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Article 21958 1 10 20221212
Article 21958 1 10 20221212
Dedico este texto ao Senhor Professor Doutor Américo Taipa de Carvalho, em cujos Estudos
em Homenagem (Porto: Universidade Católica Editora, 2022) não consegui participar, apesar do
amável e honroso convite que me foi endereçado pela respetiva Comissão Organizadora.
* Texto que serviu de base à conferência proferida no IV Seminário da Associação dos Assessores do
Tribunal Constitucional (AATRIC). Jurisprudência constitucional recente, Lisboa, 15 de dezembro de 2021.
Agradeço ao Senhor Dr. António Manuel Abrantes, Presidente da Direção da AATRIC, o desafio de voltar
a pensar e escrever sobre este tema.
** Ac. = Acórdão; al. = alínea; als. = alíneas; AR = Assembleia da República; art. = artigo; arts. = artigos;
CP = Código Penal; CRP = Constituição da República Portuguesa; GG = Grundgesetz (Lei Fundamen-
tal); IVG = interrupção voluntária da gravidez; PR = Presidente da República; SNS = Serviço Nacional de
Saúde; StGB = Strafgesetzbuch (Código Penal); TC = Tribunal Constitucional; TEDH = Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos.
SUMÁRIO
1. Introdução
2. Acórdão n.º 123/2021 do TC: pontos de concordância
2.1. Delimitação do objeto do pedido de apreciação da constitucionalidade
e de parte do «horizonte problemático da antecipação da morte
medicamente assistida»
2.2. Não neutralidade do Estado no que respeita à vida humana e diretriz
da regulação legal da morte «medicamente assistida»
2.3. Rejeição pelo TC português de algumas teses sufragadas pelo
TC austríaco e pelo TC Federal alemão
3. Pontos de divergência do Acórdão n.º 123/2021 do TC
3.1. Direito a uma morte «medicamente assistida»?
3.2. «Direito a morrer ou a ser morto» alicerçado no direito à
autodeterminação à luz do respetivo projeto de vida?
4. «Morte a pedido» e sua (difícil) inserção no ordenamento jurídico
4.1. Liberdade negativa de suicídio: não direito ao suicídio, muito menos
direito ao homicídio a pedido
4.2. Direitos à autodeterminação e à livre realização da personalidade:
fontes possíveis de um «direito» à morte «medicamente assistida»?
4.3. Indistinção entre autolesão e heterolesão da vida
4.4. Aceção de vidas, mundividência e conceção de pessoa subjacente
aos Decretos da AR n.os 109/XIV e 199/XIV
5. Morte «medicamente assistida»: violação de deveres ético-deontológicos,
repercussão no modelo de medicina, na relação médico-doente e na
conceção da morte
6. Verdadeira liberdade e autonomia no pedido de morte de pessoas em
situações-limite e no atual quadro de funcionamento do SNS?
7. Morte «medicamente assistida»: um novo conceito jurídico-penal de ato
médico?
8. Conclusões e propostas de lege ferenda
Bibliografia
1. Introdução
Este não é, nem pretende (de todo) ser um texto de dogmática jurídico-
-constitucional e jurídico-penal sobre o estado da arte na questão do chamado
«auxílio médico à morte», com apresentação e discussão de teses doutrinárias
a favor e contra a sua legalização, seguidas de uma tomada de posição neste
debate.
Convocando diversas perspetivas (Ética e Deontologia médicas, Política
Criminal e Política de Saúde, Direito Constitucional e Direito Penal), leva-se a
cabo uma reflexão pessoal e fundamentada sobre:
(i) Algumas posições assumidas pelo TC no Ac. n.º 123/2021, apresentando
as razões de concordância ou discordância relativamente às mesmas;
(ii) Aspetos nucleares (à luz das perspetivas e nódulos problemáticos con-
vocados) do regime dos Decretos da AR n.os 109/XIV e 199/XIV, dos Projetos
de Lei apresentados na atual XV Legislatura (aspetos para os quais chamaram a
atenção os Pareceres de diversas ordens profissionais e do Conselho Nacional
de Ética para as Ciências da Vida, os quais igualmente se consideram de forma
detida) e, ainda, da Lei Orgânica n.º 3/2021 (Lei da Eutanásia espanhola). Lei
que tanta influência teve e terá certamente no processo legislativo português
sobre a morte «medicamente assistida», como logo salientou o PR quando de-
volveu à AR, sem ratificação, o Decreto n.º 199/XIV.
O Decreto da AR n.º 199/XIV, pretendendo alegadamente ir ao encontro das
objeções suscitadas pelo Ac. n.º 123/2021 ao Decreto n.º 109/XIV, foi para além
do quadro delimitado pelo TC para a invocada cessação do dever, imposto ao
Estado pelo art. 24.º/1 da CRP, de proteção da vida humana, ao prescindir do
carácter fatal (i.e., irreversivelmente determinante da morte1) e/ou da fase ter-
minal (iminência irreversível do desfecho fatal) da doença grave e incurável e da
1 O que se não confunde com «doença grave que ameace a vida, em fase avançada e progressiva,
incurável e irreversível» [cfr. art. 2.º, al. d), do Decreto n.º 199/XIV, definindo «doença grave ou incurável»].
Sucede que a ameaça à vida não significa necessariamente doença determinante da morte, de modo a
falar-se, legitimamente, de mera «antecipação da morte». Há doenças em fase avançada, progressiva,
incurável e irreversível (justificando a prestação de cuidados paliativos) que ameaçam a vida, sem serem
irreversivelmente determinantes da morte.
Em sentido contrário, porém, André Dias Pereira (Declaração ao Parecer do CNECV n.º 116/2022, p. 16)
identificando «fatalidade» com (mera) «incurabilidade» que «ameaça a vida», mas admitindo na mesma
página um outro significado de «fatalidade» (aquele para que se aponta neste texto), ao afirmar: «nem
nestas Propostas [do BE e do PS], nem nos diplomas anteriormente aprovados [Decretos da AR. n.os
109/XIV e 199/XIV], se exigia que esta “lesão definitiva” fosse “fatal”». Ou seja, agora, o adjetivo «fatal» é
implicitamente usado como sinónimo de inelutavelmente determinante da morte. Assim se evidencia que,
na plasticidade destes conceitos e fórmulas, não se trata de um «“fetiche” linguístico», mas da impossibi-
lidade de delimitar o (exato, claro e preciso) campo de alegada cessação do dever estatal de proteger a
vida humana, cuja inviolabilidade proclama a Constituição portuguesa.
2 Lapidares Campos/Costa (2020), p. 636: «As causas do renascimento do debate sobre a eutanásia
entre nós são ideológicas, é certo, mas ele ressurge neste preciso momento também porque os recursos
escasseiam e o financiamento do Serviço Nacional de Saúde está em risco. (…) O debate tem, pois, um
contexto económico – a inversão da pirâmide demográfica, as externalidades negativas da evolução da
ciência e da técnica médicas, o aumento do tempo de vida, o preço dos cuidados paliativos, sobretudo
quando avaliado em quality adjusted life years.»
3 Campos/Costa (2020), pp. 629-649, chamam igualmente a atenção para alguns destes aspetos, que
serão mais bem explicitados ao longo do texto.
