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A todas que embarcaram incontáveis vezes para a Riviera Francesa junto comigo nesses

últimos anos. Este livro é todinho de vocês.


Capítulo 1
Hannah soltou o ar pela boca ao sentir a terra firme do aeroporto
embaixo de seus pés. Suas mãos estavam geladas e sua cabeça estava doendo.
Embora soubesse que ainda demoraria um pouco para respirar normalmente,
ao menos já tinha aterrissado e nada de ruim poderia acontecer. Certo, muitas
tragédias podiam ocorrer em terra firme, mas ela preferia passar por elas no
chão do que no ar, a milhares de quilômetros de onde deveria estar.
Pensando friamente, sabia que o desespero que sentia em aviões era
irracional, mas não conseguia fazer muito para deixar esse medo de lado – a
não ser tomar um remédio forte para dormir e torcer para que o efeito durasse
por pelo menos metade das nove horas do voo mais longo. Não tinha
funcionado.
A viagem de pouco mais de duas horas de Charlotte para Nova York
tinha sido um pesadelo, embora nenhuma de suas amigas tivesse concordado
com isso. Enfim, após três horas plantada no aeroporto JFK, pudera engolir
um comprimido para possivelmente encurtar o voo para Nice, na França.
Dormira três horas, no máximo, passando nervoso nas seis restantes, mas
finalmente estava ali.
Estava com suas melhores amigas na Riviera Francesa.
Mal podia acreditar nisso.
— Eu não acredito que estamos aqui — Becky disse, como quem lia
pensamentos, abraçando Hannah pelos ombros. — E você chegou quase
inteira. Quer dizer, sua mão está tão gelada que não sei se você está viva ou
morta, mas ao menos conseguimos passar pela imigração sem que
desconfiassem de que você é apenas um corpo inanimado. Acho que
ficaremos bem.
— Você é ridícula. — Hannah riu, chacoalhando a cabeça.
— Nós ficaremos mais do que bem — Ellie respondeu, também
abraçando a amiga. — Acabamos de nos formar no colégio, vamos passar o
verão juntinhas como todos os últimos anos, só que dessa vez na Riviera
Francesa, e logo depois disso vamos para a faculdade.
— Faculdades separadas. — Hannah fez um biquinho, e Ellie
chacoalhou a cabeça.
— Não é hora de pensar nisso, senão eu vou chorar. Eu só quero
aproveitar esse mês com as minhas melhores amigas, me bronzeando na
praia...
— Tomando drinques e conhecendo franceses espetaculares — Becky
completou, depois riu da careta de Ellie.
— Ainda acho muito esquisita essa história de ser maior de idade aqui
na França. Ainda temos dezoito anos, só atravessamos um oceano, sabe? Não
envelhecemos com isso.
— Eu envelheci uns quarenta anos nesse voo — Hannah interveio,
fazendo as amigas rirem. — Els, você passou anos com a cara enfiada nos
livros. Está na hora de se divertir um pouco com alguns drinques coloridos,
sim.
— E vou falar de novo: com uns caras muito gatos — Becky disse. —
Aliás, você é a única de nós três que vai conseguir entender o que os caras
estão falando.
— Acho que minhas aulas de francês não foram “uma grande perda de
tempo” afinal, não é, Becky? — Ellie provocou, fazendo aspas com os dedos.
Sorriu, vendo a expressão derrotada da amiga. — Parece que só eu serei
capaz de paquerar em Nice.
— Talvez. Mas sinceramente, amiga, muitas vezes não entender o que
um cara está falando é mais uma dádiva do que uma maldição — Hannah
disse, arrancando risadas das amigas. — Agora vamos, quero sair logo daqui
para aproveitar nosso verão de verdade.

Hannah já não se lembrava mais das horas que tinha passado em pânico
até colocar os pés em Nice. Depois de terem conseguido empilhar suas malas
no carro conversível alugado, as garotas partiram pela rota cênica que as
levaria do aeroporto para Mont Boron, região da cidade em que ficariam
hospedadas.
Dirigindo ao lado da Promenade des Anglais, a orla mais famosa de
Nice, era impossível não ficar embasbacada com aquele lugar. De um lado, a
arquitetura Art Déco, cheia de prédios coloridos e ornamentos, a fazia sentir
como se tivesse sido transportada para outra época. Do outro, o mar azul-
turquesa, a praia de pedras e toda a beleza natural da Costa Azul. Estava em
Nice havia uma hora, mas era fácil saber que aquele lugar ficaria em sua
memória para sempre.
— Eu poderia facilmente ficar hospedada aqui no meio. — Becky
apontou para alguns prédios com pequenas varandas de frente para a orla. —
Onde mesmo que é a casa da sua tia?
Hannah sorriu.
— Lá em cima. — Ela apontou, mostrando o sentido para as amigas.
— Você quer dizer ali, onde tem aquelas mansões? — Ellie piscou
algumas vezes, parecendo incrédula.
— Exatamente.
Becky deixou o queixo cair, depois estapeou o ombro de Hannah.
— Ai!
— Por que você não contou para nós que sua tia deixou uma mansão
para passarmos as férias? — perguntou, com a voz esganiçada, e Hannah riu.
— Escute. Tia Janice é casada há muitos anos com um empresário
francês do ramo alimentício. Eles moraram um bom tempo em Paris e estão
aqui na Costa Azul há mais ou menos três anos, desde que compraram essa
casa. Pelo que eu entendi, é uma mansão. Afinal, tem oito quartos...
— Oito quartos?!
— E piscina, e um monte de outras coisas com uma vista espetacular. O
cara é realmente rico, mas, como não vi nem foto do lugar, não queria encher
vocês de falsas expectativas.
— Estando aqui, eu acho que ficaria feliz em qualquer lugar. — Becky
riu.
— Eu também. Falando em mansão, meu irmão já chegou lá e mandou
uma mensagem. Aparentemente o lugar é “inacreditável”, seja lá o que isso
signifique — Hannah disse, e Ellie sorriu.
— Inacreditável é você querer passar as férias com os amigos do seu
irmão.
— Acredite se quiser, mas eu estou com muitas saudades do Ollie. A
gente quase não se vê desde que ele se mudou para a faculdade.
— Não era disso que eu estava falando — Ellie provocou e riu ao ver,
pelo retrovisor, a amiga rolar os olhos azuis.
— Lucas não vem.
— É mesmo?
— Sim. Foi o que Oliver disse — Hannah respondeu, chacoalhando a
cabeça como quem precisava se livrar de um pensamento ruim. — Além
disso, meu irmão também sente a minha falta. Ele sabe que, se trouxesse o
amiguinho dele, nossas férias seriam simplesmente arruinadas.
— Sem ofensas, amiga, mas não acho que as férias de ninguém podem
ser arruinadas quando se tem um mar azul desses — Becky disse, fazendo
Hannah sorrir.
— Você tem um bom argumento.
“Você chegou ao seu destino.”
As três pararam de falar assim que escutaram a voz do GPS anunciar
que tinham chegado. Hannah deixou o queixo cair, olhando os imponentes
muros altos daquilo que parecia uma mansão que só poderia pertencer a um
ator de Hollywood.
— Isso não deve estar certo.
— Toque o interfone! — Ellie falou, rapidamente, lá do banco de trás.
Hannah o fez, mas ninguém respondeu. Quando ia falar alguma coisa,
assistiu aos dois enormes portões de madeira abrirem em sua frente, como em
um filme.
— Uau — Ellie disse, depois de ter passado um minuto em completo
silêncio.
— Inacreditável.

— Ollie! — Hannah correu ao avistar o irmão, que estava parado ao


lado da piscina com as mãos nos bolsos da bermuda florida. Ele abriu um
enorme sorriso.
— E aí, pentelha? — disse, abraçando-a e a levantando no ar assim que
ela se aproximou. — Que saudade.
— Nem me fala.
Por ser apenas um ano mais velho do que Hannah, Oliver convivera a
maior parte da vida com ela. Na infância, os dois brincavam de esconde-
esconde, de casinha ou qualquer coisa que imaginassem. Tinham os mesmos
amigos, iam para a mesma escola e, embora brigassem bastante – afinal,
passavam vinte e quatro horas por dia juntos –, tinham um relacionamento
invejável.
Conforme foram crescendo, as diferenças em suas personalidades
passaram a ficar mais evidentes. Hannah tinha se tornado a sensação do
colégio no minuto em que entrara no ensino médio. Fazia parte do time de
líderes de torcida, protagonizava peças de teatro e ia a muitas festas.
Seu círculo de amigos tinha deixado de ser o mesmo do irmão, que,
apesar de jogar no time de futebol americano, tinha escolhido levar uma vida
longe dos holofotes. Andava com seus amigos de infância, gostava de jogar
videogame em casa e queria formar uma banda apenas para se divertir. Logo,
as únicas similaridades entre eles passaram a ser os cabelos castanho-claros e
o DNA.
Mesmo assim, a amizade dos dois nunca fora abalada – nem por seus
hobbies, muito menos pelo fato de Hannah odiar até o último fio de cabelo de
um dos melhores amigos de Oliver, Lucas.
Quando Ollie conseguiu uma bolsa de estudos para jogar futebol
americano e estudar na Universidade da Geórgia, Hannah achou que fosse
morrer de saudade – mesmo que ele estivesse a menos de quatro horas de
distância de carro. Agora, Oliver jogava pelo Georgia Bulldogs, o que
tomava uma grande parte de seu tempo e o fazia viajar por vários estados
diferentes. Hannah passara o ano ocupada com suas peças de teatro e
admissões da faculdade, o que fez com que os dois, que estavam juntos todos
os dias, passassem a se ver pessoalmente apenas em feriados ou em algum
jogo importante do time de Ollie.
Um ano antes era possível que a ideia de passarem um verão inteiro
juntos – ainda mais unindo seus grupos bem diferentes de amigos – fosse
impensável. No entanto, quando sua mãe lhes avisara que a tia Janice estava
em um cruzeiro pelo mundo e tinha oferecido a casa para que passassem o
verão, os dois ficaram eufóricos com a oportunidade.
— Estou muito feliz em te ver — Hannah disse, e Oliver sorriu.
— A gente está na casa certa mesmo? — Hannah ouviu a voz de Becky
logo atrás, antes que seu irmão pudesse responder-lhe. — Eu não quero ter o
trabalho de tirar essas malas do carro se formos obrigados a sair correndo
quando os donos da mansão chegarem.
Oliver gargalhou.
— Becky! Que saudade — ele disse, abraçando a amiga da irmã.
— Eu também. Você ficou bem mais gostoso nesse ano fora, esqueci de
te falar isso no último dia de Ação de Graças — Becky disse, calmamente, e
riu quando Oliver ficou vermelho.
— Desculpe por isso, Oliver. — Ellie se aproximou, cumprimentando-o.
— Por mais que a gente tente, Rebecca Wheeler é incapaz de ter modos.
— Eu sei. Becky passou grande parte do meu último ano em Charlotte
dormindo na minha casa, então já estou acostumado.
— Hannah! — Ela ouviu alguém chamar e abriu um sorriso enorme ao
avistar Liam, um dos amigos de Ollie, se aproximar ao lado de Dylan, o mais
novo dos garotos.
Hannah e Oliver haviam se mudado de Wilmington para Charlotte
quando ela ainda tinha oito anos, depois de seus pais terem se divorciado. Sua
mãe tinha conseguido um emprego como enfermeira em um hospital e
passava boa parte do dia fora. Tão logo, os irmãos acabaram se aproximando
da simpática família vizinha – a família de Liam. Os três passaram anos
grudados, atravessando de uma casa para outra como se vivessem debaixo do
mesmo teto.
Dois anos depois, os garotos acabaram conhecendo Lucas na escola, o
que afastou Hannah do grupo, mas não de Liam, que era um de seus melhores
amigos desde sempre. Assim como Oliver, Liam também estava estudando
na Universidade da Geórgia, mas sua agenda era bem mais tranquila que a do
amigo, permitindo que ele voltasse para casa mais vezes no ano e, por
consequência, fosse uma figura mais frequente na vida da amiga.
— Eu estou aqui há quatro horas, mas estou considerando fortemente
me mudar — Liam disse, entregando uma cerveja na mão de Hannah. —
Algo me diz que vou fazer sucesso aqui.
Hannah sorriu, de sobrancelha erguida.
— Você faz sucesso em qualquer lugar, meu amor — disse, dando uma
piscadela para o amigo. — É muito bom ver vocês. — Hannah correu o olhar
de Liam para Dylan. — Estamos todos aqui?
Oliver franziu o cenho, achando graça.
— Até a última vez que eu contei, sim.
Hannah encarou o irmão, rolando os olhos.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— Entendi? Não sei, Han, talvez você precise ser mais específica — o
garoto retrucou, e Hannah chacoalhou a cabeça ao ouvir as risadas baixas de
Liam e Becky.
— Todos os seus amigos estão aqui, certo? — ela perguntou, a
contragosto, mas não tinha certeza se seu irmão se daria por satisfeito. Algo
lhe dizia que não.
— Todos os meus amigos do mundo? Acho que não — ele respondeu,
calmamente, e Hannah grunhiu.
— Oliver!
— O que foi, Hannah? Está sentindo falta de alguém?
Ela riu, chacoalhando a cabeça.
— Definitivamente, não — Hannah retrucou, mas, antes que pudesse
perguntar mais alguma coisa, seu irmão tirou o celular do bolso.
— É a Mia — ele disse, com um sorriso bobo nos lábios. — Acho que
ela deve ter chegado.

Hannah se jogou para trás na cama, completamente hipnotizada por


aquela casa. Construída em uma área arborizada, a mansão da tia Janice
parecia ter sido retirada de um filme – e ela não conseguia acreditar que
passaria seu verão ali. A construção moderna tinha janelas do chão ao teto em
quase todas as paredes dos dois andares, revelando vistas espetaculares de
qualquer lugar em que se estivesse. Os sofás escuros da sala de estar
contrastavam com a decoração predominantemente clara, e as portas davam
acesso ao jardim, onde estavam a churrasqueira, uma jacuzzi e uma piscina
infinita com vista para o mar.
No andar de cima, os oito quartos estavam espalhados por longos
corredores. Hannah e Oliver, como sobrinhos da dona da casa, puderam ficar
com os dois melhores – não que os outros fossem, nem de longe, menos
fantásticos. A cama king size de Hannah era circundada por janelas que lhe
permitiam avistar Nice de praticamente todos os ângulos. Seu banheiro tinha
uma banheira de hidromassagem imensa, maior do que as que ela já tinha
visto em hotéis, e seu quarto dava acesso a uma varanda deliciosa, com sofás
e uma lareira.
Ouviu um barulho na porta e sorriu ao ver Oliver entrando de mãos
dadas com uma garota.
— Eu sei que tem uma cidade inteira para explorarmos do lado de fora,
mas estou começando a achar que vai ser difícil sair desse lugar — disse, e o
irmão riu.
— Eu acabei de falar a mesma coisa — Oliver respondeu, e então
encarou a garota alta de cabelos encaracolados ao seu lado. — Hannah, eu
queria que você conhecesse a Mia.
— Mia, finalmente. — Ela sorriu e se levantou, abraçando a garota. —
Ouvi falar muito de você nos últimos tempos.
Mia riu baixo.
— Seu irmão disse que você iria fazer alguma piada sobre eu ter que
aguentá-lo no segundo que me conhecesse.
— É mesmo? — Hannah arqueou a sobrancelha, rindo. — Bom, não
deixa de ser verdade. É difícil aguentar essa peste por uma semana, quem dirá
por...
— Quatro meses.
— Você é a heroína que eu não sabia que precisava, Mia — disse,
fazendo o casal gargalhar.
— Você é ridícula, Han. — Ollie bagunçou o cabelo da irmã. — Escute,
vamos fazer uma festinha de fim de tarde na piscina em meia hora. Dylan já
está na churrasqueira.
— Perfeito, porque eu estou faminta — Hannah respondeu. — Vou só
tomar uma ducha rápida e já desço. Vou mandar uma mensagem para as
meninas.
— Becky já está na piscina.
— Por que isso não me surpreende? — Hannah riu, chacoalhando a
cabeça.
— Aliás, ela foi explorar a casa e encontrou uma sala de jogos com
sinuca, pingue-pongue e até uma mesa de air hockey no porão. Mais umas
duas cervejas e as coisas vão se tornar terrivelmente competitivas por aqui.
Hannah sorriu.
— É por essas e outras que eu já amo esse lugar.

Os sete estavam reunidos ao redor da piscina – alguns no deque, outros


dentro da água, mas aquele fim de tarde comendo hambúrguer, bebendo
cerveja e observando Nice ao horizonte já tinha entrado na lista de Hannah
como um dos melhores momentos de sua vida. Tinha certeza de que o melhor
verão de todos estava à sua frente.
— Ei, venham aqui — Liam chamou, puxando a boia de unicórnio em
que Ellie estava sentada na piscina e depois tirando Mia da água.
— O que foi? — Dylan perguntou, de boca cheia.
— Precisamos fazer um brinde. O brinde oficial do começo das férias —
ele disse, como se fosse óbvio. Foi aí que Hannah viu Oliver surgir com uma
garrafa de champanhe em uma das mãos.
— Nós compramos champanhe?
— A tia Janice comprou. — Ele deu de ombros, rindo, enquanto Liam
distribuía as taças.
— Tenho a leve sensação de que essa taça deve custar um mês de
aluguel do meu dormitório na universidade — Mia sussurrou, arrancando
uma risada de Hannah.
Oliver estourou o champanhe, sob gritinhos empolgados dos amigos, e o
serviu nas taças.
— Acho que merecemos um discurso antes de brindar — Oliver sugeriu
e viu alguns dos amigos concordarem com a cabeça. — Hannah?
— Ah, pronto. O que eu tenho a ver com isso?
— Tudo? — Becky riu. — Você é a especialista do grupo em discursos.
Em toda festa do colégio você fazia um.
— Porque eu era obrigada, ok?
— Então considere que estamos te obrigando agora — Dylan disse, e
Hannah arqueou uma sobrancelha. — O que foi? Eu sempre gostei dos seus
discursos motivacionais. Vai, Tigers! — gritou, fazendo todos rirem.
— Não sei se você está me zoando ou falando a verdade, Dylan, mas
vou fingir que é a segunda opção. — Acabou rindo quando viu que o garoto
ficou vermelho e ia se defender. — Estou brincando! Está bem, vamos lá.
— Agora, sim! — Liam sorriu.
— Vou fazer um discurso curto e doce. O último ano foi de conclusões
para alguns — disse, olhando para as amigas — e também de novos começos
para outros — falou, dessa vez olhando para os garotos. — A verdade é que
todos nós tivemos que nos adaptar, de uma forma ou de outra, a uma nova
realidade. E ela nos trouxe até aqui, nessa casa, nesse lugar incrível, juntos.
— Hannah sorriu aos amigos. — Então, por favor, ergam suas taças e vamos
brindar a essas férias, que eu tenho certeza de que serão...
— Inesquecíveis?
Hannah sentiu um arrepio na espinha ao ouvir aquela voz tão conhecida.
Seu olhar cruzou com o de Ellie. Os enormes olhos castanhos da amiga
estavam ainda maiores, e seu queixo estava caído. Becky também parecia
chocada, o que era raro – afinal, quase nada a abalava. Hannah girou os pés,
sentindo seu coração palpitar.
Não podia ser.
Ali estava ele, com seus cabelos meticulosamente desarrumados e seus
belíssimos olhos castanho-esverdeados. O garoto sorriu de canto, parecendo
extremamente satisfeito consigo mesmo.
— Parece que eu cheguei na hora certa, não é? — disse, enquanto
pegava um copo vermelho vazio em uma das mesas. — Onde você estava?
Ah, sim. Nas férias inesquecíveis.
Hannah abriu a boca, mas não conseguiu proferir nenhuma palavra. O
garoto voltou a sorrir, encarando-a.
— Vamos lá, vamos terminar esse brinde — ele incentivou. — Mal
posso esperar para dar início ao nosso verão... docinho.
Capítulo 2
Aquilo não podia estar acontecendo.
Hannah só podia estar delirando.
Lucas Cooper estava ali, em sua frente, com aquele sorriso debochado
que a fazia surtar estampado na cara. Não se viam havia um ano, desde que
ele fora embora da Carolina do Norte. Entretanto, seu coração acelerado e a
forma com que estava apertando a taça a convenceram, em dois segundos,
que existem coisas que o tempo simplesmente não apaga.
O ódio, por exemplo.
Lucas ainda estava olhando nos olhos dela, parecendo se divertir com
sua reação ao vê-lo ali, tão repentinamente. Ele bateu com o dedo em seu
próprio copo, insinuando que Hannah estava demorando demais para
terminar o discurso, e riu ao vê-la rolar os olhos.
Era como se os dois estivessem sozinhos naquela casa – ou talvez no
planeta, para falar a verdade –, tamanho o silêncio que os amigos faziam.
Hannah teria rido se não estivesse cento e dois por cento irritada, o que era
exatamente o caso.
Então, virou de costas para Lucas e, num gesto rápido, empurrou a taça
na direção do irmão, sem se preocupar se ele derrubaria a peça de cristal.
Bastou um olhar para que a roda se abrisse em questão de segundos. Sem
dizer uma palavra, Hannah entrou na casa, deixando seus amigos, aquele
garoto petulante e, principalmente, seu bom humor para trás.

— Você está sendo infantil — Oliver afirmou, irrompendo na sala com


Liam ao seu lado.
Hannah se virou, rindo sem humor. Assistiu aos seus amigos entrarem
na casa, um a um, interessados demais no rumo que aquela conversa iria
tomar.
— Você só pode estar de sacanagem, Oliver — a garota retrucou,
ouvindo sua voz ecoar na imensa sala. — Você mentiu para mim!
— Eu não menti para você.
— Eu perguntei especificamente se você tinha convidado... — Ela fez
uma pausa, cruzando seu olhar com o de Lucas, que estava sorrindo de braços
cruzados ao lado da porta. Desgraçado. — Se você tinha convidado certas
pessoas para passarem um mês comigo numa casa de praia do outro lado do
oceano. Que droga, Oliver! Você mentiu para mim.
— Ah, por favor. — Oliver rolou os olhos, impaciente. — Eu não menti
para você, Hannah, eu achava que ele não viria.
A garota riu.
— E agora você está mentindo de novo.
— Não entendo qual é o problema — Lucas interveio, caminhando até
os dois. — Ao que me parece, suas amigas estão aqui, não? Acho que seu
irmão tem todo o direito de convidar quem ele quiser.
Antes que Hannah abrisse a boca para retrucar, Oliver pediu:
— Não se mete, cara, por favor. — Depois voltou a olhar para a irmã. —
Escute. Eu chamei o Luke, sim, para vir para cá. Porra, o cara é um dos meus
melhores amigos e eu não o vi por meses. Só que ele demorou um século
para me responder, porque estava não sei onde...
— Na Ásia.
— Quieto — Hannah disse, arrancando uma risada de Luke.
— E, quando ele retornou, estávamos com tudo marcado. Eu estava com
saudades de você, com saudades dos meus amigos, e eu sabia que você ia dar
um chilique se soubesse que ele vinha. Então me processe, mas que se dane.
Eu fiz o que achei que deveria fazer.
Hannah soltou o ar pela boca e voltou seu olhar para Lucas.
— Você sabia que eu viria e quis vir mesmo assim?
Lucas sorriu de canto ao ver Hannah morder o lábio inferior. Olhou para
os pés, enquanto a garota estalava os dedos das mãos insistentemente, como
fazia quando estava nervosa. Então, ele a olhou nos olhos, rindo.
— É claro que não — respondeu, fazendo uma careta. — Seu irmão
disse que viria com os caras e que traria a nova namorada. Parece que você
não foi a única que ele enganou, docinho.
— Pelo amor de Deus, pare com esse apelido — Hannah grunhiu,
fazendo-o rir.
— Vai dizer que não sentiu saudades?
— Vou fingir que nem escutei essa pergunta. Melhor! Vou fingir que
você nem está aqui. Acho que é a decisão mais acertada para o bem-estar de
todo mundo — Hannah retrucou, depois voltou seu olhar para Oliver, que
parecia resignado, jogado no imenso sofá cinza.
— O que vamos fazer sobre isso? — perguntou.
— Isso o quê? — Oliver rebateu.
— Isso! Essa situação. — Ela gesticulou, exasperada. — Não consigo
entender o que você tinha na cabeça, Ollie, mas um mês com nós dois sob o
mesmo teto tem menos de zero chances de dar certo.
— E o que você quer que eu faça?
— Acho que está na hora de você assumir um lado, Oliver — dessa vez,
Lucas quem se intrometeu.
— Assumir um lado? — Oliver perguntou, com a voz afetada.
— Porra, chega! — Liam falou, alto demais. A sala inteira voltou seu
olhar para ele, que estava no canto o tempo inteiro, encostado na parede,
terminando de beber seu champanhe. — Juro, eu não aguento mais vocês
dois.
— Está vendo, Ollie? Dez minutos e o Liam já está... — Hannah o
interrompeu, mas parou de falar no segundo em que o amigo a olhou,
parecendo irritado.
— Pela milésima vez — Liam se aproximou, impaciente —, nós não
temos mais nove anos de idade. Não estamos no quintal da minha casa
brigando para ver quem ganhou um jogo de basquete. Vocês me deixam puto.
— Ao perceber que tanto Hannah quanto Luke iriam começar a falar, ele
prosseguiu. — Vocês não perceberam que estamos na Costa Azul? Droga, a
gente está na Riviera Francesa — ele disse, incrédulo. — Não dá para
acreditar que, depois de um ano sem se falarem, vocês querem brigar por
hobby e estragar as férias de todo mundo!
— Nossa, eu te amo, cara — Oliver disse, fazendo o amigo rir. — É
exatamente isso. Não é possível que vocês dois não consigam se aturar numa
mansão na França, por um mês. Eu me recuso a acreditar nisso.
Hannah e Luke se olharam. Hannah estava com o rosto vermelho,
envergonhada por ter tomado uma bronca de um de seus melhores amigos.
Ela soltou o ar pela boca.
— Contanto que você não cruze o meu caminho — disse, e Lucas riu.
— Por mim, você nem estaria aqui.
— Ótimo. Odeio concordar com você, mas compartilho do mesmo
sentimento — Hannah respondeu. Então, encarou Liam, que estava
chacoalhando a cabeça. — Isso é o melhor que vocês vão conseguir.
Liam deu de ombros.
— Se você diz — falou, com um sorriso de canto. — Temos um acordo,
então.

Hannah ouviu uma batida suave à porta e sorriu ao ver Ellie entrar no
quarto. Ela estava linda com seu vestido azul-turquesa e os cabelos castanhos
arrumados em ondas. Ellie puxou a barra do vestido, envergonhada.
— Essa roupa ficou esquisita? — perguntou, parando ao lado da amiga
no espelho. Hannah riu.
— Esquisita? Você está maravilhosa, meu Deus!
— Sempre acho que estou forçando a barra com esses vestidos de
balada.
— Você não precisa usar um se não quiser, amiga — Hannah disse, e
Ellie sorriu.
— Eu sei que não. Mas quero aproveitar essas férias de uma maneira
diferente, sabe? Quero ser menos encanada com essas coisas bobas.
— Ellie, essas são suas férias de verão, não o ano-novo — Hannah
brincou, tomando uma cotovelada da amiga, que riu.
— Eu sei, mas eu gosto de me planejar. Não consigo me conter. E o
plano, dessa vez, é ser um pouco mais livre. Acho que vou conseguir.
— Eu tenho certeza de que sim — Hannah concordou, caminhando até a
cama com um vestido preto nas mãos.
— E você — Ellie fez uma pausa, sentando ao lado da amiga —, como
está?
Hannah não tinha certeza de como deveria responder àquela pergunta.
Ver Lucas depois de tantos meses tinha trazido à tona uma mistura de
sentimentos que a deixaram um pouco entorpecida. Estava furiosa por ele ter
aparecido, mas uma pequena parte dela – mesmo que se recusasse a admitir –
tinha até gostado de vê-lo.
E ela não sabia o motivo. Talvez tivesse sentido falta de ter alguém a
desafiando o tempo inteiro durante o último ano. Talvez fosse apenas seu
cérebro, que ainda estava muito afetado com o fuso horário. De uma forma
ou de outra, aquele reencontro tinha feito com que Hannah percebesse que
sua relação com Lucas, possivelmente, tinha mais camadas do que ela
imaginava.
— Eu estou bem, acho — disse, por fim. — Oliver veio aqui, mais cedo.
Socá-lo algumas vezes deu uma diminuída na minha tensão. — Arrancou
uma risada da amiga.
— Ele não fez por mal.
— Eu sei que não. Ele só tem um péssimo gosto para eleger seus
melhores amigos. Não há nada que eu possa fazer a respeito disso. Ao menos,
nada novo. — Hannah riu.
— Sabe? Vocês passaram todos esses anos se odiando, e eu nunca tive a
oportunidade de sentar e conversar com o Lucas. Agora há pouco, eu
conversei com ele — Ellie disse, sob o olhar atento da amiga.
— Sobre o quê?
— Sobre as viagens mais recentes dele. Sobre eu ter conseguido realizar
meu sonho de estudar em Harvard. Essas coisas. — A garota encarava a
amiga. — Ele parece um cara legal, Han.
— Ah, pronto. Era só o que faltava. — Hannah rolou os olhos,
impaciente. — O que esse cara tem, sério? Por algum acaso, Lucas Cooper
tem alguma espécie de encantamento que funciona com todo mundo, menos
comigo?
— Você queria que funcionasse com você? — Ellie perguntou, de
sobrancelha erguida.
— Não seja ridícula — Hannah retrucou, chacoalhando a cabeça. — Eu
só queria entender!
Ellie pareceu ponderar por um instante. Então, começou a andar de um
lado para outro no quarto, como fazia quando estava memorizando alguma
matéria da escola – uma imagem com a qual Hannah estava muito
acostumada.
— Há alguns anos, alguns cientistas ingleses fizeram um estudo que eu
particularmente acho que se aplica ao seu relacionamento com o Lucas —
Ellie disse, voltando a olhar para a amiga.
— É mesmo? — Hannah perguntou, interessada.
— Sim. O estudo provou que há uma linha tênue entre o amor e o ódio.
— Ellie...
— Espere, me escute — a amiga pediu. — Pelo que me lembro, o amor
e o ódio dividem alguns circuitos nervosos. Por isso, embora sejam opostos,
os dois resultam em alguns comportamentos extremos similares. Não estou
insinuando nada, amiga, mas...
— Eu sei bem o que você quer dizer — Hannah a interrompeu. — Não
acho que seja o nosso caso.
— É uma possibilidade.
— Ellie!
— Está bem, vou parar com isso. — A amiga levantou as mãos, rendida.
— Sei que o desfecho do dia de hoje não foi o que você estava esperando,
então Becky e eu conversamos e achamos que seria legal irmos para outra
balada, separadas dos meninos. O que você acha?
— Vocês são incríveis. — Hannah sorriu.
— Eu sei. Agora termine de se arrumar, por favor, que eu já estou com
sono só de pensar em sair. Se você me deixar cair em um sofá, não tenho
certeza se meu jet lag não me carregará para outro plano — disse, fazendo a
amiga rir.
— Desço em dez minutos.
— Cinco — Ellie deu uma piscadinha, saindo do quarto.

Lucas estava prestes a descer a escada quando Hannah apareceu no


corredor, saindo do quarto quinze minutos depois de Ellie. Ela usava um
vestido preto justo e sandálias da mesma cor. Acabou rindo ao ver que o
garoto a checava dos pés à cabeça.
— Aqui em cima, Luke — ela disse, fazendo-o tossir e corar.
— Eu não estava...
— Estava, sim — Hannah disse, e ele chacoalhou a cabeça, com um
sorriso.
— Você é muito pretensiosa.
— Você quis dizer “realista”.
— Ah, cala a boca — os dois disseram, juntos, e depois acabaram rindo.
— Você não parece arrumado para uma festa de luxo — Hannah disse,
olhando para a camiseta branca simples e a bermuda que Lucas estava
vestindo. Ele deu de ombros.
— Derrubamos essa ideia no minuto em que vocês desistiram de sair
conosco. Sabe, Hannah, nem todo mundo tem paciência para essa coisa high
society — ele provocou, recebendo uma careta em resposta.
— Você já viu onde está hospedado? — Hannah perguntou, achando
graça.
— Você tem um bom argumento — Luke concordou, a contragosto —,
mas esse definitivamente não é meu tipo de viagem.
— É uma pena que você tenha vindo, então — Hannah retrucou. —
Então você estava viajando esses últimos meses?
Luke arqueou uma sobrancelha, curioso. Não sabia por que estavam
tendo aquela conversa, ali, no meio do corredor. Não costumava ter esse tipo
de papo-furado com Hannah, mas não estava incomodado. E, por Deus, ela
era bonita assim antes de ele se mudar de Charlotte? Tossiu, voltando a focar
na conversa.
— Sim, nos últimos sete meses.
— Você não estava na faculdade?
— Eu tranquei. Não estava com paciência — disse, simplesmente, e
Hannah franziu o cenho.
— Não gostou do curso?
— Parece que, para alguém que nem queria me ver, você está
interessada demais na minha vida, Hannah Lane. — Parecia achar graça, e a
garota rolou os olhos.
— Me poupe, Cooper. Só estou tentando ser civilizada porque serei
obrigada a passar um mês inteiro debaixo do mesmo teto que você.
— Muitas garotas dariam tudo por isso.
— É uma pena que eu não seja uma delas, então — Hannah retrucou, de
braços cruzados, e se surpreendeu ao ver um sorriso nos lábios de Luke. — O
que foi?
— Acha mesmo uma pena? — ele provocou, depois riu ao ver o rosto
ruborizado de Hannah.
— Ugh. Tinha esquecido o quanto seu ego é inflado — ela respondeu
prontamente e rolou os olhos ao ver a expressão divertida de Lucas. — “Não
estava com paciência.” — Hannah riu, o imitando. — Isso é tão típico.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que você sempre foi egocêntrico e irresponsável —
Hannah respondeu, na lata. Sorriu, vitoriosa, ao ver o queixo de Lucas cair
por meio segundo. Ele logo se recuperou, dando uma gargalhada.
— Olha só quem fala. Você apontando o dedo para chamar alguém de
irresponsável é a coisa mais hipócrita que eu ouvi nos últimos dias. — Ele
chacoalhou a cabeça, ainda rindo. — Chamando alguém de egocêntrico,
então, parece até uma piada.
Luke sustentou o olhar de Hannah, que já parecia ter girado a chave. A
conversa tranquila com farpas inocentes se tornaria coisa do passado em
poucos segundos, se ele ainda conhecesse bem sua adversária.
— Vamos fazer assim então, Hannah — Luke voltou a falar, se
aproximando dela. — Quando você se recuperar de anos de festas
descontroladas e de tudo o que você fez no colégio, a gente discute sobre
isso. Ah, não! Espere. Você vai para a faculdade, então a tendência é piorar.
— Você é um puta de um babaca, Lucas — Hannah esbravejou,
fechando as mãos em punhos. — Não sei de onde você acha que me conhece
tão bem assim.
— Eu conheço — ele afirmou, firme.
— Algo me diz que não. — Ela soltou o ar pela boca. Caminhou em
direção à escada, mas parou antes de descer o primeiro degrau. — Eu achei
que você fosse um pouquinho melhor do que isso, sabia? Você me enganou
direitinho, mesmo que por algumas horas, depois daquela aula de literatura.
Lucas abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Olhou para os pés,
então suspirou ao voltar seu olhar para Hannah.
— Eu achei o mesmo de você — ele respondeu baixo, e Hannah piscou
algumas vezes, atônita.
Por que, diabos, os pelos da sua nuca estavam arrepiados?
— Ei, aí está você. — Becky apareceu alguns degraus abaixo, fazendo
Hannah desviar o olhar. — Vamos? Ellie vai acabar dormindo se não sairmos
no próximo minuto.
— Vamos, sim — Hannah concordou, mas, antes que pudesse seguir
Becky pelas escadas, ouviu a voz de Luke atrás dela.
— Aproveite, docinho. Sua noite não vai ser tão especial quanto se eu
estivesse presente, mas... — ele disse, parecendo totalmente recuperado do
que quer que tivesse acontecido um minuto antes.
Hannah acabou rindo, chacoalhando a cabeça.
— Você é ridículo.
— É parte do meu charme — Lucas disse, com um sorrisinho, e Hannah
fez o mesmo.
— Boa noite, Cooper.

Hannah acordou no dia seguinte com um sorriso no rosto. Apertou o


controle remoto para levantar as cortinas e deixou que o sol incrível de Nice
entrasse em seu quarto por todos os lados. Não era uma pessoa matutina, mas
era impossível ficar de mau humor naquele lugar.
Caminhou até a varanda e suspirou com a vista deslumbrante de
Villefranche-sur-Mer, com seu mar azul, os barcos e os prédios coloridos.
Aquilo parecia um sonho, e ainda lhe parecia muito surreal que estivesse de
verdade na Riviera Francesa.
A noite anterior com suas amigas tinha sido incrível. Não sabia como,
mas tinham conseguido pulseiras para o camarote de uma casa noturna
famosa na região. Tomaram champanhe e dançaram, flertaram com franceses
sem entender o que eles diziam e acabaram voltando para casa bem mais
cedo do que esperavam – afinal, estavam exaustas das incontáveis horas entre
voos e aeroportos. Prometeram que repetiriam a dose em breve, talvez
naquela mesma noite, quando estivessem mais descansadas.
Os garotos ainda não tinham retornado quando elas voltaram para a
mansão, e Hannah também não os ouvira chegando depois. Sabia que, cedo
ou tarde, teria que conviver de verdade com eles. Afinal, um dos objetivos
daquela viagem era passar um tempo com seu irmão. Se isso a obrigava a
passar um tempo com Lucas, teria que fazê-lo – esperava apenas que os dois
fossem maduros o suficiente para isso.
Depois de escovar os dentes, apanhou o celular e resolveu sair para
tomar um café da manhã. Queria ir à praia e conhecer a cidade. Estava tão
ansiosa para isso que se sentia disposta a acordar quem quer que fosse para
começar a diversão.
A porta do quarto de Luke estava aberta assim que ela chegou ao
corredor, trazendo o sol das grandes janelas para o ambiente. Hannah não
fazia ideia de onde aquela curiosidade tinha surgido – muito menos o que
esperava encontrar –, mas, quando se deu conta, sua cabeça já estava dentro
do quarto do garoto.
Uma enorme mochila de viagem estava jogada no chão, aberta, e alguns
itens estavam na poltrona. Provavelmente ele não tivera tempo ou paciência
para terminar de desfazer a mala. Seu celular estava carregando e uma
câmera fotográfica profissional estava em cima da mesa de cabeceira.
Hannah estava prestes a dar meia-volta quando algo lhe chamou atenção
sobre os lençóis brancos desarrumados. Na ponta da cama, destoando do
quarto minimalista, estava um moletom vermelho. Sentiu seu coração
acelerar, sem que pudesse contê-lo. Caminhou até a cama e segurou o
agasalho, surpresa ao perceber que suas mãos estavam geladas.
Ela se lembrava daquela blusa. Mais do que isso, lembrava a última vez
que vira Lucas usá-la – por coincidência, ela também tinha a usado naquela
noite. Mordeu o lábio e, mesmo mortificada, não conseguiu resistir à tentação
de levar o moletom até perto do rosto para sentir o cheiro. Era exatamente o
mesmo.
Suspirou, confusa com as cenas que estavam passando em sua cabeça e
aquele perfume extremamente familiar. Colocou o agasalho de volta na cama,
exasperada, e arregalou os olhos assim que virou para trás.
— Bom dia, Hannah Lane. — Ele sorriu, divertido. — A que devo a
honra dessa visita inesperada?
Capítulo 3
Aquilo só podia ser um pesadelo.
Hannah não sabia onde enfiar a cara. Lucas estava em sua frente, apenas
com uma calça de moletom, sem camiseta, segurando uma xícara de café.
Não sabia como ou quando isso havia acontecido, mas o garoto agora tinha
um tanquinho de cair o queixo.
Ele estava ali, sabia Deus por quanto tempo, em absoluto silêncio.
Apenas observando-a ser completamente esquisita e cheirando a blusa dele!
Algo lhe dizia que Lucas estava mais do que munido para fazer de sua vida
um inferno naquele verão.
— Aqui em cima, Lane — ele brincou, imitando-a depois da noite
anterior, e ela piscou algumas vezes, mortificada.
Era só o que faltava.
Precisava pensar rápido. Tinha feito anos de teatro, não tinha? Se eles
lhe tivessem servido de alguma coisa, conseguiria contornar aquela situação
com um mínimo de dignidade. Então, Hannah soltou o ar pela boca e sorriu,
o encarando.
— Bom dia, Cooper — disse, com a maior confiança que conseguiu. —
Dormiu bem?
Ele franziu o cenho, achando graça.
— Como um anjo — disse, com uma sobrancelha erguida. — E você?
Dormiu direitinho?
— Sim, eu estava exausta e...
— Gostou do meu quarto? — ele a interrompeu, com a voz divertida.
Vamos lá, Hannah. Você consegue. Apenas finja costume, ela pensou, o
olhando nos olhos.
— Achei bacana. Sua varanda tem uma bela vista — disse, arrancando
uma risada de Luke. — O que foi?
— Você vai mesmo fingir que não estava acontecendo nada quando eu
cheguei aqui?
— O que você acha que estava acontecendo? — ela retrucou, tentando
ganhar tempo.
Luke apoiou a caneca em uma mesinha e se aproximou, o que a fez
olhar para cima para não perder o contato visual – e também para não olhar
aquele corpo que tinha a deixado passada. Ela retesou a coluna, surpresa, ao
perceber que ele colocou a mão no seu cabelo, ajeitando uma mecha atrás da
orelha.
— Eu vou dizer o que eu acho que estava acontecendo, docinho — ele
provocou, mas não deixou que a garota rebatesse. — De onde eu estava,
pareceu que você estava abraçadinha com a minha blusa, procede?
Hannah riu, nervosa.
— Eu acho que você está delirando.
— Fale a verdade, Hannah. Só estamos nós dois aqui — ele disse, baixo.
— Você estava com saudades de mim, não é mesmo? Por isso, ficou triste
quando eu não estava no quarto e quis sentir meu cheiro.
Lucas assistiu a Hannah explodir em uma risada alta, mas continuou
encarando-a, achando graça. Ela não iria se livrar tão fácil.
— Você é hilário, docinho — ela retrucou, ainda rindo.
— Hilário, sim. Mas não sou burro — Lucas disse, então mordeu o
lábio. — O que você estava fazendo aqui, Hannah?
A pergunta não foi no tom divertido de antes. Lucas estava sério,
embora parecesse curioso. Não havia uma explicação plausível que não
fizesse com que Hannah parecesse uma completa idiota. Nem ela sabia
direito o que estava fazendo ali, se fosse sincera.
A garota soltou o ar pela boca, derrotada. Então, apanhou a blusa na
cama.
— Eu lembro dela — disse, simplesmente, sem conseguir encarar Lucas
nos olhos. — Não foi isso que eu vim fazer aqui. Eu estava apenas passando
e vi, mas é a mesma blusa...
— Que eu estava usando na festa de final de ano da escola. Sim — ele
disse, e os dois se encararam.
Ficaram alguns segundos em silêncio. Hannah se perguntou se Lucas se
lembrava daquela noite da mesma maneira que ela. Se, para ele, a festa
também estava quase perfeita quando Brian Portman, ex-namorado de
Hannah, subiu na cabine do DJ e a expôs para o colégio inteiro.
Queria saber o que tinha passado na cabeça de Luke enquanto ele a
procurava, depois de ela ter fugido da festa. Se ele se lembrava de quando a
encontrara, de ter emprestado aquela blusa vermelha para que ela não
passasse frio. Se ele se lembrava da música que tinha tocado na rádio.
A garota chacoalhou a cabeça, sem querer pensar demais naquele dia.
— Eu apenas lembrei — ela disse, vagamente, tentando soar coerente
quando seu coração estava acelerado e suas mãos geladas. Luke apenas
sorriu.
— Posso confessar uma coisa? — ele perguntou, baixinho, atiçando a
curiosidade da garota. Ela assentiu. — Embora eu tenha usado essa blusa em
centenas de outras situações, eu também sempre lembro.
Hannah o encarou, estupefata.
— Está falando sério?
— Sim. Deve ser porque ela ficou melhor em você do que em mim —
ele disse, depois pareceu envergonhado. — É muito raro algo não ficar
melhor em mim, sabe? Olha isso aqui. — Ele fez um gesto indicando a si
mesmo, arrancando uma risada da garota.
— Ah, é por isso que você lembra então? Entendo. — Hannah sorriu,
cruzando os braços.
— Não sei. Pode ser por isso, ou pode ser por outra coisa.
Os dois trocaram um olhar cúmplice, mesmo sem dizer nada.
— É melhor eu ir. Estou faminta — Hannah disse e Luke assentiu.
— Quando eu contar essa história sobre tê-la encontrado no meu quarto
cheirando a minha blusa, você prefere que eu diga que foi porque você estava
com muita saudade ou porque nós tivemos uma noite de sexo animal? — ele
brincou, fazendo-a se virar para olhá-lo novamente.
Para sua surpresa, Hannah estava rindo.
— Você não muda, não é?
— E você adora. — Ele lançou um sorrisinho desafiador.
— Idiota.
— Como sempre, realista. E, antes que você me mande calar a boca —
Luke brincou, pegando de volta sua caneca de café —, excepcionalmente
hoje, essa cena aqui será segredo nosso. Não se acostume.
— Não sei se isso é bom ou ruim, mas algo me diz que logo eu vou
descobrir — Hannah disse, dando uma piscadinha para Lucas antes de fechar
a porta.

Hannah ajustou as quatro margaritas coloridas em cima da mesa,


sorrindo ao vê-las contrastando com as pedrinhas da praia e o mar azul de
fundo, pela tela do celular. Depois de seu encontro esquisito com Lucas
naquela manhã, o grupo inteiro decidira passar o dia em uma das praias
paradisíacas de Nice. Tinham escolhido a Blue Beach, um lugar conhecido
pela frequência do público jovem e também pelos esportes aquáticos.
Haviam caminhado pela Promenade des Anglais para acessar a praia e
deram bastante risada de Oliver e Dylan quando os dois tentaram travar uma
corrida vergonhosa de skate. Hannah tinha tirado inúmeras fotos com as
amigas, conhecido um pouco mais de Mia, a namorada de Oliver, e ignorado
com sucesso o constrangimento que estava sentindo por ter sido pega por
Lucas dentro de seu quarto.
Ele, por sinal, estava se comportando direitinho – o que para Hannah era
totalmente chocante, e ela seguia esperando que a qualquer momento o
garoto fosse fazer algo para envergonhá-la ainda mais. Tinha pedido por
aquilo, era verdade.
Droga, Hannah! Onde estava com a cabeça?
— Posso beber meu drinque agora? — Becky perguntou, parecendo
impaciente.
— Se você quer fotos bonitas para postar em seus stories, não me
interrompa enquanto eu estou criando, Rebecca — disse, e a amiga rolou os
olhos, rindo.
— Como será que era a vida das pessoas antes que elas tivessem a
necessidade de documentar tudo nas redes sociais? — Becky perguntou,
tomando um tapa na mão quando foi pegar um dos drinques. — Ei!
— Pronto, aqui está seu celular. — Hannah ria ao devolver o aparelho
para Becky, que abriu um sorriso largo. — Agora podemos beber.
Ellie se endireitou na cadeira, deixando de lado seu exemplar em francês
de Madame Bovary para alcançar uma das taças.
— Esperem! — Hannah disse, fazendo as duas pararem com os copos
no ar. — Precisamos da Mia para o brinde.
— Não vai ter discurso de novo, vai? — Becky provocou, divertida, e
tomou um tapa no braço.
— A culpa daquele brinde foi toda de vocês. — Hannah fingia estar
brava. — Ugh! Vocês são amigos horrorosos.
— Ah, bebê. — Ellie abraçou-a de lado. — Ninguém podia imaginar
que o timing do Lucas seria tão perfeito! Aquilo é o que podemos chamar de
entrada triunfal.
— Desculpe, mas a sua cara foi tão maravilhosa, Han — Becky
completou, rindo. — Parecia que você tinha visto um fantasma, foi incrível.
Aliás... — Ela se inclinou na espreguiçadeira, olhando especificamente para
Hannah. — Você viu o corpo que ele tem agora?
Hannah sentiu o rosto queimar no mesmo instante.
— Eu? Por que eu estaria interessada nele, Becky? Digo, no corpo dele.
— Hannah engasgou, e a amiga riu com uma sobrancelha erguida.
— Só estou reiterando o óbvio. Não me lembro daquele tanquinho nos
verões que o vi na piscina da sua casa. — Becky fez uma pausa, mordendo a
haste dos óculos escuros. — Você deveria investir.
Dessa vez, Hannah riu alto.
— Você pirou?
— Nunca estive tão sã, docinho — Becky provocou, com um sorrisinho
desafiador nos lábios. — Sempre disse que essa briguinha eterna de vocês
nunca passou de uma tensão sexual absurda. Vocês seriam mais felizes se me
escutassem.
— É mesmo uma linha tênue — Ellie disse baixo, chacoalhando a
cabeça, e prendeu o riso ao ver a expressão de Hannah. — Bom, não vou
mais me meter. Becky, pare de objetificar nossos amigos, por favor. A Mia
está voltando e está cedo demais para que ela se assuste com o seu jeitinho.

