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ANOVA GESTAO PUBLICA EA REFORMA ADMINISTRATIVA Pedro Nunes” RESUMO O presente artigo analisa os efeitos do custo, da grandeza e da comple- xidade que 0 sector ptiblico alcancou com o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar social e que levou a que um conjunto de patses industrializados procedesse & reatizagdo de mudangas, mais ou menos radicais, nas estruturas e nas fungées do Estado e, em particular, na Administragdo Piiblica, pela adopgito de novas ideias de gestiio, oriundas do sector privado, paradigma conhecido na literatura com a designagao de New Public Management. ABSTRACT The present article analyzes the effect of the cost, the largeness and the complexity that the public sector reached with the development of the welfare State and that it took the one that a set of industrialized countries proceeded to the accomplishment of changes, more or less radical, in the structures and the functions of the State and, in particular, the Public Administration, espe- cially for the adoption of new ideas of management, deriving of the private sec- tor, paradigm known in literature with the assignment of New Public Manage- ment. 1, INTRODUCAO Areforma do Estado e em particular das administragées ptiblicas esta intrinsecamente ligada, de entre outros factores, a delimitagao de fungdes do préprio Estado e 4 redugio do seu tamanho. Contudo, é Professor Coordenador da Escola Superior de Gestéo do Instituto Politécnico do Cavado e do Ave, Doutor em Gestéo e Presidente do Consetho Cientifico da mesma Escola, Director Executivo da Revista Cientifica Téklme, Polytechnical Studies Review. 8 A Nova Gesto Publica ea Reforina Administrative a hoje consensual que as razdes politicas necessdrias para o sucesso das reformas se traduzem, essencialmente, nas seguintes ideias cha- ve (Banco Mundial, 1995): (i) as reformas devem ser politicamente desejaveis para os lideres politicos e para os eleitores (os custos poli- ticos nao devem estar sobrepostos aos beneficios politicos); (ii) as reformas devem ser politicamente praticdveis (os lideres deverio ter a capacidade de lidar com a oposigao, tio pouco compensd-la ou obter a sua condescendéncia); c, (iii) as reformas deverdo ser politi camente crediveis para os importantes stakeholders (por exemplo, os investidores Aadministragao péblica em Portugal nao escapa a este conjunto de razGes €, em particular, 4 onda de reformas j4 que muitas destas inicia- tivas vieram do exterior e “o pais néio é imune As ideias da Nova Ges- tao Publica” (Aratijo, 200fa), A visibilidade alcangada pela crenga de que o Estado se tornou demasiado grande e ineficiente ¢ que o merca- do oferece mecanismos mais eficientes para a prestagiio de servigos (Banco Mundial, 1996; 1997) vem ganhando espaco no contexto das reformas administrativas. Com este entendimento e num contexto de globalizacdo, um conjunto de paises (vulgarmente conhecidos na litera- tura como reformadores) apontam para uma escolha entre a velha admi- nistragao puiblica (Old Public Administration, Traditional Administra- tion) e a nova administragao publica (New Public Management) (Minogue, 2000b; Aratijo, 2001a). A verdade, sabe-se hoje, é que as administragées piiblicas dos Esta- dos de Bem-estar, de finais do século XX, nao podiam conduzir o seu funcionamento segundo um modelo criado para servir as necessidades dos Estados liberais de finais do século XIX e prinefpios do século XX (Amma, 1991; Silva, 2001}. Neste pressuposto, raros foram os paises que nao implementaram programas nacionais de reformas do Estado a partir dos anos oitenta. Em perspectiva hist6rica a literatura identifica dois movimentos politicos de reforma do Estado (Junior, 2002): 0 pri- meiro teve por objective a gestéio da crise econémica que afectou as economias desenvolvidas e em desenvolvimento no inicio dos anos oitenta e, o segundo, tratou da estabilidade macroeconémica combina- da com a reforma das instituigdes ptiblicas. Enquanto as primeiras teformas visaram iniciativas voltadas para o ajuste fiscal envolvendo cortes nos gastos ptiblicos, reformas tributérias, liberalizagao econémi- Pedro Nunes 9 cae comercial, bem como a desregulamentagio e privatizagGes em sec- tores especificos; as reformas do segundo movimento, que se consoli- dow a partir dos anos noyenta, voltaram-se para as mudangas institucio- nais mais profundas, tais como a reforma do aparelho do Estado, das relagGes de trabalho, do judicidrio, legislativo, dos mecanismos regula- t6rios, de programas massivos de privatizag6es ¢ revisaio das relacées entre governos e administragées ptiblicas subnacionais. De todo modo, pelo menos duas vertentes bem especfficas (Mes- quita, 1997), tém originado as reformas administrativas nas décadas de citenta e noventa do século passado. Uma considera que o Estado ain- da possui uma fungiio primordial no espago globalizado, ¢ por isso deve sofrer uma reforma no sentido de fortalecé-lo; outra, vé o Estado como algo que vem comprometendo 0 desenvolvimento capitalista, devido ao seu grau de intervencionismo, de ineficiéncia, de corrupgao, de mau atendimento aos consumidores, ou seja, considera que se faz necessario reformar o Estado para enfraquecé-lo de forma a nao permitir que se interfira nos mecanismos de mercado. A generalidade dos autores considera, assim, que a reforma do Estado, dada a sua amplitude ¢ objecto, pode separar-se em duas cate- gorias. Por um lado, estio as reformas gue afectam 0 desenho e funcio- namento das instituigdes, isto é, a maneira como os poderes do Estado se organizam e articulam com o objectivo de elaborar e por em pritica as politicas ptiblicas. Por outro lado, as reformas que podem centrar-se, niio tanto no processo, mas no contetide da ac¢do piblica, redefinindo- se a sua finalidade, objectivos e alcance. As primeiras sao as reformas institucionais ¢ as segundas reformas substanciais. O conceito de reforma administrativa € de dificil definigao (Amaral, 2000), até porque, refere © autor, varia muito conforme as épocas, os pai- ses € as circunstancias. Na yerdade, porém, € que se procurarmos anali- sar sob 0 aspecto cientifico a nogio de reforma administrativa teremos de encarar todos 0s seus aspectos, numa perspectiva global; diz-se, segundo © autor, que reforma administrativa é “um conjunto sistematico de provi- déncias destinadas a melhorar a administragao publica de um dado pats, de forma a torné-la, por um lado, mais eficiente na prossecugao dos seus fins e, por outro, mais coerente com os principios que a regem”. Mas, ¢ apesar de tudo, a crise da gestao ptiblica é um fendmeno universal que se tornou visivel a partir da década de setenta, Desde 10 A Nova Gestdo Piiblica e a Reforma Administrativa entéo a reforma do Estado tornou-se num assunto de interesse de exten- sao a quase todo o mundo. Se, por um lado, a principal razdo para 0 continuo sucesso durante (rinta anos, foi a existéncia de um amplo consenso social a respeito do. papel do Estado que procurava garantir prosperidade econémica e de Bem-estar social, um tipo de Estado que comegava a desfalecer, por outro lado, a formagao da burocracia estatal deriva das fung6es, deve- tes e papéis que o Estado cumpre, em diferentes momentos histéricos. A reforma do Estado constitui um dos temas de maior importancia na agenda coniemporanea de politicas piblicas e, certamente, um dos maiores desafios da relagiio Estado e Sociedade num mundo progressi- vamente democratico € globalizado j4 que a ordem mundial impunha uma reflexdo sobre o pape! do Estado (o que muitos autores designam por Reinvengdo do Sector Piiblico) ¢ de um pesado e lento aparelho adminis- trativo, nem sempre capaz de dar resposta aos problemas existentes. A permanéncia do modelo burocratico de administracdo, os seus constran- gimentos, a ineficdcia crescente de insucessos continuos de modelos de organizagao de governo, em particular de organizagio interna de admi- nistrag6es puiblicas, levou um conjunto de paises & adopgio de importan- tes reflexdes sobre 0 papel do Estado e a sua respectiva dimensio. Em Portugal, com uma administragao ptblica baseada essencial- mente no modelo burocratico de inspiragio weberiana (Almodovar, 2002) a mesma reflexio se impunha, Hood (1996) citado por Araijo (20012) refere que Portugal se situa no meio da tabela dos paises onde a extensiio da implementag’o ou adopgdo das doutrinas do New Public Management (doravante NPM) foi medida (paises da OCDE), todavia, a Enfase nas regras e nos procedimentos, a burocracia tradicional, por natureza centralizadora, 0 controlo exercido através da hierarquia, as tarefas de responsabilidade, 0 foco no processo e inputs, assim como a resisténcia burocritica 4 madanga, embaragaram, e ainda embaragam, o sucesso das ceformas O MODELO BURGCRATICO A Organizagao Estatal é, sem diivida, um dos temas mais comple- xos da Ciéncia Administrativa. Quer pela sua extensio, quer pela dife- renciagdo das suas fungdes ¢ responsabilidades, exigindo tratamento Pedro Nunes u especifico no campo da teoria das organizagées. Apesar desta comple- xidade ¢ no que diz respeito ao tradicional modelo burocratico de admi- nistragio, este reflecte, quase sempre, uma clara separagio entre politi- cac administragio e, consequentemente, regras distintas para os lideres politicos (normalmente eleitos) ¢ os restantes trabalhadores da admi- nistracao publica As criticas ao tradicional modelo burocratico, ou o ideal de buro- cracia (Pollitt, 1990; Longo, 1997; Peters, 1998; Minogue, 2000b; Bra- vo, 2000; Ariznabarreta, 2001b; Alomodovar, 2002) assentam, de entre ‘outras caracteristicas: (i) Falta de clareza na separagio entre politica e administragiio, mesmo no processo de decisao esta separagaio nao écla. ra: muitas vezes os procedimentos dos funciondrios fundem-se com os dos politicos; (ii) O processo de decisSo nao esté, normaimente, con- forme os procedimentos técnicos da racionalidade econ6mica; (iii) Pre- dominam a hierarquia e a centralizagao que se combinam formalmente ¢ de forma subjugada pelos trabalhadores As regras e procedimentos para produzir resultados (ou patologias burocraticas), como os atrasos, indiferencas, arrogncia e negligéncia para com os interesses legitimos dos cidadaos: (iv) Processo de implementagao de cima para baixo, que frequentemente gera politicas e resultados inadequados; (v) Rede de transacgGes (interesses) é tio grande dentro da organizagdo que gera um grau de complexidade ainda maior do que o préprio modelo sugere; (vi) Organizagées lentas, ineficientes, obsessao pelas regras € indiferenga as necessidades dos clientes; (vii) Falta de capacidade de iniciativa e de i dio dos servicos; (viii) Dificuldade de resposta as necessidades dos clientes/cidadaos; e, (ix) Falta de apoio ao esforgo global e reduzi- da capacidade de inovagiio. Sendo que os dircitos ¢ as preferéncias dos cidadaos tem cada vez mais peso na definigo do que é 0 interesse geral, a reforma da admi- nistrago ptiblica aparece, assim, como 0 tinico meio, ou pelo menos 0 meio mais importante, de restabelecer ¢ legitimar o que deverd sero servigo colectivo jd que os poderes e direitos de intervengdo da admi- nistragio publica se legitimam por essa via, isto é, legitimam-se pela funcao que realiza e pelo servigo que presta 4 comunidade. E, pois, inte- igivel de se concluir que as criticas que siio apontadas ao modelo buro- crdtico encaixam nas razGes das reformas que a seguir se apresentam sendo que, na maior parte das situagdes, so a sua prépria causa. 2 ___4 Nova Gestdo Publica ¢ a Reforma Administrativa A administragio publica portuguesa, a todos os titulos uma herdei- ta fiel da visio centralizadora de Napoledo, nado foge a regra. Foi, durante muito tempo (Ferreira, 2002) confinada a ser o espelho da men- talidade lusitana mais tradicionalista, do estilo autocratico/paternalista € No recurso constante aos modelos organizacionais do tipo hierarqui- co-funcional sob o lema (Ferreira, 2002) “voce nao estd aqui para pen- sar, mas sim para trabalhar”. 