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8.

AS MIGRAÇÕES

Objetivos

1. Identificar a especificidade dos movimentos migratórios enquanto elemento


fundamental da dinâmica de crescimento das sociedades contemporâneas;
2. Distinguir os diferentes tipos de migrações;
3. Conhecer e aplicar os métodos de análise dos movimentos migratórios.

Introdução

Neste capítulo, apresentamos o componente restante do crescimento populacional, a


migração.

Começaremos por definir a migração. Em seguida, descreveremos os principais


padrões de migração interna e internacional e teorias sobre as causas ou
determinantes da migração. Finalmente, abordaremos as consequências e as
preocupações políticas da migração internacional, especialmente o fluxo populacional
das regiões menos desenvolvidas para as regiões mais desenvolvidas do mundo.

Além da fecundidade e da mortalidade, a terceira maneira pela qual as populações


mudam de tamanho é por meio da migração; o tamanho da população diminui na área
de origem e aumenta na área de destino. Ao contrário dos eventos anteriores, o
evento de migração pode ocorrer em várias ocasiões ou nunca ocorrer durante a nossa
vida.

8.1. O QUE É MIGRAÇÃO?

A migração é mais difícil de definir do que outros processos de crescimento


demográfico, a mortalidade e fecundidade. Nem todos os movimentos através das
fronteiras geográficas são migrações, uma vez que nem todos envolvem mudança de
residência. Nem há tentativas consistentes de registar todos os movimentos através
das fronteiras geográficas à medida que ocorrem.

Enquanto todos os nascimentos contribuem para a fecundidade e todas as mortes


contribuem para a mortalidade, nem todos os movimentos contribuem para a
migração. Uma viagem de férias, uma mudança para um apartamento vizinho, uma
viagem diária para o trabalho: essas mudanças não são migrações.

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O termo migração remete para a mobilidade espacial da população implicando a
mudança do lugar de residência (Nazareth, 2004). Com efeito, migrar é mudar de país
ou de Estado, de região ou de domicílio e ai permanecer pelo período de pelo menos
um ano.

Os movimentos migratórios integram a outra componente do crescimento total de uma


população, a qual, em conjunto com o crescimento natural, determina a dinâmica de
crescimento de um país ou de uma região. O crescimento migratório abrange três
situações distintas (Nazareth, 2004):
- a emigração (saída para um país de destino diferente, país de acolhimento, país
recetor) envolvendo emigrantes;
- a imigração (entrada de pessoas de um país origem diferente) envolvendo
imigrantes;
- as migrações internas (entradas e saídas entre unidades espaciais de um mesmo
país).

A análise demográfica mantém uma perspetiva clássica de «considerar como de


interesse para o estudo das dinâmicas demográficas apenas as deslocações que
implicam mudança de residência durante um período igual ou superior a um ano»
(Bandeira, 2004, p.312).

Quais os movimentos que os demógrafos consideram migrações? As migrações


humanas são os movimentos populacionais que aumentam ou diminuem os efetivos de
uma população ou sociedade. Para os demógrafos, a pertença a uma população está
intimamente ligada à ideia de residência (Bandeira, 2004). Residência, neste contexto,
significa mais do que apenas estar fisicamente presente numa localização geográfica,
num momento no tempo; implica estar socialmente “inserido” numa população.

A migração é identificada demograficamente como uma mudança na residência. Para


ser mais preciso, os demógrafos exigem uma mudança em três condições para se
qualificar como uma migração: (1) deve envolver uma mudança permanente ou
semipermanente na sua residência; (2) deve cruzar algum limite administrativo;(3)
deve ocorrer durante um determinado momento ou período (Pressat, 1980). Esta é a
definição mais simples de migração, uma mudança na residência através de alguma
fronteira geopolítica num determinado período de tempo.

A migração é por isso o movimento de pessoas ou grupos de um lugar para outro, seja
dentro do mesmo país ou entre países diferentes, de forma temporária ou permanente
(Bandeira, 2004).

213
O vocabulário da migração é mais facilmente introduzido ao examinar o diagrama
esquemático de migração simplificado e mostrado na Figura 27.

Figura 27 – Diagrama da Migração entre duas áreas

100
Área A
Área B
(população =1000)
(população=500)

50

Fonte: adaptado de Lundquist, Anderton and Yaiukey (2015).

Observamos duas áreas, A e B, cada uma com uma população residencial especificada
no início de um ano. Durante aquele ano, um conjunto de pessoas cruza da área A
para a área B e outro conjunto atravessa da área B para a área A. Suponhamos que
essas passagens de fronteira signifiquem mudanças de residência - que são migrações.

O foco de interesse está nos fluxos de migração. Um fluxo de migração consiste nas
pessoas que migram de uma área especificada para outra num determinado período
de tempo. As setas na Figura 27 mostram dois fluxos. Os números dentro das setas
indicam de quantas pessoas se trata e o tamanho da seta representa o tamanho do
volume.

De uma perspetiva local, as prioridades são diferentes. Consideremos a posição da


área A, sendo as áreas A e B nações. Dessa posição, os 100 que se movem da área B
para a área A representam a imigração; os 50 que se mudam da área A para a área
B representam a emigração.

Se as áreas em análise são consideradas nações, estamos perante migrações


externas ou internacionais1 mas se são consideradas subunidades administrativas
ou regionais de um mesmo país, então estamos perante migração internas
(Bandeira, 2004).

1
Deslocações que implicam o atravessar da fronteira com destino a outro país (Bandeira,
2004).

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Os demógrafos devem ter o cuidado de especificar a que escala de migração se
referem. Por exemplo, distinguem universalmente entre migração internacional ou
externa e a migração interna. Uma mudança residencial permanente, local ou
jurisdicional, é geralmente definida como uma mudança de residência, com duração de
pelo menos um ano (Poston & Bouvier, 2017).

É possível que um migrante volte para a sua área de origem durante o curso da sua
vida, e esse regresso residencial é conhecido como migração de retorno. A migração
de retorno é por isso, o movimento de pessoas que retornam ao seu país ou região de
origem depois de terem vivido em outro lugar por um período de tempo.

Também existe a migração forçada2, quando as pessoas são obrigadas a sair da sua
região de origem devido a conflitos armados, desastres naturais, perseguições políticas
ou outras situações que colocam suas vidas em risco. No âmbito da migração forçada
inclui-se pois a migração de refugiados, quando as pessoas procuram, por motivos
como conflito armado ou perseguição politica, religiosa ou étnica, asilo noutro país
(Grupo Foz, 2021).

A migração pode ser analisada segundo o ponto de vista do volume de imigrantes, do


volume de emigrantes, do saldo migratório (a diferença entre o número de imigrantes
e emigrantes) e em termos de fluxos migratórios (Grupo Foz, 2021).

Um fluxo ou corrente migratória é o número total de migrações feitas durante um


determinado intervalo de tempo, procedentes de uma mesma zona de origem e
dirigidos a uma mesma zona de destino (Grupo Foz, 2021). Trata-se de um grupo de
migrantes com uma área comum de origem e uma área comum de destino durante um
intervalo de migração específico.

Um contra fluxo de migração, geralmente menor em tamanho, move-se na direção


oposta do fluxo de migração durante o mesmo intervalo de tempo. Um intervalo de
migração, é o tempo decorrido entre dois eventos, nomeadamente a hora de chegada
à área de destino e a hora de saída da área de origem.

Embora haja uma certa variação na terminologia utilizada, o termo migração bruta
geralmente refere-se à soma dos fluxos de imigração e emigração (podendo envolver o
conjunto das migrações internas e externas), enquanto a migração líquida (saldo

2
Além da migração de refugiados, outro tipo de migração forçada é o tráfico humano moderno.
O tráfico de seres humanos é definido como recrutamento pela força ou engano para fins de
exploração sexual ou trabalho forçado.

215
migratório ou balança migratória) refere-se à diferença entre imigrantes e emigrantes
(Grupo Foz, 2021). O saldo líquido pode ser positivo, negativo ou zero.

A migração diferencial é o estudo das diferenças nas populações migrantes de


acordo com as suas características demográficas, sociais e económicas. Algumas
pessoas têm maior probabilidade de migrar do que outras, enquanto outras podem ter
maior probabilidade de permanecer devido aos seus atributos diferenciais, trata-se
aqui da seletividade da migração (Poston & Bouvier, 2017).

Lee (1966) observou que a migração não é apenas seletiva, o seu grau de seletividade
também varia Onde a migração é influenciada principalmente pelas atrações para a
área de destino, então os migrantes provavelmente serão selecionados positivamente.
Ou seja, aqueles que têm maior probabilidade de vencer na competição por essas
qualidades atraentes (por exemplo, empregos) têm maior probabilidade de migrar. Por
outro lado, onde a migração é impulsionada principalmente por forças negativas na
área de origem (como turbulência política ou calamidade natural), então a emigração
tende a ser menos seletiva.

Alguns obstáculos entre a área de origem e destino tais como a distância, barreiras
legais, ameaças à sobrevivência, tendem a tornar a migração mais seletiva. Com o
tempo, há uma tendência à erosão da seletividade num fluxo migratório, como nas
migrações pioneiras, nas quais jovens adultos aventureiros iniciam o fluxo e,
posteriormente, mandam buscar as suas famílias e amigos.

Ao processo de reconstituição da família, em fase subsequente à imigração de um dos


membros dá se o nome de reagrupamento familiar.

Lee (1966) observou igualmente que a migração é especialmente provável nas


transições entre as fases da vida: casar, entrar no mercado de trabalho, quando os
filhos saem de casa, divorciar-se, aposentar-se, ficar viúvo. Como vimos, uma
expressão disso é a seletividade quase universal por idade da migração à medida que
jovens adultos ingressam na força de trabalho.

