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ORGANIZADORES

DIEGO DE MELO CONTI


VINNICIUS LOPES RAMOS VIEIRA

O
FUTURO
DAS CIDADES

SUSTENTABILIDADE, INTELIGÊNCIA
URBANA E MODELOS DE VIABILIDADE
UTILIZANDO PPPS E CONCESSÕES
CD.G
Editora
www.cdgcs.com.br
O
FUTURO
DAS CIDADES
SUSTENTABILIDADE, INTELIGÊNCIA
URBANA E MODELOS DE VIABILIDADE
UTILIZANDO PPPS E CONCESSÕES

Organizadores

Diego de Melo Conti


Vinnicius Lopes Ramos Vieira

CD.G
Editora
2020
O FUTURO DAS CIDADES -
Sustentabilidade, inteligência urbana e modelos de viabilidade utilizando PPPs e
Concessões
Copyright © 2020 by Autores

Organizadores
Diego de Melo Conti
Vinnicius Lopes Ramos Vieira

editor:
Gregor Osipoff

Revisora:
Iolanda Nicioli

Capa:
Sushila Claro

Diagramação:
CD.G Editora

Ficha catalográfica elaborada por Vanessa da Silveira CRB 8/8423


Sistema de Bibliotecas e Informação - SBI - PUC-Campinas

F996 O futuro das cidades: sustentabilidade, inteligência urbana e


modelos de viabilidade utilizando PPPS e concessões / (Orgs.)
Diego de Melo Conti, Vinnicius Lopes Ramos Vieira; Autores:
Adalberto Felício Maluf Filho... [et al.]. – São Paulo, SP: CD.G
Casa de Soluções e Editora, 2020.
344 p.: il.; 16x23 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-990593-2-2
1. Desenvolvimento sustentável. 2. Mudanças climáticas.
3. Políticas públicas. 4. Recursos naturais. 5. Ecologia social. I.
Conti, Diego de Melo. II. Vieira, Vinnicius Lopes Ramos. III. Maluf
Filho, Adalberto Felício. V. Título.

CDD: 339.5

CD.G
Editora

CD.G Casa de Soluções e Editora


www.cdgcs.com.br

Printed in Brazil
Dedico este livro a
minha esposa Marília e a minha filha Helena,
a meus pais Sandra e José,
e a todos os pesquisadores e gestores da
área de planejamento urbano e regional.
Diego de Melo Conti

Dedico este livro a


minha esposa Danielle,
a meus pais Irene e Antonio,
e a todos pesquisadores e gestores que
trabalham incansavelmente por cidades
mais inteligentes e sustentáveis.
Vinnicius Lopes Ramos Vieira
Conselho Editorial Consultivo

Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo (USP/Uninove)


Arnoldo Jose de Hoyos Guevara (PUC-SP)
Belmiro do Nascimento João (PUC-SP)
Candido Ferreira Silva Filho (PUC-Campinas)
Carlos Alexandre Nascimento (London School of Economics and
Political Science)
Celeste Aída Sirotheau Corrêa Jannuzzi (PUC-Campinas)
Clandia Maffini Gomes (UFSM)
Claudia Terezinha Kniess (Unitau)
Diego de Melo Conti (PUC-Campinas)
Edson Aparecida de Araujo Querido Oliveira (Unitau)
Ernesto Del Rosario Santibañez Gonzalez (Universidad de Talca)
Fernanda Gabriela Borger (Fipe/FIA)
Francisco Cristovão Lourenço de Melo (Instituto de Aeronáutica e Espaço)
Harald Heinrichs (Leuphana Universität Lüneburg)
Henrique Sartori de Almeida Prado (UFGD)
Humberto Dantas de Mizuca (FESP-SP)
Isak Kruglianskas (USP/FIA)
Janaina Camile Pasqual Lofhagen (PUC-PR)
Jeferson Vinhas Ferreira (Unicesumar)
João Alexandre Paschoalin Filho (Uninove)
José Eduardo Storópoli (Uninove)
Luciano Ferreira da Silva (Uninove)
Luis Fernando Massonetto (USP/Uninove)
Mauro Luiz Martens (Uninove)
Samuel Carvalho de Benedicto (PUC-Campinas)
Tatiana Tucunduva Philippi Cortese (FGV/Uninove)
Vinnicius Lopes Ramos Vieira (Hiria/PUC-SP)
Wilson Levy Braga da Silva Neto (Uninove)
Zysman Neiman (Unifesp)
Índice

Prefácio .........................................................................................................................................................9

Capítulo 1
O panorama do desenvolvimento local sustentável nas cidades brasileiras......................12

Capítulo 2
Governos locais e sociedade civil: a nova democracia urbana para o
desenvolvimento de cidades sustentáveis......................................................................................24

Capítulo 3
Desafios para o desenvolvimento urbano sustentável de cidades brasileiras...................35

Capítulo 4
Ferramentas e instrumentos para transformar a sustentabilidade das
cidades brasileiras.....................................................................................................................................47

Capítulo 5
Cidades resilientes: zero carbono, infraestrutura verde e economia circular......................55

Capítulo 6
Potencialidades e aplicações do conceito de Nature-based Solution (NbS)
em cidades inovadoras e sustentáveis..............................................................................................64

Capítulo 7
Colaboração entre governos locais e setor privado para uma economia
de baixo carbono......................................................................................................................................80

Capítulo 8
A Responsabilidade Social das empresas no desenvolvimento de
cidades sustentáveis................................................................................................................................90

Capítulo 9
Cidades inteligentes e a sua dimensão tecnológica................................................................. 101

Capítulo 10
Cidades Inteligentes pelo clima: inovação e sustentabilidade à serviço da cidadania........ 117

Capítulo 11
A utilização das aeronaves não tripuladas nas operações das cidades inteligentes..... 127

Capítulo 12
Um novo modelo de mobilidade urbana sustentável para as cidades brasileiras......... 145
Capítulo 13
Instrumentos de mensuração para os projetos de cidades
inteligentes no Brasil..............................................................................................................162

Capítulo 14
Energias renováveis e inovação em cidades.................................................................175

Capítulo 15
As Tecnologias da Informação e Comunicação e as novas dinâmicas
sociais do espaço urbano.....................................................................................................191

Capítulo 16
Smart and sustainable cities: notas introdutórias sobre
o conceito de inteligência....................................................................................................202

Capítulo 17
Estamos fazendo as PPPs pelas razões corretas? Reflexões estratégicas
para o uso deste instrumento na implementação de Smart Cities no Brasil.....213

Capítulo 18
A estruturação jurídica dos projetos de PPPs para viabilizar as
cidades inteligentes brasileiras..........................................................................................230

Capítulo 19
Operações urbanas consorciadas e a contribuição para a construção
das cidades inteligentes brasileiras..................................................................................239

Capítulo 20
Boas práticas na estruturação de projetos para revolucionar a
infraestrutura das cidades brasileiras..............................................................................258

Capítulo 21
Modelos de financiamento e garantias para as cidades inteligentes
no Brasil......................................................................................................................................269

Capítulo 22
A contribuição das PPPs e Concessões para políticas públicas eficientes..........281

Capítulo 23
Cidades sustentáveis: a gestão de recursos sólidos por meio de
parceria público privada pode ser uma saída?.............................................................290

Capítulo 24
Bancos públicos e os investimentos em projetos de cidades inteligentes:
o papel do Programa de Parcerias de um banco público.........................................301

Visão de Futuro: um caminho para as Cidades Humanas, Inteligentes,


Criativas e Sustentáveis.........................................................................................................313

POSFÁCIO
Cidades inteligentes: um desafio sem fronteiras.........................................................321

Sobre os autores....................................................................................................................325
Prefácio
Marcos Buckeridge
Instituto de Estudos Avançados e Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo (USP)
Presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo
Coordenador do Programa USP – Cidades Globais

Vivemos hoje um período de efervescência intelectual em São


Paulo e no Brasil. Devido ao grande investimento em ciência e tecnologia
feito pelo Estado nos últimos 30 anos, temos hoje uma massa crítica
invejável. Talvez essa massa crítica seja suficiente para tornar cidades
como São Paulo um dos polos da produção de cultura mundial, como
foram Atenas, Florença, Edimburgo, Viena, Nova Iorque, Londres, entre
outras cidades, que geraram ideias que ajudaram o mundo a aperfeiçoar
a civilização, enfrentando grandes desafios nas próximas décadas.
O presente livro é um ótimo exemplo da efervescência in-
telectual paulista, uma efervescência necessária e estratégica para
os habitantes de São Paulo e de outras cidades brasileiras, dados os
enormes desafios que teremos que enfrentar nas próximas décadas.
Um dos maiores desafios que se apresentam à humanidade
ao finalizarmos a segunda década do século XXI é certamente o dos
efeitos das mudanças climáticas globais. Nosso modelo de desenvol-
vimento baseado nos combustíveis fósseis e no uso indiscriminado
de recursos naturais nos levou a uma situação cujos efeitos negativos
começam a entrar em uma fase crítica.
Se subtrairmos dela a média de temperatura entre 1850 e
1900 – período em que ocorreu a primeira revolução industrial – da
média de temperatura entre os anos de 2006 e 2016, veremos que já
chegamos a cerca de +1oC. Parece pouco, mas +1oC em média significa
que muitas regiões do mundo já sentem efeitos de eventos extremos,
como furacões, tempestades tropicais e ondas de calor.
As projeções, segundo o último relatório especial do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC)1, são de
1 Global Warming of 1.5°C an IPCC special report on the impacts of global warming of
1.5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathways, in the
context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable de-
velopment, and efforts to eradicate poverty. (Disponível em: http://www.ipcc.ch/report/sr15/.

9
que, se não encontrarmos meios de evitar passar de um valor médio
de temperatura de 1,5oC, teremos eventos ainda mais fortes. As conse-
quências são que cidades e países terão que gastar uma imensa soma
de dinheiro para pagar os custos de adaptações oriundas dos estragos
causados pelos efeitos das mudanças climáticas.
Além disso, o mundo terá que enfrentar essa situação em um
momento em que não somente a população atinge valores astronômicos,
mas que ao mesmo tempo decidem viver prioritariamente em cidades.
Com essa tendência, o panorama para as próximas décadas é
de que teremos que enfrentar as mudanças climáticas aglomerados
em cidades, as quais tendem a ficar cada vez maiores. De fato, sabe-
mos que hoje há novas metrópoles que ainda estão se formando,
principalmente na África e na Ásia, enquanto as cidades médias são
aquelas que mais crescem em geral no planeta.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
no Brasil, metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro já estão atingin-
do seus tamanhos máximos. De agora em diante, temos que cuidar
para que essas cidades, assim como as outras capitais, cuidem para
que seus habitantes tenham o maior nível de bem-estar possível. Para
isso, é preciso apontar os problemas e criar fórmulas para resolvê-los.
No início, a aglomeração em cidades é uma vantagem para
seus habitantes. Isso porque, ao dobrar de tamanho, qualquer cida-
de tem uma queda nos seus custos de aproximadamente 15%2. Isso
significa que os serviços ficam 15% mais baratos e sua qualidade,
em relação à zona rural, também. A criatividade em arte e ciências
também aumenta. Os produtos que precisamos para viver estão nas
nossas portas, com preço mais baixo e qualidade mais alta. Hospitais
estão mais próximos de onde moramos, tornando a nossa vida mais
fácil. Por outro lado, problemas também aumentam em 15%, como
violência, poluição, tráfego, resíduos e ruído.
São Paulo atravessou, nos últimos 40-50 anos, por essa transi-
ção. De uma cidade média, tornou-se uma das maiores megalópoles
do planeta. Nosso modelo de desenvolvimento foi o de planejar muito
pouco, utilizando a forma clássica de expansão das cidades ocidentais
que era a de montar indústrias e levar os funcionários para viver no
seu entorno. Depois, entre as décadas de 1980 e 1990, continuamos a
seguir o modelo ocidental. Desindustrializamos a cidade e passamos
a nos tornar um centro de serviços.

2 West, G. (2017). Scale: The Universal Laws of Growth, Innovation, Sustainability,


and the Pace of Life in Organisms, Cities, Economies, and Companies. Penguin
Press, 481 p.

10
Chegamos ao fim da segunda década deste século com esse
cenário de uma cidade que pouco se planejou e que por isso já au-
mentou a sua temperatura local em quase 3oC, contando somente a
partir do início do século XX. Portanto, já vivemos em uma situação
que a maioria das cidades do mundo poderá enfrentar nas próximas
duas décadas. Somos, portanto, um verdadeiro laboratório urbano.
O que fazer com o futuro?
É aí que entra a vantagem da efervescência intelectual. Po-
deremos aproveitá-la se conseguirmos utilizar os conhecimentos
do notável número de pesquisadores que avaliam opções, propõem
caminhos e criticam a falta de organização.
Neste livro, há discussões sobre o que significa para uma cida-
de ser “inteligente”, sobre como planejar o desenvolvimento urbano,
como as atividades urbanas podem ser financiadas com eficiência,
inclusive em parceria com a iniciativa privada. Também como manejar
a tecnologia da inteligência artificial e usá-la para melhorar a vida das
pessoas nas cidades, além de como melhorar a mobilidade, a infraes-
trutura, a governança e como utilizar o verde urbano para amenizar
os efeitos das mudanças climáticas.
Esta miríade de temas visitados por 43 autores, que trazem
uma série dessas reflexões e sugestões sobre como gerir e financiar
a cidade na forma de 24 capítulos, tem nesta característica de com-
pêndio uma força intelectual descomunal. Tal força, no entanto, não
valerá de nada se os tomadores de decisão deixarem de examinar
essas ideias e continuarem a tomar suas decisões com base em suas
próprias ideias e de poucos assessores.
Livros como este são referências que devem ser cultivadas
pelos tomadores de decisão. É preciso examinar estas ideias com
muito cuidado e usar todas aquelas que forem as mais adequadas para
determinar as agendas públicas sustentáveis nas próximas décadas.
Quando um contingente de ideias como este se torna publi-
cado, é preciso lembrar que, no futuro, não ter considerado o que está
aqui escrito e por isso não ter acertado nas decisões tanto quanto se
poderia, serão o símbolo da ruína das reputações daqueles que disse-
ram ter o desejo e têm a obrigação de conduzir a sociedade.
Os impactos das mudanças climáticas no mundo urbano
brasileiro serão muito sérios e temos que nos preparar muito bem. É
isso que este livro nos ajuda a fazer com textos atuais, cientificamente
profundos e de alto nível.

11
Capítulo 1
O panorama do desenvolvimento local
sustentável nas cidades brasileiras

Arnoldo José de Hoyos Guevara


Luciano Ferreira da Silva

Neste capítulo, apresentaremos um panorama do desenvol-


vimento local nas cidades brasileiras, bem como mostraremos um kit
de ferramentas para que gestores e investidores possam estruturar,
analisar índices e elaborar projetos estratégicos ao nível de cidades
referentes a uma Gestão Pública Sustentável (GPS), algo essencial nos
países em desenvolvimento.
Conforme comenta o Secretário Geral das Nações Unidas,
António Guterres, em relação ao recente informe sobre a Situação
e Perspectivas da Economia Mundial 2018, preparado pelo Global
Economic Monitoring Unit – GEM (GEM, 2018), é, na medida em que
as crises econômicas e geopolíticas globais vão se acalmando, que se
abrem perspectivas para desenvolver políticas de mais longo prazo,
políticas essas que possam favorecer os avanços nas dimensões eco-
nômica, social e ambiental do desenvolvim ento sustentável. No caso
em questão, trata-se de políticas que promovam cidades sustentáveis.
O supracitado informe alerta que prevalecem diferenças no-
táveis em regiões em desenvolvimento como na América Latina. Essas
localidades sofrem com a dificuldade de atingir metas dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como erradicar a pobreza e
criar trabalho decente para todos, dado que ainda é necessário supe-
rar condições estruturais e de governança que freiam o processo no
caminho do desenvolvimento sustentável. Como também é tratado
no ODS 11, “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos,
seguros, resilientes e sustentáveis” (UNBR, 2019).
A comunidade científica debruça-se com novos estudos para
identificar boas práticas e casos que possam auxiliar as cidades no
processo de desenvolvimento sustentável. Nota-se, por exemplo, que
algo já está acontecendo em cidades europeias como Copenhague,
Amsterdã, Londres, Hamburgo e Barcelona, como bem mostra a tese
de Diego de Melo Conti, “Governança Local para Sustentabilidade: um

12
estudo comparado entre grandes cidades europeias” (CONTI, 2017), a
qual oferece inúmeras contribuições para esta discussão.
Como uma iniciativa especial do movimento por uma Nova
Economia do Clima surgiu a Coalizão para Transições Urbanas (ver:
NCECITIES, 2019), com o intuito de dar apoio a governos nacionais
para tomar medidas referentes a segurança econômica, desigualdade
e mudanças climáticas focando especificamente na transformação
das cidades. Esse cenário insere-se em um ambiente de ameaças e
oportunidades, motivado pelos acelerados avanços nas Tecnologias
de Comunicação e Informação (TICs).
Evidencia-se que as ameaças são resultantes das deficiências
do contexto econômico, sociocultural e educacional de cada cidade
ou região, conforme indica o Estudo Econômico e Social Mundial 2018:
Tecnologias de Vanguarda em Favor do Desenvolvimento Sustentável
(ONU, 2018). Com relação às oportunidades, a escalabilidade das TICs
faz com que o acesso seja mais rápido e barato, o que democratiza
acesso ao desenvolvimento sustentável das cidades como já pode
ser visto em Cidades Inteligentes Sustentáveis (ALPERSTEDT NETO;
DE ROLT; ALPERSTEDT, 2018), aliás é importante mencionar que, bem
recentemente, a Colômbia se tornou o terceiro país latino-americano,
junto com México e Chile, a entrar na Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OECD) (G1, 2018). O país vem priori-
zando, no seu desenvolvimento, temas como o Estatuto Anticorrupção,
a Lei da Transparência, a Melhoria da Educação e da Saúde e a luta
contra o Desemprego.
Portanto, ao tratar de um contexto de mudanças, o desafio é
aprimorar e acelerar um processo de Planejamento Estratégico Sistê-
mico (PES), focando no Ecossociodesenvolvimento, conforme sugerido
por Ignacy Sachs, para o qual é necessário avaliar e monitorar as con-
dições locais por meio de um observatório tal como o Observatório
da Rede Ibero-Americana de Prospectiva (ORIBER, 2018). Assim, com
base em indicadores críticos é possível fazer um diagnóstico claro da
situação local e definir planos estratégicos de desenvolvimento a curto,
médio e longo prazos. É bem nessa linha que a equipe do Núcleo de
Estudos do Futuro (NEF), da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), e apoio da Cátedra Ignacy Sachs, vem trabalhando
com seu Guia de Gestão Pública Sustentável para cidades e países.
Primeiramente, em relação ao tema Cidades Sustentáveis, e
conforme indica o Observatório Urbano Global (GUO) (UNHABITAT,
2019), é necessário ressaltar que atualmente mais da metade da po-
pulação de sete bilhões de pessoas, mora em cidades. Além disso, se

13
a acelerada tendência de Urbanização continuar, em poucas décadas
(2050), serão dois terços morando em cidades.
Nesse contexto, o atual panorama das cidades, em particular
nos países em desenvolvimento como o Brasil, sinaliza grandes desa-
fios nos processos devido a sérios problemas de governança, como tem
se tornado em clara evidência mais recentemente, e uma inadequada
infraestrutura que apresenta externalidades negativas de alto impacto
nos processos relacionados a aspectos socioeconômicos e ambientais.
Diante isso, a UN-Habitat For a Better Urban Future, com apoio
do Urban Morphology & Complex System Institute Paris, após a reunião
da Habitat III em Quito e tomando em consideração esse problema
de ‘Crescimento X Desenvolvimento’ de Metrópoles, publicou recen-
temente a segunda edição do livro As Bases Econômicas para uma
Urbanização Sustentável (UNHABITAT, 2019), que foca basicamente
os problemas de: Planejamento Urbano, Financiamento e Governança
Municipal e o Framework Legal.
Em termos de desafios, algo que tem chamado cada vez
mais atenção é a crise ambiental tanto pelos impactos locais, como
a alta mortalidade pela poluição (oito milhões por ano) segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), em particular acontecendo nas
grandes cidades da China e da Índia; quanto pelos impactos globais
relacionados às mudanças climáticas, levantadas já durante a Eco 92
no Rio de Janeiro e continuando hoje através das Coordenadorias de
Processos Seletivos (COPs) com o Framework da Convenção para a
Mudança Climática da Nações Unidas; sendo Al Gore um dos líderes
da chamada Revolução da Sustentabilidade, que por décadas vem
alertando sobre a Verdade Inconveniente das mudanças climáticas
nesta Era do Antropoceno.
Outros problemas socioeconômicos preocupantes, como o
aumento na concentração de renda, no desemprego e na desigual-
dade, podem e devem ser monitorados e avaliados sistemicamente
acompanhando metas relacionadas às ODS, focando em particular o
Objetivo 11: Cidades e Comunidades Sustentáveis, bem como a pro-
moção de resiliência, de forma a atingir equilíbrio e estabilidade em
relação ao bem-estar global.

Histórico e Avanços Recentes

A caminhada na elaboração do Guia de Gestão Pública


Sustentável se iniciou na década passada, quando a equipe do NEF,
estimulados pela obra Novos Indicadores de Riqueza, de Jean Gardey e

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Florence Jany-Catrice, que analisam o “Índice de Bem-Estar Econômico”,
o “Indicador de Progresso Genuíno”, o “Índice de Seguridade Pessoal”,
o “Índice de Saúde”, entre outros. Então, iniciou-se uma tentativa de
desenvolver algo nessa linha para o Brasil por meio de contatos com
representantes de várias instituições, como Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA).
Numa segunda fase, a Rede Nossa São Paulo (RNSP), que tinha
iniciado no Brasil o Programa Cidades Sustentáveis, inspirado inicial-
mente no Modelo de Bogotá: Bogotá Como Vamos (BOGOTÁ, 2018),
solicitou ao NEF que desenvolvesse um projeto para Gestão Municipal
baseado em 12 Eixos, o que levou a equipe a criar o Guia GPS e que
hoje vem sendo complementado na RNSP com mais indicadores para
abranger os 17 Objetivos das ODS. De fato, a finalidade do guia seria
a de servir de referência para que, como em Bogotá, os candidatos a
prefeitos se comprometessem publicamente a definir estratégias para
um plano de metas bem no início de seus governos. A fase final desse
processo por parte do NEF foi a elaboração da Plataforma Interativa
RENOIR (2018) que permitiria a participação cidadã na gestão pública
como alternativa mais integral da proposta anterior do governo refe-
rente ao orçamento participativo.
Dando continuidade a esse processo e inspirado pela Carta
de Aalborg, aprovada pelos participantes da Conferência Europeia
sobre Cidades Sustentáveis, celebrada em Aalborg na Dinamarca no
27 de maio de 1994 (AALBORG, 2018), compromisso ao qual aderiram
centenas de cidades europeias, no Brasil, foi assinado um compromis-
so entre a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o PCS da RNSP para o
desenvolvimento e a utilização de uma Plataforma de Conhecimento
que pretende estimular mais efetivamente os municípios na utiliza-
ção concreta e colaborativa dessa Plataforma no seu planejamento e
na gestão estratégica. A Plataforma conta com o apoio do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), do Ministério de
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

Pesquisas em Andamento sobre Cidades Sustentáveis

As Nações Unidas, há poucos anos, nessa mesma linha de tra-


balho, manifestaram o interesse de aproveitar a chamada Revolução
dos Dados para o Desenvolvimento Sustentável para melhorar a gestão
pública, minimizar os riscos e maximizar as oportunidades, tornando

15
o processo mais transparente e participativo, de forma a contribuir
para a melhoria das pessoas e do planeta em dois dos cinco Pilares
das ODS (Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias), sendo os
três primeiros a base de um plano de ação. Para essa finalidade, foi
montada pela Organização Mundial de Governança e Competitividade
(UNSDG), uma plataforma, um banco de dados/indicadores e uma rede
de instituições que participam com soluções.
Além disso, um bom exemplo desse tipo de rede é o Consór-
cio de Universidades na Austrália/Pacífico que representa Capítulos
de Sustentabilidade dedicados a apoiar e contribuir com os ODS, por
meio de todo tipo de atividades acadêmicas. Entre essas Universida-
des, é bom citar a Universidade de Melbourne - UoM com seu Plano
de Sustentabilidade 2017-2020 (UNIMELB, 2018).
Curiosamente, quase uma década atrás, logo após o evento
do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento sobre
Sustentabilidade (CEBEDS), que aconteceu no Teatro da Universidade
Católica de São Paulo (TUCA) da PUC-SP (2009), a equipe do NEF, a
partir de uma visão antecipada, elaborou o Programa de Aceleração
da Sustentabilidade (PAS) (PAS, 2018), como uma forma de contra-
balancear os impactos do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) instaurado pelo governo federal. O programa, como no caso
da Universidade de Melbourne, tinha como objetivo Promover uma
Cultura de Sustentabilidade a partir da Universidade, neste caso, a
PUC-SP, utilizando cinco passos:

1. Criar um banco de boas práticas de sustentabilidade;


2. Implementar um portal de sustentabilidade;
3. Elaborar um programa de comunicação permanente com o tema;
4. Organizar um concurso anual de melhores práticas;
5. Promover uma rede/movimento pela sustentabilidade.

Com base nessas iniciativas, e outras que não foram aqui cita-
das, é possível dizer que estamos evoluindo pelo menos em ações para
a promoção de cidades mais sustentáveis. É importante destacar que
a identificação e explicitação das diversas realidades locais – cidades
e países – já é um ponto de partida para construção de soluções. Além
disso, a participação de cidadãos, universidades e organizações civis
aprimora ações locais.

16
O Guia para Gestão Pública Sustentável (GPS)

Neste contexto proativo para a construção de um futuro mais


sustentável, pouco tempo atrás foi solicitado ao NEF, por parte da Rei-
toria da PUC-SP, montar uma Cátedra, neste caso, dedicada ao tema do
Desenvolvimento Sustentável: Cátedra Ignacy Sachs de Ecossociode-
senvolvimento. Essa nova ação facilitou a implementação de um dos
projetos mais importantes desta Cátedra, que seria o GPS para Países.
Essa foi uma contribuição natural do NEF para a Rede Ibero-Americana
de Prospectiva (RIBER), da qual o NEF faz parte da equipe fundadora
e da diretoria (ORIBER, 2018).
Este GPS para Países representa uma evolução natural do
GPS para Cidades, mostrando, em particular, os avanços do Programa
Cidades Sustentáveis da RNSP, já tentando integrar os indicadores
referentes aos 17 ODS, bem como as pesquisas que vêm sendo desen-
volvidas nos últimos anos em relação aos municípios brasileiros. Um
aspecto relevante nesse processo é que essa atividade contou com a
contribuição de alunos da PUC-SP para o Banco de Dados/Indicado-
res do GPS. Atualmente, tem surgido iniciativas locais, como é o caso
do Observatório PUC-Campinas, que pretende mapear as condições
de desenvolvimento socioeconômico da Região Metropolitana de
Campinas (RMC).
No que compete aos problemas de cada localidade, no caso
das cidades sustentáveis, é importante mencionar que, para a utilização
do GPS no Planejamento Estratégico Municipal do Programa Cidades
Sustentáveis, foram estabelecidos, logo de início, 12 eixos temáticos,
sendo: 1) Governança; 2) Bens Naturais Comuns; 3) Equidade, Justiça
Social e Cultura de Paz; 4) Gestão Local para Sustentabilidade; 5) Pla-
nejamento e Desenho Urbano; 6) Cultura para Sustentabilidade; 7)
Educação para a Sustentabilidade e Qualidade de Vida; 8) Economia
Local, Dinâmica, Criativa e Sustentável; 9) Consumo Responsável e
Opções de Estilo de Vida; 10) Melhor Mobilidade, Menos Tráfego; 11)
Ação Local para Saúde e; 12) Do Local para o Global.
O GPS promovido pela RNSP indica que o processo de plane-
jamento municipal deve se dar em 5 passos: 1) informação organizada;
2) diagnóstico com base nos indicadores; 3) definição de prioridades;
4) visão de futuro; 5) plano de metas. Então, com base nos 12 eixos
temáticos e as 5 diretrizes estratégicas, agentes públicos locais poderão
criar planos voltados para o desenvolvimento sustentável (GUIA GPS,
2016). Além disso, o guia indica que os processos de planejamento
devem passar por uma avaliação em termos de importância, urgência

17
e viabilidade. Esse processo se dá com o uso de uma Análise SWOT
(Forças, Fragilidades, Oportunidades, Ameaças), no contexto em que
está se preparando os planos locais.
Destaca-se ainda que os temas presentes nos 12 eixos, sem
dúvida, fazem parte das preocupações de gestores públicos e cidadãos.
No Brasil, em particular, sempre se fala da importância dos três pilares
básicos: educação, saúde e segurança. Contudo, a utilização de meto-
dologias de planejamento para o desenvolvimento sustentável tem
o poder de trabalhar esses temas de maneira integrada e sistêmica,
otimizando uma transformação sistemática e dinâmica.

Em Termos de Oportunidades

Conforme aparece no Guia das ODSs, considera-se hoje que as


Convergências de Tecnologias Emergentes, como as das NBICS (Nano,
Bio, Info, Cogno, Synthetic bio) em curso, abrem grandes oportunidades
para o desenvolvimento sustentável globalmente, pela possibilidade
de serem: inclusivas, universais, integradas, focadas localmente e
movidas pelas novas tecnologias.

Em Termos de Fragilidades

Estamos observando hoje em dia que no Brasil, em particu-


lar, por falta de mudanças estruturais (corrupção, falta de emprego e
educação), houve um aumento na desigualdade e concentração de
renda, conforme mostra o relatório recente da Oxfam: Recompensem
o Trabalho, não a Riqueza (OXFAM, 2018) O fato é que atualmente no
Brasil cinco bilionários têm um patrimônio equivalente à metade da
população mais pobre, e o País continua com um dos piores índices,
de acordo com o Coeficiente de Gini (índice de desigualdade social),
de toda América Latina e o Caribe. Tomando em consideração essa
situação em particular, o Observatório da RNSP apresenta periodica-
mente o Mapa da Desigualdade comparando, via pesquisa Instituto
Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE), as condições de qualidade
de vida, educação, saúde, segurança, etc. entre regiões de São Paulo
(RNSP, 2017).
Pensando no Brasil, em termos demográficos, observa-se que,
de acordo com o IBGE (2017), há 208 milhões de habitantes repartidos
em 5.570 municípios, e 88% têm menos de 50.000 habitantes, só 17
têm mais de 1 milhão de habitantes, os quais concentram 22% da
população. Esse volume tende a aumentar nas grandes cidades do

18
Brasil, uma vez que atualmente são mais de 47 municípios acima de
meio milhão de habitantes, o que sinaliza a necessidade de se tomar
medidas para superar os desafios em curso de Crescimento X Desen-
volvimento, conforme mencionado anteriormente, tornando urgente
a necessidade de se preparar com antecedência.
Ressalta-se que recentemente a Câmara de Deputados se
mostrou favorável à criação de mais municípios, mesmo que se tenha
observado que isso poderia afetar mais o déficit financeiro dos municí-
pios já existentes. A proposta em si, resultado de intensa mobilização
do movimento Emancipa (REDE EMANCIPA, 2018), criteriosamente
assim recomenda aos novos municípios no Norte e Centro-Oeste que
tenham pelo menos 6 mil habitantes, sendo 12 mil no Nordeste e 20
mil no Sul e Sudeste. Isso demonstra o imenso desafio que o Brasil
tem pela frente.

Recomendações para Futuros Avanços

O tema Cidades Sustentáveis é vital, dado que ao longo das


últimas décadas os impactos do Antropoceno têm ficado mais em
evidência e, para lidar com medidas que controlam aspectos como
a Pegada Ecológica, requer um compromisso global que caminha
muito lentamente e coloca a nossa civilização num sério problema
de Timing. Há algumas iniciativas mais locais, como as mencionadas
anteriormente, que mostram uma certa evolução no nível de cons-
ciência e compromisso, como é o caso do grupo de Universidades
juntando forças para lidar com o problema das mudanças climáticas
do qual a Portland State University é uma representante. Sobretudo
seria importante ter uma visão mais holística sobre o Cuidado com a
própria Casa, tal qual recomenda o Papa Francisco, orientação essa
que aparece no Capítulo Laudato Si: Tudo está Conectado no livro
Sustentabilidade Global e Realidade Brasileira, lançado bem recente-
mente (GUEVARA, 2018).

Conclusões

Pensando em prioridades para o processo de desenvolvi-


mento em uma visão mais humanizada (Humane), como recomenda
Klaus Schwab (SCHWAB, 2016) fundador e diretor do World Economic
Forum (ver: WEF, 2018; WORLD BANK, 2018), seria importante consi-
derar contribuições básicas como os níveis da Pirâmide de Maslow e
as Cinco Liberdades Instrumentais do Amartya Sen (SEN, 2014). Além

19
disso, podemos caminhar na direção apontada por Richard Barrett
no seu Values Center, o que nos permitiria visualizar e colaborar nas
transições de nível de consciência, conforme indicado no modelo da
Dinâmica em Espiral de Don Beck e Chris Cowan, no qual cada estágio
de desenvolvimento da organização ou região depende de dois fatores
básicos: as Condições de Vida e o Sistema de Valores, à medida que
caminham juntos, para tornar cidades e comunidades mais sustentá-
veis ou verdes, ambos fatores avançam.
O mais importante é ver sinais dessas Metamorfoses, que Ed-
gar Morin menciona esperançosamente no seu livro A Via Para o Futuro
(MORIN, 2013), como o surgimento de Startups utilizando tecnologias
para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU
(UDACITY, 2018); que de certa forma já foram preconizados por Pierre
Levy, tempos atrás, no seu livro A conexão planetária: o mercado, o
ciberespaço, a consciência (LEVY, 2001).
Em síntese, é importante estar alerta e contribuir para que
sinais de nossa Evolução Planetária se tornem cada vez mais eviden-
tes, aproveitando para que os acelerados avanços tecnológicos em
curso nos levem para o contexto de um Cérebro Global alinhado a
um Coração Global.

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23
Capítulo 2
Governos locais e sociedade civil:
a nova democracia urbana para
o desenvolvimento de cidades
sustentáveis3

Diego de Melo Conti


Vinnicius Lopes Ramos Vieira

As cidades são a maior força político-econômica do século


XXI e reúnem uma capacidade única para participação e articulação
da sociedade civil na criação de soluções sustentáveis e planos de
longo prazo. Atualmente, mais de 54% da população mundial vive
em cidades, uma proporção que deve aumentar para 66% em 2050.
Isso significa um aumento de 2,5 bilhões de pessoas vivendo em áreas
urbanas até meados deste século (Habitat, 2016; DESA, 2018).
É na cidade que os cidadãos se desenvolvem durante todo o
seu ciclo de vida, tornando os estudos de planejamento urbano um
tema crucial para a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável
(Bento et al., 2018). O desenvolvimento urbano cria oportunidades
polissêmicas e um capital intelectual e humano sem igual para a
inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias e de sistemas
produtivos, bem como para a criação de novos arranjos socioeconô-
micos (Glaeser, 2011).
As cidades são as protagonistas do processo de desenvolvi-
mento global, mas ao mesmo tempo geraram uma série de externali-
dades negativas ao meio ambiente e a escassez ecológica. Um relatório
sobre cidades da McKinsey e Company (2013) destacou que no mundo
existem vários exemplos de cidades que se expandiram rapidamente
sem nenhum tipo de planejamento, resultando em um caótico pro-
cesso de desenvolvimento urbano, prejudicando a qualidade de vida
dos cidadãos e o meio ambiente.

3 Este texto inclui resultados da tese de doutorado “Governança local para susten-
tabilidade: um estudo comparado entre grandes cidades europeias”, apresentada em
2017 pelo pesquisador Diego de Melo Conti ao Programa de Estudos Pós-Gradua-
dos em Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

24
Uma série de grandes cidades vivenciam os efeitos de um
processo de desenvolvimento urbano sem planejamento. Em termos
de habitação, por exemplo, em São Paulo, a cidade mais rica do Brasil,
mais de 1,3 milhão pessoas vivem em favelas, resultando em uma
importante cicatriz social no tecido urbano. Já em Mumbai, na Índia,
a situação é ainda pior, uma vez que mais de 6 milhões de pessoas
vivem em áreas degradadas ou sem infraestrutura. Trata-se de um
problema social que se replica em importantes cidades pelo mundo.
Diante desse cenário, as cidades devem optar por modelos
de desenvolvimento voltados para a sustentabilidade, estimulando o
equilíbrio entre os interesses e as ações sociais, ambientais e econô-
micas (Elkington, 2001). O olhar para o desenvolvimento de cidades
sustentáveis começou a ganhar força na década de 1990, logo após
a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, o qual estabele-
ceu um marco para a sustentabilidade ao defender um modelo de
desenvolvimento capaz de atender às exigências do presente, sem
comprometer o atendimento às necessidades das gerações futuras
(Brundtland, 1987).
A sustentabilidade é a chave para que as cidades sejam cada
vez mais resilientes, regenerativas e habitáveis. O pesquisador Holling
(1973) na década de 1970 já iniciava a discussão sobre resiliência,
argumentando que um sistema deve ter a capacidade de absorver
mudanças de estado e persistir em sua existência. De tal modo, em
tempos de alterações climáticas e de crises de diferentes ordens, as
cidades devem criar e estabelecer planos de longo prazo, incluindo
a preservação de suas estruturas, aspectos sociológicos e funções
essenciais (UNISDR, 2010).
Em diversas cidades, os planos de longo prazo a partir de uma
visão coletiva dos cidadãos já são realidade. No Brasil, a cidade de Belo
Horizonte, capital de Minas Gerais, foi uma das primeiras cidades a criar
um plano estratégico com objetivos de sustentabilidade para além de
uma década. O mesmo pode ser observado em outros planos criados
pelo mundo, como a Estratégia de Transporte Futuro 2056 de Sydney
(Austrália), o Plano de Infraestrutura de Londres 2050 (Inglaterra) e a
Visão 2040 da cidade de Estocolmo (Suécia).
As cidades são sistemas que, em sua essência, persistem ao
longo de séculos e até milênios. Trata-se de um organismo vivo, capaz
de adaptar-se a diferentes variações. Ao longo da história, as cidades
sempre funcionaram como um ponto de encontro para os seus cida-
dãos e outras pessoas que a usufruem apenas para o trabalho, o lazer,
o estudo e o comércio (Conti, 2017). Do mesmo modo, o urbanista

25
Gehl (2013) ressalta que as cidades sempre foram o grande palco das
manifestações culturais e religiosas, o local para as pessoas se encon-
trarem e exercerem as suas vocações e liberdades.
Diante disso, em todo o mundo diversas estratégias e planos
de gestão urbana são criados para que as cidades ofereçam qualidade
de vida, segurança socioecológica e oportunidades aos seus cidadãos,
superando os desafios para o desenvolvimento sustentável. Isso pode
ser estabelecido a partir de novos sistemas de Governança Colaborati-
va, os quais permitem o exercício pleno da nova democracia urbana.
A Governança Colaborativa diz respeito a como as relações
de poder e diferentes stakeholders se articulam, utilizando-se de uma
série de ferramentas e mecanismos para a construção de soluções de
longo prazo de maneira equilibrada, íntegra e transparente. Wachhaus
(2014) relata que, com a maturidade dos sistemas de Governança
Colaborativa, as paredes governamentais tornaram-se mais porosas,
pois atores de diversos setores passaram a se envolver no processo
de governar.
O uso da figura de linguagem “parede porosa” tem a função
de destacar um dos princípios fundamentais da teoria da governança,
a qual consiste em um sistema de articulação política permeável, per-
mitindo a colaboração e a participação de diferentes stakeholders, a
cooperação e a descentralização de poder na construção de políticas
públicas e de soluções para problemas locais (Conti, 2017).
A estruturação de um modelo de Governança Colaborativa
deve permitir a participação de todos os cidadãos – dos mais pobres
aos mais ricos, independentemente de raça ou orientação religiosa – no
intuito de compreender os reais anseios e desejos da sociedade. Nesse
sentido, Ronconi (2011) argumenta que a Governança Colaborativa
permite a criação de espaços públicos de participação, buscando
desenvolver processos de negociação e ações políticas onde todos
ganham.
Um importante movimento para impulsionar as cidades em
direção a modelos colaborativos de governança pela sustentabilidade
foi a criação da Carta de Aalborg na Europa ainda na década de 1990.
O documento destaca que as cidades devem estabelecer planos para
o desenvolvimento de políticas de longo prazo em prol da sustenta-
bilidade, a partir de processos colaborativos e fundamentados em
princípios de transparência.
Em um sistema de Governança Colaborativa, as decisões de-
vem ser orientadas pelo consenso, no intuito de articular diferentes
interesses e visões de maneira democrática e inteligente (Ansell &

26
Gash, 2008). A orientação pelo consenso tem a capacidade de cons-
truir ideias sistêmicas de uma comunidade ou sociedade, uma vez que
possibilita que cidadãos, organizações da sociedade civil e empresas
desempenhem um papel fundamental na criação de políticas de sus-
tentabilidade e na construção de uma visão coletiva de futuro.
No Brasil, uma série de cidades já adotam estratégias e fer-
ramentas de Governança Colaborativa. Em São Paulo, desde 2008, o
governo municipal estabelece o seu plano de metas em parceria com
a sociedade, permitindo um planejamento holístico e mais eficiente. O
mesmo ocorre em Porto Alegre, cidade que, desde 1989, vem aperfei-
çoando os mecanismos de participação e controle social, tendo como
base a construção do orçamento público em parceria com a população.
A pesquisadora Ronconi (2011) argumenta que os sistemas
de Governança Colaborativa rompem com o modelo de democracia
representativa, nos quais o Estado atua como núcleo exclusivo na
formulação e implementação de políticas públicas. Isso porque os ci-
dadãos passam a ser coprodutores do espaço urbano, compartilhando
ações, benefícios e responsabilidades.
O novo paradigma de governança inclusiva e colaborativa
se espalha pelas cidades de todo o planeta. Essa transformação tem
se espalhado por meio da implementação da Agenda 2030 dos 17
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável lançada em 2015 e por
meio da Nova Agenda Urbana criada durante a Habitat III em 2016.
Trata-se de um movimento sem precedentes para a disseminação de
novos valores de transformação urbana.
Em todo o mundo, governos locais têm realizado esforços
na estruturação de modelos de governança que envolvam cidadãos
e outras partes interessadas na elaboração de metas e planos para o
desenvolvimento sustentável. Essas mudanças fazem parte de um
movimento global que reivindica mais democracia, liberdade, trans-
parência e boa utilização dos recursos públicos.

Estruturando ferramentas e modelos de Governança


Colaborativa

A estruturação de modelos de Governança Colaborativa


passa por questões políticas, institucionais, orçamentárias e técnicas.
Os resultados da pesquisa de Conti (2017) indicam que os governos
locais devem atentar-se para aspectos socioculturais locais para ins-
titucionalizar políticas e diretrizes de Governança Colaborativa, pois
cada cidade está inserida em um contexto local único.

27
Os resultados da pesquisa de Conti (2017), que serão apresen-
tados nesta seção, demonstram que as cidades podem utilizar uma
série de mecanismos e ferramentas para facilitar a participação e a
colaboração da sociedade na criação de uma visão coletiva de futuro,
as quais podem utilizar técnicas de interação presencial, digital e/ou
híbrida. A seguir, apresentaremos alguns exemplos.
As diversas ferramentas de participação envolvem a realização
de grupos focais, de oficinas e grupos de trabalho, de discussões face
a face, da utilização de redes técnicas compostas de especialistas, de
audiências públicas, da formação de conselhos temáticos e de outros
de grupos de discussão (Conti, 2017). Relata-se que os processos
participativos presenciais apresentam vantagens para a construção
de confiança em um grupo, o que permite a realização de discussões
de maior complexidade.
Por sua vez, as plataformas digitais compreendem a utilização
de redes sociais, de aplicativos para dispositivos móveis e de formulá-
rios para realização de pesquisas de opiniões. Além disso, as cidades
podem desenvolver sistemas de coleta de dados de múltiplas fontes,
os quais emergem da utilização de diferentes tecnologias e são ar-
mazenados em um sistema de bigdata e trabalhados por ferramentas
analíticas. Com isso, as cidades podem criar indicadores em tempo real
com base nos dados coletados, permitindo que a opinião pública e os
anseios da população sejam traduzidos. Trata-se de um mecanismo
para governança em tempo real.
Recomenda-se a utilização de plataformas digitais, em casos
de temas e propostas que envolvam uma parte significativa da po-
pulação, para grandes cidades e temas de senso comum. Isso pode
facilitar e estimular a participação. Em termos de estratégia, o tipo de
ferramenta de governança a ser adotada pelas cidades deve considerar
o tema ou assunto que será discutido. Em Copenhague, na Dinamarca,
por exemplo, as consultas para temas que demandam conhecimento
técnico, como a implementação de novas fontes de energias renová-
veis, são realizadas com grupos de especialistas e redes técnicas, e as
consultas mais amplas são utilizadas para temas de conhecimento
dos cidadãos comuns.
As cidades podem desenvolver também sistemas híbridos de
Governança Colaborativa, os quais juntam ferramentas e estratégias de
engajamento e de participação presencial com o digital. Em Londres
e em Nova Iorque, por exemplo, as cidades costumam desenvolver
estratégias de governança híbrida, no intuito de engajar o público
digitalizado e também os cidadãos que não possuem acesso à internet.

28
É importante destacar que os sistemas de Governança Colabo-
rativa podem apresentar diferentes características e níveis de profundi-
dade. Nos casos em que a cidade não possui a cultura de participação
política, isso deve ser estimulado pelo governo local e pelas lideranças
públicas. Além disso, para que o sistema de Governança Colaborativa
obtenha sucesso, é fundamental que haja transparência, equilíbrio de
poder e um constante processo de comunicação e feedbacks.
Os modelos de Governança Colaborativa podem ser estrutu-
rados em redes, possibilitando a troca de experiência e a construção
de conhecimentos entre diversos atores sociais. Nesse sentido, os
pesquisadores Heinrichs e Laws (2014), do Instituto de Governança
e Sustentabilidade da Leuphana Universität Lüneburg, argumentam
que o desenvolvimento sustentável pode ser descrito como uma tarefa
coletiva e ocorre somente por meio de interações e entre os diferentes
setores e organizações da sociedade, formando-se uma grande teia
de saberes e oportunidades para a definição de soluções sistêmicas.
Os agentes políticos são uma outra peça importante na
estruturação de modelos de Governança Colaborativa. Isso porque
podem definir estratégias e ativar a população para que ela faça parte
do planejamento e da gestão da cidade. Do outro lado, as cidades
podem criar estruturas regulatórias e institucionais que assegurem a
participação da sociedade nos assuntos locais, dando maior durabili-
dade aos sistemas de governança.
As cidades que desejam adotar sistemas de Governança
Colaborativa devem incluir estrutura técnica capaz de estruturar fer-
ramentas e de facilitar processos participativos, no intuito de reduzir
riscos e externalidades negativas que podem resultar de processos mal
dimensionados. Dessa maneira, as cidades devem dispor de recursos
financeiros, e também capital técnico para implementação de modelos
colaborativos.
Os modelos de Governança Colaborativa devem desenvol-
ver perspectivas de longo prazo, objetivando o desenvolvimento
sustentável. Para isso, as cidades devem fomentar a capacidade de
participação da sociedade civil, convocando os diferentes setores para
participarem de conselhos, audiências públicas e grupos de trabalho,
proporcionando uma série de benefícios para os cidadãos.

Principais Benefícios da Governança Colaborativa

As cidades que adotam modelos de Governança Colaborativa


constroem um caminho sólido para o desenvolvimento sustentável,

29
proporcionando benefícios de ordem local e global. Nota-se, por
exemplo, que em estudos recentes sobre as mudanças climáticas, a
preservação do planeta deve ser efetivada a partir do protagonismo
local e do engajamento dos cidadãos. Isso decorre principalmente
pelo fato de as atividades humanas se darem no âmbito local e, em
sua maior parte, em áreas urbanas (Conti, 2017).
Entre os inúmeros benefícios socioambientais, os sistemas
de Governança Colaborativa permitem que as cidades promovam a
igualdade, a justiça social e a cultura de paz, elementos essenciais para
o desenvolvimento sustentável. Além disso, Ronconi (2011) argumenta
que, ao abrir a gestão municipal para a participação de diversos atores,
as cidades permitem um maior controle social sob as ações políticas,
sendo esse um modelo político capaz de criar o ambiente necessário
para a boa utilização dos recursos públicos.
Destaca-se que o controle social é uma importante ferramen-
ta para reduzir a corrupção e a influência negativa de determinados
grupos econômicos, problema que afeta cidades em todo o mundo,
facilitando assim a criação de uma economia de baixo carbono e
orientada para o compartilhamento de bens e serviços. Além disso, os
sistemas participativos favorecem a credibilidade de decisões políticas,
dando legitimidade de ação para os governos locais.
O equilíbrio de poder a partir da melhoria do nível de partici-
pação e de engajamento da população é a chave para uma democracia
justa e sustentável. Isso permite que as cidades estabeleçam uma
visão coletiva de futuro com o estabelecimento compartilhado de
responsabilidade e metas.
As condições de habitabilidade de uma cidade também estão
relacionadas à participação da sociedade, a qual pode ser um elemento
estruturante na preservação do meio ambiente e produção do espaço
urbano. Isso pode ser verificado por meio de diversos exemplos, como
o Programa de Recuperação de Nascentes da cidade de Quatro Pontes
no Paraná e do Programa de Implantação de Sistema de Saneamento
Básico e de Hortas Medicinais Comunitárias em Santa Bárbara d’Oeste
em São Paulo, locais em que a participação da população foi vital para
estruturação dos programas e qualificação ambiental.
Os modelos de Governança Colaborativa permitem que as
cidades se tornem lugares melhores para viver, devolvendo as cidades
para os seus cidadãos. Conti (2017) verificou que os sistemas partici-
pativos proporcionam ganhos de diferentes ordens – institucional,
ambiental, econômico e social – para o desenvolvimento sustentável.

30
Quadro 1 - Principais benefícios dos sistemas de Governança Colabo-
rativa para o desenvolvimento sustentável

Benefícios
Institucionais Ambientais Econômicos Sociais
Facilita a Fomenta
Fortalece Fomenta políticas
cooperação entre novas
programas de incentivo à
diferentes grupos economias
ambientais locais diversidade
de interesse sustentáveis
Fortalece
Reduz a emissão
Produz consenso investimentos Incentiva a criação
de Gases de
em decisões em de uma cultura de
Efeito Estufa
políticas infraestrutura paz
(GEEs)
local
Incentiva
Produz
Concede a transição
Fortalece a metodologias de
credibilidade e energética
disseminação de educação para o
legitimidade às e a adoção
áreas verdes desenvolvimento
decisões políticas de matrizes
sustentável
renováveis

Permite a
Desenvolve visão Melhora a Incentiva a participação
agricultura
holística e de qualidade do ar e sustentável e
das crianças na
longo prazo da água compartilhada produção do
espaço urbano

Direciona
Produz sistemas investimentos Coloca a qualidade
Permite a
inteligentes para de vida como tema
descentralização
de gestão de transportes central da agenda
de poder
resíduos sólidos públicos e política
alternativos
Facilita
Fortalece planos
Constrói investimentos Fortalece a
de adaptação
transparência em inovação democracia e
e mitigação
e equilíbrio de e novas as liberdades
das mudanças
poder tecnologias individuais
climáticas
sustentáveis

Fonte: Conti (2017).

A pesquisa realizada por Conti (2017) revela que os sistemas de


Governança Colaborativa impulsionam o desenvolvimento sustentá-
vel, facilitando a cooperação no desenvolvimento de políticas públicas

31
sistêmicas que beneficiam a qualidade de vida e o meio ambiente.
Em termos econômicos, a colaboração permite que novas
economias sejam discutidas e implementadas, possibilitando a criação
de um capitalismo mais humano, equilibrado e verde. Trata-se de um
movimento importante para o desenvolvimento de uma economia
regenerativa, compartilhada e circular. De tal modo, as cidades podem
se beneficiar enormemente a partir da criação de novos mecanismos
econômicos fundamentados na participação social.
Nesse sentido, as cidades que adotam modelos econômicos
regenerativos buscam restaurar os seus sistemas ecológicos, equili-
brando a equação de produção e consumo. Já a economia comparti-
lhada estimula o consumo colaborativo a partir do compartilhamento
de bens, produtos e serviços. Por último, a ideia de economia circular
fundamenta-se nos princípios de redução, reutilização, recuperação
e reciclagem de materiais e energia, na expectativa de fomentar um
mercado de circuito fechado. Isso significa repensar os paradigmas da
atualidade, visando a uma economia mais verde e sustentável.
O estudo de Conti (2017) demonstra ainda que o tema das
mudanças climáticas, apesar de estar fortemente relacionado à pauta
ambiental, necessita também de ações e mudanças nas áreas econô-
mica e social, a partir de investimentos em novas infraestruturas nas
áreas de energia e mobilidade, além de estratégias de educação para
o desenvolvimento sustentável.
Por último, nota-se que uma cidade sustentável se constrói
a partir de um modelo político democrático e inclusivo, por intermé-
dio de aspectos socioculturais que incentivem a participação. Essas
variáveis podem guiar as estratégias e os caminhos para uma nova
economia, a preservação do meio ambiente e a justiça social.

Conclusões

As cidades têm um papel fundamental para o desenvolvimen-


to sustentável. É nas cidades que as pessoas vivem, exercem as suas
liberdades individuais, produzem conhecimento e a inovação. Isso
permite que os centros urbanos exerçam um protagonismo global,
sendo a base para uma nova economia e um importante laboratório
para novas práticas de sustentabilidade.
Nesse sentido, ao mesmo tempo que as cidades são os prin-
cipais agentes de impactos negativos ao meio ambiente, podem ser
a grande solução para a transição energética e adoção de estilos de
vida mais sustentáveis. Para isso, é preciso integrar as pessoas aos

32
processos de planejamento e gestão das políticas públicas, no intuito
de encontrar soluções locais que gerem impactos globais positivos.
Os modelos de Governança Colaborativa são a chave para
integrar e engajar os cidadãos em ações, programas e planos de
longo prazo. Trata-se de uma importante ferramenta para estimular
a cooperação e fortalecer a democracia, devendo ser orientada pelo
consenso através da transparência e do equilíbrio de poder.
A participação é inerente à cultura, de maneira que as cidades
devem estabelecer mecanismos e instrumentos colaborativos que
façam sentido para a sua realidade. Isso significa que as lideranças
políticas por vezes deverão encorajar e estimular a participação dos
cidadãos, podendo estabelecer marcos regulatórios e institucionais
que garantam a participação da sociedade civil.
O futuro das cidades passa pela criação de sistemas de Go-
vernança Colaborativa, os quais serão fruto de novas gerações que
clamam cada vez mais por democracia, igualdade e ética. Diante disso,
as cidades devem inovar e criar modelos de governança que sejam
inclusivos a partir de discussões face a face e de ferramentas digitais.
As cidades devem ter como foco a qualidade de vida dos ci-
dadãos e, para isso, precisam estar atentas a mudanças e inovações,
buscando desenvolver práticas de sustentabilidade a partir do seu
capital mais precioso: os cidadãos. Isso significa ser protagonista do seu
próprio futuro, definindo tendências e construindo ações e projetos
inovadores através de modelos colaborativos.
Conclui-se que os modelos de Governança Colaborativa têm
o poder de alavancar o desenvolvimento sustentável, permitindo a
criação de modelos de desenvolvimento que atendam às necessida-
des do presente sem comprometer a capacidade de existência das
gerações futuras.

Referências

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practice. Journal of public administration research and theory,
v. 18, n. 4, p. 543-571, 2008.
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7, n. 3, p. 469-488, 2018.
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33
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rado em Administração) - FEA PUC-SP, São Paulo, 2017.
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WACHHAUS, Aaron. Governance beyond government. Administration
& Society, v. 46, n. 5, p. 573-593, 2014.

34
Capítulo 3
Desafios para o desenvolvimento urbano
sustentável de cidades brasileiras

Vladir Bartalini
Miguel Luiz Bucalem

Atualmente, o Brasil tem 5.570 municípios, onde a vida de fato


se dá, e para 85% da população se dá no meio urbano. Em meados da
década de 1960, a população urbana correspondia a 45% da popula-
ção total. A rápida urbanização trouxe enormes desafios e as grandes
regiões metropolitanas concentram muitos deles, como a precariedade
habitacional, a violência, o desequilíbrio entre localização de moradias
e de oportunidades gerando os conhecidos movimentos pendulares
diários e suas múltiplas consequências negativas. Os municípios mé-
dios e pequenos também têm seus desafios, o que será explorado de
forma sucinta neste capítulo.

Tabela 1 – cidades e habitantes


Classes de cidade/ nº de % sobre nº
% sobre total
habitantes 2015 cidades total habitantes
até 5.000 1.237 22,2 4.189.000 2,1
5.001 a 10.000 1.214 21,8 8.611.478 4,2
10.001 a 20.000 1.377 24,7 19.671.174 9,6
20.001 a 50.000 1.087 19,5 32.970.921 16,2
50.001 a 100.000 353 6,3 24.480.877 12,0
100.001 a 500.000 261 4,7 53.150.755 26,0
mais de 500.000 41 0,7 60.991.037 29,9

Fonte: IBGE – dados de 2015 – elaboração própria

O Plano Diretor é, segundo a constituição federal, o instru-


mento básico da política urbana e obrigatório para cidades de mais
de 20 mil habitantes. Planos Diretores e legislação de parcelamento,
uso e ocupação do solo formam a espinha dorsal do sistema de plane-
jamento e gestão territorial das cidades à qual se somam os estudos
de impacto ambiental e os estudos de impacto de vizinhança, quando

35
necessários. A existência dessa estrutura básica, somada à existência de
órgãos de gestão do planejamento urbano no âmbito da administração
pública são indicativos da condição de que os municípios dispõem
para implementar suas políticas de desenvolvimento.

Tabela 2 – Política de Nacional de Desenvolvimento Urbano:


estrutura básica

Exige Exige
Tem Lei Tem estrutura
Tem estudo estudo de
Classes de cidade/ de Uso e de gestão de
Plano prévio de impacto
habitantes 2015 Ocupação planejamento
Diretor impacto de
do Solo urbano
ambiental vizinhança

até 5.000 30% 45% 14% 18% 62%


5.001 a 10.000 33% 48% 16% 22% 68%
10.001 a 20.000 35% 49% 19% 25% 76%
20.001 a 50.000 82% 77% 40% 53% 85%
50.001 a 100.000 95% 93% 50% 70% 92%
100.001 a 500.000 97% 96% 59% 83% 97%
mais de 500.000 98% 98% 68% 93% 100%
Total
Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-infor-
macoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

A disseminação dos planos diretores nas décadas de 1960 e


1970 coincide com um período de expressivo crescimento econômico
do País, forte ritmo de crescimento demográfico das cidades em função
de processos migratórios e, por consequência, grande demanda por
infraestruturas físicas de diversas naturezas que alteraram substancial-
mente as feições e as formas de ocupação do território. Nesse contexto,
os planos diretores se dedicavam, fundamentalmente, a estabelecer
regras de ocupação do solo urbano, além de indicar vetores de cres-
cimento e expansão física das cidades.
Com relação a esse instrumento, cabem três comentários:
O primeiro está relacionado à sua própria efetividade. A re-
ferência (Santos e Montandon, 2011) reporta resultados qualitativos
sobre a avaliação de planos diretores aprovados após o Estatuto da
Cidade tendo identificado uma série de deficiências. Entre elas, ve-
rificou-se que em vários planos há a simples transcrição de trechos
do estatuto da cidade sem vinculação com a realidade do município.

36
As deficiências exibem a dificuldade dos municípios em promover
um consistente processo de planejamento do qual resulte um plano
diretor de qualidade que possa ser utilizado para o enfrentamento
de desafios específicos. Além disso, para a grande maioria dos Planos
Diretores, não há ênfase nos processos de acompanhamento e gestão
dos resultados desses planos, cuja elaboração se converte num fim
em si mesmo, e não em meio para alcançar os objetivos concebidos.
Elaborar e aprovar um plano diretor pode significar, dessa forma, o
mero cumprimento de uma obrigação e não o início de um ciclo.
O segundo comentário é sobre o foco quase exclusivo que os
planos diretores colocam sobre o regramento do uso do solo e sobre
a implantação de infraestruturas físicas de suporte ao crescimento
urbano. Outras dimensões que não as físico-territoriais – dimensão
econômica, dimensão social e dimensão cultural, que se entrelaçam
ao desenvolvimento urbano – são merecedoras, quando muito, de
algumas poucas disposições ou intenções de caráter genérico. Não
haveria nada de errado com essa ênfase desde que existissem outros
instrumentos de planejamento que cumprissem esse papel.
O terceiro é relativo ao seu alcance já que sua área de atuação
está contida nos limites administrativos dos municípios dificultando a
adoção de políticas conjuntas e integradas entre cidades limítrofes ou
próximas para a gestão de questões, como abastecimento de água,
tratamento de esgotos, transporte, uso do solo, drenagem e fomento
ao desenvolvimento econômico e social cujo equacionamento trans-
cende limites administrativos. O Estatuto da Metrópole é uma iniciativa
que procura sanar em parte essas deficiências, mas sua efetividade
ainda precisará ser avaliada.
Esse ponto é propício para destacar o potencial de planos
estratégico de longo prazo (Bucalem 2019). Eles abordam de forma
de integrada os conteúdos de desenvolvimento econômico e social,
melhorias ambientais e também uso do solo e infraestruturas urbanas.
Esse instrumento tem o papel de articular os atores da cidade, incluin-
do o setor público, o privado e entidades da sociedade civil organizada
em busca da concretização de uma visão de futuro compartilhada. Há
potencialmente uma grande sinergia entre os planos estratégicos de
longo prazo e planos diretores: o plano estratégico de longo prazo
pode desempenhar um papel relevante no desenvolvimento das
cidades brasileiras tanto pelas características já mencionadas quanto
pela sua capacidade de assumir formatos variáveis a fim de que se-
jam compatíveis com a escala e as especificidades de cada cidade ou
grupos de cidades (Bucalem 2019).

37
Uma questão central são as conhecidas restrições que os
municípios enfrentam no que se refere às formas de financiar seu
desenvolvimento. É pouco o que resta da receita proveniente de im-
postos, taxas e tributos para ser aplicado em medidas que fomentem
o real desenvolvimento das cidades e não só a acomodação de seu
crescimento. Nesse cenário, vem sendo construído um arcabouço ins-
titucional motivado pelos condicionantes principalmente das grandes
cidades brasileiras, que apresenta novas formas de atuação do Poder
Público e de geração de novas fontes de receitas.
O citado arcabouço institucional inclui um conjunto de
instrumentos de política urbana que tem como objetivo direcionar
o desenvolvimento das cidades e criar condições para a geração e
apropriação de recursos, por parte do Poder Público municipal, que
auxiliem a financiar esse desenvolvimento, além de resguardá-las, na
medida do possível, dos impactos sociais e ambientais que decorrem
do processo de crescimento e desenvolvimento. Esses instrumentos,
que vêm sendo concebidos, testados, aplicados e aprimorados ao lon-
go de ao menos quatro décadas, foram sistematizados pelo Estatuto
da Cidade e paulatinamente recepcionados pelos planos diretores
das cidades brasileiras, principalmente pelas cidades de maior porte.
Assumindo em princípio que, de modo geral, as principais
fontes de recursos financeiros, como impostos (IPTU, ISS, ICMS) e taxas,
são em grande parte exauridas na manutenção da própria cidade e
na acomodação de seu crescimento, resta uma pequena parcela para
novos investimentos.
Entre os instrumentos de política urbana, dois se destacam
entre os principais geradores de recursos financeiros: a outorga
onerosa do direito de construir e as operações urbanas consorciadas.
Outro instrumento bastante difundido são as ZEIS – zonas especiais
de interesse social. Esses três instrumentos atuam sobre uma base co-
mum que é a pujança econômica das grandes cidades e seu reflexo na
intensificação da atividade imobiliária. Enquanto a outorga onerosa do
direito de construção e as operações urbanas propiciam a captura de
parte da valorização imobiliária decorrente de investimentos públicos,
nas ZEIS, além de serem resguardados os direitos de permanência de
populações de mais baixa renda nos locais onde residem, o setor imo-
biliário é incentivado a atuar na construção de unidades de moradia
a preços mais acessíveis, sem o pagamento da outorga pelas áreas
adicionais de construção.
A figura 1 mostra a localização das cidades brasileiras segun-
do uma divisão simplificada em três classes: as que têm menos de

38
100.000 habitantes, as que têm mais de 100.000 habitantes, aquelas
com mais de 500.000 habitantes e as metrópoles, assim consideradas
as cidades com mais de 1 milhão de habitantes abrangendo, de forma
muito simplificada, as pequenas, médias e grandes cidades. A tabela
3 mostra as classes de cidades adotadas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e o Produto Interno Bruto (PIB) de cada
classe de cidade.

Fonte: IBGE - dados de 2015 – elaboração própria

39
Tabela 3 – PIB e PIB per capita
Classes de cidade/ PIB per capita
PIB total (x 1.000) PIB total
habitantes 2015 médio
até 5.000 R$ 83.514.400 1% R$ 20.476
5.001 a 10.000 R$ 152.556.720 3% R$ 17.808
10.001 a 20.000 R$ 320.873.405 5% R$ 16.398
20.001 a 50.000 R$ 661.972.322 11% R$ 19.570
50.001 a 100.000 R$ 593.341.005 10% R$ 23.686
100.001 a 500.000 R$ 1.709.442.408 29% R$ 30.685
mais de 500.000 R$ 2.474.086.739 41% R$ 35.188
Total R$ 5.995.787.000 100%
Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/contas-nacionais/9088-pro-
duto-interno-bruto-dos-municipios.html?=&t=resultados - elaboração própria

As condições para que os instrumentos urbanísticos geradores


de recursos sejam mais efetivos se encontram nas cidades de maior
porte pelos efeitos que as aglomerações produzem sobre a dinâmica
econômica dessas localidades e, por consequência, na intensificação
das atividades ligadas ao setor imobiliário.
As cidades de maior porte são onde instrumentos como a outorga
onerosa do direito de construir e as operações urbanas consorciadas se
apresentam de forma mais destacada – seja por meio de leis específicas,
seja por estarem previstas nos planos diretores dessas cidades (tabela 4).

Tabela 4 – instrumentos urbanísticos

Previsão de
Previsão de Previsão de zonas
Classes de cidade/ outorga onerosa
operação urbana especiais de
habitantes 2015 do direito de
consorciada interesse social
construir
até 5.000 21% 13% 35%
5.001 a 10.000 23% 15% 38%
10.001 a 20.000 28% 18% 40%
20.001 a 50.000 51% 38% 70%
50.001 a 100.000 67% 54% 88%
100.001 a 500.000 77% 66% 94%
mais de 500.000 93% 83% 98%
Total 35% 25% 51%
Fonte: IBGE- https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-infor-
macoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

40
Outros instrumentos, como a exigência de licenciamento am-
biental e os estudos de impacto de vizinhança, são aplicáveis a certos
empreendimentos imobiliários e de infraestrutura de forma a prever
e mitigar aspectos negativos dos impactos sociais, econômicos e no
meio físico. Esses instrumentos têm a função de resguardar as cidades
de potenciais impactos negativos de sua expansão. A expansão, por sua
vez, se dá de modos distintos: nas cidades de menor porte, de modo
geral, ocorre um tipo de expansão horizontal com o parcelamento
do solo em lotes de diversas dimensões e tipologias construtivas
horizontais; nas cidades de maior porte, observa-se tanto a expansão
da ocupação horizontal do território, quanto a expansão de tipologias
construtivas verticais, não raro isoladas.
Embora os instrumentos de prevenção e mitigação de im-
pactos estejam presentes, em maior ou menor grau, em todas as
classes de cidades, sua aplicação se dá sobre cada empreendimento
isoladamente, sem considerar, na maior parte das vezes, seu impacto
cumulativo. Esse impacto cumulativo, por sua vez, não ocorre apenas
pela concentração de empreendimentos numa determinada porção
territorial, mas também pela profusão de empreendimentos territo-
rialmente isolados que, no cômputo geral, promovem a dispersão do
crescimento urbano. Esse último efeito pode ser notado principalmen-
te em grandes cidades com a intensificação da verticalização dispersa
em regiões cada vez mais distantes das áreas centrais a despeito da
visão das correntes urbanísticas atuais e das diretrizes – quase sempre
genéricas e sem efeitos práticos constantes dos planos diretores, que
indicam a necessidade de adensamento construtivo e populacional
no meio urbano.
Metade das cidades brasileiras conta com planos diretores –
considerado o instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana, embora em apenas 30% (aquelas com mais de 20
mil habitantes) sua realização é obrigatória. Por iniciativa legislativa
própria, 25% das cidades brasileiras exigem a realização de estudos
prévios de impacto ambiental e cerca de 34% exigem estudos de
impacto de vizinhança que, mesmo sendo salvaguardas importantes,
não conseguem, por não terem escopo para tal, equacionar de forma
adequada a propagação e a mitigação de impactos negativos, como a
dispersão do crescimento urbano – por vezes induzida pelos próprios
planos diretores.
O desafio principal para o desenvolvimento urbano susten-
tável das cidades brasileiras não parece ser, portanto, a ausência
de arcabouços legais, embora as leis e os instrumentos urbanísticos

41
possam e devam ser constantemente aprimorados e utilizados por
um número maior de cidades.
Alguns fatores podem ajudar a compreender melhor os en-
traves e as formas de enfrentamento desses desafios:

a) Desde as duas últimas décadas do século passado até os dias atuais,


sob condições de desenvolvimento econômico não tão favoráveis
e carregando grande passivo de carências de infraestruturas físicas
e não físicas, as cidades brasileiras se deparam com o acúmulo de
antigos desafios não superados e de novos desafios cuja superação
demanda a utilização de estratégias e instrumentos baseados em
visões abrangentes que integrem os principais fatores que propi-
ciam o desenvolvimento urbano. O escopo tradicional dos planos
diretores é o regramento do uso do solo e das infraestruturas físicas,
sendo pouco efetivo no trato das demais condições necessárias ao
desenvolvimento sustentável. O olhar dos planos diretores parece
perseguir, independentemente de alterações conjunturais, os re-
flexos e as consequências do crescimento e não a promoção dos
fatos geradores do desenvolvimento.
b) As restrições existentes não são apenas de ordem financeira. Há
obstáculos de ordem conceitual e técnica reconhecíveis principal-
mente na inadequação de determinados instrumentos urbanísticos
– concebidos originalmente para a realidade das grandes cidades –
às características da maior parte dos municípios. Esses instrumentos
parecem ter sido simplesmente inseridos no arcabouço institucional
de muitas cidades sem que sua eficácia e pertinência às distintas
realidades tenham sido verificadas. Formou-se uma espécie de efeito
em cascata que se iniciou nas grandes cidades e que induziu sua
inserção em boa parte das demais cidades brasileiras.
Chama a atenção, por exemplo, a previsão de permissão de co-
brança de outorga onerosa do direito de construir em cidades de
pequeno porte (21% das cidades com até 5.000 habitantes, 23%
das cidades entre 5.001 e 10.000 e 28% as cidades entre 10.001 e
20.000 habitantes) onde a atividade imobiliária é de baixa dinâmica
tornando pouco efetiva a aplicação desse instrumento. Destaque-se
também o número de cidades onde existe a previsão de implemen-
tação de operações urbanas, revelando a falta de entendimento do
que é esse instrumento. Há atualmente 1.400 cidades brasileiras
onde existe a previsão de implementação de operações urbanas
consorciadas através de legislação específica ou como parte inte-
grante de seus planos diretores (tabela 4). Destas, apenas 207 são

42
cidades com mais de 100 mil habitantes, 34 têm mais de 500 mil
habitantes e 18 são capitais de estados. Atualmente há operações
urbanas consorciadas em vigor nas cidades de São Paulo, Osasco,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.
c) A maior parte dos 5.570 municípios brasileiros é formada por cidades
de pequeno porte que conformam o pano de fundo da ocupação
do território nacional - 95% das cidades brasileiras têm menos de
100 mil habitantes. Os desafios que se colocam não são, portanto,
apenas para as maiores aglomerações urbanas, em que pese a
grande concentração populacional e de geração de riquezas nessas
aglomerações de maior porte. Em números absolutos, no entanto, as
cidades com menos de 100 mil habitantes abrigam quase 90 milhões
de pessoas e o PIB gerado por elas é da ordem de R$ 1,8 trilhão.
A administração pública é a atividade que mais valor adiciona ao PIB
em 50% das cidades brasileiras, com grande destaque para seu peso
nas cidades com até 20.000 habitantes. É a segunda atividade que
mais adiciona valor ao PIB em 23% das cidades e a terceira atividade
que mais adiciona valor em 19% do total de cidades (tabela 5). Apesar
de as cidades serem um meio importante para que se dê acesso a
serviços públicos fundamentais, como educação e saúde, a grande
participação desses itens quando somados à administração, defesa e
seguridade social no valor adicionado ao PIB revela uma dependência
excessiva do setor público indicando a necessidade de estratégias para
impulsionar o desenvolvimento econômico dessas cidades.

Tabela 5 - Valor adicionado ao PIB / Administração, defesa,


seguridade social, educação e saúde públicas
3º maior
Classes de cidade/ Maior valor 2º maior valor
valor
habitantes 2015 adicionado adicionado
adicionado
até 5.000 25% 22% 16%
5.001 a 10.000 25% 17% 16%
10.001 a 20.000 28% 24% 17%
20.001 a 50.000 18% 22% 17%
50.001 a 100.000 3% 9% 8%
100.001 a 500.000 1% 6% 8%
mais de 500.000 = 0% 1% 1%
Total 50% 23% 19%
Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/contas-nacionais/9088-pro-
duto-interno-bruto-dos-municipios.html?=&t=resultados - elaboração própria

43
d) Há esforços consideráveis para promover o aumento das articu-
lações interinstitucionais entre as cidades de modo a integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas
de interesse comum como a criação de Regiões Metropolitanas,
Regiões de Integradas de Desenvolvimento e as Aglomerações
Urbanas. Outras iniciativas são os arranjos produtivos locais e os
consórcios (tabelas 6 e 7).
Os arranjos produtivos locais são modelos de organização territorial
da produção que buscam concentrar empresas ligadas a deter-
minadas atividades com o objetivo de evitar a dispersão causada
por iniciativas isoladas. A conformação desses arranjos não se dá
ao acaso e depende do encadeamento de uma série de fatores e
oportunidades, como surgimento, aprimoramento e domínio de
conhecimentos específico para a produção de um determinado
bem em determinados locais, existência de mão de obra qualifi-
cada e disponibilidade de infraestrutura. Esse conjunto de fatores
nem sempre se apresenta ao mesmo tempo numa só localidade,
mas pode existir, mesmo que de forma dispersa, num determina-
do recorte geográfico, aguardando que surjam as condições que
promovam a sua aglutinação.

Tabela 6 - Participação em arranjos produtivos locais


Participação em arranjos produtivos
Classes de cidade/habitantes 2015
com outros municípios
até 5.000 6%
5.001 a 10.000 7%
10.001 a 20.000 11%
20.001 a 50.000 16%
50.001 a 100.000 16%
100.001 a 500.000 20%
mais de 500.000 = 17%
Total 11%
Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-infor-
macoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

Já os consórcios públicos para a realização de objetivos de inte-


resse comum, regulamentados na Lei Federal 11.107/05, são indicativos
da capacidade de articulação interinstitucional das diferentes esferas

44
de governo e podem ser um instrumento importante para a supera-
ção de obstáculos ao desenvolvimento, na medida em que preveem
e permitem firmar acordos e contratos, além de outorgar concessões
para realização de obras e serviços das mais variadas naturezas.

Tabela 7 - Participação em consórcios públicos intermunicipais,


estaduais ou federais
Classes de
Meio
cidade/ Trans- Cul- Turis- Desenv.
Educação Saúde Habitação ambien-
habitantes porte tura mo urbano
te
2015

até 5.000 7% 49% 6% 17% 7% 7% 8% 14%


5.001 a
7% 50% 5% 18% 6% 7% 9% 12%
10.000
10.001 a
6% 49% 4% 15% 6% 5% 8% 13%
20.000
20.001 a
6% 51% 5% 17% 6% 7% 10% 13%
50.000
50.001 a
8% 50% 6% 18% 8% 8% 7% 14%
100.000
100.001 a
5% 57% 4% 14% 6% 5% 10% 10%
500.000
mais de
2% 56% 2% 10% 2% 2% 7% 10%
500.000
Total 7% 50% 5% 17% 6% 6% 9% 13%

Fonte: IBGE- https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-infor-


macoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

Considerações finais

O amplo arcabouço criado ao longo das últimas décadas


buscou oferecer as condições institucionais para que os municípios
regulem e conduzam seus processos de desenvolvimento. No en-
tanto, a aplicação efetiva desses instrumentos e, por consequência,
a obtenção de resultados positivos concretos, esbarra na ausência
de modelos de desenvolvimento realmente eficazes e adequados às
distintas situações e realidades das cidades brasileiras.
Houve avanços significativos na concepção de instrumentos
urbanísticos no sentido de promover cidades socialmente mais justas
e economicamente mais fortes. Esses avanços são incorporados aos
planos diretores das cidades de maior porte que servem de paradigma

45
para os outros milhares de cidades brasileiras. É preciso cuidado para
evitar a mera repetição desconsiderando os condicionantes de escala.
Registra-se o papel de que planos estratégicos de longo pra-
zo podem ter para fomentar o desenvolvimento das cidades, o que
sempre deve estar ancorado num genuíno processo de participação,
que inclui o potencial de oferecer uma visão de cidade desejada,
objetivos de longo prazo pactuados entre os atores da cidade, um
conjunto de ações e estratégias para alcançá-los, contemplando de
forma integrada, desenvolvimento social, econômico, melhorias am-
bientais e também uso do solo e infraestruturas urbanas. Isso tudo
estabelece um processo contínuo de planejamento estratégico que
envolve sistematicamente sua monitoração, avaliação e mecanismos
de ajustes de seu conteúdo.

Referências

BUCALEM, M. L. Planejamento Estratégico de longo prazo: possibilida-


des para o desenvolvimento urbano, econômico e social das cida-
des brasileiras. Revista Estudos Avançados (a ser publicado), 2019.
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sistema IBGE
de Recuperação Automática – SIDRA. Acesso em: jun. 2018.
SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. Os Planos Diretores Mu-
nicipais pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas.
Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.

46
Capítulo 4
Ferramentas e instrumentos para
transformar a sustentabilidade das
cidades brasileiras

Jorge Abrahão

A urbanização crescente e acelerada trouxe grandes desafios


para a humanidade e se tornou uma questão prioritária para a agenda
pública no Brasil e no mundo. Pobreza, desigualdade social, mobilidade
e mudanças climáticas são alguns dos problemas que enfrentamos
hoje nas áreas urbanas, muitas vezes por causa do crescimento expres-
sivo da população e da expansão desordenada das cidades.
É por isso que a importância da atuação local é cada vez mais
clara e consensual quando se fala em planejamento urbano e políticas
públicas que busquem melhorar a qualidade de vida das pessoas. É nas
cidades que os problemas se manifestam, mas também é nas cidades
que se concentram os recursos humanos, econômicos, tecnológicos e
políticos para enfrentar esses desafios. Será nas cidades que perdere-
mos ou venceremos a luta pelo desenvolvimento sustentável.
É nesse espaço que o Instituto Cidades Sustentáveis atua
desde a sua fundação, em 2007. Primeiro, com a Rede Nossa São Paulo
(RNSP), uma iniciativa que hoje atua na incidência e no monitoramento
de políticas públicas, na mobilização da sociedade civil e na produção
de conhecimento sobre a cidade mais rica e populosa do país.
Com o tempo, a experiência da RNSP mostrou que era possível
levar o trabalho e as metodologias desenvolvidas na capital paulista
para outros municípios brasileiros. Era possível – e fazia todo sentido –
dar escala para ações que se mostraram bem-sucedidas até mesmo em
um lugar complexo como São Paulo. Foi assim que surgiu o Programa
Cidades Sustentáveis (PCS), ainda em 2011, em uma iniciativa conjunta
da Rede Cidades – por territórios, justos, democráticos e sustentáveis,
do Instituto Ethos e da própria RNSP.
Ao longo dos anos, o PCS cresceu e ganhou corpo. Hoje, o pro-
grama envolve mais de 200 cidades (impacta 60 milhões de pessoas)
na busca de políticas e soluções que contribuam para uma sociedade

47
mais justa, democrática e sustentável. Não por acaso, a RNSP e o PCS
se tornaram as duas grandes iniciativas do Instituto Cidades Sustentá-
veis: uma com forte orientação local, onde são testadas metodologias
e ferramentas de apoio à gestão pública e ao planejamento urbano;
e a segunda de abrangência nacional, com foco na mobilização de
outras cidades para a implementação efetiva de uma agenda de sus-
tentabilidade urbana.

Rede Nossa São Paulo: a maior cidade do País como


laboratório

Há mais de dez anos, a Rede Nossa São Paulo atua na sensi-


bilização, mobilização e comprometimento do governo local para a
implementação de políticas públicas estruturantes na capital paulis-
ta. Esse trabalho se fortaleceu ao longo do tempo com a criação e o
desenvolvimento de ações em diferentes frentes de atuação, sempre
com foco na redução das desigualdades socioeconômicas e no respeito
ao meio ambiente.
Nesse período, uma das principais conquistas da RNSP foi a
aprovação da Lei do Programa de Metas, em 2008, na cidade de São
Paulo. A legislação determina que todo prefeito, eleito ou reeleito,
deve apresentar o Programa de Metas de sua gestão até 90 dias após
a sua posse. O documento deve conter as prioridades do governo, as
ações estratégicas, os indicadores e as metas quantitativas para cada
área da administração municipal, prefeituras regionais e distritos da
cidade, incorporando, no mínimo, as promessas e diretrizes de sua
campanha eleitoral.
Vivenciamos, neste momento, o exercício do terceiro Plano de
Metas de São Paulo e os avanços no âmbito da participação popular
são inegáveis. Na gestão passada (2013-2016), o processo de audiên-
cias públicas (previsto na lei) recebeu cerca de 10 mil sugestões da
população. Em 2017, início da atual gestão, esse número chegou a 23
mil propostas, o que reafirma o inequívoco desejo de participação da
sociedade na vida pública da cidade. Mas, para tanto, é preciso criar
espaços e dar sentido a essa participação.
A propósito, é exatamente no campo da participação social
que a RNSP e o PCS têm uma de suas maiores riquezas. Em São Paulo,
propusemos a construção de espaços importantes de participação
como o Conselho da Cidade, o Conselho de Planejamento e Orça-
mentos Participativos, o Conselho de Transportes e os Conselhos
Participativos em cada uma das 32 prefeituras regionais, todas com

48
conselheiros eleitos pela população. Tais iniciativas foram criadas na
gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (2013-2016).
A partir de diversos indicadores temáticos, desenvolvemos
uma ferramenta inédita que compara os diferentes distritos da cidade
de São Paulo: o Mapa da Desigualdade, criado e elaborado anualmente
pela RNSP. Um dos dados revelados pelo Mapa é estarrecedor: a idade
média ao morrer no Jardim Paulista, um distrito nobre da cidade, é de
79 anos; no Jardim Ângela, na periferia, é de 55 anos. Vivem menos
os que são vítimas de uma desigualdade cumulativa que começa na
renda e avança em educação, saúde, saneamento e segurança, entre
outros aspectos.

Um dos indicadores do Mapa da Desigualdade de São Paulo:


metodologia da RNSP permite identificar as diferenças abissais entre
os distritos da cidade.

