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2 Profetas

Maiores_________________________________________________

2013, Ney Vagner Rodrigues


Título original:
Curso de Teologia Cristã: Profetas Maiores
2ª Edição – 2018

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DIDAQUÊ – Estudo em Teologia
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CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Impresso no Brasil.

Produção Editorial Didaquê

Presidente
Pr. Ozires Teixeira Pessoa

Direção e Coordenação
Pr. João Evangelista Vieira Júnior

Capa
Ernilson Melo

Design e Diagramação
Pr. João Evangelista Vieira Júnior
3 3

INTRODUÇÃO...........................................................................................05

CAPÍTULO 01 – INTRODUÇÃO GERAL E ISAÍAS PARTE I .............07


1. Funções dos Profetas....................................................................................07
2. Profeta Maior e Menor..................................................................................10
3. Introdução ao Livro......................................................................................12
4. Comentário de Isaías – parte I .....................................................................19

CAPÍTULO 02 – ISAÍAS PARTE II............................................................29


1. Comentário...................................................................................................29

CAPÍTULO 03 – JEREMIAS PARTE I......................................................57


1. Introdução ao livro de Jeremias....................................................................59
2. Comentário I.................................................................................................61

CAPÍTULO 04 – JEREMIAS PARTE II E LAMENTAÇÕES.................75


1. Comentário de Jeremias parte II...................................................................75
4 Profetas
Maiores_________________________________________________
2. Introdução à Lamentações de Jeremias........................................................88
3. Comentário de Lamentações.........................................................................91

CAPÍTULO 05 – EZEQUIEL PARTE I......................................................97


1. Introdução Geral...........................................................................................97
2.Comentário Panorâmico..............................................................................102
3. Comentário.................................................................................................103

CAPÍTULO 06 – EZEQUIEL PARTE II...................................................121


1. Comentário.................................................................................................121

CAPÍTULO 07 – DANIEL PARTE I..........................................................129


1. Introdução Geral.........................................................................................129
2. Comentário.................................................................................................132

CAPÍTULO 08 – DANIEL PARTE II........................................................141


1. Comentário.................................................................................................141

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................151

GLOSSÁRIO.................................................................................................153

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................155
5 5

O tema do profetismo, evidentemente, é de fundamental importância no


contexto bíblico, não só pelo fato de termos dezessete livros na Escritura
Sagrada escritos pelos profetas, mas, sobretudo, pela leitura e interpretação que
eles fazem da Lei de Deus. A literatura profética na Bíblia é a instância crítica
junto dos reis e do povo no modo de conduzir a vida pessoal, social, política e
religiosa.
Os profetas eram pessoas iluminadas por Deus que não tinham medo de
denunciar as transgressões do povo em todas as suas instâncias. Possuíam a
ousadia de apontar soluções, mesmo que desagradando lideranças políticas,
religiosas e o próprio povo. Eram arautos proféticos os quais nunca adotaram a
omissão em face das situações de catástrofes e conflitos, proclamando a
esperança em Deus e o perdão divino como o limiar de uma nova vida, seja para
o indivíduo seja para sociedade. Revelaram, com coragem e fidelidade, que
IAVÉ está sempre disposto a renovar a sua aliança, pois Ele é misericordioso e
ama o seu povo, contanto que haja arrependimento e conversão. Em face da
realidade vergonhosa e espiritualmente decadente de Israel, os profetas traziam
consigo uma palavra vinda do Alto, revelando sempre o caráter santo,
misericordioso e benevolente de Deus.
O profeta não era somente aquele que denunciava o erro, ele era um
vidente, um visionário e homem de Deus. O profeta era um intérprete da
divindade, comumente entendido como o anunciador do futuro, porque as
palavras da divindade, quase sempre, diziam respeito ao que estava por vir. No
Antigo Testamento, ele ocupava uma posição central de revelar a vontade divina
aos homens, por meio da palavra. Sua função fundamental era falar em nome de
Deus. O profeta era um porta-voz da revelação divina e a profecia é o conteúdo
da revelação.
No presente livro abordaremos a teologia bíblica dos assim denominados
“Profetas Maiores”, que correspondem aos seguintes livros: Isaías, Jeremias e
Lamentações, Ezequiel e Daniel. Neste livro não tenho a pretensão de fazer um
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comentário exegético dos respectivos livros, mas sim, expor nas páginas que se
seguem o fruto de um intenso e laborioso material de pesquisa. Assim, espero
contribuir para o seu aprendizado nas Escrituras Sagradas. Pois, o objetivo
fundamental de nosso empenho não é outra coisa senão ver a Igreja de Cristo
alicerçada na infalível Palavra de Deus. Entendemos que em face dos desafios
hodiernos que se apresentam à igreja evangélica e sociedade brasileira,
precisamos mais do que nunca da inspiração profética nestes livros contidas, da
Palavra de Deus neles revelada.
O fato é que estamos vivendo dias turbulentos, o homem e suas
instituições como a política, a sociedade, a filosofia, a cultura e a religião estão
imersas em uma crise sem precedentes, a putrefação moral é uma realidade não
só de nossos dias, mas, sobretudo, é uma condição da natureza humana. Pois,
verifica-se no decorrer da história humana a incapacidade do homem de
responder aos questionamentos mais profundos de sua existência. Os esforços
humanos são inábeis para responder suas indagações existenciais mais
pertinentes e curar suas feridas morais. Precisamos de uma Palavra vinda do
Alto e, esta palavra já veio até nós. A voz dos profetas ainda ecoa, sobrepuja o
abismo do tempo e da cultura para nos falar nestes últimos dias.
7 7

Os Livros Proféticos apresentam um tipo especial de literatura bíblica


escrita para objetivos específicos na história posterior de Israel. Os dezessete
livros de profecia complementam os dezessete livros históricos de muitas
maneiras. A ênfase não é tanto histórica, e sim exortativa. O tom é também mais
intenso, com arautos notáveis trazendo conselho e admoestação em épocas de
grande crise e angústia nacional. Todavia, além de censurar por falhas passadas
e advertir diante dos perigos do momento, os profetas apontavam para o futuro.
Falavam do julgamento e dos tempos messiânicos que viriam para promover
arrependimento e volta à justiça. Para uma apreciação devida dos Livros
Proféticos, é preciso estar cônscio das funções dos profetas, seus ministérios e
temas principais.

1 – FUNÇÕES DOS PROFETAS.

Os profetas de Israel foram chamados individualmente e ungidos por


Deus para o serviço de “emergência”, em contraste com o serviço regular dos
sacerdotes, anciãos e reis. Além de serem denominados “profetas”, do hebraico
Nabi, também recebiam o nome de “videntes”, “visionário”, “homem de Deus”
e, “profeta”.
a) O Profeta Vidente. Era comum em Israel quando alguém ia consultar
a Deus, dizia: “Vamos ao Vidente” (1Sm 9.9). Essas palavras aludem a Samuel,
quando se encontra com Saul. O vidente Samuel é apresentado como profeta ao
rei Saul. Samuel é o exemplo típico do vidente. Ele conhece o que está oculto e
pode revelá-lo.
A palavra é usada somente 11 vezes. Nas tradições anteriores ao exílio, sei vezes: em
quatro delas refere-se a Samuel, em uma ao sacerdote Sadoc (2 Sm 15.27), e em Is 30.10
fala-se dos videntes. O cronista recolhe o título para aplicá-lo três vezes a Samuel (1Cr
9.22; 26.28; 29.29) e duas a Hanani, um personagem que denuncia o rei Asa de Judá e
acaba na prisão (2 Cr 16.7, 10)1.

1
Sicre, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta: os profetas: a mensagem. 3ª ed. Petrópolis, RJ. Ed
Vozes, 2008.
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b) O Profeta Visionário. Gade, o profeta da corte do rei Davi, recebe uma
comunicação de Deus e é chamado de “o visionário de Davi” (2Sm 24.11). Três
outras vezes a expressão visionário de Davi é aplicada a Gade (Cr 21.9; 29.29;
2Cr 29.25). Além dele, Amós é denominado visionário pelo sacerdote Amasias
(Am 7.12). Visionário em hebraico se diz hozeh, termo este que aparece 16
vezes no Antigo Testamento.
A função do profeta visionário era ter visão ou contemplar. Como vimos
em relação a Gade, alguns visionários serviam ao rei com suas visões e palavras,
por isso eram conhecidos como visionários do rei, o que, por outro lado, não
deve levar-nos a afirmar que eles tivessem participação na corte. A visão e
contemplação faziam parte da atividade de profetas como Isaías, Amós,
Miquéias, Naum, Obadias e Habacuque.
Alguns visionários foram chamados de falsos profetas, pelo fato de suas
visões serem movidas por interesses (Mq 3.5-7). Por outro lado, em razão de
suas denúncias corajosas, eram considerados referências importantes para o
povo manter-se no caminho de Deus.
Os profetas visionários conclamavam o povo a converter-se da má
conduta e observar os seus mandamentos e estatutos, conforme toda Lei
prescrita aos pais (2Rs 17.13).
Da escassez de textos sobre esses personagens poderíamos deduzir que eram pouco
numerosos. Contudo, se o típico do “visionário” é contemplar ou ter visões, podemos
completar este quadro levando em conta as referências pertinentes ao verbo hazah e aos
diversos derivados desta raiz. A panorâmica amplia-se de maneira extraordinária. Quando
Samuel era menino, não abundavam as visões (1Sm 3.1), mas Deus as concede a ele. E,
desde então, como diz Deus através de Oséias, “eu falei pelos profetas, eu multipliquei as
visões (Os 12.11)2.

c) O Profeta, Homem de Deus. “Agora sei que és um homem de Deus e que


o Senhor fala verdadeiramente pela tua boca” (1Rs 17.24). Essas palavras são
da viúva de Serepta dirigidas a Elias, quando este ressuscitou o filho dela.
Também Eliseu, Samuel, Semeias, Bem-Joanã, assim como Moisés e Davi, são
chamados de “homens de Deus”. O termo aparece nada menos que 76 vezes no
A.T., sobretudo no período do século IX a.C.
“Homem de Deus” é um profeta detentor de uma relação íntima com Deus,
o que lhe confere a capacidade de operar milagres, assim como Elias e Eliseu.
Então, o homem de Deus é capaz de intermediar entre Deus e ser humano.
Vejamos o relato de José Luís Sicre:
Se perguntarmos o que predomina nessas tradições, e o que pode motivar o uso deste
título, a resposta é clara: o homem de Deus possui uma relação tão estreita com o Senhor
que pode operar os maiores milagres. O tema da transmissão da Palavra de Deus não está

2
Op. cit.
9 9
Introdução
ausente destas tradições. Mas, basicamente, não é a palavraGeral e Isaías
que anuncia ParteouIexige
o futuro
uma mudança do presente, mas a palavra poderosa que torna inesgotáveis o cântaro de
farinha e o vaso de óleo, ressuscita mortos, desencadeia o raio3.

Movidos pela Palavra do Senhor, eles atuavam, sobretudo, em situações de


pobreza, fome, seca, guerra etc. Agiam em favor dos oprimidos, visando à
transformação da realidade social. O rei quando precisava do profeta homem de
Deus, ia onde o povo estava. O homem de Deus não pode ser considerado como
profeta visionário, visto que este ficava na corte ao lado do rei.

d) O Profeta. Profeta, tradução do hebraico nabî, é o termo mais usado


na Bíblia. São 315 vezes que se reportam aos profetas, em especial a partir do
final do século VII e durante o VI a.C. Notório é o fato de nabî ser usado tanto
para os falsos profetas como para os verdadeiros profetas do Senhor, tais como,
Isaías, Amós, Miquéias, e outros.
O profeta é o intérprete, aquele que comunica a Palavra, ele é uma pessoa
escolhida por Deus para transmitir a sua mensagem de denúncia, solução e
esperança. Em outras palavras o profeta é o porta-voz da aliança.
A atuação profética investe contra os opressores do povo de Deus.
Quando um povo atacava, invadindo Israel, o profeta denunciava o opressor e o
povo de Israel, que permitia a opressão por causa dos próprios erros.
O profeta, encarando a crise social, política e econômica de seu povo,
torna-se também o homem da crise. Eis alguns exemplos. Jeremias diz: “Meu
coração está quebrado dentro de mim, estremeceram todos os meus ossos, sou
como um bêbado, como um homem que o vinho dominou por causa do Senhor
e por causa de suas santas palavras” (Je 23.9). E continua: “Porque a terra está
cheia de adúlteros”. Já Elias, agindo de forma violenta contra o rei Acabe, que
o chama de “flagelo de Israel”, lhe diz: “Não sou eu o flagelo de Israel, mas és
tu e tua família, porque abandonaste o Senhor e seguintes os baalins” (1Rs
18.18). Amós, por sua vez, denuncia a podridão em Samaria, onde o fraco é
oprimido, e o indigente, esmagado (Am 4.1). Ele denuncia ainda o rei de Israel,
Jeroboão. Amasias, sacerdote de Betel, entrega Amós para Jeroboão e afirma
que a terra não pode mais suportar as palavras desse profeta (Am 7.10).
Colocando-se contra os poderosos, o profeta faz opção clara pelos que
sofrem os pobres. Zacarias, por exemplo, sonha com “um rei justo e vitorioso,
humilde, montado sobre um jumentinho ..., Ele eliminará os carros de Efraim e
os cavalos de Jerusalém; o arco de guerra será eliminado” (Zc 9.9). Ser profeta
é agir como Deus, que tem preferência pelos oprimidos. Assim, o profeta sabe
discernir o que faz parte do projeto de Deus.

3
Sicre, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta: os profetas: a mensagem. 3ª ed. Petrópolis, RJ. Ed
Vozes, 2008.
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O profeta atua, na maioria das vezes, isolado. Alguns chegam a ter sua
escola ou formam uma comunidade de profetas (1Sm 19.18-24). No entanto, o
seu modo isolado de agir leva-o a uma profunda crise pessoal. É o caso de
Jeremias, que sofre por haver defendido o exílio na Babilônia para seu povo.
Por isso, ele é considerado um traidor da pátria e acaba exilado no Egito. 4
O profeta torna-se um desinstalado por Deus. Ele é, aparentemente, um
frustrado. Sente-se ameaçado constantemente no seu projeto. Na outra ponta da
linha, a sua simples presença é capaz de gerar uma crise pessoal e institucional.
Incomoda pessoas e instituições por dizer o que as pessoas não querem ouvir. O
reconhecimento dessas palavras é, quase sempre, muito posterior.
Os profetas de Israel e Judá pregavam a fé monoteísta ao Senhor e contra
qualquer tipo de idolatria. Na voz do profeta Isaías, Deus diz: “Eu sou o primeiro
e o último, fora de mim não há Deus” (Is 44.6b). Combater a idolatria e a
alienação religiosa do povo é a marca indelével da ação profética.
O profeta, presente no templo de Jerusalém, atua em sintonia com os
sacerdotes. Ele é uma pessoa de oração, que ora pela vida e seus acontecimentos.
É alguém que vive uma profunda experiência pessoal de Deus; é o seu
testemunho. O profeta é o guia espiritual do povo.
2 – PROFETA MAIOR E MENOR.

Encontramos na divisão dos profetas do Antigo Testamento a distinção


entre Profeta Maior e Menor. Essa diferença ocorre não pela importância do
profeta, mas pelo tamanho do seu escrito. No século II a.C., já era conhecida
essa distinção. São quatro os profetas maiores, a saber: Isaías, Jeremias,
Ezequiel, e Daniel. Já os menores formam um grupo de doze, ou seja: Amós,
Oséias, Miquéias, Sofonias, Naum, Habacuque, Ageu, Zacarias, Malaquias,
Obadias, Joel e Jonas.
O livro das Lamentações é atribuído a Jeremias e, por isso, localiza-se
depois do livro de Jeremias. Tal hipótese, no entanto, não é sustentada pelos
pesquisadores, pois o teor do livro não condiz com o pensamento de Jeremias.
O livro de Daniel é outro que suscita polêmica. Na Bíblia hebraica, ele
não faz parte dos livros proféticos, mas do bloco dos Escritos Daniel é
reconhecido no Novo Testamento (Mt 24.15) como profeta; mas, nos estudos
mais recentes, é considerado apocalíptico. A Bíblia grega (LXX) e Latina
(Vulgata) reconhecem o livro de Daniel como de profeta Maior.

a) Classes de Profetas. Os profetas de Israel remontam aos antepassados


Abraão, Moisés e Samuel, que foram denominados profetas (Gn 20.7; Dt 18.15;

4
Ver Jeremias, capítulos 39; 41- 43.
11 11

1Sm 3.20). Por intermédio deles, Deus falou ao povo e estabeleceu suas alianças
Introdução
com a nação. Moisés foi uma espécie de protótipo dos Geral e Isaías
profetas, Parte I o
prenunciando
último grande profeta, o Messias, que se levantaria para falar palavras
poderosas, autenticadas por obras poderosas e desempenho brilhante (Dt 18.15-
22). Embora os cargos de sacerdote e rei fossem restritos a homens e
determinadas tribos, algumas profetisas foram vistas na história de Israel: Miriã,
Débora, e Hulda (Ex 15.20; Jz 4.4; 2 Rs 22.14).
Considera-se ter sido Samuel aquele que principiou a ordem profética, o
primeiro duma seqüência, durante a monarquia de Israel (1Sm 3.1; At 3.24).
Essa seqüência não era contínua. Prosseguia, porém, esporadicamente quando o
Senhor fazia a designação para esse cargo. Eram profetas da “palavra” e da
“escrita”.

b) Profetas da palavra.

Gade Aconselhou Davi no deserto 1Samuel 22.5


Nata Aconselhou Davi a respeito do adultério 2Samuel 12.1
Ido Escreveu os atos de Salomão 2Crônicas
9.29
Aias Informou a Jeroboão que ele seria rei do 1Reis 11.29
norte
Semaías Avisou a Roboão que ñ pelejasse contra 1Reis 12.22
Jeroboão
Homem de Deus Repreendeu a Jeroboão 1Reis 13.1
Velho Profeta Testou o homem de Deus 1Reis 13.11
Azarias Encorajou a Asa 2Crônicas
15.1
Hanani Repreendeu a Asa 2Crônicas
16.7
Jeú, filho de Hanani Repreendeu a Baasa 1Reis 16.1
Jaaziel Aconselhou a Josafá 2Crônicas
20.14
Elias Repreendeu a Acabe e Jezabel 1Reis 17.1
Profeta desconhecido Aconselhou a Acabe 1Reis 20.13
Micaias Informou Acabe sobre a morte do rei 1Reis 22.14
Eliseu Reprovou o culto a Baal em Israel 2Reis 2.1
Jovem profeta Ungiu a Jeú para rei 2Reis 9.1
Zacarias, filho de Repreendeu a Joás pela apostasia 2Crônicas
Joiada 24.20
Obede Advertiu a Peca, de Israel. 2Crôncas 28.9

c) Profetas da Escrita. Quase todos os profetas da “escrita” escreveram


depois de terem sido profetas da “palavra”. Principiando mais ou menos na
12 Profetas
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época na época do expurgo do culto a Baal por Jeú, os períodos de maior
concentração desses profetas foram justamente antes da destruição do reino do
Norte e antes da destruição do reino do Sul. Manifestavam-se geralmente em
época de decadência nacional e julgamento iminente. Eram, num certo sentido,
a incômoda consciência da nação. Nesse contexto podemos observar os
seguintes temas importantes:
• Temas Éticos: A condenação da idolatria, imoralidade e injustiça
seguida do convite para arrependimento e vida íntegra.

(1) O caráter de Deus ao exigir justiça e misericórdia, e ao prometer


julgamento para os impenitentes.
(2) A religião verdadeira está ligada ao coração e não apenas às mãos.

• Temas Escatológicos: A vinda do Senhor e o seu impacto sobre Israel


e as nações.
(1) O caráter e a vinda do Messias no julgamento, salvação e glória.
(2) A vinda da era messiânica e suas bênçãos sobre Israel e o mundo.
(3) A preservação do remanescente fiel de Israel.

3 – INTRODUÇÃO AO LIVRO DE ISAÍAS

a) Título.
O nome deste livro profético, Isaías quer dizer “O Senhor é a Salvação”,
um nome que bem expressa o tema do livro, bem como o assunto global dos
mensageiros de Deus. Como ocorre com todos os livros escritos por profetas,
Isaías é o nome do seu autor.
Provavelmente, os pais de Isaías lhe deram esse nome pra expressar a sua
gratidão pela bênção experimentada por ocasião do nascimento do seu filho.
Pode-se observar a providência de Deus no fato de eles lhe terem dado este
nome, pois ele se enquadra completa e perfeitamente com o caráter do trabalho
de Isaías: sua pregação foi governada pelo tema de que é só o Senhor que salva,
enquanto todos os esforços humanos se demonstram ser vãos.
Em Israel houve várias ocorrências do nome Isaías (1Cr 3.21; 25.3). Por
esta razão o profeta é distinguido com a adição da frase “filho de Amoz” (1.1)
em seguida a citação do seu nome.
A respeito da vida doméstica de Isaías, sabemos que ele era casado e teve
pelo menos dois filhos (7.3; 8.3; 18). Em contraste com o profeta Amós, que era
boiadeiro, Isaías era morador da cidade, vivia em Jerusalém (7.3; 22.15; 28.14;
37.2).
13 13

A tradição rabínica de que Amoz, pai de Isaías, era irmão do rei Amasias,
não tem confirmação adequada. Assim mesmo, alguns intérpretes crêem que
podemos inferir, da sua conduta, que ele era de nobre descendência, e como tal,
tinha influência na corte real. Introdução Geral e Isaías Parte I
O subscrito ou título (1.1) menciona que o ministério oficial de Isaías teve
lugar durante o reinado dos reis judeus Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias. Além
disso, sabemos que ele foi chamado para o ministério no ano em que morreu o
rei Uzias (6.1), e que ele ainda estava ativo por ocasião da invasão de
Senaqueribe, durante o reinado de Ezequias, em 701 a.C.
De acordo com uma tradição rabínica, Isaías sofreu o martírio pela
espada, ou foi serrado em dois durante o reinado de Manassés. Contudo, estas
tradições tendem a não ser dignas de confiança. Da mesma forma, a referência
em Hebreus 11.37 ao martírio de pessoas que foram serradas ao meio não é
prova de que esta foi à sorte de Isaías.
Embora a descendência real de Isaías possa ser apenas uma conjectura,
ele tem sido chamado, com toda justiça, de rei dos profetas. Entre os profetas
ele é o maior. Exibe uma dignidade real mediante a intrepidez da sua ação
pública, a majestade da sua pregação, e a força nobre e a beleza poética das suas
palavras. Além disso, especialmente na segunda divisão principal, uma
compaixão sacerdotal marca sua pregação. Ele descreve o Cristo com clareza
meridiana, e por esta razão com justiça ele é chamado o evangelista do antigo
pacto.

Autoria.
O profeta Isaías é chamado o “o Príncipe dos Profetas do Antigo
Testamento”, devido ao enorme ímpeto, caráter majestoso, visão teológica e
conteúdo messiânico de sua profecia. O texto o descreve como “filho de Amoz”,
marido de uma profetiza e pai de dois filhos que deveriam ser sinais para a nação
(8.3, 18). As tradições judaicas indicam que ele era primo do rei Uzias e foi
serrado pelo iníquo rei Manassés.
O título ou subscrito do livro diz: “Visão de Isaías, filho de Amoz, que
ele teve a respeito de Judá e Jerusalém...”. Seja qual tenha sido o seu intento
original, este subscrito tem em vista todo o volume de profecias que foram
reunidas, sob a direção do Espírito, em um todo unificado.
O testemunho mais antigo a respeito da existência do livro de Isaías em
sua forma atual é uma referência encontrada no livro apócrifo de Jesus ben Sirac
(Eclesiástico 48.20-25), que alguns datam de 180 a.C, e outros de 280 a.C.. O
Novo Testamento cita vários pronunciamentos desse livro e os atribui a esse
profeta. (Mt 3.3; 8.17; Rm 10.16, 20).
A autoria de Isaías de partes significativas deste livro é negada por muitos
comentaristas recentes. Este julgamento aplica-se a toda a segunda divisão
(caps. 40-66), mas também a várias seções da primeira. Alguns dos críticos mais
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moderados consideram 13.1 – 14.23 e os capítulos 21, 24 – 27, 34, 35, 36 – 39
como não tendo sido escritos por Isaías.
É necessário, mesmo que seja por amor a honestidade acadêmica, afirmar
que quanto à autoria me permitirei ser guiado pela crença de que as Escrituras
são inspiradas, fato que acarreta a sua confiabilidade histórica. Este ponto de
vista não exclui a priori a possibilidade de que algumas partes deste livro não
tenham derivado diretamente de Isaías. Isaías 38.9 declara expressamente que
os versículos imediatamente seguintes provêm de outro autor, e não há nenhuma
boa razão, pela qual isso também não possa ter acontecido com outras partes.
O subscrito de 1.1, por exemplo, exige no mínimo, que o que se segue
tenha derivado em sua maior parte, do próprio Isaías.
Alguns eruditos contemporâneos contestam a autoria de Isaías, o motivo
básico de tal atitude relaciona-se com as meticulosas profecias do livro, algumas
delas cumpridas em todos os detalhes 150 anos mais tarde, chegando mesmo a
dar o nome de Ciro, o rei persa que libertou os cativos (44.28; 45.1). Muitos tem
sido os argumentos citados para defender uma autoria dupla ou múltipla.
• Argumentos que negam ser Isaías o único autor.

(1) O cenário exílico de Isaías 1-39 difere dos cenários 40-66. Como os
capítulos 40-66 descrevem Jerusalém em ruínas e o povo afligido pela
Babilônia, eles devem ter sido escritos depois da destruição de
Jerusalém em 586 a.C.. Essa conclusão resulta da geralmente válida
premissa de que os profetas geralmente falam para a geração seguinte
com referência a assuntos contemporâneos. Porém, aplicar essa
premissa de um modo geral negaria, evidentemente, toda profecia de
longo alcance.

(2) O estilo literário de Isaías 1-39 difere dos capítulos 40-66. A suposição
é de que o autor não modificaria o seu estilo num período de 40 a 60
anos, mesmo escrevendo sobre uma variedade de assuntos.

(3) Dizem também que os pontos de vista teológicos das duas grandes
divisões são diferentes. Acham que a ênfase dada a eternidade de Deus
em 40-66 difere da ênfase dada a majestade de Deus em 1-39. Todavia,
negar a unidade de qualquer obra literária na base de uma concepção
mais avançada quanto ao seu objetivo é realmente tão simplista a ponto
de tornar-se um absurdo. As diferenças são apenas de progressão.
• Argumentos que afirmam ser Isaías o único autor.
15 15

(1) Isaías 1.1 coloca Isaías como o autor, e não há indício de interrupção
ou mudança de autoria em nenhuma de suas divisões em nenhum dos
antigos manuscritos (confirmadosIntrodução Geral
pelos rolos doe Isaías Parte I
mar Morto e pela
Septuaginta). Os autores dos livros proféticos identificaram-se no
primeiro versículo (exceto Daniel que se identifica diversas vezes
durante o decorrer do livro).

(2) O cenário histórico de 40-66 ajusta-se melhor à Palestina do que à


Babilônia, quanto a cor das árvores, as pedras, os montes etc. A
referência à idolatria muito difundida e as cidades de Judá, que ainda
existem, indicam uma época anterior ao exílio da Babilônia. As mais
enérgicas condenações à idolatria são dadas nos capítulos 41, 44, 57,
65 e 66. Tais práticas já não se constituíam problemas depois do
cativeiro em 586 a.C.

(3) As duas seções também tem uma simetria teológica nos seus pontos
de vista de Deus e do Messias. A expressão “o Santo de Israel”,
usada raramente pelos outros escritores, é encontrada vinte e cinco
vezes no livro, doze em 1-39, e treze em 40-66. Essa consistência de
teologia predomina em todo o livro.

(4) Profetas do período pré-exílico referem-se aos escritos de Isaías 40-


66 (por exemplo, Naum 1.15 e Isaías 52.7; Sofonias 2.15 e Isaías
47.8; Jeremias 31.35 e Isaías 51.15). As semelhanças sugerem a
prioridade de Isaías.

(5) A tradição judaica atribui integralmente o livro a Isaías.

(6) Os escritores do Novo Testamento citam esse profeta mais do que


todos os outros juntos, dando Isaías como o autor integral do livro.
Observe João Batista em Mateus 3.3 (Is 40.3); João em Jo 12. 38-41
(Is 53.1; 6.9,10); e Paulo em Romanos 9.27-29, 33 e 10.20 (Is 10.
22-23; 1.9; 28. 16; 65.1).

(7) O próprio assunto das profecias cumpridas era um sinal da profecia


divina de Isaías. Por em dúvida profecias que se realizaram como
tendo sido escritas depois dos fatos é julgar muito mal os profetas.

(8) É inconcebível que o autor da literatura mais sublime do Antigo


Testamento devesse ficar no anonimato enquanto todos os outros
estão claramente identificados.
16 Profetas
Maiores_________________________________________________
c) Data – Cenário Histórico.
Isaías profetizou durante mais de sessenta anos, desde antes da morte de
Uzias (740 a.C.) até algum tempo depois da morte de Senaqueribe (681 a.C.)5.
Tudo indica que ele escreveu a maior parte do livro (1-39) durante os reinados
de Uzias, Jotão, Acaz, e Ezequias, e o restante dos capítulos (40-66), durante o
tirânico reinado de Manassés, talvez entre 697 e 680 a.C. Seu sofrimento sob o
reinado desse rei pode ter contribuído para o texto pungente do “sofrimento
vicário do Servo do Senhor” (Is 52.13-15; 53).
Do ponto de vista internacional, o cenário era a grande ascensão do
poderio assírio. Tiglate-Pileser veio ao ocidente para invadir Israel do norte e a
Transjordânia, em 745 e 734 a.C. Sargon e Salmenasar sitiaram e destruíram
Samaria em 724 e 722 a.C, durante a grande ofensiva para o norte. Senaqueribe,
no decorrer do reinado de Sargon, invadiu Judá e a parte ocidental da Palestina,
numa grande conquista que culminou com a perda da sua armada quando tentava
atacar Jerusalém.
No âmbito nacional foi uma época de opressão e caos. O reino do norte
havia-se deteriorado rapidamente depois do “período áureo” de Jeroboão II, sob
seis reinados caóticos. Judá também declinara sob o reinado do idólatra Acaz.
Muitas alianças foram estabelecidas com potências estrangeiras a fim de protelar
a sujeição total à Assíria, potência em ascensão que procurava engolir o
ocidente.
A condição espiritual de Judá em meados do século oitavo era paralela a
sua condição política, ambas deteriorando-se rapidamente sob o reinado do rei
Acaz. A grande potência construída por Azarias e Jotão, reis tementes a Deus,
desintegrou-se quase que imediatamente quando Acaz começou a cortejar
alianças estrangeiras em vez de confiar no Senhor (Is 7.12). Quando atacado
pela Síria e Israel, Acaz procurou inutilmente apaziguar as forças divinas
sacrificando seu filho mais velho num altar.
Com a ascensão de Ezequias ao trono de Judá, houve quase que
imediatamente um movimento de reforma. Começou no primeiro mês de seu
reinado, no mês seguinte ele celebrou uma páscoa sem precedente, a qual foi
honrada por Deus em virtude das boas intenções para deter o julgamento divino
(2 Cr 30.1-13). A reforma apresentada e o entusiasmo pelo reavivamento
promovido por Ezequias parecem ter mudado a direção do braço justiceiro do
Senhor e salvo Judá de sorte semelhante à de Israel em 722 a.C. Todavia as
alianças com o Egito e a Babilônia, feitas mais tarde por Ezequias, trouxeram
renovada agressão contra Judá por parte da Assíria, que acabou cercando
Jerusalém, ameaçando destruí-la, até que o rei aceitou o conselho de Isaías e
confiou inteiramente no Senhor para o livramento. Esse veio em 701 a.C.,

5
Isaías 1.1; 6.1; 37.38.
17 17

quando o Anjo do Senhor destruiu o exército Introdução Geral e Isaías


de Senaqueribe, Partehomens,
185.000 I
e pôs fim a campanha do invasor no ocidente. O registro desse acontecimento
está na parte central da profecia de Isaías. Ali o profeta demonstra que a maior
defesa da nação é simplesmente confiar no Senhor da aliança e a Ele obedecer.
Enquanto o profeta Isaías profetizava na região mais central da cidade,
seu ministério foi complementado pelo profeta Miquéias na região rural de Judá.
Enquanto Isaías ministrava à corte real e a aristocracia de Jerusalém, Miquéias
pregava ao povo do interior ocidental de Judá, condenando as iniqüidades da
época. Já o profeta Oséias foi o complemento de Isaías em Israel, especialmente
durante a primeira parte do ministério.

d) A Singularidade e Objetivo do livro de Isaías.

Os muitos objetivos de Isaías podem ser resumidos em dois que se


relacionam com os seguintes títulos divinos: “O Santo de Israel” e “O
Sofrimento Vicário do Servo do Senhor”:

(1) Admoestar a nação do iminente julgamento devido à idolatria e as alianças


seculares. O interlúdio histórico (36-39) descreve o cumprimento da invasão da
Assíria e a previsão de um cativeiro posterior pela Babilônia. O “Santo de Israel”
exigia santidade de seu povo.

(2) Lembrar à nação o programa divino de libertação, especialmente o seu


programa redentor através do Messias, que primeiro viria como o Servo
Sofredor e, mais tarde, como o governador de toda a terra (52.13-53.12). Esses
propósitos duplos complementam o tema do livro: “A Salvação vem do Senhor”.

Esse livro é, muitas vezes, chamado de “Bíblia em Miniatura” devido a


sua organização e conteúdo. Tem 66 capítulos, com duas divisões principais de
39 e 27. A primeira divisão enfatiza o julgamento do Senhor, e a última
apresenta a sua graça como “Servo Sofredor” e termina com o julgamento final.
Como Isaías viveu na metade dos anos decorridos entre Moisés e Cristo, ele
focaliza tanto a Lei vinda por Moisés, como a Graça que manifesta pelo Senhor
Jesus Cristo. A segunda divisão (40-66) também principia com uma “voz” que
clama no deserto com uma mensagem de salvação, semelhante à voz de João
Batista, que foi o primeiro a anunciar essa mensagem no Novo Testamento.
De todos os livros proféticos, Isaías é o mais abrangente em seu alcance
teológico. As suas profecias vão desde a situação de Israel na época, passando
pela queda do reino do norte e do sul, pelo exílio na Babilônia e pelo regresso
promovido pelos persas, até a vinda humilde do Messias, sua vida e morte
expiatória na cruz pelo seu povo, pela dispersão final da nação por toda terra,
pela nova reunião em virtude do arrependimento, e pela bênção do reino na era
18 Profetas
Maiores_________________________________________________
messiânica. As profecias de Israel sobre o advento do Messias descrevem
mudanças em todas as esferas da vida humana: espiritual, econômica,
geográfica, cósmica e do reino animal. A teologia divina de Isaías é a mais
extensa e profunda de todos os livros do Antigo Testamento.
e) Esboço do Livro de Isaías.
Tema: A Salvação é do Senhor.

I. Profecias de Condenação.........................................................................1-35.
A. Julgamento e Livramento Final de Sião...................................................1-12.
1. Rebelião atual e restauração futura..............................................................1-5
2. O Santo de Israel e o Chamado de Isaías........................................................6
3. Livramento final pela vinda o Messias......................................................7-12

B. Julgamento das Nações devido a sua Orgulhosa Independência.........15-23.


1.Babilônia (13-14) 7. Egito (19-20)
2. Assíria (14. 24-27) 8. Babilônia (21.1-10)
3. Filístia (14. 28-32) 9. Edom (21.11-12)
4. Moabe (15-16) 10. Arábia (21.13-17)
5. Siria, Israel (17) 11. Jerusalém (22)
6. Etiópia (18) 12. Tiro (23)

C. Juízo Universal para o Pecado Universal................................................24-27.


1. Devastação da terra antes do domínio do Senhor..........................................24.
2. Restauração da terra antes do domínio do Senhor...................................25-27.

D. Julgamento de Israel devido as Alianças Seculares................................28-33.


1. Aliança com a Assíria – Primeiro Erro....................................................28-29.
2. Aliança com o Egito – Segundo Erro.......................................................30-31.
3. Confiança no Senhor – Paz e Alegria.......................................................32-33.

E. Grande Julgamento e Favor Divino – O Dia do Senhor..........................34-35.


1. Grande Ira do Senhor naquele Dia................................................................34.
2. Grande Graça do Senhor naquele Dia...........................................................35.

II. Profecias de Confirmação......................................................................36-39.


A. Ameaça Assíria afastada pela Confiança no Senhor...............................36-37.
B. Ameaça Babilônica anunciada pela Confiança nos Homens...................38-39.

III. Profecias de Consolação.......................................................................40-66.


A. Conforto da Majestade de Deus..............................................................40-48.
1. Majestade como Criador e Pastor.............................................................40-42.
2. Majestade como Criador e Redentor........................................................43-45.
3. Majestade como Criador e Soberano.......................................................46-48.
B. Conforto da Graça de Deus.....................................................................49-57.
Introdução Geral e Isaías Parte I19 19
1. Salvação Oferecida pelo Obediente Servo do Senhor..............................49-51.
2. Salvação proporcionada pelo sofredor Servo do Senhor........................ 52-53.
3. Salvação proclamada pelo bondoso Servo do Senhor..............................54-57.

C. Conforto da Glória de Deus.....................................................................58-66.


1. Não há Redenção sem Conversão............................................................58-60.
2. A Redenção de Sião.................................................................................61-63.
3. Glória de renascimento em lugar de morte..............................................64-66.

4 – COMENTÁRIO DE ISAÍAS – PARTE I

a) A Rebeldia e a restauração Futura. (Is 1-6).

“Ouvi ó céus, e dá ouvidos, tu ó terra; porque o Senhor tem falado: Criei filhos, e
engrandeci-os; mas eles se rebelaram contra mim... Ai, nação pecaminosa, povo
carregado de iniqüidade, descendência de malfeitores, filhos corruptores; deixaram ao
Senhor, blasfemaram o Santo de Israel, voltaram para trás.” vv. Is 1.1-4.

O profeta inicia o livro dando ênfase a ignorância, ingratidão e rebeldia


dos filhos de Israel em relação ao seu Deus. Os versículos acima ressaltam esta
realidade descrevendo cinco termos significativos usados em relação ao pecado:
1. Povo Rebelde. Significa que o pecado original do homem é a revolta
contra Deus por meio da qual ele procura destronar a Deus do seu lugar de
primazia e substituí-Lo por si mesmo e tendo sua vontade como a suprema. Tal
rebeldia expressa na ingratidão desses “crentes” rebaixou-os abaixo do nível de
bestas embrutecidas, pois até as bestas reconhecem e apreciam seus donos que
as alimentam e cuidam delas. Quando o texto, referindo-se a ignorância dos
filhos de Israel diz: ...o meu povo não entende... Significa possuir e reconhecer
um marido, esposa, parente ou filho, pois o verbo entender no hebraico tem esse
significado. Israel ignorava a Deus, mas essa ignorância não era involuntária,
mas deliberadamente preferida por um coração rebelde e voluntarioso.
2. Nação Pecaminosa. Um particípio do verbo hata’, significando
originalmente “errar o alvo”6 o povo havia errado o caminho que Deus ordenou.
Os filhos de Israel sobrepujaram os imperativos divinos
3. Povo Carregado de Iniquidade. Como uma carroça com uma carga
pesada, assim são os filhos de Israel em sua condição espiritual, a carga é a
iniquidade de Israel, uma perversão do padrão de retidão e de dever.
4. Descendência de Malfeitores. Fazem parte da família espiritual
daqueles que participam do pecado néscio e injurioso
5. Filhos Corruptores. Significa dizer aqueles que destroem ou
apodrecem aquilo que foi feito sadio e perfeito. Tendo eles se rebelado contra a

6
Provérbios 8.6; Juízes 20.16.
20 Profetas
Maiores_________________________________________________
devida soberania de Deus sobre os seus corações, abandonaram-no totalmente
juntando-se ao inimigo, no que se refere à vida moral e comportamento. Embora
frequentassem o templo, por assim dizer, mantendo as aparências externas da
piedade, aos olhos de Deus, contudo, alienaram-se moralmente. Seria um
hipócrita igrejeiro que é uma das mais preciosas armas de Satanás.

b) O Santo de Israel e o Chamado de Isaías (Is 6.1-13).


O profeta Isaías refere-se ao Senhor como o “Santo de Israel” vinte e
cinco vezes em todo o livro, um termo raramente usado por outros escritores. A
expressão vem de quando Isaías foi comissionado em 6.3, ocasião em que os
serafins apresentaram o Senhor como “Santo, Santo, Santo”. No meio de um
povo impuro, foi-lhe trazida à memória a inflexível santidade de Deus. Junto
com a revelação de sua santidade, Isaías ressalta de ser o SENHOR “O Poderoso
de Israel”. A santidade e o poder divinos sempre se complementam.
Já se passaram cinco capítulos de pregação profética. Como é que se
explica que o chamado dele só tenha acontecido agora? Comentaristas antigos,
seguindo Calvino, entenderam que Isaías pregava antes de ser chamado, e que,
no caso, a ordem nesta parte do livro é cronológica. Hoje a maioria dos
estudiosos defende a ideia de que a parte cronológica do livro começa com o
capítulo 6, e que os capítulos 1 – 5 são como um resumo, uma introdução, ao
livro e a todos os temas neles tratados. Isto é perfeitamente possível.
Os capítulos 1 à 5 levantam um problema sério: o pecado do povo de
Deus, e pergunta-se até que ponto haverá solução para esse pecado? A resposta
do capítulo 6, é que há solução sim, quando todo povo se voltar para Deus em
arrependimento como o profeta fez.
O longo reinado de Uzias, de uns 52 anos, foi um período de glória e
crescimento para Judá. Esse rei, chamado às vezes, de Azarias7, foi o melhor rei
desde Salomão, mas lá pelo final da vida, cometeu um ato de sacrilégio,
oferecendo incenso no altar do templo8. Após uma dura repreensão foi
acometido de lepra e morreu. Morreu imundo, não purificado, e com sua morte
iniciou-se um período de instabilidade e crise no reino.
Portanto, o chamado de Isaías se deu em circunstâncias adversas. Então
morto o glorioso rei, Isaías foi ao Templo e ali teve uma visão de um Rei ainda
mais glorioso e imortal. Assim ele assegurou ao profeta que, apesar da aparente
vitória da maldade sobre a terra, o Senhor Jeová continuava reinando onipotente
sobre seu trono celestial, adorado pelos poderosos anjos celestiais. Até os
alicerces do templo terrestre tremeram sob o estrondo do coro angelical, e o
santuário se encheu de fumaça do incenso da oração de adoração. Como poderia

7
2 Reis 15.1-7.
8
2 Cr 26.1-15.
Introdução Geral e Isaías Parte I
21 21

os lábios impuros repetir o hino angélico? Sua consciência pesava sob o


sentimento de uma fraqueza moral. Ele nada mais podia fazer que confessar a
sua incapacidade e condição decaída. O profeta percebeu que tanto ele como
Judá haviam falhado no dever de refletir a santidade de Deus em seu culto a Ele.
Entendeu que o problema não era simplesmente político, devido à morte do rei,
mas espiritual devido ao pecado. Mas a Graça Redentora de Deus apressou-se
em atender à sua necessidade purificando-o com uma brasa do altar. Brasas
vivas eram usadas no Dia da Expiação (Lv 16.12), e é possível que essa visão
tenha ocorrido nesse dia de festa espiritual. Naquele dia Deus se revelou a Isaías
para vocacioná-lo, numa iniciativa que é totalmente de Deus. A palavra de
perdão foi direto ao problema que o profeta havia confessado. Aqui se distingue
as seguintes duas palavras: “iniquidade” – nossa natureza pecaminosa; e
“pecado” - nossos atos errados.
Agora Isaías estava apto para servir. Cada crente é salvo para servir; ele
é uma testemunha divina desde a conversão.
A relevância desse capítulo está no fato de se entender o modo de Deus
atuar na história e na Teologia de Isaías. Nele está sintetizado o núcleo de sua
mensagem. Os principais protagonistas são Deus, Isaías e o povo. Segundo José
Luis Sicre, no livro Profetismo em Israel o capítulo pode ser dividido em três
partes:
1. Visão (1-5). Sublinha a majestade e soberania de Deus e serve para
ambientação para o que se segue. A supremacia de Deus é sublinhada através
de três contrastes. O primeiro com Uzias, morto, o rei mortal se passa para o rei
imortal. Em segundo, com os serafins, que são descritos em detalhe, ao passo
que de Deus só se diz que “a orla de seu manto enchia o Templo”. O terceiro
com Isaías, que se sente impuro diante do Senhor.
2. Purificação (6-7). Baseando-se na queixa de Isaías (“sou um homem
de lábios impuros”), um serafin purifica os lábios dele, como símbolo de
purificação da pessoa inteira. Essa purificação prepara Isaías para ser escolhido
por Deus.
3. Missão (8-13). De forma quase brusca, estes versos centram de novo a
nossa atenção na corte divina. Isaías se oferece sem saber para quê e nem para
onde será enviado. É a disponibilidade absoluta a serviço de Deus, mas também
o profeta reconhece a necessidade de ser enviado, pois o mesmo diz: “envia-me
a mim”. Aqui está a chave para entender esse mundo misterioso dos livros
proféticos. O importante não é a pessoa escolhida, sua vida ou seu destino, mas
a Palavra de Deus, a missão que Deus confere.
c) Livramento Final pela Vinda do Messias (Is 7-12).
Nem todos esses capítulos datam do mesmo período. A primeira dupla de
capítulos se enquadram no segundo período de Isaías. Assim mesmo, ao se
observar o seu conteúdo, pode-se verificar uma unidade entre os capítulos 7 –
12, que tem por vezes sido chamados de “Livro de Emanuel”, porque aqui o
22 Profetas
Maiores_________________________________________________
futuro Emanuel é apresentado por toda parte como fonte de consolação em meio
aos julgamentos que estão por vir. Agora estamos no primeiro ou segundo ano
do reinado de Acaz. Jotão morreu em cerca de 735 a.C., e com vinte anos de
idade, Acaz tomou o lugar de seu piedoso pai, em cujos passos ele não iria andar.
Negras nuvens se acumulavam sobre Judá. A Síria e Israel (Reino do
Norte) formaram uma aliança contra o perigo de um império assírio reavivado,
e tomaram a decisão de introduzir Judá em sua coligação, ainda que significasse
depor Acaz e substituí-lo por um rei fantoche.
O Senhor ofereceu um milagre de livramento para incentivar a fé de Acaz
(vv.10-12), convidando-o a pedir o que quisesse. Mas Acaz, tendo resolvido
colocar sua confiança na Assíria, despediu o profeta com um pretexto
hipocritamente piedoso.

“Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que uma virgem
conceberá e dará a luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel.” Is 7.14.

O sinal de livramento era uma virgem conceberá. A palavra para virgem


aqui foi cuidadosamente escolhida. Etimologicamente ‘almâ não significa uma
virgem intacta. Contudo, no uso real das Escrituras Hebraicas, só se refere a uma
virgem casta e solteira. Conforme Is 8.1-4, a mãe típica era uma profetiza que
veio a ser a esposa de Isaías pouco tempo depois desta profecia ter sido
pronunciada. Portanto ele era uma virgem no tempo em que esta promessa foi
feita. Ela serve como figura da virgem Maria, que permaneceu virgem até
mesmo depois da milagrosa conceição pelo Espírito Santo. O filho desta
profetiza de maneira correspondente, era uma figura do Emanuel messiânico.
Esta profecia é da maior importância, porque aponta para a vinda de Cristo na
carne (Mt 1.23).

d) O Livramento Messiânico Prefigurado (Is 8 – 11).


“Eis-me aqui, com os filhos que me deu o Senhor, por sinais e por maravilhas em Israel,
da parte do Senhor dos Exércitos, que habita no monte de Sião.” Is 8.18.