A migração também “seleciona” os indivíduos por género, mas a natureza dessa


seleção varia, dependendo de questões, como a definição dos papéis de género.
Tradicionalmente, a migração é selecionada para homens jovens em busca de trabalho
ou dinheiro no exterior. Mas a seletividade por género torna-se mais variada à medida
que as barreiras à participação das mulheres no mercado de trabalho são reduzidas e,
particularmente, devido à globalização da procura por profissionais de saúde (UNCTAD,
2012; Chant & Radcliffe, 1992, conforme citado em Lundquist et al., 2015).

216
8.2. DETERMINANTES DA MIGRAÇÃO

Por que razão as pessoas migram? A migração é um fenómeno complexo e


multifacetado que é impulsionado por uma série de fatores económicos, políticos,
sociais, culturais e ambientais. A decisão de migrar, de mudar de lugar pode ocorrer
por diversos motivos, como a procura de melhores condições de vida, motivos
económicos, fuga de conflitos armados, perseguições políticas, procura de um
ambiente mais favorável à saúde ou à qualidade de vida, a reunião com familiares
(reunificação familiar), motivos culturais. Geralmente o que motiva alguém a migrar,
principalmente de forma voluntária, prende-se com fatores económicos, a procura de
oportunidades de trabalho e de melhores condições de vida.

Podemos ver que são inúmeras as razões que determinam a migração. Podem ir das
questões da segurança, direitos humanos, pobreza, alterações climáticas, ou como
consequência de desastres ambientais, guerras, perseguições políticas, étnicas ou
culturais, por motivos de estudos, entre outros, e que determinam a migração.

A pandemia também teve impacto na mobilidade humana, a curto, médio e longo


prazo. Hoje em dia temos os «nómadas digitais» que procuram outros destinos para
trabalhar durante uma temporada, fenómeno este que acelerou após a pandemia
Covid-19.

Ultimamente temos visto que a guerra é um determinante das migrações forçadas com
milhares de pessoas a deslocarem-se, neste caso são migrantes forçadas, refugiados
de guerra ou requerentes de asilo, como veremos adiante.

Vejamos alguns dos principais determinantes da migração já elencados:

 Fatores económicos: a busca por melhores oportunidades económicas, que é um dos


principais motivos que levam as pessoas a migrar e pode incluir a procura por
emprego, melhores salários, melhores condições de trabalho, acesso a serviços
básicos;

 Fatores sociais: a migração pode ser impulsionada por fatores sociais, como a busca
por um ambiente mais inclusivo, melhores oportunidades educacionais ou a
possibilidade de reunir-se com familiares que já emigraram. As desigualdades sociais
que se manifestam ao nível de todo o tipo de fatores também podem levar à migração;

 Fatores culturais: a busca por uma identidade cultural ou a preservação de tradições


são motivos que podem levar as pessoas a migrar;

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 Fatores ambientais: As mudanças climáticas podem levar a migrações forçadas, pois
as pessoas são forçadas a deixarem suas casas devido a desastres naturais, como
enchentes, secas, furacões e terremotos.

 Fatores políticos: A instabilidade política, a falta de segurança e os conflitos armados


são alguns dos fatores que levam as pessoas a deixarem seus países de origem em
busca de um lugar mais seguro para viver.

Estes fatores são motivações de emergência e aplica-se na maioria dos casos aos
refugiados que se encontram numa situação total de privação de recursos que
assegurem a sua sobrevivência, vítimas de grandes catástrofes como guerras, fome,
terramotos, etc.;

 Fatores demográficos: A pressão demográfica é outra razão que pode levar as


pessoas a migrar. Por exemplo, a superpopulação em algumas regiões pode levar à
falta de recursos, o que pode forçar as pessoas a procurarem outros lugares para
viver;

Temos ainda uma categoria de migração de quadros e especialistas designada por


«fuga de cérebros», muitas vezes designada de expatriados. E como já referido os
denominados «nómadas digitais».

Outras situações são os reformados que procuram Portugal como país de destino
denominados de Sunshine migration (imigrantes pelo sol), bem como os estudantes
internacionais e em mobilidade internacional.

8.3. IMPACTOS DA MIGRAÇÃO

A migração tem sido um fenómeno constante ao longo da história da humanidade e


tem um impacto significativo tanto na sociedade de origem quanto na sociedade de
destino dos migrantes. Ela pode trazer benefícios económicos e culturais, mas também
pode gerar desafios sociais e políticos, como a adaptação a novas culturas, a
segregação social ou a exploração económica dos migrantes.

8.3.1. Impacto no Tamanho, na Composição da População e nas Taxas de


Crescimento

Passemos do estudo da migração internacional como um processo populacional para o


estudo do impacto desse processo no tamanho e na composição da população. São

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esses resultados líquidos, e não os movimentos em si, que causam mais preocupação,
especialmente nos países de destino.

Podemos ver que as regiões menos desenvolvidas perderam migrantes e que as


regiões mais desenvolvidas ganharam os mesmos migrantes. A Ásia teve a maior
migração líquida negativa, com a maioria das outras perdas líquidas de migração
provenientes da África, América Latina e Caribe. A Europa e a América do Norte (EUA e
Canadá) foram as regiões com maior ganho líquido de migrantes.

As regiões mais desenvolvidas têm uma proporção maior de estrangeiros nascidos do


que as menos desenvolvidas. O impacto da migração líquida num país ou região é
influenciado não apenas pelo número líquido de migrantes que ele recebe, mas
também pelo tamanho da população residente recetora.

A migração internacional aumenta o tamanho da população e a taxa de crescimento da


população no país de destino e diminui no país de origem. É óbvio que a migração
líquida de uma população para outra diminuiria a população de origem no mesmo
número absoluto que aumentaria a população de destino.

O grau de impacto na taxa de crescimento das duas populações depende do tamanho


da população migrante líquida em relação ao tamanho da população residente. A
migração líquida de uma pequena para uma grande população, por exemplo, causaria
uma diminuição maior na taxa de crescimento da pequena população de origem do
que um aumento na taxa de crescimento da maior população de destino.

Os efeitos indiretos da migração também podem alterar as taxas de crescimento.


Separações, custos de migração e especialmente a seleção por idades, podem alterar
as taxas de fecundidade, nupcialidade e mortalidade nas populações de origem e
destino. Níveis mais altos de fecundidade migrante também operam indiretamente
para aumentar as taxas de crescimento nos países de destino.

Uma vez que a estrutura etária de uma população também é influenciada pela entrada
e saída de pessoas, as migrações são um fator cada vez mais importante na
determinação da intensidade do envelhecimento das regiões europeias. O conceito de
migração de substituição surge, neste contexto, como forma de abordar o possível
papel da imigração para compensar os défices populacionais e o envelhecimento
populacional

Com efeito, o conceito de migração de substituição surge no contexto do debate sobre


o papel das migrações no processo do envelhecimento populacional. O tema ganha
particular destaque na viragem para o século XXI, com a publicação do relatório da

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Organização das Nações Unidas (ONU) (2000) intitulado Replacement Migration: Is It a
Solution to Declining and Ageing Populations? A publicação é considerada um marco
fundamental sobre o tópico. No entanto, desde o final dos anos 80 do século XX que é
possível identificar pesquisas baseadas no conceito de migração de substituição
(Peixoto et al., 2017).

8.3.2. Impacto na Força de Trabalho e na Economia

Teoricamente, a imigração de países menos desenvolvidos para países mais


desenvolvidos seleciona explicitamente os jovens adultos. Como os países mais
desenvolvidos têm populações residentes mais velhas, eles ganham o benefício de um
aumento necessário na sua força de trabalho jovem. Em contraste, os países menos
desenvolvidos têm populações muito jovens e a remoção de adultos em idade
produtiva tornaria ainda piores as taxas de dependência de idade já altas. Em geral, os
países mais desenvolvidos de destino beneficiam da seleção por idade da migração.

A imigração internacional também favorece os adultos em idade ativa que são


necessários nos países de destino. Dependendo do fluxo de migração, pode favorecer
mão de obra altamente qualificada ou mão-de-obra menos qualificada.

Teoricamente a migração internacional de trabalhadores beneficia as economias dos


países de destino, mas há um grande debate sobre como e em que medida as
economias de destino beneficiam dessa imigração.

A perda de indivíduos com maior escolaridade para a migração (chamada “fuga de


cérebros”) é motivo de preocupação para muitos países. O impacto seria maior nas
regiões que já enfrentam escassez de trabalhadores altamente qualificados e
economias estagnadas. No entanto, estudos mostraram que a emigração de mão-de-
obra qualificada pode trazer mais benefícios do que prejuízos, para as sociedades de
origem dos emigrantes (Clemens, 2009). A chave é desenvolver programas e
infraestruturas que facilitem a migração de retorno ou o investimento sustentado pelas
comunidades emigrantes da diáspora, de modo que possam usar as suas experiências
de trabalho como um “ganho intelectual” para os seus países de origem (UNCTAD,
2012).

Embora seja provável que a emigração selecione os mais empregáveis de um país de


origem, esses migrantes “selecionados positivamente” ainda podem sofrer em
comparação com a força de trabalho residente no país de destino. Na verdade, a teoria
das economias duais sugere que os imigrantes tendem a estar entre os trabalhadores

220
menos qualificados, menos educados e com salários mais baixos no país de destino. Os
salários dos trabalhadores migrantes, por exemplo, são apenas cerca de três quartos
dos da população nativa na Alemanha e nos Estados Unidos, e menos da metade dos
da população nativa que trabalha em muitas das mesmas indústrias na Coreia do Sul
(Duleep & Dowhan, 2008; Nações Unidas, 1998a).

A migração contribui para o desenvolvimento global. Por causa das estratégias de


migração familiar, muitos trabalhadores no exterior enviam remessas (rendimentos)
para as suas famílias, o que reduz a pobreza, tendo efeitos multiplicadores na
economia nacional, fornecendo uma importante fonte de divisas.