A partir dessa mesma metodologia, lançamos, no final de 2017,


o Observatório da Primeira Infância (OPI), que reúne um conjunto
de 130 indicadores relacionados às crianças de 0 a 6 anos de idade.
Iniciativa inédita realizada em parceria com a Fundação Bernard van
Leer, o OPI é a base do também pioneiro Mapa da Desigualdade da
Primeira Infância, construído a partir de 28 indicadores que refletem
a desigualdade das crianças em São Paulo.
Complementando o diagnóstico realizado por meio dos in-
dicadores temáticos, coletados em fontes oficiais e órgãos públicos,
a RNSP realiza, desde 2007, um conjunto de pesquisas de opinião
em parceria com o Ibope Inteligência, um dos maiores institutos de

49
pesquisa do País. Ao longo desses 11 anos, vem sendo possível traçar
um panorama da percepção do paulistano sobre os mais diferentes
aspectos que envolvem a qualidade de vida na cidade, em especial
nas áreas de mobilidade, transparência, segurança, saúde, educação
e cultura.
Todo esse rico e pioneiro conjunto de ferramentas de con-
trole social e aprimoramento da gestão municipal incidiu direta ou
indiretamente em políticas públicas essenciais para a cidade de São
Paulo, nosso grande laboratório. Em 2007, a primeira grande batalha
da RNSP foi pela redução da taxa de enxofre no diesel vendido no País.
A resolução no 315/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Co-
nama) determinou que, em janeiro de 2009, o diesel comercializado no
Brasil tivesse, no máximo, 50 partículas por milhão (ppm) de enxofre.
A substância, altamente cancerígena, é responsável pela morte de 3
mil pessoas por ano somente na capital paulista. Em função disso, a
RNSP se uniu a outras entidades para cobrar das autoridades federais
e montadoras de veículos o cumprimento da resolução.
A mobilização de diversos atores e a pressão da sociedade
fizeram com que a Resolução 315 fosse colocada na agenda da Agên-
cia Nacional do Petróleo, da Petrobras e da indústria automobilística.
Essas organizações foram obrigadas a assinar um Termo de Ajuste de
Conduta (TAC), assumindo o compromisso de cumprir um cronograma
de execução da resolução. Se hoje o diesel com 10 ppm (cinco vezes
mais limpo do que previa a resolução do Conama) é comercializado
nos grandes centros do País, foi graças à mobilização de organizações
como a RNSP.
A estrutura de governança da RNSP é composta de secreta-
ria executiva, colegiado de apoio, conselho consultivo e grupos de
trabalho (GTs) que atuam em diferentes áreas temáticas. Formados
por voluntários, os GTs têm papel fundamental na condução de
várias atividades da organização. Na Educação, por exemplo, o GT
teve participação ativa, ao longo de 2015, na elaboração do Plano
Municipal de Educação (PME). Na área da mobilidade, integrantes do
GT representam a RNSP no Conselho Municipal de Política Urbana e
no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte. Além disso, o grupo
participa do comitê de entidades que fez uma análise profunda do
edital de licitação dos ônibus da capital paulista, na gestão passada.
Esse trabalho levou a Prefeitura a revisar diversos pontos da proposta
e adiar o lançamento do edital. Outro GT crucial para nossa atuação é
o da Democracia Participativa. Em 2016, entre outras ações, o grupo
elaborou o projeto de lei de regulamentação do artigo 10 da Lei Or-

50
gânica do Município, possibilitando a realização de plebiscitos para
grandes obras na cidade.

Programa Cidades Sustentáveis: uma agenda para os


municípios brasileiros

São Paulo foi a inspiração inicial. Se conseguíssemos avançar


numa das cidades mais complexas e desafiadoras do País, teríamos
boas chances de levar uma agenda de apoio à gestão pública para
um grande número de municípios brasileiros.
Essa percepção se materializou com a criação do PCS, uma
iniciativa que oferece ferramentas e metodologias para gestores mu-
nicipais, associadas a um banco de boas práticas em políticas públicas
e a um conjunto de 260 indicadores nas várias áreas de atuação das
prefeituras. Esses indicadores estão subdivididos em 12 eixos temáti-
cos e foram alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), das Nações Unidas, de modo que também apoiem as cidades
na implementação da Agenda 2030 em nível local.
A proposta do PCS é incentivar as transformações necessárias
para que as lideranças políticas se comprometam com iniciativas
estruturantes nos diversos campos da sustentabilidade, assim como
ressaltar programas e ações que já apresentem bons resultados em
diferentes áreas da administração.
Esse processo ganha impulso durante a campanha eleitoral,
quando candidatos às prefeituras são estimulados a assinar o com-
promisso de implementar o PCS caso sejam eleitos. Desse modo,
eles se comprometem a realizar um diagnóstico local com base nos
indicadores do programa e a elaborar um plano de metas, no qual
devem definir prioridades, prever ações e estabelecer objetivos para
os quatro anos de mandato.
Essas informações devem ser disponibilizadas na plataforma
digital do PCS, um ambiente web aberto e acessível ao público geral,
para que a população possa acompanhar a evolução dos dados e
indicadores de sua cidade. Dessa forma, o programa se constitui tam-
bém como um mecanismo de controle social e prestação de contas
permanente das prefeituras signatárias.
Com esse conjunto de ferramentas, conteúdos e possibilidades
oferecidos gratuitamente aos municípios brasileiros, o PCS consolidou-
se como uma oportunidade ímpar na medida em que: alinha o plane-
jamento da cidade a uma avançada plataforma de desenvolvimento
sustentável e à Agenda 2030; valoriza a democracia e a política ao

51
ampliar o diálogo e a participação da sociedade para a construção de
políticas públicas, por meio de mecanismos de transparência e controle
social; possibilita o planejamento integrado e a execução orçamentá-
ria, proporcionando maior previsibilidade, redução de desperdícios,
ganhos de produtividade e economia para a máquina pública; amplia
as possibilidades de captação de novos recursos públicos, privados
ou de organizações internacionais; e, por tudo isso, torna o município
uma referência nacional e internacional na implementação dos ODS,
conferindo também visibilidade e reputação.
Atualmente, mais de 200 municípios brasileiros – que somam
aproximadamente 50 milhões de habitantes – assinaram o compro-
misso com o Programa Cidades Sustentáveis. A exemplo de São Paulo,
mais de 50 cidades transformaram o Plano de Metas em lei, tornando
obrigatória sua apresentação independentemente do partido e da
vontade do prefeito eleito. Assim, tornou-se uma política pública que
muda a forma de fazer política.

Plataforma do Conhecimento: O PCS ganha escala

Em 2018, o PCS deu início à implementação do projeto CITino-


va - planejamento urbano integrado e tecnologias para cidades sus-
tentáveis no Brasil. Trata-se de uma iniciativa multilateral que envolve,

52
além do PCS, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA – ONU Meio Ambiente), o Ministério de Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações (MCTIC), a prefeitura de Recife, o Governo
do Distrito Federal, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)
e a Agência Recife para Inovação e Estratégia (Aries).
Com apoio do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF,
na sigla em inglês), o projeto será desenvolvido ao longo de quatro
anos e tem como um dos objetivos centrais a construção da Plata-
forma do Conhecimento Cidades Sustentáveis. Nesse ambiente web,
serão disponibilizadas tecnologias, ferramentas e metodologias em
planejamento urbano integrado para gestores públicos municipais,
conteúdos técnicos e teóricos, além de notícias e informações sobre
sustentabilidade urbana para o público em geral.
A plataforma será desenvolvida com base nas estruturas do
atual sistema online do PCS, de modo que possa incorporar os novos
conteúdos e funcionalidades previstos. Entre os recursos oferecidos,
as prefeituras contarão com sistemas para monitoramento e análise
de dados e indicadores, definição de metas, sistema de geoprocessa-
mento, módulos de participação social, colaborações acadêmicas e do
setor privado, além da indicação de fontes de financiamento nacionais
e internacionais.
Outros objetivos específicos da plataforma são testar, adap-
tar e fornecer a prova de conceito para tecnologias inovadoras que
possam resolver gargalos tecnológicos identificados no processo de
planejamento urbano integrado; disseminar boas práticas em políticas
públicas; estimular o engajamento de mais de 300 municípios que
adotem voluntariamente metas de sustentabilidade em suas gestões
locais, por meio da adesão ao PCS; promover as funcionalidades da
plataforma para apoiar a replicação e o ganho de escala e sua evolu-
ção por meio de ferramentas de ação colaborativa e para a revisão de
políticas e diretrizes urbanas nacionais.
A plataforma funcionará também como instrumento de
controle social, uma vez que a população poderá acompanhar as
informações e a evolução dos indicadores de sua cidade por meio de
comparativos, gráficos e tabelas. Da mesma forma como acontece
hoje com o PCS.
Vale destacar ainda que esse ambiente web cumprirá um papel
fundamental para a municipalização dos ODS, ao apoiar as cidades na
implementação da Agenda 2030 em nível local.
A plataforma abrangerá ainda o Observatório da Inovação, um
conjunto de tecnologias desenvolvidas para diferentes tipologias de

53
cidades, a fim de apoiar gestores públicos na produção de diagnósticos
e identificação de soluções em planejamento urbano. O observatório
será desenvolvido pelo CGEE, organização social vinculada ao MCTIC
que produz estudos e pesquisas prospectivas, avaliações de estraté-
gias em políticas públicas e outras atividades nas áreas de educação,
ciência, tecnologia e inovação.
O projeto CITinova possui abordagem nacional, com a apli-
cação específica em duas cidades: Recife e Brasília. Nesse sentido, são
duas linhas de atuação: a primeira incidirá sobre o processo de pla-
nejamento urbano integrado e sustentável, por meio de sistemas de
dados e informações a serem implantados nas duas cidades-piloto; a
segunda apoiará a utilização de tecnologias inovadoras que promovam
alto impacto na gestão local, com investimentos em infraestrutura
urbana em Recife e Brasília.

Conclusão

As cidades serão, cada vez mais, o espaço de defesa e avanço


de importantes temas para a sociedade. Os exemplos descritos ante-
riormente reforçam a importância da atuação de iniciativas como a
RNSP, o PCS e tantas outras que atuam pelo Brasil.
As conquistas em políticas públicas não são permanentes e,
não raro, é necessário atuar para evitar retrocessos e reavaliar estra-
tégias. O que é imperativo em nosso exercício – e o que, da mesma
forma, deveria nortear as políticas públicas municipais, estaduais e
federais – é aumentar a intensidade da democracia e reduzir as desi-
gualdades e combater a mudança do clima nas cidades. Não haverá
desenvolvimento sustentável se não tivermos governos mais abertos
à escuta, ao diálogo e à participação cidadã. Não haverá desenvolvi-
mento sustentável se tivermos cidades tão desiguais, pois há décadas
nos perguntamos no Brasil como podemos ser um País tão rico e, ao
mesmo tempo, tão desigual.
A desigualdade não é um fenômeno natural, mas fruto de
políticas e decisões que a produziram ao longo do tempo. E será por
meio dessa mesma política, enriquecida pela participação da popula-
ção na vida pública, que poderemos superar essa situação. Sabemos
que os recursos para tanto existem, mas dependem da ambição e da
coragem dos políticos, podendo vir da mudança de prioridades dos
investimentos governamentais e da justa taxação dos mais ricos. So-
mente assim poderemos, de fato, avançar na construção de cidades
justas, democráticas e sustentáveis.

54
Capítulo 5
Cidades resilientes: zero carbono,
infraestrutura verde e economia
circular

Antonella Marzi

Estamos vivendo em uma era em que as cidades não podem


ser planejadas considerando apenas seu aspecto infraestrutural,
composto apenas de ruas e constituídas por edifícios isolados. Hoje,
o traçado urbano das cidades deve ser considerado um sistema inte-
grado dentro de um território, onde cada edifício participa na criação
de uma rede mais complexa, e o espaço público é transformado de
um lugar estático e congelado no tempo em um elemento vibrante
e interativo, possibilitando que seus habitantes contribuam de forma
participativa para o crescimento econômico e social e onde as novas
exigências de impacto ambiental nos levam à necessidade de estabe-
lecer uma melhor gestão dos recursos naturais. Dessa forma, nasce a
necessidade de pensar de maneira diferente, pensar de forma Smart.
Mas o que esse termo realmente significa?
Quando definimos o Smart como um objeto ou um edifício
qualquer, por exemplo, neste caso, falamos de um Smart building, ime-
diatamente, e tendemos a imaginar que ela tenha uma inteligência e,
consequentemente, um caráter tecnológico forte. Mas, quando somos
confrontados com a necessidade de definir um modelo de desenvol-
vimento do ambiente construído, uma cidade ou um território, neste
caso, temos de pensar no termo em seu sentido mais amplo, o aspecto
onde a tecnologia certamente desempenha um papel importante,
mas apenas como um meio empregado para atingir objetivos comuns.
Engano pensar que o conceito de “cidades inteligentes” é aplicável
somente para as áreas urbanas recém-fundadas, mas, pelo contrário,
grande parte da realidade em que vivemos já aplicam ou poderiam
seguramente participar desse modelo de desenvolvimento.
As novas tecnologias e necessidades, como as de natureza
ambiental, levam as nossas cidades a buscar uma resposta e uma so-
lução para as pressões que se acumulam dia após dia. Há muitos casos
internacionais que merecem um aprofundamento, em que as realida-
des urbanas existentes não só se adaptaram como também abraçaram

55
ativamente o processo de transformação, implementando-o também
do ponto de vista da governança e sendo capazes de controlar e ge-
renciar, de maneira excelente, o impacto trazido por essa mudança. A
análise de seu estado de desenvolvimento é monitorada e verificada
através do uso de índices e rankings que representam as ferramentas
de medição da avaliação socioeconômica e ambiental voltada para a
análise de um modelo de inteligência que deve levar em conta aquilo
que a cidade está realizando em termos de melhores práticas.
Certamente, é difícil, nem seria o caminho certo comparar
realidades urbanas muito diferentes, mas sim analisá-las em grupos,
dentro de uma estrutura que possa permitir uma comparação, colo-
cando-as no mesmo nível territorial, cultural ou de quantidade de po-
pulação. Entre as cidades Smart mais conhecidas que puderam aplicar
as melhores práticas até hoje, apesar de suas diferentes características,
temos Copenhague e Cingapura. Elas são consideradas laboratórios de
soluções a céu aberto, tendo como objetivo central facilitar a vida de
seus cidadãos. Cingapura, por exemplo, através do processamento de
big data, é capaz de oferecer melhores soluções para seus habitantes: o
objetivo é construir nos próximos quatro anos uma conexão, por uma
rede sem fio, de cerca de cem milhões de dispositivos inteligentes, a
fim de coletar e analisar dados em diferentes áreas de implementação,
desde o número de veículos e fluxo de pedestres até os controles
climáticos e os níveis de poluição na cidade. Claramente, esse novo
modelo de economia digital requer instrumentos legislativos para
proteger a privacidade. Nesse caso específico, foi redigido um texto
legal – Lei de Proteção de Dados Pessoais – que, por meio da nova
agência governamental de inovação tecnológica, especificamente
criada, permite proteger os cidadãos de Cingapura.
Em modelos urbanos recém-construídos, como o das metró-
poles verdes, surgem os nomes de Masdar City, a primeira cidade a ter
o ambicioso objetivo de investir em um modelo urbano de emissões
zero, e de Songdo City na Coreia do Sul, cujo planejamento urbano
revela um alto conteúdo tecnológico. Esta última, em particular, pa-
rece afastar-se do que deveria ser o conceito de Smart City em sua
representação ideal, entendido como uma interação entre o mundo
físico e o digital através da experimentação da Internet das Coisas
(IoT), cujo objetivo, entre outras coisas, deve ser voltado para tornar
as áreas urbanas mais sustentáveis e melhorar a qualidade de vida
de seus habitantes. Uma vez que essa metrópole verde é planejada,
parece ser quase incapaz de dar uma resposta real às necessidades de
seus habitantes, afinal de contas, o que é a cidade senão o seu povo?

56
Com a assinatura em nível mundial de acordos substanciais
para o desenvolvimento sustentável, no contexto das mudanças cli-
máticas, é necessário, se não essencial, preparar nossas cidades para
uma nova política de transformação. As cidades resilientes são um mo-
delo fundamental para o passo em direção ao conceito de Smart City
inclusiva, já que, de fato, elas contribuem fortemente para a redução
do impacto climático, utilizando uma abordagem inteligente de como
construir e habitar um território, com resultados eficazes também do
ponto de vista socioeconômico.
Esse modelo de desenvolvimento é precedido por uma série
de etapas que levaram à sua definição mais abrangente. Da Cidade
Solar, onde a exploração da energia solar é parte de um projeto urbano
muito mais amplo e integrado e não depende apenas dos indivíduos,
passando pela cidade verde, onde o aspecto ambiental desempenha
um papel fundamental, chegando às cidades sustentáveis. O que
une esses padrões de povoamento não é a busca dos aspectos mais
eficientes ou tecnológicos, mas a vontade de ativar seus cidadãos
à participação direta, de modo a permitir que as necessidades dos
indivíduos correspondam às necessidades da comunidade, onde as
pessoas se tornam promotores e protagonistas do planejamento e do
desenvolvimento do sistema urbano em sua complexidade.
Um grande número de cidades, no território europeu, como
Londres ou na já citada Copenhague, já elaborou planos estratégicos,
especialmente para lidar com o chamado problema das ilhas de calor.
A capital dinamarquesa, premiada como cidade verde por excelência,
tem como meta, até 2025, zerar as emissões de dióxido de carbono,
incentivando seus cidadãos a viajar de bicicleta graças a mais de 400
km de ciclovias que percorrem a cidade e, produzindo energia limpa
usando biomassa. Em Copenhague, 90% dos resíduos produzidos são
reutilizados, alocando 40% de sua energia para alimentar as usinas
de cogeração que distribuem calor para 98% dos edifícios da cidade.
Como demonstração de seu caráter Smart, não há falta, mesmo no
campo de resíduos, de sistemas de sensores aplicados. Os sinais de
GPS e dispositivos de controle são aplicados a caixas fotovoltaicas
difundidos pela cidade e que se comunicam de forma inteligente com
o centro de triagem.
Em alguns casos menores, por exemplo, em Roterdã na Holan-
da, foram instalados termômetros fixos e móveis em áreas urbanas para
identificar e favorecer intervenções para limitar as ilhas de calor. Além
disso, uma série de outras práticas e soluções já são adotadas pelas
cidades em nível internacional, como a plantação de espécies arbó-

57
reas, valorização e desenvolvimento de parques urbanos, exploração
mais efetiva de cursos de água, telhados verdes e prédios capazes de
“canalizar” o vento, empurrando-o para baixo a fim de criar dinamismo
até os apartamentos convectivos.
Dessa forma, definitivamente torna-se necessário um critério
de planejamento urbano não com base em uma abordagem top down,
na qual não é medida a demanda expressa no nível local, mas sim um
padrão de design que é imposto através de uma realidade de bottom
up, a qual permite entender as necessidades e interagir diretamente
com o cidadão. Muitas vezes, as comunidades mais desfavorecidas
não têm possibilidade de acessar e aproveitar essas inovações devido
a políticas de desenvolvimento urbano não planejadas e difíceis de
controlar, gerando assim conurbações separadas e espontâneas. Dada
a taxa atual de expansão da habitação global nos próximos 25 anos,
será atingida uma escala de necessidades estimada em cerca de 700
milhões de residências, metade das quais destinadas ao mercado imo-
biliário social. Hoje, o conceito de habitação social garante apenas um
nível básico de infraestrutura, limitando ou, em alguns casos, anulando
a inovação tecnológica e mostrando na maioria dos casos a ineficácia
ou a falta de planejamento.
Um caso desenvolvido nos últimos anos e aplicado pela
primeira vez no Brasil é o modelo do Social Smart City, proposto pela
empresa Planet com seu projeto piloto Laguna implantado no distri-
to de Croatá, município de São Gonçalo do Amarante, na região do
Ceará, devido ao seu grande desenvolvimento econômico. Laguna é
uma cidade para aproximadamente 25 mil habitantes, que oferece um
sistema planejado através de quatro pilares fundamentais e que de-
monstra, através da criação de um índice de inteligência – que mede a
eficiência e a inteligência do ecossistema urbano com dados objetivos
– que com a implementação de sistemas inteligentes nossas cidades
podem consumir e poluir menos e, acima de tudo, custar menos.
O projeto Laguna foi projetado para ocupar uma área de 330
hectares e é apresentado através de um contexto de mix funcional,
onde o homem está no centro do desenvolvimento. O empreendimen-
to é composto de uma rede verde integrada e equilibrada; um sistema
de mobilidade inteligente planejado para garantir a fluidez das rotas
públicas e privada; e projetos sociais e infraestruturas tecnológicas
que atendem também a classes menores de renda. Essas são algumas
características interessantes apresentadas por esse protótipo que visa
o ser humano, inclusivo e resiliente. O aumento do bem-estar indivi-
dual na criação desse tipo de cidade deve passar pelos requisitos que

58
um bairro e uma cidade possuem, independentemente de qualquer
outro fator. O gerenciamento de materiais, a redução das ilhas de calor
e a mobilidade Smart são fundamentos essenciais do planejamento
urbano inteligente, mas a inteligência deve necessariamente se ma-
nifestar em sua sustentabilidade futura e na gestão. A estratégia a ser
usada deve ter a atenção dedicada à ecologia e ao desenvolvimento
sustentável, que são a base de uma visão de design e negócios.
Estamos caminhando para uma economia que não é mais de
propriedade, mas de uso e consumo colaborativo. O modelo de cidade
do projeto Laguna se faz através de uma implementação estratégica,
concebida e adaptada ao contexto físico e social em que serão im-
plementados, através da criação de relações inclusivas e experiências
centradas nas necessidades e nos comportamentos das pessoas,
reforçando o sentimento de pertencimento e a identificação do local
como conexão com a comunidade. Viver de acordo com essa visão
participativa torna a cidade mais segura, social e repleta de ofertas na
gestão da vida cotidiana. Laguna inclui programas sociais e educacio-
nais promovidos pelo Instituto Planet, cujo objetivo é tornar o custo
de vida de pessoas que vivem em cidades ou bairros dessa espessura
mais baratos que os bairros tradicionais, além de ecologicamente
mais sustentáveis e socialmente inclusivos. Como dito repetidamen-
te, uma cidade que é inteligente tem entre seus objetivos a melhoria
da qualidade de vida de seus cidadãos, e um dos elementos-chave é
garantir a capacidade de se mover com facilidade, de modo seguro e
sem perder tempo.
Cada cidade, de fato, pode continuar buscando soluções de
infraestrutura, tecnológicas ou administrativas avançadas, mas, se não
promover de maneira integrada o planejamento territorial e o transpor-
te de conhecimentos, só obterá benefícios no curto prazo. A implemen-
tação das ações necessárias para garantir condições de acesso justas
e sustentáveis deve ser o principal desafio. Para isso, é preciso atuar
de forma diferente, limitando a geração de demanda por mobilidade,
procurando reduzir as viagens, oferecendo alternativas efetivas para
veículos particulares, tendo como principal objetivo compatibilizar a
infraestrutura e torná-la segura para todos os tipos de usuários, sem
que fenômenos críticos sejam gerados no uso cotidiano. A cidade deve
garantir, em sua estrutura, uma mobilidade leve, pedonal e cicloviária,
dedicadas sem gerar conflitos com veículos particulares.
A criação de ecossistemas urbanos humanos e inteligentes
pode garantir um alto nível de qualidade de vida para todos os grupos
de renda, oferecendo serviços de alto nível e espaços verdes a baixo

59
custo. O uso correto de um mix com áreas de artesanato, comerciais
e residenciais garante a integração correta de funções destinadas a
desfrutar do local e das oportunidades de emprego que ele oferece. O
uso das inovações mais recentes no setor de infraestruturas e serviços
de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), de fato, otimiza o
gerenciamento, regula o consumo e oferece novas maneiras de usar a
própria cidade. Hoje, as áreas urbanas são o ponto-chave a ser resolvi-
do, embora ocupem apenas 2% da superfície do planeta e produzam
80% de monóxido de carbono. Pensar em uma cidade inteligente
não é apenas uma opção mais simples, mas uma escolha necessária
para otimizar o consumo de energia, racionalizar o uso de recursos
naturais e materiais e qualificar a eficiência da prestação de serviços
aos cidadãos, bem como promover a evolução nas relações humanas.
Dentro desse contexto, uma atenção especial deve ser aborda-
da durante o planejamento desses novos territórios. A construção de
infraestrutura com um aspecto mais articulado, por exemplo, através da
avaliação das chamadas redes verdes, deve ser pensada de forma qualita-
tiva, colocando um sistema de malha verde, evitando sua fragmentação,
proporcionando corredores naturais capazes de criar um caminho inde-
pendente daqueles destinados aos carros. A rede verde permite, assim, a
utilização de infraestruturas reais dedicadas à mobilidade leve, pedonal e
cicloviárias, que ligam todos os serviços oferecidos pela cidade, de forma a
criar uma paisagem unificada que tende a aumentar o bem-estar geral. Os
corredores verdes têm outra função, a partir do ponto de vista ambiental,
pois, de fato, executam o microclima interno, favorecendo a passagem
dos ventos, e prestando atenção a um design inteligente através do uso
de espécies nativas e adaptadas ao clima existente.
Nesse conceito, o tráfego de pedestres e cicloviários não
deve ocorrer nas ruas nem nas laterais das estradas, mas através de
um complexo de artérias vivas que se tornam o principal sistema de
ligação de todas as estruturas coletivas. A presença de um sistema tão
amplo e generalizado favorece a sociabilidade e o intercâmbio entre
os cidadãos. Esses corredores verdes não devem ter apenas a função
de parques lineares dentro do núcleo urbano, mas devem ser lugares
reais de interação, criando uma nova relação entre a construção, tanto
a privada quanto a pública, a rua e os habitantes. Os benefícios em
termos de qualidade e aumento do bem-estar são representados por
uma relação com a natureza e por uma ligação direta entre a própria
casa e todos os espaços coletivos urbanos, através de estradas naturais,
protegidas do trânsito e do calor, com a possibilidade de conhecer
uma maneira diferente de se mover, mais sustentável, mais natural.

60
Pensar de uma maneira nova não significa introduzir um de-
sign inovador, uma forma diferente, um estilo único, mas significa ter
a coragem e a força para investir no futuro, sabendo que só isso pode
elevar o bem-estar individual e coletivo dos cidadãos que “habitam”
e contribuem para o crescimento da cidade. A visão que rege um pro-
jeto de cidade inclusiva é uma política de desenvolvimento urbano
que coloca no centro do cenário a valorização do bem comum, uma
cidade multicêntrica inserida na natureza, sustentável, inteligente e
resiliente. Esse tipo de modelo define um novo padrão no mundo do
sucesso habitacional, com o qual todos são convidados a colaborar.
O bom planejamento urbano deve priorizar o uso das cida-
des a pé, de bicicleta, de modo a promover um modelo de vida livre
e incondicional, capaz de descobrir a maioria das necessidades do
cidadão para evitar longas viagens, passando de uma cidade para
outra em busca de serviços e trabalho. Sabe-se que essa situação é
uma das principais causas de estresse e fadiga, afetando a produtivi-
dade daqueles que são chamados para trabalhar a longas distâncias
de suas casas. Os componentes residenciais, comerciais e de produção
devem ser integrados entre si para gerar atratividade e, ao mesmo
tempo, gerar uma sensação de segurança e defesa do território. Ao
contrário de uma construção monocêntrica, os principais serviços da
cidade devem ser distribuídos para determinar a multicentricidade,
identificados de acordo com a capacidade centralizadora de cada um
deles e estrategicamente posicionados na rede urbana para satisfazer
uma distância definida para a acessibilidade de pedestres.
Ainda, as cidades que adotam esse tipo de desenvolvimento
têm consequências positivas na segurança passiva do território. As
grandes ruas verdes devem conectar totalmente o sistema das redes
verdes menores. A introdução de cinturões verdes permite a passagem
adequada da biodiversidade, garantindo a continuidade da circulação
de espécies animais e vegetais. Uma das soluções para desaquecer
ilhas de calor é reduzir a emissão de poluentes atmosféricos, não
somente através do plantio de árvores e de áreas verdes que podem
amenizar seus efeitos, mas também com o uso de materiais de cons-
trução e pinheiros coloridos. A mobilidade de pedestres pode, assim,
desenvolver-se por completo, independentemente de qualquer outro
fluxo. O sistema de mobilidade hierárquico é um fator importante
que determina uma melhor qualidade de vida tanto em relação aos
pedestres quanto ao tráfego veicular. Essa hierarquia também tem
uma motivação social, ou seja, uma propensão para se deslocar de
pública para privada, diferenciando o sistema viário com uma rede

61
de infraestrutura capaz de suportar o fluxo de veículos induzido pelas
diferentes necessidades em cada setor da cidade.
As empresas estão gradualmente mudando seus sistemas,
da maneira como interagem ao modo como trabalham. As novas tec-
nologias participativas, compartilhando a economia, desencadeiam
mecanismos de transformação nos relacionamentos, do trabalho às
amizades, ao conceito de bens comuns. Esse sistema está revolucio-
nando mercados e necessidades, uma mudança coletiva que parte do
mundo digital e se consolida fora dele por meio de modelos flexíveis,
favorecendo agregação, comparação e reconstrução do senso de co-
munidade. Esse novo modelo de mercado é caracterizado pela oferta
e demanda, onde o papel principal é desempenhado por pessoas ao
aspecto colaborativo, à habitação privada. É o caso do AIRBNB, trans-
porte privado como o carro BLABLA, que na Europa tem tido desen-
volvimento considerável, ou UBER, ou ainda serviços profissionais ou
domésticos sob demanda.
No setor de transportes, por exemplo, os serviços de compar-
tilhamento estão entre os mais desenvolvidos e estão redesenhando o
conceito de uso do veículo privado no caso do compartilhamento de
carros e do compartilhamento de bicicletas. Focar no setor verde tam-
bém significa focar nos modelos de desenvolvimento ligados à cadeia
de reciclagem de resíduos e recursos, como vimos em Copenhague,
proporcionando uma economia real em contraste com a linear, em que
o produto passa da produção para o simples desperdício. Trata-se de
uma economia que não apenas protege o ponto de vista ambiental,
economizando nos custos de gerenciamento e produção, mas capaz
de produzir lucros. Hoje é conhecida como economia circular, mas
ela se desenvolveu ao longo do tempo sob sete diferentes escolas de
pensamento econômico: Performance Economy, Biomimicry, Industrial
Ecology, Capitalismo Natural, Blue Economy, Projeto Regenerativo e
talvez o Cradle to Cradle, mais conhecido com base na energia reno-
vável, respeitando o meio ambiente e a natureza humana, bem como
preservando lugares e ecossistemas.
Claramente, a implementação de um conceito de economia
circular dentro de um ambiente de cidade resiliente é capaz de elevar o
potencial de gerenciamento de recursos, afetando exponencialmente
não apenas os negócios, mas também as vidas das próprias cidades.
Obviamente, as tecnologias Smart tornam-se particularmente impor-
tantes para transformar o desenvolvimento e a aplicação desses novos
modelos de negócios sustentáveis. Agora, a pergunta é: o que pode
ser feito para tornar nossas cidades ainda mais inteligentes? O objetivo

62
principal é, certamente, lidar com uma visão unificada, das diferentes
dimensões: econômica e de governança, ambiental, tecnológica e social.
Projetar as cidades do futuro significa repensar todos os seus
componentes, renovando-os para abrir espaços para novas necessi-
dades, redesenhando seus lugares e tornando-os mais inteligentes.
Cada projeto é carregado de um senso de responsabilidade porque
pode influenciar positiva ou negativamente o futuro, mas tem uma
oportunidade, uma chance, de ser uma pequena conquista se for capaz
de encontrar seu papel como um indicador de progresso. O ideal é
repensar a maneira de viver, criando espaços multiusos e sustentáveis,
bem como melhorar a qualidade de vida, repensar o espaço público em
sua multicentricidade, em contextos naturais, e utilizar novas tecnolo-
gias para torná-los mais inteligentes e melhores. Além disso, promover
regeneração dos espaços urbanos, reabilitação, implementação e
otimização do que já foi construído, sem mais consumo de terra. Hoje,
talvez, devêssemos chamar nossas cidades futuras, projetadas no todo
ou em partes, não mais com o termo Smart, mas senseable city, como
definido por Carlo Ratti, do Massachusetts Institute of Technology (MIT):
“Cidades sensíveis às necessidades da humanidade que são modeladas
a partir das necessidades de seus cidadãos”.

63
Capítulo 6
Potencialidades e aplicações do
conceito de Nature-based Solution
(NbS) em cidades inovadoras e
sustentáveis

Maurício Lamano Ferreira


Andreza Portella Ribeiro

A velocidade e a intensidade com que o processo de urba-


nização ocorreu desde o início do século passado tem gerado uma
série de pressões no meio ambiente natural, com especial ênfase para
o aumento da contaminação atmosférica, esgotamento de recursos
naturais, aumento da intensidade e frequência de extremos climáticos,
aumento da temperatura e diminuição da biodiversidade (Ferreira
et al., 2012; Ferreira et al., 2017; Guneral et al., 2017; Xing et al., 2017;
Zhong et al., 2017).
Embora seja primordial tomar uma série de iniciativas em
caráter emergencial para conter os efeitos da alteração do uso da terra
promovida pelo ser humano, muitos impactos dessa mudança já são
presentes no cotidiano das cidades.
Entre essas principais respostas observadas, as mudanças cli-
máticas têm gerado inquietação na comunidade científica e também
em diversos stakeholders, dado que alguns desdobramentos desse
fenômeno geram impactos econômicos e sociais (Urry, 2015). Em
relação aos danos ambientais provocados pelas mudanças climáticas,
pode-se considerar como causa central a ameaça à biodiversidade e
ao funcionamento dos ecossistemas, com efeitos no estabelecimento
de espécies exóticas, extinções locais, interferência na ciclagem de
nutrientes, bem como alterações no padrão do ciclo hidrológico em
escalas local e regional, propiciando, assim, enchentes e secas inespe-
radas (EEA, 2012, Marengo et al., 2015; Kabisch et al., 2016), além de
alteração no padrão de doenças infecciosas e impacto na produção
de alimento e energia (Parham et al., 2015, Endo et al., 2017). Assim,
justifica-se uma série de trabalhos científicos e conferências interna-
cionais com os principais atores políticos, que têm nas mãos o poder
de importantes decisões.

64
Nesse contexto, o planejamento urbano estratégico entra
como uma ferramenta fundamental na mitigação e adaptação das
cidades diante desse cenário de incertezas. Alguns recursos legais
podem ser muito úteis na elaboração de ações que minimizem os
impactos causados e aumentem a resiliência das cidades, entre os
quais se destacam os planos diretores estratégicos e leis de zonea-
mento territorial e urbano. No entanto, para que esses instrumentos
normativos possam surtir efeitos, torna-se necessário repensar e inovar
nas atitudes tomadas, por exemplo, incluir mecanismos que envolvam
a tradicional infraestrutura com a qual as cidades se desenvolveram
economicamente aos novos paradigmas ambientais, como o uso da
própria natureza para resolver antigos problemas. A esse modo de se
construir cidades sustentáveis, inteligentes e resilientes, aplica-se o
conceito de Soluções Baseadas na Natureza (NbS).

O conceito de Nature-based Solutions

O conceito de NbS tem evoluído ao longo do tempo, tendo


como marcos importantes a Avaliação Ecossistêmica do Milênio
(MEA, 2005), o relatório do Banco Mundial, Biodiversidade, Mudanças
Climáticas e Adaptação (World Bank, 2008), o documento da União
Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, 2009) se po-
sicionando a despeito das determinações discutidas na COP 15 da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima,
Workshop sobre Nature-based Solutions no contexto da BiodivERsa
(Balian et al., 2014), e uma série de publicações científicas e políticas
sobre o tema desde 2015 (EU, 2015; Potschin et al., 2015).
As NbS têm sido amplamente debatidas em continentes como
Europa e Ásia e ainda, timidamente, na América do Sul. Embora a sua
gênese tenha sido interpretada por alguns autores como política de
conservação da biodiversidade, medida de mitigação e adaptação às
mudanças climáticas, além de ser vista também como uma gestão de
recursos naturais (Maes e Jacobs, 2017), o seu conceito é mais amplo,
pois além do viés de serviços ecossistêmicos (SE), as NbS também são
utilizadas como obras de engenharia (Pontee et al., 2016).
A sua ideia central se atribui de conceitos já existentes na
literatura científica, como Soluções baseadas nos ecossistemas e
Adaptações baseadas em Ecossistemas (AbE) (Escobedo et al., 2018), as
quais têm sido trabalhadas pelo governo federal brasileiro no âmbito
de alguns projetos, como os programas Vulnerabilidade à mudança
climática e AdaptaCLIMA (MMA, 2018). Deve-se considerar ainda que

65
as NbS surgem como estratégias de inovação na promoção do desen-
volvimento sustentável e uma forma de inclusão da biodiversidade e
ecossistemas nas pautas sociais mais amplas, como justiça ambiental,
igualdade no acesso a água tratada e segurança alimentar (Potschin
et al., 2015).
No entanto, deve-se considerar que o termo Soluções Basea-
das na Natureza, como foi cunhado, ganhou força em meados do ano
de 2012 por meio da The Nature Conservancy e também pela Interna-
tional Union for Conservation of Nature, quando foram estabelecidos
alguns princípios básicos de uma NbS (IUCN, 2012), sendo eles:

• Tornar-se solução para desafios globais utilizando a natureza;


• Fornecer benefícios da biodiversidade em termos de ecossistemas
bem manejados;
• Ter boa relação custo/efetividade quando comparada a outras so-
luções;
• Ser comunicada de forma simples e convincente;
• Apresentar capacidade de medição, verificação e aplicabilidade;
• Respeitar o direito sobre os recursos naturais e
• Atrelar fontes de financiamento público ou privado.

Portanto, as NbS são definidas como “o uso da natureza no


enfrentamento aos desafios como mudanças climáticas, segurança ali-
mentar, recursos hídricos ou gestão de riscos de desastres, englobando
uma definição mais ampla de como conservar e usar a biodiversidade de
maneira sustentável” (Balian et al., 2014). Em suma, as NbS se propõem a
promover reparos e prevenções em obras existentes (p. ex., infraestrutura
tradicional) ou ser instrumento de planejamento urbano, utilizando-se
de processos naturais para resolver problemas sistêmicos.
Eggermont et al. (2015) apresentaram três formas distintas de
entender as NbS (Figura 1), sendo a primeira forma aquela que apre-
senta baixa intervenção nos ecossistemas, cuja ideia central é manter
ou simplesmente melhorar a prestação de serviços ecossistêmicos já
ofertados pela área. Como exemplo, os autores citam a criação de áreas
protegidas marinhas, as quais podem subsidiar benefícios e oportu-
nidades para populações tradicionais e também garantir a produção
controlada de recursos pesqueiros. Outra tipologia seria em relação à
implementação de um sistema de gestão que desenvolva ecossistemas
e paisagens sustentáveis e/ou multifuncionais, ampliando com isso a
prestação de SE em relação ao que seria prestado sem a intervenção

66
humana. Um exemplo disso seria o manejo da arborização de florestas
urbanas estimulando o aumento da diversidade biológica (e nichos
ecológicos), bem como priorizando o aumento da diversidade gené-
tica, na busca de maior resiliência florestal diante de futuros cenários
de extremos climáticos. A última tipologia proposta pelos autores
diz respeito à criação de novos ecossistemas (sistemas artificiais)
com promoção de benefícios ambientais. Os autores apontam como
exemplos a promoção de telhados e paredes verdes para a atenuação
da poluição aérea e amenização microclimática. Essa tipologia está
diretamente relacionada aos conceitos de infraestrutura verde e azul,
as quais contemplam a arborização urbana, além dos rios e córregos
urbanos na infraestrutura da cidade.

Figura 1. Tipologias de NbS e suas relações com níveis de engenharia aplicada à biodiversidade e promo-
ção de serviços ecossistêmicos. (Adaptado de Eggemont et al. 2017, apud Cohen-Shacham et al., 2016.)

Particularmente, as tipologias 2 e 3 são as mais apontadas


pela Comissão Europeia como as promissoras da valoração do capital
natural, ou seja, as que oferecem maior chance de inovação verde e
crescimento sustentável. No entanto, torna-se essencial fazer uma
análise crítica dos riscos de se propor alternativas como essas. Um
exemplo pode estar relacionado aos desserviços que essas inovações
podem trazer se não forem bem manejadas. Por exemplo, uma situação
crítica vivida no sudeste brasileiro nos meses de verão (estação chu-
vosa) é a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, como
febre amarela e dengue. O mínimo descuido com os telhados verdes
pode torná-los palco ideal para eventos de reprodução e aumento
demográfico desses indesejados vetores. O Aedes aegypti, mosquito

67
vetor dessas doenças, precisa de condições facilmente encontradas
em jardins abandonados para se proliferarem, o que pode colocar em
xeque uma NbS que teria como finalidade legítima contribuir para
a busca do equilíbrio do ecossistema urbano. Além disso, deve-se
considerar a oportunidade de oferecer nicho para espécies exóticas
e invasoras se instalarem no ambiente urbano.
Essas questões não servem de desestímulo à tipologia 3 pro-
posta de SbN, por sua vez, proposta por Eggermont et al., (2015), mas
pode ser entendida como um sinal crítico de que políticas de fiscaliza-
ção ou educação ambiental devem acompanhar projetos audaciosos
de criação de sistemas artificiais que promovam SE.
Além desses conceitos, cabe destacar a repercussão e a rele-
vância das NbS no âmbito econômico, principalmente para o Banco
Mundial, o qual tem priorizado projetos de intervenções urbanas e
agrícolas que envolvam a natureza e seus serviços associados, além
de considerar que o assunto tem sido pauta em importantes encon-
tros, como Fórum Econômico Mundial, o qual destacou as NbS como
medidas inovadoras no setor de viagens e turismo (Marton-Lefevre
and Borges, 2011).

NbS e suas relações econômicas e políticas

O conceito de Soluções Baseadas na Natureza também está


atrelado a uma aspecto econômico muito forte. Na perspectiva do cres-
cimento do PIB e da empregabilidade, a Comissão Europeia destaca
que as NbS podem transformar impactos ambientais e problemas de
infraestrutura urbana em oportunidades de inovação, utilizando-se
do capital natural como fonte de desenvolvimento verde, considerado
ecologicamente correto e sustentavelmente viável (EC, 2015). Assim,
as NbS são vistas como um conceito-chave para governos, ONGs e
empresas que pretendam integrar políticas públicas ambientais e de
planejamento urbano com o capital natural, promovendo, com isso,
o bem-estar humano e a manutenção biodiversidade.
No campo político, tem-se observado nos últimos anos que a
União Europeia tem tido papel fundamental na concepção e execução
de grandes acordos, como o Acordo de Paris (Paris Agreement, 2015),
a nova Agenda Urbana (New Urban Agenda, 2016) e a convenção de
Sendai para a redução de riscos de desastres naturais (Estrella et al.,
2016). O Acordo de Paris destaca a importância de se manter a integri-
dade dos ecossistemas aquáticos, terrestres e de transição, bem como
destaca o papel das adaptações desses ecossistemas. A Nova Agenda

68
Urbana traz uma abordagem de inovar no planejamento urbano a
partir de ações sustentáveis e metodologia que sejam baseadas na
própria natureza, por exemplo, por meio de NbS. Deve-se considerar
que a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica con-
sidera estratégias de NbS como medidas relevantes de restauração de
ecossistemas degradados (CDB, 2016), além disso, acordos pontuais
e bilaterais também chamam a atenção para o uso de NbS no plane-
jamento ambiental estratégico (EC, 2012).
No entanto, diante do atual cenário e de tantos acordos, tor-
na-se necessária a garantia de que tais NbS tenham suas respectivas
implantações bem-sucedidas e consequentemente os produtos de
acordos sejam cumpridos. Diante disso, a Comissão Europeia tem de-
lineado com pesquisadores e steakholders uma agenda com diversas
ações e políticas específicas, a saber:
- o novo pacto de Prefeitos para o Clima e Energia (EC, 2016),
que reconhece o papel da adaptação baseada em ecossistemas para
melhorar a resiliência urbana;
- a Agenda Urbana da Água para 2030 e o projeto para salva-
guardar os recursos hídricos da Europa (EC, 2014), fato que ressalta os
desafios urbanos sobre a gestão da água;
- a Estratégia da Comissão para Infraestruturas Verdes (EC,
2013), a qual considera a biodiversidade como potencial vetor na
prestação de serviços ecossistêmicos;
- o plano de ação da União Europeia para a redução do risco
de catástrofes.

NbS em ambientes aquáticos

Embora os manuais e práticas da engenharia tradicional sejam


muito bem estabelecidos na prevenção de problemas naturais, como
enchentes, alguns esforços têm sido notado no sentido de utilizar a
natureza como instrumento de infraestrutura urbana. Esse é o caso
de projetos holandeses e ingleses (Building with Nature e Managed
Realignment, respectivamente) (Leggett et al., 2004) que tem mostrado
relativo sucesso no uso de NbS.
Além desses casos, deve-se considerar outros programas de
relativo sucesso, como o Greenbelt na China (Chung, 2006) e o Howard
Beach flood protection study, New York, USA – hybrid solutio, em Nova
Iorque, EUA. Este último programa tinha como premissa propor alter-
nativas de mitigação às mudanças climáticas auxiliando comunidades
costeiras a evitar a erosão do solo, riscos de inundação e propor locais

69
saudáveis para a recreação da população. Os líderes desse programa
destacaram que as intervenções tradicionais da infraestrutura cinza
eram eficientes na contenção de tempestades, porém, as NbS trariam
benefícios com menor custo e conteriam o avanço do nível do mar,
além de promover o melhoramento estético e ecológico do local.
Outro exemplo de NbS a ser considerado foi um programa
britânico desenvolvido com o objetivo de reduzir o risco de inundações
nos períodos entre marés em uma região de estuário localizada a Nor-
deste da Inglaterra. O programa converteu 450 hectares de fazendas
nos arredores dessa zona estuarina em obras de contenção de água
para possíveis episódios de eventos climáticos extremos. Tais ações
foram relacionadas às melhorias de trabalho no âmbito da defesa civil
(Wheeler et al., 2008), embora esse tenha sido um projeto híbrido, ou
seja, com alternância de infraestrutura cinza e SbN.
A mudança do uso da terra ou a apropriação ilegal dos
recursos naturais podem modificar paisagens fundamentais para a
prestação de serviços ecossistêmicos que variam desde a escala local
até a global (Cohen-Schacham, 2016). A região do Golfo de Nicoya, na
Costa Rica, tinha até o ano de 2010, cerca de 34% de seus manguezais
convertidos em tanques de cultivo de camarão e locais de extração de
sal (Venegas-Li et al., 2013). Em 2014, um projeto piloto de restauração
foi implantado com as comunidades locais, de modo que se criassem
políticas específicas para o crédito de carbono sequestrado pela vege-
tação, o que girava em torno de 413 a 1335 MgC ha-1, além de projetos
que visassem o uso sustentável dos recursos naturais e programas de
educação. Um ano após a implantação do projeto piloto mais de oito
mil mudas de espécies de mangue já haviam sido plantadas com mais
de 90% de sucesso de sobrevivência. Esse caso mostra como SbN está
intimamente associada a políticas públicas e aspectos socioeconômi-
cos de uma determinada comunidade.
Além dos problemas associados a enchentes e invasão da água
em ambientes costeiros, a contaminação de corpos hídricos é pauta
importante na agenda ambiental mundial. A contaminação de rios,
represas e lagos tem sido algo de extrema preocupação em grandes
cidades brasileiras, não somente pelo seu alto potencial de causar a
homogeneização biótica e perda de serviços ecossistêmicos prestados
(Wengrat et al., 2017; Gunkel et al., 2018), mas também pelo alto custo
de manutenção desses reservatórios.
A aplicação de NbS pode, em alguns casos, ser mais barata
ou ter custo semelhante às intervenções “cinzas”, ou seja, às obras
tradicionais de engenharia. Esse foi o caso apresentado por Liquete

70
et al., (2016), que propuseram múltiplas alternativas para o controle
de qualidade da água na região de Gorla Maggiore, no norte da Itália,
um dos locais escolhidos pela Comissão Europeia como estudo de
caso no âmbito do projeto FP7 Project OpenNESS (http://www.open-
ness-project.eu/). Esse projeto teve como função traduzir os conceitos
de Capital Natural e Serviços Ecossistêmicos em estruturas operacio-
nais que forneçam soluções validadas para integrar tais SEs à gestão
da terra, água e ar nas diversas cidades europeias. Os autores deste
estudo se apropriaram da infraestrutura verde para descontaminar a
água e propor um meio de contenção de enchentes, o qual teve custo
similar ao da engenharia tradicional. Cabe destacar que um diferencial
nesse caso é o delineamento ecológico e a promoção de SE que são
atribuídas ao planejamento da cidade.
Pela capacidade que as NbS têm em restaurar ecossistemas
degradados (EU, 2015), ela se torna uma alternativa muito eficiente
na recuperação de represas que sofrem periódicas florações tóxicas
por microrganismos. Na região sul do município de São Paulo, por
exemplo, os principais reservatórios que abastecem a população da
região metropolitana sofrem anualmente com florações indesejadas
de algas devido ao despejo de resíduos domésticos decorrente do
intenso processo de urbanização que se deu no entorno desses
corpos hídricos ao longo do século passado (Oliver e Ribeiro, 2014).
Nesse sentido, alguns autores têm proposto técnicas de manipulação
biológicas como NbS para reduzir tais florações de algas. Triest et al.
(2016) fizeram uma revisão bibliográfica sobre o tema e compilaram
informações sobre técnicas de biomanipulação e ecotecnologias como
ferramenta de restauração para a redução e controle da eutrofização.
Entre os diversos resultados, a manipulação da comunidade biológica
em diversos níveis tróficos foi a alternativa mais recorrente, de modo
que houvesse um controle demográfico no sentido top down na es-
trutura trófica das comunidades biológicas. Com isso, a remoção de
alguns grupos taxonômicos e introdução de outros pode favorecer as
relações entre os organismos e influenciar o estado de eutrofização
de corpos hídricos.

NbS em ambientes terrestres (urbanos)

As áreas urbanas são especialmente fragilizadas em relação


aos padrões e processos ecológicos por ter grande influência das
atividades humanas. As emissões de contaminantes atmosféricos por
indústrias e carros, além das maiores amplitudes térmicas encontradas

71
em decorrência da infraestrutura cinza e o maior consumo de energia,
denotam a esse ecossistema uma particularidade em relação aos de-
safios a serem enfrentados em futuros cenários de mudanças globais.
Nesse sentido, pensar em instrumentos legais que viabilizem
a resiliência e aumente a resistência das grandes e médias cidades é
tarefa da comunidade científica e dos gestores públicos. Assim, enten-
de-se que os projetos de SbN não se devem restringir ao público das
universidades, mas deve ser fonte de investimento e gerenciamento
por parte de stakeholders. Raymond et al. (2017) sugerem sete está-
gios para a avaliação de benefícios na implementação de políticas e
projetos de Soluções baseadas na Natureza, sendo eles: i) identificar
o problema ou a oportunidade; ii) selecionar e avaliar a NbS e ações
relacionadas a ela; iii) projetar processos de implementação da NbS;
iv) implementar NbS propriamente dita; v) comunicar os benefícios
associados aos stakeholders; vi) transferir e escalonar a SbN; e vii) mo-
nitorar e avaliar os benefícios em todos os estágios.
Tal envolvimento de diversos atores também se estende para
a área da saúde, pois há na literatura científica uma grande quantidade
de artigos que demonstram a íntima relação existente entre habitar
próximo a áreas verdes e melhoria na qualidade física e mental (Dennis
e James, 2017; Douglas et al., 2017, Tsai et al., 2018). Esses resultados são
reforçados pelo trabalho de Panno et al. (2017), os quais demonstraram
que pessoas que frequentavam parques urbanos bem arborizados em
Milão, no norte da Itália, apresentaram situação de bem-estar mais
proeminente do que as pessoas que não visitavam as áreas verdes.
Vujcic et al. (2017) fizeram um experimento, na Sérvia, com
idosos em estado crítico de depressão. Um grupo foi condicionado por
um determinado tempo a cuidar de hortas urbanas em uma parte da
cidade, enquanto o outro grupo de pacientes continuou com terapias
convencionais. Os resultados desse estudo demonstraram que o grupo
que teve relação com o plantio de espécies alimentícias apresentou
quadro clínico estatisticamente positivo quando comparado ao outro
grupo de controle, ressaltando a importância de espaços verdes ou
contato com a natureza no equilíbrio da saúde mental. Porém, deve-
se considerar o contraponto apresentado por Kabisch et al. (2017), os
quais reportaram que essa relação não seja tão direta, pois aspectos
socioeconômicos podem influenciar nesta condição.
Embora haja divergência nesse assunto, as áreas verdes urba-
nas estão fortemente associadas à manutenção da biodiversidade, ao
sequestro de carbono e à atenuação da poluição atmosférica, fato que
lhe confere especial atenção em termos de manejo e ampliação de

72
seu território nas cidades. Isso preconiza a democratização das áreas
verdes para que a maior parte da população de uma cidade tenha
acesso ou conviva nas proximidades de parques e florestas urbanas.
Além disso, manter a população saudável desonera os cofres públicos,
principalmente nas pastas estaduais e municipais de saúde.
Ainda na perspectiva da saúde, outro problema associado
a mortes prematuras e casos de internação é em relação à poluição
atmosférica e ao aumento da intensidade de ilhas de calor. Vieira et al.
(2018) reportaram que os gastos públicos com esses casos são eleva-
dos em países em desenvolvimento e uma forma de readequar esse
quadro é por meio de ampliação de espaços verdes, como parques,
jardins e praças arborizadas.
Além das funções já citadas que a vegetação exerce em uma
cidade, ela também ajuda a controlar o ciclo hidrológico, mantendo
a atmosfera úmida. Para se ter uma boa comparação do volume de
água transpirado pelas árvores, Nobre (2014) fez a seguinte analogia:
o autor mostrou por meio de dados publicados em importantes
periódicos científicos que o Rio Amazonas, um dos maiores rios do
planeta com mais de mil afluentes, despeja no oceano Atlântico cerca
de 17 bilhões de toneladas de água por dia, ao passo que as árvores da
floresta transpiram para a atmosfera aproximadamente 20 bilhões de
água por dia, ou seja, em média, a vegetação representa 15% a mais
da renovação da água no bioma por unidade de tempo. Refinando
a analogia, apenas uma árvore de eucalipto, em uma cidade como
São Paulo, pode transpirar, em um dia quente, aproximadamente
500 litros, ou seja, o equivalente a uma caixa d’água residencial. Esses
números nos aproxima ainda mais da relevância das áreas verdes para
a resiliência das cidades em futuros cenários de extremos climáticos,
conforme já são previstos para a região Sudeste do Brasil (Marengo
et al., 2017; Lyra et al., 2018).
Algumas políticas de ampliação de áreas verdes em cidades
tem sido bem discutidas no âmbito do bioma Mata Atlântica, pois a
Lei Federal no 11.428/06 (Brasil, 2006), por meio de seu instrumento
legal, O Plano Municipal da Mata Atlântica - (PMMA) visa conectar e
restaurar fragmentos do bioma por meio de corredores ecológicos
que cortem inclusive áreas urbanas e periurbanas. Com isso, nota-se
um direcionamento e estímulo para gestores públicos municipais
guiarem seus esforços no sentido de usar políticas já existentes para
propor estratégias de NbS que possam trazer outros benefícios além
dos preconizados na Lei Federal.
Esta proposta de “esverdeamento” das cidades está diretamen-

73
te relacionada ao conceito de infraestrutura verde, o qual tem ganhado
força no debate científico nos últimos anos (Koc et al., 2017, Wang e
Banzhaf, 2018). Tal modalidade de infraestrutura está relacionada ao
seu alcance e extensão, o que significa que essa metodologia pode exe-
cutar várias funções, em diferentes escalas, considerando as múltiplas
conexões e interações vitais na natureza. Além disso, a infraestrutura
verde pode promover um planejamento espacial adequado a um am-
biente saudável e sustentável, identificando zonas multifuncionais e
incorporando medidas de restauração em planos e políticas do uso do
solo urbano. Isso deve, especialmente, ser considerado na elaboração
e revisão de planos diretores estratégicos.
Embora não seja realidade recorrente no Brasil, extremos cli-
máticos associados a furacões trazem enormes prejuízos econômicos
e sociais. Nos EUA, por exemplo, o furacão Katrina atingiu a região
costeira da Louisiana e do Mississipi causando mais de 1.800 mortes
e gerando um gasto de mais de U$ 80 bilhões. Projetos de recupera-
ção de zonas alagadas e áreas de dunas no Mississipi estão custando
em torno de U$ 450 milhões. Embora os gastos com a recuperação e
adaptação a futuros eventos de extremos climáticos seja alto, ele re-
presenta apenas 0,55% do valor total do prejuízo. Esse exemplo pode
se estender para a região metropolitana de São Paulo, que nos anos
de 2014-2015 vivenciou uma das secas mais críticas de sua história. A
gestão de áreas verdes urbanas está associada ao abastecimento de
águas subterrâneas, as quais podem, em parte, auxiliar nos processos
de infiltração de água no solo (Bartens et al., 2008), servindo, assim,
como uma medida de adaptação a futuros cenários de mudanças
climáticas.
A cidade de São Paulo renovou alguns conceitos de parede
verde no ano de 2017 e criou um corredor vertical de plantas em uma
das principais avenidas que cruza a cidade, além de criar paredes
verdes ao lado do Minhocão, uma das avenidas mais cinzas da cidade
(Figura 2).

74
Figura 2. Soluções baseadas na Natureza em duas situações distintas na
cidade de São Paulo. Em “A”, muros verdes verticais implantados pela
prefeitura no ano de 2017; em “B” paredes verdes também implantada
pela prefeitura de São Paulo com verba de compensação ambiental.

Um desafio emergente tanto para gestores públicos quanto


para os acadêmicos é pensar, agir e interagir com metodologias de
Soluções baseadas na Natureza em distintas oportunidades. Inde-
pendentemente do estágio do projeto (concepção, aplicação ou mo-
nitoramento), é necessário se considerar a possibilidade de aplicação
das NbS, dado os múltiplos benefícios que a elas estão associados, de
forma que se vislumbrem melhorias ambientais, sociais e econômicas
no planejamento de cidades sustentáveis.

Considerações finais

O uso de Soluções baseadas na Natureza pode ser entendido


como uma ferramenta de planejamento urbano essencial para as
cidades aumentarem a resiliência diante do cenário de mudanças
climáticas. Além disso, ela pode apresentar outros múltiplos usos
associados à melhor qualidade de vida e saúde física e mental, deso-
nerando, dessa forma, os cofres públicos.
É importante se considerar os benefícios das NbS para o
meio ambiente natural, principalmente no que tange à prestação de
serviços ecossistêmicos, os quais podem variar desde sequestro de
carbono como mecanismos compensatórios das atividades humanas,
até regulação do ciclo hidrológico e manutenção da biodiversidade
urbana. Assim, sugere-se com este capítulo, que cientistas e tomado-
res de decisão possam se apropriar deste recurso metodológico para
propor medidas cabíveis de adaptação às mudanças globais, as quais
envolvem tanto aspectos ambientais, como sociais e econômicos.

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79
Capítulo 7
Colaboração entre governos locais e
setor privado para uma economia de
baixo carbono
Andreia Banhe
Juliana Lopes

Desde o seu surgimento, há mais de 5.000 anos, as cidades se


destacaram como polos de conhecimento, mas foi somente nos últimos
250 anos, com o fenômeno da urbanização, que elas assumiram as ca-
racterísticas da modernidade que conhecemos hoje. Seguindo a trilha da
Revolução Industrial, a primeira onda de urbanização veio acompanhada
de inovação tecnológica baseada no uso intensivo de combustíveis
fósseis. Na década de 1950, mais de 50% da população das regiões mais
desenvolvidas (Europa, Japão e Estados Unidos) vivia em grandes cida-
des. A segunda onda de urbanização está ocorrendo agora nos países
subdesenvolvidos com uma velocidade muito maior (MILLS et al., 2010).
Desde 2008, mais da metade da população mundial vive em
áreas urbanas (UNFPA, 2007). Essa realidade impõe novos desafios para
o desenvolvimento sustentável das cidades à medida que o impacto
ambiental dos centros urbanos e sua dependência em relação aos
recursos naturais aumenta de maneira inversamente proporcional
ao crescimento populacional. Isso porque essas cidades seguiram
padrões de desenvolvimento similares, caracterizados pela ocupação
desordenada do espaço e modelos de produção e consumo fortemen-
te dependentes do uso de combustíveis fósseis (MILLS et al., 2010).
Com o agravamento das mudanças climáticas, as discussões
sobre o desenvolvimento das cidades ganharam novos contornos,
tendo em vista que a infraestrutura das cidades, qualidade de vida,
saúde e segurança das suas populações se tornaram mais vulneráveis
a eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes. Em termos
globais, 80% das cidades estão localizadas em zonas costeiras ou em
regiões próximas a rios, tornando-as suscetíveis à maior incidência de
tempestades, inundações e vulneráveis à elevação do nível do mar
(BULKELEY et al., 2009; BURTON; DIRINGER; SMITH, 2006).
Apesar de os grandes centros urbanos serem importantes
emissores de gases de efeito estufa, eles também têm um potencial

80
dinamizador e de inovação único por conta de indústrias, infraestru-
turas e contingentes populacionais que eles concentram (BICKNELL;
DODMAN; SATTERTHWAITE, 2009), constituindo-se como espaços fun-
damentais para a compreensão e solução do problema das mudanças
climáticas. No entanto, grande parte da literatura sobre gestão política
em relação ao tema enfoca os âmbitos global, nacional e regional de
governança priorizando o desenvolvimento e a implementação do
regime internacional do clima (MARTINS, 2010). Tal regime engloba os
princípios, as normas e os processos que regem esse arranjo de tomada
de decisão e governança no plano internacional (BULKELEY; BETSILL,
2010). Porém, como a mudança climática tem uma dimensão local im-
portante, já que muitas das atividades humanas que contribuem para
o aquecimento global e as mudanças ambientais globais, em geral,
acontecem no nível local, torna-se necessário olhar para as cidades e
os municípios como arenas fundamentais, onde a governança do clima
está sendo exercida (BULKELEY et al., 2009; WILBANKS; KATES, 1999).
Para Bulkeley et al. (2009), o desenvolvimento de uma abor-
dagem local e urbana para mitigação e adaptação à mudança climá-
tica está intrinsecamente relacionado ao aparecimento de redes de
cidades e municípios nos níveis nacional, regional e transnacional. De
forma pioneira, vários governos subnacionais da América do Norte
e da Europa juntaram-se no final dos anos 1980 e começo dos anos
1990 para, no início, adotar metas voluntárias de corte de emissão de
GEE, bem como estabelecer fóruns de troca de ideias, estratégias e
experiências sobre alternativas de combate ao aquecimento global.
Exemplos nesse sentido, incluem o ICLEI - Governos Locais pela
Sustentabilidade, Grupo C40 de Grandes Cidades para Liderança do
Clima e o Carbon Disclosure Project (CDP), que organizam as cidades
em torno de compromissos, oferecem apoio de capacitação e acesso
a financiamento para seus projetos de mitigação e adaptação às mu-
danças climáticas. Essa articulação é importante, uma vez que maior
transparência e engajamento têm papel fundamental para gestão de
impactos e riscos das cidades diante das mudanças climáticas, tendo
em vista que apresentam ameaças a um contingente populacional
crescente que vive em áreas vulneráveis de centros urbanos, bem
como os negócios instalados nas cidades. A escala desses riscos é, em
grande parte, influenciada pela qualidade da infraestrutura urbana e
pelas estruturas de governança que planejam, coordenam, gerenciam
e implementam políticas e serviços públicos (MARTINS, 2010).
Por meio do relato em sistemas de reporte globais, como o
CDP, é possível analisar a capacidade de identificação e resposta das

81
cidades em relação a esses riscos, bem como oportunidades de cola-
boração com o setor privado a fim de construir resiliência por meio de
medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
O projeto Matchmaker faz a ponte entre cidades e investido-
res participantes da rede do CDP, funcionado como uma central de
informações para as cidades mostrarem projetos planejados para o
setor financeiro e posicioná-los melhor para mitigar e adaptar-se às
mudanças climáticas. Em 2017, 362 cidades reportam mais de 1.000
projetos, representando mais de U$S 52 bilhões, incluindo iniciativas
desde a fase de escopo até a operação em áreas como controle de
enchentes, gerenciamento de resíduos, transporte sustentável, energia
renovável, gerenciamento de água e eficiência energética.
Essa iniciativa resultou de um levantamento realizado pelo
CDP em 2015 com o apoio da Low Carbon City Lab (LoCaL), rede
internacional que visa reduzir 1 Gt de CO2 a partir da mobilização de
25 bilhões de euros para o financiamento climático em cidades, e da
Climate-KIC, a maior Parceria Público-Privada (PPP) da Europa ende-
reçando a questão de mudança climática. Com o foco em inovação
e uma economia zero carbono, essa PPP fundamenta-se em quatro
áreas prioritárias: zonas urbanas, uso da terra, sistemas produtivos,
métricas climáticas e finanças.
Segundo o levantamento realizado com base em entrevistas
com gestores públicos e investidores, são quatro as principais barreiras
para catalisar o investimento privado em projetos urbanos de mitiga-
ção e adaptação às mudanças climáticas. A primeira consiste em falta
de conhecimento para desenvolver e reportar projetos “bancáveis”
competitivos o bastante diante de outros projetos não relacionados
à área de mitigação. A segunda barreira identificada relaciona-se à
falta de um mandato do eleitorado, assim como de entendimento
das cidades de que os projetos de mitigação podem reduzir custos,
resultando em falta de vontade política para levar a agenda climática
adiante. Além disso, a maioria dos projetos requer cooperação entre
setores, projetos e atores do setor público e privado para agregar pro-
jetos menores e superar os desafios mencionados anteriormente. Por
fim, a falta de um histórico ou baixa capacidade creditícia intensifica
a primeira barreira citada (BOER, 2015).
O combate às mudanças climáticas também pode direcionar o
desenvolvimento econômico, com benefícios imediatos em termos de qua-
lidade do ar, saúde e qualidade de vida. Cidades conectadas e compactas
podem proporcionar uma economia da ordem de 3 trilhões de dólares em
investimentos de infraestrutura nos próximos 15 anos (WRI, 2015).

82
Experiências de colaboração para cidades mais resilientes
às mudanças do clima

Em resposta aos crescentes riscos das mudanças climáticas,


as cidades estão agindo em parceria para se tornar mais resilientes.
Aproximadamente 70% das cidades da América Latina relataram ao
CDP que estão tomando medidas para se adaptar aos impactos das
mudanças climáticas.
O risco climático não é a única área onde os governos muni-
cipais e os negócios estão interconectados. As cidades e as empresas
também são apresentadas a oportunidades semelhantes com as
mudanças climáticas e podem trabalhar juntas para aproveitá-las. A
colaboração pode conduzir a novos negócios, ao aumento de receitas,
a operações mais abrangentes e, no futuro, a cidades resilientes.
De acordo com dados do CDP, 71% de todas as cidades parti-
cipantes no CDP Cities em 2016 na América Latina reportam oportuni-
dades econômicas decorrentes das mudanças climáticas. Elas incluem
desenvolvimento de novos negócios e indústrias (31%), maior atenção
a outras preocupações ambientais (25%) em suas cidades e aumento
de investimento em infraestrutura (18%).
A cidade de Sorocaba no Brasil revela que, devido ao aumento
da demanda para energia eólica no Brasil, houve a instalação de duas
grandes empresas na cidade, responsáveis por produzir insumos
para atender aos parques eólicos. A cidade acredita que a localização
geográfica, o acesso a profissionais qualificados e uma cadeia de for-
necedores ampla na região explicam a escolha do município.
Essa análise também inclui 111 empresas que fazem ne-
gócios nas cidades latino-americanas e são respondentes ao CDP.
Aproximadamente 18% das oportunidades econômicas reportadas
pelas empresas é o desenvolvimento de novos produtos e serviços
de baixo carbono, o que pode impactar na redução das emissões da
cidade, além de aumentar o número de empregos verdes e arrecada-
ção de impostos para a cidade. Esse número sugere que as empresas
e as cidades nas quais elas operam podem se beneficiar a partir de
colaborações, o que já ocorre em muitos casos. Ao mesmo tempo, as
empresas intensificam esforços para apoiar as cidades a tomar medi-
das diante das mudanças climáticas, o que também contribui para a
resiliência dos seus negócios.
Segundo dados do CDP de 2017, 67% das cidades reportam
que estão trabalhando em projetos de colaboração com o setor
privado, como implementação de projetos, desenvolvimentos de

83
negócios e compartilhamento de conhecimento. Cali, na Colômbia,
vem engajando as empresas do município na elaboração do inventário
de gases de efeito estufa corporativo. Também estimula a definição
de estratégias de redução de emissão, visando produtos e serviços de
baixo carbono. Em Quito, no Equador, a Secretaria do Meio Ambiente
trabalha com o setor privado com o plano de compensação da pegada
de carbono, a fim de solicitar investimentos em projetos sustentáveis
que contribuam para a redução da pegada de carbono da cidade. Por
meio dessa iniciativa, o setor privado assume o compromisso de medir
e reduzir sua emissão de carbono em suas operações.
Já Campinas (SP) reportou uma parceria com a empresa muni-
cipal de água e saneamento a fim de melhorar a eficiência no sistema
de abastecimento de água, reduzindo as emissões e contribuindo para
que a cidade se torne mais resiliente à escassez hídrica.
Uma outra área de colaboração conjunta é a de transportes. A
mobilidade é uma condição essencial para os residentes urbanos. Na
medida em que as cidades ao redor do mundo crescem em número
de pessoas, a demanda por opções de mobilidade é crescente. Tal de-
manda tem incentivado o aumento do número de veículos privados,
principalmente, na América Latina. No Brasil, enquanto a população
cresceu cerca de 12,2% em uma década, o número de veículos automo-
tores aumentou cerca de 138,6% (Observatório das metrópoles, 2014).
Sem muita surpresa, as cidades da América Latina reportaram
355 atividades destinadas à redução das emissões de gases de efeito
estufa, sendo a atividade mais comum relacionada aos transportes
(35%), e mais de 20% em ações para implementar e melhorar alter-
nativas para o uso de veículos não motorizados.
Na Argentina, o Programa de Bicicletas de Buenos Aires pro-
move o uso de bicicletas como um meio ecológico, saudável e rápido
de transporte. O projeto inclui a criação de uma rede de ciclovias e
infraestrutura para estacionamento de bicicletas. Mais de 100 empresas
estão encorajando seus funcionários a utilizar a bicicleta como meio
de transporte.
Um outro exemplo de colaboração é entre o Itaú-Unibanco,
instituição financeira que implantou o sistema de compartilhamento
de bicicletas em seis capitais brasileiras como Recife e Porto Alegre e
também em Santiago, no Chile, contabilizando 815 estações e 8.300
bicicletas. Segundo os dados da empresa ao CDP em 2015, o sistema de
compartilhamento de bicicletas em 2014 contava com mais de 500 mil
usuários registrados e ao todo já foram realizados mais de 3,5 milhões
de aluguéis nesse período. Os resultados alcançados, no que se refere

84
a toneladas de CO2e evitadas, foram estimados em 2,8 mil toneladas,
o que equivale a 1,2 milhões de litros de gasolina. A Prefeitura de
Recife, segundo relato ao CDP em 2016, pretende ampliar a estrutura
de ciclovias para 178 km até 2020, com estimativa de reduzir mais
de 30 mil toneladas de CO2e/ano. Energias renováveis é outro setor
em que um número significativo de cidades latino-americanas está
agindo. A prefeitura de Palmas reportou incentivos para as empresas
que optarem por utilizar energia solar em suas instalações. A cidade
de Campinas reportou uma parceria público-privada com a CPFL para
instalação da planta solar de Tanquinho. Essa empresa de geração e
distribuição de energia também respondente do CDP, investiu 13,8
milhões de reais nesse projeto que tem capacidade de 1,6 giga-watts
de geração por ano – energia suficiente para o abastecimento de
1.000 famílias.
O aproveitamento energético de resíduos é uma outra área
mencionada pelas cidades. Um exemplo é a cidade de Cuenca, no
Equador, que inaugurou em 2017 a usina de aproveitamento de Biogás,
que gerará em 2019 energia elétrica suficiente para abastecer 7.300
famílias, com um consumo médio de 160 kWh/mês. A planta de biogás
está localizada no aterro sanitário de Pichacay, paróquia de Santa Ana,
a 15 minutos de Cuenca. O investimento foi de 3,5 bilhões de dólares
a partir de uma colaboração público-privada com empresa holandesa
– a BGP Engineers. Essa ação terá impacto na redução das emissões,
como eliminação de cerca de 70 mil toneladas de gás metano da at-
mosfera, que é 21 vezes mais poluente do que o CO2 e que equivale a
emissões de quase 375 mil carros. No Brasil, Belo Horizonte implantou
um projeto que processa e queima o gás metano produzido a partir
da decomposição do lixo de um antigo aterro sanitário. A energia
elétrica resultante desse processo é comprada pela concessionária
que atende a capital mineira.
No tema Resíduos, a Prefeitura de Olímpia, cidade do interior
de São Paulo, reportou que as empresas da região são incentivadas,
por meio de um selo ambiental, a destinar seus resíduos recicláveis à
Cooperativa de Catadores Amigos da Natureza, implantada no muni-
cípio. Além disso, a cidade também faz parcerias com a Usina Guarani
e a Construtora Pacaembu, para doação de mudas e com a Tetra Pak
para a realização de oficinas e doação de material didático na temática
de resíduos sólidos. A cidade de Sertãozinho, também localizada no
interior de São Paulo, instituiu o selo “empresa ambientalmente sus-
tentável”, que consiste na certificação das empresas que utilizam as
mesmas práticas. Para serem certificadas, as empresas devem obter

85
uma pontuação mínima na avaliação de quesitos, como tratamento
e/ou destinação adequada dos resíduos industriais, política interna
de coleta seletiva de resíduos e plano de Gerenciamento de Resíduos
Sólidos. Esse programa incentiva as empresas do município a repen-
sarem as práticas produtivas que acarretam reduções no consumo de
energia e na utilização de recursos naturais.

Considerações finais

Os municípios latino-americanos deverão suportar grande


parte do impacto do aquecimento global, de modo que as decisões
tomadas hoje em áreas estratégicas, como energia e infraestrutura,
vão definir seu curso de desenvolvimento no futuro. Líderes do setor
público e privado de todo o mundo estão encontrando formas ino-
vadoras de superar os riscos percebidos pelos investidores e levantar
capital para seus projetos de energia e tecnologias mais limpas.
É também no ambiente das cidades que se encontram as
condições ideais para a articulação de diferentes atores em busca de
soluções para os desafios apresentados pelas mudanças climáticas os
quais invariavelmente implicarão necessidade de transformação dos
modos de produção e consumo, incluindo o uso eficiente de recursos
naturais, das políticas públicas e dos modelos de negócio no futuro.
Recomendamos pesquisas futuras sobre modelos de gestão de parce-
rias entre setor público e privado e como catalisar o investimento em
projetos no âmbito das cidades com objetivo de mitigação e adaptação
às mudanças climáticas.
A construção de resiliência passa por uma a ação coordenada
em várias frentes, como recursos hídricos, gestão de risco aos desastres
naturais, infraestrutura, indústria, zonas costeiras, saúde, entre outros.
Tal mobilização exige novos modelos de governança e alianças entre
o setor público e privado, algo que vem sendo exercitado nas redes
internacionais de cidades reunidas em torno da agenda do clima.

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89
Capítulo 8
A Responsabilidade Social das
empresas no desenvolvimento de
cidades sustentáveis

Zysman Neiman

A multidimensionalidade da sustentabilidade

O debate sobre as relações entre sociedade e meio ambien-


te surgem com força no final da década de 1960, mas ganha maior
destaque com a crise enfrentada pela degradação acentuada dos
recursos naturais nas décadas seguintes. Atualmente, a globalização
dos conceitos da questão ambiental está em pauta praticamente no
mundo todo.
A ideologia ambientalista, desde o seu berço e até os anos
de 1970, foi extremamente biocêntrica, fruto da popularização da
ciência ecologia que vinha consolidando seus princípios ao longo do
século XX. O movimento era inclusive conhecido como “ecológico”.
Passada essa fase embrionária, o tema ganhou cada vez
maior complexidade de abordagens. O ambientalismo se viu obrigado
a enfrentar um redirecionamento das instituições estabelecidas, se-
jam elas nacionais ou supranacionais, no sentido da descentralização
das decisões e popularização do processo de formulação de políticas
públicas, principalmente nos espaços urbanos.
Em paralelo, houve o fortalecimento da legislação, com um
capítulo sobre ambiente na constituição brasileira. Após sua homolo-
gação, em 1988, surgiu um imenso arcabouço jurídico para normatizar
as questões ambientais no âmbito nacional. No entanto, o amadureci-
mento do debate não redundou em uma adequada compreensão do
conceito de sustentabilidade, confundido, via de regra, com “cuidado
com o meio ambiente”. As dimensões social, política, ética e econômica,
em muitos setores da sociedade, ainda não são compreendidas como
indissociáveis da questão ambiental.
Como resultado disso, um dos maiores riscos da não com-
preensão exata do significado do conceito de sustentabilidade é que,
quase invariavelmente, ele está associado a um modelo de economia

90
que defende crescimento econômico ilimitado, supondo que ele não
compromete a manutenção dos recursos naturais.
O que foi sendo constatado ao longo das últimas décadas
é que o desenvolvimento deve ser entendido como um processo de
aperfeiçoamento do bem-estar humano, em que o consumo não
consciente, como fator de satisfação pessoal e social, precisa ceder
lugar ao crescimento cultural, psicológico e espiritual, e a qualidade
de vida e o bem-estar humano sejam valores máximos, bem como a
produção material/energética garanta o conforto que se considere
adequado e compatível com os limites do planeta.
Apesar de o adjetivo “sustentável” não ter sido, ainda, capaz
de aumentar o bem-estar e reduzir a pobreza, como é a proposta des-
se “novo” desenvolvimento, há cada vez mais o consenso de que ele
implica buscar o fim da pobreza, acrescida da preocupação em reduzir
a poluição ambiental e o desperdício no uso dos recursos.
Para a busca pela relação virtuosa entre o ser humano, a
natureza e o uso de seus recursos, renováveis ou não, e as atividades
econômicas, torna-se mais importante a cada dia o aumento do nú-
mero de marcos reguladores ambientais (nacionais e internacionais).
Para isso, são necessárias pressões de diferentes partes interessadas,
no intuito de provocar significativas mudanças reativas ou proativas
nos sistemas produtivos, na comercialização, no consumo de produ-
tos e serviços, nas políticas públicas e na gestão urbana (HRDLICKA;
NEIMAN, 2011).
A globalização trouxe consigo um alto grau de mobilidade
do capital e de informações. Em nome dos lucros e de reduções de
custos, postos de trabalhos foram reduzidos ou transferidos para
regiões em que a mão de obra era mais barata, meio ambiente não
era respeitado (já que as legislações eram mais brandas), horas de
trabalhos e equipamentos de segurança foram excluídos de custos
operacionais. O volume de acidentes com trabalhadores e o surgimen-
to de grandes áreas de contaminação por produtos industrializados
e pelo crescimento urbano expandiu assustadoramente a partir das
décadas 1970 e 1980. Tudo isso junto impõe às empresas uma nova
concepção de atuação social.
A economia clássica ganha, assim, novos desafios: há como
se pensar em uma economia verde? Os setores produtivos e os ges-
tores públicos incorporaram a gestão ambiental como elemento
indispensável de suas ações. Instituições financeiras passaram e exigir
garantias ambientais aos projetos que patrocinam. O setor agrícola
foi convocado a minimizar seus impactos sobre os ecossistemas, sob

91
pena de não ter seus produtos aceitos no mercado internacional. As
cidades tiveram que enfrentar os desafios de se tornarem mais sus-
tentáveis. Mas qual seria o papel das empresas e como adequar sua
relação com o Poder Público em um mundo globalizado no qual a
economia dita as regras?

A interdependência das dimensões social e econômica


da sustentabilidade

A organização não governamental Global Justice Now


, que compara as cifras de negócios das principais empresas com a
renda orçamentária dos países, relata que 69 das 100 principais enti-
dades econômicas do mundo são empresas. As 25 corporações que
mais faturam superam o PIB de numerosos países.
Reunindo dados de 43.060 empresas transnacionais, cru-
zando-os com seu conjunto de acionistas e seu faturamento, analistas
de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique
revelaram que 147 empresas controlavam 40% da riqueza mundial,
quase todas elas instituições financeiras.
Em relatório sobre a concentração de renda no mundo
divulgado durante o Fórum Econômico Mundial de 2018, em Davos
(Suíça), a organização não governamental britânica Oxfam apontou
que empresas gigantescas, com alcance global, têm poder para in-
fluenciar políticos e formuladores de políticas públicas.
Nesse cenário, Barros-Freire e Neiman (2016, p. 12) argu-
mentam que:

“no mundo globalizado, a economia da maioria dos países


depende do crescimento das empresas instaladas em seus
territórios e, portanto, de uma boa saúde financeira do
mercado privado. Com isso, a autonomia para a regulação
da atividade econômica pelo Estado, com o objetivo de
atender prioritariamente aos interesses comuns, fica seria-
mente comprometida, pois esse controle afeta as atividades
do setor empresarial. Essas empresas, por seu lado, inves-
tem grandiosas quantias para financiar projetos públicos
e campanhas eleitorais de políticos em todo o mundo.
Considerando que no mundo empresarial essas doações são
entendidas como ‘investimentos’, pode-se considerar que
haja um comprometimento da independência dos políticos
beneficiados ante o poder econômico de seus financiadores”.

92
Apesar de a sociedade, hoje em dia, ainda necessitar de índices
macroeconômicos, já há outras maneiras de definir o grau de desenvol-
vimento. A renda nacional – o Produto Interno Bruto (PIB) – não são mais
os únicos índices que representam quanto uma nação é desenvolvida; é
preciso levar em consideração os parâmetros qualitativos, que podem
ser traduzidos pelo capital social e ambiental, por exemplo, para que se
obtenha um panorama mais coerente. Nesse sentido, considera-se um
avanço o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), introduzido pela Or-
ganização das Nações Unidas (ONU), pois contempla aspectos societários.
Nesse cenário, a vertente “social” da sustentabilidade, ao
ganhar importância com o emergir deste debate, impõe ao setor pro-
dutivo (dimensão econômica) e aos gestores públicos uma nova forma
de se relacionarem com a cidadania e o trabalho, em que a Responsa-
bilidade Social interna, que nas grandes empresas e órgãos públicos
trata temas relativos aos funcionários, é destaque. Normalmente, ela
era considerada secundária, pois seus resultados não contribuem para
a imagem das organizações, de modo tão eficiente quanto aquele ob-
tido pela Responsabilidade Social, na dimensão externa, como ações
na comunidade do entorno. No entanto, por conta dessa “pressão”
social pela busca da sustentabilidade, é um desafio que vem sendo
enfrentado pelas organizações na busca de adequação às novas exi-
gências do mercado, inserindo a Responsabilidade Social interna nos
atuais sistemas de gestão e a melhora de resultados nas organizações.
A preocupação com aquecimento global, trabalho infantil,
trabalho escravo e recentemente assédio moral vem tomando grandes
proporções nos tempos atuais. Isso impõe às organizações a busca da
sustentabilidade dentro de um ambiente em que suas posturas passem
a influenciar nos seus resultados. A influência exercida na organiza-
ção e nos seus resultados pelos fatores relativos à Responsabilidade
Social na sua dimensão interna ainda é pouco estudado e não se tem
efetivamente indicadores internos para acompanhar tais impactos.

Responsabilidade Social como contrapartida das


empresas à sustentabilidade

No cenário do trabalhador assalariado, as mudanças que


assistimos nos últimos anos geraram a descentralização do trabalho
de sua vida, inviabilizaram lutas de classes e recentemente criaram
novas formas de trabalho, que parecem estar descolados da realidade
a que sociólogos, trabalhadores e cidadãos estavam anteriormente
acostumados.