Hannah caminhou até o bar sob o olhar atento de Lucas. Ele baixou os
óculos escuros para observá-la chegar, o que a fez rir e quase escorregar nas
pedrinhas arredondadas que tomavam o lugar da areia na praia.
— Duas águas, por favor — pediu, encostando no balcão ao seu lado.
Lucas fez uma careta de aprovação.
— Você fala francês?
— Ellie acabou de passar os últimos dez minutos me ensinando a falar
isso. — Hannah riu, negando com a cabeça. — Era mais fácil que ela tivesse
vindo buscar.
— Mas, se Ellie tivesse feito isso, você não conseguiria ter desfilado até
o bar com seu biquíni que combina com a água e com os guarda-sóis —
Lucas retrucou, despretensiosamente.
A garota baixou o olhar, praguejando em silêncio por saber que iria
enrubescer.
— Você anda prestando atenção demais em mim, Cooper.
— Acho que posso dizer o mesmo de você, Lane. — Ele deu uma
piscadinha, virando de costas para pegar um sorvete da mão da atendente,
que parecia encantada por ele.
Hannah suprimiu uma risada, mas não comentou nada a respeito.
— Isso é bom — ele disse, distraído, lambendo o sorvete de massa que
estava tomando em uma casquinha. — Quer?
Hannah negou com a cabeça.
— Não, obrigada — disse, mas depois riu da cara com que Lucas estava
devorando o doce. — É do quê?
— Não tenho a menor ideia — Luke disse, depois de uma pequena
pausa. Ele riu da expressão confusa da garota.
— Como isso é possível?
— Eu não falo uma palavra de francês e queria um sorvete de frutas.
Então, dei uma olhada nos disponíveis e apontei para esse aqui. — Ele deu de
ombros. — Achei que fosse morango, mas definitivamente não é. — Então
estendeu o sorvete para Hannah. — Experimenta.
— Não, obrigada — ela negou pela segunda vez, e Luke fez outra
careta.
— Caramba, docinho. Eu escolhi guardar um segredo nosso a sete
chaves há poucas horas, e é assim que você me retribui? — disse, divertido.
— Estava demorando. — Hannah prendeu o riso, enquanto pegava as
duas garrafas de água.
— Eu só estou pedindo uma ajuda, sabe? — Ele fez bico, quase rindo.
— Eu posso ser alérgico a isso aqui. Eu posso morrer por não saber, Hannah.
É isso que você quer?
Hannah gargalhou.
— Você quer mesmo que eu responda essa pergunta? — ela retrucou,
depois riu da expressão chocada de Luke.
Ele também riu, chacoalhando a cabeça.
— E então? — Estendeu a casquinha na frente do rosto de Hannah.
— Ugh. Você é muito chato, sabia?
— Ouvi dizer. — Ele sorriu, vitorioso. Assistiu a Hannah devolver as
garrafas de água no balcão e provar um pouco do sorvete, com a expressão
pensativa.
— Não sei. Algo tropical?
— Eu pensei em framboesa.
— Framboesa não é tropical.
— Quem disse que isso aqui é tropical?
— Eu disse — Hannah respondeu, com uma sobrancelha erguida. — E
aparentemente minha opinião importa — completou com um sorrisinho, e
Luke rolou os olhos. — Deixe eu provar de novo.
Luke estendeu o sorvete para Hannah, mas, antes que ela pudesse
apanhá-lo, ele a golpeou com o sorvete na bochecha. Gargalhou, vendo a
expressão atônita da garota.
Ela demorou um segundo para cair em si, empurrando a mão de Luke
para que o sorvete batesse em seu nariz. Assistiu ao queixo do garoto cair,
rindo alto, enquanto ele a encarava com o nariz sujo de sorvete cor-de-rosa.
— Lichia, eu acho — ela disse, por fim, provando um pouco do sorvete
em sua própria bochecha. — E você é um idiota.
Luke experimentou de novo, parecendo ponderar.
— Tem certeza? — perguntou a ela, despreocupado. Antes que Hannah
pudesse responder, no entanto, ele a acertou mais uma vez.
Agora, para sua surpresa, ouviu um xingamento em resposta.
— Eu não acredito que você fez isso — ela reclamou, segurando a ponta
do cabelo castanho. — Você sujou meu cabelo!
Hannah bufou, praguejando entre dentes. Abriu rapidamente uma
garrafa de água, tentando lavar a mecha que Lucas havia sujado com sua
brincadeira. Ele a encarou, confuso, mas ainda dando risada.
— É só uma... — Não conseguiu terminar a frase, sendo interrompido
por Hannah no mesmo segundo.
— Merda, Luke! Agora vai ficar tudo grudado — reclamou, depois
rolou os olhos ao ver a expressão no rosto do garoto. — Ah, pelo amor de
Deus. Pare de ser pervertido.
— Eu não disse nada — ele se defendeu, rindo. — E foi só um
pedacinho do seu cabelo, pelo amor de Deus. Um banho de mar resolve.
— Eu não quero mergulhar no mar.
— Então fique com o cabelo assim, ué. Quem é que vai reparar nisso?
— ele questionou, de maneira prática. — Você se preocupa demais com o
que os outros pensam de você, docinho.
Hannah, que até então estava afoita tentando lavar o cabelo com água
mineral, levantou os olhos e encarou Lucas. Ela abriu a boca algumas vezes,
mas não conseguiu responder nada. Chacoalhou a cabeça, irada.
— Babaca — resmungou, pegando as duas garrafas de água e o
deixando para trás.
Lucas franziu o cenho, correndo para alcançá-la.
— O que aconteceu? — ele perguntou, confuso. — Você realmente
ficou puta com isso? — Ainda achava graça, mas rolou os olhos quando não
recebeu nenhuma resposta. A ultrapassou, parando em sua frente no caminho
de madeira que levava até a praia.
— Sai da minha frente, Cooper — ela disse, parecendo exausta, e Lucas
negou.
— Não enquanto eu não entender esse chilique.
— Desde quando você se importa, por Deus? — Hannah retrucou,
nervosa.
Para sua surpresa, entretanto, Lucas estava rindo. Não era uma risada
debochada, daquelas que ele dava para a provocar. Algo em sua expressão
fez com que Hannah pensasse que, assim como ela, ele também estava puto.
Ah, que ousadia.
— Você sempre faz isso — Lucas disse, voltando a encará-la.
— Isso o quê? — Hannah perguntou, impaciente.
— Isso. — Ele fez um gesto, irritado. — Toda vez que começamos a ter
uma conversa normal, você acha um motivo rapidinho para estragar tudo.
Hannah soltou o ar pela boca, sem saber o que responder. Talvez Lucas
estivesse certo. Era possível que ela estivesse se sabotando, coisa que
acontecia com demasiada frequência quando o assunto era Lucas Cooper.
Apertou os olhos contra o sol, xingando mentalmente aqueles olhos cor
de amêndoa tão bonitos que ele tinha. Lucas ainda estava parado em sua
frente, sem fazer menção alguma de sair. Em outra situação, ele não estaria
dando a mínima por uma resposta para um assunto tão pífio como aquele. No
entanto, Lucas parecia verdadeiramente curioso, por trás de sua expressão
sempre inabalável.
— Foi você quem começou — Hannah respondeu, fazendo uma careta
ao perceber o quanto tinha soado infantil.
Luke riu, olhando para os pés; devia estar pensando o mesmo. Não era
possível o quanto aquele garoto a irritava. Não fazia o menor sentido.
— Você quem estragou tudo quando... — Hannah suspirou,
chacoalhando a cabeça. Não queria ter aquela conversa, ali, na praia, muito
menos com Lucas. — Quer saber? É melhor terminarmos esse assunto por
aqui. Pense o que você quiser pensar — disse, e Lucas apenas assentiu com a
cabeça.
— Algumas coisas nunca mudam, não é mesmo? — ele confirmou,
dando espaço para que Hannah passasse. Ela o olhou por sobre os ombros.
— Infelizmente.
*

Hannah mergulhou os pés na piscina, encarando a vista noturna da


cidade. Depois de ter passado a manhã e a tarde com os amigos na praia,
tinha saído com as garotas para jantar no centro velho, um dos lugares que
estava mais interessada em conhecer.
Depois de muitas risadas e algumas taças de vinho, acabaram desistindo
de encontrar os garotos em uma festa. Ellie tinha ficado alegre demais com
apenas duas taças de rosé, a ponto de não conseguir se equilibrar em cima dos
saltos. Entre a ideia de carregar Ellie desacordada até uma boate ou só tirá-la
de dentro do Uber para depositá-la no primeiro sofá, ficaram com a segunda
opção.
No entanto, eram três da manhã e Hannah não conseguia dormir. Não
podia estar mais feliz com seus amigos – praticamente com sua própria
família – naquele lugar incrível. Queria aproveitar cada momento que
pudesse, e talvez fosse essa excitação que estivesse a mantendo acordada.
Ainda assim, em um cantinho quase escondido do seu cérebro, ela ainda
estava pensando na discussão que tivera com Luke na praia. Não sabia a
razão pela qual aquilo tinha a incomodado tanto. Afinal, eles tiveram brigas
muito piores – certa vez, Hannah tinha até acertado um porta-joias na testa
dele, sem querer, mesmo que não se orgulhasse disso.
De todas as coisas que odiava na vida, perceber que Lucas tinha razão
em qualquer discussão a deixava fora de si – quase tanto quanto pessoas
andando devagar em sua frente no meio da rua. E, de certa forma, sabia que
ele não estava cem por cento errado no que dissera para ela de manhã.
— Hey. — Hannah ouviu uma voz atrás de si, levando a mão ao peito
com o susto. Lucas riu, brevemente. — Desculpe.
A garota se virou para encará-lo. Ele ainda estava com as roupas que
tinha usado para sair com os garotos, e ela franziu o cenho, confusa.
— Eu não vi vocês chegarem — disse, olhando para o portão. Lucas deu
de ombros, sentando-se ao lado dela na borda da piscina.
— Eu cheguei tem uma meia hora com o seu irmão e a Mia. Dylan e
Liam ainda estão desbravando a cidade. Espero que cheguem vivos amanhã
— disse, rindo sozinho. — Belo pijama.
Hannah riu, cruzando os braços na frente de sua camiseta estampada
com um pacote sorridente de batatas fritas.
— Ei! Eu não estava exatamente esperando companhia — disse, e Luke
apenas sorriu.
— Eu não estava te zoando. Eu gostei mesmo do pijama.
— Ah, me poupe.
— É sério — ele se defendeu, divertido. — Eu gosto de pijamas assim.
Acho sexy.
— Realmente. Não há nada mais sexy do que um pijama escrito “fries
before guys” [1]. — Hannah riu e assistiu a Luke dar de ombros.
— Acredite se quiser.
Hannah sorriu, olhando para o nada.
— Então quer dizer que Lucas Cooper volta mais cedo para casa com
um casal monogâmico? Não esperava por isso — brincou e viu Luke fazer
uma careta divertida pela visão periférica.
— Eu sou um homem cheio de camadas, você não entenderia.
— Não conseguiu cantar ninguém porque não fala francês?
— Touché — Luke respondeu, brincando com uma das poucas palavras
que conhecia na língua, e os dois riram. — Hannah, se você me conhecesse
bem o suficiente, saberia que eu não preciso de muitas palavras para
conquistar as garotas.
Era verdade. Luke sempre desfilara pelos corredores do colégio com
garotas diferentes à tiracolo. Não jogava no time de futebol americano,
tampouco fazia parte de um dos grupinhos populares, mas havia algo nele
que fazia com que quase todas as garotas babassem.
Ela devia admitir que, ali, sob a luz fraca do céu noturno e da piscina,
era fácil entender o motivo. Seu cabelo castanho-escuro estava bagunçado,
como sempre, e de perto aquele sorriso era ainda mais impactante.
Ah, droga. Chacoalhou a cabeça, envergonhada com seus próprios
pensamentos.
— Então está fazendo o que de volta, tão cedo?
— Talvez eu tivesse coisas mais interessantes para fazer por aqui — ele
respondeu, de forma vaga, deitando sem tirar os pés da água.
Hannah o encarou, de sobrancelha erguida. Estava curiosa, mas preferiu
não perguntar o que ele queria dizer com aquilo. Em vez disso, repetiu o
gesto de Lucas e também deitou, olhando para o céu.
Ficaram em silêncio por alguns minutos, mas não estavam
desconfortáveis – muito pelo contrário. Lucas mordeu o lábio e virou a
cabeça para encará-la.
— Você sabe o que isso me lembra, não sabe?
Hannah sorriu, sem corresponder.
— Perfeitamente.
Capítulo 4
No verão anterior

Era o último dia antes das férias de verão e quase todos os professores
haviam optado por liberar os alunos de suas classes. Mais tarde, todos
estariam na final do campeonato de futebol americano e também na festa que
os próprios alunos tinham organizado fora dali. As matérias já tinham
fechado e aquele dia no colégio era meramente burocrático.
Os alunos do último ano já estavam se despedindo, entre lágrimas e
abraços, falando sobre o futuro e sobre suas universidades. Aqueles que
ficavam mal podiam esperar para desfrutar daqueles meses de verão, antes
que tivessem que se preocupar novamente com classes avançadas, atividades
extracurriculares e faculdades.
Mesmo ciente disso, a senhora Brown – professora de literatura do
colégio – tinha decidido que tornaria aquele último dia de aula no mínimo
marcante para suas turmas. Como parte de um projeto pessoal, que ninguém
fazia ideia de que ela tinha, a professora havia sorteado duplas de alunos para
que cumprissem uma série de tarefas pelas duas horas de duração de sua aula.
Seu objetivo era que os alunos se relacionassem fora de seus grupos e se
conhecessem melhor, encontrando similaridades inesperadas.
Lucas não acreditava em destino, mas era no mínimo cômico que
justamente ele houvesse sido sorteado para fazer par com Hannah. Teve uma
crise de riso quando ouviu seus nomes serem chamados à frente, ainda mais
pela reação da garota, que parecia preferir ser atropelada por um caminhão do
que passar uma parte da tarde com ele.
Os planos que ele tinha para aquela aula eram bem diferentes daqueles
da senhora Brown: queria utilizar cada minuto ao lado de Hannah para
infernizá-la; afinal, aquele era seu último dia no colégio e, mesmo que ainda
fosse vê-la esporadicamente durante o verão – por culpa de Oliver, claro –,
não voltaria para aquele lugar quando o novo semestre começasse. Embora
odiasse admitir, estava se sentindo um pouco nostálgico.
Ainda que tivessem trocado farpas pelo corredor até completarem a
primeira tarefa, que era mostrar sua música preferida para “seu novo amigo”,
Lucas devia admitir que a tarde estava até agradável. Como parte da segunda
tarefa, ele teve que levar Hannah até seu local preferido no colégio – o jardim
em frente ao pátio, onde comeram hambúrguer juntos e comentaram a vida
das pessoas com tanta naturalidade que alguém menos informado chutaria
que os dois eram até amigos.
Curioso. Ele chacoalhou a cabeça, tentando não pensar no quão
esquisita aquela situação era. Hannah estava caminhando ao seu lado havia
pelo menos cinco minutos, entrando e saindo de diversos corredores com
uma determinação típica. Ela o encarou e sorriu, sem dizer nada. Por alguma
razão, Luke sentiu seu rosto enrubescer e respirou aliviado por ter a certeza
de que a garota não estava prestando atenção nele.
Passaram pelo prédio onde ficavam os laboratórios de ciências e
também pelos estúdios de artes, chegando a uma espécie de bosque que Luke
nunca tinha visto na vida. Ele franziu a testa.
— Aonde, diabos, você está me levando? Estou começando a achar que
você quer fazer alguma coisa proibida comigo nos matos do colégio — disse,
com uma falsa expressão de medo, arrancando uma risada de Hannah.
— Idiota — respondeu ela, dando um soquinho no braço de Luke, que
riu brevemente, confuso.
Estava acostumado a ser xingado por Hannah – fosse pelas coisas mais
bobas, como comer algum doce na casa dela, até em brigas homéricas, que
chamavam a atenção do pátio inteiro. No entanto, não conseguia se lembrar
de uma única vez nos últimos anos em que Hannah Lane houvesse o xingado
apenas por graça.
Antes que pudesse divagar demais, percebeu que Hannah tinha parado
de andar. Ela sorriu, abrindo os braços para mostrar seu lugar preferido do
colégio.
— Voilà — disse, empolgada.
Luke notou que tinham parado em um jardim. O local era pequeno, mas
muito bem-cuidado, circundado por flores coloridas dos mais diversos tipos.
Perto de uma cerca, havia um banco de praça. Hannah ainda o olhava,
parecendo ansiosa. Ele sorriu.
— Nossa. Você tem certeza de que isso é dentro do colégio? —
perguntou, e Hannah apenas meneou a cabeça, deitando na grama em
seguida. Seus cabelos castanho-claros tinham se aberto como uma nuvem, e
ela parecia verdadeiramente em casa.
Sem pensar muito, Lucas se viu repetindo o gesto, deitando do lado dela.
— Está vendo aquele casebre ali? — Hannah apontou, continuando a
falar assim que o viu assentir. — Aquela era a casa da senhora Cruz, que
costumava trabalhar no refeitório. Lembra dela?
— Lembro, sim. Ela não tinha uma filha na sua classe?
— Sim, a Elena. Ela foi minha primeira amiga, assim que entrei no
colégio. Eu costumava vir aqui com ela quase todos os dias depois da aula
para estudar, mas, na verdade, era porque a senhora Cruz fazia o bolo de
cenoura mais maravilhoso da face da Terra — Hannah disse, sorrindo
sozinha, sem notar que Luke estava a encarando. Ele acabou sorrindo
também.
— Então nós invadimos a antiga casa da senhora Cruz? Não sei se isso
vale como “seu lugar preferido dentro do colégio” — ele disse, fazendo aspas
com os dedos. — Você quer mesmo me meter em encrenca no meu último
dia de aula, não é? Finalmente entendi seu plano diabólico — Luke brincou,
divertido.
— Ah, por favor. Você já se meteu em encrencas muito piores. —
Hannah riu. — E, na verdade, ainda estamos dentro do colégio. Nos limites
do colégio, ao menos. Tecnicamente, não estamos fazendo nada errado. —
Ela o encarou de lado, dando uma piscadinha.
Antes que Lucas dissesse alguma coisa, Hannah continuou.
— Além do mais, ninguém mora aqui há pelo menos um ano, desde que
a família Cruz se mudou. Fiz uma pequena investigação e descobri que é um
dos porteiros quem cuida do jardim. — Ela suspirou, fechando os olhos. —
Gosto de vir aqui para ter um tempo para mim, sabe? É como se fosse um
porto seguro em meio ao caos.
Luke ficou em silêncio, sem tirar os olhos de Hannah. Por mais incrível
que aquilo parecesse, estava cem por cento confortável ali, do lado dela. Para
sua surpresa, a garota abriu os olhos repentinamente, o encarando de lado.
Merda. Não era para ela ter notado aquilo. Agora, tinha certeza, Hannah
faria de sua vida um inferno.
— E você quis me trazer aqui? — ele perguntou, tentando soar o mais
casual possível, mas, no fundo, ansioso por saber a resposta.
Hannah deu de ombros, com um sorriso sincero.
— É seu último dia de aula, acho que merecíamos uma trégua. E, claro,
se você contar do meu esconderijo para alguém, serei obrigada a matá-lo.
Luke gargalhou. Ele gostava daquela Hannah. Tossiu, envergonhado de
seu próprio pensamento.
— Embora eu odeie admitir e te dar essa vitória — Luke se forçou a
falar, antes que seu cérebro acabasse derretendo de tanta nostalgia e o fato de
a garota estar tão perto dele —, seu lugar preferido no colégio é infinitamente
melhor do que o meu.
— Não é uma competição — ela disse, baixinho, e quase riu da
confusão na expressão de Luke. — Mas, sim, meu lugar é mesmo incrível.
— É uma pena que eu só tenha descoberto agora — ele disse de maneira
vaga, soltando o ar pela boca.
Hannah riu.
— Acha melhor lermos a próxima tarefa antes que você fique
sentimental demais por seu último dia no ensino médio? — perguntou, como
quem lia pensamentos.
— Ei! Eu não... — Luke parou de falar, fazendo uma careta ao ver que
Hannah estava rindo. — Ah, cale a boca. Vamos logo para a próxima —
disse, prendendo o riso.
Assistiu a Hannah sentar e cruzar as pernas, sem pressa, enquanto
alcançava um dos envelopes da senhora Brown. Sua expressão ao abrir e ler o
texto foi de curiosidade, e Luke apoiou a cabeça em uma das mãos, olhando-a
nos olhos.
— Vamos lá. O que temos que fazer agora?
— “Descreva para o seu amigo como você o vê” — Hannah leu,
prendendo o riso com a piada pronta que caberia ali. Lucas rolou os olhos,
rindo.
— Pobre senhora Brown. Aposto que essa vai ser a resposta mais rápida
de todas as duplas — disse, pegando o envelope da mão de Hannah.
Então, viu a garota morder o lábio, pensativa.
— O jeito que eu vejo você...
— Espere. Você realmente vai responder isso? — perguntou, achando
graça. Hannah deu de ombros.
— É claro. Já estou aqui mesmo.
— Ok, então — ele respondeu, tentando parecer não se importar, mas,
por algum motivo, suas mãos estavam geladas quando viu que Hannah estava
prestes a despejar o que quer que fosse que ela achava dele.
— Lucas Cooper é um cara estranho — ela disse, olhando para o nada.
— Ele diz odiar jogadores populares, mas anda com dois deles. E, pior ainda,
vive correndo atrás das líderes de torcida.
— Ei! Seu irmão e o Dylan já eram meus amigos antes de se bandearem
para o lado mau da força. Eu apenas tenho o coração bom o suficiente para
não os privar do privilégio que é ter minha amizade — Lucas disse,
arrancando uma risada de Hannah. — E eu não corro atrás de líderes de
torcida, por favor.
— Em primeiro lugar, pare de me interromper enquanto eu estou
cumprindo uma tarefa, Cooper — Hannah provocou, rindo ao vê-lo rolar os
olhos. — Segundo, você corre atrás delas, sim. Não esqueça que eu também
era uma líder de torcida e, para sua sorte ou azar, garotas contam tudo.
— Isso não...
— Continuando... Eu não acho que você é tão bad boy quanto gosta de
aparentar. — Ela fez uma pausa. — Para falar a verdade, eu acho que você é
muito mais doce do que deixa transparecer. Você é extremamente
observador, determinado e quase tão teimoso quanto eu. E, por fim, eu acho
que você não me odeia.
Ao parar de falar, Hannah acabou dando risada do queixo caído e da
expressão chocada no rosto de Luke. Lucas Cooper, o cara que sempre tinha
resposta para tudo, estava sem palavras. Aquilo era divertido em um nível
que ela nem poderia começar a descrever.
Ele demorou um ou dois minutos para se recuperar.
— Em minha defesa, eu não corro atrás das líderes de torcida. Elas que
me amam muito e vivem me procurando — disse do jeito sarcástico de
sempre, e Hannah chacoalhou a cabeça.
— Nem todas.
— Eu não teria tanta certeza disso — ele retrucou, com uma piscadela,
fazendo-a rir. — Aliás, eu nunca disse que odiava você. A gente só briga...
muito.
Hannah, que até então estava brincando distraidamente com um pedaço
de grama, pareceu interessada nessa revelação, olhando-o nos olhos.
— É mesmo? — perguntou, incerta. Assim que Luke assentiu, ela
sorriu. — Eu também acho.
— Então você não me odeia?
— É claro que não.
— Legal — Luke disse, sem saber o que mais responder. Estava se
amaldiçoando por sua recente falta de capacidade de ter respostas rápidas.
Não estava acostumado com isso. Antes que pudesse pensar, ouviu Hannah
dizer:
— Sua vez de falar de mim.
— Sério? — perguntou, na esperança de ouvir uma negativa, mas sabia
que ela não faria isso. Não demorou tempo demais pensando, apenas se
sentou de frente para ela e, surpreso consigo mesmo, começou a falar. —
Você não sabe se ama ou odeia ser a garota mais popular do colégio. Isso
porque a Hannah Lane que os caras desejam e as garotas querem copiar não é
quem você é de verdade. Você mataria e morreria por suas amigas e por sua
família, embora você e seu irmão briguem quase tanto quanto nós dois. Você
também parece muito mais doce do que deixa transparecer, mas não
necessariamente comigo. — Ele riu. — E você tem uma aptidão nata para se
apaixonar por bruxos, anjos, vampiros, líderes de boy bands ou qualquer
coisa que não exista, ou que esteja longe demais do seu alcance.
Luke parou de falar e encarou a garota, que chacoalhava a cabeça de um
lado para outro com um sorriso no rosto. Era fácil dizer que estava chocada
com aquela torrente de informações, mas de uma maneira boa.
— Isso foi surreal.
— Eu sou mesmo maravilhoso. — Ele sorriu.
— Acho que você é uma espécie de espião contratado.
— Droga! Não era para você ter descoberto isso tão cedo, não antes de
eu salvá-la da máfia que está atrás de você e... — Luke parou de falar, rindo
junto com Hannah. — O que você acha de pularmos a parte constrangedora
de comentar essa conversa e irmos direto para a próxima pergunta?
— Nunca concordei tanto com você em toda minha vida. Mas, antes,
acho melhor sairmos daqui. Estamos gastando demais minha parte favorita do
colégio.
— Por quê? Está com medo de cair em tentação ao ficar muito tempo
em um lugar recluso e romântico comigo? — Luke provocou, estendendo a
mão para ajudar Hannah a se levantar.
Ela arqueou uma sobrancelha, encarando-o de perto.
— Não. Você está? — respondeu, em alto e bom som, e viu a expressão
no rosto de Cooper mudar.
Aquela resposta afiada não era o que ele estava esperando escutar, e os
dois sabiam disso. Ao ver Lucas abrir a boca, sem falar nada, Hannah sorriu,
vitoriosa.
— Foi o que eu pensei.

— “Pergunte a seu novo amigo algo que você sempre quis saber sobre
ele” — Lucas leu, baixando o papel para olhar para Hannah.
Tinham voltado a sentar sob a árvore onde tinham almoçado, o lugar
favorito de Luke no colégio. Mais adiante, era possível observar várias duplas
sentadas juntas – algumas rindo, outras parecendo desconfortáveis. Era certo
que os dois tinham achado que fariam parte da segunda opção, porém,
incrivelmente, aquela tarde estava saindo muito melhor do que esperavam.
Talvez, no fundo, a senhora Brown tivesse um bom objetivo.
— Nós devíamos ter ficado no seu jardim — Luke disse, olhando
sutilmente para o lado. Algumas pessoas estavam espiando os dois, talvez
esperando que alguma cena acontecesse.
Hannah não pareceu perceber. Em vez disso, sentou-se completamente
de frente para Luke, suspirando em seguida.
— Dessa vez, você pode começar — incentivou, e ele franziu a testa,
curioso.
— Você está mesmo participativa nessa brincadeira. Não sabia que
gostava tanto assim da minha companhia — ele provocou, vendo-a
chacoalhar a cabeça.
— Menos, Luke. Bem menos. — Ela fez uma pausa. — Mas vou te dar
essa. Talvez você esteja um pouquinho menos insuportável hoje — ela disse,
e Luke fez uma careta de aprovação.
— Acho que isso é o melhor que vou conseguir.
Ficou uns instantes em silêncio, e, durante todo esse tempo, o olhar de
Hannah não deixou o seu. Sentia-se desafiado, mas não de um jeito ruim.
— Então está bem, vamos lá. Acho que essa pode ser uma pergunta
idiota, mas não estou muito criativo. Por que você tem medo de altura?
Por alguma razão, Hannah pareceu surpresa com a pergunta.
— Eu definitivamente não esperava por essa. — Ela riu, estupefata. —
Sendo bem sincera, achei que fosse me perguntar alguma putaria.
Lucas deixou o queixo cair, fingindo choque.
— Que absurdo! Quem você pensa que eu sou? — Ele riu, depois sorriu
ao ver a garota curvar as costas em uma gargalhada. — É sério, Hannah. Já vi
várias demonstrações desse seu medo, mas nunca soube o real motivo.
Hannah soltou o ar pela boca, derrotada.
— Ah, Luke. Você vai rir de mim — ela reclamou, com a voz baixa e
tímida, bem diferente do normal. Luke estava se sentindo idiota com o tanto
que vinha sorrindo sem razão alguma, mas já estava o fazendo de novo.
— Eu prometo que não vou rir — ele disse, prendendo o riso quando viu
a expressão desconfiada da garota. — Eu dou a minha palavra, se é que ela
vale alguma coisa.
Hannah pareceu ponderar.
— Não vale muito, mas é o que temos para hoje — disse, respirando
fundo antes de prosseguir, sob o olhar atento de Luke. — Quando eu tinha
cinco anos, Oliver e eu estávamos passando férias na fazenda do meu avô, no
Texas. Um dia, estávamos brincando no pomar e o idiota do seu melhor
amigo me desafiou a subir em uma árvore muito alta que tem lá. Eu subi, é
claro, porque você sabe que eu sou um tanto competitiva — ela disse,
fazendo Luke rir baixo. — O tempo estava horrível. Assim que eu subi,
começou a chover muito, muito forte. Com raios, trovões e o pacote
completo. Oliver saiu correndo para dentro da casa e me deixou lá, sozinha.
Eu fiquei umas duas horas lá em cima, em pânico, sem conseguir descer.
Hannah estava encarando os próprios pés quando parou de falar
abruptamente. Não tinha costume de contar aquela história porque não
gostava de revivê-la. Embora fosse muito nova, essa era a primeira memória
vívida que tinha de sua infância – memória essa que, é claro, havia a
traumatizado talvez para o resto da vida.
Ela voltou o olhar para Lucas, apenas esperando uma risada alta ou
qualquer coisa que a deixasse furiosa. Em vez disso, ele estava apenas a
encarando de volta, com uma expressão indecifrável no rosto.
— Vai. Pode rir — ela o desafiou, assim que encontrou sua própria voz.
Surpresa, assistiu a Lucas negar com a cabeça.
— Eu prometi que não iria rir.
— Mas é idiota.
— Não é idiota — ele refutou. — Não é um trauma tão legal quanto um
avião caindo, como eu pensei que seria. Mas não é idiota — ele brincou, e
Hannah chacoalhou a cabeça.
— O que, diabos, seria um trauma legal? — ela perguntou, dando risada,
e viu que Lucas a acompanhava.
Ele fixou o olhar atrás de Hannah, para a frondosa árvore que os
protegia do sol. Arqueou uma sobrancelha.
— Vem — disse, puxando-a pela mão. — Vamos encarar seu medo.
— O quê? — Hannah retrucou, com a voz esganiçada. — Você bebeu?
— É claro que não — Lucas respondeu, pensativo. — Escute. Você
provavelmente acha que aquela árvore da fazenda era alta demais porque
tinha cinco anos. E talvez a tempestade nem fosse tudo isso também.
— Você não estava lá — ela disse, entre dentes.
— Eu sei que não. Mas estou aqui agora — Lucas incentivou, sorrindo.
— Vamos lá. Nem é uma árvore alta assim. Não tem a menor chance de
chover e eu prometo que não vou deixar você lá em cima. Você pode,
inclusive, me matar se eu fizer isso. Está autorizada.
— Você não pode estar falando sério. — Hannah gargalhou, incrédula.
— Vamos lá, Hannah — ele disse, a puxando pela mão. Assustou-se ao
perceber o quão gelada a palma da garota estava.
— Lucas, não — ela retrucou, firme, puxando a mão da dele. — Essa
árvore não é alta para você, mas é para mim. E eu sei que é uma fobia idiota,
mas...
— Não, não é — ele afirmou outra vez. Mordeu o lábio, chocado
consigo mesmo assim que percebeu o que tinha feito. — Porra. Eu que sou
idiota. Eu sei que, para você, isso é um negócio sério.
Hannah mordeu o lábio, tentando entender o que tinha acabado de
acontecer. Suas mãos estavam geladas e trêmulas, algo que ela estava
acostumada a vivenciar quando era colocada de frente com seu medo.
Entretanto, o que mais tinha lhe chamado a atenção havia sido a reação de
Lucas ao perceber que fora longe demais. Meses antes – Deus, até uma
semana antes, que fosse –, o garoto estaria rindo da cara dela e não teria dado
a mínima para seu trauma. Agora lá estava ele, mortificado e preocupado.
Isso fez com que seu coração acelerasse – e não pelo medo de subir na
árvore.
— Me desculpe, docinho — ele disse, sorrindo ao vê-la rolar os olhos.
— Eu odeio quando você me chama de docinho.
— Eu sei. É por isso que eu adoro — ele disse, rindo ao vê-la mostrar o
dedo do meio. — Acho que já está tudo bem, então?
— Vou pensar no seu caso.
— Você pode se vingar com a sua pergunta — ele sugeriu, vendo o
rosto de Hannah se iluminar com a sugestão.
Ela sorriu largo, olhando para o nada, extremamente concentrada. Luke
riu baixo, dando de ombros. Estava achando aquilo divertido. Não achava
que houvesse nada que Hannah pudesse lhe perguntar que o deixaria
desconcertado. Embora fosse clichê, acreditava de verdade que era um livro
aberto. E, o conhecendo por anos, talvez Hannah soubesse muitas de suas
histórias, daquelas que ele deveria se envergonhar.
Foi apenas quando Hannah se sentou de frente para ele, parecendo
cautelosa, que Luke engoliu em seco. Algo havia mudado na expressão da
garota e isso lhe despertou um certo medo, mesmo sem saber o motivo ou
tendo certeza de que não tinha nada a esconder. Depois do que ele havia
feito, qualquer que fosse a pergunta, ele teria que aceitar.
— Luke, o que estou prestes a perguntar provavelmente o deixará bravo
comigo — ela disse, olhando em seus olhos. Luke arqueou uma sobrancelha.
— Não acho que isso seja possível.
— É possível. E, sendo honesta, é uma pergunta um pouco estranha. —
Hannah fez uma careta, parecendo ponderar. Suas bochechas estavam
rosadas. — Prometa que não vai ficar puto nem querer me matar.
Lucas riu alto.
— Que diabo de pergunta me faria querer te...
— Prometa.
— Ok. — Ele franziu o cenho, nervoso e curioso na mesma proporção.
— Eu prometo.
— Isso pode ser idiota e talvez não signifique nada. — Hannah fez uma
pausa, parecendo procurar as palavras certas para prosseguir, o que deixou
Lucas inquieto. — Dois meses atrás, você e os garotos foram passar um fim
de semana em Nashville para o aniversário do... — A garota parou de falar,
vendo que Luke começou a encarar a grama. — Ah, nem vou continuar.
Luke voltou a fitá-la, mordendo o lábio. Estava surpreso com a escolha
de Hannah para aquela pergunta, embora ela ainda nem tivesse concluído sua
linha de raciocínio. Soltou o ar pela boca e forçou um sorriso.
— Não, está tudo bem — ele disse, tentando soar o mais calmo possível.
— Pode continuar.
Hannah torceu o nariz, em dúvida.
— Vamos, Hannah — ele a incentivou.
— Eu lembro que meu irmão chegou no domingo à noite, eufórico,
contando histórias intermináveis do quanto vocês se divertiram. Liguei para o
Liam para dar meus parabéns, e ele me falou que aquele tinha sido o melhor
fim de semana da vida dele. — Hannah suspirou, vendo o quanto Luke
parecia se esforçar para não desviar o olhar. — Mas, na segunda-feira,
quando chegamos ao colégio, você não apareceu. E você não apareceu a
semana inteira — disse, com cuidado. — Meu irmão disse que você estava
doente, mas, quando você reapareceu, estava todo... machucado. E não foi só
isso. Você estava diferente. Nem parecia você mesmo.
— Como assim? — Luke perguntou, com um fiapo de voz. Seu coração
estava batendo nos ouvidos, e sabia que precisava ganhar tempo.
— Você estava apático, não sei dizer. Não o vi fazendo gracinhas sobre
seu olho roxo, dando uma de bad boy, nem tentando usar isso para ganhar a
empatia das garotas. — Hannah riu baixo, mas percebeu que Luke não a
acompanhou. — E eu tentei arrancar algo de você, não sei, implicar com você
de propósito, mas nada aconteceu.
Lucas soltou o ar pela boca e abraçou os joelhos. Talvez tivesse
subestimado Hannah Lane. Aquela garota tinha o poder de surpreendê-lo e
desafiá-lo em qualquer situação, e ele estava em choque com a percepção
dela sobre aquela história. Com o coração acelerado, voltou a encará-la nos
olhos. Ela sorriu de canto, parecendo tímida.
— Você não precisa me contar se não quiser. Não vou dedurar você para
a senhora Brown — ela brincou, e Luke tentou sorrir.
— Você abriu mão da sua história do medo de altura. A pergunta é justa.
— Mas você claramente está muito mais incomodado do que eu para
falar sobre o assunto. Por incrível que pareça, Luke, essa jamais foi minha
intenção.
Ele sorriu. Algo lhe dizia que Hannah estava falando a verdade. Se
surpreendeu ao perceber que, no entanto, não queria a saída mais fácil.
Queria contar aquela história para ela, por mais dolorosa que fosse e por mais
que ele tivesse a guardado num cantinho do cérebro e jogado a chave fora.
Soltou o ar pela boca.
— Está tudo bem. Só fiquei surpreso por você lembrar disso.
— Talvez eu também seja uma espiã contratada — Hannah disse,
tentando animar o clima, mas o que recebeu de volta foi apenas um sorriso
triste. Antes que ela pudesse acrescentar mais alguma coisa, Lucas começou a
contar-lhe.
— Aquele foi, sim, um dos melhores fins de semana que eu vivi, até eu
voltar para casa. Foi aí que tudo desabou — ele disse, sob o olhar atento de
Hannah. — Naquela época, minha mãe estava namorando um cara, coisa de
quatro, cinco meses. Ele parecia bacana nas poucas vezes que eu tinha visto,
já que eu nunca estava muito em casa. Então, naquele domingo, eu cheguei e
minha mãe estava toda machucada.
Luke parou de falar, vendo os olhos de Hannah arregalarem. Ela abriu a
boca, mas não conseguiu falar coisa alguma. O garoto respirou fundo,
voltando a encarar os próprios tênis.
— Aquele filho da puta tinha batido nela e, pior, não era a primeira vez
— ele cuspiu as palavras de qualquer jeito, enquanto chacoalhava a cabeça.
— Você não tem ideia do que é chegar em casa e ver sua mãe machucada,
tentando esconder isso de você. Eu me senti um lixo. Eu nunca tinha
percebido nada e nunca tinha feito nada para impedir — Luke disse, com os
olhos marejados.
Hannah instantaneamente sentiu os olhos encherem de lágrimas.
— Luke, eu...
— Deixe-me terminar, ok? — ele pediu, sem conseguir olhá-la nos
olhos. Hannah apenas assentiu, em silêncio. — Eu pirei. Dirigi para a casa do
cara a milhão e o enchi de porrada. É claro, ele não deixou barato, então eu
acabei apanhando também. Muito. Inclusive, ele torceu meu pulso, o que me
deu o atestado de uma semana.
Ele fez uma pausa e se atreveu a olhar para Hannah, que estava com os
olhos vermelhos e vidrados em sua direção.
— Minha mãe ligou para a polícia e ele foi preso em flagrante naquela
mesma noite. Ela ainda tem uma marca nas costas por causa daquele... —
Luke parou de falar no meio da frase, chacoalhando a cabeça e ficando quieto
logo em seguida.
— Eu sinto muito — Hannah disse. Sua voz parecia um sopro, e ela
estava comovida com aquela confissão. Arrependida também, por ter feito
com que Lucas revivesse tudo aquilo. — Me sinto uma babaca. Desculpe por
ter perguntado isso.
Lucas não respondeu nada. Ele continuava abraçando os joelhos, com o
olhar perdido na grama. Hannah mordeu o lábio e, em um impulso, passou o
braço por cima dos ombros dele, em um abraço de lado, muito desajeitado.
Estava receosa, talvez por toda aquela proximidade que os dois nunca
tiveram. Mas sentiu que estava fazendo a coisa certa quando notou que os
ombros de Lucas relaxaram minimamente.
Ficaram em silêncio ali, por um minuto, e então Hannah se afastou, se
dando conta de onde estava e do que tinha feito sem nem pensar.
— Eu nunca tinha dito isso para ninguém além dos caras — Lucas disse,
por fim a encarando e preenchendo o silêncio. Hannah lhe devolveu um
sorriso triste.
— Eu nunca teria perguntado se soubesse que... Você sabe.
— Está tudo bem. — Ele assentiu. — Eu confio em você.
Lucas sentiu o baque daquelas palavras. Por Deus, não era para ter dito
aquilo. Estava em uma espécie de torrente emocional incontrolável e não
tinha conseguido frear os pensamentos. Sentiu seu rosto queimar,
especialmente ao ver o choque nos olhos azuis de Hannah, enquanto ela o
fitava. Antes que pudesse tentar consertar, no entanto, viu a expressão da
garota suavizar. E então ela sorriu. Um sorriso doce, que ele poucas vezes
vira em anos de convivência.
— Seu segredo está a salvo comigo — ela disse, dando uma piscadinha,
e Luke sentiu a nuca arrepiar com o gesto. — Que tal irmos para a última
tarefa? — sugeriu, meneando a cabeça para que Luke pegasse o envelope que
estava ao seu lado na grama.
Ele fez exatamente isso, voltando a encará-la.
— Está com medo? — perguntou, com um sorriso desafiador nos lábios.
Hannah deu de ombros.
— Não acho possível que aí dentro tenha uma pergunta que vá nos
deixar desconcertados. Não depois de tudo o que acabamos de falar — ela
disse, e Lucas concordou com a cabeça, abrindo o envelope azul-marinho
com uma careta.
— “Parabéns! Vocês chegaram à última tarefa” — Lucas leu, imitando a
voz de um apresentador de talk show. Hannah riu. — “Agora é a hora mais
importante. Escrevam um pequeno texto sobre a pessoa com quem estiveram
durante essa atividade. Comentem o que achavam dela e o que acham agora,
mas com uma regra: falem bem. Falem todas as qualidades de seu novo
amigo, porque eu sei que ele tem muitas. Assim que terminarem, entreguem
as cartas em minha sala.”
— Ai, meu Deus — Hannah disse, rolando os olhos.
— Isso vai ser interessante — Lucas comentou, e os dois riram. — Quer
papel e caneta?
— Por favor.
Lucas pegou um caderno na mochila e arrancou uma folha, dando o
caderno para Hannah. Em seguida, pegou duas canetas. Os dois se encararam
em silêncio e riram, sem nem ter ideia de por onde deveriam começar.
Hannah mordeu a tampa da caneta e, pouco tempo depois, baixou a
cabeça e começou a escrever, concentrada. Luke tratou de acompanhá-la,
fazendo o mesmo, mas se amaldiçoou no instante seguinte. Deus, ele era
péssimo naquilo. Não era bom com as palavras, não sabia o que deveria
colocar ali e, para completar, ainda estava duzentos por cento curioso para
saber o que Hannah tanto escrevia.
Pensou em tentar espiar, mas, ao olhar para ela, a viu sorrindo sozinha,
olhando para o papel. Fez o mesmo e voltou a escrever, tentando se empenhar
ao máximo.
Hannah esperou pacientemente por Luke, em absoluto silêncio,
enquanto ele concluía o que estava escrevendo.
— Terminei — ele disse, dobrando o papel. Os dois trocaram um
sorriso.
— Ótimo. Vamos lá entregar, então.
Caminharam lado a lado pelo corredor que levava até a sala onde as
aulas de literatura aconteciam. Não trocaram uma palavra, entendendo que
aquele dia estava chegando ao fim – com todos os sentimentos misturados
que ele havia trazido.
Ao abrirem a porta, deram de cara com a professora, que estava quase
escondida atrás de uma enorme pilha de envelopes, o que os fez concluir que
tinham demorado muito mais do que o restante da turma.
— Cooper, Lane! — a senhora Brown disse, assim que os viu. — Fico
feliz em vê-los. Por favor, cada um pegue um envelope e escreva do lado de
fora quem escreveu sobre quem.
— Para que a senhora precisa disso? — Hannah questionou, curiosa. A
professora apenas sorriu.
— Só para ter certeza de que vocês fizeram a brincadeira direito.
Fiquem tranquilos.