Os fluxos de remessas não são um simples caso de troca económica de países mais
desenvolvidos para países menos desenvolvidos. Como a maioria dos imigrantes
internacionais muda-se para países vizinhos nas suas regiões, e não para os países
mais desenvolvidos, a maioria das remessas são de países menos desenvolvidos
ligeiramente mais ricos para outros países menos desenvolvidos. Os países que
dependem fortemente dessas remessas tornam-se vulneráveis a mudanças nas
condições de emprego e/ou políticas de imigração no país de destino. Além disso, a
privação relativa e a desigualdade social na comunidade de origem podem ser
ampliadas pelo acesso desigual às remessas. (Lundquist et al., 2015).

Os argumentos económicos sobre os custos e benefícios da migração internacional são


extensos, complexos e diversos. Existem duas perspetivas básicas sobre a migração
internacional: uma positiva e aberta e outra negativa e fechada.

Organizações e organismos como a Igreja Católica e o Banco Mundial defendem uma


migração internacional mais ampla e mais livre defendendo que as pessoas não devem
ser confinadas aos seus países de origem por fronteiras nacionais e que mais migração
aceleraria o crescimento económico e o desenvolvimento tanto nos países emissores
como nos países recetores (Poston & Bouvier, 2017).

Uma posição oposta é defendida por muitas organizações, defendendo a redução no


número de imigrantes internacionais. A maioria das análises na Europa Ocidental e nos
Estados Unidos mostra muito claramente que o impacto da imigração sobre empregos
e salários é fraco ou inexistente. Os imigrantes muitas vezes acabam nos “trabalhos
sujos, difíceis e perigosos, ou degradantes, evitados pelos trabalhadores locais”. As
evidências mostram pouca competição nestes tipos de emprego entre imigrantes e
residentes locais. Os imigrantes são frequentemente os primeiros a serem demitidos e
também “ganham menos do que os trabalhadores locais em empregos semelhantes”
(Poston & Bouvier, 2017).

221
8.3.3. Impacto na Composição Social

É difícil rever os debates populares passados e presentes dos países mais


desenvolvidos sobre as políticas de imigração sem suspeitar que eles são fortemente
motivados pela xenofobia. Esse medo de estrangeiros etnicamente distintos resultou
em muitos grupos de migrantes sendo vistos como “problemas” pelas populações nos
países de destino, e racionalizados com estereótipos étnicos negativos nos debates
políticos. Na verdade, quase todos os grupos de imigrantes com qualquer diferença
identificável da população anfitriã foram discriminados nas políticas de migração,
diferindo principalmente em grau. As políticas de imigração e os debates nacionais
têm, por sua vez, perpetuado e solidificado atitudes discriminatórias em relação aos
imigrantes. Os migrantes são caracterizados em várias ocasiões, por exemplo, como
um perigo para a saúde pública, uma ameaça à segurança do emprego, um
esgotamento dos sistemas de previdência social, como criminosos e terroristas e uma
ameaça aos grupos ou culturas dominantes do país de acolhimento. Esses sentimentos
em relação aos migrantes têm maior probabilidade de afetar a política de migração.

Em vários momentos da história, algumas preocupações discriminatórias com a


composição dos fluxos de migrantes eram claramente plausíveis. Um exemplo histórico
é a quarentena de migrantes. Quarentenas em países específicos com doenças
endémicas generalizadas, por exemplo, foram justificáveis, mesmo que
discriminatórias, em alguns casos. Se o surto de Ébola tivesse sido acompanhado por
fluxos de migrantes dos países afetados, as sociedades de acolhimento teriam
estabelecido quarentenas ou mesmo proibições temporárias de migração. No entanto,
em outros casos, o mesmo motivo foi usado para deter migrantes sem evidências
plausíveis de uma ameaça à saúde pública.

Também é importante reconhecer que a qualquer momento a visão dos migrantes


como um “problema social” pode ser genuína para alguns e uma desculpa para a
discriminação de outros. Por exemplo, o temor de que a importação de mão de obra
estrangeira resulte em queda de salários para ocupações de baixa qualificação no país
anfitrião é uma crença comum entre muitos - uma preocupação genuína para alguns e
uma desculpa para discriminar outros.

8.4. MIGRAÇÃO INTERNACIONAL

O estudo teórico da migração começou com observações de que nem todas as pessoas
têm a mesma probabilidade de se mover - na verdade, a grande maioria no mundo
não migra internacionalmente e que as pessoas que têm maior probabilidade de se

222
mover, pode-nos ajudar a entender as forças subjacentes à migração. A identificação
dos grupos com maior probabilidade de migrar fornece generalizações empíricas sobre
a migração que podem então contribuir para as explicações teóricas da migração
(Pressat, 1980).

Acredita-se que a primeira migração internacional de humanos ocorreu há cerca de


60000 anos. A migração internacional é um movimento geográfico que envolve uma
mudança de residência que atravessa as fronteiras de dois ou mais países. A migração
internacional tem impactos positivos e negativos nas áreas de origem e nos países de
destino (Poston & Bouvier, 2017).

Muito da história da migração humana ocorreu antes dos demógrafos começarem a


recolher dados sobre a migração. Para colocar o estudo num contexto histórico, seria
útil rever esses padrões de migração pré-históricos e históricos até aos tempos
modernos.

Com fluxos contínuos e variáveis, escolhemos como ponto de partida para introduzir a
migração moderna o ano de 1965, embora a mudança dos padrões de migração pré-
modernos para os modernos na verdade tenha abrangido o período do final da
Segunda Guerra Mundial até então. Durante estas duas décadas, os padrões de
migração sofreram uma mudança fundamental de migrações amplamente influenciadas
pela expansão da população europeia e história política, para migrações cada vez mais
influenciadas pela globalização, a demografia dos países pós-transição soviética e
movimentos de refugiados de conflitos e guerra civil.

A migração pode ter diversas formas, desde migrações individuais até grandes
deslocações em massa de populações. Pode ser voluntária, quando a decisão de
migrar parte dos próprios indivíduos, ou forçada, quando as pessoas são obrigadas a
deixarem seus lares devido a desastres naturais, conflitos armados ou outras situações
que colocam suas vidas em risco.

Como vimos, a migração pode ser voluntária ou forçada.

A migração voluntária ou espontânea acontece de acordo com a vontade do


indivíduo.

Fazendo um enquadramento histórico, nos Estados Unidos, quando as restrições à


imigração foram amenizadas em meados da década de 1960, deu-se uma onda de
imigrantes, que é muito diferente do que aconteceu antes ou durante as guerras
mundiais. A imigração da Europa para os Estados Unidos continuou, mas com níveis
reduzidos. Na América, o fluxo dominante de migração mudou de europeus para a

223
América do Sul e do Norte, para latino-americanos para a América do Norte, com a
imigração a diminuir no período da Grande Recessão.

Na Europa, os realinhamentos políticos do pós-guerra, a reconstrução e a prosperidade


da Europa Ocidental atraíram imigrantes da Europa Oriental, que durou até à
dissolução da União Soviética. A prosperidade na Europa e o envelhecimento da força
de trabalho europeia atraíram imigrantes do norte da África e do Médio Oriente,
embora esses fluxos tenham estagnado temporariamente durante a recessão de 2007-
2009 e as suas consequências. Essas mudanças resultaram numa mudança, como na
América, dos fluxos de migração norte-sul para sul-norte.

Embora as causas sejam bem diferentes, uma reversão semelhante nos padrões de
migração ocorreu na Federação Russa e na Comunidade de Estados Independentes.

Os fluxos de migração pré Segunda Guerra Mundial que fluíam das regiões mais
desenvolvidas para as menos desenvolvidas mudaram de direção.

Os fluxos de migração interna entre os países europeus também aumentaram de


forma constante com o surgimento da União Europeia (UE) e a abertura das fronteiras
dentro da UE.

A migração é influenciada por uma combinação de fatores económicos, ambientais,


políticos e sociais: tanto no país de origem do migrante (fatores de repulsão – push
factors) quanto no país de destino (fatores de atração – pull factors) (Grupo Foz,
2021). Historicamente, acredita-se que a relativa prosperidade económica e a
estabilidade política da UE tenham exercido um considerável efeito de atração sobre os
imigrantes.

A grande mudança dos padrões modernos de migração têm sido o aumento da força
de trabalho temporário em larga escala com deslocalizações das economias menos
desenvolvidas para as mais desenvolvidas. Isso é frequentemente conhecido como
migração "circular" realizada por "trabalhadores convidados". Os fluxos internacionais
deste tipo tornaram-se consideráveis no contexto moderno de globalização e sistemas
de transporte de alta velocidade. As mesmas condições que atraíram a imigração
voluntária para a Europa e América do Norte (ou seja, uma força de trabalho em
envelhecimento e prosperidade relativa), quando combinadas com as restrições de
imigração, incentivaram a importação de migrantes estrangeiros com estatuto não
permanente, trabalhador convidado ou indocumentado para atender às necessidades
da força de trabalho. Os fluxos de migração para esses países de regiões menos
desenvolvidas incluem migrações de mão-de-obra temporária substanciais. Nos países
ricos em petróleo do Golfo, grandes percentagens da população são compostas por

224
imigrantes trabalhadores convidados. Em alguns desses países, como Kuwait, Catar e
Emirados Árabes Unidos, os imigrantes são uma maioria. As primeiras ondas de
imigrantes foram recrutadas principalmente de países mais pobres do Médio Oriente,
como a Palestina, Iêmen e Jordânia, mas a maioria dos trabalhadores temporários nos
estados do Golfo, hoje é recrutada na Ásia (Kapiszewski, 2006). Duas correntes de
migração da Ásia consistem substancialmente em migrações de mão-de-obra
temporária. O primeiro desses fluxos foi do Centro-Sul da Ásia (por exemplo,
Bangladesh, Índia, Paquistão e Sri Lanka) para outros países asiáticos e no exterior
para o Médio Oriente e Oceânia. Outro grande fluxo de migração é o do sudeste
asiático (por exemplo, Indonésia, Filipinas e Tailândia) e leste da Ásia (por exemplo,
China e Coreia) para a Ásia ocidental e no exterior.

