram tal
descoberta ao mesmo tempo) é um avanço importante em termos metodológicos
para a área, pois colocou fim ao mito de que o sânscrito era uma língua perfeita, o
que ajudava a solidificar alguns preconceitos, como o proferido no discurso de
William Jones, em 1816. Com a maior ampliação dos objetivos da análise
comparativa, foi possível estabelecer correspondência entre o grego e o latim e o
sânscrito. Uma outra lei importante neste cenário de estudos linguísticos comparativo-
históricos é a Lei de Verner, também de 1870. Nela, o estudioso dinamarquês Karl
Verner, a partir da Lei de Grimm, conseguiu explicar algumas exceções apontadas
pela Grimm e, assim, ampliou a comparação entre as línguas.
130
Como é de se observar, desde o início do século XIX até o seu fim, diversos
estudos e descobertas aconteceram, o que ajudou no amadurecimento da área e
na consolidação do método histórico-comparativo, que veremos adiante. Por fim,
segundo Bossaglia (2019, p. 95)., “com os Neogramáticos, ao final do século XIX, a
linguística histórico-comparada já pode ser considerada uma disciplina teórica e
metodologicamente madura” Aqui, observa-se como uma tendência de estudos
está diretamente relacionada à outra, seja para dialogar de maneira harmônica ou
tensa. Mas é inegável as influências que ocorrem entre um grupo de estudiosos e
outros, de modo que cada nova descoberta é uma contribuição que ajuda a
consolidar os conceitos e métodos de uma disciplina/área de estudos.
131
recentes, pois estão mais distantes da língua representada pelo nó P. Os nós A, B e C
também são protolínguas de cada grupo de língua que se ramifica a partir delas.
Com isso, A, B e C são irmãs, ao mesmo tempo em que também são mães de cada
uma das línguas derivadas delas (no caso, A é mãe das línguas a1, a2 e a3; B é mãe
das línguas b1 e b2; c é mãe das línguas c1 e c2), como aponta Bossaglia (2019).
Essa relação genética entre as línguas é importante, uma vez que, a partir
dela, pode-se observar melhor o funcionamento do método histórico-comparativo.
Há dois pressupostos que fundamentam esse momento dos estudos, segundo
Bossaglia (2019): (1) a concepção de que as línguas que são diferentes se originam a
partir de um processo de crescente diversificação tendo como ponto de partida uma
mesma língua ancestral; (2) a ideia de que essa crescente progressão das línguas
corresponde a uma progressiva perda do léxico compartilhado entre as línguas.
Ainda segundo a autora, “[...] quanto maior for a distância genética entre
duas ou mais línguas, menor será a quantidade de itens lexicais cognatos”
(BOSSAGLIA, 2019, p. 73). Os cognatos são, palavras que nasceram juntas a partir de
uma mesma palavra-mãe na língua ancestral (como é o caso da língua
representada no nó P na imagem anterior). A respeito disso, Bossaglia diz que
132
para observar os léxicos daquela língua-mãe. Só assim ele consegue comprovar a
relação de parentesco entre as línguas, pois neste momento da história, já é aceitável
a ideia de que as línguas evoluem e mudam com o passar do tempo.
133
134
FIXANDO O CONTEÚDO
135
b) é a língua mais antiga, a ancestral.
c) não possui nenhuma língua-irmã representada no gráfico.
d) é a língua mais utilizada de todas as línguas germânicas.
e) é a língua em comum entre o inglês, holandês, norueguês, dentre outras.
136
5. Qual dos autores está corretamente relacionado aos estudos histórico-
comparativistas?
a) William Jones, por ter descoberto a relação genética entre o sânscrito e o hindu.
b) Karl Verner, por ter estabelecido os critérios de análise da árvore genealógica das
línguas.
c) August Schleicher, por ter proferido o discurso inaugural em 1816 sobre o sânscrito
e as línguas indo-europeias.
d) Franz Bopp, por ter fundado a gramática comparada.
e) Jacob Grimm, por ter discutido como os cognatos auxiliam na recuperação da
língua-mãe (protolíngua).
7. “Diferentemente dos estudos linguísticos hegemônicos nos séculos XVII e XVIII, que
abordavam a língua como uma realidade ___________, atemporal e organizada
segundo princípios da lógica (assumidos como necessariamente universais e não
históricos); e diferentemente do pensamento linguístico predominante no século
XIX, que enfocava a língua como uma realidade ____________, entendendo a
ciência da linguagem como apenas e necessariamente histórica [...]” (FARACO,
Carlos Alberto. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das
línguas. Parábola Editorial: 2005, p. 95)
137
Qual das alternativas a seguir preenche corretamente a lacuna?
a) Estável / Em manutenção.
b) Estável / Em transformação.
c) Em transformação / Estável.
d) Em transformação / Instável.
e) Em manutenção / Instável.
138
OS ESTUDOS PRÉ-SAUSSURE: O UNIDADE
SÉCULO XIX
10.1 INTRODUÇÃO
10
É de grande importância, neste momento histórico, os estudos paralinguísticos,
que se dedicam aos aspectos não verbais que acompanham a comunicação
verbal. Esses aspectos incluem o tom de voz, o ritmo da fala, o volume de voz, as
pausas utilizadas na pronúncia verbal. A fonética, antes de se consolidar como uma
área, estava inicialmente atrelada aos aspectos auditivos e fisiológicos, mas
conseguiu sua autonomia mais próximo ao fim do século XIX. Ressalta-se, entretanto,
como esses momentos de especulações linguísticas, com tentativas bem-sucedidas,
ou não, de dar conta de uma parte importante para o que é a língua(gem),
contribuíram decisivamente não só para o que temos hoje, mas para o próprio
período.
Mesmo não sendo uma linha do tempo cronologicamente detalhada, é
importante observar como os fatos e os acontecimentos se sucedem uns aos outros
e, assim, permitem a evolução e o aprimoramento da área, até chegar ao que
conhecemos hoje na linguística, com as suas áreas e níveis de análise da língua bem
definidos.