Este Acórdão ficará, sem dúvida, para a história como um dos mais im-
portantes prolatados pelo TC, pela complexidade e extraordinária relevância
ética, filosófica, política, jurídico-constitucional e jurídico-penal das temáticas
abordadas.
Na sequência deste pedido, os Projetos de Lei n.os 5/XV/1.ª (Bloco de Esquerda – BE), 74/XV (Partido
Socialista – PS) e 111/XV/1.ª (Iniciativa Liberal – IL) vieram esclarecer que a doença tinha de ser grave e
incurável [art. 2.º, al. d)]. Já o Projeto de Lei n.º 83/XV/1.ª (PAN) alude a doença grave ou incurável que,
porém, define do mesmo modo que os demais Projetos de Lei como «doença incurável e irreversível».
De notar que, em Espanha, o art. 3.º, al. c), da Lei Orgânica n.º 3/2021, de 25.03, define doença grave
e incurável como la que por su naturaleza origina sufrimientos físicos o psíquicos constantes e insopor-
tables sin posibilidad de alivio que la persona considere tolerable, con un pronóstico de vida limitado, en
un contexto de fragilidad progresiva. Portanto, associa a doença grave e incurável ao conceito de doença
fatal (porventura, até, terminal: «prognóstico de vida limitado») e à fragilização progressiva de quem a sofre.
7 Já o art. 2.º, da Lei n.º 31/2008, de 18.07 (Direitos das pessoas em contexto de doença avançada e
em fim de vida) define «pessoa em contexto de doença avançada e em fim de vida» como aquela que pa-
dece de doença grave, que ameace a vida, em fase avançada, incurável e irreversível e exista prognóstico
vital estimado de 6 a 12 meses.
Ao extrair do art. 24.º da CRP uma vertente objetiva do direito à vida [corres-
pondente ao «interesse da sociedade em manter o valor da vida», à «dimensão
social da pessoa» e à «obrigação do Estado social de a promover» – Mapelli
(2022), p. 212, ao afirmar o dever do Estado de «promover a vida e a sua qua-
lidade até ao fim» e ao restringir a despenalização da morte a pedido à «pos-
sibilitação da escolha entre diferentes modos de morrer: nomeadamente, um
processo de morte longo e sofrido versus uma morte rápida e tranquila», o TC
português, no Ac. n.º 123/2021, afastou-se – com toda a razão – da tese preco-
nizada no Acórdão do TC austríaco de 11.12.20208. Refiro-me à tese, segundo
a qual, «a livre autodeterminação também inclui a decisão [sobre o] se e por que
razões um indivíduo quer terminar a sua vida (…). Tudo isto depende [somente]
das convicções e ideias de cada indivíduo e reside na sua autonomia» (n.m. 73).
Esta tese levou o TC austríaco a revogar, por inconstitucionalidade, a incri-
minação da ajuda ao suicídio, prevista no § 78 do CP austríaco, deixando ape-
nas subsistir a do incitamento ao suicídio (n.m. 116). Assim decidiu por entender
que: «a proibição do suicídio com a assistência de terceiros pode constituir uma
intromissão particularmente intensa no direito do indivíduo (…) [levando-o] a
cometer uma forma de suicídio desumana, [encontrando-se, segundo a sua]
decisão livre numa situação que já não garante uma vida autodeterminada na
integridade e identidade pessoais e, portanto, com dignidade» (n.m. 80).
Pelos mesmos motivos, o TC português, no Ac. n.º 123/2021, distanciou-
-se igualmente – e com toda a razão – da tese expendida no Acórdão do TC
Federal alemão, de 26.02.20209, segundo a qual:
10 Considerando-se, assim, que qualquer pessoa (singular ou coletiva) tem a correspondente liberdade
de oferecer ajuda ao suicídio, podendo mesmo exercer comercialmente essa atividade.
No ponto 32 do Acórdão assevera-se: «só por via de tal exclusão [da punibi-
lidade dos profissionais de saúde] é possível assegurar uma efetiva possibilidade
de escolha a quem pretende decidir como e quando termina a sua vida». Adian-
te, no mesmo ponto 32, explica-se: o Decreto n.º 109/XIV afastou a punibilidade
dos profissionais de saúde por auxílio ao suicídio e homicídio a pedido, por estar
ciente do conflito «entre o dever de proteção da vida e o respeito da autono-
mia pessoal em situações-limite de sofrimento», fundando-se tal opção «numa
conceção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos
pontos de vista ético, moral e filosófico». Conceção à luz da qual «o direito de
viver não pode transformar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias»,
incompatíveis com a conceção pessoal de dignidade do doente em causa16.
Fora dos casos previstos nos Decretos n.os 109/XIV e 199/XIV, o Código
Penal português alicerça-se na livre disponibilidade da vida por parte do respe-
tivo titular, considerando o suicídio um espaço livre de Direito e, portanto, não
punindo o suicida frustrado.
16 Contra uma conceção pessoal de dignidade manifestam-se Campos/Costa (2020), p. 646: a digni-
dade universal da pessoa reside nela própria, «em igualdade e cuidado», pois, «cada indivíduo representa,
é, toda a classe» “pessoa”. «A pessoa “é” digna. Pessoa é nome de dignidade». No entender dos Autores,
a dignidade universal da pessoa, simplesmente por o ser, impõe-se para evitar que outros, ainda que a
coberto de um pedido do próprio (pelo menos num primeiro estádio de legalização da eutanásia), venham
a julgar e avaliar a dignidade e qualidade de vida de outros [Campos/Costa (2020), pp. 644-645].
Diz-se que um facto se situa num espaço livre de Direito, quando, não sendo
ilícito, também não é verdadeiramente aprovado pelo Direito. Este mantém-se
neutro face à conduta em causa, não a valorando jurídico-objetivamente e en-
tregando essa tarefa, em exclusivo, «à consciência ética do agente». O suicídio
pertenceria, assim, a um espaço livre de Direito: nem proibido, nem aprovado
[Dias (2019), 14.º Cap., § 35].
A propósito do suicídio, Dias (2007), p. 67, explica: «o suicídio com um mí-
nimo de liberdade, decidido em solidão existencial, representa (…) um acto de
disposição da vida pelo e para o próprio suicida, um comportamento da pessoa
sobre si mesma». Logo, falta ao suicídio «a relação intersubjectiva (…) carac-
terística da juridicidade e da anti-juridicidade num sistema jurídico de matriz
liberal», configurando-se como um «comportamento juridicamente indiferente»,
pertencente a um «espaço isento de Direito»17 (itálico acrescentado). O mesmo
já não sucede com «as interferências de terceiros no suicídio, incitando[-o] ou
auxiliando[-o]», as quais implicam «uma relação intersubjectiva, pressuposto de
todo o ilícito», e são «socialmente desvaliosas, desde que e na medida em que
promovam ou favoreçam uma decisão de auto-colocação em perigo»18.
Próximo Andrade (2012), § 11 ao art. 135.º: «O suicídio esgota o sentido
no desempenho auto-referente e autopoiético da pessoa, não pertencendo ao
sistema social (…). Já a interferência de terceiro [incitando ou auxiliando ao sui-
cídio] converte o facto num facto pertinente ao sistema social, [expondo-o] aos
seus códigos e valorações.»