Nem todos os fluxos de migração da força de trabalho são migrações temporárias ou


sazonais, e mesmo aquelas que começam como temporárias na intenção podem não
permanecer assim. Esses fluxos de migração são, no entanto, uma parte importante
dos padrões modernos de migração. Podem representar problemas tanto para os
países de acolhimento quer para os imigrantes devido à ambiguidade de seu estatuto
temporário.

Nos países de destino, a migração internacional pode ser usada como uma ferramenta
para resolver carências específicas do mercado de trabalho. No entanto, a migração
por si só quase certamente não reverterá a tendência atual de envelhecimento da
população em muitas partes do mundo e principalmente na UE.

Atualmente as migrações internacionais voluntárias (imigrantes económicos) e forçadas


(refugiados) tomaram proporções em grande escala, sendo um fenómeno global.

Na União Europeia assiste-se a um crescimento a uma escala sem precedentes. No site


do Eurostat3 apresentam-se estatísticas da União Europeia (UE) sobre migração
internacional (fluxos), número de cidadãos nacionais e não nacionais na população
("stocks") e dados relativos à aquisição de cidadania. A imigração para a UE de países
terceiros foi de 1,9 milhões em 2020. Um total de 3,3 milhões de pessoas imigraram
para um dos Estados-Membros da UE em 2020, enquanto 2,2 milhões de emigrantes
teriam deixado um Estado-Membro da UE. No entanto, estes valores totais não
representam os fluxos migratórios de/para a UE como um todo, uma vez que também
incluem fluxos entre diferentes Estados-Membros da UE.

Em 2020, houve cerca de 1,9 milhões de imigrantes para a UE de países não


pertencentes à UE e cerca de 956 mil pessoas emigraram da UE para um país fora da

3
https://ec.europa.eu/eurostat

225
UE. Além disso, 1,2 milhões de pessoas que residiam anteriormente em um membro
da UE Estado migrou para outro Estado-Membro. A título de comparação, em 2019
houve, respetivamente, cerca de 2,7 milhões de imigrantes para a UE de países não
pertencentes à UE e cerca de 1,2 milhões de pessoas emigraram da UE para um país
fora da UE; além disso, 1,4 milhão de pessoas que residiam anteriormente em um
Estado-Membro da UE migraram para outro Estado-Membro em 2019 (Migration and
migrant population statistics, Eurostat4). Mais dados e estatísticas europeias
atualizadas sobre migração internacional e asilo podem ser consultadas no site do
Eurostat5.

Se não existisse a imigração, a maioria dos países europeus teriam uma descida
abrupta da população. A melhor forma de um país lutar contra o decréscimo
demográfico é aumentar o seu fluxo e entrada de imigrantes. Sem migração, a
população europeia teria diminuído em meio milhão de habitantes em 2019, dado que
nasceram 4,2 milhões de crianças e morreram 4,7 milhões de pessoas na UE. Em
2020, a população da UE diminuiu em cerca de 100 mil pessoas (de 447,3 milhões em
1 de janeiro de 2020 para 447,2 milhões em 1 de janeiro de 2021), devido a uma
combinação de menos nascimentos, mais mortes e menos migração líquida.

Os migrantes internacionais são frequentemente classificados como migração


regular ou migração irregular, autorizados ou não autorizados e sem documentos.
A migração regular ou autorizada, é a migração que ocorre por vias legais
reconhecidas (OIM, 2009).

A migração irregular ou não autorizada é o movimento que ocorre fora do âmbito


das normas reguladoras dos países de envio, de trânsito e de acolhimento. Não existe
uma definição clara ou universalmente aceite de migração irregular. Da perspetiva dos
países de destino a entrada, a permanência e o trabalho num país é ilegal, sempre que
o migrante não tenha a necessária autorização ou os documentos exigidos pelos
regulamentos de imigração relativos à entrada, permanência ou trabalho de um dado
país. Da perspetiva do país de envio a irregularidade é vista em casos em que, por
exemplo, uma pessoa atravessa a fronteira internacional sem um passaporte válido ou
documentos de viagem ou não preenche os requisitos administrativos para deixar o
país. Há, porém, a tendência de usar o termo “migração ilegal” nos casos de
contrabando de migrantes e de tráfico de pessoas (OIM, 2009). Um imigrante não

4
https://ec.europa.eu/eurostat
5
Ver mais em https://ec.europa.eu/eurostat/web/migration-asylum.

226
autorizado é um migrante internacional que imigra para um país de acolhimento
“através de canais irregulares ou extralegais” e que não foi admitido pelo país de
acolhimento para residência permanente «e não está num conjunto de estatutos
temporários autorizados específicos que permitem residência de longo prazo e
trabalhar.» (Poston & Bouvier, 2017, p. 260).

Um migrante internacional não é autorizado quando 1) a pessoa entra ilegalmente sem


inspeção; ou 2) o migrante ultrapassa o limite de tempo de um visto temporário de
não-imigrante obtido legalmente. Em relação ao volume de imigrantes não autorizados
em todo o mundo, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima o
número entre 30 e 35 milhões de pessoas, constituindo cerca de 15 por cento (%) ou
mais do número total estimado de 232 milhões de migrantes internacionais. A maioria
dos imigrantes não autorizados vem de países em desenvolvimento e tende a ir para
certos países que servem como imãs para imigrantes não autorizados (Poston &
Bouvier, 2017).

Abordando agora a migração forçada é quando as pessoas são obrigadas a sair da


sua área de residência, por razões que ultrapassam a vontade individual. As migrações
temporárias e os deslocados de refugiados superam as migrações permanentes, nos
tempos modernos.

Em 2015 mais de 3000 refugiados perderam a vida no mar Egeu ou no Mediterrâneo.


O apelo das nações Unidas foi severo. Em 2015 o mundo contava com 19,9 milhões de
refugiados. Houve mais refugiados em 2015 do que em 1945, mas entre os dois
momentos a população triplicou. Em 2015 mais de metade desses refugiados
provinham da Síria, do Afeganistão e da Somália, para a Europa ou para países
vizinhos.

A migração forçada sob várias formas resulta, direta ou indiretamente, de expansões e


conflitos de estado. As nações em expansão frequentemente estabelecem postos
comerciais avançados, como fizeram os fenícios e os gregos ao redor do Mediterrâneo.

Em termos de contextualização histórica, uma grande mudança no período de


migração moderna é a mudança nos níveis e padrões da migração forçada. Os
movimentos de refugiados cada vez mais importantes dos tempos modernos
testemunham a persistência das migrações forçadas.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o tamanho da migração forçada aumentou.


A população global de refugiados, por exemplo, aumentou de menos de 2 milhões em
1965 para mais de 15 milhões de pessoas em 2013 (Nações Unidas, 2013b; ACNUR,
2005). São migrações de pessoas que têm de deixar as suas casas para a sua própria

227
segurança ou sobrevivência, muitas vezes devido a guerras ou desastres naturais. Ao
incluir o número de pessoas que também foram deslocadas internamente, o número
de refugiados sobe para cerca de 43 milhões em todo o mundo (Nações Unidas,
2013b).

As origens dos movimentos de refugiados também mudaram: nas décadas de 1940 e


1950, as migrações forçadas foram principalmente consequências das guerras
europeias e do declínio dos impérios europeus. As migrações forçadas hoje têm sido
em grande parte o resultado das guerras dos EUA no Médio Oriente e de conflitos
entre alguns países menos desenvolvidos. A mudança na origem global dos refugiados
ao longo do tempo reflete essa mudança: na década de 1950, os refugiados eram em
grande parte de países europeus; em 2012, mais da metade de todos os refugiados
eram do Afeganistão e do Iraque ou de países em guerra civil, como a Síria, Sudão e
Somália.

As migrações forçadas durante e após a Segunda Guerra Mundial (por exemplo,


milhões de judeus provenientes da Alemanha como refugiados políticos durante a
ascensão de Hitler ao poder nos anos 1930) prenunciaram a importância crescente dos
movimentos de refugiados no período moderno.

O fim da Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria que se seguiu resultaram em


imensas migrações forçadas. Cerca de 20 milhões de pessoas na Europa Central e
Oriental estiveram envolvidas em vários tipos de voos, trocas, expulsões e
transferências. A maioria dessas pessoas mudou-se para a Europa; alguns acabaram
na América do Norte ou em outros países fronteiriços. Na Ásia, 3 milhões de japoneses
que se mudaram para partes distantes do império foram devolvidos por decreto à
pátria.

A emergência do sistema colonial no pós-guerra também resultou em migrações


forçadas. A divisão da Índia e do Paquistão em 1947, por exemplo, resultou na fuga de
cerca de 7 milhões de hindus para a Índia e igual número de muçulmanos para o
Paquistão. Em 1948, após o estabelecimento do Estado de Israel, cerca de 700 000
árabes palestinianos fugiram. A vitória comunista na China em 1949 causou a migração
de milhões para outras partes da Ásia, como Taiwan. A revolução cubana enviou uma
onda de migrantes através do Atlântico Sul para as costas da Flórida. A guerra indo-
paquistanesa em 1971 deu origem ao estado de Bangladesh e desencadeou a troca de
outros milhões entre aquele país, Índia e Paquistão.

