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MORFOSSINTAXE I

Nádia Castro
Termos acessórios
da oração
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar as estratégias de construção sintagmática na oração.


„„ Definir a função dos termos acessórios da oração e sua relação com
a morfologia.
„„ Avaliar a importância dos termos acessórios na construção da
textualidade.

Introdução
A leitura deste capítulo permite a compreensão, com mais criticidade,
de alguns aspectos de morfossintaxe. Vamos tratar de alguns aspectos
referentes aos termos considerados como acessórios da oração.
Os objetivos estão centrados na definição das estratégias de cons-
trução sintagmática da oração; na definição das funções dos termos
acessórios da oração em sua relação com a morfologia e na avaliação da
importância desses termos para a construção da textualidade.

Estratégias de construção sintagmática


na oração
O sintagma básico é definido por Saussure como a combinação de formas
mínimas em uma unidade linguística superior que surge a partir da linearidade
do signo (SAUSSURE, 2006). A partir dessa afirmação, o autor nos orienta
sobre a linearidade do sintagma. Ou seja, identificamos a impossibilidade de
falarmos mais de um elemento ao mesmo tempo. Mais ainda, um termo apenas
passa a ter valor a partir do instante em que há contraste com outro elemento.
De forma isolada não há valor, mas na relação sintagmática estabelecida entre
os elementos, encontramos valor.
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Os sintagmas, conforme Saussure (2006), podem representar quatro tipos


de construções: morfossintático, suboracional, oracional e supraoracional. A
primeira relaciona a combinação de morfemas em umas palavras; a segunda
consiste na combinação de palavras de uma composição oracional; a terceira
referencia os compostos oracionais e a última forma de composição considera
o composto por orações. Para entender melhor essas quatro composições,
observe os exemplos:

„„ Sintagma morfossintático: Re-ba-ter


„„ Sintagma suboracional: Boa noite!
„„ Sintagma oracional: A vida é leve.
„„ Sintagma supraoracional: Se não chover, vamos sair.

Dessa forma, partimos do pressuposto de que o sintagma se constitui como


unidade significativa e é composto por mais de um elemento, os quais se
relacionam de forma ordenada e interdependente. Mas, então, há um elemento
fundamental: o núcleo. Assim, é possível subdividir os tipos de sintagmas em:
nominal, verbal, adjetival, adverbial e preposicional.
Apropriado dessa informação, você deve identificar que há estratégias de
construção para os sintagmas. A projeção é uma delas, ou seja, ela representa
a capacidade de um núcleo do sintagma de expandir-se para um sintagma.
Você achou complicada essa afirmação? Então, observe a reflexão a seguir.
Você percebeu que em alguns casos a combinação não é adequada, por
exemplo: construção casa ou em construção facilmente? Pois bem, parece

Pense no nome construção e identifique quais sintagmas a seguir podem comple-


mentá-lo de forma adequada, ou seja, entre as opções, quais o nome construção
pode selecionar para tornar-se um sintagma?
a) velha
b) verdade
c) do apartamento
d) casa
e) facilmente
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Logo, temos:
„„ Construção (sintagma nominal)
a) Velha (sintagma adjetival)
b) Verdade (sintagma nominal)
c) Do apartamento (sintagma preposicional)
d) Casa (sintagma nominal)
e) Facilmente (sintagma adverbial)