3. RAZOES DAS REFORMAS A reforma da administragio ptblica é (Mozzicafreddo, 2001b) condicionada pelo contexto histérico, pela complexidade do social e pela orientagdo do poder politico das sociedades, onde as escolhas colectivas e individuais dos cidaddos, em regime democratico, sio de ter em conta para que tanto a reforma da administragao ptiblica, como a legitimidade dos seus objectivos e fungdes sejam reconhecidas pelos individuos que contribuem para o seu funcionamento, A reforma administrativa ou a reforma do aparelho do Estado foi, portanto, um componente de um processo mais amplo de reforma das instituigdes do Estado ja que as organizagdes pttblicas so intrinseca- mente burocratizadas (Dupuy, 1999) e tal facto constitui a maior difi- culdade para preconizar a mudanga. Neste sentido, so apontados varios os factores socio-econémicos que contribufram fortemente para detonar a crise do Estado contemporaneo (Peters, 1992; Abrucio, 1997; OCDE, 2002) e, por consequéncia, a criagiio de condigdes materiais e intelectuais para o aparecimento do modelo gerencial, a saber: (i) Pri- meira crise do petréleo, iniciada em 1973, retomada ainda com maior forga em 1979, na segunda crise do petréleo. A economia mundial enfrentou um grande perfodo recessivo nos anos offenta e nunca mais retomou os nfveis de crescimento atingidos nas décadas de cinquenta ¢ sessenta; (ii) A crise fiscal foi o segundo factor a enfraquecer os alicer- ces do antigo modelo de Estado. A maioria dos governos nao tinha como financiar os seus défices. Os problemas fiscais tenderam a agra- varem-se na medida em que se iniciavam (por exemplo nos EUA e Rei- no Unido) revoltas dos contribuintes (taxpayers) contra a cobranga de mais impostos, principalmente porque nao encontravam uma razéo directa entre o acréscimo de recursos governamentais e a melhoria dos Pedro Nunes B servigos piiblicos; (iii) Sobrecarga de actividades por parte do Estado, acumuladas ao longo do pés guerra, com muito a fazer e com poucos recursos para cumprir tados os seus compromissos; (iv) Ingovernabili- dade. Os governos am inaptos para resolver os seus problemas; e, (v) Globalizagao ¢ transformagées tecnolégicas que wansformaram a I6gica do sector produtivo e que também alectaram o Estado, fi, assim, consentaneo, que o Estado democratico vinha perdendo poder de ac¢fo, o crescente aumento da necessidade de cortar nos gas- tos (essencialmente de pessoal) c, ainda, que a ascensiio de teorias extremamente criticas 4s burocracias estatais abriram espago para 0 avango do modelo gerencial como referéncia ao sector piiblico. A pro- posito de Fstados de Bem-estar (Welfare State) Minogue ¢ Aratijo (2000b; 1997) sumariam, as razGes pelas quais se apontam falhas as formas de governagdo e, por conseguinte, da necessidade de se refor- mar: (i) Um insensfvel (indiferente) e evasivo Estado, cujas interven- gdes excedem os seus limites e restringem a liberdade das pessoas para gerirem, criando-Ihes mais dependéncia do que propriamente autocon- fianga: (ii) O tamanbo demasiado grande do Estado (suas intervengoes ) com demasiadas responsabilidades, tornou-o incapaz de ser eficiente e eficaz nessas mesmas responsabilidades; (iii) Os interesses do Estado, onde as elites e grupos privilegiados exploram oportunidades pelas acti- vidades do préprio Estado, realcaram os interesses privados pelos pro- veitos préprios; (iv) A crise do Estado Providéncia; (v) A necessidade de redugao dos gastos piblicos; e, (vi) As exigéncias diante da adapta- co a integragdo europeia (em especial, um razoavel mimero de paises que fazem hoje parte da EU). © padrao de caracterizacio da crise do Estado engloba alguns pon- tos recorrentes que se inter-relacionam em diferentes medidas (pelos menos ao nivel internacional), Desie modo, so varios os autores que par- tilham das mesmas razées que levaram & implementac&o de reformas (Martins, 1996 ¢ James 1996) no que resultaram novas formas de gestiio para um grupo de paises reformadores da OCDE, como a Austrélia, Cana- da, Nova Zelandia, Holanda, Suécia, Reino Unido e EUA. Sao visiveis, também, significantes alteragdes de movimentos de reforma na Austria, Dinamarca, Finlandia, Franga, Irlanda, Itlia, México e Portugal (James, 1996); este movimento é, contudo, mais lento na Alemanha, Grécia, Japao, Espanha, Suiga ¢ Turquia (Hood, 1991) e, julgamos nds, Portugal. 14 A Nova Gestdo Publica e a Reforma Administrative 4, MOVIMENTOS DE REFORMA Atendendo a que os modelos de reforma da administragao (que necessariamente incidem nas opgées politicas dos diferentes Estados ¢ nas particularidades das sociedades em causa) n&o sao unfvocos (Moz- dicatreddo, 2001b) e, ainda, porque os estudos reforgam a ideia de que € vidvel que as praticas de reforma devam ser encaradas como cres- cimento de um sé movimento ou paradigma (Hood, 1994a), opta-se por fazer uma representa¢ao dos diversos movimentos, nacionais e interna- cionais, sobre as razdes estruturais da reforma das administragdes publicas, sempre associada a reforma do Bstado, j4 que como refere Gomes Canotilho (2000), citado por Salis Gomes (2001) “nao tem rigor cientifico nem interesse pratico ponderar a reforma da administragio piiblica e os modelos de geste que melhor a servem ignorando que qualquer reforma de administracdo exige a reforma do Estado e qual- quer reforma do Estado € indissocidvel da reforma da administragdo” . Nos termos propostos por Peters (1997), os tipos de reforma adop- tados pelos diferentes paises poderao estar associados, designadamen- te, 4 tendéncia politica dos partidos no poder, ao poder dos sindicatos do sector ptiblico, ao contexto socio-econémico desses paises, mas, comprovadamente, estarao acima de tudo associado & cultura adminis- trativa que prevaleceu nesses Estados. Como refere Timsit (2001) as reformas so diferentes porque sao diferentes as culturas ¢ os sistemas administrativos, assiste-se a uma profunda transformagao do Estado, que toca a sua prépria esséncia e se reflecte praticamente em todos os dominios da organizagio e