O estabelecimento de estados africanos pós-coloniais, com fronteiras arbitrariamente


designadas por antigas potências coloniais, resultou em migrações maciças e preparou

228
o cenário para conflitos futuros na região. Conflitos e guerras civis dentro dos estados
africanos resultaram em migrações significativas de refugiados na Somália, Sudão,
República Democrática do Congo e Mali, entre outros. A invasão do Afeganistão e do
Iraque pelos EUA, o conflito árabe-israelita e o conflito na Síria geraram outros
movimentos de refugiados.

Os países asiáticos acolhem quase metade dos refugiados do mundo, muitos dos quais
são afegãos deslocados. Os países africanos também recebem uma proporção
substancial, mais de 30%, dos refugiados.

No contexto Europeu, desde a agressão militar da Rússia na Ucrânia, em fevereiro de


2022, a Europa recebeu o maior número de pessoas que fogem da guerra, desde a
Segunda Guerra Mundial. Os esforços têm ido no sentido de acolher as pessoas que
fogem da guerra na Ucrânia, conceder proteção temporária, e integrá-las nas
sociedades de acolhimento. De acordo com os dados do Alto Comissariado das Nações
Unidades para os Refugiados (ACNUR), no final de 2021 existiam em todo o mundo
27,1 milhões de refugiados e 53,2 milhões de pessoas deslocadas internamente
(devido a conflitos e violência).

8.5. IMIGRAÇÃO NO CONTEXTO PORTUGUÊS

A relação de Portugal com a questão das migrações não tem sido homogénea.
Recentemente, passou de ser considerado um país de emigração na UE, do qual as
pessoas saem em busca de melhores oportunidades financeiras, para ser considerado
também um país de imigração, recebendo cada vez mais imigrantes e estrangeiros
para viver e trabalhar. Portugal foi considerado no último século como um país de
emigração, visto que mais pessoas emigravam de Portugal do que aquelas que
imigravam para o nosso país. Os saldos migratórios negativos entre 2011 e 2016 (mais
emigração e menos imigração) foi uma consequência da crise económica e financeira
que afetou Portugal, tendo levado ao abrandamento dos fluxos de entrada e ao
aumento dos fluxos de saída. No entanto, o saldo migratório inverteu-se de 2016 para
2017 ao tornar-se positivo pela primeira vez nesses últimos seis anos6. Em Portugal
existe o Observatório da emigração que acompanha este fenómeno na atualidade, com
dados sempre atualizados e inúmeras publicações7.

Maria Beatriz Rocha-Trindade introduziu em Portugal o ensino e a área científica da


sociologia das migrações. É professora catedrática e fundadora do Centro de Estudos

6
https://eurocid.mne.gov.pt/artigos/imigracao-e-emigracao-em-portugal
7
http://observatorioemigracao.pt/

229
das Migrações e das Relações Interculturais. A obra Sociologia das Migrações (Rocha-
Trindade et al. 1995) ainda hoje é utilizada por centenas de estudantes e
investigadores ligados às temáticas das migrações.

Maria Ioannis Baganha (1950-2009) foi também uma figura de maior destaque nos
estudos contemporâneos sobre migrações em Portugal, acompanhou a imigração
estrangeira para Portugal nas últimas décadas. Bem como as migrações na Europa
mediterrânica e no conjunto da União Europeia8.

Em Portugal, tal como nos outros países do Sul da Europa, a história da imigração é
relativamente recente, e prende-se com o processo de descolonização, com uma
primeira vaga oriunda das ex-colónias, nas décadas de 1970 e 1980, uma segunda
vaga ligada à entrada de Portugal na União Europeia e uma terceira vaga oriunda dos
países da Europa de Leste num fenómeno transversal a toda a Europa.

De acordo com Peixoto (2002, pp.1-3), «nas últimas décadas Portugal tornou-se num
país de imigração, com o número de imigrantes a crescer de forma exponencial e uma
maior diversidade de origens nacionais e étnicas. Em termos territoriais a sua
distribuição é cada vez mais vasta. A imigração tem contribuído de forma muito
significativa para as dinâmicas demográficas locais, regionais e nacionais, o que tem
tido efeitos muito positivos em vários sectores de atividade económicos».

Malheiros e Esteves (Coord.,2013), realizaram um diagnóstico da população imigrante


em Portugal. Constituiu um estudo relevante. Na altura apesar de um decréscimo, a
população estrangeira representava 5,7% entre os residentes do país. No entanto,
tendo sido realizado num contexto pré crise e considerando a rápida mutação das
migrações, toda a rápida mudança que ocorreu nos últimos anos exigem uma
sistemática atualização deste tipo de diagnóstico.

Embora a crise económica de 2008-2011 tenha reduzido os fluxos migratórios, essa


tendência foi invertida a partir de 2016.

No estudo de Peixoto, Craveiro, Malheiros e Oliveira (2017) sobre migrações e


sustentabilidade demográfica, os autores são unânimes em afirmar que Portugal
precisa de imigrantes. Avaliam a dimensão do saldo migratório (positivo) necessário
para a compensação do processo de envelhecimento e declínio populacional, sendo
este fundamental para a sustentabilidade demográfica do país. Portugal poderá sofrer

8
Destacam-se algumas das suas publicações mais abrangentes sobre as migrações: "Migrações
internacionais de e para Portugal: o que sabemos e para onde vamos?" (Baganha & Góis,
1999); “Novas migrações, novos desafios: A imigração do Leste Europeu” (Baganha, Marques &
Góis, 2004) e “Política de imigração: A regulação dos fluxos” (Baganha, 2005).

230
um declínio e envelhecimento acelerado nas próximas décadas se a população
residente não for compensada por migrações, sendo a noção base de “migrações de
substituição” definidas neste estudo como o volume de migrantes necessário para
compensar o decréscimo do saldo natural da população (diferença entre nascimentos e
óbitos) e evitar a progressão do declínio e envelhecimento populacional (Peixoto et al.,
2017).

Analisando as expressões mais recentes da análise da imigração em Portugal, o país


passou de um país de emigração para um país de imigração a partir das décadas de 80
e 90 do século passado, tendo reduzido o número de pessoas que saiam e
aumentando os movimentos de entrada no país. No entanto, a partir dessas décadas
Portugal a realidade migratória transforma-se, passando a existir fluxos emigratórios e
imigratórios de forma simultânea (Góis & Marques, 2018).

Rocha e Diogo (2020) fizeram um retrato dos Açores onde a dinâmica demográfica
esteve sempre dependente da mobilidade internacional, em especial da emigração e só
muito recentemente a imigração tomou maior expressão (Rocha & Diogo, 2020). O
volume da população estabilizou-se entre 1981 a 2011, apesar de uma alteração na
mobilidade com um decréscimo da emigração, e pela primeira vez de forma regular, a
uma entrada de estrangeiros, muitos deles enquadrados numa imigração de carácter
económico.

De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Observatório das Migrações,


em Portugal, o número de imigrantes residentes tem vindo a aumentar
consecutivamente nos últimos anos. Em 2020 verificou-se um acréscimo da população
estrangeira residente, com um aumento superior a 12% face a 2019, registando assim
um valor total de 662.095 cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência,
valor mais elevado registado. Portugal viu os perfis das entradas de estrangeiros
alterarem-se desde 2008.

Até à primeira quinzena do século XXI, as principais razões de entrada ou de


solicitação de entrada no país eram de natureza laboral, referido no Relatório
Estatístico Anual sobre Indicadores de Integração de Migrantes 2021 do Alto
Comissariado para as Migrações (Oliveira, 2021).

Atualmente a população estrangeira residente em Portugal aumentou em 2022 pelo


sétimo ano consecutivo, totalizando 757.252 estrangeiros titulares de autorização de
residência, e as comunidades brasileira e indiana foram as que mais cresceram,
anunciou o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF, 2022).

231
De acordo com o SEF (2022), as principais comunidades estrangeiras residentes em
Portugal são de cidadãos do Brasil (233.138), do Reino Unido (36.639), de Cabo Verde
(35.744), da Índia (34.232), de Itália (33.707), de Angola (30.417), de França
(27.614), Ucrânia (26.898), Roménia (23.967) e Nepal (23.441).

Quadro 17 - Evolução e variação das 10 principais nacionalidades estrangeiras


residentes e numericamente mais representadas em Portugal, 2019-2020

Fonte : ACM, Relatório Estatístico Anual, 2021.

De acordo com o Relatório Estatístico Anual 2022 de Indicadores de Integração de


Imigrantes, «desde 2008 que Portugal observa uma alteração nos perfis das entradas
de estrangeiros e um aumento de alguns fluxos – caso dos estudantes, de
investigadores e altamente qualificados, trabalhadores independentes, investidores e
de reformados – e diminuição de outros – entradas para o exercício de atividades
subordinadas (embora em recuperação nos anos mais recentes). Até à primeira
quinzena do século XXI, as principais razões de entrada ou de solicitação de entrada
no país eram de natureza laboral. Desde essa altura, os fluxos de entrada de
imigrantes e estrangeiros começaram a associar-se ao reagrupamento familiar e ao
estudo» (Oliveira, 2022, p.38).

O Instituto Nacional de Estatística (INE) iniciou uma série temática “O que nos dizem
os Censos” e em 2022 apresentou a publicação “O que nos dizem os Censos sobre a
população de nacionalidade estrangeira residente em Portugal” (INE, 2022). Dos dados
apurados podemos em síntese salientar os principais resultados: Residiam em Portugal
542.165 pessoas de nacionalidade estrangeira, representando 5,2% do total da
população residente; a população de nacionalidade brasileira era a mais

232
representativa, totalizando 36,9% do total de estrangeiros, no entanto na última
década, alterou-se ligeiramente o grupo das nacionalidades mais representativas, com
o reforço dos nacionais de países asiáticos e da União Europeia e o decréscimo da
representatividade das nacionalidades dos PALOP e mais de 68% da população de
nacionalidade estrangeira (dos 15 aos 64 anos) era economicamente ativa e 60,5%
encontrava-se empregada.