17 O Autor (2007), pp. 59-60, esclarece ainda que no espaço livre ou isento de direito se incluem «ac-
ções que estão para lá do proibido e do permitido em sentido forte», mas não se trata de um âmbito alheio
a valorações jurídicas, «mais que não seja porque a sua constituição é precedida de considerações de
valor acerca das fronteiras da juridicidade».
Também Otero (2020), pp. 79-80, vê o suicídio como uma mera liberdade de facto, pertencente a um
«espaço de incoercibilidade jurídica» ou a um «espaço livre de Direito».
18 O que leva o Autor (2007), p. 68, a sustentar que a comprovação da falta de perigosidade do in-
citamento ou auxílio ao suicídio por o suicida estar «inabalavelmente decidido a pôr termo à vida, tendo
ponderado [de modo] livre e auto-responsável o significado e as consequências da sua decisão», conduz
à respetiva atipicidade criminal, por tais condutas, nessa situação, não envolverem qualquer «interferência
na decisão de suicídio».
Com todo o respeito, esta conclusão não pode – de todo – ser acompanhada quanto ao incitamento ao
suicídio. O carácter inabalável da posterior decisão de suicidar-se não intenta apagar o prévio desvalor da
determinação ao suicídio por parte de terceiro, numa clara e grave intromissão deste na livre disponibili-
dade da vida pelo seu titular. Entender de outra forma é inutilizar a incriminação do incitamento ao suicídio.
Daí que Andrade (2012), §12 ao art. 135.º, só admita a legitimidade do auxílio ao suicídio, incluindo o «sui-
cídio medicamente assistido», quando «o perigo de uma decisão apressada ou precipitada pelo termo da
vida [perde plausibilidade], à vista da perda irreversível de sentido da continuação da vida, pela iminência
irreversível da morte e pelo carácter incontrolável e insuportável do sofrimento». Nesses casos, «o exercício
da autodeterminação no sentido de pôr termo à vida afigura[-se] objectivamente razoável», postulando «o
respeito pela dignidade pessoal o respeito pela decisão compreensível do paciente». Contudo, o Autor
preconiza esta solução para o auxílio ao suicídio, com independência daqueloutra que, a este propósito,
venha a ser adoptada em sede de homicídio a pedido da vítima. Voltar-se-á a esta questão.
19 Neste sentido, por exemplo, Montero (2010), p. 134, La posibilidad de suicidarse resulta del dominio
natural que tiene cada uno sobre su propio cuerpo y que le permite disponer de su vida. En nuestros sis-
temas jurídicos, el suicidio es una libertad y no un derecho subjetivo: de hecho – y no de derecho – puedo
quitarme la vida. El ejercicio de esa libertad interpela fuertemente la sociedad, pero no es avalado por ella
y no compromete al cuerpo médico.
20 Assim, Alexy (2008), pp. 222-223, distinguindo liberdade positiva e negativa nos seguintes termos: na
primeira, o objeto da liberdade é uma única ação; na segunda, o objeto da liberdade constitui uma alterna-
tiva de ação (v.g., emigrar ou não emigrar). O Autor esclarece ainda que «para a garantia de uma liberdade
não é necessário um direito a prestações, apenas um direito de defesa». Concordante Castro (2020), pp.
61-62 e passim, adaptando a construção de Alexy à liberdade de dispor da própria vida.
21 Também Medeiros/Silva (2017), XXXV ao art. 24.º, reconduzem o suicídio a um espaço livre de Direito,
«avesso à dicotomia redutora lícito/ilícito», rejeitando a possibilidade de extrair da conjugação do direito à
vida com a autonomia individual um direito ao suicídio, menos ainda um «direito à colaboração impune de
terceiros na consumação do suicídio».
pessoas», sendo esta a razão pela qual se não pune a tentativa de suicídio22.
Em seu entender, é o dever de neutralidade ética do Estado que lhe impõe a
aceitação da conduta suicida. Contudo, logo alerta: o suicídio «nada tem a ver
com a eutanásia», por constituir «um comportamento pessoal sem ingerência
de terceiras pessoas», notando ser «a necessidade de explicar os serviços pú-
blicos eutanásicos», portanto, a participação de terceiros, que conduz à afirma-
ção de «um direito subjectivo do qual surge um dever para a Administração»
(itálico acrescentado), embora «a tese do direito subjectivo suscite problemas
de coerência com o ordenamento jurídico» [Mapelli (2022), p. 211].
Em sentido não inteiramente coincidente, Castro (2020), pp. 61-64 e 69-
-70, vê a disponibilidade da vida pelo seu titular como uma liberdade, que afirma
ser jurídica, porque para isso bastaria uma omissão do Estado, consistente na
não punição da tentativa de suicídio. Não se trataria, porém, de uma liberdade
jurídica não protegida (mera permissão de fazer ou omitir algo), e sim de uma
liberdade jurídica protegida por um direito contra o Estado de não ser impedido
no gozo dessa liberdade (direito a uma ação negativa, ao qual corresponde a
proibição da ação negativa de impedimento do exercício da liberdade). Com
efeito, explica a Autora, existem normas que garantem ao titular do direito à vida
«a possibilidade de realizar as acções permitidas [pôr termo à vida ou vivê-la],
sem que os outros o possam impedir». Aludindo especificamente à liberdade de
pôr termo à vida, a Autora aponta como exemplos de normas que converteriam
a liberdade de suicídio numa liberdade juridicamente protegida por um direito
ao não impedimento do suicídio, os arts. 156.º/1 e 154.º/3, al. b), ambos do CP.
Isto por entender que o art. 156.º/1 «estabelece uma relação de prevalência do
bem liberdade sobre o bem vida, entendido em sentido objectivo» (i.e., como
22 A Autora (2022), p. 213, n. 13, dá conta de que esta é a tese sufragada pelo TC espanhol nas SSTS
120/1990, de 27.06, e 137/1990, de 19.07. De acordo com estas decisões, configurando-se a vida como
um bem da pessoa, pertencente ao seu círculo de liberdade, aquela pode «dispor facticamente da sua
vida». Este ato de disposição, porém, configura somente «um acto que a lei não proíbe», não «um direito
subjectivo que implique a possibilidade de mobilizar o apoio do poder público para vencer a resistência que
se oponha à vontade de morrer, muito menos um direito subjectivo de carácter fundamental em que essa
possibilidade se estenda inclusive frente à resistência do legislador», proibindo-o de «reduzir o conteúdo
essencial [desse] direito».
Aqui se evidencia a [irreprimível] força expansiva de um «direito fundamental» a escolher como e quando
se morre, supostamente alicerçado no direito à autodeterminação e ao livre desenvolvimento da persona-
lidade [cfr. arts. 2.º, al. a), dos Projetos de Lei n.os 5/XV/1.ª (BE), 74/XV (PS), 83/XV/1.ª (PAN) e 111/XV/1.ª
(IL)]. A força expansiva e a proibição de restrição do «direito fundamental à morte autodeterminada» foram
claramente afirmadas pelo Ac. do TC Federal alemão, de 26.02.2020, como fundamento da declaração de
inconstitucionalidade do § 217 StGB (incriminação da promoção comercial do suicídio).
valor23), permitindo ao doente fazer valer judicialmente esse direito por via da
responsabilização criminal do médico. No caso do art. 154.º/3, al. b), considera
que a coação exercida para impedir o suicídio permanece ilícita, sendo apenas
não punível.