Luke estava olhando para Hannah quando ela virou a cabeça para
encará-lo, deitados na beira da piscina. Os dois sorriram, pois sabiam que
estavam pensando na mesma coisa.
— Não gosto de admitir, mas eu me diverti naquela tarde — ele
sussurrou, como se estivesse contando um segredo, e Hannah riu.
— Foi mesmo uma boa tarde — concordou, depois voltou a olhar para o
céu estrelado. — Acho que o dia inteiro teria sido, se Brian não tivesse
estragado tudo naquela festa. — Soltou o ar pela boca, nervosa só de lembrar.
Hannah não sabia explicar o que tinha acontecido naquelas duas horas
em que estivera com Lucas durante a aula de literatura. Ela detestava aquele
cara – ao menos achava que sim –, mas tinha passado por momentos tão
agradáveis ao lado dele que seu cérebro não estava nem conseguindo
acompanhar. Pior ainda, tinha se aberto com ele de uma maneira que não
fazia com outras pessoas.
E ele parecia entender. Aquilo era extremamente raro.
Para sua surpresa, tinha se empolgado quando Lucas dissera que
compareceria à festa que tinha sido organizada por Rebecca para quase todos
os alunos do penúltimo e último ano, em um lago perto da casa de seu pai.
Depois de andar muito de um lado para outro, tentando entender seus
próprios pensamentos, Hannah concluíra que, dali a pouco, Lucas se mudaria
e ela não teria a oportunidade de passar um tempo com ele tão cedo.
Precisava deixar de lado suas preconcepções e aproveitar aquela conexão
inesperada que os dois tinham. Era aquilo que queria fazer de verdade,
embora sua razão tentasse lutar contra.
Portanto, deixara a vergonha de lado e, conhecendo aquele lugar como a
palma da mão devido às inúmeras festas nos últimos dois anos, puxara Luke
para o alto de um pequeno morro, onde os dois podiam beber cerveja e
assistir à festa com uma vista privilegiada. Conversaram como se fossem
grandes amigos, fizeram um jogo em que bebiam cada vez que viam algo
bizarro acontecer na festa e riram até doer a barriga. Ela não podia estar mais
feliz com sua decisão.
Foi apenas quando retornaram para o lago que ela esbarrara com seu ex-
namorado, Brian Portman. Brian era o capitão do time de futebol americano e
os dois pareciam feitos um para o outro, ao menos em teoria –
desconsiderando, era claro, o fato de que Brian havia a traído com metade do
colégio sem que ela percebesse durante seu ano de idas e vindas.
Depois que descobrira que Brian tinha nada mais, nada menos, do que
outra namorada em uma cidade vizinha, Hannah tinha o exposto para o
colégio inteiro em uma festa na semana anterior, roubando suas roupas e
fugindo do local de carona com sua outra namorada, de quem havia se
tornado amiga. Ele tinha jurado vingança, mas Hannah duvidava muito de
que Brian poderia fazer algo para atingi-la.
Então, ela ouvira sua voz ecoar da cabine do DJ. Brian estava bêbado,
escoltado por seus melhores amigos. Nas mãos, ele carregava um bocado de
envelopes azuis, e Hannah sentira o coração acelerar naquele instante: eram
as cartas da aula de literatura.
*

Hannah nem sequer se lembrou de que Luke estava ao seu lado, abrindo
caminho entre as pessoas assim que viu Ellie mais adiante. Suas mãos
estavam trêmulas quando ela segurou o braço da amiga.
— Onde a Becky está? — perguntou, exasperada. O desespero também
estava estampado na cara de Ellie.
— Ela foi até em casa buscar mais copos — a amiga respondeu,
digitando freneticamente no celular. — Estou tentando falar com ela, mas...
— Alguém precisa fazer alguma coisa — Hannah disse, indo até a
cabine com Ellie logo atrás.
Brian estava cambaleando e quase derrubou seu copo no equipamento
do DJ. Estava sorrindo, parecendo meio ludibriado.
— Katie Stern sobre Jennah Roberts — ele leu, sua voz ecoando por
todo o lago.
— Brian, desce daí. — Hannah se aproximou, chamando sua atenção.
Ele virou seu olhar para ela. — Você está bêbado e vai se arrepender disso
depois. Vamos, desça daí — ela tentou, com a voz mais complacente
possível, pois sabia que outra abordagem não funcionaria.
Brian precisava saber que estava no comando, era assim que ele
funcionava. E, embora quisesse socar a cara dele, ela sabia o que tinha que
fazer.
— Vamos lá, Brian. Eu ajudo você — disse, recebendo um largo sorriso
em resposta.
— Ainda não, princesa. Estou me divertindo muito.
Hannah grunhiu, frustrada, vendo-o pegar o microfone e começar a ler
em voz alta todas as coisas que Katie havia dito sobre Jennah. Era seguro
dizer que a garota não tinha se importado em seguir as regras estipuladas pela
senhora Brown, e, entre algumas risadas desconfortáveis e gritos para que
Brian parasse de fazer aquilo, Hannah avistou Jennah sair chorando de perto
do palco.
— Brian, porra — dessa vez, era Oliver quem estava dizendo, na outra
extremidade do lago. — Se você não descer daí agora, eu subo para te tirar.
Foi aí que Lucas voltou a aparecer, parando do lado de Hannah. Ele
parecia tão alarmado quanto ela – se não mais –, mas apenas a segurou pelo
braço e aproximou sua boca do ouvido da garota.
— Encontrei um dos seguranças particulares das casas daqui de perto.
Ele acionou os outros e estão vindo para cá — disse, tentando parecer o mais
firme possível. — Tentei fazer com que não ligassem para a polícia, mas...
— Obrigada. — Hannah forçou um sorriso. — Você foi ótimo.
— Escute, Hannah, eu acho que o Brian... — Luke começou a falar, mas
a garota o interrompeu.
— Desculpe, Luke. Eu não consigo ver isso acontecendo. Não sem fazer
nada — disse, chacoalhando a cabeça. — Vou desligar os microfones antes
que aquele idiota machuque mais pessoas. Ou que meu irmão suba na cabine
e machuque a cara dele.
— Hannah...
— Eu já volto — ela sussurrou, caminhando para contornar o palco.
Antes que conseguisse dar três passos, sentiu cada músculo do seu corpo
paralisar.
— Hannah Lane sobre Lucas Cooper — Brian disse, sorrindo. — Ah,
essa é a minha preferida.
Luke deixou o queixo cair ao perceber o que estava prestes a acontecer.
Sua vontade era a de voar naquele palco e tirar aquele cara de lá a qualquer
custo, mas sabia que isso poderia causar um problema muito pior. Avistou
Rebecca chegando e a segurou pelo braço.
— Faça esse cara parar. Agora — pediu, o mais sério que conseguiu,
embora sua ordem tivesse soado como uma súplica. Becky apenas assentiu,
empurrando um saco de copos vermelhos contra o peito de Luke e correndo
para dar a volta na cabine.
E então Brian começou a ler, em um silêncio sepulcral, a carta que
Hannah tinha escrito horas antes.
— “Lucas Cooper é um cara completamente diferente de mim e também
muito diferente do que eu esperava. Ele parece ser o único capaz de entender
o que eu penso, e talvez essa seja a razão pela qual brigamos tanto, já que eu
odeio estar desarmada em frente às pessoas. Luke não me olha e vê a mesma
Hannah Lane que os outros alunos desse colégio. Quando ele me olha, eu
tenho certeza de que ele vê muito mais, e isso me deixa desconcertada.” —
Brian fez uma pausa, gargalhando. — “Mas, se devo falar coisas boas, devo
confessar que adoro a risada dele. Acho que as coisas ficam mais leves
quando ele ri, e é impossível não querer rir junto. O jeito que ele...”
Luke chacoalhou a cabeça, atônito. Embora quisesse se mover, as
palavras da carta de Hannah estavam ecoando em sua mente, e ele precisou
fechar os olhos para tentar retomar a consciência. Foi aí que percebeu que
Oliver estava se debatendo, sendo segurado por quatro caras do time.
Ele olhou mais à frente e, por um milissegundo, seu olhar cruzou com o
de Hannah. Ela estava chorando de verdade, com o rosto todo vermelho.
Então, mesmo vendo que Rebecca já tinha subido na cabine e estava prestes a
acabar com aquilo, não conseguiu conter sua raiva por aquela cena estar
acontecendo.
Empurrou algumas pessoas que estavam em sua frente e puxou Brian
para fora do palco, derrubando-o no chão. Quando o quarterback foi se
levantar, Luke acertou um soco em seu queixo, ouvindo uma arfada coletiva
dos presentes.
Brian foi interceptado antes de se levantar, tomando outro soco de
Oliver, que de alguma maneira tinha conseguido se soltar e correr até ali.
Enquanto o ex-namorado de Hannah xingava e fazia ameaças, o lago foi
tomado pela voz da Dua Lipa em todos os alto-falantes, em uma tentativa
desesperada de Becky de impedir que aquela briga tomasse uma proporção
muito maior.
Luke deu alguns passos para trás, com Dylan o puxando pelo braço, e
seu olhar correu da cabine para o bar improvisado, passando pelo lago e pelas
centenas de pessoas que estavam ali.
Não viu Hannah em lugar algum.
Capítulo 5
Lucas se lembrava da mistura de sentimentos que o deixara entorpecido
naquela noite com tanta nitidez, que para ele era como se tudo tivesse
ocorrido um ou dois dias antes. Lembrava-se da estranha felicidade que
sentia até que Brian subisse no palco, de seu coração batendo mais forte ao
ouvir as palavras na carta de Hannah, da adrenalina que correra por suas veias
quando a vira chorando e que o fizera derrubar Brian da cabine do DJ.
Procurara por Hannah pelos quarenta minutos mais longos de que se
lembrava e a encontrara sozinha, sentada perto de um outro lago, mais
adiante. Ela estava arremessando pequenas pedras, distraída, assistindo-lhes
pularem e formarem pequenos círculos na água antes de afundarem.
Sentara-se ao seu lado. Os dois conversaram por bons minutos sobre seu
término com Brian e como ela se sentira exposta com tudo o que ele havia
dito. Hannah havia pedido a Lucas para que não ficasse se achando depois
daquilo e agradecido por ele ter dado fim naquela cena que o ex-namorado
tinha armado – ainda que, para isso, tivesse entrado em uma briga.
Em certo momento, Lucas a vira se encolher, ao sentir a brisa fria
comum das noites de verão na Carolina do Norte, e emprestara a ela a blusa
vermelha que estava vestindo. Um ano depois, o garoto não sabia como se
sentir ao descobrir que Hannah ainda se lembrava daquela peça de roupa
surrada – e que, surpreendentemente, tinha uma espécie de afeição por ela.
Na manhã em que a encontrara cheirando a blusa, seu primeiro instinto
fora o de infernizá-la – afinal, ainda eram Lucas Cooper e Hannah Lane. Mas
saber que ela também nutria uma espécie de sentimento por aquele dia o
brecara de fazer qualquer coisa. E, caramba, aquilo o havia deixado feliz,
embora não quisesse admitir nem para si mesmo.
Luke encarou Hannah de rabo de olho, ainda deitado ao seu lado. Seus
olhos azuis estavam cintilando com o reflexo da água da piscina, e ele se
lembrava daquela sensação ao ter deitado com ela no jardim escondido da
escola. Acabou sorrindo e agradeceu pela iluminação fraca provavelmente
esconder suas bochechas vermelhas.
— Aquele dia você estava caidinha por mim — ele provocou, com um
sorriso de canto, e Hannah o encarou com o queixo caído.
— Eu não estava, nada! — ela negou, com a voz esganiçada, fazendo-o
gargalhar. A garota riu, chacoalhando a cabeça, e o empurrou. — Você bem
que queria que isso fosse verdade.
— Era verdade.
— Você está delirando, Lucas. Será que foi o excesso de sol na cabeça?
— brincou, e Lucas mordeu o lábio, divertido. Sentou, encarando-a.
— Você me abraçou duas vezes, Hannah Lane. E, na segunda vez, ainda
disse que estava precisando disso. — Ele tinha um tom desafiador na voz,
vendo-a sentar ao seu lado. — Contra fatos não há argumentos.
— Primeiro, eu te abracei no colégio porque você estava todo
deprimido, abrindo seu coração. Era a coisa certa a fazer, e eu faria com
qualquer pessoa. — Antes que Luke abrisse a boca para revidar, ela
prosseguiu. — Por isso, quando eu estava perdida e sofrendo por tudo que
Brian fez naquela noite, você deveria ter me abraçado, sem que eu pedisse.
Isso se chama bom senso.
— Isso não muda o fato de que você queria um abraço meu. — Lucas
sorriu, vitorioso.
Hannah chacoalhou a cabeça, fazendo uma careta.
— Você parece ter doze anos, às vezes. Já te disse isso?
— Talvez. Você me fala muitas coisas. — Ele deu um sorrisinho de
lado, e a garota praguejou baixo.
— Ninguém merece você.
— Tem certeza? — Lucas sorriu, vendo-a rir. — Eu realmente achei que
aquela noite mudaria alguma coisa — ele reafirmou, olhando-a nos olhos.
Hannah continuou atenta ao que ele falava, o que o deixava vagamente
desconcertado, dado o assunto. — Quer dizer, a gente teve um dia muito
legal e, mesmo depois de tudo o que aconteceu, ainda teve uma conversa
bacana no lago, e eu te levei para casa. Você estragou a música Wouldn’t It
Be Nice com a sua voz terrível, e...
Lucas parou de falar quando não foi interrompido ou tomou um soco no
braço ao brincar com Hannah. A garota ficou paralisada por um instante, ao
ouvi-lo mencionar com tanta naturalidade a música, depois sorriu de lado.
— Eu sei. E eu acabei ficando com a sua blusa, e trocamos algumas
mensagens — Hannah disse, por fim, parecendo meio atordoada. — Eu
também achei que as coisas fossem mudar.
— O que aconteceu, então? — Lucas perguntou, surpreso por estar tão
ansioso para ouvir aquela resposta. Hannah soltou o ar pela boca, dando de
ombros.
— A vida aconteceu — ela disse, calma. — Assim como ela acontece
todos os dias. Às vezes, a gente vive um momento e parece que tudo vai
durar para sempre. E então a gente acorda, se atrasa para um compromisso,
passa nervoso no trânsito e, quando vê, o momento que parecia eterno
simplesmente passa.
Luke ficou em silêncio por um instante, sem saber o que acrescentar
àquela resposta. Hannah olhou para a piscina, abraçando os joelhos, e não
olhou para Lucas ao voltar a falar.
— Bem, ou isso, ou eu sabotei qualquer possibilidade que a gente tinha
de... Sei lá. — Ela parou no meio da frase, chacoalhando a cabeça.
— Como assim? — Luke perguntou, inquieto, querendo que Hannah
olhasse para ele e respondesse todas as dúvidas que ele tivera depois daquela
noite no início do verão passado.
Ela riu, sem humor.
— Pensei que, com anos de convivência, você entenderia como eu me
comporto, Luke — ela disse, pesarosa. Apoiou a cabeça de lado nos braços
para encará-lo. — Por Deus, você sabe perfeitamente do que eu estou
falando.
— Sei?
— Sim. Você mesmo disse hoje, na praia — Hannah respondeu,
envergonhada.
Não sabia o motivo pelo qual estava levantando aquele assunto, mas as
palavras já tinham escapado e era tarde demais para reavê-las. Ao notar que
Luke parecia cavar sua própria mente para entendê-la, Hannah soltou o ar
pela boca.
— “Você se preocupa demais com o que os outros pensam de você,
docinho” — ela o imitou, fazendo aspas com os dedos.
Luke deixou o queixo cair brevemente. Como um estalo, se lembrou das
palavras – e de como Hannah reagira ao escutá-las. Na hora, achara que ela
estava apenas dando um chilique desnecessário por ele ter sujado o seu
cabelo, mas, ao que parecia, havia mais por baixo da superfície daquela
história.
Ironicamente, era assim que ele se sentia em relação a Hannah. Sempre
que parecia entendê-la, ela revelava uma camada mais profunda, que ele não
fazia ideia de que existia, e com a qual tampouco sabia como lidar.
— Você tem razão no que disse, e pode ter certeza de que eu odeio
admitir isso. — Ela sorriu ao olhar para a piscina, e Cooper fez o mesmo. —
Eu sei que parece estúpido, mas eu me preocupo mesmo com o que as
pessoas pensam de mim. O tempo inteiro.
Hannah voltou a olhar para Luke. Seus olhos, com a pouca iluminação,
tinham um tom de âmbar espetacular. E ele estava ali, vidrado nela, cem por
cento interessado na conversa. Aquilo a deixou desconcertada, como se um
olhar fosse capaz de convencê-la a despejar seus segredos mais profundos.
Ao que parecia, era bem isso o que estava acontecendo. Hannah riu,
envergonhada.
— Desculpe. Eu tomei um pouco de vinho, por isso estou falando
demais. Você não deve estar interessado nisso — ela disse, baixando os
olhos. Luke franziu a testa, então segurou seu queixo suavemente, fazendo-a
encará-lo.
— Quem disse? — Ele sorriu, incentivando-a. E pronto. Bastou aquele
sorriso para Hannah sentir a nuca arrepiar. Não era culpa da brisa da
madrugada da Riviera Francesa.
— Você não precisa me falar nada, se não quiser, Hannah. Mas isso não
significa que eu não esteja interessado em ouvir. — Sua voz era calma. — Na
verdade, eu vou até deitar de novo aqui e fechar os olhos. Se você quiser,
você me explica o que aconteceu hoje e o que isso tem a ver com aquela
noite.
Luke se espreguiçou, deitando na grama sob o olhar atento de Hannah.
Ele sorriu para ela antes de fechar os olhos.
— Mas, se não quiser também, tudo bem. Tem bastante grama para você
deitar aí. Cada um fica na sua, como sempre.
Hannah passou alguns segundos em choque, encarando o garoto. Ele
tinha apoiado a cabeça sobre as mãos e parecia relaxado. Sua camiseta tinha
levantado um pouco e mostrava um pedacinho de nada da barriga e da cueca
da Calvin Klein. Ela chacoalhou a cabeça, ruborizando.
Ao perceber que Luke permaneceria em silêncio, deu uma risada baixa e
virou de costas para ele, olhando seu reflexo na água da piscina. Quando se
deu conta, já estava falando de novo.
— O problema é que eu preciso ser perfeita o tempo inteiro. Eu sempre
tive essa necessidade, desde pequena. E tudo se agravou quando eu cheguei à
adolescência e me tornei popular no colégio. A sensação de ser observada o
tempo todo foi legal no começo, mas depois tornou minha vida um inferno —
ela confessou, mexendo na água com o dedo indicador. — Eu precisava ser a
melhor líder de torcida. Ter as notas mais altas. Estar em todos os eventos,
quando tudo o que eu queria era ver um filme embaixo do edredom. — Ela
riu, sem humor. — Eu precisava ter o namorado mais popular, mais
seguidores no Instagram e uma vida da qual eu me orgulhasse. Só que isso
nunca aconteceu.
Luke abriu os olhos, vendo-a de costas. Não sabia como, mas tinha
certeza de que ela estava mordendo o lábio inferior, absorta em pensamentos.
A escutou suspirar.
— Meu excesso de cobrança começou a afetar quase todas as áreas da
minha vida. Muito mais do que eu tenho coragem de admitir — Hannah disse
e então se virou para Lucas, que estava de olhos fechados. — Eu tive aquela
reação quando o Brian leu a carta porque eu não queria que as pessoas
ouvissem aquilo. Não o que eu achava sobre você, mas o que eu achava sobre
mim mesma.
Hannah viu Luke abrir um dos olhos, espiando-a, e então fechá-lo
rapidamente. Deu uma risada baixa, e ele acabou fazendo o mesmo, olhando-
a em seguida.
— Eu não queria que as pessoas soubessem que eu sou uma farsa. E foi
isso o que elas ouviram — Hannah finalizou, olhando nos olhos de Lucas. —
Eu tenho tentado mudar, Luke. De verdade. O ano passado foi diferente para
mim. Mas, vez ou outra, acontecem coisas que me levam bem para o lugar
aonde eu não quero ir.
— Como eu falando para você que você se importa demais com o que os
outros pensam — ele disse e, ao vê-la assentir, voltou a se sentar. —
Desculpe por isso.
— Está tudo bem. Esses são problemas de gente privilegiada. Sinto
vergonha de compartilhá-los com você aqui, em uma mansão na França, com
tanta coisa pior acontecendo no mundo. — Ela riu. — Mas essa sou eu. Bem
ridícula. Você já deve ter reparado.
Luke chacoalhou a cabeça, em negativa. Nunca tinha se sentido tão
próximo de Hannah como naquele exato momento, e seu coração estava
batendo de uma forma esquisita desde que ela começara a falar.
Percebera ali, deitado, a escutando, o quanto se importava com ela. Era
uma surpresa com que ele não sabia como lidar, então preferiu seguir em
frente.
— Posso te perguntar uma coisa? — Luke questionou.
— Mais uma?
— Posso? — Ele riu, com o olhar suplicante.
— Pode. — A garota rolou os olhos, achando graça.
— Entenda que o que eu vou te dizer não é nenhuma espécie de
julgamento, é só uma curiosidade minha — explicou, percebendo que tinha
chamado a atenção de Hannah com essa introdução. — Você já pensou em
fazer terapia?
Hannah riu, chacoalhando a cabeça.
— A sua sorte é que esse tipo de pergunta não é ofensivo nos dias de
hoje, embora seja extremamente intrometida — ela revidou, e Luke sentiu as
bochechas corarem.
— Bom, você me conhece. Ser intrometido faz parte da minha vasta
lista de qualidades. E eu faço com muita maestria, diga-se de passagem —
disse, arrancando uma gargalhada da garota.
— Você é muito idiota.
— Você quer dizer “realista”.
— Cala a boca, por favor. — Ela riu e o viu fazer o mesmo da eterna
piadinha entre eles. — E, sim, eu já tentei fazer terapia. Algumas vezes,
especialmente no último ano. E eu sempre me sinto ofendida quando alguém
começa a me falar a verdade. Dou as costas sem nunca mais voltar.
— Pelo menos você assume.
— Ouvi dizer que esse é o primeiro passo para aceitar sua própria
loucura — ela retrucou, fazendo piada. — Na minha última tentativa, a
terapeuta disse que meu perfeccionismo foi a chave para alguns problemas
sérios que eu tive e poderia se tornar um transtorno de personalidade
obsessiva compulsiva.
Luke franziu o cenho.
— Quais problemas sérios?
— Luke! — Hannah ralhou, achando graça. — Escute, você já arrancou
informações demais de mim. Talvez você devesse me dar algo em troca —
disse e gargalhou ao vê-lo arquear uma sobrancelha, com um sorriso
malicioso. — Ridículo.
— Tenho certeza de que era disso que você estava falando, mas tudo
bem. — Ele jogou o cabelo para o lado, rindo também. — Eu devo confessar
que me identifico com algumas dessas coisas.
— É mesmo?
— Sim. Eu também sinto que eu não sou bom o suficiente em grande
parte das coisas que faço. E que eventualmente vou decepcionar todo mundo
— disse, depois deu de ombros. — A diferença é que eu não ligo para isso,
porque não estou nem aí para o que as pessoas pensam.
Hannah o fitou, parecendo analisá-lo.
— Você está mentindo.
— Como é?
— Não existe isso de não se importar com o que as pessoas pensam. Se
ao menos passa pela sua cabeça que algo que você faça vai decepcionar todo
mundo, isso já te preocupa. Pode não ser um nível de gente maluca como o
meu, mas... — Hannah parou de falar e sorriu vitoriosa ao ver a expressão
chocada de Luke. — Não se sinta mal. É inato à raça humana. Não sabemos
fazer quase nada sem ter validação externa.
— Primeiro, eu não acho que você seja maluca, então pare de se
autodepreciar — Cooper disse. — Segundo, não sabia que tinha me inscrito
para uma aula sobre comportamento humano no meio das minhas férias.
— Eu achei que você estivesse de férias há meio ano — Hannah
instigou, e o garoto rolou os olhos, fazendo-a rir. — Está pronto para me
contar por que você abandonou a faculdade?
— Por que eu deveria fazer isso?
— Porque você adora conversar comigo. Está estampado na sua cara.
Luke gargalhou.
— Agora é você quem está sendo pretensiosa pra cacete.
— Estou? — Hannah arqueou uma sobrancelha, provocando-o. — Nós
dois sabemos que eu estou falando a verdade, docinho.
Luke deu um sorrisinho de canto. Ela tinha razão. Tiveram poucas
conversas de verdade na vida, mas ele gostara de cada uma delas, sem
conseguir explicar o motivo. Sabia que Hannah estava o desafiando, e
ninguém fazia isso tão bem quanto ela – para o bem ou para o mal. Para sua
sorte, os dois jogavam muito bem aquele jogo. Aproximou seu rosto do dela,
mas não viu a garota mover um só músculo. Então, começou a mexer na
ponta do cabelo dela, olhando-a nos olhos.
— Talvez esteja estampado na sua cara também — ele disse baixinho, e
Hannah engoliu em seco. — Vamos fazer assim, então. Se você disser que
ama as nossas conversas e passar um tempo comigo, eu posso pensar em
dizer o que você quer ouvir.
— E você sabe o que eu quero ouvir? — ela retrucou, com um meio
sorriso.
— Tenho certeza de que sim — ele respondeu, piscando algumas vezes
ao ver Hannah passar a língua nos lábios. Em seguida, recebeu um jorro de
água da piscina no rosto.
— Pare de babar — ela sussurrou, lançando um sorriso vitorioso assim
que Luke abriu os olhos, em choque.
Ele deixou o queixo cair, vendo-a curvar as costas em uma gargalhada
alta. Acabou rindo junto. Foi inevitável.
— Você é o demônio em forma humana — ele disse, e Hannah pareceu
achar graça.
— Adoro quando você é romântico comigo, Cooper — ela retrucou,
com cara de apaixonada. Lucas chacoalhou a cabeça, rindo.
— Estava pensando em me vingar outra hora, mas acho que não vou
resistir em acabar com isso logo — ele disse, olhando sugestivamente de
Hannah para a piscina. A garota arregalou os olhos.
— Ah, não — disse, se afastando ao ver o sorriso malicioso nos lábios
de Lucas. — Não ouse.
— Você deveria ter pensado nisso antes, docinho. — Luke riu ao vê-la
se levantar, pronta para fugir.
— Escute, se você me jogar nessa água, eu vou gritar tão alto que vou
acordar a casa inteira. É isso que você quer? — ela perguntou, dando um
passo para trás assim que Cooper se levantou, limpando a grama da bermuda.
— Você sabe que eu não dou a mínima. — Ele abriu um sorriso largo.
— Vou te dar cinco segundos de vantagem.
— Isso não pode ser real — Hannah reclamou, aflita. — Luke, você não
quer cair na piscina a essa hora da madrugada, quer?
— Eu quero te derrubar lá dentro. Cair é circunstancial — ele
respondeu.
Então, começou a desabotoar a camisa que vestia e sorriu ao ver Hannah
olhar descaradamente para sua barriga.
— Parece que você aproveitou bem seus cinco segundos — ele disse,
jogando a peça no chão e rindo ao vê-la corar e xingar baixo.
— Você não vai fazer isso.
— Ah, não? — ele perguntou, abraçando-a antes que ela pudesse correr.
Hannah soltou o ar pela boca, com o rosto quase encostado no peito de
Luke. Ele riu ao ouvi-la grunhir.
— Você vai me odiar se eu fizer? — perguntou, divertido.
— Com toda certeza.
Ele abriu um sorriso largo.
— Você está mentindo.
— Eu não duvidaria.
Luke sorriu, acariciando a bochecha de Hannah devagar, enquanto sentia
a respiração dela contra a sua.
— Tarde demais — ele sussurrou, puxando-a para dentro da piscina sem
aviso.
Soltou-a debaixo da água, e os dois emergiram juntos. Embora o
conhecesse havia anos, Hannah ainda assim parecia chocada. Ela espirrou
mais água nele, xingando alto ao vê-lo gargalhar.
— Eu não acredito que você fez isso! — reclamou, passando as mãos
nos olhos. Luke se aproximou, encarando-a de perto.
— Achei que você soubesse com quem estava lidando — disse, achando
graça.
— Babaca — ela resmungou.
— Você está adorando.
— Nossa, tem razão. Estou achando o máximo ter sido jogada dentro de
uma piscina e precisar tomar banho e secar meu cabelo às quatro da manhã —
Hannah ironizou.
— Ah, pare de fingimento. — Luke riu. — Vamos combinar uma coisa?
— Não — a garota retrucou, e Luke rolou os olhos, dando risada.
— A partir de agora, nós só vamos falar a verdade um para o outro.
Mesmo que sejam verdades difíceis de engolir — ele propôs, olhando-a nos
olhos. — Por alguma razão, ser sincero não é tão difícil quando é com você.
E sei que você acha o mesmo.
Hannah pareceu ponderar por um instante.
— O que te leva a crer que eu ainda queira conversar com você depois
disso?
— Você ainda está aqui — ele respondeu, de maneira óbvia, e viu
Hannah lutar para esconder um sorriso.
— Você adora falar comigo, não é? — ela provocou, e Luke deu de
ombros.
— Sim — respondeu, na lata, e viu o queixo de Hannah cair. — Não sei
o motivo, mas sim.
Ela sorriu de canto. Algo em sua expressão dizia a Luke que estava
curiosa e se sentindo desafiada ao mesmo tempo. Talvez ele se arrependesse
daquela proposta muito rapidamente, mas estava entretido demais para pensar
nisso.
— Você está se divertindo comigo aqui, às quatro da manhã, dentro da
piscina.
Hannah bufou, derrotada.
— Talvez.
— Hannah.
— Sim — ela disse, vendo-o sorrir. — Isso é ridículo — completou,
fazendo menção de que iria sair da água, e então ouviu Luke limpar a
garganta.
— Eu larguei a faculdade porque não posso ser um engenheiro como
meu pai quer que eu seja. Ele ia se desapontar, então eu peguei a saída mais
fácil, que era jogar tudo para o alto — ele confessou, vendo o interesse no
olhar de Hannah. — É isso que eu costumo fazer. Se eu percebo que vou
falhar em alguma coisa, eu desisto. — Ele fez uma pausa, dando um sorriso
melancólico. — Você não pode perder se não entrar para jogar — disse, por
fim.
— A gente não podia ser mais diferente. — Ela riu, estupefata. — Mas
eu acho que isso é uma coisa boa. Talvez sermos tão opostos nos ajude a ter
um pouco de perspectiva.
— Sobre o quê?
— Sobre o que a gente quiser.
Ficaram um tempo em silêncio. Hannah assistiu a Luke boiar de costas
por alguns segundos e o empurrou para que afundasse. Ela riu ao vê-lo
xingar, assim que voltou para a superfície.
— Eu queria que Brian tivesse lido sua carta da aula de literatura, não a
minha. E não pelo motivo que você deve estar pensando — Hannah
confessou. — Às vezes é difícil compreender como você se sente em relação
a mim.
Luke assentiu, se aproximando.
— Deve ser porque, às vezes, eu mesmo não entendo. — Ele fez uma
pausa, então abaixou o tom de voz, sem desconectar o olhar do dela. — Eu
queria ter te beijado naquela festa.
Hannah piscou algumas vezes, atônita. Seu coração tinha ido de zero a
cento e vinte quilômetros por hora em questão de segundos. Luke ainda
estava olhando para ela, ali, a um sopro de ar de distância. Ele e aquele corpo
maravilhoso que tinha adquirido no último ano, fazendo sabe Deus o quê.
Ela soltou o ar pela boca.
— E por que não beijou? — perguntou, num ímpeto de coragem.
— Porque eu não sabia se você queria — ele respondeu, meio achando
graça, meio contrariado. — Você confunde a porra da minha cabeça, Hannah
Lane. E eu não entro em quadra sem ter certeza.
— A gente não pode ter certeza de tudo. Às vezes, é preciso arremessar
para a cesta mesmo sem saber no que isso vai dar. — Hannah fez uma pausa,
sustentando o olhar de Luke.
— O que você quer dizer com isso?
— Que você deveria ter beijado — ela respondeu, aproximando a boca
do ouvido de Lucas, e ele a encarou demoradamente assim que ela voltou
para perto dele.
— Talvez eu queira te beijar agora — ele disse, baixinho, embrenhando
a mão pelos cabelos molhados da garota. Beijou seu pescoço e sorriu ao ver
aquela parte arrepiar. Então, encarou-a de volta.
— Só talvez? — ela perguntou, com um fiapo de voz.
Hannah deu um pulo ao ouvir o portão automático começar a abrir.
Encarou Luke com os olhos arregalados, como quem saía de um transe.
— Acho que os caras chegaram — ele disse baixo, e Hannah se
desvencilhou dele, indo até a borda da piscina. — O que você está fazendo?
— Eu não quero que eles nos vejam aqui — ela respondeu, quase
escorregando no deque.
Lucas a seguiu. Deram a volta na casa, e ele a segurou pelo braço antes
que ela sumisse pela porta dos fundos.
— Eu não tinha terminado — ele disse, com um sorriso malicioso, e
Hannah ficou na ponta dos pés, lhe dando um beijo no canto da boca.
— Talvez essa seja a noite em que você queria muito jogar, Luke, mas o
técnico resolveu deixá-lo no banco de reservas — ela respondeu, divertida.
— Hannah — ele suplicou, com a voz arrastada, recebendo um sorriso
de volta.
— Boa noite, Luke.
Capítulo 6
Hannah se esticou em uma espreguiçadeira em frente à piscina,
escutando apenas parcialmente a história que Ellie contava. Alheia ao que
havia acontecido meras horas antes, a amiga havia entrado em seu quarto
como um furacão pouco depois das dez da manhã, já de biquíni, pronta para
arrastá-la para o sol. Queria socá-la, mas não tinha forças nem para isso.
Havia dormido pouco mais de três horas aquela noite. Depois do
momento que tivera com Luke na piscina, precisara tomar outro banho e
secar o cabelo para se deitar. Embora estivesse exausta, não conseguira
pregar os olhos por mais de uma hora e até assistira ao sol nascer pelas
enormes janelas de vidro em frente à sua cama.
Seu coração acelerava só de lembrar o que quase acontecera naquela
madrugada, fazendo suas mãos gelarem. Hannah quase nunca agia por
impulso, calculava sempre suas ações. Até quando era irresponsável em uma
festa do colégio ou fazia alguma besteira – afinal, não era de ferro –, sempre
tinha cem por cento de certeza do que decidia fazer.
E isso não parecia acontecer quando ela estava com Lucas, o que a
deixava perplexa. Em questão de minutos, se via falando sem filtro sobre
assuntos que raramente abordava até com suas melhores amigas. Como se
isso não bastasse, ainda agia sem pensar, movida por qualquer coisa que não
fosse seu cérebro.
Se recusava a acreditar que aquilo fosse seu coração. Talvez, como um
cara, estivesse aprendendo a pensar com as partes baixas.
Depois de perder uma hora sorrindo para o teto e ficando mortificada no
segundo seguinte, pensando no que tinha feito e no que aquilo significava –
para ela e, principalmente, para ele –, acabara sendo vencida pelo cansaço.
No entanto, não contava com as intenções de Ellie de tomar sol a manhã
inteira.
Ajeitou os óculos escuros, sonolenta, ouvindo Ellie falar algo sobre os
dormitórios de Harvard. Becky estava batendo um papo animado com Dylan
dentro da piscina. Oliver e Mia haviam saído, e, até onde ela sabia, Liam
tinha passado mal depois da balada e ainda estava querendo morrer na cama.
Nem sinal de Luke.
Não que ela estivesse o esperando, era claro, mas estava curiosa para
saber o que iria acontecer. Não fazia ideia de como lidar com ele após quase
se beijarem ali mesmo.
O que, diabos, isso significava?
— Ah, inferno — murmurou para si mesma, e Ellie apertou os olhos
contra a claridade, encarando-a.
— O que disse? — perguntou, e Hannah deu graças aos céus por estar
tomando sol para poder justificar o rubor que certamente tinha surgido em
seu rosto.
— Nada, amiga. Tinha um bicho em mim — mentiu, se ajeitando na
cadeira.
Ellie não pareceu prestar muita atenção na desculpa, com o olhar
vidrado em algo atrás dela. Hannah assistiu à amiga sorrir e levantar.
— Bom dia, Luke — ela disse, e Hannah apertou os lábios em uma linha
fina, com o coração acelerado.
Soltou o ar pela boca, se preparando para o que quer que estivesse por
vir. Ainda não tinha decidido como se sentia a respeito do que acontecera
naquela madrugada, portanto, preferiu não se mostrar muito interessada.
Continuou deitada, plena, como se nada estivesse acontecendo. O ouviu
cumprimentar Ellie, que perguntou se ela queria algo da cozinha antes de se
afastar.
Luke pareceu demorar uma eternidade para surgir em sua frente, se
esticando na cadeira onde Ellie estivera um minuto antes. Ele a encarou com
um sorriso divertido.
— Bom dia, docinho. Dormiu bem?
Hannah abaixou os óculos escuros por um instante, olhando-o de volta.
Lucas usava apenas uma bermuda azul-turquesa de banho e óculos escuros.
Seus cabelos estavam uma completa desordem, provando que ele havia
apenas rolado para fora da cama e parado ali ao seu lado.
Ainda assim, ele estava maravilhoso. Por Deus, o que estava
acontecendo?
Ela voltou os óculos escuros para o lugar, olhando para o céu.
— Você está animado demais para esse horário — retrucou, e Luke
franziu o cenho, achando graça.
— É quase meio-dia.
— Ellie me acordou às dez — disse, ouvindo a risada inconfundível de
Luke.
Ele se sentou, apoiando um braço na espreguiçadeira onde Hannah
estava deitada. A garota virou a cabeça, surpresa com a proximidade de seus
rostos.
— Acho que você precisa de amigas melhores — Lucas disse, com um
sorrisinho malicioso. Então, abaixou o tom de voz. — Ou, quem sabe, talvez
você deva parar de ficar tomando banhos de piscina às quatro da manhã.
Hannah chacoalhou a cabeça, prendendo o riso.
— Estou te odiando agora. Você sabe que eu não vou te perdoar por
isso, né? — ela respondeu, mas algo em seu tom de voz e em seu meio
sorriso entregava que estava brincando. Luke deu uma risada baixa.
— Primeiro, achei que tínhamos concordado que não iríamos mais
mentir um para o outro — ele retrucou, divertido. — Segundo, não me
lembro de ter pedido desculpas por ter feito o que fiz.
— Pois deveria.
— Por quê? Você vai se vingar de mim? — ele provocou, tirando os
óculos escuros. — Estou doido para ver isso. Hoje, no mesmo horário?
Hannah sentiu a nuca arrepiar com a proposta, mesmo debaixo do sol
quente. Ele estava falando sério?
Ela o encarou, erguendo uma sobrancelha por trás dos óculos.
— Por que eu faria isso? — perguntou e quase caiu da cadeira com o
sorriso espetacular que Luke lhe deu em resposta.
— Porque nós dois sabemos que você só faz o que você quer. E que esse
é exatamente o caso.
— Você não deveria dizer isso com tanta certeza.
Luke aproximou a boca do ouvido dela.
— E, ainda assim, é justamente isso o que estou fazendo — ele
sussurrou, afastando-se com um sorriso vitorioso. — Se eu estiver errado, é
só você não aparecer.
— Você sabe que há uma chance imensa disso acontecer, não sabe?
— É claro. Você é mais teimosa do que uma mula.
— Luke! — ela reclamou, socando seu braço, enquanto ele gargalhava.
Então, Hannah assistiu ao garoto se levantar e parar um instante em frente à
sua espreguiçadeira.
— Prove que eu estou errado, então... docinho.
Antes que Hannah pudesse responder, Luke correu pela pequena
distância que estava da piscina e, abraçando as pernas, se jogou dentro dela.
A garota deu um gritinho ao ser atingida com os espirros de água, pulando de
pé em seguida.
— Puta merda, Luke! — ela xingou. — Não acredito que você fez isso!
Ele sorriu após limpar o rosto com as mãos.
— Te molhei? — perguntou, com a expressão mais descarada do
mundo, e Hannah se viu dividida entre acertar um copo na cabeça dele ou dar
risada. — Desculpe. Parece que ultimamente tudo o que eu faço é te deixar
molhada — finalizou, com uma piscadela.
Hannah sentiu o queixo cair, chocada com aquela resposta.
— Você poderia fazer um esforço para não soar tão pervertido —
retrucou, recebendo um sorriso angelical de volta.
— É isso mesmo o que você quer?
— Desde quando você se importa com o que eu quero? — ela
perguntou, deixando-o sem resposta. Então, devolveu-lhe um sorriso
vitorioso, vendo Becky se aproximar com uma toalha na mão.
A ruiva olhou de Luke para Hannah e repetiu o gesto. Assim que Luke
se afastou para encontrar Dylan na outra extremidade da piscina – não sem
antes dar uma olhada sobre o ombro –, Becky deu um sorriso malicioso.
— O que está acontecendo com vocês dois? — perguntou, desconfiada.
Hannah agradeceu mentalmente por ter escolhido aqueles óculos escuros
enormes para compor o look da manhã. Era impossível enganar Becky.
Quando estava interessada, a amiga não perdia em nada para um agente do
FBI.
A garota não fazia a menor ideia de como deveria responder àquela
pergunta, quando nem mesmo entendia o que estava ocorrendo. Tinha
dormido poucas horas, ficado sob o sol e estava emocionalmente perturbada,
tanto com as coisas que Luke vinha falando quanto com as gotas de água que
escorriam pelo peitoral dele naquele exato momento.
Ugh. Aquilo era patético.
Chacoalhou a cabeça, afastando o pensamento e seus olhos de Luke.
— Nada, ué. — Deu de ombros, fingindo estar despreocupada. — Como
você pôde ver, dois minutos atrás, ele continua o mesmo moleque babaca...
que se joga na água para molhar os outros, como um imbecil! — ela disse um
pouco mais alto, mas Luke nem pareceu ouvir.
Hannah voltou seu olhar para Becky, que estava de braços cruzados e
com um sorrisinho desafiador.
— É mesmo? — Becky perguntou e, ao ver que a amiga iria responder,
seguiu falando. — Porque, ontem à noite, eu levantei para tomar uma água e
tive a impressão de ter visto vocês dois bem ali, ó. — Ela apontou para a
borda oposta da piscina. — Luke estava, inclusive, sem camisa, indo em sua
direção. Imagino que para um banho de piscina noturno. — Becky fez uma
pausa. — Não é curioso?
Hannah sentiu que iria engasgar com a própria saliva. Quando tinha
fugido da piscina para que Dylan e Liam não os vissem na volta da balada,
nem chegara a considerar que outra pessoa pudesse ter feito isso – e, para
piorar, que essa pessoa fosse Becky.
— Minha nossa, Becky. Parece que você escreveu uma fanfic, hein? —
Hannah retrucou, dando uma risada meio esquisita.
Que droga, Hannah. Aja naturalmente.
Suspirou, tentando organizar seus pensamentos em três segundos antes
que Rebecca voltasse a falar.
— Eu estava, sim, aqui na piscina — Hannah começou a dizer, com a
voz mais firme que conseguiu. — E, quando Lucas chegou da balada, ele
parou para me infernizar.
Encarou a amiga, que não parecia impressionada.
— Para te infernizar?
— Sim. Esse idiota — ela cuspiu as palavras de qualquer jeito. —
Acredita que ele queria me jogar dentro da água em plena madrugada? Fiquei
puta.
Becky riu.
— E conseguiu?
— Claro que não. Eu fugi a tempo — Hannah respondeu, deitando na
espreguiçadeira. Becky a encarou de cima.
— Fico feliz que tenha conseguido. Seria mesmo um absurdo ele fazer
isso. — Ela chacoalhou a cabeça, fingindo indignação. Então, se deitou na
outra espreguiçadeira e abriu uma revista. Antes que Hannah pudesse respirar
normalmente, a ouviu acrescentar: — Ah! Dylan me contou uma coisa
engraçada agora há pouco.
— O quê? — Hannah perguntou, hesitante.
— Liam quase morreu quando chegaram em casa ontem — Rebecca
jogou a informação, e Hannah arregalou os olhos, encarando a amiga.
— Quê? Como assim?
— Pois é, menina — ela disse, virando as páginas da revista
preguiçosamente. — Ao que parece, ele escorregou na escada, que estava
toda molhada. Então, Dylan acendeu a luz e viu um rastro de água da porta
dos fundos até lá. Uma loucura. — Becky abaixou os óculos, encarando
Hannah nos olhos. — Por sorte, ele está vivo. Achei mesmo um perigo
alguém ter deixado tudo molhado — ela disse, com um sorriso triunfal ao ver
a expressão atônita de Hannah.
Ah, ela estava ferrada.

Hannah sorriu ao olhar a foto que havia acabado de tirar de Oliver e


Mia. Seu irmão a convidara para um passeio em Vielle Ville, a conhecida
cidade velha de Nice, para que pudessem passar um tempo juntos.
Ela estava adorando. Mia era uma graça e parecia fazer Oliver feliz.
Além disso, Hannah estava doida para conhecer aquela parte da cidade, com
seus prédios coloridos, pequenos cafés, lojinhas e vielas que pareciam ter
saído de um filme de romance.
— Vocês são bonitinhos demais. Não sei se estou apaixonada ou
enojada — brincou, e Oliver gargalhou.
— Ah, irmãzinha. Sempre tão romântica — retrucou, bagunçando o
cabelo de Hannah.
— Olha só quem fala — Hannah respondeu, rindo. — Mia, você fez
milagres nesse garoto. Ver Oliver abraçadinho no meio da rua e legendando
fotos com letras do Ed Sheeran é inédito.
— Ei! Quer parar de falar mal de mim na frente da minha namorada? —
Ele fez bico, e as duas garotas riram.
— Amor, eu conheço você, sabe? Não é como se a Hannah estivesse
falando alguma mentira — Mia disse, e Oliver fingiu indignação ao ver a
expressão vitoriosa no rosto da irmã. — Hannah, não sei se ele era assim no
colégio, mas na faculdade esse cara só é encontrado no ginásio.
— Igualzinho — Hannah concordou, parando de andar para fotografar
uma barraca de flores. — Não sei ainda como você conseguiu fisgar esse
mulherão, passando dez horas por dia cercado de homens suados, Ollie.
Ele sorriu, abraçando a namorada pelos ombros.
— Nos conhecemos na biblioteca.
— Você estava perdido?
— Escute, se você continuar acabando comigo assim, terei que ligar
para a mamãe. — Ele fingiu estar bravo, e Hannah sorriu. — Mas, sim, eu
deixei um trabalho para fazer de última hora e estava rolando uma festa no
meu dormitório, então precisei fugir.
— Ah, eu te conheço tão bem. — Hannah riu.
— Então acabei esbarrando na Mia. Eu já tinha a visto antes, em uma
aula de economia, e achado muito gata, mas...
— Por favor, você nem sabia quem eu era. — Mia apertou seus
pequenos olhos amendoados e riu quando Oliver começou a se defender da
acusação.
Hannah não conseguia parar de sorrir ao ver as pequenas provocações e
as trocas de olhares apaixonados dos dois. De fora, pareciam muito diferentes
– a começar pelo fato de que Oliver era um imenso jogador de futebol
americano e Mia uma garota baixinha e adorável. Seu irmão era básico, Mia
usava roupas coloridas e cheias de estilo. Oliver era reservado, e Mia falava
pelos cotovelos.
Tirando isso, os dois pareciam pensar igual em tudo e dividiam os
mesmos valores. Eles até completavam as frases um do outro, e Hannah não
sabia se achava aquilo a coisa mais fofa ou mais brega do mundo. Nunca
acreditara em almas gêmeas, mas era engraçado o tanto que eles estavam a
fazendo pensar nisso.
Hannah se afastou um pouco para olhar a vitrine de uma loja de
antiguidades e, aproveitando o sol daquele fim de tarde, resolveu tirar uma
selfie para atualizar os stories de seu Instagram. Sentiu o celular vibrar em
sua mão, poucos minutos depois de ter postado a imagem, e, em meio a
respostas e reações de vários conhecidos – inclusive das amigas que deviam
estar em algum outro lugar, aproveitando a Riviera Francesa –, sentiu sua
nuca arrepiar ao ver duas notificações em específico aparecerem na tela.

lukegcooper começou a seguir você.


lukegcooper deseja lhe enviar uma mensagem.

Deslizou a notificação para o lado sem nem pensar. Em geral,


costumava demorar minutos, até horas, para abrir as mensagens de algum
garoto com quem estava falando. Com Lucas, no entanto, essa possibilidade
nem lhe passou pela cabeça.

Você vai usar esse vestido, hoje à noite, para o nosso banho de piscina?
Gostei. ;)

Hannah abriu um sorriso, sem conseguir se conter. O que, diabos,


significava aquele frio na barriga repentino? Não era possível, era apenas
uma mensagem. Uma mensagem. De um garoto. Ela estava acostumada com
aquilo, não estava?
Caramba, Hannah, tire esse sorriso da cara.
Lutou contra a torrente de pensamentos divergentes que correram por
seu cérebro em uma fração de segundo. Parte dela queria responder de
imediato e, para sua surpresa, flertar de volta. Outra parte ainda estava cética
com as reais intenções de Lucas.
Tudo bem, suas conversas haviam sido incríveis e, se fosse admitir, as
mais significativas que tivera com qualquer garoto em sua vida. Mas os dois
tinham passado anos se infernizando, então era difícil compreender como as
coisas haviam mudado de rumo tão depressa.
E eles tinham quase se beijado! Real, oficial. Passara anos zoando as
garotas que caíam no papo de Lucas Cooper para, do nada, querer cair com a
sua boca na dele?
Deu um pulo ao ver outra mensagem surgir na janela.

Ficou sem palavras, docinho? :P

Hannah deixou o queixo cair, com as bochechas ardendo. Aquele garoto


era o diabo encarnado, não era possível. E, para piorar, ela lera a mensagem
automaticamente, provando para Lucas que ele estava certo e ela estava ali,
com a janela aberta, pensando no que dizer. Ugh.

Você está mesmo muito confiante que eu vá participar da sua


festinha na piscina, não é?
Que gracinha. Não sabia que você estava com tantas saudades.
Relaxe, Luke, não tem nem 24 horas que você teve o prazer de ficar a
sós comigo.

Hannah sorriu confiante em sua resposta. Ele que baixasse a bola.


Não teve tempo nem para fechar o aplicativo, já que a mensagem
seguinte pulou em sua tela.

Bela recuperação. Quantos minutos você levou para elaborar essa


resposta? Hahaha

Babaca. Independentemente de qualquer coisa, você é quem está


suplicando para passar um tempo comigo, docinho.
Falar isso vai te fazer dormir melhor à noite?
Seja como for, nós dois sabemos que você vai aparecer.
Não te vi negar até agora. ;)

Hannah mordeu o lábio. Queria aparecer. Mas, se fizesse isso, Luke a


atormentaria até o resto da vida.

Por que você quer tanto que isso aconteça?

Luke respondeu com um emoji de diabinho, o que a fez gargalhar. Antes


que ela pudesse rebater, no entanto, outra mensagem chegou.

Eu não sei o motivo, mas sei que é o que eu quero.

Hannah parou de andar, com o queixo caído e o coração acelerado,


olhando aquela sequência de palavras que ela nunca imaginara que fossem vir
de Lucas Cooper. Mia e Oliver estavam entrando em uma cafeteria, e seu
irmão fez um sinal para que ela os seguisse, mas seu cérebro tinha entrado em
curto-circuito.

Aliás... Onde você está? Estou na orla com os caras e vi suas amigas na
praia, mas você certamente não está aqui.

Estou no centro velho com Ollie e Mia. Inclusive, estou parada em


frente a uma sorveteria que tem mais de cem sabores de sorvete.

Hannah respondeu. Então, sem nem pensar, enviou mais uma


mensagem.

Eu acho que você deveria vir.


Capítulo 7
O estômago de Hannah estava dando cambalhotas.
“Eu acho que você deveria vir.” Onde estava com a cabeça?
Estava pronta para enviar uma risada quando Luke respondeu que era
para ela mandar a localização por mensagem. Agora estava na mesa de um
café, ouvindo o irmão tagarelar sobre seu time, com os olhos vidrados na
porta e o coração batendo nos ouvidos.
Tinha que se livrar de Oliver e Mia para encontrar Luke e tomar o
bendito sorvete, já que não conseguira controlar os próprios dedos ao enviar
aquela mensagem.
O garoto já a esperava na lendária sorveteria Fennochio havia dez
minutos, mandando mensagens empolgadas sobre como pretendia
experimentar ao menos vinte sabores. Aquilo a fazia sorrir, embora suasse
frio só de pensar em driblar o irmão para se encontrar com o garoto que ela
pseudo-odiava. Caramba, nem tinha se preparado para isso! Não sabia o que
fazer ou falar. Será que ele queria beijá-la ali também?
Rolou os olhos para si mesma ao ver Oliver se levantar, seguido por
Mia. Hannah era boa com garotos. Por Deus, tinha namorado mais de um ano
com o cara mais popular do colégio, para começo de conversa.
Costumeiramente, levava esse tipo de situação com uma graça invejável,
sendo charmosa e divertida com qualquer garoto que quisesse.
Mas Luke a deixava nervosa. Não conseguia entendê-lo nem prever seus
passos. Não conseguia controlá-lo e muito menos se controlar perto dele, o
que a fazia falar demais e fazer coisas esquisitas. Como mandar aquela
mensagem, por exemplo.
Devia cancelar. Devia dizer a Luke que não conseguiria se livrar de
Oliver e sumir pelo centro. Dane-se, ele iria superar.
Então, enquanto Mia amarrava seus tênis e Oliver se distraía com o
celular, olhou para dentro da lotada sorveteria. Luke estava lá, sorrindo com
quatro colheres de sorvete na mão, atrapalhando a fila e gesticulando para o
atendente a fim de se fazer entender.
Por alguma razão, ela sorriu sozinha, chacoalhando a cabeça.
— Ei, Oliver — disse, com sua recém-adquirida confiança. — Vocês já
querem ir encontrar os garotos na praia?
— Acho que sim. Temos vários dias para passear aqui, não?
— Podem ir na frente, então. Eu vi um broche em uma loja de
antiguidades que não consigo tirar da cabeça, mas nem lembro onde é. Acho
que vou ficar mais um pouco.
— Quer ajuda? — Mia ofereceu, e Hannah meneou a cabeça.
— Não precisa. Encontro vocês mais tarde.

Luke sorriu, andando ao lado de Hannah nas ruas estreitas do centro


velho de Nice. Ainda lhe parecia surreal que ela tivesse o convidado para um
passeio. Respondera à mensagem tão rapidamente que ficara até com
vergonha de si mesmo, mas sabia que era melhor fazer isso antes que ela
voltasse atrás.
Tinham quase se beijado na piscina, e ele não fazia a menor ideia do que
aquilo significava. Aquela conversa franca e o quase beijo podiam ter sido
afobação do momento, algo que talvez a garota não quisesse repetir quando
sóbria e em outra situação.
Mas ele queria. Não conseguia pensar em outra coisa desde que quase a
beijara, inclusive.
Por isso, não foi difícil pular de cabeça na primeira oportunidade que
vira – aquele convite inesperado para um sorvete. E agora estava encarando-a
de lado, vendo o vento bater em seus cabelos claros e balançar levemente seu
vestido amarelo florido. Hannah sempre fora linda, mas ele não estava
acostumado a vê-la dessa maneira.
— Eu não acredito que você me fez pegar uma bola de sorvete de
cerveja — Hannah torceu o nariz, parecendo uma criancinha. — Preciso me
lembrar de parar de fazer apostas e joguinhos com você.
— Não acredito que você está reclamando do sorvete de cerveja quando
me fez pegar sabor cacto — ele disse, indignado. — Cacto, Hannah. Você é
uma demônia — ele disse, mas acabou rindo ao vê-la gargalhar.
— Eu não podia perder essa oportunidade.
— Capiroto.
— Ei, me respeita. — Ela riu, empurrando-o pelo ombro. — O de avelã
é uma afronta de tão gostoso.
— Provou o de lavanda? — Luke perguntou, fazendo uma careta. —
Quem, diabos, pede sorvete de lavanda? Juro que ele estava entre minhas
opções para você.
— Você é muito sem graça. Chocolate e chiclete? Ridiculamente básico.
— Bom, tendo em vista que eu vou ter que tomar sorvete de cacto!... —
Ele riu, chacoalhando a cabeça.
— Eram cem sabores, sabe?
— Ah, cale a boca e coma seu sorvete de perfume.
Hannah deixou o queixo cair, fingindo indignação. Ao ver Lucas
distraído, com cara de nojo ao cutucar o sorvete de cacto, enfiou uma
colherada do de lavanda em sua boca. Ele arregalou os olhos.
— Puta merda! — reclamou, depois acabou rindo junto com Hannah. —
Eu deveria dar um chilique e sair daqui rebolando que nem você fez na praia.
— Faça isso, então. Mas você vai perder momentos valiosos ao meu
lado. — Hannah sorriu, achando graça.
— Você está se achando muito ultimamente, docinho. — Ele fez uma
pausa, enchendo uma colher de sorvete de cacto. — E você vai provar isso
aqui.
— Mas nem ferrando!
— Ah, vai, sim! Não é você que é toda exótica, criada num jardim entre
as flores e alimentada por lavanda e rosas?
Hannah gargalhou.
— Você é ridículo. E, por favor, me lembre de jamais te chamar para
encontros que envolvam sorvetes. Não temos a maturidade necessária para
isso.
Luke parou de andar, com um sorriso de canto.
— Então, isso aqui é um encontro?
Cacete. Hannah sentiu todo o sangue de seu corpo correr para a cabeça
em questão de segundos, fazendo seu rosto esquentar como se tivesse corrido
meia maratona. Que merda de encontro? Ela estava louca?
Chacoalhou a cabeça, vendo o sorriso vitorioso de Lucas aumentar.
— Eu quis dizer que não vou mais te chamar para situações sociais que
envolvam sorvetes. Tivemos duas provas de que isso pode dar errado — ela
disse, firme, tentando recuperar o controle da situação. Mas o desgraçado
ainda estava sorrindo, então resolveu acrescentar: — Isso se eu te chamar
para qualquer coisa de novo. Não sei se você merece.
Lucas deu de ombros.
— Você quer que eu faça por merecer? — ele perguntou, dando um
passo adiante e aproximando o rosto do dela.
Hannah se encostou na parede da pequena viela. Com exceção de uma
família italiana subindo uma escadaria mais adiante, estavam só os dois ali.
Luke a encarava, sem mover um músculo ou encostar nela, mas estavam tão
perto que ela podia sentir o cheiro do sorvete de chiclete que ele tinha
acabado de colocar na boca.
Ela sorriu.
— Essa é uma escolha sua, Luke. Mas saiba que eu sou difícil de
agradar — ela retrucou, colocando uma colher de sorvete na boca e vendo-o
acompanhar o gesto com os olhos. Então, desencostou da parede e saiu
andando. — Você não comia coisas esquisitas na Ásia? — perguntou, sem se
preocupar em olhar para trás, onde Luke a encarava, atônito.