O momento é considerado como “pré-Saussure” (antes do corte
epistemológico instaurado pelo estudioso). E é o estudo completo da fonética, o
trabalho dos neogramáticos e os primórdios de uma filosofia da interação que surtem
um efeito significativo para a linguística que será conhecida no próximo século, o XX.
Segundo Faraco (2005), o corte de Saussure é considerado uma ruptura e, também,
uma continuidade da antiga intuição de que as línguas humanas são “totalidades
organizadas”, de modo que esse pensamento é encontrado em todo o século que
antecedeu o corte saussuriano.
139
10.2 O ESTUDO COMPLETO DA FONÉTICA
Camara Jr. (2011) diz que foi no século XIX que os estudos linguísticos
ganharam uma grande contribuição com os aspectos fonéticos da língua. Resultado
disso é que os aspectos da escrita eram valorizados em detrimento dos aspectos do
som. Como salienta o autor, as questões que envolvem a fala eram tidas como
espontâneas e naturais, o que não gerava grandes reflexões e análises. Não significa,
contudo, que os sons foram observados somente no século XIX, pois os gregos e os
gramáticos romanos, mesmo que de maneira simplória e superficial, observaram
alguns aspectos da audição. Na Idade Média, tal estudo foi deixado completamente
de lado.
Nos séculos XVII e XVIII, com o estudo das línguas estrangeiras, possibilitou o
contato maior com a questão dos órgãos fonadores, especificamente por conta da
pronúncia das palavras. Em sequência, no século XIX, a gramática do sânscrito foi
uma forma de contemplar a parte fonética de uma língua. Os hindus desenvolveram
uma descrição completa dos sons vocais de sua língua, registrando as mudanças
sonoras com uma abordagem articulatória, isto é, observando os movimentos dos
órgãos fonadores responsáveis pela produção dos sons.
Segundo Camara Jr., “a fonética se desenvolveu nos meados desse século
através de um estudo biológico da linguagem, quando as ciências naturais
ganhavam impulso decisivo” (2011, p. 81). Isso significa que os aspectos fisiológicos
ganharam espaço dentro dos estudos linguísticos, principalmente nos estudos do
alemão K. N. Rapp, que buscou a evolução dos sons vocais do grego, latim e gótico
em paralelo com as línguas atuais europeias, em meados de 1830.
Em 1840, os estudos continuaram com a publicação do livro Fisiologia da voz
humana, do estudioso alemão Liskovius. Dentre os anos de 1850 e 1870, diversos
estudiosos se voltaram aos estudos da voz humana e dos órgãos da fala. Entretanto,
é em 1876, com a publicação de Fundamentos da fisiologia vocal, por Eduard
140
Sievers, um estudioso alemão, que foi o ponto alto dos estudos fonéticos. Isso ocorreu,
pois “[...] assinala o advento da disciplina fonética, separada da fisiologia e colocada
sob o domínio da linguística” (CAMARAJR., 2011, p. 82).
A fonética, nestes termos, contribuiu tanto para os estudos histórico-
comparativistas, desenvolvidos paralelamente na época, e com a constituição da
linguística, ainda que ela não tenha sido incluída devidamente na área, como
pontuado pelo autor. Os estudos se desenvolveram no limite entre a linguística e as
ciências naturais, dada a natureza dos sons vocais e sua produção fisiológica.
Contudo, tal problemática foi resolvida na segunda década do século XX e a
fonética, com seus procedimentos de análise bem definidas, tornou-se uma área
bem consolidada dentro da linguística, a partir do interesse inicial pelos sons vocais
das línguas.
10.3 NEOGRAMÁTICOS
141
pesquisa psicológica, juntas. Com isso, torna-se importante relacionar o uso coletivo
e o individual da língua, para entender melhor o mecanismo da mudança linguística,
percorrida por esses estudiosos. Para eles, a língua sofria alterações por meio de
fatores fonéticos, mas não incluíram em seus estudos os aspectos morfológicos ou
sintáticos.
Os neogramáticos “formularam uma teoria, na qual se assumiu que as
mudanças fonéticas tinham um caráter de absoluta regularidade e, portanto,
deveriam ser entendidas como leis que não admitiam exceções” (FARACO, 2005, p.
51-2). Isso significa que a mudança sonora é entendida como automática, por
considerar somente os aspectos fonéticos nesta linha de reflexão. A analogia
também foi um princípio importante para o desenvolvimento das teorias
neogramaticais, uma vez que via nela a impossibilidade do funcionamento das leis
fonéticas, pois consideravam que a mente humana podia interferir na mudança
linguística.
A sua posição contrária aos gramáticos histórico-comparativistas está em não
reconstruir estágios antigos das línguas (como aqueles faziam), mas em focalizar os
mecanismos da mudança, os princípios gerais responsáveis que fazem com que as
línguas mudem. Os neogramáticos buscavam, em síntese, formular uma teoria da
mudança.
O alemão Hermann Paul foi um estudioso expressivo para esse período dos
estudos linguísticos. Ele foi um dos neogramáticos cujo trabalho tinha o objetivo de
explicar como se dava a mudança no indivíduo e na sociedade em geral, resultando
na identificação das regularidades das mudanças linguísticas, o que foi uma grande
contribuição para a área. O autor afirma em seus estudos que a mudança se dá por
meio dos "passos infinitesimais", sendo que a expressão ficou conhecida como "lei do
mínimo esforço".
Essa lei está relacionada ao princípio do “maior conforto”, em que a
articulação da língua se adapta às mudanças fonéticas e a espontaneidade da
produção dos sons, sendo que até mesmo em línguas distintas as mudanças podem
coincidir, pela acomodação entre os sons mais próximos produzidos por um aparelho
fonador semelhante.