93
A retomada da consciência e da importância de um indiví-
duo integral nas funções, que cada vez mais exigem, dentro de tais
modelos de gestão, a criatividade e a proatividade, passa a ser foco
das novas estratégias de recursos humanos em muitas empresas e
órgãos públicos. A Responsabilidade Social tem sido foco de melhorias
nas organizações por ter uma interface com o mercado e com vários
grupos externos à organização, o que gera impactos na sua imagem
e que podem ser positivos ou negativos.
De acordo com D’Ambrósio e Melo (1998 apud MELO-NETO,
1999: 78) a Responsabilidade Social de uma empresa consiste na sua
decisão de participar mais diretamente das ações comunitárias na
região em que está presente e mitigar possíveis danos ambientais
decorrente do tipo de atividade que exerce.
Mais amplo que esse conceito, pode-se utilizar o conceito
defendido pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social:

“Responsabilidade Social empresarial é a forma de gestão


que se define pela relação ética e transparente da empresa
com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo
estabelecimento de metas empresariais compatíveis com
o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservan-
do recursos ambientais e culturais para gerações futuras,
respeitando a diversidade e promovendo a redução das
desigualdades sociais.”

Ventura (2003, apud ASHLEY, et al., 2005, p. 68) aponta como


o movimento de Responsabilidade Social se insere como uma resposta
reativa a diversas críticas às organizações por falta de responsabilida-
de e pela necessidade de cunhar, dentro da dimensão econômica da
sustentabilidade, um novo conceito de capitalismo em que não se
faz apenas pelo lucro e pelo poder de mobilização das organizações,
mas que tenta conter o lucro individual socialmente autodestrutivo.
Em face do panorama socioambiental, organizações de diver-
sos setores vêm se engajando em mudanças nas suas relações internas
e externas, não como forma de “[...] desmantelar críticas às empresas, na
medida em que o conteúdo dessas críticas revela ameaças à sociedade de
mercado como um todo” (ASHLEY et al., 2005, p.68), mas como um meca-
nismo de resposta comprometida com as soluções reais a tais ameaças.
Porém, o crescimento da Responsabilidade Social praticado
pelas organizações, de acordo com foco em um público externo, tem
sido logicamente o tema de diversos livros, artigos e ferramentas de

94
gestão, evidenciando-se uma observação feita por Melo Neto e Froes
(2001: 87), na qual “entende-se, portanto, que o melhor caminho a
seguir é o foco nas ações sociais externas, cujos principais benefícios
são a melhoria da imagem e o estímulo à consciência social e à Res-
ponsabilidade Social de seus empregados”.
De acordo com o Livro Verde da Comissão das Comunidades
Europeias (2001), que trata de Responsabilidade Social empresarial,
verifica-se que:

“dado que a Responsabilidade Social é um processo, pelo qual


as empresas gerem as suas relações com uma série de partes
interessadas, que podem influenciar efetivamente o seu livre
funcionamento, a motivação comercial torna-se evidente.
Assim, à semelhança da gestão da qualidade, a Responsa-
bilidade Social de uma empresa deve ser considerada como
um investimento, e não como um encargo. Através dela, é
possível adoptar uma abordagem inclusiva do ponto de vista
financeiro, comercial e social, conducente a uma estratégia a
longo prazo que minimize os riscos decorrentes de incógnitas.
As empresas deverão assumir uma Responsabilidade Social
tanto na Europa como fora dela, aplicando o princípio ao
longo de toda a sua cadeia de produção.”

Percebe-se que o tema da Responsabilidade Social é impor-


tante não só para as empresas que a praticam, mas sim para toda cadeia
de valor de empresas que já adotam critérios de sustentabilidade em
suas operações, impactando positivamente para o desenvolvimento
de cidades sustentáveis.

Responsabilidade Social interna: cuidado com os empre-


gados e competitividade

O fator humano, dimensão interna das organizações e tam-


bém a dimensão interna da Responsabilidade Social, foi ao longo de
muito tempo na história das organizações considerado despesa, mão
de obra. São muitos os modelos que surgiram, como a reengenharia
e downsizing, por exemplo, que dispunham do fator humano como
custo nos processos produtivos.
Karkotli e Aragão (2004) apontam, ainda, que optar por
Responsabilidade Social, na sua dimensão interna, pode significar
perder para aquelas organizações que investiram em Responsabilidade

95
Social externa, com risco de comprometer a visibilidade da marca e
o espaço na mídia.
As décadas de 1980, 1990 e 2000 mostraram que a realidade
dos funcionários, seus anseios, suas possibilidades e seu potencial têm
sido desperdiçados pelas empresas. De acordo com Corrado (1994)
as organizações produzem 80% a 90% dos resultados com apenas
10% a 20% das ações, demonstrando como o fator humano pode ser
determinante para as organizações, mas que estas não lidam com este
de modo eficiente.
No século XXI, em uma mudança de panorama, o trabalha-
dor passou a esperar mais das empresas, em tempos em que ética e
Responsabilidade Social são conceitos cada vez mais valorizados por
clientes e consumidores. Podemos citar reportagem de Neves e Can-
çado (2006: 59), que aponta que “a AMBEV dá resultados fantásticos,
mas o modelo da empresa, baseado na ambição, já não atrai tantos
talentos como antigamente”.
Ao tratar do tema Responsabilidade Social, pode-se perceber
que o fator humano se amplia saindo das fronteiras e do orçamento
de um departamento de RH e de seu escopo, transformando-se em
parte importante para a construção da imagem, da reputação, da
produtividade das organizações.
De acordo com o Livro Verde (COMISSÃO DAS COMUNIDA-
DES EUROPEIAS, 2001, p.3), tratando da dimensão interna da Respon-
sabilidade Social das organizações,

“um dos maiores desafios que atualmente se coloca às empre-


sas reside em atrair trabalhadores qualificados. Neste contexto,
entre as medidas pertinentes poder-se-ão incluir a aprendiza-
gem ao longo da vida, a responsabilização dos trabalhadores,
uma melhor informação dentro da empresa, um melhor equilí-
brio entre vida profissional, familiar e tempos livres, uma maior
diversidade de recursos humanos, a igualdade em termos de
remuneração e de perspectivas de carreira para as mulheres, a
instituição de regimes de participação nos lucros e no capital da
empresa e uma preocupação relativamente à empregabilidade
e à segurança dos postos de trabalho. A gestão adequada da
situação, bem como o acompanhamento ativo, de trabalhado-
res que não se encontram ao serviço devido à incapacidade ou
lesão resultaram também numa redução de despesas.”

96
Vale realçar a importância de uma discussão com foco na
integração de sistemas de gestão, pois, segundo Altvater (1992, apud
VINHA, 2000, p. 12), tudo é ao mesmo tempo ambiental e social.

“Para muitos, a principal questão ambiental, hoje, é social. Para


alguns, como Elmar Altvater (1992), é a única. Segundo ele, o
desafio das grandes corporações que atuam nos países em de-
senvolvimento é o de lidar com os anseios e as expectativas das
comunidades, a pressão do movimento ambientalista e o poder
de barganha dos Estados. Grandes corporações vêm, crescente-
mente, conscientizando-se de que o custo financeiro decorrente
de conflitos com as comunidades pode ser mais alto do que o
custo de ‘fazer a coisa certa’, já que eles mudam a percepção da
opinião pública sobre a corporação, dificultam novos projetos e a
renovação de contratos. Por esta razão,‘administrar riscos’sociais
e prevenir impactos, é preferível, a resolvê-los retroativamente,
dentro de um clima de animosidade, litigação e oposição pública”.

Essa afirmação não difere com relação aos trabalhadores, pois


os impactos das ilegalidades e riscos a que muitas organizações se ex-
põem, ao permitir o risco à saúde do funcionário, horas extras, práticas
disciplinares inadequadas, geram um passivo trabalhista que se soma
aos passivos ambientais, formando o passivo contingente, este levado
em consideração nas auditorias contábeis que podem comprometer
negócios futuros, inviabilizar financiamentos, evitar a participação em
licitações públicas e comprometer seriamente a imagem da organização.
Um sistema de gestão integrado permite, segundo Cerqueira
(2006), às organizações assegurar-se, com certa previsibilidade, da
identificação de modos potenciais de falhas e que estes sejam devi-
damente analisados.
Com esse olhar para gestão é que Melo Neto e Froes (2001)
apontam que, com o surgimento do novo paradigma da Responsabilidade
Social, os empregados e seus dependentes tornaram-se agentes sociais
cujo comportamento tem grande impacto na capacidade competitiva
da empresa, na comunidade e na sociedade. Tornam-se, assim, cidadãos
participantes ativos na construção de cidades mais sustentáveis.

Empresas e cidades sustentáveis

Quando a empresa se dispõe a assumir um compromisso


real com os trabalhadores, vendo-os como seres integrais, dentro da

97
perspectiva holística e gerenciando o capital humano, estes se tornam,
segundo Melo Neto e Froes (op cit.), promotores da Responsabilida-
de Social corporativa e membros transformadores da sociedade. Os
autores ainda apontam diversos momentos em que os trabalhadores
passam a divulgar os valores éticos da empresa e a assumir com-
portamentos sociais responsáveis em seu dia a dia, dentro e fora da
organização, contribuindo para a implantação de comunidades mais
sustentáveis em todas as demais dimensões.
De acordo com Cerqueira (2006), um sistema integrado
de gestão permite ter foco no negócio e não apenas em sistemas,
processos e produtos. Significa, segundo o autor, que os requisitos
do sistema sejam compartilhados, atendendo, mais do que aos seus
clientes, a todas as partes interessadas. Isso impõe desafios às empre-
sas, incluindo aqui a capacidade e responsabilidade de colaboração
com a gestão pública dos espaços urbanos.
Podemos, ainda nos dias de hoje, citar mortes de boias-frias
nos plantios de cana, acidentes graves em siderúrgicas, áreas de mi-
neração, contaminação em diversos segmentos do setor de indústrias
químicas, isso porque muitos custos da segurança são avaliados sem
olhar as consequências das inadequadas condições de trabalho, tan-
to a saúde do trabalhador como ônus da responsabilidade legal da
organização. Empresas que ainda mantêm essa mentalidade tendem
a perder, cada vez mais, competitividade.
Salim et al. (2003: 159) tocam no conservadorismo de um
regime capitalista que, ainda não atento às importantes questões que
refletem a Responsabilidade Social e a busca por sustentabilidade,
descuidam da saúde e da segurança de seus trabalhadores ao declarar:

“Falar em segurança e saúde para os trabalhadores, naqueles


séculos pretéritos e mesmo nos dias atuais, ainda soa – e
com certeza soará bem fundo – como heresia socialista ou
comunista para muitos que operam as engrenagens do
mercado e do capitalismo vociferante, o que resulta, em
contrapartida, como uma última instância de brado ou boia
de salvação num mar de desigualdades, em defesas jurídi-
cas criadas através do estabelecimento de diplomas legais
e políticos para garantir, ao menos no papel, o necessário
para a sobrevivência do trabalhador.”

Apesar da profícua legislação, de acordo com os autores


(p. 161), “excelentes experiências jurisprudenciais e doutrinárias”,

98
ainda existe uma enorme distância entre o disposto na norma pátria
e o cumprimento, pelas organizações, na sua realidade cotidiana,
estabelecendo, desse modo, um enorme fosso de arbitrariedade que
vem sendo legado às novas gerações. Esse comportamento contrasta
fortemente com o conceito estabelecido acerca de sustentabilidade,
ou seja, realizar hoje sem comprometer as gerações futuras.
Uma organização em busca da sustentabilidade deve, por-
tanto, ter seu olhar treinado para a saúde e segurança do trabalhador.
Se essa mesma organização pratica Responsabilidade Social será
inescapável sua responsabilidade sobre seu fator humano e sobre o
cumprimento legal como requisito fundamental.
De acordo com Cerqueira (2006), ao optar por um sistema de
gestão e sua implementação, uma organização assegura uma imagem
responsável para com os seus colaboradores e para com as demais
partes interessadas. Os impactos da gestão em segurança e saúde do
trabalhador possibilitam, ainda, redução de custo e uma melhor perfor-
mance da gestão como um todo, já que evitam afastamentos, previne
acidentes que possam impactar na produtividade da organização e na
motivação das equipes envolvidas. O autor ainda aponta um aspecto
muito importante: uma abordagem sistêmica com empenho, que deve
ser o mesmo dado aos outros aspectos da gestão de uma organização.
Soma-se ainda a essa visão sistêmica da saúde e segurança do
trabalho, a Responsabilidade Social que, de acordo com Salim et al. (2003,
p. 171), vem consolidando a responsabilidade legal nas empresas,“com to-
das as suas exigências de respeito à vida e à integridade física das pessoas”,
aumentando o número de empresas que se preocupam com o resgate da
cidadania e do ser humano dentro de seus muros. Esse argumento reitera
quanto a Responsabilidade Social possibilita o comprometimento dos
sistemas de gestão, com o fator humano das organizações.
Em um mundo ditado pelo poder econômico, não há como
imaginar a gestão de cidades sustentáveis sem a ampla participação
das empresas e sem o fortalecimento e o aperfeiçoamento do processo
político, da democracia e das instituições republicanas, reconhecendo
a centralidade da política como instrumento de transformação social
(BARROS-FREIRE; NEIMAN, 2016), necessário para o controle social
pelos cidadãos sobre os destinos da sociedade como um todo.

Referências

ASHLEY, P. A. et al. Ética e Responsabilidade Social nos Negócios. 2.


ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

99
BARROS-FREIRE, J. M.; NEIMAN, Z. Quem manda nas políticas públicas
no Brasil? Jornal Entrementes, São Paulo, v. 13, p. 12-12, 29 abr.
2016.
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18001, AS 8000, NBR 16001 - Conceitos e Aplicações. 1. ed. Rio de
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um quadro europeu para a Responsabilidade Social das empresas.
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411, p. 58-60, abril 2006.
SALIM, C. A. et al. Saúde e Segurança no Trabalho: Novos Olhares e
Saberes. 1. ed. Belo Horizonte: Fundacentro/Universidade Federal
de São João Del Rei, 2003.
VINHA, V. G. da. A convenção do desenvolvimento sustentável e
as empresas eco-comprometidas. Tese de Doutorado. CPDA/
UFRRJ, 2000.

100
Capítulo 9
Cidades inteligentes e a sua dimensão
tecnológica

Rafaela Macedo Silva


Heidy Rodriguez Ramos

A população urbana cresce continuamente em todo o mundo.


Em 1960, 30% da população mundial já residia em áreas urbanas. Em
2017, esse mesmo percentual alcançou 53%. No Brasil, essa proporção
é ainda maior, visto que o País sofreu um processo de urbanização
acelerado e o percentual da população urbana em relação à popu-
lação total saltou de 46% em 1960 para 86% em 2017 (THE WORLD
BANK, 2019).
A aglomeração urbana em rápida expansão tende a centra-
lizar as funções econômicas e administrativas nos municípios, que é
o ente federado mais próximo da população e que, por sua vez, tem
o desafio de enfrentar o aumento dos problemas nas cidades, como
congestionamentos, poluição e desigualdades sociais (KIM; HAN,
2012). No contexto nacional, esses problemas estão primeiramente
relacionados à moradia, saneamento, meio ambiente, mobilidade e
segurança pública, considerada em colapso em muitas cidades brasi-
leiras (MARICATO, 2006; MARICATO, 2015).
A concentração urbana, ao mesmo tempo que amplia as
dificuldades para se fornecer infraestrutura e serviços básicos à po-
pulação (NAM; PARDO, 2011; KIM; HAN, 2012), possibilita a massiva
interconexão de pessoas, negócios, redes de comunicação, novas
formas de transportes e serviços. Essa proximidade física permite a
captação de dados, sob os conceitos de Big Data, mineração de dados
e governança digital (NEIROTTI et al., 2014).
Com isso, os problemas decorrentes da aglomeração urbana
têm sido resolvidos ou mitigados por meio da criatividade, do capital
humano e da tecnologia, que leva o rótulo de “soluções inteligentes”
para construção de “cidades inteligentes” (CARAGLIU; DEL BO; NIJKAMP,
2011).
O conceito de cidades inteligentes ainda que tenha se po-
pularizado é um termo complexo que possui diferentes definições e

101
um caráter interdisciplinar (NAM; PARDO, 2011; ANGELIDOU, 2014). A
Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas (RBCIH) (2017), por
exemplo, apresenta três fatores-chaves para uma cidade inteligente:
fatores humanos, fatores institucionais e fatores tecnológicos, e tam-
bém consolida quatro indicadores que permitem classificar as cidades
inteligentes brasileiras. São eles: governança, arquitetura e urbanismo,
tecnologia e segurança.
De acordo com Angelidou (2014), cidades inteligentes são
aquelas que utilizam de forma consciente e planejada a tecnologia para
aplacar os problemas urbanos. O termo smart remete à tecnologia e,
em particular, à importância das TICs que impactam diretamente os
demais fatores, como a governança com plataformas de e-government,
a educação do cidadão com novas formas de comunicação e apren-
dizado online, o meio ambiente e a economia com novos processos
produtivos.
As TICs seriam o sistema nervoso central de uma cidade in-
terconectada, que permite a obtenção de dados de diferentes fontes
(sensores), para atingir o conceito sense and act, ou seja, alarmar e
agir. As informações coletadas pelos dispositivos podem ser correla-
cionadas, analisadas e então utilizadas para criação de processos de
planejamento e controle, que melhoram a produtividade e assertivi-
dade na tomada de decisão por parte dos gestores públicos (NEIROTTI
et al., 2014).
Na tentativa de avançar na construção de cidades que pro-
piciem melhor qualidade de vida e que também possam ser mais
produtivas e atrativas, os gestores públicos buscam formas de tornar
as cidades mais inteligentes ou smart (CHOURABI et al., 2012). Nessa
busca, esses gestores defrontam-se com soluções “empacotadas” ou
predeterminadas por empresas globais de tecnologia (PAROUTIS;
BENNETT; HERACLEOUS, 2013; KITCHIN, 2014).
Tendo em vista a importância da dimensão tecnológica para a
construção de uma cidade inteligente, o estudo apresenta uma visão
sistematizada sobre o tema, a partir da análise de artigos nos quais se
identificaram as principais linhas de pesquisa e os elementos estru-
turantes de uma cidade inteligente do ponto de vista da tecnologia.

Cidades Inteligentes: um olhar sobre a literatura

O termo “Cidades Inteligentes” é interdisciplinar e envolve


diferentes grupos de interesses: desde grandes empresas de tecnolo-
gia, motivadas para vender suas soluções empacotadas, os múltiplos

102
órgãos e esferas de poder do setor público, influenciados por interes-
ses ideológicos e o cidadão, que em alguns casos pode ser excluído
visto que a tecnologia não está democratizada ou acessível a todos
(ANGELIDOU, 2014; MONAHAN, 2017; KUMMITHA; CRUTZEN, 2017).
Segundo Bartoli et al. (2013), o que torna uma cidade inte-
ligente no âmbito da tecnologia é o uso combinado de sistemas de
software, infraestruturas de rede de comunicação e dispositivos de
sensoriamento.
Os artigos publicados por Vlacheas et al. (2013) e também
Gharaibeh et al. (2017) colocam o cidadão no centro da estrutura de
uma cidade inteligente e apresentam exemplos de serviços ao cida-
dão que pode se beneficiar por meio do uso da tecnologia, como: os
serviços na área da saúde, educação, iluminação, segurança pública,
eficiência energética e outros, com a mesma essência de captar dados,
atuar de forma rápida ou em tempo real e utilizar esses dados para
análises preditivas e corretivas antecipando-se as necessidades.
Ainda que existam diversos formas de smarterização, por
exemplo: smart energy, smart mobility, smart education, smart safety e
outros (NAM; PARDO, 2011), na figura 1, é possível observar os aspectos
comuns da arquitetura de uma cidade inteligente, composta de quatro
camadas: tecnologias de informação e comunicação, sensoriamento,
processamento de dados e disseminação dos dados.

Figura 1: Aspectos da arquitetura de uma cidade inteligente


Fonte: Adaptado de Gharaibeh et al. (2017) e Aerts et al. (2004).

103
As camadas apresentadas na Figura 1 podem ser inter-
pretadas como os componentes tecnológicos comuns de uma
cidade inteligente. Esses componentes devem ser considerados
partindo da base para o topo. Por exemplo, as tecnologias de
informação e comunicação seriam a primeira camada, conside-
rando que tanto o sensoriamento (captação de dados) como o
processamento dos dados dependem da qualidade da infraestru-
tura disponível. Consequentemente, a disseminação dos dados,
nas mais diversas formas de relatórios, somente é possível após
o processamento dos dados brutos. O funcionamento adequado
dessas quatro camadas é sempre ameaçado por questões de
privacidade e de proteção dos dados, por exemplo, os ataques
cibernéticos que podem colocar em risco a privacidade dos dados
ou o funcionamento dos dispositivos.

Histórico de publicações e linhas de pesquisa

A Figura 2 apresenta o histórico de publicações sobre Smart


City Tecnology. A primeira coluna refere-se ao total de artigos encon-
trados na base de dados Web of Science (WOS), e a segunda coluna, aos
100 artigos mais citados e selecionados para a análise bibliométrica.
Foi escolhido o termo de busca Smart Cit*, refinado pela palavra tech-
nology* e aplicado o filtro por “artigos”, ou seja, não foram incluídos
livros, conferências ou congressos.
O tema teve sua primeira publicação em 1998, e por 12 anos
manteve uma quantidade baixa ou irrelevante de publicações. Apenas
em 2010 inicia uma tendência acelerada de crescimento com ápice no
ano de 2014 com 56 artigos, dos quais 22 estão entre os mais citados,
somando 1.370 citações.
O termo Smart City Technology é um tema recente e apresen-
tou curva de crescimento acentuada a partir de 2010, período que
coincide com o período de recessão iniciado em 2008, impulsionado
pela Europa e Estados Unidos.

104
Figura 2: Histórico de Publicações sobre Smart City Tecnology
Fonte: Web of Sicence. Silva, Ramos e Vils (2018)

Esse resultado pode ser explicado pelos investimentos de


grandes empresas globais de tecnologia, como: Siemens, GE, Accen-
ture, Microsoft, Cisco, Google, HP e IBM, que, ao se depararem com
a crise nos mercados tradicionais, criaram aplicações tecnológicas e
programas para fomentar o mercado smart em cidades (PAROUTIS;
BENNETT; HERACLEOUS, 2013). Um exemplo é o título de um docu-
mento encontrado no site IBM Smart Planet, em que se destaca que:
“no outono de 2008, no meio de uma crise econômica global, a IBM
iniciou uma conversa com o mundo sobre a promessa de um planeta
mais inteligente e uma nova agenda estratégica para o progresso e o
crescimento” (IBM, 2018).
Para o levantamento das principais linhas de pesquisa rela-
cionadas à estruturação de uma “cidade inteligente” do ponto de vista
da tecnologia, foi realizado um estudo bibliométrico considerando os
100 artigos com maior número de citações, detalhado no artigo de
Silva, Ramos e Vils (2018).
Segundo Vogel e Güttel (2012), o uso de técnicas bibliométri-
cas inerentes à análise de cocitação é vantajoso para mapear a herança
intelectual de uma área de estudo.
Todos os artigos foram encontrados nas bases científicas, o
que permitiu a leitura dos resumos e das palavras-chaves de cada um
dos 100 artigos selecionados. Após essa análise, foram identificados
sete clusters que representam as principais linhas de pesquisa sobre
o tema Smart City Tecnology, conforme segue:

105
Cluster 1: Conceituação do tema cidades inteligentes

As publicações analisadas neste cluster se agruparam em


torno da linha de raciocínio que conceitua o que seriam as “cidades
inteligentes”, com os vieses de que o tema tem características multi-
disciplinar, incluso, desmetodizado e não sistêmico.
A pesquisa em cidades inteligentes está em fase inicial no que
diz respeito ao seu desenvolvimento e compreensão empírica, visto que
são aplicadas normas convencionadas, one size-fits all, além da ausência
de casos com evidências reais que confrontem a literatura (KITCHIN, 2014).
“Cidades inteligentes” são um legado ideológico de “compu-
tação onipresente” comercializado por grandes empresas que consi-
deram o crescimento e a competitividade das cidades, mas desconsi-
deram os impactos mais amplos (VIITANEN; KINGSTON, 2014), como
o caso da Filadélfia, apresentado por Wiig (2015), que concluiu que o
modelo de “Cidade Inteligente” adotado pela IBM para governança
digital se chocou com problemas socioeconômicos e sociotécnicos,
posto que a atuação da IBM não foi acompanhada por ações de base
nas áreas da educação e governança e, como consequência, os resul-
tados não refletiram as intenções.
Alguns autores inseridos no cluster iniciaram seus artigos com
a conceituação e a crítica à definição de cidade inteligente (HOLLANDS,
2008; KITCHIN, 2013; KLAUSER; PAASCHE; SÖDERSTRÖM, 2014), mas
no decorrer do artigo também apresentaram sugestões ou estudos
de casos de como tornar mais real a “Cidade Inteligente”. Por exemplo:
aplicações smart grid para medir produção versus consumo de energia
elétrica, estudo de caso de duas cidades na Suécia (KLAUSER; PAASCHE;
SÖDERSTRÖM, 2014); monitoramento por câmeras, biometrias, GPS,
reconhecimento de placas de veículos, analíticos de sistema de tráfego
e outras variedades de sensores, estudo de caso do Rio de Janeiros e
de Londres (KITCHIN, 2013); e o uso da tecnologia de forma inclusiva
por meio do modelo de “Cidade Inteligente Progressiva”, de modo
que as decisões estejam centradas no indivíduo prioritariamente e,
em segundo lugar, nas aplicações tecnológicas (HOLLANDS, 2008).

Cluster 2: Informação, conhecimento e inovação em cida-


des inteligentes

Os autores do cluster 2 se associam em torno da questão


informacional de conhecimento e inovação para construção de uma
“Cidade Inteligente”. Nesse agrupamento, é possível notar ainda dois

106
subgrupos com diferentes perspectivas de estudo sobre o mesmo
tema: 1) Dvir e Pasher (2004), Yigitcanlar, O’Connor e Westerman
(2008) e Edvinsson (2006), que têm em comum o enfoque no tema
Knowledge City (KC) ou cidade do conhecimento, ideia que considera
o capital humano e a troca de conhecimento como os motores para
a inovação urbana; e 2) Yovanof e Hazapis (2009) e Komninos (2009),
que discutem com maior ênfase o papel das Tecnologias de Informa-
ção e Comunicação (TIC), ou seja, fator informacional-digital como
instrumento para a inovação.
As TICs criam um ambiente propício para a inovação e modi-
ficam a forma como as cidades se organizam (KOMNINOS, 2009), no
entanto, as estratégias para a inovação digital podem ser melhores de-
senvolvidas e sustentadas por meio da interação entre a universidade,
a indústria e o governo (conceito de Hélice Tríplice), de forma a reduzir
as limitações técnicas e as tendências ideológicas, complementam
Lombardi et al. (2012).

Cluster 3: Inteligência baseada em software

Os artigos trazem conceitos como Big Data, mineração de


dados e georreferenciamento, que permitem a codificação e a mo-
delação do espaço urbano, já que as ações cotidianas poderiam ser
traduzidas e reproduzidas recorrendo à codificação digital. Os autores
Thrift e Frencht (2002) detalham esse processo no artigo A automática
reprodução do espaço.
Graham e M. Phil (2005) e Amoore (2007) exemplificam a inteli-
gência por meio do uso de software com aplicações de vídeo monitora-
mento que permitem, entre outras coisas, o reconhecimento de rostos, a
contagem de pessoas, identificação de placa de veículos e o cruzamento
dessas informações com outros bancos de dados. E, ainda que lancem
mão de tecnologias similares, os dois autores atribuem funções muito di-
ferentes: Graham e M. Phil (2005) compreenderam como uma ferramenta
para entender as desigualdades dentro de uma cidade, já Amoore (2007)
percebeu como uma inteligência a serviço da resolução de situações,
desde casos simples como batidas de carro até o combate ao terrorismo.
As aplicações de inteligência em software, associadas aos
diversos sensores, como câmeras, celular e outros, criam um ambiente
panóptico, ou seja, que permite uma observação “onipresente” das vi-
das de forma individual e coletiva (BOYNE, 2000). Toda essa observação
também traz questões associadas à conscientização ou preocupação
com o fluxo das informações pessoais (LESZCZYNSKI, 2015).

107
Cluster 4: Cidade digital

O cluster 4 tem forte relação com o cluster 2. A similaridade


dos dois clusters pode ser entendida pelo caráter da inovação digital,
com a diferença de que os artigos contidos no cluster 4 têm foco na
dimensão digital da cidade e não destacam conceitos de inovação.
Considerando que a força de trabalho qualificada escolhe
onde quer viver, Dirks, Gurdgiev e Keeling (2010) explicam de que
modo os serviços digitais em diversas áreas, como transporte, segu-
rança, saúde e educação, podem solucionar ou mitigar problemas
urbanos, como congestionamento, prevenção de crimes, restrições à
saúde, etc., e como essa melhora pode atrair ou reter talentos, tornando
a cidade mais produtiva e competitiva.
Para a construção de uma “cidade inteligente” Chourabi et
al. (2012) propõem um Framework com oito elementos (pessoas e
comunidades, economia, infraestrutura, meio ambiente, governança,
organização, políticas e tecnologia), e concluem que a tecnologia
pode ser considerada como o fator principal, uma vez que influencia
fortemente todos os outros fatores.
Os serviços digitais podem ser inúmeros conforme descrevem
Lee et al. (2008). Esses autores apresentam experiências na República
da Coreia sob o conceito Ubiquitious-City – U-City, cidades interconec-
tadas e monitoradas a partir de um único centro de monitoramento e
administração de base de dados. Descrevem como as TICs modificam
e influenciam os negócios (U-business), os serviços aos cidadãos (U-life)
e a governança (U-goverment).

Cluster 5: Estudos empíricos aplicados a cidades


inteligentes

Os autores deste cluster apresentam contribuições por meio


de casos ou sugestões de metodologias para a materialização do tema.
Neirotti et al. (2014) enfatizaram a falta de estudos empíricos, e na sua
publicação buscaram preencher essa lacuna por meio do cruzamento
da teoria com análises de casos reais. Basearam-se em uma amostra
de 70 cidades e investigaram as principais práticas em relação à área
de aplicação (denominada por eles como domínio) e aos fatores de
influência. Finalmente, apresentaram um guia de quais variáveis in-
fluenciaram na realização de uma “cidade inteligente”.
A demanda por governos locais na busca de soluções inteli-
gentes para as cidades requer novas práticas, não somente sob a pers-

108
pectiva de serviços e tecnologia, mas também sob a forma de como
são entregues (BÉLISSENT et al., 2010). Nesse sentido, Lee, Phaal e Lee
(2013) desenvolveram uma metodologia de mapeamento integrado,
que interconecta serviços, dispositivos e tecnologias, e posteriormente
ilustram a aplicação da metodologia por meio de um estudo de caso
de uma “cidade inteligente” na Coreia do Sul.
Angelidou (2014), similar à metodologia adotada por Neirotti
et al. (2014), mas sob um outro enfoque, baseou-se na literatura para
criar categorias de estratégias para construção de cidades inteligentes
quanto ao seu enfoque espacial e, em seguida, aplicou essas categorias
caracterizando as estratégias adotadas nas cidades de Malta, Nova
Iorque, Amsterdã, Songdo, Rio de Janeiro, Barcelona e Thessaloniki.

Cluster 6: Internet das Coisas (IoT)

Os autores trazem modelos de aplicação, componentes, dia-


gramas de funcionamento, definições de protocolos de comunicação
e outras contribuições.
IoT pode ser entendida como “coisas” ou dispositivos que se
conectam à internet e que podem aceitar entradas e serem controlados
de forma remota, como também podem captar e relatar informações.
Essas informações são armazenadas em um banco de dados que se
torna acessível de qualquer lugar da internet (VASSEUR, 2010). IoT seria
então como um “cérebro” que pode armazenar dados do mundo real;
já os sensores, usando a mesma analogia, seriam os “olhos e ouvidos”
que conectam o mundo real ao mundo digital.
Existem diferentes formas de aplicações de Iot. Gubbi et al.
(2013) classificaram essas aplicações em: pessoal e residencial, empre-
sarial, serviços de utilidade pública e mobilidade. Para as cidades, as
duas mais relevantes são: serviços de utilidade pública e mobilidade,
que incluem, por exemplo: controle de tráfego, estacionamento,
controle logístico, monitoramento para segurança pública (câmeras,
microfones) e monitoramento do meio ambiente (qualidade do ar e
da água).

Cluster 7: Sustentabilidade e meio ambiente

Os autores Pow e Neo (2013) e Joss, Cowley e Tomozeiu (2013)


abarcam o conceito de “Eco-Cidade”, que remete a cidades que têm um
planejamento e agenda voltados para a sustentabilidade ambiental,
de forma que a cidade esteja em equilíbrio com a natureza.

109
Pow e Neo (2013) discutem a modernização ecológica, mas
não a relacionam à cidade inteligente. O conceito de modernização
está relacionado a tecnologias verdes para a redução do consumo
de energia, produtividade agrícola, acessibilidade, neutralização de
gases de efeito estufa e outros, e apresentam o estudo de caso de
uma cidade da China evidenciando os empecilhos que distanciam o
plano da realidade.
Atualmente, a “Eco-Cidade” está inserida no conceito de “Ci-
dade Inteligente”, já que as tecnologias colaboram para se alcançar
melhores níveis de sustentabilidade. As principais iniciativas nesse
sentido estão concentradas na maximização das matrizes de ener-
gias renováveis, na redução e neutralização das emissões de gases
de efeito estufa e em outras tecnologias verdes que são monitoradas
digitalmente (JOSS; COWLEY; TOMOZEIU, 2013).

Elementos estruturantes de uma cidade inteligente

O tema Smart City Technology, ou tecnologia para cidades


inteligentes, é recente, amplo e cada vez mais explorado (ANGELIDOU,
2014), isso é evidenciado pelo cluster 1, “conceituação do tema cidades
inteligentes”, que concentra as citações mais atuais comparado a todos
os outros clusters (predominantemente entre os anos de 2013 e 2015).
As publicações que conceituam o tema incluem muitas
questões e evidenciam que atualmente carece de estudos empíricos.
Kitchin (2014) sintetiza algumas dessas questões, que também podem
ser identificadas nas publicações de outros autores da mesma linha
de pensamento. São elas: qual é o nível de aplicação no contexto
local ou regional? De que modo a tecnologia se cruza com questões
econômicas e de governança? Como as iniciativas ganham apoio
financeiro e político? Quais são os conflitos iminentes ao se liderar
projetos que dependem de uma infinidade de partes interessadas?
Como as tecnologias impactam diferentes setores, populações e níveis
de renda? E quais seriam seus custos versus benefícios e como esses
seriam mensurados e comunicados?
As questões apresentadas por Kitchin (2014) continuam a ser
tratadas e complementadas em publicações mais recentes como a
de Monaham (2017), que explica que as tecnologias para as cidades
inteligentes podem parecer inovadoras, mas em certos contextos são
na verdade conservadoras, e baseiam-se em uma linha unificadora
difundida pela IBM, que promete “racionalizar as funções de uma
cidade”, ou seja, seriam soluções “empacotadas” que desconsideram

110
a complexidade do seu ambiente de aplicação. Monaham (2017)
concluiu seu estudo com a seguinte indagação: os sistemas de infor-
mação suportarão a espontaneidade e as mudanças inesperadas de
uma sociedade real?
Os diversos argumentos a favor e contra as “Cidades Inteligen-
tes” têm como pano de fundo a natureza complexa de sua aplicação,
especialmente no que diz respeito à conciliação entre os diferentes
interesses para se alcançar o genuíno objetivo de uma cidade inte-
ligente, que reside na melhora dos métodos de governança para se
alcançar a eficiência e com isso brindar à população uma melhora na
qualidade e acesso inclusivo aos serviços e espaços públicos (KUM-
MITHA; CRUTZEN, 2017).
As linhas de pensamento “Informação, conhecimento e ino-
vação em cidades inteligentes”, “Inteligência baseada em software”,
“Cidade Digital” e “Internet das Coisas (IoT)” são convergentes, visto que
a inovação capacita as instituições e cidadãos, a criarem, adaptarem e
utilizarem tecnologias IoT, para captação de dados ou informações, que
posteriormente serão correlacionadas por softwares, e o tratamento
dessas informações gera o conhecimento que possibilita a construção
de uma Cidade Digital que, segundo Dirks, Gurdgiev e Keeling (2010),
é caracterizada por serviços digitais em diversas áreas como: educação,
mobilidade, saúde e segurança pública.
Os serviços digitais mencionados por Dirks, Gurdgiev e Keeling
(2010) e também por Lee et al., (2008) são viabilizados pela estrutura
disponível de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), senso-
riamento para aquisição de dados, processamento dos dados e final-
mente o tratamento e a disseminação dos dados na forma de alarmes
em tempo real ou relatórios, que interpretam e apresentam de forma
compreensível, geralmente gráfica, os padrões de comportamentos
para análises e tomada de decisões (GHARAIBEH et al., 2017; AERTS
et al., 2004).
A Figura 3 apresenta os conceitos encontrados nos artigos ava-
liados e contribui para uma visão ampla e sistematizada dos elementos
estruturantes de uma cidade inteligente. Esses conceitos não ficam
restritos apenas aos componentes e às aplicações tecnológicas, mas
também apresentam outros elementos que permeiam essa discussão.

111
Figura 3: Elementos estruturantes de uma cidade inteligente
Fonte: Silva, Ramos e Vils (2018)

A figura 3 pode ser interpretada como camadas que devem es-


tar presentes na discussão sobre cidades inteligentes. As três primeiras
camadas (a partir da base) constituem os alicerces que precedem as
aplicações tecnológicas: (1) as reflexões ou questionamentos políticos
e institucionais que identificam o nível de maturidade da cidade para
lidar com as tecnologias e os novos modelos de gestão; (2) a neces-
sidade de capital humano para gerar o conhecimento que promove
a inovação; e (3) as motivações de uma cidade inteligente, que estão
comumente pautadas na sustentabilidade ambiental, na qualidade de
vida e no crescimento econômico. Nessa sequência, as três camadas
posteriores (do topo) somente deveriam ser implementadas após
tomadas decisões relativas à camada-base.

Considerações Finais

O tema smart city technology é recente, com curva de cres-


cimento a partir do ano de 2010. Esse crescimento é explicado pelo
interesse das grandes empresas de tecnologia no mercado das cidades,
denominadas então como “cidades inteligentes”. O termo “inteligente”
está intrinsecamente relacionado ao fator tecnológico, que utiliza as
possibilidades oriundas das TIC para automatizar as funções de uma
cidade.
Uma cidade inteligente do ponto de vista da tecnologia é
um tema multidisciplinar que inclui diferentes tipos de estratégias e
abordagens. Os clusters ou linhas de pesquisas, mapeadas por meio da

112
análise bibliométrica, identificaram sete abordagens que enriquecem
a discussão do tema cidades inteligentes.
Os clusters poderiam ser divididos em fatores estritamente
tecnológicos e fatores complementares. Os tecnológicos são aqueles
relativos aos hardwares, principalmente os dispositivos IoT, e aos sof-
twares ou camadas de inteligência. Os fatores complementares são
aqueles que suscitam uma discussão sobre as formas de aplicação, o
entendimento das prioridades, os atores e a colaboração dos stakehol-
ders, as formas de inovação, as lições aprendidas, entre outros.
Cidade Inteligente pode ser uma titulação dada por órgãos
de pesquisas independentes que apresentam indicadores para essa
classificação, ou até mesmo as cidades se autointitulam “inteligentes”.
Essa busca pelo status de “cidades inteligente”, como uma forma de
promoção e marketing, faz com que os gestores públicos se afastem
das necessidades reais e desconsiderem a vocação da cidade.
Os elementos estruturantes encontrados na literatura e or-
ganizados na figura 3 sugerem que uma cidade inteligente deve ser
idealizada da “base para o topo”, isso significa que, antes de se discutir
os serviços digitais, sejam discutidas as bases sobre as quais eles serão
aplicados. Isso seria a substituição de uma visão tecnocêntrica, por uma
visão centrada na vocação e nas necessidades da cidade.
Portanto, sugere-se que as cidades sejam pensadas no âmbito
municipal ou de regiões metropolitanas, mapeando-se as vocações, o
motivo de existir das cidades, os entraves políticos e institucionais, o
nível de maturidade da população, dos servidores e demais stakehol-
ders, de forma que as soluções tecnológicas sejam aplicadas com a
consciência de como serão adquiridas, instaladas, operadas, mantidas
e mensuradas. Visto que os sistemas tecnológicos são vivos e depen-
dem de atualização e ajustes constantes, assim como devem existir
formas de medir a efetividade dos serviços digitais, como a redução
de despesas e a maior satisfação da população.

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116
Capítulo 10
Cidades Inteligentes pelo clima:
inovação e sustentabilidade a serviço
da cidadania

Rodrigo Perpétuo
Daniela Ades

As iniciativas com soluções tecnológicas para desafios cotidia-


nos das cidades, associadas à ideia de “inteligência”, vêm aumentando
no mundo todo. As crescentes pressões da intensificação da urbani-
zação e o aumento da demanda por energia, água, moradia, serviços
e transporte elevam o grau de complexidade de tais desafios, o que
exige de governos locais e nacionais soluções cada vez mais eficientes.
Para responder a essas pressões e aos impactos negativos que
o modo de desenvolvimento e consumo globais impõe à sociedade
contemporânea, novos marcos globais de sustentabilidade foram
adotados nos últimos anos, desde a Agenda 2030 e seus respectivos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), passando pelo
Acordo de Paris sobre o clima e chegando à Nova Agenda Urbana.
Esses acordos internacionais visam oferecer metas, diretrizes e modelos
de ações para garantir um planeta habitável e uma sociedade mais
igualitária e sustentável.
No ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade –, estamos
comprometidos com a construção de um futuro sustentável por meio
da nossa rede global de mais de 1.500 cidades e regiões. Através de
nossos esforços coletivos, impactamos mais de 25% da população
urbana global. Os governos locais e regionais que pertencem a nossa
Rede trabalham em conjunto com uma equipe diversificada de espe-
cialistas globais em 22 escritórios ativos em 124 países.
Para enfrentar os desafios de desenvolvimento da atual era
urbana, durante seu último Congresso Mundial em Montreal, o ICLEI
anunciou sua nova visão estratégica, que apresenta cinco caminhos
para o desenvolvimento sustentável. Essas vias interconectadas in-
cluem:
• Desenvolvimento de baixa emissão;
• Desenvolvimento baseado na natureza;
• Desenvolvimento circular;

117
• Desenvolvimento resiliente;
• Desenvolvimento equitativo e centrado nas pessoas.

Na América do Sul, o ICLEI conecta seus mais de 60 governos


associados em oito países a esse movimento global. Ao longo desses
anos, destacamo-nos no desenvolvimento e execução de projetos nas
temáticas de: Clima e Desenvolvimento de Baixo Carbono, Resiliên-
cia, Resíduos Sólidos, Compras Públicas Sustentáveis, Biodiversidade
Urbana, entre outros.
A partir de agora, para atingir tais metas e objetivos, bem
como para a superação de desafios, serão necessárias novas aborda-
gens e tecnologias. Além disso, a transversalidade de ações dos novos
marcos globais pode representar oportunidades para a indústria de
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), sobretudo em negó-
cios, empregos, inovação e integração de serviços. Mas de que maneira
é possível aliar estratégias de desenvolvimento urbano baseadas em
TICs às ações requeridas para a implementação em larga escala no
plano local dos grandes acordos globais?
Instigados pela possibilidade de convergência entre os dois
movimentos ‒ o que preconiza a visão de desenvolvimento urbano
com uso da tecnologia e o que estimula o desenvolvimento sustentável
resiliente, inclusivo e de baixo carbono ‒ o ICLEI vem trabalhando em
uma perspectiva crítica e integradora que propõe o alinhamento e a
sinergia entre as estratégias locais de inovação e as de sustentabilidade.
O objetivo é oferecer um panorama atual da discussão
sobre como as cidades podem aliar suas estratégias de desen-
volvimento baseado na tecnologia e inovação de forma que
colaborem com os objetivos de “descarbonização” da economia,
mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O conceito ori-
ginal de “cidades inteligentes pelo clima” (climate smart cities) foi
apresentado no Relatório Analítico Cidades Inteligentes pelo Clima
, buscando mostrar também como o estabelecimento dos marcos
globais tem influenciado a agenda de sustentabilidade na transição
para uma gestão urbana mais sustentável e inteligente.
Este artigo foi baseado no relatório publicado em parceria
com a Embaixada Britânica em 2017 e busca reforçar os princípios e
conceitos que norteiam o posicionamento e as recomendações do
ICLEI América do Sul em relação ao tema.
A hipótese que norteou o conceito do Relatório Analítico
Cidades Inteligentes pelo Clima partiu de experiências observadas
em diferentes governos locais. Por um lado, nota-se que há iniciativas

118
sendo postas em prática de maneira pouco integrada e dissociadas
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por outro lado,
apresenta-se uma visão na qual projetos de “cidades inteligentes”
associam soluções tecnológicas à superação dos principais desafios
da humanidade, como o aquecimento global e a intensificação da
urbanização.
Além disso, o relatório investigou também de que maneira o
desenvolvimento tecnológico e a inovação aplicada à gestão urbana
podem levar à “descarbonização” das cidades, ou seja, fazer com que
elas criem maneiras mais eficientes de gestão de recursos e se adaptem
aos novos padrões climáticos, tornando-se, portanto, “cidades inteli-
gentes pelo clima”. Propõe-se, sobretudo, que a ideia de inteligência
não esteja exclusivamente atrelada à aplicação de soluções tecnoló-
gicas, mas que apresente uma visão integrada e sistêmica, levando
em consideração a escala humana e o imperativo ético de agir pelo
cumprimento das metas globais de sustentabilidade.

Cidades Inteligentes pelo Clima

Os avanços observados na área de Tecnologias da Informação


e Comunicação (TICs) proporcionaram, nas últimas duas décadas,
uma verdadeira revolução na geração de dados, gestão de processos
e inovações na integração de infraestruturas e sistemas digitais. Essas
mudanças radicais impactaram diversos setores da economia e as
relações sociais e profissionais de cada indivíduo, transformando-os
em fontes de dados em tempo real e oferecendo novos modelos de
negócio, novas formas de interação que sugerem uma nova forma de
sociedade, na qual a tecnologia será basal. Empresas de softwares, con-
sultorias de sistemas de informação e comunicação, startups, dentre
outras novas formas de organizações, tentam desenvolver produtos e
serviços capazes de atender às demandas individuais e coletivas que
surgem paulatinamente em meio às transformações do mundo digital
e do dia a dia das pessoas.
Paralelamente ao fenômeno de intensificação do uso da
tecnologia, o processo de urbanização acelerou e se intensificou,
tornando-se uma das tendências mais transformadoras do século 21
. Hoje, cerca de metade da população mundial já vive em zonas urbanas.
Até 2050, a quantidade estimada de pessoas que viverá nas cidades pas-
sará dos atuais 3,9 bilhões para mais de 6,3 bilhões de habitantes, de acor-
do com o estudo da Desa/ONU Perspectivas para urbanização mundial
.

119
Os desafios contemporâneos das cidades tornam-se cada vez
mais complexos. Por um lado, questões históricas – ligadas ao setor de
mobilidade e transportes, oferta de moradia adequada e acesso a terras,
degradação ambiental, pobreza, aprofundamento das desigualdades
e segregação ‒ estão relacionadas ao processo de rápida urbanização
pouco ou nada planejada, principalmente, nos países em desenvolvi-
mento, como é o caso da América Latina e Caribe, Sudeste da Ásia e
África. Por outro lado, surgem novos desafios, ligados à globalização e
aos avanços tecnológicos, em termos de movimentação financeira, de
bens materiais e de infraestrutura, bem como novas pressões, a exemplo
do deslocamento de refugiados, que adicionam ainda maiores pressões
ao desenvolvimento urbano sustentável. Essa realidade já é comum a
todas as cidades, independentemente de seus portes e perfis.
As cidades também concentram, hoje, a maior parte da produ-
ção de riqueza, serviços e infraestrutura. Mais de 80% do PIB mundial
é gerado nas cidades, segundo dados do Banco Mundial. E é nesses
territórios em que se dá a maior parte do consumo de energia, seja em
eletricidade, combustíveis de transportes, aquecimento e resfriamento
de edifícios e praticamente todos os serviços de telecomunicações e
de financiamento. Trata-se de um padrão de consumo que incorre
em uma parcela significativa das emissões de Gases de Efeito Estufa:
as cidades são responsáveis por 37% a 49% das emissões globais
, assumindo, portanto, um notável papel no combate ao aquecimento
global e às mudanças climáticas, que são decorrentes desse fenômeno.
À medida que mais regiões se urbanizam, as demandas para o
desenvolvimento sustentável concentram-se ainda mais nas cidades e,
principalmente, naquelas de menor renda, onde esse processo ocorre
de maneira mais rápida e, muitas vezes, mal planejada. Entre os princi-
pais desafios, está a transição para a economia de baixo carbono, e isso
implica questões de: infraestrutura, produção, consumo de energias
renováveis, mudança da matriz fóssil para geração de energia limpa e
superação das condições de pobreza, fome e segregação socioespacial.
Nesse contexto, e sem desconsiderar a importância da im-
plementação de políticas socioeconômicas sustentáveis também
nas zonas rurais, pode-se afirmar que as cidades estarão no epicentro
das transformações provocadas pela tendência de alta concentração
demográfica e, por consequência, de crescimento de procura por mo-
radia, recursos básicos e serviços urbanos. Em grande medida, serão
nas zonas urbanas, também, onde estarão concentradas oportunida-
des para inovação em tecnologias, desenvolvimento, investimentos,
processos, enfim, em todas as áreas.

120
Início do paradigma de sustentabilidade no contexto
urbano

A Sociedade Internacional Contemporânea, conformada prin-


cipalmente pelos estados-nação, mas reconhecendo cada vez mais os
protagonismos de outros atores, como as empresas, as universidades,
as organizações sociais e os governos locais, ciente da necessidade
de pactuações globais consistentes para enfrentar os velhos e novos
desafios, gerou nos últimos anos uma série de acordos e pactuações
que, se por um lado colocam a sustentabilidade no centro da agenda
internacional, por outro se consolidam como o maior esforço interna-
cional para superação das mazelas da humanidade.
Além das Metas de Aichi pela Biodiversidade, em 2015, foi
acordada e adotada a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Susten-
tável da ONU que engloba os ODS, substituindo o conjunto anterior
de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (2000-2015). A agenda
dos ODS veio mais ambiciosa e abrangente, com 17 objetivos, que se
desdobram em 169 metas. O ODS de número 11 considera especifi-
camente o desafio do desenvolvimento urbano sustentável.
No mesmo ano, o histórico Acordo de Paris sobre o clima
determinou os esforços globais de todos os níveis de governo e da
sociedade para conter o aumento da temperatura média global em até
2ºC, com empenho para retê-la em até 1,5ºC. No cerne das discussões,
estão a utilização de combustíveis fósseis, uma das principais fontes
de emissões de GEE, que causam o aquecimento global, e a maneira
de realizar a transição para a “descarbonização” da economia.
Há, ainda, o Marco de Sendai para a Redução do Risco de
Desastres 2015-2030, que focaliza a necessidade de adaptação dos
territórios aos impactos das mudanças climáticas para reduzir riscos
de desastres, os quais incorrem em perdas irreparáveis de vidas, além
de elevados prejuízos financeiros e em infraestrutura.
O acordo mais emblemático para o contexto das cidades, po-
rém, é a Nova Agenda Urbana. Adotada em 2016 ‒ durante a 3ª Confe-
rência da ONU sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável,
realizada em Quito, no Equador ‒, ela propõe, pela primeira vez, uma
visão de desenvolvimento urbano orientado pela sustentabilidade e
pelo acesso igualitário a espaço e serviços.
No compromisso, líderes mundiais se comprometeram a
aumentar o uso de energia renovável, proporcionar um sistema de
transporte mais ecológico e gerir de forma sustentável os recursos
naturais. Essa visão inclui, também, as tecnologias de informação e

121
comunicação e compromete-se a adotar uma abordagem de “cidade
inteligente”, que faça uso de oportunidades de digitalização, energia
e tecnologias limpas, assim como de tecnologias de transporte.
O documento reconhece que a implementação desses
compromissos requer um ambiente favorável, incluindo o acesso à
ciência, tecnologia e inovação, e destaca a necessidade de aumentar
a cooperação e a troca de conhecimentos nessas áreas para benefício
do desenvolvimento urbano sustentável.
Todos esses marcos globais apontam caminhos e ferramentas
para a transição de uma sociedade desigual e um modelo de capita-
lismo que desrespeita os limites do planeta, para uma perspectiva de
modelo socialmente mais inclusivo e sustentável.
Enquanto as metas e diretrizes estão acordadas, ainda há
lacunas para viabilizar o cumprimento efetivo dessas agendas. En-
tre os principais obstáculos, destacam-se: acesso a financiamento,
capacitação de recursos humanos, fortalecimento institucional das
organizações-chaves para fomentar essa transição e desenvolvimen-
to de tecnologias mais eficientes, com menores custos e que sejam
sustentáveis no longo prazo. Para isso, serão necessárias abordagens
inovadoras que promovam novas tecnologias, aplicações, abordagens
sistêmicas e inteligência social.

Novas tecnologias para encarar desafios duradouros

Ao analisar os objetivos da Agenda 2030, Kingsley (2017)


argumenta que será necessária uma “revolução de dados”. O autor
relata que a revolução de dados é claramente possível e, se focada
apropriadamente, pode ter, de fato, um impacto transformador para
acelerar o desenvolvimento. Tal modificação poderá apoiar o monito-
ramento do cumprimento das metas e gerar novas informações que
contribuam para acelerar a mudança necessária.
O supra referido autor destaca ainda que esse movimento
transformador não acontecerá automaticamente e necessitará do
engajamento de todos os níveis de governo e de suas agências, com
especial ênfase nos governos locais e regionais. Sobre a relevância da
ação local, Kingsley (2017) apud Boex (2015, p.5) relata que:

É justo dizer que “todo o desenvolvimento é local”. Em última


instância, os objetivos de desenvolvimento e as metas de
políticas articulados no nível nacional (ou mesmo global)
‒ em termos de acesso à educação, à saúde, à água, ao sa-

122
neamento etc. ‒ todos têm de ser entregues no âmbito local,
nas cidades, vilas e aldeias onde as pessoas vivem.

Enquanto a discussão proposta por Kingsley (2017) está


relacionada especificamente à geração e obtenção de dados para
monitorar indicadores de progresso da Agenda 2030, as questões
relacionadas às melhorias proporcionadas pela revolução digital e da
Era da Informação colocam-se no centro do debate acerca da aplicação
de tecnologia à gestão urbana.
Desde meados dos anos 1970, os gestores urbanos aplicam
soluções tecnológicas e análise de dados com o objetivo de aperfeiçoar
os serviços urbanos, com melhoria do desempenho a menores custos.
A partir do avanço no desenvolvimento de estruturas, capacidades
de processamento e ampliação da conexão à internet, no começo
dos anos 2000, teve início com mais vigor o debate a respeito de
uma visão de desenvolvimento urbano baseada em equipamentos e
soluções “inteligentes”.
Atualmente, iniciativas e estratégias de “cidades inteligentes”
foram incorporadas no vocabulário de governos locais e nacionais
em todo o mundo para propor soluções aos mais diversos problemas
urbanos.
Nessa trajetória, empresas globais de tecnologia tiveram
um papel relevante no estabelecimento desse mercado e na defini-
ção da rota até a estruturação de projetos de “cidades inteligentes”
. Estima-se que esse mercado possa movimentar 400 bilhões de dólares
por ano até 2020.
Enquanto as “cidades inteligentes” são associadas ao seu
arrojamento tecnológico e de infraestrutura, as “cidades inteligentes
pelo clima” aliam esses elementos ao desafio de enfrentar as mudanças
climáticas, modificando os padrões tradicionais de desenvolvimento
urbano ‒ intensivo em carbono e no consumo de combustíveis fósseis
‒ para um mais sustentável e eficiente em utilização de recursos, sem
perder de vista a perspectiva da redução das desigualdades sociais, da
intensificação do diálogo social e do aprofundamento da democracia
O ICLEI América do Sul, cumprindo a sua missão de trabalhar
para que os governos locais sejam reconhecidos como protagonistas
dessa transformação global pretendida, recomenda que a inovação e a
tecnologia sejam incorporadas na origem dos processos de formulação
e execução de políticas públicas, não como um elemento apartado,
mas a elas integrado.
Para isso, alguns princípios são de fundamental importância.

123
O primeiro deles é a perspectiva da intersetorialidade, da multidimen-
sionalidade que, apesar de tão difícil, é o que permite e possibilita de
fato a integração das diversas políticas no território. Ainda neste con-
texto, deve-se, portanto, reconhecer a complementariedade entre os
recursos digitais e tecnológicos e os diversos recursos sociais, culturais
e ambientais, tão relevantes para o êxito dos processos que almejam
a melhoria da qualidade de vida.
O segundo princípio é o da informação. Em linha com o que
propõe os ODS, há que se criar mecanismos cada vez mais eficientes
que permitam o acompanhamento de indicadores que possibilitem a
avaliação e o monitoramento das políticas públicas, assim como o me-
lhor planejamento destas. Juntamente com a informação de qualidade,
requer-se a transparência. Não adianta um conjunto de indicadores e
um excelente sistema de medição nesse segmento se o processo não
for compartilhado com a sociedade. Por isso a necessidade de trabalhar
com dados abertos no nível mais intenso possível.
Entretanto, tanto a informação quanto a transparência, ainda
que necessárias para a transformação e o controle social, são insuficien-
tes. É fundamental que os governos locais consigam gerar melhores
condições para estabelecer com a sociedade um diálogo permanente.
Isso requer não somente fomentar a educação cívica, mas também
mecanismos institucionais de participação e ferramentas que a facili-
tem e estimulem, considerando todas as faixas etárias e perspectivas
culturais da cidadania.
Por fim, é preciso apostar nas novas tecnologias levando-se
em consideração e respeitando a memória e a história das cidades.
É possível promover o diálogo e a interação com outras culturas, ao
mesmo tempo em que se valoriza a cultura local. Esses princípios
aliados a um senso de responsabilidade comum e ética, que está dada
no plano global pelos marcos globais da sustentabilidade distinguirão
uma cidade inteligente comum, daquelas que também atuem em prol
da sustentabilidade, enfim, daquelas cidades inteligentes pelo clima.

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126
Capítulo 11
A utilização das aeronaves não tripuladas
nas operações das cidades inteligentes

Thiago de Souza Beté

Na atualidade, é usual que seja difundido os termos e conceitos


de veículos aéreos não tripulados (VANT) e aeronaves não tripuladas,
referindo-se ao termo “drone” como um tema moderno. Na verdade,
esse tema foi utilizado no século XIX, antes da Primeira Guerra Mundial,
com a utilização de balões austríacos sem tripulação que carregavam
explosivos para atacar a cidade de Veneza. O engenheiro Nikola Tesla,
em 1915, descreveu em um de seus estudos o potencial militar de
uma frota de aeronaves não tripuladas (EDMUNDO UBIRATAN, 2015).
Nessa concepção, os drones foram criados com a finalidade
militar por causa da sua vantagem de operação, sem colocar em risco
o ser humano em atos de guerra, seja ela para espionagem ou lança-
mento de bombas segundo Buzzo (2015). Assim, em 1942, em meio
a Segunda Guerra Mundial, os engenheiros e cientistas alemães cons-
truíram a bomba voadora sem tripulação, a qual utilizava asas, leme e
propulsão própria, cujo rumo do voo era determinado pela quantidade
de combustível ou pelo local de lançamento, com o objetivo de atingir
o inimigo com objetividade e precisão, obtendo o nome genérico de
“Torpedo aéreo” ou “aviãozinho sem tripulação” e seu nome oficial de
Bomba V-1 (BRANT, 1967).
Argumentando sobre a primeira definição de aeronave, de
acordo com Oliveira e Pontes (2010), a Convenção realizada na cidade
de Paris, em 1919, interpretou que a aeronave seria qualquer aparelho
capaz de sustentar-se na atmosfera graças à reação do ar. Tempos
depois, em outra Convenção na cidade de Chicago, em 1944, foi acres-
cida à definição a palavra “dispositivo”, permanecendo “a aeronave é
qualquer aparelho ou dispositivo”.
A assinatura brasileira na Convenção de Chicago ocorreu
no dia 7 de dezembro de 1944, porém, somente em 11 de setembro
de 1945, a assinatura foi ratificada com decreto da Lei no 7.952. Esse
mesmo decreto foi retificado no ano seguinte, exatamente no dia 26
de março de 1946 e exclusivamente divulgado pelo Decreto no 21.713,
de 27 de agosto de 1946 (MIRANDA, 2013).

127
A Organização de Aviação Civil, em 1967, atualizou uma nova
definição do qual estabeleceu que aeronave é qualquer máquina capaz
de sustentar-se na atmosfera graças à reação do ar de acordo com
Oliveira e Pontes (2010). No entanto, no dia 19 de dezembro de 1986,
o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) definiu em seu artigo 106,
da Lei no 7.565, que aeronave é todo aparelho manobrável em voo,
que possa se sustentar e circular no espaço aéreo, mediante reações
aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou cargas (BRASIL, 1986).
Assim, independentemente da definição ou nomenclatura
do conceito de aeronave, com o passar do tempo, pode-se afirmar
que a Bomba V-1 foi a que sugestionou a história das aeronaves não
tripuladas como a que conhecemos atualmente, com o emprego para
mais de 1.000 bombas na Segunda Guerra Mundial e evoluindo para
a Bomba V-2 com o passar da guerra (BUZZO, 2015).
Nos Estados Unidos da América, surgiu, em 1951, o que é
considerada a primeira aeronave não tripulada moderna, fabricada
e comercializada pela empresa Ryan Aeronautical Company, cujo
objetivo era desenvolver e construir um jato para servir de isca aérea,
sendo alvo para os militares em seus treinamentos de pilotos de caça
(EDMUNDO UBIRATAN, 2015).
A aeronave não tripulada foi utilizada em reais missões de
espionagem em 1959, mas o governo norte-americano só admitiu
a utilização deste em 1973, com a Força Aérea Americana. Dez anos
depois, em 1983, no Brasil, a extinta Companhia Brasileira de Tratores
(CBT) fabricava a aeronave não tripulada BQM1-BR, cujo funcionamen-
to à propulsão a jato também era objeto de alvos aéreos para a Força
Aérea Brasileira (FAB) (YOLA, 2018).
Em 1994, nos EUA, houve uma enorme expansão de desenvolvi-
mento de aeronaves não tripuladas carregadas com armas, fazendo com
que surgisse a aeronave de guerra com o nome de Predator. No entanto,
o governo americano informa que sua aplicabilidade só ocorreu em 2001,
em missões de guerra no Afeganistão. Mas, depois disso, a aeronave
também foi vista em missões no Paquistão, no Iêmen, na Somália, e nos
anos seguintes, novamente no Afeganistão e nos territórios palestinos.
Depois dos ataques terroristas sofridos em 11 de setembro de
2001, os Estados Unidos aplicaram ataques antiterroristas em muitas
cidades do mundo, e por isso ficou evidente que a aeronave não tri-
pulada é estrategicamente eficiente nas operações militares de acordo
com Kuchak (2013). A aeronave Predator foi batizada de “MQ-1 Predator”,
sendo considerada um ícone na aviação não tripulada por sua operação,
confiabilidade e eficiência nas missões executada (AVI.PRO, 2015).

128
No mesmo ano dos atentados terroristas, a Força Aérea Ame-
ricana empreendia 50 modelos Predator, porém, dois anos mais tarde,
em 2013, ultrapassou o número de 800 aeronaves de ataque e obteve
o reconhecimento desse modelo nas operações militares no mundo
todo. Pode-se comparar que, no mesmo período, ao somar a quantida-
de de aeronaves não tripuladas de ataque com as aeronaves menores
de reconhecimento, a defesa aérea americana controlava quase 7,5 mil
aeronaves não tripuladas. Desse modo, em uma situação quase igual,
ao considerar aeronaves militares tripuladas na ativa, havia um pouco
mais de 10,7 mil aeronaves (KUCHAK, 2013).
Do período de 1995 até o ano de 2000, as aeronaves não
tripuladas foram se desenvolvendo para operações militares, e sua
evolução com a migração para o emprego civil envolveu a área de
sensoriamento remoto, como o de fotografia, cartografia, imobiliário,
florestamento, logística, pecuária, agricultura, engenharia, arquitetura,
educação e desenvolvimento.
Também é importante mencionar que a aeronave não tripu-
lada tem evoluído nas operações urbanas de grandes cidades, sendo
utilizada nas áreas de segurança, salvamento, monitoramento e ins-
peções. Assim, as aeronaves não tripuladas realizam serviços como
o patrulhamento de áreas, terras e até fronteiras, combate ao crime
e a incêndios, resgate, monitoramento de clima e vigilância, além de
inspeções onde o ser humano não consegue chegar facilmente, como
execução de vistorias nas redes e torres de transmissão de energia
elétrica, usinas nucleares e ou plataformas de petróleo.
De modo geral, existem muitos estudos sobre o tema ao
redor do mundo. O escritor Halpern (2016) supõe que realmente, no
futuro, as aeronaves não tripuladas estarão disseminados a serviços da
sociedade para o bem no uso militar ou civil. Nos dias atuais, a popula-
rização dos pequenos drones tem se revelado de grande importância.
De aeronaves antes utilizadas apenas em serviços militares, hoje as
aeronaves não tripuladas passaram a ter uma vasta empregabilidade,
na construção civil, em reportagens de televisão, entre outros usos
diversos. Assim, pode-se dizer que a história das aeronaves não tripu-
ladas não acabou, mas apenas começou (BUZZO, 2015).

Terminologia das aeronaves não tripuladas

De acordo com o Centro de Investigação e Prevenção de


Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), o modo como nos referimos ou es-
crevemos “drone” é vago e pouco definido, devido a sua popularização

129
e comercialização nos Estados Unidos como sendo um aparelho que
lembra e tem o som de “zumbido”, como se fosse uma “abelha zangão”.
Sua comercialização foi caracterizada como qualquer objeto voador
não tripulado, tendo o seu objetivo como civil, respeitando o amado-
rismo e o profissionalismo, além de ter aparelhos servindo os militares.
Aqui no Brasil, a designação popularizada da palavra “drone” não tem
sustento legal ou técnico em legislação (CENIPA, 2018).
A Força Aérea Brasileira (FAB) usa a terminologia Veículo
Aéreo Não Tripulado (VANT), por ser o termo oficial previsto pelos
órgãos reguladores brasileiros do transporte aéreo, para definir esse
escopo de atividade. Segundo a legislação pertinente, na Circular de
Informações Aéreas (AIC N 21/10), caracteriza-se como VANT toda
aeronave projetada para operar sem piloto a bordo. Dessa forma, o
VANT é caracterizado como não recreativo, uma vez que possui carga
útil embarcada, porém, nem todo drone pode ser considerado um
VANT, pelo fato de as aeronaves utilizadas como hobby ou esporte
se enquadrarem na portaria DAC no 207, da legislação referente aos
aeromodelos.
No momento, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) de-
finiu em seu Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial (RBAC-E
no 94), pela Resolução no 419, (2017), as diretrizes e os requisitos gerais
para as aeronaves não tripuladas e aeromodelos, diferenciando o termo
para o uso civil ou uso militar, além dos aeromodelos que têm em sua
definição “toda aeronave não tripulada com finalidade de recreação”,
a exemplo do drone “brinquedo”.
Assim, para os drones popularmente conhecidos, mas para fins
de serviços de uso civil, comercialmente oferecido, é definido como
Aeronave Remotamente Pilotada ou Remotely-Piloted Aircraft (RPA),
pilotada a partir de uma estação remota, sempre tendo a finalidade
contrária da recreação. Já ao uso militar, ficou designado como o VANT
(Resolução no 419, 2017).
Assim, existe uma diferença das aeronaves recreativas consi-
deradas aeromodelos ou drones e as aeronaves não recreativas consi-
deradas VANTs ou aeronave não tripulada, por conta de seu propósito
de realizar missões, seja comercial de uso civil ou militar. Vale ressaltar
que existem VANTs autônomos e não autônomos, ou seja, sem con-
trolador e com controlador de acordo com a CENIPA (2018), mas que
sua utilização ainda não é autorizada pela ANAC e os demais órgãos
de segurança internacionais.
A Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) entende
que toda aeronave, sem piloto a bordo e que seja controlada a partir

130
de um operador em solo, é definida como um (RPA), e que Remotely-
Piloted Aircraft Systems (RPAS) é o sistema utilizado na aeronave não
tripulada, compreendido pelos recursos operacionais que fazem a
aeronave voar, sejam eles a estação de pilotagem remota, estação
de comando ou link que possibilita um controle da aeronave e seus
equipamentos de apoio. O órgão também entende que existe o RPA
“Autônomo”, o qual não permite uma intervenção externa do piloto
em solo durante o voo, embora seu uso seja proibido (OACI, 2018).

Legislação para operação de aeronaves não tripuladas


no Brasil

De acordo com o governo brasileiro, a FAB esclarece as normas


de voo das aeronaves não tripuladas no país. Contudo, informa que
não existe regulamentação específica que atinja todas as condições de
usos, características, necessidades, funções, aplicabilidade, restrições,
funcionalidades, perigos e riscos, mas existe uma Circular de Informa-
ções Aeronáuticas AIC no 21/10 que trata dos princípios básicos.
A autorização de voo de uma aeronave não tripulada requer
solicitação da ANAC, com um Certificado de Autorização de Voo Expe-
rimental (CAVE) que respeita o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil
no 21 (RBAC-21) e que foca em Certificação de Produto Aeronáutico.
A Instrução Suplementar (IS) 21-002 Revisão A, intitulada
de Emissão de Certificado de Autorização de Voo Experimental para
Veículos Aéreos Não Tripulados, orienta a emissão do CAVE para a ae-
ronave não tripulada, com propósitos de pesquisa, desenvolvimento,
treinamento de tripulações e pesquisa de mercado (CENIPA, 2018).
A IS 21-002 é fundamentada no artigo 114 da Lei no 7.565, de
19 de dezembro de 1986, do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer),
que informa que nenhuma aeronave poderá ser autorizada para voo
sem a prévia expedição do correspondente Certificado de Aeronave-
gabilidade (CA), o qual só será válido durante o prazo estipulado. O
artigo 8o, item XXXI, da Lei no 11.182, de 27 de setembro de 2005, diz
que a competência para emissão de CA cabe à ANAC como autoridade
de aviação civil. A resolução no 162, de 20 de julho de 2010, estabelece
em seu artigo 14 que a ANAC pode emitir IS para esclarecer, detalhar
e orientar a aplicação de requisito previsto em Regulamento Brasileiro
de Aviação Civil (BRASIL, 2012).
Dessa forma, a ANAC orienta que um operador de aeronave
não tripulada seja detentor de um Certificado de Aeronavegabilidade
Especial de RPA (CAER) para ser apto a operar voos com aeronaves e

131
seus respectivos projetos aprovados conforme os regulamentos apli-
cáveis em legislação do órgão, além de conhecer e cumprir as regula-
mentações do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA)
e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
Para se ter autorização de voo com a finalidade de obter lucro,
ou seja, comercialmente, a aeronave não tripulada não se caracteriza
como aeronave experimental, pois nesse caso deve ser encaminhado
um requerimento ao órgão da ANAC, com o propósito de demonstrar
o nível de segurança do projeto da aeronave, bem como qual será sua
operação pretendida para que a própria ANAC consiga analisar o caso
e aprovar uma CAER. Também o operador da aeronave não tripulada
deverá solicitar requerimentos de autorização de voo, junto ao órgão
do DECEA e da ANATEL podendo ser considerado o mesmo processo
de solicitação de uma aeronave tripulada (CENIPA, 2018).
Assim, o Brasil tem um quadro normativo seguindo o modelo
da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), Código Brasileiro
de Aeronáutica (CBAer), passando pela Agência Nacional de Aviação
Civil (ANAC).

Aeronaves não tripuladas nas operações das cidades


inteligentes

A OACI compreende que todo trabalho aéreo executado por


uma aeronave não tripulada é considerado uma operação de serviço
especializado. Assim, qualquer aeronave, que tenha o objetivo de voar
sem um piloto a bordo, está relacionada à Convenção sobre Aviação
Civil Internacional (Doc 7300), que foi assinada na cidade de Chicago
nos Estados Unidos em 7 de dezembro de 1944 e alterada pela OACI
como “aeronave sem piloto”, pois, nos dias atuais, são chamadas de
aeronaves “não tripuladas” em vez de “sem piloto” (OACI, 2018)
Essas operações das aeronaves não tripuladas incluem uma
gama de objetos voadores, de um simples balão meteorológico a
grandes aeronaves de transporte de passageiros e/ou cargas – sen-
do tripulados. Dessa forma, a aeronave não tripulada chega a uma
categoria denominada de RPA, que opera como parte de um sistema
(RPAS), e este, por sua vez, está criando uma nova indústria com grande
potencial econômico para as cidades do futuro (id, 2018).
A aeronave não tripulada consegue oferecer uma vasta gama
de serviços e recursos, pois se trata de uma tecnologia que tem um
cunho de projetos e conceitos operacionais relacionados à evolução
tecnológica do setor. É nesse contexto que os RPAS estão se integrando

132
nas operações urbanas nas cidades, com a existente indústria aeronáu-
tica tripulada, que já se encontra regulada e muito bem estabelecida
com suas operações seguras e eficientes (id, 2018).
A nova plataforma de aeronave está em plena evolução, pois, cada
vez mais, é capaz de transportar passageiros e cargas úteis voando a grandes
distâncias. Em contrapartida, os aparelhos utilizados nos serviços especiali-
zados tendem a diminuir de tamanho e peso, com a evolução das câmeras
fotográficas e sensores como exemplo. As duas ações se complementam
para aceleração da indústria das aeronaves não tripuladas, a qual, nas pró-
ximas décadas, criará grandes oportunidades para um desenvolvimento
da sociedade moderna nas cidades do futuro (MDIC, 2017).
A comercialização da aeronave não tripulada já existe e per-
mite que muitas empresas sejam criativas e explorem novas áreas
de negócio, mas também simplificando seus processos já existentes.
Assim a aeronave não tripulada reduz a exposição do ser humano a
tarefas longas, monótonas e perigosas, proporcionando economias
financeiras e benefícios ambientais como a própria redução de emis-
são de CO2, se comparado a serviços especializados que utilizavam
helicóptero, hoje se faz com as aeronaves não tripuladas (id, 2017).
Atualmente, as principais aplicações comerciais das aeronaves
não tripuladas são de setores de infraestrutura, transporte, seguros,
entretenimento, telecomunicações, agricultura, segurança, mineração,
atividades humanitárias, resgate e salvamento. No setor de infraes-
trutura urbana, a aeronave não tripulada pode executar operações
perigosas e facilitar aquisições de dados de vários segmentos opera-
cionais com precisão e custo relativamente menor, se comparado ao
processo padrão de operação. Setores, como o de energia, estradas,
ferrovias, petróleo e gás, já se beneficiam dessa nova tecnologia com
monitoramento, manutenção e inspeções (id, 2017).
O setor de engenharia tem soluções e aplicabilidade das ae-
ronaves não tripuladas na indústria e na construção civil, cujo objetivo
é produzir mais e gerenciar um melhor custo, além de criar métodos
operacionais para as empresas e as cidades. Nesse setor, a aeronave
não tripulada corresponde a um grande facilitador tecnológico para
os gestores públicos e privados, pois possibilita colocar o canteiro de
obras em um ambiente digital, no computador do escritório, trazendo
consequentemente eficiência e agilidade nas tomadas de decisões do
negócio empreendido, identificando possíveis ações e as corrigindo
(AERO DRONE BRASIL, 2018).
Dessa forma, a utilização da aeronave não tripulada em obras
públicas e privadas das cidades inteligentes poderá suportar grande

133
parte dos processos de engenharia, pois se tem acompanhamento das
obras do início até o fim, no qual se utiliza informações técnicas visuais
do projeto, gerenciando cada etapa, emitindo relatórios e visualizando
a construção em tempo real (id, 2018).
Nessa concepção, o monitoramento de obras com as aeronaves
não tripuladas pode fornecer vídeos de alta resolução, que são capazes
de identificar erros nos projetos construídos, e seus dados podem criar
um modelo em 3D para referenciar e elaborar Modelos Digitais do Ter-
reno (MDT) ou de construções, como prédios, rodovias, ferrovia, pontes,
viadutos e muito mais obras de infraestrutura (MDIC, 2017).
O objetivo é efetuar inspeções para aplicar manutenção em
grandes estruturas que as cidades inteligentes necessitam cotidia-
namente, tanto para o setor público como para o setor privado. Para
tudo isso, existe um enorme custo de tempo, pessoas e investimentos.
Com a utilização da aeronave não tripulada, os benefícios de seu uso
em inspeções de estruturas são: menores custos de realização, me-
nor exposição a riscos de pessoas, possibilidades de correções mais
pontuais conforme sua necessidade, ganho de tempo com as coletas
de dados, acesso aos locais difíceis e o menor tempo de aplicação de
uma manutenção ou a decisão de uma intervenção da estrutura ou
equipamento que está sendo construído ou realizada manutenção
(AERO DRONE BRASIL, 2018).
As cidades inteligentes já produzem uma parte de sua eletri-
cidade com a produção de energia eólica, utilizando aerogeradores,
os quais necessitam de inspeções de rotina nos motores e nas pás das
hélices, acoplados a uma torre. Diante disso, essas inspeções devem
ocorrer no menor tempo possível e na área estabelecida, com pro-
fissionais certificados utilizando as aeronaves não tripuladas nesses
procedimentos, o que proporciona economias consideráveis, como
a redução de quase 50% para uma inspeção de uma turbina eólica
padrão (MDIC, 2017).
Dessa forma, o que se busca é que cada profissional técnico
seja certificado em sua área de conhecimento específico para avaliar
tal processo com o apoio das aeronaves não tripuladas. Em um caso
hipotético, consideremos que a prefeitura de uma cidade fosse avaliar
a estrutura de um viaduto ou ponte. Essa avaliação seria efetuada por
um engenheiro civil do setor de construção de pontes e viadutos e não
somente pelo operador de uma aeronave não tripulada, pois este não
estaria apto para avaliar as estruturas da obra. Assim, a aeronave não
tripulada abriria portas e janelas do mercado profissional das cidades
inteligentes para a profissão de operador.

134
Algo parecido também ocorreria nas inspeções de plantas
industriais, uma vez que há a possibilidade de automação com o
mapeamento de 100% da planta, identificando todos os ângulos e
acessos, a fim de reduzir erros que geralmente acontecem nos pro-
cessos de inspeção tradicional.
Com o crescimento de fontes de energias limpas, renováveis
ou as já existentes nas cidades inteligentes, as inspeções em torres
eólicas, usinas solares, usinas nucleares, barragem de hidrelétricas,
torres de transmissão de energia, estruturas de concreto, tubulações
e dutos de água, gás e ou petróleo proporcionam um enorme desafio
aos gestores público e privado. Nessa situação, é que as aeronaves não
tripuladas entram em operação para auxiliar o processo de inspeção,
manutenção e conservação das estruturas, sempre com as avaliações
e validações técnicas de cada segmento (AERO DRONE BRASIL, 2018).
Nesse sentido, as torres de transmissão de energia e torres eó-
licas são bem parecidas se compararmos altura e perigo. Uma inspeção
padrão coloca um ser humano ao risco de queda ou explosão, além de
exigir um custo econômico e de tempo. Isso evita a necessidade de o
profissional chegar até o cabo instalado da torre de energia ou da pá
da hélice da torre eólica. Com a operação da aeronave não tripulada,
não haveria esse risco, e o gestor economiza tempo e dinheiro para a
sociedade, sendo mais produtivo e eficiente.
Toda usina solar contempla tecnologia em painéis solares e, na
hora de efetuar vistorias, a aeronave não tripulada segue como uma
ferramenta de intervenção, possibilitando a inspeção detalhada de
toda a usina e proporcionando imagens de alta definição. Também é
utilizada câmera térmica para imagens termográficas de alta precisão,
que identifica painéis sujos ou com problemas que necessitam de
substituição ou reparo, sempre buscando a eficiência e produtividade.
Em barragens, pontes e viadutos, existe a necessidade de ins-
peções, porém o que normalmente ocorre é a utilização de plataformas
suspensas nas quais um profissional faz a fiscalização. No entanto,
com a aeronave não tripulada, pode-se fazer a mesma inspeção sem
colocar o profissional em risco de acidentes, sempre com menor tempo
de execução e maior capacitação de dados para análises. A facilidade
da aeronave não tripulada é de chegar a locais de difícil acesso para o
homem, além de trazer um enorme benefício ao gestor, com a capaci-
dade de criação de modelos tridimensionais da estrutura ao ambiente
digital, propiciando análises e mensurações de informações que não
foram visualmente percebidas numa inspeção-padrão.
Nas inspeções de tubulações, dutos e cabos de rede elétrica,

135
a semelhança é a extensão quilométrica entre eles, pois nesses casos
refere-se a qualquer produto transportado, seja água, gás, petróleo e/
ou eletricidade para fornecimento das cidades. Não obstante, existe
um enorme gasto com vistorias e manutenções nessas redes, mas a
aeronave não tripulada pode reverter tal situação, pois consegue co-
letar dados em quilômetros diariamente com alto nível de qualidade,
sempre dependendo da capacidade de operação da aeronave.
O setor de transporte, no futuro das grandes cidades e em ope-
rações especializadas de entrega de serviços e produtos, certamente
se tornou parte da sociedade moderna, pois a indústria recorrerá aos
serviços das aeronaves não tripuladas pela fácil acessibilidade, pelo
baixo custo operacional e pela velocidade, se comparado com as
demais formas de transporte que envolve a sociedade (MDIC, 2017).
Setores como o da saúde se beneficiaram com o transporte
de medicamentos, principalmente em áreas rurais e remotas das
grandes cidades. Assim, Delft (2014) exemplifica que uma aeronave
não tripulada pode levar um desfibrilador a um local remoto para uma
pessoa com ataque cardíaco ou, de acordo com o Telegraph (2014), um
antídoto para uma pessoa que sofreu uma picada de uma serpente
venenosa (cobra) e que está longe de um hospital.
Na guerra contra a dengue, zika e chikungunya, segundo a
Aero Drone Brasil (2017), a gestão pública pode utilizar a aeronave
não tripulada para identificar o foco a ser tratado, como piscinas e
caixas d’água sem tampa em casas fechadas, nas quais o morador
fica ciente, por notificação da prefeitura, a respeito do risco. Além
disso, a aeronave não tripulada tem a condição de soltar um larvicida
para combater os mosquitos no foco e pulverizar com inseticidas os
ambientes de casas fechadas.
No comércio eletrônico, que facilita a obtenção de produtos
pela internet, o tempo de entrega é primordial para uma excelente
negociação. Desse modo, a operação de aeronaves não tripuladas
permitiria uma entrega rápida e barata, pois evitaria os custos de
transporte convencionais, sem ação humana, além de o cliente receber
a sua entrega pontualmente na porta de sua casa, fazendo com que a
sua experiência seja gratificante (MDIC, 2017).
No ramo de seguros, as empresas enfrentam duas situações
negativas, seja pelas fraudes, seja pelo aumento considerável de danos
causados por desastres naturais. Com a utilização das aeronaves não tri-
puladas, os gestores públicos e privados podem melhorar essa dinâmica
em três situações distintas: pelo monitoramento e pela avaliação de
riscos, pela gestão de sinistros e ou pela prevenção de fraudes (id, 2017).