Hannah e Lucas caminharam pelas ruas estreitas daquela parte da cidade


enquanto ele contava sobre sua viagem para a Ásia. Tinha juntado um bom
dinheiro ao longo dos anos, guardando a grana que seu pai lhe mandava de
Nova York e fazendo trabalhos como fotógrafo durante os três meses que
morara na Califórnia para a faculdade.
Então, em um ímpeto de coragem, trancara o curso e comprara uma
passagem para a Tailândia, apenas com uma mochila nas costas. Morara em
albergues de quatro países, onde estivera em praias paradisíacas, florestas e
templos budistas. Conhecera pessoas de todo o mundo, quase quebrara o
braço em uma trilha e se recusara a comer insetos.
Hannah rolava a página de Luke no Instagram, com um sorriso no rosto,
observando as paisagens das quais ele tinha falado e as fotos que capturara
dos nativos desses países.
— Você é muito talentoso — ela comentou, por fim, olhando a foto de
uma garotinha na Indonésia. Ele deu de ombros, envergonhado.
— É apenas um hobby — disse, sem se importar. — Tem o mesmo
valor do que a banda que montei com os caras na adolescência. Divertido,
mas acho que é isso.
— Você cantava muito bem. — Ela ainda olhava para a foto.
— Você nunca me disse isso — Luke retrucou, olhando-a de soslaio. A
garota sorriu.
— Essa coisa de elogiar você é muito nova, sabe? — Olhou-o nos olhos.
— Mas acho que alguns dos meninos atrasavam você. Quer dizer, você e o
Dylan eram bem bons, mas meu irmão e o Liam...
— Eles estavam tentando. — Lucas gargalhou.
— Ainda bem que eles resolveram seguir outras carreiras. — Ela riu. —
Mas, falando sério, não faz o menor sentido que você seja engenheiro só
porque o seu pai é. Eu entendo perfeitamente. Esse não é você. Isso aqui é —
ela disse, entregando o celular de volta. — Você deveria ir por aí.
— Nossa. Ser um fotógrafo profissional. Meu pai vai ficar muito
orgulhoso dessa profissão tão estável e que paga tão bem. — Ele riu, irônico.
— Ele está orgulhoso de você agora?
Lucas soltou o ar pela boca ao ouvir aquela pergunta. Hannah era afiada
como uma faca, mas ele adorava aquilo, de alguma maneira.
— Digamos que eu apenas entrego a ele o que ele espera de mim.
— Como assim?
— Meu pai sempre esperou que eu o decepcionasse com essa questão da
faculdade. E com várias outras questões, honestamente. — Ele riu, sem
humor. — Então eu só fiz o que ele esperava. Eu nunca decepciono.
Hannah mordeu o lábio. Não sabia o porquê, mas estava com vontade de
abraçá-lo e de lhe dar um sermão sobre o quanto ele era bom e talentoso.
Sobre ele não dever se deixar abalar pelas expectativas dos outros.
Então, parou para pensar no quanto isso era hipócrita, quando ela mesma
se deixava afetar pela opinião alheia o tempo inteiro. Mordeu o lábio,
olhando-o de lado.
— Se você já está o decepcionando, então não tem nada a perder —
disse, vendo o interesse de Luke. — Pense nisso.
Luke assentiu e, sem dizer uma palavra, tirou uma foto de Hannah com
o celular. Ela o encarou, assustada.
— Ei! Eu não estava preparada. Nem arrumei meu cabelo — disse
automaticamente, e ele sorriu.
— Eu gosto de capturar momentos reais.
— Deixe eu ver.
— Não.
— Luke! — Ela tentou pegar o aparelho de sua mão. Então, o garoto a
segurou pelo pulso, sorrindo.
— Saia em um encontro comigo.
— O quê?
— Eu e você. Um encontro de verdade.
Hannah o encarou, parecendo perplexa.
— Eu consigo fazer isso acontecer sem que ninguém saiba — ele
sugeriu quando a garota ficou em silêncio.
Hannah suspirou, com o coração acelerado. Queria sair com ele. Queria
saber como Lucas Cooper era em um encontro romântico. Queria falar sobre
a vida, dar risada e, quem sabe, descobrir como era beijá-lo. Não podia mais
resistir a essa ideia.
Ela sorriu, vendo o quanto ele parecia ansioso pela resposta. Então,
ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo rápido na bochecha.
— Vou pensar no seu caso.

Hannah sorriu ao olhar seu reflexo no espelho. Tinha amarrado o cabelo


em um rabo de cavalo alto e vestido um conjunto de calças e cropped azuis,
que ressaltava a cor de seus olhos. Respirou fundo, lembrando o fim da tarde
com Luke e sua proposta.
Embora o garoto tivesse insistido para saber logo, ela havia o enrolado
durante todo o caminho para a casa. Ao verem as luzes acesas, ela entrara
sozinha, inventara uma desculpa qualquer sobre não ter encontrado o broche
e justificara sua demora dizendo que entrara em um museu. Nem vira Luke
chegar.
O grupo havia combinado de ir a um bar conhecido no centro da cidade,
e ela não conseguia parar de pensar no quanto o lugar seria perfeito para
passar um tempo com Luke. Nem ela sabia quem era aquela garota que estava
tendo pensamentos impuros com seu arqui-inimigo. Será que era a água
daquele lugar?
Ouviu uma batida suave à porta e sorriu ao ver Rebecca entrar. A amiga
a encarou dos pés à cabeça e assoviou.
— Que mulherão da porra — disse, arrancando uma gargalhada de
Hannah.
— Tive que me acostumar a me arrumar assim para conseguir sair tão
linda quanto você, amiga. — Com isso, Becky girou para que ela pudesse
apreciar seu vestido verde. — Incrível.
— Eu sei. — A amiga deu uma piscadela, depois riu. — Os garotos já
estão prontos, mas seu irmão sujou o vestido da Mia com molho de tomate.
— Ai, Oliver.
— Pois é. — Becky chacoalhou a cabeça, desdenhando. — Aquela
garota deve mesmo amar seu irmão. Ela nem tentou socá-lo, e o vestido era
branco! Que horror.
— Os dois são uma gracinha. — Hannah ria. — Meu irmão parece outra
pessoa do lado dela, e de um jeito muito bom. Acho que o Ollie cresceu uns
três anos em um, e arrisco dizer que a Mia tem bastante a ver com isso —
disse, sentando na cama. — Você precisava ver os dois hoje no centro. Sério,
você ia vomitar.
— Ia mesmo. Ellie passou uma tarde conversando com os dois e ficou
apaixonada, então isso já é indício suficiente de que eu vomitaria, mas com
todo respeito. — Becky riu. — Você e seu irmão são como família para mim.
Estou feliz demais por ele. — Isso fez Hannah sorrir. — Por falar em ficar
muito feliz por alguém — Becky fez uma pausa, avaliando a expressão da
amiga —, estava pensando em como é curiosa essa história de você ficar por
horas no centro da cidade procurando um broche, quando o Lucas também
abandonou os garotos sem mais nem menos porque “recebeu uma mensagem
de uma francesa que ele conheceu em uma boate” — ela disse, fazendo aspas
com os dedos.
Hannah retesou a coluna, alerta.
Não podia deixar nada transparecer. Simplesmente não podia.
— Lucas conheceu uma garota? Não acho isso surpreendente, dado o
histórico dele — Hannah disse com desdém. Achou melhor se levantar e
fingir buscar a bolsa. Qualquer passo em falso, Becky descobriria tudo, e ela
não queria que isso acontecesse.
— Sim. Ele estava na praia com os meninos e, do nada, saiu correndo e
voltou pouco depois que você — Rebecca disse com um sorrisinho. Ao ver
que Hannah não iria encará-la, rolou os olhos e bufou. — Você sabe que eu
acharia o máximo que vocês ficassem juntos, não sabe?
Hannah apertou os olhos, nervosa. Acabou derrubando alguns batons
que estavam na penteadeira, no susto.
— O que disse? — Ela encarou Becky, tentando ganhar tempo para
pensar. Becky estralou o pescoço, despreocupada.
— Isso mesmo que você escutou, Han. Sempre achei que a guerra entre
vocês fosse apenas muita tensão sexual acumulada. Adoraria que vocês
ficassem juntos e gastassem esse ódio todo na cama — ela respondeu, na lata,
e quase riu da cara de espanto da amiga. — Além do mais, vocês fariam um
casal estupidamente lindo.
Hannah arregalou os olhos, depois forçou uma risada.
— Rebecca, você está maluca? — perguntou com a voz esganiçada. —
De onde você tirou isso?
— Amiga, você pode tentar me enrolar, ou assumir o óbvio. Estou
dizendo que adoraria saber oficialmente que vocês dois estão juntos, porque
no meu coração eu já sei.
Hannah sentiu sua cabeça girar. Becky ainda a encarava, cheia de
expectativa. Jamais mentia para as amigas, parte porque não queria, parte
porque Rebecca descobria tudo em trinta segundos.
Só que ela não queria que Becky soubesse de nada. Não quando nem
mesmo ela sabia como se sentia em relação a Lucas ou a respeito daquela
situação.
E, como em um estalar de dedos, percebeu que cada defesa de seu corpo
estava se erguendo ao seu redor. Estava se sentindo acuada, como se sua
própria amiga quisesse afrontá-la, mesmo que racionalmente soubesse que
aquilo não era verdade. Tinha lutado um ano inteiro para sair de sua própria
bolha, mas era muito mais fácil voltar para ela quando estava insegura. Lá
dentro, ela tinha o controle de tudo.
A realidade, infelizmente, era bem diferente.
— Seu coração está muito doido, Becky — ela retrucou, firme, cruzando
os braços. — Talvez seja o sol ou as margaritas, mas acho que você precisa
voltar para o planeta Terra.
— Han...
Hannah interrompeu a amiga com uma risada histérica. Sabia fazer
aquilo muito bem, tinha se especializado no assunto a vida toda. Não era
difícil ser a Hannah de fachada. Aquela garota era divertida, tinha respostas
para tudo e sabia se safar de qualquer situação constrangedora em um piscar
de olhos.
Aquela era a Hannah com a qual tinha se acostumado. Difícil era ser ela
mesma.
Encarou Becky, parecendo se divertir.
— Amiga, sinceramente. Como você pode achar uma coisa dessas? —
Ela fez uma careta. — Tudo bem, entendo que o Lucas reapareceu todo
bronzeado e com um tanquinho que a gente não conhecia. Eu reparei, não sou
cega — disse e, quando viu que Becky iria interromper, continuou. — Mas
daí a achar que eu teria algo com ele... Você só pode ter ficado maluca.
— E por que não? Eu o acho um cara ótimo — Becky retrucou, com um
sorriso malicioso. — Com todo o respeito com seu boy, é claro.
Hannah rolou os olhos, bufando.
— Ele não é meu boy.
— Ah, pare com isso! Vocês estão flertando na minha cara o tempo
inteiro.
— Você está delirando. — Hannah jogou as mãos para o alto, perdendo
a paciência. — Luke e eu nos odiamos. Tirando a localização geográfica e os
novos gominhos da barriga dele, nada mudou.
Becky arqueou uma sobrancelha.
— Eu não acredito em você — provocou.
— Becky! Que inferno. — Ela soltou o ar pela boca. — Pela última vez:
eu e o Lucas não temos nada a ver. Como eu poderia ficar com alguém que
joga tudo para o alto quando acha que alguma coisa não vai dar certo?
Alguém que quer viver o dia de hoje sem pensar no amanhã, quando tudo que
eu penso é no dia de amanhã? — Hannah chacoalhou a cabeça, impaciente.
— Acho que você me entendeu.
Rebecca assentiu, parecendo um pouco assustada.
— Tudo bem, Han. Eu só estava brincando, desculpe. — Ela levantou as
mãos ao lado da cabeça, rendida. — Eu vou ver se a Ellie já está pronta.

*
Hannah avistou Lucas e Liam sentados perto da piscina assim que
desceu para o térreo. A conversa com Becky tinha feito sua cabeça e seu
peito doerem. Tinha despejado sobre a amiga várias coisas que não deveria,
especialmente por não acreditar nelas. Não sabia como se sentir a respeito de
Luke, mas não o julgava por suas escolhas de vida. Quem era ela para fazer
isso?
Passara bons minutos encarando o teto, sem conseguir respirar direito.
Estava se sentindo um lixo completo e tinha mandado uma mensagem para
Lucas – apenas fazendo uma gracinha sobre cactos –, mas ele não
respondera.
Liam abriu um sorriso enorme ao ver a amiga se aproximar.
— Minha nossa, Hannah, você quer matar alguém hoje? — disse, assim
que ela chegou mais perto.
Hannah sorriu, olhando de soslaio para Luke, que estava mexendo no
telefone.
— Talvez — respondeu, e Liam assentiu.
— Então você fez direitinho. Só não caí duro aqui porque já estou
acostumado com sua beleza — ele disse, levantando para abraçar a amiga.
— Obrigada, Liam. E você também está maravilhoso.
— Curtiu? — Ele sorriu, satisfeito, dando uma voltinha. — Estou
tentando uma vibe meio Michael B. Jordan. Já tenho o magnetismo sexual, os
tênis e a vontade, só me falta a barriga e o dinheiro.
Hannah gargalhou.
— Quem é Michael B. Jordan perto de Liam Johnston, por favor?
— É por isso que eu te amo — Liam disse, sorrindo.
— Liam, corre aqui. — A voz de Dylan ecoou pelo jardim.
Liam suspirou, fingindo estar exausto.
— Preciso escolher os tênis do Dylan — disse, arrancando uma risada
da amiga.
— É sério?
— Acredite se quiser. Esses garotos brancos não sabem de nada —
disse, com uma piscadela, correndo pelo jardim.
Hannah suspirou, encarando Luke. Ele ainda estava sentado, olhando
seu feed do Instagram até receber um delicado chute na canela. Soltou o ar
pela boca, levantando.
Assistiu a Hannah olhar por sobre o ombro e, depois de se certificar de
que ninguém estava por ali, sorrir em sua direção.
— Você fica bem de vermelho — ela disse, vendo a camisa xadrez do
rapaz. — Acha que o bar é grande o suficiente para escaparmos uns minutos?
— Ela fez uma pausa, parecendo sem graça. — Para conversar, quero dizer.
Luke riu, chacoalhando a cabeça.
— Você é inacreditável.
Hannah franziu o cenho, confusa.
— O que foi? — perguntou, olhando de novo para trás e se
surpreendendo ao ver que ainda estavam sozinhos. Ao ouvir outra risada de
escárnio, arqueou uma sobrancelha, impaciente. — Luke! O que foi?
— Pare de se fingir de santa, pelo amor de Deus. Você sabe bem do que
eu estou falando — ele disse e, antes que pudesse ser interrompido,
acrescentou: — Não faço a menor ideia do tamanho do bar, Hannah, mas
sugiro que você fique na sua e me deixe em paz. Hoje à noite e para o resto
da vida, se for possível.
Hannah assistiu, com o coração na boca e o queixo caído, a Luke
marchar para dentro da casa. Demorou alguns segundos para acordar e, sem
ter certeza de que aquilo realmente estava acontecendo, correu atrás dele.
— Você pirou? — Ela entrou na sala, já falando, vendo-o parar no meio
da escada.
Liam, Ellie e Becky estavam ali, mas ela não se importou. Seu sangue já
estava correndo rápido demais pelas veias, o que não costumava ser um bom
sinal quando o assunto era Lucas Cooper.
— O que, diabos, eu fiz para você? — ela falou mais alto, caminhando
até a escada.
Luke olhou para o teto, buscando forças para responder, e praguejou
entre dentes ao voltar a encará-la.
— Eu não sei, Hannah. Talvez seja apenas a sua existência. Talvez eu
não suporte que você precise que o mundo gire ao seu redor — ele cuspiu as
palavras, irado. — Mas também pode ser que eu tenha desistido de ser
bonzinho. Não é isso o que sempre faço?
Hannah deu um passo para trás, sem desviar o olhar de Luke. Abraçou a
si mesma, mortificada. Ele tinha escutado.
Lucas tinha escutado sua conversa com Becky.
— Posso ver pela sua expressão que você entendeu o problema, não é,
docinho? — ele disse, irônico. — Agora faça o favor de me deixar em paz.
Hannah ouviu Liam e Ellie falarem alguma coisa atrás dela, mas não
conseguiu distinguir o quê. Em choque, se viu correndo de salto escadaria
acima, com o coração batendo nos ouvidos e um torpor se formando na
garganta.
— Eles vão se matar! — Ellie disse, assim que a amiga terminou de
subir as escadas.
— Que merda, não aguento mais isso. — Liam bufou, indignado. — Eu
vou até lá.
— Não! — Becky exclamou, afoita, segurando o garoto pelo braço.
Quando os dois amigos a encararam, confusos, ela soltou o ar pela boca. —
Deixe que eles se resolvam.
— Mas isso nunca deu certo. Os dois parecem crianças quando estão...
— Eu sei — Becky interrompeu Liam, olhando para a escada. — Mas
não podemos continuar consertando qualquer burrada que eles resolvam
fazer. Os dois precisam se entender por eles mesmos, sem a nossa
interferência.
Liam arqueou uma sobrancelha, encarando a ruiva.
— Por que você está dizendo isso? Você sabe de alguma coisa?
Ela sorriu, dando de ombros.
— Apenas confie em mim — disse, com uma piscadela. — Vamos para
o bar.
— Mas, Becky... — Ellie começou a falar, preocupada.
— Para o bar, Ellie. — Ela puxou a amiga pela mão até a porta de vidro.
— Hoje esses docinhos vão aprender a se resolver sem nós.

Hannah nem parou para respirar ao entrar no quarto de Lucas, batendo a


porta atrás de si. Ele xingou baixo ao vê-la.
— Por que você não me deixa em paz, porra?
— Por que, diabos, você estava ouvindo minha conversa com a Becky?
Lucas fez uma careta, indignado.
— Essa é a pergunta que você quer fazer depois de tudo o que eu te
disse? — O garoto bateu palmas três vezes, muito lentamente, com um
sorriso sarcástico nos lábios. — Parabéns, Hannah Lane. Você é ainda mais
egocêntrica do que eu imaginava.
— Pare com isso — Hannah pediu, parecendo sentida por um instante.
Ela o olhou nos olhos. — Estou perguntando isso porque aquilo não era
verdade. E, se você não ficasse por aí escutando atrás da porta dos outros,
talvez não estivesse dando esse chilique.
— Chilique? — Ele riu alto. — Antes de mais nada, sua porta estava
entreaberta. Eu ia passar lá para falar com você e cheguei bem na hora em
que você, sim, estava dando um chilique.
Hannah engoliu em seco.
— Eu estava acuada. A Becky...
— Foda-se. Eu não quero saber — ele a interrompeu, e Hannah grunhiu,
escondendo o rosto nas mãos.
— Que droga, Lucas! Você quer calar a boca e me ouvir?
— Não.
— Meu Deus — ela reclamou, nervosa. — Qual é o seu problema?
— O meu problema, Hannah? — Ele chacoalhou a cabeça, rindo. —
Você passou esses dias conversando comigo e parecendo entender o que eu
estava falando. Pior, você pareceu se importar.
— Lucas...
— E aí, na primeira oportunidade, você resolve pegar as coisas mais
íntimas que eu te disse e usar como um motivo para negar ficar comigo para a
sua amiga? — ele gritou, visivelmente irado. — Eu queria que fosse o
contrário. Se eu tivesse feito essa bosta, você reagiria muito pior.
Hannah mordeu o lábio, tentando segurar o choro que sabia estar se
formando na garganta. Lucas soltou o ar pela boca, impaciente.
— Não faça essa cara.
— Eu não estou fazendo cara nenhuma. — Ela fungou, tentando se
controlar. — Luke, não era verdade o que eu estava falando. Eu não queria
que a Becky soubesse o que está acontecendo, então eu falei a primeira merda
que veio na minha cabeça e...
— É sério, pare de falar. — Ele bufou, impaciente. — Não importa
mais.
— Você precisa me deixar explicar. — Ela se aproximou. Parecia
chateada e nervosa, tudo ao mesmo tempo.
Lucas não estava com paciência. Estava triste e puto com a situação
toda. Sabia que nada de bom sairia daquela conversa.
— Eu não preciso fazer nada — ele retrucou, caminhando até a porta. —
Em uma coisa você tem razão, no fim das contas. A gente é realmente
diferente demais para dar certo. Ainda bem que eu descobri isso logo.
— Não seja ridículo. — Hannah correu até a porta, voltando a fechá-la.
— Eu odeio quando sou mal interpretada e você vai me escutar!
— Saia da minha frente.
— Não saio — ela respondeu, firme. — Não enquanto você não me
ouvir.
— Para quê? Para você conseguir dormir com a sua consciência limpa?
— Ele riu, sem humor. — Não estou interessado.
— Você é um babaca — ela respondeu, entre dentes, e bufou ao ouvi-lo
dar risada.
Quem aquele cara pensava que era? Tudo bem, ela tinha errado feio,
mas não tinha dito aquelas coisas de verdade. E ele nunca saberia disso se
não a deixasse explicar.
Esse era o problema das pessoas que tinham a cabeça quente: elas
conseguiam virar a chave do certo para o errado e ir do amor ao ódio em
questão de segundos.
— Hannah, eu não tenho a vida toda. Saia da minha frente.
A garota soltou o ar pela boca, irada.
— Quer saber? Faça a merda que você quiser. Eu não me importo —
disse, abrindo a porta para que Cooper saísse. Assim que o garoto virou de
costas, acrescentou. — Você está provando que eu estava certa.
— Como é que é? — Ele girou nos calcanhares, puto.
— Vamos lá, vá embora. Desista de mim. Me decepcione — ela disse,
desafiadora. — Me entregue exatamente aquilo que você pensa que eu espero
de você. Vai ser ótimo. Não é como se eu não estivesse acostumada, não é
mesmo?
Lucas deixou o queixo cair. Por alguns segundos, não conseguiu
responder coisa alguma. Então, meneou a cabeça, com uma expressão
impenetrável no rosto. Retornou ao quarto e pegou a chave da porta, batendo-
a em seguida. Hannah arregalou os olhos ao ouvir o barulho da chave virando
na maçaneta pelo lado de fora.
— Lucas! O que você está fazendo?
— Colocando você no mudo. Isso é o mais perto que consigo fazer na
vida real — ele retrucou. Em seguida, deu risada enquanto ela mexia
freneticamente na maçaneta.
— Lucas! Me tira daqui! — Hannah gritou, nervosa.
— Espero que você tenha uma ótima noite presa no quarto — ele
respondeu, e Hannah xingou alto ao perceber que sua voz estava sumindo
junto aos barulhos na escada.
Ele não ia fazer aquilo. Aquele desgraçado não ousaria.
Correu para a varanda do quarto, vendo-o aparecer lá embaixo no
minuto seguinte.
— Lucas, volte aqui! — ela berrou e recebeu uma risada de volta.
— Não.
— Não seja ridículo — ela pediu, furiosa. — Isso é passar dos limites!
— Talvez, se você tivesse pensado nisso antes de falar tanta bosta, essa
cena toda poderia ter sido evitada — ele respondeu, despreocupado, e então
voltou o olhar para o celular. — Olha aí, meu Uber chegou.
— Cooper! — Hannah grunhiu, desesperada. — Você não pode fazer
isso, eu não... — Ela parou, olhando para os lados. — Eu não consigo sair
daqui.
— Talvez você devesse pular. Não é tão alto assim — ele sugeriu, dando
de ombros. Sabia que dizer aquilo era maldade, em se tratando de Hannah,
mas não estava nem aí.
A garota mordeu o lábio, com cara de choro.
— Você sabe que eu não consigo fazer isso — ela disse, com a voz
baixa.
Hannah achou ter visto um lampejo de compaixão nos olhos de Lucas.
Ele mordeu o lábio e deu um passo adiante, parando em seguida e
chacoalhando a cabeça.
— Que se dane — ele disse baixo, mais para si mesmo. Então voltou a
olhar para ela. — Isso não é problema meu, docinho — disse, caminhando
até o portão ao ouvir o grito frustrado de Hannah atrás de si.

Lucas não estava conseguindo se divertir.


Sabia que tinha passado dos limites. Aquela garota o tirava do eixo e do
sério, e ele frequentemente tomava decisões das quais não se orgulhava. Em
outros tempos, teria se vingado sem um pingo de remorso. Não era o caso. Já
tinha assumido a si mesmo que estava maluco para escutar qualquer que
fosse a explicação que Hannah tinha para lhe dar.
Mesmo ali com Liam, cercado por quatro garotas, bebendo e rindo,
sentia que sua cabeça iria explodir. Já tinham se passado quarenta minutos
desde que ele chegara ao bar, e Hannah não tinha dado nenhum sinal de vida
para as amigas.
Ele sabia disso porque não via Ellie sair correndo da conversa animada
que estava tendo com Oliver e Mia, tampouco Becky vinha em sua direção
com uma faca. A garota tinha o interceptado pelo braço assim que ele
encostara no bar para pedir uma bebida, achando muito estranho que ela
tivesse feito todos saírem primeiro para que ele e Hannah se resolvessem,
mas sua amiga não estivesse lá – e também não estivesse respondendo suas
mensagens ou atendendo suas ligações.
Becky tinha ameaçado “esfregar aquela carinha linda dele no asfalto
quente” caso ele tivesse feito alguma idiotice, e, embora Lucas tivesse rido e
fingido costume, tinha ficado alarmado com a reação da garota que sempre
fora tão simpática com ele. Desde então, mesmo entretida em uma conversa
com um cara do Brasil, ela o encarava o tempo todo com um olhar ferino.
A cada minuto que passava, sentia o nó em seu peito apertar mais.
Estava indignado consigo mesmo por se importar tanto, a ponto de quase já
ter se convencido de que Hannah dizia a verdade sobre só querer enganar
Becky – a garota parecia uma detetive profissional, agora ele sabia.
Sentia-se o rei dos babacas por tê-la trancado no quarto sabendo do
medo que ela tinha de altura e que nunca conseguiria sair de lá. Tudo bem,
não tinha a deixado em um cativeiro escuro, e sim numa mansão na Costa
Azul, mas esse detalhe técnico não importaria quando se vissem de novo.
Ela devia estar o odiando. Cada partezinha dele.
Para piorar, tinha percebido tarde demais que, mesmo tendo todo o
direito de estar bravo, não queria voltar à estaca zero com ela. Não queria que
Hannah o odiasse. E duvidava muito de que o desfecho daquela sua atitude
intempestiva fosse outro.
— Eu preciso resolver uma coisa — ele disse para a garota em sua
frente, lembrando com certo atraso que ela não falava uma palavra de inglês.
Melhor ainda.
Saiu da roda sem dizer nada a Liam, que já estava chamando por seu
nome mais atrás. Becky o viu saindo e, antes que ela conseguisse se
desvencilhar do cara com quem estava, Lucas correu escadaria abaixo, se
misturando entre as pessoas até sair do bar.
Seus ouvidos estavam zunindo e seu coração parecia bater na garganta
no minuto em que entrou no táxi.

Lucas respirou fundo ao parar na frente da imponente mansão. Tinha


saído do bar decidido, mas percebia minuto a minuto o quanto era um
covarde. Não queria encarar a realidade, nem a briga que estava por vir.
Abriu o portão e, caminhando a passos largos, parou ao ouvir o barulho de
um celular tocando.
Imaginou que fosse o seu e o tirou do bolso, mas tudo o que encontrou
foi uma ligação perdida de alguns minutos antes, à qual não deu atenção. O
toque continuava.
Apertou os lábios em uma linha fina ao ver a bolsa de Hannah caída no
chão, ao lado da espreguiçadeira onde ele estava sentado quando começaram
a brigar, horas antes.
— Merda — disse, correndo para dentro.
Subiu as escadas e abriu a porta de qualquer jeito, pronto para o que
quer que fosse encontrar. Para sua surpresa, o quarto estava vazio, com a luz
apagada. A única iluminação do ambiente vinha da varanda aberta e da
televisão, ligada no mudo.
— Hannah? — ele chamou alto. Talvez ela estivesse no banheiro ou
algo do tipo, mas não ouviu resposta alguma.
Escutou um soluço baixo e correu até a varanda, assustado. De primeira,
não a viu em lugar algum. Se aproximou da grade de segurança, se
perguntando se estava ouvindo coisas, e então levou a mão à boca, chocado.
Hannah estava sentada no parapeito que interligava a varanda do quarto
de Luke à de Liam. Estava de olhos fechados, com o rosto molhado e
segurando o beiral com tanta força que os nós de seus dedos estavam
brancos. Sua respiração estava entrecortada, o peito subindo e descendo
rapidamente.
— Hannah — ele disse, mais alto do que pretendia, e a garota abriu os
olhos de uma vez, como quem saía de um transe. — O que você está
fazendo?
— O que você acha que eu estou fazendo, seu idiota? — ela cuspiu as
palavras, irada.
— Mas você... — Lucas parou de falar, vendo a garota apertar mais as
mãos no parapeito. — Você não pode fazer isso, ficou maluca? Você tem
medo e...
— Se você pensasse antes de ser um filho da puta, talvez essa cena
pudesse ter sido evitada! — ela respondeu, fazendo alusão ao que Luke tinha
dito.
Ele engoliu em seco, com as mãos geladas. Ver Hannah naquela
situação o fazia se sentir, de fato, o maior filho da puta do universo.
— Escute, deixe eu...
— Cale a boca — ela retrucou, ríspida, e abriu os olhos. — Eu vou
chegar do outro lado — disse, por fim, mas não mexeu um músculo para
fazer com que isso acontecesse.
— Hannah, por favor. Deixe eu te ajudar.
A voz de Lucas era suplicante. Ele não se perdoaria por tê-la colocado
naquela situação, mesmo que a culpa da briga não tivesse sido dele. Não
importava mais. Ele tinha feito muito pior.
Ao ver por sobre o ombro que Lucas estava ameaçando pular a grade da
varanda, Hannah se encolheu, fazendo-o parar.
— Fique onde você está, Cooper. Eu não preciso e não quero a sua ajuda
— disse, com a voz entrecortada. — Eu não quero nada que venha de você.
Lucas deu um passo para trás, como se tivesse recebido um soco no
estômago. Sabia que tinha posto tudo a perder. Qualquer chance que os dois
tinham de ter alguma coisa estava acabada, bem ali, com Hannah sentada no
parapeito da varanda. Ele soltou o ar pela boca, sem acreditar na sua própria
estupidez.
— Desculpe, Hannah. Eu não queria que isso tivesse acontecido.
— Eu disse para você calar a boca e ir embora — ela retrucou, nervosa e
com a voz trêmula.
Luke mordeu o lábio e assentiu, embora Hannah não estivesse olhando
em sua direção. Virou de costas, caminhando até a porta de vidro que
separava a varanda e o quarto.
— Não! — Hannah gritou, assustando-o. Ele correu de volta, com o
coração acelerado.
— O que foi?
Hannah apertou os olhos, como se falar aquela frase lhe custasse muito
mais do que parecia.
— Não vá, por favor — ela pediu, com a voz baixa e suplicante. — Me
ajuda.
Luke respirou fundo ao vê-la voltar a chorar. Pulou a grade sem
dificuldade e andou pelo parapeito estreito, se aproximando da garota, que
abriu os olhos.
— Vem. Me dá sua mão — ele ofereceu, com a voz baixa e calma, e ela
negou com a cabeça.
— Eu não consigo. Eu vou cair.
Ele sorriu.
— Confie em mim.
Hannah soltou o ar pela boca, encarando-o.
— Sério que você está pedindo para eu confiar em você? — retrucou,
arrancando uma risada baixa de Luke. Ele sabia que ela não estava errada,
mas era engraçado que Hannah conseguisse manter aquele tipo de resposta
afiada em uma situação como aquela.
— Não custa nada tentar, não é? — ele sugeriu, o mais calmo que pôde.
Hannah assentiu com a cabeça, apertando os olhos. Lucas a puxou para
cima, e a garota imediatamente agarrou sua cintura, xingando baixo.
— Eu odeio você. Eu odeio você. Eu odeio você — ela repetiu,
baixinho, e Luke sorriu, mesmo com o coração na boca.
— Então me dê uma chance para que eu possa me redimir — ele disse,
no mesmo tom, mexendo no cabelo da garota. — Venha. Eu vou te levar para
o quarto — pediu e fez uma careta ao ver que Hannah não fez sequer menção
de se mover. — A não ser que você queira ficar abraçada comigo aqui
mesmo, o resto da noite.
A garota abriu os olhos, franzindo o nariz.
— Não responda — ele disse, rindo. — Escute, você está a três ou
quatro passos da varanda. Lá dentro, você tem o direito de me dar um chute
nas bolas, se quiser — disse, e a garota fungou, rindo baixo.
— Atrativo.
— Eu conheço meu público — ele afirmou, dando uma piscadinha. —
Muito bem, agora que tenho sua atenção, vamos começar. Fique olhando só
para mim.
— Luke, eu não...
— Consegue, sim. Apenas olhe para mim, não para baixo. — Ele a
conduzia calmamente. — Você consegue o que você quiser, docinho.
— Eu odeio esse apelidinho do inferno — ela disse, depois apertou os
lábios. Luke sorriu.
— É mesmo? Por quê? Eu achei que estivesse começando a gostar.
— Achou errado.
Luke sorriu, encostando suas costas contra a varanda. Hannah estava
andando com os olhos quase espremidos, e, enquanto ela tagarelava, já
tinham chegado até ali. Sem soltar sua mão, ele passou uma perna para a
varanda e entrou. Hannah o viu sorrir ao ser puxada para dentro, e os dois
cambalearam para trás, abraçados.
— Eu disse que você conseguiria. — Ele deu um sorriso enorme e cheio
de orgulho, e a garota piscou algumas vezes, em choque.
Hannah deixou os ombros relaxarem, de olhos fechados. Luke a apertou
mais contra si, acariciando seus cabelos perto da nuca. Então, a garota
chacoalhou a cabeça e abriu os olhos de uma vez só, engolindo em seco ao
encará-lo.
— Me solta — ela disse alto, se desvencilhando do abraço.
Luke rolou os olhos ao vê-la marchar para dentro do quarto. Hannah
estava andando em círculos, então se abaixou e pegou suas sandálias. Estava
tremendo dos pés à cabeça, e Cooper precisou refrear o impulso de abraçá-la.
— Eu passei dos limites, eu sei — ele disse, se pondo na frente da
garota. — Fui um idiota, me desculpe. Mas eu estava puto pra cacete com o
que eu tinha ouvido e...
— E você acha que isso justifica? — Hannah gritou, irada. — Eu tentei
te falar a verdade, Lucas. E, em vez de me ouvir e lidar como um adulto, você
preferiu me trancar na porra do seu quarto e me obrigar a quase me matar!
— Ei! Eu não te obriguei a tentar sair pela varanda! Nada disso teria
acontecido se você tivesse ficado aqui, quieta — ele retrucou, exasperado.
— Agora a culpa é minha? — Hannah perguntou, com a voz esganiçada.
Luke apertou as têmporas e suspirou, voltando a encarar a garota.
— Você acredita nas coisas que você falou para a Becky?
— Você perdeu a chance de falar sobre isso, Lucas. Não quero mais me
defender das suas acusações de merda — Hannah retrucou, indo até a porta.
Lucas a segurou pelo braço, e a garota se virou, sentindo a região
arrepiar com o toque da mão gelada dele. Estremeceu, vendo a pouca
distância a que estavam.
— Você acredita nas coisas que falou para a Becky? — ele repetiu, com
a voz baixa e rouca, e Hannah suspirou.
— Não — ela murmurou. — Desculpe. Eu não sei por que eu disse
aquilo — completou, depois jogou os braços para o alto. — Merda, Luke!
Por que a gente é assim? Por que a gente não consegue agir como duas
pessoas normais?
— Eu tenho uma teoria — ele disse, sorrindo e capturando a atenção da
garota. — Eu acho que a gente age como dois idiotas porque é muito mais
fácil se odiar do que... — Ele deixou a frase no ar, encarando-a nos olhos. —
Você inferniza minha vida, me tira do sério, e eu nunca sei o que você está
pensando. E ainda assim... — Ele parou de falar, mordendo o lábio e
prendendo a garota contra a parede. — Ainda assim, eu volto para você. Isso
deve significar alguma coisa.
Hannah sorriu de canto. Seus joelhos estavam cedendo – e não era pelo
choque que tinha passado poucos minutos antes, na varanda. A respiração
quente de Luke se misturava com a sua, e ela sentia o perfume de que tanto
gostava. Ele segurou seu rosto com uma das mãos, acariciando sua bochecha
com o polegar. Em seguida, mordeu o lábio, olhando para sua boca.
— O que você está fazendo? — ela perguntou com um fiapo de voz.
— Algo que eu já deveria ter feito um ano atrás, aparentemente. — Luke
sorriu.
— Eu pensei que você só entrasse para o jogo se tivesse certeza de que
iria ganhar — ela o desafiou. — Você tem certeza?
— Não. — Ele sorriu. Passou a ponta do nariz no rosto da garota, depois
lhe deu um beijo na curva do pescoço. — Mas, por alguma razão, acho que
vale a pena tentar.
Lucas roçou os lábios contra os de Hannah por um pequeno instante. Ela
o vislumbrou sorrir antes de fechar os olhos, e aquilo fez com que seu
coração acelerasse ainda mais. A mão dele, que estava em seu rosto,
embrenhou por baixo de seu cabelo, e a garota sentiu cada parte do corpo
arrepiar quando suas línguas se tocaram.
Nunca tinham se beijado antes, mas pareciam ter feito isso a vida inteira.
Cada gesto parecia coreografado, e Hannah se viu apertando mais seu corpo
contra o de Lucas, arranhando sua nuca e estendendo aquele beijo que fazia
cada terminação nervosa de seu cérebro entrar em curto-circuito.
Hannah piscou algumas vezes, atordoada, ao sentir Luke puxar seu lábio
inferior com os dentes e terminar o beijo com um selinho. Ele encostou a
testa na dela, inebriado. Depois sorriu, ajeitando uma mecha do cabelo da
garota atrás da orelha.
— Finalmente, docinho.
Capítulo 8
Aquilo tinha mesmo acontecido.
Hannah não conseguia acreditar que tinha beijado Lucas Cooper.
Passara quase dez anos em uma guerra para agora comemorar encostando sua
língua na dele. Por Deus, onde estava com a cabeça? E por que seu coração
estava batendo tão acelerado? Será que estava morrendo?
Empurrou Luke para trás o mais gentilmente que conseguiu,
desencostando da parede. O garoto chacoalhou a cabeça, parecendo ter saído
de um transe.
— A gente não devia ter feito isso — Hannah disse, andando de um lado
para outro.
Luke apenas deu de ombros, despreocupado, e sorriu ao se sentar na
cama.
— Vou ter que discordar — ele disse apenas, depois passou a língua
pelos lábios.
Puta merda. Ela queria beijá-lo. Sendo mais específica, queria colocar
uma perna de cada lado do seu corpo e derrubá-lo para trás. Queria segurar o
rosto dele com as duas mãos e beijá-lo até que seus lábios ficassem tortos.
O que, diabos, estava acontecendo?
— Hannah? — Luke disse, rindo, e a garota agradeceu pela luz apagada
do quarto. Talvez a iluminação da varanda e da televisão não fosse suficiente
para que ele notasse suas bochechas ardendo em chamas.
— Isso não é certo — ela disse, chacoalhando a cabeça para recobrar os
sentidos.
— E por que não?
— Porque... — Hannah fez uma longa pausa, assistindo a Luke coçar o
pescoço, o que fez uma veia do seu bíceps ficar visível.
Era melhor andar. Muito bem, Hannah, ande de um lado para outro.
Não faça contato visual. Passe sua mensagem e saia desse quarto o quanto
antes.
— Porque...?
— Porque não faz o menor sentido, Luke — ela disse, exasperada,
jogando as mãos para o alto enquanto andava em círculos. — Quero dizer. É
você. E sou eu. Isso não deveria estar acontecendo. A gente nunca nem se
tolerou, e agora, do nada, a gente vai se beijar? — ela perguntou, com a voz
fina. — A gente se odeia, tem um dia de trégua, fica a porcaria de um ano
inteiro sem se ver, e então, em três dias de viagem, a gente resolve que vai se
pegar? Eu não sou assim, Cooper, eu...
Hannah parou de andar, tomando um susto ao ver que Lucas estava
parado em sua frente. Ele sorriu de canto, vendo-a morder o lábio inferior.
— Acabou?
— Eu não tinha nem começado.
— Então somos dois.
— Luke — Hannah advertiu, sentindo os joelhos amolecerem quando
ele a abraçou pela cintura e beijou seu ombro. Apertou seu braço quando ele
beijou seu pescoço, sentindo a pele arrepiar.
— Uma vez, eu escutei alguém dizer — Luke sussurrou em seu ouvido,
enquanto passava o nariz em seu pescoço — que as melhores coisas da vida
acontecem quando você está ocupado demais fazendo outros planos.
— Brega — ela respondeu, fazendo-o rir.
— Você não pode controlar tudo, Hannah Lane — ele disse, encarando-
a nos olhos. — Se você não quer, me diga para parar. — Ele sorriu, voltando
a beijar o pescoço dela.
— Eu não quero — ela respondeu, com um fiapo de voz.
Lucas a olhou.
— Você soaria mais convincente se seu braço inteiro não estivesse
embaixo da minha camiseta. — Ele abriu um sorriso desafiador, depois riu ao
vê-la puxar o braço.
Hannah encarou o peito de Cooper, que estava subindo e descendo com
rapidez. Os olhos do rapaz estavam fitando os dela de tal maneira que ela
sentia sua pele arder.
Não fazia sentido. Não estava em seus planos. Mas caramba! Ao inferno
com aquilo tudo.
Hannah enganchou o dedo indicador no passante da calça de Cooper,
puxando-o para perto. O garoto subiu o olhar devagar, da sua mão pelo braço,
até chegar em seus olhos. Embora parecesse relaxado, o olhar de Luke
revelava que ele estava ansioso.
Isso fez Hannah sorrir brevemente.
— Mudou de ideia? — ele perguntou, provocando. Hannah chacoalhou
a cabeça.
— Apenas cale a boca e me beije, Cooper.
Luke abriu um sorriso vitorioso ao escutar aquelas palavras. Hannah
teria protestado ou falado alguma outra coisa para sair por cima, mas não se
importava mais. Ela queria aquilo, mesmo sem entender.
Obediente, Luke não disse uma palavra. Apenas a tomou nos braços e a
beijou, e Hannah sentiu as esquisitas borboletas no estômago ao ter a boca
dele na sua de novo.
Lucas era muito bom naquilo. Na verdade, ele deveria colocar seu beijo
no currículo, de tão bem executado. Ele sabia o que fazer com as mãos,
apertando-a com firmeza contra si e puxando seu cabelo de leve, fazendo seu
corpo inteiro arrepiar. Ele sorriu durante o beijo quando a mão de Hannah foi
parar de novo em sua barriga, então desceu uma das mãos para a bunda dela.
Hannah soltou o beijo, ofegante e dando risada.
— Muito apressado.
— Eu nunca me intitulei um cavalheiro. — Ele riu. — Além do mais, a
culpa foi sua. Você anda bem tarada com a minha barriga, Hannah Lane.
— Ah, me poupe!
— Estou mentindo?
— Pretensioso.
— Realista — ele corrigiu, sorrindo de canto. — Por favor, me faça
calar a boca.
Hannah curvou as costas em uma risada, então segurou o rosto de Lucas
com as duas mãos, puxando-o para um beijo.
Talvez perder o controle não fosse tão ruim assim, afinal.

Alguns dias tinham se passado desde que Hannah e Luke se beijaram


pela primeira vez – e mais uma porção de outras. Para os amigos, fingiam
continuar em pé de guerra. Foi essa a desculpa que deram quando Becky,
Ellie e Oliver retornaram à mansão naquela madrugada, preocupados com
Hannah, e quase os pegaram sugando a cara um do outro.
Contaram a verdade sobre Luke tê-la prendido no quarto e retornado
arrependido para soltá-la, mas deixaram de fora o fato de que tinham feito as
pazes de uma maneira que nenhum deles sequer sonhava. Sabiam não ter
convencido Becky com aquela narrativa, mas isso não importava, desde que
ela continuasse fingindo acreditar neles.
Desde então, estavam se agarrando em qualquer oportunidade que os
permitisse ficar sozinhos – incluindo uma rotina que consistia em visitas de
madrugada, saídas desesperadas pela varanda e perdidos nos amigos em casas
noturnas, praias e onde mais fosse conveniente.
Era um verdadeiro milagre que ninguém além de Becky parecesse
desconfiar deles. Tinham passado anos construindo a reputação de terem uma
relação movida pela força do ódio, então, embora os sumiços pudessem
parecer esquisitos, talvez fosse mais impensável ainda a ideia de que os dois
estivessem por aí, juntos, rindo e se beijando.
Hannah mesma não acreditaria se lhe dissessem, semanas antes. Mas ali
estava ela, desafiando todas as estatísticas. A sensação de perder o controle
para algo tão inesperado era inebriante e assustadora, de um jeito
surpreendentemente bom. Ela gostava da adrenalina de se esconder, de não
saber quando conseguiria ver Luke de novo a sós. Gostava de trocar
mensagens sorrateiras sobre como e quando se encontrariam e do coração
acelerado ao vê-lo correr para o parapeito da varanda quando alguém
aparecia.
Mais do que isso, gostava da intimidade que tinham criado em tão pouco
tempo. Embora beijá-lo fosse incrível e ela precisasse se segurar ao máximo
para não arrancar suas roupas – coisa que ainda não tinha acontecido de
verdade –, Hannah gostava de deitar ao lado de Lucas para falar sobre a vida.
Conversar e dar risada com ele deixava seus dias mais leves, e ela não podia
crer que haviam demorado tanto para fazer isso.
— Vocês acreditam que já chegamos aqui há uma semana? O tempo
está passando muito rápido. — Ellie fez um biquinho, ajeitando o cabelo em
um coque.
Hannah tomou o último gole de seu drinque, devolvendo o copo vazio
para a mesa que estava embaixo do guarda-sol. Quanta coisa havia mudado
naqueles sete dias.
— Ainda não consigo acreditar que essas são nossas férias — Becky
disse, se esticando na espreguiçadeira. — Quero dizer, olhe para a gente!
Três da tarde, deslumbrantes, tomando sol na Costa Azul, com um passeio de
barco por Mônaco marcado. Quando foi que nossa vida se transformou em
um filme?
— E em um filme realmente bom, em que a gente é tipo feliz e chique,
coisa e tal — Dylan se intrometeu, arrancando uma risada das garotas.
Hannah nunca fora muito próxima de Dylan, mas aquela viagem tinha
aproximado suas amigas e os amigos de Oliver de tal maneira que tinham se
tornado um grupo só.
— Vou buscar mais um drinque. Quer um refil, Han? — ele perguntou,
e Hannah abriu um largo sorriso.
— Acho que vou com você. — Ela levantou, se alongando. — Quero
esticar as pernas.
Dylan assentiu, caminhando ao lado da garota rumo ao bar.
— Sabe aquela foto que você postou de nós dois no seus stories ontem?
— ele perguntou assim que os dois chegaram ao caminho de madeira. — Está
rendendo.
— É mesmo? — Hannah o encarou, curiosa.
— Sim. Várias garotas de Charlotte estão me seguindo ou aparecendo
casualmente em minhas mensagens. — Ele riu, fazendo uma mecha molhada
de seus cabelos castanhos cair sobre os olhos. — Várias garotas e um cara lá
do colégio.
Hannah estreitou o olhar, interessada.
— Um cara? Quem?
— Ronny McKinley.
— Bom, você é uma gracinha e ele é gay, então não é inesperado. —
Hannah deu de ombros.
— Eu sei. — Dylan sorriu, presunçoso. — Tenho falado com ele desde
ontem.
Hannah parou de andar e encarou Dylan, que apenas riu.
— Não, eu não sou gay — ele respondeu à pergunta implícita. — Eu
gosto de garotas. Mas também descobri, no último ano, que gosto de garotos.
Sendo cem por cento sincero, uma parte de mim sempre soube, mas eu não
queria agir nessa área.
— Por que não?
Dylan riu.
— Ah, Hannah. Eu jogava no time de futebol americano do colégio.
Você acha mesmo que seria possível ser abertamente bissexual? — ele
perguntou, fazendo uma careta. — Tirando seu irmão, os caras eram
péssimos. A começar por seu ex-namorado. Sem ofensas.
— Ofensa nenhuma — Hannah respondeu, com um sorriso. — Péssimo
é até um elogio para o Brian. Sinto muito que você tenha precisado reprimir
sua sexualidade porque meu ex é um babaca.
— Está tudo bem. Acho que as coisas acontecem quando têm que
acontecer. — Ele a abraçou de lado, dando uma piscadinha.
Hannah abriu um sorriso e ficou na ponta dos pés para beijar a bochecha
de Dylan. Jamais poderia ter imaginado aquela revelação, mas seu coração
estava quentinho por ele ter confiança nele mesmo – e nela – para se abrir
com tamanha naturalidade.
— Os meninos sabem?
— Sim. E eles nunca me julgaram por isso, então tenho certeza de que
escolhi os amigos certos — Dylan respondeu com um sorriso.
Hannah agradeceu a evolução natural das coisas. Tinha namorado Brian
por mais de um ano e o cara era tóxico – não só com ela, mas com todos à
sua volta, tendo sido responsável pelo sofrimento de Dylan por anos. Embora
tudo fosse muito recente e ela ainda não quisesse colocar um rótulo em sua
relação com Luke, o fato de ele ter apoiado Dylan todo esse tempo lhe dizia
muito, e ela não podia estar mais orgulhosa.
Uma garçonete baixinha parou de andar na frente deles antes que
conseguissem chegar ao deque do bar. Ela estava carregando uma bandeja
com um drinque branco decorado por frutas.
— Desculpe interrompê-los — ela disse com um inglês de sotaque
carregado. Então, suas bochechas ficaram vermelhas. — Um rapaz mandou
esse drinque para você.
— Para mim? — Hannah franziu o cenho, vendo Dylan rir.
— Sim, o drinque chama “orgasme” — a moça disse, roxa de vergonha,
e Dylan explodiu em uma risada alta.
A garçonete lhe entregou um guardanapo dobrado e balbuciou que tinha
sido um moço de vermelho que havia enviado, antes de sair correndo dali.
Dylan segurou o drinque, falando algo sobre um cara loiro de vermelho que
estava de costas na extremidade sul do bar, enquanto Hannah abria o
guardanapo.
— “Espero poder te proporcionar muitos desses” — ela leu em voz alta,
com os olhos arregalados. — Puta merda!
Enquanto Dylan ria e falava mal da cantada do cara de vermelho,
Hannah sentiu seu celular vibrar na mão. Ela abriu um sorriso de canto ao ver
a mensagem.