Ainda assim, na opinião da Autora, a liberdade de dispor da própria vida
configurar-se-ia como um «direito de liberdade negativo perfeito»: (i) por ser uma
liberdade jurídica, (ii) que implica «um direito [ao] não impedimento», (iii) direito
este que pode ser feito valer judicialmente, em caso de violação. Porém, e isto
é fundamental, enquanto «direito de liberdade negativo perfeito» não integra no
seu âmbito de proteção «um direito a acções positivas: maxime o direito à aju-
da médica à morte», sob a forma de (a) «obrigação do Estado fornecer meios,
humanos ou técnicos», e (b) de um «direito à intervenção de terceiros, em es-
pecial dos médicos». Ou seja, estaria arredada uma «protecção positiva [de tal
liberdade] frente ao Estado (…), através da combinação de uma liberdade com
um direito a uma acção positiva».
Se bem se interpreta, Castro não situa a livre disponibilidade da vida pelo
seu titular num âmbito livre ou isento de Direito. Antes sustenta que se está
perante uma liberdade jurídica protegida por um direito ao não impedimento
da ação suicida. Direito este que, em caso de violação, pode ser feito valer
judicialmente por via da responsabilização criminal do médico que pratica um
tratamento arbitrário, ou de quem recorra à coação para impedir o suicida [arts.
156.º/1 e 154.º/3, al. b), do CP].
Contudo, como se explicitará de seguida, o alegado direito ao não impedi-
mento do suicídio, alicerçado na incriminação do tratamento médico arbitrário,
apenas impõe ao médico um dever de abstenção (i.e., de omissão). Isto, ad-
mitindo-se que comete suicídio («passivo») o paciente «normal» que recusa o
tratamento salvador24. Além disso, a violação do dever de abstenção não torna
irremediavelmente ilícito o tratamento médico arbitrário, tendo em conta a even-
tual justificação por conflito de deveres (art. 36.º do CP). Sucede que, apesar da
recusa de tratamento, subsiste, da parte do médico, o dever jurídico e pessoal
de garante da vida do paciente em perigo de morte, que acorre ao hospital onde
aquele está de serviço25.
23 Assim, Canotilho/Moreira (2007), III, IV, VI e VII ao art. 24.º: a Constituição, além do direito à vida
enquanto direito fundamental das pessoas, garante a vida como «valor ou bem objectivo, independen-
temente dos seus titulares», pois protege a vida como «existência vivente, físico-biológica», em ordem a
assegurar «a igual dignidade constitucional de todas as vidas».
24 Em sentido contrário, por exemplo, Dias (2007), p. 63, invocando o caso da Testemunha de Jeová
que recusa o tratamento por razões religiosas; e Andrade (2012), § 15 ao art. 135.º
25 Assim, já antes, Brito (2002), pp. 403-404, embora com uma fundamentação não inteiramente coin-
cidente com a que aqui se apresenta.
De outra opinião, Dias (2007), pp. 60-61 e 64, para quem o sentido da proibição de tratamentos médicos
arbitrários é o de «fazer cessar a posição de garante do médico perante a oposição do paciente», deixando
aquele de se encontrar numa situação de conflito de deveres e passando os riscos para a vida e a saúde
do paciente, que recusa tratamento, a correr por sua conta e a ser da sua responsabilidade. De contrário,
assevera o Autor, assistir-se-ia a uma «objectivação total dos bens jurídicos pessoalíssimos, desvinculan-
do-os da unidade ética relativamente à qual adquirem todo o sentido».
26 No sentido da justificação pronunciam-se, por exemplo, Andrade (2012), § 34 ao art. 156.º, Dias
(2007), pp. 62-64, e Carvalho (2012), §§ 26, 34-35 ao art. 154.º Este último Autor considera, inclusive, que,
na situação prevista no art. 154.º/3, al. b), nem sequer se estaria perante uma causa especial de exclusão
da ilicitude do tipo de coação, mas diante de uma manifestação da causa geral de justificação do direito
de necessidade (art. 34.º), atenta a indisponibilidade do bem vida (pelos vistos para o próprio titular). Para
uma crítica à invocação do direito de necessidade neste âmbito, veja-se Dias (2007), p. 61.
27 Andrade (2012), §§ 34 e 38 ao art. 156.º, qualifica explicitamente o disposto neste preceito como
autorização legal para impedir suicídios «ativos». Autorização que, logo explica o Autor, não teria como
reverso um dever de agir para impedir suicídios, sob pena de responsabilidade penal por omissão. O
que, uma vez mais, reforça a veracidade da asserção de que à liberdade de pôr termo à própria vida não
correspondem quaisquer deveres (ou direitos) jurídicos de terceiros relativamente à livre disposição da vida
pelo seu titular.
por mais desrazoável que lhe possa parecer28. Dever jurídico que, como se viu,
já não recai sobre o cidadão em geral.
Contudo, o afastamento do médico do âmbito de aplicação do art. 154.º/3,
al. b), do CP, não obsta à eventual justificação do tratamento médico-cirúrgico
arbitrário pelo conflito de deveres (art. 36.º do CP). O médico, além do dever
jurídico-penal de respeitar a manifestação de vontade do doente, continua a ser
garante da vida do suicida frustrado (tal como do paciente «normal»), pois este
dever não tem a sua fonte na vontade de viver do paciente e sim na assunção
de funções de assistência por parte do médico e na situação de perigo para a
vida em que aquele se encontre29. Tanto mais que, como se viu, o direito consti-
tucional à vida (substrato do bem jurídico-penal da vida) não inclui uma vertente
de autodeterminação relativamente à morte, correspondente ao desinteresse
do seu titular em seguir vivendo, e capaz de se projetar num dever (definitivo)
de abstenção do médico30. A isto acresce o facto de a ratio do art. 156.º/1 não
ser, de todo, a de solucionar o conflito entre a vida e a saúde, por um lado, e
28 Neste sentido, com razão, Dias (2007), pp. 63-64, para quem, sendo não ilícito o ato suicida, a per-
missão de impedimento do suicídio mediante coação, ao abrigo do art. 154.º/3, al. b), configura-se como
excecional, não devendo, por isso, «ser estendida a outros contextos, designadamente por via da sua apli-
cação analógica» ao médico que pratica um tratamento médico arbitrário, violando a proibição emergente
do artigo 156.º/1 do CP.
Esta, porém, a solução defendida por Morão (2006), pp. 70-74, o art. 156.º/1 do CP determinaria a ces-
sação do dever médico de tratar ou salvar o doente consciente que, de forma livre e consciente, recusa o
tratamento. Porém, a situação de perigo para a vida ou de perigo grave para a saúde em que aquele se
encontra justificaria a permissão de tratamento médico arbitrário por via de uma aplicação analógica do
art. 154.º/3, al. b).