que o sintagma nominal seleciona apenas algumas possibilidades. O que


acontece é que os sintagmas lexicais selecionam argumentos em função das
suas propriedades semânticas. Há, portanto, dependência do item lexical e
restrição de tipo categorial. Isso possibilita que o falante perceba na prática a
linearidade do sintagma e a ordem, além disso, é possível identificar a noção
de valor que emerge na relação entre os sintagmas.
É o princípio da linearidade do significante que possibilita a realização
do sintagma, a partir da combinação de elementos que contrastam entre si
na cadeia da fala (CARVALHO, 2003). Podemos concluir, portanto, que o
contraste acontece entre as unidades de mesmo nível, ou seja, um fonema vai
contrastar com outros fonemas; um morfema, com outros morfemas, e um
termo da oração, com outros termos da oração. Esse fenômeno é denominado
contexto linguístico.
Estrategicamente, as combinações não ocorrem de forma aleatória. Na
verdade, as relações de distribuição são específicas, previstas pela função do
sistema e reconhecidas como adequadas pelos falantes (CARVALHO, 2003).
O falante tem competência para dominar e identificar as combinações que
são aceitas na língua.
O sintagma fônico, por exemplo, estabelece relação entre os fonemas e pode
ser fonêmico ou prosódico (CARVALHO, 2003). O fonêmico pode ser por grupo
vocálico (ditongos e tritongos), por grupo consonantal (pr, br, prato, bravo,
etc.) ou por sílaba (consoante + vogal; vogal + consoante; consoante + vogal
+ consoante, etc.). Lembre-se de que, em língua portuguesa, não existe sílaba
sem vogal. O prosódico, no entanto, pode ser por grupo acentual ou melódico.
O grupo acentual está relacionado com a relação contrastiva entre sílabas
tônicas e átonas, o que possibilita, inclusive, distinções, como em:

A secretária secretaria o evento.


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O grupo melódico contempla a exclamação, a afirmação e a interrogação,


ou seja, na fala, só é possível identificar a diferença entre as frases afirmativas
e interrogativas, por exemplo, a partir da entonação. Ou seja, a entonação é
uma unidade distintiva e tem valor determinante. Observe:

Ele gostou do presente!


Ele gostou do presente?

O sintagma mórfico pode ser estabelecido a partir da relação entre morfe-


mas e pode ser do tipo lexical ou locucional. O primeiro deles está na própria
palavra, seja ela primitiva ou derivada (am + a + a + va; menin + o; menin + a,
etc.). O sintagma mórfico locucional é intermediário entre o sintagma lexical
e sintático (de modo que, às pressas, para com, etc.).
O sintagma sintático, conforme o nome já enuncia, é estabelecido pela
relação entre os sintagmas que compõem uma oração. São eles: sintagma
nominal, sintagma verbal, sintagma preposicional e sintagma adjetival.

O sintagma sintático é um tipo de composição de sintagma que pode ser suboracional,


oracional e supraoracional (CARVALHO, 2003).

Cabe destacar o que Saussure (2006) salienta sobre a estreita relação entre
sintagma e fala. O autor destaca que no domínio do sintagma não há limite
categórico entre fato de língua, que é testemunho de uso coletivo, e o fato de
fala, que depende da liberdade individual. Assim, não há limite de classifi-
cação das combinações de unidades (sintagmas) como sendo pertencentes à
fala ou à língua, pois ambos os fatores (social e individual) concorrem para
essa produção em proporções que não podemos delimitar. As estratégias
estão postas, mas cabe ao falante utilizá-las e aplicá-las, tanto na fala como
na escrita, para obter o seu objetivo comunicativo e ampliar o movimento
das relações sintagmáticas. A escrita limita um pouco mais, pois existem
regras de gramática normativa que evidenciam a noção de erro e acerto no
registro escrito da língua portuguesa. Na fala, no entanto, há, para o falante,
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estratégias disponíveis e cruzamentos sintáticos possíveis. É por este motivo


que podemos encontrar estruturas como:

Comprei um livro para mim + Comprei um livro para ler =


Comprei um livro para mim ler.

Gramaticalmente incorreta, essa construção é amplamente utilizada pelo


falante em diferentes classes sociais e em diferentes contextos.