Em termos de migrações forçadas e refugiados, de acordo com o Relatório Estatístico


do Asilo (Oliveira, 2022) “dos 26,4 milhões de refugiados no mundo, apurados pelo
ACNUR em 2020, os dados mostravam que Portugal somente acolheu cerca de 2,4 mil,
ou seja, 0,1% dos cerca de 2,7 milhões de refugiados que estavam na União
Europeia”. Entre os 27 países da União Europeia, Portugal é dos que menos acolhe
refugiados, ocupando o 20.º lugar.

Neste Relatório Estatístico do Asilo 2022 – Requerentes e Beneficiários de Proteção


Internacional em Portugal, são disponibilizados dados estatísticos e administrativos, de
fontes internacionais e nacionais, para informar decisores políticos e sensibilizar a
opinião pública acerca das principais tendências do acolhimento de requerentes e
beneficiários de proteção internacional em Portugal. O país melhorou a sua posição em
relação a taxas de recusa, passando de 77% em 2020 para 40% em 2021. Os pedidos
de asilo voltaram a subir em 2021, sendo que 40% desses pedidos foram de pessoas
oriundas Afeganistão, e a diretora do OM destacou o papel solidário na ajuda
humanitária aos afegãos e a menores não acompanhados. Portugal adquiriu um novo
posicionamento no panorama europeu no âmbito da proteção internacional,
participando em vários mecanismos europeus de apoio à proteção internacional que
induziram ao incremento desta realidade no país (Oliveira, 2022)9.

Com base na informação do SEF (2022), os pedidos de asilo em 2021 aumentaram


53,4%, face ao ano anterior, totalizando os 1.537 pedidos, nos quais se incluem os
referentes ao mecanismo de recolocação no âmbito dos compromissos nacionais
assumidos com a UE (SEF, 2022). Em 2022, Portugal atribuiu o estatuto de proteção
temporária a 56.382 cidadãos que fugiram da guerra na Ucrânia e concedeu 113 mil
novas autorizações de residência a estrangeiros, num total de 757 mil (Neves, 2022).

Temos de ter em conta que os indicadores e os números das estatísticas oficiais sobre
imigrantes e requerentes de asilo não espelham toda a realidade pois cobrem todas as

9
Ver o Relatório Estatístico do Asilo 2022 disponível em
https://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/colecao-imigracao-em-numeros/relatorios-asilo.

233
situações, deixando de fora destes números mais de 300.00 casos que ainda estão a
aguardar a regularização e estão pendentes, bem como os estrangeiros que,
entretanto, adquiriram a nacionalidade portuguesa, e que também deixam de contar
para estes números.

8.6. PROBLEMAS E POLÍTICAS DE MIGRAÇÃO

As consequências da migração são sentidas tanto por migrantes individuais quanto


pelas coletividades sociais (por exemplo Estados-nação) de onde saem e entram. Ao
nível individual, a maioria das teorias de migração sugere que, em última análise,
esperaríamos um efeito positivo para os imigrantes e empregadores que os contratam.
Essa, supostamente, era a expetativa dos migrantes individuais, pelo menos na
migração livre. No entanto, os problemas populacionais e as políticas geralmente são
definidos num nível coletivo.

Quais são os efeitos coletivos da migração nas populações de origem e destino?

Obviamente, a movimentação do número de pessoas pode afetar diretamente o


tamanho e as taxas de crescimento das populações de origem e de destino. A
migração também pode alterar o tamanho e a composição da força de trabalho em
ambos os países. Uma troca de moradores entre as populações também altera a
composição social e cultural de cada uma.

Embora a migração internacional seja geralmente vista como algo positivo tanto para
as nações emissoras quanto para as recetoras, um número crescente de países vê pelo
menos algumas consequências da imigração e da emigração como problemas
significativos (Nações Unidas, 2013a). Isso é notável numa tendência crescente dos
países de intervir politicamente nos fluxos de imigração e emigração; ou seja, uma
disposição em declínio de deixar a migração sem controlo.

Em 1976, quando as Nações Unidas começaram a monitorizar as políticas dos


governos sobre o nível de imigração, os países desenvolvidos estavam mais aptos a ter
políticas para desencorajar a imigração, enquanto os países em desenvolvimento
tinham políticas em vigor para encorajar a imigração. Em 2011, esse padrão mudou.

Hoje, uma proporção maior de regiões mais desenvolvidas, em comparação com do


que de regiões menos desenvolvidas tem políticas de imigração destinadas a aumentar
a imigração, não diminuí-la. Por outro lado, mais as regiões menos desenvolvidas têm
políticas para diminuir a imigração. A reversão dessa tendência ao longo do período
reflete diferenças nas taxas de crescimento de ambas as regiões. Os países mais

234
desenvolvidos reconhecem cada vez mais a imigração como uma forma de compensar
as taxas de crescimento lento, enquanto os menos desenvolvidos podem ver menos
valor na imigração, desde que as suas próprias taxas de crescimento permaneçam
altas.

A percentagem de países mais desenvolvidos com políticas intervencionistas de


emigração mudou pouco, diminuindo ligeiramente ao longo do período.

Nas regiões menos desenvolvidas, a percentagem com políticas de intervenção na


emigração mais do que duplicou, seja para aumentar ou diminuir a emigração. Alguns
países menos desenvolvidos podem beneficiar de altas taxas de emigração,
especialmente se o crescimento populacional ultrapassa a sua infraestrutura ou se eles
têm um sistema de captura de remessas bem desenvolvido. Mas noutros países, um
número desproporcionalmente grande de profissionais altamente qualificados emigram
a cada ano, um fenómeno às vezes conhecido como “fuga de cérebros” (já referido
acima). Nesse caso, é mais provável que os governos vejam a emigração como um
problema que precisa de ser reduzido. Poder-se-ia pensar que os países mais
desenvolvidos também estariam preocupados com a emigração, especialmente porque
a perda de população pode agravar os problemas decorrentes de suas populações já
envelhecidas e taxas de crescimento lento. Mas os países mais desenvolvidos tendem a
preocupar-se menos do que os países menos desenvolvidos com a emigração, em
parte porque os seus fluxos de emigração são menores e têm um impacto
insignificante.

Em termos de respostas institucionais têm sido criadas políticas de acolhimento e


integração de imigrantes e refugiados ao nível europeu e nacional em termos de
políticas de imigração no acolhimento de imigrantes e de refugiados e a sua integração
a vários níveis que passam pela habitação, emprego, aprendizagem da língua,
educação e saúde, entre outros.

Aprovado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em dezembro de 2018, o Pacto


Global para as Migrações, Seguras Ordenadas e Regulares das Nações Unidas exorta
os Estados signatários a desenhar Planos Nacionais adaptados à sua realidade
migratória. Portugal foi o primeiro país das Nações Unidas a elaborar um Plano
Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações (PNIPGM), o qual entrou
em vigor em 21 de agosto de 2019. Em setembro de 2020 a Comissão Europeia
apresentou um novo Pacto para a Migração e Asilo, procurando estimular uma
abordagem mais justa na gestão das migrações e do asilo nos Estados-membros da
UE, e promover maior equilíbrio entre responsabilidade e solidariedade entre países

235
europeus, nomeadamente para uma melhor integração dos refugiados e migrantes
recém-chegados à Europa (Oliveira, 2021).

Ao nível nacional, tem-se registado, uma notória e progressiva evolução, de forma


muito positiva, ao nível das políticas e das práticas de acolhimento e integração de
imigrantes e de refugiados.

Em Portugal as principais leis que regem estes dois fenómenos são a Lei de
estrangeiros10 e a Lei de Asilo11. A lei de estrangeiros tem sido constantemente
alterada, tendo sido a última alteração em 2022, com a implementação do Acordo
sobre a Mobilidade entre os Estados -Membros da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP)12.

Relativamente à lei de asilo13, foi alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio que
procede à primeira alteração à Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, que estabelece as
condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os
estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as
Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho e pela Lei n.º 18/2022, de 25 de
agosto (altera o artigo 54.º)14.

O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) é um dos principais organismos públicos


que tem intervindo na execução das políticas públicas em matéria de migrações. Tem
como missão promover Portugal enquanto destino de migrações; acolher, integrar os
migrantes, nomeadamente através do desenvolvimento de políticas transversais, de
centros e gabinetes de apoio aos migrantes, proporcionando uma resposta integrada
dos serviços públicos; colaborar, em articulação com outras entidades públicas
competentes, na conceção e desenvolvimento das prioridades da política migratória;
combater todas as formas de discriminação em função da cor, nacionalidade, origem
étnica ou religião; desenvolver programas de inclusão social dos descendentes de
imigrantes; promover, acompanhar e apoiar o regresso de emigrantes portugueses e o
reforço dos seus laços a Portugal. O ACM tem desenvolvido, desde a sua criação,
vários serviços especializados em dar resposta às necessidades dos migrantes15.

10
https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-regulamentar/9-2018-116382281
11
https://dre.pt/dre/detalhe/lei/15-1998-197754
12
Para ver a lei atual https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/comunicacao/noticia?i=novas-
regras-para-vistos-e-autorizacoes-de-residencia-a-1-de-outubro
e o que mudou em 2022 https://www.acm.gov.pt/documents/10181/0/Brochura-Lei-de-
Estrangeiros-O-Que-Mudou.pdf
13
https://sites.google.com/site/leximigratoria/lei-do-asilo
14
https://files.dre.pt/1s/2022/08/16400/0000200137.pdf
15
Ver mais em https://www.acm.gov.pt/acm

236
A este nível, têm contribuído a nível nacional, as intervenções do Estado, a nível local,
as autarquias, bem como as organizações da sociedade civil (exemplos como a
Solidariedade Imigrante, o Moinho da Juventude, os Unidos de Cabo Verde, que têm
vários programas sociais de apoio às comunidades imigrantes). e das próprias
comunidades imigrantes.