142
Importante frisar que as teorias evolucionistas, como a de Charles Darwin, e as
recentes descobertas de que a língua é um organismo vivo, com nascimento,
desenvolvimento e morte, fizeram com que os neogramáticos atribuíssem a evolução
histórica das línguas (já estudada anteriormente) a determinadas leis fonéticas,
consideradas, por eles, regulares e imutáveis. Com isso, seria possível reconstruir as
formas originais de que haviam surgido, embora houvesse algumas limitações nessa
perspectiva fonética.
A ideia defendida pelos neogramáticos, de que a língua está no indivíduo e,
por isso, não pode ser vista como independente do falante, contribuiu e influenciou
os linguistas posteriores. É por esse motivo que, para eles, as mudanças têm origem
nesse indivíduo falante e, por consequência, uma orientação psicológica subjetivista
foi inserida no estudo da mudança defendida pelos estudiosos da época.
Uma tendência nos estudos linguísticos que começou a dar seus primeiros
indícios já no século XVIII e ao longo do século XIX foi o estudo da interação. Nesse
momento, não há uma sistematização tal qual explorada, atualmente, com as
abordagens discursivas e interacionais, entretanto, é de suma importância o
vislumbre das contribuições que essas primeiras reflexões delegaram à linguística.
Faraco (2011) ressalta que, ao mesmo tempo em que a língua era pensada como
um sistema (gramatical), também foi vista como uma atividade sistemática (do
espírito humano).
É neste momento que o pensamento interacional começou a conquistar o seu
143
espaço, mesmo diante da perspectiva estrutural da língua. Contudo, “[...] o tema da
interação, da intersubjetividade, do dialógico, ou [...] o tema da relação EU-TU foi
copiosamente tratado” (FARACO, 2011, p. 46). Isso significa, portanto, que essa
perspectiva da interação, mesmo que sem afetar os estudos estruturais amplamente
difundidos por Saussure e seus sucessores, teve a sua importância já no início do
século XX.
No pensamento moderno, data do século XVIII o surgimento da temática da
relação EU-TU, estritamente relacionada com o sujeito cartesiano (transparente a si
mesmo no ato imediato de refletir sobre si e de dar fundamento à sua atividade
cognitiva), como diz Faraco (2011). Entretanto, ainda que haja um pensamento
acerca do “eu” na linguagem, a ênfase estava no objeto (o “ele”, e não outro sujeito
(o “tu”).
Credita-se a Friedrich H. Jacobi, um linguista alemão do século XVIII com base
filosófica, as primeiras reflexões sobre essa relação EU-TU na linguagem, presente,
principalmente, na sua crítica à obra sobre Baruch Spinoza (filósofo holandês). A
proposição de Jacobi “O EU é impossível sem o TU” (FARACO, 2011, p. 47), no formato
de nota de rodapé, já declarava o seu posicionamento acerca das relações
interacionais que envolvem os sujeitos.
Outros nomes importantes para esse princípio da interação são dos filósofos
Georg Hegel e Ludwig Feuerbach, que continuaram as reflexões acerca da questão
interacional. Hegel argumentou acerca da autoconsciência nascer do outro (outra
consciência), já Feuerbach teceu reflexões acerca da questão do intersubjetivo
enquanto papel constitutivo das relações e não só de subordinação.
Como pontua Faraco (2011), ainda que não se discorresse sobre a questão da
linguagem junto ao intersubjetivo, amplamente contemplado pelos filósofos, é
considerado já uma base para o que surgirá no início do século XX, com a obra do
Círculo de Bakhtin que, de maneira articulada, relaciona a linguagem ao sujeito. A
base dessa relação é o princípio do dialogismo, que é constituído por relações
ideológicas em um enunciado, compreendido por esses estudiosos como uma
unidade da interação social.
Dessa forma, o sujeito de linguagem (que não é o sujeito de carne e osso, mas
o sujeito do intelecto, das relações sociais), ao ter contato com outros enunciados,
interage com os discursos dos outros por meio da dialogia, concordando ou
discordando, complementando e se construindo na interação. A linguagem, para
144
eles, é dialógica e os enunciados são proferidos por vozes sociais que encontram
outras vozes sociais, por meio do diálogo, de uma interação viva. O dialogismo não
se restringe ao diálogo face a face, mas a todo enunciado no processo de
comunicação.
Ainda que a questão da interação, tão cara e presente no pensamento do
Círculo de Bakhtin, e da intersubjetividade tenha se desenvolvido de maneira mais
explícita entre os filósofos do século XVIII e XIX, considera-se que o que foi
desenvolvido até este momento histórico é anterior à linguística moderna, fundada
por Saussure. Estudiosos se referem a esse período como o dos estudos históricos, que
se contrapõe aos estudos sincrônicos, intensamente praticados no século XX. Faraco
(2011) pontua que
O século XIX nos deixou [...] o delineamento claro da língua como uma
realidade com história (sob mutação permanente no eixo do tempo);
reorganizou nossa percepção da diversidade (demonstrando
sistematicamente a existência de uma rede de relações ‘genéticas’
entre várias línguas diferentes); deu forma ao senso de sistema
(exercitando perspectivas biologizantes, psicologizantes e
sociologizantes, bem como lançando as condições para o grande
corte sistêmico saussuriano) (p.45).
Por isso, é importante frisar que os estudos desenvolvidos nesse momento foram
de grande importância para o que será a consolidação da Linguística como uma
área propriamente dita. Portanto, mesmo que os estudos estejam desenvolvidos em
outras áreas (próximas à linguística, pois são de natureza humana), há uma
confluência que os aproxima e os faz serem vistos de maneira próxima, para a
compreensão de como os pensamentos se constituíram, mesmo que sejam ideias
opostas. Os estudos linguísticos (junto às outras áreas do conhecimento) são vistas
como um continuum, não como uma ruptura.