Deus disse a Isaías, antes mesmo que se casasse com sua noiva, que ela
lhe daria um filho, ordenando-lhe que inscrevesse o nome da criança em uma
tábua como se fosse um registro público diante de testemunhas. Esses nomes
eram proféticos daquilo que seria a sorte do povo de Deus. O primeiro filho
chamava-se “Um-resto-volverá” (Is 7.3), ou seja, o nome era uma afirmação de
que Deus preservaria um remanescente: “Porém ainda a décima parte ficará
nela, e tornará a ser pastada; e como o carvalho, e como a azinheira, que depois
Introdução Geral e Isaías Parte I23 23

de se desfolharem, ainda ficam firmes, assim a santa semente será a firmeza


dela.” (Is 6.13).
O segundo filho recebeu um nome bem menos positivo: “Rápido-
despojo-presa-segura”. Conforme a Palavra do Senhor, o pequeno estaria
dizendo “papai” e “mamãe”, isto é, dentro de poucos anos, quando Damasco,
capital da Síria, e Samaria, capital de Israel seriam invadidas e despojadas pelo
poderoso exército assírio, o reino do norte (Israel) sucumbiria por não confiar
no SENHOR (Is 8.5-8).
Segue-se então o anúncio da humilhação de Judá pelos assírios, como
punição pelos pecados do povo. A incredulidade de Judá é descrita como “ter
desprezado as águas de Siloé que correm brandamente”. Alimentado por uma
pequena fonte seguia o seu curso vagaroso para o poço. Comparada com as
águas poderosas do Eufrates, era uma fonte patética! Assim mesmo, essas águas
são mais preciosas do que o caudaloso rio, porque fluem ao longo de Sião, do
Templo e do Palácio. O simbolismo é maravilhoso. O Eufrates é uma figura da
Assíria como poderio mundial, as águas de Siloé representam o reino de Deus.
Esse reino é insignificante aos olhos da carne, mas ultrapassa em muito todos
os domínios terrenos em força e valor intrínsecos.
O povo estava desprezando as “Águas de Siloé”, isto é, o reino de Deus
sediado em Sião, preferia confiar no poder mundial, em uma aliança com
Assíria. No entanto, este poder diante do qual temiam se voltará contra Judá. A
onda assíria afogará a terra e tragará tudo (Is 8.8).
Mesmo assim, o castigo não será total, chegando à água somente até ao
pescoço (v.8), o versículo 8 se refere à Judá, até esse momento isento de ataques
por parte do inimigo. O reino do norte e a Síria já se foram, mas Judá (o reino
do sul), não será poupado a não ser que passe a confiar no Senhor.
Embora os inimigos se esforçassem para extinguir a luz do povo de Deus,
finalmente teriam de fracassar, porque “Deus está conosco”, agora o profeta
aponta para o Messias de onde virá a vitória final do povo de Deus. A profecia
assume uma outra forma, para desvendar a salvação que, no meio do juízo, para
o povo de Deus está no nome de EMANUEL.
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus
ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade e
Príncipe da Paz.” Is 9.6.

Em contraposição à terrível angústia que sobrevirá ao povo por causa da


incredulidade, o profeta retrata para o remanescente a gloriosa salvação de um
futuro melhor. Em 9.6 esta profecia assume um caráter messiânico explícito.
Deus em sua misericórdia quer ver o seu povo na luz (Is 9.2) crescendo e
prosperando em alegria, regozijando-se no Seu livramento da mão do opressor.
Zebulom e Naftali foram às primeiras regiões da Palestina a caírem diante
dos opressores assírios. Essa esperança de mudança radical é tão certa que Isaías
usa somente o tempo passado dos verbos para falar do livramento. Ainda toda a
24 Profetas
Maiores_________________________________________________
atividade maravilhosa é atribuída a Deus, e a Ele somente. A causa real de toda
essa expectativa é o “Menino”. Já tivemos o nascimento de diversos meninos no
livro, os filhos do profeta e o do rei Acaz, e todos eram como que sinais, os quais
apontavam para além de si, para atuação de Deus específica na história humana.
Aqui temos delineado o caráter do Emanuel que efetuará este livramento.
Ele virá ao mundo com criancinha nascida ao povo hebreu, um presente
misericordioso de Deus para eles. Ele regerá o Reino de Deus com autoridade
divina. Então o profeta passa a descrever a pessoa dEle, revelando o seu nome,
a expressão do seu ser. Sua essência é excessivamente gloriosa para ser captada
em uma palavra, de forma que o seu nome se torna cinco títulos descritivos:
(1) Maravilhoso. Indica que Ele transcende de muito os limites da compreensão
e existência humanas comuns.
(2) Conselheiro. Indica sua unção com o “Espírito de Sabedoria”. Ele tem em
si os conselhos sábios necessários ao exercício de seu ofício real e
indispensáveis para salvação de seu povo. Ele será realmente uma maravilhosa
vinda de Javé, e como Aquele único que tem as Palavras de vida eterna, é um
conselheiro sem igual.
(3) Deus Forte. Um termo explicitamente aplicado a Javé (Dt 10.17; Is 10.21;
Je 32.18). Refere-se a natureza supra-humana do Messias. Todas as outras
interpretações, como a tradução desta frase simplesmente como “poderoso”, não
são permissíveis. Na verdade a palavra El, usada em hebraico, algumas vezes
ocorre neste sentido, mas nunca em Isaías. Este nome diz que o Messias
compartilha da natureza divina.
(4) Pai da Eternidade. Indica seu senhorio e sua eternidade, descreve-O como
o autor da vida eterna, ou seja, no sentido de Alguém que possui eternidade. Por
conseguinte, “Pai” refere-se ao seu povo, sua paternidade é perene, pois do seu
reino não haverá fim.
(5)Príncipe da paz Ele concederá o que Shalôm, “paz”, que não deve ser
considerada como meramente cessação de luta, visto que ela assume, além da
paz naquele sentido, toda a salvação, bênção e bem-aventurança. Portanto,
implica em seu sentido completo: saúde para a alma diante do pecado; um
relacionamento forte e sadio entre o pecador e Deus, como também entre o
pecador e seu companheiro; e uma condição estável de justiça e prosperidade
universais prevalecendo no mundo. Como antítipo do rei Davi, e como seu
descendente e herdeiro, este prometido reinará sobre o povo de Deus para todo
o sempre.
“Porque brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo frutificará;
e repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito
de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimentoIntrodução
e de temor Geral e Isaías
do Senhor.” Parte I
Is 11.1-2.
Essa é uma visão mais clara acerca do Messias, preenche o esboço traçado
pelas visões anteriores. O Messias será descendência da prometida linhagem de
25 25

Davi, Deus o declara aqui. Sua grandeza ultrapassa tanto os limites humanos
ordinários que, a semelhança do “Menino” de 9.6, não pode ser outro senão o
Messias.
Aqui o profeta pinta o futuro que espera pela casa de Davi, usando uma
imagem tirada do que ele repetidamente observava na natureza. Uma árvore
cortada aparentemente morta, ainda pode produzir nova vida 9, e este toco é a
esperança e o meio de rejuvenescimento de velhas árvores. Ao mesmo tempo, a
realidade ultrapassa a imagem em muito. A esperança do futuro não consiste de
coisas externas, nem se levanta da terra; é de natureza espiritual e origem divina.
No Antigo Testamento, o Espírito muitas vezes é derramado sobre os
líderes do povo, sobre Moisés e os anciãos (Nm 11.25), sobre os juízes (Jz 3.10;
6.34), os reis (1 Sm 11.6; 16.13), e os profetas (1 Sm 10.10; 2 Sm 23.2; 1 Rs
22.24). Pelo Espírito é-lhes permitido compartilharem de poderes mais elevados
não acessíveis a seres humanos comuns, poderes que vem de maneira especial
do próprio Deus, mas essas pessoas se tornam instrumentos pelos quais Deus
leva a efeito a Sua obra. Na era messiânica, o Espírito será dado em medida
generosa a todo o povo de Deus (Is 32.15; Jl 2.28). De maneira especial, todavia,
Ele será a porção do Messias.
A profecia messiânica teve seu cumprimento na Encarnação. Ele é o
divino Messias, isto é, o Ungido do Senhor, ungido pelo Espírito Santo como
Rei, como Sacerdote (Is 42.1), e como Profeta (Is 61.1).
A maneira pela qual o Rei Messias é dotado do Espírito, se expressa aqui
em primeiro lugar ao se dizer que o Espírito “repousará” sobre Ele, isto é, o
Espírito desceu sobre Ele na ação carismática, para nunca mais deixá-lo e, além
disso, pela adição dos dons espirituais que lhe são dados. O único Espírito é
visto de vários ângulos, de acordo com os dons que Ele comunica; desses, seis
são mencionados, a cada vez em pares. Todos os dons mencionados servem para
prepará-lo para o seu ofício real. Os primeiros a serem mencionados são de
“sabedoria” e “entendimento”. “Sabedoria” é dom que penetra a essência e o
propósito das coisas, e também descobre a maneira correta de se alcançar tal
propósito. “Entendimento” é a capacidade de discernir circunstâncias e
relacionamentos. Seguem-se então os dons complementares de “conselho” e
“fortaleza”. O primeiro é a capacidade de tomar decisões corretas, dom que está
intimamente relacionado com sabedoria e entendimento; e o segundo é a
capacidade de Executá-las. Em conclusão, há o Espírito de conhecimento e de
temor do Senhor. O conhecimento de Javé é o conhecimento experimental de
Quem e de que Ele é, de suas vontades e Seus caminhos. É um conhecimento
que tem origem em uma comunhão de amor e confiança com Ele. Refere-se
especialmente a maneira pela qual Ele quer que seu povo seja governado. Pelo
fato de este conhecimento ter a sua sede no coração, mais do que na cabeça, ele

9
Jó 14.7.
26 Profetas
Maiores_________________________________________________
é acompanhado pelo temor de Javé, que inclina a pessoa a fazer a Sua vontade.
Este temor é o alicerce e o princípio da sabedoria mencionados inicialmente (Pv
1.7).
Nos versículos 3 – 5 estão em pauta a justiça, uma justiça que não se deixa
enganar, pois, o dinheiro e o poder podem criar aparências. Como a Lei exige
(Ex 23.6), Ele manterá o direito dos poderes (v. 4), outro contraste com a
situação atual (Is 3.14-15). O v. 4 parece se referir à vitória sobre o Anticristo
em Armagedom (2Ts 2.8; Ap 19.21). O “cinto” (v.5) é o princípio de ação, o
Messias sempre age com justiça e fidelidade.
Mediante esta atividade de juiz Ele dará ao seu povo o que este tem o
direito de esperar de um rei: proteção dos fracos contra a violência dos
poderosos. Esta proteção geralmente era a tarefa dos juízes, algumas vezes, eles
a negligenciavam em demasia (1.17). Era particularmente o rei, contudo, quem
os pobres e destituídos, os oprimidos e necessitados, procuravam e
frequentemente recebiam justiça (2Sm 12.5; 14.5; 2Rs 6.26; 8.1). Mas esta ajuda
muitas vezes se revelava defeituosa. Neste “Filho de Davi”, porém, esse ideal é
plenamente realizado (Sl 72.2)10.
e) Juízo Universal para o Pecado Universal (Is 24 – 27).
Tradicionalmente os capítulos 24-27 levam o título, O Apocalipse de
Isaías, porque dão mais ênfase a escatologia, e ao triunfo final de Deus sobre
todos os seus inimigos, sobre toda a terra. Esses capítulos retratam o fim da
história mundial. O capítulo 24 descreve o julgamento do mundo com os
horrores que o precedem imediatamente. Nenhuma linha aguda de demarcação
é traçada entre eles, uma conseqüência, em parte, do fato de que o julgamento
mundial é pintado em termos vétero-testamentários, como uma devastação que
está por vir sobre a terra, uma devastação de que algumas características são
emprestadas das cenas de guerra (13.5), mas que inclui outras características
também. O quadro do julgamento apresentado nos versículos 21 tem uma
afeição mais pessoal.
A terra é desolada (24.1-6). O profeta começou a partir de sua própria
realidade, considerando o fato do povo dele, Judá, estar ameaçado de invasão e
exílio devido ao pecado. Mas, sob a direção do Espírito Santo, Isaías conseguiu
extrapolar o conceito de uma destruição local de Judá e Jerusalém para incluir
todo o cosmos. Por vezes a palavra “terra” aparece nesse capítulo. Nessa altura
o Senhor está prestes a devastar Judá, e posteriormente, restaurará o seu
remanescente. E esses eventos retratam aquilo que será a sorte de toda a terra,
salvo o remanescente, o povo de Deus. Introdução Geral e Isaías Parte I
Todos sofrem sua ruína, não há preferência em virtude de posição ou
riqueza. A terra desnudada de seu esplendor será vestida de lamentação; tudo

10
Ridderbbos, J. Isaías. Ed. Vida Nova e Mundo Cristão. São Paulo, SP.
27 27

definhará e murchará; as pessoas também, incluindo os seus dignitários,


perderão o seu esplendor. Tudo isto é o juízo de Deus sobre o pecado. Pois, a
terra tem sido contaminada por seus habitantes, condição que resulta
especialmente da culpa de sangue (Nm 35.33; Sl 106.38).
A Festa Acabou! (24.7-13). Por causa deste pecado de seus habitantes, a
terra é consumida pela maldição divina que é concomitante ao pecado, e não é
uma ameaça ociosa, mas um poder efetivo, como um fogo; e seus habitantes são
queimados no calor da ira divina, de forma que poucos restam. Todas as
festividades tem fim. As cidades lamentam, é um espetáculo desolado e
miserável.
Há Festa para o Povo de Deus (14-16). Aqui o profeta empreende um
novo início. Enquanto alguns gritam desesperados (v.11) outros cantam, alegres
(v.14). Ele fala de eventos ocorridos em sua própria época. Por toda parte há
gritos de alegria: do ocidente vem a conclamação para se aclamar a majestade
do Senhor; portanto o oriente e as ilhas do mar se unem para louvar o nome do
Deus de Israel. Dos confins da terra vem a resposta: Glória ao Senhor. Nessas
alturas não há beleza, glória, em nenhum outro lugar, mas ainda há no Senhor,
e essa é a razão de ser do cântico de alguns, daquele pequeno grupo que foi
poupado.
Jeová é Louvado como Libertador (25.1-5). “Ó Senhor, tu és o meu Deus;
exaltar-te-ei, e louvarei o teu nome, porque fizeste maravilhas; os teus conselhos
antigos são verdade e firmeza”. Como porta-voz do povo da aliança divina, o
profeta dá expressão ao louvor de adoração do Senhor por Sua maravilhosa
providência e Sua conduta para com os homens. Através dos séculos o Santo
impõe as suas leis a todos aqueles ofensores que a transgrediram. A mais forte
será destruída e desfeita em ruínas se os seus habitantes tiverem fé em Deus.
Mas os fiéis e obedientes serão preservados e protegidos através dos anos.
Apesar das provas e desvantagens, eles sobreviverão através dos séculos mesmo
depois que os mais arrogantes impérios humanos tiverem se desfeito em pó.

f) Confiança no Egito versus Confiança em Deus (Is 30).


“Ai dos filhos rebeldes, diz o Senhor, que tomam conselho, mas não de mim; e que se
cobrem, com uma cobertura, mas não do meu Espírito, para acrescentarem pecado sobre
pecado”. Is 30.1.
Faz-se menção expressa aqui às negociações com o Egito. Elas são
descritas aqui como procedendo de Judá, que havia enviado embaixadores ao
Egito. Esta atividade presumivelmente está ligada com movimento de libertação
que precipitara a invasão de Senaqueribe em 701 a.C. Aqui o profeta anuncia o
seu “ai” sobre os paladinos da política pró-Egito. Javé é o Pai de Israel, mas em
vez de O honrarem como tal e seguirem as suas instruções, eles são obstinados,
filhos rebeldes que andam por seu próprio caminho. Os filhos de Israel buscam
o conselho humano em vez de divino, e seguem as regras da sabedoria do
mundo. Isto é evidente dos planos que elaboraram e estão executando, que são
28 Profetas
Maiores_________________________________________________
descritos como fazer “aliança”, a saber, com o Egito. Mas Deus descreve esses
planos como “que não procedem de mim” e são elaborados “sem a minha
aprovação”.
O Senhor condena a embaixada ao Egito. Como será amarga a sua
decisão! Em vez de livrá-los, o envolvimento com o Egito lhes causará apenas
desgraça, logo ficará claro como foi insensato da parte deles confiar no Egito
em detrimento da confiança no Senhor.
“Porque este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a Lei do
Senhor, que dizem aos videntes: Não vejais, e aos profetas: Não profetizeis para nós o que é reto;
dizei-nos coisas aprazíveis, e vede para nós engano”. (30.9,10).
Este é um povo que resiste obstinadamente a Deus, filhos que negam ao
Pai, visto que agem para com Ele como estranhos. Eles se recusam a ouvir a
Palavra do Senhor. Esta palavra é muito atualizada, pois esta exigência da
“congregação” e os próprios pastores e pregadores temperam suas mensagens
de acordo com os desejos e preferências do povo, e que não pregam a sã doutrina
da Palavra de Deus. O povo não queria mais ouvir sobre o Deus da Bíblia, mas
apenas um “deus” que concedesse os desígnios dos seus corações impenitentes.
A parede de obstinação que edificaram para sua proteção entraria em colapso
sobre eles e os esmagaria mortalmente. Deus despedaçaria sua iniquidade (ou
aquilo que a simbolizava) como se fosse um vaso de barro.
Por intermédio dos seus profetas Deus os tinha advertido a que
“retornassem” para Ele; isto é, a que se arrependessem e que confiassem nEle,
pois então, Ele os libertaria do jugo da tirania do império assírio. Mas eles
preferiram depender dos carros egípcios, como se os cavalos e não o forte braço
do Senhor dos Exércitos pudessem garantir-lhes vitória. Nos problemas que
estavam para enfrentar, despojados do favor divino, eles não seriam nem sequer
capazes de resistir a uma força inimiga.
Apesar da falta de fé da nação como um todo, Javé trataria seu povo com
paciência (e não os destruiria totalmente) até que um remanescente penitente se
voltasse com fé para Ele (v.18); pois Deus prazeirosamente demonstraria neles
as riquezas de Sua bondade e graça. Aqueles crentes perseguidos e aflitos que
olhavam para Ele à espera de livramento veriam um dia o juízo que o Senhor
infligiria aos ímpios.
O propósito final para o Seu povo é que possa habitar em segurança e paz
na santa cidade. Por isso tinha de prepará-los e ensina-los através de aflições e
provações, dando-lhes orientação, impedindo que se desviassem.

“Quer grandes coisas de Deus; faça grandes coisas para Deus.”


William Carey
29 29

1 - COMENTÁRIO

a) Renovação Espiritual de Israel (Is 32).


“Eis que reinará um rei com justiça, e dominarão os príncipes segundo o juízo, e será aquele
homem como um esconderijo contra o vento, e um refúgio contra a tempestade; como ribeiros de
águas em lugares secos, e como a sombra de uma grande rocha em terra sedenta”. Is 32.1-2.

A destruição do exército assírio aponta profeticamente para o final


conflito mundial, o qual introduzirá o governo de Cristo, o perfeito Rei de Israel.
O reino do Messias preencherá o ideal divino de uma nação santa, administrando
uma justiça perfeita por toda a terra. A característica primordial do esplendido
reino do futuro que o profeta considera como já estando a raiar para Judá, é que
haverá um rei que “reinará com justiça”, e príncipes que “em retidão”
governarão. Aqui fica notório a adição de “príncipes” retos, nobres que
exercerão uma parte do poder governador, particularmente os papéis judiciais,
em nome do Rei.
As bênçãos deste reino serão transbordantes, sua natureza é descrita com
riqueza de detalhes. Em primeiro lugar porque este Rei protegerá o seu povo da
injustiça e da violência. A violência dos opressores é comparada com uma
tempestade arrasadora, uma chuva torrencial e um calor escorchante. Em
contraposição a isto o Rei será um “esconderijo” e um “refúgio” para onde os
oprimidos podem fugir. Ele oferece refrigério aos atormentados cidadãos,
“como torrentes de águas em lugares secos” e como “sombra de uma grande
rocha em terra sedenta”. O Rei divino fornecerá abrigo total a todos que
procurarem se refugiar nEle e satisfará suas almas sedentas com água viva.
Todas estas bênçãos já estão disponíveis aos cidadãos espirituais do reino de
Cristo. Por isso é saudada com alegria a grande rocha, por trás da qual o exausto
pode encontrar proteção contra os raios ardentes do sol e um lugar para
descansar. Ele concederá aos crentes a visão espiritual e um poder de ouvir que
jamais falharão um coração compreensivo e um testemunho luminoso
resultantes da completa transformação do novo nascimento. Sob seu governo e
30 Profetas
Maiores_________________________________________________
influência, os homens já não serão mais enganados pelo príncipe das mentiras,
mas verão claramente a diferença entre a sabedoria moral e a loucura,
discernindo como é fátua a vida entregue a rebeldia.
Quanto ao cumprimento do que se diz a respeito dos “príncipes”, pode-se
indicar o fato de que Cristo atribui aos apóstolos um lugar no seu reino que é
semelhante ao descrito aqui (Mt 19.18). No reino da glória, porém, não haverá
necessidade de proteção contra a violência. Por esta razão é necessário ter em
mente que as bênçãos do reino messiânico aqui são descritas com as cores da
vida eterna.

Isaías 32.15-20. O anúncio de julgamento nos versículos anteriores é


seguido outra vez de uma promessa de salvação. Quanto ao conteúdo, esta
promessa parece intimamente relacionada com esse contexto e período, ele
apresenta a verdadeira segurança que prevalecerá no futuro estado de bem-
aventurança.
A conjunção “até” liga esta profecia com a antecedente, e indica que o
“para sempre” do versículo 14 tem um limite. Um dia, para o remanescente,
raiará um período melhor (o período do reino messiânico descrito nos versículos
1 – 8). O primeiro e decisivo da época de renovação é “o espírito” derramado
do alto. O espírito aqui é apresentado metaforicamente, como se o espírito fosse
algo fluido (como o Espírito de Deus é comparado com o vento). A luminosa
promessa que apontava o futuro era que depois da completa devastação da terra
(isto parece apontar para a futura invasão babilônica e mais além), o Espírito
Santo seria derramado sobre o povo de Deus. Isto aconteceria no Pentecostes,
como já sabemos agora, e deserto árido de almas não convertidas seria
transformado em jardins frutíferos. Mas à luz do v. 18 é necessário que se veja
nisto também uma promessa do grande reavivamento dos “últimos dias”. Junto
com aquele misericordioso derramamento viria prosperidade sem precedentes e
fertilidade, até mesmo em terras então estéreis. E as condições da justiça e paz
salvaguardariam os produtos do trabalho de cada homem. A guerra seria
completamente abolida, depois que a floresta do poder e orgulho humano fosse
derrubado pelo granizo do juízo divino.

b) Bênçãos no Caminho da santidade (Is 35.1-10).


Em contraste completo com o futuro do mundo não arrependido que se
opõe a Deus está o futuro do povo de Deus. O florir da vegetação do deserto
simboliza a mudança interna que terá lugar na alma do redimido. Em lugar da
esterilidade árida e morte espiritual haverá a linda florescência da fé recém
brotada e a grandeza mais amadurecida como dos cedros do Líbano. Os
Isaías Parte II31 31

redimidos refletirão, numa certa medida, a glória do Salvador que apareceu para
sua redenção.
Uma certeza confortadora aos desanimados e desalentados (Eis que o
vosso Deus... Ele vem 3,4) de que o Senhor intervirá no cenário mundial, para
fazer a sociedade se sujeitar às exigências da justiça e para livrar o seu povo dos
opressores, uma garantia de que a força divina substituirá a fraqueza do homem.
Os crentes serão capazes de ver a verdade de Deus e de ouvir a Sua voz, de andar
nos Seus caminhos desimpedidos e de cantar seu testemunho e louvor.
Refrigério rico e satisfatório será sua porção constante, em lugar do calor
cauterizante e da sede ressecante do seu passado não regenerado. Observe que
a terra seca (v.7) talvez fosse o termo hebraico “para miragem do deserto”, que
zomba do viajante sedento com uma visão enganosa de água no horizonte.
Nos versículos de 8-10 revela que o povo redimido andará pelo Caminho
Santo, da qual a corrupção moral ficará excluída, como também os leões vorazes
da malignidade satânica. Sobre aquele caminho até o viajante tolo e
desprevenido, uma vez redimido e regenerado, poderá viajar sem se perder,
como também aqueles que viajaram para a Cidade Santa por este caminho
vindos da Babilônia, a Cidade da Destruição. Caracterizar-se-ão por uma alegria
especial da qual o mundo nada sabe, e cantarão uma canção especial de ação de
graças que os não salvos não são capazes de enunciar.

c) A Ameaça Assíria Afastada pela Confiança no Senhor (36 – 39).

“E orou Ezequias ao Senhor, dizendo: Ó Senhor dos Exércitos, Deus de


Israel, que habitas entre os querubins; Tu mesmo, só Tu és Deus de todos os
reinos da terra; Tu fizeste os céus e a terra, inclina ó Senhor, o teu ouvido e
ouve; abre, Senhor, os teus olhos, e vê, e ouve todas as palavras de Senaqueribe,
as quais ele enviou para afrontar o Deus vivo”. Is 37.15-17.

Estes capítulos apresentam uma característica diferente das outras partes


do livro. Segundo Ridderbbos eles contêm profecias de Isaías, mas estas se
ligam a uma narrativa detalhada, pois em certos aspectos, é comparável ao
capítulo 7.
A questão da autoria destes capítulos suscita muitas e variadas opiniões.
A Escritura menciona expressamente o nome do autor de uma pequena parte,
alguém que não é Isaías, a saber, Ezequias (38.9). É claro que bem pode ser que
Isaías seja o autor do restante, e também pode ter sido ele que incluiu o cântico
de Ezequias nesta seqüência.
Em conexão com o problema da autoria, é importante saber que em II
Reis 18.13 – 20.10 ocorre essencialmente a mesma narrativa, embora com
inúmeras variações.
32 Profetas
Maiores_________________________________________________
Pode alguém perguntar se o compilador do livro de Reis a tomou
emprestado do Livro de Isaías, ou se o inverso é verdadeiro. Outra possibilidade
é que em ambos os livros a narrativa provém de uma fonte comum. Estes
capítulos formam a conclusão da primeira divisão principal do Livro de Isaías.
Eles contêm a profecia da deportação para a Babilônia (39.6) e assim propiciam
uma ponte para a segunda divisão principal, que pressupõe essa deportação.
Esta parte suplementa o que vimos nos capítulos 28-33, a respeito da
atitude de Isaías para com o movimento de libertação contra Senaqueribe.
Enquanto ali combate vigorosamente a política de defesa dos nobres de Judá,
aqui o encontramos encorajando Ezequias e fortalecendo a sua resolução contra
Senaqueribe.
A condenação de uma política mal orientada de libertação há muito tempo
fora acompanhado pela palavra de consolação, dirigida aos crentes, a respeito
da libertação futura de Jerusalém. Também pode chegar a hora em que, com
base nessa promessa, o profeta venha a endossar e apoiar o que ele condenara
tantas vezes, a saber, a resistência ao império assírio. Para que isto ocorresse,
requeriam-se duas condições:
• Que soasse a hora decretada no plano de Deus para a humilhação da
Assíria.
• E essa resistência não deveria ser baseada numa confiança no Egito, mas
na confiança no Deus de Judá.
A invasão de Senaqueribe ocorre no décimo – quarto ano de Ezequias.
Portanto isso nos leva a pressupor que a sua ascensão ao trono teve lugar em
cerca de 715 a.C. Com todo poderio que lhe estava disponível, os assírios dão
contra a infeliz terra de Judá. Enquanto ele usa como quartel-general a Laquis,
uma cidade junto à fronteira filistéia, as suas tropas atacam e capturam todas as
cidades fortificadas de Judá, exceto a capital Jerusalém.
Em uma carta assíria, o rei se jacta (ensoberbece) de ter destruído Judá
com uma campanha de terror, conquistando grande número de cidades
estabelecidas, e levando prisioneiros 200.000 pessoas. É provável que isso não
passe de mera jactância, pelo menos no que tange aos prisioneiros, aos quais ele
dificilmente poderia ter deportado.
Nesta absorvente narrativa, de um lado da arena está o arrogante e cruel
poder do mundo, com todas as vantagens materiais do seu lado. Do outro está o
frágil remanescente de Judá, não tendo recurso além do próprio Deus. Temos
aqui um texto histórico para demonstrar de uma vez por todas que Javé é o único
Deus verdadeiro, o Soberano de toda terra.
Isaías Parte II
Isaías 36.1-22. O texto tem início se referindo ao segundo reinado de
Ezequias, isto é, o período adicional de quinze anos que foram acrescentados ao
rei por ocasião de uma doença mortal registrada no capítulo 38. A doença deve
33 33

ter ocorrido em 174, ou onze anos depois da morte de Acaz, o pai de Ezequias.
Senaqueribe começara seu reinado em 705, e gastou a maior parte do seu tempo
desde então sufocando rebeliões em diversas partes do seu império.
A política assíria era a de deportar populações rebeldes, exatamente como
acontecera no caso das dez tribos em 721. Observe que isto é uma oferta de
segurança econômica ao preço da liberdade, uma oferta feita pelos correlativos
da Assíria hoje em dia.
O rei assírio considerava a subjugação desses principados do norte da
Assíria como um triunfo sobre os deuses das diversas nações. Certamente ele
arrazoava, nenhum deus poderia ser maior e mais forte do que a nação que o
servia. A derrota de Israel poderia ser interpretada como a derrota do Deus de
Israel.

Isaías 37. Esta parte ocorre paralelamente a II Reis 19.1-7. Em seu pavor
Ezequias conhece só um lugar de refúgio. Ao ouvir o relatório, ele, a exemplo
de seus emissários (36.22), primeiro rasga as suas vestes; depois se veste de saco
em sinal de sua tristeza e humilhação, e assim vestido, dirige-se ao templo para
buscar a face do Senhor. Mas ele também sente a necessidade da intercessão de
Isaías, e por isso manda-lhe uma embaixada constituída de dois dos elevados
servidores públicos que havia enviado anteriormente ao comandante-chefe
(36.3) e vários dos principais sacerdotes, ou seja, um respeitável grupo de
emissários, tanto pra honrar o profeta em seu elevado ofício, como para
reconhecer a grande importância do problema que estava diante deles.
Ele sabia muito bem até que ponto era responsável pelo terrível golpe que
fora desferido contra o seu reino, pois ele ignorara as advertências divinas (Is
30-31) e assinara a desastrosa aliança com o Egito. Agora só podia retroceder
em penitência junto ao profeta cujas advertências tinha ignorado.
A situação de Judá assemelha-se ao impasse desesperado de uma
criancinha que se aloja na abertura do ventre e não consegue passar, a morte
ameaça tanto a mãe como a criança. “Este dia é dia de angústia, e de vitupério,
e de blasfêmias; porque chegados são os filhos ao parto, e força não há para
dá-los à luz” (v.3).
A mensagem que levam ao profeta descreve, em primeiro lugar, em tom
solene, o estado de coisas completamente desanimador. Esse dia é chamado dia
de angústia e dia em que o Senhor repreende Judá. Aqui está implícito um
elemento pecaminoso inerente à política de Ezequias.

A primeira resposta de Deus ao desafio de Senaqueribe foi o de


predizer que:
• Um rumor de ataque inimigo faria o rei interromper o cerco.
• Ele retornaria à Assíria sem renovar o cerco.
• Ele seria assassinado em sua própria terra.
34 Profetas
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Era tão profunda a preocupação do rei e sua tristeza diante do insulto feito
ao Senhor Deus que ele dispensou qualquer mediação profética e foi diretamente
a Deus. Sob as aparentemente desesperadas circunstâncias que Ezequias
enfrentava esta declaração direta da divindade única de Javé e da não existência
dos deuses dos pagãos comprovou uma fé resoluta. O rei fundamentou a sua
oração sobre a necessidade de vindicação da glória de Deus, não sobre suas
próprias necessidades pessoais ou ao seu povo, pois ele compreendeu que não
tinham direito nenhum ao favor divino.
A segunda resposta de Deus, dirigida a Senaqueribe pessoalmente desta
vez, como também a Ezequias. Muito significativo é o título “o Santo de Israel”,
pois era a esta altura que Javé demonstraria Sua imensurável superioridade obre
suas criaturas, e seu compromisso pessoal para com Israel, Sua possessão
preciosa.
Deus humilharia a Assíria tratando-a como besta fera subjugada por meio
de ganchos e freios, e compelindo-a a voltar para casa sem a realização dos seus
objetivos.
Deus assegurou que os refugiados presos por trás das muralhas de
Jerusalém se espalhariam e estabeleceriam suas cidades e vilas (durante o
intervalo antes da queda de Jerusalém para os caldeus).

Isaías 38.1-8. Os versículos 5, 6 deste capítulo mostram claramente que


por ocasião da enfermidade de Ezequias a ameaça assíria à existência de Judá
não se manifestou por muitos anos, presumivelmente não até o final dos quinze
anos adicionais na vida do rei. Portanto esta doença deve ter ocorrido muito
tempo antes dos acontecimentos dos capítulos anteriores.
A enfermidade, portanto, pode ter ocorrido pouco antes, durante ou
depois da invasão. Contudo, esta última possibilidade parece ser excluída, visto
que no período de enfermidade de Ezequias, a libertação da Assíria ainda é
retratada como acontecimento futuro. 11

Por que a ordem cronológica foi assim violada no arranjo do material


deste livro? Porque a profecia do cativeiro final na Babilônia para Judá surgiu
da loucura de Ezequias em exibir suas riquezas aos enviados caldeus. Isto, por
sua vez, formou o cenário para os acontecimentos da última parte do livro (caps.
40-66), que tende a centralizar a atenção sobre o exílio e a volta a Jerusalém.
Quanto à enfermidade propriamente dita, parece que foi um sério abcesso, até
mesmo um câncer.

11
Ridderbbos, J. Isaías. Ed. Vida Nova e Mundo Cristão. São Paulo, SP
35 35

Movido pela profunda dor causada pelo anúncio do fim abrupto da sua
vida, mas também, em particular, para buscar a Deus como único refúgio que
lhe restava, o rei volta a sua face para a parede. Ele menciona a fidelidade e a
total devoção em que andara diante de Deus. Mais uma vez, precisamos notar
aqui o caráter da antiga dispensação. Se compreendia que vida longa fazia parte
das bênçãos que Deus se agradava em dar aos piedosos, e entre as coisas que
marcavam tais pessoas, o fato de fazerem à vontade de Deus era ressaltado.
Assim mesmo, esta idéia não se interpõe no caminho da crença de que apegar-
se à aliança com Deus consistia primordialmente no exercício de fé. É desta
forma que se deve entender a oração de Ezequias. No seu anseio interno de
receber esta bênção da aliança e de participar do favor de Deus, não em sua ira,
ele refere-se a sua conduta fiel como sinal do fato de que participava da aliança
com Deus. Entretanto sua oração não significa ausência de pecado, vejamos o
que Ridderbbos diz a esse respeito:

Essa fidelidade de forma alguma dá a entender impecabilidade; para Ezequias


também, o perdão dos pecados é o principal benefício da aliança (v.17). A oração
transforma-se em um choro amargurado e, notavelmente, não contém rogos
explícitos para o prolongamento da sua vida, embora que seja claramente o
centro. É como se, à semelhança de uma criança tímida, o suplicante não
consegue mencionar nominalmente a coisa grande desejada tão
desesperadamente12.

Em resposta à oração de Ezequias, O profeta recebe para o rei a


mensagem divina de que sua oração foi ouvida, e que a sua vida será prolongada
de quinze anos.
De acordo com II Reis 20.4, esta resposta veio rapidamente, quando Isaías
havia acabado de sair do palácio e ainda estava encaminhando-se para sua casa.
Além da promessa de uma vida mais prolongada, vem a certeza da libertação do
rei opressor.
No intervalo entre a informação dada no versículo 6 e a o versículo 7, II
Reis 20 relata a instrução de Isaías para aplicar ao tumor uma pasta de figos,
bem como o pedido de Ezequias por um sinal. Uma pasta de figos é usada até
hoje, no Oriente. Em II Reis 20 também, a cura é claramente associada com a
pasta de figos (v.7). Assim mesmo, a ênfase geral da narrativa não é que o
restabelecimento resulta de um processo natural, mas que é um milagre divino.
Segundo Ridderbbos a maneira pela qual esse milagre se manifesta, contudo,
está intimamente ligado (mais uma vez em concordância com a natureza
antropomórfica da revelação divina) com os costumes medicinais da época, fato
que não exclui a possibilidade de Deus ter usado o poder terapêutico inerente
aos figos, de forma que a sua eficácia é usada no contexto do milagre divino.

12
Ridderbbos, J. Isaías. Ed. Vida Nova e Mundo Cristão. São Paulo, SP
36 Profetas
Maiores_________________________________________________
O fato de Ezequias pedir um sinal não é prova de incredulidade; é, pelo
contrário, uma indicação de fraqueza humana (devido ao estado decaído) á qual
Deus tem prazer em favorecer (7.11).
O sinal dado ao rei aparece em conexão com o “relógio de Acaz”. Este
devia ser uma espécie de relógio de sol. Esses aparelhos eram usados já há muito
tempo pelos babilônios, é provável que Acaz, o qual manifestava interesse por
produtos de arte feitos em outros países (2Rs 16.10), houvesse copiado tal
relógio. O texto sugere uma encosta em que tivessem sido marcados degraus ou
graduações, enquanto uma coluna no seu topo indicasse as mediante a sombra
que lançava sobre essas graduações. Através do relógio do sol, o Deus de Judá
demonstrará o seu poder para dar ao rei, seu servo fiel, a certeza de que a sua
oração foi ouvida. O profeta falando em lugar do Senhor que o havia enviado
afirma que faria retroceder dez graus a sombra lançada. Naturalmente é o Senhor
quem o faz, mas Ele o faz em virtude da oração de Isaías (2 Rs 20.11), e a ação
é creditada ao profeta (Tg 6.16).
O sinal consiste de fazer a sombra, que descera os degraus, voltar dez
graus. Com uma pequena emenda, pode-se ler que o próprio sol voltou atrás (a
imagem dele no firmamento), porque sem dúvida à luz que produzia à sombra
subia ou descia com ela. Há diferenças de opinião com relação a esse fenômeno
do relógio de sol estar ou não baseada em uma mudança de relação entre a terra
e o céu. Os pais da igreja e Calvino pensavam que sim. Calvino fala, em seu
comentário, não apenas que a sombra voltou pelo caminho pelo qual progredira,
mas também que o sol “voltou”. É como se Deus dissesse: Da mesma forma
como está em meu poder mudar as horas do dia, ou fazer o sol voltar nos céus,
eu também posso prolongar a sua vida. A opinião de Ridderbbos difere:

As Escrituras não apresentam base para se esposar esta opinião. É claro que a
narrativa das Escrituras, tanto em II Reis 20 como aqui, fala apenas que a sombra
voltou. Na verdade, a última sentença da narrativa em foco refere-se à luz do sol
voltando para cima, todavia conclui falando nos “dez degraus que descera”. A
referência não é ao sol propriamente dito, só à luz do sol no mostrador do relógio.
A opinião mais aceitável é que o milagre consistiu no fato de, embora a posição
do sol ter permanecido a mesma, a sua sombra no mostrador do relógio ter
voltado para cima, o que pode ser descrito como um milagre de refração 13.
Isaías Parte II
A narrativa termina com o relato de que esse sinal aconteceu como fora
predito. Não se faz menção à recuperação de Ezequias (esta se encontra em 2Rs
20.7), mas facilmente isso pode ser subentendido.

13
Ridderbbos, J. Isaías. Ed. Vida Nova e Mundo Cristão. São Paulo, SP
37 37

d) A Majestade de Deus como Criador e Pastor (40-45). O Espírito de


Deus aqui proclama conforto divino. Esta passagem serve como uma espécie de
introdução para o que se segue. Ela resume o seu conteúdo principal com o
anúncio de que o Deus de Sião está vindo a Israel. Este início é caracterizado
por uma força de expressão e sublimidade especiais. O texto está carregado com
a grandeza e o êxtase inimagináveis da mensagem que o profeta é comissionado
para apresentar.
Isaías 40.1-7. As primeiras palavras expressam, com ternura e urgência,
a maravilhosa mensagem que está reservada para Israel. Com o pronome
possessivo “vosso” o profeta se dirige àqueles a quem o Senhor chama de “meu
povo”. Mais tarde esse povo é chamado de Israel ou Jacó (v.27), mas a referência
especial é a Judá. O fato de o verbo dominante ser “consolai” dá a entender que
o povo está vivendo em um estado de aflição e opressão, e segundo o que se
segue torna-se claro que esta é a opressão do exílio babilônico. A maior parte
do povo geme sob as condições de vida que sofre em terra estranha, e Jerusalém
e as cidades de Judá estão abandonadas. Esta profecia, portanto, proclama
libertação de um estado de angústia que não teve início senão um século depois
da morte de Isaías. Parece que Isaías foi transportado em espírito para uma época
em que, segundo a sua própria predição (39.6-7), Judá iria ser deportado para
Babilônia. Mais precisamente, ele é transportado para uma época próxima do
fim do período do exílio, quando Judá e Jerusalém já haviam experimentado
muito sofrimento, e aos olhos do Senhor isso já fora suficiente, de forma que
chegara a hora da redenção. O espírito de Isaías, iluminado profeticamente, sofre
juntamente com essas pessoas, mas tem o privilégio de proclamar-lhes a
libertação que está próxima.
A esse povo imerso em sua angústia, agora vem uma mensagem de
libertação da parte do Senhor. O Senhor quer renovar a Sua adoção de Judá
como seu povo, e mais uma vez se mostra como seu Deus14.
Percebe-se aqui, a linguagem misericordiosa do Deus compassivo que
cumpre a aliança. “Consolai” é uma convocação de todos os verdadeiros
profetas de Deus, desde o tempo de Isaías até o final do exílio. “Falai ao
coração”, geralmente significa falar ternamente (Gn 34.3) e particularmente
“falar animadora e ternamente”.
O profeta coloca os seus olhos, não diretamente sobre o povo que está
exilado, mas em Jerusalém, e em mais um instante, nas outras cidades de Judá
(v.9), isto é, na condição de miséria da sua terra. A palavra traduzida como
“milícia” pode ter o significado mais genérico de “trabalho árduo”, na verdade
refere-se à servidão exercida por um escravo, porque na linha seguinte se faz
menção de iniquidade como que abandonando incompleta uma obrigação.

14
Oséias 1.9; 2.1,23.
38 Profetas
Maiores_________________________________________________
Esse “serviço árduo” agora é findo, isto é, está cheia à medida que Deus
estabelecera para ele. A sua iniquidade está perdoada, literalmente foi expiada;
em dobro, provavelmente se refira a:
• O castigo temporal de setenta anos de cativeiro e;
• O castigo eterno colocado sobre a Pessoa de Cristo, o expiador dos
pecados no Calvário.
Vejamos o que Ridderbbos comenta:

A idéia de que Jerusalém pagou a sua dívida com a moeda de sofrimento que
experimentou se expressa mais plenamente nas palavras finais: “... já recebeu em
dobro da mão do Senhor, por todos os seus pecados”. Aqui se torna ainda mais
claro que as palavras do profeta não podem ser forçadas com o fim de serem
entendidas literalmente, pois então deveria se perguntar se não foi injusto Deus
ter infligido a Jerusalém uma porção dobrada de sofrimento pelo pecado que ela
havia cometido. Pelo contrário, o profeta retrata aqui com exagero poético a
paixão do amor de Javé, que agora é suscitado para com o seu povo, e que julga
o seu sofrimento como suficiente, e mais do que suficiente, de forma que agora
Ele quer apressar-se em dar-lhe fim15.

No versículo três, a implicação aqui é que Javé teria de retornar a


Jerusalém através da rota do deserto pela qual os exilados retornariam da
Babilônia, e que preparativos adequados para o seu advento seriam a remoção
dos obstáculos e o alisamento do caminho16. Mas da aplicação que o apóstolo
Mateus faz deste versículo ao ministério de João Batista (Mt 3.3) está visível
Isaíasnão
que estes aspectos geográficos simbolizam a falta de uma alma Parte II
convertida.
As montanhas, portanto representam o orgulho carnal do pecador, e os vales sua
disposição de desamparo e auto-piedade carnais.
No versículo 5, o arauto ainda a falar, também indica o objetivo para o
qual toda esta atividade deve servir, é para que a glória do Senhor possa ser

15
Ridderbbos, J. Isaías. Ed. Vida Nova e Mundo Cristão. São Paulo, SP
16
É necessário limpar o caminho para o Deus de Judá porque a sua rota passa pelo “deserto”. A questão do
que isto significa está relacionada com outra. O que significa a vinda do Senhor? Evidentemente a idéia toda
é figurada. O pensamento de que o Senhor vá literalmente marchar através do deserto, precedido de um
precursor que seja responsável por tornar a estrada transitável, exclui-se imediatamente. Mas os detalhes dessa
forma figurada de apresentar a realidade podem ser interpretadas de várias maneiras. Uma das opiniões é que
o Senhor se encaminha para o povo cativo na Babilônia, Ele deixa a sua residência, que é Sião, e vai visitá-lo.
O deserto que Ele precisa atravessar é, por conseguinte, é o deserto sírio, que fica entre a Palestina e a
Babilônia. A dificuldade com esta construção é que o profeta não pensa diretamente, aqui, nos cativos na
Babilônia, quanto na cidade deserta de Jerusalém, ou nas cidades arruinadas de Judá. Por essa razão parece
melhor pensar no Senhor chegando a Jerusalém. Pode-se também entendê-lo com a ideia de que, sem referir-
se a qualquer deserto em particular, o profeta está simplesmente comparando a vinda do Senhor a Jerusalém
com a viagem de um rei por um deserto onde não há caminho. Pode-se também pensar no deserto ao sul de
Judá: o Senhor seria retratado, desta forma, como vindo do Monte Sião, que desde tempos antigos era o monte
da auto-revelação divina (Hc 3.3).
39 39

revelada diante dos olhos de toda carne. Torna-se claro aqui que o tema básico
de toda esta profecia é redenção. Embora o arauto possa ter começado trazendo
uma ordem, ela é baseada e arraigada nas boas notícias da revelação iminente
da graça do Deus de Israel.
A glória do Senhor deveria ser revelada por meio de:
• Ciro libertando os exilados do cativeiro da Babilônia e a sua restauração
a terra da promessa;
• O Cristo libertando os escravos espirituais e sua adoção na família de
Deus.
Toda a humanidade deve testemunhar desta divina intervenção em
beneficio do povo redimido. Em si mesmo, o homem é tragicamente frágil e
transitório e a sua beleza se desvanece rapidamente. Sua vida é desprovida de
verdadeira dignidade ou significado. Mas a eterna e infalível Palavra de Deus
concede à humanidade crente um significado e uma glória imperecíveis.

v. 18. As referências à grandeza de Deus se tornam a maneira de


demonstrar a loucura da adoração de imagens. Embora em Israel essa adoração
estivesse misturada com o culto ao Senhor (os bezerros em Dã e em Betel), o
profeta aqui se refere diretamente à idolatria, cuja loucura é demonstrada
também neste capítulo. Pode-se pensar especialmente na adoração idólatra das
nações com as quais Israel teve contato durante o exílio. A intenção do profeta
é armar Israel contra a tentação de tomar parte nessa adoração. Ao mesmo
tempo, contrastando a grandeza do Senhor com a adoração idólatra dos gentios,
aquela que é ressaltada ainda mais brilhantemente, sendo o objetivo disso que
Israel coloque sua confiança no seu Deus.
Na pergunta “Com quem comparareis a Deus?” A designação Deus (não
Javé) é usada intencionalmente, para referir-se a Ele em distinção e contraste
com o mundo criado por Ele. Daquele Deus tão infinitamente alto e elevado
acima de todas as criaturas, nenhuma imagem adequada pode ser feita.
A idolatria se baseia no conhecimento corrompido daquele Deus (Rm
1.19), e a adoração de imagens é a corrupção da “glória do Deus incorruptível
em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves,
quadrúpedes e répteis” (Rm 1.23).

e) Não Desanimes ó Israel! (Is 40.27-31).