A atuação ao nível das políticas de acolhimento e integração dos imigrantes deve ser
feita através de um trabalho articulado entre todas as entidades envolvidas neste
processo que atuam nesta área, a nível nacional, através dos Planos Nacionais para a
Integração de Imigrantes, o Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das
Migrações (PNIPGM)16, o Plano Estratégico para as Migrações (PEM)17, bem como a
nível local, os Planos Municipais para a Integração de Migrantes (ACM, 2022).

No que toca as políticas de acolhimento e integração de refugiados, desde 2015 que o


Governo português tem adotado uma política de solidariedade ativa, assumindo a sua
quota de responsabilidade no acolhimento e integração de refugiados.

Desde 2015 chegaram a Portugal 2.806 pessoas refugiadas e foi o 6.º Estado-Membro
da EU que mais pessoas refugiadas acolheu ao nível do Programa de Recolocação,
entre 2015 e 2018. Posteriormente, executou o programa de reinstalação (do ACNUR),
e o acolhimento de requerentes de asilo. Em 2022, dada a situação de conflito na
Ucrânia, o Estado português disponibilizou vários serviços e meios de apoio para
cidadãos portugueses e cidadãos ucranianos que já se encontravam em Portugal ou
que se desejavam deslocar-se para o país. Foi criado um programa especial de
acolhimento, que inclui várias medidas no âmbito do regime de proteção temporária.
Este regime permite a atribuição automática de autorização de residência temporária e
um título de proteção temporária, entre outros benefícios18.

8.7. ANÁLISE DOS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS

Analisámos em capítulos anteriores as duas variáveis demográficas responsáveis pelo


movimento natural da população: mortalidade e fecundidade. Os movimentos
migratórios são de natureza diferente. Em primeiro lugar, tal como já foi referido,
abrangem três situações distintas: a emigração, a imigração e as migrações internas.

16
https://www.acm.gov.pt/-/plano-nacional-de-implementacao-do-pacto-global-das-migracoes-
pnipgm-
17
https://www.acm.gov.pt/-/plano-estrategico-para-as-migracoes-pem-
18
Ver em https://eportugal.gov.pt/migrantes-viver-e-trabalhar-em-portugal/ucrania-
informacoes-e-apoios-disponiveis-em-portugal

237
Em segundo lugar, as suas variações no tempo e no espaço dependem de fatores
socioeconômicos complexos internos e externos.

A migração é a componente demográfica mais difícil de estimar. Para atender à


evolução desta componente demográfica, estimam-se habitualmente os saldos
migratórios que descrevem a diferença entre o número de entradas e saídas por
migração no país ou na região, num dado período. Os estudos recorrem a modelos
estatísticos para considerar as tendências observadas em anos anteriores na estimação
deste indicador ou a outras fontes de informação (Peixoto et al., 2017).

Os movimentos migratórios não respeitam tendências, são mais difíceis de medir e


mesmo as fontes mais confiáveis de dados de imigração sofrem muitos desafios.

8.7.1. Organismos e Fontes de Informação de Dados sobre Migração

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) faz parte do Sistema das Nações
Unidas (ONU) e é a principal organização intergovernamental na área da migração e
faz parte do Sistema das Nações Unidas como a principal organização
intergovernamental que promove desde 1951 a migração humana e ordenada para o
benefício de todas as pessoas, com 175 estados-membros e presença em mais de 100
países. A OIM está em Portugal desde 1976. A OIM trabalha para ajudar a garantir a
gestão ordenada e humana da migração, promover a cooperação internacional em
questões migratórias, auxiliar na procura de soluções práticas para os problemas
migratórios e fornecer assistência humanitária a migrantes que precisem de ajuda,
incluindo pessoas refugiadas e deslocadas internamente. A OIM trabalha nas quatro
grandes áreas de gestão da migração: migração e desenvolvimento, facilitar a
migração, regular a migração e migração forçada19.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR/ UNHCR) foi
criado em 1950 e é uma agência da ONU. Tem como compromisso proteger as
pessoas refugiadas, deslocadas e apátridas. Apoia milhões de pessoas que precisam de
ajuda para sobreviver e garantir a proteção dos seus direitos e trabalha em mais de
135 países para satisfazer as necessidades de todos aqueles que fugiram da guerra,
perseguição ou violações dos direitos humanos. Existem atualmente mais de 103
milhões de pessoas refugiadas, deslocadas e apátridas em todo o mundo. Em Portugal,
a Fundação Portugal com ACNUR, parceiro nacional da Agência das Nações Unidas

19
Ver mais em https://portugal.iom.int/pt-pt e https://portugal.iom.int/pt-pt/quem-somos

238
para os Refugiados, nasceu em 2021 e tem como objetivo sensibilizar e angariar
fundos para apoio aos programas de ajuda humanitária do ACNUR20.

Fazem também parte da ONU o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) cujo objetivo de erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e aumentar a
resiliência e o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP/UNFPA) que é a
agência de saúde sexual e reprodutiva das Nações Unidas e cuja missão é a de
promover um mundo onde todas gravidezes são desejadas, todos os partos são
seguros e onde o potencial de cada jovem é alcançado21.

O Centro de Conhecimento das Migrações e Demografia da Comissão Europeia


(Knowledge Centre on Migration and Demography - KCMD) visa fornecer evidências
científicas independentes para fortalecer a resposta da Comissão às oportunidades e
desafios relacionados à migração, demografia e políticas relacionadas. O Atlas da
Migração22 é um recurso interativo de dados harmonizados, atualizados e validados
sobre o estado da migração e da demografia nos 27 Estados-Membros e em 171
países e territórios terceiros23.

A nível de Portugal, existem vários organismos, sendo o Alto Comissariado para as


Migrações (ACM) como já foi noutra secção acima referido, um dos principais
organismos públicos que tem intervindo na execução das políticas públicas em matéria
de migrações. Dentro da estrutura do ACM, existe um Observatório das Migrações
(OM)24 responsável pelo estudo das migrações através da recolha, análise sistemática
dos dados e indicadores de integração de imigrantes, difusão de informação estatística
acerca das migrações, publicação de estudos, contribuindo assim para a compreensão
destes fenómenos e para o aprofundamento do conhecimento sobre a realidade das
migrações em Portugal. Deste modo poder igualmente definir, executar e avaliar
políticas eficazes de integração das populações imigrantes, refugiados e minorias
étnicas25.

O Conselho Português para os Refugiados (CPR) é uma Organização Não


Governamental constituída em 1991, por um conjunto de representantes de diversos
setores da sociedade portuguesa, com o propósito de defender e promover o direito de
asilo em Portugal. O CPR desde 1991 prestou apoio a cerca de 14,000 requerentes e
refugiados em Portugal, criou respostas especializadas para as necessidades jurídicas,

20
Ver mais em https://pacnur.org/pt
21
Ver mais em https://unric.org/pt/
22
https://knowledge4policy.ec.europa.eu/atlas-migration_en
23
Ver mais em https://knowledge4policy.ec.europa.eu/migration-demography_en
24
https://www.om.acm.gov.pt/
25
Saber mais em https://www.om.acm.gov.pt/

239
sociais e de integração desta população. Participa, desde 2007, no programa nacional
de reinstalação, bem como nos programas comunitários de recolocação e resgates de
barcos humanitários no Mediterrâneo e tem promovido uma política de asilo humanista
e solidária, no respeito pelas obrigações internacionais de Portugal26.

A Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) nasceu da liderança e iniciativa da


Sociedade Civil para dar uma resposta concertada à atual crise mundial de refugiados,
em especial perante a situação vivida na Europa. Perante a urgência da crise
migratória verificada no verão de 2015, com entrada de mais de 1.027.594 (de acordo
com dados das Nações Unidas) requerentes de asilo pelas ilhas gregas e por Itália,
mais de 350 organizações portuguesas decidiram cooperar para dar resposta às
necessidades dos refugiados dentro de portas (no âmbito dos Programas de
Recolocação, na Europa e nos países mais afetados por esta crise humanitária
mundial)27.

O Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) criado em Portugal em 1992, tem atuado junto
dos refugiados, deslocados à força e todos os migrantes em situação de particular
vulnerabilidade, na área da integração de migrantes e requerentes e beneficiários de
proteção internacional dando diversos tipos de apoios: social, psicológico, médico e
medicamentoso, jurídico, encaminhamento e apoio à integração profissional,
alojamento de imigrantes sem-abrigo, em situação de particular vulnerabilidade social
acompanhamento a imigrantes detidos, Cursos de Língua Portuguesa e ações de
formação28.

A Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) como uma entidade responsável pelo acolhimento
e integração de refugiados, tem vindo, desde 2015, a alojar cidadãos requerentes de
proteção internacional de várias nacionalidades, apoiando os seus processos de
integração. A Instituição recebeu, até ao momento, mais de 300 pessoas requerentes
de proteção internacional. Este serviço é prestado no âmbito do Grupo de Trabalho
para a Agenda Europeia da Migração, coordenado pelo Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras e Programas de Recolocação e Reinstalação de Refugiados29.

Em termos de fontes de informação de dados sobre imigração o Observatório das


Migrações (OM)30 é uma das principais fontes de informação de dados Estatísticos
sobre imigração em Portugal31.