136
A administração pública, em parceria com a gestão privada,
pode monitorar áreas com real risco de ameaças de inundações,
desmoronamentos, enchentes e furacões. A partir de análise dos
dados capturados com a aeronave não tripulada, pode-se alertar os
moradores sobre os riscos em locais de emergência e consequente-
mente retirando esses moradores dos locais, mitigando os custos da
consequência de resgate e perda de vidas humanas.
Dessa mesma forma, as seguradoras entendem que também é
possível efetuar avaliações de risco, prevenção de fraudes e gestão de
sinistros com a operação das aeronaves não tripuladas. A partir da capta-
ção de imagens aéreas dos bens segurados, é possível que se construam
modelos em “3D”, a fim de se comparar com as mesmas imagens, depois
da solicitação de abertura do sinistro, gerando rapidez e eficiência do
resultado para os clientes segurados e as empresas de seguro.
Nos setores de mídia e de entretenimento, a operação das
aeronaves não tripuladas já é realidade, a exemplo de fotografias e
filmagens aéreas, publicidades, espetáculos e efeitos especiais na
cinematografia e jornalismo de acordo com o João Wainer (2015), que
também se contempla nas corridas da Drone Racing League (2018) ou
a World Drone Prix (2016), além de apresentações de teatro ao céu livre
de acordo com Almeida (2017), como coreografia nos céus.
Na área das telecomunicações, alguns desafios do setor res-
ponsável são indispensáveis, como a manutenção e a cobertura de
áreas sem sinal. Nesse sentido, a aeronave não tripulada pode também
ser utilizada como parte da infraestrutura de uma cidade, executando
uma transmissão de sinais de telecomunicações ou aprimorando a
inspeção de antenas, com fotos ou filmagens, e até medições das an-
tenas e locais com dificuldade de acesso de sinal. As operações podem
se estender nas inspeções depois de catástrofes naturais e estragos
na rede de telecomunicações ou ainda no planejamento de futuras
linhas de frequência, determinando as necessidades da cidade a ser
aplicada (MDIC, 2017).
Na agricultura, esse uso tende a crescer quase 70% até o ano
de 2050 devido ao crescimento populacional de 7 para 9 bilhões de
pessoas segundo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Servi-
ços (2017). Por conta disso, muitos agricultores estão aprimorando
suas plantações com a intervenção da aeronave não tripulada, para a
supervisão de safras, análises de solo e de campo, avaliação de saúde
das plantações e pulverização das lavouras (DJI, 2017).
Para uma cidade inteligente e sustentável, o gestor público
deve estudar e compreender o setor de segurança e resgate, que,

137
apesar de ter uma enorme gama de tecnologia ao seu favor, como
câmeras, vídeos e sensores, requer ações humanas, pois essa estrutura
tecnológica necessita ser monitorada, gerando uma série de gastos
de infraestrutura, manutenção, material, recursos financeiros e tempo
(MDIC, 2017).
As forças públicas de segurança ou de resgate nas cidades uti-
lizam-se de recursos aéreos, como helicópteros para apoio em terra nas
devidas ocorrências solicitadas pela população. No entanto, a mediação
da aeronave não tripulada, situada uma em cada viatura, significaria
reduções de custos de manutenção e operação dos helicópteros, além
de maior eficiência nas ocorrências solicitadas com o apoio aéreo ins-
tantâneo ao resgate e ou subsequente perseguições sem colocar em
risco a vida do agente público de segurança e da população.
Em grandes eventos, como festas culturais, a gestão pública
pode efetuar o rastreamento de pessoas em multidões ou em áreas
com enorme fluxo de cidadãos com a operação da aeronave não tri-
pulada, o qual fornece para as autoridades, em tempo real, opções de
resposta ao problema enfrentado nos eventos no meio das multidões
antes que se agrave (id, 2017).
Nas fronteiras das cidades, o monitoramento pode ocorrer
sem dificuldades, além de obter vantagens de manobrabilidade contra
ações de travessias ilegais, contrabando, tráfico de drogas e tráfico
de animais selvagens. É possível também fornecer dados detalhados
dos intrusos e/ou ilegais a uma distância segura, rápida e eficiente,
cobrindo uma enorme área (id, 2017).
Na indústria de mineração, de acordo com Senva Sensoria-
mento Remoto (2018), a aeronave não tripulada pode efetuar imagens
aéreas, e os dados seriam utilizados para cálculo de volume, inspeções
de áreas, mapeamento, topografia com ganho de tempo que, se com-
parado a métodos convencionais, exigiria mão de obra especializada
e qualificada, o que demandaria muito mais tempo.
A gestão pública nas cidades inteligentes efetuarão recadas-
tramento imobiliário por meio de um cadastro técnico municipal, que
beneficiará o serviço dos servidores públicos, otimizando o processo
de geoprocessamento, tornando o recadastramento imobiliário muito
mais eficiente. Com as imagens aéreas, o município terá atualização das
construções dos imóveis e atualizará os valores prediais e territoriais da
região selecionada, incrementando a arrecadação do Imposto Predial
e Territorial Urbano (IPTU) (AERO DRONE BRASIL, 2018).
Nesse sentido, as prefeituras poderão criar cadastros técnicos
multifuncionais, que consistem em informações geográficas, como

138
imagens e vídeos coletados de uma aeronave não tripulada. Tal ca-
dastro poderá fazer com que as cidades compreendam melhor a sua
expansão urbana e o espaço a ser administrado, obtendo autorização
para a finalidade de elaboração de projetos urbanos, realização de tri-
butos de impostos, licenciamento e fiscalização dos imóveis, gerando
uma melhor qualidade de vida a sociedade (id, 2018).
Nas atividades humanitárias, os resgates e os salvamentos
podem obter uma série de benefícios com a operação de uma aero-
nave não tripulada. Em locais e ambientes que acabaram de sofrer
um desastre, como desmoronamento de terra e encosta, queda de
prédio, alagamento, inundação, enchente, incêndios florestais, resi-
denciais, prediais, e muitos outros, o salvamento necessita priorizar
áreas estabelecidas. Com a aeronave não tripulada, é possível obter
imagens aéreas com alta definição, assim estabelecendo ao agente
público o resgate com melhores informações de possíveis vítimas e
do próprio ambiente.
As possibilidades de aplicações das aeronaves não tripuladas,
nas cidades inteligentes e sustentáveis, vêm agregando benefícios a
toda sociedade, que inicialmente se concentravam em procedimentos
de fotografia e filmagem aérea, mas que hoje estão se direcionando
para operações de inspeção e análise em diversas áreas de uma me-
trópole. Em um futuro próximo, existe a expectativa de se ter opera-
ções com aeronaves não tripuladas para transporte de pessoas e de
cargas a serviços das cidades, porém hoje existe limitações técnicas e
regulatórias para esse tipo de operação.
Assim, é presumível dizer que a aeronave não tripulada assu-
mirá o papel do helicóptero, por se tratar de um meio de transporte
mais econômico e rápido. Essa transformação já está acontecendo, já
que muitas empresas no mundo estão estudando projetos de mobi-
lidade urbana aérea com aeronaves não tripuladas, ou seja, para levar
pessoas e cargas do ponto A para o ponto B.
A empresa chinesa Ehang construiu um protótipo de aeronave
não tripulada, chamado de Ehang 184, com propulsão elétrica e com
capacidade de transportar um passageiro, tendo sua autonomia de
23 minutos com a velocidade de 100 quilômetros por hora, o que,
segundo a empresa, é uma autonomia para pequenas e médias dis-
tâncias, por exemplo, voar dentro de uma cidade. No entanto, esse
tipo de aeronave não tripulada ainda não efetua operações nas prin-
cipais cidades por falta de regulamento necessário para construção e
operação, como hoje em dia é aplicado na fabricação e operação de
aeronaves tripuladas (CANALTECH, 2016).

139
A cidade de Dubai é uma das maiores metrópoles dos Emirados
Árabes Unidos e existe um grande projeto iniciado no ano de 2019 que
pretende operar a primeira linha de táxi aéreo com as aeronaves não
tripuladas. Tal ideia está fortalecendo o conceito de cidades inteligentes
para a cidade de Dubai, pois, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV,
2019), “o enfoque atual é na cidade criativa e sustentável, que faz uso
da tecnologia em seu processo de planejamento com a participação
dos cidadãos”, e assim o Grupo Positivo S.A. (2018) também apresenta
o conceito de que a utilização da tecnologia promove eficiência das
operações urbanas, condicionando um ritmo de evolução econômico
e sustentável, gerindo a mobilidade, conectividade e automação em
benefício das cidades inteligentes e gerando o bem-estar dos cidadãos.
Hoje, compreender a utilização das aeronaves não tripuladas
nas operações das cidades inteligentes também requer estudos em
bases de pesquisas acadêmicas, devido à recente introdução histórica
das aeronaves nas cidades inteligentes. Uma das fontes de pesquisa
reconhecida é a base de dados Web of Science (WOS) que pertence à
ISI Web of Knowledge da Thomson Reuters.
Tal estudo demonstra que o Brasil pesquisa e produz pouco
sobre aeronaves não tripuladas, classificando-se na 15a posição por
contagem de registros de produções acadêmicas na base WOS nos úl-
timos três anos (2017-2019), e que países como China, Estados Unidos,
Coreia do Sul, Itália, Inglaterra, Canadá, Alemanha, Espanha, Austrália,
França, Japão, Índia, Cingapura e Rússia estão à frente do Brasil nas
pesquisas acadêmicas mundiais sobre o tema, respectivamente.
Outro fator conclusivo é a língua portuguesa pouco diferida
nas produções acadêmicas, já que, segundo a WOS, na mesma pesquisa
anterior, as principais línguas diferidas nas produções acadêmicas se-
guem o inglês, russo, alemão, polaco, coreano, português de Portugal,
croata, esloveno, espanhol, turco, japonês, ucraniano e o chinês.
Percebe-se que, apesar de a China ser a maior produtora de
estudos acadêmicos da base de dados WOS, é o país que escreve
menos em sua língua natal, diferindo seus estudos e conhecimento
sobre as aeronaves não tripuladas em outras línguas que não seja a
língua-mãe. Assim, conclui-se que os Estados Unidos seguem forte-
mente em produções e estudos sobre aeronave não tripulada, não por
ser o segundo país a produzir mais, mas por ser o primeiro a ter mais
produções acadêmicas escritas e anunciadas em sua língua “inglesa”.
Isso só demonstra o pioneirismo dos norte-americanos (visto no início
deste capítulo) nos dias atuais com a utilização das aeronaves não
tripuladas em diversos setores da sociedade para as cidades.

140
Diante de todo o exposto neste capítulo, fica evidente que
a utilização das aeronaves não tripuladas nas operações das cidades
inteligentes deve ter o tema detalhado e especificado para cada setor
e área de estudo para público ou privado. Corre-se o risco de se criar
um desenvolvimento não sustentável nas cidades ao ponto de as
aeronaves não tripuladas absorverem as metrópoles como um todo,
transformando em uma espécie de “Cidade para as aeronaves” que,
na visão do autor Gehl (2013), às cidades, deve-se deixar espaços ur-
banizados para o bem-estar da população, como deve ser as “Cidade
para as Pessoas”.
Os autores Lefebvre (1996) e Harvey (2008) vão além no con-
ceito de cidades para as pessoas com o slogan do “Direito à cidade”,
que define que a cidade só está viva e transmite uma qualidade de
vida urbanizada quando as pessoas oferecem incentivo recíproco à
cidade. Assim, é preciso oferecer à cidade espaços urbanizados, e as
pessoas devem ocupar esses espaços. Dessa forma, o direito à cidade
é o direito ao coletivo e não ao individual. A aeronave não tripulada
deve privilegiar o povo e a cidade, e não o contrário, como ocorreu em
muitas cidades, que se desenvolveram para o automóvel e não ao povo.
No futuro, não desejamos congestionamentos de aeronaves
não tripuladas e poluição visual em nossas janelas, se compararmos
à vinda da inovação do automóvel no início do século e à introdução
deles nas cidades que conhecemos. Assim, necessitamos de reais es-
tudos acadêmicos que sejam principalmente difundidos para todas
as cidades, a fim de que todas elas façam uso inteligente da aeronave
não tripulada na sociedade.
Dessa forma, conclui-se que a aeronave não tripulada pode
ser utilizada na maioria dos setores de uma sociedade e na indústria
das cidades inteligentes do futuro. Pelas previsões, sua utilização
durará muitos e muitos anos, à medida que as tecnologias evoluem.
Porém, como já é esperado que a tecnologia tenha uma evolução, a
aeronave não tripulada utiliza-se de GPS, mas ainda não se tem um
suporte adequado dessa tecnologia, por exemplo, dentro de cavernas,
subsolos e florestas fechadas ou, ainda, que se consiga submergir em
um lago ou no mar.
Para o escritor Halpern (2016), documentos, pequenas en-
comendas e pizzas serão transportados e entregues por pequenas
aeronaves não tripuladas. E o transporte de passageiros revolucionará
a mobilidade das grandes metrópoles, pois mudarão não só a forma
de se fazer entregas ou viagens, mas também uma série de serviços e
operações urbanas nas grandes cidades inteligentes do mundo.

141
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144
Capítulo 12
Um novo modelo de mobilidade urbana
sustentável para as cidades brasileiras

Adalberto Felício Maluf Filho

A Mobilidade Urbana Sustentável nas Cidades Brasileiras

Não existe solução fácil para os desafios da mobilidade urba-


na. Diferente de outras políticas públicas tradicionais, como saúde,
educação e segurança pública, quanto mais a renda da população
cresce, mais ela tende a comprar veículos privados e a deixar de usar
o transporte público coletivo, gerando uma bola de neve que impõe
pressões cada vez maiores aos já carentes sistemas de transporte pú-
blico. Segundo o Ministério das Cidades, apenas 9% dos municípios
brasileiros (23% da população) com mais de 20 mil habitantes criaram
seus planos de mobilidade urbana conforme demandado pela Lei no
12.587 (Política Nacional de Mobilidade Urbana), o que demonstra a
dificuldade de modernização e melhorias nesse setor, uma vez que
nem o primeiro passo do diagnóstico e planejamento, nossas cidades
conseguem executar.
Entretanto, o mundo e, em especial, as cidades passam por in-
tenso processo de transformação na maneira de mobilizar e transportar
recursos, pessoas e serviços em seus territórios. Essa transição será um
desafio ainda maior para cidades do mundo em desenvolvimento, em
função da falta de recursos para investir nos projetos necessários para
melhorar a mobilidade urbana. Ao mesmo tempo, nossos governos
incentivaram a venda de veículos (carros e motos com isenções de im-
postos), gerando mais poluição e custos ao sistema de saúde público,
ao mesmo tempo em que reduziu uma importante fonte de recursos
a ser repassada aos munícipios. Ademais, essa política aumentou
drasticamente a quantidade de veículos nas ruas e gerou ainda mais
congestionamento nas cidades, reduzindo os recursos e a competiti-
vidade dos sistemas de transporte coletivo. E os impactos negativos
para a sustentabilidade ambiental e financeira do sistema, a qualidade
de vida e a saúde da população estão aí para nos mostrar os resultados.
Além disso, o setor automotivo passa por uma revolução silen-
ciosa rumo aos veículos elétricos, conectados, autônomos e comparti-

145
lhados, o que impactará diretamente a cadeia produtiva existente no
Brasil. Essas mudanças criarão novas soluções, tecnologias e maneiras
do transporte de pessoas e mercadorias ocorrerem. E esse contexto
surge como uma oportunidade histórica para que nossas cidades
consigam, finalmente, promover a integração de políticas públicas
setoriais, tradicionalmente pouco articuladas, e para apoiar o fomento
da inovação tecnológica no setor automotivo. Como consequência,
poderemos promover cidades mais justas, humanas e com menor
consumo de energia e intensidade de carbono.
Esse novo cenário global está induzindo a transformação do
setor automotivo para as tecnologias do futuro: a indústria 4.0, o uso
da inteligência artificial (IA), a Internet das Coisas (IoT) e o Big Data.
Entretanto, infelizmente no Brasil, a indústria automotiva luta para
postergar esses investimentos, visando à criação de um mercado
reservado, protegido e isolado das cadeias produtivas globais. Esse
processo impactará negativamente nossas cidades, que ficaram su-
jeitas às tecnologias ultrapassadas do passado, de menor eficiência e
maior emissão de poluentes. Ademais, perderemos competitividade
internacional para que nossa indústria possa se inserir nessas cadeias
globais, reduzindo nossas exportações, a mão de obra nesse setor e
sua capacidade de inovação. E, no futuro próximo, nossos produtos
com menor eficiência do que os produzidos em outros países, não
encontrarão mercados para se inserir.
Por outro lado, algumas cidades estão buscando soluções para
tentar fazer com que as pessoas possam viver, trabalhar e realizar a
maioria de suas atividades diárias em locais próximos, preferencialmen-
te em seu próprio bairro. Esse esforço já está tendo bons resultados
em algumas cidades líderes pelo mundo, mas esse fenômeno será
ainda difícil no contexto brasileiro, que ainda sofre com os impactos
de décadas de crescimento desorganizado, centralização de empregos
e abandono das áreas periféricas das grandes cidades.
Mas nem tudo está perdido. Promover os conceitos de uso
misto e diversificado, misturando usos e aproximando residências,
empregos e oferta de serviços, vem rapidamente ganhando espaço no
debate acadêmico e político do Brasil, o que traz novas perspectivas
para a melhoria do uso do solo e da qualidade de vida nas grandes
cidades.
Em suma, o planejamento da mobilidade não pode se separar
do planejamento urbano integrado das cidades, e, em especial, do
modelo de cidade que aquela sociedade deseja para si. Em última
instância, uma importante decisão política de governos e sociedade

146
deve ser tomada em relação aos novos projetos e investimentos
destinados à mobilidade urbana, seja no transporte público, seja no
simples fomento de infraestrutura viária aos veículos particulares,
bem como em suas implicações na qualidade do ar, na redução das
desigualdades e no uso eficiente do espaço público.

A (falta de) integração do planejamento urbano com políticas


de habitação

O foco do planejamento urbano e da mobilidade não pode


continuar sendo a promoção da fluidez dos veículos privados associada
à política habitacional de condomínios populares em regiões afastadas.
Por isso, antes de definir qual o sistema de transporte público urbano
preenche a necessidade e, principalmente, a capacidade financeira de
cada cidade, a busca por um novo modelo de cidades para o futuro
deveria ser debatida.
O WRI Brasil e o ITDP Brasil, junto com as secretarias Nacionais
de Habitação e de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades,
fizeram uma avaliação das duas primeiras fases do programa Minha
Casa Minha Vida. O programa, criado em 2009, já entregou mais de
4,5 milhões de habitações de interesse popular, uma cifra importante
para tentar superar o imenso déficit habitacional no País. Entretanto,
a maioria dos empreendimentos foi feita em regiões afastadas dos
centros das cidades, o que requereu outros investimentos na criação
de infraestrutura de água e esgoto, escolas, creches e postos de saúde,
bem como asfalto e ampliação do transporte público.
O estudo concluiu que, na maioria dos casos, teria sido me-
lhor ao Poder Público ter pagado um pouco mais caro em terrenos
nas áreas centrais, onde essa infraestrutura urbana já existe, em vez
de construir tudo novo, longe dos empregos e serviços disponíveis.
Como referência, o estudo concluiu que cada novo empreendimento
de 3.000 unidades habitacionais pode gerar cerca de R$ 106 milhões
de gastos adicionais com a construção, operação e manutenção dessas
novas infraestruturas públicas por um período de oito anos, o que pesa
muito mais aos cofres públicos do que se tivéssemos investido para
fazer essas construções em regiões centrais das cidades (WRI, 2017).
Atualmente, o Brasil dispõe de milhares de equipamentos públicos
prontos sem que os governos locais possam abrir suas operações por
falta de recursos.
Ao promover cidades mais compactas e menos espraiadas,
criamos, ainda, condições para o fomento da mobilidade humana

147
(não motorizada). O uso da bicicleta e de patinetes como um meio de
transporte gera, ainda, outros benefícios indiretos, desde melhorias
na saúde pública até a participação política mais ativa, provocada por
uma nova percepção do espaço público urbano e das possibilidades
de socialização que a cidade poderia oferecer. Com menores distâncias
para se percorrer, as pessoas teriam mais tempo disponível para se
qualificar, ter tempo de qualidade com suas famílias, acompanhar o
desenvolvimento de seus filhos. Além disso, esse processo ajudaria na
criação de polos regionais de desenvolvimento e empregos, deixando
somente as viagens casa-trabalho e casa-escola, em geral, feitas em
distâncias maiores, para o transporte motorizado.
Com isso, chegamos ao último ingrediente para que as cidades
possam se desenvolver em harmonia e com sustentabilidade: a criação
de uma ampla rede integrada de transporte público limpo e acessível
a todos, integrada com a mobilidade humana (não motorizada) e
outros modais, produzindo cidades mais compactas, diversificadas
e integradas.

O transporte público coletivo no Brasil

O transporte público urbano pode ser definido como a pres-


tação de serviços coletivos de passageiros, sejam eles informais (lota-
ções e alternativos), serviços (aplicativos) ou concessões formais, que
mobilizam pessoas pelas cidades sob linhas e percursos predefinidos
com um mínimo de regularidade e distribuição espacial. O transporte
público engloba táxis e veículos compartilhados (aplicativos), serviços
convencionais de ônibus, barcas, sistemas metroviários ou outros
veículos coletivos.
Os serviços de transporte rápidos, por sua vez, são os serviços
urbanos de transporte coletivo que operam com um melhor nível
de desempenho comercial, especialmente no que tange ao tempo
de viagem, à regularidade e à capacidade de carga de passageiros,
como nos sistemas BRT (serviços rápidos de ônibus), ou nas faixas e
nos corredores exclusivos e os sistemas sobre trilhos.
Priorizar a construção de mais infraestrutura viária a todos os
veículos só consegue aliviar congestionamentos temporariamente.
Nenhuma cidade do mundo conseguiu resolver os desafios dos con-
gestionamentos urbanos construindo mais ou maiores avenidas. Essa
constatação é ainda mais evidente nas grandes cidades norte-america-
nas ou chinesas. Muitas cidades no Brasil também vêm passando por
igual processo de saturação dos viários urbanos disponíveis, na medida

148
em que o aumento na posse e no uso dos veículos privados geraram
forte migração dos usuários do transporte público para o individual,
como motos ou veículos antigos, causando mais congestionamentos
e maior poluição urbana.
Precisamos reverter o espraiamento das cidades, que gera
ainda mais pressão e perda de qualidade ao transporte público, seja
porque as ruas ficam mais congestionadas por carros e motos, seja
porque os sistemas de transporte público estejam perdendo passa-
geiros. Consequentemente, os sistemas ficarão sem sustentabilidade
financeira para operar com um padrão mínimo de qualidade.
Novos recordes de congestionamentos urbanos ocorrem to-
das os anos nas cidades brasileiras. E ainda que o aumento da oferta
desse espaço viário para todos os veículos possa ser importante para
a mobilidade e o desenvolvimento econômico, a chave para cidades
mais justas e sustentáveis reside na decisão política de priorizar inves-
timentos na promoção do transporte público associados às restrições
no transporte individual.

Investimento em novos viários ou na promoção do transporte


público?

Muitas cidades da Europa e dos EUA não executam grandes


projetos viários há alguns anos. Nesses locais, pelo contrário, existe
uma política integrada e consistente de restrição ao veículo privado,
com incentivos e investimentos massivos nos sistemas de transporte
público urbano, em especial, nos sistemas de ônibus e no transporte
não motorizado, incluindo bicicletas e calçadas, todos integrados, e
formando uma rede única. Priorizar o pedestre, depois o ciclista e o
transporte público, e por último, a fluidez do transporte individual.
O carro não é o grande vilão das cidades, mas seu uso exces-
sivo piora muito a qualidade de vida nas cidades. Por isso, buscar uma
gestão democrática do espaço viário urbano, com a escolha dos pro-
jetos e modais certos para a realidade financeira daquela cidade será
primordial para a competitividade dessas cidades em atrair e manter
empregos de qualidade. As cidades deveriam buscar novas maneiras
de participação pública direta para a escolha dos projetos prioritários,
nos quais todas as pessoas, como pedestres, ciclistas e usuários do
transporte público, pudessem ser ouvidas no planejamento urbano e
pudessem opinar sobre a escolha de parte dos investimentos públicos.
Se o uso eficiente do espaço público fosse considerado uma
variável no planejamento urbano, a evolução natural do sistema de

149
ônibus tradicional seria a reserva de cada vez mais vias exclusivas
dentro do viário urbano para a operação de ônibus, como já é feito na
Europa e Ásia, já que elas podem levar até 20 vezes mais passageiros
por hora e por sentido (corredores exclusivos de ônibus levam cerca
de quarenta (40) mil pessoas por hora por sentido, contra menos de
dois (2) mil de uma faixa expressa para carros).
No mundo todo, reservar uma ou mais faixas para os ônibus já
se mostrou como uma solução importante para aumentar a velocidade
e a qualidade do transporte público. Mas infelizmente, em alguns casos
pelo Brasil e pelo mundo, a separação de faixas para ônibus não fora
acompanhada das demais inovações necessárias, como a introdução
de faixas de ultrapassagem para ônibus expressos, formas rápidas
de pagamento (preferencialmente desembarcado ou pré-pago) ou
ainda na necessária reorganização das linhas (alimentadoras e linhas
trocais), integração de novas tecnologias para a criação de uma rede
inteligente, bem como um sistema veloz, integrado e eficiente.
Bons exemplos de projetos para agregar qualidade aos siste-
mas de ônibus existem pelo Brasil, como a inserção de linhas gratuitas
com ônibus elétricos nos centros comerciais (Volta Redonda), a incor-
poração de estações com embarque antecipado e portas externas nas
estações (Curitiba e Belo Horizonte), as faixas de ultrapassagem com
linha expressa e semiexpressa (São Paulo) ou em linhas especiais com
ônibus melhores (Salvador), entre tantos serviços de tecnologia de
informação e comunicação, como aplicativos, mapas, rotas e horários.
Um dos desafios principais de nossas cidades será conseguir
transformar os sistemas convencionais de transporte coletivo em sis-
temas de transporte urbano rápido, que possam reduzir tempos de
viagem com a oferta de uma rede ampla, acessível e integrada. Isso
implicaria veículos com maior velocidade operacional, infraestrutura
exclusiva com prioridade de passagem pelas ruas, serviços expressos
especiais (ou com paradas limitadas), bem como sistemas de cobrança
eficientes e/ou técnicas de embarque e desembarque mais rápidas.
Ainda são poucos os sistemas que atingiram o status de siste-
mas de corredores de ônibus rápido, ou BRT completos, no Brasil. Por
isso, além de aumentar a capacidade de transporte, seja com veículos
maiores ou conjuntos de veículos, seja com serviços mais frequentes
e pontuais, precisamos pensar na melhoria dos veículos (material ro-
dante) para atrair novos passageiros. O foco principal para as cidades
brasileiras deveria ser a melhoria do desempenho operacional e o
aumento da qualidade nos serviços de ônibus, pois eles representam
a grande maioria dos passageiros. Transformar o usuário do transporte

150
público urbano em um cliente, que deseja melhorias e busca conforto
e experiências: essa é a chave para aumentar a demanda pelos sistemas
de transporte coletivos urbanos no Brasil e reduzir os custos do sistema.

Como contratar bons sistemas de ônibus nas concessões


públicas?

Criar indicadores certos para que as cidades possam realizar


licitações com os incentivos corretos para a contratação de concessões
públicas para o transporte público coletivo não é tarefa fácil. Estudos
técnicos compilados pelo Instituto do Ar limpo (CAI-LAC, 2013) ava-
liaram instrumentos e incentivos usados por Santiago e Londres para
melhorar seus contratos ao longo de muitos anos de renegociações
de contrato. O caso de Londres mostra que foram necessários 30 anos
de erros, mudanças e acertos contratuais para poder chegar num bom
modelo de contrato de remuneração baseado na qualidade do serviço
(Quality Incentive Contract) em vez dos modelos tradicionais, como
usado no Brasil, que remunera os operadores de ônibus em função
de planilhas de custos associados à operação com a divisão da receita
por passageiro transportado.
No Brasil, a maior parte das cidades ainda utiliza, como modelo
para cálculos de remuneração aos operadores de ônibus, uma planilha
criada pelo Ministério dos Transportes em 1993 (atualizada em 1996).
A planilha GEIPOT se baseia em premissas de custos operacionais para
definir a tarifa técnica a ser aplicada em cada cidade em função dos
custos locais naquela região. Em 2017, a Associação Nacional de Trans-
portes Públicos (ANTP) elaborou uma nova metodologia, a “Planilha
ANTP”, com novas sugestões para aperfeiçoar esses modelos de con-
tratação, explicadas no livro “Custos dos Serviços de Transporte Público
por Ônibus”. A nova proposta traz importantes inovações, porém não
entra na raiz do problema. Como mudar um modelo de remuneração
baseado em custos, para um modelo que remunere a qualidade do
serviço prestado? Como criar indicadores de desempenho e qualidade,
em vez de critérios de custos e passageiros transportados?
Enquanto não conseguirmos atrelar os modelos de remune-
ração do transporte público coletivo à qualidade de seu desempenho
e a eficiência operacional visando à redução de custos do sistema,
não haverá incentivos para operadores buscarem essas soluções
que possam melhorar a qualidade da operação, em associação com
medidas de redução de custos e melhorias de qualidade. Dessa ma-
neira, as planilhas atuais de remuneração criam desincentivos para os

151
operadores poderem investir em ônibus melhores e mais eficientes. E
indiretamente, inviabilizam para que a indústria brasileira possa ofertar
aqui produtos de melhor qualidade, com menores padrões de emis-
sões de poluentes, de ruídos ou ainda a agregar quaisquer medidas
para melhorar o conforto ao usuário, mesmo que esses ônibus fossem
melhores ou pudessem reduzir custos do sistema.
Em suma, se não mudarmos os incentivos para promover
inovações e ganhos de eficiência, vamos continuar a promover as
tecnologias do passado e piorar a qualidade dos serviços, o que geraria
impactos cada vez maiores em nossas cidades.

A indústria automotiva e as regulamentações das cidades do


futuro

Prover uma mobilidade urbana mais equitativa e sustentável


será um dos temas mais complexos para as cidades do futuro. E se as
cidades estão mudando, o setor automotivo e o setor de energia elétri-
ca também estão mudando rapidamente. Se a inovação e o aumento
da produtividade foram o motor do crescimento econômico no século
passado, as novas tecnologias para um mundo mais sustentável, como
a geração de energia limpa e descentralizada e o uso mais eficiente
de espaço urbano, serão, certamente, chaves para o desenvolvimento
econômico e socioambiental futuro.
Depois dos escândalos de manipulação de dados de emissão
de poluentes que caíram sobre algumas montadoras europeias e nor-
te-americanas, muitos países pelo mundo já anunciaram dadas-limites
para a venda de veículos diesel em suas cidades. Em 2017, a Noruega
foi o primeiro país do mundo a anunciar a proibição de venda de veí-
culos a gasolina ou diesel depois de 2025; Irlanda, Holanda e Eslovênia
proibiram a venda de veículos a combustão após 2030; Escócia em
2032; e França e Reino Unido já colocaram o ano de 2040 como prazo
final. Nos emergentes, a Índia foi a primeira a banir a venda de veículos
a combustão para 2030, a China aumentou recentemente a meta de
elétricos para 20% em 2025 e outros grandes países em desenvolvi-
mento também vêm implementando medidas para reduzir emissões e
fomentar uma indústria mais eficiente para o futuro. Somando-se aos
esforços nos âmbitos federais, muitas cidades pelo mundo também
criaram regulamentações com prazos definidos para redução de po-
luentes, como Londres, Paris ou mesmo São Paulo (Política Municipal
do Clima) estão fazendo. Mas no geral, o Brasil ainda avança a passos
lentos, sem saber como se mover nesse novo contexto, em que lobbies

152
de parte da indústria local que ainda reluta em se modernizar parecem
ganhar na defesa de seus interesses.
Pelo mundo todo, em função da pressão de governos por novas
regulamentações de emissões, muitas montadoras já anunciaram planos
ambiciosos de transição para a eletromobilidade. Em 2018, somente a
venda de veículos elétricos saltou para mais de 2 milhões pelo mundo
(passando a marca de 5 milhões de veículos elétricos vendidos no
mundo), um enorme salto se comparado com as vendas de somente
1 milhão de elétricos em todo o mundo entre 2000 e 2015. A Agência
Internacional de Energia já estima que em 2030, o mundo terá mais de
125 milhões de veículos elétricos nas ruas (Global EV Outlook 2018, AIE).
Uma nova campanha global EV30@30 mostra que já é viável termos
uma fatia de mercado de cerca de 30% de veículos elétricos em 2030.
Outra importante transformação global ocorre no setor de
energia elétrica. As principais tendências nesse setor são resumidas nos
três D da Digitalização, Descentralização e Descarbonização das suas
matrizes energéticas. Cada vez mais os consumidores terão acesso às
informações reais sobre custos para gerar e consumir sua energia, o
que implicará mais transparência e empoderamento do consumidor.
O Fórum Econômico Mundial (WUF, 2018) destaca que a Ele-
tromobilidade terá, ainda, um impacto enorme nos 3D da revolução
do setor elétrico, trazendo uma quarta variável à equação. Com o
aumento da eletrificação, as pessoas terão mais incentivos para gerar
sua própria energia com sistemas fotovoltaicos, ferramentas para en-
tender custos por horário do dia (pico e fora do pico) e a usarem seus
veículos elétricos como baterias estacionárias para retirar sua casa da
rede nos horários de pico, e carregá-los à noite quando as tarifas foram
mais baixas e tivermos maior disponibilidade de energia.
O Brasil, como uma grande potência ambiental da biodiversida-
de e das energias renováveis (hidrelétricas, eólicas, biomassas e biocom-
bustível), não pode ficar de fora dessas grandes transformações globais,
uma vez que poderíamos perder a oportunidade de desenvolver aqui as
soluções para essa economia criativa das cidades inteligentes do futuro.
A complementariedade dos biocombustíveis com a eletromobilidade é
imensa, e o potencial do Brasil para ser um dos líderes dessa revolução
é grande. Não podemos perder essa oportunidade histórica.

Ônibus elétricos como solução para reduzir poluentes e


melhorar os sistemas de mobilidade urbana

O uso dos ônibus elétricos é uma oportunidade efetiva de


reduzir emissões de poluentes e ruídos, ao mesmo tempo em que se

153
melhora a qualidade do transporte coletivo. No Brasil, os primeiros
testes com ônibus híbridos e elétricos foram financiados pelo Banco
Interamericano (BID) e pela rede de cidades C40 Cities. Entre 2012 e
2014, 16 tipos de ônibus (diesel, híbridos e elétricos) foram testados
em São Paulo, Rio de Janeiro, Bogotá e Santiago. O ônibus elétrico da
gigante de tecnologia chinesa BYD (Build Your Dream), a maior fabri-
cante de veículos elétricos do mundo, teve o melhor desempenho
entre todas as tecnologias testadas (com redução de 81% em energia
e 75% em custos operacionais em relação ao diesel).
Também na avaliação econômica do ciclo de vida total (custos
de aquisição, operação e manutenção em 10 anos), os elétricos tiveram
o menor custo total de propriedade (Total Cost of Ownership - TCO),
com uma redução entre 10% e 30% no ciclo de vida nas diferentes
cidades, o que poderia representar uma menor pressão para aumento
de tarifas no futuro (BID e C40 Cities, 2015). Além disso, os testes trou-
xeram à tona dados preocupantes sobre a emissão de poluentes dos
veículos à diesel, que na realidade das ruas foram muito maiores do
que aquelas previstas pelo fabricante na homologação em laboratório,
demonstrando algumas falhas nas regulamentações de emissões no
Brasil e na baixa qualidade do diesel vendido por aqui.
Os primeiros ônibus elétricos em operação comercial no Brasil
rodaram em Campinas (SP) em 2016. Segundo resultados da operação
inicial na cidade, os ônibus tiveram um consumo médio de 1,03 kWh/
km, comparado ao diesel com 2,5 km/l dos modelos à combustão
diesel nos testes pilotos. Dessa maneira, a economia operacional do
elétrico foi cerca de 75% em relação aos custos do ônibus diesel. Esses
resultados foram suficientes para o operador local apostar na tecno-
logia. Entre julho de 2015 e fevereiro de 2016, os primeiros 10 ônibus
entraram em operação. Os resultados do primeiro ano demonstram
a viabilidade técnica e econômica da tecnologia (consumo entre
0,9 kWh a 1,3 kWh) entregando economia de 60% a 75% dos custos
operacionais.
No final de 2016, outro operador da cidade adicionou alguns
ônibus elétricos, totalizando 15 unidades. E no final de 2017, a cidade
anunciou que seria a primeira do Brasil a ter uma zona de baixa emissão
no centro da cidade, a Zona Branca, com o objetivo de ter 10% da frota
total de ônibus totalmente eletrificada até 2020. Depois de Campinas,
outras cidades, como Santos, Brasília e recentemente Volta Redonda e
Bauru, também estão implementando projetos com ônibus elétricos.
Até o final de 2018, pelo menos 10 cidades já tinham ônibus elétrico
operando no Brasil.

154
São Paulo é outro exemplo positivo de política pública para
promover a melhoria de qualidade do sistema ao mesmo tempo em
que busca reduzir a emissão de poluentes locais e de gases do efeito
estufa. A atualização da Lei do Clima, aprovada na Lei no 16.802 de
17/01/2018, sinaliza que a nova concessão de ônibus terá que realizar
uma transição para combustíveis de baixo carbono, na medida em
que requer uma redução gradual do uso dos combustíveis fósseis até
sua completa eliminação em 20 anos. Com isso, São Paulo se junta a
um rol de mais de 200 metrópoles mundiais que assumiram metas de
redução de poluentes nos sistemas de transporte público pelo mundo
desde a COP21 em Paris.

Emissão de poluentes locais e gases do efeito estufa

Os veículos pesados são os maiores emissores do material


particulado fino (MP 2,5) e dos óxidos de nitrogênio (NOx), sendo esses
poluentes os mais prejudiciais à saúde humana (ANTP, 2016). Ademais,
veículos são grandes emissores de dióxido de carbono (CO2) e do
black carbono, principais causadores do aquecimento global. A matriz
energética do Brasil é predominantemente renovável, o que permite
o uso de veículos elétricos como estratégia de redução de emissões.
Em 2015, a URBS (Urbanização de Curitiba) testou três tecno-
logias de ônibus: dois híbridos, um elétrico e um diesel. O relatório
final destaca que o ônibus elétrico da BYD teve um IPK maior (índice
passageiro/km) em relação ao diesel (5,13 e 4,80) bem como redução
de cerca de 50% no custo operacional e ampla aceitação (91%) dos
passageiros entrevistados (URBS, 2015). No estudo, a URBS introduz o
cálculo da emissão de CO2 eq. no ciclo de vida da operação. As conclu-
sões do estudo apontam que elétricos podem reduzir em até 86% a
emissão CO2 eq./km em comparação aos veículos a diesel. Os resulta-
dos servem de guia para efetiva transição ao baixo carbono no Brasil.
Estudo recente publicado na revista Nature (Scientific Report,
2018) demonstrou como os veículos pesados a diesel podem repre-
sentar entre 40% e 47% da emissão de alguns dos principais poluentes,
embora sejam somente 5% do total de veículos em circulação. Essa
constatação demonstra a importância de se buscar soluções para a
eletrificação desses veículos primeiramente. Mesmo porque, os sis-
temas de ônibus urbanos, de gestão de resíduos sólidos e de táxis/
aplicativos para passageiros são todos concessões públicas, em que
o prefeito tem autoridade e prerrogativas de criar regulamentações
para melhorar sua operação e a minimizar seus impactos das cidades.

155
Ideias para melhorar sistemas de ônibus do Brasil

Na perspectiva do usuário/cliente dos transportes públicos,


uma rede integrada, servindo a maior parte dos locais de origens e
destinos dentro da cidade, é fundamental para a utilidade do trans-
porte público nos deslocamentos usuais, repetidos para acesso ao
trabalho e à educação. Os sistemas de ônibus têm a maior capilaridade
pela cidade, passando próxima à residência, ao trabalho e ao local de
estudos da maior parte da população urbana. Por isso, transformar a
operação dos ônibus urbanos em sistemas integrados e mais eficientes
poderia transformar usuários de ônibus em clientes mais satisfeitos.
Ademais, oferecer conforto e comodidade às viagens poderiam
agregar novos passageiros ao sistema, especialmente adultos da classe
média-alta, que pouco usam o transporte público pela falta de conforto
ou informação sobre as rotas. Pesquisas mostram que é comum que
o serviço de ônibus seja mal avaliado por aqueles que não usam seus
serviços, mostrando uma falta de informação sobre a real situação de
alguns sistemas de ônibus que já incorporaram algumas melhorias.
Os ônibus urbanos poderiam oferecer melhores serviços aos
seus clientes, com ambientes em estações e paradas mais agradáveis,
com artigos de conforto, como cadeiras e bancos, ventilação natural,
televisão e conveniências diversas aos clientes, assim como os sistemas
ferroviários oferecem, porém, a um custo muito menor que poderia
gerar uma expansão muito rápida por toda a cidade. Transformar a
operação de ônibus próxima à realidade dos metrôs, visando agregar
qualidade para atrair passageiros, poderia trazer impactos positivos
para a cidade, como o uso mais justo e equitativo do espaço público,
a oferta de transporte de maior qualidade para uma parcela maior da
população. E esse processo ajudaria a consolidação dos biocombus-
tíveis e dos veículos elétricos (ou híbridos plug-in com etanol), o que
apoiaria o desenvolvimento da nova indústria nacional e a geração de
emprego e renda com essas novas tecnologias.

Dez ideias para melhorar a mobilidade urbana no Brasil

1. Integrar políticas públicas urbanas, em especial no


planejamento das políticas de desenvolvimento urbano,
habitação e trabalho, visando construir cidades cada vez
mais densas, integradas, com usos mistos e espaços públicos
de qualidade, com o objetivo de reduzir a quantidade e a
distância total das viagens nas cidades.

156
2. Promover o transporte não motorizado com investimento
em calçadas de boas qualidade para pedestres, bem como
no fomento de ciclo-rotas e ciclovias junto aos sistemas de
bicicletas compartilhadas próximas às estações do transporte
público, ou em órgãos públicos e grandes geradores de via-
gens (shopping/universidades/ comércio) para atrair novos
usuários ao transporte coletivo.
3. Integração modal e tarifária entre diversos tipos de trans-
porte, o que é imprescindível para um uso mais eficiente da
rede existente. A primeira, e talvez mais importante integração
é com o pedestre, já que em algum trecho da viagem todos
somos pedestres. Travessias seguras e iluminadas, calçadas
largas e confortáveis proporcionam ganhos de tempo para
o sistema e qualidade de vida às pessoas. A integração com
a bicicleta e outros modos de transporte individual como
aplicativos ou táxis também deve ser parte integrante do
planejamento de qualquer sistema.
4. Melhorias nos sistemas de ônibus coletivos com priori-
dade no viário e nas ações de gestão monitorada de tráfe-
go. A primeira medida é a separação física de faixas e novos
corredores de ônibus. Essa ação, mesmo que somente com
pintura e fiscalização eletrônica, já aumentaria a velocidade
operacional dos ônibus. E maior velocidade significa mais
oferta de lugares sem a necessidade de adicionar mais ônibus
na rua, gerando assim mais eficiência e menor custo de opera-
ção. Com o aumento da demanda, as faixas de ultrapassagem
seriam uma boa maneira de ganhar ainda mais velocidade,
permitindo a introdução de linhas expressas de ônibus, cujos
veículos poderiam passar estações rapidamente, ganhando
grande eficiência operacional.
5. Estações/ Paradas seguras com oferta de serviços. Um
dos principais elementos no avanço dos sistemas de ônibus
rápidos pelo mundo foi a entrada das estações fechadas com
pagamento “desembarcado”. Atualmente, usuários de ônibus
urbano perdem muito tempo para que todos possam subir os
degraus estreitos dos ônibus e validar seus cartões, ou pagar
em dinheiro. Filas podem se formar e ônibus perdem preciosos
minutos parados para o embarque de poucos passageiros
adicionais. As paradas de ônibus precisam funcionar como
as estações do metrô. Isso não significa necessariamente que
todas as estações precisam ser fechadas, com pagamento

157
antecipado, mas onde ocorrerem filas e perda de tempo, de-
vemos buscar soluções, mesmo que temporárias ou somente
nos horários de pico. E para promover maior conforto dentro
das paradas, o uso de ar-condicionado, ventiladores e cadeiras
deve ser considerado também. Tudo isso deve ser somado a
uma política de segurança extensiva próxima das paradas e
estações de transporte.
6. Design urbano, requalificação e melhoria do espaço pú-
blico próximo aos corredores. Muitas regiões onde ficam
terminais urbanos se deterioraram nas últimas décadas, porém
continuavam a ser regiões importantes pela infraestrutura
existente. Por isso, reforçar a vitalidade dos terminais é es-
sencial para o desenvolvimento local dos bairros, bem como
promover o uso misto com atividades e serviços disponíveis
por ali. Calçadas largas, paisagismo nos canteiros, maior
arborização, mobiliário urbano e projeto arquitetônico mo-
derno das estações, essas e outras medidas são uma grande
oportunidade para investimentos nas melhorias do espaço
público e a valorização do transporte público.
7. Identidade de marketing: Os sistemas de transporte público
do Brasil, em especial os de ônibus, não têm uma identidade
forte com nome, cores e logos de fácil identificação, ou
ainda de mapas compreensíveis e acessíveis sobre a opera-
ção do sistema. Precisamos criar novas soluções tecnológicas
para facilitar o acesso à informação do transporte público,
sejam via sinalização, tabelas com horários e rotas, sejam ainda
fortes campanhas de marketing para atrair mais clientes de
classe média-alta, com a integração dos dados do sistema
com os smartphones da população.
8. Uso de tecnologias para a cidade inteligente integradas
ao transporte público. Os ônibus podem ser equipados com
GPS e sensores para ajudar na gestão monitorada do trânsito
urbano como um todo e permitir maior integração com novos
aplicativos e soluções inovadoras vindas das startups do nova
economia criativa.
9. Eletrificação do transporte público coletivo. Com as ino-
vações tecnológicas recentes nos motores e nas baterias, os
ônibus elétricos apresentam grande potencial de redução
de emissão de poluentes locais e globais, em especial, se as-
sociados às políticas para promoção de geração de energias
limpas e renováveis.

158
10. Criação de regiões de baixa emissão de poluentes e con-
cessões de ônibus com novos critérios de desempenho.
Precisamos fomentar legislações de zonas de baixas emissões
para transformar regiões sensíveis da cidade, bem como criar
novos critérios para remuneração da operação dos ônibus,
mudando de sistemas que remuneram operadores por custos
e passageiros transportados para sistemas com indicadores de
qualidade, que são remunerados pela qualidade dos serviços
e não por passageiros transportados.

Considerações finais

Priorizar investimentos no transporte público é sem dúvida


crucial para balancear com mais justiça social as cidades brasileiras,
acuadas por índices crescentes de congestionamento, poluição, vio-
lência e outros problemas socioambientais graves. Ao mesmo tempo,
vivemos uma oportunidade histórica para reorganizar o uso dos espa-
ços urbanos, promovendo maior integração entre as políticas públicas
e fomentando projetos de melhoria da mobilidade e da qualidade de
vida para a população.
Esse novo contexto poderia impactar a capacidade da indús-
tria automotiva nacional de competir num futuro próximo, em que a
mobilidade elétrica, conectada e autônoma, bem como os serviços
e a logística compartilhada, será o centro da mobilidade urbana nas
cidades. A China é um bom exemplo de como o governo pode ala-
vancar esses setores, fomentando políticas integradas para reduzir
poluição e sua dependência dos combustíveis fósseis importados, ao
mesmo tempo que direciona e investe na transição da indústria para
liderar essa revolução limpa. O Brasil não pode ficar dormindo em
berço esplêndido, isolado do mundo para sempre. Corremos o risco de
ficar muito para trás e perder o bonde da história e das tecnologias do
amanhã. A mobilidade elétrica e a geração descentralizada de energia
limpa renovável, em especial, a solar fotovoltaica, já são líderes de
mercado em várias cidades e países pelo mundo. E esse processo só
deve crescer nos próximos anos.
Infelizmente, não existe solução mágica para melhorar a mobi-
lidade urbana de toda e qualquer cidade, mas existe, sim, um conjunto
de ações integradas e complementares que pode oferecer opções de
vários modais de qualidade acessível para todos os cidadãos. Por isso,
antes de discutir qual o sistema de transporte urbano que se enquadra
na necessidade e capacidade financeira das cidades, temos que buscar

159
um consenso anterior. Em qual modelo de cidades queremos viver?
Muitos projetos de mobilidade feitos nas últimas décadas
foram lançados sem estudos econômicos consistentes, para depois se
transformarem em graves desequilíbrios financeiros aos governos e à
sociedade local. Atualmente, algumas cidades estão sem perspectivas
de novos investimentos urbanos em função de escolhas equivocadas
do passado. Por isso, trazer recursos do setor privado via Parcerias
Público Privadas (PPP) pode ser uma solução interessante para esse
cenário de crise fiscal e de necessidade de maior transparência nos
custos e investimentos desse setor.
Os estudiosos do transporte público sabem que não existe
uma solução única em todos os contextos de cidades, uma vez que
tudo depende das circunstâncias locais de geografia, contexto po-
lítico-institucional, bem como das possibilidades e capacidades de
investimento, disponibilidade de viário urbano e realidade socioeco-
nômica local.
Como os fatores que afetam a escolha tecnológica incluem
investimentos (custo do terreno, desapropriações e infraestrutura),
bem com os custos operacionais, precisamos cada vez mais focar no
custo de operação global para soluções e equipamentos em nossas
cidades. No Brasil, infelizmente, ainda não aprendemos a planejar o
futuro e integrar adequadamente as políticas públicas que interagem
entre si. Enquanto isso não ocorrer de forma efetiva, teremos que nos
focar somente em uma parte das soluções para problemas multicausais
cada vez mais complexos.
A consolidação dos sistemas de ônibus rápidos (faixas, cor-
redores e BRT) foi uma boa opção no que se refere aos custos de
infraestrutura, rapidez na execução e na estabilização dos custos ope-
racionais, porém muitos desses sistemas estão operando com baixa
qualidade, com ônibus velhos, poluentes e barulhentos, e ainda pouco
integrados aos demais modais. Isso reduz seus possíveis benefícios
ambientais e sociais como a redução do tempo de viagens, ruídos e
a poluição urbana. Precisamos dar um novo salto de qualidade, exi-
gindo ônibus cada vez mais limpos e silenciosos (como os elétricos
a bateria), medidas visando ao conforto do usuário (como uso de
suspensão pneumática, câmbio automático e motores traseiros), bem
como soluções que a população demanda, como wi-fi Gratuito e USB
para recarrega de energia.
Precisamos transformar os usuários do transporte público
em clientes conscientes de seu papel em prol de uma cidade mais
humana, limpa e de baixo carbono. Gerar sua própria energia limpa,

160
diretamente do sol, e consumir com sabedoria os recursos finitos deste
planeta será crucial para nossa capacidade de sobreviver às mudanças
climáticas e aos desafios do século XXI. Precisamos fomentar a cria-
ção de cidades mais humanas e sustentáveis para atrair e capacitar
os jovens talentos do mundo, pois nosso planeta precisa de uma
grande revolução em prol da economia criativa e da energia limpa,
e o sucesso das cidades em desenvolver e atrair esses empregos do
futuro está na sua capacidade de oferecer o mínimo de qualidade de
vida para todos esses novos empreendimentos. O Brasil não pode ficar
deitado em berço esplêndido, pois o mundo está mudando, e nós não
queremos ficar atrás.

Referências

ANTP. Impactos ambientais da substituição dos ônibus urbanos


por veículos menos poluentes, 2016.
__________. Custos dos Serviços de Transporte Público por Ôni-
bus, 2017.
BID. As tecnologias de baixo carbono podem transformar as cida-
des da América Latina, 2014.
CAI-LAC. Incentive structure in transit concession contracts: The
case of Santiago, Chile, and London, England, 2013.
SCIENTIFIC REPORTS. Disentangling vehicular emission impact on
urban air pollution using ethanol as a tracer, 2018.
URBS. Avaliação Comparativa de Novas Tecnologias para Operação
no Transporte Coletivo de Curitiba, 2015.
WRI. Minha casa mais Sustentável, 2017.

161
Capítulo 13
Instrumentos de mensuração para os
projetos de cidades inteligentes no
Brasil

Marcos Cesar Weiss


Roberto Carlos Bernardes

A intensa urbanização, a forte competição por mercados e por


atores qualificados, o esgotamento dos recursos naturais, a obsolescên-
cia das infraestruturas públicas e as necessidades e expectativas sociais
por qualidade de vida fazem com que as tecnologias da informação
e comunicação (TIC) passem a ter relevante papel na construção da
prosperidade das cidades. Essas tecnologias podem oferecer os meios
para o planejamento e gerenciamento da ação governamental, para
a promoção da transparência, eficiência no gerenciamento das in-
fraestruturas públicas e na prestação de serviços aos cidadãos, para a
promoção de novos campos de inovação e estreitamento das relações
entre todos os atores que atuam nas cidades, transformando padrões
de relacionamento e de colaboração.
As possibilidades trazidas pelas TIC sugerem que, no futuro,
as cidades poderão se configurar como plataformas para o desenvol-
vimento e fornecimento de serviços, sobre as quais todos os atores
poderão ver suas demandas atendidas ou mesmo colaborar, criando
uma cultura de competências cocriativas essenciais para as inovações
em espaços urbanos, de sorte que outros se beneficiem delas. Essas
plataformas de serviços, inovativas e criativas, vão cobrir desde o
provimento de redes de comunicação sem fio e de alta velocidade
até o desenvolvimento e fornecimento de aplicações especificamente
construídas para o monitoramento, o gerenciamento e a interação
com os subsistemas urbanos, implementando maior inteligência em
suas dinâmicas.
O termo “cidade inteligente” tem ganhado as agendas da aca-
demia, dos governos, da iniciativa privada e também de organizações
não governamentais. Por ser ainda um conceito emergente e ainda em
construção, tem sido utilizado para referenciar diferentes dimensões
e elementos que caracterizam a cidade como inteligente. Diferente-

162
mente de outros conceitos aplicados às cidades – digital, sustentável,
humana, criativa, informacional, ubíqua –, a cidade inteligente se fun-
damenta no aspecto colaborativo entre os diferentes atores, incluindo
os cidadãos, para identificação, desenvolvimento e implementação de
tecnologias, incluindo aplicativos voltados para a dinâmica urbana,
ultrapassando apenas a disponibilização de infraestrutura digital.
Nesse sentido, adotamos o conceito de cidade inteligente
como sendo “aquela que realiza a implementação de tecnologias da
informação e comunicação – TIC – de forma a transformar positiva-
mente os padrões de organização, aprendizagem, gerenciamento da
infraestrutura e prestação de serviços públicos, promovendo práticas
de gestão urbana mais eficientes em benefício dos atores sociais,
resguardadas suas vocações históricas e características culturais”
(WEISS, 2016).
Mais do que em qualquer outro tempo, as novas configu-
rações urbanas vão se conformando como canais de informação
e conhecimento, reformulando suas características produtivas e
impelindo as cidades a considerar as perspectivas e papéis próprios
dos empreendedores em suas estratégias de políticas local e global:
coexistir, colaborar, competir, evoluir e prosperar, utilizando inova-
ções tecnológicas, de forma que a distância geográfica não seja um
impeditivo para que haja proximidade entre elas e os atores que nelas
atuam ou delas dependam.
No debate sobre o tema cidades inteligentes, é evidenciado
que as TIC são fundamentais para a sua realização. Elas se configuram
como ferramentas para proporcionar facilidades que promovam um
ambiente de vida melhor para os cidadãos em todos os aspectos, viabi-
lizar o posicionamento competitivo das cidades e auxiliar no desenho
de um futuro urbano sustentável. Assim como há diferentes definições
para o termo, há também diferentes métricas, e modelos avaliativos
de inteligência urbana também têm sido propostos e revisados com
o intuito de demonstrar quais são suas efetivas características e como
se comportam as cidades inteligentes, comparativamente com outras
cidades. Cada um desses modelos, a seu termo, caracteriza-se como
ferramenta razoável para compreender e aferir as iniciativas e tem
sido desenvolvido, mantido e aplicado em determinados cenários
geográficos, culturais e econômicos.
Os principais modelos são oriundos da Europa e, embora
possam ser aplicados em diferentes contextos, levam em consideração
que determinados desafios das cidades inteligentes, como a própria
infraestrutura de TIC ou alguns serviços, como educação e saúde, já

163
estão há longo tempo vencidos e, portanto, partem desses pressupos-
tos para avançar em outras direções. No contexto brasileiro, a adoção
ou o transplante puro e simples desses modelos se configura como
um desafio adicional. De fato, podem servir de exemplificação ou
mesmo de orientação, mas não de aplicação sem qualquer adaptação
ou reflexão mais crítica, considerando as especificidades dos vazios
institucionais existentes na realidade nacional.
O Smart Cities Ranking é uma iniciativa desenvolvida pelo
professor Rudolf Giffinger e outros colaboradores da Universidade
de Tecnologia de Viena, a partir do ano de 2007. O instrumento foi
consolidado de forma sistematizada e publicado em 2010, como
resultado do trabalho conjunto dos professores Rudolf Giffinger e
Gudrun Haindlmaier. Ele tem por objetivo estabelecer um ranking de
cidades europeias de forma que possibilite a todos os atores identificar
aspectos positivos e pontos de melhoria no universo compreendido.
Segundo seus propositores, o modelo foi desenvolvido de acordo com
os seguintes objetivos específicos: transparência sobre um grupo sele-
cionado de cidades; elaboração e ilustração de características e perfis
específicos de cada cidade; encorajamento de benchmarking entre as
cidades selecionadas; identificação de forças e fraquezas para discus-
sões estratégicas e aconselhamento político. Os critérios de escolha
de cidades inicialmente propostos contemplavam cidades europeias
com: a) sistema educacional com ao menos uma universidade, b)
população entre 100 mil e 500 mil habitantes, e c) área de captação
menor do que 1,5 milhões de habitantes. Esses critérios resultaram
em uma lista de 70 cidades. Sobre essas cidades, aplicou-se o modelo,
constituído pelo conjunto de seis características desdobradas em 31
fatores e esses fatores desdobrados em 74 indicadores oriundos de
banco de dados da Urban Audit, da Eurostat (European Statistic) e
da European Observation Network for Territorial Development and
Cohesion (ESPON).
Posteriormente, já para os estudos realizados pelos proposito-
res em 2015, o Smart Cities Ranking passou por modificações, contem-
plando novos campos-chave e domínios influenciadores do ranking.
O modelo atualizado considera as mesmas seis características, agora
chamadas de campos-chave, tendo atualmente 27 domínios (anterior-
mente chamados de fatores) que se desdobram em 90 indicadores:
Economia Inteligente (indicadores: espírito inovador; empreende-
dorismo; imagem da cidade; produtividade; mercado de trabalho;
integração internacional); Pessoas Inteligentes (domínios: educação;
aprendizado ao longo da vida; pluralidade étnica; pensamento aber-

164
to); Governança Inteligente (domínios: consciência política; serviços
públicos e sociais; administração transparente e eficiente); Mobilidade
Inteligente (domínios: sistema local de transportes; acessibilidade
nacional e internacional; disponibilidade de infraestrutura de TIC;
sustentabilidade do sistema de transportes); Ambiente Inteligente
(domínios: qualidade do ar; consciência ecológica; gerenciamento
sustentável de recursos); Vida Inteligente (domínios: equipamentos
culturais e de lazer; condições de saúde; segurança individual; quali-
dade de moradia; equipamentos de educação; atratividade turística;
coesão social).
Os critérios de escolha das cidades participantes do Smart
Cities Ranking também foram modificados, passando a ter: a) disponi-
bilidade de indicadores superior a 80%; b) população entre 300 mil e
1 milhão de habitantes; e c) cidades listadas no Urban Audit Database.
Esse modelo é amplamente utilizado na Europa e em alguns estudos
sobre algumas cidades na Ásia.
O Modelo Integrativo de Cidades Inteligentes, proposto por
Hafedh Chourabi, Taewoo Nam, Shawn Walker, J. Ramon Gil-Garcia,
Sehl Mellouli, Karine Nahon, Theresa A. Pardo e Hans Jochen, sob o
título Understanding Smart Cities: An Integrative Framework e apresen-
tado inicialmente na 45th International Conference on System Sciences,
2012, parte do princípio segundo o qual a transformação das cidades
em cidades inteligentes emerge como uma estratégia para mitigar
os problemas gerados pela rápida e crescente população urbana.
Para os propositores, a cidade inteligente é aquela que combina de
forma crescente as redes digitais de telecomunicações (os nervos), a
inteligência ubíqua embarcada (os cérebros), os sensores e etiquetas
(os órgãos sensoriais) e o software (as competências cognitivas e de
conhecimento).
O modelo proposto por Chourabi e outros parte do conceito
de cidade inteligente para articular que o sucesso de iniciativas de
cidades inteligentes está sustentado por oito fatores determinantes –
pessoas e comunidades; economia; infraestrutura construída; ambien-
te natural; governança; circundando os fatores tecnologia; organização
e política –, não tendo como objetivo a criação de indicadores que
possam, de alguma forma, propor um ranking de cidades inteligentes.
O objetivo é elucidar os aspectos críticos e que devem ser considerados
no início de projetos que visem à construção de cidades inteligentes.
O tema da Gestão e Organização é um aspecto pouco explora-
do na literatura, segundo os propositores, mas de grande importância.
Para as iniciativas de cidades inteligentes, o fator gestão e organização

165
deve considerar um conjunto de desafios para estratégia de integração
entre as camadas dimensionais que estruturam a organização de uma
cidade inteligente.
A dimensão de Tecnologia, particularmente as TIC, é um di-
recionador expressivo para a implementação de cidades inteligentes,
tendo em vista sua aplicação no gerenciamento da infraestrutura
e no fornecimento de serviços. Sobre esse fator, implementadores
devem, segundo os propositores, atentar para certas dimensões e
desafios específicos. Segundo os propositores, muitas cidades cidade
se beneficiam, ou deveriam se beneficiar, dos avanços em TIC para
incrementar suas práticas de governança. A governança baseada em
TIC, chamada de governança inteligente, representa o “conjunto de
tecnologias, pessoas, políticas, recursos, normas sociais e informações
que interagem para apoiar a cidade em suas atividades de governo”.
Os aspectos que determinam uma boa prática de governança inte-
ligente para os autores são: transparência; colaboração; liderança;
participação e parceria; comunicação; troca de informações; integração
de aplicações e serviços; responsabilidade objetiva (accountability).
A dimensão do Ambiente Institucional Político é um fator relevante
para o modelo, visto que os componentes tecnológicos devem inte-
ragir com os componentes políticos (governo, conselhos e câmaras
legislativas, partidos políticos). Esses componentes políticos devem ver
valor nos resultados obtidos com a iniciativa e, mais do que isso, devem
apoiar a agenda de implementação. Sobre esse fator, os propositores
não explicitam desafios e estratégias, mas apontam caminhos de
convergência e observância às leis e normas que regulam o governo
e as relações que envolvem as cidades.
Cidades não existem sem pessoas e comunidades. A dimensão
de Recursos Humanos, cidadãos e comunidades, segundo os pro-
positores, tem sido um aspecto negligenciado em muitas iniciativas
de cidades inteligentes, que dão foco exclusivamente aos aspectos
tecnológicos. Embora eles reconheçam que as TIC são fundamentais
para a constituição de pessoas e comunidades mais inteligentes,
reconhecem também que a implementação dessas tecnologias tem
impacto significativo sobre a vida delas e que, portanto, elas devem
estar sempre informadas, educadas e participantes. Além disso, as
visões e necessidades das pessoas e das diferentes comunidades
existentes na cidade devem ser levadas em conta por ocasião do
desenvolvimento da iniciativa. Isso faz com que seu engajamento se
faça de maneira mais apropriada e permanente: iniciativas de cidades
inteligentes devem permitir que os cidadãos participem ativamente

166
dos processos de gestão e governança, tornando-se, assim, usuários
ativos das funcionalidades trazidas pelas iniciativas.
Com relação ao fator infraestrutura construída, os proposito-
res afirmam que a disponibilidade e qualidade da infraestrutura de
TIC – redes de comunicação e pontos de acesso sem fio, quiosques e
sistemas de informação orientados a serviços – são pontos relevantes a
se considerar nas iniciativas. A exemplo do proposto no fator tecnolo-
gia, o fator infraestrutura construída também se reveste de dimensões
específicas e desafios a serem suplantados.
Sobre o fator Ambiente Natural, os propositores asseveram
que as TIC podem ser utilizadas para a melhoria da sustentabilidade e
da gestão dos recursos naturais. Não postulam, entretanto, quaisquer
dimensões, desafios ou fatores críticos a serem observados.
O Smart Cities Readiness Guide é um esforço capitaneado
pelo Smart Cities Council, sediado na cidade de Redmond, nos Es-
tados Unidos, em um trabalho conjunto da indústria de tecnologia,
de representantes da academia e de gestores públicos de diferentes
cidades parceiras do conselho. O modelo tem por objetivo entender
e discutir os aspectos fundamentais que levam uma cidade ao status
de cidade inteligente, incluindo os aspectos relacionados às TIC. Ele
é desenhado para auxiliar prefeitos, gestores públicos, planejadores
urbanos e outros agentes e atores voltados às questões da dinâmica
urbana na tomada de decisões, posicionando-se como um instrumento
independente e isento de fornecedores de tecnologias e serviços.
Considerando a cidade inteligente como aquela que usa as TIC
para melhorar as condições de vida e de trabalho e a sustentabilidade,
o Conselho define, também, as três funções-chaves de uma cidade
inteligente: coletar, comunicar e analisar. O modelo proposto pelo
Smart Cities Council parte do princípio de que há responsabilidades
da cidade – o que ela precisa realizar para os cidadãos – e existem
seus viabilizadores – tecnologias que podem ajudar a tornar tarefas
mais fáceis. Cada responsabilidade da cidade deve ser suportada por
tecnologias viabilizadoras que atendam aos requisitos definidos no
modelo: instrumentação e controle; conectividade; interoperabilidade;
segurança e privacidade; gerenciamento de dados; recursos compu-
tacionais e analíticos.
Para o Conselho, melhorar a vida das pessoas significa pro-
porcionar aos cidadãos o acesso confortável, limpo e eficiente a um
sistema de saúde adequado; escolas boas e bem gerenciadas; sistema
rápido de resposta a emergências; água e saneamento de qualidade;
mobilidade; baixos índices de criminalidade; opções culturais e de

167
entretenimento diversificadas; condições de trabalho, para acelerar
o desenvolvimento econômico, com mais e melhores oportunidades
de trabalho trazidas por robustas arquiteturas digitais; suficiência e
eficiência na infraestrutura pública; sistemas educacional, de energia,
habitação e comercial, aliados a um modelo de transportes de qualida-
de. Finalmente, sustentabilidade que focalize de forma equilibrada o
uso dos recursos naturais, o desenvolvimento humano e que promova
o bom uso dos recursos financeiros da cidade.
A aferição proposta pelo modelo se dá pela aplicação de
avaliação de atendimento dos requerimentos tecnológicos, conside-
rados os requerimentos funcionais levando em conta quatro níveis
de implementação (ou prontidão): nenhum, parcial, acima de 50%
e completo. Em outras palavras, as responsabilidades da cidade são
avaliadas em termos de uso de TIC, considerando sete requerimentos
tecnológicos que são avaliados seguindo uma escala de quatro níveis
de progresso de implementação. Os resultados obtidos dessa aferição
apoiam o desenho de um plano de implementação em que se deter-
mina prioridades de execução.
O Smart Cities Maturity Model é resultado de um trabalho
conduzido pelo Governo da Escócia e realizado conjuntamente com
a Aliança de Cidades Escocesas, que engloba as cidades de Aberdeen,
Dundee, Edinburgh, Glasgow, Inverness, Perth e Stirling. Esse modelo,
desenvolvido entre 2013 e 2014, foi publicado em janeiro de 2015 en-
volvendo os princípios constituintes de uma cidade inteligente e um
guia de autoavaliação para uso pelas cidades de forma que elas possam
averiguar o estágio em que se encontram rumo à cidade inteligente,
decidir em que ponto deverão estar em 2020 desde que alinhadas
às prioridades estratégicas, identificar quais investimentos e ajustes
são necessários para que a decisão seja levada a termo e considerar
quais partes interessadas deverão ser envolvidas para a realização dos
objetivos. O modelo adota uma abordagem baseada no princípio de
sistemas para desenvolver e entregar serviços modelados de forma
colaborativa e com resultados compartilhados para além das fronteiras
organizacionais. Dados e sistemas adequados, combinados e focaliza-
dos na gestão da cidade, estão no coração das cidades inteligentes,
ordenados em um processo simples e linear.
Cinco são as dimensões-chave do modelo, avaliadas segundo
uma escala de maturidade: a) Intenção Estratégica: planejamento de
execução e de investimentos em tecnologias digitais e dados, de for-
ma que estimule a colaboração e entregue resultados aprimorados,
alinhados com as prioridades da cidade; b) Dados: uso efetivo de

168
dados para assegurar melhores resultados; c) Tecnologia: realização
de investimentos em arquitetura de TIC abertas, flexíveis, integradas
e escaláveis para acelerar a inovação em serviços; d) Governança e
Modelos de Entrega de Serviços: adaptação da organização tradicio-
nal para realizar as oportunidades trazidas pelas tecnologias digitais
e pelos dados; e) Engajamento de Cidadão e Negócios: utilização
das tecnologias digitais e dados para incrementar a transparência,
abertura e inclusão.
Como a cidade inteligente emerge da integração de dados e
tecnologias digitais em uma abordagem estratégica para a sustenta-
bilidade, o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento econômico,
seu sucesso está diretamente ligado à capacidade que as cidades de-
senvolvem para promover maior eficiência na prestação de serviços e
transformar-se em lugares mais atrativos para investidores, residentes,
visitantes e para a comunidade de negócios. A escala de maturidade
utilizada para a averiguação da maturidade das cidades inteligentes é
conformada em cinco níveis diferentes, identificando as dimensões e
os aspectos mais críticos nos quais o Poder Público deve centrar suas
atenções e seus investimentos. Essa escala observa um determinado
conjunto de características para cada uma das dimensões-chave pro-
postas pelo modelo. A leitura do modelo se faz do particular para o
geral, complementando-se a aferição particular com o resultado dado
pela caracterização geral.
Com a utilização desse modelo, segundo seus idealizadores,
as cidades podem identificar os pontos de melhoria nos quais devem
colocar seus esforços em direção à obtenção de vantagens no cenário
regional e global visando desenvolvimento econômico e melhores
condições de vida para suas populações.
Recentemente, a norma NBR ISO 37120:2017 – Desenvolvi-
mento sustentável de comunidades: indicadores para serviços urbanos
e qualidade de vida – foi traduzida e publicada no Brasil. Ela tem sido
utilizada por algumas entidades ou mesmo por agentes públicos
como um instrumento para “medir as cidades inteligentes”. Há que se
considerar, entretanto, que essa norma prima por definir e padronizar
determinados indicadores para as infraestruturas e serviços urbanos e
qualidade de vida, que podem ser utilizados pelos atores – governo ou
não – para que estes possam colocar em prática políticas e ações que
promovam a sustentabilidade, no mais amplo significado do termo,
mas sem qualquer tipo de referenciamento às TIC propriamente ditas.
A NBR ISO 37120:2017 contempla indicadores relacionados à econo-
mia; educação; energia; ambiente; finanças; resposta a incêndios e a

169
emergências; governança; saúde; recreação; segurança; alojamento;
resíduos sólidos; telecomunicações e inovação; transportes; planea-
mento urbano; águas residuais; água e saneamento.
O Br-SCCM – Brazilian Smart Cities Maturity Model – se configu-
ra como uma iniciativa no sentido de definir uma modelo de avaliação
para as cidades inteligentes. Embora o modelo contemple um conjunto
amplo de indicadores (educação, saúde, água, energia, governança,
segurança, meio ambiente, habitação, tecnologia e transporte) bas-
tante similares aos definidos na norma NBR ISO 37120:2017, apenas
os domínios “água”, “saúde” e “educação” estão definidos.
Cada um dos modelos apresentados até aqui, resguardados
suas características e objetivos, busca uma abordagem para auxiliar
gestores públicos e a sociedade de forma geral, incluindo a iniciativa
privada, a conhecer, entender, planejar e avaliar iniciativas de cidades
inteligentes. Alguns deles reconhecem a importância e contemplam
as TIC como aspectos avaliados, mas, em todos os casos, de forma
genérica e sem ingressar nos aspectos funcionais e integrativos dessas
tecnologias. Não se mostram suficientes para averiguar a necessária
prontidão das TIC para a gestão das cidades no que diz respeito ao
foco na automação de processos administrativos e operacionais em
áreas específicas, requisitos funcionais que devem ser atendidos
minimamente, exigências de integração e troca de dados entre os
diferentes sistemas de informação utilizados, além de proporcionar
aos atores, particularmente aos agentes do Poder Público em nível
local, um roteiro evolutivo de implementação dessas tecnologias que
pode auxiliar no planejamento, execução e verificação de resultados
de iniciativas que visem à cidade inteligente sobre a perspectivas
das TIC. Resta, portanto, saber o que essas tecnologias devem mini-
mamente contemplar, de forma progressiva e integrada, para que os
investimentos em recursos humanos, técnicos e materiais não sejam
realizados de forma dispersa, cabendo ao Poder Público, particular-
mente, a missão de averiguar o que fazer e em que direção seguir,
no sentido de habilitar a cidade com tecnologias capazes de apoiar a
transformação necessária e esperada pelos diversos atores.
Nessa direção, um Modelo Avaliativo de Prontidão de TI tem
sido proposto e disponibilizado, de forma que se possa estabelecer
uma relação direta entre domínios e dimensões da dinâmica urbana
e tecnologia aplicáveis à sua manutenção. Esse modelo parte do prin-
cípio de que a cidade é um sistema ao qual se conectam subsistemas
primários e, a estes se conectam subsistemas secundários que se
desdobram em aplicações de TIC.

170
Fonte: WEISS, 2016.

Em outras palavras, a cidade inteligente é o sistema principal


ao qual se ligam seis subsistemas primários – domínios – e a cada um
desses sistemas primários, se ligam seis subsistemas secundários – di-
mensões. Esses domínios e suas respectivas dimensões representam
as principais agregações de obrigações, responsabilidades ou boas
práticas diretamente vinculadas ao Poder Público. É esperado que a
cidade inteligente seja, portanto, capaz de viabilizar as dimensões e,
consequentemente, os domínios com a utilização das TIC.

Fonte: WEISS, 2016.

Essa utilização das TIC se dá pelo incremento sistemático de


características e funcionalidades que podem, em um nível mais baixo,
representar o uso elementar das tecnologias ou mesmo a sua não
existência para uma dada aplicação e, em um nível mais alto, o uso
avançado de tecnologias de ponta que representem o estado da arte.
Da mesma forma, como os subsistemas urbanos guardam
entre si certas interações e dependências, o modelo também consi-
dera que determinadas dimensões de diferentes domínios também
observam certas interações e dependências, formando uma rede de
colaboração entre tecnologias, particularmente entre sistemas de

171
informação. Por um lado, algumas dimensões podem guardar apenas
uma interação e, por outro, outras dimensões podem guardar inú-
meras interações. Assim, como forma de resolução do modelo para
a determinação da prontidão das TIC, as ligações entre dimensões
são explicadas por meio da teoria das redes complexas, em que as
dimensões (nós) e as conexões formadas entre pares de dimensões
(arestas) determinem sua dinâmica e resolução.
Esse Modelo Avaliativo de Prontidão de TI permite promover
maior aprofundamento sobre o diagnóstico e planejamento das
TIC aplicáveis à gestão das cidades em termos de funcionalidades
esperadas e requisitos de integração e intercâmbio de dados entre
as diferentes tecnologias e diferentes sistemas de informação. Ele
possibilita a realização de uma visão holística e de dependência entre
domínios e dimensões da gestão da cidade; permite habilitar gover-
nos, organizações não governamentais, cidadãos, empresas e outros
atores interessados na gestão das cidades com uma ferramenta capaz
de identificar, avaliar e projetar as possibilidades de utilização das TIC
para o incremento da eficiência na gestão; possibilita a identificação
e gerenciamento de riscos inerentes ao desenho, execução e aferição
de resultados de projetos de TIC pelo Poder Público em nível local;
propicia a criação de um plano avaliativo e evolutivo de implemen-
tação das TIC na gestão das cidades, considerando o incremento de
funcionalidades tecnológicas necessárias a cada dimensão da gestão
urbana e as integrações necessárias entre as dimensões de um mesmo
domínio ou de outros domínios.
Uma busca rápida no Google certamente trará outros tantos
modelos de avaliação ou ferramentas de auditoria e similares. Mesmo
algumas empresas fabricantes de tecnologias têm algum tipo de mé-
todo ou modelo de avaliação; geralmente só disponíveis como parte
de um acordo comercial ou em um esforço de marketing visando
negócios futuros. Realmente, cidades inteligentes têm se tornado um
excelente negócio.
O desafio que se coloca diz respeito a como se pode olhar e
avaliar as cidades, de forma independente da indústria de TI ou de
partidos políticos e com vistas ao bem dos atores em suas expectativas
e necessidades. O marketing político ou o canto da sereia da indústria
de TI não podem se sobrepor às reais necessidades das cidades.
No Brasil, particularmente, não é raro encontrarmos iniciati-
vas de cidades que vão em direção à implementação de centros de
comando e controle ou ainda se lançam nas trilhas da internet das
coisas e do big data, em detrimentos de componentes ou sistemas

172
muito mais simples e necessários, como um sistema de prontuário
único no sistema municipal de saúde ou mesmo a possibilidade de
agendamento de consultas médicas por meio da internet ou ainda o
acompanhamento escolar também por meio da internet.
Um modelo de gestão baseado no conceito de cidade inteli-
gente não deve ser um modelo baseado no determinismo tecnológico
ou em um emaranhado de ideologias neoliberais, com abordagens
tecnocráticas. Ao contrário, as cidades inteligentes unem o potencial
de organização e transformação das tecnologias com estruturas de
governança adequadas, confiáveis e que incluam pessoas criativas
e abertas à inovação, capazes de aumentar a produtividade local,
condição imprescindível para o crescimento econômico. Elas devem
promover a pluralidade social, cultural e política, tendo as TIC como
ferramentas preferenciais. Em outras palavras, cidades equipadas com
muitas tecnologias modernas não são necessariamente melhores do
que outras nem tão bem equipadas.

Referências

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Measure and Compare Inequality in Cities. In: 16th Annual International
Conference on Digital Government Research, 2015, Phoenix. Anais
[…]. p. 230-238.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 37120:2017.


Desenvolvimento sustentável de comunidades: indicadores para
serviços urbanos e qualidade de vida. p. 87, 2017.

CHOURABI, H. et al. Understanding smart cities: an integrative frame-


work. In: 45th Hawaii International Conference on System Sciences,
2012, Hawaii. Anais eletrônicos […]. Albany: Center for Technology
in Government, 2012. p. 2289-2297.

GIFFINGER, R. et al. Smart Cities: Ranking of European Medium-sized


Cities. Vienna: Centre of Regional Science, 2007. Disponível em: http://
smartcity-ranking.org/download/ smart_cities_final_report.pdf.

GIFFINGER, R.; HAINDLMAIER, G. Smarter cities ranking: an effective


instrument for the positioning of cities? ACE: Architecture, City and
Environment, n. 12, p. 7-25, 2010.

173
SCOTTISH CITIES ALLIANCE. Smart Cities Maturity Model, 2015. Dis-
ponível em: http://www.scottishcities.org/smartcities/.

SMART CITIES COUNCIL. Smart Cities Readiness Guide, 2013. Dispo-


nível em: <http://smartcitiescouncil.com/resources/smart-cities-rea-
diness-guide>.

WEISS, M. C. CIDADES INTELIGENTES: proposição de um modelo


avaliativo de prontidão das tecnologias das informação e comunica-
ção aplicáveis à gestão das cidades. 2016. p. 289. Tese (Doutorado em
Administração) – Centro Universitário da FEI, São Paulo.

174
Capítulo 14
Energias renováveis e inovação em
cidades

Claudia Terezinha Kniess


Mauro Silva Ruiz

Atualmente, em função de mais da metade da população


mundial residir em áreas urbanas (UNFPA, 2007), são muitos os desa-
fios enfrentados pelas cidades. Em geral, esses desafios relacionam-se
a demandas por energia, segurança hídrica, saneamento ambiental,
habitação, mobilidade, entre outras. Vários deles se encontram entrela-
çados e/ou imbricados entre si, impondo dificuldades à implantação e
implementação de políticas públicas integradas que possam dar conta
de seus múltiplos efeitos sobre as comunidades e a sociedade em geral.
Um desses desafios é a dependência de recursos naturais em
função de nossos modelos de produção e consumo serem fortemente
atrelados ao uso de combustíveis fósseis (Mills; Cleugh; Emmanuel;
Endlicher; Erell; McGranahan, 2010). Esse desafio não se restringe ao
âmbito das cidades, estendendo-se a todos os países do mundo, po-
rém, em situações de colapso na oferta de energia, as áreas urbanas,
com grandes adensamentos populacionais, são as mais afetadas.
Nesse sentido, a garantia da sustentabilidade na oferta, bem como o
gerenciamento eficiente do seu uso, são temas relevantes e atuais na
agenda das cidades.
Como uma resposta a essas preocupações, vários países ao
redor do mundo vêm estimulando, pela via das políticas públicas, a
diversificação e ampliação da oferta de energias renováveis em suas
matrizes energéticas. Cidades em nível global também estão incor-
porando conceitos de cidades inteligentes e sustentáveis e criando
estruturas de gestão diferenciadas, fundamentadas em tecnologias
existentes e em inovações tecnológicas, para enfrentar os entraves à
sustentabilidade urbana impostos pela crescente demanda energética
e por vários outros desafios urbanos atuais.
O conceito de cidades inteligentes e sustentáveis (smart and
sustainable cities) ainda se encontra em construção e diz respeito às
cidades baseadas em um modelo de gestão inteligente, ancorado em

175
tecnologias de informação e comunicação, cujo objetivo repousa em
maneiras de viabilizar a sustentabilidade em todas as suas interfaces.
Inteligência, nesse sentido, seria meio, e sustentabilidade, fim (Nalini;
Silva Neto, 2017).
Nesta reflexão, adotou-se como premissa que a efetiva
apropriação, a utilização das tecnologias atualmente disponíveis e
o estímulo às inovações tecnológicas constituem o caminho para a
ampliação do uso das energias renováveis e o enfrentamento dos
desafios da sustentabilidade da oferta de energia e do uso ainda ine-
ficiente desse recurso nas cidades. Nesse sentido, o presente capítulo
pretende trazer reflexões envolvendo energias renováveis e inovação,
tomando-se como referências as discussões sobre a participação das
fontes renováveis de energia nas matrizes energética e elétrica bra-
sileira e mundial, inovação e energia no contexto das cidades, como
também os conceitos de inovação e laboratório de inovação.