145
146
FIXANDO O CONTEÚDO
2. Sobre o estudo completo da fonética, um grande avanço para o século XIX, pode-
se afirmar que:
a) Inicialmente, os estudos fonéticos se desenvolveram no limite entre a linguística e
a filosofia, dada a natureza dos sons vocais e sua produção filosófica.
b) Inicialmente, os estudos fonéticos se desenvolveram no limite entre a linguística e
as ciências naturais, dada a natureza dos sons vocais e sua produção fisiológica.
c) Desde o início, os estudos fonéticos já eram consolidados e faziam parte da
linguística, pois as ciências naturais não se importavam com a emissão dos sons
vocais e sua produção fisiológica, cabendo à linguística estudá-los.
d) Desde o início, os estudos fonéticos já eram consolidados e faziam parte das
ciências naturais, pois os sons vocais não tinham lugar na linguística por se tratar
de uma produção fisiológica e não gramatical.
e) Desde o início, os estudos fonéticos encontraram dificuldade para se
consolidarem, não faziam parte da linguística nem das ciências naturais, pois não
se sabia a origem dos sons vocais.
147
3. Sobre os gramáticos histórico-comparativistas e os neogramáticos, escolha a
alternativa correta.
a) Os gramáticos histórico-comparativistas buscavam reconstituir estágios antigos das
falas e das línguas, já os neogramáticos focalizavam reconstituir as gramáticas e
seus mecanismos de mudança.
b) Os gramáticos histórico-comparativistas buscavam mudar os estágios atuais das
línguas, já os neogramáticos focalizavam a mudança que as línguas sofriam nos
séculos anteriores.
c) Os gramáticos histórico-comparativistas buscavam reconstituir estágios atuais das
línguas, já os neogramáticos focalizavam os mecanismos da estabilidade, o que
faz com que as línguas evoluam.
d) Os gramáticos histórico-comparativistas buscavam reconstituir estágios antigos das
línguas, já os neogramáticos focalizavam os mecanismos da mudança, o que faz
com que as línguas mudem.
e) Os neogramáticos buscavam reconstituir estágios antigos das línguas, já os
gramáticos histórico-comparativistas focalizavam os mecanismos da mudança, o
que faz com que as línguas mudem.
5. Qual das opções abaixo melhor define o que é a “lei do mínimo esforço”,
creditada a Hermann Paul?
148
a) A “lei do mínimo esforço” está relacionada ao princípio do “menor conforto”, uma
vez que os gramáticos histórico-comparativistas consideram que a articulação da
língua se adapta às mudanças fonéticas e não à espontaneidade da produção
dos sons.
b) A “lei do mínimo esforço” está relacionada ao princípio do “maior conforto”, uma
vez que os neogramáticos consideram que a articulação da gramática se adapta
às mudanças do meio, como Charles Darwin propôs nas teorias evolucionistas.
c) A “lei do mínimo esforço” está relacionada ao princípio do “maior conforto”, uma
vez que os neogramáticos consideram que a articulação da língua se adapta às
mudanças fonéticas e à espontaneidade da produção dos sons.
d) A “lei do mínimo esforço” está relacionada ao princípio do “maior conforto”, uma
vez que os neogramáticos consideram que a articulação da língua se adapta às
mudanças morfológicas e à espontaneidade da produção das gramáticas.
e) A “lei do mínimo esforço” não se relaciona a Hermann Paul, mas sim às teorias
evolucionistas de Charles Darwin, em que considera que a articulação da língua
se adapta às mudanças fonéticas e à espontaneidade da produção dos sons.
149
FLORES, Valdir do Nascimento. Conceitos básicos de linguística: noções gerais. São
Paulo: Contexto, 2022, p. 152)
150
A LÍNGUA COMO OBJETO DA UNIDADE
LINGUÍSTICA: O SÉCULO XX
11.1 INTRODUÇÃO
11
É neste momento da história dos estudos linguísticos que há uma mudança de
perspectiva para o que vinha sido estudado como língua(gem). Não se opera mais
fortemente com a descrição histórica da língua, como faziam os gramáticos histórico-
comparativistas. Os estudos começam a enfatizar a linguagem em si mesma e o seu
caráter sociocultural (ainda que não de maneira expressiva). O estruturalismo é o
movimento de estudos linguísticos responsável por essas mudanças, sendo o nome
de Ferdinand de Saussure e Leonard Bloomfield os mais notáveis do período para a
Linguística, que ganha o status de ciência, logo no início do século XX.
Inaugura-se, assim, o que se convencionou chamar de “linguística moderna”,
visto que as contribuições dadas por Saussure foram decisivas para a consolidação
da área. Contudo, convém ressaltar que os avanços nos estudos da área não se
limitam a esse estudioso, tampouco a essa perspectiva. Junto ao estruturalismo,
também há o crescimento de uma forte tendência nos estudos linguísticos, que se
contrapõe diretamente às suas ideias: o formalismo. É possível observar, portanto,
como os acontecimentos se relacionam de maneira a criar um embate de ideias (o
que não significa que uma é melhor do que a outra, mas que pensam de maneira
diversa sobre um mesmo objeto, a língua).
151
elementos de um sistema e, assim, torna possível entender como o conhecimento se
dá naquela área (na psicologia, é no intelecto psicológico, na sociologia, é na
estrutura da sociedade, na linguística, é na linguagem e assim por diante). Assim, o
estruturalismo linguístico, de Saussure, no século XX, afirma que a língua é um sistema,
o que significa dizer que é um conjunto de elementos organizados dentro de uma
estrutura.
Embora a ideia tenha se concentrado entre os intelectuais em solo francês,
com os estudos linguísticos, o estruturalismo é um método de análise científica que se
desdobra pelas Ciências Humanas em geral, em áreas como a psicologia, a
sociologia, a filosofia, a antropologia e a própria linguística. Ou seja, o estruturalismo
é um movimento intelectual que não se restringe somente à linguística, mas também
está presente em outros segmentos da sociedade. Assim como também não se limita
à Europa, mas se desenvolve em outros locais, como a América do Norte.