26
Saber mais em https://cpr.pt/
27
Saber mais em https://www.refugiados.pt/
28
Saber mais em https://www.jrsportugal.pt/
29
Saber mais em https://www.cruzvermelha.pt/ e https://www.cruzvermelha.pt/acolhimento-
de-refugiados.html
30
https://www.om.acm.gov.pt/

240
O Instituto Nacional de Estatística (INE) é o organismo oficial de Portugal responsável
por produzir e divulgar informação estatística oficial de qualidade, promovendo a
coordenação, o desenvolvimento e a divulgação da atividade estatística nacional. Dos
resultados dos Censos de 2021 o INE produziu uma publicação onde apresenta uma
análise exploratória da população de nacionalidade estrangeira residente em Portugal.
Procurou caracterizar este grupo populacional nas suas diversas dimensões,
nomeadamente ao nível demográfico, socioeconómico, mercado de trabalho, bem
como os aspetos relativos ao enquadramento familiar e condições habitacionais (INE,
2022).

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), criou o SEFSTAT - Portal de Estatística do


SEF dedicado à divulgação de informação estatística sobre este grupo populacional32. O
SEFSTAT disponibiliza a informação estatística sobre população estrangeira em
Portugal, destacando os Relatórios de Imigração Fronteiras e Asilo, a evolução
populacional desde 1980, bem como as desagregações relativas a este grupo
populacional33,34.

O Governo aprovou a criação da Agência Portuguesa para as Minorias, Migrações e


Asilo (APMMA). A APMMA vai substituir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)
após a sua extinção, e integrar o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM). A
APMMA vai tratar da integração de migrantes, oferecendo as informações necessárias
sobre documentos, ofertas de trabalho, aprendizagem da língua portuguesa e serviços
públicos, entre outras. A agência irá ainda ocupar-se das políticas migratórias e de
asilo a nível europeu, estando prevista a criação de uma unidade de coordenação de
fronteiras e estrangeiros. O objetivo é partilhar as informações dos diferentes serviços
para garantir a regulação e segurança das migrações na União Europeia35.

A Pordata, Base de Dados de Portugal Contemporâneo36 é organizada e desenvolvida


pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. No site da Pordata podem encontrar a
informação estatística sobre migrações37.

31
Ver em:
https://www.om.acm.gov.pt/dados-estatisticos
https://www.om.acm.gov.pt/dados-estatisticos/informacao-estatistica
https://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/publicacoes-estatisticas-om
https://www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/colecao-imigracao-em-numeros
32
https://sefstat.sef.pt/forms/Home.aspx
33
Consultar Relatórios Estatísticos Anuais, em https://sefstat.sef.pt/forms/relatorios.aspx.
34
O Relatório de imigração Fronteiras e Asilo 2021 pode ser consultado aqui
https://www.sef.pt/pt/Documents/RIFA2021%20vfin2.pdf
35
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=aprovada-reforma-dos-servicos-
de-imigracao-e-fronteiras
36
https://www.pordata.pt/home

241
A Fundação Francisco Manuel dos Santos também disponibiliza muitos dados sobre
população e migrações38.

8.7.2. Métodos de Análise dos Movimentos Migratórios

O problema do estudo dos movimentos migratórios é o facto de os dados estatísticos


disponíveis tenderem a ser muito incompletos.

A informação que existe ao nível das migrações internas é muito pobre e há falta de
registos oficiais. Por vezes, recorre-se a métodos indiretos (por exemplo através dos
recenseamentos eleitorais). Ao nível interno, existem muitas assimetrias num mesmo
espaço e dicotomias entre os meios (rural/urbano). As pessoas não se deslocam ao
acaso: procuram trabalho num espaço específico.

Ao nível das migrações externas, por exemplo, na década de 80, 50 % dos emigrantes
eram clandestinos. Há falta de um maior controlo legal e muita gente escapa a esse
controlo.

Se a população só evoluísse com os que nascem e os que morrem, a evolução seria


mais lenta. O saldo natural ou a dinâmica natural é um componente da taxa de
crescimento que tem consideração os nados-vivos e os óbitos. Ao considerar-se
também os movimentos migratórios ou a dinâmica migratória (saldo migratório),
temos então a dinâmica total (dinâmica natural + dinâmica migratória)39.

O saldo migratório ou a dinâmica migratória define-se em torno da diferença entre as


saídas de população – emigração – e as entradas de população – imigração. Se a
diferença for de 0, pode significar que não houve nem saídas nem entradas ou, então,
que houve saídas e entradas de forma proporcionalmente idêntica.

No âmbito da análise dos movimentos migratórios, dependendo dos dados de


observação disponíveis, podem-se calcular medidas globais (de migrações, de
migrantes e de fluxos migratórios) ou medidas específicas (que permitem analisar a
frequência das diferentes migrações, segundo a idade e os indicadores da intensidade
e do calendário das migrações40) (Bandeira, 2004).

37
em https://www.pordata.pt/subtema/portugal/migracoes-34 e
https://www.pordata.pt/subtema/portugal/movimento+da+populacao-30.
38
em https://www.ffms.pt/pt-pt/populacao e https://www.ffms.pt/pt-
pt/pesquisa?search=migra%C3%A7%C3%B5es
39
Para o cálculo de taxas de crescimento consultar Capítulo 5.
Consultar Bandeira (2004).
40

242
As mudanças de residência não são assimiladas a atos administrativos passíveis de
registo estatístico como são os nascimentos, os óbitos e os casamentos. Logo, com
base nas possíveis fontes de informação com pertinência para a análise das migrações
temos os métodos diretos e os métodos indiretos de análise dos movimentos
migratórios.

Os métodos diretos de análise dos movimentos migratórios são os que utilizam


diretamente os dados de observação disponíveis. Por exemplo no cálculo das taxas
brutas:

Taxa Bruta de Emigração = (Emigrantes/ População média total) * 1000

Taxa Bruta de Imigração = (Imigrantes/ População média total) * 1000

Taxa Bruta de Migração Total= [(Emigrantes + Imigrantes) / População média total] *


1000

Tal como foi referido anteriormente41, a taxa de crescimento migratório (TCM) para um
determinado intervalo de tempo, normalmente um ano, calcula-se através do
quociente da diferença entre o número de imigrantes e o número de emigrantes pela
população média:

Este mesmo indicador também pode ser calculado recorrendo às taxas brutas: TCM =
TBI-TBE.

Os métodos indiretos de análise dos movimentos migratórios servem para


estimar a intensidade e a direção dos movimentos migratórios que não se conseguem
medir diretamente. O mais conhecido é o método da equação de concordância que
permite estimar a já referida Balança Migratória ou saldo migratório42.

A equação de concordância cuja fórmula simplificada P1-P0=(N-O)+(I-E) ou (I-


E)=(P1-P0)-(N-O) pode ser entendida como (Grupo Foz, 2021; Bandeira, 2004):

Consultar Capítulo 5.
41

42
A Balança Migratória é uma medida que, de forma indireta e com recurso a dados sobre
população em dois momentos censitários sucessivos e sobre o movimento natural (nados-vivos
e óbitos) ocorrido no período entre dois censos, permite estimar o saldo do movimento
migratório aí ocorrido e ultrapassar a limitação de informação habitualmente existente sobre as
migrações (consultar Capítulo 5).

243
ou

Onde e são as populações existentes no momento (inicial) e (final) e


, , e são os acontecimentos referidos, respetivamente, aos
nascimentos, aos óbitos, à imigração e à emigração ocorridos entre momento e
momento .

Exemplo:

Para uma dada região, apresentam-se os seguintes dados relativos à dinâmica


populacional referente a um período intercensitário ou entre dois momentos
censitários:

População no momento inicial=276 895

População no momento final =205197

Total de nados-vivos para o período em análise= 41053

Total de óbitos para o período em análise= 25760

Total de imigrantes declarados oficialmente para o período em análise=18

Total de emigrantes declarados oficialmente para o período em análise =9009

Através da aplicação da equação de concordância verificamos o seguinte resultado:

244
Face ao resultado acima, observamos que não existe concordância entre os termos da
equação o que remete para a má qualidade dos dados. Ora partindo do princípio que
os recenseamentos são de qualidade razoável e que os dados sobre os nascimentos e
os óbitos são fidedignos, em causa estarão aqui os dados sobre as migrações43.
Recorrendo de novo à equação de concordância podemos calcular de forma indireta o
saldo migratório, sem considerar os dados fornecidos sobre imigração e emigração:

Ao retirar do saldo migratório estimado, através da equação de concordância, o saldo


migratório calculado com os dados fornecidos oficialmente, observamos a seguinte
diferença: -86991-(-8991) =-78000.

Esta diferença entre os saldos migratórios remete para a hipótese de estarmos perante
o caso de uma região cuja dinâmica populacional é marcada fortemente pela
emigração, sendo esta, em grande parte, clandestina.

Fonte : Nazareth, 2004.

43
Consultar Capítulo 5.

245
ATIVIDADE FORMATIVA

1 - Observe os dados sobre população residente, óbitos e nados-vivos de Portugal,


2011-2021.
População residente 21 de março 2011 10562178

População residente 19 de abril 2021 10343066


Fonte: INE, Recenseamentos da população e da habitação, 2011;2021.

Nados-vivos 2011-2020 868760

Óbitos 2011-2020 1099017


Fonte: INE, Nados-vivos; Óbitos, 2011-2020.

Estime o saldo migratório do período intercensitário de 2011-2021 através da aplicação


da Equação de Concordância.

2 - Propostas para debate e reflexão:

a) Qual é a diferença entre um “imigrante” e um “refugiado”?

b) Liste e discuta alguns dos efeitos económicos da migração internacional.

c) A migração internacional promove [ou reduz] as desigualdades económicas entre os


países?

d) Os fluxos de migração internacional provavelmente continuarão a aumentar,


mesmo que o crescimento populacional nos países menos desenvolvidos continue a
diminuir.

e) Nas próximas décadas, os “problemas” populacionais serão definidos cada vez mais
em torno da migração e menos em torno da fecundidade.

246

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