Também Andrade (2012), §§ 34 e 38 ao art. 156.º, aceita que, perante o suicida frustrado e consciente que
recusa tratamento («suicida-paciente»), o médico possa beneficiar do disposto no art. 154.º/3, al. b). O que
já não sucederia, em seu entender, perante o paciente «normal» que rejeita tratar-se, numa assumida
diferenciação de tratamento entre o suicida «ativo» e o doente «normal» («suicida passivo»). Diferenciação
recusada, com razão, por Castro (2020), p. 85, por o art. 156.º/1 do CP estabelecer um princípio geral,
sem distinguir (nem dever distinguir, acrescenta-se) entre o paciente-suicida frustrado e o «doente normal».
Já Dias (2012), § 39 antes do art. 131.º, rejeita a possibilidade de aplicação ao médico da permissão ver-
tida no art. 154.º/3, al. b), se o suicida frustrado, de forma lúcida e consciente, recusar o tratamento ou a
sua continuação. Assim sucederia, porque o sentido do art. 156.º/1 é o de fazer cessar o dever de ação
e tratamento do médico em caso de oposição, real ou presumida (cfr. art. 156.º/2, in fine), do paciente.
29 À mesma conclusão, referindo-se especificamente aos deveres do médico, chegam Carneiro/Car-
neiro/Simões(2022), p. 66; e Mapelli (2022), p. 212: «O Estado (…) está obrigado a assegur[ar a vida] com
independência da vontade do seu titular. (…) desaparecida a vontade de viver ainda resta um interesse da
sociedade em manter o valor da vida. (…) Por esta razão a atenção médica continua a ser uma obrigação
deontológica (…).»
30 Próximo Otero (2020), p. 45: o valor da vida não depende de um «juízo de vontade do próprio»,
que permita ao seu titular renunciar a si próprio, anulando-se como sujeito, «servindo-se da sua liberdade
[pretensamente absoluta] para destruir a própria liberdade, a sua humanidade e a inerente dignidade».
Em sentido contrário, conclui Godinho (2015), p. 374: «o bem jurídico vida humana não deve confundir-se
com o substrato que o sustenta» (vida humana em sentido biofisiológico); trata-se de um conceito norma-
tivo ao qual se associam «princípios vectores de todo o ordenamento jurídico, em especial, a dignidade
[subjectiva?] da pessoa humana». A esta luz, «o bem jurídico vida humana torna-se emanação da liberdade
que deve ser assegurada a cada um».
Em suma, fora dos casos previstos nos Decretos n.os 109/XIV e 199/XIV:
31 Omissão igualmente justificada por conflito de deveres (art. 36.º do CP), dada a igualdade axiológica
e vinculativa dos deveres ético-deontológicos e jurídicos em colisão. Igualdade que se respalda justamente
no art. 156.º/1 do CP e na respetiva ratio de fazer do doente um verdadeiro sujeito do tratamento médico,
mesmo quando esteja em causa a sua vida ou um perigo grave para a sua saúde.
Mais, a antecipação da morte fora dos casos e/ou condições previstos na-
queles Decretos e Projetos de Lei determina a aplicação de todo o referido qua-
dro normativo jurídico-penal e das correspondentes (e fundamentais) distinções
entre intervenção de terceiros numa autolesão ou, antes, numa heterolesão da
vida (arts. 135.º e 134.º do CP). Veja-se, justamente neste sentido, os arts.
26.º/3 e 28.º dos mencionados Projetos de Lei.
32 Em Espanha, segundo o ponto I do Preâmbulo da Lei Orgânica n.º 3/2021, o novo «direito à eutaná-
sia» alicerça-se na «integridade física e moral da pessoa, na dignidade humana, no valor superior da liber-
dade, na liberdade ideológica e de consciência ou direito à intimidade», os quais prevalecem, em «contexto
eutanásico» (esta a terminologia assumida), sobre o direito à vida, pois no existe un deber constitucional de
imponer o tutelar la vida a toda costa y en contra de la voluntad del titular del derecho a la vida.
33 À mesma conclusão chega Otero (2020), p. 46: «a limitação da morte medicamente assistida a si-
tuações de doença ou sofrimento [evidencia] que não há um princípio geral de soberania ou de liberdade
sobre a própria vida, habilitando um pretenso direito a escolher o momento da morte».
pedido de morte, à luz do Decreto n.º 199/XIV, é o sofrimento tido por intolerável
pela pessoa em razão das suas circunstâncias e do seu «sentido de vida», e não
tanto a doença ou lesão.
Segundo estes Autores: «o Decreto n.º 199/XIV (…) incorre nos mesmos
erros que fazem com que os princípios de atuação da Medicina pós-moderna
empurrem muitas pessoas doentes e suas famílias para cenários de sofrimento
vivido de forma solitária, sem possibilidade de autodeterminação no percurso
da doença e nas decisões terapêuticas e sem beneficiar de modelos de com-
paixão. Estes são alguns dos determinantes do sofrimento humano decorrente
da doença. É a perceção de sofrimento intolerável (não o estádio ou gravidade
da doença) que no Decreto n.º 199/XIV legitima o pedido de «morte por deci-
são da pessoa».34 (…) Este documento seria inovador se determinasse que se
criassem condições para a profilaxia do sofrimento intolerável com o fomento
da integração de elementos do cuidar que mitigam, sanam e abordam científica
e frontalmente as causas de sofrimento humano decorrentes da doença e dos
[próprios modos e tipos de] cuidados de saúde35. (…) As circunstâncias e o sen-
tido da vida são sempre mais importantes e determinantes do que as doenças»
(itálicos acrescentados).
Além disso, é impossível e ilegítimo fundar o «direito à eutanásia» no direito
ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 26.º/1 da CRP).
Nas palavras de Otero (2020), p. 66: «o desenvolvimento da personalidade
(…) pressupõe a vida para se desenvolver e não a sua supressão – a morte não
consubstancia uma forma de desenvolvimento da personalidade, mas sim o
seu termo».
34 O Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) n.º 116/2022 (pp. 7-8)
chama a atenção para: (i) as «fortíssimas implicações éticas do conceito de sofrimento»; (ii) a sua «ines-
capável subjetividade», tornando imprescindível a consideração da perspetiva do doente; (iii) a necessi-
dade da sua avaliação «numa perspetiva diacrónica e global, não sendo suficiente uma avaliação, decisiva,
instantânea ou única da sua existência»; (iv) o seu carácter indefinível, a desnecessidade e complexidade
da respetiva definição legal. Tanto que, em Espanha, a Lei Orgânica n.º 3/2021 não define este conceito
no respetivo art. 3.º, que tanto inspira os arts. 2.º dos Projetos de Lei da XV Legislatura sobre a «morte a
pedido». No mesmo Parecer, o CNECV adverte para a não coincidência entre, por um lado, as definições
de «sofrimento» (Projetos de Lei do BE e do PAN) ou «grande sofrimento» (Projetos de Lei do PS e da IL) e
das respetivas causas («doença grave e/ou incurável» ou «lesão definitiva de gravidade extrema»), vertidas
no art. 2.º, al. f), de todos os Projetos, e, por outro, a referência feita no respetivo art. 3.º/1 («sofrimento
intolerável»).