Diante dos seus olhos espirituais o profeta vê o povo (chamado pelo nome
do patriarca) gemendo debaixo das condições do exílio, reduzido ao desespero
por anos de opressão. Amorosamente ele passa a admoestá-lo por aquele
motivo. Ele ouve as queixas do povo, de que o seu “caminho”, isto é, o seu
destino está oculto ao Senhor. Escapa à Sua percepção. Ele não está envolvido
nem interessado nele. Portanto, isto é o oposto da promessa de que Ele
40 Profetas
Maiores_________________________________________________
“conhece” o caminho dos justos17. O mesmo sentimento é expresso na
declaração de que Deus despreza a causa de Israel. Como parte oprimida, Israel
tem uma causa contra os seus opressores. Os israelitas tinham razão em esperar
que o Senhor prestasse atenção
à sua causa, mas agora se queixam de que Ele a despreza. Em resposta a isto, o
profeta pergunta ao povo: “Por que te queixas?”, dando a entender, sem dúvida,
que a sua queixa é infundada.
Isaías 40.28. O profeta agora apresenta a sua réplica levando Israel a
lembrar a grandeza de Deus. Perguntando, mais uma vez, se aquele não
entendera nem ouvira; em outras palavras, eles poderiam ter conhecido (v.21).
E então, propõe a sua grandiosa declaração: O Senhor, o Deus de Israel, é o
eterno Deus, Criador dos confins da terra. É disso que o povo de Israel se
esquece quando se queixa de que o seu caminho está oculto a Ele, que a sua
causa lhe é alheia. Tal lamentação é prova de que eles tem “pensamentos
terrenos acerca da majestade celeste de Deus”. Tal pensamento seria
desculpável se Ele fosse um homem ou um deus como os deuses dos gentios.
O profeta amplia este tema, tirando algumas conclusões da grandeza de
Deus. A primeira é que Ele nunca fica cansado ou fatigado. Não importa por
quanto tempo Ele tenha guiado o seu povo, jamais há um só momento em que
Ele tenha de desistir de fazê-lo por falta de forças. Como Deus eterno Ele
permanece o mesmo em meio a todas as mudanças de tempo, e como Criador
do universo Ele é o Todo-Poderoso. Por isso, Israel não precisa cair em
desânimo, nem encontrarem falhas na atuação de Deus, mas reconhecer que os
caminhos de Deus e os Seus pensamentos estão além da capacidade do homem
de segui-los18, e, portanto este povo precisa aquietar-se e esperar pacientemente
por Sua atuação.
Isaías 40.29-31. Por ser em si mesmo inexaurível em termos de força, Ele
é a fonte inesgotável de força para os Seus, de forma que em todo o seu cansaço
Ele renova as forças deles. Eles recebem de Deus alo que ultrapassa em muito
todo o poder humano. Deste fato os jovens são a materialização típica, mas até
os jovens se cansam, e podem até tropeçar e cair; toda a força humana é
severamente limitada. Isto não acontece com a força que o Senhor supre aos
Seus. Eles são chamados de “os que esperam no Senhor”. Esperar no Senhor é
uma forma de exercer fé, que é proeminente no Antigo Testamento. Deus lhe
deu a sua promessa, e eles precisam esperar com fé o seu cumprimento.

17
Salmos 1.6.
18
Romanos 11.33.
Isaías Parte II41 41

f) O Servo do Senhor (42.1-9). Aqui temos a primeira de quatro


profecias muito notáveis e importantes a respeito do “servo do Senhor”; a outras
estão em 49.1-9a, 50.4-9; 52.13-53.12; 61.1.
O Senhor é apresentado no ato de falar. Indica como se o fizesse com o
próprio dedo, alguém que ele chama de “meu servo”, designação que usa para
mencionar, não Isaías (41.8), mas o Messias. Essa designação descreve um
relacionamento para com o Senhor, no qual está implícita uma obrigação
pesada, mas em que também, e até primordialmente, está indicado um raro
privilégio. Este fato aflora à superfície claramente mediante o sinônimo “meu
eleito”. O amor do Senhor para com o Seu Servo é expresso ainda mais pelas
adições “a quem sustenho”, isto é coloco de pé e preservo de tropeçar e cair; e
“em quem a minha alma se apraz”, isto é, a quem o Senhor ama cordialmente.
Então se segue: “Pus sobre ele meu Espírito”. Também se fez menção dessa
aposição do Espírito em conexão com o Rei messiânico (11.2), bem como com
o grande profeta de 61.2.
Em virtude de ser dotado do Espírito “ele trará justiça para os gentios”,
pois a verdadeira justiça é aquela baseada no conhecimento do verdadeiro Deus.
Portanto, dessa verdadeira justiça, o servo do Senhor é o proclamador ou
anunciador.
Isaías 42.2. Agora se apresenta um quadro da maneira pela qual Ele
cumpre a sua grandiosa tarefa. O servo do Senhor cumpre o seu grandioso
comissionamento (levar a justiça as nações), não promovendo-Se com métodos
externos, mas de maneira silenciosa. A referência ao cumprimento desta
profecia em Cristo, em Mateus 12.17-21, baseia-se nesta passagem e é
ocasionada pela ordem dada por Jesus à multidão para não dizer quem era Ele.
Isaías 42.3. Aqui existe a referência especial ao ministério Salvador do
Servo em relação ao mundo gentílico. Consideradas neste contexto, as palavras
usadas significam que o Servo do Senhor está particularmente interessado nos
fracos e sofredores no mundo gentílico, a fim de protegê-los pela Sua “justiça”
e Sua “doutrina”, ensiná-los e consolá-los. Alguns intérpretes consideram que
estas palavras incluem, opinião que nos parece correta.
v.13. Aqui a obra do Senhor para a redenção do seu povo é retratada em
cores vivas. O Senhor é descrito antes de tudo como um guerreiro que avança,
ganhando terreno sobre os inimigos de Israel, que também são Seus inimigos.
Ele suscita dentro de Si mesmo um zelo furioso pela batalha. Assim, como
guerreiro terrível, com gritos de alegria e levantando o terrível brado de guerra,
cheio de espírito de luta, e radiante com a previsão de vitória, Ele marcha para
batalha. Esta é uma descrição altamente antropomórfica19 da obra de Deus. Ela
dá uma impressão clara, porém, do intenso zelo do amor com que o Senhor
assume a causa do Seu povo.

19
Quando se atribui formas humanas a Deus.
42 Profetas
Maiores_________________________________________________
Em contraposição às trevas da angústia presente de Israel, e ao seu
pecado, o profeta novamente mostra o seu alegre futuro. A despeito do pecado
de Israel, o Senhor o remirá. As palavras “mas agora” introduzem a promessa
de iminente inversão das condições. Diz-se enfaticamente que esta é efetuada
pelo Senhor, Criador e Formador de Israel, que sabe que está preso àquele povo,
e não abandonará a obra de suas mãos. Precedendo tudo o mais, novamente
encontramos o imperativo “não temas”, pelo qual um povo desanimado é
conclamado a ter coragem. Segue-se imediatamente a base para o apelo; o
Senhor remirá o Seu povo. Ele o chamará pelo nome. O nome é mencionado
pelo profeta, a fim de ressaltar o fato de que o Senhor conhece Israel por causa
do relacionamento íntimo que tem com o Seu povo; e o objetivo de chamá-lo é
para tirá-lo do exílio, da servidão. As palavras culminantes são “tu és meu”.
Israel foi criado por Ele, portanto é Sua possessão, e Ele o guardará como uma
herança preciosa.
Isaías 43. 2-4. Sob a proteção do Senhor, Israel está sempre seguro, não
sendo atingido pela água ou pelo fogo20, não como acontecera na época da ira
(42.25). O profeta fala de Israel passando pela água e pelo fogo; evidentemente
está pensando primordialmente no perigo que pode assediar Israel em sua
viagem de volta da Babilônia para Jerusalém. Esta expressão, porém, é muito
genérica, e aplica-se a toda jornada que o povo do Senhor, e também da Igreja,
precisam empreender através do mundo21. Pois Ele, o SENHOR, é o Deus de
Israel (v.3). Ele, o Santo de Israel é seu “Salvador”, seu Redentor, isto é, tudo.
Agora se segue uma curiosa descrição de como o Senhor é ambicioso em
relação ao Seu povo. Ele oferece o Egito, Etiópia e Seba como resgate em lugar
de Israel. A Etiópia fica localizada no sul do Egito; Seba é considerada parte da
Etiópia, Gênesis 10.7. Essas terras agora são consideradas como “resgate” em
lugar de Israel; isto é, como compensação que o Senhor paga a Ciro em troca da
libertação de Israel. Deste modo, o profeta indica tanto a preciosidade de Israel
para com o Senhor, quanto o Seu poder e soberania, que o capacitam a tratar de
nações distantes como lhe apraz. Aqui não se subentende “resgate” literalmente.
Embora o resgate se refira aos países aqui mencionados nominalmente, há
razões para não considerarmos esta declaração de modo literal. Em outra
passagem se diz, a respeito desses mesmos países, que eles servirão a Israel
como escravos (45.13). A razão pela qual esses nomes são mencionados tanto
aqui como algures, é sem dúvida que eles se referem a terras importantes e
distantes. O império persa se elevou a uma posição de grande poderio sob o
governo de Ciro e seus sucessores, e embora Ciro não tenha conquistado o Egito

20
Salmos 66.12.
21
Lucas 10.19.
Isaías Parte II
43 43

e terras adjacentes, seu sucessor o fez.Assim, o Senhor protegerá poderosamente


Israel por causa do grande amor que lhe tem como Seu povo.
Se assim Deus era desde os tempos antigos, assim Ele será no futuro, e é
desta maneira que Ele se manifestará. “Nenhum há que possa escapar das
minhas mãos”. O Senhor, para salvar o Seu povo, se voltará contra os Seus
inimigos, e seja quem cair nas Suas mãos punitivas, estará irremediavelmente
perdido. Falando mais genericamente, quando Ele age, ninguém pode reverter o
curso dos acontecimentos; uma vez iniciadas às Suas ações, ninguém pode fazer
parar o seu desenrolar (Am 1.3).

g) O Senhor Liberta um Povo Indigno. Nos versículos 22-28 a


seqüência é interrompida por uma consideração a respeito da indignidade de
Israel: “Contudo não me tens invocado”. A clausula adversativa “contudo”
indica que o que foi dito a respeito de Israel aqui, forma um contraste com a
promessa de salvação que logo será abordada novamente, como acontece com
as promessas feitas nos versículos anteriores. O contraste, sobretudo, é este:
Vocês não me escolheram, mas Eu os escolhi. Era de se esperar que, em sua
angústia, Israel chamasse ao Senhor pedindo socorro. Mas isso não aconteceu.
É o Senhor que toma a iniciativa, gratuita e graciosamente chamando Israel, a
fim de levá-lo para fora do exílio, como anteriormente Ele o chamara desde os
confins da terra (41.9) para ser Seu servo.
É apresentada uma relação completa das coisas que Israel deixou de fazer
quando estava no exílio. A declaração inicial é genérica: os israelitas se haviam
cansado do Senhor. Isto em seguida é aplicado (v. 23) ao oferecimento de
sacrifícios que fora interrompido durante o cativeiro22. Porém, algo mais estava
incluído no fato de não terem eles invocado o Senhor, e não apenas os
sacrifícios. Em primeiro lugar havia a falta de oração a Deus. A omissão da
oração ao Senhor e dos sacrifícios não são da mesma ordem. A primeira é
pecaminosa; a segunda, não. Israel não é repreendido por esta. O Senhor diz que
não deu trabalho nem cansou os israelitas com esses sacrifícios durante o exílio.
A cessação dos sacrifícios é mencionada, não tanto para repreender Israel, como
para dar a entender que não eram esses sacrifícios que moviam o Senhor a ajudá-
los. Todas as Suas razões provinham de dentro dEle mesmo, isto é, de Sua graça.

Isaías 43.24b-25. A situação é que o povo não está satisfazendo a Deus,


e não oferece nenhum sacrifício para o Seu prazer. O Senhor não deu trabalho a
Israel, mas Israel deu trabalho ao Senhor, e o cansou com seus pecados. Israel
não apenas nada fez para se tornar digno do favor de Deus, como também, pelo
que não praticou, perdeu o direito ao Seu favor. O profeta tem em mente não
apenas a época do cativeiro, mas também os pecados passados de Israel.

22
Oséias 2.11; 3.4; 9.4.
44 Profetas
Maiores_________________________________________________
Toda obra de redenção procede, não de Israel, mas apenas de Deus. “Eu,
eu mesmo” é a maneira enfática de expressá-lo. A obra de redenção, portanto,
precisa ser antes de tudo um ato de “apagar”, de remover as transgressões de
Israel, e um ato de não lembrar, ou seja, de perdoar os seus pecados. Esta
passagem é um louvor a Graça de Deus.

h) A Libertação de Israel por Ciro (Is 44.23,24).


Ciro e a obra a ser realizada por ele formam, outra vez, o centro do
interesse. Estes primeiros versículos constituem uma solene introdução que
pretende causar uma forte impressão da grandeza e da certeza da obra de Deus,
e depois levá-las a se relacionarem com a missão de Ciro.
A profecia começa com a fórmula “Assim diz o Senhor” e passa a
descrever o Senhor como o Redentor de Israel e seu Criador desde o ventre.
Então o próprio Senhor, neste poema grandioso, indica as Suas realizações na
criação e na história, começando com aquela; somente Ele é quem fez céus e
terra.
Semelhantemente, é só Ele quem (v.25) dirige a história através do seu
plano. Os gentios têm as suas predições, mas são falsas. Especialmente os
babilônios possuíam uma arte altamente desenvolvida de adivinhação
(47.12,13). O profeta menciona os sinais “dos profetizadores de mentiras”. O
profeta também se refere a eles pelo seu nome mais profissional de “adivinhos”.
O Senhor faz isto, em parte, guiando a história de conformidade com a Sua
vontade, e não com as predições dos adivinhos, de forma que se prova que as
suas adivinhações são falsas.
A profecia começa de novo, com o objetivo de dirigir-se a Ciro de
maneira mais prolongada e direta. O Senhor o chama de seu ungido, isto é, o
Senhor nomeou e equipou Ciro para a grande obra que lhe deu a fazer. Além do
mais, o Senhor tomou a mão direita dele (42.6) para guiá-lo pelo caminho da
vitória. Assim onde quer que Ciro apareça o Senhor subjugará nações diante
dele. O Senhor vai “descingir os lombos dos reis”, desarmando-os e tornando-
os impotentes para lutar. Todas as portas serão abertas para Ciro, e nenhum
portão se fechará, deixando-o do lado de fora.
Em seguida Ciro é abordado pessoalmente. O próprio Senhor lhe abrirá o
caminho, e pelo Seu poder “endireitará os caminhos tortuosos”, dando a
entender que removerá os empecilhos (40.4) e quebrará as portas de bronze e
despedaçará as trancas de ferro.
Desta forma o Senhor confere a Ciro os tesouros escondidos em lugares
ocultos de armazenamento.
Isaías Parte II
Isaías 45. 4-7. Tudo isto o Senhor faz, não para engrandecer Ciro, mas
por amor de Israel, Seu servo e escolhido, pois o alvo dominante do Senhor em
45 45

dar poder a Ciro é a libertação de Israel. Desta forma, Ele não meramente o
chama pelo nome, mas dá-lhe um sobrenome “meu pastor” (título de honra) e
“meu ungido”. O Senhor faz isto, embora Ciro não O conheça; é um gentio a
quem o Deus de Israel chama para esta missão. Mais tarde Ciro veio a
reconhecer Deus, de certa forma (45.21), e até invocar-Lhe o nome.
É Ele o Senhor, e ninguém mais, o que faz estas coisas. O objetivo de
tudo isto, é que do oriente ao ocidente o povo, por toda parte, conheça que fora
do Senhor não há outro Deus. Como o único Deus, o Senhor é também o único
Criador de todas as coisas, da luz e das trevas, do bem e do mal. A conclusão
apoteótica, mais uma vez, é: “Eu, o Senhor, faço todas estas coisas” (Is 44.24).

i) Salvação Oferecida pelo Obediente Servo do Senhor (49-51).

O profeta fala da oportunidade da exaltação vindoura, chamada de “tempo


aceitável” quando Ele demonstrará o seu favor ao Seu servo e ao Seu povo
(60.10) e “dia da salvação”, dia em que Ele dará salvação. Então o Senhor ouvirá
a Seu servo e O ajudará. A palavra “ouvi” dá a entender que na situação de
angústia e humilhação, Ele clamara ao Senhor pedindo ajuda. Então se segue a
promessa, em palavras emprestadas de 42.6, de que Ele fará com que o Servo
seja “mediador da aliança do povo”; isto é, ser a pessoa em quem se fundará a
aliança entre Deus e Israel, e em quem ela em verdade funcionará. Já está bem
claro aqui que a exaltação do Servo levará a salvação de Israel. Isto se torna
ainda mais claro na descrição mais detalhada que se segue. Se o Servo do Senhor
é feito mediador da aliança do povo, então Ele por esse motivo é nomeado para
“restaurar a terra e lhe repartir as herdades assoladas”. A redenção de Israel, a
ser efetuada por Ele, assim é retratada mais uma vez como uma redenção do
exílio. “Restaurares a terra” significa fazer a terra negligenciada se tornar outra
vez produtiva, e torná-la próspera.

Isaías 50.4. O Servo começa declarando que o Senhor Soberano Lhe deu
“língua de eruditos” (eruditos é a mesma palavra usada em 8.16 para designar
os discípulos de Isaías); isto é, a língua de alguém que foi instruído para falar a
palavra de Deus. O Servo fala, portanto, que está equipado para o ofício
profético, e enfatiza o fato, e enfatiza o fato de que é o Senhor quem O capacita
para executá-lo. É o Senhor quem O instruiu, e Ele, portanto, é uma pessoa que
está sendo iniciada ainda mais nos mistérios do Seu ofício divino. O objetivo de
Sua instrução, é que Ele saiba como “dizer boa palavra ao cansado”. Ele é o
Consolador dos que estão encurvados debaixo das tribulações e dores da vida
(42.3; Mt 11.28). Este grande Profeta é um Consolador tão maravilhoso porque
está em íntima comunhão com Deus, de Quem recebe tudo (Jo 8.26).
46 Profetas
Maiores_________________________________________________
Isaías 50. 5-6. Depois dessa instrução diária, o profeta-Servo lança os
Seus olhos sobre o que está por trás disso: Deus abriu os Seus ouvidos, ou seja,
quando Deus o chamou para ser profeta, fê-lo ouvir a voz divina, e tomou o
ouvido do Profeta sempre aberto para ela. E o Servo voluntariamente aceitou a
Sua vocação; Ele não resistiu, nem recuou dos fardos associados com esse
encargo, como até mesmo Elias e Moisés haviam feito durante um instante.
Assim, Ele se submetera voluntariamente à intensa hostilidade que
experimentou como pregador da Palavra de Deus aos Seus compatriotas
incrédulos (49.7; Je 20.7). Pelo amor do Senhor Ele voluntariamente aceitou os
golpes nas Suas costas, e tolerou os que arrancavam a Sua barba (Ne 13.25). Ele
suportou até o fato de ser escarnecido e cuspido (Nm 12.14; Dt 25.9; Mt 26.67),
e até de ser ferido na cabeça (Mt 27.30; Jo 18.22).

Isaías 50.7-9. Em face da ignomínia que experimentou, o Servo agora


passa a falar de Sua confiança no Senhor. Ele sabe que Aquele que O chamou
está do Seu lado. Deste fato Ele tira as forças para enfrentar corajosamente o
descrédito que encontrou, e não Se deixa ser vencido (54.4). Pelo contrário, Ele
“fez o Seu rosto como um seixo”; isto é, Ele enfrentou bravamente todas as
bofetadas sem medo, como se fosse insensível a tudo que lhe estava sendo feito.
Ele sabe que no fim não será Ele, mas Seus adversários que serão
envergonhados.
Com ânimo Ele clama: “Perto está o que me justifica” (v.8); a saber, o
SENHOR. A Sua proximidade dá a entender que a Sua intervenção pode ser
esperada a qualquer tempo, e então Ele justificará o Seu Servo. A idéia é de que
o Juiz supremo emitirá o Seu veredito não apenas com palavras, mas também
em atos; o Senhor fará com que os Seus inimigos pereçam (v.9) e trará a luz à
justiça da Sua causa. Por essa razão, o Servo desafia os Seus adversários para
um julgamento; que esses adversários o enfrentem em uma corte judicial, e
comecem o processo. Eles ousaram agir até agora; porém, que se apresentem
com Ele diante do Juiz dos céus e da terra.

j) Salvação proporcionada pelo sofredor Servo do Senhor (52-53).

O profeta agora apresenta a profecia com uma grande interrogação que


sublinha ainda mais enfaticamente o seu caráter extraordinário. Alguns
intérpretes dizem que quem está falando aqui é a futura assembléia do Senhor:
a sua confissão. Portanto, seria que dificilmente um de seus componentes teria
crido na mensagem que ouvisse. Isto não parece correto, creio que é o próprio
profeta que está falando aqui, faz sentido o fato de ele, mais tarde (v.8), se referir
ao “seu povo”. Não obstante, há algo de verdade na posição que acaba de ser
mencionada. Aqui, o profeta se conta como parte do povo, e assim ele fala de
Isaías Parte II
47 47

“nós” e “nos”. Do versículo 2 em diante fica ainda mais claro que no decorrer
deste capítulo o profeta fala como membro e representante de Israel, ou melhor,
apenas do verdadeiro Israel.
As palavras “nossa pregação” podem levar a mal entendido. Elas parecem
presumir que o profeta está falando em nome dos profetas ou outros pregadores,
mas evidentemente não é este o caso. A referência é ao que foi ouvido
(Shemuah) por nós; e esta “pregação” algumas vezes se refere ao que um profeta
ouve quando Deus lhe fala, daí um “oráculo” ou “revelação”, que é o significado
dela aqui. O fato de Isaías, considerando-se como parte do povo, falar do que
“nós” ouvimos, ou da nossa “pregação”, é possível, porque esta palavra, que lê
ouvira diretamente de Deus, agora é transmitida pelo seu ministério ao seu povo,
e também é ouvida por este; em outras palavras, não é uma revelação
comunicada exclusivamente a Isaías. A referência é à revelação que o profeta
está no processo de transmitir. Por esta razão ele sublinha o seu caráter
extraordinário. Esta revelação, que está para proclamar, é tão maravilhosa que
ele começa exclamando: “Quem crê nisto?”. A isto ele acrescenta, da maneira
como a ordem de palavras é apresentada no original: “e a quem o braço do
Senhor foi revelado?”. O “braço” do Senhor é uma metáfora que designa o seu
poder e onipotência. Para pessoa que julga pela aparência das coisas, esse braço
é invisível. Há apenas algumas pessoas a quem ele é “revelado”, ou a quem ele
se desvenda. A interrogação, assim, sublinha a suprema grandeza, e para mente
humana, o caráter inaceitável, do oráculo que agora se segue (Jo 12.37-38; Rm
10.16).

Isaías 53.2-3. O conteúdo maravilhoso desta profecia, é que depois da


profunda humilhação o “Servo do Senhor” (Messias) seria grandemente
exaltado. Por essa razão, esta profecia começa descrevendo essa humilhação,
antes de tudo. Por meio de vislumbre do passado, o profeta descreve a
humilhação como se ela já tivesse acontecido, a fim de em seguida retratar a
exaltação como iminente. Essa humilhação é mostrada em sua profundidade,
fato (embora não entendido por Israel) que trazia consigo mesmo a promessa da
exaltação.
A primeira coisa a ser descrita é o início humilde da sua vida. O retrato
aqui pintado faz lembrar muito outro anterior (11.1). Ele cresceu como broto
tenro (Renovo). A referência é a um broto que se eleva por si só, tenha ele sido
plantado no solo (Ez 17.22), seja ele um broto novo que surge do tronco de uma
árvore, sendo assim uma erupção nova de uma “raiz” já existente. Ambas as
palavras retratam claramente a insignificância do seu aparecimento. Este
pensamento é ampliado com a adição “duma terra seca”, dando a entender um
broto que se eleva de solo árido, parecendo fraco e agindo fracamente. Quando
esta imagem é aplicada a realidade pretendida, ela diz que a aparência nada
imponente do Servo do Senhor foi ocasionada pelo fato de que a família e o
48 Profetas
Maiores_________________________________________________
povo dos quais Ele se originou careciam de tudo o que poder-Lhe-ia ter
conferido vitalidade e grandiosidade. Porém, há outra faceta desta imagem. A
própria menção do broto ou rebento e seu crescimento sugerem a presença de
vitalidade intrínseca. Ele cresceu sob os olhares de Deus, que O protegia (I Sm
3.1), e cresceu em direção ao Seu destino, já conhecido por Deus.
A ênfase inicial, contudo, é exercida na Sua humildade. Assim, sem
quaisquer figuras de linguagem, agora se diz que em Sua aparência nada havia
que atraísse o povo para Si, nenhuma beleza exterior (I Sm 16.18), resplendor
ou brilho, que o tornasse desejável.
O “Servo do Senhor” possui todas as qualidades que repelem a pessoa
que julga pela aparência. Ele foi “desprezado”, como resultado de suas
qualidades visíveis. A este quadro sem atrativos, são acrescentadas
características outras do mesmo naipe. Ele foi “rejeitado pelos homens”, não
contado entre os homens (Sl 52.14). Além disso, ele é chamado de “homem de
dores”. Ele “sabe o que é padecer” como alguém que experimentou
enfermidades em todas as suas misérias. A palavra hebraica que é traduzida
como “enfermidades” tem um significado um tanto mais amplo do que a nossa,
visto que pode incluir dor e fraqueza causadas por feridas (Je 6.7; 10.19).
Por causa de tudo isto Ele era “como um de quem os homens escondem
o rosto”; ninguém gosta ou ousa olhar para Ele, porque Ele é repulsivo e
revoltante para todos, muito longe de ser desejado.

Isaías 53.4-5. A profecia agora assume um novo aspecto: ela começa a


desvendar o mistério do sofrimento descrito: “Certamente Ele tomou sobre Si
as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre Si”. Grande ênfase é dada
no contraste entre “nós” e “Ele“. As palavras “enfermidades” e “dores” no
versículo anterior são usadas novamente aqui, e se diz, portanto, que o que Ele
carrega não é outra coisa senão as “nossas” enfermidades e dores; o “nós”, de
que são esses sofrimentos, é Israel, mas como se torna evidente mediante o
cumprimento, isso não é limitado a Israel. As “nossas” enfermidades e dores são
as que “nós” merecemos e, em parte, nas quais incorremos. O v. 5 menciona
cura, de forma que implicitamente Israel é retratado como doente. Essas dores
incluem doenças reais e defeitos físicos (Mt 8.16-17), mas não são restritas a
eles. Estas categorias abrangem toda sorte de sofrimento humano. O v. 6 explica
isto como castigo pelo pecado. Ele tomou e levou sobre Si este sofrimento;
consequentemente, o carregou vicariamente como alguém que tomou o fardo
pesado do ombro de outrem e o carregou para aquela pessoa. O caráter
voluntário dessa substituição está claramente manifestado nesta ação. Nisto Ele
forma um contraste com outras pessoas que sofrem o castigo pelos pecados de
sua geração, mas não como ato de rendição pessoal voluntário (2 Sm 21.1).
Isaías Parte II
49 49

A frase “ferido de Deus” deve ser entendida no sentido especial de Deus


ter feito sobrevir-Lhe este sofrimento como castigo pelo pecado. O contraste
não consiste naquele fato, de não ter vindo de Deus, mas no fato de não ter fluído
da ira de Deus contra o Seu pecado, e, portanto, que não veio como castigo de
que Ele não pudesse escapar, mas foi suportado por Ele voluntariamente.
Este versículo dá a entender claramente que os israelitas, que rejeitam o
Servo do Senhor, não são povo sem religião. Eles crêem em Deus e consideram
o sofrimento como castigo pelo pecado. Só que eles observam o pecado no
“Servo” , e não em Si próprios. É o espírito de farisaísmo que é descrito pelo
profeta.

Isaías 53.5. “Mas Ele” é contrastado novamente de maneira enfática com


“o nós” anterior e simultaneamente com “nossas transgressões”, devido às quais
o castigo foi sofrido por Ele. Aquilo que Lhe sobreveio agora é descrito com as
palavras “traspassadas” e moídas”. Existe certa diferença de opinião a respeito
da questão de esta descrição, em imagens pungentes, referir-se ou não ao
sofrimento do Servo, suportado durante a sua vida, ou se a referência é à sua
morte violenta. Indubitavelmente há aqui um elemento figurativo na palavra
“moído”. Pode referi-se ao efeito paralisante da enfermidade, ou ao efeito de
palavras ofensivas, contundentes; mas é também, é frequentemente, usada para
designar o sofrimento mediante violência. Ela pode descrever sofrimento
encontrado no curso da vida de alguém, mas em seu significado mais amplo se
refere à culminação dos sofrimentos na morte.
Mais definida é a expressão “traspassado”. Palavra que dificilmente pode
se referir a outra coisa que não seja morte por violência. Portanto, não pode ser
negado que esta é a intenção básica do que é retratado aqui. Isto não subentende
uma modificação verdadeira. O retrato precedente de sofrimento é muito
genérico; lembre-se que “enfermidades” pode se referir tanto a feridas quanto a
doenças. Este versículo agora acrescenta duas coisas ao quadro anterior. A
primeira é que este sofrimento continuará até o seu fim amargo, como se deixa
entrever também na palavra “moído” quando ela é considerada em seu sentido
mais completo (Jo 6.9). A outra é que este fim será ocasionado por violência
humana (50.6), e assim é razoável que esta violência tenha desempenhado um
papel importante para causar as “dores” e “enfermidades” mencionadas
anteriormente.
Contudo, a intenção principal deste versículo é a confissão de que esse
destino cruel Lhe coube “pelas nossas transgressões” e “pelas nossas
iniqüidades”, retratando a primeira palavra o pecado como transgressão ou
violação dos limites morais estabelecidos por Deus, enquanto a segunda
enfatiza a natureza do pecado que produz culpa.
50 Profetas
Maiores_________________________________________________
Isaías 53.6. Um quadro mais precioso da situação vivencial do povo
agora é pintado mediante a imagem de ovelhas desviadas. Esta figura também,
por um lado, retrata a miséria de Israel; por outro lado, é uma descrição do seu
pecado, como se torna claro mediante a declaração que se segue imediatamente,
de que tal pecado “caiu” sobre o “Servo”. O povo se havia desviado dos
caminhos do Senhor (63.17; Sl 119.176; 1Pe 2.25), perderam o caminho, e
vagueavam desesperançadas, como presa potencial dos predadores que
espreitam. E também, o laço de unidade é quebrado. O rebanho se dispersa em
todas as direções: “cada um se desviava pelo seu caminho”. Na angústia causada
pela disposição pecaminosa de cada um, todos passaram a viver para si apenas,
não se preocupando pela sorte dos outros. Cada pessoa simplesmente procurou
cuidar de si (56.11), precisamente algo que não pode ser feito.
Além disso, falando do remanescente fiel de Israel, o profeta tem o
privilégio de proclamar que eles escaparam à sorte que podiam esperar com
justiça, em suas andanças a esmo, por serem obstinados. “O Senhor fez cair
sobre ele a iniquidade de nós todos”. Essa iniquidade ou dívida é uma força
perniciosa, portanto, que pode ferir e prejudicar uma pessoa. Mais uma vez, a
coisa maravilhosa é que o povo de Israel não é ferido nem prejudicado por sua
iniquidade, mas o efeito integral de sua iniquidade é afastado do povo pecador,
e cai sobre a cabeça do “Homem de Dores”.
O ponto principal que permeia todo capítulo é que Deus interveio na
situação miserável de Israel, portanto, aos olhos interiores do profeta, levantava-
se uma figura do futuro que transcendia de longe tudo o que já havia visto em
Israel. É a figura dAquele que irá remir Israel (remanescente) da culpa e do
pecado, o mediador do plano divino de salvação.

l) Salvação proclamada pelo bondoso Servo do Senhor (54-57).

Este capítulo contém uma vibrante exortação para aceitar por fé a


salvação oferecida. O Senhor está falando. A exortação começa de forma
metafórica. Uma figura familiar no cotidiano de Jerusalém é o vendedor de água,
que carrega um pote nas costas e oferece em voz alta o seu suprimento à venda.
O início do convite emitido aqui faz lembrar o grito do vendedor de água: que
os sedentos venham a água! Este quadro é completado com um convite de
comprar grão, e faz-se menção também de vinho, leite e finos manjares.
O apelo é feito para vir e “comprar”, ao mesmo tempo torna-se claro que
de fato a intenção é outra. O orador não é mercador que oferece a sua mercadoria
mediante pagamento; pelo contrário, Ele convida as pessoas para um banquete
de salvação, que pode ser obtido por nada. É uma compra “sem dinheiro” e “sem
preço”. As pessoas convidadas são abordadas como “vós que não tendes
dinheiro”. Tudo o que é necessário é que as pessoas venham e tomem o que o
51 51

Senhor lhes oferece. Água, pão, vinho, etc, são figuras inclusivas da salvação
que o Senhor lhes dará. Depois ele será descrita como “aliança perpétua... fiéis
misericórdias prometidas a Davi” (v.3). No contexto da antiga dispensação as
bênçãos terrenas desempenham um papel proeminente. O profeta de fato, pensa
primordialmente no retorno a Canaã (v.12). Nesta abundância terrena está
incluída uma plenitude de bênçãos espirituais. Contudo, há muito mais que isso:
todas essas bênçãos terrenas têm verdadeiro valor apenas porque revelam o
favor e amor eternos do Senhor, que novamente são demonstradas para com
Israel (54.5-10). Assim, está incluída uma plenitude de bênçãos espirituais. Este
também é o verdadeiro conteúdo da “aliança perpétua” que está para ser
mencionada. Assim, é a soma destas bênçãos temporais e eternas que é
comparada com a água que refrigera o sedento (41.17) e com alimentos
nutritivos e bebidas refrescantes (25.6). Consequentemente, em sentido mais
amplo, esta palavra é um convite para todas as eras receberem os bens da
redenção ofertadas por Deus, intimamente relacionados em forma e em
conteúdo com textos como: Pv 9.1; Mt 22.24; Lc 14.17.
O profeta deliberadamente descreve a bênção do retorno como se já fosse
presente, e apresenta-a da maneira mais atraente para persuadir muitas pessoas
a se aproveitarem dela. Evidentemente ele acha que para muitos a tentação de
permanecer em um país pagão e esquecer Jerusalém será forte demais. E de fato
foi isso que aconteceu. O discurso aos convidados, chamando-os: “os que tendes
sede”, indica a situação terrível em que se encontram atualmente. O profeta,
embora tendo conhecimento também da opressão física que estão sofrendo,
devia está pensando na falta de satisfação interior que deviam sentir.

m) Não há Redenção sem Conversão (59).

Este capítulo descreve uma situação de angústia dos filhos de Israel em


que Deus não oferece nenhuma ajuda. Nota-se a ausência de qualquer sinal de
que tenha sido escrito em relação ao exílio. A descrição da vida nacional feita
aqui sugere uma época em que o povo vivia em Canaã. A interpretação
costumeira, hoje em dia se refere a um período posterior ao exílio, mas não há
razões adequadas para não se pensar na época de Isaías. O quadro mostra
grandes semelhanças com o capítulo 1. Uma situação de angústia, como a que é
retratada no versículo 1 e 9, é focalizada dentro da órbita da experiência de
Isaías; talvez ele se refira ao período de Manassés.

Isaías 59.1-4. O povo sofre angústia, e a razão, como o profeta se apressa


em anunciar, não é por omissão do Senhor. O seu braço (isto é, o seu poder de
agir) não está tão curto que não possa socorrer (50.1), nem Seu ouvido tão
insensível que não ouça os seus clamores. Assim, a razão não é que Ele não
esteja disposto a agir. A causa são os pecados de Israel. Estes são a razão pela
52 Profetas
Maiores_________________________________________________
qual a face de Deus tem estado escondida do povo, de forma que Ele não o
ouvirá.
De fato, o povo é culpado de homicídio (v.7) e toda sorte de iniquidade,
e em sua boca há engano e perversidade.
Isto é verdade mesmo em relação aos juízes (v.4). O povo faz acusações
totalmente falsas. Inicia processos judiciários, mas não com integridade; tenta
vencer más causas por meios corruptos e fazendo petições sem variedade. Fala
a mentira desembaraçadamente. Quanto às causas, o que ele planeja e executa é
apenas “mal” e “iniquidade” para os outros.

Isaías 59.5-8. O profeta usa agora duas comparações que subentendem


uma vigorosa condenação da conduta pecaminosa dos seus concidadãos. Antes
de tudo, ele considera as suas ações como equivalentes a chocar “ovos de
áspide”. Esses ovos só produzem infortúnio; comê-los é correr perigo mortal, e
se alguém quebra um deles, pisando-o, um filhote de cobra aparece.
Semelhantemente, as obras desse povo ímpio propiciam morte e destruição para
todos que entram em contato com ele. A segunda figura diz que “eles tecem
teias de aranha”. A idéia de semelhança entre os seus atos e as teias de aranha
é, como o indica o v. 6, que nenhum bem provém deles; eles são teias que não
servem para vestir nem para cobrir uma pessoa. Só “obras de iniquidade” e “obra
de violência” marcam a sua conduta.
O v. 7 continua a descrição. Depois das suas mãos, os pés entram no
quadro que está sendo pintado. Estes, também, são ligeiros no serviço do mal;
derramam sangue inocente. O quadro é completado com a menção dos seus
pensamentos; esses objetivam apenas o mal.
O povo não tem interesse nem se aventura no “caminho da paz”, um modo
de conduta que tem o objetivo de conservar a paz com o próximo, e leva ao seu
bem-estar. Mediante este comportamento, eles conseguem ter paz e verdadeiro
bem-estar em seus corações e em suas vidas (48.22; 57.21). Mas aqui a ênfase
é dada nos esforços pecaminosos e belicosos dos perversos.
Quanto às “veredas tortuosas” em que o povo caminha, nela não há
justiça; o povo não deseja nada mais que uma vida cheia de injustiça e engano.
Todos os que pertencem a este círculo dos desonestos permanecem ignorantes,
querem permanecer ignorantes, e assim permanecerão em relação à “paz”. Em
Rm 3.15-17, os vv. 7 e 8 são citados.
Isaías Parte II
n) A Redenção de Sião (61).

Quem é o orador? De acordo com muitos intérpretes recentes, é o próprio


profeta. Cristo declarou (Lc 4.16) que esta profecia se cumpriu nEle. Com esta
base, os intérpretes conservadores geralmente dizem que o Cristo é apresentado
53 53

como a falar. As duas interpretações não precisam se excluir mutuamente. João


Calvino fez notar que Lc 4.16, não requer que leiamos o texto como aplicável
exclusivamente a Cristo. Há algo a ser dito, em favor do pressuposto de que o
profeta primordialmente tem ele mesmo em vista, mas depois,
indubitavelmente, como tipo de Cristo em quem estas palavras finalmente se
cumprem. Em favor desta posição pode-se aduzir o fato de que 62.1 o “Eu”
reaparece, e refere-se obrigatoriamente ao próprio profeta. Também precisa ser
notado que na sequência há contínua referência à restauração da existência
nacional de Israel. É verdade que o orador age menos predizendo do que como
mensageiro de boas novas, que anuncia que a salvação já veio, mas isto também
não resolve o problema; isto pode ser entendido mediante o pressuposto de que
o profeta considera que o futuro está tão perto que ele o proclama como se já
tivesse acontecido.
Contudo, pode-se também subentender que aqui é apresentado como
orador um grande evangelista do futuro. Alguém que, como o “Servo do
Senhor”, não é outro senão o Messias. O argumento mais forte em favor deste
conceito encontra-se no versículo 10. Este ponto de vista não é, porém, tão
diferente do mencionado em primeiro lugar, como pode parecer.
O mensageiro das boas novas começa testificando que o Espírito do
Senhor está sobre ele (42.1; 48.16; 11.12). Ele também tem o Espírito porque o
Senhor o “ungiu”. Esta expressão vem do costume de ungir com óleo pessoas
que iriam ocupar cargos importantes, como o de sumo-sacerdote (Ex 25.6; Lv
8.10), de rei (1Sm 16.1), e algumas vezes de profeta (1Rs 19.16). Os seres
humanos não podem fazer nada mais que ungir com óleo, mas o Senhor unge
com o seu Espírito, o único que pode equipar uma pessoa para desempenhar o
seu encargo. Subentendida na unção encontra-se também a vocação e a
nomeação para esse cargo; por isso diz em seguida: “enviou-me”.
A descrição de sua missão profética está ligada com unção. Aqueles a
quem ele é enviado são descritos em temos gerais como pessoas que estão
vivendo em angústia e penúria, antes de tudo em sentido externo e natural. Já
no fim eles são chamados de “cativos” e “algemados”. É inteiramente natural
relacionar estes termos com o período do exílio. A palavra “mansos” sugere
pessoas que estão sendo oprimidas, enquanto enfatiza o fato de que em sua
opressão a sua esperança está em Deus. “Os quebrantados de coração” são os
que estão vencidos pela tristeza. Para todos esses o pregador pode e precisa
“pregar boas novas”.
O ato de levar a cabo a liberdade em seguida de proclamação do “ano
aceitável do Senhor” (v.2); isto é, um ano de graça demonstrada pelo Senhor
para os que esperam algemados. A palavra “ano” alude à instituição do Ano do
Jubileu (Lv 25). De acordo com esta instituição, todo qüinquagésimo deveria
ser um ano de “sonido de trombetas”, e naquele ano os que não haviam
conseguido pagar as suas dívidas, e por isso haviam sido vendidos como
54 Profetas
Maiores_________________________________________________
escravos, precisavam ser libertados novamente. Por esta causa aquele ano era
chamado o “ano da liberdade” (Ez 46.17). Da mesma forma que o arauto, ao
soprar o chifre de carneiro, proclamava o ano da liberdade, assim também este
mensageiro anuncia um período de salvação que propicia liberdade para os
prisioneiros e cativos. Todavia, o que para eles é um ano de favor, é “dia da
vingança do nosso Deus” para os inimigos de Sião, sobre quem agora é infligida
a retribuição. Se for feita a pergunta de como esta profecia se cumpre em Cristo,
pode-se referir em primeiro lugar ao desmoronamento do poder de Satanás (Mt
12.29), e ao julgamento futuro de todos os que se opõem a Deus e ao Seu povo.
A palavra “dia” provavelmente faz eco à expressão “dia do Senhor”, que é tão
usada. A jubilosa mensagem de libertação mencionada no versículo 1 serve,
finalmente, para consolar todos os que choram.
Esta profecia abrange a resposta que o Senhor poderia a até deveria dar a
Israel, atendendo a uma oração como a de 63.7.

Isaías 65. 1-3. Na opinião de alguns eruditos, o versículo 1 tem em vista


os gentios; na opinião de outros é Israel. Os paladinos da primeira opinião
apelam principalmente ao fato de que Rm 10.20 explica a primeira patê deste
versículo como uma predição da reunião dos gentios, e referem-se à sua
conclusão, que é então traduzida: “a um povo que não se chamava do meu
nome”. Se este ponto de vista é correto, então o significado pretendido é que o
Senhor, para ressaltar a obstinação de Israel, como descrita no verso 2, refere-
se em primeiro lugar à Sua Graça, que é tão generosa que não é negada nem aos
gentios. Ao mesmo tempo, deve-se perguntar se a segunda opinião não merece
preferência. Esse ponto de vista não é absolutamente excluído por Rm 10.20. E
se não o é, então o contexto parece argumentar em seu favor. A grande
semelhança entre esse versículo e o versículo 2 parece indicar que o seu
significado precisa ser encontrado na mesma direção. Este versículo, portanto,
fala da intensa disposição do Senhor de Se revelar a Israel e que, não obstante,
Israel “não perguntava” por Ele nem O buscava. A segunda metade do versículo
reforça esta afirmação: Ele ofereceu-Se “a um povo que não se chamava do meu
nome”, uma nação que negligenciava, e ainda negligencia a atitude de levar a
sua angústia e aflição a Ele em oração. Todavia, com caráter profético-
futurístico-messiânico, não pode ser descartado primeiro ponto-de-vista de
escopo universal. Isaías Parte II
Assim o Senhor estende as Suas mãos “todo dia”, isto é, para convidá-lo
para Si e para oferecer-Se a ele, a um povo que era e é rebelde e que anda em
caminhos errados, “seguindo os seus próprios pensamentos”, em vez de permitir
que a voz de Deus o guie. Tal povo provoca continuamente (v.3) o Senhor
abertamente, isto é, sem um véu de temor. Eles se assentavam entre os sepulcros
(v.4), aparentemente com a idéia de estabelecer contato com os mortos através
55 55

de necromancia ou outros métodos de ocultismo. O costume de passar a noite


nesses lugares talvez fosse praticado em uma tentativa de receber oráculos em
sonhos. Eles também comiam carne de porco, e “tem no seu prato ensopado de
carne abominável” (Ez 4.14). Comer tais alimentos nojentos evidentemente
fazia parte desses costumes pagãos, que aparentemente incluíam refeições
sacrificiais.

Isaías 66. Devemos entender neste capítulo que profecias originárias de


diversas épocas cronológicas e relacionadas a diferentes situações históricas
foram reunidas em um todo.
Um falso senso de segurança baseado no culto realizado no templo é
combatido nestes versículos (1.11-15). Logo de início declara-se enfaticamente
que o céu é o trono do Senhor, e a terra o seu estrado; consequentemente, Ele
reina e enche todo o universo. Portanto, em nenhum lugar na terra há um ponto
em que possa ser edificada uma casa para Ele, nenhum lugar que possa servir-
Lhe de habitação (11.10). Isto não deve ser entendido em sentido absoluto, como
se o Senhor não quisesse ter nada com um templo. Pelo contrário, é uma
condenação do ponto de vista exterior, que faz passar despercebido que é apenas
no sentido figurado que um templo pode ser chamado de casa e habitação do
Senhor (1Rs 8.27), e que, portanto atribui valor a um templo físico mesmo
quando ele ou seu ministério são contaminados por toda sorte de costumes
ímpios.
O versículo 2 continua no mesmo tom, dizendo que o Senhor fez todas
“estas coisas”, todo o universo visível, e por isso o homem realmente não pode
acrescentar nada ao que já é dEle (Sl 50.12). O que alegra esse Deus exaltado
não são coisas externas, mas a disposição interior do coração que reconhece a
Sua majestade. Portanto, Ele olha para o “aflito” e “abatido de espírito”, “para
o que treme da minha palavra”, enchendo-se de um santo senso de temor diante
dela.
Muitos eruditos acham que o significado da primeira metade do versículo
3 (as quatro comparações) é que quem fizer sacrifícios com um espírito errado
será tão culpado aos olhos de Deus quanto quem matar um homem ou quebrar
o pescoço de um cão (com a intenção talvez, de sacrificar o cão a Deus) ou
apresenta ao Senhor o sangue de um porco (65.4) ou adora um ídolo. De acordo
com outra opinião possível, o profeta está dizendo que os sacrificadores do
touro, da ovelha, etc., são as mesmas pessoas que em outras ocasiões não tem
escrúpulos em cometer homicídios ou oferecer a Deus sacrifícios detestáveis ou
adorar ídolos. Seja qual for a opinião correta (hipocrisia ou sincretismo), a
segunda metade do versículo fala de caminhos de escolha própria e abominações
que eles escolheram.
De acordo com isso, o Senhor também “escolherá” um tratamento severo
para eles (v.4), ou seja, ele “fará vir sobre eles o que eles temem”, lhes infligirá
56 Profetas
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julgamento. A razão para isto é repetida: eles não ouviram quando Ele falou
(65.12).

Isaías 66.5. Aqui temos uma palavra de julgamento contra os ímpios, mas
ela é revestida de forma de consolo para os fiéis. Esses são mencionados como
os “que tremem da minha palavra”. Em seguida faz-se menção dos seus irmãos
(judeus) que os odeiam e excluem por causa do nome do Senhor (Lc 6.22);
consequentemente, eles são odiados por sua fidelidade ao Senhor, e são expulsos
da comunhão deles. Então, é lhes dito: “Mostre o Senhor a sua glória para que
vejamos a vossa alegria!” A sua confiança no Senhor está sendo escarnecida
(5.19). Todavia, contra os zombadores o Senhor pronuncia juízo: “Esses serão
confundidos”.
O versículo 24 descreve o final horrendo dos ímpios. (Verão que implica
a idéia de satisfação, não sobre a condição terrível dos condenados, mas com o
triunfo da justiça de Deus.) O versículo 18 refere-se ao julgamento dos ímpios.
É para os seus cadáveres que os adoradores de Javé agora olham. Parece que na
visão do profeta esses corpos jazem em lugar próximo a Jerusalém, talvez o Vale
de Hinom. “O seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará”. Eles serão
sujeitos a tormento eterno; o profeta transcende novamente os limites da terra,
da qual nos outros casos ele faz derivar todas as suas imagens, e desvenda
diretamente algo da realidade eterna subentendida nestas figuras (Mc 9.44-48).

“A fé não consiste na ignorância, mas no conhecimento.”