Não acredito que esse cara teve a pachorra de te mandar uma cantada
barata dessas, hahahahahahaha.
Finja que está indignada e diga que irá ao banheiro. Me encontre atrás
do bar em dez minutos. ;)
*

— Espero poder te proporcionar muitos desses? — Hannah questionou,


jogando os braços ao redor do pescoço de Luke, dando risada. — Você é
péssimo, docinho.
— Sou péssimo, mas você está aqui, não está? — Lucas sorriu,
vitorioso, puxando-a para um beijo rápido.
— Por pouquíssimo tempo — Hannah retrucou, rindo do biquinho triste
que o garoto fez. — Estou fingindo que fui ao banheiro, então não posso
demorar. Imagina se todo mundo fica achando que eu dei bola para a cantada
“do cara de vermelho”? Eu tenho uma reputação a zelar, Cooper.
— Dylan contou para todo mundo? — Luke perguntou, já dando risada
ao ver Hannah assentir. — Mas e se acharem que você está com um cara?
Que se dane, você está de férias, quer ter uns orgasmos...
— Lucas! — Hannah ralhou, dando um tapa no braço dele.
Ele sorriu. Segurou-a pelo queixo e a puxou para mais perto. Hannah
rolou os olhos e sorriu de volta, e os dois riram juntos antes de se beijarem.
Tinham feito isso incontáveis vezes naquela semana, e, ainda assim, Hannah
sentia um arrepio na espinha toda vez que o beijava. Os cabelos de Luke
estavam molhados e seus lábios estavam salgados do mar. Ela poderia
deslizar suas mãos por aquele corpo por horas sem enjoar.
Se afastou alguns segundos depois, olhando sobre o ombro.
— A gente precisa se controlar. Nossos amigos estão logo ali atrás —
Hannah disse baixo, como se pudesse ser ouvida a qualquer instante.
— Foi por isso que eu chamei você aqui — Luke disse, com as
bochechas coradas. — Precisamos de um tempo real só para nós dois. Não
que ficar te beijando por cinco minutos atrás de paredes não seja divertido,
mas... estava pensando que a gente podia sair junto. Só nós dois.
— Você quer dizer sair em um encontro? — Hannah perguntou,
reprimindo um sorriso.
Embora Luke houvesse mencionado levá-la a um encontro romântico
enquanto passeavam pelo centro da cidade, os dois nunca mais tinham
retomado o assunto após a briga.
Lucas assentiu, como se estivesse subitamente com vergonha de
continuar falando, o que fez Hannah sorrir.
— Sim. Tipo um encontro — ele disse, de qualquer jeito. — Sair para
jantar, ir para algum lugar. Ficar junto sem precisar ficar olhando se ninguém
está vindo. Essas coisas.
— E como a gente conseguiria fazer isso sem que ninguém soubesse?
— Isso é um “sim”? — Ele sorriu de canto.
— Foi apenas uma pergunta.
Lucas rolou os olhos, de modo teatral.
— Deixe os detalhes comigo. Diga que aceita sair hoje, e eu me
encarrego do resto.
Hannah mordeu o lábio, ponderando. Becky já estava desconfiada, e ela
não fazia ideia de como Lucas conseguiria bolar um plano capaz de
convencer a todos. No entanto, estava sedenta por um tempo com ele, embora
ainda tivesse dificuldade de admitir isso. Soltou o ar pela boca, estreitando o
olhar.
— Eu aceito — ela disse. — Mas é bom que seu plano seja mesmo
ótimo.
— Confie em mim — Lucas abriu um sorriso e deu uma piscadela,
presunçoso. — Você não vai se arrepender.

Hannah andava de um lado para outro no quarto sem conseguir parar.


Deu mais uma olhada em seu vestido preto no espelho, perguntando se estava
arrumada o suficiente. Lucas não havia dito o que fariam, tampouco
detalhado como fugiriam dos amigos, e ela estava surtando um pouco mais a
cada segundo. A extensão dos detalhes que tinha sobre o encontro era que ela
devia “se arrumar bonita” e “estar pronta às oito”. Garotos.
Ouviu uma batida suave à porta, assim que o relógio marcou oito e um,
e soltou o ar pela boca.
— Pode entrar — ela disse, se virando para apanhar sua bolsa.
— Uau. Você está maravilhosa. — Hannah ouviu a voz de Liam, o que a
fez arregalar os olhos ao virar de vez para encará-lo. O garoto deu uma
risada.
— Está tudo bem. Eu faço parte do plano — ele disse, e Hannah teve
que refrear o instinto de deixar o queixo cair.
— Do que você está falando? — ela perguntou, com a voz
estremecendo. Liam apenas riu, se sentando na beirada da cama.
— Que você e Luke têm um encontro hoje à noite e precisam dar um
perdido na galera — ele respondeu, satisfeito com a expressão chocada no
rosto da amiga. — Também sei que vocês estão se pegando há alguns dias e,
sendo sincero, já vi Luke perambulando pelo lado de fora da minha varanda.
Foi assustador.
Hannah soltou uma risada que estava presa na garganta. A imagem de
Liam assustado ao ver alguém passeando de madrugada entre as varandas a
fez baixar a guarda, mesmo que ainda não entendesse por que Luke tinha
envolvido Liam naquela história sem ao menos consultá-la.
— Luke me falou para lhe pedir desculpas por ter contado tudo — Liam
disse, como quem lia pensamentos. — Mas não havia forma de fazer o
encontro acontecer sem que ao menos tivessem alguma ajuda, e eu sou muito
amigo dos dois, então...
— Está tudo bem. Eu acho — Hannah disse, confusa. Então, encarou
Liam, incerta. — O que você achou disso tudo?
— Tá brincando comigo? — Ele sorriu, empolgado. — Eu achei o
máximo. Sempre quis que vocês parassem de putaria e começassem... bem,
com a putaria de verdade? — Os dois riram. — Isso prova que minha teoria
da tensão sexual entre vocês era certa.
— Não seja ridículo, isso aconteceu agora.
— Eu sempre estive certo — ele reafirmou, levantando. — Mas, antes
que você queira debater, precisamos sair daqui. Preste atenção no que temos
que fazer.

O plano de Luke era consistente, Hannah precisava admitir. Liam tinha


dito para Oliver e Ellie que Hannah havia aceitado acompanhá-lo em um
encontro duplo com uma garota espanhola que ele tinha conhecido na noite
anterior, em uma festa na praia. A garota, Sofia, realmente existia e tinha até
sido apresentada a eles, o que deixava a narrativa mais crível. Liam iria vê-la,
mas não em um encontro duplo.
Dessa forma, os dois saíram juntos, em um Uber que deixou Liam no
hotel da garota, no meio do caminho. O plano era que voltassem juntos mais
tarde, provando que estiveram no mesmo lugar. No entanto, Liam estava
esperançoso de que nem dormiria em casa naquela noite.
Hannah sorriu ao descer do carro e avistar Luke mais adiante, parado na
porta do restaurante em Villefranche-sur-mer. Ele vestia jeans escuros e uma
camisa branca de manga enrolada até os cotovelos. Dava para ver que tinha
se esforçado para impressioná-la, em todos os sentidos.
O restaurante movimentado de dois andares ficava em uma parte alta da
pequena cidade, e Hannah podia ver um enorme terraço no andar de cima,
que devia trazer uma vista deslumbrante da Plage des Marinières, a famosa
praia da região.
Hannah sentiu um frio na barriga ao caminhar até Luke, e suas mãos
ficaram geladas quando ele a viu e a encarou dos pés à cabeça com um
sorriso ludibriado.
— Porra — ele disse quando ela chegou perto, e uma senhora fez uma
careta ao ouvir o palavrão. Hannah gargalhou. — Você está incrível.
— Você também não está tão ruim — ela disse, provocando-o. Então, o
beijou na bochecha e sorriu. — Isso aqui parece maravilhoso.
Luke fez uma careta, soltando o ar pela boca. Tinha pensado naquele
encontro por dias. Queria impressioná-la com um restaurante chique com
vista para a praia. Queria levá-la para passear depois disso, beijá-la
livremente e poder ser ele mesmo.
Hannah estava ali, deslumbrante em seu vestido preto e sandálias altas
da mesma cor, encantada com todas as possibilidades que aquela noite traria.
E ele iria decepcioná-la em trinta segundos ou menos. Queria morrer.
— Que cara é essa? — ela perguntou, e Luke voltou a encará-la, saindo
de um transe.
— Por favor, não me odeie — ele pediu, envergonhado, e Hannah
arqueou uma sobrancelha.
— Basta você não me dar um motivo para isso — ela respondeu, alerta.
Luke xingou baixo mais três ou quatro palavrões, recebendo outro olhar
de desaprovação da senhora. Ele rolou os olhos, puxando Hannah para mais
adiante.
— O que houve? — ela perguntou, sem entender.
— Eu sou um babaca. Babaca e burro. — Ele suspirou, derrotado. — Eu
fiz uma pesquisa sobre os restaurantes da região e eu sabia que você ia gostar
desse aqui, você não tem ideia da vista desse lugar. Então eu telefonei para
fazer uma reserva, mas os caras não falavam inglês. Precisei ligar outra vez,
depois de usar o Google tradutor, e tentei fazer tudo direitinho, juro para
você. Eu tinha certeza de que estava tudo certo.
— Mas você chegou aqui e eles não tinham feito a reserva — Hannah
completou, vendo Luke suspirar e assentir.
— Então eu tentei conseguir uma mesa para nós sem reserva. Mas, é
óbvio, pode demorar mais de três horas, e isso não faz o menor sentido.
Então, comecei a pesquisar os outros restaurantes aqui perto, mas
aparentemente tudo tem espera e... Por que você está me olhando assim? —
ele perguntou, parando de falar.
Hannah abriu um sorriso largo.
— Isso foi muito bonitinho.
— O quê? — Cooper questionou, confuso.
— Esse esforço todo para me agradar em nosso primeiro encontro. —
Ela sorriu, tímida. — Foi muito fofo.
Lucas riu, como se a garota tivesse ficado maluca. Depois, chacoalhou a
cabeça, retomando a linha de raciocínio.
— Não é “bonitinho”. — Ele fez aspas com os dedos. — É idiota, na
verdade. São oito e meia, e eu já arruinei a porra do encontro, Hannah. Agora
você vai pensar nesse dia e lembrar que eu fiz besteira e você perdeu seu
tempo ficando maravilhosa para comer um lanche no McDonald’s — Luke
disse, exasperado, e viu que Hannah estava rindo.
— Primeiro, eu estou sempre maravilhosa — ela disse, prosseguindo
assim que viu que Lucas iria abrir a boca para retrucar. — Segundo, pare de
surtar, Cooper. Não é você quem diz que não dá para planejar tudo na vida?
— Sim, mas esse sou eu. Eu tenho certeza de que você...
— Esqueça o que você acha sobre mim — ela o interrompeu, com um
sorriso. Passou as mãos pelo pescoço do garoto, se aproximando. — Eu me
arrumei para ter um encontro com você, Lucas Cooper. Não me importo se
vou comer lagostas com vista para o mar ou um lanche em um fast food.
Lucas estreitou os olhos, desconfiado.
— Mas...
— Eu só quero estar com você — ela disse, envergonhada, e viu o
garoto abrir um sorriso enorme.
— Quem diria, hein?
— Vai começar? — Ela fez uma careta, suprimindo a risada.
— Pode ter certeza.
Capítulo 9
Luke não podia acreditar em como sua noite havia se transformado.
Sabia que Hannah era metódica e difícil de impressionar – e ele tinha feito
tudo o que podia, apenas para ver sua ideia de uma noite perfeita ir embora
pelo ralo. No entanto, a reação da garota o tinha pego de surpresa, e ele
precisava reconhecer que o novo modelo de encontro o agradava muito mais,
além de tê-lo deixado ainda mais atraído por Hannah.
Tinham se embrenhado pelas ruelas estreitas de Villefranche-sur-mer de
mãos dadas, passeando entre pequenos restaurantes de comida mediterrânea e
lojinhas pitorescas, descendo e subindo escadas por toda parte, em um
labirinto do qual ele nem tinha certeza de que gostaria de sair.
Em dado momento, chegara a carregar Hannah em suas costas, já que
ela estava de salto alto andando para lá e para cá no chão de pedra.
Encontraram uma creperia tradicional escondida no fim de uma pequena rua,
e foi ali que compraram seu jantar: dois crepes salgados, um crepe doce para
dividirem e uma garrafa de vinho barato, que tinha uma enorme chance de
lhes dar uma dor de cabeça terrível no dia seguinte.
Então, caminharam até a praia, a mesma que pretendiam observar do
restaurante fino no topo da cidade. Sentaram-se lado a lado para saborear
seus crepes e beber o vinho no gargalo, enquanto observavam o mar, os
barcos e a Costa Azul toda iluminada. Não conseguiam parar de rir e de
trocar longos olhares e sorrisos. Luke não poderia estar mais feliz com o
rumo que as coisas tinham tomado.
— Estou te falando — Hannah abocanhou o último pedaço de seu crepe
de berinjela e shimeji, feliz da vida —, você era presença constante em meu
diário desde o primeiro dia em que eu te vi.
— E você quer dizer que não estava apaixonada por mim esse tempo
inteiro? — Luke brincou, passando-lhe a garrafa de vinho.
— Por favor, baixe sua bola. — Hannah riu. — Sua primeira aparição
foi marcante, devo dizer. Lembro de ter relatado que você apareceu em minha
casa com Oliver e parecia legal, até amarrar meus cadarços um no outro para
eu cair.
Lucas gargalhou, curvando as costas.
— Eu jamais faria isso.
— Ah, me poupe, Cooper. Você era o capeta encarnado na pele de um
garotinho — Hannah disse, lambendo o molho de tomate de um dos dedos.
— Nesse dia, me lembro de ter escrito uma frase muito marcante.
— Qual?
— “Anote esse nome: Lucas Cooper. Nós o odiamos” — ela disse, com
a voz fininha, e Luke riu, puxando-a para mais perto. Hannah se sentou entre
as pernas de Luke, e ele encaixou o rosto na curva do seu pescoço.
— Você também era demoníaca.
— Eu sei. E me orgulho muito disso. — Ela sorriu, virando de lado para
encará-lo. — Você acha que, se não fôssemos tão idiotas e competitivos por
natureza, a gente teria se aproximado antes?
Luke torceu a boca, pensativo, enquanto acariciava o braço de Hannah.
— Não faço a menor ideia — respondeu, por fim, e então sorriu. — Mas
eu não me arrependo do que fizemos. Quer dizer, eu quis matá-la em algumas
ocasiões, como quando você me fez perder o show do Green Day em
Charleston — ele disse, prendendo o riso. — Mas, se tudo isso nos trouxe até
aqui, eu acho que teve um propósito.
— Você tem razão — Hannah concordou, brincando com a mão de
Luke. — Ugh. “Você tem razão.” Lucas Cooper tem razão. O que, diabos, eu
me tornei?
Luke riu e então segurou o rosto da garota com as mãos.
— Você se tornou uma mulher muito mais sábia.
— Você é ridículo, sabia disso? — ela perguntou, arrancando uma
gargalhada do garoto.
— Você me disse isso algumas vezes. — Ele deu um sorrisinho,
beijando-a rapidamente nos lábios. — E você adora que eu seja assim.
— Não me lembro de ter dito essa última parte — Hannah retrucou,
depois mordeu a bochecha de Lucas. — De qualquer forma, concordo com
você. Acho que demoramos o tempo necessário para nos entender. O que
quer que isso signifique.
— Você não sabe o que isso significa? — ele perguntou, com o tom de
voz malicioso. Hannah chacoalhou a cabeça, rindo.
— Eu não gosto de rotular certas coisas — Hannah disse, e Luke a
encarou com curiosidade. — Estou adorando estar com você, mas ainda há
muito para descobrir, não? — Hannah não esperou por uma resposta, absorta
em sua linha de raciocínio. — Liam me perguntou, hoje no carro, como eu
definia nosso relacionamento.
— E o que você respondeu?
— Eu disse que imaginava que fôssemos amigos com benefícios — ela
disse, tranquilamente. — É claro que ele riu de mim, porque nunca fomos
amigos de verdade, mas é assim que eu me sinto. O que você teria
respondido?
Luke ponderou por um instante. Estava gostando de ficar com Hannah.
Qualquer tempinho ao lado dela era incrível. Hannah era sexy, era engraçada
e o desafiava como ninguém, e ele adorava aquilo. Entretanto, nunca havia
parado para pensar no que o relacionamento dos dois significava.
Não costumava pensar no futuro e não fazia a menor ideia do que faria
com a sua vida depois que aquela viagem para a França tivesse fim. Se mal
sabia o que faria consigo mesmo, como poderia saber o que faria com
Hannah?
— Amigos com benefícios parece ótimo — ele respondeu, e os dois
trocaram um sorriso cúmplice antes de se beijarem.

— Estou falando sério, cara. — Luke se virou para Liam, jogando uma
toalha sobre o ombro ao descer do carro. — Considerando que tudo o que
tinha planejado deu absolutamente errado, nunca estive em um encontro que
deu tão certo.
Luke não se esqueceria daquela noite tão cedo. Embora achasse que ela
ficaria marcada em sua mente como algo ruim, ver Hannah embarcar em um
encontro improvisado e assumir que queria passar aquele tempo ao seu lado
fez tudo valer a pena.
Não se lembrava de já ter se sentido tão confortável em um primeiro
encontro. Os dois tinham a liberdade de fazer e falar o que bem entendessem,
e, embora só tivessem estabelecido benefícios a seu relacionamento poucos
dias antes, ele sentia como se estivessem juntos havia muito mais tempo.
Aquela sensação era nova e tinha o pegado desprevenido, mas, para sua
surpresa, não o assustava nem um pouco.
— Ficamos sozinhos por horas, finalmente, em um dos lugares mais
bonitos que já vi — Luke começou a listar, encarando Liam de lado. —
Comemos e bebemos, demos risada, rolamos nas pedras. — Ele riu. — Até
tiramos algumas selfies. Hannah disse que preferiu nosso encontro assim do
que o que eu tinha planejado. E eu concordo com ela.
Liam sorriu, satisfeito.
— É realmente surpreendente.
— O quê?
— Vocês dois. Quer dizer, eu sempre imaginei que fossem ficar juntos,
mas por uma questão de tesão, para dar um jeito nessa tensão absurda. — Ele
riu, tirando os óculos escuros. — O fato de que vocês dois estão se dando
bem e passando um tempo juntos é uma grande surpresa.
— Para mim também — Luke concordou.
— Hannah me disse que vocês são “amigos com benefícios”. — Liam
achou graça, fazendo aspas com os dedos. — Isso foge muito do contexto que
eu esperava.
— Mas acho que é uma boa definição. — Luke riu. — Ainda estamos
nos conhecendo. Quer dizer — ele fez uma pausa, mordendo o lábio —, a
gente se conhece há quase dez anos, mas só agora está deixando de ser idiota,
eu acho.
— Bom, fico feliz de fazer parte disso — Liam disse, passando o braço
por cima do ombro do amigo. — Vocês são o casal que eu não sabia que
precisava, mas agora estou shippando.
Luke apertou os olhos, dando risada.
— Sossega, cara.
Os dois passaram pelo bar e pediram drinques, enquanto tentavam
avistar em qual barraca o grupo tinha escolhido se abrigar em mais um dia de
sol. Tinham ficado para trás porque Liam chegara muito tarde do encontro, e
Luke não podia aparecer ao mesmo tempo em que Hannah na mansão se não
quisesse levantar suspeitas.
— Acho que eles estão ali. — Liam apontou para um grupo bem
adiante, enquanto os dois andavam pelas pedras entre os guarda-sóis.
Luke colocou a mão na testa e apertou os olhos, se amaldiçoando por ter
esquecido seus óculos escuros. Viu Dylan e Ellie jogando vôlei mais adiante,
Oliver e Mia dividindo uma espreguiçadeira e Becky tomando um drinque,
conversando com uma garota e um cara que ele nunca tinha visto.
A poucos passos deles, Hannah travava uma conversa animada com um
moreno alto e atlético, rindo e curvando a cabeça para trás. Jogou o cabelo e
tocou o braço dele para dizer alguma coisa, e Luke estreitou o olhar,
apertando os lábios em uma linha fina.
— O que f... — Liam não terminou a frase, olhando para o mesmo lugar
que o amigo. — Ah. Quem são aquelas pessoas? — Ele disfarçou e, ao ver
que Luke não iria responder, soltou o ar pela boca. — É só um cara. Não
significa nada.
— Ei — Luke o interrompeu, caindo na real. — Falei alguma coisa?
— Mas...
— Escute, Liam, nós somos amigos com benefícios, não somos? —
Luke tentou sorrir, dando de ombros. — Ela está no direito dela de conversar
com quem quiser — ele disse, caminhando até o grupo.
— Por que eu acho que essa história não vai dar certo? — Liam falou
baixinho e viu Luke se virar para encará-lo.
— O que disse? — ele perguntou, confuso.
— Nada, não, cara. Vamos logo até lá.

Luke tomou um longo gole de sua cerveja, enquanto esperava pelos


drinques que Ellie e Mia haviam pedido para que ele buscasse. Tinham
chegado à praia havia mais de uma hora e Hannah tinha passado boa parte
daquele tempo conversando com o moreno bonitão que ele descobrira ser
inglês e, por Deus, ator.
Hannah queria ser atriz, passara anos estudando teatro no colégio e,
embora estivesse em dúvida sobre investir nessa carreira, ele sabia o quanto
aquele assunto era importante para ela. Mas que inferno!
Chacoalhou a cabeça, nervoso consigo mesmo. Não podia estar se
importando com aquilo, certo? Tinha se reconectado com Hannah havia tão
pouco tempo que era até ridículo que pudesse estar com...
— Olá, estranho.
Luke deu um pulo ao ouvir a voz de Hannah atrás dele. A garota riu,
chacoalhando a cabeça.
— Parece que alguém estava distraído, hein? — ela brincou. Em
seguida, deu uma rápida olhada para trás e voltou a encará-lo com um
biquinho. — Nem te vi direito hoje.
Luke relaxou os ombros, incapaz de reprimir um sorriso.
— Eu sei. Fiquei esperando o Liam para sair e quando cheguei aqui... —
Ele fez uma pausa, se perguntando como deveria terminar aquela frase. Em
parte, queria jogar na cara de Hannah que ela estava dando muita atenção
para um cara aleatório. Mas era orgulhoso demais para isso e estava
envergonhado por estar levemente incomodado, para começo de conversa,
então apenas forçou um sorriso. — Você estava ocupada.
Hannah pareceu pensar, concluindo a que ele se referia em seguida.
— Ah! Sim, o grupo de ingleses. O pessoal os conheceu ontem à noite,
em algum bar. Você acredita que dois deles são atores?
— Becky comentou comigo. — Luke tomou um gole de cerveja,
respirando fundo.
Muito bem Luke. Continue respondendo como uma pessoa normal. Não
passe vergonha.
— Pois é, eles são ótimos. A garota, Lily, faz alguns comerciais e
trabalha em algumas peças, nada grande. Mas o George — ela fez uma pausa,
empolgada —, ele trabalha em West End, que é tipo a Broadway da
Inglaterra. Acredita que ele já fez uma ponta em Wicked? Isso é muito
incrível. — Hannah deu um sorriso, parecendo encantada.
— Você realmente descobriu bastante da vida desse cara — Luke
retrucou, apertando os olhos ao ouvir sua própria voz.
Retire o que disse. Corra! Retire o que disse.
Hannah arqueou uma sobrancelha, parecendo achar graça.
— Conversamos um pouco — ela disse, cautelosa, e viu Luke olhar para
o garçom atrás do balcão com muito interesse. Sorriu de canto, meneando a
cabeça para entrar no campo de visão do garoto.
— Você está com ciúmes? — perguntou, sem deixar de sorrir, e Luke
quase derrubou a garrafinha de cerveja.
— Você pirou? — perguntou, com a voz esganiçada, e deu uma risada
alta. — Ah, Hannah Lane, por favor. Você está se achando.
— Estou mesmo? — ela o desafiou, com os braços cruzados.
— Está, sim — Lucas retrucou, impaciente. — A única coisa que eu
quis dizer é que você teria me visto mais se não estivesse tão ocupada
conhecendo o cara. Você pode conhecer quem você quiser, que se dane. —
Ele parou de falar, rolando os olhos ao vê-la sorrir. — O que foi?
Hannah se aproximou, quase encostando o corpo no dele, passando a
unha em seu braço e pulso.
— Deixe-me te dizer uma coisa. — Ela abaixou o tom de voz, olhando-o
nos olhos. — Hoje à noite, resolvemos ficar em casa comendo hambúrguer
na piscina e jogando sinuca. Sei que a situação não é a melhor de todas e
possivelmente nossos amigos ficarão acordados até de madrugada, mas eu te
garanto uma coisa, Lucas Cooper.
— O quê? — ele perguntou, olhando a unha pintada de azul-bebê da
garota subindo e descendo na pele de seu pulso.
— Pode ser cinco, seis da manhã, eu não me importo. Eu estarei naquela
piscina esperando por você para o nosso encontro da madrugada — ela disse,
e Luke a encarou nos olhos.
Quando Hannah sorriu, foi impossível não fazer o mesmo. Então, ela
ficou na ponta dos pés e beijou o canto da sua boca antes de sair correndo
para o banheiro. Luke riu sozinho, apanhando os drinques que o garçom
colocava em sua frente.
Para o inferno com o ator da Broadway inglesa.
Ele realmente gostava daquela garota, e, ao que tudo indicava, a
recíproca era verdadeira.
Capítulo 10
Luke tamborilou com os dedos sobre as coxas e bufou. Olhou para o
relógio em seu pulso pelo que lhe pareceu a milésima vez em dois minutos,
então se jogou para trás na cama, irritado.
Os últimos dias com Hannah tinham sido incríveis, e ele estava
adorando conhecê-la melhor. Era sempre divertido se espreitar por aí para
roubar um beijo ou passar alguns minutos com ela, e poucas noites atrás
tinham até assistido ao nascer do sol juntos, na piscina, depois do churrasco
que os amigos fizeram. Talvez fosse o lugar ou as circunstâncias, mas sentia
como se estivesse vivendo um romance daqueles de filme.
No entanto, para uma pessoa tão preocupada em controlar tudo, Hannah
vivia metendo os pés pelas mãos com os horários e se atrasando nas poucas
oportunidades que tinham de se ver. Luke tentava deixar passar – e era fácil
fazê-lo quando ela já chegava encostando a boca na dele –, mas, naquele dia,
estava perdendo o restante da paciência.
Levantou, pronto para sair dali, quando a porta se abriu. Hannah
suspirou, parecendo derrotada.
— Até que enfim — ele disse, sem nem pensar. — Qual a desculpa do
dia?
Hannah arqueou uma sobrancelha.
— Eu não gosto desse tom — respondeu apenas, arrancando uma risada
de Lucas.
— Ah, não? Perdão, talvez possamos recomeçar então, madame — ele
disse, com uma falsa pompa na voz. — Tenho certeza de que foi algo muito
importante, claro, mas gostaria de compartilhar com o grupo o motivo pelo
qual fiquei mais de uma hora esperando você aqui?
— Você está sendo ridículo — Hannah reclamou, parecendo impaciente,
mas só recebeu outra risada de volta, o que a fez grunhir. — O que, diabos,
aconteceu com você?
— Nada, Hannah. Talvez seja o fato de que eu tenha que viver por aí me
virando do avesso para me encontrar com você, e, quando você tem que fazer
uma coisa, você simplesmente se atrasa por horas! — ele soltou, jogando os
braços para o alto.
— Se você quer tanto saber, eu estava presa com o Oliver resolvendo
coisas da festa e... — Hannah parou de falar ao ver a expressão irritada de
Lucas. — Sabe, Luke? Pensei que fosse subir aqui e aproveitar um pouco
com o cara com que estou ficando. Você pode ligar para ele e perguntar
quando ele chega? Porque esse aqui não é ele.
— Não tente colocar a culpa disso em mim. — Lucas bufou.
— Eu não estou colocando a culpa de nada em ninguém. Você que
parece que está atacado — Hannah provocou, continuando a falar assim que
o viu abrir a boca. — Eu não podia subir, não se não quisesse dar na cara que
era para me encontrar com você. É isso que você quer? Que até o Oliver
saiba?
— O quê? Por que eu iria querer isso? — Lucas franziu o cenho, depois
teve um estalo. — Isso é tudo porque a Becky descobriu? Entendi. Você acha
que eu quero sair por aí tagarelando sobre ter um caso com a “toda poderosa
Hannah Lane”. — Ele fez aspas com os dedos, irritado.
— Não foi isso o que eu quis dizer.
— Foi, sim.
— Ah, agora você sabe o que eu quero dizer também? — Hannah riu,
irônica. — Se você quer tanto ouvir isso, pronto, a culpa da Becky saber é,
sim, toda sua.
— A garota me encurralou!
— Você deveria ter dado um jeito de escapar. — Hannah deu de
ombros.
— E qual o problema de uma das suas melhores amigas saber sobre nós
dois? O que tanto você quer esconder? — Luke perguntou, mais alto do que
pretendia.
Aquela pergunta estava rodando seu cérebro havia dias.
Tudo bem, ele e Hannah tinham acertado que a melhor situação para os
dois seria encarar um relacionamento de amigos com benefícios. Ele não
sabia como o grupo lidaria ao saber que os dois estavam juntos e concordava
que poderiam estragar algo muito legal com uma empolgação desnecessária,
ou com qualquer que fosse a reação que Oliver teria ao descobrir que o
melhor amigo andava quase transando com sua irmã mais nova. Ele entendia.
Porém, as reações exacerbadas de Hannah o deixavam desconfortável.
Não pretendia confirmar nada para Becky. Mas, uma madrugada
qualquer, decidira ser seguro o suficiente sair pela porta do quarto de Hannah
como um ser humano normal e ir dormir em sua própria cama. O lance de
pular sacadas tinha sido engraçado no começo, mas os arranhões que estava
colecionando por causa das plantas entre as varandas dele e de Liam
estragavam a aventura. Além disso, estava embriagado após uma sessão de
beer pong com Oliver. Parecia inteligente não arriscar sua vida à toa.
Não vira ninguém ao abrir a porta, mas, assim que a fechara atrás de si,
notara Becky parada na escada, com uma garrafa de água em uma das mãos e
um sorriso vitorioso nos lábios. O que ele deveria fazer? Inventar que tinha
errado o quarto? Ela nunca acreditaria.
— Qual o problema, Hannah? — ele perguntou outra vez, e a garota
grunhiu.
— Ugh, Luke. Problema algum! Eu amo a Becky e contaria para ela em
algum momento, eu só não estava preparada para que ela soubesse tão cedo
— disse e o encarou nos olhos.
— Não foi minha culpa.
— Você poderia ter saído pela varanda — Hannah disse baixo, então
arregalou os olhos ao perceber que sua voz tinha mesmo escapado da boca.
Luke lhe devolveu um sorriso de escárnio. — Isso soou errado, eu...
— Não, Hannah, isso soou exatamente como deveria soar — ele disse,
rindo. — Eu não sei qual é a sua, mas estou cansado de...
Lucas parou de falar ao ver Hannah se aproximar. Ela cruzou os dedos
atrás de seu pescoço, ficando na ponta dos pés para encará-lo. Incapaz de
continuar a frase, ele abriu a boca e a fechou algumas vezes, vendo seus
próprios braços a segurarem pela cintura.
— Deixe isso para lá — ela disse baixinho, depois beijou o canto de sua
boca. — Desculpe por ter me atrasado, eu não consegui me livrar do meu
irmão. Não sou tão boa nesse negócio de me esconder quanto você.
Ao ver os ombros de Luke relaxarem, Hannah sorriu de canto.
— Você me tira do sério — ele sussurrou meio a contragosto, e a garota
riu de leve antes de beijá-lo no pescoço.
— Ouvi dizer que isso é uma coisa boa.
— Depende do momento.
— Em se tratando de mim, é sempre uma coisa ótima.
— Metida.
— Realista.
— Cale a boca, por favor. — Luke riu, puxando-a para um beijo.
Havia algo surreal naqueles beijos deles, algo que fazia o estômago de
Lucas gelar e sua pele aquecer. Estaria ferrado se a garota resolvesse usar
aquela tática em todas as brigas. Perderia todas. Uma por uma.
Hannah se afastou e sorriu brevemente.
— Não me odeie, mas eu preciso descer. Ellie está maluca porque
inventamos de dar essa festa e ninguém está seguindo o cronograma dela —
disse, fazendo Luke rir.
— Eu sei. Ela já me mandou umas trezentas e trinta e nove mensagens
depois que subi. Eu disse que estava me sentindo mal, e agora ela deve
pensar que fiquei no banheiro esse tempo inteiro. — Luke fez uma careta,
arrancando uma gargalhada de Hannah.
— Tadinho. Espero poder cuidar de você mais tarde — ela disse, com
um sorriso malicioso.
— Como você quiser. — Luke devolveu o sorriso. — Qual é sua tarefa
do momento? A gente poderia se enfiar na mesma roubada e aproveitar
para... — Luke parou de falar para beijar a curva do ombro de Hannah, que
riu.
— Essa proposta é interessantíssima, mas preciso ir com a Mia até a
casa em que George está hospedado.
Luke afastou o rosto, confuso.
— George?
— Sim, o cara inglês, lembra? Ele e os amigos vêm para a festa e ele
aparentemente conhece alguém que consegue bebidas mais baratas, não sei o
motivo.
Luke mordeu o lábio, contendo o impulso de disparar a resposta pronta
que ele tinha sobre o motivo que George deveria ter. Que droga. Não
costumava ser tão cínico. Acreditava que homens e mulheres podiam ser
amigos. Então por que, diabos, ficava tão incomodado com aquele cara?
— Luke?
— Falou alguma coisa?
— Você não gosta muito do George, né? — Hannah riu.
— Eu não conheço o cara. — Ele ponderou. — Não posso opinar. E por
que você e a Mia precisam ir até lá?
— Porque eles estão apenas com um carro e precisamos de dois para
carregar as caixas.
— Eles já vêm para a festa?
— Não, ele só se ofereceu para ajudar mesmo. — Ela deu de ombros.
— Se precisarem de alguém para carregar as caixas, posso ir com vocês.
— Acho que está tudo bem. Ele consegue fazer isso sozinho — ela
respondeu, se afastando. — Além do mais, Ellie tem tarefas marcadas para
todo mundo e vai perder a cabeça se você não fizer a sua. Lição número um
sobre Ellie Harper: se você quer ser amigo dela, não quebre o sistema —
disse, fazendo-o rir.
Luke assistiu a Hannah sorrir e falar qualquer coisa antes de sair do
quarto, então soltou o ar pela boca, xingando baixo. Estava se odiando pelo
que quer que estivesse sentindo sobre aquela amizade de Hannah. O melhor
que tinha que fazer era fingir costume e suprimir até que passasse. Não tinha
motivo algum para se incomodar.

A festa estava tomando forma. Dylan tinha ficado encarregado de


comprar uma piscina inflável colorida, que estava cheia de gelo e bebidas.
Tinham improvisado uma cabine de DJ que seria comandada por Liam, que
costumava fazer isso em sua faculdade. Em um canto, havia também uma
enorme mesa com petiscos.
De cima de uma escada, ajudando Becky a montar um arco com balões,
Luke observou com orgulho o jardim da casa. Em um dia normal, as
dependências da mansão já eram de cair o queixo, mas, agora que estava
arrumado, olhar para aquele espaço lhe dava uma forte sensação de estar em
um seriado. Além das espreguiçadeiras e boias infláveis que comumente a
enfeitavam, a piscina estava cheia de balões coloridos em cores claras –
Becky tinha lhe dito que aquela paleta se chamava candy color.
Ele olhou adiante, ouvindo algumas risadas. Espremeu os olhos contra o
sol e avistou Ellie, Hannah e George perto da piscina. Ouviu Ellie rir mais
alto quando George, talvez contando uma história hilária, tomou Hannah
pelos braços e a fez se curvar, como no fim de um passo de dança, em que o
casal geralmente se beija. O beijo não aconteceu, mas Hannah parecia estar
adorando a interação, rindo e se inclinando para o lado dele.
— Ai! — Becky reclamou, tirando Lucas de seus devaneios. Ele a
encarou embaixo da escada, com a mão na cabeça, e fez uma careta de susto
ao ver na grama a tesoura que antes segurava. — Você está tentando me
matar, Cooper?
— Acertei você? — ele perguntou, com os olhos arregalados. A garota
suspirou.
— O que você acha? — Becky questionou retoricamente. Olhou para a
piscina, voltando a encará-lo em seguida. — Não se preocupe com isso.
— Não sei do que você está falando — ele desconversou, bufando e
voltando seu olhar para as bexigas.
— Estou falando da sua “amiga” conversando com o bonitão inglês ali
— ela disse, fazendo graça. — Eu não me importaria com isso.
— Não deveria mesmo, afinal, até onde eu saiba, vocês são só amigas
— ele respondeu, e Becky deu uma risada baixa.
— E não é isso o que vocês são também? — ela retrucou, e Luke deixou
o queixo cair ao ver o sorriso da garota. — Fique tranquilo, Luke. Ela gosta
de você.
— Eu não estou com ciúmes, Becky, sossegue.
— Em momento algum eu disse isso, Cooper, mas obrigada por
assegurar. — Ela deu uma piscadela, estendendo a mão para que ele
apanhasse a tesoura. — Se eu conheço você, e eu acho que conheço, você
jamais vai admitir. E nem precisa.
— Becky...
— Só não faça nenhuma idiotice, tá?
— Eu nunca faço idiotices. — Ele sorriu, irônico. — E não tenho
ciúmes de ninguém. Olha só para isso aqui. — Apontou para si mesmo. —
Você acha que preciso?
Becky riu alto, chacoalhando a cabeça.
— Eu acho é que vocês se merecem.

— Você é muito ruim nisso — Lucas disse, rindo ao ver Oliver xingar
baixo, olhando para a mesa de sinuca.
Depois de terminarem seus afazeres, tinham resolvido relaxar na sala de
jogos e aquela era a terceira partida seguida que Luke vencia.
— Bom, eu sou melhor que você em muitas outras coisas. — Oliver fez
uma careta, arrancando uma risada do amigo.
— Que ótima resposta. Você precisa ter umas aulas com a sua irmã —
ele disse, despreocupado. Oliver não pareceu captar nada estranho no
comentário, sorrindo feito um idiota para a porta.
Lucas se virou e sorriu ao ver Mia se aproximar.
— Aí está você — ela disse, beijando rapidamente os lábios de Oliver.
— Onde você estava?
— Conversando com as meninas e o George — ela disse, sem ver Lucas
rolar os olhos.
Ele tinha esquecido a existência daquele cara na última hora, apenas
para ter notícias dele sem pedir por isso como prêmio. Recolheu seu celular e
a garrafa de Coca-Cola que tinha deixado na borda da mesa, pronto para uma
saída estratégica, quando seus ouvidos voltaram a focar no que Mia contava
para o namorado.
— O cara é um sonho, com todo respeito. — Ela riu da expressão de
Ollie. — E acho que ele está babando pela sua irmã.
Lucas piscou algumas vezes, paralisado onde estava. Por mais que
quisesse sair dali e não escutar o resto da história, não conseguia mover um
músculo para fazer isso.
— É sério? — Oliver fez uma careta. — Mas ele é... velho.
— Ele tem vinte e dois anos, Ollie — Mia respondeu, achando graça.
— E minha irmã tem dezoito.
— Bom, eu tenho vinte e um e você, dezenove — Mia respondeu de
prontidão, vendo Oliver bufar. — Além do mais, qual o problema? Ele é gato
e ela é solteira. Não vejo mal algum em uma aventura antes que cada um
volte para o seu país.
— É porque não é com a sua irmã — ele respondeu, emburrado,
arrancando uma gargalhada da namorada.
— Pare de ser machista. Sei que você não está preocupado com a idade
deles. Sua irmã não precisa ser salva por você, nem por ninguém — Mia
retrucou. — Lembre que é um direito dela beijar as bocas que quiser.
— Eu ainda tenho um longo caminho de aceitação a percorrer nesse
assunto, amor — Oliver confessou e fez uma careta, parecendo exausto.
Lucas percebeu apenas ali que estava com o olhar vidrado no casal e sua
conversa, sem sequer disfarçar. Tentou olhar para o celular, mas quase via
através do aparelho.
Vamos lá, Oliver, faça a pergunta que eu e você queremos fazer. Vamos
lá, cara.
— E ela quer ficar com o tal George? — Oliver questionou e Lucas
quase riu da conexão mental inesperada, mas seu estômago dava cambalhotas
dentro do corpo.
Só teria paz ao ouvir a resposta de Mia. Se pegou apertando os lábios em
uma linha fina, nervoso.
— Não conheço sua irmã tão bem para saber — ela respondeu, vaga. —
Mas, se quer minha opinião, não vejo motivos para não estar. Eles têm tudo a
ver. Acho que fiquei meia hora escutando os dois falarem de teatro sem parar
— Mia disse, rindo. — E ainda tem o bônus deles serem estupidamente
lindos, então acho que temos o pacote completo.
— Ah, que ótimo! — Oliver deu um pulinho com o calcanhar, fingindo
empolgação.
— Pare de ser idiota. — Mia riu, beijando-o no rosto em seguida.
Ela tinha razão, Lucas concluiu. Tudo bem, Mia não estava se referindo
a ele, mas tomaria aquele conselho para si. Precisava parar de ser idiota.
Precisava parar de se preocupar com o que Hannah fazia ou deixava de fazer.
Precisava engolir a raiva que sentia e dar um jeito de fazer seu coração
desacelerar.
Eram amigos com benefícios, no fim das contas, e ele estava agindo
como um tonto enquanto Hannah claramente entendia o significado do termo
e pretendia segui-lo à risca. E ele apenas se recusava a deixar Hannah passá-
lo para trás. Tinha que pensar como ela e aproveitar as férias da mesma
forma.

Hannah sorriu ao abrir a porta do quarto de Lucas. Ele estava deitado na


cama, seus cabelos castanhos caídos sobre os olhos enquanto ele fitava,
distraído, o celular em suas mãos. Vestia uma bermuda florida de praia, mas
estava sem camiseta. Hannah assoviou.
— Vai ser difícil manter minhas mãos longe de você desse jeito,
docinho — provocou, e ele a encarou, confuso, percebendo sua presença
apenas naquele instante.
Luke sentou na cama, meneando a cabeça para que Hannah visse uma
camiseta branca pendurada na cadeira. Ela fez um biquinho.
— Talvez eu devesse aproveitar agora, então.
Cooper tentou sorrir de volta. Hannah estava linda – e era de se esperar
– com seus shorts jeans de cintura alta e a parte de cima de um biquíni tie dye
multicolorido. Seus cabelos estavam arrumados em ondas perfeitas, e ela
parecia ter se esforçado bastante para parecer não ter se esforçado nada.
A ideia de tomá-la em seus braços e aproveitar alguns minutos era
tentadora, mas Luke ainda estava sentindo o gosto amargo na garganta de
tudo o que Mia tinha dito. Sabia que precisava pensar como Hannah e deixar
aquilo para trás, mas vê-la tão linda o deixava desconcertado e enevoava seus
claros planos de parecer indiferente.
— Que cara é essa? — Hannah perguntou, olhando para suas próprias
roupas. — Há algo errado?
Lucas chacoalhou a cabeça, levantando.
— Não, pelo contrário — se apressou a dizer, vestindo a camiseta. —
Está tudo certo.
— E por que você está se vestindo, então? — Hannah cruzou os braços.
Seu tom era divertido, mas algo em seu olhar revelava que estava confusa
com o desenrolar da conversa. Luke deu de ombros.
— Acho que não temos tempo o suficiente para arriscar sermos pegos
aqui — ele respondeu, espirrando seu perfume, e Hannah arqueou uma
sobrancelha.
— Está todo mundo muito entretido com suas próprias roupas e em
começar a festa. Acho que nunca teremos tanto tempo quanto agora —
Hannah disse, com uma sobrancelha erguida, e Lucas suspirou. — O que está
acontecendo, Luke?
— Nada, Hannah. — Ele riu, passando por ela para calçar seus chinelos.
— Deveria estar acontecendo alguma coisa?
— Você sabia que eu odeio quando você me responde com outra
pergunta?
Luke rolou os olhos, sem encará-la de verdade. Pensou em dizer-lhe que
não dava a mínima para o que ela odiava, mas foi capaz de refrear esse
instinto antes que as palavras escapassem de sua boca.
Respirou fundo, irritado consigo mesmo.
Vamos lá, Luke. Não seja ridículo. Vocês ainda são amigos com
benefícios. Se beneficie disso.
Lucas se aproximou de Hannah e a beijou rapidamente. Assim que a
garota ameaçou aprofundar o beijo, empolgada, ele se afastou com um sorriso
ensaiado e virou de costas para pegar seu celular.
— Ah, nem te contei. — Ele ouviu a voz de Hannah enquanto se virava.
— George me disse que vai conseguir um barco para que nós... — Hannah
parou de falar no instante em que viu a cara de Luke. Os olhos do garoto
tinham rolado tanto que ela tinha certeza de que ele havia enxergado seu
próprio cérebro. Ela sorriu, vitoriosa. — Você podia ter me dito o quanto
George te incomodava. — Ela se aproximou.
Luke se desvencilhou das mãos de Hannah, que já estavam se cruzando
atrás de seu pescoço. Não iria cair naquela de novo.
— Não sei de onde você tirou isso.
— Talvez de todos os fatos. — Ela deu um sorrisinho. — Talvez dessa
sua cara.
— O que há com a minha cara?
— Você me diz.
Quando Lucas apenas bufou, Hannah sorriu de canto sem que ele visse.
— George é apenas um amigo — ela disse calmamente, cruzando as
pernas ao sentar na beirada da cama. — Ele gosta dos mesmos assuntos que
eu, e nossas conversas são divertidas. Mas elas não precisam acontecer se...
— Eu não estou pedindo para você fazer ou deixar de fazer nada —
Luke a interrompeu. — E eu sei que vocês se dão bem. Mia, inclusive, falou
que o cara está de quatro por você, mas isso já estava claro.
Hannah riu, levantando na frente de Lucas.
— Não sei de onde a Mia tirou isso, porque não acho que seja o caso.
Ele me trata como se fosse uma irmã mais nova ou algo assim — ela disse.
— Não, ele não trata. — Lucas riu. — Seria muito perturbador se seu
irmão olhasse para você do jeito que aquele cara olha.
Hannah sorriu de canto. Quando começara a ficar com Lucas, jamais
teria imaginado que ele se incomodaria com esse tipo de coisa. Era um dos
garotos mais desprendidos que conhecia, e vê-lo enciumado era engraçado e
ridiculamente fofo, ao mesmo tempo. Não que ela gostasse de caras
ciumentos.
Ela gostava era de ver Lucas assim.
— Tudo bem, então. Mas acho que, para alguma coisa acontecer, as
duas pessoas precisam estar a fim, certo? — ela perguntou, com o olhar
atento de Luke no seu. — E não é o caso.
Luke suspirou, sentindo seu cérebro oxigenar pela primeira vez. Sabia
que estava se prestando a um papel ridículo e não se perdoaria por isso, mas
ouvir Hannah dizer que não estava interessada em George lhe trouxe uma
mistura de emoções. Ele acreditava nela, mas também não achava que fazia
sentido que ela não quisesse George. O cara era bonito, mais velho, gostava
das mesmas coisas que ela... A lista falava por si só.
Ele, por sua vez, nem sabia o que queria da vida.
Suspirou, enquanto Hannah falava alguma coisa em que não conseguiu
prestar muita atenção. Estava pronto para deixar isso para lá, quando a ouviu
dizer:
— Você não precisa ficar com ciúmes.
Lucas se afastou, encarando-a nos olhos.
— Eu não estou com ciúmes de ninguém.
— Luke, fala sério — ela retrucou, achando graça. — Eu acho
bonitinho.
— Pare com isso — ele reclamou, se afastando de novo. — Por que,
diabos, eu teria ciúmes de você?
Aquela pergunta tinha saído em um tom que ele não pretendia. Dessa
vez, Hannah quem deu um passo para trás, atônita.
— Você está dizendo que eu não sou merecedora do seu ciúme? — ela
perguntou, erguendo uma sobrancelha.
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Mas foi isso o que você disse — ela respondeu, caminhando até a
porta.
— Por que você está agindo assim? — ele perguntou, vendo-a parar de
costas. — Eu só estou ressaltando o óbvio. Nós somos amigos com
benefícios, não somos?
Hannah girou, encarando-o. Não respondeu àquela pergunta, apenas
sustentou o olhar, esperando que ele continuasse.
— Até onde eu saiba, amigos com benefícios não sentem ciúmes um do
outro. Ficam de vez em quando e também ficam com outras pessoas. Achei
que fosse o que você queria.
Hannah engoliu o torpor que estava subindo por sua garganta.
O quão ingênua ela tinha que ser para acreditar que Lucas gostava dela o
suficiente para estar chateado por causa de outro cara? Meu Deus, ela achou
que ele estava com ciúme.
Lucas Cooper.
Com ciúme.
Embora seu rosto estivesse queimando, não era só vergonha o que
sentia. Percebeu que queria chorar. Estava triste, e isso a surpreendia mais do
que qualquer outra coisa. Não costumava criar grandes expectativas em
relação a ninguém, justamente para que isso não acontecesse. Era por isso
que ela não podia baixar a guarda.
— Você está dizendo, então, que não há nenhuma pequena parte sua que
fique incomodada com a ideia de eu ficar com outros caras? — perguntou e
assistiu a Lucas dar de ombros enquanto seu coração batia nos ouvidos.
— Por que ficaria?
Hannah riu, chacoalhando a cabeça.
— Você é um puta de um babaca.
Lucas piscou algumas vezes, sem reação.
— Não era isso o que você queria, então?
— Não importa o que eu queria, Lucas — ela respondeu, irada. — Mas
sua resposta me diz muita coisa.
— O que você quer dizer com isso?
— Que você é um babaca — ela reiterou —, mas que também tem
razão. Somos amigos com benefícios. Espero que você marque vários pontos
com outras garotas hoje.
— Hannah...
Hannah soltou o ar pela boca, chacoalhando a cabeça. Parte dela queria
voar no pescoço de Luke e estapear aquela carinha bonita dele até que ele
recuperasse o bom senso. Outra parte queria se trancar no quarto e chorar.
Entre uma coisa e outra, preferiu optar por ser movida pelo ódio. Ao menos
esse sentimento não estragava sua maquiagem.
— É melhor a gente descer. Já tenho um pretendente enfileirado e, se
você não correr, pode ser que termine com uma lista menor que a minha. —
Ela abriu a porta e, antes que Lucas fizesse ou falasse alguma coisa,
acrescentou. — Divirta-se, docinho. Eu com certeza farei isso.