Também o Parecer da Ordem dos Médicos sobre os Projetos de Lei n.os 74/XV (PS) e 83/XV/1.ª (PAN),
de 9.06.2022, alerta para o carácter muito subjetivo e pessoal do diagnóstico de «sofrimento intolerável»,
tanto da parte do doente («se a [sua] intenção é morrer, vai queixar-se até ao fim»), como do pessoal de
saúde (o qual, se aceita a incumbência de participar num procedimento de «morte a pedido», «est[á] pre-
dispost[o], subconscientemente, a esse desiderato»).
35 Sobretudo num contexto de despersonalização, desumanização e grave carência de recursos huma-
nos e materiais que há muito caracteriza o SNS. Voltar-se-á a esta questão quando se abordar o problema
da liberdade e seriedade do pedido de morte, problema agudizado pelo atual quadro de pandemia que,
tendo exaurido o SNS, agravou ainda mais a respetiva crise estrutural.
36 Também Godinho (2015), pp. 108, 349-350 e 375, aceita que a autodeterminação seja limitada pela
necessidade de assegurar a proteção de outros bens jurídicos, maxime direitos fundamentais e interesses
de terceiros. Necessidade que, em seu entender, fundamenta a incriminação do homicídio a pedido.
Autores alertam: «o respeito pela autonomia tem uma dupla face: a autono-
mia daqueles que querem a morte contra a de seres humanos vulneráveis que
podem querer viver, mas cuja morte é decidida por eles, ainda que com fins
caridosos e na base [d]aqueles que seriam os seus melhores interesses [aos]
olhos dos outros».
Numa outra perspetiva, Otero (2020), p. 44, começa por considerar etica-
mente inadmissível uma noção absoluta de liberdade que permita ao ser huma-
no renunciar à sua humanidade, deixando de constituir um fim em si mesmo e
autodegradando-se à condição de mero instrumento, coisa ou objeto. A seguir
o autor (2020), pp. 66-71, chama a atenção para um outro aspeto importante:
o da limitação da liberdade e autodeterminação individuais (i) pela inviolabilidade
da vida humana por parte do Estado, e (ii) pela igual dignidade de todas e cada
uma das pessoas humanas, simplesmente por o serem, não podendo existir
«autodeterminação de vontade válida que seja contrária à dignidade». O que su-
cede quando o Estado, em nome do direito à autodeterminação relativamente
à morte, aceita executar o pedido de morte formulado por pessoas padecendo
de «lesão definitiva de gravidade extrema» ou «doença grave e/ou incurável e/ou
fatal e/ou terminal», pois, então, está a descartar vidas humanas que considera
«destituídas de valor vital».
Ademais, não é pretendendo fundar o «direito» a uma morte «medicamente
assistida» no direito à autodeterminação e ao livre desenvolvimento da perso-
nalidade que tal direito deixa na prática de se traduzir num autêntico «direito a
morrer», embora limitado a cidadãos em «contexto eutanásico». Assim aconte-
ce, na medida em que aquele «direito» envolve um dever de matar ou auxiliar
ao suicídio por parte do Estado37, mas a cumprir por médicos e enfermeiros
em violação das regras éticas e deontológicas da sua profissão38. Porém, não
é mudando o nome ou o invólucro às coisas e situações que estas perdem a
respetiva substância e verdade intrínseca.
37 Lapidar, Presno (2022), p. 39: «o direito à integridade física e moral [em que se funda o «direito à
eutanásia»] (…) compreende não só a faculdade de exigir o dever de abstenção por parte dos poderes
públicos ou de terceiros relativamente à pessoa que não quer que a ajudem a seguir vivendo, mas também
a exigência de comportamentos positivos por parte dos poderes públicos».
38 Chamam amplamente à atenção para este aspeto o Parecer da Ordem dos Médicos relativo aos
Projetos de Lei n.os 74/XV (PS) e 83/XV/1.ª (PAN), de 9.06.2022, pp. 3-6, e o Parecer da Ordem dos
Enfermeiros relativo aos mesmos Projetos de Lei, de 8.06.2022, pp. 2-7, disponível em https://www.orde-
menfermeiros.pt/media/26441/sai-oe-2022-5263.pdf [30.08.2022].
Otero (2020), pp. 81-82, chega à mesma conclusão (a permissão legal da eutanásia envolve o reconhe-
cimento de um direito a morrer), embora com outros argumentos. Admitindo-se que por via legislativa se
derrogue a norma constitucional que consagra a inviolabilidade da vida humana por mero efeito da vontade
do doente, logo a cláusula aberta de direitos fundamentais (art. 16.º/1 da CRP) servirá de suporte «para
construir dogmaticamente um “direito fundamental atípico” a morrer (…), vinculando o Estado, no limite, a
prestar um serviço de morte assistida gratuito e universal».
39 Lapidar, Demetrio (2022), p. 120: «o suicídio medicamente assistido e a eutanásia são formas dife-
rentes de [o doente] pôr fim à vida em determinadas circunstâncias».
40 Medeiros/Silva (2017), XXXI ao art. 24.º, afirmam a existência de «pesadas dúvidas (…) sobre a admis-
sibilidade de trespassar para um terceiro, ainda que médico, o poder sobre a vida de um doente que não
dispõe do “domínio do facto”». Segundo os Autores, uma coisa é «renunciar à vida, outra, bem diferente, é
a possibilidade de envolver de uma forma determinante terceiros na concretização dessa decisão, conce-
dendo-lhes imunidade pelas suas atuações (e outra coisa ainda será a faculdade de exigir a disponibilidade
de meios públicos para o efeito)».
41 Otero (2020), pp. 86-87, recorda que a administrativização e processualização da morte a pedido se ins-
piram na decisão do TEDH, tomada no caso Haas vs. Switzerland (Application n.º 31322/07, de 20.01.2011,
§§ 54 e 58, disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre#%7B%22itemid%22:[%22001-102940%22]%7D
[1.10.2022]), visando, exclusivamente, garantir uma vontade livre e esclarecida a favor da morte. Contudo,
esta opção não impedirá o surgimento de clínicas privadas destinadas a prestar «serviços de morte», nas
quais a lógica do mercado tenderá a aligeirar os procedimentos destinados a assegurar a livre autodeter-
minação do requerente-cliente, em ordem a assegurar «um serviço rápido e de qualidade», próprio de um
«liberalismo desumano». A comprovar que assim será, eis o disposto no art. 13.º/2 de todos os Projetos de
Lei apresentados na XV Legislatura: «O procedimento de morte medicamente assistida pode ser praticado
nos estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social que estejam
devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento
e de local adequado e com acesso reservado.»
42 Otero (2020), p. 81, deixa claro que a consagração constitucional da inviolabilidade da vida humana
(face ao Estado e a todos os particulares) gera uma «situação de dever ou vinculação universal» que obsta
à permissão por via legislativa de uma derrogação da vida no alegado exercício do direito à autodetermi-
nação individual. Explica o Autor: «a lei não pode conferir à vontade individual de um doente o poder de
permitir a violação da sua vida por terceiro – o direito à vida não pode ser absorvido ou consumido pela
subjetividade da vontade, nem o terceiro usado como simples meio ou instrumento ao serviço da vontade
do doente atentatória da inviolabilidade da vida humana».