João Calvino.
57 57

A Bíblia coloca o inicio do ministério de Jeremias durante o reinado de


Josias (640 a 609 a.C), mas, para compreendermos o ministério e a mensagem
desse profeta, é necessário considerar os eventos marcantes da história que
estavam sacudindo o mundo do Oriente Médio.
Desde os dias do rei Manassés (687 a 642 a.C.), a Assíria dominava a
terra desde o Egito à Babilônia. Esaradom, rei da Assíria, subjugara o Egito em
671 a.C., obrigando-o a pagar tributos. Seu filho, Assurbanipal, continuou as
guerras contra as rebeliões do Egito e em 673 a.C. destruiu Tebas, a capital.
Com o poder da Assíria tão atuante na região, Manassés não tinha alternativa a
não ser submeter-se, sendo um vassalo leal. Esta lealdade a Assíria tomou
diversas formas na vida da nação de Judá e a mais importante foi na vida
religiosa. Manassés construiu um altar conforme o modelo visto na Assíria e
colocou um ídolo dentro do templo em Jerusalém. Assim, a vida religiosa era
um reflexo da via política. Lealdade política exigia também um reconhecimento
ou aceitação do poder dos deuses da nação dominante. Portanto, questões
religiosas precisavam ser vistas através do prisma político. Isto prevaleceu
também nos reinados de Josias, Jeoiaquim e Zedequias.
A Bíblia (2Rs 21.1-16) caracteriza Manassés como pior que os gentios
que Deus expulsou da terra e, com isso, proclama que Deus trará o juízo sobre
Jerusalém e Judá. Jeremias foi a voz profética que Deus levantou na hora de
anunciar a chegada deste juízo, porém as não aconteceriam de repente. Não seria
a Assíria o instrumento que Deus usaria desta vez, mas a Babilônia.
A Assíria era o poder dominante quando Jeremias recebeu a sua chamada
ao ministério profético. Era um momento de transição. Assurbanipal, o último
rei forte da Assíria, morreu. Nabopalassar declarou a independência da
Babilônia e derrotou o exército da Assíria nas portas da cidade. Começou a
queda do império da Assíria. Babilônia, em aliança com a Média, alcançou
repetidas vitórias que resultaram na conquista de Nínive, capital da Assíria, em
612 a.C. Mas, nem tudo estava ainda perdido, pois a Assíria podia contar o
auxílio do Egito. Entretanto, Haran, novo centro Assírio, caiu em 609 a.C.
58 Profetas
Maiores_________________________________________________
Em Judá, a corrupção religiosa de Manassés deixaria sua marca por
muitos anos. Aparentemente, seu filho Amon continuou no mesmo caminho de
seu pai, nos dois anos do seu reinado. Sendo assassinado, o povo colocou seu
filho Josias sobre o trono, com apenas oito anos de idade. No décimo segundo
ano do reinado de Josias, iniciou-se uma reforma religiosa que teria
consequências profundas.
Não é possível separar a vida religiosa de Israel com a sua vida política,
vale a pena repetir. Portanto, uma reforma religiosa depende também de
condições políticas. Enquanto o poder da Assíria se manifestava nas decisões
políticas, não podia deixar de manifestar-se também no âmbito religioso.
Portanto, uma decisão religiosa de rejeitar e expulsar dos deuses da Assíria do
templo foi também uma ação altamente política.
A reforma que Josias iniciou começou com purificação do culto a
Yahweh no templo de Jerusalém. Preparativos foram feitos, o poste-ídolo tirado,
e no processo foi encontrado o Livro da Lei. Este livro encontrado pelo
sacerdote Hilquias, no ano de 621 a.C., modificou profundamente a reforma, já
então em processo. Agora a reforma estendia-se além de Jerusalém. Não só
altares e lugares altos dedicados a deuses estranhos, mas também altares de
Yahweh foram destruídos. O culto a Deus foi centralizado no templo de
Jerusalém, como o livro de Deuteronômio sugere.
Josias não podia ter feito uma reforma religiosa sem certo grau de
liberdade política. Foi a fraqueza da Assíria neste tempo que permitiu a reforma
tomar a direção que tomou. Mas, pergunta-se: até onde a reforma vai? Josias
será capaz de levar a nação a uma fidelidade genuína a Deus? Será ele capaz de
estabelecer a independência de Judá, que permitirá isto? E, mais importante
ainda, qual era a Palavra de Deus para a nação naquele momento? Tudo isto o
livro do profeta Jeremias esclarece.
Assim, veremos a mensagem do profeta Jeremias neste contexto, Josias
um bom monarca, promovendo uma reforma religiosa com suas implicações
políticas, num mundo agitado. Neste palco um jovem é convocado por Deus
para proferir sua palavra às nações “para arrancares e derrubares, para
destruíres e arruinares, e também para edificares e plantares” (1.10).
A descrição de sua chamada, dada pelo profeta no capítulo primeiro do
seu livro, provavelmente vem da reflexão que ele faz mais tarde, quando Deus
o manda escrever a sua mensagem (36.2). Deus diz que, antes de nascer,
Jeremias já fora visto dentro dos planos de Deus como um profeta. Quando
inicia sua missão, o profeta percebe que o trabalho que realiza faz patê realmente
de um objetivo que Deus determinou antes mesmo dele nascer. Assim, a sua
chamada tem um contexto mais amplo do que o presente. Este objetivo divino
não está limitado a Israel, mas estende-se às nações.
59 59

Só nas mãos de Deus, criador de toda a terra, seria possível a um jovem,


nascido numa aldeia de um país insignificante na arena Jeremias
políticaParte I
do mundo,
chegar a influenciar o destino das nações. Mas, é isto que Deus propôs ao jovem
Jeremias. Não é de se admirar que a sua reação tenha sido: “Sou um menino”
(1.6). Deus, entretanto, não precisa tanto de homens experimentados quanto de
homens dedicados. Ele dará a capacidade e experiência necessárias.
A responsabilidade do jovem, como um profeta, é a absoluta obediência.
Aonde Deus mandar, ele deve ir, e o que Deus ordenar, deve falar. Nas duas
visões iniciais Deus revela ao profeta que a sua mensagem terá apoio divino e
esta mensagem, basicamente, é uma advertência ao povo de Judá, de que Deus
trará um inimigo do Norte para castigá-lo por todo o seu pecado.

1 – INTRODUÇÃO AO LIVRO DE JEREMIAS

a) Título. O livro de Jeremias recebeu seu nome do autor que lhe é


atribuído; o celebrado profeta de Judá do mesmo nome, do sétimo século antes
de Cristo. Sua posição no cânon hebraico tem sido sempre entre Isaías e
Ezequiel. Somente uma tradição rabínica, menciona os três livros nesta ordem:
Jeremias, Ezequiel e Isaías. Muitos manuscritos europeus, principalmente de
origem francesa e alemã, adotaram esta tradição, colocando Jeremias como o
primeiro dos profetas posteriores.
Na Septuaginta o livro está na mesma posição como nas nossas traduções,
mas na Peshita Siríaca ele se encontra imediatamente depois dos doze profetas
menores. O nome Jeremias aparece no hebraico como yirmeya ou yirmeyahu
transliterado na LXX como Ieremias e nas versões latinas como Jeremias. Não
se sabe o verdadeiro significado do nome. “O Senhor estabelece”, “o Senhor
exalta”, ou “o Senhor derruba” são sugestões possíveis.

b) Autoria e Data. A autoria de Jeremias é fato provado e não tem sofrido


séria contestação. Pode ser confirmada de dois modos:

(1) Internamente, o livro tem numerosas referências biográficas e


autobiográficas de Jeremias como o autor e Baruque, como escrivão ou
secretário. Nenhum outro profeta teve seu nome repetido tantas vezes quanto
Jeremias (131 vezes). Baruque é mencionado 23 vezes.

(2) Externamente, o livro é atribuído a Jeremias em Daniel 9.2 e Esdras


1.1, bem como em tradições judaicas.

A formação de Jeremias é toda ela envolvida com profecia. Por esse


motivo, sabe-se mais da vida pessoal desse profeta do que qualquer outro. Em
60 Profetas
Maiores_________________________________________________
muitos casos, suas ações tornavam-se parte da mensagem. Das seguintes
observações pode-se traçar o perfil do profeta:
• Nasceu em 647 a.C., aproximadamente, em Anatote, uma cidade
sacerdotal distante cerca de cinco quilômetros a nordeste de Jerusalém. Era filho
de Hilquias, que foi provavelmente o sumo sacerdote na ocasião da reforma de
Josias. Hilquias foi também o bisavô de Esdras (Ed 7.1).
• Foi constituído profeta pelo Senhor antes do seu nascimento (1.5) e
chamado pelo Senhor no décimo terceiro ano do reinado de Josias, aos 20 anos
de idade, aproximadamente (1.2).
• Não se casou, pois o Senhor proibiu que o fizesse como um sinal ao
povo da destruição de Jerusalém que era iminente (16.2).
• Jeremias ministrou em Jerusalém durante quarenta anos
aproximadamente (627-586 a.C.) e no Egito, durante cinco anos (Je 43-44).
Aconselhou cinco reis e um governador de Judá, bem como os rebeldes judeus
restantes que fugiram para o Egito.
• Apesar de ser um homem compassivo e profundamente sensível,
Jeremias foi chamado para um ministério em que proclamou inexorável
julgamento contra a nação. Considerado um traidor devido a esses julgamentos,
parece que não viu uma só pessoa converter-se no seu longo ministério de
quarenta anos.
• Embora impopular e desprezado quando profetizava e insistia na
submissão à Babilônia, tornou-se mais tarde o herói popular dos restantes judeus
exilados, depois de suas predições de julgamentos serem cumpridas e do povo
lembrar também das suas predições de uma futura libertação e retorno.

Roland Harrison diz o seguinte acerca da autoria:

É de consenso quase geral que os extensos escritos dos profetas na verdade


compreendem antologias dos seus discursos, e o livro de Jeremias não é exceção
a este princípio. Como algumas outras profecias, o livro contém uma variedade
de tipos e formas literárias, e poesia de tipos tão diversos como as estrofes líricas
marciais (4.5-8, 13-16, 19-22), a diversidade estilística da condenação das nações
pagãs (46.3-12; 50.35-38), e a expressão melancólica das suas lamentações
(13.15-17). Muitos pronunciamentos proféticos estão em forma poética, como
em outros livros do Antigo Testamento... Diferentes trechos do livro apresentam
uma relativa consistência de estilo.

No que tange a data em que foi escrito, é de consenso que foi,


aproximadamente, entre 627-580 a.C. O ministério de Jeremias começou no
reinado de Josias e continuou em Jerusalém durante os dezoito anos de reforma
e os vinte e dois anos de colapso nacional. Foi forçado a ir para o Egito com o
61 61

resto rebelde em 586, ali profetizou durante cinco anos talvez, condenando a
idolatria dos judeus (44.8) e anunciando a vinda próxima de Nabucodonosor
para conquistar o Egito (o que ocorreu em 568 a.C.). Jeremias Parte I
O objetivo dessa longa profecia foi registrar as admoestações de
undécima hora do Senhor ao país que se precipitava em desastre espiritual e
destruição nacional. O livro registra não apenas a rejeição da lei divina, como
também a recusa inflexível da correção dos profetas de Deus. Ao contrário do
apelo de Isaías para que confiassem na libertação do Senhor, a mensagem de
Jeremias era que a nação deveria se submeter ao julgamento do Senhor
aceitando o cativeiro da Babilônia, para que assim a cidade e a nação fossem
salvas da destruição total. O livro demonstra como esse solitário clamor da noite
foi quase totalmente desatendido.

c) Esboço do Livro

Tema: Rebelião Final de Judá e sua Retirada da Terra da Aliança.

I. Julgamento Antecipado de Judá Rebelde, Durante o Reinado de


Josias.....................................................................................................1-20.

II. Julgamento dos Líderes Rebeldes, Jeoaquim e


Ezequias.............................................................................................21-39.

III. Julgamento dos Rebeldes, Depois da Queda de


Jerusalém.........................................................................................40-45.

IV. Julgamento das Nações Rebeldes.....................................................46-51.

V. Reafirmação de Julgamento do Rei e das Cidades Rebeldes................52.

2 – COMENTÁRIO

a) A Vocação do Profeta (v. 1).

O livro de Jeremias começa da maneira comum aos profetas, dizendo


quem ele é e a época da sua pregação. O profeta é da linhagem sacerdotal,
portanto, da tribo de Levi; descendente de Aarão. Sendo assim, Jeremias
também é sacerdote, além de ser profeta.
Jeremias é o mais notável profeta hebreu por causa da missão quase
impossível que Deus lhe conferiu. Sua tarefa era tentar levar o povo de Judá a
observar novamente a lei divina numa época em que este estava equilibrado
sobre a beira do precipício da catástrofe nacional e espiritual.
62 Profetas
Maiores_________________________________________________
Jeremias mora perto de Jerusalém, distando entre 5 e 8 quilômetros, e
observa as reformas que o rei Josias está iniciando. Nesta ocasião ele ouve a voz
do Senhor que o convoca para uma obra especial. Profeta às nações, Deus diz.
O jovem pensa que é grande demais a responsabilidade. A resposta divina é que
o necessário é a disposição, obediência, e Deus o capacitaria.
A Palavra de Deus para Jeremias é que a sua chamada não é ocasional.
Não surgiu só agora, ela faz parte dos desígnios eternos de Deus. Muito antes
de Jeremias nascer, Yahweh já o tinha colocado em seus planos. Deus fortalece
o jovem Jeremias, com uma visão mostrando o zelo que Deus tem para cumprir
a sua palavra. O profeta ficaria como coluna de bronze perante seus inimigos,
porque a palavra que prega vem de Deus.

1.4-10. Conheci... Consagrei... Constituí... Estes verbos são sinônimos


aproximados. A tarefa de Jeremias seria difícil. Estas palavras asseguram-lhe a
escolha divina e o seu apoio. Conhecer, quando usado em relação a Deus nas
Escrituras, tem uma conotação ativa. Consagrei, separar para o ofício profético.
Profeta, o termo hebraico nabí parece referir-se a um ‘orador’ que é uma boa
caracterização do profeta hebreu. O profeta era um porta-voz de Deus. Harrison
diz:

Jeremias era “conhecido antes”, no melhor sentido paulino (Rm 8.29-30). A


imagem da santificação é um paralelo da promessa feita a Zacarias, pai de João
Batista (Lc 1.15). Não a nada de acaso na escolha de Jeremias como mensageiro
divino para Israel. Desde a concepção até a consagração Deus tinha preparado
cada etapa do processo, conhecendo todas as necessidades e suprindo-as. Nestas
circunstâncias Jeremias tinha pouca escolha, a não ser submeter-se a sua
vocação. Os vasos que Deus escolhe às vezes levam muito tempo até estarem
prontos, como no caso de Moisés, e surgem no momento estratégico; o exemplo
mais notável disto é o próprio Cristo (Gl 4.4). A frase às nações evidencia a
universalidade do seu ministério e, portanto, de sua mensagem.

vv. 6-7. Jeremias protesta, alegando timidez e falta de experiência mais


sem resultado. Parece que seus conflitos emocionais se iniciam com sua
vocação, e este versículo ilustra a tensão que entre a relutância em aceitar a
tarefa confiada a ele e a declaração divina de que ele já foi equipado com as
forças morais e espirituais necessárias.

v.8. Deus diz, a Jeremias: “Não temas”. O medo é uma das emoções que
mais paralisa o ser humano, e somente pelo amor de Cristo pode ser extraído
totalmente (1 Jo 4.18). Este versículo mostra que Deus sempre sustenta seus
servos nas missões que lhes confere (Ex 3.12). O profeta não estará livre de
63 63

oposição e até de perigo físico, porém sobreviverá em todas as dificuldades,


porque Deus estará com ele para fortalecê-lo.
Jeremias Parte I
v.9. Para capacitá-lo a vencer o temor e a falar, Deus o capacita tocando-
o na boca. Jeremias recebeu uma mensagem para pregar. A tônica da maior parte
da profecia recebe aqui uma ênfase decididamente negativa. Tudo que está
corrupto na nação tem de ser arrancado e derrubado, porque só depois disto é
que Deus pode edificar e plantar de novo. Isto é uma representação da vida
espiritual, porque Deus tem primeiro de remover o pecado, antes do homem
começar a crescer na graça e no conhecimento de Jesus Cristo (Ef 4.15; 2Pe
3.18).
Este trecho retrata de uma maneira sensível e emocionante a intimidade
que havia entre Deus e o seu servo escolhido. Deus é revelado, como divindade
comunicante que respeita a individualidade humana e que se faz conhecido ao
seu povo. Jeremias fica cônscio que seu chamado não foi resultado do acaso,
mas que fazia parte do desígnio eterno de Deus, isto deve lhe ter dado um sentido
especial de destino.

b) Duas Visões (11-16)

vv. 11-13. A primeira visão faz uma associação positiva. Seu conteúdo é
uma vara de amendoeira, a primeira árvore a florir na primavera. Aqui há um
jogo de palavras “eu velo sobre”, que ilustra a prontidão com que Deus cumpre
as suas promessas. Assim como os primeiros botões da amendoeira anunciavam
a primavera, a Palavra anunciada apontava para seu rápido cumprimento.
A segunda visão tinha um tom mais sinistro, e pode ter seguido a primeira
depois de algumas semanas ou meses. A panela fervendo era um vaso grande
usado para cozinhar ou lavar, colocado sobre brasas que o vento soprava. Sua
boca se inclina do norte e estava inclinada para o sul. Logo estaria derramando
o seu conteúdo escaldante que escorreria sobre Judá. O mal viria do norte. Antes,
a calamidade, a palavra hebraica significa geralmente ‘miséria’, ‘desespero’,
‘problemas’, como também ‘mal’.

c) A Infidelidade de Israel para com Deus (2-6).

Este capítulo é um sermão poderoso sobre a apostasia, e foi entregue com


todo zelo de um evangelista, como evidenciam o poder e a linguagem. As
figuras usadas são muito parecidas com as de Oséias, enquanto ao chamado ao
arrependimento está ancorado firmemente no transfundo da aliança histórica
com suas obrigações. Este discurso é uma ilustração que ilumina a maneira com
que Deus falou ao Israel antigo pelos profetas. O discurso é um apelo
64 Profetas
Maiores_________________________________________________
apaixonado, se bem que controlado, à nação para que volte as costas à idolatria
e se curve diante das exigências do Deus de seus ancestrais.

vv. 1-5. Jeremias não diz como a Palavra veio, mas deixa transparecer
que a mensagem profética é produto da comunhão espiritual íntima que ele tem
com Deus. Faz parte do plano de Deus para a salvação das pessoas que a Palavra
se torne carne, seja no Cristo encarnado (Jo 1.14) ou no crente que prega a
Palavra.
Contrastando com a apostasia atual, Israel um dia confiava em Deus,
quando era sua noiva. A figura é mesma usada por Oséias. Ela descreve
geralmente a bondade e a graça de Deus para com as pessoas. O relacionamento
do Sinai é retratado em termos de matrimônio em que a noiva segue seu marido
(Os 2.2-20).
A antiga Lei das primícias (Lv 23.9-21; Ex 23.19) destinava a Deus uma
porção da colheita que amadurecesse primeiro. E por isso eram sagradas, assim,
também Israel, as primícias de Deus entre às nações, era sagrado. As primícias
eram oferecidas a Deus e não podiam ser comidas pelos israelitas leigos. Do
mesmo modo aqui, aqueles que devoraram Israel serão considerados culpados
(Gn 12.3).
O sermão visa alcançar toda a nação hebreia. Os profetas frequentemente
ignoravam a divisão do reino e o exílio das tribos do norte e se dirigiam a “toda
a família que fiz subir da terra do Egito”.
A ingratidão e a estupidez da nação ficam evidentes. Israel tinha sido
dignificado de maneira única se tornando a noiva de Deus, e já tinha esquecido
seu primeiro amor. A pergunta “Que injustiça acharam vossos pais em mim?”
na verdade é uma negação enfática. Deus desafia Israel que mostre como ele
quebrou alguma promessa desde o tempo do deserto. Longe de ser infiel à sua
Palavra, ele os tinha guiado seguros por terreno desolado e perigoso, guardando-
os e trazendo-os à terra prometida. O profeta sublinha a confiabilidade e
permanência das promessas de Deus (2 Co 1.20), o que implica em que a única
causa da ingratidão nacional é o esquecimento dos israelitas.

Classes de líderes são responsabilizadas pela idolatria e pela apostasia.

• Os Sacerdotes. Se os sacerdotes não tivessem negligenciado nas suas


obrigações, a crise especial por que passava a nação nunca teria surgido. Sua
função era reconciliar as pessoas com Deus por meio dos rituais dos sacrifícios,
mas a religião canaanita tinha exercido uma influência tão corrompedora sobre
a antiga fé hebraica que eles se tinham tornado mornos, indiferentes e
irresponsáveis.
65 65

• Os que tratavam da Lei. Os sacerdotes e os levitas eram responsáveis


Jeremiaspor
por ensinar o povo os juízos de Deus, estavam sendo castigados Parte
nãoIterem
experiência própria com o Senhor. Em 31.34 o profeta promete que na Nova
Aliança o conhecimento de Deus virá por experiência própria com Ele. Um
conhecimento consciente de um Deus que salva e guarda como o pregado por
Jeremias, forma o âmago da fé cristã (2 Tm 1.12; Ef 3.19).

• Os Pastores. Eram tão desobedientes e reprováveis como os sacerdotes,


de quem sem dúvidas eles estavam seguindo o exemplo, e os profetas recebiam
sua inspiração de Baal, não do Senhor Deus de Israel. Apesar de reformas
periódicas o culto nacional tinha se adaptado em grande parte aos ritos
depravados de Canaã. Durante todo seu ministério, Jeremias esteve em conflito
com os profetas falsos, cujas ligações idólatras no fim se evidenciarem sem
proveito, quando ficou claro que as suas predições eram totalmente contrárias à
vontade de Deus expressa nos acontecimentos.

A situação deplorável citada acima faz com que Deus apresente uma
denúncia formal contra o seu povo. A palavra usada ‘contenderei’ sugere a
instauração de um processo contra uma pessoa em um tribunal. O veredito, com
certeza, seria desfavorável a Israel, já que o povo repetidamente tinha violado
os imperativos de Deus.

vv. 10-13. O profeta pede ao povo que se lembre de que nenhuma nação
do mundo antigo jamais mudou seus deuses, muito menos por algum objeto de
veneração menos eficiente. Os céus são convocados como testemunhas do
comportamento desvirtuoso de Judá, e se horrorizaram, porque eles obedeciam
a todas as leis do Criador. Os pagãos são condenáveis por causa da idolatria,
porém o povo de Deus transgrediu em duas coisas graves: abandonar o Deus
vivo e escolheram servir aos ídolos. Deus era a glória de Israel (Sl 106.20), um
contraste vivo entre a água fresca de uma fonte perene e a de uma cisterna.
O Filho de Deus dá esta mesma “água viva” a todos que o recebem, para
que seja uma fonte que jorre de mãos humanas. A nação havia esculpido para si
ídolos sem valor (1.16), que no fundo eram incapazes de suprir suas profundas
necessidades espirituais, à semelhança de uma cisterna rachada, que deixava seu
conteúdo fugir, tinha pouco uso para manter a vida.
Com o destino do reino do norte em mente, Jeremias diz que os israelitas,
todos nascidos livres, em breve seriam escravos. Os escravos eram de dois tipos:
os adquiridos por compra e os nascidos na casa do senhor e, portanto, sua
propriedade permanente (Ex 21.2-4). O reino do norte já se encontrava nesse
estado por causa da apostasia do seu povo.
66 Profetas
Maiores_________________________________________________
vv. 15-20. O profeta na ameaça que os assírios foram à sobrevivência da
nação (Is 5.29), provocando incluindo a queda do reino do norte em 722 a.C.
Israel estava uma desolação, uma advertência do que aconteceria a Judá. Por
coincidência depois da queda de Samaria os leões daquela área se multiplicaram
muito, a ponto de ser perigo à vida (2 Rs 17.25). A intenção de Jeremias é
mostrar que Deus pode castigar um povo rebelde por vários meios que Ele
determinasse.
A causa de toda a aflição de Judá aparece no versículo 17 com toda a
franqueza. Deus não pode ser culpado pelos sofrimentos da nação, porque estes
são consequências da desobediência intencional. Mesmo quando tinha o Senhor
como guia da sua vida a nação preferiu se esquecer dEle e ir após outros deuses
sem nenhum valor. Aqui podemos ressaltar a lição que podemos aprender com
o profeta Jeremias, que é que devemos a maior parte do que sofremos na vida à
ignorância e ao nosso pecado. Por isso, a Bíblia é tão insistente ao nos exortar a
vivermos uma vida de retidão (1 Tm 6.11; 2Tm 2.22).
O profeta repete, no versículo 18, o que Isaías já dissera (Is 30.15), que é
inútil recorrer ao Egito. O crente deve confiar somente em Deus, mas o profeta
sabia que esta advertência não alcançava o coração das pessoas, elas se
mantinham insensíveis. Nem Egito nem Assíria (v.19) tinham palavra ativa
quanto ao desastre iminente, apesar de servirem de instrumentos de diversas
maneiras, pois a calamidade havia sido determinada por Deus como punição
pelo pecado do povo. O profeta Jeremias mostra que atitudes espirituais
implicam em consequências confirmadas pelos acontecimentos (Os 8.7). A
aliança com o Egito e Assíria somente traria problemas e não a segurança
esperada.
A arrogância e a teimosia do povo são expostas com clareza impiedosa.
Há muito a nação tinha abandonado os ideais morais e espirituais elevados da
aliança, para tolerar práticas panteístas. O povo de Judá estava tão seduzido pela
religião canaanita que se recusava a cumprir por mais tempo as obrigações da
aliança do Sinai, preferindo as coisas da carne à vida do Espírito. No Novo
testamento os crentes são exortados a decidirem por viver uma vida de oposição
aos desejos pecaminosos, pois isso significa ser amigo de Deus (Tg 4.4; Mt
7.14).

vv. 23-25. Provavelmente para auto-justificação, o povo estava


apontando o dedo para o templo de Salomão com seus rituais, como evidência
da sua piedade. Evitaram, todavia, com cuidado, mencionar sua inclinação
latente pelos depravados ritos de fertilidade de Baal ou os cultos a Moloque.
Jeremias ilustra tal comportamento do povo com a figura de uma dromedária,
correndo de um lado para outro do deserto procurando macho que a satisfaça. O
67 67

povo da aliança não poderia ser como os animais, dedicando-se a prazeres


Jeremias Parte I
amorais e mudando a verdade de Deus em mentira (Rm 1.24-26).
O povo é solenemente advertido a não correr atrás de deuses falsos até
gastar as sandálias, porque este pecado será punido por meio de uma viagem
sem sapatos e sem água para o cativeiro.

d) A Perspectiva de um Arrependimento Genuíno (Jr 4.1-4).

Se o povo se arrepender genuinamente, Deus promete restaurar o que a


antiga aliança prometida. Deus deseja que se Israel arrepender-se, seja algo
legítimo e durável. Não haveria retorno à pátria em que apostasia fosse
abandonada, com arrependimento verdadeiro. Os 9.10, Jeremias e Ezequiel
usavam o termo abominações para divindades pagãs e os rituais do seu culto. O
amor fiel de Deus, expresso na aliança do Sinai, deve ser correspondido com
fidelidade, por um povo arrependido. O crente também precisa ter essa virtude
(1Co 15.58; 1Pe 5.9). Deus diz ao povo que faça um novo juramento, pela vida
do Senhor, em verdade, em juízo, e em justiça, como sinal de arrependimento
genuíno. Isto implicaria em uma renovação das promessas, assim Deus os usaria
novamente para refletir a Sua glória às nações (Gn 18.18).
A exortação ao arrependimento é feito individualmente a cada homem de
Judá e Jerusalém. O arrependimento tem que ser pessoal, não em grupo como
nos ritos religiosos do tempo dos sacrifícios. A ênfase na experiência religiosa
pessoal é de fundamental importância para a teologia da nova aliança. Portanto,
o profeta exige que a casca dura da idolatria seja removida, como para que expor
um coração mais meigo e receptivo (Ez 18.31). É necessário semear as sementes
do arrependimento em solo preparado, livre de ervas daninhas. (Mt 13.7,22; Mc
4.7,18,19; Lc 8.7,14).
No versículo 4, o quadro muda um pouco, mas a mensagem ainda é a
mesma. O povo tem que remover a superfície dura do coração, que impede a
Palavra de Deus criar raízes há tanto tempo (Dt 10.16). A circuncisão era o sinal
da aliança de Deus com as pessoas. Os prepúcios tipificam a natureza não
regenerada, com todas as suas paixões e desejos inatos. Este ‘velho homem’
(Rm 6.6; 8.7) não tem lugar na vida daqueles que estão em Cristo (Rm 8.10-13).
Para os hebreus o coração era o centro da vontade, da inteligência e da ação
objetiva. Exigir uma mudança de coração é o mesmo que pedir uma conversão
espiritual. A rejeição da oferta divina conduziria a cólera feroz e ao furor
inapagável de Deus. A única maneira de escapar da punição é a purificação
interior que também é destaque no Novo Testamento (Mt 13.42,50; 25.41; 1 Co
3.13).

e) O Inimigo vem do Norte (Julgamento sobre Judá – Jr 4).


68 Profetas
Maiores_________________________________________________
O profeta adverte a nação de que um grande perigo vem do Norte. Ele
descreve este inimigo com palavras dinâmicas, contudo não identifica quem ele
é. “Já um leão subiu da sua ramada, um destruidor das nações, ele já partiu, já
deixou o seu lugar para fazer da sua terra uma desolação, a fim de que as tuas
cidades sejam destruídas, e ninguém as habite”. O Leão poderia representar a
Assíria ou Babilônia, pois ambos eram ferozes destruidores de nações. O
inimigo espiritual do crente é descrito de maneira semelhante (1 Pe 5.8), e
somente quem persevera na fé pode lhe resistir com êxito.
A mensagem do profeta Jeremias é que Deus está trazendo um inimigo
do norte para castigar a nação de Judá, por seus pecados. Este inimigo é cruel,
sem misericórdia, e espalhará destruição em toda parte.Por causa dos falsos
profetas o povo confia que haverá paz. Este, porém, é um grande engano.
Jeremias afirma que só haverá paz quando o povo aceitar o fato de que
Deus está fazendo tudo isto com o intuito de discipliná-los. O arrependimento e
o abandono de sua rebelião contra Deus é exigência e promessa do
estabelecimento de Judá. Infelizmente o povo preferia confiar nas palavras
falsas dos profetas que prometem a paz.
Parte da dificuldade com que o profeta Jeremias se depara na sua
pregação carregada de calamidade é que começa com uma linguagem muito
forte. Quando o profeta começa a descrever a invasão da Babilônia, o povo não
presta muita atenção, pois pensa ser um exagero do profeta, que não representa
um perigo real.
As ameaças são parte do fogo que o profeta usa como acrisolador para
refinar o povo de Deus. E missão árdua que Deus deu ao seu profeta, mas este
precisa fazer todo o possível para achar aquele remanescente fiel a Deus. A obra
parece impossível, pois em todo seu trabalho não encontra o metal puro, porém
somente a “prata de refugo”, aquilo que para nada serve.
Na maneira de Jeremias se identificar com a angústia do seu povo, vemos
como ele é profundamente patriota. Ele podia proclamar os desastres que previa
com tanta coragem e objetividade somente por amar sua pátria com tanto ardor.
Ele responsabiliza pela calamidade quem é de direito. Reconhecendo que a
causa da desgraça é totalmente pessoal, o sofrimento é muito maior, em
contraste com a paciência que quem sofre injustamente pode apresentar.
Paciência deste tipo, que tem seu maior exemplo na morte de Cristo, é aceitável
diante de Deus (1 Pe 2.20).

f) A Depravação de Jerusalém (5.1-9).

Jeremias começa agora a tratar da necessidade moral do julgamento de


Deus, pois vê com seus próprios olhos a maldade, o egoísmo e a depravação da
vida em Jerusalém.
69 69

A sujeira e a desordem das ruas de Jerusalém são nada mais que um


sintoma da sua enfermidade espiritual. Jeremias procura por uma pessoa
honesta. Mas ele não acha ninguém, nem casas particulares, Jeremias
nem nasParte I O
praças.
que Jeremias testemunha justifica a severidade com que Deus irá julgar a nação,
pois sua conduta reflete exatamente o oposto de justiça e verdade, apesar dos
apelos dos profetas (Am 5.24) exortando o povo, eles permaneciam rebeldes. O
justo, entretanto, receberia perdão, aquele que vive pela fé23. Usar o nome do
Senhor em um juramento constituía perjúrio para o judeu, porque sua vida não
correspondia ao que os seus lábios diziam. Mesmo castigado o povo persistiu
em seu espírito amargurado, e o fato de o profeta repetir a sua recusa de se
arrepender sublinha a sua teimosia e como impureza estava encardida. Uma
tentativa tripla de conseguir renovação espiritual teve uma reação mais
favorável nos tempos do Novo Testamento (Jo 21.15).
Jeremias tende a desculpar os pobres (v.4), porque em seu status social
mais baixo possivelmente eles poderiam ser perdoados por sua ignorância. Mas
mesmo os pobres deveriam saber a Lei de Deus. Nas classes favorecidas o
profeta sabe que a situação se deve a um repúdio dos mandamentos de Deus,
não à ignorância. Todo tinham pecado quebrando o jugo da Lei, e eram como
animais que tinham rompido as cordas que seguravam o jugo pesado sobre seu
pescoço. Como servos do pecado, eles tinham se declarado livres da justiça da
Lei (Rm 6.20). Jeremias, ao contrário, queria que eles fossem livres do pecado
e se tornassem servos da justiça (Rm 6.18).

g) Causas da Catástrofe.

Jeremias repreende todos os judeus por sua estupidez e falta de


discernimento moral. Eles não tinham levado a sério o que a aliança estipulava,
e muitos indivíduos sem escrúpulos tinham prosperado à custa dos oprimidos.
Outra vez o Senhor do universo se dirige à nação, exortando-a por sua
ignorância e teimosia. Como Isaías em 6.9, o profeta Jeremias acusa o povo de
falta de compreensão do significado espiritual da existência. A causa do
sofrimento é a rebeldia do povo (v.23). “O homem natural” faz as “obras da
carne” (Gl 5.19), e colhe corrupção. Cristo proporciona Salvação eterna, mas
somente àquele que lhe obedece (Hb 5.9), e na Nova Aliança os rebeldes não
podem esperar consequências melhores. O poder infinito de Deus não provoca
nem medo nem gratidão em Israel. O pecado do povo na verdade já fez com que
suas mais ricas bênçãos não chegassem até o povo.
Jeremias agora focaliza uma classe que é castigada desde os dias de Amós
(Am 2.6): os parasitas da sociedade (v. 26,27). Jeremias usa a figura de um

23
Habacuque 2.4; Romanos 1.17.
70 Profetas
Maiores_________________________________________________
caçador de aves. Como um caçador que volta furtivamente para casa com sua
caça, estes homens estão sempre acumulando ganho ilegal.
No oriente obesidade era sinal de riqueza (Dt 32.15; Sl 92.14). Essas
pessoas não tinham respeitado nada em seu modo de agir (Mq 7.18; Am 7.8),
deixando evidente que a corrupção social não tinha sido erradicada. Os ricos
continuavam oprimindo os pobres em Judá (v.28,29), e era impossível alguém
conseguir justiça nos tribunais. A Lei mosaica tinha uma tônica humanística,
exigindo do povo que zelassem pelo bem-estar dos necessitados. Os perversos
que tinham maculado estes princípios seriam punidos.
Os profetas de Baal profetizavam falsamente porque prognosticavam a
serviço da “mentira”. Dominam pode significar que os sacerdotes agem sobre a
orientação dos profetas. O resultado é uma tendência forte na vida religiosa em
direção a um elemento popular carnal. O versículo 31 resume o pecado da nação,
mostrando que profetas e sacerdotes se tornaram culpados de infidelidade, e que
o povo por sua vez aprovou.

h) Religião de Hipocrisia (7-10).

O profeta Jeremias prega sua mensagem à porta do templo,


provavelmente num dia especial de festa, quando há bastante movimento ali. Os
profetas não tinham lugar certo, nem hora certa para suas pregações. Sempre era
necessário criar oportunidades para entregar a Palavra de Deus.
A Mensagem do profeta mostra, em primeiro lugar, que o povo tinha uma
idéia supersticiosa a respeito da relação com Deus, isto é, de Deus com Israel e
o templo. A opinião popular é que a presença do templo é suficiente para garantir
a presença de Deus, à parte de quaisquer outras considerações.
Segundo Harrison, o versículo 4 resume a “teologia do templo”, ou seja,
Deus tinha prometido a Davi que sua dinastia seria eterna (2 Sm 7.12), mas tinha
também escolhido Sião para sua habitação aqui na terra (Sl 132.13). Assim se
Deus fosse fiel a si mesmo, nenhum mal poderia ocorrer à sua morada e aos que
habitavam nela. Os falsos profetas criam firmemente que em uma emergência
Deus interveria diretamente para salvar Sião, seu monte santo. Para eles, por
esta razão, a adoração no templo era pouco melhor que ter um talismã para
manter longe o mal, e eles levaram o povo a confiar em edifícios, esquecendo
que Deus queria pessoas vivas como Seu templo (Is 57.15; 61.1; 1 Co 3.16).
O profeta aponta a hipocrisia do povo, pois este pratica todo tipo de
injustiça e idolatria, mas acha que, por está no templo, Deus aceita todas as suas
ofertas.
A “teologia de Jerusalém” dos falsos profetas não tem fundamento. A
suposta inviolabilidade do templo não tem base nos fatos. Deus exige uma
Jeremias Parte I71 71
24
conversão de mente e coração, como base para paz e segurança , não a
veneração supersticiosa de um prédio de pedras ou de um lugar santo
tradicional. Os pecados citados pelo profeta no v. 9 violam todos os princípios
da Lei de Deus, provocando um repúdio completo da graça da aliança. Em meio
a tanta depravação moral as pessoas ainda são ingênuas a ponto de imaginar que
serão salvas apenar pelo fato de observarem os rituais. Estas pessoas profanam
a casa de Deus fazendo dela um esconderijo para os seus pecados25.
O povo lembra as glórias do passado. Nos dias de Isaías, Deus agiu
milagrosamente para salvar Israel de um grande perigo. Por causa disso, eles
pensam que a honra de Deus exige que Ele lute para preservar seu templo e seu
povo. Seu erro é pensar que Deus, assim, se identifica com o templo.
Quando Jeremias busca um exemplo para reforçar sua mensagem, ele cita
Siló como prova de que Deus pode destruir o santuário (Sl 78.60). A história em
1 Samuel não é muito detalhada, mas parece clara, comparando-as às palavras
de Jeremias, segundo as quais os filisteus destruíram o tabernáculo no tempo em
que a arca foi levada. Deus não depende de nenhuma localidade, nem está preso
a nenhum objeto de culto. Por mais valiosa que estas coisas sejam como ajuda
espiritual, elas nunca poderão substituir a fé direta no Deus vivo.
Esta seção parece interromper o discurso do templo a não ser que seja um
interlúdio simbolizando o fim calamitoso de impiedade e rebelião. O profeta é
proibido de orar pelo povo, por causa da persistência em sua idolatria, que agora
tem de ser julgada. Jovens e adultos participam com o mesmo entusiasmo dos
rituais à rainha dos céus. Esta abominação, e contaminação flagrante da fé dos
ancestrais serão punidas com muita severidade.

Todos os ritos sacrificiais são sem valor (v.21,22) se as exigências de


obediência pureza moral da aliança são ignoradas. Jeremias não está repudiando
o valor dos sacrifícios, mas está denunciando os apóstatas que fizeram dos
rituais um fim em si mesmo, desta maneira abusando das formas do culto.
Quando a aliança do Sinai foi instituída Deus exigiu do seu povo que lhe fosse
obediente e adorasse somente a Ele. Somente depois de estipuladas essas duas
coisas Deus prescreveu e desenvolveu um sistema de sacrifícios. O versículo
(v.22) não nega que houve sacrifícios no período passado no deserto, mas mostra
como era fundamentalmente importante para Israel guardar o que a Lei
estipulava (Am 5. 21-25; Os 6.6). Parecia a Jeremias que não havia mais
nenhuma relação entre os sacrifícios e um coração arrependido. A obediência é
obrigatória também para as da nova aliança, seguindo o exemplo de Cristo (Fp
2.8).

i) Os Perigos do Legalismo (Jr 8).


24
Isaías 26.3.
25
Há um paralelo com o Novo Testamento: Mc 11.17; Lc 19.46.
72 Profetas
Maiores_________________________________________________

A reação do povo à reforma empreendida por Josias aconteceu em termos


legalistas. Foi muito importante à descoberta do livro da Lei no templo, mas em
vez de obedecerem ao espírito da Lei eles se apegaram a letra. Pensavam que
possuir o livro da Lei era mais importante do que seguir os seus ensinos.
As interpretações dadas pelos escribas levavam o povo a errar o
caminho. Isto o profeta Jeremias denuncia como sendo a mudança da Lei de
Deus em mentira. O povo acreditava que Deus só se interessava pelos
sacrifícios que a Lei determinava. Oferecendo-os, nada mais importava quanto
à conduta do povo.
Jeremias afirma que a própria natureza ensina melhor que os escribas.
Os pássaros e os animais do campo são mais sábios que o povo de Deus. Eles
reconhecem quais são os caminhos certos, enquanto o povo não o faz.
O escriba estava satisfeito por ter a Lei, mesmo sem praticá-la. Os
profetas levavam o povo a confiar em mentiras, já que prometiam a paz, apesar
das ameaças de guerra. A nação caía na infidelidade para com Deus. Por causa
disso tudo, o profeta Jeremias só vê um caminho: a queda da nação por castigo
de Deus.

j) Corrupção e Declínio de Judá.

A reação do profeta Jeremias à iniquidade do povo é querer afastar-se,


abandonar o povo e procurar um lugar que ofereça um pouco de sossego. O
pecado aqui denunciado é a mentira. A falsidade tornou-se tão comum que
ninguém mais sabe o que é a verdade. Cada um mente e engana o seu próximo.
Com esta situação intolerável, o profeta quer afastar-se. Ele reconhece que a
natureza de Deus exige que uma nação assim seja castigada.
O castigo será o mesmo que Jeremias está anunciando. “Portanto assim
diz o Senhor dos Exércitos: Eis que eu os fundirei e os provarei; pois de que
outra maneira procederia com a filha do meu povo?”.
Do norte vem o inimigo que matará tanta gente que não haverá número
de mulheres suficiente para lamentar os mortos (v.10,11). Se o povo fosse sábio
iria perceber tudo isto. Mas, por ignorar a Lei e a instrução que Deus deu, não
percebem o que está acontecendo; “Quem é o homem sábio, que entenda isto?
E a quem falou a boca do Senhor, para que o possa anunciar? Por que razão
pereceu a terra, e se queimou como deserto, sem que ninguém passe por ela?”.
Acham-se inteligentes e confiam na própria sabedoria. A confiança precisa ser
em conhecer verdadeiramente a Deus. Jeremias Parte I
É isto que lhes falta, um conhecimento perfeito do caráter de Deus, nesta
situação de crise, o único descanso do sábio é conhecer a misericórdia e o juízo
73 73
26
de Deus , Deus está dando ênfase em sua firmeza moral, contrastando-a com a
infidelidade do seu povo. Portanto, não percebem que Deus há de castigar a
nação, que é tão pecaminosa. Ninguém vai escapar. Nas ruas ou nos palácios a
morte persegue e os mortos cairão sem ninguém para enterrá-los.
Em um adendo, Jeremias afirma que os judeus, mesmo circuncidados no
corpo, não tinham se dedicado interiormente aos ideais espirituais do Sinai,
procurando o prazer em vez de glorificar a Deus em corpo e espírito 27, de modo
que não eram melhores que seus vizinhos pagãos. Só poderiam esperar punição.
Todas as nações serão incluídas neste julgamento. Não importam as evidências
externas, como circuncisão, mas o comportamento. Deus faz misericórdia,
justiça e juízo e é isto que ele requer dos homens.
O profeta reconhece que o julgamento divino cairá sobre Judá e nesta hora
o apelo é para misericórdia, se não, eles serão consumidos. Mas Jeremias apela
para Deus mostrar sua indignação sobre as nações que fazem tanto mal ao povo
de Deus.Harrison comenta:

O grupo de nações mencionado, possivelmente, formou uma aliança contra a


Babilônia, sob a liderança do Egito. Cortar o cabelo nas têmporas era proibido
pela lei (Lv 19.27).

l) A Mensagem contra a Idolatria (Jr 10).

Jeremias não é o único profeta que fala contra a idolatria. Ele usa a mesma
ironia para mostrar quão falha e insensata é a confiança nos ídolos. Pode ser
difícil hoje compreender como a idolatria exercia tanta fascinação sobre o povo
de Israel. Alguns estudiosos acham que o contexto aqui é povo já no exílio
babilônico, por causa destas expressões de “não aprendeis os caminhos dos
gentios” e os “sinais dos céus”. Mas isto foi um problema para Israel, desde que
entraram na terra de Canaã. E antes de Jeremias, Isaías tinha feito advertências
semelhantes.
O profeta Jeremias mostra quão insensato é fazer algo com suas próprias
mãos e depois adorar aquilo. A imagem nem se valoriza mais na sua capacidade
sendo enfeitada com prata ou ouro.
Precisa ser carregada, não podendo fazer nem bem nem mal. É
interessante como pessoas não reconhecem como isto fala contra as imagens que
tanto valorizam nos dias de hoje, enfeitando-as com jóias e carregando-as em
procissões. Estes deuses e suas imagens vão desaparecer, pois não são nada. Só
Deus, o criador de todas as coisas, dura para sempre. Em tempo o homem verá
que é ridículo adorar uma obra das suas próprias mãos.

26
1 Coríntios 1.31; 2 Coríntios 10.17.
27
1 Coríntios 6.20.
74 Profetas
Maiores_________________________________________________
Este capítulo é um poema, que denuncia sarcasticamente a idolatria, por
alguém que viu suas piores consequências em primeira mão. Foi sugerida que a
passagem é obra de Isaías28, devido à semelhança da construção.

“Nenhuma doutrina é tão planejada para preservar o homem do


pecado quanto à doutrina da Graça de Deus.” Charles Spurgeon

28
Isaías 40.18-20; 44.9-20; 46.5-7.
75 75

1 – COMENTÁRIO DE JEREMIAS – PARTE II

a) Rejeição o Senhor da Aliança (11-12). O pecado de Judá não é apenas


ocasional. É de propósito, tão determinado que o profeta o classifica como uma
conspiração. O povo não só quer idolatrar como se organiza com esta finalidade.
v.9. Sendo que eles devem saber que a idolatria quebra a aliança que Israel
fez com Deus, agora eles têm que pagar pela sua desobediência.
v.11. Quando Deus castiga, devem apelar aos seus deuses que adoraram
em tempos de prosperidade. Com ironia, o profeta proclama a inutilidade dos
ídolos para salvá-los da mão de Deus. Pois, não é por falta de altares e ídolos
que estes deuses não ajudarão. É, na verdade, porque nada são e não tem
qualquer poder.
v.13. O povo tem feito tanto mal e não quer mudar, que Deus informa ao
profeta que não adianta ele orar pelo povo de Judá (v.14). A oração intercessória
é para mudar a trajetória dos fatos. Sem esta esperança, a oração não tem sentido.
Quando Deus ordena ao profeta para não orar, está dizendo que o povo está tão
firme no pecado, que o juízo será iminente. O sacrifício era visto como única
exigência de Deus em relação ao pecado, quer dizer, para que o pecado fosse
perdoado.
v.15b. Por isso, o profeta denuncia o sacrifício como meio de afastar o
mal da nação. Os sacrifícios não podem comprar o perdão de Deus. Só resta
agora a manifestação da ira de Deus como fogo (v.16).
Jr 12.1-5. Estes versículos são uma introdução à afirmação formal sobre
o problema dos maus que prosperam. Não recebemos uma resposta para a
questão por que os perversos prosperam como em nenhum lugar da Escritura.
Em vez disto Jeremias é instruído para se preparar para um ataque ainda maior
à sua pessoa e coragem. A afirmação se baseia no conceito de que Deus é justo
e irrefutável em discussão, mas aberto a pedidos. A figura da plantação, um sinal
76 Profetas
Maiores_________________________________________________
de estabilidade29, mostra que a prosperidade não vem por acaso, mas faz parte
da provisão de Deus para suprir as necessidades humanas30. Usando o nome
divino com frequência no diálogo, as pessoas são hipócritas, espiritualmente
divorciadas de Deus. Sua maldade é ainda mais horrível em comparação com a
fidelidade de Jeremias, e o profeta quer saber porquanto tempo ainda este
comportamento ficará sem castigo, já próximo do desespero. Deus responde que
o que ele já sofreu não é nada comparado com o que ainda vem. Se ele já
tropeçou em terra natal, como poderia esperar coisa melhor em Jerusalém?

b) Rebeldia e Julgamento Descritos (13-20). Segundo Harrison,


podemos datar os versículos 18-19 em 597 a.C. (2 Rs 24.8,12), e os restantes
por volta do ano 600 a.C. Vemos uma nação que poderia ter vivido em um
relacionamento estreito com Deus, corrompida por influências religiosas pagãs.
O nível de discernimento espiritual do povo estava terrivelmente baixo, e o
orgulho intencional permeava todas as esferas da sociedade, produzindo uma
nação rebelde e apóstata, que caminhava diretamente para destruição. Neste
capítulo o profeta faz advertências ao povo.