Lucas se surpreendeu ao descer as escadas e ver a quantidade de pessoas


que estavam entre o jardim e a sala. Algumas delas subiam e desciam as
escadas que davam para a sala de jogos, e ele torceu mentalmente para que
Oliver tivesse se lembrado de esconder qualquer coisa valiosa. Cada um dos
amigos havia conhecido um ou dois grupos em suas saídas noturnas, e esse
fora o grupo inicial convidado.
Entretanto, assim como nas festas que frequentara nos Estados Unidos,
aparentemente o costume de convidar vinte pessoas e terminar com sessenta
no meio de sua sala se estendia para o restante dos países. Não que isso
importasse muito.
Estava com uma dor de cabeça horrorosa desde que Hannah o deixara
sozinho no quarto, uma hora antes. Tinha agido de cabeça quente e sabia que
ela tinha feito o mesmo, e sentia-se um idiota por não ter deixado tudo para lá
e aproveitado a oportunidade de uma casa lotada e cheia de distrações para
ficar com ela. Não conseguia pensar com coerência perto de Hannah, e, para
seu azar, entre os dois cada faísca se transformava em um incêndio.
Olhou para os lados e a avistou perto da piscina, sozinha em uma
espreguiçadeira. Parecia absorta demais em seus pensamentos para se dar
conta de tudo o que estava acontecendo ao redor. Luke respirou fundo e,
ignorando um grupo de garotas que ele mesmo tinha conhecido em uma festa
na praia, começou a caminhar até ela. Quando estava perto o suficiente, no
entanto, a garota abriu um sorriso – e não era em sua direção.
George surgiu com dois drinques azuis e sentou na ponta da
espreguiçadeira de Hannah. Ela riu de alguma coisa que ele disse e pareceu
gostar da bebida ao prová-la. Em seguida, olhou por cima do ombro dele por
um segundo, tempo suficiente para que seu olhar cruzasse com o de Lucas.
Hannah deu um sorriso irônico e voltou seu olhar para George, sem
jamais voltar a encarar Luke. Ele engoliu em seco, nervoso, e marchou para
outro lado, onde as garotas que conhecia estavam. Se era o que ela queria, os
dois podiam muito bem jogar aquele jogo.

A noite tinha se tornado um pesadelo.


Lucas não conseguia se lembrar da última vez que tinha achado
divertido entrar em uma guerra com Hannah. Não estava mais acostumado a
isso, e, sendo sincero, a festa estava muito chata sem poder trocar mensagens
com ela e marcar escapulidas furtivas.
Hannah era a garota mais bonita do lugar, sem competição alguma, ao
menos para ele. Estava sentado em um unicórnio inflável, junto com uma
garota espanhola, mas não conseguia prestar atenção no que estava fazendo.
De uma hora para outra, Hannah tinha deixado George de lado e agora estava
interessadíssima no papo de um cara que ele nunca tinha visto.
Será que ela tinha ficado com George? Será que aquele já era o segundo
da noite?
— Merda, Lucas — ele disse baixo, mas sua acompanhante pareceu não
escutar, já que estava preocupada em cantar desafinadamente ao som da
música que Liam tocava.
Avisou para a garota que buscaria mais bebidas e saiu da piscina, feliz
por sua ideia estapafúrdia de sentar com ela naquele unicórnio – apenas para
chamar a atenção de Hannah – não ter resultado em uma queda dupla na
água. Hannah não tinha dado a mínima, e ele só estava ainda mais puto com o
rumo que a noite estava tomando.
— O que vocês dois estão fazendo? — Becky sussurrou, aparecendo do
lado de Lucas. Ele deu de ombros.
— Aproveitando que somos só amigos para conhecer novas pessoas —
ele respondeu, o mais casual que conseguiu. Becky estreitou o olhar.
— E por que a Hannah está puta com você?
— Ela não está puta comigo. — Luke riu, nervoso. — Ao que me
parece, ela está muito bem entretida com outros caras.
— Você é burro ou só se faz?
— Como é que é?
— Ai, Lucas, pelo amor de Deus. — Rebecca jogou os braços para o
alto, impaciente. — Eu não sei o que aconteceu com vocês, mas trate de
consertar.
— Eu não sou culpado de nada para consertar alguma coisa —
respondeu, tomando um tapa na testa. — Ai!
— Esse aqui foi só a amostra, ok?
— O que a Hannah disse que eu fiz para eu estar apanhando
gratuitamente?
— Se você acha que foi gratuitamente, merece mais dois — ela
respondeu, com um sorrisinho. — E a Hannah não me disse nada, mas ela
não precisa. Se você não está enxergando, talvez três tapas sejam
insuficientes.
— Quando foi que você se tornou essa pessoa tão violenta?
— Quando vocês começaram a fazer tudo errado — ela respondeu
tranquilamente. — Eu tenho mais o que fazer além de ter que salvar o dia,
Cooper. Talvez você devesse considerar me dar uma ajudinha, nem que seja
uma vez só. Eu tenho que fazer tudo! — Rebecca reclamou, saindo de perto e
arrancando uma risada do amigo.
Lucas queria falar com Hannah. Ele queria ser a pessoa que deixava o
orgulho de lado, mas seus anos de prática em fazer o oposto complicavam
sua vida. E não ajudava em nada que Hannah fosse como ele e agora
estivesse dançando toda sensual com o cara desconhecido, olhando
furtivamente em sua direção de tempos em tempos.
Ele queria levantar e ir até os dois. De verdade. Mas, cada vez que
Hannah jogava o cabelo e ria, ele se via mais perto da garota com quem
conversava, e agora ela estava sentada em seu colo, acariciando seu rosto.
Hannah se virou, dançando de costas para o cara, e foi pega de surpresa
ao perceber onde a companheira de Luke já estava. Ela arregalou seus olhos
azuis e Luke, incapaz de refrear os instintos, deu um sorrisinho. Viu Hannah
morder o lábio e virar de frente para o rapaz. Luke apertou as mãos na coxa
da garota, nervoso com o que seria a próxima jogada de Hannah, e ela a
entregou rapidamente.
Ao vê-la cruzar os dedos atrás da nuca do cara com quem estava, como
fazia com ele, Lucas não conseguiu se segurar. Quando deu por si, já tinha se
desvencilhado da menina e praticamente corrido entre as pessoas para se
materializar onde Hannah estava.
— Preciso falar com você. — Ele a puxou pelo braço, fazendo-a se
virar.
— Eu não tenho nada para falar com você, Cooper — ela retrucou.
— Algum problema? — O rapaz, com o sotaque francês carregado, se
virou para Hannah.
— Problema algum, mon beau. — Ela sorriu, tocando o rosto dele.
Lucas rolou os olhos. — Meu amigo já está de saída.
— Não sem antes falar com você. E saiba que eu tenho todo o tempo do
mundo — Cooper retrucou, com um sorriso malicioso, e viu a garota bufar.
— Pierre, querido, você conseguiria me buscar um refil? — ela pediu,
tamborilando com as unhas no copo plástico colorido. O rapaz ruivo assentiu,
com um sorriso, e se distanciou. — O que você quer?
— Quem é esse cara? — Lucas riu. — Melhor... Aonde você quer
chegar com isso?
— Esse cara é o Pierre. Ele é francês e não sei como veio parar aqui,
mas apenas agradeço — ela disse, parecendo se divertir com a expressão de
Lucas. — E não sei aonde eu quero chegar com ele. Talvez no mesmo lugar
que você e sua amiguinha... Qual é mesmo o nome dela?
— Anna — Lucas respondeu de pronto. Ele não lembrava se tinha
perguntado o nome da garota, mas torceu para que isso não tivesse ficado
claro. Hannah não pareceu se importar. — Por que a pergunta? Está com
ciúme?
Hannah gargalhou.
— Você está? — ela retrucou, nervosa. — Eu imagino que não, porque
isso aparentemente é “contra as regras”. — Fez aspas com os dedos. — Então
não vejo sentido em você tirar satisfação sobre o cara que está comigo,
Cooper. Você precisa ter um pouco de coerência. Não dá para estar dentro e
fora ao mesmo tempo.
Ao perceber que Hannah o deixaria plantado ali, Lucas a segurou de
novo.
— Eu nunca disse que ter ciúme era contra as regras. Eu nem sabia que
tínhamos regras, para começo de conversa.
Hannah chacoalhou a cabeça, incrédula.
— Você tem razão. — Ela sorriu, cínica. — Não precisamos ter regras
quando não temos absolutamente nada.
— Como é que é?
— Isso mesmo que você ouviu, Cooper. Você deixou bem claro como se
sente em relação a nós. Sinto muito, mas isso não é o suficiente para mim.
— Hannah — Luke a chamou, correndo atrás dela e fazendo-a parar no
meio do jardim, entre as pessoas.
Os olhos da garota estavam vermelhos, e ele engoliu em seco.
— Você olhou na minha cara e me disse que jamais sentiria ciúmes de
mim, Luke — ela disse alto. — Quem você pensa que é? Algum ser superior
com quem eu deveria me sentir muito grata por ter algum tipo de
relacionamento? — Ela gargalhou, irada. — Você acha que eu não sou digna
de estar com você?
— Meu Deus, Hannah, eu não quis dizer isso. — Ele arregalou os olhos,
alarmado. — Você quer ouvir que eu estava com ciúme do George? Pronto,
eu te digo. Eu estava.
— Que se dane — ela cuspiu as palavras. — Agora não faz a menor
diferença. Eu sei o meu valor, Luke, e muita gente aqui também sabe.
— Eu também sei.
Hannah riu.
— Desconfio de que não — ela disse, parecendo triste. — E essa vai
para a minha conta, por achar que você era diferente de qualquer idiota com
quem já saí.
— Hannah, por favor, me escute.
— Não, Luke. Só me deixe quieta, ok? Finja que eu não estou nem aqui.

Hannah virou o resto do líquido cor-de-rosa que estava em seu copo.


Não fazia a menor ideia do que estava bebendo, mas aquilo deixara de
importar dois drinques antes. Não tinha o costume de beber tanto, mas era a
única forma de amenizar os sentimentos conflitantes dos quais não conseguia
se livrar.
Não lembrava a última vez que tinha se decepcionado tanto com um
cara. Tudo bem, ela tinha sido traída por Brian, seu ex-namorado, mas, apesar
desta ter sido uma experiência dolorosa, Hannah reconhecia que muito dela
se devia a seu próprio ego. Estava com vergonha de ter sido traída e todo
mundo saber, mas, se fosse sincera, não tinha se surpreendido. Brian sempre
dera sinais de ser um idiota, sinais que ela ignorara porque a embalagem que
o envolvia era tão linda que não a deixava pensar com coerência.
Durante meses, culpara-se pela atitude de Brian exatamente por isso. Ele
levantara todas as bandeiras vermelhas, e ela tinha preferido não ver.
Demorara muito tempo para entender que as atitudes erradas dele não eram
reflexo de suas escolhas, e que merecia muito mais.
Lucas não era nem um pouco como Brian. Em semanas, tinha
conversado mais com ele do que com o ex-namorado em mais de um ano de
relacionamento.
Ele a compreendia, a desafiava e parecia genuinamente interessado nela.
E então ela começara a baixar a guarda, porque se sentira segura pela
primeira vez em muito tempo. Parecia o certo a fazer, até o universo tratar de
lembrá-la de que as coisas não são simples assim.
Lucas tinha dito, com todas as letras, que jamais sentiria ciúme dela e
aquilo não poderia tê-la tocado de forma pior. Achava que os dois levavam
aquele relacionamento da mesma forma e com a mesma intensidade, e ouvir
aquilo tinha sido o balde de água fria que Hannah não esperava. Brian tinha
agido exatamente como ela pensava que agiria. O que Lucas tinha feito era
muito pior.
Suas amigas já estavam zangadas com ela pela quantidade de bebida que
estava consumindo. Ellie a perseguia pelos cômodos, tentando convencê-la
de subir e deixar a festa de lado, mas ela não conseguia fazer isso, embora
estivesse fugindo de Luke, de George, de Pierre e de qualquer outro cara que
quisesse se aproximar.
Se esforçou para escutar o que Rebecca lhe contava enquanto a obrigava
a beber água. A sala de jogos estava lotada, e alguém tinha colocado uma
playlist dos anos 2000 para tocar, já que o cômodo ficava no porão e Liam
entretinha as pessoas no andar de cima. Balbuciou os versos finais de Toxic,
da Britney Spears, quando viu Lucas descer as escadas.
Ele a encarou por um longo momento, mas foi interceptado por Oliver
antes que pudesse caminhar em sua direção. Os dois continuaram sustentando
o olhar, em lados opostos da sala, ignorando o que os amigos diziam. Hannah
sentia a pele queimar, então apertou os olhos e tomou mais um longo gole de
água, mas Luke ainda a encarava quando voltou a abri-los.
Soltou o ar pela boca, sentindo-se imediatamente sóbria, e se perguntou
se o melhor a fazer não era enfrentar aquele assunto de uma vez. Só se
sentiria melhor quando despejasse tudo, e poderia aproveitar o resto da festa
para ir com Luke para o quarto e resolver aquela história como adultos.
Pegou o celular, orgulhosa de si mesma, mas, quando estava pronta para
digitar uma mensagem, viu a garota com quem ele estava se agarrando horas
antes naquele maldito unicórnio inflável aparecer. Ela abraçou Lucas por trás,
pegando-o de surpresa.
Ele virou de costas, e Hannah assistiu, com o coração disparado, a Lucas
dizer alguma coisa que fez a garota curvar as costas em uma risada genuína.
Apertou o celular na mão, sem ter medo de quebrá-lo, depois o jogou de
qualquer jeito no sofá.
Estava morrendo de ódio. Não era possível que aquele babaca fosse se
divertir com outra na frente dela, depois da briga que tiveram.
Quando estava pronta para marchar até lá e tirar satisfações das quais se
arrependeria depois, ouviu a introdução de Hot N Cold, da Katy Perry.
Ninguém pareceu prestar atenção, seguindo com suas partidas de beer pong e
sinuca. Outros grupos continuaram rindo e bebendo. Hannah franziu a testa
ao lembrar a letra da música e o quanto ela se encaixava em sua vida.
Em um impulso, caminhou até a mesa de sinuca e ouviu dois caras
xingarem ao vê-la sentar no feltro verde e tomar o taco das mãos de um deles.
Ao ver a amiga ficar em pé, Rebecca praguejou baixo e correu até ela.
— Han, o que você está fazendo? — perguntou, mas Hannah não
respondeu. Becky olhou sobre o ombro, vendo que Lucas estava lá,
encostado na parede, com os olhos arregalados na direção de Hannah. — Ah,
pronto — disse, batendo a mão na testa.
— Tem uma garota na mesa de sinuca — um cara gritou, empolgado.
Oliver se virou rapidamente, deixando o queixo cair ao ver a irmã.
— Ah, não.
— You change your mind like a girl changes clothes[2] — Hannah
começou a cantar, vendo Lucas se aproximar, parecendo hipnotizado.
Dançava empolgada, ignorando os pedidos de Rebecca e Oliver para que
descesse dali. Cada parte daquela letra parecia ter sido escrita para ela – ou
para eles. Naquele momento, Katy cantava sobre ela e, principalmente, sobre
Lucas.
Não importava o tanto de celulares apontados para ela, nem que a
pequena sala de jogos tivesse ficado abarrotada em trinta segundos com
curiosos que queriam ver a garota maluca. Lucas estava de queixo caído,
vendo-a jogar o cabelo e pronunciar cada palavra com uma propriedade que
provavelmente o tirava do sério.
Hannah sorriu ao ouvir o refrão.
— ‘Cause you’re hot then you’re cold, you’re yes then you’re no...[3]
— Lucas, acorde. — Becky o chacoalhou, falando entre dentes. — Faça
alguma coisa — ela pediu, e Cooper piscou algumas vezes, atônito.
Hannah seguiu cantando, enquanto vários caras assoviavam,
empolgados. Luke se aproximou da mesa, sem nem entender como tinha
chegado até lá. Não conseguia desgrudar seus olhos dos de Hannah e se
perguntou se estava óbvio que era o cara que ela “homenageava” com a
música. Não importava.
Não fazia ideia se estava mais excitado, admirado ou irado consigo
mesmo por as coisas terem chegado àquele ponto. Mas não tinha tempo para
pensar. Encostou na mesa e a encarou.
— Hannah, desce daí — pediu baixo e viu a garota rolar os olhos.
— Me erra, docinho.
Ignorando-o, Hannah fez questão de colocar um sorriso no rosto ao
frisar as partes que considerava mais ofensivas a Luke. E estava funcionando.
Ele já tinha vestido a carapuça, e ela tinha lhe servido como não serviria em
mais ninguém. Cada palavra, olhar e gesto que Hannah fazia o estava
enlouquecendo.
Não conseguia se conter. O jeito que ela estava cantando e dançando o
fazia sentir feliz e culpado ao mesmo tempo. Ele riu de si mesmo ao ver
Hannah encará-lo:
— I should know that you’re not gonna change.[4]
— É impressão minha ou minha irmã está cantando para o Luke? —
Oliver perguntou, confuso, e Rebecca apertou os olhos.
— Hã? Tá maluco, Oliver? — retrucou, sem conseguir fazer nada
melhor do que isso, enquanto via a amiga rebolar usando o taco como apoio.
— Eu vou tirar ela dali — Ollie esbravejou, e Becky segurou seu braço.
— Deixe-a desabafar um pouco.
— Sobre o quê?
— Sobre o que ela quiser. — Becky deu um sorrisinho de canto.
Enquanto o refrão tocava e as pessoas cantavam, empolgadas, Luke
soltou o ar pela boca.
— Hannah, por favor. Desça daí — pediu, ouvindo comentários
ridículos de alguns caras que estavam perto dele.
Queria socar meia dúzia de marmanjos como se não houvesse amanhã,
mas sabia que a melhor coisa a fazer era proteger Hannah dela mesma. A
garota arqueou uma sobrancelha.
— Só para você me decepcionar de novo? — ela perguntou.
— Não, porque está todo mundo... — Lucas parou de falar, ouvindo um
cara gritar “gostosa”.
Hannah riu, mandando um beijo no ar naquela direção.
— Hannah... — Ele passou as mãos pelos cabelos, impaciente.
— Eu tinha dito para você me deixar em paz — ela murmurou.
— Você deveria facilitar para que eu faça isso, então — Lucas retrucou,
dando um passo para trás.
Hannah continuou o que estava fazendo, sem parecer se importar.
Se ela queria jogar assim, que jogasse. Era melhor ele sair dali antes que
perdesse a paciência e se arrependesse. Seu rosto estava vermelho e sua pele
queimava por dentro. Se escutasse mais algum comentário sobre ela, não
responderia por suas atitudes.
Antes de sair, no entanto, ousou olhar por cima do ombro. Hannah tinha
ajoelhado na mesa, acompanhando a parte mais lenta da música. Ela olhava
em sua direção, com os olhos vermelhos.
— You change your mind like a girl changes clothes — ela cantou
baixinho, e Lucas sentiu a nuca arrepiar.
— Já chega — ele murmurou, irado, abrindo espaço entre as pessoas de
forma rude.
Em meio segundo, a puxou de cima da mesa, jogando-a em seu ombro.
Uma vaia coletiva tomou conta da sala, enquanto Hannah se debatia.
— Me solta, seu idiota! — ela gritou, mas Lucas não deu ouvidos. —
Cooper! Me ponha no chão. Agora!
Lucas fez questão de ignorar as demandas de Hannah. Mal conseguia
pensar com coerência, quanto mais ligar para os tapas desajeitados que ela
dava em suas costas. As pessoas abriram caminho para que ele passasse,
confusas, e nem ouvir a voz de Oliver o impediu de continuar andando,
enquanto Katy Perry terminava de cantar a música nos autofalantes.
Subiu as escadas com Hannah o xingando e viu a porta do banheiro da
sala de estar entreaberta. Terminou de abri-la com o pé, aliviado por não ter
ninguém ali. Largou Hannah sobre a bancada gélida de mármore e ouviu o
barulho de alguma coisa quebrando atrás dela, enquanto trancava a porta.
— O que você pensa que está fa... — Hannah começou a dizer, nervosa,
quando Lucas a puxou pelo pescoço e colou suas bocas.
Parecia que o mundo iria acabar dali a alguns segundos e aquela era a
última coisa que ele precisava fazer antes que tudo explodisse. Hannah sentiu
a nuca arrepiar enquanto Luke apertava seu corpo com força contra o dele,
enlaçando os dedos em seu cabelo. Logo seu corpo cedeu e reagiu ao de
Cooper, e ela fincou suas unhas nos ombros dele, ansiando por mais.
Lucas separou o beijo sem aviso, e Hannah sentiu seu lábio formigar.
Piscou algumas vezes, atônita, enquanto respirava fundo. Cooper ainda
estava com uma das mãos em sua coxa, então ela colocou a sua sobre a dele.
Quando ia falar alguma coisa, ouviu a voz de Luke.
— Eu quero você. Só você e mais ninguém — ele disse, firme, e a
garota estremeceu. — Eu poderia muito bem continuar com esse joguinho
idiota, ficar com várias garotas e entregar o que você espera de mim. Mas eu
não quero fazer isso.
— O que você acha que eu espero de você? — Hannah perguntou, em
um sussurro, e ele sorriu fraco.
— Que eu te decepcione. Que eu prove a você que você não deveria
baixar a guarda com ninguém — Lucas devolveu, sorrindo de canto ao ver o
queixo caído da garota.
— Você já me...
— Fique quieta, por favor — ele pediu, rindo, e a beijou rapidamente.
— Eu sei que eu já te decepcionei. E você sabe tanto quanto eu que todas as
minhas atitudes foram baseadas em um ciúme idiota, que eu queria esconder
até de mim mesmo. Eu não estaria aqui se fosse mentira. Você acaba com
meu fiapo de paciência e, ainda assim, é a única que consegue me
enlouquecer só com um olhar.
Hannah sorriu, olhando para as próprias mãos.
— Eu quero que se foda esse lance de amigos com benefícios.
— O quê?
— Eu quero exclusividade — ele disse, depois mordeu o lábio. — Eu
quero ser o único beneficiado e só quero beneficiar você — Lucas propôs,
com um sorriso desafiador. — Além disso, eu quero ficar com você na frente
de todo mundo.
— Eu estou mesmo ouvindo isso? — Hannah perguntou, em choque, e
Lucas riu.
— Está, sim — disse, despreocupado. — Nós já jogamos o seu jogo,
Hannah. Já seguimos as suas regras. E foi ótimo, mas eu quero mais.
— Luke...
— Pense com calma. E, se você concordar, eu vou esperar você lá no
meu quarto — ele acrescentou, prendendo o riso ao ver a expressão perplexa
de Hannah. Então, pressionou levemente seus lábios contra os dela, com o
coração batendo nos ouvidos. — Confio em você, docinho.
Ao sair, deixou-a parada no mesmo lugar, sentada sobre a pia do
banheiro. Subiu as escadas o mais rápido que conseguiu e fechou a porta de
seu quarto, respirando direito pela primeira vez nos últimos minutos.
Nunca tinha sido tão honesto sobre seus sentimentos com alguém. Tinha
colocado absolutamente todas as suas cartas na mesa, sem espaço algum para
blefar ou voltar atrás. E tinha escolhido fazer isso com quem? Justamente
com Hannah Lane.
Estava tremendo da cabeça aos pés. Mas não podia mais mentir para si
mesmo. Hannah era quem ele queria, e ele achava que era correspondido,
mesmo depois de todas as burradas que tinha feito nos últimos dias.
Ela só precisava aparecer.
Capítulo 11
Lucas piscou algumas vezes para que seus olhos se ajustassem. Percebeu
que havia dormido com a luz acesa, após quarenta minutos de espera, nos
quais sua convicção de que Hannah apareceria ficou comprometida. Tinha
bebido um pouco e estava cansado de ter trabalhado o dia inteiro para que a
festa acontecesse. Além disso, estava emocionalmente abalado com todos os
joguinhos, brigas e declarações que haviam acontecido naquele dia.
Do lado de fora, o barulho começava a dissipar. Sentou-se na cama,
segurando a cabeça, e quase deu um pulo para trás ao ver Hannah em uma
poltrona, encarando-o.
Ela vestia o moletom vermelho de que tanto gostava, que ele tinha
jogado por ali algumas horas antes. Estava com as pernas apoiadas na cama,
enquanto olhava para o celular.
— Você disse meu nome enquanto dormia — Hannah falou, tirando os
olhos da tela. — Duas vezes.
Luke apertou os olhos, surpreso com aquela informação, e então seu
coração acelerou ao perceber que ela estava, sim, ali mesmo. Por sabe Deus
quanto tempo.
— Talvez eu seja a garota dos seus sonhos — ela acrescentou, fazendo
graça, e Lucas riu baixo.
— Talvez você seja — ele retrucou, e Hannah arqueou uma sobrancelha,
parecendo espantada com a resposta.
— Achei que você fosse me chamar de pretensiosa.
— Você é pretensiosa. E teimosa, cabeça-dura, implicante...
— Espero que haja um “mas” no fim dessa frase. — Hannah estreitou o
olhar, e Luke sorriu.
— Eu teria toda a razão em chamá-la assim — ele retrucou, rindo. —
Mas eu estou tentando esse negócio de ser um cara melhor, ser honesto
comigo mesmo e coisa e tal. E nós também fizemos um trato sobre sermos
honestos um com o outro, sempre.
— Você tem falhado nesse trato.
— Estou tentando me redimir — Luke disse, sincero. Viu Hannah sentar
em sua frente na cama, mordendo o lábio inferior. Sabia que ela estava doida
para dizer alguma coisa, mas talvez ainda estivesse estudando sua próxima
jogada.
Ganhar a confiança de Hannah não era fácil, e Lucas sabia que tinha
cruzado de um lado para o outro daquela linha tênue diversas vezes nos
últimos tempos.
— Eu realmente estava sonhando com você. Não sei o motivo, mas
sonhei com aquela vez que fomos ver o time da escola jogar em outra
cidade...
— Asheville — Hannah completou, e Luke assentiu.
— Isso mesmo. A vez que eu bati meu carro porque fui estúpido o
suficiente para dirigir bêbado, e você cuidou de mim.
— Correndo o risco de perder minha licença temporária por dirigir
desacompanhada por um adulto. Além do bônus de ter sido largada pelo meu
namorado, que teve uma crise louca de ciúmes — Hannah reclamou,
arrancando uma risada do garoto.
— Eu nunca entendi direito por que você me seguiu com o carro do
Oliver e cuidou de mim quando eu fiz besteira. Talvez agora eu entenda.
— Não vá me dizer que você acha que eu tinha um crush em você desde
aquela época, porque olha...
Lucas riu.
— Não está óbvio? Você me amava esse tempo inteiro — ele provocou,
vendo-a rolar os olhos. — Estou brincando. Eu quis dizer que você sempre
foi uma garota incrível, mas eu sempre fui competitivo demais em nossa
guerra particular para me deixar enxergar esse seu lado.
Hannah sorriu, envergonhada.
— Porém, no caso do meu sonho, em vez de terminarmos brigando no
lobby do hotel porque o jogador de quem eu não lembro o nome terminou
com você bem quando vocês completaram um mês de namoro, nós
transávamos em uma cama muito parecida com essa — ele disse, dando uma
gargalhada ao ver a mudança na expressão de Hannah.
— Luke! — ela disse, parecendo chocada. — Eu estava sentada ali
enquanto você tinha sonhos pornográficos comigo?
— Desculpe? — Ele riu alto. — Por que você não me acordou?
— Porque achei você bonitinho dormindo — ela retrucou sem pensar,
depois sentiu as bochechas corarem. — Bonitinho por fora, arrancando
minhas roupas por dentro.
— Vai dizer que você não acha uma boa ideia? — Ele arqueou uma
sobrancelha, tomando uma almofada na cara como resposta.
Os dois se encararam por alguns segundos, dando risada. Então, Luke
soltou o ar pela boca antes de tocar no assunto inevitável. Do nada, suas mãos
estavam geladas.
— Achei que você não viria.
Hannah assentiu, olhando para as mãos.
— Eu pensei bastante. Muito mesmo — disse, parecendo ansiosa. —
Então, quando eu finalmente decidi subir, Oliver me encontrou e me deu uma
bronca imensa porque eu dancei em cima da mesa. — Hannah rolou os olhos.
— Quando cheguei, você estava dormindo e eu não tive coragem de te
acordar.
— Porque eu estava bonitinho ou porque você não sabia lidar com esse
assunto?
— Acho que os dois — Hannah confessou, olhando-o nos olhos. —
Luke, você sabe o motivo pelo qual eu não me esforcei para descobrir se
havia algo mais entre a gente no verão passado, depois da aula de literatura e
da festa?
— Não.
— Porque eu não confiava que você poderia ser o que eu queria — ela
disse sob o olhar atento de Luke. — Eu te observei por anos. Sempre soube
como você se comporta. Embora você tenha sido muito sincero com todas as
garotas com quem esteve, você nunca passou tempo suficiente com alguma
delas para se apegar. — Ela fez uma pausa, incerta. — Eu nunca quis ser
apenas mais uma — disse, sincera. — Nem de você, nem de ninguém. Então,
quando começamos a ficar, indo contra tudo o que eu acreditava ser real,
tentei o meu melhor para me deixar levar. Eu pulei na água sem colocar o pé
antes, porque eu não queria mais ser a Hannah controladora. Você mostrou
que minha vida podia ser muito maior do que meus detalhes e imperfeições, e
isso me fez muito feliz. Então, quando você sugeriu que não tínhamos nada
sério e que nunca sentiria ciúme de mim...
— Você achou que eu era o mesmo cara de sempre — Luke completou,
entendendo ao ver Hannah assentir. — Han, eu sei que é difícil mergulhar de
cabeça em certas coisas. Eu mesmo relutei demais para estarmos juntos aqui,
agora. Eu não queria assumir o quanto gostava de você. Não queria admitir
que queria que fôssemos só nós dois, sem nenhuma outra pessoa. É difícil
navegar nessa área com você.
Os dois se encararam, e Lucas se aproximou, segurando a mão da
garota.
— Eu agi que nem um moleque porque achei que era isso o que você
queria da nossa relação. Afinal, você propôs a amizade colorida. E eu podia
ter falado a verdade e assumido que o George me irritava pra cacete, mas eu
preferi fazer meu número habitual, que é ser um idiota e depois morrer de
vergonha por ter feito merda.
— Você arrasa nesse número. — Hannah riu.
— Eu sei. Provavelmente porque eu não sou muito bom nessa área de
gostar de alguém. Não como eu gosto de você — ele disse baixinho, com o
rosto queimando.
Hannah parecia que ia derreter sob o olhar de Luke. Seu coração estava
batendo de forma ensurdecedora, e ela não podia acreditar que aquilo
realmente estava acontecendo. Ficaria decepcionada demais se descobrisse
que tudo era fruto de sua imaginação fértil e de alguns copos da bebida
horrorosa de cereja que ela bebera nas últimas horas.
— Eu não prometo conseguir ser o melhor cara do mundo. Vou mudar
muito se fizer isso e não serei mais o idiota por quem você nutre um crush há
dez anos — Luke provocou e sorriu de canto ao ver Hannah chacoalhar a
cabeça. — Mas gostaria de tentar.
Hannah mordeu o lábio, torcendo a barra do moletom vermelho,
nervosa. Sabia que Luke devia querer rir ao vê-la fazer isso – afinal, sua
forma de demonstrar ansiedade já tinha sido tópico de uma conversa
engraçada entre os dois, uma noite na piscina.
Voltou a encará-lo, mas Lucas parecia tão nervoso quanto ela,
estralando os dedos das mãos. Como quem lia pensamentos, os dois trocaram
um olhar e acabaram rindo, percebendo o quanto aquilo era idiota. Hannah se
ajoelhou na cama e segurou o rosto de Lucas entre as mãos.
— Eu também gostaria de tentar — ela disse, com um sopro de voz. —
Só nós dois. Como beneficiários únicos e exclusivos, que na verdade era o
que eu queria desde o princípio — disse, e Lucas riu baixo.
— Mulheres... Por que você não me falou isso?
— Por que você não assumiu que estava com ciúmes do George e do
Pierre?
Os dois sustentaram o olhar, depois caíram na risada.
— Empate?
— Com toda certeza.
Luke puxou Hannah para o seu colo e a beijou. O beijo, delicado e
apaixonado, era tudo o que os dois precisavam depois de um dia tão
conturbado como aquele. Lucas a deitou de costas na cama, sem interromper
o beijo, e Hannah percebeu que seu corpo respondia perfeitamente a cada
toque dele, como em uma sincronia perfeita. Luke embrenhou as duas mãos
por baixo do blusão que ela vestia, e o toque de suas mãos geladas contra a
pele quente de sua barriga fez seu corpo arrepiar.
Hannah separou o beijo e o encarou, com um sorriso nos lábios. Então o
empurrou para o lado, fazendo-o deitar ao seu lado na cama. Lucas estava
pronto para falar alguma coisa, quando a garota ficou de joelhos e tirou o
blusão, revelando o biquíni e o shorts que ela estava usando durante toda a
festa. Ao vê-lo sorrir largamente, Hannah fez o mesmo, curvando-se para um
beijo rápido. Ela desabotoou os shorts devagar, livrando-se da peça
rapidamente, sob o olhar ludibriado de Luke.
Se antes disso Lucas tivesse qualquer incerteza sobre o rumo que aquela
noite tomaria, ela tinha se esvaído naquele momento. Ajoelhou na frente dela
e tirou a camiseta, voltando a beijá-la no pescoço. Não sabiam qual coração
estava batendo mais audivelmente, mas deixaram de se importar conforme
peças de roupas iam sumindo pelo meio do quarto, entre beijos ferozes,
sorrisos cúmplices e piadinhas sem fôlego que só funcionariam entre os dois,
em seu mundinho impenetrável.
Quando não havia mais nada entre eles, Lucas acariciou o rosto de
Hannah, tirando uma mecha de cabelo de seus olhos. O sorriso trocado
acabou se tornando uma risada baixa, e Hannah o segurou pelo rosto.
— Diga-me que você é meu — ela pediu, em um sussurro, e Lucas
assentiu, apertando-a contra si.
— Eu sou seu — ele prontamente atendeu, com urgência.
— Não — ela negou, cruzando as pernas ao redor da cintura de Luke. —
Diga do jeito que eu quero ouvir — Hannah reiterou, mordendo o lábio para
suprimir um sorriso.
Lucas sentiu a nuca arrepiar, assentindo.
— Eu sou todo seu — ele fez uma pausa, com um sorriso malicioso nos
lábios. — Docinho.

Hannah vestiu um vestido azul-claro e penteou os cabelos molhados


com pressa. Tinha acordado uma hora antes no quarto de Luke, e, embora
agora fizesse parte do trato deles que todos os amigos soubessem de seu
relacionamento exclusivo – que ainda não chamavam de namoro –, não
precisavam matar ninguém do coração descendo as escadas juntos para o café
da manhã.
Ela estava exausta e faminta, mas não podia se sentir mais feliz. Parecia
ter dormido com um cabide na boca, tamanho o sorriso estampado em sua
cara. Acordar abraçada a Cooper era tão surreal quanto familiar, na mesma
proporção. Ficar deitada sobre o peito dele, sentindo sua respiração pesada,
era o calmante de que ela não sabia precisar. Poderia fazer isso o dia inteiro.
Não sabia o que o futuro lhes reservava, mas de alguma forma já gostava de
tudo o que estava para acontecer.
— Saudades de quando estávamos sozinhos e você estava vestindo a
minha camiseta. — Luke fez um bico, abraçando-a quando ela apareceu na
sala de estar bagunçada após a festa.
Hannah riu, olhando para os lados.
— Saudades de quando você não estava vestindo absolutamente roupa
nenhuma — ela retrucou, e o queixo do garoto caiu, dando lugar a um sorriso
malicioso.
— Se isso for um problema, podemos resolver agora mesmo.
— Claro, depois que resolvermos o problema do meu estômago
roncando. — Ela riu, beijando-o rapidamente. — Onde está todo mundo?
— Dormindo, acho. E não temos comida.
— Como assim, não temos comida?
— No sentido de que comemos toda a comida da geladeira e dos
armários — ele respondeu de forma óbvia, tomando um tapa no braço. — Ai!
— Não brinque com comida a essa hora.
— Lição aprendida. — Ele riu.
— Estou pensando em unir o útil ao agradável e ir até aquela padaria
que tem aqui perto, aquela com os croissants maravilhosos. Podemos comer,
trazer alguma coisa para quando a galera acordar, porque somos amigos
sensacionais, e de quebra ter um tempo só para nós dois. — Hannah abriu um
largo sorriso.
— Imagino que isso seja sobre ter um tempo sozinha comigo? — Luke
provocou.
— Se é essa a resposta que vai aquecer seu coração, agarra-se a ela,
docinho.

*
Tinham resolvido ir a pé até a padaria, onde comeram croissants de
chocolate e compraram guloseimas para os amigos, que acordariam exaustos
e talvez bravos por terem organizado levemente a casa sem a ajuda dos dois.
Precisavam se redimir. A descida para o local tinha sido uma delícia, mas
tinham se esquecido de calcular que teriam que subir uma ladeira enorme na
volta, e Hannah ria da torrente de reclamações que Lucas despejava, dizendo
que estava prestes a morrer e deixá-la viúva tão jovem.
— Você é muito ridículo. — Ela riu, tomando um gole de água enquanto
apertava o controle remoto para abrir o portão. — Era de se pensar que
exercícios físicos fizessem parte da sua rotina, já que você agora tem esse
corpinho aí.
— Você adora objetificar meu corpo, né? — ele brincou, bebendo o
resto do líquido da garrafa. — Em minha defesa, eu bebi muito ontem e já fiz
muito exercício de madrugada... Três vezes — disse, presunçoso, e a garota
rolou os olhos, rindo.
— Eu fiz a mesma coisa e não estou reclamando. — Ela sorriu,
vitoriosa.
— Isso quer dizer que estamos a caminho do quarto round?
— Se você conseguir respirar até lá.
— Não me desafie, docinho — Lucas advertiu, com um sorriso de canto.
— Por que não? O que você vai fazer?
— Jogar você de roupa na piscina, porque está calor e eu quero te punir.
Aí, quando estivermos quites, abrir um novo round.
— Você não ousaria — ela disse, dando um gritinho ao ver a expressão
de Luke e disparando jardim adentro. — Agora você está disposto a correr?
— Eu falei para você não me desafiar — ele retrucou, alcançando-a.
Hannah viu Luke colocar as sacolas da padaria na grama e fez uma careta,
encarando-o.
— Já disse que você é lindo hoje?
— Não o suficiente — ele brincou, enquanto a garota se aproximava.
— Nunca vi você tão lindo.
— Fale mais, estou estudando perdoá-la — ele disse, enquanto Hannah
o abraçava.
— E você é muito gostoso.
— O que mais?
— Você é tão gostoso que eu prefiro você ao croissant de chocolate —
Hannah sussurrou, com a boca perto da dele.
— Agora já acho que você está mentindo.
— Shhh. — Ela colocou o dedo sobre os lábios de Luke, com um
sorriso. — Não estrague o momento — pediu, e os dois riram antes dele
beijá-la.
Hannah cambaleou para trás, encostando em uma árvore. Seus joelhos
tinham uma mania terrível de ceder com os beijos de Luke, e ela estava feliz
por ter um apoio. Assim que pararam de se beijar, Luke deu uma risada
breve, sem tirar os olhos dos dela.
— Mentirosa.
— Ei! Eu jamais mentiria para que você não... — Hannah parou de falar,
escutando um barulho.
— Hannah!
Era a voz de Ellie. Os dois se entreolharam, e Lucas sorriu, em um claro
incentivo para que ela olhasse para a amiga. Não precisavam mais esconder a
verdade e, pelo que imaginavam, Ellie ficaria muito feliz com a história toda.
Quando Hannah se virou, no entanto, a expressão de Ellie era de pânico
– e, para sua surpresa, sua amiga não estava sozinha. Dylan parecia
igualmente assustado, com os olhos castanhos arregalados enquanto segurava
um espeto de churrasco. Becky fazia uma careta, e a expressão de Liam era
de preocupação. Mia, por sua vez, não dava sinais de entender a cena que
presenciava.
Havia um copo de bebida derramado no chão ao lado de Ellie. Hannah
demorou alguns segundos para entender a expressão desesperada de todos,
quando viu Oliver aparecer por trás de Liam. Dizer que seu irmão parecia
consternado era um eufemismo.
Luke apertou sua mão com mais força, tentando lhe passar alguma
confiança. Hannah pensou em abrir a boca e falar alguma coisa. Queria dizer
algo para Luke, queria caminhar até Oliver e acalmá-lo. No entanto, tudo o
que Hannah escutou a seguir foi o grito de Ellie, um “Ollie, não!”, meio
estrangulado, enquanto via seu irmão correr na direção de Lucas.
Em uma fração de segundo, sua mão caiu ao lado do corpo.
E então Luke estava no chão.
Capítulo 12
Luke definitivamente não estava esperando por aquilo. O murro certeiro
de Oliver próximo ao seu olho tinha o pegado desprevenido, fazendo seu
rosto latejar. Segurou o nariz, sem conseguir expressar reação alguma devido
ao choque.
— Eu vou te matar, seu traidor! — Oliver berrou, se debatendo contra
Liam, que o segurava. — Me solta, Johnston!
Hannah olhou assustada para o irmão, que estava com o rosto vermelho
de raiva. A última vez que tinha o visto assim fora na festa da escola, quando
Brian lera sua carta para o colégio todo e a fizera chorar. Oliver era
superprotetor, o que era igualmente bonitinho e um pé no saco, mas, mesmo
com seu histórico, ela jamais poderia esperar que agisse assim contra seu
melhor amigo.
— Luke! Você está bem? — Ela se ajoelhou, saindo de um transe, e
segurou o rosto dele entre as mãos. Seus olhos estavam ardendo e o corpo
tremendo, e ela se perguntou se era possível morrer tão nova com o coração
batendo naquela velocidade.
Não esperou que Lucas respondesse, no entanto. Sem largar dele, olhou
por cima do ombro, gritando:
— Ollie! Você ficou maluco?
— Eu não estou maluco, porra nenhuma — ele vociferou. — Você que
só pode ter ficado doida!
Hannah deixou que Dylan ajudasse Lucas a se levantar, e ela se colocou
de frente para o irmão, ainda preso contra o corpo de Liam, que suava para
mantê-lo ali. Mia estava em sua frente tentando o acalmar, mas era fácil dizer
que ela não obtinha sucesso.
— Pare de falar assim comigo, Oliver. Eu não tenho cinco anos e não
preciso que você me proteja — Hannah respondeu, irada, mas Oliver não
pareceu dar a mínima.
Ele encarou Lucas, que agora estava de pé.
— Eu nunca esperei isso de você, cara! Porra, você é o meu melhor
amigo! — ele gritou, então xingou alto, virando-se para Liam. — Me solta!
— Ollie, olhe para mim, por favor. — Hannah se aproximou do irmão,
que virou o rosto. — Deixe-me explicar.
— Eu não quero falar com você. Meu assunto é com o Cooper.
Luke passou a mão pelo rosto, sentindo um pouco de sangue escorrer
por seu nariz. Aquilo não era exatamente inesperado, visto que Oliver era um
jogador defensivo de futebol americano. Respirou fundo, encarando o amigo.
— Solta ele, Liam.
— O quê? — Hannah e Mia disseram em uníssono, alarmadas.
Luke olhou nos olhos de Hannah, sentindo o desespero dela a metros de
distância. Se aproximou rapidamente e segurou sua mão de forma quase
imperceptível.
— Vai ficar tudo bem — ele murmurou, para que apenas ela escutasse.
— Luke, não — ela pediu, com a voz suplicante. Aquilo deixou Lucas
inquieto.
Hannah sempre parecia independente e cheia de si, e vê-la vulnerável
daquela forma lhe dava um aperto no peito. Entretanto, não havia nada que
pudesse fazer além de encarar Oliver de frente e torcer para não tomar um
cruzado que acabasse de lhe quebrar o nariz.
— Vai ficar tudo bem — ele repetiu, indo em direção a Oliver. —
Relaxe. Eu não vou fazer nada.
Luke viu pela visão periférica que Ellie e Becky estavam ao lado de
Hannah, abraçando a amiga. Parou na frente de Oliver, que estava tendo uma
conversa acalorada com Liam, que ainda não tinha o soltado.
— Vamos conversar então, Ollie — Lucas disse calmamente, medindo
as palavras. Olhou firmemente para Liam, que hesitou em soltar o amigo,
mas o fez em seguida.
Oliver respirou fundo.
— Você é inacreditável, Cooper — ele disse com desprezo. — É a
minha irmã, porra! — despejou. Hannah ia abrir a boca para intervir, mas
Liam a repreendeu com o olhar.
— Eu sei, cara, mas...
Antes que pudesse terminar a frase, Oliver acertou um soco em sua
barriga, dessa vez com menos força. Ainda assim, Lucas se curvou, gemendo.
Ao ver Liam e Dylan correrem em sua direção, o próprio Oliver deu alguns
passos para trás, chocado consigo mesmo.
— É melhor eu sair daqui — ele disse, caminhando até o portão.

*
Hannah se ajoelhou na frente de Lucas, que estava sentado em uma
espreguiçadeira perto da piscina. Segurou o rosto dele com as mãos trêmulas,
o seu molhado de lágrimas.
— Me desculpa. Me desculpa, por favor — pediu, ainda chorando, e
Lucas acariciou seus cabelos, beijando-a na testa.
— Ei, você não tem que se desculpar por coisa alguma. Não é culpa sua.
— Claro que é minha culpa — ela refutou. — Aquele idiota é meu
irmão, e, se ele não achasse que precisa salvar minha honra ou coisa do tipo,
nada disso teria acontecido.
Luke sorriu, se arrependendo em seguida ao sentir a dor em seu nariz.
— Seu irmão não é um idiota, Hannah. Ele só reagiu de cabeça quente,
coisa que parece bem comum nessa família — ele brincou, vendo a garota
fazer um bico. — Não é culpa sua, nem minha. Acho que nem é do Oliver,
para falar a verdade.
Hannah suspirou, abraçando-o.
— Obrigada por não ter revidado. Sei que não deve ter sido fácil.
— Eu jamais bateria no Ollie, Han. E acho que ele também não bateria
em mim em situações normais — Luke assegurou, acariciando o cabelo da
garota.
— Precisamos levá-lo ao hospital. Você fez seguro de viagem? Eu...
— Ei, não, não precisa — ele a interrompeu, rindo. — Foi só um soco.
Não quebrei nada.
— Seu nariz parece dizer o contrário.
— Está tão ruim assim? — Luke perguntou, pensando em seu rosto
ensanguentado na frente da garota que ele mais queria impressionar, e
Hannah fez uma careta.
— Não, mas eu vou ficar mais tranquila se você for ao hospital.
— Han, eu estou bem.
— Mesmo?
— Juro para você — ele disse, sorrindo ao ver a preocupação de
Hannah. — Eu gosto da ideia de você cuidando de mim.
— É nisso que você está pensando? — Ela riu.
— Sempre.
— Que bom. Porque eu também curto essa ideia. — Hannah o beijou
nos lábios. — Embora eu prefira que você não me mate do coração e evite
esse tipo de cena.
— Prometo tentar.
*

Hannah encarou o portão de ferro pela milésima vez naquele fim de


tarde. Oliver já tinha sumido havia horas. Embora Mia o tivesse seguido para
a rua, Hannah estava preocupada com o rumo que aquela história tomaria.
Tinha cuidado dos ferimentos de Luke e se certificado de que ele não
precisava ir ao hospital – embora ele tivesse feito muita manha apenas para
receber carinho. Também tinha segurado um pedaço de carne congelada
contra o nariz dele, já que estavam sem gelo depois da festa.
Os amigos tinham se reunido do lado de fora para retomar a tentativa
falha de churrasco, que haviam começado ao se darem conta de que não
tinham nada para o café da manhã. Hannah tinha se divertido com as
perguntas indiscretas sobre os dois, fora obrigada a comer um pouco e havia
até entrado na piscina com Dylan e Ellie. Mas parte dela não conseguia se
focar e sabia que só teria paz ao ver aquele portão subindo. Preferencialmente
revelando um Oliver muito mais calmo.
Esperava que Mia tivesse esse poder. Seria eternamente grata.
Ouviu a risada baixa de Ellie e encarou a amiga, deitada na
espreguiçadeira ao lado.
— O que foi?
— Eu não aguento olhar vocês dois assim. — Ela meneou a cabeça, e
Luke riu ao perceber que estava distraído acariciando os cabelos de Hannah,
sentada entre suas pernas. — Vocês são uma gracinha, mas parece que estou
vivendo no mundo invertido.
Hannah gargalhou.
— Não era você que tinha uma teoria de que isso ia acontecer algum
dia?
— Eu não trabalho com teorias, minha cara Hannah Lane. Eu apresento
estudos. E estava certa, diga-se de passagem. Não que isso seja
surpreendente. — Ellie sorriu, presunçosa.
Hannah se encolheu ao ver o portão se abrindo. Dylan e Luke trocaram
um longo olhar, e Ellie endireitou a coluna. Queria dizer para a amiga sair do
meio das pernas de Luke, mas não teve tempo, já que Mia entrou no jardim
com Oliver logo atrás.
A garota parecia exausta. Percebendo que todos os amigos estavam
perto da piscina, ela se virou para trás, lançando um olhar significativo para
Oliver. Ele apenas deu de ombros e seguiu na direção da casa, sem olhar para
ninguém.
— Ei, Oliver. — Luke se levantou, correndo na direção dele. —
Podemos conversar agora? — pediu, e Oliver chacoalhou a cabeça, negando.
— Eu não tenho nada para falar com você — disse, seguindo seu
caminho.
— Espere! A gente precisa falar em algum momento — Luke tentou
dizer, mas Oliver fechou a porta de vidro em sua cara, subindo para o andar
de cima.
Lucas soltou o ar pela boca, cansado, ao sentir Hannah abraçá-lo pelas
costas.
— Eu nunca vou conseguir explicar se ele continuar fazendo isso —
Luke gemeu, frustrado.
Hannah fez com que ele se virasse de frente.
— Ele vai ceder. Confie em mim — ela disse, acariciando o rosto do
garoto. — Eu vou falar com ele.
— Hannah...
Ela não olhou para trás. Ellie e Becky já tinham tentado dissuadi-la de
procurar Oliver tão cedo, e Hannah sabia que Lucas faria o mesmo se lhe
desse a oportunidade. Não aguentava mais aquela tensão com o irmão. Na
família deles, as coisas eram resolvidas mais rapidamente. Paciência não era
o forte dos Lane.