Energias Renováveis e Sustentabilidade

Energias Renováveis

A questão energética mundial é um assunto que tem recebido


destaque e relevância no que tange à sustentabilidade. A demanda por
energia, que os hábitos atuais impõem ao sistema de geração, é cada
vez maior. Esse crescimento não pode ser dissociado de preocupações
ambientais e sociais, tendo em vista que a energia gerada passa pelo
processo de extração e transformação a partir de recursos naturais
(Dupont; Grassi e Romitti, 2015).
A urbanização rápida e não planejada, a concentração de
indústrias, a acumulação de riquezas sem a distribuição igualitária de
benefícios sociais, o crescimento acelerado e a degradação ambiental
são alguns fatores que motivaram a busca do desenvolvimento sus-
tentável nas cidades (Acserald, 2001). Nesse sentido, para acompanhar
esses ritmos de crescimento é essencial que exista uma preocupação
com a capacidade de renovação dos recursos naturais. Os países devem
se estruturar com a construção de matrizes energéticas adequadas às
necessidades e aos recursos disponíveis. Segundo Sampaio (2009),
para que se tenha a racionalidade ecoenergética, é necessário buscar
uma maior eficiência no uso dos recursos naturais. Nesse cenário,
destaca-se as fontes renováveis de energia.
Energia renovável é uma expressão usada para descrever uma
ampla gama de fontes de energia que são disponibilizadas na natureza

176
de forma cíclica. As fontes renováveis de energia podem ser utilizadas
para gerar eletricidade, calor ou para produzir combustíveis líquidos
para o setor de transportes.
As energias renováveis (como biomassa, eólica, solar, bio-
massa, geotérmica das ondas e a das marés e centrais hidrelétricas de
pequeno porte) têm um importante papel a desempenhar no cenário
mundial (Lucon e Goldemberg, 2009). Torna-se imprescindível que
essas fontes estejam inseridas nas políticas energéticas dos países, já
que exercem um papel importante para a sustentabilidade do sistema
energético. Além dessas fontes de energia serem menos poluentes,
pela sua própria natureza, são produzidas em pequenas unidades.
A descentralização da produção de energia resulta em aumento na
segurança de fornecimento e na criação de empregos.
De maneira geral, as fontes de energia renovável fornecem
apenas uma fração da energia se comparadas com as grandes cen-
trais. Essa característica permite duas categorias de fornecimento de
energia para as cargas. A primeira refere-se aos sistemas que podem
estar conectados diretamente à rede pública de distribuição de energia
(grid-tie). A outra categoria está relacionada aos sistemas autônomos,
ou isolados, na qual o sistema de geração fornece a energia necessária
para as cargas (Roggia et al., 2011).
No que se refere à produção de eletricidade, as fontes renová-
veis de energia, exceto a hidráulica, que é a fonte majoritária na matriz
elétrica brasileira, são consideradas ainda com alto custo em razão do
preço obtido pela energia nos leilões de aquisição promovidos pelo go-
verno federal. Nesse contexto, observa-se que as novas tecnologias, de
forma geral, apresentam um custo mais elevado. No entanto, questões
relacionadas com o aumento da demanda, inovações tecnológicas,
marcos regulatórios e “curvas de aprendizado” tendem a contribuir
com a mudança desse cenário.
Segundo o Balanço Energético Nacional 2018 – ano-base
2017 (MME, 2018a), o Brasil dispõe de uma matriz elétrica de origem
predominantemente renovável, com destaque para a geração hidráu-
lica que responde por 65,2% da oferta interna. As fontes renováveis
representam 80,4% da oferta interna de eletricidade no Brasil, que é
a resultante da soma dos montantes referentes à produção nacional
mais as importações, que são essencialmente de origem renovável. No
entanto, a supremacia da geração hidráulica ficou menos acentuada
em 2017, contra os 68,1% verificados em 2016 (64% em 2015, 65,2%
em 2014 e 70,6% em 2013).

177
Matriz Energética e Matriz Elétrica Brasileira e Mundial

A matriz energética contempla todo tipo de energia liberada


para ser transformada, distribuída e consumida para diversas finali-
dades. É importante ressaltar que a matriz energética é formada por
fontes primárias de energias, como a solar, petróleo, biomassa, carvão,
gás natural, hidráulica, entre outras (Mantovani, 2016).
A Oferta Interna de Energia (OIE) (total de energia disponibi-
lizada no País), em 2016, ficou em 288,3 Mtep (milhões de toneladas
equivalentes de petróleo), mostrando retração de 3,8% em relação a
2015 e equivalente a 2,07% da energia mundial. A expressiva queda da
OIE, coerente com o recuo de 3,6% na economia, teve como principais
indutores a redução de quase 20% nas perdas na transformação, devi-
do à menor geração termelétrica, e a redução de 5,3% no consumo do
setor energético (queda de 7% na produção de etanol) (MME, 2017a).
Já em 2017, a OIE atingiu 293,5 Mtep, registrando um acrés-
cimo de 1,8% em relação ao ano anterior. Parte desse aumento foi
influenciada pelo comportamento das ofertas internas de gás natural
(subiu 6,7%) e energia eólica (subiu 26,5%) no período. Outra con-
tribuição para a expansão da oferta interna bruta foi a retomada da
atividade econômica em 2017 (MME, 2018a).
Segundo os dados do Balanço Energético Nacional 2018 (ano
-base 2017) e da Resenha Energética Brasileira 2017 (MME, 2018b), as
matrizes energéticas brasileira e mundial são compostas das seguintes
fontes primárias de energia (Tabela 1).

Tabela 1 - Oferta Interna de energia no Brasil e Mundo (%)


2017
Fonte
Brasil OCDE Outros Mundo
Derivados de petróleo 36,20 35,90 25,80 32,00
Gás natural 12,90 27,60 20,40 22,40
Carvão mineral 5,60 16,50 35,30 26,50
Urânio 1,40 9,70 2,30 5,00
Hidro 11,90 2,30 2,50 2,50
Outras não renováveis 0,60 0,50 0,10 0,30
Outras renováveis 31,20 7,70 13,60 11,30
Biomassa sólida 23,90 4,20 12,00 8,90
Biomassa líquida 6,10 1,02 0,19 0,63
Eólica 1,24 1,12 0,41 0,69

178
Solar 0,024 0,64 0,48 0,52
Geotérmica 0,00 0,64 0,53 0,55
Total (%) 100,00 100,00 100,00 100,00
dos quais renováveis 43,20 10,00 16,10 13,80
Total (Mtep) 293,50 5.293,00 7.850,00 13.822,00
% do mundo 2,10 38,30 56,80
Notas:
a) estimativas N3E/MME para o último ano, a exceção do Brasil;
b) somente o mundo inclui bunker: 2,7% da OIE em 2017;
c) carvão inclui gases da indústria siderúrgica; e
d) “outros” excluem OCDE e Brasil.
Fonte: Resenha Energética Brasileira 2018 – Ano-base 2017 (MME, 2018b).

A Resenha Energética Brasileira 2017 (MME, 2018b) traz uma


análise sobre a matriz energética e a matriz elétrica mundial no período
de 1973 a 2017. Nos últimos 44 anos, as matrizes energéticas do Brasil
e de outros blocos do mundo apresentaram significativas alterações
estruturais. No Brasil, houve forte aumento na participação da energia
hidráulica, da bioenergia líquida e do gás natural. No bloco da Organi-
zação para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), houve
forte incremento da energia nuclear, e a seguir, do gás natural. Em
“Outros” países, houve forte incremento do carvão mineral e do gás
natural. Em todos os blocos, houve recuo na participação de derivados
de petróleo (MME, 2018b). Em termos de presença de fontes renováveis
na matriz de energia, é notável a vantagem do Brasil, registrando 43,2%
de participação em 2017, contra 10,0% da OCDE e 16,1% dos outros
países. O mundo fica com um indicador médio de 13,8%.
Nesse mesmo período, as matrizes de Oferta Interna de
Energia Elétrica do Brasil, da OCDE e de “outros” países apresentam as
mesmas tendências de redução das participações de petróleo (óleo) e
hidráulica, e de aumento das participações das demais fontes, a exce-
ção do carvão mineral. No caso do carvão mineral, de 2013 a 2016, o
Brasil reverte a tendência de queda, verificada até 2012. O baixo regime
de chuvas dos últimos anos e os sucessivos aumentos na capacidade
instalada a carvão propiciaram uma maior geração por esta fonte. Na
OCDE, o carvão mineral perdeu 12,9 pontos percentuais, de 1973 a
2017 (MME, 2017b e 2018b).
A Tabela 2 apresenta os dados das matrizes energéticas brasi-
leira e mundial em termos das fontes primária de energia (MME, 2018b).

179
Tabela 2 – Oferta interna de Energia Elétrica no Brasil e Mundo (%)
FONTE 2017

Brasil OCDE Outros Mundo


Derivados de petróleo 2,00 1,60 5,60 3,80
Gás natural 10,50 29,00 21,50 24,50
Carvão mineral 2,60 25,00 46,50 36,00
Urânio 2,50 17,90 5,00 10,60
Hidro 65,20 12,90 16,50 16,10
Outras não renováveis 2,00 0,40 0,10 0,20
Outras renováveis 15,10 13,20 4,80 8,80
Biomassa sólida 8,20 3,00 0,90 2,20
Eólica 6,80 7,50 2,80 4,90
Solar 0,13 2,40 0,90 1,50
Geotérmica 0,00 0,40 0,20 0,30
Total (%) 100,00 100,00 100,00 100,00
dos quais renováveis 80,40 26,10 21,50 24,90
Total (TWh) 624,00 10976,00 13578,00 25181,00
% do mundo 2,50 43,60 53,90
Notas:
a) dados do mundo e outras regiões de 2017, estimados pelo DE/SPE;
b) biomassa sólida inclui biogás, lenha, lixívia, bagaço de cana, resíduos de madeiras, casca de arroz.
Fonte: Resenha Energética Brasileira 2018 – Ano-base 2017 (MME, 2018b).

Observa-se que o Brasil apresenta uma significativa diferença


na participação da energia hidráulica de 65,2% em 2017, contra ape-
nas 12,9% na OCDE, e de 16,1% nos “outros países”. Os percentuais de
fontes renováveis na matriz elétrica brasileira nos últimos anos são:
2017 (80,4%), 2016 (81,7%), 2015 (75,5%), 2014 (74,6%) e 2013 (78,3%).
Em relação à participação de combustíveis fósseis na matriz elétrica,
o Brasil apresenta o percentual de 17,1%, contra 56,0% dos países da
OCDE e 73,6 de “outros países”.
Em 2017, a Oferta Interna de Energia Elétrica (OIEE) ficou em
624,3 TWh, montante 0,7% superior ao de 2016 (619,7 TWh). Por fonte,
merecem destaque os aumentos de 26,5% na oferta por eólica e de
16,2% por gás natural. A geração solar teve aumento de 876%, mas
sobre uma base ainda baixa em 2016 (MME, 2018a).
O consumo final de eletricidade no País em 2017 registrou
uma progressão de 0,9%. Os setores que mais contribuíram para esse

180
aumento foram o comercial (1,5%) e o industrial (1,1%). O setor resi-
dencial também teve um aumento de 0,8% no consumo de energia
elétrica em relação a 2016.
Em 2016, a micro e minigeração distribuída atingiu 104,1 GWh
com uma potência instalada de 72,4 MW, com destaque para a fonte
solar fotovoltaica, com 53,6 GWh e 56,9 MW de geração e potência
instalada respectivamente. Já em 2017, houve o aumento de 245%
na geração distribuída. A micro e mini geração distribuída atingiu
359 GWh (46,2% solar, 23,35 hidráulica, 2,5% gás natural, 5,0% eólica
e 22,8% outras fontes renováveis) (MME, 2018a).
As fontes de energia renováveis, como eólica ou fotovoltai-
ca, apresentam algumas particularidades que devem ser analisadas,
principalmente no que tange a sua variabilidade no tempo. Assim, ao
mesmo tempo em que se tem uma série de benefícios ambientais,
deve-se considerar um aumento na sensibilidade a questões climáticas
como dias nublados ou sem vento, em que a geração dessas fontes
é menor. Esses são fatores motivadores pela busca de inovações que
remetem a novas alternativas para o armazenamento de energia, já
prevendo um cenário com baixa dependência em fontes não renová-
veis, mas com capacidade estável de geração.
A indústria (33,3%) é o maior consumidor de energia e per-
manece nesta posição desde 1971, logo em seguida aparece o setor
de transporte (32,5%) e em terceiro lugar o consumo energético
residencial (9,6%). Assim como a indústria vem ocupando a primeira
posição desde a década de 1970, os setores de transporte e residencial
também ocupam a segunda e terceira posições respectivamente nesse
mesmo período. Os três setores representam 75,4% do consumo de
toda energia produzida no planeta em 2015 (MME, 2018b).

Inovação em Cidades

Inovação e Laboratórios de Inovação

O conceito de inovação surgiu na década de 1930 (Schum-


peter, 1961) para explicar a introdução de novas ideias no processo
produtivo e, desde então, vem ampliando o seu significado. Tradicio-
nalmente, o termo inovação sempre esteve associado à tecnologia,
porém, nas últimas décadas, também foram difundidos outros tipos
de inovação como a organizacional e a de marketing, por exemplo
(Kniess; Ruiz; Correa; Moutinho, 2016), embora entre essas duas so-
mente a primeira terá destaque neste capítulo.

181
Na visão de Schumpeter (1961), inovação refere-se a avanços
tecnológicos que geram melhoramentos e que propiciam o surgi-
mento de novos métodos, produtos e serviços que estão diretamente
ligados ao desenvolvimento econômico e se caracterizam como força
motriz da prosperidade. Esse autor destaca que a inovação tem o
efeito desestabilizador sobre uma situação dominante, criando uma
necessidade de reorganização diante dos novos parâmetros, em um
ciclo evolutivo contínuo.
A inovação pode ser vista como um processo sistêmico, que
envolve inúmeros atores que atuam segundo lógicas e prioridades
distintas, e que só se realiza em um ambiente estimulante e catalisador
de competências e iniciativas de cada um (Stal; Campanário; Andreassi;
Sbragia, 2006).
No conceito tradicional de Schumpeter (1961), as empresas
eram vistas como principais “lócus de inovação”, porém, à medida que
os modelos de inovação tecnológica evoluíram, essa visão mudou,
incorporando as universidades, o Estado e os agentes de inovação
como players importantes no seu processo de geração, desenvolvi-
mento e consolidação.
No caso de inovação em cidades, os laboratórios de inovação
vêm exercendo um papel importante como agentes de inovação,
catalisando pessoas, profissionais qualificados e startups com ideias
criativas e com potencial de geração de novas tecnologias aplicáveis
à gestão de demandas dos ambientes urbanos. Esses laboratórios são
locais projetados como “espaços de interação” e para a promoção do
diálogo e do networking, entre diferentes representantes de segmentos
da sociedade interessados na busca de solução para problemas das
cidades. Na prática, se traduzem em espaços coworking que propiciam
um ambiente fértil para a troca de ideias que resultam em novos pro-
cessos, produtos ou serviços fundamentados em problemas urbanos
(MJV Technology & Innovation, 2017).
Esse é o caso do Mobilab – Laboratório de Inovação em
Mobilidade de São Paulo – que desde 2014 aloja startups que estão
desenvolvendo soluções criativas e aplicativos voltados à superação
desafios da mobilidade urbana na cidade de São Paulo a partir de
dados de geolocalização gerados pelos ônibus de São Paulo e abertos
pela Secretaria de Transportes Urbanos à população.
Iniciativas similares às que estão em desenvolvimento na área
de mobilidade urbana poderão se estender também para a área de
eficiência energética em edificações, por exemplo, via o desenvolvi-
mento de aplicativos que possibilitem a identificação de pontos de

182
maior consumo e a adoção de estratégias de verificação e redução
desse consumo.

Classificações de Inovação e Aproximações para o Contexto


de Cidades

Há várias classificações de inovação, de modo que as mais


importantes serão conceituadas e comentadas neste capítulo, aproxi-
mando-as, sempre que possível, do contexto de cidades. Destaque-se,
em princípio, que, antes de falar de cidades inteligentes e sustentáveis,
cabe mencionar brevemente os processos de desenvolvimento e de
apropriação de inovação em cidades.
Além de serem desenvolvidas na forma tradicional em empre-
sas, universidades, incubadoras e, mais recentemente, nos laboratórios
de inovação, numa abordagem mais recente, as inovações também
podem ocorrer dentro e fora desses ambientes, oriundas de ideias
apresentadas por potenciais usuários a desenvolvedores ou, ainda, por
pesquisas e processos concebidos e desenvolvidos dentro e fora de
qualquer uma dessas organizações, caracterizando o que se denomina
atualmente inovações abertas.
A apropriação de inovações é um fator relevante e desafiador,
já que os resultados de pesquisas e a emergência de novas tecno-
logias têm aspectos de bem público, pois os custos para torná-las
disponíveis aos usuários em geral são baixos se comparados com os
seus custos de desenvolvimento (Manual de Oslo, 1997). Quando as
tecnologias resultam de inovações em processos, produtos e serviços
desenvolvidos em startups instaladas em laboratórios de inovação ou
em incubadoras, esses custos podem se tornar ainda mais reduzidos
pelo fato de serem compartilhados entre todos os instalados nesses
ambientes.
Cabe destacar que a busca de inovações em níveis de secre-
tarias e/ou órgãos de governo, no âmbito de cidades que estão se
alinhando com perspectiva das cidades inteligentes e sustentáveis,
pode se traduzir em inovações de vários tipos, quais sejam: de pro-
dutos, serviços e organizacionais.
As inovações em produtos no contexto de energia para as
cidades referem-se a mudanças em produtos que otimizam o aprovei-
tamento desse insumo. Os telhados total ou parcialmente cobertos por
painéis fotovoltaicos, também chamados de “telhados verdes”, podem
ser vistos como inovações em produtos. Nesses casos, a inovação ge-

183
ralmente está no equipamento, como pode ser exemplificado por um
telhado descrito por Jordani (2018), construído com painéis de célula
solar de filme fino em que a camada da célula solar compreende a
composição de uma célula solar de película fina de silício amorfo e de
uma célula solar de filme fino de telluride de cádmio. Essa composição
favorece a captação e transformação da energia solar fotovoltaica em
energia elétrica.
Em relação à inovação em serviços na área de energia para
as cidades, destaca-se o gerenciamento das redes de transmissão
e distribuição (T&D) com soluções baseadas na tecnologia de rede
“inteligente” (smart grid). Essas tecnologias estão ajudando as con-
cessionárias e as comunidades do mundo todo a buscar ideias novas
sobre como conservar energia, assegurar um abastecimento confiável,
habilitar novos serviços e aumentar a responsabilidade ambiental, tudo
isso usando uma rede de energia que já está sobrecarregada pelas
demandas da sociedade moderna (Accenture, 2018).
Inovações em cidades oriundas da integração de dados de
diversas áreas ou setores governamentais (por exemplo, transporte,
congestionamentos, qualidade do ar, internações por doenças respi-
ratórias), via tecnologias embarcadas (dispositivos móveis, câmeras)
e outras favorecidas pela miniaturização e ausência de fios cabos
(wireless) também podem ser vistas como inovações organizacionais.
Os laboratórios de inovação são locais adequados para esses dados
serem trabalhados, possibilitando a geração de inovações em produtos
que, posteriormente, contribuirão para inovações organizacionais e
para a otimização de processos na gestão pública.
Dessa forma, ideias criativas surgidas em startups alojadas
nesses laboratórios de inovação, a partir da interação com pessoas do
ambiente interno ou com a colaboração de parceiros externos, podem
induzir inovações organizacionais que envolvem atividades que de-
mandam a integração de várias áreas e/ou secretarias de governo, a
exemplo do que vem acontecendo a partir do amadurecimento das
startups instaladas no Mobilab de São Paulo (Caires; Ruiz, 2018).
Esses três tipos de inovação, dependendo de suas naturezas
ou impactos, podem ser classificados em duas categorias: inovações
radicais ou incrementais. As radicais envolvem novos princípios de
engenharia ou científicos, abrem novos mercados e novas aplicações e
tendem a causar grandes mudanças em nível mundial. As incrementais
geralmente introduzem pequenas mudanças a um produto existente e
são percebidas de maneira menos agressiva que as radicais, promoven-
do um contínuo processo de mudança lenta e gradual (Vasconcellos;

184
Marx, 2011). No caso de inovações em cidades, em especial, no setor
público, elas tendem a ser de natureza incremental.

Energia para as Cidades: Geração Descentralizada e Marcos


Regulatórios

A resolução normativa ANEEL no 482/2012 (Agência Nacional


de Energia Elétrica), que entrou em vigor em abril de 2012, fundamenta
as diretrizes da microgeração e minigeração distribuída no Brasil. Esse
documento, fundamental no campo das políticas públicas do setor
energético, inaugurou o novo modelo do sistema elétrico brasileiro,
permitindo que o consumidor possa gerar sua própria energia elétrica
a partir de fontes renováveis ou cogeração qualificada, assim como
fornecer o excedente de energia produzida para a rede de distribuição
de energia (ANEEL, 2015).
A microgeração distribuída caracteriza-se por uma central ge-
radora de energia elétrica que utilize fontes renováveis de energia com
potência instalada menor ou igual a 75 kW, conectada à rede elétrica
por meio de uma unidade consumidora. Já a minigeração distribuída
apresenta uma central geradora de potência instalada superior a 75
kW e inferior a 3MW proveniente de fonte renovável de energia e no
caso de fonte hídrica menor ou igual a 5MW, conectada à rede elétrica
por uma unidade consumidora (ANEEL, 2017).
Quando a quantidade de energia gerada em determinado
período é superior à energia consumida, o consumidor adiciona cré-
ditos que serão descontados no momento que a geração é inferior ao
consumo, por exemplo, no período noturno. Essa operação de crédito
e débito de energia é realizada por meio de empréstimo gratuito para
distribuidora local e posteriormente compensada com o consumo de
energia elétrica ativa, nunca com crédito ou débito de importâncias
monetárias, e é conhecido internacionalmente pelo termo em inglês
Net Metering. No Brasil, esse sistema é denominado de Sistema de
Compensação de Energia Elétrica (ANEEL, 2015).
A geração distribuída destaca-se pelo potencial benefício
proporcionado ao sistema elétrico como adiamento de investimentos
na expansão dos sistemas de transmissão e distribuição, minimização
das perdas, baixo impacto ambiental e diversificação da matriz ener-
gética (ANEEL, 2015).
No ano de 2015, a ANEEL revisou a resolução normativa no
482/2012 e publicou a resolução normativa no 687/2015, com objetivo
de melhorar e ampliar a resolução anterior. Entre as principais melho-

185
rias, que entraram em vigor em 1o de março de 2016, destacam-se a
ampliação do prazo de validade dos créditos que podem ser utiliza-
dos para abatimento na fatura que passa de 36 meses para 60 meses
(ANEEL, 2015).
Em nota técnica de projeção de demanda de energia elétrica
2014 – 2024, ressalta-se que a regulamentação ANEEL no 482/2012,
a qual possibilitou a compensação da energia excedente produzida,
promoverá a expansão da geração distribuída da energia fotovoltaica
para aproximadamente 1.257 GWh em 2023 (MME, 2013).
Atualmente, os custos dos geradores e eventuais financiamen-
tos não são estabelecidos pela ANEEL. A iniciativa da instalação e a
análise do custo versus benefício devem ser do consumidor, uma vez
que cada caso envolve características muito particulares, como tipo de
tecnologia, tarifa local de energia, localização e custos de adequação
de infraestrutura (ANEEL, 2017).
A resolução normativa no 482/2012 atualizada prevê novas
modalidades de micro e minigeração distribuída, como a geração
compartilhada, o autoconsumo remoto e o empreendimento com
múltiplas unidades consumidoras. Nessas novas modalidades, a ins-
talação da unidade geradora de energia distribuída pode ser realiza-
da em um local diferente do ponto de consumo desde que respeite
determinados parâmetros (ANEEL, 2017). Essa descentralização da
produção fomenta a expansão das fontes renováveis, especialmente
de energia solar fotovoltaica, e reduz perdas técnicas na transmissão
ao aproximar a geração dos centros de consumo.
A geração compartilhada caracteriza-se pela reunião de
consumidores pertencentes à mesma área de uma concessionária de
energia elétrica, organizados por meio de consórcio ou cooperativa
e que possuam uma unidade geradora de energia elétrica integrada
à rede de distribuição em local diferente das unidades consumidoras.
Os critérios de divisão dos créditos de energia, provenientes da central
geradora distribuída, é livre entre os participantes e obedece à indi-
cação percentual previamente indicada à concessionária de energia.
Sob a perspectiva da geração, distribuição e consumo de
energia elétrica, as redes inteligentes (smart grids) constituem-se em
uma revolução tecnológica na indústria de energia elétrica (DOE, 2009).
São ferramentas que fazem uso de atuais técnicas de eletrônica, de
telecomunicações e de tecnologia da informação no sistema elétrico
para ampliar a geração distribuída em diversos países do mundo (FGV,
2014). Nesse sentido, o conceito de smart grids se apresenta como uma
tecnologia que permite o uso eficiente da energia elétrica, aderente ao

186
Sistema de Compensação de Energia Elétrica pautado pela a resolução
normativa ANEEL no 482/2012. Essa tecnologia apresenta três princi-
pais contribuições: (i) redução de falhas no sistema de fornecimento;
(ii) redução do consumo de energia por parte da empresa concessio-
nária, para fornecer um serviço com qualidade igual ou melhor e (iii)
integração de ponta a ponta, do gerador ao consumidor (FGV, 2014).
No entanto, do ponto de vista financeiro, a resolução norma-
tiva ANEEL no 482/2012 não prevê subsídios ou incentivos, situação
que desestimula a ampliação dos sistemas fotovoltaicos (Neto, 2014).
Nesse contexto, diversos países vêm oferecendo incentivos
reais para ampliar a participação das fontes renováveis na capacidade
total de geração. Países como França e Canadá contam com leis que
obrigam novos edifícios comerciais a terem telhados pelo menos par-
cialmente cobertos por painéis fotovoltaicos ou plantas (os chamados
“telhados verdes”). O mercado canadense de energias renováveis e
tecnologias limpas está ganhando cada vez mais importância. Para
a próxima década, políticas nacionais preveem um investimento no
setor de 8 bilhões de dólares – valor 175% superior ao investido em
2010. No ano de 2016, a França lançou um programa de investimento
em energia renovável que promete 1,79 bilhão de dólares para o setor
nos próximos quatro anos. O montante é destinado em forma de subsí-
dios e empréstimos para projetos de desenvolvimento de tecnologias
limpas de alto custo, como solar, marinha, geotérmica, de captura e
armazenamento de carbono, e para pesquisas de biocombustíveis e
carros elétricos.
A Dinamarca é o país líder na participação da energia eólica
em sua matriz (Dupont, et al., 2015). A Alemanha é a representante
mais forte na capacidade de produção instalada, gerando mais que
qualquer um dos três países citados anteriormente. Portugal é outro
país que nos últimos anos tem feito um processo de mudança da ma-
triz energética para fontes limpas e renováveis. Alemanha e Portugal
seguem uma tendência que se torna cada vez mais comum em toda
a Europa: expandir o setor eólico e atender quase na sua totalidade
100% de geração de energias renováveis. A Itália está se tornando um
dos destinos mais atraentes para sistemas solares fotovoltaicos, que
em pouco tempo devem atingir preços competitivos no mercado de
geração e distribuição elétrica. Somente no ano de 2011, o Reino Uni-
do somou um total de US$ 9,4 bilhões em investimentos no setor de
energias limpas. Mais da metade dos recursos foi investido em energia
solar e 25%, em energia eólica. O país está entre os mais atuantes no
setor entre os europeus.

187
Depois do desastre nuclear de Fukushima, o Japão aumentou
para 23% seu investimento em energias renováveis, no ano de 2011.
A Índia é considerada um dos mercados mais fortes e promissores no
que tange às energias renováveis, em âmbito mundial. Entre os anos
de 2010 e 2011, os investimentos no setor, no país, cresceram 54%,
um salto considerável, uma vez que foi a sexta maior expansão entre
os integrantes do G20.

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190
Capítulo 15
As Tecnologias da Informação e
Comunicação e as novas dinâmicas
sociais do espaço urbano

Robson Simões
Cristiano Capellani Quaresma

Conceitualmente, tecnologia e sociedade são ideias essen-


cialmente imbricadas. Por essa razão, analiticamente, não é possível
examinar um destes conceitos separadamente do outro. Assim, parece
não fazer sentido analisar tecnologias sem examinar suas implicações
sociais, especialmente as voltadas para a sociedade urbana, as tecno-
logias para cidades inteligentes.
Hoje a vida se dá nas cidades. Inseridas de forma intrínseca
no modo de vida da sociedade atual, as Tecnologias de Informação
e Comunicação (TICs) – têm modificado a organização de práticas e
dinâmicas sociais, das mais complexas às mais simples. No contexto
urbano, configura-se um movimento de duplo efeito: as cidades con-
temporâneas alteram e são alteradas pela aplicação das tecnologias
inteligentes nos seus espaços, o que exige que se tenha entendimento
preciso de como a sociedade funciona e interage com essas novas
técnicas.
A vigente crise estrutural global demanda de modo urgente
repensar os modelos de desenvolvimento socioeconômico urbanos,
para serem mais consistentes com as novas necessidades socioes-
paciais, em particular, as relacionadas com habitação, transporte e
inclusão social.
Por ser uma instância social, como define o geógrafo Milton
Santos, o espaço constitui-se também em um aspecto incontornável
em qualquer ação ou estudo associados às cidades. Logo, é imperativo
examinar criticamente e considerar como as tecnologias inteligentes
podem ajudar a modificar o modo de vida no espaço urbano para
torná-lo mais igualitário socioespacialmente.
Neste capítulo, analisamos conjuntamente os três conceitos:
tecnologia, sociedade e espaço urbano. Contudo, direcionamos o foco
para dois aspectos vitais que nos últimos anos vêm se tornando cada
vez mais importantes em iniciativas relacionadas às cidades inteligen-

191
tes: os moradores das cidades e os modos de planejar e implantar uma
cidade voltada para eles.
Como princípios norteadores de algumas noções comumente
utilizadas, entendemos que o termo cidade se refere ao meio cons-
truído. Já a noção de urbano está associada ao modo de vida adotado
nas cidades, como fundamenta Sandra Lencione.

Cidades inteligentes: cidades para pessoas

De modo sintético, a noção de smart city ou cidade inteligente,


concentra a ideia de uma cidade que faz uso de sensores eletrônicos
instalados e distribuídos pelo espaço urbano, conectados com múl-
tiplas redes telemáticas que fornecem, para sistemas de computação
específicos, dados contínuos sobre fluxos materiais e imateriais.
O propósito é auxiliar as tomadas de decisão dos administra-
dores públicos e aumentar a eficiência da gestão com participação dos
cidadãos, o que implica um novo tipo de governança e envolvimento
efetivo dos citadinos nas políticas públicas.
O arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl aponta que o
espaço da cidade deve ser entendido e planejado, acima de tudo, pela
sua inerente função social. Portanto, compreender essa realidade incon-
testável é essencial para o êxito de toda intervenção no espaço urbano.
Na prática, a escolha de uma abordagem que prioriza pessoas
é o primeiro passo quando se almeja a implementação de projetos
smart city, pois o envolvimento ativo dos cidadãos é fator crítico de
sucesso em qualquer iniciativa dessa natureza.
A vantagem decisiva e evidente dessa opção é a redução
do determinismo tecnológico recorrente nesse tipo de projeto, pois
permite, sobretudo, customizar e adaptar as soluções tecnológicas
inteligentes às necessidades específicas que cada cidade possui. Tal
prática evita uma armadilha muito comum: a adoção de pacotes tec-
nológicos padronizados ou de “tamanho único” (one size fits all) que
ignoram o fato de que diferentes cidades possuem necessidades e
deficiências distintas e em variadas proporções.
O complexo contexto atual direciona as discussões não mais
em “como as cidades podem ser mais inteligentes”, mas em “como
tecnologias inteligentes podem levar as cidades a repensarem os
padrões de desenvolvimento urbano, tornando-os justos e inclusivos,
além de eficientes e sustentáveis”.
Estudos recentes, como o conduzido pelo DTI (Digital Tech-
nology Institute), apontam que iniciativas de cidades inteligentes que

192
obtêm êxito são as que analisam as tecnologias por suas capacidades
de se adaptarem às características e atributos da estrutura socioespacial
urbana, acima de qualquer outro critério. Por consequência, a compreen-
são de um dado espaço urbano e daqueles que nele vivem, passa por
processos preliminares de coleta, organização, publicação, comparação
e compartilhamento de dados e informações sobre suas especificidades.
Nessa perspectiva, a qualidade e o sucesso das iniciativas
smart city devem ser mensurados pelo grau de envolvimento que
os cidadãos podem alcançar. Os processos de transformação digital
da cidade exigem, portanto, uma mudança de paradigma decisiva e
robusta em relação ao passado, colocando os cidadãos no centro e
com a administração voltada para servi-los, com foco particular em
serviços e aplicações simples e facilmente utilizáveis.
Não se trata apenas de compartilhar certos dados e informa-
ções no modo Open Data e seguir as restrições legais e normativas, mas
adotar um novo modelo que permita envolver, desde o início das ações,
aqueles que constituem e configuram o espaço urbano, ou seja, cidadãos,
fornecedores de tecnologia, empresas e outros setores da sociedade
civil organizada. Isso ocorre, especificamente, na etapa de definição de
propósitos e escolhas, sob uma lógica aberta e participativa.
Esse novo paradigma somente pode ser introduzido com a
criação de novas plataformas relacionais que ao longo do tempo serão
integradas aos processos e fluxos de interação e relacionamento da
administração pública com os cidadãos, sendo abertas e nativamen-
te construídas para integração com fluxos de aplicativos em toda a
administração municipal.

Planejamento inteligente para cidades

Adotado atualmente pelas principais smart cities do mundo, o


modelo de planejamento baseado em criação compartilhada é o passo
inicial dessas iniciativas, obtendo destaque por ajudar a impulsionar a
próxima geração de cidades mais inteligentes (Figura 1).

193
Fi g u r a 1 – Pr i n c í p i o s d e p l a n e j a m e n to co m p a r t i l h a d o p a ra p ro j e to s smar t cities
Elaboração: autores

Entre as ações práticas para concepção de projetos smart city


desse modelo, estão seis princípios de trabalho:

1. Definir uma visão comum compartilhada de cidade inteligente:


humana e transversal. Em projetos smart city, de fato, inovadores,
é essencial construir e difundir uma compreensão clara do modelo
de cidade inteligente mais capaz de transformar positivamente a
comunidade por meio de tecnologias digitais – um modelo econo-
micamente viável social e culturalmente, baseado no diálogo com
as necessidades dos cidadãos e com o sentimento compartilhado
da comunidade. Hoje, cidades inteligentes inovadoras são orien-
tadas e servem pessoas.
2. Estabelecer organização participativa: uma interconexão entre
liderança, visão, métodos e participação. O aspecto organizacional
consiste na capacidade de envolver moradores de todo espaço
urbano, objetivando ouvir e gerenciar as necessidades de todas
as partes envolvidas no processo, além do planejamento das in-
tervenções a serem realizadas, configurando orientação sólida de
uma rede participativa.
3. Delinear e planejar um modelo econômico inclusivo: uma cidade
que quer crescer e lançar projetos maduros dentro de um ambiente
de cidade inteligente, e não somente experimentos individuais,
necessita ter parte de seu orçamento dedicada às iniciativas de
inovação e compartilhamento, ainda que limitadas, pois sua exis-
tência é decisiva como indicador de escolha cultural. Em inúmeras

194
cidades, as divisões econômicas estão sendo ampliadas e o capital
social, destruído devido ao foco exagerado e quase exclusivo na
noção que apenas uma cidade competitiva e digitalmente conec-
tada pode sobreviver no agressivo mercado global. A obsessão
por competitividade gera severos efeitos socioespaciais de desi-
gualdade, percebidos em curto prazo e quase sempre complexos.
Um dos modos para que problemas desse tipo sejam evitados e
também corrigidos reside na participação ativa dos setores sociais
na administração do espaço urbano. Associada a essa necessária
participação social, as tecnologias inteligentes podem ser utilizadas
para criação de economias urbanas mais igualitárias, inclusivas,
além de ambientalmente eficientes, através de novas oportuni-
dades de colaboração e compartilhamento que estão surgindo
na interseção do espaço urbano e das tecnologias inteligentes
voltadas para a cidade, gerando novas e inovadoras perspectivas
para as economias urbanas.
4. Impelir transparência em todas as ações: objetivando comunidades
resilientes, colaborativas e de “código aberto”. A consciência dos
cidadãos sobre como sua cidade funciona e que características
ela tem do ponto de vista econômico e socioespacial são cruciais.
Nesse sentido, a capacidade de coletar dados e torná-los acessíveis
e utilizáveis pelos cidadãos é vital. Não é suficiente criar platafor-
mas de dados abertos apenas, pois estas devem ser um ponto de
partida para obter o envolvimento participativo da comunidade
desde as fases iniciais do projeto.
5. Habilitar uma infraestrutura digital eficiente para tecnologias in-
teligentes: as plataformas colaborativas baseadas em informações
compartilhadas configuram a base tecnológica fundamental em
projetos de cidades inteligentes. Há três fatores tecnológicos que
são determinantes para escalabilidade e sucesso dessas platafor-
mas: i. possuir infraestruturas de comunicação de rede seguras,
confiáveis, capilarizadas e com capacidade de serem virtualizadas e
com permissão de acesso a serviços digitais, agregação, monitora-
mento e controle de dados; ii. fornecimento de infraestrutura para
hospedagem de aplicativos centrais, além de coleta, armazenagem
e análise de dados; iii. a construção de plataformas de aplicativos
deve enfocar tanto o sistema de gerenciamento central quanto os
sistemas e serviços individuais.
6. Impulsionar a comunicação fluida e aberta, promovendo incessan-
temente diálogo e engajamento: conceber uma cidade inteligente
não significa apenas introduzir tecnologias inovadoras no espaço

195
urbano, mas sobretudo, perseguir o propósito de responder de um
modo novo a questões emergentes. Essa perspectiva engloba pro-
ver, de um modo renovado, serviços de assistência, segurança, par-
ticipação e inovação. Inclui também possuir e utilizar ferramentas
para coordenar o diálogo entre todas as partes envolvidas, usando
a mediação cultural, pois esta é capaz de lidar com dificuldades e
grupos minoritários ou fechados, atribuindo às pessoas papéis e
responsabilidade.

E especialmente, compartilhar de forma clara e consistente as


fases e os objetivos do projeto a ser implantado. Entre os problemas
críticos de falta de engajamento em iniciativas smart city, está a falha
em transmitir o que são, como funcionam e quais os benefícios dos
serviços disponibilizados.

Tecnologia e Sociedade

Posterior ao planejamento de um projeto smart city de su-


cesso, a fase seguinte deve efetivar, na prática, os seis princípios de
trabalho definidos através da implantação das tecnologias inteligen-
tes. Entre as abordagens que mais obtiveram êxito nesse desafio, a
desenvolvida pelo Trilabs da Alemanha, prioriza em suas fases iniciais,
o levantamento e a priorização dos principais problemas da cidade,
seguido de análise de aderência sobre quais tecnologias podem po-
tencialmente ajudar a solucionar ou minimizar os problemas urbanos
identificados preliminarmente (Figura 2).

Fi g u r a 2 - A b o r d a g e m I n t e r d i s c i p l i n a r d e I m p l a n t a ç ã o d e T I C s e m Smar t Cities
Fonte: adaptado de Berndt, J.O. et al. (2017).

196
Desse modo, também alinhados às premissas definidas na fase
anterior, dados e informações são coletados, em bases já existentes e
também no mundo real (espaço urbano), sendo então analisados por
uma equipe interdisciplinar constituída por urbanistas, sociólogos,
geógrafos, agentes de inovação, administradores públicos, engenhei-
ros das TICs e outros setores da sociedade organizada com o propósito
de criar pontes de diálogo entre as áreas.
O objetivo final é construir e obter uma visão consistente,
abrangente e precisa dos problemas críticos da cidade, utilizando
entre outras técnicas, simulações de fenômenos urbanos, situações
cotidianas e contextos socioespaciais diversificados que fundamen-
tarão tanto a análise e escolha das melhores tecnologias como o
planejamento da infraestrutura tecnológica necessária para suportar
as soluções definidas, configurando um modelo tecnológico flexível,
com foco prioritário em servir os cidadãos.
Cidades inteligentes de sucesso demandam modelos tec-
nológicos confiáveis e preparados para operarem associados com
ferramentas preditivas, baseadas em análise de dados, pois são in-
dispensáveis para estimar as implicações de novas ações, destacar
tendências emergentes, favoráveis ou desfavoráveis, e buscar soluções
novas para problemas que requerem intervenção.
O crítico de ciência e tecnologia Andrew Feenberg defende
a tese de que onde quer que as relações sociais sejam mediadas
pela tecnologia moderna, é possível introduzir controles mais justos,
democráticos e reformular a tecnologia, a fim de acolher melhores
resultados através de iniciativa e conhecimento.

Iniciativas smart city realmente inteligentes

Cidades de fato inteligentes espalhadas por todo o globo


evidenciam que a cidade é mais do que apenas um espaço governado
por investimentos, políticas e “tecnologias portadoras de futuro”, como
assinala o físico e filósofo Abraham Moles.
Nessa direção, pensada e concebida sobre o pressuposto de
que as pessoas precisam estar no centro de qualquer agenda de cidade
inteligente e alinhada com as ideias de Henri Lefebvre, o projeto e rede
carioca Meu Rio tem como premissa o direito do morador urbano à ci-
dade digital. Entendendo a cidade como sendo dos cidadãos, defende
e trabalha para que estes não somente sejam envolvidos, mas capaci-
tados e participantes ativos de análises, projetos e políticas aplicadas à
cidade do Rio de Janeiro através da utilização de tecnologias digitais.

197
Em Bogotá, Colômbia, no início do ano 2000, o Transmilenio,
sistema de Transporte Rápido de Ônibus (BRT), foi implantado para
melhorar a mobilidade urbana. Desde os primeiros estágios do plane-
jamento do sistema foi priorizado fornecer acesso a empregos voltados
para a população de baixa renda da periferia da cidade e também
estabelecer o direito à mobilidade desses moradores, conectando as
áreas pobres às principais rotas da cidade. O projeto da cidade
inteligente incluiu, entre outras ações, a instalação em ônibus e termi-
nais de carregadores de celulares e tecnologia para conexão sem fio
à internet de forma gratuita em todo sistema.
O sucesso do Transmilenio em melhorar a equidade social,
com uma iniciativa simples do ponto de vista tecnológico, está funda-
mentado em um propósito maior: iniciar todas as decisões de desen-
volvimento urbano analisando e priorizando benefícios e implicações
sociais, estabelecendo assim, as bases para soluções inovadoras que
objetivam integrar práticas equitativas às políticas de transporte da
cidade, beneficiando e incluindo socialmente residentes de todos
os níveis socioeconômicos, em especial, os cidadãos de baixa renda.
A opção por priorizar os cidadãos em projetos smart city que
buscam melhorar a vida no espaço urbano através de transformações
digitais inteligentes é também evidenciada pelo sucesso de projetos
que acontecem em todo mundo, como o Kiva City, da ONG de mesmo
nome, que oferece empréstimos sem juros para empresas sociais locais,
tendo seu modelo replicado em nível global.
No mesmo caminho, estão a rede Freecycle (TFN), que co-
leta milhares de toneladas de objetos funcionais, mas indesejados,
de aterros sanitários e os renova, e também os Cafés de Consertos/
Reparos que reúnem pessoas de todas as idades com habilidades de
reparo em diversas áreas, junto com aqueles que precisam de ajuda.
Tal compartilhamento suportado por TICs inteligentes e inspirado pela
comunidade está transformando normas e culturas.

Conclusão

O processo de produção e consumo de tecnologias é um


processo social e, como tal, é condicionado pela estrutura social em
que está inserido. Em contrapartida, enquanto processo da sociedade,
pode criar novas e inovadoras possibilidades de permanência e de
transformação da estrutura, tendo ritmos e rumos variados conforme
mudam o tempo e o espaço onde é praticado.
A complexa vida nas cidades está articulada à aceleração

198
contemporânea que a utilização massiva das novas TICs gera. Esses
fenômenos configuram o período atual, denominado por especialistas
de quarta revolução industrial, no qual a tecnologia parece obter ainda
mais prevalência. Nessa perspectiva, praticar a ideia de que as pessoas
devem estar no centro de qualquer projeto ou agenda de cidade
inteligente diminui fortemente o risco de se tornar uma cidade com
tecnologias, a qual somente automatiza as desigualdades existentes,
sendo talvez futurista, mas nada inteligente.
O processo, de fato, inteligente de desenvolvimento de smart
cities deve ter como objetivos imprescindíveis: presidir os lugares, os
tempos e as formas de diálogo entre todos os indivíduos envolvidos;
promover mediação cultural em relação às inovações introduzidas;
ter foco de atenção às dificuldades e aos fechamentos defensivos que
podem ter surgido; promover a responsabilidade do indivíduo perante
a comunidade, em termos de contribuição específica que pode levar
à melhoria da vida urbana; e, finalmente, a afirmação de uma visão
clara e consistente da fase de objetivos, além dos custos e benefícios
do caminho de transformação que será lançado.
Já que não há smart city sem uma comunicação eficaz, as ações
comunicativas conectadas aos princípios gerais do planejamento de-
vem trabalhar com plena consciência da extraordinária utilidade dos
dados nos processos de transformação digital em que todos estarão
envolvidos (cidadãos, administradores da cidade, empresas e outros).
Como aponta o especialista em planejamento urbano Jeroen
Klink, as novas formas de governança metropolitana que estão sur-
gindo como tendência mundial precisam provar sua efetividade em
termos de equacionar os verdadeiros problemas metropolitanos. Sob
as perspectivas do colapso e da inviabilidade das dinâmicas urbanas
atuais e o avanço inexorável das TICs, o conceito de cidade inteligente
surge e evolui como uma forma eficaz de utilizar os avanços tecnológi-
cos para proporcionar melhores condições de vida e de atuação para
aqueles que verdadeiramente têm direito à cidade digital: os cidadãos.

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201
Capítulo 16
Smart and sustainable cities: notas
introdutórias sobre o conceito de
inteligência

Wilson Levy
Carlos Leite

O debate em torno da agenda das cidades inteligentes e


sustentáveis apresenta enorme quantidade de desafios conceituais e
práticos, quase todos interligados. Enfrentá-los, ponto a ponto, é papel
da universidade e da comunidade de especialistas que a compõe. E,
claro, de todos os destinatários das inovações relacionadas a esse tema.
Alguns pressupostos, todavia, são irrenunciáveis. No âmbito
das políticas públicas, por exemplo, parece inconveniente associar
a ideia de cidades inteligentes e sustentáveis a um catálogo de
aplicativos tecnológicos que formam uma imagem idílica de cidade
conectada, com letreiros luminosos e informações pipocando em telas
enquanto pessoas mergulhadas em smartphones correm apressadas
para um destino incerto.
Esse arremedo de cidade inteligente, mais próxima
da ideia de um “vitrinismo” comercial, não se sustenta e, mais do que
isso, precisa ser desconstruído. E isso passa por uma abordagem mais
consistente sobre o que se entende por “inteligência” no âmbito das
smart cities. Esse conceito, nos parece, é chave para iniciar o debate
dessa agenda. Nele estão ocultos significados que podem evidenciar o
alcance social das smart cities e, com isso, reposicioná-la na discussão
do urbanismo e da política urbana.
Neste capítulo, o objetivo é evidenciar que a ideia de inte-
ligência aplicada ao território guarda relação estreita com a política
democrática nas cidades. E que essa política democrática transcende,
pela natureza típica das relações sociais que se operam nas cidades,
o enquadramento clássico dos arranjos representativos, baseados na
discussão do sufrágio e suas consequências institucionais.
Para tanto, partimos da premissa de que a inteligência é, antes
de tudo, uma característica humana, criativa, capaz de se expandir e
de adquirir precisão quanto maior for a quantidade, a qualidade e a

202
diversidade de interações sociais em que se envolverem os indivíduos.
É ela quem determina o alcance da tecnologia tal como a conhecemos
e, também, a sua utilidade e complexidade. A particularidade do gê-
nero humano de ser dotado de racionalidade é decisiva neste ponto:
é essa racionalidade que se transforma em inteligência no âmbito do
processo interativo e cooperativo.
Esse é um conceito ainda em construção. De qualquer manei-
ra, convém explorar especificamente a dimensão da interação sobre
o viés político da democracia. E, propriamente, da democracia como
cooperação reflexiva. Afinal, esse é o amálgama social e político que
melhor favorece a realização de interações livres, disruptivas, ques-
tionadoras e complexas. Espera-se com isso dar um passo adiante no
desenvolvimento do conceito de inteligência que aparece ladeado
por “cidade” e “sustentável”. Para tanto, começaremos abordando o
tema das interações sociais. Depois, do elemento pré-político da de-
mocracia, na forma da cooperação. Por último, da democracia como
cooperação reflexiva.

A cidade e suas interações

Comecemos falando sobre as interações sociais na cidade – e


por um motivo simples: elas estão na base do processo cooperativo
– que nada mais são do que sua manifestação acrescida de uma ação
dirigida – e reservam um importante potencial analítico. Especialmente
quando se focaliza o aprendizado que a interação pode proporcionar
aos seus participantes.
Desde o sociólogo alemão Max Weber, na coletânea de textos
intitulada Economia e Sociedade, sabe-se que a cidade induz um de-
terminado padrão de interação social que é distinto de todas as outras
formas de relação preexistentes à sua conformação territorial. Embora
a afirmação seja singela, as consequências que se extraem delas são
fantásticas. Ao assumir que o espaço urbano provoca determinado
padrão de interação, podemos afirmar que ele não é apenas um palco
em que tais relações se reproduzem. É, ao contrário, protagonista.
Ao analisar a cidade à luz dos estudos sobre a legitimidade
do poder, Weber lembra que as guildas – associações que agrupavam
indivíduos com interesses comuns – não surgem na cidade, mas sim
“por causa” da cidade. A relação de causa-efeito, aqui, tem enorme
significado. Ela desloca para a urbanização um papel ativo nos eventos
que levaram a grandes mudanças nas sociedades ocidentais, como é o
caso das grandes revoluções que chacoalharam o mundo no século XX.

203
Nesse sentido, ao proporcionar um padrão absolutamente
novo de interação social, aproximando as pessoas e viabilizando o
encontro com a diferença, a cidade se apresenta como um constante
estímulo à racionalidade, colocando, aos cidadãos, novos e constantes
desafios. É o que aponta o sociólogo alemão Georg Simmel. Simmel
define as diferenças entre as pequenas e as grandes cidades. Em con-
traste com o ritmo pacato da cidade pequena e da vida no campo,
pautado por relações baseadas nos sentimentos, a cidade grande
descortina uma natureza “intelectualista da vida anímica”, em que o
entendimento e o consciente assumem um protagonismo diante da
dimensão sensível da existência.
Trata-se de um mecanismo adaptativo, necessário à proteção
perante fatos da vida urbana das metrópoles: o desenraizamento, a
dinâmica acelerada de modificações individuais e coletivas, os pro-
cessos de troca na economia monetária. Alheio ao universo sensível,
o habitante da metrópole incorpora os caracteres constitutivos da
racionalidade. Perde-se, de acordo com o autor, o colorido das relações
intersubjetivas autênticas, que não prescindem de uma afetação míni-
ma. Mas ganha-se em termos de complexidade e de visão de mundo.
A cidade grande é mais intelectualizada, embora seja também
mais blasé. Nesse arranjo, pode-se concluir que as cidades oprimem,
mas são elas a mais fabulosa invenção da humanidade, capazes de
viabilizar relações sociais cada vez mais autônomas e livres.
Note-se que a descrição de Simmel não é insensível aos proble-
mas típicos da metrópole: a indiferença, o desinteresse, o desapego, a
mercantilização da vida, a solidão no sentido negativo da palavra. Mas
ela revela que, se a cidade é a expressão concreta de novos arranjos
sociais, eles também podem ser enxergados à luz de suas positividades.
Ao expor essa situação, Simmel, indiretamente, coloca em evidência
que, se o “ar da cidade liberta”, como diz um provérbio alemão, ele ao
mesmo tempo produz contradições e é preciso, de algum modo, lidar
com elas.
Explorar os potenciais de individuação bem-sucedida, de auto-
nomia, de autorrealização e de liberdade individual e, principalmente,
de aprendizado, são próprios da cidade. Territorializam a dimensão
racional do indivíduo. E conferem um novo significado à inteligência.
Isso é especialmente relevante quando olhamos para o ponto
seguinte, que pretende apresentar a interação como elemento quali-
ficado pela cooperação.

204
A interação como cooperação

Toda essa reflexão deságua numa conclusão importante: a interação


conduz a um amálgama social pré-político. “Pré-político” significaria,
nesses termos, a etapa anterior ao momento em que os indivíduos
se lançam em discussões públicas de acordo com seus interesses e
pretensões políticas.
É a crença de que, mesmo em cenários nos quais os indiví-
duos não possuam horizontes de objetivos iguais, a cooperação pode
assumir a forma de uma colaboração amigável como um acréscimo
imprescindível aos projetos de vida dos envolvidos. Nesse contexto,
as disputas podem ser solucionadas na forma de um aprendizado
cooperativo em que cada envolvido confere ao outro a chance de se
expressar em vez de ver prevalecer uma dada opinião com base na
força e na coerção, ou, nas palavras de Dewey, nas formas de supressão
à força através da violência, em que são empregados “meios psicoló-
gicos de ridicularização, abuso, intimidação” .
A grande contribuição do autor, então, está na adição dos
conceitos de “associação e comunidade” como pré-requisitos à de-
mocracia. “Associação”, aqui, tem o sentido de um deslocamento do
lugar da democracia, que sai da esfera estritamente estatal – ideia que,
como visto, é partilhada por Axel Honneth – para o seio das relações
sociais, consideradas desde a relação entre vizinhos até as grandes
comunidades, e o sentido também de um modo de vida pautado no
viver junto.
“Comunidade”, por sua vez, deixa de ser uma metáfora contra-
tualista para passar por um processo de resignificação dinâmica, que
nasce da pura associação humana na presença da liberdade para então
representar uma nova forma de organização humana. Fecha-se, assim,
o dualismo Estado-Sociedade civil, ao “se constituir simultaneamente
como os dois sem, todavia, ser nenhum deles”. Em comum, ambas as
categorias desembocam na formação de um projeto democrático ra-
dical, já que a democracia passa a ser um “modo de vida cooperativo,
autogovernado e autodeterminado”.
Os estudos de Dewey, como visto, apresentam uma aborda-
gem bastante peculiar em torno da questão democrática, sobretudo
porque esta difere, substancialmente, de boa parte da teoria contem-
porânea predominante da democracia. Honneth enxerga aí a chave
para superar os principais dilemas e aporias das formulações de seus
antecessores e daqueles que modernamente se debruçaram sobre
essa questão.

205
De acordo com o filósofo alemão, a discussão recente sobre a
democracia radical é marcada por uma polarização entre republicanis-
mo e procedimentalismo. Em linhas gerais, tais modelos se propõem
a lidar com os défices de participação do liberalismo clássico, em
especial a partir de fórmulas que garantam maior participação dos
indivíduos nas deliberações políticas, embora a partir de perspectivas
sensivelmente distintas: no republicanismo, a tônica se concentra na
negociação intersubjetiva de questões públicas como um atributo
da vida nas cidades, enquanto no procedimentalismo, o foco está na
adoção de procedimentos moralmente justificados.
Para Honneth, contudo, esse predomínio, ainda que represen-
te um acréscimo, trouxe consigo um efeito negativo, que se concentra
no fato de que, a rigor, parece não haver outra alternativa normativa
na tarefa de atualização permanente da democracia. Nesse sentido,
ele sugere a adoção da teoria democrática de John Dewey como uma
terceira via; à primeira vista, não há qualquer impossibilidade no sen-
tido de harmonização das hipóteses em jogo, já que, para o filósofo
alemão, a contribuição de Dewey pode ser vista como um antecedente
teórico das duas abordagens.
Ao lançar essa assertiva, Honneth se propõe a explorar em
que medida os argumentos das outras abordagens teóricas a respeito
de seus próprios fundamentos estão equivocadas. Para realizar esse
esforço argumentativo, ele procurou apontar como a adoção de um
ponto de vista parcial das ideias de Dewey, por parte das duas cor-
rentes contemporâneas da democracia, ocorre de forma equivocada.
Para Honneth, as correntes atuais da democracia radical
conferem interpretação negativa à liberdade individual. Tal posição
é tributária tanto da tradição marxista quanto daquela que remonta
a Alexis de Tocqueville, que entendiam que a perspectiva liberal de
política se reduzia à legitimação periódica da ação estatal através do
voto e à visão de que o Estado se cingia à proteção das liberdades
individuais. Nesse quadro, pouco importava o processo de integração
social, mas apenas um debate livre mínimo sobre aquilo que deman-
dava alguma decisão.
As alternativas a esse quadro, por sua via, têm apostado na
dimensão comunicativa, na qual a autonomia do cidadão, antes de
se fundar num pressuposto de liberdade individual, estava umbilical-
mente vinculada à sua associação com outros cidadãos. A democracia
emergiria, assim, como um modelo calcado em situações comunica-
tivas de interação livre de dominação.
Embora concorde com a importância desempenhada pela

206
intersubjetividade discursiva, Dewey – aqui partilhando da tradição
que remonta a Marx – entende que a liberdade comunicativa se associa
mais ao emprego comum de forças individuais para compreender e
superar um problema. Por conseguinte, o autor entende que a demo-
cracia não pode ser vista como tradicionalmente e instrumentalmente
o é, ou seja, como mera forma de organização do Estado em que há
uma regra aritmética (a regra da maioria) para organizar a massa dis-
forme de indivíduos isolados e com fins divergentes. Frise-se, nesse
caminho, que tal perspectiva instrumental guarda parentesco com as
teorias contratualistas clássicas, que adotam uma hipotética situação
original de não comunicação e isolamento como fomento para os
regimes democráticos.
Dewey ilustra essa perspectiva com o sucesso verificado pela
revolução americana, na qual a soberania popular foi incutida no
interior de cada cidadão. Isso serve para ilustrar a própria concepção
de Estado dada pelo referido autor: a de ser a instituição política de
execução da vontade do povo, tido como inserido em relações de
cooperação social. Essa ideia pouco difere das concepções clássicas de
Aristóteles e Platão acerca de uma comunidade política; a diferença,
porém, é central, pois, em vez de os cidadãos atingirem a liberdade por
meio de uma autorrealização bem-sucedida conforme os fins éticos
que constituem a eticidade do Estado (o que indica uma relação de
finalidade), para Dewey, o foco deve estar nos meios de constituição
política.
Ao mesmo tempo, fica clara a presença do pensamento de
Hegel, pois a noção de “organismo social” abastece o sistema da “tota-
lidade” como expressão de uma sociabilidade que só surge como fruto
da cooperação. Então, se a origem da democracia como cooperação
reflexiva está na liberdade (enquanto expressão de autorrealização
positiva e ilimitada com fins de colaboração) e na interação orgânica
dos indivíduos, o Estado é compreendido como a instituição política
responsável pela execução da vontade que surge desse tecido de
relações sociais.
Inverte-se, assim, a lógica aristocrática clássica da centralidade
de um grupo de indivíduos talentosos poder atingir o ideal ético, pois
todos os cidadãos podem, com base em sua vontade livre, aperfei-
çoar-se na busca do bem, mantendo com seus pares uma relação de
confiança recíproca na qual cada um é sabedor de sua função social.
Para Honneth, essa noção clarifica a posição de Dewey a respeito do
entrelaçamento entre cooperação, liberdade e democracia.
Ao que parece, o grande trunfo explorado por Dewey e apro-

207
veitado, no contexto da luta por reconhecimento, por Axel Honneth,
é o elemento pré-político da democracia, a qual é mantida numa
perspectiva estritamente teórica, sendo difícil, porém, não perceber
problemas ou dificuldades nessa abordagem. Afinal, para que a fórmu-
la apresentada por Dewey transcorra sem percalços, é necessário que
o ideal de autorrealização individual esteja fundado em um direcio-
namento que motive o desenvolvimento de capacidades socialmente
úteis, o que cria um obstáculo para Dewey no sentido de estabelecer
uma institucionalização política da liberdade.
A questão encontra solução nos estudos psicológicos. Dewey
reconhece a influência exercida por Hegel em suas teses sobre a de-
mocracia, nas quais a centralidade está na autorrealização humana
fundada na ausência de constrangimentos externos ou influências no
percurso até a aceitação voluntária de obrigações sociais.
Pode-se dizer que Dewey se esforçou para, dentro da socieda-
de cooperativa, dar os contornos da ação política. Tal construção difere
em grande medida daquela, realizada por Hannah Arendt e Habermas,
que dão à ação política o papel de local de exercício comunicativo da
liberdade. Dewey, ao contrário, dá um passo atrás que se revela como
um meio cognitivo que auxilia a sociedade a realizar, por meio de expe-
riências, explorar e resolver seus problemas de coordenação da ação.
O ambiente democrático é, assim, o melhor espaço para
produzir esse objetivo, pois no processo de aprendizagem social, no
contexto da cooperação, há maior potencial para propiciar a emer-
gência de uma esfera pública de proponentes que podem introduzir
suas hipóteses, convicções e intuições, sem constrangimentos e com
direitos iguais.

A democracia como cooperação reflexiva

Para desenvolver sua teoria democrática, o filósofo alemão


Axel Honneth retorna às ideias do filósofo norte-americano John
Dewey, e sua proposta de uma democracia como reflexo da coope-
ração comunitária. O debate é importante na medida em que tenta
aproximar duas vertentes da filosofia política contemporânea: o comu-
nitarismo e o procedimentalismo. A democracia, para ele, começa em
casa, e se desdobra em pequenas comunidades. A ideia normativa de
democracia, por isso, é uma ideia social, em que a rede de interações
é incumbida do exercício de um papel regulado.
Dewey se apresenta como um autor preocupado em valorizar
a democracia enquanto expressão comunitária, em que a associação

208
deixa de ser a noção de que há um medium entre Estado e Sociedade,
ou, como a modernidade convencionou, decorrência de um “contrato
social”, de uma estrutura racionalizante da qual deriva a soberania e o
fundamento teórico do próprio Estado.
Ela não seria nem mesmo consequência de uma externalidade
previsível, proveniente de um mecanismo político cujo funcionamento
vem da previsão de que os cidadãos são indivíduos minimamente
cumpridores de seus direitos de cidadania. Para o filósofo norte-ame-
ricano, a associação é a expressão coletiva de indivíduos para quem a
democracia é um “modo de vida”, que se opõe à noção de uma mera
“democracia política”, ou seja, que reside no íntimo universo das con-
vicções de um indivíduo que a cultiva e que molda sua ação social e
suas atitudes no amálgama comunitário.
Tal amálgama, por sua via, não é apenas uma coletividade de
indivíduos. É, em realidade, a expressão de uma atividade conjunta
que, ao produzir consequências boas para os participantes, a ponto de
ser preservada e constantemente estimulada nos exatos termos de ser
um bem compartilhado por todos, configura-se como comunidade.
Nela, os conceitos de “liberdade, igualdade e fraternidade”
não existem isoladamente, posto que seriam abstrações inúteis. Por
isso, não se pode imputar às ideias de Dewey a pecha de uma defesa
incondicional da autonomia individual sobre tudo e todos. O que ele
pretende, ao contrário, é reforçar a ideia de comunidade a partir da
noção de indivíduo.
Dewey entende também que a democracia, para além de
modelos formais, consolida-se na medida em que afeta as formas de
associação humana, como a família, a escola e a religião. A dimensão
institucional, centrada no Estado, acaba tendo um valor reduzido,
devendo, somente, servir de canal para operação efetiva dessa afeta-
ção societária. Assim, reduz-se o que Dewey denomina “santidade do
sufrágio” enquanto um fim em si próprio.
Levado ao limite, isso representa o ocaso da democracia, pois
ela própria é expressão da vida em comunidade e não o contrário.
E significa um redimensionamento das categorias que marcaram a
modernidade iluminista: igualdade, liberdade e fraternidade. O con-
ceito de “comunidade”, assim, transcende a noção de “associação de
muitas pessoas”.
Trata-se de algo maior. É, na verdade, a ideia de que a comu-
nidade, composta de seres que observam e pensam, tem interesses e
sentimentos e só existe em razão de uma combinação de ações indi-
viduais, pautadas em habilidades e capacidades, cujas consequências

209
são percebidas coletivamente e se tornam objeto de comum desejo e
esforço de cada um. Há aqui uma relação de organicidade e de estima
mútua, que tem na comunicação um pré-requisito.
Afirmar isso é dizer que o atributo inato do homem é a comu-
nicação, que permite a ele interagir e dar sentido efetivo de ser alguém
individualmente percebido numa dada comunidade. Somente nesse
locus é que fazem sentido os avanços tecnológicos, os acréscimos de
conhecimento oriundos da ciência e a evolução do mundo do trabalho,
pois são frutos da ação associativa do homem. Para não representar
formas de opressão, estas devem estar articuladas com esse conceito
particular de comunidade.
Por fim, cabe destacar algumas considerações acerca do
“modelo de cidade” sobre o qual debatemos. Obviamente, não há um,
mas há padrões que foram impressos no uso do território urbano de
acordo com decisões, regulações – e sua ausência ou inaplicabilidade
–, vontades e imposições da sociedade em determinado momento
histórico. Nesse sentido, poder-se-ia sintetizar um padrão, pouco in-
teligente e sustentável, das grandes cidades brasileiras desenvolvido
ao longo do século XX – quando houve a explosão urbana no País –
que resultou em desmedida expansão territorial, com esgotamento
dos recursos e acentuados protótipos de antiurbanidade. Nas duas
décadas iniciais do século 21emergiu um novo modelo calcado em
novos paradigmas que tratam de promover uma “reinvenção” das
cidades, e que o humanismo deve guiar sua busca por construção de
urbanidade, resgatar os “velhos” conceitos das cidades para as pessoas
(Jacobs) e derivar em modelos contemporâne os de ci dades criativas,
inovadoras, do conhecimento.
Naturalmente, nas cidades latino-americanas há sempre que
se buscar vencer os enormes gargalos sociais e, portanto, promover
uma agenda urbana inclusiva.
Nesse sentido, poder-se-ia falar em uma cidade inteligente
socialmente inovadora, que fomenta um ecossistema inovador e
propicia processos colaborativos. A partir da conectividade de diver-
sidades, as barreiras formal-informal devem se romper gradativa e
continuamente, e os bolsões de exclusão social, superados a partir de
políticas públicas progressistas que viabilizem o chamado urbanismo
social de modo incremental.
Feitas essas considerações, sigamos com algumas amarrações
para a chegarmos à síntese deste capítulo.

210
À guisa de conclusão

Ao apresentar o arranjo descrito nos itens anteriores, a propos-
ta é trabalhar a ideia de inteligência contida na expressão smart cities
de forma mais ampla e complexa. Ela não exclui o uso da tecnologia,
mas desloca a equiparação equivocada e simplista entre as duas
expressões para um outro patamar de análise. Nele, estão presentes
alguns pressupostos, que alinharemos de forma sumária para um
futuro desenvolvimento.
O primeiro é que a cidade, enquanto criação humana – e,
portanto, manifestação de sua inventividade –, proporciona um pa-
drão específico de interação social, potencialmente complexo e rico
em termos de diversidade. O segundo é que esse padrão guarda uma
relação intrínseca com um processo de aprendizagem dos indivíduos,
posto que a evolução da interação, em todos os seus aspectos, traz
desafios que precisam ser enfrentados cotidianamente por seus ha-
bitantes. Acrescenta, portanto, inteligência e aprendizado. O terceiro
é que essa interação forma um amálgama social pré-político, que,
por sua vez, pode ser trabalhado na forma de uma cooperação entre
cidadãos que se estimam e se reconhecem como socialmente úteis. E,
por fim, conduz a uma estrutura democrática cooperativa, igualmente
dotada de potencial transformador, para além das estruturas formais
e institucionais de representação e participação democrática.
O cidadão forjado nesse processo tem condições de interagir
de maneira progressiva – os estudos de psicologia, especialmente de
Jean Piaget, mostram de forma clara os estágios de formação moti-
vados por interações –, problematizando temas da vida cotidiana e
fornecendo elementos para as esferas institucionais de tomada de
decisão.
A tecnologia, nesse aspecto, é o produto dessa inteligência,
seja por meio da criação, seja por meio do fornecimento de inputs para
as esferas de tomada de decisão mencionadas no parágrafo anterior.
Quanto mais denso for o projeto democrático obtido a partir desse
processo, mais socialmente relevante será a tecnologia produzida. En-
tão, a equiparação apresentada nas análises simplistas sobre as smart
cities guarda, na verdade, uma relação de dependência: tecnologia
só faz sentido com inteligência e, na cidade, isso faz toda a diferença.
Essa é a chave para começar a desvendar conceitualmente a ideia de
inteligência aplicada ao território.

211
Referências

BUNCHAFT, Maria Helena. Entre cooperação reflexiva e democracia


procedimental. In: Revista Sequência, n. 59, Florianópolis: Uni-
versidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 2009.
FRANCO, Augusto de; POGREBINSCHI, Thamy. Democracia Coopera-
tiva – Escritos políticos escolhidos de John Dewey. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2008.
__________. Direito e Democracia. Tradução de Flávio Beno Siebe-
neichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. 2.
HONNETH, Axel. Democracia como cooperação reflexiva. In: SOUZA,
Jessé (org.). Democracia hoje – novos desafios para a teoria de-
mocrática hoje. Brasília: Editora UnB, 2001. p. 66.
__________. O direito da liberdade. Tradução de Saulo Krieger. São
Paulo: Martins Fontes, 2015.
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 2. ed. Tradução de
Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LEITE, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes. São Paulo:
Bookman, 2012.
__________ (Ed.). Social Urbanism in Latin America. Cases and
Instruments of Planning, Land Policy and Financing the City Trans-
formation with Social Inclusion. Basingstoke, Inglaterra: Springer
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SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. In. BOTELHO,
André. Essencial Sociologia. São Paulo: Companhia das Letras,
2013.
WEBER, Max. Economia e sociedade– fundamentos da sociologia
compreensiva. 4. ed. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa.
Brasília: Editora UnB, 2012. v. 2.

212
Capítulo 17
Estamos fazendo as PPPs pelas razões
corretas? Reflexões estratégicas para o
uso deste instrumento na implementação
de Smart Cities no Brasil

Carlos Alexandre Nascimento

O uso das Parcerias Público-Privadas (PPPs) para o finan-


ciamento e implementação de projetos de infraestrutura tem sido
crescente no Brasil. Com o advento da Resolução ANEEL no 414/10,
muitos municípios passaram a ver nas PPPs uma alternativa viável e
interessante para gerir o Parque de Iluminação Pública (PIP), cujo ativos
agora estão sob sua responsabilidade. Outros autores já abordaram
com muita propriedade os aspectos técnicos, jurídicos, financeiros
e institucionais da relação entre PPPs, iluminação pública e Smart
Cities4. Portanto, está fora do escopo deste breve capítulo retomar
tais explicações e debates. Pretendemos explorar um pouco dessa
discussão sob um outro prisma: o da economia política das PPPs e seus
possíveis reflexos sobre a implementação de Smart Cities utilizando
este instrumento.
Para introduzir a discussão, faz-se oportuno apresentar a base
conceitual com a qual trabalharemos a seguir. É preciso conceituar as
PPPs, sem a pretensão de fazer uma revisão bibliográfica acerca das
diversas definições encontradas na literatura especializada. Como não
há consenso sobre definição única, utilizo aquela que venho desen-
volvendo ao longo dos últimos anos.
No sentido lato sensu, Parceria Público-Privada ou PPP é um
termo usado para cobrir uma ampla gama de atividades nas quais
os setores público e privado trabalham juntos para prover ativos de
infraestrutura e aprimorar a prestação de serviços públicos. As PPPs

4 Está fora do objetivo deste capítulo explorar as distintas definições de Smart Ci-
ties, devidamente apresentadas e debatidas ao longo deste livro. Há uma definição
ampla delineada pelo Prof. Carlos Leite: “pode-se considerar cidade inteligente o
lugar onde as funções básicas da cidade – estabelecer trocas econômicas, sociais e
culturais e gerar liberdade de vida e locomoção – são otimizadas por novas formas
de tecnologia da informação e comunicação”. (Caderno FGV Projetos “Cidades
Inteligentes e Mobilidade Urbana”, p. 51)

213
normalmente consistem em uma colaboração contratual de longo
prazo entre o Poder Público e o setor privado no qual há compartilha-
mento de riscos entre as partes, e o privado é autorizado a fornecer
serviços para o benefício comum dos parceiros. O nível de engaja-
mento do setor privado nas PPPs varia muito entre países e projetos,
mas geralmente envolve o financiamento privado total ou parcial para
projetos de infraestrutura econômica e social, com maior ou menor
grau de envolvimento nas fases de desenho, construção, manutenção
e operação dos ativos de infraestrutura. Há inúmeros exemplos de
projetos de PPPs em áreas tão diversas, como rodovias, aeroportos,
portos, túneis, pontes, escolas, hospitais, saneamento, resíduos sólidos,
prisões, iluminação pública, estádios, entre outros.
Nesse sentido ampliado, pode-se citar como exemplos de
PPPs as seguintes modalidades:

• Concessão;
• Permissão;
• Franquia;
• Terceirização;
• Sociedades de economia mista;
• Joint ventures;
• Lease;
• Private Finance Initiative (PFI) em suas diversas modalidades;
• Convênios (Organizações Sociais, OSCIPs, ONGs).

O gráfico abaixo ilustra as diversas possibilidades de colabo-


ração público-privada levando em conta o nível de engajamento e
responsabilidade entre as partes:

Percebe-se que o leque para parcerias é bem variado. Contudo,


para efeitos do objetivo deste capítulo, faz-se necessário aterrissar na
realidade jurídico-institucional brasileira, que prevê uma definição
strictu sensu de PPPs. Do ponto de vista legal brasileiro, uma Parceria
Público-Privada é o contrato administrativo de concessão, na moda-

214
lidade patrocinada ou administrativa5, ou seja, no Brasil há dois tipos
de PPPs no sentido estrito: a concessão patrocinada e a concessão
administrativa, ambas regidas pela Lei Federal no 11.079, de 30 de
dezembro de 2004 e legislações complementares.
Para efeitos da implementação de Smart Cities, interessa-nos
sobretudo o conceito de concessão administrativa, definida juridica-
mente como o contrato de prestação de serviços de que a administra-
ção pública seja usuária direta ou indiretamente, ainda que envolva a
execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. No caso da
concessão administrativa, não é possível ou adequado cobrar tarifas
dos usuários dos serviços públicos, seja por razões técnicas (como no
caso da impossibilidade de cobrança de tarifas de usuários da ilumi-
nação pública), seja políticas (por exemplo, cobrar por serviços públi-
cos de saúde e educação). Assim, o parceiro privado é remunerado
integralmente por meio de contraprestações orçamentárias do Poder
Público que celebrou o contrato de concessão. Como já explorado em
capítulos desta obra, as PPPs de Smart Cities encontram viabilidade
jurídica no uso de concessões administrativas.
Nota-se no Brasil um crescente número de Procedimentos de
Manifestação de Interesse (PMIs), Manifestação de Interesse Privado
(MIPs), licitações e contratações de PPPs – incluindo as de iluminação
pública (IP) e, em menor quantidade, as de Smart Cities em seu poten-
cial mais amplo. Mas quais as razões que têm levado a administração
pública a optar pelas PPPs como instrumento para financiar e imple-
mentar seus projetos de infraestrutura? Abordaremos a seguir essas
possíveis razões.

Razões para se fazer uso das Parcerias Público-Privadas

Há diversos possíveis motivos para se escolher as PPPs em


detrimento da contratação pública tradicional de obras e serviços a
fim implementar e gerir projetos de infraestrutura com importantes
componentes de prestação de serviços públicos. Há outras tantas
razões para também não selecionar as PPPs como instrumento pre-
ferencial. Está fora do escopo deste capítulo discorrer sobre a vasta
literatura internacional e nacional que estuda os potenciais benefícios
e malefícios do uso das PPPs em seus sentidos amplo e restrito. Serão
analisadas sucintamente algumas razões econômicas comumente

5 Levando-se em conta a definição ampliada de PPPs, poder-se-ia considerar as


concessões comuns regidas pela Lei Federal no 8.987/1995 como modalidade de
PPP. No entanto, adotar-se-á neste capítulo a definição estrita do termo.

215
apresentadas pelos defensores do instrumento para optar pelas PPPs
em detrimento da provisão pública tradicional, já que aquela parece
ser usualmente a melhor opção quando pensamos na implementação
de Smart Cities. Os argumentos a seguir valem para a adoção das PPPs
em seus sentidos amplo e restrito, bem como para os diferentes setores
da infraestrutura econômica e social.

Talvez o principal argumento para se realizar projetos de


infraestrutura por meio de PPPs seja o potencial ganho de eficiência
esperado com o envolvimento do setor privado na provisão de infraes-
trutura e serviços públicos. Tais ganhos podem derivar de diferentes
aspectos. Entre eles, está a potencial redução do “custo contratual”
quando comparado à contratação pública tradicional. Normalmente,
projetos de infraestrutura são complexos e demandam a contratação
de uma miríade de fornecedores de produtos e serviços em suas dife-
rentes fases: planejamento, estruturação, execução (construção e ma-
nutenção da infraestrutura, bem como operação dos serviços públicos)
e avaliação. Quando a administração pública opta por implementar
um projeto por conta própria, ela precisa realizar licitações diversas
para a contratação desses fornecedores. A Lei Federal no 8.666/1993
(Lei das Licitações) é o meio comum para se fazer isso no Brasil, e
evidências empíricas demonstram que o gerenciamento de projetos
complexos, amparados por essa Lei, levam a atrasos de obras e estouro
de orçamentos previstos.6 A contratação de projetos de infraestrutura
por meio de PPPs tende a reduzir esse custo de transação, pois, neste
modelo, a administração pública realiza certame concorrencial para
contratar apenas uma instituição (a Sociedade de Propósito Específico
– SPE) que será responsável por todas as subcontratações de produtos
e serviços. Do ponto de vista da gestão contratual, a administração
pública é responsável por gerir apenas um contrato (com a SPE). É
evidente que a administração pública deve estar bem preparada
para fazer a gestão do contrato, sobretudo porque há diferenças
substanciais entre contratos regidos pela Lei no 8.666 e pela Lei de
PPPs. Contudo, se há algo quase que intuitivo no ganho de eficiência
que o modelo pode proporcionar, é certamente a redução do custo
de gestão contratual. Não à toa, esse é um dos principais argumentos
utilizados por ocasião da elaboração de justificativas para sustentar
a opção por PPPs em detrimento da contratação pública tradicional.

6 Para uma ótima análise comparativa entre PPPs e contratação pública tradicional,
levando em conta as métricas de prazo de obras e orçamento esperado versus
realizado, ver a Tese de Mestrado de Bruno Rodrigues (2015) na qual o autor estuda
o projeto da PPP educacional da Prefeitura de Belo Horizonte.

216
Um outro aspecto relevante de ganhos de eficiência está no
potencial que o instrumento PPP oferece no que diz respeito à estru-
tura de incentivos contratuais. Nesse modelo, é possível se estabelecer
parâmetros claros de mensuração de indicadores e metas de eficiência
operacional e de qualidade da obra e da prestação de serviços que, por
sua vez, podem impactar a remuneração final do concessionário (SPE) caso
não sejam plenamente atendidas. Isso faz com que os concessionários
tenham incentivos para desempenhar em elevados níveis de prestação
de serviços e com manutenção ótima da infraestrutura para que não
sejam penalizados em sua remuneração e, por conseguinte, no retorno
de seu investimento. Dessa forma, o concessionário se vê incentivado a
olhar todo o ciclo do projeto de infraestrutura, fazendo escolhas presentes
que sejam as melhores, pensando em toda a duração do projeto e não
apenas no momento, por exemplo, de sua fase inicial de construção. Isso
difere substancialmente do modelo de contratação pública tradicional
no qual o Poder Público contrata e paga por uma obra, por exemplo, no
curto prazo, e seu compromisso com o contratado se encerra logo após
a entrega da obra. O contratado, por sua vez, tem o interesse de fazer a
obra ao menor custo possível para maximizar o seu ganho financeiro e
econômico já que não será responsável pelos serviços de manutenção e
operação da infraestrutura (que serão licitados separadamente pelo gover-
no). No caso da PPP, o financiamento-construção-manutenção-operação
gera incentivos para que o concessionário execute a obra de forma que
seus custos de manutenção no longo prazo sejam os menores possíveis,
mesmo que no momento inicial seu investimento na obra seja maior. Essa
estrutura de incentivos que as PPPs proporcionam certamente é uma
fonte de ganhos bundling de eficiência.
Por fim, outra natureza potencial de ganhos de eficiência
pode derivar da expertise que o setor privado pode trazer com formas
alternativas de implementação de infraestruturas e na prestação de
serviços. Espera-se que o engajamento privado em projetos de in-
fraestrutura traga inovações tecnológicas que impactem diretamente
na forma com que o Poder Público e os cidadãos recebem serviços.
Embora essa vertente de ganhos de eficiência seja muitas vezes
contestada, há evidências empíricas de que a participação privada
na provisão de infraestrutura pública pode aumentar a qualidade e a
inovação, inclusive fazendo com que as boas práticas das PPPs sejam
disseminadas para dentro da administração pública tradicional, entre
setores econômicos, e até mesmo entre regiões e países7. Isso, em tese,

7 Denomina-se cross-fertilization ou “fertilização cruzada” o fenômeno de disse-


minação de boas práticas.

217
teria a capacidade de influenciar a mudança de modelos de gestão e
criar novos benchmarks para o setor público.
Para além dos ganhos de eficiência, é válido ainda um outro
conjunto de argumentos em apoio à escolha de PPPs para implemen-
tar projetos de infraestrutura. Normalmente, quando a infraestrutura
pública é gerida pelo Estado, há uma tendência de que variáveis po-
líticas impactem na precificação de tarifas, mantendo-se valores deli-
beradamente baixos, levando-se assim ao consumo da infraestrutura
e dos serviços públicos acima do nível ideal e também a um nível de
investimentos abaixo do necessário. Com a opção pelas PPPs, a seleção
do concessionário se dará por meio de competição e se espera que com
isso o resultado final se aproxime do que seria a precificação eficiente
para que o projeto seja viável econômica e financeiramente. A própria
estrutura contratual de uma PPP deveria isolar o projeto de pressões
políticas e, assim, manter os preços próximos ao valor eficiente. Contudo,
para que os benefícios da competição realmente se materializem, é fun-
damental que exista efetiva concorrência e que o ambiente regulatório
não seja contaminado pela excessiva influência política. Isso nem sempre
é o padrão e sim a exceção, comprometendo os potenciais benefícios
que a competição pode trazer. A própria ideia de precificação eficiente
via competição real teoricamente ajudaria também a filtrar projetos que
são “elefantes brancos”, ou seja, empreendimentos de infraestrutura que
não são sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro, mas que
são levados a cabo por razões políticas descoladas da lógica econômica,
gerando obras concluídas, mas que não têm utilização ou não fazem
sentido efetivo (alguns estádios construídos por ocasião da Copa do
Mundo de 2014 no Brasil são bons exemplos de “elefantes brancos”).
O racional por trás disso é que apenas projetos que realmente tenham
viabilidade comercial sejam selecionados para implementação. Contu-
do, com a possibilidade de aportes públicos, no caso das concessões
patrocinadas e de contraprestações pecuniárias no caso das concessões
administrativas, abre-se a possibilidade de uso do orçamento público
para viabilizar projetos de PPPs. Se mal utilizadas, essas modalidades
geram a possibilidade de criação de “elefantes brancos”, como visto
recentemente no Brasil, mesmo com o uso de PPPs.
Ainda no campo dos benefícios que a competição pode trazer,
há evidências empíricas de que há ganhos de produtividade oriundos
da competição8. A concorrência tem potencial de levar a melhores re-
8 Em Better Relation, Better Solutions: The drivers of productivity gains from com-
petitive tendering, Nascimento et al. (LSE, 2011) exploram em detalhes os canais
pelos quais a competição leva a maiores ganhos de produtividade, inovação e
qualidade. Acesso ao material mediante solicitação ao autor.