actividades administrativas (Gomes, 2001), pois os varios movimentos de reforma procuraram direccionar a aten- ¢ao para o desenvolvimento das organizagdes piiblicas, o comporta- mento humano ¢ a gesto, procurando assim melhorar a implementa- §A0, andlise e avaliagao das politicas piblicas (Aratijo, 2002b). F, pois, com este sentido de reforma que, para o caso portugués, e no s6, se tém vindo nas tiltimas décadas a (re) formular e desenvolver novos modelos de gestio, em particular na gesto piiblica. Os argumentos incluem a cren¢a, por parte de alguns reformadores, que © modelo da NGP forne- ce novas formas de organizar o sector ptblico de forma mais eficaz e eficiente do que 0 tradicional modelo burocrdtico (Peters and Wright, 1998, citados por Araiijo, 2002c). Pedro Nunes 2 15 Em Portugal, a reforma administrativa ao longo dos tiltimos vinte anos fem-se caracterizado por fortes caracterfsticas managerialistas ¢ de desintervengaio do Estado, com algumas influéneias da public choice, mas sem medidas de fundo e de uma estratégia continuada. Deste modo, qualquer movimento de reforma, mesmo extrapolando a realidade por- lesa, apresenta razdes estruturais, mesmo que as iniciativas dessas reformas de administragdo publica nao apresente, como jé se referiu, um padrao tinico dum modelo univoco. Embora Osborne e Gaebler (1992) insistam na existéncia de um inevitével e global movimento para um Unico modelo, contrariamente a Dunleavy e Hood (1994) que afirmam que o futuro nesta drea é muiltiplo ¢ nao singular. De todo o modo, segundo Mozzicafreddo (2001b), as iniciativas de reforma da adminis- tragdio ptiblica desenvolvidas nos Ultimos anos traduzem medida reforma complementares dos diferentes modelos de modernizagao. Tgualmente, e tendo em conta as tipologias de reforma elaboradas por Peters (Mozzicafreddo, 2001b) sao de salientar (para a maioria dos pafses da EU que tém vindo a realizar estas iniciativas) as reformas baseadas: (i) na Iégica de mercado (privatizagdes, agéncias indepen- dentes, contratualismo, andlise custo/beneficio); (ii) as iniciativas parti- cipacionistas (orientagdo para o cliente e 0 utente, carta do cidadao, ins- tancia de reclamacao, avaliagao da qualidade do servigos, etc.); ©, (iii) as imiciativas de desregulamentagio e desburocratizagio (simplific de procedimentos, estatuto do funciondtio piblico, flexibilizagio na relacao laboral, etc.) que vao de encontro, alids, ds iniciativas propostas por varios autores (Mozzicafreddo, 2001b; Pollitt, 1994; Dias, 2002; Rodrfguez-Arana, 2002; Jdnior, 2002; Bravo, 2002; Aratjo, 2001a) como ideias fundamentais para a reforma da administragao ptiblica: (i) Introdugao da ldgica gestiondria na administragao ptiblica (liberaliza- cao e privatizagdo das actividades econdmicas e sociais do sector puibli- co); (ii) Redug&o do peso do sector ptiblico e flexibilizagao do regime de trabalho; (iii) Desregulamentagao, delegaco e devolugao de compe- téncias aos organismos intermedidrios; (iv) Criag’o de agéncias auté- nomas de gest&o (separacdo da esfera politica da esfera da administra- cao; a ideia é a separagio das fungGes de concepgao das fungées de execugdo); (v) Introdugao de técnicas de gestio profissional (inspiradas na gestao privada); (vi) Iniciativas de desburocratizagao (racionalizagao ¢ simplificagdo de procedimentos administrativos); (vii) Proximidade 16 _A Nova Gestdo Publica ¢ a Reforma Adiinistrativa da administragéo para com os cidadios (ideia de uma administragaio ao servico das pessoas); (viii) Introdugdo de métodos de gestao financeira e orcamental visando © crescimento da eficiéncia e eficécia do sector puiblico; (ix) Novos sistemas retributivos (merit-pay systems), novas formas de demissao de trabalhadores, cédigo de principios e boas pra- ticas; (x) Criag&o de novas estruturas organizacionais; (xi) Recurso a mecanismos de mercado ¢ na participacdo directa dos utilizadores no funcionamento das agéncias e instituigdes; (xii) Amplos programas de desconcentragao, descentralizagao, regionalizacdo e autonomizacio; (xiii) Centros de responsabilidade, cartas de servigos ptiblicos, sistemas de avaliagao de politicas piiblicas; (xiv) Agenciamento, descentraliza- gdo e autonomizagao de tarefas executivas do governo central; (xv) Criagdo de agéncias e departamentos que acompanham também as agéncias de execugdo (nefvorks) que constituem unidades auténom: com grande liberdade nos dominios da gestio financeira, pessoal e pla- nos remuneratérios; (xvi) Modernizacao dos sistemas de apoio & gest’io ptiblica (reconstruir a capacidade analftica do Estado); (xvii) Acesso a documentos administrativos (DL n° 65/93, de 28/8); (xix) Caixa e Livro de Reclamagées; (xx) Lojas do Cidadio, etc. Como se observou, sao multiplos os movimentos de reforma onde proliferam e continuam a proliferar iniciativas de varia ordem. Rocha (2000) refere, contudo, ser possivel encontrar pontos em comum aque: les movimentos de reforma, a saber: (i) Controlo das despesas ptiblicas; (ii) Adopedo de técnicas e processos de gestiio empresarial (separagaio das fungdes de execugio das fungdes de concepgao); (iii) Visio do cida- dao como consumidor (com a adopgao de medidas destinadas a simpli- ficar procedimentos, identificagiio dos responsdveis, possibilidade de escolha entre prestadores, etc. e, finalmente, as cartas de qualidade que surgiram na Inglaterra em 1991, Bélgica, Franga e Espanha em 1992, Portugal em 1993, Canadé e RUA em 1994); e, (iv) Mudangas dos esta- tutos dos funciondrios que tendem a perderem 0 estatuto tradicional de seguranga de emprego. Um dos exemplos mais comuns na literatura a propésito das ini- ciativas de reforma foi a criagao de agéncias autonomas, onde se pre- tendeu fazer a separagdo da esfera politica da esfera da administracao como intuito de destringar as fungées de concepgio das funcdes de exe- cugiio, como alias ja se referiu. Pedro Nunes " Subirats (1990) refere a este propdsito que a questao central aqui se prende, essencialmente, com 0 corte do formalismo administrativo, a burocracia, em ordem a obtengdo de melhores resultados e de forma mais transparente. O desenvolvimento de empreendimentos e de servi- gos piblicos, sob a forma de parcerias piblico-privado (Simées, 2002), constitui uma abordagem de governagio transversal e pragmatica que, de modo crescente, a generalidade dos Governos tem vindo a adoptar com vista a mobilizar a capacidade de financiamento e de gestio do sector privado, no sentido de expandir a base infra-estrutural da econo- mia e melhorar a cobertura e qualidade dos servicos piiblicos e sociais prestados aos cidadaos. 