(1) A primeira advertência, representada pela parábola do cinto de linho


apodrecido, deixou clara que a idolatria, com a corrupção moral que ela traz
consigo, seria a ruína do povo. O simbolismo do profeta se baseia na utilidade
de coisas da vida diária. O cinto era uma das roupas mais intimas, sempre
junto do corpo. Se tivesse sido imersa na água ficaria mais macia e flexível.
Simbolicamente, a nação tinha de ser protegida de todas as influências
corruptoras (vv. 1-11).
(2) A segunda advertência é uma parábola (12-14) sobre jarros de vinho. O
profeta compara os jarros ao povo bêbado, cheio de vinho da ira de Deus, que
não estaria limitada a Judá. A embriaguez era um dos principais problemas
sociais do Antigo Oriente próximo. No Novo Testamento somos advertidos
do alcoolismo.
(3) A terceira advertência é contra o orgulho e ignorância em relação a Deus.
A glória deve pertencer ao Criador de Israel, não a Baal; a nação é incentivada
a prestar atenção às lições simbólicas do que já foi dito.
(4) A quarta advertência é um lamento sobre o rei e a rainha-mãe (vv. 18-
19), Jeoaquim (22.26) e Neusta (2 Rs 24.8). O rei tinha somente dezoito anos,
daí a importância da rainha-mãe no governo. O profeta estava repreendendo-
os por seu desprezo a palavra de Deus.
(5) A quinta advertência é uma ultima lembrança de que a punição é uma

29
Isaías 40.23.
30
Mateus 5.45.
77 77
Jeremiasdo
consequência inevitável da persistência voluntária Parte II (20-27).
pecado e Lamentações
c) Lamentação Réplica (Jr 15.15-21). Nesta passagem poética e de
grande beleza Jeremias expressa seu sentimento de total solidão no meio de
um povo rebelde. Muitas das suas tensões emocionais surgiram de um impulso
interior de estar do lado de Deus contra seus compatriotas. Todo verdadeiro
servo de Deus poderá experimentar tensões deste tipo, especialmente se, como
no caso de Jeremias, seus inimigos são da sua família 31. O grau de
sensibilidade do individuo determinará quanto sofrimento estará envolvido na
escolha entre o mundo e Deus. Quando a palavra de Deus veio a Jeremias ele
a recebeu com avidez, mas isto foi a causa de seu isolamento. O espírito
profético que estava nele o separou dos seus amigos e isolou das atividades
populares, por causa da indignação pelo pecado do povo. Em sua tristeza
Jeremias se recusa a crer que Deus é um ribeiro ilusório, com quem não se
pode contar quando se precisa de água no calor do verão por causa da
afirmação de 2.13. A réplica de Deus reafirma o principio básico de que
obediência e arrependimento verdadeiros garantem perdão e bênçãos.
Jeremias continuará a serviço de Deus, se ele separar o valioso do vil,
removendo o lixo que é a idolatria e apostasia. Com esta função Jeremias tem
de elevar o povo ao seu nível espiritual, na certeza que Deus o protegerá.

d) O Clamor do Profeta.

Harrison comenta no seu livro:

Confiança completa em Deus era pré-requisito para a aliança, e aqui Jeremias


está expressando um princípio geral, à luz dos namoros periódicos de Judá com
Babilônia e Egito (Sl 146.3). A tamargueira, uma pequena árvore medicinal
de aparência especialmente rude e nua, que não verá quando vier o bem, que
não tem perspectivas de melhora, já que suas raízes atrofiadas não penetram
até o nível da água debaixo da superfície. O povo não poderia deixar de
entender a alusão, pois se tivesse vivido com em fé teria florescido como cedro.
Sem a graça divina o homem não regenerado está em uma situação
desesperadora, como mostra o versículo 9. Cada geração precisa ter a alma
regenerada pelo Espírito e pela graça de Deus (Jo 3.5; Tt 3.5)

O profeta fala na sua própria experiência quando comenta sobre a


condição do coração humano. Na cultura hebraica o coração representa mais
os pensamentos do que as emoções. O profeta reconhece que o homem, no seu
estado natural, é corrupto e só Deus percebe a realidade da sua situação.
O julgamento de Deus é justo porque Ele olha para o interior do homem,
examina suas intenções e dá a cada um o que merece. A motivação é

31
Mateus
78 Profetas
Maiores_________________________________________________
importante mais do eu o fim desejado. Não é mal ganhar riqueza. O que é
condenado é ganhá-lo ilicitamente.
O profeta clama a Deus para salvá-lo da perseguição que aumenta cada
vez mais. Jeremias tem sofrido afronta por pregar guerra e destruição que não
vem. Não tem pregado porque quis ver isto acontecer, mas porque é a
mensagem que Deus lhe deu. Agora o povo está debochando, dizendo que se
esta é realmente a Palavra de Deus, então, que se cumpra.
Deus, na sua misericórdia para com a nação, está colocando seu profeta
numa situação difícil. Em demorar no castigo, o povo considera o profeta
Jeremias um falso profeta, porque não acontece o que ele fala. É dentro deste
contexto que o profeta apela para Deus castigar os incrédulos. A oração de
Jeremias não está dentro do espírito do Novo Testamento, e não deveríamos
esperar que estivesse. Temos que lembrar, entretanto, que o profeta está
apelando para Deus castigar seus inimigos. O que Ele já disse que faria.

e) O Profeta Visita a Casa do Oleiro.

Deus tem muitas maneiras de transmitir sua mensagem ao seu profeta.


Às vezes são experiências de sua própria vida, como na chamada de Jeremias
que ele interpreta à luz da orientação divina. Às vezes Deus fala através de
sonhos. Nesta ocasião Deus orienta o profeta a presenciar uma cena que depois
será interpretada.
Na casa do oleiro, Jeremias vê algo comum, que já poderia ter assistido
por diversas vezes, Mas, agora, Deus lhe fala. O que o oleiro faz com o barro
ilustra a soberania de Deus sobre a nação, o profeta afirma que Deus é
soberano sobre toda a humanidade32. Desse modo, Deus poderia fazer de Israel
o que Ele quisesse. Assim há divergência se é só isto que essa passagem quer
ensinar. Para se considerar o ensino de Jeremias apenas como declaração da
soberania de Deus, tratando Israel semelhante a um objeto inanimado, é
necessário ignorar os versos 7-10.
O profeta afirma que a nação que muda o seu proceder mostra a
mudança de relacionamento com Deus. Nota-se que Deus não muda, ou seja,
que há mudança em sua essência, pois Ele de antemão declara suas intenções.
Deus fará o bem para o povo que se arrepender do mal. Também o contrário,
Deus não vai continuar abençoando a nação que deixa de praticar o certo e
comete o mal. O termo antropomórfico (arrepender-se) indica mais uma
mudança de tratamento que será dispensado a Israel por causa do seu
comportamento modificado, do que uma mudança de mente.
A mensagem é clara para o povo ver que sem mudança de

32
Amós 2.7; Miquéias 1.2-4.
Jeremias Parte II e Lamentações
79 79

comportamento o juízo divino virá. A oração do profeta indica que o povo não
muda e até reage contra o profeta.
Porém, fazer o que Deus quer não é coisa vã, sem critério e sem
propósito. O profeta quer mostrar que as ações de Deus são mais que uma
demonstração de poder absoluto. Deus é soberano, os seus propósitos não
podem ser frutados pelo homem, ou seja, pela desobediência humana33. Deus
pode desfazer e fazer de novo a nação.

f) Julgamento dos Líderes Rebeldes, Jeoaquim e Ezequias (21-39).

Esta passagem remonta à época em que Jerusalém estava sitiada, por


volta de 589 ou 588 a.C. Os vv. 37.3-10 registram uma mensagem semelhante
de Zedequias a Jeremias. Não há duplicidade, a alusão é a uma interrupção
temporária do cerco pelos egípcios, pouco antes de os babilônios virem com
toda sua potência contra Jerusalém.
Há quase vinte anos o profeta Jeremias vem anunciado que a Babilônia
virá para dominar Jerusalém. Já uma vez foi comprovada a veracidade de sua
mensagem, quando em 597 a.C. Nabucodonozor conquistou a cidade e levou
muita gente presa. Jeremias aconselhou submissão ao poderio caldeu. Mas
Zedequias confiou nas palavras dos seus ministros e na promessa de auxilio
das nações vizinhas, e rebelou-se contra Nabucodonosor.
Agora o fruto de toda a rebelião contra a palavra de Deus está para ser
colhido. Porém, nem o rei nem o povo entendem ainda. Eles esperam que Deus
possa fazer um grande milagre para salvá-los. Deus assim o fez nos dias de
Ezequias e do profeta Isaías, quando a assíria era o grande inimigo. Pode ser
que Ele repita suas maravilhas, eles pensam. Mas o profeta Jeremias tem a
responsabilidade de anunciar que Deus está contra Jerusalém. Não é a força
do inimigo que pode determinar os resultados, é Deus que tem determinado a
destruição da cidade e o cativeiro do povo. Ainda assim, se oferece uma
possibilidade para, quem acredita no profeta, salvar sua vida: é fugir para o
inimigo, entregando-se nas mãos de Nabucodonosor. Será extremamente
difícil seguir o conselho de Jeremias. Parece ser traição e covardia. Mas é a
única possibilidade de preservar a vida. Eis que Deus determinou a destruição
da cidade e a única esperança é fugir dela.
Não foi esta a palavra que Zedequias quis quando enviou seus
mensageiros a Jeremias. O profeta tinha o dever de dizer a verdade e não
satisfazer a vontade do rei.

g) Contra os Falsos Pastores. “Pastor” para nós hoje indica uma


função na igreja, mas para Jeremias, era quem cuidava das ovelhas. Esta figura

33
Jó 42.2 “Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.”.
80 Profetas
Maiores_________________________________________________
de pastor e ovelha facilmente transfere-se para representar a liderança da
nação e sua população. A condenação que o profeta Jeremias faz é da liderança
de Judá e mais, especificamente de Zedequias. Uma má liderança foi a causa
das dez tribos de Israel serem dispersas e agora a mesma coisa está
acontecendo com Judá. Parte da nação já foi levada para Babilônia. E, por
causa da fraqueza de Zedequias, o restante logo também irá para o exílio.
Nesta situação tão difícil Jeremias oferece uma palavra de esperança.
Este rei falha, mas Deus vai levantar um que não vai falhar.

Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo
justo; e, sendo rei, reinará e procederá sabiamente, executando o juízo e a
justiça na terra. Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; e este
é o nome de que será chamado: O SENHOR JUSTIÇA NOSSA.
Os vv. 5-8 são de fundamental importância para a cristologia, pois os
mesmos tem um caráter messiânico. Harrison diz o seguinte:
Esta profecia messiânica (5-8) está cheia de esperança para o futuro. A
fórmula introdutória, eis que vem dias, aparece dezesseis vezes no livro
iniciando mensagens de esperança. O Renovo é termo usado para o rei
messiânico (33.15; Zc 3.8; 6.12). Este personagem também aparece em Isaías
11.1. Renovo é o que brota das raízes de uma árvore caída. Há de brotar vida
nova na dinastia caída. Assim Jeremias pode proclamar que Deus fará surgir um
rei dravídico cujo o nome já indica qual é o seu caráter; uma expectativa
cumprida em Cristo, Filho de Davi. Diferente dos sucessores de Josias, ele
seguirá uma política sábia, observando os ideais da aliança como se fossem um
tesouro, e governando o povo com justiça e equidade (2 Sm 8.15). A expressão
Senhor Justiça Nossa significa “aquele que garante justiça para nós”.
Este rei não merece seu nome: Zedequias, que quer dizer “Justiça de
Yahweh”. Deus dará um rei com nome ainda mais exaltado: “Yahweh Justiça
Nossa”. Este rei, da linhagem de Davi, fará o que os outros não conseguiram, e
um novo dia chegará e o passado será esquecido. As manifestações da glória de
Deus vão superar tudo que houve no passado. A libertação do exílio será maior
que o êxodo do Egito.

h) Contra os Falsos Profetas. Como saber quem é profeta verdadeiro e


quem é falso profeta? Esta dificuldade sempre existe. No tempo de Jeremias
parece que o povo pouco se preocupava com isto. Se falar em nome de Deus
será suficiente. Mas, é isto que Jeremias está denunciando, que alguns estão
falando em nome de Deus, mas dizendo mentiras. E quando ele percebe que o
povo aceita a mensagem destes falsos profetas e rejeita a Palavra da verdade,
ele confessa sua profunda tristeza. O povo deve ser capaz de conhecer quem não
tem a Palavra de Deus.
Jeremias Parte II e Lamentações
81 81

No passado, o falso profeta falava em nome de Baal e era mais fácil.


Agora, temos que ter outros critérios. Os falsos profetas fortalecem as mãos
dos malfeitores dizendo-lhes que tudo está bem. Não precisam mudar
arrependimento não é necessário e Deus não vai castigar. Assim falam os
falsos profetas, oferecendo paz quando não há possibilidade de Deus deixar
em paz os malfeitores.
O profeta Jeremias afirma que pode levar tempo para o povo perceber
esta verdade, mas que o tempo provará que ele tem a palavra de Deus. Se os
outros profetas realmente pregassem a palavra de Deus, teriam levado o povo
voltar do caminho errado. Mas, em vez de estarem na presença de Deus, para
ouvir sua voz, eles dão crédito aos seus sonhos como revelação divina.
Jeremias declara que seus sonhos são consequências de sua própria
imaginação e não devem ser contados como Palavra de Deus. O sonho tem
sido usado por Deus como meio da revelação, mas somente quando Deus quer.
O sonho não é instrumento nas mãos dos homens.
Outra corrupção acontece desta vez no vocabulário dos profetas. Em
temo passado, a Palavra de Deus era vista como algo de peso e assim
designada. Mas, agora, a expressão toma a forma de desprezo. Eles pensam
na Palavra de Deus como algo muito pesado para ser suportado. Assim
Jeremias condena o uso da expressão “sentença pesada”. Com o tempo, as
palavras mudam de sentido e expressões perdem seu valor de transmitir a
verdade. Quando isto acontece, é preciso encontrar formas novas para a
transmissão da Palavra de Deus.

i) O Futuro do Povo é Revelado. Nabucodonosor levou o rei Joaquim


e os nobres de Judá, juntamente com os melhores profissionais de cada ofício.
Pode-se dizer que deportou a elite da sociedade judaica para a Babilônia. O
novo governo liderado por Zedequias, outro filho de Josias, é composto por
homens inexperientes. Estes se acham, pretensamente, abençoados e
agraciados por Deus. Vêem-se como bem-aventurados, pois estão na “Terra
Santa”, e tem todas as instituições da religião de Yahweh. E mais ainda: por
controlarem o governo, acham-se os responsáveis diretos pelos destinos das
pessoas, ou seja, do povo de Deus. Porém, o profeta Jeremias vê as
circunstâncias por um prisma bem diferente.
A visão dos dois cestos de figos deixa bem claro o fato de Deus
considerar que o futuro do povo está diretamente relacionado ou ligado aos
cativos em Babilônia, e de maneira alguma, repousa nas mãos dos que foram
deixados em Jerusalém e Judá. Deus vai abençoar os exilados, dando-lhes um
novo coração. Nesta visão o profeta mostra que comunhão com Deus e as
bênçãos da graça divina não necessitam de nenhuma forma de culto ritual, de
82 Profetas
Maiores_________________________________________________
lugares geográficos e instituições nacionais34. No exílio ou não, os que
procurarem a Deus de todo o coração irão encontrá-lo.
Mas, quanto a Zedequias, e os que com ele estão em Jerusalém. Deus
os rejeita e rejeitará. Estes vão sofrer ainda mais as calamidades da guerra,
fome e peste. O profeta falando em nome de Deus, sempre está contradizendo
as idéias comuns e populares.

j) A Carta aos Exilados. Apesar de Jeremias afirmar que Deus vai


abençoar o povo de Judá, os líderes deste não aceitam de bom grado a palavra
do profeta. Isto porque querem voltar imediatamente para Jerusalém, e a
palavra do profeta de Deus é que essa volta só ocorrerá depois de um longo
período de tempo, cerca de 70 anos35. Para os líderes da nação, a bênção real
de Deus só pode ser a destruição imediata do poder de Babilônia. Qualquer
promessa de libertação, em um futuro não muito próximo, é de toda rechaçada,
como é aquela que vem por meio de Jeremias. O profeta aconselha o povo a
construir casas e preparar-se para uma longa permanência no exílio. Essa
palavra fere as aspirações populares dos exilados, e é completamente
desprezada. A volta do cativeiro terá que ser breve, é o desejo do povo e o
anúncio dos falsos profetas.
Porém, contrariamente às expectativas do povo exilado. Deus assevera
que a deportação foi obra sua, que serve aos seus propósitos, e o seu plano é
que Judá permaneça no exílio por muito tempo. Já que assim é, todos devem
fazer o melhor possível para atenuar o desgosto e o desconforto do cativeiro,
procurando viver em paz com todos.
A agitação contra o conselho é liderada pelos falsos profetas que
surgem em Babilônia. Ter profeta em Babilônia é fato surpreendente para
Judá. O povo considerava a atuação de Deus restrita à Palestina. Ao verem
homens, “profetas”, que falaram pretensamente de Deus numa terra distante,
isso acende no coração a chama da esperança de um breve retorno. Esse fato
inesperado, até então inacreditável, serve como uma espécie de autenticação
ou confirmação da mensagem desses falsos profetas. “Se, realmente, não
falassem a palavra de Yahweh, jamais teriam surgido, nesta terra tão
longínqua”, é o pensamento reinante entre os exilados. Que grande engano!
Tais falsos profetas dizem que Deus vai destruir o poder da Babilônia e libertar
os judeus dentro de dois anos. Esta idéia é mais popular que a de Jeremias,
afirmando que o cativeiro vai durar 70 anos.
O povo do cativeiro deve considerar que é uma bênção estar lá porque
voltar a Jerusalém será sofrer. Deus mandará a guerra, fome, peste sobre o

34
Deuteronômio 4.29; Salmo 119.10; Mateus 7.7.
35
Jeremias 25.11.
83 83
Jeremias
restante de Israel, e voltar seria sofrer com eles. Parteé ficar
Melhor II eemLamentações
Babilônia.
Mas os profetas falsos no cativeiro querem silenciar Jeremias e escrevem às
autoridades em Jerusalém, pedindo providências. Ao invés de calar-se,
Jeremias anuncia o castigo que Deus enviará a um destes falsos profetas.

l) A Garantia de Restauração e o Novo Concerto. Depois de destruir,


derribar e arrancar, agora é hora para plantar. O contexto de destruição cria
condições de mudança. Esta é a visão do profeta Jeremias. Deus vai mudar a
sorte de Israel e de Judá.
Esta visão é ainda para dias futuros e por isso o profeta está instruindo
a escrever num livro para guardar as palavras de Deus até a hora do
cumprimento.
Este tempo futuro será de angústia também, mas não para o povo de
Deus. É hora de castigar os que subjugaram Israel. Destas nações Deus
libertará seu povo para voltar a terra prometida. De novo Jerusalém será
construída e os seus habitantes viverão em paz. Mas o futuro promete mais do
que a restauração de Israel na terra e o castigo dos seus opressores. Este será
um tempo glorioso, com o Rei ideal, descendente de Davi, reinando em
justiça. Para tanto haverá uma Nova Aliança estabelecida com o povo
escolhido.
É lógico que o profeta descreve a nova aliança em termos nacionais,
semelhante as condições da primeira aliança. Quando o profeta fala de Israel,
sua libertação e estabelecimento na terra de Canaã como expressão das
bênçãos de Deus na era messiânica, temos que compreender isto a luz do Novo
Testamento. O Israel de Deus não é limitado à descendência carnal de
Abraão36. Assim, a volta do cativeiro de Babilônia é vista num contexto maior,
simbolizando a libertação que o Messias fará. Essa libertação exigirá uma
Nova Aliança, pois o povo anulou a primeira com seu pecado. Além disso, a
relação de Deus será mais profunda com o seu povo.
As palavras de Deus serão escritas no coração em vez de tábuas de
pedra. Será uma relação individual em vez de nacional. Cada um conhecerá
Deus por si mesmo e não haverá necessidade de ensinar os irmãos, dizendo
“conheça a Deus”. Cada um poderá ter uma relação pessoal com Deus,
baseada no perdão do pecado, que fará do homem um novo ser37.
Assim, Jeremias chega mais perto da mensagem do Novo Testamento
de que qualquer outro antes de Cristo. O povo quis responsabilizar seus
antepassados pela calamidade que ocorreu. Jeremias afirma que não vale
dizer: “Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos se embotaram”.
Com a nova relação com Deus, cada um responsável por si mesmo. Quanto a
descrição da nova aliança, Harrison diz:

36
Romanos 9.6-8.
37
2 Coríntios 5.17.
84 Profetas
Maiores_________________________________________________

A aliança mosaica não será suficientemente flexível para a nova época


da graça divina, e por isso terá de ser substituída. A nova aliança será inscrita
profundamente na vontade dos israelitas, que lhe obedecerão por escolha, não
mais por obrigação. A apostasia será substituída por uma atitude de fidelidade
a Deus, e a nação nunca mais servirá a nenhuma outra. Jeremias insiste em
que a apostasia é a raiz de todos os problemas de Israel.

m) O Rolo Ditado e a Mensagem para Baruque. Depois de vinte e


três anos de pregação, chega a hora de dar forma mais permanente as suas
mensagens. O profeta recebe ordem de Deus para escrever suas palavras num
livro. Para essa tarefa, Jeremias convoca o escriba Baruque. O profeta dita sua
mensagem a Baruque que escreve tudo num livro. Provavelmente, este livro
forma a base do presente livro de Jeremias que temos em nossa Bíblia.
A finalidade de colocar a sua mensagem em forma escrita está expressa
nas palavras: “pode ser... cada um se converta do seu mau caminho”. A razão
que leva a esta conclusão é o fato que a palavra escrita recebia muito mais
respeito que a palavra falada. Podemos ver no relato dos eventos como os
príncipes tentam salvar o livro da ira do rei, que queria destruí-lo.
O profeta declara sua incapacidade de entrar no templo. Isto ocorria
devido, isto é, como consequência do encontro com Pasur, por quem foi preso
no tronco por falar contra o templo. Há indicações que, depois de ter sido
libertado, ficou proibido de entrar no templo.
A mensagem do profeta é provocadora. No ano 605 a.C. Babilônia
acaba de estabelecer seu domínio em toda região. Agora o profeta declara que
Babilônia entrará em Judá para destruir a nação. Com isto, o rei fica irritado e
queima o rolo sem qualquer hesitação.
A sua raiva não fica limitada ao livro e sua mensagem, mas também se
estende ao autor do livro. Quer destruir-lhe a vida. Os príncipes já previam
esta possibilidade. Por isto recomendam a Baruque e Jeremias que se
escondam. Eles foram escondidos pelo Senhor. As Escrituras dizem que “o
Senhor os havia escondido”. Deus agiu por intermédio dos príncipes. Não
adiantam os esforços humanos, se não houver a determinação divina. O
homem pode querer destruir a palavra de Deus, mas nunca será possível.
Quando o rei queima o rolo, Deus manda o seu profeta escrever outro livro.
Agora, não só repete as palavras do livro anterior, mas acrescenta outras
palavras. Também gora existe uma condenação para o rei, e ele não terá
descendente para reinar em seu lugar.
Pouco sabemos de Baruque, o escriba de Jeremias. Mas a pequena
passagem do cap. 45 sugere muito. Baruque lamenta muito sua situação
quando o rei indica sua perseguição. Parece que o escriba esperava algo
85
Jeremias Parte II e Lamentações 85

melhor. Em se juntar ao profeta, a sua visão foi de um trabalho abençoado,


com reconhecimento pela sua contribuição. Mas a resposta que o profeta lhe
dá da parte de Deus é que, nestes tempos difíceis, a única coisa que ele pode
esperar é sair com vida. Harrison comenta:

Este breve capítulo recapitula um acontecimento ocorrido durante o


quarto ano do reinado de Jeoaquim (605/4 a.C). Ele está fora de ordem
cronológica e deveria estar depois de 36.8. Baruque é repreendido por estar
deprimido com medo do futuro, e recebe uma promessa de que ele viverá, para
reviver suas esperanças. As palavras escritas por Baruque são o conteúdo do
rolo mencionado em 36.2-4. O v.3 é a única passagem em que Baruque revela
algo sobre suas reações à situação em Judá. Sua tristeza viera da compreensão
das implicações pessoais e nacionais das profecias que ele estava registrando.
Jeremias teve que relembrar Baruque da tristeza que Deus tinha por ter de
destruir o que fora tão difícil preservar, a calamidade era inevitável.

n) Jeremias Preso e Lançado no Calabouço. De certa forma é de se


admirar que Jeremias não tenha sido preso antes. Ele sempre falou contra os
desejos populares, contradizendo os que detinham a autoridade. Agora, que
pode parecer que o profeta errou, pois os caldeus retiraram seu exército, se
levanta a acusação falsa contra ele. Não seria esta a hora de fugir para os
caldeus, porque eles já se retiraram. Mas, não importa a incoerência na hora
de acusar o seu inimigo.
Preso já, a certo tempo, os caldeus voltam a atacar Jerusalém, Jeremias
vê de novo a prova da veracidade da sua mensagem. O poder de faraó falhou;
não foi suficiente para salvar Jerusalém. Mais uma vez o rei Zedequias
consulta o profeta Jeremias. Zedequias ainda espera que um milagre possa
salvá-lo, mas Jeremias confirma que Deus não muda (vv.3,7). O rei e a cidade
serão entregues nas mãos do rei de Babilônia.
Com a confirmação das suas mensagens anteriores, Jeremias toma
coragem de pedir um favor ao rei. Sendo que os outros profetas se enganaram
dizendo que o exército caldeu não ia voltar e reconhecendo que Jeremias falou
a verdade, o rei deve conceder-lhe o seu pedido. Assim o rei permitiu que ele
ficasse confinado no pátio da guarda.
Mesmo preso, o profeta Jeremias não deixa de anunciar a Palavra de
Deus. É a mesma advertência. Não mudou nada. Com coragem, Jeremias diz
que a única salvação é para os que fogem para os caldeus. É lógico que esta
palavra vai desestimular o povo a continuar a guerra, o que do ponto de vista
dos líderes militares, é inaceitável. Para eles é necessário acabar com esta
fonte de desânimo e para tanto procuram o rei a fim de obter autorização para
matar o profeta.
O rei Zedequias que nunca tinha coragem para resistir os seus príncipes,
86 Profetas
Maiores_________________________________________________
cede ao seu pedido, e deixa que eles planejem a morte de Jeremias. Não
querendo assumir a responsabilidade de um assassinato, eles o colocam numa
cisterna, sem água, na certeza de que logo vai morrer e não vai mais incomodar
ninguém.
Mas Deus tem outros planos para o seu profeta. Ebede-Meleque pede
permissão ao rei para retirar Jeremias da cisterna. E até nisto Zedequias cede.
Assim o homem que Deus providenciou age para salvar o profeta da morte.
Zedequias acredita que Jeremias é homem de Deus e, apesar de tudo
que lhe fez, chama-o mais uma vez a sua presença. Como sempre o rei quer
saber se há uma palavra de Deus. Jeremias responde que a palavra de Deus
permanece a mesma. A única saída é render-se aos caldeus. Pelo menos deste
modo a cidade pode ser salva de uma destruição. Mas Zedequias ainda não
tem coragem suficiente para tomar uma decisão, apesar das garantias que o
profeta oferece, o rei prefere correr o risco de deixar a situação como está.

o) A Queda de Jerusalém e o Destino de Zedequias e Jerusalém. O


dia chegou. A cidade de Jerusalém cai nas mãos dos caldeus, assim como o
profeta Jeremias avisou. E sempre tentando escapar as consequências das suas
decisões. Zedequias foge com seus príncipes. Mas o exército de
Nabucodonosor o persegue e o alcança perto de Jericó.
O rei de Babilônia, em seu quartel-general em Ribla, decreta a sentença,
condenando a morte os filhos e os príncipes de Zedequias. Este com seus olhos
vazados, é levado em cadeias para a Babilônia.
O rei caldeu deu ordens favoráveis a respeito de Jeremias, para que ele
fosse libertado e, se preferisse, ficasse com o governador Gedalias. É óbvio
que Jeremias seria bem tratado pelos caldeus, pois, do ponto de vista deles, o
profeta está do seu lado. O fato é que Jeremias não se colocava a favor dos
caldeus, sendo somente porta-voz da mensagem de Deus contra Jerusalém. O
conselho de desertar para os caldeus não foi visando favorecer os caldeus, mas
sim mostrar a salvação que Deus providenciou aos que cressem na mensagem
profética.
Ao levar o restante de Judá para o cativeiro, os caldeus ainda deixam os
mais pobres na terra. Não interessa a Babilônia ter mais esta classe de gente
no seu meio. Todavia, os poucos que são deixados não ficam acéfalos. Há um
governador, Gedalias, e há ainda representantes da autoridade e poder de
Babilônia.

p) Julgamento dos Restantes Rebeldes (40-45). Desde que Joanã


livrou o povo das mãos de Ismael (cap. 41), eles estavam prontos a fugir para
o Egito. Mas Jeremias se encontra entre eles e alguém achou por bem consultá-
lo. O povo quer ir ao Egito e quer que isto também seja a vontade de Deus. O
Jeremias Parte II e Lamentações
87 87

pedido é para Jeremias orar ao seu Deus e eles prometem obedecer ao que o
Senhor mandar. A resposta demora dez dias, que pode testar a sinceridade da
declaração do povo de aceitar a vontade divina. O povo espera.
A mensagem de Jeremias para o grupo é que Deus o protegerá e que
deve ficar na terra de Israel e não descer para o Egito. Porém, a hipocrisia do
povo transparece em recusar a mensagem do profeta. Apesar das advertências
de Jeremias de todo mal que virá sobre eles, fugindo ao Egito, vão, e levam o
profeta junto.
Entretanto, a palavra do profeta não para ali. Mesmo no Egito, continua
a denúncia. Condena o culto a Rainha dos Céus, e lembra práticas abomináveis
de Judá na terra prometida. O povo, todavia, vê tudo por um prisma diferente.
Eles consideram todo mal que sofreram como consequências de abandonar o
culto a rainha dos céus. Isto, que foi feito na reforma de Josias, na visão
popular, agora representa um passo para trás na vida religiosa do povo.
Na vida dos judeus que fugiram para o Egito, desobedecendo à voz de
Deus, o profeta pode ver apenas mais calamidade, talvez maior do que a que
sofreram na sua própria terra. Nabucodonosor, rei da Babilônia, chegará ao
Egito. Portanto, eles vão sofrer mais uma vez a guerra e todas as suas
consequências. Esta é a ultima palavra que Jeremias tem aos fugitivos
rebeldes. Como o profeta disse: “saberão se subsistirá a minha palavra ou a
sua”, podemos declarar que a palavra de Deus estava com o profeta, “como
hoje se vê”.

q) Profecia contra as Nações Rebeldes (46-52).

A convicção de que Deus exerce controle supremo tanto sobre


indivíduos como sobre nações é uma característica do espirito profético
hebraico. Em todos os períodos da sua atividade os profetas sentiam que eles
estavam participando de acontecimentos de um significado não só local ou
nacional. Uma consequência desta atitude foi um vivo interesse divino. A
nação que castigou à Judá, teriam a própria condenação. A maior parte desta
passagem data de antes de 539 a.C., já que os persas não são mencionados
como potência mundial, e a semelhança pela vida dos outros povos, que às
vezes se expressa na condenação de nações vizinhas. Nestes capítulos do seu
livro Jeremias segue a tradição de outros profetas hebreus que anunciaram o
julgamento divino de povos pagãos.
Os dois capítulos finais tratam da queda da Babilônia. Este país mais
que o Egito era considerado a terra de origem dos hebreus, e mesmo servindo
de vara, com a qual a ira com Is 13-14 pode indicar 580 a.C., como provável
data de compilação.

2 – INTRODUÇÃO DE LAMENTAÇÕES DE JEREMIAS.


88 Profetas
Maiores_________________________________________________

a) Titulo. Os hebreus chamavam-no de “Ekah” (como), em virtude de


ser essa a primeira palavra dos capítulos 1,2 e 4. Uma palavra característica de
lamento. Mais tarde os rabinos mudaram-lhe o nome para “Quinoth” (Je 7.29),
que significa “alto choro” ou lamentações, como em um canto fúnebre.
“Lamentação” é a tradução latina do termo grego “threnoi”, que significa “alto
choro”.

b) Autoria, Estrutura e Data. Embora o livro seja anônimo, sua autoria


é atribuída a Jeremias pelas tradições tanto judaicas quanto cristãs. Foi ele um
dos líderes a lamentar a morte de Josias. O Senhor o instruiu em Je 7.29 a
“prantear sobre os altos desnudos...”. Embora os estilos literários sejam um tanto
diferentes entre os dois livros, muitos dos temas e expressões são muito
semelhantes38. Talvez ninguém melhor do que Jeremias estivesse preparado
para escrever essas lamentações, quanto a caracterização emocional, interesse
espiritual e expressão literária. Nem tampouco havia alguém tão historicamente
ligado aos trágicos acontecimentos como testemunha ocular. Como aconteceu
com o livro de Jeremias, Baruque pode ter sido o escrivão a tomar nota das
expressões de pesar ditadas pelo profeta (Je 36.4).
O livro é composto de cinco poemas, cada um formando um capítulo. Os
primeiros quatros são escritos como acrósticos, como uma construção muito
elaborada e sofisticada. As vinte e duas consoantes do alfabeto hebraico são
usadas para que os quatro primeiros poemas tenham todos o mesmo
comprimento, cada uma iniciando uma estrofe. Este padrão, entretanto, não é
aplicado mecanicamente; no primeiro poema as letras estão todas em uma
sequencia alfabética, porém nas três seguintes a letra pe precede a consoante
‘ayin, para melhorar a poesia.
Os primeiros três capítulos seguem um padrão de agrupamento com três
linhas em cada estrofe, com duas exceções com quatro linhas (1.7; 2.19), o que
pode ter sido por acaso.
Há semelhanças óbvias entre os capítulos, em termos de estrutura, mas
cada um tem qualidades especiais de forma e conteúdo. O primeiro tem estrofes
com três versos, representando Jerusalém que chora sua destruição, clamando
ao seu Deus que lhe faça justiça. A segunda elegia segue de perto este padrão,
mudando somente a sequencia das consoantes pe e ‘ayin, como já foi dito. Este
segundo poema desenvolve o pensamento, pois o autor reconhece que uma
causa importante da ruína que sobreveio a cidade e a nação residia na
negligência dos profetas, que não advertiam o povo claramente sobre o

38
Eduard Young observa as seguintes semelhanças notáveis: Os olhos do profeta “se desfazem em águas”:
Lm 1.16; 2.11; Je 9.1, 18b; 13.17b. “Há terror por todos os lados”: Je 6.25; 20.10; Lm 2.22. “Veja eu a tua
vingança sobre eles”: Je 11.20; Lm 3.64-66, dentre muitas outras.
Jeremias Parte II e Lamentações
89 89

julgamento que se aproximava. Em consequência desta condenação divina, o


lamento destaca que qualquer esperança para o futuro teria de ser baseada no
arrependimento de toda a nação.
O terceiro poema difere bastante dos dois primeiros, quanto à estrutura,
agrupando sempre três linhas que começam com a mesma consoante do alfabeto
hebraico. Nele a nação personificada é exortada a se arrepender, voltar a Deus
e confiar na misericórdia dele, para ser restaurada e seus inimigos punidos. O
quarto capítulo é muito parecido com o terceiro, com a diferença de que cada
estrofe tem somente dois versos, e não três. Depois de recontar os horrores do
cerco e de acusar os sacerdotes e os profetas pela espiritualidade depravada da
nação, o poema antevê a restauração da vida comunitária e a punição dos
inimigos hereditários, inclusive os edomitas. O quinto poema é uma oração para
que o remanescente entristecido possa ter novamente paz e prosperidade,
contem o número de linhas equivalente ao número de letras do alfabeto
hebraico.

Quanto a data desse livro, há que considerar dois pontos:


(1) As expressões e o conteúdo emocional;
(2) Sua redação aprimorada.

O fluxo de pesar expresso sugere uma época logo após a queda da cidade
santa, quando a lembrança ainda era recente. A redação bem elaborada e bela,
apresentada em formato de acróstico alfabético sugere, por outro lado, um longo
período de reflexão e construção literária. É possível que o profeta tenha escrito
o livro na esteira dos acontecimentos e que mais tarde tenha formado o texto
com os requintes de acróstico para melhor memorização. A redação inicial deve
ter sido no verão de 586 a.C., em meados de agosto.

c) A Teologia de Lamentações.

Em seu livro Harrison diz:


Como toda poesia verdadeiramente inspirada, as figuras da língua hebraica
partiam de valores eternos declarando-os à humanidade com todo seu esplendor.
O livro de Lamentações não constitui exceção a isto, apesar do fato óbvio que
suas harmonias estão escritas em um estilo mais fraco. Soberania, justiça,
moralidade, julgamento de Deus e a esperança da bênção no futuro distante são
temas que surgem com grandeza solene das cadências de Lamentações. A
composição é sui generis em muitos aspectos, e talvez esta diferença com os
outros livros do Antigo Testamento fez surgir a ideia de que Lamentações não
tem nenhum ou quase nenhum conteúdo teológico. Se o livro de Jó, no entanto,
descreve a calamidade e seus efeitos na vida pessoal, podemos dizer que
Lamentações trata da questão do sofrimento a nível nacional, abordando a crise
suprema que foi o fim da vida comunitária em Judá.
90 Profetas
Maiores_________________________________________________

Este tema é o que mais se destaca em toda a obra, mesmo ao


considerarmos cada capítulo como uma composição completa em si mesmo.
Parece haver momentos em que o autor acha quase impossível acreditar que a
catástrofe aconteceu mesmo.
O leitor deve tomar cuidado para não tentar descobrir uma coerência
doutrinária lógica ou um desenvolvimento de percepção teológica entre cada
poema e o seguinte. Cada poema é uma unidade de estrutura, mas o pensamento
não flui com tanta clareza, e pode mesmo mudar ao acaso, quando convêm as
expressões espontâneas de um espírito amargurado. As percepções teológicas
dos poemas, no entanto, não estão presas ao tempo; pode ser que os exilados em
Babilônia não os tenham usados em suas reuniões comemorativas da queda de
Jerusalém, mas sem dúvidas eles seriam muito adequados ao sentimento de
contrição nacional e de confiança na futura misericórdia de Deus.

d) Esboço do livro.
Tema: A miséria humana e o significado divino da destruição de
Jerusalém.

Primeiro Lamento...................................................................................1.
Segundo Lamento...................................................................................2.
Terceiro Lamento..................................................................................3.
Quarto Lamento .....................................................................................4.
Quinto Lamento....................................................................................5.

e) Objetivo do Livro de Lamentações.

O objetivo evidente desse “mar de soluços” era dar uma expressão


literária ao grande pesar dos fiéis de Israel pela enorme perda do templo e de
sua cidade sagrada. As lamentações expressam a profundidade da solidão de
Israel quando a glória do Senhor afastou-se envergonhada. Outro objetivo foi
registrar como o Senhor cumpriu completa literalmente as suas admoestações
sobre o julgamento da cidade e do santuário, devido ao povo ter persistido na
idolatria e rebelião. O livro de Lamentações confirma brilhantemente a
soberania de Deus, reconhecendo-o como perpetrador da devastação, e não
apenas a Babilônia39. O luminoso raio de luz e esperança é que ele não é
somente fiel no julgamento, mas também no cumprimento de suas promessas
de benevolência. “Grande é a tua fidelidade” tanto no julgamento quanto na

39
Lm 2.17; 3.37-38.
91
Jeremias Parte II e Lamentações 91
40
compaixão . As alianças também continham promessas de restauração divina
pelo arrependimento.

3 – COMENTÁRIO DE LAMENTAÇÕES

a) Primeiro Lamento (1).

Jerusalém Destruída (1.1-7). O livro é introduzido contando a


calamidade mortal que havia acontecido ao reino do sul, Judá, e sua capital
Jerusalém. À reflexão breve sobre as causas da destruição segue um pedido por
piedade. Como! É a expressão hebraica características de lamentação. Em outros
tempos Jerusalém, a capital de Judá, era um centro comercial ativo e ponto
central de todo o culto da nação. Agora ela é uma ruína deserta, despida de toda
sua grandeza anterior e sem habitantes. Afigura de uma mulher roubada de
maridos e filhos é usada aqui para destacar a tragédia da destruição, lamentando
amargamente a gloria pedida e encarando sua triste situação com apreensão e
ansiedade.
Outros podem renovar corpo e mente enquanto dormem, porém
Jerusalém ainda está acordada (v.2), chorando, soluçando de tristeza,
apavorada pelos horrores noturnos, sem ninguém que lhe dê consolo. A frase
os que a amavam aparece em Je 22.20, identificando nações com que Judá
tentou se aliar contra a Babilônia.

A Destruição veio por Causa do Pecado (1.8-11). Agora o tema do


pecado de Jerusalém, que é mencionado pela primeira vez no v. 5, é tratado
mais de perto, e mais adiante se transforma em uma das maiores ênfases
teológicas do livro. Mantendo a figura da mulher, o autor afirma que seus
noivos anteriores a rejeitaram por ter se corrompido pelo pecado. A mulher
orgulhosa se tornara em meretriz, ao participar dos cultos de Baal. Ela se
lamenta e vai embora porque seus admiradores a estão desprezando. No v.9 a
palavra imundícia tem sentido religioso e moral. Judá se tornou culpado nos
dois sentidos.

Pedido de Misericórdia (1.12-22). Jerusalém lamenta o pecado que


resultou em castigo tão severo. No restante deste capítulo não há nenhum
indício de rebelião contra a vontade de Deus ou alguma restrição quanto a
justiça divina, em contraste com o livro de Jó. A decisão justa de Deus é aceita
sem perguntas, com uma atitude de resignação de alguém que reconhece que
os pecados grosseiros da nação e sua rejeição continuada da aliança trouxeram
a extinção predita da vida nacional. O julgamento de Judá é justo porque foi

40
Lm 3.22-23.
92 Profetas
Maiores_________________________________________________
feito por um Deus justo41.
Depois de suportar cerco e destruição, parece que Jerusalém
compreendera que se exigia dela uma maneira totalmente nova de encarar a
vida, já que sua rebelião anterior só lhe trouxera maldição em vez de bênção.
A filha pródiga afinal está começando a ter juízo.
A última parte do v.20 poderia ser entendido como se a morte na casa
provém da espada. A praga completou dentro da casa o que a espada fez nas
ruas.
No v. 21 encontramos a base da teologia do livro de Lamentações, com
a idéia de que a justiça de Deus, que exige que o pecado seja punido, também
tem de ser encarada como base para qualquer esperança que a nação tenha
para o futuro. Para que essa se materialize deve haver uma volta ou
“conversão” e uma submissão completa a vontade de Deus. O v.22 aborda os
assuntos morais que estão envolvidos em orações por vingança.

b) Segundo Lamento (2).


A Hostilidade de Deus contra seu Povo (2.1-9).A ira de Deus se ajunta
sobre Judá como uma nuvem de tempestade, pronta para liberar todo seu poder
terrível. Mudando o pouco a figura, esta erupção acabará completamente com
a filha de Sião. A nação imaginara que tinha uma posição privilegiada por
causa da sua aliança com Deus, e não estava cônscia de que esta posição
envolvia responsabilidades morais e espirituais importantes. Agora sua queda
foi tão súbita quanto completa, reduzindo-a a uma condição embaraçosa,
inferior até as nações gentias. Jerusalém antes cheia de glória foi nivelada até
o solo, e o santuário tão venerado, considerado inviolável foi desonrado pelos
inimigos. As moradas são os lugares onde os pastores de ovelhas com seus
rebanhos, representando, então, as vilas do interior da Judéia. Estes povoados
indefesos são contrastados com as cidades fortificadas na frase seguinte. O
que Deus destinara para ser reino de sacerdotes e povo santo42 profanou a si
mesmo voltando-se para idolatria.
Deus se desgostou de seu povo por causa de sua apostasia contínua, e
lhe deu segundo as suas obras. No v.5 pranto e lamentação é uma expressão
imprópria em português para falar da dor nacional.
O fato é que nenhum rito externo poderia desviar o julgamento divino
de um povo que se tornara culpado de rejeitar, sem interrupção, o amor da
aliança. A queda de Jerusalém é uma prova da justiça do Deus de Judá. Sua
desaprovação completa do pecado aparece nas muitas advertências urgentes
de uma série de profetas.

41
Gênesis 18.25.
42
Êxodo 19.6.
93 93
Jeremias Parte II e Lamentações
c) Terceiro Lamento (3).
Lembranças da Misericórdia Divina. Com uma magnífica expressão
de fé na misericórdia infalível de Deus o profeta olha para o futuro distante
com novas perspectivas. A palavra misericórdia usada aqui tem o sentido
básico de lealdade ou devoção, em particular em relação à aliança e a Deus
como seu Autor. Da fidelidade a uma ligação como esta surge a misericórdia
de Deus, de modo que podemos traduzir misericórdia por “lealdade a aliança”
ou “misericórdia da aliança”. O profeta está contrastando a ilimitação da
misericórdia divina e a conservação constante destes valores espirituais
supremos através da renovação. A natureza imutável de Deus forma uma base
firme para as tentativas de esperança para o futuro. Depois a expressão “não
seremos consumidos”, implica que isto é resultado da do amor constante de
Deus43 ao seu povo.
Esperar na vontade de Deus era tão importante na Antiga Aliança44,
como o é na Nova45. O crente tem uma esperança viva porque confia em um
Deus vivo, cujas as promessa são garantidas46.
Por causa do caráter restaurativo da misericórdia de Deus47os
sofrimentos pelos quais a nação passa, no fim passarão, porque não apresentar
o propósito definitivo de Deus para o seu povo. O pai não fere os seus filhos
de bom grado, v.33; uma disciplina periódica faz parte do desenvolvimento
espiritual do crente48, porém nunca se pode repetir o suficiente que os
desastres que afligem as pessoas geralmente têm muito a ver com suas atitudes
na vida. É possível atribuir os sofrimentos a Deus, no sentido de que Ele é à
base de qualquer tipo de existência.
O profeta relaciona, como Isaías 45.7, toda escala de valores morais
com a atuação do único Deus verdadeiro de Israel, que é a razão básica da
existência. Como nada pode acontecer a alguém sem o conhecimento de Deus,
cada pessoa deve suportar desgraças com paciência e sem murmurar,
confiando em que as misericórdias de Deus farão emergir o bem do mal49. Esta
atitude deve transparecer particularmente quando uma pessoa inocente sofre
injustamente50. Quando um transgressor é punido por sua má ação, ele não
tem nenhuma razão para se lamentar. Na verdade todas as ambiguidades da
vida são consequência do pecado.
Sendo a aliança com Israel de natureza eterna, o povo é exortado a
tomar uma posição espiritual e voltar-se para Deus em arrependimento. Assim

43 1 João 4.8,16.
44 Salmo 37.9; Oseias 12.6.
45 Romanos 8.25; Gl 5.5.
46 2 Coríntios 1.20.
47 Salmo 23.3.
48 Hebreus 12.6
49 Romanos 8.28.
50 1 Pedro 2.21-25.
94 Profetas
Maiores_________________________________________________
que isto acontecer os castigos justos que foram impostos pode ser tirado e o
povo restaurado a uma posição favorável diante de Deus.
O apelo à renovação espiritual requer motivação interna, não o tipo de
rituais externos tão praticados antes do exílio51. A purificação espiritual deve
se processar na consciência de que a nação ainda está sendo julgada por Deus
por sua impiedade. Quando ocorrer uma confissão plena e sincera do pecado,
Deus perdoará o seu povo52.

d) Quarto Lamento (4).

O Pecado e seus Resultados. O profeta está procurando a causa real da


ruína, a queda de Jerusalém, o cativeiro do povo da aliança e os
acontecimentos relacionados a isto exigiam mais que uma explicação
circunstancial. A resposta para o problema deve ser necessariamente
metafísica, espiritual, envolvendo as mais profundas forças motivadoras do
espírito humano. Os profetas e sacerdotes (v.13), que deveriam ter difundido
no país os valores da aliança, eram responsáveis por grande parte da maldade
que caracterizou a vida pré-exílica. O profeta ilustra a depravação daqueles
dias referindo-se ao derramamento de sangue inocente53. Agora a situação
mudou, os profetas e sacerdotes injustos foram reconhecidos como eram na
verdade, e tratados como tal. No v. 15 os falsos servos de Deus receberam o
tratamento geralmente dispensado aos leprosos54, sendo expulsos sem
cerimônia da cidade.
Deus interveio diretamente para dispersar os líderes maus entre as nações,
também. Uma das razões da sua cólera era que estes homens ímpios tinham se
oposto ativamente ao testemunho de sacerdotes que ainda eram fiéis aos ideais
da aliança. Os seus passos controlados é uma referência a vigilância dos caldeus
sobre os que puderam ficar na terra.
A elegante hipérbole literária do v. 19 descreve em cores vivas a
perseguição sem tréguas que os babilônios moveram aos fugitivos. Para evitar
qualquer contato futuro entre o remanescente na terra e os egípcios, os caldeus
puseram guarnições no deserto do sul de Judá. O ungido do v. 20, é o rei
Zedequias, capturado na planície de Jericó ao tentar fugir, e cegado e preso
depois de ser capturado e apresentado a Nabucodonosor55. Zedequias era uma
individuo fraco e traiçoeiro, apático diante da corrupção religiosa e da
degeneração moral de seu tempo, ignorando os conselhos do profeta. Mas apesar

51 Joel 2.13.
52 1 João 1.9.
53 Jeremias 26.20-23.
54 Levítico 13.45.
55
Jeremias 52.7-11.
95 95

de sua natureza fraca e maldosa ele ainda era o ungido do Senhor, e é esta
posição que está sendo reconhecida aqui, e não sua liderança.
Jeremias Parte II e Lamentações
e) Quinto Lamento (5).