A ideia básica do estruturalismo, na linguística, com seus métodos e princípios,
é a de que a língua é uma estrutura (sistema), o que significa que uma parte depende
da outra para fazer sentido, de modo que cabe ao linguista analisar o funcionamento
e a organização desses elementos dentro da estrutura. Sobre a noção de “sistema”,
Costa (2011) salienta que ele é o resultado “[...] da aproximação e da organização
de determinadas unidades. Por possuírem características semelhantes e
obedecerem a certos princípios de funcionamento, essas unidades constituem um
todo coerente, coeso” (p. 113). Portanto, ao pensar na organização e
funcionamento de um sistema, é possível chegar às unidades que o constituem como
tal e que permitem a organização dessa estrutura.
O Curso de linguística geral, obra que reúne as ideias de Saussure anotadas
por seus alunos, defende a hipótese de que a língua funcionava como um sistema,
um todo coerente e organizado. Uma análise do funcionamento do sistema, como
esse se estrutura, foi capaz de mostrar quais eram as unidades mínimas que o
constituíam. Esse pensamento foi a base de todo o estruturalismo linguístico ao longo
do século XX, em que a língua é entendida como forma (estrutura) e não como
substância (matéria pela qual ela se manifesta).
152
Bally e Albert Sechehaye, compilaram as anotações de alunos que compareceram
a estes cursos e, juntos, publicaram o conhecido Curso de linguística geral. Desse
modo, o acesso às ideias de Saussure é feito por intermédio de seus alunos e das
anotações e reflexões vistas ao longo dos seus cursos ministrados, tornando-se,
portanto, uma obra póstuma.
153
(estudo da língua em um momento específico), sem deixar de lado o fato de que só
foi possível por todos os outros estudos existentes antes desse.
Este corte epistemológico se deu pela necessidade que havia dentro dos
estudos linguísticos, desenvolvidos até então, de tomar uma direção mais precisa
quanto aos seus métodos e objeto. A necessidade levou o campo dos estudos
linguísticos, na figura de Saussure, à preocupação de comprovar que a Linguística,
enquanto uma área, devia se ocupar da língua. Refere-se à língua, na concepção
saussuriana, como um conjunto de elementos (um sistema) que obedecem a certos
princípios de funcionamento que podem ser estudados de maneira simultânea
(sincronia) ou ao longo do tempo (diacronia). Nesse sentido, distingue-se, no Curso
de linguística geral, língua e linguagem:
154
Pensar língua e linguagem, para Saussure, era uma forma de mostrar o que ele
priorizaria naquele momento de estudo, sem deixar de lado a importância da outra
parte, uma vez que estão diretamente relacionadas. Por definição, a língua se
beneficia de aspectos da linguagem para que, assim, possa ser compreendida como
uma parte significativa dentro dos estudos. Como é possível encontrar no Curso de
linguística geral (2006), Saussure se dedicou a conceituar o que é língua: “ela é a
parte social da linguagem” (p. 22), “constitui-se num sistema de signos onde, de
essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica” (p. 23) e “é um objeto
de natureza concreta” (p. 23).
Tais ideias, utilizadas para se pensar a língua, como “signos”, “social” e
“sentido”, se filiam ao estruturalismo, do qual Saussure faz parte. O movimento possui
uma visão sistemática da língua que, posteriormente, será o centro das discussões de
outros estudiosos, uma vez que não conseguem compreender a linguagem somente
a partir da língua, mas também consideram outros elementos, como o sujeito, a
história e a fala (o uso da língua feito por cada sujeito falante). Nesse sentido, os
estudos posteriores se voltam à relação entre o nível linguístico e o extralinguístico,
desconsiderado por Saussure no momento de suas contribuições.
155
11.4 O SIGNO LINGUÍSTICO E AS DICOTOMIAS SAUSSURIANAS
156
No Curso de linguística geral (2006), Saussure opera com algumas dicotomias
(pares de oposição) para fundamentar o seu pensamento. Discorre, então, sobre a
natureza do signo linguístico, o que possibilita compreender a visão estruturalista de
língua. Dentre as principais dicotomias saussurianas, destacam-se a língua e fala, a
sincronia e diacronia, o paradigma e sintagma e o significante e significado. A
primeira dicotomia, língua (langue) e fala (parole), opõe a ideia de algo social
(língua) e individual (fala). Para ele, a língua é um sistema de valores em oposição e
está presente como produto social na mente de cada falante, é a vertente social da
linguagem. Já a fala, por sua vez, é um ato individual e, portanto, se relaciona com
fatores externos (extralinguísticos). Convém ressaltar que foi a língua, não a fala, o
objeto delimitado por Saussure como o central para suas análises.
A dicotomia sincronia e diacronia está relacionada ao método de
investigação e se manifesta pela forma que o objeto (língua) poderá ser observado.
Uma visão sincrônica da língua prevê um estudo descritivo em determinado período,
sem precisar considerar toda a sua história, o que não ocorre com a visão diacrônica
da língua, voltada para um viés histórico e evolutivo. Ao propor uma perspectiva
sincrônica, Saussure conferiu à estrutura da língua o caráter de funcionamento em
um determinado momento, se opondo à linguística histórico-comparativista
amplamente desenvolvida no século anterior.
Por sua vez, a dicotomia sintagma e paradigma está relacionada ao
encadeamento de elementos linguísticos (sintagma) e ao conjunto desses elementos
que se associam na memória do falante (paradigma) e que assim formam conjuntos.
Conhecido como o “eixo da combinação”, o sintagma representa a impossibilidade
de um falante pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, uma vez que este só
passa a existir (ter valor) quando está em contato com outro elemento. O paradigma,
conhecido como “eixo da seleção”, é uma reserva de elementos da língua, são as
diferentes possibilidades existentes para serem escolhidas e utilizadas na
comunicação.