218
lações entre o poder concedente (contratante) e os provedores privados
(contratados), bem como a melhores soluções na entrega de serviços
públicos. O contrato, o processo competitivo e a troca de informações
são os principais elementos que acompanham a concorrência para
a prestação de serviços públicos. A contratualização leva a melhores
relações entre o Poder Público e o concessionário por conta do foco em
resultados, melhor definição dos serviços a serem prestados e preocu-
pações com relação à reputação. Por sua vez, o procedimento licitatório
tende a gerar melhores soluções porque incentiva a inovação por meio
de três mecanismos, quais sejam: (1) a criação de uma nova organização
(a SPE) facilita a mudança e a inovação; (2) a licitação funciona como uma
“competição de ideias”, gerando soluções de mais alta qualidade para o
governo e; (3) a relação investimento-risco que o contrato gera permite
com que em tese exista mais flexibilidade financeira para o privado
buscar inovações e retornos financeiros. Por fim, a troca de informa-
ções entre o Poder Público e o privado influencia tanto a accountability
quanto a inovação, gerando melhores relações e soluções e, em última
instância, mais ganhos de produtividade. Pode-se assim levar a situações
de ganha-ganha no qual o provedor privado obtém mais informações
sobre as necessidades do governo e o competidor poderá assim alcançar
soluções ótimas para a prestação do serviço público.
Por fim, um dos argumentos mais utilizados para a celebração
de PPPs para viabilizar projetos de infraestrutura pública é que as par-
cerias com o privado aliviam as pressões orçamentárias enfrentadas por
governos em ambientes de forte restrição fiscal. Ao fazer com o que
o investimento em infraestrutura se dê pelas mãos do setor privado,
governos sufocados fiscalmente conseguem “viabilizar” recursos para
o investimento em projetos que não seriam possíveis via orçamento
público. Uma outra razão que atrai muitos governos para o uso das PPPs
é que os investimentos privados realizados não são contabilizados como
endividamento público. Isso é atraente para muitos governantes. Embo-
ra não exista uma pesquisa científica demonstrando que a questão fiscal
é a principal razão para a crescente procura por PPPs no Brasil, evidência
anedótica nos permite dizer que este é o principal motivo considerado
pelos gestores públicos brasileiros para o uso do instrumento. Pelo seu
potencial positivo, mas também pelos riscos fiscais excessivos que esta
escolha pode gerar, vamos abordar em seguida sobre esse aspecto.

As PPPs e o “desespero orçamentário”

Espera-se que bons governantes e gestores públicos tomem as


melhores decisões no tempo presente levando em consideração não

219
apenas o contexto atual, mas também as implicações futuras de suas
deliberações. Dessa forma, a escolha por PPPs para financiar e imple-
mentar projetos de infraestrutura pública deve também ponderar os
pró e os contras, no curto, médio e longo prazos, inclusive do ponto
de vista das finanças públicas. Ocorre que muitos governos enfren-
tando pressões orçamentárias de todas as naturezas não encontram
espaço fiscal para realizar importantes investimentos públicos em
áreas tão diversas quanto educação, saúde, habitação, saneamento e
mobilidade. No caso brasileiro, some-se à falta de recursos a rigidez
orçamentária, o desequilíbrio do pacto federativo fiscal, as obrigações
orçamentárias constitucionais e de legislações locais, a impossibilidade
de emissão títulos da dívida por governos subnacionais, entre outros
desafios que tornam a gestão dos recursos públicos extremamente
complexa. Assim sendo, não surpreende o crescente interesse por
parte dos governantes e gestores públicos brasileiros pelo uso das
PPPs para financiar e implementar projetos de infraestrutura. Nesse
quesito, as concessões comuns9 também geram muito interesse, pois
não impactam o orçamento público (ao menos na aparência), ao con-
trário das concessões administrativas e patrocinadas.
Nesse contexto, a tentativa de contratar PPPs e concessões na
realidade brasileira tem clara correlação com o interesse legítimo de
governos de viabilizar investimentos públicos minimizando ou elimi-
nando o impacto orçamentário no curto prazo. Contudo, do ponto de
vista das finanças públicas, não há diferença entre fazer investimentos
via PPPs ou contratação pública tradicional de obras e serviços. E isso
precisa ficar claro para não gerar falsas expectativas ou, pior ainda,
levar a descontroles fiscais de longo prazo. O tema é complexo e muito
bem detalhado tecnicamente na literatura especializada. Não faz parte
do escopo deste capítulo entrar nas minúcias técnicas e matemáticas
da questão10. O intuito é ser o mais simples e didático possível para
demonstrar o argumento, fazendo uso de dois cenários para explicar
isso. O primeiro cenário analisa uma concessão comum de rodovia
do ponto das finanças públicas. O segundo cenário delineia uma

9 A concessão comum é a modalidade de parceria entre o público e o privado na


qual os investimentos realizados pelo parceiro privado para viabilizar o forneci-
mento de ativo de infraestrutura e/ou a prestação de determinado serviço público
são remunerados exclusivamente por meio de tarifas pagas pelos usuários do
serviço. Nessa modalidade, não há aportes orçamentários do Poder Público. As
concessões comuns são regidas pela Lei Federal no 8.987/1995.
10 Para uma discussão detalhada e técnica sobre porque as PPPs e contratações
públicas tradicionais, que são equivalentes do ponto de vista das Finanças Públi-
cas, a recomendação de leitura é o capítulo 6 de Engel, Fischer e Galetovic (2014).

220
concessão administrativa de iluminação pública. Ao comparar os dois
cenários, espera-se que fique claro o argumento.

Cenário 1: concessão comum de rodovia

Assuma-se que determinado governo deseja construir e


operar uma nova rodovia de importância regional. Considere que há
apenas duas opções para fazê-lo: (1) o governo licita a construção
apenas e opera a rodovia por conta própria, realizando os pagamen-
tos do investimento inicial, manutenção e operação da rodovia por
meio do orçamento público anual. Nesta opção, o governo aufere
as receitas de pedágio/tarifa para si próprio; ou (2) o governo licita
uma concessão comum na qual o parceiro privado é responsável por
financiamento, construção, manutenção e operação da rodovia por
um prazo de 30 anos. Nesta opção, o vencedor da licitação paga uma
outorga ao governo (poder concedente) em troca da exploração do
ativo por um período determinado. Todas as receitas do concessionário
são advindas das tarifas de pedágio pagas pelos usuários11. Não há
qualquer aporte do orçamento público no projeto.
Assuma agora que o governo se encontra em difícil situação
fiscal, com baixíssima capacidade para realizar investimentos públicos
básicos. Há dificuldade substancial com o pagamento de despesas
de custeio. Contudo, por razões de interesse público, sobretudo a
possibilidade de gerar desenvolvimento econômico e social no trecho
pelo qual a rodovia será implementada, o governo priorizou o projeto
da rodovia. Sem outra possibilidade na prática, o governo escolhe a
segunda opção, ou seja, licitará uma concessão, delegando a explo-
ração para o privado e receberá ainda uma outorga. O vencedor será
aquele que propor a maior outorga. Há grande expectativa de usar os
recursos advindos da outorga para ajudar a cobrir o déficit orçamen-
tário e aliviar a pressão fiscal.

Implicações para as finanças públicas: os concorrentes pri-


vados calculam o valor da outorga a ser ofertada no leilão
levando em conta o Fluxo de Caixa Descontado de todo o
período da concessão. Ou seja, os concorrentes projetam
receitas e despesas no longo prazo e trazem a valor presen-
te, já embutindo sua projeção de lucros para compensar

11 Na prática, as concessionárias podem prever receitas acessórias em um projeto.


Contudo, na maioria dos casos de concessões comuns, a parte majoritária das
receitas é derivada das tarifas (aeroportos são exceção).

221
o investimento. Ao mesmo tempo que o governo recebe
a outorga, ele também renuncia ao direito de receber as
receitas de pedágio no longo prazo. Ou seja, o governo está
recebendo essas receitas descontadas no valor presente, à
vista. Ao passo que delega ao privado o investimento na
rodovia, o governo não tem impactos fiscais presentes, mas
abriu mão das receitas futuras. Do ponto de vista das finanças
públicas, não há qualquer impacto real (para o bem ou para
mal), pois as receitas e despesas que seriam realizadas via
operação e contratação pública tradicional não existirão. Os
investimentos serão realizados pelo privado e o retorno do
investimento também ficará com o privado. Por sua vez, os
recursos da outorga serão empregados pelo governo para
pagar despesas de custeio no presente e ajudar cobrir o dé-
ficit orçamentário. Isso é má política fiscal. Abre-se mão de
recursos futuros para “tapar o buraco” presente.

Cenário 2: concessão administrativa de iluminação pública

Assuma-se que determinada prefeitura necessita investir,


modernizar, eficientizar, manter e gerir o Parque de Iluminação Pública
(PIP) municipal para atender a Resolução ANEEL no 414/10. Considere
que há apenas duas opções para se fazer isto: (1) o governo licita a
modernização e eficácia do PIP (trocando as luminárias, relés, reatores
e lâmpadas de mercúrio por LED, por exemplo), licita eventuais repa-
ros e manutenção ao longo do tempo, opera e gera o PIP por conta
própria, utilizando-se de servidores públicos concursados e comissio-
nados, por meio de sua estrutura administrativa própria, viabilizando
investimentos, reinvestimentos e pagamentos contratuais por meio
do orçamento público anual. Nessa opção, o governo não tem como
cobrar tarifas dos usuários por inviabilidade jurídica, mas pode contar
com recursos oriundos da COSIP12 para ajudar no financiamento e no
custeio do PIP; ou (2) o governo licita uma concessão administrativa
na qual o parceiro privado é responsável pelo financiamento, moder-
nização, eficácia, manutenção e operação do PIP por um prazo de
20 anos. Nessa opção, vence a licitação o concorrente privado que
oferecer a menor contraprestação mensal a ser paga pelo governo
(poder concedente). Em troca, o privado terá o contrato com vigência
12 Contribuição para custeio do serviço de Iluminação Pública (IP).

222
determinada. Todas as receitas do concessionário são advindas da
contraprestação pecuniária paga pelo governo13.
Assuma agora que o governo municipal se encontra em difícil
situação fiscal, com baixíssima ou nenhuma capacidade para realizar
investimentos públicos básicos. Há dificuldade substancial com o pa-
gamento de despesas de custeio. Contudo, por necessidade de cumprir
com a Resolução ANEEL no 414/10, a prefeitura precisa encontrar uma
solução para viabilizar o investimento no PIP e, portanto, priorizar
este projeto. Sem outra possibilidade na prática, o governo escolhe
a segunda opção, ou seja, licitará uma concessão administrativa, de-
legando a exploração para o privado. Com isso, o governo transferirá
ao privado a responsabilidade pelo investimento inicial e só iniciará
o pagamento das contraprestações mensais uma vez que a primeira
fase de investimentos seja concluída e o projeto esteja operacional
(por simplificação, assume que o prazo entre o início e a conclusão das
obras seja de um ano). Com o alívio orçamentário temporário, o go-
verno poderá alocar seus parcos recursos para as despesas de custeio
ou para alguns investimentos básicos demandados pela sociedade.

Implicações para as finanças públicas: os concorrentes priva-


dos calculam o valor da contraprestação mensal a ser paga
pelo governo e que será a sua oferta na licitação levando em
conta o Fluxo de Caixa Descontado de todo o período da con-
cessão. Ou seja, os concorrentes projetam receitas e despesas
no longo prazo e trazem a valor presente, já embutindo sua
projeção de lucros para compensar o investimento. Para o
governo, quanto menor a contraprestação mensal, melhor
em tese para os cofres públicos. O investimento no PIP será
realizado integralmente pelo privado e o governo iniciará o
pagamento do investimento apenas uma vez que a fase de
modernização tenha sido concluída. Ele pagará pelo inves-
timento feito pelo privado ao longo de 20 anos, por meio
das contraprestações mensais (junto com a amortização do
investimento, a contraprestação inclui também o pagamento
da manutenção, operação e juros do financiamento feito
pelo privado).

13 As concessionárias também podem prever receitas acessórias em um projeto de


IP. Contudo, assuma por simplificação que neste cenário a totalidade das receitas
advirão das contraprestações pagas pelo governo.

223
Do ponto de vista das finanças públicas, qual a diferença en-
tre ter feito a concessão administrativa ou ter implementado o projeto
diretamente via contratações públicas tradicionais? Nenhuma. Para
enxergar isso, imagine que o governo tivesse realizado a licitação das
obras de modernização e eficácia do PIP. Ele teria que pagar o contratado
integralmente até a conclusão da obra. Quando o projeto se tornasse
operacional, o governo municipal faria a gestão com seu time próprio,
realizando licitações esporádicas para manutenção do PIP, pagando
as despesas operacionais ao longo do tempo. Na prática, o uso da PPP
de iluminação pública foi apenas um instrumento de financiamento
para o governo, no qual diluiu o impacto orçamentário ao longo dos
20 anos, aliviando a pressão orçamentária de curto prazo. Contudo, na
prática, trata-se apenas de uma questão de fluxo de caixa do ponto de
vista orçamentário. Em vez de pagar os investimentos no curto prazo, o
governo municipal pagará por eles no longo prazo, de forma parcelada.
Ora, isso é muito atrativo para governantes vivendo pressões
políticas por investimentos e pagamentos de despesas no curtíssimo
prazo. É até mesmo compreensível. Por outro lado, o mesmo gover-
no acabou contraindo uma “dívida” por 20 anos, comprometendo
parcela do orçamento público futuro para o pagamento das contra-
prestações. Além disso, como os projetos de PPP sempre demandam
garantias públicas diretas e há também riscos assumidos pelo governo
que demandam contabilização enquanto passivos contingentes, o
orçamento público e o balanço do governo acabam sendo compro-
metidos. No longo prazo, isso pode causar excessivos riscos fiscais,
colocando gerações futuras sobre forte pressão orçamentária. Não à
toa, o legislador brasileiro colocou uma trava no limite máximo que
os governos podem se comprometer com despesas em PPPs. Há
que se ter muito cuidado e transparência com isso. Embora o Brasil
disponha de um marco regulatório bem definido para identificação,
registro e acompanhamento do impacto fiscal dos contratos de PPP,
na prática a esmagadora maioria dos estados e municípios com
PPPs vigentes não reporta adequadamente as informações fiscais de
suas concessões administrativas e patrocinadas ao Tesouro Nacional
Levando-se em consideração os dois cenários anteriormente
exemplificados, deve-se estar claro que, sob o prisma fiscal e orça-
mentário, não há diferença entre viabilizar projetos de infraestrutura
pública por meio de PPPs ou via contratação pública tradicional. Sendo
assim, por mais que seja sedutor para governos a escolha das PPPs
(ou concessões comuns) para aliviar o “desespero orçamentário”, a
escolha do instrumento deve ser justificada pelos ganhos de eficiência

224
e benefícios gerados pela competição para prover infraestrutura e
serviços públicos. A escolha das PPPs apenas por razões fiscais é um
erro e pode gerar problemas para futuros governos.

Conclusão: reflexões para o uso de PPPs na implemen-


tação de Smart Cities

Tendo em vista as seções anteriores deste capítulo, resta


responder à pergunta que o originou: estamos fazendo as PPPs pelas
razões corretas? Não há uma resposta cabal e científica para isso, pois
demandaria uma pesquisa qualitativa, o que não é o objeto deste texto.
Contudo, evidências anedóticas identificadas nos discursos e ações
de governantes e gestores públicos, dentro de um contexto de forte
restrição fiscal em todos os níveis da Federação, permitem afirmar que
é bem provável que as PPPs e concessões comuns estejam sendo feitas
por razões essencialmente orçamentárias. E como foi visto na seção
anterior, não há diferença entre PPPs e contratação pública tradicional
sob o prisma das finanças públicas. Ou seja, se essa é razão única con-
siderada, governos estão escolhendo as PPPs por razão equivocada.
É compreensível que os gestores públicos se sintam pressiona-
dos a atender às demandas da população por investimentos e despesas
essenciais. Em tese, não há problema em escolher as PPPs levando em
conta razões orçamentárias desde que exista um balizamento racional
e transparente dos compromissos fiscais de longo prazo. Mas a escolha
pelas PPPs deve ser justificada por razões adicionais, notadamente os
potenciais ganhos de eficiência e benefícios que a competição na esco-
lha do concessionário privado pode gerar, como aumento da inovação
e qualidade na prestação dos serviços. Isso gerará preocupações com o
desenho de incentivos contratuais, boas especificações técnicas para as
obras de infraestrutura, parâmetros de qualidade e operação elevados,
eficácia de despesas, inovações tecnológicas e na forma de prestar os
serviços, além de outros fatores estratégicos e políticos atrelados ao
desenvolvimento econômico e social dos territórios abrangidos pela
PPP. Ao não se deixar contaminar pelo “desespero fiscal”, governos
cometerão menos erros, estarão menos propensos a acelerar estudos e
licitações antes do prazo de maturidade dos projetos e poderão manter
o devido diálogo com todos os stakeholders de um projeto, incluindo
o Poder Legislativo, o setor privado, órgãos de controle e a sociedade.
Quais as reflexões estratégicas e possíveis implicações desta
conclusão para o uso de PPPs na implementação de smart cities? Há
quatro pontos principais a serem considerados:

225
a) Sensibilização e capacitação: ainda há muito desconhecimento
sobre o que são efetivamente as PPPs, seus benefícios e desafios, no
âmbito das administrações municipais. Há também uma expectati-
va de que as PPPs resolverão os problemas fiscais das prefeituras. Já
sabemos que isso não é verdade. Contudo, com a necessidade de
cumprir com a Resolução ANEEL no 414/10 e em um ambiente de
forte restrição fiscal nos municípios, a procura por PPPs de ilumina-
ção pública continuará em franco crescimento. Portanto, para que
a intenção em celebrar PPPs se torne uma realidade, é fundamental
que sejam reduzidas as assimetrias de informação e capacitação
técnica no nível municipal. Isso pode ser feito por meio de progra-
mas de capacitação de gestores municipais, com conteúdos que
elucidem, inicialmente, as diferenças entre contratações por meio
de PPPs e por meio da Lei de Licitações (no 8.666/1993). Apenas
isso já gerará um impacto muito positivo. Contudo, gestores muni-
cipais devem estar preparados para planejar e priorizar projetos de
infraestrutura, bem como estruturar ou acompanhar a estruturação
de Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA)
– seja por contratação direta, Procedimento de Manifestação de
Interesse (PMI) ou Manifestação de Interesse Privado (MIP) –, gerir
contratos e avaliar os resultados dos projetos implementados. Isso
não é tarefa fácil, e a disseminação de informação e capacitação
técnica é ação a ser compartilhada pelos diversos players atuando
no setor. É essencial que as PPPs não sejam encaradas como “cheque
especial” para governos com dificuldades orçamentárias.
b) Para além da iluminação pública: se a motivação não deve ser
principalmente a fiscal, o uso de PPPs deve se dar por ganhos de
eficiência que o modelo potencialmente pode trazer. Nesse aspec-
to, é importante que a visão dos governos e do mercado não seja
focada apenas na modernização e eficácia do PIP (em que pese
isso por si só já ser um avanço). A estruturação de projetos de PPP
é algo complexo e, para maximizar os resultados da modelagem e
potencializar os ganhos de eficiência à gestão urbana, será muito
importante que os gestores públicos, consultores, provedores
de produtos e serviços, bancos e órgãos de apoio e fomento
migrem do olhar exclusivo em iluminação pública para o concei-
to ampliado de smart cities, incentivando o uso de Smart Grids
. Nesse sentido, deve-se buscar na modelagem da PPP a adição
de utilidades públicas à rede elétrica inteligente, como: controle
de semáforos, controle de câmeras de vigilância em vias públicas,
controle da frota de veículos oficiais, controle do consumo de água,

226
energia elétrica e gás de prédios públicos, controle da gestão de
resíduos, entre outras possibilidades, tudo isso sendo controlado
de uma única base operacional, provendo informações mais qua-
lificadas aos gestores municipais para auxiliá-los no processo de
tomada de decisões. Certamente cada projeto é muito particular
e a adição de utilidades deve encontrar viabilidade econômico-
financeira e interesse do mercado privado. Contudo, dado o nível
elevado de desperdício de recursos públicos verificado na gestão
pública brasileira, não há dúvidas de que há demanda pelo lado
do poder concedente, bem como muito espaço para melhorar
a gestão municipal com o uso de tecnologia. Cabe aos players
do setor fomentarem boas ideias e projetos junto aos governos,
incluindo sugestões inovadoras em seus diálogos institucionais,
bem como no EVTEA.
c) Competição efetiva e qualificação de PMI/MIPs: como já visto ao lon-
go deste capítulo, além dos ganhos de eficiência que potencialmente
podem ser extraídos do modelo de PPP, há benefícios que derivam
da competição necessária para selecionar o concessionário privado
que ficará a cargo de obras e serviços. Assim é essencial que exista
competição efetiva nos procedimentos licitatórios, com participação
de concorrentes em quantidade e qualidade adequadas para uma
boa seleção por parte do poder concedente. Aqui há também um
conjunto de desafios que se colocam na relação público-privada no
Brasil que precisam ser superados. Conluio entre os concorrentes,
cartelização setorial, corrupção e direcionamento de licitações são
exemplos de situações ainda existentes na realidade brasileira e que
precisam ser eliminadas caso se queira promover efetiva competição.
Para que a competição se dê e selecione os melhores fornece-
dores e projetos, é essencial que sejam elaborados bons estudos
e projetos pelo setor privado. Contudo, por diversas razões que
não cabe aqui discorrer, o principal instrumento utilizado pelo
Poder Público para obter estudos junto ao mercado (o PMI) está
em xeque. Segundo informações da Radar PPP, entre 2013 e 2015,
o índice de mortalidade dos Procedimentos de Manifestação de
Interesse (PMI) ficou em 85%. Ou seja, apenas 15% dos projetos
iniciados chegaram à fase final de contratação. Em 2016, esse
número foi menor ainda: 4% de sucesso. Esses dados são im-
portantes pois há muitos PMIs sendo iniciados por municípios
e quantidade significativa está em PPPs de iluminação pública.
Para se ter uma ideia, de 2013 até julho de 2018, foram lançados
186 projetos de iluminação. Em 2017, de um total de 135 PMIs

227
lançados, 52 foram PMIs de iluminação pública, ou seja, 38,5%.
Nesse contexto, percebe-se que há grandes oportunidades para
migrar de projetos somente de IP para PPPs mais amplas de
smart cities. No entanto, o índice de fracasso é muito grande e
há necessidade de se qualificar o instrumento PMI para que seja
mais efetivo. O crescimento dos contratos assinados de PPP em
Smart Cities passará necessariamente pela elaboração de projetos
melhores, mais inovadores e mais abrangentes, apresentados por
meio de PMIs que precisam chegar à fase de contratação depois
de real competição.
d) Fomento ao ecossistema de inovação e empreendedorismo: se há
um segmento do setor de infraestrutura que tem grande potencial
para absorver inovações tecnológicas, este segmento é o de Smart
Cities. Discutiu-se neste capítulo o uso de concessões administra-
tivas para implementar projetos de cidades inteligentes em seu
sentido mais amplo. Contudo, há um enorme potencial para o
desenvolvimento e aplicação de produtos e serviços pelo setor
privado que possam ser adotados no âmbito municipal, mas sem
necessariamente serem implementados por meio de PPP adminis-
trativa. No conceito ampliado de parcerias, há possibilidades de
cooperação direta entre empresas e governos que podem ser utili-
zadas para a implementação de projetos-piloto em nível municipal.
Há muitas empresas inovando e querendo testar seus produtos
e serviços em maior escala, para abrir novos mercados. Assim, é
fundamental que sejam estruturados ecossistemas de inovação e
empreendedorismo que estimulem o desenvolvimento de novas
ideias, startups e negócios que possam dialogar com cidades que
se pretendem inteligentes.
Nesse sentido, há espaço também para os bancos de fomento
(BNDES e Caixa Econômica Federal, por exemplo) elaborarem
linhas de financiamento que incentivem a adoção de novas tecno-
logias direcionadas à implementação de Smart Cities. O Plano de
Ação Conjunta Inova Energia foi um exemplo disso e poderia ser
ampliado. O trabalho que a Caixa está desenvolvendo junto aos
municípios por meio do Fundo de Estruturação de Projetos (FEP
Caixa) também pode ser potencializado na direção de promover
Smart Cities e se relacionar com futuros financiamentos do banco
para potenciais concessionárias da PPP.

Os desafios são grandes para destravar todo o potencial que


as PPPs de Smart Cities podem ter nas cidades brasileiras. Ao mesmo

228
tempo que é desafiador, o contexto é promissor. Portanto, os players
do setor devem estar alinhados para promover esta agenda de forma
qualificada. As PPPs não são “cheque especial” de governos munici-
pais com dificuldades fiscais, mas podem ser um importante aliado
para ajudar a financiar e implementar investimentos inteligentes em
infraestrutura que gerem benefícios efetivos às cidades e aos cidadãos.

Referências

ANTUNES, Vitor Amuri. Parcerias Público-Privadas para Smart Cities.


2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 252 p.
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Projetos, 2014. Disponível em: https://fgvprojetos.fgv.br/sites/
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ENGEL, Eduardo; FISCHER, Ronald D.; GALETOVIC, Alexander. The
Economics of Public-Private Partnerships: A Basic Guide. New
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229
Capítulo 18
A estruturação jurídica dos projetos
de PPPs para viabilizar as cidades
inteligentes brasileiras

Fernando Vernalha Guimarães

A PPP como alternativa à criação de cidades inteligentes

Embora seja difícil sistematizar todas as características que


definem a noção de “cidade inteligente”, é certo que ela pressupõe a
implementação pelos municípios de uma série de aprimoramentos
tecnológicos nos equipamentos públicos, assim como na prestação
dos serviços fruitivos pelos cidadãos e pela própria Administração
Pública. Para que uma cidade possa tornar-se inteligente, deve contar
com ferramentas tecnológicas que permitam à Administração e ao
cidadão otimizar serviços e viabilizar uma série de facilidades. Isso
dependerá da criação de plataformas de integração tecnológica,
capazes de favorecer a gestão integrada de dados e informações e
criar uma rede inteligente de serviços. As cidades inteligentes contam
com serviços como a semaforização e gestão inteligente do trânsito, a
iluminação inteligente integrada com monitoramento de segurança
por câmeras, a gestão inteligente do lixo etc., e dependem não apenas
de um bom planejamento administrativo, mas (i) da realização de
projetos, (ii) da construção de infraestruturas e (iii) da aquisição de
bens e serviços pelos municípios. Há, portanto, uma gama de serviços
públicos municipais que necessitam ser modernizados para que as
cidades possam se tornar inteligentes.
Esse conjunto de prestações poderá ser implementado pelos
municípios por diferentes meios e formas jurídicas. Eles podem ser
gestados e executados interna ou externamente, isolada ou conjunta-
mente. Tudo a depender do modo como os programas para as cidades
inteligentes sejam planejados e estruturados. De toda a forma, é pre-
ciso ter-se a clareza de que a noção de cidade inteligente pressupõe
um conjunto de atividades funcionando de modo “integrado”, o que
requer modelos de prestação de serviços vocacionados a propiciar
essa conexão.

230
Assim considerado, o município dispõe basicamente de algu-
mas vias para estruturar e gerir uma cidade inteligente, sendo a opção
pela forma de integração e de prestação a que terá impacto direto na
eficiência e qualidade dos serviços.
Em primeiro lugar, o município pode desenvolver e prestar
esses serviços diretamente, a partir de sua estrutura própria. Nesse
caso, os projetos e serviços serão providos e geridos diretamente pelos
quadros do município. Essa opção pode esbarrar na baixa capacidade
técnica dos municípios para desenvolver e gerir projetos, assim como
nas dificuldades fiscais, que têm restringido a capacidade de investi-
mentos das administrações públicas de menor porte. Note-se que a
execução de um programa de cidade inteligente poderá demandar
investimentos intensivos já no curto prazo, com vistas a redefinir estru-
turas e equipamentos necessários à disponibilização dos serviços. Sem
condições fiscais e orçamentárias para resistir a esses investimentos,
grande parte dos municípios brasileiros não disporá da condição de
estruturar diretamente esses serviços.
Uma segunda opção residiria na “terceirização” dos projetos e
serviços, valendo-se dos chamados contratos ordinários de prestação
de serviços, disciplinados pela Lei no 8.666/83. Por essa via, o município
contratará com sujeitos e empresas especializados o fornecimento de
bens e a prestação de serviços para a implementação do programa
de cidade inteligente. A utilização desse modelo também apresenta
alguns inconvenientes em função tanto da limitação da via para a
contratação integrada de uma pluralidade de prestações, como do
limite de prazo para a execução desses escopos.
Lembre-se de que os contratos ordinários de prestação de ser-
viços obedecem a um princípio de “fracionamento”, não se prestando
a reunir em seu objeto uma pluralidade de prestações de diversa natu-
reza, como a execução de obra, o fornecimento de bens e a prestação
de serviços. Logo, optar por essa via dificultaria a integração entre
diferentes frentes de serviços e a conjugação de diferentes prestações
no mesmo contrato – característica marcante dos projetos de cidades
inteligentes. Como o funcionamento destas depende da integração e
de conectividade entre serviços distintos, os contratos de terceirização
não permitem a modelagem desse tipo de projeto.
Outro limitador dos contratos ordinários estaria na sua baixa
longevidade. Esses contratos terão prazo limite de 60 meses para a
prestação de serviços contínuos, o que poderia dificultar em muitos
casos a amortização de investimentos mais expressivos demandados

231
para a criação e o aparelhamento das infraestruturas necessárias para
a disponibilização de serviços de cidade inteligente.
Um terceiro modelo a viabilizar a implementação de pro-
gramas de cidades inteligentes seriam as parcerias público-privadas
(PPPs). Tendo em vista sua disciplina legal, contratos dessa natureza
não apenas permitem a integração de escopos diversos como, por
serem “contratos de investimentos”, prestam-se a viabilizar o financia-
mento e os investimentos de infraestrutura mais robusta pelo capital
privado. E, como contratos de longo prazo que são, permitem a amor-
tização desses investimentos no longo termo. Trata-se, portanto, de
um modelo perfeitamente viável para a estruturação e implementação
de programas de cidades inteligentes.
Aliás, não seria excessivo afirmar que uma das razões históricas
pelas quais os projetos de cidades inteligentes tenham sido tão escas-
sos no Brasil se deve a um limite do modelo jurídico e contratual para
a aquisição dessas atividades pelos municípios. Antes do surgimento
do modelo de PPP, em 2004, quando então se abre a possibilidade
de contratos administrativos com escopo ampliado e diversificado,
contemplando a integração de serviços diversos sob a responsabi-
lidade de um único prestador, os municípios dispunham apenas da
possibilidade de contratar de modo isolado e desintegrado certas ativi-
dades e serviços. Havia dificuldades em estruturar soluções integradas
contemplando um conjunto de serviços distintos, com conectividade
e interdependência tecnológica. Mais do que isso, a sua vida curta e
as restrições a transferir ao contratado obrigações de investimento e
de atualização tecnológica faziam dos contratos ordinários uma via
bastante limitada para viabilizar programas de cidades inteligentes.
O fato é que, com o surgimento do modelo de PPP, disponibi-
lizou-se aos municípios uma via contratual apropriada para estruturar
esses programas. As características das PPPs não apenas permitem a
realização de ajustes dessa natureza, como podem propiciar ganhos
de eficiência na prestação desses serviços. Bem estruturada, uma PPP
pode traduzir-se numa ferramenta relevante para que municípios
viabilizem as cidades inteligentes, carregando investimentos privados
para a criação de infraestrutura pública e para o aperfeiçoamento dos
serviços municipais.

Compreendendo melhor as PPPs

Sob esse contexto, as PPPs (e Concessões, quando aplicáveis)


têm sido vistas como instrumentos importantes para atrair o capital

232
privado para investimentos em ativos e serviços municiais dedicados
a projetos de cidades inteligentes. No Brasil, elas adquirem uma re-
levância ainda maior devido ao forte cenário de restrição fiscal pela
qual passam muitas Administrações Públicas de menor porte. Sem
orçamento público, como já referido, os projetos de infraestrutura e
no aperfeiçoamento de serviços estão a depender cada vez mais de
investimentos e financiamentos privados para que possam sair do
papel.
Mas não é apenas a crise fiscal que embala a busca pelas PPPs.
Já há um diagnóstico prevalente acerca das vantagens desse modelo
comparativamente às vias tradicionais para a gestão de ativos e ser-
viços públicos. As PPPs permitem uma série de ganhos de eficiência
à gestão dos serviços, viabilizando a entrega de melhores resultados
aos usuários (e aos contribuintes). Isso se deve a três características
principais de seu funcionamento, retratada no modo como está regu-
lada pelo direito.
Em primeiro lugar, as concessões e PPPs são – como já re-
feridas – contratos abrangentes, isto é: são ajustes que envolvem
uma pluralidade de prestações de distinta natureza. Enquanto os
contratos públicos convencionais focam-se em objetos mais restritos,
como a execução de uma obra, ou a prestação de um serviço ou o
fornecimento de bens isoladamente considerados, concessões e PPPs
permitem a conjugação e a acumulação de todas essas prestações.
Assim, é bastante comum que num projeto de concessão ou de PPP
contenha-se não apenas a construção de uma infraestrutura, mas o seu
aparelhamento e a sua gestão por um longo período, o que envolve a
entrega de serviços ou ao usuário ou à própria Administração. Isso faz
com que a integração desses encargos e riscos (como a elaboração do
projeto, a construção da infraestrutura e a sua manutenção por um lon-
go período) gere eficiências ao contrato. O concessionário passa a ter
incentivo, por exemplo, para executar um bom projeto, pois as falhas
de projeto se retratarão em ônus durante a construção das obras. Da
mesma forma, ele passa a ter incentivo para evitar subinvestimentos
na execução da obra, que poderão ampliar o risco de custos maiores
de manutenção. Como todos esses escopos e riscos tendem a estar
sob a responsabilidade do concessionário, cria-se um alinhamento de
incentivo apto a otimizar a execução do contrato.
Em segundo lugar, as PPPs e concessões são contratos vol-
tados à entrega de resultados (outputs) e não de prestações-meio.
Um dos pontos fundamentais do conteúdo dos contratos de PPP é a
delimitação dos chamados “indicadores de serviços”, que definem as

233
características do serviço que deverá ser entregue pelo concessionário
à Administração e aos usuários. Esses indicadores não definirão mais
especificamente como o concessionário deverá estruturar o serviço
(como os ativos devem ser planejados e executados, por exemplo),
mas apenas as suas metas e resultados. Via de regra, os indicadores
trazem métricas para que o desempenho do concessionário possa ser
mensurado. Por meio de um sistema de pagamento atrelado a essas
métricas, faz-se com que a remuneração do concessionário possa ser
impactada pelo cumprimento desses indicadores de desempenho:
se o concessionário alcança metas mais exigentes, sua remuneração
tende a ser incrementada proporcionalmente.
Por exemplo, em PPPs voltadas a serviços de smart city, a pro-
porção de redução de energia gerada a partir da troca de lâmpadas,
ou a rapidez com que a informação sobre crimes monitorados por
“videovigilância” é disponibilizada, ou ainda o grau de satisfação do
usuário com serviços de atendimento virtual a utilidades públicas,
são possíveis indicadores a referenciar a remuneração do conces-
sionário. Essa sistemática é bastante interessante, pois faz com que
a Administração Pública se preocupe em cobrar do concessionário
os resultados (disponibilidade e qualidade) relacionados ao serviço,
transferindo-lhe autonomia para que eleja os “meios” mais adequados
para isso. O concessionário terá, então, incentivos para encontrar os
meios mais econômicos para o atingimento das metas qualitativas
e quantitativas mais exigentes estabelecidas no contrato. Com isso,
busca-se assegurar bons resultados para a concessão, mas a partir de
uma prestação eficiente. Toda essa eficiência tende a ser transferida
para a Administração Pública e para os usuários a partir de licitações
bem modeladas.
Em terceiro lugar, as concessões e PPPs, dada sua
abrangência e longevidade, configuram modelos de transferência de
serviços aos privados mais econômicos do que os contratos convencio-
nais, por propiciarem não apenas a eficácia na integração de escopos
diversos, mas a redução de custos administrativos de gerenciamento
e de produção de licitações e contratos. Uma PPP acaba por substituir
uma pluralidade de contratos administrativos que importariam, cada
qual, custos de controle e fiscalização, assim como custos periódicos
de renovação e de contratação.
Em quarto lugar, nas PPPs e concessões, o controle
social adquire maior eficácia em relação à prestação do serviço público
e aos custos que lhe são subjacentes. A prestação direta do serviço
público e estatal pelas Administrações, mesmo que aparelhada por

234
uma rede de contratos de terceirização e de curto prazo, não propicia
um controle mais efetivo sobre a qualidade dos serviços ou mesmo
sobre a dimensão de seus custos. Os programas de Concessões e
PPPs podem propiciar um controle social mais efetivo sobre isso, ao
segregar os custos e os agentes responsáveis pela entrega do serviço,
bem como ao dissociar os papéis de controle e regulação, reservados
ao Estado, e de gestão e entrega do serviço, ao concessionário.

Aspectos jurídicos e regulatórios fundamentais para a


estruturação de uma PPP de cidade inteligente

Como qualquer PPP, os projetos de smart cities que se utilizam


desse modelo devem obedecer a uma série de requisitos e condicio-
nantes, que vão desde a criação de leis e decretos até a observância
de regras voltadas ao controle fiscal e ao processo de licitação e
contratação.
Lembre-se de que atualmente a maioria dos projetos de PPP,
especialmente em âmbito municipal, tem sido gestada mediante o
que se denomina de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI),
procedimento utilizado pelas Administrações Públicas para receber da
iniciativa privada projetos e estudos para instruir e viabilizar licitações e
contratos de concessão ou de PPP. Através de um PMI, a Administração
Pública pode autorizar uma ou várias empresas a desenvolver projetos
e estudos voltados (por exemplo) para o desenvolvimento de PPPs,
cujo objeto seja serviços próprios de cidades inteligentes. Se esses
projetos são aprovados para esse fim, acabam por instruir um futuro
processo de licitação e de contratação de PPP. No contexto do PMI, os
autores do projeto serão ressarcidos não pelas Administrações, mas
pela empresa ou pelo consórcio de empresas que vencer a licitação e
assinar o contrato. Eis aqui, aliás, uma das razões pelas quais os PMIs
têm sido muito procurados e praticados pelas Administrações para
o desenvolvimento de projetos, uma vez que não comprometem o
orçamento público.
No entanto, os PMIs, embora relevantes – e, no atual contexto,
imprescindíveis – para viabilizar o desenvolvimento de projetos, têm
sido vistos com cautela. Isso porque as Administrações Públicas, es-
pecialmente as de menor porte, dada a sua falta de capacitação para
analisar e criticar estudos e projetos, não têm sido capazes de evitar
ou minorar a assimetria de informação e o risco de captura gerados
no ambiente do PMI. Em muitos casos, o Poder Público se vê captu-
rado pelo interesse das empresas que desenvolvem as soluções e os

235
projetos, devido a uma ascendência técnica destas em relação àquele.
Precisamente por isso, a primeira advertência às Administra-
ções interessadas na concepção de projetos de cidades inteligentes
está na necessidade de se capacitarem institucionalmente para
desenvolver programas dessa natureza. Embora não seja factível na
atualidade o incremento ou aparelhamento de seus quadros profis-
sionais, devido à crise fiscal pela qual passam muitos municípios, é
certamente viável e recomendável a contratação de consultorias de
apoio para qualificá-las para esse papel. Isso pode exigir a criação
dentro da estrutura administrativa de um “escritório de projetos”, que
pode se valer da contratação de consultores no mercado para que
lhe seja dado esse apoio técnico nas análises dos estudos e projetos
e na condução do procedimento do PMI, do processo de licitação e de
contratação. Um escritório de projetos poderá ter a função não apenas
de conduzir processos de manifestação de interesse, mas de conceber
projetos, organizando-os sob um planejamento administrativo de
médio/longo prazo.
Ainda antes de iniciar um PMI, além da definição da estrutura
e da obtenção do devido apoio técnico, será relevante definir o marco
legal e regulatório que orientará a gestação e a gestão da PPP. Esse
marco será constituído por lei(s) que autorize a delegação dos serviços
públicos eventualmente integrados no complexo de atividades de uma
cidade inteligente e que defina os aspectos relevantes da prestação dos
serviços, inclusive questões tarifárias, quando houver. Além disso, será
necessário definir normativamente – o que pode se dar via decreto em
muitos casos – a estrutura pela qual tramitarão os programas de PPP,
a alocação de responsabilidades e as competências administrativas e
a as regras do PMI.
É conveniente também que um programa de compliance seja
previamente estruturado pelo município para orientar a interlocução
público-privada durante o desenvolvimento do PMI.
Quanto à análise de viabilidade jurídica de PPPs de smart cities,
há alguns aspectos relevantes que devem ser destacados.
Em primeiro lugar, é preciso verificar a modelagem jurídica
mais adequada para o ajuste. Lembre-se, neste particular, de que
uma PPP de cidade inteligente pode envolver uma multiplicidade
de prestações e de serviços de distinta natureza. Pode haver serviços
tarifáveis ou não passíveis de tarifação, serviços prestados diretamente
ao usuário ou diretamente ao município, ou ainda serviços alternativos
de interesse público ou administrativo, mas que permitem alguma
exploração comercial pelo parceiro privado. Essa complexidade do

236
objeto da PPP de cidade inteligente faz com que a definição da tipo-
logia cabível não seja tão singela em muitos casos. Quando a PPP não
envolver serviços tarifáveis, necessariamente terá de ser modelada
como concessão administrativa. No entanto, quando os serviços abran-
gidos puderem gerar receita tarifária, ela poderá configurar-se como
concessão patrocinada ou administrativa. Em casos menos frequentes
poderá até caracterizar-se como concessão comum, modelo que obe-
dece à disciplina da Lei no 8.987/95 e não aquela da Lei Geral de PPPs.
Um outro aspecto relevante reside no controle fiscal. Invaria-
velmente, as PPPs acarretam a criação de despesas orçamentárias, uma
vez que envolvem contraprestação pública. É necessário, portanto, no
âmbito da estruturação de uma PPP para cidade inteligente, prover
todas as demonstrações orçamentárias e fiscais, nos termos da Lei no
11.079/2004 e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Para isso, além de
uma legislação bastante complexa, os municípios poderão enfrentar
dificuldades no atendimento de certas regras restritivas, como aquela
que impede a concessão de garantias ou a transferência voluntária da
União para os municípios (e para os Estados), “se a soma das despesas
de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contra-
tadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por
cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais
dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem
a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os
respectivos exercícios”.
Além disso, caberá ao município estruturar um sistema de
garantias públicas a ser integrado no programa de PPP com vistas
a acautelar o risco dos investidores em relação ao cumprimento das
contraprestações públicas. Esse tem sido um dos gargalos de muitos
projetos de PPP, considerando a inexistência de ativos suficientes nas
Administrações Públicas hábeis a compor estruturas de garantias que
ofereçam a liquidez e a robustez demandadas para prevenir o risco do
parceiro privado relativamente ao cumprimento das contraprestações
públicas.
Esse problema tem sido atenuado nos casos em que os pro-
jetos de cidades inteligentes são concebidos a partir do serviço de
gestão da iluminação pública, em vista de a estrutura da iluminação
caracterizar-se como uma plataforma para a implementação de ou-
tras tecnologias e serviços. A utilização da tecnologia de telegestão
da iluminação, por exemplo, pode favorecer a conectividade com
outros equipamentos e dispositivos, viabilizando a criação de redes
inteligentes de serviços, a partir da estrutura dos postes e da rede de

237
iluminação. Pode fazer sentido, por isso, que projetos voltados para
a criação de cidades inteligentes abranjam também os serviços de
gestão da iluminação pública. Como esses serviços podem ser cus-
teados por contribuição de natureza tributária (contribuição para o
custeio dos serviços de iluminação pública – COSIP) instituída pelos
municípios, nos termos do artigo 149-A da Constituição Federal,
modelagem desta natureza poderá propiciar o repasse direto dessas
receitas ao concessionário. Se depender da lei local, essas receitas
poderão ser repassadas diretamente ao concessionário, mediante a
criação de contas garantia (por exemplo), configurando-se um sistema
de remuneração apto a acautelar o risco dos investidores e financia-
dores quanto ao inadimplemento das contraprestações públicas. Com
a desvinculação parcial de tributos instituída pelo artigo 76-B do ato
das disposições constitucionais transitórias, parcela da arrecadação da
COSIP poderá também ser utilizada para o custeio de outros serviços
integrados no projeto de cidade inteligente e de diversos dos custos
relativos aos serviços de iluminação. Assim, cria-se uma modelagem
apta a dispensar estruturas de garantias mais robustas.

238
Capítulo 19
Operações urbanas consorciadas e a
contribuição para a construção das
cidades inteligentes brasileiras.
André Luiz Marques

Revitalização de áreas degradadas

As primeiras cidades surgiram quando os indivíduos come-


çaram a se relacionar com maior estabilidade em um determinado
lugar. A busca por locais seguros, a maior interação entre as pessoas,
a domesticação de animais e o domínio da agricultura estimulou o
relacionamento mais intenso e duradouro com um determinado local.
Porém, a intensificação das trocas proporcionou ao mundo relações
cada vez mais interdependentes, e as cidades deixaram de ser apenas
pontos de aglomeração e passaram a ser pontos de conexão entre
pessoas, mercadorias, serviços e informações. Atividades portuárias
e de navegação estão relacionadas com a história das primeiras civili-
zações e foram catalisadores do desenvolvimento urbano.
Ao longo do tempo, seus modelos e funções passaram por
transformações advindas de uma nova estrutura mundial de transporte
em ambientes econômicos cada vez mais competitivos. Uma crescente
especialização, advento e primazia do contêiner, aumento do calado
das embarcações e sua capacidade de transbordo, o desenvolvimento
de docas secas e terminais onshore e o início da preocupação coletiva
com a qualidade sanitária em ambientes urbanos impuseram novos
desafios para esse segmento. Em decorrência, portos de outrora com
importância internacional se deslocam para áreas periféricas mais
extensas, de litoral profundo, com necessidade de mão de obra quali-
ficada e não mais dos trabalhadores portuários tradicionais. Com isso,
ocorreu obsolescência de antigas áreas portuárias ou industriais, com
o esvaziamento das atividades produtivas e de trabalhadores gerando
uma consequente degradação do espaço passando a serem vistas
como áreas subutilizadas.
A partir da segunda metade do século XX, as intervenções
de recuperação de áreas portuárias começaram a ser executadas em
várias cidades que reivindicavam suas frentes marítimas para recupe-

239
rá-las social, cultural e ambientalmente. Desde então, o que se tem
presenciado são projetos urbanos estimulados pelo Poder Público,
cujos investimentos se concentram na ocupação de vazios urbanos e
na reversão da obsolescência. O objetivo é fazer com que as antigas
instalações possam ser reaproveitadas, sendo necessário promover
novas funções por meio de novos usos: cultural, comercial, serviço,
lazer e habitação.
A primeira cidade que se tem registro é Baltimore, nos Estados
Unidos, quando no final dos anos 50 iniciou a recuperação de sua área
portuária. A partir de então, as frentes marítimas se tornaram áreas
de ações urbanísticas com objetivo de restituir sua centralidade e o
contato entre cidade-porto antes perdidas. Não só áreas portuárias,
mas espaços degradados em geral associadas a zonas de obsolescência
e risco foram responsáveis por projetos de reurbanização de sucesso.
Esse movimento compreendeu que por trás das antigas instalações
subutilizadas ou parcialmente abandonadas existia um rico espaço
com oportunidades urbanísticas, culturais, sociais e econômicas, con-
jugando suas ricas histórias com um potencial de desenvolvimento
sustentável.
São muitos casos além de Baltimore. Cidades como São
Francisco, Boston, Nova York e Vancouver na América do Norte, Lon-
dres, Glasgow, Barcelona, Bilbao, Valência, Oslo, Lisboa, Porto, Berlim,
Hamburgo e Amsterdã na Europa, Xangai, Hong Kong e Dubai na
Ásia, Sidney na Oceania, Cidade do Cabo na África e Puerto Madero na
América do Sul, entre outras, em diferentes magnitudes são exemplos
de como esse movimento de recuperação de áreas degradas se tornou
corrente em todos os continentes. Nessas áreas, os governos passaram
a desenvolver intervenções urbanísticas para adaptar espaços públicos,
agregando valor e elevando a qualidade de vida dos frequentadores.
Essas cidades tiveram regiões que, em diferentes momentos, entraram
em processo de decadência e posteriormente promoveram sua recu-
peração, que estavam localizadas em áreas estratégicas e serviram de
modelos para outras recuperações. Quanto à replicação de modelos de
outras cidades, Andreatta (2010) discorre que as peculiaridades locais e
o patrimônio histórico e cultural devem ser priorizados na recuperação
do espaço degradado, pois permite que o projeto urbano tenha suas
próprias características que o diferencia dos demais, aumentando a
possibilidade de sucesso, tendo a chance de se converter em um novo
símbolo de desenvolvimento e renovação.
Segundo Kotler et al (1995), é importante destacar que a
revitalização de áreas centrais depende da construção de uma nova

240
imagem em substituição à antiga percepção geral de área decaden-
te. Essas estratégias dependem de um catalisador da revitalização,
dinâmico e de forte apelo, constituindo-se em “diferencial” e “gancho”
inicial contribuindo ativa e intensamente na construção daquela nova
imagem e de uma nova experiência, atraindo novos usuários e inves-
tidores. Nas cidades que passaram por esse processo, multiplicam-se
programas de revitalização de áreas centrais que se utilizam deste
conceito. Segundo Del Rio (1991), as principais ações presentes nesse
tipo de intervenção, sendo os catalisadores de transformação são: a
recuperação e criação de novos usos do patrimônio histórico arqui-
tetônico; expansão ou criação de novas funções aos espaços públicos
abandonados; valorização do potencial recreativo e paisagístico das
frentes marítimas; mix de usos e atividades; promoção de atividades
turísticas; e parceria entre os setores público e privado. Embora os
catalisadores por si só não possam garantir o sucesso da revitalização,
eles têm se mostrado essenciais para dar a partida e, muitas vezes, para
sustentar todo o processo.

Revitalizações no Brasil até o Estatuto da Cidade

Com 8,5 mil quilômetros de costa, o Brasil experimentou um


processo de crescimento natural através de suas cidades em áreas
costeiras. Nesse cenário, os portos foram um instrumento indutor de
desenvolvimento e de ocupação do território. Desde o século XVI,
com a evolução das trocas comerciais em nível mundial e a expansão
colonial europeia, os portos marítimos brasileiros foram criados para
também ocupar lugar nesse cenário global.
Como consequência desse modelo de desenvolvimento, im-
portantes portos brasileiros se viram inseridos em áreas urbanas, sendo
muitos deles circunscritos e de significativa importância histórica. A
expansão da atividade portuária foi acompanhada, em vários casos, por
externalidades negativas, como ocupação irregular nas proximidades
restringindo possibilidades de expansão, saturação do sistema viário e
impactos ambientais. A mitigação desses efeitos demanda um alinha-
mento de políticas e ações de agentes municipais, estaduais e federais
buscando maior integração entre si e do porto com a área urbana.
No Brasil, a experiência de revitalização de áreas degradadas
começou em pequena escala. Em meados dos anos 1970, houve uma
primeira experiência em Curitiba, mas esse modelo só foi expandido
e implantado em maior dimensão no início dos anos 1980 por meio
do Projeto Corredor Cultural no Rio Janeiro. Em geral, observa-se, nos

241
processos de revitalização que se sucederam, duas formas de revitaliza-
ção dos centros históricos: os centrados na indução da participação e da
parceria com atores privados (Recife e São Paulo) e os conduzidos direta
e centralizadamente por atores públicos (Fortaleza, São Luís, Porto Alegre
e Salvador). O primeiro modo alicerça suas atuações em um conjunto de
instrumentos legislativos de regulação urbanística e renúncias fiscais,
bem como em políticas e planos urbanos de diversos tipos. O segundo,
em geral, foi desenvolvido a partir de programas de ações e obras, e à
medida que cada novo governo local que se sucedia. Esses processos
foram, em geral, razoavelmente bem-sucedidos enquanto instrumentos
de revalorização imobiliária dos centros históricos, mas com sua atuação
a uma delimitação espacial restrita. Os processos iniciaram-se como uma
resposta a longos períodos de desvalorização imobiliária sistemática
dessas áreas e focaram sua revitalização no apoio à manutenção da
arquitetura histórica tombada e na produção de espaços adaptados a
um novo mix de atividades econômicas, melhorias na infraestrutura e
uma tentativa de mudança na paisagem urbana.
Porém, o desenvolvimento urbano pautado em planos e proje-
tos específicos e restritos se mostrou limitado em função da lacuna de
sinergia entre os projetos. Para Machado (2003), um “novo urbanismo”
surge como contraponto às práticas que promoviam planos diretores
que propunham uma execução de planejamento de longa duração e
sem interdependência. Esse novo movimento surgiu também pautado
na gestão estratégica urbana admitindo que se valia de oportunidades
ou crises urbanas para implementar estratégias de recuperação de
segmentos da cidade calcadas em parcerias do setor público com a
iniciativa privada. Baseia-se em multiplicidade de projetos de naturezas
diversas que devem buscar coerência e articulação entre si conside-
rando as potencialidades locais e possibilidades de transformação do
espaço. A Operação Urbana Consorciada (OUC) é, em tese, instrumento
urbanístico que introduz uma visão solidária a este projeto urbano,
pressupondo um conjunto de medidas sob a coordenação do Poder
Público municipal integrando à participação da iniciativa privada no
objetivo de alcançar transformações urbanísticas, melhorias sociais e
valorização ambiental de um território cuja degradação decorre de
um esvaziamento ou mudança de uso.

Operação Urbana Consorciada (OUC)

O instrumento de OUC surge na década de 1970 na Europa e


nos EUA para enfrentar um processo paulatino de crise fiscal. Com isso,

242
neste momento, destacam-se as políticas visando à corresponsabili-
zação da gestão das cidades entre os diversos agentes participantes
da ocupação do espaço urbano. Essas Operações têm origem no
conceito de “solo-criado”, desenvolvido por urbanistas. Esse conceito
pressupõe a existência de um coeficiente de aproveitamento base,
de maneira que elimine as diferenças econômicas entre regiões que
o zoneamento instituiu. A partir daí, a concessão de construção acima
desse patamar implica a multiplicação do solo, ou seja, “solo criado”.
A lógica está na possibilidade de o Estado, pelo seu poder regulador,
trabalhar com incentivos que tornem a participação direta daqueles
diversos agentes nas melhorias urbanas, através do pagamento de
contrapartidas, atrativa para a iniciativa privada.
Nos anos 80, as prefeituras brasileiras lidavam com orça-
mentos que refletiam a estagnação econômica, com pouca atividade
econômica e a consequente baixa arrecadação. Nesse cenário, as
OUCs foram vistas como instrumento urbanístico e financeiro com
objetivo de promover a renovação de determinada área da cidade.
O embrião da primeira OUC foi a Lei Operação Interligada aprovada
em 1986 pela Prefeitura de São Paulo. O documento visava aproveitar
o dinamismo da iniciativa privada e incentivar a construção de habi-
tações de interesse social. O estímulo vinha da concessão de índices
construtivos acima dos permitidos pela legislação de parcelamento,
uso e ocupação do solo.
A incorporação desses novos mecanismos e o fomento ao
desenvolvimento urbano ganhou contornos institucionais com o
processo constituinte de 1987-1988. O processo de participação foi es-
timulado com o estabelecimento do mecanismo de iniciativa popular
para a elaboração de emendas para o então projeto da Constituição
Federal de 1988. Esse processo culminou com a aprovação da Emenda
Constitucional de Iniciativa Popular de Reforma Urbana no Congresso
em 1987. Pela primeira vez uma Constituição traria um capítulo espe-
cífico de “Política Urbana” em seus artigos 182o e 183o.
No entanto, esses artigos vieram a ser regulamentados somen-
te em 2001, com o Estatuto da Cidade (Lei Federal no 10.257/2001).
Esses quase 15 anos que se passaram até a regulamentação dão uma
sinalização da dificuldade de convergência em relação à maneira como
esses mecanismos deveriam ser implementados. O consenso obtido
sugere que o mesmo objeto, o Estatuto da Cidade, foi reconhecido
pelos diversos grupos anteriormente antagônicos por motivos distin-
tos. Segundo BASSUL (2011), se, para parte da sociedade a aprovação
do Estatuto significou a consolidação de um novo marco legal, capaz

243
de conferir eficácia aos princípios da função social da propriedade e da
cidade, para o capital imobiliário, o que inicialmente parecia uma ameaça
passou aos poucos a ser percebido como oportunidade. Nesse mesmo
sentido, COTA (2010) aponta que o empresariado brasileiro começou a
perceber que a deterioração das condições de vida nos grandes centros
urbanos, preocupação principal dos movimentos de reivindicação pela
reforma urbana, era um fator de risco mercadológico, o que contribuiu
para se firmar um aparente consenso na implantação dos princípios do
direito à cidade, a partir da aprovação do Estatuto.
Outro fato que estimulou a recepção bem-sucedida da pro-
posta de Operações Urbanas estava na possibilidade de ela representar
uma alternativa às amarras da legislação vigente. Essas Operações
possibilitariam a flexibilização da legislação urbanística, permitindo,
por meio da excepcionalidade, ultrapassar os limites postos, tanto
quanto ao potencial construtivo, como em relação ao uso na área, por
meio da modificação do zoneamento.
Apesar de ter aplicações anteriores ao Estatuto da Cidade,
com nomenclaturas e configurações distintas, o instrumento da OUC
obteve no Estatuto sua configuração atual. Só na cidade de São Paulo,
quatro Operações com objetivos semelhantes já haviam sido propostas
antes da aprovação do Estatuto. Contudo, ante as críticas que foram
direcionadas a algumas delas, o Estatuto veio lhe dar maior legitimi-
dade e estabelecer as regras de funcionamento mais transparentes
e democráticas e reforçou a necessidade de garantir uma coerência
entre a ação local e as demais ações públicas municipais.
As OUCs regulamentadas pelo Estatuto da Cidade se consti-
tuem por um tipo especial de intervenção urbanística voltada para a
transformação estrutural do ambiente urbano de um setor específico
da cidade. Cada área, objeto de Operação Urbana, deve estar previa-
mente prevista no Plano Diretor da cidade e deve ainda ter uma lei
específica estabelecendo as metas a serem cumpridas e os mecanismos
de incentivos e benefícios. Essas leis específicas devem conter, pelo
menos, a definição da área a ser atingida; o programa básico de sua
ocupação; o programa de atendimento econômico e social para a po-
pulação diretamente afetada pela operação; a finalidade da operação;
o estudo prévio de impacto de vizinhança; a contrapartida exigida dos
consorciados; e a forma de controle da operação, obrigatoriamente
compartilhado com a representação da sociedade civil. Nota-se que
há uma preocupação em determinar que a tarefa normativa é do
Poder Público dado o interesse coletivo envolvido no ordenamento
do território urbano.

244
As Operações propiciam a recuperação de ambientes degra-
dados e a adequação da infraestrutura urbana, serviços e edificações a
novas funções e novas tecnologias dentro da perspectiva de adaptação
das cidades aos atuais processos de transformação econômica, social
e cultural. Desse modo, comporta um conjunto de alterações na área
de sua realização, que pode abranger, por exemplo, modificação ou
ampliação do sistema viário, criação ou ampliação de espaços públi-
cos, recuperação e modernização da infraestrutura urbana de sanea-
mento básico, energia elétrica e telecomunicações, recuperação de
áreas envelhecidas e degradadas, maior adensamento populacional,
construção de habitações de interesse social, criação ou revitalização
de áreas centrais de bairros ou distritos no âmbito de um processo de
descentralização urbana e reurbanização com a regularização fundiária
de áreas ocupadas por população de baixa renda. Trata-se, portanto,
de um plano urbanístico em escala quase local, através do qual po-
dem ser trabalhados elementos de difícil tratamento nos planos mais
genéricos. Trata-se, assim, de um instrumento de implementação de
um projeto urbano para uma determinada área da cidade, realizado
entre proprietário, Poder Público, investidores privados, moradores e
usuários permanentes.
A participação da sociedade civil, por seus diversos segmen-
tos, conta com a coordenação do Poder Público. Trata-se de uma
parceria na qual Poder Público concede incentivos à iniciativa priva-
da, buscando mediar sua atuação dentro da operação e receber as
contrapartidas desse incentivo, em forma de verba ou obras dentro
da área determinada. Para que sejam efetuadas as correções urba-
nísticas, possibilita-se, excepcionalmente, a modificação de índices
e características do parcelamento, uso, ocupação do solo e subsolo,
normas edilícias e a regularização de construções em desacordo com
as normas vigentes levando-se em consideração o impacto ambiental
de tal medida.
Essas intervenções ocorrem por meio de obras públicas ou
privadas e o estabelecimento de um marco regulatório diferente
daquele em vigor para o conjunto da cidade, que altera as obriga-
ções dos agentes públicos e privados envolvidos. Até a entrada em
vigor do Estatuto da Cidade, grandes intervenções urbanas eram
predominantemente financiadas com recursos do Tesouro Municipal
através da arrecadação de impostos, da contratação de dívidas ou do
pagamento dos direitos urbanísticos adicionais em contrapartida para
o caso em que seu detentor também fosse proprietário de um lote e
apresentasse ali um projeto de empreendimento. A possibilidade de

245
realização de novos empréstimos foi – em várias cidades com níveis
de endividamento já elevados – limitada, desde a promulgação da
Lei de Responsabilidade Fiscal. Já a criação de novos impostos gera
impacto negativo para a população, eis que corresponde a mais um
pagamento obrigatório. E as negociações de contrapartidas eram feitas
individualmente e caso a caso. Por métodos de avaliação do terreno
virtual, que seria obtido com as intervenções, a Prefeitura calculava os
valores de contrapartidas que seriam pagos ao município, em dinheiro
ou obra, a fim de se adquirir um adicional de construção. Esse processo
de captação das contrapartidas se revelava penoso e demorado para
o Poder Público, e os empreendimentos se instalavam no perímetro
muito antes que a infraestrutura necessária fosse realizada.
Essa realidade mudou após o advento do Estatuto da Cidade,
que prevê a possibilidade de emissão de Certificados de Potencial Adi-
cional de Construção (CEPACs). Tipicamente, os governos municipais
autorizam uma construção gratuita até certo coeficiente construtivo e
cobram valores por metro quadrado adicional ao coeficiente construti-
vo máximo gratuito (ou Potencial Construtivo) da área. Por essa lógica,
o Poder Público define um adicional de estoque “edificável” na área da
operação, lançando antecipadamente no mercado financeiro títulos
equivalentes ao valor total desse estoque. Esse lançamento antecipado
é uma característica importante dos CEPACs, pois eles constituem-se
como instrumento de antecipação do recebimento de recursos finan-
ceiros, que, de outra forma, somente seriam recebidos em pequenas
parcelas ou a longo prazo. Essa possibilidade de antecipação permite
que a arrecadação passe a ser feita independentemente do ritmo de
andamento da operação ao contrário do que ocorria até então.
Para aproveitar-se do direito adicional de construção na área, o
empreendedor teria que adquirir CEPACs no mercado para viabilizar as
exceções pretendidas nos empreendimentos ao restituí-los à Prefeitura
a fim de poder usufruir do benefício do solo criado. O empreendedor/
proprietário pode adquirir esses Certificados através de leilões que esta-
belecem o preço mínimo por meio de estudos de oferta e demanda ou
mesmo de outros proprietários de CEPACs em um mercado secundário.
Enquanto os CEPACs não estiverem atrelados a um imóvel específico,
atribuindo-lhe determinado estoque de construção, podem ser comer-
cializados livremente como certificados imobiliários.
A comercialização de CEPACs tem algumas diferenças funda-
mentais em relação à cobrança tradicional em dinheiro. Uma das princi-
pais diferenças é que sua aquisição pode ser feita por investidores que
não pretendem construir na região, mas somente estão interessados

246
em revendê-los, apostando na valorização do título. Assim o universo
de compradores é potencialmente maior. Os investidores particulares
participam da OUC mediante a compra dos certificados de potencial
adicional de construção e não por escolha precedida de licitação. Ou
seja, o investidor privado é aquele que ingressa no empreendimento
depois de adquirir em leilão os certificados. Outra diferença é que o
preço de venda captura a expectativa de valorização do título, que
acompanha a expectativa de valorização dos ativos imobiliários na re-
gião. Dessa forma, como o universo de compradores é maior e o preço
reflete a expectativa de valorização do papel, os CEPACs, na prática,
podem ajudar a prefeitura a arrecadar mais recursos com a venda de
potencial construtivo do que arrecadaria com as formas tradicionais
de outorga onerosa do direito de construir.
A destinação dos recursos obtidos com aquela comerciali-
zação deve ser, exclusivamente, direcionados à realização da própria
OUC. Com isso, a oferta de CEPACs atrela-se a um determinado progra-
ma de investimento a ser realizado num local específico, e espera-se
que esse benefício reverta em valorização da área; daí decorre a lógica
da lucratividade do CEPAC. Porém, os particulares que compram esses
títulos assumirão uma parcela do risco inerente à Operação Urbana
e que normalmente seria assumido apenas pela Administração Mu-
nicipal. Isso porque o preço desembolsado pelos particulares para
a compra dos CEPACs pode não corresponder à efetiva valorização
da área, o que importará um deságio em sua posterior alienação ou
utilização. Também existe a possibilidade contrária de a valorização da
área ser superior à esperada, resultando em vantagens para aqueles
que tiverem adquirido com antecedência esses certificados.
Existindo risco na negociação desses títulos, esta deve ser
regida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como forma de
proteção de seus participantes investidores. A Municipalidade emis-
sora deverá enviar trimestralmente à CVM as informações relatando o
andamento da OUC, contemplando os fatos relativos à aplicação dos
recursos e a quantidade de CEPACs utilizados, comunicar imediata-
mente à CVM e ao mercado a existência de estudos, projetos de lei ou
quaisquer iniciativas que possam modificar os aspectos da operação
e divulgar qualquer fato ou ato relevante às operações do CEPAC de
modo a garantir aos investidores acesso a informações que possam
afetar o valor de mercado ou influir em suas decisões de adquirir,
permanecer ou alienar tal valor mobiliário.
Os recursos arrecadados pelo município é a fonte principal da
execução das obras e serviços previstos para as regiões abrangidas nas

247
OUCs. Nesse momento, havendo recursos públicos envolvidos, há a
obrigatoriedade de realização de procedimento licitatório para contra-
tação de serviços e compra de produtos, salvo em casos de dispensa
ou inexigibilidade. Mas também é admitido ao Poder Executivo delegar
a realização das obras a uma empresa, isoladamente, ou ao conjunto
de empresas, também mediante realização de licitação. Nesse caso,
teríamos o que é chamado de Parceria Público-Privada.
A ideia da Parceria Público-Privada não surge no Brasil, assim
como não é originário daqui o próprio instrumento da Operação Ur-
bana. Há uma variedade de definições de parcerias público-privadas.
Uma síntese dessas definições sugere que a essência dessas parcerias
inclui pelo menos os seguintes atributos: envolvimento de múltiplos
participantes públicos e privados, acordo sobre objetivos e estraté-
gias, benefícios mútuos, comprometimento de recursos essenciais e
variedade de atividades.
Internacionalmente, tem sido reconhecido que as parcerias
público-privadas são importantes para a construção da competiti-
vidade geral das regiões urbanas (Congresso Mundial de Cidades
Competitivas, 2000) e para a solução de problemas ambientais urbanos
(UNDP, 2000). Na Grã-Bretanha, as parcerias público-privadas surgiram
como uma nova abordagem institucional para o desenvolvimento
econômico urbano no final dos anos 1980. O programa chamado
Desafio da Cidade foi criado para “[convidar] as autoridades locais a
apresentar esquemas de regeneração econômica em parceria com a
comunidade empresarial local” (Chandler, 1998, p. 158).

Operação consorciada urbana da região do Porto do Rio

A história da cidade do Rio de Janeiro é fortemente vinculada


ao seu porto, que cumpriu um papel fundamental no desenvolvimento
da cidade. Em um primeiro momento, no século XVI, foi importante
parada de reabastecimento na longa viagem de Portugal rumo ao
estuário do Rio da Prata, assim como para as diversas embarcações
portuguesas que atravessavam o Atlântico Sul vindas da Europa rumo
às mais diversas possessões portuguesas. Ao longo de todo o período
colonial, com a transferência da capital do Vice-Reino de Salvador e
depois com a ida da Família Real, até boa parte do século XIX, o porto
cumpriu um papel decisivo para o Rio de Janeiro. Esses acontecimentos
aceleraram e intensificaram as atividades portuárias.
Nos anos de 1890, o crescimento demográfico pôs em voga
uma crise habitacional, transformando a região portuária numa al-

248
ternativa de moradia para as classes menos favorecidas. O aumento
populacional dos bairros portuários aliado a uma infraestrutura
precária trouxe à tona o problema da insalubridade da região e do
aparecimento de epidemias – febre amarela, varíola, malária e cóle-
ra-morbo – que vinham junto com a movimentação de pessoas dos
navios mercantes que, pelo porto, chegavam à cidade.
Com isso, a necessidade de uma maior capacidade para ope-
rações do porto atrelado à situação precária do seu entorno, levou a
demolir muitos cortiços, trapiches e armazéns e aterrar extensas áreas
para dar lugar ao novo porto no início do século XX. Essa ação urba-
nística governamental, conduzida por um objetivo logístico centrado
na circulação de mercadorias pelo centro da cidade, desconsiderou
qualquer sentido urbanístico de integração da população local àquele
espaço.
A partir dos anos 1920/40, os efeitos da crise do café fluminen-
se, o esgotamento do modelo primário exportador e a redistribuição
da atividade industrial para São Paulo acarretaram uma diminuição da
atividade portuária e a crise das atividades comerciais e de negócio
nos bairros próximos. Desde então, o distanciamento físico, social e
cultural da cidade e seu espaço portuário se ampliou, culminando na
década de 1980 com a transferência de tráfegos importantes para o
porto da Baía de Sepetiba. A zona portuária do Rio de Janeiro se de-
parou então com a ociosidade dos equipamentos e armazéns, com a
degradação das construções e perdas demográficas. Esse movimento
repetiu o que ocorreu em muitas partes do mundo onde instalações
portuárias ou industriais localizadas em meio urbano perderam parte
significativa de seus tráfegos.
Como já vimos, iniciativas pioneiras de reconversão de áreas
portuárias ao redor do mundo apostaram na criação de espaços de
convivência social, assim como no aproveitamento de instalações à
beira do espelho d’água. Esse tipo de projeto contribuiu para reva-
lorizar a região e atrair investimentos que aumentam a capacidade
de arrecadação do poder local que, em conjunto com a aceitação da
sociedade, estimula a multiplicação das operações de waterfronts dos
Estados Unidos para a Europa e o resto do mundo.
A região portuária da cidade do Rio de Janeiro tinha sido ob-
jeto de diversos planos de revitalização e valorização histórica desde
os anos 1980. Entretanto, apesar de algumas iniciativas terem sido
relativamente bem-sucedidas na recuperação de imóveis históricos,
não mostraram motivo suficiente para revitalizar e dinamizar a área
como um todo. Isso ocorreu em razão de obstáculos que incluem a

249
negociação entre os poderes municipal – quem possui competência
de alterar os parâmetros urbanísticos –, estadual e federal, proprietárias
de grandes áreas da região.
No final dos anos 2000, o ambiente político institucional e o
ingresso da metrópole em um novo ciclo de desenvolvimento viabi-
lizaram a execução do projeto de OUC da Região Portuária da Cidade
do Rio de Janeiro, operação popularmente conhecida como “Porto
Maravilha”. Um arcabouço institucional e técnico-administrativo foi
implementado para fornecer as ferramentas necessárias à elaboração
desde o planejamento, passando pelo financiamento e até a execução
do projeto.
Para elaborar a OUC do Porto, foi tomado como referência o
modelo paulistano. A Operação do Rio de Janeiro, porém, apresentou
pelo menos duas mudanças em relação às realizadas em São Paulo.
Primeiro, em relação à estratégia de como os CEPACs foram leiloados
e segundo com relação ao formato de contratação das obras de in-
fraestrutura executadas na área definida. Veremos ao longo do texto
o detalhamento dessas diferenças.
A OUC foi instituída por Lei Municipal Complementar que
estabeleceu os limites da área a ser atingida – cerca de cinco milhões
de metros quadrados – na qual seria implementado um conjunto de
intervenções urbanísticas. A Lei definiu também a contrapartida a ser
exigida dos consorciados para a ampliação do coeficiente construtivo
nessa região, expresso em número total de CEPACs, bem como sua
previsão de distribuição no espaço de ocupação definido, a fim de
promover o máximo aproveitamento e desenvolvimento de terras
vazias e ociosas por meio de diferentes usos como comercial, entrete-
nimento, cultural e residencial. Ou seja, diversificar as atividades para
recuperar a centralidade antes perdida.
O projeto buscava melhorar as condições de trabalho, habi-
tação, transporte, cultura e lazer. Para isso, previa também uma série
de intervenções de infraestrutura como a construção de um novo
sistema viário – incluindo aí a emblemática demolição do Elevado da
Perimetral –, de novos museus, reconstrução de infraestrutura urbana,
reurbanização de vias e calçadas, implementação de passeios públicos
e ciclovias e, por fim, a conservação e manutenção da área. Além disso,
previa enfatizar a herança cultural da região portuária, seja recupe-
rando e protegendo imóveis de importância histórica e cultural, seja
criando um circuito histórico-cultural voltado para o uso do turismo.
A OUC propunha ainda um modelo de governança Público
Privado. Esse modelo singular é suportado por uma entidade criada

250
pela Prefeitura chamada de Companhia de Desenvolvimento Urbano
da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), depositária de poder
de concessão pública para desempenhar as funções de regulação,
gestão de projetos e agência de desenvolvimento. O objetivo era atuar
como coordenadora do Projeto Porto Maravilha de forma a agilizar
a implantação de empreendimentos na zona portuária, devendo
ainda acompanhar o uso dos recursos adquiridos com a venda dos
CEPACs, além de se responsabilizar pelos esclarecimentos de ordem
técnica envolvendo a Operação Urbana. Para isso, tem o dever de
apresentar trimestralmente um relatório contendo informações de
acompanhamento das atividades e verificação do cumprimento das
metas estabelecidas.
Outro ente importante faz parte deste processo de revitali-
zação: a concessionária Porto Novo. Ela é uma sociedade anônima,
oriunda do consórcio vencedor de um edital de licitação de uma Par-
ceria Público-Privada lançada pela prefeitura, cujo objetivo é executar
as obras de reurbanização e de infraestrutura previstas, bem como
prestar os serviços de operação e manutenção da operação urbana.
Para isso, assinou um contrato no final de 2010, com duração inicial
prevista para 15 anos, envolvendo um montante de R$ 7,6 bilhões.
Essa é uma diferença em relação ao modelo de OUC paulista, onde lá
as obras foram executadas a partir da lei de licitações tradicional de
obras públicas com o objetivo específico de execução das obras e não
sua manutenção posterior, como no caso carioca.
O financiamento do projeto foi delineado para ser prove-
niente dos investidores interessados em adquirir os CEPACs. Foram
colocados à venda em leilão público quase 6,5 milhões de CEPACs,
com valor mínimo de R$ 545 cada. Esses CEPACs foram arrematados
pela Caixa Econômica Federal (CEF) em lote único por R$ 3,5 bilhões
e integralizados em um Fundo de Investimento Imobiliário (FII). O FII
que é administrado pela Caixa Econômica Federal conta como cotista
o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com isso, os inte-
ressados em investir ou adquirir metros a mais de construção devem
recorrer ao FII para comprar os CEPACs.
O FII opera, por conta e ordem da CDURP, os pagamentos das
contraprestações públicas que remuneram a concessionária. Ocorre
que a soma nominal dessas contraprestações ao longo do contrato
(cerca de R$ 7,6 bilhões) é superior aos valores obtidos com a co-
mercialização dos títulos. Isso ocorreu por conta da expectativa de
valorização dos ativos imobiliários gerada pela promessa de realização
das próprias intervenções. Trata-se de um modelo no qual os equipa-

251
mentos de infraestrutura geram riqueza para pagarem a si próprios,
ao menos parcialmente.
Um fator importante para aumentar o valor arrecadado com
as CEPACs é a redução dos riscos associados à implantação das in-
tervenções. Uma das estratégias adotadas pelo município do Rio de
Janeiro para mitigar esses riscos foi a adoção do modelo de PPP para
implementar grande parte do escopo de intervenções que compõem
a OUC. O contrato criou um sistema de avaliação do desempenho da
concessionária voltado a estimular o parceiro privado a alcançar os
níveis desejados de performance.
Esse modelo de venda das CEPACs é a segunda diferença em
relação ao modelo paulista. Em vez de os Certificados serem paulatina-
mente leiloados de acordo com a demanda, a CEF adquiriu a totalidade
dos certificados. Com isso, o município teve seu caixa rapidamente
preparado para dar início à execução das obras.

Considerações finais

A subutilização e consequente abandono de centralidades


em diversas cidades em todos os continentes fez com que as opera-
ções de revitalização se tornassem cada vez mais frequentes. Tanto a
abrangência como o modo de viabilização técnica e financeira guar-
dam diferenças entre os projetos implantados. Porém, em comum
encontramos a utilização de novos indutores para que esses espaços
fossem harmonizados novamente em seu ambiente urbano.
No Brasil, esse processo se deu em diversas magnitudes e com
foco em diversos tipos de áreas. Mas foi com o advento do Estatuto
da Cidade que ganhou maior impulso. Um dos casos mais emblemá-
ticos é a OUC da região do porto da cidade do Rio de Janeiro. Uma
operação complexa como a OUC do Porto Maravilha gera uma série
de pontos que devem ser observados e que podem auxiliar a gestão
de operações semelhantes.
Em primeiro lugar, a combinação de uma OUC com uma PPP
apresenta oportunidades e desafios. A possibilidade de se fazer o
conjunto das obras determinadas com apenas um processo licitatório
e, além disso, garantir que a operação e manutenção desta mesma
área seja realizada por este mesmo ator privado durante um período
extenso de contrato que pode ser visto como um fator de simplificação
da Operação. Porém, isso demanda, por parte do ente público, recursos
financeiros para garantir a execução contínua da Operação. No caso
do Porto Maravilha, em um primeiro momento, isso parecia ter sido

252
atingido com a venda antecipada das CEPACs para a CEF, que propor-
cionou uma geração de caixa significativo logo no início da operação.
Isso gerou um fôlego financeiro para que as primeiras etapas fossem
realizadas conforme previsto inicialmente. Além disso, a valorização
das CEPACs e sua utilização posterior em novos empreendimentos
gerariam o complemento de caixa necessário para integrar o montante
total previsto para ser despendido na operação. Porém, o que se viu na
prática foi a não valorização e a comercialização de CEPACs conforme
planejado e, por conseguinte, originou falta de recursos no FII para
suportar o pagamento das contraprestações previstas. Isso fez com que
a concessionária suspendesse o contrato (revitalização e operação) até
que o problema de solvência do FII fosse sanado. Apesar de, em um
primeiro momento, a situação tenha sido revertida, ela ocorreu outras
vezes e pode continuar a acontecer dada a longevidade do contrato e
suas obrigações, bem como da volatilidade do mercado imobiliário. E
nesses momentos, a revitalização tende a ficar paralisada e as opera-
ções, para não prejudicar o cidadão, acabam sendo absorvidas pela
prefeitura, gerando assim gastos adicionais não previstos.
Em segundo lugar, um fator que propiciou o avanço do projeto
Porto Maravilha foi o alinhamento entre os personagens envolvidos
no processo, que vai desde os diferentes níveis federativos (Município,
Estado e União) até chegar à sociedade de forma geral e aos órgãos
de controle. Isso demonstra a importância da participação de todos
os envolvidos desde o início do processo, e até mesmo aspectos ideo-
lógicos que contribuíram para o debate.
Em termos operacionais, é também relevante notar que, ape-
sar de o contrato de PPP contemplar um amplo conjunto de indicado-
res de desempenho, o impacto potencial efetivo desses indicadores
na remuneração da concessionária é limitado, variando de menos de
2% a 9% da remuneração total, dependendo do período do contrato.
Esses limites podem restringir a gestão do contrato pela CDURP, além
de reduzir a efetividade do sistema de avaliação de desempenho como
instrumento de promoção da qualidade dos serviços.
Outro grande desafio da OUC é sua viabilidade de áreas com
menor potencial de valorização. A Operação motivada pela possibili-
dade de se gerar arrecadação, com a troca de benefícios que atraiam
o setor privado para financiar obras viárias, pressupõe a existência de
algum interesse do mercado imobiliário. Concentrando um alto volume
de investimentos, sejam eles públicos, sejam privados, em áreas já valo-
rizadas e beneficiadas por infraestrutura abundante, corre-se o risco de
se afastar das intervenções de menor escala e acabar restringindo-se a

253
setores em que haja efetivamente interesse da iniciativa privada em in-
vestir em função da dificuldade na alavancagem da operação. Inclusive,
a lógica dos CEPACs exacerba ainda mais tal concentração, por vincular
a operação às áreas com potencial de “valorização” do título, pois deve
haver o interesse do mercado de comprar os certificados – e obviamente
esse interesse não existe em áreas precárias.

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257
Capítulo 20
Boas práticas na estruturação de projetos
para revolucionar a infraestrutura das
cidades brasileiras

Diogo Mac Cord de Faria

Assim como nas empresas privadas, todo município precisa


desenvolver uma visão de longo prazo – isto é, uma definição clara
de onde eles querem chegar em 20 ou 30 anos, e de como eles geram
valor aos seus stakeholders – no caso, toda a sociedade. Dados do IBGE
demonstram que, em 2015, o PIB per capta dos municípios brasileiros
com mais de 100.000 habitantes variavam de 6 mil (Paço do Lumiar, MA)
a 182 mil (Barueri, SP). Nesse contexto, é evidente que as estratégias
devem ser diferentes: não há uma receita única para todos.
O primeiro passo, portanto, é compreender que quem não
sabe onde quer chegar jamais chegará a lugar algum: ter uma visão
e um plano dela derivado é fundamental. Faz parte dessa etapa en-
tender o que é um plano de longo prazo: entre os poucos municípios
brasileiros que possuem algo do gênero, a maioria confunde os fins
com os meios. Por exemplo: ter, até 2030, mais três grandes hospitais,
definitivamente não é um plano, já que foca no meio (hospitais) e
não em um fim específico. A pergunta é: para que se quer construir
esses hospitais? Se o objetivo for reduzir a mortalidade infantil, talvez
investir em saneamento – e não em hospitais – seja a melhor forma
de chegar lá.
O segundo passo é, então, construir esse plano de longo
prazo. Mesmo sabendo que não há fórmula mágica, um ponto deve
ser central: o desenvolvimento econômico. Não há futuro para um
município pobre, que não gera riqueza e vive de repasses. E, para ga-
rantir o desenvolvimento econômico, a estratégia que será sugerida
ao longo deste texto é a chamada “microeconomia da competitivida-
de” – teoria desenvolvida pelo professor da universidade de Harvard,
Michael Porter. Por essa teoria, cada município deve identificar aqueles
setores em que já exista uma vantagem competitiva e fortalecê-los
– em vez de investir para desenvolver um outro setor que é fraco ou,
muitas vezes, até inexistente. Em outras palavras, a estratégia deve ser

258
“pé no chão”, realista e objetiva, com base nos recursos disponíveis. É
muito importante que dados, simulações econométricas e estatísticas
sejam sempre usados, em detrimento de sonhos e opiniões individuais:
pragmatismo é fundamental. Um outro ingrediente importante é a
participação da sociedade: explicar a metodologia, demonstrar como
aquele plano gerará melhoria da qualidade de vida para todos e obter
o apoio popular é chave para que tal plano não seja abandonado na
primeira troca de governo.
Finalmente, uma vez montado o plano de longo prazo e, por
consequência, a visão e as metas que queremos alcançar, trabalhare-
mos nos meios: “como” chegaremos lá? É evidente que a infraestrutura
que um município que tem como visão ser um polo tecnológico é
totalmente diferente daquela que quer ser um centro de malhas, que
é totalmente diferente daquele que focará no turismo e que é total-
mente diferente daquele que focará no cultivo de frutas.
Não é tarefa trivial: instituições fortes devem ser montadas
para garantir o monitoramento contínuo do plano e a execução de
suas premissas. No entanto, muito cuidado deve ser tomado quanto
aos custos de transação: o custo do controle jamais pode superar os
benefícios projetados. Organizações fortes são necessárias – mas elas
não precisam ser caras ou burocratizadas. Na verdade, não os ser é
parte importante do planejamento.
Por fim, cabe apontar o relatório produzido pela Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE, 2018),
que indica a “falta de planejamento de longo prazo” o segundo maior
entrave para novos investimentos no Brasil – atrás apenas da forte
flutuação cambial, que inibe o financiamento em moeda estrangeira.