4.1, Situagiie em Portugal e Noutros Paises Reformadores Segundo Gomes (2001b) pode mesmo dizer-se que a hist6ria mais recente da administragao publica portuguesa compreende, desde a ins- tauragéio do regime democrdtico, em 1974, quatro grandes fases que correspondem a perspectivas de reforma com linhas de forga comuns, mas também importantes caracteristicas préprias. Para Rocha (2001) a reforma administrativa reporta-se a crise do Estado de Welfare, isto é, aos anos setenta. Todavia, cada reforma € modelada pela histéria administrativa de cada pais sendo-o, também, para Portugal. Neste sentido 0 autor considera existirem quatro gran- des movimentos de reforma administrativa, a saber: reforma admi- nistrativa no estado novo; a Revolucio de Abril de 1974 e a Refor- ma Administrativa (1974/1985); Revolugdo managerial da Administracio Publica Portuguesa (1985/1995) ©, por tltimo, Governo Socialista e Reforma da Administracgio Piiblica (1996/1999) ou Reinvengio da Administragao Ptiblica. Dias (2002) sugere-nos, do mesmo modo, os seguintes modelos ou fases de movimento de reforma em Portugal: 1969/1974, fase da superagio do modelo patrimonialista tipico do Estado Novo; 1974/1976, fase de construgio do modelo tecnoburocratico de administragio; 1976/1986, fase da experimentag&o do modelo burocratico instituido pela Constituigdo; 1986/1995, fase da influéncia da teoria da escolha publica; e, por ditimo, 1995/2001, a fase da influéncia do paradigma managerial. Para Bravo (2002) a determinagaio em encetar a reforma 18 _A Nova Gestéo Piiblica ¢ a Reforma Administrativa da administragao central segundo as tendéncias recentes das teorias da administragdo publica e de acordo com as realizadas nos outros paises da UE, datam da criagdo da Comissao para a Qualidade e Racionalidade na Administragio Publica em Abril de 1992. Desen- volveram-se subsequentemente algumas medidas tendentes a refor- ma da administragao ptiblica. No plano internacional, Barzelay propée, a0 nivel dos modelos conceptuais de reforma administrativa ts niveis de abstracgao: (i) estratégia: modelo conceptual e que corresponde ao conjunto de valo- res e ideias que produzem para diagnosticar a realidade; (ii) politicas: conjunto de disposigées com as quais se pretende transformar cada par- te da institucionalidade administrativa (servigos ptiblicos, estruturas, procedimentos de tomada de decisao, etc.); ¢, (iii) instrumentos: seriam. as técnicas, praticas e ferramentas metodoldgicas com as quais se pre tende fazer uma reforma politica (emprego, politica de recursos huma- nos, remuneragées, selecgao, etc.. Aucoin opta por designar os modelos como o paradigma da Public Choice e Paradigma Gerencialista. Peters, na sua tipologia, caracteriza quatro visGes e/ou movimentos de reforma: (i) mercado; (ii) participa- 40; (iii) flexibilidade; e, (iv) desregulamentagdo. Klages e Haubner defendem como movimentos: (i) estratégias de contractualizagio; (ii) estratégias de comunicagio; ¢, (ii) estratégias hibridas (contractualiza- gao © comunicagao). Mas Ariznabarreta inclina-se para quatro modelos. relacionados com quatro componentes fundamentais: (i) servico civil; (ii) as estruturas administrativas; (iii) procedimentos de decisio; e, (iv) relagdes com os cidadaos. E por demais reconhecido que a combinagao de varias criticas apontadas ao tradicional modelo burocratico de administragdo publica, produziu um movimento de reforma, usualmente denominado New Public Management (Minogue, 2000b) ou Nova Gestao Publica, desig- nagdo mais difundida, ou, ainda, “paradigma pés burocratico” (Over- man et al, 1994), gerencialismo puro ou administragdo piiblica geren- cial (Bresser-Pereira, 1996) © Governo empresarial (Osborne et al, 1992), As transformagées radicais necessdrias para a introdugao deste novo paradigma da nova gestao ptiblica caracterizam-se, essencialmen- te, segundo Minogue (2000b) em: (i) restruturar e reduzir o sector piiblico, especialmente através da privatizagao; (ii) reorganizar ¢ fazer emagrecer 0 funcionalismo ptiblico principalmente a nivel de adminis- trag&o central; (iii) introdugao de mecanismos que incentivem a com- petigae nos servigos ptiblicos, especialmente ao nivel interno, ¢ adesio ao contracting out como forma de prestagdo de servigos do sector pri- yado ao sector ptiblico; e, (iv) promover a eficiéncia e obter uma valo- rizagiio dos custos dos recursos (value for money) através de auditorias e medicao de desempenhos. J4 € quase banal observar que, nas tiltimas duas décadas, as buro- cracias piblicas dos paises europeus, bem como de outros estados da OCDE, conheceram niveis de mudanga extraordinérios. Varias foram, portanto, as perspectivas de aproximagio 4 NGP, nas tiltimas décad: Contudo ¢ de acordo com Hughes (1994), citado por Aratijo (2001), estas aproximagdes tm varios pontos em comum, dos quais se desta- cam: (i) Preocupagao com os resultados e responsabilidades dos gesto- res; (ii) Tornar as organizag6es mais flexiveis, assim como 0 emprego piiblico; (iii) Desenvolvimento de indicadores de gestiio e de desempe- nho, assim como a definigio clara dos objectives da organizagao; (iv) Mecanismos de mercado; e, (v) Redugao de algumas fungdes do Esta- do, através de mecanismos de promogio. Rocha (2001) refere da possibilidade de cinco modelos, para 0 caso de Portugal, de gestdo da administragdo ptiblica: Administragao legal buroerdtica; Administragao Profissional; Gestdo Politica; Mangerial; e, Governacao. Para