Harrison diz:

Este lamento também tem vinte e dois versículos, porém não seguindo o arranjo
acróstico alfabético dos quatro lamentos anteriores. O capítulo contém uma
confissão de pecado e um relacionamento da total soberania de Deus. Como ele
é mais uma oração que um lamento, seu caráter espontâneo e pessoal deve ter
contribuído para não deixar que ele s adaptasse a um arranjo acróstico estilizado.

A oração começa chamando a atenção de Deus para a desgraça que


atingiu Judá, como que formando uma base para a compaixão divina. A
orgulhosa herança dos israelitas ficou desolada, ocupada por tropas
estrangeiras. Depois de 587 a.C. alguns edomitas penetraram no sul de Judá e
se estabeleceram perto de Hebrom. Os caldeus vitoriosos controlavam o país de
tal maneira que os infelizes judeus que puderam permanecer na terra tinham que
comprar até as necessidades mais básicas, como água potável (v.4). O v. 6
mostra o desespero do remanescente sob as ordens de Gedalias, em situação tão
critica que se aliaria ao Egito ou à Assírias e isto garantisse a sua sobrevivência.
96 Profetas
Maiores_________________________________________________
O pensamento do v. 7 está de acordo com o segundo mandamento56. A
continuidade das gerações humanas impede que a pessoa se isole do grupo.
Em consequência, os filhos colhem Jeremias Lamentando a Queda de Jerusalém.
os frutos da vida e dos atos dos seus
pais. Jeremias já tinha repudiado o
consenso popular de que os
descendentes estavam sendo
castigados pelos pecados dos seus
ancestrais, e em sua exposição da
religião pessoal ele preparou o
caminho para a revelação da Nova
Aliança no sangue de Jesus Cristo.
A sociedade judaica depois de 587
a.C estava tão destroçada que não
havia distinção de classes. Em
consequência, qualquer um
cortejasse os babilônios poderia
exercer em grau modesto alguma
autoridade.
A partir do v. 19 a oração se
intensifica declarando o caráter de
Deus. A permanência e estabilidade
de um Deus imutável fornece ao profeta uma base para seu apelo e uma
esperança para o futuro. Deus permanece fiel, mesmo depois de seus filhos
serem desobedientes e idólatras57, e o pecador arrependido pode confiar que
ele o perdoará. O v. 21 expressa o desejo que o autor tem de ver a nação
renovada e reconciliada com Deus, à luz da convicção que ele tem de que deus
ainda tem um plano soberano para o seu povo. O v. 22 refere-se ao conceito
de que a nação está esquecida. Porém, olhando para a misericórdia da aliança
que já se manifestou tantas vezes antes, o profeta não pode crer que Deus tenha
rejeitado seu povo58.

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.”


Martin Luther King Jr.

56
Êxodo 20.4.
57
2 Timóteo 2.13
58
Romanos 11.1.
97 97

1 – INTRODUÇÃO GERAL

O livro de Ezequiel é pouco conhecido pela maior parte dos leitores da


Bíblia, é quase um livro selado. O conhecimento que tem dele vai pouco além
da sua visão misteriosa do carro-trono de Deus, com suas rodas dentro de rodas,
e a visão do vale de ossos secos. Além desses limites, o livro do profeta Ezequiel
98 Profetas
Maiores_________________________________________________
é tão proibitivo no tamanho quanto o próprio profeta na complexidade da sua
personalidade.
Na sua estrutura, porém, senão no seu pensamento e na sua linguagem, o
livro do profeta Ezequiel tem uma simplicidade básica, e seu escopo bem
organizado faz com que seja de fácil análise. Logo após a visão inicial, em que
o profeta vê a majestade de Deus nas planícies da Babilônia, e recebe sua
chamada para ser profeta à casa de Israel (1-3), se segue uma longa série de
mensagens, algumas das quais simbolicamente encenadas, mas a maioria em
forma oral, prevendo e justificando a intenção de Deus de punir Jerusalém e seus
habitantes com destruição e morte (4-24). Quase na metade do livro, quando a
queda de Jerusalém é representada como tendo ocorrido, a atenção do leitor é
desviada para as nações vizinhas a Israel, e julgamento divino contra elas são
pronunciados numa série de oráculos (25-32). No capítulo 32.21 registra-se a
declaração estarrecedora do fugitivo: “Caiu a cidade!” Mas surgirá uma nova
era, e uma nova mensagem está nos lábios do profeta. Com uma comissão
renovada e uma promessa de que Deus está para restaurar o Seu povo à sua
própria terra, sob uma liderança piedosa mediante um tipo de ressurreição
nacional (33-37), o profeta passa então a descrever, em termos escatológicos, o
triunfo final do povo de Deus (38-39). O livro termina, conforme começou, com
uma visão intrincada, não, desta vez, do carro-trono do Senhor avançando por
sobre os ermos vazios da Babilônia, mas, sim, da nova Jerusalém com o átrio e
santuário interior do seu templo, onde Deus habitaria com seu povo para sempre.
(40-48).
a) Contexto Histórico, Autoria, Título e Data. Ezequiel significa “Deus
Fortalece”, um título apropriado para o livro e para o profeta, que recebeu uma
dura mensagem para os judeus exilados na Babilônia. A autoria de Ezequiel é
conhecida universalmente, embora o seu nome não seja mencionado em nenhum
outro livro bíblico, é identificado de diversas maneiras como o autor no próprio
livro:

• Identifica-se pelo nome em 1.3 e 24.24, e em todo livro apresenta um


estilo autobiográfico.
• Usa um singular estilo gráfico de visões, parábolas, alegorias e ações
simbólicas no livro todo.
• A ênfase sacerdotal do livro também sugere ser Ezequiel um sacerdote:
ofertas, templo, altar, sacerdotes, etc.

Observa-se de diversas maneiras a formação de Ezequiel:


• Nasceu na família de Buzi o sacerdote, em 622 a.C., no auge da reforma
de Josias em Jerusalém. O “trigésimo ano” de 1.1 é geralmente presumido ser a
idade de Ezequiel no ano 592 a.C. Portanto, teria ele trinta anos quando lhe foi
99 99

dada a primeira visão. Essa é também a data do quinto ano do reinado de


Joaquim, pois o ministério de um sacerdote começava aos trinta anos.
• Foi exilado com Joaquim em 597, quando Nabucodonozor levou para a
Babilônia o que havia de melhor na terra. Na Babilônia viveu em sua própria
casa numa colônia judia chamada Tel-Abibe, junto ao rio Quebar (canal do
Eufrates), evidentemente perto de Nipur.
• O profeta Ezequiel era casado, mas sua esposa faleceu em 588 a.C., dia
em que começou o cerco de Jerusalém (24.1, 15-18).

Há seis razões principais para atribuir o livro a um único autor, o


profeta Ezequiel.

(1) O livro tem uma estrutura equilibrada, e este arranjo lógico se estende do
capítulo 1 até o capítulo 48. Não há interrupções na continuidade da profecia, a
não ser onde isto é feito para produzir um efeito deliberado. A única parte que
poderia facilmente separada do restante, a visão do novo templo (40-48), parece
formar um equilíbrio nítido com a visão de abertura dos capítulos 1-3, e é melhor
considerá-la uma conclusão apropriada para a totalidade, embora seja
manifestamente de data algo posterior (40.1).

(2) A mensagem do livro tem uma consistência interna que se encaixa com o
equilíbrio estrutural. O ponto central é a queda de Jerusalém e a destruição do
Ezequiel
templo. Esta é anunciada em 24.21, e é relatada em 33.21. Desde Parte I 1até
o capítulo
24, a mensagem de Ezequiel é de destruição e denúncia. É um atalaia convocado
para advertir povo de que esta é a consequência inevitável dos pecados da
nação. Mas desde o capítulo 33 até 48, embora ainda se considere um atalaia
com uma mensagem de retribuição e responsabilidade individuais, seu tom é de
encorajamento e de restauração. Antes de 587 a.C., seu tema era que a
deportação de 597 a.C., da qual ele mesmo foi uma das vítimas, certamente não
era um fim do castigo de Deus aplicado ao seu povo: coisa pior estava por vir,
e os exilados deviam estar prontos para enfrentá-la. Depois de vir esta coisa, e
o pior ter acontecido, Deus agiria para reedificar e restaurar seu povo Israel, uma
vez disciplinado.

(3) O livro revela notável unidade de estilo e de linguagem. Isto se deve, em


grande medida, à fraseologia repeticiosa usada no texto.

(4) O livro tem uma clara sequência cronológica, com datas aparecendo em
1.1,2; 8.1; 20.1; 24.1; 26.1; 29.1; 30.20; 31.1; 32.1,17; 33.21; 40.1. Nenhum
outro profeta maior tem esta progressão lógica de datas, e somente Ageu e
Zacarias, entre os profetas menores, oferecem um padrão comparável.
100 Profetas
Maiores_________________________________________________
(5) Diferente de outros profetas, Ezequiel é escrito de maneira autobiográfica
do começo ao fim. A única exceção é a introdução dupla (1.2,3), que dá uma
impressão muito forte de ser a explicação, feita por um redator, do versículo de
abertura que certamente precisava de algum tipo de interpretação para seus
leitores.

(6) O retrato do caráter e da personalidade de Ezequiel parece ser consistente


por todo o livro, há a mesma sinceridade, a mesma excentricidade, o mesmo
apego sacerdotal ao simbolismo, a mesma preocupação fastidiosa com detalhes,
o mesmo senso da majestade e da transcendência de Deus.

O profeta Ezequiel é extremamente exato ao datar muita de sua profecias.


Começa a datá-las em 597 a.C., ano do cativeiro de Joaquim. O primeiro período
da vida de Ezequiel testemunhou o fim do domínio do império assírio, um breve
período interino da influência egípcia nos negócios de Judá, e depois, o
crescente controle dos reis da Babilônia sobre a política do Oriente Próximo. Os
reis de Judá em cujo reinado Ezequiel viveu foram:

Josias 640-609 a.C.


Jeocaz 609 a.C.
Jeoaquim 609-597 a.C.
Joaquim 597 a.C.
Zedequias 597-587 a.C.

O programa extensivo que o rei Josias realizou, de consertos no templo e


de reformas religiosas, é bem conhecido a todo leitor do Antigo Testamento (2
Rs 22.1-23; 2 Cr 34.35). Seu reinado foi uma marca divisória no
desenvolvimento espiritual de Judá. Embora suas reformas fossem baseadas na
descoberta do livro da lei durante as obras de reconstrução no templo, sua
liberdade para levá-las a efeito devia-se parcialmente as considerações políticas.
O colapso da Assíria pode ser datado pela queda de Nínive em 612 a.C.,
e a supremacia de Babilônia foi garantida sete anos mais tarde, quando
Nabucodonosor derrotou de modo esmagador o exército do Egito em
Carquemis, no Eufrates, em 605 a.C. Entre estas datas ocorreu a morte
misteriosa do malfadado Josias às mãos do Faraó Neco II do Egito. Muitas
traduções bíblicas (2 Rs 22.29) sugerem que Neco iria lutar contra a Assíria, e é
um mistério por que Josias desejaria se opor a ele a favor da Assíria.
Após a morte de Josias seu filho Jeocaz (também conhecido como Salum)
ficou sendo rei em seu lugar. Depois de três meses de reinado, Jeocaz foi
deportado para o Egito e seu irmão Eliaquim (Jeoaquim) ficou em seu lugar.
Jeoaquim foi um governante totalmente irresponsável no que dizia respeito às
101 101

necessidades do seu povo, e mereceu o total desprezo de Jeremias,


especialmente por seus planos grandiosos para reformas no palácio e pela
imposição de trabalhos forçados para levá-los a efeito59. As reformas religiosas
de Josias tornaram-se sem efeitos, sem dúvida parcialmente por causa da morte
trágica daquele rei, que, decerto, parecia a muitas pessoas uma contradição da
fé que defendia, e todos os tipos de prática idólatras entraram paulatinamente na
vida de Jerusalém. Os cultos pagãos referidos por Ezequiel 8.1-18 não passaram
da continuação de um movimento que começou com a ascensão de Jeoaquim.
Por volta de 606 a.C. Jeoaquim veio a ser tributário de Nabucodonosor60, mas
diante do primeiro sinal de fraqueza da parte dos babilônios (uma batalha
indecisiva entre Neco e Nabucodonosor em 601 a.C. levou este último a voltar
para casa a fim de reorganizar seu exército), o rei judeu se rebelou. Mas em
dezembro de 598 a.C., Nabucodonosor avançou com todo seu exército contra
Jerusalém. Ao mesmo tempo Jeoaquim morreu provavelmente assassinado, e
seu filho Joaquim (Jeconias, Je 22.24), teve de escolher entre a resistência e a
capitulação. A ajuda esperada por parte do Egito deixou de se concretizar e,
depois de um cerco de três meses, o jovem rei entregou-se.
Zedequias, irmão de Joaquim, fora nomeado em seu lugar, era um fraco,
e totalmente incapaz de enfrentar as correntezas políticas cruzadas do seu tempo.
Embora tivesse sido nomeado pelos babilônios, e devesse Ezequiel Parte I a
lealdade
Nabucodonosor, havia influências poderosas pró-egípcias que o encorajavam a
se rebelar. Finalmente o entusiasmo político pela revolta foi atiçado pelos
exaltados políticos, e com o apoio do faraó, Zedequias deu o salto mortal.
A retaliação foi rápida. Em 588 a.C., o exército caldeu estava às portas de
Jerusalém. Ainda em 588 a.C. a aproximação de um exército egípcio provocou
um levantamento temporário do cerco, mas logo foi afugentado e o cerco
recomeçou. Em 587 os muros foram rompidos numa parte, e Zedequias
aproveitou a oportunidade para escapar, mas foi apanhado perto de Jericó e
levado prisioneiro para Riblá. Logo depois, Jerusalém foi reduzida às cinzas,
incorporada numa província da Babilônia.
Antes de procurar encaixar a cronologia de Ezequiel, nesse panorama
histórico, vala a pena fazer a pergunta: por que Jeremias e Ezequiel não fazem
referência explícita um ao outro? Embora fossem separados por uma grande
distância, os dois eram homens de destaque na mesma esfera da religião
profética, tratavam de temas semelhantes, e frequentemente seus ensinos
coincidiam ou se encaixavam de modo bem notável. Os dois aparentemente,
estavam tomando uma posição solitária em prol da verdade: um deles em
Jerusalém e o outro na Babilônia.

59
Jeremias 22.13-19.
60
2 Reis 24.1.
102 Profetas
Maiores_________________________________________________
Referências Evento Descrito Data de Ezequiel Data p/ Cal. Juliano
Dia/ Mês/ Ano Dia/ Mês/ Ano
1.1 A chamada de Ezequiel 5/ 4/ 30 31 / Julho/ 593
1.2 A chamada de Ezequiel 5/ (4)/ 5 “““

8.1 A visão da idolatria em Jerusalém 5/ 6/ 6 17/ set./ 592

20.1 A delegação dos anciãos 10/ 5/ 7 9/ ago/ 591


24.1 Começa o cerco 10/ 10/ 9 15/ jan/ 588
26.1 Oráculo contra Tiro 1/ 11/ 1 12/ fev/ 586
29.1 Oráculo contra o Egito 12/ 10/ 10 7/ jan/ 587
29.17 Do Tiro para o Egito 1/ 1/ 27 26/ abr/ 571
30.20 O braço quebrado de faraó 7/ 1/ 11 29/ abr/ 587
31.1 Oráculo contra o faraó 1/ 3/ 11 21/ jan/ 587
32.1 Lamentação sobre o faraó 1/ 12/ 12 3/ mar/ 585
32.17 O faraó no seol 15/ (12)/ 12 17/ mar/ 585

33.21 “A cidade caiu” 5/ 10/ 12 8/ jan/ 585


40.1 Visão da nova Jerusalém 10/ 1*/ 25 28/ abr/573

b) Esboço do Livro.

A Visão, a Comissão e a Mensagem de Ezequiel...............................1.1-5.17.


Os Oráculos de Juízo............................................................................6.1-7.27.
A Visão do castigo de Jerusalém.......................................................8.1-11.25.
Oráculos acerca do Pecado de Israel e Jerusalém.........................12.1-24.27.
Oráculos contra as Nações...............................................................25.1-32.32.
Oráculos Relacionados com a Queda de Jerusalém......................33.1-37.28.
A Profecia contra Gogue..................................................................38.1-39.29.
Os Planos para Nova Jerusalém......................................................40.1-48.35.

2 - COMENTÁRIO PANORÂMICO.

O Livro de Ezequiel relata a atividade de um profeta durante o exílio na


Babilônia. O profeta dirige suas mensagens a seus compatriotas cativos e
também ao povo hebreu que ainda reside na Palestina. Ambos os grupos
permaneceram obstinados e impenitentes, mesmo depois da captura de
Jerusalém levada a cabo pelo rei babilônio Nabucodonosor, e do exílio de
Joaquim, rei de Judá, juntamente com uma considerável parte da população
no ano de 597 a.C. Portanto, Deus atribuiu a Ezequiel a tarefa de denunciar a
casa rebelde de Israel e predizer a destruição de Jerusalém e a deportação de
um número ainda maior. Seis anos depois de Ezequiel haver começado a
pregar, suas palavras se cumpriram. No ano de 586 a.C., Nabucodonosor
destruiu Jerusalém e levou cativos para a Babilônia quase todos os
sobreviventes. Mas, a despeito da infidelidade de Israel, Deus mostrou-se
misericordioso. Ezequiel recebeu instruções no sentido de proclamar as boas-
103 103

novas de que o exílio terminaria e Israel recuperaria sua posição de


instrumento da salvação de Deus para todos os homens.
A forma pela qual o livro de Ezequiel apresenta esta mensagem de juízo
e de promessa distingue-o dos outros livros proféticos do A. T. A organização
sistemática do conteúdo constitui seu primeiro traço característico. Os
primeiros vinte e quatro capítulos representam a acusação e condenação de
Israel, com aterradora consequência. Esta perspectiva de juízo, minorada
somente por lampejos incidentais de luz, fica compensada na última parte
(capítulos 33 a 48) com uma apresentação também consequente com o
brilhante futuro que Deus tem reservado para seu povo. Outro traço
característico do livro de Ezequiel é a forma pela qual expressa não somente
a ameaça mas também a promessa. O livro é abundante em visões misteriosas,
alegorias ousadas e estranhos atos simbólicos. Todavia, o significado
fundamental do livro de Ezequiel não escapará ao leitor se levar em conta que
a glória de Deus e suas ações de juízo e salvação se acham apresentadas em
linguagem e forma simbólicas. Purificado pelos juízos de Deus no exílio
babilônio, o povo de Israel se tornaria de novo o veículo das promessas que se
cumprirão no novo pacto e no final dos tempos.
A pessoa de Ezequiel se acha tão imersa na mensagem, que além de seu
nome, pouco sabemos com referência a ele. Somente dois fatos de caráter
biográfico podem deduzir-se do livro: que era filho de Buzi, o sacerdote, e,
diferentemente de seu contemporâneo Jeremias. Ezequiel era casado, mas "o
desejo dos teus olhos" lhe foi tirado de um golpe, enquanto Ezequiel Parte Isua
realizava
missão por ordem de Deus. Ezequiel foi levado para a Babilônia no ano de
597 a.C., e foi chamado para o ministério profético cinco anos mais tarde.
Exerceu tal ministério ativamente durante um período de vinte e dois anos,
pelo menos (29.17).

3 – COMENTÁRIO

O prólogo do livro consiste em duas declarações distintas, uma na


primeira pessoa e a outra na terceira pessoa. O primeiro versículo dá uma data,
no trigésimo ano, mas temos que descobrir como esta deve ser calculada, e
descreve o que aconteceu a Ezequiel junto ao rio Quebar com a frase se
abriram os céus, e eu tive visões de Deus. Esta frase naturalmente se liga ao
v. 4 onde o conteúdo da visão é descrito também na forma autobiográfica.
Os v. 2 e 3 são parte integrante do todo, porque fornece não somente
uma situação histórica para a visão de Ezequiel, como também um título
necessário para a obra, fornecendo as informações costumárias acerca da
identidade do autor. Na introdução observamos que a data era provavelmente
o trigésimo ano da idade de Ezequiel que coincidia com o quinto ano do
cativeiro de Joaquim, 593 a.C. Aos trinta anos o sacerdote assumia os seus
104 Profetas
Maiores_________________________________________________
deveres no Templo, portanto, Ezequiel considerava que sua visão e sua
chamada para ser porta-voz de Deus aos exilados veio em um momento crucial
na sua vida. Era, em certo sentido, uma compensação pelo ministério
sacerdotal que o infortúnio do exílio arrebatara dele. Quando estava para
assumir o sacerdócio, Deus o vocacionou para ser profeta.
Não há contradições entre as idéias da experiência visionária,
expressada no v. 1, e a Palavra do Senhor vindo a Ezequiel no v. 3, pois é,
naturalmente, a expressão mais frequentemente associada com o profeta do
A.T.61.

a) A Visão do carro-trono do Senhor. A teofania que o profeta


descreve deve ter sido experimentada por ele quando estava só, na planície
arenosa a certa distância do arraial principal onde morava com outros exilados.
Sozinho com seus pensamentos, de repente teve consciência de uma nuvem
preta tempestuosa que vinha do norte. Do começo ao fim sua experiência
visionária aconteceu sem ponto de partida na realidade. A atenção do profeta
é direcionada em imediato aos quatro seres viventes grotescos que
sustentavam o firmamento (v. 22,23) por cima do qual ficava o trono de Javé.
Os seres viventes eram basicamente de forma humana, o que presumivelmente
significa que andavam retos (v.7), mas cada uma tinha quatro rostos olhando
em quatro direções distintas, quatro asas além de mãos humanas, e a planta
dos seus pés era como a de um bezerro.
O rosto mais perto de quem olhava seria mostrado como o de um
homem, o do lado esquerdo ficaria na sua frente como boi, o do lado direito,
como Leão, e o ser no fundo estaria revelando sua aparência como águia. É
tentador procurar algum tipo de protótipo para estes seres viventes entre as
figuras animais compostas esculpidas nos templos babilônicos e nas portas das
cidades hetéias, mas não há evidência em prol de nada mais do que uma
influência geral das formas de arte egípcias e doutras partes do Oriente
Próximo com que Ezequiel deve ter tido familiaridade. O quadrado oco que
estes seres viventes formavam era realizado por serem ligados juntos às pontas
das suas asas. Apenas duas das suas quatro asas eram estendidas para este
propósito, sendo que as outras eram usadas para ocultar seus corpos (v. 11).
Em Isaías 6 os serafins tinham seis asas, das quais eram usadas para cobrir o
rosto em adoração, duas para cobris os pés em modéstia, e com as outras duas
voavam. Em Ezequiel não havia necessidade de movimento, e as asas
esticadas imóveis simplesmente serviam de suportes para a plataforma em
cima. Embora não estivessem adorando a Javé, a santidade da presença divina
era o suficiente para exigir que seus corpos humanos nus fossem cobertos de

61
1 Sm 15.10; 1Rs 12.22; Is 38.4; Je 1.2.
105 105

modo decente. Além das asas, tinham mãos das quais fariam bom uso mais
tarde (10.7).
No meio do quadrado oco havia carvão em brasas, v.13, aspecto este
que Isaias também tinha na visão dele, só que o dele estava empilhado no altar.
Para o profeta, o fogo que simbolizava o julgamento estava no coração da
presença de Deus, e periodicamente resplandecia em relâmpagos. A totalidade
do carro-trono do qual faziam parte movimentava-se de modo uniforme, sob
o impulso do espírito.
A descrição de todos os aspectos desta visão prepara o caminho para
aquilo que há de seguir. A Deidade é levada para cima na plataforma,
sustentada pelos representantes da Sua criação. O homem apesar da sua
superioridade ao reino animal é igual a eles em agir como guarda e servidor
do seu Senhor. Cumpre, porém, seus deveres sem movimento e aparentemente
sem esforço. As rodas se movimentam, mas os seres viventes estão imóveis,
e, mesmo assim, o palanque inteiro viaja com rapidez e leveza acima da terra,
em qualquer direção que o impulso orientador dirige. E, como se fosse para
demonstrar que Deus não está preso a terra, o carro-trono pode se elevar para
os ares e voar. Móvel sem esforço algum é o Deus da visãoEzequiel Parte I
de Ezequiel.
Nos versículos 23 e 24 entende-se que o profeta viu algo “como uma
plataforma, brilhando horrivelmente como gelo, estendida por sobre as suas
cabeças”. Enquanto movimentava-se havia um barulho estranho, à medida que
os quatro pares de asas esticadas vibravam poderosamente. O barulho era
como de muitas águas ou como o ribombar do trovão (a voz do Onipotente)
ou como o som de um exército avançado.
vv.26-28.
Por fim, o profeta
Ezequiel pode
erguer mais os
seus olhos para
descrever o que
está acima da
plataforma. Então
descreve o trono
(como safira, uma
pedra altamente
estimada no
mundo antigo) e
Aquele que
sentava sobre ele.
Aqui os seus olhos
ou a sua coragem
lhe faltam. Embora os quatro seres viventes pudessem ser descritos com
106 Profetas
Maiores_________________________________________________
pormenores, tudo quanto podia dizer acerca de Deus era que tinha forma
humana e que era como fogo (v.27). Todavia, mesmo dizer isto, era
incrivelmente ousado, porque não era Javé invisível e, portanto, indescritível?
Era uma idéia profundamente embutida no pensamento israelita de que
nenhuma pessoa comum podia fixar os olhos em Deus e viver para descrever
a experiência! Em sua visão de Deus Ezequiel abre um pouco mais a porta,
para que Deus seja visto num contorno humano, porém com esplendor tão
ofuscante que nada mais poderia ser visto ou dito.
Será isto exemplo de outro antropomorfismo? Não indica que a imagem
e semelhança de Deus a qual o homem foi criado é a humanidade que há em
Deus. Entenda a humanidade em Deus não como os atributos físicos, mas
aquilo que compõe a sua personalidade, como as emoções, os sentimentos, a
volição e o intelecto, que é exatamente aquilo que nos constitui humanos.
O profeta não vê meramente um homem, sua radiância era cercada pela
glória de um arco-íris, e o profeta não podia mostrar seu temor de outra
maneira senão caindo com o rosto em terra diante do seu Deus.

b) A Comissão do Profeta. As primeiras palavras que Deus dirige ao


profeta o colocam apropriadamente no seu lugar correto diante da majestade de
Deus. A expressão filho do homem é um hebraísmo que enfatiza a
insignificância ou a mera humanidade de Ezequiel. “Filho de” significa
“participando da natureza de”, o qual significa nada mais do ser humano. Depois
deste emprego mais simples “filho do homem”, que ocorre mais de noventa
vezes em Ezequiel, esta mesma frase assume relevância especial através do seu
uso em Daniel 7.13,14 para descrever a personificação do Israel espiritual, “os
santos do Altíssimo” (v.18).
Acerca da prostração do profeta, ele foi conclamado para ficar em pé a
fim de ouvir a comissão da parte de Deus. Deus não deseja a paralisia diante
dEle, mas, sim o serviço. As palavras de Deus o revivificaram e o “espírito”
entrou nele, aqui quer dizer “energia espiritual”, fortalecendo-o, e infundindo
a totalidade do seu corpo.
O ministério de Ezequiel devia ser prestado entre o seu povo exilado, e
as nações rebeldes que se insurgiram contra os imperativos divinos. Embora
não seja impossível que a influência do seu ministério pudesse ter se estendido
de volta para Jerusalém, pelo menos antes da sua destruição total em 587 a.C.;
no que dizia respeito a Ezequiel a casa de Israel coincidia com a parte dela que
ele via em território estrangeiro.
107 107

O povo é descrito como de


duro semblante e obstinado de
coração (v.4). A primeira frase
sugere a atitude desavergonhada
do homem que não abaixa seu
olhar mais prefere ser descarado;
a segunda descreve a vontade
teimosa que não cede, e que se
recusa deliberadamente a recuar
mesmo quando se sabe culpada.
Parece, portanto, que o profeta
tinha pouca ou nenhuma
esperança de ter ouvintes
simpáticos. Na sua visão, Deus
deixou claro que apenas duas
coisas eram realmente importantes. Em primeiro lugar que a mensagem de
Ezequiel era um arauto divino (Assim diz o Senhor), e em segundo lugar, que
consequência do seu profetizar não seria arrependimento ou a fé, nem mesmo a
atenção às suas palavras, mas sim, a certeza que esteve no meio deles um
profeta.
Emite-se uma ordem, come o rolo de um livro que lhe foi estendido na
visão. Mais uma vez, a hesitação natural é prevenida pelas palavras: não te
rebeles, porque a desobediência a esta altura identificaria o profeta com a casa
rebelde. O rolo estava escrito por dentro e por fora, um aspecto incomum,
porque os rolos eram escritos somente no lado de dentro. Talvez quisesse
subentender que Deus tinha muita coisa para o profetaEzequiel dizer. Parte I
O escrito
consistia em lamentações, suspiros e ais. Mas dizer que Ezequiel era
exclusivamente um profeta da condenação é tirar uma conclusão errada.
Ezequiel estava sendo enviado a um povo conhecido, cuja língua era
conhecida. Se fosse mandado a um povo estranho de falar, possivelmente seria
outra a linguagem (v.5). Não era enviado a um povo, diríamos pagão de
linguagem ininteligível, e se fosse mandado a tal povo talvez fosse ouvido.
Portanto, eis que fiz duro o teu rosto, contra os seus rostos, e dura a tua fronte
contra as suas frontes (v.8). Não sabemos em que consistiria esta dureza de
rosto e de face. Possivelmente, o profeta estaria de tal modo cheio da vontade
de Javé que a sua disposição seria como a de quem vai a frente de cabeça
erguida e sem temor. Poderia ser também uma nova atitude facial, dada por
Deus, para destacar a personalidade do homem que ia falar ao povo.
Eia, pois, vai aos do cativeiro... (v.11), Por agora somente os do
cativeiro são contemplados na misericórdia divina, mas a mensagem era para
toda a nação, hoje e sempre. A mensagem era: Assim diz o Senhor Deus (v.11).
Esta frase muito comum nos profetas era a indicação clássica de que Deus é
108 Profetas
Maiores_________________________________________________
quem falava pelo profeta. Dispôs-se então Ezequiel a partir. Logo se levantou
a carruagem, e por detrás do profeta uma grande voz, a voz de Deus com
grande estrondo, dizia: bendita seja a glória de Deus (v.12). O barulho das
asas dos seres sobrenaturais tocavam umas nas outras e o barulho das rodas da
carruagem e o sonido de um grande estrondo foi o começo do ministério do
profeta. Levantado no espírito, foi levado e amargurado, mas deu início a
tarefa que lhe foi comissionada. A mão do Senhor se fez muito forte sobre mim
(v.14).
Por sete dias o profeta não se levantou. Podemos imaginar o que uma
visão como aquela produziria no corpo humano. Atônito, sem fala, como
entenderiam os exilados a situação do compatriota? Somente Ezequiel sabia
como estava. Findo os sete dias, veio ao profeta a palavra de Deus, dizendo:
Filho do Homem, Eu te dei por atalaia sobre a casa de Israel (v.16). Um
atalaia é um vigia, que deve dar conta de tudo que se lhe entrega. Do atalaia
depende a segurança da cidade e da vida dos cidadãos. Ezequiel estaria na
Babilônia como o vigia divino encarregado de dar os sinais de alarme ou de
paz, segundo as suas observações. Era como se fosse um pastor postado no
alto da torre para vigiar o rebanho e dar o sinal de alarme contra o perigo, mas
mesmo em Babilônia muita coisa podia ser tratada e evitada, mediante um
aconselhamento sábio.

c) O Atalaia Silencioso. A mensagem do profeta dizia respeito às


consequências sérias do pecado. Para o ímpio, ou seja, o homem que não temia
a Deus e vivia uma vida de desafio deliberado as imperativos divinos, sua
mensagem era: Certamente morrerás (v.18). O justo também precisava ser
avisado: se estava se desviando do caminho da justiça, precisava de uma
advertência tanto quanto o ímpio, e ainda que estivesse se conservando na sua
justiça, continuava necessitando no ministério constante de ser advertido de
não pecar. Afirmar, no entanto, que Ezequiel, por meio dessa declaração se
salvaria é um engano grotesco, tanto no texto, como numa perspectiva
doutrinária.
Mas o que se quer dizer com o justo? Não podemos interpretar este texto
a luz da doutrina da justificação no Novo Testamento. O justo era
essencialmente o homem que demonstrava, pela sua vida virtuosa, fidelidade
a aliança. O aviso que dizia que o ímpio morreria tinha uma referência
temporal. Dentro dos limites do nosso entendimento, Ezequiel não tinha um
conceito claro sobre a ressurreição, e muito menos da vida eterna, e a ameaça
inerente nesta palavra de advertência era que homem teria uma morte precoce.
Uma vida curta e precoce eram sinais de castigo. Se isto acontecesse como
resultado da falta de profeta quanto a cumprir o seu dever de advertir o ímpio
109 109

a se converter dos seus caminhos, Deus disse: O seu sangue da tua mão o
requererei.
vv. 23-27. Sob o efeito de êxtase, o profeta sai para o vale. A palavra
significa literalmente “uma fenda”, é provável que se refira a uma localidade
específica que Ezequiel frequentava em seus períodos de solidão, e era, sem
dúvida, o lugar onde haveria de ter sua visão do vale dos ossos secos (37). A
expressão a glória do Senhor estava ali, resume não somente uma parte, mas,
sim, toda a visão que o profeta vira no capítulo 1. A lembrança que permanecia
não era dos equipamentos do carro-trono celestial, mas, sim, dAquele que
estava sentado sobre o trono. Não há evidência clara se esta visão adicional da
glória de Deus aconteceu quase imediatamente depois da sua comissão para
ser atalaia, ou se, entre os vv. 21 e 22, houve um período em que Ezequiel
profetizou de acordo com os termos que lhe foram dados. Quanto ao tempo,
parece preferível considerar 3.22-27 como o episódio final num período
prolongado de comissionamento que durou vários dias. Seria improvável que
um profeta, numa só teofania, obtivesse a compreensão, não só da sua
chamada, como também da sua mensagem e da terrível responsabilidade da
sua tarefa e da maneira em que deveria cumprí-la. Para o profeta, tudo isto
veio por etapas, e somente quando foi alcançada a última etapa é que foi
conclamado a fazer seu primeiro pronunciamento público no drama simbólico
das obras de cerco contra Jerusalém.

d) O Cerco de Jerusalém (4.1-3). O profeta é aconselhado a preparar


um tijolo e nele gravar o nome da cidade de Jerusalém. O tijolo seria feito a
moda de Babilônia, de barro mole, e depois seco ao sol ou cozido ao forno.
Era assim que os babilônios e assírios escreviam as suas crônicas. Nesta
gravura deveria ele imaginar a cidade cercada, com trincheiras EzequielaoParte I tal
redor,
qual Nabucodonosor fez. Além do tijolo, deveria ele procurar uma sertã,
frigideira de ferro, e colocá-la junto ao tijolo. Talvez esta figura queira indicar
que trincheiras tremendas seriam postas contra a cidade, e, contra as quais, de
nada valeria as defesas internas. O profeta deveria dirigir o rosto para o lado
da cidade, e talvez, diz o Senhor, isso servisse de lição sobre o que estava para
acontecer à cidade do Grande do Rei. Como atalaia, deveria estar sobre o que
havia de fora.

e) Os Dias do Castigo de Israel e de Judá (4.4-8). Ficamos admirados


destas figuras a respeito de um fato histórico que iria se realizar, mas Deus usa
muitas destas figuras para ensinar o povo ou os seus profetas sobre o havia na
sua missão. Então o profeta é mandado deitar-se sobre o seu lado esquerdo.
Os dias em que ficasse deitado daquele lado levaria a iniquidade da cidade
sobre si. Os dias eram 390 e cada dia significava um ano (v.5). Portanto, 390
anos de iniquidade. Cumpridos estes dias, deitar-se-ia do lado direito por mais
110 Profetas
Maiores_________________________________________________
40 dias, cada dia por um ano. Ao todo seriam 430 dias simbolizando 430 anos.
Diversos comentadores apresentam o seguinte estudo, que nos parece ser uma
aceitável interpretação desse texto difícil e parabólico. Resumindo, diríamos:
os 390 dias ou anos correspondem ao período da divisão do reino (a iniquidade
de Israel) até o fim do cativeiro babilônico, 928-538 a.C.. Os 40 dias
correspondem ao período da conquista de Jerusalém até a volta do cativeiro,
quarenta e oito anos. É tudo que se pode dizer desta difícil Escritura. Deus
promete prender o profeta com cordas para que não se mexa. O que Deus disse
é seguro e certo, mesmo que nem sempre entendamos a sua escrita.

f) A Fome (4.9-17). A outra figura ou parábola é uma figura de fome.


O profeta deveria misturar trigo, cevada, favas e lentilhas para fazer deles pão
para comer. Devia ser cozido com escrementos humanos. O profeta, sacerdote
que era, portanto limpo, orou, dizendo que jamais tinha comido coisa imunda,
fosse o que fosse. Então o Senhor lhe deu estrume de vaca em lugar de
escremento humano. O pão deveria ser o alimento do profeta, por medida,
assim como água. Por 390 dias comeria deste pão, o mesmo número de dias
que esteve deitado sobre o lado esquerdo. Esta mistura significa a escassez de
alimentos que estava para chegar a Jerusalém, quando de todo faltaria o pão
para comer, ou então o pão que comeria em terra estranha, pão imundo. Vinte
siclos de pão por dia correspondia a 250 gramas, a sexta parte de um him de
água, que equivalia a mais ou menos 1 litro. Para os judeus todas as terras fora
de Canaã eram imundas, e tudo que se bebia o era igualmente. Esta ração
deveria ser comida de tempo em tempo porque, para um período de 390 dias,
a mistura era muito pouca coisa. Seria mesmo tempo de fome. O esterco de
vaca ainda hoje é muito usado pelos beduínos para combustível, pela falta de
lenha ou carvão. Era tudo isso que estava reservado aos judeus fechados dentro
da sua cidade.

g) O fim Vem (7.1-27). Esta profecia de Deus a Ezequiel expõe em três


oráculos a vinda do fim:
Primeiro Oráculo (1-4). Daqui a sete anos Jerusalém cairá. Ezequiel
foi chamado ao ofício profético no quarto ano do exílio, e a cidade caiu no
décimo primeiro ano de Zedequias. Portanto, o fim estava chegando,
possivelmente este oráculo foi redigido depois da queda de Jerusalém ou um
pouco antes. Tudo quanto de indigno Israel tinha cometido cairia sobre eles.
Deus fala aos montes e outeiros, porque lá é que estavam os altares dos ídolos,
e, para destruir estes ídolos, tinham que ser visitados esses lugares. Se
entendermos os quatro cantos da terra como compreendendo o mundo, então
não seria só Israel que seria visitado, mas todo o mundo. Parece que a profecia
111 111

se refere ao Grande Dia do Senhor, de que Israel seria apenas um símbolo 62.
Para Ezequiel, a destruição de Jerusalém era um ato de intensidade quase
apocalíptica; era uma culminação trágica, porém necessária, de séculos de
pecado humano e de longanimidade divina. O fim virá.
Segundo Oráculo (5-11). Vem a tua sentença ó habitante da terra
(v.7). Que este oráculo é dirigido a todos os habitantes da terra não padece
dúvida, e refere-se ao dia do Senhor. O julgamento de Israel é então o pano de
fundo de uma terrível cena, que se há de realizar em um contexto escatológico.
Uma ação rítmica, consta nestes dois versos: Eis que vem, chegou o dia da
sentença, já floresceu a vara (v.10). Já tinha chegado à primavera, pois a vara
estava florida. Esta vara pode bem representar a soberba que já reverdeceu e
a violência que já cresceu. Tudo está pronto para a grande ceifa, que um dia
haverá chegar, o juízo divino sobre a impiedade.
Terceiro Oráculo (12-13). O que vende ou o que compra estão na
mesma posição. O que compra não se alegre, e o que vende não se entristeça.
Comprar e vender são uma demonstração de vitalidade social e econômica. O
vendedor que iria ficar sem a sua propriedade, ficaria triste, e o comprador que
ia aumentar o seu patrimônio, ficaria alegre. Ninguém fortalece a sua vida com
a sua própria iniquidade (v.13). Negócios devem ser feitos sob o temor de
Deus, e fora disso é impiedade. Os dois seriam envolvidos numa catástrofe
igual. Talvez o v. 13 faça uma alusão à lei do Jubileu, em que o vendedor
voltaria a possuir o que tinha vendido, e o comprador o que tinha comprado.
Talvez seja, mas parece que o assunto aqui é a grande desgraça que estava
para chegar a todos por igual63. A cidade festiva, das festas Ezequiel Parte Iiria
religiosas,
sofrer, por causa dos seus pecados, o ouro e a prata seriam como sujeiras (v.21)
e entregues aos estrangeiros como presa. Os caldeus de modo algum eram
melhores que os judeus, mas estavam a serviço de Deus para executar o juízo
sobre a cidade, e a eles caberiam as riquezas ajuntadas através de anos, o ouro
e a prata amontoados à custa de violência e sangue. Seria miséria sobre
miséria, e rumos sobre rumor, até fazer cessar a arrogância dos valentes
(v.24). Na angústia da hora os homens buscariam visões de profetas, mas estes
onde estavam? Os sacerdotes tinham perdido o senso de sua missão e os
anciãos tinham perdido o respeito (v.26).

h) A Visão do Castigo de Jerusalém. Exatamente quatorze meses


depois da sua primeira visão, Ezequiel teve outra experiência semelhante.
Naquelas semanas intervenientes ficara claramente reconhecido e respeitado
como profeta, e os anciãos dos exilados de Judá vinham para ele na sua casa
a fim de consultá-lo. Na ocasião específica descrita me 8.1, é mais do que
provável que os anciãos, tendo vindo para lhe fazer perguntas acerca de um

62
Isaías 11.12; Joel 2.
63
Levítico 25.10.
112 Profetas
Maiores_________________________________________________
assunto, até mesmo talvez acerca da situação em Jerusalém, estavam
assentados diante dele esperando sua resposta. O que teria ocorrido em
Babilônia entre os exilados durante estes meses não se sabe com precisão, pois
o profeta nada diz, mas se admite eu havia a esperança falsa de um breve
retorno a Jerusalém estaria sendo desvanecida, pois já seis anos se tinham
passado e nenhum sintoma de alívio tinha chegado para os exilados.

i) Transportado para Jerusalém (8.1-4). Assentado, como estava, ali


a mão de Deus caiu sobre ele, e, ao olhar, eis que vê uma figura com aparência
de fogo da cintura para baixo, e para cima, como resplendor de metal
brilhante. Desta aparência saiu como uma mão de homem que lhe pegou pelos
cabelos e o suspendeu entre a terra e o céu. Assim levantado entre a terra e o
céu, foi levado a Jerusalém para uma vista sobre o que estava acontecendo, e
o que iria acontecer. A visão parece ter-se efetuado in corpore, isto é em corpo,
e não propriamente em espírito.

j) A Imagem dos Ciúmes (8.5-6).O profeta foi levado até a entrada da


porta do pátio de dentro, que olha para o norte, onde estava colocada a imagem
dos ciúmes. Esta imagem supunha-se, fazia despertar os ciúmes divinos para
com o povo. Pensa-se que seria mesmo uma Asera, ou poste sagrado como o
que Manassés mandou colocar no Templo e depois retirou quando se
converteu64. Possivelmente esse ídolo teria sido colocado no mesmo lugar
onde havia estado o primeiro, pois os israelitas estavam de tal maneira
corrompidos com a idolatria que não sabiam viver sem ela. Ali mesmo o
profeta viu a glória de Deus tal qual a tinha visto no vale, isto é, no lugar onde
morava. Um contraste entre o ídolo e a glória do Deus supremo.

l) O Culto aos Animais (8.7-13). A seguir, Deus mostra ao profeta


outro quadro, ainda mais horrível. Levado a glória do átrio (v.7), teve ordem
para cavar na parede onde havia um buraco, e eis que viu: Paredes pintadas de
imagens de bichos, de ídolos e de tudo que Israel adorava um quadro pavoroso
para um sacerdote e um profeta. Além das pinturas nas paredes, o profeta viu
setenta homens dos anciãos de Israel, com Jaazanias, filho de Safã, todos em
pé com os seus incensários cheios de incenso, de modo que a nuvem causada
pela queima do incenso subia as nuvens e enchia o recinto. Então, Deus
pergunta ao profeta: Viste filho do homem, o que os anciãos da casa de Israel
fazem nas suas câmeras escuras? Afirmavam que ali o Senhor não os veria
(v.12). A localização exata disto não pode ser identificada, nem parece
necessária tal identificação. Enquanto os anciãos praticavam seus mistérios

64
2 Crônicas 33.7, 15.
113 113

secretos, queimando incenso aos seus deuses emprestados, o acompanhante


de Ezequiel indica que esta visão é típica daquilo que todos eles estão fazendo
individualmente, cada um nas suas câmaras pintadas de imagens. A frase
difícil sugere que cada ancião tinha um quarto em casa onde
subrepticiosamente se entregava as suas inclinações idólatras, confiante de
que não haveria Javé presente, nem para ver, nem para se importar.

m) A Adoração à Natureza. O profeta agora é levado à entrada da casa


do Senhor que está da banda do norte, e ali viu outra visão constrangedora,
um grupo de mulheres chorando a morte de Tamuz. Tamuz era uma divindade
babilônica, o deus da vegetação, cuja morte tinha ocorrido por ocasião de
grande seca. Esta morte era lamentada anualmente, e sua suposta ressurreição
era celebrada na primavera, quando a natureza se reveste de folhas e flores. O
tempo tradicional do lamento da morte de Tamuz ocorria no quarto mês, e
assim era o mês chamado, “mês de Tamuz”. A abominação suprema estava
para ser praticada na própria entrada no templo do Senhor. Ali, no lugar em
que deveriam estar chorando e clamando a Deus para que Ele poupasse seu
povo65, os sacerdotes estavam deliberadamente virando as costas para Ele. Por
causa da sua direção, do leste para o oeste, o Templo podia ser usado para o
culto ao sol, e o fato de que Josias, na sua reforma, teve de tirar “os cavalos
que os reis de Judá tinham dedicado ao sol” e queimar “os carros do sol” 66
indica que alguns reis de Judá tinham explorado as possibilidades. Cerca de
vinte e cinco homens, sugere que não foi grande o númeroEzequiel Parte Ique
de sacerdotes
sucumbiram a esta forma de adoração. Quando a liderança da igreja se torna
corrompida, não há limitas ao caos que é semeado na vida da nação.

n) Os Sete Algozes. O Castigo pela Matança (9.1-11). Então me


gritou aos ouvidos com grande voz. Quem estava gritando? Não se diz, mas
deveria ser o Juiz supremo daquela situação. Eram seis homens que vinham
com outro nome vestido de linho. Então era um grupo de sete homens, sendo
um o mais relevante. Provavelmente, esses homens seriam seres angelicais 67.
Cada qual trazia as suas armas destruidoras. O de vestido de linho trazia um
estojo de escrevedor à cintura, sendo uma espécie de escriba, entraram e se
puseram à entrada junto ao altar de bronze.
vv.3-7. Há certa confusão acerca dos movimentos exatos da glória do
Deus de Israel aqui, porque em certo momento Ele é representado como a
Personagem celestial do carro-trono, e, no momento seguinte é o guia pessoal
de Ezequiel. Mas não se deve esperar exatidão em demasia naquilo que era
afinal das contas, uma experiência visionária, e não devemos exigir