— Oliver, eu preciso falar com você — Hannah disse, colocando a


cabeça para dentro do quarto.
Ele estava deitado na cama, com o rosto enterrado em um monte de
travesseiros. Murmurou algo ininteligível, fazendo-a rolar os olhos.
— Saiba que eu ficarei aqui até que essa conversa aconteça, então talvez
você queira otimizar nosso tempo e olhar logo para mim — ela alertou,
sentando em uma cadeira. Ouviu Oliver xingar baixo.
Ele se sentou, enquanto arrumava os cabelos bagunçados.
— Fala — cuspiu a palavra, meio a contragosto.
Hannah ponderou por um instante. Sabia que não podia chegar dando
um sermão pela besteira que ele tinha feito, já que Oliver se ofenderia e se
fecharia no instante seguinte. Era bem possível, inclusive, que ele desistisse
de conversar e tirasse ela de lá à força, o que já tinha acontecido no passado,
e ela pretendia não repetir a dose.
— Por que você bateu no Luke? — perguntou da forma mais calma que
conseguiu.
Oliver, que até então estava olhando para a janela, a encarou com raiva.
— Como “por quê”? Francamente, Hannah! — ele retrucou, exasperado.
Se colocou de pé em um instante, borbulhando de raiva. — Você é minha
irmã. E meu melhor amigo estava te agarrando. Ugh! Isso não faz o menor
sentido na minha cabeça.
— Primeiramente, Oliver, seu amigo estava “me agarrando” porque eu
permiti que ele fizesse isso.
— Cacete, Hannah. Vocês se odiavam até ontem!
— Eu não o odiava — ela retrucou, impaciente. — E não era você quem
queria que nós nos aproximássemos?
— Eu queria que vocês se tratassem de forma civilizada e fossem
amigos, não ver a mão dele na tua bunda! — ele retrucou, possesso.
— Meu Deus, Oliver, o que há com você? — Hannah levantou, nervosa.
— Você sempre foi superprotetor, mas tudo tem limite. Qual o problema de
eu ficar com o Luke? — Hannah questionou, mas não esperou uma resposta.
— Eu estou feliz. O Luke me faz feliz. Por que você quer estragar isso?
Oliver encarou a irmã, que estava chorando. A conhecia bem o
suficiente para saber que aquelas lágrimas eram de raiva – dele, ainda por
cima, o que o deixava mais frustrado. Soltou o ar pela boca, segurando a irmã
pelos ombros.
— Han, eu amo você. Se eu dei um soco na cara do meu melhor amigo
ao ver vocês dois se beijando, é porque eu tenho um motivo muito forte —
ele disse, abaixando o tom de voz. — Eu só quero proteger você.
Hannah respirou fundo.
— Me proteger do quê, Oliver? — ela perguntou e viu o irmão
chacoalhar a cabeça. — Vamos, fale. O que Luke vai fazer de tão terrível
com sua irmãzinha indefesa?
— Eu odeio quando você fala assim comigo.
— Que se dane.
Oliver rolou os olhos, nervoso.
— Hannah, eu conheço o Luke tão bem quanto eu conheço você. O cara
está na minha vida há anos e você sabe que ele é como um irmão para mim.
— Ollie fez uma pausa, sabendo que as palavras que diria acertariam sua
irmã em cheio. — Mas isso não apaga tudo o que já vi ele fazer. Cacete,
Hannah, você tem ideia do tanto de garotas que já choraram por ele? Ele não
quer nada sério, e você sabe disso tanto quanto eu.
Ao perceber que a irmã não falaria nada, Oliver continuou.
— Eu não quero falar isso para magoar você, mas é a verdade. Já vi essa
cena tantas vezes que até decorei. — Oliver riu, incrédulo. — Ele nunca quer
nada sério com ninguém e deixa isso claro. Mesmo assim, sempre tem
alguma garota que acha que ele vai mudar de ideia e se fode. — Ele suspirou.
— E eu o amo, Han, mas amo você ainda mais. Você não vai ser a exceção.
Acredite em mim.
Hannah estremeceu ao sentir Oliver abraçá-la. Não conseguiu mover um
músculo para abraçá-lo de volta, mantendo os braços rentes ao corpo
enquanto assimilava o soco no estômago que Oliver tinha acabado de lhe dar.
Embora ele tivesse socado Luke duas vezes, Hannah tinha certeza de que
aquelas palavras tinham lhe doído muito mais.
Oliver a soltou, olhando em seus olhos.
— Fale alguma coisa — ele suplicou, aflito.
— Ele não vai fazer isso comigo.
— Hannah, por favor...
— Não, Oliver, ele não vai — Hannah disse, enxugando o rosto com as
costas da mão. — E eu não preciso que você me proteja, muito menos que me
diga o que fazer. Eu sei muito bem o que quero. E o único que está me
machucando aqui é você.

Luke respirou fundo antes de abrir o quarto de Hannah. Sabia que sua
conversa com Oliver devia ter terminado justamente por ter ouvido o barulho
ensurdecedor de uma porta batendo. Ao passar pelo corredor, no entanto, a de
Oliver estava aberta, e ele teve que suprimir o impulso de ir até lá tirar
satisfações – até por não ter certeza do que tinha acontecido.
Hannah chorava na cama, agarrada a um travesseiro. Com o coração
apertado, Luke caminhou até ela, aconchegando-a em seu peito em um
abraço apertado e silencioso. Afagou os cabelos da garota e a beijou na testa,
escutando seus soluços baixinhos. Depois de se segurar por alguns minutos,
se esforçando ao máximo, acabou soltando:
— O que o Oliver falou para você ficar assim? — perguntou, nervoso.
— Porra. Eu vou até lá socar a cara dele de volta para ver se ele aprende a se
comportar.
— Por favor, não — Hannah pediu, olhando-o nos olhos. — Só fique
aqui comigo.
Lucas mordeu o lábio.
— Você quer conversar sobre isso? — perguntou, e Hannah apenas
negou com a cabeça. Ele assentiu, muito embora Hannah já não o olhasse, e a
apertou com mais força. Percebeu, ali, que faria praticamente qualquer coisa
para estancar a dor que ela sentia.
Demorou quase meia hora, mas Luke notou que a respiração
entrecortada de Hannah estava normalizando, e suas lágrimas já tinham
parado de cair. Ela entrelaçou os dedos nos dele, encarando-o com ansiedade.
— Ei... — ela sussurrou para que Luke a olhasse.
— O que foi, linda?
— Promete que você nunca vai me decepcionar?
Lucas franziu o cenho, sem entender.
— Por que o pedido?
— Só prometa.
Ele assentiu, confuso.
— É claro que eu prometo — disse e respirou aliviado ao ver um sorriso
tímido aparecer no rosto de Hannah, depois de tudo.
Ela aproximou a boca da dele, beijando-o delicadamente. Lucas se
surpreendeu com a velocidade em que seu coração acelerou, parecendo
aquecer dentro do peito. Não fazia ideia do quanto estava preocupado até
então. Soltou um suspiro pesado quando Hannah se afastou, acariciando seu
rosto.
— Você pode ficar aqui hoje? — perguntou, envergonhada. — Eu só
quero acordar abraçada com você. Só isso.
Lucas assentiu, com um sorriso. Deitou na cama e a puxou para o seu
peito, abraçando-a. Talvez acordasse sem sentir o braço na manhã seguinte,
mas não dava a mínima. Se Hannah pedisse com jeitinho, faria aquilo todos
os dias.

Hannah apanhou o celular para descer para tomar café da manhã.


Embora tivesse ficado a noite inteira com ela, acariciando seus cabelos e
fazendo-a rir enquanto assistiam a desenhos animados, Luke não estava mais
no quarto quando ela se levantou. Ele tinha mandado uma mensagem
avisando que tinha ido tomar um banho e trocar de roupa.
Ellie aparecera pouco depois para checar como a amiga estava, e as duas
passaram meia hora tagarelando sobre seu relacionamento com Lucas, já que
ela não tinha tido chance de perguntar tudo o que queria a respeito dos dois
ainda. As perguntas pareciam um estudo psicológico do qual Hannah não
sabia que estava participando, o que a fazia rir e a distraía. Não tinha
perguntado de Oliver e não sabia se queria notícias dele.
Entretanto, assim que desceram as escadas, Hannah viu Dylan em pé, de
braços cruzados, com um olhar vidrado e atento. Ela arqueou a sobrancelha,
percebendo para onde ele olhava. Oliver e Lucas estavam sentados frente a
frente – um no sofá, o outro na mesa de centro – se encarando como se
estivessem prontos para uma revanche de MMA.
— Vocês não estão brigando, estão? — ela perguntou alto, arrastando
Ellie escada abaixo. Sua voz estava falhando e ela odiava quando isso
acontecia.
Ellie freou a amiga, que estava prestes a se colocar no meio dos dois
antes mesmo de receber uma resposta.
— Está tudo bem, Han. Nós estamos conversando.
— Com essas caras? — Ellie perguntou, sem estar convencida. — Se
vocês resolverem sair no soco de novo, eu juro que ligo para a polícia. Está
muito cedo para essa palhaçada e a mesa é de vidro.
— Eu não vou socar ninguém, Ellie — Oliver retrucou, impaciente.
— Vocês podem ir — Luke acrescentou, calmo. — Garanto que não vai
acontecer nada.
— Ninguém precisa ir para lugar algum — Oliver refutou a ideia
rapidamente. — O que eu tenho para falar com você é muito breve, nem
precisávamos ter sentado.
Luke levantou as mãos do lado da cabeça, como quem se rendia, e
encarou Oliver em silêncio. Hannah queria vomitar de tanto nervosismo.
Ficou feliz ao ver que Liam vinha para a sala com Rebecca. Talvez
precisassem de mais mãos para contê-los.
Não confiava nas reações de Oliver e, embora Luke tivesse dito que
jamais bateria no amigo, Hannah desconfiava de que essa afirmação havia
caído por terra no instante em que ele a vira chorando, na noite anterior.
— Eu não acredito que você fez isso, cara — Oliver disse, subindo um
pouco o tom de voz. Ele olhou para a irmã, tentando se controlar. — Justo
você. Porra!
— Meu Deus, cara. Qual o problema? — Lucas perguntou. — Não é
como se eu tivesse planejado que isso acontecesse. Muito pelo contrário.
Você acha que eu queria me interessar justo pela sua irmã? Acha que eu quis
colocar nossa amizade em risco?
— Eu não sei de mais nada — Oliver retrucou, se jogando para trás no
sofá.
— Pois deveria saber. Eu não esperava que isso acontecesse, Ollie, mas
também não estou nem um pouco arrependido — disse, lançando um olhar na
direção de Hannah.
Ela tentou sorrir, mas os pensamentos conflitantes a impediram. Nunca
estivera tão grata pela mão de Ellie e pelo abraço de Dylan, que tinha surgido
ao seu lado.
— Você não está arrependido? — Oliver praticamente gritou, irado. —
Tem milhares de garotas nesse inferno de lugar. Garotas que você nunca mais
vai ver, o que seria ótimo para você.
— O que você está insinuando? — Luke perguntou, nervoso.
— Eu não estou insinuando merda nenhuma, Cooper. Eu estou falando
aquilo que eu e você sabemos muito bem — Oliver retrucou, levantando. —
Você pode estar encantado pela minha irmã, mas logo isso vai passar, porque
sempre passa. E eu tenho que ficar aqui sentado, assistindo a isso acontecer?
Luke piscou algumas vezes antes de levantar também.
Então devia ter sido aquilo que Oliver dissera para deixar Hannah tão
chateada. Ousou olhar para a garota, que estava com os olhos vidrados nele.
Soltou o ar pela boca, sentindo o sangue correr mais rápido nas veias.
— Você acha que eu seria maluco de ficar com a sua irmã por puro
capricho?
— Eu não faço a menor ideia.
— Talvez dez anos de amizade não tenham servido de nada, então, Lane
— ele retrucou, nervoso.
Oliver rolou os olhos.
— Pare com isso, Cooper. Não me venha com essa cena na frente de
todo mundo. — Ele riu, irônico. — Quantas vezes eu ajudei você a fugir de
alguma garota? Quantas vezes eu menti para te ajudar a se livrar de meninas
que uma semana antes eram “perfeitas para você”? — Ele fez aspas com os
dedos.
— Puta merda, Oliver — Lucas retrucou, exasperado. — Sua irmã
jamais vai ser só mais uma garota, porra!
— Por que, diabos, eu acreditaria nisso?
— Porque eu gosto da sua irmã de verdade — Lucas gritou de volta.
Ficou em silêncio um instante, notando todos os olhares da sala sobre ele.
Soltou o ar pela boca, tomando coragem para continuar. — E eu sei que você
acha que não tem motivo nenhum para acreditar nisso, mas não estou
mentindo. Eu gosto dela, até mais do que deveria. E você pensar que eu não
sou o suficiente para ela me acerta muito mais do que a porra de um soco na
cara, Oliver.
Lucas fez uma pausa, tentando recobrar a calma.
— Eu posso ter feito muita coisa errada, e eu admito isso. Você estava
lá, você viu. — Luke riu, encarando o amigo. — Mas eu mudei muito no
último ano, tanto que mal me reconheço. E eu jamais faria qualquer coisa
para machucar a sua irmã. Se um dia eu fizer alguma coisa para ela chorar, eu
mesmo ofereço minha cara para você bater. — Ele viu o queixo caído de
Oliver. — Porque aí eu terei perdido a garota que faz com que eu queira ser
uma pessoa melhor. Então eu vou merecer.
Hannah prendeu a respiração, tendo certeza de que o coração tinha
pulado diversas batidas. Ela deu um passo adiante, vasculhando a mente por
algo a dizer, quando Luke voltou a falar.
— Eu não espero que você aceite, porque aparentemente você acha que
sou algum tipo de babaca destinado a estragar a vida dela, mas eu não me
importo — disse, dando de ombros. — Com ou sem a sua aprovação, eu não
vou...
Lucas parou de falar, notando o silêncio absurdo em que a sala estava.
Hannah caminhou até ele, com um sorriso tímido no rosto.
— Você não vai...? — ela incentivou, e Luke sorriu de volta.
— Eu não vou desistir de nós dois — ele completou, ouvindo os
suspiros que Ellie e Dylan não conseguiram conter.
Hannah abriu um largo sorriso, abraçando-o e dando um beijo em sua
bochecha.
— Isso foi perfeito — ela sussurrou, se afastando em seguida.
Oliver caminhou até os dois, com uma expressão indecifrável.
Instintivamente, Hannah entrelaçou seus dedos nos de Luke, ansiosa.
Esperava que Ollie fosse falar alguma coisa para o amigo, mas foi para ela
que ele se virou.
— Você sente isso também? — ele perguntou, pegando-a de surpresa.
— O que você acha? — Hannah respondeu de imediato, fazendo Luke
sorrir.
— E você acredita em tudo isso?
— É claro. — Hannah arqueou uma sobrancelha, devolvendo a pergunta
para o irmão. — E você?
Oliver olhou de Hannah para Lucas e repetiu o gesto. Então ele rolou os
olhos, chacoalhando a cabeça.
— Não que o que eu ache importa, como o Luke fez questão de enfatizar
— ele se virou para o amigo, que fez uma careta —, mas eu acredito, sim.
Hannah deixou o queixo cair.
— Como é que é? — Foi Liam quem perguntou, arrancando uma risada
dos amigos com a intromissão.
Oliver chacoalhou a cabeça, rindo. Estava vermelho como um pimentão.
— Eu acredito que vocês se gostem. Nunca vi Luke ter tanto trabalho
para ficar com alguém e, no fundo, sei que ele não poria nossa amizade em
risco se não tivesse certeza do que está fazendo — Oliver disse, e Lucas abriu
um sorriso largo.
— Vem aqui, seu idiota. — Luke puxou o amigo para um abraço,
enquanto Oliver se debatia, rindo.
— Mas isso não significa que eu não esteja duzentos por cento de olho
em você, cara. Não espere tratamento preferencial por ser meu amigo.
— Eu espero exatamente o oposto — Lucas confessou.
— Desculpem por ter reagido daquela maneira. Eu só estava com medo
de que minha irmã se machucasse, mas acho que ela já deixou claro que não
é mais uma garotinha. — Ele abraçou Hannah de lado.
— Ok, eu acho que isso pede um champanhe — Becky disse, e Ellie fez
uma careta.
— São dez e meia da manhã.
— E daí? Deve ser cinco da tarde em algum lugar — ela disse, fazendo
os amigos rirem. — Além do mais, esse é um momento histórico para o
nosso grupo.
— O dia da união dos docinhos — Liam acrescentou.
— Parem de ser ridículos — Lucas pediu, rindo.
— Eu quero ver um beijo comemorativo.
— Eu também!
— Eu não quero ver isso, não. Não estou emocionalmente preparado —
Oliver refutou.
Hannah e Lucas trocaram um sorriso cúmplice em meio ao caos que os
amigos estavam fazendo. Não tinha sido fácil até ali, muito pelo contrário.
Mas precisaram apenas de uma fração de segundo para terem a mesma
certeza: fariam de tudo para que aquilo desse certo.
Capítulo 13
Hannah deu risada ao ouvir o grito fininho de Mia quando um raio caiu
do lado de fora da casa. Não tinha medo de chuva e trovões, mas admitia que
ver a natureza agir através de janelas de vidro tão imensas era um pouco
assustador, ainda mais na escuridão.
Sorriu ao ver Lucas aparecer na sala com uma garrafa de água. Ele não
disse nada, apenas sentou onde estava minutos antes, fazendo sinal para que
ela deitasse em seu colo. E, embora fazer o papel da garota que precisa ser
salva fosse algo que odiasse, Hannah estava tentada a fingir medo só para que
Lucas a protegesse.
Por Deus, no que tinha se transformado?
Fechou os olhos enquanto ele acariciava devagar seu braço e acabou
sorrindo. Quem diria? Tinham se passado quatro dias desde que ela e Luke
assumiram seu relacionamento aos amigos. Desde então, as coisas estavam
estupidamente fáceis, e Hannah não podia estar mais radiante. Ela tinha
adorado a fase em que os dois precisavam se esconder, e aquela adrenalina
constante era algo que sempre lembraria com carinho.
Porém, poder acordar ao lado de Luke sem entrar em desespero para que
ele voltasse correndo para seu próprio quarto, ir até a praia de mãos dadas
com ele ou apenas ficarem juntos, jogados no sofá, era muito melhor.
Os amigos, como era de se esperar, tornavam tudo aquilo ainda mais
especial. Tudo bem, eles eram intrometidos e viviam fazendo piadinhas, mas
era visível o quanto estavam felizes por Hannah e Luke finalmente terem
deixado as desavenças de lado. Tinham até inventado um ship, Lunnah, e
diziam que iriam protegê-lo até o fim dos tempos.
Até Oliver, surpreendentemente, estava levando as coisas numa boa.
Tinha se desculpado com Luke e os chamado para um encontro duplo com
ele e Mia. Depois, confessara a Liam e Dylan que tinha se divertido muito e
que tinha se tornado muito óbvio o quanto Luke e Hannah se gostavam.
— Eu não acredito que falta menos de uma semana para irmos embora
desse paraíso e agora resolve cair o mundo e, ainda por cima, a luz — Becky
reclamou, se jogando na outra ponta do sofá. — Isso é muito injusto.
— Ah! — Mia gritou de novo, escondendo o rosto no pescoço de Oliver,
que riu.
— Acho melhor eu fechar essas persianas — ele disse, como se aquela
ideia tivesse acabado de lhe ocorrer.
Ellie suspirou, virando a lanterna do celular para o rosto.
— Acho que podíamos jogar alguma coisa — ela sugeriu. — Estou
entediada.
— Beer pong? — Lucas disse, e Hannah rolou os olhos.
— Você só quer jogar isso porque ninguém consegue vencer você, seu
metido.
— Eu ganharia de qualquer um de vocês no escuro, então nem vou me
defender. — Ele riu, vendo a garota chacoalhar a cabeça.
— Sério, está impossível tirar uma soneca — Dylan reclamou,
aparecendo nas escadas. — Vou ter pesadelos essa noite.
— Aun, tadinho — as meninas disseram em uníssono, e Oliver fez uma
careta.
— Ele só está fazendo isso para conquistar vocês.
— E está funcionando — Hannah respondeu, com um sorrisinho.
— Ei! — Luke reclamou, depois deu uma risada. — Ah, a quem eu
quero enganar? Até eu sou apaixonado pelo Dylan.
O garoto riu, com as bochechas vermelhas.
— Vocês me envergonham.
— É porque a gente te ama. — Liam apareceu na sala, com uma garrafa
de tequila em uma das mãos e vários copinhos empilhados na outra.
Hannah se sentou, com uma sobrancelha erguida.
— Parece que alguém resolveu aparecer preparado.
Liam lhe devolveu um sorriso malicioso.
— Quem topa uma partida de “eu nunca”?

— Vocês são péssimos nisso. — Ellie riu, chacoalhando a cabeça.


— Não acho que você tenha entendido a premissa do jogo, Els — Liam
brincou, fazendo uma careta ao devolver seu copinho vazio para a mesa de
centro. — O objetivo é beber, não ficar cem por cento sóbria achando que
está ganhando.
— Eu não estou achando que estou ganhando. — Ela sorriu, presunçosa.
— Eu estou ganhando. Daqui a algumas horas, todos vocês estarão se
arrastando pelo chão e morrendo de dor de cabeça, e eu estarei pleníssima.
Sabem por quê? Porque eu sou assumidamente entediante.
Mia franziu o cenho, confusa.
— E você diz isso com orgulho?
— Muito. Crianças e adolescentes entediantes vão para Harvard. Pode
jogar no Google — ela brincou, dando de ombros. — Além do mais, adoro
ser a pessoa que conta para vocês todas as besteiras que vocês fizeram e
disseram. Acredite em mim, Mia, não há outra posição em que eu gostaria de
estar.
— Ela está falando sério — Becky sussurrou, dando uma risada.
— Continuando... Eu nunca beijei alguém do gênero com que me
identifico apenas para experimentar — Ellie disse, e Dylan bebeu um gole,
rindo.
— Você vai me embebedar, mas ao menos construiu muito bem a frase.
— Ele riu, dando uma piscadela.
Então, Becky e Mia também viraram seus copinhos. Oliver arregalou os
olhos para a namorada.
— Sério?
— Com a Becky, um dia desses na sala de jogos — ela respondeu,
gargalhando da expressão do namorado. — Pare de ser idiota. Foi no
primeiro ano da faculdade, em uma festa de fraternidade.
— Aconteceu quase da mesma forma comigo, em uma festa. Eu fiz para
ter certeza de que não estava perdendo nada, sabe? — Becky acrescentou,
despreocupada. — Eu estava enjoada de homem fazendo homice e muito
disposta a querer gostar de garotas, mas infelizmente descobri que sou hétero
— disse, arrancando gargalhadas dos amigos.
Passaram vários minutos rindo e discutindo assuntos aleatórios trazidos
pelas perguntas que tinham surgido, que iam desde questões acadêmicas
destinadas a tirar Ellie do sério – e fazê-la beber – até outras picantes como
“eu nunca menti para levar alguém para a cama”.
Dylan sorriu, perverso, enquanto todos gargalhavam de uma explicação
de Oliver sobre ter corrido pelado no corredor da faculdade depois de os
veteranos roubarem suas roupas após o treino.
— Eu tenho uma — disse, e todos se viraram para ele. O garoto
levantou o copinho, confiante. — Eu nunca transei com nenhuma pessoa
dessa roda, nessa viagem.
Luke lançou um olhar significativo para Dylan, mas ele não pareceu se
importar, dando de ombros e rindo. Oliver e Mia viraram seus copinhos.
— Ia ser surpreendente se isso não acontecesse. — Ele riu, beijando a
namorada rapidamente.
Hannah e Luke se entreolharam. Obviamente a pergunta de Dylan era
direcionada a eles. Ninguém se importava com a vida sexual de Oliver e Mia,
um casal assumido havia meses. Hannah deu um sorriso para Luke,
colocando a mão no copinho.
— Você pirou? — ele disse entre dentes. — Seu irmão vai me matar.
— Pare de drama. — Hannah prendeu o riso. — Você acha mesmo que
alguém vai acreditar que não fizemos?
— Eu gostaria de tentar — ele respondeu de um jeito engraçado, e
Hannah riu baixo.
— Covarde.
Antes que Luke retrucasse, os dois ouviram a voz de Oliver do outro
lado da mesa.
— Qual é? Não vão beber? — ele perguntou, e Luke sentiu o rosto
queimar. — Eu fecho os olhos para ser menos constrangedor — disse,
enquanto os amigos riam.
Hannah e Luke se encararam, virando os copinhos.
— Eu vi isso! — Oliver abriu os olhos de uma vez, e Hannah deixou o
queixo cair.
— Seu mentiroso!
Enquanto os três riam e fingiam brigar, Ellie deu um tapa no braço de
Hannah, fazendo-a parar de falar. Do outro lado da roda, perto de Mia, Liam
e Becky trocaram um olhar cúmplice e, em perfeita sincronia, viraram seus
copinhos, dando uma risada alta.
— O quê? Como? — Hannah não conseguia falar, parecendo chocada.
— Vocês dois... — Lucas se aventurou, sem conseguir terminar a frase.
Quando todos começaram a falar ao mesmo tempo, Liam e Rebecca
apenas riram, esperando pacientemente que o choque dissipasse.
— Vocês estão falando sério? — Ellie perguntou, estupefata.
— É claro que sim — Becky respondeu tranquilamente.
— Como? Onde?
— Vocês estão juntos?
— O que isso significa?
— Querem calar a boca? — Liam pediu, rindo da torrente de perguntas
dos amigos. — Aconteceu há alguns dias, na verdade — disse, agora
parecendo tímido. — Eu sempre achei a Becky linda e divertida, e ela sempre
me deixou sem graça, o que não é comum.
— Aun! — Hannah sorriu, escondendo o rosto no peito de Lucas ao ver
Becky chacoalhar a cabeça e rir.
— Uma parte de mim achava que podia ter algum interesse do lado dela
também, mas nunca tive coragem suficiente para tentar.
— Por quê? — Ellie perguntou, atenta.
— Porque eu nunca a tinha visto com um cara negro antes — Liam
respondeu, sem rodeios. — Eu cresci achando que tinha menos potencial que
o Oliver ou os caras pela cor da minha pele. A realidade é que eu sempre tive
que lutar muito mais pelas coisas, então com o tempo aprendi a escolher
minhas batalhas. E foi assim que acabei me surpreendendo.
Becky e Liam trocaram um sorriso.
— Liam e eu criamos um hábito de tomar uma cerveja nas boias da
piscina antes do jantar. E em uma de nossas conversas, sem saber de nada, eu
disse que o achava um dos caras mais sexy que já conheci. Ele ficou chocado.
— Becky riu, chacoalhando a cabeça. — Desacreditado mesmo. Então, pedi
ajuda para sair da água e, quando ele estendeu a mão, eu o beijei.
— Fui beijado que nem as mocinhas dos filmes. Quase levantei o
pezinho — Liam acrescentou, rindo. — E o resto é história.
— Vocês são tão lindos que eu quero chorar. — Hannah fez um
biquinho, arrancando uma risada de Luke.
— Vocês estão juntos? — Oliver perguntou, empolgado.
— Estamos vendo isso aí — Becky respondeu, dando uma piscadinha.
— Talvez nós dois devêssemos fazer alguma coisa também, Ellie —
Dylan disse, e a garota gargalhou.
— Sossega, Dylan.
— Você acha que isso tudo é nossa culpa? — Luke perguntou para
Hannah.
— Tenho quase certeza. E nunca tive tanto orgulho de nós dois.

Hannah sorriu ao sentir Luke beijá-la no ombro e abraçá-la pela cintura.


Embora ele tivesse a acordado às sete da manhã sem explicação lógica – o
que a deixara furiosa por alguns instantes –, ele logo se redimira com um dia
que parecia ter saído de um filme.
Um mês antes, nem lhe passaria pela cabeça que Lucas Cooper poderia
ser tão romântico, por trás de suas piadinhas infames, implicância e sorriso
sedutor. Ela tinha visto filmes, tinha lido livros. Sabia que os mocinhos
faziam esse tipo de coisa na ficção, mas nunca tinha lhe passado pela cabeça
que seria capaz de vivê-las. E ali estava ela, em um barco, voltando de Saint
Tropez para Nice, após um dia que não esqueceria tão cedo.
Passaram algumas horas na famosa Plage de Pampelonne, uma praia
deslumbrante da costa francesa. Comeram frutos do mar e depois passearam
de mãos dadas pelo antigo porto, tirando fotos com os barcos e uma das
paisagens mais estarrecedoras que já presenciaram como pano de fundo.
Tinha passado incontáveis horas de sua vida ao lado de Luke – muitas
delas mal aproveitadas com brigas e provocações que agora pareciam
distantes –, mas cada minuto ao lado dele naquela viagem seria relembrado
de uma forma muito especial.
Relembrar.
Aquela palavra, tão inofensiva, ultimamente lhe dava calafrios. Seu
relacionamento com Luke, embora sem rótulos, não podia estar melhor. Em
um período curto de tempo, tinham se tornado a pessoa preferida um do
outro. Sentia-se livre para dividir com ele toda e qualquer coisa – desde
beijos roubados fora de hora até histórias difíceis de compartilhar, como
quando fora diagnosticada com depressão depois de uma série de eventos
conturbados no colégio, que iam de sua saída do time de líderes de torcida até
a traição de Brian e a mudança de Oliver para a faculdade.
Lucas era o conforto que ela passara a vida inteira refutando que
precisava, e a recíproca era verdadeira. Tinha mudado muito naquela viagem.
Aprendera a viver um dia após o outro e também a deixar de lado o que não
podia controlar. Sabia que ainda tinha um longo caminho pela frente, mas
estava orgulhosa de si mesma. Seria eternamente grata por tudo o que tinha
vivido e aprendido naqueles dias – e também por Luke.
Com o fim da viagem, entretanto, a pergunta que estava travada em sua
garganta havia algum tempo parecia inevitável.
Lucas viajara pela Ásia, sem rumo algum, antes de aparecer na França e
fazê-la jogar para o alto tudo o que tomava como correto. Ela, por sua vez,
tinha acabado de terminar o colégio e estava prestes a seguir os planos de se
mudar para a Califórnia para a faculdade – se conseguisse convencer a si
mesma de que era boa o suficiente para isso.
Não podiam estar em momentos mais diferentes da vida, embora seus
sentimentos fossem os mesmos. Estavam vivendo em uma bolha durante as
últimas semanas, em um mundinho particular, onde não havia distância,
decisões ou problemas externos. E isso estava cada vez mais perto de ter fim.
— No que está pensando? — Lucas sussurrou, e ela se virou de frente
no abraço.
— No quanto esse dia foi incrível — ela respondeu, beijando-o nos
lábios.
Luke acariciou seu rosto, com um sorrisinho.
— Acho que finalmente consegui um encontro nota dez — ele brincou,
fazendo-a rir.
— Eu também amei nosso último encontro.
— Mas ele não tinha um barco em Saint Tropez.
— Ele tinha você.
— Eu gosto quando você tenta me agradar — Luke disse, com as
bochechas vermelhas.
— Eu estou melhorando, não é? — Hannah perguntou, sorrindo. —
Acho que estou descobrindo meu lado mais meloso com você, docinho.
Lucas a puxou para um beijo rápido, voltando a encará-la em seguida.
Havia algo na forma com que a luz do pôr do sol tocava o rosto de Hannah,
refletindo em seus olhos azuis, que fazia com que o coração de Luke
acelerasse. Nunca tinha se apaixonado antes e estava cada vez mais
convencido de que era isso o que estava acontecendo.
Estava encantado não só por sua beleza, mas também por sua risada, por
seu sorriso e por cada gesto. Por todas as histórias que ela contava e pela
maneira como ela o deixava confortável para tudo. Não precisava tentar
impressioná-la, mas ainda queria fazer isso. Queria que ela gostasse de
verdade dele, por quem ele era. E, sempre que a via baixar um pouquinho a
guarda ou fazer alguma mínima declaração, se sentia o cara mais sortudo do
mundo.
Não sabia o que fazer com todos aqueles sentimentos, tampouco queria
assustá-la. Mas, a cada dia que passava, chegava mais perto de falar sobre
isso. E essa certeza o surpreendia.
Talvez aquele fosse o momento, afinal. Sorriu, encarando-a, e então viu
Hannah baixar os olhos e morder o lábio. Quando ela voltou seu olhar para o
dele, parecia ansiosa. Luke franziu a testa, confuso.
— Eu não quero perder você — Hannah disse baixinho, pegando-o
desprevenido.
Lucas suspirou, acariciando seu rosto.
— Isso não vai acontecer. — Ele sorriu com confiança. — Por que está
pensando nisso?
— Porque faltam cinco dias para a viagem terminar, Luke, e eu não faço
ideia do que o futuro nos reserva — Hannah respondeu, frustrada. Soltou o ar
pela boca, forçando um sorriso. — Desculpe estragar um dia tão perfeito.
Mas...
— Ei, você não está estragando nada. — Luke chacoalhou a cabeça. —
Pare com isso.
Ele a abraçou, ouvindo o coração de Hannah bater contra o seu. Embora
gostasse de levar sua vida de forma espontânea, não podia negar que aquele
assunto já tinha cruzado seu pensamento algumas vezes – mais do que
gostaria de admitir, inclusive. Em um mundo ideal, aquela viagem duraria
vários meses, e ele e Hannah não precisariam se preocupar. Mas a realidade
era outra, e essa o assustava.
Encostou a testa na dela, e os dois ficaram em silêncio por alguns
instantes. Aquele talvez fosse o primeiro silêncio trocado por eles que não era
necessariamente confortável. O coração de Hannah estava tão acelerado por
ter tocado no assunto que ela temia por sua saúde.
— Você não vai me perder — Lucas assegurou, olhando em seus olhos.
— Eu nunca vou deixar que isso aconteça.
— Mas, Luke...
— Eu sei que nossas vidas não estão em ordem. E sei que parece que
precisamos resolver tudo agora, correndo, mas a gente não precisa — ele
disse, acariciando o braço da garota. — Temos a vida inteira pela frente.
— Você claramente esqueceu com quem está conversando — Hannah
retrucou, fazendo-o rir.
— Não esqueci, não — Luke negou. — Han, eu jamais deixaria tudo o
que temos para trás. Isso está fora de cogitação. Mas não vejo motivo para
perdermos os últimos dias dessa viagem incrível discutindo esse assunto.
Hannah assentiu, mordendo o lábio. Seu coração tinha aquecido ao ouvir
que Lucas jamais os deixaria para trás, mas sua vida não funcionava
conforme a dele, e existiam certas coisas que ela ainda gostava de ter sob seu
controle.
O futuro de seu relacionamento, por exemplo.
Como quem lia pensamentos, ela viu Luke encará-la e dizer:
— A gente pode tentar achar uma solução imediata, se isso a deixar
mais segura — ele disse, calmo. — Não tem problema.
— Ou... — ela completou, fazendo-o rir.
— Ou podemos fazer do meu jeito e assistir ao pôr do sol abraçados —
Lucas respondeu, e a garota riu baixo. — Você confia em mim?
Hannah espremeu os olhos, curiosa com aquela pergunta.
— Por quê?
— Você confia?
— É claro — ela disse, e Lucas sorriu largamente, parecendo aliviado.
— Escute, Han. Nós dois sabemos que existem muitas coisas que eu
preciso acertar em minha vida. E eu não me orgulho disso, mas passei o
último ano fugindo de grandes decisões por medo de encará-las e lidar com
elas. E sei que para você, mais do que ninguém, isso é assustador.
Hannah assentiu, sem dizer nada.
— Mas essa não é uma decisão que eu estou postergando por ter alguma
dúvida, acredite. Eu tenho muita certeza sobre você. Sobre nós dois. — Ele
fez uma pausa, sorrindo. — Não importa como vai acontecer, mas nós vamos
ficar juntos. Se você também quiser, é claro.
Hannah sorriu de canto, com o coração acelerado.
— Eu acho que posso abrir um espaço na minha agenda para que isso
aconteça — ela brincou, e os dois riram. O encarou, tímida. — Eu acho que
realmente gosto de você.
Luke estreitou o olhar, parecendo surpreso ao escutar aquilo. Hannah
tinha demonstrado seus sentimentos diversas vezes, e isso lhe bastava, mas
ele nunca tinha ouvido aquelas palavras saírem de sua boca – ao menos não
diretamente. Seu rosto se iluminou com um sorriso.
— É mesmo?
— Sim. E nem me sinto estúpida ao dizer isso — ela afirmou, sorrindo
de volta.
Hannah o puxou para um beijo. Não estava envergonhada por seu
coração acelerado, que ela tinha certeza de que ele podia perceber. A
sensação de borboletas no estômago já tinha se tornado uma constante e,
embora seu cérebro ainda a questionasse e quisesse resolver aquilo
imediatamente, ela tinha a mesma certeza que Luke.
Algo lhe dizia que ficariam juntos, não importaria como.
E, pela primeira vez, estava disposta a acreditar no universo e deixar que
ele tomasse seu curso. Não sabia exatamente como fazer isso, já que nunca
havia tentado. De qualquer forma, tomar aquela decisão era muito mais fácil
nos braços de Lucas Cooper.
Capítulo 14
— Eu te amo, Luke. Não, não. — Hannah fez uma pausa, chacoalhando
a cabeça. Respirou fundo, gesticulando com as mãos. — Luke, eu amo você.
Encarou seu reflexo no espelho, quase rindo da própria situação. Estava
de pijama, com uma máscara de argila no rosto e um coque no alto da cabeça,
se declarando em sussurros, com medo de alguém a escutar – muito embora
estivesse sozinha no quarto.
Durante anos, não tivera problema algum em pronunciar aquelas três
palavras. Na verdade, Becky brincava que ela era uma vadia quando o
assunto era falar que amava um cara. E não era mentira.
Quando tinha onze anos, se apaixonara pela primeira vez em um
acampamento de verão. Tinha se declarado para o garoto meras dezesseis
horas depois de conhecê-lo, criando uma piada que se perpetuara em seu
grupo de amigas. Sua justificativa, desde então, era que tinha se apaixonado à
primeira vista.
Entretanto, no caso de Luke, estava mais para a segunda, terceira...
talvez milésima vista. Passara as últimas semanas lutando contra algo que era
óbvio: estava apaixonada, e nem entendia como. Um dia, o odiava por ter
aparecido na casa para estragar suas férias. E, num piscar de olhos, lá estava
ela, com o coração acelerado em frente ao espelho, se perguntando a melhor
forma de se declarar para o cara que passara dez anos xingando.
O mundo realmente capotava, às vezes.
— Eu amo você — ela disse, confiante, e sorriu para o espelho. — Sim,
é esse.
Ela passou algum tempo removendo a máscara e se arrumando
minimamente para ir até o quarto de Luke. Ao voltarem de sua pequena
viagem a Saint Tropez, metade de seus amigos tinha saído para um bar em
Villefranche-sur-mer, depois que os dois tinham passado horas elogiando a
pequena cidade após seu encontro. À exceção de Oliver e Mia, que estavam
trancados no quarto porque Mia havia acordado com uma enxaqueca terrível,
eles tinham a casa inteira para si e pretendiam se aproveitar disso.
Hannah abriu a porta desajeitada, enquanto segurava duas taças em uma
mão e uma garrafa aberta de champanhe na outra. Pretendia convidar Luke
para ir até a piscina, onde tudo tinha começado, e quem sabe lá tomaria
coragem – ou champanhe – o suficiente para dizer a ele o quanto o amava.
Depois, poderiam subir para o quarto e ter uma noite incrível. Mal podia
esperar.
Luke estava cantarolando no banho quando ela entrou, o que a fez rir.
Ele fazia seu melhor para atingir os falsetes de Sugar, do Maroon 5, e
Hannah se jogou na cama, escutando seu show particular e inesperado. Jogou
o celular de qualquer jeito na mesinha de canto e esperou que ele desligasse o
chuveiro. Lançou um olhar malicioso quando ele apareceu apenas com uma
toalha branca envolvendo a cintura, ainda meio molhado.
— Talvez eu precise mudar a ordem dos meus planos — disse, e Luke
franziu a testa, rindo baixo.
— E quais eram eles?
— Bom, eu queria chamá-lo para tomar um champanhe na piscina e
voltaríamos para o quarto depois, mas agora estou indecisa.
— Pervertida.
— Você não ajuda.
— E agora a culpa é minha? — ele brincou e olhou para baixo. — Bom,
talvez seja.
Hannah gargalhou, chacoalhando a cabeça.
— Acho que é melhor eu esperá-lo lá embaixo, assim não fico tentada
— ela disse, levantando da cama, e Luke deixou o queixo cair.
— Que absurdo. Não podemos mudar a ordem do planejamento?
— Não. — Ela aproximou o rosto do dele. — Hoje a noite é por minha
conta, e você vai ter que agir de acordo com o meu cronograma — ela disse,
tão perto de sua boca que suas respirações estavam se misturando.
— Como você quiser — Luke respondeu com a voz rouca, parecendo
hipnotizado.
Hannah deu uma piscadinha e apanhou o celular antes de caminhar até a
porta.
— Não se esqueça de levar o champanhe. Te espero em cinco minutos.
— Estarei lá em três, docinho.

Hannah riu sozinha ao perceber que já tinham se passado quase dez


minutos desde que chegara à piscina. Luke era muito meticuloso com a sua
aparência, e ela tinha certeza de que isso aconteceria. Cada minuto que ele
demorava, no entanto, fazia seu estômago dar cambalhotas. Queria que ele
aparecesse logo para que pudesse tomar um pouco de coragem líquida e se
declarar. Mal podia esperar para ver a reação dele quando isso acontecesse.
Embora sempre tentasse mostrar o quanto gostava dele de verdade,
Hannah sabia que demonstrar sentimentos não vinha sendo um de seus traços
mais proeminentes – ao menos não depois de tudo o que acontecera com
Brian no verão anterior. Tinha se tornado mais reservada, até cética, mas
Luke tinha a ajudado a quebrar cada uma daquelas barreiras e merecia ouvir
aquelas três palavras.
Ai, meu Deus, será que ele as diria de volta?
Será que acharia muito cedo, mesmo os dois se conhecendo havia dez
anos?
Suspirou, tentando se livrar daqueles pensamentos, e apanhou o celular
na grama para enviar uma mensagem para que Luke se apressasse. O
reconhecimento facial do celular não funcionou, e ela se sentou, confusa.
Aquele não era seu plano de fundo.
Deu risada ao perceber que era o celular dele, que ela tinha apanhado
por engano por ser exatamente igual ao seu. Em frente a uma foto de um
templo tailandês, havia dezenas de notificações de aplicativos diferentes, que
iam desde mensagens de um grupo com Oliver, Dylan e Liam, até lembretes
para que ele acessasse sua conta para ganhar pontos em um jogo.
Sabia que não deveria fazer aquilo, mas se viu deslizando as
notificações até o final, dando risada de um relato de Dylan sobre estar
perdido em Ville-franche-sur-mer depois de sair do bar com uma garota.
Então, quando estava prestes a se levantar para arrastar Luke pelos cabelos
até a piscina, o celular vibrou em suas mãos.

Anika
Se eu não estivesse vendo fotos esporádicas no Instagram, teria certeza
de que você estava morto. Quando você vai deixar a vida boa de lado e voltar
para cá?
Estou com saudades, sabia? Mas não fique se achando. Talvez eu esteja
bêbada.

Hannah engoliu em seco, com as mãos geladas.


Estava prestes a jogar o celular na grama quando mais uma mensagem
chegou.
Encontrei com Jesse e aqueles outros surfistas, noite passada. Ele está
ansioso por notícias suas. Você aceitou a proposta de trabalho dele, né? Você
vai para Bali?
Me conte tudo depois, estou curiosa.

— Hey.
Hannah deu um pulo ao perceber que Luke estava atrás dela. Ele a
encarava com um sorriso calmo nos lábios, enquanto segurava a garrafa de
champanhe e as taças.
— Desculpe a demora, meu cabelo não estava ficando do jeito que eu
gostaria — ele disse, sentando na grama. — Você vai ficar aí em pé?
Ao ver que a garota continuava paralisada, Luke franziu a testa.
— Aconteceu alguma coisa?
Hannah torceu a boca de um lado para outro, nervosa. Todo seu ensaio
para declarar seu amor por ele tinha sido deixado para trás, três mensagens
antes, e agora tudo o que ela conseguia pensar era em quem, diabos, era
Anika e sobre o que ela estava falando.
Queria agir normalmente. Queria sentar, olhá-lo nos olhos e confessar
que tinha trazido seu celular por engano. No mundo ideal, apenas avisaria
que o celular estava vibrando e deixaria que ele explicasse, se quisesse.
Provavelmente não significava nada, certo?
Então por que seu coração parecia que ia sair pela boca?
— Hannah? — Luke levantou, fitando-a com curiosidade.
Hannah empurrou o celular dele contra seu peito, com as mãos
tremendo. Ele piscou algumas vezes, sem entender, até olhar para o aparelho
e perceber que ele o pertencia. Então, em uma fração de segundo, viu as
notificações de mensagens de Anika.
Luke soltou o ar pela boca, parecendo desacreditado.
— Peguei seu celular por engano — Hannah cuspiu as palavras,
nervosa.
— Não é isso que você está pensando — ele se defendeu, parecendo
calcular as palavras. Então, colocou a mão no bolso e devolveu o aparelho de
Hannah. — Anika é apenas uma amiga.
Hannah estreitou o olhar, sem dizer nada.
— Estou falando sério. A gente só ficou uma vez, há muitos meses —
Luke disse, se arrependendo ao ver o queixo de Hannah cair.
— Ela obviamente está com saudades, então.
Lucas riu, segurando-a pelos ombros.
— Ela é só uma amiga. Juro. Não tem motivo algum para você ficar
com ciúmes disso — ele acrescentou, segurando-a pelos ombros.
Ela tirou as mãos dele dali, dando um passo para trás. Antes que Hannah
surtasse em sua frente, Luke continuou a falar.
— Anika é holandesa. Ela costumava trabalhar em um hostel em
Amsterdã e viajava o mundo esporadicamente. A conheci em um bar na
Tailândia. Ela estava com um casal de amigos, uma garota brasileira e um
músico holandês, mas eles voltaram para a Europa depois de duas semanas
— disse, olhando-a nos olhos. — Ela tinha conseguido um bico como
garçonete em um bar e me ajudou a conseguir um trabalho lá também. — Ele
fez uma pausa, com uma careta. — A gente só ficou uma vez, bêbados, e eu
percebi que não tinha nada a ver. Então continuamos a amizade — Lucas
disse, sincero. — Essa explicação é suficiente para você? Porque eu posso
continuar falando, se você quiser.
Hannah não respondeu por um instante. Para falar a verdade, mal estava
prestando atenção no que Luke explicava sobre Anika. Tinham se acertado
havia pouco tempo e ela não era ingênua. Sabia que ele tinha um passado,
assim como ela própria, e estava tudo bem – mesmo que isso a deixasse
vagamente enciumada, dada a situação. Luke havia a assegurado de que
Anika era apenas uma amiga, e ela acreditava.
No entanto, a pergunta de Anika sobre uma proposta de trabalho, em
Bali, estava a deixando tonta. Encarou Luke, que parecia ansioso, pronto para
contar toda e qualquer história que tivesse sobre Anika, a fim de fazê-la
entender que eles não tinham nada – quando, na verdade, aquele não era o
problema.
— O que ela quis dizer com “proposta de trabalho”? — perguntou, sem
rodeios, e Luke pareceu finalmente entender o que tanto a incomodava.
Ele voltou o olhar para o celular, já que nem tinha lido direito as
mensagens depois que vira Anika dizer que estava com saudades. Então, a
encarou.
— Não é nada demais.
— Então você não vai se importar de dividir com a classe, não é
mesmo? — ela perguntou, mais ácida do que gostaria. Luke assentiu,
parecendo nervoso.
— Jesse é um surfista profissional que conheci na ilha de Ko Tao. Nos
tornamos amigos, e ele acabou vendo as fotos que eu fazia da minha viagem
e ficou interessado.
Luke parou de falar, estudando a expressão de Hannah. Embora se
orgulhasse de ter se tornado um tipo de especialista em Hannah Lane, não
fazia ideia do que ela estava pensando. E aquilo o deixava nervoso.
Suspirou, continuando.
— Ele me ofereceu um trabalho para acompanhá-lo como fotógrafo em
Bali, onde ele treina, e também em algumas etapas de um torneio de surfe —
respondeu, com o coração na boca.
Hannah o olhou nos olhos pela primeira vez desde que começara a se
explicar. Ficou alguns instantes em silêncio e, quando estava praticamente o
matando de ansiedade, voltou a falar:
— Você aceitou?
Luke deu de ombros.
— Eu ainda não respondi.
— E você pretendia me contar isso quando? — Hannah perguntou, com
a voz afiada como uma faca. Luke baixou a cabeça, em silêncio, ouvindo a
risada de escárnio da garota. — Isso não pode ser sério.
— Deixe-me explicar, Hannah.
— Não, Luke — ela respondeu, exasperada. — Hoje à tarde eu pedi
para que tivéssemos uma conversa sobre o futuro, e você me fez acreditar que
estava tudo certo, tão certo que não precisaríamos decidir nada agora. Se eu
não tivesse visto essas mensagens por engano, quando eu ficaria sabendo
dessa proposta de emprego? Quando você estivesse postando fotos na
Indonésia?
— Ei, eu não aceitei ainda.
— Ainda! — ela frisou, estupefata. — Eu não acredito nisso.
Quando começou a andar em direção à casa, Luke correu, se colocando
em sua frente.
— Hannah, pare com isso. Eu estava falando sério no barco.
— Por que, toda vez que eu estou perto de me deixar levar por nossa
história, alguma coisa acontece, Luke? É como se o universo estivesse
mandando milhões de sinais de que isso não vai dar certo — ela disse, vendo
o queixo de Luke cair.
— Não vai dar certo se você não quiser que dê.
— Ou se você for fazer uma turnê pelo mundo procurando as melhores
ondas — ela cuspiu as palavras, sem pensar.
Luke chacoalhou a cabeça.
— Aonde você vai? — ele perguntou, vendo-a entrar na casa. — Vamos
conversar.
Hannah riu, sem humor.
— Se você pode fugir do inevitável, eu também posso.
— Hannah...
— Boa noite, Luke.