Popik (1998) os modelos de reforma emergentes que surgiram como alternativa ao modelo burocratico, sao: (i) Mercado. Grande parte da teoria econémica aplicada & reforma do Estado enqua- dra-se neste modelo, como alias a public choice; (ii) Participativo. Anti- tese do modelo de mercado, busca de mecanismos de decisao colecti- vos que melhorem 0 funcionamento da burocracia, em vez de aumentar o custo do funcionamento do Estado, é um enfoque bottoms-up, desde a cidadania até & classe politica; (iii) Desregulador. A sua principal preocupagio é gerar um marco que permita aos administradores publi- cos gerirem com liberdade; e, (iv) New Public Management, Em pri- meiro lugar € um modelo confuso porque, essencialmente, segundo Popik, é 0 modelo de mercado aplicado 4 pratica, pelo menos para Nova Zelandia, Reino Unido, e, em segundo lugar, porque se assume noutra corrente que tem origem nos EUA, tipicamente associado com a nocaio de “teinvengao do governo”. De todo o modo o seu pressuposto é trans- 20 ____ A Nova Gestdo Piiblica e a Reforma Admin formar o modelo burocrdtico através da incorporagio do espirito empreendedor, sendo que o modelo (new public management) na sua primeira corrente que se baseia no modelo de mercado, a versao norte americana € mais heterodoxa porque combina elementos dos modelos de mercado, participative e destegulador, como a competicao, privilé- gio ao cliente, menos hierarquia, participagdo dos cidaddos, empower- ment e incentivos a inovagao, Varios séo, portanto, os modelos que se apresentam, com mais ou menos solidez e originalidade, em substituigao do modelo Weberiano, destacando-se a Reinvencao do Governo proposto como plano de refor- ma do governo americano pela Comissao a que presidiu 0 vice-presi- dente (Saraiva, 1997). O New Public Management (NPM), € 0 exemplo disso mesmo: surgiu da evolugao do modelo anterior (Reinvengao do Governo), porém esta corrente (NPM) inspira-se, por um lado, na apli- cago ao sector piiblico de técnicas de gestao que evoluiram nas empre- sas privadas, dando, por outro lado, maior atencZio as especificidades e aos aspectos politicos que enquadram a actividade das organizagdes ptiblicas, Daf bascarem-se nas formulagées teéricas da disciplina da economia politica conhecidas como public choice. Diga-se, de resto, que 0 movimento do National Performance Review assume tragos distintos em relagdo as experiéncias desencadea- das por Reagan nos BUA ou por Thatcher na Inglaterra, nas quais as pri- vatizagGes e a apologia ao sector privado assumem 0 comando das ini- ciativas, Os formuladores da reinvengio reconhecem a importéncia e a necessidade do papel do governo nas sociedades organizadas pelo mer- cado, assumindo o perfil mais nitidamente institucionalista ao acreditar na ideia de que as instituigGes representam elementos necessarios para a eficiéncia dos mercados e dos governos. Trata-se, portanto, de uma forma de empreendedorismo que se volta para a reinvengao dos meca- nismos internos de funcionamento da burocracia como principio, afas- tando-se de concepgdes que teorizam sobre os males da presenca do governo e dos seus padrdes, Daf que o NPR combata os excessos do poder legislativo e executivo sobre a burocracia (Rezende, 1998) mos- tando que © ajuste entre as organizagGes e incentivos tem profunda conexio com a responsabilidade e eficiéncia. Na literatura podem encontrar-se, como se viu, uma série de moti- vos que potenciam a reforma dos diferentes sistemas administrativos e que Knill (1999) em Angelov (2001), traduz como sendo factores potenciadores (ou nfio) para a capacidade de reformar a administragio puiblica. Se ¢ inegvel que a modernizagao suscitou j4 novas praticas admi- nistrativas, os beneficios claros de algumas dessas reformas nao sido tio visfveis como a partida se poderia esperar (Silva, 2001). De facto, con- tinuam por resolver as tensdes entre autonomia dos funcionirios ¢ a procura pela classe politica de um novo tipo de controlo sobre 0 apare- tho burocratico, entre centro e a periferia, na procura de um novo equi- librio, ¢ entre a renovagao da norma juridica e a desvalorizagio do direito nas praticas administrativas, referindo o mesmo autor, citando Rouban (1995). Em conclusao poder mesmo reproduzir-se o que refe- re Osborne e Gaebler (1992): “O nosso problema fundamental € 0 Fac- to de termos 0 tipo inadequado de governo. Nao necessitamos de mais ou menos governo: precisamos de mefhorar o governo. Para sermos mais precisos, precisamos de uma melhor actividade goyernativa”. Assim, e finalizando com as proposigées de Bertucci (2002), qualquer transigaio, para qualquer pais, que pretenda reformar a administragado publica devera ser um processo que envolva uma profunda transforma- gio (em todo 0 aparato governamental), consolidagao (desenho a lon- go prazo e capacidade de construir novas politicas ptiblicas), moderni- zagiio (no sentido de adoptar melhores ¢ novas praticas de governo) e, por tiltimo, adaptagao (seguir referéncias e préticas no mundo cultural onde se insere). E, de resto, a posigio de Pollitt e Bouckaert (2000) quando referem que os trés factores intervenientes no processo de reforma administrativa sao: forgas sécio-econdmicas (forgas econémi cas globais, mudangas sécio-dermograticas e politicas sécio-econémi- cas nacionais), sistema politico (ideias novas sobre gestio, ideias poli- dos partidos, presséo dos cidadaos, pressiio da elite sobre que reformas de gestio sio convenientes) e, sisterna administrativo (con- tetido do “pacote” de reformas, processo de implementagao ¢ reformas que se esperam). 