No exemplo, é possível observar como o eixo seletivo (paradigmático) e o eixo
combinatório (sintagmático) se relacionam:
157
Figura 5: Exemplo de relações entre sintagma e paradigma
Os elementos combinados formam a frase “Prazer em ver” que, por sua vez,
geram um sentido. Se os elementos fossem combinados de outra forma, com outras
escolhas de palavras, sentidos diferentes seriam gerados por outras combinações,
como “Orgulho em visualizar” ou “Satisfação em observar”. Isso porque foram
selecionadas certas palavras para ocuparem certos lugares na frase. Ou seja, a
possibilidade de escolher entre diferentes substantivos (orgulho, gosto e satisfação) e
verbos (visualizar, assistir e observar) é o que constitui o paradigma. Já o sintagma é
a materialização dessas escolhas, combinadas e observadas nas falas das pessoas,
nos textos etc.
Por fim, a dicotomia significante e significado está estritamente ligada ao
entendimento do signo linguístico. Para o autor, a combinação do significante e do
significado resulta no signo, sendo a união de uma imagem acústica (o significante,
uma cadeia de sons) e o conceito (o significado, no plano do conteúdo). Como é
possível observar na imagem representativa do signo, ambos se relacionam
mutuamente, de maneira que não é possível conceber um sem o outro.
158
Figura 6: Representação do signo linguístico
159
Ainda sobre a noção de signo linguístico, Saussure diz que a arbitrariedade é
uma característica importante. Segundo ele, o significante e o significado não têm
relação direta, ou seja, é arbitrária a relação que os une. Também pontua a
importância de pensar a linearidade do significante, pois tem uma natureza auditiva
e desenvolve-se no tempo, explicando, assim, que um signo é proferido após o outro,
de modo que haja uma sequência de signos dotados de significação, graças à
linearidade. A convencionalidade também é outro aspecto importante para a
compreensão do signo, pois, segundo Saussure, o significante e o significado não
possuem relação direta com os objetos por eles designados, ou seja, para ele, o
nome das coisas não tem relação com as coisas (o que se relaciona com a
arbitrariedade).
Uma outra noção importante para a compreensão do pensamento
saussuriano é acerca da “teoria do valor”, que postula que os signos linguísticos estão
em uma relação dentro do sistema da língua, sendo esta relação baseada na
diferença, ou seja, um signo só adquire valor na medida em que não é outro signo
dentro desse sistema.
Essas dicotomias saussurianas são importantes, pois contribuíram para a
construção de uma ciência linguística. Para ele, refletir sobre a natureza do signo
linguístico a partir de determinadas características e dicotomias é fundamental, pois
é neste momento que ele consegue se opor a uma visão histórica e tradicional de se
conceber o que é a língua. Foi possível, a partir do seu gesto, que novos olhares
fossem lançados aos estudos linguísticos.
160
FIXANDO O CONTEÚDO
161
b) O caráter social da língua se relaciona ao interior do indivíduo que existe em
decorrência de um contrato coletivo de comunicação entre as pessoas. O caráter
individual da fala diz respeito à utilização que cada grupo faz da língua.
c) O caráter social da língua não se relaciona ao exterior do indivíduo e não existe
em decorrência de um contrato coletivo de comunicação entre as pessoas. O
caráter individual da fala diz respeito à utilização que cada indivíduo não faz da
língua.
d) O caráter social da língua se relaciona ao exterior do indivíduo que existe em
decorrência de um contrato coletivo de comunicação entre as pessoas. O caráter
individual da fala diz respeito à utilização que cada indivíduo faz da língua.
e) O caráter social da língua se relaciona ao exterior do indivíduo, sem a necessidade
de um contrato coletivo de comunicação entre as pessoas, já que o caráter
individual da fala não existe, pois cada indivíduo está submetido ao sistema da
língua e não da fala.
4. O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma
imagem acústica, ou seja, um significado e um significante. Sobre o significado,
pode-se afirmar que é:
a) a impressão psíquica do som.
b) a parte perceptível.
c) o som.
d) a imagem sensorial.
e) o conceito.
162
e) Тоdаѕ аѕ аltеrnаtіvаѕ асіmа еѕtãо іnсоrrеtаѕ.
163
I. Para Calvin, a relação significante/significado é, nos termos de Saussure,
convencional.
II. Nos quadrinhos, aponta-se a possibilidade de uma interferência individual no
significado das palavras, alterando-o; essa abordagem coincide com a de Saussure.
III. Calvin faz duas rupturas da convenção linguística: na relação
significante/significado e na função comunicativa; Saussure prevê a possibilidade
dessas rupturas pela atuação individual.
164
“Chama-se __________ a combinação do conceito e da imagem acústica. Propõe-
se a conservar esse termo para designar o total, e a substituir conceito e imagem
acústica, respectivamente, por __________ e __________”.
a) signo - significado – significante.
b) símbolo - significante – significado.
c) signo - significante – significado.
d) símbolo - significado – significante.
e) signo - símbolo - significante e significado.
165
A LINGUÍSTICA MODERNA PARA UNIDADE
ALÉM DE SAUSSURE
12.1 INTRODUÇÃO
12
A Linguística moderna, desenvolvida no século XX, se beneficia dos princípios
metodológicos elaborados no século anterior, mas com bases diferentes, como
pontua Petter: "O estudo comparado das línguas vai evidenciar o fato de que as
línguas se transformam com o tempo, independentemente da vontade dos homens,
seguindo uma necessidade própria da língua e manifestando-se de forma regular"
(PETTER, 2006, p. 08).
Com isso, temos na Linguística moderna não mais o caráter evolucionista, que
imperou ao longo dos séculos anteriores com a linguística de cunho histórico. Uma
nova forma de observar a transformação da língua é feita com o corte
epistemológico de Saussure, sendo possível pensá-la numa visão sincrônica e não só
diacrônica.