Como fazer?

A microeconomia da competitividade e o conceito de


clusters

Um primeiro conceito fundamental que precisa ser pontuado


é: vivemos em uma sociedade que tem recursos finitos e desejos ilimi-
tados. Isso quer dizer que se escolhas inteligentes não foram tomadas
(priorização sobre os recursos escassos), findaremos por esgotar as
reservas sem resolver os principais problemas. É difícil: sabemos que
interesses individuais muitas vezes tentam se sobrepor aos coletivos.
Priorizar, portanto, deve ser tarefa baseada em uma metodologia clara
e objetiva. Falaremos sobre isso mais adiante, no que se chama de

259
Taxa de Retorno Econômico (ERR, no acrônimo em inglês), quando se
calcula qual projeto traz maior retorno – direto ou indireto, por meio
de externalidades – à sociedade, em termos econômicos.
Pois bem: o professor Michael Porter, fundador do Institute for
Strategy and Competitiveness, baseado na Harvard Business School,
desenvolveu uma teoria na qual a maneira mais adequada para que
se gere desenvolvimento econômico em determinada região é pela
identificação e pelo fortalecimento dos clusters que já possuem uma
vantagem competitiva diante dos demais. De acordo com Porter
(2008), a competitividade de uma nação depende da capacidade
de sua indústria em inovar e se desenvolver. As indústrias que estão
expostas à maior competição (seja nacional, seja internacional) são
provavelmente aquelas mais competitivas, pois, caso contrário, já
teriam fechado as portas. Assim, deve-se identificar, dentro de um
determinado município, qual empresa está inserida em um contexto
concorrencial maduro e que apresenta relevância econômica local.
Essa identificação é feita no contexto de “cluster”, que é um conjunto
de empresas, geograficamente próximas, que fazem parte de um
determinado setor, seja de maneira direta (fabricantes, fornecedores),
seja indireta (universidades, distribuidores). Quanto mais complexo
o cluster, maior a vantagem competitiva que aquele determinado
setor possui – já que não se constrói esta relação da noite para o dia.
Importante ressaltar que, assim como o objetivo de uma cidade é o
aumento de produtividade (historicamente o ser humano se agrupa
pela facilidade de todos os membros desse grupo estarem integrados
e produzindo juntos, com divisão e especialização de atividades), um
cluster serve ao mesmo fim: aumentar a produtividade de um determi-
nado setor – e, por consequência, sua competitividade. Estudo recente
do World Bank (2017) indica que cada 1% a mais do PIB investido em
infraestrutura poderia gerar um crescimento econômico de até 3%,
percebido em um intervalo de 10 anos, ou de até 8%, percebido em
um intervalo de 30 anos. No entanto, é evidente que este efeito é atin-
gido somente se os investimentos forem realizados nos lugares certos.
Uma vez identificados os clusters mais expoentes do mu-
nicípio, desenha-se uma estratégia para fortalecer esses clusters,
deixando-os ainda mais competitivos. No entanto, muito cuidado
deve ser tomado para não confundir esse conceito com os “campeões
nacionais” escolhidos pelo governo federal brasileiro há alguns anos e
que cujo conceito naufragou pela fragilidade de sua estratégia. Aqui,
o objetivo é estimular inovação a todo um cluster, de maneira que
atraia cada vez mais empresas do setor, fortalecendo a complexidade

260
de conhecimento e, mais do que tudo, estimulando cada vez mais a
concorrência – jamais concentrando mercado. Por exemplo: se o cluster
mais proeminente da cidade for o de turismo, a estratégia não deve
ser a de selecionar a maior operadora local e conceder empréstimos
a juros subsidiados para que esta compre todos os seus concorrentes
(estratégia adotada pelos “campeões nacionais”); a estratégia correta
deve ser a de aumentar a segurança pública, apoiar a construção de
novos parques, praças e atrações turísticas e trabalhar para que novos
centros de treinamento e capacitação de guias alimentem um mercado
cada vez mais profissional e, portanto, competitivo – o que gera ino-
vações, reduz custo, aumenta a competitividade e atrai mais turistas,
beneficiando o setor como um todo e, por consequência, gerando
desenvolvimento econômico regional. Os benefícios são transversais,
isto é, alcançam todas as empresas que atuam na área.
Como dito anteriormente, em uma sociedade com recursos limi-
tados, é preciso priorizar. Cada município de médio porte deve escolher
um ou, no máximo, dois clusters como prioritários. Talvez municípios
maiores possam escolher três ou quatro, mas jamais mais do que isso: foco
é fundamental. Por exemplo: é inquestionável que o Rio de Janeiro possui
uma vocação para o turismo e para a indústria de óleo e gás. Pensando
no constante aumento da complexidade do cluster, a indústria de óleo e
gás conta com inúmeras instituições de pesquisa que podem ser usadas
para dar um passo adiante e começar a promover novas tecnologias de
energia renovável: investir em um parque tecnológico com este fim, fir-
mar parcerias com as universidades federais que já possuem um enorme
grupo de pesquisadores na área e direcionar os royalties do petróleo para
novas pesquisas são medidas que fariam todo o sentido para a cidade e
que geram benefícios indiretos a todos os demais setores da economia.
Esse é o motivo pelo qual os clusters precisam ser selecionados
a fazer parte de uma estratégia regional. Como em qualquer empresa,
é preciso priorizar as linhas de negócio mais lucrativas, sem jamais
esquecer que a inovação e o aumento de produtividade devem ser
perseguidos à exaustão. Um caso clássico nos EUA é o do estado de
Michigan, cuja principal cidade é Detroit, conhecida como principal
polo produtor de automóveis dos Estados Unidos. O estado viu-se em
meio a uma enorme crise, justamente porque perdeu o posto de polo
inovador desse setor para a Califórnia. Lá, cidades, como São Francisco
(sede da Uber), Mountain View (sede da Google) e Palo Alto (sede da
Tesla), hoje lideram a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias em
transporte individual, sobretudo no que se refere aos novos conceitos
de veículos compartilhados, autônomos e elétricos.

261
Um exemplo positivo de quem está se preparando para um
futuro nada promissor é Abu Dhabi. A cidade, nos Emirados Árabes Uni-
dos, tem sua economia fundamentalmente dependente do petróleo.
Por isso, nos últimos anos, investiu fortemente em desenvolvimento de
novas tecnologias renováveis. É, por exemplo, lar da IRENA – Internatio-
nal Renewable Energy Agency, uma organização intergovernamental
que dá suporte aos países que querem apoio na transição para uma
matriz energética limpa. Com essa estratégia, a cidade aproveita seu
recurso abundante de hoje para, dentro de um mesmo setor (energia),
que já conta com um cluster complexo e desenvolvido, reinventar-se,
garantindo a perpetuidade de sua posição de liderança nessa área.
Dessa maneira, fica bastante evidente que ter uma visão é
fundamental para que ações e decisões coerentes sejam tomadas no
dia a dia, garantindo que todas as políticas públicas dali em diante
convirjam para um fim comum.

A estruturação dos projetos

Como escolher os projetos certos?

Escolher a estratégia de longo prazo não é tarefa trivial, e


montar o pipeline de projetos que são necessários para trazer o de-
senvolvimento econômico almejado tampouco o é.
Provavelmente no município existirão demandas represadas,
que independem do planejamento de longo prazo – por exemplo,
problemas no saneamento básico (lembrando que, pela Lei n o
11.445/2007, o termo “saneamento” compreende, além de água e
esgoto, drenagem pluvial e resíduos sólidos) ou na educação de base
(creche, pré-escola e ensino fundamental). Somando-se às demandas
específicas que garantirão o cumprimento do plano de longo prazo,
seria muita coisa para fazer ao mesmo tempo.
A administração deverá, portanto, criar um cronograma de
entregas, com aqueles ativos que terão horizonte de curto, médio e
longo prazo. Voltando para a introdução deste capítulo, quando fala-
mos na necessidade de priorização, é necessário ordenar cada projeto
de acordo com sua taxa de retorno econômico, ou seja, identificando
aqueles que trazem maior ganho à sociedade como um todo. Um
ótimo exemplo é o saneamento básico. Ele tem um ganho direto,
mais do que conhecido, em saúde pública: quanto mais se investe
em saneamento, menos se gasta em casos como problemas com
diarreia. Porém, além disso, há um benefício financeiro causado por

262
vários fatores – entre eles, pela valorização de áreas que sofrem com
esgotos abertos ou rios poluídos. Isso gera um consequente aumento
de arrecadação de IPTU e ITBI. Estudo recente do Instituto Trata Brasil
(2017) estimou que serão necessários R$ 317 bilhões de investimentos
em água e esgoto, em 20 anos, em todo o Brasil. Nesse mesmo período,
os ganhos econômicos seriam de R$ 537,4 bilhões – evidenciando a
enorme vantagem de se investir nesse setor.
Assim, é necessário que exista uma “prateleira de projetos” no
município: para cada um, desenvolve-se um estudo de retorno econô-
mico (ou ERR, na sigla em inglês para Economic Rate of Return). Quanto
mais padronizada a metodologia utilizada, melhor, pois permitirá a
comparabilidade entre eles. Esse é um tema polêmico e nada trivial.
Isso porque envolve estimar externalidades que não são facilmente
quantificadas. Por exemplo: quanto vale uma vida humana, salva pela
duplicação de uma avenida, e que evitará colisões frontais entre veícu-
los? Mesmo assim, é um desafio que deve ser enfrentado de maneira
objetiva e transparente; caso contrário, continuaremos elegendo pro-
jetos com base em opiniões vagas e interesses meramente políticos.
É muito importante avaliar-se diferentes opções de projetos,
inclusive pensando fora da caixa e trazendo ideias inovadoras. Por
exemplo, há anos é discutido o conceito chamado de “galerias técnicas”,
que trariam um enorme ganho de eficiência aos municípios. Estas são
galerias subterrâneas pelas quais passam vários serviços públicos: além
de saneamento, eletricidade, telecom, gás e qualquer outra finalidade
que seja necessária, uma infraestrutura desobstruída e cuja operação
e manutenção seja simples e barata (sem a necessidade de quebrar
calçadas e pavimentos a cada reparo). Também deixa a cidade muito
mais bonita pela eliminação de postes de energia e dos cabos de
telecom que causam uma poluição visual muito grande. Ocorre que
essa solução sempre esbarra no problema jurisdicional, pois envolve
diferentes esferas reguladoras: enquanto energia elétrica é regulada
em esfera federal, gás é regulado em esfera estadual e, saneamento,
municipal (sendo, em caso de região metropolitana, um problema
ainda maior). De qualquer forma, debater as alternativas e buscar solu-
ções é fundamental para que se desenhe uma solução de longo prazo.
Uma vez construída a lista de possíveis projetos e estimado
seu ERR, busca-se entender se aquela infraestrutura será custeada com
recursos públicos (contratação tradicional) ou privados (concessões
ou Parcerias Público Privadas – PPPs). Essa decisão é comumente cha-
mada de Value for Money (VfM). O processo para demonstrar o VfM é
baseado em uma avaliação que compara os custos ou pagamentos a

263
serem feitos pelo Poder Público para construir e operar um projeto sob
diferentes métodos de contratação. O custo de cada método, incluindo
os custos adicionais causados pelo risco retido pelo Poder Público em
cada método de contratação, será então comparado (Prefeitura do Rio
de Janeiro, 2015).
Finalmente, sendo escolhida a alternativa privada, deve-se
calcular a taxa de retorno financeira do projeto (ou FRR, para Financial
Rate of Return). Havendo uma taxa de retorno aderente às expectativas
dos investidores privados, coloca-se em licitação como sendo uma
concessão pura. No entanto, não havendo viabilidade puramente
tarifária (recursos pagos pelo usuário como contrapartida pelo serviço
prestado), considera-se a alternativa de uma PPP – quando o governo
arca total ou parcialmente com os custos ao operador. Novamente, é
sempre preciso pensar fora da caixa: houve nos últimos anos uma febre
de PPPs, que em muitos casos poderiam ser facilmente viabilizadas
como concessão simples com um pouco mais de cuidado por parte de
seus estruturadores. Pensar em receitas acessórias, combinar serviços
e usar a valorização fundiária do entorno do empreendimento para
cobrir parte dos custos totais são alternativas para não ser necessário
o uso de dinheiro público na solução – o que, sabemos, tende a ser um
problema uma vez que a administração seguinte pode não concordar
em pagar aquele valor, mesmo com contrato já firmado.
Ao final do processo, o pipeline de projetos de curto, médio
e longo prazo deve estar disponível em um website específico, de-
monstrando informações fundamentais para compreensão de todo o
programa (cronograma, benefícios esperados por cada projeto, lógica
da priorização adotada, status de cada iniciativa, nomes de contato,
valores esperados para investimento, etc.).

Quem estrutura os projetos?

Uma outra questão fundamental a ser abordada é como es-


ses projetos são criados. Para fugir da contratação pública tradicional
(amarrada pela Lei no 8.666/1993 – que pode restringir a contratação
de serviços de consultoria e estruturação de qualidade, além dos
atrasos por recursos em esfera administrativa e judicial), nos últimos
anos, houve uma explosão de uso do mecanismo de PMI, ou Proce-
dimento de Manifestação de Interesse. Mesmo com essa ferramenta,
que permite a participação dos agentes privados com muito mais
liberdade, poucos foram os projetos cujos contratos de concessão
foram realmente assinados. Especificamente em relação aos projetos

264
formatados como PPPs, dos 162 PMIs iniciados entre 2010 e 2014, ape-
nas 46 (28%) chegaram à fase de consulta pública; 34 (21%) resultaram
em editais publicados; e 20 (12,3%) em contratos assinados (IFC, 2015
). É uma taxa preocupante.
Outras alternativas de contratação de projetos ocorreram no
passado recente, merecendo destaque a Estruturadora Brasileira de
Projetos (EBP). Era uma iniciativa dos principais bancos do País – que,
interessados em fomentar o setor de infraestrutura nacional, monta-
ram uma empresa que teria por objetivo produzir “PMIs” de qualidade.
Por uma série de motivos, o projeto naufragou – mas a ideia era tão
boa que as lições merecem ser investigadas para que se produza uma
iniciativa mais robusta nesse sentido.
Outro mecanismo que surgiu recentemente foram os FAEPs
– Fundos de Apoio à Estruturação de Projetos. Primeiro, pela Lei no
13.334/2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)
e o FAEP a ser gerido pelo BNDES. Depois, pela Lei no 13.529/2017, que
criou o FAEP, a ser gerido pela Caixa Econômica Federal. Ambos têm
a estruturação de projetos municipais entre seu escopo de atuação, e
podem ajudar na contratação de estudos de qualidade. Há variações
desses FAEPs surgindo dentro de bancos multilaterais, como o Banco
Mundial, capitalizado com recursos públicos e privados e geridos pelo
banco – inclusive com suas próprias regras de contratação de consul-
torias, muito mais baseada na qualidade do que no preço.
Por fim, há a possibilidade de o próprio município montar sua
unidade de desenvolvimento de projetos. Nesse caso, seria recomen-
dável uma iniciativa conjunta, reunindo nessa unidade representantes
de investidores, usuários que serão beneficiados pelo serviço (e que,
ao fim, pagarão a conta), bancos, etc. Essa solução é viável em grandes
municípios, com mais de 500 mil habitantes, que poderiam atrair inves-
tidores dispostos a compor uma iniciativa do tipo. Diferentemente de
uma PMI, em que cada potencial investidor desenvolveria seu próprio
projeto, nessa modalidade há um esforço conjunto, sendo montado
um fundo capitalizado com recursos de todas as partes, e que pode
valer-se da mesma regra de reembolso de projetos dos PMIs (artigo
21 da Lei no 8.987/1995 e o Decreto no 8.428/2015), ou seja, o capital
integralizado no fundo seria apenas um capital de giro, a ser devolvido
pelo ganhador da concorrência de cada projeto modelado por esse
mecanismo.
Independentemente da maneira escolhida para estruturação
dos projetos, o importante é que seja sempre levado em consideração
que: (a) a infraestrutura mais cara de todas é aquela que não existe –

265
refletindo o “custo de oportunidade” de não desenvolver o projeto; (b)
um projeto ruim pode comprometer todo o pipeline futuro, pois gera
desconfiança dos investidores seguintes; (c) um bom projeto costuma
custar não mais do que 3% do total do empreendimento, ou seja, é
irrelevante no custo total e garante o sucesso do plano. Além disso,
uma vez que o município criou o pipeline de projetos para os próximos
anos e que os primeiros projetos foram licitados com sucesso, haverá
um imediato efeito multiplicador na cidade: outros investimentos
virão, atraídos pela maior atividade econômica – e pelo aumento
da produtividade local, consequência da melhor infraestrutura; os
profissionais mais qualificados, hoje atraídos por oportunidades em
cidades maiores ou até fora do país, serão estimulados a permanecer
e a se qualificarem cada vez mais; e assim por diante. Tudo isso só será
atingido se bons projetos forem executados.

Quem fiscaliza os contratos?

Governo e Estado. São duas palavras parecidas, mas com sig-


nificados muito diferentes. O Governo tem sua visão tradicionalmente
pautada nos quatro anos de mandato, sempre com foco na reeleição de
seu candidato ou partido. Já a visão de Estado é atemporal: sendo estra-
tégica, deve mirar sempre no desenvolvimento contínuo da população.
Isso dito, é uma tarefa difícil garantir que as boas ideias de
hoje permanecerão no futuro. Muitas vezes, a primeira coisa que um
novo prefeito faz é jogar fora tudo o que veio do passado – indepen-
dentemente da qualidade da iniciativa.
Para garantir que os contratos serão cumpridos conforme
desenhados, é importante que exista uma agência reguladora in-
dependente responsável pela gestão dessas iniciativas. Importante
ressaltar que uma boa agência apenas cumpre as regras determinadas
no momento da licitação, e não se dedica à permanente tentativa de
“aprimorar” as regras, o que gera enorme instabilidade regulatória e
atrapalha futuras licitações. Assim, a estrutura deve ser enxuta e com
poder de decisão sobre os temas técnicos relacionados aos contratos
de concessão e PPPs. É recomendável que, para evitar uma agência
inchada, os contratos de concessão e PPPs já tragam como parte dos
custos do operador a obrigação de contratar “verificadores indepen-
dentes”, ou seja, empresas de consultoria ou auditoria que podem
realizar serviços periódicos de fiscalização e encaminhar os relatórios
à agência reguladora, que aplica os resultados encontrados.
Para que a agência não seja capturada por nenhuma parte,

266
sugere-se uma diretoria colegiada com cinco membros, com mandatos
de quatro anos. No primeiro ano, aponta-se um diretor pelo governo,
e outro pela academia. No segundo ano, entra o indicado pelos inves-
tidores. No terceiro, pelos usuários. E, no quarto, o segundo membro
do governo. Isso garante que, em caso de troca de gestão, há sempre
um diretor da gestão anterior, e outro da gestão atual.

Considerações finais

Os filhos da classe média hoje no Brasil são estimulados por


seus pais a estudarem fora e não voltarem. Isso ocorre pela total falta
de perspectiva que se tem para o futuro, o que é muito ruim para a
economia. Por isso, ter um planejamento de longo prazo que seja
coerente é tão importante.
Nem todos os municípios do Brasil podem ser polos tecno-
lógicos de microchips: cada região tem sua vocação. Aceitar essa
afirmação é essencial para que cada município possa identificar aquilo
que faz bem, e focar no aprimoramento dessa vantagem competitiva.
Assim como em nossa vida, não é impossível que um médico de 40
anos mude de profissão e vire um advogado de sucesso; no entanto,
é muito mais provável que, continuando a se especializar dentro da
medicina, ele consiga se destacar e avançar cada vez mais em sua car-
reira. A teoria do professor Michael Porter por cluster tem este fundo:
identificar onde o município já é bom, e trabalhar para aumentar a
complexidade desses clusters – sendo cada vez mais competitivo e,
portanto, atraindo riqueza e gerando valor à população.
Trabalhar para desenhar a infraestrutura que ajude o municí-
pio a chegar lá é tarefa que, ao mesmo tempo em que gera um ganho
de curto prazo – pela geração de empregos durante a construção –,
gera benefícios enormes no médio e longo prazo, pelo aumento da
produtividade local que, por consequência, atrai mais empresas e gera
empregos qualificados. É sabido que, idealmente, teríamos apenas
uma visão de Estado, de longo prazo. Porém sabemos que não é possí-
vel dissociar a questão política da eleitoral. Por isso, formatar um plano
que tenha horizontes de curto prazo (resultados dentro do mantado)
com o de longo prazo é essencial. Saber dosar essa equação garante
o sucesso da administração, gerando o crescimento econômico que
é tão fundamental para a melhoria da qualidade de vida de todos na
sociedade.

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268
Capítulo 21
Modelos de financiamento e garantias
para as cidades inteligentes no Brasil

Marco Aurélio de Barcelos Silva

As cidades representam o local onde as políticas públicas se


materializam e onde a sociedade se organiza concretamente, a partir
dos parâmetros definidos, por exemplo, pelas autoridades estatais.
Pode parecer evidente tal afirmativa, mas ela denota alguns ingre-
dientes importantes sobre o funcionamento e a dinâmica da vida nas
metrópoles. O primeiro deles é que não importa de onde provenham
as normas e os comandos (se do governo central, se das autoridades
descentralizadas), a repercussão dessas normas ou comandos será
sentida na vida comunitária, especialmente nas relações entre os cida-
dãos que compartilham (ou disputam) espaços entre si, e no cotidiano.
Já o segundo ingrediente tem a ver com o fato de as normas estatais
funcionarem, em última análise, como um indutor do comportamen-
to dos cidadãos, ora refreando ou condicionando as suas ações, ora
suscitando-as ou estimulando-as. Ou seja, existe uma correlação forte
entre as estruturas estatais e o funcionamento das cidades (fenômeno
que ainda parece estar longe de ser descartável, mesmo diante de
um cenário de intensas transformações sobre a organização social,
alimentada por novas ferramentas e cambiantes tecnologias). E isso,
claro, vale inclusive para o contexto das inovações intensas, que vêm
caracterizando aquilo que se denomina de “cidades inteligentes” (ou
smart cities).
Com efeito, é difícil apontar um conceito perfeito e acabado
para a ainda recente ideia subjacente à expressão “cidades inteligentes”.
Tal conceito envolveria, em princípio, a percepção de uma moder-
nização veloz dos serviços públicos, com a geração de informações
cada vez mais acessíveis aos cidadãos e aos gestores públicos para a
tomada de decisões, tanto na esfera privada quanto na esfera pública,
com mais eficiência e menos custos de transação. O ingresso de novos
recursos tecnológicos é, nesse contexto, um componente importante
para as smart cities, assim como a produção de dados em larga escala
(a gerar o que também se tem entendido por big data). Sem dúvida,
nunca foi tão fácil fazer o encontro entre oferta e demanda por serviços

269
públicos; nunca foi tão fácil mapear o fluxo das pessoas e os gargalos da
infraestrutura pública; nunca foi tão fácil compreender a importância
de certos equipamentos públicos (estações de metrô, praças, parques)
na dinâmica das cidades.
Esse panorama, porém, põe em relevo uma série de questões,
interessando neste capítulo a seguinte dúvida em especial: “quem,
diante de um tal contexto inovador, pode ser considerado o ‘dono’
das cidades inteligentes?”, ou ainda: “quem paga pelas cidades inte-
ligentes?”
Quanto a esse ponto, a hipótese que se pretende demonstrar
aqui é de que não há, na verdade, um único dono para as cidades
inteligentes. A existência delas, pelo contrário, é resultado da atuação
conjugada e sistêmica de distintos atores: públicos e privados, agindo
coletivamente, ou mesmo de maneira individual.
Veja-se que, de um lado, o Poder Público (por exemplo, as
autoridades municipais) figura como o titular legal de bens públicos
e de serviços públicos, assim como de recursos financeiros que são
amealhados junto a toda a comunidade (os impostos). E sobre os
bens públicos (equipamentos públicos, prédios, ruas), é que podem
ser implantadas as tecnologias que catalisam a melhoria de vida dos
cidadãos. Assim ocorre com praças e outros logradouros públicos, por
exemplo, nos quais são instaladas antenas de wi-fi para o acesso gra-
tuito à internet pelos passantes; e assim ocorre, também, com relógios
de rua, que compartilham dados sobre a temperatura, a umidade do
ar e uma série de outros avisos relevantes para os indivíduos.
Sobre os serviços públicos, aliás, não se pode ignorar que
eles servem como uma fundamental porta de ingresso para as novas
tecnologias. Isso pode se dar, por exemplo, com o monitoramento,
por GPS e em tempo real, da frota de ônibus do transporte coletivo,
que permita aos usuários melhor estimar o tempo das jornadas e a
frequência das viagens. E pode se dar, ainda, com a criação de redes
de comunicação a partir das luminárias de postes do sistema de ilu-
minação pública, fazendo nascer uma nova infraestrutura para o fluxo
de informações por meio da telegestão.
Por fim, por ser também o detentor de um significativo volume
de recursos, o Poder Público ainda tem a capacidade de induzir, ele
mesmo, o desenvolvimento dessas novas metodologias e soluções,
senão figurar como o adquirente dos serviços e equipamentos que
tornam as cidades melhores e mais modernas: é o caso da contratação
da fabricação de softwares, a contratação da operação e manutenção
de ativos junto a prestadores de serviços especializados, a celebração

270
de convênios com incubadoras de startups, entre tantas outras possi-
bilidades de emprego dos recursos orçamentários que ele administra.
No limite, isso significa reconhecer que às autoridades públicas
cabe – embora não de modo exclusivo – um papel de destaque para
a sedimentação das smart cities, desde que elas instrumentalizem
adequadamente as competências legais, os bens e os recursos que
detêm, e, muitas vezes, em articulação com entidades privadas.
A essas últimas, a propósito, cabe também uma função de
relevo. Sejam as instituições não governamentais (ONGs), sejam,
especialmente, as entidades de mercado, elas gozam de uma plasti-
cidade funcional que os órgãos governamentais não têm. Mais ainda,
as empresas e indústrias estão inseridas em um ambiente altamente
competitivo que induz à criação constante de novas soluções e
produtos, os quais acabam sendo acoplados nos serviços e bens da
coletividade. Tais bens e serviços, incrementados pelas inovações do
mercado, vão se transmutando na percepção, junto aos cidadãos, do
ambiente que caracteriza as cidades inteligentes.
As organizações não governamentais, igualmente, em virtude
do regime de atuação mais flexível que possuem (por exemplo, elas não
precisam observar os processos burocráticos dos órgãos estatais para
adquirir bens e recrutar mão de obra), auxiliam, entre outros encargos,
na conservação de praças e parques, oferecem apoio a pessoas em
situação de vulnerabilidade, e permitem, ao fim e ao cabo, a ampliação
de comodidades aos moradores da cidade.
Lembre-se, nada obstante, de que a atuação de todas essas
estruturas organizacionais pode acontecer tanto de forma isolada,
quanto coordenada. De fato, nada impede que os cidadãos recebam,
por exemplo, uma enxurrada de aplicativos novos a cada dia em seus
celulares, que os permitam aproveitar melhor o que a cidade tem a
oferecer, por iniciativa exclusiva de desenvolvedores e provedores
do mercado, sem qualquer participação de uma organização estatal.
No entanto, tendo em vista as características que as diferenciam e as
complementam, entende-se que a conjugação dos esforços entre as
entidades governamentais e as privadas possa viabilizar situações mais
vantajosas para todos os envolvidos, em especial, para os cidadãos.
É sob esse contexto que se podem falar em “parcerias” entre o Poder
Público e a iniciativa privada, para a catalisação das smart cities.
Também nesse contexto, não se podem deixar de mencionar
os próprios indivíduos, na condição de cidadãos, como fundamentais
partícipes do desenvolvimento das cidades inteligentes. Sendo usuá-
rios de serviços públicos, eleitores e consumidores, o seu comporta-

271
mento pode estimular ou limitar, permitir a perpetuação ou, ainda,
pôr em xeque a atuação dos demais atores antes listados. São os
indivíduos, em última instância, que criarão o lado da “demanda” por
transformações, e que controlarão o ritmo em que os recursos por ele
arrecadados serão transformados em políticas públicas com melhoria
de vida para a coletividade. Nesse sentido, noções como participação
ativa e accountability passam a ganhar especial importância nos dias
atuais, no sentido de se conferir aos cidadãos um papel de guardiões
das transformações e dos efeitos benéficos que a parceria entre o Poder
Público e a iniciativa privada pode acarretar às cidades inteligentes.
Sendo assim, fica evidenciado que não há um “dono” ou um
único ator responsável pela consolidação das smart cities; como tam-
bém não há (como se verá adiante) um único responsável pelo seu
“financiamento”. Há, isso sim, uma cadeia de envolvidos e de ações que
levam à estruturação desse novo ambiente, com um mix incrivelmente
amplo de possibilidades e de pilares de sustentação.
Sem embargo, ao se tomar em conta as alternativas de “finan-
ciabilidade” às cidades inteligentes, seria equivocado pressupor que ao
Poder Público estaria restrita a missão de viabilizar as fontes de recursos
necessários para tanto. É que não se pode esquecer, nesse caso, que
pelo menos no Brasil os entes governamentais (sobretudo aqueles
mais descentralizados – estados e municípios) vêm enfrentando um
contexto de grave limitação fiscal que os tem impedido de participar
de maneira contundente com valores orçamentários significativos
para esse fim. A boa notícia, todavia, é que em relação às smart cities
existe um sem número de maneiras por meio das quais as parcerias
com outros atores poderiam ser estruturadas, encaixando-se o que há
de melhor entre os diversos envolvidos, inclusive a criatividade para a
obtenção de receitas. Tais parcerias, nesse sentido, funcionariam como
uma alternativa de viabilização (ou até mesmo de financiamento) das
cidades inteligentes em tempos de crise.
Para se ter uma ideia das potencialidades que o modelo de
emparceiramento entre o setor público e o setor privado podem
englobar, vale relembrar que, como visto anteriormente, os entes
municipais são os detentores de muitos dos espaços em que os ser-
viços inteligentes podem ser prestados. E tais serviços, por seu turno,
podem trazer rendas significativas para os seus ofertantes, com as mais
variadas origens: exploração de marcas (naming rights), “marketing”
individualizado junto a usuários de internet, obtenção de dados de
perfil de consumo de maneira voluntária etc.

272
Projetos como as Praças Wi-Fi do Município de São Paulo
ilustram bem esse mecanismo. Os privados interessados nesse tipo de
serviço se responsabilizam, perante a Prefeitura, por entregar internet
gratuita aos usuários dos espaços públicos, tendo por base parâmetros
de qualidade expressamente ajustados, e podem, em contrapartida,
vender publicidade aos internautas (por meio de anúncios rápidos,
cadastro de e-mail etc.).
Sem dúvida, o incremento da tecnologia está fazendo com que
cada vez mais surjam novas “moedas”, capazes de dar a sustentação
necessária a alguns serviços e utilidades nos espaços urbanos. Essas
moedas envolvem, como mencionado, a exploração de publicidade,
de um lado, e a obtenção de informações em larga escala, de outro.
De fato, quanto vale detectar, em tempo real, o itinerário dos ônibus
e táxis nas metrópoles, os intervalos das viagens por eles realizadas,
os gargalos da infraestrutura viária, a origem e o destino dos passa-
geiros e, com base nisso, otimizar demanda, combustível e tempo
nas cidades? Quanto vale, além disso, ter o monopólio de anúncios
de publicidade num parque do tamanho do Ibirapuera ou no alto do
Cristo Redentor (mesmo dentro dos smartphones das pessoas que se
conectam à rede de internet disponibilizada naqueles locais)?
Nesse universo de tantas possibilidades, cabe aos stakehol-
ders – tanto do lado público, quanto do lado privado – articular-se a
fim de melhor explorar as suas vantagens comparativas e produzir,
em conjunto, relações do tipo “ganha-ganha”. Sob o ponto de vista
jurídico-econômico, por exemplo, o Poder Público teria condições de
viabilizar contratos cujo escopo englobasse a exploração do uso de
bens de sua titularidade (contratos de concessão de uso, contratos
de concessão de serviços públicos), ao passo que o particular pode-
ria aplicar, a esses bens, seu tino comercial para oferecer utilidades e
extrair valores junto aos respectivos usuários. Dito de outro modo, as
parcerias figuram como um caminho viável para criação, incremento
e manutenção das cidades inteligentes, distribuindo os ônus e os
benefícios correspondentes para as distintas cadeias de interessados.
Para que as cidades inteligentes aconteçam sob essa ótica,
porém, deve-se estar atento a alguns requisitos que, ao que se enten-
de, funcionariam como impulsionadores das iniciativas relacionadas
ao assunto.
A esse respeito, uma primeira pergunta a se enfrentar seria: É
necessário uma lei no município para que a cidade inteligente exista?
Ou ainda: Uma “cidade inteligente” deve ser criada por lei?

273
A resposta para essas questões é em parte negativa e em parte
afirmativa. De fato, não faz sentido criar-se uma “cidade inteligente”
por lei, até porque, como se viu anteriormente, uma smart city é um
“fenômeno” que depende da atuação estruturada de diversos atores.
Seria muito pouco plausível, assim, que, por meio de um ato legislativo
da Câmara dos Vereadores de uma determinada cidade, ela viesse a
se tornar, como que num passe de mágica, “inteligente”. No entanto,
uma lei poderia funcionar como indutora do comportamento desses
diversos atores que contribuem para a formação de uma smart city.
Seria especialmente interessante, nesse caso, que se estabeleces-
sem estruturas de governança dentro do Poder Público, capazes de
conceber, discutir, planejar e desenvolver medidas aderentes a uma
política de modernização das cidades, seus equipamentos e serviços,
preferencialmente mediante o diálogo com a sociedade civil e o em-
presariado. Um escritório público de projetos, uma secretaria ou uma
outra entidade municipal que modelasse propostas de parcerias e que
estivesse em permanente contato com representantes do mercado
seria, por exemplo, algo bastante conveniente. Uma lei cuidaria da
criação dessa estrutura, seus cargos, suas competências e sua forma
de atuação, o que por sua vez ajudaria a ir formando o caminho para
as cidades inteligentes.
Para os agentes privados, por outro lado, tal estrutura funcio-
naria como uma espécie de ponto de contato ou um hub, centralizando
informações e experiências e provendo, ainda, um norte sobre quando
e como as ações destinadas à implantação de uma cidade mais inteli-
gente viriam a ser efetivadas. Para além de coordenar uma agenda de
concessões ou parcerias, aliás, essa mesma estrutura também poderia
zelar por uma política de fomento a organizações não governamen-
tais e startups, além de liderar as discussões sobre a regulação do uso
comercial de espaços públicos e da prestação de serviços de interesse
público, entre tantos outros.
É claro, entretanto, que essa ideia pressuporia alguns desafios
próprios. Para além de se ter de buscar o amparo de uma lei em sentido
formal para a estruturação de uma unidade do governo municipal res-
ponsável pelos assuntos das smart cities, ainda seria necessário recrutar
mão de obra qualificada e garantir a sua perenidade. Isso demandaria,
de um lado, uma política salarial atraente – o que, preocupantemente,
não costuma fazer parte da realidade de muitos municípios brasileiros
– e, de outro lado, exigiria o reconhecimento de que a estrutura de
governança criada teria de integrar uma estratégia de “Estado”, e não,
uma proposta temporária de governo.

274
Em última análise, isso quer dizer que cada novo prefeito deve-
ria olhar com zelo para o órgão responsável por coordenar a agenda de
parcerias e por viabilizar a criação de um ambiente favorável às smart
cities, preservando os técnicos e a expertise por eles adquirida. Mais
ainda, na condição de chefe do Poder Executivo, ele deveria conferir a
esse órgão uma posição de destaque na administração municipal, que
sinalizasse a seriedade do tema e o comprometimento daquele municí-
pio para com a agenda de transformação da cidade – o que envolveria
definir sob qual secretaria e que tipo de patrocínio político referida
unidade viria a merecer. Finalmente, também seria o caso de se ofertar
aos técnicos envolvidos programas de capacitação constantes, os quais
pudessem elevar a sua habilidade e competência para pensar novas e
melhores soluções para a oferta de serviços e equipamentos públicos,
e robustecer a sua interlocução com os demais atores privados.
Veja-se, a esse propósito, que na realidade nacional não é
difícil identificar casos bem-sucedidos de estruturas de governança
concebidas para apoiar, em alguma medida, pautas afeitas às “cidades
inteligentes”. No âmbito municipal, ganha proeminência, por exemplo,
a figura da São Paulo Negócios (ora denominada de SP Parcerias), que é
uma sociedade de economia mista do Município de São Paulo, em que
uma dezena de técnicos estão dedicados a pensar e desenhar soluções
para problemas envolvendo: iluminação pública, gestão de parques
e praças, melhoria da trafegabilidade nas vias da cidade, regulação
dos transportes individuais de passageiros, entre tantos outros. Com
efeito, foi a SP Parcerias quem cuidou do desenho e da modelagem
jurídica do projeto de iluminação pública da prefeitura paulistana,
concebeu a primeira regulamentação para o Uber no Brasil, reviu o
desenho dos contratos de gestão de unidades de saúde municipais
com organizações sociais (OS), apresentou uma proposta para a oferta
de internet gratuita em logradouros públicos (Projeto “Wi-Fi Livre”) e
está estruturando a concessão de um dos mais importantes parques
urbanos do Brasil: o Parque do Ibirapuera.
Além da SP Parcerias, no entanto, em outros Estados também
existem organizações guiadas por uma mecânica análoga, tal como
foi o caso da Unidade de PPP do Governo de Minas Gerais, e tal como
é o caso da Unidade de PPP do Governo do Estado de São Paulo, da
Unidade de PPP do Estado da Bahia e da Unidade de PPP do Estado
do Piauí (que hoje mais se destacam no cenário brasileiro). Trata-se,
nesses casos, de órgãos altamente especializados responsáveis por
coordenar, articular, estruturar e executar a agenda de parcerias entre
o Poder Público e a iniciativa privada com vistas a melhorar a oferta e

275
a qualidade de serviços para a população (e que também contribuem,
em alguma proporção, para o ambiente das cidades inteligentes no
País). No plano federal, por sua vez, é válido citar a experiência da
Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência
da República que, embora abarcando projetos de cunho nacional, é
guiada por lógica de funcionamento e de governança muito similar a
daquelas outras estruturas subnacionais.
Somente a preocupação com a questão da governança, em
todo o caso, não é suficiente para alavancar o tema das smart cities
pelos municípios brasileiros. Uma vez que o pressuposto para se via-
bilizar uma cidade inteligente é o de engajamento de atores públicos
e privados; e uma vez que esse engajamento costuma estar regulado
por um contrato ou ajuste entre os interessados, que encapsula as
expectativas de cada qual num longo período de tempo; é inevitável
trazer à tona alguns temas relacionados à ideia de “segurança jurídica”.
Sem dúvida, esse é um ingrediente crucial para se garantir a
atratividade de projetos de parceria que tenham como propósito ala-
vancar políticas e ações destinadas a sedimentar as cidades inteligen-
tes. Nesse caso, a qualidade dos contratos, a clareza das suas cláusulas
e a racionalização das obrigações fixadas para as partes passam a ser
aspectos de especial atenção.
Na realidade contratual do Poder Público, porém, ainda subsis-
tem práticas que trazem consigo uma percepção de risco considerável
junto a investidores de boa-fé: a mutação dos contratos pelo lado
estatal e, sobretudo, as intercorrências políticas e ideológicas que
costumam aparecer a cada novo ciclo eleitoral. Não é raro, diante desse
cenário, que um novo prefeito eleito decida “rever” todos os contratos
formalizados na gestão antecedente, ou que imponha, com a força
da sua caneta, reduções de valores de pagamento aos privados, os
quais acabam suportando esses atos por receio de perder o contrato
que haviam celebrado ou por receio de sofrer futuras represálias por
parte das autoridades políticas locais. Essa corresponde, sem dúvida,
a uma cultura que merece ser abolida do cenário brasileiro, sob pena
de afugentar empreendedores sérios que, de outro modo, poderiam
contribuir com avanços para as smart cities mediante parcerias mais
sólidas com o Poder Público.
O Poder Judiciário e a própria sociedade deveriam estar, por
isso mesmo, mais ciosos do seu papel de guardiães das promessas
feitas pelos gestores públicos, notadamente dentro dos contratos ou
parcerias celebradas – em vez de se deixar encantar por ações espe-
taculosas que carregam por debaixo de si uma finalidade populista

276
danosa à consolidação de um ambiente de negócios públicos. Isso
depende, de um lado, de uma maior sensibilização da população e
dos próprios gestores públicos, bem como de uma divulgação mais
estruturada acerca da importância de uma agenda de parcerias e sobre
como elas podem influenciar para que as cidades ofereçam melhores
e mais modernos serviços e, por consequência, mais qualidade de vida
para os cidadãos.
Não bastasse isso, sob o ponto de vista jurídico, é ainda ne-
cessário pensar em ferramentas concretas destinadas a minimizar os
possíveis abusos das partes envolvidas nas parcerias – e aqui se faz
referência à figura das “garantias” nos contratos de parceria. Tradicio-
nalmente, a legislação de regência dos contratos públicos (Lei Federal
no 8.666/93) já cuidava de disciplinar as assim chamadas “garantias de
proposta” e as “garantias de execução”. Ambas eram exigíveis da parte
privada da relação e se destinavam a evitar a desistência do propo-
nente vencedor do certame ou a sua inadimplência por ocasião da
execução contratual. Nenhuma delas, porém, voltava-se para o Poder
Público, que em princípio se via livre de maiores constrangimentos em
atuar de maneira a influenciar negativamente o negócio celebrado
com o particular.
Foi sob esse contexto, então, que a Lei Federal no 11.079/04
(Lei das Parcerias Público-Privadas) previu que as garantias também
fossem aplicadas ao ente estatal, notadamente para as situações em
que ele se recusasse a pagar os valores devidos ao particular. Existe,
por consequência, uma série de possibilidades de se estruturar tais
garantias, que implicam, por exemplo, o penhor de títulos públicos,
a vinculação de recebíveis e até mesmo o depósito de valores em
contas vinculadas (para quem se interessar, vale conferir as distintas
hipóteses contempladas pelo artigo 8o da Lei Federal no 11.079/04).
É bem verdade que prevalecem, sobre esses arranjos garanti-
dores, alguns desafios de ordem econômica, sabendo-se que a situação
de crise fiscal, especialmente dos municípios no Brasil, torna difícil se-
gregar a represar recursos do orçamento, “à espera” do momento certo
para serem utilizados no futuro. Talvez uma estratégia interessante para
essa hipótese seria a de se trabalhar com a securitização ou a cessão
de créditos do ente público, como os decorrentes de pagamentos de
aluguéis, royalties, outorgas de contratos de concessão e, no limite,
aqueles provenientes de repasses legais – como o dos fundos de
participação (seria o caso do Fundo de Participação dos Municípios).
Não se pode negar, todavia, que, pelo menos quanto a essa
última modalidade (uso de recursos de fundos de participação),

277
também permanecem questões jurídicas em aberto, como a dúvida
sobre a constitucionalidade, ou não, da vinculação das receitas a eles
correspondentes para um contrato ou uma parceria celebrada pelo
Poder Público. Isso se dá porque, em virtude do denominado “princípio
do orçamento único”, subentende-se que todos os recursos dos entes
estatais deveriam “pingar” primeiro, na conta do tesouro, para só de-
pois receberem a sua destinação específica, inclusive a de garantirem
contratos previamente assinados com terceiros.
Uma possível solução a se pensar, nesse caso, seria a de se criar
fundos específicos (que dependem, porém, de lei), os quais seriam,
posteriormente, alimentados com os recursos necessários às referidas
garantias. Esses fundos poderiam ter natureza jurídica de direito pri-
vado (a exemplo do que constou do artigo 16, § 1o , da Lei Federal no
11.079/04, para o Fundo Garantidor de Parcerias da União) ou natureza
meramente orçamentária. E ambos poderiam, ainda, desdobrar-se em
contas bancárias específicas, administradas por instituições financeiras
especialmente mandatadas, as quais cuidariam de regular o fluxo de
pagamento, ou de garantia dos contratos de parceria vigentes.
É claro que não se está, em uma ou outra hipótese, diante de
operações simples. Todas elas demandariam, além do mais, a parti-
cipação de especialistas de diversas áreas do conhecimento, muitas
vezes difíceis de serem encontrados no Poder Público. É por isso que
continua fazendo bastante sentido que o ente público dedique maior
energia à governança das suas instituições, à transparência das suas
decisões e à credibilidade gerada junto a investidores, à população
e aos órgãos de controle. Essas são medidas de alto impacto para a
redução dos riscos em contratos de parceria, e cujo sucesso os gesto-
res podem muito bem administrar. Dito de outro modo: quanto mais
confiável e mais bem estruturado for um órgão ou um ente estatal,
menos ele dependerá das operações complexas que envolvam a es-
terilização ou represamento de ativos para avançar com a sua agende
de parcerias, das quais depende, como foi visto, a viabilização das
cidades inteligentes.
Por tudo quanto foi exposto, é então possível extraírem-se as
seguintes conclusões a partir da leitura deste breve artigo.
Primeiro ponto importante: as cidades inteligentes carac-
terizam um fenômeno que pressupõe a participação articulada de
distintos atores. Não há um único “dono” para as cidades inteligentes,
e o Poder Público, por isso mesmo, está longe de ser o dominador
exclusivo desse fenômeno.

278
Certo é, no entanto, que os entes estatais trazem consigo de-
terminadas características e ativos, que contribuem sobremaneira para
a cristalização da realidade das smart cities no Brasil. Eles são, em última
análise, os titulares jurídicos de bens públicos, de serviços públicos e
de recursos públicos, que podem ser utilizados para a prestação e para
o desenvolvimento de atividades com alto poder de transformação
sobre a dinâmica dos centros urbanos.
Só o Estado, apesar disso, não é capaz de implementar, de
maneira avulsa, as condições necessárias para tanto. Atores privados
reúnem expertise, flexibilidade e grande capacidade inventiva a serem
aplicadas junto aos espaços e serviços públicos, e também cumprem,
em razão disso, um papel saliente para a materialização de cidades
mais inteligentes no cenário nacional.
O desafio, nesse caso, é conseguir unir o que há de mais van-
tajoso em cada um desses diferentes atores, e de maneira estruturada:
é quando entra em cena a figura das “parcerias” entre o Poder Público
e as organizações privadas. Juridicamente, essas parcerias se estabe-
lecem, tipicamente, via contratos. E para que sejam bem-sucedidas,
elas devem encontrar sustentação financeira e estabilidade.
A sustentação financeira leva à pergunta sobre quem paga
pelas smart cities. E a resposta para essa pergunta é múltipla, dado
que há várias maneiras de se conseguir os recursos para a concretiza-
ção de medidas e serviços capazes de melhorar as cidades. Para além
de cifras orçamentárias, pode-se visualizar, hoje, a criação de “novas
moedas” que pressupõem troca de informações e publicidade. O que
há de positivo nessas soluções é o fato de elas aliviarem a demanda
por recursos fiscais, que têm se tornado cada vez mais escassos na
atualidade.
A estabilidade das parcerias, por sua vez, traz consigo a ideia
de segurança jurídica ou de garantia contra abusos cometidos por
quaisquer das partes envolvidas naqueles tipos de contrato. Espe-
cialmente pelo lado do Poder Público (que ainda reúne um histórico
desfavorável de cumprimento tempestivo e perene dos seus com-
promissos), a legislação vigente fixou distintas modalidades em que
tais garantias poderiam ser pensadas, que vão desde a criação de
empresas estatais até a vinculação de recebíveis, alguns decorrentes
de repasses provenientes de fundos constitucionais. Não é fácil, porém,
transformar em realidade todos esses modelos possíveis, seja em razão
das complexidades jurídicas envolvidas, seja pelo fato de não haver
tantos recursos disponíveis para garantir as obrigações do ente estatal.

279
O melhor, portanto, é continuar investindo em governança,
transparência e capacitação, e prosseguir apostando no uso das
“novas moedas” para fazer frente ao custeio das cidades inteligentes
(tornando-as progressivamente independentes do erário). No que toca
à governança, aliás, deve-se ter em mente alguns cuidados, capazes
de tornar a experiência do ente público bem mais proveitosa. Cogitar
a criação de uma unidade administrativa (um órgão, uma secretaria
ou um escritório de projetos, por exemplo), que esteja especialmente
dedicada a pensar nas cidades inteligentes e nos arranjos negociais
necessários à sua implementação, parece ser um excelente passo.
Editar, além do mais, uma lei que fixe as competências dessa unidade,
a perenidade do seu corpo técnico e o fluxo de informações para a
tomada de decisões, inclusive com a participação de vários agentes
não governamentais e dos cidadãos, representaria uma conquista
fundamental.
De fato, boa governança, amplo e permanente diálogo entre
stakeholders, capacitação intensiva do corpo técnico, qualidade dos
projetos, accountability e credibilidade compõem, ao que se entende,
os elementos-chave de uma “caixa de ferramentas” adequada para que
um município tome a iniciativa de elevar o nível dos serviços oferecidos
aos seus cidadãos, com menos custos e com muito mais eficiência.
A história das smart cities está apenas se iniciando no mundo,
sobretudo no Brasil. Trata-se de uma narrativa a ser construída a várias
mãos, com sucessivos capítulos. Que se saibam, enquanto se aguarda
o desenrolar do que está por vir, germinar boas ideias e fomentar a
busca por medidas contundentes, que finquem o alicerce sólido para
o florescimento dessa novíssima realidade. E o mais rápido possível.

280
Capítulo 22
A contribuição das PPPs e Concessões
para políticas públicas eficientes

Claudio Tucci Júnior


Carlos Nabil Ghobril
Marcos Camargo Campagnone

O contexto de crise fiscal, que periodicamente ocorre no


Brasil, deixa pouca margem de ação para o investimento público.
Com demandas crescentes por mais e melhores serviços públicos,
torna-se imprescindível o desenvolvimento de novas abordagens e
formas de superação dos inúmeros desafios, como de mecanismos de
ação governamental que busquem aumentar e garantir a eficiência
e a efetividade da gestão governamental, sem onerar ainda mais os
cofres públicos com aumento de despesas, nem onerar o cidadão com
aumento da carga tributária.
A transposição desses obstáculos deve considerar um rígido
controle dos gastos e promoção de ações contínuas para estimular
o aumento da atividade econômica, o que leva à necessidade de se
intensificar o uso de modelos de parcerias com o setor privado, com
medidas de atração de capital nacional e estrangeiro, visando à de-
soneração da estrutura administrativa, à racionalização da aplicação
de recursos públicos e, sobretudo, ao aumento da efetividade das
políticas públicas.
É possível observar nos últimos anos um incremento na coo-
peração entre os setores público e privado voltado para atividades
econômicas em diversos setores. Os gestores públicos dispõem de
um cardápio de instrumentos de parcerias que incluem as concessões
e as PPPs. Assim, é possível transferir a agentes privados, dotados de
recursos técnicos e financeiros, os direitos e riscos inerentes a ativi-
dades do setor público.
As concessões administrativas ou patrocinadas possuem
regime jurídico semelhante ao das concessões comuns, com alguns
pontos específicos de acordo com a Lei Federal no 11.079, que preco-
niza o regime jurídico desses contratos em seu artigo 3o.
De acordo com essa Lei, a Parceria Público Privada “é o con-

281
trato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou
administrativa”. Trata-se de um contrato que estabelece vínculos entre
a Administração Pública e o setor privado para transferir o dever de
prestar determinado serviço público ou execução de obras, com a
repartição objetiva dos riscos, conforme disposto na legislação bra-
sileira. De acordo com a legislação, são contratos com valor mínimo
de investimento e os prazos mínimo e máximo de duração. É de
fundamental importância a avaliação de pertinência, por meio de
estudos sobre os aspectos econômicos, técnicos e jurídicos, e clareza
no estabelecimento de indicadores e mecanismos de mensuração
que determinam as formas de remuneração, garantias e penalidades.
Contudo, no Brasil, segundo reportagem recente da Folha de
São Paulo e da Consultoria Radar PPP, especializada em Parcerias Público
-Privada, 53 estados e prefeituras têm PPPs (Parcerias Público-Privadas)
em vigor, mas 80% deles não acompanham de forma adequada o impac-
to fiscal de longo prazo de seus contratos – que implicarão pagamentos
mensais por períodos que vão de 8 a 35 anos, ou seja, não realizam um
planejamento adequado com relação ao assunto. Esse estudo consi-
derou PPPs assinadas até o fim de 2017, usando, entre outros dados,
relatórios de execução orçamentária dos entes públicos, enviados pelo
Tesouro Nacional via Lei de Acesso à Informação.
A falta de registro do impacto fiscal desses contratos de longo
prazo é preocupante, pois possibilita que governantes firmem PPPs
sem uma avaliação adequada, comprometendo o orçamento para os
prefeitos e governadores futuros.
Esse levantamento mostra quanto é importante, além da
responsabilidade fiscal dos governos, a concepção do planejamento
de políticas públicas que contribuam para o crescimento e a melhora
do País, algo crítico no Brasil.
Para assegurar o bom desempenho das ações, é fundamental
garantir as boas práticas de gestão dentro da estrutura da Adminis-
tração Pública, concentrando esforços no desenvolvimento e im-
plantação de métodos efetivos de avaliação de resultados na gestão
pública, com o estabelecimento de indicadores adequados, que visem
otimizar as práticas de planejamento e execução orçamentária, com
acompanhamento e avaliação dos impactos e resultados das ações e
políticas propostas.
A alocação dos recursos cada vez mais escassos nos orçamen-
tos públicos é tarefa que deve ser conduzida com o uso das mais mo-
dernas tecnologias, criatividade e inovação, de forma multidisciplinar.
É essencial o uso das ferramentas jurídicas disponíveis que possibilitem

282
alavancar esses recursos de modo inteligente, capaz de promover o
bem-estar das populações.
Nesse sentido, as parcerias são de interesse da sociedade,
na medida em que possibilitam o ingresso de capital privado para o
atendimento das demandas públicas, por meio do financiamento e
investimento em serviços públicos.
É imperioso um processo de otimização, em bases sustentá-
veis, com o apoio técnico e científico das Universidades e dos Institu-
tos de Pesquisa, para que os recursos públicos sejam alocados para a
execução eficiente das funções precípuas do Estado. Essa otimização
permite priorizar os recursos orçamentários para a promoção do
desenvolvimento social e da execução das funções constitucionais
do Estado, bem como reduzir o gasto público em setores em que há
disposição de investimento por parte dos agentes privados.
A utilização dos melhores conhecimentos disponíveis compi-
lados em rede orgânica, bem como o incentivo ao desenvolvimento de
novas tecnologias e processos de inovação é uma tarefa muito desafiadora
para os gestores públicos. Apesar da elevada qualificação do corpo técnico
do setor público, geralmente, de acordo com sua matriz de conhecimento,
este não está preparado ou habituado a tratar dos aspectos atinentes a
parcerias com o setor privado. Por outro lado, o setor privado, interessa-
do em seu setor específico de atuação, tem a competência e dispõe dos
recursos necessários para essa relação. Tal situação gera assimetrias no
processo de parcerias entre os setores público e privado.
Por se tratar de contratos de prazos longos, é importante
considerar que as condições no decorrer e no fim do contrato podem
ser muito diferentes de seu início. Essas alterações são derivadas das
condições econômicas e sociais e também do próprio desenvolvimen-
to tecnológico que pode tornar obsoletos determinados instrumentos.
Assim, considerando que o longo tempo de contrato está associado
à incerteza, os contratos devem conter a flexibilidade necessária para
tratar essas possíveis mudanças. São necessários estudos de avaliação
e reavaliação periódicos e, quando for o caso, estudos de reequilíbrio
econômico. Nesse aspecto, é de fundamental importância a atuação
forte e vigilante dos órgãos reguladores e de controle, sejam internos,
sejam externos.
Há um imperativo para o planejamento de ações que visem
privilegiar o provimento de educação, saúde, segurança e infraestru-
tura – todas essas ações teriam impacto altamente positivo na pro-
dutividade. Para tanto, a iniciativa privada pode ajudar a mudar esse
cenário, cooperando na implantação de propostas de qualidade, sem

283
amarras para quem deseja empreender, mas com a segurança jurídica
como papel fundamental do Estado nesse processo de desestatização
necessário e com as reformas estruturais para alcançar o maior grau
de progresso possível.
Como exemplo de boas práticas, as Manifestação de Interesse
Privado (MIP) - no âmbito do Estado de São Paulo que, de acordo com
o Decreto Estadual no 61.371, de 21 de julho de 2015, diz que o propo-
nente deve encaminhar a proposta por meio da Plataforma Digital de
parcerias (www.parcerias.sp.gov.br), endereçando-a ao Presidente do
Conselho Gestor das Parcerias Público-Privadas (CGPPP).
A plataforma contém um formulário com diversos campos
para preenchimento. Dados como resumo do projeto, valor do inves-
timento, período de duração, contraprestação do Estado, entre outros,
são solicitados.
Recebida a proposta, o Secretário Executivo a remeterá à Uni-
dade de Parcerias Público Privada (UPPP) para a realização da análise de
conformidade. A UPPP analisará, portanto, o atendimento dos requisi-
tos estabelecidos no decreto e emitirá nota técnica, a ser submetida ao
Secretário Executivo, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados
da data de recebimento da proposta, manifestando os motivos de sua
aprovação, rejeição ou necessidade de complementação.
Nesse sentido, a proposta deverá atender aos seguintes requi-
sitos: a qualificação completa, que permita a identificação do propo-
nente; a descrição dos problemas e desafios concretos que justificam
a parceria que se pretende instalar, bem como das soluções e dos
benefícios que advirão de sua efetiva execução; a indicação da modali-
dade de contratação a ser implementada, o arranjo jurídico preliminar
proposto, e prazo contratual; a demonstração, ainda que preliminar,
da viabilidade econômica, jurídica e técnica da parceria proposta; e a
enumeração dos parâmetros objetivos de inovação que poderão ser
mensurados por ocasião da comparação da parceria proposta, em face
das contratações executadas e dos serviços correntemente prestados,
caso existentes, pela Administração Pública estadual.
Partindo dessa premissa, a seguir apresentaremos dois casos
de projetos de PPPs no Brasil.

Projeto PPP Rodovia Tamoios

Estrutura do Projeto

• Concessão Patrocinada;

284
• Prazo de concessão: 30 anos;
• Execução de obras civis de duplicação do trecho da Serra;
• Exploração, manutenção e conservação da Rodovia dos Tamoios.

Histórico

A Rodovia dos Tamoios (SP-009) foi construída pelo Depar-


tamento de Estradas e Rodagens de São Paulo (DER-SP), fazendo a
ligação entre as cidades de São José dos Campos e Caraguatatuba.
Em 1957, no Governo Jânio Quadros, foi pavimentada pelo método
denominado Mixed in Place, popularmente conhecido como “virado”.
A pavimentação solucionou os problemas de excesso de pó e lama
que, aliados à neblina constante, eram causa de graves acidentes. Em
épocas de chuva, antes do asfalto, a estrada era praticamente intran-
sitável.
Em 1967, o município de Caraguatatuba foi vítima de uma
catástrofe que destruiu o trecho da serra, sendo necessária a recons-
trução da Rodovia. Essas obras, realizadas, já com moderna tecnologia
e traçado, foram objeto de grande concentração de recursos e forças.
Em 1970, o DER executou significativos melhoramentos de
traçado (planta e perfil) entre São José dos Campos e Paraibuna. Com
a inundação provocada pelo conhecimento da Barragem Paraibuna –
Paraitinga, e consequentemente prejuízo ao trecho de Paraibuna até
o alto da serra, a reconstrução da rodovia ficou a cargo da Companhia
Energética de São Paulo (CESP), sob coordenação do DER.

Duplicação

A Rodovia dos Tamoios começou a ser duplicada em maio


de 2012 pelo ex-governador Geraldo Alckmin. A obra seria concluída
em dezembro de 2013, e foi entregue em janeiro de 2014. O trecho
de planalto duplicado corresponde a quase 50 km, divididos em dois
lotes: o primeiro foi do km 11,5 ao km 35,8 e o segundo, do km 35,8 ao
km 60,5, abrangendo os municípios de São José dos Campos, Jacareí,
Jambeiro e Paraibuna. O custo da obra totalizou R$ 672,4 milhões.
Em 2014, foi lançado edital para a duplicação do trecho de
serra da Tamoios (entre o km 60,45 e o km 82). A obra prevê 12,6 km
de túneis e 2,5 km de viadutos – devido à sua complexidade, a obra
vem sendo comparada à pista descendente da Rodovia dos Imigrantes.
Os investimentos nessa obra somam R$ 2,9 bilhões. Outro R$ 1 bilhão
será aplicado ao longo dos 30 anos do contrato de concessão.

285
Concessão
No dia 3 de outubro de 2014, o Consórcio Litoral Norte, lide-
rado pela empresa Queiroz Galvão, venceu o leilão de concessão da
Rodovia dos Tamoios e será responsável por administrar a rodovia
nos próximos 30 anos. A concessionária Tamoios assumiu a rodovia
em 18 de abril de 2015, sendo inicialmente responsável por 85,15
km, que incluem os trechos de serra e planalto. Nos próximos anos, a
concessionária assumirá a responsabilidade.

Benefícios das obras e da concessão

• Contribuir para a redução de acidentes por meio do aumento da


segurança para os usuários.
• Agilizar o escoamento da produção, através da otimização da in-
fraestrutura viária para acesso ao Porto de São Sebastião.
• Promover o reordenamento do tráfego da rede viária urbana de
Caraguatatuba e São Sebastião.
• Suportar o desenvolvimento econômico do Litoral Norte paulista e
gerar empregos.
• Melhorar as condições do turismo no Litoral Norte paulista.

Responsabilidades da Concessionária Tamoios

A Concessionária Tamoios é responsável pela administração


da rodovia SP-099 - Rodovia dos Tamoios, o que compreende sua
operação e manutenção, além de suas vias de acesso, que são: SPA
032/099, SPA 33/099, SPA035/099 e SPA 037/099. A Tamoios realiza
a duplicação do trecho de Serra – uma obra grandiosa e de enorme
importância estratégica para o Estado de São Paulo e para o Brasil, que
teve início em 2015 e término previsto para 2020.
No que tange à operação, há vários serviços disponíveis aos
usuários, como os veículos de inspeção de tráfego, os guinchos (leves e
pesados), as ambulâncias, o caminhão pipa e os veículos para remoção
de animais. Para o suporte aos usuários, há o Serviço de Atendimento
ao Usuário, disponível 24 horas por dia, para prestar informações, além
de contar com água e banheiro no local.
A Concessionária Tamoios é responsável pela conservação e
manutenção das estruturas existentes dentro do sistema rodoviário,
que abrangem as faixas de domínio e as instalações complementares.
De forma geral, está no escopo da Concessionária o pavimento das
pistas, as obras de arte (pontes, viadutos, túneis, passarelas), a sinaliza-

286
ção horizontal (pinturas do pavimento), a sinalização vertical (placas),
o paisagismo e a limpeza da rodovia.
Para completar a responsabilidade da Concessionária, todas as
obrigações são relatadas ao Poder Concedente, dando transparência
a suas realizações.

Preservação Ambiental

As melhores práticas de proteção e preservação ambiental


constam no projeto de duplicação da Serra do Mar. Serão programas
importantes para preservar áreas verdes, evitar a contaminação do
solo e manter intactas fontes e cursos de água.
Durante a obra, os relatórios periódicos de cuidados ambien-
tais serão entregues ao Poder Público, de forma a dar transparência às
atividades desenvolvidas na área.
Um plantio compensatório garantirá mudas de espécies nati-
vas em 250 hectares, com quase 420 mil mudas plantadas.
O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e o Plano de
Ação de Emergência (PAE) integram procedimentos preventivos e
corretivos para evitar ou minimizar as probabilidades de ocorrência de
acidentes, agindo para a contenção dos eventuais impactos gerados
na área de influência da rodovia.
Para evitar atropelamentos de animais, estão planejadas
passagens, garantindo a preservação da fauna e a segurança dos
usuários da rodovia.
Para que muitas outras sementes sejam plantadas, ações
educativas levarão o tema ambiental para as comunidades.

Complexo Penal de Ribeirão das Neves, MG: primeira experiência


brasileira de PPP no sistema prisional

Outra área em discussão para a elaboração das Parcerias Pú-


blico Privadas é o atual sistema Penitenciário. Como o Estado encontra
dificuldades em administrar o sistema penitenciário e em garantir os
direitos humanos mais elementares, a proposta de terceirização desse
sistema prisional apareceu como uma das soluções viáveis para a crise
instalada.
As empresas privadas, como a Humanitas Administração
Prisional S/C Ltda., Instituto Nacional de Administração Penitenciária
(INAP), a Companhia Nacional Penitenciária (CONAP), Yumaita Em-
preendimentos e Serviços LTDA, a Reviver Administração Prisional

287
Privada, Montesinos / Sistema de Administração Prisional, Ondresp /
Serviços de Segurança, surgiram com a promessa de reverter o caos
dos presídios, argumentando que a introdução de técnicas de gestão
empresarial no sistema penitenciário permitiria reduzir gastos, melho-
rar a qualidade dos serviços e criar condições para a reabilitação dos
presos por meio do trabalho.
Semelhante ao modelo francês, o modelo puro de PPPs –
desde o projeto arquitetônico até a gestão do presídio – apenas foi
experimentado no Brasil pelo Estado de Minas Gerais. Lá, a implantação
do presídio em Ribeirão das Neves, foi possível após a publicação da
Lei Estadual no 14.868/2003. Referência em PPPs no sistema prisional
na América Latina e reconhecida como um dos 40 (quarenta) melhores
projetos de PPP no mundo, o Complexo Penal de Ribeirão das Neves é
um modelo de vanguarda e deve ser observado com acuidade.
De acordo com dados da própria Secretaria de Estado e De-
senvolvimento Econômico de Minas Gerais, a duração do contrato para
a exploração do complexo penal de Ribeirão das Neves é de 27 anos
com a previsão de investimento privado na ordem de 280 milhões de
reais, para a construção de um complexo prisional de 3.360 vagas. O
modelo pensado prevê a remuneração do ente privado por vaga ocu-
pada, ou seja, faz-se um cálculo de custo por preso, sendo o pagamento
do Estado a única forma de receita do ente privado. Pelo contrato,
o Governo do Estado se compromete a implantar vias de acesso ao
complexo penitenciário, monitorar as atividades desenvolvidas pelo
parceiro privado e garantir a demanda mínima de 90% da capacidade
do complexo penal. Trata-se de uma nova forma de negócio social com
lucratividade e controle governamental.

Considerações finais

Em síntese, a conjuntura, que ensejou o surgimento da ideia de


parcerias público privada no Brasil, pode, então, assim ser sintetizada:
a) gargalos de infraestrutura impeditivas do crescimento;
b) existência de uma série de atividades de relevância coletiva,
muitas delas envolvendo as referidas infraestruturas, não sustentáveis
financeiramente e sem que o Estado tenha condições de financiá-las
sozinho.
É indiscutível que o setor privado tem um papel a desempe-
nhar no aumento da eficiência na provisão dos serviços públicos. As
PPPs são sempre entendidas como uma forma viável de implantar
soluções de infraestrutura que sejam mais eficientes, ou seja, não é

288
apenas o financiamento a principal vantagem percebida ao se ca-
minhar na direção de maior participação do setor privado. Contudo,
há que se considerar as especificidades e o papel que o Estado tem
a cumprir junto à sociedade, assim como um processo permanente
de planejamento integrado à gestão, com mecanismos flexíveis que
possibilitem adequações às oscilações conjunturais em vários setores
da economia e da sociedade. Sob esse aspecto, além dos órgãos re-
guladores e de controle, seria necessário mais um ator nessa parceria,
um bem estruturado Observatório das PPPs, com representação da
sociedade, para monitorar os fatores que são determinantes para se
manter o equilíbrio dos contratos que possibilitem o atingimento dos
objetivos tanto pelo Poder Público como pelo Setor Privado.

289
Capítulo 23
Cidades sustentáveis: a gestão de
recursos sólidos por meio de parceria
público privada pode ser uma saída?
Edson Aparecida Araujo Querido Oliveira
Quésia Postigo Kamimura
Odila Maria Sanches

As cidades estão cada vez mais no centro da escolha por residir


da maior parte da população mundial, o que atualmente significa mais
de quatro bilhões de pessoas. A população urbana do mundo cresceu
rapidamente de 751 milhões em 1950 para 4,2 bilhões em 2018. A Ásia,
apesar de seu nível relativamente mais baixo de urbanização, abriga
54% da população urbana, seguida pela Europa e África com 13% cada.
Projeções da ONU (2018) mostram que a urbanização, combi-
nada com o crescimento global da população mundial, será em torno
90% e corresponderá a aproximadamente 6,7 bilhões de pessoas
residentes em áreas urbanas. No Brasil, a previsão é de que, em 2030,
esse índice chegue a 91,1%, o que corresponderá a 201,3 pessoas
residindo nas cidades (ONU, 2018).
Acrescentam nas projeções que, na dinâmica da ampliação
populacional nas cidades, o mundo contará com aproximadamente
43 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes em regiões em
desenvolvimento. Podemos observar na Figura 1 que as cidades que
mais crescerão serão aquelas com menos de um milhão de habitantes.

Figura 1 – Projeção
da população urbana
brasileira para 2030
Fonte: ONU (2018).

290
A combinação dos modelos de urbanização e de crescimento econô-
mico, adotada há anos pelos países, em especial, os desenvolvidos, e
seguida pelos países em desenvolvimento, denotada por não consi-
derar os aspectos de sustentabilidade no uso dos recursos naturais e
ambientais, coloca em xeque a lógica de funcionamento e de gestão
para o futuro das cidades.
Se de um lado, a concentração da população em cidades pro-
picia “melhor qualidade de vida” (as pessoas têm mais oportunidade de
acessar equipamentos sociais, ambiente limpo e iluminado, vida social,
trabalho, comércio, entre outros), acumula as infraestruturas, os centros
de inovação e serviços expressos na “economia das trocas” (mercado) e
funciona como válvulas propulsoras do “crescimento econômico e do
desenvolvimento econômico”, de outro, também enfrenta os maiores
problemas relacionados aos padrões de consumo das cidades: elevada
geração de resíduos, infraestrutura inadequada, inequidades sociais,
dificuldades nos sistemas de saúde e de segurança (LUNDQVIST, 2007).
As cidades do futuro requerem soluções inovadoras e a ado-
ção de novas práticas em sua governança e em sua infraestrutura de
investimentos, para que seja possível responder essas questões de
maneira apropriada (MITCHELL; CASALEGNO, 2008).
Nesse contexto, o conceito de cidades sustentáveis é aquela
capaz de propiciar um padrão de vida considerado aceitável sem causar
profundos prejuízos ao ecossistema ou aos ciclos biogeoquímicos dos
quais ela depende (MARK ROSELAND, 1997).
A adequada gestão dos resíduos urbanos contempla algu-
mas das principais características de cidades sustentáveis, ao elencar
destino adequado para o lixo, criação de sistemas eficientes voltados
para reciclagem de resíduos, uso de sistema de aterro sanitário para os
não recicláveis e, ainda, a adoção de práticas voltadas para o consumo
consciente da população.
Entre os caminhos para a implementação de cidades sus-
tentáveis, é indicado um rol de medidas a serem adotadas para se
repensar a infraestrutura urbana. Segundo ÖJENDAL e DELLNAS
(2011), é necessário pensar acerca da questão da governança, visto
que implica a relação de interdependência entre o governo e outros
atores não estatais.
Os autores Rego et al. (2013) defendem que, a partir de
uma governança local, tem-se um importante componente para a
tentativa de se viabilizar políticas sustentáveis dentro da sociedade.
Diante do exposto, novas concepções de governança são oportunas
e necessárias.

291
Este capítulo, na temática das cidades sustentáveis, identifica
que a infraestrutura é um fator fundamental para o desenvolvimento
econômico, político e social e que a escassez e o esgotamento de
recursos públicos, diante da crescente demanda, impossibilitam
substancialmente esse desenvolvimento. Isso nos leva a analisar o
eixo Parceria Público-Privada na gestão de resíduos sólidos urbanos
no âmbito municipal.
Portanto, o desafio é uma estruturação institucional e legal
adequada à nova realidade, no ponto em que se refere ao financiamen-
to da prestação de serviços e do reaparelhamento da infraestrutura de
responsabilidade do ente federativo do município, em que a Adminis-
tração Pública não seja a única provedora, mas continue exercendo
sua liderança estratégica, fiscalizadora e regulatória, proporcionando
condições necessárias e promovendo um ambiente propício para o
desenvolvimento dessas parcerias, procurando a complementaridade
de suas ações em prol de ganhos para a sociedade.
Para desenvolver o estudo apresentado neste capítulo, na
abordagem qualitativa, foi realizada uma pesquisa exploratória que
contou com entrevistas semiestruturadas com gestores e técnicos,
pelo critério de acessibilidade, que participaram de experiências na
implantação de PPPs na gestão de resíduos sólidos em seus municípios,
perfazendo um total de sete participantes.
As entrevistas foram transcritas e foi utilizada a técnica de
análise de conteúdo para a coleta de dados.
Ressalta-se que a pesquisa atende aos aspectos éticos, tendo
sido submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da Uni-
versidade de Taubaté: parecer número 1.901.607/2017. Os entrevista-
dos estão identificados por gestores municipais GM1, GM2 e GM3, e
os gestores empresariais por GE1, GE2, GE3 e GE4, respectivamente.
A seguir, são apresentados os resultados do estudo.

Parceria Público Privada aplicada à Gestão de Resíduos


Sólidos Urbanos

De acordo com Sundfeld (2011), no intuito de se compreender


o significado das inovações instituídas com as PPPs e pensar sobre a
aplicação dessa modalidade na administração pública, no tocante
aos resíduos sólidos urbanos, foi necessário que se desenvolvessem
pesquisas sobre as novas soluções internacionais em matéria de con-
tratação pública.
Nessa perspectiva do pensamento sobre PPPs, os entrevista-

292
dos deliberam que em sua visão, com a probabilidade de implantar
a Parceria Público Privada aplicada à Gestão de Resíduos Sólidos,
observa-se as características que são ressaltadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Pensamento sobre PPP


NA %
Investimentos de forma continuada e permanente 7 35
Investimentos em infraestrutura e tecnologia de ponta 4 20
Diluição dos custos em longo prazo 3 15
Viabilidade do Plano Nacional de Resíduos Sólidos 2 10
Participação e compartilhamento da iniciativa privada 2 10
Assumir investimentos necessários antes com restrições legais 1 5
Ampliação e potencialização de investimentos 1 5
Total de impressões 20 100,0
Fonte: Dados da pesquisa. Os autores
Nota: NA = número de vezes que a impressão é mencionada pelos entrevistados

De acordo com Périco e Rebelatto (2005), as PPPs acolhem um


vasto leque de investimentos, suprindo demandas de infraestrutura
em todas as áreas da administração pública, desde a segurança pública
até a gestão de resíduos sólidos. Nesse contexto, de acordo com o
pensamento dos gestores, 35% da probabilidade de implantação de
uma PPP se dá na viabilização dos investimentos de forma continuada
e permanente, como afirma o GM1:

Então, a PPP, que é na verdade uma concessão administrati-


va, viabilizou você a realizar todos os investimentos ao longo
de 30 anos de uma maneira continuada. Isso não traz só os
investimentos iniciais como o reinvestimento [...] Porque na
questão da gestão do resíduo sólido, especificamente falando,
a degradação dos equipamentos é muito alta. Um caminhão
de lixo se acaba em cinco anos (GM1).

E complementa seu pensamento dizendo:

[...] então ela vai sempre sendo necessária, a cada cinco anos,
você faz uma renovação de frota. Isso pra equacionar a ques-
tão de saúde pública e de preservação. Então, essas parcerias
vieram pra viabilizar isso (GM1).

293
Na mesma linha de pensamento da manutenção dos investi-
mentos, para o GE2: [...] “O investimento é importante, mas a perenida-
de do investimento, da manutenção do investimento é crucial” (GE2).
Para GE3, a possibilidade de continuidade dos processos é
a grande segurança na aplicação de PPP na administração pública,
quando afirma que [...] “a modalidade de PPPs traz uma grande possi-
bilidade de, tanto as empresas quanto a própria gestão municipal, que
tenham a segurança na continuidade dos processos” (GE3).
Esses pensamentos reforçam a teoria de Leite (2011), que en-
sina que a modalidade PPP veio suprir a insuficiência do Estado, pois
os investimentos são mais expressivos gerando maiores benefícios
em todas as esferas.
Para os gestores, os investimentos em infraestrutura e tecno-
logia de ponta aparecem em 20% dos pensamentos por ocasião da
implantação de PPP, como condição de viabilizar as necessidades da
população.

De acordo com o GM2:

Justamente é o papel de dar às Prefeituras uma condição


melhor de investimento. Imagina, por exemplo, aqui em Itu, se
tivermos que fazer o refazimento e a modernização de todos os
equipamentos que temos aqui, primeiro, seriam valores, seriam
capitais que não dispomos em hipótese alguma, então você é
obrigado realmente a buscar Parceria Público-Privada, porque
ela tem condições plenas de investir e trazer modernidade pra
cidade... (GM2)

Neste cenário, para o GM3:

É uma das únicas ferramentas disponíveis atualmente para


que os municípios possam atender às exigências legais, as
necessidades da população e dos órgãos fiscalizadores e re-
guladores. A dinâmica e a rapidez que as demandas crescem
em infraestrutura é extremamente significativa, e os municí-
pios não possuem conhecimentos técnicos, administrativo e
jurídico, nem financeiros para suportar tal demanda (GM3).

Acrescenta também que:

[...] Atualmente, por receita própria, é praticamente impossível

294
que os municípios consigam viabilizar investimentos em in-
fraestrutura. Agravada a situação com a inviabilidade jurídica
de prefeituras conseguirem empréstimos, financiamentos, etc.,
por conta de certidões negativas de órgãos de controle finan-
ceiros nacionais e estaduais (GM3).

Com a mesma linha de pensamento dos gestores


municipais, para o GE1:

[...] as Parcerias Público-Privada são a única forma, hoje em


dia, disponíveis pra realmente viabilizar os investimentos em
infraestrutura de gestão municipal. Eu não vejo a capacidade
econômica dos municípios de fazerem esses investimentos, de
arcarem com esses investimentos [...] e no meu entendimento
não seria sequer obrigação dos municípios, utilizar recurso
público, recurso dos cofres públicos pra fazer esse investimento
que vai ficar imobilizado. Porque isso é um serviço público com
interesse econômico, então o modelo de Parceria Público-Pri-
vada indica que deve ser seguida essa modelagem pra atrair
o interesse da iniciativa privada em arcar com esses investi-
mentos com recursos próprios e o município amortizar isso ao
longo do contrato (GE1).

E para o GE2:

A possibilidade de encaixar contratos, que são repetitivos, que


exigem permanente sofisticação ou aprimoramentos tecnoló-
gicos, o melhor caminho é ir para esses contratos tipo PPP, por-
que você vai usar técnicas mais atualizadas, pessoal treinado
[...] Se o contrato é de longo prazo, ele vai fazer o treinamento
adequado... (GE2)

Vê-se na visão dos gestores empresariais supracitados que


estabilidade dos investimentos em longo prazo é uma questão pri-
mordial. Para o GE3, não é diferente, pois afirma que as PPPs:

[...] garantem ao longo prazo uma estabilidade desses serviços


que são albergados [...] possibilitando às empresas investimen-
tos predeterminados, investimentos em tecnologias de ponta,
em novas tecnologias, em uma alta gestão desses negócios
envolvidos em cada PPP (GE3).

295
Conforme o CGP (2008), a otimização do custo e da vida útil,
por meio do modelo DBFOT, é excelente para aprimorar técnicas de
projeto e construção, que provejam a diluição dos custos em longo
prazo e aumente a vida útil dos ativos, o que dificilmente ocorre no
esquema tradicional de gestão pública. O pensamento de alguns en-
trevistados vai ao encontro do aforismo do CGP, pois 15% discorrem
sobre a diluição dos custos, como se observa em suas falas. Nesse
sentido, o GM1 destacou: “Eu acho que elas ajudam a materializar os
investimentos, né? E que podem ser diluídos a longo prazo, que, no
caso de resíduos sólidos, são constantes ao longo do tempo e que vão
de fato ter impacto nas contas municipais…”.
Nesse contexto, o GE3 ressaltou que “por se tratar de custos
elevados, eles têm a possibilidade de uma diluição disso, e a possibi-
lidade que o Poder Púbico tem de manter e de avançar nos controles,
na qualidade desse negócio com a garantia desses contratos a longo
prazo”.
Quanto à viabilidade do Plano Nacional de Resíduos Sólidos,
na esteira das lições de CGP (2008), Deon Sette e Nogueira (2010) e
Leite (2011), de que adianta prescrever os objetivos da Política Nacio-
nal de Resíduos Sólidos em lei, se não indicar instrumentos para a sua
adaptação e implementação. Nesse contexto, o pensamento de GE1
vai ao encontro dessa argumentação, pois ressalta o seguinte:

Essa adaptação demanda uma série de investimentos e uma


série de novas infraestruturas que devem ser disponibilizadas.
Fazendo uma análise geral do País, os municípios não têm
condições econômicas, em muitos casos, não têm condições
técnicas de arcar com esses investimentos [...] e a modelagem
que se faz mais adequada são as Parcerias Público-Privadas
pra justamente fazer esse cumprimento, esse atendimento da
Política Nacional de Resíduos Sólidos (GE1).

Nessa perspectiva de adaptação, recorre-se à afirmação de


Deon Sette e Nogueira (2010) de que o artigo 8o da Lei no 12.305/2010
elenca os instrumentos que possibilitam consolidar a finalidade em
sua função básica.
Conforme o CGP (2008), existem vários casos em que a par-
ticipação e o compartilhamento da iniciativa privada, por meio das
facilidades governamentais praticadas com as PPPs, minimizam os
gastos operacionais do parceiro público, incentivado pela experiência

296
do parceiro privado. Essa via de mão dupla é observada em 10% dos
gestores, como se observa na fala do GM2, quando afirma que:

Com a falta de recursos para investimento nos municípios e


diante das constantes necessidades urbanas, PPP passa a ser
uma alternativa interessante porque, ao mesmo tempo em
que supre as deficiências financeiras, cria possibilidades para
a iniciativa privada na participação e compartilhamento de
projetos importantes para os municípios (GM2).

E complementa:

Para a iniciativa privada, é uma oportunidade de canalizar os


investimentos em ações produtivas diversificadas, colaborando
com os governos além dos investimentos, mas também ofere-
cendo alternativas interessantes para empresas na participa-
ção de projetos especiais (GM2).