Hannah se sentou na cama, esfregando os olhos. O relógio em seu pulso


marcava pouco mais de sete da manhã, e ela mal tinha conseguido pregar os
olhos. Quando subira para o quarto, depois de descobrir sobre Anika, Jesse e
Bali, ela estava furiosa. Estava se sentindo traída.
Ela estava pronta para ter uma conversa séria naquele barco. Se tivessem
feito isso e ele fosse sincero, o assunto do emprego teria sido posto na mesa e
eles poderiam decidir como adultos o que fazer. Mas Luke tinha preferido
esconder isso dela, e, durante as primeiras horas da noite, tudo o que ela
queria era socá-lo.
Ele tinha tentado conversar a todo custo. Fora até a porta do quarto,
mandara algumas mensagens. Só sossegara quando Hannah respondera
pedindo um espaço e prometendo que conversaria com ele de manhã, quando
tivesse esfriado a cabeça. Tomara outro banho, esperando que a água
ajudasse a lavar aquela sensação esquisita de seu corpo, mas não tinha
adiantado.
Passara o restante da noite insone, sem conseguir pensar em outra coisa.
Tinha chorado, andado de um lado para outro no quarto e considerado bater à
porta de Luke às quatro da manhã para resolver aquele assunto. Tinha
escutado os amigos chegarem, quase quebrando a casa inteira, sentado na
varanda para olhar para o céu, deitado na cama para olhar para o teto. Às sete,
desistiu e resolveu levantar.
Olhou seu reflexo no espelho, assustada com os enormes círculos roxos
embaixo de seus olhos. Seu cabelo estava uma bagunça completa, e ela o
amarrou em um rabo de cavalo, sem paciência para sequer pensar. Então, viu
o celular vibrar sobre a mesa.

Está acordada?

Por Deus, eram sete da manhã. Luke também odiava acordar cedo e o
fato dessa mensagem já ter chegado significava bastante coisa. Sentiu o
coração aquecer minimamente com isso, embora soubesse ser egoísmo
pensar assim. Talvez estivesse em seu direito.
Com um frio esquisito na barriga e as mãos trêmulas, respirou fundo ao
pegar o aparelho. Era melhor resolver aquela história de uma vez.
Luke bateu à porta meros três minutos depois de ter visualizado sua
resposta. Vestia uma camiseta cinza surrada e uma calça de pijama xadrez,
que parecia ter duzentos anos de idade. Seus cabelos estavam desordenados e,
assim como ela, o garoto também estava com olheiras arroxeadas.
Ele mordeu o lábio ao encará-la.
— Desculpe mandar a mensagem tão cedo.
— Eu já estava acordada — Hannah disse ao abrir um espaço para que
ele entrasse no quarto, fechando a porta atrás de si.
Lucas era o tipo de garoto que se sentia à vontade onde fosse. Quando
começaram a ficar, ele entrava e saía de seu quarto como se fosse dono do
lugar, deitando na cama e mudando o canal da televisão, mexendo nos
produtos em cima da bancada da pia e comendo as balinhas de goma que
Hannah gostava de carregar na bolsa, mesmo que elas estivessem meio
derretidas.
Naquele momento, no entanto, ele estava parado no meio do quarto,
com os braços rentes ao corpo e uma expressão de dúvida no rosto. Hannah
daria risada se a situação fosse outra, mas estava quase tendo um colapso
nervoso, portanto não conseguia. Apenas meneou a cabeça para que ele
sentasse, e, sem dizer uma palavra, Luke a obedeceu.
— Noite ruim? — ele se atreveu a perguntar, e Hannah fez uma careta.
— Péssima.
— A minha também — ele concordou, enquanto apertava uma
almofada, sem olhar de verdade para Hannah. Suspirou e, como quem
tomava coragem, a encarou nos olhos. — Me desculpe por não ter contado
sobre a proposta de Jesse. Sei que parece injustificável, já que eu tive a
chance de falar sobre isso, mas eu não queria estragar nosso momento com
uma conversa dessa. Você tem toda razão em ficar puta.
Hannah concordou com a cabeça. Sabia que seus sentimentos eram
válidos, mas ouvir isso da boca de Lucas tinha toda uma conotação diferente.
Embora brigassem a vida toda, aquele assunto era sério, e ela estava surpresa
com a maneira sensata com que Lucas estava se portando. Embora ele tivesse
seus lapsos esquisitos que a faziam perder a cabeça – como a briga insana na
festa, alguns dias antes –, Luke tinha crescido bastante naquele último ano.
— Nós não temos que escolher o momento para ter conversas difíceis,
Luke. Elas precisam existir — Hannah respondeu, vendo-o assentir. —
Quando você recebeu a proposta?
— Logo que cheguei aqui — Lucas respondeu prontamente. Embora
houvesse confiança em sua voz, sua expressão mostrava que estava com
medo do que aquela afirmação poderia causar. — Jesse me ligou quando eu
estava no aeroporto. Ele não sabia que eu não estava mais na Tailândia e
ficou surpreso ao ouvir que eu estava desembarcando na França. Ele estava
em uma ilha, a ligação estava muito ruim e acabamos desligando sem querer.
— Luke fez uma pausa, estudando a expressão de Hannah. — Até então, para
mim, não havia dúvida alguma. Assim que Jesse voltasse para Bangkok ou
para algum lugar com um serviço de internet melhor, ele me contataria e eu
diria que sim, que queria ser o fotógrafo particular dele durante esse torneio.
Eu tinha muita certeza — ele disse, com um sorriso fraco. — Então ele me
ligou na noite em que eu te prendi no quarto. Eu perdi a ligação porque
estava preocupado com você e fui reparar muitas horas depois. Eu não fazia
ideia do que ia acontecer entre nós, então eu liguei de volta. Mas não
consegui falar.
Hannah engoliu em seco, com as mãos geladas. Seu coração estava tão
acelerado que ela se questionou se Luke podia escutá-lo, mesmo estando a
meio metro de distância.
— Então, quando ele voltou a falar comigo por mensagem, dias depois,
eu já estava envolvido demais com você. Por isso, eu comecei a ignorar as
mensagens, a princípio torcendo para que ele achasse que o problema era a
internet, porque eu não sabia o que fazer. Se ele desistisse de mim, ao menos
eu não precisaria tomar essa decisão sozinho. — Ele riu, nervoso. — As
coisas estavam muito claras antes, Hannah. Mas eu comecei a gostar de
verdade de você, e eu sabia que passar meses viajando estragaria tudo.
Hannah respirou fundo, tentando se controlar. Seus olhos estavam
ardendo, mas ela não queria chorar. Encarou a almofada em seu colo por
alguns instantes, então voltou a Lucas.
— Quando você pretendia me contar?
— Quando tudo estivesse resolvido.
— E se a resolução fosse ir embora, como você acha que eu iria me
sentir?
Luke a encarou, atônito. Ela tinha razão. Se fosse o contrário, ele se
sentiria absurdamente traído com uma história dessas. Ele sentou mais perto
dela, num ímpeto de coragem. Hannah não ofereceu resistência quando ele
segurou sua mão.
— Eu sei que você merece mais do que ouvir minhas desculpas
esfarrapadas por ter trocado de novo os pés pelas mãos, Han. Mas, acredite,
eu jamais fiz isso com o intuito de magoar você. Infelizmente, pode ser que
esse seja meu talento nato. — Ele suspirou, parecendo triste. — Eu nunca me
apaixonei por ninguém antes, então não... — Luke parou de falar, vendo
Hannah encará-lo de queixo caído.
— O que você disse?
— Disse que percebi que estava apaixonado por você — ele reafirmou,
sem rodeios. — E foi isso que complicou as coisas. Eu queria achar uma
maneira de resolver todos os meus problemas e ainda ficar com você, mas
não sabia como fazer isso. Juro, Hannah, eu esgotei todas as possibilidades.
Então, ontem, sem conseguir dormir por causa da nossa briga, eu percebi que
a resposta que eu buscava estava na minha cara o tempo inteiro.
— E qual era a resposta? — Hannah perguntou, com um sopro de voz.
Luke deu um sorriso tímido.
— A resposta, Hannah Lane, é que não importa meu trabalho, ou minha
localização geográfica, ou qualquer outra coisa. Se eu não puder estar com
você, nenhuma outra decisão faz sentido.
Hannah deixou que o canto de sua boca se curvasse em um sorriso.
Quando percebeu, já tinha derrubado uma lágrima solitária, que Luke
enxugou com as costas da mão. Ele não disse nada, apenas a segurou pela
nuca e a beijou no rosto, passando o nariz pela pele da sua bochecha. Então,
encostou a testa na dela e a viu fechar os olhos.
Aquele beijo não foi como nenhum outro. Embora estivessem brigados
por menos de dez horas, havia tanta saudade e alívio naquele gesto que
Hannah sentiu o corpo inteiro arrepiar. Segurou o rosto de Luke, aflita por ter
cada pedacinho dele com ela. Acariciou sua bochecha quando se afastaram e
desviou o olhar, respirando fundo.
— O que foi? — ele perguntou, levantando seu queixo com a mão.
Ao olhar para o rosto de Luke, Hannah se lembrou das poucas vezes em
que enfrentara seu medo de altura. Seu coração pulsava no peito como se
fosse sair pela garganta. Sua boca ficava seca e ela sentia um frio estarrecedor
nos ossos. Não conseguia se mover, pois sua cabeça rodava em todas as
direções.
Ela piscou algumas vezes, voltando a encarar Luke, que parecia
preocupado.
— Você não sabe o quanto eu quis ouvir isso, Luke. Eu passei a noite
inteira sonhando com esse momento — disse, com as mãos trêmulas. — Eu
nunca gostei de alguém o tanto que gosto de você. Ontem, inclusive, eu
estava pronta para dizer que eu te amava — ela disse, evitando olhar para o
rosto de Luke. — Você mudou a minha vida para melhor, e eu mal consigo
lembrar da Hannah que eu era antes de você.
Luke apertou sua mão com mais força, e então ela o encarou. Ele lhe
deu um sorriso, sem dizer nada. Embora estivesse sorrindo, parecia tão
nervoso quanto ela. Hannah soltou suas mãos, enxugando as lágrimas do
rosto. Respirou fundo, e a expressão de Lucas mudou completamente quando
ela abriu a boca.
— Mas eu não quero ser a garota que vai impedi-lo de realizar seus
sonhos — ela disse, vendo Luke morder o lábio e encarar as próprias mãos.
— Você tem um talento enorme, Luke, e essa é uma oportunidade única. Nós
somos novos demais para essa história de largar tudo por amor.
Ele a encarou, perplexo.
— Você realmente acha isso?
— Acho — ela disse, o mais firme que conseguiu. — E isso não diminui
nem um pouco o que eu sinto por você. Eu me odeio por dizer isso, mas não
posso carregar essa responsabilidade.
Lucas levantou, andando pelo quarto.
— Mas fui eu quem decidiu isso. A responsabilidade não é sua.
— Você mesmo disse que jamais pensaria em negar antes de se
aproximar de mim, Luke. — Hannah levantou, caminhando até ele. — Isso é
lindo demais agora, mas, daqui a alguns meses, quando você entrar nas redes
sociais desse cara e perceber que tem alguém fazendo o trabalho que você
queria, você vai se arrepender. E a culpa vai ser minha.
Luke rolou os olhos, depois a encarou.
— Isso não vai acontecer.
— Como você sabe?
— Eu não sei, Hannah — ele disse, exasperado. — Mas, porra, eu estou
aqui dizendo que percebi que nenhum sonho vale mais do que a gente. Se
fosse o contrário, a gente estaria se reconciliando nessa cama agora mesmo.
Hannah suspirou, olhando-o nos olhos.
— Luke... Por que você não propôs que eu largasse tudo e fosse com
você?
Ele franziu o cenho, confuso.
— Porque eu não achei que você fosse aceitar — ele respondeu. Ao ver
que Hannah tinha se aproximado, com uma sobrancelha erguida, soltou o ar
pela boca. — Porque eu não achava justo que você largasse tudo para ficar
comigo.
Hannah sorriu de canto, sem dizer nada. Ele chacoalhou a cabeça.
— É diferente.
— Diferente como?
— Você ainda vai começar a faculdade. Tem um monte de experiências
novas para descobrir. Eu já fiz isso, já joguei tudo para o alto. E poderia jogar
de novo. — Ele se aproximou, segurando o rosto da garota. — Hannah, me
deixe ao menos tentar.
Hannah baixou a cabeça ao ouvir essa súplica. Estava tentando o
máximo que podia se manter firme, mas seus joelhos estavam cedendo. Tudo
o que ela queria era ser tomada nos braços e esquecer aquela conversa, mas
não podia fazer isso. Ela fungou.
— Eu não posso. Mesmo querendo, eu não posso.
Luke se afastou, piscando algumas vezes. Aquele era o soco no
estômago que ele não esperava receber da garota que mais gostava no mundo.
Hannah estava chorando, mas ele estava paralisado. Seus olhos estavam
ardendo, e seu coração acelerado demais.
— Luke, por favor, fale alguma coisa — ela pediu, se aproximando.
— Eu acho que essa é a decisão mais estúpida que você já tomou na
vida — ele disse entre dentes, e Hannah baixou a cabeça.
— Talvez seja — ela concordou. — Mas acho que um dia você irá me
agradecer.
Lucas riu, incrédulo.
— Fale por você mesma.
— Luke...
— É melhor eu ir embora — ele disse, dando um passo para trás quando
ela chegou mais perto. — Te mando um cartão-postal de Bali então, Hannah.
Obrigado por decidir a minha vida por mim.
— Luke, espere.
Ele a encarou, deixando uma lágrima escapar. Assistiu-lhe abrir a boca
algumas vezes e, quando estava prestes a virar as costas e desistir, a ouviu
dizer:
— Me desculpe. Eu espero que um dia você entenda por que eu estou
fazendo isso.
Ele assentiu, com um sorriso fraco.
— Eu também espero.

Hannah não conseguia parar de chorar. Estava com o rosto enterrado nos
travesseiros, soluçando tão alto que Ellie tivera que lhe buscar um calmante.
Sabia que aquela era a decisão certa – não suportaria prender Luke a ela,
sabendo que ele poderia ganhar o mundo –, mas aquilo doía muito. Por Deus,
achava que iria morrer.
Sabia que Lucas ficaria chateado com ela, mas pensara que ele a
entenderia. Não foi isso o que aconteceu, no entanto, e ele acordou a casa
inteira com a força com que bateu a porta do quarto. Quando Liam foi até lá,
ele estava arrumando as malas para ir embora.
Hannah não queria que as coisas terminassem assim, mas Luke tinha se
recusado a falar com ela de novo e dissera para os garotos que achava melhor
que eles não se despedissem. Quando tomara aquela decisão, ainda de
madrugada, uma pequena parte dela acreditava que os dois talvez fossem
capazes de encontrar um meio termo. Agora, parecia que uma parte de seu
coração tinha sido arrancada, e ela mal podia respirar. Tinha feito o cara que
ela amava, o seu novo melhor amigo, a odiar. Nunca se perdoaria.
Sentiu a cama mexer e a mão de Ellie afagar seu cabelo. Deitou em seu
colo. Ellie era a mãe do grupo, sempre cuidando dela e de Becky, as
protegendo. Mas nem as palavras doces da amiga funcionavam para amenizar
sua dor. Ficou ali pelo que lhe pareceu uma eternidade, até o calmante e o
cansaço tomarem conta de seu corpo, fazendo-a cochilar.
Acordou assustada, horas depois, sentando na cama de uma vez só. Ellie
não estava mais ali, mas Rebecca estava sentada na ponta de sua cama, a
encarando, imóvel. Jamais vira Becky sem palavras, mas essa parecia a
situação.
— Ele já foi? — perguntou, com a voz rouca.
Becky mordeu o lábio e assentiu. Ao ver Hannah chorar, ela correu pelo
lado da cama, abraçando-a.
— Você fez a coisa certa, amiga — ela sussurrou, apertando-a. — Não
vai parecer agora. Merda, vai doer pra cacete. Mas você fez a coisa certa.
Hannah assentiu, sem vontade de rir daquela frase esquisitamente
motivacional.
— Ele me odeia.
— Não acho que seja o caso. Muito pelo contrário.
Hannah conhecia Becky tão bem que sabia que aquela resposta da amiga
tinha muito mais camadas do que ela deixava aparentar.
— O que você quer dizer com isso?
— Que você deveria ir até o quarto dele — Becky respondeu, depois
acrescentou: — Ele realmente foi embora, então não espere que ele esteja lá
para te fazer uma surpresa. Mas Luke definitivamente não te odeia, e eu
posso provar.

Hannah estremeceu ao ver Becky abrir a porta. Não sabia de onde Dylan
tinha surgido, mas ele também estava lá, plantado do lado delas sem dizer
uma palavra. O quarto estava uma bagunça, como se um tornado tivesse
atingido uma pequena ilha. Hannah passou os olhos pela cômoda, a poltrona
e o amontoado de almofadas, travesseiros e lençóis. Então, seu coração
praticamente parou de bater.
No cantinho da cama, do lado em que Lucas dormia, avistou o moletom
vermelho de que ela tanto gostava. Ao contrário das demais coisas, ele estava
perfeitamente dobrado, como em uma bancada de loja. Ela correu até lá,
dando a volta na cama sem conseguir conter as lágrimas. Agarrou o moletom
como se sua vida dependesse disso, então escutou o barulho de algo caindo
no chão. Franziu o cenho, abaixando ao avistar uma pequena caixinha branca.
Ela olhou para Dylan, procurando uma explicação. Ele apenas fez um
gesto com a cabeça, sugerindo que ela a abrisse.
Hannah tirou com cuidado a fitinha cor-de-rosa que envolvia a caixa. A
abriu, com as mãos trêmulas, revelando um pequeno pingente que se parecia
com um docinho. Com o coração acelerado e a visão embaçada, o segurou na
mão. Dylan, que já tinha dado a volta na cama, a abraçou de lado.
— Ele comprou para você. Acho que queria te pedir em namoro, ou
alguma coisa assim.
Becky estapeou o braço do garoto quando viu a amiga chorar.
— Ai!
— Luke avisou que tem um bilhete em algum lugar, acho que no bolso
da blusa ou algo assim — Rebecca disse, vendo a amiga buscar pelo pedaço
de papel, afoita.
— Vocês podem me deixar sozinha, um minuto? — Hannah pediu, e os
dois concordaram.
Hannah soltou o ar pela boca ao ouvir o barulho da porta se fechando.
Apertou o pingente em uma das mãos e, agarrada na blusa, abriu o pequeno
papel.

Me desculpe pela forma como fui embora hoje, mas eu não conseguiria
encará-la de frente depois de tudo o que aconteceu. Quanto à blusa e ao
pingente, essas coisas são muito mais suas do que minhas. Não fazia sentido
carregá-las comigo, seja qual for o meu destino. Seja feliz, Hannah Lane.
Capítulo 15
Hannah encarou a pulseira em seu pulso. O pingente de docinho
tintilava toda vez que ela se mexia. Mais de um mês tinha se passado desde
que ela e Luke terminaram, e a dor que sentia não parecia diminuir.
Quando Luke deixara a Riviera Francesa, a viagem dos amigos fora
arruinada. Ainda tinham quatro dias na cidade, mas Hannah estava deprimida
demais para fazer qualquer coisa, o que também sugara a alegria dos demais.
A história da proposta de emprego de Luke tinha surpreendido a todos e a
decisão de Hannah, dividido opiniões. Embora concordassem que ela tinha
feito o que era melhor para Luke, os mais românticos temiam que Hannah
tivesse aberto mão do amor de sua vida.
Ela também achava. Mais uma vez, Hannah Lane estivera com a
felicidade em mãos, e sua decisão fora amassá-la e jogar no lixo, sem pensar
em si mesma. Voltar para os Estados Unidos depois de tudo o que acontecera
tinha sido um pesadelo, e o voo até Nova York fora desesperador.
Ao chegarem à cidade que nunca dorme, Hannah tivera uma crise de
pânico e não conseguira se mover no aeroporto. Deixara todos desesperados.
Oliver correra pelo saguão e voltara minutos depois com a chave de um carro
alugado. Dispensara a namorada e os amigos para dirigir com a irmã até a
Carolina do Norte, se dispondo a escutá-la chorar e a confortá-la. Demoraram
alguns dias para chegar ao destino, mas Hannah nunca fora tão grata por ter
Oliver em sua vida como naquela semana.
Desde então, os amigos vinham tentando arrumar formas de animá-la,
sem sucesso. Hannah só queria ficar na cama, vestida com o moletom de
Luke e olhando para o teto, aguardando uma mensagem de texto que ela
sabia que jamais iria chegar.
Tinha entrado em contato, era claro, minutos depois de ter lido o bilhete
de Luke e recebido seus presentes. Enviara uma mensagem agradecendo e
pedindo perdão por toda a dor que sabia ter lhe causado.
Nenhuma resposta.
Desde então, passara a mandar mensagens esporádicas para ele e a se
torturar ao ver suas breves aparições em redes sociais alheias – não se
orgulhava disso, mas tinha descoberto o Instagram de Jesse, Anika e mais
alguns caras que estavam na Tailândia. Na primeira vez que o vira nos stories
de Jesse, organizando as lentes da câmera para a viagem a Bali, Hannah
passara a noite chorando. Estava feliz por ele, mas vê-lo seguir sem ela lhe
doía, mesmo tendo sido uma decisão sua.
Para completar, estava apavorada com a aproximação de sua viagem
para a Califórnia. Viver em Charlotte era cômodo, conhecido e fácil.
Conhecia as pessoas, era popular no colégio e sabia o que esperar de cada
dia. Mudar para o outro lado do país, no entanto, era como virar uma página
de um livro que você já leu várias vezes e descobrir, inesperadamente, que
todos os capítulos depois daquele estavam em branco.
Ela não sabia o que fazer com páginas em branco.
Becky também estava de mudança para a Califórnia, o que a deixava
mais reconfortada, mesmo que as duas não fossem estudar na mesma
universidade. Ao contrário dela, a amiga já tinha tudo decidido, desde o curso
de psicologia até as viagens que queria fazer aos finais de semana; também
sobre a possibilidade de alugar um apartamento no segundo ano e morarem
juntas.
Hannah mal se lembrava de como era ter tudo planejado.
Queria cursar teatro, mas não conseguia se convencer de que era a
melhor ideia. Tinha conseguido uma vaga na USC, como sonhara, mas vinha
se questionando se não era uma farsa. As peças de teatro que fizera no
colégio foram elogiadas, mas estudar essa arte profissionalmente podia ser
um passo maior que suas pernas – e ela não queria falhar. Não queria chegar
a Los Angeles e descobrir que seus colegas de classe eram estupidamente
mais talentosos do que ela, o que provavelmente aconteceria.
Além do mais, estaria na cidade para onde todos os atores do mundo se
direcionavam em busca da fama. Sabia que se destacar beiraria o impossível.
Não se importava em começar de baixo, desde que tivesse certeza de que
chegaria a algum lugar, o que não era o caso.
Distraída com os pensamentos depreciativos, escolheu a saída errada
com o carro, xingando baixo por ter que acrescentar alguns minutos em sua
rota até em casa, onde pretendia deitar para fingir assistir à televisão até que
Becky aparecesse no fim do dia, sob a desculpa de que precisava de ajuda
para fazer as unhas.
Percebeu, então, que estava de frente a seu antigo colégio. Estava tão
acostumada a dirigir até ali que nem viu como isso aconteceu. Aquele lugar a
enchia de lembranças de todo tipo, e Hannah se pegou estacionando o carro e
descendo, sem pensar.
O lugar estava vazio, ainda nas férias de verão, e não foi difícil
conseguir entrar, visto que os seguranças a conheciam havia anos. Olhou para
o banco em que ela e as amigas costumavam se encontrar todos os dias antes
das aulas e sorriu, colocando a mão sobre o peito. Foi ali que tinha contado
para elas que começara a namorar Brian. Também onde Becky contara cada
detalhe sórdido de suas aventuras de fim de semana, e onde elas seguraram a
mão de Ellie para que abrisse a carta de admissão de Harvard.
Avistou, mais adiante, a árvore em que ela e Luke escolheram para se
abrigar durante boa parte da famigerada aula de literatura, em que tudo tinha
mudado. Suspirou quando um turbilhão de emoções a tomou, trazendo-lhe
memórias que ela não esperava reviver naquela tarde de quarta-feira.
Então, avistou ao longe uma senhora baixinha, carregando uma pilha de
fichários coloridos. Ao perceber de quem se tratava, teve a ideia mais
estapafúrdia dos últimos tempos.

O jardim secreto de Hannah continuava intacto, cheio de flores amarelas


e laranjas. Ela mordeu o lábio, nervosa com o que tinha feito. Não sabia se
topar com a senhora Brown tinha sido um sinal do universo. Se os astros
fossem espertos – coisa que ela não era –, eles teriam lhe dito para aproveitar
aquele momento para se mostrar superior e adulta, seguir a vida e parar de ser
idiota.
Mas, era claro, não foi isso o que ela fez.
Sem pensar, correra até a professora de literatura para cumprimentá-la e
ajudá-la a carregar as pastas até o carro. Então, quando estavam quase se
despedindo, perguntara a ela que fim tinham levado as cartas que escreveram
naquela aula.
A professora lhe contara que tinha perdido quase metade dos envelopes
poucas horas depois da atividade, mas que, por sorte, um aluno os encontrara
e devolvera. Hannah não se importara em lhe dizer a verdade sobre a festa.
Não era isso que tinha ido fazer ali.
Cinco minutos depois, lá estava ela, apertando a carta de Luke contra o
peito. Sempre tivera curiosidade de ler o conteúdo daquele envelope, mas
fazer isso naquele momento do jogo da vida lhe faria retroceder, no mínimo,
umas dez casas.
Ela tinha noção disso. A não ser que Luke tivesse sido um babaca
naquele texto – coisa em que ela não acreditava –, ler a carta só a deixaria
mais triste por não estar ao lado do cara que amava.
E ela já tinha problemas demais. Precisava deixar de lado sua síndrome
de impostor e tentar confiar em si mesma para se mudar para a Califórnia.
Precisava, mais do que isso, tentar deixar Lucas para trás.
Sentou no chão, colocando o envelope em sua frente. Um segundo
depois o apanhou, chacoalhando a cabeça.
— A quem eu quero enganar? — ela murmurou, estremecendo em
seguida ao ver a letra esquisita de Luke no papel.

Hannah Lane é uma pessoa difícil de entender. Mesmo a conhecendo há


anos, demorei muito tempo para enxergar além da garota popular e da líder
de torcida que todos idolatram. Muito embora meu esporte preferido seja
infernizá-la (e vice-versa), devo confessar que a admiro. Mesmo com seu ego
inflado e com os olhares do colégio inteiro sobre ela, Hannah é uma das
pessoas mais acessíveis que já conheci. Ela faz questão de conversar com
todo mundo e de fazer com que todos se sintam incluídos, não importa quem.
Ela é inteligente, tem resposta para tudo e um humor ácido que é apenas
invejável.
Além disso, eu nunca a vi se esquivar de suas responsabilidades. Seus
sonhos viram metas e logo saem do papel. Eu tenho certeza de que ela vai
ser muito poderosa, um dia, tipo uma estrela de cinema ou algo assim. Seria
merecido. E, quando isso acontecer, eu vou poder dizer nas entrevistas que
darei para os tabloides que ela era louca por mim na adolescência (já que só
isso explica o tanto que essa garota gosta de me atormentar). O que mais?
Bom, eu também a acho linda, e ela tem um dos sorrisos mais bonitos que eu
já vi, mas nunca vou dizer isso a ela, justamente porque “a gente se odeia”.
E eu adoro odiá-la, de verdade, porque é assim que a nossa dinâmica
funciona. Agora, por exemplo, eu a chamarei de “docinho” e ela vai se
irritar e tacar alguma coisa em mim. Eu vou xingar e ela também, porque
isso é o certo a fazer. Afinal, somos Lucas Cooper e Hannah Lane. E
ninguém nunca vai mudar isso.
Três meses depois

O queixo de Hannah tinha caído depois de reler a carta pela quarta vez.
Havia a aberto sabendo que iria se martirizar, mas, ao contrário disso,
encontrara nela as palavras de que precisava para seguir em frente. Percebera
o quanto estava sendo hipócrita. Tinha aberto mão do cara que amava para
que ele não desistisse de seus sonhos, apenas para colocar empecilhos diante
de sua própria felicidade.
Ainda doía, ela não iria mentir. Mas precisara retomar o controle de sua
vida, pôr suas metas em um papel e segui-las. Afinal, se não fizesse isso,
Lucas jamais poderia dar uma entrevista a tabloides como “uma fonte
próxima à atriz”. Não podia privá-lo desse sonho.
Hannah estava adorando a vida na Califórnia. A mudança tinha sido
dura – tinha ido de uma costa a outra e deixado para trás a família e os
amigos –, mas tinha se adaptado ao seu novo estilo de vida como ninguém.
Morava no campus da Universidade do Sul da Califórnia, tinha uma colega
de quarto adoravelmente esquisita e estava apaixonada por seu curso. Apesar
de se tratar de um ambiente competitivo, já tinha feito amigos e estava certa
de que as artes cênicas tinham sido sua melhor escolha.
Não tinha mais conversado com Lucas. Prometera a si mesma que não
acompanharia a vida dele, mas vez ou outra acabava falhando na missão e
procurando notícias. Oliver tinha dito a ela que ele estava nas Ilhas Fiji, e ela
resolvera ver isso com os próprios olhos.
Luke estava maravilhoso, bronzeado e sorrindo de orelha a orelha em
uma foto. A sensação era agridoce, e ela ainda não sabia como lidar quando
tinha esses lapsos. Certa vez, ao ver um comentário suspeito de uma garota
muito bonita em seu Instagram, acabara entrando em um buraco negro que a
levara até mesmo ao Facebook da tia-avó da garota.
Tendo a certeza de que já estava sendo patética o suficiente, resolvera
tomar uma atitude. Ele não iria voltar. Portanto, resolvera dar uma chance a
um garoto simpático de sua aula obrigatória de inglês. Aceitara sair. Sabia
que não seria fácil, mas não havia esperado ficar tão decepcionada quando as
estrelas não se alinharam e ela não descobriu sua alma gêmea em um
restaurante hipster de lámen em Venice Beach.
Dessa forma, seguia desacreditada do amor, mas ao menos estava em
um lugar lindo, vendo sua melhor amiga maluca quase sempre e realizando
um de seus sonhos. Poderia estar pior.
— Liam me ligou ontem — Becky disse, apertando o botão do elevador.
— Queria saber se eu vou voltar para casa no dia de Ação de Graças.
Hannah riu.
— Não entendo o relacionamento de vocês.
— Nós não temos um relacionamento — Becky corrigiu. — Apenas
gostamos um do outro e, quando a gente se vê, acontece alguma coisa.
— E você não fica com ciúme se ele sai com outra?
Becky fez uma careta, como se a amiga estivesse falando em um idioma
que ela não conhecia.
— Han, meu amor, é assim que amizade colorida funciona. Eu não vou
subir em uma mesa com um taco na mão para rebolar e reclamar toda vez que
o Liam deslizar para a direita no Tinder — ela disse, rindo ao tomar um tapa.
— Eu estava alterada pela bebida.
— Você estava alterada pelo Cooper.
Hannah rolou os olhos.
— Podemos deixar esse nome de lado?
— Não sabia que ele tinha se tornado aquele que não deve ser
mencionado — Becky retrucou, abrindo a porta ao chegar no primeiro andar.
— Devíamos ter vindo de escada.
— Eu disse isso quinhentas vezes — Hannah grunhiu, jogando os braços
para cima. — E o Luke postou uns três stories com uma garota aleatória. Não
quero nem ouvir o nome dele.
Becky colocou a mão na cintura, encarando a amiga.
— Pensei que você tivesse parado de ver os posts dele.
— Eu parei — Hannah disse, entrando pela porta já aberta do
apartamento. — É você quem vê.
— Como é que é?
— Eu vejo pela sua conta — Hannah retrucou, gargalhando ao ver o
queixo caído da amiga. — Mas parei com isso. Juro! Preciso parar de me
importar com quem não dá a mínima para mim.
— Foi você quem mandou ele embora — Becky disse, distraída,
enquanto olhava a bancada da cozinha.
— De que lado você está?
— Do lado que me tirar menos do sério, ou seja, qualquer lado que não
seja o seu — Becky retrucou, com um sorrisinho.
— Já disse que te odeio hoje?
— Você achou essa cozinha pequena?
— Você quer mesmo se mudar? — Hannah fez uma careta, confusa. —
Achei que seu plano fosse ficar o primeiro ano no dormitório para
“experimentar o espírito acadêmico”. — Hannah fez aspas com os dedos,
com a voz afetada.
— Eu queria fazer isso antes de descobrir que o carpete tem cheiro de
chulé e que a minha colega de quarto é mais irritante do que você falando do
Luke o tempo inteiro. — Becky deu um sorrisinho.
— Golpe baixo. Ao menos, eu estou tentando mudar — Hannah se
defendeu, rindo com o olhar descrente de Becky. — É sério!
— Claro que é. Aliás, me lembre de deslogar minha conta do seu
telefone depois — ela disse, olhando para o celular. — Vou atrás da
corretora.
Hannah caminhou até a pequena varanda. O lugar era uma gracinha, e
gostaria de visitá-lo mais vezes caso Rebecca se mudasse – coisa de que ela
duvidava muito. Observou a vista da piscina e algumas crianças correrem ao
redor da borda. Precisava alertar Becky sobre o barulho que elas faziam, que
devia ser constante.
— Olá, Hannah Lane.
Hannah deu um pulo ao ouvir a voz vinda da varanda ao lado.
Puta merda. Só podia estar alucinando.
Tinha passado tanto tempo pensando e falando de Luke que seu cérebro
havia criado um holograma dele. Era a única explicação plausível. Deu um
passo para trás, esbarrando em um vasinho de suculenta que estava na borda
da varanda. Apertou os olhos ao ouvir o barulho dele caindo no concreto lá
embaixo.
Abriu um dos olhos devagar, segurando no parapeito com força.
— Acho que você não matou ninguém — ele voltou a dizer,
despreocupado.
Não posso dizer o mesmo de você, Hannah pensou, engolindo em seco.
Ele estava mesmo ali. Não era possível.
— Como?
— O vasinho caiu no deque — Luke respondeu de forma óbvia, e a
garota chacoalhou a cabeça, confusa.
— Não. Quero saber como você veio parar aqui — ela disse, encarando-
o.
Luke estava mesmo bronzeado, o que destacava seus olhos. Ele vestia
uma camiseta preta simples, mas Hannah não conseguia ver o resto de suas
roupas. Queria dar um berro para que Becky voltasse o mais rápido possível.
Alguém precisava garantir que não estava ficando doida.
— Foi um voo muito longo — ele respondeu, com um sorrisinho de
canto.
— Luke! Quer parar de ser ridículo? — Hannah ralhou, perdendo a
paciência.
Quando ouviu a risada dele, no entanto, cada parte de seu corpo pareceu
arrepiar ao mesmo tempo. Lembrou-se do encontro que tivera semanas antes,
no restaurante de lámen, e o quanto torcera para sentir as benditas borboletas
no estômago. Agora estava ali, com elas voando livremente só de escutar
uma risada familiar.
— Desculpe. Acho que estou um pouco nervoso — ele confessou,
olhando-a nos olhos. — Eu queria ver você.
Hannah piscou algumas vezes, atônita.
— Pela sua cara de choque, acho melhor eu começar a me explicar —
ele concluiu, rindo ao se aproximar da borda da varanda. — Naquele dia em
que brigamos, a primeira coisa que fiz foi agendar um voo para voltar para a
Tailândia. Eu estava furioso, triste, e a última pessoa da face da Terra que eu
queria ver era você, embora você também fosse a única pessoa que eu queria
ver. Não sei se isso faz sentido.
— Faz, sim — Hannah respondeu, tentando reprimir um sorriso.
— Acho que demorei um mês para entender a motivação por trás do que
você fez, embora ela fosse muito clara. Para mim, você jamais desistiria de
nós dois se me amasse de verdade — Luke disse, encarando as mãos. —
Então eu fui para Bali. E entendi.
Hannah o observou, mordendo o lábio. Queria fazer trezentas e
cinquenta perguntas, mas a língua estava enrolando na boca, tamanho seu
nervoso. Ela cruzou os braços, em uma tentativa de esconder que suas mãos
estavam trêmulas.
— Quando eu comecei a trabalhar com o Jesse, entendi qual era o meu
propósito profissional. Foi quase instantâneo. E eu jamais saberia disso se
você não tivesse feito o que fez.
— Eu disse que você ia me agradecer — Hannah achou sua voz para
falar, com um sorriso presunçoso. — Foi isso o que você veio fazer aqui?
Aliás, meu Deus! Você ainda precisa me explicar como foi parar nesse
apartamento. — Ao ver Lucas abrir a boca, acrescentou: — Se você repetir
que veio de avião, eu arremesso o vasinho de suculenta sobrevivente na sua
testa.
Lucas gargalhou.
— Sempre muito delicada — ele disse, e os dois trocaram um sorriso
cúmplice. Hannah parecia ter uma resposta na ponta da língua, mas não a
deu. — Eu não vim agradecer pelo chute certeiro que você me deu — ele
brincou.
— Qual o motivo, então? — Hannah chacoalhou a cabeça.
Por favor, responda “porque eu amo você”. Vamos lá, Luke, você já se
materializou como num filme. Não custa nada seguir o roteiro, Hannah
pensou, sentindo as bochechas corarem.
— A fase do campeonato que eu estava cobrindo terminou e, como eu
ganhei uma grana, achei interessante fazer uma viagem para a Califórnia.
Hannah estreitou o olhar.
— Eu pensei que tivéssemos um acordo tácito de que só falamos a
verdade um para o outro.
Lucas sorriu, como se fosse ali que quisesse chegar.
— Você sabe que eu estudava aqui antes, não sabe? Aqui em Los
Angeles.
— Nos três meses que você fez faculdade? Sei, sim — Hannah
provocou, fazendo-o rir.
— Meu meio-irmão me segue no Instagram, e ele mostrou algumas
fotos que eu tirei para o meu pai. Imagine a minha surpresa quando recebi
uma ligação, num horário completamente errado pelo fuso, com meu pai me
dizendo que tinha entendido o meu talento e que minhas fotos eram muito
boas.
— Meu Deus, Luke. Isso é incrível! — Hannah abriu um sorriso.
— Eu desliguei o telefone em choque. E foi então que eu percebi que,
mesmo com tudo o que aconteceu, a única pessoa com quem eu queria
compartilhar isso era você.
Hannah sentiu os joelhos amolecerem. Não queria se empolgar. Podia
não significar nada.
— Ele me disse que pagaria para que eu fizesse um curso na área que
gosto, se eu quisesse. Eu não sabia se era isso o que eu queria. Eu já tinha
começado a minha carreira com Jesse e, se ele continuasse surfando bem, eu
provavelmente continuaria ganhando bem. — Ele riu. — Mas, a cada dia que
passava, eu pensava mais em você. Comecei a olhar as suas redes sociais, a
perguntar alguma coisa para o seu irmão ou para o Liam. E então eu telefonei
para a Becky.
Hannah deixou o queixo cair, olhando para dentro do apartamento.
— Ela sabia que você estava aqui? Aquela vaca! — Hannah xingou,
com o coração acelerado.
— Claro que sabia. Qual a chance de, com milhões de apartamentos em
Los Angeles, você parar logo do lado do meu?
Hannah o encarou, estupefata.
— Seu?
— Meu. — Ele sorriu de canto.
— O que isso significa, Luke?
Ele suspirou, tomando coragem.
— Viajar esses quatro meses como fotógrafo realmente foi incrível,
Han. E eu devo tudo isso a você. Você não teve medo de fazer o que
acreditava ser certo quando eu ia desistir, de novo, de um sonho. — Ele fez
uma pausa e a encarou nos olhos. — O problema é que, para embarcar em um
sonho, eu precisei desistir de algo que queria muito. Você.
Era aquilo. Se seu coração batesse um pouquinho mais forte, Hannah
teria um treco ali mesmo. Ela sorriu, percebendo que Luke ainda ia continuar
a falar.
— Eu pensei que esse tempo separados fosse me fazer perceber que o
que nós dois tínhamos foi algo muito especial, mas momentâneo. Quanto
mais ficava claro que não era o caso, menos eu queria te ligar, porque eu não
queria assumir que você tinha razão o tempo todo. — Ele riu. — Quando eu
decidi ligar, Liam disse que você ia sair com um cara. E aí eu fiquei puto e
desisti.
— E começou a sair com uma garota e a postar no Instagram.
— Algo assim. Como você sabe? — Luke arqueou uma sobrancelha.
— Adivinhe.
Os dois sorriram.
— Eu larguei a turnê com o Jesse. Não por sua causa, mas porque eu
vou fazer meu curso de fotografia e coincidentemente conheci na viagem um
amigo skatista de Jesse, que quer que eu o fotografe por aqui. — Então
acrescentou: — Bom, talvez ter resolvido concentrar todos os meus esforços
em Los Angeles seja um pouco culpa sua, sim.
Hannah riu alto.
— Eu não acredito que isso está acontecendo — ela disse, atônita. — Eu
pensei que você tivesse voltado a me odiar.
— Eu também. Mas Ellie estava certa, afinal. É mesmo uma linha tênue
— ele disse, e Hannah sorriu. — Você é a garota mais incrível que eu
conheço. Eu vim do outro lado do mundo para a sacada ao lado porque
precisava que você soubesse disso. E eu sei que nós podemos ser esquisitos e
até um pouco disfuncionais, mas eu nunca senti tanto a falta de alguém como
eu sinto de você.
— Luke...
— Eu nem sei direito como a sua vida está agora. Pode ser que tudo
tenha mudado, mas eu espero que não — ele disse, sincero.
— Tudo mudou — ela respondeu, e Luke mordeu o lábio, apreensivo.
— Eu mudei. Eu resolvi me aceitar e parar de me sabotar. Eu levei em conta
cada um de seus comentários na carta de literatura.
— Como é?
— Eu li a carta, mas não me interrompa — Hannah disse, fazendo-o rir
baixo. — Esses últimos meses foram muito difíceis, porque sempre faltava
alguma coisa. E eu sempre soube o que era, mas nunca imaginei que pudesse
ter uma segunda chance. Mas agora você está aqui, e eu não posso
desperdiçar isso — ela concluiu, com um sorriso nos lábios.
Então, Luke arregalou os olhos ao vê-la colocar as duas mãos no
parapeito e tomar impulso para subir.
— Hannah, o que você está fazendo? — perguntou, alarmado.
— O que você acha? — ela retrucou, e ele deixou o queixo cair.
— Meu Deus, mulher, use a porta — ele suplicou, vendo-a se sentar.
As duas varandas eram quase coladas uma na outra, mas havia um
espaço de pouco menos de um metro que, com toda certeza, apavoraria
Hannah dos pés à cabeça. Ela apertou os olhos e depois os abriu de vez,
tomando fôlego.
— Hannah!
Ele a viu ficar de pé e, sem pestanejar, pular para o outro parapeito,
enquanto observava a cena em absoluto pânico. Luke a segurou pelo quadril,
puxando-a para dentro.
— O que foi isso? Você pirou?
— Eu amo você — Hannah disse, de uma vez só. — Não há ninguém
nesse mundo com quem eu preferiria implicar e crescer junto. E,
definitivamente, não há uma só pessoa por quem eu correria o risco de morrer
para fazer uma declaração brega dessas.
Luke abriu um sorriso enorme, apertando o corpo dela contra o seu. Não
sabiam qual coração estava batendo mais alto, mas definitivamente
conseguiam senti-los. Luke colocou uma mecha do cabelo de Hannah para
trás da orelha, então olhou em seus olhos, quase encostando o nariz no dela.
— Você sabe que, se caísse dessa altura, mal quebraria um pé, não é? —
ele perguntou, e a garota fez uma careta, indignada.
— Eu não acredito que você...
Luke gargalhou, interrompendo-a.
Hannah sentiu um choque percorrer seu corpo quando a boca dele
encostou na sua. Ela fechou os olhos, embrenhando as mãos por seus cabelos.
Havia tanta saudade e familiaridade naquele beijo que achou que estava
delirando. Queria aproveitar cada toque como se fosse o último, mas, na
verdade, eles eram apenas os primeiros.
Tinham passado anos brigando, tinham se apaixonado e se separado.
Mas, em qualquer uma dessas fases, nunca estiveram distantes de verdade.
De alguma forma, a vida sempre dera um jeito de os unir – e isso devia
significar alguma coisa.
Hannah abriu os olhos devagar quando Luke se separou do beijo,
encostando a testa na dela. Ele abriu um sorriso largo quando seus olhos se
encontraram.
— Eu também amo você — disse e então aproximou a boca de seu
ouvido, fazendo-a sorrir por antecipação. — Docinho.
Agradecimentos
Agradeço a meus pais, por terem apoiado cada um dos meus sonhos.
Vocês me ensinaram a não desistir daquilo que me faz feliz, e isso me deu a
coragem necessária para colocar cada uma de minhas histórias no papel.
A todos os meus amigos, que estão sempre ao meu lado, me
acompanhando e aconselhando. Tenho muita sorte por ter cada um de vocês
em minha vida.
A Cínthia Zagatto e Suellen Roman, pelo convite para mais essa parceria
e pelo trabalho incrível que vocês realizam. Vocês fizeram parecer fácil
escrever um livro em meio a uma pandemia e me deram todo o apoio que eu
precisei nessa jornada. Vocês arrasam!
Por fim, a cada um dos meus leitores, que me acompanham há tanto
tempo. Fazer uma releitura de Summertime depois de dez anos do fim da
fanfic foi uma honra e também um desafio enor- me. Obrigada por todo o
carinho que vocês sempre tiveram co- migo e com essa história. Queria
abraçar cada um de vocês e ficar com tendinite de tanto autografar seus
livros, mas teremos outras oportunidades. Saibam que eu amo cada um de
vocês, docinhos.
Um beijo e muito amor.
Camila Sodré nasceu em São Paulo, em 1989. Começou a escrever ficção
ainda na adolescência, publicando suas histórias online. Hoje, formada em
jornalismo, é também apaixonada por escrever comédias românticas como
aquelas que sempre amou ler. À milésima vista é seu terceiro livro publicado
e uma homenagem a uma de suas fanfics de maior sucesso, Summertime.
Conheça outro título da P.S.: Edições

Anna e Alex se conheceram na madrugada em que a casa da família dela


foi engolida pelo fogo; queimou todinha, do começo ao fim. Pelo menos foi o
que ouvi dizer. Eu ainda não estava lá. Em compensação, estive lá por muito
tempo depois. Rodando por Sheffield e os acompanhando bem de perto, com
meus autofalantes entoando músicas que eles chamavam de indie, mas que
pareciam apenas barulhentas para uma caminhonete velha como eu. Fiz
silêncio enquanto eles liam. Enquanto cochilavam. Se apaixonavam. Ah, sim,
eu flagrei todos aqueles olhares de Alex, que Anna nunca viu. E todos os
sorrisos dela, que por azar ele não percebeu. Ouvi as declarações que não
fizeram, as discussões que engoliram, o amor que aquietaram. Até que nos
mudamos para os Estados Unidos. Alex, sua infe- licidade e eu. Por muito
tempo, fomos só nós. Mas existem boatos de que Anna está chegando. Talvez
não no melhor dos momentos, é verdade, mas quem sabe assim ele pare de
meter os pés pelas mãos. E, bem, na pior das hipóteses, ainda nos reuniremos
outra vez, como nos bons e velhos tempos.

psdoispontos.com/loja

[1] Batatas antes de garotos


[2] Você muda de ideia como uma garota troca de roupas
[3] Porque você é quente depois é frio, você diz sim depois diz não...
[4] Eu deveria saber que você não vai mudar.

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