No início, havia o predomínio de uma visão estritamente formal da língua,
desenvolvida pelo estruturalismo, especialmente na figura de Saussure. Entretanto,
outro ponto importante é destacar os movimentos que mais se expressaram ao longo
do século XX, sendo eles o funcionalismo e o formalismo, responsáveis pela maioria
dos estudos linguísticos desenvolvidos nos últimos anos.
O formalismo, enquanto movimento, tem a sua expressão em autores como
Leonard Bloomfield, estruturalista norte-americano. A principal característica é pensar
a língua como um objeto formal abstrato. Ao passo que o funcionalismo, também um
movimento, foi mais difundido entre os estudiosos do Círculo Linguístico de Praga e
em autores como Michael Halliday e Simon Dik. Sua característica está em pensar a
língua como um meio utilizado na interação social, ou seja, ela existe em função do
seu uso.
166
Embora as visões pareçam opostas, pela maneira que concebem a língua, é
sabido que os funcionalistas se aproveitaram da concepção estrutural da língua
(forma) e acrescentaram a noção de funcionalidade. Para Pezatti (2004), embora os
objetos não sejam diferentes, as duas abordagens possuem diferentes formas de
olhar para esse mesmo objeto, isso porque “[...] enquanto a linguística formal gera
explicações a partir da própria estrutura”, a linguística funcional “encontra bases
explanatórias na função que exercem as unidades estruturais” (PEZATTI, 2004, p. 168).
167
behaviorista e, com isso, estabeleceu um método investigativo que possibilita analisar
qualquer língua do mundo: “Influenciado pelos estudos behavioristas que
desconsideravam qualquer influência mentalista no processo de aquisição e uso da
linguagem, Bloomfield voltou-se para o que é exterior ao indivíduo e, portanto,
observável”. (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2014, p. 34-35). Com isso, era possível
compreender os fenômenos linguísticos e descrever e prever os possíveis usos da
língua em determinadas situações, como apontam os autores.
A visão de Bloomfield apresentava muitos princípios básicos semelhantes ao
formalismo de Saussure, contudo, a sua teoria da linguagem, conhecida como
distribucionalismo, introduzia um método de análise linguística com base na posição
contextual dos fonemas e combinação com outros fonemas (ou distribuição), o que
se diferenciou do trabalho feito pelo outro estruturalista na Europa, mas não a ponto
de ser um confronto opositivo.
Bloomfield propôs a sua teoria baseado na fonologia, na morfologia e na
sintaxe, sendo 3 (três) níveis diferentes de língua. Ele foi responsável, por meio do
descritivismo e distribucionalismo, pelos avanços nos estudos dos sons, como aponta
Bertucci (2008, p. 76), ao dizer que a linguística estabeleceu, a partir de Bloomfield,
uma diferença entre fonética (que estuda a estrutura acústica do som) e a fonologia
(responsável por definir as unidades distintivas, chamadas de fonemas). Também é
creditado a Bloomfield a identificação de estruturas constituintes como um meio de
análise sintática, isto é, os elementos frasais que expressam as categorias de sujeito,
verbo e objeto na sintaxe:
Na análise feita por Costa (2011), é possível observar elementos que são tidos
como objeto da Sintaxe enquanto uma área, e é nesse ponto que interessa pensar
em como os estudos atuais se baseiam em construtos teóricos de décadas atrás.
Contudo, mesmo na época ou anos depois, as ideias não só são aproveitadas como
também refutadas, criticadas e reelaboradas, como é o caso de Bloomfield, uma vez
que o consideraram demasiadamente formal em suas análises, desconsiderando
168
aspectos importantes em seus estudos, como o contexto, por exemplo. Mas é
inegável que Leonard Bloomfield, no estruturalismo norte-americano, é um nome
consolidado na linguística.
169
"Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas"
170
palavras, imagens, sons). Considera-se, assim, o trabalho de Hjelmslev o responsável
por possibilitar a análise e reflexão de textos não-verbais.
171
foco está no objeto da mensagem; a função emotiva ou expressiva, com foco no
emissor; a função conotativa ou apelativa, com foco no receptor; a função fática,
com foco no canal e no contato com os sujeitos; a função metalinguística, com foco
na própria linguagem (o código); e, por fim, a função poética, cujo foco está na
mensagem, relacionado à literatura. Importante ressaltar que cada um dos
elementos da comunicação determina uma função de linguagem.
Martelotta (2011a) lembra que para compreender a perspectiva de função
da linguagem é necessário “[...] lembrar daquilo que Jakobson caracterizou como os
dois tipos básicos de arranjos utilizados no processo verbal: seleção e combinação”
(p. 34 – destaque do autor). Isso porque, ao formar uma frase, o falante inicialmente
seleciona as palavras para expressar melhor a sua ideia em determinada situação
comunicativa, ou seja, é um processo psicológico, não visível aos demais.
Ao mesmo passo, também combina essas palavras selecionadas de acordo
com as regras sintáticas de sua língua, o que é uma manifestação na superfície da
frase e pode ser percebida pelo seu ouvinte. Assim, juntas, seleção e combinação
formam um enunciado com sentido para o interlocutor, segundo Martelotta (2011a),
com base nas ideias de Jakobson.
172
Praga, foi Martinet. Ele afirma que a linguagem só pode ser conhecida a partir das
suas diferentes modalidades, o que são, no caso, as línguas (para ele, signos vocais).
Para ele, o objeto da linguística é o modo como as pessoas conseguem se comunicar
pela língua, sendo que o papel do estudioso da língua é a de observar essa
comunicação.
Foi o responsável por pensar a dupla articulação da linguagem humana, uma
organização em que todo enunciado se articula em 2 (dois) planos. Na primeira
articulação, ou primeiro plano, estão as unidades significativas da língua, que são os
morfemas. Já na segunda articulação, ou segundo plano, estão as unidades
distintivas, os fonemas.