Di Pietro (2010), Mello (2010), Sundfeld (2011) e Justen Filho


(2010; 2015), corroboram o pensamento de que a alternativa é cons-
tituir mecanismos para o levantamento das responsabilidades, antes
a critério das estatais, substituindo o modelo de gestão estatal, pelas
concessões, assumindo os investimentos necessários antes com res-
trições legais. Assim, as PPPs passam a se responsabilizar por serviços
que a administração pública não teria condições de arcar. Esse dito é
identificado nas falas de gestores municipais quando ponderam sobre
a PPP, como pode se analisar na fala de GM1 e GM2, a saber: “[...] ela
viabiliza os investimentos que o governo não tem... abrange todos
os serviços que o governo não faz” (GM1); “[...] traz modernidade pra
cá [...] a administração pública não teria capacidade pra isso (GM2)”.
Sundfeld (2011) e Vernalha (2012) asseveram que, para a
esfera privada, a PPP representa uma vasta gama de oportunidades
de negócios, as quais muitas vezes são restritas anteriormente à
governança pública. Assim, a mudança de atividade decisória, e não
simplesmente administrativa, acomoda as mesmas características e os
mesmos efeitos das atividades estatais (MEDAUAR, 2010).
Para o CGP (2008) e Leite (2011), para as PPPs, ampliação e poten-
cialização de investimentos representam uma oportunidade de se desfrutar
de serviços públicos mais bem estruturados e coordenados, sobretudo pelo
fato de que indicadores de desempenho monitorarão todo o processo
de concessão. GM2 compartilha este axioma, pois afirma que:

297
A Parceria Público-Privada vem auxiliar as prefeituras na am-
pliação das possibilidades de investimentos, porque compar-
tilha com a iniciativa privada recursos que muitas vezes esta
não tem (GM2).

Além do entendimento das PPPs como um potencial incre-


mento na prestação de serviços, os gestores ponderam sobre o com-
portamento da população diante da quebra de paradigmas, no que
se refere à disposição de muitos nas mudanças de hábitos.

Considerações finais

A adequada gestão de resíduos implica diretamente reduzir a


quantidade de lixo produzido, diminuindo, a quantidade de plásticos e
embalagens não biodegradáveis de seus produtos, reutilizar materiais,
tornando-os disponíveis novamente dentro do ciclo produtivo, como
embalagens e, por fim, desenvolver novos sistemas voltados ao rea-
proveitamento de certos resíduos, como entradas em novos sistemas
produtivos, contribui para a implementação de cidades sustentáveis.
Constatou-se, assim, que, apesar de existir um norte legal
a inspirar as possíveis PPPs, tal fórmula não abriga todos os casos,
pois são deveras amplas as possibilidades que se apresentam para
os campos em que podem ser aplicadas, demonstrando-se, de forma
sumária, que se trata de uma nova estratégia que as esferas governa-
mentais vêm adotando para enfrentar os desafios, a fim de melhorar
as condições de infraestrutura, satisfazendo a crescente demanda dos
serviços públicos no tocante à descentralização dos empreendimentos
que requerem altos investimentos, conduzindo-os à necessidade das
parcerias com o setor privado, que se mostra como uma alternativa
para a administração pública dar andamento a projetos importantes
para a sociedade. No entanto, ao longo do tempo, houve dificuldade
de saírem do papel e se transformarem em realidade devido à não
disponibilidade de recursos ou por prioridade diante de outras ca-
rências sociais e políticas.
As PPPs não devem ser concebidas como única alternativa
para o aprovisionamento de infraestrutura e serviços públicos, deven-
do ser utilizadas quando demonstrar valor agregado em relação ao
financiamento público convencional, visto que não se deve conferir
à parceria a provisão de todos os investimentos de que o município
precisa para seu desenvolvimento.

298
Tanto nos aspectos administrativos quanto nos financeiros,
nos termos da legislação de regência, em todas as etapas do respectivo
trabalho de coleta, findado com a devida reciclagem dos resíduos sóli-
dos recolhidos, adviriam reflexos positivos à sociedade municipal, em
conformidade, inclusive, com os princípios entabulados no artigo 37,
da Constituição Federal, destacando-se, sobremaneira, o da eficiência
dos serviços públicos.
Em tempo, ao se afirmar que o que se almeja com as PPPs é
aliar a eficiência do setor privado com a satisfação do interesse público,
há que se evitar que a parceria se foque unicamente em contornar
as restrições orçamentárias e administrativas, por meio de regimes
contratuais e mecanismos pouco transparentes.

Referências

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especiais: eliminação e valorização. Rio de Janeiro: Associação
Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2001.
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Janeiro: 2008. Disponível em: http://download.rj.gov.br/documen-
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TAVARES, A. R. Direito Constitucional Econômico. São Paulo:
Método, 2003.

300
Capítulo 24
Bancos públicos e os investimentos em
projetos de cidades inteligentes: o papel
do Programa de Parcerias de um banco
público

Andre Oliveira de Araujo


Jonatas Mendonça dos Santos

Conforme mencionado nos capítulos anteriores, já é pos-


sível afirmar que o desenvolvimento tecnológico nas cidades é um
movimento inevitável, na medida em que tecnologias avançam na
promoção de soluções para a organização de ambientes complexos,
como as aglomerações urbanas. Nos últimos anos, os investimentos
financeiros em projetos Smart Cities têm sido apresentados como
soluções para os problemas de gestão das cidades em todo o mun-
do. Sejam quais forem os desafios e seus setores, como mobilidade,
iluminação pública, segurança pública, poluição, energia, governança
e transparência, atualmente, já há tecnologias disponíveis para trazer
inovações e respostas para os gestores públicos municipais.
O conceito de Smart City é introduzido como um mecanismo
sofisticado de soluções para problemas sociais, políticos, econômicos e
ambientais das cidades, no início do século XXI. A discussão apareceu
com força também no campo das grandes organizações privadas de
tecnologia, como IBM, CISCO, Siemens, HP, Microsoft, entre outras.
As tecnologias da informação tornam-se objeto de reflexão sobre as
aplicações relacionadas à operação de infraestruturas de transporte,
energia elétrica, segurança pública e prédios inteligentes, setores que
tangenciam as propostas de cidades inteligentes. Dos laboratórios das
empresas de tecnologias, surgem, então, as primeiras ideias centradas
na expressão Smart Cities.
Como bem ensina Vitor Amuri em sua obra Parcerias Público
-Privadas para Smart Cities (2017), “o emprego de inteligência no aten-
dimento às demandas sociais, dentro do conceito e lógica de Cidade
Inteligente, é, inevitavelmente, associado à utilização de tecnologia”.
Mais especificamente, de recursos de Tecnologia da Informação e

301
Comunicação (TIC), notadamente Big Data e Internet das Coisas (IoT).
Embora o conceito tenha nascido de forma aberta e difusa,
suas distintas acepções tentam compreender o que é essa nova to-
pologia técnica e informacional na organização da vida nas cidades.
Apesar de não haver consenso sobre quais são os temas que compõem
ou legitimam uma cidade como Smart City, é notório que o uso de
inovações tecnológicas é um de seus elementos fundamentais, sobre-
tudo diante de um contexto de hiperurbanização em escala global.
De acordo com as projeções mais recentes da ONU, a popu-
lação urbana alcançará cerca de 6,5 bilhões de pessoas até 2050. Na
medida em que as metrópoles se multiplicam, crescem também os
desafios para a gestão desses ambientes num momento de manifesta-
ções por mais liberdades individuais, melhores condições de trabalho,
participação social e distribuição de recursos, o que pressionará os
gestores públicos, dadas as complexidades desses espaços. Com isso,
consequentemente, os municípios carecem de recursos para financiar
projetos, obras e sistemas de organização.
A realidade das grandes cidades brasileiras não é muito dife-
rente. O País conta com duas metrópoles com mais de 10 milhões de
habitantes: São Paulo e Rio de Janeiro. Adicionadas às duas grandes
metrópoles, o Brasil abrange outros 15 municípios com mais de 1
milhão de habitantes, 25 municípios com mais de 500 mil habitantes
e outros 300 municípios com mais de 100 mil habitantes, de acordo
com o levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Muitos desses municípios estão organizados em 27
regiões metropolitanas nas quais, mesmo em situação de contiguidade
e conurbação, assumem individualmente a organização de todos os
setores intraurbanos.
O pacto federativo nacional, que instituiu a divisão de respon-
sabilidades em três níveis – União, Estados e Municípios –, determina,
portanto, que os municípios façam a gestão de sistemas complexos,
como mobilidade, saneamento básico e distribuição de água, resíduos
sólidos e iluminação pública. Isso se traduz num desafio de alta enver-
gadura para os gestores públicos municipais, consideradas as dificul-
dades de se obter e gerenciar as informações de forma setorizada, de
distribuir o orçamento para suas diversas áreas e, por fim, de realizar os
investimentos em projetos de infraestrutura e desenvolvimento urbano.
As dificuldades das prefeituras em planejar e executar os
investimentos em seus municípios podem ser avaliadas em três prin-
cipais eixos: dificuldades de consorciamento de atividades com outros
municípios, carimbo constitucional da utilização de recursos e acesso

302
a financiamento e crédito para investimentos em infraestrutura.
As fontes atuais de financiamento da política urbana são limita-
das, especialmente para os municípios pequenos, menos capazes de criar
receita própria. A dependência das transferências constitucionais, com
parte das arrecadações estaduais e federais distribuídas para os municí-
pios, e dos impostos, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU),
Imposto sobre Serviços (ISS) e Imposto sobre Transmissão de Bens Inter-
vivos (ITBI), aliada às limitações dos modelos de contratações, refletem as
limitações que os gestores públicos enfrentam para fazer investimentos
em parceria com empresas ou consórcio de empresas privadas.

Situação dos investimentos em infraestrutura no Brasil

De modo geral, os investimentos públicos em proporção ao


Produto Interno Bruto (PIB) vêm decaindo desde a década de 1970,
quando atingiu o pico de 10,5% do PIB. Mesmo considerando o mo-
mento de crescimento entre 2003 e 2012, ano em que atingiu 4,8%
do PIB, em geral, os investimentos não acompanharam a tendência
de outros países em desenvolvimento. Quando analisados os investi-
mentos em infraestrutura, as projeções mais atuais e o histórico dos
últimos anos no Brasil indicam um cenário menos favorável. Depois de
um curto período de crescimento dos investimentos, a partir do início
da década de 2010, a proporção de aplicação dos recursos vem caindo,
chegando ao menor patamar da história em 2017, com apenas 1,4%
do PIB investido em infraestrutura. Em comparação com os membros
do BRICS, o Brasil é o que tem investido menos recursos, mesmo sendo
o País com o maior gap nesse setor.
Um estudo da consultoria britânica KPMG indica que o Brasil
precisaria investir cerca de 9 trilhões de reais nos próximos 20 anos
para recuperar e nivelar os investimentos com países em desenvolvi-
mento, como China, Índia e África do Sul. No diagnóstico elaborado,
a proposta é subir os investimentos anuais para aproximadamente
6,5% do PIB em 2038.
A queda dos investimentos é condicionada por diversos
fatores, entre os quais, podemos destacar instabilidade no cenário
político, crise econômica, dificuldade de acesso ao crédito e mercado
de capitais pouco desenvolvido. Se os investimentos em equipamen-
tos urbanos, tecnologia e projetos de Smart Cities são considerados
dentro do escopo de infraestrutura, como pensar num cenário para
viabilizar um novo ciclo de investimentos capaz de financiar os setores
público e privado?

303
São diversos os dispositivos que podem ser acionados para
ajudar a viabilizar o mercado de projetos e crédito para infraestrutu-
ra. O governo federal, por meio da Lei no 13.334 de 2016, instituiu o
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), com intuito de mediar a
comunicação entre o setor público e o setor privado, a fim de viabilizar
um novo ciclo de investimentos em infraestruturas. Embora exitosa
na construção de muitos projetos, diante da magnitude das necessi-
dades do País e de sua limitada capacidade operacional, trata-se de
uma estrutura insuficiente para atuar em todos os setores carentes de
investimentos, bem como atender à demanda dos entes públicos por
apoio técnico e articulação de financiamento.
Nas economias em desenvolvimento, o setor de infraestrutura
tem sido amparado pelo Estado. Os bancos públicos, quando atuam
para estímulo do desenvolvimento econômico e das políticas públicas,
apresentam-se como catalisadores da oferta de financiamento para gran-
des projetos de investimento em infraestrutura. Muitas vezes atuam em
consórcio e disponibilizam fontes de recursos, linhas de financiamento
próprias ou serviços para atuar como administradores de fundos públicos.
Nesses casos, eles contribuem, na prática, com o compartilhamento de
risco ou mesmo na sua mitigação, por meio de garantias, por exemplo.
Em agosto de 2017, as instituições financeiras públicas foram
responsáveis por 26,2% de crédito sobre o valor nominal do PIB bra-
sileiro, de acordo com dados do Banco Central do Brasil (BCB). Quan-
do segregado o crédito para o setor de infraestrutura, esse volume
chega a 90%. Os principais bancos públicos que operam no crédito
para investimento em infraestrutura no Brasil são: o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil
(BB) e a Caixa Econômica Federal (CAIXA), mas há também bancos
que operam de forma regional como o Banco de Desenvolvimento
de Minas Gerais (BDMG), o Banco Regional de Desenvolvimento do
Extremo Sul (BRDE), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), a Agência de
Fomento Paulista (InvesteSP) e o Banco da Amazônia (BASA).
Atualmente, o BNDES é o banco com a maior carteira de cré-
dito para o setor de infraestrutura. Em seu portfólio, concentra-se o
crédito para os setores elétrico, rodoviário, aeroportuário e transporte
sobre trilhos. Do mesmo modo, estruturando operações de grande
porte, a CAIXA também atua no setor de energia, além de grandes
obras de infraestrutura urbana, especialmente nos setores de habi-
tação, de mobilidade urbana e de saneamento, enquanto o Banco
do Brasil, por sua vez, concentrou-se nos projetos de grande volume
para o setor agrícola.

304
Papel dos bancos públicos na estruturação de projetos e
a atuação da CAIXA

Falar em cidades inteligentes é pensar, em alguns momentos,


nas mudanças na própria estrutura produtiva das cidades e no seu
financiamento, especialmente no fomento dos setores de tecnologia
avançada, seja qual for o projeto desejado pelo gestor público. São,
entretanto, setores que apresentam grande risco em sua fase de
implantação e, por esse motivo, são mais dependentes ao estímulo
gerado pela atuação do banco público. Considerando projetos de
cidades inteligentes como um passo necessário no desenvolvimento
de infraestruturas, quais devem ser os papéis dos bancos públicos
no mercado de projetos e em investimentos dessa natureza e o que
podem fazer para destravar o setor?
A participação dos bancos públicos em projetos de grande
envergadura tem sido calcada pelos critérios de isenção diante dos
interesses que entrecruzam as negociações entre setor público, privado
e as necessidades da população. Recentemente, os maiores bancos
públicos têm se preparado para apoiar a estruturação de projetos, seja
apresentando novas linhas de crédito para financiar a execução de
obras em contextos de grandes projetos seja introduzindo produtos
de assessoramento aos entes públicos que queiram elaborar projetos
de concessão ou PPP.
A opção de prestação dos serviços públicos por meio de
concessões e PPP mostra-se bastante aderente aos investimentos
em cidades inteligentes. Sob esse aspecto também os bancos públi-
cos podem auxiliar e fomentar os investimentos. Iniciativas como o
serviço de Assessoramento Técnico CAIXA oferecem alternativas aos
entes públicos para que a estruturação de uma concessão ou PPP
seja realizada com a qualidade necessária, além de conferir equidade
e transparência ao processo. Além disso, o mercado reage com mais
confiança a projetos estruturados com o lastro de um banco público,
o que contribui para um aumento na atratividade do projeto e na
probabilidade de sucesso do processo licitatório da concessão ou PPP.
Por essas razões, e dadas as complexidades operacionais que
envolvem um projeto de Concessão ou PPP, o modelo de atuação dos
banco públicos funciona estrategicamente como um complemento às
ações do governo federal, justamente por viabilizar, gerenciar e qua-
lificar os projetos, ampliando a boa aplicação dos recursos públicos.
Nos últimos anos, diante da escassez de recursos financeiros em razão
da crise econômica que se abateu sobre o País, o banco tem projetado

305
sua atuação para ajudar os entes públicos da federação a atrair o setor
privado para estruturação de projetos de Concessão e PPP.

Programa de Parcerias CAIXA

Para oferecer um atendimento específico e objetivo, o banco


criou o Programa de Parcerias CAIXA, que se estabelece primordial-
mente pela prestação de serviços técnicos especializados nas áreas
de engenharia, socioambiental, jurídica e econômico-financeira com
vistas a assessorar tecnicamente entes públicos na modelagem e
estruturação de projetos de Concessões e Parcerias Público-Privadas.
É sabido que existe uma alta taxa de mortalidade dos proje-
tos de Concessão e PPP no Brasil, que não alcançam sucesso devido
a diversos fatores, entre eles, a realização insatisfatória dos estudos e
modelagem. Diante disso, entendeu-se que existe a necessidade de se
elaborar bons estudos, partindo de investigações técnicas confiáveis
e suficientes que permitam a correta tomada de decisão a respeito do
prosseguimento daqueles projetos.
O Programa de Parcerias CAIXA consiste em duas fases de
aproximação junto aos entes públicos. Na primeira fase, chamada de
Assistência Técnica, os entes recebem apoio técnico e operacional para
investigar as possibilidades de realização de projetos de concessão e
PPP, analisando a viabilidade fiscal do município, a estrutura jurídica,
sua capacidade operacional, entre outros aspectos mais gerais. O que
se busca é criar condições institucionais mínimas para a realização de
contratos dessa natureza. Trata-se de um trabalho já prestado pelo
banco em outras atividades junto aos governos municipais e estaduais.
Concluído o trabalho inicial, e tendo o ente interesse em
elaborar um projeto de concessão ou PPP, a CAIXA oferece a segunda
fase, chamada de Assessoramento Técnico. Por meio de um contrato
de prestação de serviços, o município contrata a CAIXA para realizar o
Assessoramento Técnico necessário para estruturação e modelagem
dos projetos. Esse serviço contempla a realização das atividades neces-
sárias para a licitação do objeto da concessão, desde o assessoramento
para o desenvolvimento dos estudos técnicos, até o apoio às atividades
adicionais, como interlocução com os órgãos de controle e apoio na
estratégia de comunicação.
Em linhas gerais, o Assessoramento CAIXA é constituído por
quatro etapas, sendo executadas da seguinte forma:

Primeira Etapa – Elaboração dos Estudos Preliminares

306
Segunda Etapa – Execução dos Estudos de Viabilidade Técnica, Eco-
nômica e Ambiental (EVTEA);
Terceira Etapa – Consulta, Audiência Pública e Análise de Órgãos de
Controle Externos;
Quarta Etapa – Licitação e Contratação.

Cada etapa possui uma gama de atividades específicas, des-


critas de modo sintético no diagrama da Figura 1:

Figura 1. Diagrama das fases de estruturação do projeto de concessão e PPP

Cada etapa apresenta interdependência entre si, mas somente


depois da conclusão de cada uma delas, é que se avança à etapa se-
guinte. Ao final da Segunda Etapa, as minutas do edital e do contrato
devem estar prontas e consolidando todas as informações relevantes
da Concessão ou PPP, tais quais: duração e valor do contrato, modalida-
de da concessão, estruturas de garantias, mecanismos de pagamento,
condições para eventuais reequilíbrios econômico-financeiros, matriz
de alocação de riscos, plano de seguros, entre outros elementos es-
truturantes de contrato.
Para que os serviços técnicos sejam executados com precisão,
ainda no âmbito do Programa de Parcerias, é fundamental que sejam
feitos investimentos na capacitação técnica interna dos profissionais
vinculados a esses projetos. Está em curso um processo de capacita-
ção da equipe que atua na unidade de matriz, especialmente pela
obtenção da certificação internacional - Certified Professional in Public
Private Partnerships - CP3P.

307
A APMG International conta com um programa de certifica-
ção internacional em parcerias público-privadas, denominado APMG
Public-Private Partnerships Certification Program, promovido pelos
principais institutos de fomento às PPP em nível mundial, sendo eles:
Asian Development Bank – ABD, European Bank for Reconstruction
and Development – EBRD, Inter-American Development Bank – IDB,
Islamic Development Bank – IsDB, Multilateral Investment Fund – MIF,
World Bank Group – WBG e cofinanciado pelo Public-Private Infras-
tructure Advisory Facility – PPIAF. O objetivo é fomentar e nivelar o
conhecimento global sobre o tema PPP. A certificação é reconhecida
mundialmente e tem como credencial a notação CP3P, que reconhece
o profissional como disseminador das boas práticas internacionais
relacionadas à estruturação e modelagem de PPP.

Iniciativas do Programa de Parcerias CAIXA

Por iniciativa do Governo Federal foi editada a Medida Pro-


visória no 786, de 2017, e em seguida promulgada a Lei Federal no
13.529, de 2017, que dispôs sobre a participação da União em Fundo
de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de conces-
sões e parcerias público-privadas, designando a CAIXA como o agente
administrador do Fundo, conforme disposto no Decreto Federal no
9.217, de 2017. Criou-se, assim, o Fundo de Estruturação de Projetos
CAIXA – FEP CAIXA.
Essa ação faz parte de um programa de investimentos em
infraestrutura conduzido pela Secretaria de Desenvolvimento da
Infraestrutura (SDI), que prevê ainda ações como o desenvolvimento
da capacitação técnica, simplificação legislativa, regulamentação,
sistemas de garantias e seguros, padronização de documentos, entre
outras.
Conforme se depreende da Lei, o Fundo prevê a autorização
para que a União participe financeiramente em até um limite de R$
180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de reais). Por ser um fundo
com participação em regime de cotas, é possível a participação de
pessoas jurídicas de direito público e pessoas físicas ou jurídicas de
direito privado, estatais ou não estatais. Além de ser possível a par-
ticipação por meio de doações de estados estrangeiros, organismos
internacionais e multilaterais.
É notória a dificuldade percebida atualmente no País, mais
especificamente nos entes subnacionais, em se contratar e elaborar
bons projetos de Concessões e PPP. Diversos são os motivos para esse

308
cenário. Citamos alguns: limitações financeiras para contratações de
consultorias especializadas, procedimentos licitatórios não adequados
à contratação de consultorias, limitação nos quadros técnicos dos
entes em função do alto custo de se manter profissionais qualificados
na administração, entre outros.
Nesse sentido, o que se percebe é o uso indiscriminado do
instrumento de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI),
instituto por meio do qual a administração pública se utiliza da exper-
tise e do conhecimento do setor privado para elaboração dos estudos
técnicos a partir de uma autorização específica dada aos consultores
para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura. Ocorre que
esse modelo tem se mostrado inadequado, se considerarmos o alto
índice de insucessos para se obter um contrato assinado. Segundo
últimos dados apontados pela empresa RadarPPP, menos de 10% das
iniciativas de projetos anunciadas chegam efetivamente a ter seus
contratos assinados. Qual o custo de transação percebido nesse caso
para governos e empresas de consultoria?
O FEP CAIXA inaugura mais um modelo de desenvolvimento
de bons projetos de infraestrutura. Diferentemente do anterior, no
modelo FEP CAIXA, a consultoria ou consórcio de consultorias de-
senvolverá os estudos técnicos e será ressarcido dos seus custos na
medida em que a modelagem atingir marcos preestabelecidos em
contrato. Desse modo, evita-se, assim, um importante risco percebido
no modelo PMI, no qual os consultores teriam que desenvolver todos
os estudos sem a certeza do ressarcimento dos seus custos, conforme
prevê o artigo 21 da Lei Federal de Concessões no 8.987, de 1995.
Em paralelo aos trabalhos das consultorias contratadas, a
equipe do banco, na figura de uma terceira parte, prestará o serviço
de Assessoramento Técnico ao ente público. O objetivo principal é
garantir que a equipe técnica responsável pela condução dos trabalhos
no município ou estado participe e capture conhecimento ao longo
do processo de estruturação e modelagem dos projetos. Conhecida
a complexidade envolvida e o caráter multidisciplinar na análise de
projetos de PPP, especialmente nas áreas de Engenharia e Arquitetura,
Jurídica, Socioambiental e Econômico-financeira, a CAIXA pode contri-
buir considerando que possui em seu quadro profissionais qualificados
nessas áreas de conhecimento
A comunicação social, que se mostra como um ponto críti-
co na estruturação dos projetos de Concessões e PPP, é vista como
estratégica dentro do Programa de Parcerias CAIXA. Essa ação tem
o potencial de identificar e diagnosticar possíveis riscos inerentes à

309
estruturação dos projetos. Por meio de market sounding e de pesqui-
sas de identificação e diagnóstico junto aos principais stakeholders,
é possível se estruturar um plano para abordagem e mitigação dos
riscos. Para isso, prevê-se o desenvolvimento e a implementação do
Plano de Comunicação do projeto. Essa abordagem é importante tanto
para se identificar o interesse do mercado no projeto, como para se
avaliar o comportamento da sociedade com relação ao projeto que
se pretende implementar.
Outro ponto a ser observado é quanto à financiabilidade dos
projetos, ou o termo em inglês bankability, que consiste avaliar se o
contrato de concessão ou PPP contém cláusulas e condições sufi-
cientemente elaboradas de modo que dê segurança aos bancos na
concessão de créditos aos futuros concessionários que implementarão
os projetos. Esse ponto é crucial para se garantir a atratividade do
setor privado, por se saber que projetos dessa natureza são altamen-
te alavancados. Nesse aspecto, os banco públicos podem contribuir
significativamente, considerando que atualmente são os principais
financiadores de longo prazo desses contratos.
Do lado do desenvolvimento técnico das equipes da admi-
nistração, é necessário que se promova uma quebra de paradigma
no comportamento hoje observado em praticamente toda a ad-
ministração pública, isto é, até pouco tempo, os investimentos em
infraestrutura, em sua grande maioria, eram implementados por
meio das contratações tradicionais via Lei Federal no 8.666, de 1993.
O modelo de contratação de serviços, proposto pelas Leis no 8.987,
de 1995 (Concessões), e no 11.079, de 2004 (PPP), remete a uma nova
forma de se executar os projetos de infraestrutura. O que se propõe
é um novo olhar sobre as atribuições dos administradores na gestão
destes contratos.
O papel da administração passa a ser o de planejar, regular e
fiscalizar os serviços prestados, avaliando primariamente a qualidade
dos serviços prestados e fazendo a gestão técnica e financeira do
contrato. Há um foco maior nos resultados que se almejam alcançar,
incentivando o setor privado a apresentar soluções inovadoras para a
definição de meios mais eficientes para se atingir os resultados. Essa
quebra de paradigma é fundamental para o acompanhamento dos
contratos ao longo dos anos de operação e gestão dos ativos.
Organismos e agências internacionais têm demonstrado gran-
de interesse em fomentar os investimentos em infraestrutura no Brasil,
por meio de recursos para financiamento de obras, para capacitação
técnica ou para estruturação e modelagem de projetos. A experiência

310
adquirida por essas instituições ao longo dos anos tende a impulsionar
de maneira significativa a qualidade dos projetos estruturados no País.
Estuda-se os melhores arranjos e mecanismos de participação
daquelas instituições no desenvolvimento dos projetos, baseado no
cofinanciamento dos custos de estruturação e no compartilhamento
dos riscos de completion dos estudos.
Entre os organismos multilaterais que demonstram interesse
no brasil, pode-se destacar o World Bank Group (WBG), que tem um
amplo histórico de sucesso no apoio a investimentos nessa área e é um
importante parceiro para dar a segurança e a qualidade necessárias
para os projetos.
Em 2016, foi publicado, pelo WBG, o estudo técnico intitulado
“Iluminando Cidades Brasileiras”, que teve como objetivo principal
identificar modelos de negócio e financiamento que, considerando
o ambiente institucional e as características do mercado, permitam
a execução de projetos de modernização sustentáveis do parque de
iluminação pública, com benefícios para prefeituras, cidadãos e meio
ambiente, e com a maior celeridade possível. O estudo demonstrou
um potencial da ordem de R$ 30 bilhões em investimentos diretos no
setor de Iluminação Pública no Brasil, além de criar uma estrutura de
clusters que definiu a melhor abordagem para grupos de municípios
em função das características físicas e financeiras.
Como é sabido, os projetos de iluminação pública são consi-
derados um dos principais pontos de partida para o desenvolvimento
das Smart Cities. Com aproximadamente 16 milhões de pontos de
iluminação pública no Brasil, o terreno para a realização desses in-
vestimentos é enorme. A implantação de tecnologias associadas ao
parque luminotécnico do município permite adicionar tecnologias que
poderão ser aproveitadas para a inclusão de serviços inteligentes e suas
receitas associadas. Podem ser agregados ao sistema de iluminação
inteligente desde a instalação de câmeras de vigilância, distribuição
de sinal de wi-fi, sensores para medição de poluição, incêndios e va-
zamento de gás, redes de Smart Grid para distribuição inteligente de
energia, controle do sistema de tráfego e estacionamento, entre outros
serviços importantes para a organização das cidades.
Considerando a necessidade de se realizar investimentos de
grande porte em setores de infraestrutura, em especial, os que estão
inseridos no contexto urbano das cidades, a importância dos bancos
públicos em participar desse processo se sobressai. Além de mobilizar
o diálogo entre os setores público e privado, as cidades inteligentes
são instrumentos fundamentais para organização, controle, eficiência

311
e sustentabilidade dos recursos, que são práticas condicionantes para
o bom desenvolvimento das economias no século XXI.
Nesse contexto, e considerando a necessidade de se apontar
caminhos para o desenvolvimento do Brasil, geração de emprego e
renda, e melhoria da qualidade de vida da população, os banco públi-
cos apresentam-se como protagonistas no processo de investimentos
em infraestrutura. Considerada a abrangência de atuação, além das
práticas mencionadas neste capítulo, os bancos públicos viabilizam
com responsabilidade e isenção as Concessões de PPP, com atuação
na melhoria da qualidade dos projetos e oferta de linhas específicas
de financiamento para investimentos em infraestrutura, permitindo
o avanço das cidades inteligentes.

Referências

ANTUNES, Vitor Amuri. Parcerias-Público-Privadas para Smart Cities.


2. ed. São Paulo: Lumen Juris Direito, 2017.
HOLLANDS, Robert G. Will the real smart city please stand up? City,
12:3, 303-320, 2008. Disponível em: http://www.tandfonline.com/
doi/full/10.1080/13604810802479126.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Classificação e
caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma
primeira aproximação. IBGE, Coordenação de Geografia, Rio de
Janeiro, 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visua-
lizacao /livros/liv100643.pdf.
KUNZMANN, Klaus R. Smart Cities: a new paradigma of urban devel-
opment. CRIOS, n. 1/2014, pp. 9-20. Disponível em: https://www.
rivisteweb.it/doi/10.7373/77140. Acesso em 3 ago. 2017.
UNITED NATIONS. World Population Prospects: The 2017 revision.
General Assembly, UN, New York, 2017. Disponível em: https://esa.
un.org/unpd/wpp/publications/Files/ WPP2017_KeyFindings.
pdf.
VANOLO, Alberto. Smartmentality: The smart city as disciplinary strat-
egy. Urban Studies, vol. 51, Issue 5, p. 883-898, 2013.

312
Visão de Futuro: um caminho para as
Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e
Sustentáveis

André Gomyde
Presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas
e Sustentáveis

As Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis


(CHICS) são o caminho para o futuro. O mundo vive uma nova onda
de seu desenvolvimento econômico e os paradigmas estão mudando
rapidamente. O modelo de grandes empresas transnacionais e de
grandes nações que comandam os destinos do planeta está esgotado,
e o modelo que privilegia as vocações locais, nas cidades, começa a
tomar o seu lugar.
No Fórum Econômico de Davos do ano de 2016, até mesmo
o Papa Francisco deu esse recado, quando reuniu 400 prefeitos de
várias partes do mundo, depois da realização do Fórum. Naquela
oportunidade, disse: a solução está nas cidades.
De certo é que ninguém mora no País ou no Estado. As pes-
soas moram, trabalham, estudam, divertem-se nas cidades. É ali que
pagam seus impostos e é ali que podem interferir nos seus destinos.
O problema é que, embora isso também seja verdade no Brasil, por
aqui a lógica é invertida. E não funciona.
Resultado do nosso modelo é que pouco mais de 80% da arreca-
dação de tributos é destinada aos Estados e à União, enquanto menos de
20% se destina aos municípios. Esse modelo faz com que o País privilegie
projetos nacionais, em detrimento de projetos locais. O problema é que
em um país com as dimensões do Brasil, projetos nacionais tendem a não
funcionar. Características de uma cidade na região Norte são completa-
mente diferentes das características de uma cidade na região Sul.
Evidentemente, seria muito melhor para o desenvolvimento
do Brasil se a maior parte dos recursos arrecadados ficasse nos muni-
cípios, para que suas populações, localmente, decidissem sua melhor
aplicação. Para isso, é fundamental que haja um enxugamento da
máquina pública, o que não parece ser algo que esteja no horizonte
próximo da lógica brasileira de funcionamento do setor público.

313
Uma gestão pública fortalecida nas cidades é fundamental
para que o Brasil saia do atoleiro no qual se encontra, porque com o
fortalecimento das vocações locais, com as cidades se transformando
em CHICS, portanto, cuidando dos seus cidadãos e conectando-se com
o resto do mundo, conseguir-se-á ter acesso a mercados em todo o
planeta, cujo volume de negócios anuais supera US$ 1,3 trilhão.
Outro fator que fortalece o caminho do desenvolvimento
pelas CHICS é a conjuntura econômica mundial. Fazendo uma rápida
lembrança daquilo que escreveu Alvin Tofler, o mundo passou por três
grandes ondas econômicas. A primeira foi a onda da agricultura. Até
aquele momento, o homem era nômade e vivia andando por aí, atrás
de alimentos e abrigo. Quando descobriu o plantio, o homem se fixou
à terra e começaram a surgir as primeiras comunidades, que depois
geraram as primeiras cidades. As famílias começaram a ser formadas
e se constituíram como grandes famílias, pois era necessária uma
quantidade grande de pessoas para ajudar na plantação.
Muito tempo depois, foi alterada, na Inglaterra do século XIX,
toda a lógica da economia mundial com a segunda onda, que surgiu
com o advento da Revolução Industrial. Naquele período, começaram
a surgir as primeiras organizações de trabalhadores, que futuramente
deu forma aos sindicatos. Também naquela época, iniciou-se a redução
do tamanho das famílias, pois começou a ficar caro sustentar muita
gente.
Iniciada em meados do século XX, a terceira onda causou um
novo grande impacto em todo o planeta. Conhecida como revolução
tecnológica, nela o mundo se integrou e se conectou, com a invenção
da internet e com a globalização. Tudo começou a mudar em nossas
vidas, de maneira muito mais rápida como jamais visto, e as famílias
se tornaram espécies já não mais conhecidas com um mesmo padrão.
Hoje, temos famílias pequenas, famílias grandes, homens que
vivem solteiros, mulheres que vivem solteiras, pessoas que casam e
não têm filhos, pessoas que casam e se separam, filhos que moram
somente com o pai, filhos que moram somente com a mãe, filhos que
moram com os avós, homem que casa com homem, mulher que casa
com mulher, enfim, uma variedade enorme de possibilidades que cria
uma diversidade tão grande na sociedade que fazer política pública
hoje em dia se tornou algo extremamente complicado. Como atuar
e atender a uma gama tão grande de necessidades tão diversas? A
solução está nas CHICS.
Desde o final do século XX até nossos dias, iniciou-se a quarta
onda econômica e deu-se início à chamada era digital, com a robótica,

314
a nanotecnologia, a biotecnologia, a indústria 4.0, as cidades 2.0, a
internet das coisas (IoT), e as mudanças são tão mais rápidas que já
assustam a todos, pois não sabemos como será o futuro próximo. A
máquina substituirá o homem? Como ficará o trabalho? E as famílias,
como serão? Estima-se que mais de 60% dos trabalhos que existirão no
ano de 2030 ainda não foram criados. Como preparar nossas crianças
para isso?
O ano de 2018 foi palco de mais um Fórum Econômico em
Davos, no qual o tema do futuro do trabalho foi amplamente debatido,
tendo se tornado um dos principais assuntos presentes em todas as
rodas de conversas e em todos os painéis de discussão. A preocupa-
ção com a possibilidade de a máquina acabar com o trabalho como o
conhecemos e o desconhecimento do que virá no lugar, colocam-se
como mais um fator a ser considerado no caminhar das CHICS. Para
isso, é importante que se faça uma breve análise também sobre o
futuro do trabalho.
Olhando a maneira acelerada como a revolução digital está
mudando os paradigmas neste século XXI, concluímos que ela também
vai mudar muito rapidamente as relações sociais, trabalhistas, políticas
e a forma como viveremos.
Relembrando a Lei de Moore, elaborada em 1965 por Gor-
don E. Moore, da Intel, nela previa-se que, no final do século XX, os
transistores em um chip dobrariam a cada 18 meses ao mesmo custo,
aumentando o seu poder de processamento. Em 2011, chegou-se à
conclusão de que Moore estava correto. Em 2016, já se falava que os
transistores dobravam a cada 14 meses, e agora já se fala em 12 meses
ou a cada um ano.
Talvez se possa depreender, então, que com o avanço da Lei
de Moore, aumenta de maneira exponencial a capacidade das má-
quinas de processar informações e apresentar resultados que podem
satisfazer quase todas as necessidades humanas.
O resultado óbvio, portanto, é que cada vez mais a tecnolo-
gia vai substituindo o homem, especialmente na chamada indústria
4.0 que, por meio da IoT, da computação em nuvem e dos sistemas
ciber-físicos, vai conectando máquina com máquina, criando uma
cópia virtual do mundo físico e tomando decisões descentralizadas
e autônomas, passando a ser quase que desnecessária a intervenção
humana na produção.
O grande paradigma da luta dos trabalhadores dos séculos
XIX e XX foi a mais-valia. Ela justificava a organização em sindicatos,
para que os trabalhadores tivessem força suficiente para enfrentar os

315
capitalistas, investidores na produção, buscando salários que fossem
justos, de acordo com o valor do trabalho.
No século XXI, a transformação do modelo de produção
das indústrias com mais tecnologia e menos operários, bem como
os novos modelos de negócios, nos quais as organizações ganham
muito dinheiro sem ter ativos, o conceito de mais-valia começa a ruir
e um novo paradigma se cria. Agora, o valor está no conhecimento.
Conhecimento que vem de dados e informações. Dados e informações
que estão sendo tomados de todos nós, em todos os momentos e em
todos os lugares.
Nesse contexto, qual o futuro do trabalho? Para que servirão
os sindicatos? O que será da massa de trabalhadores que não tiver
condições de trabalho mais intelectualizado? Haverá trabalho para
todos? Como as pessoas terão renda? Haverá renda? Como serão feitas
as trocas? O modelo educacional atual sofrerá uma revolução? Qual
a importância da sustentabilidade do meio ambiente nesse cenário?
E o dinheiro, como ficará? Recentemente criou-se uma pla-
taforma chamada blockchain, para a economia digital, e uma moeda
chamada Bitcoin (Btc), que não necessita de intermediários em suas
transações. A plataforma blockchain é segura, confiável e tem certi-
ficação digital. Mas o mais importante é que ela é aberta e pode ser
acessada por qualquer pessoa, tornando altamente transparentes as
suas transações; e o seu custo é baixíssimo. Como ficarão os bancos e
as demais instituições financeiras? E os bancos centrais?
O trabalho dos bancários como o conhecemos deixará de
existir em breve. No Brasil, um dos sindicatos mais fortes deixará de
cumprir o seu papel, por absoluta falta de capacidade de organização
– dado que não haverá mais muitos trabalhadores nesse setor. Muitos
outros exemplos poderiam ser citados, que demonstrariam o fim do
trabalho de massa, como o que conhecemos hoje.
A boa notícia é que existe um mercado que cresce e que
emprega muitos profissionais especializados, muito embora sejam
mercados que no futuro também não mais necessitarão de grandes
quantidades de mão de obra. Esse mercado é justamente o mercado
de tecnologia focada em hardwares. A Samsung emprega hoje 275.133
funcionários. A Sony, 105.000. A Microsoft 99.000. A Apple, 80.300.
No entanto, existe uma empresa de tecnologia com um maior
foco em software e que é a mais forte do mercado – a Google – , que
emprega 47.756 funcionários em todo o mundo, portanto com menos
necessidade de mão de obra especializada do que as demais. Não
somente a Google, mas várias outras também mais baseadas em sof-

316
tware vão no mesmo caminho. Mas, e quando a física quântica estiver
desenvolvida suficientemente a ponto de não mais precisarmos dos
hardwares para fazermos as coisas que queremos? Samsung, Sony,
Microsoft e Apple desaparecerão? Talvez não, mas certamente se
reinventarão. E o seus postos de trabalho diminuirão muito.
Nesse cenário, muitas pessoas vão pensar: “Mas isso aconte-
cerá nos próximos 20, 30, 50 ou 100 anos? Isso está muito longe!”. O
que são 20, 30, 50 ou 100 anos na história da humanidade, senão um
breve estalo? Aí começa a importância desse debate.
Profundas reformas no modelo educacional precisam ser fei-
tas urgentemente. A ampliação e a universalização da educação, da
formação e do treinamento para o mundo tecnológico deste século
XXI – de uma maneira que todos os trabalhadores, todas as pessoas
que não trabalham, bem como nossas crianças e jovens possam dela
usufruir – é urgente.
Desenvolver atividades que exijam maior esforço intelectual,
em vez de maior esforço braçal, é fundamental para que no futuro mais
próximo possamos manter o nível de emprego como nos dias de hoje.
Desenvolver competências básicas que possam ser úteis para qualquer
tipo de trabalho que venha a ser criado nas próximas décadas é estra-
tégico. Alguns estudiosos entendem que são seis essas competências:
1) saber falar, ler, escrever e interpretar corretamente na sua língua
pátria; 2) saber falar, ler, escrever e interpretar corretamente na língua
inglesa; 3) saber informática; 4) saber filosofia; 5) saber matemática; e
6) praticar alguma atividade lúdica.
Com essas seis competências, o indivíduo estará apto a buscar
por meio da informática as informações que precisa para aprender,
para se desenvolver e para trocar com o mundo, mesmo na língua
inglesa (que é universal), conseguindo se comunicar corretamente,
tendo em vista sua capacidade adquirida em sua língua pátria, usan-
do a matemática para conseguir concatenar dados e informações,
sempre apto a questionar o que lê e aprende, com os conceitos da
filosofia, compartilhando em um mundo em rede, tendo em vista sua
capacidade de convivência adquirida na atividade lúdica que pratica.
E daí, podem vir os trabalhos que vierem. O indivíduo se adaptará e
enfrentará os desafios.
Aprender também sobre como proteger o meio ambiente e,
de forma compartilhada, a sociedade se autocobrar na defesa dele
será fundamental para garantir um modus vivendi que não sabemos
como será quando não houver mais grande quantidade de trabalho
e novas relações sociais passarem a existir, em um futuro um pouco

317
mais distante. Certamente, será do meio ambiente, da abundância da
natureza, que tiraremos nosso sustento e por onde se darão as relações
de troca do futuro.
A nova sociedade começa a funcionar em rede, de maneira
compartilhada, e com economia circular. Uma nova lógica de organi-
zação social começa a ser construída, e com base nas cidades. É nas
cidades que as novas organizações não capitalistas começam a se
constituir. As áreas rurais também compõem esse quadro, até mesmo
porque a revolução tecnológica também já chegou e avança a passos
largos no agronegócio.
Como já dito, é nas cidades que as pessoas moram, trabalham,
estudam, divertem-se. É ali que os recursos financeiros deveriam estar,
pois em cada cidade, as comunidades sabem o que querem para si. Mas
isso não acontece no Brasil cujo modelo federativo (único no mundo)
concentra os recursos financeiros na União, que acaba sendo inchada
de trabalhadores públicos que não são dinamizadores da economia. Na
União, desenvolvem-se políticas gerais que não conseguem atender
às demandas de um País continental e diversificado. Esse é um dos
fatores que travam o País, em um modelo que já se mostrou falido e
que não apresenta, até o momento, saída.
A luta para que os recursos financeiros fiquem em sua maior
parte nos municípios; para que sejam utilizados de maneira inteligente
na construção desse novo modelo de educação que prepare e treine
os trabalhadores do século XX, de uma forma que possam entrar no
mercado do século XXI; para que proporcionem a entrada das pessoas
em um mercado pujante de US$ 1,3 trilhão, por meio de plataformas
tecnológicas instaladas nas cidades, é a verdadeira luta que deve ser
travada pelas novas formas de organização social daqui para frente.
A quantidade de dados e informações gerados hoje pela
revolução digital é o capital do século XXI. As grandes empresas de
tecnologia da informação e de comunicação são as donas exclusivas
desse capital. Elas perceberam que as cidades são o grande nicho de
mercado que têm para vender seus equipamentos, sensores, softwa-
res e aplicativos. Elas vêm transformando as cidades em digitais. Com
isso, vêm se apropriando da enorme quantidade de informações que
são geradas por essa tecnologia, utilizando essas informações para
ganhar muito dinheiro. Elas são as detentoras de grande parte do
conhecimento e podem ditar as “regras do jogo”.
Percebeu-se, por isso, a necessidade de que essas tecnolo-
gias sejam integradas por meio de plataformas abertas que, de um
lado ajudam as cidades a ter a gestão de seus serviços de maneira

318
inteligente e, de outro, permitem que as pessoas se conectem nessas
plataformas e tenham acesso aos dados e às informações, bem como
delas possam se utilizar para se conectar ao mercado mundial. Assim
nasceu o conceito de Cidades Inteligentes.
No entanto, seria inapropriado deixar que tudo se resumisse à
tecnologia sem ter a compreensão de que a cidade inteligente também
precisa pensar no desenvolvimento social, nas questões urbanísticas,
arquitetônicas e ambientais, tendo em vista que o futuro nos reserva
esse novo modus vivendi, já falado anteriormente, e que muito de-
penderá dos recursos da natureza e do bom convívio social. Assim
surgiu o conceito de Cidades Inteligentes e Humanas. Uma evolução
de conceitos que resulta em uma proposta de, por meio das cidades,
travar o debate do grande paradigma do século XXI: quem, como e
quando tem a propriedade do conhecimento. Todos nós, ou somente
as grandes organizações tecnológicas? Por meio de dados abertos e
transparentes, ou por dados controlados por poucos? Agora ou quando
já não for mais possível quebrar o domínio de poucos sobre muitos?
A hora é agora. O Brasil vive um momento sui generis para esse
caminhar, porque recentemente a Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL) baixou uma resolução, transferindo das concessionárias para
as cidades os ativos de iluminação pública. Com essa medida, muitos
prefeitos começaram a estruturar parcerias público-privadas (PPPs)
de iluminação pública, no afã de terem seus parques de iluminação
bem cuidados, evitando que fiquem às escuras por falta de recursos
próprios para sua manutenção.
É importante ressaltar que uma PPP tem prazos de concessões
muito longos e estaremos atrasando tecnologicamente as cidades se
não forem feitas as tais PPPs de Iluminação com luminárias inteligentes,
formando um smart grid na cidade que sirva de plataforma integradora
de todas as informações e dados gerados pela tecnologia, de maneira
que as pessoas possam ter acesso a esses dados e informações, que
são os geradores de conhecimento. Com plataformas abertas, o co-
nhecimento será propriedade de todos e não somente das empresas
que detêm a tecnologia.
Imagine quantos pequenos negócios podem ser gerados e
comercializados com o mundo inteiro se tivermos plataformas apro-
priadas nas cidades, com as pessoas preparadas, bem treinadas e com
bom nível educacional e intelectual?
Atualmente, foi criada uma plataforma para o desenvolvi-
mento de CHICS, pelo engenheiro e especialista em políticas públicas
Antonio Fernando Doria Porto, que incrementa as cidades humanas

319
e inteligentes com os processos da economia criativa e do desen-
volvimento sustentável. Essa plataforma traz os elementos que uma
cidade, por meio de sua prefeitura, pode utilizar para se preparar e se
organizar e, assim, se estabelecer com os novos paradigmas do século
XXI: conhecimento, informação, criatividade e empreendedorismo.
A luta de todos nós deve ser pela democratização no acesso ao
conhecimento e foi com todo esse pensamento aqui descrito, calcado
nos três pilares: desenvolvimento pelas cidades; era digital; e futuro
do trabalho que a Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas
(RBCIH) – uma instituição que nasceu na Frente Nacional de Prefeitos
(FNP) e que ganhou autonomia – criou o programa Brasil 2030, que tem
a finalidade de ajudar os prefeitos das cidades brasileiras a se organizar
e dar os primeiros passos para transformar suas cidades. Hoje a RBCIH
é uma instituição parceira da FNP e um órgão do Instituto Brasileiro
de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis (IBCIH).
Com um acordo de cooperação técnico-científica, o IBCIH se
juntou à Escola Politécnica da USP, à Fundação Getúlio Vargas, ao Ins-
tituto Brasileiro de Engenharia de Custos e à Fundação Ezute e, juntos,
estão promovendo avaliação das estruturas das cidades, com relação
a políticas, regras, procedimentos estabelecidos e responsabilidades
institucionais que orientam como a prefeitura seleciona, implementa
e gerencia projetos, inclusive os de PPP, e as etapas pelas quais os
projetos de PPP prosseguem para que os empreendimentos sejam
efetivamente entregues; após essa análise inicial, fazemos a estrutu-
ração de uma parceria público-privada de iluminação pública, que é
a infraestrutura básica de uma cidade humana, inteligente, criativa e
sustentável; juntamente com a estruturação da PPP, fazemos o desen-
volvimento do plano mestre de cidade humana, inteligente, criativa e
sustentável, baseado no Plano Nacional de Internet das Coisas; depois,
o treinamento dos gestores públicos para a gestão de uma cidade
humana, inteligente, criativa e sustentável; a implantação e o suporte
da plataforma tecnológica para IoT nas “Cidades Inteligentes”; e por
fim o apoio técnico e científico na utilização da plataforma Fiware, que
é uma plataforma tecnológica de integração das aplicações de uma
cidade humana, inteligente, criativa e sustentável.
Com essa parceria e com alianças estratégicas com instituições
internacionais e nacionais, é que estamos dando os passos certos para
que o Brasil também consiga se inserir de maneira correta nos avanços
deste século XXI.

320
POSFÁCIO
Cidades inteligentes: um desafio sem
fronteiras

Augusto Neves Dal Pozzo

O futuro bate à porta. Os desafios de amanhã se apresentam


hoje e, por isso, urge que seja celebrado um compromisso não ape-
nas de Governo, não apenas de Estado, mas, acima de tudo, de todas
as nações, um desafio global que transcende fronteiras e barreiras
convencionais, com o desenvolvimento das cidades para suportar
a demanda cada vez maior por serviços prestados com qualidade e,
sobretudo, eficiência.
Esse desafio consistiu, justamente, no objetivo que se buscou
enfrentar nessa obra de maneira prática, pragmática e orientada à
estruturação de projetos que buscam resultados positivos para todos
os stakeholders envolvidos em planejamento, gestão e administração
das cidades.
Aqui, foi coligido um esforço que, igualmente, não é apenas
técnico, econômico, financeiro ou jurídico. É um desafio para todas
essas áreas do conhecimento. O compromisso com as cidades do fu-
turo perpassa o enfrentamento do tradicional “pensamento em silos”
para desafiar todos aqueles engajados em contribuir para as cidades
do futuro a romper barreiras de modos de pensar estanques que já
estão superados pela integração e interdisciplinaridade cada vez mais
evidentes entre as especialidades do conhecimento e, acima de tudo,
na forma como as cidades são pensadas, projetadas, vividas.
Vivemos um tempo em que o grande desafio, o novo divisor
de águas, é pensar de maneira integrada. A propósito disso, a “pauta
regulatória” passa a ter relevância de um modo novo. Urge repensar o
modelo consagrado do insulamento burocrático que, embora tenha
sido idealizado e desenvolvido para blindar o técnico do político, aca-
bou por engessar o modo de pensar regulatório, que se distanciou do
debate com a sociedade, e, sobretudo, da comunidade de especialistas
que compartilham os mesmos desafios e, mais, a mesma linguagem.
É mais do que tempo para que o “Estado Regulador” se abra
para dialogar mais intensamente com a sociedade em geral e com

321
essa comunidade de especialistas que está mais do que disposta a
participar, atuar, protagonizar em conjunto a necessária mudança de
rumo na forma como as cidades são planejadas em nível de governo.
Para isso, mecanismos já existentes podem e devem ser em-
pregados de maneira mais inteligente. Audiências e consultas públicas
podem e devem ser empregadas com apoio dos modernos recursos de
comunicação, dada a facilidade de compartilhamento de informações
que, até há poucos anos, ainda parecia inconcebível.
Há desafios técnicos, não há dúvidas. É preciso conciliar novas
tecnologias com a infraestrutura urbana existente de modo a extrair
melhores resultados, sobretudo, no que tange à eficiência energé-
tica, tema intimamente ligado à pauta da sustentabilidade. O tema
da sustentabilidade ostenta muita relevância e, por isso, tem os oito
primeiros capítulos desta obra dedicados ao seu estudo.
Vivemos, cada vez mais, a realidade da escassez de recursos,
ao passo que o impacto antrópico sobre o meio se intensifica, de
modo que a cidade deixa de ser apenas um espaço ocupado para se
tornar, cada vez mais, um organismo autoconsciente e isso requer uso
de energias limpas e investimento em integração cada vez maior de
serviços e utilidades públicas.
Ou seja, o principal desafio que se interpõe a todos que al-
mejam atuar de forma positiva na mudança do mindset atual consiste
em pensar a cidade de forma integrada de maneira a consumir menos
energia para mantê-la viva, e, não apenas isso, consumir energia mais
limpa, renovável.
E não é só. Do capítulo nove ao dezesseis, foi desenvolvido
um conjunto de reflexões sobre as cidades inteligentes. É preciso re-
pensar, antes de tudo, o planejamento estatal. Trata-se de atividade
que, embora pouco citada e um pouco vítima do viés inconsciente
da evidência silenciosa, deve ser resgatada e aprimorada para pensar
o todo, e não apenas a parte. Tecnologias avançadas já começam
a sinalizar a possibilidade de que serviços de operação semafórica,
iluminação e monitoramento inteligente de situações de calamidade
podem ser integrados e operados com eficiência e economia de escala.
Nada obstante, em especial, o pensamento jurídico e regula-
tório ainda se prende a modelos “na caixa”, em que todas essas frentes
são pensadas de forma autônoma e isolada. Repensar esse modelo
é uma oportunidade sem precedentes que só tem a agregar valores
para toda a sociedade.
Não é mais possível imaginar que as cidades, especialmente,
os grandes centros urbanos, ainda disponham de controle semafórico

322
tradicional, que não exista um plano de operação dos serviços de ilu-
minação que possa integrar tecnologias inteligentes e avançadas por
conta de entendimentos mais restritivos sobre o respectivo custeio.
Esse esforço de reflexão prática foi muito fomentado entre
o capítulo dezessete e vinte quatro. Apresentam-se experiências,
melhores práticas e conceitos técnico-jurídicos atualíssimos para fo-
mentar que novos projetos possam ser estruturados com qualidade,
segurança, estabilidade e previsibilidade e, acima de tudo, de forma
a preparar as nossas cidades para o futuro já presente.
Espera-se que cada leitor se sinta incentivado a repensar os
conceitos tradicionais, cuja aplicação se tornou mecânica e automá-
tica, e o objetivo desta obra é, justamente, este: estruturar projetos
inteligentes que requerem abordagens inovadoras, ousadas, por vezes,
porque é apenas pela inovação e com a ruptura com modos de pensar
obsoletos que poderemos correr em busca do tempo perdido, porque
ainda é possível colocar o País de volta no rumo do futuro, desde que
cada pessoa envolvida tenha esse objetivo muito claro em mente.

323
324
Sobre os autores

Adalberto Felício Maluf Filho


Bacharel em Relações Internacionais e mestre em Economia Política
Internacional pelo Instituto de Relações Internacionais da Universi-
dade de São Paulo (IRI/USP). Diretor de Marketing, Sustentabilidade
e Novos Negócios da BYD, diretor da ABVE (Associação Brasileira de
Veículos Elétricos) e membro do Conselho da ABSOLAR (Associação
Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica). Trabalhou com temas rela-
cionados à mitigação das mudanças climáticas e políticas públicas
no nível subnacional, com foco em energia limpa, sustentabilidade
e mobilidade urbana. Trabalhou na Prefeitura de São Paulo (2006 e
2007) e foi diretor da Clinton Climate Initiative, em parceria com a rede
C40, entre 2007 e 2014.

André Oliveira de Araújo


Gerente executivo na Caixa Econômica Federal, gerencia as estrutu-
rações de projetos de concessão e PPP. É engenheiro civil pela Uni-
versidade de Brasília, pós-graduado em Gerenciamento de Projetos
pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduado em Concessões
e Parcerias com a Administração Pública. Possui certificações CP3P da
APMG e pela London School of Economics em Public-Private Partner-
ship Work.

André Gomyde
M.Sc. em Business Administration pela Florida Christian University.
Coordena o curso de extensão em Cidades Inteligentes do IBCIH. É
presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas
e Sustentáveis e conselheiro no Conselho Nacional de Ciência e Tec-
nologia da Presidência da República. Foi membro do júri do World
e-Government Awards na Coreia do Sul.

Andre Luiz Marques


Economista e mestre pela UFRJ. No setor privado, atuou durante 17
anos em empresas expressivas em seus segmentos, focado em finan-

325
ças, planejamento e performance. Por nove anos, atuou na administra-
ção pública da cidade do Rio de Janeiro, tendo exercido, entre outras
funções, a de subsecretário de Concessões e PPPs com implantação
de importantes projetos em diversos segmentos. Hoje exerce a coor-
denação executiva do Centro de Gestão e Políticas Públicas do INSPER,
sendo responsável pela sua implantação e gestão.

Andreia Banhe
Pós-graduada em Ciências do Meio Ambiente pela Brunel University
no Reino Unido. Graduada em Engenharia Bioquímica pela Escola de
Engenharia de Lorena EEL USP. Antes de integrar a equipe do CDP, tra-
balhou na Trucost em Londres, auxiliando a BM&FBOVESPA e o BNDES
no lançamento do Índice Carbono Eficiente (ICO2), e em consultoria na
área de sustentabilidade. Como gerente no CDP, Andreia é responsável
pelo CDP Cities, Estados e Região para Brasil e América Latina.

Andreza Portella Ribeiro


Doutora em Ciências – Tecnologia Nuclear Aplicações pela USP-SP.
Desenvolve projetos voltados ao diagnóstico e monitoramento de
poluição química em ambientes urbanos. É professora e pesquisado-
ra do Programa de Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis
da UNINOVE. Principais temas pesquisados: poluição atmosférica,
qualidade de solos urbanos, indicadores de qualidade da água e
infraestrutura verde.

Antonella Marzi
PhD em Arquitetura e Urbanismo pelo Politecnico di Milano, atuou no
laboratório de Urbanismo na Faculdade de Milão e de Arquitetura na
Faculdade de Turin. Autora de artigos sobre a concepção do espaço
público e planejamento urbano, ministrou aulas e palestras em dife-
rentes universidades e instituições. Foi membro fundador da ReCS
Architects e dirigiu a ReCS Brasil até 2018 desenvolvendo também o
projeto urbanístico Smart City Social Laguna da PLANET. É cofundadora
da GATE Architects.

Arnoldo José de Hoyos Guevara


Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PU-
C-SP. É líder do Núcleo Estudos do Futuro e responsável pela Catedra
Ignacy Sachs de Ecossociodesenvolvimento que lida com Estudos do
Futuro, Inovação e Sustentabilidade; e, além de ser o responsável no
Brasil pelas International Conferences on Innovation and Management

326
(ICIM), é editor da Revista sobre Inovação e Sustentabilidade – ICIM.
Representa no Brasil o Millennnium Project e a Rede Ibero-Americana
de Prospectiva para a qual desenvolveu um Observatório e um Guia
para Gestão Pública Sustentável – GPS, que tem versões para países
e cidades.

Augusto Neves Dal Pozzo


Professor de Direito Administrativo e de Fundamentos de Direito
Público na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Doutorando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Administrativo pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduado
em Infrastructure in a Market Economy pela Harvard University. Presi-
dente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura
(IBEJI). Diretor da Revista Direito Administrativo e Infraestrutura (RDAI).
Sócio Fundador do Dal Pozzo Advogados.

Carlos Ghobril
Formado em Administração Pública pela FGV-SP, é doutor em Ciências
pela USP, onde também cursou o Mestrado em Administração. É pes-
quisador científico do Governo do Estado de São Paulo e coordenador
do MBA em Políticas Públicas da FIPE.

Carlos Leite
Arquiteto e urbanista; mestre e doutor pela FAU-USP com pós-doutora-
do pela Universidade Politécnica da Califórnia. É professor na Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
professor Colaborador no Programa de Pós-Graduação em Cidades
Inteligentes e Sustentáveis da Uninove e pesquisador convidado no
Instituto de Estudos Avançados da USP (Programa Cidades Globais).
Foi diretor da São Paulo Urbanismo, Prefeitura Municipal de São Paulo,
2017. É autor do livro Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes (finalista
Prêmio Jabuti, 2012) e do Social Urbanism in Latin America. Cases and
Instruments of Planning, Land Policy and Financing the City Transforma-
tion with Social Inclusion (Springer Nature, agosto 2019).

Carlos Alexandre Nascimento


Bacharel em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas -
SP e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela London School of
Economics and Political Science (LSE). Atualmente, é diretor de Pro-
gramas da LSE Custom Programmes e coordenador do primeiro MBA

327
em PPPs e Concessões do Brasil, uma parceria da Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), LSE Custom Programmes
e Rede Intergovernamental para o Desenvolvimento das Parcerias
Público-Privadas (RedePPP). É também sócio-diretor das empresas
América Licenciamentos e PPP Connect, consultor para organizações
públicas e privadas, professor convidado da Escola de Artes, Ciências
e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e do Centro
de Liderança Pública (CLP).

Cláudia Terezinha Kniess


Pós-doutora em Tecnologia Nuclear pelo Instituto de Pesquisas Ener-
géticas e Nucleares (IPEN/SP). Doutora em Ciência e Engenharia de
Materiais, mestre em Engenharia Química e graduada em Bacharela-
do em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Graduada em Formação Pedagógica e Bacharelado em Administração
pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Foi coordenadora
do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade
Nove de Julho (UNINOVE). Atualmente, é docente e pesquisadora
da Universidade da Taubaté (UNITAU), no Mestrado Acadêmico em
Planejamento e Desenvolvimento Regional (MPDR) e no Mestrado
Profissional em Gestão e Desenvolvimento Regional (MGDR). Possui
diversos projetos e trabalhos publicados em periódicos científicos
sobre pesquisas nas áreas de Eficiência Energética, Inovação e Susten-
tabilidade em cidades. Bolsista de Produtividade em Desenvolvimento
Tecnológico e Extensão Inovadora do CNPq – Nível 1D.

Cláudio Tucci Junior


Advogado, com especialização em Políticas Públicas e Gestão Go-
vernamental pela Escola Paulista de Direito, mestre em Filosofia do
Direito e Doutorando em Ciência Socias na linha de pesquisa de
Estado e Sistema Políticos pela PUC/SP, com projetos de pesquisa
em Políticas Públicas e tese de doutoramento em Parcerias Público
Privadas. Atualmente, é professor titular na Universidade Santa Cecília
e coordenador do MBA em Políticas Públicas e Governo na Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).

Cristiano Capellani Quaresma


Doutor, mestre, bacharel e licenciado em Geografia pela UNICAMP. Do-
cente e pesquisador do Programa de Mestrado em Cidades Inteligentes
e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), com projetos
de pesquisa em Planejamento Urbano e Desenvolvimento Regional,

328
com foco nos desafios impostos pelas desigualdades socioespaciais
e nos potenciais de iniciativas de cunho social para a construção de
cidades inteligentes. Também possui projeto de pesquisa vinculado
ao tema Desastres Ambientais, Riscos e Vulnerabilidade Socioespacial
em Áreas Urbanas.

Daniela Ades
Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da Univer-
sidade de São Paulo (ECA-USP). Atua com comunicação nas agendas
de Sustentabilidade e Políticas Públicas há seis anos. É coordenadora
de Comunicação e Advocacy do ICLEI - Governos Locais pela Susten-
tabilidades na América do Sul, rede global de cidades que atua com
a pauta de cidades inteligentes e conectadas ao desenvolvimento
sustentável e que tem publicado o Relatório Analítico Cidades Inteli-
gentes pelo Clima.

Diego de Melo Conti


Doutor em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP) com estágio de pesquisa na Leuphana Univertät
Lüneburg (Alemanha). Fundador da Integra Consultoria. É professor
do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp). Atualmente, conduz
pesquisas sobre cidades resilientes e sustentáveis, economia circular,
governança colaborativa e outros estudos interdisciplinares. Além
disso, atua em diversos projetos de organizações nacionais e interna-
cionais na área de políticas públicas.

Diogo Mac Cord de Faria


Executivo sênior, com mais de 15 anos de experiência como consultor.
Vasta experiência em assessorar investimentos em infraestrutura, como
energia elétrica, saneamento básico e mobilidade urbana. Engenheiro
mecânico de formação, com diversos diplomas de pós-graduação das
melhores universidades do Brasil e do mundo, como Harvard Kennedy
School. Atualmente, é o secretário de Desenvolvimento da Infraestru-
tura do Ministério da Economia do Brasil.

Edson Aparecida de Araujo Querido Oliveira


Mestre em Economia pela PUC-SP, Doutorado em Organização Indus-
trial pelo ITA e Pós-Doutorado em Gestão da Inovação Tecnológica
pelo ITA. Professor assistente doutor e coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Gestão e Desenvolvimento Regional UNITAU – é

329
membro do Projeto de Gestão de Cidades e Mobilidades Inteligentes
do PGDR. É membro do Corpo de Especialistas do Conselho Estadual de
Educação do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Gestão,
com ênfase em Gestão de Tecnologia; Gestão Sistêmica; Gestão da
Produção e Gerenciamento de Projetos e Cidades Inteligentes.

Fernando Vernalha Guimarães


Doutor e mestre em Direito do Estado (UFPR), pós-doutor (Visiting
Scholar na Columbia University School of Law, NY, EUA) e professor
de Direito Administrativo convidado de diversas instituições. É autor
de livros e artigos na área do Direito Público e da Infraestrutura. Tem
atuado como legal advisor na estruturação de diversos projetos rele-
vantes de concessões e PPPs, inclusive de smart cities. É advogado e
sócio-fundador do VGP Advogados.

Heidy Rodriguez Ramos


Doutora em Administração pela Faculdade de Economia, Adminis-
tração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).
Professora e pesquisadora do Programa de Mestrado Acadêmico em
Cidades Inteligentes e Sustentáveis (PPG-CIS), do Mestrado Profissional
em Administração - Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS)
e do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGA) da Uni-
versidade Nove de Julho (UNINOVE).

Jonatas Mendonça dos Santos


Bacharel, licenciado e mestre em Geografia pela Universidade de São
Paulo e Doutorando no Departamento de Sociologia da mesma insti-
tuição, onde desenvolve projeto de pesquisa em cidades inteligentes,
estudando os impactos sociais das tecnologias nos grandes centros
urbanos. Atualmente, é assistente sênior na Caixa Econômica Federal,
empresa onde atua desde 2006 e recentemente colabora com o núcleo
de estruturação de projetos de concessão e PPP.

Jorge Abrahão
É coordenador Geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades
Sustentáveis. Formado em Engenharia, é professor do MBA do LARC
da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. É membro da Co-
missão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(CNODS) e dos Conselhos do Instituto Ethos de Empresas e Respon-
sabilidade Social e do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Foi
conselheiro do Global Compact da Organização das Nações Unidas

330
(ONU) (2012 a 2018) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social da Presidência da República (CDES) (2014-2018).

Juliana Lopes
Mestre em Administração de Empresas pela pelo Centro Universitário
FEI. Graduada em Jornalismo com MBA em Marketing. Desde 2004,
trabalha com projetos de sustentabilidade no Brasil e na América Lati-
na, atuando em estratégias de educação/comunicação para mudança
de comportamento visando à integração de questões ambientais e
sociais-chave nas decisões políticas e de negócios. Por oito anos, foi
diretora executiva do CDP, originalmente conhecido como Carbon
Disclosure Project, organização que oferece o maior sistema de di-
vulgação ambiental para empresas e governos subnacionais. Juliana
Lopes atua como pesquisadora, com artigos em publicações nacionais
e internacionais sobre Licença Social Para Operar, Desenvolvimento
Local e Sustentabilidade.

Luciano Ferreira da Silva


Doutorado em Administração na Pontifícia Universidade Católica,
PUC-SP, com pesquisas sobre a sustentabilidade de cidades brasileiras
e países ibero-americanos. Mestre em Administração, Comunicação e
Educação na Universidade São Marcos, Especialização em Psicologia
Organizacional, Especialização em Administração de RH e Graduado
em Administração. Professor e pesquisador no Programa de Pós-Gra-
duação em Gestão de Projetos (PPGP) na Universidade Nove de Julho
(UNINOVE). Pesquisas sobre sustentabilidade em espaços urbanos
como no caso da gestão de resíduos urbanos domiciliares.

Marco Aurelio Barcelos


Mestre em Direito pela Universidade de Londres e Doutorando em
Direito do Estado pela USP. É professor e coordenador do Curso de Pós-
Graduação em Concessões e Parcerias do Instituto de Direito Público
de Brasília (IDP). Atua há mais de 15 anos na estruturação de projetos
complexos entre o setor público e a iniciativa privada. Participou da
estruturação do projeto de Iluminação Pública do Município de São
Paulo – o maior do tipo do mundo.

Marcos Buckeridge
Professor titular e diretor do Instituto de Biociências da Universidade
de São Paulo. É membro do Instituto de Estudos Avançados da USP,
onde criou e coordena o programa USP-Cidades Globais. Desde 2008,

331
é diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol
(INCT do Bioetanol). Foi um dos autores líderes do Fifth Assessment
Report (AR5), publicado em 2014 pelo Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC) e, em 2017, participou como autor do
Relatório Especial 1,5C Warming World do IPCC. Atualmente, é o pre-
sidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Marcos Camargo Campagnone


Doutor em Administração de Empresas e mestre em Planejamento
Urbano e Administração Pública pela EAESP-FGV. É engenheiro civil
formado pela EESC-USP. Foi professor e coordenador do Curso Ge-
rente de Cidades da FAAP por mais de 20 anos. Gestor público com
36 anos de atuação no Governo do Estado de São Paulo, atualmente
é subsecretário de Assuntos Metropolitanos e secretário executivo
do Fumefi. Foi secretário adjunto de Urbanismo e Licenciamento da
PMSP por dois anos.

Marcos Cesar Weiss


Doutor e mestre em Administração (FEI/SP), especialista em Governan-
ça Corporativa e Sustentabilidade (Mackenzie/SP). Professor convidado
no PECE/Poli-LASSU, ESPM e FACENS. Pesquisador no tema Cidades
Inteligentes, com particular interesse em inovação e aplicação em TI
para Gestão Urbana, com diversos trabalhos publicados. Bolsista da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP/
PIPE 2017/22229-0). Profissional de TI com 35 anos de experiência em
diferentes setores e projetos realizados em Portugal, México, Chile,
Espanha, Holanda e Canadá.

Maurício Lamano Ferreira


Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (2014), mestre em
Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente pelo Instituto de Botânica
(2007), bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade
Mackenzie (2001), respectivamente. Seu principal interesse é na gestão
de recursos naturais e infraestrutura verde da cidade de São Paulo.
Membro da Sociedade de Ecologia do Brasil desde 2009, o pesquisador
tem atuado como primeiro secretário da chapa executiva nos últimos
cinco anos. Em suas produções científicas, interagiu com diversos
pesquisadores de instituições nacionais e internacionais. Atualmente,
é pesquisador e professor do Programa de Mestrado Profissional em
Promoção da Saúde no Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP).

332
Mauro Silva Ruiz
Doutor em Geografia (Planejamento em Recursos Naturais) pela Sou-
thern Illinois University at Carbondale, EUA. É sócio-fundador da Espiral
- Educação e Assessoria e associado fundador do Institute for Services,
Sustainability and Society. Entre 2011 e meados de 2019, atuou como
coordenador e professor no Mestrado Profissional em Administração:
Gestão Ambiental e Sustentabilidade e como docente do mestrado em
Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove. Também foi pesqui-
sador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) por 30 anos desde
1981. Possui diversos trabalhos publicados em periódicos científicos
sobre pesquisas em conflitos socioambientais, gestão de resíduos e
inovação e sustentabilidade em cidades.

Miguel Luiz Bucalem


Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da USP em 1984,
tornou-se mestre e professor daquela instituição em 1987. Obteve
o título de PhD pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT),
dos EUA, em 1992, e em 1996, o de livre-docente pela USP. Em 1997,
tornou-se professor Titular da Escola Politécnica da USP. Ocupou em
2007 e 2008 a Chefia da Assessoria Técnica de Planejamento Urbano
da Secretaria Municipal de Planejamento. De 2009 a 2012, ocupou o
cargo de secretário municipal de Desenvolvimento Urbano. Ocupou
ainda a presidência da São Paulo Urbanismo desde sua criação em maio
de 2010 até o final de 2012. Atualmente é o coordenador Científico do
Núcleo de apoio à Pesquisa da USP denominado USP Cidades, focado
na temática do planejamento e da gestão de cidades. Coordena ainda
o curso de Especialização em Planejamento e Gestão de Cidades do
PECE – Programa de Educação Continuada em Engenharia da Escola
Politécnica da USP.

Odila Maria Sanches


Graduada em Ciências e Ciências Jurídicas pela UNITAU. Especialista
em Gerente de Cidades pela FAAP. Mestrado em Planejamento e
Desenvolvimento Regional UNITAU. É secretária de Administração e
Finanças da Prefeitura Municipal de Taubaté, onde completa 30 anos
de funcionalismo público nas áreas Financeira e Educacional, tendo
exercido também a função de auditora chefe e controladoria interna.
Palestrante na área de Lei de Responsabilidade Fiscal, Auditoria, Con-
tabilidade e Recursos Financeiros.

333
Quésia Postigo Kamimura
Graduada em Ciências Econômicas pela PUC-Campinas, Mestrado em
Administração pela UNITAU e Doutorado e Pós-doutorado em Saúde
Pública pela USP. Pesquisadora do Programa de Gestão e Desenvolvi-
mento Regional da UNITAU. Atua no Projeto de Cidades e Mobilidade
Inteligentes do PGDR. Tem experiência na área de Gestão e Economia
da Saúde e Administração Pública, atuando principalmente nos se-
guintes temas: Gestão de Serviços de Saúde; Logística em Serviços;
Economia da Saúde e Recursos Sustentáveis.

Rafaela Macedo Silva


Mestre em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela Universidade Nove
de Julho (UNINOVE), 2018. Gerente de marketing de produtos na WDC
Networks, responsável pelas linhas de Infraestrutura de Telecomu-
nicações, Datacenter, Segurança da Informação e Segurança Física,
atuando também em projetos de tecnologia para cidades inteligentes.

Roberto Bernardes
Doutor em Sociologia pela USP. Foi consultor de diversas instituições
de fomento de pesquisa como FINEP, IPEA, CEPAL, MCTI, BNDES e
FAPESP. Professor do programa de Pós-Graduação em Administração
da FEI, onde orienta dissertações de mestrado e teses de Doutorado.
É autor dos livros: Embraer: Elos entre o Estado e Mercado, pela editora
HUCITEC, Inovação em Serviços Intensivos em Conhecimento, pela Edi-
tora Saraiva, e Innovation Systems in the South: A Case study of Embraer
in Brazil, editado pela UNCTAD.

Robson Simões
Geógrafo e mestre em Geografia (Tecnologias e Território) pela Univer-
sidade Estadual de Campinas (UNICAMP), MBA pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV)/Ohio University/EUA e especialista em Gestão de Projetos
pela George Washington University/EUA. Atua nas linhas de pesquisa:
tecnologias e território (analisa implicações socioespaciais das TICs) e
economia espacial (investiga dinâmicas econômicas no espaço urbano).
Pesquisador do Núcleo de Estudos Tecnologias e Território/UNICAMP;
Reagri/CNPq e Nuphit/CNPq. Experiência em implementação de estra-
tégias de transformação tecnológica em empresas no Brasil, América
Latina e EUA.

Rodrigo Perpétuo
Mestre em Relações Internacionais pela PUC - Minas Gerais, formado

334
em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e especia-
lista em Cooperação Descentralizada pela Universidade Aberta da
Catalunha. Acumula experiências no setor público como secretário
municipal de Relações Internacionais da Prefeitura de Belo Horizon-
te. Atualmente, é secretário Executivo do ICLEI América do Sul, rede
global de cidades, que atua com a pauta de cidades inteligentes e
conectadas ao desenvolvimento sustentável e que tem publicado o
Relatório Analítico Cidades Inteligentes pelo Clima.

Thiago de Souza Beté


Mestrando em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela Universidade
Nove de Julho (UNINOVE), com projetos de pesquisa relacionados
aos Veículos Aéreos Não tripulados (VANT), integrando as linhas de
pesquisa de regulação indutora e instrumentos urbanos, espaço
urbano, sociedade civil, democracia, inovações e práticas aplicadas
ao planejamento urbano. Bacharel em Aviação Civil e especialista em
Segurança de Voo pela Universidade Anhembi Morumbi. Professor de
teoria de piloto privado, comercial de avião e helicóptero. Aluno piloto
pelo Aeroclube da cidade de Bragança Paulista.

Vinnicius Vieira
Mestre em Administração de Empresas pela PUC-SP, com projetos
de pesquisas relacionados a ambientes urbanos. É coordenador e
professor da FIPE, professor convidado da FIA, professor orientador
do SENAC e pesquisador do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP.
Atualmente, lidera a área de Pesquisa e Conhecimento da Hiria. É
responsável por mais de 100 projetos de inteligência de mercado em
temas relacionados à infraestrutura, cidades inteligentes, iluminação
pública e PPPs. Possui cursos de especialização pelo Insper, FGV-EBAPE
e George Washington University.

Vladir Bartalini
Arquiteto e Urbanista formado na Faculdade de Arquitetura e Ur-
banismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP. É pesquisador do
USP Cidade, foi superintendente de Desenvolvimento da São Paulo
Urbanismo, onde participou da concepção e implementação das Ope-
rações Urbanas na cidade de São Paulo e da elaboração do SP 2040. É
professor no curso de Planejamento e Gestão de Cidades do PECE-USP.
Atua profissionalmente na elaboração de planos diretores, planos e
projetos urbanos e planos estratégicos de longo prazo.

335
ORGANIZADORES
DIEGO DE MELO CONTI
VINNICIUS LOPES RAMOS VIEIRA
Wilson Levy

O
Doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP, com Pós-Doutoramento
em Urbanismo pelo Mackenzie. É diretor do programa de Pós-Gradua-
ção em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE e advogado
nas áreas de Direito Público, Urbanístico, Imobiliário e Ambiental.

Zysman Neiman
Doutor em Psicologia pela USP, com pesquisas relacionadas à sus-
tentabilidade. É professor associado da Universidade Federal de São

FUTURO
Paulo (Unifesp), vinculado ao Departamento de Ciências Ambientais
e ao Programa de Pós-Graduação em Análise Ambiental Integrada.
Atualmente, coordena projetos nas áreas de Educação Ambiental,
Sustentabilidade e Políticas Públicas. Foi coordenador do Comitê de
Implantação do Instituto das Cidades – Unifesp. É líder da Rede de
Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e autor de diversos livros
na área de Meio Ambiente e Educação.

DAS CIDADES

SUSTENTABILIDADE, INTELIGÊNCIA
URBANA E MODELOS DE VIABILIDADE
UTILIZANDO PPPS E CONCESSÕES
CD.G
Editora
www.cdgcs.com.br

336
O futuro das cidades está
inevitavelmente vinculado aos
avanços tecnológicos, cibernéticos
e sociais. Entretanto, a criatividade
dos planejadores e a competência
dos responsáveis pela estruturação
conceitual dos instrumentos
urbanísticos, serão fundamentais
para a combinação do mundo digital
com a realidade da vida nas cidades.
Os diversos capítulos que
compõem a obra, oferecem aos
leitores uma visão clara desse
processo ao envolve-los numa
profunda reflexão sobre questões
intrínsecas ao desenvolvimento
Diego de Melo Conti
urbano, numa visão moderna, e
vinculada à sustentabilidade por Doutor em Administração pela Pontifícia Universidade
meio de instrumentos urbanísticos Católica de São Paulo (PUC-SP) com estágio de pesquisa na
Leuphana Univertät Lüneburg (Alemanha). Fundador da Integra
inovadores, e tecnologias de ponta Consultoria. É professor do Programa de Pós-Graduação
aplicadas ao dia a dia das pessoas em Sustentabilidade da Pontifícia Universidade Católica
nas cidades. de Campinas (PUC-Camp). Atualmente, conduz pesquisas
sobre cidades resilientes e sustentáveis, economia circular,
governança colaborativa e outros estudos interdisciplinares.
Como financiar a implantação Além disso, atua em diversos projetos de organizações
dessas novas tecnologias? Qual nacionais e internacionais na área de políticas públicas.
a melhor forma utilizá-las como
aliadas ao processo de equidade
social e dinamização do espaço
urbano? Qual a visão moderna da
interdependência entre as dimensões
sociais, econômicas e ambientais,
no desenvolvimento das cidades?
Essas e outras repostas, o leitor
encontrará nessa instigante viagem
pelas vertentes mais relevantes das
inteligentes e tecnológicas cidades
do futuro.

Claudio Bernardes é Mestre em Engenharia pela


Universidade de Sheffield (Inglaterra), Professor de
Desenvolvimento Urbano (MBA Negócios Imobiliários
- ESPM) , Professor IBEMEC (MBA Real Estate),
Colunista de Urbanismo, Cidades & Mercado (Folha de Vinnicius Vieira
São Paulo-UOL), Presidente do Conselho Consultivo
do Secovi-SP e Presidente do Conselho de Gestão da Mestre em Administração de Empresas pela PUC-SP, com
Secretaria de Desenvolvimento Urbano da cidade de projetos de pesquisas relacionados a ambientes urbanos.
São Paulo. É coordenador e professor da FIPE, professor convidado da
FIA, professor orientador do SENAC e pesquisador do Núcleo
de Estudos do Futuro da PUC-SP. Atualmente, lidera a área
de Pesquisa e Conhecimento da Hiria. É responsável por
mais de 100 projetos de inteligência de mercado em temas
337
relacionados à infraestrutura, cidades inteligentes, iluminação
pública e PPPs. Possui cursos de especialização pelo Insper,
FGV-EBAPE e George Washington University.
Em 2050 o mundo deverá atingir uma população
de 10 bilhões, sendo que 65% destas pessoas
irão viver em cidades. A complexidade do meio
urbano, as mudanças climáticas e a pressão por
recursos naturais irão exigir que os agentes públicos
locais criem soluções para o desenvolvimento
sustentável das cidades, a partir de novas tecnologias
e do estabelecimento de políticas de longo prazo.
O futuro das cidades passa pela estruturação de planos
para que os centros urbanos se tornem cada vez
mais verdes, humanos, inteligentes e resilientes. Isso
requer uma série de soluções, as quais implicam na
implementação de inovações ambientais, mudanças
na matriz energética, otimização dos sistemas de
mobilidade, estruturação de sistemas participativos e
melhoria das diversas operações urbanas.
Neste contexto, as Concessões e Parcerias Público
Privadas (PPPs) apresentam-se como uma importante
opor tunidade para as cidades viabilizarem
projetos e soluções para o desenvolvimento
sustentável. Isso porque os investimentos do setor
privado podem prover ativos de infraestrutura
e aprimorar a prestação de serviços públicos
O livro ‘O Futuro das Cidades: sustentabilidade,
inteligência urbana e modelos de viabilidade utilizando
PPPs e Concessões’ apresenta uma série de caminhos
e soluções para a estruturação de projetos de cidades
inteligentes e sustentáveis no Brasil. Trata-se de uma
obra para inspirar os leitores a redesenharem o futuro
das cidades.

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338 INTEGRA
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Consultoria

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