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‭Lenda Dos Campos‬

‭Cruz E Sousa‬

‭Por uma doirada tarde azul, em que os rios, após as chuvas torrenciais, sonorizam cristalinamente os‬
‭bosques, os camponeses de uma vila risonha, numa unção bíblica, conduziam ao tranquilo cemitério‬
‭florido o loiro cadáver branco de uma virgem noiva, morta de amor, tão bela e tão nova, umedecida no‬
‭féretro, como se tivesse acabado de nascer da rosada luz da manhã.‬

‭Infantil ainda, viera outrora da Alemanha através de castelos feudais, de montanhas alpestres, de‬
‭árvores velhas e enevoadas…‬

‭E, então, desde o dia de sua morte, uma lenda espalhou-se, como a dos Niebelugen, em todas aquelas‬
‭cabeças ingênuas, rudes e humildes.‬

‭Ela era a deusa fantástica, a visão encantada dos antigos palácios medievais de vidraçaria gótica, onde‬
‭as rainhas mortas apareciam brancas ao luar, à flor dos lagos e rios, suspirando toda a tragédia‬
‭histérica dos convulsivos amores passados, que os ventos de hoje como que ainda melancolicamente‬
‭repetem…‬

‭Era a monja das aldeias dos castelos feudais, graves e solenes, cheios de névoas alemãs, atravessados‬
‭de fantasmas que fazem mover alvas e longas clâmides de linho no ar neutralizado da meia-noite…‬

‭E, por altas horas, em certos dias, ao luar, a imaginação apreensiva dos homens e mulheres do campo,‬
‭via uma virgem loira, de ignoto aspecto de ondina mágica, surgir do solo em exalações fosforescentes,‬
‭o coração traspassado de flechas inflamadas, arrastando soturnamente pela areia luminosa uma vasta‬
‭túnica branca, os cabelos de sol soltos para trás, candidamente pálida, cantando a canção sonâmbula‬
‭do túmulo e desfolhando grandes grinaldas de flores de laranjeiras, cujas frescas e níveas pétalas‬
‭cheirosas redemoinhavam, agitadas por um vento frio — pelo vento gelado e soluçante da Morte.‬

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