65
Joel 2.17.
66
2 Reis 23.11.
67
Apocalipse 8.2,6.
114 Profetas
Maiores_________________________________________________
explicações pormenorizadas. Há, no entanto, relevância na descrição da glória
que se levantou do Querubim, o lugar nos Santos dos Santos onde se pensava
que Deus residia, porque este foi o movimento preliminar antes do Senhor
finalmente partir do seu Templo. Nesta nova posição, que dominava o cenário,
deu suas instruções, primeiramente para o anjo do registro (v.4) e depois para
os seis (5,6). Há certa semelhança entre estes sete personagens, os de Ezequiel
e os do Apocalipse. São os serventuários do grande Rei. Vemos sim, que
apesar da degeneração moral e espiritual em Judá, ainda havia um
remanescente suspirando por dias melhores.
Tal e qual aconteceu a entrada de Nabucodonosor na cidade, quando
velhos, moços, mulheres e crianças eram trucidados sem piedade assim os sete
receberam as suas ordens. Só os homens que tinham o sinal não foram tocados
(v.6). Assim, começando pelo santuário, encheriam a casa de cadáveres, uma
profanação inominável, pois o santuário ficaria para sempre imundo. Mas,
para que santuário, se o Deus ali adorado se havia retirado? Terminada a
matança o profeta verificou que só ele estava e perguntou ao Senhor: Ah
Senhor Deus! Destruirás todo o restante de Israel, derramando a tua
indignação sobre Jerusalém? (v.8). A resposta está nos versículos 9 e 10. Este
“restante” refere-se naturalmente a Judá, porque o Israel do norte já havia sido
levado em 722 a.C. Na resposta do Senhor há uma verdade que deve ser
destacada. A terra se encheu de sangue e a cidade de injustiça e eles diziam
que o Senhor tinha abandonado a cidade, e o Senhor não o vê (v.9). E eis que
o homem que estava vestido de linho, a cuja cintura estava o tinteiro, tornou
com a resposta, dizendo: Fiz como me ordenaste (v.11). Quem quer que se
proponha a escrever uma tragédia como esta, deve sentir as suas entranhas se
contorcerem de horror, pois o quadro era de uma cidade morta. Justamente o
que Jeremias havia profetizado.

o) O Castigo pelo Fogo (10.1-22). Os seis algozes desaparecem do


cenário, e são substituídos por uma descrição adicional, mais pormenorizada,
do carro-trono do Senhor que acrescenta algo do conhecimento que recebemos
de 1.13-25. O elo de vinculação é o homem que vestido de linho que, após ter
sido o agente do livramento no episódio anterior, agora fica sendo o agente do
juízo pelo fogo. Um aspecto importante acerca do carro-trono, incorporado
aqui, é a identificação dos “seres viventes” de 1.5 com querubins. No A. T.,
os querubins desempenhavam uma variedade de papéis. Pouca coisa pode ser
aproveitada da etimologia da palavra, que tem paralelos em línguas cognatas
com os significados de “abençoar”, “interceder”, e “ser poderoso”.
A forma de um trono foi o que o profeta viu por cima dos querubins. O
trono, ao que parece, estava vazio à espera do seu ocupante, que seria o Senhor
Javé. Os querubins voavam esperando a ordem de partida. E falou ao homem
115 115

vestido de linho, dizendo... As ordens foram dadas pelo Senhor Javé. Para as
brasas acesas, 1.13. Em Isaías 6.6 uma brasa viva foi usada para purificar o
pecado do profeta, e não como símbolo de julgamento. Na idéia de Ezequiel,
Jerusalém estava para ser tratada da mesma maneira que Sodoma e Gomorra68.
As quatro rodas junto aos querubins, uma roda para cada um deles, eram
como se estivessem uma dentro da outra. Quando os querubins andavam,
andavam as rodas, e quando paravam, paravam as rodas, pois eram
inseparáveis umas das outras (v.17).Depois desta visão, Então saiu a glória
do Senhor e parou sobre os querubins e quando estes levantaram as suas asas,
e se elevaram da terra... e quando saíram acompanhados pelas rodas, que lhes
eram inseparáveis, pararam à entrada da porta oriental da casa do Senhor, e
a glória do Deus de Israel estava no alto, sobre eles (v.19). Deus abandonou
o seu templo.

p) O Julgamento dos Idólatras (11.1-13).O profeta foi levado em


espírito à porta oriental, e à entrada da porta que olha para o oriente estavam
vinte e cinco homens. Deus diz ao profeta que eles estavam maquinando
vilezas e dando conselhos perversos. Esta cidade é a panela, e nós, a carne
(v.3) confabulavam eles. Uma panela protege a carne, assim a cidade deveria
proteger o povo que estava dentro dela. Portanto, profetiza contra eles,
profetiza, ó filho do homem caiu então o Espírito do Senhor sobre o profeta, e
este ouviu: Assim diz o Senhor: o que tendes dito, eu sei, porque conheço os
vossos pensamentos, quanto as coisa que vos surgem à mente, eu as conheço.
Multiplicastes os vossos mortos nesta cidade e deles enchestes as suas ruas
(vv.5,6). A lembrança seria dos horrores da primeira desgraça que visitou a
cidade, com os mortos estendidos pelas ruas sem haver quem os enterrasse.
Estes mortos eram a carne, mas as panelas continuavam aguardando outros
mortos, porque da segunda investida do rei caldeu as coisas seriam bem piores
que as primeiras, pois eles estavam certos de que os muros os protegiam (e
protegeram pro quase dois anos, até que a cidade ficou como pássaro na
gaiola). Nada entrava e nada saía; as reservas alimentares foram consumidas,
e só quando já nem havia quem pudesse enterrar os mortos, é que as muralhas
foram arrombadas, e cada qual procurou escapar como podia inclusive o
pusilânime rei Zedequias. Mas, com medo do povo preferiu ver o fim em que
não acreditava69. O profeta foi levado a ver uma visão aterradora, mortos
estendidos pela rua, os quais tinham caído diante dos caldeus e não havia quem
os sepultasse, um espetáculo a ser revivido mais adiante. Parte da visão se
realizou nos dias de Ezequias, quando Pelatias morreu, um dos vinte e cinco
que o mesmo profeta tinha visto à entrada da porta oriental. Podemos supor
que Pelatias fosse uma personagem bem conhecida em Jerusalém, e que sua

68
Gênesis 19.24.
69
Jeremias 38.17.
116 Profetas
Maiores_________________________________________________
morte, que foi vista na visão, realmente ocorreu longe em Jerusalém naquele
exato momento.

q) Um Novo Coração para o Povo de Deus (11.14-25). É muito cedo


para achar a esta altura uma profecia de esperança para o povo do cativeiro.
Tais profecias foram reservadas para após a queda de Jerusalém. Mas outras
passagens nestes oráculos iniciais indicam que Deus tinha planos para
restaurar um remanescente do Seu povo (Ez 5.3; 6.8,9; 12.16; 16.6) e estas
pessoas voltariam para a sua terra natal e se tornariam herdeiras de toda
herança da sua nação e, também, desfrutariam de um novo relacionamento
com seu Deus, mediante a aliança. Os exilados se tornaram o verdadeiro Israel,
tendo por prova aquilo que Deus fizera por eles (v.16) e as promessas (v.17).
vv. 19-21. Mais do que isso, num ato supremo de graça, seria dado a
eles um novo coração e um novo espírito. Segundo o texto massorético, a
dádiva é de um só coração, implicando na reunião dos antigos reinos do norte
e do sul, como 37.15-22, mas isto é menos provável. As palavras sugerem um
transplante radical, bem diferente daquilo que havia sido habitualmente
conhecido e experimentado antes. Resultaria numa obediência quase
espontânea aos mandamentos de Deus, que só podem ser amplamente
compreendidos a luz da doutrina do novo nascimento70. Parece haver neste
versículo um eco proposital do v.18 na repetição do verbo “tirar” ou
“remover”. A ênfase parece ser a seguinte: Se os judeus que voltam para casa
tirarem os obstáculos externos (v.18) Javé tirará o interno. Como sempre, a
promessa da aliança com benção e união com Deus com seu povo peculiar
(v.20) é colocada lado a lado com os resultados solenes que sobrevirão àqueles
cujo coração se compraz em todas as práticas corruptas das quais devem
conservar-se livres. É válido lembrar que as bênçãos de Deus sempre tem um
lado reverso, além do lado anverso.

r) Oráculos acerca do Pecado de Israel e Jerusalém. Segundo Taylor


no comentário de Ezequiel, o argumento do livro, tem consistido
principalmente na reiteração da mensagem de que Jerusalém está condenada
à ruína. Demonstrou-a pelas ações simbólicas, pelas visões e pelos oráculos
falados. Forneceu justificativa adequada para semelhante destino, mediante a
descrição das iniquidades, religiosas e morais, que o provocaram. Agora, uma
nova série de ações e oráculos procura tratar das objeções que as pessoas
fazem diante desta perspectiva amedrontadora. A seção poderia ser chamada,
na linguagem de hoje, “Objeções ao Julgamento”, sendo compreendido,
porém, que as objeções são levantadas para então serem demolidas. São as

70
Tito 3.15.
117 117

objeções daqueles que dizem: “já ouvimos todas estas ameaçassem ocasiões
anteriores, mas sempre acabam em nada”. Ou dos falsos profetas que
reivindicam autoridade igual para oráculos que prometem a paz e a segurança,
ou daqueles que pensam que é impossível o Senhor rejeitar seu povo. O
profeta, no entanto, antes de tratar com todos estes variados pontos de
vista,tem a realizar mais alguns atos simbólicos.

s) Os Falsos Profetas.Segue-se um grupo e oráculos, que se estende


desde 12.21 até 14.11, sendo que todos eles se relacionam com o problema da
verdadeira e falsa profecia. O profeta Ezequiel, assim como Jeremias, tinha
uma mensagem inaceitável para entregar: era ameaçadora e pouco
esperançosa. Inevitavelmente, seus ouvintes agiram preconceituosamente
contra ele, e era fácil para eles reagirem desconsiderando as suas palavras,
porque não viam qualquer cumprimento imediato. O provérbio: Prolongam-
se os dias, e falha toda a visão? Capta bem o sentido, ou seja, uma maneira
de expressar a sua incredulidade. De fato, o que Jeremias tinha prometido não
estava sendo cumprido tão breve como se poderia esperar, mas isso era uma
demonstração de paciência divina que eles não entendiam ou não queriam
entender. Assim Deus garante que o que havia se prometido Ezequiel Parte I e
se cumpriria,
sem demora (v.25), e a compaixão se cessaria. Neste ponto particular, o povo
e seus profetas estavam certos; Deus tinha demorado em cumprir o que
prometia, e estava sempre adiando o dia terrível, mas por amor deles.
A resposta de Deus também vem na forma de um lema: “Aproximam-
se o dia e a palavra de toda visão”. O termo aqui é usado no sentido de
cumprimento; trata-se da realização eficaz a mensagem na visão. Esta era a
natureza da palavra de Deus; não voltaria vazia71, porque era uma palavra viva
que saía com toda a vitalidade e autoridade do Deus que a pronunciara. O
cumprimento seria o fim dos falsos lemas, por mais cativantes que fossem,
bem como da falsa profecia que, por meios duvidosos, produzia mensagens
lisonjeiras. A adivinhação (v.24) sugere que os falsos profetas usassem meios
mecânicos para obter seus oráculos, ou pelo uso de sortes, ou por meio de
jogar flechas no ar e estudar a maneira de caírem, ou por outros métodos. O
termo claramente tem implicações de opróbrio. Tudo isto será aniquilado e
não haverá mais demora em levar as palavras de Deus à frutificação. A palavra
falada brevemente será cumprida (v.25).
Ezequiel denuncia os falsos profetas como raposas entre as ruínas,
figura que sugere que os profetas não tem nenhuma real preocupação para com
o povo entre o qual vivem. Vão cavando entre os alicerces sem qualquer
respeito para com o bem-estar do local, resolutos apenas em fazer covis para
si próprios, ou mudando de metáfora, em puxar a brasa para a sua sardinha.A

71
Isaías 55.11.
118 Profetas
Maiores_________________________________________________
condenação do profeta é baseada, no entanto, não em qualquer imoralidade ou
vilania da qual fossem culpados, mas, sim, na maneira em que compõem seus
pronunciamentos. Isto incidentalmente lança muita luz sobre a genuína
consciência profética em Israel. Estes profetas loucos profetizam o que lhes
vem do coração72. A frase paralela que seguem o seu próprio espírito sugere
um conflito entre o espírito humano e o espírito de Deus. Esses falsos profetas
eram enganadores do povo, falando de paz, quando não havia paz (v.10). Estes
profetas mentirosos não teriam o seu nome no registro da casa de Israel (na
volta, v.9), seriam, portanto, párias, sem terra e sem pátria.

t) O Juízo é inevitável (14.12-23). Nos vv. 12-20 fica estabelecido um


principio geral a governar estas atividades proféticas, se houvesse como
haveria, justos no meio dos injustos, aqueles não salvariam estes. Mesmo que
Daniel, Noé e Jó estivessem no meio do povo, apenas eles se salvariam, mas
o resto se perderia por seus pecados. Nem mesmo os filhos desses homens
justos se salvariam (v.16). Estes três notáveis homens da antiguidade, Noé
salvando a sua família (Gn 6.8), Daniel, salvando seus amigos (Dn 1.6-20); e
Jó, reconhecendo que só Deus é Deus (Jó 42.1-10).
u) A Parábola da Videira (15.1-8). Nesta poesia, o profeta, compara
Israel a uma videira, comparação esta que teve uma longa história na tradição
hebraica, remontando até a bênção de Jacó73. Ezequiel, no entanto, não leva
em conta os frutos, deixando subentendido que não há meio de Israel produzir
qualquer coisa boa, e, pelo contrário, retrata uma videira brava da floresta,
cujo único ponto de comparação é qualidade da sua madeira. Esta é
notoriamente inútil, não havendo firmeza nem para se fazer um pino onde se
pudesse pendurar uma panela, e tem menos valor ainda depois de ter sido
chamuscada pelo fogo.
Implícita na parábola é a resposta do profeta àqueles que imaginavam
que Israel, como a videira plantada pelo Senhor, era indestrutível. Nenhuma
parte de Israel ficou sem ser afetada pelas experiências cauterizantes sofridas.
Somente a esta altura é que o profeta começa a aplicação daquilo que até agora
era uma parábola sem relacionamento.

v) Jerusalém, a Infiel (16.1-63). Comparada a uma mulher, uma mulher


devassa e desavergonhada, que tinha traído todos os seus compromissos
conjugais. O seu pai era arameu e sua mãe uma hetéia. Os israelitas eram
descendentes dos arameus, povos habitantes do norte da Mesopotâmia, até
Abraão é chamado de arameu. O nascimento desta cidade é comparado ao

72
Em hebraico o coração era o órgão do pensamento, e da vontade como também das emoções.
73
Gênesis 49.22
119 119

nascimento de uma menina enjeitada, que nem foi lavada, nem limpa, nem
enfaixada (v.4). Nessa comparação parabólica foi que Deus encontrou esta
menina e cuidou dela, a enfeitou, a engrandeceu e a fez cidade desejada que a
história conhece.
Da fundação histórica desta cidade, nada se sabe. A arqueologia não fez
investigações para encontrar as fundações da cidade. Na literatura bíblica ela
aparece nos dias de Abraão, quando surge um personagem Melquisedeque, rei
de Salém, em 2000 a.C. O nome Jerusalém é composto de Jebus e Salém. Os
jebuseus foram os primeiros moradores da cidade e só dominados nos dias de
Davi, quando seus homens conseguiram entrar pelo aqueduto que levava água
da fonte para a cidadela. Dali em diante passou a ser capital do reino de Davi,
e assim tornou-se a capital74.
E, passando eu por ti, estendi sobre ti as abas do meu manto (v.8). Este
era um costume muito afetuoso entre os judeus antigos, conforme Rute 3.9.
Alguns comentadores interpretam este verso como uma referência ao Sinai, o
que bem pode ser certo. Os versos 8-14 talvez se refiram à prosperidade dos
dias faustosos de Salomão. Todos os governos do mundo a cortejavam e a
desejavam como aliada. A sua fama corria entre as nações (v.14). E quem é
que não quereria ter boas relações com a cidade faustosa? Tudo isto é retratado
nesta profecia em forma amorosa e idílica, como seEzequiel Partemoça
fora uma I
grandemente cortejada por príncipes e reis da terra. Mas as próprias coisas que
Deus dera a Israel vieram a ser meios da sua ruína; sua beleza, seus vestidos,
suas jóias e seu alimento. Até os filhos da sua união com o Senhor foram
oferecidos em sacrifício pagão..
v. 23-25. O profeta depois de tratar do pecado da idolatria nos lugares
altos, se volta contra a prática de cultos pagãos na cidade de Jerusalém. A
linguagem sugere que santuários eram estabelecidos nas esquinas das ruas,
mais tendo em vista termos tais como “lugar eminente”, é provável que se trate
de santuários nos telhados.
v. 26-29. As prostituições específicas com os egípcios, os filisteus, os
assírios e os babilônios se referem tão somente à infidelidade religiosa como
também à intriga e às alianças políticas. A hostilidade dos profetas contra
semelhantes afiliações políticas era apenas parcial porque consideravam que
demonstravam uma falta de confiança no poder posterior de Javé. A razão
principal era que, em qualquer aliança deste tipo entre uma potência menor e
uma maior, era normal que a parte mais fraca adotasse ao seu sistema religioso
os deuses e o culto da parte mais forte, o sinal de que aceitava o seu patrocínio.

x) O Castigo de Israel (16.35-43). Visto que Israel não confiou no seu


Deus, antes fizera aliança com nações pagãs, Deus lhe pronuncia Sua

74
2 Samuel 5.6-10; Gênesis 14.18-25.
120 Profetas
Maiores_________________________________________________
inconfundível palavra de julgamento. Mantendo a linguagem da alegoria, Ele
promete que os próprios amantes de Israel serão os agentes da sua devastação.
Eles a cercarão e a desmascararão publicamente (v.37) e aplicarão a ela o
castigo devido à adúlteras e infanticidas. Somente depois de toda devastação
ter acontecido para que todos vissem, e depois de Israel ter se tornado incapaz
de se prostituir mais, é que a ira de Deus será aplacada e não mais se indignará
(v.42).

z) A Aliança Eterna (16.59-63). Estes versos finais pressupõem a


queda de Jerusalém, a qual, de qualquer forma, Ezequiel considerava certa, e
olha além para um novo relacionamento baseado no perdão, que duraria para
sempre. A mensagem segue as mesmas linhas da promessa de Jeremias no
sentido de que Deus escreveria Suas leis no coração do povo75 e é semelhante
ao oráculo posterior de Ezequiel acerca do novo coração e do novo espírito.

zz) A Lei da Responsabilidade Individual (18.1-32). Este capítulo é


um tanto difícil de interpretação e tem de ser entendido em relação com o
inteiro teor do livro e até com o ensino geral da Bíblia. Parece que o povo se
queixava ao profeta de que a nação estava sendo castigada pelos pecados
cometidos nas gerações anteriores. O profeta mostra que isto não era verdade,
e que cada um vive e morre por seu próprio pecado. O profeta Ezequiel passa
a lidar com esta objeção que se evidencia num provérbio muito conhecido e
usado em seus dias: “Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se
embotaram”. Tal provérbio preocupava Ezequiel, pois o considerava
pernicioso porque inevitavelmente levava a um espírito de fatalismo e
irresponsabilidade. Se a culpa realmente pudesse ser atribuída a uma outra
geração anterior, aqueles cujo julgamento estava caindo poderiam
razoavelmente dar de ombros diante de qualquer senso de pecado, e acusar
Deus de injustiça76.
Deus corrige o provérbio: Que quereis vós dizer, citando na terra de
Israel este provérbio: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se
embotaram? Deus responde que nunca mais se diria tal provérbio em
Israel. Eis que todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim
também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa morrerá. Portanto
a doutrina da responsabilidade individual está aqui bem clara e o provérbio
consistia numa interpretação falsa do viver. Todo este trecho nos ensina que
cada um é responsável pelo seu próprio pecado.

75
Jeremias 31.31-34.
76
“Dizeis, porém: O caminho do Senhor não é justo. Ouvi, pois, ó casa de Israel: Acaso não é justo o meu
caminho? Não são os vossos caminhos que são injustos?” Je 18.25.
121 121

Se um pai tivesse um filho que visse todas as indignidades mencionadas


nos versos 6-11, e não pactuasse com o pai nesses pecados, o tal filho viveria,
enquanto o pai morreria no seu pecado. Isso vale dizer que um não seria
responsável pelos atos de outrem, fosse filho ou pai, conforme o caso. Não se
poderia esperar coisa diferente de um Deus justo.
Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus;
convertei-vos, pois, e vivei. No Novo Testamento surge outra relação entre o
pecado e o pecador. É a doutrina da substituição vicária, o Cordeiro de Deus
tomou os nossos pecados sobre Si; visto que seríamos, e somos incapazes de
morrer em favor de nós mesmos, assim Cristo morreu em nosso lugar. Ele
levou as nossas iniquidades, Ele morreu a nossa morte, e cravou na cruz todos
os nossos pecados. Sejam eles de ontem, os de hoje ou de amanhã. Àquele que
não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos
feitos justiça de Deus77.

"Uma masmorra com Cristo é um trono, e um trono sem Cristo é


um inferno". Martinho Lutero.

1) COMENTÁRIO

a) A morte da Esposa do Profeta (24.15-27). Nestes versos vemos o


interior de Ezequiel, raramente exteriorizado, aparentemente severo e
inflexível. Sua rígida autodisciplina, sua paixão pela verdade e pala honra do
nome santo de Deus, quase escondem o coração tenro que possui. Este fato é
confirmado ao descrever sua esposa: “a delícia dos seus olhos, aquela em
quem seus olhos se deleitam”. Sua recusa em prantear abertamente não era

77
2 Coríntios 5.21.
122 Profetas
Maiores_________________________________________________
nenhum ato de escolha pessoal, mas sim, uma exigência simbólica que Deus
lhe fez, que acentuou a amargura de sua perda.
Todos aqueles que são chamados por Deus, frequentemente tem de
pagar um alto preço por sua solicitude com as necessidades humanas e por sua
identificação com o propósito de Deus. Para o profeta Ezequiel, certamente,
haveria o fardo adicional de ser mal entendido e criticado por demonstrara
insensibilidade. Por detrás da frase, no v.18 “Assim falei ao povo pela manhã,
e à tarde morreu minha mulher; e fiz pela manhã como se me deu ordem”,
devem ter ocorrido longas horas de insônia e de angústia espiritual.
Sua esposa morreu às súbitas, isto não exige uma morte repentina,
porque “golpe” pode significar praga ou pestilência, ou qualquer coisa que
fosse um golpe mortal. Os costumes de luto refletidos nestes versos são
interessantes. Cinco aspectos podem ser observados:

• Geme em silêncio. Relembra as lamentações rituais que havia em


ocasiões fúnebres.
• Prende o teu turbante. Era o ornamento normal da cabeça do
sacerdote (Ex 39.28), seria removido e a cabeça coberta de pó e cinza.
• Mete as tuas sandálias nos pés. As sandálias eram tiradas em tempo
de aflição, como em 2 Samuel 15.30.
• Cobrir os bigodes. Era compulsório para o leproso (Lv 13.45), e era
sinal de vergonha.
• Não comas o pão que te mandam. Não devia comer refeição usual, a
refeição funerária para os enlutados. Conferir Jeremias 16.5-13, onde
Deus proibiu Jeremias de entrar na casa de luto, e foi conclamado a
dar suas razões quando o povo o desafiou.

b) O Sinal Interpretado (24.19-24). Quando o profeta


deliberadamente se retirou dos procedimentos costumários do luto, é fato a
seu favor e dos seus companheiros do exílio que estes imediatamente
suspeitassem haver nisto algo de especial relevância. A visita feita por eles no
seu lar, na manhã seguinte que a notícia da morte de sua esposa havia passado
como um raio pela povoação, devia ser para oferecer simpatia e apoio. Ao
invés disto, acharam-se pedindo uma palavra da parte de Deus. Não era
nenhuma mensagem nova, mas, por causa da ocasião que lhe deu vasão,
falavam com mais força do que em qualquer situação anterior. Deus estava
para destruir seu santo Templo. Assim como ente mais querido de Ezequiel
lhe fora tirado num só golpe, assim também a nação iria perder seu objeto mais
querido, seu mais alto orgulho, o anelo de sua alma.
123 123

c) Lamentação Sobre o Rei de Tiro (28.1-19). Estes versos remetem


aos relatos de Gênesis 2,3 e à história do paraíso. A ligação é, sem dúvida, o
pecado do orgulho, do qual tanto Adão como Tiro são culpados, mas não é
clara a figura que o profeta tinha em mente. O Éden é tanto o jardim de Deus
(13) quanto o monte santo de Deus (14,16), um conceito não encontrado em
Gênesis. O rei é apresentado como um resumo do primeiro homem perfeito,
Adão, mas é coberto com todas as pedras preciosas, lembranças do peitoral de
juízo do Sumo-sacerdote78. O querubim da guarda ungido está no Éden com o
homem perfeito, mas parece não ter função até expulsá-lo do meio das pedras
de fogo. Assim, a figura depende não somente da história de Gênesis, da qual
diverge. Alguns ligam a Satanás.

d) Faraó Desce para o Além (32.17-32). No décimo segundo ano, o


profeta recebe uma mensagem, aparentemente mais severa que a primeira.
Tudo ia voltar ao coração da terra, as filhas das nações formosas que o Egito
tinha conquistado, tudo desceria à cova. Era o toque dobrado a finados, e o
profeta é aconselhado a lamentar em face de tanta calamidade. A seguir, o
profeta é levado a ver que todos os outros grandes povos já tinham partido
para o seu fim. Aí está a Assíria com todo o seu poder. Tinha desaparecido; aí
está Elão, com todo seu povo, desceram a terra dos mortos.Ezequiel Parte
Aí está II
Meseque
e Tubal, com todo seu povo. Os sepulcros poderiam ser vistos, espalhados pela
face da terra. Todos os povos do norte tinham passado. Os hiteus, por quem
este autor tem muita simpatia, povo pacífico e ordeiro tinha passado. As
nações hostis do presente iriam passar pelo mesmo caminho, o da morte.
Evidentemente que isto demonstra que Israel não tinha uma doutrina firme e
segura, sobre a vida do porvir, sobre o além (sheol).

e) Oráculos Relacionados com a Queda de Jerusalém. Reafirmando


os deveres do Atalaia (33.1-20). A primeira declaração (33.1-9), diz respeito
à responsabilidade do profeta em advertir seu povo quanto ao perigo que se
aproximava, e que deve ser comparada a 3.16-21. A segunda diz respeito a
responsabilidade do ouvinte num ato individual de arrependimento a fim de
que viva e não morra, com estreitas semelhanças em 18.21-29. Isto indica uma
nova fase no ministério de Ezequiel, pelo que estas ligações com o seu
ministério anterior representam um tipo de comissionamento.
O dever do atalaia era tocar a trombeta, o alarme deveria ser soado por
aquele que tinha a responsabilidade de vigiar a cidade. A ilustração era tirada
do que era prático comum em tempo de guerra. A trombeta era um chifre
cumprido, curvado para cima na extremidade, extensivamente usado em Israel
para ocasiões tanto militares como religiosas79. A frase o seu sangue

78
Êxodo 28.17-20.
79
Js 4.2; Sl 81.3; Jl 2.15; Am 3.6.
124 Profetas
Maiores_________________________________________________
derramarei (6), reflete o conceito da culpa do sangue, que é comum em boa
parte do pensamento vetero-testamentário, segundo o qual o derramante do
sangue de um homem por outro propositadamente, acidentalmente, ou ainda
por falta de responsabilidade, envolvia aquele que derramou o sangue no
estado de culpa, e o parente do morto no dever de vingar sua morte.

f) Um Convite ao Arrependimento (33.10-16).Aqui há uma


demonstração clara, de que os exilados, tinham consciência do seu próprio
pecado. O verso 10 sugere uma profunda convicção de pecado e um
sentimento esmagador de desespero. Certamente isso já era um efeito do
ensino de Ezequiel. A reação imediata do profeta não é, no entanto, apontar-
lhes os seus pecados, mas, sim, proclamar o perdão de Deus para aqueles que
se arrependerem. Deus não tem prazer no julgamento, mas, sim, deseja que os
homens se arrependam80. Ezequiel declara de modo inverso, o princípio da
responsabilidade individual.

g) A Cidade cai, mas o povo não se arrepende (33.21-33). No


duodécimo ano do cativeiro, ou seja, um ano depois da queda de Jerusalém
(585 a.C.), um homem vindo da cidade trouxe a notícia da queda da cidade
diante de seus inimigos. A ele foi dada presciência profética do evento, mas
também estivera em estado de êxtase na tarde anterior, e sua nudez ritual fora
aliviada, por alguma razão. O tempo em que o profeta se encontrava deveria
ser a primavera. A maneira babilônica de contar os anos começava pela
primavera (Je 39.2). Os judeus normalmente contavam os anos começando
pelo outono, pelo que a data da queda da cidade deve ter sido em Julho de 586
a.C. Aceita-se assim, que as noticias da queda da cidade chegaram aos ouvidos
do profeta quase seis meses depois do fato em si. Em face disso vem a
mensagem de Deus com juízo terrível, implacável, dizendo: os que estiverem
em lugares desertos cairão à espada, e o que estiver no campo aberto eu o
entregarei às feras para ser devorado, e os que estiverem em lugares fortes e
em cavernas morrerão de peste (v.27). Não haveria restauração próxima.

h) O Bom Pastor (34.11-16).Um rebanho de ovelhas deve ser cuidado


por alguém, e aqui deus se apresenta com quem assume o papel de pastor do
seu povo. Sua obra será encontrar as que estão perdidas, apascentar todo o
rebanho e cuidar dele, dedicando atenções especiais aos fracos e doentes. O
retrato do pastor buscando a desgarrada (12) é prenúncio notável da parábola
da ovelha perdida (Lc 15.4), que nosso Senhor, sem dúvida, baseou nesta
passagem em Ezequiel, ilustra, mais do que qualquer coisa, as qualidades

80
2 Pedro 3.9.
125 125

ternas e amorosas do Deus do A. T. A referência a um dia de nuvens e


escuridão tem implicações escatológicas (Sl 97.2; Jl 2.2; Sf 1.15) e sugere que
esta libertação será o dia do Senhor para Israel.
O profeta até agora tem pronunciado o juízo de falsos pastores, e
governantes reais. O bom pastor torna-se juiz e trata das ovelhas más no meio
do rebanho, isto é, os nobres opressores ou a classe mercantil intimidadora.
Uma confusão de interpretação surge aqui por causa da inclusão dos carneiros
e bodes no v.17. A comparação com Mateus 25.31-33 tem levado alguns a
impor o padrão neotestamentário de uma separação entre ovelhas e bodes
nesta altura em Ezequiel. Mas a distinção está entre as gordas, fortes, e as
fracas, indefesas (v.20). O rebanho nos tempos bíblicos, assim como hoje no
Oriente Médio, consistia regularmente em uma mistura de ovelhas e bodes. O
profeta diz que os cidadãos poderosos e prósperos, que tomava
gananciosamente para si todas as coisas boas da terra negando o seu benefício
aos seus semelhantes, seriam julgados pelo Pastor. O rebanho realmente será
purificado, não somente da sua má liderança, como também dos seus maus
membros.
No texto é apresentado o personagem messiânico que é descrito aqui de
várias maneiras como sendo meu servo, príncipe, e Davi. Quem é esta pessoa?
Com certeza, não é o Davi histórico ressurreto, nem éEzequiel
um reiParte II de
humano
linhagem davídica, porque estamos tratando de uma figura sobre-humana que
reinará para sempre (37.25).

i) A Restauração de Israel (36.24-28). Deus vindica a sua glória ao se


referir aos exilados, não através dos seus sofrimentos, mas através da sua
restauração. Estas declarações proféticas, Ezequiel descreve o que Deus fará.
Em primeiro lugar, vem a ação puramente física de devolver os cativos a sua
terra natal.
Os termos coração e espírito, v.26, precisam de entendimento
cuidadoso. Não são tanto parte da constituição do homem quanto aspectos da
sua personalidade total. O coração inclui a mente e a vontade, bem como as
emoções, é na realidade o centro da personalidade, a natureza mais interior
do homem. O espírito é o impulso que o dirige e regula seus desejos, seus
pensamentos, e sua conduta. Os dois serão substituídos e renovados, o coração
de pedra pelo coração de carne, que é macio, impressionável, e responsivo. E
o espírito da desobediência pelo Espírito de Deus. A implantação do Espírito
dentro deles transformará seus motivos e lhes capacitará a viver de acordo
com os estatutos e os juízos de Deus (v.27). O revestimento do Espírito era
um sinal da era messiânica81 e o profeta tinha consciência disto e o mencionou

81
Isaías 42.1; 44.3; 59.21; Jl 2.28-29.
126 Profetas
Maiores_________________________________________________
nas ocasiões posteriores. Para ele, portanto, a restauração de Israel era o inicio
dos últimos dias, a era do Messias.

j) O Renascimento Espiritual do Povo (37.1-28).Este capítulo é o


mais conhecido no livro de Ezequiel, é uma visão terrível, um vale de ossos
secos. Trata-se de uma visão e de uma lição. Se o profeta foi levado ao lugar
onde estavam os ossos vistos em visão, ou se ele teve a visão mesmo em sua
casa.Os ossos representam os israelitas no cativeiro. Já estavam ali mais de
dez anos, e quaisquer vislumbres de esperança que tinham no inicio, quando
lá chegaram, já estavam totalmente extintos. Sua esperança se perdera, e como
aqueles ossos, estava muito seca.
A visão era um reflexo razoável do desânimo que o profeta enfrentava,
embora deva ser reconhecido que as suas profecias anteriores tinham, pelo
menos parcialmente, contribuído para o desespero do povo. Agora, quando o
profeta profetizou, os ossos se ajustavam cada um no seu lugar num vale, se
tornando seres vivos. Israel voltou à vida. Na visão isto ocorreu em duas
etapas. Na primeira, Ezequiel é ordenado: Profetiza sobre estes ossos, e dize-
lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor. O resultado é apenas uma
restauração parcial; os esqueletos espalhados são transformados em cadáveres
individuais, mais ainda continuam mortos como antes. No segundo momento,
Ezequiel tem que profetizar ao espírito e apelar para que venha assoprar sobre
estes mortos, para que vivam (v.9). Desta vez os cadáveres se colocam de pé
e o milagre se completou.
Qual o significado das duas etapas? A distinção entre elas deve ser
achada, na direção das profecias de Ezequiel; primeiramente aos ossos, lhes
ordenando que ouçam, e em segundo lugar, ao espírito, invocando sua
inspiração. As metáforas do texto reforçam o fato daquilo que Deus está
planejando fazer, a saber: a revivificação do seu povo desanimado, Israel.

k) A Profecia contra Gogue (38.1-39.29). Esta seção consiste em sete


oráculos, cada um dos quais é introduzido pela fórmula: Assim diz o Senhor
Deus. Descrevem como Gogue o príncipe de Meseque e Tubal, invadirá a terra
de Judá, vindo do norte para despojá-la e destruir o povo que, mais uma vez
está pacificamente restabelecido na sua terra. O Senhor vindicará a sua
santidade massacrando os invasores, de modo que seus cadáveres ficarão
espalhados nos montes de Israel como presas para as feras e os seus restos
mortais levarão sete meses para serem enterrados no Vale das forças de
Gogue. Ora, a idéia de uma enorme batalha escatológica entre as forças do
mal, e o povo fiel de Deus não era nova. Ezequiel tinha consciência de que
falava de um cumprimento de eventos que porta-vozes anteriores
127 127

profetizaram, e suas palavras ecoavam a linguagem de outros, especialmente


Jeremias82.

l) Os planos para a Nova Jerusalém. Estes últimos capítulos do livro,


fazem parte integrante dos ensinos do profeta, e equilibram certos aspectos
encontrados nos capítulos 1-39. É apropriado que o livro terminasse como
começou, com uma visão. Estes capítulos apresentam o profeta Ezequiel e a
visão de Deus voltando a habitar no meio do seu povo, agora restaurado e
restabelecido na sua terra. Estes capítulos têm ligações estreitas com a
profanação do Templo e o afastamento da glória do Senhor para longe de
Jerusalém, porque retratam o templo reedificado para o qual volta a glória do
Senhor (43.5). Aqui, portanto, encontramos o clímax do real pensamento do
profeta Ezequiel depois de haver amadurecido depois de vinte anos de oração,
de meditação e de ministério.
Na sua visão o profeta é transportado para um alto monte perto da
cidade santa, e ali encontra um personagem angelical que o acompanha por
toda área do templo, medindo tudo com uma vara de medida do construtor.
Depois de ter uma visão pormenorizada do exterior do templo e do santo dos
santos83, Ezequiel vê a volta da glória do Senhor ao templo, e é instruído sobre
o que deve fazer com as informações que lhe foram dadas (43.1-12). O restante
do capítulo é dedicado às medidas do altar do sacrifícioEzequiel Parte II
e à maneira de ser
usado (43.13-27). O capitulo 44 trata de vários regulamentos que dizem
respeito a organização do templo, em especial aos levitas e aos sacerdotes
zadoquitas que ministrarão ali, seguida por uma divisão das terras em redor
do templo com alocações específicas para os oficiais do templo e para o
príncipe (45.1-17). Seguem-se regulamentos adicionais a respeito de festas,
ofertas e sacrifícios (45.18-46.24), mas o capitulo 47 introduz um assunto
novo: a torrente de água derramada do santuário, trazendo vida e fertilidade
às áreas infrutíferas do mar morto (47.1-12). A visão termina com uma
descrição das fronteiras da terra, e a alocação de várias para as doze tribos de
Israel (47.13-48.35).
O principal problema destes capítulos é o da interpretação, pois há
quatro pontos de vista: O primeiro ponto de vista tem sido chamado de
interpretação profética literal. De acordo com esta interpretação, temos aqui
a planta de um templo que Ezequiel pretendia que fosse construído. Em defesa
desta teoria está no fato de que o profeta esperava com confiança a volta literal
do cativeiro. A segunda interpretação é a cristã simbólica. Sustenta que esta
visão teve seu cumprimento simbólico na igreja cristã. Há veracidade neste
ponto de vista, e recebe ímpeto pelo uso da linguagem de Ezequiel no livro do
Apocalipse, onde o quadro da Nova Jerusalém é baseado, em linhas gerais, no

82
Je 4.5-6; 26; Jl 2.20.
83
40.6-16; 20-27; .28-37; 38-47; 40.48-41.26.
128 Profetas
Maiores_________________________________________________
padrão de Ezequiel. Outro ponto de vista é o chamado de dispensacionalista.
Esta posição faz uma abordagem literal e futurista que se refere aos últimos
dias, quando se supõe que todas as profecias acerca do futuro glorioso de Israel
serão literalmente cumpridas numa nova dispensação. O quarto ponto de
vista é considerar estes capítulos, não como profecia, mas, sim como
apocalíptica, e interpretá-los de acordo com os cânones deste estilo de
literatura hebraica. Seus aspectos são o simbolismo, a simetria numérica, e o
futurismo. Já notamos como 38-39 foram expressos neste estilo, e 40-48,
embora seus conteúdos sejam bem diferentes, pendem na mesma direção. Esta
interpretação parece adotar o conceito mais realista do caráter literário dos
textos, a mensagem do profeta nestes capítulos pode ser resumida da seguinte
maneira:
• A perfeição do plano de Deus para o seu povo restaurado, expressa
simbolicamente na simetria imaculada do edifício do templo.
• A centralidade da adoração na nova era, sendo que sua importância
é expressa na atenção escrupulosa aos pormenores na observância
de todos os seus ritos.
• A presença permanente do Senhor no meio do Seu povo.

m) As Águas vivificantes (47.1-12). O rio que surge abaixo do limiar


do templo e que fertiliza as áreas estéreis do vale do Morto é um claro exemplo
de simbolismo e expressa às bênçãos que fluirão da presença de Deus no seu
santuário para outras partes da terra. Entender isto de maneira literal é perder
completamente a lição que está sendo ensinada. A presença de Deus faz fluir
toda sorte de bênçãos sobre o seu povo e para as nações. Jesus Cristo é a fonte
de água viva que sacia a alma sedenta, que refrigera e purifica a alma humana.

“A verdadeira liberdade consiste em fazer o que devemos, sem sermos


constrangidos a fazer o que não devemos”. Jonathan Edwards.
129 129

1 – INTRODUÇÃO GERAL

a) Contexto Histórico. Este livro é diferente dos outros livros que


formam o A. T. Isso fica evidente mesmo para qualquer leitor. Embora se
encontre, na nossa versão entre os profetas, não contém mensagens
proclamadas em nome do Senhor, à maneira dos profetas; nem se trata de um
130 Profetas
Maiores_________________________________________________
livro histórico no sentido em que são os livros de Reis, mesmo que comece a
partir de um ponto na história.
Usando sonhos e visões, sinais, símbolos e números ele parece estar
declarando o curso da história e chamando atenção ao seu significado,
mapeando seu curso à medida que ela se encaminha ao seu final. Esta
linguagem técnica do livro é, portanto, escatológico. Tal como os primeiros
capítulos de Gênesis, é universal em seu escopo, apresentando ainda uma
abrangente visão do tempo histórico. Isso se torna possível por meio de uma
série de visões especiais que revelam a Daniel o propósito de Deus para o
mundo. Assim, é uma literatura apocalíptica. Também o livro é importante
pelo fato que mostra o Deus Soberano, que deu inicia à vida humana e controla
a história e a levará ao termo por Ele designado.
O livro de Daniel começa com Nabucodonosor no trono da Babilônia.
A dinastia babilônica substituíra a assíria como potência dominante na região
oriental do Mediterrâneo durante o ultimo quarto VII século a.C. e, quando
Nabucodonosor derrotou os egípcios em Carquemis em 605 a.C., já estava
finalmente estabelecida. Em 604 a.C. ele sucedeu seu pai no trono. Expandiu
mais ainda as conquistas do seu pai e, conforme o relato no livro de Reis, em
587-586 finalmente subjugou Judá e conquistou Jerusalém, levando de volta
consigo para Babilônia uma grande parte da população. O livro de Daniel
pressupõe que tenha havido uma invasão anterior de Judá, quando alguns
cativos foram levados, inclusive Daniel84.
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 a.C., seus filhos e netos
revelaram-se incapazes e, em 556, uma revolução por fim colocou no trono
alguém que não pertencia à família real, chamado Nabonido. Seu filho era
Belsazar que, segundo parece, reinava na Babilônia como preposto de seu pai
quando o império caiu sob os persas do rei Ciro, em 539. Depois disso, o
Oriente Próximo foi governado durante dois séculos por uma sucessão de
soberanos persas. Destes, Dario I foi historicamente o mais conhecido. Logo
após, em fins do século IV, veio a derrota dramática do Império persa por
Alexandre Magno, que estabeleceu a supremacia grega sobre toda área do
império, em 331 a.C. Alguns anos depois da morte de Alexandre, seu reino no
Oriente Próximo foi dividido em dois. A dinastia ptolomaica, cujo nome se
deve a seu primeiro soberano Ptolomeu I Soter, governou a área ao redor do
Egito, e a dinastia selêucida, iniciada pelo soberano Seleuco I Nicator, tendia
a dominar a Síria e a Palestina. Entre as duas casas reais, às vezes havia
casamentos, e às vezes conspirações e traição. Os ptolomeus egípcios
dominaram até que, em 198 a.C., o selêucida Antioco Magno derrotou
Ptolomeu Epifânio e finalmente obteve incontestada ascendência sobre a

84
Daniel 1.1.
131 131

Palestina. O acontecimento mais importante, no que dizia respeito aos judeus,


ocorreu em 175 quando, depois de algumas intrigas, Antioco IV Epifânio
conseguiu o trono dos selêucidas. À pessoa, à carreira e às ambições deste
soberano, muita atenção é dada no livro de Daniel.
Durante este período, as circunstancias do povo de Deus mudaram
consideravelmente. Como exilados na Babilônia sob o governo de
Nabucodonosor, tiveram de enfrentar os problemas de se estabelecer em uma
terra estranha, dominada por uma religião pagã, e também de permanecerem
fiéis ao Deus de seus pais, embora não tivessem templo nem ritual de
sacrifícios. Depois da ascensão de Ciro, o persa, ao trono em 539, alguns dos
exilados voltou à Palestina e, por terem aumentado em número edificaram
primeiro o templo e depois os muros. Os imperadores persas eram, de modo
geral, amistosos, e a comunidade que voltou desfrutava, em boa medida de
liberdade religiosa. Já sob o império grego, porém, tiveram de enfrentar uma
ameaça muito mais severa do que tinham tido até então, até mesmo no exílio.
Alexandre Magno tinha a ambição não somente de conquistar o mundo, como
também helenizá-lo, isto é, submeter tudo à influência do espírito grego.
Os costumes gregos e amaneira grega de encarar o mundo foram
amplamente difundidos. Parecia que tudo quanto era grego impregnava as
coisas com sua presença e ia se tornando universal. Durante muitas gerações
a nação judaica como um todo conseguiu resistir a este movimento, pois na
Palestina, sob o governo ptolomaico, nenhuma pressão externa foi imposta à
população para fazê-la adotar os costumes gregos. Mas dentro da própria
comunidade judaica, especialmente nos círculos intelectuaisDaniel Parte I e
e sacerdotais,
entre aqueles que estavam envolvidos na política do poder daqueles dias,
surgiu um forte partido helenizante.
No entanto havia dois partidos que ofereciam resistência a investida
para helenização do povo, os macabeus sob a inspiração e liderança de
Matatias, um sacerdote do interior e seus filhos, despertou a resistência
armada, entrou no campo de batalha, e finalmente foi bem sucedido. O outro
partido de resistência foi os hasidins, ou santos. Tratava-se de um partido
separatista cuja política era a resistência passiva e a rigorosa fidelidade à lei.

b) Data e Panorama. Este período, de 605 até 165 a.C., compreende o


período histórico que é objeto imediato da detalhada exposição feita pelo autor
do livro de Daniel. Conforme as datas dadas no texto, os dez capítulos de
Daniel cobrem todo período do exílio. O livro começa com informações que
nos levam ao ano de 605 a.C., quando Nabucodonosor pela primeira vez
colocava os pés na região siro-palestina, depois de ter derrotado e perseguido
o exército egípcio; e a última data mencionada é o terceiro ano do rei Ciro,
537 a.C. (10.1), logo após o primeiro grupo de exilados ter retornado a Judá
para reconstruir as suas ruínas. O livro se divide em duas partes iguais: os
132 Profetas
Maiores_________________________________________________
capítulos 1-6, relatando incidentes que ocorreram com Daniel e seus amigos,
e os capítulos 7-12, que são cronologicamente superpostos e contam, com
detalhes, quatro visões que vieram a Daniel quando já era homem velho.
Outra maneira de dividir o livro é observar o uso de duas diferentes
línguas, pois embora o livro inicie em hebraico (1.1-2.4a), continua depois em
aramaico, até o fim do capítulo 7, retornando por fim ao hebraico. O cerne
“aramaico” do livro liga, assim, as suas duas metades e sugerem a sua unidade.
Conforme Daniel 1.1, o profeta foi levado para a Babilônia em 605 a.C.,
lá vivendo pelo menos até 537 (10.1), quando já devia ter mais de oitenta anos
de idade. Contudo, embora 537 seja a última data fornecida pelo livro, não
assinala o último evento registrado, pois as profecias cobrem os séculos
quinto, quarto, terceiro e partes do segundo.

c) Esboço do Livro.