43 Nesta linha de argumentação, veja-se a Declaração conjunta M.ª José Rangel Mesquita, M.ª de Fáti-
ma Mata-Mouros, Lino Rodrigues Ribeiro, José António Teles Pereira ao Ac. n.º 123/2021 do TC (pontos
2.4. e 2.5.), concluindo: a legalização da eutanásia direta além de violar o art. 24.º/1 da CRP desvirtua o
princípio da dignidade da pessoa humana, por referência aos arts. 1.º e 13.º/1 da CRP.
44 Otero (2020), pp. 80-81, entende que o direito à vida em situações de doença terminal implica o direi-
to a não padecer de sofrimentos insuportáveis. Por isso, o Estado está vinculado a proporcionar cuidados
paliativos e os cidadãos têm o direito fundamental a beneficiar deles.
45 Sublinham estas consequências, Montero (2010), pp. 134-135; Mapelli (2022), pp. 215-220; o Pare-
cer do CNECV n.º 116/2022, p. 12; o Parecer da Ordem dos Médicos sobre os Projetos de Lei n.os 74/XV
(PS) e 83/XV/1.ª (PAN), de 9.06.2022, pp. 4-6; e o Parecer da Ordem dos Enfermeiros sobre os mesmos
Projetos de Lei, de 8.06.2022, pp. 2-5 e 6-7. No ponto seguinte abordar-se-á esta questão.
46 Campos/Costa (2020), pp. 642 e 644-645, chamam igualmente à atenção para o impacto da legaliza-
ção da eutanásia «noutros, menos livres e mais vulneráveis (idosos, minorias, pessoas economicamente
desfavorecidas para quem a continuação do tratamento representa um encargo insuportável e põe em
risco a sobrevivência ou o futuro da sua família)». E ainda para o risco de tal permissão «resvalar para situa-
ções em que o consentimento não é explícito, é presumido, é dado por terceiros, ou não existe de todo».
Os Autores apontam como exemplo deste risco o Protocolo de Groningen que, na Holanda, permite aos
médicos eutanasiar recém-nascidos com graves problemas de saúde ou deficiências profundas. Sobre
este Protocolo, por exemplo, Alves/Costa (2019), pp. 185-190.
47 Muito crítica desta solução, que pretende elevar a «execução do doente» incapaz de consentir a
«dever médico no exercício das suas funções, só excepcionado pela objecção de consciência», com base
em «documentos que não cumpririam os requisitos mínimos para valer como consentimento, ainda menos
em situações tão extremas», Mapelli (2022), pp. 215-216 e 220.
Entre nós, o Parecer do Conselho Superior do Ministério Público relativo ao Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª (BE),
de 27.05.2022, dá conta da opção do legislador português de afastar a morte «medicamente assistida»
53 Chama amplamente a atenção para este aspeto o Parecer da Ordem dos Enfermeiros sobre os Pro-
jetos de Lei n.º 74/XV (PS) e 83/XV/1.ª (PAN), de 8.06.2022, pp. 6-7.
54 Apesar disso, se a posteriori a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de
Morte Medicamente Assistida verificar que houve incumprimento das condições e procedimentos legais
da morte «medicamente assistida», as ordens dos profissionais envolvidos na execução do pedido de
morte são notificadas para efeitos de eventual processo disciplinar (cfr. art. 26.º/3, de todos os Projetos
especiais, mas porque quer amparar-se na santidade do exercício médico para transmitir a ideia de que
tudo fica nas mãos de profissionais que garantem a desejada neutralidade». O que não sucede, porque
«hoje pratica-se uma medicina hospitalar muito condicionada por circunstâncias económicas».
57 Permita-se recordar que, apesar da consagração legal do aborto por opção da mulher nas primei-
ras dez semanas de gestação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido [artigo
142.º/1, al. e), do CP], desde 2007, em Portugal, em junho de 2022, apenas 13 num total de 45 hospitais
garantiam o acesso à IVG, obrigando as grávidas a deslocar-se, com os consequentes transtornos e
despesas que, evidentemente, ficam por sua conta. Veja-se a notícia do jornal Público, de 9.06.2022,
disponível em https://www.publico.pt/2022/06/09/sociedade/noticia/terco-hospitais-publicos-portu-
gueses-nao-faz-interrupcoes-voluntarias-gravidez-2009507 [8.09.2022].
58 Também Otero (2020), p. 82, adverte: «as razões economicistas e utilitaristas de gestão de custos e
de infraestruturas farão [os serviços eutanásicos] ganhar progressiva relevância».
59 No mesmo sentido, Campos/Costa (2020), pp. 642-643: a eutanásia ativa direta e o suicídio me-
dicamente assistido violam o «comando fundamental da bioética primum non nocere e o juramento de
Hipócrates». A respetiva legalização comporta «riscos de quebra da confiança na relação terapêutica e da
sociedade nos médicos e no papel da medicina».
60 Montero (2010), p. 135: La Ley penal ayuda al paciente y a su entorno a no confundir su disminución
física o psíquica con una pérdida de dignidad, inalienable por esencia (…) [y] protege, de igual manera, a
todos los enfermos y a las personas más frágiles de la sociedad. Segundo o Autor (p. 136), a proibição
desempenha «um papel estruturante a nível ético e jurídico». Ao não determinar o que se deve fazer, mas
sim aquilo que não se deve fazer, funciona como «aguilhão fundamental da criatividade moral».
61 Só aparentemente controlada pelo contrário porque: (i) «a vontade do doente (…) passa pelo crivo
[e juízo] de médicos» quanto à verificação in casu dos pressupostos e requisitos da eutanásia; (ii) no seu
próprio procedimento de morte, «o doente não tem uma palavra a dizer sobre a presença de outros profis-
sionais de saúde [além do médico orientador], nem (…) das pessoas por si indicadas», ficando todas estas
decisões nas mãos do médico orientador (cfr. art. 10.º/1 dos Projetos de Lei apresentados na XV Legis-
latura); (iii) «é o médico orientador que certifica as condições de conforto do local escolhido pelo doente»
para morrer, quando se não trate de estabelecimento de saúde do SNS ou dos sectores privado e social
(cfr. art. 13.º/3 dos Projetos de Lei), transmudando o doente em «objeto da sua própria decisão [numa]
visão paternalista inaceitável da [sua] decisão»; (iv) mesmo a autoadministração de fármacos letais é feita
sob supervisão médica [art. 2.º, al. b), dos Projetos de Lei], sendo que a simples presença dos médicos
e outros profissionais de saúde pode induzir o doente a ultrapassar o seu instinto de autopreservação;
(v) o acesso do requerente ao Registo Clínico Especial não é livre, estando condicionado à solicitação ao
(e autorização do) médico orientador (art. 16.º/4 dos Projetos de Lei), em desrespeito do princípio de livre
acesso aos dados pessoais e de saúde (Parecer do CNECV n.º 116/2022, pp. 9-11).