Função dos termos acessórios da oração


Na composição das orações em língua portuguesa, identifica-se a presença de
termos essenciais, termos integrantes e termos acessórios. É na relação lógica
estabelecida entre os elementos que há possibilidade de diferenciação entre
o que é marginal e o que é central. Na oração, pressupõem-se o verbo como
elemento central e este como elemento que necessita de outros para articulação
e presença de sentido e valor. Por exemplo, na construção Joana mora em
Recife, o verbo morar solicita complemento semântico para completar o seu
sentido. Dessa forma, tem-se em Recife como complemento de lugar, ou seja,
um complemento de natureza adverbial que completa o sentido da oração.
Assim, a função desempenhada pelos termos acessórios da oração é a de
complementar os verbos e os nomes integrantes das orações. Por exemplo, em
uma oração como Graciliano falou de temas universais em seus romances
(BECHARA, 2005, p. 411), além dos termos centrais Graciliano e falou —
os quais representam núcleos do sujeito e do predicado, respectivamente —,
temos os termos de temas universais e em seus romances como elementos
nucleares em uma análise sintático-semântica. Uma vez que estão referidos
à relação predicativa. De temas universais, por exemplo, explicita aquilo de
que falam os romances do sujeito (Graciliano). Enquanto em seus romances
faz alusão ao tipo de escrito.
Agora, observe a oração a seguir:

Certamente, Graciliano viveu experiências amargas, durante sua vida


(BECHARA, 2005, p. 411).

Nesse caso, muitas experiências amargas e durante sua vida são ele-
mentos nucleares, pois estão relacionados (sintaticamente e semanticamente)
à função predicativa da oração, a qual tem como núcleo o verbo viveu, o
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que não ocorre com o termo certamente. Este termo não está se referindo
nem somente ao sujeito nem somente ao predicado, mas a toda oração. Você
identifica essa situação?
Isso mesmo, você identifica independência sintática e semântica! E é esta
independência que possibilita o deslocamento livre desse elemento (certa-
mente) nos limites da oração. Observe as possibilidades de movimentação
como marca dessa liberdade sintática e semântica (BECHARA, 2005, p. 412):

Certamente, Graciliano viveu experiências amargas durante sua vida.


Graciliano, certamente, viveu experiências amargas, durante sua vida.
Graciliano viveu, certamente, experiências amargas durante sua vida.
Graciliano viveu experiências amargas durante sua vida, certamente.

O termo certamente exemplifica o que é possível concretizar na escrita e na


fala com um verdadeiro comentário à parte do narrador. Este termo é marginal
e acrescenta uma informação à oração, mas não estabelece relação sintática
e semântica diretamente com nenhum elemento constituinte da oração e por
este motivo pode se movimentar e ocupar diferentes espaços na construção
da oração. Portanto, retornando para os termos acessórios da oração, você
precisa internalizar que eles ampliam o significado dos elementos da oração,
embora não sejam fundamentais para a estrutura sintática. Os termos acessórios
colaboram com a construção de sentido de uma oração.
Analise mais um exemplo:

Os estudiosos conversaram a respeito das consequências do vendaval.

A construção desse período é feita a partir do verbo conversar, em que


o sujeito está em os estudiosos. O predicado, portanto, é composto de a
respeito das consequências do vendaval. O verbo é intransitivo e não exige
complemento, desta forma, a respeito das consequências do vendaval é termo
acessório e amplia o significado do verbo. Nesse exemplo de oração, o termo
acessório indica o assunto específico da conversa do sujeito da oração. Este
tipo de termo acessório é classificado como de acréscimo de circunstância ao
verbo. Logo: um adjunto adverbial.
Mas não somente o adjunto adverbial representa termo acessório da oração,
o adjunto adnominal e o aposto também desempenham esse mesmo papel na
construção dos enunciados. Dessa forma, lembre-se de que a função desses
elementos é a de ampliar o significado dos elementos essenciais da oração.
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Importância dos termos acessórios na