I. O Contexto Histórico........................................................................(1.1-21).

II. As Nações e o Deus Altíssimo.....................................................(2.1-7.28).

III. O segundo e o terceiro Reino Identificados...................................(8.1-27).

IV. A Oração de Daniel e a Visão das Setenta Semanas.....................(9.1-27).

V. A Visão do Mensageiro Celeste e sua Revelação Final...........(10.1-12.13).

2 - COMENTÁRIO I (1-6).

a) Introdução Histórica (1.1-21). O livro inicia com dois versos que


se relacionam com a história mundial. De maneira breve é relatado o primeiro
embate entre Nabucodonosor e rei davídico de Jerusalém. A rendição era
inevitável, as o pior ainda estava por vir, em 597 a.C., quando o rei Joaquim
se entregou e foi deportado, junto com os mais nobres da população, e em 587,
quando ocorreu a destruição final e deportação em massa 85. É importante
ressaltar que a queda de Jerusalém se deu em três fases, em 605, 597 e 587
a.C., entre as quais somente a primeira é citada em Daniel.
O rei Joaquim subiu ao de Judá depois da derrota e morte de Josias em
Megido, em 609 a.C. Conforme alguns estudiosos 605 seria o quarto ano desse
rei86. O verso 2 não deixa claro que Joaquim foi levado para Babilônia. O

85
2 Reis 24.10-25.21.
86
Jeremias 25.1,9; 46.2.
133 133

destaque são os despojos que Nabucodonosor levou para a Babilônia,


inclusive os tesouros do templo. Aqui há uma afirmação forte sobre a
soberania de Deus que é tratado como Senhor, um nome o qual se refere a Sua
majestade e O designa como o “Exaltado”, responsável por tudo que acontece
com o seu povo, em quem deve confiar mesmo em situações desastrosas87.
Nos versos 3-7 inserem os personagens principais no contexto histórico,
explicando como jovens da corte de Jerusalém vieram estar na Babilônia antes
da primeira deportação, em 597 a.C. Um grupo seletivo de reféns escolhidos
da corte judaica enfraqueceriam os seus recursos, poderiam ser úteis ao
conquistador e também serviriam para reforçar a condição de vassalos dos
judeus. Os escolhidos para a corte do rei tinham que ter boa aparência,
perfeição física e grande privilégio intelectual.
Começar a estudar a literatura babilônica significava entrar num mundo
de pensamento totalmente estranho. Estes jovens devem estar seguros em seu
conhecimento de Javé, para poderem estudar esta literatura politeística, a fim
de darem testemunho do seu Deus em meio à corte babilônica, assim eles que
tinham que compreender os pressupostos culturais daqueles que os cercavam,
tal como o cristão deve se esforçar discernindo a cultura do meio em que vive
para que a mensagem de Cristo penetre as mesmas através de sua vida.
Era uma honra especial ser servido pelo dispendioso cardápio do rei,
fazia parte de um processo de reeducação com o objetivo deDaniel Parte Ipara
prepara-los
o serviço real. Entre esses jovens o texto ressalta Daniel, Hananias, Misael e
Azarias (v.6), os quais receberam cada qual um novo nome. O nome de
Daniel, Beltessazar, “Que um deus proteja a sua vida”; Hananias, o de
Sadraque, “tenho muito temor de deus”; Misael, o de Mesaque, que quer dizer
“tenho pouca importância”, e o de Azarias lhe deram o nome de Abede-Nego,
aparentemente uma forma aramaica significando “servo daquele que brilha”.
Desta maneira habilidosa, o autor apresenta aqueles que serão os personagens
principais do seu livro, particularmente Daniel.
Toda a comida na Babilônia ou na Assíria era ritualmente impura e não
havia possibilidade de se fugir disso. O próprio livro oferece a chave
necessária para a compreensão dessa questão, em 11.26 onde novamente
aparece o termo o raro “os que comeram os seus manjares o destruirão”. Pelos
padrões orientais, compartilhar de uma refeição era se comprometer a uma
amizade, tinha uma significância pactual. Assim aqueles que tivessem se
disposto a obedecer nessa questão aceitavam uma obrigação de lealdade ao
rei.
A relutância do compreensivo chefe dos eunucos em concordar com o
pedido pode ser entendida ainda melhor se o motivo de Daniel fosse o de
permanecer livre de um compromisso com a vontade do rei. O rei certamente

87
Isaías 43.2.
134 Profetas
Maiores_________________________________________________
teria interpretado o motivo como sendo traiçoeiro, considerando a Aspenaz
culpado de cumplicidade. Foi um oficial de status inferior que cooperou com
eles, o cozinheiro-chefe. Com a conivência dos chefes dos eunucos, ele
evidentemente trocava as iguarias reais destinadas a Daniel e seus
companheiros pela sua própria comida, beneficiando-se assim com a troca;
esse fator também representa uma garantia de que o segredo seria guardado.
O resultado da experiência de dez dias justificou a confiança de Daniel
de que a sua saúde não sofreria dano. Mesmo um pequeno ato de
autodisciplina, feito por lealdade como um principio, coloca os servos de
Deus sob a sua aprovação e bênção. A invisível mão de Deus dirige todo curso
dos acontecimentos (v. 2,9) e dá não somente saúde física mais também vigor
intelectual aos seus fiéis servos. O dom particular de Daniel de entender visões
e sonhos era apropriado à sua necessidade numa terra em que tal coisa era
esperada de homens sábios, e o Deus que é a fonte de todo o conhecimento
daria discernimento para distinguir o certo do errado.
Encantado com o desempenho deles (18-20), o rei os tinha em sua
presença, para servirem-no.

b) Interpretação da Grande Estatua de Metal (2.1-49). De repente


o sonho do rei tira não apenas o seu sono, mas também a paz de todos os sábios
da Babilônia; seus privilégios se transformaram em imanente ameaça. Estes
peritos em sonhos trabalhavam sobre o principio de que sonhos e suas sequelas
seguiam uma lei empírica que, havendo dados suficientes, podia ser
estabelecida. Os manuais de sonhos, dos quais vários exemplos vieram à luz,
consistem de conformidade com isso, de sonhos históricos e os eventos que a
eles se seguiram, ordenados de maneira sistemática para fácil referência.
Os magos e sábios da Babilônia se mostraram incapazes de saber qual
o sonho tinha assaltado a quietude do rei, e sua interpretação. O rei suspeita
que os interpretes de sonhos sejam impostores que secretamente se
combinaram com o propósito de levá-lo na conversa até que se mude a
situação, até que a crise tenha passado e o rei esquecido o incidente. Se eles
puderem contar o sonho, isso autenticará a capacidade dos mesmos de
interpretá-lo. O rei está sendo completamente irrazoável. Ele pode ser o grande
monarca, mas sua exigência sobrepujava os limites, pois isso era assunto para
os deuses, cuja a morada não é com os homens. O rei não fez nenhuma
tentativa de disfarçar os seu furor, o seu decreto era irrevogável: Então o rei
muito se irou e se enfureceu, e ordenou que matassem a todos os sábios de
Babilônia (12).
135 135

Em sua
dependência da
misericórdia de Deus
Daniel procura os seus
companheiros, que vêem
as coisas como ele, para
que se juntem a ele em
oração por uma revelação
do conteúdo dos sonhos, e
ao fim da sua oração de
gratidão reconhece a sua
ajuda.O que estava oculto
para os sábios da
Babilônia foram
reveladas a Daniel. Onde
os primeiros haviam sido
impotentes, o deus do céu
se mostrou capaz de
revelar aos seus servos o
que estes precisavam
saber. Numa visão de
noite Daniel viu o que o
rei tinha visto em seu sonho e ainda compreendeu do que se tratava.
A primeira preocupação de Daniel é mostrar não ter ele nenhum poder
ou qualificação especial; mas há um Deus nos céus que é não só
suficientemente grande, mas também disposto a fazer conhecido o sonho. A
atitude do profeta difere da de Arioque, o capitão da guarda,Daniel Parte
pois não I de
fala
si mesmo porque foi Deus quem havia revelado o sonho a Nabucodonosor, e
o que há de ser nos últimos dias. Esta expressão nos profetas é bastante geral,
não significa o fim do mundo, mas o que vai acontecer um dia.
O rei sonhara com uma grande estátua diante dele. Tinha forma
humana, feita de metal reluzente e de aparência terrível, com aquele tipo de
terror numinoso de que os sonhos às vezes são veículos. Da sua cabeça de
ouro aos frágeis pés de barro misturado com ferro, ele representava uma figura
desequilibrada, sujeita a cair e se quebrar. Para colaborar nesse processo, uma
pedra, movida por um poder sobre-humano, feriu a estátua nos pés, quebrando
em seguida todas as partes da estatua.
A Babilônia de Nabucodonosor é a Cabeça de Ouro, que substituída por
prata e a prata por bronze, sendo mesmo assim impérios mundiais, e não, na
interpretação de Daniel, sucessores do trono babilônico. O peito e os braços
de prata simbolizam o imprimo medo-persa. Como a figura já indica, os dois
braços ligados pelo peito representam um império que seria formado pela
136 Profetas
Maiores_________________________________________________
união de dois povos, os medos e os persas. Nesse reino o rei não estava acima
da lei, mas sob ela. Os quadris de bronze, que representam o império grego
estabelecido por Alexandre o Grande, em 333 a.C. Alexandre Magno dominou
mundo inteiro, mas seu reino desintegrou-se com sua morte. As pernas de
ferro e dos pés de ferro e barro (v. 33,40-43), trata-se do império romano. Era
o mais forte dos quatro. Mas, internamente, seu valor era inferior aos seus
predecessores, como o ferro é inferior a outros metais. Ao mesmo tempo, o
império romano era forte como o ferro, mas débil como o barro (baixo nível
moral). Finalmente explica a respeito da pedra que esmiúça a estátua, esta
pedra cortada... sem auxilio das mãos, divinamente preparada e atirada com o
objetivo de realizar o plano divino. Este desenvolvimento acima de todos os
eventos da historia está além do conhecimento humano; mas Nabucodonosor
achou favor da parte de um grande Deus, que mostrou o futuro a ele.
A pedra representa o Reino de Cristo que vem, e destrói todos os reinos
e enche toda a terra. O Reino de Cristo já veio na encarnação histórica do
Logos. Ele está em nós e dentro de nós. Mas, na segunda vinda de Cristo, os
reinos deste mundo serão destruídos, e o Reino de Cristo será estabelecido
totalmente. Então todo joelho se dobrará e toda a língua confessará que Jesus
é o Senhor, o grande Rei. Cristo colocará todos os seus inimigos debaixo dos
seus pés.

c) Três Amigos Hebreus na Fornalha (3.1-30). Embora o autor não


chame tal estátua de um deus, a pretensão do rei era que a mesma fosse
adorada. Todos os povos, nações e línguas teriam de se prostrar e adorá-la,
este fato mostra que a intenção de Nabucodonosor era unir o seu reino sob
uma religião. Tanto o tamanho da imagem como o seu formato são relevantes.
Na altura ela emparelhava com as palmeiras que ainda hoje crescem nas
planícies do Iraque, chegando aproximadamente à altura desta imagem (cerca
de 27 metros de cumprimento, e 2,7 metros de largura). O incidente representa
o conflito entre a adoração do Deus verdadeiro e o uso humanístico da religião
como um meio de incrementar o poder dos governantes no mundo. O rei não
pode ver razão alguma para uma recusa à adoração, tal como era pedida, a não
ser insubordinação, e por isso não hesita em prescrever uma brutal punição na
fornalha. As fornalhas na Babilônia tinham relação com a queima de tijolos
(Gn 11.3), os quais eram largamente usados na falta de pedras.
Se não fosse pelos informantes, Nabucodonosor nunca teria sabido que
os três homens que havia promovido não lhe deram atenção. O fato de serem
pessoas ligadas ao governo naquela província que o desafiavam representaria
uma provocação adicional. Como Daniel se evadiu com relação a essa questão
não é explicado.
137 137

(v.8) Os acusadores sabiam muito bem das circunstâncias em que estes


judeus haviam sido designados para os seus cargos, e estavam ressentidos pelo
fato de ter o rei promovido estrangeiros para estarem acima deles. Agora, está
aí a oportunidade de obter o favor do rei, revelando-lhe a traição daqueles.
Os três jovens não duvidaram do poder do seu Deus de livrá-los da
fornalha do rei, mas não tinham o direito de presumir que Ele efetivamente o
faria. Se não o fizesse, estavam dispostos a assumir as consequências, não
comprometendo a sua consciência diante de tal circunstância.

(v.19). Depois de mandar aquecer a fornalha sete vezes mais, o rei envia
Soldados de elite para amarrarem os três condenados, para evitar que
pudessem se debater e de alguma forma escapar à punição. O rei dando ordens,
impacientemente, viu seus criados se tornarem vítimas da fornalha, enquanto
cumpriam seu dever. Em vez de três homens amarrados, Nabucodonosor vê
quatro homens soltos. O quarto homem é semelhante ao filho dos deuses ou
semelhante a um deus, a despeito de sua aparente humanidade, e começa ficar
claro para o rei que há um Deus que pode livrar alguém da sua mão. Os três
homens estão livres para irem ao seu encontro quando os chama saindo da
fornalha.
O rei fica impressionado pela ausência de quaisquer sinais de
queimadura, Nabucodonosor foi compungido a reconhecer que o Deus deles
os havia livrado, reduzindo a nada o decreto de Nabucodonosor. O poder do
rei está longe de ser absoluto. Ele tinha deixado fora dos seus cálculos o Deus
Altíssimo (v.26), cujo poder passa a reconhecer no decreto do Daniel Parte
verso 29. I
d) Interpretação da Visão da Árvore de Nabucodonosor (4.1-27).
Um sonho misterioso que alarmara o rei e havia deixado confusos os seus
especialistas em interpretações fora relatado a Daniel (4-18), depois de alguma
hesitação, este contara o rei o seu significado (19-27). Um ano depois o rei foi
acometido de uma doença mental, que finalmente o abandonou, quando
“levantou os seus olhos para o céu”. A sua alegre resposta, então, foi dar
graças ao Deus Altíssimo e publicar suas experiências (28-37). Assim, não
apenas reinos, mas também reis individualmente são mostrados como estando
debaixo do controle do Deus de Israel, que havia afligido ao rei por desejar
mostrar-lhe misericórdia.
Mas ressaltando, o sonho perturbador, foi que o rei via uma árvore no
meio da terra, cuja altura chegava ao céu e era vista até os confins da terra.
Havia nela sustento para todos, e todos os seres viventes dependiam dela. Um
vigilante que descia do céu deu ordens para derribar a árvore e afugentar todos
os animais. Mas a cepa com as raízes devia ser deixada para ser molhada pelo
orvalho do céu até que passassem sobre ela sete tempos. O sonho do rei tem
uma aplicação pessoal clara.
138 Profetas
Maiores_________________________________________________
Daniel deu ao sonho uma interpretação corajosa. A árvore frondosa, que
cresceu, tornou-se notória, grande, poderosa e esplêndida, ela era o próprio rei
(v.22). A ordem para cortar a árvore vem do céu, como um decreto do Deus
Altíssimo. O significado é que o rei será expulso de entre os homens para
morar com os animais do campo como um bicho, até que reconheça que o
Altíssimo tem o domínio sobre o reino dos homens (v.25).

e) Interpretação da Escritura na Parede (5.1-31). Os episódios


registrados aqui demonstram que os grandes impérios mundiais, e os reis que
os representam, todos estão sujeitos ao Deus dos exilados de Judá, que se havia
dado a conhecer fora de uma terra prometida tal como o fizera dentro dela. O
banquete de Belsazar era na verdade pura bravata, o império babilônico estava
em declínio. Não é de se admirar que o pânico tomasse conta dele fazendo-o
passar vexame assim que algo inesperado aconteceu. Deus transforma os
prazeres do pecado em perturbação (v.5,6,9), enquanto eles celebram aos seus
deuses, bebendo vinho nos vasos do templo do Senhor, no mesmo instante,
aparecem uns dedos escrevendo na parede. O ruído dos copos e barulho das
taças cessou. A conversa emudeceu. As mãos ficaram imóveis. Em poucos
segundos todo o ambiente estava transformado num palco de medo e horror.
A alegria do rei e de seus convidados acaba. A festa termina, o desespero toma
de conta. O rei empalidece. Seus joelhos batem um no outro, a alegria do
pecador dura pouco.
Deus contou seu reino e deu cabo dele. MENE (v.24-26), no meio da
orgia altiva e desregrada, move-se uma silhueta escura. São dedos que
escrevem quatro palavras, palavras que confrontam todos os festeiros, que
coloca abaixo o rei e seu reino. A parede real parece a lápide de um túmulo, e
todos viram o epitáfio sendo gravado: MENE, MENE, TEQUEL, UFARSIM
(v.29). Essas três palavras fundamentalmente significam; número, peso,
divisão. O reino de Belsazar foi contado, pesado e dividido e dado aos medos
e persas. MENE, MENE trata de uma repetição de ênfase. O período de seu
reino estava acabado, durante todos aqueles anos, Deus lhe deu oportunidades,
mas ele se recusou. Agora, Deus diz: “Basta! Acabou!”.
Pesado foste na balança, e foste achado em falta (v.27). Deus pesou
cada ato de sua vida, seus pecados ocultos e conhecidos, suas desordens e
bebedeiras, sua rejeição às coisas santas e resistências às coisas espirituais
foram todos pesados na balança de Deus.

PERES: Dividido está o teu reino, e entregue aos medos e persas.


UFARSIM – PERES. O reino de Belsazar foi dividido, seu reino seria
destruído e dividido. Isso aconteceu pelo poder dos medos e dos persas. O
mesmo Deus que dera o reino a Nabucodonosor (v.18). Mas não foi somente
139 139

aquele reino que Belsazar perdeu, ele também perdeu o Reino de Deus. O rei
sobrepujou a linha divisória da paciência de Deus.

Naquela mesma noite, enquanto Belsazar e seus convidados promoviam


a festa da morte, o rei Dario desviou o curso do rio Eufrates, que corria pelo
centro da cidade, invadiu a inexpugnável Babilônia, mataram o rei Belsazar e
tomaram a cidade. Este capitulo ilustra a junção do rei e reino em um destino.
O descarado desrespeito de Belsazar diante do Altíssimo estava de
conformidade como caráter nacional, e, eu diria com a condição humana de
todos nós, tal como é pintada no Salmo 90. Embora os dias dos homens
estejam contados (v.10), poucos os contam por si mesmos, alcançando um
“coração sábio” (v.12).

f) Livramento na Cova dos Leões (6.1-28). Daniel, até agora próspero,


na sua velhice fica sujeito a julgamento, tal como seus amigos o foram.
Simplesmente por continuar com um hábito de adoração como já fazia em
toda sua vida, ele está transgredindo a lei do país. O ponto central da historia
é o fato de Daniel ter escapado da cova dos leões, tal como o miraculoso
livramento dos justos das mãos dos seus perseguidores. O período de
perseguição estava começando para o povo de Deus no século sexto a.C., e os
livramentos da morte tinham com isso um significado simbólico que ia mais
além do evento em si.
O rei Dario contrasta com o caráter de Belsazar. A sugestão que foi
apresentada ao rei foi calculada de modo a envaidecer o seu ego e dar
expressão a uma nova autoridade. O rei inexperiente dificilmente esperava que
Daniel Parte
houvesse outros motivos por trás dessa demonstração de lealdade; e seIele
suspeitasse de alguma coisa, não conseguia ver motivos para se preocupar. Por
isso, assinou o documento que fez dele rei-deus por trinta dias, conforme a lei
dos medos e dos persas, a qual não podia ser revogada.
Imediatamente ele se arrependeu e se lastimou, por ter errado
grandemente; mas não era possível anular o que havia sido feito com
autoridade real. Daniel foi acusado justamente naquilo que era correto, em sua
devoção para com o seu Deus. Depois de haver repetido os termos da lei a
qual pretendiam invocar e ouvido o rei repetir que esta de fato não poderia ser
revogada, a comissão acusa Daniel de transgredir a lei. Mesmo entristecido o
rei não pôde ganhar tempo, a sentença teria que ser pronunciada, ele deu
ordens e Daniel foi lançado na cova dos leões. O texto implica em que a cova
dos leões tenha duas entradas, uma rampa pela qual os animais entravam, e
um buraco na extremidade superior, pelo qual normalmente eles seriam
alimentados.
Ao nascer do sol o rei caminhou lentamente para a cova dos leões e
bradou: Ó Daniel, servo do Deus vivo, dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem
140 Profetas
Maiores_________________________________________________
tu continuamente serves, tenha podido livrar-te dos leões? Então Daniel
respondeu: Ó rei, vive para sempre. O meu Deus enviou o seu anjo, e fechou
a boca dos leões, e eles não me fizeram mal algum; porque foi achada em mim
inocência diante dele; e também diante de ti, ó rei, não tenho cometido delito
algum. A resposta de Daniel é uma prova de que o seu Deus, Javé, realmente
vive, e foi capaz de socorrê-lo.
O troco é dado aos que falsamente acusaram a Daniel: E o rei deu
ordem, e foram trazidos aqueles homens que tinham acusado Daniel, e foram
lançados na cova dos leões, eles, seus filhos e suas mulheres; e ainda não
tinham chegado ao fundo da cova quando os leões se apoderaram deles, e
lhes esmigalharam todos os ossos.

Assim, João Calvino comenta:

Sabemos que o principal sacrifício exigido por Deus é a invocação. Pois é


assim que damos testemunho de ser Ele o Autor de todo o bem que nos cerca;
também damos prova de nossa fé quando nos volvemos a Ele e lançamos todas
as nossas ansiedades sobre seus ombros, lançando a seus pés todos os nossos
desejos. Portanto, já que a oração tem primazia na adoração e no serviço a
Deus, certamente não é um assunto de somenos importância que o rei proibisse
alguém de orar ao Senhor, era, aliás, um manifesto e uma absoluta e crassa
negação da piedade. Não obstante, ele se acostumara a orar a Deus com suas
janelas abertas. Ele se mantem em sua trajetória para que ninguém objetasse
dizendo que ele se pudera temporariamente a agradar a um rei terreno e a
degradar a adoração devida a Deus. Ah, se nos dias de hoje esta doutrina
estivesse gravada nos corações de todos.

Portanto, tenhamos em mente que não devemos simplesmente oferecer


a Deus em nossos corações o sacrifício de oração, mas também se requer uma
profissão de fé pública, para que pelo menos se notifique que somos genuínos
servos do Senhor.

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Jesus Cristo.


141 141

1 – COMENTÁRIO.
142 Profetas
Maiores_________________________________________________
a) Visão dos Quatro Animais e o Filho do Homem (7.1-28). A visão
trata de quatro grandes animais que vem subindo do mar; três deles apresentam
alguma semelhança com animais conhecidos, mas o quarto é grotesco, tendo
dez chifres, um dos quais é mencionado de forma especial. Neste ponto Daniel
vê a sala do trono do céu e o espantoso resplendor do “Ancião de Dias”,
assentado para executar o juízo contra os animais, cujo reino foi dado a “um
como o filho do homem”. “Um dos quais estavam perto” respondeu às perguntas
feitas por Daniel, mas os mistérios permanecem, e a visão que tão
profundamente perturbou a Daniel continua a nos ocupar hoje, nós “sobre quem
os fins dos séculos têm chegado”.
O capitulo 7 está dividido em duas grandes partes, os versos 1 a 14
retratam o sonho de Daniel; os versos 15 a 28, a interpretação do sonho. Este
capítulo trata do desenrolar da história humana até o fim do mundo. Se olharmos
apenas para os reinos deste mundo somos o povo menos favorecido da terra,
mas se olharmos para o trono de Deus somos o povo mais feliz da terra. Os
impérios do mundo surgem, prosperam e desaparecem, mas o reino de Cristo
permanece para sempre. Na convulsão terrível da história, Daniel olha e vê Deus
assentado no trono.
Os quatro ventos que agitam o mar vêm do céu. Esses quatro ventos
falam da universalidade e totalidade do mundo, o mundo todo está envolvido
nos acontecimentos. São fatos de alcance mundial. Como o mar é um símbolo
dos povos em sua convulsão histórica e o vento um símbolo da intervenção de
Deus na terra, podemos afirmar que o levantamento dos reinos do mundo é
um ato da soberania de Deus. Ele levanta reinos e abate reinos. Estes quatro
animais representam quatro reis, ou seja, quatro impérios (Dn 7.3-7,17)

A primeira criatura, combinando a majestade do leão com o poder da


águia, sugere domínio e força. Ambos são símbolos da grandeza da Babilônia.
O segundo animal, semelhante a um urso, é quase tão formidável
quanto primeiro. Levantou-se sobre um dos seus lados, para poder agarrar
ainda mais presas. Aqui simboliza o império medo-persa (v.5), um império
formado pela união de dois povos: os medos e os persas. Três costelas
representam a vítima de uma caçada anterior e que não satisfez o seu apetite.
Outro, semelhante a um leopardo, aqui simbolizando o império grego
(v.6) o mais perigoso dos animais carnívoros. É conhecido pelos seus ataques
súbitos e inesperados; tinha nas costas quatro asas. Vale chamar a atenção à
rapidez dos seus movimentos. Tinha também este animal quatro cabeças. Se a
interpretação de “quatro” sugerida acima é válida, este animal então está
olhando em todas as direções à procura de caça, isto é, de um império. E foi
lhe dado domínio. Como os outros dois animais ele está sujeito a um poder
143 143

superior, aqui anônimo. Ele não adquire o domínio por suas próprias
capacidades.
Se os outros animais já representavam o que há de mais poderoso e
selvagem para o homem, há algo pior por vir, um quarto animal, terrível,
espantoso e sobremodo forte. Seus grandes dentes de ferro podem ter
correspondência como estrato da imagem do capitulo 2; contudo, enquanto a
imagem é estática, aqui temos ação do tipo mais cruel. Tinha dez chifres: os
chifres de um animal representam a sua força, em autodefesa ou em ataque.
Seus olhos como o de homem dão a chave que indica que o pequeno chifre
simboliza um governante humano. Esse quarto animal é uma descrição do
império romano.
Embora a visão continue sem interrupção, é conveniente fazer uma
síntese deste capítulo até aqui, com o propósito de chegar a um denominador
comum, ainda que tentativo, com relação ao seu significado. Governantes
mundiais, vislumbrados por trás do fino véu das imagens, todos inspiram
terror, e mais ainda à medida que a história progride, pois o pior está reservado
para o fim. Além disso, a visão tem lugar de noite, quando a escuridão coopera
para deixar o temor e a imaginação excepcionalmente vividos. Se for correta
a hipótese de alguns comentadores, de interpretar o grande mar como uma
referência ao abismo mítico da literatura babilônica, lugar de toda espécie de
monstros, pouco se acrescenta à intensidade da reação emocional, embora a
afirmação de que estamos no âmbito de temores bem primitivos seja
reforçada.
(v. 8). O pequeno chifre é pequeno só no começo, mas cresce
progressivamente até distinguir-se como mais robusto que os outros chifres
Danielescatológica,
(v.20). O pequeno chifre simboliza o Anticristo, em perspectiva Parte II
e seu governo será a expressão de poder mais forte na terra até ser desarraigado
por Cristo.
O Ancião de dias é uma expressão rara. A deslumbrante brancura das
veste e dos cabelos sugeririam pureza, e à medida que ia percebendo o fogo
do trono e das rodas, a semelhança com a visão de Ezequiel o convencia que
estava contemplando o próprio céu (Ez 1.26-29), e a carruagem-trono do
Senhor, da qual manava um rio de fogo. O pensamento não é original de
Daniel. O fogo frequentemente representa a presença de Deus. É algo
apropriado que inumeráveis servos estejam diante do juiz supremo. A
descrição caminha para um clímax, o julgamento está para começar, o tribunal
está assentado, as provas apresentadas por escrito.
Quanto aos outros animais. Causa um pouco de surpresa que os três
reinos primeiramente mencionados ainda sobrevivam. Dois pontos, pelo
menos, são claros: a) seja quem for que os animais originais representem, seus
reinos continuam tendo uma identidade reconhecível; b) a história por esta
144 Profetas
Maiores_________________________________________________
altura, ainda não chegou aos seu fim, apesar da intervenção do juízo de Deus,
embora a expressão um prazo e um tempo indique um futuro limitado.
E dirigiu-se ao Ancião de dias (v.12). Agora se justifica o uso da letra
maiúscula, implicando assim na certeza da Sua identidade divina, o grande
Deus presidindo a cerimônia de investidura daquele que é semelhante a
homem, ao qual fizeram chegar até ele. A este homem foi dado domínio e
glória, e o reino. Esta segunda alusão a Gênesis 1 indica um status ainda maior
para a raça humana, maior do que recebeu anteriormente, e isso na pessoa do
“homem” representativo.

O termo Filho do Homem. Não é exagero dizer que nenhum outro


conceito no A. T., nem mesmo o do Servo do Senhor, tem suscitado uma
literatura tão prolífica. De todas as figuras usadas para designar o libertador
que havia de vir: rei, sacerdote, renovo, servo, semente, nenhuma é mais
profunda que “Filho do Homem”. Aqui nos é apresentada uma visão do
homem como ele deveria ser, incorporando perfeitamente todo o seu potencial
em obediência ao seu Criador. “Filho do Homem” também é um termo de
glória, tanto em Daniel 7 como no uso que Jesus fez do termo; mas a epifania
da glória do Filho do Homem será para aqueles que foram provados pelo
sofrimento.

b) Visão do Carneiro Persa e do Bode Grego (81-27). Este capítulo 8


é paralelo aos capítulos 2 e 7 de Daniel. A visão que Daniel teve, contudo, não
é um sonho como o registrado no capitulo 7. Daniel foi transportado em
espirito até Susã e isso através do tempo. Deus transportou Daniel a Susã não
fisicamente, mas em espirito. O profeta nos proporciona o marco histórico em
que ocorreu a visão; no terceiro ano do rei Belsazar; em Susã, capital do reino
da província de Elão e junto ao rio Ulai. A visão se refere ao tempo do fim
(v.17), ao tempo determinado do fim (v.19), e a dias ainda muito distantes
(v.26). A visão é profética. É recebida no período da grande Babilônia e aponta
para o surgimento e queda de dois grandes impérios, medo-persa e grego.
A visão fala do surgimento de um rei que é o protótipo do anticristo
escatológico (o pequeno chifre). Esse pequeno chifre do capitulo 8 é diferente
do pequeno chifre do capitulo 7. O capitulo 7 fala do anticristo escatológico
que emerge do quarto reino. O pequeno chifre do capitulo 8 emerge dos quatro
reis oriundos da queda do grande rei grego, Alexandre Magno. Este pequeno
chifre é o maior protótipo do anticristo escatológico.
O profeta Daniel ficou prostrado diante visão de Gabriel, o agente de
Deus, que lhe revelou a interpretação da visão (v.17). Ele caiu sem sentidos,
rosto em terra, quando Gabriel falou com ele. Aqui não se trata do esplendor
145 145

do anjo, mas do conteúdo da revelação divina acerca da queda da Babilônia.


O profeta ficou enfermo diante dos fatos futuros que haveriam de vir.

Daniel 8.3,4,20. O profeta descreve o carneiro de formas diferentes. Em


primeiro lugar fala que ele tem dois chifres (8.3,20). Essa é uma descrição do
império medo-persa que se levantaria para conquistar a Babilônia. O chifre
mais alto é uma descrição do poder prevalecente dos persas na liderança do
império. Ciro, o persa, tomou o lugar de Dario, o medo. Em 550 a.C., Ciro
tomou o controle da Média.Em segundo lugar, Daniel diz que tal carneiro é
irresistível (8.3,4). A união dos medos e persas em um só império criou um
exército poderoso que conquistou territórios para o oeste (Babilônia, Síria e
Ásia Menor); ao norte (Armênia) e ao sul (Egito e Etiópia). Em terceiro lugar,
o profeta diz que o carneiro engrandeceu-se (8.4). Nenhum exército naqueles
dias podia resistir ou deter o avanço do reino medo-persa. Isso levou esse reino
a tornar-se opulento, poderoso e cheio de soberba. Por isso, engrandeceu-se, e
aí estava a gênese de sua queda.

Daniel 8.5-8,21. O bode é uma descrição profética acerca de um dos


maiores líderes políticos da história, Alexandre Magno. Em primeiro lugar,
fala da rapidez de suas conquistas (v.5,21). Esse bode representa o império
grego (v.21). as conquistas de Alexandre foram extensas e rápidas, em apenas
treze anos ele conquistou todo o mundo conhecido da época. Em 334 a.C.,
Alexandre cruzou o estreito de Dardanelos e derrotou os sátrapas. Pouco
tempo depois, venceu Dario III na batalha de Issos (333 a.C.). Em 331 a.C.,
venceu o grosso das forças medo-persas na famosa batalha Daniel Parte IIEm
de Gaugamela.
segundo lugar o profeta fala do poder desse líder (8.5). Alexandre é descrito
como chifre notável, foi um líder forte, ousado e guerreiro.
O verso 8 profetiza a morte inesperada de Alexandre Magno na
Babilônia, em 323 a.C., exatamente quando ele queria reconstruir a cidade da
Babilônia, contra a palavra profética de que a cidade jamais seria reconstruída.
Com sua morte o império grego foi dividido em quatro partes entre quatro reis:
a Casandro coube a Macedônia e a Grécia, no ocidente. Lísimaco governou
a Trácia e a Bítinia, no norte. Ptolomeu governou a Palestina, a Arábia e o
Egito, no sul. Selêuco governou a Síria e a Babilônia, no oriente.

c) A Visão do Pequeno Chifre (8.9). Este pequeno chifre é o principal


precursor do anticristo escatológico. Principal porque muitos anticristos
precursores do anticristo escatológico já passaram pelo mundo, mas nenhum
reuniu em si tantas características como esse de Daniel 8.9. Este pequeno
chifre do capítulo 8 é o rei selêucida Antíoco IV, chamado de Antíoco
Epifânio, que reinou na Síria entre 175 a 163 a.C. Em seu coração ele se
engrandeceu. Antíoco declarou ser deus.
146 Profetas
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O anticristo imporá uma única religião em seu reino e perseguirá e
matará os que não se conformarem a ele (Ap 13.12,15). Antioco fez isso em
seu reino. A posse do livro sagrado, o Antigo Testamento, e a observância da
lei de Deus eram punidas com a morte. Muitos judeus foram mortos por si
manterem fiéis a Deus. Ele se levantará em tempos de grande apostasia. Como
a apostasia do período do fim abrirá a porta o anticristo (2 Ts 2.3,4), também
muitos judeus haviam se afastado da lei de Deus e adotado costumes dos
gentios (v.12,23). Deus castigou Israel por causa dos seus pecados. Quando
no fim dos tempos a humanidade estiver suficientemente corrompida, ela
estará pronta para receber o anticristo.
Antioco fez cessar os sacrifícios na Casa de Deus e profanou o templo.
Em 169 a.C., ele saqueou o templo e proibiu os sacrifícios. Por ordem de
Antioco, o templo foi profanado da maneira mais vil. O santuário de Jerusalém
foi chamado de templo de Júpiter. Ele profanou o templo ainda quando
colocou a própria imagem no lugar santíssimo e mandou matar sobre o altar
um porco e borrifar o sangue e escremento pelo santuário, obrigando os judeus
a comerem a carne de porco, dentro do templo; sob ameaça de morte.
Desta forma, este rei tornou-se o maior protótipo do anticristo. Ele
blasfemou contra Deus, contra o culto e contra o povo de Deus. Por fim,
Daniel descreve sua derrota (v.25). Antíoco foi derrotado sem o auxilio de
mãos humanas. Ele foi morto não em combate, mas por uma súbita doença
quando tentava saquear o templo de DIANA, em Elimaida, na Pérsia. O
segundo livro de Macabeus diz que sua morte foi das mais horrendas.
A queda do anticristo será assim também. Não será morto num combate
humano, mas pela manifestação da vinda de Cristo88, o Cordeiro de Deus
exaltado em todo universo89.

d) Visão das Setenta Semanas de Israel (9.1-27). Pela primeira vez


no livro é a iniciativa de Daniel que ocasiona uma revelação. Ele se mostra
ciente da profecia de Jeremias, de que haveria um intervalo de setenta anos
antes da restauração do santuário, e calculou que este tempo já havia quase
passado. Por isso, tomou o propósito de se preparar, por meio de jejum, para
um período de oração específica por todo Israel.
A mensagem dada através de Gabriel toma por garantida a reconstrução
do santuário e reinterpretou os setenta anos para fazê-los aplicáveis ao período
posterior, do qual o capitulo 8 já havia falado. Os últimos quatro versos
apresentam o texto mais difícil em todo o livro, como os comentadores

88
2 tessalonicenses 2.18.
89
Apocalipse 5.12,13.
147 147

concordam, embora certamente não concordem quanto a maneira certa de


interpretar e compreender o que ali é dito.
(v.3). O profeta permaneceu firme naqueles 68 anos de cativeiro. Foi
provado, mas nunca sucumbiu ao pecado. O profeta foi um homem dedicado
ao estudo da palavra de Deus. Neste capitulo vemos Daniel estudando os
livros. Daniel tinha visões, mas nunca abandonou a Bíblia. Ele examinava os
rolos do livro de Jeremias, quando descobre o profeta falando do cativeiro e
da libertação90. No verso citado, Daniel nos ensina quatro coisas relevantes
quanto a oração: em primeiro lugar uma busca intensa. Em segundo lugar, um
clamor fervoroso, o profeta ora e suplica. Em terceiro lugar, uma urgência
inadiável. Daniel ora e jejua. Quem jejua tem pressa. Em quarto lugar, um
quebrantamento profundo. Ele se humilha, veste-se com pano de saco e cinza.
Ele era um homem do palácio, mas despoja-se de sua posição.
A resposta de Deus ao profeta foi pronta e imediata (v.20,21). Ele pediu
urgência na resposta a sua oração e o texto relata que ainda Daniel orava
quando a resposta chegou. A resposta de Deus transcendeu o pedido do profeta
(v.20), ele pediu pela cidade e Deus em resposta, revelou acerca do próprio
Messias que havia de vir (v.24,25).
O Messias é descrito como o Ungido e como Príncipe. A palavra ungido
é a mesma utilizada para Messias, Jesus é o Ungido de Deus, Ele é o Profeta,
o Sacerdote e o Rei, o cumprimento da lei e dos profetas. Em segundo lugar,
Daniel recebe revelação sobre a obra do Messias (v.24). O Messias veio trazer
definitivamente a solução para o problema do pecado. “Para Danielfazer
Partecessar
II a
transgressão, para dar fim aos pecados, e para expiar a iniquidade, e trazer
a justiça eterna e selar a visão e a profecia, e para ungir o santíssimo”.
Daniel recebe uma revelação acerca do tempo do Messias (24-27).
Alguns pontos aqui merecem destaque: o primeiro ponto a ser destacado é a
divisão das setenta semanas. O anjo Gabriel fala a Daniel que setenta semanas
serão determinadas sobre o seu povo, as setenta semanas estão divididas em
três períodos de sete:

• O primeiro período de sete “setes”;


• O segundo período de sessenta e dois “setes”;
• O terceiro período é a septuagésima semana.

Assim temos 7+62+1=70. O primeiro período as sete semanas de anos,


compreende o tempo que vai da saída do cativeiro babilônico a reconstrução
de Jerusalém. O segundo período, as sessenta e duas semanas, descreve o
tempo que vai da reconstrução de Jerusalém até Jesus. O terceiro período, a
septuagésima semana acontece no tempo do Messias. O marco para o inicio

90
Jeremias 25.8-11.
148 Profetas
Maiores_________________________________________________
das setenta semanas em seu primeiro período é a saída da ordem para restaurar
e para edificar Jerusalém. A septuagésima semana é dividida em três períodos:

(1) O primeiro período, 445-49 (7 semanas de anos) = 396 a.C., da ordem


de Artaxerxes à restauração de Jerusalém, esta reconstrução segundo
Neemias foi angustiante.

(2) O segundo período 396-434 (62 semanas de anos) = 38 d.C. O ano do


nascimento de Cristo foi estabelecido, por meio de cálculos só em 525
d.C., pelo abade Dionísio Exíguo, e passou a valer como o ano 1 da
era cristã. Estabeleceram-se, então, os conceitos “antes de Cristo” e
“depois de Cristo” na contagem dos anos. A partir do século 17, com
os recursos da astronomia, novos cálculos foram feitos e chegou-se a
conclusão que Dionísio havia se enganado por 4 a 7 anos. Assim, a
rigor, o nascimento de Cristo deu-se por volta do ano 4 a.C. dessa
forma chegamos ao ministério de Jesus por volta de 31 a 34 d.C. isto
está de acordo com o relato bíblico que nos informa que Jesus iniciou
seu ministério aos 30 anos91.

(3) O terceiro período a septuagésima semana.


Como interpretar as septuagésima semana? Como compreendê-la,
pois há opiniões divergentes. Como devo entendê-la? Destacaremos
algumas correntes que se destacam nesta interpretação:

• O primeiro entendimento a ser considerado é o pré-milenista.


Entende-se que esta septuagésima semana é um lapso de tempo entre a
primeira e a segunda vinda de Jesus, o intervalo da igreja, o tempo dos gentios.
Portanto, a septuagésima semana é uma lacuna profética.

• Os dispensacionalista crêem que a septuagésima semana foi adiada


para o fim do mundo. No entendimento dispensacionalista o príncipe que
destruirá a cidade é o anticristo, e não Tito (no ano 70 d.C.). Entendem que o
“ele” do verso 27 é o anticristo, assim, entendem que o templo de Jerusalém
será novamente reconstruído e haverá a volta dos sacrifícios judaicos no
período da grande tribulação.

• Por outro lado há o entendimento amilenista, os quais entendem que


Cristo morreu não na sexagésima nona semana, mas depois dela, ou seja, na
septuagésima semana de Daniel. A corrente amilenista não crê na chamada

91
Lucas 3.23.
149 149

lacuna profética. Não crê que a igreja é apenas um parêntese na história. Não
crê que o tempo dos gentios92 faça uma distinção entre Israel e a Igreja. Para
os amilenista Jesus morreu na septuagésima semana, fazendo a expiação dos
nossos pecados (Dn 9.26; Is 53.8). o amilenismo crê que a septuagésima
semana está ligada a primeira vinda, visto que fala da morte do Ungido.
Contudo, no verso 27b vemos que a septuagésima semana compreende a todo
o período da dispensação da graça, visto que vai da morte do Ungido até o
aparecimento do assolador, o anticristo.

e) Triunfo Final de Israel (12.1-13).

Este capítulo de Daniel é uma sequência cronológica do capitulo 11. O


anjo ainda está revelando uma brilhante descrição do tempo do fim. Deus
levanta a ponta do véu e desvenda o fim da história com nuanças gloriosas. As
cortinas se fecham e o fim desse drama é a vitória gloriosa de Cristo e do Seu
povo.
Antes de um tempo de angústia, qual nunca houve, Miguel, já
mencionado em 10.13, 21 é agora o grande príncipe, o defensor dos filhos do
teu povo, essencialmente um guerreiro, a sua função é de proteger o sofredor
povo de Deus. Embora ele seja grande, não os livra de terem Danielde
Parte II o
suportar
sofrimento; pelo contrário, ele os livra em meio a ele. O livro neste contexto
é o livro dos vivos, como em Salmo 69.28, ou seja, haverá sobreviventes.
Vários eventos são descritos nesse capitulo 12. Eles são como balizas
que nos direcionam no entendimento do fim da história. No verso primeiro há
uma descrição da grande tribulação, e o seu tempo é claramente identificado,
naquele tempo é uma descrição do período de ascensão e queda do anticristo.
Esse tempo será de grande tribulação, será um tempo de angústias sem
precedentes na história. Daniel vê não apenas a perseguição do anticristo, mas
também seu fim, sua derrota (Dn 11.45). Destaca-se também o grande
livramento do povo de Deus. Mesmo nesse tempo angustioso, deus está no
controle da história, seus anjos trabalham em favor da igreja. O arcanjo Miguel
será o defensor do povo de Deus. A vitória e o livramento da igreja dar-se-ão
na segunda vinda de Jesus, e Ele virá quando se ouvir a voz do arcanjo.
No verso 2, vemos uma descrição da ressurreição geral dos salvos e
perdidos (v.2).
Há lições importantes:

(1) O primeiro é o fato da ressurreição. Os filhos de Deus não


serão poupados da morte física, mas o livramento do poder da morte é uma

92
Rm 11.25; Lc 21.24.
150 Profetas
Maiores_________________________________________________
certeza. Daniel fala de uma ressurreição corpórea, ele não fala do sono da
alma. É o corpo e não a alma que dorme no pó da terra.
(2) O segundo é o tempo da ressurreição. A ressurreição se dará
no tempo do fim, na segunda vinda de Cristo, na consumação dos séculos (Dn
12.2; Jo 5.28,29; 1 Co 15.51,52; Ap 20.12,13). Ate mesmo aqueles que o
traspassaram verão a Jesus em sua vinda.
(3) Terceiro os sujeitos da ressureição. A expressão muitos deve
ser entendida aqui por todos. É uma maneira hebraica de chamar a atenção
para a grandeza dos números envolvidos. Embora todos ressuscitem, nem
mesmo tem o mesmo destino. Daniel fala da ressurreição geral que se dará na
segunda vinda de Cristo para o grande julgamento.
(4) Quarto, os resultados da ressurreição. Daniel proclama duas
realidades após a morte: a bem-aventurança eterna e as penalidades eternas.

Vemos uma descrição das recompensas dos salvos no verso 3. Daniel


fala de dois grupos: os sábios e os que a muito conduzirem à justiça. Ambos
os grupos falam daqueles que resistirão à sedução ou à perseguição do sistema
do mundo ou mesmo do anticristo nas mais diversas fases da história.

Deus é o Senhor da história e todos os seus acontecimentos lhe são


sujeitos, se dirigem segundo um propósito eterno, onde seu nome é glorificado
e o Seu povo triunfará.

“Devemos ser fiéis a Deus, não apenas pelo que Deus faz, mas por
quem Deus é.” Hernandes Dias Lopes
151 151

A mensagem dos profetas maiores continua sendo relevante para os


nossos dias. A sua relevância está no fato de que a palavra de Deus sobrepuja
os limites do tempo, da cultura e fala ao coração humano com a mesma
autoridade e verdade que alcançou estes profetas e suas respectivas gerações.
152 Profetas
Maiores_________________________________________________
Deus é o Senhor da história, e por isso Ele intervém na mesma, no
intuito de seus propósitos serem cumpridos, muitas vezes de maneira
misteriosa e incognoscível. Seu amor e sua justiça são sempre os atributos
refletidos em cada ato Seu na existência humana.

A mensagem dos profetas é genuinamente cristocêntrica, sua


mensagem pretende revelar o Cristo, o Eterno Filho de Deus. Em Isaías, ele é
o Servo Sofredor que levou os nossos pecados sobre Si; em Jeremias ele é o
Renovo da Justiça; em Lamentações, ele é aquele que sente pesar pela
destruição da cidade; em Ezequiel ele é o Bom Pastor que procura e resgata as
ovelhas perdidas; em Daniel, ele é a pedra cortada sem o auxilio das mãos,
que sujeitará todos os reinos e triunfará para todo o sempre. Ele é o Filho do
Homem que “vem sobre as nuvens do céu”. Portanto, devemos confiar no
Senhor, porque todas as coisas são dEle por Ele e para Ele.

Somente a Deus seja a Glória!


153 153

Âmbitos: Recinto; Campos.

Arautos: Oficial que faz publicações solenes anunciam a guerra e proclama a


paz.

Aristocracia: A classe dos nobres, ou fidalgos.

Caótico: Muito confuso, desordenado, relativo ao caos.

Conjectura: Suposição.
154 Profetas
Maiores_________________________________________________

Dispersão: Ato ou efeito de dispersar; espalhar para diferentes partes.

Ênfase: Destaque especial.

Esporadicamente: Que ocorre ocasionalmente.

Eruditos: Aquele que tem instrução vasta ou variada.

Exílio: O lugar onde reside o exilado, ou seja, aquele que foi banido.

Hodierno: dos dias de hoje, atual.

Indubitavelmente: que não se pode duvidar.

Ignomínia: Grande desonra, infâmia.

Instância: Qualidade do que é insistente.

Intrepidez: Qualidade de quem não tem medo.

Inexaurível: Inesgotável.

Iminente: Que ameaça acontecer em breve.

Laborioso: Trabalhoso; difícil.

Limiar: Início; começo.

Monoteísta: Aquele que crer em um único Deus.

Notório: do conhecimento de todos.

Putrefação: Ato ou efeito de putrefar.

Protótipo: Primeiro tipo ou modelo.

Protagonista: Personagem principal.

Septuaginta: Tradução dos setenta.


155 155

Simetria: Correspondência de partes situadas em lados opostos.

Sobrepuja: Destaca-se, sobressai.

Vicário: Que faz às vezes de outrem; Teol. Que substitui.

Algures: Algum outro lugar.

• Sicre, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta: os profetas: a


mensagem. 3ª ed. Petrópolis, RJ. Ed Vozes, 2008.

• Faria, José de Freitas. Profetas e Profetisas na Bíblia. SP. Ed. Paulinas,


2006.

• A. Ellisen, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. Ed. Vida.


156 Profetas
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• R. Mueller, Ênio. Em Diálogo com a Bíblia. Isaías 1 a 12. Missão
Editora e Encontrão Editora, 1992.

• Ridderbbos, J. Isaías. Ed. Vida Nova e Mundo Cristão. São Paulo, SP.

• C. Kaiser, Jr. Walter. Teologia do Antigo Testamento. Ed. Vida Nova.


São Paulo, SP.

• Pfeiffer, Charles F. Comentário Bíblico Moody: Isaías a Malaquias.


Imprensa Batista Regular. São Paulo, SP.

• Baxter, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, Ezequiel a Malaquias. V. 4.


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• Plampin, Richard T. Jeremias: Seu Ministério, Sua Mensagem, Um


Comentário Cronológico. Rio de Janeiro. Junta de Educação Religiosa e
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• Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI. O


Minidicionário da Língua Portuguesa. 5ª ed. rev. Ampliada. Rio de Janeiro.

• Harrison, Roland K. Jeremias e Lamentações. Introdução e Comentário.


Ed. Vida Nova e Mundo Cristão. São Paulo, SP. Brasil.

• Plampin, Richard T. Jeremias: Seu Ministério, Sua Mensagem; Um


Comentário Cronológico. Rio de Janeiro. JUERP.

• Schaeffer, Francis A. Morte na Cidade. Ed. Cultura Cristã. São Paulo,


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• Harrison, Roland K. Jeremias e Lamentações, Introdução e Comentário.


Ed. Mundo Cristão. São Paulo, SP. Brasil.
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158 Profetas
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Esta obra foi composta


em Times New Roman
e impressa em papel Offset 75g.
Impressão de capa feita na
Epgraf – Gráfica e Editora
Impressão de miolo e acabamento
na Didaquê Produções, em Fortaleza-CE
Agosto de 2017

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