5. A NOVA GESTAO PUBLICA Nenhuma organizagéio pode permanecer a mesma, sem perder rele- vancia, numa sociedade em mudanga. Os governos sio agora parte de 22 A Nova Gestéio Piiblica e a Reforma Admit ative se um movimento global que é descrito por muitos como a era do New Public Management (NPM) (Hood, 2000; Barzelay, 2001; Moon, 2002, em OCDE, 2002). Grosso modo, a redefinigdo do papel do Estado na economia e a tentaliva de reduzir os gastos piiblicos na area social, tarefa esta nem sempre bem sucedida, foram as duas grandes safdas, pelo menos mais comuns, 4 crise das dimensdes econdémica ¢ social do antigo tipo de Estado. Para responder ao esgotamento do modelo burocratico webe- riano (Abrucio, 1997), foram introduzidos, em larga escala, padrées geréncias na administraciio publica, inicialmente ¢ com mais vigor nal- guns paises Anglo-saxénicos (Gri-Bretanha, EUA, Australia e Nova Zelandia) e depois, gradualmente, na Europa continental ¢ Canadé, O modelo gerencial em debate esta obviamente relacionado com a utili- zagio do managerialismo na administragio publica e que, por conse- quéncia, faz parte de um debate bastante alargado caracterizado pela prioridade dada ao tema da reforma administrativa seja na Europa oci- dental, seja no Leste europeu ou ainda em paises menos desenvolvidos. Neste contexto de pluralidade de concepgées organizacionais, cabe re: saltar que foi o modelo gerencial, inicialmente na sua forma mais pura, © propulsor das primeiras mudangas no modelo burocratico weberiano {Abrucio, 1997). Trata-se, em suma, de reconstruir 0 sector ptiblico sob bases pds-burocraticas, ¢ que encontraram no managerialismo um des- ses principais fundamentos. Deste modo, 0 managerialismo, em contraste com 0 tradicional modelo burocritico, desenvolveu-se no sector ptiblico pelas mesmas razOes que emergiu no sector privado, nomeadamente uma preocupagao pelos resultados, pelo desempenho e consequéncia desse desempenho. Assim, a sua grande prioridade € dar a gesto &s pessoas que fazem ges- tao (Aucoin, 1990, citado por Pollitt, 1994). O managerialismo € a face de uma nova e preocupada forma de repensar o Estado (Pollitt, 1990; 1994), uma das tendéncias mais notaveis (Echebarria, s.d.), converten- do-se na designacio comam do conjunto de doutrinas, amplamente similares, que dominaram a agenda de reforma burocrética em numero- sos paises da OCDE desde finais dos anos setenta (Hood, 1991). O managerialismo substituiria o modelo weberiano, introduzindo a l6gica da produtividade existente no sector privado. Sao identificados, portanto, os marcos tedricos da reforma administrativa, como sendo Pedro Nunes 23 dois conjuntos de ideias que servem de suporte e constituem elementos orientadores da reforma da administracdo piiblica (Rocha, 2001): () Teoria da escolha piiblica (public choice theory) que poe énfase na necessidade de restabelecer a primazia do Governo sobre a burocracia, sublinhando a importancia da centralizagio, coordenagao e controlo por parte do poder politico; e, (i) Managerialismo (managerialist school) ou escola managerial que insiste na necessidade de restabelecer a pri- mazia dos princfpios de gestao sobre a burocracia, insistindo, também, na descentralizacao, desregulacdo e delegagio. O primeiro ponto de comparabilidade da maioria das reformas é 0 paradigma gerencialista que as norteia. Orientada por principios teéri- cos oriundos das teorias da escolha piiblica (public choice), teorias do agente principal, e do novo institucionalismo econémico, o New Public Management, ou Nova Gestdo Publica, foi a Ancora teérica que inspi- rou programas nacionais nos anos noventa (OCDE, 2002). Enquanto teoria do Governo (Governance), a teoria da Escolha Piblica, critica a autoridade hierdrquica e prope a descentralizaciio de responsabilidade para unidades ndo governamentais e para as institui- Ges locais. Enquanto teoria administrativa, defende uma maior delega- gao de poderes para essas unidades e maior concorréncia entre elas (Machado, 1999). A primeira dimensio recaiu sobre a necessidade de dotar a admi- nistragao ptiblica de uma légica administrativa construfda a partir de mecanismos ¢ incentivos capazes de produzir eficiéncia, efectividade, ¢ qualidade na proviso dos servigos ptiblicos. Para tal, 0 novo paradig- ma aderiu a uma légica pés-burocratica na qual sdo preferidas estrutu- ras descentralizadas de gest&o nas quais as estruturas de decisdo sobre a alocacao de recursos e provisio de servigos sejam mais préximos dos cidadaos-consumidores, Por fim a cultura burocratica dos controlos e meios deveria ser substitufda por uma cultura de geréncia voltada para os resultados, onde os gestores ptiblicos operariam com mais autono- mia, menos controjos burocréticos, e maior atengio aos resultados. Em sintese as reformas buscaram criar uma nova burocracia na qual o padrao de responsabilidade pelos controlos fosse progressivamente substituido pela responsabilidade nos resultados (Jénior, 2002). Para ultrapassar os constrangimentos do modelo burocratico, e em particular a sua racionalidade, surgem, como ja referimos, no inicio dos ea A Nova Gestéio Publica e a Reforma Administrativ anos oitenta novos modelos de gestiio piiblica, motivados, essencia mente, pela necessidade premente de redugio dos défices ptiblicos (Almodovar, 2002). Séo conhecidas as mtiltiplas tentativas, nacionais e internacionais, de reinvencdio da burocracia desenvolvida ao nivel dos valores éticos, do Iéxico empresarial, das estraturas organizativas, dos métodos de trabalho, das medidas de desburocratizaraio administrativa, das técnicas de alocugio de recursos, da produtividade, da gestao do capital humano, da qualidade na produgao de bens e servigos no senti- do da modernizag&o, ou melhor, da modernidade (Rodrigues ef al., rar uma das evo- 2002); € pois, com este alcance, que se pretende ilus lugGes recentes de reforma e alterago da administragao publica. O New Public Management (NPM) ou Nova Gestéo Ptiblica (NGP), vulgarmente conhecido como o paradigma de gestdio empresa- rial, tem sido moda em muitos paises, especialmente nas democracias anglo-americanas nos tiltimos quinze anos, Nasce da convicgao de que a burocracia falhou ¢ as solug6es do sector privado sao a chave para o sucesso. Todas as iniciativas e reformas (também modelos) enunciados, ou até de reorganizagio da administragéio piiblica tradicional, sio conver- gentes com referéncia aos objectivos e a propria filosofia