construção da textualidade
O que é textualidade? Para começar, identifique nos textos que você já leu e
também nos que você já elaborou ao longo da sua vida a presença de elementos
que possibilitam que as combinações de palavras formem um todo com sentido.
Não é apenas uma disposição sem lógica e sem relação de orações que podem
configurar efetivamente um texto, não é mesmo?
É isso mesmo, há um conjunto de características que possibilitam que um
texto se configure como tal. Entre elas você já ouviu falar de coerência e coe-
são, intencionalidade, grau de informação, aceitabilidade e intertextualidade.
Enquanto, por exemplo, a coerência está relacionada com o sentido do texto
e é responsável por envolver elementos lógicos, semânticos e cognitivos, ou
seja, depende do conhecimento partilhado entre narrador e leitor para que
o texto faça sentido; a coesão representa a manifestação linguística da coe-
rência. Isso mesmo, a coesão está na lógica interna do texto e é resultante da
lógica que o narrador estabelece para os elementos que compõem o registro,
logo, a coesão é responsável pela unidade formal do texto e é efetivada por
mecanismos gramaticais e lexicais.
Nesse contexto, os termos que compõem uma oração recebem destaque
pela interferência que podem causar no elemento textualidade. São os termos
acessórios, por exemplo, os responsáveis por caracterizar os seres, determinar
os substantivos e exprimir circunstâncias. A textualidade, portanto, não é
inerente ao texto, ela acontece pela legitimação das sequências linguísticas.
Este elemento exige um conjunto de palavras ou de frases ordenadas e com
relações estabelecidas de tal forma que possam ser identificadas pelos inter-
locutores como um todo articulado e com sentido.
Assim, todos os termos da oração — essenciais, integrantes e acessórios
— interferem na construção da textualidade. Os acessórios, por exemplo,
servem como sinalizadores para o leitor da intenção do escritor. Este último
escolhe os elementos acessórios que considera como pertinentes para definir
os termos essenciais e integrantes de forma a sinalizar a interpretação que se
espera do leitor. Observe as escolhas do escritor para direcionar a interpretação
do leitor sobre os acontecimentos narrados:

Felizmente, as visitas chegaram adiantadas na festa.


Infelizmente, as visitas chegaram adiantadas na festa.
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O responsável pela produção das estruturas comunicativas tem objetivos


distintos em cada um dos processos comunicativos. Dependendo da escolha
do elemento acessório, neste caso, entre felizmente e infelizmente, o que se
comunica é diferente. Há, portanto, vários recursos disponíveis aos falantes
para a indicação dos elementos linguísticos dos textos. O uso desses recursos
vai favorecer ou dificultar o processo de interpretação do texto.
Na medida em que construímos nossos textos e vamos expressando nossos
pensamentos, selecionamos elementos que facilitam para o leitor a percepção
compartilhada da nossa linha de raciocínio. Por fim, a relação harmoniosa entre
os elementos do discurso, sobretudo com a inserção de elementos acessórios
para caracterizar o sentido das ideias, é prática de composição da linguagem
escrita.

Fávero (1991, p. 9) assim define coesão:

[…] como um conceito semântico referente às relações de sentido que


se estabelecem entre os enunciados que compõem o texto; assim, a
interpretação de um elemento depende da interpretação de outro. O
sistema lingüístico está organizado em três níveis: o semântico (significa-
do), o léxico-gramatical (formal) e o fonológico ortográfico (expressão).
Os significados estão codificados como formas e estas, realizadas como
expressões. Desse modo, a coesão é obtida parcialmente através da
gramática e parcialmente através do léxico.

Já a coerência é definida pelo autor da seguinte maneira:

[…] manifestada em grande parte macrotextualmente, refere-se aos mo-


dos como os componentes do universo textual, isto é, os conceitos e as
relações subjacentes ao texto de superfície, se unem numa configuração,
de maneira reciprocamente acessível e relevante. Assim a coerência é
o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não
mero traço dos textos (FÁVERO, 1991, p. 9).
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BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CARVALHO, C. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. 12. ed. Petró-
polis, RJ: Vozes, 2003.
FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

Leituras recomendadas
BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2010.
CAMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. 34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 47. ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 2008.
MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2005.
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