Segundo Martinet (1974), “Para compreender bem como uma língua pode ser
definida como duplamente articulada, é preciso convencer-se de que a função
fundamental da linguagem humana é de permitir a cada homem comunicar a seus
semelhantes sua experiência pessoal” (p.12). Por isso, as articulações propostas por
Martinet, com a presença ou a ausência de significado, é importante para conceber
o que o autor compreendia como a comunicação humana. Utilizou, para tanto,
conceitos como morfema, fonema, lexema, estudados com maior especificidade
pelas áreas da Morfologia e Fonética/Fonologia.
A saber, Martinet considerava os morfemas como os menores segmentos de
discurso possíveis de serem atribuídos algum sentido, sendo eles os responsáveis por
remeter ao mundo da realidade concreta ou abstrata, a partir do aspecto nocional.
Já os fonemas são unidades menores ausentes de significados, formam o corpo
sonoro de um vocábulo e, por isso, possuem a função de distinção, já que a
mudança de um fonema por outro pode gerar diferentes palavras.
Como exemplo, é possível observar as palavras “mala” e “bala”, em que /m/
e /b/ são fonemas que, sozinhos, não significam, mas distinguem uma palavra da
outra e, assim, configuram sentidos diferentes ao segmento “-ala”. Por sua vez, se
acrescentado um “-s” ao final de cada palavra, a ideia de plural é acrescida, o que
configura um morfema, por carregar o sentido em “malas” e “balas”, não mais no
singular.
Segundo Martelotta (2011b), ao afirmar que a linguagem humana é
articulada, a ideia de que os enunciados podem ser divididos, desmembrados em
partes menores, é possível. Resultado disso é o fato de que há uma união de
elementos que podem ser encontrados em outros enunciados.
173
Outro ponto importante sobre as contribuições de Martinet é pensar em uma
economia da articulação. O fato de as línguas serem duplamente articuladas revela
uma economia benéfica aos seus falantes, pois segundo Martelotta, “[...] melhor se
adapta às necessidades comunicativas humanas, permitindo que se transmita mais
informação com menos esforço” (2011b, p. 40), além de evitar uma sobrecarga na
memória. Depreende-se que, sem essa característica, haveria a necessidade de
recorrer a morfemas e fonemas diferentes para expressar cada nova palavra.
Essas ideias de Martinet, junto com as de Jakobson (e de muitos outros autores),
influenciaram o movimento funcionalista da língua, que concebe qualquer
fenômeno linguístico a partir de uma função (um motivo). O contrário é o movimento
estruturalista, com ênfase no aspecto arbitrário e imotivado da língua, cujos
representantes são Saussure, Bloomfield, Bally, Hjelmslev, dentre muitos outros. Ambos
os movimentos linguísticos predominaram no século XX e foram importantes para a
linguística moderna.
174
FIXANDO O CONTEÚDO
175
3. Considere as afirmações abaixo:
I. O princípio da imanência consiste no estudo daquilo que transcende a língua.
II. O Estruturalismo, teoria que assumiu caráter rigoroso e consciente, a partir de
Saussure, influenciou várias correntes linguísticas, como a Escola de Funcionalistas
e Formalistas, no século XX.
III. A Glossemática foi expressivamente estudada por André Martinet e encara a
língua como um conglomerado de fenômenos extralinguísticos.
IV. Saussure postula dois planos para a língua: o plano do conteúdo e o da expressão.
Está correto o que se afirma em:
a) I e II.
b) I, II e IV.
c) III e IV.
d) Todas as afirmações estão corretas.
e) Nenhuma afirmação está correta.
176
a) 2, 5, 1, 3, 6, 4.
b) 2, 3, 1, 5, 6, 4.
c) 2, 5, 1, 4, 6, 3.
d) 1, 3, 2, 5, 6, 4.
e) 1, 5, 2, 4, 4, 6.
177
7. Segundo Martinet (1971), não podemos analisar as unidades da primeira
articulação em unidades menores com um sentido. Por exemplo: é o conjunto
escola que significa "escola" e não a soma dos eventuais sentidos de cada um dos
segmentos em que podemos dividi-lo (es-co-la).
MARTINET, André. Elementos de Linguística Geral. Tradução de Jorge Morais-Barbosa. 3. ed. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora,
1971, p. 111.
178
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 01 UNIDADE 02
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 B
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 C
UNIDADE 03 UNIDADE 04
QUESTÃO 1 E QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 C
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 D
QUESTÃO 7 B QUESTÃO 7 B
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 E
UNIDADE 05 UNIDADE 06
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 E QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 D
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 C
QUESTÃO 8 B QUESTÃO 8 E
179
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 07 UNIDADE 08
QUESTÃO 1 D QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 3 D QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 E
QUESTÃO 7 B QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 B
UNIDADE 09 UNIDADE 10
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 D
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 B
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 B QUESTÃO 7 E
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 A
UNIDADE 11 UNIDADE 12
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 B
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 B QUESTÃO 7 B
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 C
180
REFERÊNCIAS
CAMARA JR., Joaquim Mattoso. História da linguística. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
COSTA, Marcos Antonio. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, Mario Eduardo (org). Manual
de linguística. 2 ed. - São Paulo: Contexto, 2011, p. 113-126.
CUNHA, Angélica Furtado da; COSTA, Marcos Antonio; MARTELOTTA, Mário Eduardo.
Linguística. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org). Manual de linguística. 2 ed. - São
Paulo: Contexto, 2011, p. 15-30.
181
NUNES, Valfrido da Silva. Do sistema para o discurso: concepções de língua(gem) em
Ferdinand de Saussure e Mikhail Bakhtin. Revista Porto das Letras, Vol. 03, Nº 01.
2017Estudos Linguísticos
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, José Luiz (org.).
Introdução à linguística: objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2006.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006.
SILVA, Francisco Borges da. Contribuições linguísticas: dos estudos saussurianos aos
estudos modernos. Travessias, Cascavel, v. 2, n. 2, 2000. Disponível em:
https://bit.ly/3NOWGUO. Acesso em: 20 jan. 2022.
182