neoliberal a elas subjacentes. Receberam, isso sim, designagGes distintas nos dife- rentes pafses, como por exemplo (Hood, 2000): Project de Service na Franga, Next Steps no Reino Unido, Public Service 2000 no Canada, Novo Modelo de Controlo na Alemanha, etc.. Mas, como refere Hood (2000) era necessario alguma ctiqueta genérica para universalizar tal filosofia de gestdo. Dito assim, e em consequéncia, apareceu a designa- go nos pafses anglo-saxdnicos de um novo modelo designado de Nova Gestiio Publica. A expressiio Nova Gestdo Ptiblica tem sido utilizada para descre- ver genericamente todas as mudangas, embora possa contribuir para obscurecer como para esclarecer 0s conceilos subjacentes ds reformas (Peters, 2001a). O termo New Public Management &, por seu turno, também controverso (Dunleavy, 1994). Hood e Jackson (citados por Saraiva, 1997) caracterizam a NGP nado s6 como um argumento admi- nistrativo, mas também, como filosofia administrativa que generica- mente é um corpo de “ensinangas doutrinais e que goza de ampla acei- tacaio” (Saraiva, 1997), principalmente na questo do favorecimento da Pedro Nunes intrusdo de modelos e pessoas originarias do sector privado (Pettigrew, 1997), é uma espécie de movimento de reforma inserido/adoptado por um certo ntimero de paises anglo-sax6nicos, em particular a partir de 1979 e sob o governo de Margaret Thatcher no Reino Unido. Concretamente, a NGP procura dinamizar a administragéio ao introduzir no seu funcionamento uma ldgica de concorréncia pela via de mecanismos tipo mercado, as ideias de autonomia e descentralizagio dos servigos administrativos, privilégio A nogio de cliente (Petermann, 2001; Nomden, 2002). Em suma a nova gestao ptiblica, ou New Public Management, con- forme referencia o relatério do Banco Mundial (2002) sobre o movi- mento do NPM, é uma designagao escorregadia. Geralmente é usada para descrever ou designar uma cultura de gestdo que enfatiza o cida- dao ¢ o cliente assim como a responsabilidade pelos resultados, Ou, ain- da, como refere Denhardt (2000) a nova gestio publica é claramente uma ligago & perspectiva da escolha piiblica (public choice) da admi- nistracao ptiblica. Das caracterfsticas que se apontam ao movimento da NGP resu- mem-se aquelas que sdo, na generalidade, apontadas como as orienta ges c caracteristicas principais deste movimento (Pettigrew, 1997); Gomes, 2001; Dunleavy e Hood, 1994; Mozzicafreddo, 2001; Peters, 200 1a; Pitschas, 2001; Junior, 2002; Almodévar, 2002; Gore, citado por Saraiva 1997; Hood, 1994a, 2000); (i) Atengao ao controlo financeiro; (ii) Auditorias financeiras e profissionais; (ii#) Desregulamentacao; (iii) Importancia das preferéncias do mercado e utilizag&o de quase merca- do para alot de recut {iv) Gestdo por contratos e uma frag- mentagao de organizagbes piiblicas ao nivel local; (vy) Centralizagao de actividades secundarias; (vi) Estrutura de pessoal aligeirada, tanto na base como no topo; (vii) Preocupacao com a quatidade (qualidade total); (viii) Atengdo ao utente; (ix) Acento na participagiio dos cidadaos e na responsabilizacao; (x) Esforco de redugdo dos custos e, em patti- cular, assegurar a transferéncia dos custos de produgao; (xi) Diferen- viagdo do financiamento da aquisigio e da produgiio de servigos; (xii) Descentralizagio das responsabilidades de direcgdo (separagio das decisdes estratégicas ¢ operacionais); (xiii) Introdugao da avaliagéo do desempenho e dos resultados (por exemplo Benchmarking), (xiv) Inte- dos principios de concorréncia (por exemplo contracting oul); rativa 26 A Nova Gestdo Publica e a Reforma Admin (xy) Flexibilizagdo do cmprego pttblico; (xvi) Visto das organizagdes como uma cadeia de relagées principalmente de baixo custo, em redes de contrato que vinculam incentivos ao rendimento; (xvii) Desburocra- tizagao; (xviii) Sistema de gestdio nao hierarquizado, gestio empresa- tial; (xix) Eficiéncia e produtividade organizacional, incentivos a dife- renciagéo; (xx) Logica de mercado, contratagdo de servigos, projectos flexiveis; (xxi) Devolugao, delegacio de poderes, diminuigéo da orga nizagdo; (xxii) Busca de eficiéncia através de técnicas de gestio priva- da; (xxiii) Principios como lean management (gestio com um minimo de recursos) e total quality management (gestio de qualidade total); (xxiv) Competitividade; (xxv) Buscar no mercado e nao nas solugées administrativas; (xxvi) Fomento da confianga nos contratos (contrac- ting out); (xxvii) Optimizar o recurso das novas tecnologias, etc. im, rever os orgamentos, tomd-los mais transparentes em ter- mos de responsabilidade, atribuigdo de custos aos resultados, avaliagao € criagdo de indicadores de desempenho, incentivos a performance, desagregacao de fungdes ou formas de quase-mercado ou contratuais {com a introdugio de novas formas de fornecimento), abertura 4 com- peticao entre agéncias puiblicas, firmas e outras organizagées privadas e desconcentragio de regras de fornecimento ao minimo tamanho, foram muitas das iniciativas de reformas ou pelo menos intengSes de mudan- ga entre os modelos tradicionais de administracio (burocraticos) para modelos novos de gestio, como a NGP. E exagerado dizer que a nova gestao piiblica se resume A introdu fio de mecanismos de mercado ou quase mercado no sector ptiblico ja que a principal diferenga entre o sector privado e 0 sector ptiblico é 0 grat de complexidade politica; mas existem semelhangas: resistencia & mudanga, ritmo de mudanca e problemas de lideranga (Pettigrew, 1997). Jones e Tompson (1997) juntam os grandes principios e conceitos do NPM para uma definigdo maior, descrevem este movimento como tendo cinco principios basicos, os cinco “Rs” ': reestruturagiio, reenge- nharia, reinvengao, realinhamento ¢ revisio. A ideia de que os governos nacionais sao melhores actores nas politicas piiblicas e que sao capazes Para Argyriades (2001) os quatro “Ds” da democracia so: descentralizar, desconcen- trar; desburocratizar ¢, por tllimo, desregulae.

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