62 Assim, o referido Parecer da Ordem dos Médicos, de 9.06.2022, p. 6: «O processo é orientado por
um médico, cuja missão não é clínica, mas (…) a de verificar, como legista, se o candidato se enquadra
nos quesitos (…), isto é, se pode ser eutanasiado ou não.»
63 Definidos na al. a) da Base II da Lei n.º 59/2012 como: «cuidados ativos, coordenados e globais,
prestados por unidades e equipas específicas, em internamento ou no domicílio, a doentes em situação
em sofrimento decorrente de doença incurável ou grave, em fase avançada e progressiva, assim como às
suas famílias, com o principal objetivo de promover o seu bem-estar e a sua qualidade de vida, através da
prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, com base na identificação precoce
e do tratamento rigoroso da dor e outros problemas físicos, mas também psicossociais e espirituais».
Gawande (2015), pp. 161-162, num livro memorável, explica assim a diferença entre cuidados médicos
comuns e cuidados paliativos: não se trata da escolha entre tratar ou nada fazer; a distinção reside nas
prioridades. «Na medicina normal, o objetivo é prolongar a vida, [sacrifica-se] a qualidade de vida no
momento (…) para termos a possibilidade de ganhar tempo mais tarde. Os cuidados paliativos mobilizam
enfermeiros, médicos, capelães e assistentes sociais para ajudar as pessoas com doença fatal a viver
a sua vida, com o máximo de plenitude possível no presente (…). Numa doença terminal isso significa
concentrarmo-nos em objetivos como aliviar a dor, o desconforto, preservar a lucidez o máximo de tempo
possível, ou levar [os doentes] a sair com a família de vez em quando.»
64 Campos/Costa (2020), p. 643, dão nota de que os pedidos de «morte assistida» «têm frequentemente
na base uma ausência ou deficiência de cuidados paliativos – físicos e psicológicos», correspondendo tais
pedidos bastas vezes a «mero desabafo relativo à dor, ao sofrimento e isolamento».
65 Campos/Costa (2020), p. 635: «ainda que a pessoa esteja em condições de expressar a sua vontade
no momento em que decide que a existência é insuportável, uma vontade formada num tal estado, de
profundo sofrimento, em que a vida parece nada mais ter para oferecer, muitas vezes hospitalizada, longe
de casa e da família, sentindo que pesa emocional e financeiramente nos familiares, é a definição jurídica
de vontade viciada».
66 Da mesma opinião, Otero (2020), p. 87: a obrigação constitucionalmente imposta ao Estado de
proteção da vida e a prevalência do direito à vida sobre o direito à autodeterminação deveriam determinar
que o procedimento de «morte a pedido» começasse pela «aferição dos meios terapêuticos tendentes
a aliviar a dor e o sofrimento da pessoa», em vez de se orientar, exclusivamente, para a averiguação da
liberdade e autonomia da decisão de morrer.
67 Também o mencionado Parecer da Ordem dos Médicos, de 9.06.2022, dá conta de que a «artificia-
lização da morte», resultante da legalização da eutanásia, suscita uma «difícil ponderação para o próprio
[requerente], os técnicos intervenientes e os avalistas» (p. 5).
68 Há quem pretenda legitimar a eutanásia ativa indireta através da doutrina do duplo efeito, à luz da
qual será eticamente admissível a conduta que se possa qualificar como «boa», apesar de criar um risco de
consequências adversas (encurtamento da vida), quando quem atua prossiga uma finalidade «boa» (aliviar
a dor), que globalmente possa ter-se por mais relevante do que o «efeito mau», produzindo-se, ademais, o
efeito «bom» antes do «mau». Outros propõem-se legitimá-la através da ponderação de benefícios (não se
estaria a encurtar a vida, mas a abreviar a morte aliviando o sofrimento) ou do conflito de deveres (aliviar o
sofrimento vs. não encurtar a vida). Sobre isto, Demetrio (2022), pp. 124-125.
69 Responde negativamente Andrade (2012), § 11 ao art. 150.º: para a atipicidade das intervenções mé-
dico-cirúrgicas é irrelevante a existência ou não de consentimento. A realização de um tratamento médico
sem ou contra a vontade do doente apenas pode ser típico enquanto atentado à liberdade.
70 Assim, claramente, Godinho (2015), p. 374, ao afirmar: a autodeterminação do doente, que integra
o conceito de intervenção médico-cirúrgica, «expressa-se, no patamar jurídico-penal, através da figura
do consentimento»; a «vontade da vítima influi na valoração jurídico-penal da conduta, excluindo a sua
ilicitude, em obediência ao princípio Volenti non fit iniuria».
71 Sobre a autorregulação profissional dos médicos, veja-se, ainda, Oliveira (2001), pp. 34-40.
72 Uma proposta neste sentido, de inserção de novos números ao art. 135.º do CP, apesar de entender
que a solução já resultava da aplicação dos arts. 38.º e 149.º do CP, foi apresentada por Brito (2004), pp.
600-610.
73 Demetrio (2022), pp. 118 e 125, esclarece que a sedação paliativa consiste na administração de
fármacos com o objetivo de diminuir a consciência e aliviar a dor, sendo, porém, reversível o estado de
diminuição da consciência e não se verificando necessariamente um encurtamento da vida. Hipótese em
que a sedação paliativa poderá ser considerada uma intervenção médica e não uma hipótese de eutanásia
ativa indireta.
Ao invés, a sedação agónica ou terminal apenas se aplica a doentes cuja morte se prevê muito próxima,
não existindo outra forma de aliviar o sofrimento físico ou psicológico, e, neste caso, a diminuição da
consciência é irreversível.
74 Que estabelece: «As pessoas com prognóstico vital estimado em semanas ou dias, que apresentem
sintomas de sofrimento não controlado pelas medidas de primeira linha previstas no n.º 1 do artigo 6.º,
têm direito a receber sedação paliativa com fármacos sedativos devidamente titulados e ajustados exclu-
sivamente ao propósito de tratamento do sofrimento, de acordo com os princípios da boa prática clínica e
das leges artis.»
Esta Autora recorda que aqueles para quem continuar a viver se tornou
insuportável dispõem de várias saídas: o suicídio, os cuidados paliativos e a
solicitação da eutanásia passiva (interrupção de medidas que prolonguem arti-
ficialmente a vida).
VII – Em suma, a lei da eutanásia não é verdadeiramente necessária para
salvaguardar a dignidade e autonomia dos doentes, nem para pôr fim ou mi-
norar o sofrimento de pessoas com «lesão definitiva de gravidade extrema» ou
«doença grave, incurável e fatal».
Para isso, basta aplicar e implementar, com seriedade e empenho, a le-
gislação já existente, com especial destaque para as Leis n.os 52/2012 (Lei de
Bases dos Cuidados Paliativos), 31/2018 (Lei dos Cuidados em Fim de Vida),
91/2019 (Lei de Bases da Saúde) e 15/2014 (Direitos e Deveres dos Utentes
dos Serviços de Saúde).
VIII – A lei da eutanásia provocará muito mais danos do que benefícios, pois:
Bibliografia
Alexy, Robert, 2008, Teoria dos direitos fundamentais, tradução de Virgílio Afon-
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